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WERNO NILSSON
O ADOLESCENTE INFRATOR INTERNO
PELO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
E O ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO PASTORAL.
Dissertação de Mestrado Profissionalizante
Para obtenção de Grau de Mestre em
Teologia.
Escola Superior de Teologia
Instituto Ecumênico de Pós-Graduação
Religião e Educação
Orientador: Dr. Evaldo L. Pauly
São Leopoldo
2007
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1
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha elaborada pela Biblioteca da Escola Superior de Teologia
N696a Nilsson, Werno
O adolescente infrator interno pelo estatuto da criança e
do adolescente e o aconselhamento psicológico pastoral /
Werno Nilsson ; orientador Evaldo L. Pauly – São Leopoldo :
EST/IEPG, 2007.
68 f.
Dissertação (mestrado) – Escola Superior de Teologia.
Instituto Ecumênico de Pós-Graduação. Mestrado em
Teologia. São Leopoldo, 2007.
1. Delinqüentes juvenis – Aspectos religiosos.
2. Aconselhamento Pastoral. 3. Obras da igreja junto aos
delinqüentes juvenis. 4. Menores – Estatuto legal, leis, etc. –
Brasil. I. Pauly, Evaldo L. II. Título.
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RESUMO
A pesquisa servirá como manual para o Aconselhamento Psicológico Pastoral do
Adolescente Infrator Interno com base no Estatuto da Criança e do Adolescente. A primeira
parte aborda o antigo Código de Menores e suas restrições. Em seguida a inovação do
Estatuto quanto a proteção integral do Adolescente, principalmente do infrator interno. A
nova visão global e a intenção do legislador, avançada para o tempo em que foi lançado, para
a defesa e a reeducação do infrator. O fato da proteção e prioridade integral do adolescente ser
matéria constitucional e o Estatuto sua regulamentação. O aconselhamento psicológico
pastoral do adolescente infrator interno com base na Constituição e no ECA que garantem seu
direito à assistência religiosa. O aconselhamento psicológico pastoral sob o enfoque jurídico e
a viabilidade de efetuá-lo. Algumas idéias de como aperfeiçoar esta arte de aconselhamento
pelo amor, dedicação e vocação. Todos os envolvidos na reeducação do adolescente infrator,
direta ou indiretamente, podem fazer a diferença. Evitar a construção de novos presídios e
sua superlotação. É o que se almeja com o trabalho de aconselhamento psicológico pastoral.
um forte enfoque jurídico da assistência religiosa como princípio Constitucional,
regulamentado no Estatuto da Criança e do Adolescente e a maneira de realizá-la pelo
Aconselhamento Psicológico Pastoral.
Palavras chave. Adolescente infrator interno. Doutrina da proteção integral. Aconselhamento
psicológico pastoral. Assistência religiosa.
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This paper will be useful as manual for the Pastoral Psychological Counseling of Internal
Infractor Adolescents based on the Statute of the Child and the Adolescent (ECA). The first
part approaches the old Juveniles Code and its restriction. Next the Statute innovation as for
the adolescent full protection, mainly the internal infractor protection. The new global vision
and the legislator intention improved to the time when it was launched, for the infractor
defense and reeducation. The fact of the adolescent protection and full priority being
constitutional topic and the Statute regulation. The pastoral psychological counseling of
internal infractor adolescents based on the Constitution and on ECA that guarantee their right
to religious assistance. The pastoral psychological counseling under juridical focus and the
possibility of accomplishing it. Some ideas of how to improve this art of counseling by love,
dedication, vocation. All the people involved on the infractor adolescent reeducation, directly
or indirectly, can make a difference. Avoiding the building of new penitentiaries and its super
filling. That is what is wanted with the work of pastoral psychological counseling. There is a
strong juridical focus from the religious assistance, constitutional and regulated principle in
the Statute of the Child and the Adolescent and the way of accomplishing it by the Pastoral
Psychological Counseling.
Key-words: Internal infractor adolescent; full protection doctrine; pastoral psychological
counseling; religious assistance.
4
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 5
I -O DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ...................................................... 8
1.1.A Doutrina da Situação Irregular.......................................................................................... 8
1.2.A Doutrina da Proteção Integral......................................................................................... 12
1.3.A Doutrina da Proteção Integral e a Mudanças de Paradigmas ........................................13
1.4.A Doutrina da Proteção Integral e o Princípio Constitucional da Igualdade...................... 18
1.5.Os Princípios Previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente..................................... 19
1.5.1.Princípios da Prioridade Absoluta .................................................................................. 19
1.5.2..Princípios do Melhor Interesse....................................................................................... 22
1.6. Conceito de Adolescente ................................................................................................... 23
1.7.As Idades, os limites. ......................................................................................................... 26
II - O ADOLESCENTE INFRATOR E O ATO INFRACIONAL.................................... 27
2.1 Determinação da Idade Penal .............................................................................................27
2.1.1.A Redução da Idade Penal............................................................................................... 28
2.2.Do Ato Infracional.............................................................................................................. 29
2.3.Das Medidas Sócio-educativas........................................................................................... 32
2.4.Da Medida de Internação....................................................................................................34
2.4.1.Natureza e a Finalidade da Medida ............................................................................... 35
2.4.2.Princípios e Garantias da Medida de Internação .............................................................38
2.5.A Parábola do Filho Pródigo: Um Adolescente Infrator Interno....................................... 42
III-ACONSELHAMENTO PSICOLÓGIDO PASTORAL .............................................. 45
3.1.Aconselhamento pastoral ................................................................................................... 45
3.2.Aconselhamento Psicológico.............................................................................................. 49
3.3.Aconselhando o Adolescente Infrator Interno.................................................................... 51
3.3.1.Enfoque Pastoral.............................................................................................................. 51
3.3.2.O Momento único de visita ..................................................................... 55
3.3.3.Justiça Restaurativa ......................................................................................................... 56
3.3.4.Enfoque Jurídico.............................................................................................................. 57
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 63
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 65
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O tema é atual. O adolescente, uma pessoa especial em desenvolvimento, sempre
estará em pauta. Inadmite-se taxá-lo de delinqüente, pivete, pequeno predador, bandido,
trombadinha, pentelho, e como número do Código Penal e Lei das Contravenções Penais. O
que sucedia no Código de Menores. Atualmente o termo técnico mais adequado é adolescente
em conflito com a Lei. No caso de comprovada a autoria, mediante o devido processo legal e
a ampla defesa, o adolescente passa a ser considerado pelo ECA como “autor de ato
infracional”. O mundo muda rapidamente e com ele o adolescente. O Estatuto da Criança e
do Adolescente, Lei Federal 8.069 de 13 de julho de 1990, ainda não foi aplicado na
íntegra. Pelo princípio de proteção integral, a cada momento, um julgador poderá inovar para
auxiliar o desenvolvimento do adolescente. A arte e o dever moral da boa aplicação da
justiça - é evitar que o adolescente infrator interno seja um futuro presidiário.
A nova lei passou a disciplinar as medidas, chamadas sócio-educativas, passíveis de
serem aplicadas aos adolescentes infratores, limitando sua imposição e discriminando
minuciosamente as hipóteses em que a mais severa, a internação, poderia ter lugar. Também
estabeleceu o procedimento a ser adotado na apuração da prática do ato infracional, adotando
normas severas para a proteção integral. O acompanhamento diuturno da matéria tem
mostrado que os problemas enfrentados na aplicação da Lei aos casos concretos são muitos e
cíclicos, dependendo da época vivenciada e das condições particulares de cada região do
Estado, e de cada caso em específico. O presente trabalho aborda o tema sob o prisma
jurídico. Entretanto será de um aporte teórico-prático, constituindo numa espécie de guia para
orientar e assessorar o aconselhador pastoral, para que este cumpra com dignidade a sua
obrigação pastoral em consonância com o espírito da doutrina de proteção integral do
6
adolescente. Trata-se, portanto, de uma abordagem inspirada pela interdisciplinaridade entre a
teologia e a ciência jurídica aplicada ao direito especial da criança e do adolescente, um
aspecto destacado dos Direitos Humanos com os quais as igrejas cristãs ecumênicas estão
comprometidas.
A interdisciplinaridade, no campo da ciência, corresponde à necessidade de superar a
visão fragmentadora de produção do conhecimento, como também de articular e produzir
coerência entre os múltiplos fragmentos que estão postos no acervo de conhecimentos da
humanidade.
O objetivo da interdisciplinaridade é, portanto, o de promover a superação da visão
restrita do mundo e a compreensão da complexidade da realidade, ao mesmo tempo,
resgatando a centralidade da pessoa humana na realidade e na produção do conhecimento, de
modo a permitir ao mesmo tempo uma melhor compreensão da realidade e do homem como o
ser determinante e determinado.
No capítulo primeiro abordamos a teoria da proteção integral da criança e do
adolescente. O denominado “menor” no Código anterior englobava vítimas e infratores. O
termo em si era pejorativo. Parecia um ser impune, entretanto o que acontecia, na prática, era
uma aplicação excessiva de corretivos e punições. Nada havia de proteção. Era uma época de
perseguição contra a infância e a adolescência, especialmente, das famílias pobres.
No segundo capítulo abordaremos o adolescente infrator enfocando, novamente, a
proteção integral. Queremos deixar claro para o profissional do aconselhamento psicológico
pastoral, o papel que exerce como um colaborador da justiça na áspera tarefa de tratar com
humanidade o adolescente autor de ato infracional.
A atuação do poder judiciário em sua função de “dizer o direito” abstendo-se de
questionamentos de ordem administrativa, como a organização e administração dos
estabelecimentos criados para receber e recuperar adolescentes, é complicada. Se o Juiz da
Infância e Juventude tiver a colaboração do aconselhador muita melhora pode ocorrer.
Também criamos e apresentamos a parábola do filho pródigo em que o pródigo é um
adolescente infrator interno. Matéria desenvolvida na cadeira de Hermenêutica e
indispensável nessa dissertação. A prova que se o Estatuto da Criança e do Adolescente
7
admite inovações que favoreçam o adolescente, a Bíblia também oferece remédios e caminhos
para tal pelo emprego da hermenêutica.
Não podemos ficar estagnados. Devemos lançar luzes sobre os procedimentos
interdisciplinares a serem seguidos na reeducação, com a aplicação da medida sócio-educativa
mais adequada à recuperação do adolescente infrator que, por questões sociais ou não, tiver
delinqüido.
No capítulo terceiro fornecemos o conceito, respectivamente, de aconselhamento
pastoral e psicológico. Abordamos maneiras diversas de encará-los, levando em consideração
os benefícios que julgamos mais adequados para o aconselhamento de adolescentes infratores
internos. Centramos o tema em sua dimensão jurídica, sem desmerecer as dimensões
teológicas e educacionais. Esperamos, convictos, que o aconselhamento pastoral possa servir
como ajuda à pessoa em desenvolvimento, pouco importando o grau de gravidade de sua
infração. Julgamos que este serviço pastoral sempre é viável.
Sabemos que os profissionais da área tudo estão fazendo em prol do adolescente.
Entretanto sugestões e pareceres e dicas, mesmo teóricas também valem. A união de todos,
juizes, promotores, advogados, conselheiros tutelares, psicólogos, assistentes sociais,
voluntários e outros profissionais que de qualquer forma prestarem colaboração, pode
contribuir para que, futuramente, haja um presidiário a menos a ser por nós todos mantido e
assumido. Se nossa formação profissional, primeira, fosse teológica, e não jurídica,
concluiríamos que a ajuda do profissional em aconselhamento pastoral seria imprescindível, e
não somente impreterível.
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1.1
A Doutrina da Situação Irregular
A doutrina da situação irregular permaneceu vigente no sistema jurídico brasileiro até
1988. Com o advento da Constituição Federal de 1988, o ordenamento jurídico foi
contemplado com uma nova teoria, a Doutrina da Proteção Integral.
O revogado Código de Menores, Lei 6697/79, contemplava a Doutrina da Situação
Irregular, que consistia em classificar o menor de acordo com a sua incapacidade. Neste
sentido, o artigo 2 da revogada Lei 6697/79 estabelecia:
Art 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor:
I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que
eventualmente, em razão de:
a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável;
III - em perigo moral, devido a:
a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;
b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável;
V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária;
VI - autor de infração penal.
Parágrafo único. Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a
qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou voluntariamente o traz em seu
poder ou companhia, independentemente de ato judicial.
9
Neste contexto, o antigo Código de Menores, Lei Federal 6697 de 10 de outubro de
1979, não fazia distinção entre o adolescente infrator (autor de ato infracional) e o adolescente
vítima, aquele que sofria danos de ordem física (abusos, mau tratos, etc.), moral ou social.
Assim, encontrando-se o adolescente em qualquer das situações previstas no artigo da Lei
6697/79, estaria ele em condição irregular.
Pelo superado Código de Menores, a declaração da situação irregular tanto poderia
derivar de sua conduta pessoal (caso de infrações por ele praticadas ou de desvio de conduta),
como da família (maus tratos) ou da própria sociedade (abandono). Haveria uma situação
irregular, uma moléstia social, sem distinguir, com clareza, situações decorrentes da conduta
do jovem ou daqueles que o cercavam.
1
O Código de Menores, ainda preso a algumas tradições arraigadas, usava o termo
“menores” para definir quem seria objeto de proteção. Os menores, pela sistemática antiga,
não eram sujeitos de direitos, mas sim, objetos que precisavam de proteção, exatamente por se
encontrarem em uma situação que, pelo arbítrio do legislador infraconstitucional da época, era
definida como irregular.
Nesta sistemática, o Poder Judiciário e os Órgãos Públicos responsáveis somente
poderiam intervir em benefício do menor, se o mesmo se encontrasse em situação irregular,
ou seja, dentro de alguma das hipóteses previstas no artigo 2º do Código de Menores, porque
Somente o menor que se encontra em situação irregular estará sujeito à jurisdição do juiz de
menores. O Código procurou catalogar os casos em que o menor poderá estar em situação
irregular, ainda que esteja em companhia dos pais ou responsável, descrevendo seis categorias.
Trata-se de situações de perigo, que poderão levar o menor a uma marginalização mais ampla,
pois o abandono material ou moral é um passo para a criminalidade.
2
Assim, somente nos seis casos previstos no artigo acima referido, poderia a justiça
intervir. Em razão de uma situação que, muitas vezes não era nem por ele criada, o
adolescente via-se sujeito à intervenção do Poder Público em sua esfera de direitos, sendo
1
SARAIVA. João Batista Costa. Compêndio de Direito Penal Juvenil. Adolescente e Ato Infracional. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 24.
2
NOGUEIRA. Paulo Lúcio. Comentários ao Código de Menores. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 13.
10
submetido a alguma ou algumas restrições de direito. Sendo assim, o adolescente não era
sujeito de direitos, mas objeto de intervenção do poder judiciário.
A Doutrina da Situação Irregular baseava-se praticamente na pressuposta incapacidade
de direitos na qual se encontrava o adolescente. Sendo incapaz juridicamente e para grande
parte dos atos da vida civil, o adolescente não precisava ser ouvido, sua opinião e palavra
eram irrelevantes, bastando que a Justiça arbitrasse como estando vivendo em uma situação
irregular.
O Código de Menores incluía 70% da população infanto-juvenil brasileira nesta condição,
permitindo que mais tarde se afirmasse que quem estava em situação irregular era o Estado
brasileiro. Por esta ideologia, os menores interesses do direito especial quando apresentam uma
patologia social, a chamada situação irregular, ou seja, quando não se ajustam ao padrão
estabelecido.
