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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
DEMOCRACIA E ELEIÇÃO DE DIRIGENTES ESCOLARES NO
SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO DE BELÉM: análises e perspectivas.
Maria Gorete Rodrigues Cardoso Guedes
BELÉM/PARÁ
2007
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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
DEMOCRACIA E ELEIÇÃO DE DIRIGENTES ESCOLARES NO
SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO DE BELÉM: análises e perspectivas.
Maria Gorete Rodrigues Cardoso Guedes
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Universidade Federal do Pará, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre em
Educação, Linha de Políticas Públicas, sob a
orientação do Professor Dr. Orlando Nobre
Bezerra de Souza.
BELÉM/PARÁ
2007
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2
A todos os homens e mulheres, educadores e
educadoras que por meio de seu trabalho
cotidiano, de sua militância política e de suas
idéias continuam a lutar em prol de uma
sociedade mais justa, igualitária e
democrática.
3
AGRADECIMENTOS
A construção deste trabalho não teria sido possível sem o inestimável apoio de
professores e professoras, amigos e amigas, familiares e servidores dos órgãos onde
realizamos a coleta dos dados documentais. Por isso, ao final desta jornada marcada por
inseguranças, desafios, buscas intelectuais prazerosas, dúvidas e inquietações frutíferas,
desejo expressar os meus agradecimentos:
Ao meu orientador Professor Doutor Orlando Bezerra Nobre de Souza, pelas suas
contribuições sempre críticas e propositivas, pelas indicações de leituras e de percurso, pela
paciência, apoio e consideração demonstrados em todos os momentos;
Aos Professores e Professoras do Curso de Mestrado Acadêmico em Educação do
Centro de Educação da UFPA, que, pela sua persistência e dedicação, tornaram possível a
realização do Programa;
À Professora Dr.ª Ney Cristina de Oliveira, pela disponibilidade e interesse que
sempre demonstrou em contribuir para a qualificação e ao aperfeiçoamento da pesquisa;
À Professora Dr.ª Rosana Gemaque, pelas valiosas contribuições apresentadas por
ocasião da banca de qualificação.
Às minhas filhas Maíra e Tiara, pelo apoio e incentivo transmitidos durante todo o
percurso e à Maria Luiza, que nos últimos oito meses foi uma companheira, literalmente,
inseparável;
À minha mãe Neidirce Rodrigues, e às minhas irmãs Rosa e Arilda pelo apoio em
todas as horas;
Ao meu companheiro Luís Henrique pelo afeto e apoio incondicionais;
4
Às Bibliotecárias Lourdes da SEMEC e Marly Brito da SEGEP pelo
interesse e disponibilidade em localizar os documentos solicitados, sem os quais a realização
deste trabalho seria impossível;
Aos amigos Magali e Reginaldo, com quem pude contar em todas as horas e situações;
Aos amigos do mestrado Luís Felipe e Vanja, pessoas com quem dividi uma
convivência solidária e carinhosa durante o curso.
À amiga Silvia Nádia pelas oportunidades profissionais e pela amizade oferecida ao
longo de dez anos de convivência.
Aos colegas de trabalho e amigos/amigas da SEMEC e do Conselho Municipal de
Educação, cujos nomes não especifico, para não incorrer na injustiça de esquecer alguém,
pelas contribuições valiosas no campo da discussão teórica, pela parceria no trabalho
cotidiano e pela convivência construtiva e solidária.
5
RESUMO
A pesquisa voltou-se para a investigação do processo de institucionalização da eleição
direta de dirigentes escolares no Sistema Municipal de Ensino de Belém, como dimensão dos
projetos políticos e pedagógicos engendrados pelas gestões municipais no período de 1993 a
2006. O objetivo foi analisar os avanços, limites e perspectivas das propostas de eleição de
dirigentes, estabelecidas sob a ótica do plano das orientações formal-legais do sistema
educacional. A orientação metodológica utilizada foi a da pesquisa bibliográfica e da análise
documental. Através de um estudo pormenorizado dos principais documentos oficiais
produzidos pelas administrações municipais, pretendeu-se identificar as intencionalidades
políticas dos respectivos governos no período delimitado e caracterizar os seus respectivos
projetos educacionais e propostas de eleição de dirigentes escolares, assim como perceber a
concepção de democracia e gestão democrática inerente aos mesmos. Os resultados
alcançados com a investigação nos levam a inferir que o processo de democratização da
gestão escolar no SME, via a eleição de dirigentes escolares, não é algo acabado e definido,
mas uma construção permanente, marcada por idas e vindas, recuos e avanços, que aponta
para perspectivas e horizontes distintos e atinge os mais diferentes matizes ideológicos.
Portanto, pode-se afirmar que a democracia escolar no SME não é, mas essendo construída
de acordo com as possibilidades e constrangimentos apresentados em cada momento histórico
e com a capacidade dos atores educacionais de incorporar a institucionalidade democrática
estabelecida.
Palavras-chave: Democracia — Participação — Escola — Educação.
6
ABSTRACT
The research was turned toward the inquiry of the institutionalization process of the
direct election of pertaining to school controllers in the Municipal System of Education of
Belém, as dimension of the projects pedagogical politicians and produced by the municipal
managements in the period of 1993 the 2006. The objective was to analyze the advances,
limits and perspectives of the proposals of election of controllers, established under the optics
of the plan of the deed of division-legal orientations of the educational system. The used
methodological orientation was of the bibliographical research and the documentary analysis.
Through a detailed study of main official documents produced by the municipal
administrations, it was intended to identify to the scienters politics of the respective
governments in the delimited period and to characterize its respective educational projects and
proposals of election of pertaining to school controllers, as well as perceiving the conception
of democracy and inherent democratic management to the same ones. The results reached
with the inquiry in take them to infer that the process of democratization of the pertaining to
school management in the SME, saw the election of pertaining to school controllers, is not
something finished and defined, but a permanent construction, marked for gone and comings,
jibs and advances, that point with respect to distinct perspectives and horizons and reach the
most different ideological shades. Therefore, it can be affirmed that the pertaining to school
democracy in the SME is not, but is being constructed in accordance with to the possibilities
and constaints presented at each historical moment and with the capacity of the educational
actors to incorporate the established institucional democracy.
Keywords: Democracy —Participation — School — Education.
7
LISTA DE QUADROS
1. Modalidades de Provimento do Cargo/Função de Diretor de Escola Adotadas por
Secretarias de Educação de Estados e Capitais Brasileiras.
2. Belém/Governo do Povo - Síntese das Marcas de Governo (1997-2000).
3. Belém/Governo do Povo - Eixos Temáticos do Congresso da Cidade (2001-2004).
4. Expansão da Matrícula na Rede Municipal de Ensino de Belém (1996-2002).
5. Organização dos Ciclos de Formação da Educação Infantil e do Ensino Fundamental na
Rede Municipal de Ensino de Belém (1998).
6. Belém/Governo do Povo - Instâncias de Democratização do Planejamento e Gestão da
Política Educacional (1997-2004).
7. Resumo das Normas para Eleição de Diretores na Rede Municipal de Ensino - Resolução
010/2001-CME.
8. Resumo comparativo das orientações legais do processo de escolha de dirigentes escolares
vigentes no Sistema Municipal de Ensino de Belém, no período de 1994-2004.
8
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
BM – Banco Mundial
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
CF – Constituição Federal
CME – Conselho Municipal de Educação
COFIS – Comissão de Fiscalização e Controle Social das Obras do Orçamento Participativo
COMDAC – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
CONED – Congresso Nacional de Educação
DABEL – Distrito Administrativo de Belém
DABEN – Distrito Administrativo do Benguí
DAENT – Distrito Administrativo do Entroncamento
DAGUA – Distrito Administrativo do Guamá
DAICO – Distrito Administrativo de Icoaraci
DAMOS – Distrito Administrativo de Mosqueiro
DAOUT – Distrito Administrativo de Outeiro
EJA – Educação de Jovens e Adultos
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
FBP – Frente Belém Popular
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FIDESA – Fundação Instituto para o Desenvolvimento da Amazônia
FMI – Fundo Monetário Internacional
FNDEP – Fórum Nacional de Defesa da Escola Pública
FPM – Fundo de Participação dos Municípios
FUNDEF – Fundo de Valorização do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
9
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços
IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano
ISEBE – Instituto dos Educadores de Belém
ISEP – Instituto Superior de Educação do Pará
ISS – Imposto sobre Serviços
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
LOM – Lei Orgânica Municipal
MARE – Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado
MEC – Ministério da Educação e do Desporto
OP - Orçamento Participativo
ORELAC – Oficina Regional de Educação para a América Latina e o Caribe
PC do B – Partido Comunista do Brasil
PCB – Parido Comunista Brasileiro
PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola
PFL – Partido da Frente Liberal
PIB – Produto Interno Bruto
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PME – Plano Municipal de Educação
PNE – Plano Nacional de Educação
PNUD – Programa Nacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPS – Partido Progressista Social
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados
PT – Partido dos Trabalhadores
10
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
RME – Rede Municipal de Ensino
SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
SEDUC – Secretaria Estadual de Educação
SEGEP – Secretaria Municipal de Coordenação Geral do Planejamento e Gestão
SEMEC – Secretaria Municipal de Educação - Belém
SINTEPP – Sindicato dos Trabalhadores de Educação Pública do Pará
SME – Sistema Municipal de Ensino
UNAMA – Universidade da Amazônia
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................
1. O tema e o objeto de pesquisa ...............................................................................
2. Origem e delimitação do problema ........................................................................
3. Definição dos objetivos .........................................................................................
4. Relevância do estudo .............................................................................................
5. Considerações metodológicas ................................................................................
Um olhar sob o plano das orientações .................................................................
Procedimentos técnicos de pesquisa ....................................................................
6. Resumo dos Capítulos ...........................................................................................
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21
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22
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28
CAPÍTULO I
DEMOCRACIA E GESTÃO DEMOCRÁTICA DA EDUCAÇÃO:
HISTÓRIA E CONTEXTO .....................
..............................................................
1. Um histórico das concepções democráticas ..........................................................
1.1 Representação e participação política nas origens da democracia liberal .....
1.2 A hegemonia da democracia representativa no século XX ...........................
1.3 Novos significados da participação democrática nos anos 80 .......................
2. Democracia e gestão educacional ..........................................................................
2.1 Aspectos históricos da relação entre democracia e educação no Brasil ........
2.2 A luta nacional pela democratização da gestão escolar .................................
2.3 Modelos de gestão em tensão ........................................................................
3. A eleição direta de dirigentes escolares .................................................................
3.1 Formas usuais de escolha ...............................................................................
3.2 Limites e avanços ..........................................................................................
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12
CAPÍTULO II
A ELEIÇÃO DE DIRETORES COMO DIMENSÃO DOS PROGRAMAS
GOVERNAMENTAIS E DOS PROJETOS EDUCAINAIS
IMPLEMENTADOS NO MUNICÍPIO DE BELÉM PERÍODO DE
1993 a 2004 ...............................................................................................................
1. O contexto geográfico e político da pesquisa ........................................................
1.1 Caracterização geral do município ................................................................
1.2 Configuração do poder político a partir dos anos de 1990 ............................
2. Os governos municipais e a política educacional em Belém .................................
2.1 O governo Gueiros (1993-1996) ....................................................................
2.1.1 Intenções governamentais “Caminhos para Belém” .........................
2.1.2 Política educacional “Caminhos da Educação” ................................
2.1.3 Gestão escolar ...................................................................................
2.1.4 Constituição de diretores ...................................................................
2.2 O governo Edmilson Rodrigues (1997-2004) ................................................
2.2.1 Intenções governamentais “Governo do Povo” .................................
2.2.2 Política educacional “Escola Cabana” ...............................................
2.2.3 Gestão escolar ....................................................................................
2.2.4 Eleição direta de diretores .................................................................
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CAPÍTULO III
DEMOCRACIA E ELEIÇÃO DE DIRIGENTES ESCOLARES NO
SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO DE BELÉM: ANÁLISES E
PERSPECTIVAS .....................................................................................................
1. A questão democrática nos governos municipais (1993-2004) .............................
2. Democracia e política educacional ........................................................................
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3. Gestão democrática da escola ................................................................................
4. Eleição de diretores ...............................................................................................
5. Perspectivas atuais ................................................................................................
APROXIMAÇÕES CONCLUSIVAS ....................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................
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198
205
14
INTRODUÇÃO
1. O tema e o objeto de estudo
Nas duas últimas décadas do século XX, o debate sobre a gestão democrática da
educação passou a ocupar um lugar de destaque na agenda brasileira, como desdobramento da
própria centralidade conferida à questão da democracia e da participação na conjuntura
política do período. Em décadas anteriores, privilegiaram-se os temas da universalização do
acesso e da democratização do conhecimento, em decorrência do elevado déficit escolar,
evasão e repetência divulgado pelas estatísticas educacionais, fenômenos estes causados pelo
descaso histórico com que o Estado brasileiro sempre tratou a questão da formação escolar
das camadas populares.
A inclusão do tema da democratização da gestão educacional no rol dos debates e
reivindicações dos movimentos sociais e educacionais brasileiros, de acordo com vários
autores como Ganhem (2004); Azevedo (2003); Mendonça (2001); Dourado (2000); Hora
(1997) ocorrerá somente nos fins dos anos 70 e início dos anos 80. Foi neste período que, na
esteira da luta pelo restabelecimento da democracia, os segmentos escolares, alinhados a uma
tendência educacional mais crítica, passaram a reivindicar o direito dos atores escolares: pais,
alunos, professores e comunidade escolar de participar do planejamento e gestão das políticas
educacionais e da escola.
Havia, naquele momento, grandes expectativas de que a democracia política pudesse
se ampliar para o campo social, o que em boa medida vem ocorrendo. Embora o modelo de
democracia triunfante tenha sido o da democracia formal-representativa, a sociedade civil
organizada obteve importantes conquistas no âmbito da institucionalidade democrática,
materializadas por meio da legalização de diversos mecanismos de participação popular e
15
controle social do Estado pela Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, pelas demais
legislações setoriais complementares.
Embalados pelo clima de abertura política, educadores e comunidade educacional
passaram a questionar o modelo de administração escolar, predominantemente autoritário,
centralizador e burocrático e que se mostrava como um fator que dificultava a ampliação das
oportunidades educacionais, a melhoria da qualidade do ensino e a democratização das
relações de poder entre os agentes escolares. Um modelo que se mostrava contrário, portanto,
aos ideais democráticos tão almejados pela sociedade brasileira.
No final dos anos 80, os movimentos sociais mais atuantes na luta por um novo
projeto nacional de educação estiveram articulados em torno do Fórum Nacional em Defesa
da Escola Pública (FNDEP)
1
, criado em 1987 com o objetivo de defender as propostas
consensuadas entre os educadores no processo de elaboração da Constituição Federal
promulgada em 1988. Em que pese o fato da Assembléia Constituinte ter sido composta
majoritariamente por representantes das forças políticas conservadoras e populistas, o que
acabou por impingir à nova Carta Magna um caráter ambíguo e contraditório, a luta
empreendida pelo FNDEP, somada às pressões exercidas pelas emendas populares, logrou
conquistas educacionais inéditas para a sociedade brasileira.
A consagração da gestão democrática da educação foi uma dessas conquistas. Sua
incorporação como princípio de organização do ensino público pela Constituição, aliada ao
1
Maria da Glória Gonh (1994) discute origem, composição, reivindicações e práticas do FNDEP na Assembléia
Nacional Constituinte e durante o processo de elaboração da LDB, Lei 9.394/96. Segundo a autora o FNDEP
assumiu uma importância enorme no campo da política educacional desde seu lançamento em abril de 1987.
Inicialmente o FNDEP era composto por 15 entidades representativas da sociedade civil organizada que se
articulavam na luta pela redemocratização do país e pela defesa do direito à educação pública, gratuita e de
qualidade para todos. No processo de elaboração da LDB, o FNDEP passou a contar com 26 entidades. Na
verdade, o FNDEP era uma grande “Frente” que congregava os mais diversos atores sociais que disputavam uma
nova política educacional para o país, mais identificada com os interesses da sociedade brasileira. Nas palavras
da autora o FNDEP “se constituiu numa novidade histórica no processo de agregação das demandas sociais da
sociedade brasileira na área da Educação” (p. 95).
16
poder de organização das sociedades locais, influenciou enormemente os legisladores de
vários estados e municípios para regulamentar nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas a
operacionalização desse imperativo. Em muitos casos, os legisladores deliberaram pela
instituição de Sistemas Municipais de Ensino, de Conselhos Municipais de Educação, de
Conselhos Escolares com a participação das comunidades e de Eleição Direta para Dirigentes
Escolares. Medidas essas, que se sustentavam no preceito de descentralização e autonomia da
gestão municipal, decretadas pela nova Lei. De certo modo, muitas dessas legislações se
anteciparam à própria Lei nº. 9.394, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
aprovada somente em 1996.
No que concerne à eleição direta de dirigentes escolares, objeto de estudo desta
pesquisa, nem a Constituição, nem a LDB regulamentaram este procedimento, refutando a
proposta apresentada pelo FNDEP e remetendo tal decisão aos sistemas estaduais e
municipais de ensino, dotados de autonomia para estabelecer normas complementares à Lei
do Ensino.
No âmbito do Sistema Municipal de Ensino de Belém (SME), lócus desta pesquisa, a
gestão democrática da educação foi regulamentada pela primeira vez por meio da Lei nº.
7.722/94, que instituiu e disciplinou o funcionamento do SME. Na referida legislação, a
eleição de dirigentes escolares foi instituída em duas etapas: uma seletiva, executada pela
Secretaria Municipal de Educação (SEMEC); outra eletiva, promovida pela escola.
Em 1997, quando teve início no SME um amplo processo participativo de reorientação
da política educacional vigente, a gestão democrática da educação passou a constituir uma das
diretrizes básicas do projeto educativo colocado em prática pela gestão municipal no período
de 1997 a 2004. Nesse contexto, as regras iniciais instituídas pela Lei nº. 7.722/94, relativas à
gestão escolar, passaram por um significativo processo de reformulação, o qual pretendeu
17
democratizar os mecanismos/instrumentos de gestão da escola e ampliar a participação das
comunidades nos processos de planejamento, implementação e controle social da política
educacional instituída.
Com relação ao procedimento de escolha dos dirigentes escolares, a coletividade da
Rede Municipal de Ensino resolveu, por ocasião da I Conferência Municipal de Educação
realizada em 1998, pela adoção da eleição direta realizada livremente pela comunidade
escolar, sob a coordenação do conselho escolar e com base nas novas regras deliberadas na
Conferência. A partir daí, a eleição dos dirigentes passou a ser encarada como um dos
“vetores indispensáveis de democratização da escola”, articulada a outras dimensões do
projeto educacional e político daquela gestão municipal. A eleição direta vigorou como norma
para o preenchimento do cargo de direção nas escolas municipais até o ano de 2004.
Em 2005, quando houve a recomposição do governo municipal, sem que se
promovesse uma análise mais aprofunda acerca dos efeitos e repercussões do processo de
eleição instituído e sem consultar a comunidade escolar sobre o seu grau de satisfação e/ou
insatisfação com a forma de escolha de dirigentes em vigor, a nova gestão revogou as normas
coletivamente construídas, resgatando os procedimentos anteriormente estabelecidos pela Lei
nº. 7.722/94 e pela Portaria Complementar nº. 762/96, da Secretaria Municipal de Educação.
Por entender que a forma de escolha de dirigentes escolares tem, permanentemente,
gerado polêmicas no âmbito do SME de Belém e que as regras desta prática têm mudado
conforme a orientação político-ideológica dos governos da ocasião e da lógica contida nos
seus respectivos projetos educativos, é que a investigação sobre o processo de
institucionalização da eleição de diretores\diretoras escolares no contexto descrito mostra-se
como uma tarefa relevante.
18
2. Origem e delimitação do problema
A escolha do tema está relacionada às vivências e reflexões acumuladas no curso de
uma trajetória acadêmico-profissional no campo da educação, ao longo da qual a temática da
democratização da gestão escolar foi se delimitando como um foco especial de interesse.
Nos últimos dez anos, vivenciei ativamente as políticas educacionais implementadas
pela Secretaria Municipal de Educação de Belém a partir de diferentes lugares e funções. Tal
vivência sempre foi objeto de problematização e alimentou as reflexões teóricas
desenvolvidas no decorrer de minha vida acadêmica, inicialmente no curso de pedagogia, em
seguida, no curso de especialização em gestão de sistemas e unidades de ensino, e,
atualmente, no curso de mestrado em educação. A atuação profissional, concomitantemente à
formação acadêmica, possibilitou-me exercitar um olhar crítico sobre as relações
estabelecidas entre o “plano das orientações formais” da política oficial de educação e as
práticas de gestão efetivadas cotidianamente pelas escolas.
Minha primeira experiência profissional na SEMEC ocorreu entre os anos de 1996 e
1998, quando ingressei na rede municipal como professora dos Ciclos Básicos I e II do
Ensino Fundamental. Em outubro de 1998, integrei a Equipe Técnica de Ensino Fundamental
da Coordenadoria de Educação dessa Secretaria, onde desenvolvi um trabalho de
acompanhamento e assessoramento pedagógico às unidades escolares situadas no distrito
administrativo do Benguí (DABEN)
2
e colaborei com o programa de formação continuada de
professores, diretores e coordenadores pedagógicos da Rede Municipal de Ensino até janeiro
de 2001. Em fevereiro do mesmo ano ingressei no Conselho Municipal de Educação, para
trabalhar na assessoria técnica desse órgão normativo, fiscalizador, consultivo e propositivo
do sistema educacional até outubro de 2004.
2
O DABEN compreende os bairros do Benguí, Tapanã e Cabanagem.
19
No decorrer desta trajetória vivenciei a implementação de dois projetos educativos
radicalmente divergentes na SEMEC. Foi quando, entre as tantas temáticas e desafios
apresentados a nós educadores, a questão da democratização da gestão escolar apresentou-se
como um promissor campo de investigação. Na tentativa de construir o exercício cotidiano de
teorização da prática, decidi escolher a eleição de dirigentes escolares como objeto de
pesquisa desta dissertação.
Como membro da equipe técnica da SEMEC, participei no ano de 1999 do primeiro
pleito eleitoral para diretores\diretoras das escolas municipais, realizado sob a coordenação
integral das escolas e com o voto direto da comunidade. Naquele momento, eu havia sido
designada para assessorar e acompanhar o processo eleitoral nas unidades escolares da Rede.
Assim, no intenso e constante envolvimento com as comunidades escolares, foi possível
observar a capacidade que as eleições tinham de quebrar a rotina das escolas e mobilizar os
atores escolares para o debate e a disputa de diferentes propostas de gestão. Dentre os vários e
importantes aspectos percebidos no decorrer daquele processo, destacamos os seguintes: a
disputa eleitoral favoreceu o debate acerca dos projetos de trabalho em disputa, envolvendo os
diferentes segmentos escolares na discussão e, muitas vezes, provocando grandes embates e
divergências; as discussões que não se faziam cotidianamente eram fomentadas por
candidatos e eleitores; os grupos internos e externos se articulavam em torno dos candidatos
de acordo com suas “promessas de campanha”; assembléias eram organizadas para que
fossem discutidas as regras eleitorais; as organizações partidárias se faziam presentes por
intermédio de suas lideranças comunitárias, manifestando apoio aos candidatos de sua
preferência; os conflitos e divergências de cunho político, administrativo e pedagógico
tornavam-se mais evidentes; a fragilidade da relação entre a escola e a comunidade era
questionada; as divergências que grupos internos tinham com a SEMEC também se
20
explicitavam. Enfim, muitas questões até então veladas ou contidas em períodos anteriores,
por ocasião da eleição, vinham à tona.
A partir desse momento, começou-se a perceber mais atentamente a enorme dimensão
que a eleição direta para dirigentes escolares assumia no contexto da escola pública.
Na interação com os atores escolares durante os diversos momentos do processo
eleitoral, vários questionamentos acerca da possível contribuição da eleição de dirigentes para
mudar a lógica de gestão historicamente consagrada no sistema educacional, caracterizada
predominantemente pelo centralismo, patrimonialismo e autoritarismo dos dirigentes e pela
obediência passiva às regras hierarquicamente determinadas pelos órgãos centrais do sistema
foram levantados. Nesse sentido, indagava-se se a mudança na forma de escolha dos
dirigentes contribuía para alterar as regras do “jogo” administrativo nas escolas e para ampliar
a participação dos atores escolares na gestão da escola e democratizar as suas relações e
processos administrativos e pedagógicos.
O momento também foi oportuno para refletir e questionar sobre as concepções de
democracia, de participação e de gestão escolar que vinham orientando o processo de
institucionalização e construção de regras para a eleição de dirigentes escolares no SME e
sobre as relações que este processo estabelecia com os projetos governamentais e
educacionais colocados em prática no município e nas escolas.
Motivada pelos questionamentos e pelas reflexões acima mencionados, a pesquisa se
voltou para a investigação dos avanços, limites e perspectivas do processo de
institucionalização da eleição direta de dirigentes escolares no Sistema Municipal de Ensino
de Belém, como dimensão dos programas governamentais e projetos educacionais
engendrados pelas gestões municipais no período de 1993-2006.
21
3. Definição dos objetivos
O presente trabalho perseguiu os seguintes objetivos:
caracterizar as propostas de eleição de dirigentes escolares engendradas pelas gestões
municipais no período de 1993-2006, como dimensão dos programas governamentais
e educacionais implementados;
analisar os avanços e limites que as orientações formais para o processo de eleição de
dirigentes escolares, instituídas pelos órgãos centrais do sistema educacional, revelam
para o processo de democratização da gestão escolar;
identificar e analisar as perspectivas da eleição direta de dirigentes escolares no
contexto das atuais orientações políticas, pedagógicas e normativas do SME.
4. Relevância do estudo
Considerando que, numa democracia tão recente e frágil como a brasileira, a
consolidação de práticas democráticas é dificultada, dentre outros fatores, pela própria
descontinuidade das administrações públicas que tentam impingir um caráter pessoal,
partidário e ideológico à gestão das políticas públicas, a investigação da referida problemática
justifica-se, primeiramente, pela possibilidade da pesquisa identificar as tendências presentes
nas administrações públicas do município de Belém, no período já mencionado, em relação ao
processo de democratização da escola via a instucionalização da eleição de diretores\diretoras,
e, ainda, de analisar as congruências e incongruências das propostas de eleição até aqui
construídas no “plano das orientações legais” do sistema educacional com os ideais de
democratização político e social defendidos por diferentes tendências e concepções
democráticas. A intenção é contribuir para um melhor entendimento dessa prática como
dimensão de um projeto político e educacional mais amplo.
22
Segundo, porque a carência de registro sobre a história educacional de nossa região e
de nossa cidade é bastante significativa e isso coloca o desafio de tentar preencher essa lacuna
a partir das pesquisas acadêmicas realizadas nos programas de pós-graduação, procurando
refletir sobre os avanços e dificuldades identificados na construção da educação local, tendo
como eixo condutor as inquietações, as vivências, os anseios, as expectativas construídas e
alimentadas individual e coletivamente.
5. Considerações metodológicas
Um olhar sob o plano das orientações
Em seus estudos da escola como organização educativa, Lima (2001) trata de dois
planos organizacionais teórico-analíticos distintos, designados por ele como o “plano das
orientações para ação organizacional” e o “plano da ação organizacional”.
No estudo da escola e/ou do sistema educacional sob a ótica do “plano das orientações
para ação organizacional”, de se considerar as geralmente designadas estruturas formais
que “são veiculadas (pelas) e veiculadoras (das) orientações normativas produzidas pela
administração central”, estas são consubstanciadas em regulamentos e organogramas que
representam a “face oficial da organização, mas não a sua única face ou, necessariamente, a
face real” (p. 50). Seu estudo está dependente do acesso a fontes normativas escritas e
publicadas pelos órgãos oficiais como: leis, regulamentos, portarias, regimentos. Estas
estruturas são
reguladas por regras formais-legais (normas) com caráter impositivo, estruturadas e
codificadas, geralmente em linguagem jurídica (ou nela inspirada) e estão inscritas
em suportes oficiais. São regras sempre em vigor, a serem substituídas por
processos formais semelhantes aos atualizados no mesmo momento em que pela
primeira vez foram instituídas, e são obrigatoriamente do conhecimento dos atores
(enquanto presunção). Constituem um quadro construído e fixado em torno dos
objetivos oficiais da organização (para a organização), são atribuidoras de
significado normativo à ação organizacional, instituem uma hierarquia formal e
distribuem atribuições e competências (...) As regras formais obrigam a um
desempenho em conformidade, tendo como bases predominantes de legitimação a
23
normatividade, o cumprimento da lei e dos regulamentos, passível de controlo e
fiscalização. (idem, p.51)
Embora o plano das orientações para ação organizacional seja caracterizado pela
regularidade de normas e procedimentos a serem colocados em ação pelos atores, tal plano
não é homogêneo, monolítico e sempre consensual, pois como lembra Lima, na organização
“coexistem diferentes tipos de regras, produzidas por diferentes processos, instâncias e atores,
em contextos diversos e em situação de concorrência” que revela a fragilidade da própria
normatividade e legalidade instituída (p. 56). As regras formais são geralmente estabelecidas
de forma centralizada e impositiva, mas por vezes admite e até exige um certo grau de
participação e negociação com os interessados, conforme a orientação que norteia o corpo
administrativo responsável pela sua produção. Nesse sentido, o processo de construção das
regras formais pode se caracterizar tanto por uma tendência mais burocrática quanto por uma
tendência mais democrática. Mas o certo é que seja qual for a sua orientação, elas não estão
isentas de conflitos e incoerências, assim também como não deixam de ser questionadas e
confrontadas no momento em que se atualizam no plano da ação.
Quanto ao segundo plano, o “plano da ação organizacional”, este se caracteriza por
outros tipos de regras menos visíveis, designadas como “não-formais” e “informais”. Tais
regras seguem uma lógica menos gida e estruturada, são produzidas pelos atores no
cotidiano de suas práticas. Podem tanto se pautar pela normatividade estabelecida pelo
sistema, como se contrapor, confrontar ou ignorar a mesma. Lima enfatiza que
Por oposição às regras formais estes dois tipos de regras caracterizam-se pela sua
natureza não-oficial, pela sua existência marcadamente circunstancial (...) e pela
sua produção organizacionalmente referenciada e localizada. São regras
atribuidoras de significados sociais e simbólicos, emergentes das interações dos
indivíduos, grupos e subgrupos. (2001, p. 53).
24
Assim, transita-se do domínio do que deve ser a organização para o domínio daquilo
que ela realmente é. Dificilmente as escolas e os atores fazem exatamente aquilo que lhes é
dito para fazer, seja porque não se prestam simplesmente a reproduzir aquilo que foi
determinado nas instâncias superiores e/ou alheias a sua vontade ou expectativas, ou porque
tais determinações não foram suficientemente compreendidas a ponto de serem por eles
assimiladas.
A este desacordo, negação ou resistência dos atores à normatividade decretada, Lima
denomina de “infidelidade normativa”. A infidelidade normativa, segundo o autor não pode
ser compreendida como “mero desvio” da organização em relação aos padrões estabelecidos,
antes é um fenômeno que afirma a escola não somente como locus de reprodução passiva,
mas como locus de produção ativa de novas regras e determinações projetadas e construídas
pelos sujeitos individuais e coletivos presentes na organização (p. 64).
As considerações acima explanadas acerca dos planos analíticos da organização
educativa propostos pelo autor português, são convenientes para entender que o fenômeno
pesquisado comporta as duas perspectivas de análise: a do plano das orientações e a do plano
da ação, ou seja, a proposta de eleição de dirigentes escolares instituída, normatizada e
decretada pelo Sistema Municipal de Educação a partir das orientações teóricas, políticas e
ideológicas adotadas pelos dirigentes municipais, no momento de sua efetivação pelas escolas
não ocorreu em plena conformidade com as regras e normas estabelecidas. Logicamente, que
no plano da ação essas regras repercutiram de diferentes maneiras, assim como tiveram
impactos diversos sobre os processos de gestão das mesmas. Esse é um fato importante a ser
lembrado e considerado. Por isso, uma investigação empírica de tal fenômeno poderia e
poderá ter um enorme significado para o sistema educacional na perspectiva de evidenciar
e descortinar aspectos não factíveis de serem revelados no plano das orientações. Entretanto,
nossa escolha foi investigar o objeto a partir do plano das orientações.
25
Tal escolha se justifica pela necessidade, não menos importante, de identificar,
esclarecer e analisar as concepções e tendências presentes nas orientações formais-legais
produzidas pelo sistema educacional, relativas ao processo de eleição de dirigentes, assim
como perceber as relações que as propostas de eleição construídas pelas diferentes gestões
municipais, ao longo de mais de dez anos de história no SME, estabelecem com os projetos
político-administrativos e político-pedagógicos mais amplos engendrados por governos de
perfis radicalmente divergentes. Finalmente, pretendeu-se verificar quais os avanços e as
limitações que as orientações oficiais investigadas apresentam para o processo de
democratização da gestão escolar.
Procedimentos técnicos de pesquisa
O primeiro passo do estudo consistiu de pesquisa bibliográfica, que objetivou construir
um sólido e abrangente referencial teórico-temático acerca das categorias centrais do estudo:
democracia, gestão democrática escolar e eleição de dirigentes escolares, assim como reunir
subsídios para analisar os dados advindos da pesquisa documental. O estabelecimento das
categorias ocorreu durante a revisão da literatura e do primeiro contato com os documentos
oficiais que formam o corpus desta pesquisa.
Na construção do referencial teórico, alguns autores apresentaram-se como
imprescindíveis aos nossos propósitos investigativos, tais como: Boaventura de Souza Santos
e Leonardo Avritzer (2003); Domenico Losurdo (2004); Elenaldo Teixeira (2002); Leonardo
Avritzer (1996); Licínio Lima (2001; 2002); Marilena Chauí (2003); Norberto Bobbio (1989;
2003); Maria Victória Benevides (1996); Vitor Henrique Paro (1991; 1996; 2001); Luiz
Fernandes Dourado (2000; 2003), entre outros.
O segundo passo constituiu-se da pesquisa documental, que teve por finalidade
realizar uma análise dos principais documentos oficiais produzidos pelos órgãos gestores da
política municipal, no período de 1997 a 2004. O que se buscou nesses documentos foram
26
referências sobre a perspectiva oficial de democracia, gestão democrática e eleição de
diretores\diretoras preconizada pelos programas governamentais, projetos educativos, e
instrumentos normativos produzidos nas gestões dos prefeitos Hélio Gueiros/PFL (1993-
1996), Edmilson Rodrigues/PT (1997-2004) e Duciomar Costa/PTB (2005-).
Lüdke e André (1986) informam que a análise documental pode se constituir “numa
técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja complementando as informações
obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema” (p. 38).
As autoras afirmam que “a análise documental busca identificar informações factuais nos
documentos a partir de questões ou hipóteses de interesse” e ressaltam que os documentos não
representam apenas uma fonte de informação contextualizada, mas são produzidos num
contexto determinado e fornecem informações sobre esse mesmo contexto (p. 39).
Após realizar uma primeira leitura dos principais documentos disponíveis, foram
selecionados aqueles que formam o corpus desta pesquisa e sobre os quais nos debruçamos
para construir nossas análises, quais sejam:
Mensagens do Prefeito Hélio Gueiros à Câmara Municipal de Belém (1993-
1996);
Série Caminhos da Educação/SEMEC (1993-1996);
Mensagens do Prefeito Edmilson Rodrigues à Câmara Municipal de Belém
(2001-2004);
Planos de Governo da Frente Belém Popular (1997-2000; 2001-2004);
Luzes na Floresta: a experiência democrática e popular em Belém (1997 a 2000);
Lei Municipal nº. 7.722/94;
Portaria Complementar da SEMEC nº. 736/96;
I Fórum Municipal de Educação “Projeto político-pedagógico: um olhar que re-
signifique a educação municipal” (1997);
27
I Conferência Municipal de Educação “Escola Cabana: dando futuro às crianças”
(1998);
Portaria da SEMEC nº. 523/99;
Portarias da SEMEC nº. 716/99;
Escola Cabana: construindo uma educação democrática e popular (1999).
Resoluções do nº. 006/2001 e nº. 010/2001 do CME;
Proposta de Plano Municipal de Educação (2004);
Anteprojeto de substituição à Lei nº. 7.722/94 (2004);
Mensagens do Prefeito Duciomar Costa à Câmara Municipal de Belém (2005);
Portaria da SEMEC nº. 1.563/05.
Através de um estudo pormenorizado desses documentos, pretendeu-se identificar as
intencionalidades políticas dos governos municipais do período delimitado, caracterizar os
seus respectivos projetos educacionais e propostas de eleição direta de dirigentes escolares,
assim como perceber as concepções de democracia e gestão democrática inerentes aos
mesmos.
Respeitando a coerência e o rigor metodológico exigidos no desenvolvimento de uma
pesquisa cientifica, cabe registrar que as análises apresentadas ao longo deste trabalho não se
construíram somente através da leitura dos documentos e nem a partir de um olhar distanciado
do problema, mas o fato de ser partícipe ativa do fenômeno investigado possibilitou articular e
fazer interagir as impressões observadas empiricamente com os dados oficiais publicados.
Sendo assim, nossas análises se desenvolveram tanto numa perspectiva descritivo-
interpretativa do conteúdo manifesto e latente dos documentos como numa perspectiva
analítico-discursiva dos mesmos. Nossos parâmetros primordiais foram as categorias acima
mencionadas.
28
6. Resumo dos Capítulos
I CAPÍTULO - DEMOCRACIA E GESTÃO DEMOCRÁTICA DA EDUCAÇÃO:
HISTÓRIA E CONTEXTO.
O primeiro Capítulo visa regatar aspectos relevantes das idéias de representação e
participação política consagradas pela tradição democrática liberal, discutir os novos
significados de democracia e participação engendrados pelos movimentos sociais no contexto
dos anos 70 e 80 e reconstruir, brevemente, a trajetória de luta pela institucionalização da
gestão democrática da educação e pela eleição direta de dirigentes escolares no Brasil,
enfatizando os limites e possibilidades desse mecanismo de democratização com base em
pesquisas desenvolvidas sobre o tema em âmbito nacional.
II CAPÍTULO - A ELEIÇÃO DE DIRIGENTES ESCOLARES COMO DIMENSÃO
DOS PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS E PROJETOS EDUCACIONAIS
VIGENTES NO MUNICÍPIO DE BELÉM NO PERÍODO DE 1993-2004.
O segundo Capítulo, construído com base em pesquisa documental, objetiva
identificar, historiar e discutir as propostas de eleição de diretores\diretoras instituídas pelo
Sistema Municipal de Ensino, no período de 1993-2004, como dimensão dos programas de
governo e dos projetos educativos implementados pelos prefeitos Hélio Gueiros, do Partido
da Frente Liberal - PFL (1993-1996) e Edmilson Rodrigues do Partido dos Trabalhadores
PT (1997-2004) no curso de suas gestões à frente da administração pública do município de
Belém. Para isso, fez-se necessário remontar a trajetória de cada período administrativo a
partir das mensagens oficiais contidas nos programas governamentais, nos projetos
educacionais instituídos e nas normas estabelecidas pelas respectivas gestões.
29
III CAPÍTULO - DEMOCRACIA E ELEIÇÃO DE DIRIGENTES ESCOLARES NO
SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO DE BELÉM: ANÁLISES E PERSPECTIVAS.
O terceiro Capítulo, realiza um balanço dos avanços e limites do processo de
institucionalização da eleição de dirigentes escolares no Sistema Municipal de Ensino. Ao
longo do texto, procuramos discutir e analisar as concepções de democracia, gestão
democrática e eleição de dirigentes escolares que fundamentaram os projetos políticos e
educacionais investigados no segundo Capítulo, assim como caracterizar, em linhas gerais, os
eixos da proposta educacional estabelecida pela gestão do atual prefeito Duciomar Costa
(2005-2008), do PTB, com foco nas mudanças introduzidas nas orientações legais do sistema
educacional para a realização da escolha de dirigentes nas escolas municipais, a partir das
quais podemos vislumbrar as perspectivas que se aponta para essa prática no contexto
investigado.
30
Capítulo I
DEMOCRACIA E GESTÃO DEMOCRÁTICA DA EDUCAÇÃO:
HISTÓRIA E CONTEXTO
Introdução
O presente Capítulo tem por objetivo construir um referencial teórico sólido e
abrangente sobre democracia e gestão democrática da educação que possa servir de suporte
para as discussões realizadas ao longo deste trabalho, relativamente à questão da
institucionalização da eleição de dirigentes escolares no Sistema Municipal de Ensino de
Belém como instrumento de democratização da gestão da escola pública e como dimensão
dos programas governamentais e projetos educacionais vigentes no município nos últimos
anos, nos quais a democracia está presente sob diferentes matizes teóricos e ideológicos.
No decorrer Capítulo procura-se resgatar um pouco da história da democracia moderna,
destacando aspectos relevantes das idéias de representação e participação democráticas que se
afirmaram na sociedade ocidental a partir do século XVIII, para em seguida situarmos essa
discussão no contexto brasileiro dos anos 70 e 80, onde o movimento pela redemocratização
deu visibilidade a novas idéias de democracia, fazendo surgir novos significados de
representação e participação política.
Na esteira do processo de redemocratização, os movimentos educacionais também
passaram a discutir a incorporação destas categorias democráticas no campo da gestão
educacional, a partir de significados mais críticos e abrangentes. Esse período demarca o
início da luta nacional em prol da gestão democrática da educação, a qual retomaremos aqui a
partir dos seus aspectos mais gerais.
31
Metodologicamente, o capítulo está estruturado em três seções construídas com base em
pesquisa bibliográfica, onde destacamos os seguintes autores: Francis Wolff, Noberto Bobbio,
Leonardo Avritzer, Boaventura de Souza Santos, Domenico Losurdo, Marilena Chauí,
Evelina Dagnino, Elenaldo Celso Teixeira, Licínio Lima, Vitor Paro e Luiz Fernandes
Dourado.
A primeira seção regata aspectos relevantes das idéias de representação e participação
política na perspectiva da concepção hegemônica de democracia; a segunda discute os novos
significados da participação engendrados pelos movimentos sociais no contexto dos anos 70 e
80 e a terceira tenta reconstruir, brevemente, a trajetória de luta pela institucionalização da
gestão democrática da educação e pela eleição direta de dirigentes escolares no Brasil,
enfatizando os limites e possibilidades desse mecanismo de democratização com base em
pesquisas desenvolvidas sobre a temática.
1. Um histórico das concepções democráticas
1.1 Representação e participação política nas origens da democracia liberal
A democracia liberal, nascida das grandes revoluções burguesas do século XVIII
(inglesa, americana e francesa) e consolidada nos países capitalistas ocidentais no século XX,
pode ser definida, resumidamente, como um sistema político de caráter essencialmente
representativo, em que a direção do estado e de suas instituições está concentrada nas mãos de
um corpo político-administrativo minoritário, escolhido pela maioria por meio de processo
eleitoral, supostamente dotado de conhecimentos e competência técnica para decidir, em
nome de todos, sobre questões gerais (política, jurídica e econômica) de interesse coletivo.
Partindo desse pressuposto, podemos concluir que essa concepção de democracia em
nada se identifica com a democracia grega do período clássico, a qual serviu de inspiração
para a democracia liberal e, também, onde tiveram origem os princípios de “igualdade
32
política” e “soberania popular”, propagados posteriormente como alicerces da segunda, sob
forma dos direitos fundamentais constituintes da cidadania moderna (igualdade, liberdade,
soberania). Entretanto, a realização desses princípios pelo Estado liberal se deu de maneira
radicalmente oposta aqueles como se realizavam entre os gregos. Deixando de lado a
inquestionável distância (temporal, cultural, social e econômica) que separa a sociedade
ateniense clássica da sociedade européia do século XVIII, assinalamos, a seguir, algumas
comparações entre as duas, apenas para discutir a origem e a transformação de duas categorias
que se tornaram centrais para o debate democrático contemporâneo: representação e
participação política.
O significado assumido por essas categorias no curso do desenvolvimento histórico da
democracia moderna deriva, exatamente, da forma como os princípios de igualdade política e
soberania popular foram realizados pelo Estado liberal.
Francis Wolff (2003), ao discutir a invenção da política na Grécia antiga, estabelece
um paralelo entre a “democracia dos antigos” e a “democracia dos modernos” e nos fala da
realização desses dois princípios políticos pelas duas formações sociais, assim como, das
implicações para o exercício do poder em cada uma delas. Essas observações são
particularmente interessantes para percebemos como passamos de uma idéia de democracia
como “governo do povo” para a idéia de democracia como “governo para o povo” ou “sobre o
povo”.
Entre os modernos, o princípio da soberania se exerce e se realiza por meio de
representantes (os deputados, os senadores, etc.) e entre os gregos a soberania se realiza
imediatamente. Os cidadãos da polis grega exercem a sua soberania diretamente na
Assembléia do Povo, a Ekklésia “lá as proposições são feitas por qualquer cidadão, e, depois
de debatidas, as decisões são tomadas por maioria de votos” (WOLFF, 2003, p. 35).
33
No primeiro caso, a soberania popular requer um órgão de poder independente da
própria comunidade: o parlamento, que leva à constituição de um grupo especializado nos
negócios de todos: os políticos, tal instância tem o efeito de garantir a exterioridade entre a
comunidade e o poder; enquanto que no segundo caso, o objetivo é garantir a mais completa
identidade entre as duas instâncias constitutivas do político (WOLFF, 2003, pp.35-36).
O segundo princípio, o de igualdade política, que nos dois casos completa o princípio
de soberania, também se realiza de duas formas totalmente opostas. Na democracia moderna,
a igualdade política consiste na “liberdade” que cada um tem de escolher os seus
representantes/governantes, por meio de eleição, e “nada nos parece mais democrático que
esse princípio” (WOLFF, 2003, p. 36). Na democracia grega a eleição é um procedimento
inexistente, ainda que haja critérios para o exercício do poder. Esses critérios se traduzem na
existência de três instituições complementares: a) a iségoria = igual direito de todos à palavra
política; b) a rotatividade dos cargos e c) o sorteio. A eleição para os modernos,
diferentemente do sorteio para os gregos, tem como objetivo selecionar entre alguns, os
“melhores”, aqueles mais capacitados para o exercício do poder. Enquanto que o objetivo do
sorteio é garantir a todos os cidadãos
3
a possibilidade de exercê-lo.
Os gregos cultivavam a crença de que todo cidadão deveria ser alternadamente
governante e governado. Wolff diz que a eleição para os gregos é um princípio, “por
definição, antidemocrático; o princípio do governo que eles mais opõem à democracia é a
oligarquia” e continua o autor:
De fato, no espírito de seus defensores, a eleição serve para selecionar a priori
aqueles que, no entendimento geral, são mais competentes para exercer
determinados cargos dirigentes essenciais. Portanto, o duplo pressuposto da eleição
é: de um lado, apenas “alguns” (oligoi), os melhores, devem exercer as funções de
comando; em outras palavras, os interesses de todos dizem respeito à competência
de alguns (pressuposto “tecno-crático”: poder da competência); de outro, uma
competição entre os pretendentes a tal cargo deve permitir que se escolham os
3
Pelo crivo da cidadania na sociedade ateniense estavam excluídos as mulheres, os escravos, os servos, os
pastores e os estrangeiros.
34
melhores é a eleição que intervém nascimento, influência, autoridade, reputação
pela experiência do passado, proposições para o futuro e outras considerações
(pressuposto “aristocrático”: poder concedido aos melhores). (WOLF, 2003, p.36)
Nos fins do século XVIII, quando a democracia ateniense havia se tornado apenas uma
longínqua lembrança, na França revolucionária de 1789 essas duas concepções de
democracia: a democracia direta (dos gregos) e a democracia representativa (dos modernos)
se confrontam num terreno concreto de luta política, por meio das idéias de dois grandes
teóricos do iluminismo francês: Montesquieu e Rousseau. Montesquieu, influenciado pela
revolução constitucionalista da Inglaterra do século XVII, advogava pelo sistema de
representação. Sobre a questão, o autor manifesta a seguinte posição: “O povo que detém o
poder soberano deve fazer por si mesmo tudo quanto possa fazer bem; e o que não pode fazer
bem, é preciso que o faça por meio de seus ministros (...) O povo é admirável para escolher
aqueles a quem deve confiar parte de sua autoridade” (MONTESQUIEU apud WEFFORT,
1995, p.128).
