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RAUER
FACES DO COTO
DE LUIZ VILELA
OS DOIS VOLUMES,
ESTE ARQUIVO
ARARAQUARA - S P
ABRIL DE 2006
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RAUER
FACES DO COTO
DE LUIZ VILELA
1º VOLUME
ARARAQUARA - SP
ABRIL DE 2006
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RAUER
FACES DO COTO
DE LUIZ VILELA
1º VOLUME
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Ciências e Le-
tras da UNESP de Araraquara, como requi-
sito parcial para a obtenção do título de
Doutor em Estudos Literários.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Gonzaga Marchezan.
ARARAQUARA - SP
ABRIL DE 2006
Rauer
Faces do conto de Luiz Vilela / Rauer [Rauer Ribeiro Ro-
drigues] – 2006
xiv, 547 f., 2 v. ; 30 cm
Tese (Doutorado em Estudos Literários) Universidade
Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras, Campus de
Araraquara
Orientador: Luiz Gonzaga Marchezan
l. Vilela, Luiz, 1942- . 2 . Análise do discurso.
3. Intertextualidade. 4. Contos brasileiros.
5. Literatura brasileira. I. Título.
iv
PÁGIA DE APROVAÇÃO
RAUER [Rauer Ribeiro Rodrigues]. Faces do conto de Luiz Vilela. Araraquara, SP, 2006. 2
v., xiv, 547 f. Tese (Doutorado, Estudos Literários) – FCL-Ar, Unesp.
Para
Rízio,
Régia,
Rosanne,
Que souberam
a Ausência
Compreender.
Para
Kel,
Que soube
a Presença
Ser.
vi
AGRADECIMETOS
Agradeço, de coração, aos que não atrapalharam. Foram poucos.
Aos meus filhos: Rízio, que se fez homem; Régia, que cresceu em encanto; Rosanne, sempre flor.
A Kel, o ânimo para sempre renovado, que me deu uma nova família.
Aos amigos: Marta, e sua força imperecível; e Dinho, como uma crença no futuro.
Às amigas Betha, Helô Zorzetti e Ana Fargoni, ombros que não faltaram em momentos difíceis.
Ao Luiz Vilela, que em meio às suas impossibilidades, escusado nomeá-las forneceu a parte mais
substanciosa da sua fortuna crítica, ou indicou pistas, das quais algumas se mostraram verdadeiras.
Ao prof. José Carlos Zamboni, que me forneceu originais aos quais de outra forma eu não teria acesso.
E também agradeço:
ao corpo técnico das secretarias e da biblioteca da FCL-Ar / Unesp, sempre atencioso, e aos
funcionários de apoio, sempre prestativos;
aos colegas do Programa, cujo convívio, seja o institucional, através de seminários, seja aque-
le da troca de idéias além dos limites da sala de aula, me foram de extrema valia, acadêmica e
pessoal;
Ao CNPq, que me concedeu Bolsa de Mestrado de set. 2002 a ago. 2003 e Bolsa de doutora-
do de abr. 2004 a mar. 2006.
E agradeço aos professores do Programa: cada um me trouxe uma contribuição humana que me enri-
queceu como profissional e como um “eu” no concerto de alteridades do convívio acadêmico. Assim:
a defesa da ousadia intelectual por parte da professora Guacira;
a atenciosa simpatia e disponibilidade da professora Ude Baldan;
a aplicação pedagógica da professora Márcia Gobbi;
os comentários empreendidos pela professora Edna, amplificadores do horizonte de leitura
dos alunos;
a incessante indicação bibliográfica feita pela professora Sylvia;
a incisiva cobrança da professora Tânia Pellegrini, na qualificação que me conduziu ao dou-
torado direto, para explicitar com clareza a metodologia e definir sem margem para dúvidas
os termos utilizados e o recorte sob estudo;
as indicações ao pé do ouvido da professora Joana Muylaert, na qualificação do doutorado;
as sugestões, ricas, o ânimo para perseverar, sempre, e o incentivo para ampliar horizontes
com audácia, dos professores que me assistiram nos Seminários de Pesquisa: Laura Padilha,
José Luís Jobim e Eduardo Vieira Martins;
a leitura do professor Pedro Brum dos Santos no Seminário de Pesquisa de 2004, que já indi-
cou perspectivas para um pós-doutorado;
a flama da paixão na leitura literária empreendida pela professora Maria das Graças;
a simpatia que não abre mão do rigor da professora Karin;
a laboriosa faina pela qualidade da pesquisa empreendida cotidianamente, em luta sem tré-
guas e quartel, pela professora Maria Célia – a quem rendo minha mais forte homenagem.
– A todos esses professores devo muito, se não tudo, do que o meu trabalho possa ter de qualidade.
Evidentemente, os erros de julgamento, os conceitos inadequadamente utilizados, a redação
que deixe a desejar, tudo aquilo que deslustre o que aqui se apresenta é de minha inteira res-
ponsabilidade: tive fonte límpida e cristalina e, se dela não soube haurir, a culpa não deve ca-
ber aos que proveram a água, mas à sede que da fonte e da água não se soube servir.
vii
Devo aqui consignar o meu proveito na convivência com
o orientador: a ironia construtiva e a humildade democrática,
transmudada em sabedoria, do professor Luiz Gonzaga Marchezan,
me serão para sempre de extrema valia, assim como me foram ex-
tremamente instrutivos os colóquios em torno da semiótica com a
professora Tieko. Este trabalho não seria o que é sem eles. O pro-
fessor Marchezan sugeriu no início do mestrado comparar dois
momentos da contística de Luiz Vilela, e quando o trabalho passou
para doutorado direto estabeleceu o referencial greimasiano como
o instrumento a ser utilizado como espinha dorsal para expor as fa-
ces do ficcionista Luiz Vilela que aqui se apresenta.
a ficção é capaz
de expressar todas as
latitudes e longitudes da
alma humana.
Luiz Vilela.
ix
SUMÁRIO
1
o
. Volume
Introdução ..............................................................................
I – Luiz Vilela: o contexto, a obra, a recepção e a
literariedade ............................................................
II – Pressupostos teóricos ......................................................
III - Uma ontologia: o riso literário .......................................
IV – Procedimentos textuais e mecanismos enunciativos em
contos de Luiz Vilela .............................................
V – Narrador-ausente e voz do autor em Luiz Vilela ............
VI – O percurso gerativo de sentido nos dois momentos da
contística de Luiz Vilela ........................................
Considerações finais ..............................................................
Post Scriptum ........................................................................
2
o
. Volume
Bibliografia ............................................................................
Anexos ...................................................................................
Apêndices ..............................................................................
Dados Biográficos .................................................................
Índice de ilustrações e de reprodução das capas dos livros ...
Índice .....................................................................................
Esta Tese na internet ..............................................................
1
7
54
93
135
217
278
290
297
304
327
455
542
543
544
547
x
LISTA DE ABREVIATURAS DAS OBRAS DE LUIZ VILELA
Este trabalho utilizará as seguintes abreviaturas com relação aos livros de
Luiz Vilela, indicados aqui com a data da primeira edição:
Contos - Primeiro Momento:
TT - Tremor de terra, 1967
B - o bar, 1968
T - Tarde da noite, 1970
FT - O fim de tudo, 1973
LP - Lindas pernas, 1979
Contos - Segundo Momento:
AC - A cabeça, 2002
Inéditos em Livro – Ver Anexos.
ovelas:
CT - O choro no travesseiro, 1979
TAS - Te amo sobre todas as coisas, 1983
B&D - Bóris e Dóris, 2006
Romances:
O - Os novos, 1971
IAM - O inferno é aqui mesmo, 1979
EA - Entre amigos, 1983
GR - Graça, 1989
PER - Perdição, previsto para 2008]
No corpo da tese, as citações indicam as páginas da edição consultada, con-
forme consta na referência bibliográfica. Na medida do possível, utilizamos sempre a
edição mais recente. No Anexo 2, apresentamos a bibliografia de Luiz Vilela, com
todas as edições de seus livros. Uma nova coletânea de contos, ainda sem título, está
prevista para 2008.
xi
QUADRO DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AIP -
Autoria Identificada pela Pesquisa.
ANI -
Autoria Não Identificada.
s.d. -
Sem informação sobre a data de publicação.
FCL-Ar -
Faculdade de Ciências e Letras, Unesp de Araraquara
[n.p.] -
Não Publicado.
p. -
Página/Páginas.
p.e. -
por exemplo
s.e. -
Sem informação sobre o Editor.
s.p. -
Sem página [não identificada a p. na qual o texto foi publi-
cado].
segs. -
Seguintes.
SLMG -
Suplemento Literário do Minas Gerais.
UFMG -
Universidade Federal de Minas Gerais.
UFMS -
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
UFPR -
Universidade Federal do Paraná
UFU -
Universidade Federal de Uberlândia
Unesp -
Universidade Estadual Paulista
Unicamp -
Universidade Estadual de Campinas
últ. -
Último (a).
USP -
Universidade de São Paulo
xii
RAUER [Rauer Ribeiro Rodrigues]. Faces do conto de Luiz Vilela. Araraquara, SP, 2006. 2
v. xiv, 547 f. Tese (Doutorado, Estudos Literários) – FCL-Ar, Unesp.
RESUMO:
Este trabalho compara dois momentos da contística de Luiz Vilela. Para depreender
um conceito de literariedade, expõe a fortuna crítica do ficcionista. De depoimentos e
entrevistas do escritor, configura a sua ars poetica. Apresenta e desenvolve os concei-
tos de narrador-ausente e autor-explícito. Essas formulações decorrem da descoberta
de que certa voz extradiegética se faz presente na trama ficcional dos contos. O traba-
lho mostra de que forma tal voz se entremeia ao discurso narrativo, e o significado
dessa opção estética, em particular nos contos de enunciador não figurativizado, o
narrador-ausente. Para mostrar a emersão do autor, o trabalho estuda o riso literário,
estabelecendo uma semiose que deriva das gradações discursivas entre riso de acolhi-
da e riso de exclusão, e, tendo por referencial a semiótica greimasiana, analisa proce-
dimentos textuais e mecanismos enunciativos. O corpus é composto por doze contos.
A hipótese que norteia a pesquisa é de que a fratura que presentifica o autor-explícito
constrói a literariedade e o sentido ideológico da ficção de Luiz Vilela.
PALAVRAS-CHAVE:
Comparativismo; Intertextualidade; Narrador-ausente / Autor-explícito; Recepção /
Literariedade; Riso; Semiótica.
xiii
RAUER [Rauer Ribeiro Rodrigues]. Faces do conto de Luiz Vilela. Araraquara, SP, 2006. 2
v. xiv, 547 f. Tese (Doutorado, Estudos Literários) – FCL-Ar, Unesp.
ABSTRACT:
This work compares two moments of the short stories written by Luiz Vilela. In order
to understand a concept of literarity, it exposes the critique of this fiction writer.
Based on the writer’s speech and interviews, it configures his ars poetica. It presents
and develops the concepts of absent-narrator and explicit-author. These formulations
come from the discovering that a certain extradiegetic voice is present in the fictional
plot of the short stories. The work shows in what way this voice is inserted in the
narrative discourse, and the meaning of this aesthetic option, particularly in the short
stories of a non-figurative enunciator, the absent-narrator. With the purpose of show-
ing the author’s emersion, the work studies the literary laugh, establishing a semiosis
that is originated from the discoursive gradations between welcoming laugh and ex-
clusion laugh, and, having as a reference the Greimasian Semiotics, it analyses the
textual procedures and the enunciative mechanisms. The corpus is composed of twel-
ve short stories. The hypothesis that guides the research is that the fracture which de-
notes the explicit-author constructs the literarity and the ideological meaning of the
fiction by Luiz Vilela.
KEYWORDS:
Comparativism; Intertextuality; Absent-narrator / Explicit-author; Reception / Lite-
rarity; Laugh; Semiotics.
xiv
ota Prévia
Os critérios íntimos que nortearam o autor desta te-
se estão expostos no Post Scriptum. Sendo trabalho poli-
morfo, no qual as faces analisadas constituem secções e
blocos internamente homogêneos, mas diversos entre si, e
que se intercomunicam por buscarem resposta a um mes-
mo problema, o Post Scriptum termina por ser uma espé-
cie de “Carta de Navegação”. Antepor, pois, sua leitura à
leitura da texto em si pode ser de alguma valia para a
compreensão dos procedimentos de organização da tese e
dos princípios de exegese nela efetivados.
Rauer.
ITRODUÇÃO
2
O escritor mineiro Luiz Vilela publicou, até o momento, seis volumes de
contos, duas novelas (uma terceira, ris e Dóris, está programada para sair no se-
gundo semestre deste ano), quatro romances (um quinto, Perdição, será publicado em
2008) e onze antologias. Eis as coletâneas: Tremor de terra, 1967, com vinte contos;
o bar, 1968, com trinta; Tarde da noite, 1970, com vinte e cinco; O fim de tudo,
1973, com vinte e cinco; Lindas pernas, 1979, com quinze; e A cabeça, 2002, com
dez contos.
1
Neste trabalho, comparamos as cinco primeiras coletâneas ao volume lan-
çado em meados de 2002 e a contos publicados posteriormente, entre 2002 e 2005, na
imprensa, e que são parte de volume (ainda sem título) previsto para sair em 2008.
Aos livros dos anos 60 e 70, nomeamos como primeiro momento da contística de Vi-
lela; à sexta coletânea e aos contos mais recentes, como segundo momento. Esses
1
Em anexos (v. 2), apresentamos um quadro com a relação de todos os contos de Luiz Vilela publicados em
suas coletâneas e reproduzimos os contos que compõem o corpus desta pesquisa. Apresentamos também da-
dos biográficos do escritor, circunstanciada relação de seus livros já lançados, incluindo as antologias indi-
viduais, e minuciosa pesquisa – inédita – sobre a fortuna crítica da sua obra.
3
dois momentos constituem o universo do qual extraímos o corpus da presente pesqui-
sa.
Com remissões a outros contos de Vilela e também aos seus romances e no-
velas, os contos sobre os quais centramos nossa análise são “Confissão” (TT), “Nosso
dia” (TT), “Dez anos” (B), “Tarde da noite” (T), “Cadela” (FT) e “Para vocês mais
um capítulo” (LP), do primeiro momento, e, do segundo momento, “Freiras em fé-
rias” (AC), “Catástrofe” (AC), “Rua da amargura” (AC), “A cabeça” (AC), Noite
feliz” (publicado na imprensa em dezembro de 2002) e “Você verá(site oMínimo
em 21 de abril de 2005).
Este é um trabalho múltiplo, que busca expor algumas das diversas faces
com que o conto se apresenta na obra de Vilela: a recepção, a literariedade, o riso, os
mecanismos enunciativos, os procedimentos narrativos, e o surgimento de uma pecu-
liar função-autor, a que nomeamos autor-explícito, a partir de contos em que o narra-
dor se faz ausente. Utiliza-se de referencial adequado ao estudo de cada uma dessas
faces, como descrito a seguir.
Nosso primeiro passo é apresentar o ficcionista Luiz Vilela e contextualizar
a sua produção no quadro da literatura brasileira do último quarto do século XX; ao
examinar a obra de Vilela no fluxo constitutivo do sistema literário (utilizamos o
conceito de “sistema literário” conforme Candido, 1975), qualificamos os critérios de
análise utilizados pela recepção e deduzimos as normas definidoras da literariedade
naquele momento.
Prosseguimos nosso estudo com os fundamentos da divisão da contística de
Vilela em dois momentos; didática, tal divisão é realizada tão só com o objetivo de
construir as bases para estudo comparado, com caráter de auto-intertextualidade (con-
ceito conforme Leonel, 2000, p. 63-67), que distinga e interprete as variantes e as in-
variantes do segundo momento, em relação ao primeiro, na trama discursivo-narrativa
4
dos contos. Em seguida, apresentamos os pressupostos teóricos a partir dos quais es-
tabelecemos a semiose comparativa entre os dois momentos da contística de Vilela.
Passamos então à análise dos contos. Inicialmente, focamos a isotopia da
sintaxe discursiva referente ao riso literário. Esse estudo ocupa toda uma secção, en-
quanto as análises textuais e enunciativas, em dois capítulos, ocupam a secção se-
guinte. Demos ao riso essa preeminência pois o consideramos, em Vilela, uma onto-
logia, um mecanismo de motivação profunda do processo criador do ficcionista, do
mesmo modo que consideramos que os topos construtivos do discurso e da narrativi-
dade m na sua estrutura profunda a voz do autor. O riso literário é, nesses termos,
uma ontologia do processo criador na literatura, e o continuum foria-timia se configu-
ra, também, como deflagrador de um processo ontológico na criação literária.
Valemo-nos, para o estudo dos procedimentos textuais e mecanismos e-
nunciativos, de preceitos metodológicos da teoria greimasiana tal como expostos por
Denis Bertrand (2003). Para tanto, verificamos na semiose do percurso patêmico o
continuum foria-timia e examinamos a recorrente estratégia do diálogo. Nosso recorte
privilegia o mote do conflito de casais, o significado ideológico da utilização do diá-
logo e o estudo da interdiscursividade com a Bíblia.
Ao final dos capítulos da secção que estuda os procedimentos textuais e os
mecanismos enunciativos, apresentamos um quadro com o percurso gerativo de sen-
tido das narrativas que foram objeto de interpretação. Desse modo, sistematizamos os
dados para, posteriormente, compararmos os dois momentos da contística do ficcio-
nista. O modelo operacional e esquemático desse quadro é apresentado e justificado
nos pressupostos teóricos.
Nossa primeira estratégia, ao compararmos os dois momentos da contística
de Vilela, é a de analisar as diferentes nuances e gradações da isotopia discursiva do
riso literário, e o fazemos através do estabelecimento de uma semiose das diferentes
formas que o cômico, o humor, a ironia e o satírico tomam na manifestação literária.
5
Nossa segunda estratégia é analisar os procedimentos textuais, os mecanis-
mos enunciativos, as estratégias narrativas e as marcas lingüísticas que constituem
um efeito de sentido tímico em contos de Vilela, comparando narrativas da segunda
fase a narrativas da primeira, sob a ótica da isotopia fortemente patêmica dos confli-
tos de casal.
Nossa terceira estratégia é empreender, nos contos de Vilela, estudo dos
procedimentos que se apresentam em forma de discurso direto. Desdobramos o exa-
me para abordar, ao formularmos o quadrado semiótico em contos elaborados a partir
de interdiscursividade com o texto bíblico, o aspecto fórico da configuração, na poé-
tica de Vilela, de uma religião arquetípica, quiçá romântico-rousseauista decalcada no
mito do “homem selvagem” naturalmente bom (cf. Rousseau, 1978), mesmo vivendo
em um mundo em que impera a divisa hobbesiana de que o homem é o lobo do ho-
mem, uma vez que os homens vivem em “uma guerra que é de todos os homens con-
tra todos os homens” (Hobbes, 1974, p. 79). Complementamos essa parte de nosso
trabalho com a apresentação do percurso gerativo de sentido dos contos sob estudo.
Por fim, voltamo-nos, em uma última secção, para o estudo da presença au-
toral na ficção de Luiz Vilela, para o que nos valemos das concepções de Roger Char-
tier, no estudo “Figuras do autor” (Chartier, 1999, p. 33-65), e de considerações de
Antoine Compagnon (2003), no seu O demônio da teoria: literatura e senso comum.
Com o intuito de visualizar as considerações estabelecidas ao longo da pesquisa, es-
tabelecemos, na penúltima secção, “O percurso gerativo de sentido nos dois momen-
tos da contística de Luiz Vilela”, uma comparação sintética dos elementos semióticos
analisados.
Nas “Considerações Finais”, em poucas linhas, refazemos o percurso da te-
se, evidenciamos as buscas e inquietações que moveram a redação deste trabalho,
mostramos de que modo a constituição do narrador-ausente e a emersão textual de
uma instância que nomeamos de autor-explícito guiou toda a trajetória que empreen-
6
demos e esteve subjacente a todas as análises efetuadas. Em Post scriptum apresen-
tamos, ao lado de breves considerações sobre o trabalho de interpretação literária,
linhas que nossa pesquisa percebeu como do maior interesse no estudo da obra de
Vilela, mas que, aqui, não desenvolvemos.
Metodologicamente, o que procuramos responder é se, ao voltar ao conto,
em 2002, com A cabeça, temos, em Luiz Vilela, um ficcionista que é o mesmo ou se
se trata de um escritor que se renovou. Nos aspectos formais, o que mudou? E os te-
mas: continuam os mesmos?, sofreram que tipo de mudança? Em suma e esta é a
nossa principal questão ao empreendermos esta pesquisa –, o que permaneceu invari-
ante e o que mudou na contística de Luiz Vilela, quando comparamos os contos mais
recentes aos contos dos anos sessenta e setenta do século anterior? Posto de outra
forma: tendo em vista o cruzamento efetuado, qual o significado das constantes do
ficcionista?
Para relacionar essas invariantes, consideramos os pontos evidenciados pela
recepção crítica à obra de Vilela. Com a análise da fortuna crítica, e a decupagem de
entrevistas e depoimentos do ficionista, estabelecemos, contextualizado historicamen-
te, um conceito de literariedade, a partir do qual definimos – com o estudo da presen-
ça do autor no texto o sentido ideológico da sua ficção. Portanto, o nosso procedi-
mento é o de fazer análise comparada dos dois momentos da contística de Luiz Vile-
la; nossa metodologia é o estudo do riso literário e das estruturas semióticas; para
abordarmos o riso, estabelecemos semiose que deriva das gradações discursivas entre
riso de acolhida e riso de exclusão; para a compreensão das estruturas semióticas do
percurso gerativo de sentido, utilizamos referencial teórico greimasiano tal como ex-
posto por Denis Bertrand (2003); o corpus é selecionado entre os contos do escritor;
norteia a pesquisa a hipótese de que a fratura que presentifica, no discurso, a voz do
autor da narrativa, constrói o sentido da ficção de Luiz Vilela.
I
LUIZ VILELA: O COTEXTO, A OBRA, A
RECEPÇÃO E A LITERARIEDADE
8
Na noite de 20 de abril de 1967, na Livraria do Estudante, na provinciana
capital do estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, um jovem de 24 anos lançava seu
primeiro livro, uma coletânea de contos. O volume, graficamente modesto, fora man-
dado imprimir pelo próprio autor. A apresentação do livro e do autor, na abertura do
evento, estava a cargo de um professor de estética da Faculdade de Filosofia da
UFMG. O professor preferiu, no entanto, ler notícia que chegava da capital do país,
Brasília, dando conta de que a obra que ali se lançava acabara de ganhar o Prêmio
Nacional de Ficção. Luiz Vilela, o jovem autor, estreava na literatura brasileira cau-
sando frisson com o seu Tremor de terra.
2
A esse livro, seguiram-se novas coletâneas
nos anos seguintes: o bar (1968), que fora recusado por diversas editoras e agora
saía por uma grande casa do Rio de Janeiro, e Tarde da noite (1970), do qual, dos
vinte e cinco contos, três haviam sido premiados no I Concurso Nacional de Contos
do Paraná e outros três no II Concurso do Paraná.
3
O escritor, que se formara em Filosofia na UFMG, muda-se em 1968 para
São Paulo, trabalha durante alguns meses no “Jornal da Tarde” e vai para os Estados
2
Notícia sobre o lançamento do livro e repercussões sobre o prêmio em SLMG (1967).
3
Biografia e bibliografia de Luiz Vilela, completas e atualizadas, constam nos Anexos, no 2º Volume.
9
Unidos, convidado para participar do International Writing Program, de uma univer-
sidade de Iowa City. Em seguida, passa uma temporada na Europa, onde percorre
diversos países. Em 1971, surge o seu primeiro romance, Os novos, cuja recepção,
controvertida, alterna de rasgados elogios a críticas virulentas. Sobre o romance e a
repercussão que causou, o jornalista Heraldo Lisboa (1972) escreveu: “Um soco em
muita coisa (conceitos e preconceitos), o livro se impõe quase em fúria. por isso
que o temem?)”
Em 1973, novo volume de contos, O fim de tudo, pelo qual recebe o Prêmio
Jabuti. A coletânea Lindas pernas sai em 1979. Depois, em seqüência, lança O infer-
no é aqui mesmo (1979, romance), O choro no travesseiro (1979, novela), Entre ami-
gos (1983, romance), Graça (1989, romance) e Te amo sobre todas as coisas (1994,
novela). Entre 1978 e 2005, por diversas editoras, publica onze antologias. Seus tra-
balhos têm sido traduzidos para diversas línguas, entre elas o alemão, o espanhol, o
tcheco, o italiano, o inglês, o japonês, o polonês, o francês e o holandês; também m
sido adaptados para o teatro, o cinema e a televisão. Em 2002, sai a coletânea A cabe-
ça; uma pesquisa dos Diários Associados, com professores universitários e críticos
literários (cf. Estado de Minas, 2005), coloca o livro entre as quinze melhores obras
literárias lançadas no país nos últimos quinze anos.
Apresentamos, a seguir, um panorama da ficção brasileira no período em
que Luiz Vilela surge na literatura brasileira, uma sinopse da sua obra até o momento,
aspectos recorrentes na recepção jornalística tanto de seus romances e novelas como,
em especial, de seus contos, uma divisão didática da sua contística em dois momentos
e uma caracterização de literariedade, conforme o próprio Luiz Vilela e conforme a
crítica que o recebeu; em especial, fazemos uma síntese do horizonte de expectativa
dos articulistas que escreveram sobre o romance Entre amigos.
10
1.1 A FICÇÃO BRASILEIRA NOS ANOS SESSENTA
“[A] literatura brasileira do século 20 [é] uma literatura dividida entre as
experiências regionalistas, os relatos realistas da vida urbana e os exercícios concei-
tuais das vanguardas.” (Castello, 2005, p. 34). A assertiva parece derivar de alguns
desses manuais que, de forma simplificadora e conceitualmente precária, intentam
construir uma história da literatura brasileira. Nessa “divisão” faltam, para não nos
alongarmos nas considerações, ao menos incluir uma tendência que englobe narrati-
vas intimistas e de cunho psicológico, que podem ser exemplificadas pelos romances
de Lúcio Cardoso e Cornélio Pena, e também falta um locus para abrigar obras como
a de Murilo Rubião, que antecipa o fantástico presente na literatura do realismo-
mágico hispano-americano da segunda metade do século XX. Por apresentarem ca-
racterísticas várias e agregarem novos aspectos, as obras de Guimarães Rosa e Clari-
ce Lispector transcendem ao esquema proposto. No quadro delineado, o romance do
Nordeste é regionalista; as obras de Érico Veríssimo anteriores a O tempo e o vento
são exemplos de realismo urbano; e vanguardas, como a concretista, constituem ex-
perimentalismos conceituais.
Ao analisar as “tendências contemporâneas” da ficção brasileira, Bosi
(1994, p. 381-497), a partir das proposições de Lucien Goldmann (1967), propõe um
11
esquema formado por quatro tendências, definidas “em torno de uma variável: o
herói, ou, mais precisamente, o anti-herói romanesco”:
4
as narrativas podem ser de
tensão mínima, podem ser de tensão crítica, podem se apresentar como de tensão
interiorizada, ou são de tensão transfigurada (cf. Bosi, 1994, p. 392-393, grifos do
autor). O esquema apresenta classificação que cobre da narrativa que se desdobra sem
questionar o status quo àquela em que o personagem luta contra o meio social que o
oprime, e abrange, ainda, aquelas em que o conflito se na interioridade subjetiva
do personagem e aquelas em que a superação do conflito se pelo mito ou pela me-
tafísica. Esta variedade descritiva, com certeza, abarca as muitas formas que o conto
brasileiro tomou a partir da liberdade estética que adveio com as vanguardas européi-
as do início do século e o movimento modernista de 22.
5
Tal multiplicidade temática e formal do conto desaguou, na primeira metade
dos anos sessenta, em obras representativas das diversas tendências, conforme os se-
guintes exemplos,
6
todos de autores que constam do volume O conto brasileiro con-
temporâneo, organizado por Alfredo Bosi em 1974:
Clarice Lispector reafirma o valor da sua obra com o lança-
mento das coletâneas Laços de família (1960) e A legião es-
trangeira (1964);
Dalton Trevisan, que publicava em Curitiba, desde 1945,
plaquetes com os seus contos, consolida nacionalmente o
4
Sociologia do romance, de Goldmann, é referência fundamental na teoria da leitura sociólogica de obras lite-
rárias.
5
A meu ver, a revolução estética modernista da linguagem literária já fora prenunciada, senão na maior parte
efetivada, por Lima Barreto (1881-1922), que por ocasião da Semana de 22 já tivera publicado Recordações
do Escrivão Isaías Caminha (1901), Triste fim de Policarpo Quaresma (1915), uma e a ninfa (1915), Vida
e morte de Gonzaga de (1919), e Histórias e sonhos (1920), lançando a sátira de Os Bruzundangas em
1922, ano em que faleceu. Observe-se ainda que o Modernismo paulistano e paulista, em que pese o caráter
seminal da Semana de Arte Moderna e a atuação divulgadora de Mário de Andrade nos decênios posteriores,
não foi capaz de produzir “o grande romance e a grande poesia brasileira dos anos 30 e 40, e subsequentes”
(Bosi, 2004, p. 672), queixa, aliás, “que Mario de Andrade fazia sempre” (Bosi, 2004, p. 672).
6
As referências biográficas e bibliográficas dos autores citados foram retiradas de Coutinho e Sousa (2001).
12
seu nome com o lançamento dos contos de ovelas nada
exemplares (1959), Cemitério de elefantes (1962), Morte na
praça (1964) e O vampiro de Curitiba (1965);
Guimarães Rosa lança Primeiras estórias (1962), com nar-
rativas curtas que congregam do regionalismo à universali-
dade, do espírito provinciano a uma visão cosmopolita, do
ímpeto revolucionário do discurso a uma ideologia mítico-
religiosa da existência, da ingenuidade dos simples à perple-
xidade dos doutos, dos desvarios dos loucos à reflexão me-
tafísica;
José J. Veiga estréia em 1959 com a coletânea Os cavali-
nhos do platiplanto, contos em que o onírico infantil amal-
gama-se à perplexidade do ser, cuja existência é docemente
kafkiana, o que amplia o absurdo do mundo figurado;
Lygia Fagundes Telles reapresenta o intimismo intertextual
e alegórico de seus contos com Histórias escolhidas (1964)
e Jardim selvagem (1965);
Murilo Rubião confirma sua limpidez estilística e rigor nar-
rativo nas histórias fantásticas de Os dragões e outros con-
tos (1965);
Rubem Fonseca, que nasceu em 1925, em Minas Gerais, es-
tréia em 1963 com a coletânea Os prisioneiros, ficção que
circunscreve o universo urbano das metrópoles violentas e é
qualificada, por Antonio Candido (1987, p. 211), como de
ultra-realismo feroz.
Bosi, em sua antologia, inclui ainda outros autores que lançaram obras na
primeira metade dos anos sessenta, tais como o goiano Bernardo Élis (Caminhos e
13
descaminhos, 1965, e o clássico Veranico de janeiro, 1966), o cearense Moreira
Campos (As vozes do morto, 1963), o mineiro Otto Lara Resende (O retrato na gave-
ta, 1962), o pernambucano Osman Lins (ove, novena, 1966), a carioca Nélida Piñon
(Tempo das frutas, 1966), o alagoano Ricardo Ramos (Os desertos, 1961, e Rua des-
feita, 1963), o paulistano João Antônio (que estréia em 1962 com o clássico Mala-
gueta, Perus e Bacanaço), o gaúcho Moacir Scliar (Histórias de um médico em for-
mação, 1962) e o “imigrante” Samuel Rawet, com o volume Diálogo (1963).
7
Autores de nomeada que não constam da antologia de Bosi também lançam
volumes de contos nesse período. Fernando Sabino, por exemplo, publica O homem
nu (1960), A mulher do vizinho (1962) e A companheira de viagem (1965), contos
com a ligeireza alegre das crônicas mundanas. Ignácio de Loyola Brandão surge com
o volume Depois do sol (1965). Wander Piroli estréia em 1966 com A mãe e o filho
da mãe. Orígenes Lessa publica nesse período três coletâneas: Balbino, homem do
mar (1960), Histórias urbanas (1963) e Zona sul (1964).
8
Prossigamos nossa lista, que, embora pareça extensa, traz somente autores
reconhecidos e não escritores que ficaram à margem de qualquer menção por parte
dos estudiosos da literatura brasileira.
Sônia Coutinho lança sua primeira coletânea, Do herói inútil, em 1966. Os
mineiros Ivan Ângelo e Silviano Santiago dividem, em 1961, o livro de estréia, intitu-
lado Duas faces. Em 1964, Macedo Miranda lança As três chaves. Garcia de Paiva
lança em 1966 o volume O suor no rosto. O volume de contos Cio marca a estréia de
Edla Van Steen, em 1965. Aníbal Machado lança em 1959 as suas ovelas reunidas,
e em 1965 duas coletâneas: A morte da porta-estandarte e outras histórias, e Balões
7
Coutinho e Souza (v. 2, p. 1342) consignam a coletânea de Rawet, equivocadamente, como romance. O vo-
lume Contos e novelas reunidos (Rawet, 2004) apresenta toda a obra ficcional do escritor.
8
Em Coutinho e Sousa (2001, p. 920-921) o livro Zona sul consta como 2. ed., mas não informa quando saiu a
primeira. No site da Academia Brasileira de Letras, < www.academia.org.br >, acesso em 10 set. 2005, o tí-
tulo não consta da bibliografia de Orígenes Lessa.
14
cativos. Manoel Lobato estréia em 1961 com os contos de Garrucha 44. Também em
1961, contos de João Ubaldo Ribeiro saem no volume coletivo Reunião, ao lado de
narrativas curtas de Sônia Coutinho, Davi Sales e Noêmia Spínola.
Esse rol das coletâneas de contos lançadas no período que vai de 1959 a
1966 inclui obras que confirmam o valor de escritores à época consagrados, mostra
a estréia de autores hoje canonizados, registra contistas que, justa ou injustamente, a
poeira do tempo vai encobrindo. Apesar de ser uma relação não muito extensa, as
menções bastam para que se verifique tratar-se de um período fértil, com obras que
cobrem, em ampla gama de nuances, o espectro de tendências proposto por Bosi
(1994, p. 381-497).
Foi no quadro desses autores que surgiu, em 1967, com as narrativas curtas
e impactantes de Tremor de terra, o contista Luiz Vilela, nascido em 31 de dezembro
de 1942 em uma pequena cidade do interior de Minas, Ituiutaba, distante naquela
época por rodovias sem asfalto oitocentos quilômetros de Belo Horizonte. A crítica
não lhe regateou elogios (a esse propósito, ver os próximos itens deste capítulo), e a
academia em pouco tempo o acolheu: selecionado por Alfredo Bosi, é o autor mais
jovem no livro O conto brasileiro contemporâneo (Bosi, 1974).
15
1.2 O FICCIONISTA LUIZ VILELA
Caçula em uma família com sete irmãos, na qual todos tinham o bito da
leitura, aos treze anos Vilela descobriu o prazer e a necessidade de escrever, de contar
histórias, e desde então definiu que a sua vida seria dedicada à literatura. Seu primei-
ro conto publicado, “Escola de roça”, saiu no Correio do Pontal, de Ituiutaba, em
1957. No ano seguinte foi para Belo Horizonte, onde fez o Curso Clássico e ingres-
sou, na UFMG, no Curso de Filosofia. Contos seus saem, a partir de 1961, em jornais
e revistas da capital mineira. Junto com outros jovens escritores, cria a revista de con-
tos Estória, o jornal literário de vanguarda Texto e, na UFMG, a Revista Literária.
Envia uma coletânea de contos para diversas editoras, mas nenhuma se dis-
põe a lançar a obra. Enquanto espera a resposta de mais uma editora, faz imprimir, às
próprias custas, contos que compõem um novo livro, a que o título de Tremor de
terra. Envia o volume a concurso realizado pela Prefeitura do Distrito Federal, ao
qual concorrem diversos autores consagrados da literatura brasileira, e ganha, em
1967, o Prêmio Nacional de Ficção.
Sobre o conto nos anos sessenta, Fausto Cunha, referindo-se a Dalton Tre-
visan, Rubem Fonseca e Luiz Vilela, assim se manifesta:
16
O coloquial e mesmo o aliterário se encontram na raiz dessa técnica (por-
que é uma técnica). Sob a aparência de simplicidade, de espontaneidade e
de indiferença pelos códigos estilísticos o que se é uma extrema depura-
ção formal e um cuidado meticuloso nas soluções de linguagem. (Cunha,
1978, p. 109).
Nos anos seguintes, Vilela é novamente premiado por seus contos em diver-
sos concursos, e a sua obra traduzida em várias línguas e adaptada para o teatro, a
tevê e o cinema. Desde 1990 participa, como convidado, de diversos eventos interna-
cionais de literatura, tendo ido duas vezes ao México, uma vez a Cuba e uma vez à
Alemanha. Embora a recepção jornalística aos seus livros seja expressiva e tenha si-
do, pouco depois de fazer trinta anos, incluído na antologia do professor Alfredo Bo-
si, os estudos acadêmicos restringem-se a uma dissertação, transformada em livro
(Majadas, 2000) e a algumas dezenas de artigos em periódicos universitários. Algu-
mas teses que abordam a obra de diversos autores também estudam a ficção de Luiz
Vilela. Entre elas, destacamos Itinerário político do romance político pós-64: A festa,
de Renato Franco, defendida em 1997 e posteriormente publicada como livro (Fran-
co, 1999) e o novo trabalho de Wania de Sousa Majadas, que em 2004 defendeu a
tese Silêncio em prosa e verso: minério na fratura das palavras, na qual analisa a
obra de cinco romancistas mineiros.
Descarta-se aqui, de plano, a denominação usual de que Luiz Vilela faz par-
te da “Geração Suplemento” (citado, por exemplo, em Gomes, 1997a e 1997b, e por
Bahia, 2005), ou da “Geração Novíssima” (Cunha, 1975), ou da geração “os novos”,
mencionada, tendo por ponto de partida o título Os novos, do primeiro romance de
Vilela, pelo escritor Luiz Fernando Emediato (2005) em entrevista a Carlos Hercula-
no Lopes, inserta na reportagem “O conto na berlinda”, publicada no jornal Estado de
Minas. Essa reportagem é ilustrada por foto em que Murilo Rubião caminha na frente
do prédio da Imprensa Oficial, em Belo Horizonte, ladeado pelos jovens Roberto
17
Drummond e Luiz Vilela; Drummond, óculos escuros, olha para a câmara, enquanto
Rubião sorri, voltado para Vilela, a quem, com as mãos nas costas, parece conduzir;
Vilela, voltado para o então diretor do SLMG, também sorri, mostrando discreta satis-
fação. (Veja a foto no Anexo 8).
Essa foto como que referenda o termo mais utilizado para nomear a geração
dos jovens escritores da época como a “Geração Suplemento”, que teria se constituí-
do, em torno do escritor Murilo Rubião, quando do surgimento do SLMG, um suple-
mento literário de oito páginas que circulava aos sábados como um caderno do jornal
Minas Gerais, órgão oficial do governo mineiro. Além de reunir autores consagrados
e desconhecidos e de ser veículo de diversas manifestações artísticas (a “Apresenta-
ção”, no alto da primeira página da edição de lançamento, em 3 de setembro de 1966,
explicita esse “programa”), o SLMG, muito embora tenha aberto oportunidade de pu-
blicação a diversos autores iniciantes, não os congregou como grupo, o se fechou
em uma diretriz estética uniformizadora, não constituiu gueto inexpugnável à diversi-
dade cultural, o foi provinciano, alheio ao que se passava nas artes e na literatura
em outras partes do país e do mundo.
Fosse veículo de um grupo geracional e Luiz Vilela, com certeza, teria em
suas páginas um espaço que a pesquisa não encontrou. Em 1966, teve dois contos
publicados, em 1967, somente um. Em 1968, foram três contos; em 1969, um conto;
em 1970, um conto. Depois, teve, até hoje, apenas mais dois contos publicados: um
em 1973 e outro em 1997. Além destes dez contos, teve o depoimento que fizera, em
1978, durante o XII Encontro Nacional de Escritores, realizado em Brasília, publica-
do, em 30 de novembro de 1985, sob o título “Porque escrevo ficção”, na edição de
número 1000 do SLMG.
Uma pesquisa com o intuito de verificar o que saiu no SLMG sobre a obra
de Vilela não parece mostrar maior benevolência. A recepção é semelhante à que
qualquer veículo impresso de circulação nacional, uma Folha de S. Paulo ou um Jor-
18
nal do Brasil, por exemplo, deram à obra de Vilela nesses trinta e oito anos, de 1967
aos nossos dias. No SLMG, contamos, nesse período, trinta e cinco menções ao escri-
tor,
9
sendo duas delas registros ocasionais, duas reportagens e as demais se dividindo
entre resenhas a lançamentos e artigos sobre a obra; a maioria, positivos, mas também
verdadeiras diatribes, como a carta aberta que o escritor Luís Gonzaga Vieira, que
fora companheiro de Vilela nas publicações de Estória e de Texto, redigiu a propósito
do romance Os novos, e que foi publicada, em duas páginas, no SLMG de 25 de mar-
ço de 1972. Pesquisa aleatória mostra, por exemplo, serem mais presentes no Suple-
mento autores como Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Julio Cortázar, Murilo Rubi-
ão ou Oswald de Andrade – e nenhum deles, com certeza, nem mesmo o decano autor
de O pirotécnico Zacarias, pode ser incluído em alguma “Geração Suplemento”.
Aliás, sequer é possível falar de geração em torno da revista Estória ou do jor-
nal Texto, publicados em Belo Horizonte entre 1965 e 1967 e dirigidos por Luiz Vile-
la ao lado de outros jovens escritores, unidos pela causa comum de darem vazão às
suas produções literárias. No depoimento “Há 25 anos nascia Estória”, Vilela decla-
ra:
Estória era um grupo apenas no sentido de pessoas que reuniam seus esfor-
ços para publicar uma revista. Não tínhamos, nem nos interessava ter, ne-
nhuma plataforma estética. Era cada um com a sua visão de vida e sua lite-
ratura. A liberdade de expressão era total. Para publicar em Estória a única
exigência era que o conto fosse bom. Ah, sim, e que, além do conto bom, o
sujeito tivesse também uns bons contos no bolso, pois tudo era pago por
nós mesmos, os autores. (Vilela, 1990, inédito, in Zamboni, [n.p.]).
10
9
Algumas estão registradas na “Bibliografia sobre Luiz Vilela”, neste trabalho. As menções não contam as
vezes em que Luiz Vilela esteve na lista dos mais vendidos do SLMG, que mencionamos no subitem sobre a
recepção ao romance Entre amigos e apresentamos com detalhe no Apêndice 3.
10
Esse depoimento, inédito, faz parte do livro Da arte de esconder a arte: entrevistas com Luiz Vilela, em
preparo pelo professor José Carlos Zamboni, da Unesp de Assis, que deve ser lançado em breve e cujos ori-
ginais o professor gentilmente me forneceu. As citações de textos a que não tive acesso no original seguirão
a norma ora utilizada, e, quando for o caso, indicarei as entrevistas e os depoimentos, alguns de iniciativa de
veículos de imprensa, outros aparentemente por moto-próprio do escritor, que permanecem inéditos.
19
O expediente da revista Estória (consulto o número 4, lançado em maio de
1967), da qual circularam seis números, informa que seus fundadores eram Wanda
Figueiredo, José Renato de Pimentel e Medeiros, Luiz Vilela, Luís Gonzaga Vieira,
Fernando Rios e Sérgio Danilo, e que a direção da mesma era compartilhada por Luiz
Vilela e Luís Gonzaga Vieira. O jornal de vanguarda Texto era impresso pelos autores
seguindo os mesmos princípios editorais e de conformidade com o mesmo procedi-
mento pecuniário: os escritores recolhiam em consultórios médicos o papel para o
jornal ser impresso (cf. Anexo, Rio de Janeiro, 3 dez. 1971, in Zamboni, [n.p.]).
Sobre esse período, eis um depoimento de Vilela:
[...] me considero um escritor da década de 60. Existia todo um clima de li-
berdade e era isso que vivíamos na nossa literatura. Não seguíamos tendên-
cias, modelos, era cada um na sua, como dizia a gíria da época. E essa di-
versidade foi a nossa força. Isso é visível na revista Estória. Ninguém se
parece com ninguém. A palavra mercado não existia. Era criação pura. Nós
pagávamos para publicar. A ditadura não afetou a minha criação. Continuei
escrevendo no mesmo ritmo, claro que refletindo todas essas mudanças.
(Sebastião, 2000).
É evidente que a liberdade artística que acolhia os escritores no SLMG, na
revista Estória e no jornal de vanguarda Texto, a independência pessoal cultivada pe-
los autores que compartilhavam as páginas dessas publicações, os projetos estéticos
diversos, originais e independentes que animavam cada um dos escritores, torna im-
possível agrupá-los como integrantes de um mesmo movimento, qualquer que seja o
adjetivo com o qual se queira nomear os ficcionistas que surgiam àquele momento
entre as montanhas das alterosas.
20
1.2.1 UMA VISADA NOS ROMANCES E NAS
NOVELAS DE LUIZ VILELA
Luiz Vilela publicou, ao momento, quatro romances e duas novelas. Para
Renato Franco (1999), o primeiro romance de Vilela, Os novos (1971) deve ser inclu-
ído na “cultura da derrota” que tomou conta da intelectualidade e da esquerda brasi-
leiras com a consolidação política do regime implantado em 1964. Para Fábio Lucas
(1991, p. 192-194), trata-se de uma crônica de geração. Não falte quem considere Os
novos quase como um roman-à-clef, uma mescla entre memorialismo e romance-
reportagem que “não atingiu o alvo [...] tudo ficou só na intenção” (Vieira, 1972).
Para Tânia Pellegrini (1996, p. 29), o encontro da ficção com a política, nos
anos 70, produziu “três momentos expressivos em que a produção ficcional apresenta
traços específicos”: Incidente em Antares (1971), de Érico Veríssimo, Zero (1974), de
Ignácio de Loyola Brandão, e O que é isso, companheiro? (1979), de Fernando Ga-
beira. Janete Gaspar Machado (1981) elabora um panorama sem foco tão preciso,
abordando onze romances, publicados entre 1973 e 1979, entre os quais apenas o Ze-
ro, de Loyola Brandão, é retomado por Pellegrini.
Quadro ainda mais amplo sobre o romance no pós-64 é o de Malcolm Sil-
verman (1995), no seu Protesto e o novo romance brasileiro, no qual aborda a produ-
ção romanesca em nove categorias: o romance jornalístico, o romance memorial, o
romance da massificação, o romance de costumes urbanos, o romance intimista, o
romance regionalista-histórico, o romance realista-político (nessa categoria enquadra
Os novos), o romance da sátira política absurda e o romance da sátira política surrea-
lista. Renato Franco (1999) fixa-se em Quarup (1967), de Antônio Callado, Pessach:
a travessia (1967), de Carlos Heitor Cony, e principalmente em A festa (1976), de
Ivan Ângelo.
21
Bosi (1994, p. 434-438, grifo do autor) fecha um primeiro balanço de “al-
guns pontos de referência” da ficção entre os anos 70 e 90”, comentando: “O que
conta e deve sobreviver na memória seletiva da história literária é o pathos feito ima-
gem e macerado pela consciência crítica.” Assim vemos Os novos, de Vilela: trata-se
de crônica geracional que, por tratar de questões políticas candentes no calor de even-
tos recém-vivenciados pelo autor, apresenta traços do memorialismo, tem sua lingua-
gem coloquial muito próxima do relato jornalístico, e faz um precoce balanço das
agruras do homem comum sufocado pela situação histórica na qual está imerso e da
qual não tem como escapar, balanço ao qual conjuga temas universais do homem,
como o amor, a solidão, a angústia existencial, a incomunicabilidade no seio da mul-
tidão. Por isso, Os novos é um livro que sintetiza o que os romances de sua época e os
posteriores que abordam o período desenvolvem, seja para avaliar, reavaliar e a pro-
ceder juízo das conseqüências do golpe militar e das políticas instauradas pelo regime
militar, seja os que se circunscrevem à perplexidade subjetiva do indivíduo diante da
História.
Podemos dizer o mesmo de O inferno é aqui mesmo, romance que sofreu
crítica acerba de parte da imprensa por seu entrecho se dar dentro da redação de um
grande jornal paulistano, o que remete à biografia de Vilela. o Entre amigos apre-
senta o universo romanesco de uma cidade do interior que se defronta com o processo
de urbanização do início dos anos oitenta. No item 1.3.2, à frente, expomos a recep-
ção ao EA. Com a publicação de Graça, o ficcionista cria um manual do riso literário,
escarnecendo de tudo e de todos, mostrando a derrisão com que julga não a socie-
dade brasileira, mas a civilização ocidental contemporânea. Quanto a esse aspecto, é
sintomático que o seu próximo romance, anunciado para lançamento em 2008, cha-
me-se Perdição.
As narrativas que Vilela enquadrou como pertencentes ao gênero “novela”
são, aparentemente, muito diferentes entre si: o narrador de O choro no travesseiro,
22
entre o autodiegético e o homodiegético, recupera a história da sua adolescência e de
seu grupo de amigos, enquanto o narrador heterodiegético de Te amo sobre todas as
coisas é, em determinado momento, questionado pelos personagens que criou, e que
vivem um tenso e por vezes erótico diálogo de despedida, no final de um caso de a-
mor, no saguão do aeroporto. O choro, invocando os autores russos do século XIX,
discorre sobre a compaixão, sentimento que Majadas (2000) como uma constante
temática na obra de Vilela, de Tremor de terra ao Graça. Te amo tem sua força em
uma constante formal, o diálogo, técnica dramatúrgica que é, no dizer de Fábio Lucas
(1989b), “um idioleto de Luiz Vilela, sua peculiaridade”;
11
a utilização do discurso
direto é uma das características do ficcionista desde o seu primeiro livro e, nas obras
mais recentes, vem se tornando a opção preferencial do escritor. a novela Bóris e
Dóris, com lançamento previsto para o segundo semestre de 2006, mantém constante
a utilização do diálogo, agora com personagens inusuais na ficção de Vilela: um ho-
mem de negócios bem-sucedido, rico, com sua companheira, quase trinta anos mais
jovem.
12
11
Artigo reproduzido em Lucas (1991, p. 181-184).
12
Tomamos contato com o teor da novela em leitura pública de um excerto de Bóris e Dóris feita, pelo próprio
Luiz Vilela, no dia 5 de novembro de 2005 no “Seminário de Letras sobre Luiz Vilela”, no Curso de Letras
da UEMG-FEIT, em Ituiutaba.
23
1.2.2 OS DOIS MOMENTOS NA
CONTÍSTICA DE VILELA
Tendo publicado cinco volumes de contos em pouco mais de doze anos, en-
tre 1967 e 1979, com um total de cento e quinze narrativas, Luiz Vilela fica sem lan-
çar uma nova coletânea durante vinte e três anos, até que, em 2002, publica A cabeça,
com dez contos. Posteriormente, na imprensa, surgem mais algumas narrativas curtas
inéditas e que vão integrar uma futura coletânea, anunciada para 2007 ou 2008.
O conto de Vilela incluído em livro e de publicação mais remota é “Coris-
co”, que saiu em 1961 no jornal Filosofia, dos alunos da Faculdade, na UFMG, e que
integra o volume o bar. Podemos dizer, portanto, que os contos das cinco primeiras
coletâneas cobrem toda a década de sessenta e boa parte dos anos setenta, uma vez
que Lindas pernas é lançado em 1979.
São narrativas escritas quando o país ainda vivia sob os ecos do êxtase do
sonho desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, passava pela efervescência políti-
ca e cultural que marcou os governos Jânio e Jango, penava sob o golpe militar e bus-
cava oxigênio nos anos de chumbo da ditadura.
O período superior a duas dezenas de anos sem uma nova coletânea com-
preende, nos fatos políticos do país, à abertura “lenta, gradual e segura” dos generais,
à redemocratização com constituinte, às grandes manifestações por eleições diretas e,
depois, de protesto pela corrupção no governo Collor. O país de economia fechada se
abre, a inflação é debelada, a estrela vermelha da oposição ética ascende e, no poder,
decai por repetir os vícios que outrora denunciara.
Nessas duas dezenas de anos, em que o país passa por profundas transfor-
mações, Vilela se dedica às narrativas longas e à elaboração de antologias. Designa-
mos as cinco primeiras coletâneas, dos anos sessenta e setenta, como um primeiro
24
momento da contística de Vilela, e nomeamos aos contos publicados em 2002 ou
desde então como um segundo momento da sua contística.
Claro é que, a princípio, essa é uma divisão didática, meramente especulati-
va, metodológica, voltada para fazermos uma análise dos procedimentos narrativos e
discursivos que o escritor utiliza em seus contos, e somente poderá ser considerada
como referência válida para a obra se verificarmos entre os dois momentos uma radi-
cal diferença na fatura literária.
Em entrevista ao “Folhetim”, da Folha de S. Paulo, Vilela, muito antes, pa-
recia responder à proposição que aqui nos move:
Quanto ao escritor, creio não existir diferença essencial entre o Luiz Vilela
de ontem e o de hoje. [...] Há uma frase latina, da qual gosto muito que diz:
“A grande arte esconde a arte”. Eu acrescentaria: a pequena, faz questão de
mostrá-la. [...] Cada livro é para mim um começo e um fim. Quando come-
ço um novo livro, procuro esquecer todos os que já escrevi antes e parto pa-
ra ele como se fosse o meu primeiro. (Massi, 1986).
Se o escritor que fala sobre a sua obra esconde os seus procedimentos reais
e suas verdadeiras intenções, ou se faz uma análise judiciosa, clarividente, antecipató-
ria, é o que veremos neste trabalho.
25
1.3 A RECEPÇÃO À OBRA
DE LUIZ VILELA
Tratamos aqui da recepção crítica à obra de Luiz Vilela da qual apresen-
tamos, nos anexos, ampla, abrangente e circunstanciada listagem com dois objeti-
vos: o primeiro, assinalar os pontos que os articulistas fixam como as características
centrais da obra de Vilela; o segundo, buscar os critérios de literariedade que orien-
tam a recepção, que é sempre pontual e momentânea, para, com eles, fazer uma leitu-
ra ao mesmo tempo diacrônica e sincrônica da contística de Vilela.
Desse modo, mapeamos na recepção aos primeiros livros de Vilela as carac-
terísticas que a crítica distingue nos contos do primeiro momento de sua contística;
em seguida nos debruçamos sobre o romance Entre amigos, lançado em 1983, e, a
partir da sua recepção, definimos um conceito de literariedade utilizado pelos críticos
àquele momento; prosseguimos esse estudo com um mapeamento, tendo por base
depoimentos e entrevistas de Vilela, da ars poetica que orienta o ficcionista em sua
escritura; por fim, apresentamos a recepção da coletânea A cabeça e dos demais con-
tos que integram o que nomeamos de segundo momento da contística de Vilela.
26
1.3.1 UM TREMOR NA LITERATURA
Sobre o surgimento da coletânea Tremor de terra, com a palavra a poeta e
crítica literária Laís Correa de Araújo:
Foi eu que fiz a introdução do livro, apresentando o Luiz Vilela ao público.
Já me parecia um escritor genial. A edição era um pouco pobre, mas o livro
vinha com idéias novas para o universo da ficção. A prosa é muito ágil, fei-
ta quase exclusivamente de diálogos, sem muita caracterização dos perso-
nagens. O autor trouxe estas inovações para a prosa brasileira. “Tremor de
terra” abriu o caminho para a consolidação da posição de vanguarda do es-
critor. (cf. Gomes, 1997).
A declaração consta de extensa reportagem de Duílio Gomes, publicada em
21 de maio de 1997, no jornal Estado de Minas, sob o título “Um tremor na literatura:
três décadas depois Luiz Vilela fala de ‘Tremor de terra’, o livro que revelou seu ta-
lento de contista”. Verifiquemos a história em seu nascedouro.
Em sua edição número 37, de 13 de maio de 1967, o SLMG trouxe matéria
de página inteira sob o título “Luiz Vilela lança livro e ganha prêmio em Brasília”
(SLMG, 1967).
13
Além da notícia do lançamento e algumas informações sobre o au-
tor, traz comentários de José Márcio Penido, Libério Neves, Henry Corrêa de Araújo,
Márcio Sampaio, Laís Corrêa de Araújo e Humberto Werneck a propósito do Tremor
13
O Suplemento Literário do Minas Gerais passou por várias fases, que incluiu ser nomeado somente por Su-
plemento, reiniciar a numeração e depois retomar a seqüência histórica. Nós o trataremos sempre pela sigla
SLMG. O seu primeiro número circulou em set. 1966, tendo numeração normal até a edição de número
1178, de [out.] 1992. Em nov. 1994 saiu o número 1 de sua segunda fase, que teve periodicidade irregular e
cujo último número, de n. 90, circulou em dez. 2002. Em mar. 2003 saiu, sob o número 1260, com editorial
de “refundação”, edição que retoma, ao que parece com uma soma incorreta das duas fases, a numeração
histórica. Todas as edições estão disponíveis em: < http://www.letras.ufmg.br/websuplit/ >, acesso em: 25
set. 2005, sítio noqual constatamos as informações expostas; a edição mais recente disponível é a de n. 1272,
de set. 2004.
27
de terra. Falam que o contista analisa o homem “com um amor profundo e rude, num
estilo refreado, sem exclamações, pleno de silêncios” (Penido), da sua capacidade em
“transportar à literatura os fatos corriqueiros” (Henry), da “linguagem rigorosa” em
um “clima de terrível tensão”, com personagens que transitam entre a solidão e o de-
sejo (Sampaio), ou, na síntese de Werneck: “Luiz Vilela, maduro e sensível, analisa o
homem em profundidade, denunciando-lhe, através da palavra magicamente direta, a
tremenda solidão e a procura de comunicar-se.” (cf. SLMG, 1967, p. 7).
Essa é a mais remota recepção à obra de Vilela que localizamos. Ainda em
1967, saem um artigo de José Edson Gomes, “A ficção renovada”, no “Suplemento
do Livro” do Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, um de Maria Lúcia Tôrres Lepecki,
“Prêmio Nacional de Ficção”, no “Suplemento literário” de O Estado de S. Paulo, um
de Rodrigues Marques, “Palavras sob medida”, no “Suplemento do Livro” do Jornal
do Brasil, e um de Laís Corrêa de Araújo, “De novo o ‘Tremor de terra’”, no SLMG.
Gomes fala em “grande domínio formal”; Lepecki afirma que “[t]odos os
contos de Tremor de terra glosam o tema da comunicação”; Marques elenca contos
que considera antológicos e anota que, no conto “Velório”, “o grotesco é explorado
febrilmente, misturado a um humorismo trágico”. a resenha de Laís procura se a-
profundar na análise dos contos, buscando uma perspectiva de verificar a adequação
entre a forma e o conteúdo. Critica alguns contos que, segundo diz, vem alcançando
maior repercussão: O buraco”, “Imagem” e “O violino”. Entende que apresentam
“situação medíocre de evocação descritiva trivial e com certa atmosfera romantizan-
te”, e os considera “‘psicologismo’ abstrato” em linguagem de “dissolução palavro-
sa”. Por outro lado, elogia o conhecimento intuitivo que o contista apresenta das rela-
ções humanas e que é discursivizado “numa organização estética”, de “diálogo seco”,
sem “convencionalismos novelescos”, em que a ironia e o sarcasmo do narrador
constroem “uma estória a partir de cenas do cotidiano”. Destaca os contos nos quais
as “vinculações conjugais” entre marido e mulher são trituradas pelo cotidiano, aque-
28
les em que “a religiosidade ostentosa e opaca em sua profunda verdade de alienação e
hipocrisia social” é desvelada, e o conto “Confissão” “linguagem dialogada, autô-
noma, e construtiva por si mesma” (Araújo, 1967).
A recepção ao Tremor prossegue em 1968. Darcy Damasceno, no Correio
da manhã de 31 de março, afirma que Vilela “é [...] escritor completo, com a mar-
ca vivencial, o poder de comunicação e o domínio instrumental que se lhe poderiam
exigir.” Comenta que seus “[f]lagrantes da vida cotidiana” estão povoados pelos dra-
mas da hipocrisia religiosa, da rotina doméstica, do enfado conjugal, da pungência da
solidão, da indiferença entre as pessoas, que constroem contos com “lastro de huma-
nidade e incontida comoção”. Aproxima-o de Dalton Trevisan pela nitidez do traço,
por alguns temas, pela secura do discurso, mas o com mais amor às suas criaturas,
“malgrado a tira”. Do sentimento de busca por afeição em meio à aspereza do con-
vívio humano, Damasceno vê nascer “uma pequena obra-prima”, referindo-se ao con-
to “O buraco”, em cujo simbolismo o ficcionista correu “o risco de ser tomado, num
julgamento mais superficial, como reminiscência de Kafka”, mas que “Vilela mediu
bem esse risco, e vencê-lo foi a melhor afirmação de sua autêntica vocação de escri-
tor”.
No “Caderno de sábado”, do Correio do povo, de Porto Alegre, de 6 de ju-
lho de 1968, Carlos Jorge Appel destaca “uma constante básica” que como que une
os contos de Tremor de terra: “Todas as histórias recebem um sopro de insatisfação,
desde a linguagem descongestionada de costumeiras bugigangas literárias, até às to-
madas de cenas de uma realidade que, para ser vivida, deve ser enfrentada com um
olhar novo, desabusado, cheio de imaginação e confiança no seu destino.”
14
Euclides Marques de Andrade, no SLMG de 10 de fevereiro de 1968, co-
menta que “a aparência entra pelos olhos de Vilela como um murro no peito, e, então,
14
Artigo republicado no SLMG n. 104, de 24 ago. 1968, p. 9.
29
ele se desconcerta e revida com violência”, em revide que é “um soluço seco, sem
lágrimas, de um pudor imenso.” Essa realidade que o artista é recriada “com pala-
vras vulgares, cruas, com a fala de todo dia. Por que consegue isto? Simplesmente
porque não imita ninguém. [...] Sua linguagem é sua e de mais ninguém. [...] Ele sabe
ouvir. Por isto é que ouve o ranger de dentes ou o gemer de cada um e os transfunde
em suas histórias, que são vida recriada pela arte.”
José Renato Pimentel, em artigos consecutivos e complementares, publica-
dos nos SLMGs de 29 de junho e 6 de julho de 1968, discute o domínio artesanal do
diálogo por Luiz Vilela para, em seguida, determinar que há, no ficcionista, “a pre-
dominância de um tema: a incomunicabilidade. É este o esteio de sua construção lite-
rária. [...] um testemunho de sua [do autor] época”.
Maria Luiza Ramos (1969, p. 172-178)
15
analisa detidamente o conto “Con-
fissão”, e comenta: “temos a impressão de que Luiz Vilela se propôs escrever uma
peça de teatro, esquecendo-se de registrar as indicações cênicas” (Ramos, 1969, p.
172), para explicitar: “Da primeira à última palavra, o discurso direto empresta à nar-
rativa caráter dramático que elimina a pessoa do autor e, de certa forma, a própria
narrativa se considerada do ponto de vista tradicional, em que alguém tem algo a
comunicar a um auditório.” A análise do diálogo mostra que o silêncio é, pois, ele-
mento significativo de fundamental importância”.
Ramos (1969, p. 173) que o motivo do conto está “na situação bíblica”
da tentação, que se desdobra em duas: a confessada, que é rememorada, regressiva, e
a vivenciada pelo padre confessor no presente da confissão enunciada, que é uma ten-
tação que é construída progressivamente diante dos olhos do leitor. No final, do diá-
logo se depreende “a crise de comunicação entre os seres humanos, o desencontro de
sentimentos e interesses, o absurdo, afinal.” (Ramos, 1969, p. 177). Esse homem em
15
Publicado inicialmente no SLMG, n. 72, de 13 jan. 1968, p. 4.
30
crise é o homem religioso, o que, a crermos em Andrade (SLMG de 10 de fevereiro
de 1968), decorre do próprio autor que fixa os seus dramas do cotidiano pelo diálo-
go, em linguagem coloquial. Sua temática, nos alerta Ramos (1969, p. 178), “se fun-
damenta no drama existencial, que culmina na metamorfose do homem nostálgico de
suas origens”.
Edgard Pereira Reis (SLMG de 6 de dezembro de 1969) chama a atenção
para a infância representada em o bar: “não é o tempo cor-de-rosa”, a infância, mas
tempo de medo, de descobertas, de frustrações e de maldade. O escritor utiliza o im-
perfeito para fazer o passado projetar-se no presente, como uma interiorização pre-
sentificada da memória, e utiliza a “técnica da palavra-puxa-palavra”, com parágrafos
sem pontuação, seguindo “o ritmo interno da narrativa”. O vocabulário simples funde
o diálogo direto com o indireto; o autor prefere períodos coordenados a subordinados,
em estilo, segundo Reis, que propicia “dinamicidade maior ao fato, maior veracidade
e colorido.”
Lauro Junkes [1968?],
16
ao comentar o volume de contos o bar, no artigo
“Luiz Vilela: adolescência e solidão”, comenta: “em muitos contos a proximidade
entre o autor real, o autor textual, o narrador e o protagonista deve ser bastante estrei-
ta.” Sobre o aspecto formal, entende que “Vilela renova-se constantemente”, com o
que “inovações e variações técnicas marcam todas as narrativas.”
Em 1970, os comentários sobre o Tremor de terra e a coletânea o bar ain-
da repercutiam, e Luiz Vilela lança mais um volume de contos, o Tarde da noite.
Uma pequena reportagem, assinada por Sérgio Tross e Luís Gonzaga Vieira, sobre a
sessão de autógrafos em Belo Horizonte que marcou a chegada do livro, editado pela
Vertente, de São Paulo, saiu no SLMG de número 222, de 28 de novembro de 1970.
A crítica foi encomiástica. Léo Gilson Ribeiro, em O Estado de S. Paulo, de 25 de
16
Recorte de jornal sem identificação bibliográfica, presumivelmente de 1968.
31
janeiro de 1971, abriu o título, garrafal: “Ler Vilela? Indispensável.” E traçou a linha
dos grandes contistas brasileiros do século XX: “Guimarães, Clarice, Trevisan, Ru-
bem Fonseca. Agora, outro senhor contista: Luiz Vilela.” Os demais resenhistas
17
re-
fazem elogios ao estilo sintético, ao coloquial perfeito e aos diálogos de absoluta ve-
rossimilhança com a fala cotidiana.
Em artigo de 21 de outubro de 1972 no SLMG, Duílio Gomes registra de-
claração de Antonio Candido (ao Jornal da tarde): “é bom a gente descobrir um ta-
lento como esse de Luiz Vilela. A sua força está no diálogo e, também, na absoluta
pureza de sua linguagem”; reproduz opinião de Wilson Martins (em o Estado de S.
Paulo): “Um dos grandes contistas brasileiros de todos os tempos”; repercute Hélio
Pólvora (no Jornal do Brasil, reproduzido em Pólvora, 1971, p. 63): “Seus contos são
exemplos do grande conto brasileiro e universal”.
Sem fazer referência à fortuna crítica que a coletânea obtivera no Brasil, a
análise de Pavla Lidmilová (1984, p. 84), que traduziu Vilela para o tcheco, é como
que uma síntese do conteúdo da recepção que Tremor de terra obtivera:
Revivem nela [a coletânea Tremor de terra] as cidades e a capital mineiras,
na sua pacatez, comicidade, hipocrisia, banalidade, nas relações convencio-
nais, pervertidas ou cruéis entre as pessoas. O autor apresenta situações, ca-
sos, lembranças, diálogo ocasional, tipos, observações, estados interiores,
em várias tonalidades: prevalece, porém, a sensação de nojo, de tristeza, de
solidão, embora haja também o aproveitamento do lado cômico ou de hu-
mor negro. Em geral, muita sensibilidade e muita repulsa. De vez em
quando, o acento colocado nos aspectos cruéis e repugnantes da vida repre-
senta uma posição de revolta do observador ou do narrador. Esta repulsa e
revolta, até com algum exagero ou melodrama, rebenta nas palavras brutais
e fortes, na gíria e na linguagem da rua, que fluem nos monólogos interio-
res, nas observações e pensamentos de frases longas, ou adquirem um ritmo
vivo nos diálogos e narrativas. A diversidade de processos narrativos e a
força da linguagem bem brasileira, nos serviços de um realismo crítico ou
irônico, ampliado às vezes no sentido alegórico, são as qualidades do pri-
meiro livro de Luiz Vilela, que é como se falasse em voz alta, em nome da
17
Desnecessário mencioná-los aqui. Uma lista da recepção a Luiz Vilela consta no Apêndice 2.
32
nova geração, esperando o “tremor de terra” que tudo abalasse. (Lidmilová,
1984, p. 84).
Ligada ao Instituto de Línguas Ibéricas da Academia de Ciências Tchecos-
lovaca, estudiosa da literatura brasileira e tradutora de Grande sertão: veredas para o
tcheco, a professora Pavla Lidmilová publicou o seu estudo “O conto brasileiro: a
crítica e o sonho” na revista Ibero-Americana Pragensia em 1975. Reproduzido no
livro Alguns temas da literatura brasileira, sua análise avança até abarcar a coletânea
O fim de tudo, publicada por Luiz Vilela em 1973. Ela se pergunta, com relação ao
livro de estréia, “[o] que ficou, o que mudou?”, e responde:
Da variedade de experimentos estilísticos, o autor soube, com tempo e mui-
ta disciplina, escolher o melhor e o mais característico de seu modo de ex-
pressão: o seu estilo evoluiu até a maior sobriedade; ficou a vivacidade da
linguagem coloquial, do português do Brasil de hoje, tanto no vocabulário,
como na morfologia e sintaxe, valorizou-se o diálogo espontâneo e preciso.
Tematicamente, Luiz Vilela permaneceu fiel ao ambiente do pequeno e
médio burguês, abrangendo a problemática das relações entre as pessoas,
das relações entre as pessoas e o meio, e das pessoas e o trabalho, numa
ampla visão, desde o mundo das crianças até à velhice. As impressões, sen-
timentos, vivências, histórias, flagrantes e confrontações continuam no rea-
lismo crítico dos primeiros contos, tendentes à desilusão. (Lidmilová, 1984,
p. 84-85).
Aos trinta anos, pois, com quatro coletâneas que somam cem contos, Vilela
é distinguido como uma voz original e tem sua obra considerada entre as mais impor-
tantes da literatura brasileira. A publicação de Lindas pernas, em 1979, coletânea que
sai ao mesmo tempo em que uma novela, O choro no travesseiro, e um romance, O
inferno é aqui mesmo, reitera tal julgamento.
Na recepção ao Lindas pernas, Ubiratan Machado [1979?]
18
volta à questão
do diálogo, e pondera que em Vilela um depuramento da oralidade transfigurada
em literatura que faz com que cada personagem, seja o garotão, seja o ex-jogador de
futebol, seja o fazendeiro, cada um se expresse exatamente ao seu modo e da forma
18
Recorte de jornal sem referência bibliográfica.
33
mais essencial, “mas cada um, o seu essencial” (grifo do autor). Machado avalia que
Vilela “supera o perigo de cair no maneirismo, no mimetismo de si mesmo”, reno-
vando-se, ampliando seu domínio da técnica do conto, depurando a linguagem e agu-
çando “a sua intuição para as grandes mazelas e as pequenas grandezas humanas, es-
condidas sob a indiferença da realidade de cada dia.” Por fim, considera que o contis-
ta chegou “àquele ponto em que o artista, testemunha do seu tempo, retrata também,
de forma exemplar, o homem eterno, igual em todas as latitudes e épocas.”
O que falta, no conjunto das resenhas que receberam os contos de Vilela
nos anos sessenta e setenta do século vinte, é o aprofundamento das impressões de
leitura expostas pelos articulistas, impressões que, em sua maior parte, o relacio-
nam a gramática do conto aos efeitos de sentido que emanam da escritura. Ainda as-
sim, é possível delinear, por dedução, um conceito de literariedade a partir do exercí-
cio dessa crítica jornalística, e é esse, especificamente, o nosso objetivo ao analisar, a
seguir, a recepção ao romance Entre amigos.
34
1.3.2 DA RECEPÇÃO À LITERARIEDADE, NA FORTUNA
DO ROMANCE ETRE AMIGOS, DE LUIZ VILELA
19
Qual o horizonte de expectativa da crítica literária dos anos 80, no Brasil?
Como se dava a recepção jornalística e acadêmica a obras da literatura brasileira?
Para responder a estas indagações, analisamos a fortuna crítica do romance
Entre amigos, de Luiz Vilela. Consultamos publicações jornalísticas, livros e produ-
ções acadêmicas. Para analisar os textos da fortuna crítica, criamos categorias que
hierarquizam as publicações conforme dois critérios: (1º) a extensão, a dimensão ou o
tamanho da informação e (2º) a originalidade e a profundidade da análise. Delinea-
mos, desta forma, uma mula das exigências da crítica jornalística e universitária
com relação aos romancistas brasileiros da época.
Para responder às questões propostas escolhemos o EA, lançado em 1983,
por ser a obra que se situa, mais aproximadamente entre todas as do escritor, a meio
caminho entre a estréia de Vilela, em 1967, com o Tremor de terra, e a coletânea A
cabeça, de 2002, marco do segundo momento de sua contística, e também devido o
romance explicitar, de forma metalingüística, a tortuosa relação entre a crítica e o
criador.
No Entre amigos (1983, p. 65) crueldade explícita de um personagem,
um escritor, ao se referir aos críticos literários: “– Como que é o nome do veneno?
perguntou Ezequiel. Eu vou usar para alguns críticos. Quantas horas será que eles
ficarão cagando de dor antes de morrer?” Ezequiel é um iconoclasta de opiniões de-
19
As considerações aqui desenvolvidas foram inicialmente esboçadas na monografia O gênio e o urubu (Rauer,
2001), que, por não estar disponível por nenhum meio, e em especial por comentar cada item da recepção,
inserimos como apêndice da presente tese; nesse trabalho, além de apresentamos a fortuna crítica do EA, es-
boçamos um modelo taxionômico para classificar a recepção a um autor brasileiro contemporâneo. Desen-
volvemos, em outro momento, uma classificação mais ampla e abrangente, com maior número de categorias;
essa classificação também está em apêndice.
35
vastadoras. Um de seus alvos é a vida acadêmica. No entanto, mantém proximidade
com a academia.
Interessado em mergulhar nas “lácteas tetas” de Leila, a jovem e sensual
professora do Curso de Letras da pequena cidade que ele visita, anuncia: “– Eu pode-
ria conseguir um lugar pra você na Federal” (EA, p. 105). Entusiasmada, “os olhos
muito abertos” de espanto e alegria, Leila mal acredita na possibilidade, e pergunta
como poderia ser. A resposta: “– O atual diretor do Departamento de Letras foi meu
professor e é muito meu amigo: eu poderia falar com ele” (EA, p. 105).
Pode ser que Ezequiel esteja blefando com Leila para usufruir um programa
a dois após a rodada de cervejas; pode ser que esteja fazendo uma brincadeira que lhe
parece sem maiores conseqüências; pode ser que não pretenda falar com o diretor do
Departamento de Letras ou que saiba das dificuldades práticas para colocar Leila na
“Federal”, no Rio de Janeiro – mas parece evidente que Ezequiel mantém vínculos na
Universidade.
Essa pequena amostra do romance evidencia a matéria de que ele é feito:
seus personagens são homens e mulheres que chafurdam na carniça do nosso tempo,
que se afogam nas misérias de nosso país, que submergem em seus pequeninos dra-
mas individuais. É uma narrativa cruel, retalhada no cerne das angústias contemporâ-
neas, e que mescla, paradoxalmente, prazer e desesperança, amor e niilismo, silêncio
e ódio. Tal como se refere à crítica, tal como, em parte, a crítica, em especial a jorna-
lística, o recepciona.
O jornalismo, aliás, é longamente abordado no EA (p. 8-19). A sociedade
que rodeia os personagens é apresentada ao visitante Ezequiel tendo por pretexto falar
das atividades e da linha editorial dos dois jornais da cidade. As propostas, as ações e
os resultados efetivos dos jornais são criticados sem piedade. A falta de ética e de
escrúpulos dos proprietários, a ausência de uma visão social crítica, o adaptar-se às
conveniências dos poderosos do momento e de leitores despreparados e pouco exi-
36
gentes – tudo passa pelo triturador irônico, cínico, “iluminista” dos personagens Mar-
cos e Ezequiel. O inventário é demolidor. E a crítica, como recebeu o Entre amigos?
A recepção jornalística e acadêmica ao romance reflete a tensão que está na obra?
Terceiro romance e décimo título individual de Luiz Vilela, EA foi lançado
dezesseis anos depois que o autor venceu, de forma espetacular, a diversos “monstros
sagrados” da literatura brasileira que concorriam ao Prêmio Nacional de Ficção, em
Brasília. Era 1967, o escritor tinha 24 anos e o seu Tremor de terra surgiu como uma
revelação atordoante. Quando publica o Entre amigos, Vilela está com os seus livros
no catálogo das grandes editoras do País, tem narrativas traduzidas para diversas lín-
guas e entrara para o rol dos grandes da literatura brasileira em todos os tempos,
segundo declarações de estudiosos como Wilson Martins, Fausto Cunha, Gilberto
Mansur, Fábio Lucas, Augusto Massi, Nelson Werneck Sodré, John Parker e Pavla
Lidmilová.
A recepção ao EA, medida pelo volume de menções na imprensa, parece
demonstrar este reconhecimento. O livro chegou às livrarias no início de abril de
1983 e imediatamente se transformou no mais vendido em Belo Horizonte. Em sete
meses, notas, resenhas e artigos sobre o livro saíram em jornais e revistas de onze
Estados, num total de setenta e seis publicações. Até 2004, constatamos noventa pu-
blicações, em doze Estados e vinte e oito cidades, sendo três do exterior. O release de
divulgação, preparado pela Editora Ática, foi publicado, com o copidesque do jornal,
em dezesseis diferentes publicações. O noticiário, de pequenos registros a densos ar-
tigos, abrangeu cidades dos estados de Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Minas
Gerais, Paraíba, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
São Paulo. Por pelo menos três meses, EA permaneceu na lista dos mais vendidos em
Belo Horizonte. Além da recepção, que parece numericamente expressiva, importa
observar os autores das resenhas e artigos sobre o EA. Entre outros: Alciene Ribeiro
Leite, Augusto Massi, Caio Fernando de Abreu, Carlos Menezes, Denise Santana,
37
Edilberto Coutinho, Fábio Lucas, John Parker, Laís Correia de Araújo, Lauro Junkes,
Luiz Carlos Junqueira Maciel, Malcolm Silverman, Regina Zilberman, Salim Miguel
e Temístocles Linhares. Com uma ou outra ressalva, ora estilística, ora ideológica, ao
autor ou ao livro, as análises ressaltam a qualidade do texto, o domínio do diálogo, a
força narrativa, a coragem e ousadia do autor. Eis um exemplo (Zilberman, 1983):
Vilela ocupa um indubitável lugar de destaque na literatura brasileira [...]
Esta novela [sic] se caracteriza por apresentar elementos originais, a come-
çar pela escolha da situação narrativa [...] / Trata-se de uma técnica narrati-
va antes de tudo dramática [...] / uma técnica realista levada a seu limite.
[...] / o narrador interfere mais do que devia, sendo levado a opinar sobre as
personagens e a revelar dados íntimos sobre elas, o que, se anima a história,
contradiz o projeto narrativo escolhido e atenua a opção renovadora que es-
tava na origem da obra. / [...] Entre amigos tem o mérito inegável de buscar
novas possibilidades narrativas por parte de um escritor de talento. Com is-
to, Vilela renuncia ao que sabe fazer muito bem, embora sem ainda substi-
tuí-lo por algo de qualidade equivalente. O fato não desmerece o escritor,
pelo contrário; pois é também mister do artista arriscar-se a cada nova cria-
ção literária. (Zilberman, 1983).
Na resenha identifica-se ressalva estilística (“o narrador interfere mais do
que devia”) ao lado do reconhecimento das qualidades do autor (“escritor de talen-
to”); classificado como romance” na página de rosto, o livro é nomeado como “no-
vela” sem se discutir a questão de gênero literário; encontra-se elogio (“indubitável
lugar de destaque”) e restrição (“sem ainda substituí-lo por algo de qualidade equiva-
lente”). Ora, nos termos expostos, o realismo dramático do discurso direto – o roman-
ce sendo somente diálogo a impossibilita a afirmação de Zilberman de que o narra-
dor interfere e opina.
Assim é, em síntese, a relação de Luiz Vilela com a crítica, tal como esta re-
lação surge no EA e na fortuna crítica do livro: um pêndulo que oscila entre reconhe-
cimento e distanciamento, entre elogios e ressalvas, entre análise certeira e desaten-
38
ção a detalhes cruciais; aliás, como se entre Ezequiel e Marcos e a academia, o
jornalismo e “alguns críticos”: um relacionamento que vai do amor-à-distância ao
ódio visceral.
Não fazemos análise com os pressupostos da estética da recepção: proce-
demos unicamente ao levantamento empírico da fortuna crítica do Entre amigos; gui-
a-nos, dois objetivos: (1º) mapear os temas e procedimentos que a crítica aponta em
Luiz Vilela; (2º) definir um conceito de literariedade a partir do exercício da crítica
que recebeu Luiz Vilela. Da estética da recepção, utilizamos tão só o conceito de “ho-
rizonte de expectativa”, que é “a soma de comportamentos, conhecimentos e idéias
pré-concebidas com que se depara uma obra no momento de sua aparição e segundo a
qual ela é medida” (Rothe, 1980, p. 10).
20
A distância entre a expectativa do leitor e o
que o leitor apreende com o texto literário pode levar a uma “mudança de horizonte”
(Rothe, 1980, p. 10) do leitor. Diz ainda Rothe que é essa “distância estética” (Rothe,
1980, p. 15), entre texto e leitor, que faz da arte literária um veículo revolucionário.
Tal caráter modifica a realidade, explica Rothe, provoca a emancipação do leitor e é a
medida do valor qualitativo da obra literária (Rothe, 1980, p. 10-11).
Ao nos voltarmos, no entanto, para a fortuna crítica do EA, e diante dos 90
itens que a compõem, verificamos ser necessário hierarquizar os textos, distinguindo
notas de ensaios, artigos de resenhas, entrevistas de reportagens. Criar, portanto, ca-
tegorias que apreendam a abrangência e especificidade de cada texto da fortuna críti-
ca e hierarquize as publicações é um imperativo, apesar das eventuais deficiências ou
ambigüidades que tal estratégia possa apresentar. Ao compulsar o corpus, percebe-
mos que podíamos separá-lo em doze categorias: artigo, chamada, dissertação, enquê-
te, ensaio, entrevista, lista, nota, registro, release, reportagem, e resenha.
21
20
Cf. Jauss, 2002, p. 73 e Stierle, 2002, p. 122-131.
21
A conceituação de cada categoria desse modelo taxionômico está no v. 2, nos apêndices 1 e 3 (este, a mono-
grafia O gênio e o urubu).
39
Essas categorias que determinamos para qualificar a fortuna ao romance de
Vilela mostraram-se adequadas e suficientes, uma vez que, em nenhum instante, dian-
te de um impresso, pareceu-nos necessária uma ressalva metodológica ou arbítrio pa-
ra encaixar a publicação em alguma categoria. Tal fato, evidentemente, não exime o
quadro de categorias ainda mais por idealizarmos conciliar tamanho textual a pro-
fundidade analítica de mostrar-se inadequado diante de outras situações, outras o-
bras, outros momentos, outras circunstâncias receptivas ou outros critérios de exame.
Dirimido esse ponto, cabe considerar a expressividade da recepção do EA,
comparando-a à recepção da obra de outros ficcionistas contemporâneos. Na impos-
sibilidade de tal paralelo, uma vez que desconhecemos pesquisa com a recepção a
demais autores com critérios como os aqui utilizados, devemos tentar algumas con-
clusões tão só com o nosso levantamento.
Catalogamos noventa itens na fortuna do EA, conforme mostra a tabela no
Apêndice. Independente de comparações com outros autores, parece, quantitativa-
mente, um mero expressivo em um panorama cultural como é o brasileiro. Mais
satisfatório, ainda, ao se fazer uma triagem qualitativa: o romance mereceu dezoito
artigos e treze resenhas, ou seja, trinta e uma publicações de médio fôlego. Teve ain-
da menções em duas dissertações e dois ensaios na verdade, uma dissertação depois
transformada em livro e um ensaio, publicado em inglês, cuja tradução, embora reali-
zada sob os auspícios da Editora Ática, ainda não encontrou publicação no Brasil.
Trata-se de ensaio relevante, que aborda unicamente o EA. As publicações menos
expressivas (notas, registros e assemelhados) somam cinquenta e quatro, enquanto
trinta e quatro das publicações são mais extensas e mais aprofundadas. (A soma de
noventa registros inclui a enquête e o ensaio, traduzido, mas não publicado). Excluin-
do os ensaios, artigos e resenhas que eventualmente foram publicados duas vezes,
temos vinte e oito publicações de grande consistência e profundidade na análise, o
40
que, no Brasil das três últimas décadas do culo XX, parece ser, em se tratando de
textos mais densos e reflexivos, uma boa recepção.
22
Qual era o horizonte de expectativa da crítica que recebeu o Entre amigos?
Eis as características que deduzimos: coragem temática, lingüística e estilística; ori-
ginalidade formal; literatização, definida pelo discurso apresentar qualidade da lin-
guagem literária com atributos como criatividade, clareza, elegância, simplicidade,
correção e concisão; contemporaneidade cronotópica; universalidade; capacidade de
ser instigante e provocar debate e reflexão; liberdade e independência diante de mo-
dismos, partidos e grupos; capacidade de utilizar-se dos estudos teóricos, estéticos e
literários, rompendo seus limites com novas soluções expressivas; preocupação soci-
al; utilizar procedimentos metalingüísticos e intertextuais; ousadia; simbolismo, com
a criação de referências internas que elaborem metonímias; experimentação sem her-
metismos. Desse apanhado, podemos, a nosso ver, extrair três ramificações: uma pes-
soal, do autor; outra literária, da escrita; e uma social, da intervenção do autor, por
meio do que escreve, no mundo que o circunda; do autor se exige liberdade; do que
ele escreve, se exige, em termos formais, literatização; do conteúdo deste texto, se
espera coragem; como substrato dessas qualidades, exige-se sensibilidade, criativida-
de e conhecimento.
A esse conjunto de características, aplicado a um texto ficcional, chamamos
literariedade conceito cujo conteúdo é mutável no tempo e no espaço. Para o nosso
estudo, destrinchamos as linhas principais da literariedade, sob a ótica de Luiz Vilela,
analisando entrevistas e depoimentos do ficcionista. No que se refere à crítica no úl-
timo quarto do século XX, nos voltamos para a recepção ao romance Entre amigos.
22
A tese de Majadas (2004) se concentra, ao lado de romances de outros autores, no romance Graça, e, embora
também trate de outras narrativas de Vilela, não aborda o Entre amigos e não pode, portanto, ser acrescida à
fortuna do EA. Por não terem chegado ao seu término até o momento, outras pesquisas em andamento sobre
a obra de Vilela (na UFMS, no Paraná, em Minas Gerais, na Paraíba, no Rio Grande do Sul e na Unicamp),
não podem aqui ser consideradas.
41
Portanto, entendemos literariedade, no escopo deste trabalho, como as ca-
racterísticas formais, técnicas, estilísticas, discursivas, narrativas, lingüísticas (nestas
se concentram os aspectos que determinam a literatização) que fazem com que um
texto de ficção narrativa seja considerado como literário e possa integrar, pela função
institucional reiteradora ou pelo impacto transformador no sistema, o cânone propos-
to pela historiografia acadêmica.
Desentranhamos, pois, o horizonte de expectativa da crítica brasileira em
meados dos anos 80, tal como foi possível discernir na fortuna crítica que recebeu o
Entre amigos. Ressalve-se, evidentemente, que é a crítica que quis se pronunciar so-
bre o romance, e sempre o analista corre o risco de ser condicionado pelo objeto que
analisa. Por outro lado, considerar que são exigências perenes da crítica é desconside-
rar todo e qualquer relativismo cultural, tanto no tempo quanto no espaço, e mesmo o
caráter subjetivo da arte e de sua interpretação. Entretanto, parece-nos possível avali-
ar toda a obra de Vilela sob tal enfoque de literariedade, desde que também conside-
remos os critérios do próprio autor no tocante ao que se propôs realizar como ficcio-
nista.
42
1.3.3 A RECEPÇÃO AOS CONTOS DE A CABEÇA
Nosso objetivo neste item é verificar como se deu a recepção à coletânea A
cabeça diante dos vinte e três anos em que Vilela ficou sem publicar um volume de
contos inéditos,
23
e, em especial, mapear os aspectos em que os articulistas confron-
tam os contos do novo livro com os contos anteriores do ficcionista. A leitura da crí-
tica tem seu primeiro marco no comentário da orelha do livro, assinado pelo doutor
em literatura brasileira contemporânea Augusto Massi, da USP, que em diversas oca-
siões anteriores demonstrara o seu apreço pela obra de Vilela. Ele inicia o artigo a-
nunciando que “A cabeça reconduz Luiz Vilela à cena literária contemporânea”, para,
logo em seguida, enfatizar: “Este novo livro do escritor mineiro é uma mescla de cris-
talização e risco.” (Massi, 2002).
Credita a cristalização à consciência artística do autor, cuja “prosa límpida e
direta” converte “a agitação da matéria moderna em prosa simples”, “complexa tare-
fa” que se por meio de “uma dicção inconfundível”, estribada em “domínio notá-
vel da técnica do diálogo”, transformada, de “modo de escrever”, em “uma forma de
pensar” na qual é estratégica a “escuta apurada do silêncio” (Massi, 2002). A cristali-
zação do estilo do ficcionista está, pois, na “prosa límpida”, de “musicalidade colo-
quial”, em que o “burburinho, murmúrio em surdina, típico das negociações veladas”,
é construído por meio de “clichês impressos na superfície da conversa”, da “prosa
reificada” e do “coloquialismo calcificado” (Massi, 2002).
Temos, portanto, que [o] horizonte ficcional foi reduzido” a um mínimo, e
esse mínimo é encenado pelo confronto “de várias vozes que se chocam, se misturam
23
Sobre o lançamento e as primeiras repercuções, ver Rauer, “Contos de Luiz Vilela mostram a força da Histó-
ria”, in: < http://rauer.rauer.sites.uol.com.br/estudos.html
>, acesso em 25 jul. 2004.
43
e se dissolvem na correnteza da conversa”, manifestações que utilizam o vocabulário
simples, de pessoas comuns, em situações prosaicas, rotineiras, no mesmo passo em
que o “lirismo desencantado” de livros anteriores (Massi, 2002, cita O fim de tudo, de
contos, e o romance O inferno é aqui mesmo) é agora substituído “por uma dicção
quase convencional”.
O idioleto de Vilela (relembremos que a expressão foi cunhada por Fábio
Lucas, 1989b), incessantemente retomado pelo ficcionista, configuraria, pois, uma
estereotipia, um maneirismo, uma coisificação de estilo; caso o se repetir, que é mar-
ca identitária, signifique o abastardamento da criatividade, da expressividade e da
própria literariedade e o articulista avisa que a cristalização embutia “risco” –, o
escritor apresenta uma obra menor. Mas se esse “risco” se coloca em contraponto pa-
ra impulsionar a busca de alternativas para os “clichês” e lugares-comuns, o estilo se
torna rico, e o autor é o mesmo sendo sempre diverso. Portanto, a arte de escrever
está em encontrar, literariamente, alternativas estéticas, éticas e narrativas para supe-
rar o risco de coisificar o texto, reflexo do pensamento que fossilizou.
Uma saída utilizada por Vilela, segundo Massi (2002), é presentificar o nar-
rado junto ao narratário; uma outra, é projetar “a truculência esclarecida da classe
média brasileira” em um “tom de divertimento, escárnio e ironia” captadas “no deta-
lhe cínico e na corrupção miúda que varre qualquer vestígio de inocência”.
A reificação narrativa se dá, no dizer de Massi (2002), pela outorga da voz
aos personagens, o que torna natural a escatologia, o humor negro e tabus inicial-
mente vistos com indignação”; desse modo, insere-se, “sutilmente flexibilizada”, a
dicção autoral que instaura o riso literário, certa ironia marcada pelo fato de que, ex-
plicita Massi (2002), para Luiz Vilela a vida não prossegue normalmente”, desdo-
brando-se – é o que inferimos – da imanência ficcional para a transcendência da soci-
edade, por meio da ficção que recria o referente que inspira a narrativa inventada.
44
O professor Miguel Sanches Neto, da Universidade Estadual de Ponta Gros-
sa, no Paraná, também enfatiza a “literatura dialogada” de Vilela, cabendo ao narra-
dor um papel mínimo, pois ele promove o contato direto entre personagens e leitor.”
(Sanches Neto, 2002). Em suma, todos os contos de A cabeça “guardam em comum a
ausência de um discurso explicativo”, uma vez que “Vilela pensa o texto não como
resumo de uma história interpretada pelo narrador, mas como um momento epifânico
de atrito”, e a tensão desses momentos “podem descambar tanto para o humor quanto
para a ironia ou para a angústia” (Sanches Neto, 2002).
“Depuração parece ser a melhor definição do processo que vai de Tremor
de terra, de 1967, aA cabeça”, afirma João Paulo (2002), que explica:
Em primeiro lugar, pelo fato de, desde os primeiros livros, se encontrar um
escritor maduro, dono de seus instrumentos expressivos e de uma visão de
mundo cética. E, ainda, pela maneira como, tanto no conto como na novela
e romance, se perceber o equilíbrio entre um momento de concisão extrema
– poética – e uma ampliação pelo diálogo – de qualidade dramatúrgica. Por
isso, os contos de A cabeça impressionam tanto, eles levam estas caracterís-
ticas ao extremo, à busca da perfeição na escolha das palavras, no ritmo
criado pelos climas, na forma de deixar entrever um olhar sobre o sentido
do mundo. (Paulo, 2002).
Temos aqui, pois, um “escritor maduro” em seu primeiro momento que, no
segundo momento, torna-se um autor no “extremo” da “busca da perfeição”.
O escritor Francisco de Moraes Mendes (2002) comenta que “Vilela está de
volta, com a mesma fluência e limpidez que caracterizam seus escritos.” Carlos Grai-
eb (2002) trata do diálogo em Vilela, fazendo a ressalva de que o assunto “deve cau-
sar bocejos” no escritor, por ser abordado “talvez desde sua estréia, com o livro Tre-
mor de terra (1967)”. O historiador Almir de Freitas (2002) relaciona os contos dos
dois momentos pela classe social dos personagens:
45
os personagens revelam suas características por meio do que dizem clara-
mente, ou melhor, da forma como dizem. É quando o universo da classe
média, típica da obra de Luiz Vilela, vem à tona, apresentando um mundo
no final das contas de gente simples, mas nem por isso estereotipado ou va-
zio. (Freitas, 2002).
“Foi uma longa espera”, anota Sérgio Rodrigues (2002), ao comentar que
“[e]ntre seu livro de contos anterior, Lindas pernas, e este A cabeça, Luiz Vilela en-
velheceu 23 de seus 59 anos”, e que Vilela “[d]esde sua estréia com Tremor de terra,
em 1967”, atrelara “seu nome tão firmemente à ficção curta”, fora “tão (mal) imitado
e (bem) assimilado, que sua ausência do campo de batalha não tinha como passar
despercebida.”
Do tempo decorrido entre as obras, o que resulta?
“[N]em tudo é reiteração de estilo em A cabeça”, pondera Sérgio Rodrigues
(2002): o “fascínio por ninfetas”, que antes se manifestava em um conto [‘Françoi-
se’, de T] delicado e ‘quase romântico’”, agora “chega à crueza do nu frontal
[‘Suzy’]”, e o pastelão em torno da morte, de “Velório” (TT), transformou-se, no con-
to “A cabeça”, “num humor negro de gelar a medula”.