3
Logo, não haviam políticas públicas preventivas adequadas. A intervenção do Poder
Judiciário em prol do “menor” só se dava depois de constatada a situação irregular, ou seja,
esperava-se pela efetivação do abuso, dos maus tratos, do abalo moral, da discriminação, da
violência, da prática de ato infracional para somente então intervir. Nesta sistemática,
incumbia ao Juiz de Menores suprir a falta de políticas públicas, por meio de um juízo muitas
vezes discricionário, com poderes ilimitados, suprimindo - e muitas vezes omitindo os
direitos e as garantias judiciais do adolescente. Havia assim, na ordem jurídica dois sistemas
distintos, um destinado às pessoas adultas, com todos os direitos assegurados e outro
destinado aos “menores”, para os quais eram desconhecidas tais garantias fundamentais, como
os elementares direitos de ampla defesa, do contraditório e da assistência de advogado.
Assim, o juiz de menores desvinculava-se de sua função primordial, que é a função
jurisdicional, para atuar de forma discricionária e arbitrária, sem observância da estrita
legalidade e da imparcialidade, características essenciais da atividade jurisdicional. Conforme
Garcia Mendez :¨No direito moderno, a figura do juiz aparece como a face oposta da
arbitrariedade e discricionariedade. Dirimir imparcialmente conflitos, mediante a sujeição
estrita à lei, constitui o imperativo categórico de sua ação. Sob a doutrina da situação
3
SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em Conflito com a Lei. Da Indiferença à proteção Integral. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003. p. 44.
11
irregular, o juiz de menores encara uma figura diametralmente oposta à anterior. O juiz de
menores representa a realização institucional da ideologia ¨compaixão-repressão¨.
4
Daí a idéia dos grandes institutos para “menores”, até hoje presente em alguns setores
da cultura nacional, onde muitas vezes misturavam-se infratores e abandonados, vitimizados
por abandono e maus-tratos com autores de conduta infracional, partindo do pressuposto de
que todos estariam na mesma condição, estariam em “situação irregular”.
5
Para efetivar a doutrina da situação irregular, o Código de Menores contava com
diversos institutos jurídicos, previstos entre as medidas aplicáveis ao menor como busca e
apreensão, advertência, liberdade assistida, internação, etc. Tais medidas estavam previstas no
artigo 14 da Lei 6697/79, que disciplinava:
Art. 14- São medidas aplicáveis ao menor pela autoridade judiciária:
I - advertência;
II - entrega aos pais ou responsável, ou a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade;
III - colocação em lar substituto;
IV - imposição do regime de liberdade assistida;
V - colocação em casa de semi liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional, ocupacional, psicopedagógico, hospitalar,
psiquiátrico ou outro adequado.
Segundo o artigo 13 da lei 6697/79: “Toda medida aplicável ao menor visará,
fundamentalmente, à sua integração sócio-familiar”. No tempo de vigência do Código de
Menores, a grande maioria da população infanto-juvenil recolhida às entidades de internação
do sistema FEBEM no Brasil, na ordem de 80%, era formada por crianças e adolescentes,
menores, que não eram autores de fatos definidos como crime na legislação penal brasileira.
Estava consagrado um sistema de controle da pobreza, que Emílio Garcia Mendez define
como sociopenal, na medida em que se aplicavam sanções de privação de liberdade a
situações não tipificadas como delito, subtraindo-se garantias processuais. Prendiam a vítima.
Esta também era, por conseqüência, a ordem que imperava nos Juizados de Menores.
6
4
MENDEZ, Emílio Garcia .Legislação de ¨Menores¨ na América Latina: Uma Doutrina em Situação
Irregular. Cadernos de Direito da Criança e do Adolescente- 2. Florianópolis. ABMP: 1997. p. 13.
5
SARAIVA João Batista Costa. Adolescente e Ato Infracional. Garantias Processuais e Medidas
Socioeducativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1999. p. 17.
6
SARAIVA, 2003, p. 47.
12
Era característica da Doutrina da situação irregular, a centralização do atendimento aos
menores em situação irregular, por intermédio da criação de Entidades pelo Poder Público,
que tinham a finalidade específica de prestar a assistência aos menores. O artigo 9 da Lei
6697/79 estabelecia que:
Art.9. As entidades de assistência e proteção ao menor serão criadas pelo Poder Público,
segundo as diretrizes da Política Nacional de Bem Estar do Menor, e terão centros
especializados destinados à recepção, triagem e observação, e à permanência de Menores.
A entidade assistencial ao menor no âmbito federal era a FUNABEM (Fundação
Nacional do Bem-Estar do Menor), sendo que nos Estados foram criadas as respectivas
Febem’s (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor).
1.2. A Doutrina da Proteção Integral
A Doutrina da Proteção Integral passou a fazer parte do ordenamento jurídico nacional
com o advento da Constituição Federal de 1988. O artigo 227
7
da CF/88 consagra de forma
expressa tal princípio. Posteriormente, a Lei 8069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente,
normatizou a doutrina da proteção integral, consagrando-a igualmente de forma expressa logo
no seu artigo 1º, que: “Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”.
A Doutrina da Proteção Integral tem sua origem na Convenção Internacional sobre os
Direitos da Criança. Em 20 de novembro de 1989, no trigésimo aniversário da Declaração
dos Direitos da Criança, a Assembléia-Geral da Organização das Nações Unidas, reunida em
Nova Iorque, aprovou a Convenção sobre os Direitos da Criança. Desde então os Direitos da
Criança passaram a se assentar sobre um documento global, com força coercitiva para os
Estados signatários, entre os quais o Brasil.
8
A Convenção das Nações Unidas de 1989 passou a ser o principal documento de
ordem internacional para a Proteção dos Direitos das Crianças e Adolescentes. Nele foi
7
dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
8
SARAIVA, 2003, p. 52.
13
consagrada a Doutrina da Proteção Integral. Essa doutrina formulada a partir da Convenção
das Nações Unidas de 1989 é compreendida, basicamente, por quatro documentos que são:
1) Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração dos Direitos dos Menores,
ou Regras de Beijing, de 29/11/85;
2) Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Menores Privados de Liberdade, de
14/12/90;
3) Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinqüência Juvenil, ou
Diretrizes de Riad, de 14/12/90;
4) Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, de 20/11/89.
9
O Brasil incorporou a Doutrina das Nações Unidas de Proteção Integral à Criança, em
seu ordenamento jurídico, por força do Decreto 99.710 de 21 de novembro de 1990, que
ratificou o Decreto Legislativo 28 de 14 de setembro de 1990. Neste aspecto foi progressista o
legislador constituinte de 1988, que antes mesmo da aprovação da Convenção Internacional
sobre os Direitos da Criança da ONU de 1989, em 1988, adotou a Doutrina da Proteção
Integral no texto da Constituição Federal. Conforme o magistério de Saraiva, o “texto
constitucional brasileiro, em vigor desde o histórico outubro de 1988, antecipou-se à
Convenção, vez que o texto da ONU veio a ser aprovado pela Assembléia Geral das Nações
Unidas em 20 de novembro de 1989”.
10
1.3. A Doutrina da Proteção Integral e a Mudança de Paradigmas
A doutrina da proteção integral, que veio em substituição à doutrina da situação
irregular, trouxe inúmeras alterações, tanto legislativas quanto de mudança de certos
paradigmas da administração da justiça para crianças e adolescentes. O legislador estava
consciente do fracasso da doutrina da situação irregular, quando da adoção da doutrina da
proteção integral.
9
Os respectivos textos integrais destas normativas internacionais estão disponíveis, entre outros endereços, em
http://www.mj.gov.br/sedh/ct/spdca/legis.htm sítio da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do
Adolescente – SPDCA do Ministério da Justiça.
14
Neste sentido, Garcia Mendez sintetizou a doutrina da situação irregular da seguinte
maneira:
Na realidade, trata-se de uma doutrina jurídica que tem pouco de doutrina e nada de jurídico.
Esta doutrina, constitui, na realidade, uma colcha de retalhos do sentido comum que o destino
elevou à categoria jurídica. Sua missão consiste, na realidade, legitimar a disponibilidade
estatal absoluta de sujeitos vulneráveis que, precisamente por esta situação, são definidos em
situação irregular.
11
A principal mudança efetivada foi a de fazer com que a criança e o adolescente
passassem a ser sujeitos de direitos, gozando de todos os direitos e das garantias fundamentais
previstas no texto constitucional. Em decorrência disto, se estabeleceu que a criança e o
adolescente devem ter prioridade absoluta de atendimento, nos casos de violação ou mesmo
ameaça de lesão aos seus direitos fundamentais.
Assim, a noção subjetiva de “incapacidade” do Código de Menores foi substituída pela
“peculiar condição de pessoa em desenvolvimento”, uma noção mais humanista e objetiva.
Na interpretação do texto legal, o que se deve observar é a proteção dos interesses da criança e
do adolescente, que deverão sobrepor-se a qualquer outro bem ou interesse juridicamente
tutelado, levando em conta a destinação social da lei e o respeito à condição peculiar da criança
e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
12
As medidas protetivas passaram a ser definidas levando em consideração a proteção
dos direitos e as garantias fundamentais das crianças e adolescentes e não mais como medidas
de proteção dos menores, como se dava na doutrina da situação irregular. Em conseqüência
disto, passou-se a um novo paradigma, a uma nova concepção de que a situação de
irregularidade está nas instituições como família, sociedade e Estado, e não mais na pessoa da
criança e do adolescente.
10
SARAIVA, 2003, p. 53.
11
MENDEZ, 1997, p. 13.
12
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 20.
15
Passou-se assim, a ver a criança e o adolescente como sujeitos de direitos e não mais
como objetos que mereciam proteção. O artigo 15 do ECA especificamente tratou do tema, ao
estabelecer que:
Art. 15 A criança e o adolescente m direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como
pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e
sociais, garantidos na Constituição e nas leis
.
Como sujeitos de direitos, a criança e o adolescente passaram a ser ouvidos e a sua
opinião passou a ser considerada importante. Deixaram, assim, de ser meros espectadores,
para se inserirem como protagonistas, sempre levando em consideração o melhor interesse da
criança e do adolescente. Neste sentido, o artigo 28, parágrafo 1º do ECA estabelece: “Sempre
que possível, a criança ou adolescente deverá ser previamente ouvido e a sua opinião
devidamente considerada”.
Com a adoção da doutrina da proteção integral, passou-se a diferenciar a situação do
adolescente vítima da situação daquela do adolescente infrator, antes tratada de maneira
uniforme e indistinta. Neste contexto, o ECA possibilitou a adoção de medidas preventivas
para evitar a lesão ou a ameaça de lesão aos direitos e garantias fundamentais das crianças e
adolescentes, bem como a dar tratamento jurídico específico para o adolescente a quem se
atribui autoria de ato infracional. Neste contexto, destacam-se os artigos 70 e 98 do ECA, que
respectivamente estabelecem:
Art.70- É dever de todos prevenirem a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da
criança e do adolescente.
Art. 98- As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os
direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III - em razão de sua conduta
Visando otimizar as políticas públicas preventivas e igualmente, as medidas protetivas
preventivas, o ECA adotou como critério a descentralização administrativa, adotando como
política de atendimento um conjunto articulado de ações de instituições governamentais e não
governamentais, da União, Estados, Municípios e entidades da sociedade civil, delegando aos
16
municípios e Estados poderes e deveres no atendimento das crianças e adolescentes.
Destacam-se, neste sentido, principalmente, os artigos. 86, 87 e 88 do ECA, que dispõem
sobre a efetiva criação de uma política pública para a garantia dos direitos das crianças e
adolescentes:
Art. 86- A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de
um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados
do Distrito Federal e dos Municípios.
Art. 87- São linhas de ação da política de atendimento:
I - políticas sociais básicas;
II - políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo para aqueles que deles
necessitem;
III - serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de
negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão;
IV - serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes
desaparecidos;
V - proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente.
Art 88- São diretrizes da política de atendimento:
I - municipalização do atendimento;
II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do
adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a
participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal,
estaduais e municipais;
III - criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-
administrativa;
IV - manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos
conselhos dos direitos da criança e do adolescente;
V - integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança
Pública e Assistência Social, preferencialmente num mesmo local, para efeito de agilização do
atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional;
VI - mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos
segmentos da sociedade.
Neste contexto, o ECA relegou ao Poder Judiciário a função primordial de fazer valer
os direitos e as garantias das crianças e adolescentes. A atividade do juiz passou a ser
unicamente a atividade judicial, exercida de acordo com a lei e as garantias fundamentais
previstas na CF/88. Neste sentido, a Lei 8069/90 reconheceu a criança e o adolescente como
sujeitos de direitos, tendo as mesmas garantias fundamentais que todo cidadão possui no
Estado Democrático de Direito, de acordo com o rol elencado no extenso artigo 5º da CF/88.
17
Destacam-se entre as garantias processuais das crianças e adolescentes, os artigos 110
e 111 do ECA, que estabelecem:
Art. 110- Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal.
Art. 111- São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias:
I - pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio
equivalente;
II - igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e
produzir todas as provas necessárias à sua defesa;
III - defesa técnica por advogado;
IV - assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei;
V - direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente;
VI - direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do
procedimento.
Deve-se salientar que estas garantias previstas no ECA, visam apenas a reforçar as
garantias fundamentais previstas no artigo da CF/88, dentre as principais podemos citar a
garantia do juiz natural
13
, do devido processo legal
14
, do contraditório e da ampla defesa
15
,
entre outras. Conforme Liberati: “O enunciado estatutário do artigo 110 foi buscar no texto
constitucional seu fundamento: ‘Ninguém será privado da sua liberdade ou de seus bens sem
o devido processo legal ( artigo 5, LIV)’”.
16
A Lei 8069/90, em consonância com a CF/88, elenca no Título III, Capítulo II rios
direitos individuais conferidos à criança e ao adolescente, entre os principais estão os artigos
106, 107 e 108, que respectivamente dispõe:
Art. 106- Nenhum adolescente será privado de sua liberdade, senão em flagrante de ato
infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.
Parágrafo único O adolescente tem direito à identificação dos responsáveis pela sua
apeensão, devendo ser informado acerca de seus direitos.
Art. 107 A apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontra recolhido serão
incontinenti comunicados à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à
pessoa por ele indicada.
13
Art. LXII “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao
juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”;
14
Art 5º, LIV – “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
15
Art 5º, LV – “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”;
16
LIBERATI, 2006, p. 97.
18
Art.108 A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de
quarenta e cinco dias.
Parágrafo único Examinar-se-á, desde logo e sob pena de responsabilidade, a possibilidade
de liberação imediata.
O artigo 106 do ECA permite que o magistrado, por ordem escrita e fundamentada,
determine a privação da liberdade cautelar do adolescente, equivalente à prisão preventiva
prevista no Código de Processo Penal. Porém, tal medida será excepcional, apenas adotada
em casos extremos e não poderá ultrapassar quarenta e cinco dias, sob pena de
constrangimento ilegal e responsabilização da autoridade.
Como direito fundamental de cidadania, somente será admitida a privação de liberdade do
adolescente quando em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade
judiciária, ficando desde estabelecido que o prazo máximo de processamento do adolescente
provisoriamente internado não poderá exceder a 45 dias.
17
Para fazer valer estas garantias e a plena aplicação destes direitos, o legislador
incumbiu ao Poder Judiciário, ao Ministério Público e aos Conselhos Tutelares a tarefa de
fiscalizar e fazer valer as determinações legais, visando a efetivar o princípio da proteção
integral para cada caso específico de violação de direitos envolvendo criança e adolescente.
De modo genérico, incumbiu aos Conselhos Estaduais e Municipais de Direitos da Criança e
do Adolescente, a tarefa de gerenciarem a rede social de proteção da criança e do adolescente
nas suas respectivas competências de forma paritária entre a sociedade civil e as esferas
governamentais.
