Download PDF
ads:
1
unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP
EDUARDO COLEONE
MILLÔR FERNANDES – ALISE DO ESTILO DE UM
ESCRITOR SEM ESTILO ATRAVÉS DE SUAS
FABULOSAS FÁBULAS
ARARAQUARA – SP
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
EDUARDO COLEONE
MILLÔR FERNANDES – ANÁLISE DO ESTILO DE UM ESCRITOR SEM
ESTILO ATRAVÉS DE SUAS FABULOSAS FÁBULAS
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências e Letras
– Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do
título de Mestre em Estudos Literários.
LINHA DE PESQUISA: RELAÇÕES
INTERSEMIÓTICAS
ORIENTADORA: MARIA DE LOURDES ORTIZ
GANDINI BALDAN
ARARAQUARA-SP
2008
ads:
3
Muitos e muitos séculos antes de
Esopo havia lobos vestidos na pele
de cordeiros. O homem ainda não
tinha inventado as cidades quando
raposas finórias e sem escrúpulos
arrancavam queijos do bico de corvos
ingênuos. E quando o último homem
estiver apertando o último botão
atômico, ainda haverá sapos
coaxando nos pântanos, cantando as
glórias e a sedução do lodo.
Millôr Fernandes
4
Dedico esta dissertação
às circunstâncias. O trabalho ora
apresentado é fruto das
circunstâncias. Em seguida, dedico
cada palavra coesa e pertinente deste
texto às pessoas que estiveram
comigo nos momentos mais difíceis
de toda minha vida, que coincidem
acidentalmente com o período do
curso de mestrado. Às pessoas
persistentes, às lutadoras, às que
ignoram obstáculos, às que acordam
cedo, às que bebem o vinagre e o
vinho. E dedico ainda aos meus pais
e meus amigos, fontes seguras de
algum conforto.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço profunda e irretocavelmente à MARIA DE
LOURDES ORTIZ GANDINI BALDAN, a Ude, que acreditou na possibilidade da
concretização desse trabalho desde as nossas primeiras conversas há anos,
mesmo sem nunca ter sido minha professora. A paciência com a qual lidou com
minha inexperiência acadêmica e com todos os muitos transtornos ocorridos
durante o percurso gerativo dessa dissertação foi hercúlea. Espero poder retribuir
um dia num plano de situações mais sereno e menos atribulado.
À Maria Clara Bombarda de Brito, a Clara, que também
dispensou paciência e atenção infinitas, sempre foi solícita nos momentos de
maior necessidade e dificuldade e sempre desempenhou suas funções na seção
de Estudos Literários da Pós-Graduação de maneira irrepreensível.
À Deus, que impôs tantas dificuldades e tanto sofrimento no
caminho, para mostrar que tudo é ainda mais difícil do que parece. E ao
mesmo Deus, por garantir-me o direito de estar vivo, com relativa saúde, gozando
do prazer de conviver com as pessoas acima citadas, meus amigos e demais
pessoas queridas.
6
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Nossa pretensão primeira seria abordar e estudar sob à luz
semiótica as obras completas do carioca Millôr Fernandes, tarefa que
verificou-se impossível para o período de tempo que o mestrado comporta.
Assim sendo, limitamo-nos às suas composições fabulares em análise
comparativa com as fábulas clássicas de Esopo.
Através de pesquisa feita junto às principais obras relacionadas
ao gênero fábula, como o indispensável A tradição da bula, de Maria
Celeste Consolin Dezotti, chegamos ao primeiro capítulo de nosso trabalho,
dando um panorama geral da posição que ocupa a fábula na literatura e
também buscando alguns dados históricos que acrescentassem informações
sobre essa construção discursiva universal. Ainda nesse capítulo, buscamos
apresentar considerações que diferenciassem esse gênero de outras formas
exemplares de texto, como o apólogo e a parábola.
E a fábula, justamente por incutir em seus textos enunciados de
querer-dizer, classifica-se como gênero dos textos ou narrativas exemplares.
Apontamos ainda nesse primeiro capítulo que a narrativa exemplar se constrói
com base no verbo “demonstrar” e que apresenta no seu conjunto três
discursos: um narrativo, um interpretativo e um pragmático, ou, em outra
classificação, um narrativo, um interpretativo ou moral e outro metalingüístico.
Assim, ainda no primeiro capítulo, começamos a introduzir Millôr
Fernandes, fabulista da modernidade, dono das fábulas amorais. Na
seqüência, ainda no primeiro capítulo, apontamos algumas fábulas de Millôr
que apresentam nítidas características parodísticas em relação às fábulas de
Esopo.
No capítulo seguinte, reservado à fundamentação teórica,
procuramos trazer ao trabalho definições importantes de termos técnicos
utilizados nas análises das fábulas, como a paródia e a ironia, desde as
primeiras aparições sociais do termo eironeia. Essa figura de pensamento
denominada ironia busca trazer o sério travestido de cômico, através da
contradição de idéias do que se diz em relação ao que se queria dizer.
7
Ainda no capítulo de fundamentação teórica, vimos o que é
paródia e por que podemos tratar das fábulas de Millôr com esse caráter,
que tratam-se de textos baseados num modo de fazer, num modelo anterior,
com um novo papel contextual e social. O procedimento paródico tem algo de
carnavalização, que a paródia apresenta uma oposição ao sério, ao texto
oficial, num estado de tensão com o objeto parodiado.
no terceiro capítulo, foi apresentado o contexto social, político
e histórico da composição das fábulas de Millôr Fernandes, além de um item
reservado para a contextualização das fábulas de Esopo.
Tradutor, desenhista, artista plástico, jornalista, frasista, ator,
autor de poemas, contos, romances, teatros, fábulas, hai-kais, Millôr
Fernandes escreve suas fábulas nos idos dos anos 60, época em que o Brasil
contava com um governo repressor militar, onde a país era governado
sobretudo sob atos institucionais e decretos-lei baixados de maneira arbitrária
pelo comando ditatorial de Médici. Sob todo o autoritarismo da época, Millôr
encontra na fórmula textual da fábula uma das maneiras de driblar os censores
que investiam pesadamente na análise das criações artísticas da época,
buscando indícios de críticas contra o governo e punindo seus autores. Millôr
falava de macacos, leões, raposas, cordeiros, lobos. Não falava de seres
humanos.
Ainda neste capítulo, inserimos importantes trechos de entrevistas
concedidas por Millôr Fernandes em que o autor fala do tema “fábula”.
Classificando Esopo como um pobre moralista a ser gozado porque é um
ícone da bobagem”, Millôr tece suas fábulas amorais apostando na anti-moral
e na linguagem, itens que buscamos analisar com cuidado.
No item reservado a Esopo, contextualizamos histórica e
socialmente o fabulista e citamos analiticamente o que os especialistas
escreveram sobre o grego, provável precursor desse gênero literário.
No capítulo seguinte, o quarto, buscamos apontar e analisar os
pontos de contato entre as fábulas esópicas e as de Millôr Fernandes. Alguns
pares de fábulas foram analisados em separado, onde buscamos apontar suas
discrepâncias e semelhanças. Toda a ossatura estrutural fabular esópica é
8
repetida em Millôr, mas justamente as questões ideológicas é que acabam
apontando os pontos mais destoantes. Verificamos também que o leitor das
fábulas de Millôr familiarizado com as fábulas esópicas será um leitor
diferente, receberá um texto distinto daquele que ignora o fabulário do grego.
As fábulas homônimas O lobo e o cordeiro foram analisadas
através de método comparativo e levantaram diversos pontos importantes
sobre essa relação parodística, como por exemplo o uso do artigo definido em
Millôr ao se referir às personagens, enquanto que Esopo utilizava-se do
indefinido. Em Esopo, temos um lobo e um cordeiro quaisquer. Em Millôr,
temos o lobo e o cordeiro. O lobo e o cordeiro de Esopo.
Na seqüência, analisamos outro par homônimo de fábulas. Dessa
vez, A raposa e as uvas e mais uma vez encontramos na anti-moral de Millôr o
principal assunto de nossa análise comparativa. Veremos nesse momento que
sem os textos clássicos, onde a moral é infalivelmente reiteração do texto
narrativo figurativo que lhe antecede, a anti-moral de Millôr não teria o seu
porquê.
No capítulo seguinte, tecemos comparações entre as fábulas de
Millôr com as vanguardas européias, como é o caso da inovadora A baposa e
o rode. Destruição de sintaxe, transgressão às normas de linguagem e
recriação de obras de arte através do humor e da irreverência eram algumas
das características dessas vanguardas, nas quais tentamos nesse capítulo
observar traços que também se observam na composição fabular de Millôr.
Por fim, no sexto capítulo, denominado O Estilo, procuramos
estilizar Millôr Fernandes enquanto fabulista, ele que se auto-intitula um
escritor sem estilo. Millôr é o imitador que subverte, é aquele que, assim como
La Fontaine ou Monteiro Lobato, tem uma relação intertextual com a obra de
Esopo, mas que através de sua anti-moral, cria um estilo novo de fabular. Na
seqüência, aparecem as considerações finais, retomando algumas questões
que mereciam esse novo destaque e projetando um futuro novo trabalho, esse
que abrangeria a obra de Millôr como um todo.
9
CAPÍTULO 01 – O GÊNERO FÁBULA
Em um momento onde o interesse juvenil pela leitura anda
deveras escasso, talvez esse gênero bastante popular possa vir a ser uma
tábua de salvação, uma ferramenta utilíssima para o recrutamento de jovens
leitores ao mundo da literatura. E o autor contemporâneo Millôr Fernandes, ao
resgatar esse gênero de maneira humorada, parece ser um grande agente a
convocar leitores jovens para que conheçam e saboreiem a fábula, gênero
milenar.
Sobre as origens desse gênero literário, temos registradas
opiniões controversas: uma defendendo a gênese fabular como oriunda da
Grécia e outra, da Índia. O certo é que a fábula é uma construção discursiva
universal, como nos ensina “A Tradição da Fábula”, de Maria Celeste Dezotti,
onde a autora aproxima a fábula ao ato da fala. Verificaremos, assim,
variações nas diversas línguas quando da construção fabular. Contudo, a
estrutura de “expressão de dizer” é salvaguardada, assim como ocorre nas
parábolas e apólogos, por exemplo. E o que ocorre com esses gêneros
literários é uma grande dificuldade em encontrarmos as linhas fronteiriças que
os separam justamente por possuírem uma íntima proximidade. Segundo
Adelto Gonçalves:
(...) à falta de melhor definição, alguns chamam
de fábula o que não passa de parábola e outros
consideram apólogo o que melhor seria
enquadrado como fábula, já que enfeixaria
histórias centradas em animais irracionais. Mas
(...) aqui as fronteiras destas formas literárias
também são muito fluidas e não se separam com
tanta facilidade íntima.
(2005, p.221)
10
Encontramos no Dicionário de Termos Literários (2004), de
Massaud Moisés, uma explicação que nos possibilita distingui-los a partir de
suas personagens. O apólogo seria protagonizado por objetos inanimados,
como pedras, relógios, moedas e outros, enquanto a fábula, por animais
irracionais cujo comportamento deixa transparecer uma alusão, satírica ou
pedagógica, aos seres humanos (2004, p. 184). Já a parábola distingue-se das
outras duas formas literárias pelo fato de ser protagonizada por seres
humanos. Próxima da alegoria, apresenta uma lição ética de maneira indireta
ou simbólica. Numa prosa altamente metafórica e hermética, veicula-se um
saber apenas acessível a iniciados. Embora possamos arrolar exemplos
profanos, a parábola identifica-se com o espírito da Bíblia onde existe com
abundância. (2004, p. 337).
Ao contrário do que acontece na grande maioria dos gêneros
literários, a fábula “quer dizer” e sempre fez referência a tudo que era dito,
tudo que era contado. Um grande fabulista, La Fontaine, em sua obra Fábulas
(2003) diz:
Estas fábulas não são apenas morais,
proporcionam ainda outros conhecimentos.
Exprimem as propriedades dos animais e os seus
diversos caracteres e, por conseguinte, também
os nossos, uma vez que somos um apanhado do
que há de bom e de mau nas criaturas irracionais.
Quando Prometeu quis formar o homem, pegou
na qualidade dominante de cada animal: destas
peças tão diferentes, compôs a nossa espécie;
fez a obra a que chamamos o vulgo. Assim, estas
fábulas são um quadro em que cada um de nós
se encontra descrito.