Por outro lado, Rousseau, adepto da democracia dos “antigos”, mostra-se
radicalmente contrário à idéia de representação (pelo menos para o Poder Legislativo) e
favorável à participação direta como expressão do efetivo exercício da soberania do povo. Em
célebre citação, o autor defende esta idéia com veemência:
A soberania não pode ser representada, pela mesma razão porque não pode ser
alienada; consiste essencialmente na vontade geral, e a vontade de forma alguma se
representa; ou é ela mesma, ou é outra, não há meio termo. Desta forma, os
deputados do povo não são, nem podem ser seus representantes (...) É nula toda lei
que o povo diretamente não ratificar e, em absoluto não é lei. O povo inglês pensa
ser livre e muito se engana, pois o é somente durante a eleição dos membros do
parlamento; logo estes são eleitos, ele é escravo, não é nada. Durante os breves
momentos de sua liberdade o uso que dela faz, mostra que bem merece perdê-la.
(ROUSSEAU apud WEFFORT, 1995, p. 235)
O enfrentamento entre essas duas idéias de democracia, no contexto da Revolução
Francesa, foi resolvido a favor da representação. A Declaração dos Direitos do Homem e do
35
Cidadão, de 1791, consagrou o sistema de representação parlamentar exclusiva e a idéia de
soberania popular se converteu em soberania nacional, ou seja, os cidadãos foram
convencidos de abrir mão de decidir eles mesmos sobre questões que diziam respeito aos seus
interesses individuais e de classe e passaram, então, a outorgar essa tarefa aos representantes
fiduciários, eleitos para defender os interesses gerais” da nação, esta compreendida como
uma entidade abstrata capaz de homogeneizar todas as vontades. A democracia direta
defendida por Rousseau foi considerada irrealizável nos modernos Estados-nação que se
ergueram por meio das revoluções burguesas. A partir daí, a democracia se transformará num
regime cada vez mais representativo e a soberania se restringirá cada vez mais ao ato eleitoral
(BENEVIDES, 1996).
Um dos grandes argumentos utilizados pelos teóricos da democracia liberal para
justificar a predominância do sistema de representação sobre as formas mais diretas de
participação no estado moderno é a questão do crescimento da burocracia estatal que se
tornou incompatível com a soberania autônoma. Esta tese será aprofundada pelos autores da
teoria do Elitismo Democrático no século XX, entre os quais Max Weber, Joseph Schumpeter
e Norberto Bobbio (AVRITZER 1996; AVRITZER e SANTOS 2003; CHAUÍ, 2003;
BOBBIO,1983 e 2000).
Como registra o próprio Bobbio, o crescimento da burocracia é um fato inerente à
própria expansão do estado moderno, o aparelho do estado cresceu “não somente em
dimensões, mas também em funções, e cada aumento das funções do estado foi resolvido com
o crescimento do aparelho burocrático, isto é, de um aparelho de estrutura hierárquica e não
democrática” (1983, p. 59-60). O autor afirma que entre democracia e burocracia existe uma
relação de conseqüência direta, o processo de democratização e o processo de burocratização
não somente ocorrem ao mesmo tempo, mas o segundo é resultado direto do primeiro. Mais
36
adiante, na discussão sobre a hegemonia da democracia representativa no século XX,
retomaremos essa questão.
Não o estado como instituição cresceu, mas as cidades dentro dos estados também
cresceram, a população aumentou, os problemas urbanos surgiram e se multiplicaram, a
desigualdade social entre as classes e grupos aumentou, as atividades econômicas se
diversificaram e se complexificaram, assim como as pressões das classes trabalhadoras pela
garantia de direitos se intensificaram. Esses fatores, derivados de mudanças operadas no setor
produtivo, foram responsáveis pela reconfiguração do estado dentro de uma nova ordem
política, econômica e social, surgida da ruptura do feudalismo como modelo econômico e do
absolutismo como modelo político. Em seu lugar, ergueram-se o capitalismo industrial e a
democracia representativa como novas formas de dominação econômico-política da
burguesia. Assim, os princípios de liberdade e igualdade, à base dos quais nasceu o estado
liberal, foram se modificando de acordo com o projeto político da nova classe dominante.
Liberdade passou a referir-se à propriedade e igualdade política ao direito escolher pelo voto
(CHAUÍ, 2003).
Sobre a relação estado-democracia, Bobbio assinala que entre estado liberal e estado
democrático existe uma relação de interdependência, no sentido de que
O Estado liberal é o pressuposto não histórico, mas jurídico do Estado
democrático. Estado liberal e Estado democrático são interdependentes em dois
modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são
necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na
direção que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário poder
democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais.
Em outras palavras, é pouco provável que um Estado não-liberal possa assegurar
um correto funcionamento da democracia, e de outra parte é pouco provável que
um Estado não democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais.
(2000, p. 33)
Em outro momento, Bobbio (1983) defende que o surgimento da democracia liberal
não pode ser entendido somente como uma obra arquitetada pela burguesia para obter a
37
hegemonia sobre todas as outras classes por meio do poder do estado, mas, também, é
resultado das lutas das classes trabalhadoras pela ampliação de sua participação política.
O autor tem razão quanto a sua afirmativa de que a democracia moderna não resultou
apenas das “artimanhas” da burguesia para a tomada do poder, pois muitas conquistas
democráticas dentro do Estado liberal foram possíveis pela via da organização popular.
Entretanto, a sua tese de “desenvolvimento espontâneo do liberalismo em direção à
democracia” é para Losurdo (2004, p. 51) um mito que não resiste à investigação histórica,
porque “É um dado de fato que precisamente os países com uma tradição liberal mais
consolidada acumularam um considerável atraso histórico no próprio terreno da emancipação
política”, visto que a seletividade para se exercer a cidadania é um fato que sempre colocou
em risco a democracia.
Segundo Losurdo, da democracia como hoje a entendemos, faz parte em qualquer caso
o sufrágio universal, mas até este direito político se estender a todos os cidadãos/cidadãs em
todos os recantos do planeta onde vigora o regime da democracia representativa foi necessário
se trilhar uma longa história, não “atormentada e marcada por revoluções” como traçada
em ziguezague “no sentido de que, às vezes, a vitórias exaltantes se seguem derrotas
desastrosas”. À conquista da emancipação, “bem pode se seguir a amargura da des-
emancipação, ou seja, da perda dos direitos tão arduamente conquistados” (2004, p. 10).
O incisivo autor italiano afirma que desde as revoluções democráticas do século XVIII
as “cláusulas de exclusão” estabelecidas pela tradição liberal para restringir a participação
política das camadas populares têm se manifestado sob variadas formas como: a instituição do
voto censitário (exclusão dos não-proprietários), o voto de peso proporcional (proposta de
Stuart Mill), eleição em graus diferentes (democracia americana) e a negação do direito
político às mulheres, negros, imigrantes e analfabetos. Negações que conferiram à burguesia o
monopólio sobre a democracia com a intenção de “preservar” o sistema político das
38
influências negativas daqueles que foram comparados por muito tempo pela tradição liberal
clássica como “bestas de carga”, “instrumentos de trabalho”, “máquinas bípedes” ou, na
melhor das hipóteses, as “crianças” que não possuem inteligência suficiente para opinar nas
questões do Estado (LOSURDO, 2004).
Ainda que inegável, a participação política das minorias no desenvolvimento da
democracia liberal-representativa sempre foi bem mais restrita do que os anseios e as
necessidades das camadas populares, o que para Losurdo torna evidente o caráter des-
emancipador da democracia liberal.
Essa questão foi levantada pelas teorizações socialistas no final do século XIX e início
do século XX. A crítica marxista ao estado liberal denuncia o caráter formal e ideológico do
sistema representativo como regime de sustentação do domínio burguês. Para Marx, o estado
capitalista é um estado de classes, onde quem detém os meios de produção detêm a
hegemonia política. A igualdade burguesa é uma igualdade formal, sendo os interesses da
burguesia antagônicos aos interesses do trabalhador, os representantes eleitos por um jogo de
correlação de força desigual (com desvantagem para os segundos, possuidores apenas da força
de trabalho) tendem a defender os seus interesses de classe em detrimento dos interesses da
classe subalterna. Marx afirma que o estado moderno “não passa de uma junta que administra
os negócios da burguesia” (MARX apud WEFFORT, 1995, p. 266) e a democracia liberal é o
regime político que legitima essa forma de dominação.
Santos e Avritzer (2003, pp. 44-45), com o objetivo de caracterizar o debate
democrático na primeira metade do século XX, afirmam que este foi marcado pelo
enfretamento entre duas concepções antagônicas de mundo e de democracia: a concepção
marxista e a concepção da liberal-democracia. Do enfrentamento entre essas duas correntes
surgiu a concepção hegemônica de democracia. Segundo os autores, esta concepção procurou
responder a três questões fundamentais, cujas respostas determinaram o próprio conteúdo da
39
democracia no século XX: a relação entre procedimento e forma; o papel da burocracia na
vida democrática; e a inevitabilidade da representação nas democracias de grande escala. A
resposta dada a essas questões levou ao predomínio da democracia como forma e não como
substância. A resposta formal à questão democrática se dada pelos teóricos do chamado
“elitismo democrático”, quais sejam: Max Weber, Joseph Schumpeter e Norberto Bobbio.
A próxima seção discute os aspectos mais gerais do elitismo democrático, destacando
os principais argumentos utilizados para convencer sobre a necessidade da restrição da
participação e da inevitabilidade da representação nos sistemas democráticos modernos.
È valido esclarecer que por burocracia se entende um modelo administrativo
caracterizado pelo exercício hierárquico do poder, pela centralização das decisões, pela
necessidade de formação de consenso, pela fragmentação e especialização de tarefas, pela
rigidez no cumprimento de regras e regulamentos e pelo controle formal-legal das ações
(LIMA, 2001).
1.2 A hegemonia da democracia representativa no século XX
Santos e Avritzer afirmam que a proposta de democracia que se tornou hegemônica ao
final de duas guerras mundiais implicou em “uma restrição das formas de participação e
soberania ampliadas em favor de um consenso em torno de procedimento eleitoral para a
formação de governos” (2003, pp.39-40), principalmente nos países da segunda onda de
democratização
4
. Essa concepção procedimentalista de democracia se sustenta,
fundamentalmente, nas idéias de Max Weber, Joseph Schumpeter
5
e Norberto Bobbio. O
ponto de partida desses autores é a relação entre democracia e socialismo, estes retomam um
antigo problema da teoria democrática clássica, recolocado pela teoria socialista: a questão da
soberania popular.
4
Termo utilizado para designar o processo de democratização dos países europeus ocidentais no período pós-
Segunda Guerra Mundial, a exemplo da Alemanha, da Itália.
5
Discutiremos os argumentos teóricos de Weber e Schumpeter, a partir das interpretações de Avritzer (1996);
Avritzer e Santos (2003); e Chauí (2003).
40
Weber parte da idéia de que a perda do controle do indivíduo moderno sob as arenas
política, administrativa, militar e científica é um fato inevitável. A expansão e
“complexificação” do estado moderno impuseram a existência de uma burocracia hierárquica
e especializada, capaz de controlar as inúmeras questões que se tornaram políticas na
modernidade como saúde, educação, previdência social, etc. (AVRITZER, 2003, p. 565). O
autor alemão analisa os limites “objetivos” da proposta de soberania defendida por Rousseau
e pelos socialistas e constata que além de idealista, esta é uma idéia incompatível com as
estruturas administrativas do estado moderno. Nesse sentido, a restrição da autonomia
individual acaba sendo imperativa, pois, somente uma burocracia especializada pode lidar
com essa complexidade. Para Weber, democracia consiste na igualdade formal de direitos
políticos, portanto, a solução para o conflito entre democracia e burocracia pode estar na
generalização do voto a todos os cidadãos. Desta forma, o sufrágio universal passa a ser a
dimensão formal justificadora da democracia (AVRITZER, 1996, pp. 103-109).
Schumpeter, por sua vez, diz que a democracia clássica e a democracia socialista
apresentam duas ficções incapazes de resistir a uma análise racional: a de “bem comum” e a
do “indivíduo racional” (AVRITZER, 1996). Com relação à primeira ficção, Schumpeter
propõe a substituição do mito da unidade da vontade geral pela pluralidade de vontades. A
pluralidade de vontades indica a multiplicidade de valores, não podendo existir uma única
vontade geral capaz de contemplar todas as outras, o que se pode conseguir, no máximo, é
fazer com que essas vontades cheguem num acordo entre si. E esse acordo é firmado por meio
do consenso eleitoral através dos partidos políticos que competem entre si pela liderança
política. No que se refere à racionalidade, o autor desconfia da capacidade das massas para
tomar decisões políticas racionais, visto que os indivíduos têm uma grande propensão a se
interessar muito mais por questões pessoais e econômicas do que por questões políticas.
Dessa forma, propõe como saída para superar a irracionalidade das massas, a limitação da sua
41
participação na política ao ato eleitoral. A sua proposta é substituir a idéia de democracia
como soberania pela idéia de democracia como método. Para ele, o elemento procedimental
da democracia não é mais a forma como o processo de tomada de decisões remete à soberania
popular, mas o processo democrático é justamente o contrário: “um método para se chegar a
decisões políticas e administrativas”. Em outras palavras, a democracia consiste num
“mecanismo de formação e autorização de governos” (SANTOS e AVRITZER, 2003, p. 45).
Nessa concepção, a função dos votantes não é a de resolver problemas, mas apenas de
eleger uma elite dirigente que deverá decidir quais os problemas que merecem ser resolvidos
e como resolvê-los (CHAUÍ, 2003, p. 138). Em síntese, os eleitores devem desempenhar um
papel passivo nos governos e nos processos de tomada de decisão, remetendo essa tarefa às
elites dominantes dotadas de racionalidade e de capacidade para promover a estabilização das
demandas da vontade política através do aparelho do estado.
Partindo do que chama de um conceito mínimo de democracia, Bobbio afirma que “o
único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, é o de caracterizá-la
como um conjunto de regras que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas
e com quais procedimentos” (2003, p. 30). Essas regras, resumidamente, podem ser assim
enumeradas: a) direito de todos de participar do processo eleitoral; b) peso igual do voto de
todos os cidadãos; c) realização de eleições periódicas; d) livre competição entre os partidos;
e) direito de liberdade de expressão e opinião dos eleitores; e d) garantia de alternativas reais
de escolha aos cidadãos (BOBBIO, 1983, p. 56). Todos esses procedimentos contribuem para
a constituição de uma única regra fundamental da democracia: a regra da maioria, alcançada
através do consenso eleitoral.
A partir dessa definição, o autor confronta as concepções rousseauniana e marxista de
democracia e combate as críticas socialistas à democracia representativa. Os argumentos
utilizados por Bobbio para defender a democracia representativa se referem basicamente ao
42
aprofundamento da burocracia e da tecnocracia no estado moderno e à inviabilidade de
formas mais ampliadas de participação nas democracias de grande escala.
Para Bobbio, a burocracia e a tecnocracia são conseqüências “naturais” do próprio
processo de democratização, posto que “todos os estados que se tornaram mais democráticos,
tornaram-se ao mesmo tempo mais burocráticos” (2003, p. 47). Essa relação de conseqüência
entre democracia, burocracia e tecnocracia é apontada pelo autor como os paradoxos
6
da
democracia moderna ou como “obstáculos não previstos do processo de democratização”
(BOBBIO, 2003, p. 46).
O autor defende que esses dois fenômenos: burocracia e tecnocracia são efeitos do
alargamento da participação política das massas trabalhadoras, que trouxeram para o interior
do estado novas demandas por serviços sociais que antes não faziam parte das obrigações
estatais. Esta mudança na atuação administrativa do Estado se dá na passagem do Estado
liberal para o estado de bem-estar. Bobbio lembra que “quando os proprietários eram os
únicos que tinham direito de voto, era natural que pedissem ao poder público o exercício de
apenas uma função primária: a proteção da propriedade” (BOBBIO, 2003, p. 47). À medida
que o voto foi estendido aos não-proprietários, aos trabalhadores, às mulheres e aos
analfabetos, começaram a surgir exigências por escola, habitação, hospitais, previdência e
seguridade social, forçando a ampliação do aparato burocrático do estado e exigindo a
presença de um corpo funcional cada vez mais especializado para solucionar os problemas
que passaram a exigir competências mais técnicas do que políticas.
O crescimento da burocracia estatal e o correspondente aumento da tecnocracia na
administração pública impuseram inúmeras dificuldades para o exercício de uma participação
mais direta dos cidadãos nas decisões político-administrativas. Bobbio fala que o tipo de
6
No texto Quais alternativas à democracia representativa? Bobbio enumera os quatro paradoxos da democracia
moderna: 1. a exigência de mais democracia em condições objetivas sempre mais desfavoráveis; 2. o aumento da
burocracia; 3. o aumento da tecnocracia; 4. a incompatibilidade entre democracia, indústria cultural e indústria
política (BOBBIO, 1983, p. 58-62).
43
democracia que Rousseau tinha em mente poderia existir nos pequenos estados, onde o
povo se reunia facilmente numa assembléia para deliberar sobre problemas menos complexos
do que os atuais. Segundo o autor, um tipo de democracia direta onde todos os cidadãos
participem de todas as decisões é, nos dias de hoje, uma proposta insensata. Que todos
decidam sobre todas as coisas em sociedades sempre mais complexas, é algo materialmente
impossível, nenhum governo pode sobreviver se tiver que submeter à aprovação popular
(referendo) todos os seus atos (BOBBIO, 2003).
O autor diz reconhecer que a democracia não é um acontecimento que deva ficar
restrito aos espaços políticos do estado (parlamento, ministérios), mas que precisa ser
estendida aos demais espaços sociais: à fábrica, à escola, ao hospital, etc.. Entretanto, a
ampliação que propõe é apenas dos procedimentos representativos, ou seja, o tipo de
democracia que o autor deseja ver generalizada é aquela que se realiza pela ação dos
representantes em substituição à participação dos próprios atores sociais nos processos
decisórios. Na sua conclusão o problema da democracia não é o de ser representativa, mas de
não o ser o suficiente.
Alguns argumentos de Bobbio têm seus pontos de pertinência, como aquele referente à
radicalização da democracia direta, conceituada ironicamente pelo autor como o “fetiche” do
socialismo (1983). O autor é desfavorável à democracia direta como uma forma exclusiva de
governo, mas isso parece levá-lo a um outro extremo, o da exclusividade da representação. A
exigência de ampliação da participação popular tem apontado, nas experiências democráticas
mais avançadas, para uma combinação estratégica entre democracia representativa e
democracia participativa e não para exclusividade da participação. Até porque, essa é
realmente uma idéia insensata quando pensamos nas complexas estruturas administrativas do
estado atual, mas isso não impede que essas estruturas possam ser alteradas e se
experimentem outras formas de cooperação entre estado e sociedade, a exemplo das
44
experiências de orçamento participativo, fóruns populares de planejamento e deliberação de
políticas setoriais, conselhos gestores, desenvolvidas em várias cidades brasileiras que
instituíram uma nova metodologia para a tomada de decisão no âmbito do poder local,
estruturadas em procedimentos participativos e representativos simultaneamente.
Outros argumentos são bastante discutíveis e contestáveis. Uma dessas contestações é
feita por Marilena Chauí (2003) com relação à tese de Bobbio sobre a relação de
conseqüência direta entre democracia e burocracia/tecnocracia. Chauí (2003, p. 188-189)
afirma que é rigorosamente verdadeiro que a burocracia e a tecnocracia decorrem da
ampliação das organizações empresariais e estatais na sociedade industrial, mas não é tão
verdadeiro que esses processos tenham sido causados pelo aumento da participação e
representação democrática das massas. Chauí tem clareza que “não são as pressões populares
(seja pelo voto, seja pela opinião pública, seja pelos movimentos e associações de massa) que
engendraram a organização, a burocracia e a tecnocracia, mas outras razões bastante
diversas”. As razões às quais a autora se refere são duas: a racionalidade capitalista e o projeto
da burguesia para impedir a democratização. A primeira razão está relacionada à exigência
para a “valorização do valor” em escala mundial; a segunda, considerada como mais
importante, revela que a burocracia e tecnocracia não são como afirma Bobbio, “obstáculos
não previstos do processo de democratização”, antes de tudo é
a resposta encontrada pelas classes dominantes para impedir a democratização.
Nada há nos projetos populares-democráticos que expliquem numa relação de causa
e efeito o surgimento do mundo da organização e da burocracia, senão como formas
de controlar as exigências democráticas em nome de supostos princípios racionais
do funcionamento de sociedades complexas. Afinal, se Bobbio crê em sua
afirmação que a democracia é subversiva e por isso difícil, de concordar que as
classes dominantes façam o possível e o impossível para controlar e desmantelar os
efeitos de práticas democráticas. (CHAUÌ, 2003, pp. 188-189, grifo nosso)
Por outro lado, Santos e Avritzer (2003) afirmam que a burocracia analisada por
Bobbio consiste em formas administrativas “monocráticas e homogeneizantes”, ou seja, uma
45
administração que “advoga por uma solução homogênea para cada problema” (a resposta
disciplinar do especialista), enquanto que os problemas administrativos na atualidade estão
sempre cobrando soluções mais plurais (interdisciplinares). Os autores analisam que a
burocracia descrita por Bobbio, se mostra incapaz de se apropriar dos conhecimentos detidos
pelos atores sociais para solucionar problemas de gestão, assim como não demonstra condição
de “agregar ou lidar com o conjunto das informações necessárias para a execução de políticas
complexas nas áreas social, ambiental ou cultural(SANTOS e AVRITZER, 2003, p. 28). É
por esse motivo que os chamados “arranjos participativos”, que se caracterizam por formas
diretas de intervenção dos atores sociais nos processos de debates e de tomada de decisões,
devem ser re-inseridos na agenda democrática, concluem os autores.
1.3 Novos significados da participação democrática no Brasil dos anos 70 e 80
A idéia de participação restrita à formalidade dos processos eleitorais será
frontalmente confrontada pelos movimentos sociais erguidos no confronto com os regimes
autoritários instalados na periferia capitalista na segunda metade do século XX. Este é o caso
do Brasil, que apesar de contar com a presença de um estado representativo desde os fins do
século XIX, o povo não conseguiu desfrutar plenamente dos “benefícios” da democracia
representativa, em função de uma cultura política que oscilou entre práticas patrimonialistas,
clientelistas, populistas e autoritárias, predominantes na organização do estado nacional e na
relação entre governantes e governados no decorrer de todo o século XX. Soma-se a isso, o
saque aos direitos civis e políticos executados a cada novo período em que o estado procurou
no centralismo autoritário a solução para as crises internas de crescimento
7
. Para Chauí (2003,
p.198), no caso brasileiro, por muito tempo, não se tratou “sequer das dificuldades da
democracia representativa, mas da pura ausência de qualquer forma democrática”.
7
José Luis Fiori (2003) discute o papel do estado brasileiro diante das crises econômicas nacionais e as
estratégias de centralização nos períodos ditatoriais do Estado Novo e da Ditadura Militar.
46
Num momento de acirrada contestação da ordem ditatorial pela sociedade civil
brasileira que a questão da participação foi recolocada no centro do debate democrático, isto
durante o processo de transição do regime militar para a Nova República. O movimento
nacional em prol da democracia guarda semelhanças com o fenômeno ocorrido nos países do
Sul da Europa nos anos 70 e na América Latina nos anos 80 do século XX. Nesses países, os
movimentos sociais exerceram um papel decisivo para o restabelecimento da democracia,
tendo se constituído no principal foco de resistência às ditaduras instaladas nessas regiões em
décadas anteriores (AVRITZER, 2003).
No Brasil, apesar da repressão à livre organização da sociedade civil, a ditadura não
conseguiu impedir a emergência dos novos movimentos sociais que se levantaram contra o
autoritarismo. Entre os fins dos anos 70 e início dos anos 80, movimentos sociais que haviam
sido desarticulados pelo golpe de 64 retornam à cena política, enquanto outros foram criados.
Nesse momento, o país experimentou um forte associativismo entre os mais diversos setores
sociais como sindicatos, entidades de profissionais, movimentos urbanos, movimentos de
trabalhadores rurais, partidos políticos, organizações não-governamentais, comunidades
eclesiais de base ligadas à igreja católica, etc. Esses novos atores políticos unificados na luta
pela democracia passaram a disputar um novo significado de participação política
8
. Esses
movimentos reivindicavam entre outras coisas o retorno das eleições diretas para todos os
níveis de governo, o restabelecimento dos direitos civis fundamentais, a melhoria de
qualidade de vida, a reforma agrária, a distribuição eqüitativa de renda e a democratização do
acesso a políticas sociais básicas, enfim, o “direito a ter direitos”.
Embora a luta pelo retorno das eleições diretas tenha se destacado como uma das
grandes bandeiras dos movimentos sociais durante o processo de transição democrática,
conforme evidenciamos na imensurável campanha das “diretas já!” que reclamava realização
8
Sobre a mobilização da sociedade civil brasileira pela derrubada da ditadura militar vide Carvalho (2003);
Dagnino (2003); e Avritzer (2003).
47
de eleição direta para presidente em 85, a experiência vivenciada pelos movimentos sociais
possibilitou uma ampliação do conceito de participação para além do sistema eleitoral, à
medida que originou um outro tipo de participação, definida como “participação
movimentalista”, orientada pela lógica consensual-solidarística, em contraposição à lógica
racional-competitiva, característica da concepção de participação institucional-burocrática
vigente até então (SILVA, 2003, p. 34).
A participação efetiva dos atores sociais no processo de (re)construção social e política
do País passa a ser defendida como dimensão fundamental da nova noção de cidadania
disputada pelos segmentos mais progressistas no contexto da redemocratização brasileira.
Dagnino, ao analisar a movimentação da sociedade civil nos anos 80 em torno de um novo
projeto de cidadania e de democracia, afirma que
A redefinição da noção de cidadania, empreendida pelos movimentos sociais e
por outros setores sociais na década de 80, aponta na direção de uma sociedade
mais igualitária em todos os seus níveis, baseada no reconhecimento dos seus
membros como sujeitos portadores de direitos, inclusive aquele de participar
efetivamente na gestão da sociedade. (2003, p. 10)
Nesses termos, ao significado limitado de participação como mero ato de autorizar
governos se contrapôs uma nova concepção que apontava para a instituição de um outro
padrão de relacionamento entre estado e sociedade. A participação exigida pelos setores
excluídos dos processos decisórios por quase vinte anos era uma participação que
reivindicava o direito de intervenção dos atores sociais nos processos de formulação de
políticas públicas e no controle social do estado. Ainda de acordo com Dagnino, foi a partir
do movimento de redemocratização que a sociedade civil começou a construir novas
compreensões sobre a relação estado-sociedade. O antagonismo declarado que caracterizou
essa relação no apogeu do regime militar foi gradativamente perdendo espaço para “uma
postura de negociação que aposta na possibilidade de uma atuação conjunta, expressa
48
paradigmaticamente na bandeira da participação da sociedade civil” (DAGNINO, 2003, p.
13).
Nessas circunstâncias, a participação foi deixando de ser entendida como “dádiva” ou
“concessão” do estado e passou a ser encarada como um processo complexo e contraditório
de disputa e conquista de direitos negados
9
. Esse processo vem se constituindo por meios de
avanços e recuos, de continuísmos e rupturas, posto que as partes envolvidas nessa relação,
disputam demandas heterogêneas, ocupam posições de poder diferenciadas, defendem visões
de mundo conflituosas, cumprem objetivos diversos na trama social e política.
Essa nova concepção de participação, a qual Teixeira (2003) designa de “participação
cidadã”, visa fortalecer a sociedade civil na sua relação com o estado e construir uma ordem
pública regida pelos critérios de solidariedade, eqüidade e justiça social. Esse fortalecimento
se com base no cumprimento de deveres e responsabilidades políticas por um lado, e na
conquista e exercício de direitos, por outro. Para Teixeira, esta forma de participação
compreende algumas dimensões fundamentais que são definidoras do próprio objetivo da
participação política na conjuntura atual: a dimensão decisória, a dimensão de controle social
do estado, a dimensão de expressão de idéias e posturas e a dimensão da educação para a
cidadania.
O autor acredita que o caráter decisório da participação deve se estender para além da
decisão eleitoral, porém, reconhece os limites concretos (materiais, políticos, psicológicos,
técnicos, culturais e institucionais) que impedem e/ou dificultam a participação direta do
cidadão em todos os momentos dos processos decisórios: formulação, implementação,
acompanhamento e avaliação das políticas. Embora defenda a participação direta nos
momentos estratégicos do processo de tomada de decisão, o autor confirma que “a sociedade
civil não pode substituir o estado, que deve dispor de agentes capacitados e legitimados (por
9
Pedro Demo (1996) realiza esse debate no seu livro Participação é Conquista.
49
meio do sufrágio universal) para as diferentes funções, responsabilizando-se pelos seus
resultados” (TEIXEIRA, 2003, p. 34). Nesse sentido, propõe a combinação estratégica de
procedimentos participativos que têm a função de explicitar diferenças étnicas, raciais,
culturais, identidades subalternas, de gênero e aspirações dos diversos grupos sociais que
compõem uma determinada comunidade com procedimentos representativos que traduzam
generalidade de interesses e universalidade de direitos. Teixeira expressa a crença de que a
participação direta é mais valiosa no debate, na apresentação de propostas, na pressão ao
atendimento de demandas e no controle da ação dos agentes políticos. Esse último aspecto
remete imediatamente à dimensão do controle social.
A participação entendida como instrumento de controle social do estado, implica na
definição de critérios e parâmetros que devem orientar a ação pública, o que é o inverso da
idéia de controle exercido pelo estado sobre a sociedade. Teixeira entende que o controle
social compreendido sob essa ótica se baseia numa “noção de soberania popular, no sentido
não apenas de poder eleger mandatários, mas de poder exercer o controle sobre o mandato de
forma permanente e não por eleições” (2003, p.39). De acordo com o autor, o controle
social se efetiva por meio de duas ações básicas: a primeira, o que tem se chamado
accountability, se refere à obrigação dos mandatários e representantes eleitos prestarem
contas dos seus atos e decisões e ao direito dos cidadãos de exigi-los, conforme parâmetros
estabelecidos social e institucionalmente. Em síntese, é o que podemos designar de
transparência político-administrativa. A segunda ação é a responsabilização e consiste no
dever dos agentes políticos responderem “pelos atos praticados em nome da sociedade,
conforme os procedimentos estabelecidos nas leis e padrões éticos vigentes” (TEIXEIRA,
2003, pp. 38-39).
O que está em jogo nessa definição de participação, é, na verdade, a própria noção de
cidadania compreendida como um conjunto indivisível de direitos e deveres que servem para
50
limitar a ação arbitrária do estado
10
. Entretanto, como enfatiza Teixeira, a correção dos
desvios representativos e a responsabilização dos agentes políticos requerem, por um lado,
uma sólida organização da sociedade civil, sua estruturação e permanente capacitação para
esse fim, por outro, a transparência e visibilidade do estado, assim como, a garantia de
mecanismos institucionais e legais para que os cidadãos através das instâncias públicas
disponíveis possam exercer o seu papel com um mínimo de eficácia (TEIXEIRA, 2003, p.
40). Isso requer o fortalecimento dos espaços públicos institucionais e não-institucionais com
o objetivo de favorecer o debate, o controle social e a interlocução com estado.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, marco formal da instituição do novo Estado
Democrático de Direito, institucionalizou vários instrumentos de participação e controle
social, dentre os quais: a inclusão da iniciativa popular legislativa, no capítulo dos direitos
políticos; a institucionalização de conselhos gestores de políticas públicas, com poderes
deliberativos, propositivo, consultivo e fiscalizador; a criação de instâncias jurídicas de defesa
social e individual como os Ministérios Públicos Federal e Estaduais; a inclusão da
descentralização, autonomia e gestão democrática como princípios do ordenamento jurídico e
administrativo da gestão pública nas diferentes esferas do Estado. Outras conquistas podem
ser identificadas ainda no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), aprovado em 10/07/01, o qual
estabeleceu as diretrizes gerais da política urbana, reafirmando os princípios que asseguram o
caráter redistributivo e de inversão de prioridades desta política e na Lei 101 de 04/05/2000 de
Responsabilidade Fiscal que integra esse conjunto de instrumentos jurídicos de ordenamento
da gestão pública ao estabelecer as normas para a responsabilidade da gestão fiscal,
assegurando a participação popular.
No âmbito dos governos locais, outras iniciativas de institucionalização da
participação popular podem ser referenciadas como as experiências de orçamento
10
A discussão sobre a limitação do poder do estado pelo cidadão também está presente em Alain Touraine
(1996) em O que é a democracia? Touraine afirma que “não democracia sem limitação do poder do estado e
sem cidadania”(p.126).
51
participativo em algumas cidades brasileiras, a instalação de fóruns, conferências, congressos
e câmaras setoriais com o objetivo de debater, deliberar e fiscalizar políticas públicas de
desenvolvimento local, entre as quais a educação.
Na contramão da reforma neoliberal dos anos 90, assistiu-se em alguns sistemas
municipais de educação, especialmente em cidades governadas por partidos do campo
democrático-popular, a diversas experiências de planejamento participativo que conservaram
a essência da proposta democrática disputada pelas entidades de educadores e pelos demais
movimentos sociais no contexto da transição democrática brasileira. Algumas dessas
experiências se tornaram referências nacionais de reformas democráticas contra-hegemônicas
no campo educacional com é o caso da Escola Pública Popular em São Paulo, da Escola
Cidadã em Porto Alegre, da Escola Plural em Belo Horizonte, da Escola Candanga em
Brasília, da Escola Cabana em Belém.
Essas propostas se estruturaram em torno de alguns eixos comuns que sintetizam os
objetivos consensuados entre os setores educacionais progressistas nos anos 80:
democratização do acesso e permanência com sucesso, qualidade social da educação,
valorização do magistério e gestão democrática da educação.
Na próxima seção, discuti-se mais detalhadamente os reflexos do debate democrático
sobre as lutas pela democratização da educação no Brasil, com ênfase nos processos de gestão
e, mais especificamente, naquilo que se elegeu como foco principal deste estudo: a eleição
direta de dirigentes escolares.
2. Democracia e gestão educacional
2.1 Aspectos históricos da relação entre democracia e educação no Brasil
A relação entre educação escolar e democracia no Brasil tem sido enfocada sob três
aspectos: a democratização do acesso, a democratização do ensino e a democratização da
52
gestão (GANHEM, 2004; AZEVEDO, 2003; MENDONÇA, 2001; DOURADO 2000;
HORA, 1997). Embora esses aspectos sejam concebidos atualmente pelos segmentos sociais
progressistas, como fatores interdependentes e essenciais de uma política educacional
democrática e de qualidade social, a ordem de inserção de cada um deles na agenda de
negociação política brasileira demarca o próprio processo de organização e expansão das
redes e sistemas de ensino brasileiros e a capacidade de mobilização da sociedade civil para
cobrar do Estado o direito à educação. De acordo com Dourado
a busca da garantia da democratização do acesso, da permanência e da gestão se
articulam, inexoravelmente, à defesa de um parâmetro mínimo de qualidade
permeado pelo estabelecimento de novas interlocuções com a sociedade civil
organizada. (2000, p. 89)
A exigência de ampliação do acesso das camadas populares à educação escolarizada já
constava na agenda de reivindicações dos Pioneiros da Escola Nova desde os anos de 1930. O
alto índice de analfabetismo e a precariedade de escolarização da maioria da população eram
fatores que contrastavam com a proposta de modernização da economia brasileira no período
inicial de industrialização.
Nesse contexto, a escola assumiu como função social primordial a instrumentalização
das novas gerações para mercado de trabalho
11
. Desde então, a pressão popular pela criação
de vagas nas redes e sistemas públicos de ensino passou a ser uma demanda permanente. O
Estado respondeu a essa demanda de forma lenta, progressiva e diferenciada. Somente com a
promulgação da Constituição Federal em 1988 é que a oferta gratuita do Ensino Fundamental
tornou-se obrigação do Estado e direito subjetivo do cidadão (Art. 208, I; § 1º), inclusive para
os que não tiveram acesso em idade própria. Ainda assim, os índices educacionais têm
11
Essa é uma realidade percebida mais nas regiões sul e sudeste onde o processo de escolarização se deu de
forma mais ou menos integrada ao processo de industrialização. Na Amazônia a situação foi outra, pois a base
econômica da região nunca foi industrial, como também não identificamos ao longo da história educacional
amazônica um projeto educativo voltado para a promoção do desenvolvimento regional, baseado nas
peculiaridades e especificidades locais.
53
demonstrado que a universalização do Ensino Fundamental tem acontecido de forma
desequilibrada nas diferentes regiões do país (o Nordeste e o Norte apresentam as taxas mais
baixas de acesso)
12
e a Educação Infantil e o Ensino Médio gratuitos continuam sendo
negligenciados pelos poderes públicos, apesar da sua inclusão como etapas da Educação
Básica na CF e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei 9.394 de 1996.
A democratização do acesso à Educação Básica em todas as etapas, ainda é um grande
desafio da política educacional brasileira nos dias atuais.
A partir dos anos 70, outros aspetos de caráter qualitativo se somaram aos aspectos
quantitativos, “a educação pública compreendida como direito produziu a necessidade de uma
discussão qualitativa sobre seus resultados” (AZEVEDO, 2003, p. 97) e novas questões foram
inseridas na pauta do debate educacional. Passou-se, então, a questionar a função social da
escola, a qualidade da oferta do ensino, a relevância social dos conteúdos ensinados, a
avaliação da aprendizagem e organização do trabalho pedagógico, como fatores
indispensáveis para a democratização da educação.
Para Azevedo, “o financiamento (da educação), o mérito de seu conteúdo, a
permanência, a inclusão pela aprendizagem, a gestão - e não apenas o acesso - passaram a ser
elementos indissociáveis do conceito de universalização” (2003, p. 98).
Concomitante à ampliação do acesso das classes populares à educação escolar,
instalou-se na escola brasileira uma crise de qualidade, expressa nas estatísticas de repetência
e evasão escolar, que começaram a comprometer a credibilidade e confiabilidade do ensino
público nas últimas décadas do século XX. Nesse sentido, o currículo, as metodologias de
ensino e o sistema de avaliação escolar foram questionados pelas tendências educacionais
críticas como fatores que contribuíam para o quadro de fracasso escolar evidenciado nos
indicadores educacionais. A partir daí, o debate sobre a democratização do ensino passou a
12
As estatísticas educacionais brasileiras têm apresentado elevados índices de desigualdade no atendimento à
escolarização obrigatória nas diferentes regiões do país, sendo as regiões norte e nordeste as que apresentam
maior desequilíbrio entre demanda e oferta (INEP, 2002; CONED; 2002).
54
girar em torno da denúncia do caráter elitista e excludente da pedagogia escolar, da defesa de
uma maior aproximação da escola com a realidade social e cultural dos alunos e do
estabelecimento de relações mais horizontais entre educadores e educandos, de forma a
ressignificar o currículo escolar
13
. Esse debate vai convergir para aquilo que se convencionou
chamar nos últimos anos de qualidade social da educação, em contraposição à idéia de
qualidade total que consubstanciou a reforma da educação nacional nos anos 90.
O significado de qualidade social da educação assumido pelos segmentos educacionais
críticos está relacionado à defesa de uma nova função social para a escola, que visa não
somente a garantia de vagas ou o aparelhamento adequado dos equipamentos escolares, mas,
sobretudo, transformar o próprio conteúdo da educação. Isto implica que o conhecimento e as
práticas escolares devam estar a serviço da formação integral e crítica dos cidadãos, da
promoção da inclusão social, do reconhecimento e respeito às diferenças culturais, políticas e
ideológicas existentes entre os sujeitos individuais e coletivos, e da luta contra as
desigualdades que oprimem o ser humano. Uma nova qualidade social deve contemplar
quatro dimensões fundamentais: a universalização do acesso e a permanência com sucesso, a
democratização do conhecimento, a democratização da gestão da educação e a formação e
valorização dos profissionais da educação.
O terceiro aspecto da relação entre democracia e escola diz respeito à democratização
da gestão das políticas educacionais e das unidades de ensino. A luta em prol da gestão
democrática da educação mobilizou amplos segmentos da sociedade civil nos anos de 80, este
movimento se deu articulado ao processo de redemocratização política e social do País e à
luta pela derrubada da ditadura militar instalada em 1964. A ditadura havia consolidado no
interior do aparelho estatal uma estrutura administrativa altamente burocrática, centralizada e
13
Paulo Freire (1999); Demerval Saviani (1997); e Miguel Arroyo (2002) são alguns dos autores que questionam
o papel do conhecimento e das práticas escolares na reprodução do status quo ou na transformação da realidade
social. Os autores discutem a questão a partir de uma abordagem histórico-crítica da educação.
55
autoritária, o que mantinha a sociedade civil totalmente à margem dos processos decisórios e
de gestão das políticas públicas estatais.
No campo da administração escolar, à semelhança dos órgãos centrais, predominava
um modelo administrativo que conferia as funções de planejamento e coordenação a um corpo
técnico “especializado” (tecnocratas), enquanto que os segmentos docentes e discentes não
encontravam canais de expressão dentro das instituições (GARCIA, 2001). Essa relação foi
colocada em xeque pelos movimentos de educadores organizados que passaram a reivindicar
a democratização das práticas administrativas e das relações intersubjetivas de poder como
dimensão da própria noção de cidadania que os movimentos sociais disputavam no processo
de redemocratização.
2.2 A luta nacional pela democratização da gestão escolar
Concretamente, as propostas de gestão democrática da educação, consensuadas entre
as entidades educacionais de caráter científico e sindical, atuantes a partir de meados da
década de 70 e unificadas em torno do FNDEP
14
, consistiam na defesa da institucionalização
de mecanismos que visavam à ampliação da participação dos atores escolares nos processos
de planejamento, decisão e controle social da política educacional e na exigência de maior
transparência das ações e orçamento dos órgãos e escolas públicas. Entre as reivindicações de
democratização da gestão educacional apresentadas pelo FNDEP durante o processo de
elaboração da Constituição Federal de 1988 constam: a criação de um sistema nacional de
educação; a constituição de fóruns e conselhos de educação em âmbito nacional, estadual e
municipal de composição ampla e representativa com autonomia para normatizar, propor,
deliberar e fiscalizar o desenvolvimento da política educacional; a descentralização e a
autonomia administrativa, pedagógica e financeira das unidades escolares; a constituição de
conselhos escolares e conselhos universitários autônomos, representativos e participativos, de
14
O referido rum atuou na constituinte como rum Nacional de Educação, somente no processo de
elaboração da LDB que este assumiu o seu caráter publicista, passando a se chamar Fórum Nacional em Defesa
da Escola Pública.
56
caráter normativo, deliberativo, e de controle social; e a eleição direta para dirigentes
escolares (SHIROMA et al, 2002; p.48).
A Constituição aprovou o princípio genérico de gestão democrática do ensino público
(Art. 206; VI), remetendo o detalhamento de tal princípio à LDB. O processo de elaboração
da nova lei educacional se alongou por quase uma década, em função das mudanças ocorridas
no contexto político nacional sob a influência da hegemonia neoliberal. O projeto de LDB
elaborado com a participação das entidades educacionais e outros setores sociais organizados
sofreu inúmeras alterações para se adequar às novas orientações da política educacional
estabelecidas pelo executivo central a partir dos anos 90.
Ainda que a legislação aprovada tenha se distanciado enormemente da proposta
original, no que se refere mais especificamente à democratização da gestão educacional,
alguns avanços foram conquistados, dentre os quais: a definição da gestão democrática como
princípio da educação (Art. 3º; VIII); o estabelecimento do regime de colaboração entre os
entes federados (Art. 5º; § 1º); a organização autônoma dos sistemas de ensino (Art. 8º; § 2º);
a constituição dos sistemas municipais de ensino com caráter normativo, propositivo e
fiscalizador (Art. 11); o direito da comunidade escolar de participar da elaboração do projeto
político pedagógico da escola (Art. 14; I); a instituição de conselhos escolares com a
participação da comunidade (Art. 14; II); a garantia de progressivos graus de autonomia
pedagógica, administrativa e financeira às unidades escolares (Art. 15); a definição de
percentuais mínimos obrigatórios para a educação pública (Art. 69).
Com relação à forma de provimento do cargo de direção escolar, constante no projeto
original, a LDB delegou essa decisão aos sistemas estaduais e municipais de ensino, a ser
regulamentada por meio de normas próprias de cada sistema. Isso fica claro no Art. 3º; VIII,
quando a LDB explicita que a gestão democrática será efetivada “na forma desta lei e da
legislação dos sistemas de ensino(grifos nossos). Com isso, a disputa pela eleição direta de
57
dirigentes escolares passou a ocorrer no contexto particularizado de cada estado e município.
Entre os anos 80 e 90 houve uma considerável ampliação dessa prática nas redes e sistemas
educacionais brasileiros, mas num número significativo de municípios o provimento do cargo
de direção ainda se constitui em prerrogativa do executivo (DOURADO, 2000; PARO, 1996).
Na literatura educacional relatos de casos em que a eleição direta de diretores foi
embargada por chefes de executivos estaduais e municipais sob alegação de
inconstitucionalidade do ato (BASTOS, 2002; WERLE, 2003).
Após os embates travados na constituinte e no processo de aprovação da LDB, o
FNDEP voltou a mobilizar a comunidade educacional brasileira nos fins dos anos 90 para a
elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE), conforme determinação da LDB que
previa a aprovação do PNE um ano após a publicação da Lei (Art. 87; § 1º). Por meio da
realização de dois Congressos Nacionais de Educação (CONED), nasceu o PNE da Sociedade
Brasileira, que resgatou muitas propostas disputadas pelo FNDEP nos dois processos
legislativos anteriores (CF e LDB), entre as quais, aquelas relativas à gestão democrática da
educação. Apesar da legitimidade da proposta da sociedade civil, a conjuntura política
brasileira não foi favorável à aprovação deste PNE. Tal como ocorrera com a LDB, o governo
central conseguiu reunir forças para embargar o projeto e aprovar um outro plano de autoria
do MEC
15
mais consoante com os princípios e os objetivos perseguidos pela política
educacional do governo FHC (1995-2002), que se consubstanciava nos pressupostos da
reforma administrativa e fiscal do Estado, coordenada pelo Ministério da Administração
Federal e da Reforma do Estado (MARE), entre os anos de 1995 a 1999
16
.
15
Sobre a tramitação dos dois PNEs (da sociedade brasileira e do MEC) no Congresso Nacional e sobre o
“arranjo” para aprovar o PNE do MEC, ver Valente (2001); PINTO (2002).
16
Peroni (2003) discute a relação entre a política educacional brasileira dos anos 90 e o projeto de reforma do
estado, onde conclui que a primeira é parte constituinte da segunda e está articulada a um movimento mais
amplo de redefinição do papel estado no contexto de crise do capitalismo em nível mundial. O projeto de
reforma estatal pode ser encontrado, na íntegra, no documento oficial do MARE intitulado Plano Diretor de
Reforma do Aparelho do estado, de 1996.
58
Mesmo defendendo propostas de conteúdo radicalmente diferentes e até contrárias
àquelas encampadas pelas lutas do FNDEP, a reforma educativa de FHC utilizou
oportunisticamente as bandeiras dos movimentos sociais e lhes imputou outros significados
de acordo com os interesses vinculados nas orientações dos organismos financeiros
internacionais: CEPAL, BM e FMI que exerceram um papel determinante na mudança de
foco da política educacional brasileira entre os anos 80 e 90
17
.