1.4.A Doutrina da Proteção Integral e o Princípio Constitucional da Igualdade.
O princípio constitucional da igualdade ou isonomia vem expressamente previsto no
artigo 5º caput da CF/88
18
, estabelecendo que todos são iguais perante a Lei, sem distinção de
qualquer natureza. Neste contexto visou o legislador constitucional tratar de maneira igual os
17
SARAIVA. 2006, p. 96.
18
Art. 5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes” que são os 77 incisos do artigo.
19
iguais. Este seria o sentido jurídico-formal do preceito. Num sentido jurídico material cabe ao
legislador tratar de maneira igual os iguais e desiguais os desiguais na medida da sua
desigualdade.
É certo que a igualdade, preconizada pelo texto constitucional, consiste em trtar igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais, na media em que se desigualam. Se houvesse a
possibilidade jurídica de tratar igualmente os desiguais ou desigualmente os iguais, isso
importaria em injustiça e em violação da igualdade pretendida.
19
Para atender o princípio da igualdade no direito da criança e do adolescente, o artigo
227 da CF/88 estabelece um tratamento prioritário e diferenciado de todos os direitos. Trata-
se do princípio da absoluta prioridade que decorre da doutrina da proteção integral e tem
como fundamento primordial estabelecer a igualdade das crianças e adolescentes levando em
consideração suas desigualdades que decorrem da condição especial da pessoa em
desenvolvimento.
A diferença de condição dos sujeitos de direitos no caso, criança e adolescente de certa
forma, compensa a desigualdade; e é por isso que a Constituição propõem este ajuste
proporcional de situações desiguais, visando à igualdade, que é baseada em relação entre o
critério de diferenciação e a finalidade pretendida pela Constituição: a isonomia.
20
1.5. Os Princípios Previstos no ECA
1.5.1. Princípio da Prioridade Absoluta
A Constituição Federal de 1988, como base do ordenamento jurídico pátrio, estabelece
as normas fundamentais e ordenadoras do sistema jurídico vigente no país. O constituinte de
1988 procurou estabelecer diversos direitos e garantias fundamentais, inclusive voltados às
crianças e aos adolescentes. Segundo Roberto Barbosa Alves:
A CF inaugurou um verdadeiro sistema de proteção de direitos fundamentais que é próprio de
crianças e de adolescentes. Assim, estabeleceu princípios que viriam a se converter em
diretrizes do ECA: o reconhecimento de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e a
garantia de prioridade absoluta do atendimento de seus direitos.
21
19
LIBERATTI, Wilson Donizeti. Processo Penal Juvenil. A garantia da Legalidade na Execução da Medida
Socioeducativa. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 33.
20
LIBERATI, 2006, p. 34.
21
ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da juventude. Coleção Curso e Concurso. São Paulo:
Saraiva: 2005. p. 10.
20
Neste contexto, o legislador erigiu o princípio da prioridade absoluta no texto da
CF/88, visando exatamente atender a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,
ostentada pelo adolescente. O princípio da prioridade absoluta encontra-se expressamente
previsto no caput do artigo 227 da CF/88, que estabelece:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
Pelo princípio da prioridade absoluta, é dever da família, de toda a sociedade e do
Estado assegurar ao adolescente a primazia de atendimento visando a garantir a efetiva
realização de seus direitos fundamentais. O princípio da primazia absoluta estabelece
primazia em favor das crianças e adolescentes em todas as esferas de interesses. Seja no
campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou familiar, o interesse infanto-juvenil
deve preponderar. Não comporta indagações ou ponderações sobre o interesse a tutelar em
primeiro lugar, já que a escolha foi realizada pela nação através do legislador constituinte.
22
Tal princípio visa, prioritariamente, otimizar a doutrina da proteção integral, adotada
pelo sistema jurídico nacional. O ECA, como lei de hierarquia infraconstitucional, prevê,
igualmente, de forma expressa o princípio da prioridade absoluta em seu artigo 4º, que
determina, em termos análogos ao artigo 227 da CF/88:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com
absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Segundo Andréa Rodrigues Amin:
22
AMIM, Andréa Rodrigues. Curso de Direito da Criança e do Adolescente. Aspectos Teóricos e Práticos.
Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2006. p. 22.
21
No Direito da Criança e do Adolescente estamos socializando a responsabilidade, buscando
assim, prevenir, evitar, ou mesmo minimizar o dano que imediatamente recairá sobre a criança
ou jovem, mas que de forma mediata será suportada pelo grupo social.
23
Ainda, segundo a mesma autora: “Por fim, ao Poder blico, em todas as suas esferas
legislativa judiciária ou executiva é determinado o respeito e resguardado, com primazia,
dos direitos fundamentais infanto-juvenis”. Infelizmente, na prática, não é o que se vê.
Um exemplo elencado por Andréa Rodrigues Amin:
Se o administrador precisar decidir entre a construção de uma creche e de um abrigo para
idosos, pois ambos necessários, obrigatoriamente terá de optar pela primeira (creche).Isso
porquê, o princípio de prioridade para idosos é infraconstitucional, pois estabelecido no artigo
da lei . 10.741/03, enquanto a prioridade em favor de crianças é constitucionalmente
assegurada, integrante da doutrina da proteção integral.” É prioridade absoluta a proteção da
pessoa em desenvolvimento, pois criança e adolescente possuem fragilidade peculiar de pessoa
em formação, correndo mais riscos que um idoso. A primeira vista pode parecer injusto, mas
para a nação brasileira, “país do futuro”, dependem das crianças e dos adolescentes, justifica a
opção da creche.
24
A política de atendimento deve ser concebida e implementada pela sociedade e pelo
Estado, fundada na descentralização e fiscalizada nos municípios através das diretrizes
estabelecidas pelo artigo 88 do ECA já citado anteriormente.
Na questão do adolescente em conflito com a lei, enquanto autor de uma conduta
tipificada como crime ou contravenção, reconhece-se todas as garantias que correspondem
aos adultos nos juízos criminais, segundo as constituições e os instrumentos internacionais
pertinentes, mais garantias específicas. Destas, a principal é a de que os adolescentes devem
ser julgados por tribunais específicos, com procedimentos próprios, e que a responsabilidade
do adolescente pelo ato cometido resulte na aplicação de sanções distintas daquelas do
sistema de adultos, estabelecendo, deste ponto de vista, uma responsabilidade penal juvenil,
distinta daquela do adulto
25
. Resulta disso o estabelecimento de um rol de medidas aplicáveis
ao adolescente em conflito com a lei, onde não havendo outra alternativa, por caráter
23
AMIM, 2006, p. 17.
24
AMIM, 2006, p.17.
25
SARAIVA, 2006, p. 26 e 27.
22
excepcional, sendo considerada como última solução e por breve tempo, será a privação de
liberdade.
Também no caso do adolescente em conflito com a lei, ele deve ser ouvido e sua
palavra e opiniões devidamente consideradas, isto não na fase do julgamento, mas serve
também para o conselheiro psicológico pastoral.
Manchetes jornalísticas do passado que estampavam em letras garrafais “menor assalta
criança” não mais podem ser veiculadas. Uma matéria dessa espécie transmitia conteúdo
discriminatório, pois criança seria o filho “bem nascido” e, menor o infrator. Ainda nesta
época, os Juizados de Menores realizavam uma justiça para os pobres, isto na doutrina da
situação irregular, onde os bem-nascidos eram os privilegiados.
26
Violando o princípio basilar
do direito nas democracias: a igualdade perante a lei.
1.5.2. Princípio do Melhor Interesse
O princípio do melhor interesse já se encontrava previsto no antigo Código de
Menores, Lei 6.697/79, em seu artigo 5º, que dispunha: “Na aplicação desta lei, a proteção aos
interesses do menor sobrelevará qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutelado”.
Atualmente, tal princípio encontra-se no artigo 227 da CF/88. Propiciando, sem dúvida, uma
ampliação do conceito e da prática da justiça em relação às crianças e adolescentes.
Na vigência do Código de Menores, a aplicação do melhor interesse limitava-se a crianças e
adolescentes em situação irregular. Agora, com a adoção da doutrina da proteção integral, a
aplicação do referido princípio ganhou amplitude, aplicando-se a todo público infanto-juvenil,
inclusive e principalmente nos litígios de natureza familiar.
27
O princípio do maior interesse é um dos princípios norteadores dos direitos da criança
e do adolescente. Assim como o princípio da máxima prioridade visa a efetivar a doutrina da
proteção integral.
26
SARAIVA, 1999, p. 19.
27
RODRIGUES, Andréa Amim, Curso de Direito da Criança e do Adolescente. Aspectos Teóricos e
Práticos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2006. p. 30.
23
Trata-se de princípio que visa a priorizar o direito da criança e do adolescente quando
for se aplicar a lei. É destinado tanto para o legislador, como para o administrador e para o
julgador. Deve servir de orientação para todas as esferas e órgãos do Poder, seja ao aplicar a
lei ou para regulamentá-la e ainda para a elaboração de futuras leis e a implantação e
implementação de políticas públicas voltadas para as crianças e os adolescentes. Assim, na
análise do caso concreto, acima de todas as circunstâncias fáticas e jurídicas, deve pairar o
princípio do melhor interesse, como garantidor do respeito aos direitos fundamentais
titularizados por crianças e jovens.
28
1.6. Conceito de Adolescente
A adolescência pode ser definida como uma fase da vida entre a infância e a adultez. Esta fase
é também um momento de iniciação, de preparação para a maturidade e início da vida adulta.
No entanto, ela não é somente preparo para aquilo que virá, mas também um momento de
recapitulação da infância passada, das experiências acumuladas, que serão agora re-
elaboradas.
29
A Lei 8069/90, no caput de seu artigo 2º, estabelece: “Considera-se criança, para os
efeitos desta lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquela entre
doze e dezoito anos de idade”. Neste sentido, a Lei 8069/90, conhecida como ECA ou
Estatuto da Criança e do Adolescente, estabeleceu um conceito legal e institucional para
definir juridicamente quem é o adolescente. Neste contexto, optou o legislador pátrio por um
critério de política criminal, segundo se extrai da própria Exposição de Motivos do Código
Penal, o qual preceitua:
O sistema jurídico brasileiro, desta maneira, preconiza a imputabilidade penal a partir dos
dezoito anos de idade completos, estabelecendo ao agente infrator, um tratamento diferenciado,
não regido pela legislação penal, mas sim pelo Estatuto da Criança e Adolescente.. Esta opção
28
RODRIGUES, 2006, p. 31.
29
ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA. Caderno de Apresentação do Curso de Mestrado Profissionalizante
em Teologia, Educação comunitária com infância e juventude. 2005. Disponível em
http://www.est.com.br/posgraduacao/MPE/2007/caderno.pdf. Acessado em 19/03/07 , p. 4
24
legislativa se deve especialmente em razão da especial condição de pessoa em
desenvolvimento merecedora de uma disciplina diferenciada.
30
Segundo afirmação do magistrado gaúcho Saraiva:
Esta decisão legal não é fruto aleatório do legislador brasileiro, que seguindo tendência
mundial sobre o novo direito da criança e do adolescente preconizado pela Organização das
Nações Unidas, reconhece tal grupo como sujeito de direitos, destinatário da doutrina da
proteção integral e prioridade absoluta das políticas públicas.
31
A peculiar condição de pessoa em desenvolvimento conferida aos adolescentes foi
elevada à norma constitucional, prevista no artigo 227, parágrafo 3º, V da CF/88, que
estabelece:
Art. 227, § 3º: O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
V - obediência aos princípios de brevidade, excepcional idade e respeito à condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;
O Princípio da condição de pessoa em desenvolvimento, está previsto igualmente, de
forma expressa, em vários artigos da lei 8069/90. O artigo 6º do ECA, que dispõe:
Na interpretação desta lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências
do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e
do adolescente como pessoa em desenvolvimento.
O artigo 15 do ECA estabelece que a “criança e o adolescente têm direito à liberdade,
ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como
sujeitos de direitos civis, humanos e sociais, garantidos na Constituição e nas leis”. Por óbvio
sabe-se que a adolescência caracteriza-se por mudanças que atingem o ser humano sob dois
aspectos fundamentais: biopsicológico e sociocultural. O primeiro se revela principalmente
por: a) aceleração do crescimento físico; b) transformações físicas marcantes com
aparecimento dos caracteres sexuais secundários; c) vida emocional fortemente influenciada
por preocupação de natureza sexual; d) amadurecimento mais rápido da mentalidade; e)
30
BRASIL, Lei . 7.209, de 11 de julho de 1984. Exposição de Motivos do Código Penal. Código Universitário
Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 159.
31
SARAIVA, 2006, p. 33.
25
acréscimo de sensibilidade e de sentido ético e estético; f) irrupção de impulsos e tendências;
g) diversificação de interesses. Do ponto de vista sociocultural apresenta entre outras
manifestações: a) aumento de espírito crítico; b) culto à personalidade; c) preocupação
altruística; d) vacilações religiosas; e) afetividade transbordante; f) acentuação de instinto
gregário; g) sede de prestígio; h) timidez e arrogância; i) inconformismo; j) variações de
excessivo entusiasmo e profundas depressões.
32
O conceito teórico adolescência evoca noções como crise, tarefas, desafios, possibilidades.
crises a enfrentar e tarefas a cumprir, mudanças físicas, psicológicas, cognitivas, sociais;
novas possibilidades e potencialidades.
33
Sobre os pais, mestres e julgadores recai a delicada tarefa de canalizar,
convenientemente, todas essas manifestações, ajudando o adolescente a encontrar-se a si
mesmo. “A diversidade do fenômeno infanto-juvenil exige dos profissionais que atuam nestes
diferentes processos formativos e societários, qualificação que atenda à complexa capacitação
necessária para o acompanhamento deste fenômeno emergente”.
34
A colaboração, depois que a criança entra na adolescência e que se afirma como
pessoa, requer dos adultos responsáveis por ela a adoção de um método adequado para
promover a boa convivência com os pais e a sociedade. Os pais e os mestres por seus
conselhos como mais experimentados, colaboram para o adolescente à base de uma absoluta
confiança mútua.
A ausência de autoridade prepara autômatos; o excesso de autoridade prepara
revoltados. a compreensão e a simpatia dos educadores, nesse período de vida
caracterizado por conflitos e desequilíbrios, podem fornecer ao adolescente as condições para
que atinja o desenvolvimento harmonioso e equilibrado das potencialidades com que Deus o
dotou, conforme a tradição da fé cristã.
32
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Pequena Enciclopédia de moral e civismo. FENAME.
Fundação Nacional de Material Escolar, 1975. p. 34.
33
ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA, 2005, p. 5
34
ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA, 2005, p. 5
26
Atividades escolares bem conduzidas, recreação sadia, alimentação adequada,
ambiente de ordem, de afeto e de paz no lar, na comunidade e na escola, são os melhores
fatores para que essa fase de transição, tão importante para a formação da personalidade,
possa realizar-se sem os choques e sem os desvios, infelizmente numerosos em todo o mundo,
nos tempos atuais.
35
1.7. As Idades, os limites.
Com absoluta certeza, este século XXI, marcado pelo desemprego, consolidará um
retardamento do ingresso na idade adulta. É o caso das pessoas incluídas, para as quais se
reconhece o direito de ser criança e, especialmente, de adolescer. Tal fato chega ao ponto de
se afirmar que neste século a adolescência i- mesmo do ponto de vista legal - muito além
dos atuais 18 anos. Trinta anos seria outro limite. A UNESCO (Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e a OMS (Organização Mundial da Saúde)
consideram o segmento juvenil da população como sendo a faixa etária compreendida entre
15 e 24 anos de idade.