Mas essas gradações na retomada de temas têm, na visão de Sérgio Rodri-
gues (2002, grifos do autor), uma contrapartida formal, discursivo-narrativa:
Aqui [em A cabeça] não flashbacks nem aquela montagem explicita-
mente cinematográfica que anda na última moda. Fluxo de consciência, fra-
ses sem ponto, multiplicidade de narradores, experimentalismo, alitera-
ções? Como diria Vilela: “Tá maluco, ?” A estratégia é mais astuta do
que parece à primeira vista. Não chega a ser uma surpresa que, em vez de
desbotar, esse credo conservador conservador, sim, embora conteúdo e
intenção sejam progressistas soe mais oportuno ainda duas décadas de-
pois. (Rodrigues, 2002).
46
Consideremos alguns aspectos do arrazoado.
Na verdade, em uns poucos contos de Vilela dos anos 60 e 70 encontramos
“experimentalismos” tomando a palavra na acepção restrita com que certos “van-
guardeiros” a vêem tais como fluxo de consciência, frases sem ponto, multiplicida-
de de narradores, cortes cinematográficos. nos contos do segundo momento, res-
salvada a hipótese de que o ficcionista volte a essas técnicas em contos que vier a pu-
blicar, não temos a utilização dessas estratégias discursivo-narrativas. Mas, quase um
século após Proust, Kafka e Joyce escritores que Vilela nomeou (em Moraes e Bar-
ros, 1967, cf. Zamboni, [n.p.]) “a Santíssima Trindade da literatura moderna”, o
se pode falar que usar tais procedimentos configure experimentalismo e nem que seja
de um “credo conservador” optar por, conforme as palavras de Sérgio Rodrigues
(2002), “um choque de despojamento que restaure a força da história”.
Whisner Fraga, que é conterrâneo de Vilela e também é contista premiado,
24
faz, aliás, observação similar à de Sérgio Rodrigues: Os contos de A cabeça”, co-
menta Fraga (2002b), não trazem muitas inovações, os leitores encontrarão o vetera-
no e experiente autor de Tremor de terra, velho de guerra, preciso e irônico, que se
destacou na literatura brasileira como um dos maiores contistas surgidos na segun-
da metade do século passado.”
Tanto Franga quanto Rodrigues, em seus comentários, optam com certeza
pela exigüidade do espaço que os veículos concedem às resenhas literárias por não
considerar que os procedimentos, as técnicas, as estratégias narrativas e as opções
discursivas compõem um aparato que foi moldado ao longo da história da literatura e
da evolução da língua, e que o escritor de nossos dias tem tal aparato à sua disposi-
ção, para ser utilizado livremente e com criatividade, escolhendo as soluções que se-
jam as mais adequadas para a sua narrativa, de conformidade com os efeitos de senti-
24
Cf. a primeira orelha de Coreografia dos danados, Fraga (2002a).
47
do que pretenda obter. E ainda, que o experimentalismo pode se verificar em outros
níveis da escrita.
A pesquisadora Cláudia Chalita Azevedo (2003, p. 463) entende que, em
Vilela, “[a] matéria do escritor são as questões contemporâneas”. O ficcionista, diz,
“realiza uma salutar preocupação na escritura: recusa deter o jogo dos códigos”, com
o que “nunca se sabe se ele é responsável por aquilo que escreve”, pois deixa a inda-
gação “quem está falando?” sem resposta. Vilela consegue esse efeito de sentido, se-
gundo Azevedo (2003, p. 464), por ser um escritor que “tem a ironia na alma”.
o jornalista e escritor José Castello (2002) a coletânea A cabeça como
uma “ironia pós-moderna de Vilela”, dizendo que o ficcionista “é um escritor preo-
cupado com a fluidez do que escreve, com sua densidade oral, inquietação que ele
radicaliza nos dez contos” do livro. No entanto, Castello conclui que “embora seja de
fato um livro competente, A cabeça não é o melhor de Luiz Vilela.
Tal julgamento parece não ser o mesmo de um júri formado por vinte per-
sonalidades, entre professores universitários e críticos literários de praticamente todos
os estados brasileiros das regiões Sul e Sudeste, além de Brasília, que escolheram A
cabeça como um dos “clássicos contemporâneos” da literatura brasileira (cf. Estado
de Minas, 2005).
Nas considerações a cada uma das obras indicadas nessa enquête, a coletâ-
nea de Vilela é apresentada por João Paulo, jornalista do Estado de Minas, como de-
monstrando certa incomunicabilidade que se expressa pela conversação, certo silên-
cio que revela a fragilidade da condição humana, e ainda pelo “uso virtuosístico do
diálogo”, marca do autor “desde a estréia em 1967, com Tremor de terra (Paulo,
2005).
Por seu lado, para a professora Letícia Malard (2002), em A cabeça Vilela
“recria, com a vivacidade inerente a esse escritor, o vazio interior e sua conseqüente
incomunicabilidade.
48
Wilson Martins (2002) chama a atenção para o fato de que “[a] ironia é
outro elemento estrutural na arte narrativa de Luiz Vilela”. Entendemos que, aqui, o
crítico literário e professor, responsável pela apresentação da antologia Os melhores
contos de Luiz Vilela, lançado em 1988, refere-se a uma invariante na ficção do escri-
tor mineiro.
Antes de expormos o quadro referencial teórico deste trabalho, apresenta-
mos o que é a literariedade para Luiz Vilela, a partir de depoimentos e entrevistas por
ele concedidos, no intuito de verificar se as proposições que moveram o escritor man-
têm sintonia com a apreensão da obra pela crítica.
49
1.4 A LITERARIEDADE, SEGUNDO LUIZ VILELA: FOGO
SAGRADO FEITO DE CORAÇÃO E TRIPAS
Retomemos a questão: qual era o horizonte de expectativa da crítica que re-
cebeu o Entre amigos e as coletâneas de contos de Luiz Vilela? Temos, na análise da
recepção, um conjunto de características operacionais para compreendermos o que é a
literariedade nas obras que surgiram no último quarto do século XX no Brasil. Uma
narrativa ficcional contemporânea deve, segundo o que depreendemos (ver item
1.3.2), conter os seguintes atributos: conhecimento da sociedade e das tradições lite-
rárias, e rompendo com tais tradições; para tanto, deve aliar coragem e liberdade, cla-
reza de linguagem e originalidade experimentalista, concisão e criatividade, preocu-
pação social com o contemporâneo e universalidade. Em síntese, profundo conheci-
mento da vida e da teoria para radicalmente questioná-las, utilizando linguagem cria-
tiva, porém de claro entendimento.
Em termos esquemáticos e sem hierarquia possível, são estas, pois, as prin-
cipais características que, como pares ao mesmo tempo opositivos e complementares,
determinam a literariedade de um texto ficcional, tal como deduzida a partir da recep-
ção ao romance EA e aos contos de Luiz Vilela, logo após suas publicações:
1.
conhecimento das tradições literárias;
2.
rompimento com as tradições literárias;
50
3.
conhecimento da própria aldeia;
4.
conhecimento que extrapole e que revolucione sua aldeia;
5.
coragem;
6.
liberdade;
7.
clareza de linguagem;
8.
originalidade experimentalista;
9.
concisão;
10.
criatividade;
11.
preocupação social com o contemporâneo;
12.
universalidade.
Na prática, os pares contrastantes podem ser expressos em uma única opo-
sição conhecimento e coragem: conhecimento da literatura, da escrita, da vida, da
própria aldeia e do mundo; coragem para ousar literariamente, para criar através da
escrita, para libertar a vida, para revolucionar a própria aldeia, para ousar diante do
mundo. Em outras palavras, conhecimento para ter a coragem de avançar no conhe-
cimento do próprio homem e do mundo que o homem constrói no tempo que lhe é
dado sobre a terra.
Esse par que é simultaneamente de oposição e de complementaridade con-
juga os mesmos critérios que orientaram Luiz Vilela na escritura de seus contos? Para
responder a essa questão, compulsamos entrevistas, declarações e depoimentos do
escritor, elaborando um extrato da poética do ficcionista a partir da dinâmica que flui
do par conhecimento-coragem.
25
No pólo do conhecimento, encontramos, entre as declarações de Vilela, um
verdadeiro roteiro de iniciação à literatura:
25
O extrato, que elaboramos a partir dos textos reunidos em Zamboni, [n.p.], está no Anexo 2 (v. 2).
51
Aos 12 anos, li quase todo o Tarzan, de Edgard Rice Burroughs; alguns li-
vros de Kipling; outros de P. C. Wren (fora montanhas de histórias em qua-
drinhos). Aos 13 anos, Conan Doyle, Sax Rohmer, Júlio Verne, Robert
Louis Stevenson, Dickens, Malba Tahan, Ruy Barbosa, Castro Alves, Plu-
tarco, a Bíblia, a Imitação de Cristo. Aos 14, li Gogol, Tolstoi, Tchekhov,
Montaigne, Voltaire, Balzac, Dumas, Anatole France, Oscar Wilde, Shaw,
Bernanos, Mauriac, Gide, Thomas Mann, Liam O’Flaherty. Aos 15 e 16,
Pascal, Nietzsche, Kierkegaard, Marx, Unamuno, Sartre, quase toda a lite-
ratura ocidental moderna e, praticamente, toda a literatura brasileira moder-
na, e antiga, sem falar na portuguesa. São centenas de autores e livros.
Quais as influências? Sinceramente, não sei. Há, porém, alguns escritores
que li na adolescência e que eu sempre volto a ler. É possível que estejam
neles as principais influências. São Machado, Drummond, Graciliano, Pes-
soa, Tchekhov, Kafka, Joyce, Hemingway, Camus e Beckett. (Anexo, 1971,
in Zamboni, [n.p.]).
Vilela diz ainda que “a realidade cotidiana brasileira é a matéria-prima de
minha ficção” (Vilela, 1981, entrevista para a Editora Ática, in Zamboni, [n.p.]), e
que o escritor precisa “estar atento a tudo, ter olhos e ouvidos para tudo. Aliás, o es-
critor é exatamente isso: alguém que não perde nada, alguém que tudo observa, tudo
registra e tudo guarda em sua memória.” (Ricciardi, 1994, in Zamboni, [n.p.]).
Recentemente, em longa entrevista ao jornal literário Rascunho, de Curiti-
ba, questionado sobre a avaliação que fazia do seu Tremor de terra, à época em que o
lançou, foi enfático: “Eu lera muito, lera tudo o que mais importava ler, na literatura
brasileira e na estrangeira, e sabia perfeitamente o que era boa literatura e o que não
era.” (Santos, 2002).
Ao que parece, Vilela não teme o cabotinismo e não se escuda atrás de falsa
modéstia. no pólo da coragem, exprimir-se com tal contundência normalmente não
é possível, por se tratar de um dado subjetivo, transversal e, em nosso caso, sempre
adjetivado. Quando surgiu na literatura brasileira, em 1967, Vilela assim se manifes-
tou: “Escrever é um modo de participar na formação da consciência e da história de
um povo.” (Sol, 1967). A par desse dado de inserção social e histórica, aliava o do-
52
mínio do artesanato literário: “A linguagem é fundamental, mas linguagem somente
não faz um conto. outras coisas, e é nelas também que o conto pode ser renova-
do...” (Barros, 1967, in Zamboni, [n.p.]). Muitos anos depois, explicita: “Todos os
meus livros, do primeiro ao último, contém experimentos, e não apenas de lingua-
gem, mas também de estrutura, de ritmo, e tudo o mais que constitui uma obra.” (Pá-
dua e Silva, 1983).
Outra face da coragem se refere à função da literatura e à postura do escritor
diante da vida e da literatura. Sobre isso, eis o que Vilela afirma: “Não suporto a lite-
ratura para fazer a digestão ou para ler antes de dormir.” (Cortinez, 1969, inédita, in
Zamboni, [n.p.]). Para o ficcionista, “[a] boa literatura é sempre perturbadora [...] é
essencialmente crítica. Sem ser panfletária, está sempre vigilante, sempre escavando.
no escritor algo de abutre, de advogado do diabo, de pária, de cigano.” (Jornal do
Brasil, 1972, in Zamboni, [n.p.]).
Indagado se na sua eleição dos temas e personagens haveria alguma denún-
cia da vida brasileira, Vilela responde: “Creio que sim, e não apenas nos meus contos,
mas em toda a minha ficção. Sem esta denúncia, o autor corre o risco de fazer bele-
trismo, e beletrismo é uma coisa abominável.” (Steen, 1982). Considera que a sua
“sempre foi uma literatura essencialmente crítica. O que não quer dizer que ela seja
uma literatura panfletária. [...] Os escritores medíocres copiam a realidade. Os gran-
des partem dela e, com a imaginação, criam uma nova realidade.” (Ribeiro, 1989).
Preza a sua liberdade como pessoa, como cidadão e como artista: Tenho
horror à política e aos políticos. Nunca pertenci a nenhum partido, nunca fiz campa-
nha para nenhum candidato, e sou contra o voto obrigatório” (Siúves e Mesquita,
1995, in Zamboni, [n.p.]), afirma, peremptório, estendendo essa liberdade para o
campo literário: “A característica essencial do conto de hoje é, no meu entender, a sua
liberdade. O conto pode ser tudo.” (Vilela, 1981, para o SLMG, inédito, in Zamboni,
[n.p.]). Mas, sempre, deve buscar o que nomeamos de literatização e de literariedade:
53
“Há como melhorar o texto, comparando o seu com o dos grandes mestres, olhando
as aberturas, os finais, os desenvolvimentos. E lendo, lendo sempre. [...] Quando falo
em técnica, no entanto, não estou querendo dizer que um livro pode ser todo arquite-
tado, cerebral. A frio não dá certo.” (Costa, 2002).
Vilela considera que “[a]rte é emoção, e não explicação” (Vilela, 1975, iné-
dito, in Zamboni, [n.p.]), e explica que é “para expressar minha visão das coisas que
eu escrevo, e se entre os vários gêneros literários escolhi a ficção é porque a conside-
ro o mais amplo e o mais profundo”, completando: “Na verdade, acho quea ficção
é capaz de expressar todas as latitudes e longitudes da alma humana.” (Sauerbronn,
1985).
É por isso que, ao escrever e podemos levar tal emoção para a leitura
tem “que acontecer no meio da história aquela coisa chamada de fogo sagrado(Cos-
ta, 2002), uma vez que “[o] racional é muito pobre para explicar o que a pessoa cria
não apenas com a cabeça, mas com o coração e com as tripas.” (Coutinho, 1983).
Temos em Luiz Vilela, pois, como proposição de artista, pelos excertos a-
presentados, a conjugação opositivo-complementar entre conhecimento e coragem
instituidores da literariedade, tal como a literariedade foi depreendida e descrita a par-
tir da recepção da obra EA, o romance de Vilela lançado em 1983, e de suas coletâ-
neas de contos, tantos as do primeiro momento quanto a do segundo.
II
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
55
Greimas e Fontanille, em Semiótica das paixões, nos alerta: “Conceber a te-
oria semiótica sob a forma de percurso consiste em imaginá-lo como caminho marca-
do por balizas, é verdade, mas sobretudo como escoamento coagulante do sentido,
como seu espessamento contínuo” (Greimas e Fontanille, 1993, p. 12). O sentido que
escoa, que espessa e que coagula é um sentido dado pelo percurso, cuja trajetória
constitui a teoria e se realiza na análise. O objeto de estudo é um discurso; em “Semi-
ótica do discurso científico”, Greimas (1976, p. 1-54) mostra que todo discurso,
mesmo o de um texto técnico, se constitui como narrativa; demonstra ainda que, co-
mo narrativa, todo discurso engendra o seu significado através de um percurso gerati-
vo de sentido. Esse percurso parte da imprecisão original e ‘potencial’, para chegar,
através de sua ‘virtualização’ e de sua ‘atualização’, à fase da ‘realização’, passando
das precondições epistemológicas às manifestações discursivas.” (Greimas e Fonta-
nille, 1993, p. 12, aspas dos autores).
Trata-se, nos lembra Fiorin (2001, p. 10), de uma “gramática do discurso”,
que explicita “mecanismos implícitos de estruturação e interpretação de textos.” Tal
“gramática [...] preside à construção do texto.” (Fiorin, 2001, p. 9). Segundo Diana
Luz Pessoa de Barros (2001, p. 83), o exame interno do texto não é suficiente, no
56
entanto, para determinar os valores que o discurso veicula. Para tanto, é preciso inse-
rir o texto no contexto de uma ou mais formações ideológicas que lhe atribuem, no
fim das contas, o sentido.” Como a existência de sentido pressupõe que haja uma ide-
ologia que lhe embase, todo texto sempre visa “persuadir o outro a aceitar o que está
sendo comunicado.” (Fiorin, 2001, p. 52). Por lhe ser inerente o objetivo de conven-
cer e conquistar, todo “ato de comunicação é um complexo jogo de manipulação” que
se vale “de certos procedimentos argumentativos” (Fiorin, 2001, p. 52).
O labor argumentativo cinge-se, de maneira geral, à utilização de figuras
de pensamentoou “figuras retóricas” (Fiorin, 2001, p. 54). Tais procedimentos “não
são ornatos que se possam suprimir”, constituindo-se “em uma maneira insubstituível
de dizer.” (Fiorin, 2001, p. 62). São exemplos (cf. Fiorin, 2001, p. 56-62) a antífrase
ou ironia, a lítotes, a preterição, a reticência, o eufemismo e a hipérbole. Na Terceira
Secção deste trabalho, estudamos exemplos de mecanismos discursivos como mani-
festações operacionais do riso literário. Na Quarta Secção, rastreamos artifícios lin-
güísticos que compõem, como possibilidades enunciativas, relações textuais sintáxi-
cas e semânticas. Essas relações formam, em um discurso, um conjunto finito e cata-
logável. A semiótica de linha francesa, que se desenvolveu na Escola de Altos Estu-
dos em Ciências Sociais de Paris a partir do projeto de Algirdas Julien Greimas
(1917-1992), faz uma taxologia das possibilidades enunciativas. De forma sucinta,
expomos, da semiótica greimasiana, os conceitos que norteiam o estudo que realiza-
mos dos procedimentos textuais e mecanismos enunciativos na contística de Vilela.
Diante do referencial, seguimos as lições que podem ser inferidas desta me-
táfora clariceana: “Mas já que sede escrever, que ao menos não se esmaguem com
palavras as entrelinhas.” (Lispector, 1984, p. 15). Portanto, com os riscos que tal pro-
cedimento possa implicar, evitamos a leitura passiva da teoria e a análise mecânica do
corpus. O resultado da pesquisa, com os percursos gerativos de sentido dos contos
analisados, são condensados na Sexta Secção.
57
2.1 NOS CAMIHOS DA SEMIÓTICA LITERÁRIA
A semiótica greimasiana é uma teoria que se insere na tradição estruturalista
e está firmemente calcada nos estudos lingüísticos desenvolvidos ao longo do século
XX. Escolhemos como referencial o livro Caminhos da semiótica literária, obra de
Denis Bertrand que apresenta exaustivo e atualizado panorama “da abordagem semió-
tica na literatura” (Bertrand, 2003, p. 24) a partir dos pressupostos greimasianos (cf.
Bertrand, 2003, p. 16-17 e p. 26-33). Para Bertrand (2003, p. 27), o método de Grei-
mas obteve “confiabilidade descritiva” do texto literário ao articular “quatro dimen-
sões”: a narrativa, a passional, a figurativa e a enunciativa.
Para Greimas, a ngua é uma reunião de estruturas de significação; nas pa-
lavras de Bertrand (2003, p. 15-16), “a semiótica, assim compreendida, é uma teoria
da relação; os ‘termos’ (unidades significantes de qualquer grandeza, empiricamente
isoláveis), do ponto de vista da significação, são apenas interseções de relações apre-
endidas e articuladas em diferentes veis de análise.” Trata-se de projeto teórico-
conceitual voltado para elucidar a significação: inicialmente, apreende as diferenças;
prossegue com o exame da representação dessas diferenças em uma estrutura elemen-
tar; em seguida, mapeia o complexo percurso global da geração de sentido desde as
estruturas profundas até as estruturas de superfície; por fim, esclarece de que modo a
58
significação é operacionalizada pelos filtros da instância da enunciação. (Cf. Ber-
trand, 2003, p. 16-17).
Vejamos, desdobradas, as dimensões que configuram, na teoria greimasia-
na, a arquitetura discursiva.
59
2.1.1 A DIMENSÃO NARRATIVA
A dimensão narrativa (Bertrand, 2003, p. 27-28) registra “atores”, “sujeitos
de desejo ou de medo”, que adquirem competências e que, “seres de papel”, agem e
lutam, e desse modo fracassam ou alcançam vitórias. (Por exatidão conceitual, a se-
miótica greimasiana opta por nomear os personagens, no nível narrativo, como ato-
res).
26
O percurso dos atores se em uma estrutura nomeada de actancial, por deri-
vação de “ator”, e é definido por uma composição modal “querer, dever, saber, po-
der, ser ou fazer” relacionada à posse ou à privação de algo que o ator deseje; esse
“algo” é nomeado “objeto-valor”. “Modal”, ou modalizador”, é, em um discurso, o
termo lingüístico dotado de um significado capaz de alterar o valor, ou significado, de
outro termo lingüístico. Trata-se de “um predicado que modifica outro predicado.”
(Bertrand, 2003, p. 422). Na dimensão narrativa, o percurso modalizado do ator se
refere ao seu relacionamento de conjunção ou de disjunção quanto ao seu objeto-
valor. Alcançar, possuir, manter, renunciar ou ser despojado do objeto-valor constitui
a sucessão de fatos que constrói o discurso narrativo; o estatuto relacional em modifi-
cação quanto ao objeto-valor se a partir do embate do ator com outros sujeitos da
“mesma cena narrativa”. O “esquema canônico” parte de um contrato inicial, um pac-
to, um entendimento cito, uma fidúcia entre os actantes, e ao final prevê sanções: a
recompensa do herói, o castigo do vilão.
Tal esquema, de perdas e de ganhos, de contratos que se rompem, de vitó-
rias e de castigos, deixa no sujeito “resíduos” (Bertrand, 2003, p. 28-29): lamentos,
nostalgias, obstinações, ambições. São simulacros do sensível nomeados e projetados
26
Bertrand (2003) desliza os sentidos de “ator” e “actante”: estudiosos de Greimas (Fiorin, 2001, e Barros,
2001, por exemplo) consideram o termo “actante” como o apropriado ao nível narrativo, sendo “ator” o cor-
reto no nível discursivo, por se constituir o “ator” um revestimento figurativizado do “actante”.
60
na linguagem narrativa. A dimensão patêmica tensiona o discurso e emerge na teoria
como a semiótica das paixões. Mergulhada nas estruturas profundas do texto e geran-
do no leitor cognição ou emoção, o patêmico trabalha, no texto, por jogo opositivo
com aparência de contraste absoluto de forças rivais, contraditórias e imiscíveis.
O universo semântico, no entanto, não é configurado somente pelas forças
da paixão. A significação textual carrega o âmago recôndito do ser que é sujeito da
enunciação, mas contém, igualmente, os limites desse sujeito, sua história (considera-
da aqui como o texto discursivo que o sujeito faz de si mesmo quando revê o seu pas-
sado), seus condicionantes históricos, lingüísticos e pessoais. O sujeito-enunciador
detém uma lógica racional que, por antípoda, é um freio às paixões. Decorre daí que o
texto traz, na sua estrutura mais profunda, mesmo quando não as quer evidenciar, as
cicatrizes das oposições internas que engendram o significado do próprio texto. Como
a semântica é uma lógica, o jogo opositivo se constrói entrecruzando possibilidades
intermediárias. Desse modo, pode instaurar o contraditório sem nuances, pode ser
contrariedade, pode constituir complementaridade ou pode definir uma hierarquia.
Portanto, a base do percurso gerativo de sentido é um “modelo lógico aris-
totélico” articulador das “relações de contradição, contrariedade, complementaridade
e hierarquia.” (Bertrand, 2003, p. 429 e cf. p. 172). Ao perceber tal dispositivo como
fundador do âmago da discursividade, Greimas propõe o quadrado semiótico como a
estrutura elementar da significação.
Retomemos e ampliemos a especificidade dessa estrutura fundamental da
semiose greimasiana.
61
2.1.2 O QUADRADO SEMIÓTICO
Qualquer ser, objeto, constructo lingüístico ou coisa pode ser examinado
por sua definição, pelo acidente que o marca, por sua propriedade ou por seu gênero –
ou seja, por episteme que gere categorias, predicados, interpretação, conceitos. A -
gica é uma construção, e do Organon aristotélico Greimas deriva as relações de con-
tradição e contrariedade que são a base do quadrado semiótico. Para Aristóteles, na
contrariedade, a uma afirmação universal se contrapõe uma negação universal; na
contradição, a uma afirmação universal se contrapõe uma negação particular.
Eis, conforme Bertrand (2003, p. 172), o quadrado canônico:
(Bertrand, 2003, p. 172).
62
Bertrand (2003, p. 173) assim explica o quadrado semiótico: “O jogo das
relações entre as proposições, compatíveis entre si ou mutuamente excludentes, per-
mite calcular os valores de verdade das proposições e reger os modos de funciona-
mento do discurso argumentativo”.
Entre A e B temos uma oposição antitética, polar e qualitativa em um mes-
mo eixo semântico, formando uma contrariedade. Nesse eixo, a oposição semiótica
fundamental é construída por topoi (os ‘lugares’ do discurso) desenvolvidos desde a
origem da retórica: aparência/realidade, meio/fim, unicidade/pluralidade, huma-
no/divino, vida/morte, obrigatório/proibido, natureza/cultura, etc.” (Bertrand, 2003, p.
174). O topos universal axiológico da individualidade é a oposição “vida/morte”;
“o universo semântico da axiologia social” é articulado a partir do topos “nature-
za/cultura”. (Bertrand, 2003, p. 179).
Entre A e não-A e B e não-B temos uma oposição gradual, uma contradi-
ção. Entre não-A e o-B, temos uma subcontrariedade, eventualmente entre pala-
vras que não são do mesmo campo semântico, devido a usos e costumes sociais e cul-
turais e à evolução da língua natural (cf. Bertrand, 2003, p. 176).
A relação entre não-B e A e a relação entre não-A e B formam os eixos de
complementaridade. Nomeia-se dêixis positiva, ou eufórica, a complementaridade
entre não-B e A e de dêixis negativa, ou disfórica, a relação de não-A com B.
Para Bertrand (2003, p. 174), portanto, “o quadrado se apresenta, de manei-
ra formal, como uma rede relacional abstrata. Suas grandes relações constitutivas são
cinco: contradição, contrariedade, subcontrariedade, complementariedade, hierarqui-
a.” Eis como Bertrand (2003, p. 177) expõe o conceito de hierarquia:
entre os termos dos pólos contrários ou subcontrários do quadrado e aque-
les que os subsumem, isto é, que selecionam o sema comum aos termos
contrários, formando assim seu eixo semântico, estabelece-se uma relação
de hierarquia. É a relação clássica entre hipônimos e hiperônimos que aí se
63
exprime, como é o caso por exemplo entre termos específicos e genéricos.
No quadrado, os hipônimos (hierarquicamente inferiores) formam a primei-
ra “geração”, e os hiperônimos são passíveis de desdobrar-se em um mode-
lo de segunda “geração”. (Bertrand, 2003, p. 177).
O quadrado, como taxionomia e paradigma, é posicional, fotografa um “mi-
crouniverso de significação” com a “rede de interdefinições” que indica “as posições
relativas dos termos uns em relação aos outros.” (Bertrand, 2003, p. 178). Por outro
lado, é também “um modelo dinâmico que apresenta sucessivamente, no plano sin-
tagmático, a passagem de uma posição a outra. Constitui assim, no nível profundo, a
forma primeira das estruturas que, num nível mais superficial, se desdobrarão em ar-
quitetura narrativa.” (Bertrand, 2003, p. 178-179). E do vel mais profundo o analis-
ta faz emergir a semiótica das paixões.
64
2.1.3 A SEMIÓTICA DAS PAIXÕES
Nosso interesse se restringe a estabelecer, do arcabouço teórico, um método
de análise comparativa. Ao voltarmo-nos para a estrutura patêmica, consideramos,
com Tatit (1997, p. 26-27), que parece claro que o valor metodológico dos estudos
empíricos dependem da revisão permanente dos níveis profundos, sob pena de o mo-
delo semiótico não vingar.” O ensaísta de Musicando a semiótica complementa: “Não
foi por acaso que Greimas dedicou seus últimos anos à estética e à paixão e inseriu
suas novas descrições no quadro de uma vasta reformulação epistemológica da teoria
geral.” (Tatit, 1997, p. 27).
Objeto da semiótica das paixões, configurador do conflito narrativo e en-
gendrado por substantivos patêmicos fóricos e/ou tímicos na estrutura discursiva,
o espaço passional configura-se pela tensão interna-subjetiva do sujeito textual ou
pelo embate disjuntivo entre sujeitos discursivos antagonistas. O esforço teórico é
“construir uma semântica da dimensão passional nos discursos” para “considerar a
paixão não naquilo em que ela afeta o ser efetivo dos sujeitos ‘reais’, mas enquanto
efeito de sentido inscrito e codificado na linguagem.” (Bertrand, 2003, p. 357-358,
aspas no original).
O espaço passional” é delineado pelos enunciados de junção (conjunção,
disjunção e seus contraditórios)”, a partir de uma operação de “descontinuidade dos
estados, cuja transformação é assegurada pelos enunciados de fazer.” (Bertrand,
2003, p. 359). A sinergia “entre o sujeito e a junção” no tensionamento passional tem
por foco “o dinamismo interno, poderíamos dizer íntimo, dos estados.” (Bertrand,
2003, p. 360). Tal “relação juntivafeita de tensões e aspectualizações cujo estatuto
deverá ser precisado é, pois, da ordem do contínuo e se dispõe ‘em torno’ das trans-
65
formações narrativas. [...] A problemática da paixão se define em relação à ação.”
(Bertrand, 2003, p. 361, aspas no original).
No centro terminológico, surgiu o conceito de aspectualização; entre outras
características, a aspectualização “modula o conteúdo semântico do predicado” (Ber-
trand, 2003, p. 415) quanto ao tempo, à duração, ao espaço e ao comportamento do
ator. A dicotomia do sujeito patêmico diante da racionalidade que lhe é inerente im-
põe “uma dicotomia fundamental entre paixão e julgamento, entre paixão e razão.”
(Bertrand, 2003, p. 365). Por isso, o esquema passional canônico imerso nas estrutu-
ras semionarrativas, no percurso narrativo do “fazer” do sujeito amalgamado ao esta-
do de sofrimento do “ser”, encadeia o seguinte esquema, que Bertrand (2003, p. 374)
retoma de Greimas & Fontanille em Semiótica das paixões:
disposição sensibilização emoção moralização
(cf. contrato competência ação sanção)
(Bertrand, 2003, p. 374).
A “disposição” é o estado inicial. O momento efetivamente passional é o da
“emoção”, que prolonga e atualiza a crise instaurada na “sensibilização”. O percurso
encerra-se na “moralização”, quando o sujeito recebe a sanção fórica e então, entre
a alegria, a indiferença e a tristeza, tem um novo estado patêmico como desdobra-
mento das emoções que vivenciou.
66
2.1.4 MODULAÇÕES DO TENSIVO
A arquitetura narrativa evidencia que o espaço passional configura-se pela
tensão do sujeito em junção instável ou em disjunção com o seu objeto-valor. Por
refletir opositivos moralizadores inscritos na trajetória histórica da cultura social e
nas condições objetivas e subjetivas do sujeito, e por tal oposição estar implicada di-
retamente na oposição fundamental sobre a qual se constrói todo o discurso, o patê-
mico parece ser não um desdobramento, mas o próprio núcleo do quadrado semiótico.
“A semiótica das paixões”, conclui Bertrand (2003, p. 392), reconheceu a importân-
cia das categorias micas na organização do sentido no nível das estruturas profun-
das. Ela se encarrega, por meio do conceito de modalização, de encaminhá-las para o
nível das estruturas de superfície.” Entretanto, alerta-nos Fontanille & Zilberberg
(2001, p. 69), “definir uma relação paradigmática apenas pela alternância é visivel-
mente retirar-lhe ao menos metade do alcance.”
Nesse caso, o quadrado semiótico parece insuficiente para dar conta da tare-
fa de produzir o(s) significado(s) do discurso que analisa. Fontanille & Zilberberg
(2001, p.61-95) percorrem os diversos argumentos que constituem reparos à proposta
greimasiana. Nesse percurso, apresentam a abordagem das paixões através de uma
“rede” de pontos de intersecção das relações em uma “interpenetração” de dimensões
(cf. Fontanille & Zilberberg, 2001, p. 70-71) que produza uma semântica do contí-
nuo, da dependência e da complexidade” (Fontanille & Zilberberg, 2001, p. 79).
Cada passo analítico é minucioso e é mínimo cada degrau galgado. Nenhu-
ma gradação pode faltar, sob pena de desmoronar todo o edifício teórico. Assim, Gre-
imas e Fontanille (1993, p. 26-28) introduzem, com o conceito de valência, até mes-
mo o “pressentimento dos valores” (a expressão está em Tatit, 1997, p. 43) como uma
67
instância que deve ser ponderada na análise discursiva. Por sua vez, Fontanille & Zil-
berberg (2001, p. 94, grifo dos autores) concluem que, “entre as modulações tensivas
(extensivas e intensivas) da categoria e seus usos sob enunciações e pontos de vista
particulares, permanece todavia a zona de pertinência do quadrado semiótico, o qual,
também sob essa ótica, merece ser situado.”
O estudo da tensividade instaura um modelo novo na semiótica greimasia-
na, muito mais complexo do que o bosquejo apresentado. Além da sua importãncia
desbravadora, que de certa forma ainda tateia na busca de suas definições, a semiótica
das paixões ainda está por ser construída, mas o desenvolvido indicia que trans-
formará o quadro atual. Limitamo-nos a aspectos básicos, suficientes, na modulação
tensiva entre a foria e a timia, para operacionalizar alguns aspectos da comparação
entre dois momentos da contística de Luiz Vilela.
68
2.1.5 A TIMIA E A FORIA
Ao debater o passional como um componente das estruturas fundamentais,
expusemos que o espaço das paixões é constituído pela timia e pela foria, elementos
que tensionam, permanente e irrevogavelmente, o âmago ontológico do discurso que
compartilham com o quadrado semiótico. No entanto, não nos detivemos em explicar
o que significam a foria e a timia e nem porque essa tensão de base é constitutiva do
universo estrutural da afetividade.
Informa-nos Tatit (1997, p. 13) que “para instituir de vez um modelo que
desse conta dos conteúdos passionais foi necessário repropor o nível epistemológico
da teoria com o auxílio de dois simulacros complementares, um tensivo e outro fóri-
co, para configurar as precondições que engendrariam o ser do sentido.” Trata-se da
percepção teórica de que no esquema passional reconheciam-se articulações seme-
lhantes às da semiótica do percurso gerativo de sentido, com o que prefigurou-se uma
“tensividade fórica” (cf. Tati, 1997, p. 13). Essa tensividade assegura a unidade do
sujeito através de uma partição que “cria a alteridade e o próprio sentido de busca”
para recuperar a “integridade do ser”; assim, conforme Tatit (1997, p. 14), “integra-
ção e cisão constituem imagens que articulam a dimensão espacial do modelo e aju-
dam a representar, desde os níveis mais profundos, as manobras contínuas e descontí-
nuas dos discursos.” No campo do tensivo “operam as instabilidades passionais e os-
cilam os valores fóricos antes que se convertam em objetos, modalidades e ideologi-
as.” (Tatit, 2001, p. 17).
Em nota de rodapé, Tatit (2001, p. 17, grifos do autor) esclarece:
A foria vem gradativamente ocupando o lugar teórico da noção de timia
(“disposição afetiva fundamental”), embora nem sempre com muita felici-
dade. De todo modo, além da motivação morfológica inegável quando apa-
rece subsumindo os termos euforia e disforia, foria contém o semema
69
“conduzir” que apresenta melhor rendimento sintáxico que o termo timia.
(Tatit, 2001, p. 17, grifos do autor).
Bertrand (2003, p. 431) define a timia como “disposição afetiva de base” a
partir da relação, positiva ou negativa, do corpo sensível com o ambiente. Além da
eu-foria (entusiasmo) e dis-foria (desespero), anota “uma vertente neutra”, a a-foria
(indiferença). Temos pois a timia e a foria como sinônimos, mas os vimos tratando
como conceitos que se referem a dois fenômenos que, embora coalescentes, contí-
nuos e complementares, apresentam sutis diferenças. Na práxis operacional que ado-
tamos neste trabalho, distinguimos os dois conceitos, e o fazemos para explicitar, na
tensividade de base, um aspecto emocional de fundo cognitivo, a timia, de um aspec-
to emocional de fundo eminentemente passional, a foria conforme, aliás, lição que
se depreende de Tatit (2001, p. 58).
O percurso da afetividade encerra-se, em Bertrand (2003, p. 379-397), com
um capítulo sobre a enunciação passional, no qual examina “a projeção dos simula-
cros” (Bertrand, 2003, p. 379), ou seja, a troca comunicativa entre dois interlocutores
discursivos, que pode também ser entre duas interlocuções opositivas de um mesmo
ator, a partir da qual, num ou noutro caso, o semioticista registra que o sujeito passio-
nal “transforma as qualidades ou os valores investidos no objeto focalizado em obje-
tos ou em parceiros de seu próprio discurso.” (Bertrand, 2003, p. 397). Desse modo,
“as dimensões pragmática e patêmica do discurso, identificadas como formalmente
autônomas, ficam então entrelaçadas e se tornam o motor uma da outra.” (Bertrand,
2003, p. 397).
70
2.1.6 A DIMENSÃO ENUNCIATIVA
Voltemos ao itinerário textual, cume da dimensão enunciativa, “que enqua-
dra e rege, pela discursivização”, as demais dimensões, “as quais articulam em módu-
los os diferentes níveis de profundidade da significação” (Bertrand, 2003, p. 32).
Desse modo, seguindo a inspiração que Greimas buscou em Benveniste, “a enuncia-
ção é, assim, compreendida como a mediação entre o sistema social da língua e sua
assunção por uma pessoa individual na relação com o outro.” (Bertrand, 2003, p. 89).
O sujeito da fala, o enunciador, esclarece Bertrand (2003, p. 30), é “pressu-
posto pela manifestação do discurso, reconstituível a partir dos traços que deixa ne-
le”; tal “agente da textualização” é “acessível por meio de numerosas instâncias de
delegação que simulam sua presença no interior do texto (o narrador, o observador,
os interlocutores), localizável por operações enunciativas”.
A dimensão enunciativa compreende as operações da focalização, do ponto
de vista e da perspectiva, termos de certa transparência nos estudos literários, e os
movimentos de debreagem e de embreagem, que operam por meio das delegações
internas que indicam mudança textual, quanto à categoria pessoal e a dêiticos espacial
e temporal, da voz que se manifesta: a debreagem impõe, no texto, a voz do ele, do
e do então; a embreagem retorna, no discurso, a voz ao eu, ao aqui e ao agora.
Fiorin (1996), em As astúcias da enunciação, apresenta gradações e minu-
dências quanto a esse esquema; mas para a operacionalização que visamos neste tra-
balho, a distinção elaborada por Bertrand se mostra produtiva e bastante.
71
2.1.7 A FIGURATIVIDADE
Na estrutura discursiva, temos também o espaço do revestimento figurativo
do texto. É na dimensão figurativa do enunciado que a mimesis se configura. Segundo
Bertrand (2003, p. 29), a figurativização é a maneira como se inscreve o sensível na
linguagem e no discurso”, a forma como a literatura “representa, estabelece, na leitu-
ra, uma relação imediata, uma semelhança, uma correspondência entre as figuras se-
mânticas que desfilam sob os olhos do leitor e as do mundo, que ele experimenta sem
cessar em sua experiência sensível.” Trata-se de revestir, no texto, “por isotopias se-
mânticas” referenciais, as estruturas abstratas e mais profundas das dimensões patê-
mica e semionarrativa. A dimensão figurativa trabalha à flor da pele do discurso, é a
primeira evidência da leitura. Trabalha com o espaço, o tempo e a pessoa (os atores).
Ao referenciar figuras da exterioridade textual, o discurso faz sua coesão e coerência
internas por recorrer a elementos do mesmo eixo semântico. Esse procedimento gera
as isotopias figurativas.
No revestimento figurativo de um texto literário, “uma imagem do mundo
se delineia, instalando tempo, espaço, objetos, valores.” (Bertrand, 2003, p. 154). O
efeito de realidade, ou “ilusão referencial”, é constituído pela ordenação de isotopias
até a iconicidade (cf. Bertrand, 2003, p. 193-194). Iconicidade, conforme Greimas e
Courtés (1983, p. 222-223) é o processo de tomar “figuras constituídas” e as dotar
de investimentos particularizantes, sucetíveis de produzir a ilusão referencial.” Tra-
ta-se, pois, das marcas que particularizam, com coerência referencial, o tempo (o pas-
sar dos dias, a situação climática, o período histórico), as isotopias espaciais (nomes
próprios, topônimos, distâncias geográficas), a pessoa (no caso, o ator é personaliza-
do e nomeado, situado numa classe social, dotado de uma história de vida, implícita
72
por marcas ou explícita pelo discurso). Quanto ao enunciado, o ator figurativiza-se de
duas formas:
1) é sujeito de ação, move-se, age, interage – e a nar-
rativa se faz;
2) é designado por predicados de estado, está imobi-
lizado como sujeito patêmico no cenárioe o dis-
curso descreve emoção espessa e coagulada.
Ao decuparmos as isotopias figurativas, em busca das abstrações que as
galvanizem em um sentido coeso, depreendemos e mapeamos as isotopias temáticas
do discurso: do figurativo estabelece-se o tema. Nas palavras de Bertrand (2003, p.
213), “a tematização consiste em dotar uma seqüência figurativa de significações
mais abstratas, que têm por função alicerçar os seus elementos e uni-los, indicar sua
orientação e finalidade, ou inseri-los num campo de valores cognitivos ou passio-
nais.” Em outras palavras, trata-se de ligar “as isotopias temáticas a seu suporte figu-
rativo.” (Bertrand, 2003, p. 213).
73
2.1.8 A ESTRUTURA SEMIONARRATIVA
Verifiquemos agora as estruturas semionarrativas; nesse nível, interessa-nos
de perto as questões referentes às sintaxes narrativa, actancial e modal, e os enuncia-
dos elementares da narratividade.
Conforme Bertrand (2003, p. 282-284), a sintaxe dos fenômenos da narrati-
va é “a armação lógica dos enunciados”, despidos da figurativização que enquadra a
narrativa em um tempo e em um espaço específicos, e apresenta “o desenvolvimento
sintagmático da narrativa” sobre um eixo de ordem paradigmática”. Do estado inici-
al (podemos nomeá-lo E1), “constituído exclusivamente de predicados de estado: ter
e ser”, passa o actante por uma primeira transformação, desaguando em um estado
modificado (E2).
A transformação “baseia-se em predicados de /fazer/”. O processo é intensi-
ficado, ocorre uma segunda transformação, que termina em um novo estado do sujei-
to (E3) e assim por diante. A narrativa é construída por alternância entre os enunci-
ados elementares da narratividade os enunciados de estado e os enunciados de fa-
zer: os primeiros qualificam o sujeito, os segundos o transformam. “Assim, a estrutu-
ra narrativa está ancorada na estrutura dos enunciados, são eles, e não os pressupostos
sobre a ação, que engendram a narratividade.” (Bertrand, 2003, p. 284).
Quanto à sintaxe do modelo actancial, vamos deduzi-la do estudo do pro-
grama narrativo (PN). O programa narrativo é a operação que sintetiza de forma lógi-
ca as etapas da transformação de um enunciado de estado a outro enunciado de estado
pela mediação de um enunciado de fazer (cf. Bertrand, 2003, p. 428). É a trajetória,
por exemplo, do estado de disjunção entre o sujeito e o seu objeto valor; a ação do
sujeito em busca do objeto; a conseqüente posse do objeto-valor ou a descoberta da
74
impossibilidade de alcançá-lo. Abstraindo toda e qualquer figuratividade, delineia-se
a seguinte fórmula semiótica da sintaxe actancial:
Manipulação -------- Ação -------- Sanção
na qual manipulação é a possibilidade do fazer, ação é a realização da possibilidade e
sanção é o resultado da ação realizada. Evidentemente, a possibilidade de fazer gra-
dua da total capacidade ao total impedimento, a ação vai do “poder-fazeraté o “po-
der não fazer”, passando pela impotência de fazer ou pela obrigação de fazer, e a san-
ção, positiva ou negativa, pode ser eufórica, afórica ou disfórica. Enfim, considerando
estes três grandes domínios a Manipulação, a Ação e a Sanção –, as possibilidades
narrativas tendem a uma gama, senão infinita, quase interminável de combinações.
Quanto à sintaxe modal, ela se efetiva no exame dos percursos actanciais. A
composição modal do actante resulta do seu “estatuto a cada momento do texto”
(Bertrand, 2003, p. 352). Trata-se de examinar os valores investidos nos objetos que
permeiam a relação entre os sujeitos, e entre os sujeitos e os objetos. O valor modal é
aquele que modifica, ao sujeito uma qualificação antes não existente. Segundo
Bertrand (2003, p. 353), “o contrato ou a manipulação virtualizam o sujeito, a compe-
tência o atualiza, a ação e o reconhecimento o realizam: as modalidades do crer, do
querer ou do dever engendram um sujeito virtual, o saber e o poder um sujeito atuali-
zado, o fazer o sujeito realizado.” Desse modo, na relação Sujeito-Objeto ou Sujeito-
Sujeito, os valores podem ser virtualizados, atualizados, potencializados ou realiza-
dos.
75
2.1.9 O PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO
As dimensões semióticas Fundamental, Narrativa e Discursiva enqua-
dram-se no esforço de estabelecer os moldes da constituição e da configuração dis-
cursiva, ao mesmo tempo em que propiciam um figurino analítico que busque a signi-
ficação textual. Nesse empreendimento, todo discurso deve ser visto como uma narra-
tiva cujo sentido se constrói através de um percurso gerativo de sentido. De acordo
com o modelo delineado, o texto – todo e qualquer texto – é uma enunciação compos-
ta por uma estrutura discursiva, sob a qual existe uma estrutura semionarrativa, que
por sua vez se assenta sobre uma estrutura profunda, configurada pelo quadrado se-
miótico.
Bertrand (2003, p. 47) propõe o seguinte esquema do quadro conceitual:
27
Percurso gerativo da significação
Estruturas discursivas
isotopias figurativas (espaço,
tempo, atores)
isotopias temáticas
Estruturas semionarrativas
esquema narrativo (contrato,
competência, ação, sanção)
sintaxe actancial (sujeito, obje-
to, destinador, anti-sujeito;
programas narrativos; percur-
sos narrativos)
estruturas modais (querer, de-
ver, saber, poder fazer ou ser e
suas negações)
Estruturas profundas
semântica e sintaxe elementa-
res (quadrado semiótico)
(Bertrand, 2003, p. 47).
27
Autores como Fiorin (2001) e Barros (2001) apresentam outra visualização para o Percurso Gerativo de
Sentido. O quadro reproduzido segue as proposições de Denis Bertrand (2003, p. 47).
76
Sobre esse quadro, Bertrand (2003, p. 47) comenta: “Presumia-se que o dis-
positivo do percurso gerativo, formulado em caráter de hipótese metodológica por
Greimas nos fins dos anos 70, condensava a economia global da teoria semiótica.” Os
semioticistas se debruçaram sobre cada nível desse percurso, tanto para investigação
teórica quanto como modelo de práxis operacional. Questionou-se “o próprio modelo
geral [...] em razão do caráter ‘totalizanteque parece impor” (Bertrand, 2003, p. 48,
aspas no original), ainda mais que pretendia abranger não o discurso verbal, mas
também as linguagens não verbais, como a pintura, a propaganda, a dança, a música,
etc.
Considerado “não como um crivo ad hoc, aplicável mecanicamente”, mas
como “centros de questionamento”, Bertrand (2003, p. 49) entende que a proposta
greimasiana do percurso gerativo de sentido não constitui uma grade metodológica
aplicável tal e qual, mas permite localizar os espaços de formação de um sentido co-
municável e partilhável.” (Bertrand, 2003, p. 50).
77
2.1.10 A RECEPÇÃO DO POÉTICO
Ao concluir o Caminhos da semiótica literária, Bertrand trata da leitura e
constata que “a semiótica empreendeu recentemente um retorno em direção à retóri-
ca” (Bertrand, 2003, p. 400), apreendeu “a complexidade da relação entre o texto e o
seu leitor” e a reciprocidade existente entre texto e leitor, no momento em que o lei-
tor, “ao ler, atualiza o texto e seu sentido” (Bertrand, 2003, p. 413).
Para definir a estesia, o prazer estético, o efeito estético da arte sobre o seu
fruidor, o Greimas de Da imperfeição procurou o mecanismo do efeito da “linguagem
poética” (Greimas, 2002, p. 86), percebendo-a como uma “fusão do sujeito com o que
está fora dele.” (Greimas, 2002, p. 87). A fusão do poético do discurso com o leitor
do discurso está na “dissimetria, que se supõe criadora de novos choques e de outras
fissuras.” (Greimas, 2002, p. 88).
As fissuras do sujeito textual e as fraturas do discurso numa palavra, as
imperfeições do sujeito e do discurso impõem-se ao leitor como o inesperado,
transcendem ao texto poético, impactam o imprevisto leitor-destinatário no mundo
natural. Dito de outro modo, o poético patemiza o fruidor do poético impondo-lhe
fissuras a partir das fraturas tensivas imersas no discurso.
No texto, o sujeito da fala é um enunciatário de papel cuja voz surge em di-
álogo com outros sujeitos ficcionais. Entretanto, a narrativa responde a questões ex-
tradiegéticas, cristaliza-se como ideologia em confronto com uma alteridade pressu-
posta. A obra, sendo um conjunto de narrativas, perfaz um sentido semiótico que des-
vela um sujeito-autor (ou uma função-autor) que traz inscrita, em cada passagem, as
marcas dessa autoria, avatar explicitado nas entrelinhas do ficcional com relação ao
empírico que lhe deu vida. Evidenciar, no enunciado, a enunciação que evidencia a
78
função-autor é, nos termos do referencial que vimos traçando, nossa tarefa última no
exercício de confrontar os dois momentos da contística de Luiz Vilela.
Quanto aos nossos pressupostos, no percurso empreendido em torno da se-
miose das estruturas fundamentais, vimos como todos os discursos se constituem a
partir de um par opositivo que estabelece um quadrado semiótico. A contradição basi-
lar pode ser de timia ou foria, e a semiose do quadrado é construída pelo jogo tensivo
entre as unidades patêmicas. Com vistas a convencer e a manipular, imersas na abs-
tração conceitual e desdobradas em vários níveis do texto, o tensivo passional é um
continuum que patemiza, pelas fissuras e fraturas que fazem do discurso um texto
poético, o destinatário sujeito físico no mundo natural.
Se, como expusemos e retomamos aqui com outras palavras, a literariedade
é o amálgama entre os efeitos de sentido de um texto e o texto tramado semiotica-
mente como discurso imerso em sua circunstância histórico-cultural, englobando da
ontologia criadora à recepção do leitor, as fissuras, fraturas e imperfeições do poético
constituem portanto a alma, o cerne, o elã vital da literatura, não mais realização
de papel, mas vida que é integrada à vida dos que a fruem.
79
2.2 AS RETOMADAS DISCURSIVAS
Para comparar dois momentos da contística de Luiz Vilela e verificar as va-
riantes e as invariantes, enfocamos as retomadas discursivas. Teoricamente, elas po-
dem ser abordadas sob o referencial da intertextualidade, da interdiscursividade ou da
idéia de palimpsesto. Em nosso caso, é uma análise de intertextualidade restrita, ou
auto-intertextualidade, por nos circunscrevermos à obra do mesmo autor. Por nos
permitir um entrecruzar conceitual com a memória, e para operacionalizar nosso tra-
balho comparativo quanto à noção de história, trabalhamos com a idéia de palimpses-
to, tal como delineada por Marcel Proust a partir do que fora expresso por Charles
Baudelaire, retomando De Quincey, em Paradis artificiels (apud Genette, “Proust
palimpsesto”, 1972, p. 67):
Que é o cérebro humano senão um palimpsesto imenso e natural? Meu cé-
rebro é um palimpsesto e o seu também, leitor. Camadas sem conta de idéi-
as, de sentimentos caíram sucessivamente no seu cérebro tão suavemente
como a luz. Parecia que cada uma enterrava a precedente. Mas na realidade
nenhuma pereceu... O esquecimento é, pois, apenas momentâneo; e em de-
terminadas circunstâncias, solenes na morte talvez, e geralmente durante as
excitações intensas criadas pelo ópio, todo o imenso e complicado palimp-
sesto da memória desenrola-se de uma vez, com todas as camadas su-
perpostas de sentimentos defuntos, misteriosamente aromatizados naquilo
que chamamos esquecimento... Da mesma forma que toda ação lançada no
turbilhão da ação universal é em si mesma irrevogável, assim também ne-
nhum pensamento pode ser apagado. O palimpsesto da memória é indestru-
tível.
28
28
Cf. tradução que consta no estudo de Genette (1972, p. 41-67). Paradis artificiels tem uma edição brasileira
recente: Baudelaire (1998); ver o capítulo “O palimpsesto”, p. 163-165.
80
Diz-nos Genette (1972, p. 67), que “[a] imagem do palimpsesto aparece pe-
lo menos duas vezes em Proust [...], mas em situação muito modesta. Ela tem, em
compensação, um valor muito forte (e muito proustiano) na página [...] dos Paradis
artificiels, traduzida dos Suspiria de Profundis”. Trata-se, pois, de um texto original,
uma espécie de prosa lírica, do poeta inglês Thomas De Quincey (1785-1859), autor
das Confissões de um comedor de ópio e do ensaio Do assassínio considerado como
uma das belas-artes.
No livro O diálogo da compaixão na obra de Luiz Vilela, amplo estudo sob
a ótica da intertextualidade restrita, ou, como mais adequadamente prefere Leonel
(2000, p. 63-67), auto-intertextualidade, Majadas (2000, p. 89-90) fala que o ficcio-
nista pluraliza significados em uma rede interminável em que o autor amplifica inces-
santemente a si mesmo. O livro, na origem dissertação de mestrado, desenvolve lon-
gamente essa tese em torno da obra de Luiz Vilela, percorrendo desde a primeira co-
letânea, Tremor de terra (1967), até o romance Graça (1989).
A intertextualidade foi objeto de muitos estudos no século XX. A teoria lite-
rária tem concluído que a escritura é sempre uma retomada textual, como um palimp-
sesto inexaurível. Nesse sentido, Genette desenvolveu ampla pesquisa, consolidada
em Palimpsestes. Para os objetivos desse trabalho, no entanto, nos concentraremos no
ensaio “Proust palimpsesto”, que está em Figuras, cuja edição brasileira é de 1972.
Para Genette (1972, p. 54), “cada aparição de suas [de Proust] personagens,
cada ‘estado’ de sua sociedade, cada episódio de sua narrativa poderia constituir a
matéria de uma página de Balzac ou de La Bruyère”. Evidentemente, o autor de Figu-
ras mostra em que ponto surge a identidade proustiana nesse palimpsesto, verificando
“que todos esses elementos tradicionais são arrastados por uma irresistível força de
erosão” (Genette, 1972, p. 54).
Em seu Guimarães Rosa – Magma e gênese da obra, Leonel percorre diver-
sos teóricos, como o próprio Genette, e ainda Antoine Compagnon, Graciela Reyes,
81
Wolfgang Kayser, Laurent Jenny e Lucien Dällenbach, para compor um amplo painel
crítico sobre a intertextualidade ou transtextualidade. No livro, Leonel (principalmen-
te às p. 63-67) faz uma retomada de elementos e apresenta o conceito de auto-
intertextualidade, referindo-se ao estudo da obra de um autor em confronto com ou-
tras de suas próprias obras.
As retomadas intertextuais, seja de outros autores seja de si mesmo, é uma
constante na literatura. Eis, sobre isso, as considerações de Temístocles Linhares:
Pouco importa que o façam e que digam mesmo que o autor começa a repe-
tir-se, a bater nas mesmas teclas, [...]. Qual o ficcionista que não se repete
nesse sentido? Dostoiewski não se repetia? Machado não se circunscrevia
sempre aos mesmos temas e às mesmas figuras? O seu repertório não era
assim o vasto que fosse impossível deixar de falar em repetição ou repi-
samento. (Linhares, [1973?]).
Trabalharemos a auto-intertextualidade em Luiz Vilela sob a ótica do pa-
limpsesto proustiano-baudelairiano-dequinceyano, tal como demonstrada por Genet-
te: para Genette (1972, p. 52), “[e]sse palimpsesto do tempo e do espaço, essas vistas
discordantes, incessantemente opostas e incessantemente aproximadas por um infati-
gável movimento de dissociação doloroso e de síntese impossível, é isto, sem dúvida,
a visão proustiana.”
O verbete palimpsesto apresenta, no Dicionário Aurélio Eletrônico v. 2.0,
duas acepções. Esta é a primeira definição: “Antigo material de escrita, principalmen-
te o pergaminho, usado, em razão de sua escassez ou alto preço, duas ou três vezes
[duplo palimpsesto], mediante raspagem do texto anterior”. Esse sentido se torna
evidente na etimologia da palavra; ei-la, conforme o Aurélio: “[Do gr. palímpsestos,
'raspado novamente', pelo lat. Palimpsestu.]O Aurélio traz ainda uma segunda acep-
ção: “Manuscrito sob cujo texto se descobre [...] a escrita ou escritas anteriores”. Diz
82
o Aurélio que descobrir as escritas anteriores pode ser “em alguns casos a olho de-
sarmado, mas na maioria das vezes recorrendo a técnicas especiais, a princípio por
processo químico, que arruinava o material, e depois por meio da fotografia, com o
emprego de raios infravermelhos, raios ultravioletas ou luz fluorescente”. Eis o e-
xemplo que o Aurélio apresenta: “‘Inutilizei um caderno de papel almaço, e o primei-
ro rascunho, à força de rasuras, emendas, .... chamadas, interversões, acabou por ser
para mim próprio o mais impenetrável palimpsesto.’ (Aquilino Ribeiro, Lápides Par-
tidas, p. 120).”
Temos, portanto, um sentido inequívoco: palimpsesto é uma seqüência de
escrituras sobre um mesmo suporte físico, sendo que a escritura mais recente se so-
brepõe à anterior, fazendo-a desaparecer; no entanto, algumas técnicas permitem que
as escrituras anteriores sejam lidas.
Em estudos literários, a palavra vem sendo utilizada para designar as reto-
madas intertextuais, sejam as autógrafas sejam as heterógrafas. Na crítica genética,
voltada para o estudo de manuscritos, dos originais, refere-se ao processo de mudan-
ças que o autor promove em seu texto entre a primeira versão e aquela que considera
definitiva. O conceito de palimpsesto denomina as muitas versões sucessivas.
Genette (1972, p. 57, maiúsculas e aspas do autor), ao tratar dos decretos
de Opinião” na obra de Proust, assinala:
O suceder desses decretos não procedem de uma História, isto é, de uma
evolução portadora de sentido, ela estabelece soberanamente uma Moda cu-
jo único valor fixo está, em cada etapa, numa novidade radical e sem me-
mória: a “última Oriane” apaga a penúltima e todas as precedentes.
29
(Ge-
nette, 1972, p. 57, maiúsculas e aspas do autor).
29
A respeito da idéia de “moda”, vale a pena conferir explanação de Fábio Lucas em Vanguarda, História &.
Ideologia, 1985, p. 68.
83
Estamos diante de uma confirmação cabal do conceito de palimpsesto, com
a versão atual, última, fazendo desaparecer as que vieram antes. Mas, também, con-
frontamo-nos com uma articulação conceitual inquietante. Primeiro, chamam a aten-
ção alguns substantivos, grafados com inicial maiúscula: Opinião, História, Moda.
Em seguida, a definição de que a História é “uma evolução portadora de sentido”. Por
fim, ao tratar da mais recente camada do palimpsesto
escritura que apaga as anterio-
res, delas não deixando memória de “todas as precedentes”,
Genette (1972, p. 57,
grifo nosso) invoca, de forma inesperada, o conceito de “memória.
Ora, esse é um paradoxo que precisa ser examinado: no momento em que
trata do que é elidido, e para se referir ao que é apagado, Genette recorre à idéia de
memória. Eis, portanto, a questão inquietante suscitada por esse parágrafo: quais as
implicações no conceito de palimpsesto, se o examinamos à luz do conceito de Histó-
ria e se consideramos o conceito de memória?
Repassemos o “Proust palimpsesto”, para, da leitura da obra proustiana que
Gérard Genette estabelece, esclarecer, no texto literário, o que é imanente do que é
reflexo do circunstancial.
Genette (1972, p. 41-67) inicia o estudo fazendo considerações sobre a im-
portância que o autor da Rechercheà questão do estilo, em particular sobre o papel
da metáfora, considerada essencial, “ïndispensável” (p. 47). O raciocínio supremo é o
de que a essência (“da necessidade a que estamos sujeitos, para atingir a realidade em
sua essência”, p. 46) somente pode ser apreendida através da metáfora, de uma trans-
posição comparativa que funde tempos e espaços diversos para que a transposição
metafórica faça do diverso a essência que se procura.
É nesse “palimpsesto do tempo e do espaço” (Genette, 1972, p. 52), formu-
lador de “intermitência” e “confusão” (Genette, 1972, p. 53), que Genette Proust
construir “um infatigável movimento de dissociação doloroso e de síntese impossí-
vel” (Genette, 1972, p. 52), movimento “destruidor que leva incessantemente ao e-
84
quívoco e à contestação” (Genette, 1972, p. 53). No entanto, das impossibilidades
caóticas, Proust obtém, senão “a ilustração de uma doutrina, a demonstração, [...] pe-
lo menos a descoberta progressiva de uma Verdade” (Genette, 1972, p. 66). Não é
possível, no texto de Genette, definir se a Verdade, em Proust, ocorre como revela-
ção, ou se é um movimento da racionalidade.
Se epifania ou se operação dedutiva, a Verdade alcançada pela metáfora que
triunfa sobre o caos nasce de um estilo literário que funde tempo e espaço, e o faz
num palimpsesto que funciona como um jogo interminável de re-escrituras sucessi-
vas, que se retomam incessantemente desde o início, princípio originário esse que, em
Proust, segundo Genette, não é possível definir em que lugar das sucessivas re-
escrituras foi constituído.
Detalhemos o procedimento descrito, examinando de perto a questão do
tempo. As reescrituras de um palimpsesto se sucedem na diacronia, e a angústia do
tempo percorre ontologicamente toda a poética proustiana, desde o título de sua prin-
cipal obra
30
. Em uma breve nota de rodapé, Genette esclarece:
O tempo perdido não é para Proust como o sugere um contra-senso muito
comum, o “passado”, mas o tempo no estado puro, quer dizer, na realidade,
na fusão de um instante presente e de um instante passado, o contrário do
tempo que passa: o extratemporal, a eternidade. (Genette, p. 43, 1972, gri-
fos no original).
O tempo perdido é um tempo que se busca, que se recupera, fundindo-o ao
“instante presente”. Dessa fusão, temos um tempo que é “extra”, que está “além” do
“instante”, que se insere, portanto, na eternidade. O tempo fugidio, constituído de
instantes e de sensações, recupera pela memória um outro momento, anterior, que é
30
Barthes (1987, p. 241-249) trata da Recherche, e o faz, embora com outras palavras e para outro fim, de for-
ma semelhante a aqui exposta, permitindo-nos ver que há, em Proust, simultaneidade do que é diacrônico.
Em outro ensaio, Barthes afirma, sobre a linguagem proustina, que ela “não vai de um termo a outro senão
circular e infinitamente” (Barthes, 1987, p. 240), o que também corrobora o aqui exposto.
85
histórico, passado, e tal junção faz o tempo desaparecer como sucessividade, diacro-
nia, e o sincrônico que se instala é na verdade uma acronia, é o tempo em estado puro
a eternidade é, portanto, um não-tempo.
Esse tempo (ou esse não-tempo) instaurado em uma acronia, o que indicia
um oxímoro conceitual, não abole o tempo cronológico, não abole o histórico. Ao
contrário, deles se nutre. O tempo não abolido, restaurado e inflando de sentido a vi-
são presentificada, reaparece, por exemplo, quando Genette (1972, p. 52) anota:
O tempo, efetivamente, metamorfoseia não somente as personalidades, mas
os rostos, os corpos, até os lugares, e seus efeitos sedimentam-se no espaço
(o que Proust chama o “Tempo incorporado”) para formar uma imagem a-
trapalhada, cujas linhas se superpõem em um palimpsesto às vezes ilegível,
quase sempre equívoco, como a assinatura de Gilberte que Marcel tomará
pela de Albertine, como o rosto de Odette de Forcheville, que contém em
suspensão a lembrança da Dama de Rosa, [...]. (Genette, 1972, p. 52).
O palimpsesto na memória e na história não é mais o palimpsesto dos cou-
ros de carneiro, a última escrita sobreposta às escritas pretéritas. Tempos que se fun-
dem instauram o caótico e a confusão. Lugares que se fundem produzem o mesmo
efeito. O tempo em a-cronia ao lado do espaço que é memória produzem sensação de
mergulho no caos. O homem está diante de um abismo. Esse mundo abissal em que
Proust flagrou o homem precisa de uma ordenação. Parece ser necessário que se fi-
xem pontos de apoio para que o tempo diacrônico tornado sincrônico não se desinte-
gre levando junto a criatura que engendrou tais dilacerantes paroxismos, para que
esse tempo não provoque a implosão da criatura criadora do vazio insondável do uni-
verso desfeito.
Defrontamo-nos com o jogo da micro-pequenez humana diante da grandeza
incomensurável do cosmos: a angústia dos espaços infinitos, sendo o homem “o finito
86
entre os dois infinitos que o cercam e dele se afastam”, um infinito cuja grandeza
“nos acabrunha” (in Mauricac, 1975, p. 60-67), é um texto de Pascal cujo sentimento
re-emerge em Proust, no qual a dor existencial é mediada pela emoção de reconstituir
o tempo e os lugares como palimpsesto da memória, a um átimo da História.
Proust estabelece os pilares que sustentam o seu pensamento, segundo Ge-
nette (1972, p. 59), ao fazer com que as “transferências [que] turvam o tempo da o-
bra” passem a se constituir como “o esboço de uma repetição”.
O movimento de procurar o sentido da existência humana na sucessão de
“cenas, quadros, retratos, digressões de toda a espécie” (Genette, 1972, p. 58), entre-
tecidas na Recherche, inicia-se com uma reflexão que Genette informa ter encontrado
em Georges Poulet,
31
e que assim parafraseia:
O tempo proustiano não é um transcorrer como a duração bergsoniana, é
uma sucessão de momentos isolados; igualmente, as personagens (e os gru-
pos), não evoluem: um belo dia, surgem diferentes como se o tempo se li-
mitasse a atualizar uma pluralidade que eles continham virtualmente desde
toda a eternidade. (Genette, 1972, p. 56).
Temos, portanto, o reencontro com a eternidade, numa chave de transcen-
dência: o eterno como acronia agora é o eterno como infinito. É um infinito que vem
do passado e se projeta para o futuro. O eterno passa a ser cronológico, admite o his-
tórico. Envoltos no presente, os grupos sociais apagam a memória apegando-se à
Moda. A negação, no entanto, impõe a presença da “História, isto é, de uma evolução
portadora de sentido” (Genette, 1972, p. 57).
Abolir o tempo da História é um movimento psicológico do narrador. A in-
fância deixa de ser “uma origem”, emerge mais como sonho do que como “infância
31
Sem a referência bibliográfica no texto original.
87
real”. Sendo anterior, em termos cronológicos, “à revelação do Temps Retrouvé, ela
lhe é psicologicamente posterior, e essa ambigüidade de situação não pode deixar de
alterá-la” (Genette, 1972, p. 59). O tempo, assim como os lugares, são “incessante-
mente lembrados, reintegrados, reinvestidos, sempre presentes todos ao mesmo tem-
po” (Genette, 1972, p. 60).
O palimpsesto do tempo e do espaço, em Proust, alcança, dessa forma,
“profundezas quase insondáveis”, o que leva Genette (1972, p. 64) a propor a seguin-
te leitura: “Nenhuma página da Recherche pode ser tomada por realmente definitiva,
nenhuma de suas variantes pode em absoluto ser rejeitada”. Essa leitura, simultânea,
de todas as variantes, de todos os esboços, de todas as modificações textuais, provoca
um movimento circular, inquietante, em que o leitor descobre ao terminar a leitura
“que o livro que ele acabou de ler está para ser escrito, e que este livro a ser escrito é
mais ou menos (mas somente mais ou menos) o que ele acabou de ler” (Genette,
1972, p. 62).
A “vertiginosa rotação(Genette, 1972, p. 63) imposta pela leitura que, ao
se apresentar como rascunho, indicia a necessidade de uma re-leitura do que se aca-
bou de ler, mas que agora passa a ser uma leitura próxima da leitura da obra final,
esse reconstruir incessante de todas as leituras, em todas as variantes, com o tempo
sendo eterno cronologicamente mas sendo a recuperação do tempo perdido o eterno
como acronia, reconstrói o palimpsesto diante da História e da memória como uma
totalidade indissociável.
Diz Genette (1972, p. 67, grifo nosso), concluindo o ensaio:
Como a escritura proustiana, a obra de Proust é um palimpsesto em que se
confundem e se entremeiam várias figuras e vários sentidos, sempre presen-
tes todos a um tempo, e que se deixam decifrar quando todos juntos,
na sua indesfiável totalidade. (Genette, 1972, p. 67, grifo nosso).
88
Esse palimpsesto conceitualmente ampliado não implica em desaparecimen-
to do conceito usual. O palimpsesto da reutilização de temas, de personagens, de ti-
pos, de gêneros, de obras clássicas, está presente em Proust, e Genette (1972, p. 53-
54) o observa. Chega mesmo a dizer que páginas da Recherche poderiam ser assina-
das por Chateaubriand, por Balzac, por La Bruyère.
Mas nos interessa aqui considerar o palimpsesto à luz da História e da me-
mória. Em rodapé, quase à guisa de fecho de seu ensaio, Genette apresenta, como
vimos, considerações de Paradis artificiels (apud Genette, 1972, p.67), na qual o cé-
rebro humano é “um palimpsesto imenso e natural”, e nele “[c]amadas sem conta de
idéias, de sentimentos caíram sucessivamente”. Como se fora, avant la lettre, um epí-
gono de Proust à maneira com que Borges (1999, p. 96-98) expõe esse tipo de pos-
sibilidade em Kafka e seus precursores” –, Baudelaire traduz “proustianamente” a
De Quincey e que, em algumas ocasiões, essas “camadas superpostas”, todo o
imenso e complicado palimpsesto da memória”, podem desenrolar-se “de uma
vez”, o que ocorreria por ser “[o] palimpsesto da memória [...] indestrutível”, toda
ação “em si mesma irrevogável”, e porque “nenhum pensamento pode ser apagado”.
No tempo cronológico, portanto histórico e a História aqui é o o irre-
vogável caminhar do tempo que torna irreversível o que aconteceu, seja no plano dos
grandes eventos da humanidade seja no plano do dia-a-dia corriqueiro de uma pessoa
comum –, as ações transcorrem, e essas ações, assim como os pensamentos, uma vez
na memória, são inolvidáveis, da memória podendo ser recuperadas a qualquer mo-
mento. Essa recuperação e fusão do passado com o presente forjam o tempo perdido e
estabelece, como vimos, uma sincronia que é uma acronia do eterno. Portanto, a “in-
desfiável totalidade” anotada por Genette (1972, p. 67) transforma o palimpsesto, sob
o ponto de vista da memória e do tempo histórico, em uma retomada contínua e circu-
lar de planos de expressão e de planos de conteúdo, na qual se torna impossível de-
terminar em que ponto principia e qual é a última re-escritura.
89
Ao nos propor O jogo da amarelinha, Cortazár (1999; Rayuela, a primeira
edição da obra, em castelhano, é de 1963) nos lançava, leitores com autonomia de
leitura, investidos de liberdade diante da obra literária. Mas o autor, de certa forma,
ainda conduzia o “jogo”. No imenso palimpsesto da memória e da História, o leitor,
órfão, deve procurar balizas para interpretar e conhecer, deve conquistar segurança
para dar um sentido à marcha dos fatos, ao turbilhão de sensações, à eclosão inces-
sante dos pensamentos.
Podemos concluir, portanto, que o palimpsesto, diante da memória e sob o
signo da História, é a presentificação, na fusão de tempos e espaços, de re-escrituras
incessantes, retomadas ad infinitum, e das quais não é possível definir a origem, o
momento primordial, a constituição do Logos recriando o Caos.
O palimpsesto, mediado pela memória e tendo por pano de fundo a História,
abre a possibilidade de que o estudo das obras literárias, muito além da ordem genéti-
ca de produção dos textos, aborde nas análises de auto-intertextualidade outras moti-
vações e estabeleça outras seqüências de leitura. É dessa maneira que vamos nos va-
ler do conceito no estudo da contística de Luiz Vilela.
90
2.3 QUADRO-MODELO PARA COMPARAR OS PERCURSOS GERATIVOS
DE SENTIDO DOS CONTOS ANALISADOS
As estruturas discerníveis do significado são, como vimos, a fundamental, a
semionarrativa e a discursiva. Claro está, o sentido não se segmenta em níveis e se
por escoamento coagulantee simultâneo espessamento contínuo”, e a práxis me-
todológica para análise deve ser definida pelo objeto.
Em nosso caso, procedemos à comparação de diferentes momentos discur-
sivos da contística de Luiz Vilela. Para operacionalizar a tarefa, montamos um qua-
dro-síntese, colocando lado a lado as conclusões da leitura de cada conto em cada
nível da análise. O quadro que elaboramos segue os itens reportados nesta Secção, e
ficou assim conformado:
TÍTULO DO CAPÍTULO
PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO
ível Discursivo
Primeiro momento: Segundo momento:
“NOME DO CONTO” “NOME DO CONTO”
Revestimento figu-
rativo
Isotopia temática
ível arrativo
Primeiro momento: Segundo momento:
“NOME DO CONTO” “NOME DO CONTO”
Sintaxes semio-
narrativas
91
ível Fundamental
Primeiro momento: Segundo momento:
“NOME DO CONTO” “NOME DO CONTO”
Timia ou Foria
Oposição funda-
mental
Interpretação
Primeiro momento: Segundo momento:
“NOME DO CONTO” “NOME DO CONTO”
Patemia do enun-
ciatário
Significação cons-
tituída
Comentários ge-
rais
Na explicitação do Percurso Gerativo de Sentido de cada narrativa busca-
mos, na estrutura fundamental, a contrariedade mais profunda e abstrata, constituída
pelo par opositivo do quadrado semiótico básico da narrativa em estudo, e estabele-
cemos, no continuum da timia à foria, a opção feita pelo texto e as marcas discursivas
que evidenciam e homologam a estrutura profunda.
No campo das estruturas semionarrativas abordamos a sintaxe narrativa, a
sintaxe actancial e a sintaxe modal. Eventualmente, tratamos dos enunciados elemen-
tares da narratividade. No campo das estruturas discursivas, evidenciamos o revesti-
mento figurativo e a isotopia temática dedutível da figurativização. A isotopia discur-
siva e temática do riso literário é abordada na Secção III, não reaparecendo nesse
quadro, mas tendo o seu Percurso Gerativo delineado na Secção VI.
92
Procedemos, no último tópico do quadro, à interpretação do efeito de senti-
do que, a nosso ver, cada narrativa logra alcançar, verificando a patemia do enuncia-
tário, explicitando a significação constituída e fazendo alguns comentários gerais a
essas conclusões. Inclui-se a patemia do enunciatário, portanto, em nosso campo de
interpretação. A unidade patêmica, que abrange no nível fundamental as ações dos
sujeitos protagonista e antagonista, serão preferencialmente observadas sob o ponto
de vista da reação que o texto privilegia para agir sobre o narratário e, mais ainda,
sobre o enunciatário pressuposto pelo enunciador.
Quanto a esse aspecto, vamos expor, também na Secção VI, a significação
constituída pela leitura que empreendemos das narrativas, empreendendo o cruza-
mento dos itens analisados.
Buscar a patemia do enunciatário, ao invés da do narratário, fixa-se na lição
de que o enunciador é portador de um ethos, cujo correspondente se no pathos do
enunciatário. Desse modo, ainda, as paixões movimentadas pela diegese, manipula-
das pelo narrador sob o olhar de um autor que se explicita, tocam a categoria literária
mais próxima do leitor, quase até, poderíamos dizer, um enunciatário que se explicita
como leitor, referente e extradiegético, no próprio tecido ficcional.
Com o preenchimento sintético das invariantes semióticas (nos quadros que
nesse modelo estão em branco), vamos explicitar, por comparação, o que o ficcionista
Luiz Vilela, nos contos do segundo momento, diante das narrativas do primeiro mo-
mento, mantém, o que apresenta que é semelhante, mas que ganha nova roupagem, e
o que é inteira novidade.
III
UMA OTOLOGIA: O RISO LITERÁRIO A
COTÍSTICA DE LUIZ VILELA
94
Em entrevista que concedeu em julho de 2002, logo após o lançamento da
coletânea A cabeça, Luiz Vilela, indagado sobre a ironia dos contos enfeixados no
volume, fez a seguinte profissão de fé:
[A ironia] está presente em toda a minha literatura. [...] É a visão de vida do
autor, o é uma coisa deliberada. A ironia surge naturalmente. Minha vi-
são é irônica, diria até tragicômica. Não é a ironia, outras formas de hu-
mor, estas gradações do riso aparecem em todo o livro, como também em
outros trabalhos. (Cunha, 2002).
Temos, pois, em Luiz Vilela, nas palavras do próprio escritor, uma visão de
vida que é irônica, tragicômica, e o reconhecimento de que essa visão de mundo se
dissemina por todos os seus trabalhos literários; temos, ainda, a explicitação de que a
visão do escritor informa ao autor procedimentos que vão além do irônico e do trági-
co, fazendo com que outras formas de humor configurem gradações do riso literário
em seus contos, novelas e romances. Diversos estudiosos mencionam a presença do
riso em Vilela. bio Lucas (2000), por exemplo, enfatiza a dimensão do humor e do
chiste na obra do escritor. É o riso literário, de fato, uma constante em todas as obras
de Vilela. Não é elemento circunstancial, não é mero interlúdio, não é diversão. Nor-
95
malmente, se constitui em estratégia que pertence à estrutura da narrativa. Dessa for-
ma, entre o chiste, a piada, o qüiproquó e a visão irônica, satírica, existe uma profun-
da correspondência, evidenciada pelas estratégias discursivas utilizadas.
O riso, a nosso ver, é uma instância integrante da ontologia da criação fic-
cional; desse modo, o ato criativo surge mediado pelo tom, pelo ritmo, pelo arcabou-
ço do significado que o autor lhe e se tal efeito é constituído pelo riso, o riso é a
sua ontologia. Luiz Vilela, em entrevista a Edla Van Steen (1982), diz: “Só começo a
escrever uma história quando tenho o ritmo dela. Sem ele, é-me impossível escrevê-
la.” Em “ritmo”, nesse caso, entrevemos o conjunto de fatores que constituem a onto-
logia criativa.
Para homologar o que expusemos, podemos retomar a interpretação que
Denis Bertrand (2003, p. 219-231) desenvolve a partir da descrição do bolo nupcial
de Carlos e Ema, passagem central do capítulo IV de Madame Bovary, de Flaubert.
Bertrand (2003, p. 228-229) mostra como o excerto configura o que chama de “ironia
flaubertiana”, e cita em rodapé conhecida [...] observação de Flaubert: ‘Escrevo de
tal maneira que o leitor nunca saiba se estão [sic] zombando dele ou não.” (Bertrand,
2003, p. 228). Trata-se, na linguagem de Bertrand (2003, p. 228), de “menção, ainda
que implícita e, em alguns casos, dificilmente decidível”, de um “discurso arquetípico
da ideologia trifuncional” que “forma o plano interno de referência necessário à inte-
ligibilidade do discurso flaubertiano.” Assim, procura encontrar a motivação que é
apreendida pela estrutura temática e que é fixada pela figurativização discursiva:
Nesta estratificação de estruturas significantes homólogas é estabelecido
um processo de referencialização recíproca, provedor de novos investimen-
tos axiológicos por ocasião da leitura e criador de uma “estrutura modeli-
zante” capaz de esclarecer, a partir do plano figurativo restrito que a susci-
ta, a obra em seu conjunto. As categorias do discurso cuja trama assim se
tece “em profundidade” formam então uma rede significante própria, cons-
titutiva do referente interno. Isolável a partir de um fragmento, sua resso-
nância estende-se pela totalidade do texto, que tem sua consistência assegu-
rada por ele. A convocação dessas estruturas discursivas é condição para o
reconhecimento do funcionamento da derrisão flaubertiana: é ela que per-
96
mite entrever que se trata, no fundo, de um bolo irônico. (Bertrand, 2003, p.
229, grifos do autor).
A palavra “bolo”, no caso, tem duplo sentido: a figurativização a que se re-
fere é um “bolo” de casamento, e “bolo”, no contexto utilizado, se refere ao conjunto
de estratégias discursivas utilizadas por Flaubert. Bertrand (2003, p. 219-231) expõe
essas estratégias, demonstra a tematização obtida, por metaforização, a partir da sin-
taxe discursiva e analisa o modo como Flaubert faz uma descrição ideológica da soci-
edade tendo por substrato a ironia, o que informa a sua visão de mundo e constitui o
que nomeia de “derrisão flaubertiana”.
A nosso ver, o riso literário é constituído por quatro unidades, o cômico, o
humor, a ironia e a sátira, e se manifesta textualmente por meio de estratégias de ação
que tematizam a visão de mundo do autor. Nos estudos literários, o riso é apresentado
sempre revestido por uma expectativa utópica, a crítica ao passado ou ao presente
confrontando-se com um ideal, que pode estar explícito, mas que muitas vezes per-
manece silenciado, subentendido. na discursivização, o riso literário se apresenta
através de muitas formas e gradações.
Ao focarmos o riso como uma das instâncias ontológicas do fazer literário,
expomos, a seguir, as nuances, as especificidades, as indefinidas fronteiras entre suas
unidades constitutivas, assim como discorremos sobre suas categorias de ação e suas
formas de manifestação. Na seqüência, com o referencial definido e a classificação
estabelecida, estudamos o riso no primeiro e no segundo momentos da contística de
Vilela. Na Secção VI, retomamos a análise que empreendemos a partir do quadro da
ontologia do riso literário que aqui construímos para conjugar tal análise com o Per-
curso Gerativo de Sentido que desentranhamos dos contos de Luiz Vilela em outras
Secções da tese.
97
3.1 UMA SEMIOSE DO RISO LITERÁRIO
O riso literário pode variar da sátira desbragada ao humor de fina ironia,
pode se manifestar em uma piada ou em um chiste ou apresentar-se como paródia;
pode ser cômico em trocadilho ou caricatura; pode ser de escárnio, de exclusão, ou de
simpatia, de aceitação. As manifestações do riso podem, portanto, apresentar grada-
ções extremas ou sutis, e os estudos literários expõem, em diferentes epistemologias e
configurações teóricas, as suas nuances.
As definições sobre o riso literário estão condicionadas à recepção da obra,
uma vez que o cômico, se contido na intencionalidade do texto, depende da reação do
leitor para se estabelecer como riso. Essa é a posição de Hansen, por exemplo. Em
conferência que apresentou na Unesp de Araraquara em 1991, o estudioso afirmou
que as convenções da sátira devem ser partilhadas pela “recepção” (Hansen, 1991, p.
16). Duarte (1994, p. 55) comenta que a ironia “somente se completa [...] numa re-
cepção que perceba a duplicidade de sentido”.
Mesmo em definições de dicionários, a interpretação do receptor é assinala-
da. A ironia, por exemplo, é definida como sendo uma afirmação que, na verdade,
quer exprimir o oposto do que aparentemente está afirmando: a decodificação “de-
pende muito do contexto extralingüístico” (Cherubim, 1989, p. 41-42). Se o leitor não
98
proceder à decodificação, a mensagem muda de sentido. Por outro lado, se o leitor
entender como ironia um texto que o autor o pretendia irônico, o leitor constrói um
novo texto, com mensagem oposta à intenção do autor.
Propp, em diversas passagens de Comicidade e riso (1992), ensina que o
cômico nem sempre é risível, que as formas literárias do cômico se mesclam, dificil-
mente encontrando-se puras, e que é preciso verificar em que grau e em que condi-
ções um mesmo fenômeno possui, sempre ou não, traços de comicidade. Com o cui-
dado exigido ao se elaborar síntese sincrética aqui, a nossa intenção –, considera-
mos também as palavras de Frye (1973, p. 333) de que os programas e os métodos de
crítica são “bastante válidos”, o problema sendo “as barreiras entre os métodos”:
Essas barreiras tendem a fazer o crítico limitar-se a um único método de
crítica, o que é inútil, e tendem a fazê-lo estabelecer seus contactos funda-
mentais não com as outras críticas, mas com assuntos fora da crítica. Daí o
número de ensaios, não apenas grande, mas muito grande, na crítica mítica,
que se afiguram Religião Comparada, na crítica retórica que parece
Semântica, na crítica estética que semelham metafísica, e assim por di-
ante. (Frye, 1973, p. 333).
Estudos ou classificações para as diversas formas do riso podem ser encon-
trados nas obras de Alfredo Bosi, Antonio Candido, Henri Bergson, Hansen, Umberto
Eco e Vladimir Propp, entre outros.
Em A sátira e o engenho, João Adolfo Hansen (1989, p. 305-393)
32
trata dos
topoi que constituem a sátira. Um deles se efetiva pela constituição física e aparência
do satirizado. É a caricatura. Sobre a caricatura, Sylvia Telarolli Leite (1996, p. 19-
37) diz que é recurso expressivo que exagera traços, distorce, provoca rebaixamento,
degrada, enfatiza o mecânico, o grotesco, o ridículo, expondo-os de forma depreciati-
va, sendo um dos componentes centrais da sátira. Observa ainda que o narrador, atra-
vés dessa forma de manifestação, faz rebaixamento crítico de um personagem. Em
32
A segunda edição, revista, foi publicada pela Ateliê e Edunicamp em 2004. Nela, segundo Hansen informa
na “Nota à 2ª edição”, ficam “mais definidos alguns conceitos [...], como o de persona satírica” (p. 26).
99
Anatomia da sátira, Hansen (1991, p. 15) diz que a sátira é um “subgênero do cômico
como maledicência, ocupando-se dos vícios que causam horror”. A diferença que
Hansen (1991, p. 5) estabelece entre sátira e cômico é de que existe uma gradação na
forma de apresentar os “vícios”.
Alfredo Bosi (1977, p. 145) entende a sátira como uma crítica à “desordem
estabelecida” que pode se configurar como uma espécie de utopia. Leyla Perrone-
Moisés (1990, p. 97) afirma que hoje a literatura é concebida como “utopia crítica”.
Bosi (1997, p. 164) que a paródia nasce da crise, crise essa que faz uma estética
sobreviver “como disfarce, véu ideológico”. Essa crítica à desordem estabelecida é o
móvel da obra de diversos ficcionistas contemporâneos. Como vimos, Vilela afir-
mou em entrevista: “Minha literatura sempre foi essencialmente crítica.” (Ribeiro,
1989). A discussão do sério e do crítico subjacentes ao humor permeia o debate sobre
o riso literário. Ela está presente no artigo “A ideologia da seriedade(Neves, 1974),
que constata “a eficácia da destrutividade cômica” (Neves, 1974, p. 38):
Se a piada, a observação jocosa em geral, não fosse “séria”, ou seja, se não
se referisse acuradamente a fatias da realidade, não haveria riso. rimos
porque a piada nos revelou
ampliando ou diminuindo características do
real
alguma coisa de modo fabulado, surpreendente, inesperado. Tem po-
der heurístico e eficácia crítica. (Neves, 1974, p. 36).
Outro não é o entendimento de Umberto Eco ao discorrer sobre o humoris-
mo pirandelliano. Eco (1989, p. 258) afirma que o homem é “o único animal que sabe
rir”, mesmo não tendo “razão nenhuma para rir”: “ri justamente e somente por razões
muito tristes” (Eco, 1989, p. 258). Por isso, “[p]aradoxalmente, uma das componentes
do cômico é o pranto.” (Eco, 1989, p. 251).
O debate sobre o riso é milenar. Talvez por sua diversidade, os filósofos e
os estudiosos da literatura, apesar da grande produção literária de textos com elemen-
tos que indicam comicidade, humor, ironia ou sátira, detiveram-se pouco sobre o te-
ma. Aristóteles, na Antiguidade, trata do cômico em sua Poética (em curtas menções,
100
no capítulo V), mas o faz en passant. Segundo Fantinati (1994, p. 205), “[a] crítica e
a pesquisa literária e artística sobre a sátira parecem não ter no Ocidente uma longa
tradição”. O pesquisador constata que “inexiste quase anossos dias uma poética da
sátira”, ressalvando uma emergência de estudos “nas últimas décadas”, a partir de
pesquisas sistemáticas que localiza nos anos 40 do século XX (Fantinati, 1994, p.
205). Soethe (1998, p. 10) faz observações semelhantes, a partir da análise da evolu-
ção, desde o século XVIII, da crítica alemã.
Recentemente, surgiu um estudo da poética da ironia como elemento do riso
literário. Teoria e política da ironia, de Linda Hutcheon, foi lançado em 1994 (I-
rony`s Edge
the Theory and Politics of Irony), com tradução brasileira em 2000.
Esse volume estabelece os fundamentos, na cena social e na literatura, da utilização
da ironia, procurando classificá-la em todos os seus gumes. Em que pese esse estudo
de Hutcheon, a bibliografia teórica sobre o riso literário permanece aquém da utiliza-
ção, na literatura, de elementos do cômico, do humor, da ironia e da sátira – de tudo o
que propicia o riso ou é riso na literatura. Neves (1974) observa que “o riso, a piada,
o jogo, a comicidade em suas várias formas não são, positivamente, analisados com
freqüência pela literatura relativa ao social”, e que teria de fazer “um razoável esforço
para estabelecer uma bibliografia relevante sobre esses temas” (Neves, 1974, p. 35).
Sem falar em Aristóteles, Bergson, Freud, Kant, Nietzsche, Quintiliano e
Shoppenhauer, entre outros, digamos, “Classicos”, esse quadro não é assim tão
pouco razoável, com alguns lançamentos de peso nos últimos anos. Entre eles, desta-
camos: Riso, cultura e sociedade na Idade Média (Macedo, 2000), um debate sobre o
poder contestatório do riso e as relações do riso com o sagrado no medievo; Raízes do
riso (Saliba, 2002), uma análise das práticas humorísticas no Brasil da "Belle Épo-
que"; e História do riso e do escárnio (Minois, 2003), que mostra a trajetória do riso
na cultura ocidental, dos deuses do Olimpo grego ao riso midiatizado do fim do sécu-
lo XX. E ainda: O riso e o risível (Alberti, 1999), Ousar rir (Kupermann, 2003), Se-
101
ria trágico... se o fosse cômico (Kupermann e Slavutzky, 2005), Ironia e o irônico
(Muecke, 1995) e O conceito de ironia (Kierkegaard, 2005).
De qualquer modo, não espanta que a bibliografia permaneça relativamente
escassa. Para Eco, retomando Pirandello, até mesmo os filósofos não apreendem a
especificidade do riso literário: “O problema do mico (do qual o humorismo é cer-
tamente uma subespécie e uma variação) tem, do ponto de vista de Pirandello, a van-
tagem de ter sempre posto em dificuldades os filósofos que tentaram defini-lo.” (Eco,
1989, p. 250). Devido a essa dificuldade e à relativamente pouca produção sobre o
tema, temos polissemia conceitual (para não dizer imprecisão conceitual), com o
mesmo termo referenciando diferentes figuras textuais, apresentando significados
específicos de autor para autor prejuízo menor à teoria que o mesmo fenômeno no-
meado por diferentes palavras apenas para gáudio de “teorizadores”.
Comum a todos é certo difuso sentimento do que propicia o riso e do que é
o riso na literatura. Parece constante nos autores a definição do riso de exclusão, o de
não-aceitação: ele reúne características como agressividade, defesa implícita ou ex-
plícita de uma norma, e ver que o mundo está às avessas. Diante do mundo imperfei-
to, idealiza-se uma utopia e se agride o que existe. Dependendo do tom e da posição
do objeto ou móvel do risível diante do locutor-enunciador, vamos do cômico para o
humor, deste para a ironia, desta para a sátira.
Quanto ao discurso, muitas são, nele, as formas de manifestação do riso.
Em tese, qualquer figura de linguagem ou de pensamento pode ser utilizada para al-
cançar efeito de riso literário. Podem-se utilizar, também, todos os gêneros literários e
todos os seus subgêneros, assim como todas as formas de expressão verbal. É preciso
ter em vista que o riso literário nem sempre provoca o riso: ele, pelo contrário, muitas
vezes leva ao desconsolo e ao pranto.
É o riso, nesse raciocínio, como explicitamos, uma das instâncias ontoló-
gicas do fazer literário. Como ontologia, tem as seguintes unidades constitutivas: o
102
cômico, o humor, a ironia e a sátira. Essas unidades constitutivas, considerando o eu
que ri com relação ao móvel, objeto ou actante que provoca o riso, estão ordenadas
do pólo de maior aceitação e menor exclusão para o pólo no qual o móvel, objeto ou
actante sofre a menor aceitação e é vítima da maior exclusão.
As formas de manifestação – o vel discursivo do riso, a escritura manifes-
ta do riso ou que leva ao riso são norteadas por estratégias de ação. São estratégias
de ação, entre outras, a carnavalização conceituada por Bakhtin,
33
a subversão dos
valores, a exploração do baixo ventre. Tudo indica que a estratégia de ação que cata-
lisa as demais é a escrita que explora o mundo às avessas. Vejamos um exemplo.
Candido (1970, p. 80-81) vê, em Memórias de um sargento de milícias, o
riso emergir do contraste entre “ordem e desordem”, que “se comunicam por cami-
nhos inumeráveis”: é o oficial de justiça que se transforma em “empreiteiro de arrua-
ças”, é o religioso que é “agente de intrigas”, são as relações equívocas e ilegítimas
configuradas como “situações honradas”, enquanto “casamentos corretos” transfor-
mam-se em “negociatas escusas”, formando “um traço saboroso que funde no terreno
do símbolo essas confusões de hemisférios e esta subversão final de valores.”
Sobre o romance de Manuel Antônio de Almeida, e reforçando a imagem de
que ali se retrata um mundo às avessas, Walnice Nogueira Galvão (1976, p. 29) ob-
serva que nele “não nenhuma personagem íntegra no sentido positivo”. Ela con-
clui: “Nesse sentido, fica a meio caminho entre o romance moral inglês do século
XVIII e o amoralismo (antes moral pragmática) da novela picaresca espanhola, mas
bem mais próximo dessa última.” (Galvão, 1976, p. 33).
O riso literário sempre estabelece um julgamento, faz uma comparação, e-
mite um juízo de valor; portanto, a questão moral – em decorrência de um juízo ético,
não de avaliações comportamentais está presente em todas as suas gradações. Frye
33
O conceito surge no capítulo IV de Problemas da poética de Dostoievski (Bakhtin, 1997) e é desenvolvido
em A cultura popular na Idade Média e no renascimento: o contexto de François Rabelais (Bakthin, 1999).
103
o diz: “O satirista tem de selecionar suas absurdidades, e o ato de selecionar é um ato
moral” (Frye, 1973, p. 220). Frye percebe o demônio do inferno dantesco expresso de
um “ponto de vista [...] de ponta-cabeça”, exposto numa formulação de tragédia, de
queda, que expressa uma “ironia trágica” (Frye, 1973, p. 234-235).