Oliveira (2000), ao analisar a política educacional projetada no contexto da reforma
estatal no Brasil dos anos 90 afirma que:
O grande trunfo das reformas implantadas nos anos 90 é a possibilidade de
incorporar pontos anteriormente defendidos pelos progressistas, re-significando-os
dentro de uma nova lógica. Esta peculiaridade faz com que a oposição às propostas
hegemônicas seja muito difícil, pois pontualmente, podem ser defensáveis ou até
mesmo reivindicações “progressistas” dos anos 80, como por exemplo, as
propostas de eleição de diretores, autonomia da escola e promoção automática ou
adoção de ciclos de aprendizagem em substituição ao sistema seriado,
explicitamente incorporado ao texto da LDB ou facultado por ele. (2000, p. 80,
grifos nossos)
Com relação à gestão democrática da escola, conceitos como participação, autonomia,
descentralização sofreram uma radical mudança de sentido. A participação concebida no
contexto dos anos 80, como o direito dos atores escolares tomarem parte das decisões
administrativas da escola, da elaboração e avaliação do seu projeto político-pedagógico e do
controle social dos recursos financeiros, passa a ser difundida como divisão de tarefas
operacionais da escola com a comunidade, ou seja, como responsabilização dos atores
escolares pela captação de recursos financeiros para solucionar as carências orçamentárias da
escola e a prestação de trabalhos voluntários para suprir as lacunas de pessoal.
17
Peroni op. cit. analisa a redefinição da política educacional brasileira entre os anos de 1988 a 1998, a autora
diz que houve um deslocamento do eixo central da política educacional do período Constituinte para o período
da reforma do governo FHC. Nos anos 80, diz a autora, “as políticas tinham como eixo principal a
democratização da escola, mediante a universalização do acesso e a gestão democrática, centrada na formação do
cidadão”, nos anos 90, passou-se a enfatizar “a qualidade, entendida como produtividade” e buscou-se “a
eficiência e eficácia via o controle de qualidade”, a descentralização e autonomia passaram a ser compreendidas
como desresponsabilização do estado e terceirização de serviços. (p. 73)
59
Essas novas concepções passaram a se apoiar nos apelos deresponsabilidade” e
“solidariedade social” e nos princípios de descentralização e autonomia. Com isso, se
processa uma despolitização dos termos e esvaziamento das práticas. Autonomia e
descentralização passam a ser encaradas como desconcentração de serviços e
desresponsabilização de obrigações do Estado para com a sociedade
18
.
Na prática, em muitos sistemas de ensino e unidades escolares, os mecanismos de
gestão democrática vêm sendo implementados de forma isolada, aleatória e desarticulada de
uma visão de sociedade, de cidadania e de democracia e por fim, esvaziada de seu significado
político. Acabam constituindo-se conselhos escolares, elaborando-se projetos pedagógicos, ou
até mesmo elegendo-se dirigentes, muito mais para cumprir as determinações formais
constantes no plano legal das orientações para ação organizacional (LIMA, 2001) do que
para se exercitar direitos e se construir uma cultura e convivência democráticas no espaço
escolar. No entanto, como nos lembra Licínio Lima (2001), o plano da ação organizacional
também comporta as infidelidades normativas, sendo que os atores escolares utilizam seus
próprios recursos para negar, violar, subverter, reafirmar e transformar as determinações
racional-legais. Dessa forma, a participação dos atores acaba se dando em níveis
diferenciados de envolvimento e até mesmo na forma deliberada de não participação, como
uma reação de protesto ou estratégia para confrontar as diretrizes oficiais da política
educacional.
2.3 Modelos de gestão em tensão
A Administração, como prática social historicamente determinada, pode ser
compreendida a partir das determinações das relações econômicas, políticas, culturais e
sociais de uma sociedade. No caso da sociedade capitalista, essa prática traz a marca das
contradições sociais e dos interesses políticos em jogo (PARO,1991). Para os teóricos da
18
Sobre a questão da autonomia e da descentralização no contexto da reforma educacional dos anos 90 ver
Peroni Op. Cit.; e Oliveira (2000);
60
Administração Científica, as atividades sociais e econômicas, em virtude de sua
complexidade, da multiplicidade de seus objetivos, da escassez dos recursos disponíveis e do
grande número de pessoas envolvidas nas atividades, precisam ser gerenciadas eficaz e
eficientemente por uma pessoa ou uma equipe tecnicamente bem preparadas. Segundo essa
concepção, na organização escolar quem encarna esse papel é o diretor/a diretora.
Data de um período não muito recente que se tenta importar para a escola os
pressupostos das teorias da Administração Científica com o objetivo de imprimir à
organização escolar os mesmos preceitos de racionalidade, produtividade, eficiência e eficácia
que orientam a organização comercial e industrial.
Segundo as teorias da Administração Científica, o trabalho na empresa capitalista
obedece a uma divisão técnica que cria a oposição entre trabalho manual e trabalho
intelectual, entre teoria e prática, entre planejamento e execução. Essa oposição determina
uma relação de exploração e dominação dos que pensam sobre os que executam. Uma relação
hierárquica que diferencia os que comandam dos comandados. Os primeiros são os
especialistas, dotados de competência teórico-técnica, os tecnocratas, e por isso mesmo são
“naturalmente” superiores àqueles que apenas operacionalizam tarefas determinadas. Outra
característica desse modelo administrativo é o parcelamento do processo produtivo, cada
grupo de trabalhadores assume uma parcela específica do processo de acordo com
complexidade da tarefa a ser empreendida. À equipe diretiva, cabe coordenar os esforços
coletivos para se alcançar a máxima produtividade e racionalização dos recursos disponíveis.
O que se percebe claramente nessas teorias, grosso modo, é a reprodução das relações
capitalistas de exploração e submissão.
Ao se transportar para a escola o modelo de Administração Científica colocado em
prática nas empresas, a especificidade do trabalho escolar é ignorado. Os objetivos da escola
são comparados aos objetivos de acumulação de capitais e geração de lucros próprios das
61
empresas capitalistas. Portanto, o trabalho administrativo na escola se desenvolve à
semelhança do trabalho administrativo da empresa, onde o diretor/diretora escolar é a pessoa
dotada de competência técnica (tecnocrata) que deverá comandar os demais segmentos:
professores, alunos, funcionários a partir de métodos administrativos que pressupõem a
neutralidade da técnica. Nesse sentido, é criada uma burocracia na administração escolar que
compreende a administração não como um meio para consecução de determinados fins, mas
como um fim em si mesma (PARO, 1991).
De acordo com Lima (2001), a organização racional do trabalho escolar baseado nos
pressupostos produzidos pelas teorias da administração científica e da burocracia se traduz
num modelo que o autor denomina de “racional-burocrático” que se define pela estabilidade,
consenso, rigidez das leis e dos regulamentos, hierarquia e especialização. Sobre este modelo
Lima afirma que
O estudo da escola como organização burocrática tende, assim, a transferir para a
escola dimensões características das organizações burocráticas, desde a rigidez,
passando pela delegação de autoridade, a departamentalização e a especialização,
até desempenhos mínimos aceitáveis, consagrados por regras universais e abstratas,
considerando muito menos ou mesmo não considerando a importância dos conflitos
organizacionais, a definição problemática dos objetivos, as dificuldades impostas
por uma tecnologia ambígua e as estruturas informais. (2001, p. 28)
A influência do modelo racional-burocrático sobre os processos administrativos da
escola tem servido para produzir práticas autoritárias e centralizadoras em que o diretor, como
autoridade máxima da hierarquia organizacional, assume uma postura extremamente
controladora do trabalho e dos demais segmentos. A sua função administrativa tende a se
voltar mais para o cumprimento das rotinas burocráticas relacionadas às regras constantes do
plano formal das orientações definidas externamente à escola do que para as ações vinculadas
ao processo formativo dos sujeitos que deve ser a base do projeto político-pedagógico da
escola.
62
A concepção e prática da administração escolar pautada, hegemonicamente, nos
princípios da administração científica e da burocracia foi um modelo que se tornou
predominante na história da administração escolar brasileira. Esse modelo atendeu à
necessidade de fazer da escola uma agência de reprodução das relações de dominação e
desigualdade, reforçadas e legitimadas pelo Estado através dos órgãos centrais de
administração do sistema educacional.
Apesar de reconhecer a predominância do modelo racional-burocrático como modelo
explicativo dos processos organizativos da escola, Lima (2001) enfatiza que este não é
exclusivo, pois a escola não pode ser vista apenas sob a ótica da conexão com as regras
burocráticas, é preciso que nos atentemos para as desconexões presentes nas práticas
cotidianas dos atores escolares (as infidelidades normativas). A perspectiva analítica baseada
na irregularidade, na incerteza, na resistência, na produção alternativa de regras é denominada
pelo autor de “anarquia organizada”, que não é sinônimo de desordem, falta de organização,
ausência de chefe ou de direção, mas um outro tipo de organização alternativo que desafia o
modelo bem instalado da burocracia racional.
Ao propor o modelo analítico da “anarquia organizada”, o autor quer atenta para o fato
de que a escola é perpassada por lógicas diferenciadas e antagônicas que se traduzem tanto
pela conformidade com o modelo dominante da burocracia, quanto pela sua negação. Os dois
modelos discutidos por Lima racional-burocrático e anárquico permitem analisar a
escola tanto a partir da sua face burocrática, de cumprimento acrítico de regras e normas
formais hierarquicamente decretadas, quanto pelo viés da negação, transgressão, recriação e
transformação dessas normas. Nesse sentido, Lima afirma que
A ordem burocrática da conexão e a ordem anárquica da desconexão, configurarão,
desta forma, um modo de funcionamento que poderá ser simultaneamente
conjuntivo e disjuntivo. A escola não será exclusivamente burocrática ou anárquica.
Mas não sendo exclusivamente uma coisa ou a outra poderá ser simultaneamente as
duas. (LIMA, 2001, p. 47)
63
Porém, o que parece claro é que o modelo burocrático contradiz o princípio
democrático da participação e do trabalho coletivo, defendido pelos segmentos progressistas
que lutam pela gestão democrática da educação. O direito da comunidade de participar da
gestão da escola pública é, em última instância, o direito do cidadão de exercer o controle
social sobre um bem público. É principalmente o debate em torno do direito de participação
da comunidade no planejamento e no controle social dos serviços educacionais ofertados pela
escola que tem mobilizado educadores e comunidade a lutar pela instituição de processos
mais democráticos de gestão, incluindo as formas de escolha dos dirigentes escolares e outros
mecanismos igualmente importantes para a democratização da escola.
Dourado, ao defender a gestão democrática como um projeto para a escola no contexto
histórico atual, afirma que
Gestão democrática implica um processo de participação coletiva e, desse modo, a
sua efetivação na escola supõe a criação de instâncias colegiadas de caráter
deliberativo, bem como a implementação do processo de escolha de dirigentes
escolares, a participação de todos os segmentos da comunidade escolar na
construção do projeto político pedagógico e na definição e acompanhamento dos
recursos recebidos. (2003, p. 20, grifos nossos)
3. A eleição direta de dirigentes escolares
No bojo da luta pela gestão democrática da educação, as formas de provimento do
cargo de direção, baseadas em práticas patrimonialistas, clientelistas e favoritivistas foram
questionadas pela comunidade educacional brasileira como um dos elementos responsáveis
pelo autoritarismo e centralismo reinantes no campo da administração escolar. Em
contraposição ao modo antidemocrático de nomeação dos dirigentes escolares, a eleição
direta, com o voto universal da comunidade, passou a defendida como a forma mais legítima
de condução ao cargo.
64
No final dos anos 70 surgiram as primeiras experiências de eleição direta para
dirigentes escolares nos municípios de Boa Esperança (ES), Lages (SC), Piracicaba (SP) e
Blumenau (SC) (VIEIRA, 2001). Na década de 80, com a promulgação da CF, essa
modalidade de escolha de dirigentes ganhou força e se estendeu para rias localidades do
território nacional. A adoção da eleição direta de dirigentes pelas redes e sistemas de ensino
públicos se deve tanto à mobilização dos movimentos sociais que passaram a nutrir grandes
esperanças que a institucionalização da eleição direta viesse a colocar freios no desmando e
autoritarismo dos diretores/diretoras nomeados arbitrariamente pelas autoridades políticas,
quanto pela atuação de políticos populistas que passaram incluí-la nas suas plataformas
eleitorais visando angariar votos. Este fato levou ao posterior refreamento dessa prática, visto
que boa parcela dos governantes eleitos não tinham o compromisso real com luta pela
democratização da educação, mas levantavam tal bandeira em função de um oportunismo
eleitoreiro (PARO, 1996).
À medida que a eleição direta de dirigentes foi se institucionalizando na escola pública
brasileira, este mecanismo passou, também, a se constituir em objeto de investigação de
vários pesquisadores, interessados em discutir os efeitos dessa prática sobre o processo de
democratização da gestão escolar. Entre esses estudos identificamos Paro (1996); Dourado
(2000; 2003); Vieira (2001); Bastos (2002), entre outros. Ao problematizar o exercício da
eleição de dirigentes escolares, as pesquisas acadêmicas começaram a revelar vários limites e
possibilidades implicadas nessa prática, contribuindo para desconstruir algumas visões
ingênuas ou ultra-otimistas a respeito da eleição na escola. A partir dos resultados produzidos
por essas investigações, começou-se também a refletir sobre os vínculos indissociáveis entre
democracia educacional e democracia política, social, econômica, cultural, ecológica,
cientifica e tecnológica, o que leva a pensar a escola na sua relação dialética com a sociedade
e seu papel fundamental (e não exclusivo) na construção da cidadania.
65
A seguir, com base fundamentalmente nas contribuições de Dourado (2000; 2003) e
Paro (1996; 2001) discute-se alguns aspectos centrais abordados por esses autores, que dão
suporte às reflexões e análises realizadas no decorrer desta investigação.
3.1 Formas usuais de escolha
Luiz Fernandes Dourado (2000), numa pesquisa que teve como objetivo analisar o
“dito” processo de democratização das escolas municipais de Goiânia, por intermédio da
implementação da eleição direta para a escolha de dirigentes escolares, identificou cinco
formas mais usuais de provimento do cargo/função de direção, praticadas pelos sistemas de
ensino nos anos 80:
a) Diretor livremente indicado pelo poder público
Esta modalidade pode ser identificada também como “cargo de confiança” concedido
a alguns “privilegiados” pelo poder público. Esse era o procedimento de escolha que mais
se coadunava e contemplava as formas usuais de clientelismo. Segundo o autor, permitia
A transformação da escola naquilo que numa linguagem do cotidiano político pode
ser designado como curral eleitoral, por distinguir-se pela política do favoritismo e
marginalização das oposições, em que o papel do diretor, ao prescindir do respaldo
da “comunidade escolar”, caracterizava-se como instrumentalizador de práticas
autoritárias, evidenciando-se forte ingerência do Estado na gestão escolar.
(DOURADO, 2000, p. 83)
b) Diretor de carreira
Modalidade encontrada em número mais reduzido nas escolas públicas, sendo mais
efetivada no âmbito da iniciativa privada. Os critérios utilizados para este tipo de escolha são
geralmente: tempo de serviço, merecimento e/ou distinção de escolarização. Essa modalidade
de orientação meritocrática apresentou-se também como uma variação da indicação política.
c) Aprovação em concurso público
Os defensores dessa modalidade advogam pela objetividade na escolha de méritos
intelectuais que as provas objetivas e de títulos conferem ao processo e, ainda, a possibilidade
66
de coibição do clientelismo utilizado na indicação do cargo. No entanto, a administração
escolar não se resume à dimensão técnica, mas constitui-se num ato político. Assim, ao tomar
como critério a competência técnica, corre-se o risco de reduzir a função do diretor “à
rotinização das atividades administrativas e burocráticas, secundarizando, desse modo, a
compreensão mais abrangente do processo político-pedagógico” (DOURADO, 2000, pp. 83-
84).
Dourado defende o concurso público como ponto de partida para o ingresso no
magistério público, mas não concorda que esta seja a forma mais apropriada para a escolha de
dirigentes escolares.
Paro (1996, pp. 19-26) ao analisar os méritos e as limitações do concurso público
como critério para a nomeação do diretor/diretora escolar reafirma que poucas dúvidas
quanto a sua capacidade de aferir objetivamente conhecimentos técnicos aos candidatos,
entretanto, a principal insuficiência que o concurso revela é que ele não se presta à aferição da
liderança do candidato diante dos servidores, professores, pais e alunos da escola. Não é a
falta de conhecimentos sobre teorias de administração escolar que impede o diretor/a diretora
de gerir uma escola com qualidade, mas a falta de representatividade, de liderança, de
compromisso com as causas da comunidade podem ser empecilhos maiores. Quando se trata
da escolha do dirigente, é preciso ter clareza do tipo de desempenho que se espera do futuro
ocupante do cargo, para saber se o procedimento de concurso tem condições de aferir ou não a
presença da necessária aptidão.
d) Indicação por listas tríplices e sêxtuplas
Essa modalidade consiste na consulta à comunidade escolar ou a setores desta para a
indicação de nomes (três ou seis) dos possíveis dirigentes, ficando a cargo do executivo
nomear o diretor dentre os candidatos mais votados. Essa forma de indicação conta com a
participação da comunidade apenas no início do processo, a decisão final é sempre do Estado
67
“nesse caso, a comunidade é normalmente chamada para legitimar as ações autocráticas dos
poderes públicos sob a égide do discurso de participação/democratização das relações
escolares” (DOURADO, 2000, p. 84).
e) Eleição direta
Esta é, historicamente, a modalidade mais defendida pelos movimentos sociais e
educacionais como uma das formas mais democráticas para a ocupação do cargo de diretor na
escola pública. A sua defesa vincula-se à crença de que o processo eleitoral implica na
conquista do poder de decisão da comunidade sobre os rumos da gestão escolar.
Dourado, consoante com os segmentos educacionais mais críticos, não acredita que a
eleição por si possa garantir a democratização da escola, mas defende-a como um
instrumento de exercício democrático que deve ser associado a outros elementos na luta pela
democratização das relações escolares. O autor também adverte que
Embora as eleições se apresentem como um legítimo canal na luta pela
democratização da escola e das relações sociais mais amplas - e não como o único -
é necessário não perdermos de vista as limitações do sistema representativo numa
sociedade de classes assentada em interesses antagônicos e irreconciliáveis,
entretanto, a forma de provimento pode não definir o tipo de gestão, mas,
certamente, interfere no curso desta. (DOURADO, 2000, p. 85)
O autor reconhece que o processo de democratização da escola não prescinde da
institucionalização de canais que possam ser viabilizadores do diálogo e da decisão coletiva.
Isso inclui não somente a eleição direta para dirigentes escolares, mas o fortalecimento de
outros mecanismos de democratização da gestão escolar como, por exemplo, os conselhos
escolares, que precisam assumir de fato o papel de instância máxima de decisão na escola; os
grêmios estudantis como expressão da politização dos alunos; a forma colegiada de planejar,
executar e avaliar o projeto pedagógico da escola; entre outras que não se encontram
instituídas, mas podem vir a surgir conforme a escola aperfeiçoe os seus canais de
participação democrática.
68
A democratização da escola passa não somente pelas questões administrativas, mas
pela universalização do acesso, do conhecimento e saberes, pela construção de relações
interpessoais mais humanizadoras e solidárias que são imprescindíveis para a inclusão social e
para a promoção da justiça e igualdade. Nesse sentido, o autor defende que
A luta pela qualidade social da educação não pode estar dissociada de lutas mais
amplas pela igualdade, pela eqüidade, num país margeado por desigualdades
sociais tão gritantes. Portanto, pensar a democratização da escola implica lutar pela
democratização da sociedade da qual essa faz parte e é parte constitutiva e
constituinte. (2001, p. 90)
Dourado, também, informa sobre uma outra pesquisa desenvolvida pela Associação
Nacional de Políticas e Administração da Educação (ANPAE), intitulada “Escolha de
Dirigentes Escolares”, realizada no ano de 1997 e que teve como objetivo identificar as
modalidades de escolha de dirigentes escolares em curso no país nas esferas estaduais e
municipais e problematizar a prática dessas modalidades nos sistemas de ensino. Essa
pesquisa contou com uma amostra de 53 secretárias estaduais e municipais de educação,
incluindo o Distrito Federal. Os resultados revelaram, entre outras questões, que ainda é
significativo o índice de secretarias de educação que utilizam o critério da “livre indicação por
parte de autoridades” como critério para a escolha de dirigentes. Mas, o que os dados também
revelam é que apesar disso a eleição direta parece estar se tornando a prática mais usual de
escolha de dirigentes.
Esses dados podem ser visualizados no quadro abaixo, transcrito do texto de Dourado
(2000), intitulado “A escolha de dirigentes escolares: políticas e gestão da educação”.
69
Quadro nº. 1
Modalidades de provimento do cargo/função de diretor de escola adotadas por
Secretarias de Educação de Estados e capitais brasileiras
Modalidades de provimento Nº. de Secretárias %
Livre indicação por parte de uma autoridade
Eleição
Concurso público
Modalidade mista: eleição com concurso público
Modalidade mista: eleição com plano de trabalho
Modalidade mista: concurso público e designação
Modalidade mista: currículo mais entrevista
Modalidade mista: eleição mais livre indicação
Modalidade mista: eleição mais provas escritas
Outras modalidades
11
15
1
2
9
1
1
3
2
3
22,9
31,3
2,1
4,2
18,8
2,1
2,1
6,3
4,2
6,3
Obs.: Respostas do tipo “prova escrita”, “prova” e teste de conhecimento” foram codificadas como
provas escritas.
Fonte: Luís Fernandes Dourado, 2000, p. 86.
Os dados oriundos da pesquisa são esclarecedores quanto à valorização da eleição
direta como forma de provimento do cargo/função de diretor escolar. Quinze (15) das
cinqüenta e três (53) secretarias que fizeram parte da pesquisa adotavam a prática da eleição
direta (31, 3%), seguidas de onze (11) secretarias (22,9 %) que adotavam a livre indicação.
Isso nos leva a inferir que gradativamente os sistemas de ensino e as unidades escolares estão
ampliando as possibilidades de democratização das relações de poder, posto que o fato de
muitas unidades já praticarem as eleições diretas demonstra que os procedimentos mais
participativos e democráticos têm prevalecido sobre as formas autocráticas, clientelistas e
meritocráticas. Ainda que a pesquisa apresente resultados otimistas, Dourado chama a atenção
para os desafios que a escola brasileira ainda precisa enfrentar para consolidar a gestão
democrática da educação que, segundo o autor, precisa existir para além da mera escolha
eleitoral de representantes e dirigentes.
70
3.2 Limites e avanços
Vítor Henrique Paro, em pesquisa intitulada Eleição de diretores: a escola pública
experimenta a democracia”, realizada em escolas de e graus (atualmente denominados
Ensino Fundamental e Médio) de diversos estados e municípios brasileiros no ano de 1996,
analisa as características e os problemas da institucionalização e implementação das eleições
diretas de diretores, bem como os seus efeitos sobre a democratização da gestão escolar e
sobre a qualidade e quantidade na oferta de ensino. Com base nesse estudo, PARO discute
alguns limites das eleições nas escolas que experimentaram esse processo e também os
avanços significativos que foram alcançados.
Inicialmente, Paro enfatiza que a realização das eleições diretas para diretores não
representam por si nenhum avanço para a democratização da gestão na escola. A sua
prática deve ser compreendida como parte de uma luta mais ampla, que articule o projeto de
democratização da escola com o projeto de democratização da sociedade, num sentido mais
lato. E para que esse processo possa lograr frutos na construção democrática escolar e social é
necessário identificar os seus limites para não correr o risco de se deixar desanimar pelas
frustrações.
Uma das questões importantes apontadas por Paro é
(...) que a eleição provoca um grande número de expectativas nos sujeitos envolvidos,
muitas delas impossíveis de serem realizadas, uma delas é a crença na capacidade do
sistema eletivo de neutralizar as práticas tradicionalistas calcadas no clientelismo e no
favorecimento pessoal. (PARO, 2001, p. 64)
Com base nos dados obtidos na pesquisa, o autor pode constatar que não é com tanta
rapidez e nem de uma vez por todas que essas práticas são superadas, as eleições
desempenhavam papel importante na diminuição da intervenção de políticos como
vereadores, deputados, prefeitos e cabos eleitorais na escolha do diretor, onde a eleição se
71
dava diretamente pelo voto da comunidade. Entretanto, onde a eleição se dava por lista
tríplice essa influência permanecia muito forte.
Além da influência mais direta que os políticos exercem sobre a escolha dos diretores
em muitos sistemas de ensino por meio da “livre” indicação, outras formas mais estratégicas
de influência também são citadas por Calaça (apud PARO, 1996), como em Goiânia, onde se
constatou que alguns candidatos patrocinados por vereadores distribuíam santinhos,
calendários, camisetas e prometiam favores em troca de votos. Paro não atribui a persistência
dessas práticas à eleição em si, mas assinala que a causa desses males nada mais é do que a
reminiscência de uma cultura tradicionalista que a construção de uma outra cultura
democrática pode superar.
Uma das expectativas que as comunidades alimentavam era que a eleição para
dirigentes poderia eliminar o autoritarismo existente na escola e a falta de participação de
professores, alunos, funcionários e pais nas decisões. Essa suposição se deve ao fato dos
segmentos escolares acreditarem que a falta de participação se dava exclusivamente porque o
diretor nomeado pelo executivo se articulava mais com os interesses do Estado do que com os
anseios da comunidade, fato que mudaria radicalmente com a eleição. A constatação de que
as características do chefe monocrático que detém a autoridade máxima ainda persistiam,
mesmo com a eleição, causou frustração em um grande número de pessoas. Sobre a questão, o
autor manifesta a seguinte idéia:
O que isso reafirma é que as causas do autoritarismo existente nas unidades
escolares não advêm exclusivamente do provimento do diretor pela via da
nomeação política. Antes é preciso considerar que tal autoritarismo é resultado da
conjunção de uma série de determinantes internos e externos à unidade escolar que
se sintetizam na forma como se estrutura a própria escola e no tipo de relações que
aí têm lugar. (PARO, 2001, p. 67)
Uma outra evidência dos limites da eleição de diretores é o corporativismo cobrado
por parte de alguns grupos que interagem na escola que, por prestarem apoio a um
72
determinado candidato, acreditam que este tem o compromisso de favorecê-los, ignorando
que o compromisso é com o coletivo e não somente com seus aliados.
Outro fator preocupante com relação às eleições é que muitos indivíduos reduzem o
processo democrático apenas ao voto, isentando-se de participar efetivamente das ações. Isso
também é reflexo de uma sociedade conservadora, sem uma cultura de participação social e
política amadurecida, ocasionando, conseqüentemente, que a eleição não signifique “a escolha
de um líder para a coordenação do esforço humano coletivo na escola, mas muito mais uma
oportunidade de jogar sobre os ombros do diretor toda a responsabilidade que envolve a
prática escolar” (PARO, 2001, p. 67).
Apesar dos limites aqui enumerados que, em grande parte, não podem ser atribuídos
de maneira ingênua à eleição de dirigentes em si, posto que muitas dessas questões não se
resolvem exclusivamente por deliberação do diretor, mas dependem de mudanças estruturais,
políticas e culturais no âmbito do Estado, do sistema educacional e da própria escola, as
pesquisas indicam que com, a prática das eleições diretas para dirigentes, as escolas
alcançaram avanços importantes.
Um primeiro avanço é que a eleição direta para diretores já faz parte, hoje, da pauta de
trabalho de muitas unidades escolares nos vários sistemas de ensino do país. Esse parece ser
um ponto bastante positivo, pois, à medida que processos mais democráticos sejam
exercitados, é possível que as pessoas desenvolvam posturas mais críticas e tornem-se mais
conscientes dos seus direitos e deveres.
Com a instituição da eleição, a comunidade escolar começa a tomar mais
conhecimento dos problemas da escola que, por ocasião das campanhas eleitorais, tendem a
vir à tona. Esse não é um processo tranqüilo, mas perpassado de conflitos. No entanto, é pelo
exercício do diálogo e da democracia que os problemas podem vir a se resolver de forma mais
positiva.
73
Outro avanço extremamente importante alcançando com a eleição é o maior
comprometimento do diretor eleito com as questões pedagógicas da escola. A esse respeito
Paro comenta:
A função de direção, anteriormente enredada em múltiplas atividades destinadas a
atender solicitações dos órgãos superiores, pouco relacionada com as atividades-
fim da escola, de repente se sente também pressionada a dedicar-se com maior
cuidado ao pedagógico que, afinal de contas, foi objeto de todos os discursos nas
campanhas para a eleição. (PARO, 2001, p. 71)
Entre outros aspectos positivos decorrentes das mudanças provocadas pela eleição
direta, dois têm maior importância: um é o fato de que o diretor eleito pelo voto da
comunidade ganha mais legitimidade para exercer a sua função, assim como incentiva uma
maior cobrança por parte dos usuários da escola sobre o seu trabalho, pois pressupõe-se que o
seu compromisso agora é mais abrangente e isso acaba impondo a necessidade de uma maior
aproximação com os segmentos escolares e a prestação de contas daquilo que está fazendo; o
outro fato é que ao exercitar a democracia intervindo com suas opiniões e influindo nas
decisões importantes sobre a condução do trabalho da escola, o cidadão está exercendo o
controle democrático do Estado, contribuindo para que este atue conforme os interesses
daqueles que financiam as políticas publicas.
A necessidade de situar a problemática da eleição direta de dirigentes escolares num
quadro de referência teórica mais ampla foi o que estimulou a elaboração deste capítulo.
A democracia, ao contrário do que a concepção liberal tentou hegemonizar, não é um
valor universal neutro, sem história e sem comprometimento ideológico, mas a democracia é
plural em seus sentidos e significados. Assim como é plural o entendimento de gestão
democrática de educação. Democracia é um termo ambíguo e contraditório que tem
comportado tanto visões conservadoras e populistas, quanto visões transformadoras e
revolucionárias. Daí a se concluir que quando abordamos o assunto, estamos sempre
adentrando num terreno conflituoso, marcado por polaridades, imprecisões e disputas.
74
O significado de democracia que prevaleceu na historia das sociedades modernas
ocidentais foi o da democracia formal-representativa. No Brasil, esse também foi o modelo
que se tornou hegemônico no processo de democratização iniciado nos anos 70. Entretanto,
algumas experiências realizadas mais recentemente em âmbitos de governos locais apontam
para outras possibilidades de construção democrática, baseadas numa nova concepção que
procura conjugar democracia representativa com democracia participativa. Essas experiências
têm trazido inúmeras inovações para o campo democrático, inclusive para área educacional,
como atestam as experiências instituídas em várias capitais brasileiras.
No capítulo seguinte, discutir-se-á a eleição de dirigentes escolares como dimensão
das propostas de democratização da gestão escolar presentes nas políticas educacionais
colocadas em prática no Sistema Municipal de Educação de Belém entre os anos de 1993 a
2004. Nesse período, a cidade vivenciou duas gestões municipais radicalmente diferentes em
termos de princípios programáticos, concepções políticas e ideológicas, diferenças que se
refletem no projeto democrático defendido para a sociedade e para a escola no contexto de
cada gestão.
75
II CAPÍTULO
A ELEIÇÃO DE DIRETORES COMO DIMENSÃO DOS PROGRAMAS
GOVERNAMENTAIS E PROJETOS EDUCACIONAIS VIGENTES NO
MUNICÍPIO DE BELÉM NO PERÍODO DE 1993-2004
Introdução
Este capítulo objetiva identificar, historiar e analisar as propostas de eleição de
dirigentes escolares, instituídas pelo Sistema Municipal de Ensino de Belém, no período de
1993 a 2004, como dimensão dos programas governamentais e dos projetos educacionais
implementados pelos prefeitos Hélio Gueiros, do Partido da Frente Liberal - PFL (1993-1996)
e Edmilson Rodrigues, do Partido dos Trabalhadores PT (1997-2004), no curso de suas
gestões à frente da administração pública do município de Belém.
Parte-se da premissa de que os pressupostos políticos, ideológicos e pedagógicos
defendidos pelas respectivas gestões definiram a lógica mais ou menos democrática assumida
pelas propostas de eleição de diretores/diretoras escolares apresentadas no decorrer do
Capítulo.
Como o presente trabalho procura abordar o processo de institucionalização da eleição
de dirigentes sob a ótica do “plano das orientações formais-legais” do sistema educacional, o
esforço se canalizou para análise dos documentos oficiais produzidos pelas duas
administrações municipais no período delimitado, das quais procurou-se abstrair as
concepções de democracia, de gestão educacional e gestão escolar presentes programas
governamentais, projetos pedagógicos e documentos normativos, publicados pelos respectivos
governos.
76
Para dar consecução aos objetivos da pesquisa buscou-se construir um inventário das
intenções governamentais de cada gestão, dos princípios, diretrizes e ações estratégicas que
orientaram a política e educacional e do processo de construção e normatização das propostas
de eleição de dirigentes escolares instituídas por cada gestão.
O Capítulo encontra-se estruturado em duas seções, dividas em subseções. Na
primeira, caracteriza-se o contexto geográfico e político da pesquisa como forma de situar o
leitor na realidade investigada por meio de um breve resgate histórico em que se enfatizam
aspectos importantes da formação social e política do município de Belém. Na segunda,
procura-se caracterizar as administrações municipais dos prefeitos supracitados, identificando
suas intenções governamentais, as diretrizes de suas políticas educacionais, suas propostas de
gestão escolar e de eleição de dirigentes escolares.
Essas seções têm caráter eminentemente descritivo-interpretativo sobre o contexto e o
objeto de investigação. Neste sentido, o recurso metodológico utilizado foi a análise
documental, por meio da qual se buscou alcançar o sentido manifesto e latente das mensagens
contidas nos documentos. O texto que segue não se constitui numa unidade estanque ou
isolada da totalidade da discussão proposta por este trabalho, por isso, além de pretender ser
um registro histórico sobre alguns aspectos da educação municipal, é base das construções
analítico-discursivas que remetidas para o III Capítulo.
1. O contexto geográfico e político da pesquisa
1.1 Caracterização geral do município
O município de Belém está localizado na Região Norte do Brasil e na Região Nordeste
do Estado do Pará. Limita-se ao Norte com Baía do Marajó, ao Sul com o rio Guamá, a Oeste
com Baía do Guajará e a Leste com os demais municípios da Região Metropolitana da Grande
Belém: Ananindeua, Marituba, Santa Bárbara e Benevides,
77
Segundo o IBGE, a população residente em Belém no ano de 2005 foi estimada em
1.405.871 habitantes. A área geográfica total do município é de 505, 82 Km², formada por
uma parte continental de 173, 78 Km² (34,36%) e uma parte insular de 332, 04 Km² (65,64%)
que abriga 43 ilhas. Este território encontra-se dividido em oito distritos administrativos que
agrupam, por proximidade geográfica, os 71 bairros existentes na cidade. São eles: DAMOS,
DAICO, DAOUT, BABEN, DAENT, DASAC, DABEL e DAGUA
19
(SEGEP, 1998).
Segundo registros históricos, Belém foi fundada em janeiro de 1616 pelos
colonizadores portugueses, trazidos pela expedição de Francisco Caldeira Castelo Branco. A
gênese de sua história está vinculada à construção do Forte do Presépio, atualmente designado
Forte do Castelo, uma fortificação militar construída às margens da Baía de Guajará com a
finalidade de defender a entrada da Região Amazônica contra as possíveis invasões
estrangeiras.
O primeiro aglomerado urbano que se formou aos arredores do Forte do Presépio
recebeu o nome de Feliz Lusitânia. Posteriormente, foi chamado de Santa Maria de Belém do
Grão-Pará. Ponto de partida da colonização amazônica, Belém foi escolhida como sede da
Capitania do Pará e, em 1751, foi elevada à condição de sede da Província do Estado do
Maranhão e do Grão-Pará (SARGES, 2002).
O povoamento da cidade de Belém ocorreu de modo difícil e lento. Este fato foi
atribuído tanto à resistência dos povos indígenas ao processo de colonização quanto ao
relativo desinteresse dos colonizadores pela região, devido ao quase total desconhecimento
das riquezas naturais aqui existentes. Uma das estratégias do governo português para
incentivar a povoação da cidade foi a doação de terras às ordens religiosas européias e a
alguns casais açorianos como forma de atrair os colonos para a região. Por um longo período
a cidade permaneceu restrita ao pequeno núcleo urbano formado em volta do Forte do
19
A descrição das siglas dos distritos administrativos citados está presente no glossário de Siglas apresentado na
seção inicial deste trabalho.
78
Castelo, conhecido atualmente como os Bairros da Cidade Velha e do Comércio, onde está
localizado um valioso patrimônio histórico da cidade (SARGES, 2002).
Um dos grandes desafios enfrentados durante o processo de ocupação do espaço de
Belém foram os “obstáculos naturais”, caracterizados por inúmeros rios e igarapés que
entrecortavam a cidade.
Primeiramente, foram ocupados os terrenos de terra firme, localizados nas áreas
centrais. Com a intensificação do fluxo migratório, ocorrido entre os culos XIX e XX, as
baixadas centrais e os pontos abertos ao longo dos eixos viários da BR-316 e da Augusto
Montenegro também foram sendo incorporados à estrutura urbana do município. Os bairros
centrais foram apropriados pelas famílias mais abastadas, por instituições públicas e pela
iniciativa privada. As baixadas e a periferias foram ocupadas, sobretudo, pelas classes menos
favorecidas, constituídas na sua maioria por famílias de trabalhadores oriundos dos seringais,
que chegaram após o declínio da economia gomífera em 1920. Havia, também, uma parcela
considerável de imigrantes nordestinos que ingressaram no Pará a partir da década de 1960.
Essa forma de ocupação do solo urbano e de distribuição do direito à propriedade configurou
uma ordem social estratificada em que o centro, via de regra, foi assumido como prioridade
das benfeitorias promovidas pelo Estado, ficando para a periferia apenas as sobras e o
descaso.
Uma página especial na história política de Belém foi a Cabanagem, um movimento
contestatório que eclodiu no Pará por volta de 1835, integrado ao conjunto de lutas pela
independência do Brasil insurgidas no decorrer do período colonial. Ao contrário das várias
revoltas que marcaram o século XIX, a maioria delas lideradas por setores das elites coloniais
insatisfeitas com os desmandos e a exploração dos colonizadores, a Cabanagem foi um
movimento revolucionário de caráter eminentemente popular, através do qual o povo
oprimido lutou por mudanças estruturais da sociedade, por justiça social, pelo fim da
79
escravidão e pelo direito à participação política. Este movimento ficou assim conhecido por
ter sido liderado por ribeirinhos, índios, negros e mestiços chamados de “Cabanos”.
Ao perceberem que a “independência brasileira” não passava de uma mera conciliação
de interesses entre o governo central da colônia e a Coroa portuguesa, os cabanos sentiram-se
traídos em seus ideais de libertação. Foi quando os revolucionários resolveram, então, tomar o
poder através da luta armada. O controle político da Cidade esteve nas mãos dos lideres
populares por um período de aproximadamente cinco anos. Em 1840, o movimento foi
vencido pelas forças militares imperiais. O fim da “Revolução Cabana” foi uma verdadeira
carnificina, parte significativa da população foi dizimada. A Cabanagem ficou registrada na
história de Belém como um símbolo de luta e resistência do povo paraense. (ROQUE, 2002).
Por esse motivo tal símbolo foi resgatado pela administração municipal do Partido dos
Trabalhadores (PT), entre os anos de 1997 e 2004, com o objetivo de demarcar as diferenças
políticas e ideológicas que caracterizavam a proposta petista de governo, designada como
democrática e popular.
Outro marco histórico importante para Belém foi o Ciclo da Borracha. A partir da
segunda metade do século XIX, a cidade de Belém experimentou o seu primeiro grande ciclo
de urbanização, engendrado pelo advento da economia gomífera. Com os lucros advindos da
comercialização da borracha, a cidade iniciou um significativo processo de desenvolvimento
que alterou radicalmente a composição de seu cenário econômico, social, político e cultural.
Sobre esse período Sarges registra:
A transformação pela qual passou Belém, engendrada pela economia gomífera,
significou a materialização da modernidade, expressa através da construção de
obras, urbanização, formação de elites e na construção de um modelo ideal de
sociedade moderna. (2002, p.53)
Com a falência do ciclo econômico da borracha, sucederam-se algumas décadas de
estagnação do crescimento urbano. O fluxo migratório em direção à capital paraense que
80
havia aumentado no auge da borracha, e posteriormente no seu crepúsculo, manteve-se
estável até a década de 1960, quando uma nova onda migratória invadiu o Estado do Pará
em conseqüência do Projeto de Colonização do Norte, capitaneado pelo Governo Federal.
Este projeto teve na inauguração da Rodovia Belém-Brasília o seu marco de referência.
Assim, entre os anos de 1920 e 1960, nenhum acontecimento relevante, do ponto de vista
econômico e social, ocorreu no município que mereça registros ou que tenha influenciado
de forma determinante o seu desenvolvimento. Segundo Martins (2000), em medos do
século XVIII, Belém contava com 30.000 habitantes. No auge do ciclo gomífero, chegou
em 1900 a 120.000. Em 1970, o número estimado era de 633.749 habitantes.
Em 1962, a abertura da Rodovia Belém-Brasília, com 1.909 quilômetros, que hoje
atravessa quatro estados: Goiás, Tocantins, Maranhão e Pará e o Distrito Federal, englobando
quatro rodovias federais: BR-153, BR-226, BR-010 e BR-316. Essa extensa via rodoviária fez
parte do projeto de integração da Região Norte com o Centro-Sul do Brasil, cujo objetivo era
abrir caminhos para a aceleração do processo de povoamento do Estado do Pará. Esse fato
contribuiu para uma nova onda migratória, vinda em maior número dos estados nordestinos,
sobretudo, do Maranhão e do Ceará (ROQUE, 2002; SEGEP, 1998).
Outro fator determinante para a popularização do Estado do Pará, e de sua capital, foi
o plano desenvolvimentista colocado em prática pelos governos militares. Tal plano previa a
implantação de grandes projetos de extração de minério e madeira para alimentar o mercado
internacional e de exploração do potencial hidrelétrico do Estado. Os impactos negativos do
modelo de desenvolvimento dependente e predatório vinculado pelos grandes projetos,
somado ao aumento da violência no campo, decorrente de uma estrutura agrária injusta e
excludente baseada no grande latifúndio, contribuíram para a intensificação do êxodo rural no
Estado, nas ultimas três décadas do século XX (ROQUE, 2002).
81
O resultado da acelerada transição campo-cidade realizada no Pará foi o inchaço
populacional e o crescimento desordenado da capital. Um fenômeno que veio acompanhado
do aumento da demanda por políticas públicas de habitação, saneamento, saúde, educação,
geração de emprego e renda, entre outras. Demandas essas que nem sempre foram encaradas
como prioridades pelos governos estadual e municipal, somando maior prejuízo para as
classes populares residentes nas grandes periferias, onde se formaram verdadeiros bolsões de
miséria.
A despeito de ser a capital de um dos estados mais ricos em recursos minerais e
naturais do Brasil, Belém não conseguiu até hoje deslanchar um processo de desenvolvimento
econômico autônomo. O município mantém forte dependência dos recursos vinculados por
impostos e transferências (IPTU, ICMS, ISS, FPM) que, via de regra, são insuficientes para
resolver os seus dramáticos problemas urbanos.
Dados do IBGE sobre a receita municipal em 2003, revelam os seguintes valores
arrecadados em Reais (R$): IPTU: 22.054.850,71; ISS: 64.673.366,06; FPM: 128.185.472,10.
A produção industrial no município é praticamente inexistente, isso explica o porquê
da economia estar concentrada predominantemente no setor terciário. Em maior destaque
estão as atividades do comércio varejista, que representam 54,36% do total de empresas
existentes no município, seguidas das empresas de prestação de serviços com 23,85%. O
mercado informal também abriga uma parte expressiva da população economicamente ativa.
Foram estimadas cerca de 270 mil pessoas exercendo atividades nesse ramo (SEGEP, 1998).
1.2 Configuração do poder político a partir da década de 1990
Do ponto de vista político, a cidade tem uma história marcada pelo predomínio de
práticas patrimonialistas, clientelistas e populistas, que contribuíram para submeter, por um
longo ciclo histórico, a máquina estatal aos interesses particulares das elites dominantes. O
papel político conferido ao povo esteve por muito tempo restrito quase que exclusivamente ao
82
ato eleitoral que, via de regra, sempre foi manobrado pelo poder econômico das oligarquias
locais, através da compra de votos, da troca de favores, da concessão de empregos, entre
outras práticas eleitoreiras. Essa situação se tornava mais grave a cada nova fase de
aprofundamento do centralismo ditatorial por parte do governo federal, quando se cobrava
mais rigidez e colaboração dos governos locais.
Com a política de abertura dos governos militares e a retomada do pluripartidarismo
nos anos de 1980, os grupos políticos mais poderosos do município e do estado passaram a se
abrigar em três grandes legendas formadas no processo de transição democrática: PMDB,
PFL e PSDB. As alianças e a conciliação de interesses entre esses grupos resultaram no
revezamento das suas lideranças no comando político do Estado e da capital
20
.
As forças oposicionistas formadas por setores dos novos movimentos sociais,
associações de moradores e entidades sindicais abrigaram-se nas diversos legendas de
esquerda que surgiram com o processo de redemocratização política brasileira. Até o ano de
1996, o saldo eleitoral da oposição na cidade de Belém não passava de uns poucos
parlamentares estaduais e municipais.
Na eleição municipal de 1996, os partidos de oposição (PCB, PC do B, PPS, PSTU e
PT) optaram pela formação de uma ampla frente partidária para disputar o comando político
da cidade. Esta coligação denominada de “Frente Belém Popular” (FBP) cresceu diante do
desgaste sofrido pelos candidatos da situação que se degladiavam. O surpreendente resultado
das urnas atestou a vitória do professor e arquiteto Edmilson Rodrigues, do Partido dos
Trabalhadores (PT) sobre o prefeito Hélio Gueiros, candidato à reeleição pelo Partido da
Frente Liberal (PFL). Edmilson Rodrigues foi uma liderança que se formou no seio do
movimento de professores no decorrer dos anos 1980 e 1990 e foi um dos fundadores do
Sindicato dos Trabalhadores de Educação Pública do Pará (SINTEPP).
20
As lideranças políticas mais expressivas, em termos eleitorais, no Estado do Pará nos anos 90 eram Jader
Barbalho (PMDB); Hélio Gueiros (PFL) e Almir Gabriel (PSDB).
83
A vitória da Frente Belém Popular em duas eleições consecutivas (1996 e 2000)
significou uma importante interrupção no ciclo de hegemonia política das oligarquias locais,
inaugurando um novo capítulo na história do município. Essa mudança teve uma significativa
repercussão no campo das políticas educacionais, conforme explanação a seguir.
Na próxima seção abordar-se-á os projetos políticos e as políticas educacionais
engendradas pelos governos municipais no período de 1993-2004, com foco na proposta de
eleição de dirigentes escolares, originada e desenvolvida no contexto das administrações de
Hélio Gueiros e Edmilson Rodrigues. Para analisar tais projetos, parte-se da premissa de que
o formato das orientações formais-legais instituídas por esses governos, relativamente ao
objeto de estudo da pesquisa, foi desenhado de acordo com as convicções políticas que
engendraram os programas de gestão dos referidos governantes e, conseqüentemente, com a
visão de democracia e de participação que os orientou. Partindo desse pressuposto,
verificaremos uma história traçada sem muita linearidade, com avanços e retrocessos, como
afinal tem sido a própria história da democracia brasileira.
2. Os governos municipais e a política educacional em Belém
Entre os anos de 1993 e 2004, Belém vivenciou dois projetos administrativos
radicalmente diferentes. Um coordenado pelo prefeito Hélio Gueiros, do PFL (1993-1996)
outro pelo prefeito Edmilson Rodrigues, do PT (1997-2004). Dentro de cada projeto, a
política educacional assumiu contornos próprios que refletem a ideologia e as intenções
políticas presentes nos respectivos programas governamentais.