No Brasil a previdência fixa em 65 anos a idade mínima para aposentadoria, com 35
anos de contribuição. Do ponto de vista do direito previdenciário, contribuir com menos de
trinta anos significa o limite da adolescência. O voto é facultativo para o adolescente com 16
anos de idade e obrigatório após os 18 anos de idade. Com 18 anos o individuo pode
submeter-se às exigências da habilitação para obter a Carteira de Motorista. Como aprendiz, o
adolescente pode trabalhar desde os quatorze anos de idade e, com certas restrições, a partir
dos 16 anos. Ao cargo eletivo de Vereador pode-se concorrer aos 18 anos de idade, mas será
apenas com 21 que se pode concorrer para Deputado; para Prefeito ou Juiz de Paz; com 30
anos é possível candidatar-se para Governador e aos 35 anos para Presidente, Senador ou
Ministro do STF ou STJ. Os limites de idade não são, portanto, derivados de critério objetivos
ou subjetivo de capacitação pessoal, são limites derivados, sim, de uma decisão política. Jesus
Cristo que morreu aos 33 anos de idade, no Brasil não poderia ser candidato à Presidência da
República.
35
SARAIVA, 2006, p. 35.
27
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2.1. A Determinação da Idade Penal
A Constituição Federal estabelece no artigo 228 que são “penalmente inimputáveis os
menores de dezoito anos, sujeitos as normas da legislação especial”. A CF/88 fixou a
inimputabilidade penal a partir dos dezoito anos completos, sendo inimputáveis aqueles com
idade inferior a dezoito anos. O Código Penal brasileiro disciplinou igualmente a matéria no
artigo 27, que estabelece:
Art. 27. Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeito as normas
estabelecidas na legislação especial.
O ECA por sua vez, estabeleceu a matéria no artigo 104:
Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos as medidas
previstas nesta lei.
Parágrafo único - Para os efeitos desta lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data
do fato.
O artigo 104 do ECA regulamenta o artigo 228 da CF/88, pois trata-se de lei
infraconstitucional especial que regula o direito da criança e do adolescente. O legislador
infraconstitucional, ao estabelecer a idade penal, levou em consideração razões de política
criminal. Conforme Alves:
Adotando o critério biocronológico, o art. 228 da CF estabelece que são penalmente
inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial. O art. 27 do CP
contém regra idêntica, declarando que os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis,
ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. A maioridade penal aos 18
anos foi também observada pelo ECA, que, além disso, estabeleceu a idade de 12 anos para
28
que se inicie a exigência de responsabilidade penal (art. 102 e 104). O adolescente, enfim, é a
pessoa que cumpriu 12 anos de idade, mas não ainda os 18.
36
Neste contexto, o artigo 2º do ECA estabelece:
Considera-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e
adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único- Nos casos expressos em lei, aplica-se, excepcionalmente, este estatuto às
pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.
2.1.1. A Redução da Maioridade Penal.
Tema que tem estado em pauta nas recentes discussões jurídicas, políticas e sociais é a
redução da maioridade penal de 18 anos para 16. Segundo reportagem do jornalista Humberto
Trezzi, Zero Hora dia 06 de abril 2007, tramitam atualmente no Congresso Nacional 27
projetos de lei que tratam do assunto
37
.
O tema tem gerado inúmeras e acirradas discussões, frente a episódios violentos
envolvendo adolescentes, principalmente a prática de crimes considerados hediondos como o
homicídio. Os juristas se dividem em seus posicionamentos, havendo quem defenda a redução
e outros que sustentam o status quo.
Neste sentido, ambas correntes apresentam seus argumentos que pela sua amplitude e
consistência serão tratados de forma sucinta levando-se em consideração o texto: “A Idade e
as Razões: não ao rebaixamento da imputabilidade penal.”.
38
Aqueles que defendem a redução se utilizam dos seguintes argumentos: 1- os adultos
se valem de adolescentes para a prática de crimes o que dificulta a efetiva ação das
autoridades; 2- o jovem de hoje possui maior discernimento em razão da facilidade na
obtenção de informações; 3- que o tempo máximo de internamento de um adolescente infrator
(três anos) é pouco, insuficiente, em comparação com as penas previstas para o adulto que
36
ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude, São Paulo: Saraiva, 2005. p. 61.
37
TREZZI, Humberto. O Crime o tem idade. Sua Segurança. Zero Hora, Porto Alegre, 06 abr. 2007,
Caderno de Polícia, p.28.
38
VOLPI, Mario (Org.). Adolescentes Privados de Liberdade. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2006. p. 157/73
29
adota crimes mediante violência e grave ameaça; 4- que o jovem pode votar aos 16 anos
podendo também ser responsabilizado criminalmente; e 5- que o ECA é insuficiente para
reprimir a prática dos atos infracionais (gerando impunidade).
Para a corrente que defende a manutenção do status quo: 1- a norma do artigo 227 da
CF/88 constitui cláusula pétrea pois elenca direitos e garantias individuais, portanto, de
acordo com o artigo 60, § 4º, IV não pode ser objeto de proposta ou deliberação que atente
abolir;
39
2- Inimputabilidade penal não significa impunidade pois o adolescente infrator é
submetido a uma medida sócio-educativa, podendo inclusive ser privado de sua liberdade
(internação); 3- apesar dos adultos se valerem de adolescentes para a prática de crimes, o
Código Penal no artigo 29 adotou a teoria unitária no concurso de agentes segundo a qual
quem de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, resultando
na responsabilização tanto do adulto como do adolescente (aquele sujeito ao CP e ao sistema
carcerário e este ao ECA e a medida sócio-educativa); 4- quanto ao prazo máximo de três
anos de internação, pouca sanção tal argumento é inconsistente. Para um adulto permanecer
três anos recluso, sem perspectiva de atividade externa, sua pena pela sistemática atual, deve
ser no mínimo superior a 18 anos de reclusão; 5- quanto ao voto, note-se que este é facultativo
para o adolescente, sendo que a maioria dos infratores nem sabe de sua condição de eleitor.
Note-se que a discussão vem de longa data e pelo que tudo indica irá perdurar pois
trata-se de política criminal e o legislador brasileiro encontra-se reticente em enfrentar a
matéria.e a colocar em pauta de votação. Pelo que tudo indica tal tema irá assombrar os
noticiários e manchetes, bastando que “situações pontuais sejam eleitas como
paradigmáticas”.
40
2.2. Do Ato Infracional
Ato infracional é a conduta descrita como crime ou contravenção penal, praticada por
criança ou adolescente. Estabelece o artigo 103 do ECA :
39
Art. 60: A constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º não será objeto de deliberação a proposta
de emenda tendente a abolir: IV- os direitos e garantias individuais.
40
SARAIVA, João Batista Costa. A redução da idade penal, de novo... Zero Hora, Porto Alegre, 07 dez. 2006.
p. 25.
30
Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.
Segundo Liberati: “Na verdade, não existe diferença entre os conceitos de ato
infracional e crime, pois, de qualquer forma, ambos são condutas contrárias ao Direito,
situando-se na categoria de ato ilícito”.
41
Crime é o termo técnico adequado a ser empregado
quando praticado por adulto, capaz, maior de idade.
O conceito de crime é um conceito jurídico, ou seja, trata-se de fato regulado pelo
direito, portanto, fato jurídico, com conseqüências jurídicas. Assim, o crime é uma conduta
contrária ao direito ou uma conduta ilícita. Pode-se definir o crime como uma conduta
humana que lesa ou expõe a perigo de lesão bens jurídicos tutelados pelo ordenamento
jurídico. Tais bens jurídicos derivam-se daqueles direitos e garantias fundamentais nomeados
pelo referido caput do artigo 5º: “inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade”. Ontologicamente, não diferença entre crime e contravenção,
sendo ambas as espécies do gênero infração penal. Conforme o ensinamento de Mirabete:
Não há, na realidade, diferença de natureza entre as infrações penais, pois a distinção reside
apenas na espécie da sanção cominada à infração penal (mais ou menos severa). Mesmo no
relativo às contravenções inexiste diferença intrínseca, substancial, qualitativa, que as separa
dos crimes ou delitos, sendo esta infração conhecida como crime anão.
42
O conceito analítico de crime estabelece que o crime é uma conduta típica, ilícita e
culpável. Note-se que a conduta abrange tanto a ação como a omissão, podendo os crimes ser
comissivos ou omissivos. O fato será considerado típico quando a conduta estiver descrita na
lei como delito, ou seja, tipicidade é a exata subsunção da conduta a definição legal. Segundo
Mirabete: “tipicidade é a correspondência exata, a adequação perfeita entre o fato natural,
concreto e a descrição contida na lei”.
43
A ilicitude ou antijuricidade é a contrariedade que se estabelece entre a conduta e o
ordenamento jurídico. Na lição de Delmanto: “Vê-se que a ilicitude (também chamada de
41
LIBERATI, 2006, p. 90.
42
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 1985. p. 127.
43
MIRABETE, 1985, p. 116.
31
antijuridicidade) é nada mais do que a contradição entre o comportamento do sujeito e a
ordem jurídica”.
44
Isto significa dizer que não crime sem que o fato constitua ação ou omissão: sem que tal
ação ou omissão correspondam à descrição legal (tipo) e sejam contrárias ao direito, por não
ocorrer causa de justificação ou exclusão da antijuridicidade. E, finalmente, sem que a ação ou
omissão típica e antijurídica constitua comportamento juridicamente reprovável, que comina
pena.
45
Logo, não basta apenas que o fato seja típico e ilícito sendo necessário igualmente que
o mesmo seja culpável. Nesse sentido, entende-se a culpabilidade como juízo de reprovação
que recai sobre o agente do fato criminoso. Segundo Prado:
A culpabilidade é a reprovabilidade pessoal pela realização de uma ação ou omissão típica e
ilícita. Assim não há culpabilidade sem tipicidade e ilicitude, embora possa existir
ação típica e
ilícita inculpável.
46
São elementos da culpabilidade a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e
a exigibilidade de conduta diversa. Conforme o artigo 27 do CP. Os menores de 18 (dezoito)
anos são penalmente inimputáveis ficando sujeitos às normas da legislação especial.
Assim, a menoridade é causa de inimputabilidade estabelecida pelo legislador, como
presunção absoluta, levando em consideração o critério biológico do agente.
A menoridade (fator biológico) já é suficiente para criar a inimputabilidade: o Código presume
de forma absoluta que o menor de 18 anos é inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito
do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.
47
A prática de delitos por menores de 18 anos fica sujeita as disposições específicas do
Estatuto da Criança e do Adolescente. Para o ECA, o delito praticado por criança ou
adolescente recebe denominação de ato infracional e sujeita seu autor às medidas de proteção
ou medidas sócio-educativas, entre as quais, como se viu, a mais gravosa é a privação de
liberdade.
44
DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos, 1986. p. 40.
45
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 172.
46
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral. 2ª ed. São Paulo: RT, 2000. p. 263.
47
JESUS, Damásio. Código Penal Anotado. São Paulo: Saraiva, 1989. p.94.
32
Neste contexto, para o ECA, ato infracional é a prática de crime ou contravenção penal
por criança ou adolescente. O artigo 105 do ECA regulamenta o ato infracional praticado por
criança, estabelecendo:
Art. 150.- Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art.
101.
Caso a criança, pessoa de até doze anos de idade não completos, cometa um ato
infracional, não estará a mesma sujeita a nenhuma medida sócio-educativa, mas sim, a alguma
das “Medidas Específicas de Proteção” previstas no artigo 101
48
do ECA. Destas medidas
protetivas a mais gravosa é a “colocação em família substituta”, uma medida ainda
controvertida na doutrina jurídica brasileira
49
em função do rompimento do “poder familiar”
um dos direitos indisponíveis da cidadania brasileira.
Ao contrário da criança, o adolescente que comete um ato infracional, estará sujeito a
uma medida sócio-educativa, a serem analisadas no próximo item.
2.3. Das Medidas Sócio-educativas
As medidas sócio-educativas podem ser conceituadas como o conjunto de medidas
previstas em lei que são aplicadas aos adolescentes em conflito com a lei, caracterizando os
adolescentes autores de atos infracionais. O artigo 112 do ECA elenca o rol das medidas
sócio-educativas aplicáveis ao adolescente autor de um ato infracional
48
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar,
dentre outras, as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e
toxicômanos;
VII - abrigo em entidade;
VIII - colocação em família substituta.
Parágrafo único. O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a
colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.
49
MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Colocação em Família Substituta: Aspectos Controvertidos.
33
Art. 112- Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao
adolescente as seguintes medidas:
I- advertência;
II- obrigação de reparar o dano;
III- prestação de serviços à comunidade;
IV- liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI- internação em estabelecimento educacional;
VII- qualquer uma das previstas no art. 101,I a VI.
Parágrafo 1º- A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la,
as circunstâncias e a gravidade da infração.
Parágrafo 2º- Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho
forçado.
Parágrafo 3º- Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento
individual e especializado, em local adequado às suas condições.
O artigo 112 do ECA elenca, em seus incisos, um rol de medidas que vai da mais
branda, a advertência, até a mais severa, que é a internação. A medida sócio-educativa a ser
aplicada ao adolescente autor de ato infracional, dependerá da gravidade do delito por ele
praticado. Neste contexto, as medidas sócio-educativas se dividem em dois grupos distintos.
Segundo Saraiva:
No primeiro grupo, incluem-se aquelas não privativas de liberdade: advertência, reparação de
dano, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida. Num segundo grupo, de maior
conteúdo aflitivo, estão aquelas cuja execução se faz com a submissão do adolescente infrator à
privação da liberdade: semiliberdade e internamento, com ou sem atividades externas, cuja
aplicação somente far-se-á nas hipóteses do art. 122 do Estatuto.
50
50
SARAIVA, 2006, p. 149.
34
2.4. Da Medida de Internação
A medida de internação é a medida sócio-educativa mais grave a ser imposta ao
adolescente em conflito com a lei. Tal medida somente é aplicada ao adolescente nas
hipóteses previstas no artigo 122 do ECA que preceitua:
A medida de internação somente poderá ser aplicada quando:
I- tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa;
II- por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III- por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
Parágrafo 1º- O prazo de internação na hipótese do inc.III deste artigo não poderá ser superior a
três meses.
Parágrafo - Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida
adequada.
Para efeitos comparativos ao sistema jurídico penal, a internação prevista no ECA
corresponde à aplicação do regime fechado ao agente que comete um delito previsto na lei
penal. Assim, a internação é medida que o adolescente cumpre em um “estabelecimento
educacional” (Art. 122, inciso VI) apropriado
51
e destinado aos adolescentes infratores. O
artigo 121 estabelece os princípios da “medida privativa da liberdade” que não “excederá a
três anos” 3º). Se o ECA estabelece que a adolescência perdura dos 12 aos 18 anos,
perfazendo 6 anos da vida de uma pessoa, a internação pode corresponder a até metade da
vida adolescente. Para efeitos comparativos, se um criminoso adulto fosse imputado pelo
ECA, projetando-se o tempo de vida de um adulto dos 19 aos 65 anos, ele poderia permanecer
por metade de sua vida - 23 anos no caso do exemplo – em regime fechado. Essa comparação
demonstra o rigor penal do ECA.
O parágrafo do artigo 122 do ECA prevê expressamente a excepcionalidade da
internação, impedindo que a medida seja imposta quando for possível e de conveniência
pedagógica a aplicação de outra medida menos gravosa.