Por seu lado, a ironia, conforme Hutcheon (2000), contém em si muitas
gradações e, acrescentamos, acepções. No Brasil, Brait (1996) fez amplo estudo da
ironia, conjugando-a com a polifonia e a carnavalização bakthinianas, entendendo-a
como uma dupla enunciação que se de forma simultânea, o que caracteriza uma
sobreposição de vozes ou uma dupla perspectiva enunciativa.
34
O riso literário, para além da ironia, contém em si artifícios inesperados,
que fazem a sua grandeza e a sua força perene. As artimanhas são de tal ordem que as
hoje fábulas infantis de La Fontaine eram, na verdade, quando surgiram, poderosas
diatribes. Eis a lição colhida em Silviano Santiago (1982):
No final do século XIX, Taine salientou, em livro definitivo, a virulência da
crítica social que se escondia por detrás da aparente inocência das fábulas
de La Fontaine. Por detrás do universo animal do fabulista francês, por de-
trás da cândida conversa dos animais, desenrolava-se uma sátira da corte de
Luís XIV, o todo-poderoso Roi Soleil. (Santiago, 1982, p. 57).
Ou seja, o riso literário, em suas muitas gradações, parece conter sempre ca-
racterísticas como agressividade, uma idealização e um olhar que o mundo diverso
do imaginado. Trata-se, evidentemente, do riso que exclui, escarnece. O riso de aco-
lhida e aceitação, sem agressividade, é menos evidente. Na gradação estabelecida pa-
ra as unidades constitutivas do riso literário
do cômico para a sátira, passando pelo
humor e pela ironia,
essa ordem inicia-se com aquela de maior aceitação da causa do
riso e finaliza com aquela de maior exclusão da causa do riso, seja um acontecimento,
seja um personagem, seja no nível diegético, seja no nível actancial.
34
Essa definição é do prof. Luiz Gonzaga Marchezan, no curso “Procedimentos narrativos e discursivos do
conto”, ministrado no segundo semestre de 2002 na FCL-Ar/Unesp.
104
Nessa classificação, o critério de distanciamento do motivo que causa o riso
tem de ser considerado. O ensaio “O cômico e a regra” (Eco, 1984, p. 343-353) trata
das diferenças entre a comicidade e a tragédia. O cômico se pelo distanciamento
entre o personagem que sofre punição e o leitor somente isso, afirma Eco, instaura
o riso. Afinal, a exclusão já se dá antes mesmo do evento que causa o riso: aquele que
ri não se como aquele de que ri. Rir do palhaço é rir daquele desde sempre excluí-
do de nossa auto-identificação, excluído da identidade pessoal que cada um faz de si
mesmo. Aceita-se o palhaço porque ele é a imagem do que o “eu” não é.
Pirandello (1996, p. 43) propõe existir um “especial processo íntimo e ca-
racterístico do qual resulta a expressão humorística”. Esse processo constitutivo do
riso é o que faz com que o riso literário surja como uma instância ontológica do fazer
literário. Esse fazer se manifesta, e utilizamos uma expressão de Bergson (1983, p.
105), por meio “[d]os processos de fabricação do risível”. Quais seriam, nos termos
que discorremos, os processos de fabricação do risível? De que forma e por que mei-
os se manifesta o riso literário ontológico?
Do processo íntimo que faz o riso nascer emerge uma oposição moral, ética,
que determina, do ponto de vista de quem ri, o grau de antipatia ou acolhida que ma-
nifestará pelo motivo do risível. Desse continuum entre exclusão e simpatia definimos
as unidades constitutivas do riso: o cômico, o humor, a ironia e a sátira. Esse movi-
mento exige categorias de ação, sendo elas o explorar o baixo e degradante, a carna-
valização, o processo subversivo, o ver o mundo às avessas, em uma dinâmica que
procura, entre as figuras de linguagem, pensamento e literárias as formas de manifes-
tação e os recursos expressivos adequados para gerar o efeito estético do riso que
germina ontologicamente como motivação do processo criador. Tal parece ser, de
modo orgânico, o mecanismo do riso literário.
Voltado para o funcionamento discursivo do riso, Pietroforte (2005, p.
1367-1372) estabelece, a partir das interações entre os sujeitos da cena narrativa, qua-
105
tro regimes do riso: “autista”, “paranóico”, “excêntrico” e “sociopata”. O objetivo do
estudo é “determinar, em cada regime, como a graça se faz” (Pietroforte, 2005, p.
1370), ou, mais especificamente, apresentar os “dispositivos retóricos” do “modo de
funcionamento” de cada regime. O ponto de partida para determinar os regimes do
riso é a teoria dos regimes de interação social sob a ótica dos “processos sociossemió-
ticos envolvidos nas relações entre sujeitos” (Pietroforte, 2005, p. 1367).
Os regimes são estabelecidos pela interação entre sujeitos e perfaz um qua-
drado com oposição entre identidade e alteridade e respectivas complementaridades,
o par não-alteridade versus não-identidade. No regime autista, fixado na identidade e
caracterizado por um comportamento ingênuo repetido, o dispositivo é a anáfora; no
paranóico, “baseado em eterno conflito” com a alteridade, o dispositivo é a antítese;
no excêntrico, marcado pela não-identidade, a interação gera conflitos de ponto de
vista, e as palavras e situações tornam-se dúbias, por serem coisa diversa do que o
sujeito pensa que o daí, a diáfora, uma anáfora pervertida por simultaneamente
tomar dois sentidos opostos; no sociopata, os sujeitos estão no pólo da não-alteridade,
se nivelam em suas falhas de caráter, e “[o] dispositivo retórico preferido é a elipse,
ou seja, o calar-se sobre o implícito, sempre desvalorizado disforicamente.” (Pietro-
forte, 2005, p. 1372).
A retórica no regime do riso estabelecido pela interação dos sujeitos, nos
adverte Pietroforte (2005, p. 1372), é um elemento sintático, o semântico, pois to-
mado de forma não-relacional, e o riso advém dos elementos “próprios de cada cultu-
ra e de cada época” que, através do regime do riso, faz com que os conteúdos do
humor s[ejam] colocados em discurso.” (Pietroforte, 2005, p. 1372).
Os elementos discursivos apontados são, pois, estabelecidos a partir do con-
fronto interno dos sujeitos da narrativa, por meio de uma oposição entre identidade e
alteridade oposição que podemos, em suave heresia, dizer ontológica, e que é cons-
tituída no imo do quadrado semiótico. Essa oposição segue, também, o continuum da
106
menor exclusão do outro (ou simpatia) à não-aceitação da alteridade (a exclusão). Do
conflito entre os sujeitos que interagem temos as mudanças de estado que constroem
a narratividade, e a partir das escolhas lexicais, das opções discursivas e do regime
estabelecido, o semioticista define o tipo de riso que anima o texto.
Percorremos trajeto teórico bebendo, na busca de uma semiose do riso lite-
rário, em diversas fontes. O que buscamos são os efeitos de sentido do discurso em
cuja gênese ontológica está o riso.
Toda a manipulação dos elementos desse conjunto que se apresenta para
análise, todo esse discurso discursivizado essa enunciação enunciada ali à fruição,
esse texto que nasceu carregando em si o que é próprio “de cada cultura e de cada
época”, evidenciando o lugar e o tempo de sua produção – não é um deus ex-
machina, não é geração espontânea: trata-se do resultado de um trabalho mentado e
realizado por alguém. Esse alguém é o autor, imerso, nos termos apresentados, em
uma “cultura” e em uma “época”. As motivações íntimas e mais profundas que o mo-
vem constituem a ontologia da obra. Na ontologia o visceral fogo sagrado feito de
coração e tripas, como diz, em outro contexto, Luiz Vilela
35
está o continuum foria-
timia e estão as definições do tom da narrativa, que podem ser vários, mas, entre to-
dos eles, no momento, nosso interesse se fixa na ontologia do riso literário.
Vimos o modo como surge o riso literário, desdobramos sua configuração
através de unidades constitutivas que caracterizem, de modo figurativizado, a ontolo-
gia que vai da aceitação à exclusão do sujeito representado e verificamos que essas
unidades exigem estratégias de ação narrativa que definem as formas de manifesta-
ção. As unidades de ação, centradas em um eixo paradigmático de “ver o mundo às
avessas”, cristalizam-se através de figuras correspondentes às unidades constitutivas
do riso, e que por sua vez são pólos aglutinadores das formas de manifestação discur-
35
Verifique no anexo 2.
107
sivas. Essas figuras são a Palhaçada, referente ao mico, a Gozação, referente ao
Humor, o Chiste, manifestação microtextual da Ironia, e a Piada, referente à Sátira.
Em um quadro operacional, eis como se pode visualizar tais mecanismos:
O RISO LITERÁRIO
Ontologia
(do autor, que patemiza o leitor):
ACEITAÇÃO  EXCLUSÃO
do sujeito figurativizado na narração
Unidades constitutivas:
Cômico Humor Ironia Sátira
Estratégias de ação decorrem do “ver o mundo às avessas”:
subversão de valores, carnavalização, exploração do baixo ventre, etc.
Figuras cristalizadoras:
Palhaçada Gozação Chiste Piada
Formas de manifestação (figuras textuais):
anáfora, antítese, burlesco, caricatura, colagem, contradição, cópia,
diaforese, elipse, escárnio, gozo, graça, grotesco, hipérbole,
paródia, pastiche, picardia, reflexão, repetição, troça,
trocadilho, xingamento, zombaria, etc.
- Ou seja, toda e qualquer figura discursiva, figura de linguagem, figura
de pensamento, figura retórica ou figura narrativa pode ser
utilizada para alcançar efeito de riso literário.
Esse é um modelo taxionômico operacional para análise e classificação de
manifestações do riso literário. Nós o criamos por meio de um processo que tateia por
diversos estudiosos da questão, tendo presente que a ontologia profunda se manifesta
108
no discurso textualizado, que este sempre evidencia sua gênese, e que as fronteiras
entre as unidades constitutivas do riso são fronteiras tênues, assim como são fluidas
as imbricações entre as estratégias de ação que estabelecem as formas de manifesta-
ção do riso. A comédia pode estar na tira; pode haver sátira na comédia; o humor
pode ser irônico; a comédia pode ser irônica. Nada é puro, afirmara Propp (1992),
no mesmo diapasão em que Frye fala em “comédia irônica” (Frye, 1973, p. 222), ou
em “ironia satírica” (Frye, 1973, p. 219), ou, em outra chave, em “ironia trágica” (Fr-
ye, 1973, p. 232).
Ao tratarmos do riso como ontologia, estamos, evidentemente, em um pa-
tamar estético diverso do riso como mero elemento discursivo episódico. O eventual
é configurado quando temos formas de manifestação discursivas, textuais e retóricas
do riso utilizadas para efeito tópico, sem amálgama estrutural com a construção do
sentido semiótico dedutível do continuum foria-timia, que é o que determina sua
constituição ontológica na eclosão do processo criativo.
Tal ontologia transforma em riso o que é crítica e é sério, riso desbragado
ou riso contido, riso que se lança como riso ou riso que se traduz em reflexão, riso
que provoca alegria ou que induz ao pranto, riso que desnuda a sociedade ou volta-se
para o próprio indivíduo. Enfim, o que transforma a crítica séria em riso, e o riso
também é, paradoxalmente, muito sério, qualquer que seja a sua gradação, é a forma
como a crítica é constituída, o efeito emocional e estético que ela provoca. As grada-
ções infinitas de cada uma das unidades constitutivas do riso, e as indefinidas frontei-
ras que, mais que separá-las, as unem e as indeterminam, propiciam que os recursos
expressivos formulem as nuances e gradações do riso nas obras literárias. Riso que
e esse é o seu papel ontológico na criação literária extravasa o texto, insinua-se no
mundo, e faz o leitor se mexer inquieto, avaliando desconsolado a sociedade e o ho-
mem.
109
3.2 O RISO NOS CONTOS DO ANOS SESSENTA E SETENTA
Em 2001 o conto “Tarde da noite”, de Luiz Vilela, foi apresentado na série
“Brava gente”, da Rede Globo. A adaptação televisiva potencializou as características
cômicas do conto, certo nonsense com pitadas de pastelão, os tipos caricaturizados,
seja o da dona-de-casa, seja o do bom-samaritano, seja o da amante (amante que sur-
ge na adaptação, no conto é apenas uma vaga suposição da esposa), seja o da moça
que anuncia ao telefone, desesperada, que vai se suicidar.
A adaptação, privilegiando o cômico, utiliza uma chave, diríamos, aristoté-
lica. Em Aristóteles (Poética, cap. V), a comédia é “imitação de homens inferiores” e
trata dos vícios naquela “parte do torpe que é o ridículo”, sendo que o “ridículo é a-
penas certo defeito, torpeza anódina e inocente”. Na tevê, realçado o ridículo miúdo
de personagens menores, o efeito é o riso sem compromisso, anódino e inocente.
No conto, o tom de comédia, pelo entrecho sobre o qual paira permanente-
mente uma tragédia, pode passar despercebido em uma primeira leitura. Discreto, o
cômico se pelo desencontro entre o que um personagem fala e o que o outro en-
tende. Esse desencontro é realçado quando, no final, o personagem, aflito, atende no
telefone a uma moça que imagina linda, sensual, e sua mulher uma megera, desgre-
nhada, cara cheia de creme – o acorda: “você está sonhando?” (T, p. 197).
110
Mas o riso literário pode ir além do divertissement. Alfredo Bosi (1977), em
O ser e o tempo da poesia, afirma que o ímpeto crítico tem uma função regeneradora,
que a denúncia se faz para que seja construída uma nova ordem, e que a verdadeira
obra literária pretende mais que a função estética e a catarse momentânea. Essa con-
figuração aponta para possibilidades humanas e sociais além daquelas da verossimi-
lhança da ficção, e nela a literatura pode ter o papel de provocar mudanças sociais,
religiosas e culturais, não sendo somente fruição estética, prazer, emoção, riso.
O aspecto crítico e reflexivo do conto não parece presente na versão da te-
vê. Alguns diálogos desapareceram. Eis um dos diálogos excluídos na tevê:
“Humor negro.”
“Humor o quê?”
“Negro”, falou a voz mais alto e com uma certa irritação. “Não sabe
o que é isso? Humor negro?”
“Sei”, ele falou meio sem-graça diante daquela súbita irritação.
“Então quê que é”, perguntou a voz com ar de quem desconfiava que
ele não soubesse.
“Humor negro é um humor macabro, é... um humor pessimista...”
“Que humor não é pessimista?”
“Como?”
“Estou perguntando: existe humor que não seja pessimista?”
O homem pensou um pouco: “Existe. Existe um humor sadio.”
“Sadio? Quer dizer que sadio é o que não é pessimista, e pessimista o
que não é sadio?” (T, p. 189).
Logo à frente, em outro exemplo de que Vilela não tem o riso em sua li-
teratura, mas, também, dele trata metalingüisticamente, mais uma estocada:
[...]
“Pode ter essa grata fineza de me dizer o que é humor negro?”
“É o humor que se faz na África.”
“Na África”, ele repetiu, no tom de quem prossegue a brincadeira
e de repente é que percebeu o trocadilho. (T, p. 190).
111
Esse questionamento sem tréguas dos conceitos, como nas citações, e que
pode chegar às margens do niilismo, é constante em Vilela. Inclusive muitos dos títu-
los de seus contos são irônicos e até mesmo auto-irônicos. Eis alguns, da coletânea
Tremor de terra: “Nosso dia” (casal comemora o aniversário de casamento entre
grosserias grotescas), “Espetáculo de fé” (festa religiosa tem seu principal espetáculo
na mercantilização, sob o olhar eroticizado de um padre), Deus sabe o que faz” (tra-
gédias de uma vida, pontuadas pelo refrão Deus sabe o que faz), e Enquanto dura a
festa” (a hipocrisia de um velório, no olhor revoltado de um adolescente).
Na coletânea o bar, aparece “Filosofia”, conto no qual o que se é pro-
saísmo e pedantismo no ambiente universitário.
Em “A pátria precisa de você”, de Tarde da noite, a apresentação ao serviço
militar é momento de humilhação e dor.
A coletânea O fim de tudo tem o conto “O monstro”, no qual “o monstro” é
um débil mental e os verdadeiros monstros são os jornalistas e os policiais que ridicu-
larizam o pobre coitado.
“Feliz natal” (no qual o personagem se esforça para comemorar o Natal so-
zinho), “Os tempos mudaram” (um olhar crítico para as mudanças “progressistas”
em Vilela, tal conceito deve ficar entre aspas na igreja católica), “Para vocês mais
um capítulo” (ironia de um “guia satírico” ao tratar das telenovelas) e Boa de garfo”
(a expressão do título se refere a um animal), estão na coletânea Lindas pernas.
Se os títulos contêm ironia, inclusive auto-reflexiva, os contos seguem o
mesmo caminho.
No conto Domingo” (T, p. 23-25), as menções à publicidade e o pastiche
de anúncios publicitários, a nomeação de produtos industrializados, o recortar desco-
nexo de canções radiofônicas, a ironia com as convenções da língua, o sufocamento
do indivíduo em solidão existencial num mundo no qual impera a comunicação to-
dos esses elementos, apresentados no turbilhão de um fluxo de consciência, denunci-
112
am e criticam, em paródias de ritmo alucinatório, o “véu ideológico” (Bosi, 1977, p.
145) que massacra o homem comum.
A caricatura também está presente nos contos de Luiz Vilela dos anos 60 e
70. No citado “Tarde da noiteum homem que dorme ao lado da sua mulher acor-
da com o telefone tocando. Do outro lado da linha está uma voz feminina, que ele
imagina ser de “uma moça delicada e bonita, extremamente simpática e inteligente.”
(T, p. 183). A moça anuncia que está preste a se suicidar. A esposa tenta fazer com
que o homem desligue o telefone e volte a dormir. Eis como a mulher é descrita:
os cabelos desarranjados (T, p. 181);
ele observou-a e achou aquele gesto feio, grosseiro, masculinizado. Obser-
vou-lhe também o rosto, lambuzado de creme (T, p. 184);
arrancava o esmalte das unhas (T, p. 185);
a cara azeda de raiva (T, p. 185);
A mulher bocejou abrindo toda a boca e os braços (T, p. 185);
ouviu com satisfação um pequeno e súbito ronco (T, p. 186-187);
ela dorme feito um... um animal (T, p. 194);
Gorda? Ela é uma bola. E está cada dia mais gorda. (T, p. 194).
Temos aqui aquela função da caricatura como componente do riso literário,
tal como expusemos ser a concepção presente em João Adolfo Hansen (1989) e em
Sylvia Telarolli Leite (p. 19-37, passim). No exemplo, a caricatura emerge, em Luiz
Vilela, como elemento da sátira por meio do qual o narrador faz julgamento crítico de
personagens. O conto “Tarde da noite” compõe uma imagem caricaturesca e satiriza-
da da mulher. Ela é rebaixada à condição de animal e a objeto geométrico; é apresen-
113
tada lambuzada, masculinizada, decomposta, azeda, bocejando (a boca toda aberta) e
roncando.
No conto “Olhos verdes” (B, p. 40-42), temos um estereótipo de homos-
sexual; em “Velório” (T, p. 63-72), alguns personagens apresentam-se grotescos e
animalizados; em “Pais e filhos” (FT, p. 123-135) tudo é grotesco, inclusive o enredo;
em “Boa de garfo” (LP, p. 115-125) uma cachorra é antropomorfizada; em “Os tem-
pos mudaram” (LP, p. 51-58) a descrição da igreja, do padre modernoso e da moça
rebolante mescla comicidade e nostalgia; e em “Para vocês mais um capítulo” (LP, p.
59-64) surge um guia satírico que discerne e critica o que o outro personagem não é
capaz de perceber sozinho.
No conto “A feijoada” (FT, p. 103-114), rios aspectos constituem, por
meio da carnavalização literária (cf. Bakhtin, 1999), a sátira e a caricatura, do rebai-
xamento do “doutor” à elevação de subalternos (o garçom, “lacaio real” FT, p.
108). A tragicomédia do pequeno-burguês solitário que todo sábado se empanturra
numa feijoada, entre arrotos e flatulências, tem ares de farsa, tangencia o grotesco,
termina em autoflagelação que poderia ser irônica, não revelasse um drama existenci-
al sincero e que parece contaminar a alma do leitor.
O conto “As neves de outrora” (FT, p. 115-122) deve seu título a François
Villon (1986, p. 18), poeta francês do século XIII. Nesse conto, um sobrinho faz jogo
de palavras sem sentido e a tia não lhe atenção. O saudosismo do conto, defendido
pela senhora esclerosada, fica, então, imerso em uma aura de ironia, o moralista que
critica a atualidade e prega a volta ao passado parece implicitamente perceber que, se
melhor do que hoje, o passado também não era lá essas coisas.
No conto “Uma lástima” (FT, p.175-184), um personagem ensina o que é
dignidade, mas a sua barriga parece isolada do resto do corpo: “Era uma coisa engra-
çada: é como se ele fosse uma coisa e a barriga dele outra, e a barriga estivesse rindo
dele.” (FT, p. 181). Em “Surpresas da vida” (FT, p. 41-50), um jovem se reencontra
com seu ex-professor e comemoram a casualidade em um bar. O professor manifesta
114
extremada gula, mas deixa a despesa do que fartamente comeu e bebeu para o ex-
aluno, prometendo que de uma próxima vez pagará a conta. Despedindo-se, fala que
aquele reencontro “foi um grande prazer”. Tem por resposta um arroto. Excesso e
grotesco, duas características da sátira, manifestam-se, e aqui o fazem de modo re-
tumbante.
A exploração do nonsense surge no conto “O fantasma” (TT, p. 95-100).
Trata-se do diálogo, com passagens hilárias, em que a razão domina o sentimento a
timia prevalece diante da foria quando o normal, na situação, seria o espanto abafar
a inteligência. No final, aterrorizado com o homem, que tranqüilamente vai dormir no
casarão abandonado, o fantasma, patemizado pelo medo, desaparece. Em “Nosso dia”
(TT, p. 41-42), conto que analisamos em detalhe na Secção IV, o pedido de atenção
da mulher termina num arroto do marido grosseiro.
Em Tarde da noite, diversos contos utilizam-se de elementos do riso literá-
rio. É o grotesco do pedófilo em “Com seus próprios olhos” (T, p. 5-12); é a consta-
tação de que “depois de velho todo retrato da gente parece caricatura”, do tragicômi-
co “Os sobreviventes” (T, p. 45-58); é o grotesco strip-tease de Bárbaro” (T, p.
81-92); são as piadas em diversos contos; é o conto-piada (“Suzana”, T, p. 145-
148), no qual a verdade, surpreendente, que quebra todas as expectativas, é revelada
apenas na última linha.
Em “Meus oito anos” (B, p. 7-12), a santa no altar da igreja é vesga e o
grotesco, o exagero, a exploração do baixo-ventre e a caricatura estão presentes:
Deus do Antigo Testamento era meu avô barbudo [...] matara cobras e on-
ças [...] dobrava barras de ferro [...] vi ele abraçar a preta por trás [...] co-
meçou a relinchar feito burro [...] vi que ela era desdentada [...] espichou a
barba para frente feito um bode [...] raspou o chão feito um boi [...] deu
uma corridinha feito um porco [...] segurando o seu traseiro, gemia. (B, p.
9).
115
Meninos que ridicularizam a pessoa diferente as alteridades não comun-
gam estão no conto “Um caixote de lixo” (B, p. 26-30). Em “Sofia” (B, p. 55-
57), o personagem morre “de tanto comer”. Também de B, “Filosofia” (B, p. 85-
98) tem humor sutil e compassiva ironia na crítica à faculdade de filosofia, ao profes-
sor dedicado e à professora fútil.
Nos contos das cinco primeiras coletâneas de Vilela estão presentes, portan-
to, diversos recursos do riso literário. Eis, em uma recapitulação, de que o ficcionista
se vale: rebaixamento, caricaturas, exageros, deformações, ironias, chistes, humor,
comédia, grotesco, animalização, piada, sátira, retalhamento do corpo, exagero, guia
satírico, paródias, pastiche. Todo esse aparato, conforme se depreende, faz sob o
olhar cético, mas compassivo, do autor – questionamentos morais, religiosos e éticos.
116
3.3 O RISO NOS CONTOS DE A CABEÇA
Considerada, para efeitos de nossa análise, como um segundo momento da
contística de Luiz Vilela, a coletânea A cabeça foi lançada em 1
o
de julho de 2002.
Em poucos meses, o volume acumulou uma fortuna crítica bastante expressiva. Con-
siderando os 23 anos que separam essa coletânea da coletânea anterior, um dos rese-
nhistas (Rodrigues, 2002) fez a seguinte observação:
Nem tudo é reiteração de estilo em A cabeça. O tempo também passou para
Luiz Vilela. Seu fascínio por ninfetas
que já havia rendido um conto deli-
cado e “quase romântico”, como ele diz, chamado “Françoise”
chega à
crueza do nu frontal em “Suzy”. Outro de seus temas recorrentes, a pro-
gressiva esculhambação da solenidade da morte promovida pela dinâmica
dos vivos, que numa história antiga como “Velório” rendia uma comédia-
pastelão, transforma-se em “A cabeça” num humor negro de gelar a medu-
la. Aumentou o nível de violência? Não é isso. Cresceu a exasperação,
as relações endureceram, o cinismo dos personagens revela-se com menos
disfarces. “Tem muito a ver com a época, é inevitável”, concorda Vilela,
antes de mais uma vez invocar a vida. “Não é uma coisa intencional, mas
nossa matéria-prima é o mundo, o que está acontecendo com as pessoas.”
(Rodrigues, 2002).
Sob a ótica do riso, vamos abordar nesse capítulo de que forma as duas ou
três décadas que separam a nova coletânea das anteriores produziram mudanças na
117
ars poetica de Vilela. O que é inegável é que, em A cabeça, diversos contos senão
todos – trazem marcas do riso literário. Chistes, piadas, certo tom de comédia, carica-
turas, o grotesco, a sátira, enfim, o riso literário não é uma das características mar-
cantes do volume como se apresenta em gradações e nuances as mais diversas. Mar-
cante, também, a forma com que, através do diálogo, Vilela promove, no linguajar
comum dos personagens, a discussão de temas normalmente considerados transcen-
dentais. Assim, satiriza o homem em seu egoísmo, em sua luta pelo poder, em sua
busca de transcendência mística. Deus, por exemplo, se existe, o passa de “uma
cagada” (AC, p. 128).
Além da marca do satírico, a crítica inclemente inclui agora, com o conto
“Más notícias”, o universo da política eleitoral, enquanto “Luxo” mostra, em meio a
piadas fesceninas, a discussão de um incorporador com um empreiteiro sobre as di-
mensões do banheiro da empregada. Por seu lado,“Calor” e “Suzy” o textos eróti-
cos que desnudam a moral aparente das meninas e “meninas” aqui não é modo de
dizer bem comportadas. As narrativas de A cabeça ampliam a voltagem de contos
como “Essas meninas de boa família”, da coletânea Lindas pernas (1979), ao incluir
o incesto por ação da adolescente (em “Calor”, AC) e mostrar que a iniciativa sexual
é, agora, de meninas que mal romperam os dez anos de idade (em “Suzy”, de AC).
“Freiras em férias” mostra o diálogo carregado de subentendidos de três
freiras à beira da piscina de um clube. Antes, em contos como “Os tempos mudaram”
(LP, p. 51-58), Vilela discutia a instituição religiosa; agora, os agentes religiosos é
que m sua intimidade revirada. Entre declarações como o desejo de ser capa de re-
vista erótica e de ter orgasmos, as freiras falam das guloseimas que a cozinheira do
convento prepara, discutem a novela da televisão, fazem veladas acusações de peca-
dos umas das outras. O final é hilário: as freiras decidem passar no shopping para
comprarem pilhas para o walkman, mas uma afirma que precisa voltar rápido para o
118
hotel, para lavar os nis, e explica:
“Sabem como é, sempre fica um pouco de chu-
lé” (AC, p. 64).
o conto “Rua da amargura” transita perto da tragédia, mas no final tem
um tom mico que tende para o humor sarcástico. A dubiedade medeia o trágico do
cômico em “Rua da amargura”, narrativa publicada inicialmente em O decálogo (No-
va Alexandria, 2000). Em Rua da amargura”, dois filhos querem tirar os dentes do
pai moribundo para pagarem contas. A situação é grotesca.
Eles argumentam que a solução decorre de um “milagre” (o “milagre” é um
panfleto de rua que anuncia um escritório de compra ouro, portanto é algo prosaico e
trivial), que o pai sempre afirmou que faria tudo pelos filhos, que o dentista fará um
serviço baratinho e sem dor. Diante da negativa da irmã, dizem que é possível um
bandido roubar os dentes do pai, arrancando-os sem anestesia, ou que depois de mor-
to e enterrado o pai poderá ter o mulo violado. Nada feito. Ao chegar em sua casa,
um dos irmãos encontra o filho, ainda nenê de colo, chorando, sem o que comer. É
uma ironia cruel, que deflagra a violência verbal do personagem, impotente para pro-
ver o sustento de sua família: se o se pode ter uma sopa “para” o nenê, manda a
mulher fazer uma sopa “com” o nenê.
“Rua da amargura” veste uma roupagem dúbia, que nos conduz à diferença
que Umberto Eco (1984), no ensaio “O mico e a regra”, traçou entre o trágico e o
cômico. Eco considera que tanto o trágico quanto o cômico se configuram sobre uma
transgressão. diferença entre a origem dos personagens: na tragédia, reis, deuses;
no mico, a plebe, o povo, os despossuídos. Percebe que na tragédia existe empatia
com o sofrimento, enquanto no cômico nos sentimos superiores e o sofrimento não
nos comove. Naquele, purificamo-nos de nossos pecados e tentações pela catarse;
nesse, a transgressão antes nos anima, porque a regra é violada sem que a punição nos
atinja, e ao lancetar o outro, bestialmente pintado pela narrativa, rimo-nos do castigo
que lhe é infligido. Para Eco, é a consciência da transgressão da regra que faz a dife-
119
rença entre o trágico e o cômico. No mico, a regra está internalizada e o texto não
toca nela. Na tragédia, a regra é lembrada todo o tempo para os personagens e para os
leitores ou a platéia. Obviamente, a forma estética da narrativa, os outros recursos
literários de que o narrador lança mão, também compõem o quadro para definir o
tom, se comédia ou tragédia.
Temos, em “Rua da amargura”, uma situação trágica: um Pai à morte, os fi-
lhos à beira de serem despejados. Qual a regra? “Honra teu pai e tua mãe”, um dos
dez mandamentos (cf. a Bíblia, Êxodo, 20, e Deuteronômio, 5). Em nenhum momento
essa regra é tocada no conto. Os personagens se encaixam entre os despossuídos, não
têm sentimentos nobres. A tragédia está a um passo de virar comédia? Se sofrêssemos
com o drama da família, enveredaríamos, seguindo o raciocínio de Eco, pelo humo-
rismo pirandelliano (cf. Eco, 1984, p. 350). Mas a empatia com o sofrimento dos per-
sonagens não chega a esse ponto, devido à brutalidade da intenção mutiladora que
apresentam diante do Pai. E a regra, em si, o é criticada, o que seria outro traço do
humorismo (cf. Eco, 1984, p. 352).
Se o trágico é a violação do imprescindível, o mico é a violação de uma
regra menor, banalizada (Eco, 1984, p. 346); por exemplo, o cômico toma conta do
carnaval, é a transgressão consentida, possível, desejável, indolor (cf. Eco, 1984, p.
349). Já a regra do amor filial parece um dever nobre, imprescindível, magno – a pro-
pósito da regra traída na tragédia, trata-se de regra “convincentemente [...] nobre e
imprescindível”, segundo as palavras de Eco (1984, p. 346). Portanto, rompê-la se
insere na tragédia. Mas não identificação possível com os filhos que agem como
canibais de Pai vivo. Tendemos ao cômico. Humorismo, conforme vimos, não é. Te-
mos, então, uma tragicomédia?
Na verdade, ao que parece, a tragédia se transformou, nos nossos dias, em
uma impossibilidade, uma vez que a transgressão da regra não é mais factível devido
à vitória social representada, no conto, pela irmã da interdição, muito embora a
120
internalização psicológica da interdição, conforme o demonstra a intenção dos filhos,
tenha sido rompida pela crescente miséria da sociedade, dos homens e das almas.
Caso nos voltemos para a Poética de Aristóteles (1973, capítulo V, p. 31-
35), verificamos que a comédia é concebida como uma história de homens inferiores
quanto aos limites éticos e morais, à inserção social e à condição financeira. O “vício
torpe” a mesquinharia humana por algum dinheiro em que se empenham, foi
mote de muita comédia. É impossível nos identificarmos com aqueles pobres desal-
mados, e o distanciamento parece o corolário do ridículo que Aristóteles na comé-
dia. No entanto, a dificuldade financeira dos personagens de “Rua da amargura” nos
enche de indignação, piedade e revolta. O satirista faz o nosso olhar se voltar para o
econômico, para a condição da existência na miserabilidade; e a comédia se desvane-
ce em pungência. A tragédia de nossos dias, é o que nos parece dizer Vilela, decorre
da alienação intelectual e moral, da espoliação financeira, da exclusão social.
Também não nos identificamos com os personagens de “Más notícias”. Mas
não é possível apiedar dos que manipulam o processo eleitoral. É a ação da elite polí-
tica e econômica, ali retratada, que gera a alienação de personagens como os de “Rua
da amargura” João, José e Maria, nomes de evidente simbolismo cristão. Ao final
de “Más notícias”, o que resta é revolta, o que sentimos é melancólica impotência.
Outra questão de forte presença na coletânea repontando em meio a diálo-
gos coloquiais, sobre coisas prosaicas e aparentemente banais refere-se às discus-
sões metafísicas. A transcendência do homem, através da religião ou, o que é raro em
Vilela, através do místico, surge em alguns contos. Em “Mosca morta”, o diálogo
opressivo entre dois amigos (amigos?) reporta ao temporal daquela noite:
[...] Está parecendo um dilúvio. Bem que a humanidade está mere-
cendo um outro dilúvio. Sabe, tem dia que eu fico pensando: Deus é mesmo
misericordioso, porque senão muito tempo que ele teria mandado um
outro dilúvio para nós. Mas, também, se mandasse, seria o fim, pois dessa
vez ele não encontraria nenhum Noé. Você não acha?... (AC, p. 15)
121
Depois desse conto, que abre a coletânea, “Freiras em férias”, a quinta nar-
rativa, mostra o sagrado da opção religiosa como atitude de cinismo comparável ao
do político oportunista de “Más notícias”. Na verdade, o manto do sagrado veste o
profano, e o manequim dos dois é idêntico. É o mundo satiricamente às avessas.
Certa intertextualidade insinua-se em “A porta está aberta”, antepenúltimo
conto da coletânea, que encena uma narrativa (viagem e travessia) que lembra “A
terceira margem do rio”, de João Guimarães Rosa. Mas, se no texto rosiano as possi-
bilidades de leitura do desconhecido abrem um leque de leituras e de interpretações,
em Vilela a opção pela morte no meio do rio esconde as muitas derrotas que a vida
impõe a cada um de nós. Se em Rosa a vida está prenhe de sentidos e seus significa-
dos explodem nas entrelinhas e nas entremargens, em “A porta está aberta” verifica-
mos que a porta, ao contrário, se fecha, o que é mais uma ironia, e que a vida resta
desprovida de valor.
Uma leitura seqüencial dos contos do livro demonstra essa afirmação. O vo-
lume se inicia, em “Mosca morta”, com a procura de um Noé que não mais existe,
prossegue com a descoberta de que o sagrado equivale ao profano, em “Freiras em
férias”, segue com um texto, “A porta está aberta”, no qual o discurso metafórico do
personagem tem o seu quê místico, no fim a coletânea deságua no conto “A cabe-
ça”, que encerra o livro em niilismo e na vacuidade da existência humana. Nesse
conto, indiferentes ao cadáver mutilado pela violência do homem, os transeuntes fa-
zem troça de tudo e de todos, inclusive de Deus. Eis o diálogo (AC, p. 127-128):
“Deus foi fazendo tudo certo”, continuou o de óculos; “ele fez a ter-
ra, fez o céu, o mar, as matas, os bichos... Até ele fez tudo certo. Mas à
hora que ele chegou ao homem, ele bobeou e deu a maior cagada.
“Deus fez o homem à sua imagem e semelhança”, disse o barbicha.
“Então Deus também é uma cagada”, disse o de óculos.
(AC, p. 127-128)
122
Mas Deus, o Pai da Santíssima Trindade, antes mesmo dessa punhalada fi-
nal, já fora, metaforicamente, jogado, comatoso, sobre uma cama. No conto que ante-
cede ao “A cabeça” temos, dessa coletânea, o único com a presença estrutural de uma
família (são também histórias de família o entrecho amoroso entre o tio doente e a
adolescente em “Calore o diálogo do casal sem filhos de “Catástrofe”, mas a estru-
tura da família não é o mais importante nesses contos). E os filhos dessa “Rua da a-
margura”, o que querem? Querem arrancar os dentes de ouro do Pai, querem, pode-
mos dizer, profanar o corpo de um cadáver-vivo. (“Pai” é grafado assim mesmo: em
Vilela, o Pai é sempre com inicial maiúscula, como, aliás, Avô, Tio, Mãe).
A autoridade do Pai, como a de Deus, sucumbiu. Até mesmo o respeito, dir-
se-ia humano, inexiste, e poderíamos dizer que inexiste não nos personagens desse
conto, mas, por efeito metonímico desse retalho da sociedade representando o corpo
social, poderíamos dizer que inexiste respeito humano na sociedade brasileira e na
forma de organização institucional dessa sociedade. Não existe saída stica, pois ela
conduz à morte. Não existe saída religiosa, pois se trata de uma farsa de cínicos, o-
portunistas e interesseiros. O conjunto dos contos é uma sátira feroz à sociedade bra-
sileira, que não erigiu é o que nos parece dizer os contos como ideal utópico que se
contrapõe à sátira incessante – valores que sustentem uma ética humanista.
O último conto, que dá título ao livro, é exercício virtuosístico da escrita,
uma cristalização do estilo e das fixações temáticas de Vilela. Uma cabeça no meio
da rua, curiosos, o sol estalando. chamaram “os home”? A resposta é um chiste:
“Se quando é um corpo inteiro eles demoram pra aparecer, que dirá quando é
uma cabeça...Os personagens são identificados por características fisionômicas ou
corporais: é o gordo, o barbicha, o de óculos, o de terno e bíblia que está voltando do
culto.
No universo desindividualizado de “A cabeça”, a cabeça ganha nome: “É a
Zuleide!”, grita uma moça, espalhafatosa. Aí, inicia-se uma discussão: os homens
123
questionam se a mulher não tivera a cabeça decepada por haver traído o marido. Um
outro pergunta pelo picolezeiro ou pipoqueiro. A moça fala e gesticula defendendo a
honra da... cabeça. E os cabelos ruivos da moça que fala e gesticula deslocam-se, so-
zinhos, apartados dela e de sua gesticulação. Chegam meninos “vestidos com a cami-
sa de seu time”: a cabeça? É uma bola de futebol com a qual eles farão o gol da con-
quista do campeonato. É a inversão, a subversão completa de valores, uma das formas
de manifestação do riso literário.
Nós, leitores, diante desse mundo de cabeça para baixo, nos perguntamos:
esse ajuntamento é circo ou festa? É gozo ou sátira?
Temos em A cabeça, portanto, ironia em títulos (“Luxo”, “A porta está a-
berta”), temos sátira em “Freiras em férias”, temos piadas em vários contos (“Luxo”,
“Suzy”, “A cabeça”), temos tiradas chistosas em “Catástrofe” (depois de ter cinco
filhos, uma mulher engravida novamente: são gêmeos
“Bem feito. Deus castiga”,
diz um personagem que atua como guia satírico, um guia que no final sucumbe diante
da emergência do poder feminino), temos o grotesco de “Rua da amargura”, temos
comédia e caricatura (de um político ambicioso, desonesto e despreparado
José Ta-
gliari Macarrão),
em “Más notícias”.
36
O conto que título ao livro, “A cabeça”, tematiza um mote recorrente na
história e na ficção brasileiras: a violência da cabeça cortada.
37
Entre outros, assim
foram profanados os corpos de Zumbi de Palmares, de Tiradentes e de Lampião; as-
sim é reportado o fim de Antônio Conselheiro em Os sertões, com a história se fa-
36
“Más notícias”, com outros contos de Vilela, foi adaptado para teleteatro pela TV Minas, de Belo Horizonte,
tendo ido ao ar em 11 set. 2002. Na programação, conforme folder no anexo 6, as adaptações são classifica-
das como “comédia”.
37
Por exemplo em Dalton Trevisan, no marcante conto “Uma vela para Dario” (Trevisan, 1992, p. 25-26; do
livro Cemitério de elefantes, de 1964), o morto à espera da sepultura, embora não decapitado, tem na possi-
bilidade da decapitação uma metáfora que marca a narrativa. Em Macunaíma, de Mário de Andrade (1991),
a cabeça cortada da cobra boiúna vira lua, o mito indiciando o pensamento humano como um reflexo de me-
ra luz fantasmagórica. Já no cinema, um dos últimos filmes de Glauber Rocha (1970) é Cabezas cortadas,
no qual a simbologia – da estátua grega com a cabeça decepada – é de que a razão, tão cara à cultura ociden-
tal, foi destroçada.
124
zendo ficção; na ficção, em Vilela, é topos que, sob formas variadas, surge em “À luz
do lampião” (FT, p. 249-260), em “O fantasma” (TT, p. 123-129), em “Bichinho en-
graçado” (LP, p. 35-50); no romance Graça, sob o signo de uma carnavalização bak-
thiniana, temos um ritual antropófago.
Em A cabeça, notamos que a voltagem erótica incorporou elementos au-
sentes na contística anterior de Vilela. A sátira política, também, é novidade. No pri-
meiro momento, o guia satírico do conto “Para vocês mais um capítulo” (LP) é admi-
rado pela esposa; no segundo momento, o marido, no conto “Catástrofe” (AC), é voto
vencido, numa desmistificação da função de guia; nem os antes “iluminados” persis-
tem com poder persuasivo em nossos tempos. Poderíamos dizer que é um mundo pe-
los avessos. A caricatura, presente, no primeiro momento da contística de Vilela, em
contos como “Velório” (TT), surgia da narração; agora, no segundo momento, surge
da ação do personagem, que se mostra por seus atos e palavras, que se desdobram à
frente do leitor – daí, inclusive, o tom de comédia de muitos contos de A cabeça.
Nesse segundo momento, mesmo o narrador em primeira pessoa “apenas”
relata fatos e diálogos. Ele se parece com um narrador observador de terceira pessoa,
aproximando-se da leveza do narrador das comédias leves, distante dos narradores
intervencionistas, críticos, normalmente presentes nas sátiras. Na aparente inversão
dos papéis do narrador, saindo aquele mais propício à crítica e sobressaindo o obser-
vador com seu ar de aparente neutralidade, a crítica sobreleva-se e a sátira aos peca-
dos humanos melhor dizer: pecados da sociedade e dos homens, ganha furiosa
intensidade. A exasperação advinda dos tempos que correm, de que Vilela fala, con-
forme reportagem citada (Rodrigues, 2002), produziu agora um humor sem a dis-
tensão, por exemplo, de Graça, romance de 1989, cuja ironia (cf. está em Ribeiro,
1989), tem muito de machadiana.
125
3.4 O RISO NOS ROMANCES E NAS NOVELAS
O riso literário, à semelhança do que ocorre nos contos, também permeia os
romances e as novelas de Vilela. O romance Graça, por exemplo, se apresenta, desde
o título, como uma visão panorâmica do riso literário. Nele, o autor faz citações (que
podem ser entendidas como homenagens) e paródias, ao mesmo tempo em que ridi-
culariza as máscaras e convenções sociais, satiriza instituições, brinca ludicamente
com as palavras, apresenta a comédia humana como grotesca e o relacionamento en-
tre as pessoas como um festival de grosserias. Majadas (2000) aponta Graça como
um diálogo carnavalizado num contexto de múltiplas intertextualidades. Nesse aspec-
to, a literatura de Vilela contém características das manifestações literárias definidas
como pós-modernas. Guelfi (1994), por exemplo, ao tratar da intertextualidade, no
contexto da pós-modernidade, vê, inclusive, elementos de perda de prestígio da origi-
nalidade (Guelfi, 1994, p. 18), o que identifica a problemática que alguns tratam co-
mo sendo o fim do autor. Quanto a isso, nos parece mais correto observar esse fenô-
meno como uma mudança do estatuto do autor implícito, mudança que, no caso de
Graça, parece decorrer da intertextualidade carnavalizada do romance.
O romance Entre amigos é pródigo em ironias, em relatos de humor sádico,
em piadas e em chistes. A novela O choro no travesseiro tem uma tia, beata e soltei-
rona, que é uma caricatura ambulante. O romance O inferno é aqui mesmo apresenta
personagens que fazem jogo de palavras e trocadilhos, que contam piadas e se agri-
dem, que se tratam e se magoam com palavras, com ironias, e com mútuo descaso. A
126
novela Te amo sobre todas as coisas transforma as muitas vozes dos romances e no-
velas anteriores no diálogo de rompimento de um casal, diálogo que mescla agressi-
vidade, chistes e silêncios. Em Os novos, primeiro romance de Vilela, o pano de fun-
do do regime militar nos anos 60 possibilita reflexões satíricas e gozações, entremea-
das de auto-ironia diante da inação dos personagens.
Está anunciado para sair em 2008 o romance Perdição. Eis como Luiz Vilela
se refere a essa narrativa:
O título é extraído de um capítulo da segunda epístola de São Pedro, cha-
mado “Os falsos mestres”: “E também houve entre o povo falsos profetas,
como entre vós haverá, também, falsos doutores, que introduzirão encober-
tamente heresias de perdição, e negarão o Senhor que os resgatou, trazendo
sobre si mesmos repentina perdição. E muitos seguirão as suas dissoluções,
pelos quais será blasfemado o caminho da verdade. E, por avareza, farão de
vós negócio, com palavras fingidas; sobre os quais de largo tempo não
será tardia a sentença, e a sua perdição não dormita.” Mas pode também o
título, quem sabe, ter sido extraído de uma passagem em que o personagem,
depois de dizer que tivera tudo, dinheiro, carro, mulheres, confessa que não
tinha mais nada, que perdera tudo. Ou, por que não?, de uma frase do nar-
rador falando dos brincos da mulher que o procura com a aparente intenção
de seduzi-lo: “ah, brincos de argolas grandes, minha perdição! Será que ela
sabia disso? Será que ela sabia?” Ou, finalmente, ele o passaria de uma
brincadeira do autor com as palavras, numa curiosa paranomásia? o Pe-
dro e Perdição. Qual? Qual deles? (Santos, 2002).
Vimos, nessa declaração, um conjunto de atributos que pertencem ao riso li-
terário, ou que com ele tem profunda afinidade, tais como o jogo de palavras, exage-
ro, construção de tipos, a paródia. O diálogo intertextual com obras e autores da lite-
ratura ocidental é uma característica de Luiz Vilela. Em Entre amigos, um alter-ego
do autor (cf. Rauer, 2001; ver apêndice) cita Oscar Wilde e Voltaire (EA, p. 20), re-
conhecidos mestres da sátira, e cita Camões para elogiar os seios da mulher que pre-
tende seduzir (EA, p. 105). Em Graça, o morcego que atormenta a personagem-título
recebe o nome de Jonathan, numa alusão a Swift. Os autores russos dominam a cena
em O choro no travesseiro, e um dos personagens, alcoólatra, morre lentamente,
lembrando os personagens patéticos de diversos escritores russos.
127
A obra de Vilela demonstra a afirmação de Leyla Perrone-Moisés (1990, p.
97) de que
[a] literatura se produz num constante diálogo de textos, por retomadas,
empréstimos e trocas. A literatura nasce da literatura; cada obra nova é uma
continuação, por consentimento ou contestação, das obras anteriores, dos
gêneros e temas já existentes. Escrever é, pois, dialogar com a literatura an-
terior e com a contemporânea. (Perrone-Moisés, 1990, p. 97).
As mulheres, em muitos momentos, deflagram situações que propiciam o
riso literário. Vimos a caricatura em “Tarde da noite”. Em “Boa de garfo” (LP), a mu-
lher que desaparece numa nuvem zangada tem o estereótipo da esposa. Em Graça
(1989), a personagem homônima submete-se ao seu guia satírico, o iluminado Epifâ-
nio, narrador da história.
38
Nos contos de Vilela, da derrisão completa, com o macrocosmo da Sátira
(em “Rua da amargura”, por exemplo) ou o microcosmo da Piada (em “Luxo”), à si-
tuação de Palhaçada (“Más notícias”) que desvela o Cômico (“Freiras em férias”),
passando pela Gozação (“O buraco” tem muitas, inclusive do narrador se referindo a
si mesmo) que gera Humor (“Velório”) e pela Ironia (já desde o título em “Deus sabe
o que faz”) com correspondente microtextual no Chiste (em “Enquanto dura a festa”
os adjetivos explodem incontidos na mente do órfão diante da hipocrisia dos que apa-
rentemente se solidarizam com ele devido à morte de seu pai), temos o riso literário
como uma constante. Essa é, portanto, uma invariante na obra de Luiz Vilela, presen-
te tanto nos romances e novelas quanto nas duas fases da sua contística.
38
Interessante aqui observar que o conto “A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro” (Fonseca, 1994, p. 593-
627), do livro Romance negro e outras histórias, de Rubem Fonseca, lançado em 1990, apresenta também
um personagem escritor de nome Epifânio, Augusto Epifânio, numa narrativa em que o rebaixamento dos
personagens através da fome seja sexual, seja de comida, seja da necessidade angustiada de pela escritura
se desvelar, constitui um dos aspectos marcantes do texto. No dizer de Sant’Anna (2004, p. 746), a obra de
Rubem Fonseca “trata da questão da violência e da sexualidade desenfreada”. Também em Romance negro e
outras histórias, o conto “Olhar” (Fonseca, 1994, p. 633-644), igualmente por meio de um narrador autodie-
gético, retoma a temática da fome insaciável. Desaparece, no entanto, o guia satírico, ampliando o espaço
para reflexões metaliterárias, que culminam com uma afirmação lapidar, “Arte é fome” (Fonseca, 1994, p.
642), como se o artista por meio de seu personagem definisse que toda literatura é espaço de crítica, de
dor e de rebaixamento pelo riso.
128
3.5 AS NUANCES E GRADAÇÕES DO RISO NOS
CONTOS DE LUIZ VILELA
Esse trajeto panorâmico pelo riso na narrativa de Luiz Vilela nos permite
algumas considerações. A primeira, é de que existem alguns temas recorrentes: o a-
mor, o sexo, a velhice e a loucura são alguns. A segunda, é de que a ficção de Vilela
se assenta sobre um compassivo humanismo, conforme amplamente estudado por
Wania de Sousa Majadas em O diálogo da compaixão na obra de Luiz Vilela (2000).
A terceira, é de que o espaço da narrativa pode ir de um bar ao aeroporto, da alcova
ao alpendre, da redação de um jornal em uma grande cidade a uma casa perdida no
sertão, mas não é somente o meio que faz o homem. Uma quarta conclusão é que a
estratégia narrativa do diálogo permite a Vilela discutir de literatura a acidentes aé-
reos, fazer de tiradas filosóficas a gozações “cabeludas”, permite, enfim, ir num átimo
do chulo ao lírico, do grotesco à ternura, do sério ao cômico.
Dessa forma, chistes e piadas, caricaturas e trocadilhos, metalinguagem e
paródias, formam um quadro de crítica à nossa sociedade e ao homem hodierno e
constituem o “espelho implacável” entrevisto por Wilson Martins (2001, p. 6). Esse
látego, impiedoso e abrangente, não seria, por si só, classificado como sátira. Mas ele
é contínuo, sistemático, implacável, e constitui crítica ampla, contínua, sistemática,
implacável e auto-irônica da sociedade brasileira e do homem contemporâneo.
129
Verificamos que o riso surge como ontologia da literatura de Luiz Vilela. É
riso que transforma a crítica em reflexão, que faz da gargalhada inopinada motivo de
pranto, que mostra a sociedade como um mecanismo cruel movido por indivíduos ao
mesmo tempo humanos e patéticos. Elemento marcante do ficcionista, o riso em sua
obra vai do mico ao satírico, da zombaria ao “sorriso amarelo” e desconsolado, da
gozação que se faz humor e da ironia sutil construída como chiste. Seja no burlesco
carnavalizado seja na sátira, em Luiz Vilela a figurativização do riso se veste de ve-
rossimilhança e o ataque virulento transcende ao momentâneo transitório.
Temos um exemplo no conto “Rua da amargura”. Nele, o Pai extingue sem
forças e sem consciência sobre o seu leito de morte (ecos de Nietzsche?), em uma
visão de Deus morto, do Deus que não existe para socorrer aos seus, do Deus ausente
das opções que os personagens devem tomar diante das vicissitudes da vida. Mas é,
também, crítica à estrutura social que produz indivíduos deserdados da possibilidade
de subsistência; é julgamento da sociedade que fermenta homens desprovidos de sen-
timentos humanitários; é condenação daqueles incapazes de discernimento ético. A-
lém disso, e justamente por isso, termina por ser sátira ferocíssima contra a sociedade
que o homem construiu sobre a face da terra.
A agressão que visa desqualificar e destruir a causa e o objeto da agressão,
estando a causa e o objeto personificados e claramente identificados, constitui, quali-
fica, no riso literário, como vimos, a sátira. Apontamos a sátira em Vilela. Ela é con-
tínua, sistemática, implacável, mas a sua causa e o seu objeto não o personificados,
permanecem difusos. Entretanto, vimos que é sátira.
Em “Más notícias”, para retomar apenas um exemplo, o político não repre-
senta um indivíduo público determinado, antes simboliza um modo de instrumentali-
zar o exercício do poder político. A sátira em Vilela se constitui, de um lado, em crí-
tica social e política, de outro, em desconsolo diante do homem. Na gradação do riso,
a gargalhada da ironia e da caricatura se faz sorriso sem-graça,
130
Nesse riso, encenado com realismo dramático, a ironia se manifesta pelas
múltiplas vozes sociais dos personagens, a carnavalização do mundo às avessas ex-
prime indignação e esperança. Mas, seja ataque virulento ou um rir-se que de tão sutil
mal chega a ser um ricto nos lábios, o riso em Vilela vai além do momentâneo, do
transitório, do circunstancial, alcançando as camadas mais profundas da própria con-
figuração do homem em seu cerne, no que o homem tem de humano, no limiar em
que ele deixa de ser um brutamontes irracional, muito embora permaneça sempre
próximo da possibilidade, é o que parece nos dizer o riso em Vilela, de se tornar uma
besta apocalíptica.
Conforme vimos, o conto “Rua da amarguramostra indivíduos deserdados
da sorte e da ética, constituindo-se em arrazoado ficcional – pela patemia que impacta
no enunciatário contra a sociedade que faz dos homens animais selvagens e incle-
mentes. No mesmo diapasão surgem Luxo”, Catástrofe” e “A cabeça”. O conjunto
das narrativas desse segundo momento da contística de Luiz Vilela termina por ser
um violento libelo contra a humanidade, à semelhança do que fez o Swift de Viagens
de Gulliver, conforme, aliás, definido por Carpeaux (1976), em artigo em que exami-
na a perene atualidade do satirista irlandês observou: “Sempre persiste a pergunta:
como as Viagens de Gulliver, libelo tremendo contra a Humanidade, se transforma-
ram em livro de leitura infantil?” A diferença é que, ao menos por ora, não é possível
entrever os contos de A cabeça sendo lidos como entretenimento de crianças.
Evidentemente, essas considerações têm por fulcro uma concordância laten-
te com a afirmação de Leyla Perrone-Moisés (1990, p. 97) de que hoje a literatura é
concebida como “utopia crítica”. A utopia que o riso constrói tem, em Vilela, muitas
gradações. Seja a face dos contos iniciais, nos anos 60, na qual o riso refletia disputas
infantis ou voltava-se para as instituições religiosas; seja a face da caricatura de pes-
soas como o professor guloso ou a esposa desgrenhada dos anos 70; seja o humor
131
irônico, gozador, feliz, de um romance como Graça, que é de 1989; seja a exaspera-
ção dos contos de A cabeça.
Portanto, o riso literário na obra de Luiz Vilela reflete a sociedade brasilei-
ra, e reflete como evidência, como ato de mostrar e como raciocínio interpretante,
como uma visão de mundo que é um juízo de valor, assim como, nos mesmos termos,
reflete o homem de nossos dias, herdeiro inconteste dos hábitos e instintos do homem
de todos os tempos, desde que o primeiro hominídio começou a se distinguir dos de-
mais primatas.
As muitas gradações do riso utilizadas por Luiz Vilela, processadas pela
continuada reflexão sobre o fazer literário do criador sobre a sua obra, refletem, tam-
bém, as esperanças produzidas pela instauração do poder civil nos anos 80 e essa in-
glória chegada ao terceiro milênio, no qual estamos pagando as contas da chamada
globalização, ou seja, sofrendo os efeitos deletérios da capitulação sem alternativas
diante do mercado e do capital internacional. Daí, o riso derruidor, exasperado, dolo-
roso, dilacerado e lancinante que, apesar de tudo, se abre e suaviza, se abranda, mai-
êutico, na ironia e no compassivo. Façamos uma paráfrase da acurada observação de
Antonio Carlos Villaça (1973): não é que Vilela, apesar de tudo, ainda crê no huma-
no? Sim, apesar da crescente exasperação e causticidade da sua obra, Luiz Vilela ain-
da crê no humano.
132
3.6 AS FRONTEIRAS DO RISO
EM LUIZ VILELA
Vamos aqui iniciar uma tentativa de resposta, por ora tendo por foco tão
a expressão do riso literário, à indagação se ocorrem, entre o primeiro e o segundo
momento da contística de Vilela, profundas transformações estilistas e temáticas ou,
ao contrário, acomodada repetição.
39
Franchetti (1987, p. 16), ao analisar a obra dos poetas românticos brasilei-
ros, afirma que “a evolução poética de Bernardo Guimarães é, desse ponto de vista,
testemunho eloqüente desse processo de mediocrização a que tão poucos escaparam.”
O estudioso do riso romântico e do cômico em Bernardo Guimarães fala que os poe-
tas perderam “aquela face obscura de toda uma geração. Aquela energia, agressivida-
de, criatividade e não-conformismo juvenis”, que propiciaram, mesmo “subterrânea e
marginalmente”, a “melhor e mais completa realização” ao serem transformadas em
manifestação estética.
A nossa questão procura uma resposta por meio de procedimento compara-
tivo entre o primeiro e o segundo momento da contística de Vilela, para saber, sob a
39
A análise a partir da semiótica do riso, tal como a estabelecemos, apresentamos no quadro comparativo do
Percurso Gerativo de Sentido, na Secção VI.
133
ótica do riso literário, se houve acomodação, se o ficcionista se repete, ou se continua
inquieto, experimentando formas expressionais e incorporando temas polêmicos.
Cremos ter, com essa análise, percebido que o escritor não manteve as seivas “ju-
venis”, para mantermos a nomenclatura de Franchetti, como as ampliou ou radicali-
zou em vários aspectos.
Por fim, buscamos compreender qual o significado do riso na contística de
Vilela.
Vimos que elementos do riso, tratados na lição estética dos grandes mestres
do humor um Machado de Assis ou um Swift, por exemplo, estão presentes na
obra de Luiz Vilela. Verificamos que em Luiz Vilela o riso se manifesta de diversas
formas: caricatura, humor, ironia, sátira, chistes, escárnio, gozação, e também o cô-
mico, o trocadilho, a piada. Nos contos de Vilela, as gradações do riso literário ex-
plodem em suas diversas nuances como uma escolha estética e visão de mundo.
A estratégia narrativa da sátira, em Luiz Vilela, rompe os limites da estrei-
teza temporal e incorpora as qualidades perenes do estético, sendo caricatura que de-
forma, mas é verossímil. Eis o grande feito da poética de Luiz Vilela: o riso, em
qualquer de suas gradações, não é gratuito; a crítica não se esgota no episódico, e
muito embora a ficção de Vilela não seja nem panfletária, nem militante, nem parti-
dária, é contundente e sem concessões, é niilista frente às convenções humanas, tem
asco diante das máscaras sociais e abomina as formas coercitivas de organização da
sociedade.
O homem que surge dessa obra implacavelmente radical no que denuncia,
mas que, por isso, é surpreendentemente piedosa com os seus retratados, é um ho-
mem que se constrói a si mesmo, decidindo o próprio destino: é um homem que faz
as suas opções e responde por seus atos. A ficção de Vilela vai ao cerne, ao coração
do problema: o homem homem que, apesar de viver em um mundo gratuito e sem
134
sentido, apesar de seus instintos baixos, obscuros, tem uma grandeza inerente à sua
própria existência, não precisando de Deus para erigi-la.
Quanto à sátira que ressalta o humano pelo humour e pelo cômico, vemos
que se sobreleva na obra de Luiz Vilela. O riso é mordaz, o humor se reveste de uto-
pia, o humano é redimido mesmo quando ridículo e cômico. No universo literário de
Luiz Vilela construído com camadas de ironia que configuram as relações entre as
instâncias da escrita e da escritura o narrador parece dialogar com o narratário, em
sortilégio de humour irônico que perpassa todo o texto ficcional, contamina o discur-
so narrativo, os personagens e as vozes que constituem a polifonia textual. Contamina
até mesmo os leitores e extravasa, banhando o mundo real. Não seria o próprio autor,
irônico, satírico, num riso bem mineiro, à socapa, que flerta conosco?
IV
PROCEDIMETOS TEXTUAIS E MECAISMOS
EUCIATIVOS EM COTOS DE LUIZ VILELA
136
Em O diálogo da compaixão na obra de Luiz Vilela, amplo estudo sob a ó-
tica da intertextualidade restrita, ou, como prefere Leonel (2000, p. 63-67), auto-
intertextualidade, Majadas (2000, p. 89-90, grifos da autora) chama a atenção para “o
diálogo constante entre os textos, uma repetição internaque faz o autor retomar te-
mas, motivos, situações e características narrativas, personagens, espaços, vozes, ide-
ologias e problemas existenciais, não como redundância, mas numa “pluralização de
sentido” que surge de uma “rede dialógica interminável” dos textos do autor, “em que
a página escrita é um ponto de intersecção de extratos provindos de múltiplos hori-
zontes, registrados em todas as outras páginas do universo da obra já escrita.”
Tema sempre retomado por Luiz Vilela é o dos laços amorosos e a comple-
xidade das relações de casal. Em diversas narrativas, o casamento é o espaço da dor
feminina, da humilhação, da opressão, da manipulação que o homem faz para subme-
ter sua parceira. Em “Nosso dia” (TT), a esposa romântica tem por resposta um arroto
humilhante. “Por toda a vida” (TT) mostra a trajetória de um casamento: o início ro-
mântico, os inumeráveis re-inícios promissores, uma fase intermediária com algum
desleixo e animosidade, no qual eventualmente uma brasa sob as cinzas que se
137
amontoam, e o final, quando dois surdos, que se consideram cônjuges, digladiam-se.
Em “Vazio(TT), existe uma situação semelhante, embora o explicitada porque o
diálogo que se estabelece se faz para não haver comunicação e o final é trágico.
em “Catástrofe” (AC), o homem é insensível à manifestação humanitária da parceira,
que se compadece de uma amiga sem marido e com uma penca de filhos.
Outro tema marcante é a presença do catolicismo moldando, às vezes por
oposição, as ações dos personagens. Nesse topos, temos diversos contos paradigmáti-
cos, dois deles cruzando com a temática dos relacionamentos de casal: “Cadela”, no
primeiro momento, e “Catástrofe”, no segundo momento. “Noite feliz”, por seu lado,
faz uma síntese da visão do autor sobre religião, catolicismo e civilização ocidental,
num conto em que uma sátira cruel temperada por certa impotente compaixão ajunta
às fronteiras bíblicas os elementos constitutivos do riso literário.
Nesta secção, voltada para o estudo dos procedimentos textuais e mecanis-
mos enunciativos nos contos de Luiz Vilela, nos detemos em duas constantes na obra
do ficcionista:o amor, como timia, e a religião, como foria.
138
4.1 UMA TIMIA: NO AMOR, O CONFLITO NA ALCOVA
Um homem, uma mulher. Um casal. Próximos, estabelecem um relaciona-
mento que pode transitar por todos os matizes dos sentimentos. A gradação das emo-
ções, a gama entre a paixão e o desprezo, e o espaço e o tempo que medeiam do amor
ao ódio podem ser revestidos por diversas situações, do esbarrão casual ao casamento
que une ou desune um homem e uma mulher até à morte, iniludível. No seio do pa-
têmico, no entanto, tais relacionamentos transitam da foria para a timia, sendo mar-
cados pelo interesse egótico quando confrontado com a necessidade do cônjuge.
A complexidade dos relacionamentos de casal é temática importante em
praticamente todos os escritores, e também o é em Luiz Vilela. Perto de vinte por
cento de seus contos tem por mote questões oriundas do conflito homem-mulher, e
em diversos contos cujo eixo central é outro, a questão dos relacionamentos de casal
também aparece.
Comparamos os contos “Nosso dia”, do primeiro livro de Vilela, Tremor de
terra (1967), com o conto “Catástrofe”, do livro A cabeça (2002). À primeira vista,
“Nosso dia” e “Catástrofe” apresentam semelhanças estruturais: são contos curtos,
com predomínio absoluto do diálogo, nos quais um homem e uma mulher, um casal,
tratam de questões que interessam aos dois. No entanto, eles diferem em um aspecto
139
essencial: figurativizam momentos históricos diversos, mostrando um estágio diferen-
te nas relações de casal, com mudanças no jogo milenar da subjugação.
Para subsidiar e referendar a nossa análise, faremos referências aos roman-
ces e às novelas de Vilela, assim como a outros de seus contos, em especial a “Por
toda a vida” (TT), Nosso fabuloso tio” (B), “Ousadia” (T), Cadela” (FT), “A-
bismos” (LP) e “Suzy” (AC).
140
4.1.1 O AMOR, ENTRE O DETERMINISMO E A RESIGNAÇÃO
Em seus romances e em suas novelas, Luiz Vilela abordou, sob rios as-
pectos, o conflito homem-mulher que estamos analisando na sua contística. Os ro-
mances O inferno é aqui mesmo e Graça e a novela Te amo sobre todas as coisas têm
nos relacionamentos de casal um de seus temas centrais. São histórias, todas, cujos
fechos são melancólicos. Os romances Os novos e Entre amigos também apresentam
facetas do tema, no palimpsesto de reescrituras que o escritor desenvolveu. Já a nove-
la O choro no travesseiro tem na amizade de rapazes o seu eixo central, o amor e os
relacionamentos de casal aparecendo somente em poucas e breves passagens.
Romance com lançamento anunciado para 2008, Perdição, segundo entre-
vistas que Vilela concedeu (em especial, Santos, 2002, e Macedo, 2002), tem forte
presença do relacionamento de casal, num quadro de ressonâncias bíblicas: o crono-
topos de Perdição ocupa um espaço urbano e um tempo marcado – ao menos, é o que
se deduz das entrevistas
pelo messianismo, no fim do século XX.
Majadas (2000, p. 185) conclui sua dissertação anotando que, em Luiz Vile-
la, “os temas recorrentes estão impregnados de compaixão”, e que o artista apresenta
“um grande amor por todos os seres, animados e inanimados, e esse amor é o coração
de sua obra”. Um excerto de O inferno é aqui mesmo mostra o sentimento da com-
paixão discutido ao lado do tema das diferenças entre o homem e a mulher:
As mulheres não sabem o que é compaixão, porque não vêem o
outro; é por isso que elas são fortes. E é por isso que os homens são fracos;
compaixão é coisa de homem.
Ela ficou me olhando. Eu continuei:
As mulheres são cegas; cegas e surdas.
Mudas é que elas não são... – Vanessa riu. (IAM, p. 178).
A reflexão indicia o que pode ser uma das causas dos conflitos de casal, e a
141
mulher, no diálogo, é ironizada também pela voz feminina. Vanessa, a voz feminina,
tem com Edgar, o narrador autodiegético, um romance tumultuado: ela, uma mulher
linda e cobiçada pelos homens, flerta e ama vários deles; ele, um jovem e talentoso
jornalista, ama Vanessa e tem um caso com a mulher de Henrique, seu melhor amigo.
Mergulha, ainda, numa noite de frustração, nos braços de uma prostituta (IAM, p. 95).
Heloísa, a mulher do amigo, infeliz com a distância crescente do marido,
cada vez mais enfronhado no trabalho, primeiro “seduz” Edgar, depois mantém um
caso com a doméstica (IAM, p. 188). É flagrada pelo marido, que a estapeia e aban-
dona. Já Edgar e Vanessa, entre rompimentos e reconciliações sucessivas, nunca mais
se vêem após uma tarde de amor idílico em espaço que, embora nos arredores da ci-
dade de São Paulo, é descrito como edênico: a explosão sexual numa mata de euca-
liptos enquanto a chuva escorre pelos corpos nus no entardecer quente do verão. Não
mais se reencontram. Alguns dias depois, Edgar viaja, tendo por destino final o exte-
rior. Por telefone, ainda no Brasil, recebe a notícia de que Vanessa “ficara irreconhe-
cível” num acidente de carro no qual falecera.
Em Os novos, a trajetória do protagonista também é de muitos encontros,
aproximações e rompimentos: Nei, no espaço de um ano, mantém dois relacionamen-
tos com Vera e com Elaine. As diferentes personalidades, as expectativas que o
se harmonizam, a intricada teia dos caracteres e dos humores: ao que parece, tudo e
nada conspiram para que os casais não se estabilizem além da explosão do desejo.
“As pessoas são muito complexas, mesmo as pessoas que parecem sim-
ples”, afirma Nei no final de uma discussão, após a qual se encontra com Vera apenas
uma vez mais, e somente para se despedirem como simples conhecidos (O, p. 148-
152 e p. 220-221). Com Elaine, o rompimento chega com um palavrão pouco civili-
zado (O, p. 137-139). Os três personagens e o relacionamento que tentam construir
como que ecoam um curto diálogo travado entre Nei e Vera (O, p. 131-132). Ela
chora, sem dizer por que sofre. Ele fala que ela não confia nele, e que sem confiança
142
não pode haver amor. Ela responde: “– Amor... Nem sei mais o que é isso... Quê que
é amor?...” Os dois se calam. O narrador anota: “A manhã parecia ter parado sob o
céu claro e limpo.”
A natureza como que ilumina a pergunta que as histórias de Luiz Vilela
demonstram: nenhum personagem sabe viver o amor conjugal, parece que sequer o
conhece. A pergunta de Vera, Quê que é amor?”, retomada agora com um sabor re-
tórico, nos remete, pelo contexto de nossa análise, às reflexões que consideram ser
toda obra literária a resposta a uma pergunta.
Na ficção de Vilela, o ser humano parece fadado ao destino das seguidas
desilusões, parece inexoravelmente voltado para a solidão, vocacionado para a dis-
córdia. Nei convida Vera para um café, ela não quer; para um refrigerante, ela não
quer; ela não quer nada. Nada essa é a resposta à pergunta sobre o que é o amor,
resposta que os faz calados sob o céu “claro e limpo” (O) daquela manhã.
Te amo sobre todas as coisas é uma novela construída com o último diálo-
go de um casal que se separa. Ele está no aeroporto, de partida; ela vai aele. Con-
versam no tempo de atraso do vôo, e nesse tempo inesperadamente ampliado eles re-
lembram alguns fatos que viveram juntos. Lembranças boas, algumas, que no entanto
não mudam a vontade de colocarem um ponto final no relacionamento.
O romance Graça, por sua vez, é o “romance” entre Epifânio Epifânio
ReginaldoCarvalho e Graça, ele um quarentão, ela uma jovem mulher; ele, irôni-
co, iluminista, cético; ela, sensual, linda, pouco afeita à leitura; ele, o narrador autodi-
egético; ela, a inspiração do livro que leva o seu nome. Mas o nome da obra tem ou-
tras conotações. O Aurélio registra 26 acepções para o verbete; pois praticamente to-
das têm validade quando confrontadas com o romance. Nascida sob o signo da adora-
ção de Epifânio pelo pé da moça, a ligação entre os amantes é construída pelo exercí-
cio prazeroso da sexualidade, mas nem o prazer sensual vivido com intensidade, em
inequívoca empatia carnal recíproca, faz com que permaneçam juntos, pois as idios-
143
sincrasias passe a redundância: idiossincrasias de cada um são cada vez mais for-
tes e determinantes.
As muitas perdas iluminadas pelo desaparecimento, numa viagem de ôni-
bus, de uma placa velha de madeira, de significado sentimental relacionado à adoles-
cência do personagem, também autodiegético parecem sintetizadas no fecho de O
choro no travesseiro (p. 50): “Concluí que às vezes um determinismo nas coisas,
e, parece, até uma sabedoria. E então, filosoficamente, me resignei.” Essa resignação,
que deixa a tragédia em suspenso como uma espada de Dâmocles, ameniza a dor das
catástrofes iminentes.
Em “Cadela” (FT, p. 185-192),
40
a mulher, com seu gesto final, que mescla
miserabilidade e altruísmo, aceita o destino bíblico e assim se sobreleva. Em “Vazio”
(TT, p. 145-148), a morte do homem golpeado pela mulher se instaura no palimpsesto
do “determinismo nas coisas”. No segundo momento de sua contística, no conto “Ca-
tástrofe” (AC, p. 85-92), surge um homem que anuncia um infanticídio. Suspenso o
conto nesse momento do diálogo, resta a blague, o anti-clímax da carnificina que não
passa de palavras ao vento.
No confronto com a lição dos romances e novelas, numa leitura dos inume-
ráveis conflitos de casal em sua obra conforme mostramos nos próximos itens, em
re-leitura, a contrapelo, dos contos em que abordamos o palimpsesto dos conflitos
conjugais que permeiam os dois momentos da sua contística –, o espaço que medeia
da “resignação” ao “determinismo [que há] nas coisas [acontecimentos]” é o locus no
qual a vida se constrói nos contos de Luiz Vilela.
40
O conto encontra-se reproduzido em Anexo, retirado do volume 69/2 Contos Eróticos (Claver, 2006, p. 53-
57), com o texto revisto por Luiz Vilela com relação ao da 1. ed. de O fim de tudo.
144
4.1.2 O AMOR É ARMA DE SUBJUGAÇÃO
Observemos, em minúcias, a seguinte passagem do conto “Ousadia”, do li-
vro Tarde da noite, lançado por Luiz Vilela em 1972:
Olhou para a mulher e ficou algum tempo observando-a, observando o seu
corpo, cujas curvas o lençol branco e fino delineava. E então se ergueu para
fazer algum gesto, mas um suspiro mais fundo da mulher o deteve a meio
do caminho, ficando ele com a mão suspensa sobre os quadris dela; mas foi
apenas o suspiro, ela não se mexeu. Assim mesmo ele voltou à sua posição.
Ela então mexeu um pouco as pernas mas não se virou como ele pensou,
e pareceu temer, que ela fosse fazer; seu rosto então se descontraiu, como
se ele tivesse acabado de escapar a um perigo. (T, p. 35).
Alguém olha detidamente para as curvas de uma mulher delineadas sob um
lençol branco e fino. A descrição indicia um tempo estático, de êxtase, de um olhar
que se demora sobre o objeto de adoração, uma demora que a repetição do verbo no
durativo amplia; é olhar que percebe as curvas, que se extasia na sensualidade pres-
sentida daquele corpo que se esconde e, ao mesmo tempo, que se mostra sob o lençol.
O olhar desse alguém que olha, “olhou”, carrega consigo o olhar do leitor, que, cúm-
plice, se integra à cena, deita-se na cama e compartilha do desejo lúbrico nascente. A
caracterização do lençol contagia a mulher com o branco que o figurativiza, temati-
zando um corpo imaculado, um lençol a ser palmilhado, uma mulher a ser descoberta
e devassada, ou devassada para ser descoberta; é olhar que faz da mulher uma devas-
sa presumida, pois o lençol é fino, a barreira é tênue, o desejo que aflora está a um fio
de se consumar. O desejo pede ão, que o leitor sabe que irá acontecer, pois está in-
diciada com o “ficou algum tempo”, frase que marca, no olhar que permanece, a sus-
145
pensão do ato que prenuncia. Tanto prenuncia que estamos quase que a levar a mão
para as curvas que se delineiam sob o lençol, curvas tanto mais desejadas quanto mais
imaginadas e menos entrevistas sob o fio fino e alvo do lençol imaculado da imagina-
ção desejante.
“E então”, nos diz o texto, então o gesto se concretiza. O alguém que olha
se ergue para fazer o gesto, algum gesto. Compartilhamos com o sujeito de sua inicia-
tiva, vemo-la nascer, tal iniciativa, incendiada pelo que o sujeito entrevê, e o narrador
nos compartilha que o corpo do sujeito (por ora, um actante, sem nenhum elemento
que o transforme em ator ou o caracterize como personagem) que se ergue, ergue-se
para buscar o corpo de mulher que ali está como uma oferenda, é o que parece, ele vai
fazer algum gesto, o gesto está presumido no ato de levantar-se, e esse gesto somente
pode ser um gesto de um sujeito que busca a posse do seu objeto de desejo, objeto
tão longamente contemplado.
Mas sempre tem um “mas”, e um mas” corta o gesto ainda antes dele se
tornar gesto, interrompe-o ainda antes de ser intenção que o leitor compartilhe com o
sujeito, ficando leitor e sujeito cúmplices na dor do “mas” que interrompe o fluxo do
desejo. O corte, que é abrupto na expectativa da posse presumivelmente tão à mão,
tão próxima, mostra que o mínimo acaso interrompe os sonhos mais acalantados: o
que detém o sujeito a meio caminho, o que nos impede a posse do objeto de desejo, é
tão um suspiro da mulher. Um suspiro mais fundo, e a mulher suspira contrariada
por ser devassada pelos olhares do sujeito, do narrador e do leitor, ou suspira desejosa
e sôfrega pela entrega que nossos sonhos acalentam que ela nos concederá?
Aí, sem resposta, na audição do suspiro fundo que suspendeu o gesto que se
erguia, fica o gesto paralisado, a mão suspensa sobre os quadris da mulher, aqueles
quadris que se delineiam por sob o casto lençol alvo. E assim, o sujeito, um ele, pois
é um ele somente agora o texto nos diz que é um ele –, esse sujeito da narrativa que
fica com a mão suspensa sobre a mulher é um homem, e com esse homem partilha-
146
mos o desejo e nos identificamos na dor do gesto suspenso, interrompido, mesmo que
seja tão por um suspiro, mas foi apenas um suspirar inconsciente, a mulher não se
mexeu, ela continua ali, sob o nosso olhar, ao alcance do gesto a ser retomado, do
gesto a ser empreendido.
Mas o homem volta à sua posição original. O suspiro, mesmo não sendo
uma manifestação de contrariedade por parte da mulher, deflagra uma interrupção
total do gesto e da intenção do gesto. O encanto parece rompido, o homem volta à sua
posição original, como no início de tudo. Um quadro que se moveu, avançou até o
limiar da esperança, e, de súbito, retrocedeu, retornou, fixa-se no seu ponto de parti-
da, fecha-se em um ciclo de eterno retorno. O homem de volta à sua posição, o leitor
na expectativa, agora sem a visão do corpo desejado, como se tendo entre si e a mu-
lher curvilínea o homem deitado, na sua posição de sempre, expectante, mas agora
com algo de impotente, evidenciado com o seu quê de incapaz.
E se o homem, com quem nós leitores estamos compartilhando emoções, se
queda imóvel, então a mulher se mexe. Sabemos que ela mexe um pouco as pernas,
enquanto o homem retorna ao seu ponto zero, à sua posição de antes de todo o paraí-
so anunciado nos ter sido desvelado e ter sido suprimido, e é como se ficássemos sa-
bendo que ela se mexeu o por a estarmos vendo, não por o narrador nos contar: é o
próprio sujeito, inerme, que parece nos dizer que a mulher se mexeu assim que ele
voltou à estaticidade de sempre, do antes, de um pretérito anterior ao olhar para o
corpo cujas curvas estavam então evidenciadas pelo lençol.
E um outro mas” nos confirma essa impressão. Porque a mulher mexe as
pernas, tão somente as pernas, mas” não se virou, não saiu da posição que nos con-
cede a visão privilegiada do seu perfil, dos seus quadris, das suas curvas, não se virou
como “ele pensou, e pareceu temer, que ela fosse fazer”. A mulher suspirou fundo e
então mexeu as pernas, mexeu apenas um pouco as pernas, mas não se virou, o que o
homem temeu que acontecesse, e nós compartilhamos com ele do desejo inicial e do
147
temor que agora o assalta, mas que passou. Nada de fato aconteceu, absolutamente
nada: o homem teve um gesto, voltou ao estágio original; a mulher suspirou, mexeu
as pernas, mas não se virou. Nesse breve parágrafo, tudo aconteceu e nada aconteceu.
Os enunciados de fazer foram enunciados para se configurarem como um estado, uma
atmosfera inelutável, de expectativa que não se realiza, que não passa de sonho.
Então o narrador retoma a voz, nos distancia da cena, nos retira do leito
conjugal que estávamos compartilhando, e nos informa que, passado o perigo de ver a
mulher se virar, o que temeu que acontecesse, o rosto do homem “se descontraiu”. Na
verdade, não sabíamos que o rosto dele havia se contraído, somente agora percebe-
mos que isso ocorrera; realmente, o homem teve um espasmo de dor, de decepção, de
angústia, de susto, de temor, nós o sabemos porque também tivemos as mesmas sen-
sações no momento em que, nos contrariando em por fim à nossa visão idílica de seu
corpo, nos contrariando em nosso desejo de apalpar aquelas curvas que se ofereciam,
a mulher pareceu que ia se virar, pareceu que ia por fim à ousadia de vida, anunciada
desde o título do conto e no final do parágrafo que antecede ao que estamos lendo, e
que está claro que é uma ousadia carnal, uma ousadia sexual, uma ousadia que premia
os desejos lúbricos que se acendem diante da visão daquele quadril exuberante exu-
berante ao menos aos olhos do homem ao seu lado na cama e aos nossos olhos, cúpi-
dos, cúmplices, também eles olhos carregados de ousada volúpia.
Então o rosto do homem se descontrai, “como se ele tivesse acabado de es-
capar a um perigo.O perigo era perder a visão, perder a possibilidade de retomar o
gesto que ficara suspenso, perder a chance de avançar nas carícias ousadas que a ima-
ginação lhe acalentava. No entanto, “perigo”, seria realmente um “perigo” viver essas
perdas apenas porque a mulher iria se virar na cama? E então percebemos, nós, leito-
res, afastados sutilmente da cena, quando ela ia se fechar, percebemos pelo distan-
ciamento que o narrador impõe à descrição do rosto que se descontrai e da notícia do
perigo de que acabara de escapar que o perigo era a mulher se virar, porque ao se
148
virar ela ficaria de frente para o homem, ela ficaria de frente e o homem, ao que pare-
ce, não é capaz de encará-la, de “enfrentá-la”, de confrontar-se com ela, olhos nos
olhos.
O amor, em Luiz Vilela, mostra-se como um expediente de frustração dian-
te de uma alteridade que subjuga: frustrar e subjugar são os dois verbos conjugados
pelo amor, que os conjuga de modo simultâneo e complementar. Essa leitura é homo-
logada com uma visão do tema ao longo de toda a sua contística. Senão, vejamos.
Do ponto de vista do palimpsesto da História, a relação homem-mulher que
forma um casal, na obra de Luiz Vilela, começa por uma narrativa com aspectos a-
temporais, de espaço indeterminado, cronotopos arquetípico e aspectos de exemplari-
dade. Em “Cadela” (FT, p. 185-192), um homem e uma mulher têm um tenso diálo-
go, ela pede desculpas, ele a violenta e determina que ela embora. Mas ela volta e
lhe beija os pés. Narrativa de ecos bíblicos, nesse conto a mulher humilha-se e se
submete aos ditames do macho dominador.
41
Desse tempo que se perde no atávico do ser humano, recuperemos, no pa-
limpsesto das relações de casal na contística de Luiz Vilela, a próxima retomada na
seqüência do fluxo cronológico da história.
No conto “Nosso fabuloso tio” (B, p. 115-119) temos a narração, sob o
ponto de vista de um sobrinho admirado, da história de um homem que “dava surras
tremendas em Titia”. Esse tio bebia, farreava, aprontava. Mas manteve, na velhice,
traços da beleza de moço. a tia, de tanto sofrer, perdeu até esses traços, ela que
também fora bonita. O tio trazia os filhos no “corrião”. E dissipava todo o dinheiro. A
tia adoeceu, esteve à morte, mas ele botou os médicos para correr. Ordenou à alque-
brada velhinha que colocasse o seu vestido de festa (sem perceber que ela não tinha
vestido de festa), passasse batom e se preparasse: iriam ao baile. Ela se arrumou co-
41
Analisamos o conto “Cadela” no capítulo 4.2 e seus subcapítulos.
149
mo pode, pediu batom emprestado à vizinha, que achou que ela tivesse esclerosado
de vez. Foram ao baile, dançaram. Ela, num vestido modesto e chorando o tempo to-
do, e ele dizendo: “pelo menos um dia na vida ela vai saber o que é viver”. O sobri-
nho que narra a história, em forma de uma longa e ininterrupta explanação para al-
guém mais novo da família, comenta:
De fato, aquela noite ela soube o que é viver. Mas quando ele dizia aquilo,
não estava de modo algum pensando que se ela não vivera mais não fora
por culpa dela, mas por culpa dele. Não, isso ele nunca pensaria. Em maté-
ria de compreender os outros ou de ser justo com as pessoas, não havia nin-
guém como ele: sua cegueira era exemplar. (B, p. 119).
No conto “Por toda a vida” (TT, p. 31-38), dois jovens se conhecem, vivem
o sonho do amor, casam-se, têm filhos. No final, enquanto ela se desespera para dar
conta das peraltices do filho, o homem, bem-sucedido como gerente em seu emprego,
assiste na televisão ao lançamento de uma nave espacial.
Em T (p. 33-40), o conto “Ousadia”, do qual a análise de um parágrafo a-
bre este capítulo, mostra o diálogo de um casal na penumbra da alcova. O narrador é
onisciente, mas predomina no conto o ponto de vista do homem, que fala sem respos-
ta, uma vez que a mulher está semi-adormecida. O homem insinua, deseja, defende
diversificação sexual. Ela, cansada do dia de trabalho, não entende o que ele fala. En-
quanto o homem perora por sair da rotina, aproveitar a juventude, experimentar “coi-
sas exóticas”, a mulher se queixa: meus olhos estão doendo de tanto que costurei...
Acaba adormecendo. O homem fica se lembrando de uma revista com “uma fotogra-
fia, uma loira de biquíni deitada de lado e de costas num sofá vermelho”.
O conto “Abismos” (LP, p. 7-14), mostra o diálogo de um casal em dois
momentos seqüenciais: um pequeno preâmbulo, com o carro subindo por uma estra-
dinha até o alto de uma serra, de onde avistam, à beira de um abismo, as luzes de uma
150
cidade no vale. O homem sente uma súbita necessidade de ir embora. No carro, no
asfalto, ele conta que tivera vontade de arremessar a companheira no abismo, o que
ela não compreende. Diante do desejo terrível que ele sentira e contava, ela quer des-
cer imediatamente do carro. Ele pára no acostamento, tenta se explicar, diz que mu-
dou “para uma coisa mais...” Faltam-lhe palavras, mas ela não quer saber: ao invés de
descer do carro, agora ela quer é ir embora, sem perda de tempo, sem mais conversa.
Chegando à cidade, o narrador, que focaliza a paisagem pelos olhos do casal, constata
o surgimento das luzes, “aquelas mesmas luzes que haviam admirado do alto e que
de perto nada mais tinham de extraordinário”.
“Abismos” tem ecos de Shakespeare – “Existem mais cousas entre o céu e a
terra...” – e uma lembrança implícita de “A cartomante”, de Machado de Assis.
42
Esse
cruzamento intertextual indicia uma tragédia que se dissolve, irresolvida e suspensa,
no retorno à cidade. É uma história que entremostra o amor intenso que toma conta
do homem, amor cuja manifestação não é compreendida pela companheira. Ele exce-
de verbalmente, e ela se retrai, magoada.
Por fim, nesse palimpsesto retomado pela cronologia do momento da Histó-
ria deduzido das narrativas, temos dois contos de A cabeça. Em “Catástrofe” (AC, p.
85-92), o casal discute a propósito da iminente chegada de uma amiga da mulher, que
vem acompanhada de seus sete filhos. O homem lamenta por sua paz que será que-
brada, pelo risco de tragédias com os bens da casa, pela devastação com a “horda” de
infantes. A mulher deseja a visita da amiga e, ao final, a sentença: “Eles m.”
(AC, p. 92). Em “Suzy” (AC, p. 65-84), uma mocinha, mal saída da infância, domina
a cena na casa de um homem que está só, por volta de quarenta anos, e se oferece se-
xualmente, chantageando-o.
42
Hamlet observa a Horácio que mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia” assim
inicia o conto “A cartomante” (Machado, 1997, p. 175-182). Em Shakespeare (1976, p 58), está na cena V
do primeiro ato.
151
Verificamos, nos contos expostos, uma trajetória que vai da narrativa arque-
típica de Cadela” ao diálogo entre iguais de “Catástrofe”. Vimos, primeiro, o Adão
bíblico que tem a posse da mulher, posse aparentemente ultrajada e o homem vio-
lentamente castiga a mulher por sua falha. Depois, em um tempo histórico situado,
provavelmente, nos anos 40 do século XX, vimos a história do tio fabuloso que faz o
que bem quer, sem compartilhar a vida com a companheira do casamento. Na se-
qüência, o tempo histórico chega aos anos 60. Esse índice é marcado, em “Por toda a
vida”, pela televisão apresentando o lançamento de foguetes espaciais. O homem
continua provedor e a mulher continua cuidando do lar. em “Ousadia”, de um livro
de 1970, a mulher está cansada do tanto que trabalhou. Não é explicitado se a “costu-
ra” da mulher é meio de subsistência, mas a indicação é de que a mulher “trabalha”,
expressão que não surge nos contos anteriores como referência a nenhuma atividade
feminina.
Em “Abismos”, o casal está num impasse. A queixa da mulher causa impac-
to no companheiro, o que antes não ocorria. Estamos no final dos anos 70. Mas o
homem continua dono da situação, ele está ao volante do carro; mas é ela que conhe-
ce o caminho até o alto do morro. Ele a ama profundamente e manifesta a “extrapola-
ção” do seu sentimento, dizendo a ela que desejou, num surto de paixão, atirá-la do
alto do abismo. Ela se irrita, ele argumenta para acalmá-la. O homem que quer “ma-
tar” e que se penitencia indicia, é o que nos parece, um homem em crise de identida-
de, cujo papel social estaria sendo usurpado pela mulher que se libera.
Assim evolui o relacionamento homem-mulher nesses contos da primeira
fase de Luiz Vilela.
No livro de 2002, na segunda fase de sua contística, no conto “Catástrofe”
surge um novo panorama no diálogo de um casal. Nele, homem e mulher conversam
de modo que se percebe que ambos decidem. Há, ao que parece, igualdade no rela-
cionamento. A mulher continua amorosa e solidária. O homem, egoísta e insensível.
152
Esse homem, que em um momento histórico anterior arrotava diante das queixas da
companheira, que depois passa a ouvi-la, embora mantendo o comando da situação,
agora se na contingência de se submeter a uma decisão que foi ela que tomou. E
em “Suzy”, a mulher, personificada numa ninfeta, é a dona completa da situação.
Esse “diálogo constante entre os textos, uma repetição interna(Majadas,
2000, p. 89, grifos da autora) faz Luiz Vilela incensantemente, como anotamos
retomar personagens, espaços, vozes, ideologias, problemas existenciais. Majadas
afirma que o autor assim escreve não como redundância, mas promovendo uma
pluralização de sentido [em uma] rede dialógica interminável, [...] em que a
página escrita é um ponto de intersecção de extratos provindos de múltiplos
horizontes, registrados em todas as outras páginas do universo da obra
escrita. (Majadas, 2000, p. 89-90).
Do universo narrativo de Luiz Vilela, compusemos até agora uma leitura
que, como seqüência de leitura, observou o tempo histórico. Assim, fizemos uma re-
leitura, na visão do escritor, do papel do homem e da mulher conforme um interdis-
curso bíblico; em seguida, passamos por um conto que mostra, em meados do século
passado, a dissolução masculina na esbórnia e seu correlato, a submissão feminina;
vimos o papel provedor do homem e servil da mulher na década de 60; percebemos a
mulher chegando ao trabalho não-doméstico em conto de um livro de 1970; e com-
preendemos, inclusive pela integração do olhar do homem e da mulher com o olhar
do narrador, a mulher se debatendo contra o homem, no final dos anos 70. Assim es-
tabelecemos nossa trajetória na busca da figurativização do relacionamento homem-
mulher na primeira fase da contística de Vilela.
Na segunda fase, cerca de um quarto de século depois, o conto “Catástrofe”
mostra a mulher assumindo condição de igualdade no diálogo, e a queixa masculina
diante disso cai no vazio. O homem perdeu o comando. O mundo masculino da Bíblia
parece sucumbir diante do terceiro milênio. Apenas um outro conto de A cabeça a-
153
presenta, e num relance, um casal constituído. Em “Rua da amargura” (AC, p.109-
122), o homem, fracassado com o seu negócio, continua o provedor, que agora
sem meios de prover, enquanto a mulher cuida do bebê faminto e se remete, submis-
sa, ao marido. Ao que parece, a igualdade no diálogo não chegou para todos. Trata-se
de uma questão de classe, de poder de compra.
Por outro lado, cabe perguntar se em algum conto do primeiro momento e-
xiste algum casal que dialoga e no qual a mulher tem igualdade com o homem. Esta-
mos certos de que multiplicaríamos os exemplos, em graus variados, da mulher na
posição subalterna, sem que haja momento em que ela se coloque no mesmo plano de
diálogo e definição. Como a postura do narrador e o foco utilizado permitem inferên-
cias, verificamos que ao ver a natureza em volta com os olhos do casal, o conto “A-
bismos” (LP, p. 7-14) cuja focalização final integradora de homem e mulher não
tem paralelo em nenhum outro conto de Vilela com o tema do amor conjugal
ameniza, na forma, o avassalador predomínio masculino que vem expresso, por e-
xemplo, na narrativa modelar, arquetípica, de “Cadela”. Por outro lado, o sobrinho
que conta, admirado, a forma de agir do “fabuloso tio”, aparenta desejo de manter
aquele modo de vida, ainda que modalizado por reflexões de piedade para com a tia.
Identificamos, como vimos, uma crise de identidade quanto ao papel social
masculino no homem do conto “Abismos”. Em A cabeça, no conto “Suzy”, essa crise
é levada ao paroxismo: nessa história – contada em em primeira pessoa por um jorna-
lista desempregado, em uma grande cidade –, o homem recebe a inesperada visita de
uma criança, uma menina-moça, que o provoca sexualmente. Suzy realiza um strip-
tease e o homem ainda jovem em seus 39 anos, justo ele que faz sua noiva gemer
além-paredes no ato sexual queda-se imóvel, inerte, inerme, incapaz de agir diante
da ousadia e da iniciativa da adolescente. A mulher-criança usurpa do homem, com-
pletamente, a ação; e ele assiste, passivo, o emergir de um novo tempo.
154
Como a obra de Vilela é uma obra em processo, podem surgir contos que
modifiquem a leitura aqui realizada. Assim, o autor que parece “criador de um livro
único, que se apresenta com múltiplas máscaras” (Majadas, 2000, p. 185), apresenta-
ria uma scara ainda não presente em seu longo palimpsesto. Isso apenas daria ra-
zão a Leonel (2000, p. 50), que, parafraseando Graciela Reis, avisava: “Todo texto,
pela aptidão para ser citado, está sujeito a uma perversão inesgotável”.