(1997, p. 27)
11
As fábulas sempre estiveram presentes nas falas de heróis e de
reis e sempre foram aplicadas em situações específicas por sua importância
como analogia. Sobre analogia, segundo Lúcia Fabrini de Almeida,
A analogia é a visão do universo como
linguagem: todos os seres se
correspondem formando uma rede de
relações, um texto. A idéia de analogia
constitui o princípio original do homem, sua
tradição primeira, e sua função é opor a
regularidade à contingência e ao acidente,
a semelhança à diferença e à exceção. O
universo deixa de estar à deriva e ao sabor
do acaso.
(1997, p. 52)
O texto fabular classifica-se entre os textos literários mais
populares por tratar-se de atividade sobretudo prosaica, próprio da fala
cotidiana, apesar de termos alguns registros gregos arcaicos de fábulas
escritas em versos. Contudo, a importância maior do texto fabular é a ação,
aquilo que move as personagens, que são, no mais das vezes, simples. As
descrições espaciais de ambiente e localização também não têm grande
importância nesse tipo de texto, o que acaba enfatizando ainda mais a
importância enorme da moral, da mensagem, classificando a fábula no rol
de textos exemplares. A analogia quase automática que se faz, por exemplo,
entre a formiga e um sujeito trabalhador é infinitamente mais importante que a
personagem formiga por si só. Não fosse suficiente o caráter parabólico que a
fábula assume por sua simplicidade e clareza e pelo sentido conotativo das
idéias ali elencadas, temos, na grande maioria delas, a presença da moral.
Sobre analogia, aliás, podemos citar uma importante asserção feita por Rubem
Alves em seu Ao professor, com o meu carinho:
12
“Nietzsche diz que, para se aprender a pensar, é
preciso aprender a dançar. O pensamento são as
idéias dançando. danças dos tipos mais
variados, desde a marcha militar até o balé. A
analogia é um passo da dança do pensamento.
Pela analogia, o pensamento pula de uma coisa
que ele conhece para uma coisa que ele não
conhece. Aquilo que desconheço é ‘como’ isso
que conheço. ‘Como’ não é a mesma coisa que
‘igual’. Na analogia eu não afirmo que aquilo é
‘igual’ a isso. Digo que é ‘como’. É parecido. A
analogia não dá conhecimento preciso sobre o
desconhecido mas o torna familiar. Quando se
conhece mesmo, de verdade, o é preciso fazer
uso de analogias. Se conheço uma maçã, eu digo
‘maçã’ e pronto. Não vou dizer que ela é ‘como’
uma pêra redonda vermelha. (...) As analogias,
assim, não nos dão conhecimento exato. Elas nos
introduzem no campo da familiaridade. Por isso
os cientistas que acham que ciência é
conhecimento exato desprezam o uso das
analogias.
(2004, p. 15-16)
O enunciador da fábula antecipa-se ao leitor quando incute em
seus textos enunciados de “querer dizer”. Desse modo, a bula pode ser
classificada como gênero dos textos ou narrativas exemplares, como
dissemos. Suleiman, em 1977, em seu Le récit exemplaire: parabole, fable,
roman à thése, havia incluído a fábula nesse tipo de texto. A narrativa
exemplar se constrói com base no verbo “demonstrar” e apresenta no seu
13
conjunto três discursos: um narrativo, um interpretativo e um pragmático. Para
Dezotti (2003, p. 23), apoiada em estudo pioneiro de Alceu Dias Lima, esses
discursos levarão denominações distintas: o primeiro é o discurso narrativo, o
segundo é o discurso interpretativo ou moral e o terceiro é o discurso
metalingüístico. Além disso, as fábulas, diferentemente do que rezam nossos
manuais atuais e o senso comum, têm também, além de personagens
animais, a presença de homens, deuses, plantas, objetos, etc. O que não se
pode contestar nem ignorar é esse caráter “exemplar” da fábula, essa face
pedagógica, de moldagem de caráter, disciplinadora de condutas, através de
uma narrativa concreta. Diz Luciano Pereira:
“(...) Todavia, nas fábulas, tal como na
restante literatura alegórica, as intenções
são inequivocadamente explicitadas
acautelando más interpretações e
fornecendo significados pré-existentes. A
fábula é reconhecidamente uma técnica
mais antiga do que a alegoria. As suas
características alegóricas são rudimentares
como se tratasse de dois níveis
diferenciados de exploração de recursos da
significação indireta. Em suma, a fábula
depende da justaposição de uma narração
exemplar e de um comentário embrionário
frequentemente motivado por relações
ínfimas e bastante tênues.”
(2003, p. 26)
E o gênero fábula, apesar de possuir sua face ideológica, às
vezes redutora e às vezes totalitária, mesmo que reflexiva, vai encontrar em
nossos dias um autor carioca, bem humorado, que parece ver este nero
14
com olhos poéticos, libertários e encantadores. Opondo este autor, Millôr
Fernandes, a Esopo, tido como o primeiro e grande fabulista clássico,
apresentamos um grupo de “pares mínimos” fabulares em nosso estudo.
Algumas fábulas que apresentam traços dialógicos e relações intertextuais e
que estão sendo cuidadosamente analisadas em nosso trabalho são:
ESOPO
MILLÔR
O lobo e o cordeiro O lobo e o cordeiro
A raposa e as uvas A raposa e as uvas
A galinha dos ovos de ouro A galinha dos ovos de ouro
A raposa e o bode A baposa e o rode
Muitas outras fábulas o aqui citadas, comentadas e analisadas,
mas os textos acima foram selecionados e apontados porque são os que
apresentam traços de relação mais evidentes. Deixando de lado agora o
gênero fábula, o próximo capítulo será reservado à fundamentação teórica,
onde tentaremos dar suporte às análises com as definições de alguns termos
aqui tratados, como a ironia e a paródia.
15
CAPÍTULO 02 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS – A IRONIA E A PARÓDIA
Nessa parte do trabalho, vamos abordar aspectos teóricos que
servirão de fundamentação para nossa pesquisa, possibilitando a análise dos
textos através de conceitos de ironia, paródia e outros mais que se
apresentarem necessários.
02.1 – A ironia
A ironia, figura de pensamento, tem como característica e
propósito dizer o contrário do que se pensa; e seu emissor, quando a produz,
costuma, principalmente em paródias, tecer uma crítica que pode ser apenas
uma zombaria, uma demonstração de insatisfação. E sendo uma figura de
pensamento com esse objetivo de dizer o contrário do que se pode estar
pensando, a ironia está presente de maneira forte e definitiva nas paródias, no
discurso polifônico da criação sobre uma criação que lhe é anterior. Esse
humor provocado pela ironia dentro da paródia busca o sério travestido de
cômico. Para Umberto Eco,
O humorismo, portanto, age como o trágico,
quem sabe com esta única diferença: no trágico a
regra confirmada pertence ao universo narrativo,
ou quando é confirmada no nível das estruturas
discursivas (o coro trágico) aparece sempre,
porém, como enunciada pelas personagens; ao
contrário, no humorismo a descrição da regra
deveria aparecer como instância, mesmo que
oculta, da enunciação, a voz do autor que reflete
sobre as situações sociais nas quais a
personagem deveria acreditar. O humorismo
excederia, portanto, em termos de distanciamento
metalingüístico.
16
(1984 – p. 351)
A ironia seria, como ensinou Aristóteles, uma atitude intelectual
própria de um tipo de homem. E a ironia apresenta aspectos próprios, como a
oposição ou contradição de idéias e a citada diferença do que se diz daquilo
que se queria dizer. Se buscarmos sua definição no dicionário, encontraremos:
Ironia do grego: eironeia, “interrogação”, pelo
latim: ironia. 1. Modo de exprimir-se que consiste
em dizer o contrário daquilo que se está
pensando ou sentindo, ou por pudor em relação a
si próprio ou com a intenção depreciativa e
sarcástica em relação a outrem: Voltaire foi um
mestre da ironia. 2. Contraste fortuito que parece
um escárnio: ironia do destino. 3. Sarcasmo,
zombaria. Ironia Socrática (fil.) modo de interrogar
pelo qual Sócrates levava o interlocutor ao
reconhecimento de sua própria ignorância.
(Holanda, 1986, p. 969)
Em seu Ironia e o Irônico, Mueck nos apresenta o uso do termo
eironeia nas suas primeiras aparições sociais como conceito. Em Sócrates, o
termo significava uma forma lisonjeira, abjeta, de tapear as pessoas”. Para
Demóstenes, um eiron alegava ser incapaz e estava sempre se esquivando de
suas responsabilidades enquanto cidadão. Em Teofrasto, o eiron era evasivo e
reservado, não deixava transparecer suas inimizades e deixava mentirosas
impressões sobre seus atos. Aristóteles considerou a eironeia no sentido de
dissimulação autodepreciativa. Algum tempo depois, a ironia seria já uma
figura de retórica que se caracterizava pelo hábito (intencional) evasivo do
discurso. Essa idéia da ironia como texto que diz uma coisa e a entender
outra (normalmente contrária) impregna-se a partir do Romantismo.
Modernamente, algumas classificações teóricas foram criadas para explicar a
17
ironia, como é o caso, por exemplo, da classificação de Maria Helena Paiva,
que em seu Contribuição para uma estilística da Ironia (1961) estabelece,
nomeia e explica cinco tipos diversos de ironia: a pura, a sátira, a baseada na
amenização de idéias, a restritiva e a contornante. A ironia pura é a ironia
essencial ao termo, aquela que busca expressar o sentido exatamente oposto
ao que se diz, apresentando como seqüela, segundo Paiva, o surgimento do
cômico. A ironia tira expõe ao ridículo os vícios e defeitos das pessoas ou
de ocasiões sociais e se revela ou como resultado de uma deformação ou
como cópia fiel de um quadro estabelecido. A ironia baseada na amenização
de idéias nega a singularidade e qualquer caráter extraordinário que possa
diferenciar os humanos, banalizando a individualidade e reduzindo o discurso
poético ao fisiológico. A ironia restritiva tem certa proximidade com a ironia
pura, mas apresenta objetivo negativo, reduzindo termos, afunilando
amplitudes para uma particularidade específica. Sua principal característica é
a fragmentação. a ironia contornante busca, como bem diz seu nome,
escapar ao percurso linear do discurso, contornando-o e o deformando.
Muitas outras definições à ironia através dos tempos foram
atribuídas por diversos estudiosos, mas importa-nos saber aqui que a ironia
existe nesse confronto de vozes destoantes, opostas e dialógicas, como é o
caso das fábulas aqui analisadas de Millôr em relação às de Esopo.
02.2 – A paródia
Se buscarmos definições em dicionários, encontramos no mais
das vezes a paródia como uma imitação que ridiculariza o seu modelo, uma
cópia irônica e burlesca. Mais que isso, a paródia assume um papel contextual
e social e apresenta-se como uma nova interpretação, uma recriação de algo
existente e conhecido pelo senso comum. Essa adaptação de uma obra
primeira, normalmente através da ironia, explora o humor e provoca o riso.
Logicamente que é de primordial importância o conhecimento por parte do
receptor da obra original, parodiada. Se não conhecer A galinha dos ovos de
ouro de Esopo, A galinha dos ovos de ouro de Millôr nada mais será do que
uma simples fábula. E como a fábula, esse ato de fala, foi sendo levado
18
através dos tempos e dos povos aos quatro cantos do mundo, o efeito
paródico é certo quando do consumo do fabulário de Millôr. Linda Hutcheon
fala da paródia como repetição e diferença, misto de homenagem e ironia,
superposição que incorpora o texto antigo ao novo (1985, p. 16):
Os textos podem ser entendidos quando
situados contra o cenário das convenções de
onde emergem; e (...) os mesmos textos
contribuem, paradoxalmente, para os cenários
que determinam os seus sentidos.
(1985, p. 36)
E essa criação literária paródica é um texto novo. Tenha ele uma
relação de negatividade ou de simples homenagem ao texto parodiado, trata-
se de um texto literário novo, inédito, ainda que apresente traços
evidentemente dialógicos com aquele texto anterior. Em Bakhtin, vemos que o
procedimento paródico tem algo de carnavalização, já que a paródia apresenta
uma oposição ao sério, ao texto oficial e foi graças à Bakhtin que a paródia
começou a ser vista com novos olhos, como texto literário autêntico, diferente
da visão da época, que o tinha como algo marginal.