51
Art. 125. “É dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas
adequadas de contenção e segurança”. Com esta previsão legal, os estabelecimentos educacionais desta natureza
possuem dependências físicas equipadas com grades, muros de contenção e o seu perímetro externo é vigiado
por policiais armados, instalados em guaritas. No caso do Rio Grande do Sul, a segurança externa das unidades
de aplicação da medida privativa de liberdade é atribuição do policiamento ostensivo exercido pela Brigada
Militar. Esta informação é necessária para que o conselheiro espiritual saiba que estará atuando em um
estabelecimento em muito semelhante às penitenciárias destinadas aos apenados adultos. Os adolescentes
internos m acesso a pátios ensolarados, mas cercados por grades. Seus quartos de dormir possuem grades e
trancas externas, e deles podem sair caso um monitor abra a porta. As salas de aula da escola, o refeitório, as
salas para as demais atividades são instaladas dentro dos muros e também são guarnecidas por grades e trancas.
35
A internação somente poderá ser aplicada nos casos expressamente previstos nos
incisos I, II do artigo 122. Tal rol é taxativo, ou seja, a medida privativa de liberdade não pode
ser ampliada de forma discricionária pelo julgador que aplicaa medida. Somente poderá
aplicar a medida de internação, a autoridade competente, ou seja, o juiz da infância ou
juventude mediante o devido processo legal.
No caso do inciso III do artigo 122, a internação possui caráter substitutivo, neste
caso, conforme dispõe o parágrafo do mesmo artigo, não poderá a mesma ser superior a 3
meses. Conforme Alves:
A internação também pode ser imposta em substituição a outra medida (art. 99 do ECA) ou por
descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta (art. 122, III do
ECA). No primeiro caso, o ECA permite que as medidas sejam substituídas por outras, quando
necessário, ouvido previamente o adolescente. No segundo, a internação é aplicada como
sanção pelo descumprimento reiterado e injustificável de medidas anteriormente impostas, e
não pode exceder 3 meses.
52
2.4.1. Natureza e a Finalidade da Medida
As medidas sócio-educativas têm natureza coercitiva e educativa. Segundo Volpi:
A internação como a última das medidas ns hierarquia que vai da menos grave para a mais
grave, somente deve ser destinada aos adolescentes que cometem atos infracionais graves.
Embora o Estatuto tenha enfatizado os aspectos pedagógicos e não os punitivos ou repressivos,
a medida de internação guarda em si conotações coercitivas e educativas.
53
Possui natureza coercitiva, pois é imposta ao adolescente que comete ato infracional.
A imposição se por força da resposta Estatal ao cometimento de um fato previsto na lei
como delito, ou seja, de um juízo de reprovação pela prática de conduta contrária ao
ordenamento jurídico. A finalidade da medida sócio-educativa é prioritariamente pedagógica.
Embora, segundo Konzen, “a sanção, a medida imposta, tem natureza retributiva. O programa
52
ALVES, 2005, p. 94.
53
VOLPI, Mario (Org.). O Adolescente e o Ato Infracional. São Paulo: Cortez, 1999. p. 27.
36
de execução da medida, onde o adolescente deve ser inserido, é que deve desenvolver a ação
pedagógica, finalidade da medida”.
54
Neste sentido, o artigo 100 do ECA estabelece:
Art. 100 - Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas,
preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.
Conforme Volpi: “As medidas sócio-educativas são aplicadas e operadas de acordo
com as características da infração, circunstâncias sociofamiliar e disponibilidade de
programas e serviços em nível municipal, regional e estadual”.
55
Confirmada judicialmente a prática de ato infracional cometido por adolescente,
incumbe ao juiz, levando em consideração a gravidade do ato, as necessidades pedagógicas, a
capacidade de a medida ser cumprida e preferindo aquelas que visem a fortalecer os vínculos
familiares e comunitários, aplicar a medida adequada ao infrator. Assim, segundo Valente: “O
Estatuto delega ao julgador a responsabilidade da opção pela medida que mais atenda às reais
necessidades do adolescente infrator, devendo levar em conta o meio em que vive, o apoio
familiar de que dispõe sua personalidade e antecedentes”.
56
Para atender a finalidade sócio-educativa da medida, poderá o juiz aplicar as medidas
previstas no artigo 112 do ECA de forma isolada ou de forma cumulada. Neste sentido,
estabelece o artigo 99 do ECA:
Art.99 - As medidas previstas neste capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente,
bem como substituídas a qualquer tempo.
Cabe ressaltar que as atribuições previstas para o julgador no caso da aplicação da
medida sócio-educativa exige um rol de competências que ultrapassam a complexa função
do julgador que é a aplicação da lei. O Juiz da Infância e Juventude ou o Juiz da Comarca, na
ausência do primeiro, precisaria do tempo adequado, de competente assessoria técnica e de
54
SARAIVA, 2003, p. 69. Veja também CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE-CEDEDICA. Realidade da Execução das Medidas Sócio-Educativas em Meio Aberto no
Estado do Rio Grande do Sul. Santo Ângelo, 2004. KONZEN, Afonso Armando. Pertinência Socioeducativa:
Reflexões sobre a natureza jurídica das medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
55
VOLPI, 1999, p. 2.
56
VALENTE, José Jacob. Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Atlas, 2005. p. 18.
37
conhecimento aprofundado do caso. Esse tempo e esse conhecimento, por óbvio, quase
sempre não estão disponíveis para os juizes. Para demonstrar essa evidência não foi possível,
nos limites de redação desta dissertação, obter estatísticas específicas sobre os Juizados da
Infância e Juventude, razão pela qual apontamos para o quadro geral da magistratura
brasileira:
Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário - BNDPJ
Justiça Comum de 1º Grau
Percentual do número de Juízes/Juízas em relação aos cargos providos, percentual de
vacância e demonstrativo de Juízes em relação à população no ano de 2003
Fonte: Imagem reproduzida do sítio do Supremo Tribunal Federal, disponível em
http://www.stf.gov.br/bndpj/justicacomum/JComum7A2003.asp. Acessado em 13 abr. 2007.
No caso do Rio Grande do Sul pode-se observar que 20% das vagas para juizes não
estão preenchidas. Pode-se imaginar que a relação de um juiz para cada 17.431 habitantes seja
insuficiente para atender com a devida atenção os processos dispondo da necessária cautela;
estudo; análise das provas, perícias, laudos técnicos e oitiva das partes; análise da
jurisprudência, etc. requisitos indispensáveis para estabelecer um bom e razoável juízo da
causa. Divulgar e considerar essa informação parece necessário para que a lentidão da justiça
brasileira não seja falsamente atribuída à indisposição para o trabalho dos magistrados. A
justiça é lenta porque o número de juizes é insuficiente. Os dados, pelo contrário, sinalizam
38
muito mais para um ritmo frenético de trabalho no Judiciário Brasileiro, conforme os dados
do quadro abaixo:
Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário - BNDPJ
Movimento Forense Nacional
Tribunais de Justiça, Tribunais de Alçada, Tribunais Regionais Federais e do Trabalho
Processos entrados e julgados nos anos de 1990 a 2005
Fonte: Imagem reproduzida do sítio do Supremo Tribunal Federal
,
disponível em
http://www.stf.gov.br/bndpj/movimento/Movimento6C.asp. Acessado em 13 abr. 2007. Os dados dos anos
anteriores a 2002 foram omitidos.
Os Tribunais de Justiça receberam em 2003 quase 900 mil processos e julgaram um
pouco menos de 700 mil. Aproximadamente, apenas em 2003, perto de 200 mil processos
foram acumulados para o ano seguinte. Considerando que são pouco mais de 6 mil juizes
atuando na justiça comum e em primeira instância, pode-se imaginar o acúmulo de trabalho
destes funcionários públicos. O aconselhador deverá considerar esse contexto da justiça
comum brasileira quando avaliar cada caso concreto de sentença privativa de liberdade
proferida pela Justiça contra o adolescente autor de ato infracional que está aconselhando.
2.4.2. Princípios e Garantias da Medida de Internação
O art. 121 do ECA estabelece:
A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Parágrafo - Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da
entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário.
39
Parágrafo - A medida o comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser
reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.
Parágrafo 3º- Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.
Parágrafo 4º- Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser
liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida.
Parágrafo 5º- A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.
Parágrafo 6º-Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial,
ouvido o Ministério Público.
O caput do art. 121 do ECA prevê de forma expressa três princípios aplicáveis à medida
de internação imposta ao adolescente em conflito com a lei, sendo eles os princípios da
brevidade, da excepcionalidade e do respeito a condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento. Segundo Saraiva
57
:
Três são os princípios que condicionam a aplicação da medida privativa de liberdade: o
princípio da brevidade, enquanto limite cronológico; o princípio da excepcionalidade, enquanto
limite lógico no processo decisório acerca de sua aplicação; e o princípio do respeito à
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, enquanto limite ontológico, a ser
considerado na decisão e na implementação da medida.
O princípio da brevidade estabelece que a medida de internação deverá ter um
determinado tempo certo de duração. O prazo máximo previsto para a medida é dado pelo
parágrafo 3º do art. 121, ou seja, três anos. O prazo mínimo está previsto no parágrafo 2º, seis
meses. O art. 121, III traz uma exceção para o caso de descumprimento reiterado e sem
justificativa de medida anteriormente imposta. Neste caso, o período será de três meses.
À evidência, nota-se que o art. 121 e seus parágrafos não fixam o prazo mínimo para a
internação. Mas, como é prevista a reavaliação da medida a cada seis meses, para sua
manutenção ou não (parágrafo), o juiz deve fixar o prazo mínimo inicial, de seis meses, pois
determinar a internação sem prazo mínimo constitui violação do princípio constitucional da
anterioridade da lei, previsto no art. 5º, XXXIX.
58
Pelo princípio da excepcionalidade, a medida de internação somente se aplicada
quando não houver outra medida cabível e em casos extremos, como medida excepcional.
Caso houver a hipótese legal de o juiz aplicar outra medida sócio-educativa, a internação não
será aplicada. Conforme Volpi:
57
SARAIVA, João Batista Costa. Desconstruindo o Mito da Impunidade. Um ensaio de Direito Penal Juvenil.
2002. p.79.
58
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2006. p. 115.
40
Assim sendo, os que forem submetidos à privação de liberdade só o serão porque a sua
contenção e submissão a um sistema de segurança são condições sine qua non para o
cumprimento da medida sócio-educativa. Ou seja, a contenção não é em si a medida cio-
educativa, é a condição para que ela seja aplicada.
59
O princípio da peculiar situação de pessoa em desenvolvimento já foi analisado e é um
dos princípios norteadores do ECA.
Sobre a condição peculiar de
pessoa em
desenvolvimento,
destacando o que significa esta
etapa extraordinariamente importante na construção do ser humano, onde, inobstante os
fundamentos de sua personalidade estarem lançados em sua primeira infância, faz-se apto a
introjetar limites e construir estratégias de convivência humana socialmente aceitas, de modo a
nortear a vida adulta que se avizinha.
60
O parágrafo do art. 121 estabelece que cumprido o prazo máximo de três anos da
medida sócio-educativa, o adolescente deverá ser colocado em liberdade, semiliberdade ou
liberdade assistida, neste caso à critério do juiz. O parágrafo do art. 121 contempla a
hipótese de liberação compulsória aos vinte e um anos de idade. Assim, o adolescente infrator
internado deverá obrigatoriamente ser liberado ao completar vinte e um anos de idade, não lhe
sendo mais cabível a imposição de nenhuma medida.
Na verdade o parágrafo do art.121, ao dispor que o infrator será liberado compulsoriamente,
cria a figura da extinção da punibilidade do adolescente autor de ato infracional pela
prescrição, considerada de maneira análoga às disposições do Código Penal, o que não deixa de
configurar a impossibilidade do Estado Juiz de aplicar qualquer medida sócio-educativa,
caracterizada pelo decurso do tempo.
61
O parágrafo do art. 121 prevê a hipótese de realização de atividades externas a
serem realizadas fora do estabelecimento ao qual o adolescente cumpre a medida sócio-
educativa. Neste caso, deverá a equipe técnica emitir um parecer sobre a conveniência da
medida. Somente por determinação judicial se operará a atividade, cabendo, igualmente ao
juiz veda-la.
Em face dos princípios que regem a matéria, estabelece, primeiramente, o direito do jovem
privado de liberdade, por internamento, a atividades externas -além dos limites da instituição-,
na comunidade. Evidentemente que tal deverá se operar de forma acompanhada, monitorada. O
59
VOLPI, 1999, p. 28
60
SARAIVA. 2006, p. 170
61
LIBERATI. 2006, p. 117
41
contrário disso, a submissão a atendimento apenas no interior da unidade de internamento- sem
atividades externas- supõe que na sentença judicial que determinou o internamento tenha o Juiz
prolator da decisão expressamente determinado, de forma justificada e
motivada, a
impossibilidade de o jovem privado de liberdade exercer estas atividades externas.
62
O artigo 124 do ECA concede como direitos ao adolescente privado de liberdade,
entre outros dispostos em 16 incisos e dois parágrafos, o de receber assistência religiosa,
segundo a sua crença, e desde que assim o deseje.
63
Pelo artigo 94, as entidades que
desenvolvem programas de internação tem entre uma séria e obrigações a de proporcionar
assistência religiosa àqueles que desejarem, de acordo com suas crenças.
64
No artigo afirma-se que o adolescente goza “de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo de proteção integral de que trata esta lei”,
assegurando-se-lhe, “por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim
de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições
de liberdade e dignidade” (grifo meu).
O antigo Código de Menores no artigo 119 estabelecia que o menor em situação
irregular terá direito à assistência religiosa.
65
O direito à assistência religiosa foi salientado
como aspecto positivo do Código
66
e, no comentário do artigo 119 consta que é de se ver que
é preceito constitucional a prestação de assistência religiosa nos estabelecimentos de
internação coletiva (nos recolhimentos de menores), se temos boas leis, nos resta fazer
com que sejam cumpridas.
67
Valente em sua obra denominava as FEBENS, de antes de
1990, como “depósito de infratores”.
68
Com ou sem assistência religiosa.
62
SARAIVA. 1999, p.109
63
ECA, art. 124, inciso XIV.
64
ECA, art. 94, inciso XII
65
LEI nº. 6.697
66
NOGUEIRA, 1987, p. XV (introdução da 1ª. Edição de 1980)
67
NOGUEIRA, 1987, p.225.
68
VALENTE. 2006, p.33
42
2.5. Filho Pródigo: Um Adolescente infrator interno.
Certo homem tinha dois filhos. O pródigo era o mais moço. O mais velho permaneceu
com o pai trabalhando no campo. O Pródigo lançou-se no mundo e numa terra distante, no
caso Brasil, Estado do Rio Grande do Sul, dissipou todos os seus bens, vivendo
dissolutamente.
69
No Rio Grande do Sul, o pródigo começou a passar necessidades, complicou-se e caiu
na marginalidade. Cometeu um crime com violência contra a pessoa e foi apanhado em
flagrante delito e preso. Na época tinha 17 anos 11 meses e 28 dias de idade
70
, portanto,
protegido pelo Estatuto da Criança e Adolescente. Foi sentenciado a cumprir medida sócio-
educativa privativa de liberdade na FASE (Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Rio
Grande do Sul).
71
A internação, medida privativa de liberdade, como a última das medidas na hierarquia
que vai da menos grave até a mais grave, é destinada aos adolescentes que cometem infração
contra pessoa mediante violência ou grave ameaça. É cumprida em entidade exclusiva para
adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por
critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.
72
Por ironia, a internação é catalogada como medida sócio-educativa imposta para que
ao reeducando seja aplicada e cumprida que em liberdade seria inviável.
73
Em nenhuma
hipótese a internação será aplicada, se há outra medida mais branda adequada.
O pródigo já com 18 anos de idade não se livrou da medida e a internação estendeu-se
até os 21 anos de idade, respeitado o prazo máximo de três anos.
74
69
LUCAS 15.13.