Dessa perversão inesgotável” vimos o diálogo intertextual entretecido en-
tre contos de Vilela, analisados principalmente no plano do conteúdo. No plano da
expressão, eles apresentam algumas estratégias similares entre si, mas, também, apre-
sentam diversidade quanto aos procedimentos narrativos. A propósito dos contos ana-
lisados, aprofundamos, no próximo capítulo, o estudo dos procedimentos narrativos
além das observações iniciais que aqui fizemos.
O exame dos conflitos de casal na contística de Vilela, mediando o conceito
de palimpsesto numa intersecção com os conceitos de memória e de História, nos
propiciou a descoberta de uma trajetória que vai do arquetípico imemorial, modelar,
cultural, para uma possibilidade, ao menos aparente, de diálogo entre iguais na rela-
ção homem-mulher. Evidentemente, o exame desse aspecto nos contos examinados
não significa ser tal questão a de maior importância da narrativa sob estudo; significa,
tão somente, que ali se manifestou, em um relance, veios que iluminam algo do tema
que estamos rastreando.
Os sentidos construídos pela narrativa emergem para o leitor, considerado
também como centro de discurso, como um desvendar dos procedimentos discursi-
vos, literários e lingüísticos; ou seja, através das estratégias narrativas.
Retomemos o parágrafo de “Ousadia” que nos serviu de mote. O homem,
ao final, tem um temor de que a mulher se vire, impossibilitando que ele desfrute, ao
menos em imaginação, a possibilidade de ousar sexualmente sobre o decúbito da mu-
lher, ela “de lado e de costas” como a gravura de uma loira na revista masculina. Na
155
verdade, as relações de casal se constroem todas, como vimos nos demais contos,
sobre uma relação de poder: um dos parceiros pode algo que o companheiro não po-
de, com o que submete o outro. No jogo dos desejos entre o eu e a alteridade, a frus-
tração do eu é a norma. Subjugar é o verbo que o amor conjuga.
Amar vira arma. Na troca de lugar de uma letra, a verdade dos relaciona-
mentos de casal se amarra. Ara, o amor é amarra, é subjugação, é altar de sacrifício, é
poder fluindo de um pólo ao outro do relacionamento, e seus liames estão cada vez
mais fluidos, tênues, tanto no poder que se exerce quanto no amor que une e desune
os parceiros. Essas, algumas das lições do estudo desse tema na obra de Luiz Vilela.
Tal consideração fica ainda mais evidente a seguir, com o estudo do enunci-
ado dos contos no que se refere à quantidade de entrada de falas de cada um dos per-
sonagens e, posteriormente, com minuciosa análise de dois contos, um de cada mo-
mento da contística de Vilela.
156
4.1.3 AS MARCAS DO ENUNCIADO
Vimos nesta Secção, até aqui, de que forma o tema dos conflitos de casal é
retomado incessantemente na obra de Luiz Vilela. Verificamos que a reescritura, do
ponto de vista de um palimpsesto que ordena os contos considerando o tempo da cro-
nologia histórica enunciada ou deduzida a partir do interior do discurso narrativo,
entremostra momentos de um processo de transformação que faz do macho da espé-
cie, inicialmente dominador e abrutalhado, um ser inquieto, incapaz de se contrapor à
conquista de autonomia por parte das mulheres. Veremos agora se as marcas lingüís-
ticas e as estratégias narrativas homologam essa interpretação, ou se se contrapõem a
ela, produzindo leituras díspares.
O conto Nosso dia” é praticamente todo ele dialogado, com parcimoniosas
informações dadas pelo narrador. Catástrofeé tão diálogo, sem nenhuma didas-
cália. Essa radicalidade da opção narrativa do diálogo de frases curtas, sem que haja
intervenção discursiva do narrador, não é novidade na produção de Luiz Vilela. O
conto “Confissão” (TT), que abre o primeiro livro de Vilela, assim está escrito, e a ele
também podemos juntar outros, como, por exemplo, “Freiras em férias” (AC) e
“Meio-dia” (B). contos à feição de “Nosso dia”, com parcimoniosas intervenções
do narrador, contam-se às dezenas. Restringindo-nos apenas à coletânea da segunda
fase da contística de Vilela, podemos enumerar as seguintes narrativas: “Mosca mor-
ta”, “Luxo”, “Calor”, “Más notícias” e “A cabeça”. Nos demais contos de A cabeça, o
diálogo predomina, mas também são utilizados – minimamente, é bom que se ressalte
– outros recursos narrativos.
Examinemos, à frente, os significados ideológicos da opção estética do diá-
logo; voltemo-nos, agora, para a utilização do diálogo como estratégia narrativa. Ele
157
surge ora com indicação gráfica de aspas, ora através de travessões. Em entrevista
(Paniago, 2002), o autor comentou:
Nem sempre tenho uma resposta clara, sinto que tem mais a ver usar um ou
outro. Há sutis, mas importantes diferenças entre eles. Tem que ter fluência
no desenvolvimento da narrativa. É como se um, o travessão, fosse uma su-
bida, degrau por degrau, e o outro, as aspas, é mais seguido, tem menos
breque. Não sei. O que posso dizer com certeza é que o é aleatória a es-
colha de um ou de outro. (Paniago, 2002).
A percepção das “sutis, mas importantes diferenças” que emanam dos con-
tos de Vilela no jogo tecido pelo discurso narrativo exige minudências na observação
dos recursos e das estratégias lingüísticas e literárias. Verifiquemos, por exemplo,
qual o significado, em um conto em que o diálogo predomina, de uma das partes en-
volvidas na conversação ter mais “entradas”, dispor de maior número de parágrafos
com a sua voz.
No quadro a seguir indicamos essas “entradas”:
AS ENTRADAS DE DIÁLOGO NAS CONVERSAÇÕES DE CASAL
Cadela osso
fabuloso
tio
osso
dia
Por
toda
a
vida
Ousadia Abismos Catástrofe Rua da
amargura
Suzy
Homem 21 Sem diá-
logo
23 16 21 54 53 4 124
Mulher 13 24 21 14 54 52 6 119
Pai - - - 2 - - - - -
Mãe - - - 10 - - - - -
Alguns comentários se impõem.
No conto “Cadela” (FT), a expressiva quantidade a mais de “falas” do ho-
mem em relação à mulher se por ele dominar a situação completamente, ordenan-
158
do as ações dela e a agredindo, com palavras e fisicamente. O conto é em terceira
pessoa, com narrador onisciente.
“Nosso fabuloso tio” (B) é monólogo de personagem não protagonista.
“Nosso dia(TT) tem narrador onisciente, que foca os pensamentos da mulher por
três vezes, procedimento que não existe com relação ao homem.
Também com narrador onisciente, no conto “Por toda a vida” (TT) as pou-
cas falas do pai são para amenizar o choque da sua filha, a mulher, e da sua esposa, a
mãe, para com o comportamento do marido, o homem. As falas da mãe são, em sua
maioria, de indignação com as ações do genro.
Em “Ousadia” (T), temos quase um monólogo, no qual o narrador, em ter-
ceira pessoa, é observador, e mostra o homem, diante da mulher sonolenta, tentando
seduzi-la, quase suplicando por “favores” e “fervores” sexuais “exóticos”.
“Rua da amargura” (AC) tem apenas pequeno trecho com um casal dialo-
gando, no qual é mostrado que o homem não consegue prover o leite do filho, ainda
bebê. O conto é em terceira pessoa, com narrador-observador. Dos demais contos,
“Abismos” (LP) e “Catástrofe” (AC) são em terceira pessoa, o primeiro com narrador
onisciente e o segundo com narrador observador implícito, que tendemos a nomear de
narrador-ausente. Já “Suzy” (AC) é em primeira pessoa.
No quadro, verificamos que apenas um conto, “Abismos”, apresenta igual-
dade de entradas” entre as partes do casal. É justamente o conto no qual, conforme
vimos, a mulher luta para estar em equilíbrio com o homem, mostrando um início de
crise do homem quanto ao papel masculino diante da ascensão feminina, e é a única
das narrativas analisadas na qual o narrador, em determinado momento, “focaliza” a
paisagem integrando o seu olhar com o olhar conjunto do homem com a mulher. No
caso, emerge, do equilíbrio nas falas, uma sutil mensagem que parece homologar a
leitura de que, àquele momento, o conflito homem-mulher havia encontrado um equi-
líbrio de relacionamento, precário equilíbrio no fio de uma navalha.
159
O conto no qual existe maior disparidade entre as entradas é “Cadela”, mar-
cado pelo avassalador domínio masculino no relacionamento do casal. O homem im-
põe-se pela sucessão de epítetos que lança contra a mulher, pela virulência verbal,
pela força física, pela submissão explícita da companheira. O homem controla a situ-
ação, mas determinado momento do diálogo indicia que uma atitude da mulher fez o
homem perder a confiança que nela depositava; a mulher pede perdão:
Todos s
erramos...”, ela diz. Antecedendo esse ponto, o narrador dividiu a fala do homem em
três parágrafos entremeados por pequenas notações descritivas. Essa fala, dividida em
parágrafos subsequentes, marca, graficamente, a importância individualizada das en-
tradas sucessivas. Em outros momentos do conto o narrador utiliza essa estratégia,
sempre para sublinhar a agressividade e o poder de mando do homem.
em “Ousadia”, a individualização das entradas masculinas não indicia a
importância isolada da fala ali consignada, mas decorre da ausência de interlocução
da mulher, que, sonolenta, não responde ao companheiro. Em “Suzy”, o perplexo nar-
rador tem mais entradas do que a interlocutora pelo seu espanto diante, primeiro, da
aparição da pré-adolescente e, depois, devido à ousadia que ela demonstra.
Nos contos “Nosso dia”, “Por toda a vida” e “Rua da amargura”, as mulhe-
res têm mais entradas que os parceiros. Em “Nosso dia”, além das falas, podemos
ainda somar às entradas da mulher os três parágrafos em que os pensamentos dela são
focalizados, uma vez que o narrador não voz ao homem com essa estratégia, am-
pliando o volume de intervenções da mulher na narrativa. Ora, se os três contos colo-
cam a mulher em posição subalterna diante do homem, como podemos entender essa
supremacia no volume de entradas?
A resposta fácil, imediata, é de que o narrador de Vilela voz mais vezes
aos que estão sendo sufocados, aos em desvantagem diante da alteridade com a qual
se defrontam. Isso se reafirma, em “Catástrofe”, conto no qual o homem se na cir-
cunstância de aceitar o que não quer. No entanto, poderíamos pensar que a fala a mais
160
do homem, ao desequilibrar numericamente as entradas para o lado masculino, indi-
ciaria que o homem ainda detém a força e, com ela, o poder. O trocadilho com que o
homem amplia a catástrofe anunciada para a dimensão de uma tragédia prometida, e
que é esta entrada a mais, não passa, no entanto, de um chiste vácuo com o qual ele
tenta compensar o seu poder esvaziado, submetido que está à decisão da mulher.
Resta-nos, então, um problema: se o maior mero de entradas indicia os
que estão em desvantagem diante do outro no jogo de poder interno do casal, o que se
evidenciou nos contos “Nosso dia”, “Por toda a vida”, “Catástrofe”, “Rua da amargu-
ra” e Suzy”, e patenteou-se ainda em “Abismos”, conto no qual a igualdade que a-
proxima os protagonistas-antagonistas é marcada pela simetria de entradas e pela fo-
calização conjunta, como entender “Ousadia” e, em especial, “Cadela”?
O conto de 1970, cujo tempo histórico é assinalado pelo fato de a mulher
trabalhar além dos serviços domésticos e por informar como objeto de desejo de con-
sumo um carro Impala, esportivo luxuoso coqueluche do final dos anos sessenta,
43
mostra, na verdade, o homem almejando uma sedução que não consegue efetivar,
mostra-o quase suplicante, apresenta-o indeciso. As entradas do homem correspon-
dem a pedidos à mulher. Ela não o domina pela ação, mas a presença dela, um mexer-
se no sono, o faz “temer(p. 35) a ela, conforme exposto em parágrafo que ana-
lisamos. É o homem, portanto, que está em posição de inferioridade nesse quadro.
o conto “Cadela” nos surpreende com as entradas a mais do homem, pois
rompe com o modelo proposto. Uma leitura cuidadosa, no entanto, nos mostra de
como o homem é inferior à mulher no contexto do conto. Como o significado dessa
mudança se interpõe a um interdiscurso bíblico, analisamos esse conto no capítulo
sobre a questão religiosa em Luiz Vilela. Antecipemos que, em “Cadela” (FT), o ho-
mem está subjugado pela grandeza da mulher, mas, como em “Nosso dia”, é à mulher
43
Recorde de vendas nos EUA em 1965, cf. a p. 5 do site < http://ww2.uol.com.br/bestcars/cpassado/ impala-
1.htm >, disponível desde 23 ago. 2003.
161
que o narrador adere, dela nos informando pensamento e sentimentos. Em “Nosso
dia” o narrador-observador tem procedimentos similares aos do conto de FT. em
“Suzy(AC), o narrador em primeira pessoa e que tem maior número de entradas,
mostrando-o como subalterno com a alteridade com que se defronta descreve a sua
própria estupidificação diante da ação feminina.
Ao que parece, o narrador de Vilela que adere a um dos personagens, nos
conflitos de casal, o faz como um sinal de opção pelo mais fraco. Em “Cadela”, o
homem, embora domine fisicamente a situação, tem mais falas, o que indicia a sua
posição subalterna. o temor do homem de “Ousadia” (T) de que a mulher se vire
para ele, pode ser entendido, diante da violência do conto de FT, como medo do ho-
mem em encarar as suas pulsões incontroláveis, as suas vinganças, a si mesmo e à sua
mulher.
O enunciado, portanto, nos desvela o autor, nos mostra a sua opção por a-
quele que, no jogo de alteridades do relacionamento amoroso, está submetido aos
ditames do outro. Luiz Vilela nos diz, pois, que o amor é arma de subjugação, e que,
assim sendo, cabe ao artista denunciar a opressão e se compadecer dos fracos, dos
humilhados e dos ofendidos.
162
4.1.4 A PALAVRA QUE VALE É A DO HOMEM
No palimpsesto das histórias de casal, vimos contos em que a única voz no
relacionamento era a do homem. Examinemos detidamente “Nosso dia” (TT, p. 41-
42), narrativa exemplar no que se refere ao poder masculino no âmbito conjugal.
“Nosso dia” é composto por cinqüenta e seis parágrafos, dos quais quarenta
e sete pertencem ao diálogo do casal e os nove restantes são do narrador. Desses, três
constituem fluxo de consciência da mulher. As intervenções do narrador são econô-
micas, não existindo, por exemplo, nenhum verbo dicendi, a menos que se considere
um solitário “estava pensando” nessa categoria. Vilela substitui os dicendi por dois
pontos nos 1
o
, 3
o
e 25
o
parágrafos, abreviando, dessa forma, as frases.
O primeiro parágrafo parece rubrica de teatro e resume-se a um “A mu-
lher:”, após o qual se abre novo parágrafo, com uma fala da mulher. O terceiro pará-
grafo, de apenas três linhas, mostra o homem à mesa, alimentando-se, e, após um tra-
vessão intermediário, descreve-o, em sua aparência física, enfatizando o grotesco da
“barba crescida” e da “boca lambuzada de gordura”.
O quarto parágrafo também é do narrador: “Pegou a garrafa de cerveja e en-
cheu o copo até a espuma crescer acima da borda. Olhou para a mulher, que estendera
o copo:”. Em seguida, inicia-se o diálogo do casal. O homem repreende a mulher, que
quer beber um pouco de cerveja, mas ela argumenta que não vai ter dor de cabeça e
que a data merece a comemoração. O homem, a contragosto, a serve, atos e sentimen-
tos indicados pelo diálogo, sem nenhuma notação do narrador.
No parágrafo nono, o narrador ressurge numa lacônica descrição, que con-
segue o efeito, na construção do discurso narrativo, de ser uma descrição que enuncia
uma ação: “A garrafa ficou no meio da mesa”.
163
Após uma repreensão do homem, uma defesa da mulher, e uma réplica do
homem, o parágrafo treze muda o tom da intervenção do narrador. Se até então o nar-
rador era econômico, pautando-se por informações lacônicas, quase rubricas cênicas,
agora se torna onisciente e apresenta um pensamento da mulher: “Dez anos, a mulher
estava pensando, dez anos”.
No parágrafo seguinte, volta o diálogo e a mulher transforma o seu pensa-
mento sobre o tempo em que estão casados em uma fala dirigida ao marido. O mari-
do, sem lhe dar ouvidos, pergunta pela pimenta, ela informa que lhe serviu três, ao
que ele responde:
Três malaguetas; quê que é três malaguetas nessa comida toda?”
Ela argumenta que vai fazer mal para a saúde, ele replica que pode fazer, ela diz que
“Vai virar fogo”, ele retruca indagando se ela “vai ou não vai buscar”.
A mulher busca a pimenta, e o fogo que ela anunciou se espraia “vermelho
pela comida”. É o 23
o
parágrafo, no qual, novamente em três linhas, o narrador expõe
sinteticamente as ações acima descritas.
A mulher volta ao devaneio, enunciando lembranças do dia do casamento.
O narrador descreve o homem acenando, com a cabeça, que se lembra, enquanto
mantêm os olhos vigilantes “no prato de comida”. Trata-se de um animal selvagem
em volta da caça, um porco no cocho, um cachorro bravo às voltas com um osso pre-
cioso.
Abre-se em seguida o 26º parágrafo: entre parênteses, a mulher se lembra
do dia do casamento, do céu azul, da felicidade que sentia, da beleza que todos nota-
vam em seu semblante. É um laivo de fluxo de consciência, um retalho, um flash, um
instantâneo de duas linhas, três reticências, dois verbos, nenhum comentário do nar-
rador.
A “memória” da mulher é bruscamente interrompida por uma fala grosseira
do homem: “– Merda, esse osso não quebra!” Ele se refere ao frango que devora, do
164
qual pretende chupar até os ossinhos. A mulher parece não ouvi-lo, pergunta se ele se
lembra de uma velhinha que os cumprimentou. Ele não se lembra.
O diálogo flui rápido, com frases curtas, ela acrescentando informações so-
bre a cerimônia do casamento e ele não se lembrando de nada, demonstrando mesmo
não fazer questão de se lembrar de nada. Esse diálogo distribui-se entre os parágrafos
27º e 37º, com seis falas do homem e cinco da mulher.
O 38
o
parágrafo é novamente um flash da consciência da mulher, uma lem-
brança: com uma única frase o leitor a recordar-se da “igreja toda enfeitada de lí-
rios”. Ela pergunta ao marido se ele viu os lírios; ele pergunta: “Lírios?”; ela informa
que comprou, estão na sala; ele se irrita: “Comprou?”; ela se defende, explica que
“não custaram tão caro assim”, que ele nem sabe quanto custaram; ele afirma que não
quer saber, lhe estragaria a digestão; ela afirma que se fosse bebida, ele não se impor-
taria; ele concorda; ela insinua: “– Mas lírios...”, e ele pergunta brutalmente o que
pode fazer com lírios; ela afirma que ele não tem sensibilidade; ele responde:
Ter
sensibilidade com o dinheiro dos outros é fácil”; ela pondera que pensava “que o di-
nheiro fosse nosso(grifo do autor), ao que ele argumenta que é, mas não para gas-
tar à toa”, e afirma que não tem graça ele dar “o murro na loja para você depois
comprar lírios”.
O diálogo sobre os lírios desenvolveu-se do 39
o
parágrafo ao parágrafo 52
o
.
O 53
o
parágrafo é uma longa fala da mulher, um desabafo diante da insensi-
bilidade do marido. Ocupa mais de quinze linhas. No final, a mulher enuncia a cons-
tatação de que ele nem se importaria se ela “não estivesse” ali.
Ele pergunta se ela tem algo mais a dizer, ela informa que acabou, ele a
pede para que ela o “deixe comer em paz”. E o narrador anota, concluindo: “o homem
arrotou e continuou a comer”.
Constatamos que em “Nosso dia” o autor utilizou-se do diálogo, de fluxo de
consciência e de asserções narrativas rápidas, quase rubricas cênicas, indicando ges-
165
tos. O narrador é onisciente, mas sua onisciência desvenda apenas alguns flashes do
pensamento da mulher. O discurso expõe a história como uma cena, o leitor sendo um
voyeur que assiste ao desenrolar dos fatos na privilegiada posição de convidado invi-
sível do jantar.
As estratégias narrativas de Vilela e o neste conto visam economia
discursiva, eliminando intervenções do narrador que não sejam cinematográficas e
indiquem tão o que não se evidenciava pelas falas; assim, ficam restritas às que
descrevam o imprescindível para a configuração do sentido que o ficcionista quer
imprimir à narrativa.
“Nosso dia” é, portanto, um conto de pequena extensão, com predomínio
absoluto do diálogo. O narrador, aparentemente, é neutro. Em determinados momen-
tos, entretanto, torna-se onisciente, e volta o seu olhar para a interioridade da mulher.
São fragmentos de um instante no fluxo de consciência, em uma estratégia narrativa
que interrompe o diálogo por três vezes.
Eis o 13º parágrafo: “Dez anos, a mulher estava pensando, dez anos” (grifo
nosso). O diálogo continua, e no 26º parágrafo surge, entre parênteses, outro momen-
to do fluxo de consciência da mulher, cnica narrativa que se repete no 38
o
parágra-
fo.
Todo o diálogo é de frases curtas. O 53º parágrafo, no entanto, é uma longa
fala da mulher, um discurso que se constitui quase em um monólogo. A fala longa
perto do fim do diálogo é um procedimento de que Vilela se utiliza em outros contos
por exemplo, em “Para vocês mais um capítulo” (LP, p. 59-64). Com a fala longa
vindo como argumentação intermediária e não numa finalização de narrativa, a estra-
tégia aparece em contos como Solidão” (TT, p. 74-81), “Escapando com a bola”
(LP, p. 81-86) e “Esse amor besta de inicial maiúscula” (T, p.163-168).
“Nosso dia” se mostra como uma peroração da mulher que quer sensibilizar
o marido para comemorarem o aniversário de casamento. A partir do 38º parágrafo,
166
ela, com suas falas e diante da insensibilidade de seu companheiro, evoca lembranças
do dia do casamento, num esforço para reconstituir, no jantar romântico que progra-
mou, a magia e o enlevo da cerimônia de dez anos antes. Como sua intenção se frus-
tra, ela faz o seu longo desabafo, que é uma queixa para ouvidos surdos, distantes. A
voz masculina que lhe é retribuída é a de um egoísta, que exige cerveja e pimenta,
que repreende despesas.
Através das falas de cada um, os papéis sociais definem-se com clareza: o
homem é o provedor, o administrador, o cabeça do casal; à mulher cabe o serviço
doméstico, no qual deve se empenhar sem ser perdulária; ao homem, o comando para
que lhe sirvam; à mulher, a obediência, pois lhe resta, unicamente, assujeitar-se com
dedicação ao “seu” homem.
Interessante jogo cromático é estabelecido com as poucas, brevíssimas no-
tações narrativas do conto. Retomemos a passagem. A mulher se lembra da igreja no
casamento, toda decorada em tons de azul. O homem esmaga uma pimenta no prato,
espraiando o vermelho-malagueta pelo que vai comer. Enquanto isso, os dois discor-
dam porque a mulher comprou lírios, que são brancos, para enfeitar a casa. Lírios
ornamentaram a igreja, no casamento, e agora, nesse dia especial, a mulher quer re-
produzir, para o jantar, o enlevo daquela ocasião.
Ora, o azul é uma cor de paz, é com essa cor que se veste Nossa Senhora,
enquanto o vermelho simboliza animosidade e guerra. O azul vem na lembrança da
mulher, o vermelho surge na ação do homem. O azul está no manto religioso, o ver-
melho na capa do toureiro. Os lírios representam o branco da paz suprema e da inte-
gração de todas as cores; para a mulher significam evocação; para o homem, esque-
cimento. E o homem encerra as lamúrias femininas arrotando na cara da mulher.
Do ponto de vista do enunciado, o conto é uma aula de precisão cirúrgica,
de texto limpo, despido de qualquer signo que não contribua para o significado que o
escritor almeje alcançar. O travessão após a fala introduz a ação, e a ação é apre-
167
sentada numa estrutura frasal simples e objetiva: sujeito mais verbo; quando o verbo
exige complemento, esse complemento é “substantivo”, circunscreve-se à essenciali-
dade do gesto; não existe digressão, o discurso se refere ao agir, os eventos fluem
sem serem mediados por subjetivismos, o discurso narrativo de Luiz Vilela atinge a
secura imaculada de um osso nu: sua narração é despida de qualquer palavra que o
seja carregada de força e importância, cada vírgula é efetiva, cada sinal gráfico mos-
tra-se essencial.
A radicalidade narrativa do diálogo de frases curtas, sem que haja interven-
ção discursiva do narrador, no entanto, é uma constante na contística de Luiz Vilela.
O primeiro conto de TT, “Confissão” assim é escrito.
contos à feição de “Nosso dia”, com poucas intervenções do narrador,
conta-se às dezenas. Restringindo-nos apenas à mais recente coletânea de Vilela, o
livro A cabeça, podemos enumerar as seguintes narrativas: “Mosca morta”, “Luxo”,
“Calor”, “Más notícias” e “A cabeça”. Nos demais contos de AC, o diálogo predomi-
na, mas também são utilizados minimamente, é bom que se ressalve outros recur-
sos narrativos.
Título irônico esse “Nosso dia”, com o casal que “comemora” o aniversário
de casamento entre grosserias grotescas, no qual o pedido de atenção da mulher, que
serve ao seu companheiro de forma amorosa e romântica, termina num arroto estúpi-
do do marido. O macho da espécie surge dominador e abrutalhado, incapaz de sonho,
devaneio e cavalheirismo. A voz da mulher se perde no vazio, é heterônoma.
Essa constituição do casamento como o espaço da dor feminina, da humi-
lhação, da opressão, da manipulação do homem para submeter a parceira aos seus
ditames, surge em outros contos de Vilela. “Por toda a vida” (TT, p. 27-31) mostra a
trajetória de um casamento: o início romântico, os inumeráveis re-inícios promisso-
res, uma fase intermediária com algum desleixo e animosidade, na qual eventualmen-
168
te um re-acender da paixão, e o final, quando dois surdos, que se consideram côn-
juges, digladiam-se.
Na mesma coletânea, em “Vazio” (TT, p. 113-114), existe uma situação se-
melhante, embora não explicitada porque o diálogo que se estabelece se faz para não
haver comunicação. A história, nesse conto, termina de forma trágica. Nos contos que
mostram o período histórico de prevalência absoluta da vontade masculina a voz que
vale é a do homem e quando ele não se manifesta, a tragédia se instala. O casamen-
to, tal como surge retratado nos contos que mostram esse tempo de nenhum diálogo
no casal, parece estar fadado ao logro e caminha inexoravelmente para a incomunica-
bilidade real entre os cônjuges.
169
4.1.5 A PALAVRA ESTÁ COM A MULHER
Conto curto, até o momento das últimas reescrituras do tema de casal na o-
bra de Vilela, “Catástrofeé um diálogo de cento e cinco parágrafos, em que o narra-
dor, sempre parcimonioso em Vilela, aqui parece ausente. O discurso se compõe de
travessão e falas dos personagens. Nenhum verbo dicendi, nenhuma anotação de ges-
to, nenhuma indicação cênica, nenhuma rubrica quanto a espaço ou tempo todas as
informações de que o leitor dispõe surgem da fala dos personagens.
São cinqüenta e três intervenções do homem, que tem três falas com mais
de três linhas, e cinqüenta e duas intervenções da mulher, cujas falas são mais sintéti-
cas. De qualquer forma, oitenta e um parágrafos, ou falas, apresentam-se com apenas
uma linha, enquanto outros quinze m duas linhas. Apenas 8,5% das falas são de
tamanho mediano, com três linhas ou pouco mais do que três linhas.
Em “Catástrofe” o diálogo do casal mostra que homem e mulher têm opini-
ões próprias, e divergentes, sobre o assunto de que tratam. A mulher continua amoro-
sa e solidária. O homem, egoísta e insensível. Este homem, que em tempos imemori-
ais currava a mulher e em um momento posterior arrotava diante das queixas da com-
panheira, agora se na contingência de se submeter a uma decisão que foi a esposa
que tomou.
A narrativa encenada em “Catástrofe” como que desdobra a exemplaridade
de ressonâncias bíblicas de “Cadela” e mostra o momento em que a mulher assume
condição de, no diálogo, tomar uma decisão que contraria o homem.
O homem lamenta a situação a que se submetido pela a mulher e tenta
demovê-la, mas não consegue. Ele anuncia um infanticídio, o que parece uma peta,
uma pilhéria, uma balela inconseqüente, que demonstra o seu inconformismo, o seu
170
mal-estar com os eventos que estão por vir, mas que desvela a sua impotência por não
ser mais a voz dominante no relacionamento.
No nível do enunciado do conto, o discurso direto sem nenhuma rubrica in-
dicia que, nesse conto, o narrador permanece absolutamente neutro, pois homem e
mulher dialogam em situação de igualdade. Ele fala mais e, como vimos, é ele que,
no confronto com a alteridade, está em desvantagem. E realmente ele se queda, sub-
metido à decisão que a mulher tomou, uma vez que ela, encerrando a discussão, e-
nunciou um enfático “Ela vem”, ou seja, decidiu em seu favor, de forma irretorquível,
a querela que os dividia.
Conto ainda mais emblemático de assunção do poder no jogo de casal pelas
mulheres é “Suzy”, também de A cabeça. Em “Suzy” o narrador em primeira pessoa
descreve a sua própria estupidificação diante da ação de uma ninfeta.
A enunciação de “Suzy” pelo narrador é posterior em alguns anos ao fato
narrado. Mesmo anunciando tal distância na primeira frase do conto, o que é nova-
mente indiciado no seu último parágrafo, o narrador engendra um clima de mistério
nas primeiras páginas, insinuando até mesmo uma possível e obscura ligação do fato
em que se envolveu com o Natal cristão.
O clima da angústia diante do que vai acontecer marca ainda o conto em
uma passagem intermédia (“[a]lguma coisa vai acontecer aqui hoje”, pensa o narra-
dor) e no final, com o personagem autodiegético temendo pela própria vida.
As marcações da distância de idade entre a jovem que invade o apartamento
e o narrador são reiteradas em diversas passagens do diálogo que os dois personagens
travam. Ele a chama de filha, ela o chama de velho; ele a chama de garotinha, ela in-
siste que não é criança. Em uma fala, ele argumenta que ela está muito sabidinha
para a sua idade”, e pensa: “Ou será que eu é que estava muito ignorante para a minha
em relação a certas coisas que vinham acontecendo ultimamente?...” (AC, p. 80).
171
Essa a oposição básica sobre a qual a narrativa se ergue: conhecimento e ig-
norância, tendo por referência do saber o tempo, a idade cronológica dos atores. Os
actantes, figurativizados como atores que simbolizam um homem maduro, de 32 a-
nos, e uma jovem, de idade indeterminada, mas uma criança já em um corpo quase de
mulher, opõem-se pela liberdade sensual que a move, provocante e insinuante, aos
escrúpulos morais que o prendem, fazendo com que ele, diante do strip-tease e da
oferta sexual dela, permaneça “pasmo, apalermado, estupidificado” (AC, p. 82), nas
próprias palavras dele.
Na dimensão enunciativa, o conto instaura-se por movimento autodiegético
que cede a voz, em turnos alternados por meio do discurso direto, a uma alteridade, o
tu, que questiona o seu saber de um novo mundo que se ergue nas novas gerações, e à
qual o “eu” narrativo estava alheio. Ao dar veradicidade ao discurso, instaurando-o
em primeira pessoa, o narrador cria empatia com o narratário, patemiza-o pela simpa-
tia para com os seus escrúpulos, mas com isso denuncia que o leitor está imerso na
mesma ignorância em que ele, emissor do discurso, se encontra. A ilusão referencial
do narrador instaura um jogo que ludibria o narratário, fazendo-o cúmplice para, de-
pois, mostrá-lo “apalermado” diante da realidade.
Abordemos dois outros momentos do conto. Em um deles, o fluir do diálo-
go que constitui a quase totalidade da narrativa é interrompido por um breve interlú-
dio, após uma fala de Suzy:
[...]
“Eu não; não sou sapatão.
Eu ri.
Uma borboletinha branca, vinda não sei de onde, entrou pela janela,
executou por alguns segundos seu gracioso bailado e saiu, ganhando de no-
vo o espaço lá fora.
Nós olhamos, mas nenhum disse nada.
“Eu posso perguntar uma coisa?”, ela então falou, depois daquele
instante de silêncio.
[...]
(AC, p. 78).
172
Essa, digamos, breve descrição inserida em uma pausa do diálogo, funciona
como uma metáfora dos elementos envolvidos na narrativa: todos presos, prontos
para ganhar o espaço, a jovem com a vida pela frente, ele primeiro temendo o próprio
desejo diante dela, depois temendo por sua vida devido a alguma reação do pai dela
todos os temores consubstanciados no temor básico de transgredir sua formação mo-
ral. O Natal do conto significa o advento do novo, que ele não via e que, ao tê-lo em
confronto consigo, não suporta, até porque este novo traz em si a liberdade, mas car-
rega vícios das ruínas do presente, pois se ergue pela chantagem e pela ameaça.
Em outro momento, Suzy anuncia que não tem nem pai nem mãe. O novo
se anuncia sem passado. Mas o diálogo mostra que a jovem tem um pai, e que ele é
capaz de dar um tiro em alguém que ela informe que a “estuprou”: a jovem conhece o
código que norteia as relações pessoais na geração anterior, mas sua atitude de se ofe-
recer ao narrador é balizada por outro desejo, ao qual ela não freia, e que constitui um
novo padrão moral, erigido pela corrupção, pela chantagem e pelo prazer alcançado
sem as considerações da antiga moral e de alguma ética humanista. Sob esse ângulo,
o novo que emerge não é redenção, não pode ser esperança.
173
4.1.6 A TERRA TREME SOB A FORÇA DO AMOR
Vimos de que forma o tema dos conflitos de casal é retomado incessante-
mente na obra de Luiz Vilela. Verificamos que a reescritura, do ponto de vista de um
palimpsesto que ordena os contos considerando o tempo da cronologia histórica e-
nunciada, ou deduzida, a partir do interior do discurso narrativo, entremostra momen-
tos de um processo de transformação que faz do macho da espécie, inicialmente do-
minador e abrutalhado, um ser inquieto, incapaz de se contrapor à conquista de auto-
nomia pelas mulheres.
Em “Nosso dia” o retrato de um momento que seria de comemoração, mas
que se mostra trivial: uma mulher relembra o dia de seu casamento, enquanto o mari-
do, mastigando grotescamente o jantar carinhosamente preparado por ela para a data
especial, faz com que ela perceba que, para ele, “[n]ão teria importância nenhuma se
eu não estivesse aqui” (TT, p. 55).
Egoístas em sua maioria, assim são os homens na obra de Vilela, principal-
mente quando confrontados com o interesse de suas companheiras. Desde o homem e
a mulher no universo da exemplaridade bíblica, em que ele detém todo o poder, até o
momento em que ela assume condição de tomar uma decisão que o contraria. Nesse
momento, a queixa masculina diante da mulher que não permanece heterônoma é
uma queixa vazia. O mundo masculino parece sucumbir diante do terceiro milênio.
No palimpsesto das reescrituras, pela ordem de publicação, “Nosso dia”
(1967) está entre os primeiros trabalhos de Vilela, “Cadela” (1973) é conto intermé-
dio e ”Catástrofe” (2002) é das mais recentes histórias de casal do ficcionista. O nar-
rador, parcimonioso no primeiro, em seguida parece se portar como mero observador
e, no último, parece ausente: “Catástrofe” é um diálogo sem verbo dicendi, anotação
174
de gesto, indicação cênica, rubrica de espaço ou tempo. observamos que a opção
narrativa do diálogo de frases curtas, sem intervenção do narrador, não é novidade na
produção de Vilela, e que contos com parcimoniosas intervenções do narrador con-
tam-se às dezenas. “Cadela” apresenta narração que descreve sucintamente os gestos
que permeiam as falas, curtas, ofegantes como os personagens e o ritmo do conto.
mais “falas” do homem do que da mulher; ele domina a situação, ordenando as ões
dela e a agredindo de modo contínuo. Aparentemente, o conto é marcado pelo avassa-
lador domínio masculino no relacionamento do casal. O homem impõe-se pela suces-
são de epítetos que lança contra a mulher, pela virulência verbal, pela força física,
pela submissão explícita da companheira.
Se em “Catástrofe” o diálogo é encenado sem nenhuma indicação discursi-
va do narrador, em Abismos” o narrador se porta como observador e nos propicia a
focalização que une homem e mulher na visão final da medíocre vida citadina. Nesse
conto, as entradas discursivas do casal apresentam-se em igualdade e equilíbrio.
Verificamos que nos contos de casal de Luiz Vilela, a voz com mais entra-
das é a dos que estão sufocados, aqueles em desvantagem diante da alteridade com a
qual se defrontam. Verificamos que o maior número de entradas indicia os que estão
em desvantagem no jogo de poder interno do casal. Tal situação se verifica em “Nos-
so dia”, “Por toda a vida”, “Rua da amargura” (AC) e “Suzy” (AC). Em “Abismos”
(LP), a igualdade que aproxima homem e mulher é marcada discursivamente pelo
mesmo mero de entradas e, narrativamente, pela focalização conjunta. Nesse qua-
dro, as falas a mais do homem, em relação às da mulher, no conto “Cadela”, parecem
nos exigir uma leitura a contrapelo, o que fazemos no capítulo 4.3.
Considerando os contos analisados, vimos que o narrador de Vilela a voz
mais vezes ao que está inferiorizado e, em outro diapasão, adere ao que é mais fraco,
sendo que, normalmente, as duas condições se reúnem na figura feminina. É o que
175
ocorre em “Nosso dia”: a mulher, mais fraca e inferiorizada (o seu lamento é consta-
tação verbal, sem efeito prático), tem mais falas e conta com a adesão do narrador.
No conto “Nosso dia”, cujo título parece ecoar a mais célebre passagem
“o pão nosso de cada dia” da oração mais conhecida do cristianismo, chega ao fim
com um arroto que encerra o jantar “romântico”; “Vazio” se encerra, também com
um corte abrupto: a tragédia involuntária em que a mulher, acidentalmente, mata o
homem; em “Abismos”, “Ousadiae “Suzy”, temos final em anticlímax; uma pro-
messa do infanticídio em massa marca o fecho de “Catástrofe”; em “Cadela”, vimos o
sacrifício e humilhação, impostas pelo homem à mulher, e a humilhação que a mulher
se auto-impõe.
O homem de “Abismos” está em crise pois, após ser conduzido pela mulher
para o alto da montanha, se mostra inseguro, incapaz de se expressar e de se contra-
por à reação dela. Ainda assim, é ele quem dirige o carro. Homem e mulher em crise,
inseguros. Ele, porque ela ganha uma voz que antes não tinha; ela, por se fazer ouvi-
da, mas sem assumir nenhuma direção ou comando. Na segunda fase, em “Catástro-
fe”, a mulher ganha voz e autonomia, relegando o homem à heteronomia. A análise
discursiva das entradas de voz, até mesmo por não haver apagamento da outra voz,
ganha valor exegético no cruzamento com as outras variáveis que analisamos.
“Tremor de terra” é um conto em que, também, o amor entre o homem e a
mulher é o tema. Trata-se da história de um jovem de quase vinte anos que se apaixo-
na por uma professora casada e vive solitariamente a intensidade do seu amor não
correspondido, jamais sequer enunciado para quem o despertou. Toda a sua existên-
cia o jovem passa a viver em decorrência desse amor e para usufruir, dentro de si
mesmo, as sensações que sua paixão lhe causa. No dia em que a conheceu, o narra-
dor, autodiegético, relata:
Essa noite eu não dormi, é óbvio. Fiquei pensando nela o tempo todo, se
bem que “pensando” é um modo de dizer, porque a coisa era muito mais
vasta, muito mais profunda: era como uma dança louca de todas as células
176
do meu corpo. [...] Eu não sabia o que fazer para esperar passar um dia in-
teiro, pois a próxima aula dela seria na noite do dia seguinte, e então
eu a veria de novo. Nessa espera, eu não pensei, não analisei, não refleti
sobre o que estava acontecendo, não fiz nada. podia mesmo esperar, e
isso já não era fácil. (TT, p. 150-151).
Assim é o amor em Luiz Vilela: total, avassalador, profundo, tomando todo
o ser que o sente – o seu corpo, a sua alma, os seus pensamentos, as suas horas, minu-
tos e segundos, instaurando na vida um “tremor de terra”:
um momento só, mas um momento no qual entraria tudo o que eu pensara,
sentira, imaginara, desejara, lembrara, esquecera, sonhara, sofrera, tudo.
Um momento tão forte, tão profundo, tão vasto, tão absoluto, que depois
dele só poderia haver o suicídio ou a resignação total. Seria algo maravilho-
so e terível – como um tremor de terra. (TT, p. 154).
A vida, sem esse tremor que abale e sacuda tudo e que conduza à felicidade
de passear abraçado com o seu amor, “uma cena comum mas tão maravilhosa” (TT,
p. 156), torna-se morte, e as suas manifestações, “os gritos da minha agonia.” (TT, p.
157). Subjaz, no conto sobre o amor, um outro entrecho, da construção de um modo
de ver o mundo: do nascimento à morte, um elo liga cada homem a todos os homens,
o sol que nos ilumina brilhou sobre os homens de todos os tempos, e continuará a
brilhar sobre os que virão. A paixão – “tremor de terra”, inânia de tudo o mais que é a
vida humana – é a única coisa que dá sentido à existência.
Com outros aspectos, nuançado pela sátira (p.e., “A cabeça” AC, p. 123-
132), impactado pelos costumes e pela moral (p.e., “Calor” e “Suzy” - AC, p. 23-36 e
p. 65-84) e, modalizado pela filosofia ou amesquinhado pela religião (p.e. “No bar
B, p. 150-157), o amor, sendo “o que existe de mais solitário no homem” (B, p.
155), é a realização da sua liberdade, tratando-se de um sentimento que estabelece a
177
solidariedade e a compaixão entre todos os seres humanos. O seu fim representa uma
mudança “muitas coisas em mim estão ficando para trás e [...] outras estão vindo:
uma nova maneira de viver, mais fria, mais dura, mais contida.” (B, p. 156). Sem
viver permanentemente em “tremor de terra”, que, paradoxalmente, é um momento
único, o homem enregela-se, empedra-se. Portanto, o nosso estado usual, conforme se
depreende dos contos de Luiz Vilela, é de dureza, de falta de compaixão, de ausência
de solidariedade.
Tanto nos contos do primeiro momento quanto nos contos do segundo, Luiz
Vilela clama por uma impossibilidade, aspira ao irrealizável; mas se os seus actantes,
antes de serem figurativizados, têm em seu íntimo essa possibilidade de revestimento,
o autor ainda percebe alguma esperança e é esse constructo ideológico que procu-
ramos, mergulhando nos diálogos de seus personagens para, daí, extrair o sentido da
sua ficção, o que fazemos na próxima secção desta tese.
Das narrativas que acabamos de analisar e que, por meio da trama ficcional,
da construção discursiva e da construção fabular, recriam o relacionamento homem-
mulher, num palimpsesto que remonta a um tempo mítico, passa por várias fases da
história humana e deságua no final do século XX, notamos em Luiz Vilela uma outra
permanência, uma invariante estilística: os seus finais são sempre fortes, inesperados,
até mesmo chocantes em sua crueza. A lição para essa estratégia está em Isaac Babel
(1969, p. 170-278), que, no conto “Guy de Maupassant”, nos mostra um talentoso
tradutor tentando ministrar, a uma ricaça, os rudimentos da arte de escrever. A certa
altura, ele a ensina que, em um conto, o ponto final deve descer como uma punhalada
no coração do leitor. O sacrifício final da mulher em “Cadela”, a morte do homem em
“Vazio”, o anticlímax em “Abismos”, Ousadia” e “Suzy”, a promessa do infanticí-
dio em massa de “Catástrofe”, o arroto que encerra o jantar “romântico” de “Nosso
dia” muito embora esteja claro que a vida seguirá o seu ramerão, o ponto final, em
Vilela, desce sempre, sobre o coração do leitor, como uma punhalada fatal.
178
AS FROTEIRAS DO AMOR EM LUIZ VILELA
PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO
ível Discursivo
Primeiro momento: Segundo momento:
“NOSSO DIA” “SUZY”
Revesti-
mento
figurativo
Homem, mulher, jantar. Comemora-
se o aniversário de casamento.
Homem, uma adolescente, aparta-
mento desarrumado.
Isotopia
temática
A incomunicabilidade entre cônju-
ges, que aspiram sonhos diversos.
A incomunicabilidade entre recém-
conhecidos, que nutrem expectativas
não-correspondidas.
AS FROTEIRAS DO AMOR EM LUIZ VILELA
PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO
ível arrativo
Primeiro momento: Segundo momento:
“NOSSO DIA” “SUZY”
Sintaxes
semionar-
rativas
O poder do homem: sanção dis-
fórica à manipulação empreen-
dida pela mulher.
O poder da mulher, figurada adolescen-
te: patemiza o homem, que não é com-
petente; o final é disfórico.
AS FROTEIRAS DO AMOR EM LUIZ VILELA
PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO
ível Fundamental
Primeiro momento: Segundo momento:
“NOSSO DIA” “SUZY”
Timia ou
Foria
Atores agem sob o signo da foria.
Ator-enunciador age pela timia. O-
ponente argumenta com ambas e age
com foria sobre timia do outro.
Oposição
funda-
mental
Amor versus Ódio, traduzido em
Respeito versus Indiferença, Idea-
lismo versus Racionalismo.
Moralidade versus Amoralidade; em
um quadro sem pré-julgamento, Cul-
tura versus Desejo.
179
AS FROTEIRAS DO AMOR EM LUIZ VILELA
PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO
Interpretação
Primeiro momento: Segundo momento:
“NOSSO DIA” “SUZY”
Patemia
do enun-
ciatário
Identificação com a carência e os
sonhos femininos, diante da indife-
rença e descaso masculino.
Solidariedade, no enunciatário; amor
ou compaixão, no sujeito feminino
da narrativa; egoísmo no sujeito
masculino da narrativa.
O leitor, destinatário último da nar-
rativa, o que o enunciador expressa
em seu discurso, transforma-se em
joguete emocional, pendendo ora
para o Desejo, que se mostra Amoral
e corruptor, além de chantagista, ora
para os pruridos da Moral, do bom-
senso e do cavalheirismo.
Significa-
ção cons-
tituída
Rejeição ao descaso nas relações
humanas.
A sensação de vazio que patemiza o
narratário questiona a fé em ensina-
mentos morais que contrariam o de-
sejo natural, induzindo o leitor a
buscar um novo código para nortear
a sua conduta e a vida social.
Comentá-
rios ge-
rais
O narrador que adere ao feminino
endossa o discurso por solidariedade
entre os homens.
O narrador autodiegético solicita
uma simpatia que recebe, mas à qual
o leitor não adere, por ele solicitar
uma postura que parece desconecta-
da com o novo que emerge na ato-
rialização da figura feminina.
180
4.2 UMA FORIA: NO CONFLITO RELIGOSO,
UMA RELIGIÃO ARQUETÍPICA
Uma constante nos contos, romances e novelas de Vilela é a presença dis-
cursiva do universo religioso. É esse, portanto, um estudo que se impõe. Dada a pro-
fusão de narrativas curtas que poderiam integrar o corpus, nosso objetivo, aqui, se
restringe ao estudo de dois dos aspectos centrais que o diálogo da obra de Vilela en-
tabula com a religiosidade, e para tanto elegemos dois contos, um do primeiro mo-
mento, “Cadela”, e outro do segundo momento, “Catástrofe”. Os dois aspectos que
destacamos são: 1
o
) a defesa do autor de uma religiosidade que seja anterior à Igreja e
que esteja isenta da institucionalização do religioso; e 2
o
) a defesa visceral, elaborada
pela voz do autor imersa no texto, de uma ética humanista, a partir da constatação de
que existe um paganismo hodierno que combate a diluída moral religiosa de nossos
dias.
No continuum timia-foria da tensividade de base, a patemia dos contos que
abordam o religioso tende, em Luiz Vilela, para a foria: entre o cognitivo da filosofia
e o irracional da crença, o transcendente encontra em uma ética arquetípica, recupe-
rada, a utopia para que o homem volte a crer no futuro.
A afirmação de que o vários os contos de Vilela que abordam aspectos li-
gados à religião talvez possa parecer exagerada, mas vejamos: “Espetáculo de fé” e
181
“Deus sabe o que faz”, de Tremor de terra, “Meus oito anos”, “Meio-dia” e “Lava-
pés”, de o bar, “Os tempos mudaram”, de Lindas pernas, e “Freiras em férias”, de A
cabeça – numa relação que inclui somente os contos em que a questão religiosa é fla-
grante e evidente, pois se incluirmos aqueles em que existem menções ou em que o
diálogo fica implícito, teríamos quase que toda a obra.
Para citar apenas mais alguns exemplos: em o bar, os contos “Inferno” e
“Filosofia”; em Tarde da noite, Os mortos que não morreram”; em O fim de tudo,
“Meus anjos”; e em A cabeça, “Rua da amargura”. Note-se, aliás, que o primeiro con-
to do primeiro livro de Vilela é Confissão” (TT): em um confessionário, ocorre o
diálogo de um padre com um adolescente entre indagações bias e respostas in-
conclusas, em meio a expressões que são murmúrios eivados de subentendidos, em
que o silêncio da fala e o silêncio do implícito na fala têm mais sentido e significado
do que o que é dito.
Muitos tulos e os títulos têm sabor irônico e as narrativas são iconoclas-
tas, demolidoras indiciam um interdiscurso com a fonte bíblica: Te amo sobre
todas as coisas, Graça e Perdição, para nos referirmos às novelas e romances, do
mesmo modo que, como vimos, ecoa uma oração do rito católico no título “Nosso
dia”, conto analisado na invariante da relação homem-mulher na obra de Vilela.
Na mesma vertente dos conflitos de casal temos também “Cadela (FT),
que é, por outro aspecto, narrativa paradigmática de intertextualidade com as frontei-
ras bíblicas. “Cadelaé um conto de entrecho atemporal, sem espaço geográfico de-
terminado, que se insere num cronotopos arquetípico, o que realça e reforça o seu
caráter de exemplaridade, de verdade à qual não cabe contestação. “Catástrofe (AC)
também se insere na invariante dos conflitos de casal. Nesse conto, temos um homem
insensível à manifestação humanitária da parceira. A mulher se compadece da amiga
abandonada com os filhos. Mas, para o homem, os filhos são “sete pragas”, expressão
182
que o homem apresenta de forma apocalíptica e que remete ao episódio bíblico (cf.
Bíblia, Êxodo, 7-11).
Esses contos mostram, ainda, outra constante na obra de Vilela: o diálogo
com a filosofia e com a história da literatura. Para demonstrarmos o interdiscurso
com a tradição filosófica, apresentamos o conceito de estado de natureza de Rousseau
e a constituição da sociedade humana, na visão de Hobbes; quanto ao diálogo com o
literário, discorremos sobre aspectos românticos que, ao lado de estratégias inseridas
em um quadro do chamado pós-modernismo, nos parecem retomados pelo escritor.
Essas retomadas terminam por configurar uma visão muito particular do religioso na
obra de Vilela.
183
4.2.1 UM CÓDIGO IDEOLÓGICO ROMÂNTICO QUE PERSISTE
Entendemos que persiste na obra de Luiz Vilela, subjacente, porém intenso,
um código ideológico e estético, propositor de utopia redentora, cuja matriz se assen-
ta em um dos veios centrais do romantismo. Esse aspecto é característica central na
ars poetica de Vilela, constituindo uma de suas grandezas como pensamento e como
realização artística.
Entretanto, José Guilherme Merquior (1980, p. 54) entende que a herança
romântica, “onde e quando realmente sobreviveu, [...] converteu-se num formalismo
esterilizante, na crítica e na criação”, uma vez que “[o] romantismo como cultura,
rico e fecundo em sua época, pertence ao passado irreversível.” Tal concepção pre-
tende questionar a tese de Otávio Paz de que o romantismo se caracterizou por uma
“tradição de ruptura” retomada e presente na obra das vanguardas do século XX (cf.
Paz, 1984, em especial p. 15-35 e p. 131-204). A proposição de Merquior está emba-
sada no entendimento de que existem diversas diferenças entre o estilo romântico e o
estilo pós-romântico: “[o] abandono da poética psicofânica e da mímese transfigura-
tória, o repúdio do idealismo e da idealização” e “o princípio da alegoria” benjamini-
ano,
44
que estabelece uma poderosa cunha entre o estilo romântico e o bloco inteiro
dos pós-romântismos” (Merquior, 1980, p. 52-54).
As proposições de Otávio Paz, no entanto, mesmo que por motivos diversos
dos apresentados pelo poeta mexicano, parecem encontrar mais adeptos. Jorge Coli
(2005), por exemplo, invocando outros aspectos, argumenta: “Romantismo não se
refere a uma forma determinada nem a um gênero artístico específico, mas a uma
44
Para Benjamim, segundo Merquior (1980, p. 53, grifos do autor), “alegórica é a significação obscura porque
inconsciente, e inconsciente porque reprimida.”
184
sensibilidade, a uma disposição do espírito. Sabemos quando nasce; é mais difícil
dizer quando morre, se é que morreu.”
E esse espírito, delineado a seguir, parece estar presente na obra de Luiz Vi-
lela, até mesmo porque não houve somente um romantismo: “resta para muitos ape-
nas a imagem de um romantismo exaustivamente lacrimoso e sentimental, além de
adverso à realidade e à Razão”, mas, “ao contrário, [...] não um romantismo por
excelência, mas variáveis possibilidades de romantismo.” (Volobuef, 1999, p. 16,
grifos da autora).
Essas possibilidades múltiplas que perfazem o romantismo conformam uma
diversidade que, para constituir um estilo classificável, os manuais de literatura ter-
minam por escamotear, eliminando do cânone tudo aquilo que não se conforma ao
padrão pré-determinado.
Karin Volobuef, aliás, adverte, que a literatura “ao longo do tempo sempre
reaproveita “elementos estéticos utilizados anteriormente”, e que as vanguardas do
século XX, mesmo procurando “negar o romantismo”, “na verdade [...] representa-
ram o prolongamento do viés crítico e renovador do romantismo” (Volobuef, 1999, p.
432-433, grifo da autora).
O que temos de considerar é que o “Romantismo” desenvolveu, no campo
estético, um sistema de normas em que são flagrantes as antinomias, contradições e
controvérsias, em que vigora, sempre, o primado da busca da originalidade. A auto-
reflexão estética, metalingüística, traz para as artes o debate da ação pragmática do
autor. Para intervir na sociedade e ser mplice de seus contemporâneos, o romântico
muitas vezes se volta para o que está distante, resgata a história e as origens de sua
sociedade, constrói romances e poemas “fundadores” da nacionalidade.
Contraditório e vivendo intensamente os confrontos ideológicos de sua épo-
ca, o romântico quase sempre revê suas próprias teses, as contesta, as amplia, as re-
185
formula. O signo de certa provisoriedade no campo das idéias domina todo o roman-
tismo, até mesmo devido à força do individualismo e do subjetivismo.
Parece estarmos em um período “autoconsciente”, “metalingüístico”, “den-
tro e fora”, “cúmplice e distante”, que registra e contesta “suas próprias formulações
provisórias”, conforme definição de Linda Hutcheon (1991, p. 41), com a ressalva de
que a descrição se refere ao período s-Moderno. Entre o “Romantismo” e o “Pós-
Modernismo” existe, nos termos apresentados, certa proximidade. O que os difere é,
tão só, a intensidade de cada elemento.
45
Nas duas épocas, a literatura apresenta
como decorrente do individualismo e da incomunicabilidade o retrato de um ho-
mem em crise. Sendo evidente a presença de inquietações comuns, é preciso conside-
rar que as duas épocas não são miles: na verdade, são até muito diferentes entre si,
em especial no sistema de normas e na superfície expressiva do fenômeno estético.
Mas algo muito profundo, o código ideológico, une visceralmente os dois períodos. E
é tão só sob esse aspecto que examinaremos, aqui, a obra de Luiz Vilela.
Vejamos um exemplo. No romance Entre amigos, lançado em 1983, Vilela
(EA, p. 79) apresenta a certa altura o seguinte diálogo entre dois personagens:
[...] Todo mundo tem ambições e todo mundo tem uma ambição
que é a maior: é essa que eu quero saber. Qual é a sua?
Eu queria ser um monge budista numa aldeiazinha do Tibete. Ou
então um velho pastor de ovelhas nos Alpes.
– Só na outra encarnação.
– Eu queria ser a sombra de um gato que passa.
– Eu quero uma ambição realizável.
– Eu só tenho ambições irrealizáveis.
(EA, p. 79).
45
A proximidade entre a poética Pós-Moderna e o Modernismo é abordada à exaustão por Hutcheon (1991, p.
60-83) no capítulo “Limitando o pós-moderno: os frutos paradoxais do modernismo”. Por outro lado, ela
considera que o pós-modernismo “não caracteriza um rompimento simples e radical nem uma continuação
direta em relação ao modernismo; ele tem esses dois aspectos e, ao mesmo tempo, não tem nenhum dos
dois.” (Hutcheon, 1991, p. 36) Convém nos lembrarmos ainda de que o Modernismo, em muitas de suas ca-
racterísticas, retoma topos do Romantismo.
186
Romance com mais de cem páginas cuja definição de gênero não é unâ-
nime para a crítica, tendo quem o tenha como novela (Lucas, 1986) e quem o tenha
como conto –,
46
cinco personagens travam um longo diálogo. O narrador faz pouquís-
simas intervenções, reduzindo-se a alguns verbos dicendi e a raríssimas anotações de
algum gesto de algum personagem. Não se trata de teatro nem de diálogo filosófico, à
maneira de um Platão ou um Diderot. É uma narrativa ficcional, um romance.
Depois de muito questionado por Leila sobre qual seria a sua maior ambi-
ção, Marcos apresenta um roteiro irrealizável de fuga, um sonho que é uma aventura.
Imerso em vida prosaica, rotineira, previsível, aspira ao impossível na verdade, o
possível, enquanto virtualidade, o irrealizável, na prática dos compromissos cotidia-
nos. Neste mundo que o aliena de seus desejos mais comezinhos, manifesta-se como
um “eu” que quer evadir-se. Esse é o homem do final do século XX; esse era o ho-
mem “romântico” do final do século XVIII e, no Brasil, até meados do século XIX.
É o homem da viagem, do devaneio e do detalhe realista; é o homem que
preza a natureza, mas em minúcias a sociedade e a urbe. Vestido à européia, é o
homem que mira a opulência tropical. Se o sistema de normas faz uma estética diver-
sa, o código ideológico dos dois momentos é o mesmo; se não é inconseqüente, pois
não faz de seu subjetivismo alienação; se a ironia romântica é um sintagma narrativo
da metaficção historiográfica; se o que chamamos de “Pós-Moderno”, para não se
referir também ao que chamamos de “Modernismo”, é quase tão “romântico” quanto
o era o primeiro dos românticos; se no Romantismo “até mesmo os versos mais auto-
biográfica e intimistamente amorosos estão penetrados daquela consciência de per-
tencer a uma humanidade dolorosamente coral” (Picchio, p. 217, referindo-se a Cas-
tro Alves), o que faz alguns autores daquele tempo expressarem as “vozes de cultura”
46
“[A]presentada, embora, como romance, a narrativa de Luiz Vilela será antes um conto, malgrado a sua ex-
traordinária extensão.” (MARTINS, Wilson. O conto literário. In: _____. Pontos de vista. São Paulo: T.A.
Queiroz, 1995. v. 11, p. 317; artigo originalmente publicado em fevereiro de 1984).
187
como “vozes de barbárie”, como se diz hoje de Rubem Fonseca (Schnaiderman, p.
773-777); se as permanências e continuidades entre o oitocentos e este Terceiro Mi-
lênio se mostram tão vigorosas, com a mesma dominância quanto ao código ideológi-
co não de se estranhar localizarmos hoje, em uma clave diversa, sob a égide da
contestação absoluta aos valores que norteiam nossa civilização ocidental cristã, os
mesmos temas, topos, inquietações e motivos que animaram aquela época.
Daí se conclui que o humano, no homem, nunca muda e, para utilizarmos
uma metáfora, a ficção de Luiz Vilela é, antes de tudo, uma arqueologia antropológi-
ca da alma humana.
Assim sendo, das expressões artísticas que se desenvolveram no período
romântico – e que contemplam e informam as artes e a literatura até aos nossos dias
vamos encontrar ecos na ficção de Vilela, como mostram os contos aqui enfocados.
188
4.2.2 DA FILOSOFIA É RETOMADO O CONCEITO
DE ESTADO DE NATUREZA
Entendemos que os contos de Luiz Vilela dialogam com certa tradição filo-
sófica dos séculos XVII e XVIII que retoma o homem no momento de constituição da
sociedade, no instante da definição dos papéis sociais, na transição da queda do Para-
íso edênico à configuração do primeiro contrato das relações humanas no mundo ter-
reno. Alguns filósofos, entre eles Rousseau e Hobbes, trabalharam com o conceito de
“estado de natureza do homem”, dele extraindo diferentes considerações.
Parece fácil aproximar da crueza hobbesiana uma narrativa literária do final
do século XX, quando os mecanismos de controle da sociedade e dos meios produti-
vos alcançam o auge de racionalização, ao passo que em Rousseau, do qual derivam
muitas das linhas de força do romantismo, em especial as de certa subjetividade irra-
cionalista, o mesmo exercício pode passar por absolutamente incongruente.
No entanto, o homem originalmente bom rousseauísta é uma utopia que
permanece no imaginário. Rousseau, no “Discurso sobre a origem e os fundamentos
da desigualdade entre os homens”, obra de 1754, no estado de natureza o homem
ainda o corrompido pela instauração da propriedade privada (Rousseau, 1978, p.
259). Eis como Rolando Roque da Silva (1975, p. 16) comenta a questão:
A teoria do “bom selvagem”, conquanto não fosse de exclusiva procedência
rousseauniana, graças a ele ganharia impulso e influenciaria toda uma cor-
rente literária, com ramificações em quase todos os países. [...] Rousseau já
não fazia aí a apologia daquela ignorância representada pelos rústicos guer-
reiros espartanos ou pelos romanos primitivos, mas realizava o panegírico
do estado natural que teria existido anteriormente a qualquer espécie de ci-
vilização e no qual o homem, nascido bom, não fora ainda estragado pela
sociedade. O ideal consistiria, pois, em retroceder a esse regime de plena
liberdade individual e de inocência, em que homens e animais, de certa
189
forma irmanados, viviam sem outros problemas que não os da alimentação
e reprodução, desconhecendo, para ventura sua, leis expressas ou escritas e,
conseqüentemente, qualquer espécie de tirania. (Silva, 1975, p. 16).
Por seu lado, em 1651, Hobbes, no Leviatã, desenvolvera as conseqüências
da sua argumentação apresentada na obra Sobre o Cidadão (cf. “Os pensadores”,
1974, capítulo 21, p. 276) como máximas proverbiais que sintetizam e fundamentam
todo o raciocínio do filósofo de que “o homem é o lobo do homem” e de que o ho-
mem vive num estado de “guerra de todos contra todos”. Esse é o estado natural em
que vivem os homens”, o modo em que efetivamente se encontram, enquanto “[o]
estado de natureza é o modo de ser que caracterizaria o homem antes de seu ingresso
no estado social.” (“Os Pensadores”, 1974, capítulo 21, p. 276)
Em Hobbes, portanto, no estado de natureza não temos um selvagem bom,
mas antes o predomínio do instinto de conservação da vida, que é uma “abertura para
a violência que o reitera” (“Os Pensadores”, 1974, capítulo 21, p. 277) O estado da
natureza hobbesiano é, pois, o espaço da injustiça, que pode ser eliminado pelo
pacto constitutivo do Estado (cf. Hobbes, 1974, p. 90). Bertrand Russell (1977, p. 73)
explica que o pacto que origem à sociedade não deve “ser considerado como um
acontecimento histórico definido”, sendo antes “um mito explicativo”, mito que é
“empregado para explicar porque os homens se submetem, e devem submeter-se, às
limitações de sua liberdade pessoal, acarretadas pela submissão à autoridade.”
As obras de Hobbes e de Rousseau, assim como outras obras do pensamen-
to escritas no período que tem início com as revoluções burguesas na Inglaterra, justi-
ficavam a consolidação do poder político central, eram favoráveis à consolidação do
capitalismo e embasavam a instauração do poder burguês. São reflexões contemporâ-
neas ao nascimento do Romantismo, cujos primeiros vagidos foram em solo alemão,
e precedem à Revolução Francesa. O capitalismo burguês, que então emergia dos es-
190
combros feudais e que é prevalecente até os dias de hoje, continha o código ideológi-
co de uma nova Era, de um novo modo de produção, e determinava novos meios ex-
pressionais no campo estético. O cerne do pensamento de Hobbes e de Rousseau, no
que foi exposto, é implicitamente retomado por Luiz Vilela e está presente na discus-
são religiosa empreendida nos contos “Cadelae “Catástrofe”. Vejamos de que modo
isso se processa.
47
47
Nosso recorte de trabalho aqui é, utilizemos uma metáfora, “microscópico”. O estudo da retomada interdis-
cursiva dos grandes filósofos na obra de Vilela ainda está por ser feito.
191
4.2.3 A DEFESA DE UMA ÉTICA DO
CRISTIANISMO PRIMITIVO
O conto “Cadela”, do primeiro momento da contística de Luiz Vilela, ins-
taura a discussão religiosa em um momento de exemplaridade, fora do cronotopos
histórico, como se fora um mito explicativo. É uma narrativa modelar, arquetípica,
que re-constitui, renovada, diante do mundo implacavelmente selvagem da sociedade
humana hodierna, após confrontá-lo com o momento em que a subjugação é implan-
tada a manu militari no bom mundo edênico, a ética cristã original. Essa, a fronteira
bíblica que permeia a ideologia do autor iconoclasta, mesmo quando o texto insinua,
por sua violenta crueza, que nenhuma esperança era mais possível ao homem que se
preparava para ingressar no terceiro milênio.
Vejamos os passos que configuram, no discurso enunciado, essa interpreta-
ção.
192
4.2.3.1 A REDENÇÃO PELO LIVRE-ARBÍTRIO
“Iam subindo devagar a encosta do morro, o homem na frente e a mulher a-
trás”, diz o início do conto “Cadela” (FT, p. 187). O casal tem um diálogo tenso,
cheio de subentendidos. Estão em região erma, na qual os únicos sinais da presença
humana são um telhado ao longe e a cerca de arame farpado (FT, p. 187-188). A mu-
lher pede desculpas, Todos nós erramos...”, o homem a ofende, “– Cadela”, e a-
vança, ameaçador. Ela recua até o tronco de uma árvore, ele arranca a blusa dela e
acaricia os seios “grandes e de tetas largas(FT, p. 189). Ela geme e o abraça. Ele a
empurra e ordena que tire a roupa. Ela se joga nua sobre o capim, “a cabeça tombada
para trás, as pernas abertas, o sexo erguido para o céu, latejante e úmido” (FT, p.
190).
Enquanto ela se oferece mostrando todo o seu desejo, ele a pisa na barriga.
Ela tenta acariciar-lhe o sexo, ele a estapeia. Ordena que ela se vire, ela protesta pelo
inusitado, mas ele a sodomiza impiedosamente. Em seguida, determina que ela se
levante e se vista.
– Agora vá – disse ele.
Ela voltou-se: fitou-o com um olhar calmo e distante, como se não o
tivesse entendido.
– Eu disse: agora vá.
– Embora?
– É, embora.
A mulher começou a andar, a descer a encosta. Ia lentamente. Então
parou; virou-se e veio andando de volta.
Parou em frente ao homem: abaixou-se, ajoelhou e beijou-lhe os pés.
(FT, p. 192).
48
Podemos ver, no palimpsesto arquetípico dessa narrativa, ecos do Antigo
testamento, desde o entrecruzar com a mulher que sai da costela do homem, que o
conduz ao pecado sob influência da serpente, que é condenada a servir ao homem até
4848
Texto cf. Claver (2006, p. 57).
193
o fim dos tempos e que gerará seus filhos na dor, até na submissão cristã da mulher
ao seu homem. A maldição do Deus que é imagem do homem”, e homem, está se
vendo, é gênero, não é metonímia de humanidade, patenteia-se neste conto. A mu-
lher, que permanece inominada, serve ao seu homem, humilha-se por ele, apanha de-
le, é estuprada e volta como um cordeiro subserviente ao seu Adão, nome, aliás, do
personagem masculino no conto.
Por seu lado, o diálogo do casal, em “Catástrofe”, mostra um homem que vê
crianças como pragas do final dos tempos. As menções escatológicas à morte lem-
bram a última das pragas, a morte dos primogênitos (cf. Êxodo, 11); o homem e a
mulher, vivendo com todos os confortos modernos, seculares, e estabelecendo um
diálogo que os mostra “ilustrados”, portadores de alto padrão cultural, fazem uma
negação civilizatória do instinto da perpetuação da espécie, o que parece equivaler a
um mergulho racionalista no obscurantismo, símile das trevas profetizadas como a
penúltima praga a castigar o Egito.
Verifiquemos se as marcas lingüísticas e as estratégias narrativas homolo-
gam as interpretações expostas, ou se contrapõem a elas, produzindo outras leituras.
No palimpsesto das reescrituras, vimos diversos contos que abordam histó-
rias de casal na contística de Vilela, como “Nosso dia”, “Cadela” e Catástrofe”. Em
“Cadela”, à primeira vista, o incontrastável poder do homem, a passiva entrega da
mulher ao próprio calvário, a exemplaridade bíblica da qual a situação emerge, fa-
zendo a história tomar foros de modelar, indiciam – quase diria: figurativizam – que a
relação homem-mulher pauta-se pela soberania dele e a submissão dela. Mas a sutile-
za discursiva das muitas falas a mais do homem, quando nos demais contos de Luiz
Vilela que tratam de relações de casal o volume superior de entradas indicia subalter-
nidade,
49
nos impõe a necessidade de vasculhar nesse conto de O fim de tudo sinais
49
Cf. expomos no subcapítulo 4.1.3.
194
lingüísticos, de conteúdo e de estratégias literárias que confirmem a leitura inicial ou
que propiciem uma reavaliação interpretativa.
Vejamos a descrição física dos personagens. O homem surge corpulento e
cansado: devido à caminhada, “arfava pesado o bigode grosso, a barba lhe cobrindo
quase toda a cara. Sua camisa, nas costas, estava molhada de suor” (FT, p. 187). A
mulher é descrita uma única vez, e o é pelo olhar do homem: “– você era como uma
princesa para mim” (FT, p. 188). A comparação parece indicar uma superioridade da
mulher. Ainda mais que ela, nem em palavras nem em pensamentos, o nos mostra
como o homem nenhuma vez em todo o discurso. O narrador é onisciente e per-
manece observador da cena. Seus sumários o descritivos: ora voltam-se para a pai-
sagem, ora descrevem o rosto ou o gesto de um dos personagens. O cenário parece
homologar a situação tensa do casal: o calor opressivo, a quase ausência de sinal hu-
mano, o arame farpado, o tronco grosso da árvore, o pássaro que “chamava outro na
distância, num piar espaçado e desolado” (FT, 188).
Se as notações do narrador como que homologam o conflito existente entre
o homem e a mulher, constatamos, saindo da exterioridade descritiva para a exposi-
ção discursiva da interioridade dos personagens, que a onisciência do narrador em
nenhum momento focaliza o homem, mas em dois momentos mostra os sentimentos e
as sensações da mulher.
O homem é descrito “olhando para longe, o rosto ainda mais contraído, o
suor escorrendo, o tórax se dilatando com a respiração opressa”; a mulher assim é
vista: “Também no rosto da mulher gotas de suor iam deslizando” (FT, p. 189). Ora,
nele, o suor “escorre”; nela, “desliza”. Deslizar, segundo o Aurélio (1998),
50
é “escor-
regar brandamente”, enquanto escorrer é “fazer correr ou esgotar”. Parece evidente
50
Na versão impressa: FERREIRA, A. B. H. ovo dicionário Aurélio. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1986; uma edição revista e ampliada, em 37. impressão, foi lançada em 1997.
195
que a expressão utilizada para com a mulher contém simpatia pelo personagem, en-
quanto a que se refere ao homem, se não chega a ser pejorativa, é mais rude.
Em seguida, no mesmo parágrafo, o narrador volta os olhos para a natureza,
enfatiza a sua posição de observador. Entretanto, se trai”: introduz um elemento de
proximidade tátil para com a mulher, e a flagra em um “sentir” internalizado: “Os
ramos do capim roçavam-lhe as pernas. Ela sentia uma vaga tontura.” (FT, p. 189,
grifos nossos). A adesão do narrador ao feminino evidencia-se com toda a força
quando o homem estupra a mulher, a sodomiza, esmaga-a contra o capim, e o narra-
dor como que também sente a penetração do falo, a dor que o pênis rascante provoca,
a alucinação que o sexo induz, as “ondas de luz e de escuro”, o desfalecimento final
da mulher (FT, p. 191). O narrador é solidário à mulher, comovido com o ultraje que
a vitima. Claro está, não é julgamento moral da sexualidade, mas contraponto ético ao
ato sem consentimento, à imposição pela violência.
Em “Cadela”, o narrador descreve as sensações da mulher durante o ato se-
xual, sensações apresentadas, no discurso, com a palavra “ondas”, vocábulo também
utilizado em outra passagem do conto: “Do chão parecia às vezes subir ondas de ca-
lor” (FT, p. 188). Ondas de luz ou de calor, umas sobem do chão, as outras surgem no
momento em que a mulher está esmagada pelo peso do homem sobre si. A mulher
experimenta “ondas de luz e de escuro” (FT, p. 191), encosta-se a uma árvore, deita-
se – de costas e de bruços – no capim.
o homem, além de arrancar a blusa dela (o verbo está no coloquial, “ran-
car”, ampliando a rude e áspera estupidez do gesto, que mostra o homem como um
ser tosco, grosseiro, primitivo) e estapeá-la, é observado apenas com “a mão direita
segurando o arame farpado” (FT, p. 187). Tudo que o homem toca é objeto cultural,
com exceção da mulher. Segundo a lição de Simone de Beauvoir (1970, v. 1, p. 9-
12), a mulher é, também, uma construção cultural, erigida como “o Outro”, pólo ne-
gativo do homem, que é “a um tempo o positivo e o neutro”; o homem é essencial, a
196
mulher “o inessencial, o objeto”. No conto de Vilela, o homem está imerso no cultu-
ral, no civilizatório, no interdito cuja transgressão é a vitória do civilizado na ver-
dade, um bruto sobre a natureza intocada, a mulher; a mulher é roçada pelo ven-
to, pelo capim, pela terra, pelo céu céu para o qual o seu sexo se ergue, “latejante e
úmido” (FT, p. 190); se o homem figurativiza o ser embrutecido pela ideologia civili-
zatória e pelos códigos morais, a mulher, ao contrário, integra-se à natureza telúrica e,
ao final, emerge, como decorrência de seu martírio, em uma aura de santidade.
Percebemos que os índices da natureza observados pelo narrador corrobo-
ram o conflito homem-mulher. O piado da ave, “espaçado e desolado” e a rima am-
plia o tempo de leitura e como que a dor do canto lamentoso –, é um chamado conju-
gal, um grito de angústia do ser que deseja romper sua própria solidão no encontro
com outro ser. Esse grito atravessa toda a narrativa: quando o homem manda a mu-
lher embora e ela começa “a descer a encosta”, o pássaro como que canta na alma
feminina e a mulher retorna. Retorna para o homem que a humilhou e, humilhando-se
ainda mais num pedido de perdão que é também um perdão às agressões que sofreu,
lhe beija “os pés” (FT, p. 192).
A mulher, ao desobedecer a ordem de ir embora, escolhe a liberdade como
atributo humano inalienável: “cada um de nós se escolhe a si próprio; mas com isso
queremos também dizer que, ao escolher-se a si próprio, [...] escolhe todos os ho-
mens”, diz Sartre (1978, p. 219). A Bíblia, no Eclesiástico (15, 17) preceitua: “diante
de ti a água e o fogo; lança a tua mão ao que quiseres”. O respeito ao livre-arbítrio
surge, paradoxalmente, no momento em que a mulher e o homem são expulsos do
Paraíso por comerem o fruto proibido: Deus os castiga, mas os agasalha para, cober-
tos com peles, enfrentarem as intempéries terrenas. Livre e magnânima, a mulher re-
jeitada escolhe, ao retornar, o homem que deseja construir para si.
Em última análise, a volta da mulher após o seu calvário e o perdão que
ela concede ao homem que não a perdoou –, coloca-a num palimpsesto bíblico de
197
ressonâncias profundas: é o próprio Cristo se dirigindo a Deus: “Pai, perdoa-lhes,
porque não sabem o que fazem” (Bíblia, Lucas, 23, 34). E o homem, marcado pelos
índices civilizatórios, o animal macho que se defrontou com a mulher, mulher exem-
plarmente calcada no telúrico e no ideário cristão, este homem, é o que nos parece
dizer a narrativa, precisa se reconstruir como humano, precisa entender a redenção
possibilitada pelo livre-arbítrio, como Deus o fez quando a mulher foi seduzida pela
serpente. Se a mulher é a parte fraca e conta com a simpatia do narrador, o homem de
“Cadela” é um ser inferior diante da grandeza de sua mulher.
198
4.2.3.2 O “SELVAGEM” E O LEVIATÃ
“Cadela” é narrativa que surpreende e choca o leitor. Deve-se em especial
ao modo como o conto termina a impressão de que o personagem frágil é a mulher,
por quem o narrador se compadece e a quem adere, mas o fecho da narrativa eviden-
cia que o homem, por sua mesquinharia e estupidez diante da grandeza da mulher,
mesmo se ela, antes, houver “pecado”, é o personagem que resta inferiorizado.
Explicitemos nossa proposição. Vimos que em “Cadela”, as estratégias nar-
rativas e discursivas estabelecem uma rede de significados que remete ao casal adâ-
mico no Paraíso, à mulher com seu anátema de servilidade perpétua e às lições de
perdão do Cristo martirizado. Constatamos, nesse passo, que nossa leitura exigia um
refinamento interpretativo, pois parecia indicar duas possibilidades de análise contra-
ditórias. Procuramos em outros contos de Vilela índices que pudessem ampliar o es-
forço interpretativo. Rastreamos, naqueles que abordam os relacionamentos de casal,
que, em Vilela, o discurso indicia, através de uma maior inserção de entradas no diá-
logo, que os personagens que não merecem simpatia do narrador tem menor número
de falas, enquanto aqueles ao qual o narrador adere com sua simpatia, por estarem
subjugados ao outro, dispõem de mais falas para apresentarem a sua dor.
em “Cadela”, a simpatia do narrador, conforme mostramos, é pela mu-
lher. No entanto, o homem tem mais falas. Ou seja, temos uma clara empatia, de um
lado, com marcas discursivas de subjugação que contrariam a solidariedade explicita-
da. Daí, conclui-se, pelos índices do conto, que, nessa narrativa, uma contraposi-
ção entre adesão e estar subjugado que diverge dos demais contos com relacionamen-
to de casal, em que o maior número de entradas é sempre do personagem que está
submetido.
199
A descoberta, que de início surpreende, nos exige dar mais uma volta no pa-
rafuso, aprofundar a nossa análise.
51
Devemos eliminar, em um novo nível interpreta-
tivo, a aparente contradição quanto a uma constante discursiva de Vilela ao mesmo
tempo em que resolvemos a aparente inverossimilhança da mulher frágil, submissa,
que se mostra forte para retornar com o ósculo do perdão.
Tendo em mente que o “étimo de um sentido primitivo permanece sempre,
ainda que coberto, assinalável” (Derrida, 1991, p. 251), repassemos, no conto “Cade-
la”, os elementos figurativizados e a tematização que as figuras indiciam; ei-los: a
mulher, o homem, o pássaro que pia; a pureza original maculada pela bruteza, as
marcas de civilização em oposição ao telúrico, a solidão angustiada que busca ampa-
ro; o pressuposto pecado da traição transformado pela dor em santidade manifesta, o
homem adâmico tornado em homem re-construído pela civilização, o chamado con-
jugal – da dor, do lamento e da angústia – erigido em epifania que anuncia o reencon-
tro e que constrói um novo significado na história, não dos casais, mas do nero ho-
mo.
São, portanto, muitas as vozes que se manifestam na narrativa, e que o fa-
zem de forma interdiscursiva. Do entrecruzar dessas vozes da narrativa com o inter-
texto do mito bíblico o autor tece, no entanto, surpreendente conclusão: do confronto
das alteridades entre culpa, castigo e perdão que redime a quem perdoa, o leitor,
narratário em transe diante da violência e do que parece ser politicamente incorreto,
emergir uma utopia redentora: a grandeza está no perdão à ofensa, é construída
pela face intacta que se oferece ao agressor da face ofendida.
O homem, não o indivíduo gramatical masculino, ou o macho da biologia
transformado no sexo másculo, viril, que surge do processo civilizatório, mas o ho-
mem que advém do humano e que é identificado pelo gênero homo, deve ser, é o que
51
A proposição de que em qualquer circunstância sempre é possível dar mais uma volta no parafuso, descobrir
nuances ainda não percebidas, está em James (1971, p. 11-12). Ver ainda Renaux (1992).
200
nos diz a voz autoral que detectamos no conto de Vilela, o “bom selvagem” de Rous-
seau, muito embora viva e sobreviva, como o demonstra a narrativa “Cadela”, em um
mundo hobbesiano, no qual o homem – e aqui está englobado o gênero, o biológico, o
civilizado e a sua figurativização gramatical é o lobo do homem. Conforme expu-
semos, é possível aproximar a leitura fundadora da sociedade, delineada por Luiz Vi-
lela em “Cadela” a partir de um estágio em que o homem decai do Éden, e ver ecos
de Hobbes e de Rousseau na configuração que surge, opondo um ideal, quiçá român-
tico, o da mulher, a uma práxis, de Leviatã, do homem.
Repassemos todo o raciocínio desse interdiscurso que retoma o bíblico e fi-
lósofos que discutiram suas teses a partir de idealizar um “estado de natureza” que
precedeu a atual organização da sociedade.
Ao percorrermos o veio da intertextualidade bíblica em contos de Vilela,
transitamos pelo conteúdo temático no palimpsesto das relações de casal, narrativas
essas nas quais havíamos observado algumas opções narrativas e discursivas, e
desse modo chegamos, pois, quanto ao conto “Cadela”, a conclusões antitéticas. A
trajetória de Cadela” mostra, em um primeiro momento, o sacrifício e vilipêndio
impostos pelo homem à mulher, e, depois, a humilhação que a mulher se auto-impõe,
em um tempo mítico, reconstruído por múltiplas evocações intertextuais ou interdis-
cursivas, que, como estamos vendo, constroem um conto emblemático no diálogo da
obra de Vilela com o discurso bíblico.
Também mostram esse embate entre o “bom selvagem” e o leviatã personi-
ficado em um agente, um ator, o conto “Rua da amargura” (AC, p. 109-122), que,
também, empreende uma discussão de haver aderido à exploração capitalista uma
certa a-religiosidade, talvez até um neopaganismo; entretando, nem a a-religiosidade
201
nem o neopaganismo levam a melhor diante de um ideal religioso, mesmo que enfra-
quecido.
52
Em Rua da amargura”, o caráter espoliador do homem é representado por
dois homens que, assoberbados por dívidas, pretendem tirar os dentes de ouro do
próprio pai, que jaz doente em uma cama. O pai é defendido por uma filha, que sim-
boliza o “bom selvagem”. Depois do bate-boca, vencidos, os irmãos se retiram. O
homem que é lobo do homem não logra sucesso diante de certa religiosidade, mesmo
que empalidecida pelas circunstâncias.
Esses contos de maneira mais evidente em “Cadela” dialogam com a
tradição filosófica rousseauiana e hobbesiana dos séculos XVII e XVIII, que retoma-
va o homem na constituição da sociedade, na definição dos papéis sociais, ao sair do
Paraíso edênico para configurar o contrato das relações humanas no mundo terreno, e
com a tradição literária, em especial a oriunda do romantismo. Retoma a proposição
de um estado da natureza a partir do qual se define o estatuto das relações humanas, e
dessa estrutura arquetípica propõe uma utopia social.
No conto “Cadela”, a inação e a atitude posterior da mulher a princípio
submetida e frágil, e, depois, com o seu gesto final, que mescla miserabilidade, altru-
ísmo e como que aceitação do seu destino bíblico, através do qual se sobreleva
lembram um dos ensinamentos do “Sermão da Montanha”: “se alguém te ferir na tua
face direita, apresenta-lhe também a outra” (Bíblia, Mateus, 5, 39). Essa a ética cristã
original, que a Igreja Católica Romana, posteriormente, assim traduziu: “Nestas pala-
vras Jesus dá um conselho, e não um preceito” (Bíblia, p. 1183, nota de rodapé nº 39).
A institucionalização do credo, é o que podemos deduzir da lição interpreta-
tiva das palavras do Mestre, abastarda e relativiza a ética à conveniência do fiel. Em
“Cadela”, Luiz Vilela defende a ética do próprio Cristo.
52
No próximo item da tese contiuamos a tratar desse aspecto da ficção de Luiz Vilela.
202
4.2.4 O PAGANISMO CONTEMPORÂNEO DEFRONTA-SE COM
ESMAECIDOS ECOS DE RELIGIOSIDADE
E, no terceiro milênio, pensemos o topos bíblico em “Catástrofe”.
Trata-se de uma menção interdiscursiva que retoma a interpretação do so-
nho do Faraó por José (cf. Bíblia, Gênesis, 37-50) e o episódio das pragas que açoita-
ram o Egito. O Faraó sonha com sete vacas gordas e sete magras, as crianças que visi-
tarão o casal também são sete: portanto, as sete crianças, símbolo inicial de alegria,
tornar-se-ão, como as vacas dos tempos de fartura que se transmudaram em sete va-
cas magérrimas, signo do infortúnio, das pragas que irão se abater sobre o casal. E a
invocação da palavra “praga”, pelo personagem de Vilela, remete imediatamente à
missão de Moisés de salvar os hebreus do cativeiro, quando “o Senhor Deus” (Bíblia,
Êxodo, 7, 16) interveio, fazendo com que uma sucessão de infortúnios, as dez pragas,
castigassem duramente os egípcios.
“Catástrofe” é construído, pois, tendo essas menções bíblicas por substrato,
informando o conteúdo semântico sobre o qual os dois personagens edificam os seus
respectivos programas narrativos: ele, pretendendo evitar que se consume o infortú-
nio da invasão das pragas, dos tempos de infelicidade indiciados pelo número sete;
ela, vendo na visita menos um problema e mais uma satisfação à melhor amiga da
adolescência, abandonada para criar os sete rebentos. Já o título do conto tem, em sua
sinonímia, entre outras, as palavras “flagelo”, “praga” e “tragédia” (cf. Houaiss,
2001).
Se flagelo é algo que martiriza, que pune e que angustia, a palavra praga
traz consigo certa carga de maldição, do funesto predizível, de desejo de que a cala-
midade e as chagas atinjam ao outro. Esses sentidos, impostos desde o título e refor-
çados na primeira intervenção do diálogo (“– Vai ser uma catástrofe!”, anuncia
203
uma voz, que depois vamos descobrir que é masculina), ampliam-se por ser a palavra
indicativa do desenlace sinistro e lutuoso na catástase das tragédias, consumando a
fatalidade anunciada e, em especial, por simbolizar a própria tragédia. E, aqui, deve-
mos relembrar que o conto é construído discursivamente apenas pelas falas dos per-
sonagens, sem didascália, sem rubrica ou verbo dicendi; temos um drama exposto
pelas vozes que se entrechocam, e o drama em forma teatral haverá de desembocar,
pelo campo semântico do léxico cuidadosamente selecionado, ao qual soma-se o in-
terdiscurso bíblico de castigos apocalípticos, em pura tragédia.
As implicações do cataclismo anunciado opõem a vida citadina da mãe e
suas crianças à vida no interior, que concilia as conquistas do bem-estar e das como-
didades modernas à quietude quase campesina, que a mãe pretende fazer com que os
filhos vivenciem, mas aos quais o presumido anfitrião pretende oferecer “um banho
de sangue”, sacrificando as crianças no altar da sua própria tranqüilidade.
“– São só seis dias” (AC, p. 88), argumenta a mulher com o marido. Seis di-
as: o tempo de criação do mundo, pois “Deus acabou no sétimo dia a obra que tinha
feito; e descansou no sétimo dia de toda a obra” (Bíblia, Gênesis, 2, 2). Mas, para o
marido enfurecido, ao sétimo dia o haverá descanso, e sim o caos, o próprio troar
das trombetas do final dos tempos, pois as crianças “não é uma família: é uma hor-
da” –, como se pragas realmente fossem, “vão acabar com tudo!” (AC, p. 90)
Esse apocalipse, dramatizado pelas expressões do homem, defrontam-se
com uma “horda” que tem um quê de hilário: as crianças atendem por Dagoberto,
Delmiro, Dilermando, Donato, Durango, Dorval e Durval”, e a mãe é Dininha. Ora, o
nome é a primeira definição de sentido que um criador impõe ao seu texto. Segundo
Carrero (2005, p. 189), a nomeação do personagem pode atuar como metáfora, “[o]
nome do personagem pode orientar o enredo”, e “[a] investigação do personagem é
básica através do seu nome.”
204
Chama a atenção todos os nomes iniciarem pela letra “d”, consoante oclusi-
va que transita entre o palatoalveolar e o dental-alveolar, eventualmente fricativo
um som com certa dureza, no caso com um impacto reiterado de um tacão. Além dis-
so, mostra, do primeiro até o quinto, uma seqüência de ordenação das vogais, do “a”
para o “u”, como se o quinto marcasse o término natural da ordem. Entretanto, vie-
ram mais dois filhos, “gêmeos”, informa a mulher, ao que o marido rebate, chistoso:
“– Bem feito. Deus castiga.” (AC, p. 89). Os dois últimos retomam as duas últimas
vogais [“o” e “u”], para reiterar a finalização da série, que deveria ter finalizado com
o menino de nome “Durango”, nome que, aliás, indicia, popularmente, o estado de
quem está “duro”, isto é, sem dinheiro. E a letra “D”, na estratificação social, indica
exatamente uma classe senão na penúria, a um passo da miséria.
Quanto ao nome da mãe, “Dininha” parece ser um diminutivo de dinheiro,
indicia pauperismo, da mesma forma que a palavra “dina” é uma unidade de medida
de força equivalente a 10
-5
, o que corresponde a um valor infinitesimal. os nomes
dos filhos transitam da grandiloqüência para o vazio: Dagoberto é palavra teutônica
que significa “brilhante como o dia”, Delmiro, da mesma origem, é corruptela de A-
delmiro, “nobre, ilustre”; Donato, do latim, é “dado, presenteado”. O Dicionário Prá-
tico de omes ([19-]) de que nos valemos não traz acepções para Dilermando, Du-
rango, Dorval e Durval, sendo que Durango tem acepção popular de “sem dinheiro.
Para “Diná”, muito a propósito no significado do conto, o Dicionário Prático de o-
mes ([19-]) informa que vem do hebraico “Dinah”, que significa “julgada”.
Estamos, pois, diante de uma demanda de um grupo de crianças e sua mãe,
uma espécie de mãe-coragem, por um mínimo de lazer e conhecimento (figurativiza-
do no conto pelo fato das crianças nunca terem visto uma galinha viva com seus pin-
tinhos ciscando no terreiro, imagem de acalanto materno que reverbera a de Dininha e
amplifica negativamente a opção de não ter filhos do casal anfitrião), e do desejo do
personagem homem de que esta demanda não seja atendida com o sacrifício de seu
205
bem-estar. Ao expressar a defesa de sua opção de vida, hedonista e de apego aos bens
materiais, Artur, o homem do conto, distancia-se do caráter caridoso de Mimi, sua
mulher.
Mimi, nome de gata mansa, dócil, velha e pesada. Nome de madame, nor-
malmente impotente, mas que aqui faz valer sua opinião, de inspiração cristã, até
porque Artur é nome pagão que deriva (cf. KLS, 1982, p. 988) do lendário rei de Ga-
les do qual originou o ciclo da Távola Redonda. Se Jesus disse “Deixai vir a mim os
meninos, e não os embaraceis, porque destes tais é o reino de Deus” (Bíblia, Marcos,
10, 14), o homem de Catástrofe” é o seu antípoda. O narrador, ausente, parece não
deixar nenhum traço de adesão a algum personagem, embora pareça indicar, ainda
que bem de leve, que o homem termina inferiorizado por ele ter uma fala a mais no
conto, e por sua blague final de ameaça de infanticídio parecer absolutamente inve-
rossímil quanto à sua efetivação.
Em “Catástrofe”, pois, a tragédia é somente anunciada. Trata-se de um con-
to que se apresenta com estrutura dramática: não nenhuma indicação de gesto, de
entonação ou de movimentação, o nenhuma rubrica cênica. Puro diálogo, pouco
mais de cinqüenta intervenções do homem, uma a menos para a mulher, uma vez que
ele abre o conto anunciando “– Vai ser uma catástrofe”, e o encerra informando: “–
Balas de revólver, my dear”.
O homem reclama com a mulher, porque ela vai receber a visita de uma a-
miga. Essa amiga virá visitá-los, trazendo os seus sete filhos. O homem é irônico com
a quantidade de filhos e com a insensatez que é, em sua opinião, ter filhos. Critica a
companheira por ela haver concordado em receber a amiga, e deixa subentendido que
ele espera que a mulher reconsidere o convite e peça à amiga para não vir. O homem
se apega à paz de seu recanto, que será quebrada, se é que os meninos não vão que-
brar a casa também. A mulher argumenta que falaram muito e convida o homem a
206
encerrarem o assunto. Ele concorda, ela informa: “Eu não vou fazer nada”, ou seja,
não vai desmarcar a visita.
Esse homem se parece com muitos outros homens na obra de Vilela, princi-
palmente quando eles são confrontados com os interesses de suas companheiras.
Também egoísta é o protagonista de “Meu fabuloso tio” (B, p. 115-119). O homem
de “Catástrofe” é irônico e age à semelhança do guia satírico de Para vocês mais um
capítulo” (LP, p. 59-64), que impressiona a mulher falando do entrecho de telenove-
las a que jamais assiste. Artur é insensível aos argumentos e à manifestação amorosa
da parceira que intercede pela amiga sem marido e mãe de uma penca de filhos. Para
o homem, os filhos são “sete pragas”. Ele deplora “[T]er filhos é um ato de insani-
dade mental. [...] agora, ter sete, sete filhos: isso é a própria loucura”. Argumenta de
várias formas para evitar a visita, mas não consegue persuadir sua esposa.
Menciona-se a morte, em um contexto que remete às pragas que assolaram
o Egito bíblico. Estamos diante da concretização iminente de uma tragédia, anunciada
por meio de uma expressão cujo caráter profético-escatológico remete imediatamente
à catástrofe que se abateu sobre o Egito, como um índice de que a profecia se efetiva-
rá. Então, o homem anuncia um infanticídio. Suspenso o conto neste momento do
diálogo, resta a blague, o anticlímax da carnificina que não passa de palavras ao ven-
to. O que vemos em “Catástrofe” é que a ficção de Luiz Vilela nos deixa um gosto
amargo diante da incomunicabilidade que marca o desentendimento entre os Adões e
as Evas que, expulsos do Paraíso, superpovoam a terra. É um mundo em que a vio-
lência masculina está sancionada socialmente. É violência que nasce, revela e alimen-
ta a desumanização crescente, exposta, quase sempre, nas narrativas de nosso corpus,
através de diálogos, nos quais reponta um humor cada vez mais irascível e corrosivo.