Millôr Fernandes e suas fábulas paródicas trazem para o
presente, com muita autoridade e competência, esse gênero literário milenar
denominado fábula, transformando-o de maneira crítica e humorística em
objeto moderno ao nosso tempo. uma definição baseada nos estudos de
Bakhtin em Sant’Anna que elucida bastante bem a idéia de paródia das
fábulas fabulosas de Millôr em relação às de Esopo, quando contrapõe a
estilização e a paródia:
(...) com a paródia é diferente. Aqui também como
na estilização, o autor emprega a fala de um
outro; mas, em oposição à estilização, se introduz
19
naquela outra fala uma intenção que se opõe
diretamente à original. A segunda voz, depois de
ter alojado na outra fala, entra em antagonismo
com a voz original que a recebeu, forçando-a a
servir a fins diretamente opostos. A fala
transforma-se num campo de batalha para
interações contrárias. Assim, a fusão de vozes,
que é possível na estilização (...) não é possível
na paródia; as vozes na paródia, não apenas
distintas e emitidas de uma para outra, mas se
colocam, de igual modo, antagonisticamente. É
por este motivo que a fala do outro na paródia
deve ser marcada com tanta clareza e agudeza.
(1985, p. 14)
Como vimos, a paródia é uma forma de apropriação, mas ao
contrário da estilização, busca o desvio quando rompe com o modelo, ainda
que sutilmente, de maneira perceptível. Temos, então, na paródia, um texto, a
própria paródia, negando outro texto, o parodiado ou homenageado. Vejamos,
para reforçar nossa leitura do Millôr fabulista que parodia, outro pequeno
excerto de Bakhtin:
Pode-se parodiar o estilo de um outro enquanto
estilo; pode-se parodiar a maneira típico-social ou
caracterológico-individual de o outro ver, pensar e
falar. (...) podem-se parodiar apenas as formas
superficiais do discurso como se podem parodiar
até mesmo os princípios profundos do discurso
do outro.
(1981, p. 168)
20
Assim sendo, constatamos que Millôr copia estruturalmente a
ossatura das fábulas clássicas, reservando às questões ideológicas o seu
fazer paródico:
Não sigo Esopo, um pobre moralista a ser gozado
porque é um ícone da bobagem, como a
sabedoria popular, que é sábia porque afirma
as coisas de todas as maneiras. A maior parte
reacionárias. E acho que lhe disse isso: o
mundo tem mais frescuras do que dramas. Me
inclui fora, como dizia CBM.
(Millôr, entrevista anexa)
E vale destacarmos aqui, que a paródia é modernamente uma
produção textual de destaque que carece de poder de persuasão, visão social,
etc. A paródia seria uma leitura crítica e ao mesmo tempo um reconhecimento
do valor do texto parodiado. Algo nesse sentido diz Hutcheon:
Quando falamos de paródia, não nos referimos
apenas a dois textos que se inter-relacionam de
certa maneira. Implicamos também uma intenção
de parodiar outra obra (ou conjunto de
convenções) e tanto um reconhecimento dessa
intenção como capacidade de encontrar e
interpretar o texto de fundo na sua relação com a
paródia.
(1985, p. 34)
Mas a paródia não reside nesse terreno calmo e pacífico da
homenagem e de alguns indícios críticos. uma leva de autores que vêem
na paródia um modelo negativo de criação, que tem intenção absoluta de
21
negar e criticar o texto parodiado, como define Flávio Kothe em seu Paródia &
Cia:
A paródia vive num estado de tensão, pois indica
o seu ódio e o seu desprezo para com o texto
parodiado (de fato, porém, ela indica o ódio e o
desprezo de seu autor e da tendência artística e
ideológica a que ele pertence) e, ao mesmo
tempo, ela denota o parentesco para com o texto
parodiado.
(1980, p. 99)
É claro que a paródia precisará apresentar um certo parentesco
com o texto parodiado e com as idéias ali inseridas. Todavia, a paródia
apresenta algo de rebeldia, rompimento com o tradicional, desmascaramento e
essa relação ambígua ou espírito de tensão de que fala Kothe. Nas fábulas de
Millôr, não é diferente. E essa relação do Millôr, artista nacional, com as
fábulas pode ser mais bem entendida pelos ensinamentos de Sant’Anna
(1985), que aproxima a paródia dos textos marginais, com pouco espaço nos
periódicos que se consideravam sérios”. A paródia, então, precisa aniquilar
uma obra de arte anterior para fazer florescer essa nova, detona o modelo
original para sobressair o seu. E aí, como salientamos algumas vezes, é de
suma importância que exista nos receptores uma familiarização suficiente com
o discurso parodiado. Mais que tudo, a produção paródica é uma criação
questionadora.
22
CAPÍTULO 03 MILLÔR FERNANDES E ESOPO - O CONTEXTO SOCIAL,
POLÍTICO E HISTÓRICO
Auto-intitulado “escritor sem estilo”, Millôr nasceu Milton
Fernandes, em 1924, no Rio de Janeiro. Essa alcunha, dada a si próprio, de
escritor “sem estilo” foi o que mais nos motivou a desenvolver este trabalho da
forma como o fizemos. Quase um Leonardo da Vinci brasileiro de tão
“multiprofissional”, é tradutor, desenhista, artista plástico, jornalista, frasista,
ator, autor de poemas, contos, romances, teatros, fábulas, hai-kais, ativista
político engajado... ateu convicto, perdeu o pai com um ano e a mãe com dez.
Jornalista desde muito moço, viveu período bastante turbulento como membro
engajado do periódico ‘O Pasquim’. Hoje atua ativamente na produção artística
nacional, sobretudo em seu site (http://www2.uol.com.br/millor
). Em sua
produção, Millôr conta com vários roteiros para o cinema, como Últimos
diálogos, com Walter Salles, muitas peças de teatro e outras tantas traduções
de peças, como A Megera Domada, de Shakespeare e O Jardim das
Cerejeiras, de Tchecov. Entre sua vastíssima obra e seus mais de trinta livros,
podemos destacar as Fábulas Fabulosas, nosso objeto de análise.
E é claro que toda uma importância contextual social e
histórica que envolve essa criação literária, dando-lhe ao mesmo tempo
terreno e impondo-lhe restrições. Como bem disse Foucault:
“(...) em toda a sociedade, a produção do
discurso é ao mesmo tempo controlada,
selecionada, organizada e redistribuída por um
certo número de procedimentos que têm por
função conjurar seus poderes e perigos, dominar
seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada
e temível materialidade”
(1999, p. 9).
23
Justamente por esse poder incontestável que é inerente ao
discurso, que o mesmo acaba sendo interditado e comandado em
determinadas conjunturas sociais. E a produção de discurso está atrelada às
questões históricas e sociais da época e ainda à formação e à postura
ideológica do criador. Em meio a uma situação política e social bastante
conturbada, Millôr Fernandes escreve suas bulas Fabulosas (1963), título
que para o autor não passa de mero trocadilho (entrevista abaixo), mas que
pode estar intimamente ligado com sua maneira de construir fábulas, se
pensarmos que o título fábulas fabulosas” sugere a velha fórmula matemática
do “menos com menos mais”. Alegoria alegórica. Representação
representativa. Mentira mentirosa.
Por agora, voltemos ao Brasil nos idos dos anos 60, quando da
implantação da ditadura militar. Médici basicamente governava através de
decretos-leis, apoiado no CSN (Conselho de Segurança Nacional), amparado
obretudo pelo Ato Institucional 5 e na Lei da Segurança Nacional. O
governo militar tinha como principal característica o autoritarismo; a
arbitrariedade na tomada de decisões e resoluções era a tônica. Além da
censura, tínhamos a tortura, as prisões, o exílio e o “sumiço” de quem
quisesse desafiar o poder ditatorial. Em A década de 70; apogeu e crise da
ditadura militar brasileira, Nadine Habert diz que
(...) o humor e a sátira foram afiados instrumentos
de crítica e, nesta linha, marcaram época nomes
como os de Millôr, Henfil, Jaguar, Ziraldo, entre
outros, e O Pasquim (desde 1969), que inaugurou
um estilo jornalístico, debochado e satírico,
atacando e ridicularizando os descalabros e
obscurantismo do regime. (...)
(1996, p. 39)
Foram nessas circunstâncias nada favoráveis (ou incrivelmente
propícias, dependendo do ponto de vista) que Millôr compôs e publicou seu
24
fabulário, com o reflexo dessa sociedade em alvoroço total, mas fugindo do
modelo didático-pedagógico, verificado nas composições fabulares clássicas,
em favor de uma criação mais voltada à comicidade e à irreverência, em meio
a movimentos políticos e trabalhistas, lutas por salários, greves, atos de
contestação se multiplicando, ruas como palco de manifestações estudantis,
sindicatos, um verdadeiro caos social.
Em toda organização social onde repressão, quem cria se
obrigado a burlar as coerções do discurso, buscar outras formas de dizer
aquilo que se encontra interditado, impedido naquele momento. Talvez a
utilização da fábula tenha sido escolhida por Millôr justamente por seu caráter
alegórico, manobra discursiva que acaba evitando um confronto mais evidente
e, por conseguinte, inferiormente desigual com as forças militares repressoras,
que a fábula acaba passando pelas mãos dos censores sem que os
mesmos possam apontar evidências de subversão contra o regime. E Millôr
definitivamente não é o fabulista tradicional, clássico, mas o autor da anti-
moral através da irreverência, retratando esse contexto sócio-histórico de
poder, repressão, dominação, autoritarismo através das personagens
fabulares. Podemos exemplificar com a fábula do leão de O Rei dos
Animais”, que corre a floresta para se certificar de que continua sendo o rei,
obrigando seus súditos a repetirem isso pelo simples fato de gostar de ouvir e
esse estado de coisas acaba nos remetendo à situação política e ao contexto
social em que Millôr estava inserido, quando da composição do texto,
parodiando principalmente os conflitos entre partidos, entre ideologias, entre
as pessoas que queriam assumir a posição de comando na nação. Lançada a
idéia de maneira figurativizada, Millôr abre mão da denúncia crua, vestindo a
crítica de maneira ainda mais disfarçada, com os elementos parodísticos às
fábulas clássicas, que primavam pela seriedade de suas “mensagens”. Em
relação ao assentamento teórico do que diz respeito à paródia e à ironia,
também separamos capítulo específico.
A seguir, seguem trechos de entrevistas dadas por Millôr, onde o
próprio autor comenta a confecção de suas fabulosas fábulas. Seguem os
trechos relevantes ao nosso trabalho:
25
TRECHOS DE ENTREVISTA DADA POR
MILLÔR FERNANDES À REVISTA ÉPOCA EM
2003:
ÉPOCA - Por que você escolheu um gênero
moral como a fábula para este livro?
Millôr Fernandes - Não escolhi nada. Não tenho
qualquer pretensão a ser literato - talvez até por
pretensão, quero ser santo - as coisas me
escolheram. Na verdade tinha que encher
espaços e ganhar a vida. Enchi e ganhei;
ÉPOCA - O que é ser Esopo num mundo pós-
histórico, ou pós-arroba, ou arroba mesmo...
Millôr Fernandes - Não sigo Esopo, um pobre
moralista a ser gozado porque é um ícone da
bobagem, como a sabedoria popular, que só é
sábia porque afirma as coisas de todas as
maneiras. A maior parte reacionárias. E acho que
lhe disse isso: o mundo tem mais frescuras do
que dramas. Me inclui fora, como dizia CBM.
ÉPOCA - Você considera fábula um fato
folclórico ou meramente autoral?
Millôr - Mais folquilórico. A autoria em poucos
casos, em que a linguagem é a coisa mais
brilhante.
26
ÉPOCA - A fábula é aparentada do aforismo?
Pelo menos as suas tem aquela qualidade de
dizer tudo no nada e vice-versa. Concorda?
Millôr - É. Sai-se pruma ''lição'', no meu caso
sempre contra corrente, contra-natura. Sem
jamais pensar nisso (é visceral ou não é nada)
nunca usei moral que não fosse anti-moral. Todos
os fabulistas que conheço são donas de casa
bem comportadas.
ÉPOCA - Que fabulistas você considera
fabulosos?