70
Artigo 2º da Lei nº. 8069, parte final: “Adolescente aquele entre doze e dezoito anos de idade”.
71
Art.121 da Lei 8069.
72
ECA, art. 123.
73
ECA, art. 122, § 2º.
74
ECA, art. 2º, parágrafo único e art. 121, parágrafo 3º.
43
Conforme reportagem da Zero Hora
75
no Rio Grande do Sul 16 abrigos destinados
aos infratores internos e estão completamente lotados. Em resumo são 765 vagas, ocupadas,
por 1.153 internos. Uma superlotação de 388 adolescentes infratores internos. O custo mensal
para manter um infrator interno na FASE equivale ao de uma sala de aula inteira com vinte e
oito alunos do Ensino Fundamental.
76
Arrependido, o pródigo lembrou-se de sua casa e de seu pai, fez seu plano de regresso:
“levantar-me-ei e irei ter com meu pai e lhe direi: ‘Pai pequei contra o céu e diante de ti, não
sou digno de ser chamado teu filho’, trata-me como um dos teus trabalhadores”.
77
Segue-se, então a ação (Lucas 15, 20 a 32) comovente para quem tem um filho
adolescente e o perdeu por completo ou temporariamente. No caso, ocorreu o distanciamento
necessário e o amadurecimento da relação de pai para filho e vice-verso. O pai quando avistou
seu filho, compadecido, recebe-o e diz: “meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e
foi achado”.
78
Vencendo a revolta do filho mais velho dizendo “Tu sempre estás comigo; tudo que é
meu é teu” e pasmando os criados acolheu seu filho perdido festivamente. Teu irmão estava
morto e reviveu, estava perdido e foi achado.
79
A maioria dos internos sabe o nome de sua mãe. O genitor é desconhecido. Não
consta na certidão de nascimento. Também falta de emprego e ocupação honesta para o
egresso da FASE. E 90% dos infratores internos não completaram o ensino fundamental,
embora tenham idade compatível como o ensino médio.
80
A edição do Jornal Zero Hora de 17 de março de 2007, página 26 publica notícia sobre
os Jovens Infratores internos do CASE (Centro de Atendimento Sócio-Educativo) de Caxias
do Sul (RS) tendo como título: “ONDE ESTÃO OS PAIS?”. Na reportagem consta que 71%
75
Edição de 11 agos. 2005, p. 41
76
EDITORIAL, Zero Hora. O custo do Infrator. Domingo dia 25 fev. 2007, p.14.
77
Lucas 15, l8-19.
78
Lucas 15, 24.
79
Lucas 15, 24.
80
ZERO HORA, 90% dos jovens infratores têm pouco estudo. 26 fev. 2007, p.36
44
dos adolescentes internos, ou seja, 46 de 65 não têm o nome do pai na certidão de nascimento
ou na carteira de identidade. Também relata a superlotação, pois existem apenas 40 vagas
para 65 internos. Descreve a vulnerabilidade do jovem sem pai, que é aliciado por homens
mais velhos, em geral, traficantes, assaltantes e homicidas. No mesmo sentido a reportagem
“Nasce um bandido brasileiro”. Indica o perfil do infrator, descrevendo características comuns
dos adolescentes envolvidos em crimes:
Oriundos de famílias desestruturadas, normalmente sem a presença do pai; falta de
vinculo familiar; ausência de nculo escolar; vulnerabilidade quanto a valores ético-
morias; usuários de droga; convivência em ambiente onde o tráfico esta instalado.
81
Miguel Velásquez, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e da
Juventude do Ministério Público, declara: “a educação é o caminho para afastar a juventude
da criminalidade”.
82
Entretanto ainda existem filhos pródigos. 50% dos jovens que passam
pela FASE não voltam para o crime.
83
81
IRION, Adriana. Adolescência. Perfil do infrator. Porto Alegre: Zero Hora, Polícia, 26 mar. 2007.
82
CORREIO DO POVO. Pioneiro com o ECA, país precisa avançar. 26 fev. 2007. p. 6.
83
ZERO HORA. Adolescência: a nova FASE. 28 fev. 2007. p. 35.
45
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Uma das melhores definições bíblicas sobre o que é aconselhamento está no Salmo
l39, 23-24: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração: se em mim algum caminho
mau, e guia-me pelo caminho eterno”. Neste texto o salmista se aproxima de Deus, e pede por
conselhos, por auxílio para o seu coração e, poderíamos dizer, por aconselhamento pastoral. O
próprio salmista indica os movimentos básicos que deverão acontecer no processo de
aconselhamento: “sondar”, “conhecer”, “provar” e conduzir por caminhos eternos”. Aqui
estão muito claramente implícitas a análise do inconsciente, a orientação consciente de
conceitos básicos de vida e a providência de experiências terapêuticas, de crescimento e de
santificação.
O Evangelho é a anunciação das boas novas. Aconselhar poderia ser definido como
proclamação do perdão dos pecados. Aconselhamento Pastoral é, antes de tudo, a
comunicação da Palavra de Deus. No aconselhamento pastoral desenvolve-se um diálogo que
deve levar ao rompimento com a vida nas trevas. Nele são utilizados os princípios bíblicos
para a orientação da conduta e das decisões. Este é o aconselhamento em nome de Jesus
Cristo.
84
O aconselhamento é feito em nome de Jesus e não no nome de quem o faz. O
verdadeiro conselheiro é o próprio Jesus. Pedro nos convida em 1 Pedro 5.7: Lançai sobre
84
FRIESEN, Albert. Cuidando do Ser: treinamento em aconselhamento pastoral. Curitiba: Esperança, 2000. p.
20-26.
46
ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós”. Na mesma obra encontramos um
texto que nos define com precisão a missão do aconselhamento:
Servi uns aos outros, cada um conforme o Dom que recebeu, como bons despenseiros da
multiforme graça de Deus. Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus; se alguém
serve, faça-o na forma que Deus supre; para que, todas as cousas, seja Deus glorificado, por
meio de Jesus Cristo, a quem pertence a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém
(1Pedro 4.10,11).
85
O Aconselhamento terapêutico é um processo vivo. É mais do que uma técnica de dar
conselhos. Está mais ligado aos padrões bíblicos do que a técnicas e métodos da psicologia. A
instrução de Cristo, “uma coisa é necessária” (Lucas 10,42), é a base de qualquer
conversação. O Aconselhamento terapêutico é um diálogo de ajuda e cura, que acontece no
contexto da confissão de fé e que se ocupa da pessoa como um todo.
86
Daqui em diante cito os conceitos de H. Clinebell:
Aconselhamento Pastoral constitui uma dimensão da Poimênica. É a utilização de uma
variedade de métodos de cura (terapêuticos) para ajudar as pessoas a lidar com seus problemas
e crises de uma forma mais conducente ao crescimento e, assim, a experimentar a cura de seu
quebramento. Poimênica é o ministério amplo e inclusivo de cura e crescimento mútuos dentro
de uma congregação e de sua comunidade, durante todo o ciclo da vida.
O aconselhamento pastoral é uma função reparadora, necessária quando o crescimento das
pessoas é seriamente comprometido ou bloqueado por crises. As pessoas precisam de
Poimênica durante a vida toda. Elas podem precisar de aconselhamento pastoral, geralmente de
curto prazo, em estados graves e crises.
O objetivo abrangente de toda a Poimênica e de todo o aconselhamento pastoral (e de todo o
ministério) é libertar, potencializar e sustentar a integridade centrada no espírito. Tendo como
função: a cura; a sustentação: a orientação; reconciliação e nutrição.
87
O aconselhamento pastoral é uma dimensão da Poimênica que procura ajudar as
pessoas que a solicitam, através da conversação e outras formas de comunicação
metodologicamente refletidas. Poimênica é o ministério de ajuda que a comunidade cristã
85
RUTHE, Reinhold. Aconselhamento, como se faz? Princípios para o aconselhamento terapêutico.com uma
introdução para o aconselhamento conjugal. Curitiba: Luz e vida, 1999. p.7.
86
RUTHE, Reinhold. Prática do Aconselhamento Terapêutico. Curitiba. Luz e Vida, 2000. Contra-capa.
87
CLINEBELL, Howard J. Aconselhamento pastoral: modelo centrado em libertação e crescimento, São
Paulo: Paulinas; São Leopoldo: Sinodal, 1987. p.25.
47
oferece para os seus membros e para outras pessoas que a procuram na área da saúde
espiritual e psicológica através da convivência diária no contexto da Igreja.
A Poimênica e o aconselhamento pastoral são expressões da vida da comunidade e não
uma tarefa reservada para os pastores e outros especialistas da igreja. O objetivo do
aconselhamento pastoral é descobrir com as pessoas em diferentes situações de vida e
especialmente em conflitos e crises, o significado concreto da liberdade cristã dos pecadores
cujo direito de viver e cuja auto-aceitação vêm da graça de Deus. O seu objetivo é também
ajudá-las para que possam viver a relação com Deus, consigo mesma e com o próximo de
uma maneira consciente e adulta.
88
Quanto à auto-aceitação e a viver a relação com Deus e consigo mesmo e o próximo,
Kelsey relata a história favorita de Jung:
em que um pastor demasiadamente ocupado, ao enfrentar um colapso nervoso, procurou a
ajuda do médico suíço. Jung ofereceu o simples remédio de uma rotina diária de oito horas de
trabalho, oito horas de sono e oito horas no silêncio de seu gabinete. O clérico passou dois dias
seguindo à risca a sugestão de Jung. Ele usou bem o seu tempo de gabinete, tocando algumas
músicas relaxantes e lendo trechos de alguns romances importantes. No terceiro dia, voltou
para ver o analista, sentindo-se descontente com sua falta de progresso. Ele explicou o que
tinha feito, mas ouviu a repreensão de que não recebera ordens de passar o tempo com Herman
Hesse, Thomas Mann, Chopin e Mozart. O pedido era que ficasse a sós consigo mesmo. Diante
disso, o pastor com medo na voz, exclamou: “Ah! Mas eu não consigo pensar em companhia
pior”!”A resposta de Jung foi arrasadora: “E, apesar disso, esse é o eu que você impõe aos
outros, l4 horas por dia”. Certamente para todos nós é melhor concentrar tempo para estar a sós
e olhar interiormente, “antes que a vida nos apanhe desprevenidos”.
89
Podemos definir o aconselhamento como uma atividade com o objetivo de ajudar aos
outros em todo e qualquer aspecto da vida, dentro de um relacionamento de cuidado.
90
O primeiro serviço que alguém deve ao outro, como ajuda, é ouvi-lo. Assim como o amor a
Deus começa quando ouvimos a sua palavra, assim também o amor ao irmão começa quando
aprendemos a escutá-lo. É prova do amor de Deus para conosco que não apenas nos
sua
Palavra, mas também nos empresta o
seu
ouvido. Portanto, é realizar a obra de Deus no irmão
quando aprendemos a ouvi-lo.
91
88
SCHNEIDER-HARPRECHT, Cristoph. Aconselhamento Pastoral. In: SCHNEIDER-HARPPRECHT, C.
(Org.), Teologia Prática no Contexto da América Latina. São Leopoldo: Sinodal / ASTE, 1998. p.291.
89
HURDING, Roger. A árvore da Cura: modelos de aconselhamento e de psicoterapia, São Paulo: Vida Nova,
1995. p.404-405.
90
HURDING, 1995, p.36.
91
BONHOEFFER, Dietrich. Vida em Comunhão. 2ª ed. São Leopoldo: Sinodal, 1986. p. 68
48
Quando lhe peço para me escutar e você começa a me dar conselhos, sinto que não sou
escutado. Quando lhe peço para me escutar e você me coloca questões, apresenta seus
argumentos, tenta explicar-me o que estou sentindo ou não deveria sentir, tenho a impressão
de ser agredido. Quando você se apodera do que lhe digo para tentar resolver o que julga ser
meu problema, por mais estranho que isso possa parecer, sinto-me ainda perdido. Estou
pedindo-lhe para estar presente, neste instante tão frágil em que estou à minha procura através
de uma palavra por vezes, desajeitada inquietante, injusta ou caótica. Tenho necessidade de
ser ouvido, tolerância e paciência para exprimir o que me parece ser o mais difícil, assim
como o mais acessível. Sim, simplesmente me escutar... Sem escusas nem acusações, sem me
desapossar de minha palavra. Fique à minha escuta. Tudo o que lhe peço é que você me
escute. O mais pertinho de mim. Simplesmente acolher o que tenho a lhe dizer, o que procuro
me dizer. Não interrompa meu murmúrio, não tenha medo de meus tateios ou imprecações.
Minhas contradições, assim como minhas acusações, por mais injustas que pareçam, são
importantes para mim. Através de sua escuta, tento exprimir minha diferença; procuro
sobretudo, escutar a mim mesmo. Assim, tenho acesso a uma palavra própria: aquele de que,
durante muito tempo, fui desapossado. Oh! Não, não tenho necessidade de conselhos. Posso
agir por minha iniciativa e também me enganar. Não sou incapaz; por vezes, fico desarmado,
desencorajado, hesitante, o que não significa impotência. Se você pretender agir por mim,
estará contribuindo para conservar meu medo, acentuando minha inadequação e, talvez,
reforçando minha dependência. Quando me sinto escutado, posso, enfim, me escutar. Posso
entrar em comunhão. Construir pontes, passarelas incertas entre minha história e minhas
estórias. Religar acontecimentos, situações, encontros ou emoções para que tudo isso venha
a tornar-se a trama de minhas interrogações. Para tecer, assim, a escuta de minha vida. Por
favor, escute-me e entenda-me, sua escuta é apaixonante. E se, por sua vez, você quiser falar,
espere um instante para que eu possa terminar e ficarei, então, à sua escuta em melhores
condições, sobretudo, porque me senti escutado.
92
92
SALOMÉ, Jacques. Cativando a Ternura. Porto Alegre, Editora Vozes, 1997. p.42 s. Apud. NOÉ, Sidnei
Vilmar. Elementos de Psicologia Pastoral. Concepções de Aconselhamento II, EST.
49
A arte de ouvir é mais difícil que a arte de falar. Ouvir requer disciplina. E esta
pode ser adquirida por meio de um treino constante.
93
O ser humano é dotado de duas orelhas
e de uma boca. Daí conclui-se que ouvir é mais importante que falar.
Clara Feldman no Simpósio de Aconselhamento e Psicologia Pastoral realizado em
setembro de 2002 na IECLB “Cuidando do Ser Através de Relações de Ajuda”, abordou o
tema “Modelo de Ajuda” que pode ser desenvolvido através do treinamento sistemático dos
seguintes grupos de habilidades interpessoais:
Escutando O que é: Usar os ouvidos para captar as mensagens verbais transmitidas pelo
ajudado. Para que: Se escuto o ajudado, permito que ele diga tudo o que considera importante,
de modo a compreendê-lo melhor. Como:
1. Ficando calado.
2. Não interromper.
3. Evitar distrações externas.
4. Evitar distrações internas (físicas e emocionais).
5. Suspender julgamentos.
94
3.2. Aconselhamento Psicológico.
A Psicologia, ciência vizinha do Aconselhamento Pastoral
95
dedica-se a estudar a
conduta humana, suas razões e seus mecanismos subjetivos. É a ciência que estuda as idéias,
sentimentos e determinações cujo conjunto constitui o espírito humano, ou, por outra, ciência
dos fenômenos da vida mental e de suas leis.
96
Fornece dados objetivos para o
Aconselhamento Pastoral, disponibilizando o conhecimento da dinâmica humana de maneira
útil para a resolução de seus conflitos existenciais e relacionais.
Os princípios psicológicos são utilizados para:
a-) diagnosticar problemas apresentados;
b-) analisar o processo do desenvolvimento dos problemas e;
93
RUTHE, 1999, p.71
94
FELDMAN, Clara. Modelo de Ajuda. Palestra no I Simpósio de Aconselhamento e Psicologia Pastoral. EST.