207
4.2.5 SEM RELIGIÃO, UM HUMANISMO VISCERAL
Nos contos de Vilela, o diálogo com questões oriundas do religioso é não só
muito presente, mas aspecto fundamental para o estabelecimento da ideologia do es-
critor. Nas novelas e romances o intertexto e o interdiscurso com o universo religioso
e com as fronteiras bíblicas é, também, uma constante. Graça é todo construído sobre
a dessacralização do religioso em meio a outra constante de Vilela, o conflito de ca-
sal. Em O choro no travesseiro padres e sacristias, e uma beata que até mesmo
apela ao Papa para salvar a alma do sobrinho adolescente que comete o pecado de
freqüentar um salão de sinuca. Te amo sobre todas as coisas tem no título uma in-
vocação irônica do sagrado, por ser uma promessa que não se realiza. Contente-mo-
nos, aqui, no entanto, em buscar um sentido para as fronteiras bíblicas em Luiz Vilela
perscrutando somente a sua contística; para tanto, repassemos alguns dos contos em
que o escritor entabula diálogo com o religioso.
Em “Nosso dia” (TT, p. 53-55), o entrecho mostra um homem egoísta, ”rea-
lista”, o que no senso comum se opõe a “romântico”, bruto e grosseiro diante do espí-
rito sonhador da mulher. O “pão nosso de cada dia” é, pois, a indiferença, a dor, a
ausência de diálogo e compreensão, a falta de sentimento diante da alteridade.
Em Espetáculo de fé” (TT, p. 71-77), a preparação para um evento com a
imagem de Nossa Senhora Aparecida se mistura a comparações da dançarina de strip-
tease que desaparece demasiado rápido [...] por trás da cortina do palco” após despir
“a última peça”, com o frenesi do serviço de limpeza, a multidão em volta do pipo-
queiro, e a duas angústias do Padre Dimas: o padre, após celebrar o início da cerimô-
nia, recolheu-se, cansado, aos seus aposentos, lembrando-se das recomendações mé-
dicas para evitar enfarte, à qual contrapõe a sua decisão em não esmorecer no traba-
208
lho, porque “um minuto de descanso era um minuto perdido para fazer o bem e um
minuto ganho talvez pelas forças do mal”; mas a tentação ronda, na nudez entrevista
da empregada que lhe serve o chá, enquanto o arcebispo canta a missa, momento em
que o Padre Dimas morre.
Sua morte é registrada pelos jornais a repercussão dos fatos nos jornais,
ou especular como isso se daria, é uma constante na obra de Vilela junto com rou-
bos, desaparecimento de pessoas e tentativas de estupro. Enfim, a fé, com seu espetá-
culo, transcorre em um mundo humano, demasiado humano (não fosse Nietzsche
também um dos filósofos da predileção de Vilela cf. Vilela, 1975, in Zamboni,
[n.p.] ), com seus pequenos desejos, seus crimes, e a mídia vampirizando tudo. Noti-
ciar a morte junto a roubos, crimes, é, com ironia, uma forma de nivelá-la ao sórdido;
a do padre é, assim, satiricamente rebaixada. O registro, pelo ficcionista, da socie-
dade que capitaliza até a morte, não retira de sua obra, no entanto, a compaixão que
sente pelos homens, inclusive pelo padre decaído que morre.
Já “Deus sabe o que faz” (TT, p. 95-96) é um conto cuja histórica trágica es-
a um passo do mico (alguns classificariam de humor negro), o que o torna uma
sátira niilista do deísmo, com o personagem principal transformado em joguete nas
mãos de um Deus que não sabe o que faz (cf. Rauer, 2004).
53
Por sua vez, o conto “Os tempos mudaram” (LP, p. 51-58) parece ecoar a
mesma inquieta voz protagonista do conto “Meio-dia” (B, p. 102-110), e este, por
sua vez, tem um padre que a certa altura afirma: “Deus sabe o que faz, e não cabe a
nós discutir os seus santos desígnios.” (B, p. 110). Em Meio-dia”, o jovem não
mais crê na Igreja, e em “Os tempos mudaram” o protagonista, embora afastado e não
praticante, sente uma nostalgia pelo mundo da minha infância, e eu percebia agora
53
O artigo citado inclui resenhas de Carla Renata Segatelli, Bianca de Campos, Cristiane Fontes de Oliveira,
Vanessa Vieira dos Santos e Cristal Rechia, cujas interpretações são apresentadas nesta síntese, que contem-
pla a minha visão do conto e é de minha inteira responsabilidade.
209
como ele estava ligado àquela igreja.” (LP, p. 51). O personagem estranha a pintura
nova da igreja e outras mudanças que vai descobrindo, ao que o padre explica: “A
Igreja vem passando por uma série de transformações [...] tem se atualizado”, uma
vez que “[é] preciso atender as exigências do tempo presente.” (LP, p. 53).
Diante do que e da argumentação que ouve, o protagonista rebate: “a I-
greja hoje tem hora que me lembra uma mulher que com medo de perder seu homem
usa de todos os meios para segurá-lo.” (LP, p. 53). O protagonista considera o esforço
da Igreja como uma forma de “dourar a pílula”, algo que “tem barateado o cristianis-
mo, tem reduzido-o a uma coisa pequena e fácil: como ser cristão sem fazer força”,
uma vez que “[a] religião, como queria Cristo, sempre me pareceu ser algo muito di-
fícil de viver, algo duro e em essência trágico.” (LP, p. 54).
Nesses dois contos, portanto, o protagonista dialoga com um padre. No con-
to dos anos sessenta, de narrador heterodiegético, um jovem visita um antigo profes-
sor, um padre já de idade, enquanto no conto do final dos anos setenta um narrador
autodiegético, de idade indefinida, mas presumivelmente o tão jovem quanto o do
conto anterior, troca impressões sobre os rumos da Igreja com um padre jovem e mo-
dernoso, trajando roupas sociais e, pelo que se pode deduzir, bebericando cerveja
com garotas que exibem “suas maravilhas generosamente por um decote”. (LP, p.
54). O narrador parece assumir a voz dos rigorosos padres de antigamente, que colo-
cavam xales na entrada igreja, “para que se cobrissem as senhoras e senhoritas que
estivessem ‘vestidas indecorosamente’” (LP, p. 55).
Nos contos desse primeiro momento da contística de Vilela aparecem al-
guns padres (se não como personagens, como personalidades invocadas), o que não
se verifica nos contos do segundo momento. Em compensação, as freiras pouco ou
nada comparecem no primeiro momento, e no diálogo hilariante de “Freiras em fé-
rias” (AC, p. 53-64) elas surgem – e são três, e estão de férias em um clube ou balneá-
rio, rodeadas pelas tentações da carne, as mesmas que angustiavam Padre Dimas, de
210
“Espetáculo de fé” (TT, p. 71-77), e que terminaram por levá-lo à morte. Para essas
freiras, viver o religioso parece ser igual a viver em férias: hedonismo, lubricidade,
consumo – o pecado, ele existe, mas é algo distante, que não as atingirá.
Tal modo de vida, ainda que pareça restrito a um período de férias, não se
coaduna com a visão de mundo do personagem principal de “Os tempos mudaram”,
protagonista autodiegético que não deixa dúvida de que existe uma ética religiosa que
vem de Cristo: uma ética dura, difícil, e trágica. Ainda assim, parece ser a única for-
ma de vivenciar o religioso, o que homologa a opção de auto-suplício que a mulher
de “Cadela” (FT, p. 185-192) se impõe – e parece ser uma condenação permanente ao
homem de “Catástrofe” (AC, p. 85-92) e sua escolha isolacionista, de preservar bens
materiais na tranqüilidade do seu egoísmo.
Esse homem duro, hobbesiano, está em guerra permanente contra todos,
mesmo se para tanto engendre “o caminho da destruição universal”, conforme Ber-
trand Russell (1977, p. 80) afirma a propósito de Hobbes. O homem de Vilela parece
ecoar essas considerações, conforme mostra o excerto:
– Filhos...
– O quê?
– Para que filhos?...
– Para quê?...
– Será que não vão um dia parar com essa bobagem?
– Se parar, a humanidade acaba.
– Alguma objeção?
Se o fossem os filhos, uma hora dessas nós dois não estaríamos
aqui.
Nem estaria essa debilóide nos ameaçando com essas sete pragas,
com essa catástrofe.
(AC, p. 92).
O contraponto, em antítese à insensibilidade do homem de Catástrofe”, é o
“bom selvagem” de Rousseau. Entretanto, se para Rousseau, nas palavras de Olgária
Matos (1978, p. 112), “a condição do selvagem o pode mais ser reconquistada e a
211
do civilizado é inaceitável”, em Vilela, como vimos em “Cadela”, parece ser possível
uma conciliação do civilizado com o bom selvagem, na utopia cristã reconstruída.
Tal utopia, entretanto, haveria de ser construída numa sociedade em que o
religioso institucionalizado como igreja chegou à falência, perdeu todo e qualquer
significado diante das verdadeiras e genuínas propostas do cristianismo primitivo.
Uma síntese de como em Vilela o religioso está atrelado ao sofrimento, à
morte e, em especial, à destruição de tudo que o rodeia, encontramos no conto “Noite
feliz”.
54
O conto é a voz única de Lina, mulher de idade que, na noite de Natal, recebe
os parentes: o Pai, a Mãe, os tios, a Vó, diversas pessoas Rosa, Joaquim –, algumas
que tempo o via e que reuniu para “uma noite linda”, “uma noite única”, a “noi-
te feliz” em que se comemora o nascimento do Senhor, o “Deus do amor”.
Enquanto os sinos tocam anunciando a chegada da meia noite, pelo discurso
ininterrupto que é o fluxo dos pensamentos da protagonista, sabe-se que Lina passou
em diversos postos, enchendo garrafas, que ela se sente muito só, que a casa em que
recebe os seus convidados vai brilhar nesta noite mais que todas as luzes de todas as
ruas de sua cidade.
Chega a meia-noite dessa noite feliz e Lina, “[u]ma garrafa aqui; assim. Ou-
tra aqui... Agora essa... Mais essa... E essa...”, sente o cheiro forte que exala do líqui-
do das garrafas, lembra-se do “cheiro de jasmim que antigamente, nas noites de ve-
rão, entrava pela janela aberta e inundava esta sala onde todos nos reuníamos e con-
versávamos e éramos felizes...” É meia-noite, Lina pega a caixa, tira um fósforo, risca
– “Eis! O fogo!”
O fogo que consome Lina em sua existência é o fogo da felicidade perdida,
da solidão de seus dias, da incomunicabilidade com os seus, da noite feliz do nasci-
mento do Senhor, que é amor, mas que o a salva de suas angústias e de seu deses-
54
Inédito em livro, “Noite feliz” foi publicado pela primeira vez em dezembro de 2002, cf. cópia nos anexos.
212
pero. Lina, o apelido de Aristotelina, planejou por meses o desfecho em chamas para
si e para toda a sua família.
Aristotelina é o feminino de Aristóteles: assim, seu nome remete-nos ao pai
da lógica, o pilar em que se assenta a racionalidade da cultura ocidental, a primeira
matriz filosófica que serviu de alicerce, por meio do tomismo, para a Igreja consoli-
dar os seus esteios conceituais.
A razão e a fé, irmanadas na personagem, é a debacle, a derrocada, a ruína e
a catástrofe total do mundo que, juntas, edificaram. Tal derrisão, completa, faz de
“Noite feliz” um conto também paradigmático dos efeitos de sentido que Luiz Vilela
obtém pela semiose do riso literário.
Entretanto, em Vilela, como anunciamos, em que pese toda a desesperança
“Nosso mundo está perdido”, conclui um personagem na última frase de “Tarde da
noite” (T, p. 197) –, a utopia move o escritor. Vilela parece ter dentro de si o mesmo
ímpeto do personagem de “Tremor de terra” (TT, p. 149-157), que sentia uma volúpia
por integrar-se ao cosmos e ter em si todos os tempos e todas as pessoas, uma ânsia
de ser todos os personagens e comunicar-se com todos os homens de todos os sécu-
los, com o coração que bate, o peito que respira, as veias que pulsam, tudo de si inte-
grado em sentir, querer, viver, na plenitude de sua carne e de seus ossos; e isso todos
os dias e sempre até morrer, morte que o igualará em a todos os seres, que o dis-
solverá em “um punhado de terra, [...] átomos, prótons e elétrons”, integrado final-
mente ao todo para todo o sempre (cf. TT, p. 154-155).
No dizer de Majadas (2004, p. 194), ao ler Vilela é preciso “saber escutar o
silêncio para ouvir os seus textos”, uma vez que “[o] silêncio que se escuta é o da
compaixão pelo ser humano, pelos seres animados e inanimados.
Trata-se de um “silêncio fundante, que possivelmente seja anterior à pala-
vra.” (Majadas, 2004, p. 197). Embora “o olhar do criador [Vilela], voltado para suas
criaturas, seja indisfarçavelmente impiedoso”, anima o escritor uma compaixão “pela
213
infelicidade do outro”, com um “movimento brusco de revolta, diante da permanência
dessa dor”, o que o leitor deve perceber mais “nas dobras do silêncio, do que nas pa-
lavras”; o leitor, ao ler, deve “procurar caminhos para escutar este silêncio.” (Maja-
das, 2004, p. 199).
O ponto de partida para buscar o fiat ontológico da criação de Luiz Vilela,
aponta Majadas (2004), foi encontrada em passagem discursivizada na novela O cho-
ro no travesseiro: “Não sei; não sei definir compaixão; mas eu sei o que ela é: quando
a gente chega a sentir compaixão até por uma barata, até por uma folha de árvore, até
mesmo por um botão de camisa...” (CT, p. 27).
55
Temos, pois, uma vontade panteísta do escritor que deseja englobar em si
todas as coisas e todos os homens de todos os tempos, sentimento motivado por uma
compaixão até mesmo pelo mais ínfimo, abjeto e asqueroso elemento existente (figu-
rativizado pela barata); tal vontade deve ser buscada na profundidade dos silêncios de
sua criação ficcional, na estrutura fundamental do quadrado semiótico greimasiano.
A proposição que emerge da contradição fundamental é de que o religioso,
falido, deve ser substituído por outro valor. Na ficção de Vilela esse valor surge re-
presentado por um humanismo de crença no homem. E aqui, melhor é dizer que ao
invés de panteísmo , no escritor, um pancosmismo imanente com a realidade exter-
na às subjetividades, sem nenhum auxílio possível de inexistente transcendência.
Em entrevista a Sônia Coutinho (1983), Vilela ponderou sobre o peso do si-
lêncio em sua ficção “Muita coisa dita pelos personagens é justamente para escon-
der aquilo que não foi dito” e desabafou: “O racional é muito pobre para explicar o
que a pessoa cria não apenas com a cabeça, mas com o coração e com as tripas.” Te-
55
A pesquisadora, cuja tese de doutorado ora citamos, havia debatido esse tema, e feito a citação, no seu
trabalho de mestrado, defendido em 1992 na Universidade Federal de Goiás e, posteriormente, revisto e re-
formulado, transformado no livro O diálogo da compaixão na obra de Luiz Vilela (Majadas, 2000).
214
mos aqui, bem explicitado, um continuum da timia para a foria, e, entre o ponto de
domínio do racional e o de prevalência da emoção, o escritor inclina-se pela foria.
Ao considerarmos a conclusão de que a obra de Vilela substitui a religião
pelo humanismo, cotejando-a com as palavras do ficcionista, podemos dizer que o
autor, em sua obra, defende um humanismo visceral como a utopia capaz de salvar o
humano, se alguma salvação das chamas do inferno ou das chamas de Aristotelina
ainda for possível. Assim, a utopia e o utópico aqui é uma permanência do código
romântico em seu embate com as filosofias fundadoras da sociedade deixa o campo
da religião e é edificada em outro princípio ordenador da sociedade.
Homologadas pelas demais narrativas de Vilela que invocam o topos religi-
oso, os contos “Cadela” e “Catástrofe”, por meio da trama ficcional, da construção
discursiva e fabular, dialogam, em suas múltiplas evocações intertextuais ou interdis-
cursivas, com a tradição bíblica da igreja romana, num palimpsesto que remonta a um
tempo mítico, passa por várias fases da história humana (em especial ao representar
as várias fases dos relacionamentos de casal), e deságua, no final do século XX, em
uma narrativa em que o homem hobbesiano parece vencido por certo esmaecido cris-
tianismo, que surge com um quê do “bom selvagem” rousseauista. Os contos, novelas
e romances de Luiz Vilela, que tratam do religioso, recriam um universo cujo signifi-
cado estético é o de propugnar um humanismo visceral em que o homem tenha valor
por sua própria existência, não justificando sua ética pela transcendência religiosa.
Assim explicados, os contos parecem constituir um universo planejado com
mão demiúrgica, em uma leitura que parece tão completa e coesa que apaga outras
possibilidades interpretativas. Não é assim que percebemos, e vemos outras linhas,
inclusive contraditórias, como viáveis, diante do discurso polifônico que emerge da
ficção de Vilela. Um exemplo alternativo: a mulher de “Cadela”, ao invés de sofri-
mento e humilhação, sente prazer na violência (e o discurso pode referendar essa hi-
pótese), como se o fato fosse um jogo teatral entre cônjuges, um fetiche. Nesse jogo
215
de forças animalizadas entre macho e fêmea, retrato de uma disputa imemorial e para
sempre irresolvida, a leitura religiosa que propusemos se esvai.
No quadro comparativo sintético do percurso gerativo de sentido, que reto-
mamos em uma próxima secção para as considerações comparativas com os contos
analisados nos capítulos anteriores, temos, a partir da exegese que empreendemos, a
seguinte grade esquemática:
AS FROTEIRAS BÍBLICAS EM LUIZ VILELA
PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO
ível Discursivo
Primeiro momento: Segundo momento:
“CADELA” “CATÁSTROFE”
Revesti-
mento
figurativo
Homem, mulher, pássaro, espaço
campestre, arame farpado, capim;
tempo arquetípico, imemorial
Homem, mulher, casa urbana de alto
padrão social, nos nossos dias.
Isotopia
temática
Re-constituição da ética cristã primi-
tiva.
Explicitação de uma ética da falta de
solidariedade.
AS FROTEIRAS BÍBLICAS EM LUIZ VILELA
PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO
ível arrativo
Primeiro momento: Segundo momento:
“CADELA” “CATÁSTROFE”
Sintaxes
semionar-
rativas
Actante dotado de poder físico
submete actante de menor força
a constrangimento moral, que
reverte a situação em ato, sim-
bólico, de oferecer a outra face.
Actantes defrontam certo querer oposto,
sendo aparentemente iguais em dever,
em saber e em poder fazer.
216
AS FROTEIRAS BÍBLICAS EM LUIZ VILELA
PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO
ível Fundamental
Primeiro momento: Segundo momento:
“CADELA” “CATÁSTROFE”
Timia ou
Foria
Atores agem sob o signo da foria.
Atores argumentam com a timia,
mas agem tomados pela foria.
Oposição
funda-
mental
Ética cristã primitiva versus ética
civilizatória.
Amor versus egoísmo.
AS FROTEIRAS BÍBLICAS EM LUIZ VILELA
PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO
Interpretação
Primeiro momento: Segundo momento:
“CADELA” “CATÁSTROFE”
Patemia
do enun-
ciatário
Enunciatário impactado pela violên-
cia sexual e pela atitude de retorno
submisso da mulher que beija os pés
do homem que a violentou.
Enunciatário se assusta com a insen-
sibilidade do homem e sorri, enca-
bulado, sem saber se o chiste final
expressa uma atitude que se realiza-
rá ou se é uma blague.
Significa-
ção cons-
tituída
Ódio à violência e à exploração,
quaisquer que sejam, com simpatia
para o espírito de solidariedade e
para a solução de conflitos por meios
não-violentos.
Aversão à falta de solidariedade, ao
desamor e à desumanidade.
Comentá-
rios ge-
rais
Das notações do narrador às atitudes
dos personagens, o conjunto narrati-
vo e discursivo do conto evidencia, à
sorrelfa, a voz do autor, suas opções,
sua adesão e sua repulsa. A retomada
intertextual bíblica propõe diálogo
com a tradição cultural do Ocidente.
Conto dialogado, sem rubrica; entre
as vozes em oposição, nenhum indí-
cio evidencia a voz do autor; ou ha-
veria simpatia pela ironia, crítica à
humanidade e defesa do epicurismo?
As vozes retomam interdiscursos
clássicos, mas os deixam sem solu-
ção.
V
ARRADOR-AUSETE E VOZ DO
AUTOR EM LUIZ VILELA
218
O movimento teórico que constitui o narrador apaga rastros enunciativos
extradiegéticos, e o autor, embora pressuposto, queda intangível. Compreende-se que
assim seja: do narrador, a enunciação é explícita; do autor, se algo resta, parece cons-
tituir marca do narrador. Nem se fale aqui em autor empírico, o ser de carne e osso
que adquire na papelaria da esquina a caneta com a qual escreve: a operacionalização
das análises parece se mostrar reticente até mesmo ao tratar do autor implícito, ser de
papel que articula o conjunto de diversos e diferentes narradores e vozes que com-
põem uma obra.
Em Luiz Vilela, alguns contos apresentam-se discursivamente com uma pe-
culiar estratégia narrativa: as marcas da enunciação são todas apagadas o conto en-
cena um diálogo em que as partes, os actantes da enunciação enunciada, cada uma a
seu turno, se manifestam, contraditam, conflitam... sem que haja narrador, sem que
“alguém” lhes delegue voz. O conto como que se narra a si mesmo: as vozes se alter-
nam no discurso sem rubrica cênica, nenhuma didascália, nenhuma marca do enunci-
ador, absolutamente nenhuma marca da enunciação narrativa;
56
fica, para o leitor, o
56
“Na perspectiva do discurso em ato, a enunciação tem a primazia e seu sujeito define-se, de maneira indisso-
ciável, como sujeito sensível da percepção e sujeito discursivo da predicação”, nos diz Bertrand (2003, p.
419).
219
discurso citado, sem que haja quem o torne “citado”: o diálogo sem intermediários, o
discurso direto se assim podemos nos expressar na sua expressão mais lídima e
verdadeira.
Não se trata de texto teatral, com as indicações da fala: o que existe é so-
mente o travessão convencional, indicador da fala de um personagem, o discurso da
fala, o ponto final da fala; então, novo parágrafo, travessão, a fala, etc., até que ao
final de uma fala, o ponto que a encerra também termina o conto. Não há um sumário
inicial; não surge nenhuma informação que não seja a das falas dos personagens. O
narrador, se há, foi subsumido pelo diálogo.
Ao interpretar, nos contos em que não existem marcas de narrador, o sensí-
vel que se manifesta no quadrado semiótico, sentimos que da estrutura profunda da
narrativa emerge uma pulsação que parece não pertencer à trama textual, parece não
estar discursivizada, parece transcender à gramática do conto; ou seja, vislumbramos
uma espécie de voz – um indício de manifestação além daquelas dos personagens.
Notamos essa presença nos contos em que desaparece o arquinarrador (“ar-
quinarrador” conforme Cintra, 1978, p. 55-57; Maingueneau, 1989, no livro ovas
tendências em análise do discurso, utiliza o mesmo vocábulo e desenvolve idéia a-
proximada), ou “autor implícito”, segundo a terminologia de Booth (1980, p. 85-94,
p. 167, p. 172-175 e p. 227-231), ou “autor implicado”, conforme prefere Genette
([19-], p. 183-196, p. 226-230 e p. 258-260).
57
Ao nos concentrarmos nas narrativas de Vilela em que estão ausentes não
o enunciador-narrador, mas até mesmo qualquer instância de narrador-enunciador-
figurativizado ou de narrador-enunciador-onisciente, parece soar como pulsação
que não pertence à trama – uma voz não discursivizada, que emula uma voz extradie-
gética. Mesmo considerando que autor não é o mesmo que “o” escritor, nós indaga-
57
Sobre esse debate conceitual, ver Reis & Lopes (1988, p. 17-19).
220
mos: seria essa voz como que um relampejar, no texto, de alguma espécie de função-
autor mais “real” que o autor implícito?
A emersão desse ator inesperado essa marca de autoria a que chamamos
autor-explícito e que não é o autor empírico desestabiliza o universo ficcional, ain-
da mais que essa voz, embora subliminar, parece entabular diálogo com o narratário
ou o enunciatário verdadeiro, o leitor do texto. Tal diálogo, claro está, fica subenten-
dido, dedutível por inferência, pois se explicitado reintroduziria a instância do narra-
dor como enunciador-figurativizado. Esse o jogo proposto por Luiz Vilela, a armadi-
lha de sua ficção, da qual precisamos deslindar os mecanismos. Aporque sobejam
dúvidas: mas existe narrativa sem narrador?; como?; se não existe sequer narrador,
como é possível existir, na narrativa, uma voz do autor?
Evidentemente, o diálogo autor-leitor em uma obra ficcional, ao conside-
rarmos os paradoxos das questões postas, implica em narrativa que não se circunscre-
ve à sua imanência, constitui elemento de perplexidade e exige nos termos do con-
ceito de fratura como o momento em que o texto desestabiliza a normalidade textual
(cf. Greimas, 2002, passim) análise de como é configurado e os efeitos de sentido
que gera. Sobre as vozes ficcionais à qual é entramada uma voz autoral, essa coales-
cência entre “discurso de representação” e “discurso ideológico [...] social e político”,
Bertrand (2003, p. 147-148) comenta:
O significado do discurso concreto articula categorias e relações que ope-
ram como significantes para produzir o discurso abstrato. Por meio dessa
ligação particular tecida na escrita se delineia ao mesmo tempo uma certa
concepção do saber verdadeiro e se representa a “epistemologia” particular
de um sujeito do saber, a do enunciador verdadeiro. Na verdade, este não é
outro senão o próprio autor. (Bertrand, 2003, p. 147-148).
221
Com essas noções por referência, perscrutamos, dos contos de Luiz Vilela,
os que se enquadram em três grandes grupos: (1º) os formulados ao modo de “câme-
ra” (Friedman, 2002, p. 179); (2º) os construídos ao “modo dramático” (conforme
conceito de Friedman, 2002, p. 178-179); (3º) as narrativas inteiramente dialogadas e
nas quais não existe uma única palavra com a função de didascália, os contos nos
quais não se vislumbra nenhum traço de enunciador, sequer de enunciador-não-
figurativizado. Nossa hipótese é de que no alicerce da significação, na base do qua-
drado semiótico em que o percurso configurador do par opositivo da patemia é cons-
truído, emerge certa voz enunciatária que explicita o autor, traço da concretude da
natureza na trama ficcional, e que tal voz instaura a fratura que, nos contos de Vilela,
sensibiliza, norteia, condiciona e determina o constructo semionarrativo e as opções
discursivas.
Nesta Secção, em síntese, pretendemos mostrar que certa voz do autor se
faz presente na trama ficcional dos contos de Luiz Vilela, de que forma tal voz se a-
presenta entremeada ao discurso dos contos, e o significado dessa opção estética, em
particular nos contos de enunciador não figurativizado, a que nomeamos “narrador-
ausente”; entendemos que a fratura que presentifica, no discurso, o que parece ser
uma voz extradiegética, emula a voz do autor real da narrativa, e que esse movimento
constrói a literariedade e o sentido ideológico da ficção de Luiz Vilela.
222
5.1 NARRADOR E AUTOR: VISÃO GERAL
O narrador surge por uma operação enunciativa que instaura uma voz dele-
gada, ficcional, elocutora da história como avatar de um enunciador verdadeiro, o
autor. Os mecanismos que medeiam a criação ficcional entre o cérebro do escritor e a
obra efetivamente narrada compõem uma formosa galeria, um rol vistoso, vasto e
extenso. Eis alguns: autor; autor implícito; arquinarrador; narrador; narrador extradi-
egético, autodiegético, homodiegético e heterodiegético; narrador representado; me-
tanarrador; narrador implícito, arquiautor; autor onisciente intruso, narrador oniscien-
te neutro, narrador-protagonista, onisciência seletiva múltipla, etc. Além das muitas
instâncias intermédias, cada uma delas conhece diversas gradações e, por outro la-
do, diversas denominações, muitas para nomear fenômenos bastante próximos.
Tese das mais difundidas apregoa que o autor morreu, expressão célebre
proposta por Roland Barthes (1987, p. 49-53). A esse propósito, Maria lia Leonel
comenta:
[...] O texto é o ponto de encontro de várias escrituras, provenientes
de diferentes culturas que dialogam entre si. O espaço em que essa multi-
plicidade se agrupa é o leitor, lugar onde se inscrevem, sem nenhuma per-
223
da, todas as citações de uma escritura. A unidade do texto está no seu desti-
no, que não é pessoal. (Leonel, 2000, p. 73).
[...] Metaforicamente, dizemos que, mais do que ver, é preciso ouvir
o texto, apurar o ouvido para as suas vozes, os seus sujeitos: à polifonia es-
sencial do texto literário deve corresponder, simetricamente, como diz Gra-
ciela Reyes (1984, p. 40),
58
uma “poliaudição”. (Leonel, 2000, p. 75).
O autor implícito é também leitor-ouvinte do seu narrador: ele o e
o ouve. O narrador, por sua vez, as personagens, também ouvidas pelo
autor implícito. O leitor tem, portanto, leitores anteriores, que, de algum
modo, dirigem o seu ouvido. (Leonel, 2000, p. 75).
Verificamos, pelas citações, que o movimento teórico de negação do autor
implica em um desdobrar de instâncias intermédias, que exigem uma polipercepção
por parte do leitor; na última citação, o leitor é o “autor implícito”, mas na primeira,
mais do que um narratário ou, melhor, um enunciatário –, parece ser um leitor em-
pírico, também ele um centro de discurso como todas as vozes que, em polifonia, se
apresentam constituindo qualquer escritura. Ainda que o movimento da análise seja
imanente, e que todas as considerações se dêem no interior do discurso dado, nele
temos um movimento, bakhtiniano, de configuração de vozes dialógicas que impri-
mem ao texto, qualquer texto, uma multiplicidade simultânea de pontos de vista: a
emissão visa sempre persuadir, a persuasão pressupõe um questionamento ao qual
responde a alteridade se faz presente no “eu” que se manifesta, e a seqüência argu-
mentativa dialoga com vários “outros” a que nega, para estabelecer a sua verdade.
Para Chartier, o enfraquecimento do autor é uma característica “dos tempos
da hegemonia semiótica.” (Chartier, 1999, p. 34). que se considerar, no entanto,
que existem diversas semióticas, e que a greimasiana sempre se apresenta como uma
teoria em pro-jecto, qual seja, na raiz etimológica do termo, como um fazer e refazer
58
REYES, G. Polifonia textual: la citación en el relato literario. Madrid: Gredos, 1984. (Biblioteca Románica
Hispánica – II. Estudios Y ensayos, 340).
224
constante de seus pressupostos, a partir de conquistas, modalizações e empreendi-
mentos novos que a tenham por referencial. Nesse sentido, considerar o autor como
morto significa o chamar a atenção da primazia do texto, como constructo passí-
vel de análise minuciosa, diante de esforços assistemáticos, impressionistas e pseu-
dopsicanalíticos.
Tatit (2001, p. 18), ao observar a constituição do tensivo no imo do discur-
so, afirma admitir que “o processo de enunciação abrange toda a extensão desse per-
curso [das estruturas semântica e sintática elementares do quadrado semiótico para a
camada discursiva], de modo que, no nível profundo, iniciam-se as escolhas dos
valores pelo enunciador, mesmo que estes se resumam às noções de continuidade e
descontinuidade.” O enunciador é, nesse quadro, um árbitro que atua “como o sujeito
das seleções de valores praticadas em todos os estratos gerativos, das estruturas pro-
fundas às de superfície” (Tatit, 2001, p. 19).
Temos aqui, pois, o quadro de um selecionador de elementos, elementos
que vão da tensividade timia-foria às escolhas lexicais do discurso, passando pela
definição dos papéis actanciais, pela figurativização dos elementos de composição da
cena e pelas estratégias semio-narrativas que constituirão a trama ficcional. Esse e-
nunciador, interno, que atua nos quadros da enunciação enunciada, é o narrador. O
narrador pode delegar a observação e a explicitação de elementos que compõem a
narrativa para algum ator, que se torna então o focalizador. O texto pressupõe, no en-
tanto, no mundo da natureza, concreto e empírico, um enunciador real: o escritor, tor-
nado autor.
Ao fazer as escolhas para o texto, determinadas por motivações intangíveis
para o leitor, o autor repassa para instâncias mediadoras o papel da seleção. Das esco-
lhas que faz, fica prisioneiro, pois a elas não pode transgredir: a mimese, mais do que
relação com o mundo natural, exige coerência interna o pacto de fidúcia com o nar-
ratário é, em única e definitiva instância, um acordo do autor com a verdade exigida
225
pelos pressupostos colocados por ele no próprio texto. As modalidades veridictórias
da sanção do par opositivo ser-parecer podem ilustrar o jogo que se estabelece entre
autor e narrador:
O quadro (reproduzido de Tatit, 2001, p. 81) refere-se ao jogo que entre si
estabelecem o ser e o parecer, oposição a partir da qual surgem os conceitos de ver-
dade, mentira, segredo e falsidade. A verdade é definida pela conjunção entre o ser e
o parecer, enquanto a falsidade o é pela união do não-parecer com o não-ser. O segre-
do surge do que é, mas não parece, enquanto a mentira se estabelece com o parecer,
que não é. Esse quadrado mostra a modalidade veridictória no instante da sanção, no
momento em que o ator é destinatário do resultado de sua performance e verifica se a
sua competência lhe propicia o seu objeto-desejo ou se o seu Programa Narrativo re-
226
sultou em fracasso, seja por falta de aptidão, seja por não utilizar os meios adequados
para o sucesso.
O enunciador (narrador ou autor) está diante do mesmo dilema: sua verdade
tem que ser e parecer, as outras instâncias somente podendo ser contempladas como
estratégias discursivas que em algum momento do texto se esclarece, para que a ve-
rossimilhança interna prevaleça. A arte do autor é estabelecer um jogo em que a ver-
dade, o segredo, a mentira e a falsidade funcionem ficcionalmente para iludir o leitor,
e de fato o iluda, mas os artifícios possam ser revelados por análise detalhada dos
procedimentos utilizados.
A enunciação é constructo que media emissor e receptor. O enunciado
compõe um discurso e pressupõe um enunciador, um sujeito da enunciação. Esse su-
jeito é “instância em construção, sempre parcial, incompleto e transformável, que a-
preendemos a partir dos fragmentos do discurso realizado.” (Bertrand, 2003, p. 83).
Trata-se, o eu enunciador, de instância “inacessível”, que “só se manifesta pelos si-
mulacros lingüísticos” que o identificam no interior do discurso, ficando o sujeito
“real” da enunciação, o “autor ou locutor”, “relegado a uma posição implícita” (Ber-
trand, 2001, p. 83).
Trata-se, pois, de um sujeito de papel, o enunciador “real”, tanto quanto o é
o narrador, e que cumpre assegurar a lógica semiótica de que, se existe enunciado,
houve um enunciador. Como é construído a partir do texto mesmo, o discurso em si,
esse enunciador, a princípio, parece o actante diante do ator: um enunciador vazio de
atributos à espera de elementos que o figurativizem. Ora, figurativizá-lo, a ele que é
um ser real e definitivamente figurado no mundo concreto, é devolver ao texto a on-
tologia que o pressuposto analítico escamoteou.
Esse o impasse, esta a questão: é possível dos “fragmentos do discurso rea-
lizado” figurar o autor do discurso além de um sujeito de papel, senão o próprio “es-
critor” representado no discurso, ao menos como um sujeito próximo ao sujeito real,
227
concreto, que engendrou o sujeito narrativo? É possível pensar esse sujeito, o autor
natural, como uma voz, uma voz no discurso, emergindo de um fragmento que o re-
vela, que o desvela, como transcendente centro de valores, no interior opaco do texto,
sendo percebido por meio de uma voz não-imanente ao ficcional que ali se manifes-
ta? Como o leitor, patemizado pelo texto, envolvido pelo jogo ficcional, iludido pelos
artifícios encenados, pode perceber essa voz no momento em que atualiza o texto?
228
5.2 A VOZ DO AUTOR: UMA SEMIOSE
Fiorin (2001, p. 16) nos informa que “o estruturalismo buscou definir obje-
tos autônomos e discretos, reconhecer e construir formas e representações estáveis. A
estabilidade é, então, erigida em princípio de cientificidade.” Entretanto, alertara
que “o discurso, embora obedeça às coerções da estrutura, é da ordem do aconteci-
mento, isto é, da História”, e que, portanto, o discurso é o lugar da instabilidade das
estruturas, é onde se criam efeitos de sentido com a infringência ordenada às leis do
sistema” (Fiorin, 2001, p. 15).
Temos a Teoria do Discurso, pois, como um esforço científico para ordenar
e estruturar o sistema discursivo em um quadro que é histórico, enquanto o discurso,
sendo construção de sentido, move-se na instabilidade que é inerente ao próprio dis-
curso, por ser enunciado que se relaciona ao tempo, ao espaço e à pessoa que o enun-
cia.
Entretanto, como a ciência da significação busca o significado no texto co-
mo um objeto de análise de per si, o esforço teórico estabeleceu parâmetros de análi-
se que se circunscrevem à imanência discursiva, afastando a transcendência histórica,
autoral ou contextual numa palavra, na tríade significante-significado-referente, o
referente não integra o conjunto programático da semiótica.
229
Tal “incognoscibilidade do referente” (Blikstein, 2003, p. 44) no seio do es-
tudo semiótico decorre da dificuldade de estruturar a percepção como elemento dis-
cursivo e implica em afastar a realidade do conjunto operacional das análises que uti-
lizam o aparato teórico greimasiano (cf. Blikstein, p. 48-49). Na verdade, é o que se
pode deduzir de Blikstein (2002, p. 79-82), temos uma circularidade tautológica: o
referente somente se dá a conhecer pela linguagem, e a linguagem é o único elemento
que constrói a existência do referente.
Categoria extradiscursiva, estamos examinando no quadro teórico decor-
rente dos estudos greimasianos algumas formas de apreensão da voz do autor ver-
dadeiro a partir do texto ficcional, tendo em vista proceder ao rastreamento dessa voz
no discurso narrativo. Explicitemos mais profundamente, a partir de considerações do
próprio Greimas, essa possibilidade.
230
5.2.1. A VOZ DO AUTOR COMO FRATURA E IMPERFEIÇÃO
Greimas dedica às seis páginas do conto “Dois amigos”, de Maupassant, as
duzentos e vinte e oito páginas de análise do livro Guy de Maupassant a semiótica
do texto: exercícios práticos. Pretende ser uma exploração e descrição das organiza-
ções narrativas e discursivas do conto baseadas no brocardo “quem muito abarca,
pouco aperta” (Greimas, 1993, p. 8). Rejeita, em nome do rigor científico da interpre-
tação, “conciliar a investigação semiótica com as exigências do culo” (Greimas,
1993, p. 8). Reconhece certa falibilidade no método, mas argumenta que “esta inade-
quação entre os meios e as necessidades não permite incriminar o instrumento, nem
descriminar textos que seriam provavelmente refratários à análise”, e considera que
“nossa incapacidade [do analista] em reconhecer a coerência sintagmática de certos
textos, ou o caráter sistemático do universo semântico que lhes está subentendido,
não devem ser precipitadamente confundidos com a ausência desta coerência ou desta
sistematicidade.” (Greimas, 1993, p. 9).
O conto de Maupassant é dividido, para efeito de análise, em doze macro-
seqüências, que são compulsadas ao microscópio semiótico. Intenta Greimas expor a
gramática textual baseado no “esquema proppiano” que “é suscetível de ser conside-
rado, após certas conciliações necessárias, um modelo hipotético, mas universal, da
organização dos discursos narrativos e figurativos.” (Greimas, 1993, p. 10).
Nas “Considerações finais”, Greimas (1993, p. 243, grifos do autor) observa
que seguiu uma abordagem [...] auto-didática”, e que o modelo metodológicoque
prescreve “consiste em construir” a cada análise um modelo “mais geral do que o fato
examinado o exija, a fim de que o fenômeno observado se inscreva nele como uma de
suas variáveis”, as “considerações teóricas” transformadas em “conceitos operatórios
231
e em parâmetros metodológicos, sujeitos posteriormente, é evidente, a eventuais con-
firmações ou anulações.”
A sistemática greimasiana é de absoluto rigor, prendendo-se ipsis literis aos
mecanismos discursivos, às operações enunciativas e às manifestações semionarrati-
vas desdobradas da interface textual. Aqui e ali, no entanto, reponta a isotopia “Mau-
passant” como categoria de um conjunto das características dos diversos textos do
contista. Verificamos isso às páginas 10, 11, 148, 202, 222 e 223.
Na página 148, por exemplo, Greimas (1993) anota: “conhecemos o gosto
de Maupassant pelo cliché” [sic]; à página 233, comenta: “O enunciado da enuncia-
ção introduzida por ‘O oficial, sempre sereno, diz em meia-voz...’ deve ser lido, por
conseguinte, no registro antifrástico, procedimento muito freqüente em Maupassant.”
(Greimas, 1993, p. 233).
Quanto ao contexto histórico, anotamos ao menos uma referência: “Parece-
nos ser preciso ligar a escritura ‘simbolista’ de Maupassant a essa tradição ‘mítica’ do
século XIX, solidamente estabelecida.” (Greimas, 1993, p. 222). invocações ao
enunciador, são numerosas. Eis dois exemplos: 1) “seu discurso [do oficial prussiano]
está cortado em segmentos interrompidos por pausas marcadas pelas anotações do
enunciador” (Greimas, 1993, p. 196); 2) “A leitura proposta pelo enunciador é, por-
tanto, profundamente cristã e sacrílega ao mesmo tempo.” (Greimas, 1993, p. 241).
E fica nos parecendo, a partir das menções à isotopia “Maupassant” por
Greimas, que ao menos algumas das invocações do enunciador narrativo do conto,
em uma retroleitura, devem ser considerados como o próprio autor. Tal impressão
fica ainda mais forte, por oposição, quando “Maupassant” é considerado apenas como
o autor textual do conto “Dois amigos”, como na seguinte passagem: “Somente dois
modos de produção de unidades discursivas pelo menos tais como os vimos empre-
gados no texto de Maupassant puderam ser determinados no momento” (Greimas,
1993, p. 246).
232
Consideramos que se tratam, esses exemplos, de meras alusões ao extrínse-
co. No subcapítulo “A isotopia patriótica”, porém, temos – en passant – um segmento
frásico de peso e densidade diferenciado. Ei-lo: “Este fato [...] mostraria o caráter de
patriota fanático na atitude de Maupassant” (Greimas, 1993, p. 202).
Trata-se, capturada pelo rastreamento analítico greimasiano, de uma irrup-
ção referencial, claramente biográfica, no discurso do conto. Greimas (1993, p. 202)
nomeia tal fato como “perturbador”, “embaraçoso”, porque decorreria de simplismo
axiológico de Maupassant, traria problemas à “coerência” do texto, e significaria
“contradição com a interpretação globalda narrativa. Claro, o referente histórico da
“isotopia patriótica”, para Greimas (1993, p. 203), “não é senão uma manifestação
hipotáxica da isotopia fundamental” – a “exigência universal de liberdade.”
“Dois amigos” é, portanto, um conto sobre a liberdade, e os Programas Nar-
rativos (PNs) que o animam enfatizam variadas formas de se ser livre. Segundo Gre-
imas (1993, p. 202-203), a isotopia patriótica, perturbadora e embaraçosa, configura-
da pelo “aparecimento inesperado de denominações nacionais aos atores na cena
narrativa, é “subproduto” que discursiviza a atitude de patriota fanático” do autor
Guy de Maupassant.
Temos, portanto, um discurso do autor real que emerge no discurso da nar-
rativa: certa ideologia “não estamos aqui para julgar a ideologia do autor”, diz Gre-
imas (1993, p. 202) – é discursivizada, entremeio ao discurso da narrativa, pelo enun-
ciador real do conto, o escritor Maupassant.
Tal exposição sobre o patriotismo de Maupassant surge quase que como en-
tre parênteses no discurso greimasiano, margeada pelo vocábulo sólida” (Greimas,
1993, p. 202 e p. 203), presente tanto no final do subcapítulo anterior quanto no início
do subcapítulo posterior. Greimas não aprofunda sua explanação quanto a esse fato
“perturbador” da manifestação patriótica; até mesmo o considera subordinado e de-
pendente de outra isotopia, considerada maior, universal e não-contingente. Os estu-
233
dos da patemia, quando dessa análise (a primeira edição francesa do livro é de 1976),
ainda não haviam se desenvolvido na semiótica, e a estrutura fundamental era campo
a ser explorado.
A questão da análise imanente e estrutural dos discursos deixou para a se-
miótica um legado de dificuldade, quando não de recusa, no trato com o referente, o
transcendente, o biográfico. Em célebre fórmula, na obra O rumor da língua, Barthes
(1988, p. 65-70) postulou a morte do autor. Mas desde a década de 60, no seu livro
Recherches pour une sémanalyse, Julia Kristeva alertava para “um duplo jogo” exis-
tente entre real e textual: “o texto se instala no real que o engendra”, estando, pois,
“duplamente orientado: para o sistema significante no qual se produz (a língua e a
linguagem de uma época e de uma sociedade precisa) e para o processo social do qual
participa enquanto discurso.” (Kristeva, 1974, p. 11 e p. 12, grifo da autora).
apresentamos o modo pelo qual Bertrand (2003, p. 147-148) a porosi-
dade entre os discursos “de representação” e “ideológico [...] social e político”, ou,
em outras palavras, entre a ficção e o real, tornando explícito que o discurso delineia
um sujeito, o “enunciador verdadeiro”, que não é outro senão o próprio autor”. Des-
se modo, o abstrato e simbólico ficcional tornado discurso se fez a partir de um centro
discursivo autoral por trás do qual surge, ao que parece, o próprio autor empírico.
Repassemos o raciocínio, para não incorrer em erro.
Bertrand se refere a “enunciador verdadeiro” e ao “próprio autor”: estaria
ele pensando aqui na função-autor, em um centro de discurso como instância de papel
de presença textual, ou está próximo ao ser empírico, o escritor que se torna autor da
obra que o analista tem em mãos?
Greimas, em passagem citada, prescrevia para a semiótica certo incessan-
te repensar os seus pressupostos e a sua metodologia, atitude que, aliás, o próprio
Greimas demonstrou, com a trajetória crescente de seus livros, de Semântica estrutu-
ral, de 1966, a Semiótica das paixões, de 1991. Sua perplexidade no estudo de Mau-
234
passant, de 1976, pareceu desconsiderar uma observação de 1972: “É perfeitamente
normal que o sujeito da enunciação poética esteja presente, de uma maneira ou de
outra, no processo de produção do objeto poético, e nesse próprio objeto” (Greimas,
1976, p. 26).
O receio de Greimas (1976, p. 27) é de que a presença do enunciador na o-
bra enunciada, possível de ser apreendida e estudada “através da totalidade de suas
[do autor] determinações textuais”, faça a semiótica literária “cair na ontologia do
sujeito”, da qual “a tão duras penas se libertou”.
Maria Célia Leonel (2000), ao discutir a proposição barthesiana da morte do
autor, parece ecoar a preocupação de Greimas: “A linguagem possui um sujeito, o
uma pessoa.” (Leonel, 2000, p. 72). No entanto, o sujeito da linguagem parece mode-
lizado pela pessoa autoral: “Na obra ‘pronta’, ficam os traços da mão que a compôs,
ficam os resultados do desejo, da memória pessoal e cultural do autor. Seja na poesia
seja na prosa, a presença simultânea dessas e de outras vozes tem como resultado a-
quilo que, a partir de Bakhtin, convencionou-se chamar, de modo amplo, de polifoni-
a.” (Leonel, 2000, p. 74)
Recuperar a pessoa no sujeito, conforme a terminologia de Maria Célia Le-
onel, não precisa ser, necessariamente, uma rendição à ontologia do sujeito, aqui con-
forme as palavras de Greimas; ou seja, desvelar no discurso ficcional o autor real não
significa abdicar da descrição da gramática narrativa nem olvidar a interpretação dos
possíveis textuais presentificados no enunciado para além da intenção autoral.
59
Não se trata de optar por uma episteme como a que norteia os estudos de
Roberto Schwarz. Para o crítico de Ao vencedor as batatas, “[n]ão é outro, afinal de
contas, o problema de qualquer romance: um princípio formal, capaz de acolher a
59
Discutir a intencionalidade, seja a do autor Vilela seja a possibilidade teórica de se chegar a tal intencionali-
dade em qualquer texto ficcional, não é aqui o nosso objetivo. Para esse propósito, Compagnon (2003) apre-
senta uma boa discussão teórica.
235
empiria.” (Schwarz, 2000, p. 94). Não se trata de fazer sincretismo entre estudo estru-
tural semiótico e biografismo, ou de aplicar metodologia apropriada a estudos de fic-
ção e história. Trata-se de verificar, pela semiose, a voz do autor em um texto no
qual, formal e aparentemente, o autor o deveria se fazer presente pela lógica intrín-
seca da linguagem adotada pelo enunciador. Essa voz deve surgir, pois, como fratura,
como imperfeição, como imposição ideológica.
236
5.2.2. APORIAS: IMANÊNCIA E INTENCIONALIDADE
Seria possível especular teoricamente sobre a presença, no texto ficcional,
de uma manifestação do autor? Como revelar esse discurso escamoteado? Em haven-
do tal possibilidade, poder-se-ia estabelecer e precisar os seus limites? De que modo
o autor presentifica-se sem romper o pacto ficcional? Como definir a motivação auto-
ral para determinado texto de ficção? Como distinguir intenção de presunção inter-
pretativa? Como saber o que propriamente é do narrador e o que surge no discurso
como voz do autor? Como ter claro que se trata de uma voz mais próxima do autor
concreto do que do autor implícito?
A discussão que busca diferenciar o poético do histórico tem um longo tra-
jeto, de Aristóteles aos nossos dias, a diferença entre o que poderia ter acontecido (o
poético) e o que de fato aconteceu (o histórico) sendo a base para todo o desenvolvi-
mento posterior do problema. Ao ficcional, narrativa imaginada, o estatuto do poético
confere foros de possibilidade inventada, não de descrição de ocorrência registrada no
mundo concreto. Esse autor, “tal como ele faz a sua reaparição na história e na teoria
literária, é, ao mesmo tempo, dependente e reprimido.” (Chartier, 1999, p. 35).
É dependente por sua recuperação, após ter a sua morte decretada, necessi-
tar de um esforço teórico que faça a “evidência empírica” (Chartier, 1999, p. 36) res-
surgir como instância a ser considerada na análise literária; reprimido, pois sua reto-
mada se por movimentos sempre temerosos da ontologia, do biografismo, da uni-
vocidade. Chartier exemplifica o retorno reprimido na proposição foucaultiana da
“função-autor” (Chartier, 1999, p. 36-38). Essa função fica circunscrita ao “universo
dos discursos”, em um quadro jurídico e institucional da emergência do Estado mo-
derno. Em ntese, configura-se um sujeito autoral para ter-se um u penal em caso
237
de escritos que contrariem o poder. A contrapartida é a remuneração pela autoria, por
meio do copyright (Chartier, 1999, p. 39).
O movimento duplo de penalização e remuneração implica em desenvolvi-
mento conceitual que “associa a unidade da forma [ao] gênio próprio do autor”
(Chartier, 1999, p. 41), uma vez que “o texto adquire uma identidade imediatamente
atribuída à subjetividade de seu autor” (Chartier, 1999, p. 42). No instante em que se
configura a função-autor, temos um primado do “indivíduo real, cuja vida pode ser
contada” (Chartier, 1999, p. 45), que afirma a sua “paternidade literária” (Chartier,
1999, p. 48) sobre as obras que assina, garantindo a elas “a unicidade e a coerência do
discurso” (Chartier, 1999, p. 48), pois constitui “a escrita como expressão de uma
individualidade que fundamenta a autenticidade da obra.” (Chartier, 1999, p. 53).
Assim posta a questão, é possível buscar a “presença do autor no livro”
(Chartier, 1999, p. 53), como “uma das maiores expressões da função-autor: a possi-
bilidade de decifrar nas formas do livro a intenção que criou o texto.” (Chartier, 1999,
p. 55). A função-autor produz a “identidade do livro”, conferindo à obra, por um
“princípio de designação e de eleição”, certa “auctoritas” (Chartier, 1999, p. 57).
Embora autoridade que identifica e mesmo qualifica, com o seu nome, uma
obra, e estando “no centro de todos os questionamentos que ligam o estudo da produ-
ção de textos ao de suas formas e seus leitores”, a função-autor não pode ser reduzida
a “formulações por demais simples ou unívocas [...] como critério maior de atribuição
de textos.” (Chartier, 1999, p. 58). Chartier (1999, p. 59, citando S. Greenblatt)
60
a-
companha o raciocínio de que “[a] obra de arte é o produto de uma negociação entre
um criador ou uma classe de criadores, e as instituições e práticas da sociedade.”
O aviso, a ressalva e a complementação indicam, a nosso ver, que Chartier
postula, para o estudo do autor literário, um raciocínio não dogmático: ao autor não se
60
GREENBLATT, S. Towards a poetics of culture. In: VEESER, Aram (ed).. The new historicism. Nova York
e Londres: Routledge, 1989. p. 1-14. (A citação é da página 12).
238
pode negar a existência, mas a ele não se pode dar a primazia interpretativa da própria
escritura. Resultado do embate de forças da sociedade e da cultura que lhe são con-
temporâneas, o autor as reflete, reproduzindo as condições dadas, e as reflete, sobre
elas (as forças em choque, a sociedade e a cultura) raciocinando e questionando. Ao
pensar a função-autor para verificar no curso da história em que grau as suas fun-
dações se sustentam, Chartier nos leva diretamente ao exercício cético diante de todas
as teorias empreendido por Compagnon (2003), no seu O demônio da teoria: literatu-
ra e senso comum.
Essa obra, no seu mais longo capítulo, trata do “autor” (Compagnon, 2003,
p. 47-96), sua discussão sendo construída em torno da questão da intencionalidade
autoral, do desejo do autor quanto ao que quer exprimir no seu texto. De início, ao
tratar dos “formalistas e seus descendentes” (Compagnon, 2003, p. 48), avisa que
“a importância atribuída às qualidades especiais do texto literário (a literariedade) é
inversamente proporcional à ação atribuída à intenção do autor.”
Em apoio à tese, vê a proposição proustiana de que a obra literária “é o pro-
duto de um outro eu que não o eu social, de um eu profundo irredutível a uma inten-
ção consciente.” (Compagnon, 2003, p. 48). No momento em que reconhece que a
função-autor surge como “construção histórica e ideológica”, aduz que “a morte do
autor traz, como conseqüência, a polissemia do texto, a promoção do leitor, e uma
liberdade de comentário até então desconhecida” (Compagnon, 2003, p. 52).
O debate sobre a intencionalidade autoral tem seus primeiros vagidos em
Platão e Aristóteles, sendo retomado na Roma clássica e pela escolástica medieval.
Compagnon (2003, p. 60) informa que Friedrich Schleiermacher (1768-1834) “lançou
as bases da hermenêutica filológica”, para a qual “a significação de uma obra [se dá]
pelas condições às quais ela respondeu em sua origem, e sua compreensão pela re-
construção de sua produção original”, completando: “a história pode, e deve, re-
239
constituir o contexto original; a reconstrução da intenção do autor é a condição neces-
sária e suficiente da determinação do sentido da obra.” (Compagnon, 2003, p. 60).
Na continuidade do rastreamento do debate teórico da função-autor, Com-
pagnon (2003, p. 62-64) passa pela fenomenologia husserliana, pelas proposições de
Gadamer e pela desconstrução derridiana. Assim, insere-se o cogito, a consciência, a
presenção do Dasein (o Ser) heideggeriano, o horizonte de expectativas da recepção e
a história da leitura crítica do texto como elementos que compõem, com os anteriores
ou parte deles a possibilidade de re-construir as intenções do autor e a significa-
ção, sempre fugidia e incompleta, do literário.
“Assim, a questão da relação entre o texto e seu autor não se reduz em abso-
luto à biografia, ao seu papel sem dúvida excessivo na história literária tradicional”,
assevera Compagnon (2003, p. 65), para completar:
A tese da morte do autor, como função histórica e ideológica, camufla um
problema mais agudo e essencial: o da intenção do autor, para o qual a in-
tenção importa muito mais que o autor, como critério da interpretação lite-
rária. Pode-se separar o autor biográfico de sua concepção de literatura,
sem recolocar a questão do preconceito corrente, entretanto não necessari-
amente falso, que faz da intenção o pressuposto inevitável de toda interpre-
tação. (Compagnon, 2003, p. 65).
A empatia e identificação, por parte do crítico e analista com relação à obra
e a seu autor, como que exige do estudioso “ir ao encontro do outro, do autor, através
de sua obra, como consciência profunda.” (Compagnon, 2003, p. 65). Encontrar e
reproduzir “o movimento da inspiração, de reviver o projeto criador”, é, para Com-
pagnon (2003, p. 65), semelhante a encontrar o que Sartre
61
nomeou de “projeto ori-
61
Compagnon (2003, p. 65) remete a L’Être et le éant, obra de Sartre publicada em 1943, com a França ocu-
pada pelos exércitos nazistas; na edição brasileira, O Ser e o ada: ensaio de ontologia fenomenológica,
trad. Paulo Perdição, teve sua 4. ed. lançada em 1997 pela Editora Vozes.
240
ginal”: isso equivale fazer “de cada vida um todo, um conjunto coerente e orientado”
(Compagnon, 2003, p. 65). Tendo em vista essas assertivas, o crítico pondera:
Ora, do ponto de vista da apreensão do ato de consciência que representa a
escritura como expressão de um querer-dizer, qualquer documento uma
carta, uma nota pode ser tão importante quanto um poema ou um roman-
ce. Certamente o contexto histórico é geralmente ignorado por esse tipo de
crítica, em proveito de uma leitura imanente, vendo no texto uma atualiza-
ção da consciência do autor, e esta consciência não tem muito a ver com
uma biografia nem com uma intenção reflexiva ou premeditada, mas cor-
responde às estruturas profundas de uma visão de mundo, a uma consciên-
cia de si e a uma consciência do mundo através dessa consciência de si, ou
ainda a uma intenção em ato. (Compagnon, 2003, p. 65).
Compagnon prossegue seu inventário tratando do “método das passagens
paralelas”, definido como o procedimento analítico de comparar uma passagem obs-
cura de um autor com passagem que a possa iluminar, homologação que tem três ins-
tâncias, em ordem de prioridade (Compagnon, 2003, p. 71-72): (1ª) esclarecer o opa-
co com outro trecho da mesma obra; (2ª) utilizar trecho de outra obra do mesmo au-
tor; (3ª) buscar referência em obra de outro autor, preferencialmente de contemporâ-
neo e conterrâneo do autor do texto do qual se empreende a interpretação. Privilegia-
se, pois, a “hipótese de coerência mínima dos textos de um autor ao longo do tempo”,
uma vez que “o testemunho mais próximo, logo o mais confiável, do autor não é ou-
tro que o próprio autor.” (Compagnon, 2003, p. 74).
No entender de Compagnon (2003, p. 68, grifos do autor), até mesmo “os
partidários da [tese] da morte do autor jamais renunciaram a falar, por exemplo, de
ironia ou de sátira, embora essas categorias o tenham sentido senão com referência
à intenção de dizer uma coisa para fazer compreender outra”. Desse modo, “o método
das passagens paralelas apela, pois, para a intenção do autor, se não como projeto,
premeditação ou intenção prévia, pelo menos como estrutura, sistema e intenção em
ato.” (Compagnon, 2003, p. 72).
241
Entretanto, Compagnon aponta as críticas que se levantam quando se discu-
te a intenção autoral e o recurso analítico por estudo de passagens paralelas: “Sem
coerência pressuposta no texto, isto é, sem intenção, um paralelismo é um índice frá-
gil demais, uma coincidência aleatória: não podemos nos fundamentar na probabili-
dade de uma palavra ter o mesmo sentido em duas ocorrências diferentes.” (Compag-
non, 2003, p. 75). Em outras palavras, o texto
é considerado um enunciado e não uma enunciação: fora do contexto, nada
permite esclarecer as ambigüidades dos enunciados; as enunciações, os atos
de linguagem são, pois, assimilados a enunciados-padrões, abstração feita
de seus usos particulares. Como ngua, o texto o é mais a palavra de al-
guém. (Compagnon, 2003, p. 82, grifos do autor).
Para clarificar o seu pensamento, Compagnon (2003, p. 79) apresenta as
“posições polêmicas extremas” de cada campo do debate, desenvolvendo as conse-
qüências teóricas e operacionais delas decorrentes, rejeitando tais desdobramentos,
por inaplicáveis. Afirma, por exemplo, que
o “a significação de uma obra, [...] não se esgota e nem é
equivalente à sua intenção.” (Compagnon, 2003, p.
82);
o “As obras de arte transcendem a intenção primeira de
seus autores e querem dizer algo de novo a cada épo-
ca.” (Compagnon, 2003, p. 85);
o A significação de uma obra não poderia ser determina-
da nem controlada pela intenção do autor, ou pelo con-
242
texto de origem (histórico, social, cultural)” (Compag-
non, 2003, p. 85);
o “Mas se uma obra é inesgotável, isso não quer dizer
que ela não tenha um sentido original, nem que a in-
tenção do autor não seja o critério desse sentido origi-
nal. O que é inesgotável é sua significação, sua perti-
nência fora do contexto de seu surgimento.(Compag-
non, 2003, p. 88);
o “Como toda oposição binária, a distinção entre sentido
e significação é, entretanto, elementar demais e tem
algo do sofisma.” (Compagnon, 2003, p. 90);
o “ninguém (ou quase ninguém) nega a existência de um
sentido original, por mais difícil que seja reconhecê-lo,
e a vantagem de mostrar que o argumento do futuro da
obra não elimina a intenção do autor como critério de
interpretação, pois ele não concerne ao sentido origi-
nal, mas a outra coisa, que podemos chamar, se qui-
sermos, de significação, aplicação, avaliação ou perti-
nência (relevance, em inglês); em todo caso, uma outra
intenção.” (Compagnon, 2003, p. 90, grifo do autor);
o “Entretanto, não é porque o autor não pensou nisso que
isso não seja o que ele queria dizer (o que ele tinha,
longinquamente, em pensamento). A significação rea-
243
lizada é, apesar disso, intencional em sua inteireza,
uma vez que ela acompanha um ato ilocutório que é
intencional.” (Compagnon, 2003, p. 91);
o “A intenção do autor não implica uma consciência de
todos os detalhes que a escritura realiza” (Compagnon,
2003, p. 91);
o “A intenção do autor que escreveu uma obra é logica-
mente equivalente àquilo que ele queria dizer pelos
enunciados que constituem o texto. E seus projetos,
suas motivações, a coerência do texto para uma dada
interpretação o, afinal de contas, indicadores dessa
intenção.” (Compagnon, 2003, p. 92).
O desenvolvimento dessa seqüência de assertivas mostra, em ação, o demô-
nio da teoria, suas (da teoria) verdades transitórias, suas contradições e contraditorie-
dades, seu horizonte cultural e ideológico, sua resposta a questões de cada tempo e,
em especial, demonstra a necessidade de questionamento incessante de todos os pres-
supostos quando de uma análise literária, em especial quando o referencial defronta-
se com um corpus que traz em si o gérmen do novo, do especulativo, da inquietação
em busca de uma nova forma de exprimir os anseios humanos.
Entre os extremos que apresenta, Compagnon busca assentar princípios vá-
lidos para a consideração do autor empírico nos estudos literários. Para ele, “[o] fato
de considerar que as diversas partes de um texto (versos, frases etc). constituem um
todo pressupõe que o texto represente uma ação intencional. Interpretar uma obra
244
pressupõe que ela responda a uma intenção, seja o produto de uma instância huma-
na.” (Compagnon, 2003, p. 95). Desse modo, para Compagnon (2003, p. 95),
a presunção de intencionalidade permanece no princípio dos estudos literá-
rios, mesmo entre os anti-intencionalistas mais extremados, mas a tese anti-
intencional, mesmo se ela é ilusória, previne legitimamente contra os ex-
cessos da contextualização [...] A responsabilidade crítica, frente ao sentido
do autor, principalmente se esse sentido não é aquele diante do qual nos in-
clinamos, depende de um princípio ético de respeito ao outro. (Compagnon,
2003, p. 95).
Compagnon inclina-se, pois, para uma tendência teórica de superação do
pressuposto barthesiano de “enfraquecimento do autor, característico dos tempos da
hegemonia semiótica” (Chartier, 1999, p. 34), com o que recupera e revalida uma
instância funcional estética para o autor além do imanente textual. A última advertên-
cia de Compagnon (2003), com a qual encerra o capítulo, nos alerta, todavia, para a
necessidade de sermos cuidadosos diante do referencial, para não absolutizar nenhu-
ma metodologia:
Nem as palavras sobre a página nem as intenções do autor possuem a chave
da significação de uma obra e nenhuma interpretação satisfatória jamais se
limitou à procura do sentido de umas ou de outras. Ainda uma vez, trata-se
de sair desta falsa alternativa: o texto ou o autor. Por conseguinte, nenhum
método exclusivo é suficiente. (Compagnon, 2003, p. 95-96, grifos nossos).
Vimos, pois, sobre a presença do autor nos estudos literários, que duas po-
sições contrárias se apresentam. Tal oposição, no raciocínio de Compagnon (2003),
se define pela análise da intenção autoral, ou pelo rechaço dessa possibilidade. Esse
percurso teórico visa a discutir uma voz de autor que percebemos na estrutura funda-
245
mental do quadrado semiótico, no percurso configurador do par opositivo da patemia,
em contos de Luiz Vilela. Essa voz concreta no discurso ficcional, instaura, nos con-
tos de Vilela, nos termos greimasianos, uma fratura que determina a construção semi-
onarrativa e as opções discursivas, com o personagem falando pelo autor, que se re-
vela por uma inflexão verbal ou marcas do enunciado.
A proposição teórica configurada no raciocínio de Compagnon encontra um
correspondente poético, sintético, que amalgama o autor, o leitor e a polissemia inter-
pretativa, nas páginas pré-textuais do romance Pântanos (Paludes), de André Gide:
Antes de explicar aos outros o meu livro, espero que os outros mo expli-
quem. Querer explicar antes é restringir imediatamente o sentido; visto que,
se sabemos o que desejávamos dizer, não sabemos, por outro lado, se ape-
nas dissemos isso. – Sempre dizemos mais do que ISSO. – E o que me inte-
ressa mais é aquilo que pus no livro sem saber, aquela parte de inconsci-
ente a que eu desejaria chamar a parte de Deus. Um livro é sempre uma
colaboração e, quanto mais o livro valer, menor é a parte do escriba e maior
será o acolhimento de Deus. Aguardemos, de todos os lugares, a revela-
ção das coisas; do público, a revelação das nossas obras. (Gide, 1972, p. xi,
destaques do autor).
Temos portanto o narrador como projeção do enunciador, um enunciador
textual e um concreto, perfazendo as categorias de autor, de enunciador e de narrador
como muito próximas, parecendo coalescentes em suas fronteiras, mas não devemos
nem misturá-las nem intercambiá-las. O “sujeito” que diz, que se manifesta no texto,
não é o autor biográfico, é o sujeito-autor, a função-autor, que em Vilela constitui
mesmo um autor-explícito, pois textualizado de modo simultâneo como enunciador e
enunciatário, invocando para o conjunto ficcional o extradiegético que amplifica o
sentido proposto pela diegese, construindo camadas de significação que se sobrepõem
– e que buscam do leitor uma voz crítica para um diálogo polifônico permanente.
246
5.3 A FUNÇÃO IDEOLÓGICA DO DIÁLOGO
Em sua maior parte, os contos de Luiz Vilela são encenados pelo diálogo,
qualquer que seja o tipo de narrador que desenvolva a escritura. Nessa construção
dramática, parece existir um narrador que escuta e registra uma conversa. Quase se
pode dizer que não existe esse narrador: somos nós mesmos que, ocasionalmente, por
trás de um tapume ou ao lado do confessionário, escutamos o diálogo.
Freitas (2002) observa que na literatura contemporânea poucos autores lo-
gram o domínio técnico do diálogo como Vilela, e que quase nenhum autor é capaz
de colocar pessoas comuns, em diálogos triviais e simples, encarnando histórias coti-
dianas, manifestando-se por si mesmas em textos ficcionais. Essas muitas e anônimas
vozes, silenciadas por encontrarem ouvidos surdos, têm, nas narrativas de Luiz
Vilela, o seu murmúrio tornado audível, amplificado e tudo isso percebemos de on-
de, incógnitos, ouvimos os diálogos dos personagens pela compaixão que Majadas
(2000) entreviu como uma das constantes da ficção do escritor.
Estratégia narrativa na qual Vilela foi reconhecido como mestre desde o seu
primeiro livro, o diálogo é, nesse caso, uma opção estética de profundo significado
ideológico, por dar voz a estratos sociais historicamente à margem. O diálogo surge
ora indicado por aspas, ora por meio de travessões. Em entrevista (Paniago, 2002),
247
Vilela comentou sobre diferenças de sentido, sutis mas determinantes do efeito que
busca, tão só modificando, em um diálogo, a apresentação gráfica, se com aspas ou se
com travessão.
A percepção das “sutis, mas importantes diferenças” que emanam dos con-
tos de Vilela no jogo tecido pelo discurso narrativo exige minudência na observação
dos recursos e das estratégias lingüísticas e literárias que o ficcionista utiliza. Já apon-
tamos, por exemplo, o significado, em um conto no qual o diálogo predomina, de
uma das partes envolvidas na conversação ter mais “entradas” (dispor de maior nú-
mero de parágrafos com a sua voz).
O diálogo como “conversação literária” é analisado pelo professor Dino
Preti (2005, p. 255-275) tendo por corpus o conto “Confissão” (TT, p. 7-11). Uma
confissão é um acontecimento privado, absolutamente fechado e exclusivo entre
confessor e penitente.” (Preti, 2005, p. 257). Trata-se de uma situação na qual é im-
possível ao analista da língua oral colher, em gravação, o diálogo. Nesse caso, recorre
a fontes de “segunda mão”, como textos ficcionais. A confissão é uma instância de
um domínio discursivo (Preti, 2005, p. 264) que produz discursos padronizados,
com papéis bem definidos para cada interlocutor, cujo estilo “mescla uma linguagem
comum com certas estruturas formulaicas religiosas” (Preti, 2005, p. 265).
Em “macroanálise do texto”, Preti (2005, p. 265-266) anota que o diálogo
do conto pouco informa sobre “o contexto histórico ou geográfico” dos fatos narra-
dos, e que apenas se pode inferir a idade do padre e do jovem confessante; presume
que o evento ocorreu em época distante dos dias atuais, uma vez que agora a confis-
são é prática “mais rara”.
Preti (2005, p. 267) anota que o diálogo se por “homonímia pragmática’,
ou seja, os interlocutores utilizam “os mesmo recursos lingüísticos de superfície, para
atingir fins diversos: interesses sensuais de um lado; perdão para pretensas culpas de
outro.” Tanto o padre quanto o jovem, quando ultrapassam a linguagem reificada que
248
caracteriza o frame religioso-confessional, são reticentes nas falas, evasivos, utilizam
metamensagens: o jovem quer expiar os pecados, constrangido em os revelar; o padre
deseja detalhes que saciem sua curiosidade pelo sensual, mas não pode expor a cupi-
dez que o anima.
Revela-se o padre em falas que traem seu desejo íntimo: em uma, animado
“Sim, sim. Muito bem” –, se expõe, para imediatamente se corrigir: quer dizer...
É... E que mais, meu filho, outros pecados?”; em outro momento, utiliza o mesmo
marcador conversacional de correção “quer dizer”, também utilizado para introduzir
um pedido de confirmação com intuito de identificar a moça, num conhecimento que
o confessor parecia ter. As perguntas do padre buscam cercar a ingenuidade do jo-
vem, portanto, mais para satisfazer o apetite voyerista do confessor ou para identificar
qual a moça que exibira sua nudez insinuante para o jovem, do que para saber qual
era o pecado a ser absolvido.
Como estratégia para conquistar a simpatia e confiança do confessante, o
padre se vale de plural majestático, incluindo-se entre aqueles que necessitam do per-
dão divino, e uma forma coloquial de primeira pessoa, com “o sintagma nominal a
gente (Preti, 2005, p. 271), com o que, simultaneamente, despersonaliza o sujeito
pecador, envolve empaticamente o ouvinte, produz interação positiva entre os interlo-
cutores e, ao se incluir como pecador, gera reciprocidade e igualdade com o jovem,
ao mesmo tempo em que, absolvendo-o, absolve-se a si mesmo.
Preti assim conclui sua leitura de “Confissão”:
Em síntese, poderíamos afirmar que a construção do texto, obede-
cendo a um frame característico do gênero confissão religiosa é de tal ma-
neira influente sobre o seu sentido que em nenhum momento poderíamos
ter dúvida que se trata de um diálogo de papéis previamente determinados,
com fórmulas típicas, mesmo em se considerando uma dupla leitura por
uma possível audiência, como aqui o fizemos. (Preti, 2005, p. 274, grifo do
autor).
249
Essa dupla leitura, com o movimento da confissão do penitente sendo ence-
nado em um movimento de perversão do confessor, é que justifica a existência do
conto, o que o constrói ficcionalmente e o faz ingressar no âmbito da literatura: é o
fato comum, corriqueiro, banal, que se refere ao dia-a-dia banal, corriqueiro e co-
mum, de um personagem absolutamente prosaico, o jovem, que contracena com um
padre, no exercício de sua função cotidiana, repetitiva, quase mecânica. Então, a fa-
gulha do desejo, da cupidez, da licenciosidade, transforma o confessor em uma crian-
ça, que se realiza na peraltice do coleguinha mais afortunado. O padre libidinoso é o
insuspeito que, extraordinário, impôs ao ficcionista o estatuto literário da narração
que engendra.
Ao romper o registro do cotidiano pela exceção, a narrativa deixa o espaço
da crônica, o que se confirma por construir personagens que representam tipos carac-
terísticos, mas que, como indivíduos, tornam-se sujeitos particulares, com uma histó-
ria única, em que o inesperado revela o humano que lateja no fundo dos estereótipos.
Assim, o padre que transgride o sagrado ao sob as bençãos do espírito santo que
preside a absolvição da qual ele é porta-voz deixar-se dominar pelos instintos do
baixo ventre, revela ao leitor a fragilidade moral dos homens.
Se o jovem é um inocente perplexo diante da nudez ofertante e sediciosa, o
confessor figurativiza a todos nós, pecadores de pecados inconfessáveis, redimidos
pela absolvição que nos inclui na forma pronominalizada (a expressão é de Preti,
2005, p. 271) “a gente”, e nos interrogamos sobre a moral que condena o desejo e o
instinto para compartimentos obscuros e sujos, como se fossem expressão do mal ao
invés de graça divina.
Dois paralelos aqui se colocam. Em um deles, no palimpsesto das isotopias
na contística de Vilela, o strip-tease: diante da mulher que, como Eva, propõe a
transgressão, o garoto se retrai, sentindo o peso do pecado lhe empurrando para as
250
chamas do inferno (“Confissão”, TT), enquanto o homem de meia-idade, sob a égide
de moral símile à do garoto, queda-se estupidificado e inerme para a garota que lhe
oferece uma genitália “primaveril” (“Suzy”, AC). O espaço paratópico dos actantes da
ficção de Vilela, tanto no primeiro quanto no segundo momento, não os mostra quali-
ficados nem capazes de adquirir a competência exigida, a sanção sempre lhes sendo
disfórica.
Um outro paralelo pode se estabelecer num campo de intertextualidade am-
pla. Diante da mesma situação do garoto de Confissão”, o eu-poético do poema “A-
lumbramento”, de Manuel Bandeira (1974, p. 176-177), tem um sentimento de epifa-
nia, que o faz ver “os céus”, “o Senhor”, “a Via-Láctea ardente”. Nesse, o deslumbre,
a alegria, a sanção positiva, eufórica, enquanto nos personagens de Vilela, o pecado
original é reiterado, multiplica-se a cada instante pelo ato praticado ou, involuntaria-
mente, pelo simples existir: “– Eu pequei pela vista...” (TT, p. 7).
Em Dez anos” (B, p. 141-144) temos outra cena de nudez feminina ob-
servada por um menino. Trata-se, pelo que é possível inferir do diálogo, de um ator
mais jovem que o de “Confissão”. Aliás, o título do conto é um paratexto que revela a
idade, informação que não consta da interlocução registrada, um procedimento muito
raro na ficção de Luiz Vilela.
Esse conto é todo construído pelo diálogo de duas crianças. Uma delas per-
gunta: “– E aí.”, um indagar que não é construído como interrogação, mas como in-
terjeição, embora sem o sinal exclamativo. Desse modo, a fala interroga ao interlocu-
tor, anima-o a se manifestar e lhe cede o turno na conversação. Com três letras após o
travessão, o texto conduz o leitor, com economia de meios, para o cerne narrativo,
efeito que é reforçado com a primeira palavra que responde ao diálogo proposto: o
“aí” é repetido, enlaçando-se ao “aí” que o precede, movimentando-o para um verbo
de ação, “fui”, cujo movimento instaura o tempo narrativo (pretérito) e o localiza no
trajeto que o ator empreende para o “terreiro” nos fundos da casa.
251
O deslocamento do enunciador é rememorado a partir de um “aí” curioso e
precedido por um “aí” em cuja reiteração se marca a ansiedade do questionamento e a
euforia com desvelar o mistério. E é justo pelo mistério que a escolha lexical recai
sobre “terreiro” e não “quintal”: este, contém sentido pedestre, enquanto aquele evoca
ritos mágicos, folguedos e mesmo mantém certo ludismo presente no vocábulo pre-
terido. A narratividade instaurada pelo verbo conduz o leitor a um mundo mágico,
misterioso, de jogos, bailes e diversão. E o mistério será prolongado, por meio de
perguntas que protelam a revelação, e por aditar informações circunstanciais, contex-
tuais, que estabelecem o espaço e situam a criança quanto à sua família.
Com esse procedimento, o leitor fica sabendo que ele estava sozinho em ca-
sa, que no quintal havia um galinheiro, que o menino jogou milho “pras galinhas”
(B, p. 141) e que, após isso, fora “lavar as mãos no tanquinho”. Volta ao galinheiro
para colocar água e a porta do banheiro aberta. Descreve o susto como uma cena
de cinema: já não é ele que narra a sua história, é a sua história que passa a ser um
evento cinematográfico, digno de registro – registro que o conto faz.
O menino conta ao interlocutor – seu vizinho e colega de escola, onde o diá-
logo, sem nenhuma didascália, acontece que pela porta do banheiro aberta viu a
empregada, nua, tomando banho, e que ela se deixou contemplar por longos minutos
e depois riu para o menino, “[u]ma risadinha sem-vergonha”.
O menino sonha com o acontecido e, pela manhã, antes de sair para a aula,
a empregada lhe deu “outra risadinha daquelas” (B, p. 143). O sonho repete tudo o
que aconteceu, menos o pedaço do galinheiro”, com o personagem cuidando das
galinhas. A reiteração com que as galinhas são evocadas pelos interlocutores parece
propiciar uma contaminação pejorativa para a moça que se mostra nua e ri de uma
maneira desavergonhada. O conto encerra com o compromisso do felizardo com a
visão proibida de chamar o amigo para ver a cena em outra oportunidade em que ela
acontecer.
252
Utilizando também a estratégia narrativa do diálogo, “Freiras em férias”
(AC, p. 53-64) é um conto em que o narrador se limita a uns poucos verbos dicendi,
cuja função é determinar de quem é o turno de fala. Os atores Irmã Maria Imaculada,
chamada pelas colegas de Mariona, IrBlandina e Irmã Romilda estão na piscina
de uma pousada em uma cidade distante da congregação a que pertencem; elas, pro-
vavelmente, são de Minas Gerais, pois a marca identitária do mineiro, o “uai”, se a-
presenta no conto (como, aliás, também se faz presente no conto “Dez anos”).
A conversação das freiras é, digamos, muito pouco sacra. Tratam de namo-
ros, homens, pecados sexuais, glutonaria, em meio a piadas, trocadilhos, expressões
de duplo sentido. Além do diálogo entre elas, ao contarem fatos que vivenciaram,
essa narrativa interna, narrado por aquela que detém o turno da fala, também prefere,
para sua encenação, a estratégia do diálogo. Temos, assim, diálogos encaixados den-
tro do diálogo, por meio de narração empreendida pelos atores em cena. Esse desdo-
bramento do diálogo em outros níveis de diálogo, como uma moldura dentro de outra
moldura, não é propriamente novidade na ficção de Vilela; nos contos do segundo
momento, porém, é uma constante, enquanto nos contos das décadas de sessenta e
setenta é constructo proporcionalmente menos utilizado.
Em “Freiras em férias” predominam os enunciados de fazer; sua narrativi-
dade, constituída pelo diálogo, revela os meandros de cada um dos atores e estabelece
os parâmetros do enredo. As próprias falas encenadas, embora descrevam o estado
interior de excitação, surpresa e entusiasmo das freiras, apresentam-se com verbos de
ação, o estado psicológico desvelado pelo fazer presumido nas vontades de cada per-
sonagem. Desse modo, os valores investidos nos objetos que permeiam a relação en-
tre os sujeitos da narrativa estão em potência, prestes a serem fruidos, quando indi-
cam prazer carnal, da mesa ou da sensualidade, e ficam sublimados, quando se refe-
rem aos votos de castidade e de vida monástica.
253
Os atores se constituem como expectadores das ofertas mundanas, assim fi-
gurativizadas: o sexo nos corpos nus à beira da piscina, o consumo de bens no shop-
ping, os petiscos da cozinheira do convento, o melodrama lacrimoso da telenovela, a
capa sexy da revista masculina. A tantos apelos, os actantes se revestem, atorializa-
dos, em sujeitos religiosos tentados pelo secular, pelas mil formas com que o demô-
nio se veste para conquistar as almas frágeis.
A oposição básica sobre a qual se erguem as estruturas narrativas diz respei-
to, pois, ao conflito que grassa no interior da alma dos atores figurados: o sacro e o
profano, o desejo e a interdição, a volúpia e a abstinência. Os sujeitos m como uni-
dade patêmica a tensão entre o religioso que os conforma no mundo social e o profa-
no que subjaz em seus íntimos e que os arrasta, com todos os seus fortes encantos,
para – no próprio juízo das freiras encenadas – a devassidão.
As três Irmãs, Imaculada, Blandina e Romilda, não se configuram no perfil
clássico de sujeitos em confronto, protagonista e antagonista: antes, elas se comple-
tam, se complementam e se alternam no papel de revelar o pulsar lúbrico que cada
uma tem dentro de si e em expor, da colega, uma passagem em que a santidade ficou
encerrada na cela, a vida virtuosa relegada em favor do desejo momentâneo. Assim
sendo, a sintaxe actancial não configura o movimento previsto no quadro teórico:
Manipulação Ação Sanção.
O quadro se apresenta estático: o conto revela e desvela o passado e as aspi-
rações presentificadas, atualizadas, de cada sujeito. A sanção não foi contemplada, as
fases são pressupostas, mas o necessárias. A performance para alcançar o desidera-
to íntimo fica para o futuro; a competência para realizá-la não consta do discurso re-
cortado pelo contista. O leitor, patemizado pela sátira envolvente, pela realidade das
figuras humanas protagonizadas pelas personagens, pode crer que elas são capazes de
254
agir como se manifestam, mas sempre restará a expectativa da sanção da consciência,
impondo à alma o peso do pecado.
O temor do pecado, entretanto, não parece constar do rol de preocupações
dessas “freiras em férias”: elas tiraram férias do hábito, ao tirarem o hábito deixaram
de ser monjas e, como tal, os votos espirituais não mais fazem parte do seu univer-
so; até mesmo porque o discurso de Irmã Romilda e sua fala, mutatis mutandis,
modificada no circunstancial, mas preservada no seu teor poderia ser de qualquer
uma:
“‘Esqueceu-se de que você é freira’... Acontece, Mariona, acontece
que antes de ser freira eu sou mulher. Sabia? Eu não nasci freira: eu nasci
mulher. Sabia? Eu não nasci freira: eu nasci mulher. E mulher com esses
peitos aqui, esses peitos bonitos, e não essa tábua de passar roupa aí.” (AC,
p. 60).
Eis, no discurso enunciado, a significação constituída, a isotopia temática, a
figurativização do par opositivo: “Eu não nasci freira: eu nasci mulher.” Muito embo-
ra, ao que parece, nenhuma delas trocaria o contigente, o hábito, pelo essencial, aqui-
lo que cada uma é desde sempre, pois “basta que a fé esteja viva e o coração contrito”
(AC, p. 62), a devassidão momentânea sendo “[b]rincadeira” de quem está “em fé-
rias” (AC, p. 63).
Os contos dialogados, dos quais expusemos alguns exemplos, constituem,
pois, uma invariante cuja constância indicia um modo narrativo peculiar na ficção de
Luiz Vilela, modo esse de uma grande fortuna entre os mestres da literatura universal.
Integrando a família dos ficcionistas que tem no diálogo muito da força de sua litera-
tura, Vilela ao retratar o cotidiano em uma linguagem contida e despojada, na qual
a conversação prevalece tem por companheiros autores como Hemingway, Dalton
Trevisan ou o Rubem Fonseca dos primeiros contos. Cury (1999, p. 54, grifo nosso)
255
fala, a propósito do narrador de O guarani, de José de Alencar, que “o leitor pode
resgatar as vozes silenciadas, até mesmo à revelia do narrador ou do autor implícito”.
No autor de A cabeça, o resgate se de outra forma. Sanches Neto (2002) diz que
Vilela busca
interferir o menos possível no sistema interpretativo, deixando o leitor se
relacionar diretamente com os personagens.
Daí o caráter moderno de sua literatura, que é, do ponto de vista narrativo,
totalmente não-autoritária. Ou seja, o autor não se impõe, evitando julgar
suas criaturas. (Sanches Neto, 2002).
Não se trata, claro está, de um recorte na realidade, como se o autor fosse
mero gravador de retalhos de conversas alheias. Nas pegadas de Dalton Trevisan e do
seu monstro moral”, o ficcionista Luiz Vilela é um “ser maldito” (Vilela, 2002a),
um urubu como Vilela denomina os escritores no romance Entre amigos (p. 103-
104) que espalha a carniça pela terra, um artista que recria e salva o mundo, e os
personagens que nele habitam, pela força transfiguradora da palavra.
Para definirmos, em Luiz Vilela, o sentido ideológico da utilização estética
do narrador que aparentemente se ausenta do texto, construindo todo o discurso como
um diálogo sem nenhuma notação ou rubrica narrativa, é conveniente cotejarmos qual
o efeito de sentido dessa mesma estratégia quando utilizada por outros autores.
O Machado de Assis de “Singular ocorrência”, por exemplo, constrói o dis-
curso narrativo dramático com duas vozes alternadas: um personagem narra a história
de um amigo a um ouvinte atento. Trata-se, na verdade, de uma estratégia para fazer
com que a voz narradora, como comentarista, faça considerações sobre a impondera-
bilidade do destino e as imensas contradições da alma humana. Nesse sentido, a estra-
tégia dramática não visa dar voz aos personagens da história.
256
Hemingway, também um mestre do discurso direto, apresenta os diálogos,
contudo, quase sempre com verbos dicendi marcando as falas, e quase sempre entre
sumários narrativos. Em alguns contos, Hemingway apresenta o diálogo, discursiva-
mente, em forma de estrutura teatral, com as rubricas das falas, do cenário e dos ges-
tos. Rubem Fonseca, seja o dos primeiros livros de contos, seja o dos mais recentes,
parece optar também por estratégias discursivas nas quais a presença do narrador,
mesmo que minimizada, não atinge a radical opção de Luiz Vilela de chegar a um
narrador que se negue a si mesmo, parecendo se ausentar por completo da narrativa.
em Dalton Trevisan podemos observar como que vozes arquetípicas no
discurso narrativo do conto “A noiva do diabo”, de Guerra Conjugal, que é de 1969.
Os livros mais recentes de Dalton, no entanto, levam ao paroxismo a fragmentação de
cenas ou sumários curtíssimos. De qualquer forma, seja de seus contos antigos seja
dos mais recentes, não emergem propriamente os personagens de uma narrativa, mas
tipos cênicos, quase estereótipos de seres cuja consistência é dada pela uniformização
massificadora da sociedade midiática. Nesse universo, a aparente polifonia erotizada
do desejo suburbano é, na verdade, o concerto de uma voz: a voz imposta a cons-
ciências subjugadas.
Nos romances e nos contos de Luiz Vilela, muitas são as vozes que constro-
em os próprios discursos. Essas vozes expressam a subjetividade dos personagens que
se pronunciam, e a essa subjetividade congregam a revelação de substratos ideológi-
cos, culturais e econômicos da sociedade. As narrativas se constroem, portanto, atra-
vés do entrecruzar dos indivíduos com a História. Do entrechoque dos personagens,
em alteridade entre si, com o narrador e com o autor, surge heterovocalismo e pluri-
vocalismo dialógico instauradores da pluridiscursividade, que emerge, na maioria dos
contos, através do diálogo, o discurso citado. Conjugar em cada ator as cicatrizes das
trajetórias individuais com a vocalização de interesses sociais que o personagem en-
carna é a primeira instância para, na narrativa, a polifonia emergir.
257
Em um conto como “As neves de outrora” (FT), ao colocar falas e persona-
gens diretamente em cena, o narrador obtêm efeitos dialógicos mesmo quando o diá-
logo, como se fora uma narrativa poética, é a distensão de um monólogo em duas vo-
zes alternadas que implantam um mesmo e único efeito de sentido. Ou seja, torna-se
pluridiscursividade a partir do univocalismo, referenciando-se em intertextualidade
objetivamente expressa ou inclusa à sorrelfa, com o que introduz na narrativa uma
fenda oriunda de dialogismo multisígnico, que é construído por meio de camadas de
ironia, citações metalingüísticas, e um jogo de isotopias auto-intertextuais. Parece
uma carnavalização antropofágica "in extremis", o discurso alheio tornado o próprio
discurso e reificado pelo coloquialismo exacerbado.
Em artigo com o sugestivo título “A palavra e os outros”, Almir de Freitas
(2002) aprofunda considerações tendo essa particularidade por mote. Freitas (2002)
considera que o diálogo, na maioria dos contistas brasileiros contemporâneos, aparece
quase sempre, “com raras exceções, como um apêndice incômodo”. O articulista per-
cebe que “os outros” (grifo do autor) são considerados como estorvos às elucubrações
cerebrais e à exposição de autores de egos narcísios. Sobre Vilela, a quem considera
ficcionista com “raro domínio da técnica do diálogo”, argumenta:
Econômico ao máximo nas descrições e nas ponderações, não exercita ape-
nas uma formalidade estilística, mas usa o diálogo como um instrumento
para tramas que vão sendo elaboradas nas várias formas de interlocução
[...] Renunciando a subjetivismos, o autor sugere com eficiência um amplo
espectro de complexidades humanas e sociais que nasce no contexto em
que as palavras, em estado bruto, são pronunciadas. [...] a sensação que fica
é de que seus personagens não estão imbuídos do Mal, ainda que egoístas
algumas vezes, mesquinhos em outras. [...] sobretudo fracos [...] essa gente
está por aí. Difícil é ouvi-los. Mais difícil é fazer a gentileza de conceder-
lhes a palavra. (Freitas, 2002).
Luiz Vilela, nos contos mais recentes, radicalizou ainda mais como estraté-
gia narrativa a interlocução, expressa quase que exclusivamente por meio do diálogo,
258
entre os personagens. Isso faz do narrador de Vilela porta-voz das vozes silenciadas,
das vozes historicamente não ouvidas sequer como murmúrio; desse modo, seus con-
tos produzem uma “coletânea de vozes” (Moreira, 2002).
62
Como vimos, a adesão aos que estão coagidos e a compaixão para com os
que estão doloridos pelas refregas do cotidiano, faz do ceticismo com que esse narra-
dor olha para os homens apenas um desconsolado meneio de cabeça. É o diálogo,
com certeza, a estratégia narrativa soberana de Vilela. Em A cabeça, nenhum conto
tem fala longa no diálogo, como a ampliar a democratização das vozes que se expres-
sam pela literatura de Luiz Vilela. E o significado ideológico dessa opção é o de ser
antiautoritário, é o de permitir a cada um a expressão de si mesmo. Mesmo no curto
espaço de um conto, a arte do ficcionista erige polifonia entre vozes de uma estrutura
social conflagrada pela desigualdade.
62
Este artigo consta nos anexos.
259
5.4 A CONSTITUIÇÃO DO NARRADOR-AUSENTE
Nos contos dialogados, com nenhuma didascália ou rubrica, e mesmo na-
queles com poucos verbos dicendi, parece que a obra de Luiz Vilela constitui uma
instância algo insitada ou, ao menos, pouco estudada no seio dos estudos literá-
rios, figura a que nomeamos “narrador-ausente”. Para ver o emegir de tal figura, veri-
ficamos as funções clássicas do narrador ficcional e a constituição da mimese repre-
sentativa – sempre construída por intermédio do seu enunciador “de papel” – na pola-
ridade ficção-história.
Conhece o narrador ficcional, de demiurgo a intruso, quase tantas classifi-
cações quantos são os narradores dos contos, romances e novelas da literatura ociden-
tal. A teoria considera, no que se refere à instância do narrador, a pessoa verbal que
constrói o discurso da narrativa, o grau de onisciência desse enunciador diante dos
fatos narrados, a sua objetividade, o seu grau de confiabilidade e a sua postura, inter-
média entre a narração, o discurso e o leitor.
Também envereda pela gradação com que o narrador manipula e distorce
fatos, avança ou recua no tempo; enfim, clarifica de forma quase quantitativa até que
ponto o narrador se intromete no discurso, esse narrador que, na ficção, pode assumir
diversas modalidades como pessoa, voz, focalização, intervenção ou onisciência. Os
260
estudos mostram que as intervenções, intrusões ou digressões do narrador pretendem
alcançar resultados ideológicos e efeitos estéticos.
Das muitas gradações exibidas pelos criadores e catalogadas pela crítica,
sempre foram considerados impossibilidades práticas os ideais do narrador de foco
zero, de onisciência absoluta, e a narrativa sem presença do narrador, o chamado dis-
curso citado sem dêitico que não seja interno à fala citada. Contemporaneamente,
muitos ficcionistas elaboram paródias desmistificadoras da função do narrador, e al-
guns levam ao extremo a proposição de objetividade flaubertiana. Nesse caso, visari-
am a alcançar um tipo de realismo no qual o narrador estaria realmente ausente.
Muitos contos de Luiz Vilela parecem ter essa pretensão. Ao realizar tal es-
critura, o ficcionista busca objetivos expressivos e expõe uma visão de mundo. Em
sociedade erigida sob o signo da comunicação de massas, com a manipulação ininter-
rupta das vozes sociais, a maioria das quais inaudíveis diante da babel contemporâ-
nea, quais as implicações estéticas e ideológicas ocultas sob a face desse narrador que
parece ausente? É essa face oculta que aqui buscamos.
Sigamos, pois, os passos do narrador, esse guia do pacto implícito entre au-
tor e leitor como autoridade que domina o “acontecimento”; aprofundemos o estudo
do estatuto do autor de narrativas ficcionais; examinemos a função do diálogo nos
contos de Luiz Vilela; perscrutemos o modo de constituição desse “narrador-que-
parece-ausente” nesses contos; verifiquemos qual é a voz que enuncia essa narrativa e
que apagou as marcas da sua própria enunciação. Para chegarmos ao cerne da emer-
são no discurso ficcional desse enunciador não figurativizado, a que nomeamos “nar-
rador-ausente”, verificamos como cada período literário se apropriou da noção de
mimese a partir da confrontação do ficcional com o histórico.
O levantamento da polifonia (vozes ao mesmo tempo sociais e individuais)
na narrativa de Luiz Vilela e da voz autoral em diálogo e em contradição consigo
mesma, assim como a vocalização das vozes silenciadas que nos contos se manifes-
261
tam, se dá pela exploração de efeitos do diálogo e do silêncio. Nesse quadro, nos vol-
tamos em especial para as narrativas em que o narrador surge como mera, como
recorte dramático que o faz como que “ausente”, em uma configuração que vimos ter
significado antiautoritário. Buscamos saber, em especial, as implicações estéticas e a
ideologia ocultas sob a face deste narrador-ausente e se, ao compararmos contos dos
dois momentos de Vilela, podemos rastrear, na ficção, as marcas da História.