A seguir, far-se-á uma caracterização geral desses projetos, procurando identificar os
princípios políticos fundamentais de cada governo, as diretrizes e eixos de suas políticas
educacionais, para posteriormente traçar o perfil da proposta de gestão escolar e eleição de
dirigentes escolares instituídas por esses governos. Entende-se que uma análise mais
84
consistente sobre a história do surgimento e desenvolvimento da eleição de diretores/diretoras
no Sistema Municipal de Educação de Belém perpassa, inevitavelmente, pela compreensão
dos projetos administrativos vivenciados pela cidade e pela própria lógica da política
educacional adotada em cada período abordado.
2.1 O governo Gueiros (1993-1996)
2.1.1 Intenções governamentais “Caminhos para Belém”
Hélio Mota Gueiros assumiu o governo municipal em janeiro de 1993, após ter sido
eleito em primeiro turno no pleito do ano anterior pelo PFL, para um mandato de quatro anos.
As intenções governamentais e as realizações do governo Gueiros encontram-se
registradas, basicamente, nas Mensagens do Prefeito à Câmara Municipal de Belém. As
Mensagens são documentos de caráter obrigatório, enviadas anualmente aos legisladores
municipais, como prestação de contas dos feitos do executivo, em cumprimento ao
estabelecido no Art. 94, inciso VIII, da Lei Orgânica do Município (LOM), de 1990.
Na sua primeira Mensagem à Câmara Municipal, datada de fevereiro de 1993, o
prefeito Hélio Gueiros apresentou aos vereadores o seu “Projeto de Trabalho da Gestão
1993/1996”, um documento composto de 35 páginas, dividido em duas partes.
A primeira parte apresenta um “breve panorama da questão municipal” nas diferentes
áreas de atuação da administração pública: saneamento, saúde, meio ambiente, transporte,
educação, finanças e economia.
O texto ressalta as carências e necessidades acumuladas historicamente pela população
de baixa renda em relação aos diversos serviços e bens públicos, cuja oferta é de
responsabilidade exclusiva da prefeitura ou compartilhada com as outras esferas do poder
público. Entre as causas do “atraso econômico e social” em que se achava a capital paraense
naquele momento, o prefeito enumera: a falta de autonomia econômica e o insuficiente
85
incremento da capacidade produtiva do município; a forte dependência de recursos dos
governos central e estadual para a implementação de políticas públicas; a repercussão
negativa dos grandes projetos implantados no interior do Estado sobre o desenvolvimento
local, acarretando em crescimento desorganizado e caótico da cidade; a ausência de políticas
de geração de emprego e renda capaz de fazer frente à pobreza urbana emergente (BELÈM,
1993, p. 9).
Segundo Gueiros, este fenômeno trouxe graves conseqüências para a economia da
cidade como a hipertrofia do setor terciário, que em 1990 abarcava 79.4% do PIB municipal
contra 0.4% do setor primário e 20.2% do setor secundário. Baseado em dados do SINE e
DIEESE, o documento revela que 30% da população economicamente ativa em 1990 estava
concentrada no mercado informal (idem, p.10).
Outra conseqüência do crescimento desordenado da cidade foi a formação de áreas
periféricas de baixadas e palafitas, que ao contribuir para o “estrangulamento na prestação de
serviços sociais e infra-estruturais”, compromete fortemente a qualidade de vida dos
moradores dessas localidades.
O prefeito reclamava que a situação se agravara ainda mais “pela minguada parcela de
recursos financeiros disponíveis no erário municipal” para o incremento da “capacidade
produtiva do município e da respectiva geração de novos postos de trabalho”, assim como,
para a promoção de políticas sociais condizentes com as necessidades emergentes da
população.
Diante de tal cenário, Gueiros reconhecia que:
a pobreza urbana emerge como o maior desafio com que terá de defrontar a
Prefeitura de Belém. Diminuí-la ou minorá-la deverá, por conseguinte, ser o
objetivo primordial do futuro governo municipal. (idem, p.10)
86
A segunda parte do Programa de Governo consiste num “Planejamento Estratégico”
para o município, onde o prefeito prometia:
somar e combinar esforços e recursos, de modo interdisciplinar, estrutural, matricial
e sistêmico, com o sentido de construir caminhos que levem ao desenvolvimento,
tendo como horizonte cenários possíveis e desejáveis. (idem, p. 19).
Neste documento foram lançadas as três estratégias fundamentais do governo
municipal para fazer frente à pobreza urbana emergente:
a) tratamento do município sob a ótica do desenvolvimento sustentável;
b) definição da qualidade de vida que o município deveria perseguir; e
c) destaque da educação básica reconhecida como principal estratégia do desenvolvimento
humano moderno.
Na perspectiva do governo, a idéia de enquadrar o município na ótica do
Desenvolvimento Sustentável deveria incluir, pelo menos, três componentes/desafios que
formam um todo concatenado: econômico, social e ambiental.
De acordo com Pedro Demo, um dos mais importantes consultores da gestão de Hélio
Gueiros, especialmente na área educacional, a noção de Desenvolvimento Sustentável
assumida pelo governo municipal tomou como referência os textos da Organização das
Nações Unidas (ONU) e seus órgãos como a Comissão Econômica das Nações Unidas para
América Latina e Caribe (CEPAL), a Oficina Regional de Educação para a América Latina e
o Caribe (ORELAC) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),
ainda que esses documentos apresentassem um “evidente sabor neoliberal”.
No texto “Educação e Desenvolvimento Sustentável sobre o enfoque integrado do
desenvolvimento”, de Pedro Demo (SEMEC, 1996), tem-se uma idéia mais completa sobre a
concepção de Desenvolvimento Sustentável que iluminou o Planejamento Estratégico do
governo municipal. O referido texto busca analisar o enfoque de desenvolvimento difundido
87
pela ONU para fundamentar as proposições governamentais relativas a este eixo. O autor
ressalta que uma noção moderna de desenvolvimento deve se pautar numa única adjetivação,
a humana, deixando de lado outras ainda correntes, mas ultrapassadas como a econômica e
a social “Assim seria o caso de falar tão-somente de política de desenvolvimento humano e
não mais de política econômica, ou social, ou ambiental, ou cultural” (p. 9).
Tal perspectiva apontava para a superação de políticas dicotômicas e a difusão de um
enfoque integrado e interdisciplinar, voltado para “a questão humana básica”. Demo defende
que desenvolvimento “é uma questão de oportunidade” que depende não somente das
“circunstâncias dadas”, mas principalmente da qualidade histórica da população”, traduzida
como “competência humana”. Assim, “desenvolvimento pode ser feito e conquistado, desde
que se promova na população a devida competência” (SEMEC, 1996, p.10).
Confrontando os argumentos de Demo com os três indicadores privilegiados pela
ONU para medir o nível de “desenvolvimento humano” dos países: educação, expectativa de
vida e poder de compra, a questão da competência, tida como um atributo individual que pode
ser facilitada ou não por iniciativas institucionais, torna-se, no mínimo, polêmica. Pois não é
possível tratar o tema do desenvolvimento de países de economia dependente como o Brasil
sem uma profunda análise dos determinantes históricos e sociológicos implicados na questão
e nem ignorar a correlação desigual de forças em que se dão as negociações brasileiras com os
organismos multilaterais e o mercado internacional.
Retornando ao texto do Planejamento Estratégico, com relação às três dimensões do
Desenvolvimento Sustentável, citadas anteriormente, o documento prevê, no plano
econômico, “trabalhar as vocações produtivas de Belém”, sobretudo, as potencialidades de
inserção na economia nacional e internacional “abrindo oportunidades de acompanhar
desafios da modernidade, sem perder a marca própria histórica e cultural” (BELÉM, 1993, p.
20). Assim, o turismo foi eleito como “um ramo econômico prioritário”, à sombra do qual se
88
“pretendia incrementar o crescimento de mercados informais significativos como o do
artesanato, o de comidas típicas e de outros produtos regionais” (idem, p. 21).
No plano social, a meta era “promover a equalização das oportunidades” por meio de
um conjunto integrado de políticas sociais e infra-estruturais, “visando, de modo particular, as
populações mais pobres e periféricas”; no plano ambiental, deveria se construir “um perfil
atualizado dos problemas”, de modo a direcionar “um rumo consistente para o futuro”. O
prefeito revela que “o tom da política é conservacionista, no sentido se saber unir a
intervenção com extremo cuidado ambiental, sem destruição”. (idem, p. 20)
No que remete à segunda estratégia, a da qualidade de vida a perseguir, o texto traz a
seguinte assertiva:
È preciso trabalhar teoria e prática da qualidade de vida, sobretudo na dimensão da
problemática urbana, tomando-se como fulcros principais:
a) Infra-estrutura física e social: habitação, transporte, malha viária, saneamento,
meio ambiente, saúde, assistência social, etc.
b) Identidade cultural e lazer: patrimônio público, segurança, cultura, esporte,
lazer, organização comunitária, etc. (idem, p. 22)
O destaque à educação básica, assinalada como a terceira estratégia do plano de
governo e, na afirmação dos governantes, uma das maiores prioridades daquela gestão, será
tema de discussão do próximo item.
2.1.2 Política educacional “Caminhos da Educação”
As principais fontes documentais da política educacional do governo Hélio Gueiros
são as Mensagens do Prefeito à Câmara Municipal e a série “Caminhos da Educação”. Esta
série foi publicada pela SEMEC entre os anos de 1993 a 1996 e é composta de seis cadernos
temáticos que abordam temas relevantes para a educação municipal no período, tais como:
Desenvolvimento Sustentável e Educação; Sistema Municipal de Educação; Legislação
Educacional; Parâmetros de Qualidade para Adequação do Prédio Escolar; Instrumentação
Eletrônica da Educação; Educação Ambiental; Formação Permanente de Educadores. Nesses
89
documentos encontra-se, também, relatos sobre as realizações mais significativas do governo
dentro dos programas definidos como prioritários pela gestão educacional.
Dados oriundos da análise documental permitem afirmar que o projeto educativo em
tela obedeceu aos imperativos constitucionais de 1988 e às prioridades definidas pela política
nacional de educação, sobretudo daquelas constantes no Plano Decenal de Educação para
Todos, elaborado em 1993 no governo de Itamar Franco, quais sejam: universalização do
ensino obrigatório, busca de um padrão mínimo de qualidade do ensino, valorização e
qualificação do magistério e novo padrão de gestão e financiamento da educação. Apesar de
destacar a Educação Básica como prioridade estratégica, as ações do governo municipal
incidiram, majoritariamente, sobre o Ensino Fundamental.
Como um dos grandes objetivos perseguidos era a “modernização da administração
pública” e a “implementação de um projeto próprio, competitivo e auto-sustentável de
desenvolvimento”, a idéia básica sobre a função social da educação no referido projeto pode
ser assim resumida:
torna-se consenso cada vez mais comum que educação representa a vantagem
comparativa (competitiva) mais decisiva face às oportunidades de
desenvolvimento, desde que qualitativa e moderna. Diante do desafio de construir
projeto moderno e próprio de desenvolvimento, a educação aparece como fator
crucial (...) Educação significa a possibilidade de realizar modernidade (...) porque
é o fator mais decisivo da cidadania e da atual competitividade e da qualidade
econômica. (idem, pp. 28-29)
A partir da afirmação acima citada, pode-se dizer que a educação escolar era vista no
referido projeto como a “mola do desenvolvimento econômico e social”. Mais uma vez se
colocou a escola como a grande redentora das mazelas sociais, como se fosse possível
equacionar os complexos problemas geradores do atraso cientifico, tecnológico, econômico,
social, cultural e das desigualdades e injustiças sociais existentes somente a partir da
educação.
90
Quanto à concepção de modernização da administração pública presente no projeto
político de Helio Gueiros, esta apresenta semelhanças com o modelo de Administração
Gerencial que embasou o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado proposto pelo
presidente Fernando Henrique Cardoso nos anos seguintes (1995-1998), mas que em gérmen
se encontrava presente desde os governos Collor de Mello e Itamar Franco (1990-1994). O
modelo de Administração Gerencial se sustenta nos pressupostos da eficiência e da eficácia,
compreendidas como a necessidade de reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços; na
definição precisa de objetivos; no controle de resultados; na flexibilização das formas de
gestão; na competição administrada no interior do próprio Estado e; na busca da qualidade
total da gestão pública (MARE, 1996).
A influência do modelo de Administração Gerencial sobre o governo Gueiros se
explica pela consonância de objetivos e princípios administrativos existentes entre a gestão
municipal e o governo federal, que passaram a pautar as suas ações sob a mesma lógica de
reestruturação administrativa e fiscal do Estado, apregoada pela tendência neoliberal que se
afirmou no Estado brasileiro a partir dos anos 90.
Em conseqüências das mesmas influências, a visão de educação que embasou o
projeto educacional de Hélio Gueiros, também se coaduna com as perspectivas discutidas
pelos organismos internacionais (UNESCO, PNUD, UNICEF, BM) nas Conferências
Mundiais de Educação para Todos, realizadas na Tailândia (1990) e em Nova Delhi (1993).
As determinações acordadas nestes Fóruns exerceram grande pressão sobre a política
educacional brasileira e serviram como parâmetros para a elaboração do Plano Decenal de
Educação para Todos (1993) e para o estabelecimento das políticas estaduais e municipais de
educação no decorrer daquela década (VIEIRA, 2000).
Fundamentada nas diretrizes citadas anteriormente, a SEMEC elegeu como linhas-
mestras de ação cinco programas prioritários que, articuladamente, objetivavam aperfeiçoar a
91
oferta da educação básica em Belém, sobretudo, no nível do ensino fundamental. Juntos, esses
programas sumarizam o conteúdo da política educacional do governo Gueiros e podem ser
assim enumerados: aprimoramento qualitativo da educação básica; valorização do magistério;
instrumentação eletrônica do setor educacional; modernização gerencial do sistema municipal
de educação; e autonomia da escola.
A seguir, far-se-á uma breve descrição de cada um desses projetos, destacando suas
concepções fundamentais e as ações mais significativas a eles relacionadas.
1) Aprimoramento Qualitativo da Educação Básica
Baseados em dados estatísticos disponíveis na SEMEC, os gestores afirmavam que um
dos maiores problemas da educação municipal não era a ausência de vagas e/ou prédios
escolares, mas a falta de qualidade do ensino ofertado e a ineficiência dos modelos de gestão
da política educacional e da escola que vinham sendo adotados por governos anteriores pouco
comprometidos com mudanças (SEMEC, 1994).
A Pesquisa Domiciliar Educacional por amostragem, realizada pela SEMEC em 1994,
encontrou 96% da população escolarizável de 7 a 14 anos freqüentando a escola e 79% das
crianças de 4 a 6 anos também atendidas (SEMEC, 1995, p. 7). Tais números levaram a
conclusão de que naquele momento não havia mais premência de vagas no município. A
universalização do ensino fundamental já havia praticamente sido atingida e a oferta da
educação infantil, na faixa etária correspondente ao pré-escolar (4 a 6 anos), mostrava-se
satisfatória. Os esforços deveriam se concentrar na qualificação da oferta, de modo a superar
os altos índices de reprovação e evasão que, ainda, era o que comprometia a regularização do
fluxo escolar na Rede.
Dados da mesma pesquisa indicam que 34% dos alunos que concluem a série
acumulam, em média, quatro repetências. Na análise dos gestores, o excesso de repetência,
além de motivar a evasão, impedia a criação de novas vagas, ocasionando desequilíbrio no
92
fluxo de entrada e saída das crianças e adolescentes na escola. Daí a existência de um grande
número de alunos fora de faixa etária ocupando vagas que poderiam ser disponibilizadas para
novas crianças.
A situação mais grave, em termos quantitativos, se localizava na faixa de 0 a 3 anos.
Embora a Constituição de 1988 tivesse garantido o direito de atendimento dessas crianças em
creches e delegado ao município a prioridade desta oferta, em Belém, no ano de 1994, apenas
15% da população escolarizável de 0 a 3 anos recebia atendimento na rede oficial de ensino
(SEMEC, 1995, p. 7). Um quadro que quase não se alterou até 1997, devido a este nível de
escolaridade não ter se constituído em prioridade, nem daquela gestão, nem das políticas
estadual e nacional de educação.
Diante do cenário acima exposto, o programa de aprimoramento qualitativo da
educação básica visava a “expansão criteriosa” da oferta quantitativa e a conquista da
melhoria da qualidade do ensino. Este programa demandou as seguintes ações: reformulação
da proposta curricular do ensino fundamental, construção de três (3) novos prédios escolares e
reforma dos já existentes, aparelhamento dos espaços educativos segundo os padrões de
qualidade definidos pela SEMEC, aquisição de materiais didático-pedagógicos condizentes
com a nova proposta educativa, programa de formação permanente de professores e técnicos
das escolas.
Em 1993, o total de escolas municipais ofertantes do ensino fundamental era de 43
unidades. Em 1996, esse número passou para 46.
Os autores do programa afirmavam que, para elevar o nível de rendimento escolar das
crianças, o essencial seria romper com didáticas meramente reprodutivas, “signo da
mediocridade da escola” e em seu lugar erigir a didática do “aprender a aprender” e do “saber
pensar”. Segundo registros documentais, a didática do aprender a aprender supõe
93
o relacionamento entre sujeitos capazes de manejar e produzir conhecimento,
fundamento essencial da concepção e efetivação de um projeto moderno e
próprio de desenvolvimento. A escola, embora sempre reconhecendo de modo
realista as contradições sócio-econômicas da população, não pode ceder à
banalização do conhecimento voltada para as camadas mais carentes (...) Ao
contrário e mais do que nunca, a população pobre precisa de conhecimento
moderno, sempre atualizado, propedêutico em termos críticos e criativos, para
fundar processo sólido de cidadania e de competência produtiva. Os alunos
sempre carecem também de aprender’, mas a dimensão educativa propriamente
dita constitui-se no interior do “aprender a aprender”. (SEMEC, 1993, p. 23).
Para que a tão almejada qualidade da educação pública fosse alcançada, previa-se uma
renovação total dos métodos e dos conteúdos de ensino, fator que passava inevitavelmente
pela formação dos professores e por alterações organo-estruturais do sistema educacional.
Ainda dentro do programa de aprimoramento da qualidade da educação básica, vale
destacar a ênfase colocada no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB),
introduzido na Rede Municipal no ano de 1994, como forma de verificar a eficácia da nova
proposta pedagógica em fase de implementação (BELÉM, 1996, p. 60). Os gestores
enfatizavam a necessidade de se manter um programa permanente de avaliação do rendimento
escolar e compreendiam que o SAEB poderia cumprir satisfatoriamente esse papel. Os
primeiros resultados do SAEB não foram muito satisfatórios. O índice de aproveitamento dos
alunos do ensino fundamental em 1994 foi de 35%, sendo que o melhor desempenho
constatado foi entre os alunos do Ciclo Básico I (idem, 1996, p. 61).
Cabe lembrar que a proposta curricular dos Ciclos Básicos foi introduzida na SEMEC,
em caráter experimental, no ano de 1992. Inicialmente, atingiu apenas as crianças da e
séries de 3 escolas municipais. A partir de 1993, a proposta foi ampliada para a 3ª e 4ª séries e
em 1996, todas as escolas da Rede estavam trabalhando com o sistema de Ciclos no primeiro
segmento do ensino fundamental.
Um fato curioso é que em nenhum dos documentos pesquisados encontramos uma
discussão capaz de revelar qual a concepção filosófico-pedagógica que embasava a proposta
de Ciclos Básicos naquela gestão.
94
2) Valorização do Magistério
Esse programa buscava construir um processo de valorização do magistério baseado
na remuneração e na competência.
Para que a educação blica pudesse alcançar melhores patamares, fator principal
deveria ser a qualidade de formação do professor. Sobre essa questão, assim se manifestam os
autores da proposta:
O professor precisa ser bem formado e sempre atualizado, para poder postar-se
como vanguarda do conhecimento. Decorre desde a necessidade de uma política
de atualização recorrente em termos de competência tais como: a) capacidade de
elaboração própria, tendo em vista projeto pedagógico próprio; b) capacidade de
teorização da prática e de união de teoria à prática; c) capacidade de pesquisa como
princípio científico e educativo, base principal do aprender a prender e do saber
pensar; d) atitude de autonomia crítica e criativa. (SEMEC, 1993, p. 26)
Para responder aos objetivos de formação de competências nos professores, o governo
colocou em prática aquele que foi considerado um dos seus mais notáveis e ousados projetos
na área da educação: a criação do Instituto dos Educadores de Belém (ISEBE).
O ISEBE nasceu no eco do Instituto Superior de Educação do Pará (ISEP), fundado
durante a gestão de Hélio Gueiros como governador do Estado (1987-1990). O ISEP era uma
faculdade estadual isolada de formação de professores para educação infantil e as quatro
primeiras séries do ensino fundamental que se desfez logo após o término do mandato de
Gueiros. Tentando recuperar o sonho perdido, o ex-governador nomeou para Secretária
Municipal de Educação em 1993 sua esposa, a Sra. Terezinha de Moraes Gueiros e como
consultor, o teórico Pedro Demo, procurando repetir a fórmula utilizada na Secretaria
Estadual de Educação (SEDUC) em anos anteriores.
Na concepção de seus idealizadores, o ISEBE consignava:
a adoção de uma proposta de capacitação pedagógica das mais avançadas
implantadas na região, cuja pretensão é de dotar os profissionais da Rede Municipal
95
de Ensino de instrumental teórico e prático necessário ao manejo e à produção de
conhecimento. (BELÉM, 1994 p. 15)
A proposta de capacitação do ISEBE atingia, além dos professores, o corpo técnico e
administrativo da SEMEC, tendo como meta prioritária a implantação de didáticas
construtivas e de novas tecnologias de ensino nas escolas, fundamentadas na teoria do
“aprender a aprender”. Para atingir essa meta, era necessário prover os educadores de
fundamentação teórica propedêutica para torná-los capazes de elaborar projetos pedagógicos
próprios e realizar a adequada relação entre teoria e prática.
Na verdade, tinha-se a pretensão de preencher as lacunas deixadas por uma formação
inicial inadequada ou mesmo de ensinar aos professores o que eles precisavam saber para se
inserir na tão aclamada modernidade.
Para operacionalizar o programa foi selecionado um grupo-base de especialistas e
pesquisadores de “reconhecida competência teórico-técnica” aos quais foi designada a tarefa
de conceber e realizar a proposta de capacitação dos professores. Este grupo deveria se tornar
“o fiel da balança em termos de qualidade da educação básica”. (BELÉM, 1993, p. 30)
A metodologia de formação utilizada pelo programa baseava-se em cursos, oficinas e
seminários realizados no espaço próprio do ISEBE, por meio dos quais se procurava atender,
separadamente, às várias categorias de educadores existentes na Rede: normalistas,
licenciados e especialistas.
Com base nas proposições contidas nos documentos analisados, pode-se afirmar que
esse modelo de formação parece não ter levado muito em conta a totalidade do trabalho
pedagógico que se realiza na escola, focalizando apenas algumas especificidades de
segmentos isolados.
O modelo de inovação educativa proposto pela gestão do prefeito Helio Gueiros segue
uma orientação que Arroyo (2002, pp. 134-136) identifica como o estilo dos que decidem a
inovação para a escola e para os seus profissionais. Um estilo “que acredita que a inovação
96
pode vir do alto, de fora das instituições escolares, feita e pensada para elas e para seus
profissionais, para que eles troquem por novos, como trocam de camisa ou blusa, velhas
fórmulas, currículos, processos e práticas”. Invariavelmente, este tipo de inovação sempre
coloca como cerne da política educacional “requalificar os professores, ensinar-lhes a ser
modernos para que modernizem a sua prática”. Nessa ótica de reforma educativa, inovar a
escola “passa por selecionar um novo conjunto de conteúdos, de competências e de atitudes
que deverão ser ensinadas e apreendidas”.
No que se refere à política de valorização salarial, o prefeito Gueiros concedeu o
pagamento de vantagens aos professores pertencentes à categoria MAG I e MAG II,
portadores de diploma de Licenciatura Plena. Muitos professores da categoria MAG I foram
concursados em nível de grau, mas tinham concluído o nível superior sem receber em
contrapartida a remuneração equivalente. Outro ganho foi o adicional de escolaridade pelo
total de horas trabalhadas e não apenas sobre o mínimo de 100 horas. Isso significava um
adicional de 60% para os professores de nível médio e de 100% para os licenciados.
Esse foi um ponto bastante positivo da política salarial de Hélio Gueiros para o Grupo
Magistério, pois uma antiga reivindicação dos professores passava então a ser atendida
(BELÉM, 1994, p. 17).
3) Instrumentação Eletrônica do Setor Educacional
O grande objetivo deste programa era “criar e manter ambientes educativos
inteligentes e recursos tecnológicos voltados à modernização do Sistema Municipal de
Educação”. (BELÉM, 1993, p. 31).
Tal modernização no campo das novas tecnologias educacionais deveria ser alcançada
por meio de duas ferramentas consideradas prioritárias: o vídeo e a microinformática.
Para dar consecução a este objetivo, a SEMEC se empenhou em aparelhar laboratórios
de informática em 14 escolas para atender aos alunos e à comunidade. Outra ação
97
desenvolvida foi a concepção de um projeto de capacitação de professores em linguagens e
programas de computador voltados para o ensino das áreas curriculares da educação infantil e
do ensino fundamental, coordenado pela equipe do ISEBE. Oficinas de manuseio e utilização
pedagógica de equipamentos eletrônicos como TV e vídeo também fizeram parte do projeto.
4) Modernização da Gerência Municipal da Educação
Dentro desse programa, a institucionalização do sistema próprio de educação do
município foi, certamente, o feito mais significativo da gestão de Hélio Gueiros na área
educacional.
Em julho de 1994, amara Municipal de Belém estatuiu e o Prefeito sancionou a Lei
nº. 7.722 que criou o Sistema Municipal de Educação de Belém. Através desta Lei, o poder
público conferiu uma nova organização à educação municipal, compreendendo princípios,
fins e objetivos da ação educativa, consoantes com as previsões constitucionais, bem como,
estabeleceu normas e procedimentos que assegurassem a unidade e a coerência interna deste
sistema, concebido pelos autores da Lei
Como parte integrante do sistema social e fator de sua transformação de modo a permitir o
exercício da função federativa municipal de supervisão e normatização de toda e qualquer
atividade educacional desenvolvida no âmbito geográfico do município de Belém. (BELÉM,
1995, p. 11).
A base legal desta iniciativa está no princípio de autonomia municipal adotado pela
Constituição Federal de 1988, expresso no capítulo sobre a organização político-
administrativa do Estado, Art. 18 e no Art. 211, que trata da organização dos sistemas de
ensino; no Art. 279 da Constituição Estadual e no Art. 211 da Lei Orgânica do Município.
A nova legislação, além de promover mudanças na estrutura organo-funcional da
SEMEC
21
, definida como órgão tipicamente executivo da política educacional, favoreceu a
21
A estrutura administrativa presente na SEMEC mantinha-se inalterada desde 1965 e foi julgada pelos novos
gestores como excessivamente burocrática, com organograma pesado, métodos administrativos arcaicos e
recursos humanos despreparados para colocar em prática as mudanças ambicionadas por aquele governo. Em 20
98
instalação do Conselho Municipal de Educação (CME) criado pela Lei nº. 7.509, em janeiro
de 1991, para exercer as funções normativa e fiscalizadora do Sistema.
De acordo com o Art. 4º da Lei nº. 7.722, o CME é um órgão colegiado, composto por
04 (quatro) membros indicados pelo Poder Executivo Municipal, entre os quais o Secretário
Municipal de Educação, e por 04 (quatro) membros representativos de entidades da sociedade
civil organizada: Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública no Estado do Pará
(SINTEPP); Sindicato das Escolas Particulares; Associação de Pais; Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente (CONDAC).
Pela sua própria natureza e composição, o CME como órgão integrante do Sistema
Municipal de Educação supõe o estabelecimento de uma relação mais democrática e
equilibrada entre estado e sociedade. Foi, aliás, com essa intenção que a Constituição Federal
instituiu os diversos conselhos sociais de direito, em 1988.
Outra novidade, foi a implantação do Subsistema de Educação para o
Desenvolvimento Sustentável, composto de quatro unidades especiais de educação básica,
projetadas para funcionar como “centros de excelência do sistema”. Na concepção de seus
idealizadores, essas unidades deveriam vincular projetos pedagógicos “próprios e modernos”,
apoiados na educação profissionalizante, na educação ambiental e no turismo ecológico. Foi
através da construção dessas unidades que se deu a expansão “criteriosa” da Rede Municipal
entre os anos de 1993 a 1996.
Na ótica dos gestores, a implantação dessas escolas buscava satisfazer às necessidades
de produção econômica e preservação cultural e ambiental do município como condição
básica para a sobrevivência e melhoria da qualidade de vida das populações atingidas por
esses projetos. Como justificativa para implantação da Rede de Escolas para o
Desenvolvimento Sustentável, os documentos registram:
de agosto de 1996, o Prefeito baixou o Decreto nº. 29.107/96 que dispõe sobre a alteração do Regimento Interno
da SEMEC.
99
Essa Rede ligada, portanto, à noção de desenvolvimento sustentado, volta-se ao
enfoque integrado e culturalmente assentado do processo de desenvolvimento no
qual a Educação aparece como estratégia primordial da capacidade inovadora e
humanizadora do progresso. Destaca-se, nesse processo, a inserção política e
econômica do alunado, atendendo aos anseios e ao perfil sócio-economico-cultural
das comunidades de modo a favorecer a geração de renda. (SEMEC, 1996, p. 13)
Enquadram-se nesta concepção pedagógica, o Centro de Referência em Educação
Ambiental Escola Bosque Professor Eidorfe Moreira, localizada na Ilha do Outeiro, que
além de abrigar educação infantil e ensino fundamental, implantou os cursos
profissionalizantes de nível médio em manejo de fauna e flora e ecoturismo; O Liceu Escola
Mestre Raimundo Cardoso, no Bairro do Paracuri, Distrito Administrativo de Icoaraci,
projetado para desenvolver um trabalho educativo de resgate e preservação da cerâmica
marajoara e tapajônica com alunos da educação infantil e ensino fundamental, membros da
comunidade e artesãos; A Escola Parque Amazônia, no Bairro da Terra Firme, onde se
pretendeu implantar um currículo voltado para as vocações comunitárias da população:
culinária, serviços domésticos e artesanais destinado a uma clientela de educação infantil e
ensino fundamental; e o Liceu de Artes e Ofícios Rui Meira, localizado no Bairro do Guamá e
concebido em parceria com a Fundação de Assistência Social Papa João XXIII - FUMPAPA.
Esta instituição foi projetada para desenvolver um trabalho de educação profissionalizante não
formal com jovens e adultos de baixa ou nenhuma escolaridade, baseado na lógica do
“FACTOTUM”
22
, ou seja, um tipo de trabalhador que “faz tudo” em termos de consertos de
eletrodomésticos, trabalhos de marcenaria e construção civil.
A Rede de Escolas de Educação Básica, constituída pelas demais escolas de educação
infantil e ensino fundamental, formava uma outra vertente do sistema educacional. Essas
escolas, herdadas com “problemas crônicos e renitentes, fruto do descaso com que a educação
era tratada pelos governos anteriores” (CÂMARA MUNICIPAL DE BELÉM, 1993) foram
alvo das reformas físicas e políticas anunciadas anteriormente.
22
O volume nº. 4 da série Caminhos da Educação (1996) dedica um extenso capítulo, de autoria de Pedro Demo,
à explicação da proposta de formação do FACTOTUM.
100
A idéia básica da Lei, segundo os gestores da política educacional, era a constituição
de um sistema de educação em rede, descentralizado, autônomo e inovador, pelo qual cada
escola deveria ter projeto pedagógico próprio conectado com a realidade local e capaz de
formar cidadãos com percepção de sua capacidade criadora e profissional. Os órgãos centrais
do Sistema deveriam gozar de estrutura física adequada e autonomia técnico-administrativa
para desempenhar com eficiência e eficácia o papel que a Lei lhes designara.
5) Autonomia da Escola
Esse programa focalizou três elementos considerados essenciais para o exercício da
autonomia pedagógica, financeira e administrativa da escola: projeto pedagógico, conselho
escolar e constituição de diretores (termo utilizado na Lei nº. 7.722/94 para designar o
processo de escolha de dirigentes escolares na Rede Municipal). Foi fundamentalmente com
base na regulamentação desses mecanismos que se estruturou a proposta de gestão escolar do
projeto educacional do governo Gueiros.
Na próxima seção analisar-se-á, pormenorizadamente, este eixo da política
educacional, com destaque para a proposta de seleção/eleição de dirigentes escolares
instituída pela Lei nº. 7.722.
2.1.3 Gestão escolar
Os princípios de autonomia e descentralização da gestão escolar, base do programa
“Autonomia da Escola” já constavam no planejamento estratégico do governo Gueiros como
uma das prioridades de sua política educacional, juntamente com os demais programas acima
expostos. Mas foi, nomeadamente, pela Lei nº. 7.722/94 que esses princípios ganharam
materialidade no âmbito do Sistema Municipal de Educação.
O Capítulo V da referida Lei instituiu o regime de autonomia das escolas municipais
com base em dois dispositivos básicos: o direito de toda escola elaborar seu projeto
pedagógico (Art. 12) e de organizar seu conselho escolar (Art. 13).
101
Segundo a nova legislação educacional, o projeto pedagógico de uma escola deve ser
capaz de definir o que seus membros pretendem da educação, o tipo de inserção que a escola
busca alcançar no seu meio socioeconômico e cultural e o desempenho que espera dos seus
professores. Em síntese, o projeto pedagógico deve explicitar a proposta curricular e os
procedimentos didáticos adotados, o tipo de relação comunitária e os parâmetros para a
avaliação permanente do desempenho docente e escolar. No entanto, advertem os gestores: “o
projeto pedagógico não pode ser patrulha ideológica, mas quadro de referência sempre
atualizado de proposta coletiva de trabalho”. (SEMEC, 1993, p. 31)
Com relação à constituição de conselhos escolares, a Lei estabelece que toda escola
organize um conselho escolar com função normativa, fiscalizadora, deliberativa e consultiva,
conforme o Art. 214 da LOM. Da composição do conselho escolar devem participar os
representantes das categorias escolares e seus respectivos suplentes, eleitos por seus pares
para um mandato de três anos com direito à recondução por igual período. Até o ano de 1998,
quando as regras para composição do conselho escolar nas escolas municipais sofreram
alterações, este órgão apresentava a seguinte constituição: 4 pais; 2 professores; 1 técnico; 1
aluno com idade mínima de 16 anos; 1 apoio administrativo e o diretor escolar.
Dentre as atribuições do conselho escolar, previstas em Lei constam: aprovar as
prestações de contas dos recursos financeiros repassados à escola; avaliar o desempenho
escolar de todos os seus componentes e propor alterações necessárias às instâncias
administrativas competentes e; apreciar e avaliar o projeto pedagógico da escola.
2.1.4 Constituição de diretores escolares
Um dos avanços verificados na Lei de criação do Sistema Municipal de Educação de
Belém, no que tange à proposta de democratização da gestão escolar, foi a iniciativa de
institucionalização do processo de escolha de dirigentes escolares com a participação da
comunidade. Pois até então, o provimento do cargo de diretor escolar na Rede Municipal era
102
uma prerrogativa exclusiva dos governantes. Pode-se dizer que neste aspecto particular a
legislação educacional em Belém deu um passo adiante, se comparada à generalidade
embutida na Constituição Federal de 1988, marco do processo de institucionalização da
gestão democrática da educação no Brasil.
A Lei nº. 7.722/94, no seu Capítulo VI, versa sobre os procedimentos gerais para a
constituição de diretores nas escolas municipais, onde se lê:
Art. 16 - Os diretores de Escolas serão constituídos em duas fases integradas sendo
a primeira um processo seletivo técnico destinado a averiguar os conhecimentos
relativos à competência formal implicada no projeto pedagógico próprio, e a
segunda um processo eletivo do qual participarão docentes, técnicos e funcionários
da escola, mais os pais dos alunos, sendo os votos paritários.
Art. 17 - Poderão candidatar-se todos os docentes da rede municipal, apresentando-
se, após vencimento do processo seletivo técnico, os candidatos ao processo
eletivo, a realizar-se num mesmo dia para todo o município, dentro de um quadro
de distribuição por escola, devendo-se obter pelo menos 2 (dois) candidatos por
escola.
Parágrafo único: Não ocorrendo o número mínimo de 2 (dois) candidatos em
qualquer escola, o Diretor se nomeado pelo Secretário Municipal de Educação
com mandato previsto no art. 18.
Art. 18 O candidato que obtiver o maior número de votos ocupará o cargo, após
nomeação pelo Secretário Municipal de Educação, tendo mandato de 3 (três) anos e
podendo submeter-se a novo processo seletivo\eletivo.
Durante a tramitação da Lei na Câmara Municipal de Belém, o projeto original
(Processo 301/1994) recebeu duas propostas de emendas supressivas e cinco propostas de
emendas substitutivas, das quais 06 (seis) foram apresentadas pelo Vereador Luís Araújo, do
PT e uma pelo Vereador Paulo Barreto, do PTB. Do total de sete emendas, duas se referiam
ao processo de constituição de diretores. A emenda substitutiva ao Artigo 16 propunha a
inclusão dos alunos maiores de 12 anos no colégio eleitoral e a emenda substitutiva ao Artigo
17 propunha a supressão do processo seletivo e instituição apenas de processo eletivo, ou seja,
na visão do Vereador Luís Araújo a escolha do dirigente escolar deveria acontecer
diretamente pela comunidade sem interferência ou controle da Secretaria de Educação
(BELÉM/ Processo 301/1994).
103
Das sete emendas propostas, apenas a emenda substitutiva ao Artigo 4º, de autoria do
Vereador Paulo Barreto foi aprovada pelo plenário, esta relativa à composição do Conselho
Municipal de Educação. Com exceção do deste artigo, o Projeto de Lei nº. 32/94 foi aprovado
na íntegra, mantendo-se, portanto, a redação acima mencionada dos Artigos 16 e 17.
Segundo o próprio Prefeito Hélio Gueiros, um dado que sempre contou a seu favor
durante o mandato foi a quase total unanimidade alcançada na aprovação dos projetos de Lei
do governo. Na sua última Mensagem aos Vereadores, o Prefeito manifesta sua gratidão ao
legislativo, reconhecendo a importância fundamental desse apoio:
meus agradecimentos pelo apoio que recebi dessa Egrégia Câmara Municipal de
Belém, sem cuja cobertura político-institucional me teria sido muito mais difícil
ultrapassar as limitações impostas (...) aos membros da denodada e competente
bancada que sustenta, legislativamente, meu governo, a minha manifestação muito
especial de gratidão e de reconhecimento à dedicação com que se houveram na
análise das propostas que encaminhei à essa Casa Legislativa. (
BELÈM, 1996, p. 7).
Não se pode ignorar que governar com a maioria legislativa é, indubitavelmente, uma
grande vantagem para qualquer governo, e, nesse aspecto, de acordo o que demonstram os
registros, o Prefeito Gueiros foi bastante beneficiado.
Ainda no Capítulo VI, temos no Art. 19 e seus respectivos parágrafos as regras para
impugnação do mandato do diretor/diretora, em caso de irregularidades no processo eleitoral.
O Conselho Escolar e o CME foram nomeados órgãos competentes para o julgamento dos
pleitos de impugnação em primeira e segunda instância, respectivamente. Na escola onde
fosse deliberada a impugnação, a nomeação do novo dirigente ficaria a cargo do Secretário
Municipal de Educação, não havendo previsão de nova eleição por um período de três anos.
Por fim, o Artigo 21 designou a SEMEC como órgão competente para fixar regras
complementares ao processo seletivo/eletivo.
104
Tal tarefa delegada à Secretaria Municipal de Educação soa um tanto incoerente em
vista de o Sistema Municipal de Educação dispor de órgão normativo e fiscalizador próprio, o
CME, ao qual em tese melhor caberia tal atribuição.
Apesar da lei do sistema educacional ter sido promulgada em julho 1994, o primeiro
processo seletivo/eletivo para escolha dos dirigentes escolares das escolas municipais ocorreu
somente no dia 28 de junho de 1996. E por julgar insuficientes as normas estabelecidas pela
Lei nº. 7.722/94 para balizar o processo, a SEMEC, com base no Artigo 21 da referida Lei,
baixou a Portaria Complementar nº. 762/96, de 10 de junho de 1996. Esta Portaria, composta
de 44 Artigos, detalha minuciosamente os procedimentos do processo seletivo\eletivo para a
constituição dos diretores escolares, bem como complementa e até mesmo modifica algumas
deliberações da própria Lei.
A primeira alteração verificada diz respeito ao Artigo 17 da Lei, que havia assegurado
a todos os docentes da rede municipal de ensino o direito de se candidatar ao cargo de diretor.
O Artigo da Portaria nº. 762/96, contrariando aquele dispositivo, resolveu restringir o
direito de candidatura apenas aos licenciados plenos em Pedagogia e os pós-graduados em
Educação. Estavam incluídos também os funcionários temporários da Prefeitura Municipal de
Belém que comprovassem a titulação exigida.
Uma outra resolução desta Portaria foi o detalhamento das etapas do processo técnico-
seletivo indicado no Art. 16 da Lei nº. 7.722/94. De acordo com o Art. da Portaria nº.
762/96, a avaliação procedida pela SEMEC aconteceria em três etapas: análise do projeto
pedagógico próprio do candidato; análise da vida funcional e; entrevista.
Os critérios para avaliação do projeto pedagógico próprio eram: bases teóricas
consistentes; capacidade criativa, propositiva e argumentativa e; aplicabilidade da proposta ao
contexto a que ela se destinava. A entrevista objetivava avaliar a capacidade de sustentação
oral do projeto pedagógico (Arts. 8º e 9º da PORTARIA 762/96).
105
A comissão avaliadora oficial da seleção era constituída de seis membros, sendo um
representante do ISEBE; um representante do DEED; três representantes da SEMEC, de livre
escolha do Secretário (a) Municipal de Educação e; um representante do SINTEPP, com
direito apenas à voz, sem voto.
Neste item, particularmente, se percebe um forte diretivismo da SEMEC, pois, ao
alijar o Conselho Municipal de Educação do processo de elaboração das normas, negar o
direito de voto à única entidade não-governamental participante da comissão avaliadora e
vetar a participação da comunidade escolar no processo seletivo, garantia o controle absoluto
sobre o pleito.
Nesse sentido, a “autonomia da escola” defendida pelo projeto governamental do
Prefeito Gueiros ficava bastante comprometida, pois ao mesmo tempo em que se instituíam
mecanismos legais de democratização da escola, também se criavam dispositivos de controle
sobre a mesma. Se, no plano do discurso, defendia-se um projeto democrático de escola, no
plano das orientações legais se verificava uma clara contradição deste princípio.
Após a divulgação do resultado da seleção, os candidatos aprovados estavam aptos a
se submeter ao processo eleitoral em cada escola. Ratificando o Parágrafo Único do Art. 17 da
Lei 7.722/94, a nova Portaria reafirmava que não ocorrendo o mínimo de dois candidatos por
escola, o diretor seria nomeado de acordo com indicação do Secretário (a) Municipal de
Educação para um mandato de três anos. No caso de aprovação de apenas um candidato, este
teria prioridade de nomeação, desde que fosse referendado por 50% mais um do colégio
eleitoral.
A eleição em cada escola deveria ser conduzida por uma comissão eleitoral, indicada
pelo Conselho Escolar e composta de um presidente, um secretário e três mesários. Dentre as
atribuições delegadas à comissão eleitoral, constam: divulgação da eleição, acompanhamento
106
e fiscalização da campanha eleitoral, execução dos trabalhos da mesa receptora/apuradora e
elaboração dos listões dos eleitores.
Outra modificação importante inserida pela Portaria nº. 762 foi com relação à
composição do colégio eleitoral. A Lei nº. 7. 722/94 havia excluído os alunos do processo
eleitoral, mas pela nova regra todos os alunos maiores de 16 anos regularmente matriculados e
freqüentando a escola passavam a exercer o direito de voto. No entanto, o voto que antes
havia sido franqueado aos pais dos alunos, a partir de então foi restringido a um dos pais ou
responsável de cada aluno.
O que se verifica na análise das regulamentações do Sistema Municipal de Educação
com relação à institucionalização do processo de seleção/eleição de diretores e diretoras, no
período correspondente ao mandato do prefeito Helio Gueiros, é que dentro do próprio
governo esse processo é marcado por avanços e retrocessos. Ainda que se possa considerar o
estabelecimento do processo de escolha de dirigente escolar com participação da comunidade
um grande avanço, o controle e o diretivismo exercidos pela SEMEC foram constrangimentos
impostos ao exercício da democracia na escola, contradizendo, portanto, a afirmação
anteriormente mencionada de que não se pretendia fazer “patrulha ideológica” sobre as
escolas.
2.2 O Governo Edmilson Rodrigues (1997-2004)
2.2.1 Intenções governamentais “Governo do Povo”
Edmilson Rodrigues, do Partido dos Trabalhadores (PT), assumiu o seu primeiro
mandato como prefeito em janeiro de 1997, após ter enfrentado uma acirrada disputa na
campanha eleitoral de 1996 com os dois candidatos mais bem colocados nas pesquisas de
opinião e que representavam as forças políticas hegemônicas: o prefeito Hélio Gueiros,
candidato à reeleição pelo Partido da Frente Liberal (PFL) e Elcione Barbalho, do Partido do
107
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), aliada política do ex-governador Jader
Barbalho. Em 2000, Edmilson Rodrigues foi reeleito, permanecendo no comando da
Prefeitura Municipal Belém até dezembro de 2004.
Durante esse oito anos de mandato, houve uma intensa produção de documentos
oficiais e extra-oficiais que registram as idéias políticas e as realizações do governo petista
nos diversos setores da administração pública. Para traçar o perfil político deste governo,
foram selecionados os seguintes documentos: os Programas de Governo da Frente Belém
Popular (FBP), que subsidiaram as duas gestões do prefeito petista (1997-2000; 2001-2004);
as Mensagens do Prefeito à Câmara Municipal de Belém; o relato de experiência da primeira
gestão Luzes na Floresta: a experiência democrática e popular em Belém (1997-2000)”,
organizado por Edmilson Rodrigues e; o documento-base do Congresso da Cidade de 2001.
Na apresentação do Programa de Governo do candidato da Frente Belém Popular
(FBP) para a eleição de 1996, afirma-se que a construção de tal programa obedeceu a uma
metodologia participativa que objetivou estabelecer um processo de diálogo e incorporação
das reflexões dos distintos setores sociais sobre os impasses e as perspectivas da cidade.
Visava-se, também, garantir representatividade e legitimidade às propostas defendidas.
(FRENTE BELÉM POPULAR, 1996, p. 1).
De acordo com o referido documento, a gestão de orientação democrática e popular
que se pretendia implantar em Belém deveria se estruturar nos seguintes princípios
programáticos: participação popular, democratização do Estado, inversão de prioridades e
transformação da cultura política local. Os idealizadores do projeto afirmavam que:
O Programa de Governo da Frente Belém Popular está fundamentado na
democratização da gestão pública e propõe um projeto de sociedade onde a
democracia assuma um valor estratégico, um projeto que visa redefinir a relação
entre o poder público e a população, inverter prioridade e criar uma nova
cultura política. (FRENTE BELÈM POPULAR, 1996, p. 2, grifos nossos)
108
Tais princípios, assumidos como a essência do “Governo do Povo” (slogan político
adotado pela administração de Edmilson Rodrigues em alusão ao projeto político participativo
defendido) já faziam parte do ideário político do Partido dos Trabalhadores, ao qual o prefeito
eleito era filiado desde sua fundação em 1980. Embora no início da trajetória do partido a
discussão sobre a participação popular tenha permanecido restrita à idéia de conselhos
populares, baseados numa concepção de participação “fortemente classista e numa postura de
oposição entre estado e sociedade civil”, à medida em que o PT foi conquistando um conjunto
significativo de prefeituras e deixando gradativamente de ser apenas oposição para também
tornar-se governo, essa concepção foi se redimensionando no interior do partido (PONTUAL
e SILVA, 2002). Em lugar do confronto declarado começou-se a buscar uma relação de
partilha de poder e co-gestão entre governo e sociedade. Assim como, passou-se perceber
mais a pluralidade de identidades e de interesses presentes na tessitura social das cidades
(PONTUAL e SILVA, 2002; TREVAS, 2002; DAGNINO, 2002)
23
.