Millôr - A fábula vem do fundo dos tempos. Uma
parábola. Mas tem coisa melhor no mundo em
que a gente empregar o talento e o ato
existencial. Exemplo: no plano intelectual
pesquisar os prótons virtuais, os buracos negros,
e a anti-matéria. No plano existencial, lúdico,
pegar onda em Havaí.Quando a gente faz fábulas
como eu, pra ganhar a vida, tudo bem. Ficar
fazendo como objetivo de vida é viadagem. Ou Zé
Sarney, o que preferir.
ÉPOCA - Você releu fábulas para escrever as
suas? Quais foram as fontes de inspiração?
Elas parecem tão deliciosamente amorais...
Millôr - Não reli nada. Acho até que nem li muita
coisa. Mas você entendeu minha moral.
27
ÉPOCA - Como foi o aprendizado dessas
outras vozes da fábula, os animais?
Millôr - Um dos meus maiores amores morreu
ano passado. Foi o Igor, meu poodle, o ser
humano (remember MAGRI) mais maravilhoso
que conheci. Conversei muito com ele.
ÉPOCA - Onde está, afinal, a sua angústia da
influência? Ela existe?
Millôr - Olha, rapaz, psicanalista comigo morria
de fome. Não entro nessa de angústia. Muito
menos de influência. Eclético, tenho influência
eclética, claro.
(Luis Antonio Giron, Revista Época, 17/06/2003)
TRECHOS DE ENTREVISTA DADA POR
MILLÔR FERNANDES À FOLHA DE S. PAULO
EM 2003
Folha - Por que você chama de ‘fabulosas’ as
fábulas que faz há 40 anos?
Millôr Fernandes - Tenho a vaga impressão de
que é só trocadilho.
Folha - ‘Só’ por que, Millôr? (pergunta
sugerida pelo entrevistado)
Millôr - O trocadilho não é ‘a mais baixa forma de
humor’, como querem trocadilhistas idiotas.
Cristo, que possuía a graça divina, fez a base de
sua igreja com um trocadilho: Pedro, tu és pedra,
e sobre ti edificarei a minha igreja’.
28
Folha - Existe algum fabulador vivo que você
considere fabuloso? Dos que não confabulam
mais, Esopo, La Fontaine ou até Ítalo Calvino,
quem é mais de seu agrado?
Millôr - Somos seis bilhões de seres humanos,
todos mentindo e, portanto, fabulando. Não
conheço Calvino. Esopo e La Fontaine hoje são,
pra mim, tias velhas.
Folha - La Fontaine escreveu sobre Esopo: ‘A
leitura de suas obras espalha na alma, sem
que se sinta, as sementes da virtude,
ensinando-nos a nos conhecer sem que disto
nos apercebamos, crendo até que estejamos
fazendo outra coisa inteiramente diversa’.
Você acha que suas fábulas ensinam o
autoconhecimento sem que disso se aperceba
o leitor?
Millôr - Virtude? Eu, hein? Tias velhas, eu
disse. O único autoconhecimento que conheço é
o das escolas de motoristas.
Folha - Existe fábula sem a moral?
Millôr - Sem moral não há fabula. Explícita ou
implícita. As minhas são devidamente incorretas.
Sempre foram assim porque eu sou
absolutamente correto. Se é que você me
entende.
29
Folha - Com o que é mais difícil fazer uma
fábula: animais, personagens da mitologia,
políticos...?
Millôr - Nada é mais difícil. Dificuldade de
escrever é coisa pra quem não sabe escrever. Ou
melhor, frescura. Difícil é traduzir o ‘cockney’ de
(Bernard) Shaw, botar em português
compreensível, mas em linguagem que o público
sinta como ‘cockney’.
Folha - Por que suas fábulas são em maior
parte em terra estrangeira, sempre
ambientados entre chineses, árabes,
tibetanos...?
Millôr - Estranheza. Efeito. Mas não é intencional.
É instintivo.
Folha - Você usa enredos de fábulas alheias
para construir as suas ou você é sua própria
galinha dos ovos de ouro? Você recicla
fábulas suas mesmo em outras fábulas?
Millôr - Vale tudo. Fábulas existentes, fatos
‘fabulosos’, piadas. É evidente que tudo tem que
ser feito com aquilo que se chama qualidade
‘literária’. Enfim, tudo vale a pena quando a alma
é pequena, como diria um cafajeste.
Folha - La Fontaine, inimigo do violento Luís
14, criou um fabulário em que muitas vezes a
coisa terminava com a paz, inclusive entre
30
animais inimigos. As suas fábulas não são
propriamente pacifistas. Suas alegorias são
impermeáveis ao dia-a-dia turbulento do Rio?
Millôr - Vou te responder estranhamente: vivo na
melhor época da história da humanidade.
Folha - La Fontaine aproximou-se na velhice
da Igreja, renegou seus contos e se voltou às
penitências. Você tem algum plano parecido?
Millôr - Meu destino não passa pelo poder, pela
religião, por qualquer dessas entidades idiotas.
Meu script é original, fui eu quem fiz. Por isso eu
não morro no fim.
Folha - Qual a moral desta entrevista
‘fabulosa’?
Millôr - Eu sou indecentemente feliz.
(Cassiano Elek Machado, Folha de S.Paulo,
15/06/2003)
Separamos das entrevistas selecionadas os trechos que mais nos
convinham, ou seja, aqueles que diziam respeito ás bulas e à produção
literária fabular de Millôr. Tanto na primeira quanto na segunda entrevista,
Millôr classifica negativamente a figura de Esopo. Ora como pobre moralista,
ora como ícone da bobagem, ora ainda como uma tia velha, daquelas que
sempre estão nos passando alguma lição de moral. E quando questionado
sobre seus fabulistas de predileção, Millôr desconversa e afirma que todos nós
estamos, a todo momento, mentindo, ou seja fabulando.
Millôr ainda afirma que sua composição fabular não se restringe
apenas à paródia do fabulário clássico, mas também, no mesmo sentido
31
irreverente, a fatos fabulosos, piadas, etc. E quando salienta que faz suas
fábulas com preocupação acerca da qualidade literária, mostra-nos o que
podemos verificar na prática quando comparamos suas fábulas às de Esopo,
por exemplo, que esse não dispensa grandes preocupações com o discurso
narrativo, curto e simples, enquanto aquele vai se prender de maneira mais
“artística”, digamos, às questões da criação literária no discurso narrativo,
como uma caracterização mais bem cuidada das personagens, ambientação,
questões espaciais, etc.
Ainda sobre a entrevista, vemos que Millôr desdenha dos demais
fabulistas e não assume qualquer influência quando de sua composição
fabular. Além disso, fixa exatamente na moral seu ponto máximo de
discrepância em relação às demais criações fabulares, que nega
absolutamente “as sementes da virtude” e ainda classifica sua moral como
contra-natura, contra corrente, anti-moral. É a irreverência a serviço da
subversão. Até a famosa máxima de Fernando Pessoa é subvertida,
modificada quando afirma que tudo vale a pena quando a alma é pequena. O
Millôr da entrevista é decididamente o Millôr fabulista.
03.1 - ESOPO
Sobre Esopo, passando rapidamente por uma análise histórica,
podemos observar que tudo o que envolve a história de Esopo é confuso e
impreciso. Não se tem certeza nem sequer se ele realmente existiu. Contudo,
para muitos, Esopo nasceu na Grécia, no século VI antes de Cristo. Era gago,
corcunda e dotado de rara inteligência. Muitas fontes afirmam que Esopo era
escravo, libertado com idade adulta. Sobre sua morte, muito se especula:
suicídio, pulando de um penhasco; assassinato, vítima da ira da população de
Atenas, entre outras. O fato é que, se realmente existiu, Esopo viveu em um
mundo absolutamente diverso daquele de Millôr. Cerca de 400 fábulas são
atribuídas a Esopo, que foram popularizadas principalmente por conta de La
Fontaine (1621/1695) que as recontou com nova roupagem, mas conservando
o caráter parentético.
32
Sobre Esopo, vemos em A tradição da fábula, de Dezotti, que:
Os antigos falam de Esopo como logopoiós, isto
é, um criador ou contador de histórias em prosa,
e sempre o consideraram o pai da fábula. De sua
vida nos chegaram informações incertas e
vagas, muitas delas de natureza legendária.
Devido à escassez de documentos autênticos,
chegou-se mesmo a pensar que Esopo nunca
teria existido e que não passaria de um nome
fictício, inventado pelos gregos para dar conta
das origens de uma obra anônima, popular,
produto de uma época ou mesmo de várias.
(2003, p. 29)
33
CAPÍTULO 04 – ALGUNS TRAÇOS DE SEMELHANÇAS E DISCREPÂNCIAS
ENTRE AS FÁBULAS DE MILLÔR E ESOPO
Qualquer conversa é repleta de transmissões e
interpretações das palavras dos outros. A todo
instante se encontra nas conversas “uma citação”
ou “uma referência” àquilo que disse uma
determinada pessoa, ao que “se diz” ou àquilo
que “todos dizem”, às palavras de um interlocutor,
às nossas próprias palavras anteriormente ditas,
a um jornal, a um decreto, a um documento, a um
livro, etc. A maioria das informações e opiniões
não são transmitidas geralmente em forma direta,
originária do próprio falante, mas referem-se a
uma fonte geral indeterminada “ouvi dizer”,
“consideram”, “pensam”, etc.
(1988, p. 139-140)
Num primeiro momento, poderíamos querer simplesmente definir
a fábula de Millôr como a anti-fábula. Contudo, não desenvolve o autor carioca
a estrutura fabular exatamente à maneira dos clássicos, com discurso
narrativo e discurso moral? Então, sobra-nos o conteúdo ideológico e a
possibilidade da anti-moral como objetos de análise nesse sentido.
Mantenedora e hierarquizante, a fábula de Esopo parece buscar pré-traçar um
caminho de entendimento para o receptor de seu conteúdo, colocá-lo frente a
frente com significações pré-concebidas, como se esse receptor não tivesse
grandes funções interpretativas. Todo o desenrolar textual parece querer
prender o receptor num caminho único e absoluto, privado dos infinitos
sentidos possíveis de qualquer texto ficcional. Por ser um texto exemplar,
como foi observado, a analogia que fundamenta o que afirmamos acima
efetiva-se nos textos morais.
34
Por outro lado, num primeiro momento, a fábula de Millôr parece
querer romper, de certo modo, com toda a tradição fabular existente aentão.
É óbvio que precisamos considerar a enorme fenda temporal entre um autor e
outro e considerar todo o contexto histórico que envolve as criações literárias,
como observamos, mas ainda assim Millôr parece abrir, ou melhor,
escancarar um leque enorme de possibilidades de interpretações e leituras de
suas fábulas, desvirtuando sempre que possível a moral esópica, como quem
quer dizer ao leitor que diversas possibilidades de moral além daquelas
estabelecidas por Esopo ou qualquer outro fabulista clássico ou ainda que
pode não haver moral alguma. Antes mesmo de pensar nas relações
dialógicas, o mais importante nas fábulas de Millôr é exatamente essa força
devastadora que rompe as amarras restritivas desse gênero literário, que
sempre teve cunho profético e catequizador. Millôr Fernandes,
contemporâneo, brasileiro, carioca, historicamente vê-se à frente de uma
história social e política radicalmente diferente da que viveu Esopo, como
vimos. Além disso, Millôr é dotado de um poderoso humor que lhe rendeu,
inclusive, a alcunha de humorista. Valendo-se dos textos anteriormente
escritos por Esopo quase que num dialogismo explícito, Millôr reescreve as
fábulas, algumas com mesmo título das de Esopo, dando um novo foco às
morais, como que se desmascarasse essa idéia repressora de condicionar o
leitor a uma leitura dirigida em relação ao que esse depreenderá da literatura
consumida. O cordeiro de Millôr, por exemplo, não é “um” cordeiro, mas o”
cordeiro. A utilização do artigo definido não pode passar impune, já que,
quando Millôr individualiza a personagem, ele está emprestando da obra
original um cordeiro com muitos anos de experiência, que leu Kant, moderno,
conhecedor do seu triste fado em Esopo. Aqui, em Millôr, é hora do cordeiro se
redimir porque não teve escolha em Esopo. É hora de fazer o tempo passar
até que o caçador chegue e jeito nesse lobo, prestes a devorá-lo. Millôr
subverte a antiga moral de Esopo, como que se dissesse para o leitor:
“entenda o que quiser dessa história com animais”. O lobo, mais forte, não
devorar o cordeiro é um bom exemplo desse rompimento com a tradição moral
das fábulas clássicas. Essa diferenciação em Millôr remete ao que Rubem
35
Alves diz em Ao professor, com o meu carinho”, quando afirma que o leitor
não precisa necessariamente pensar, ao terminar uma leitura, aquilo que
pensava e queria o autor, mas refletir de maneira expansiva e, sobretudo, livre
sobre o que acabara de ler. Um trecho diz:
(...) Parece que esse processo de destruição do
pensamento individual é uma conseqüência
natural das nossas práticas educativas. Quanto
mais se é obrigado a ler, menos se pensa.