IEPG. 2002.
95
CLINEBELL, 1987, p.39.
96
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 9 ed. Rio
de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1951. p. 1.000.
50
c-) planejar estratégias de auxílio à pessoa nos seus problemas.
Aconselhamento Pastoral sem diagnóstico claro e definido pode tornar-se superficial,
sem objetivos claros e infrutíferos.
97
Com o que a psicologia como ciência da alma ou da conduta humana, não se ocupa:
Da alma em sua relação com Deus;
Da procedência e origem da alma;
Da sua imortalidade.
98
A seguinte história foi narrada pelo Dr. Roberto Crema, no Simpósio “Espiritualidade
e saúde: da cura d’almas ao cuidado integral”, realizado na EST-IEPG em 14 de novembro de
2003:
O príncipe enlouquecido julgava ser um peru, caminhava pelo chão, nu, recolhia as migalhas
sob a mesa. Os médicos da corte haviam feito de tudo para curá-lo, mas em vão. Por fim,
apresentou-se um velho sábio: “deixem-me aplicar o meu método”, disse, e o rei, desesperado,
aceitou. Logo o sábio tirou as roupas e se pôs também ele debaixo da mesa: ali começou a se
comportar como um peru, e fez amizade com o príncipe. Durante algum tempo, tudo
permaneceu assim. Depois o sábio pediu que lhe trouxessem dois calções. ”por que está
vestindo o calção?”, perguntou o príncipe, admirado. “Pode-se muito bem vestir calções e
continuar a ser um peru”, foi a resposta do sábio. O príncipe também vestiu um calção. Depois
de algum tempo, foi a vez da camisa: “Pode-se vestir uma camisa e continuar a ser peru”;
pouco a pouco, sem que se fizesse nenhuma violência a suas opiniões, o príncipe adotou um
comportamento mais adequado à realidade; passou mais algum tempo, e o sábio o convidou a
se sentar à mesa”. Por fim, o príncipe esqueceu-se de ser peru e começou a pensar e agir com
as qualidades e as faculdades que eram verdadeiramente as suas.”
99
É o aconselhamento psicológico coerente.
97
FRIESEN, 2000, p.30.
98
RUTHE, 1999, p. 23.
51
3.3. Aconselhando o adolescente infrator interno.
3.3.1. Enfoque pastoral
Como o período de internação, geralmente, é exíguo, cada caso é um caso em si e deve
ser analisado individualmente. Na FASE, o regulamento que prevê a visita ou a assistência
religiosa do infrator de acordo com a sua crença e vontade. A arte no caso é ouvir o infrator.
Conquistar a sua confiança. Enfim ver se surge alguma empatia. Em princípio toda pessoa
humana normal, privada de liberdade quer fugir, soma-se a isso o sentimento de medo.
Motins e rebeliões fazem parte do trabalho, é como, num hospital, lidar com a morte.
O motim não pode ser o único termômetro. Mas motim e rebelião é coisa do passado. A
Fundação de Atendimento Sócio-educativo do Estado comemora três anos sem motins,
reflexo de um trabalho de ressocialização que vem sendo desenvolvido nas unidades ao longo
dos últimos anos.
100
O aconselhador pode fazer compartilhar esse justo orgulho pelo
resultado alcançado.
Outro dado é que de 30% a 50% dos jovens que passam na fase voltam para o
crime.
101
A comparação entre aquele que volta para o crime e o que não volta é comparável ao
vôo da renovação da águia. A águia é a ave que possui a maior longevidade da espécie. Chega
a viver setenta anos. Mas para chegar a essa idade, aos quarenta anos ela tem que tomar uma
série e difícil decisão uma vez que está com:
a-) as unhas compridas e flexíveis, não conseguem mais agarrar as sua presas das
quais se alimenta;
b-) o bico alongado e pontiagudo se curva
c-) apontando contra o peito estão as asas, envelhecidas e pesadas em função da
grossura das penas, e voar já está extremamente difícil.
Restam para a águia duas alternativas:
1-) morrer;
99
IONATA, Pasquale. Resposta da psicologia à vontade de viver, São Paulo: Paulus, 1999. p. 84-85; CREMA,
Roberto. Saúde e Plenitude. São Paulo: Sumus, 1995. p. 133/4; ______. Cura d’almas ao cuidado integral.
Conferências no Simpósio Espiritualidade e saúde. EST, 14 nov. 2003.
100
ERMEL, Marcelo. Zero Hora. Porto Alegre. 28 jan. 2007, p.34.
101
DUARTE, Letícia. Adolescência, a nova FASE. Zero Hora. Porto Alegre. p.35. edição 28 jan. 2007.
52
2-) enfrentar um doloroso processo de renovação que irá durar cento e cinqüenta dias.
O processo consiste em voar para o alto de uma montanha e se recolher em um ninho
próximo a um paredão onde ela não necessita voar. Então, após encontrar esse lugar, a águia
começa a bater com o bico em uma parede até conseguir arrancá-lo. Após arrancá-lo, espera
um novo bico, com o qual vai depois arrancar suas unhas. Quando as novas unhas começam a
nascer, ela passa a arrancar as velhas penas. E só após cinco meses sai para o famoso vôo de
renovação e viver, então mais trinta anos
102
.
A internação é muitas vezes o tempo necessário para começar um processo de
renovação e, para que continuemos a voar um vôo de vitória, devemos nos desprender de
lembranças, costumes e outras tradições que nos causaram dor. O perdão é essencial. Livres
do peso do passado e cumprido o processo de reeducação, 60% dos infratores internos,
começam nova vida ou o processo de renovação. Muitas águias também sucumbem na
trajetória da renovação. Nesse processo de renovação muito tem a ver a JUSTIÇA
RESTAURATIVA que será analisada em capítulo a seguir.
A atual presidente da FASE, Liliane Gonçalves Saraiva, é pedagoga e advogada e traz
como bagagem a experiência que adquiriu na organização não-governamental Centro e
Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Santo Ângelo (RS).
Sua meta é dar limites aos adolescentes, mas com afeto. Sabe que a maior dificuldade
é quando o adolescente deixa a FASE e não encontra acolhida. Sem família, emprego e estudo
volta para o crime. Existem dois mundos: o das idéias e o da realidade. As pessoas vivem no
mundo das idéias, porque para viver a realidade é preciso estar no meio, saber como é que
é. Volto à parábola do filho pródigo. Um infrator interno.
Atualmente as aulas e os cursos ajudaram a distensionar o ambiente, porque trouxeram
uma ocupação mais fixa para eles, e uma alternativa de formação profissional. Em Porto
Alegre, em 2006, os adolescentes da FASE ganharam um espaço mais qualificado para a
realização de cursos profissionalizantes e terapêuticos. Em parceria com o Instituto Dunga de
Desenvolvimento do Cidadão, foi inaugurado o Centro de Convivências da FASE que conta
102
TOILLIER, Osvino. Trilhos e Trilhas. Crônicas. São Leopoldo: Sinodal, 2003. p.107.
53
com biblioteca e videoteca. São promovidos 25 tipos diferentes de oficinas. O artesanato
fabricado é vendido no Brique da Redenção.
103
Em 2006 foi implementado o Ensino Médio nas escolas da Fase de Porto Alegre,
freqüentado por cerca de 10% dos internos. Também, graças a um projeto aprovado com
verba do Ministério da Cultura, terão uma rádio interna em cada unidade da FASE, para
produzir entrevistas, gravações e músicas.
104
Estes conhecimentos o primordiais para o aconselhador. Deve conhecer o terreno
que pisa. Os atos infracionais que motivam o ingresso na FASE são:
105
roubo 51,86%;
homicídio 13,25%;
furto 7,77%;
latrocínio 5,04%;
tentativa de homicídio 4,51%;
trafico de entorpecentes 3,36%;
e outros 14,21%.
A população total da FASE/RS:
População no sistema Fase-RS em 06.02.2007
N %
Unidades da Capital 584 55,6
Unidades do Interior 467 44,4
Total 1051 100,0
Fonte: Fase-RS AIG / população do dia 06 fev. 2007
Dados disponíveis em
http://www.stcas.rs.gov.br/fase/docs/2006/dados_quatitativos_07_mar._2006.xls
Esses pouco mais de mil adolescentes estão internados por terem sido julgados
culpados dos seguintes crimes:
103
RODRIGUES, Carlinhos. Polícia. Zero Hora. Porto Alegre, 28 jan. 2007, p.35.
104
RODRIGUES. Polícia. Avanços. Zero Hora. Porto Alegre, 28 jan. 2007, p.35
105
DUARTE. Zero Hora. 28 jan. 2007, p.35
54
Tipos de Atos Infracionais* praticados pela população atendida
pela FASE-RS em 06.02.2007
Total
ATO INFRACIONAL
%
Roubo
550 52,33
Homicídio
129 12,27
Furto
79 7,52
Tentativa de Homicídio
56 5,33
Descumprimento de Medida do JIJ**
49 4,66
Latrocínio
45 4,28
Tráfico de Entorpecentes
37 3,52
Estupro
17 1,62
Lesões Corporais
11 1,05
Atentado Violento ao Pudor
8 0,76
Tentativa de Roubo
7 0,67
Tentativa de Furto
7 0,67
Tentativa de Latrocínio
6 0,57
Porte Ilegal de Armas
5 0,48
Tentativa de Estupro
3 0,29
Violação de Domicílio
3 0,29
Apropriação Indébita
2 0,19
Receptação
2 0,19
Uso de entorpecentes
2 0,19
Dano ao patrimônio
1 0,10
Extorsão mediante Seqüestro
1 0,10
Perturbação da Ordem Pública
1 0,10
Posse de entorpecentes
1 0,10
Estelionato
1 0,10
Coação no curso do processo
1 0,10
Extorsão
1 0,10
Não Informado
26 2,47
Total 1051 100,0
Fonte: Fase-RS - AIG / População em 06 de fevereiro 2007
Disponível em http://www.stcas.rs.gov.br/fase/docs/2006/dados quatitativos_07_mar. 2006.xls
É de suma importância para o aconselhador saber quais os crimes mais freqüentes
praticados pelos infratores internos.
Friesen em sua obra Cuidando do Ser usa a terminologia Aconselhando o
Mentalmente Enfermo” fornecendo dicas para o Conselheiro Pastoral, a saber:
55
aceite a doença mental da pessoa como uma condição natural para ela não discuta com a pessoa
gravemente perturbada;
encoraje o paciente a expressar-se liberar idéias fixas, falando a respeito;
não espere que a pessoa mentalmente enferma reaja de maneira normal;
tranqüilize o paciente, dizendo que ele vai ficar bom; demonstre interesse genuíno pelas
pessoas;
encoraje o paciente em seu tratamento, tanto medicamentoso quanto de terapia;
seja sensível quanto às demandas que colocar sobre a pessoa mentalmente enferma;
use material devocional, mas escolha matéria fácil;
não encurte sua visita - não tenha pressa.
106
Para a psicanálise, o adolescente infrator não existe como um diagnóstico. sempre
uma estrutura em questão: neurose, psicose ou perversão. Aponta, porém para a problemática
da identidade, da impulsão, não sendo à toa que estão sempre perdendo seus documentos e
tendo enormes dificuldades em tirá-los e construir uma outra identidade em torno do seu
nome próprio.
107
Por este motivo estas valiosas dicas de Friesen para o aconselhamento da pessoa
mentalmente enferma podem ser aproveitadas para aconselhar o adolescente infrator interno.
Pois o aconselhador pode tratar o internado como se fosse seu próprio filho. Neste contexto, o
profissional de aconselhamento pastoral pode ser de grande valia e ajuda.
Inclusive pode auxiliar como fiscal da Lei. Se constatar que o interno não recebe o
cuidado e tratamento apropriado e humanamente viável, deve falar com o Diretor da unidade
de internação. Infrutífera a tentativa, pode procurar o Conselho Tutelar, o Ministério Público
ou o Juiz da Infância ou Juventude e encaminhar sugestão ou reclamação. Alguém, pelo
princípio da prioridade absoluta descrito anteriormente, deverá tomar providências sob penas
de severas medidas administrativas ou até punitivas.
3.3.2 O momento único de visita.
O aconselhamento pastoral pode acontecer em apenas uma única visita. Para Friesen
“é a oportunidade de ouro”, na qual convém ser bastante objetivo. Procedimentos básicos
106
FRIESEN, 2000, p.235.
107
BARROS, Fernanda Otoni (Coord.). Fora: o Adolescente fora da Lei. Belo Horizonte: DelRey, 2003. p.
16.
56
foram tomados: é conhecido o problema; o que foi feito; as tentativas de soluções viáveis
uma equipe de pedagogos, psicólogos e assistentes sociais que fizeram a sua parte. de
levar-se em conta que outro encontro não ocorrerá; por isso é a oportunidade de ouro.
108
É
definitivamente importante para o infrator interno.
Não se deve hesitar. É o momento. Prevalece o princípio bíblico. Mateus 7.12: “Tudo
quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles, porque esta
e a lei dos profetas”. Considerando este princípio de amor, certamente o conselheiro será
preservado de se machucar e machucar pessoas, mantendo a ética.
109
Não como refutar ou impedir o pastor de aconselhar o infrator interno. Pouco
importa o motivo de sua internação. A Constituição Federal do Brasil, Lei Maior, no artigo 5º,
incisos VI, VII, e XIII confere ao ministro de igreja o direito de seu trabalho de fé.
3.3.3. A justiça restaurativa
Priorizar o diálogo, e não o castigo. A Justiça Restaurativa pretende mais reparar ou
amenizar os danos gerados pelo crime, do que punir severamente o infrator ou promover sua
exclusão social. Um modelo de renovação gradativa das práticas tradicionais do Sistema de
Justiça Penal, em que se pretende estabelecer a reflexão e o entendimento nas relações entre a
vítima, infrator e punição.
A proposta utilizada nos principais segmentos assistenciais ao adolescente infrator na
Capital Gaúcha, busca ampliar soluções eficazes para reparar danos circunstanciais, evitando
desde modo realimentar a violência.
Os conceitos difundidos sobre as práticas restaurativas são os mais diversas, porém,
seu sentido único e objetivo passam necessariamente pelo restabelecimento do indivíduo e seu
coletivo. Todas as pessoas afetadas por um delito têm papéis e responsabilidades nesse
processo e devem, por isso, trabalhar coletivamente em torno do impacto e das conseqüências
do crime. A idéia é buscar restaurar os relacionamentos em vez de simplesmente concentrar-
se na determinação da culpa.
108
FRIESEN, 2000, p. 160.
57
Juristas, especialistas nas áreas de assistência social, Educação, Segurança e de Saúde
Mental, questionam - na teoria e na prática - a garantia para os Direitos Humanos de vitimas e
vitimizadores.
A Justiça Terapêutica é adequada a seguinte hipótese:
a-) no âmbito da Justiça da Infância e Juventude, quando as medidas protetivas (art. 101, do
ECA) são aplicadas como medidas sócio-educativas do artigo 112, do ECA.
110
Esse modelo de
Justiça proporciona ao infrator cuidado de restauração da saúde em substituição à persecução
acusatória do Estado. Embora o princípio de reserva legal não permita a imposição de penas
que não estejam previamente estabelecidas no ordenamento legal, determinando um claro
limite ao poder jurisdicional, que fica sempre jungido à lei, a justiça terapêutica, configurando
uma perspectiva moderna de enfrentamento da problemática relação entre infrator e vítima ,
levando em consideração a dignidade da pessoa humana.