Mais precisamente a partir das eleições municipais de 1988, as experiências concretas
dos governos petistas começaram a apontar para a instituição de novos canais de participação
social na gestão das políticas públicas estatais, trazendo novos elementos para o debate
democrático do final do século XX. Essas dinâmicas ocorreram de forma diferenciada em
cada município, conforme o maior ou menor grau de organização das sociedades locais, a
história de luta dos movimentos sociais e as possibilidades objetivas e subjetivas de cada
administração para implementar suas propostas.
Uma série de experiências como o Orçamento Participativo (OP), a Bolsa Escola, o
Banco do Povo, os Fóruns populares de discussão, planejamento e deliberação de políticas
públicas e os conselhos gestores de políticas setoriais se tornaram referências de um modo
petista de governar durante a década de 90.
23
As experiências administrativas do PT em vários municípios brasileiros são discutidas pelos referidos autores
In MAGALHÃES, I.; BARRETO, L.; TREVAS, V. (Orgs.). Governo e Cidadania: balanço e reflexões sobre o
modo petista de governar. São Paulo: Ed. Perseu Abramo, 2002.
109
Apesar das divergências e contradições que sempre permearam as relações internas
dos grupos orgânicos do PT
24
, alguns princípios partidários como a participação popular, a
inversão de prioridades, o controle social do estado e a democratização da relação estado-
sociedade passaram a fazer parte do programa nacional do partido, gerando certa unidade na
diversidade que sempre o caracterizou. Essas bandeiras passaram a constituir a própria
identidade democrática do partido.
Além dos princípios petistas defendidos nacionalmente, o “Governo do Povo” se
pautou na defesa de outros que explicitam a intenção de imprimir à gestão municipal um
caráter progressista e de oposição declarada à política hegemônica dos governos federal e
estadual do período. Entre esses princípios, destacam-se: o combate ao neoliberalismo, a
busca da sustentabilidade democrática do projeto de desenvolvimento local, a universalização
da cidadania, o fortalecimento do poder popular e a radicalização da democracia através da
combinação estratégica da democracia representativa (indireta) e da democracia participativa
(direta). Essas intenções constavam no Programa de Governo do primeiro mandato, sendo
reafirmadas na reeleição de 2000. O texto abaixo confirma tal afirmativa:
No segundo mandato, o Governo do Povo continuará profundamente
comprometido em construir o poder popular, contribuindo para o avanço das
condições objetivas e subjetivas em vista de uma cidade sustentável e um Estado
socialmente controlado (...) A radicalização da democracia será buscada na
combinação da democracia direta e da democracia participativa, avançando na
produção e disponibilização das informações com novas modalidades de diálogo
ativo com entidades e movimentos da sociedade civil organizada (...) Nossas ações
visam a universalização da cidadania, desenvolvendo ações includentes que
enfrentem o neoliberalismo, buscando efetivar políticas sociais que ampliem ao
máximo o acesso dos excluído a políticas que assegurem a qualidade de vida e a
cidadania (...) O nosso projeto de cidade significa o desafio de inverter
prioridades, desenvolvendo um projeto estratégico de desenvolvimento que
busque a universalização da cidadania e a conquista da sustentabilidade.
(FRENTE BELÉM POPULAR, 2000, p. 25, grifos nossos)
Alicerçado em tais princípios, o governo municipal deu início em janeiro de 1997 a
um plano de ão que se estruturou em torno dos eixos básicos constantes do Programa de
24
Uma discussão sobre as principais “tendências” orgânicas do PT pode ser encontrada em Torres (2002).
110
Governo da Frente Belém Popular: políticas sociais (saúde, educação, assistência social,
cultura e patrimônio histórico, lazer e esporte, mulheres e meio ambiente); desenvolvimento
econômico; espaço urbano e; gestão pública. Esses eixos receberam a denominação de
“Marcas de Governo”.
De acordo com o prefeito Edmilson Rodrigues, do ponto de vista da relação interna do
governo, as “Marcas” consistiam nos objetivos substantivos do “Governo do Povo” e visavam
reduzir o grau de fragmentação da máquina administrativa por meio da articulação
interinstitucional dos órgãos públicos em torno de questões sociais relevantes que
apresentavam potencial estruturante de políticas públicas (BELÈM, 2001, p.17).
A sistemática de planejamento estratégico situacional expresso nas “Marcas de
Governo” buscava uma atuação articulada e coordenada dos órgãos governamentais sobre a
totalidade da cidade e de suas necessidades mais prementes, de forma a objetivar o
investimento dos recursos disponíveis e evitar a sobreposição de políticas.
No total foram estabelecidas sete (7) Marcas que, segundo o governo, “foram
definidas de acordo com as características e carências históricas mais relevantes da cidade”,
percebidas no processo de construção do programa de governo. As Marcas abrangiam
praticamente todos os campos de intervenção da administração municipal (idem, 2001, p.18).
No Quadro nº. 2 relaciona-se cada Marca de Governo às suas respectivas áreas de
abrangência.
111
Quadro nº. 2
Governo do Povo - Síntese das Marcas de Governo (1997-2000)
Marcas de Governo Áreas de Abrangência
1. Dar futuro às crianças e adolescentes educação, esporte, lazer, cultura, saúde e
geração de renda (para os pais).
2. Revitalizar Belém urbanismo, cultura, economia e meio ambiente
3. Sanear Belém limpeza pública, drenagem, pavimentação,
abastecimento de água e esgotamento sanitário.
4. Saúde para todos Saúde, moradia, saneamento básico, trabalho e
cultura.
5. Transporte humano Transporte e trânsito.
6. Participação popular Poder popular, controle social e exercício de
cidadania.
7. Valorização do servidor público Transversal a todas as marcas.
Fonte: BELÉM, PMB. Mensagem à Câmara Municipal: relatório de atividades 1997-2000. Belém: PMB, 2001.
De acordo com primeiro programa de governo do prefeito Edmilson, o OP deveria se
instituir como a instância privilegiada de participação popular para encaminhar o processo de
planejamento configurado nas Marcas de Governo. Durante as assembléias do OP, a
população teria a oportunidade de participar do planejamento do orçamento público e eleger
as obras prioritárias para os seus bairros, tomando sempre por base as diretrizes estabelecidas
nas “Marcas de Governo”.
Numa passagem do referido programa se registra a seguinte declaração a respeito do
OP:
A experiência consolidada do orçamento participativo, pelo qual a população
define onde, como e quando gastar as verbas públicas, acompanhando passo a
passo os projetos por ela escolhidos, tem provado ser, em toda a história do Brasil,
a forma mais democrática e eficiente de governar. (FRENTE BELÉM POPULAR,
1996, p. 11)
Na ótica do governo, o Orçamento Participativo conseguiu se constituir de fato na
mais importante instância de encontro e negociação entre Estado e sociedade na cidade de
Belém. De acordo com o relato dos gestores “O Orçamento Participativo teve a capacidade de
112
trazer para a política, moradores de periferia que nunca tinham sonhado em decidir os
destinos da utilização dos recursos públicos”. (BELÈM, 2001, p.15)
No segundo mandato, o OP evolui para uma nova sistemática de participação
denominada de Congresso da Cidade. A avaliação que os gestores faziam no final do primeiro
mandato era de que mesmo que o OP tenha rompido com a lógica de planejamento ditatorial e
burocrático característico dos governos elitistas, a discussão centrada apenas no orçamento
inviabilizava um debate estratégico mais abrangente, que articulasse as questões locais com
questões inerentes ao modo de produção capitalista e ampliasse o horizonte de percepção
crítica dos cidadãos/cidadãs para além da sua rua, do seu bairro e os levassem a pensar a
cidade nos seus múltiplos aspectos e necessidades (RODRIGUES et al, 2002; RODRIGUES
2001).
Assim, surgiu o Congresso da Cidade com o objetivo de superar as limitações
percebidas no OP e avançar no processo de democratização do planejamento e gestão das
políticas municipais.
O Congresso da Cidade foi definido pelos seus idealizadores como “uma esfera
pública não-estatal”, onde o cidadão era convidado a discutir não somente o orçamento, mas o
planejamento da cidade e das políticas públicas como um todo. Ao proporcionar uma reflexão
politizada, crítica e propositiva, o Congresso da Cidade pretendia alcançar um novo patamar
na relação entre governo e sociedade (RODRIGUES, 2002, p. 33).
A partir de 2001, o Congresso da Cidade passou a se estruturar em torno de seis eixos
temáticos, os quais incorporaram as “Marcas de Governo” do período anterior. O quadro nº. 3
apresenta uma síntese dos eixos temáticos do Congresso da Cidade e das políticas a eles
relacionadas.
113
Quadro nº. 3
Governo do Povo
Eixos Temáticos do Congresso da Cidade (2001-2004)
Eixos Temáticos Políticas de Abrangência
1. Desenvolvimento Humano Pela
Inclusão Social
Saúde, educação e assistência social
2. Desenvolvimento Urbanístico e
Ambiental
urbanismo, saneamento, habitação, meio
ambiente e transporte urbano
3. Desenvolvimento Humano por uma
Economia Solidária
Desenvolvimento econômico, turismo e gestão
tributária e fiscal
4. Desenvolvimento Humano por uma
Cidadania Cultural
Cultura e de comunicação
5. Gestão Democrática e Qualidade
Social do Serviço Público
controle social da qualidade do serviço público
e da previdência e assistência ao servidor
6. Direitos Humanos Direito das minorias, reunindo as setoriais de
negros, mulheres, índios, homossexuais,
idosos, criança e juventude
Fonte: Programa de Governo da Frente Belém Popular, 2001-2004.
Tanto o OP quanto o Congresso da Cidade desenvolveram uma matriz metodológica
que buscou combinar democracia direta com democracia indireta. O processo se iniciava nas
assembléias distritais e setoriais, onde os movimentos sociais, as lideranças comunitárias e os
moradores das ruas e bairros de Belém eram convidados a participar do planejamento das
obras públicas e das políticas sociais. Em seguida, elegiam-se representantes dos vários
segmentos organizados e não-organizados que prosseguiam participando das variadas
instâncias de discussão, planejamento e controle social, constituintes da estrutura geral do
Congresso Municipal da Cidade.
Desde a experiência do OP, a escolha dos delegados nas assembléias obedecia à
proporcionalidade de um para dez. O critério adotado era o da legitimidade da representação e
a votação era feita diretamente pelos participantes.
O OP e o Congresso da Cidade introduziram mudanças significativas na forma de
planejar o orçamento e as políticas públicas em Belém no período de vigências do “Governo
do Povo”. Estas instâncias de participação podem ser consideradas as inovações mais
114
importantes daquele governo porque, entre outros motivos, tiveram o mérito de trazer para o
campo do planejamento público um novo ator social: os movimentos populares
historicamente destituídos de poder de decisão e, também, porque procurou dialogar com a
pluralidade dos segmentos sociais geralmente ignorados pelos governantes: mulheres, negros,
crianças, homossexuais, índios, idosos etc. O envolvimento desses atores no processo de
definição do orçamento municipal, no controle social dos serviços públicos e no planejamento
das políticas públicas inaugurou uma página inédita na história da administração pública do
município, possibilitando um debate mais democrático das prioridades e uma politização do
planejamento, antes centralizado nos chefes políticos.
Entretanto, a afirmação dos gestores de que essas instâncias se constituíram numa
“esfera pública não-estatal” é de certa forma problemática, pois, ao mesmo tempo em que o
governo incentivava e viabilizava o exercício da participação popular e do controle social,
também mantinha uma forte ingerência sobre esses processos, visto que quem coordenava o
OP e o Congresso da Cidade era um órgão governamental, a Secretaria Municipal de
Coordenação Geral do Planejamento e Gestão (SEGEP). Isso, obviamente, não minora o
mérito da experiência, ao contrário, mostra que é possível o Estado assumir uma outra postura
que não seja apenas do eterno tirano. No entanto, é praticamente certo que qualquer postura
que o Estado venha a assumir não elimina a tensão existente entre os interesses estatais e da
sociedade civil.
Além do OP e do Congresso da Cidade, outras instâncias de participação e controle
social foram instituídas nas diversas áreas como saúde, educação, saneamento, transporte,
cultura, esporte e lazer, direitos humanos, meio ambiente, etc. Assim como foram realizadas
inúmeras conferências, fóruns, seminários, colóquios e congressos que se constituíram em
canais importantes de negociação entre o Estado e a sociedade civil no processo de debate e
115
formulação de políticas setoriais. Nesses espaços também se adotou a combinação da
participação direta com o recurso da representação.
A partir da segunda gestão do Governo do Povo, esses fóruns passaram, também, a
integrar a estrutura organizacional do Congresso da Cidade. Para lá, deveriam convergir todas
as decisões e proposições formuladas no decorrer de um determinado período. Em momentos
pontuais de síntese, essas decisões eram submetidas ao referendo da totalidade dos delegados
presentes nas plenárias conclusivas do Congresso Geral da Cidade.
Merecem destaque ainda, as experiências de controle social exercidas por conselhos
gestores (educação, saúde, cultura, assistência social, etc.), por conselhos escolares, por
colegiados de servidores dos órgãos municipais, pela Comissão de Fiscalização e Controle
Social das obras do OP (COFIS) e pelos comitês ambientais formados por moradores dos
bairros e ruas de Belém. Todos esses organismos desempenharam um importante papel na
articulação entre estado e sociedade e, a partir de 2001, passaram a fazer parte da estrutura
organizativa do Congresso da Cidade.
Segue a relação das instâncias constituintes da estrutura organizacional do Congresso
da Cidade:
1. Congresso de Belém: instância máxima com recorrência a cada dois anos;
2. Conselho de Belém: instância deliberativa permanente sobre os recursos financeiros
do município;
3. Congressos Distritais e Congressos Temáticos: instância de aprofundamento do debate
de diretrizes e formulação de propostas e demandas;
4. Assembléias de micro-regiões: precedia os congressos distritais e favorecia a
participação direta do cidadão na apresentação de demandas localizadas por região;
5. Conselhos Distritais: instância deliberativa e fiscalizadora da execução de obras e
políticas públicas em nível distrital;
116
6. Fóruns Consultivos de Políticas Setoriais
7. Campanhas de Mobilização Social
8. Espaços de Controle Social
A partir da síntese documental realizada, pode-se inferir que houve na gestão de
Edmilson Rodrigues uma clara intenção de se construir uma experiência democrática “contra-
hegemônica”. Uma experiência que visou superar os limites da democracia estritamente
representativa e avançar na luta pela conquista e ampliação de direitos sociais e políticos,
inclusive, o direito dos atores sociais interferirem e influenciarem diretamente no
planejamento e gestão das políticas e orçamento públicos.
No próximo item, se analisará tal experiência administrativa no campo da educação,
na qual se vivenciou um intenso processo de construção coletiva de um projeto educacional
que objetivou imprimir uma nova qualidade à ação educativa municipal, tendo por base os
princípios fundamentais do “Governo do Povo”, os preceitos da legislação educacional
vigente e as demandas da sociedade local.
2.2.2 Política educacional “Escola Cabana”
Informações sobre a política educacional colocada em prática pela gestão de Edmilson
Rodrigues podem ser encontradas em vários documentos oficiais, publicados pela Prefeitura
Municipal de Belém no decorrer de dois mandatos consecutivos 1996-2000; 2001-2004).
Alguns desses documentos foram utilizados como base das discussões realizadas nos diversos
eventos que se sucederam durante a formulação do projeto político-pedagógico da Escola
Cabana, logomarca utilizada para nomear a proposta educacional do governo municipal no
período.
As fontes documentais que serviram de base para caracterizar a política global de
educação do “Governo do Povo” e a sua proposta de eleição direta de diretores (as), além das
Mensagens do Prefeito à Câmara Municipal, foram: o texto base do I Fórum de Educação da
117
Rede Municipal “Projeto Pedagógico: um olhar que re-signifique a educação municipal”
(1997); o texto base da I Conferência Municipal de Educação “Escola Cabana: dando futuro
às crianças” (1998); os Anais da I Conferência Municipal de Educação (1998); o Caderno de
Educação nº. 1 ”Escola Cabana: construindo uma educação democrática e popular” (1999); as
Portarias da SEMEC e as Resoluções do CME que dispõem sobre as regras para a efetivação
da gestão democrática escolar; o Plano Municipal de Educação (2003) e; o Projeto de
Alteração da Lei nº. 7.722/94 (2004).
Com base nas referências mencionadas, verificou-se que, no início do mandato do de
Edmilson Rodrigues, não se tinha um projeto educacional pronto para a Rede Municipal de
Ensino. O que o Programa de Governo de 1996 trazia eram apenas indicações das diretrizes
norteadoras e linhas de ação para subsidiar a instauração de uma nova ação educativa nas
escolas, pois, em conformidade com os seus princípios programáticos mais abrangentes, os
gestores defendiam que tal projeto deveria ser construído com a efetiva participação da
comunidade escolar e a partir das necessidades apresentadas pela realidade local. Tal
construção deveria ser empreendida sem deixar de considerar as experiências educacionais
positivas construídas por governos democrático-populares de outras cidades brasileiras, tais
como: a Escola Cidadã, de Porto Alegre; a Escola Candanga, de Brasília; a Escola Plural, de
Belo Horizonte e outras que se mostrassem aplicáveis ao contexto do município de Belém
(SEMEC, 1999, p.1; 9).
O primeiro passo nessa direção foi a construção de um diagnóstico sobre a realidade
educacional vivenciada nas escolas. Durante a I Jornada Pedagógica das Escolas Municipais,
realizada em janeiro de 1997, educadores e servidores responderam a um questionário aberto
que buscou alcançar as percepções desses sujeitos acerca da organização do trabalho
educativo em cada unidade escolar. No total, foram respondidos 1.022 questionários, 697 por
educadores e 325 por servidores (SEMEC, 1999, p. 5). A partir da fala desses sujeitos se
118
montou um relatório preliminar cujos dados subsidiaram a elaboração da proposta
educacional denominada de “Escola Cabana”.
A primeira formulação do projeto político-pedagógico da “Escola Cabana” foi
apresentada à coletividade da rede municipal no I Fórum de Educação, ocorrido em dezembro
de 1997. No documento que subsidiou a inauguração do debate sobre a reorientação da
política municipal de educação em Belém, os propositores afirmavam que “a construção de
uma política educacional que dê conta de responder às necessidades da educação pública
municipal hoje, passa pelo compromisso democrático de todos os atores que fazem a escola”.
(SEMEC, 1997, p. 2).
Nesta afirmativa fica explícita a intenção do governo de dialogar com a comunidade
educacional no processo de construção de tal política.
Mais uma vez, na história dos governos brasileiros, se anunciava a educação como
prioridade da administração pública. Essa prioridade foi expressa pela gestão petista através
da “Marca de Governo” Dar um futuro às crianças e aos adolescentes, a qual esteve
articulada na primeira fase do governo o projeto educativo da Escola Cabana. Dar um futuro
às crianças, no caso da educação, significava:
garantir o acesso a milhares de crianças e adolescentes que se encontram fora da
escola, seja pela falta de vagas seja pela evasão, ou mesmo pela combinação destes
fatores com a extrema miséria social que provoca o trabalho infantil. Esta
prioridade também se materializa na garantia da permanência da criança na escola.
Esta permanência deve ser acompanhada de condições para o seu sucesso. Resgatar
a auto-estima de nosso povo, iniciando por nossas crianças é fundamental para a
consolidação de qualquer experiência democrática de gestão pública”. (SEMEC,
1997, p. 1)
No segundo mandato, com adoção da nova sistemática congressual de gestão e
planejamento das políticas publicas municipais, configurada pelo Congresso da Cidade, o
projeto Escola Cabana passou a fazer parte do eixo temático Desenvolvimento Humano pela
Inclusão Social.
119
Segundo os idealizadores da proposta, a Escola Cabana procurou resgatar em seu
nome os ideais da Cabanagem “não por um simples lance de marketing”, mas porque a
logomarca traduzia o espírito revolucionário e democrático daquele que foi “um dos mais
revolucionários e populares movimentos que marcaram o século XIX em nosso país”
(SEMEC, 1999, p. 2). E era exatamente esse espírito revolucionário e combativo do
Movimento Cabano que se desejava importar para a gestão municipal como um todo e para a
política educacional em particular.
A Escola Cabana defendia uma concepção de educação “sintonizada com o projeto de
emancipação das classes populares e pautada nos princípios da inclusão social e da construção
da cidadania” (SEMEC, 1999, p. 5). Os pressupostos básicos dessa proposta encontram-se
assim sistematizados:
“A escola Cabana é uma proposta que resgata a escola como espaço cultural;
valoriza os educandos como sujeitos construtores de conhecimento; reconhece os
diversos saberes sócio-culturais que se interpenetram na construção e ação do
currículo escolar; trabalha as diferenças de forma não discriminatória, garantindo a
igualdade de oportunidades para todos e possibilitando a inclusão, no processo
escolar, de setores freqüentemente excluídos: portadores de necessidades
educativas especiais, jovens e adultos trabalhadores, crianças e adolescentes em
situação de risco social; valoriza os profissionais da educação através de um
programa de formação continuada; incorpora o esporte, a arte e o lazer como parte
do processo de formação para cidadania; intensifica o processo de gestão
democrática dando ênfase à eleição de diretores e aos Conselhos Escolares como
instância máxima de gestão da escola. (BELÉM, 2001, p. 62).
As diretrizes básicas que articularam o conjunto dos programas e projetos educativos
implementados pela Escola Cabana foram: democratização do acesso e garantia da
permanência com sucesso; qualidade social da educação; formação e valorização dos
profissionais da educação e; gestão democrática do sistema municipal de ensino. A seguir,
apresenta-se uma síntese geral dessas diretrizes e das principais linhas de ação a elas
relacionadas.
a) Democratização do acesso e garantia da permanência com sucesso
120
A universalização do ensino fundamental e a progressiva ampliação do número de
vagas na educação infantil, tanto na pré-escola (4 a 6 anos) quanto na creche (0 a 3 anos),
foram compromissos assumidos pelo então candidato Edmilson Rodrigues durante a
campanha eleitoral de 1996 (FRENTE BELÉM POPULAR, 1996, p. 19). Considerando o
desafio que esse compromisso representava para o governo recém-eleito, os novos gestores
demonstravam ter clareza de que somente uma política de ampliação de vagas não seria
suficiente para zerar o déficit escolar global apresentado pelo município. Segundo dados
divulgados no Programa de Governo, esse índice era de aproximadamente 25% para o ensino
fundamental e de 29,06% para a educação infantil. Além de colocar as crianças na escola,
também se fazia necessário combater as elevadas taxas de evasão e de repetência registradas
nas escolas municipais, fatores que contribuíam para excluir da escola milhares de crianças
por ano. Com isso, a necessidade de se articular ações de democratização do acesso com
ações de garantia da permanência com sucesso.
Dados do relatório de gestão do Prefeito Edmilson Rodrigues referentes ao exercício
de 1997-2000 revelam que o índice de reprovação escolar registrado nas escolas municipais
no ano de 1996 era de 67,42% e a taxa evasão no ensino fundamental era de 28,68%
(BELÈM, 2001, p. 64). Esses índices revelam a necessidade de se articular políticas de acesso
com políticas de permanência.
Com relação à democratização do acesso, mesmo com os cortes orçamentários
produzidos pelo Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do
Magistério (FUNDEF)
25
de, aproximadamente, 10 milhões por ano, a expansão da matrícula
25
O FUNDEF foi criado pela Emenda Constitucional . 14/96 e regulamentado pela Lei . 9.424, de 14 de
dezembro de 1996. Este Fundo determina que os recursos educacionais existentes no âmbito de cada estado
sejam redistribuídos entre a totalidade dos seus municípios com base no número de alunos matriculados no
ensino fundamental e no valor custo/aluno fixado anualmente pelo Governo Federal. As crianças da educação
infantil, os jovens e adultos que não concluíram o ensino fundamental em tempo hábil e aqueles matriculados no
ensino médio não entram no cômputo do FUNDEF. Segundo dados da proposta preliminar do Plano Municipal
de Educação de Belém de 2003, enquanto o valor custo/aluno estabelecido pelo FUNDEF em 1998 foi de
R$300,00, o município de Belém já investia R$ 832,90 por ano em cada aluno do ensino fundamental. No ano de
2003, o custo/aluno do FUNDEF passou para R$ 418,00 para os alunos de 1ª a 4 ª séries e R$438,00 para os
121
na rede municipal cresceu significativamente a partir de 1997, sobretudo no nível da educação
infantil (idem, p. 2001, p. 64), conforme podemos conferir no Quadro nº. 4.
Quadro nº. 4
Expansão da Matricula na Rede Municipal de Ensino (1996-2002)
Modalidade de
Ensino
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Expansão
Educação Infantil 3.164 9.198 13.499 9.361 8.785 9.413 10.535 10.837 242,51%
Ensino Fundamental 37.845 41.909 42.354 44.554 44.397 46.619 48.109 48.165 27,27%
Fonte: BELÉM/PMB. Mensagem do Prefeito à Câmara Municipal, 2003.
A ampliação de vagas na rede municipal se deu através da construção de novas escolas
de ensino fundamental e educação infantil, da construção de creches denominadas de
Unidades de Educação Infantil (UEI’ s), da construção de novas salas de aula nas escolas
existentes e pela incorporação das escolas comunitárias, antes gerenciadas pela Assistência
Social, à rede própria de educação do município. A partir de 1997, essas escolas foram
transformadas em anexos das escolas municipais, atendendo, na maioria dos casos, crianças
de educação infantil (SEMEC, 1998, pp. 5-8).
Números divulgados na Mensagem do Prefeito à Câmara Municipal em 2001,
comparam o crescimento dos equipamentos escolares da rede municipal no quatriênio de
1997-2000 com o ano de 1996. Em 1996, o Sistema Municipal de Ensino era composto por 46
escolas, somando um total de 414 salas de aula. Em 2000, esse número era de 56 escolas, 52
anexos e 33 UEI’s, somando 778 salas de aula. O crescimento registrado foi de 87,92%
(BELÉM, 2001, p. 71).
A política de garantia da permanência com sucesso, implementada no município, se
estruturou, fundamentalmente, em três programas/ações estratégicos:
alunos de a séries, no mesmo período a Prefeitura de Belém computava um custo/ano de R$1.395,05, ou
seja, a diferença entre o que a Prefeitura recebia e o que investia em cada aluno do ensino fundamental
anualmente, girava em torno de 200% (PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 2003, p. 35).
122
a) O Programa Bolsa Familiar para Educação - Bolsa Escola
A Bolsa Escola foi criada pelo Decreto Municipal nº. 209.674/97, de 01 de janeiro de
1997 e tinha como objetivo combater o trabalho infantil e dar assistência às crianças e
adolescentes em situação de risco social: prostituição, mendicância, drogadição, violência
sexual e doméstica, fatores que impediam a permanência com sucesso destas crianças e
adolescentes na escola. A Bolsa Escola garantia às famílias, cuja renda per capita fosse
inferior ou igual a ½ salário mínimo, residentes em Belém pelo menos três anos, receber um
salário mínimo por mês, tendo como contrapartida manter suas crianças e adolescentes na
faixa de 4 a 14 anos na escola, com freqüência mínima de 90% e fora do trabalho infantil ou
da convivência das ruas. Outras medidas como a formação profissional dos pais das crianças
atendidas pela Bolsa Escola e geração de emprego e renda faziam parte do Programa.
Inicialmente, a bolsa educação atendeu apenas às famílias do Bairro da Terra Firme, onde se
constatou o maior numero de crianças fora da escola. Posteriormente, o Programa foi
estendido às outras áreas de Belém. O tempo máximo de permanência no programa era de três
anos (SEMEC, 1998, pp. 10-13). O resultado quantitativo do programa contabilizou entre
1997-2002 o benefício a 27.218 famílias e 122.692 crianças e adolescentes (BELÉM, 2003, p.
182).
b) Os programas de esporte, arte e lazer
Entre os anos 1997 e 2004, a rede municipal desenvolveu diversas ações de esporte,
arte e lazer concebidas como uma importante dimensão do currículo escolar e instrumento de
“formação de cidadania e “valorização da identidade cultural” dos educandos (SEMEC,
1998, p. 15). Essas ações pensadas como estratégia de permanência escolar visavam garantir
às crianças e jovens “o direito ao acesso e a produção de bens culturais” (BELÉM, 2001, p.
83). Os principais projetos de esporte, arte e lazer disponibilizados para os alunos da rede
municipal e às comunidades foram: Pólo Esportivo; Vivencias Corporais; Cultura, Esporte e
123
Alegria; Contador de Historia; Mala do Livro; Pólo de Dança; Interferência Literária;
Produção Cultural das Ilhas; Saúde e Lazer; Felizcidade e; e Jogos Cabanos.
c) O Programa de Inclusão dos Portadores de Necessidades Educativas Especiais (PNEES)
A proposta de inclusão dos PNEES previa a implementação diferentes ações
articuladas: avaliação especializada, atendimento e acompanhamento especializado na própria
rede de ensino e formação continuada dos educadores. A SEMEC argumentava que uma
proposta de Inclusão dos PNEES envolvia uma dimensão ampla de luta pelo exercício da
cidadania, abrangendo aspectos pessoal e político como: a viabilização de recursos humanos e
materiais, adaptações físicas, formação dos profissionais da educação e desmistificação de
rótulos” para viabilizar a inclusão com qualidade (SEMEC, 1998, p. 19).
2) Qualidade Social da Educação
A concepção de Qualidade Social da Educação presente no projeto Escola Cabana se
expressava pela valorização da cultura local; pelo ideal de efetivação da democracia social,
cultural e política entre os cidadãos; pelo princípio da inclusão social de todos os sujeitos,
independente de sua condição de classe social, gênero, etnia, cultura e ritmos de
aprendizagem e; pelo desejo de ruptura com a lógica excludente e conservadora da escola
tradicional, cuja maior expressão era o sistema de seriação, caracterizado por uma abordagem
de educação baseada na fragmentação do conhecimento escolar, na rigidez e linearidade do
tempo de aprendizagem e no modelo de avaliação meramente classificatório (SEMEC, 1997;
SEMEC 1998).
A opção teórico-metodológica adotada pela Escola Cabana para construir a “Nova
Qualidade Social da Educação Municipal” foi a implementação de uma política de
reorientação curricular dos Ciclos Básicos de Formação da educação infantil e do ensino
fundamental.
124
Embora os Ciclos Básicos (CBI e CBII) “enquanto tempo cronológico” já estivessem
implantados na rede municipal desde 1992, o que o diagnóstico sobre a realidade do trabalho
educativo efetivado nas escolas evidenciava era que a idéia de Ciclos como “continuum do
tempo escolar, de desenvolvimento progressivo, processual, ao longo de dois anos”, ainda não
tinha sido suficientemente compreendida e internalizada pelos educadores,prevalecendo
enquanto prática o sistema de seriação”. A compreensão dos gestores sobre este fato era de
que a organização do ensino em Ciclos ainda não havia sido plenamente vivenciada pelas
escolas e de que as possibilidades que os mesmos apresentavam valia o investimento em sua
efetiva implementação (SEMEC, 1997, pp. 5-6).
Os momentos privilegiados para a discussão da reorientação curricular dos Ciclos de
Formação (nova denominação conferida aos Ciclos Básicos) foram: o I Fórum da Rede
Municipal de Ensino (1997) e a I Conferência Municipal de Educação (1999). Nesses dois
eventos foram estabelecidos e consolidados os princípios fundamentais da nova concepção de
Ciclos adotada pela SEMEC, quais sejam: reestruturação dos tempos e espaços de
aprendizagem, avaliação emancipatória, interdisciplinaridade como princípio de organização
da prática pedagógica, gestão democrática da escola, formação continuada dos profissionais
da educação e valorização da escola como espaço cultural. Essa nova concepção político-
pedagógica estava fundamentada nos seguintes pressupostos:
- Concepção de conhecimento como processo de construção e reconstrução, e
enquanto processo, não está pronto, sendo revertido de significado, a partir das
experiências dos sujeitos–educandos;
- Percepção dos envolvidos no processo pedagógico, enquanto sujeitos históricos, o
que implica a valorização e reconhecimento dos diversos saberes cio-culturais
que são fundamentais para a construção de conhecimentos mais elaborados;
- Construção de propostas interdisciplinares como alternativa para a superação da
fragmentação do trabalho escolar, seja em relação ao conhecimento científico, as
disciplinas curriculares, ou ao trabalho pedagógico no seu sentido mais amplo de
organização de horários e de tempos escolares;
- Efetivação da Gestão Democrática, através do fortalecimento dos espaços de
participação popular no interior da escola, tanto das instâncias representativas
(Conselhos Escolares, Eleição para Diretores, Grêmios Estudantis), como das
relações interpessoais efetivadas no cotidiano escolar, desde as salas de aula,
reuniões, articulação com a comunidade extra-escolar;
125
- Utilização da avaliação escolar como estratégia para a formação emancipatória e
para a garantia do direito à educação para todos os segmentos sociais;
- Adoção da prática do planejamento participativo, enquanto instrumento
democrático e elemento fundamental para a construção do Projeto-Político
Pedagógico da Escola. È através do Planejamento Participativo que os diferentes
segmentos que compõem a comunidade escolar são chamados a opinar, planejar,
avaliar e implementar a proposta de educação a ser efetivada na escola. A
responsabilidade desta forma é compartilhada entre o coletivo, tornando a
possibilidade do sucesso bem maior. (SEMEC, 1998, p. 23)
A organização dos Ciclos, que antes atingia apenas o primeiro segmento do ensino
fundamental, a parir de 1998 foi ampliada para a educação infantil e o segundo segmento do
ensino fundamental (5ª a séries). Sendo que a implantação do CBIII e do CB IV ocorreu
por um processo de adesão das escolas à nova proposta (SEMEC, 1997, p. 22).
O critério de enturmação dos alunos nos Ciclos de Formação deixou de ser a
aprovação/reprovação ou o ritmo de aprendizagem, passando a se basear na proximidade de
faixa etária dos educados. A estrutura da organização escolar em Ciclos, com duração de nove
anos, ficou assim configurada:
Quadro nº. 5
Organização dos Ciclos de Formação da Educação Infantil e do Ensino Fundamental na
Rede Municipal de Ensino de Belém
Educação Infantil Ensino Fundamental
Ciclo I: 0 a 3 anos;
Ciclo II: 4 a 5 anos;
Ensino Fundamental:
Ciclo I: 6, 7 e 8 anos;
Ciclo II: 9 e 10 anos;
Ciclo III: 11 e 12 anos;
Ciclo IV: 13 e 14 anos.
Obs.: A parir de 1999, as crianças de 06 anos foram incluídas no ensino fundamental.
Fonte: SEMEC, 1998.
Por deliberação da I Conferência Municipal de Educação, a partir de 1999, passou a
vigorar na rede municipal o princípio de não-retenção nos Ciclos de Formação,
concomitantemente, os índices de reprovação e evasão escolar sofreram um considerável
126
decréscimo. Nos anos de 2000 e 2001 as taxas de reprovação registradas no ensino
fundamental foram de 10,31% e 8,9% respectivamente. As taxas de evasão ficaram em 7,83%
e 7,24%. Na educação infantil não houve registro de reprovação. A evasão foi de 15,38% em
2000 e 13,12% em 2001 (SEMEC/CME, PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 2002, p.
16).
Se esses resultados são produtos de uma efetiva melhoria da qualidade do ensino na
Rede Municipal ou se foram induzidos pelo princípio da não-retenção é uma análise que os
documentos oficiais não fornecem dados suficientes para que esta seja feita. O fato é que a
reorientação curricular vivenciada pelas escolas no período de vigência do projeto Escola
Cabana não foi acompanhada de um efetivo programa de avaliação institucional capaz de
fornecer indicadores concretos sobre a situação de aprendizagem e desenvolvimento dos
educandos e da eficácia do projeto pedagógico implementado. Aliás, a ausência de um
processo avaliativo da política educacional gestada pelo governo petista em Belém é uma das
grandes lacunas percebidas na proposta. Isso porque sem avaliação faltam subsídios para se
fazer um juízo mais consistente dos avanços e limites alcançados.
Além das mudanças operadas na educação infantil e no ensino fundamental regular, a
educação de jovens e adultos (EJA), que se encontrava estruturada em sistema de supletivo,
também sofreu alterações a partir da realização do II Fórum Municipal de Educação em 1999.
A nova forma de organização da EJA foi denominada de Totalidades de Conhecimento
26
, cuja
fundamentação se operou praticamente nos mesmos pressupostos que embasaram os Ciclos de
Formação. Os principais objetivos da reorientação curricular da EJA eram combater o
elevado índice de reprovação e evasão escolar e adequar a proposta pedagógica das escolas às
necessidades e interesses dos alunos-trabalhadores, contribuindo para a sua inclusão social e
exercício de cidadania (SEMEC, 1999).
26
Totalidades de Conhecimento é uma experiência de organização da EJA nascida em Porto Alegre, no contexto
da Escola Cidadã. Em Belém, a sua principal referência teórica foi a Pedagogia Libertadora de Paulo Freire.
127
Até o ano de 2004, tinha-se conseguido implantar as Totalidades de Conhecimento
apenas no primeiro segmento da EJA (1ª e etapas), permanecendo o antigo sistema de
supletivo nas 4ª e 5ª etapas. Mais uma vez as escolas tiveram que conviver com duas
sistemáticas de ensino na mesma modalidade de escolarização, tal como ocorrera antes com
os Ciclos Básicos.
3) Formação e Valorização dos Profissionais da Educação
A política de formação continuada implementada pela SEMEC tinha como perspectiva
a valorização dos profissionais da educação por considerar esses sujeitos “agentes
fundamentais no processo de construção de uma escola pública cidadã, constituindo-se em
elementos-chaves para a democratização do saber historicamente acumulado”. (SEMEC,
1997, p. 29)
Nesse sentido, a formação continuada dos educadores foi definida como um dos eixos
prioritários da proposta de reorientação curricular da Escola Cabana e como condição
fundamental para a conquista da Nova Qualidade Social da Educação na rede municipal de
ensino. Os pressupostos básicos que respaldaram a concepção de formação continuada do
projeto e que se pretendia que estivessem coerentes com a luta pela democratização da
educação básica” foram:
Concepção dos profissionais da educação como sujeitos históricos, cujo trabalho deve
garantir, além da sua sobrevivência, a transformação da sociedade;
Reconhecimento das deficiências do sistema formal de ensino pelo qual cada
profissional passou, sem, contudo, pretender que a educação em serviço, por si só,
recupere todas as possíveis lacunas e deficiências encontradas;
Fomento do processo de ação-reflexão-ação, com momentos diferenciados, mas
articulados, que privilegie as necessidades concretas das escolas, as indagações
128
cotidianas dos educadores em seus espaços de trabalho, buscando a consolidação da
teorização da prática;
Consideração da prática como ponto de partida e ponto de chegada do processo de
formação, garantindo-se uma reflexão fundamentada que venha ampliar a consciência
do educador em relação aos problemas e que aponte caminhos para refazer sua
atuação;
Resgate do sentido coletivo e participativo do fazer educativo propício à criação, à
troca e à reconstrução das relações interpessoais e à compreensão da natureza do
trabalho pedagógico em sua totalidade;
Consideração das condições de trabalho, salário, carreira, concurso publico, e
reformulação do estatuto do magistério (SEMEC, 1997, p. 30; SEMEC, 1999, p. 73).
O modelo de formação continuada perspectivado pretendia superar as práticas
tradicionais de “treinamento” ou “capacitação de recursos humanos” efetivadas por meio de
eventos pontuais e afastados da realidade escolar, e estabelecer uma formação sistemática,
processual e contínua, baseada na reflexão permanente da práxis pedagógica com vistas à
construção da competência técnico-pedagógica e política dos educadores para o
enfrentamento das dificuldades de forma participativa. Nesse sentido, o lócus privilegiado
dessa formação deveria ser a escola (SEMEC, 1997; SEMEC, 1999).
A sistemática de formação continuada adotada pela SEMEC previa a existência de
espaços diferenciados de acompanhamento e assessoramento pedagógico das escolas e de
formação por especificidade de atuação dos profissionais e por coletivos de Ciclos de
Formação. Estava assim estruturada:
a) Acompanhamento e assessoramento às escolas: é o espaço que pretende o
estabelecimento do dialogo com os profissionais da escola, no sentido de vivenciar
o cotidiano, possibilitando intervenções mais significativas, onde buscar-se-á a
reflexão permanente da práxis e de suas condições de efetivação, contribuindo-se
129
com referenciais teórico- metodológicos e didáticos, bem com direcionamentos
coerentes e democráticos.
b) Espaço de atuação por especificidade de atuação: constitui-se de encontros
sistemáticos com os educadores das diferentes escolas por área/nível de atuação,
onde se farão discussões de caráter político-pedagógicos a partir de conteúdos
especifico, tendo como referencial os indicativos da Jornada Pedagógica com
ênfase nos eixos da democratização da gestão e reestruturação curricular.
c) Espaço de formação por coletivo de Ciclos: é o espaço onde os professores que
atuam em determinado Ciclo se encontram para uma reflexão coletiva da prática
desenvolvida no espaço-tempo dos Ciclos numa perspectiva interdisciplinar.
(SEMEC, 1997, p. 32)
A tese de Doutoramento defendida por Bertolo (2004) sobre a proposta de formação
continuada de professores engendrada pelo projeto político-pedagógico da Escola Cabana
revela que, ainda que tenha se estabelecido no interior das práticas discursivas do governo
municipal uma ruptura com o modelo tradicional de formação continuada não se conseguiu,
de fato, viabilizar uma proposta que articulasse as necessidades dos professores porque, na
prática, houve muitas contrariedades entre os propósitos desse projeto com a perspectiva de
formação centrada na escola.
4) Gestão Democrática do Sistema Municipal de Educação
A discussão sobre a gestão democrática da educação no projeto Escola Cabana partiu
de uma leitura crítica sobre a relação escola-estado e dos condicionantes políticos implicados
nessa relação, especialmente no momento histórico em que se hegemonizava no Estado
brasileiro uma concepção neoliberal de gestão pública e de educação (SEMEC, 1997, pp. 24-
28; SEMEC, 1998, pp. 51-53).
O neoliberalismo, como uma “nova ortodoxia econômica” que assumiu o lugar do
intervencionismo estatal Keynesianismo ou do estado de bem-estar social no mundo
ocidental, começou a se firmar como força político-idelógica da nova direita internacional no
contexto da crise econômica mundial do final dos anos 70 e inicio dos anos 80 (LAURELL,
2002, p 161; PEREIRA, 2002, p. 35). Segundo Laurell, o neoliberalismo parte do postulado
de que o mercado é o melhor mecanismo dos recursos econômicos e da satisfação das
necessidades dos indivíduos. O intervencionismo estatal é antieconômico e antiprodutivo, não
130
por provocar uma crise fiscal do estado e uma revolta dos contribuintes, mas porque
desestimula o capital a investir e os trabalhadores a trabalhar.
Sob esse ponto de vista, a solução da crise consiste em reconstituir o mercado, a
competição e o individualismo. Isto significa por um lado eliminar a intervenção do
Estado na economia, tanto nas funções de planejamento e condução como enquanto
agente econômico direto, através da privatização e desregulamentação das
atividades econômicas. Por outro lado, as funções relacionadas ao bem-estar social
devem ser reduzidas. (LAURELL, 2002, pp. 161-162)
No Brasil, a tendência neoliberal começou a ganhar terreno no final dos anos 80 com o
governo Collor de Mello (1990-1992), mas foi no mandato do presidente Fernando Henrique
Cardoso (1995-1998) que as medidas do receituário neoliberal foram aprofundadas como
remédio para a crise fiscal do estado.
Sobre as peculiaridades do neoliberalismo latino-americano, incluindo o Brasil,
Laurell argumenta que a crise fiscal dos Estados do continente “não se deveu, como se
insinua, a gastos sociais excessivos, mas basicamente à questão da vida pública (externa),
provocada por mudanças nas relações nacionais e internacionais” (2002, p. 168).
No plano local, o “Governo do Povo”, autodenominado de “democrático e popular”,
dizia que Belém se encontrava “remando conta a maré conservadora e excludente” do
neoliberalismo (SEMEC, 1999, p. 3). Nesse sentido, as medidas reformistas do governo
federal, sobretudo aquelas operadas no setor social, compreendidas como parte da estratégia
de ajuste fiscal e de reforma gerencial do Estado, tornaram-se o principal alvo da crítica
proferida pelo governo petista.
Foi, principalmente, contra a concepção de Estado Mínimo (para o social), assumida
como orientação para o planejamento e gestão das políticas públicas brasileiras, que se
refletiu na progressiva diminuição da participação do Estado no financiamento e promoção de
políticas sociais e educacionais inclusivas, ao mesmo tempo em que aprofundou os
131
mecanismos de controle sobre o conteúdo e resultados dessas políticas, que o governo
municipal de Belém levantou-se em protesto.
A radicalização do discurso antineoliberal por parte da gestão municipal pode ser
percebida num fragmento de texto retirado do documento–base da I Conferencia Municipal de
Educação (1998), onde se registra a seguinte crítica:
Vivemos numa sociedade onde se estabeleceu um Estado profundamente
excludente, possuindo uma das mais injustas concentrações de renda do planeta,
jogando milhões de brasileiros na marginalidade, pois a essa maioria é negada
participação efetiva nas decisões político-econômicas e também o acesso a bens
culturais, inclusive à educação pública de qualidade. Sob o neoliberalismo esta
exclusão se aprofundou, materializando-se na privatização do patrimônio
público, na desmobilização da sociedade civil, num descompromisso do Estado
com políticas sociais inclusivas (inclusive as educacionais). (SEMEC, 1998, p.
51, grifos nossos)
Em contraposição à gica neoliberal, a administração local apresentou à sociedade
belenense um outro modelo de planejamento e gestão pública, fundamentado “na
radicalização da participação popular, única forma de ter garantias para realizar a inversão de
prioridades e a inclusão social tão almejada por nosso povo” (SEMEC, 1998, p. 52). Este
modelo tinha como matriz exemplar o Orçamento Participativo e o Congresso da Cidade, nos
quais, por meio de um “processo articulado de participação e representação, a população era
chamada a decidir e a opinar sobre os rumos da cidade” (CONGRESSO DA CIDADE, 2001).
Na área da educação, esse modelo alternativo se apresentou sob o enfoque do projeto
político-pedagógico da Escola Cabana, o qual tentou “romper com o projeto neoliberal de
educação, no sentido de alterar a lógica que subordina a educação somente aos interesses do
desenvolvimento econômico” (SEMEC, 2004, p.28). Os mentores da proposta Cabana se
posicionavam contrários ao neoliberalismo porque este concebe a escola apenas
enquanto espaço para o desenvolvimento da individualidade empreendedora
necessário à construção de um Estado Mínimo que professa uma autonomização
escolar, com a qual a escola se assemelharia a uma empresa (...) Para isso, os
132
recursos estão sendo tirados das Secretarias e indo direto para as escolas,
transformando os Conselhos Escolares em Unidades Executoras, ou seja, em
unidades de gerência escolar, cuja função seja otimizar recursos, buscar formas de
sustentação financeira que tornem a escola independente, livrando o Estado de sua
manutenção. Para essa concepção não interessa um mínimo comum de padrão de
qualidade, um projeto articulado, ou um debate político por parte do Conselho.
Nada deve atrapalhar a transformação da escola numa empresa bem sucedida, com
empregados bem ajustados e alunos bem comportados. Sob o disfarce de
descentralizar e melhorar o desempenho, essa política esconde objetivos
desagregadores. (SEMEC, 1998, pp. 52-53)
Sob vários aspectos a crítica petista se mostrava procedente. Os efeitos negativos do
neoliberalismo sobre as políticas educacionais colocadas em ação no Brasil no decorrer dos
anos de 1990 podem ser conferidos na escassez de recursos financeiros para o
desenvolvimento e manutenção da educação pública; na excessiva centralização das decisões
no executivo federal; na priorização do controle de resultados, sem grande consideração dos
processos e; na adoção de práticas de gestão que tentam confundir propositalmente
descentralização e autonomia com descompromisso e repasse de responsabilidades do Estado
para a sociedade civil
27
. No entanto, é importante registrar que o confronto deliberado do
prefeito Edmilson Rodrigues com o então presidente FHC (PSDB) e o governador Almir
Gabriel (PSDB), correligionário e colaborador de FHC, concorreu para uma certa polarização
do debate ideológico, provocando o isolamento do município no quadro da política nacional e
estadual e dificultando as negociações políticas e financeiras entre as diferentes esferas
administrativas.
Uma conseqüência concreta desse confronto foi a indisposição apresentada pelo
governo estadual para cumprir o Regime de Colaboração (previsto no Art. 211 da CF) no
27
Estes traços estão presentes, entre outras medidas, na instituição do FUNDEF; no estabelecimento de
Parâmetros Curriculares para educação sica, sem uma expressiva participação da comunidade educacional
nacional; na implementação de programas de avaliação institucional da educação sica como o Sistema de
Avaliação da Educação Básica (SAEB), o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e avaliação do ensino
superior através do Provão; no repasse de recursos financeiros direto para as unidades escolares como o
Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) que pela sua insuficiência para prover as despesas das escolas
acaba por responsabilizar a comunidade escolar pela captação de outros fundos para a sua manutenção,
ocasionado uma privatização disfarçada do ensino público (PERONI, 2003; OLIVEIRA, 2000).
133
tocante à oferta da educação infantil na cidade de Belém. A demanda neste nível de ensino,
definido pela Constituição Federal como prioridade do município, mas não exclusividade,
apresentava-se muito superior a capacidade financeira do município, principalmente, por
conta dos constrangimentos orçamentários potencializados com o processo de
municipalização do ensino ocorrido no Estado do Pará, induzido pela instituição do FUNDEF
em 1997 (SEMEC, 1998, pp. 6-7).
No que tange à questão da Gestão Democrática do Sistema Municipal de Educação,
um dos contrapontos positivos apresentado pelo governo local foi a institucionalização de
diversos canais participativos de planejamento e gestão da política educacional colocados em
prática no município. O debate com a comunidade educacional e a sociedade civil foi
estabelecido por meio de sucessivos encontros como jornadas pedagógicas, runs,
conferências, congressos realizados periodicamente e que assumiram função consultiva,
propositiva e deliberativa sobre as questões educacionais. A metodologia de participação
adotada nesses fóruns procurou associar participação direta com um sistema de representação
dos atores escolares e sociais. A representação era constituída através da escolha de
delegados pelos órgãos/entidades envolvidos com as proposições do sistema educacional.
Todos os delegados tinham direito de voz e voto. O Quadro abaixo apresenta um resumo dos
encontros/instâncias instituídas pelo Governo Povo no período de 1997-2004.
Quadro nº. 6
Instâncias de Democratização do Planejamento Educacional em Belém (1997-2004)
Período
Evento
Temas debatidos Objetivo
Público
Forma de
participação
1997
a
2004
Jornadas
Pedagógicas
Planejamento anual
da escola
Favorecer o debate
coletivo dos segmento
s
escolares no processo de
planejamento e avaliação
do projeto político
pedagógico da escola e
da política educacional
do município
Técnicos da
SEMEC e da
escola,
professores,
diretores e
demais
servidores
1
.
Participação direta
(na escola) e
Representação (nos
encontros gerais ou
distritais)
134
1997
I Fórum
Municipal
de
Educação
Ciclos de Formação
do Ensino
Fundamental;
Avaliação
Emancipatória;
Interdisciplinaridade;
Gestão Democrática;
Formação
Continuada; Escola
como Espaço
Cultural; Educação
Infantil.
Discutir e elaborar uma
proposta para o Ensino
Municipal de Belém;
discutir formas de
organização do tempo
escolar, processo de
avaliação, formação
continuada e gestão
democrática escolar.
Técnicos da
SEMEC,
técnicos e
diretores das
escolas,
professores,
alunos, pais,
representantes
sindicais,
lideranças
comunitárias.
Representação
(delegados dos
segmentos escolares
escolhidos nas
escolas e
entidades).
1998
I
Conferência
Municipal
de
Educação
Democratização do
acesso e garantia da
permanência com
sucesso; Nova
organização da ação
educativa escola;
Gestão democrática
do Sistema Municipal
de Educação.
Consolidar o projeto
político-
pedagógico da
Escola Cabana; traçar
diretrizes para o Plano
Municipal de Educação
e; socializar experiências
vivenciadas
no contexto
escolar.
Técnicos da
SEMEC,
técnicos e
diretores das
escolas,
professores,
alunos, pais,
representantes
sindicais,
lideranças
comunitárias.
repesentantes de
Universidades e
Faculdades .
Representação
(delegados dos
segmentos escolares
escolhidos nas
escolas e entidades)
1999 II Fórum
Municipal
de
Educação
Reorientação
Curricular da
Educação de Jovens
e Adultos (EJA).
Discutir e aprovar uma
proposta de
reorientação curricular
para EJA.
Técnicos da
SEMEC,
técnicos e
diretores das
escolas,
professores,
alunos, pais,
representantes
sindicais,
lideranças
comunitárias e
de movimentos
sociais,
repesentantes de
Universidades e
Faculdades de
Educação
Representação
(delegados dos
segmentos escolares
escolhidos nas
escolas e entidades)
Mensal Plenárias
Pedagógicas
Diretrizes e
estratégias
administrativas e
pedagógicas para o
trabalho de
acompanhamento e
assessoramento nas
escolas.
Proporcionar um espaço
de debate permanente
sobre a implementação
do projeto da Escola
Cabana nas escolas e
sobre questões de
organização interna da
SEMEC; proporcionar a
formação continuada
das Equipes Técnicas da
SEMEC.
Todos os
técnicos da
SEMEC
Participação direta
Mensal Encontro de
Formação
de
Professores
Reorientação
curricular do Ensino
Fundamental,
Educação In
fantil e
EJA e processos de
Discutir diretrizes
político-
pedagógicas a
partir de conteúdos
específicos com ênfase
na democratização da
Técnicos da
SEMEC e
professores por
área de atuação
e coletivos de
Participação direta
135
gestão democrática
das escolas.
gestão e reestruturação
curricular dos níveis e
modalidades de ensino.
Ciclos.
Mensal Reunião de
Diretores
eTécnicos
Gestão democrática,
papel da coordena-
ção pedagógica no e
trabalho coletivo da
escola, e reorienta-
cão curricular.
Discutir diretr
izes para o
trabalho da coordena-
ção pedagógica nas
escolas.
Técnicos da
SEMEC,
técnicos e
diretores das
escolas
Participação direta
2003 I Congresso
Municipal
de
Educação
Plano Municipal de
Educação
Mobilizar a população
para a definição coletiva
de diretrizes e
demandas para a
educação municipal.
Membros de
órgãos
governamentais
e não-
governamentais,
de movimentos
sociais, de
sindicatos, de
escolas, de
Universidades,
de Conselhos de
direitos, etc.
Participação direta
nas Plenárias
Distritais e
Temáticas e
naquelas
promovidas por
entidades e órgãos e
Representação
(delegados e
representantes) de
órgãos e entidades
na Plenária
Deliberativa.
2004 II
Congresso
Municipal
de
Educação
Alteração da Lei nº.
7.722/94 que dispõe
sobre a constituição
do Sistema
Municipal de Ensino
de Belém.
Propor um novo projeto
Lei para o Sistema
Municipal de Ensino em
substituição à Lei .
7.222/94
Membros de
órgãos
governamentais
e não-
governamentais,
de movimentos
sociais, de
sindicatos, de
escolas, de
Universidades,
de Conselhos de
direitos, etc.
Participação direta
nas plenárias
distritais e
Representação na
plenária final.
Fonte: SEMEC (1997); SEMEC (1998); SEMEC (1999); SEMEC/CME, I Congresso Municipal de Educação
(2003); SEMEC/CME, I Congresso Municipal de Educação (2004).
Nota 1: Várias escolas incluíram também representantes de alunos, de pais e de servidores operacionais e
administrativos nas suas Jornadas Pedagógicas.
A gestão democrática da educação foi abordada no projeto educacional do município
sob dois níveis distintos, mas inter-relacionados: a gestão democrática do sistema e a gestão
democrática da escola.
A idéia de sistema implica “em relacionamento entre partes dinamicamente
estabelecidas (...) pressupõe reunião e ordenação, de acordo com um determinado fim, uma
intenção, um objetivo (...) Sistema é um todo organizado, articulado” (BOAVENTURA,
1996, p. 23). Tomando por base essas definições de sistema pode-se dizer que a gestão
democrática de um sistema de ensino se refere à forma participativa e dialógica como se
136
estabelece as relações administrativas, pedagógicas, financeiras e normativas entre as
diferentes partes que formam este todo. No caso do Sistema Municipal de Educação:
Secretaria Municipal de Educação, Conselho Municipal de Educação e unidades escolares de
ensino fundamental da rede pública municipal e escolas de educação infantil, públicas e
privadas.
Com relação à democratização do SME de Belém, além das instâncias de formulação
de políticas citadas no Quadro nº. 5, foram instituídos outros mecanismos de gestão
democrática nos próprios órgãos de gerenciamento do sistema. “No âmbito interno da
SEMEC, a gestão democrática se expressa pela nova forma de gerenciamento (...) que
instituiu os níveis colegiados” (SEMEC, 1997, p. 27). Esses níveis encontravam-se assim
estruturados:
Colegiado Central: formado pelo secretário municipal de educação; diretoria
geral; assessores especiais; diretor de educação; diretor de esporte arte e lazer;
diretor de planejamento; assessoria de comunicação; assessoria jurídica; Bolsa
Escola e Funbosque.
Colegiado Interdepartamental: formado pelo diretor de educação e diretor de
esporte arte e lazer (áreas fins da secretaria), coordenados pela diretoria geral.
Colegiado Departamental: formado pelos coordenadores das equipes técnicas
de cada setor em nível de departamento.
Plenárias: formadas por todos os técnicos que compõem a Secretaria de
Educação.
Dentro desta proposta, diziam os gestores: “as representações de cada nível colegiado
têm o mesmo peso político no processo de tomada de decisões” (SEMEC, 1997, pp. 27-28).
Quanto ao Conselho Municipal de Educação, por se constituir no órgão normativo,
fiscalizador, consultivo, propositivo e mobilizador do sistema educacional, este “deve ter
137
como função a articulação entre a sociedade civil e o poder público, por isso deve ser a
referência básica de todo o processo democrático a constituir-se no Sistema Municipal de
Educação” (SEMEC, 1998, p. 57). Na avaliação da gestão municipal, o CME, desde sua
implantação em 1994, vinha funcionando apenas como um órgão “cartorial”, “ocupado em
responder à burocracia de funcionamento da rede de escolas e da Secretaria de Educação”.
Para cumprir o papel que lhe designara a legislação e se tornar, de fato, um instrumento de
articulação e controle social da política educacional do município, como previam os gestores
petistas, seria necessário “repensar o seu planejamento de ação e rever a sua composição”,
pois, reclamava-se que a estrutura que o CME apresentava não traduzia a representação dos
envolvidos na construção de uma escola cidadã”. No entanto, para que tal composição fosse
alterada, urgia modificar a Lei nº. 7.722/94 que disciplinou a sua constituição e
funcionamento (SEMEC, 1998, pp. 57-58).
A alteração da referida lei foi um projeto anunciado desde os primeiros anos de gestão
do prefeito Edmilson Rodrigues. A justificativa para isso não era somente a modificação da
composição do CME, mas a necessidade de dar legalidade às modificações operadas na
organização da educação municipal e adequar a legislação do sistema às novas exigências da
LDB. No entanto, a primeira iniciativa concreta nesse sentido foi a realização do II Congresso
Municipal de Educação em 2004, último ano de mandato do prefeito. Este congresso teve
como objetivo discutir e aprovar em plenária popular o Projeto de Alteração da Lei nº.
7.722/94.
De acordo com tal projeto de lei, o CME deixaria de ter composição paritária e a
sociedade civil organizada passaria a ocupar o maior número de assentos no Conselho.
Conseqüentemente, o número de entidades-membro também se ampliaria. Apesar da
polêmica que permeou a discussão deste ponto do projeto, os delegados da plenária final do II
Congresso de Educação decidiram que pela nova lei o CME deveria ser composto por 13
138
membros, sendo 04 representantes do Poder Executivo Municipal e 09 representantes da
sociedade civil organizada (CME, ANTEPROJETO DE ALTERAÇÃO DA LEI 7.722/94,
Art. 14, 2004).
Assim como ocorrera com o Plano Municipal de Educação, construído por meio de
uma intensa mobilização de várias entidades
28
governamentais e não-governamentais que
compunham o fórum coordenador do I Congresso Municipal de Educação, o Projeto de
Alteração da Lei nº. 7. 722/94 também foi enviado à Câmara Municipal de Belém
tardiamente, e, pelo fato do prefeito não contar com maioria parlamentar na casa legislativa,
nenhuma prioridade foi dada à tramitação e votação desses projetos.
Vale registrar que o projeto de lei do PME foi enviado à Câmara Municipal em
agosto de 2004, um ano após sua aprovação em plenária popular. Até a presente data, o PME
encontra-se arquivado sob o processo de nº. 1.220/2004 e o Projeto de Alteração da Lei do
SME nem sequer chegou a tramitar no Poder Legislativo.
Diante da morosidade no encaminhamento dos referidos projetos de lei, percebe-se
que além da falta de apoio parlamentar, houve, também, negligência do governo com relação
à legalização do projeto educacional construído. Apesar de legítimo, por expressar a vontade
de um número significativo de sujeitos e entidades representativas da comunidade
educacional belenense, o projeto não teve assegurada sua legalidade. O que o torna muito
mais fácil de ser revogado por outra administração que não comungue das mesmas idéias e
princípios.
28
As entidades que participaram do Fórum de Coordenação Geral do I Congresso Municipal de Educação foram:
Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade da Amazônia (UNAMA), Universidade Popular
(UNIPOP), Universidade do Estado do Pará (UEPA), Centro de Estudos Superiores do Pará (CESUPA),
Conselho Municipal da Condição Feminina (CMCF), Conselho Tutelar IV, Pastoral da Criança e do Menor,
Promotoria da Infância e da Juventude, Fundação Papa João XXIII (FUNPAPA), Sindicato dos Professores das
escolas particulares (SINPRO), Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (SINTEPP),
UNICEF, CME, SEMEC, SEGEP.
139
2.2.3 Gestão escolar
A gestão democrática da escola foi concebida como um dos “pilares de sustentação”
do projeto Escola Cabana. Com essa diretriz objetivava-se a construção e consolidação da
escola como um espaço público de direito”, que ao mesmo tempo em que pudesse garantir a
igualdade de acesso e a permanência com sucesso” a todos os educandos, também se
constituísse “num aberto à participação dos segmentos da comunidade escolar e da sociedade
civil organizada nas discussões de elaboração e implementação do Projeto Político-
Pedagógico da Rede Municipal de Ensino” e da própria escola (BELÉM, 2001, p. 63).
Para dar materialidade a este ideal, a Escola Cabana privilegiou os
instrumentos/mecanismos de gestão escolar instituídos pela legislação educacional vigente:
projeto político-pedagógico; conselho escolar e eleição direta de diretores (as). Não pelo
fato destes instrumentos se encontrarem legalmente formalizados, mas por serem frutos da
luta histórica dos educadores e dos movimentos sociais organizados em prol de uma escola
mais democrática, esses mecanismos foram definidos pelos gestores como “importantes e
indispensáveis vetores de democracia” que “devem ser tomados pelo coletivo de educadores
como elementos dos quais não se deve abrir mão, devendo, no entanto, passar por um
permanente processo de aperfeiçoamento” (SEMEC, 1997, p. 25).
No âmbito do Sistema Municipal de Educação, a gestão democrática escolar foi
instituída pela Lei nº. 7.722/94, sob o título de “Autonomia da Escola” e “Constituição de
Diretores”, muito antes da regulamentação deste princípio pela LDB em 1996. No entanto,
por acreditar que “os mecanismos de gestão democrática vão se re-significando ao longo do
processo histórico”, a SEMEC via necessidade de revisar as regras estabelecidas “ajustando-
as às exigências que a conjuntura impõe (SEMEC, 1997, p. 27). Tal revisão incidiu,
principalmente, na estrutura e funcionamento do conselho escolar e no processo de escolha de
dirigentes escolares. O espaço privilegiado para esse empreendimento foi a I Conferência
140
Municipal de Educação, realizada em dezembro de1998 e que assumiu caráter deliberativo
sobre as propostas de mudanças das normas de gestão até então vigentes na rede municipal de
ensino.
Acreditando que esses institutos democráticos podem contribuir para intensificar o
nível participação dos atores escolares e estabelecer relações de poder mais horizontalizadas
no interior da escola, a sua existência, segundo os dirigentes municipais, não pode ser tomada
como “uma panacéia que resolverá todos os problemas que a escola pública enfrenta, em
particular os de natureza política” (SEMEC, 1997, p. 26). Entendia-se que o importante era
que a gestão democrática pudesse ultrapassar o campo da mera formalidade e do imediatismo
e ajudar a “quebrar a espinha dorsal do autoritarismo” reinante na sociedade e nas escolas. A
expectativa que se alimentava em relação à efetivação destes mecanismos/instrumentos de
gestão pode ser percebida na seguinte declaração extraída do documento da I Conferência de
Educação:
Queremos escolas que construam um projeto político-pedagógico que seja
articulado e parta de um esforço de atores sociais para valer os seus direitos,
conquistar a cidadania. Queremos o direito de possuir Conselhos Deliberativos, que
conduzam a vida escolar, que debatam muito mais do que o gerenciamento de
recursos financeiros, não queremos limitar a participação popular na escola a
prestar contas de recursos. (SEMEC, 1998, p. 53)
Apresenta-se a seguir a concepção norteadora e a estrutura de funcionamento dos
principais instrumentos/mecanismos de gestão democrática instituídos pela Escola Cabana,
procurando ressaltar as mudanças legais praticadas em relação às normas anteriores.
1) Projeto Político-Pedagógico
A concepção de projeto político-pedagógico presente no documento “Diretrizes para a
Elaboração do Projeto Político-Pedagógico nas Escolas Cabana”, que teve o objetivo de
subsidiar as escolas municipais no processo de construção dos seus projetos pedagógicos,
pode ser sintetizada na seguinte citação:
141
O projeto político-pedagógico é uma ação intencional com um compromisso
definido coletivamente (...) é o conjunto de estratégias que expressam e orientam a
pratica político-pedagógica de uma escola (...) envolve um processo de reflexão
sobre a escola, sua missão, seus objetivos e seus compromissos sociais e políticos
(...) O projeto político-pedagógico é, acima de tudo, resultado de um trabalho
coletivo que busca metas comuns de ação e intervenção na realidade escolar e em
seu entorno com vistas à transformação dessa realidade. (SEMEC, 1999, p. 122)
Na construção do projeto político-pedagógico, conforme o documento, “há de se
considerar a especificidade de cada escola”, todavia, existe um conjunto de funções que são
gerais a todas as escolas pertencentes a uma mesma rede ou a um mesmo sistema de ensino
(SEMEC, 1999, p. 123). Tomando como referência as diretrizes básicas do projeto da Escola
Cabana, a SEMEC sugeriu que os projetos das escolas municipais apresentassem os seguintes
elementos comuns:
a) Diagnóstico da situação escolar em relação ao seu entorno e às experiências significativas
que traduzam as funções gerais do projeto: democratização do acesso e permanência, gestão
democrática, qualidade social da educação e valorização do profissional da educação.
b) Definição de diretrizes e estratégias: explicitação de princípios norteadores e definição de
objetivos e metas a serem alcançados; tipo de aluno que se quer formar; tipo de professor
adequado; proposta de gestão, planejamento e avaliação institucional.
c) Condições mínimas para viabilização do projeto: infra-estrutura e equipamentos; recursos
humanos, financeiros e materiais.
Nesse ponto, o que se percebe de avanço em relação ao estabelecido na Lei nº. 7.722 é uma
visão mais politizada de projeto pedagógico e a superação de uma concepção individualista e
meritocrática expressa no termo “projeto pedagógico próprio”, utilizado incansavelmente pelo
governo anterior. Além de se dispensar uma importância muito maior à participação da
comunidade no processo de elaboração do projeto e se cultivar a preocupação em manter uma
unidade de princípios político-pedagógicos entre o coletivo de escolas da rede municipal, sem,
contudo, negar a autonomia de cada unidade para articular o seu projeto.
142
2) Conselho Escolar
A Escola Cabana afirmou o conselho escolar como instância máxima de gestão
democrática e como “espaço privilegiado de discussão e decisão das ações político-
pedagógicas da escola”. Mas para assumir efetivamente este caráter, se defendia que o
conselho escolar deveria passar primeiramente por uma reorganização quanto a sua
composição e função (SEMEC, 1997, p. 27; SEMEC, 1998, p. 54).
Com vistas a reorientar a dinâmica de atuação do conselho escolar a SEMEC instalou,
em 1997, uma comissão para avaliar as condições de funcionamento desse órgão nas unidades
de ensino da Rede Municipal. Os resultados da observação mostraram que a atuação dos
conselhos encontrava-se muito restrita ao gerenciamento de recursos financeiros recebidos
pela escola; a participação dos segmentos escolares era inexpressiva, devido aos conselheiros
desconhecerem o seu papel e; as reuniões não aconteciam periodicamente conforme previsão
dos regimentos internos desses colegiados (SEMEC, 1998, p. 54).
Diante da realidade constatada, foi estabelecida como prioridade pela gestão municipal
a revisão da composição dos conselhos de escola e a redefinição de suas competências e
funções. As mudanças reclamadas pelos dirigentes ocorreram por deliberação da I
Conferência Municipal de Educação de 1998, que definiu os seguintes procedimentos legais
para a constituição de conselhos escolares:
- composição paritária do conselho escolar, sendo 50% de representante da rede municipal
(diretores, técnicos, professores, servidores de apoio administrativo) e 50% de usuários
(alunos a partir de 12 anos, pais ou responsáveis e comunidade organizada);
- definição do número de conselheiros por categoria, com base nos seguintes critérios: escola
com até 1.000 alunos elege um representante por categoria com seu respectivo suplente;
escola com 1.001 a 2.000 alunos elege dois representantes por categoria com seus respectivos
143
suplentes; escola com mais de 2.000 alunos elege três representantes por categoria com seus
respectivos suplentes.
- constituição do conselho por no mínimo 06 e no máximo 18 representantes, eleitos por seus
pares através de votação direta, secreta e facultativa para um mandato de dois anos, sendo
permitida à reeleição.
- participação do diretor (a) como membro nato do conselho, não podendo exercer função de
coordenador, tesoureiro e secretário, mas dotado de pleno direito de voz e voto (SEMEC,
1998, p.55).
As regras acima relacionadas deram origem à Resolução nº. 006/2001 do CME, que
dispõe sobre a composição e eleição dos conselhos escolares. A partir de 2001, esta
Resolução passou a vigorar como o parâmetro legal máximo para a constituição dos conselhos
nas escolas municipais.
Além de reafirmar o caráter deliberativo, consultivo e fiscalizador do conselho escolar
a Resolução 006/2001 lhe conferiu as seguintes atribuições:
- participar da elaboração do projeto político-pedagógico da escola, acompanhar e avaliar o
mesmo;
- elaborar, aprovar e acompanhar o plano de aplicação de recursos financeiros recebidos pela
escola e deliberar sobre sua prestação de contas;
- deliberar, acompanhar e avaliar o plano anual da escola;
- julgar recursos interpostos contra atos de qualquer um dos membros da comunidade escolar
que tenham infringido as normas educacionais vigentes;
- zelar pela qualidade do trabalho pedagógico tendo em vista o aproveitamento e o sucesso
escolar dos alunos;
- acompanhar e fiscalizar a merenda escolar;
- criar e garantir mecanismos de participação efetiva da comunidade escolar;
144
- organizar e coordenar o processo eleitoral para eleição de diretor (a) da escola e conselheiros
escolares e;
- aprovar e avaliar o Regimento Interno da Escola, após referendo da Assembléia Geral da
comunidade escolar.
Juntamente com a instituição de novos procedimentos normativos, os órgãos gestores
do sistema educacional investiram, também, num programa de formação sistemática de
conselheiros escolares. Este programa constou, numa primeira fase, de ações pontuais como
cursos, oficinas e seminários que visavam contribuir com a “instrumentalização pedagógica,
técnica e política” dos membros eleitos (SEMEC, 1997, p 26). A partir de 2001, o programa
assumiu um caráter de formação continuada, através do projeto “Conselhos Escolares: uma
experiência de democratização da educação na Amazônia”, realizado através de uma parceria
entre UNAMA, SEMEC e CME e apoiado financeiramente pela UNICEF e a Fundação
Instituto para o Desenvolvimento da Amazônia (FIDESA). As ações do projeto se
estruturaram a partir de três eixos temáticos, eleitos pelos conselheiros como os grandes
desafios do cotidiano escolar: participação democrática, relações interpessoais e violência
(CME, 2004, p. 113).
Esse projeto revela uma interseção interessante entre orientações legais e iniciativa
política. Pois, conforme comprovam vários exemplos de institucionalização de órgãos
colegiados e participativos no Brasil, não basta instituir canais e mecanismos de gestão
democrática para que todos os sujeitos automaticamente se tornem democráticos e
participativos. É fundamental que o processo de formalização da democracia seja
acompanhado de uma política institucional de incentivo e de formação para a participação e
para a democracia (ainda que exercida em nível de representação). A nossa herança autoritária
e antidemocrática ainda é muito forte para se esperar que a sociedade e a escola possam se
democratizar espontaneamente ou partir do estabelecimento de leis e decretos. Afinal, as
145
políticas públicas também devem servir para a formação da consciência democrática e cidadã
de um povo.
Entre os avanços do processo de redimensionamento legal do conselho escolar na rede
municipal destacam-se: a diminuição do limite de idade para a representação do segmento de
alunos que antes estava fixada em 16 anos e passou para 12 anos, possibilitando a ampliação
do exercício da participação democrática entre os alunos-cidadãos; a proporcionalidade mais
equilibrada na representação dos segmentos escolares; a ampliação do papel político-
pedagógico do conselho e; sua afirmação como órgão coordenador da eleição para dirigentes
escolares, possibilitando maior autonomia e controle da comunidade sobre o processo.
2.2.4 Eleição direta de diretores
Conforme exposto anteriormente, o processo de escolha de diretores e diretoras na
Rede Municipal de Ensino foi instituído pela Lei nº. 7.722/94, sob o título “Constituição de
Diretores”. O procedimento constava de duas etapas: uma seletiva, executada pela SEMEC e
outra eletiva, realizada por cada unidade educativa, coordenada por comissão eleitoral
indicada pelo conselho escolar. Na visão do governo petista, esse tipo de escolha feria a
autonomia da escola à medida que alijava a comunidade do processo de avaliação dos
projetos de trabalho dos candidatos, assim como reforçava o controle da SEMEC sobre a
gestão da escola. Os gestores da Escola Cabana diziam que “as condições de cada proposta
não devem ser avaliadas por ‘comissões especiais’ e sim pela comunidade escolar à qual o
candidato deverá submeter o seu projeto” (SEMEC, 1997, p. 27).
Na avaliação do novo governo, o próprio processo de instituição do Sistema Municipal
de Educação havia se dado “de forma impositiva, não levando em consideração as discussões
acumuladas sobre gestão democrática”, tendo prevalecido no texto legal a vontade dos
governantes do momento (SEMEC, 1998, p. 54). Por isso, a orientação era que após o
trabalho de revitalização dos conselhos escolares e de construção de projetos político-
146
pedagógicos pelas escolas, deveria se refazer todo o processo de eleição para diretores “dando
a este um caráter muito mais democrático e permitindo que a eleição signifique um momento
de enriquecimento político da vida escolar” (SEMEC, 1998, p. 56).
A idéia defendida sobre a eleição de diretores está expressa no seguinte
posicionamento da SEMEC:
A eleição direta para diretores não se esgota em si mesma. È, sobretudo, um ato
pedagógico, onde se exercita e se consolida a cidadania, pois ao se democratizar as
relações na escola está-se contribuindo, também, com a democratização das
relações na sociedade e é papel da escola enquanto instituição educacional, ser a
mediadora dessa nova forma de relação indivíduo-estado-sociedade”. (SEMEC,
1997, p. 26)
Balizados pelos princípios da participação popular, gestão democrática e controle
social, os gestores propunham a supressão da etapa seletiva e o estabelecimento da eleição
para diretor (a) através do voto direto da comunidade, devendo o processo acontecer sob a
coordenação do conselho escolar, concebido como “o elemento-chave de direito e de fato para
desencadear e implementar o processo eleitoral” (SEMEC, 1997, p. 26). Com isso, buscava-se
fortalecer a autonomia administrativa da escola e romper com qualquer “processo de
monitoramento” da SEMEC sobre o pleito, sem, contudo, negar a função da Secretaria de
Educação como órgão gestor da política educacional. Argumentava-se que dentro da nova
proposta não cabia mais à SEMEC o papel de censora de quem tem atributos para dirigir a
escola: “nosso papel é de auxiliar o processo e de garantir, juntamente com o conselho
escolar, a lisura do pleito e as condições materiais para sua realização”. (SEMEC, 1998, p. 57)
Assim como ocorreu em relação ao conselho escolar, o processo de reformulação da
eleição de dirigentes escolares na rede municipal também foi desencadeado na I Conferência
Municipal de Educação de 1998, onde as justificativas sobre as mudanças reclamadas foram
colocadas em debate e os novos critérios submetidos à decisão dos delegados.
147
Vale registrar que quem ocupou o cargo de Secretário Municipal de Educação no
primeiro mandato do prefeito Edmilson Rodrigues (1997-2000) foi o Prof. Luís Araújo, o
mesmo vereador que apresentou as emendas substitutivas à Lei nº. 7.722/94 concernentes ao
processo de constituição de diretores, conforme discutimos em seção anterior deste capítulo.
O documento-base da I Conferência Municipal de Educação sugeria os seguintes
critérios para balizar o processo de eleição de diretores (as):
A votação (para dirigentes) deve ser aberta e universal, garantindo a participação de
toda a comunidade escolar. Cabe ao Conselho Escolar, em assembléia especifica
para este fim estabelecer as regras eleitorais, materializadas num regimento
eleitoral aprovado pela comunidade escolar, no qual deve constar a realização de
debates com os candidatos e outros procedimentos (...) O candidato a diretor deverá
apresentar uma plataforma de ação, que nos debates e no processo eleitoral será
analisada pela própria comunidade escolar. (SEMEC, 1998, p. 57)
Se não foi difícil alcançar o consenso dos participantes da I Conferência sobre a
proposta de eleição direta de diretores e diretoras, o mesmo não ocorreu com relação à
definição do critério para a constituição de candidatos. Este, aliás, foi um dos pontos mais
polêmicos do referido evento, conforme se pode conferir nos Anais da I Conferência
Municipal de Educação (1998).
Como se verificou anteriormente, a Lei nº. 7.722/94 havia garantido esse direito a
todos os servidores da SEMEC pertencentes ao grupo magistério. Em seguida, a Portaria
Complementar nº. 762, de junho de 1996, sobrepondo-se aos imperativos da própria lei,
restringiu esse direto aos pedagogos e pós-graduados em educação. Por fim, a proposta levada
para discussão na I Conferência de Municipal de Educação tentava resgatar a idéia original da
lei de 1994, franqueando o direito de candidatura a todo educador/educadora licenciado pleno
e servidor efetivo da SEMEC.
Nos momentos finais da plenária deliberativa sobre a diretriz da “Gestão Democrática
do Sistema Municipal de Educação” houve um acirrado enfrentamento entre duas propostas
148
divergentes sobre o estabelecimento de critérios para a constituição de candidatos à eleição:
uma (constante no texto da Conferência) favorável à ampliação do direito de candidatura aos
licenciados plenos e outra (apresentada pelo Grupo de Trabalho sobre gestão democrática,
realizado por ocasião da Conferência) que defendia a restrição desse direito somente aos
pedagogos e pós-graduados em educação.
Em defesa das referidas propostas, os educadores argumentavam de um lado, que a
eleição direta de diretores (as) fazia parte de uma luta histórica dos trabalhadores da educação
para garantir a mais ampla participação dos educadores no processo de gestão escolar. O
diretor (a) “deve ser uma pessoa que de fato possa estar coordenando um projeto político-
pedagógico na escola, portanto, tem que ser uma pessoa que tenha liderança” e isto todo
professor licenciado pleno tem condições de ter, não apenas o pedagogo. De outro lado, os
pedagogos argumentavam que o que estava em jogo não era uma questão de competência ou
capacidade de liderança, mas principalmente uma questão de espaço de trabalho. Tais
profissionais afirmavam se “a LDB praticamente extinguiu o curso de pedagogia, que é
justamente uma proposta que faz parte do projeto neoliberal”, o governo municipal não podia
simplesmente confirmar essa decisão. A polêmica finalmente foi resolvida a favor da proposta
que garantia o direito de candidatura aos licenciados plenos. O resultado da votação foi de
237 contra 174 votos. Um dado importante que demonstra a força do argumento
corporativista dos pedagogos (SEMEC, ANAIS DA I CONREFERÊNCIA MUNICIPAL DE
EDUCAÇÃO, 1998, pp. 132-133).
Por determinação da I Conferência Municipal de Educação, no ano de 1999 se
realizou a primeira eleição direta para diretores (as) nas escolas municipais. Os instrumentos
legais que orientaram o processo eleitoral foram a Portaria nº. 523/99 de 25 de março de 1999
e a Portaria nº. 716/99 de 28 de abril de 1999, ambas da SEMEC. Estas Portarias
149
formalizaram as deliberações da Conferência relativamente à eleição de diretores (as),
estabelecendo as seguintes as regras:
Art. 14 - O Conselho Escolar é o coordenador do Processo Eleitoral, auxiliado pela
SEMEC, garantindo a lisura do pleito e as condições materiais para sua realização.
Art. 15 A eleição deve ser aberta, o voto universal e garantida a participação de
toda a comunidade escolar.
Parágrafo Único: Poderão votar na eleição para Diretor (a) os alunos a partir de 12
(doze) anos e os representantes da comunidade organizada que são membros do
Conselho Escolar.
Art. 16 Cabe ao Conselho Escolar, em Assembléia Geral, estabelecer e aprovar as
regras eleitorais que serão materializadas no Regimento Eleitoral, onde será
prevista a realização de debates com os candidatos, além de outros procedimentos.
Art. 17 Poderão candidatar-se ao cargo de Diretor (a), profissionais do quadro
efetivo do Grupo Ocupacional Magistério, com Licenciatura Plena, para um
mandato de 02 (dois) anos, sendo permitida a reeleição por mais um mandato de
igual período. (PORTARIA nº. 716/99-SEMEC, 1999).
No ano de 2001, o Conselho Municipal de Educação como órgão normativo do
sistema educacional, com o intuito de aperfeiçoar o processo eleitoral para dirigentes e
fortalecer a diretriz da gestão democrática no projeto Escola Cabana, aprovou a Resolução nº.
010/2001 que “Estabelece normas para eleição de diretores das escolas da Rede Municipal de
Educação de Belém”. Esta Resolução revogou as Portarias anteriores da SEMEC e passou a
se constituir na norma máxima do sistema para a condução da eleição dos diretores (as), além
de definir as novas funções e atribuições dos dirigentes. Essas atribuições procuravam
responder à expectativa manifestada pela SEMEC em anos anteriores, que ressaltava que o
que se esperava do processo eleitoral não era apenas um diretor ou diretora democraticamente
eleito/a e sim
Um educador/a (...) que além da competência técnica, tenha e exercite a
sensibilidade política para ser mediador/a da articulação que se entre
Escola/Sistema/Sociedade estimulando a convivência democrática, respeitando e
fazendo garantir no espaço escolar os direitos de cidadania, contribuindo em todos
os sentidos para o rompimento com a visão e práticas antidemocráticas. (SEMEC,
1997, p. 27).
150
Nesse sentido, o CME teve o mérito de sintetizar num instrumento legal as concepções
e os parâmetros organizativos da proposta de eleição de diretores (as) formulados pelos atores
educacionais num momento histórico de grande significado para a educação municipal. O
quadro nº. 7 apresenta um resumo das normas estabelecidas pelo CME através da Resolução
010/2001.
Quadro nº. 7
Resumo das normas para eleição de diretores na Rede Municipal de Ensino (Resolução
010/2001-CME)
Dispositivo Resolução
1. Critérios para o exercício da função –
Art. 1º
A função de direção será exercida por educador (a) eleito
(a) através do voto direto da comunidade escolar, para
exercer o papel de coordenador (a) político, pedagógico e
administrativo da escola, a partir das diretrizes e princípios
do Projeto Político-Pedagógico em vigor.
2. Atribuições do diretor (a) – Art. 2º
I.articular, propor e acompanhar o Projeto Político-
Pedagógico da escola, juntamente com o Conselho Escolar;
II.organizar o cotidiano escolar, garantindo o
funcionamento da escola e a superação da dicotomia entre
administrativo e pedagógico;
III.garantir espaços para a discussão, planejamento, estudos
e momentos de formação continuada aos profissionais que
atuam na escola;
IV.cumprir e fazer cumprir, juntamente com o Conselho
Escolar, as disposições legais, as determinações dos órgãos
superiores e as constantes nas legislações vigentes;
V.dinamizar o fluxo das informações na escola e entre a
escola e demais órgãos do Sistema Municipal de Educação;
VI.responsabilizar-se pela organização e funcionamento da
escola, juntamente com o Conselho Escolar, perante os
órgãos do Poder Público Municipal e a comunidade;
VII.manter atualizados os documentos da escola e dos
alunos, juntamente com o (a) secretário (a) escolar;
VIII.informar todos os servidores sobre suas atribuições e
normas de trabalho estabelecidas pelo coletivo;
IX.promover a participação da comunidade no
desenvolvimento das atividade escolares, com vistas à
integração da escola em seu ambiente sócio-cultural;
X.orientar os demais funcionários sobre o recebimento, a
estocagem, o registro e a utilização dos recursos materiais e
financeiros;
XI.supervisionar as atividades dos diversos serviços da
escola;
XII.programar a distribuição e o adequado aproveitamento
dos recursos humanos, técnicos, materiais e institucionais;
151
XII.proporcionar juntamente com o escolar, a realização de
estudos e avaliações com todos os seguimentos sobre o
desenvolvimento dos processos de ensino e aprendizagem e
sobre os resultados obtidos, visando a qualidade da
educação na escola;
XIV.responsabilizar-se pelos atos administrativos, bem
como pela veracidade das informações prestadas pela
escola;
XV.zelar pelo funcionamento da escola, aplicando, quando
necessárias, as penalidades disciplinares previstas no
Regimento Escolar, ao corpo docente, discente, técnico,
administrativo e de apoio.
3. Critérios para candidatura – Art. 3º Poderão candidatar-se à função de diretor todos os
profissionais de educação do quadro efetivo do grupo
ocupacional Magistério da Rede Municipal de Ensino, com
licenciatura plena, incluindo os que se encontram em
estagio probatório.
4. Colégio eleitoral – Art. 4º Constituem o colégio eleitoral para eleição de diretores os
trabalhadores em educação lotados na escola; alunos com
idade a partir de 12 anos; pai e mãe ou responsáveis de
alunos; representantes da sociedade civil organizada
membros do Conselho Escolar;
5. Comissão eleitoral – Art. 5º A comissão eleitoral é composta de no mínimo 03 (três) e
no máximo 07 (sete) membros eleitos em Assembléia Geral
da escola para coordenar o processo eleitoral de acordo
com o regimento aprovado pela comunidade, providenciar
infra-estrutura para a realização das eleições, garantir a
lisura do pleito, credenciar candidatos e respectivos fiscais,
estabelecer horário para votação, apurar e divulgar
resultado final e julgar os casos omissos e recursos
impetrados.
6. Edital de convocação – Art. 6º O edital de convocação das eleições deverá ser registrado e
amplamente divulgado no mínimo 30 dias antes das
eleições, informando período de inscrição, critérios para
candidatura, data e horário de votação.
7. Regimento eleitoral – Art. 7º O regimento eleitoral deverá ser elaborado pelo Conselho
Escolar, aprovado em Assembléia Geral e versar sobre
composição e competências da comissão eleitoral, regras
complementares para o desenvolvimento do processo e
normas de campanha.
8. Tempo de Mandato – Art. 8º O mandato é de 2 anos, com direto à reeleição.
9. Quorum mínimo – Art.14 O quorum mínimo é de 20% do colégio eleitoral, a escola
que não atingir este quorum deverá convocar nova eleição
no prazo máximo de 30 dias.
10. Recursos – Art. 16 Qualquer recurso impetrado deverá ser apreciado e definido
pela comissão eleitoral em primeira instância, pelo
Conselho Escolar em segunda instância e pelo CME em
última instância.
Fonte: Conselho Municipal de Educação de Belém, 2003.
152
Tal como ocorrerá com o Conselho Escolar, a questão da definição de regras mais
democráticas para balizar o processo de escolha de dirigentes escolares também foi
acompanhada de ações de formação política, cnica e pedagógica dos candidatos e diretores
eleitos. Essas ações aconteceram conjuntamente com o trabalho de formação de conselheiros
escolares, pois se entendia que o diretor/diretora não era uma “autoridade superior” no
processo de gestão da escola, mas um coordenador e articulador do seu projeto político-
pedagógico, alguém que deveria dividir a gestão da escola e o poder de decisão com o
conselho escolar, concebido como o “órgão máximo de gestão da escola” e do qual o diretor
(a) fazia parte como membro nato.
Saber articular as diferentes instâncias de gestão da escola, numa perspectiva de
diálogo democrático e trabalho coletivo se mostrava como um dos maiores desafios exigidos
para a consolidação da proposta de gestão democrática da Escola Cabana (SEMEC, 1997;
SEMEC, 1998; SEMEC, 1999; CME, 2004).
As discussões realizadas no presente Capítulo tiveram como objetivo enquadrar a
proposta de eleição de diretores num referencial político e pedagógico desenhado pelas
administrações municipais do período delimitado para a análise. Neste sentido, fez-se
necessário reconstruir uma década de história política e educacional do Município, onde se
situa a origem e desenvolvimento do objeto pesquisado.
No próximo Capítulo, em continuidade à discussão aqui encampada, a proposta é
realizar um balanço dos avanços e retrocessos alcançados com o processo de
institucionalização da eleição de diretores no SME, tendo como pano de fundo o contexto
aqui assinalado e, finalmente, identificar as perspectivas que se desenham para esta prática no
momento atual.
153
III CAPÍTULO
DEMOCRACIA E ELEIÇÃO DE DIRIGENTES ESCOLARES NO
SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO DE BELÉM: ANÁLISES E
PERSPECTIVAS
Introdução
Este Capítulo tem como objetivo realizar um balanço dos avanços, retrocessos e
perspectivas do processo de institucionalização da eleição de dirigentes escolares no Sistema
Municipal de Ensino de Belém como dimensão das propostas políticas e pedagógicas vigentes
no âmbito do governo municipal, no período delimitado por este estudo.
Na sua construção, adotou-se uma orientação fundamentalmente analítico-discursiva
sobre os dados apresentados anteriormente, de forma a traçar um paralelo comparativo entre
as gestões dos prefeitos Helio Gueiros (PFL) e Edmilson Rodrigues (PT) no que diz respeito
às concepções de democracia e gestão democrática presentes nos seus respectivos programas
governamentais, projetos educativos e propostas de eleição de dirigentes escolares.
O texto está estruturado em três seções: na primeira realiza-se uma discussão acerca
das orientações político-ideológicas que iluminaram os projetos governamentais dos dois
prefeitos, procurando analisar as concepções de democracia e gestão pública por eles
adotadas; na segunda discute-se a relação democracia e política educacional, tendo como
referência o processo de construção dos projetos educacionais implementados pelas duas
gestões, os princípios e diretrizes que o nortearam, ações estratégicas desenvolvidas e as
propostas de gestão escolar e eleição de diretores instituídas. O objetivo é enfatizar os avanços
e limites alcançados com o processo de institucionalização da eleição de diretores, tendo
154
como pano de fundo o contexto educacional em toda sua amplitude; e finalmente na terceira,
tenta-se identificar em linhas gerais as diretrizes da política educacional que vem sendo
implementada pelo atual governo municipal e as perspectivas normativas desenhadas para a
prática da eleição de diretores e diretoras no Sistema Municipal de Educação.
1. A questão democrática nos governos municipais (1993-2004)
Os Programas de Governo dos prefeitos Hélio Gueiros e Edmilson Rodrigues,
analisados no Capítulo II desta dissertação, apresentam diferenças substanciais entre si, tanto
em termos de orientação político-ideológica quanto de objetivos estratégicos de ação. Tais
diferenças não são de forma alguma acidentais, mas estão diretamente relacionadas à origem e
ao tipo de projeto político defendido pelos partidos aos quais os prefeitos eram/são vinculados
e, conseqüentemente, às concepções de democracia e de gestão pública engendrada por cada
legenda partidária.
O partido do prefeito Hélio Gueiros, o PFL, se originou em 1985 de uma dissidência
do Partido Democrático Social (PDS)
29
, no momento em que as forças governistas militares
resolveram se aliar ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro para eleger os civis
Tancredo Neves e JoSarney à sucessão presidencial de 1985, através do voto indireto do
Colégio Eleitoral. Essa coalizão de forças fez parte da estratégia de transição democrática
“lenta, gradual e segura” negociada pelos militares para prolongar a sua permanência no
poder e evitar que o Brasil tomasse um rumo de mudanças políticas mais radicais, como
desejavam os segmentos de esquerda mais aguerridos. Foi nesse contexto que ocorreu a cisão
entre o grupo conservador do PDS e aquele alinhado aos novos ideais liberalizantes,
responsável pela fundação do PFL (CARVALHO, 20003; SÁ MOTTA, 1999). A partir daí, o
PFL passou a ocupar uma posição de destaque no novo quadro partidário nacional.
29
O PDS surgiu em 1980 após a reforma política que pôs fim ao sistema bipartidário instituído pelo Ato
Institucional nº. 2 de 1965, como continuidade da Aliança Nacional Renovadora (ARENA), partido que deu de
sustentação política ao regime militar brasileiro.
155
Sá Motta (1999, p. 134) julga
impressionante a vocação para o poder demonstrada pelo PFL. Pode-se dizer que
ele está no governo desde 1964, pois os seus principais próceres foram da ARENA
e deram sustentação ao regime militar, e nos governos pós-redemocratização
sempre houve participação ativa de pefelista.
O surgimento do PFL não significou nenhuma ruptura com os princípios
conservadores e elitistas do PDS, o que ocorreu foi simplesmente um novo arranjo político
que visou à defesa de interesses particulares de antigos atores políticos que estiveram no
poder durante todo o período ditatorial e que com o processo de redemocratização se viram
obrigados a assumir uma postura mais “democrática” para permanecer na linha de comando.
Tanto que o modelo de democracia reclamado pelo partido sempre foi o da democracia
liberal, ou seja, da democracia estritamente representativa. Aquela que Schumpeter define
como “um método para formação e legitimação de governos por meio do processo eleitoral”
(SANTOS e AVRITZER, 2003, p. 45), mesmo que esse processo nem sempre ocorra de
forma transparente e isento de manipulação ideológica. Uma democracia que se define mais
pela forma (sufrágio universal, competição partidária, eleições periódicas) do que pela
substância (soberania popular, participação cidadã, controle social do estado).
Por outro lado, o Partido dos Trabalhadores, ao qual o prefeito Edmilson Rodrigues
permaneceu filiado até o ano de 2005, seguiu uma trajetória radicalmente diferente. O PT foi
fundado em 1980, no rastro da reforma partidária de 1979, mas sua origem não está
relacionada ao meio governamental ou parlamentar. Carvalho (2003, p. 176) lembra que antes
e depois de 1964, todos os partidos brasileiros, com exceção do Partido Comunista, tinham
sido criados por políticos profissionais ou por influência do Poder Executivo, e haviam sido
sempre dominados pelas elites social e econômica. O PT, ao contrário, surgiu da reunião de
outros atores sociais. As suas bases se originaram fundamentalmente de três grupos: os novos
156
sindicalistas, sobretudo os metalúrgicos paulistas; a ala progressista da Igreja Católica e;
alguns intelectuais e grupos marxistas (CARVALHO, 20003; SÁ MOTTA, 1999).
É lógico que essa reunião de grupos tão heterogêneos num mesmo partido não se deu
de forma harmônica, mas se tornou possível graças ao espaço para a discussão interna que o
partido sempre cultivou.
Embora a crise política vivenciada pelo governo do presidente Luís Inácio Lula da
Silva
30
tenha, em diversos momentos, colocado à prova o princípio de “respeito às
divergências” que sempre caracterizou o PT, sobretudo no que se refere ao evento que
culminou com o afastamento de algumas lideranças da legenda no ano de 2005
31
, não é
verdadeiro afirmar que o partido tenha perdido a sua força enquanto organização política
plural e democrática da sociedade brasileira, como freqüentemente tem sido divulgado pela
mídia, pela direita e por alguns segmentos dissidentes da esquerda. Exemplo disso são
eleições presidenciais e estaduais do corrente ano, onde o PT continua mantendo um
significativo crescimento eleitoral, chegando a reeleger o presidente Lula e a conquistar, pela
primeira vez, o governo do Estado do Pará, interrompendo uma hegemonia política de doze
anos do PSDB.
Diante do atual cenário da política brasileira, apenas nos arrisca-se dizer que numa
sociedade efetivamente democrática, a concepção de “partido único”, capaz de representar
todas as vontades, é tão irreal quanto impraticável. Por isso, de se considerar o pluralismo
partidário como algo inevitável e salutar para o processo de aperfeiçoamento e consolidação
da democracia. Conforme advertira Shumpeter (apud AVRITZER, 1996, p. 107), “a
vontade geral é um mito, constituído por uma pluralidade de vontades que indica uma
30
Lula foi um dos fundadores do PT e é uma das suas mais importantes lideranças. O atual presidente foi líder
do sindicato dos metalúrgicos de São Paulo e desde 1989 concorria ao cargo de Presidente da República, tendo
sido eleito em 2002 para um mandato de quatro anos (2003-2006). Na eleição presidencial de 2006, Lula
concorre à reeleição.
31
As lideranças afastadas do PT em 2005, em função de terem assumido uma postura de discordância radical
com as estratégias políticas adotadas pelo governo Lula foram: a Senadora Heloísa Helena (AL), a Deputada
Federal Luciana Genro (RS) e o Deputado Federal Babá (PA), juntos, estes políticos fundaram o PSOL, partido
que passou a fazer oposição implacável ao governo federal.
157
multiplicidade de valores”. Nesse sentido, os grupos políticos, representados pelos diferentes
partidos, disputam entre si a hegemonia de um determinado projeto de estado e de sociedade
num dado território nacional e regional. De certa forma, o que assisti-se Brasil, hoje, após
longos períodos de autoritarismo e ditadura, é o estabelecimento de uma disputa de poder
político mais equilibrada entre os grupos. Se bem que por parte da esquerda, a proliferação de
legendas partidárias tem contribuído para uma certa pulverização e enfraquecimento da
organização política das classes trabalhadoras.
Com relação ao PT, um dado inegável que sempre o diferenciou dos demais partidos
brasileiros é o fato de o partido, desde o seu surgimento, ter mantido uma participação ativa
nas lutas dos trabalhadores, tornando-se co-responsável por uma boa parte dos direitos sociais
e políticos conquistados nos últimos vinte cinco anos, seja por meio das greves de
trabalhadores, das pressões dos movimentos sociais e sindicais ligados ao partido ou da
atuação combativa de muitos de seus parlamentares e governos executivos (CARVALHO,
2003). A própria base social de sustentação do PT justifica a identidade assumida pelo partido
ao longo de sua trajetória.
Conforme discussão realizada no Capítulo II, os princípios estratégicos que se
hegemonizaram no interior do PT e que serviram de fundamentos para as plataformas
governamentais das administrações petistas em rios estados e municípios brasileiros foram:
o fortalecimento da participação popular no processo de planejamento e gestão das políticas
públicas; a inversão de prioridades no atendimento das demandas sociais, visando de modo
particular as classes populares; a democratização da relação estado-sociedade e; o
estabelecimento e aperfeiçoamento de mecanismos de controle social do estado
(MAGALHÃS, BARRETO e TREVAS, 2002). A adoção desses princípios por parte de
vários governos locais produziu, nos últimos anos, experiências interessantes de
democratização, a exemplo do Orçamento Participativo, assim como tem contribuído para
158
operar mudanças paulatinas, mas qualitativas na cultura política brasileira, mesmo se
admitindo que as experiências administrativas do partido não estão isentas de erros e
equívocos.
A partir desta breve caracterização dos partidos políticos que deram sustentação às
gestões municipais em Belém, no período de 1993-2004, pode-se dizer que a orientação
político-ideológica de cada partido influenciou de forma determinante o projeto
governamental e o projeto educacional implementados nas respectivas gestões. Pois,
As ações governamentais, as práticas administrativas, as relações que se
estabelecem em determinada época histórica, têm intrinsecamente intencionalidade,
não são implementadas acidentalmente. Muito ao contrário, são componentes de
projetos políticos, de visões de mundo que permeiam determinadas práticas e
concepções políticas que determinam as ações que se desenvolvem no âmbito do
estado (SEMEC, 1997, p. 28).
Ao fazer uma comparação entre os dois projetos de governo percebe-se uma grande
diferença de concepção e de prática democráticas assumida por cada gestão.
No caso de Hélio Gueiros, a idéia de democracia subjacente ao seu projeto é aquela
que procura se efetivar por meio dos atos de um governante eleito por sufrágio universal, a
quem se deve conferir a função de “intérprete privilegiado” da vontade da maioria. Este, por
sua vez, ao senti-se legitimado pelo voto popular, vê-se com plenos poderes para decidir o
rumo das políticas públicas em nome de seus representados. Dessa forma, mesmo que se
professe um discurso de democracia como “expressão da vontade da maioria” e de
participação da sociedade no processo de gestão pública, as práticas políticas,
contraditoriamente, apontam para uma concentração do poder de decisão nas mãos de uma
pequena elite mandatária. Este é o “estilo democrático” que tem prevalecido no Brasil a partir
de 1980, uma democracia que combina o recurso representativo com fortes doses de
autoritarismo, centralismo e personalismo.
159
Losurdo (2004, p. 10) denomina esse estilo democrático de “bonapartismo soft”, ou
seja, um regime caracterizado pela aclamação de um líder carismático e inconteste que fala
diretamente ao povo e pretende ser seu interprete exclusivo, dispensando a intervenção dos
atores sociais nos processos decisórios (p. 10).
Losurdo diz que embora o bonapartismo
remonte à França de Luís Napoleão, este regime, sob novas formas, continua a agir no
presente. Como um caso exemplar de “bonapartismo soft” o autor se refere à democracia
americana, sobretudo na fase do atual governo de George W. Bush, em que o poder ilimitado
de um líder, aclamado por meio do recurso da democracia representativa, o faz o “intérprete
supremo” de uma nação, investido que está de uma “missão sagrada de liberdade, pela
possibilidade de dispor de um gigantesco aparelho propagandístico e de persuasão oculta”
(2004, p. 300), levando-o a impor seu poder político e financeiro ao mundo com a justificativa
de combater o terrorismo que se alastra por todo o planeta. Mesmo concentrando suas análises
na política estatudinense, o autor reconhece que este é um regime que parece se difundir em
nível mundial. Com isso, ao invés de se avançar na idéia de democracia como emancipação
humana, acaba-se operando uma drástica redução de seu significado e prática.
Após este parêntese, retomando o programa do prefeito Hélio Gueiros, identifica-se no
item “Apoio à Organização Comunitária”, contido no seu “Planejamento Estratégico para
Belém” (BELÉM, 1993, pp. 27-28), a presença de alguns enunciados discursivos sobre a
importância e necessidade da participação da sociedade civil no processo de “gestão de
equipamentos sociais e de políticas”. Neste item encontram-se registradas algumas idéias
básicas do governo pefelista acerca do significado da “participação e da cidadania popular” no
contexto do estado de Direito. O documento afirma que “O poder público não ‘faz’ e nem
‘conduz’ a cidadania popular, mas tem a função de apoiar seu processo de desenvolvimento”.
Nesse sentido, propõe que as organizações comunitárias possam assumir a função de
“gestoras” de determinados serviços públicos, “em particular no campo educativo e cultural”,
160
onde existe uma “forte tradição no Município em termos de participação comunitária”. Para
tanto, é necessário “garantir condições de estrutura e atuação qualitativa” das entidades
populares para desempenharem a contento esta função.
Tais condições estruturais dizem respeito ao “insumo básico” que deve ser garantido
pelo Poder Público para que os equipamentos e serviços possam funcionar. A esse respeito,
argumenta o governo:
Em princípio, os serviços serão públicos, mas a gestão poderá ser exercida de modo
mais ou menos plena por organizações comunitárias, desde que devidamente
aparelhadas para tanto.
Como regra geral, o poder público arca com os custos
básicos dos serviços, desde que constitucionais, esperando-se que as comunidades
gestoras possam imprimir, em termos de gestão, a eficiência e a eficácia a que tem
direito a sociedade beneficiária. (BELÉM, 1993
,
p. 28)
Para exercer satisfatoriamente a função de gestão que lhes é conferida, as entidades
comunitárias devem perseguir a “auto-sustentação” e a “autonomia” “para, desde logo, evitar
atrelamento e controles de cima para baixo”. Além disso, devem impor-se como “presença do
necessário controle democrático sobre a gestão publica municipal” com o objetivo de cobrar
“qualidade dos serviços”, “aplicação dos funcionários”, “bom uso dos recursos” e
“transparência de ações”.
As afirmações acima trazem implícita uma idéia de participação em que a sociedade
civil é instada a assumir determinadas responsabilidades sobre o funcionamento de alguns
serviços públicos mais com o objetivo de preencher as lacunas deixadas pelo estado do que
propriamente para exercer o controle social sobre os serviços ofertados ou mesmo interferir
democraticamente no seu planejamento. Essa concepção de participação, tratada
estrategicamente como “descentralização” e “autonomia”, foi aprofundada no Estado
brasileiro no decorrer dos anos de 1990, sobretudo, a partir da implementação do Plano de
Reforma do Estado, capitaneado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, através do
MARE.
161
Se, em termos discursivos, a participação popular foi citada no programa de Hélio
Gueiros, em termos operacionais quase nada foi realizado. Dentre as poucas medidas que
previam alguma participação da sociedade civil no processo de gestão pública constam: a
descentralização da gestão municipal a partir da proposta de distritalização da cidade; a
constituição de um Conselho Popular para acompanhar a implementação do Plano Diretor do
Município, em parceria com a Secretaria Municipal de Coordenação Geral do Planejamento e
Gestão (SEGEP); a constituição de Conselhos Escolares e; a instituição de processo
seletivo/eletivo para dirigentes de escolas (BELÉM, 1993). A distritalização foi estabelecida
pela Lei Municipal .7.782/94, no entanto, não se percebeu nenhuma alteração significativa
na lógica da gestão pública a partir da instituição dos distritos administrativos; a criação do
Conselho Popular não havendo registro nenhum de sua efetivação ou funcionamento; Estas
duas últimas medidas foram regulamentadas pela Lei de criação do Sistema Municipal de
Ensino.
Além do que, a formalização desses poucos instrumentos ocorreu descolada de uma
política de esclarecimento e incentivo à participação social e acompanhada de uma forte dose
de autoritarismo e controle burocrático. Esta questão é bem perceptível na política de
“autonomia da escola”, instituída pela Lei nº. 7.722/94, onde, ao mesmo tempo em que se
estabelecem instrumentos de gestão democrática escolar, também se criam mecanismos legais
e institucionais para controlar o exercício da democracia. Um caso exemplar a esse respeito
foi o poder delegado à SEMEC para baixar normas complementares ao processo de
seleção/eleição de diretores e diretoras, o que resultou numa atitude autoritária daquela
Secretaria que, para manter o controle sobre a escolha dos dirigentes, ousou até modificar,
indevidamente, a própria Lei do Sistema. Voltaremos a abordar esse tema mais adiante, no
qual a questão da eleição de dirigentes será tratada de forma particularizada.
162
No caso da gestão de Edmilson Rodrigues, os documentos consultados expressam a
intencionalidade de se instituir no âmbito do governo local um projeto democrático
diferenciado, consubstanciado nos princípios da participação popular, da inversão de
prioridades, da democratização e controle social do estado e da transformação da cultura
política local.
Nesse sentido, algumas mudanças administrativas foram propostas visando estabelecer
uma nova forma de relacionamento dos órgãos governamentais com a sociedade local. Dentre
as experiências de inovação administrativa colocadas em prática pela gestão de Edmilson
Rodrigues, destacam-se: o Orçamento Participativo, o Congresso da Cidade, os Fóruns
Setoriais de Planejamento de Políticas Públicas, os Conselhos Gestores, etc. Estas instâncias
foram projetadas para se constituírem em canais privilegiados de diálogo entre o Estado e a
sociedade civil no processo de gestão pública. Conforme observado anteriormente, essas
experiências procuraram articular o recurso da democracia representativa com uma
metodologia de democracia direta, onde a população era chamada a opinar sobre o
planejamento e gestão da cidade. Tais instâncias participativas foram projetadas para
funcionar como meios de expressão política da população local no que se refere à definição
das demandas sociais e projeção do orçamento e políticas públicas.
De acordo com o que apresentam os documentos, a concepção hegemônica de
democracia, restrita ao ato de eleger governantes que falem e decidam em nome do povo, foi
confrontada por um novo modelo democrático, o qual abriu possibilidades para o efetivo
exercício da participação cidadã. Um tipo de participação que, segundo Teixeira (2003), se
caracteriza pelo debate propositivo da sociedade civil, pela explicitação da vontade e da
crítica popular, pela dimensão educativa do processo participativo e pelo controle social do
estado.
163
Uma segunda diferença evidenciada entre os dois mandatos municipais remete à
concepção de administração pública. Inicialmente, as duas gestões expressavam a
preocupação de modernizar os métodos administrativos do estado. No entanto, o sentido de
modernização presente em cada projeto também se apresenta de forma diferenciada.
Do lado do governo Gueiros, pregava-se uma visão de modernização da máquina
estatal fundamentada nos pressupostos da “competitividade produtiva” do serviço publico; da
seletividade na oferta das políticas sociais, visando especialmente os “segmentos pobres”,
mormente “da faixa de famílias em condições de pobreza absoluta”; da eficiência e da
qualidade como sinônimos de racionalização dos recursos financeiros e humanos; da
informatização dos órgãos públicos; do aumento da capacidade de arrecadação fiscal do
município; do estabelecimento de objetivos a priori e controle de resultados a posteriori,
entre outros (BELÉM, 1993, p. 20).
Esses pressupostos podem ser percebidos, particularmente, na área educacional, onde
se adotaram medidas de contenção de gastos com a construção de unidades e espaços
educativos; de incentivo à adoção de uma atitude competitiva e meritocrática pelas escolas e
professores, expressa na idéia de “projeto pedagógico próprio”, “centros de excelência” e
“formação pessoal de competências”, estimulada pelos programas de formação permanente e
de modernização gerencial da educação; pela adoção de projetos educativos sustentada na
idéia de “promoção do desenvolvimento econômico”; entre outras.
Quanto à concepção de modernização do governo Edmilson Rodrigues, esta se
caracteriza pelo estabelecimento de um novo padrão de relacionamento entre Estado-
sociedade no processo de planejamento e gestão de políticas públicas; pela instalação de
canais de discussão e deliberação popular sobre o orçamento público e as políticas sociais;
pelo fomento de mecanismos e instâncias de controle social do estado com vistas à
164
descentralização administrativa, pela metodologia de planejamento integrado expresso nas
“Marcas de Governo”; etc.
Neste caso, a modernização proposta não focalizou encontrar soluções para a crise
fiscal do estado e promover a adaptação do aparelho administrativo ao modelo de gestão
imposto pela reestruturação do capitalismo mundial, mas visou fundamentalmente criar
estruturas que possibilitassem uma maior ingerência da sociedade civil na gestão pública com
o objetivo de fortalecer direitos sociais e políticos e moldar a máquina administrativa para
funcionar mais de acordo com os interesses do cidadão do que com a conveniência do estado
e/ou do mercado.
Convém ressaltar que as análises da pesquisa incidem apenas sobre o conteúdo
manifesto e latente dos documentos oficiais selecionados, o que constitui segundo Lima
(2002) o “plano das orientações formais-legais” estabelecidas pelos referidos governos.
Apesar de apresentar um quadro bastante elucidativo sobre as intencionalidades
governamentais de cada prefeito, sabe-se que esses dados são insuficientes para inferir sobre o
“plano da ação”, que é onde as projeções se concretizam e se atualizam. Por isso, saber em
que medida tais formulações se cumpriram, qual o saldo efetivo de cada gestão ou se a
sociedade local, após tais experiências, se tornou mais ou menos democrática são respostas
que somente as pesquisas empíricas podem fornecer, o que extrapola os objetivos deste
trabalho.
Parafraseando Lima (2002, p. 94), pode-se dizer que
Os atores sociais não se limitam ao cumprimento integral das regras
hierarquicamente estabelecidas por outrem, não jogam apenas um jogo com regras
dadas a priori, jogam-no com a capacidade estratégica de aplicarem seletivamente
as regras disponíveis e mesmo em inventarem e construírem novas regras.
165
2. Democracia e política educacional
As orientações político-ideológicas dos programas governamentais ora analisados se
refletem, de modo especial, no setor educacional, onde a construção da política educativa traz
a marca do estilo administrativo e do ideal democrático perseguidos por cada gestão.
convicção de que a relação entre democracia e política educacional não pode ser analisada
apenas sob a ótica dos modelos pedagógicos de gestão, esta precisa ser encarada com
referência a um projeto político determinado, que expresse um ideal de sociedade, de política
social, de educação, de relação de poder e de organização político-administrativa do estado.
Nesse sentido, propõe-se que tal relação seja aqui analisada, tendo por base o processo de
construção das propostas educativas implementadas e os princípios e diretrizes por elas
vinculados.
No que tange ao processo de construção da proposta educativa no governo de Hélio
Gueiros, o seu “Projeto de Trabalho para a Gestão de 1993-1996” trouxe pronto o projeto
educacional que deveria ser implantado na rede municipal no decorrer de sua gestão. Neste
projeto, a concepção de educação, os princípio, as diretrizes e as linhas prioritárias de ação
estavam definidas a priori. Sua elaboração, conforme indicam os documentos analisados, foi
de autoria exclusiva da equipe de governo, sem que tenha se estabelecido qualquer
interlocução com os atores educacionais para quem a proposta se dirigia.
Embora defendesse um projeto educacional “inovador”, “moderno”, “competitivo”,
“afinado com a proposta de Desenvolvimento Sustentável do Município” e, sobretudo, com a
“promoção da cidadania moderna” (BELÉM, 1993, pp. 30-31), os governantes ignoraram o
papel dos educadores como sujeitos históricos do processo de construção da educação
municipal, mantendo uma tendência de gestão educacional do tipo burocrática, centralizadora
e conservadora. Assim, os métodos administrativos taxados de “arcaicos” e “incompatíveis
com projeto de modernidade” que se anunciava, na prática pouco se alteraram.
166
Mesmo reconhecendo que um dos maiores méritos da gestão de Hélio Gueiros, na área
da educação, foi “dar um novo ordenamento jurídico à educação municipal”, por meio da
constituição do Sistema Próprio de Ensino, instituído pela Lei nº. 7.722/94, através da qual se
estabeleceu os objetivos, fins, princípios e estrutura organizativa da educação pública, há de
se reconhecer, também, que este processo ocorreu de forma centralizada, sem que tenha
havido qualquer discussão com a comunidade educacional acerca de sua construção.
A forma como foi conduzida a implantação do SME em Belém, contradiz o discurso
do próprio governo pefelista sobre participação política e social, mencionado na seção
anterior deste capítulo, em que o mesmo chama a atenção para a importância da participação
comunitária no processo de planejamento e gestão de serviços e políticas públicas, de modo
especial, no setor educacional, onde reconhece existir uma forte tradição de organização
comunitária. Isso reforça nossa hipótese de que o tipo de participação defendida por aquele
governo não era a participação entendida como intervenção popular organizada, influência no
processo de tomada de decisão ou controle da sociedade sobre as ações do estado, mas, sim, a
participação que tenta aliviar” o estado de certas responsabilidades sociais, transferindo-as
para a sociedade civil, tendo como mote o discurso da descentralização da gestão pública e da
autonomia. Esta concepção de participação encontra seus fundamentos nos pressupostos
neoliberais de redução do estado, reestruturação fiscal e administrativa, desregulamentação
econômica e flexibilização das formas de gestão e trabalho.
Por outro lado, no designado mandato “democrático-popular” do prefeito Edmilson
Rodrigues, os princípios de democratização da relação estado-sociedade e de fortalecimento
da participação popular serviram de base para a instauração de um processo de planejamento
e gestão da política educacional baseado no diálogo permanente com os atores educacionais
para a definição do projeto educacional almejado e pela institucionalização de canais
participativos de planejamento da política educativa.
167
Conforme constatou-se anteriormente, o governo petista não apresentou no início do
mandato um projeto educacional pronto, o que o Programa de Governo para a gestão de 1997-
2000 continha eram apenas os princípios e as diretrizes básicas que deveriam nortear a
construção de uma “nova ação educativa nas escolas municipais”. A ausência de projeto
pedagógico naquele momento, além de demonstrar fidelidade às promessas feitas em
campanha, de construir as políticas públicas com participação popular “incorporando ao
programa de governo as necessidades mais prementes da população”, provavelmente se deu,
também, em decorrência de o PT não ter acumulado nenhuma experiência de administração
executiva no município. Isso acabava por aumentar o desafio dos dirigentes em propor uma
política de educação coerente com a proposta de gestão democrática e inclusão social
anunciada.
Com o intuito de materializar a sua proposta de gestão democrática, a administração
municipal realizou, entre janeiro de 1997 a junho de 2004 (ver Quadro . 6), no âmbito do
Sistema Municipal de Ensino, uma seqüência de eventos entre fóruns, conferências, jornadas
pedagógicas e congressos, onde foi possibilitado aos educadores, pais e alunos da rede
municipal de ensino e a diversas instituições /entidades educacionais e sociais participar do
processo de discussão sobre os problemas da educação municipal e de interferir no
planejamento de suas possíveis soluções.
No processo de planejamento participativo do “Governo do Povo” foi utilizada uma
metodologia de trabalho em que se procurou afirmar a participação como um instrumento
privilegiado de realização da democracia. Assim, buscou-se combinar, nos diferentes
momentos de formulação da política educacional, formas de intervenção direta e indireta, de
acordo com os objetivos e a dimensão dos eventos realizados.
A participação direta foi utilizada em eventos de porte menor, onde se contava com
um número mais reduzido de pessoas, como as Jornadas Pedagógicas realizadas anualmente
168
pelas escolas, com o objetivo de envolver os educadores num processo coletivo de
planejamento; as pré-conferências e pré-congressos distritais e setoriais, que se constituíram
em espaços de discussão e amadurecimento das proposições a serem deliberadas nas plenárias
representativas da comunidade escolar.
O sistema de representação funcionou nos eventos maiores, onde a participação direta
de todos os atores envolvidos na discussão era impossível de ser viabilizada. Assim, no
período de preparação das assembléias representativas, os representantes eram eleitos e/ou
indicados pelas escolas e entidades/instituições participantes para debater e deliberar, em
nome de seus representados, as questões e propostas em pauta. Foi assim no I Fórum de
Educação da Rede Municipal (1997) e na I Conferência Municipal de Educação (1998),
ambos voltados para a construção e consolidação dos princípios e diretrizes do Projeto da
“Escola Cabana” (BELÉM, 2001).
Em outros momentos como no I Congresso Municipal de Educação, onde se elaborou
e votou o Plano Municipal de Educação e no II Congresso Municipal de Educação, onde se
referendou o Projeto de Alteração da Lei 7.722/94, funcionou um sistema articulado de
participação direta e representação. A participação direta foi exercida em todos os fóruns de
discussão que se sucederam no processo de elaboração das duas propostas
32
; a representação
funcionou na estrutura de coordenação interinstitucional dos Congressos e no processo de
sistematização e elaboração escrita das propostas.
Somente os dados documentais não dão base suficiente para inferir sobre a qualidade
da participação exercida pelos atores educacionais e nem sobre o nível de envolvimento e/ou
32
Dados da Proposta de Plano Municipal de Educação de Belém (2004) revelam que o processo de elaboração
do mesmo contou com a realização de oito plenárias distritais, onde compareceram mais de 4.000 participantes;
seis plenárias temáticas, nas quais se contou com a participação de aproximadamente 1.200 pessoas; outras como
a do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA) que reuniu 500 pessoas, do Programa Bolsa
Escola com 300 participantes e o Dia “D” da educação que envolveu todas as escolas da rede municipal de
ensino. Embora não tenhamos informações precisas sobre o número de participantes do II Congresso Municipal
de Educação, o documento base do evento indica que a metodologia de trabalho adotada foi a mesma utilizada
no Congresso anterior.
169
comprometimento alcançado numa trajetória de oito anos de gestão educacional do governo
petista em Belém. Mas, como escreve Lima (2001)
Toda participação acarreta algum tipo de envolvimento quer este seja traduzido em
formas de ação e de comprometimento mais ou menos militante, ou pelo contrário
pela rejeição ao ativismo que cede lugar a formas de intervenção orientadas por um
certo calculismo ou mesmo por uma certa passividade. (2001, p. 76).
Dessa maneira, tomando por base as mensagens contidas nos documentos oficiais e as
percepções registradas empiricamente como partícipe ativa do processo de implementação do
projeto Escola Cabana, pode-se concluir que, no plano das orientações, a concepção de
participação defendida pelo projeto político do Governo do Povofoi da participação como
direito de expressão de diferentes interesses, do debate propositivo, da influência popular no
poder de decisão e do fortalecimento da sociedade civil. Participação, enfim, como direito do
cidadão e não como concessão do estado, como prática político-social organizada e
regulamentada e não como ato espontâneo.
Uma outra questão importante a ser assinalada é que a proposta de participação
encampada pela gestão de Edmilson Rodrigues exigiu uma nova organização do Estado para a
participação, ou seja, para dar consecução aos objetivos democráticos que credenciaram o PT
na eleição municipal de 1996, foi necessário instituir em todas as áreas, inclusive na
educacional, canais concretos de participação social, assim como mudar a gica de
planejamento e gestão dos próprios órgãos da administração pública. A matriz administrativa
do “Governo do Povo” revela que os movimentos participativos deflagrados nas diferentes
áreas sociais como educação, saúde, urbanismo, assistência social, transporte, etc. não
ocorreram de forma isolada e sem comunicação entre si, mas estavam articulados através das
“Marcas de Governo” e do “Congresso da Cidade”, estratégias de planejamento utilizadas
para integrar as diversas políticas públicas a um projeto comum de desenvolvimento político,
econômico, social e cultural do Município. Disso se conclui, que neste caso, a
170
intencionalidade foi acompanha, em boa medida, por ações concretas que alteraram a
estrutura administrativa do estado a favor da participação democrática.
No que se refere aos princípios e diretrizes que nortearam os projetos educacionais em
questão, tratados com maior profundidade no Capítulo II e que aqui se resgata
resumidamente, apenas para auxiliar as análise e perceber diferenças e semelhanças
importantes de serem pontuadas.
Do lado da gestão de lio Gueiros, a educação básica foi assumida como “principal
estratégia do desenvolvimento humano moderno”, como “elemento de competitividade
produtiva” e “possibilidade de ingresso na modernidade” (BELÉM, 1996, p. 19; 29). A
expectativa que se depositava, era de que a educação escolar pudesse alavancar um processo
de desenvolvimento sobretudo econômico eficiente e eficaz no município, fator que
justificaria o investimento do governo em capital humano.
Do lado da gestão de Edmilson Rodrigues, o projeto educacional proposto expressava
uma concepção de educação “sintonizada com os anseios das classes populares” e pautada nos
princípios de “inclusão social”, construção da cidadania crítica”, “promoção da democracia
econômica, social, cultural e política entre os cidadãos” e “na valorização da cultura local”
(SEMEC, 1997, p. 2; BÉLÉM, 2001, p. 62).
A explicitação desses princípios revela que no período de 1993 a 2004 foram gestados,
no contexto SME de Belém, dois projetos político-pedagógicos distintos. O primeiro,
comprometido com os ideais de competitividade, produtividade econômica, desenvolvimento
sustentável ou melhor, uma certa visão de desenvolvimento sustentável difundida pelos
organismos multilaterais que influenciaram a política econômica e educacional brasileiras nos
anos 90 e modernização gerencial e tecnológica da educação. Esses ideais foram
vislumbrados como condição indispensável para “o ingresso na modernidade”. O segundo,
comprometido com os ideais de democratização da sociedade, de inclusão social das crianças
171
e jovens das classes populares via educação, de afirmação da educação como fator de
transformação e justiça social e de exercício da cidadania, com vistas a construção de uma
“Ação Educativa Escolar que se faça solidária e fraterna” (SEMEC, 1997, p. 2).
Nos dois casos, a educação escolar assumiu uma função social determinante. Ora
como fator de promoção do desenvolvimento econômico e produtivo, ora como fator de
promoção do desenvolvimento social e político.
No que diz respeito às diretrizes educacionais, é possível apontar algumas
semelhanças entre os dois projetos. De forma genérica, as diretrizes adotadas se resumem na
proposta de universalização do ensino fundamental e da educação infantil; na busca de um
padrão de qualidade da educação pública; na formação e valorização do magistério e; no
estabelecimento de mecanismos de gestão democrática da educação. Dentro de cada projeto,
essas diretrizes receberam denominações próprias (já identificadas no Capítulo II) e
procuraram obedecer aos imperativos da Constituição de 1988, do Plano Decenal de
Educação para Todos de 1993 e da LDB de 1996. O diferencial está nas ações estratégicas
priorizadas por cada gestão em função destas mesmas diretrizes, o que deu origem a
diferentes programas colocados em prática pelos respectivos governos. Somente a partir da
análise das propostas concretas de cada gestão é que fica patente o sentido de democratização
educacional perseguido, em termos de acesso, de qualidade e de gestão.
No que tange à questão da democratização do acesso, os dados quantitativos,
referentes à expansão da matrícula e de edifícios escolares na Rede Municipal de Ensino,
demonstram que os dois governos se comportaram de maneira bastante distinta.
No mandato de Hélio Gueiros, adotou-se como prioridade a universalização do ensino
fundamental. Ainda, assim, partindo do pressuposto de que a problemática deste vel de
ensino se configurava muito mais pela falta de qualidade da educação pública do que
propriamente pela ausência de vagas. Dados estatísticos da SEMEC relativos ao ano de 1994
172
revelam que 96% da população escolarizável de 7 a 14 anos encontrava-se freqüentando a
escola. Daí a conclusão de que a universalização havia praticamente sido atingida pelo
município. A situação mais preocupante era com relação ao aproveitamento escolar dos
alunos. Sem revelar meros concretos, o governo apenas afirmava que a taxa de evasão e
repetência na rede municipal era muito elevada
33
.
Para resolver tal situação, foi proposta uma expansão “criteriosa” da rede municipal de
ensino. O resultado foi que em quatro anos de mandato, o prefeito Hélio Gueiros inaugurou
apenas três escolas de oferta conjunta de ensino fundamental e educação infantil e um Liceu
de Artes e Ofícios. Essas unidades formavam uma rede de escolas paralelas dentro do mesmo
sistema educacional, denominada de Subsistema de Educação para o Desenvolvimento
Sustentável
34
e deveriam funcionar como “Centros de Excelência” da educação municipal.
Tais unidades foram projetadas para vincular “projetos pedagógicos próprios e modernos” e
“voltados para a inserção política e econômica do alunado, atendendo aos anseios e ao perfil
sócio-econômico-cultural das comunidades de modo a favorecer a geração de renda”.
(SEMEC, 1996, p. 13)
No mandato do prefeito Edmilson Rodrigues, a diretriz de democratização do acesso
priorizou tanto a universalização do ensino fundamental quanto a ampliação da oferta da
educação infantil (0 a 5 anos). A ampliação da rede de escolas se deu, por um lado, articulada
com a proposta de Orçamento Participativo, na qual a própria população apresentava as
demandas de obras para os diferentes distritos administrativos e bairros da cidade; por outro, a
partir das carências reveladas pelos censos escolares realizados no período. Entre 1997-2004
foram inauguradas pela Prefeitura Municipal de Belém 12 escolas ofertantes de ensino
fundamental e educação infantil concomitantemente; 52 anexos vinculados às escolas-sede, na
33
Segundo Relatório de Gestão do prefeito Edmilson Rodrigues referente ao exercício de 1997-2000, o índice de
reprovação escolar registrado nas escolas municipais no ano de 1996 era de 67,42% e a taxa evasão no ensino
fundamental era de 28,68%.
34
O Subsistema Educacional de Unidades para o Desenvolvimento Sustentável foi regulamentado pelo Decreto
Municipal nº. 29.205/96.
173
maioria ofertantes de educação infantil; e o número de Unidades de Educação Infantil chegou
a 33, entre prédios recuperados e construídos.
O crescimento real da expansão da matrícula na rede municipal entre 1997 a 2003 foi
de 27,27% no ensino fundamental e de 242,51% na educação Infantil (BELÉM, 2003, p. 26).
A expansão de prédios escolares, no mesmo período, foi de 110, 87%.
Esses números revelam que em termos de democratização do acesso e permanência, o
governo petista avançou consideravelmente em relação ao governo pefelista. No entanto, se
no ensino fundamental a situação atual do Município mostra-se mais confortável, na educação
infantil o desafio ainda é grande, mesmo que nos últimos dez anos o quadro dessa oferta tenha
sofrido uma significativa mudança em relação à situação anterior.
Sobre a questão da democratização da qualidade, consubstanciada nos dois governos
nas diretrizes da melhoria do padrão do ensino e da formação e valorização do magistério,
também podem ser evidenciados contrapontos relevantes.
Um dos aspectos que chama atenção é o sentido de qualidade buscado pelas duas
gestões.
No primeiro caso, registra-se a seguinte idéia de qualidade:
a problemática da qualidade, levantada hoje em todos os âmbitos políticos, sociais,
econômicos, tecnológicos, ambientais, aponta invariavelmente para o fator humano
como gerador/promotor específico de qualidade, ainda que, para tanto, tenha que
lançar mão de habilidades tecnológicas. Quer sob o enfoque mais individual
(satisfação), quer sobretudo do ponto de vista coletivo (participação), qualidade
denota intrinsecamente uma questão política, ou seja, processo e produto
tipicamente humano. Qualidade política não se contrapõe a qualidade formal,
técnica e metodológica, antes uma implica a outra, cada qual com sua lógica
própria. Com isto, fica patente que a formação dos professores será o fator mais
decisivo da qualidade da educação. De outro lado, no contexto do planejamento
estratégico, torna-se consenso cada vez mais comum que a educação representa a
vantagem comparativa (competitiva) mais decisiva face às oportunidades de
desenvolvimento, desde que qualitativa e moderna. (BELÉM, 1993, p. 28)
O texto acima, recuperado a partir do Planejamento Estratégico do prefeito Hélio
Gueiros, acentua que o fator determinante para a conquista da qualidade da educação
municipal seria a formação dos professores, pensada no “contexto moderno da didática do
174
aprender a aprender”. Para alcançar esta qualidade, o projeto previa a reorganização do
currículo do ensino fundamental, embasada na lógica do “aprender a aprender”
35
e em
didáticas e tecnologias de ensino modernas, capazes de afastar “a mediocridade como signo
da escola”. Conjugadamente se propunha um programa de atualização permanente de
professores que objetivava a formação teórica propedêutica e o desenvolvimento de
competências nos mesmos, com vistas a superar o “fantasma da repetência e evasão escolar”.
Acreditava-se, portanto, que somente com um ensino moderno e tecnológico e com
professores “bem formados” seria possível pensar em melhorias no nível da qualidade da
educação. Isso explica o investimento feito no ISEBE, um instituto que congregava uma
equipe de “formadores de alto nível” (segundo o julgamento dos gestores), imbuídos da tarefa
de conceber a proposta de qualificação dos professores, de forma a tornar-se “o fiel da
balança em termos de qualidade da educação básica”. (BELÉM, 1993, p. 30).
No contexto do governo petista, o debate sobre a Qualidade Social da Educação
apontava para
questões que sugerem reflexões iniciais sobre a qualidade da educação que ainda se
vivencia em grande parte dos espaços escolares, bem como, a que se pretende
construir no município de Belém. Em princípio pode-se afirmar que esta idéia de
qualidade social que se intenciona consolidar neste município, está conectada a
uma nova concepção de educação, comprometida com a inclusão social de todos os
sujeitos e, portanto, voltada ao atendimento dos requisitos básicos à formação das
pessoas, sem discriminação de classe, nero, raça, idade, religião, entre outras
diversidades. As exigências para que possamos alcançar esta qualidade devem
materializar-se nos diversos aspectos da educação, nos diferentes níveis e
modalidades de ensino, dentro das dimensões que são específicas à escola e outras
práticas sociais, neste processo deve ser levado em conta: a superação dos
obstáculos para proporcionar as de condições de acesso e permanência com sucesso
de toda criança, jovem e adulto; implementação de processos de gestão, onde
práticas efetivas de participação sejam critérios básicos para a tomada de decisões,
execução e avaliação, fortalecendo assim a participação de pais, responsáveis e de
todos aqueles que procuram ter voz e poder nos rumos das políticas publicas em
educação; formação e valorização dos profissionais da educação, capacitando-os
permanentemente para a ação docente; construção de projeto pedagógico da
organização educativa, sintonizado com as aspirações de uma sociedade livre, justa
e democrática. Para concretizar o ideal de uma educação de qualidade em todas as
escolas de Belém é necessário enfrentar o desafio da democratização. Isto implica,
em primeira instância, assegurar o direito do sujeito se apropriar democraticamente
dos conhecimentos científicos, filosóficos, artísticos, tecnológicos (particularmente
35
Esta concepção de ensino-aprendizagem é trabalhada por Pedro Demo, teórico que prestou assessoria
pedagógica à SEMEC entre 1993-1996.
175
no campo da informática) de forma não fragmentada. Em seguida, que esse
conhecimento possa proporcionar condição de sujeito de seu próprio processo
formativo, vendo respeitada e considerada a complexidade de sua identidade social
e cultural (SEMEC/CME, 2004, p. 23).
No segundo caso, revela-se uma concepção mais ampliada de qualidade da educação,
em que questões como o acesso e a permanência, a formação de professores, a gestão
democrática da escola, a democratização do conhecimento e a valorização das identidades e
práticas sociais e culturais dos sujeitos da educação são assumidas como critérios básicos
dessa conquista. Nesse sentido, procura-se romper com a visão estreita e ideológica de
qualidade, centrada apenas em aspectos teóricos e/ou metodológicos, e admite-se a
multiplicidade de fatores pedagógicos, políticos, sociais e culturais envolvidos na questão.
No projeto da “Escola Cabana”, a qualidade do ensino foi buscada,
fundamentalmente, por meio da re-significação da proposta dos Ciclos de Formação (ver
Capítulo II), que previa a articulação dos diversos aspectos acima mencionados com um
projeto político-social democrático e transformador.
Dados da SEMEC, referentes ao movimento e rendimento final na educação básica
nos de 2000 e 2001, apontam uma significativa redução nos índices de evasão e repetência no
ensino fundamental. Em 2000, se registrou uma taxa de evasão de 7,83% e a repetência foi de
10%; em 2001, a evasão foi de 7,24% e a repetência 8,9% contra 67,42% de repetência e
28,68% de evasão no ano de 1996. Tomando por base os números apresentados, pode-se
afirmar que houve no período correspondente a gestão petista um grande salto de qualidade
do ensino publico municipal.
Entretanto, conforme discussão anterior, o processo de implantação da “Escola
Cabana” não foi acompanhado de um programa de avaliação institucional capaz de atestar,
com precisão, os avanços e os limites alcançados pela rede municipal em termos de ensino e
aprendizagem. Fica aí, então, o questionamento: se esses números decorrem de uma efetiva
176
melhoria da qualidade do ensino ou se estão relacionados apenas ao princípio de não-retenção
adotado pela proposta avaliativa dos Ciclos de Formação.
Em termos de gestão da política educacional, é possível distinguir duas concepções de
inovação bastante diferenciadas, as quais trazem inerentes um sentido próprio de
democratização.
Ao tomar como referência a discussão de Arroyo (2002) sobre os modelos de
inovações pedagógicas frequentemente praticados pelos sistemas educacionais brasileiros,
pode-se inferir que a inovação proposta pela gestão do prefeito Hélio Gueiros é aquela “dos
que decidem a inovação para a escola e para os seus professores”. Um dos traços básicos
deste modelo é:
pensar que toda inovação social, cultural ou pedagógica sesempre iniciativa de
um grupo iluminado, modernizante, que antevê por onde devem avançar a
sociedade e os cidadãos e que prescreve como as instituições sociais m de
renovar-se e atualizar-se. (p.133)
A conseqüência desse modelo é as decisões permanecem centralizadas nas mãos dos
órgãos da administração central, onde estão as “cabeças pensantes” do sistema e as escolas
apenas recebem os “pacotes pedagógicos”, com fórmulas mágicas, prontos para serem
executados.
Na gestão do Prefeito Edmilson Rodrigues, o estilo de inovação colocado em prática
mescla um pouco do que Arroyo denomina de “inovação crítica” com uma forma mais
fecunda de inovação, baseada no diálogo entre os diversos atores, “entre os que decidem,
pensam e fazem a educação básica”.
A inovação crítica está fundamentada nos pressupostos da teoria educacional crítica, e
remete-nos às relações entre educação e sociedade, às estruturas de poder, de
reprodução e de exclusão; alerta-nos para o fato de que o conhecimento escolar não
é uma representação neutra da realidade, mas, sim, socialmente selecionado e
organizado, bem como enfatiza que as visões de mundo e de sociedade subjacentes
ao currículo não estão a serviço de todos, sobretudo dos excluídos. (p. 111)
177
Apesar de desvendar as relações de poder e ideologia que perpassam a sociedade, a
escola e o currículo, este tipo de inovação tem como limite pensar a escola a partir das
grandes categorias da tradição crítica
36
, e acabam caindo no equívoco de querer
“conscientizar, politizar os professores, convertendo-os a uma ação progressista” (idem, p.
152). Se, por um lado, esta é uma postura bastante presente no projeto da “Escola Cabana”,
por outro, percebe-se , também, uma disposição de diálogo com as práticas cotidianas dos
educadores e alunos, tornando-os “sujeitos da inovação”.
Identifica-se, assim, uma tentativa de ruptura com um modelo de gestão conservador,
burocrático e centralizado e a opção por uma gestão mais democrática da política educacional
no Município, onde os atores educacionais são chamados a participar do processo de
construção do projeto educacional, a partir de bases, também, mais democráticas em termos
de acesso, qualidade e gestão do ensino.
3. Gestão democrática da escola
A gestão democrática da escola, um dos princípios educacionais consagrados e
decretados pela Constituição Federal de 1988 e pela LDB de 1996, consiste, de forma
genérica, no direito da comunidade participar da construção, implementação e avaliação do
projeto político-pedagógico da escola; constituir colegiados escolares de caráter consultivo,
deliberativo, propositivo, mobilizador, normativo e fiscalizador, que possam funcionar como
veículos de fortalecimento da autonomia pedagógica, administrativa e financeira das escolas e
canais de partilha do poder de decisão sobre o currículo e a gestão e; em alguns sistemas de
ensino, que as leis maiores não determinam sua obrigatoriedade, eleger democraticamente
os dirigentes das unidades escolares.
36
A teoria crítica em educação privilegia a discussão sobre os vínculos que se estabelecem entre educação,
currículo, poder, ideologia, cultura, estrutura e processos de reprodução social na sociedade capitalista.
178
No Sistema Municipal de Ensino de Belém, o processo de institucionalização de
canais representativos/participativos de gestão escolar teve início com o ato de publicação da
Lei nº. 7.722 de 1994. A partir desse marco, tal processo tem se desenvolvido permeado por
avanços e retrocessos, que ora tem favorecido o estabelecimento de relações de poder mais
democráticas e participativas nos ambientes escolares, ora tem servido para coibir ou
controlar, por meio de “arranjos normativos complementares”, o exercício de tal direito.
Inicialmente, a lei educacional instituiu a gestão democrática da escola sob o signo de
“Autonomia da Escola”, como parte do projeto educativo gestado pelo governo municipal,
elegendo a “autonomia gerencial da escola” como um dos seus programas estragicos do
Governo Gueiros. Dentro do texto legal, essa iniciativa se concretizou através da
regulamentação do direito de toda escola elaborar o seu projeto pedagógico, constituir
conselho escolar e escolher seu dirigente, posteriormente à etapa cnico-seletiva executada
pela Secretária Municipal de Educação.
No que se refere à constituição de conselhos escolares, a Lei nº. 7.722/94 deliberou
que de sua composição deveriam participar quatro pais, dois professores, um técnico, um
aluno com idade mínima de 16 anos, um apoio administrativo e o diretor/diretora escolar. Os
representantes exerceriam mandato de três anos com direito a recondução por igual período e
a escolha dos membros se efetivaria por indicação das respectivas categorias. As atribuições
do conselho consistiam em aprovar as prestações de contas dos recursos financeiros
repassados à escola, avaliar o desempenho escolar de todos os seus componentes e propor
alterações necessárias às instâncias administrativas competentes e, apreciar e avaliar o projeto
pedagógico da escola. Com base nessas regras, as escolas municipais constituíram seu
primeiro conselho escolar em 1996.
A partir de 1997, quando ocorreu a mudança do governo municipal e teve início o
movimento de reorientação participativa da política educacional coordenada pelo “Governo
179
do Povo”, as regras de gestão democrática estabelecidas em 1994 passaram por um processo
de avaliação e conseqüente reestruturação. O principal marco das rupturas efetuadas foi a I
Conferência Municipal de Educação de 1998. Por essa ocasião, alteram-se a composição e
funcionamento dos conselhos escolares, assim como se redefiniram-se suas competências e
funções.
Além de se afirmar como instância máxima de gestão do projeto político-pedagógico e
como espaço privilegiado de discussão e decisão participativa no âmbito da escola, o conselho
escolar, dentro de uma nova perspectiva de atuação, passou a assumir a função de principal
coordenador do processo eletivo para diretores e diretoras.
Conforme dados expressos anteriormente, pode-se afirmar que os mais notáveis
avanços do processo de reformulação das normas de institucionalização dos conselhos
escolares viabilizados a partir de 1997 foram: a superação (no plano das orientações) de uma
concepção de atuação do conselho voltada para o gerenciamento de recursos financeiros em
detrimento da dinamização da participação comunitária nos processos de gestão da escola, a
maior relevância conferida à função político-pedagógica do órgão, a representação mais
equilibrada dos segmentos escolares baseada na proporcionalidade do número de alunos
matriculados por escola, a ampliação da participação discente em função do limite de idade
ter caído para 12 anos (em se tratando de escolas de ensino fundamental isso faz uma grande
diferença posto que a categoria de alunos é formada em sua maioria por alunos de 7 a 14
anos) e a afirmação do conselho como órgão coordenador da eleição para dirigentes escolares.
Essas mudanças traduzem a intenção da gestão petista de ampliar no âmbito da escola
a própria concepção de democracia, ou seja, de fazer com que os instrumentos formais de
gestão democrática, conquistados através da luta histórica dos movimentos sociais e
consagrados pelas legislações educacionais vigentes, funcionassem efetivamente a serviço da
democratização do poder e da superação da cultura autoritária, centralizadora e
180
antidemocrática que ainda prevalece nas práticas administrativas da maioria das escolas.
Nesse sentido, a questão da representação e da participação também ganha novos contornos,
pois, ao mesmo tempo em que se elegem representantes e se delega aos mesmos poderes
legítimos de decisão em nome da maioria, não se perde de vista a necessidade da participação
e do envolvimento direto dos atores escolares nos diversos processos pedagógicos e
administrativos vivenciados pela escola. Acima de tudo, espera-se que uma forma
democrática possa complementar a outra.
Os avanços destacados foram regulamentados, inicialmente, pelas Portarias nº. 523/99
e nº. 716/99 da SEMEC que deram origem à Resolução nº. 006/2001 do CME. Esses
instrumentos passaram a se constituir no novo parâmetro legal para eleição e funcionamento
dos conselhos escolares da rede municipal de ensino a partir de 1999. Apesar de não se ter
conseguido incluir tais mudanças na legislação do SME, visto que o processo de alteração da
Lei 7.722/94 não foi concluído, no plano legal essas regras continuam a vigorar até então.
4. Eleição de dirigentes escolares
Inicialmente, pode-se afirmar que a instituição da escolha de dirigentes escolares com
a participação da comunidade foi um grande avanço apresentado pela Lei nº. 7.722/94, no que
tange à questão da democratização da gestão escolar. Com isso, não se rompeu (pelo
menos formalmente) com a prática de livre nomeação do dirigente pelo Chefe do Executivo,
sem qualquer interferência dos segmentos escolares, como a função de direção deixou de ser
concebida como cargo de confiança dos governantes para se tornar um cargo de merecimento,
conquistado pelo profissional que preenchesse os critérios pré-estabelecidos pelo sistema
educacional.
Por um lado, se este é um fato digno de comemoração, porque conseguiu assegurar
voz e voto aos atores escolares no processo de escolha dos dirigentes, por outro, percebe-se
181
que as regras estabelecidas pela Lei 7.722/94 e posteriormente pela Portaria Complementar
nº. 762/96
37
guardam ranços fortemente autoritários e diretivistas que acabaram por dificultar
a implementação de um processo de eleição mais transparente e democrático nas escolas
municipais, restringindo sua autonomia.
No momento em que a Lei do SME foi sancionada, tinha-se a previsão da instauração
de um processo de escolha de dirigentes escolares constituído de duas etapas: a primeira
seletiva, executada pela SEMEC e a segunda eletiva, promovida pela escola. É exatamente
nos procedimentos de desenvolvimento da etapa seletiva, constante de análise do “Projeto
Pedagógico Próprio” do candidato e de entrevista para avaliar sua capacidade de sustentação
oral sobre o mesmo, que se constata a postura autoritária assumida pelo órgão. De acordo com
a Portaria expedida pelo Gabinete da Secretária Municipal de Educação em 25 de junho de
1996 cabia a uma comissão avaliadora, composta por membros do órgão executivo, selecionar
os candidatos aptos a concorrer à etapa eletiva. Em tal seleção, as comunidades escolares não
tinham menor acesso, ou seja, os projetos de trabalho para escola quem escolhia era a SEMEC
e não a comunidade, o que cabia às mesmas era apenas referendar um dos projetos
apresentados à eleição.
Dentre os vários constrangimentos impostos pela Portaria nº. 762/96 que, contrariando
as orientações originais da Lei se configuram em retrocessos dentro de um mesmo período de
gestão, constam: a limitação do direito de candidatura somente aos pedagogos (a regra
original assegurava este direito a todos os docentes da rede municipal que preenchessem os
critérios estabelecidos) e a substituição do voto do pai e da mãe de cada aluno pelo voto de
apenas um dos pais ou responsável. Entretanto, se nestes aspectos a Portaria retrocedeu, a
determinação da mesma de incluir os discentes maiores de 16 anos no colégio eleitoral pode
37
A Portaria Complementar . 762/96 se baseou no Art. 21 da Lei 7.722, o qual delega à SEMEC poderes para
fixar normas complementares ao processo seletivo/eletivo de diretores da rede municipal de ensino. Tal
instrumento, acabou se sobrepondo à própria Lei, ao modificar indevidamente vários de seus dispositivos e/ou
acrescentar outros que modificaram as suas orientações originais.
182
ser visto como um avanço, pois a Lei original havia excluído totalmente essa categoria do
direito de voto.
Posteriormente, assim como ocorreu com o conselho escolar, os procedimentos de
escolha de dirigentes escolares estabelecidos pela Lei nº. 7.722/94 foram discutidos e
revisados no I rum de Educação da Rede Municipal de Ensino (1997) e na I Conferência
Municipal de Educação (1998), no contexto de elaboração do projeto “Escola Cabana”.
Naquele momento se fazia uma avaliação bastante negativa do papel que a SEMEC vinha
exercendo como coordenadora do processo seletivo/eletivo, o que denotava um controle
excessivamente autoritário sobre o mesmo e acabava por cercear o direito das comunidades
escolares exercitarem a participação democrática de forma autônoma.
Os novos dirigentes municipais defendiam a eleição direta de diretores como “um
importante e indispensável vetor de democracia” do qual a escola “não deveria nunca abrir
mão”, por isso julgavam que as regras disponíveis para balizar tal processo careciam
urgentemente de serem revistas e aperfeiçoadas. A eleição de diretores, além de ser encarada
como uma conquista dos educadores da escola pública e da sociedade civil, e não como
simples concessão do Estado, foi concebida pela gestão petista como “um ato pedagógico,
onde se exercita e se consolida a cidadania” (SEMEC, 1997, p. 26). Pois, defendia-se que, ao
eleger democraticamente um diretor/uma diretora, a comunidade também estaria fazendo uma
opção por um projeto de educação, de escola e de gestão. E os atores diretamente envolvidos
com o cotidiano escolar eram os mais respaldados para efetuar tal juízo.
Dentre as várias mudanças propostas nos procedimentos legais de orientação do
processo de escolha de dirigentes escolares pelo projeto da “Escola Cabana” se destacam:
supressão da etapa seletiva dirigida pela SEMEC e a instituição de eleição direta pela
comunidade, com voto universal e secreto; resgate do critério originalmente estabelecido pela
Lei nº. 7.722/94 para a constituição de candidaturas, em que se franqueava este direito a todo
183
docente efetivo da Rede Municipal de Ensino que não apresentasse restrições funcional-
administrativas; ampliação do colégio eleitoral com inclusão da participação dos alunos com
idade a partir de 12 anos e dos pais e mães dos alunos ou responsáveis; inclusão dos
representantes da comunidade organizada no conselho escolar na lista de eleitores; designação
do conselho escolar como órgão máximo de coordenação do processo eleitoral em cada
unidade educativa; estabelecimento de regras complementares ao processo por meio de
regimento eleitoral aprovado em assembléia geral da comunidade; definição clara e detalhada
das funções e atribuições do cargo de dirigente; convocação imediata de novas eleições nos
casos em que o pedido de impugnação da eleição fosse deferido pelos órgãos competentes ou
onde se atestasse insuficiência de quorum; clarificação das regras de campanha eleitoral com
a garantia da realização de debates das propostas de trabalho dos candidatos com a
comunidade.
Dentre as propostas acima enumeradas, a que se revelou mais polêmica foi a do
critério para a constituição de candidatos, pois, dentro da própria categoria docente
posicionamentos divergentes se chocaram durante a realização da I Conferência Municipal de
Educação, evento que assumiu caráter deliberativo sobre tais mudanças normativas.
Conforme se enfatizou no Capítulo anterior, houve uma acirrada disputa entre os que
defendiam a exclusividade do cargo de direção para os pedagogos e os que defendiam tal
direito para todos os docentes licenciados e pertencentes ao quadro efetivo da SEMEC. Por
uma pequena diferença (237 contra 174 votos) a segunda proposta saiu vitoriosa.
Logo após a Conferência, as novas regras de gestão democrática deliberadas e
legitimadas pela comunidade escolar foram sistematizadas nas citadas Portarias nº. 523/99
e nº. 716/99 que orientaram a primeira eleição direta de diretores e diretoras nas escolas
municipais em 1999. Em 2001, no uso de suas atribuições legais como órgão normativo e de
coordenação do processo de gestão democrática do SME, o Conselho Municipal de Educação
184
disciplinou a eleição direta de dirigentes através da Resolução nº. 010/2001 com base nas
resoluções daquele Fórum (ver Quadro nº.7).
Um cotejamento entre as regras estabelecidas em 1994 e aquelas reformuladas a partir
de 1997, pode ser revelador das divergências de concepções de democracia e de gestão
democrática que orientaram a institucionalização da eleição de dirigentes na Rede Municipal
de Ensino no decorrer das duas gestões municipais. Para melhor ilustrar nossas análises sobre
os avanços e retrocessos alcançados nesse processo, traçamos um quadro comparativo das
orientações legais para a escolha de dirigentes escolares vigentes no Sistema Municipal de
Ensino de Belém, no período de 1994-2004.
Quadro nº. 8
Resumo comparativo das orientações legais do processo de escolha de dirigentes
escolares, vigentes no Sistema Municipal de Ensino de Belém,
no período de 1994-2004
Instrumento
Critério/Regra
Lei nº. 7.722/94 e Portaria
Complementar nº.
762/96/SEMEC
Resolução 010/01-CME,
embasada nas Portarias nº.
523/99 e nº. 716/99/SEMEC
1. Forma de estabelecimento
das regras
Exclusivamente pelo Poder
Executivo
Mediante discussão e
deliberação da comunidade
educacional
1. Tipo de escolha Processo técnico-seletivo e
eletivo (Art. 16).
Eleição direta pela comunidade
escolar (Arts. 1º e 9º).
2. Atribuição e competência
do cargo
Liderar o projeto pedagógico
próprio e sustentar e fomentar o
necessário manejo e construção
de conhecimento no ambiente
escolar (Art. 15 da Lei
7.722/94).
Coordenar o projeto político-
pedagógico da escola,
juntamente com o Conselho
Escolar;
Garantir espaços para discussão,
planejamento, estudos e
momentos de formação
continuada aos profissionais que
atuam na escola;
Promover a participação da
comunidade nas atividades
escolares, com vistas à
integração da escola em seu
ambiente sociocultural;
Dinamizar o fluxo das
informações na escola;
Supervisionar as diversas
atividades e serviços da escola;
Proporcionar a realização de
estudos e avaliações com todos
185
os segmentos sobre o
desenvolvimento dos processos
de ensino e aprendizagem, entre
outros (Art. - conferir Quadro
nº. 7).
3. Constituição de candidato De acordo com o Art. 14 da Lei,
todos os docentes da rede
municipal;
Pelo Art. da Portaria, somente
pedagogos ou doentes
portadores de diploma de pós-
graduação na área de gestão
educacional.
Todos os docentes licenciados,
pertencentes ao quadro efetivo
da SEMEC (Art. 3º).
4. Órgão de coordenação Processo seletivo: SEMEC e
Processo Eletivo: Comissão
Eleitoral, indicada pelo
Conselho Escolar (Art. 11 e 16
da Portaria).
Conselho Escolar/Comissão
Eleitoral, eleita em Assembléia
Geral da comunidade (Art. ,
inciso VIII, da Ris. 006/01e Art.
5º da Res. 010/01 – CME).
5. Colégio eleitoral Servidores da escola em
exercício, pai ou mãe ou
responsável por aluno e
discentes maiores de 16 anos
matriculados e freqüentando a
escola (Art. 36 da Portaria 762).
Trabalhadores em educação
lotados na escola, alunos a partir
de 12 anos, pai e mãe ou
responsável de alunos
matriculados na escola,
representantes da sociedade civil
organizada que são membros do
Conselho Escolar (Art. 4º).
6. Tempo de mandato Três anos com direito à
recondução (Art. 17 da Lei).
Dois anos com direito à
recondução (Art. 8º).
7. Procedimentos em casos de
impugnação e/ou insuficiência
de quorum e ausência de
candidatos
Livre nomeação do Diretor pelo
Secretário(a) Municipal de
Educação (Arts. 17 e 19 da Lei e
Arts. 14, 15, 41 da Portaria).
Convocação de novo processo
eleitoral a ocorrer no prazo
máximo de 30 dias (Art. 14).
8. Quorum Não estabelecido. 20% do colégio eleitoral.
9. Período de realização No mesmo dia em todas as
escolas em data pré-estabelecida
pela SEMEC. (Art. 17 da Lei).
Após o término do mandato do
diretor em exercício.
Fonte: Lei Municipal nº. 7.7222/94; Portaria
Complementar nº. 762/96/SEMEC; Portaria nº.
523/99; Portaria nº. 716/99/SEMEC e Resolução 010/01-CME.
As divergências de concepções de democracia e de gestão escolar existentes entre os
dois projetos político-pedagógicos experienciados pelo Sistema Municipal de Ensino se
fazem, notórias a começar pela forma como as regras de autonomia da escola e de gestão
democrática foram estabelecidas dentro de cada gestão analisada. Num caso, percebe-se a
afirmação do poder do Executivo através da imposição de regras formuladas unicamente a
partir da visão dos governantes; em outro, identifica-se regras construídas com a participação
dos atores escolares, em espaços instituídos para este fim.
186
Assim, tem-se reforçada, de um lado, uma concepção democrática em que a
democracia se encerra no ato de eleger governantes que, outorgados pelo voto popular, podem
agir livremente na definição das “regras do jogo”, dispensando a intervenção dos atores
sociais nos processos decisórios; de outro, tenta-se afirmar uma outra concepção que aposta
no diálogo e na participação como elementos indispensáveis para a realização da democracia.
Essas duas concepções democráticas se refletem em todos os demais itens normativos
destacados no quadro acima, como, por exemplo, nos tipos de escolha de dirigentes
instituídos no sistema educacional. Um constituído por estágios de seleção técnica e eleição,
onde os critérios para a realização do primeiro estágio, além de reforçar uma visão
meritocrática de gestão pública alguns especialistas (pedagogos) estão investidos de
competência para administrar —, estimulam o individualismo através da idéia de “projeto
pedagógico próprio” do diretor/diretor para escola, em vez de projeto com a escola, assim
como asseguram mecanismos de controle autoritário do governo sobre tal procedimento.
Desta forma, o estágio eletivo posterior acaba se tornando mais um arranjo” formal para
legitimar a decisão do executivo do que uma manifestação de exercício da democracia. Neste
caso, prevalece uma compreensão de democracia enquanto mera formalidade, onde a questão
da soberania popular sai prejudicada.
No outro tipo de escolha, o da eleição direta, uma clara intenção de diminuir o
poder do estado, fortalecer o poder da sociedade civil e a autonomia da escola. Não se trata de
substituir um pelo outro, o que no caso de política pública estatal é impossível, visto que o
estado como promotor, financiador, administrador tem um papel insubstituível, fato este
inconcebível sob as lentes neoliberais. Trata, sim, de construir com a sociedade civil
mecanismos e canais de co-gestão, partilha do poder de decisão e controle social, de forma
que ao invés de uma relação de antagonismo em que um é tirano do outro, possa se favorecer
uma relação de negociação de conflitos para a busca de consensos legítimos, respeitando a
187
manifestação de cada forma de poder através da garantia de funcionamento de instituições
democráticas de direito, porque, de acordo com Souza (2006)
o poder não é de apropriação única, ele se espraia em agentes múltiplos, o que é
essencial para uma nova postura, ele precisa nutrir-se da negociação, ele, portanto,
é fruto da intensidade do diálogo, na procura que brota da resolução dos conflitos, e
não de resignação acomodadora. Se fragilidades em tal compreensão, é dque
ela tira a sua grande força de transformação, ao levar indivíduos e grupos a uma
nova inteligibilidade, ao exercício da tolerância, a novas interpretações, a reversão
de percursos, a novas relações de respeito e solidariedade
(p. 187)
.
No caso da eleição direta do diretor, esta, além de permitir a participação da
comunidade no processo de tomada de decisão sobre o projeto de gestão que se deseja para
escola, pode vir a interferir positivamente na redefinição da postura do diretor/diretora frente
àqueles que lhe outorgaram o poder administrativo. Pelo fato deste ter sido legitimado pelo
voto dos segmentos escolares, espera-se que assuma um maior compromisso com interesses
de seus representados e não com os interesses dos governantes da ocasião. É claro que não é a
eleição isoladamente que determina a democracia na escola ou resolve os problemas de
concentração de poder, mas esta é, sem dúvida, um ato pedagógico e político extremamente
importante, tanto para operar mudanças na vida e gestão da escola como para a formação da
consciência cidadã crítica de alunos, pais e servidores, posto que “ao se democratizar as
relações na escola está-se contribuindo, também, com a democratização das relações na
sociedade e é papel da escola, na condição de instituição educacional, ser mediadora desta
nova forma de relação indivíduo-estado-sociedade” (SEMEC, 1997, p. 26).
Uma outra forma de manifestação do controle antidemocrático exercido pela SEMEC
sobre o processo de escolha do diretor/diretora são as restrições total ou parcial impostas ao
voto de algumas categorias. A orientação da Lei 7.722/94 de restringir o voto a apenas um dos
pais dos alunos ou responsável e de alienar completamente a categoria de alunos do colégio
eleitoral (fato remediado com a Portaria 762/96 que passou a admitir o voto dos alunos
188
maiores de 16 anos) sugere o medo que o órgão central do sistema possuía de perder as rédeas
do processo, visto que o diretor/diretora representa para muitos governantes o “testa de ferro”
do Estado dentro da escola. Uma outra questão é que, em se tratando de escola, esta medida se
reverte num prejuízo imensurável para o exercício da participação democrática, tanto no
aspecto quantitativo quanto qualitativo.
A decisão de derrubar as restrições ao voto das citadas categorias pode ser visto como
um avanço considerável do processo eletivo e como uma forma de aperfeiçoar a democracia
na escola. Logicamente que isso abre espaço para que brote no interior do ambiente escolar
uma série de novas disputas e conflitos. Mas afinal não é exatamente do conflito e da disputa
que se nutre a democracia? Não é a busca de resolução de conflitos e interesses divergentes
que determina a sua essência? Então, ampliar o máximo o alcance da participação,
envolvimento e mobilização dos atores parece ser o caminho mais viável para sua efetiva
concretização. Como afirma Lima (2002)
a participação representa uma forma de limitar certos tipos de poder e de superar
certas formas de governo, garantindo a expressão de diferentes interesses e
projetos com circulação na organização e a sua concorrência democrática em
termos de influência no processo de tomada de decisões (p.73).
Um último aspecto legal que pode ser considerado como ponto positivo do processo
de reformulação das regras de eleição de dirigentes iniciado em 1997 é a definição mais clara
e abrangente das atribuições e competências do cargo. Antes, a Lei 7.722/94 havia conferido
ao diretor\diretora escolar a competência de “liderar o projeto pedagógico próprio e sustentar
e fomentar o necessário manejo e construção de conhecimento no ambiente escolar”.
Posteriormente,
a
Resolução 010/01 não ampliou o rol de competências (conferir Quadros
nº. 7 e nº. 8) como enfatizou o caráter coletivo da função, ou seja, esclareceu que não compete
à direção escolar sozinha o poder e a responsabilidade sobre a gestão pedagógica,
administrativa e financeira da escola, mas a ele, conjuntamente com o conselho escolar,
189
“órgão máximo de gestão do projeto-político pedagógico” e do qual o mesmo é membro nato.
Esta idéia de gestão colegiada é o que faz a grande diferença e o que se configura como um
dos pontos mais significativos do entendimento de direção escolar presente no projeto da
“Escola Cabana”. Percebe-se , então, a tentativa de interação da forma representativa com a
forma participativa na busca de um novo modelo de gestão, pautada em princípios mais
democráticos e cooperativos.
Um ponto falho da proposta de eleição regulamentada pela Resolução 010/01 é a
exclusão das Unidades de Educação Infantil do processo de eleição direta para coordenadores.
Mesmo que a estrutura administrativa desses espaços seja diferenciada do resto da rede de
escolas, nada justificava que seus coordenadores não fossem escolhidos com a participação da
comunidade. Este foi um dos aspectos em que a proposta não avançou, o que nos indica uma
contradição existente no interior da mesma gestão.
Além dos aspectos normativos e legais que demarcam as divergências de intenções e
concepções existentes entre as duas propostas de democratização escolar pontuadas neste
estudo, um outro aspecto já antes mencionado que também nos chama atenção pelo seu
caráter inovador e imprescindível para a consolidação de uma nova visão e postura
administrativa é a política de incentivo e formação para a participação democrática colocada
em prática no SME durante o período de vigência da “Escola Cabana”
38
. A importância desse
tipo de ação está na compreensão que aquela gestão demonstrou acerca do fato de que a
cultura autoritária do controle burocrático impregnada na vida de nossas instituições pode
ceder espaço para a cultura da gestão democrática mediante um prolongado e conseqüente
trabalho de formação que valorize os atores socais e escolares como protagonistas dessa
construção e problematize a forma como os mesmos incorporam no seu cotidiano a
institucionalidade democrática.
38
A ação mais significativa de formação no campo da gestão democrática escolar encampada pelo SME foi o
programa de formação continuada de conselheiros escolares desenvolvido pelo projeto “Conselhos Escolares:
uma experiência de democratização na Amazônia”, fruto da parceria entre a UNAMA, SEMEC e CME.
190
Como observa Avritzer (1996, p. 136), “trata-se de perceber que existe um hiato entre
a existência formal de instituições e a incorporação da democracia às práticas cotidianas dos
agentes políticos”. A longa história da democracia tem nos demonstrado que as mudanças
mais substantivas não são alcançadas somente pela via da formalização de direitos e de
instituições, mas que estas tendem a se consolidar à medida que tal institucionalidade vai se
incorporando no sistema de valores, de crenças e de atitudes dos atores sociais. Portanto, é
preciso estar atento para a questão de que existe “uma cultura não-democrática que se
entrelaça com a institucionalidade democrática” (ib. idem), de forma que, ao lado da
formalização de direitos deve estar a determinação para enfrentar o desafio da mudança
cultural, e isso não acontece na espontaneidade. Uma vez que os sujeitos incorporem os novos
valores democráticos, mesmo que as conquistas sejam retiradas, estes, com certeza,
encontrarão motivos para recuperá-las. O que se pode afirmar que o contrário também seja
verdadeiro. No nosso ponto de vista, é exatamente este o desafio que se vive atualmente no
SME diante da nova reconfiguração do poder municipal, assunto da última sessão deste
Capítulo.
5. Perspectivas atuais
Com as eleições municipais de 2004, houve nova composição do governo municipal,
desta vez o candidato do Partido Trabalhista Brasileiro (PDT) foi o vitorioso. Eleito em
segundo turno, o então Senador Duciomar Costa, do PTB, venceu a Senadora Ana Júlia
Carepa, do PT, com 57% dos votos válidos. Vale registrar que Duciomar Costa havia
disputado a eleição de 2000 com o prefeito reeleito Edmilson Rodrigues (PT).
Se uma eleição pode ser considerada como um momento de julgamento pela
população dos projetos políticos em disputa, então, pode-se concluir que o projeto do Partido
dos Trabalhadores foi reprovado pela população belenense. Entretanto, levando-se em conta
191
que ainda é muito presente na cultura política brasileira a utilização de práticas eleitoreiras
que vão desde a distribuição de variados tipos de “ajuda”, principalmente, à população de
baixa renda até a explicita compra de votos, não se pode afirmar até que ponto os resultados
eleitorais, em geral, podem ser interpretados como um juízo dos cidadãos acerca da questão
política ou decorrem da influência de atitudes assistencialistas utilizadas como arma eleitoral
por parte de alguns políticos.
De qualquer maneira, as duas hipóteses devem ser consideradas com a mesma
seriedade. A primeira porque sugere a necessidade de autocrítica do grupo político vencido
para identificar as suas fraquezas e limitações e assim poder reformular e aperfeiçoar as suas
propostas e práticas com base na experiência. A segunda, porque num momento que se fala de
um possível amadurecimento da sociedade brasileira em relação à democracia, a persistência
de práticas eleitoreiras é algo que acusa que as carências de condições básicas de vida da
população ainda são fatores que podem servir como objeto de manipulação para angariar
votos e, assim, contribuir para despolitizar o processo eleitoral.
Juntamente com a mudança de governo em 2005, também ocorreu a mudança de
orientação político-ideológica no âmbito da gestão municipal, em que a questão democrática
perdeu sua relevância como princípio administrativo. No campo das políticas públicas em
geral e da educação em particular essa mudança irá se repercutir na reconfiguração dos
princípios estratégicos e das diretrizes norteadoras dos novos projetos em ação.
Diferentemente do que ocorreu com os dois governos anteriores que, no momento
inicial dos seus mandatos, tornaram público através das suas mensagens à Câmara Municipal
os seus projetos de gestão para a cidade, contendo a expressão de suas concepções e crenças
políticas e ideológicas, objetivos e diretrizes estratégicas de ação em todas as áreas estruturais
e sociais, o prefeito Duciomar Costa não apresentou um projeto de governo definido.
192
A primeira mensagem do atual prefeito à Câmara Municipal de Belém, datada de 15
de fevereiro de 2006, e onde se buscou os dados para fundamentar esta seção, consiste,
primeiramente, em apresentar um juízo bastante negativo da gestão de seu antecessor,
redigido num tom agressivo e, em alguns momentos, antiético. Posteriormente, em relatar as
obras executadas pela Prefeitura no decorrer de seu primeiro ano de exercício no comando do
governo municipal.
Sem apresentar dados concretos e referências comprobatórias, o prefeito afirma ter
encontrado “dívidas em todas as áreas e ausência de documentos importantes para a
continuidade de ações sicas e rotineiras do município” (BELÉM, 2005, p. 9). Assim como
afirma ter recebido do governo anterior “uma terra arrasada” e promete expor “as mazelas”
para que “sirvam de lição” (idem, p. 8). Ressaltando as dificuldades enfrentadas pelo seu
governo para “colocar a casa em ordem” e poder dar consecução às suas obras, Duciomar
Costa, diz que tais dificuldades “deverão servir de lição a todos os que insistem em alimentar
as esperanças do povo, sem a competência e o verdadeiro sentimento das causas sociais, para
que, verdadeiramente, as mudanças aconteçam”. (idem, p. 8)
Especificamente na área educacional, o prefeito diz ter encontrado os prédios escolares
numa situação “caótica”, um notório déficit educacional, principalmente na educação infantil
(segundo o prefeito, calculado em 56% em 2004), e uma situação de “descrédito total da
educação municipal”. Declara, que o que o deixava profundamente triste era “ver que as mães
estavam matriculando seus filhos naquelas escolas por não terem outra opção, por pura
necessidade”. (idem p. 15)
Para enfrentar tal situação, o prefeito relata que foram tomadas as seguintes medidas
no ano de 2005: reforma de 30 unidades de educação infantil; determinação de construção de
mais três escolas nas ilhas de Belém, orçadas em R$ 448 mil; revitalização do Centro de
Referência em Educação Ambiental Escola Bosque Professor Eidorfe Moreira, orçada em R$
193
270 mil; distribuição de uniformes escolares para 50 mil alunos da Rede Pública Municipal;
implantação de 30 laboratórios de informática nas escolas municipais.
No entanto, não revela que a implantação de tais laboratórios é resultado de convênios
com o governo federal através de projetos como o PRÓ-JOVEM e com o Ministério da
Ciência e Tecnologia.
A política educacional da atual gestão municipal encontra-se estruturada em três eixos
norteadores: Expansão da Educação Infantil, Formação Continuada dos Professores e
Educação para o Desenvolvimento Sustentável.
O primeiro eixo tem como meta diminuir o déficit de atendimento da educação infantil
até 2009 para 20, 82%.
O segundo objetiva desenvolver um Programa de Formação Continuada de professores
do ensino fundamental, denominado “Elaborando Conhecimento para Aprender a Reconstruí-
lo” (ECOAR), com vistas a melhorar os indicadores de avaliação de qualidade da educação
municipal e promover cursos permanentes na área de informática educativa para os
professores através do Núcleo de Informática Educativa - NIED. Em 2005, participaram do
projeto ECOAR 30 das 59 escolas da rede municipal, somando um mero de 418
professores atendidos. (idem, p. 27).
O terceiro prevê o resgate da proposta de Subsistema de Educação para o
Desenvolvimento Sustentável, regulamentado pelo Decreto Municipal nº. 29.205/96 e
composto de três unidades especiais de educação (Escola Bosque, em Outeiro; Liceu Mestre
Raimundo Cardoso, em Icoaraci e a Escola Parque Amazônia, na Terra Firme) e um Liceu de
Artes e Ofícios no Bairro do Guamá. A proposta de subsistema tem como diretrizes
essenciais: a profissionalização voltada à permanência de trabalhar e produzir; inserção
comunitária com fomento na qualidade formal e política; inserção cultural; união do saber
194
pensar com o saber fazer; inserção econômica para garantir a necessária implicação com a
vida das pessoas e da comunidade. (idem, p. 27)
No que concerne ao segundo e terceiro eixos da política educacional da gestão de
Duciomar Costa, percebemos uma estreita semelhança com as diretrizes do projeto educativo
experienciado anteriormente na gestão do prefeito Hélio Gueiros. Provavelmente, tal
semelhança decorra do fato da Secretaria Municipal de Educação encontrar-se sob o comando
da Professora Terezinha de Moraes Gueiros, que exerceu a mesma função no período anterior
(1993-1996) e, portanto, ter como objetivo o resgate das ações desarticuladas no momento de
ascensão de um outro projeto de governo.
Uma visão panorâmica da atual política educacional mostra que a questão da
democratização da gestão escolar não consta nem como eixo de ação nem como preocupação
dos gestores do momento. Nenhuma referência é feita aos procedimentos e/ou instâncias de
gestão democrática ou de autonomia da escola discutidas anteriormente, com exceção da
eleição de dirigentes escolares.
Com relação a este ponto específico, a direção da SEMEC decidiu revogar a
Resolução 010/2001, com a justificativa de que as orientações contidas na mesma
contrariavam a Legislação Maior do Sistema. Em substituição, baixou a Portaria nº.
1.563/2005, de 06 de dezembro de 2005, que na sua totalidade recupera as mesmas
orientações da Portaria Complementar nº. 762/96. A SEMEC argumenta que a base legal de
sua atitude se encontra no Art. 21 da Lei 7.722/94.
Dentre as regras orientadas pela Portaria nº. 1.563/05, constam:
Retomada do processo seletivo para habilitar os candidatos ao processo eletivo;
Habilitação realizada com base na análise de projeto pedagógico próprio, por uma
comissão avaliadora composta de representantes da SEMEC, CME, SINTEPP e
docentes de IES;
195
Exigência de experiência docente de no mínimo dois anos para o exercício da função
de direção;
Restrição do direito de candidatura somente a pedagogos ou licenciados com
especialização em gestão escolar;
Coordenação do processo eleitoral na escola por comissão indicada pelo conselho
escolar;
Quórum mínimo de 50% mais um do colégio eleitoral. Na insuficiência de quórum, o
diretor/diretora será nomeado livremente pelo Secretário(a) Municipal de Educação;
Exigência de, no mínimo, dois candidatos por escola, caso contrário o procedimento é
o mesmo anterior;
Candidato deverá estar lotado no último ano na mesma escola a que concorre;
O direito de voto é garantido aos servidores da SEMEC, em exercício na escola; a um
dos pais dos alunos ou responsável e; aos discentes com idade a partir de 16 anos;
Realização do pleito eleitoral com calendário único para todas as escolas da Rede;
Mandato de três anos com direito à recondução;
Além dos itens acima relacionados, a Portaria definiu ainda o calendário eleitoral de
todas as escolas, com exceção daquelas onde o diretor/diretora ainda não havia concluído seu
mandato e das que se encontravam em processo de intervenção administrativa. As datas de
realização do processo seletivo/eletivo foram assim especificadas:
Período de inscrição dos candidatos e entrega do projeto pedagógico próprio: 12 a 15
de dezembro de 2005;
Análise dos projetos e emissão de pareceres pela comissão avaliadora: 19 a 26 de
dezembro de 2005;
Divulgação dos resultados do processo de habilitação: 27 de dezembro de 2005;
Indicação da Comissão eleitoral: 28 de dezembro de 2005;
196
Período de Campanha Eleitoral: 27 de dezembro de 2005 a 02 de janeiro de 2006;
Eleição na escola: 04 de janeiro de 2006;
Apuração: 05 e 06 de janeiro de 2006;
Divulgação dos resultados: 09 de janeiro de 2006.
Como evidenciam as datas acima , o processo eleitoral para o preenchimento do cargo
de direção das escolas municipais no ano de 2006 foi programado num período extremamente
delicado para as escolas. Pois, o mês de dezembro pelo fato de coincidir com o período de
conclusão do ano letivo é, geralmente, caracterizado pelo acúmulo de atividades por docentes,
diretores e coordenadores pedagógicos tais como: realização de conselhos ciclos,
preenchimento de fichas de avaliação individual dos alunos, entrega de relatórios de
atividades letivas, confraternização de servidores, programações culturais e festivas de
finalização do ano letivo envolvendo alunos e comunidades, entre outras. Sem contar que a
proximidade de festas como o Natal e o Ano Novo levam a maioria das pessoas a canalizar
suas atenções para os seus núcleos familiares, servindo, assim, para dispersar outras
mobilizações de caráter profissional que fuja da rotina listada.
Portanto, não é difícil supor que tal processo tenha ocorrido de forma atropelada e
dispersa. O que leva aos seguintes questionamentos: o real interesse da SEMEC era de
viabilizar ou dificultar tal processo? Por que então a opção por um período tão inviável? Além
das medidas restritivas tomadas pela Portaria nº. 1.563/05, esta não foi mais uma forma da
SEMEC retomar o controle sobre a escolha dos diretores\diretoras escolares?
Tais procedimentos assumidos pelo Executivo Municipal reforçam mais uma vez
algumas idéias que vimos discutindo ao longo deste trabalho. Primeiro, de que as diferentes
propostas de eleição de diretores/diretoras colocadas em ação no Sistema Municipal de
Ensino foram estabelecidas em estreita conexão com os programas governamentais e projetos
educacionais em ação no âmbito da gestão pública do município; segundo, de que por isso
197
mesmo este processo tem sido marcado ora por avanços ora por retrocessos, conforme a
envergadura mais ou menos democrática do projeto de governo vigente; terceiro, de que a
democracia pode não ter cor partidária, mas a forma como cada grupo político a concebe e a
coloca em prática se repercute, fatalmente, em maneiras mais ou menos participativas e
democráticas de ordenamento da gestão das políticas públicas; quarto, de que a eleição direta
de diretores representa para os governos de envergadura mais burocrática e autoritária o medo
de perder as rédeas do processo e diminuir o seu controle sobre a direção da escola.
Um fato que parece bastante notório é que algumas inovações político-pedagógicas
propostas pela gestão do prefeito Edmilson Rodrigues foram prejudicadas pela falta de
agilidade ou prioridade do governo em viabilizar a alteração da Lei 7.722/94, atitude
imprescindível para consolidar no plano das orientações as mudanças processadas no
ordenamento conceitual e estrutural da educação municipal.
Nesse sentido, é procedente interrogar-se sobre as seguintes questões: Até que ponto
estas inovações foram incorporadas pelos atores educacionais e pela cultura administrativa da
escola? Qual a relevância que teve e/ou que tem para a comunidade escolar a garantia do
direito de eleger seus dirigentes? Em que medida a institucionalidade democrática foi
incorporada pelo cotidiano da escola? Os atores educacionais encontram motivos suficientes
para lutar por elas?
Enfim, estas são questões que fazem toda a diferença quando reflete-se sobre as
perspectivas que se apontam tanto para a prática da eleição de dirigentes escolares no sistema
educacional, quanto para outros aspectos mais amplos do processo de democratização da
educação municipal e da sociedade como um todo.
198
APROXIMAÇÕES CONCLUISIVAS
A intenção deste estudo foi realizar uma investigação sobre o processo de
institucionalização da eleição de dirigentes escolares no Sistema Municipal Ensino como
dimensão dos programas governamentais e projetos educacionais engendrados pelos
governos municipais vigentes na cidade de Belém, no período de 1993 a 2006. O objetivo foi
identificar e analisar os avanços, retrocessos e perspectivas atuais deste processo a partir de
um olhar sob o “plano das orientações para a ação organizacional”.
Para dar consecução a este objetivo, apresentou-se como necessário enquadrar o
objeto de pesquisa dentro de um referencial teórico abrangente sobre os temas da democracia
e gestão democrática da educação. Nesse sentido, buscamos resgatar na história da
democracia moderna aspectos importantes das duas categorias fundamentais para esta
discussão: representação e participação política.
Com base na pesquisa bibliográfica identificou-se os diferentes significados que essas
categorias assumiram ao longo dos tempos, desde a ascendência da democracia liberal no
século XVIII como regime político hegemônico até as lutas empreendidas pelos países do
Norte europeu, como Portugal e Espanha, e da América Latina pela derrubada dos regimes
autoritários nos anos 70 e 80. Neste contexto, tais categorias começaram a ganhar novos
significados a partir de conceitos mais críticos de democracia e de cidadania, construídos
tanto pelas revoluções socialistas, quanto pelos novos movimentos sociais que começaram a
entrar em cena.
No Brasil, os novos movimentos sociais surgidos ou ressurgidos nos fins dos anos 70
e início dos 80 reivindicavam, além do fim da derrubada da ditadura militar instalada em
1964, o fim do veto aos diretos interrompidos por quase 20 anos, entre os quais: o
restabelecimento de eleições livres e diretas para todos os níveis de governo, o
restabelecimento dos direitos civis fundamentais, a melhoria de qualidade de vida, a reforma
199
agrária, a distribuição eqüitativa de renda, e a democratização do acesso a políticas sociais
básicas.
Para esses novos personagens não era o bastante eleger governantes, que legitimados
pelo voto popular passassem a decidir autoritariamente em nome do povo. O tipo de
democracia reivindicado era a democracia que assegurasse à sociedade civil o direito de
interferir nos processo de planejamento e gestão das políticas públicas e no controle social do
Estado. Uma democracia que favorecesse o que Teixeira (2003) designa por participação
cidadã.
Embora o processo de redemocratização ocorrido no Brasil não tenha assumido todo
esse caráter revolucionário, como desejavam os movimentos mais críticos, a transição
democrática “negociada” entre os setores oposicionistas e os representantes do regime militar
serviu para ampliar os canais de participação política e social da sociedade civil. O marco de
institucionalização da nova cidadania brasileira foi a Constituição Federal, promulgada em
1988. Com ela nasce uma nova institucionalidade democrática no país.
Na esteira deste processo, os movimentos educacionais também passaram a disputar
outros sentidos de democratização educacional, inclusive no campo da gestão escolar. Desse
período data a consagração da gestão democrática como princípio de organização do ensino
público nacional. A partir desse imperativo, decretado pela Constituição de 1988 e
reafirmado pela Lei 9.9394 de 1996 (LDB), começaram ser instituídos nos sistemas de ensino
vários instrumentos e mecanismos de gestão democrática da educação tais como Conselhos
de Educação de caráter deliberativo, consultivo, normativo e fiscalizador; Conselhos
Escolares constituídos com a participação da comunidade escolar; Projetos Pedagógicos mais
autônomos; formas mais democráticas de escolha de dirigentes escolares, inclusive a eleição
direta.
200
Todo esse processo deu origem a uma vasta produção literária sobre a questão da
democratização política, social e escolar e da eleição de diretores no Brasil, as quais
procurou-se resgatar, nas suas referências mais significativas, de forma a subsidiar as
reflexões e análises desenvolvidas acerca da institucionalização deste procedimento no
sistema de ensino local.
A partir da análise documental desenvolvida, tentou-se caracterizar e analisar a
origem e desenvolvimento do processo de institucionalização da eleição de diretores em
Belém como parte dos programas governamentais e projetos educacionais gestados pelos
prefeitos Hélio Gueiros do PFL (1993-1996) e Edmilson Rodrigues do PT (1997-2004). As
análises realizadas se pautaram num extenso corpus documental produzido e publicado pelas
referidas administrações, do qual se procurou abstrair o sentido de democracia e gestão
democrática educacional e escolar que fundamentaram as propostas e ações governamentais.
Com base nos dados documentais pesquisados, conclui-se os que as orientações
político-ideológicas das citadas gestões são radicalmente divergentes, o que deu origem a
projetos governamentais e educacionais também opostos, em termos de princípios, diretrizes
e objetivos. De um lado, temos a educação assumida como “principal estratégia do
desenvolvimento humano moderno”, como “elemento de competitividade produtiva” e
“possibilidade de ingresso na modernidade”. De outro, uma educação que se diz “sintonizada
com os anseios das classes populares” e pautada nos princípios de “inclusão social”,
“construção da cidadania crítica”, “promoção da democracia econômica, social, cultural e
política entre os cidadãos” e “na valorização da cultura local”.
Como desdobramento das divergências de concepções político-pedagógicas, a questão
da democratização da educação nos aspectos do acesso, qualidade e gestão, também, foram
encaradas de maneira diferenciada. Quando comparamos os números registrados pelos dois
governos em termos de abertura de vagas (sobretudo na educação infantil), de ampliação de
201
equipamentos escolares, de índices de evasão e repetência escolar essas diferenças ficam
ainda mais evidentes.
No que tange a política de gestão educacional, as divergências logo se evidenciam
quando compara-se a forma como cada projeto educativo foi construído. No governo de
Hélio Gueiros, o projeto educacional apresentado à rede municipal de ensino no início de seu
mandato já trouxe definidas as diretrizes e linhas-mestras das ações a serem implementadas, a
partir das necessidades e convicções dos dirigentes, sem nenhuma interlocução com os atores
educacionais aos quais a proposta se dirigia. Isto evidencia, portanto, o caráter diretivo
burocrático e centralizador do modelo de gestão educacional adotado por aquela
administração.
No governo de Edmilson Rodrigues, identifica-se uma proposta diferenciada de
gestão, pautada nos princípios da participação popular, democratização da relação Estado e
sociedade e do controle social do Estado. Como desdobramento destes princípios, vivenciou-
se no SME, entre os anos de 1997 e 2004, um amplo processo de planejamento participativo
da política educacional, realizado através de Fóruns, Conferências, Congressos de caráter
consultivo e deliberativo, onde os segmentos escolares e sociais foram chamados a participar
diretamente da discussão sobre os problemas da educação municipal e a intervir na
construção de suas possíveis soluções.
Em termos de política de gestão escolar, embora nas duas gestões se propalasse a
autonomia da escola e gestão participativa, o modo como esses princípios foram
operacionalizados no plano das instruções oficiais e normativas do sistema educacional
demarca a oposição existente entre as concepções de democracia e gestão democrática das
propostas estabelecidas.
A Lei 7.722, que institui o SME de Belém, foi o primeiro instrumento legal que
normatizou o funcionamento de conselhos escolares e a escolha de diretores\diretoras no
202
âmbito da rede municipal de ensino. As regras instituídas pela Lei restringiam enormemente a
participação da comunidade escolar através dos vetos parciais ou totais impostos ao voto das
categorias de alunos, pais e sociedade civil organizada no processo de escolha de
representantes. No que abrange especificamente à eleição de diretores, à Lei delegou à
SEMEC poderes para detalhar os procedimentos de seleção técnica e eleição dos candidatos
através de instrumento legal próprio. Imbuída desse poder, a Secretaria baixou regras
complementares ao processo seletivo/eletivo através da Portaria nº. 762/96, na qual procurou
assegurar o controle do órgão executivo sobre tal processo, deixando uma margem mínima de
autonomia para que a escola pudesse escolher o projeto de gestão mais adequado a sua
realidade e necessidade.
Em 1997, integrando o conjunto de temas discutido no processo de planejamento
participativo da política educacional, as orientações normativas para a gestão democrática da
escola foram revistas e modificadas, dando origem a novos instrumentos legais (Portarias nº.
523/99 e nº. 716/99 da SEMEC e Resoluções 006/01 e 010/01 do CME) através dos quais se
derrubou os vetos ao voto das categorias excluídas, decidiu-se pela instituição de novos
procedimentos eleitorais para conselhos e dirigentes escolares, afirmou-se o conselho escolar
como órgão máximo de gestão da escola e como principal coordenador do processo de
eleição direta de diretores, garantiu-se o direito de candidatura a todos os docentes
licenciados e efetivos da SEMEC, assim como ampliou-se as atribuições e competências
administrativas do diretor, dando maior ênfase ao caráter político-pedagógico de sua função,
sem perder de vista o princípio colegiado e participativo da gestão escolar.
Apesar de ter modificado substancialmente as orientações legais do sistema para a
prática da gestão democrática nas escolas e de ter assumido a eleição direta de diretores como
um vetor indispensável (não exclusivo) da conquista da democratização da escola, assim
como ter diminuído significativamente o controle legal da SEMEC sobre a gestão escolar, as
203
iniciativas do governo Edmilson Rodrigues não formam incluídas como dispositivos legais
dentro da Lei do sistema, em função do Anteprojeto de Alteração da Lei 7.722 não ter sido
encaminhado em tempo hábil. Assim, as mudanças estruturais e conceituais da educação
municipal processadas naquela gestão acabaram sendo prejudicadas pela fragilidade do seu
peso legal.
Em 2005, quando houve a renovação do governo municipal e juntamente a
reorientação dos princípios e diretrizes da política educacional, as regras de eleição direta de
diretores foram revogadas por uma nova Portaria Complementar da SEMEC (Portaria nº.
1.563/2005) onde a atual gestão resgata os mesmos procedimentos estabelecidos em 1994 e
1996. Assim, vê-se retornar o processo técnico-seletivo controlado pela SEMEC, os vetos ao
voto de pais, alunos e comunidade organizada, a exclusividade do cargo aos pedagogos ou
especialistas em gestão escolar, entre outras restrições especificadas anteriormente, ou seja,
citando um dito popular: “volta tudo como dantes no quartel de Abrantes”.
Analisando o percurso polêmico da institucionalização da eleição de dirigentes
escolares no Sistema Municipal de Ensino de Belém, é pertinente reapresentar algumas
considerações conclusivas mencionadas no corpo desta dissertação: primeiro, de que as
diferentes proposta de eleição de diretores/diretoras colocadas em ação no Sistema Municipal
de Ensino foram estabelecidas em estreita conexão com a lógica político-administrativa
contida nos programas governamentais e projetos educacionais gestados no âmbito da gestão
pública do município no período delimitado; segundo, de que por isso mesmo este processo
tem sido marcado ora por avanços ora por retrocessos, conforme a envergadura mais ou
menos democrática do projeto de governo vigente; terceiro, de que a democracia pode não ter
cor partidária, mas a forma como cada grupo político a concebe e a coloca em prática se
repercute fatalmente em maneiras mais ou menos participativas e democráticas de
ordenamento da gestão educacional e da gestão da escola; quarto, de que a eleição direta de
204
diretores representa para os governos de envergadura mais burocrática e autoritária o medo
de perder as rédeas do processo e diminuir o seu controle sobre a direção da escola; quinto,
de que enquanto a institucionalidade democrática não for internalizada pelo cotidiano dos
sujeitos que constroem a escola no seu dia-a-dia, as chamadas “conquistas democráticas”
mais facilmente serão retiradas, conforme a orientação dos governantes da “hora”.
Sem a intenção de encerrar completamente o debate aqui desenvolvido, ao contrário,
espera-se ter apresentado algumas perspectivas para novos enfoques, que devem ser
entendidas processualmente, dentro da dinâmica democrática, que, assim como o trabalho
procura fazer emergir, não é algo acabado, definido e pronto, posto que a democracia é uma
construção permanente, que atinge os mais diversos matizes ideológicos, com idas e vindas,
recuos e avanços, mesmo que princípios, concepções, perspectivas e horizontes sejam
distintos e com diferentes prioridades.
O certo é que não há como ficar imune a tais movimentos, o sentido é de tornar-se
ator, envolver-se comprometidamente com a democracia e cultivar o princípio ético de incluir
todos e todas. Este é o objetivo a se perseguir.
205
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