Schopenhauer tomou consciência disso e o disse
de maneira muito simples em alguns textos sobre
livros e leitura. O que se toma por óbvio e
evidente é que o pensamento está diretamente
ligado ao número de livros lidos. Tanto assim que
se criaram técnicas de leitura dinâmica que
permitem que se leia Grande Sertão: Veredas em
pouco mais de três horas. Quando lemos, outra
pessoa pensa por nós: só repetimos o seu
processo mental. Quanto a isso, não dúvidas:
se pensamos os nossos pensamentos enquanto
lemos, na verdade não lemos. Nossa atenção não
está no texto. (...)
(2004, p. 11-12)
Vejamos, então, textos homônimos de Esopo e Millôr: em “O
LOBO E O CORDEIRO”, o primeiro e original é de Esopo, com tradução de
Maria Celeste Consolin Dezotti em seu A tradição da Fábula. O seguinte, de
Millôr Fernandes, em seu Fábulas Fabulosas, com ilustração do próprio:
O LOBO E O CORDEIRO (ESOPO)
36
Um lobo viu um cordeiro bebendo água de
um rio e desejou devorá-lo por um motivo
qualquer bem pensado. Por isso, tendo-se
postado mais acima, pôs-se a acusá-lo de turvar
a água e de impedi-lo de beber. Então o cordeiro
disse que bebia na ponta dos bios e que, além
do mais, não podia ser que ele, que estava mais
abaixo, estivesse turvando a água do lado de
cima. Vencido nessa acusação, o lobo disse:
“Mas no ano passado você injuriou meu pai!” E
como o outro dissesse que naquela época nem
era nascido, o lobo lhe disse: Mesmo que você
se saia bem na defesa, eu não vou deixar de te
comer!”.
A fábula mostra que junto daqueles cujo
propósito é praticar a injustiça, nem uma defesa
justa prevalece.
(2003, p. 59)
O LOBO E O CORDEIRO (MILLÔR
FERNANDES)
Estava o cordeirinho bebendo água,
quando viu refletida no rio a sombra do lobo.
37
Estremeceu, ao mesmo tempo em que ouvia a
voz cavernosa: "Vais pagar com a vida o teu
miserável crime". "Que crime?" - perguntou o
cordeirinho tentando ganhar tempo, pois já sabia
que com o lobo não adianta argumentar. "O crime
de sujar a água que bebo". "Mas como sujar a
água que bebes se sou lavado diariamente pelas
máquinas automáticas da fazenda?" - indagou o
cordeirinho. "Por mais limpo que esteja um
cordeiro é sempre sujo para um lobo" - retrucou
dialeticamente o lobo. "E vice-versa" - pensou o
cordeirinho, mas disse apenas: "Como posso
sujar a sua água se estou abaixo da corrente?
"Pois se não foi você foi seu pai, foi sua mãe ou
qualquer outro ancestral e vou comê-lo de
qualquer maneira, pois como rezam os livros de
lobologia, eu só me alimento de carne de
cordeiro" - finalizou o lobo preparando-se para
devorar o cordeirinho. "Ein moment! Ein moment!”
- gritou o cordeirinho traçando o seu alemão
kantiano. "Dou-lhe toda razão, mas faço-lhe uma
proposta: se me deixar livre atrairei pra todo o
rebanho". "Chega de conversa" - disse o lobo -
"Vou comê-lo, e está acabado." "espera aí" - falou
firme o cordeiro - isto não é ético. Eu tenho, pelo
menos, direito a três perguntas". "Está bem" -
cedeu o lobo irritado com a lembrança do código
milenar da jungle. - "Qual é o animal mais
estúpido do mundo?" "O homem casado" -
respondeu prontamente o cordeiro. "Muito bem,
38
muito bem!" - disse logo o lobo, logo refreando,
envergonhado, o bito entusiasmo. "Outra: a
zebra é um animal branco de listras pretas ou um
animal preto de listras brancas?" "Um animal sem
cor pintado de preto e branco para não passar por
burro". - respondeu o cordeirinho. "Perfeito!" -
disse o lobo engolindo a seco. "Agora, por último,
diga uma frase de Bernard Shaw". "Vai haver
eleições em 66." - respondeu logo o cordeirinho
mal podendo conter o riso. "Muito bem, muito
certo, você escapou!" - deu-se o lobo por vencido.
E já ia se preparando para devorar o cordeiro
quando apareceu o caçador e o esquartejou.
MORAL: QUANDO O LOBO TEM FOME NÃO
DEVE SE METER EM FILOSOFIA.
(1991, p. 20-21)
Como podemos observar, apesar do tema, do enredo e das
personagens serem as mesmas, na fábula de Millôr são inseridos elementos
modernos, a trama toma novo rumo, com presença historicamente explicada
no texto, diferente do que fazia La Fontaine, por exemplo, que praticamente
recontava com nova terminologia as bulas esópicas. Vemos, por exemplo,
que o cordeiro de Millôr é constantemente higienizado por máquinas modernas
e, além disso, fala alemão e entende de filosofia. A fábula de Millôr faz
referências claras à de Esopo e procura cassar o poder da moral esópica.
Enquanto em Esopo vemos que ‘a razão do mais forte é sempre mais forte’,
em Millôr aparece alguém ainda mais forte, o caçador. Enquanto a fábula de
Esopo aproveita-se de sua condição de ficção alegórica para sugerir uma
reflexão de ordem moral, Millôr quebra essa lógica fabular com sua moral
alternativa, abrindo um leque interpretativo de possibilidades.
39
As fábulas de Millôr, apesar do diálogo que travam com aquelas
anteriores (as de Esopo), parecem ter tom mais paródico do que qualquer
outra possível associação. Nitidamente, Millôr toma como ponto de partida
para as suas fábulas, as esópicas bulas, dando-lhes caráter irônico,
roupagem nova, moderna, subvertendo principalmente a condição da moral
propriamente dita. Apesar do texto sofrer algumas abruptas modificações, o
grande trunfo paródico parece mesmo ser a moral, já que ela toma nova
forma, abandona o lugar-comum que ocupava anteriormente, para
disponibilizar ao leitor do texto novas possibilidades.
Contudo, precisamos atentar para algo que pode soar
contraditório e incoerente em nosso estudo. Quando Millôr aponta uma “anti-
moral”, temos automática e inegavelmente uma nova moral”. Assim sendo,
essa nova moral novamente não vem enclausurar interpretativamente o
receptor da fábula? Tudo aponta para uma resposta positiva, que temos em
Millôr uma assertiva que diz que quando tem fome, o lobo não deve se meter
em filosofia. Ora, Millôr dirige sua fábula assim como as fábulas tradicionais,
clássicas. Mas isso se apenas no receptor que toma contato com a fábula
de Millôr desconhecendo a tradição clássica da história esópica, algo,
convenhamos, um tanto improvável. Aí, temos dois estados de coisas
completamente distintos e envolvem, sobretudo, as questões contextuais: por
um lado, vivemos em uma sociedade ocidental que tem por costume o ato de
contar histórias, parábolas, fábulas, no mais das vezes no intuito de
alfabetizar, ensinar, catequizar. Entretanto, alguém descontextualizado, que
desconhece as fábulas de Esopo (e os demais fabulistas que recontaram as
mesmas fábulas à sua maneira), receberá a fábula de Millôr como algo novo,
“puro”, e receberá uma moral, ainda que de cunho humorístico, moralizante e
tudo mais que falamos anteriormente da fábula esópica. que está, então, a
grande problemática da questão: a fábula de Millôr só deixa de ser uma fábula
como todas as demais se levarmos em consideração a existência da
intertextualidade destas com as fábulas clássicas, sobretudo as de Esopo. E
as paródias de Millôr apresentam recursos intertextuais, retomando com
desvio de sentido (e não de forma, lembremos) as fábulas esópicas,
40
apresentando o efeito de polifonia. Como podemos ver em Sant’Anna, de
acordo com os conceitos antes desenvolvidos por Bakhtin,
“(...) na paródia, o autor emprega a fala de um
outro, mas ocorre a introdução nessa outra fala
de uma intenção que se opõe diretamente à
original, isto é, a segunda voz, depois de se ter
alojado na outra fala, entra em antagonismo com
a voz original que a recebeu, forçando-a a servir a
fins diretamente opostos”
(1985, p. 14)
Os textos que analisamos aqui o são textos considerados
históricos, mas o interesse da análise é observar as diferenças que
apresentam pela distância histórica entre eles. É claro que a ficção não deve
almejar ocupar o lugar da história, mas sempre pode levantar questões sobre
ela, expor suas perplexidades, inserir o “talvez”. Quando a substituição
voluntária de personagens humanas por animais, o autor está
necessariamente dependendo do pacto ficcional, porque o leitor, receptor das
fábulas, obrigatoriamente terá que acreditar na existência de lobos que falam,
cordeiros que filosofam, etc. Sob essa ótica, o fabulista acaba perdendo um
aliado importante para o convencimento de seu receptor, que o possível
inspira confiança e o que ocorre nas fábulas não é possível, obrigando ao
fabulista buscar outros estratagemas para a persuasão do leitor, como a
proximidade entre aqueles animais e o ser humano. O lobo representaria o
mais forte, que ocupa posição superior na sociedade ou em um grupo
qualquer enquanto que o cordeiro seria o mais fraco, mantido como quem
sofre a ação do lobo em Esopo e salvo por um terceiro em Millôr. Todavia,
pensamos nisso se consideramos o texto fabular uma provável analogia às
condições humanas.
41
Devemos, então, tomar o texto de Millôr como um texto paródico
que busca reelaborar não a história contada anteriormente, mas sim toda a
estrutura da fábula como um todo. Mesmo que mantenha o estilo de ‘contador
de história’ que caracteriza a fábula esópica, as mudanças presentes na
estrutura da história e principalmente na moral acabam por caracterizar esse
novo texto, que se vale da ironia como ferramenta da paródia. Assim sendo,
não um ‘canibalismo’ notório nas fábulas de Millôr justamente por não
seguir as linhas estipuladas pela estrutura clássica fabular. Como verificamos
no texto de Linda Hutcheon:
A paródia não é a destruição do passado; na
verdade parodiar é sacralizar o passado e
questioná-lo ao mesmo tempo.
(1985, p. 52)
Baseados nisso, vemos que o texto de Millôr exerce, com
propriedade, essa função ao mesmo tempo sacralizante e questionadora, por
manter a forma e a estrutura e contestar as possibilidades de sentido do texto
exemplar. Isso nos remete automaticamente às idéias de Bakhtin, que
afirmavam a não existência de textos originais, obrigatoriamente dialogando de
alguma maneira com textos anteriores, expediente que é bastante óbvio em
Millôr e suas fábulas em relação a Esopo.
Essa sátira ideológica, criticando posições conservadoras em
relação à sociedade, acontece de maneira latente e repetidamente nas fábulas
de Millôr, em detrimento de sua ‘fonte de inspiração’. Enquanto o narrador
esópico repete valores morais e éticos que busca estabelecer e afirmar, Millôr
se vale dessa revolução de normas e princípios às avessas pela qual passava
(e ainda passa?) o Brasil para dizer que mesmo nas fábulas, tudo é permitido
(cordeiros se dando bem, lobos, poderosos, dando-se mal, gananciosos
obtendo êxito, etc.)
Quando temos um texto todo voltado para uma questão
passional, como a vingança, por exemplo, Millôr, quando chega à moral,
42
inverte o que seria óbvio e repetitivo e lança ironicamente uma idéia contrária,
antagônica, criando um ambiente humorístico dentro do que seria um estilo
sério, centrado e direcionado. Esse é o grande trunfo de Millôr frente aos
fabulistas, que costumam conservar discurso didático em seus textos, dando
poucas margens interpretativas às fábulas, que sugestionam de maneira
impositiva o que o texto ‘quer dizer’ quando repetem religiosamente suas
morais.