O registro basilar dos limites entre História e Poesia surge quando Aristóte-
les readmite na sociedade o poeta banido. A “falsidade” inerente à mimese artística, o
“inculcar medo da morte” por meio de narrativas, o fato de a arte ser inútil na forma-
ção do guerreiro e na guerra por estes motivos, Sócrates e Platão expulsaram o poe-
ta da República. A arte e seus artífices são excluídos do convívio social por não terem
“utilidade” pública. Nesse sentido, o embate entre “arte pela arte” e littérature engajé
subjaz, latente, desde os fundamentos da estética literária ocidental. Na modernidade,
o campo engaje se apresenta com pensadores como Sartre, Lukács e Brecht, enquanto
na defesa da autonomia da arte pontificam, entre outros, Oscar Wilde, Croce, Valéry.
De Sócrates aos nossos dias, em ambos os lados, a lista tende ao infindável.
Em cada grupo, as nuances, as motivações, os argumentos, variam confor-
me o autor. Eis o que nos diz Sartre (1970, p. 150): “Durante muito tempo tomei mi-
nha pena por uma espada”. Adorno (apud Slater, 1978, p. 186) afirma que é no
repúdio à representação mimética que a arte pode intervir no processo histórico: Na
medida em que se pode atribuir uma função social à obra de arte, ela é sua falta de
função”.
Isso, apesar do marxismo ortodoxo considerar a cultura caudatária da eco-
nomia e os estilos literários produtos do processo social. Eis o que diz Lukács (s/d, p.
169): “quanto mais a revolta é íntima, tanto mais ela é abstrata e menos ameaça a e-
xistência do capitalismo”. Reconhece, no entanto, que o estilo reflete a História e que
as normatizações partidárias são incapazes de controlar a arte (Lukács, s/d, p. 176).
262
Chamemos de autonomistas aos autores que se contrapõem ao engajamento
literário. Wilde (1964, p. 10) postula que “toda arte é absolutamente inútil”. Croce
entende que “a arte o é história” (Croce, 1997, p. 158), uma vez que “a arte que
depender da moral, do prazer ou da filosofia é moral, prazer ou filosofia, não arte”
(Croce, 1997, p. 71). Valéry (1999, p. 199-200) defende a autoreferencialidade e o
desprendimento do estético quanto às vicissitudes da concretude social. Mas a opção
da “arte pela arte” e da pesquisa estética com a linguagem termina por receber dos
autonomistas um inesperado argumento de defesa: é na aparente inutilidade da arte
que está o seu grande trunfo político.
Ao exigir pesquisa, estudo e tempo para “fruição” a arte retira o trabalhador
da mecanicidade e da exploração capitalista, desenvolvendo-lhe potencialidades in-
suspeitas. Porém, a independência e a autonomia diante do processo histórico não
significa que a arte é a-histórica, alienada e sem referencialidade. Na verdade, o tra-
balho com a linguagem indicia um ponto de contato entre os engajé e os autonomis-
tas: não é possível que uma obra seja revolucionária na política se ela se apresenta
com uma estética passadista.
Trata-se, essa consideração, de um lugar-comum banalizado. Pode ser en-
contrada em entrevistas de Guimarães Rosa, um autonomista, e nas reflexões teórico-
filosóficas de Luckács, um engajé. Os extremos se tocam. No caso, a arte dos que a
defendem autônoma, cujo pendor é ser autoreferencial, acaba por se definir com um
postulado o de que o signo da revolução se encontra e se revela na vanguarda das
experimentações lingüísticas que termina por ser também defendido por aqueles
que esposam a concepção de que a arte somente se realiza quando engajada na defesa
de transformações sociais.
Por sua vez, Marcuse (1999, p. 74), ao considerar que “a arte abre uma di-
mensão inacessível a outra experiência, uma dimensão em que os seres humanos, a
natureza e as coisas deixam de se submeter à lei do princípio de realidade”, estabelece
263
um ponto de vista por meio do qual pretende “contribuir para a estética marxista, me-
diante a impugnação da sua ortodoxia predominante” (Marcuse, 1999, p. 11).
63
Marcuse (1999, p. 11) argumenta: “toda a verdadeira obra de arte seria re-
volucionária, na medida em que subverta as formas dominantes da percepção e da
compreensão”; desse modo, a arte apresenta “uma acusação à realidade existente e
deix[a] aparecer a imagem da libertação”.
O potencial subversivo surgiria como “substância trans-histórica”, indican-
do que a arte possui “uma dimensão própria de verdade, protesto e promessa, uma
dimensão que reside na sua própria forma estética” (Marcuse, 1999, p. 13). Num pa-
radoxo, quanto mais imediatamente política for a obra de arte, mais ela reduz o po-
der de afastamento e os objetivos radicais e transcendentes de mudança”. Considera,
inclusive, que “pode haver mais potencial subversivo na poesia de Baudelaire e Rim-
baud do que nas peças didáticas de Brecht” (Marcuse, 1999, p. 14).
Esta concepção da arte aponta para um conceito do fato estético configura-
do a partir da visão de que a sociedade contemporânea ergue-se com a espoliação do
homem pelo homem, em confronto no qual a realidade esmaga pulsões, desejos e so-
nhos.
64
A tese que defendo é a seguinte”, diz Marcuse (1999, p. 19): “A lógica inter-
na da obra de arte termina na emergência de outra razão, outra sensibilidade, que de-
safiam a racionalidade e a sensibilidade incorporada nas instituições dominantes”.
65
63
A primeira edição do livro, em inglês, é de 1977.
64
Cf. Marcuse, 1979, passim, e Marcuse, 1978, passim.
65
Todo o parágrafo de Marcuse (1999, p. 19) é de muito interesse. Ei-lo: “As qualidades radicais da arte, em
particular da literatura, ou seja, a sua acusação da realidade existente e da ‘bela aparênciada libertação ba-
seiam-se precisamente nas dimensões em que a arte transcende a sua determinação social e se emancipa a
partir do universo real do discurso e do comportamento, preservando, no entanto, a sua presença esmagado-
ra. Assim, a arte cria o mundo em que a subversão da experiência própria da arte se torna possível: o mundo
formado pela arte é reconhecido como uma realidade reprimida e distorcida na realidade existente. Esta ex-
periência culmina em situações extremas (do amor e da morte, da culpa e do fracasso, mas também da ale-
gria, da felicidade e da realização) que explodem na realidade existente em nome de uma verdade normal-
mente negada ou mesmo ignorada. A lógica interna da obra de arte termina na emergência de outra razão,
outra sensibilidade, que desafiam a racionalidade e a sensibilidade incorporada nas instituições dominantes.”
264
É nas fendas e frestas da sociedade burguesa, em um mundo que se afirma
pela destruição da alteridade, pela exploração e reificação do homem, que a arte in-
troduz cunhas e inocula germes de rebeldia e consciência. A dialética do constructo
estético é um jogo de oposições miles que produzem ruptura. O Belo representa o
princípio do prazer, é dotado de “qualidade erótica”, é um “Eros político” (Marcuse,
1999, p. 65-71) que ao mesmo tempo mimetiza e transcende o conhecido. É liberta-
ção porque é ato de liberdade que, em si, é promessa de liberdade. Marcuse defende
que existe uma qualidade para se definir o Belo. Existe uma literariedade. Como me-
di-la?
Para Marcuse (1999, p. 46), “[a] arte faz inevitavelmente parte do que existe
e como parte do que existe fala contra o que existe. [...] É essa contradição que
decide sobre a qualidade da obra de arte, da sua verdade”. Portanto, quanto mais o
objeto artístico, ao fugir do referencial, ao se construir como alienação do mimético,
mais penetrar, mais expor, mais se constituir como uma mimese do que de fato existe,
quanto mais for familiar em seu afastamento, maior será a qualidade artística da o-
bra.
66
Isso se dá, afirma Marcuse (p. 50-51), porque “a mimese persiste como repre-
sentação da realidade, representação transformadora”.
Conclui-se, desse conjunto de reflexões, que a busca da qualidade estética
passa por encontrar, na arte literária, uma mimese da realidade em uma escritura que
em si mesma parece negar o mimético. A historicidade da arte literária é intrínseca,
imanente, revela-se (ou se esconde, dissimula-se) nas opções e estratégias literárias,
na tessitura dos procedimentos lingüísticos, por meio da escolha vocabular, na cria-
ção de uma rede de significantes em paralelos e oposições, que indiciam significados
66
Marcuse (1999, p. 50) explica: “Na mimese transformadora, a imagem da libertação se manifesta como
algo quebrado pela realidade. [...] Na realidade, é o mal que triunfa, e apenas existem ilhas de bem onde nos
podemos refugir durante algum tempo. As verdadeiras obras de arte têm disso consciência; rejeitam as pro-
messas fáceis; recusam o aliviante final feliz. Devem rejeitá-lo, pois o reino da liberdade é inabarcável pela
mimese, esta não consegue dar-lhe forma. O final feliz é ‘o contrário’ de arte”. E ainda: “A infelicidade e a
servidão ainda se refletem na mais pura imagem da felicidade e da liberdade. Contêm o protesto contra a
realidade em que são destruídos.” (Marcuse, 1999, p. 51).
265
e são sintagmas, tornados signos, que se fazem símbolos, que edificam alegorias ou
se expõem como construção, como o falso que é mimese, assim como, também, na
exposição, na desmistificação do Thânatos social pela vitória de um Eros redivivo,
renascido pela força, libertadora, do Belo. O foco é o princípio do prazer, o Eros ma-
nifesto, tanto mais manifesto porque se alevanta dos escombros do mundo mimetiza-
do, princípio de realidade, Thânatos impregnado na tessitura social, onipresente, ubí-
quo, presentificado em cada segundo da existência humana, alicerce da sociedade
capitalista. A historicidade engajada da arte é uma transcendência cuja possibilidade e
manifestação somente se dá na radical imanência do projeto estético.
A concepção aristotélica de mimese remete à imitatio, à concretude à qual o
artista fica subjugado sob pena de ver sua obra desqualificada por inverossímel. Mas
desde sempre as artes registram contos fantásticos nos quais o maravilhoso se apre-
senta nas narrações e o transcendente tem voz. Vê-se, portanto, que, na prática, o
conceito platônico-aristotélico admite modulações, adequa-se aos objetivos intrínse-
cos da obra. Na verdade, o que conta em uma narrativa é o que podemos chamar de
verdade interna da obra, a verossimilhança interna, a “mímese interna”.
O narrador cria o mundo ficcional e são às regras interiores desse universo
idealizado que ele se submete. Fica o autor, claro está, condicionado pelos limites da
comunicação lingüística do universo cultural de recepção à obra. Marcuse defende
que a qualidade estética de um trabalho literário pode ser medida por uma espécie de
oxímoro da mimese: a obra deve conjugar o fato de não ser real com a maior aparên-
cia de real, será tanto mais mimética quanto mais expor o real simultaneamente a se
revelar como uma obra que é ficção e poesia e não se cinge ao real.
A verdade da obra, a sua mímese interna” de arte se constitui e se referen-
cia, para além da concretude histórica transcendente, às relações construídas pela
própria obra: entre os personagens, dos personagens com o contexto ficcional, dos
personagens com a sua própria expressão verbal, do narrador como observador ou
266
expositor do ficcional com o discurso que emite, do narrador (como avatar do autor)
com o narratário.
67
O fio que distingue a História da Ficção é tênue. A História, como evento
de patetas e velhacos
68
que se movem no discurso que reconstrói um passado hipote-
ticamente acontecido
69
é, na verdade, uma ficção: por meio dela, o presente constrói
ideologicamente o futuro.
70
Amálgama entre ficção e História, a mímese interna” ou “mimese glo-
bal”, que soma a “mímese interna” à verossimilhança com o referencial somente se
configura se o estético e a historicidade fundirem-se na obra literária, elaborando re-
conhecimento e incorporação mútuos. É o Outro se fazendo o Mesmo e o Mesmo
passando a ser o Outro, em movimento simultâneo e concomitante.
Os contos “Nosso dia” (TT) e “Catástrofe” (AC) apresentam homens e mu-
lheres iguais e diferentes. Ele era provedor enquanto a mulher era servil, na década de
60; no terceiro milênio, a mulher assume condição de igualdade no diálogo, e a
queixa masculina queda-se no vazio. O homem, antes dominador, perdeu o comando.
67
O coelhinho Teleco, em suas múltiplas transformações (Rubião, 1991), é pelo fantástico e inusitado reve-
lando o insuspeito no real representação de “verdades” existentes além do ficcional, como é representação
da concretude sócio-histórica da Colômbia a Macondo de García Márquez. São, no entanto, ficções nas
quais o fantástico e o maravilhoso, como fatos corriqueiros, estão ao lado do cotidiano comum das pessoas.
Mesmo obras nascidas na preponderância do Realismo trazem o fantástico dentro de si e não desmoronam
como inverossímeis. Tal é o caso das Memórias stumas de Brás Cubas, que revelaram o talento maior de
Machado de Assis. Essa é uma das lições de Marcuse: ao extrapolar o real por meio de uma aparente incon-
gruência, o autor escapa do mimetismo rasteiro e constrói uma outra mimese, uma revelação que aprofunda
o conhecimento do social, que desvela os veios da História, que mostra o humano naquele momento, na os-
mose do indivíduo com o mundo que o cerca, na confluência de desejos refletidos nas aspirações do perso-
nagem imerso em múltiplas influências e circunstâncias culturais, econômicas e políticas.
68
Cf. Bierce (retirado do livro Mau humor: uma antologia definitiva de frases venenosas, trad. e org. de Ruy
Castro, lançado pela Cia das Letras, de São Paulo): “História, s.f. Um relato, quase todo falso, de eventos,
quase todos sem importância, provocados por governantes, quase todos uns velhacos, e soldados, quase to-
dos uns patetas”.
69
Retomamos nesta passagem, e somente no que diz respeito à dicotomia, não às ilações que dela fazemos
derivar, o contraponto aristotélico quanto à distinção entre Poesia e História, sendo esta definida e apresen-
tada como “o que aconteceu” e aquela como “o que poderia ter acontecido” (Aristóteles, 1964, capítulo IX,
p. 278-280).
70
Cf. Valéry (1999, p. 162): “O passado é somente o ‘lugar’ das formas sem forças; cabe a nós fornecer-lhe
vida e necessidade, supondo nele nossas paixões e nossos valores”.
267
O mundo masculino parece sucumbir. O discurso ficcional de Vilela permite ao leitor
resgatar a História e as vozes silenciadas, e tal efeito, sempre presente, é amplificado
nos contos de narrador-ausente.
O narrador literário é o criador de papel de um universo inventado, paralelo,
no qual ele, o narrador, é o demiurgo que cria e manipula todo o cosmos que é discur-
sivamente representado. No caso das vozes do discurso citado, ou discurso direto, a
gramática ficcional aponta as intenções dessa manipulação, deixando patente o sim-
bólico que emerge da representação.
Do narrador homodiegético, ou narrador representado, cujo discurso pres-
cinde da prova da verdade, mas cujas afirmações deixam a marca da dúvida pela in-
certeza de que fala a verdade, ao narrador heterodiegético, seja o que utiliza o discur-
so indireto livre, com o fim de elaborar cumplicidade com o personagem, seja o que
assume o papel de reger o texto, organizando-o como um editor que se confessa in-
terveniente, o narrador é sempre uma instância narrativa imersa no mundo ficcional,
deste mundo sendo o criador e dele sendo dependente, mesmo se configurado como
narrador extradiegético.
Ao analisar o narrador de Luiz Vilela em dois momentos históricos distintos
e distantes entre si, nosso propósito é verificar a possibilidade teórica de rastrear na
ficção o processo histórico entre momentos cronológicos distantes. Considerando
que a relação entre História e literatura, ou, em outras palavras, considerando que o
debate entre a imanência e a transcendência artística, quanto à postura de intervenção
na realidade, tem origem longínqua e é reiterado ao longo dos séculos, valemo-nos da
disputa entre engajamento e autonomia artística e das proposições de Marcuse para,
com o conceito de mímese interna”, distinguir marcas temáticas, estilísticas, discur-
sivas e ideológicas que, na narrativa ficcional, constituem a inserção da História na
dimensão estética. É importante lembrar aqui a lição de Antonio Candido. Segundo
Candido (1987, p. 163-164), “[a] ligação entre a literatura e a sociedade é percebida
268
de maneira viva quando tentamos descobrir como as sugestões e influências do meio
se incorporam à estrutura da obra de modo tão visceral que deixam de ser propria-
mente sociais, para se tornarem a substância do ato criador.”
Em “Confissão”, o discurso se faz sem nenhum dêitico que não seja os do
discurso citado, o que significa que do narrador o tecido textual não apresenta um
único elemento explícito. Em “Catástrofe”, o discurso direto é absoluto, como estra-
tégia narrativa, também não existindo marca alguma do enunciador narrativo. Esta-
mos face-a-face com um narrador que não se explicita, que se ausenta, mas em narra-
tivas por meio das quais se manifestam homens, mulheres, crianças, padres, ideologi-
as, cicatrizes e idiossincrasias de cada um, mas típicas dos respectivos segmentos so-
ciais, manifestando as idéias de seus grupos, por meio inclusive de frames e idioletos
muito particulares.
Daí percebermos que, em Luiz Vilela, a face do narrador-ausente parece in-
diciar a emersão das vozes silenciadas em um concerto de certa polifonia secularmen-
te sufocada, poliedro lemniscático de cujas faces ecoam os gritos de liberdade de gar-
gantas milenarmente contristadas, garroteadas, estranguladas pelas mãos, pelo baraço,
pelas instituições – pelos imensos, poderosos tentáculos das elites de nossa sociedade.
A ontologia da estrutura dialógica da ficção de Luiz Vilela, construída de forma que a
Ficção e a História tornam-se irmãs fratricidas, nos lembra permanentemente a nossa
ridícula posição de sermos, no jogo social, ao mesmo tempo máscaras de títeres mes-
quinhos e simulacros de marionetes anônimos, estúpidos. A mimese do narrador-
ausente constrói uma realidade que, ao evidenciar as vozes sociais em sua alteridade,
ressalta a História e, na ficção, o processo histórico.
269
5.4 UMA ESTRATÉGIA: NO DIÁLOGO,
A VOZ DO AUTOR
Um jovem relata a sua partida, na madrugada de 21 de abril de 1963, de
uma visita à nova capital do país, Brasília. O conto se abre com o protagonista saindo
do hotel em um táxi e vendo que “o dia ainda está escuro” e termina com o céu “de-
vagarzinho, clareando” no alvorecer no planalto central. Entre os dois momentos, o
diálogo que parece banal, apenas para passar o tempo do rapaz com o atendente
de uma pequena lanchonete na rodoviária deserta.
Esse conto, intitulado “Você verá”, foi publicado no site oMínimo no dia
21 de abril de 2005. Nele, comparecem as características que compõem o estilo do
ficcionista: o diálogo rápido, a descrição em poucas palavras, mas sem secura, a pu-
reza límpida de uma narração em que nenhum detalhe é aleatório nada em uma nar-
rativa de Luiz Vilela é gratuito.
O relato recupera um fato de há quarenta anos, mas o discurso se como
se a enunciação fosse no presente; o primeiro parágrafo do conto é: “Pego um táxi no
hotel. São quatro e quinze; o dia ainda está escuro. Nas ruas, iluminadas, não qua-
se nenhum movimento: nem de gente nem de carros. A cidade dorme.”
O olhar panorâmico, pois, emoldura o conto, indicia que nele temos um e-
feito único, enquanto certo tom de esperança que se desvanece constitui a impressão
de totalidade que o conto destila. Temos um acontecimento cotidiano, corriqueiro,
270
mas momento especial na vida do jovem que narra o final dessa viagem em que co-
nheceu a jovem capital do país. A atmosfera do diálogo é rarefeita e, mais do que as
palavras enunciadas, os silêncios e os não ditos constroem os efeitos de sentido.
Em “Você verá” temos uma primeira história, evidente, do narrador que
termina sua visita a Brasília e troca algumas palavras com o atendente no bar; temos
uma segunda história, a do desencanto do sexagenário com o Brasil que ele e a
esperança que ele tem no futuro do país. A fusão das duas histórias forja, quase como
uma epifania que se produz no narratário, uma terceira história: a crônica da desespe-
rança que decorre de se ver o Brasil deitado eternamente em berço esplêndido.
71
As linhas subterrâneas da narrativa são construídas por meio da condensa-
ção que o conto atinge, em linguagem cotidiana, de fato que parece autobiográfico e
que oculta, subentendida, a história dos que acreditavam no Brasil grande no início
dos anos sessenta, o que indicia, em moto perpétuo, um eterno retorno de crença e
desesperança. Esse efeito é construído com uma única inflexão verbal o conto
transcorre todo no presente: “pego”, “faz”, “pergunta”, “digo”, etc., e, no último perí-
odo, um verbo no durativo, “pensando”, repete-se duas vezes na mesma frase, “en-
quanto lá fora o céu ia, devagarzinho, clareando”.
E então se descortina, para o leitor, que a história ocorreu quarenta anos an-
tes da enunciação da narrativa, e que as esperanças que o senhor manifestara para o
jovem, o jovem agora na idade do seu antigo interlocutor, deveria ter mas o enunci-
ador não tem, pois o céu “ia” clarear, e o passado, assim enunciado com relação àque-
la manhã de uma segunda-feira “de abril de mil novecentos e sessenta e três”, o que
somente agora é informado pelo narrador autodiegético, não deixa dúvidas: o céu do
Brasil não clareou, as esperanças morreram ainda em crisálida.
71
Essa concepção do conto ser uma narrativa de duas histórias foi desenvolvida por Píglia (1994, p. 37-41) a
partir das concepções de conto literário de Edgar Allan Poe (1985, p. 101-112) e do conceito de iceberg, e-
laborado por Ernest Hemingway (1990, p. 44, p. 81 e p. 148).
271
A enganosa simplicidade do conto, que a desatenção pode levar o leitor a se
acreditar diante de uma mera crônica memorialística, abre o véu da história e do ho-
mem imerso no fluxo dos acontecimentos do país por meio de personagens anônimos
e de fatos miúdos do cotidiano. As vozes que se cruzam no conto são representações
de vozes sociais ao mesmo tempo individuais e arquetípicas. Senão, vejamos.
O senhor de idade, aos sessenta anos, migrante para a capital do país, encer-
ra ali, como atendente de bar, sua trajetória: sente que sua vida o foi em vão, pois
lega a esperança no futuro aos jovens de seu país. O jovem, aos vinte anos, em uma
viagem especulativa, foi conhecer Brasília: sente-se “[t]ranqüilo, com tudo certo”,
como a referendar que no jovem pode-se sim depositar esperança, pois ela se reverta-
em realidade. O homem da lanchonete é aquele que conquistou alguma ascensão,
deixa um patrimônio (a esperança), representa o passado. O jovem é a força potenci-
al, aspira realizar-se, simboliza o futuro. Os arquétipos estão configurados.
Então o conto faz um movimento suave: o diálogo entre os dois encerrou; o
jovem adquiriu sua passagem de ônibus, dispõe de tempo até a partida; fuma tranqui-
lo seu cigarro vendo a manhã clarear sobre a cidade que dormia – “[a] cidade dorme”,
o jovem anotara no início da narrativa; agora, “o céu ia, devagarzinho, clareando
naquela segunda-feira de abril de mil novecentos e sessenta e três.
Assim, o movimento suave cai brusco sobre o leitor, que descobre, no
mesmo compasso frásico, que a narrativa ora enunciada se refere a um fato de qua-
renta anos atrás, e que todo o tempo presentificado e atualizado pelo enunciador até
então se torna um passado remoto; o verbo no pretérito, “ia”, indicia o aspecto incipi-
ente de um processo que se inicia, desvela não somente a distância temporal, mas
também encerra nele as esperanças não realizadas pelo país, o que é revelado com
uma inflexão do verbo – pelo narrador.
A oposição fundamental sobre a qual se erguem as estruturas semionarrati-
vas e discursivas de “Você verá” estabelece um continuum do passado para o futuro,
272
tendo nas vertentes de contradição (não-passado e não-futuro) um trique se realiza
pelo presente: o eu/aqui/agora da enunciação, como presente da enunciação, do enun-
ciado e do narratário. Ao construir o jogo, embaralhando os vértices da contradição e
para ele atraindo, patemizado, o leitor, o conto introduz na sua imanência escritural as
aspirações do narratário, que se torna cúmplice das esperanças não realizadas, sofre
com elas, irrita-se com o destino desperdiçado, com as gerações que o país descarta,
por não adquirir competência para obter uma sanção eufórica, restando sempre a desi-
lusão ao final de cada balanço histórico.
Para erigir essa identidade do narratário com os atores encenados, além da
presentificação enunciativa, Luiz Vilela se valeu das vozes ao mesmo tempo indivi-
duais e sociais do conto e pela manipulação da função do narrador que, muitas vezes,
não se figurativiza, como se se negasse a si mesmo, excluindo-se de suas funções. O
texto que parece, assim, se narrar por si só, revela, semioticamente, a presença do
próprio autor, instância antes invisível que, mesmo sem nenhuma intervenção aparen-
te no discurso, “fala” diretamente ao narratário.
Em “Você verá”, o quadrado semiótico pode ser simplificado no esquema:
Passado Presente Futuro.
Esse continuum, localizado na estrutura sica, aglutina outras oposições
contraditivas, tais como Esperança Potência Desilusão e Jovem não-
Jovem/não-Velho Velho. No discurso, os termos da contradição (não-Jovem e
não-Velho), no eixo da subcontrariedade, não podem ser unidos, por empíricos, como
o termo “Presente”, que une em si a subcontrariedade não-Passado/não-Futuro.
Desse modo, temos aqui uma fratura, um imperfeição, aquela “dissimetria,
que se supõe criadora de novos choques e de outras fissuras”, como a qualificou Gre-
imas (2002, p. 88), e que indicia uma “fusão do sujeito com o que está fora dele”
(Greimas, 2002, p. 87), criadora do efeito estético, por meio do estabelecimento da
“linguagem poética” (Greimas, 2002, p. 86).
273
Na estrutura discursiva, a desestabilização textual ocorre, como vimos,
quando o narrador, em uma única ocasião, abandona a presentificação do relato e uti-
liza o verbo no pretérito, “ia”, um pretério imperfeito, que carrega um efeito de per-
manência, de algo que começou no passado, mas que se prolonga no presente, que
não se extingue. Para o narrador, trata-se de uma construção verbal cuja duração é a
do tempo do relato, aquela meia-hora até a saída do ônibus, aqueles instantes em que
o sol vence as brumas da alvorada para o dia se impor sobre a noite. Para o narratário,
a mudança verbal causa estranheza momentânea. Para o leitor, a estranheza se trans-
forma em perplexidade, na busca de razões para esse movimento discursivo.
Ao se indagar de quais as motivações da mudança verbal, o leitor empreen-
de uma retroleitura que ilumina o percurso textual como um discurso histórico sobre
o país ali representado. E percebe que o autor, nessa única palavra de duas vogais, lhe
deu uma piscadela, inseriu o seu recado, mostrou-se como um agente de leitura do
mundo referencial que o conto representa.
72
O autor assumiu o lugar do narrador, pro-
duziu uma leitura do mundo, assinou a sua obra, e a entregou para o leitor, diante da
polifonia que inclui as vozes sociais e históricas, presentes no conto, ao lado da voz
do autor (também social e histórica) construída como discurso; assim, a voz que aqui
surge desempenha uma função-autor de ser instância de relação com a realidade, ten-
do de um lado o histórico e de outro o simbólico, congregando-os em si como ideolo-
gia e desempenhando papel intermédio entre o escritor e o autor implícito, sendo este
o responsável pela manipulação do mundo ficcional. Nomeamos a essa instância ex-
tradiegética, que traduz e julga o referente para o autor implícito, de autor-explícito.
A coalescência que anotamos entre representação ficcional e discurso que
aspira ser representação da realidade, na afirmação de que o enunciador verdadeiro
[...] não é outro senão o próprio autor” (Bertrand, 2002, p. 148), pode ser essa instân-
72
Eco (2003, p. 206, 211 e 212) fala em piscadela culta, de olhos e de texto, em sentido do qual nos aproxima-
mos, mas que neste trabalho tem nuanças extras, conforme exposto neste capítulo.
274
cia – o autor-explícito – que delineamos: um sujeito histórico, imerso na sua realidade
social, que toma partido através das opções discursivas e narrativas de sua obra.
Verifiquemos se esse procedimento também pode ser notado, e de que mo-
do se efetiva, em narrativa do primeiro momento da contística de Vilela. Vejamos
“Para vocês mais um capítulo” (LP, p. 59-64). O conto mostra o diálogo, ao jantar, de
um casal de classe média. O homem tem função de um “guia satírico”, revelando ao
leitor, ao se dirigir à mulher, o risível do assunto. O narrador, heterodiegético, é onis-
ciente, mas, além de parcas indicações da movimentação de talheres, revela apenas a
admiração da mulher pela inteligência do marido, e aponta que ele às vezes se distrai
ao pensar em “coisas importantes que tinha de resolver” (LP, p. 63).
No nível discursivo, a semântica apresenta o revestimento figurativo dos de-
talhes referenciais espalhados no diálogo: pratos de comida, talheres, lata de azeite;
em outro nível, quanto à figurativização interna ao diálogo, temos o espaço padrão
das telenovelas: mansões (“piscina, jardins,criados... E tem um cachorro de raça”
LP, p. 62), uma fábrica, o núcleo de classe média. A isotopia temática se refere à dis-
cussão sobre fatos do capítulo do dia: a mesmice dos produtos da indústria cultural.
Na sintaxe narrativa, o ator homem parte de um estado de calma, mostrando
interesse meio blasé pela narrativa da mulher do capítulo da novela, uma vez que a
repetição da mesma história recontada milhares de vezes pela teledramaturgia popular
o enfastia; sua irritação cresce por não perceber no veículo nada que lembre a reali-
dade, a vida tal como ela transcorre fora do telenovelismo açucarado, e ele faz um
longo desabafo. Após o desabafo, solicita à mulher que termine de contar o capítulo.
O conto desenvolve um continuum da timia para a foria que contrasta os
dois actantes: um será revestido de timia, na tensividade de base seu aspecto emocio-
nal tem um fundo cognitivo, enquanto o outro permanece no nível da foria, sempre se
revela pelo fundo passional. Do contraste dos dois nasce, ontologicamente, a sátira
que configura o conto, cujo teor patemiza o narratário.
275
A significação constituída se desenvolve da oposição tensiva, pois das frin-
chas entre a emoção irritada pela desinteligência dos produtos da indústria cultural,
descrita pelo conhecimento, e a emoção edulcorada, pura foria, de um ator envolvido
pelas manobras dos artifícios melodramáticos, emerge uma tira em vários níveis:
aos veículos de comunicação de massas, à sociedade que produz algo tão medíocre,
aos telespectadores que não se revoltam, e até a si mesmo, que deveria por fogo no
planeta para extingui-lo e a fala é cortada em reticências, que parecem indiciar a
vontade de destruir a própria existência humana.
Por si só, a sátira significa um olhar autoral e um julgamento do mundo, por
um passado idealizado ou por uma utopia a ser constituída. A sátira, nesse caso, se
pela criação de um guia, e um guia satírico naturalmente se faz porta-voz do autor,
dele se constitui como que uma espécie de alter-ego. Ocorre que a sátira se dirige
normalmente a um indivíduo, que é ridicularizado, ou a uma instituição, cujas contra-
dições e malefícios são expostos com crueza.
No caso de “Para vocês mais um capítulo”, o olhar satírico, ao tratar da te-
ledramaturgia, mira a indústria cultural, mas termina por denunciar a ignorância de
pessoas crédulas. Essa a oposição fundamental na base do quadrado semiótico: Igno-
rância versus Conhecimento. Dela decorre um julgamento implacável da humanidade
e do que ela construiu; o satirista a tudo quer explodir, botar fogo “e, por que não
aproveitar, é, por que não aproveitar e por fogo no planeta inteiro? depois...”
O “depois...” encerra o desabafo com “um gesto de inutilidade” (LP, p. 64),
uma percepção de que nada será capaz de modificar tal situação patética. Com essa
constatação, e diante do ar assustado da mulher que até parou de comer, pede a ela
que continue a lhe contar o capítulo. Ele insiste, diante da incredulidade dela: “– E
aí.”, ao que ela responde, na fala que encerra a narrativa: “– Bom, aí, né...”
A expressão paratática, ossificada e cotidiana, estereotipia comum na lin-
guagem falada, indica que a mulher está alheia aos problemas apontados pelo marido,
276
e, ao fechar a narrativa, como que nos apresenta aquela piscadela do autor a nos dizer
que da ignorância de muitos nasce a manipulação social empreendida por uns poucos.
O conto tem marcas temáticas e discursivas de outras narrativas do corpus:
O reiterado “aí”, em “Dez anos(B) conto de narrador-ausente
teve função de agilizar o adentramento no conto para o narratário;
em “Para vocês mais um capítulo”, entrecortado entre vírgulas, fe-
chando o diálogo discursivizado, mas anunciando que ele prossegue
para além do exposto, faz o papel de chamar a atenção para o juízo
do autor sobre a situação que se acabou de narrar;
O personagem que quer botar fogo no mundo, o que verbaliza com
veemência mas, inerme, volta ao comportamento normal, tem em A-
ristotelina, de “Noite feliz” (AC), o seu par ideal: ao colocar fogo na
casa com seus familiares, alguns amigos, e a si mesma, Lina, por me-
tonímia, está destruindo o mundo construído pela razão humana e
que, na verdade, muito pouco tem de racional.
O autor que se manifesta, no entanto, não elide o narrador: faz do narrador
cúmplice da denúncia que empreende, para a qual concede voz aos personagens como
estratégia mais produtiva, pois autor, narrador e personagens acabam por ter o mesmo
estatuto, cabendo ao leitor, diante da polifonia, acrescentar a sua própria voz ao con-
certo dialógico, ou escolher das verdades enunciadas a que entende como correta – se
é que a verdade exista, o texto parece sussurrar (o autor se explicita) nas entrelinhas.
Em contos de narrador-ausente, sem dêitico discursivo que evidencie o e-
nunciador, também temos a piscadela do autor-explícito que patemiza o leitor. Em
“Confissão”, a ironia intertextual” (Eco, 2003, p. 199-218) dos níveis de leitura é
metalingüística: as duas histórias do conto se autoreferenciam em epifania disfórica
desvelando cupidez, ingenuidade e futricagem como inerentes à alma humana. Em
277
“Catástrofe”, a intertextualidade culta (Eco, 2003, p. 206) surge com retomadas de
Malthus, Swift e a Bíblia, ao passo em que a irona e auto-ironia do guia satírico, e
outros elementos do riso literário, como a equiparação da mulher parideira a galinhas,
reiterada (AC, p. 88, 91) e contaminando o sema mãe, evidenciam piscadelas autorais.
Esse autor-explícito, nos termos em que o definimos com relação à obra de
Luiz Vilela, fusiona a ficção à História; é autonomista, porém engajado; não assume a
expressão de dono do saber, não tolhe a manifestação plena de seus personagens;
convoca o narratário a se definir diante da pluralidade, à qual o leitor pode ainda a-
crescentar a sua posição para confronto.
Como função delegada do enunciatário, o narrador veio sendo dotado, na
teoria e na prática, ao longo da história da literatura, de características que o fizeram
manipulador do entrecho ficcional, controlador do exposto pelo discurso e proponen-
te do sentido e da verdade da obra. Inquietações estéticas e ideológicas fizeram com
que, a partir de determinado momento do século XX, tal enunciatário buscasse se di-
luir ou mascarar. Para Friedman (2002, p. 178-179), no modo dramático e no narra-
dor do modo câmera (cf. Friedman, 2002, p. 179), “[t]endo eliminado o autor e o nar-
rador” (Friedman, 2002, p. 178), o discurso literário chega aos limites finais “em ma-
téria de exclusão autoral” (Friedman, 2002, p. 179)
Quanto a esse aspecto, a ficção de Vilela inclusive nos contos em que o
discurso se dá com a estratégia que nomeamos de narrador-ausente – produz uma ten-
são no continuum básico do quadrado semiótico. Fruto dessa fratura, dessa imperfei-
ção que caracteriza o efeito literário a sua vocalização para o mundo, conforme nos
ensinou Greimas (2002) –, descobrimos a marca do autor como instância histórica. O
autor, teoricamente renascido, não está acima das demais instâncias da fatura literária
o que se nota é esta particularidade: ele se realiza como uma piscadela ao leitor,
uma cumplicidade de dois amigos andando de braços dados pelo mundo, irmanados
pelo debate fraterno proposto pelo universo ficcional de Luiz Vilela.
VI
O PERCURSO GERATIVO DE SETIDO OS DOIS
MOMETOS DA COTÍSTICA DE LUZ VILELA
279
Este trabalho segue um procedimento comparativo de dois momentos da
contística de Luiz Vilela, o primeiro referente aos contos publicados nos anos sessen-
ta e setenta do século XX, o segundo de contos posteriores a 2002, publicados na co-
letânea A cabeça e em periódicos. Como “procedimento mental que favorece a gene-
ralização ou a diferenciação” (Carvalhal, 1998, p. 6), a atitude comparativa passou
por desenvolvimento teórico para ser aplicada aos estudos literários. Apresentamos os
conceitos de auto-intertextualidade e de palimpsesto, para não permitir que nossos
critérios de comparação se tornassem fluidos, múltiplos e amorfos.
Descobrimos que uma voz de autor se manifesta no continuum tensivo das
narrativas de Luiz Vilela, e que isso implica em buscar a formulação da ideologia do
artista presentificada na obra; apresentamos, a partir das concepções de Marcuse so-
bre a arte, a divisão dos autores entre engajados e autonomistas; nesse ponto, as con-
siderações de Nitrini (2000) de que Antonio Candido, na obra Formação da literatu-
ra brasileira, propôs um comparativismo dialético, nos indicou o caminho para, do
paralelo entre os dois momentos da contística de Vilela, superar classificações estan-
ques que, desse modo, não ficavam fiéis às proposições da obra, conforme a leitura
que empreendíamos.
280
Assim sendo, no mesmo passo em que certo procedimento de leitura se
mostrou insuficiente na abordagem do nosso corpus, complementamos a interpreta-
ção utilizando outro referencial: dessa forma, nossa expectativa é de que, do todo i-
nexaurível que é a arte, decupamos ao menos algumas faces do contista Luiz Vilela.
Da obra do ficcionista, abordamos o riso literário, os procedimentos enunciativos, os
mecanismos discursivos, as estratégias narrativas e a emersão do autor – como fratura
ideológica – no centro da trama ficcional.
Percorremos o caminho das análises, considerando a leitura efetivada pela
recepção crítica à obra do ficcionista, e mostramos o significado constituído pela con-
tística de Luiz Vilela, inclusive com a configuração da hipótese de que eles mostram
certa manifestação do autor, até mesmo em narrativas que classificamos de narrador-
ausente. Utilizamos o conceito de “narrador-ausente” para a narrativa em cuja tessitu-
ra é utilizada a estratégia de não haver enunciador-figurativizado, sequer de modo
implícito. Nesse passo, o objetivo que guiou a nossa investigação foi o de desvendar
de que modo, nos contos de Luiz Vilela, até mesmo naqueles em que o ficcionista
constrói o efeito de sentido de não figurar enunciador, implanta-se uma voz autoral.
Para discutir a questão do autor e para conformar o conceito de autor aplicável à ins-
tância que localizamos no imo do quadrado semiótico dos contos de Vilela, nos va-
lemos em especial das proposições de Roger Chartier (1999) e de Antoine Compag-
non (2003), tendo antes considerado os estudos de Greimas (1993).
A questão de fundo que guiou a análise era: ao voltar ao conto, em 2002,
com A cabeça, temos em Luiz Vilela um ficcionista que é o mesmo das obras dos
anos sessenta e setenta ou se trata de um escritor que se renovou? Nos aspectos for-
mais, o que mudou? E os temas: continuam os mesmos?, sofreram que tipo de infle-
xão? O que permaneceu invariante e o que mudou na contística de Luiz Vilela?
Na semiose do riso literário, para comparar os dois momentos, nos valemos,
também, para homologar e ampliar a compreensão do fenômeno na ficção de Vilela,
281
de menções aos seus romances e novelas. Estabelecemos uma conceituação do riso a
partir do pressuposto de que tanto o quadrado semiótico, a partir do qual se desvelam
os mecanismos enunciativos e semionarrativos, quanto o riso literário constituem
uma ontologia do criador e estão no cerne da motivação para o ato de enunciar, sendo
definidores da postura explicitada no enunciado.
Conto paradigmático de todas as considerações que fizemos da contística de
Luiz Vilela é o conto-título de sua última coletânea, A cabeça. Trata-se de um conto
que reúne em si o enfraquecimento do narrador quase até à ausência, com predomi-
nância do diálogo e o debate, incisivo e em curtas trocas de palavras, dos principais
temas de Vilela: a religião, o conflito amoroso, a incomunicabilidade entre os ho-
mens, a infância e a velhice, a morte, a violência humana.
As estratégias semionarrativas também se multiplicam nesse conto de pou-
cas páginas (AC, p. 123-132): é o riso literário percorrendo gradações que vão do cô-
mico ao satírico; é a sintaxe de transformação dos atores se dando em ritmo veloz, em
poucas pinceladas, para logo em seguida se passar para outra cena; são as notações
descritivas, rápidas e sintéticas, como que emoldurando a seqüência de cenas ligadas
pelo motivo comum da cabeça cortada que apareceu no meio da rua; é a série de iso-
topias temáticas decorrendo de valores modais sendo realizados em rápida sucessão;
é o leitor, atônito, patemizado pelo absurdo da cena, que é vista de modo plácido e
jocoso pelos circunstantes. Um personagem (o autor estaria nele explicitado?) como
que desiste desse mundo sem alma: “a prosa está boa, mas...” (AC, p. 132) o conto
fecha-se, o enunciador parte, e o leitor, desconsolado com o mundo, fecha o livro.
Deixamos para as Considerações Finais uma leitura global das faces do con-
to em Luiz Vilela. Nos itens desta Secção, voltamos às análises e repassemos cada
tópico do quadro do Percurso Gerativo de Sentido estabelecido nos Pressupostos Teó-
ricos, para apresentar um paralelo sintético, isolado quadro a quadro, dos dois mo-
mentos da contística de Luiz Vilela.
282
O RISO LITERÁRIO NOS DOIS MOMENTOS
DA CONTÍSTICA DE LUIZ VILELA
Colocado no frontispício das análises, a Secção sobre o riso literário na obra
de Vilela também nos serviu para uma apresentação geral e panorâmica do ficcionis-
ta. Analisamos os contos de Vilela sob a ótica do quadro da semiose do riso (Capítulo
3.1). Vimos que, tendo por unidades constitutivas o mico, o Humor, a Ironia e a
Sátira, o riso literário patemiza o leitor por meio do jogo de aceitação-exclusão do
sujeito figurativizado na narração. Sendo ao lado de mais uns poucos sentimentos
básicos que movem a pena dos autores ontologia do fazer literário, o riso é fiat que
se manifesta em estratégias de ação semionarrativas que cristalizam a subversão de
valores sempre presente no riso.
Assim, o Cômico é figurado pela Palhaçada, por tudo aquilo que, no inespe-
rado da ação mecânica, provoca um ridículo que aproxima o leitor do sujeito decaído.
O Humor cristaliza-se na Gozação, nas palavras que, sem serem ferinas e desclassifi-
cantes do outro, emitem um juízo depreciativo. Já o Chiste é a figura cristalizadora da
Ironia: surge de um pensamento criativo, inesperado, que opera por meio de antíteses
e paradoxos, pois diz uma coisa que significa o seu oposto, o sentido oculto sendo
ferino e desclassificante da alteridade. Por fim, a Sátira surge por meio da Piada, a
gozação escrachada, explícita, totalmente demolidora. Essas estratégias que cristali-
zam as unidades do riso literário podem se valer de toda e qualquer figura de lingua-
gem, de pensamento, da retórica ou narrativa para alcançar o efeito de riso literário
que está na ontologia da intenção autoral que levou à escritura do texto.
Da multiplicidade dos exemplos então mencionados, focalizemos agora os
contos sob a ótica do quadro classificador proposto a partir das unidades constitutivas
283
do riso. Do primeiro momento, consideremos o conto “Tarde da noite” (T, p. 179-
197), e do segundo momento, o “Rua da amargura” (AC, p. 109-122).
Em “Tarde da noite” temos o cômico, o riso descompromissado que pate-
miza o narratário nascendo da palhaçada, da expectativa rompida por qüiproquós i-
nesperados na seqüência dos fatos, e que indiciam uma tragédia preste a acontecer,
desanuviada pela distância existente entre os protagonistas e pela sanção final, mora-
lista, enunciada pela antagonista. Os protagonistas se aceitam, e o riso surge da iden-
tificação entre eles, da procura de auxílio de um (o actante revestido pela voz femini-
na) e da esperança de que esteja ajudando, da parte do outro (o actante figurativizado
como homem, que nutre uma leve expectativa sensual quanto à voz com que contra-
cena ao telefone).
na figura de antagonista, o actante é construído com as feições da esposa,
tratada com ironia e mesmo sátira pelo homem: assim, os chistes e as piadas revelam
o grotesco dela, o que é discursivizado por meio de troças, zombarias e escárnio. En-
tre os protagonistas, o homem casado e a mulher que pede socorro ao telefone, instau-
ra-se empatia, e a ação deles é manipular sentimentalmente um ao outro, com objeti-
vos diversos: ele a quer salvar, tem a expectativa distante de um romance ele, na
verdade, instala virtualmente, ao telefone, esse romance, contrapondo-o à vida conju-
gal que leva; ela, que pensa em se suicidar, quer um apoio.
A oposição fundamental que tensiona a narrativa, posta no eixo da contrari-
edade, traz inscrito o quadrado sico morte

vida, e as expectativas dos prota-
gonistas recebem por sanção a voz antagonista: “Nosso mundo está perdido.” (T, p.
197). A significação constituída, na comicidade instalada, reverbera a presença inar-
redável da tragédia – ontologia fronteiriça e em espelhamento à do riso – no cotidiano
das pessoas comuns, em sua vida corriqueira.
Também relato do cotidiano comum e corriqueiro, o conto “Rua da amargu-
ra” (AC, p. 109-122) tem o riso literário em outra clave, a da tira social, na qual o
284
riso se por exclusão, pela não aceitação por parte do narratário das ações dos pro-
tagonistas, que se defrontam com uma realidade econômica de miserabilidade, o que
se traduz em suas ações, e com uma proposta de solução que é confrontada pelo anta-
gonista, figurativizada pela irmã, modalizada e aspectualizada como altruísta.
Na estrutura semionarrativa da sintaxe actancial, os dois actantes figurativi-
zados como irmãos em dificuldade econômica, empreendem ações para convencer a
irmã a retirarem os dentes de ouro do pai moribundo para vendê-los e, com o dinheiro
arrecadado, pagarem suas dívidas. Mas a manipulação não convence: o pedido é ne-
gado, a performance não se realiza e a sanção é negativa. O objeto-valor monetário
não passa de virtualidade, um querer-ter que não se realiza. Os enunciados de estado,
circulando por transformações potenciais que não se atualizam em novo estado, faz
com que a sintaxe narrativa represente retorno à situação inicial, que traduz a sanção
negativa homologada por não-ter a posse do objeto-valor.
Na micro-estrutura textual, a piada cáustica que encerra o conto, com um
dos irmãos mandando a esposa fazer uma sopa com o nenê faminto, é a síntese da
sátira: a solução malthusiana antinatalidade e o evocar a proposta de Swift (2005;
primeira edição em 1729) de eliminar as crianças reverbera, nas páginas de Vilela, em
libelo contra a sociedade que joga as pessoas para as misérias econômica, moral e
espiritual.
Os dois contos mostram bem de que modo o riso literário, em todas as suas
unidades constitutivas (inclusive a do Humor e a da Ironia, das quais aqui evidencia-
mos os extremos paradigmáticos do mico e da Sátira), se configura do primeiro
para o segundo momento na contística de Luiz Vilela: de um riso mais solto menos
comprometido com questões sociais, mas também criticando acidamente as institui-
ções, em especial a Igreja – para a sátira ferina, que denuncia a estrutura da sociedade
e, num oxímoro revelador, a desumanidade humana.
285
QUANTO AO REVESTIMENTO FIGURATIVO
O revestimento figurativo mostra que a obra de Vilela circula por vários es-
paços, seja nas grandes cidades, seja em localidades interioranas, seja mesmo em re-
giões rurais.
Os actantes, evocados com carinho e compaixão, são compostos, na imensa
maioria dos casos, por pessoas comuns, simples, tratadas com proximidade, como se
fossem parentes do narrador e do narratário.
O espaço social em que transitam é quase sempre o da gente miúda da clas-
se média pauperizada: a dona de casa, o gerente de uma pequena indústria que subiu
ao cargo com sacrifícios, o proprietário de uma casa de bom padrão cioso do custo
em conservá-la, o jornalista desempregado, e outros assemelhados. Quanto a esse as-
pecto, o preenchimento actancial, nos dois momentos da contística de Vilela, não so-
freu alteração.
Em suma, quanto ao revestimento figurativo, a obra de Luiz Vilela é um
continuum, seja no espaço enquadrado, seja na conformação dos personagens, seja na
realidade social encenada.
286
A ISOTOPIA TEMÁTICA
A isotopia temática compreende a isotopia mais abstrata que se pode dedu-
zir a partir das isotopias figurativas.
Na análise das fronteiras bíblicas, vimos que entre os dois momentos temos
uma semelhança, com uma discussão ética sendo o pano de fundo sobre o qual os
personagens encenam o seu drama.
No estudo dos contos que tratam dos relacionamentos conjugais, a isotopia
temática também é próxima, pois desemboca na crise de comunicação que afeta os
casais, a incomunicabilidade entre os parceiros e a não-correspondência às expectati-
vas o seu mote permanente.
Como se trata de contos estudados em um mesmo bloco devido à similari-
dade do topos temático, essa isotopia é naturalmente coesa e íntegra.
A verificação da isotopia temática em contos próximos pela discursividade,
no caso a narração pelo diálogo com a estratégia do narrador-ausente, nos mostra, no
conto “Confissão”, o desejo sexual unindo os dois Programas Narrativos que o conto
desenvolve, o mesmo acontecendo no conto “Dez anos”. Aproximamos a esses dois
contos do primeiro momento da contística de Vilela o conto “Freiras em férias”, do
segundo momento. Neste, também, o desejo, o apelo à carne em contraposição ao
espírito, é a abstração comum que une as aspirações das três protagonistas.
Portanto, quanto a esse aspecto, tendo por referência o corpus selecionado,
a ficção de Vilela se apresenta constante.
287
AS SINTAXES SEMIONARRATIVAS
No espaço das estruturas semionarrativas, verificamos as sintaxes narrativa,
actancial e modal, e eventualmente os enunciados elementares da narratividade, ca-
racterizados pelos enunciados de estado, formalizadores do conto de atmosfera, e pe-
los enunciados de fazer, que indiciam a presença de um conto de enredo.
Os atores do nível discursivo, na estrutura semionarrativa, estão desvestidos
da caracterização de gênero e social, apresentando-se como virtualidades que, mani-
pulados, agem e, pela competência da ação, ou por potencial inadequado para agir,
recebem uma sanção, ou eufórica ou disfórica, eventualmente neutra.
Na sintaxe narrativa, percebe-se que os contos de Vilela parecem ser um
instante de pausa entre o passado condicionador do presente narrado, e um futuro no
qual o deslinde se dará, mas cujo desfecho não faz parte do conto. Assim, o diálogo
da trama é recuperação, reflexão e proposição. O Estado Inicial está dado, o Estado
Final está pronto para se dar o conto funciona como um momento neutro, sem
transformação. São muitos os contos assim estruturados, tendendo a compor uma at-
mosfera. Trata-se de um estado de espera entre duas tensões, enquanto o sujeito a-
guarda a obtenção do seu objeto-valor.
Mesmo os contos claramente de enredo, como “Cadela”, parecem retornar
ao ponto de partida: a ação violenta, após exercida, mantém os atores exatamente no
mesmo lugar em que estavam: um diante do outro, todas as feridas anteriores latejan-
do, e sobre as dores o curadas se acrescentam as novas e incruentas feridas do rela-
cionamento.
Nesse sentido, todos os contos de Vilela terminam disfóricos, seja do ponto
de vista dos atores, seja do ponto de vista da patemização do destinatário.
288
DA TIMIA E DA FORIA
A timia e a foria perfazem o continuum da tensividade das paixões no cora-
ção do quadrado semiótico básico na estrutura fundamental do Percurso Gerativo de
Sentido. A timia se refere ao emocional-cognitivo, e a foria se refere ao emocional-
passional.
O jogo entre paixões contrárias é um dos móveis da narratividade, pois in-
dica mudanças de estado, transformações, embates, virtualidades que são atualizadas,
potencializadas e realizadas ou encontram antagonismo, reagem, desmontam-se ou
erguem-se, vitoriosas, sobre o oponente.
Examinamos a tensividade patêmica sempre sob o ângulo dos actantes, mas
os atorializando, revestindo-os da figuração de personagens, para evidenciar a liga-
ção entre a emoção básica e sua ação decorrente.
A variação de enfoques é a regra quando se observa esse aspecto nos contos
de Vilela. Existem atores que agem pela timia, existem os que agem pela foria; exis-
tem os que argumentam com a timia, os que o fazem pela foria tanto no primeiro
quanto no segundo momento.
Podemos dizer que o universo passional da ficção de Luiz Vilela não é mo-
novalente, antes pelo contrário: da timia à foria, e vice-versa, muitas são as gradações
patêmicas – seja para argumentar, seja como móvel da ação que estão presentes nos
seus personagens.
289
OPOSIÇÃO FUNDAMENTAL
O par opositivo do quadrado semiótico básico da narrativa, instaurador da
oposição que constitui a estrutura fundamental sobre a qual se ergue o edifício narra-
tivo, mostra a abstração máxima a partir da qual se estruturam, paradigmaticamente,
todas as oposições que se confrontam no interior narrativo, transpassando as sintaxes
semióticas e todos os revestimentos figurativos, cada nível homologando e reforçan-
do os demais.
O que se percebe, aqui, é que as narrativas de Luiz Vilela estão sempre em-
basadas pelos grandes temas permanentes da cultura humana: a ética, o amor, a mo-
ral, o desejo, a civilização, o sagrado, o tempo. Aliás, de acordo com as proposições
da semiótica greimasiana, não poderia ser de outro modo; mas, evidentemente, a rea-
lização da oposição básica exige recursos narrativos e domínio discursivo para se efe-
tivarem: a coerência da proposta não pode ser quebrada pelo texto final a mímese
interna, como vimos, é a realização mais difícil, e se constitui na exigência primeira e
maior da fatura literária.
Desse teste o conto de Luiz Vilela sempre se desincumbe com louvor, e o
cimento especial que apresenta se configura, no nível discursivo, pela estratégia do
diálogo, enquanto, definidora da literariedade, a fratura no quadrado básico da semio-
se é construída pela emersão da voz do autor piscadela de efeito de sentido que es-
tabelece, para além do enunciatário, diálogo direto com o leitor da narrativa.
COSIDERAÇÕES FIAIS
291
Ao percorrermos os contos de Luiz Vilela que compõem o corpus anotamos
algumas constantes o idioleto do ficcionista: a presença expressiva do diálogo; a
simplicidade enganosa; a representação do cotidiano de pessoas comuns; a atmosfera
rarefeita que se aproxima da crônica literária; o silêncio; a crise de comunicação; o
enfraquecimento do narrador, quando não a sua ausência; a narrativa desdobrando
significados ocultos, como o iceberg proposto por Hemingway; o homem na circuns-
tância do seu momento histórico, quase sempre o do nosso presente; o conto pressu-
pondo um passado, sobre o qual o diálogo reflete, e propondo um futuro, que o conto
escamoteia, deixando-o em aberto.
A significação constituída pela contística de Luiz Vilela se por uma pro-
posição humanista oriunda em uma ética fundada pelo homem no respeito à alterida-
292
de. Essa ética não decorre do religioso, não se impõe por coerção social: ela se funda
na solidariedade entre os homens, na compaixão por todos os seres e na aversão a
qualquer forma de exploração ou violência.
O efeito de sentido decorre do discurso engendrado por meio do percurso
gerativo da significação da narrativa. Para elaborar uma interpretação, nos valemos,
durante a análise dos contos do corpus, também das mensagens implícitas no enunci-
ado, as marcas textuais indiciadoras de significado, por reiteração, por oposição, por
se tornar uma invariante ou, até mesmo, por, ao surgir como uma variação, trazer em
si inscrita a diferença propositora de sentido.
Para analisar mensagens implícitas no enunciado, procedemos, nos contos
referentes aos conflitos de casal, à contagem do número de entradas dos personagens.
Percebemos que os atores que mais vezes se manifestam são os que estão sufocados
pela alteridade com que se defrontam; normalmente, tais personagens contam com a
adesão do narrador. Desse modo, foi possível deslindar a análise do conto “Cadela”,
no qual o ator sufocado é o homem, mas a violência ocorre contra a mulher, que re-
cebe a adesão do narrador.
Nesse conto paradigmático não da discussão do topos bíblico recorren-
te na obra de Vilela, mas também das relações de casal e da interação humana –, ve-
mos reconstituída, após o embate selvagem que representa a sociedade de nossos di-
as, figurativizada em um confronto que se no paraíso paradigmático do homem no
estado de natureza, a ética cristã original. A partir de interdiscursidade com a Bíblia e
a filosofia, o escritor acena com uma utopia que retoma o éden em momento anterior
à queda do homem, que decorreu da sedução pela serpente. A utopia passadista revela
uma visão amarga e irônica do mundo contemporâneo.
Nos contos de Luiz Vilela, a análise da semântica do significado constituído
na utilização do diálogo nos mostra uma polifonia em que se cruzam vozes represen-
293
tativas de extratos sociais específicos e particularizadas pelos sujeitos em cena; o uso
do discurso direto revela uma ideologia antiautoritária no constructo narrativo.
Muitos dos contos dialogados são arquitetados, discursivamente, apenas pe-
los turnos de fala dos atores que dramatizam sua experiência, não havendo nenhum
indício do narrador: o discurso não apresenta didascália alguma, do texto não faz par-
te nenhuma rubrica cênica, sequer verbos dicendi. A essa estratégia narrativa nomea-
mos de narrador-ausente.
Em contos assim construídos percebemos uma fratura desestabilizadora do
par opositivo da estrutura básica, produzindo o que Greimas chamou de imperfeição.
Assim, o poético indica a ideologia do autor: nessa instabilidade, a presença autoral é
instância que, além de manipular a narrativa, como é próprio do autor-implícito, indi-
ca a ideologia do autor que se explicita, faz julgamento dos termos em confronto e
indicia a sua participação na história do seu tempo, diante da qual se posiciona.
Esse conceito de autor que se torna explícito emerge como fratura do tensi-
vo estrutural da narrativa, num movimento que nos parece ainda sem aprofundamento
teórico nos estudos literários. É, no texto ficcional de Vilela, experimentação. E so-
mente se efetiva por trazer inscritas em si as marcas do conhecimento, da coragem e
da ousadia coaduna-se, pois, conforme apresentamos na primeira Secção deste tra-
balho, com os princípios de literariedade esposados pelo ficcionista e pela crítica que
o recebeu.
Em resumo, nosso estudo se valeu de um procedimento comparativo dialé-
tico, orientado no sentido de percorrer a contística de Luiz Vilela, tratar da recepção à
obra, realizar estudo imanente da semiose enunciativa e analisar as instâncias da e-
nunciação.
Nessa trajetória, trabalhamos com a fortuna crítica, a noção de literariedade,
o riso literário, o amor como timia, a religião como foria, o debate literatura engajada
versus literatura autônoma, e o diálogo como estratégia que camufla o enunciador e
294
constitui o narrador-ausente, com o que se revelou como surge, no cerne da ficção de
Luiz Vilela, a voz extradiegética a que nomeamos autor-explícito.
Vimos, em contos construídos com predominância do diálogo qualquer
que seja o estatuto do narrador –, o modo pelo qual a obra de Vilela apresenta polifo-
nia discursiva, incluindo, sem supremacia diante dos personagens, a própria voz auto-
ral. O coral, em uníssono, como que convida o leitor a juntar a sua visão de mundo ao
concerto ficcional. Essa voz extradiegética que emula a voz do autor real constrói a
literariedade e o sentido ideológico da ficção de Luiz Vilela. O diálogo, a polifonia, a
ausência de narrador e mesmo a emersão do autor-explícito compõem um conjunto de
estratégias narrativas e discursivas que apresentam ideário antiautoritário ao permitir
a expressão autônoma e polifônica de vozes milenarmente sufocadas pelas elites.
As margens que guiaram esta pesquisa foram traçadas pela multifacetada
produção contística de Vilela, certa função-autor insistindo em emergir, pedindo res-
postas: o que sou?, de onde venho?, como me identificar? A par dessa inquietação, o
universo humano dos contos configurando o que chamamos a certa altura de arque-
ologia antropológica da alma humana – produzia muitos pontos a exigir estudo.
Na busca empreendida, até se encontrar o autor-explícito como configura-
dor de polifonia na pequena dimensão de um conto, percorremos diversos temas, es-
tratégias narrativas e mecanismos discursivos. Não se pretendeu esgotar o que se tra-
tou, porque o procedimento em zigue-zague buscava incessantemente tão o escla-
recimento para as questões acima, cujas respostas, escorrregadias, ainda teimam em
não se deixarem apreender.
De modo simples, e como guia ao procedimento comparativo estabelecido,
este trabalho indagava se, ao voltar ao conto, em 2002, com A cabeça, Luiz Vilela o
fazia com os mesmos princípios formais, estilísticos e temáticos das suas coletâneas
dos anos sessenta e setenta do século XX. Sob esse aspecto, e não porque Vilela
ainda é autor em franca produção, o que temos como resultado apresenta-se, senão
295
contraditório, imerso mais em dúvidas do que em certezas. Portanto, se uma resposta
parcial pareceria indicar uma pesquisa incompleta, uma resposta cabal seria necessa-
riamente presunçosa, para não dizer um equívoco.
Claro, o que temos aqui é uma leitura: existem outros Vilelas além do en-
trevisto nestas páginas. A crítica é suplemento à obra, que, sob crivo da interpretação,
torna-se monovalente, vira ideologia. A obra de Vilela, a nosso ver, renega tal crista-
lização e nem, evidente está, pretendemos configurar este trabalho com este viés.
Sequer pretendemos, ao cruzar nossa interpretação com depoimentos do autor, res-
tringir novas e contraditórias leituras.
Lembremos de Gide (1972, p. xi), que esperava a explicação de suas obras
do público, pois a arte sempre diz mais do que o que o seu autor nela pretende colo-
car, sendo seu valor tanto maior quanto menor for a parte do autor na obra. Assim,
aqui nos colocamos: os dados foram lançados, o Rubicão ficou para trás.
Cabe ao leitor definir, com os dados apresentados que ora indicam mu-
dança, ora continuidade –, se o que mudou, no segundo momento da contística de
Vilela em relação ao primeiro, indicia um “outro”, ou se o que de novo é desdo-
bramento do “mesmo”, assemelha-se ao homem que traz em si o menino que foi.
Essas considerações nos remetem, como um palimpsesto da memória em
turbilhão, a certa passagem de À sombra das raparigas em flor (Proust, 1988). Ao
aproximar a ficção de Luiz Vilela da obra de Marcel Proust não laboramos uma novi-
dade: Fábio Lucas (2000), em outro contexto, com outro propósito e com outro e-
xemplo, já o fez antes.
O que agora nos ocorre está no segundo volume de Em busca do tempo
perdido, no momento em que Proust, ou o narrador autodiegético do romance, anota:
a maior parte da nossa memória esfora de nós, numa viração de chuva,
num cheiro de quarto fechado ou no cheiro de uma primeira labareda, em
296
toda parte onde encontramos de nós mesmos o que a nossa inteligência
desdenhara, por não lhe achar utilidade, a última reserva do passado, a me-
lhor, aquela que, quando todas as nossas lágrimas parecem estancadas, ain-
da sabe fazer-nos chorar. Fora de nós? Em nós, para melhor dizer, mas o-
culta a nossos próprios olhares, num esquecimento mais ou menos prolon-
gado. (Proust, 1988, p. 196).
Para nós, é assim que a ficção de Luiz Vilela se dá: como uma espécie de
memória do próprio leitor, que recupera, no texto presentificado pela arte do ficcio-
nista, a si mesmo, às suas próprias vivências, o que de si desdenhara, mas se mostra
como a sua melhor reserva humana, que lhe traz emoção quando o seu peito parecia
secar, tornado pedra pelas duras vicissitudes do dia-a-dia. A vida que lateja na ficção
de Luiz Vilela está é em nós mesmos.
Com essa epifania, concluímos nosso trabalho.
Terminada a leitura das muitas faces do humano que os contos de Vilela a-
presentam, retornamos à vida, essa que transcende a imanência do texto literário, mas
que, nos parece, é o cerne e a alma do fogo sagrado feito de coração e tripas que é a
obra de Luiz Vilela.
POST SCRIPTUM
Uma tese é avaliada pelo que apresenta como conteúdo e em decorrência da
forma em que é vazada: seu valor está no que ela é, no que mostra, no que realiza. Nu-
trimos expectativa diversa quanto a este trabalho. Vemos nele importância maior pelo
que ele não é, por aquilo que indicia, mas que não está sob o seu foco imediato. Para
nós, o que aqui se levanta como possibilidade tem tanta importância, se não maior,
quanto o que propriamente a pesquisa mostra. Ou seja, o desenvolvimento de leituras
que completem o que aqui se tocou, o aprofundamento de possibilidades de estudo
acadêmico do que aqui não foi sequer tangenciado, foi tão só mencionado.
Contentar-nos-emos em apontar alguns indícios do que afirmamos.
Ao encerrarmos o item 4.1.6, fizemos uma consideração sobre a forma com
que Luiz Vilela encerra os seus contos, em sua maioria, a nosso ver, em conformidade
com certa lição que ali descrevemos. Esse parágrafo apresenta uma proposição a partir
da qual se pode elaborar toda uma pesquisa, que nos desviaria do objetivo traçado para
esta tese. A indicação, no entanto, fica, como a nos pedir um novo trabalho.
Indagar se também são polifônicos os contos não-dialogados de Vilela (e
cremos que são) é tarefa a ser feita.
A análise das relações da ficção de Vilela com a filosofia, que mencionamos,
mas não exploramos, merece um vasto estudo, trabalho esse que seria da maior rele-
vância. Outro aspecto que não desenvolvemos, mas que pontuou algumas passagens de
298
nosso texto, foi a evocação, aqui e ali, dos romances e das novelas de Luiz Vilela. É
essa uma pesquisa a ser empreendida, um trabalho a ser feito, uma vez que essas narra-
tivas longas, por não pertencerem ao nosso corpus, relativo à contística de Vilela, não
foram “objeto” de análise.
Aqui, também, a terminologia – “objeto” – nos incomoda.
Claro está, a terminologia tem uma história, e é com a definição clara, exata
e a mais asséptica possível dos termos que se estabelece a comunicação humana. Mas
os termos, suas acepções dicionarizadas e o seu uso tem uma história, nascem em de-
terminado momento, refletem uma visão do mundo, carregam para dentro do referen-
cial que as incorpora um viés, quando não preconceitos ou intenções, que podem ser
incompatíveis com a nova nomenclatura.
As ciências naturais que conformaram o mundo moderno foram moldadas
pelo racionalismo e pelo empirismo. Da observação da matéria, da sua dissecação, os
cientistas acumularam conhecimento e produziram o saber. A matéria física que ob-
servavam sob os seus microscópios era, com pertinência, um “objeto”. Trazer o con-
ceito para as ciências humanas pressupõe repetirem-se os “fenômenos” dadas as mes-
mas condições contextuais. Ora, se é verdade palmar que no universo humano irre-
dutível à frieza asséptica de um laboratório as condições se modificam pelo simples
ecoar do tempo, então em Ciências Humanas e o termo chega a nos parecer um pa-
radoxo – a análise definitiva e exata passa a ser quimera insustentável.
Desse modo, nomear de “objeto” uma produção artística é um erro, equívoco
tanto maior porque indica que se trataria de matéria submetida e manipulada pelo críti-
co. Na verdade, a obra de arte é o sujeito do processo: é ela que indica os caminhos de
sua própria análise, é ela que exige um referencial que possa ser produtivo, é ela que
traz em si a vida interpretada, a crítica lhe sendo, tão só, desveladora das intenções
submersas, tanto aquelas que o autor consciente lhe deu, quanto muitas outras que, por
ser vida, a si mesma configurou, à revelia do seu enunciador real.
Esperamos ter mantido, diante da arte literária que abordamos neste trabalho,
a humildade necessária para não ter feito do aparato crítico uma força imperativa re-
299
torcendo o literário como um “objeto” de laboratório. Para nós, em primeiro lugar está
o texto literário; depois, a teoria que deve servir à análise daquele, não o literário
ficar submetido aos ditames prescritos pelo referencial.
Foi com júbilo que encontramos na voz de Algirdas Julien Greimas um alen-
to para a postura que aqui enunciamos, e que nos conduziu durante toda a pesquisa.
Greimas, em passagens mencionadas ao longo de nosso trabalho, nos informa que o
seu projeto semiótico está em construção, e que por isso não deve se impor sobre o
texto que analisa, mas a ele se moldar, para produzir a análise. Em uma nota, reconhe-
ce que o “esquema narrativo canônico [...] não tem, com efeito, nada de universal, [...]
porque se apresenta como construção ideológica” (Greimas e Fontanille, 1993, p. 241;
ver também o prefácio de Greimas e Courtés, no Dicionário de Semiótica, 1983). As-
sim sendo, é histórico, decorrente, sem intenção de trocadilho, das paixões do momen-
to social e cultural que o produziu.
Entretanto, quando as propostas greimasianas eram novidade nos arraiais da
academia tupiniquim, a prática prosélita de alguns de seus adeptos parecia uma mistu-
ra da virulência de seita adventícia com a empáfia de vetusta igreja milenar. A esses
iniciantes na arte da análise de textos ficcionais faltava, estamos vendo, o exemplo da
vida e da obra de Greimas, com a demonstração de que a crítica deve ser exercício de
crítica e de que a prática semiótica não pode transformar em tábula rasa sem media-
ção da inteligência criativa, na interpretação do discurso sob análise a ciência da
constituição exegética do significado.
Felizmente, estamos em outro tempo: parece-nos que, agora, mesmo quando
se analisa o detalhe do detalhe discursivo de um texto, não se perde de vista o efeito de
sentido no conjunto da obra que esse detalhe implica, e que o analista busca explicitar
ou, ao menos, deveria fazê-lo. A esterilidade da análise que não estabeleça as linhas
criativas do autor literário, que não relacione as suas invariantes para delas, homologa-
das pelo próprio texto, verificar o significado constituído e a inserção desse significado
tanto no período histórico de produção da obra quanto, ao longo do tempo, em outros
300
momentos históricos em que a leitura da obra é retomada tal tempo, felizmente, pa-
rece encerrado.
Isso porque uma obra de arte, e em específico a obra literária, não permanece
a mesma ao longo das eras: resultado do humano que nela existe, ela é vida, acumula
em si a interação que manteve com a crítica que produziu com o passar do tempo, tem
em si motivações que se renovam a cada ciclo histórico e novas leituras. A exegese
crítica que procura a fórceps explicá-la se perde, pois o humano é opaco a reduções
quando muito, pode ser entendido.
Ao empreender a leitura dos contos de Luiz Vilela, procuramos apreender
neles o humano e o histórico como faces poliédricas do humano inapreensível na tota-
lidade, conformando o esforço teórico às necessidades para produzir, passo a passo, a
compreensão de algumas vertentes. Valendo-nos de constructos teóricos diversos, bus-
camos neles os vasos comunicantes e eles os têm, pois constructos ideológicos e cul-
turais, devedores da história e da tradição que nos permitissem trafegar de um para
outro, e os vasos comunicantes que com eles estabelecíamos para a análise a que nos
propúnhamos.
Desse modo, procuramos caracterizar, descrever, interpretar e produzir con-
clusões, sempre tendo em vista que a visão que empreendíamos, humana que é, pode
ser confrontada com outra visão, outra descrição, outras conclusões certos de que
nenhuma interpretação perde a validade, desde que não considere o literário como “ob-
jeto”, não intente transformar a taxologia teórica numa taxonomia estéril ou, ainda pi-
or, numa taxidermia, as etiquetas, como cruzes de um cemitério, substituindo o vigor
da obra literária pelo viço morto do animal empalhado.
Claro está, a experiência humana é irredutível a fórmulas, não pode ser cons-
trangida à unicidade a trajetória do homem na terra somente pode ser descrita pela
palavra poética, polissêmica, da arte. O analista passa; a análise que fez, quando muito,
se torna registro, memória, história. O autor também passa, perece; mas a sua obra
perdura, imperecível. Isso porque a análise é suplemento, catalogação, enquanto a obra
é literatura, vida. É pois à obra literária, arte sempre viva, que devemos reverenciar.
Este trabalho pode ser encontrado no Banco de Teses da Unesp:
http://www.biblioteca.unesp.br/bibliotecadigital/
FIM DO PRIMEIRO VOLUME.
RAUER
FACES DO COTO
DE LUIZ VILELA
2º VOLUME
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Ciências e Le-
tras da UNESP de Araraquara, como requi-
sito parcial para a obtenção do título de
Doutor em Estudos Literários.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Gonzaga Marchezan.
ARARAQUARA - SP
ABRIL DE 2006
SUMÁRIO DO 2º VOLUME
Bibliografia ............................................................................ 304
Anexos ................................................................................... 327
Apêndices .............................................................................. 455
Dados biográficos do autor .................................................... 542
Índice de ilustrações, capas de livros e contos reproduzidos .. 543
Índice ..................................................................................... 544
Esta Tese na internet .............................................................. 547
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_______. Entre amigos. São Paulo: Ática, 1983. 111 p. Romance.
_______. o bar. 2. ed. São Paulo: Ática, 1984a. 157 p. Contos.
_______. Os novos. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984b. 222 p. Romance.
_______. Porque escrevo ficção. SLMG, Belo Horizonte, n. 1000, 30 nov. 1985. p. 5.
_______. O inferno é aqui mesmo. [3. ed.] São Paulo: Círculo do Livro, 1988. 233 p. Ro-
mance.
_______. Graça. São Paulo: Estação Liberdade, 1989. 226 p. Romance.
_______. Te amo sobre todas as coisas. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. 75 p. Novela.
_______. O choro no travesseiro. 8. ed. São Paulo: Atual, 2000. 60 p. Novela.
_______. A cabeça. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. 132 p. Contos.
_______. A história do contador de histórias; encontro Luiz Vilela e Dalton Trevisan. In:
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AEXOS
328
ANEXO 1:
BIBLIOGRAFIA DE LUIZ VILELA:
CONTOS:
Tremor de terra.
73
1. ed. Belo Horizonte: edição do autor, 1967.
2. ed. Rio de Janeiro: Lidador, 1967. 164 p. (Coleção “Imago”, dir. Fausto Cunha.)
3. ed. Rio de Janeiro: Gernasa, 1972. 157 p.
4. ed. Pref. Gilberto Mansur; il. Massao Hotoshi. São Paulo: Ática, 1977. 125 p. (Coleção de
autores brasileiros, v. 6.)
5. ed. Pref. Gilberto Mansur; il. Massao Hotoshi. São Paulo: Ática, 1977. 125 p. (Coleção de
autores brasileiros, v. 6.)
6. ed. Pref. Gilberto Mansur; il. Massao Hotoshi. São Paulo: Ática, 1978. 125 p. (Coleção de
autores brasileiros, v. 6.)
7. ed. Pref. Gilberto Mansur; il. Massao Hotoshi. São Paulo: Ática, 1980. 125 p. (Coleção de
autores brasileiros, v. 6.)
8. ed. rev. São Paulo: Publifolha, 2003. 173 p. (Entrev. a Duílio Gomes; orelha por Arthur
Nestrovski; iconografia: capas de livros de Luiz Vilela no Brasil e no exterior.)
1. reimpr. São Paulo: Publifolha, 2003. 173 p. (Entrev. a Duílio Gomes; ore-
lha por Arthur Nestrovski; iconografia: capas de livros de Luiz Vilela no
Brasil e no exterior.) [Esgotado].
o bar.
1. ed. Rio de Janeiro: Bloch, 1968.
2. ed. São Paulo: Ática, 1984. 157 p. [Esgotado].
Tarde da noite.
74
1. ed. São Paulo: Vertente, 1970. 197 p.
2. ed. São Paulo: Ática, 1980. 160 p.
3. ed. São Paulo: Ática, 1983. 160 p.
4. ed. São Paulo: Ática, 1988. 160 p.
5. ed. São Paulo: Ática, 1999. 160 p. [Esgotado].
O fim de tudo.
75
1. ed. Belo Horizonte: Liberdade, 1973. 289 p. [Esgotado].
2. ed. Rio de Janeiro: Record, [Lançamento previsto para 2007].
Lindas pernas.
1. ed. São Paulo: Cultura, 1979. 140 p. [Esgotado].
73
Prêmio Nacional de Ficção de Brasília de 1967.
74
De Tarde da noite, os contos “Ousadia”, “Françoise” e “Tarde da noite” foram premiados no I Concurso
Nacional de Contos do Paraná, de 1968, e “Com os seus próprios olhos”, “As formigas” e “Os sobreviven-
tes” foram premiados no II Concurso, em 1969.
75
O fim de tudo recebeu o Prêmio Jabuti 1974 como melhor livro de ficção do ano.
329
A cabeça.
76
1. ed. Orelha Augusto Massi. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. 132 p.
1. reimpr. Orelha Augusto Massi. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. 132 p.
NOVELAS:
O choro no travesseiro.
1. ed. São Paulo: Cultura, 1979. xx p.
2. ed. Porto Alegre: Mercado aberto, 1985. 58 p.
3. ed. il. Juan José Balzi. São Paulo: Atual, 1994. 60 p.
4. ed. il. Juan José Balzi. São Paulo: Atual, [199-]. 60 p.
5. ed. il. Juan José Balzi. São Paulo: Atual, [199-]. 60 p.
6. ed. il. Juan José Balzi. São Paulo: Atual, [199-]. 60 p.
7 ed. il. Juan José Balzi. São Paulo: Atual, [199-]. 60 p.
8 ed. il. Juan José Balzi. São Paulo: Atual, [199-]. 60 p.
9. ed. il. Juan José Balzi. São Paulo: Atual, 2000. 60 p.
Te amo sobre todas as coisas.
1. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. 75 p. [Esgotado].
Bóris e Dóris.
1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2006.
ROMANCES:
Os novos.
1. ed. Rio de Janeiro: Gernasa, 1971. 157 p.
2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. 222 p.
3. ed. Rio de Janeiro: Record, [Lançamento previsto para 2007].
77
O inferno é aqui mesmo.
1. ed. il. Celso Imperatrice. São Paulo: Ática, 1979. 224 p. (Coleção de autores brasileiros, v.
32.)
2. ed. il. Celso Imperatrice. São Paulo: Ática, 1983. 224 p. (Coleção de autores brasileiros, v.
32.)
[3. ed.] São Paulo: Círculo do Livro, 1988. 233 p. [Esgotado].
Entre amigos.
1. ed. São Paulo: Ática, 1983. 111 p.
78
Graça.
1. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1989. 226 p.
Perdição.
1. ed. Rio de Janeiro: Record, [lançamento previsto 2008].
79
76
Finalista do Prêmio Portugal Telecom 2003.
77
A 3. ed. foi anunciada para 1989 pela Ed. Estação Liberdade, o que não se confirmou.
78
A 2. ed. foi anunciada para 1984 pela Ed. Ática, o que não se confirmou.
79
A Editora Record publicará as novas obras de Vilela, entre as quais uma coletânea de contos inéditos, anun-
ciada para o final de 2007 ou para 2008, e relançará todos os livros que se encontram esgotados.
330
CONTOS INÉDITOS EM LIVRO E QUE FORAM PUBLICADOS
EM PERIÓDICOS A PARTIR DE 2002:
Zoiúda. Folha de S. Paulo, 24 nov. 2002. Mais!, p. 12-13.
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ANTOLOGIAS INDIVIDUAIS:
Contos escolhidos.
1. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978;
2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985. 87 p. [Esgotado].
80
Uma seleção de contos.
1. ed. São Paulo: Nacional, 1986. 64 p. (Col. Passe Livre, v. 62.)
[2. ed. ref.]. São Paulo: Nacional, 2002. 47 p. (Col. Passe Livre, v. 62.)
81
Contos.
1. ed. Belo Horizonte: Lê, 1986. 77 p.
2. ed. pref. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Nankim, 2002. 79 p.
Os melhores contos de Luiz Vilela.
1. ed. Pref. Wilson Martins. São Paulo: Global, 1988.
2. ed. Pref. Wilson Martins. São Paulo: Global, 1997.
3. ed. Pref. Wilson Martins. São Paulo: Global, 2000. 245 p.
O violino e outros contos.
1. ed. São Paulo: Ática, 1989. 85 p. (Contém entrevista de Luiz Vilela.)
2. ed. São Paulo: Ática, 1992. 85 p. (Contém entrevista de Luiz Vilela.)
3. ed. São Paulo: Ática, 1993. 85 p. (Contém entrevista de Luiz Vilela.)
4 ed. São Paulo: Ática, [199-]. 85 p. (Contém entrevista de Luiz Vilela.)
5 ed. São Paulo: Ática, [199-]. 85 p. (Contém entrevista de Luiz Vilela.)
6. ed. São Paulo: Ática, 2000. 85 p. (Contém entrevista de Luiz Vilela.)
Contos da infância e da adolescência.
1. ed. São Paulo: Ática, 1996. 103 p. (Contém entrevista de Luiz Vilela.)
2. ed. São Paulo: Ática, 1997. 103 p. (Contém entrevista de Luiz Vilela.)
80
A 2. ed. foi anunciada para 1984 pela Ed. Francisco Alves, o que não se confirmou.
81
A ed. se apresenta como primeira; dos cinco contos da 1. ed., quatro são mantidos, e um, “Não haverá mais
índios”, é substituído pelo conto “O fim de tudo”.
331
Boa de garfo e outros contos.
1. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
Sete histórias.
1. ed. São Paulo: Global, 2000. 87 p.
Chuva e outros contos.
1. ed. São Paulo: Ed. do Brasil, 2001.
Histórias de família.
1. ed. Intr. Augusto Massi. São Paulo: Nova Alexandria, 2001. 128 p.
Histórias de bichos.
1. ed. São Paulo: Ed. do Brasil, 2002.
ANTOLOGIAS COLETIVAS, TRADUÇÕES
& BIBLIOGRAFIA PASSIVA:
Não listamos as dezenas de antologias com outros autores de que Luiz Vilela participa, tanto
no Brasil quanto no exterior; da mesma forma, não listamos aqui as traduções de seus livros
para outras línguas, nem tampouco os contos publicados em jornais e revistas. No Apêndice
2, apresentamos parte da bibliografia passiva de recepção à obra de Vilela, fortuna que hoje,
provavelmente, passa da casa do milhar.
332
ANEXO 2:
LUIZ VILELA: O FOGO SAGRADO
FEITO DE CORAÇÃO E TRIPAS
Excertos de declarações, depoimentos e entrevistas
de Luiz Vilela, selecionados tendo em vista
deduzir o conceito de literariedade
esposado pelo ficcionista
Sobre conto e ficção
Não tenho definição de conto. [...] Às vezes acho que o conto está mais
próximo do poema do que do romance. (Cortinez, 1969, entrevista inédita,
in Zamboni, [n.p.].)
82
[Um conto nasce] de várias maneiras. Geralmente é uma impressão forte
que ficou dentro da gente e que a gente precisa por pra fora, e então escre-
ve. [...] Às vezes também só tenho uma idéia vaga do que vou escrever, e o
resto eu vou descobrindo enquanto escrevo. (Estado de Minas, 1969; em
resposta a Roberto Drummond.)
Muita gente pensa que o conto, por ser pequeno, é fácil. Isso é uma ilusão.
Exatamente por ser pequeno é que o conto é difícil. São precisos anos de
prática para dominar sua técnica, descobrir seus mistérios, aprender sua
música. Quanto ao confronto com o que se faz lá fora, a gente pode dizer
que é parte desse “melhor conto universal contemporâneo”. [...] O que
mais caracteriza o conto atual, em confronto com o conto clássico, é que
seus limites o mais amplos e indefinidos. maior liberdade de criação.
Do ponto de vista da qualidade, porém, não se pode dizer que houve evolu-
ção, pois, nesse sentido, não evolução. Ninguém vai dizer, por exemplo,
que os contos de Guimarães Rosa são melhores que os contos de Machado
de Assis, a não ser por uma questão de gosto. Todos os dois são grandes e
um escritor é grande em qualquer época. (Anexo, 1971, in Zamboni, [n.p.].)
82
Indicarei desta forma, [n.p.], os textos ainda não publicados e que constam do volume em preparo pelo pro-
fessor José Carlos Zamboni, da Unesp de Assis (tive acesso aos originais por uma especial cortesia do prof.
Zamboni, a quem mais uma vez agradeço). As demais referências constam da Bibliografia.
333
Ficção é a mais profunda e a mais completa forma de expressão do homem.
(Vilela, 1975, inédito, in Zamboni, [n.p.].)
Não tenho conceito de conto. Nunca tive. Isso, no entanto, não me impediu
de escrever mais de uma centena de contos, nem certamente irá me impedir
de escrever outro tanto. [...] A característica essencial do conto de hoje é,
no meu entender, a sua liberdade. O conto pode ser tudo. Mas ele será
realmente o que cada escritor de talento conseguir fazer dele. [...] O conto,
a ficção, é uma bosta de vaca que cai, pouco a pouco, sobre a grama, no en-
tardecer de um cálido dia de verão. (Vilela, 1981, para o SLMG, inédito, in
Zamboni, [n.p.].)
Conto, novela, romance, os três têm para mim o mesmo interesse e a mes-
ma importância, nenhum é mais que o outro. Agora, eles são diferentes, ca-
da um é uma coisa. Particularidade? O romance é grande, o conto é peque-
no, a novela esentre os dois. (Vilela, 1981, entrevista para Editora Ática,
in Zamboni, [n.p.].)
Costumo partir de uma idéia, mas sem a preocupação de me prender a ela,
pronto para tudo o que pintar no caminho. [...] começo a escrever uma
história quando tenho o ritmo dela. Sem ele, é-me impossível escrevê-la.
(Steen, 1982.)
É para expressar minha visão das coisas que eu escrevo, e se entre os vários
gêneros literários escolhi a ficção é porque a considero o mais amplo e o
mais profundo. Na verdade, acho que só a ficção é capaz de expressar to-
das as latitudes e longitudes da alma humana./ [...] / Nada na vida é de gra-
ça. A literatura muito menos. (Sauerbronn, 1985, grifo nosso.)
Quanto ao escritor, creio não existir diferença essencial entre o Luiz Vilela
de ontem e o de hoje. [...] Há uma frase latina, da qual gosto muito que diz:
“A grande arte esconde a arte”. Eu acrescentaria: a pequena, faz questão de
mostrá-la. [...] Eu não tenho projeto nenhum. Qualquer projeto serviria
para inibir minha criação. Eu avanço de livro em livro, ao compasso da vi-
da, e com base na minha experiência. Cada livro é para mim um começo e
um fim. Quando começo um novo livro, procuro esquecer todos os que
escrevi antes e parto para ele como se fosse o meu primeiro. (Massi, 1986.)
Meus diálogos não são reproduzidos, são retrabalhados, recriados. É um pa-
radoxo, parece natural, mas é uma carpintaria. Não é um diálogo de grava-
dor. Todo trabalho é para parecer exatamente simples e natural. A arte está
em parecer natural, reside justamente nisso. [...] Quando o autor interfere
ou seus palpites, ele faz uma literatura moralista, panfletária, que toma
partido. A literatura de boa qualidade deixa a ação transcorrer naturalmen-
te, com liberdade. O autor está em todos os personagens, está na história.
334
[...] Gosto muito de Machado de Assis, na prosa, Carlos Drummond na po-
esia. Eles me influenciaram muito e são autores desta mesma família, que
escrevem com extrema precisão. [...] Eu, realmente, sempre tive esta minha
preocupação, são virtudes estilísticas que nos ensinam os livros de Portu-
guês, de como ser claro e preciso. É uma tradição mineira. (Cunha, 2002,
grifo nosso.)
Sobre conhecimento
Escrever, para mim, é uma conseqüência do que eu vivo: do que eu penso,
sinto, vejo, faço. (Barros, 1967.)
Aos 12 anos, li quase todo o Tarzan, de Edgard Rice Burroughs; alguns li-
vros de Kipling; outros de P. C. Wren (fora montanhas de histórias em qua-
drinhos). Aos 13 anos, Conan Doyle, Sax Rohmer, Júlio Verne, Robert
Louis Stevenson, Dickens, Malba Tahan, Ruy Barbosa, Castro Alves, Plu-
tarco, a Bíblia, a Imitação de Cristo. Aos 14, li Gogol, Tolstoi, Tchekhov,
Montaigne, Voltaire, Balzac, Dumas, Anatole France, Oscar Wilde, Shaw,
Bernanos, Mauriac, Gide, Thomas Mann, Liam O’Flaherty. Aos 15 e 16,
Pascal, Nietzsche, Kierkegaard, Marx, Unamino, Sartre, quase toda a litera-
tura ocidental moderna e, praticamente, toda a literatura brasileira moderna,
e antiga, sem falar na portuguesa. São centenas de autores e livros. Quais as
influências? Sinceramente, não sei. Há, porém, alguns escritores que li na
adolescência e que eu sempre volto a ler. É possível que estejam neles as
principais influências. São Machado, Drummond, Graciliano, Pessoa, T-
chekhov, Kafka, Joyce, Hemingway, Camus e Beckett. (Anexo, 1971, in
Zamboni, [n.p.].)
Shakespeare, Cervantes, Rabelais: três dos meus autores preferidos. Rim-
baud, Pessoa, Eliot: três poetas que leio sempre. Nietzsche, Beethoven, Van
Gogh: três companheiros de caminhada, dos quais nunca me separo. [...]
Machado é o maior prosador brasileiro, Drummond o maior poeta. (Vilela,
1975, inédito, in Zamboni, [n.p.].)
A realidade cotidiana brasileira é a matéria-prima de minha ficção. [...] Eu
nunca escreveria sobre o que não conheço ou o que conheço mal, embora
isso me seja perfeitamente possível. (Vilela, 1981, entrevista para a Editora
Ática, in Zamboni, [n.p.].)
Me lembro de ter descoberto, deslumbrado, um tipo de literatura mais pró-
ximo da vida e da realidade, através, por exemplo, de Graciliano Ramos.
(Coutinho, 1983.)
335
Tive, naturalmente, a influência de muitos autores: uns influenciaram mais
o estilo, outros mais a técnica, outros mais a visão de mundo... Mas eu po-
deria, entre os autores, destacar alguns que me influenciaram, de modo es-
pecial: os brasileiros Graciliano Ramos, Dalton Trevisan e Fernando Sabi-
no; e os estrangeiros Tchekhov e Hemingway. Um pouco depois, Machado,
Gide, Camus, Kafka, Joyce, Faulkner, Bechett... Isso ficando apenas nos
prosadores. Mas, e os poetas? Bandeira, Drummond, Pessoa... E os pensa-
dores? Nietzsche, Kierkegaard, Unamuno... A lista é longa... [...] Tudo me
estimula a escrever. Um conto, uma novela, ou um romance nasce às vezes
da coisa mais insignificante. A gente nunca sabe de onde eles vão nascer. É
preciso estar atento a tudo, ter olhos e ouvidos para tudo. Aliás, o escritor é
exatamente isso: alguém que não perde nada, alguém que tudo observa, tu-
do registra e tudo guarda em sua memória. (Ricciardi, inédito, 1994, in
Zamboni, [n.p.].)
Hemingway é uma das minhas maiores devoções no santuário da literatura,
[...] foi com ele, não com ele, é claro, mas foi principalmente com ele
que eu aprendi a escrever diálogo.. [...] Acredito que o meu estilo seja re-
almente afinado com a nossa época, mas isso não foi uma preocupação. O
estilo é o homem, diz a velha e tão citada frase de Buffon. Nesse sentido,
meu estilo sou eu, meu estilo é o que sou, e o que sou é tudo aquilo com
que nasci e o que fui adquirindo. E é aí que entra a formação literária, os
autores que lemos nos nossos começos. Em meu caso, três autores foram
fundamentais para a formação do meu estilo: Graciliano Ramos, Rubem
Braga e Fernando Sabino. E, abstraindo de mim, me atrevo a dizer que nin-
guém poderá escrever boa prosa no Brasil se não tiver lido esses três auto-
res. E também, com relação ao estilo, a carga genética que todo autor,
como toda pessoa, traz. Eu não fujo à regra. [...] Mandei um dia uma carta a
meu pai, na qual eu perguntava uma porção de coisas. Passados alguns dias,
recebi a resposta: meia página de bloco, mas lá estava, de maneira clara e
precisa, respondido tudo o que eu perguntara. Um verdadeiro nocaute.
(Santos, 2002.)
Nossa matéria-prima é o mundo, o que está acontecendo com as pessoas.
(Rodrigues, 2002.)
Eu lera muito, lera tudo o que mais importava ler, na literatura brasileira e
na estrangeira, e sabia perfeitamente o que era boa literatura e o que não e-
ra. (Santos, 2002, a respeito de sua avaliação, em 1967, do livro Tremor de
terra.)
336
Sobre coragem
Escrever é um modo de participar na formação da consciência e da história
de um povo. (Sol, 1967.)
A linguagem é fundamental, mas linguagem somente não faz um conto.
outras coisas, e é nelas também que o conto pode ser renovado... (Barros,
1967.)
A literatura que eu leio, a que me interessa, é aquela em que há luta, em que
esforço, aquela onde vejo sofrimento na busca de uma verdade. [...] Não
suporto a literatura para fazer a digestão ou para ler antes de dormir. Kafka,
Joyce, Proust, essa é a literatura que me interessa. Não posso imaginar es-
ses autores sentando-se à mesa apenas para ‘escrever um livro’. Por trás do
que escreveram, se nota um homem com toda a sua carga vital. (Cortinez,
1969.)
A boa literatura é sempre perturbadora. [...] A boa literatura é essencial-
mente crítica. Sem ser panfletária, está sempre vigilante, sempre escavando.
no escritor algo de abutre, de advogado do diabo, de pária, de cigano.
(Jornal do Brasil, 1972.)
[Tema ou linguagem, o que é mais importante?] Nenhum componente do
conto é mais importante que outro. Todos têm a mesma importância e estão
indissoluvelmente ligados. É como perguntar, na construção de uma casa: o
que é mais importante, os tijolos ou o cimento? (Vilela, 1981, para o S-
LMG, inédito, in Zamboni, [n.p.].)
[a sua eleição dos temas e personagens estaria uma espécie de denúncia
da vida brasileira?] Creio que sim, e não apenas nos meus contos, mas em
toda a minha ficção. Sem esta denúncia, o autor corre o risco de fazer bele-
trismo, e beletrismo é uma coisa abominável. [...] Para mim a contribuição
que um escritor pode dar à realidade de seu país é contar tudo o que viu.
[...] Um autor que se preza procura sempre ir além de si próprio e com isso
ele está sempre se renovando. É um movimento natural nele, feito de dentro
para fora e não de fora para dentro. [...] Tudo o que não é necessário numa
história o autor deve deixar de fora. [...] Um bom escritor é muita coisa ao
mesmo tempo. [...] A linguagem é o corpo em que se encarna a alma da o-
bra. Que seria a alma sem o corpo? Mas tamm o que seria do corpo sem a
alma. [...] A técnica do escritor seria harmonizar todos os elementos da o-
bra e fazer com que esta se transforme em pura música. (Steen, 1982.)