111
3.3.4. Enfoque Jurídico.
O ECA faz menção à assistência religiosa em três artigos. A primeira, no artigo 94
inciso XII, o qual enfoca que as entidades que desenvolvem programas de internação têm
obrigação de proporcionar assistência religiosa àqueles que desejarem de acordo com suas
crenças. O artigo 124 diz que são direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros,
receber a assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje. E o artigo 3º,
como vimos, inclui na “proteção integral” a garantia de acesso ao “desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”. Além disso, a
assistência religiosa é assegurada, nos termos da lei, nas entidades civis e militares de
internação coletiva.
112
Portanto é dever das religiões e igrejas oferecerem esta assistência.
113
109
FRIESEN, 2000, p. 161.
110
TRINDADE, Jorge. Psicologia Jurídica. Para operadores do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2004. p. 147.
111
TRINDADE, 2004, p. 148.
112
SILVA, José Alfonso da. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editora, 2001. p. 255.
113
PAULY, Evaldo Luis. Primeiro Encontro Ecumênico de Pastorais da FASE. A espiritualidade e o
adolescente privado de liberdade. Disponível em
www.est.com.br/posgraduacao/pesquisa/exclusao_social/nucleo_socio_edu/download/desenesp.doc - . Acessado
em 19 mar. 2007.
58
O artigo 150 e 151 do ECA trata dos serviços auxiliares do Poder Judiciário. A equipe
interprofissional é destinada a assessorar a Justiça da Infância e Juventude. Suas atribuições,
entre outras, são de desenvolver trabalhos de aconselhamento. O juiz voltado para as tarefas
forenses e à aplicação da lei, não tem condições de apurar o contexto sócio-econômico-
cultural em que se encontram os jovens. Deverá valer-se de pessoas com capacidade técnica
que possam realizar o estudo social do caso com critério objetivo e científico. A equipe
interprofissional, definida pelo Estatuto, é composta de assistentes sociais, de psicólogos, de
educadores, de psiquiatras e outros especialistas.
114
Mario Volpi
115
quando fala de “Recursos
Humanos” tem a mesma opinião descrita acima de Liberati:
Embora conceba-se que o caráter da ação básica e central seja educacional, não se deve
confundir a natureza e as especificidades profissionais necessárias para o programa da unidade:
assistentes sociais, pedagogos, psicólogos, advogados etc.
Entre esses outros especialistas deveriam ser incluídos os aconselhadores pastorais. Se
existem agentes de proteção voluntária, no exercício de suas funções específicas
(espiritualidade), equiparam-se a funcionários públicos para fins penais (Código Penal artigo
327).
116
Os recursos alocados pelo Poder Judiciário, destinados a prover cargos, entendendo o
magistrado, como necessários ao trabalho, no sentido de satisfazer o sistema de proteção
integral, poderá determinar a remuneração por portaria, caso a caso.
117
A Constituição Federal garante a liberdade religiosa, que compreende a liberdade de
crença
118
, onde se inclui, por óbvio, a liberdade de escolha da religião. Entra também a
liberdade de não aderir à religião alguma, assim como a liberdade de descrença e a liberdade
de ser ateu e de exprimir o agnosticismo. Mas não compreende a liberdade de embaraçar o
livre exercício de qualquer religião, de qualquer crença, pois aqui também a liberdade de
alguém vai até onde não prejudica a liberdade dos outros.
119
114
LIBERATTI, 2006, p. 153.
115
VOLPI, Mario (Org.). O Adolescente e o Ato Infracional. São Paulo: Cortez, 1999. p. 37.
116
LIBERATTI.2006, p. 154.
117
LIBERATTI, 2006, p. 154.
118
Constituição Federal artigo 5º, inciso VI e VIII.
119
SILVA, 2001, p. 252.
59
Fato interessante é que a Constituição Federal de 1967/1969 não previa a liberdade de
crença em si, mas apenas a liberdade
120
de consciência e, na mesma provisão, assegurava aos
crentes o exercício dos cultos religiosos. Necessário era o constituinte destacar a liberdade de
crença da de consciência, inconfundíveis, diz Pontes de Miranda: “O descrente também tem
liberdade de consciência e pode pedir que se tutele juridicamente tal direito, a liberdade de
crença compreende a liberdade de ter uma crença e a de não ter crença”.
121
Não como refutar ou impedir que o ministro religioso preste aconselhamento ao
adolescente infrator interno. A Constituição Federal no artigo 5º incisos VI, VII e XII confere-
lhe o direito de efetuar o seu trabalho de fé. Ainda mais em casas de internação.
122
A execução da medida sócio-educativa no Rio Grande do Sul está padronizada
123
pelo
Programa de Execução de Medidas Sócio-educativas de Internação e Semiliberdade.
A espiritualidade é parte deste programa porque é um ‘fenômeno sócio-cultural’ através do
qual a pessoa tenta ‘dar conta de sua existência’. A FASE espera das atividades de
espiritualidade uma contribuição própria para o ‘processo de transformação do adolescente’
interno. A espiritualidade promove ‘a auto-reflexão, a crítica e a elaboração dos conflitos
vivenciados pelos adolescentes, de forma que sua experiência espiritual signifique um auxílio
em seu processo de mudança e crescimento humano’. A FASE entende que a espiritualidade
deva ser ‘um elemento orientador da vida do adolescente e não um elemento opressor’.
124
A partir dos pressupostos do PEMSEIS, Pauly considera que o
PEMSEIS é prudente ao propor que a espiritualidade tenha fundamento em “valores
considerados universais”: amor, paz, solidariedade, ética, companheirismo, honestidade,
amizade e respeito à vida. Estes temas podem ser trabalhados de duas formas. De forma
coletiva, nos grupos das Unidades, pode-se tratar estes temas de acordo com a ciência
teológica, integrando-os nas atividades da escola formal e da profissionalização. De forma
individual, no momento em que cada religião oferece a assistência religiosa solicitada pelo
adolescente, trabalha-se de acordo com cada compreensão espiritual em particular. As igrejas e
religiões não estariam fazendo proselitismo, mas atendendo o direito do adolescente à escolha
de sua religião.
125
120
Constituição Federal 167/1969, artigo 153, § 5º.
121
SILVA, 2001, p. 252, citando Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967, t. V, p. 119.
122
CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil. Coleção Saraiva de Legislação, 25ª ed. Atualizada e
ampliada, São Paulo: Saraiva. 2000.
123
PAULY, Evaldo Luis. Primeiro Encontro Ecumênico de Pastorais da FASE, 2000. p. 1.
124
PAULY, 2000, p. 1.
125
PAULY, 2000, p. 2.
60
A Constituição Federal e o ECA, a primeira de 1988 e o Estatuto de l990, são
anteriores ao reconhecimento do curso de Teologia da EST e de Extensão em
Aconselhamento Psicológico Pastoral. Portanto, atualmente, existem especialistas capacitados
para exercerem juntamente com pedagogos, psicólogos e assistentes sociais sua função para
atender à proteção integral e oferecer uma “assistência religiosa” condigna. Falta apelar para
os meios legais cabíveis para que os profissionais adequados sejam contratados ou nomeados
para exercerem sua função. O número de unidades da FASE e os internos aumentam.
necessidade de pessoas profissionalmente capacitadas para enfrentar o problema diariamente.
Isto não desprezando os que atualmente executam o trabalho. Se o sistema Gaúcho de
execução de medidas sócio-educativas apresenta definições e prega com ênfase o
espiritualismo. Que considera a espiritualidade como um fenômeno sócio-cultural e parte
integrante do processo de transformação do adolescente autor de ato infracional,
uma atividade cultural que promove a “auto-reflexão, a crítica e a elaboração dos conflitos
vivenciados pelo adolescente, de forma que sua experiência espiritual signifique um auxílio em
seu processo de mudança de crescimento humano”. A espiritualidade seria “um elemento
orientador da vida do adolescente e não um elemento opressor”.
126
Deveriam preocupar-se em nomear ou contratar um profissional com habilitação
específica para atender a espiritualidade. Conforme regra interna do PEMSEIS é no final de
semana, durante duas horas, que ocorre a assistência religiosa. O responsável é um técnico em
educação que integra a assistência religiosa com a educação formal e a profissionalização.
127
O objetivo é o desenvolvimento de uma consciência de transcendência como suporte
às contingências do cotidiano. E são organizadas em um projeto que é integrado aos temas
trabalhados na Unidade.
128
No mesmo programa espaço de tempo livre, grupo terapêutico
e atendimento individual.
126
PAULY, Evaldo Luis. O desenvolvimento Espiritual: Algumas questões políticas e teológicas sobre o
cuidado, os direitos e deveres da infância e adolescência brasileiras. ROESE, Anete; SCHEUNEMANN, Arno
V. Homossexualidade, conjugalidade e violência: alternativas de compreensão e perspectivas de vida. São
Leopoldo: Oikos, 2005. p. 155-183, p. 165-166.
127
PEMSEIS, Programa de Execução de Medidas Sócio-educativas de Internação e Semiliberdade da FASE/RS,
Porto Alegre : FASE, 2000.
128
PEMSEIS, 2000, p.88-91 Rotina Institucional para cada grupo de adolescentes-proposta básica.
61
Atividades de espiritualidade que oferecem espaço de reflexão crítica para o
desenvolvimento espiritual, ocorrem nos finais de semana, através de horários específicos
para os credos solicitados pelos adolescentes, com carga horária total de duas horas.
129
Definido está o momento em que o profissional do aconselhamento pastoral,
devidamente agendado pode prestar o seu serviço. Resta saber se em uma crise o adolescente
infrator interno pedir o comparecimento de seu aconselhador ou assistente religioso, fora
deste horário, como funcionará? Entendo que pelo direito de garantia integral, se tal
acontecer, seria como uma emergência médica. Não possibilidade de deixá-lo sem
atendimento sob pena de ser apurado a responsabilidade por omissão.
A internação é regida pelo princípio da brevidade, mínimo de 45 dias e de três anos no
máximo, observado o limite de 21 anos de idade data em que espira, obrigatoriamente, a
medida sócio-educativa, independentemente do crime que o sócio-educando tenha cometido.
Atualmente o Juiz da vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, Guaracy
Vianna, apresenta à ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, proposta para a mudança
do Estatuto da Criança do Adolescente, ampliando de três para cinco anos o limite de
cumprimento das medidas sócio-educativas para infratores. Também a postergação da
liberdade compulsória de 21 para 24 anos.
130
Esperar que o infrator interno pedisse a assistência religiosa, neste breve período,
ainda de acordo com a sua crença, é perda de tempo. Se disponível um profissional
religioso de aconselhamento, que presta serviço voluntário, o adolescente dele deve dispor.
Se, então, de acordo com a sua crença, ou descrença dispensar a assistência, manifestará tal
vontade, que será acatada.
O princípio constitucional que garante o direito de o ministro religioso ingressar e
prestar seus serviços em qualquer repartição pública pode ocorrer a qualquer momento.
Ninguém pode ser impedido de trabalhar e exercer livremente a sua profissão. Pode ocorrer o
choque entre o aconselhador que quer trabalhar e o adolescente infrator interno que não quer a
assistência. Dois motivos pela crença ou pelo infrator que não quer. Comenta-se, muitas
129
PEMSEIS, 2000, p. 89.
130
ZERO HORA. Geral, p. 37, 12 de fev. 2007.
62
vezes, o infrator está tão atrapalhado e sem saber o que fazer de sua vida, carente,
abandonado, pois é uma pessoa em desenvolvimento, e custará em se dar conta de poder ter e
dispor de um aconselhador pastoral. Não seria o momento de chegar para ouvi-lo. Pode ser
uma única vez, conforme Friesen esta “é a oportunidade de ouro”.
63
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Os dados estatísticos comprovam que os adolescentes são mais de 1 milhão de
indivíduos na população do Rio Grande do Sul.
131
Destes apenas 1.056 internos conforme
dados de 22 de janeiro de 2007 fornecidos pela FASE, distribuídos entre a capital e o interior
do Estado. O número é pequeno levando-se em consideração o total de adolescentes do
Estado. Mesmo assim, a luta é diminuir o número de internos. Também diminuir o número
futuro de presidiários. Além, evidentemente, de diminuir o sofrimento que seus atos
infracionais especialmente os atentados contra a vida provocam nas próprias vítimas e
também suas famílias.
De acordo com a Constituição Federal e com o Estatuto da Criança e do Adolescente,
os referidos são sujeitos de direito, destinatários de proteção integral decorrente da sua
especial condição de pessoas em desenvolvimento. Sejam vítimas ou vitimizadoras, tem
assegurados todos os direitos e garantias constitucionais fundamentais. O princípio de
prioridade absoluta é que assegura e garante os direitos.
Neste contexto as medidas sócio-educativas aplicadas aos autores de atos infracionais,
apesar de seu conteúdo coercitivo, possuem natureza predominantemente educativa, visando
fortalecer os vínculos familiares e comunitários do adolescente em conflito com a lei.
131
A publicação “Estimativa da população, por município, faixa etária e sexo, Rio Grande do Sul, 2005” está
disponível em
http://www.fee.tche.br/sitefee/pt/content/estatisticas/pg_estimativa_populacao.php?ano_pesquisa=2005, o site
mantido pela FEE (Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser) indica uma população de
1.795.049 gaúchos e gaúchas de 10 a 19 anos. Acessado em 17 mar. 2007.
64
A internação é a medida sócio-educativa mais grave prevista no ECA e somente é
aplicada quando outra é inviável e quando o infrator usa de violência ou grave ameaça a
pessoa e, nos casos expressamente previstos em lei (taxatividade).
As medidas sócio-educativas são fundamentais para impedir que o adolescente atual
seja um futuro criminoso. Além disso, a população deve unir-se para proporcionar ocupação
ou emprego ou utilizar o adolescente em atividade lícita para que não se torne um
delinqüente. Cada qual, de acordo com o ECA, deve assumir sua responsabilidade. O trabalho
do Aconselhador é neste sentido.
O ECA estabelece como direito do adolescente infrator interno gozar de assistência
religiosa segundo a sua crença e se quiser. Tal preceito é amparado pelo art. 5º, VI, VII da
CF/88 que assegura o livre exercício de cultos religiosos e a assistência religiosa nas
entidades civis e militares de internação coletiva.
Coincidência. Acaso. Os meios de comunicação, jornal Zero Hora e Correio do Povo
de Porto Alegre/RS, no mês de fevereiro de 2007, quase que diariamente publicaram notícias
a respeito de adolescentes. Adolescência A Nova FASE; Jovem Infrator apela por ajuda: Juiz
defende mais rigor nas pena; Pioneiro com o ECA; País precisa avançar; mudar a lei não
adianta; Violência, Impunidade e crime; Número de infratores cresce 263% em dez anos.
As notícias sobre o tema violência são alarmantes. Mas se é notícia, se divulgação
então alguém tomará alguma providência. Cada um de nós deve fazer e contribuir com o que
lhe for possível. O profissional da educação, teólogo, aconselhador, psicólogo e profissões
afins, poderão utilizar a presente dissertação como um modesto manual. Se tal acontecer, para
algo serviu.
O médico J.A. Chaieb, de Porto Alegre, em 7 de março de 2007, na Zero Hora,
publicou um artigo com o título “Um Pacto Inadiável” e assim expressou-se:
Façamos um pacto social. Convoquemos nossos filósofos, sociólogos, psicólogos, magistrados,
políticos, religiosos e intelectuais de todas as áreas para uma análise profunda das nossas
graves distorções sociais. Temos o dever de decidir que tipo e povo queremos ser daqui a
alguns anos. A sociedade tem a responsabilidade de se mobilizar e tomar as iniciativas que
deverão fundamentar qualquer mudança na legislação penal. Pensemos no futuro, salvando
nossas crianças e adolescentes.
65
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I
I
A
A
S
S
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