Diz Antonio Cândido em ‘A personagem de ficção’:
Pode-se escrever e se escreveram contos
sobre baratas. Mas de se tratar, ao menos, de
uma ‘baratinha’. O diminutivo afetuoso desde logo
humaniza o bicho. O mais terrível na
Metamorfose de Kafka é a lenta ‘desumanização
do inseto. As fábulas e os desenhos
cinematográficos baseiam-se nesta humanização.
O homem, afinal, só pelo homem se interessa e
só com ele pode identificar-se realmente.”
(2004, p. 28).
Assim sendo, as práticas dos animais humanizados acabam
aguçando o interesse de leitura, levando-nos mais ainda a analisar sempre as
fábulas com olhos de analogia, de transposição dos acontecimentos fabulares
com animais para as experiências, vivências, questionamentos, anseios e
ideologias humanas.
Vejamos os textos abaixo selecionados:
A raposa e as uvas (ESOPO)
Uma raposa faminta avistou cachos de
uvas suspensos em uma videira. Quis alcança-
43
los, mas não conseguiu. Então, afastando-se,
disse para si mesma: “Estão verdes!
Assim também certos homens que, por
incapacidade, não conseguem realizar seus
negócios, culpam as circunstâncias.
(2003, p. 66)
A raposa e as uvas
De repente a raposa, esfomeada e gulosa,
fome de quatro dias e gula de todos os tempos,
saiu do areal do deserto e caiu na sombra
deliciosa do parreiral que descia por um precipício
a perder de vista. Olhou e viu, além de tudo, à
altura de um salto, cachos de uvas maravilhosos,
uvas grandes, tentadoras. Armou o salto, retesou
o corpo, saltou, o focinho passou a um palmo das
uvas. Caiu, tentou de novo, não conseguiu.
Descansou, encolheu mais o corpo, deu tudo o
que tinha, não conseguiu nem roçar as uvas
gordas e redondas. Desistiu, dizendo entre
dentes, com raiva: Ah, também, não tem
importância. Estão muito verdes.” E foi descendo,
com cuidado, quando viu à sua frente uma pedra
enorme. Com esforço empurrou a pedra até o
local em que estavam os cachos de uva, trepou
na pedra, perigosamente, pois o terreno era
irregular e havia o risco de despencar, esticou a
pata e... conseguiu! Com avidez colocou na boca
quase o cacho inteiro. E cuspiu. Realmente as
uvas estavam muito verdes!
44
MORAL: A FRUSTRAÇÃO É UMA FORMA DE
JULGAMENTO TÃO BOA COMO QUALQUER
OUTRA.
(1991, p. 118)
É evidente que os textos acima se comunicam. Como dissemos,
ainda que com uma fenda temporal de mais de 2500 anos, as fábulas de Millôr
bebem da fonte de Esopo. Mas atentemos especificamente, nesse momento, para
esse par de fábulas acima transcrito. Em uma análise menos cuidadosa, o leitor
constataria quase que imediatamente que a fábula de Millôr é uma cópia
parodiada da fábula de Esopo. E claro, uma fábula. Mas o texto de Millôr não é
simplesmente uma fábula quando o receptor admite também em seu arcabouço
de textos conhecidos a fábula homônima de Esopo. Aí, a fábula de Millôr deixa de
ser uma fábula pura e simples para transformar-se numa fábula com anti-moral.
Vejamos:
Comecemos analisando o cerne, a pedra fundamental da fábula
esópica. Verificamos que a moralidade constitui seu ponto mais importante, cujas
fábulas foram chamadas por Aristóteles como uma das formas da arte de
persuadir. A narrativa é extremamente pobre e breve e reside num segundo
plano. Segundo ensina Dezotti,
“Na fábula, o narrar está a serviço dos mais
variados atos de fala: mostrar, censurar,
recomendar, aconselhar, exortar, etc. (...)”
(2003, p. 22).
O primeiro texto, de caráter pedagógico, conta em sua narrativa
uma história com uma personagem do reino animal que o consegue
executar determinada tarefa e faz um pré-julgamento da tarefa não realizada a
partir de uma suposição circunstancial. No discurso moral, constata-se que
houve, assim como há no caso de alguns homens, incapacidade para executar
determinada tarefa e posterior transferência da responsabilidade para as
45
circunstâncias. Dessa maneira, o discurso moral autentica o discurso narrativo
quando reafirma o que havia sido indicado (ou sugerido, ou dito, mas não
“explicitado”) anteriormente, Além deles, em Esopo o discurso
metalingüístico, informando o ato da fala (assim também...), caracterizando
ainda mais a face didático-pedagógica do texto em análise.
No segundo texto, o de Millôr, temos obviamente um diálogo
explícito, um encontro proposital de vozes. Mas ao contrário de tantos outros
que parafrasearam as fábulas esópicas, vejamos o que acontece na fábula
homônima de Millôr: novamente temos a raposa em busca da obtenção das
uvas. A resumida e simples tentativa em Esopo ganha novos elementos. Além
de sabermos que a esfomeada e gulosa raposa possui fome de quatro dias e
gula de todos os tempos (em Esopo, ela era apenas faminta), conhecemos as
artimanhas das quais a arguta raposa se vale para botar as mãos (ou patas)
nas uvas. Mais um elemento adjetivo é adicionado à raposa: a insistência. Ela
tenta várias vezes e através de métodos variados, provavelmente porque é
mais esperta, mais sabida, tem o conhecimento e a filosofia desses mais de
dois mil anos que separam os dois fabulistas em questão. Quando
encaminhava-se para a mesma incompetência (que verificamos na fábula
esópica), a raposa encontra método que a possibilita apossar-se das grandes
e tentadoras uvas. O argumento da incapacidade cai por terra. Ela é capaz de
obter o que queria. Além disso, mais algumas qualidades comportamentais
são acrescidas à raposa: ela é corajosa (trepou na pedra, corajosamente...) e
esforçada (Com esforço, empurrou a pedra...).
Pelo movimento da raposa, ela estava descendo na ribanceira,
viu a pedra mais abaixo do que estava. Podemos aqui inclusive visualizar que
ela rolou a pedra montanha cima. Temos aqui uma possível referência à
história mítica de Sísifo, outro acréscimo conteudístico de Millôr. Todavia,
certifica-se que a maledicência que lançou às uvas por sua incompetência
parcial (Estão muito verdes.) autentica-se e confirma-se. As uvas estavam
realmente verdes. A moral de Millôr diz que a frustração é uma forma de
julgamento tão boa como outra qualquer. O que moveu a raposa de Esopo foi
a frustração. A moral esópica dizia que a frustração gera julgamentos incertos.
46
Millôr diz que não: qualquer julgamento é incerto, pode acertar ou errar. Millôr
parece estar desconstruindo todas as nossas “verdades” consolidadas por
uma tradição “moralista”, não para propor outra, mas para mostrar que tudo
são discursos, aprendidos, e, portanto, passíveis de refutação. Ele parece não
estar apenas fazendo humor: uma crítica mordaz que faz estremecer as
nossas convicções na base. Ele faz isso por meio do humor, mas não o faz
para fazer humor.
Mas o mais importante é que a moral clássica o é reiterada em
Millôr. A moral da fábula de Millôr explora o lúdico através do humor, expande,
alarga o que em Esopo estava estático e pontual. Assim, o significado que se
quer dar é ancorado ao contexto de enunciação.
O texto esópico, sempre organizado em dois parágrafos, traz três
discursos. Aqui, no caso, temos o discurso narrativo, que compreende o primeiro
parágrafo todo. No segundo parágrafo, temos o discurso metalingüístico (Assim
também...) e o discurso moral, o mais importante de todos, que traz uma
interpretação da narrativa. Aqui, a constatação é que certos homens culpam as
circunstâncias quando, na verdade, são incapazes.
Mas e na fábula de Millôr?
Em primeiro lugar, em Millôr, o cuidado com a narrativa é
visivelmente muito superior. A raposa de Esopo é caracterizada como faminta e
isso basta. Está uma problemática circunstancial, de momento. A raposa tem
fome. A raposa de Millôr é esfomeada e gulosa, o que é bastante diferente. A
gula, pecado capital, faz parte do modo de ser da raposa e, assim, do modo de
ser de alguns homens.
Para verificarmos essa diferença de riqueza na construção narrativa,
basta atentarmos à abundância imagética do texto de Millôr em relação ao texto
de Esopo. De elementos descritivos da natureza em Esopo, observamos uma
videira”. em Millôr, temos areal do deserto”, “sombra deliciosa do parreiral”,
“um precipício a perder de vista”, “pedra enorme”, “terreno irregular”... Em relação
às uvas, Esopo fala em cachos de uvas”. Millôr descreve “cachos de uvas
maravilhosos”, “uvas grandes”, “tentadoras”, “uvas gordas e redondas”. Isso
vem certificar aquilo que constatou Millôr em um trecho das entrevistas lidas
47
sobre sua preocupação com a qualidade literária de suas bulas, com sua
preocupação com a linguagem.
Outra observação pertinente é a questão dos artigos empregados
nas fábulas analisadas. Na fábula esópica, temos “uma” raposa, artigo indefinido,
que engloba qualquer raposa e, por conseguinte, metaforicamente qualquer
homem. Em Millôr, temos “a” raposa, agora um artigo definido. A raposa de Millôr
não é uma raposa, mas “a” raposa de Esopo. “A” raposa das fábulas esópicas. A
mesma raposa que havia desdenhado das uvas por não conseguir obtê-las agora
obtém êxito. Como boa astuta, consegue uma pedra e a usa como escada. E ao
obter as uvas, verifica que estavam realmente verdes. Daí vem a frustração. E é
exatamente que Millôr destrona o “juiz” Esopo ao afirmar que “a frustração é
uma forma de julgamento tão boa como qualquer outra”. O fabulista é um juiz. A
todo momento, está julgando os atos humanos. O ganancioso, o presunçoso, o
orgulhoso, enfim. E é por isso que Millôr “convida” a raposa esópica para estrelar
sua bula e sua anti-moral. Aqui, como na maioria dos pares que encontramos
entre as fábulas de Esopo e de Millôr, é evidente a anti-moral de Millôr. Em um
trecho das entrevistas anexas, o próprio autor afirma que “nunca usei moral que
não fosse anti-moral. Todos os fabulistas que conheço são donas de casa bem
comportadas”.
E quando atentamos para o fabulário de Millôr no nível do
discurso interpretativo ou moral (conforme classificou Alceu Dias Lima), é
que a questão em pauta toma corpo polêmico e margem aos
questionamentos aqui levantados. A nós, parece evidente que o discurso
moral é o ponto mais importante, o diferencial, o que faz da fábula um gênero
narrativo outro, distinto. E o discurso moral vem no fabulário clássico ratificar o
discurso narrativo alegórico, dar-lhe certificado e competência, reafirmar de
maneira clara e denotativa o que aparecia figurativamente através de animais
humanizados, plantas ou mesmo seres humanos.
Reconhecemos que a anti-moral de Millôr existe porque existem
as morais clássicas. Sem os textos clássicos, onde as morais são infalivelmente
reiterações do texto narrativo figurativo que lhe antecede, a anti-moral de Millôr
não teria o seu porquê. Em relação à moral, a anti-moral afasta as bulas de
Millôr dos provérbios e das parábolas, mas continua, como dissemos,
48
extremamente dependente da fábula clássica porque, além da intertextualidade,
a questão estrutural. Título, discurso narrativo, epimitio, personagens do
mundo animal... Outro exemplo evidente de anti-moral de Millôr é a sua “versão”
paródica para A galinha dos ovos de ouro. O ganancioso, que com os burros
n’água em Esopo, tem um final totalmente distinto em Millôr. Alguém poderia
sugerir, nesse momento, que trata-se simplesmente de uma “nova moral”,
travestida de humor. E seria realmente apenas uma nova moral, não fosse a
existência da fábula esópica correspondente. Na verdade, os fabulistas
tradicionais, sobretudo Esopo, que compuseram as denominadas fábulas
clássicas, são na verdade co-autores das fábulas com anti-moral de Millôr.
Quando isso não se verifica de maneira veementemente intertextual, ainda assim
Millôr parece aniquilar o epimitio em função da liberdade interpretativa, mesmo
que pedindo um leitor conhecedor das fábulas clássicas. Observe a moral da
fábula “Os Gastos Dispensáveis’, por exemplo: MORAL: OS NOSSOS PONTOS
DE VISTA NÃO SÃO NECESSARIAMENTE OS ALHEIOS”. Está um exemplo
máximo da anti-moral.