337
Todos os meus livros, do primeiro ao último, contém experimentos, e não
apenas de linguagem, mas também de estrutura, de ritmo, e tudo o mais que
constitui uma obra. (Pádua e Silva, 1983.)
Eu gostaria que ele [o leitor] compreendesse tudo o que pus no meu livro,
mas sei que isso é difícil. Acho mesmo que é impossível. Então eu gostaria
que, pelo menos, ele compreendesse alguma coisa e que estas coisas fizes-
sem dele uma pessoa melhor, uma pessoa mais sensível e mais inteligente.
Se isso acontecer, eu ficarei muito feliz, e acharei que valeu a pena es-
crever. (Vilela, Para gostar de ler, v. 8, 1983.)
Quando procuro descrever meu processo de criação, sempre parece que es-
tou enchendo lingüiça. O racional é muito pobre para explicar o que a pes-
soa cria não apenas com a cabeça, mas com o coração e com as tripas.
(Coutinho, 1983.)
Acredito que eu tenha um dom para o diálogo, mas para chegar ao ponto a
que cheguei, eu tive de trabalhar muito. Fui aperfeiçoando o meu diálogo
de livro para livro. E sinto que posso ir muito mais longe ainda. E eu quero
ir. [...] Que a literatura influi na sociedade, me parece indiscutível. Mas eu
não enxergo no escritor um papel messiânico. Talvez um papel higiênico...
(Moraes Neto, 1988.)
Minha literatura sempre foi uma literatura essencialmente crítica. O que
não quer dizer que ela seja uma literatura panfletária. [...] Os escritores me-
díocres copiam a realidade. Os grandes partem dela e, com a imaginação,
criam uma nova realidade. (Ribeiro, 1989.)
uma palavra para cada coisa. Escrever consiste em encontrar essa pala-
vra. [...] Eu tenho horror à prolixidade. (Sauerbronn, 1989.)
Tenho horror à política e aos políticos. Nunca pertenci a nenhum partido,
nunca fiz campanha para nenhum candidato, e sou contra o voto obrigató-
rio. [...] A minha preocupação como ficcionista é criar personagens que se-
jam verdadeiros. Se são bons ou maus, bonitos ou feitos, inteligentes ou
burros, isso não interessa. A humanidade é composta de gente de todo tipo.
A ficção reflete a humanidade. (Siúves e Mesquita, 1995.)
Quero mais que entreter apenas. O leitor que se forçar a interpretar pode sa-
ir enriquecido da leitura. Como no fragmento de Heráclito, um filósofo pré-
socrático que gosto muito, acho que o ouro está nas profundezas. É preciso
cavar sempre. (Paulo, 2002.)
Gosto de entremear palavras e silêncios. O não dito muitas vezes diz muito
mais do que o dito. Palavra e silêncio, em meus textos, têm a mesma impor-
tância na tessitura de cada conto ou novela. Quanto ao diálogo, confesso
que, quando eu lia os clássicos, pulava os discursos para chegar logo nas fa-
338
las dos personagens. Era o que mais me interessava. Creio que são minha
marca. [...]tecnicas, há ferramentas. Há como melhorar o texto, compa-
rando o seu com o dos grandes mestres, olhando as aberturas, os finais, os
desenvolvimentos. E lendo, lendo sempre. [...] Quando falo em técnica, no
entanto, não estou querendo dizer que um livro pode ser todo arquitetado,
cerebral. A frio não dá certo. Tem que acontecer no meio da história aquela
coisa chamada de fogo sagrado. (Costa, 2002.)
339
340
ANEXO 4:
REPRODUÇÃO DOS COTOS QUE COMPÕEM O CORPUS:
83
PRIMEIRO MOMENTO:
“Confissão” – TT
“Nosso dia” – TT
“Dez anos” – B
“Tarde da noite” – T
“Cadela” – FT
84
“Para vocês mais um capítulo” – LP
SEGUNDO MOMENTO:
“Freiras em férias” – AC
“Catástrofe” – AC
“Rua da amargura”AC
“A cabeça” – AC
“Noite Feliz” – 2002
“Você verá” – 2005
83
Antecede cada conto, ou conjunto de contos, a capa da coletânea princeps da qual a narrativa faz parte, à
exceção de B, da qual só obtivemos a 2. ed.
84
Reproduzido aqui de Claver (2006, p. 53-57).
341
342
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421
422
423
COTOS DO CORPUS AIDA ÃO
PUBLICADOS EM LIVRO
424
Ano VII - N° X
Dezembro de 2005
Noite Feliz
85
Luiz Vilela
Entre, Pai. Entre, Mãe. Entre, Joaquim. Vô Zeca. Vó Mariquinha. Tio Nunes. Rosa.
Que bom, que bom que vocês vieram - eu estou tão feliz. Vai ser uma noite linda. Vai
ser a noite mais bela de todas. Vamos, sentem, ocupem seus lugares.
E o Pretinho? Por que o Pretinho não veio? Você também devia ter vindo, Preti-
nho. eu te pegava e te punha no colo - você era tão macio, tão quentinho. Miau...
miau... Que saudades, Pretinho...
Sentem, sentem. A senhora está tão bonita com esse vestido, Mãe. Vô, o senhor
não larga seu cigarrão de palha, hem? E o senhor, Tio Nunes, cuidado, não vai contar
aquelas piadas bobagentas. Mariquinha, sabe que a senhora fica muito elegante com
esse coque? E a Rosa? Sempre com esse sorriso... Joaquim, quantos anos, hem? Quan-
tos anos... Muita água passou debaixo da ponte...
E o senhor, Pai? O senhor está o sério; tão calado. Por que o senhor me olha
assim? Por que o senhor não fala nada comigo? Fale, Pai; fale alguma coisa. o fique
me olhando assim. Vocês todos, parem de me olhar desse jeito. Por favor. Meu Deus,
meu Deus... Tem dó de mim... Eu não queria isso, juro que eu não queria...
85
Conto publicado pela primeira vez em dezembro de 2002, em revista cultural do Banco do Brasil e na Página
Literatura, do Jornal “Diário Regional”, de Ituiutaba, MG.
425
Não! Não e não! Onde está sua fibra, menina? Minha fibra? Minha fibra está aqui
- ora, bolas. Pensaram que eu fosse fraquejar? Pois estão muito enganados. Quem vos
fala é a Aristotelina - a Lina. meses que eu venho planejando essa noite; pensam
que eu vou desistir agora? Nunca.
Será uma noite única. Será uma noite sem igual. Nem todas as luzes de todas as
casas juntas da cidade brilharão mais do que esta casa nesta noite de Natal. Nem todas
as luzes de todas as ruas... Ai, Lina, você é impagável; parece que você nunca saiu do
palco. Não saí mesmo: você sabe, uma vez atriz...
Joaquim, lembra daquele Natal em que eu te pedi uma porção de lâmpadas - eu
ia iluminar toda a casa, ia fazer um colar de lâmpadas - e você me trouxe... Ah, meu
Deus... Você me trouxe meia dúzia, Joaquim, meia dúzia de lâmpadas! Então eu falei: o
que eu vou fazer com meia dúzia de lâmpadas? O que eu vou fazer? você... Vo
falou... Eu não lembro... O que você falou?... Eu não lembro... Minha memória... Minha
cabeça...
Noite feliz, noite feliz, o Senhor, Deus de amor, pobrezinho, nasceu em Belém.
Não foi fácil: cada garrafa, um posto. Naquele maior, o sujeito: para quê? Eu: não é da
sua conta. Ele: se eu não souber, eu não posso vender. Eu, então: é para tirar a cera do
assoalho, assoalho de tábuas, casa antiga. Antipático. Depois, no último posto, o rapa-
zinho: e aí, vó, vai virar motorista agora? Vou, eu vou fazer uma viagem pro céu. Então
me leva com você, que a coisa aqui na terra braba. Mas ele foi gentil, ele foi atencio-
so.
Os sinos, eles estão batendo. Missa da meia-noite. Onze e quarenta e cinco.
Quinze minutos. Nunca houve ninguém tão só. Nunca alguém, nesse mundo, se sentiu
tão só. Nem se eu estivesse - eu, eu de gente - nem se eu estivesse num de-
serto de Marte ou lá numa cratera da Lua. Se o telefone tocasse. Se o telefone tocasse,
talvez...
Chega. É hora. A meia-noite se aproxima. Vamos. Noite feliz, noite feliz, o Se-
nhor... Uma garrafa aqui; assim. Outra aqui... Agora essa... Mais essa... E essa... Pron-
to. Que cheiro forte... Podia ser o cheiro de jasmim que antigamente, nas noites de ve-
rão, entrava pela janela aberta e inundava esta sala onde todos nos reuníamos e con-
versávamos e éramos felizes...
Meia-noite. Pego esta caixa; tiro um fósforo; risco e... Eis! O fogo!
426
Convidados: Você verá” - No aniversário de Brasília, que hoje faz 45 anos, oMínimo
publica um conto inédito sobre a capital escrito pelo mestre mineiro Luiz Vilela. Autor de A
cabeça, entre outros títulos, Vilela é um expoente do gênero no Brasil. Boa leitura!
Você verá
Luiz Vilela
Pego um táxi no hotel. São quatro e quinze; o dia ainda está escuro. Nas ruas, ilumi-
nadas, não há quase nenhum movimento: nem de gente nem de carros. A cidade dorme.
O táxi me deixa na rodoviária, que também, a essa hora, está quase deserta, com qua-
se tudo fechado. Mas eu descubro um barzinho aberto e vou até ele.
O dono um simpático senhor de meia-idade, cabelos grisalhos, bigode faz uma
expressão de surpresa ao me ver entrando. Eu explico: meu ônibus é às seis, mas eu não ti-
nha ainda comprado a passagem, e então... Ele sacode a cabeça, concordando. Pergunta o
que eu quero.
"Um cafezinho."
"Cafezinho não tem ainda", ele diz; "mas eu vou fazer."
"Eu espero."
Deixo minha mala, pequena, no chão, empoleiro-me no banquinho e fico esperando.
No bar – um cômodo onde, além do essencial para o bar funcionar, mal cabem as du-
as mesas com cadeiras que nele estão nós dois, e nenhum fala nada enquanto ele faz
o café.
Pendurada na parede uma foto da cidade, uma vista aérea. A foto é grande e está
numa moldura caprichada, de vidro.
Ele despeja a água fervente, e uma fumacinha sobe, espalhando pelo ar o cheiro bom
do carecém-coado. Pega então uma xícara e um pires, brancos, de louça, e põe à minha
frente. Em seguida, puxa para mais perto de mim o açucareiro e um copinho de vidro com as
colherzinhas.
Tomo o primeiro gole. Ele fica à espera, me observando, e então pergunta:
"Está bom?"
"Está", eu digo; "está ótimo."
Ele sorri, contente.
"Mais alguma coisa?"
Olho, através do vidro do balcão, os doces e os salgadinhos; não muito o que es-
colher.
"Um pão-de-queijo", digo.
Ele pega, com o pegador de metal, um pão-de-queijo — o maior, eu noto — e me dá.
"Você é mineiro?", pergunta.
"Por causa do pão-de-queijo?"
"Não, não é por causa do pão-de-queijo: é porque mineiro não perde o trem..."
Eu rio e repito a minha explicação sobre a passagem.
"Você está certo", ele diz, amável.
"E o senhor?", pergunto, para ser educado. "O senhor é daqui?"
427
"Daqui não tem ninguém", ele diz; "todo mundo aqui é de fora."
Eu balanço a cabeça, meio envergonhado da pergunta que fizera, pois...
"Eu vim do norte", ele continua; "eu deixei tudo e vim para aqui; eu deixei até minha
família."
"Sei..."
"Você já conhecia Brasília?", ele pergunta.
"Não; eu vim conhecer agora."
"Gostou?"
"Gostei. Achei a cidade bonita."
"Você foi ao Palácio da Alvorada?"
"Fui."
"E ao Palácio do Planalto?"
"Fui."
"E à Catedral?"
"Também."
E a isso, e àquilo, ele segue perguntando, sem nem me dar tempo de responder o
que eu acho bom, porque algumas coisas que ele me pergunta eu nem sabia que existiam...
"O futuro está aqui", ele diz, enchendo o peito. "Um novo país está nascendo aqui,
nessa cidade."
Eu balanço a cabeça, enquanto como o meu pão-de-queijo e bebo o meu café.
"Um país onde todos terão oportunidade, onde ninguém mais passará fome, ninguém
mais precisará pedir esmola nas ruas. Um país de gente feliz, um país de paz e prosperidade.
Um país, enfim, que é o país com que todos nós, brasileiros, um dia sonhamos."
Eu balanço a cabeça.
"Eu talvez não ver tudo isso, porque estou com sessenta anos e porque isso não
é uma coisa que se faz de um dia para outro; nem de um dia para outro nem de um ano para
outro. Deus, que é Deus, não fez o mundo em seis dias?"
"É", eu digo.
"Então?"
Eu balanço a cabeça.
"Eu talvez não verei; mas você, você que é muito mais novo do que eu, você verá.
Quantos anos você tem?"
"Vinte."
"Vinte. Pois é: daqui a quarenta anos, quando você estiver com a minha idade, quan-
do você estiver com sessenta anos, você vai se lembrar desse dia e de tudo o que eu disse."
Eu balanço a cabeça de modo mais enfático, como a dizer que sim, vou sim, eu vou
lembrar.
"Será um outro Brasil", ele prossegue, entusiasmado, "um Brasil..."
Ele se interrompe com a chegada de uma mulher.
"Pois não, minha senhora...", diz gentilmente.
Eu olho as horas: já são quase cinco. Mastigo e engulo o último pedaço do pão-de-
queijo – o café já acabara –, limpo a boca com o guardanapo de papel, e então pego no bolso
a minha carteira.
"Não", ele diz, espalmando a mão à minha frente: "você não vai pagar nada."
"Por quê?...", eu pergunto.
"É uma homenagem minha", ele diz, sorrindo alegremente; "uma homenagem que eu
faço aos mineiros, e principalmente ao maior deles: o homem que construiu esta cidade."
428
Eu agradeço muito e digo que nunca me esquecerei daquele dia do cafezinho, das
palavras dele e daquele gesto de generosidade.
Pego então minha malinha e despeço-me dele com um forte aperto de mão.
"Boa viagem!", ele diz.
No saguão, outras portas se abriram, algumas pessoas passam com malas, um ôni-
bus chega – a rodoviária começa a se movimentar.
Subo então para a parte de cima. Vejo que os guichês já estão funcionando e que, fe-
lizmente, não há fila. Compro a minha passagem.
Confiro o meu relógio com o da rodoviária: os dois marcam a mesma hora, cinco e
vinte. Mais de meia hora ainda para o meu ônibus.
Tranqüilo, com tudo certo, sento-me numa cadeira e acendo um cigarro. E ali fico,
pensando em muita coisa, e ao mesmo tempo não pensando em nada, enquanto fora o céu
ia, devagarzinho, clareando naquela segunda-feira de abril de mil novecentos e sessenta e
três.
Site oMínimo, Rio de Janeiro, em 21 abr. 2005:
http://nominimo.ibest.com.br/notitia/servlet/newstorm.notitia.presentation.Navigatio
nServlet?publicationCode=1&pageCode=15&textCode=16374&date=currentDate
429
ANEXO 5: COLETÂNEA DE VOZES.
:: COLETÂNEA DE VOZES
A inconfundível habilidade de Luiz Vilela em retratar o meandro das conversas e o subentendido dos
diálogos está mais uma vez presente em seu novo livro, A Cabeça, uma coletânea de contos reuni-
dos de publicações em jornais e revistas dos últimos anos. Contundente nas falas e pouco prolixo, é
fruto indiscutível da linhagem desse mineiro de Ituiutaba, que, aos 60 anos, ainda faz do discurso
direto livre a sua ferramenta de trabalho.
Em A Cabeça Vilela aborda temas que rondam sua obra, desde sua estréia na literatura em 1966,
aos 24 anos. A temperatura alta de um quarto de hospital convida a sobrinha de 15 anos a investi-
gar o corte cirúrgico de seu tio e a se deparar com as nuanças da sensualidade no conto "Calor".
Em "Suzy", novamente um adulto é atormentado por uma ninfeta: ao fugir de um tarado fictício, a
pré-adolescente acaba no apartamento do vizinho, tentando-o com um jogo de palavra e quadris.
Como voyeurs, os leitores são convidados a escutar pelo buraco da fechadura confissões de dese-
jos das celibatárias de "Freiras em férias", que se despem do peso do hábito para vestir a leveza
dos maiôs libertinos. Ousado e competente, Vilela também relê João Guimarães Rosa no conto "A
porta está aberta"; cria sua versão para uma hipotética terceira margem do rio, menos rica em misté-
rios porém farta de significados sobre a morte. Ainda nessa temática, o conto que intitula o livro é
emblemático na ilustração de um povo que, diante de uma cabeça jogada ao chão, toca a vida adi-
ante e faz da morte tema de risadas e boas fofocas.
E dessa maneira se constrói a narrativa de Luiz Vilela, pegando o leitor pelo inusitado. É do choque
entre a normalidade e o imprevisto que os diálogos de A Cabeça se sustentam e, sobretudo, atiçam
a curiosidade do leitor, tornando-o uma mosca bisbilhoteira fadada a observar um mundo à sua ima-
gem e semelhança, tamanha espontaneidade - conquistada - das falas.
Com o reaparecimento de Vilela, fica um conselho aos experimentalistas de plantão: boa literatura
ainda se vale de boas histórias.
< Maurício Moreira é bacharel em Letras pela USP. >
:: A cabeça, Luiz Vilela, Cosac & Naify, São Paulo, 132 págs., (11) 3218-1444, formato 18 x 21cm.
http://www.weblivros.com.br/conto/acabeca.shtml
Acesso em: 14 nov. 2002.
430
ANEXO 6:
CONVITE PARA TELETEATRO COM
CONTOS DE A CABEÇA
(Duas peças: Folder e Release
86
).
86
No release, entre colchetes, informação não presente no original e que foi por nós acrescentada.
431
432
433
ANEXO 7:
DADOS BIOGRÁFICOS DE LUIZ VILELA
434
435
436
437
438
439
440
441
442
ANEXO 8:
ROBERTO DRUMMOND, MURILO RUBIÃO E LUIZ VILELA
CAMINHAM DIANTE DO SLMG, EM BELO HORIZONTE
443
ANEXO 9:
REPRODUÇÃO DE CAPAS DE OBRAS
DE VILELA E ILUSTRAÇÃO
DE UM CONTO
444
445
446
447
448
449
450
451
452
453
Ilustração, na antologia Boa de garfo e outros contos, para o conto “Boa de garfo”.
454
APÊDICES
456
APÊNDICE 1:
QUADRO COCEITUAL PARA QUALIFICAR
A RECEPÇÃO CRÍTICA A UM AUTOR
BRASILEIRO COTEMPORÂEO
Esquema ampliado a partir do quadro proposto na análise à recepção ao romance Entre
Amigos, de Luiz Vilela, em O gênio e o urubu (Rauer, 2001), cf. o Apêndice 3.
A classificação é indicativa: eventualmente, um mesmo texto pode, sob
perspectiva diversa da adotada, ser incluído em outra categoria.
Artigo – comentário crítico de mediana extensão, com uma vi-
são pessoal do articulista sobre a obra.
Chamada – texto na primeira página anuncia matéria interna.
Dissertação trabalho acadêmico de pós-graduação com aná-
lise a partir de teoria pré-existente, destinado à obtenção do tí-
tulo de mestre. Inclui, também, a publicação, em livro, do tra-
balho.
Encomiástico texto laudatório, com intuito único de home-
nagem.
Enquête pesquisa, com o registro, no calor da hora, de im-
pressões populares sobre a obra.
Ensaio estudo analítico maior, produzido por pesquisador
com grande experiência intelectual, com interpretação pessoal
do estudioso.
Entrevista diálogo em forma de pergunta e resposta, às ve-
zes apresentado como narrativa, em que o escritor responde a
perguntas.
Estudo análise produzida a partir de motivação acadêmica, e
inserida em publicação de cunho universitário.
Informativo – textos biográficos ou bibliográficos.
Lista – relação de livros mais vendidos.
Mençãoinformação pequena sobre o autor e/ou sua obra, em
publicação sobre outros autores.
Monografia trabalho acadêmico de graduação ou de espe-
cialização.
457
ota refere-se a pequenas informações, e difere da categoria
“Registro” por trazer algum pequeno comentário do redator do
jornal. Nesses casos, a exigüidade do espaço, ao exigir con-
densação, faz surgirem de comentários anódinos a sínteses
inspiradas.
Registro pequenas publicações informativas e resumos de
release.
Release jargão jornalístico; refere-se a texto de divulgação
enviado pela editora a órgãos de comunicação de massa.
Reportagem texto jornalístico noticioso que mescla dois ou
mais dos seguintes itens: informações factuais, opiniões do au-
tor da matéria, declarações do escritor, informações sobre a
sua obra, dados biobibliográficos e citações de terceiros.
Resenha texto pouco extenso que informa sobre a obra, em
especial sobre o enredo, eventualmente com dados sobre o au-
tor, e que contém algum juízo quanto ao livro, sem aprofundar
na análise.
Resumo pequeno extrato de comunicação em encontro aca-
dêmico ou o extrato de análise acadêmica publicada em outro
veículo; é feito pelo próprio autor do texto de que se faz o ex-
trato.
Tese trabalho acadêmico de doutorado. Inclui a publicação
em livro.
Verbete tópico sobre o autor em manual, dicionário ou enci-
clopédia.
458
APÊNDICE 2:
RECEPÇÃO À OBRA DE LUIZ VILELA,
POR ORDEM DE AUTOR, DE 1967
AOS OSSOS DIAS:
87
ABREU, Caio Fernando. Do fascismo à violência. Istoé, São Paulo, 6 abr. 1983. p. 75. EA.
AGOSTINHO, Maria Cristina. Tarde da noite. Suplemento Literário do Minas Gerais, Belo
Horizonte, 25 jul. 1981. v. 14, n. 773, p. 7.
ALMEIDA, Amylton de. O neoconservadorismo da juventude do interior de Minas. Gazeta
de Vitória, ES, 24 abr. 1983. Livros, s/p. EA.
ALVARENGA, Terezinha. Entre amigos e castelos. Estado de Minas, Belo Horizonte, 13
out. 1983.
ÁLVARES, Odete Maria. O narrador fala pelo outro. Letras & Letras, Uberlândia, MG, mar.
1986. Departamento de Letras, Universidade Federal de Uberlândia, v. 2, n. 1, p. 153-
160. “As neves de outrora”, FT.
ANDRADE, Euclides Marques. A violência segundo Luiz Vilela. Suplemento Literário do
Minas Gerais, Belo Horizonte, 18 jul. 1981. v. 14, n. 772, p. 8.
ANDRADE, Euclides Marques. Tremor de terra. Suplemento Literário do Minas Gerais,
Belo Horizonte, fev. 1968. v. 3, n. 76, p. 9.
ANGIOLILLO, Francesca. Luiz Vilela equilibra perverso e sarcástico. Folha de S. Paulo, 29
jun. 2002. Ilustrada, p. E6. AC.
APPEL, Carlos Jorge. Tremor de terra. Correio do Povo, Porto Alegre, 6 jul. 1968. Caderno
de sábado, p. 11.
AQUINO, Zilda Gaspar Oliveira. A organização do diálogo na obra de Luiz Vilela. In: I
Simpósio de Língua Portuguesa e Literatura – Intersecções.Belo Horizonte: PUCMinas,
2004. v. 1.
87
Bibliografia sucinta. De umas poucas publicações, o recorte não contém a referência completa. De algumas,
citadas por terceiros, não obtive cópia. Em volume em preparo, sem editora e a ser publicado em ocasião a-
inda não definida, consignamos informações mais detalhadas sobre a fortuna crítica de Luiz Vilela. Eventu-
almente, finalizamos a entrada informando a obra que o artigo aborda; do mesmo modo, em algumas entra-
das fazemos constar a categoria do texto, conforme o quadro conceitual do Apêndice 1.
459
ARAÚJO, Lais Corrêa. De novo o "Tremor de terra". Suplemento Literário do Minas Ge-
rais, Belo Horizonte, 1 nov. 1967. v. 2, n. 64, p. 7. Coluna Roda Gigante.
_______. Luiz Vilela - Os novos. Colóquio Letras, Lisboa, Portugal, mar. 1972. n. 6.
ASSIS, Júlio. A dor humana segundo Luiz Vilela. O tempo, Belo Horizonte, 9 dez. 2004. p.
C3. Reportagem.
ASSIS, Júlio. Palavras e silêncios. O tempo, Belo Horizonte, 3 jul. 2002. Magazine, p. 1. AC.
AZEVEDO, Cláudia Chalita. A cabeça. Belo Horizonte, MG: Scripta, PUCMinas, v. 6, n.
12, p. 463-466. 1/1/03. AC - Estudo.
BARBOSA FILHO, Hildeberto. Os novos e a mordaça do silêncio. O orte, João Pessoa,
PB, 14 nov. 1984.
BITTENCOURT, Gilda Neves da Silva. Luiz Vilela: o diálogo no centro da arte de contar.
Porto Alegre, RS: Ciências e Letras, FAPA, n. 34, p.151-160. 1/7/03. Contos - Estudo.
BONADIO, Geraldo. O leitor entra no papo. Assim começa o romance. Cruzeiro do Sul,
Sorocaba, 9 set. 1983. Artes e lazer. EA.
BOSI, Alfredo (org.) O conto brasileiro contemporâneo. 10. ed. São Paulo: Cultrix, 1994.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 33. ed. São Paulo: Cultrix, 1995.
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CAMPOMIZZI FILHO. Os novos. Diário de Minas, Belo Horizonte, 1 jul. 1984.
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CARNEIRO, Sandra Gimenez. O tempo no romance “Graça”, de Luiz Vilela. Aquidauana,
MS, 2003. 72 fls. Monografia (Especialização, Letras, orientadora: profª. Drªnda. Kelci-
lene Grácia da Silva) – Curso de Letras, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
CASTELLO, José Aderaldo. A literatura brasileira - origens e unidade; volume II. São Pau-
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CASTELLO, José. A ironia pós-moderna de Vilela. O Estado de S. Paulo, 29 set. 2002. Ca-
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CLÁUDIO, Ivan. [I.C.] A cabeça. Istoé, São Paulo, 7 ago. 2002. n. 1714, p. 96.
460
CODOSSEIRA, Regina Helena Alves e MOSSINI, Daniela Emmerich de Souza. As estraté-
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DALLA PALMA, Moacir. O suicídio em Luiz Vilela. Caderno de resumos. Guarapuava,
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DAMASCENO, Darcy. Um contista revelado. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 31 mar.
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DIANTONIO, Robert E. Brazilian fiction - aspects and evolution. Fayettevile-London, The
University of Arkansas Press, 1989.
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DOS SANTOS, Estela. Tremor de terra. Brasil / Cultura, p. 16-17, foto, capa. [1970?]. TT -
Artigo. Com tradução do conto "Ninguém": "Nadie". s/l. s/e.
DUARTE, José Afrânio Moreira. Palavra puxa palavra - Entrevistas. São Paulo: Editora do
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461
FERREIRA, Luzilá Gonçalves. Um mestre do conto. Diário de Pernambuco, 15 ago. 1986.
FERREIRA, Yvonélio Nery. A tentativa de apagamento da identidade das personagens dos
contos de “Tremor de terra”, de Luiz Vilela. Uberlândia, MG, 2006. Monografia (Espe-
cialização, Lingüística, orientador: prof. Dr. Cleudemar Alves Fernandes) – Curso de
Letras, Universidade Federal de Uberlândia.
FREITAS, Almir de. A palavra e os outros. São Paulo: Bravo!,n. 59. 1/8/02. AC - Resenha.
Com foto e capa do livro.
GOMES, Duílio. Arquivo. Suplemento Literário do Minas Gerais, Belo Horizonte, ago.
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_______. Um tremor na literatura. Estado de Minas, Belo Horizonte, 21 maio 1997. Espetá-
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GOMES, José Edson. A ficção renovada. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Suplemento do
Livro, 16 set. 1967.
GOUVÊA, Jaime Prado. No Bar. Suplemento Literário do Minas Gerais, Belo Horizonte, 14
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GOUVÊA, Jaime Prado. Os novos, último capítulo. Suplemento Literário do Minas Gerais,
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HOHLFELDT, Antônio. Conto brasileiro contemporâneo. 2. ed., rev. e ampl. Porto Alegre:
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462
JABLONSKI JÚNIOR, Eduardo Victório. Luiz Vilela: um talento desconhecido. Radar,
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JORNAL DE CASA. As verdades (e até a loucura) de Luiz Vilela. Belo Horizonte, 15 maio
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JOSEF, Bella. Cortando fundo para marcar indelevelmente. O Globo, Rio de Janeiro, . 8 jul.
1984.
JUNKES, Lauro. A arte de narrar de Luiz Vilela. Suplemento Literário do Minas Gerais,
Belo Horizonte, 29 nov. 1986. v. 21, n. 1051, p. 10.
_______. Livros & cultura - 210 (coluna). A gazeta, Florianópolis, 11 set. 1983.
_______. O trivial sério ou a superficialidade profunda. A Gazeta, Florianópolis, 12 ago.
1984. Livros & Cultura, p. 2.
_______. Tarde da noite: a ficção do real. Suplemento Literário do Minas Gerais, Belo Ho-
rizonte, 9 jan. 1982. v. 15, n. 797, p. 5.
LABRUNA, Sérgio. O amor e o tempo em Vilela. Correio, Uberlândia, MG, 16 jan. 1998. p.
16.
LAMEGO, Valéria. Cabeça invasiva. Veredas - Revista de Cultura do Banco do Brasil, Rio
de Janeiro, nov. 2002. n. 83.
LEITE, Alciene Ribeiro. Esfacelamento Entre amigos. Suplemento Literário do Minas Ge-
rais, Belo Horizonte, 15 out. 1983. v. 18, n. 889, p. 10.
_______. Luiz Vilela. In: LEITE, Alciene Ribeiro. O livro de (quase) todos. Ituiutaba - MG:
Fundação Cultural de Ituiutaba, 2004. p. 209-211.
_______. O choro no travesseiro. Suplemento Literário do Minas Gerais, Belo Horizonte, 17
ago. 1985. v. 20, n. 985, p. 10.
_______. O inferno é aqui mesmo. Suplemento Literário do Minas Gerais, Belo Horizonte,
12 jan. 1980. v. 14, n. 693, p. 2.
LEITE, Ligia Chiappini Moraes. O foco narrativo. 10. ed. 4. reimpr. São Paulo: Ática, 2002.
LEPECKI, Maria Lúcia Tôrres. Prêmio Nacional de Ficção. O Estado de S. Paulo, 21 out.
1967. Suplemento Literário.
463
LIMA, Luiz Costa. O Conto na Modernidade Brasileira. In: PROENÇA FILHO, Domício
(org.) O livro do Seminário; 1. Bienal Nestlé de Literatura Brasileira. São Paulo: LR E-
ditores, 1982. p. 173-218.
LINHARES, Temístocles. Diálogos sobre o romance brasileiro. São Paulo/Brasília: Melho-
ramentos/Instituto Nacional do Livro, 1978. p. 38-42.
_______. Um diálogo interminável. Folha de S. Paulo. 29 maio 1983.
LISBOA, Heraldo. Registro de leitura. Jornal de Letras, Niterói, maio 1972. 2. caderno, p. 4.
LOPES, Carlos Herculano. O conto na berlinda. Estado de Minas, Belo Horizonte, 22 fev.
2005. Cultura, p. 4.
LUCAS, Fábio. Aspecto da ficção mineira pós-45: Romance de geração. O eixo e a roda,
Revista da UFMG, Belo Horizonte, nov. 1986.
_______. Aspectos da ficção mineira pós-45. In: LUCAS, Fábio. Mineiranças. Belo Hori-
zonte: Oficina de Livros, 1991. p. 190-197.
_______. Do Barroco ao Moderno: vozes da literatura brasileira São Paulo: Ática, 1989.
_______. Ficção mineira pós-45. Leia livros - Leia especial BH, São Paulo, maio 1986. Bra-
siliense, p. 8-9.
_______. O caráter social da literatura brasileira. Rio de Janeiro, RJ: Paz & Terra. 1/1/70. -
Não disponho do texto.
LUCAS, Fábio. O Conto no Brasil Moderno. In: PROENÇA FILHO, Domício (org.) O livro
do Seminário; 1. Bienal Nestlé de Literatura Brasileira. São Paulo: LR Editores, 1982. p.
103-164.
_______. O fim de tudo. In: _______. Crítica sem dogma. Belo Horizonte: Imprensa oficial.
1983.
_______. O talento de Luiz Vilela está aí. Pleno. Jornal da Tarde, São Paulo, 7 out. 1989.
Caderno de sábado, p. 6.
LUCAS, Fábio. Perspectivas ensaísticas de Wania Majadas. In: MAJADAS, Wania. O diá-
logo da compaixão na obra de Luiz Vilela. Uberlândia, MG: Rauer Livros, 2000. Prefá-
cio. p. 9-12.
MACIEL, Luiz Carlos Junqueira. A hora noturna dos urubus. Suplemento Literário do Mi-
nas Gerais, Belo Horizonte, 11 jun. 1983. v. 18, n. 871, p. 11.
_______. Desvelando a morte. Estado de Minas, Belo Horizonte, 25 dez. 2004. Pensar, p. 1.
MAJADAS, Wania de Sousa. O diálogo da compaixão na obra de Luiz Vilela. Prefácio de
Fábio Lucas. Uberlândia, MG: Rauer Livros, 2000. 204 p.
464
MAJADAS, Wania de Sousa. Quando a irreverência e a repetição são marcas de maturidade.
Campo aberto, Ituiutaba, MG, out. 1990. ano 1, n. 1, 2. fase, p. 3.
MALARD, Letícia. O negativo do cotidiano. Estado de Minas, Belo Horizonte, 5 out. 2002.
Pensar, p. 4.
MAMEDE, Maria Helena. Perfil - O jeito de ser e de viver de Luiz Vilela. Diário Regional,
Ituiutaba, MG, 21 jun. 1997. p. 11
MARIA, Gêza. Novo olhar sobre a obra de Luiz Vilela. O popular, Goiânia, 15 jun. 2000.
Caderno 2, p. 3.
MARQUES, Rodrigues. Palavras sob medida. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18 nov.
1967. Suplemento do Livro.
MARTINS, Wilson. Contar e mostrar. O Globo, Rio de Janeiro, 12 out. 2002. Prosa e verso.
_______. Ilusões perdidas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 20 out. 1984. Caderno B, p. 2.
_______. Música de câmara. In: VILELA, Luiz. São Paulo: Global, 1988. Introdução.
MASSI, Augusto. No apartamento. Veja, São Paulo, 11 maio 1983. p. 118.
_______. O demônio do deslocamento In: VILELA, Luiz. Histórias de família. São Paulo:
Nova Alexandria, 2001. Introdução. p. 7-17.
MEDINA, Cremilda. Luiz Vilela: o Brasil em mudança. Aprontem-se os romancistas. Su-
plemento Literário do Minas Gerais, Belo Horizonte, 22 dez 1984. v. 19, n. 951, p. 8.
MELLO, Ana Maria Lisboa de. Caminhos do conto brasileiro. Ciências e Letras, Porto Ale-
gre, jul. 2003. FAPA, n. 34, p.9-21.
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470
APÊNDICE 3:
O GÊIO E O URUBU
COMENTÁRIOS À RECEPÇÃO JORNALÍSTICA DO
ROMANCE ETRE AMIGOS, DE LUIZ VILELA
VERSÃO ORIGINAL
88
88
Versão tal como apresentada como conclusão do Curso de Especialização; inclusive no que se refere à pecu-
liar apresentação gráfica. Nos capítulos sobre a recepção à obra de Luiz Vilela, no corpo da tese, retoma-se –
com um esforço de síntese o que aqui se discutiu, amplia-se o arcabouço teórico e intenta-se corrigir o que
aqui está falho e deficiente. Reproduz-se o texto original para expor em detalhe todos os textos da recepção
ao romance Entre amigos, a partir dos quais se estabeleceu o conceito de literariedade que norteia, ao menos
em parte, algo da análise efetivada no doutorado. A numeração das páginas segue a seqüência original da
monografia. As notas de rodapé constituem acréscimo posterior, no momento de finalização desta tese e
por isso sua numeração dá seqüência à numeração geral.
RAUER
O GÊIO E O URUBU
COMENTÁRIOS À RECEPÇÃO JORNALÍSTICA
DO ROMANCE ETRE AMIGOS, DE LUIZ VILELA
Monografia de conclusão do III Curso
de Especialização em Literatura Com-
parada: Tendências da Literatura Bra-
sileira Moderna, da Universidade Fe-
deral de Uberlândia, redigida sob a ori-
entação da Professora Doutora Joana
Luíza Muylaert de Araújo.
UIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂDIA
2001
Ao amor,
que move os céus e as estrelas.
AGRADECIMETOS
Tantas são as pessoas que contribuíram para o que esse
trabalho possa ter de útil e aproveitável, os defeitos da
monografia devendo, obviamente, ser imputados somente
a mim, que, ao tentar lembrar-me de todas, para a todas
agradecer, as lacunas e omissões me parecem inevitáveis.
De professoras que ministraram as primeiras letras, heroí-
nas perdidas nas brumas do tempo, aos professores do
Curso de Especialização que ora chega ao rmino; de a-
vós carinhosas a tios atenciosos; de uma mãe amantíssima
a filhos que espero perdoem o pai ausente; de companhei-
ros de trabalho na Rauer Livros suprindo minhas lacunas a
autores que li, que não mereceriam, de mim, ao usufruir
suas lições, por minhas deficiências, as falhas que não
soube eliminar deste trabalho; de prestativos funcionários
da UFU, sempre disponíveis, ao escritor Luiz Vilela, que
me enviou, tão logo com ele contatei, a maior parte do ma-
terial utilizado nesse trabalho.
A lista seria infindável.
Nela teriam lugar de honra os colegas do Curso, parceiros
de benéfica troca de idéias, e com os quais, mesmo com
aqueles com os quais as desavenças tornaram impossível o
relacionamento pessoal, muito aprendi; nesse lugar de
honra ocuparia espaço privilegiado o grupo de estudos de
que fiz parte, no qual a mescla de dedicação, bom-humor e
criatividade fez, das obrigações acadêmicas, momentos de
prazer.
Nessa gina de agradecimentos, registro minha gratidão
aos amigos, cujo incentivo tomou tantas e tão diversifica-
das formas que, através deles, anonimamente, registro aqui
a gratidão maior, aquela que me perdoa qualquer involun-
tária omissão ou amnésia.
– Eu só tenho ambições irrealizáveis.
Luiz Vilela
Entre amigos
p. 79
SUMÁRIO
1. A gênese desta monografia
2. Luiz Vilela e a crítica
3. As limitações deste trabalho
4. A fortuna crítica do Entre amigos
5. O gênio e o urubu
6. Bibliografia
7. Apêndices
9
12
18
23
51
59
63
O GÊIO E O URUBU -
6
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AIP -
Autoria Identificada pela Pesquisa.
ANI -
Autoria Não Identificada.
d.i. -
Data incompleta - por padrão foram informadas com o primeiro dia do
mês ou do ano da informação disponível.
EA -
Entre amigos.
[n.p.] -
Não Publicado.
p. -
Página. / Páginas.
s.e. -
Sem informação sobre o Editor.
s.p. -
Sem página [não identificada a p. na qual o texto foi publicado].
segs. -
Seguintes.
SLMG -
Suplemento Literário do Minas Gerais.
UFMG -
Universidade Federal de Minas Gerais.
últ. -
Último (a).
LISTA DE CATEGORIAS E VOCABULÁRIO
A fortuna crítica do romance Entre amigos, de Luiz Vilela, é exposta utilizando-
se as seguintes categorias:
Artigo - Comentário crítico mais extenso, que contém opinião do articulista;
Chamada - Texto na primeira página anuncia matéria nas páginas internas;
Dissertação Dissertação acadêmica que contém análise sobre a obra do au-
tor;
Enquete - Leitores opinam verbalmente sobre o livro;
Ensaio – Estudo analítico mais amplo;
Entrevista O autor responde a questões sobre o seu livro e sobre literatura
em geral;
Lista Relação dos livros mais vendidos;
ota - Informação com pequeno comentário;
Registro - Pequena informação sobre o livro;
Release - Texto promocional preparado pela editora;
Reportagem Matéria jornalística que pode conter um ou mais dos seguintes
itens: informações factuais, declarações do escritor, opiniões do jornalista,
citações de terceiros;
Resenha - Comentário crítico de tamanho reduzido, normalmente restrito ao
enredo do livro.
O GÊIO E O URUBU -
7
Nesse trabalho têm significado específico as seguintes palavras:
Análise - Comentário crítico de maior profundidade.
Capa - Reproduz a capa do livro Entre amigos.
Clipping - Refere-se ao serviço da Editora Ática de coletar pu-
blicações sobre os seus lançamentos, recortando-os
para arquivar.
"Coluna" - Entre aspas, trata-se do nome da coluna na publica-
ção.
Foto - Publica foto de Luiz Vilela.
Ilustração – Contém desenho.
LISTA DOS APÊDICES
Apêndice I Tabela com a listagem dos itens.
Apêndice II – Tabela das publicações por categoria e período.
Apêndice II – Tabela das publicações por categoria e por meses.
Apêndice III – Relação dos módulos, professores e trabalhos realizados
durante o Curso de especialização que chega ao
término com essa monografia.
OBSERVAÇÕES IMPORTATES:
Esta pesquisa baseia-se nos clipping's da Editora Ática enviados a
Luiz Vilela, no arquivo pessoal de Luiz Vilela e em publicações por mim
localizadas.
Não foi possível checar, na origem, as informações bibliográficas
de algumas das publicações e, por isso, em alguns casos essas informações
estão incompletas.
Quando a informação não disponível referia-se à data, foi conside-
rado o primeiro dia do mês ou do ano para aquelas nas quais foi possível
determinar o mês ou o ano; quando houve discrepância nas informações
disponíveis, sem possibilidade de se dirimir a dúvida, indiquei a discre-
pância e considerei, para efeito de registro, a data mais antiga.
A numeração do item indica a seqüência de publicações pela or-
dem de data, conforme o Apêndice II.
A pretensão de cobrir toda a bibliografia do Entre amigos (como
de resto de qualquer livro que tenha distribuição nacional num país das
dimensões do Brasil) é uma meta difícil, talvez impossível de ser alcança-
da, mas creio que esse trabalho registra as principais reflexões produzidas
sobre o romance.
Por fim, em muitos casos, indiquei possibilidades de análise para o
EA que não desenvolveria nesse trabalho. Deixei-os consignados, como
mote para outro pesquisador ou como desafio a mim mesmo numa outra
ocasião.
Caso você saiba de algum texto que aborde qualquer obra de Luiz
Vilela, solicito que me encaminhe a informação bibliográfica através do e-
mail rauer.rau[email protected]m.br ou envie o texto através da Caixa Postal
128, 38300-970 - Ituiutaba - MG. (Rauer)
O GÊIO E O URUBU -
8
RESUMO
Esta monografia apresenta a fortuna crítica ao romance Entre amigos, de Luiz Vilela,
fazendo breves comentários a cada uma das publicações que compõem a recepção à
obra. Para tanto, apresenta categorias que hierarquizam as publicações, tendo por crité-
rios (1
o
) a extensão, dimensão ou tamanho da informação e (2
o
) a originalidade e pro-
fundidade da análise do romance feita pela publicação. Apresenta ao final uma síntese
do horizonte de expectativa que norteou os articulistas que escreveram sobre o Entre
amigos, marcando inclusive as discrepâncias entre eles. A monografia apresenta, ainda,
breves considerações a título de conclusão, mas deixa para um trabalho futuro uma aná-
lise detalhada sobre o romance, uma vez que o foco, aqui, é a recepção da obra.
Palavras-chave:
recepção; fortuna crítica; romance; jornalismo; universidade.
Key-words:
reception; criticism fortune; novel; press; university.
O GÊIO E O URUBU -
9
1. A gênese desta monografia
enhum es-
critor consegue es-
crever alguma coisa
que presta se ele
não acredita no que
escreve.
Então? e-
nhum professor
também consegue
dar boas aulas se
ele não acredita no
que está ensinando.
(EA, p. 44)
Dentre diversos fatores, devo, em especial, a dois professores do Curso de Es-
pecialização em Literatura Comparada da Universidade Federal de Uberlândia, durante
o ano de 2001, a motivação e o incentivo para a realização deste trabalho. Sabendo-me
conterrâneo e amigo pessoal de Luiz Vilela, autor de sua estima, o Professor Roberto
Daud foi incisivo: “Você não pode deixar de fazer um trabalho sobre Luiz Vilela. Com
o acesso que você tem a ele, será mais que uma monografia, será um documento fun-
damental na recepção crítica da obra do Vilela.”
Ponderou, ainda, o Professor Daud, diante da indecisão que me acometia: “É
um autor maior na literatura brasileira; precisamos valorizar e estudar os grandes nomes
de nossa região. Você será”, e do alto de seus quase dois metros, ele apontou o indica-
dor para o meu peito, “você será um criminoso se não fizer esse trabalho.”
Ainda repercutia em mim a incumbência que o Professor Daud, de forma tão
passional, me atribuíra, quando, no último módulo do Curso, convivi com a Professora
Odete Maria Álvares, que também se confessou admiradora da obra de Luiz Vilela.
“O romance Entre amigos”, disse-me ela, “é simplesmente extraordinário. Tra-
ta-se, sem dúvida, de um romance, mas ele quebra, senão todas, várias das característi-
cas que a Teoria da Literatura indica como sendo aquelas conformadoras do gênero.”
Relatei a ela como o fizera antes ao Professor Daud meu temor de fazer
um trabalho sobre um autor com o qual, nos últimos vinte e seis anos, mantivera fortes
laços de amizade. Argumentei a propósito do risco de não manter o distanciamento crí-
tico necessário para um julgamento isento; ponderei que o trabalho estaria sempre imer-
so na dúvida e no questionamento da facciosidade inerente a essa circunstância. Mas os
O GÊIO E O URUBU -
10
argumentos da Professora Odete e os do Professor Daud me fizeram entender que afini-
dades pessoais são perfeitamente contornáveis, para não descambarem na acriticidade,
quando a análise é conduzida por referencial teórico aplicado com critério, sob orienta-
ção capaz de corrigir os erros e defeitos, e também capaz de discernir, e extirpar, o que
não esteja embasado no texto ficcional e na teoria literária, ou seja, o que deriva, tão só,
de sentimento pessoal.
Cabia consultar a Professora Joana Muylaert, indicada orientadora de minha
monografia de final do Curso. Ela entendeu que a proposta de se fazer uma pesquisa
sobre a fortuna crítica de Luiz Vilela era pertinente e que os riscos que eu temia seriam
evitados, dando aval à realização deste trabalho.
Surgiam, aqui, duas questões, com decisões difíceis de tomar:
1. Utilizar somente a Estética da Recepção ou ser mais eclético?
2. Qual o recorte e os limites dessa pesquisa?
Outras questões também deviam ser consideradas: Como escapar à armadilha
de utilizar uma metodologia de análise sem transformá-la numa mera caixa de ferramen-
tas? Qual o critério para estabelecer o corpus da pequisa, uma vez que Luiz Vilela conta
no momento com mais de duas dezenas de títulos publicados? Impossível, claro está,
nos limites de uma monografia de especialização, fazer um amplo, crítico e comentado
panorama da fortuna crítica da obra de Vilela, trabalho para um Mestrado, quiçá para
um Doutorado.
Optamos, Professora Joana Muylaert e eu, por fazer, nessa monografia, o le-
vantamento da recepção crítica de um único título de Luiz Vilela. O critério que elege-
mos foi o de escolher uma obra situada a meio caminho entre os dias de hoje e a estréia
de Vilela em livro. Esse princípio, aleatório como qualquer outro também o seria, pro-
curou uma eqüidistância entre o forte impacto nas letras nacionais do surgimento do
Tremor de terra, em 1967, e os dias de hoje, quando Luiz Vilela é um autor consagrado.
O reconhecimento à obra de Vilela pode ser medido por fatos bastante expres-
sivos: os seus dois últimos livros obtiveram excelente recepção Graça, romance de
1989, foi objeto central, poucos anos depois, da dissertação de Mestrado de Wania de
Sousa Majadas, e a novela Te amo sobre todas as coisas (1994) teve seus direitos nego-
ciados para adaptação cinematográfica. Além disso, o conto “Tarde da noite” (do livro
homônimo, de 1970) acaba de ser apresentado pela Rede Globo, em uma adaptação para
a série Brava gente”, e outros dois contos (“Dois homens” e “Françoise”) foram trans-
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formados em curtas-metragens que vêm obtendo premiações em festivais de cinema,
inclusive no exterior.
Utilizando o critério da obra a meio caminho” entre o presente e a estréia de
Luiz Vilela em livro, encontramos Entre amigos, romance lançado em 1983. Entre ami-
gos foi antecedido, em 1979, por três livros um romance, uma novela e um volume
de contos, e após ele veio o romance Graça.
Definido o objeto da monografia, lembrei-me da discussão de gênero proposto
pela Professora Odete, um debate que pode ser muito fecundo numa leitura do Entre
amigos, e da tese, original e interessante, que surgiu em meus diálogos com o Professor
Daud, sobre o regionalismo universalista dos autores do Triângulo Mineiro (Autran
Dourado, nascido em Patos de Minas, Mário Palmério, mineiro de Monte Carmelo radi-
cado em Uberaba, Martha Pannunzio, de Uberlândia, e Geraldo França Ribeiro, que
nasceu em Araguari).
Além disso, lembrei-me de minha própria impressão sobre esse romance de
Luiz Vilela, sobre o qual não conhecia nenhuma resenha crítica que abordasse o que
considerava o principal eixo de força da obra, a meu ver tecido a partir da conjuntura
política, social, econômica e histórica do Brasil do início dos anos oitenta do século XX.
É a pesquisa da recepção do Entre amigos que apresento a seguir.
Neste capítulo, apresentei, a título de introdução, a gênese que me levou a essa
monografia. No capítulo 2, apresento as relações aparentes entre Luiz Vilela e a crítica
literária, tal como elas podem ser percebidas a partir do Entre amigos e da fortuna críti-
ca do romance. No capítulo 3, apresento o referencial teórico que norteou essa mono-
grafia, delimitando os recortes que foram obedecidos. No capítulo 4, apresento a fortuna
crítica do Entre amigos em sub-capítulos que seguem as categorias criadas para hierar-
quizar a recepção ao romance. No capítulo 5, restringindo-me aos limites determinados
no capítulo 3, faço as considerações finais deste trabalho e aponto algumas questões que
podem ser debatidas a partir do Entre amigos, mas que não são tratadas nesta monogra-
fia.
O GÊIO E O URUBU -
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2. Luiz Vilela e a crítica
– Como que é o
nome do veneno?
perguntou Ezequiel.
Eu vou usar para
alguns críticos.
Quantas horas será
que eles ficarão ca-
gando de dor antes
de morrer?
(EA, p. 65.)
A partir da epígrafe do capítulo, poderia afirmar que, aparentemente, Luiz Vi-
lela não tem apreço pela crítica literária, não importando se ela é acadêmica ou se é jor-
nalística. Seria essa afirmação verdadeira ou tal suposição, mesmo feita na condicional,
corre o risco próprio das generalizações? Seria admissível fazer tal consideração a pro-
pósito do autor se um de seus personagens, conforme o trecho em epígrafe, se refere a
“alguns críticos”? Seria correta essa extrapolação da obra para a vida, do personagem
em determinada circunstância para o pensamento do escritor?
Embora seja tentadora a análise do pensamento de Luiz Vilela sobre a crítica
literária ao longo de trinta e cinco anos de entrevistas, de debates e de toda a sua obra
ficcional, vou me ater neste trabalho, em busca ao menos de respostas parciais às ques-
tões acima, unicamente ao que do Entre amigos e da fortuna crítica do Entre amigos se
pode inferir.
“Inferir” parece-me um verbo que expressa uma atividade de raciocínio e con-
clusão, um processo dedutivo iluminado pelo instinto, uma centelha que brilha solucio-
nando os paradoxos e contradições imersos em uma massa de informação; nesse caso, o
“inferir” utilizado no parágrafo anterior talvez não seja o verbo mais apropriado para a
leitura do Entre amigos, tal a crueldade explícita com que o romance se refere a “alguns
críticos”.
Eis o diálogo que está a certa altura do romance:
Sei que eu hoje não mato nem mais uma barata disse
Marcos. Vocês por acaso já pensaram algum dia no pavor que
uma barata deve ter da gente? A gente deve ser pra elas uma es-
pécie de monstro, o que um monstro antediluviano devia ser pa-
ra o homem das cavernas.
– É...
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Uma noite dessas tinha uma aqui na sala: ela ficou tão
apavorada à hora que me percebeu, tão apavorada que ao invés
de fugir pra longe ela veio e subiu no meu pé.
– Uhhh... – exclamou Leila; – eu desmaiaria na hora.
A semana passada a Rita comprou um remédio pra bara-
ta...
Quê que a barata tinha? perguntou Ezequiel: dor de
cabeça? dor de barriga?
– Um remédio...
E o outro na farmácia lembrou Pipa, quando o far-
macêutico trouxe as bolinhas de naftalina: “Acho que não vou
levar isso não, minha pontaria é ruim.”
– É, essa é boa... disse Marcos. – Mas a Rita comprou um
remédio e pôs no banheiro; quando cheguei, à noite, tinha
umas dez baratas no chão, viradas pra cima, mexendo as perni-
nhas; eu me agachei e fiquei olhando: elas encolhiam e espicha-
vam as pernas, encolhiam e espichavam; era de dor, eu percebi;
deviam estar sentindo uma dor horrível; aquela porção de bara-
tas, grandes e pequenas, espalhadas pelo chão do banheiro se
contorcendo, agonizando; é que eu observei que junto de al-
gumas tinha uma pinta preta no chão: era bosta; elas tinham ca-
gado de tanta dor; imaginaram a violência do veneno? Juro
que eu fiquei com dó; vocês podem achar isso um absurdo ou o
que for, mas eu... Uma hora depois, ao voltar no banheiro, elas
ainda estavam lá se contorcendo. Já pensaram?
Como que é o nome do veneno? perguntou Ezequiel.
Eu vou usar para alguns críticos. Quantas horas será que eles fi-
carão cagando de dor antes de morrer?
Pra que serve barata, hem? perguntou Pipa. unca
ouvi falar que barata servisse pra alguma coisa. Será que serve?
– Tudo nesse mundo tem uma serventia – disse Rita.
– Mas e barata? Acho que é a única coisa que não serve pra
nada.
– Feito certas pessoas... – disse Ezequiel.
(EA, p. 64-65)
Antes de esmiuçar a opinião ácida sobre “alguns críticos” acima exposta, é ne-
cessário apresentar os personagens do romance. Foi também com esse objetivo que fiz
essa longa citação, na qual surgem todos os personagens do Entre amigos: eles são cin-
co e conversam em torno de cervejas e tira-gostos. O romance é o registro desse diálo-
go. A citação mostra a estratégia narrativa de Vilela, que constrói todo o romance atra-
vés do diálogo entre os personagens.
Reponta, no trecho selecionado, de forma sutil, uma justaposição, como duas
faces da mesma moeda, entre Marcos e Ezequiel, que parecem ser, desdobrados e com-
plementares entre si, um alter ego de Luiz Vilela; Marcos, o anfitrião, casado com Rita,
teve, na passagem selecionada, a fala mais longa; Ezequiel, o visitante do Rio de Janei-
ro, ao contrário, fez intervenções incisivas e curtas.
O GÊIO E O URUBU -
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As questões da estratégia narrativa e da composição dos personagens, no entan-
to, serão apenas tangenciadas, porque extrapolam o objetivo desse trabalho. Fiquemos
por enquanto com a crítica, os críticos e o escritor que critica os críticos. Ezequiel é um
iconoclasta de opiniões devastadoras. Um de seus alvos é a vida acadêmica. No entanto,
mantém proximidade com a academia. Interessado em mergulhar nas “lácteas tetas” de
Leila, a jovem e sensual professora do Curso de Letras da pequena cidade que visita,
anuncia:
– Eu poderia conseguir um lugar pra você na Federal.
(EA, p. 105)
Entusiasmada, “os olhos muito abertos” de espanto e alegria, Leila mal acredita
na possibilidade, e pergunta como poderia ser. A resposta:
O atual diretor do Departamento de Letras foi meu pro-
fessor e é muito meu amigo: eu poderia falar com ele.
(EA, p. 105)
É evidente que Ezequiel pode estar blefando com Leila, casada com Pipa, que
saíra um pouco antes a pretexto de que ia “resolver uns negócios” (EA, p. 69) para usu-
fruir um programa a dois após a rodada de cervejas; pode ser que esteja fazendo uma
brincadeira que lhe parece sem maiores conseqüências; pode ser que não pretenda falar
com o diretor do Departamento de Letras ou que saiba das dificuldades práticas para
colocar Leila na Federal”, no Rio de Janeiro mas parece evidente que Ezequiel
mantém vínculos na Universidade.
O jornalismo também é longamente abordado em Entre amigos (EA, p. 8-19).
A sociedade que rodeia os personagens é apresentada ao visitante Ezequiel tendo por
pretexto falar das atividades e da linha editorial dos dois jornais da cidade.
As propostas, as ações e os resultados efetivos dos jornais são criticados sem
piedade. A falta de ética e de escrúpulos dos proprietários, a ausência de uma visão so-
cial crítica, o adaptar-se às conveniências dos poderosos do momento e de leitores des-
preparados e pouco exigentes tudo passa pelo triturador irônico, cínico, “iluminista”
de Marcos e de Ezequiel.
O inventário demolidor culmina com a confissão de Marcos, que anuncia que
queria fazer o “seu” jornal:
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Queria; foi pra isso que eu voltei para aqui. Queria fazer
um jornal que, embora de província, não teria nada de provinci-
ano: um jornal quente, corajoso, agressivo... Um jornal que re-
volucionaria a cidade.
[...]
Imaginem: um jornal que não teria “Sociedade”; não te-
ria “Horóscopo”; não teria... Um jornal como esse poderia
prosperar nessa cidade?
(EA, p. 17-8)
Se estiver certo ao considerar Marcos e Ezequiel como o alter ego do autor,
desdobrado em dois personagens complementares entre si, tenho aqui, salvo engano,
uma relação de desprezo e paixão do criador com a instituição que dá visibilidade públi-
ca à crítica. Parece-me, portanto, haver proximidade e convivência; a relação parece
oscilar entre o fel e o mel.
E a crítica, como recebeu o Entre amigos? A recepção jornalística e acadêmica
ao romance reflete a tensão que está na obra?
Terceiro romance e décimo título individual de Luiz Vilela, Entre amigos foi
lançado dezesseis anos depois que o autor venceu, de forma espetacular, a diversos
“monstros sagrados” da literatura brasileira que concorriam ao Prêmio Nacional de Fic-
ção, em Brasília. Era 1967, Vilela tinha 24 anos e seu livro de contos Tremor de terra
surgiu como uma revelação atordoante.
A biografia de Vilela registra que ele se formou em Filosofia na UFMG, em
Belo Horizonte, trabalhou, em São Paulo, como jornalista, residiu nos Estados Unidos e
na Europa, colecionou os mais importantes prêmios literários brasileiros e fundou com
um amigo, em Belo Horizonte, a Editora Liberdade. Por fim, deixando para trás o cos-
mopolitismo da cidade grande, voltou à sua Ituiutaba, onde se radicou.
Quando surge o Entre amigos, Vilela está com os seus livros publicados pelas
grandes editoras do País, e tem contos traduzidos para o alemão, inglês, espanhol, itali-
ano, polonês e holandês. Aos 39 anos, com um filho recém-nascido e criando vacas lei-
teiras em seu sítio, Vilela entrara para o rol dos grandes da literatura brasileira em
todos os tempos.
A recepção do Entre amigos, medida pelo volume de menções na imprensa,
demonstra esse reconhecimento. O livro, lançado em março de 1983, imediatamente se
transformou no mais vendido de Belo Horizonte. Em sete meses, notas, resenhas e arti-
gos sobre o livro saíram em jornais e revistas de onze Estados, num total de 76 publica-
O GÊIO E O URUBU -
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ções. Nessa pesquisa, constatamos noventa publicações, em doze Estados e 28 cidades,
sendo três no exterior. O release de divulgação, preparado pela Editora Ática, foi publi-
cado, com o copidesque do veículo, em dezesseis jornais.
O noticiário, de pequenos registros a densos artigos, abrangeu cidades nos es-
tados de Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraíba, Piauí, Paraná, Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e o Paulo. Por pelo menos três meses,
Entre amigos permaneceu na lista dos mais vendidos em Belo Horizonte.
No volume I, 1985-1986, do “Portuguese Studies”, editado pelo Modern Hu-
manities Research Association, foi publicado o ensaio “Intertex, interpretant, and ideo-
logy in Luiz Vilela’s Entre amigos”, de John M. Parker, redigido durante estada do crí-
tico na University of Aveiro [Portugal], conforme esclarece observação no final do tra-
balho.
No início de 1984, do mesmo brasilianista, um resumo do ensaio fora publi-
cado, em português, na revista “Colóquio Letras”, de Portugal.
Além dessa numericamente expressiva recepção, importa observar os nomes
que assinaram resenhas e artigos sobre o livro. Entre outros: Alciene Ribeiro Leite, Au-
gusto Massi, Caio Fernando de Abreu, Carlos Menezes, Denise Santana, Edilberto Cou-
tinho, Fábio Lucas, John Parker, Laís Correia de Araújo, Lauro Junkes, Luís Carlos
Junqueira Maciel, Malcolm Silverman, Regina Zilberman, Salim Miguel, Temístocles
Linhares, e Teresinha Alvarenga.
Com uma ou outra ressalva ao autor ou ao livro, ressalvas ora estilísticas, ora
ideológicas, as análises ressaltam a qualidade do texto, o domínio do diálogo, a força
narrativa, a coragem e ousadia do autor. Eis um exemplo que contempla quase todos
esses aspectos:
Vilela ocupa um indubitável lugar de destaque na literatura bra-
sileira [...] / Esta novela [sic] se caracteriza por apresentar ele-
mentos originais, a começar pela escolha da situação narrativa
[...] / Trata-se de uma técnica narrativa antes de tudo dramática
[...] / uma técnica realista levada a seu limite. [...] / o narrador
interfere mais do que devia, sendo levado a opinar sobre as per-
sonagens e a revelar dados íntimos sobre elas, o que, se anima a
história, contradiz o projeto narrativo escolhido e atenua a op-
ção renovadora que estava na origem da obra. / [...] Entre ami-
gos tem o mérito inegável de buscar novas possibilidades narra-
tivas por parte de um escritor de talento. Com isto, Vilela renun-
cia ao que sabe fazer muito bem, embora sem ainda substituí-lo
por algo de qualidade equivalente. O fato não desmerece o escri-
tor, pelo contrário; pois é também mister do artista arriscar-se a
O GÊIO E O URUBU -
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cada nova criação literária. (Zilberman, O Estado de S. Paulo, 9
set. 1983).
Na resenha de Zilberman é possível identificar uma ressalva estilística (“o nar-
rador interfere mais do que devia”) ao lado do reconhecimento das qualidades do autor
(“escritor de talento”); embora o livro seja identificado como “romance” em sua página
de rosto, é nomeado como “novela” sem se discutir a questão de gênero literário; encon-
tra-se elogio (“indubitável lugar de destaque”) e restrição (“sem ainda substituí-lo por
algo de qualidade equivalente”).
Essa é, em síntese, a relação de Luiz Vilela com a crítica, tal como essa relação
surge no Entre amigos e na fortuna crítica do livro: um pêndulo que oscila entre reco-
nhecimento e distanciamento, entre elogio e ressalvas, entre análise certeira e desaten-
ção a detalhes cruciais; aliás, como se entre Ezequiel/Marcos e a academia, o jorna-
lismo e “alguns críticos”: um relacionamento que vai do amor-à-distância ao ódio visce-
ral.
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3. As limitações deste trabalho
O racional é muito
pobre para explicar
o que a pessoa cria
não apenas com a
cabeça, mas com o
coração e com as
tripas.
Luiz Vilela
(Entrevista, Item 38)
Muito pouco foi publicado no Brasil da extensa obra de Hans Robert Jauss, o
teórico que elaborou as primeiras teses da Estética da Recepção. Também muito pouco
foi traduzido e publicado no Brasil dos textos dos demais estudiosos vinculados à Esco-
la de Constança, centro universitário na Alemanha onde Jauss desenvolveu sua carreira
acadêmica. Essa situação, segundo Bordini e Aguiar, decorre da formação positivista
que orienta os estudos literários no Brasil:
O método recepcional é estranho à escola brasileira, em
que a preocupação com o ponto de vista do leitor não é parte da
tradição.
(Bordini e Aguiar, 1988, p.
81)
O que significa, para a Estética da Recepção, preocupar-se com o ponto de vis-
ta do leitor? Parece óbvio afirmar que a literatura não existe sem o texto e sem o leitor,
como parece óbvio entender que o autor do texto está submerso na história e que, i-
gualmente, o leitor está imerso em condicionantes sócio-culturais que definem a leitura.
Mas a inclusão do leitor como categoria importante na metodologia de análise
literária aconteceu somente com a Estética da Recepção, no final dos anos 60 do século
XX. Até então, diz Zilberman (1989; da leitura desse livro extraí as conclusões que a-
presento a seguir), até então as teorias literárias fixavam-se na imanência e absolutismo
do texto seja para interpretá-lo como exercício estético seja para ilações sociológi-
cas ou na preponderância da superestrutura econômica sobre as artes e a literatura.
Jauss, tendo por foco o leitor, inspira-se na fenomenologia de Hans-Georg Gadamer
para formular um método de interpretação do texto literário. Considera também as teses
de, entre outros, Felix Vodicka e Roman Ingarden. Estabelece, ainda, fecundo colóquio
com Wolfgang Iser, também de Constança. Esses diálogos ampliam as teses da Estética
da Recepção.
O ponto de partida de Jauss, retomado de Gadamer, é o conceito de “horizonte
de expectativa”. Esquematicamente, horizonte de expectativa é
O GÊIO E O URUBU -
19
a soma de comportamentos, conhecimentos e idéias pré-
concebidas com que se depara uma obra no momento de sua a-
parição e segundo a qual ela é medida. (Rothe, 1980, p. 10)
A distância entre a expectativa do leitor e o que o leitor apreende como o hori-
zonte do texto literário pode levar a uma “mudança de horizonte” (Rothe, p. 10) do lei-
tor. Diz ainda Rothe que, segundo Jauss, é essa “distância estética” (p. 15), entre texto e
leitor, que faz da arte literária um veículo revolucionário. Esse caráter modificador da
realidade, explica Rothe, provoca a emancipação do leitor e é a medida do valor qualita-
tivo da obra literária. Diz ainda Rothe que Iser e Gumbrecht introduzem nuances nesse
quadro; Iser avança em aspectos fenomenológicos e Gumbrecht, inspirado em teorias da
comunicação, nos aspectos semiológicos.
Nesse trabalho, restringir-me-ei às proposições iniciais da Estética da Recep-
ção. Ao considerar as duas primeiras teses das premissas teóricas de Jauss, que tratam
da historicidade da obra literária e do conceito de horizonte de expectativa, conforme
expõe Zilberman (p. 33-35), diversas possibilidades de análise se abrem ao estudioso da
fortuna crítica de uma obra literária.
Um primeiro horizonte de expectativa pode ser deduzido da crítica literária a-
cadêmica imediatamente anterior ao surgimento do Entre amigos. Outro horizonte que
pode ser reconstituído é o da fortuna crítica do romance, que permitiria formar um qua-
dro da expectativa dos estudiosos no momento do surgimento do Entre amigos.
Retomando, também, a proposição hermenêutica de Gadamer, poderia procu-
rar, no Entre amigos, a pergunta oculta a que o texto procura responder. Desse modo,
pode-se verificar o horizonte de Luiz Vilela para confrontá-lo com o horizonte da críti-
ca; também se pode confrontar o horizonte prévio da crítica com o efetivo exercício da
crítica através do jornalismo.
Esse trabalho, entretanto, vai focar somente a fortuna crítica do Entre amigos.
Assim fica delimitado o seu objeto. De outro lado, vai se restringir somente à questão
do “horizonte de expectativa” da recepção crítica ao Entre amigos. Tal é o limite teórico
que ele se impõe, o que não é pouco nem é estéril, como talvez possa parecer à primeira
vista.
Bordini e Aguiar, por exemplo, trabalham basicamente com o conceito de “ho-
rizonte de expectativa” para transformar a Estética da Recepção em um “método recep-
cional” (Bordini e Aguiar, 1988, p. 83-102) voltado à elaboração de alternativas meto-
dológico-pedagógicas no ensino da literatura.
O GÊIO E O URUBU -
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Com esse objetivo, distinguem, no “método recepcional” que criaram, cinco
etapas a serem aplicadas, visando à formação de leitores:
1. Determinação do horizonte de expectativas;
2. Atendimento do horizonte de expectativas;
3. Ruptura do horizonte de expectativas;
4. Questionamento do horizonte de expectativas;
5. Ampliação do horizonte de expectativas.
O primeiro passo é determinar os valores, crenças, modismos, preferências,
preconceitos e expectativas do grupo social que fará a leitura do texto literário: no caso
específico do trabalho pedagógico, a sala-de-aula; no caso dessa monografia, a crítica
literária. O segundo passo é trabalhar textos que atendam à expectativa do grupo. O ter-
ceiro passo é oferecer à sala-de-aula textos que “abalem as certezas e costumes dos alu-
nos” (p. 89). O quarto passo é analisar as duas experiências de leitura, aquela que aten-
deu à expectativa (2
o
passo) e aquela que rompeu com essa expectativa (3
o
passo). O
último passo decorre dessa análise, pois, a partir dela, Bordini e Aguiar esperam uma
“tomada de consciência” (p. 91) dos alunos, agora, devido à leitura efetuada, com o seu
horizonte ampliado, dispondo de superior exigência estética e maior capacidade de
decifrar o que não é conhecido” (p. 91).
Ocorre, entretanto, que, diante dos 90 itens que compõem a fortuna crítica do
Entre amigos, é necessário hierarquizar os textos, distinguindo notas de ensaios, artigos
de resenhas, entrevistas de reportagens, e assim por diante.
Criar, portanto, categorias que apreendam a especificidade de cada texto da
fortuna crítica e determinem essa hierarquia é um imperativo, apesar das eventuais defi-
ciências, ou até mesmo ambigüidades, que essa estratégia possa apresentar. Ora, se até
mesmo a conceituação dos gêneros literários, questão que mobilizou os mais preparados
talentos do estudo estético na história da humanidade, continua submetida a questiona-
mentos infindáveis, evidentemente a definição de categorias como a que nos propuse-
mos não deve ter o seu resultado erigido em modelo acabado para os fins a que se pro-
põe.
Antes, criar essas categorias é apenas um esforço de análise e entendimento,
uma forma de apresentar e tentar compreender a fortuna crítica da obra de um autor
contemporâneo. Não é um molde científico; tem muito de intuição.
Mas, sendo assim, e considerando as categorias que estão sendo criadas, três
questões se impõem:
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1. Qual o valor exegético que elas têm?
2. Elas devem seguir aspectos formais, exteriores ao texto, ou devem
procurar critérios intrínsecos?
3. Critérios intrínsecos à obra, como originalidade, acuidade psico-
lógica, apreensão de realidades históricas, não seriam de certa
forma insondáveis, subjetivos?
Se a virtude, como diz o brocardo latino, está no meio, parece-me que o equilí-
brio aqui é, tão somente, encontrar instrumentos hermenêuticos capazes de qualificar a
recepção da crítica jornalística e universitária ao romance de Luiz Vilela. Evidentemen-
te, trata-se de uma resposta provisória àquelas três questões, uma vez que a validade do
procedimento somente poderá ser aferida após a sua efetivação.
Sendo assim, eis, então, as categorias vislumbradas na fortuna crítica do livro
de Vilela: artigo, chamada, dissertação, enquete, ensaio, entrevista, lista, nota, registro,
release, reportagem e resenha.
Eis, no contexto dessa monografia, a conceituação desses termos:
Artigo - Comentário crítico de mediana extensão, que contém opini-
ão do articulista.
Chamada - Texto na primeira gina que anuncia matéria nas pági-
nas internas.
Dissertação Dissertação ou tese acadêmica, ou livro derivado des-
ses trabalhos, e que analisa a obra do autor.
Enquete - Leitores opinam verbalmente sobre o livro.
Ensaio – Estudo analítico mais amplo.
Entrevista – O autor responde a questões sobre o seu livro e sobre
literatura em geral.
Lista – Relação de livros mais vendidos.
ota - Informação com pequeno comentário.
Registro - Pequena informação sobre o livro.
Release - Texto promocional preparado pela editora.
Reportagem – Matéria jornalística que pode conter um ou mais
dos seguintes itens: informações factuais, declarações do escritor, o-
piniões do jornalista, dados biográficos, citações de terceiros, etc.
Resenha - Comentário crítico de tamanho reduzido, normalmente
restrito ao enredo do livro.
Este trabalho, portanto, limitar-se-á a interrogar os textos, procurando a ques-
tão a que cada um deles responde; determinará, assim, o horizonte de expectativa da
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fortuna crítica do Entre amigos. A classificação dos textos de recepção ao romance será
feita conforme as categorias acima apresentadas, criadas tão só diante da recepção a este
romance de Vilela e para analisar tal recepção.
Vamos, então, na seqüência, à fortuna do Entre amigos.
O GÊIO E O URUBU -
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4. A Fortuna Crítica do Entre amigos
A bibliografia sobre
Luiz Vilela, que
cobre hoje mais de
três décadas, é ex-
tensa e variada, es-
tando, entre livros,
revistas e jornais,
por volta de algu-
mas centenas de tí-
tulos.
(Majadas,
Item 88, p. 195.)
A opção primeira dessa monografia é pela horizontalidade, ou seja, por vascu-
lhar da mais anódina menção ao Entre amigos ao ensaio mais denso que sobre o livro
se tenha escrito. Pretendo mapear onde, quando e quem escreveu cada linha publicada
sobre esse romance.
É necessário analisar mais de perto as motivações e os objetivos dessa escolha.
De um lado, no Brasil, a literatura não tem, nos meios de comunicação de mas-
sa, uma repercussão condizente com a sua importância na conformação da nossa identi-
dade cultural; de outro lado, o mercado editorial é incipiente e as editoras trabalham de
forma pouco profissional quando comparadas, por exemplo, às corporações do setor
farmacêutico, ou, para voltar ao setor cultural, às empresas do ramo fonográfico.
Vou agora conferir publicação por publicação. Pretendo confirmar, relativizar
ou negar a assertiva de que a recepção jornalística ao Entre amigos foi expressiva. Co-
mo os textos não têm o mesmo peso, a mesma densidade e importância, classifiquei-os
por categoria. Ao compulsar o material sobre o Entre amigos, percebi que podia separá-
lo nas doze categorias elencadas: artigo, chamada, dissertação, enquete, entrevista,
ensaio, lista, nota, registro, release, reportagem e resenha. Cada categoria, conceitua-
da no capítulo 3, está detalhadamente explicada, a seguir, em seu respectivo sub-
capítulo.
No apêndice II está um quadro com a listagem de todas as 90 publicações que
localizei sobre o Entre amigos. Essa listagem está em ordem de publicação, da mais
antiga para a mais recente. Muitas das publicações foram obtidas com Luiz Vilela, que
recebeu os recortes de um serviço de clipping da Editora Ática. Alguns recortes do clip-
ping apresentam inconsistências de informação, e nenhum deles traz a página em que se
O GÊIO E O URUBU -
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localiza o texto na publicação. De algumas, foi possível completar as informações bibli-
ográficas. Indico aquelas que permaneceram incompletas.
Vou expor, nos sub-capítulos a seguir, cada publicação dentro de sua categoria.
Manterei na categoria a ordem de data. Utilizo ordem de apresentação das informações
de referência ligeiramente diferente das da ABNT para facilitar a montagem de cruza-
mentos de dados informatizados. Farei um breve comentário sobre a publicação, repro-
duzirei passagens significativas e acrescentarei as observações que julgar necessárias,
sempre tendo em vista o objetivo de inferir o horizonte de expectativa do crítico, diante
do EA.
4.1
Artigos
Entende-se aqui por Artigo um comentário crítico de mediana extensão e que
contenha uma análise, ou seja, um comentário crítico bem embasado, portador de uma
visão pessoal do articulista sobre a obra de Luiz Vilela. Das 90 publicações sobre Entre
amigos que localizei, considerei que as expostas nesse sub-capítulo se encaixam na ca-
tegoria de artigo.
Vamos ver que contribuição cada um desses artigos trouxe ao entendimento da
obra de Luiz Vilela em geral e, em particular, à compreensão do Entre amigos.
COUTINHO, Edilberto. Quando o transitório adquire valor perene. Rio de Janeiro, O
Globo, 1 maio 1983.
I
TEM
14.
Primeira página do caderno.
Luiz Vilela é um escritor sem medo de dizer. Que tem mensagem
própria e a transmite admiravelmente em linguagem límpida, ob-
jetiva, simples. [...] Amargo, irônico, mas sempre com um olhar
apiedado para suas vítimas, digo, seus personagens, Luiz Vilela
conduz a uma reflexão profunda, ao deflagrar novas visões do
comportamento humano. [...] Uma literatura, realmente, de va-
lor universal, na medida que retrata uma realidade bem nossa,
dos nossos dias e de sempre. Porque Luiz Vilela tem a capacida-
de de transformar em valores artísticos permanentes o circuns-
tancial, o transitório, trazendo em cada livro a marca de um vi-
gor novo.
Esse artigo faz uma mostra da maioria das qualidades que os analistas enfatizam
na obra de Luiz Vilela.
LINHARES, Temístocles. Um diálogo interminável. São Paulo: Folha de S. Paulo, 29
maio 1983.
I
TEM
42.
Seu raciocínio [de Luiz Vilela] tem alguma coisa de croceano,
ao que tudo faz crer, não acreditando muito nem numa Estética
O GÊIO E O URUBU -
25
hedonística (onde o conto ofereceria maiores possibilidades que
o romance), a arte consistindo na beleza pura, nem na Estética
pedagógica, a serviço de qualquer ideologia.
Os gêneros, afinal, não passam de fórmulas didáticas, privadas
de valor filosófico, e o que interessa a Luiz Vilela muito mais é
atentar para a infinita complicação dos valores e desvalores da
vida. O gênero faz do escritor um prisioneiro, obediente a regras
e limitações incompatíveis com a liberdade e desenvoltura das
ações humanas e da própria criação.
Esse artigo tangencia algumas questões fundamentais da ars poetica de Luiz Vi-
lela: o cotidiano mais banal elevado à categoria de arte; a falsa ilusão de que estamos
diante de um roteiro cinematográfico ou peça de teatro; o reflexo, na linguagem, da “so-
ciedade brasileira, seu desenvolvimento social e cultural”; o existencialismo sartreano;
as relações entre alma e corpo, entre espírito e matéria.
Linhares entende que o romance é escrito
sem nenhuma observação à margem, sem nenhum narrador a di-
rigir ou dar rumo àquelas conversas intermináveis e variadas.
Artigo instigante e capaz de abrir muitas reflexões ao estudioso da obra de Luiz
Vilela.
SÁ, Jorge de. Atrás das máscaras. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, 4 jun. 1983.
I
TEM
49.
Rodapé da entrevista O provincianismo do antiprovincianismo (item 47).
Focaliza [...] o que existe de comum a todos os lugares neste
momento da vida brasileira: a banalidade humana. [...] Esse
romance está próximo do teatro, pois o apartamento de Rita e
Marcos é o palco onde a ação se desenvolve em perfeita unidade
de tempo e espaço, num ato, que não existe a tradicional
divisão em capítulos. A quase total ausência do narrador faz
com que aconteça um confronto de caracteres, e é dramatica-
mente que o leitor vai percebendo o grande vazio onde se debate.
Percebemos, assim, que o título não passa de uma grande ironia.
O que existe por trás das máscaras é o nada, esse nada do [sic]
que o ficcionista extrai sua matéria narrativa.
[...]
Entre amigos não foi escrito para agradar enganando, mas para
libertar “nossas palavras que ninguém escutou, nossos gestos
que ficaram acorrentados no escuro”.
Artigo denso, que desvela máscaras e “desce ao porão”, atrás dos personagens.
SALLES, David. Com mais de trinta. Salvador: A Tarde, 5 jun. 1983.
I
TEM
50.
Coluna “Crítica de rodapé”.
O ficcionista Luiz Vilela procura em Entre amigos localizar um
grupo desses seus coetâneos numa cidade de interior do Brasil
[...] e o traz à representação romanesca. Coloca seus persona-
gens a conversar, da primeira à última página, casados, do-
mesticados, “burgueses”, com trabalho, rotina e filho, e duas
O GÊIO E O URUBU -
26
coisas para eles bem piores. Os ex-jovens perderam todas as ilu-
sões e estão com mais de 30 anos, ou seja, passaram a sentir na
pele exatamente as caretices que haviam estigmatizado nas ge-
rações anteriores.
O narrador de Entre amigos deixa que eles se apresentem. Reú-
ne-os numa literalmente prosaica reunião de sábado de noite na
casa de um deles, quando bebem cerveja e pinga e verbalizam a
moral da permissividade egotista que, se parece ser o ideário vi-
tal da geração, nada tem de vital, a julgar pela técnica narrativa
usada por Vilela para expressá-la. Tanto que, levando realismo
e fidelidade às últimas conseqüências, o narrador apenas regis-
tra o diálogo incessante que transita rumo a lugar nenhum.
Após situar sociologicamente os personagens, Salles trata da técnica do roman-
ce. Afirma que o diálogo sem intervenções do ficcionista produz distanciamento de dis-
cutível resultado estético:
a técnica do realismo absoluto trabalha contra a tensão roma-
nesca.
Reconhece que parece ter sido essa a intenção de Vilela. Entende que o autor
tentou uma experiência de renovação formal do romance, mas que essa intenção
não teve ultrapassados os limites precários de uma novelística
de intenções estéticas curtas, isto é, quase descritivas.
Por fim, entende que esse romance de personagens
do huis-clos sartreano, irremediavelmente condenadas a manda-
rem uns aos outros para lugares impublicáveis [...] / [...] revela,
a partir de sua técnica narrativa, intenções de documento.
Artigo fundamental na fortuna crítica do Entre amigos.
MACIEL, Luiz Carlos Junqueira. A hora noturna dos urubus. Belo Horizonte: SLMG
871, 11 jun. 1983, p. 11.
I
TEM
58.
Reproduz a capa do livro.
As personagens dos contos do escritor de Ituiutaba são seres a-
cuados pela perversidade da existência, criaturas egressas do
desespero, da solidão e da perplexidade de viver.
[...]
Luiz Vilela, em seu recente romance Entre amigos, vem trazer
mais uma prova de que o gênero romance não morreu.
[...]
O romance de Luiz Vilela vem ampliar a tessitura do nada, a ar-
quitetura do banal, o drama das vidas sem dramas
a não ser
a tragédia implícita nas vidas amorfas, nas sociedades doentias.
Entre amigos é a dramatização do vazio da classe média brasi-
leira. Uma pequena burguesia que passa horas intermináveis a
bebericar e a falar mal dos outros.
Maciel conclui que o romance de Vilela é
um romance sobre a banalidade da vida,
tal como o personagem Ezequiel diz que quer escrever, muito embora seja
O GÊIO E O URUBU -
27
uma demonstração eficaz de literatura social, dramaticamente
humana ao desnudar o estilhaçamento do humanismo na socie-
dade moderna.
Quanto ao desejo do personagem Ezequiel de escrever um romance sobre a ba-
nalidade da vida, Maciel conclui: “É o romance [EA] de Luiz Vilela.” Ou seja, o ro-
mance como auto-referência metalingüística de si mesmo.
Esse artigo alia informação com profundidade de análise, e sua inconsistência ao
dizer que o livro é “um texto sem pretensões, sem grandes inovações formais”, pois
havia enfatizado que o romance “rompe as fronteiras entre os gêneros narrativo e dra-
mático”, não compromete os seus momentos de grande acuidade na leitura do Entre
amigos.
COUTINHO, Edilberto. Luiz Vilela Entre amigos. Rio de Janeiro: Fatos e fotos –
Gente 1140, 30 jun. 1983.
I
TEM
63.
Com foto de Luiz Vilela.
Romance pungente, verdadeiro, muito bem escrito. [...] O interi-
or que Luiz Vilela retrata na conversa dos amigos tem pressa,
quer avançar, anseia pelo progresso a qualquer custo. E o resul-
tado é que se desumaniza. [...]
Luiz Vilela mostra, em Entre amigos, o novo interior do Brasil
em alguns aspectos, tão poluído e com uma qualidade de vida
tão deteriorada como qualquer cidade denominada grande.
Esse é o segundo artigo de Edilberto Coutinho sobre o Entre amigos em menos
de dois meses.
Coutinho considera que a visão de mundo de Vilela é “cruel, mas não desuma-
na”; é pessimista, mas tem um tempero de indulgência com o ser humano. Nessa passa-
gem, parafraseia artigo de Antônio Carlos Villaça (Suplemento Livro, Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, s.p., s.d. [1973]) publicado a propósito do lançamento do livro O fim de
tudo (contos, 1973):
Um olhar de compaixão rápido, encabulado, ligeiramente oblí-
quo, mas capaz daquela ternura que é a própria salvação da ar-
te. Sim, Vilela crê no ser humano, apesar de tudo...
Talvez Villaça tenha sido o primeiro que notou a compaixão como um dos eixos
centrais da obra de Luiz Vilela. Esse tema viria, depois, a ser longamente estudado por
Wania de Sousa Majadas (item 87). A forma sintética e expressiva de Coutinho assegu-
ra ao artigo um lugar privilegiado na recepção crítica à obra de Vilela.
ZILBERMAN, Regina. Entre amigos, um exercício narrativo. São Paulo: O Estado de
S. Paulo, 9 set. 1983.
I
TEM
68.
Reproduz a capa do livro.
Os principais pontos desse artigo foram reproduzidos no capítulo 2.
Zilberman, numa passagem, afirma que “o narrador interfere mais do que devi-
a”, revelando “dados íntimos” sobre os personagens; entretanto, noutra passagem, diz
que a técnica narrativa
O GÊIO E O URUBU -
28
faz com que as personagens se desvelem unicamente por meio de
ações e de palavras, impedindo a investigação de sua interiori-
dade.
Parece uma contradição, e talvez de fato o seja. Mas o artigo, ao elogiar o ato ar-
tístico como uma busca constante de auto-superação que exige uma atitude permanente
de ousadia, e por ser uma síntese das qualidades e dos pontos fracos normalmente invo-
cados sobre o Entre amigos, é um texto básico na fortuna crítica não desse romance,
mas de toda a obra de Luiz Vilela.
JUNKES, Lauro. Livros & cultura 210. Florianópolis: A Gazeta, 11 set. 1983.
I
TEM
69.
Artigo sem título, identificado pelo nome da coluna.
Acompanhar cinco personagens reunidas numa sala, em torno
duma mesa com cerveja e cigarros, durante algumas horas, num
sábado à noite, e dessa cena quase estática extrair um relato di-
nâmico e dramático é empresa que exige arroje o capacidade.
Pois é o que acontece.
[...]
E a envolver a cena, constantemente manifesta-se a ironia, a
amargura e mesmo o sarcasmo.
[...]
É preciso muita coragem para construir um romance longo so-
bre a banalidade de um diálogo a cinco, tomando cerveja. E
mais ainda para resumir toda a técnica de enunciação no diálo-
go puro. Pouquíssimos escritores o tentaram. Até mesmo o e-
xemplo de um Hemingway se restringe ao conto, como também
acontece com Clarice Lispector e outros.
[...]
Vilela transforma a vida em arte e envolve de artístico o huma-
no.
Junkes uma revolução formal na técnica romanesca de utilizar o diálogo co-
mo única forma de enunciação do romance. Enfatiza que a dimensão do arrojo é tama-
nha que sequer os grandes autores do século XX se arriscaram em tentativa desse naipe
e desse porte. Ao invés de constatar um fracasso, o articulista descobre “a verdadeira
arte literária”.
Menos pelos elogios a Vilela e mais pela abertura para se discutir a interpenetra-
ção de gêneros, um artigo fundamental.
ZILBERMAN, Regina. Entre amigos, um exercício narrativo. Ituiutaba: Cidade de Itu-
iutaba, 13 set. 1983, p. 2.
I
TEM
70.
Reproduz artigo publicado conforme Item 68.
LEITE, Alciene Ribeiro. Esfacelamento Entre amigos. Belo Horizonte: SLMG 889, 15
out. 1983.
I
TEM
74.
O GÊIO E O URUBU -
29
Com foto de Luiz Vilela.
Artigo reproduzido no jornal Cidade de Ituiutaba, com chamada na primeira
página, em 26 out. 1983 (Item 77).
ão se trata de uma peça de teatro, embora a estrutura da obra,
a movimentação num espaço reduzido e os diálogos, fortes, dire-
tos, sejam um bom argumento aos sentidos dos teatrólogos.
[...]
Falo de Entre amigos, romance (romance? Ora, isso não tem a
mínima importância) de Luiz Vilela.
Espaço, personagens, gênero, enredo, tempo, avaliações psicológicas, morais e
estéticas – tudo isso comparece nesse pequeno e aparentemente despretensioso artigo.
LEITE, Alciene Ribeiro. Esfacelamento Entre amigos. Belo Horizonte: SLMG 889, 15
out. 1983.
I
TEM
77.
Artigo reproduzido do SLMG (item 74).
PARKER. John. Luiz Vilela – Entre amigos. Lisboa: Colóquio Letras 84, Fundação Ca-
louste Gulbenkian, março 1985.
I
TEM
79.
Esse artigo contém, resumidos, alguns aspectos do ensaio Intertext, interpre-
tant, and ideology in Luiz Vilelas’s Entre amigos (Item 80).
Entre amigos é um romance em diálogo. Espécie rara com ante-
cedentes setecentistas (Diderot) e dois bem recentes, ambos de
1980 (Maldicion eterna, do argentino Manuel Puig, e Um ro-
mance de geração, de Sérgio Sant’Anna), em relação aos quais o
livro de Vilela apresenta diferenças dignas de nota. Para come-
çar, o personagem que fala não é identificado segundo as nor-
mas dramáticas, mas por meio dum doseamento subtil dos “disse
fulano”, “perguntou sicrano”, “respondeu beltrano”, que mar-
cam a presença do narrador, cujas demais indicações cênicas se
limitam a informações sobre as atitudes e movimentação dos
personagens (“pegou o copo de cerveja”, “Os dois se levanta-
ram”). Quem fornece os pormenores de caracterização (idade,
profissão, aspecto físico, etc.) são as próprias dramatis persona-
e, que em certos momentos também assumem o papel de narra-
dores.
[...]
Como texto dramático, Entre amigos tira proveito das unidades
clássicas de tempo e lugar; como narrativa, oferece a coincidên-
cia invulgar de tempo de texto com tempo de leitura, factor que,
reforçado pela exploração duma linguagem corrente recheada
de coloquialismos, onde não faltam a gíria e as obscenidades,
favorece o clima de realismo que se instala e a adesão do leitor
à realidade que constitui o assunto das conversas.
A força dramática convida a uma leitura do romance através dos
seus personagens, portadores dum mosaico ideológico composto
pelos preconceitos, atitudes e opiniões que eles expressam.
O GÊIO E O URUBU -
30
Parker faz uma leitura intertextual a partir do nome dos personagens, invocando
da Bíblia a obras literárias do cânone Ocidental, com uma ressalva instigante e que mul-
tiplica significados:
o intertexto não é uma alegoria, não exige paridade total de dois
lugares textuais, servindo antes de interpretante, sugerindo pis-
tas para o melhor entendimento das obras, enriquecendo a nossa
recepção dos textos.
Em outra passagem, afirma que o
contexto de referências ao milagre brasileiro e seu descalabro,
fazem da cidadezinha de província um microcosmo metonímico
evidente,
para concluir:
Tudo isso, e mais, encontraremos na escassa centena de páginas
que compõem este livro, que, com uma admirável economia de
recursos, se revela tão rico textualmente.
Artigo fértil em sugestões. Fundamental.
LUCAS, Fábio. Ficção mineira pós-45. São Paulo: Leia Livros – Leia Especial BH,
Editora Brasiliense, 1 maio 1986, p. 8-9.
I
TEM
81.
Com foto de Fábio Lucas.
Artigo também publicado no livro Mineiranças (Item 85), no livro Do Barroco
ao Moderno: Vozes da literatura brasileira (Item 84), e na revista O eixo e a roda, da
UFMG (Item 82).
Ampla análise da ficção produzida em Minas Gerais, com ênfase nas tradições
dos romances intimistas (O amanuense Belmiro é o paradigma) e dos romances de gera-
ção (O encontro marcado, “talvez o livro de maior êxito junto ao público”). Nesse con-
texto, trata de Os novos, livro de Luiz Vilela lançado em 1971, concluindo:
Luiz Vilela voltaria ao tema discussão intelectual existencial
de um grupo com Entre amigos (1983), uma das novelas [sic]
mais bem realizadas da nossa literatura. Puro diálogo, pura
construção dramática, com forte aparência de teatro.
A menção ao Entre amigos resume-se ao parágrafo acima.
LUCAS, Fábio. Ficção mineira pós-45. Belo Horizonte: UFMG, nov. 1986, pp 43 e
segs.
I
TEM
82.
Ver itens 81, 84, e 85.
LUCAS, Fábio. Do Barroco ao Moderno: Vozes da literatura brasileira. São Paulo:
Ática, 1989.
I
TEM
84.
Ver itens 81, 82 e 85.
O capítulo 8, “Aspecto da ficção mineira pós-45: romance de geração”, repro-
duz, com modificações, o artigo Ficção mineira pós-45 (item 80). Sobre Entre amigos,
acrescenta ao texto original:
O GÊIO E O URUBU -
31
O cenário agora não é mais Belo Horizonte, mas a cidade do in-
terior (Ituiutaba?) que cresceu, tem sua faculdade de letras e
seus jovens professores. Um retrato da violenta urbanização que
se verificou no Brasil nos últimos tempos, com a improvisação
de tudo, inclusive dos órgãos educacionais. (p. 163)
LUCAS, Fábio. Ficção mineira pós-45. In: Mineiranças.
I
TEM
85.
Ver itens 81, 82, e 84.
Esse livro reúne estudos que abordam aspectos culturais, literários e econômi-
cos de Minas Gerais.
SILVERMAN, Malcolm. Protesto: romance contemporâneo brasileiro. (Trad. Carlos
Araújo.) Porto Alegre/São Carlos: Ed. UFRGS/Ed. Univ. de São Carlos, 1995. 3.
ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
I
TEM
87.
Luiz Vilela, bem conhecido pelos seus contos e pela sua recria-
ção verossímel de diálogos, aqui consegue desnudar completa-
mente o gênero romanesco. Em vez da intervenção onisciente,
aparece somente a interação verbal de cinco figuras, durante
uma reunião noturna. A elaboração da trama é mínima.
[...]
A comédia humana em todos os seus detalhes (isto é, medos e
ansiedades de envelhecer, perder o cabelo e ficar obeso). Os diá-
logos canalizam, em nível universal, a tragédia implícita da
crescente vacuidade do estilo da vida atual.
Silverman ainda o romance como uma metonímia do Brasil “em nível nacio-
nal” e uma sátira ao Milagre Econômico Brasileiro e à caça às bruxas efetuada por mo-
ralistas simplórios.
Bela apresentação ao livro de Vilela.
MASSI, Augusto. O demônio do deslocamento. In: Luiz Vilela, Histórias de família.
São Paulo: Nova Alexandria, 2001. p. 7-17.
I
TEM
87.
Apresentação da obra de Luiz Vilela, em especial os seus contos, mas também
aborda o Entre amigos.
O crítico feroz da face conservadora também sabe captar os es-
tragos provocados pela modernização. [...] o escritor investiga
tanto as formas de vida em via de desaparecimento quanto a e-
xistência de uma nova sociabilidade urbana.
4.2 Chamadas
Alguns textos receberam chamada de capa nos jornais em que foram publica-
dos. Eis aqui esses destaques.
O GÊIO E O URUBU -
32
JORNAL DE CASA. Luiz Vilela, um romancista Entre amigos. Chamada para a repor-
tagem As verdade (e até a loucura) de Luiz Vilela (Item 30). Belo Horizonte: Jornal
de casa, 15-21 maio 1983.
I
TEM
31.
Traz foto de Luiz Vilela. Autoria não identificada (ANI).
Dia 20, o escritor estará em Beagá para o lançamento de seu
novo romance, Entre amigos, um dos livros mais vendidos na
cidade. 2
o
Cad.
SILVA, Antônio de Pádua e. Luiz Vilela lança seu livro Entre amigos. Chamada para a
entrevista Luiz Vilela, hoje, no Teatro de Bolso (Item 56). Uberlândia: Primeira Ho-
ra, 08 jun. 1983.
I
TEM
55.
Traz foto de Luiz Vilela. Autoria identificada através dessa pesquisa (AIP).
Depois de ter feito lançamentos em Ituiutaba, Rio de Janeiro e
Belo Horizonte, Luiz Vilela vem a Uberlândia trazendo seu últi-
mo trabalho literário, que tem tido boa receptividade da crítica
de jornais e revistas. [...] esta edição, entrevista exclusiva com
o escritor.
RAUER. Entre amigos. Chamada para o artigo Esfacelamento Entre amigos, de Alciene
Ribeiro Leite (item 77). Ituiutaba: Cidade de Ituiutaba, 26 out. 1983.
I
TEM
76.
AIP. A palavra “perdoa”, na última frase, saiu, no jornal, grafada erroneamente
como “perdeu”, o que inverte o sentido original da articulista.
Reproduzimos em nossa edição de hoje um artigo de Alciene Ri-
beiro Leite, publicado no Suplemento Literário do Minas Gerais
de 15 de outubro de 1983, onde a escritora ituiutabana comenta
o último livro de Luiz Vilela, Entre amigos, quando constata: “a
mediocridade do meio ambiente, pegajosa, não perdoa nem aos
mais conscientes dela”.
4.3 Dissertações
Reúne-se na categoria Dissertação a dissertação acadêmica que tratou, em di-
versos momentos, do romance Entre amigos. Registra-se aqui, também, a publicação,
em livro, dessa dissertação.
MAJADAS, Wania de Sousa. O diálogo da compaixão na obra de Luiz Vilela. Disser-
tação de mestrado. 159 f.
I
TEM
86.
Dissertação de mestrado defendida na UFG Universidade Federal de Goiás,
campus de Goiânia, em 1993.
MAJADAS, Wania de Sousa. O diálogo da compaixão na obra de Luiz Vilela. Uber-
lândia: Rauer Livros, 2000, 204 p.
O GÊIO E O URUBU -
33
I
TEM
88.
Prefácio de Fábio Lucas.
Livro é a dissertação de mestrado (Item 86), revista e ampliada.
Analisa os livros de Vilela lançados até 1989, num total de dez tulos, porque
desconsidera, por redundantes, as antologias.
Utiliza-se de Bakhtin e de Bachelard, realizando uma análise através de intertex-
tualidade restrita, ou seja, interna à própria obra do autor estudado.
Entre amigos aparece citado ou como objeto de análise, principalmente, nas pá-
ginas 15, 27, 28, 29, 88, 123, 125, 129, 151, 160, 172, 173, 174, 175, 187, 191, 193 e
198.
O recenseamento dessas páginas é meramente ilustrativo e estatístico, porque o
livro de Majadas, devido à sua organicidade interna, deve ser lido em sua totalidade.
As passagens sobre o Entre amigos lançam luzes sobre o conjunto da obra, mas
a análise central concentra-se no romance Graça.
Especificamente sobre Entre amigos, Majadas observa:
Entre alfinetadas dolorosas, regadas a cerveja, e um consumo
voraz de amendoim torrado e porções de lingüiça calabresa, os
amigos vão desenvolvendo um diálogo com aparência de inocen-
te, mas, na verdade, perturbador e instigante; um diálogo movi-
do principalmente pelo desejo de desmascarar o jogo das rela-
ções humanas e que chega a atingir estágios de crueldade.
Se conhecêssemos apenas esse livro de Luiz Vilela, poderíamos
ficar com a impressão de que sua obra é norteada pela agressi-
vidade, pela secura e pela ausência de ternura pelo ser humano.
ão é assim. (p. 28)
Majadas vê Ezequiel como alter ego do escritor Luiz Vilela (p. 27-28 e 123), en-
tende que “a fronteira entre o gênero narrativo e o dramático é rompida” (p. 88), desco-
bre, em meio ao diálogo incessante “entre amigos”, a importância do silêncio (p. 123-
125) e a solidão intrínseca de cada ser humano (p. 151).
Como não poderia deixar de ser, ressalta, no Entre amigos, o debate sobre o que
é a escrita, a criação literária e a estética (p. 171-175).
4.4 Enquete
MARTINS, José.
I
TEM
44.
Assim que lançado, Entre amigos ocupou por pelo menos três meses a lista dos
livros mais vendidos em Belo Horizonte, segundo consta em relações de best-sellers do
SLMG e do jornal “Estado de Minas”, sub-capítulo 4.7, a seguir. O sociólogo José Mar-
tins, pesquisador que à época trabalhava na Fundação João Pinheiro, motivado pela re-
percussão que o livro gerou, saiu de gravador em punho e registrou, no calor da hora,
algumas impressões sobre o romance.
Registra-se aqui, na categoria “enquete”, essa iniciativa, muito embora as entre-
vistas então realizadas e o depoimento de José Martins sobre o Entre amigos extrapolem
os limites dessa monografia.
O GÊIO E O URUBU -
34
4.5 Ensaios
Por sua dimensão, profundidade, pesquisa intertextual e abrangência, um texto
sobre o Entre amigos superou os limites de um artigo, e enquadrou-se na categoria de
Ensaio. Publicado em inglês, ainda aguarda publicação no Brasil. Um resumo do ensaio
foi publicado na Universidade de Aveiro, em Portugal (Item 79).
PARKER, John. Intertext, Interpretant, and Ideology in Luiz Vilela’s Entre amigos.
Portuguese Studies, v. 1. Londres: Departament of Portuguese and Brazilian Stu-
dies, King’s College, University of London, England; printed for the Modern Hu-
manities Research Association by W. S. Maney & Son Ltd., s/d.
I
TEM
80.
Ver observações do Item 90. O livro de Majadas (Item 88) informa que esse
ensaio foi publicado em 1976, talvez querendo se referir a 1986, uma vez que o EA é de
1983. O site do King’s College, < www.kcl.ac.uk/depsta/pobrst/PORTSTUDIES.html
>, confirma que a data da publicação é 1986.
PARKER. John. Intertexto, interpretante e ideologia em Entre amigos, de Luiz Vilela.
I
TEM
90.
Original em inglês foi publicado pela Universidade de Londres (item 80).
Artigo ainda não publicado em Português, embora tenha sido traduzido por ini-
ciativa da Editora Ática.
É um dos principais trabalhos sobre o Entre amigos.
As teses do autor estão no Item 79, em artigo que resume o ensaio.
4.6 Entrevistas
89
Luiz Vilela não é pródigo em declarações à imprensa. Suas entrevistas e suas
aparições públicas são raras. Contribui para isso o temperamento que tende à introver-
são e o fato de viver em uma cidade distante dos grandes centros.
A propósito do Entre amigos, concedeu as entrevistas abaixo. Seja por revela-
rem detalhes biográficos seja pelo debate estético, são peças indispensáveis ao estudo da
personalidade de Luiz Vilela e à análise da sua obra.
COUTINHO, Sônia. Luiz Vilela, a vida passada a limpo sob a forma de imaginação.
Rio de Janeiro: O Globo, 22 maio 1983.
I
TEM
38.
Com foto de Luiz Vilela.
Eis algumas declarações de Vilela:
ão me considero nem um contista nem um romancista, mas um
ficcionista.
89
A ABNT determina que as entrevistas devem ser citadas pelo sobrenome do entrevistado. Optou-se
aqui pela entrada com o sobrenome do entrevistador, uma vez que o entrevistado é sempre Luiz Vilela.
O GÊIO E O URUBU -
35
[...] O clima do Entre amigos é de cidade do interior. [...] ão se
trata mais de um interior que vai devagar. O interior quer ir de-
pressa, mas um preço a pagar por isso, que se poderia resu-
mir numa palavra
desumanização.
Essa entrevista, além dos trechos reproduzidos, traz circunstâncias biográficas
sobre Luiz Vilela até então inéditas. Um trecho da entrevista é reproduzido na epígrafe
do capítulo 3 desta monografia.
PONTES, Mário. O provincianismo do antiprovincianismo: para Luiz Vilela o “grande
tema” da ficção moderna é o cotidiano, seja o de São Paulo ou o de Ituiutaba. Rio
de Janeiro: Jornal do Brasil, 4 jun. 1983, p. 12.
I
TEM
47.
Caderno B, seção Livro. Com foto de Luiz Vilela.
No rodapé, o artigo Atrás das máscaras (Item 49).
Eis algumas declarações atribuídas a Vilela:
Quando comecei, eu me lembro, meus contos eram sempre sobre
grandes tragédias, loucos furiosos, suicidas espetaculares. De-
pois fui descobrindo que a tragédia está mesmo é no banal. Fiz,
assim, o caminho inverso, até chegar, eu poderia dizer, a uma
espécie de hiper-realismo, contrapartida literária daquela cor-
rente das artes plásticas que mostra a vida atual através de deta-
lhes do dia-a-dia, uma mesa de bar, um out-door, uma garrafa
de refrigerante.
Essa entrevista parece ter passagens incongruentes com as opiniões de Luiz Vi-
lela externadas em outras entrevistas. Desconhecemos declaração de Vilela, por exem-
plo, em que ele classifica ou rotula o seu trabalho literário, utilizando-se de termos co-
mo “hiper-realismo”.
Mas a entrevista tem os seus atrativos para quem pretende estudar as concepções
artísticas de Luiz Vilela.
Isso porque Vilela defende aspectos de sua ars poetica, incluindo desde opções
de vida a definições estéticas, passando pela crítica aos críticos e pela rejeição a aspec-
tos da teoria literária.
Em todo o caso, deve-se avaliar cuidadosamente cada passagem, uma vez que,
ao que parece, o jornalista mesclou opiniões do entrevistador às falas do entrevistado.
SILVA, Antônio de Pádua e. Luiz Vilela, hoje, no Teatro de Bolso. Uberlândia: Primei-
ra Hora, 8 jun. 1983.
I
TEM
56.
Com foto de Luiz Vilela e capa do Entre amigos. AIP.
Em coluna lateral, a resenha Entre amigos, reflexo de situações huma-
nas (Item 54). Eis algumas declarações de Luiz Vilela:
Entre amigos trata do bicho homem, esse bicho da terra tão pe-
queno, como dizia Camões. Trata do bicho homem e suas angús-
tias, seus medos, suas esperanças, seus sonhos, enfim, tudo aqui-
lo que o faz viver, ou que o faz morrer.
[...]
Todos os meus livros, do primeiro ao último, contêm experimen-
tos, e não apenas de linguagem, mas também de estrutura, de
O GÊIO E O URUBU -
36
ritmo, e tudo o mais que constitui uma obra. ão é sem razão,
pois, que dicionários e outros livros especializados de literatura
brasileira se refiram a mim como um inovador. Agora, eu não
me preocupo com essas coisas. Escrevo o que quero escrever, e
o resto que se dane.
Uma certa amargura, um pouco de cansaço e alguma agressividade permeiam a
entrevista, que num ou noutro ponto complementa a que saíra quatro dias antes no “Jor-
nal do Brasil” (Item 47).
4.7 Listas
Reviravolta nos
best-sellers de Bea-
gá. Dança de posi-
ções e alguns re-
cém-chegados. Luiz
Vilela (Entre ami-
gos) é o primeiro da
lista dos 10 mais
vendidos e lidos da
semana.
(Estado de Minas,
30 abr. 1983, p. 7.)
Menos de um mês após sair da gráfica, e sem ainda ter alcançado divulgação
maior na imprensa, Entre amigos ocupou o primeiro lugar na lista dos livros mais ven-
didos em Belo Horizonte. A primeira publicação sobre o romance foi em São Paulo, dia
6 abr. 1983, e em 26 abr. 1983 o livro estreou, em primeiro lugar, na lista dos mais
vendidos. Nenhuma notícia sobre o livro havia sido publicada em Belo Horizonte, o que
mostra que o impulso de venda se deu pela divulgação “boca-a-boca”. O lançamento
nacional do livro foi em 29 abr. 1983, em Ituiutaba. Em Belo Horizonte, aconteceu no
dia 20 mai. 1983 uma noite de autógrafos. A primeira divulgação em Belo Horizonte,
uma nota, foi em 12 mai. 1983. O último registro do livro entre os mais vendidos é do
dia 29 jun. 1983.
As listas são do Estado de Minas (informa que consultava 13 livrarias, citando
apenas as Atalaia, Eldorado, A Nossa Livraria, Pax e Oliveira Costa) e do Suplemento
Literário do Minas Gerais (informa que consultava as livrarias Agência Status, Arte
Livro, Eldorado, Francisco Alves, Itatiaia, Leitura, Ouvidor, Pax, São José, Tejuco e
Van Damme). Nem o Estado nem o SLMG informam a metodologia de pesquisa que
utilizavam.
O GÊIO E O URUBU -
37
O Suplemento Literário do Minas Gerais (SLMG) traz o Entre amigos em duas
listas de mais vendidos.
No I
TEM
27 surge a primeira, no dia 14 maio 1983.
No I
TEM
37 aparece a seguinte, no dia 21 maio 1983.
Nas duas listas do SLMG, o Entre amigos está em primeiro lugar.
No Estado de Minas o Entre amigos aparece nas seguintes listas:
I
TEM
10, 26 abr. 1983, em primeiro lugar;
I
TEM
13, 30 abr. 1983, em primeiro lugar, com a manchete fazendo referência
ao fato e informando que ele estreou nessa posição;
I
TEM
22, 10 mai. 1983, com Entre amigos em terceiro lugar;
I
TEM
52, 7 jun. 1983, continua em terceiro;
I
TEM
60, 14 jun. 1983, em quarto lugar;
I
TEM
62, 29 jun. 1983, volta ao terceiro lugar. É o último registro.
4.8 otas
Considerei como Nota pequenas informações sobre o surgimento do Entre a-
migos, às vezes parafraseadas do release da Editora. Difere da categoria Registro por
trazer algum comentário do redator do jornal. Nesses casos, a exigüidade do espaço, ao
exigir condensação, fez surgirem de comentários anódinos a sínteses inspiradas.
JORNAL DA TARDE. Um olhar mineiro sobre a classe média. São Paulo: Jornal da
Tarde, 19 abr. 1983.
I
TEM
03.
Reproduz a capa do livro. ANI.
GAMA, Rinaldo. Ler e reler. São Paulo: Metrô News, 2 mai. 1983.
I
TEM
19.
Nota sem título, apenas identificada com nome do livro e de seu autor. Identifi-
cado no item pelo título da coluna.
GUIMARÃES, Airton. “Almanaque” (coluna). Belo Horizonte: Estado de Minas, 12
mai. 1983, p. 5.
I
TEM
24.
Coluna “Almanaque”. Reproduz a capa do livro. À exceção das listas de mais
vendidos, primeiro texto, em Belo Horizonte, que anuncia o lançamento do Entre ami-
gos.
Tem como tema a própria vida. uma reunião de amigos, as ex-
periências de cada um brotam à medida que o tempo vai passan-
do e cada um vai contando seus prazeres ou frustrações. Tudo
em um texto corrido, sem intervalo ou interrupções, da primeira
à última página. É na construção dos diálogos que Vilela tem o
ponto alto de sua capacidade criadora. E neste seu novo livro o
O GÊIO E O URUBU -
38
que tão bem sabe fazer está em evidência. É um livro gostoso de
se ler.
MENEZES, Carlos. Vilela deixa suas vacas em MG para lançar hoje Entre amigos. Rio
de Janeiro: O Globo, 18 maio 1983, p. 30.
I
TEM
33.
Coluna “Livros”. Reproduz a capa do livro.
MAIA, Adinoel Motta. Edições e Editoras. Salvador: Jornal da Bahia, 19 maio 1983.
I
TEM
34.
Nota sob o título “Romance brasileiro” traz informações sobre três lançamen-
tos: Entre amigos, O caminho sem ventura, de Lêdo Ivo, e Átomos partidos, de Ivan Jaf.
Sobre Entre amigos:
Apenas uma boa conversa entre amigos.
Sobre os três romances:
Três romances escritos, evidentemente, para professores e alu-
nos de Teoria da Literatura. ão para o público, que exige uma
boa trama a sustentar um romance.
ARAÚJO, Laís Corrêa de. Roda gigante. Belo Horizonte: Estado de Minas, 3 jul. 1983.
I
TEM
65.
Nota sem título. Identificado no item pelo título da coluna.
Entre amigos é o novo livro novela [sic] de Luiz Vilela, lança-
do pela Ática e destinado, sem dúvida, a um grande sucesso. Isso
porque Vilela tem uma singular vivacidade da palavra e é atra-
vés dela, do diálogo, que instaura o impacto dessa estória.
O bate-papo aparentemente banal “entre amigos” vai expondo,
gradualmente, as vértebras reais dos relacionamentos e conflitos
pessoais, o subjacente estigma da “comunicação” humana.
A sabedoria ficcional de Vilela está nesse jogo eficaz e revelador
da linguagem que é, afinal, a nossa única possível referência e
insígnia para um mundo corrosivo em que se transa o vazio.
B., Luiz. Entre amigos. Belo Horizonte: Jornal de Domingo/Diário de Minas, 10 jul.
1983.
I
TEM
66.
Nota sem título. Coluna “Livro”. Autor assina Luiz B.
[Vilela] volta a atacar de romance, e desta vez com mais força e
eficácia em relação às duas tentativas anteriores. Vale a pena
ler Entre amigos um livro que já nasceu pronto para o teatro.
Mas, particularmente, ainda continuo preferindo o Vilela das
histórias curtas.
O GÊIO E O URUBU -
39
4.9 Registros
Na Categoria Registro ficaram as pequenas publicações informativas sobre o
lançamento do Entre amigos. Sínteses do release também foram consignados nessa Ca-
tegoria.
MONTEIRO, Nilson. Tá bom, tá bom, eis aí a capa do Entre amigos. Londrina: Folha
de Londrina, 1 maio 1983.
I
TEM
17.
Reproduz a capa do livro. Complementa o release, publicado, a roda de
amigos, as contradições e agonias diárias (Item 08).
SILVA, Antônio de Pádua e. Entre amigos. Uberlândia: Primeira hora, 15 maio 1983.
I
TEM
32.
Nota sem título. AIP.
MAURÍCIO, José. [Sem título.] Belo Horizonte: Diário da Tarde, 21 maio 1983.
I
TEM
35.
Nota sem título. Sem identificação da coluna. Provavelmente, coluna social.
Luiz trabalhou neste livro quase dois anos.
MOTTA, Paschoal. Movimento cultural. Belo Horizonte: Diário do Executivo, 21 maio
1983.
I
TEM
36.
Nota sem título. Identificado no item pelo título da coluna.
LUCCA, Carmen. Entre amigos. Porto Alegre: Jornal do Comércio, 27 maio 1983.
I
TEM
41.
Coluna “Turismo: viaje lendo”. Reproduz a capa do livro.
Um romance da atualidade. Um texto rápido que nos proporcio-
na a sensação de estarmos assistindo [a] uma peça teatral. A
descontração e a realidade social do momento estão presentes
do começo ao fim do livro de Luiz Vilela. Escrito em forma de
diálogo constante, transmite-nos a visão e os valores da classe
média intelectualizada, põe à mostra seus sentimentos e suas in-
terrogações. Confira.
RAUER. “Espaço cultural” (coluna). Ituiutaba: Cidade de Ituiutaba, 4 jun. 1983, últ. p.
I
TEM
48.
Nota sem título. Identificado no item pelo título da coluna.
O GÊIO E O URUBU -
40
RAUER. Entre amigos. Ituiutaba: Cidade de Ituiutaba, 8 jun. 1983, últ. p.
I
TEM
53.
RAUER. “Espaço cultural” (coluna). Ituiutaba: Cidade de Ituiutaba, 11 jun. 1983, últ.
p.
I
TEM
59.
Nota sem título. Identificado no item pelo título da coluna.
RAUER. Colégio Santa Tereza discute Entre amigos. Ituiutaba: Cidade de Ituiutaba, 18
jun. 1983, 1. p.
I
TEM
61.
Ecologia, universidade, feminismo, pornografia, violência, reli-
gião, [esses] foram alguns [dos] temas levantados no debate,
que transcorreu de modo descontraído e muito animado.
ESTADO DO PARANÁ. Livros-amostras e o “nothing book”. Curitiba: Jornal “Estado
do Paraná”, 5 out. 1983.
I
TEM
71.
Identificado no item pelo título geral de uma coluna de vários tópicos. O tulo
não se refere ao Entre amigos. Segundo o clipping, coluna “Tablóide”, colunista “Ara-
mismillarch”.
este Entre amigos, ele [Luiz Vilela] mergulha num universo
muito pessoal, brasileiro
e portanto de grande sensibilidade.
ESTADO DO PARANÁ. Livros-amostras e o “nothing book”. Curitiba: Jornal “Estado
do Paraná”, 5 out. 1983.
I
TEM
78.
Texto identifico ao Item 71, aparentemente clipping repetiu o recorte e confun-
diu as datas.
4.10 Releases
A Editora Ática preparou um release para divulgar o lançamento do Entre a-
migos. Esse release foi enviado à imprensa. O termo release é usado, no jargão jornalís-
tico, abreviando-se a expressão inglesa press-release, para denominar as peças de di-
vulgação normalmente enviadas por assessorias de imprensa aos órgãos de comunicação
de massa. Como é de praxe no meio jornalístico, os jornais fizeram, na maior parte dos
casos, cortes ou adequações no release recebido.
Abaixo, a relação dos jornalistas e veículos que divulgaram o release.
O GÊIO E O URUBU -
41
DIÁRIO POPULAR. Entre amigos, novo romance de Luiz Vilela. São Paulo: Diário
Popular, 21 abr. 1983.
I
TEM
04.
FENNER, Mildo Léo. Lançamentos. Cachoeiro do Sul (RS): Jornal do Povo, 24 abr.
1983.
I
TEM
06.
Título do item é o nome da coluna.
Ver o Item 39, na categoria Release.
MONTEIRO, Nilson. a roda de amigos, as contradições e agonias diárias. Londrina:
Folha de Londrina, 24 abr. 1983.
I
TEM
08.
Ver o item 17, na categoria Registro.
PONTES, Odete. Livros novos. Bauru: Jornal da Cidade, 24 abr. 1983.
I
TEM
09.
Título do item é o título da coluna.
AZAMBUJA, Norton. Livros. Blumenau: Jornal de Santa Catarina, 27 abr. 1983.
I
TEM
11.
Item identificado pelo nome da coluna. Clipping informa, com equívoco, que a
coluna tem o nome de ”Front”.
GOMES, Claudete. Entre amigos. São Paulo: O parque, nº 53, maio 1983.
I
TEM
15.
Clipping informa que a coluna tem o nome de ”Roteiro”. Reproduz a capa do
livro.
JORNAL DE DOMINGO. Entre amigos. Campinas: Jornal de domingo, 1
o
maio 1983.
I
TEM
16.
Clipping informa que a coluna tem o nome de ”Livros”. Reproduz a capa do li-
vro.
OPÇÃO. Entre amigos. Niterói: Jornal Opção, 13 maio 1983.
I
TEM
20.
Clipping informa que a coluna tem o nome de ”Livros”. Reproduz a capa do li-
vro.
DIÁRIO DE PETRÓPOLIS. Entre amigos: o segundo [sic] romance de Luiz Vilela.
Petrópolis: Diário de Petrópolis, 8 maio 1983.
I
TEM
21.
O GÊIO E O URUBU -
42
A manchete está errada: é o terceiro romance de Vilela. Reproduz a capa do li-
vro.
ALMEIDA, Rosivan Vanderlei de. Entre amigos. Maceió: Jornal de Alagoas, 13 maio
1983.
I
TEM
25.
Reproduz a capa do livro.
ANÍSIO, Ricardo. Entre amigos. João Pessoa: Correio da Paraíba, 13 maio 1983.
I
TEM
26.
Clipping informa que a coluna tem o nome de ”Literatura”. Reproduz capa.
ANÍSIO, Ricardo. Entre amigos. João Pessoa: Correio da Paraíba, 15 maio 1983.
I
TEM
28.
Clipping informa que a coluna tem o nome de ”Literatura”. Repete a coluna an-
terior (Item 26), mas dessa vez não reproduz a capa do livro.
BUEIONI, Marisa Fillet. Entre amigos. Piracicaba: O Diário, 15 maio 1983.
I
TEM
29.
Clipping informa que a coluna tem o nome de ”Poesia & Prosa”. Reproduz a
capa do livro.
FENNER, Mildo Léo. Lançamentos. Cachoeiro do Sul (RS): Jornal do Povo, 22 maio
1983.
I
TEM
39.
Título do item é o nome da coluna, segundo informa o clipping.
Ver o Item 06, na categoria Release, uma vez que parece ser exatamente a
mesma coluna, decorrente de confusão no serviço de clipping.
MANDATO, Jácomo. Leitura das Quintas. Itapira: Cidade de Itapira, 26 maio 1983.
I
TEM
40.
Título do Item é o nome da coluna, conforme informado pelo clipping.
SILVA, Sérgio de Castro. Lançamentos da Editora Ática S/A. João Pessoa: Correio das
Artes, 29 maio 1983.
I
TEM
43.
Coluna “Registro”, segundo o Clipping.
UNIBANCO. Livros. São Paulo: Jornal Unibanco, julho 1983.
I
TEM
64.
Título do Item é o nome da coluna. Reproduz a capa do livro.
O GÊIO E O URUBU -
43
4.11 Reportagens
Nessa Categoria estão os textos jornalísticos que mesclam declarações de Luiz
Vilela com informações sobre a sua vida e sobre a sua obra, às quais acrescenta citações
de terceiros sobre os livros de Vilela, noticia o lançamento do Entre amigos e, eventu-
almente, emite algum juízo de valor sobre o romance.
SILVA, Antônio de Pádua e. Vilela, Entre amigos, na noite de Ituiutaba. Uberlândia:
Primeira Hora, 29 abr. 1983, p. 7.
I
TEM
12.
AIP. Traz foto de Luiz Vilela e reproduz a capa do livro.
“Seria exagero dizer que Vilela é um Tchecov que se isolou em
Ituiutaba? E que mesmo isolado consegue fazer sua carreira em
evolução?” A interrogação [é] de Ignácio de Loyola Brandão,
comentando a trajetória do escritor ituiutabano Luiz Vilela.
JORNAL DE CASA. As verdades (e até a loucura) de Luiz Vilela. Belo Horizonte: Jor-
nal de Casa, 15-21 maio 1983.
I
TEM
30.
ANI. Traz foto de Luiz Vilela e reproduz a capa do livro.
A manchete grafa “Luís” ao invés do correto “Luiz”, aqui utilizado.
Escrever um livro me dá um trabalho de louco. ão seria de
admirar se um dia eu realmente enlouquecesse. Afinal, muitos
escritores enlouqueceram mesmo. E, aliás, sempre achei que o
escritor é uma espécie de doido manso. O pior é que escrever, ao
invés de ficar mais fácil com o tempo, cada vez fica mais difícil.
Hoje, quando penso em escrever um livro novo, chego a esfriar
de medo.
[...] meu primeiro romance foi iniciado quando não tinha publi-
cado o primeiro livro, que é de contos. E antes dele eu havia
escrito uma novela, que não cheguei a publicar.
[...]
Peguei minha caneta e um maço de folhas em branco, sentei-
me e fiquei à espera. Então, os personagens começaram a surgir
e a conversar. Fui anotando o que eles diziam. Foi isso.
[...]
“[...] Alguém disse uma vez que Minas é bom para nascer, a-
bandonar e um dia voltar. Voltar especialmente agora, quando
novos tempos rompem nas Alterosas.”
Nesse último parágrafo, uma das poucas, talvez única declaração de Vilela abor-
dando, de forma positiva, as circunstâncias políticas.
O GÊIO E O URUBU -
44
SILVA, Antônio de Pádua e. Vilela vem aí para lançar Entre amigos. Uberlândia: Pri-
meira Hora, 3 jun. 1983, p. 7.
I
TEM
45.
Assinado com as iniciais APS. Traz foto de Luiz Vilela.
Depoimento mescla comentário à obra com recordações do convívio que o autor
do texto manteve com Luiz Vilela em um período em que residiu em Ituiutaba. Eis um
trecho:
Vilela não se liga na masturbação teórica dos herméticos e dos
pseudovanguardistas. ão, ele sempre esteve e está sempre aten-
to a tudo aquilo que se move em sua volta. Por isso, quem ler
Entre amigos poderá se sentir chocado ou agredido com a crue-
za da realidade desvendada pelo autor.
[...]
Se queres contatar o mundo limitado de uma Minas sub-humana
onde talvez tu esteja encarcerado sem perspectivas de saída,
se encontrar com os amigos do escritor ituiutabano, que são
descritos numa linguagem e técnica impecáveis.
SILVA, Antônio de Pádua e. Comentários sobre o romance Entre amigos, de Luiz Vile-
la. Uberlândia: Primeira Hora, 5 jun. 1983.
I
TEM
51.
AIP. Reproduz capa do livro.
Entre amigos é uma criação ousada em termos de literatura,
pois toda a trama é narrada com uma única técnica, a do diálo-
go, onde o escritor já demonstrou por muitas vezes ter um domí-
nio difícil de se encontrar igual neste País.
Reproduz trechos de textos que haviam saído na imprensa nacional sobre o
Entre amigos: Temístocles Linhares, na ‘Folha de S. Paulo”; Caio Fernando Abreu, na
revista “Istoé”; Augusto Massi, na revista “Veja”; e Denise Santana, na revista “Visão”.
SILVA, Antônio de Pádua e. Debate informal com o escritor Luiz Vilela. Uberlândia:
Primeira Hora, 10 jun. 1983.
I
TEM
57.
AIP.
o debate improvisado, [...] o escritor demonstrou o seu conhe-
cimento sobre o absurdo, o realismo, a técnica de escrever, e a
sua própria obra literária. [...] Luiz Vilela é um dos autores mais
sérios deste País. Sempre teve uma dedicação sem precedentes
para com o seu trabalho, que é metodificado, árduo e persisten-
te.
O GÊIO E O URUBU -
45
4.12 Resenhas
Nessa Categoria estão os textos que enfocam jornalisticamente o surgimento do
Entre amigos, informando aos leitores sobre o livro, em especial sobre o enredo, e sobre
o autor, acrescentando algum comentário ou juízo de valor, mas sem aprofundar na aná-
lise.
ABREU, Caio Fernando. Do fascismo à violência. São Paulo: Istoé, 6 abr. 1983, p. 75.
I
TEM
01.
Traz foto de Luiz Vilela.
Eles falam. uma noite qualquer de fim de semana de uma cida-
de provinciana (que tanto pode ser Belo Horizonte como Porto
Alegre ou Curitiba). Falam sem parar, [...], Aparentemente libe-
rais, falam coisas ás vezes assustadoras, [...]. Preconceituosos?
Ou simplesmente tão fascistas quanto outro membro qualquer da
classe média brasileira?
[...]
esta espécie de versão a cinco vozes, em cenografia subdesen-
volvida, de Quem tem medo de Virgínia Woolf, o caminho em di-
reção à violência final é irreversível, embora delicadamente tor-
tuoso. Apoiado quase que exclusivamente na fluência dos diálo-
gos, em que é mestre, o mineiro Luiz Vilela conseguiu construir
uma novela [sic] para ser lida de um fôlego só, muitos pontos
acima do moralista O inferno é aqui mesmo. a paradeza da a-
tual literatura brasileira, não é tarefa pouca. Para quem se quei-
xar da baixaria, o escritor Ezequiel (falando pela voz do autor?)
tem uma explicação: “Os escritores são como os urubus: eles
adoram carniça”.
Resenha de um também ficcionista, sensível estudioso da literatura. Primeiro
texto sobre o Entre amigos, no calor do lançamento do livro.
SANTANA, Denise. Sem supérfluo. São Paulo: Visão, 18 abr. 1983, p. 82.
I
TEM
02.
Reproduz a capa do livro.
A conversa vai num crescendo, extrapolando de uma dimensão
individual para a da sociedade: Marcos e Rita, Leila e Crisós-
tomo se transformam nos símbolos da mesquinharia, cupidez,
preconceito, bondade e dignidade do ser humano. E a densidade
não cai.
[...]
Denso até a dramaticidade, Vilela triunfa onde muitos bons ro-
mancistas fracassam.
O GÊIO E O URUBU -
46
ALMEIDA, Amylton de. O neoconservadorismo da juventude do interior de Minas.
Vitória: Gazeta de Vitória, 24 abr. 1983.
I
TEM
05.
Reproduz capa do livro.
este romance – com estrutura de um conto longo – ele [Luiz Vi-
lela] recorre ao recurso de diálogos, numa longa conversa.
[...]
Interessante no trabalho de Luis [sic] Vilela é o recurso do diá-
logo que revela as principais facetas dos personagens, sem nem
mesmo citar a cidade ou dados particulares. O autor quase nun-
ca intervém. A longa conversa explica tudo. Para o leitor fica a
certeza de que ele está expondo toda a falência espiritual de uma
geração.
Resenha irônica e auto-irônica com relação ao neoconservadorismo intelectual
daqueles que, segundo o artigo, “provavelmente votam no PT, como todo jovem iletra-
do”. Interessante porque, de passagem, vê o Entre amigos como um “conto longo”.
MIGUEL, Salim. Desnudando o ser humano. Florianópolis: O Estado, 24 abr. 1983.
I
TEM
07.
Coluna “Livros”. Reproduz a capa do livro.
este microcosmo temos, então, uma espécie de macrocosmo. E
toda uma sociedade em crise começa então a ser delineada e a-
valiada.
[...]
E nas entrelinhas, no que está sugerindo, uma outra realida-
de, tão ou mais profunda do que aquela que é expressa.
RONCARI, Luiz. Conversinha de apê. São Paulo: Leia Livros, maio 1983.
I
TEM
18.
Ilustração de grã-finos a uma mesa, se se refere ao Entre amigos, não faz justi-
ça ao livro. Coluna “Literatura brasileira”.
O narrador pouco interfere, ainda assim, muitas vezes, desne-
cessariamente. Em nenhum momento a conversa sai do lugar
comum, mesmo quando surgem controvérsias e as opiniões se
polarizam.
[...]
O livro todo é um único diálogo, reproduzido naturalisticamente
[...] em toda vacuidade.
MASSI, Augusto. o apartamento. São Paulo: Veja, 11 maio 1983, p. 118.
I
TEM
23.
Reproduz capa do livro.
O GÊIO E O URUBU -
47
Ao abrir a primeira página do livro passamos a ser mais uma vi-
sita, um convidado à leitura. A linguagem flui simples, econômi-
ca, pura.
[...]
Embora o livro tenha altos e baixos, como toda reunião tem seu
bêbado chato, cá para nós, que fique entre amigos: não vá à
festa, leia o livro.
CAMPOMIZZI FILHO. Entre amigos. Belo Horizonte: Diário de Minas, 4 jun. 1983.
I
TEM
46.
Dono de fabulação pouco comum, retira de pequenos nadas as
verdades que nos transmite.
[...]
Esse Entre amigos acrescenta alguns pontos à obra ascendente
de Luiz Vilela, porque romance de alto nível a confirmar no de-
senho e na técnica, a profundidade dessa ficção atual e lúcida.
O autor da resenha é identificado como advogado, escritor e procurador de justi-
ça em Minas Gerais. Parafraseou o livro, viu a cidade provinciana como pólo regional e
percebeu que o diálogo “tem outra consistência”, na medida “em que as garrafas se es-
vaziam”. Singelo, mas lúcido.
SILVA, Antônio de Pádua e. Entre amigos, reflexo de situações humanas. Uberlândia:
Primeira Hora, 8 jun. 1983, p. 7.
I
TEM
54.
Está ao lado da entrevista Luiz Vilela, hoje, no Teatro de Bolso (Item 56).
Vilela [...] é corajoso para desvendar os desejos, o sadismo e o
preconceito que habitam corações e mentes do homem comum
que, aparentemente pacato, é capaz de articular linchamentos e
outros rituais de violência.
[...]
Desvenda a face dos “homens corretos”, e revela que eles são
capazes da corrupção, de pequenas taras sexuais, desmistifican-
do a mediocridade do moralismo reinante sobre as cabeças dos
seres humanos.
O resenhista nasceu em São Gotardo (cf. orelha de seu livro Guerra no panta-
nal, São Paulo: Atual, 1991), pequena cidade na região do Alto Paranaíba, em Minas
Gerais, e após residir em Belo Horizonte e em Ituiutaba, onde conheceu Luiz Vilela
pessoalmente, era repórter e redator nesse jornal de Uberlândia, pólo regional do Triân-
gulo Mineiro, uma cidade que se encaixava à perfeição no universo retratado no Entre
amigos. Essa resenha mostra isso.
BONADIO, Geraldo. O leitor entra no papo. Assim começa o romance. Sorocaba: Jor-
nal Cruzeiro do Sul, 9 set. 1983.
I
TEM
67.
O GÊIO E O URUBU -
48
Reproduz a capa do livro. Traz quadro com um fragmento do romance. Coluna
“Idéia e Livros”. Clipping informa coluna “Artes e lazer”.
O mais novo romance de Luiz Vilela coloca em questão algumas
idéias fundamentais sobre a estrutura desse gênero literário. [...]
Todos os elementos habitualmente fornecidos ao leitor através
de longas descrições ou de mergulhos introspectivos, destinados,
respectivamente, a compor o cenário ou a desenhar o perfil psi-
cológico de cada personagem, emergem, aqui, da conversação.
[...]
A forma pouco convencional pela qual os fatores constitutivos do
romance são introduzidos só fazem reafirmar a condição de Luiz
Vilela como um dos nomes mais importantes da ficção brasileira
contemporânea.
ALVARENGA, Terezinha. Entre amigos e castelos. Belo Horizonte: Estado de Minas,
13 out. 1983.
I
TEM
72.
Vasado de frases curtas e econômico em adjetivos.
[...]
É um trabalho enxuto, eliminado das arestas de um romance im-
provisado.
É bem mais para um realismo natural, comedido na fala e nas
sugestões.
IBIAPINA, Fontes. Entre amigos. Parnaíba (PI): Folha do Litoral, 15 out. 1983.
I
TEM
73.
Coluna “Ponderações Literárias”.
Essa maravilha de criatividade literária. [...] E assim, lá se vai o
seu rio de diálogo romanciado com cascatas murmurantes de
críticas a essa neo-moral que aí está.
Resenha de linguagem original e chamativa
.
BRITO, Oswaldo Lopes de. Três romances diferentes... Ribeirão Preto: O diário, 21
out. 1983.
I
TEM
75.
Coluna “Livros”. Reproduz capa do livro. Trata dos romances A visita do casal
Ostermn, de Robert Lundlum, O pão estrangeiro, de Henri Troyat, e do EA.
Os amigos... Haverá mesmo essa gente? Ou a amizade é mera
circunstância do viver em comunidade?
DIANTONIO, Robert E. Brazilian Fiction – aspects and evolution of the contemporary
narrativa. Fayettevile-London: The University of Arkansas Oress, 1989.
I
TEM
83.
Ainda não traduzido para o Português.
O GÊIO E O URUBU -
49
O livro de Vilela descreve a tediosa complacência da intelectua-
lidade brasileira. A conversa deles é uma conversa que não leva
a nada. Ela é vista como uma conversa que é tão impotente
quanto insossa.
A citação, traduzida, encontra-se em Majadas (Item 88, p. 125).
O GÊIO E O URUBU -
50
5. O gênio e o urubu
Enfrentou barras
terríveis: incompre-
ensões, canos, do-
enças, roubos, pri-
sões, mortes. Uma
ocasião ele ficou
tão desesperado que
tentou o suicídio.
(EA, p. 82.)
Ao empreender esse exaustivo levantamento e anotações a propósito da fortuna
crítica do romance Entre amigos, coloquei algumas questões como aquelas a que procu-
raria responder. Ao recortar dentre muitos objetivos possíveis e desejáveis, limitei meu
foco a um único tema: Qual o horizonte de expectativa da crítica que recebeu o roman-
ce?
Algumas outras questões, intrínsecas a essa monografia, também se impuse-
ram:
(1
a
) As categorias que criei para hierarquizar a recepção do romance
podem ser consideradas como válidas ou mostraram-se insuficien-
tes?
(2
a
) A recepção ao livro pode ser considerada, sob a medida quanti-
tativa e sob uma avaliação qualitativa, como expressiva?
Antes de responder às indagações formuladas, tanto a essas quanto àquela,
creio ser necessário repassar tópicos que formulei, mas que extrapolavam os limites
dessa monografia. Antes de tudo, não se procedeu a um levantamento do horizonte de
expectativa da crítica brasileira no momento do lançamento do romance e até mesmo
nas décadas anteriores ao surgimento do EA.
Tal procedimento poderia partir, por exemplo, da análise do ensaio de João A-
lexandre Barbosa publicado no Livro do seminário (1982). Esse livro reúne comunica-
ções feitas na 1
a
Bienal Nestlé de Literatura, e foi lançado um ano antes de surgir o EA.
O panorama do romance brasileiro no século XX, traçado por Barbosa, e o devir, quanto
ao romance brasileiro, vislumbrado pelo crítico, permitiriam delimitar um ponto de vista
do horizonte de expectativa dos estudiosos da nossa literatura no instante do lançamento
do EA.
Poder-se-ia, também, desvelar o horizonte dos estudiosos da literatura nacional
nas décadas anteriores, com estudos como Vanguarda, história e ideologia da literatura
O GÊIO E O URUBU -
51
(1985), A face visível (1973) e Compromisso literário (1964), todos de Fábio Lucas, e
nos quais, em diversas passagens, o crítico trata das expectativas que então nutria diante
da literatura brasileira, com destaque para o artigo “Para onde irá o romance moderno”,
que surgiu pela primeira vez, salvo engano, no livro de 1964 (p. 172-80).
O levantamento do horizonte de expectativa poderia incluir um panorama do
leitor, esse público que, normalmente, não é considerado na história e na teoria da litera-
tura. Procurar saber quem lê, o que lê e como os romances brasileiros recém-lançados
seria uma pesquisa, muito provavelmente, desmistificadora, que poderia ganhar foros de
revolucionária, pelo ineditismo e pelas conclusões a que chegaria. No presente caso,
teríamos um início promissor, dado à pesquisa efetivada por José Martins (sub-capítulo
Enquete, dessa monografia). Formulamos a esse pesquisador uma série de questões,
conforme consta no Apêndice VII; no entanto, estudar o público leitor vai além dos li-
mites dessa monografia.
Analisar o romance EA, e dele extrair a pergunta do qual ele, o romance, é a
resposta, também ultrapassa os limites desse trabalho. É, no entanto, uma questão fun-
damental, necessária, cuja busca, em termos hermenêuticos, parece fazer parte da onto-
logia da estética da recepção, tal como Jauss a viu na filosofia de Gadamer.
Diante de tantas questões relevantes às quais não enfrento, devo iniciar, no en-
tanto, a tentativa de responder ao que me propus. Quanto à dúvida sobre a validade das
categorias propostas para qualificar e hierarquizar a fortuna crítica do romance de Vile-
la, entendo que as categorias criadas se mostraram adequadas e suficientes, uma vez que
em nenhum instante, diante de uma publicação, pareceu-me ser necessário uma ressalva
metodológica ou utilizar-me de arbítrio e forçar a definição da categoria na qual a publi-
cação se encaixaria.
Tal constatação, evidentemente, não exime o quadro de categorias de falhas e
imperfeições diante de outras situações, outras obras, outros momentos, outras circuns-
tâncias de recepção, ou até mesmo de critérios outros de avaliação. Mas, para o objetivo
delimitado e para o corpus definido, o quadro se mostrou, a meu juízo, perfeitamente
apto.
Dirimido esse ponto, cabe considerar a expressividade da recepção ao EA. A
questão era estabelecer um juízo quantitativo, com um viés qualitativo, para definir se
essa recepção foi ou não foi expressiva. Numericamente, o romance foi recebido, nos
meses seguintes a seu lançamento, por perto de nove dezenas de críticas. Parece um
número quantitativamente expressivo em um panorama cultural como é o brasileiro.
O GÊIO E O URUBU -
52
Deveria, talvez, compará-lo com a recepção à obra de outros ficcionistas contemporâ-
neos, e dessa comparação extrair uma posição final. Na impossibilidade dessa compara-
ção, uma vez que desconheço pesquisa de tal naipe com a recepção a outros autores
contemporâneos, apresento, na tabela que consta do Apêndice VII, o resumo, por cate-
gorias e períodos, da recepção ao EA, para, a partir desses números, tentar algumas con-
clusões.
A tabela mostra um total de 90 publicações catalogadas na fortuna crítica do
Entre amigos. Independente de comparações com outros autores, parece, quantitativa-
mente, um número expressivo. Mais expressivo ainda, ao se fazer uma triagem qualita-
tiva: o romance mereceu 18 artigos e 13 resenhas, ou seja, 31 publicações de médio
fôlego. Teve ainda menções em duas dissertações e dois ensaios na verdade, uma
dissertação depois transformada em livro e um ensaio, publicado em inglês, cuja tradu-
ção, embora realizada sob os auspícios da Editora Ática, ainda não encontrou publica-
ção no Brasil. Trata-se de um ensaio relevante e aborda unicamente o EA.
As publicações menos expressivas, notas, registros e assemelhados, somam 54,
enquanto 34 das publicações são mais extensas e mais aprofundadas. (A soma de 90
registros inclui a enquete e o ensaio traduzido mas não publicado.) Excluindo os ensai-
os, artigos e resenhas que eventualmente foram publicados duas vezes, temos 28 publi-
cações de grande consistência e profundidade na análise, o que, no Brasil dos últimos
anos, parece ser, em se tratando de textos mais densos e reflexivos, uma recepção razo-
avelmente expressiva.
Qual é o horizonte de expectativa dessa crítica, exercida com qualidade e crité-
rio, que recebeu o Entre amigos? Repassemos, em resumo, as seguintes indagações:
quem viu?, o que viu?, como viu?
Logo no primeiro artigo, em 1
o
de maio de 1983, Edilberto Coutinho (Item 14)
anota: “Luiz Vilela é um escritor sem medo de dizer. Que tem mensagem própria e a
transmite admiravelmente em linguagem límpida, objetiva, simples.” Temos, portanto,
que a coragem, a originalidade e a qualidade da linguagem seriam atributos esperados
de um texto.
Coutinho observa ainda que o trabalho de Vilela alcança a “universalidade” e
provoca reflexão, mesmo se atendo ao “circunstancial”, ao “transitório”. Temos, aqui,
três características que parecem caras ao crítico: tratar do que é próximo no tempo e no
espaço, trazer em si a universalidade, provocar reflexão.
O GÊIO E O URUBU -
53
Temístocles Linhares (Item 42), em 29 de maio de 1983, discute a questão dos
gêneros literários. Considera que Vilela não acredita nem nas estéticas que defendem a
arte pela arte nem naquelas que estão a serviço de uma ideologia. Portanto, enfatiza a
liberdade, a criatividade e a coragem que os escritores devem ter para romper com pa-
drões estabelecidos.
Jorge de Sá (Item 49) afirma que o romance não foi escrito “para agradar enga-
nando”, o que nos remete a temas como coragem e liberdade, enquanto David Salles
(Item 50) trata da questão de gênero literário, entendendo, no entanto, que Vilela, ao
tentar uma renovação formal, não logrou êxito. Ou seja, Salles retoma a discussão da
criatividade e da liberdade do autor.
Luiz Carlos Junqueira Maciel (Item 58) trata das mesmas questões dos críticos
anteriores, acrescentando a observação de que o livro é “uma demonstração eficaz de
literatura social”. Ou seja, o viés social surge aqui como determinante no que se espera
de um romance contemporâneo. Observa também que o desejo do personagem Ezequiel
em escrever um romance sobre a banalidade da vida é o próprio “romance [EA] de Luiz
Vilela”. Ou seja, vê o romance como auto-referência metalingüística de si mesmo.
Chegamos agora ao artigo de Regina Zilberman (Item 68), já abordado em du-
as ocasiões nessa monografia, e que considerei uma síntese das análises que haviam
surgido no momento seguinte ao lançamento do EA. Zilberman discute a questão de
gênero literário, trata do estilo da escrita e defende a necessidade de ousadia por parte
dos escritores. Portanto, exige coragem, criatividade, liberdade e domínio da literarieda-
de.
Lauro Junkes (Item 69) defende os mesmos aspectos acima, enquanto Alciene
Ribeiro Leite (Item 74), em meio a discussões de conteúdo, cita o debate sobre gênero
literário, mas considera-o de “mínima importância”. John Parker (Itens 79, 80 e 90) per-
cebe que o narrador é substituído pelos personagens, “que em determinados momentos
também assumem o papel de narradores”. rompimento de gêneros, o romance apro-
veitando-se bem da estrutura de drama que adotou. Por outro lado, Parker verifica que o
romance é “um microcosmo metonímico” do Brasil. Ao fazer uma leitura da intertex-
tualidade dos nomes dos personagens, observa a presença de referências implícitas a
autores do cânone ocidental, e intui que existe polifonia de vozes e carnavalização na
constituição do romance e de seus personagens. Parker, portanto, ao lado das questões já
levantadas pelos articulistas predecessores, percebe simbolismo na construção do ro-
mance, intertextualidade na definição dos personagens e incorporação ao texto, por par-
O GÊIO E O URUBU -
54
te do ficcionista, da tradição literária e teórica da cultura ocidental. O ensaísta, obvia-
mente, parecia esperar que tais qualidades estivessem presentes nos romances que sur-
gissem àquela época.
Antônio de Pádua e Silva, que conviveu com Vilela em Ituiutaba no final dos
anos 70, observa (Itens 45, 51 e 57): “Vilela não se liga na masturbação teórica dos
herméticos e dos pseudovanguardistas”; EA é uma criação ousada em termos de litera-
tura, pois toda a trama é narrada com uma única técnica”; “Demonstrou [Luiz Vilela] o
seu conhecimento sobre o absurdo, o realismo, a técnica de escrever, e a sua própria
obra literária”.
Geraldo Bonadio (Item 67), em resenha publicada em 9 de setembro de 1983,
observa como Vilela “coloca em questão algumas idéias fundamentais sobre a estrutu-
ra” do gênero romanesco, concluindo: “A forma pouco convencional pela qual os fato-
res constitutivos do romance são introduzidos fazem reafirmar a condição de Luiz
Vilela como um dos nomes mais importantes da ficção brasileira contemporânea.”
Os dois últimos, em suas intervenções, reafirmam características do que se es-
perava, no início dos anos 80, de um romance e de um romancista brasileiro. Por seu
lado, Adinoel Motta Maia (Item 34), em nota publicada em um jornal de Salvador, con-
sidera o romance, ao lado de outros dois lançados ao mesmo tempo, como escritos “para
professores e alunos de Teoria da Literatura. o para o público, que exige uma boa
trama”. Essa observação, de certa forma, me referenda no meu objetivo de circunscrever
o horizonte de expectativa da crítica tendo as publicações da crítica por corpus. Quanto
ao horizonte do público, indicado pelo jornalista, ultrapassa os limites dessa monografia
e exigiria, além da pesquisa junto aos leitores, uma definição do que é “boa trama” e se
o EA não disporia dessa característica.
Em resumo, portanto, tal como exposto pela recepção ao EA, o horizonte de
expectativa da crítica com relação a um romance e a um romancista brasileiro, nos anos
80, parece se definir por um conjunto de características e qualidades que foi possível
definir da análise do próprio exercício da critica, seja aquela exercida para veículos de
comunicação, jornais ou revistas, seja aquela exercida por motivações acadêmicas.
Eis as características que pude deduzir: coragem temática, lingüística e estilís-
tica; originalidade formal; literariedade, ou seja, apresentar qualidade da linguagem lite-
rária com atributos como criatividade, clareza, elegância, simplicidade, correção e con-
cisão; contemporaneidade cronotópica; universalidade; capacidade de ser instigante e
provocar debate e reflexão; liberdade e independência diante de modismos, partidos e
O GÊIO E O URUBU -
55
grupos; capacidade de utilizar-se dos estudos teóricos, estéticos e literários, rompendo
seus limites com novas soluções expressivas; preocupação social; utilizar procedimen-
tos metalingüísticos e intertextuais; ousadia; simbolismo, ou seja, criação de referências
internas que elaborem metonímias; experimentação sem hermetismos.
Desse apanhado, posso, a meu ver, extrair três ramificações: uma pessoal, do
autor; outra literária, da escrita; e uma social, da intervenção do autor, através do que
escreve, no mundo que o circunda. Do autor se exige liberdade; do que ele escreve, se
exige, em termos formais, literariedade; do conteúdo desse texto, se espera coragem.
Como substrato dessas qualidades, exige-se sensibilidade, criatividade e conhecimento.
Esse o horizonte de expectativa da crítica brasileira em meados dos anos 80, tal como
foi possível discernir na fortuna crítica que recebeu o Entre amigos.
No percurso até essa resposta, muitas indagações me açularam o espírito. Es-
sas, em especial: (1
a
) Por que razão histórica e estética Vilela empreendeu a estratégia
narrativa de um diálogo de mais de cem páginas no qual está ausente, quase que por
completo, o narrador? (2
a
) Como se deu a composição dos personagens? (3
a
) De que
forma a conjuntura política, social, econômica e histórica do Brasil, o Brasil dos anos
oitenta do século XX, está entretecida na trama narrativa? (4
a
) Qual o papel da sombra,
do silêncio, do que não é dito?
Responder a essas questões, com certeza, principalmente considerando-se o a-
viso de Vilela de que “o racional é muito pobre para explicar o que a pessoa cria não
apenas com a cabeça, mas com o coração e com as tripas”, demandaria um estudo que
extrapola o objetivo dessas páginas.
Portanto, é o momento de devolver a voz a Luiz Vilela. E o encontro no instan-
te em que lamenta o ocaso do desejo, da força e do entusiasmo. É Marcos, uma das fa-
ces do seu alter ego, que fala:
Eu não tenho mais ambições, Leila; nem maior, nem me-
nor, nem ambição de qualquer tamanho. Minhas ambições
morreram; morreram, foram sepultadas, foi celebrada a missa
de sétimo dia, e hoje elas estão devidamente esquecidas.
ão acredito. Eu sei que você tem ambições. Quem não
tem? Todo mundo tem. Todo mundo tem ambições e todo mundo
tem uma ambição que é a maior: é essa que eu quero saber.
Qual é a sua?
Eu queria ser um monge budista numa aldeiazinha do Ti-
bete. Ou então um velho pastor de ovelhas nos Alpes.
– Só na outra encarnação.
– Eu queria ser a sombra de um gato que passa.
– Eu quero uma ambição realizável.
– Eu só tenho ambições irrealizáveis. (EA, p. 79)
O GÊIO E O URUBU -
56
Entre as ambições irrealizáveis de Marcos, uma é a maior de todas, a definitiva,
aquela que embala os seus sonhos mais do que qualquer outra. Ele confessa a sua von-
tade de ser como Gauguin, a quem venera como a um santo, “São Gauguin”. Afirma
que queria ter a garra de Gauguin, o artista que por sua arte enfrentou tudo, “incompre-
ensões, canos, doenças, roubos, prisões, mortes.” Marcos vislumbra, nesse gênio
indi-
víduo de opinião, homem determinado e artista talentoso,
essa face do alter ego de
Vilela vislumbra nesse gênio que a tudo enfrenta por um ideal de vida, que a tudo en-
frenta para realizar a sua arte, o paradigma de comportamento que ele, domesticado
pelas comodidades burguesas, deseja mas não consegue assumir para si.
Se Marcos é uma das faces romanescas do autor, a outra face é o escritor Eze-
quiel, personagem que realiza a vontade de ser artista, alter ego que anuncia a intenção
de escrever uma Suma Escatológica. Marcos aspira ao gênio, e Ezequiel – que definição
Ezequiel faz de si? Creio tê-la localizado quando, sobre a sua própria atividade, ele, que
é iconoclasta como Marcos e que distribui vitupérios à esquerda e à direita, sentencia:
Os escritores são como os urubus: eles adoram carniça.
Mas uma diferença: os urubus consomem a carniça e com is-
so prestam um grande serviço à humanidade; os escritores não:
os escritores pegam a carniça e espalham-na pelo mundo para
que todos a vejam e sintam o seu fedor; e quanto mais feia a
carniça, quanto mais fedorenta, mais eles gostam.
(EA, p. 103-104)
O diálogo prossegue com Ezequiel afirmando que o escritor tem, como os uru-
bus, um estômago que digere “os troços mais podres”, e que o escritor, também como os
urubus, tem um faro que “é fora de série”.
Seria Luiz Vilela esse urubu? Ou seria o gênio? Ou seria o escritor uma voz
que clama no deserto, como em um dos primeiros textos que Vilela, em 1958, publicou?
Ou seria o escritor um quixote que, mesmo para clamar no deserto, luta, dialeticamente,
entre o gênio e o urubu? Ou seria o gênio e o urubu uma imagem romanesca, metoními-
ca, da sociedade brasileira, da classe média brasileira, dos artistas brasileiros?
Novas dúvidas, novas interrogações, cujas respostas encontraremos, com certe-
za, se nos embrenharmos, como voyeurs, nesse diálogo Entre amigos.
Entre amigos? Sim, entre amigos que chafurdam na carniça do nosso tempo,
nas misérias de nosso país, nos pequeninos dramas individuais, nessa narrativa que re-
corta um dia de suas vidas e nos deixa, desse retalho, um retrato hiper-realista, cruel, no
qual, paradoxalmente, nos reconhecemos, nos odiamos e nos deleitamos.
O GÊIO E O URUBU -
57
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90
Modifica ligeiramente a ordem de apresentação de alguns dos elementos com relação às normas da
ABNT, procedimento que se adotou para facilitar manipulação das referências em banco de dados in-
formatizado.
O GÊIO E O URUBU -
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2, jul.-dez./1993. Uberlândia: Edufu, 1993.
SILVERMAN, Malcolm. O novo conto brasileiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1985.
_______. Moderna sátira brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.
_______. Protesto e o novo romance brasileiro. Trad. Carlos Araújo. Porto Alegre/São
Carlos: Ed. Universidade-UFRGS/Ed. Universidade de São Carlos, 1995; 2
ª
ed.,
Rio de Jáneiro: Civilização Brasileira, 2000.
STEEN, Edla van. Viver & escrever; v. 2. Porto Alegre: L&PM Editores, 1982.
STERN, Irwin. Dictionary of brazilian literature. New York, Westport, Comnecticut,
London: Greenwood Press, 1988.
TOLMAN, Jon M. Brazil’s new prose. Brazilian stories: 1956-1977 (introdução). The
Literary Review, v. 27, nº 4. New Jersey: Fairleigh Dickinson University, Sum-
mer 1984.
VILELA, Luiz Junqueira. Vox clamantis in deserto. Revista Folha de Ituiutaba. Ituiuta-
ba: Folha de Ituiutaba, 1958. Artigo.
_______. Entre amigos. São Paulo: Ática, 1983.
WALTY, Ivete Lara Camargos e CURY, Maria Zilda Ferreira. Textos sobre textos; um
estudo da metalinguagem. Belo Horizonte: Dimensão, 1999.
WELLEK, René. História da crítica moderna (4 v.) São Paulo: Herder/Edusp, 1967-72.
ZAMBONI, José Carlos. Luiz Vilela e a arte de esconder a arte. Papéis avulsos, n. 2.
Assis: Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras,
Departamento de Literatura, 1999.
ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Ática,
1989.
O GÊIO E O URUBU -
61
7. Apêndices
Quadros e tabelas organizados durante a pesquisa.
LISTA DOS APÊDICES
Apêndice I Tabela: lista com os itens da recepção ao EA, por ordem de data.
Apêndice II Tabela das publicações por categoria e período.
Apêndice III Tabela das publicações por categoria e por meses.
Apêndice IV Relação dos módulos, professores e trabalhos realizados durante o
Curso de especialização que chega ao término com essa monogra-
fia.
O GÊIO E O URUBU -
64
Apêndice I
- Itens da Recepção ao Entre amigos
o
.
Autor Texto Data
Categoria Publicação Cidade Est.
01
ABREU, Caio
Fernando.
Do fascismo à vio-
lência.
6 Abril,
1983
Resenha.
Istoé, p. 75, foto.
São Paulo,
SP.
02
SANTANA,
Denise.
Sem supérfluo.
18 Abril,
1983
Resenha.
Visão, p. 82, “Tempo
livre”, capa.
São Paulo,
SP.
03
Jornal da Tar-
de.
Um olhar mineiro
sobre a classe mé-
dia.
19 Abril,
1983
Nota.
Jornal da tarde, s/p,
capa, ANI.
São Paulo,
SP.
04
Diário popular.
Entre amigos
, novo
romance de Luiz
Vilela.
21 Abril,
1983
Release.
Diário popular, s/p,
ANI.
São Paulo,
SP.
05
ALMEIDA,
Amylton de.
O neoconservado-
rismo da juventude
do interior de Mi-
nas.
24 Abril,
1983
Resenha.
Gazeta de Vitória,
s/p., "Livros", capa.
Vitória,
ES.
06
FENNER,
Mildo Léo.
"Lançamentos"
(coluna).
24 Abril,
1983
Release.
Jornal do povo, s/p.
Cachoeira do
Sul,
RS.
07
MIGUEL,
Salim.
Desnudando o ser
humano.
24 Abril,
1983
Resenha.
O estado, s/p, “Li-
vros”, capa.
Florianópo-
lis,
SC.
08
MONTEIRO,
Nilson.
Na roda de amigos,
as contradições e
agonias diárias.
24 Abril,
1983
Release.
Folha de Londrina,
s/p.
Londrina,
PR.
09
PONTES, Ode-
te.
"Livros novos"
(coluna).
24 Abril,
1983
Release.
Jornal da cidade, s/p.
Bauru,
SP.
10
SOUSA, Afon-
so de.
Mulheres falam de
sexo nos best-
sellers
de BH.
26 Abril,
1983
Lista.
Estado de Minas, s/p.,
"Registro cultural", p.
7.
Belo Hori-
zonte,
MG.
11
AZAMBUJA,
Norton.
"Livros" (coluna).
27 Abril,
1983
Release.
Jornal de Santa Cata-
rina, s/p., "Front".
Blumenau,
SC.
12
SILVA, Antô-
nio de Pádua.
Vilela, Entre ami-
gos, na noite d
e
Ituiutaba.
29 Abril,
1983
Reportagem.
Primeira hora, p. 7,
variedades/serviços,
capa, foto, AIP.
Uberlândia,
MG.
13
SOUSA, Afon-
so de.
Luiz Vilela estréia
nos best-
sellers em
1o. Lugar.
30 Abril,
1983
Lista.
Estado de Minas, s/p.,
"Registro cultural", p.
7.
Belo Hori-
zonte,
MG.
14
COUTINHO,
Edilberto.
Quando o transitó-
rio adquire valor
perene.
1 Maio,
1983
Artigo.
O Globo, s/p, capa.
Rio de Janei-
ro,
RJ.
15
GOMES, Clau-
dete.
Entre amigos.
1 Maio,
1983
Release.
O parque, n. 53, s/p.,
"Roteiro", capa.
São Paulo,
SP.
16
Jornal de Do-
mingo.
"Livros" (coluna).
1 Maio,
1983
Release.
Jornal de Domingo,
s/p, capa, ANI.
Campinas,
SP.
17
MONTEIRO,
Nilson.
Tá bom, tá bom, eis
aí a capa do
Entre
amigos.
1 Maio,
1983
Registro.
Folha de Londrina,
s/p, capa.
Londrina,
PR.
O GÊIO E O URUBU -
65
Itens da Recepção ao Entre amigos
o
.
Autor Texto Data
Categoria Publicação Cidade Est.
18
RONCARI,
Luiz
Conversinha de apê.
1 Maio,
1983
Resenha.
Leia livros, p. 16,
ilustração.
São Paulo,
SP.
19
GAMA, Rinal-
do.
"Ler e reler" (colu-
na).
2 Maio,
1983
Nota.
Metrô News, s/p.
São Paulo,
SP.
20
Opção.
"Livros" (coluna).
7 Maio,
1983
Release.
Opção, s/p, capa,
ANI.
Niterói,
RJ.
21
Diário de Pe-
trópolis.
Entre amigos
. o
segundo [sic] ro-
mance de Luiz Vile-
la.
8 Maio,
1983
Release.
Diário de Petrópolis,
s/p, capa, ANI.
Petrópolis,
RJ.
22
SOUSA, Afon-
so de.
Ciência-ficção lide-
ra os 10 mais lidos
de BH.
10 Maio,
1983
Lista.
Estado de Minas, s/p.,
"Registro cultural".
Belo Hori-
zonte,
MG.
23
MASSI, Au-
gusto.
No apartamento.
11 Maio,
1983
Resenha.
Veja, p. 118, capa.
São Paulo,
SP.
24
GUIMARÃES,
Airton.
Almanaque (colu-
na).
12 Maio,
1983
Nota.
Estado de Minas, p. 5,
capa.
Belo Hori-
zonte,
MG.
25
ALMEIDA.
Rosivan Van-
derlei de.
Entre amigos.
13 Maio,
1983
Release.
Jornal de Alagoas,
s/p., "Lançamento".
Maceió,
AL.
26
ANÍSIO, Ri-
cardo.
Literatura (coluna).
13 Maio,
1983
Release.
Correio da Paraíba,
s/p, capa.
João Pessoa,
PB.
27
SLMG.
Os 10 livros mais
vendidos.
14 Maio,
1983
Lista.
Suplemento literário
(SLMG), p. 10, ANI.
Belo Hori-
zonte,
MG.
28
ANÍSIO, Ri-
cardo.
Literatura.
15 Maio,
1983
Release.
Correio da Paraíba,
s/p, praticamente
repete a coluna de
13/05/83.
João Pessoa,
PB.
29
BUEIONI,
Marisa Fillet.
Poesia & prosa
(coluna).
15 Maio,
1983
Release.
O diário, s/p, capa.
Piracicaba,
SP.
30
Jornal de Casa.
As verdades
(e até a
loucura) de Luiz
Vilela.
15 Maio,
1983
Reportagem.
Jornal de Casa, p. 3,
capa, foto, ANI.
Belo Hori-
zonte,
MG.
31
Jornal de Casa.
Luiz Vilela, um
romancista
Entre
amigos.
15 Maio,
1983
Chamada.
Jornal de Casa, 1. p,
foto, ANI.
Belo Hori-
zonte,
MG.
32
SILVA, Antô-
nio de Pádua e.
Entre amigos.
15 Maio,
1983
Registro.
Primeira hora, s/p,
capa, AIP.
Uberlândia,
MG.
33
MENEZES,
Carlos.
Vilela deixa suas
vacas em MG para
lançar hoje
Entre
amigos.
18 Maio,
1983
Nota.
O Globo, p. 30, “Li-
vros”, capa.
Rio de Janei-
ro,
RJ.
34
MAIA, Adinoel
Motta.
Edições e editoras.
19 Maio,
1983
Nota.
Jornal da Bahia, s/p.
Salvador,
BA.
O GÊIO E O URUBU -
66
Itens da Recepção ao Entre amigos
o
.
Autor Texto Data
Categoria Publicação Cidade Est.
35
MAURÍCIO,
José.
[Sem título].
21 Maio,
1983
Registro.
Diário da tarde, s/p.
Belo Hori-
zonte,
MG.
36
MOTTA, Pas-
choal.
"Movimento cultu-
ral" (coluna).
21 Maio,
1983
Registro.
Diário do Executivo,
s/p.
Belo Hori-
zonte,
MG.
37
SLMG.
Os 10 livros mais
vendidos.
21 Maio,
1983
Lista.
Suplemento literário
(SLMG), p. 10, ANI.
Belo Hori-
zonte,
MG.
38
COUTINHO,
Sonia.
Luiz Vilela, a vida
passada a limpo sob
a forma de imagina-
ção.
22 Maio,
1983
Entrevista.
O globo, s/p, foto.
Rio de Janei-
ro,
RJ.
39
FENNER,
Mildo Léo.
"Lançamentos"
(coluna).
22 Maio,
1983
Release.
Jornal do povo, s/p
[parece o mesmo
release de 24/04/83].
Cachoeiro do
Sul,
RS.
40
MANDATO,
Jácomo.
"Leitura das quin-
tas" (coluna).
26 Maio,
1983
Release.
Cidade de Itapira, s/p.
Itapira,
SP.
41
LUCCA, Car-
men.
Entre amigos.
27 Maio,
1983
Registro.
Jornal
do Comércio,
"Turismo, viaje len-
do".
Porto Alegre,
RS.
42
LINHARES,
Temístocles.
Um diálogo inter-
minável.
29 Maio,
1983
Artigo.
Folha de S. Paulo,
s/p.
São Paulo,
SP.
43
SILVA, Sérgio
de Castro.
Lançamentos da
Editora Ática S.A .
29 Maio,
1983
Release.
Correio das artes,
s/p., "Registro".
João Pessoa,
PB.
44
MARTINS,
José.
[Enquete].
1 Junho,
1983
Enquete.
N/p. [Data presumi-
da.]
Belo Hori-
zonte,
MG.
45
SILVA, Antô-
nio de Pádua e.
Vilela vem aí para
lançar Entre ami-
gos.
3 Junho,
1983
Reportagem.
Primeira
hora, p. 7,
"variedades/serviços",
foto, AIP.
Uberlândia,
MG.
46
CAMPOMIZZI
FILHO.
Entre amigos.
4 Junho,
1983
Resenha.
Diário de Minas, s/p.
Belo Hori-
zonte,
MG.
47
PONTES, Ma-
rio.
O provincianismo
do antiprovincia-
nismo.
4 Junho,
1983
Entrevista.
Jornal d
o Brasil [JB],
s/p., Caderno B, p.
12, "Livro", foto.
Rio de Janei-
ro,
RJ.
48
RAUER.
"Espaço cultural"
(coluna).
4 Junho,
1983
Registro.
Cidade de Ituiutaba,
última página, AIP.
Ituiutaba,
MG.
49
SÁ, Jorge de.
Atrás das máscaras.
4 Junho,
1983
Artigo.
JB,
s/p., Caderno B,
p. 12, "Livro", foto.
Rio de Janei-
ro,
RJ.
50
SALLES, Da-
vid.
Com mais de trinta.
5 Junho,
1983
Artigo.
A tarde, s/p., "Crítica
de rodapé".
Salvador,
BA.
51
SILVA, Antô-
nio de Pádua e.
Comentários sobre
o romance
Entre
amigos
, de Luiz
Vilela.
5 Junho,
1983
Reportagem.
Primeira hora [PH], p.
7, AIP.
Uberlândia,
MG.
52
Estado de Mi-
nas
Feliz ano velho
, o
1o. nos best-sellers.
7 Junho,
1983
Lista.
Estado de Minas, s/p.,
"Literatura", ANI.
Belo Hori-
zonte,
MG.
O GÊIO E O URUBU -
67
Itens da Recepção ao Entre amigos
o
.
Autor Texto Data
Categoria Publicação Cidade Est.
53
RAUER.
Entre
amigos
8 Junho,
1983
Registro.
Cidade de Ituiutaba,
última página, AIP.
Ituiutaba,
MG.
54
SILVA, Antô-
nio de Pádua e.
Entre amigos, refle-
xo de situações
humanas.
8 Junho,
1983
Resenha.
PH, p. 7, "varieda-
des/serviços", capa,
foto.
Uberlândia,
MG.
55
SILVA, Antô-
nio de Pádua e.
Luiz Vilela lança
seu livro
Entre
amigos.
8 Junho,
1983
Chamada.
PH, 1. p., foto, AIP.
Uberlândia,
MG.
56
SILVA, Antô-
nio de Pádua e.
Luiz Vilela, hoje, no
Teatro
de Bolso
8 Junho,
1983
Entrevista.
PH, p. 7, varieda-
des/ser-
viços, foto,
capa, AIP.
Uberlândia,
MG.
57
SILVA, Antô-
nio de Pádua e.
Debate informal
com o escritor Luiz
Vilela.
10 Junho,
1983
Reportagem.
PH, p. 7, AIP.
Uberlândia,
MG.
58
MACIEL, Luiz
Carlos Junquei-
ra.
A hora noturna dos
urubus.
11 Junho,
1983
Artigo.
Suplemento literário
(SLMG), p. 11, capa.
Belo Hori-
zonte,
MG.
59
RAUER.
"Espaço cultural"
(coluna).
11 Junho,
1983
Registro.
Cidade de Ituiutaba,
última página, AIP.
Ituiutaba,
MG.
60
Estado de Mi-
nas
Política domina os
best-sellers de BH.
14 Junho,
1983
Lista.
Estado de Minas, s/p,
ANI.
Belo Hori-
zonte,
MG.
61
RAUER.
Colégio Santa Tere-
za discute
Entre
amigos
18 Junho,
1983
Registro.
Cidade de Ituiutaba,
1. p., AIP.
Ituiutaba,
MG.
62
Estado de Mi-
nas
Marcelo Rubens
pula para a 1a posi-
ção nos best-
sellers
de BH.
29 Junho,
1983
Lista.
Estado de Minas, p. 7,
ANI.
Belo Hori-
zonte,
MG.
63
COUTINHO,
Edilberto.
Luiz Vilela -
Entre
amigos.
30 Junho,
1983
Artigo.
Fatos e Fotos, s/p.,
"Livros", foto.
Rio de Janei-
ro,
RJ.
64
Unibanco.
"Livros" (coluna).
1 Julho,
1983
Release.
Jornal Unibanco, s/p.,
"Livros", capa, ANI.
São Paulo,
SP.
65
ARAÚJO, Lais
Corrêa.
"Roda Gigante"
(coluna).
3 Julho,
1983
Nota.
Estado de Minas,
"Feminino", p. 5.
Belo Hori-
zonte,
MG.
66
B., Luiz.
Entre amigos.
10 Julho,
1983
Nota.
Jornal de Domingo
(Suplemento do Diá
rio
de Minas), s/p., "Li-
vro".
Belo Hori-
zonte,
MG.
67
BONADIO,
Geraldo.
O leitor entra no
papo. Assim come-
ça o romance.
9 Setem-
bro, 1983
Resenha.
Cruzeiro do Sul, s/p.,
"Artes e lazer".
Sorocaba,
SP.
68
ZILBERMAN,
Regina.
Entre amigos
, um
exercício narrativo.
9 Setem-
bro, 1983
Artigo.
O Estado de S. Paulo,
s/p, capa.
São Paulo,
SP.
69
JUNKES, Lau-
ro.
"Livros & cultura -
210" (coluna).
11 Setem-
bro, 1983
Artigo.
A gazeta, s
/p, "Livros
& cultura - 210".
Florianópo-
lis,
SC.
O GÊIO E O URUBU -
68
Itens da Recepção ao Entre amigos
o
.
Autor Texto Data
Categoria Publicação Cidade Est.
70
ZILBERMAN,
Regina.
Entre amigos
, um
exercício narrativo.
13 Setem-
bro, 1983
Artigo.
Cidade de Ituiutaba, p.
2 [re
produção do
artigo de "O Estado de
S. Paulo].
Ituiutaba,
MG.
71
Estado do Pa-
raná.
Livros-
amostras e o
"nothing book".
5 Outubro,
1983
Registro.
Jornal do Comércio
,
"Tablóide / Aramis-
millarch".
Curitiba,
PR.
72
ALVAREN-
GA, Terezinha.
Entre amigos
e
castelos.
13 Outu-
bro, 1983
Resenha.
Estado de Minas, s/p.
Belo Hori-
zonte,
MG.
73
IBIAPINA,
Fontes.
Entre
amigos
15 Outu-
bro, 1983
Resenha.
Folha do litoral, s/p.,
"Ponderações literá-
rias", p. 2.
Parnaíba,
PI.
74
LEITE, Alciene
Ribeiro.
Esfacelamento En-
tre amigos.
15 Outu-
bro, 1983
Artigo.
Suplemento literário
do Minas Gerais (S-
LMG), s/p, foto.
Belo Hori-
zonte,
MG.
75
BRITO, Os-
waldo Lopes.
Três romances dife-
rentes.
21 Outu-
bro, 1983
Resenha.
O diário, s/p, capa.
Ribeirão
Preto,
SP.
76
RAUER.
Entre amigos.
26 Outu-
bro, 1983
Chamada.
Cidade de Ituiutaba,
chamada de 1. p., AIP.
Ituiutaba,
MG.
77
LEITE, Alciene
Ribeiro.
Esfacelamento En-
tre amigos.
26 Outu-
bro, 1983
Artigo.
Cidade de Ituiutaba, p.
2 [reprodução do
artigo publicado no
SLMG].
Ituiutaba,
MG.
78
Estado do Pa-
raná.
Livros-
amostras e o
"nothing book".
5 Dezem-
bro, 1983
Registro.
Jornal O Estado do
Paraná, s/p. (Origem.
clipping; parece item
71.)
Curitiba,
PR.
79
PARKER,
John.
Luiz Vilela -
Entre
amigos.
1 Março,
1985
Artigo.
Fundação Calouste
Gulbenkian, Colóq
uio
Letras, no. 84, p. 113-
114.
Lisboa,
80
PARKER,
John.
Intertex, interpre-
tant, and ideology in
Luiz Vilela's
Entre
amigos
1 Janeiro,
1986
Ensaio.
King's College, Uni-
versity of London,
England.
Londres,
81
LUCAS, Fábio.
Ficção mineira pós-
45.
1 Maio
,
1986
Artigo.
Ed. Brasiliense, Leia
livros -
Leia especial
BH, p. 8-9, foto FL.
São Paulo,
SP.
82
LUCAS, Fábio.
Aspecto da ficção
mineira pós-45.
Romance de gera-
ção.
1 Novem-
bro, 1986
Artigo.
"O eixo e a roda",
Revista da UFMG.
Belo Hori-
zonte,
MG.
83
DI
ANTONIO,
Robert E.
Brazilian fiction -
aspects and evolu-
tion.
1 Janeiro,
1989
Resenha.
The University of
Arkansas Press.
Fayettevile-
London,
O GÊIO E O URUBU -
69
Itens da Recepção ao Entre amigos
o
.
Autor Texto Data
Categoria Publicação Cidade Est.
84
LUCAS, Fábio.
Do Ba
rroco ao
Moderno. vozes da
literatura brasileira
1 Janeiro,
1989
Artigo.
Ática.
São Paulo,
SP.
85
LUCAS, Fábio.
Mineiranças.
[199?]
Artigo.
S/e.
S/l,
86
MAJADAS,
Wania de Sousa
O diálogo da com-
paixão na obra de
Luiz Vilela
[1993]
Dissertação.
Universida
de Federal
de Goiás; Dissertação
de Mestrado.
Goiânia,
GO.
87
SILVERMAN,
Malcolm.
Protesto. romance
brasileiro contem-
porâneo.
1 Junho,
1995
Artigo.
Civilização Brasileira.
Rio de Janei-
ro,
RJ.
88
MAJADAS,
Wania de Sousa
O diálogo da com-
paixão na obra de
Luiz Vilela
1 Outubro,
2000
Livro (origi-
nalmente
Dissertação).
Rauer Livros, prefá
cio
de Fábio Lucas, 204 p.
Uberlândia,
MG.
89
MASSI, Au-
gusto.
O demônio do des-
locamento (introdu-
ção a
Histórias de
família).
1 Julho,
2001
Artigo.
Ed. Nova Alexandria,
p. 7-17.
São Paulo,
SP.
90
PARKER,
John.
Intertexto, interpre-
tante e ideologia em
Entre amigos
, de
Luiz Vilela.
S/d
Ensaio.
N/p. (Tradução do
Item 79.)
S/l,
O GÊIO E O URUBU -
70
Apêndice II – Tabela das publicações por categoria e período.
Quantidade de publicações por categoria e período
Categoria 1
o
semestre/83 2
o
. semestre/83 A partir de 1984 Totais
Artigo 06 05 07 18
Chamada 02 01 - 3
Dissertação
91
- - 2 2
Enquete 1 - - 1
Ensaio - - 2 2
Entrevista 3 - - 3
Lista 8 - - 8
Nota 5 2 - 7
Registro 9 2 - 11
Release
16 1 - 17
Reportagem 5 - - 5
Resenha 8 4 1 13
Totais 63 15 12 90
Apêndice III – Tabela das publicações por categoria e meses.
Quantidade de publicações por categoria e meses
Categoria
Meses
Em 1983, os seis primeiros meses
após lançamento do EA
Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set.
Totais
Artigo - 2 4 - - 3 9
Chamada - 1 1 - - - 2
Dissertação - - - - - - -
Enquete - - 1 - - - 1
Ensaio - - - - - - -
Entrevista - 1 2 - - - 3
Lista 2 3 3 - - - 8
Nota 1 4 - 2 - - 7
Registro - 5 4 - - - 9
Release
5 11 1 - - - 17
Reportagem 1 1 3 - - - 5
Resenha 4 2 2 - - 1 9
Totais 13 30 21 2 - 4 70
91
A categoria Dissertação inclui a dissertação e o livro a que a dissertação deu origem.
O GÊIO E O URUBU -
71
Apêndice IV Relação dos módulos, professores e trabalhos realizados
durante o Curso de especialização:
Professor:
Joana Luiza Muylaert de Araújo.
Proposta:
“A formação da literatura brasileira: uma discussão dos cânones”
Atividades:
Seminário: O Duplo e a Falta: Alteridade, Idêntico e Álibi na cons-
trução da Identidade na Literatura Brasileira
Trabalho: Os fins e os meios: o lugar do entre-lugar na cultura brasi-
leira.
Trabalho: Os olhos brasileiros do poeta – análise de um poema de
Carlos Drummond à luz de Finazzi-Agro e Schwartz.
Professor:
Betina Ribeiro Rodrigues da Cunha.
Proposta:
Faces da contística de João Guimarães Rosa.
Atividades:
Júri simulado: Julgamento dos personagens do conto “Fatalidade”.
Trabalho: “A loucura em ‘Soroco, sua mãe, sua filha’”.
Trabalho: “Os muitos rios que correm na ‘Terceira margem’”.
Professor:
Enivalda Nunes Freitas e Souza.
Proposta:
Poesia e sociedade em Bandeira, Drummond e João Cabral.
Trabalho:
“Crítica social e eu lírico na poesia do Modernismo”.
Professor:
Aldo Luís Bellagamba Colesanti.
Proposta:
Pagu e Oswald: poesia e desenho.
Prova:
“Pagu: militância política e cultural”.
Professor:
Elaine Cristina Cintra.
Proposta:
Murilo Mendes e outras vozes da poesia brasileira do século XX.
Trabalho:
“Caos e metalinguagem em Murilo Mendes”.
Professor:
Maria Auxiliadora Cunha Grossi.
Proposta:
A pedagogia do poético.
Trabalho:
“A literatura e a armadilha institucional da escola”.
Professor:
Roberto Daud.
Proposta:
O conto de Clarice Lispector examinado à luz da teoria do conto.
Texto:
“Um exemplo de epifania em Clarice Lispector”.
Professor:
Eduardo José Tollendal.
Proposta:
Regionalismo e universalidade em João Guimarães Rosa.
Trabalho:
Grande sertão e os ensinamentos da Arte da guerra, de Sun Tzu”.
Professor:
Odette Maria Álvares.
Proposta:
Metodologia científica para o estudo e o ensino de literatura.
Trabalho:
“O método recepcional para Bordini e Aguiar: cidadania e prazer”.
542
DADOS BIOGRÁFICOS
Nasci em 1958 em Ituiutaba, Minas Gerais. Cursei Filosofia na USP e, de volta à
minha cidade natal, me formei em Estudos Sociais e em História, tendo também freqüentado,
por um semestre, o Curso de Letras. Trabalhei como jornalista e como publicitário. Lecionei
Literatura, Redação, Geografia, História e Geopolítica no primeiro e no segundo graus, e em
pré-vestibulares. Fui livreiro e editor de livros. Tenho sete livros de ficção publicados, sendo
que um deles, lançado pela Editora RHJ, de Belo Horizonte, está em 3ª edição, e o mais recente
é a narrativa lírica Qohelet, que acabo de lançar. Além dos livros editados, tenho um roman-
ce, uma novela, um volume infanto-juvenil, um livro de contos e um de crítica literária prontos
para publicação, e estudos para desenvolver um ciclo romanesco de narrativas, nomeado Memo-
rial necrônico riocorrente. Em 2000 e em 2001 ministrei palestras e cursos, nas áreas de Litera-
tura e de Redação, em universidades e para capacitação de professores de primeiro e segundo
graus. Nessa época, desenvolvi, em três municípios mineiros, cinco consultorias do PAIE
Programa de Apoio às Inovações Educacionais, integrante do Projeto de Melhoria da Qualidade
da Educação Básica em Minas Gerais (ProQualidade) e do Projeto de Desenvolvimento e Enri-
quecimento Curricular, PRODEC, programas da Secretária de Estado de Educação de Minas
Gerais. Dessas cinco consultorias, duas foram consideradas entre as melhores desenvolvidas no
Estado, uma em 2000 e a outra em 2001. Nesse período, fiz Curso de Especialização em Litera-
tura Comparada na Universidade Federal de Uberlândia, e cursei e ministrei diversas atividades
de extensão, entre minicursos e oficinas. Em 2002, iniciei Mestrado em Estudos Literários na
Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, Câmpus de Araraquara, tendo por orientador o prof.
Dr. Luiz Gonzaga Marchezan. Em 2003, na qualificação, a pesquisa foi transformada em Dou-
torado Direto; durante o mestrado-doutorado recebi, por 23 meses, bolsa do CNPq. Além da
tese Faces do conto de Luiz Vilela, preparei uma relação da fortuna crítica do escritor, que está
pronta para publicação, e estou realizando extensa entrevista com Vilela, com intenção de trans-
formá-la em livro autônomo. Nos quatro anos em que estou vinculado ao Programa de Pós-
Graduação em Estudos Literários da FCL-Ar / Unesp, publiquei um livro de contos e um com
uma narrativa-lírica, participei de vinte e cinco eventos acadêmicos, fiz doze comunicações,
proferi seis palestras, ministrei dois minicursos, coordenei uma mesa de debates, editei por dois
anos uma página quinzenal de literatura em um jornal, participei de duas comissões do Progra-
ma, ministrei, com uma colega da Pós, um semestre de aulas na instituição, tive mais de uma
dezena de artigos insertos em sites da internet, e um total de quarenta e três publicações, de
resenhas de divulgação a artigos em revistas indexadas, incluindo um ensaio no livro Perspecti-
vas de la ficcionalidad, lançado em 2005 pela Editorial Docencia, de Buenos Aires.
Rauer
Araraquara, SP, 10 de abril de
2006.
543
ILUSTRAÇÕES, CAPAS DOS LIVROS E COTOS REPRODUZIDOS
Tremor de terra, 1. ed. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... . 341
“Confissão”
92
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
342
Tremor de terra, 8. ed. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... . 347
“Nosso dia” ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... . 348
o bar, 2. ed. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
351
“Dez anos” ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
352
Tarde da noite, 1. ed. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
356
“Tarde da noite” ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
357
O fim de tudo, 1. ed. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... . 373
“Cadela”
93
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 374
Lindas pernas, 1. ed. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 379
“Para vocês mais um capítulo” ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 380
A cabeça, 1. ed. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 386
“Freiras em férias” ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... .. 387
“Catástrofe” ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... . 397
“Rua da amargura” ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
403
“A cabeça” ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
415
“Noite feliz” (inédito em livro) ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 424
“Você verá” (inédito em livro) ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 426
Choro no travesseiro, 8. ed. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... . 444
Te amo sobre todas as coisas, 1. ed. ... ... ... ... ... ... ... ... ... 445
Bóris e Dóris , 1. ed. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 446
Os novos, 1. ed. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 447
O inferno é aqui mesmo, [3. ed.] ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ..
448
Entre amigos, 1. ed. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... . 449
Graça, 1. ed. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 450
Uma seleção de contos, [3. ed.] ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
451
Histórias de família, 1. ed. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
452
“Boa de garfo” (il. do livro homônimo) ... ... ... ... ... ... ... .. 453
[Faces de Luiz Vilela – colagem de fotos] ... ... ... ... ... ... .. 454
92
O conto reproduzido é da 8. ed.
93
Reproduzido de Claver (2006).
544
ÍDICE
1º VOLUME
Folha de rosto ..........................................................................................
Ficha Catalográfica .................................................................................
Folha de aprovação ..................................................................................
Dedicatória ..............................................................................................
Agradecimentos .......................................................................................
Nota .........................................................................................................
Epígrafe ...................................................................................................
Sumário ...................................................................................................
Lista de abreviaturas das obras de Luiz Vilela ........................................
Quadro de abreviaturas e siglas ...............................................................
Resumo ....................................................................................................
Abstract ...................................................................................................
Nota Prévia ..............................................................................................
Introdução ..............................................................................................
I – Luiz Vilela: o contexto, a obra, a recepção e a literariedade ......
1.1 A ficção brasileira nos anos sessenta .................................
1.2 O ficcionista Luiz Vilela ....................................................
1.2.1 Uma visada nos romances e nas novelas ..
1.2.2 Os dois momentos na contística de Vilela .
1.3 A recepção à obra de Luiz Vilela .......................................
1.3.1 Um tremor na literatura .............................
1.3.2 Da recepção à literariedade, na recepção ao
romance Entre amigos, de Luiz Vilela .
1.3.3 A recepção aos contos de A cabeça ..........
1.4 A literariedade, segundo Luiz Vilela: fogo sagrado
feito de coração e tripas .....
II – Pressupostos teóricos .....................................................................
2.1 Nos Caminhos da semiótica literária ................................
2.1.1 A dimensão narrativa ................................
2.1.2 O quadrado semiótico ...............................
2.1.3 A semiótica das paixões ...........................
2.1.4 Modulações do tensivo .............................
2.1.5 A timia e a foria ........................................
2.1.6 A dimensão enunciativa ............................
2.1.7 A figuratividade ........................................
2.1.8 A estrutura semionarrativa ........................
2.1.9 O percurso gerativo de sentido .................
2.1.10 A recepção do poético ..............................
2.2 As retomadas discursivas ...................................................
2.3 QUADRO: Modelo para comparar os percursos gerativos de
sentido dos contos analisados ..............................
III - Uma ontologia: o riso literário .....................................................
3.1 Uma semiose das diferentes formas do riso literário .........
3.2 O riso nos contos dos anos sessenta e setenta ....................
3.3 O riso nos contos de A cabeça ...........................................
3.4 O riso nos romances e nas novelas .....................................
3.5 As nuances e gradações do riso nos contos de Luiz Vilela .
3.6 As fronteiras do riso em Luiz Vilela ..................................
ii
iii
iv
v
vi
vii
viii
ix
x
xi
xii
xiii
xiv
1
7
10
15
20
23
25
26
34
42
49
54
57
59
61
64
66
68
70
71
73
75
77
79
90
93
97
109
116
125
128
132
545
IV – Procedimentos textuais e mecanismos enunciativos em
contos de Luiz Vilela .................
4.1 Uma timia: no amor, o conflito na alcova ..........................
4.1.1 O amor entre o determinismo e a resignação
4.1.2 O amor é arma de subjugação ...................
4.1.3 As marcas do enunciado ...........................
4.1.4 A palavra que vale é a do homem .............
4.1.5 A palavra está com a mulher ....................
4.1.6 A terra treme sob a força do amor ............
QUADRO: As fronteiras do amor
em Luiz Vilela .....
4.2 Uma foria: no conflito religioso, uma religião arquetípica .
4.2.1 Um código ideológico romântico
que persiste ...................
4.2.2 Da filosofia é retomado o conceito de
estado de natureza .......
4.2.3 A defesa de uma ética do cristianismo
primitivo .....................
4.2.3.1 A redenção pelo livre-
arbítrio .......................
4.2.3.2 O “selvagem” e o leviatã ...
4.2.4 O paganismo contemporâneo defronta-
se
com esmaecidos ecos de religiosidade ..
4.2.5 Sem religião, um humanismo visceral ...
QUADRO: As fronteiras bíblicas
em Luiz Vilela ......
V – arrador ausente e voz do autor em Luiz Vilela .......................
5.1 Narrador e autor: visão geral ..............................................
5.2 A voz do autor: uma semiose .............................................
5.2.1 A voz do autor como fratura e imperfeição
5.2.2 Aporias: imanência e intencionalidade .
5.3 A função ideológica do diálogo .........................................
5.4 A constituição do narrador ausente ....................................
5.5 Uma estratégia: no diálogo, a voz do autor ........................
VI - O percurso gerativo de sentido nos dois momentos da contística
de Luiz Vilela ...................
6.1 O riso literário nos dois momentos da contística
de Luiz Vilela ....................
6.2 Quanto ao revestimento figurativo .....................................
6.3 A isotopia temática .............................................................
6.4 As sintaxes semionarrativas ...............................................
6.5 Da timia e da foria ..............................................................
6.6 Oposição fundamental ........................................................
Considerações finais ..............................................................................
Post scriptum ..........................................................................................
FIM DO PRIMEIRO VOLUME
135
138
140
144
156
162
169
173
178
180
183
188
191
192
198
202
207
215
217
222
228
230
236
246
259
269
278
282
285
286
287
288
289
290
297
546
2º VOLUME
Bibliografia ............................................................................................
Em um único bloco, as referências bibliográficas, os dicionários,
os manuais de referências metodológicas e a bibliografia geral
Anexos ............................................................ ...........................................
Anexo 1 – Bibliografia de Luiz Vilela ........................................
Anexo 2 – Luiz Vilela: o fogo sagrado feito de coração e tripas
Anexo 3 – Quadro com os contos de Luiz Vilela ........................
Anexo 4 – Reprodução dos contos que compõem o corpus ........
1º Momento: Confissão, 342; Nosso dia, 348; Dez anos,
352; Tarde da noite, 357; Cadela, 374; Para vocês mais um
capítulo, 380;
Momento: Freiras em férias, 387; Catástrofe, 397; Rua
da amargura, 403; A cabeça, 415;
Contos inéditos em livro: Noite feliz, 424; Você Verá, 426.
Anexo 5 – Coletânea de vozes, artigo de Maurício Moreira .......
Anexo 6 – Convite para Teleteatro com contos de A cabeça ......
Anexo 7 – Dados biográficos de Luiz Vilela ..............................
Anexo 8 – Foto: Roberto Drummond, Murilo Rubião e Luiz
Vilela diante do SLMG .
Anexo 9 – Faces: fotos de Luiz Vilela, capas de livros e
ilustração de um conto ......
Apêndices ...............................................................................................
Apêndice 1 – Quadro conceitual para qualificar a recepção crítica
a um autor brasileiro contemporâneo ...................
Apêndice 2 – Recepção à obra de Luiz Vilela ............................
Apêndice 3 O gênio e o urubu: comentários à recepção jornalís-
tica do romance Entre amigos, de Luiz Vilela ..
Sumário de O gênio e o urubu ..........................................
Dados biográficos ..................................................................................
Índice de ilustrações ..............................................................................
Índice ......................................................................................................
304
327
328
332
339
340
429
430
433
442
443
455
456
458
470
[ 475 ]
542
543
544
http://www.biblioteca.unesp.br/bibliotecadigital/
Esta tese foi defendida, na
Unesp de Araraquara,
em 10 abr. 2006 e
disponibilizada
para o Banco
de Teses em
out.2007.
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