49
CAPÍTULO 05 – DAS RELAÇÕES DE MILLÔR COM AS VANGUARDAS
Buscaremos, aqui, introduzir as vanguardas de uma
maneira geral, buscando traços estilísticos de correntes vanguardistas
com o trabalho artístico desenvolvido por Millôr e sua contribuição no
gênero literário “fábula”. Se formos ao dicionário, encontraremos
no vocábulo VANGUARDA a seguinte definição:
Acepções: ■ substantivo feminino
1 Rubrica: termo militar. dispositivo de vante de
uma tropa para combate
2 posição que encabeça uma seqüência;
dianteira, frente
Ex.: na fila do colégio, gostava de andar na v.
3 Derivação: sentido figurado. parcela da
intelligentsia que exerce ou procura exercer um
papel pioneiro, desenvolvendo técnicas, idéias e
conceitos novos, avançados, esp. nas artes;
avant-garde
Etimologia: fr. avant-garde (sXII) 'vanguarda',
inicialmente do vocabulário militar, do fr. avant <
lat. abante 'do lado da frente, em frente' (do lat.
ab 'afastamento' e lat. ante 'diante, em frente de')
+ fr. garde (sXI) 'guarda', der. do v.fr. garder
(c1050) < germ. *wardon 'proteger'; na acp.
estilística, o voc. torna-se cursivo no sXX; f.hist.
sXV auanguarda, sXV uamguarda, sXV
vangoarda. (Dicionário Eletrônico Houaiss de
Língua Portuguesa. – www.uol.com.br/educacao).
50
Na literatura, poderíamos compreender o termo como aquele que
toma a frente, a dianteira, que inova, que faz primeiro, que produz o novo.
Mais que isso, o autor de vanguarda é aquele que rompe com os cânones,
com os moldes estabelecidos, que desafina do coro da repetição, que arrisca
deixar as bases em busca do novo. Historicamente, as grandes guerras e as
transformações tecnológicas pelas quais o mundo passou na virada do século
passado modificaram as maneiras de o homem perceber a realidade, dando
início às principais correntes artísticas de vanguarda, como Futurismo,
Cubismo, Dadaísmo, Surrealismo, etc. No mais das vezes, destruindo a
sintaxe e as tradições, as vanguardas européias influenciariam, mais tarde,
muitos artistas renomados de todas as partes do mundo.
As grandes manifestações artísticas que vemos surgir na Europa,
rompendo com os padrões e levando o nome de vanguarda, começam a
eclodir no início do século XX. O Futurismo, por exemplo, aparece por volta de
1909, em Paris, quando o italiano Marinetti lança seu manifesto que, em curtas
linhas, propunha a abominação do passado, o patriotismo e a exaltação das
guerras e das lutas. Como na maioria dos casos, temos aqui a destruição da
sintaxe, com, entre outras características, a tentativa de abolição de adjetivos
e advérbios.
Mais ou menos pela mesma época, temos o surgimento do
Cubismo, tendo em Pablo Picasso seu grande representante, movimento
considerado vanguardista porque buscava fugir da representação real através
de estruturas geométricas. Deformação e supressão da lógica têm vez nesse
movimento. Em 1916, aparece na Suíça o primeiro manifesto dadaísta, do
romeno Tristan Tzara, talvez a mais radical corrente vanguardista européia. Os
dadaístas pregavam o não-reconhecimento de nenhuma teoria, a recusa dos
valores burgueses, mais uma vez a transgressão às normas de linguagem e a
desmistificação da arte. Os dadaístas queriam causar espanto e escândalo.
Uma técnica dadá era o “ready made”, que consistia em retirar um objeto de
sua utilização normal e de seu ambiente natural, como fez Marcel Duchamp,
quando expôs uma roda de bicicleta cravada num urinol. A Mona Lisa também
era uma de suas obras de arte “ready made”... de bigode.
51
O surrealismo, um pouco mais tardio, surgiu por volta de 1924,
em Paris, quando André Breton lançou seu Manifesto do Surrealismo. O
Surrealismo seria uma espécie de ruptura com o Dadaísmo. Artistas como
Breton e Dali pensavam que aquela ação demolidora dadaísta deveria ser
apenas uma etapa do processo de criação. Apoiados nas pesquisas
freudianas, os surrealistas vão utilizar muito os recursos do inconsciente.
Características marcantes do surrealismo são: presença de humor negro
latente, automatização da escrita e recusa do racionalismo absoluto.
Seria Millôr um dadaísta na contemporaneidade? Se
considerarmos o dadaísmo desde os seus primórdios nos primeiros escritos de
Tzara, veremos que o cerne da composição dadaísta baseia-se no anti-
artístico, naquele desejo impiedoso de destruição dos cânones estabelecidos.
Nas palavras de Mario de Micheli em As Vanguardas Artísticas (1985):
Dada é contra a beleza eterna, contra a
eternidade dos princípios, contra as leis da gica,
contra a imobilidade do pensamento, contra a
pureza dos conceitos abstratos, contra o universal
em geral. É, ao contrário, a favor da liberdade
desenfreada do indivíduo, da espontaneidade,
daquilo que é imediato, atual, aleatório, da
crônica contra a temporalidade, daquilo que é
espúrio contra aquilo que é puro, da contradição,
do não onde os outros dizem sim e do sim onde
os outros dizem não, da anarquia contra a ordem,
da imperfeição contra a perfeição.
(1985, p. 134-135).
Pois bem, obviamente não podemos comparar historicamente o
Brasil contemporâneo de Millôr com a Suíça s-Primeira Guerra de Tristan
Tzara, mas reconheceremos ,sem grandes esforços, boa parte das
52
características dadaístas na maneira com a qual Millôr converte as fábulas
mantenedoras e canônicas de Esopo e demais clássicos nas suas Fábulas
Fabulosas modernas. Se pararmos para analisar o parágrafo citado de Mario
de Micheli acima, podemos tranquilamente imaginar que se trata da maneira
pela qual Millôr “subverte” alguns textos esópicos. Contrário ao texto que
caminha junto ao leitor em busca de significados mastigados e óbvios como as
fábulas de Esopo, Millôr revoluciona o gênero, antes fechado e direcionado,
abrindo em suas fábulas leques de possibilidades, dizendo não às leis lógicas
e à imobilidade de pensamento quando cria suas anti-morais. Em detrimento
daquela moral direcionada e hierárquica, num ato pontualmente dadaísta,
Millôr liberta o gênero fábula das amarras repressoras do direcionamento de
sentido, dando ao leitor total autonomia de entendimento. Nos textos do
próprio Tzara encontramos:
“Dada nasceu de uma exigência moral, (...), de
uma revolta que exigia uma adesão completa do
individuo às necessidades da sua natureza, sem
nenhuma consideração para com a história, a
lógica, a moral comum, a Honra, a Pátria, a
Família, a Religião, a Liberdade (...)”.
(Micheli,1985).
Assim sendo, novamente aproximamos os ideários dadaístas de
Tzara com a fuga da moral comum de Millôr em suas bulas. Diferente do
fabulário clássico, através de sua irreverência e ironia, tudo pode acontecer
em Millôr, como se o espírito dadaísta estivesse vivo na confecção de suas
paródicas fábulas.
Enxergando, então, todo o antidogmatismo do movimento
dadaísta, ficam bastante possíveis os pontos de contato com as fábulas de
Millôr. Parece óbvio que o fabulário de Millôr não caracteriza “vanguarda” se
pensarmos que o carioca não criou um novo gênero de escrita, mas qual
movimento vanguardista o fez? A grande contribuição enquanto inovação das
53
vanguardas parece residir na ruptura abrupta com moldes e adequações muito
mais ideológicas do que mesmo estruturais. Ninguém rompe com o alfabeto
instituído, mas com a maneira de posicioná-lo primeiro na mente e em seguida
no papel. O desejo maior Dadá é o de conservar a qualquer custo a
individualidade. As fábulas de Millôr surpreendem pelas suas anti-morais, em
contraposição às morais clássicas e garante determinada individualidade ao
seu autor.
Ainda encontramos vestígios vanguardistas em Millôr se
pensarmos, por exemplo, em sua fábula A baposa e o rode”, impregnada de
características dessas vanguardas:
Por um asino do destar, uma rapiu caosa, certo
dia, num pundo profoço, do quir não consegual
saiu. Um rode, passi por alando, algois tum
depempo e vosa a rapendo foi mordade pela
curiosidido. "Comosa rapadre" -- perguntou --
"que ê que vocé esti faza aendo?". "Voção entê
são nabe?" respondosa a mapreira rateu. "Vem
a mais terrêca sível de tôda a histeste do
nordória. Salti aquei no foço dêste pundo e
guardarar a ei que brotágua sim pra mó. Mas, se
vocér quisê, como e mau compedre, per me fazia
companhode". Sem pensezes duas var, o bem
saltode tambou no pundo do foço. A rapaente
imediatamosa trepostas nas coulhes, apoifre num
dos xides do bou-se e salfoço tora do fou,
gritando: "Adrade, compeus".
MORAL: Jamie confais em quá estade em
dificuldém.
FOPOS DE ESÁBULA (Uma tentativa B.N.
(Bossa Nova) de escrever as fábulas de Esopo
54
na linguagem do tempo em que os animais
falavam).”
(1991, p .78)
O surrealismo, apesar de continuar alguns preceitos dadaístas de
libertação de moldes estabelecidos, age principalmente no inconsciente e as
obras surrealistas funcionam, antes de tudo, como “provocadores ópticos”. Na
fábula em questão, Millôr vale-se de tal expediente, desmontando a seqüência
lógica das palavras. Nas fábulas clássicas com título “A raposa e o bode”,
como em Esopo ou La Fontaine, há, como sempre, uma linha de continuação,
o texto é organizado e a moral, estabelecida.
Na “versão surrealistade Millôr, fica por conta do inconsciente do
leitor o trabalho organizacional de entendimento e, mais uma vez, o ambiente
sereno da fábula clássica sofre grande tormenta. Visualmente, a fábula de
Millôr é surreal e foge às convenções formais. Como pensou Max Ernst, o
surrealismo busca encontrar um modo de intensificar a irritabilidade das
faculdades do espírito. Há, então, uma proximidade latente daquele espírito
inovador e revolucionário encontrado nos movimentos vanguardistas europeus
com o rompimento abrupto das fábulas de Millôr Fernandes em relação às
fábulas clássicas de um modo geral, funcionando metaforicamente aqui como
a arte estabelecida e finalizada, estática e bem comportada. Millôr é um
dadaísta com pitadas de surrealismo quando o assunto é fábula. O humor em
Millôr tem fundamento e pertinência e, apesar de não inaugurar um novo
grande movimento literário, Millôr um passo à frente em relação à tradição
fabular por usar sua estrutura historicamente sedimentada em uma roupagem
absolutamente moderna, revolucionando a maneira de transmitir o legado
fabular aos seus sucessores. Enquanto a única bula onde fica explícita a
desorganização sintática como um provocador óptico é “A baposa e o rode,
nas demais nos resta aquela impressão de provocação, de fuga da lógica e da
moral comum latente nas vanguardas quando da construção de “anti-morais”.
55
CAPÍTULO 06 – O ESTILO
Millôr Fernandes se auto-denomina um escritor sem estilo. Por
enquanto, vamos nos ater às fábulas. Para ampararmos teoricamente, citemos
o que ensina Norma Discini:
“Temos visto que, em qualquer texto, a voz do
outro dialoga com a voz de um, de maneira que o
sujeito da enunciação não é único, mas dialógico.
Por falar em estilo, lembremos, primeiro, que o eu
pressuposto a uma totalidade de enunciados,
para ser uno, apóia-se em regularidades no modo
de fazer e de ser, que constituem o fato formal,
depreensível por meio do percurso gerativo do
sentido, instrumento aplicado à totalidade
enunciada. Tal fato, como unidade de estilo,
formaliza-se, por sua vez, enquanto relação: do
conteúdo com a expressão e vice-versa; do nível
semio-narrativo com o discursivo e vice-versa; da
enunciação com o enunciado e vice-versa, o que
supõe duplicidade na própria constituição. O fato
de estilo, além de unidade formal, é também
considerado diferencial, o que supõe outra
relação, dessa vez com seu exterior; trata-se,
nesse caso, da relação discursiva de
semelhança, que funda diferenças entre o eu da
enunciação e o outro. O estilo é constitutivamente
dialógico.
(2004, p. 223)
56
Então, esqueçamos os demais gêneros literários que não as
fábulas na obra de Millôr e pensemos em seu estilo enquanto fabulista. Óbvio
que os padrões formais estruturais (discurso narrativo, discurso moral e às
vezes, discurso metalingüístico) fabulares são seguidos, mesmo porque a não-
realização de tal tarefa descaracterizaria a obra literária enquanto gênero
fábula. Assim sendo, temos, nas fábulas de Millôr, a manutenção da estrutura,
com discurso narrativo e discurso moral (epimitio). Essas relações de
semelhanças discursivas que acabam caracterizando um dialogismo evidente
de Millôr com as fábulas clássicas apenas não são verificadas quando
observamos esses textos sob a óptica do conteúdo semântico, que é quando
Millôr utiliza o seu “não-estilo” para subverter aquele caráter moralizante, sério
e sedimentado das fábulas tradicionais. É que ocorre a quebra estilística,
que caracteriza a heterogeneidade eu/outro. uma intertextualidade
estilística que restringe-se à estrutura formal textual. Continua Norma:
“Os estilos mostradamente heterogêneos
consolidam-se, por conseguinte, em um tipo de
discurso que, longe de ocultar a intersecção
eu/outro, que os constitui, mostram-na
deliberadamente. É assim que serão observadas
a paródia, a estilização, a paráfrase e a polêmica
de estilo. (...) A intertextualidade estilística será
observada em homologação à intertextualidade
entre textos, esta, considerada como ‘a retomada
consciente, intencional, da palavra do outro,
mostrada, mas não demarcada no discurso da
variante’ (...). Depreensível do fio do texto,
mostrada, mas não marcada, é assim a
heterogeneidade que também fundamenta a
intertextualidade entre textos, como, por exemplo,
o poema Chapeuzinho Amarelo, de Chico
57
Buarque, que faz uma paródia de Chapeuzinho
Vermelho, de Perrault. A intertextualidade entre
textos pode remeter à intertextualidade entre
estilos, se observada, na leitura, a relação
unus/totus/nemo. Importa destacar, entretanto,
que se trata de heterogeneidade mostrada, mas
não-marcada, porque não circunscreve a palavra
do outro com indicações, como emprego de
aspas, ou letra tipo itálico (...)
(2004, p. 225-226)
Toda a estrutura estilística fabular clássica, então, se repete em
Millôr, exceto pelo caráter semântico de expansão de significações obtida
através da ferramenta ‘humor’, através da ironia e da paródia. Nas fábulas que
selecionamos para análise e que estabelecem relações diretas que dialogam
em seus pares comuns, comprovamos esse fato. Em ‘O lobo e o cordeiro’, por
exemplo, repetem-se as personagens, o riacho com água corrente, o desejo
de ambos em beber água, proximidade de sentido nos diálogos. Mas Millôr
contraria o estilo dos clássicos quando insere suas anti-morais, suas morais
que desmantelam o tradicional final orientador. Ele relativiza a força (antes,
inquestionável) do lobo. Virá ainda alguém mais forte: o caçador. E, é claro,
esse efeito de humor é possível pela existência histórica das fábulas como
textos exemplares. Ainda em Norma:
“Fundamenta-se assim o estilo à moda contrária,
ou a paródia de um estilo, que põe o mundo do
outro de pernas para o ar, pela contrariedade de
isotopias, em que se firma o efeito do humor, o
qual, por sua vez, brinca com a polêmica
constitutiva do sentido. Não esqueçamos que a
relação de contrariedade, no quadrado semiótico
58
greimasiano, chamado A/Não-A, manifesta ‘de
algum modo o mesmo traço, duas vezes presente
sob formas diferentes’, como dizem
Greimas/Courtés (1989, p 364).
(2004, p. 256)
Millôr capta, imita e subverte. Toma emprestada a estrutura e
injeta seu estilo ou o seu “não-estilo”. Quando observarmos sua obra na
totalidade, sobretudo as traduções, facilmente percebemos que ela não é em
sua totalidade voltada ao humor ou construída sob a verve humorística
aguçada, ácida e latente de Millôr. Visão focada apenas nas fábulas, surge o
jogador, aquele que brinca o tempo todo com os significados das palavras, não
o humor barato e simples, piadístico, mas um humor ‘necessário’, que
extrapola os limites denotativos das significações dos vocábulos, a ironia séria,
o querer dizer através da negação do objeto parodiado. Millôr tem realmente
estilo único. Suas fábulas, que como tal, normalmente ensinariam,
informariam, educariam e moralizariam, ao contrário, confundem, apavoram,
provocam a dúvida e a incerteza. Talvez essa seja a grande contribuição de
Millôr em relação ao texto fabular. Antes didática (e por isso, muitas vezes
infanto-juvenil) e exemplar, em Millôr a fábula encontrou uma válvula de
escape na anti-moral. A fábula amadureceu nas mãos desse escritor “sem
estilo” que, com muito estilo, re-estilizou esse gênero milenar.
59
CAPÍTULO 07 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Provavelmente por inexperiência e ingenuidade, nossa proposta
primeira era o estudo das obras completas de Millôr Fernandes. Na prática,
constatamos a total impossibilidade de concretizar tal proposta observado o
tempo escasso. A idéia é poder, no doutorado, espaço de tempo maior,
concluir o que aqui foi começado.
O trabalho foi sendo desenvolvido e a capitulação e separação foi
efetuada apenas na organização final. As questões intertextuais foram na
medida do possível analisadas e buscou-se apontar para a anti-moral das
fábulas de Millôr, sempre em contra-natura aos trabalhos fabulares clássicos
conhecidos. A noção de paródia é algo imensamente abrangente e vai desde a
homenagem imitativa até a ridicularização jocosa. Buscamos encontrar o
posicionamento de Millôr nesse sentido. Como os aspectos ideológicos da
paródia possuem um caráter histórico, também buscamos brevemente
contextualizar essa questão. Enfim, buscou-se aqui entender o princípio
constitutivo do discurso paródico, da ironia e do que mais se apresentava
fundamental para que trabalhássemos com os pares mínimos de fábulas
analisados.
Também se fez importante rever as definições e origens do
gênero narrativo fábula. Não o fizemos com extensão de fôlego (como os livros
de história o fazem) porque obras de propriedade indiscutível que o fizeram
com maestria e aqui foram citadas e aproveitadas, como o completíssimo A
tradição da fábula, de Maria Celeste Consolin Dezotti. Citamos também de
maneira sucinta a questão da fábula de Millôr como possível vanguarda
justamente por encerrar em A baposa e o rode o único experimento
verdadeiramente rompedor das estruturas sintáticas e o que mais se
aproximava do anárquico, do espúrio contra o puro.
Concluímos também que Millôr abranda o discurso autoritário da
fábula, aquele discurso que ensina, através de um discurso mais aberto, onde
a comicidade é o grande diferencial. Ainda que tenhamos dispensado muito
tempo na análise da fábula de Millôr enquanto paródia das fábulas tradicionais,
60
não como decretarmos o final do estudo ora desenvolvido, que muito
que se falar e discutir ainda quando o assunto forem as bulas fabulosas de
Millôr Fernandes.
61
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Lúcia Fabrini de. Tempo e otredad nos ensaios de Octavio
Paz, São Paulo, Annablume, 1997
ALVES, Rubem. Ao professor, com o meu carinho, Campinas, Editora
Verus, 2004.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria Semiótica do Texto, São Paulo,
Editora Ática, 4ª edição, 2003.
BARROS, Diana Luz Pessoa de e José Luiz Fiorin (orgs.) Dialogia,
polifonia, intertextualidade: em torno de Mikhail Bakhtin, São
Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1994.
BERTRAND, Denis. Caminhos da Semiótica Literária, Bauru/SP, Edusc,
2003.
BOSI, A. O ser e o tempo da poesia, São Paulo, Editora Cultrix, 1988.
BRAIT, Beth. Ironia em perspectiva polifônica, Campinas, Editora da
Unicamp, 1996.
CALVINO, Ítalo. Fábulas Italianas, Editora Cia. das Letras.
CANDIDO, Antonio, ROSENFELD, Anatol, ALMEIDA PRADO, Décio de,
SALLES GOMES, Paulo Emílio. A Personagem de Ficção, São Paulo,
Editora Perspectiva, 10ª edição, 2004.
COMPAGNON, Antoine. O Demônio da Teoria, Belo Horizonte, Editora
UFMG, 1999, tradução de Cleonice Paes Barreto Mourão e Consuelo
Fortes Santiago.
DEZOTTI, Maria Celeste Consolin. A tradição da fábula, São Paulo,
Editora Imesp, 2003.
DEZOTTI, Maria Celeste Consolin. A fábula esópica anônima,
Araraquara, 1998.
DISCINI, Norma. O estilo nos textos, 2004, São Paulo, Editora Contexto.
ECO, Umberto. Viagem na irrealidade cotidiana. Rio de Janeiro. Editora
Nova Fronteira, 1984, p. 343-353.
62
ESOPO. Fábulas, Editora Martin Claret, 2004, compiladas por Maximus
Planudes, Tradução de Pietro Nassetti.
FERNANDES, Millôr. Fábulas Fabulosas, Rio de Janeiro, Editora Nórdica,
12ª edição, 1991.
FERNANDES, Millôr. Novas Fábulas Fabulosas, Rio de Janeiro, Editora
Nórdica, 1978.
FERNANDES, Millôr. Millôr Definitivo A Bíblia do Caos, Rio de Janeiro,
L&PM Editores, 2002.
FERNANDES, Millôr. Livro vermelho dos pensamentos de Millôr, Rio de
Janeiro, Editora Nórdica, 1974.
FERREIRA, Antônio Manuel. A fábula forma breve 3. Portugal, Centro
de Línguas e Culturas, 2005.
FIORIN, J. L. Linguagem e Ideologia, São Paulo, Editora Ática, 1998.
FIORIN, José Luis. Elementos de Análise do Discurso, São Paulo,
Editora Contexto, 1992.
FONTAINE, Jean de La. Fábulas, Editora Landy, 2003.
GREIMAS, A. J. Semântica Estrutural, São Paulo, Editora Cultrix, 1966.
GREIMAS, A. J. Semiótica e Ciências Sociais, São Paulo, Editora Cultrix,
1976.
GREIMAS, A.J. e COURTÉS, J. Dicionário de Semiótica, Trad. por Alceu
Dias Lima, São Paulo, Editora Cultrix, 1979.
HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário da Língua Portuguesa.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
KOTHE, Flávio. Paródia & Cia. In: Sobre a Paródia. Rio de Janeiro. Editora
Tempo Brasileiro, 1980, p. 97-111.
LIMA, Luiz Costa. Teoria da Literatura em suas fontes, Edição, 2002,
Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira.
LIMA, Alceu Dias. A forma da fábula, In: Revista Brasileira de Semiótica,
Editora Significação, 1984.
LOPES, Edward. A Identidade e a Diferença, São Paulo, Edusp, 1997
63
LOPES, Edward. A palavra e os dias: ensaios sobre a Teoria e a Prática
da Literatura, São Paulo, Editora da Unicamp, 1993.
MENDONÇA, Sonia Regina e FONTES, Virgínia Maria. História do Brasil
recente 1964-1992, São Paulo, Editora Ática, 1994.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários, o Paulo, Editora
Cultrix, 2004.
PEREIRA, Luciano. A fábula, um gênero alegórico de proverbial
sabedoria, in: A Fábula 3, 2003, Universidade de Aveiro.
SANT’ANNA, Afonso Romano de. Paródia, Paráfrase & Cia. São Paulo,
Editora Ática, 1985.
SCHÜLER, Donaldo. Refabular Esopo, Editora Lamparina, 2004.
PAIVA, Maria Helena de Novais. Contribuição para uma estilística da
ironia. Lisboa: CEF, 1961
PROPP, Vladimir. Comicidade e riso. São Paulo, Editora Ática, 1992.
SOCHNAIDERMAN, Boris. Paródia e o mundo do riso. In: Sobre a
Paródia. Rio de Janeiro, Editora Tempo Brasileiro, 1980.
VARGAS, Maria Valíria Aderson de Mello. Do Pañcatantra a La Fontaine:
tradição e permanência da fábula, São Paulo, USP, 1990.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo