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PONTIFÍCIA FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA
SENHORA DA ASSUNÇÃO
ODAIR EUSTÁQUIO RIBEIRO GOMES
“Procurava ver quem é Jesus”: O processo de libertação do
mau uso do dinheiro na perícope de
Zaqueu em Lc 19, 1-10.
Apresentação de dissertação
à Pontifícia Faculdade de Teologia
Nossa Senhora da Assunção, para
obtenção de título de mestrado em
Teologia Bíblica, sob a orientação
do Prof. Dr. Côn. Celso Pedro da
Silva.
São Paulo, 2007
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2
Nota:...............................................................
Assinatura do professor orientador
..................................................................................
Página de aprovação.
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3
Dedico essa dissertação, aos meus
pais e irmãos, especialmente à minha
mãe, que de modo simples e objetivo me
incentivou nos estudos desde a infância.
Preciso lembrar com alegria dos
pequenos valores financeiros que ela
recolhia para comprarmos material
escolar, livros e necessidades em geral. A
ela meu eterno agradecimento.
4
Agradeço a Deus e aos meus pais pela vida. Ao
meu bispo diocesano, Dom Emílio Pignoli, pelo
apoio.
Agradeço aos professores da Pontifícia
Faculdade de Teologia Nossa Senhora da
Assunção, que nos últimos 10 anos, têm
participando de forma decisiva na minha formação
humana e cristã. De modo especial, agradeço ao
Prof. Dr. Côn. Celso Pedro da Silva, homem
dedicado, que orientou esse trabalho, apesar de
todas as suas ocupações.
Também agradeço aos meus paroquianos que
tiveram compreensão diante da minha necessária
ausência em alguns momentos. A todos, o meu
eterno agradecimento.
5
Sumário
Introdução................................................................................................................. 08
Capítulo I: O texto.................................................................................................... 16
1. O texto segmentado............................................................................................... 16
2. Delimitação............................................................................................................ 18
2. 1. As perícopes anterior e posterior ........................................................ 18
2. 2. A coesão da perícope de Zaqueu ......................................................... 18
2. 3. Testemunhos da coesão da perícope .................................................. 19
3. Crítica textual ..................................................................................................... 21
3. 1. Variantes do v. 2 .................................................................................. 22
3. 2. Variantes do v. 4 .................................................................................. 23
3. 3. Variantes do v. 5 .................................................................................. 25
3. 4. Variante do v. 7 .................................................................................... 26
3. 5. Variantes do v. 8 ................................................................................... 26
3. 6. Variantes do v. 9 ................................................................................... 28
4. Vocabulário .......................................................................................................... 28
4. 1. Verbos ................................................................................................... 30
4. 2. Substantivos .......................................................................................... 43
4. 3. Adjetivos ............................................................................................... 57
4. 4. Partículas .............................................................................................. 60
5. Estrutura do texto ................................................................................................ 65
6. Tradução .............................................................................................................. 69
6
Capítulo II: Contexto .............................................................................................. 70
1. Contexto literário ................................................................................................ 71
1. 1. Contexto literário remoto .................................................................... 71
1. 1. 1. O escopo (tese do autor) ........................................................ 72
1. 1. 2. O plano do autor .................................................................... 73
1. 2. Contexto literário próximo................................................................... 83
2. Contexto histórico ................................................................................................ 87
2. 1. Contexto helenístico .............................................................................. 89
2. 1. 1. Contexto helenístico-romano ................................................. 93
2. 2. Contexto social e econômico ................................................................ 96
2. 2. 1. O saber e a ciência ................................................................. 97
2. 2. 2. As cidades ............................................................................... 97
2. 2 .3. Moral, família e escola ......................................................... 97
2. 2. 4. A administração romana ...................................................... 98
2. 3. Contexto lucano ................................................................................... 99
2. 3. 1. A influência do gnosticismo ................................................. 104
2. 3. 2. O dinheiro no contexto de Lucas ......................................... 108
Capítulo III: Análise .............................................................................................. 116
1. A identificação de Zaqueu (cf. v. 2) ................................................................... 117
2. Zaqueu e o processo de conhecimento de Jesus (cf. v. 3a) .............................. 119
2. 1. Significado do verbo zhte,w [procurava] ............................................. 122
7
2. 2. Significado do verbo o`ra,w [ver] .......................................................... 127
2. 3. Significado do pronome ti,j [quem] .................................................... 130
2. 4. Comparando Lc 19, 3a com Jo 12, 20-21 ........................................... 131
3. Desafios no caminho de Zaqueu (cf. 3bc) ......................................................... 134
4. Ações de Zaqueu (cf. v. 3 - 10) ........................................................................... 136
5. O Imperativo de Jesus e a obediência de Zaqueu (cf. v. 5 e 6) ....................... 141
6. A murmuração dos legalistas (cf. v. 7) ............................................................. 145
7. Conversão de Zaqueu e suas conseqüências (cf. v. 8 -10) ............................... 148
Conclusão ............................................................................................................... 160
Bibliografia ............................................................................................................ 170
8
Introdução
“Procurava ver quem é Jesus”: O processo de libertação do mau uso do dinheiro na
perícope de Zaqueu em Lc 19, 1-10.
Vivemos um período histórico marcado, surpreendentemente, pelo retorno do
ser humano ao sagrado. Muitas reflexões em artigos e revistas especializadas tratam do
assunto. Fala-se de um “período de grande fascínio pelo sagrado”.
Sabemos que a busca pelo sagrado tem encontrado um “mercado” variado que
oferece experiências novas, propostas de prosperidade e de superação das situações de
sofrimento. Busca-se, basicamente, o consolo, a superação pessoal e pouco se fala da
mudança estrutural da sociedade.
De fato, é função da religião responder aos anseios e questionamentos mais
profundos dos seres humanos, mas o ensinamento, que muitas vezes, ela tem
apresentado, se reduz a meras experiências desvinculadas das situações concretas. Há
situações urgentes que precisam ser iluminadas e transformadas por uma fé consciente,
tais como a desigualdade que apresenta o crescente abismo entre pobres e ricos, os
efeitos da corrupção, do acúmulo de bens e da exploração financeira.
Muito pior do que desvinculadas do ensinamento de Jesus Cristo, as
experiências se apresentam como grandes e atrativas soluções, quando, na verdade,
não passam de paliativos.
9
No mercado religioso há diversas ofertas e propostas, mas pouco se fala de
atitudes concretas de conversão, de renúncia, de justiça e partilha para com os que
vivem à margem da sociedade. Acreditamos que esta realidade é conseqüência direta
da falta de conhecimento da pessoa, da identidade e do projeto de vida apresentado por
Jesus Cristo.
É verdade, que ao falarmos da busca pelo sagrado, referimo-nos a contextos
religiosos muito amplos, mas, considerando que grande parte da procura, ainda se dá
no meio cristão, vale dizer, que muitos aspectos da fé cristã precisam ser questionados
e redefinidos com base no ensinamento de Jesus Cristo. Numa palavra, precisamos
voltar às fontes do cristianismo, e a fonte primeira, como sabemos, é o Evangelho de
Jesus Cristo.
Dentre os aspectos a serem questionados e redefinidos, temos, de modo
especial, as questões envolvendo dinheiro, principalmente no que diz respeito à
religião, economia, vida social e política.
Diante das constatações acima, temos que reafirmar o dever do cristianismo em
não permitir que seja apresentada uma pessoa diversa daquela que Jesus Cristo foi.
Não pode haver uma deturpação do homem-Deus, que apresentou um projeto de vida
em abundância para todos, apenas a um bom terapeuta da modernidade.
É partindo do contexto religioso e social, muito resumidamente exposto, que
propomos uma reflexão sobre a perícope de Lc 19, 1-10, geralmente intitulada a
conversão de Zaqueu. Acreditamos que no texto há elementos muito significativos, no
sentido de mostrar quem é Jesus e quais devem ser as atitudes daquele que O conhece,
10
frente a uma sociedade que cultua o dinheiro, o ter e o poder, sendo assim, marcada
pela ambição, exploração e injustiça.
A reflexão e as conclusões que o texto possibilitam são oportunas e
esclarecedoras, à medida que apontam para um cristianismo que não se reduz a
experiências egoístas de consolo e acomodação, mas a atitudes concretas de renúncia,
conversão e partilha, as quais, são indispensáveis para de fato, as pessoas e a sociedade
em geral, superar a ambição, romper com a exploração e a injustiça, construindo
assim, o Reino de Deus.
O texto é, desde já o afirmamos, um paradigma para se entender o Evangelho
segundo Lucas, e de certo modo, a Boa Notícia de Jesus, como sendo uma proposta
fundamentada em atitudes concretas na história humana. Por isso, apresentamos o v.
3a: “Procurava ver quem é Jesus”, como o ponto de partida de um processo de
libertação do mau uso de dinheiro. Sem esse processo, não é possível uma conversão
concreta.
A libertação de Zaqueu poderia ser resultado tão simplesmente do esforço
humano, caso considerássemos apenas sua busca, no entanto, para não contradizer a
própria perícope e não cair em problema teológico tão grave, vamos salientar ao longo
da reflexão a missão de Jesus, que na própria perícope é ressaltada: “veio para
procurar e salvar o que estava perdido” (cf. v. 10b).
Para nós, a atitude de Zaqueu de procurar ver quem é Jesus, não era uma ação
momentânea, o que demonstraremos, sobretudo pela constatação de que o verbo grego,
correspondente a “procurava”, se encontra num tempo e modo que indicam uma
atitude repetida, freqüente.
11
A perícope como um todo nos faz identificar com mais clareza, as diversas
ações que mostram a conversão de Zaqueu e alguns aspectos importantes da mesma. É
significativo a apresentação de 10 verbos para os 10 versículos que compõem a
perícope. Através deles, obtemos o quadro completo do texto, ou das ações que
sucedem com uma finalidade específica: “salvar o que estava perdido”, frase pela qual
Jesus costumava resumir sua missão.
Para alcançar o objetivo, nossa metodologia será baseada na elaboração de
análise exegética, a partir de leitura minuciosa e detalhada do texto grego, no estudo
do contexto literário e histórico do Evangelho segundo Lucas e de análise lingüística
do texto, decodificando expressões e, procurando assim, encontrar o significado mais
exato das expressões que formam a narração.
No primeiro capítulo, apresentaremos o texto segmentando e o delimitaremos,
para em seguida, fazermos sua decodificação de acordo com o aparato crítico do
Novum Testamentum Graece de Nestle-Aland, 27ª. edição. Apresentaremos o estudo
do vocabulário, uma proposta de estruturação do texto e tradução do mesmo.
No segundo capítulo, trataremos do contexto literário, mostrando a localização
da perícope no conjunto da obra de Lucas, situando assim, o escopo (tese do autor), o
seu plano e os contextos próximo e remoto. No mesmo capítulo, apresentaremos o
contexto histórico, considerando o contexto helenístico e romano que marcam de
forma evidente os escritos do NT, e de modo especial, a obra de Lucas. Neste sentido,
será necessário apresentar algumas informações sobre o contexto social, político e
econômico, ressaltando a vida cosmopolita e a administração romana. Em seguida,
enfatizaremos a influência do gnosticismo, que, o demonstraremos, influencia também
12
a comunidade de Lucas, à medida que, através de seu sistema de pensamento, reduzia
a salvação a uma questão de conhecimento interior reservado a uns poucos. Por
último, restringindo-nos ao contexto específico de Lucas e da perícope, refletiremos
sobre a questão do dinheiro no próprio Evangelho, o que nos oferece o quadro
completo para entender melhor a perícope.
No terceiro e último capítulo, iremos analisar o texto, sobretudo o v. 3a,
ressaltando os verbos gregos correspondentes a “procurava” e “ver”, o pronome
“quem” e em seguida, uma comparação do “procurava ver quem é Jesus” em Lucas
com o “queremos ver Jesus” em João 12, 20-21.
Ainda na análise do texto, procuraremos decodificar as expressões mais
significativas, principalmente o conjunto de verbos que expressam, na verdade, todo o
desenvolvimento do processo de procura de Zaqueu por Jesus e de Jesus por Zaqueu.
Mostraremos que o processo terá o seu ápice, na conversão de Zaqueu, que assim,
encontra a salvação oferecida por Jesus.
Para chegar ao texto desta dissertação, recorremos a diversos auxílios
bibliográficos, a serem relacionados na bibliografia, o que faremos, separando a
relação de Bíblias, Documentos da Igreja, Dicionários e Gramáticas, livros de Exegese
e Metodologia, Sinopse, Comentários Bíblicos, artigos de Revistas e livros temáticos
em geral. Alguns deles serão de muita utilidade, à medida que nos oferecem inúmeros
dados, traduções, estatísticas e comentários sobre o Evangelho segundo Lucas.
Do material acima citado, alguns são parte de pequena biblioteca pessoal,
outros, os encontramos em bibliotecas da grande São Paulo, tais como a Biblioteca de
Teologia da Pontifícia Faculdade Nossa Senhora da Assunção, no Ipiranga, dos
13
Dominicanos em Perdizes, da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, em São
Bernardo do Campo.
A título de exemplo, podemos mencionar alguns dos auxílios mais usados.
Dentre as Bíblias, nosso auxílio primeiro foi a Bíblia Sacra - Utriusque Testamenti,
Editio Hebraica et Graeca, de Nestle-Aland, 27ª. edição. As traduções, tais como
Bíblia de Jerusalém e Bíblia do Peregrino, foram usadas para comparar traduções.
Procuraremos citar os textos em grego e apresentar a tradução pessoal.
Quanto aos Dicionários e Gramáticas, entre outros, será de grande auxílio o
Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, de Lothar Coenen e Colin
Brown e o Dicionário Bíblico de Jonh L. Mckenzie. Para o grego, faremos uso do
Dicionário do Grego do Novo Testamento, de Carlo Rusconi.
Em termos de Exegese e Metodologia, usaremos a obra de Cássio Murilo Dias
da Silva:
Metodologia de Exegese Bíblica; de Uwe Wegner: Exegese do Novo
Testamento e a obra de Udo Schnelle: Introdução à Exegese do Novo Testamento.
Dentre os Comentários bíblicos, usaremos a obra de Russel Normann
Champlin: O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo; a obra publicada
em espanhol por direção de
William R. Farmer, Armando J. Levoratti, Sean
McEvenue e David L. Dungan: Comentario Bíblico Internacional: Comentario católico
y ecumênico para el siglo XXI e duas obras em inglês, a primeira de Bruce M.
Metzger: A Textual Comentary on Greek New Testament e a segunda, de diversos
autores, entre eles Wilfrid J. Harrington: A New Catholic Commentary on Holy
Scripture.
14
Faremos uso de Revistas, tais como Ribla, Reseña Bíblica, Cultura teológica, e
seus respectivos artigos.
Quanto aos livros em geral, podemos destacar os que serão mais usados:
Fitzmyer, J. A. El Evangelio según Lucas, quatro volumes; Joseph Rius-Camps: O
Evangelio de Lucas, Wilfrid J. Harrington: El evangelio según san Lucas; Helmut
Koester: Introdução ao Novo Testamento, volumes I e II, Werner Georg Kummel:
Introdução ao Novo Testamento; Eduard Lohse: Contexto e ambiente do Novo
Testamento, Walter Morgenthaler: Statistik des Neutestamentlichen Wortschatzes;
Wilson Paroschi: Crítica textual do Novo Testamento, entre outros.
Observamos que todas as citações bíblicas serão citadas entre aspas, como
orienta o texto de metodologia da pesquisa científica da Pontifícia Faculdade de
Teologia Nossa Senhora da Assunção, mas como, por muitas vezes citaremos o texto
bíblico em grego, a tradução será colocada entre colchetes e em itálico.
Tendo em mãos os auxílios acima citados, desenvolveremos nosso trabalho de
tal forma que ao fazermos a conclusão, poderemos mostrar que a metodologia e o tema
propostos foram seguidos e fundamentados, respectivamente.
Ressaltamos uma vez mais que o processo de libertação do mau uso do dinheiro
foi desencadeado a partir da procura por ver quem é Jesus, isto é, pela procura
prolongada da sua identidade. Esse pensamento, procuraremos fundamentar, primeiro,
a partir do próprio texto, na análise do mesmo, segundo, por uma argumentação sobre
a importância do conhecimento da Escritura, e assim, de Jesus Cristo. Isso, o faremos
na conclusão do trabalho.
15
No mais, como finalidade última de todo trabalho científico, chamaremos a
atenção para algumas implicações teológicas e propostas práticas para conhecermos a
identidade, a pessoa e o projeto de Jesus Cristo, que nos leva à libertação do mau uso
do dinheiro.
16
Capítulo I: O texto
Neste capítulo vamos examinar o texto de Lc 19,1-10 assim como se encontra
na 27ª edição do Novum Testamentum Graece de Nestlé-Aland. Apresentamos
primeiramente o texto segmentado para facilitar as citações. Em seguida procuramos
delimitar a perícope de Zaqueu para, então, fazer a crítica textual da passagem
selecionada. Obtido o texto sobre o qual vou trabalhar, passo ao estudo do vocabulário
usado por Lucas, e sua estrutura. Apresento em seguida a tradução, que é o resultado
do estudo do texto. A tradução significa como leio em vernáculo o texto estudado em
grego.
1. O texto segmentado
1 a: Kai. eivselqw.n dih,rceto th.n VIericw,Å
2 a: Kai. ivdou. avnh.r ovno,mati kalou,menoj Zakcai/oj(
b: kai. auvto.j h=n avrcitelw,nhj
c: kai. auvto.j plou,sioj\
3
a: kai. evzh,tei ivdei/n to.n VIhsou/n ti,j evstin:
b: kai. ouvk hvdu,nato avpo. tou/ o;clou(
c: o[ti th/| h`liki,a| mikro.j h=nÅ
4 a: kai. prodramw.n eivj to. e;mprosqen
b: avne,bh evpi. sukomore,an
17
c: i[na i;dh| auvto.n
d: o[ti evkei,nhj h;mellen die,rcesqaiÅ
5 a: kai. w`j h=lqen evpi. to.n to,pon(
b: avnable,yaj o` VIhsou/j ei=pen pro.j auvto,n\
c: Zakcai/e( speu,saj kata,bhqi(
d: sh,meron ga.r evn tw/| oi;kw| sou dei/ me mei/naiÅ
6
a: kai. speu,saj kate,bh
b: kai. u`pede,xato auvto.n cai,rwnÅ
7
a: kai. ivdo,ntej pa,ntej diego,gguzon le,gontej
b: o[ti para. a`martwlw/| avndri. eivsh/lqen katalu/saiÅ
8 a: staqei.j de. Zakcai/oj ei=pen pro.j to.n ku,rion\
b: ivdou. ta. h`mi,sia, mou tw/n u`parco,ntwn( ku,rie( toi/j ptwcoi/j di,dwmi(
d: kai. ei; tino,j ti evsukofa,nthsa avpodi,dwmi tetraplou/nÅ
9 a: ei=pen de. pro.j auvto.n o` VIhsou/j
b: o[ti sh,meron swthri,a tw/| oi;kw| tou,tw evge,neto(
c: kaqo,ti kai. auvto.j ui`o.j VAbraa,m evstin\
10
a: h=lqen ga.r
b: o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou
c: zhth/sai kai. sw/sai to. avpolwlo,jÅ
18
2. Delimitação
2. 1. As perícopes anterior e posterior
Na perícope anterior (Lc 18,35-43) a localização geográfica são as cercanias de
Jericó; os personagens são Jesus, a multidão, o cego, os que iam à frente e também o
povo. A perícope relata a cura do cego de Jericó, acompanhada de conversão e louvor
a Deus. Na perícope posterior (Lc 19,11-28), lemos a parábola das minas, com a qual
se concluem as etapas lucanas da subida a Jerusalém.
2. 2. A coesão da perícope de Zaqueu
A perícope de Lc 19, 1-10 é independente e coesa porque, em relação à
perícope anterior, (18, 35-43) encontramos:
a) Mudança de personagens: de “tuflo,j [cego], e “kai. pa/j o` lao.j [e, todo
o povo], (cf. 18,43) para um novo personagem: “...avnh.r ovno,mati
kalou,menoj Zakcai/oj” [...um homem chamado com o nome de Zaqueu], (cf.
2a);
b) Mudança do coletivo “kai. pa/j o` lao.j [e, todo o povo], (cf. 18, 43b) para o
particular “...avnh.r ovno,mati kalou,menoj Zakcai/oj” [...um homem chamado
com o nome de Zaqueu], (cf. 2a);
c) Na passagem da perícope sobre o cego de Jericó para a de Zaqueu também
encontramos mudança de espaço: “...eivselqw.n dih,rceto th.n VIericw
[...tendo entrado em Jericó], (cf. 1a);
19
d) A perícope tem começo, meio e fim: encontro – diálogo – conseqüência –
juízo sobre o fato;
Em relação à perícope posterior (Lc 19,11-28), a mudança de assunto é
evidente, uma vez que se passa da narrativa do encontro entre Jesus e Zaqueu para
uma parábola. A parábola em si parece tratar de outro assunto, embora, tematicamente,
tenha relação com a perícope de Zaqueu. De fato, percebe-se ainda a insistência do
autor em expor a misericórdia de Deus que em Jesus veio salvar a todos, e de modo
especial os pecadores, aos quais, cabe a conversão para a participação no Reino. A
parábola das minas reforça o tema da salvação daqueles que acolhem Jesus e sabem
administrar os bens temporais.
2. 3. Testemunhos da coesão da perícope
Vários exegetas apresentam a perícope de forma independente. Ao dividir o
conteúdo do Evangelho segundo Lucas em cinco partes, Kummel
1
inclui a perícope de
Zaqueu na quarta parte, denominada “retomada da jornada para Jerusalém”. O referido
autor afirma: “De outra tradição
2
procedem a história de Zaqueu (19, 1-10) e a
parábola das minas (19, 11-27)”
3
.
Ao comentar o Evangelho em questão, Fabris
4
trata a perícope de forma
exclusiva, colocando um tema substancial para a mesma, a saber, o encontro salvífico
1
KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento. 17.ed. São Paulo: Paulinas, 1982, p. 151 - 155.
2
Pelo “de outra tradição” se entende uma tradição diferente de Mt e Mc, à qual Lc recorre quando não apresenta
seu próprio material, tal como acontece quase que exclusivamente na referida quarta parte principal (13, 31-19,
27).
3
KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento..., p. 155-156.
4
FABRIS, R. O Evangelho de Lucas. In BARBAGLIO, G. FABRIS, R., MAGGIONI, B. Os Evangelhos II.
2.ed. São Paulo: Loyola, 1994, p. 179-247.
20
com um pecador, Zaqueu. O referido autor comenta: “A conversão de Zaqueu em
Jericó é o último episódio da viagem de Jesus a Jerusalém”
5
.
Também Algisi
6
, ao elaborar o esquema do Evangelho segundo Lucas, dividiu a
viagem a Jerusalém (9, 51-19, 28) em quatro seções, e ao comentar a quarta seção
afirma que: “encerram a seção dois trechos lucanos: o episódio de Zaqueu (19, 1-10) e
a parábola das minas (19, 11-27)”
7
. O exegeta trata, pois, a perícope como sendo um
episódio separado, independente.
Schökel
8
também apresenta o texto como sendo um relato independente.
Primeiramente afirma que 18, 35-43 e 19, 1-10 são dois episódios diferentes em
Jericó: o cego que reconhece o Messias e o rico que se converte
9
.
Outro autor, que separa a história de Zaqueu da perícope anterior e posterior, é
Kodell
10
. Ele diz textualmente: “A história de Zaqueu é exclusiva do evangelho de
Lucas. Sintetiza dramaticamente alguns temas importantes do discipulado, quando
Jesus se aproxima de Jerusalém”
11
;
Em seu comentário exegético, Tuya
12
, trata o encontro de Jesus e Zaqueu como
sendo uma cena separada, a qual, tem por tema central a misericórdia de Deus
manifestada em Jesus Cristo
13
. Deste modo, separa-a tanto da perícope anterior sobre o
cego de Jericó (18, 35-43) como da posterior, a parábola das minas (19, 11-28);
5
FABRIS, R. Os Evangelhos..., p. 182.
6
ALGISI, L. O evangelho de São Lucas. In BALLARINI, T., O.F.M. Introdução à Bíblia: Os evangelhos.
Petrópolis: Vozes, 1972, p. 237-293.
7
ALGISI, L. Introdução à Bíblia..., p. 252.
8
Cf. BÍBLIA DO PEREGRINO, ad (19, 1-10).
9
Cf. BÍBLIA DO PEREGRINO, ad (18, 35), nota.
10
KODELL, J. Lucas. In BERGANT, D., CSA & BARRIS, R. J., OFM (org.). Comentário Bíblico. Vol. III.
3.ed. São Paulo: Loyola, 2001. p. 73-108.
11
KODELL, J. Lucas..., p. 100.
12
TUYA, M. de. Bíblia comentada - Evangelios, Vol. Vb. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, de Edica,
S. A., 1967, p. 235.
13
TUYA, M. de. Bíblia Comentada..., p. 186.
21
Harrington
14
apresenta a perícope como independente e sintetiza de forma
objetiva a exclusividade lucana da perícope: “19, 1 - 10: Zaqueu – próprio de Lc”
15
.
Também Abogunrin
16
se refere ao texto como sendo um novo episódio
posterior ao do cego de Jericó. Primeiramente destaca o fato de Jesus se hospedar na
casa de Zaqueu
17
e em seguida considera o relato como preparação para a entrada de
Jesus em Jerusalém; relaciona, porém, Zaqueu com o cego de Jericó da perícope
anterior. (18, 35-43)
18
;
Cabe citar ainda Lagrange
19
. O exegeta também trata a passagem como um
episódio à parte. Logo no início do comentário à passagem ele deixa claro que se trata
de um outro episódio.
20
.
3. Crítica textual
A crítica textual propriamente dita é feita por especialistas. Neste trabalho
apresento decodificado o que se encontra no aparato crítico da 27ª edição do Novum
Testamentum Graece de Nestle-Aland, procurando ver se há problemas no texto que
pudessem influenciar a interpretação.
14
HARRINGTON, W. A New Catholic Commentary on Holy Scripture: St. Luke. New York: Thomas Nelson
Publishers, 1984, p. 986-1021.
15
19: 1 – 10 Zacchaeus – Proper to Lk”, cf. HARRINGTON, W. A New Catholic Commentary…, p. 1014.
16
ABOGUNRIN, S. O. Lucas. In Comentario Bíblico Internacional: Comentario católico y ecumênico para el
siglo XXI. Estella (Navarra): Verbo Divino, 1999, p. 1245-1307.
17
ABOGUNRIN, S. O. Lucas. In Comentario Bíblico Internacional...,p. 1291.
18
“Este relato comienza a preparar la entrada de Jesús em Jerusalén, el lugar de su destino desde que comenzó
su viaje em Lc 9, 51. El personage principal de este relato es Zaqueo, um jefe de recaudadores de impuestos.
También él quería encontrar-se com Jesús, como el ciego Del episodio anterior”, Cf. ABOGUNRIN, S. O.
Lucas..., p. 1291.
19
LAGRANGE, J. Evangile selon Saint Luc. Paris: J. Gabalda, 1948. (Etudes bibliques).
20
LAGRANGE, J. Evangile selon Saint Luc..., p. 487.
22
3. 1. Variantes do v. 2
Kai. ivdou. avnh.r ovno,mati º kalou,menoj Zakcai/oj( kai. auvto.j Ý h=n avrcitelw,nhj à
kai. auvto.j¬ plou,sioj¬\
O vocábulo kalou,menoj é omitido pelo Códice de Beza (Maiúsculo D), do séc.
V, arquivado na biblioteca de Cambridge; pelo Minúsculo 892, códice do séc. IX,
arquivado na biblioteca de Londres; pelo Minúsculo 1241, códice do séc. XII, que se
encontra no Sinai; pela Vulgata e alguns manuscritos da Vetus Latina; por um
manuscrito da versão copta saídica; e por alguns testemunhos da versão copta no
dialeto boárico.
Sem o kalou,menoj a tradução de 2a ficaria: “eis que um homem com o nome
Zaqueu...”, o que não altera o conteúdo.
Em 2b: “h=n avrcitelw,nhj kai. auvto.j plou,sioj” sofre as seguintes alterações:
a) A Uncial Ψ, do século IX/X substitui a frase por a;rcwn th/j sunagwgh/j
u`ph/rcen, o que significa “e ele era o chefe da sinagoga.
Em Lucas há uma variante que se refere ao chefe de sinagoga. Trata-se da
figura de Jairo, como lemos em 8, 41: “kai. ivdou. h=lqen avnh.r w-| o;noma VIa,i?roj kai. ou-
toj a;rcwn th/j sunagwgh/j u`ph/rcen...” [e eis que chegou um homem de nome Jairro
que era chefe da sinagoga...].
Caso a variante acima fosse aceita como a mais original, alteraria
significativamente o conteúdo e abriria campo para novos e polêmicos debates, pois
como é sabido, houve grandes controvérsias envolvendo os primeiros cristãos e a
Sinagoga. Preferimos, no entanto, seguir o texto de Nestle-Aland, o que se justifica
pelo fato da variante em questão provir de uma Uncial consideravelmente tardia.
23
b) kai. auvto.j, pode ser substituído por kai. auvto.j h=n (e ele era), o que é
testemunhado pela Uncial Θ, do século IX, por alguns manuscritos latinos.
Kai. auvto.j, também pode ser substituído por kai. ουvto.j h=n
(e este aqui era). Tal
substituição é testemunhada pelo Códice Alexandrino (A), do séc. V; pelo códice W,
do séc. IV/V, e ainda pelo códice latino f, do séc. VI.
E ainda, kai. auvto.j pode ser substituído por kai.
h=n (e era). Isso é testemunhado
pelo Códice Sinaítico (
א) do séc. IV, pelos Códices Gregos N, do séc. VI, L, do séc.
VIII/IX, e pelos Minúsculos 892, do séc. IX, e 1241; do séc. XII, e pela versão copta
boráica.
O texto proposto por Nestle-Aland é testemunhado pelos seguintes manuscritos:
Códice Vaticano (B), datado do Séc. IV, na biblioteca do Vaticano em Roma; Códice
K, séc. IX; Códice T, séc. V; por manuscritos da família minúsculo f ¹, ou seja, os
minúsculos 1, 118, 131, 209, 1582, etc.; Manuscritos da família f ¹³, ou seja, 13, 69,
124, 174, 230, 346, 543, 788, 826, 828, 983, 1689, 1709, etc.; pelos minúsculos 579,
séc. XIII, e 2542, também séc. XIII.
3. 2. Variantes do v. 4
Kai. Ýprodramw.n èeivj to. é e;mprosqen avne,bh evpi. sukomore,an i[na i;dh| auvto.n
o[ti evkei,nhj h;mellen die,rcesqaiÅ
A palavra prodramw.n é substituída por prosdramw.n nos Códices Gregos L, do
séc. VIII; T , do séc. V; W, do séc. IV/V; Γ, do séc. X; Ψ, do séc. IX/X e pelo
minúsculo 2542, do séc. XIII. Também pelo Lecionário 844, do ano 861/862; por
24
prosdramòn, nas Unciais 579, do séc. XIII; 1424, do séc. IX/X e, além dos
mencionados, nos manuscritos que divergem do Texto Majoritário e Códice latino q,
do séc. VI/VII; por prolabw.n, substituição atestada pela Uncial D, isto é, pelo Códice
de Beza, séc. V
21
.
O texto proposto por Nestle-Aland é testemunhado pelo Códice Grego Sinaítico
(א), do séc. IV; pelo Alexandrino (A), do séc. V; pelo Vaticano (B), do séc. IV; K,
séc. IX; por Q, do séc. V; por Δ, do séc. IX, por Θ, também do séc. IX. Pelos
manuscritos da família minúsculo f ¹, ou seja, os minúsculos 1, 118, 131, 209, 1582,
etc., pelos manuscritos da família f ¹³, ou seja, 13, 69, 124, 174, 230, 346, 543, 788,
826, 828, 983, 1689, 1709, etc., e ainda pelos minúsculos 565, 13. IX; 700, do séc.
XI; pelo 892, do séc. IX; pelo 1241, do séc. XII e por textos pertencentes ao Texto
Majoritário.
A expressão eivj to. é omitida pelos seguintes manuscritos: pelas unciais A, isto
é, Códice Alexandrino, do séc. V; pelo Códice de Beza (D), séc. V; por W, do séc.
IV/V; por Ψ, do séc. IX/X e pelos manuscritos da família minúsculo f ¹, ou seja, os
minúsculos 1, 118, 131, 209, 1582, etc.; por manuscritos da família f ¹³, isto é, 13, 69,
124, 174, 230, 346, 543, 788, 826, 828, 983, 1689, 1709, etc., e ainda pelo Texto
Majoritário e pela versão siríaca curetoniana e herocleana.
O texto de Nestle-Aland é atestado pelo Códice Grego Sinaítico (
א), do séc. IV;
o Vaticano (B), do séc. IV; L, do séc. VIII; T , do séc. V; Θ, este do séc. IX. Os
21
A substituição de prodramw.n por prosdramw.n ou por prosdramòn, certamente é conseqüência da confusão
entre o verbo protre,cw, correr adiante, correr à frente, e o verbo prostre,cw, correr atrás, acorrer. A diferença na
escrita grega é mínima, no entanto, o significado é simplesmente contrário. Uma substituição proposital, para
dizer que Zaqueu correu atrás de Jesus, talvez querendo expressar o atraso na caminhada de fé, é improvável,
pois não combina com o restante do texto.
25
minúsculos 892, do séc. IX; 1241, do séc. XII; 2542, do séc. XIII. Também poucos
manuscritos que divergem do texto Majoritário, a saber, por manuscrito latino avulso
(a), do séc. IV, e versão siríaca sinaítica.
3. 3. Variantes do v. 5
Kai. äw`j h=lqen evpi. to.n to,pon( avnable,yaj êo` VIhsou/jå Þei=pen pro.j auvto,n\
Zakcai/e( Ýspeu,saj kata,bhqi( sh,meron ga.r evn tw/| oi;kw| sou dei/ me mei/naiÅ
A citação w`j h=lqen evpi. to.n to,pon( avnable,yaj o` VIhsou/j, é substituída por
evge,neto evn tw/
| die,rcesqai, o que é atestado pelo Códice de Beza (D), do, séc. V; e pela
maioria dos manuscritos latinos antigos.
O artigo o`, que vem antes de VIhsou/j é omitido pelo Códice Vaticano (B), do
séc. IV e por T , do séc. V. Entre VIhsou/j e ei=pen há inserção de palavras (ei=den auvto.n
kai.), o que é atestado pelos Códices Gregos Alexandrino (A), do séc. V, porém, as
palavras em questão são transpostas para outro lugar em D, isto é, em Códice de Beza,
séc. V; por W, do séc. IV/V e por Ψ, do séc. IX/X.
Os manuscritos que apóiam o texto de Nestle-Aland são os Códices Gregos
Sinaítico (א), do séc. IV; o Vaticano (B), do séc. IV; o L, do séc. VIII; T , do séc. V; o
Θ, séc. IX; os manuscritos da família minúsculo f ¹, ou seja, os minúsculos 1, 118,
131, 209, 1582, etc.; os minúsculos 579, séc. XIII, 1241, do séc. XII; 2542, séc. XIII. e
ainda poucos outros manuscritos que divergem do Texto Majoritário, entre eles,
versão siríaca sinaítica, curetoniana e peshita e por todos os manuscritos da versão
copta.
26
O vocábulo speu,saj seria substituído por speu,son, o que é testemunhado pelo
Códice de Beza (D), séc. V.
3. 4. Variante do v. 7
Kai. ivdo,ntej pa,ntej diego,gguzon êle,gontej o[ti para. a`martwlw/| avndri.
eivsh/lqen katalu/saiÅ
O vocábulo le,gontej, é omitido pelos seguintes manuscritos: Códice de Beza
(D), séc. V; pela maioria dos latinos antigos, pela versão siríaca curetoniana e por um
manuscrito da versão copta saídica.
3. 5. Variantes do v. 8
Staqei.j de. Þ Zakcai/oj ei=pen pro.j to.n ku,rion\ ivdou. ta. Ý h`mi,sia, mou tw/n
u`parco,ntwn( ku,rie( ätoi/j ptwcoi/j di,dwmiå( kai. ei; tino,j ti evsukofa,nthsa avpodi,dwmi
tetraplou/na
Os Códices Gregos Sinaítico (
א), do séc. IV, o Códice de Beza (D), séc. V,
família do minúsculo f ¹, minúsculo 2542, séc. XIII, atestam que há inclusão de o` entre
de. e Zakcai/oj.
Há substituição simples do vocábulo h`mi,sia, , assumido por Nestle-Aland nesta
edição por:
a) Vocábulo h`mi,sh, , o que é atestado pelo Códice de Beza (D²)
22
, do séc. V. Tal
substituição também é atestada pela uncia Ψ, do séc. IX/X e pelos manuscritos da
família minúsculo f ¹, ou seja, os minúsculos 1, 118, 131, 209, 1582, etc.; Manuscritos
22
D² significa que há diferentes corretores dos manuscritos, no caso, leitura do segundo corretor (D²).
27
da família f ¹³, ou seja, 13, 69, 124, 174, 230, 346, 543, 788, 826, 828, 983, 1689,
1709, etc. e ainda por Clemente de Alexandria, séc. II. Essa era a leitura assumida por
Nestle-Aland em edições anteriores.
b) Vocábulo h`mi,su , o que é atestado pelo Códice Alexandrino (A), do séc. V;
pelo Códice W, do séc. IV/V; porém, neste caso, o manuscrito acrescenta o artigo
neutro tó, antes de h`mi,su. Também pela uncial Δ, séc. IX, minúsculo 1241, do séc.
XII, pelo Lecionário 844, do ano 861/862.
A opção de Nestle-Aland é atestada pelo Códice Grego Sinaítico (א), do séc. IV;
pelo Vaticano (B)
23
, do séc. IV. Pelo Códice L, do séc. VIII; por Q, do séc. V; por Θ,
do séc. IX.
Há uma substituição maior de toi/j ptwcoi/j di,dwmi por:
a) Ptwcoi/j di,dwmi, o que é subentendido pelos números arábicos em itálico (2
3). A substituição é atestada pelo Códice Vaticano (B), séc. IV. Porém, o enunciado
ptwcoi/j di,dwmi é transposto para outro lugar no minúsculo 1424, do séc. IX/X.
b) Por di,dwmi toi/j ptwcoi/j, o que é testemunhado pelo Códice Alexandrino
(A), do séc. V; pelo Códice W, do séc. IV/V; família do manuscrito f¹³, do séc. IX,
pelo Texto Majoritário, séc. IV em diante, pais da Igreja: Irineu, tradução latina.
A opção de Nestle-Aland é atestada por Códice Grego Sinaítico (א), do séc. IV;
pelo Códice de Beza (D), séc. V; pelo Códice L, do séc. VIII; pelo Códice Q, do séc.
V; pelo Códice Θ, do séc. IX; pelo Códice Ψ, do séc. IX/X; manuscritos da família
minúsculo f ¹, ou seja, os minúsculos 1, 118, 131, 209, 1582, etc.; pelo Minúsculo 33,
séc. IX; pelo Minúsculo 892, do séc. IX; pelo Lecionário 844, do ano 861/862.
23
Quer dizer, pelo primeiro corretor (B¹).
28
3. 6. Variantes do v. 9
Ei=pen de. pro.j auvto.n êo` VIhsou/j o[ti sh,meron swthri,a Þtw/| oi;kw| tou,tw|
evge,neto( kaqo,ti kai. auvto.j ui`o.j VAbraa,m ê¹evstin\
O artigo o` é omitido pelo Códice Vaticano (B), do séc. IV.
A preposição evn é incluída pelo Códice Alexandrino (A), do séc. V; pelo Códice
de Beza (D), séc. V; também pela versão siriáca sinaítica e curetoniana, séc. II/III até
séc. VII; por vários manuscritos da versão copta saídica e por parte dos manuscritos da
versão copta boáirica.
Há ainda no versículo em questão, uma segunda omissão, sinalizada por ê¹ e
refere-se ao verbo evstin. A omissão está no Códice Grego Sinaítico ( א ), do séc. IV,
sendo esta, a leitura do copista original do manuscrito (*). Também pelo Códice L, do
séc. VIII.
4. Vocabulário
O vocabulário de Lucas é muito peculiar. Apresentamos a seguir, os dados que
comprovam tal peculiaridade.
No texto em estudo, isto é, na perícope de Zaqueu (Lc 19, 1-10), encontramos
várias palavras que expressam de fato, o vocabulário característico de Lucas. Dentre
outras podemos exemplificar, citando: plou,sioj, die,rcomai, avnh,r, oi=koj, ku,rioj e
swthri,a.
29
Alguns autores sustentam que o Evangelho segundo Lucas é o único que já
começa com um período (introdução inicial) marcado por excelente relação com o
modo grego de escrever
24
, uma vez que o prólogo corresponde aos encabeçamentos
usuais desta classe de obras na literatura grega contemporânea. No NT somente a carta
aos Hebreus possui um prólogo (1, 1-4) comparável com o estilo encontrado no
prólogo lucano.
Para se ter uma idéia do vocabulário de Lucas é importante relatar que em sua
narração evangélica encontramos 2055 palavras, das quais 971 são hapáx legômena
25
,
isto é, não aparecem mais que uma vez
26
.
A peculiaridade do vocabulário de Lucas é ressaltada por Hawkins, que
apresenta uma lista de palavras e expressões que caracterizam cada um dos três autores
sinóticos. Na relação, Lucas é o autor que tem o maior número das expressões: 151.
Em Mateus encontramos 95; em Marcos 41 expressões
27
.
Há 151 expressões propriamente lucanas, destas, 10 são encontradas na
perícope de Zaqueu (Lc 19, 1-10). São elas: plou,sioj (rico, 11)
28
; dih,rceto, die,rcomai
(atravessar, 10); kalou,menoj (chamado, 11); avpodi,dwmi (entregar, devolver, 5); cai,rwn,
cai,rw (alegrar-se, sentir alegria, 12); avnh.r, avnh,r (homem, varão, 27); ovno,mati, o;noma
24
Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I. Madrid: Cristandad, 2005, p. 186.
25
O livro dos Atos dos Apóstolos não foge à regra, pois possui 2038 palavras, sendo que 943 também são Hapáx
legômena.
26
Cf. estatísticas elaboradas por MORGENTHALER, R. Statistik des Neutestamentlichen Wortschatzes.
Frankurt: Maine-Zurich, 1958.
27
Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 187.
28
O número entre parênteses se refere à quantidade de vezes em que o termo aparece no Evangelho segundo
Lucas.
30
(por nome, 7); oi;kw|, oi=koj (casa, habitação, 33); ku,rion( ku,rioj, (Senhor, aplicado a
Jesus 13 vezes, mas no geral, 103); swthri,a, swthri,a (salvação, 4)
29
.
4. 1. Verbos
Em Lc 19, 1-10 há 42 verbos, sendo 29, diferentes. A proporção entre
quantidade de texto e verbos nos faz perceber que a cena é fortemente marcada pela
ação e o texto, isto é, pela objetividade.
Apresentamos a relação dos verbos, significado e freqüência na perícope, no
Evangelho segundo Lucas e no NT
30
. No caso de alguns verbos, incluímos breve
comentário, por entendermos que são mais significativos para a compreensão da
perícope. E ainda, dada a importância dos verbos nesta perícope, daremos mais ênfase
aos mesmos, sinalizando por exemplo, a localização de cada verbo na perícope.
Avnable,yaj (part. aoristo, voz ativa), avnable,pw, olhar para cima. Na perícope,
1vez; no Ev. segundo Lc, 07 vezes; no NT, 25 vezes.
O verbo aparece no v. 5b e foi traduzido por tendo olhado para cima.
Nas passagens onde aparece no Evangelho segundo Lucas, sempre há a idéia de
olhar para o alto, para cima, como podemos constatar em 9, 16 e 21, 1. Mas o que
mais chama a atenção é que no NT, o referido verbo, com freqüência, é usado para se
referir a ações de Jesus (cf. Lc 9, 16; 19, 5; 21, 1; Mt 14, 19; Mc 6, 41 e 7, 34). A
única exceção é Mc 8, 24, quando o cego começa a enxergar.
29
Estes e outros detalhes sobre o vocabulário peculiar de Lucas podem ser conferidos em MORGENTHALER,
R. Statistik des Neutestamentlichen Wortschatzes..., p. 181.
30
Salvo as exceções relacionadas, a freqüência dos verbos tanto no Evangelho segundo Lucas como no NT, será
relacionada conforme estatística de MORGENTHALER, R. Statistik des Neutestamentlichen Wortschatzes....
31
Avne,bh (Ind. aoristo, voz ativa), avnabai,nw, subir. Na perícope, 1 vez; no Ev.
segundo Lc, 09 vezes; no NT, 81 vezes.
O verbo aparece no v. 4b, e foi traduzido por subiu.
A idéia que o verbo avnabai,nw, a princípio transmite, é subir no sentido de ir de
um lugar mais baixo para outro mais alto, como José que sobe da Galiléia à cidade de
Davi (cf. Lc 2, 4). Mas o sentido do verbo possui traços sempre mais significativos,
pois temos: subir ao monte para orar (cf. Lc 9, 28); subir ao templo para orar (Cf. Lc
18, 10); a idéia de subir para a festa da Páscoa em Jerusalém (cf. Lc 2, 42), e,
finalmente, em Lc 24, 38, um enigmático questionamento de Jesus na aparição aos
apóstolos: “ti, tetaragme,noi evste. kai. dia. ti, dialogismoi. avnabai,nousin evn th/| kardi,a|
u`mw/n”, [por que perturbados estais e com tais pensamentos subindo em vossos
corações?]. E segue o verbo o`ra,w, [ver], por sinal, duas vezes usado pelo evangelista
para expressar as palavras de Jesus aos apóstolos: “i;dete ta.j cei/ra,j mou kai. tou.j
po,daj mou o[ti evgw, eivmi auvto,j\ yhlafh,sate, me kai. i;dete(...”, [vede minhas mãos e
meus pés, sou eu! toque-me e vede...], (Lc 24, 39).
Considerando o NT, o verbo é usado em passagens por demais significativas.
No caso do Evangelho segundo João, encontramos avnabai,nw em passagens que se
referem ao subir ao templo (7, 14); à afirmação de Jesus sobre o fato de ainda não ter
chegado e completado o seu tempo (7, 6; 7, 8); que se referem à subida do Filho do
Homem para onde estava antes (cf. Jo 6, 62), e assim por adiante.
32
Avpodi,dwmi (pres. ind., voz ativa), avpodi,dwmi, devolver. Na perícope, 1 vez; no
Ev. segundo Lc, 04 vezes; no NT, 19 vezes
31
.
Na perícope aparece em 8d, e a tradução, conforme pres. do ind. é devolvo.
O referido verbo, por vezes também é usado no sentido de retribuir ou
recompensar, caso de Lc 9,42 e 12, 59. Em algumas passagens do NT, deixa
transparecer a idéia de dar fruto, como se percebe em Ap 22, 2. Contudo, o significado
fundamental, é mesmo o de devolver.
Apolwlo,j (part. perf., voz ativa), avpo,llumi, perder. Na perícope, 1 vez; no Ev.
segundo Lc, 27 vezes; no NT, 90 vezes.
Na perícope, o verbo aparece em 10c e deve ser traduzido por estava perdido.
O que nos chama a atenção é o uso do verbo no próprio Evangelho segundo
Lucas, pois, além da passagem conclusiva da perícope, avpo,llumi também é usado com
ênfase nas parábolas da ovelha perdida (15, 4. 6), da dracma perdida (15, 8. 9) e do
filho perdido (15, 26. 32). Nota-se o uso duas vezes em cada parábola.
Dei/ (pres. ind., voz ativa), dei/, é necessário. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo
Lc, 11 vezes; no NT, 41 vezes.
O verbo dei, aparece em 5d, e, como está no pres. ind., deve ser traduzido por é
necessário.
Segundo Fitzmyer
32
, o referido verbo tem grande importância na composição,
tanto do evangelho como do livro dos Atos dos Apóstolos. À primeira vista parece
simples, mas a partir dele, podemos perceber que a palavra e ação de Jesus obedecem
a uma necessidade de que o plano de Deus alcance seu cumprimento. Isso é
31
Cf. GINGRICH, F. W. & DANKER, F. W. Léxico do Novo Testamento Grego/Português. São Paulo: Vida
Nova, 2004, p. 29.
32
Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…, Vol. I, p. 301.
33
claramente expresso pelo fato de se tratar de um verbo impessoal e em sentido
absoluto. Seu importante significado na composição lucana pode ainda ser notado pela
constatação de que a expressão aparece esporadicamente em Marcos (8, 31), e em
Mateus (16, 21), mas com frequência na obra Lucana
33
.
Di,dwmi (pres. ind., voz ativa), di,dwmi, dar. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo
Lc, 60 vezes; no NT, 416 vezes. O referido verbo só é usado mais vezes do que Lucas,
pelo evangelista João, onde aparece 76 vezes.
Na perícope, o verbo aparece em 8b. É preciso considerar o que segue para uma
tradução mais coerente.
O verbo di,dwmi encontra-se na 1ª. p. do presente do indicativo
34
: dou. Fitzmyer
salienta que o tempo presente deve ser interpretado em sentido “interativo”, como
expressão de um costume (cf. Lc 18, 12), pois não há nenhum motivo que obrigue a
entendê-lo em sentido de futuro
35
.
Diante do que foi exposto, optamos por traduzir di,dwmi, por dou.
Diego,gguzon (Ind. imp., voz ativa), diagoggu,zw, murmurar. Na perícope, 1 vez;
no Ev. segundo Lc, 02 vezes; no NT, nenhuma vez.
Na perícope, o verbo aparece em 7a, e como se encontra no ind. imp.
traduzimos por murmuravam.
33
Lc 2, 49; 4, 43; 9, 22; 13, 33; 17, 25; 19, 5; 21, 9; 22, 37; 24, 7. 26. 44; At 1. 16. 21; 3, 21; 4, 12; 5, 29; 9, 6.
16; 14, 22; 15, 5; 16, 30; 17, 3; 19, 21; 20, 35; 23, 11; 24, 19; 25, 10; 27, 24. Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio
según Lucas…, Vol. I, p. 301
34
Há muitas discussões sobre o fato da ação de Zaqueu ser no presente ou para o futuro. Um exemplo disso é a
interpretação de ZERWICK, M. & GROSVENOR, M. A Grammatical Analysis Analysis of the Greek New
Testament. 4 ed. Roma: Editrice Pontifício Istituto Biblico, 1993, p.257, a qual, se contradiz com a opção
seguinte de Fitzmayer.
35
Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…, Vol. IV, p. 64.
34
A exclusividade do Evangelho segundo Lucas em usar o verbo diagoggu,zw,
expressa sua importância e significado. De forma muita clara, percebemos que se
refere a uma murmuração contínua dos fariseus.
Em Lc 15, 2 e 19, 7, o verbo é realmente diagoggu,zw, e ainda em 5, 30,
encontramos o verbo goggu,zw, também no ind. imp.: evgo,gguzon, que tem o significado
de murmurar, de resmungar. O fato de o verbo aparecer no imperfeito do indicativo
ativo: diego,gguzon, murmuravam, comprova o aspecto durativo da ação. Na análise, a
murmuração vai se direcionando pouco a pouco a Jesus, até atingi-lo diretamente.
Dih,rceto (Ind. imp., voz média ou passiva), die,rcomai, atravessar. Na perícope,
2 vezes; no Ev. segundo Lc, 10 vezes; no NT, 42 vezes.
Na primeira vez em que aparece, no v. 1a, dih,rceto, deve ser traduzido por
atravessava (Ind. imp.), mas no v. 4d, como está no presente do infinivo, voz média ou
passiva, isto é, die,rcesqai, há necessidade de ver contexto. Por isso, traduzimos por
passar.
Além das 10 vezes em que emprega o verbo die,rcomai no escrito evangélico,
Lucas o repetirá mais 20 vezes nos Atos dos Apóstolos. O que nos chama a atenção,
porém, é que die,rcomai, também está no indicativo imperfeito ativo, trazendo assim, a
idéia de ação durativa
36
. Deste modo, a presença do verbo dá continuidade à idéia do
movimento que Jesus faz para Jerusalém
37
, não obstante a problemática existente na
discussão sobre a seção da viagem
38
.
36
Veja ZERWICK, M. & GROSVENOR, M. A Grammatical Analysis..., p. 257.
37
FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. IV. Madrid: Cristandad, 2005, p. 59.
38
Sobre a referida problemática, veja também: FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. III. Madrid:
Cristandad, 1986, p. 178-182.
35
Ege,neto (Ind. aoristo, voz média), gi,nomai, acontecer. Na perícope, 1 vez; no
Ev. segundo Lc, 129 vezes; no NT, 667 vezes.
Na perícope, aparece em 9b, e tem o significado de nascer, ter origem, de forma
que para o contexto, a melhor tradução seria acontece.
O verbo gi,nomai, como se percebe pelos números, é usado com muita
freqüência no NT. E Lucas, é de fato, quem mais usa o verbo. Em Atos, aparece outras
124 vezes. Todos os livros do NT tem ao menos uma citação de gi,nomai. Trata-se
então de um verbo bem comum e que Lucas o usa, sobretudo no sentido de acontecer.
Evzh,tei (Ind. imp., voz ativa), zhte,w, procurar. Na perícope, 2 vezes; no Ev.
segundo Lc, 25 vezes; no NT, 117 vezes.
Na primeira vez, no v. 3a, Evzh,tei, isto é, no imperfeito do indicativo, por isso,
traduzimos, procurava. Na segunda vez, no v. 10c, zhth/sai, infinitivo aoristo, voz
ativa, donde traduzimos por procurar.
O verbo se refere a um procurar saber em forma de inquérito, de processo, o
que combina com a idéia de ação durativa, uma vez que também se encontra no
indicativo imperfeito
39
, como veremos na análise no capítulo terceiro.
O verbo ei=pen (Ind. aoristo, voz ativa), le,gw, dizer, na perícope, aparece 4
vezes; no Ev. segundo Lc, 217 vezes; no NT, 1318 vezes.
No texto, aparece nos vs. 5b, 7a, 8a, e ainda, em 9a. Sendo que nos vs. 5b, 8a e
9a, está no ind. aoristo, voz ativa: ei=pen, traduzido por disse. Mas no v. 7a, se encontra
no part. pres., voz ativa: le,gontej, dizendo.
39
Veja ZERWICK, M. & GROSVENOR, M. A Grammatical Analysis...,p.257.
36
Trata-se de um verbo que originariamente significava “recolher”, mas neste
sentido não se encontra no NT. Através da sucessão: recolher, escolher, reunir,
elencar, contar, prestar conta, narrar, chegou ao significado de “dizer”, dominante no
NT
40
.
Eivselqw.n (part. aoristo, voz ativa), eivse,rcomai, entrar. Na perícope, 2 vezes; no
Ev. segundo Lc, 50 vezes; no NT, 192 vezes.
Na perícope, aparece no v. 1a, no part. aoristo, voz ativa, daí que traduzimos:
tendo entrado; e no v. 7b, no ind. aoristo, voz ativa: eivsh/lqen. Nesta segunda citação,
está ligado a katalu,w, hospedar-se. Daí que, para o português, traduzimos: foi
hospedar-se.
Esukofa,nthsa (ind. aoristo, voz ativa), sukofante,w, defraudar. Na perícope, 1
vez, e não aparece em nenhuma outra passagem em todo o NT.
O verbo só aparece em 8d. Para o português, a tradução é defraudei.
Tal exlcusividade da perícope em trazer o verbo sukofante,w é significativa, em
se considerando a mensagem do Evangelho segundo Lucas que trata de forma evidente
do mau uso do dinheiro, o que, normalmente, está relacionado com a extorção.
Champlin observa que defraudar significa exorbitar, determinando uma taxa
exorbitante, à base de evidências falsas
41
. Deste modo, fica mais evidente o pecado de
Zaqueu.
Hdu,nato (ind. imp., voz média ou passiva), du,namai, poder. Na perícope, 1 vez;
no Ev. segundo Lc, 26 vezes; no NT, 209 vezes.
40
RUSCONI, C. Dicionário do Grego do Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 2003, p. 284.
41
CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo. Vol. II: Lucas e João. São
Paulo: Milenium Distribuidora Cultural Ltda, 1987, p. 184.
37
O verbo se encontra no v. 3b, e foi traduzido por podia. É preciso anotar que
pode aparcer no sentido de ser capaz, estar em condições de.
Hlqen (ind. aoristo, voz ativa), e;rcomai, vir. Na perícope, 2 vezes; no Ev.
segundo Lc, 100 vezes; no NT, 631 vezes.
Na primeira vez que aparece, no v. 5a, foi traduzido por chegou, por uma
questão de, em português, ficar mais claro. Na segunda vez, v. 10a, estando também
no ind. aoristo, voz ativa, traduzimos por veio.
Hmellen (ind. imp.), me,llw, estar para passar. Na perícope, 1 vez; no Ev.
segundo Lc, 12 vezes; no NT, 110 vezes.
Na perícope, o verbo se encontra no v. 4d, e foi traduzido por devia.
Estreitamente unido a die,rcesqai, formando a expressão: devia passar.
O verbo me,llw, está no imperfeito do indicativo ativo (h;mellen), estava para
passar (cf. v. 4d).
Hn (Ind. pres.), eivmi,, ser, existir. Na perícope, 4 vezes; no Ev. segundo Lc, 86
vezes; no NT, mais de 1000 vezes. Trata-se de um verbo técnico, que não influencia o
conteúdo.
Na primeira vez em que aparece, no v. 2b, o verbo eivmi, está no imp. do ind.,
voz ativa, h=n, era. Na segunda vez, v. 3a, pres. do ind., voz ativa, evstin, é. Na terceira
vez, v. 3c, imperf. do ind., voz ativa, h=n, era, e na quarta vez, v. 9c, pres. do ind., voz
ativa, evstin, é. Uma seqüência de imperfeito, presente, imperfeito, presente.
Idei/n (Inf. aoristo, voz ativa), ei=don, verbo o`ra,w, ver. Na perícope, aparece 3
vezes; no ev. segundo Lc, 67 vezes; no NT, 336 vezes.
38
Na primeira vez que aparece, no v. 3a, está no infinitivo aoristo, voz ativa, isto
é, ver. Na segunda vez, v. 4c, no subjuntivo aoristo, voz ativa, i;dh|. Como está
acompanhado de auvto.n, traduzimos por vê-lo. Na terceira vez, v. 7a, ivdo,ntej, part.
aoristo, voz ativa: vendo.
No AT, o verbo o`ra,w, no aoristo ei=don, ocorre cerca de 1.450 vezes na LXX.
Um dos equivalentes em hebraicos é ha'r'\, que tem significado bem mais amplo do que
no grego. De modo geral, o`ra,w significa “ver com os próprios olhos”, tornar-se
consciente” (Gn 27, 1). Figuradamente, é usado para se referir à percepção intelectual
ou espiritual: “notar’, “tornar-se consciente” (Sl 34 [33]: 8 [9]); ou refere-se àquilo que
o homem experimenta ou sofre (“ver” a morte, Sl 89 [88]: 48 [49])
42
.
O verbo o`ra,w aparece no NT cerca de 578 vezes, sendo que no aoristo ei=don,
são 336
43
vezes. É, de fato, a forma em que mais aparece. Geralmente, o`ra,w e ei=don
significam “ver”, “perceber”, sobretudo em Mt 28, 27, Mc 16, 7 e Jo 16, 16-17. Mas
em Lucas, pode ser usado figuradamente para expressar uma visão do espírito ou do
intelecto (Lc 2, 30, “ver” a salvação)
44
.
No latim, aparece como videre, perspicere= ver bem, olhar com atenção,
examinar, ver claramente, reconhecer, compreender
45
.
O verbo “ver” pode ser dito em grego de cinco formas diferentes: o`ra,w, que
significa ver, olhar, observar, mas também é usado no sentido de experimentar; ble,pó,
que possui o mesmo significado (ver, olhar, observar). Num primeiro momento,
acentuou-se mais a função dos olhos, porém, veio a significar “olhar”, “contemplar”,
42
COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Vol. II. 2.ed. São
Paulo: Vida Nova, 2000, p. 2593.
43
Cf. MORGENTHALER, R. Statistik des Neutestamentlichen Wortschatzes..., p. 91.
44
COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de ..., p. 2595.
45
FERREIRA, A. G. Dicionário de Latim-Português, Porto: Porto,1998, p. 1221.
39
“examinar” dentro”; ovpta,nomai, que possui mesmo significado da forma passiva de
o`ra,w: tornar-se visível, aparecer, mostrar-se: a alguém; qea,omai
, que significa um ver
mais atento, isto é, contemplar, examinar. É o verbo usado para se referir a “ver”
visões, como uma percepção espiritual da realidade superior; qewre,w, que significa ver
superficialmente, estar a ver. Mas também se tornou um sinônimo de qea,omai e o`ra,w.
Percebemos que o verbo “ver” possui um sentido amplo, variado e significativo,
de forma que, ficarmos restritos ao sentido da leitura na língua vernácula, encurta e
muito, o seu sentido original.
A reflexão acima nos oferece elementos suficientes para dizer que em grego, o
verbo “ver” significa conhecer com profundidade, com atenção, observar. Deste modo,
no texto Lc 19, 2a, “Ver” significa: conhecer a identidade, fazer experiência pessoal de
Jesus.
O fato de o verbo o`ra,w aparecer 22 vezes no Evangelho segundo Lucas, por
certo, demonstra a importância que o evangelista dá ao “ver”, no sentido de ver com
atenção, com perspicácia, buscando um conhecimento. Isso reforça uma vez mais a
proposta de ver quem Jesus, quem ele é no sentido de conhecer a identidade, fazer
experiência pessoal de Jesus.
Kalou,menoj (part. pres., voz passiva), kale,w, chamar pelo nome. Na perícope, 1
vez; no Ev. segundo Lc, 43 vezes; no NT, 148 vezes.
Conforme vimos na crítica textual, há uma lista de manuscritos onde o vocábulo
kalou,menoj foi omitido. Trata-se de um verbo presente nas listas de palavras que
formam o vocabulário característico de Lucas.
40
Kata,bhqi (Imp. aoristo, voz ativa), katabai,nw, descer
46
. Na perícope, 2 vezes;
no Ev. segundo Lc, 13 vezes; no NT, 81 vezes.
Katalu/sai (Inf. aoristo), katalu,w, hospedar-se. Na perícope, 1 vez; no Ev.
segundo Lc, 3 vezes; no NT, 17 vezes.
Na perícope, o verbo se encontra em 7b, e por estar no infinitivo aoristo e unido
a eivsh/lqen, traduzimos o conjunto como foi hospedar-se.
Mei/nai (inf. aoristo, voz ativa), me,nw, ficar. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo
Lc, 7 vezes; no NT, 118 vezes.
Na perícope, o verbo se encontra no v. 5d e foi traduzido por fique, uma vez
que está no infinitivo aoristo.
Prodramw.n (part. aoristo, voz ativa), protre,cw, correr adiante. Na perícope, 1
vez; no Ev. segundo Lc, 1 vez; no NT, 2 vezes. Além de Lucas, somente João, usa o
referido verbo uma vez.
O verbo protre,cw, é uma junção do verbo tre,cw
(cf. Lc 12, 20; 24, 12),
normalmente usado para expressar a idéia de correr, mais a preposição pro,, diante, em
frente. Por estar no part. aoristo, traduzimos por correndo adiante.
Paralelo para o verbo protre,cw, tal como o encontramos no v. 4, só em Jo 20, 4,
onde o outro discípulo corre mais depressa que Pedro. Considerando os demais
escritos bíblicos, aparece uma outra vez no livro de Macabeus (1Mac 16, 21).
Speu,saj (part. aoristo, voz ativa), speu,dw, apressar-se. Na perícope, 2 vezes; no
Ev. segundo Lc, 3 vezes; no NT, 6 vezes.
46
Considerar o que está escrito abaixo, p. 42, referente ao verbo speu,dw e katabai,nw.
41
O referido verbo aparece em 5c, no part. aoristo, voz ativa, com força de um
imperativo, sobretudo se consideramos o verbo que acompanha speu,saj, isto é,
katabai,nw, descer, que está no imperativo aoristo, voz ativa: kata,bhqi. Daí que na
tradução, por um português mais claro, optamos por desce depressa.
O verbo speu,saj também aparece em 6a, no part. aoristo, voz ativa, novamente
acompanhado de katabai,nw, descer, no ind. aoristo, voz ativa: kate,bh. Deste modo,
traduzimos a expressão speu,saj kate,bh,, por desceu depressa.
Staqei.j (part. aoristo, voz passiva), i[sthmi, fazer estar (em pé), pôr. Na
perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 3 vezes; no NT, 6 vezes.
Na perícope, o verbo aparece em 8a. Percebemos que a forma do verbo é
passiva, mas devemos anotar que a forma media e passiva pode ser usada como ativa,
por isso, traduzimos staqei.j de., simplesmente, pela expressão de pé, ou então, estando
em pé.
Somente Lucas usa o verbo i[sthmi, pois as outras 3 vezes em que aparece no
NT é em Atos.
Sw/sai (inf. aoristo, voz ativa), sw,|zw, salvar. Na perícope, 1 vez; no Ev.
segundo Lc, 17 vezes; no NT, 106 vezes.
Na perícope, aparece em 10c, e, sendo um infinitivo aoristo, pode ser traduzido
simplesmente por salvar.
Vale notar que sw,|zw, salvar, é um verbo que em Lucas, aparece mais do que em
qualquer um dos sinóticos.
Upede,xato (ind. aoristo, voz média), u`pode,comai, acolher. Na perícope, 1 vez; no
Ev. segundo Lc, 2 vezes; no NT, 4 vezes.
42
Na perícope, o verbo se encontra no v. 6b, e foi traduzido por acolheu.
Uparco,ntwn (part. pres., voz ativa), u`pa,rcw, ter bens. Na perícope, 1 vez; no
Ev. segundo Lc, 15 vezes; no NT, 60 vezes.
Na perícope, o verbo aparece em 8b, e como está no part. pres., voz ativa, no
genitivo neutro, pode ser traduzido como ter bens, riquezas. Daí que a expressão: mou
tw/n u`parco,ntwn, fica melhor traduzida como meus bens.
Xai,rwn (part. pres., voz ativa), cai,rw, acolher com alegria. Na perícope, 1 vez;
no Ev. segundo Lc, 12 vezes; no NT, 74 vezes.
Na perícope, o verbo se encontra no v. 6b, unido ao verbo que o precede:
u`pode,comai, no (ind. aoristo, voz média), acolheu. Desta forma, a expressão u`pede,xato
auvto.n cai,rwn, em português, pode ser traduzida por o acolheu com alegria.
Concluindo este bloco sobre os verbos, pode-se dizer que Lc 19, 1-10 é uma
perícope marcada pela ação, o que concorda com a opinião de que Lucas é rápido na
descrição e vai ao fundamental dos fatos
47
. Temos, de fato, uma seqüência de ações
que desencadeiam um processo de libertação do mau uso do dinheiro, ou, em outras
palavras, um processo de conversão, resultado do conhecimento da identidade de
Jesus, que veio procurar e salvar o que estava perdido.
47
Cf. TUYA, M. de. Bíblia Comentada..., p. 187.
43
4. 2. Substantivos
Encontramos no texto, 16 substantivos. Vamos relacioná-los, dar o significado
e, oportunamente, faremos breve comentário sobre alguns.
VAbraa,m (gen. masc.), VAbraa,m, Abraão. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc,
15 vezes; no NT, 74 vezes.
É importante dizer que no NT, o referido substantivo, que aparece em 9c,
sublinha a continuidade na atividade salvadora de Deus tanto para seu povo como para
o mundo (cf. genealogias em Mateus (1, 1-17) e em Lucas (3, 23-38).
Para os judeus em geral, era um título de honra especial ser conhecidos como
filhos de Abraão, porque, de acordo com a crença popular, os méritos de Abraão
garantiam a Israel uma participação no Reino de Deus
48
.
Andri. (dat. masc.), avnh,r, homem. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 3
vezes; no NT, 19 vezes.
Anqrw,pou (Gen. masc.), a;nqrwpoj, homem. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo
Lc, 30 vezes; no NT, 79 vezes.
Arcitelw,nhj (nom. masc.), avrcitelw,nhj, principal coletor de impostos,
arquicobrador de impostos. Somente na perícope o termo aparece.
O vocábulo avrcitelw,nhj, arquicobrador de impostos, aparece uma única vez em
toda a Bíblia, tratando-se assim, em termos de estudo exegético, mais do que uma
hapax legómena e, por isso, uma palavra chave. Lucas, ao usá-la, quer, com toda
certeza, expressar o significado e a importância do que ocorre na perícope.
48
Cf. SEEBASS, H. In COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia.... Vol. I. p. 5.
44
Fitzmyer observa que não é só no Evangelho que o termo avrcitelw,nhj aparece
apenas uma vez, mas também em toda a literatura grega, até está data, o termo
avrcitelw,nhj não aparece mais que nesta passagem
49
.
Mas de onde vem a importância do vocábulo avrcitelw,nhj? É necessário citar
um esclarecimento de Champlin:
A arqueologia
50
tem mostrado que havia duas cidades chamadas Jericó – a mais
recente, que era uma extensão da mais antiga, mencionado no V.T [sic]. contava com
certo número de importantes produtos, incluindo o bálsamo, e era uma próspera cidade
comercial, nos tempos de Jesus. Dispunha de um centro de coleta de impostos, e
Zaqueu era diretor chefe [arquicobrador] desse lucrativo ofício, e, naturalmente, era
muito rico
51
.
Percebemos a importância do vocábulo, uma vez que ele expressa
objetivamente quem era Zaqueu e o que ele fazia, a saber, um homem que construiu
sua vida em torno do dinheiro, e, diga-se de passagem, do dinheiro proveniente de uma
atividade que tinha por marca a exploração: arquicobrador, chefe dos cobradores de
impostos.
A crítica textual de Nestle-Aland ressalta a existência de uma variante, segundo
a qual, haveria uma substituição maior de “h=n avrcitelw,nhj kai. auvto.j plou,sioj”, por
αρχών της συναγωγής υπήρχεν
52
.
49
Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…, Vol. IV, p. 60.
50
“...fonte inesgotável para compreender e retratar o mundo intelectual da época de Jesus...”, cf. LISBOA, W.
E. A pesquisa do Jesus histórico. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, v. 9, n. 34, p. 66.
51
CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento interpretatado versículo por versículo..., p. 182.
52
Cf. BÍBLIA SACRA - Utriusque Testamenti, Editio Hebraica et Graeca. 27 ed. Stuttgart: Deutsche
Bibelgesellschaft, 2001, ad (19, 2), variante.
45
Zakcai/e (voc. masc.), Zakcai/oj, Zaqueu. E também Zakcai/oj( Zakcai/oj,
Zaqueu. Judeu de Jericó e chefe dos publicanos
53
. Na perícope, 3 vezes e não mais em
nenhuma passagem bíblica.
Zakcai/oj( Zaqueu. Judeu de Jericó, chefe dos cobradores de impostos
[arquicobrador]. Lucas acrescenta: também rico. Aparece 03 vezes no texto (2a, 5c e
8a) e em nenhuma outra passagem da Escritura. Em 2a e 8a, aparecem como
nominativo masculino singular, mas em 5c, como vocativo: Zakcai/e.
Zakcai/oj é uma forma grega do nome hebraico
yK'êz: (Zaccai)
54
. No hebraico,
yK'êz:, é traduzido por “moralmente reto
55
, ou significando “limpo, inocente”, sendo
empregado com freqüência em paralelismo com
qyDIc; (saddiq), justo.
Tuya, professor de Salamanca, diz que Lucas apresenta Zaqueu com dois
caracteres intimamente unidos entre si: “...É ‘chefe de publicanos’ [arquicobrador de
impostos] e homem ‘rico’”
56
.
Parece claro que o nome Zaqueu indica o que ele deveria ser, mas não era, pelo
menos até conhecer a identidade de Jesus. Noutras palavras, após ver quem era Jesus,
ele se torna “puro”, “justo”, não no sentido ritual, quando o termo usado seria kaqaro,j,
mas no seu sentido essencial, isto é, moralmente reto. Tal idéia concorda com “ser
filho de Abraão”, que, em resumo, significa alguém que pratica a justiça de Deus.
Hliki,a (dat. fem.), h`liki,a, estatura. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 2 e
em nenhum outro lugar.
53
Aparece duas vezes no texto: 19, 2; 19, 8.
54
Aparece em Neemias (7, 14), Esdras (2, 9) e 2 Macabeus (10, 19).
55
COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário internacional de Teologia do Novo Testamento..., p. 1905.
56
Zaqueo, que significa ‘el puro’, ‘el justo’, o, si es abreviatura de Zacarias, ‘Dios se acordó’, es presentado
por Lc em dos caracteres intimamente unidos entre sí. Es ‘jefe de publicanos’ y hombre ‘rico’”, cf. TUYA, M.
Bíblia Comentada..., p. 186.
46
Quanto ao referido substantivo, vale notar que está em relação ao adjetivo
mikro,j, pequeno, baixo. De importância, de dignidade insignificante. Em Lucas, a
princípio parece significar estatura, porém, em contexto muito próximo ao do
evangelista, Paulo, na carta aos Efésios, fala da estatura no sentido de conhecimento de
Cristo: “...eivj me,tron h`liki,aj tou/ plhrw,matoj tou/ Cristou/” [à medida da estatura
completa de Cristo], (Ef 4, 13). Deste modo, nos parece possível, uma interpretação
semelhante na perícope de Zaqueu.
VIericw, (acus. fem.), VIericw, , Jericó. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 3
vezes; no NT, 7 vezes.
O substantivo VIericw,, Jericó, que aparece em 1a, situa a perícope
geograficamente. VIericw, aparece, às vezes, com certa conotação de dignidade, outras
vezes de ignomínia. Aparece 01 vez no texto (v. 1a) e mais duas vezes em Lucas (
10,
30; 18, 35). Mesmo assim, o evangelista Lucas é quem mais usa o nome da cidade no
NT, uma vez que Mateus o faz uma vez (20, 29), Marcos duas vezes num mesmo
versículo (10, 46) e o autor da carta aos Hebreus uma vez (11, 30).
Na Escritura, o nome Jericó (cidade) aparece pela primeira vez em Nm 22, 1:
depois os israelitas partiram e acamparam nas estepes de Moab, além do Jordão, a
caminho de Jericó (Ax*rey>). Depois será chamada “cidade das palmeiras” (cf. 2 Cr 28,
15). Campis reforça a referida constatação, comentando que Jericó foi a primeira
estação, após a passagem do Jordão, na conquista da terra prometida
57
. No entanto, a
cidade de Jericó a qual o AT faz referência não é a Jericó do NT, pois a anterior já
havia sido destruída e desaparecido do mapa.
57
Cf. RIUS-CAMPS, J. O Evangelio de Lucas: o Êxodo do homem livre. São Paulo: Paulus, 1995, p. 282.
47
O texto de Lucas se refere à nova cidade de Jericó construída por Herodes
58
, o
Grande, próxima ao Jordão
59
, na mesma imediação da antiga cidade com esse nome.
VIhsou/n (nom. masc.), VIhsou/j, Jesus. Na perícope, 3 vezes; no Ev. segundo Lc,
89 vezes; no NT, 905 vezes.
Ku,rie (voc. masc.), ku,rioj, Senhor. E também ku,rion, ku,rioj, Senhor. Na
perícope, 2 vezes; no Ev. segundo Lc, 103 vezes; no NT, 718 vezes.
No v. 8, Zaqueu chama Jesus de ku,rioj duas vezes: primeiro ku,rion, isto é, no
acusativo, depois ku,rie( no vocativo. De fato, este é o título atribuído a Jesus com
maior freqüência, tanto no Evangelho segundo Lucas como nos Atos dos Apóstolos.
Mas o substantivo ku,rioj também é aplicado a Deus inúmeras vezes.
No AT, o termo hebraico !Ada
', “Senhor”, expressa a relação de superioridade
referente a um correlativo, tipo: amo/criado, dono/propriedade, soberano/vassalo,
Deus/adorador que aparece como título honorífico de um rei, um deus ou um esposo
60
.
O referido termo difere de l[;B que significa domínio, senhorio, enquanto que !Ada
'
significa autoridade, poder de mandar e comandar
61
.
Na língua grega, há duas palavras principais para “Senhor” e “Mestre”: ku,rioj
e despo,thj, sendo que despo,thj denota o senhor como dono e amo nas esferas da vida
pública e familiar, onde o senhorio às vezes acarretava severidade, enquanto ku,rioj,
58
A cidade de Jericó, tem sido objeto de constantes escavações arqueológicas. È conhecida justamente como
Jericó Herodiana, cf. LISBOA, W. E. A pesquisa do Jesus histórico..., p. 68-69.
59
Veja JOSEFO, F. Bell. IV, 8, 2, nn. 452-453; FINEGAN, J. The Archeology of the New Testament, 83-85, Cf.
FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…, Vol. III, p. 284.
60
Cf. SCHÖKEL, L. A. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. São Paulo: Paulus, 1997, p. 26.
61
Cf. McKENZIE, J. L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulus, 2005, p. 862.
48
que ocorre mais freqüentemente, sempre contém a idéia de “legalidade” e “autoridade”
reconhecida do senhorio
62
.
Ku,rioj, “Senhor”, é usado na LXX como tradução do nome divino de Iahweh.
McKenzie observa que em data muito remota, os judeus deixaram de pronunciar o
nome de Iahweh, convencidos de que ele era demasiado sagrado para ser proferido.
Sempre que o nome ocorria no texto hebraico, colocava-se o título de Adonai em seu
lugar
63
.
O referido título, sobretudo em contexto dos evangelhos, está carregado por
demais de significado. Para se comprovar isso, basta lembrar que não obstante os
imperadores Augusto (31 a. C. a 14 d. C.) e Tibério (14-37 d. C.) terem evitado a
vinculação com o título, os seus sucessores: Calígula (37-41 d. C.), que passou a achar
atraente o título e Nero (54-68 d. C.), o qual foi descrito como “Senhor de todo o
mundo”, tornaram freqüente o uso de ku,rioj para designar a si mesmos. Por causa de
Domiciano (81-96 d. C.), o título foi detestado juntamente com a memória dele
64
.
Considerando os diversos casos em que é usado, o substantivo ku,rioj aparece
103 vezes em Lucas e 107 vezes em Atos dos apóstolos. Tal informação é comprovada
pela informação encontrada em Bietenhard, segundo o qual, das 717 passagens nas
quais ku,rioj ocorre no NT, a maioria se acha nos escritos de Lucas (210) e nas
Epístolas de Paulo (275). O autor ainda explica que tal “pendor unilateral” se explica
62
BIETENHARD, H. In COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia.... Vol. II. p. 2314-
16.
63
Mas alguns exegetas julgam duvidoso que o uso de ku,rioj em lugar de Iahweh na LXX provenha do emprego
de Adonai na linguagem. Sobre essas e outras interpretações, veja McKENZIE, J. L. Dicionário Bíblico..., p.
862-864.
64
Sobre essas e outras informações, veja BIETENHARD, H. In COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário
Internacional de Teologia..., p. 2317. O referido autor do artigo sobre ku,rioj
, sugere ainda, duas obras para
conhecimento melhor sobre a Igreja Primitiva e o Império Romano: W. C. Frend. Martyrdom and Persecution in
the Early Church: A Study of a Conflict from the Macabees to Donatus, 1965; R. M. Grant. Augustus to
Constantine: The thrust of the Christian Movement into the Roman World, 1970.
49
pelo fato de Lucas ter sido escrito para pessoas que viviam em áreas dominadas pela
cultura e língua gregas, e Paulo se dirigia às mesmas. Em Marcos, obra da qual Lucas
toma boa parte do material usado no Evangelho, ku,rioj aparece apenas 18 vezes e
Bietenhard também explica que essa quantidade bem menor se explica pelo fato de o
Evangelho segundo Marcos estar firmemente baseado na tradição cristã judaica
65
. No
mais, Em Mateus, o título aparece 80 vezes e em João 52 vezes.
Quanto à origem do título ku,rioj, é preciso sintetizar que se trata de uma das
questões mais debatidas na investigação moderna, conforme sublinha Fitzmyer
66
.
Para Bousset
67
, a aplicação a Cristo do título de ku,rioj tinha sua origem na
igreja gentia que o tomou do mundo circunvizinho da religião sincretísta
68
. Mas a
questão é amplamente discutida
69
e um fato significante contra uma origem puramente
helenística, e a favor da palestiniana é a fórmula aramaica “mara,na qa
,”, (1 Co 16, 22),
que significa: [Vem, Senhor; Nosso Senhor veio]. Esta citação indica que Jesus já era
chamado “Senhor” no cristianismo palestiniano em data recuada. Também as
65
BIETENHARD, H. In COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia...,Vol. II, p. 2318-
19.
66
Cf. . FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…, Vol. I, p. 337.
67
Wilhelm Bousset, teólogo alemão (1865 - 1920), destacado expositor da escola da história das religiões, e que
deu grande contribuição para a antiga busca sobre o Jesus histórico.
68
Foi nesta atmosfera que o cristianismo de Antioquia e o das demais comunidades cristãs helenísticas
primitivas veio a existir e passou a crescer. Neste meio ambiente, a nova religião cristã foi formada como um
modo de culto, e a partir deste ambiente, pois, é que as pessoas também apropriavam a fórmula compreensiva
kyrios, para a posição dominante de Jesus no culto. Ninguém deduziu tal conceito, e nenhum teólogo o criou; as
pessoas não o tiraram da leitura do livro sagrado do Antigo testamento. Não teriam ousado, sem mais, nem
menos, fazer uma transferência tão direta deste nome santo do Deus Onipotente – na realidade, quase uma
deificação de Jesus. Tais procedimentos ocorrem dentro do inconsciente, ns profundidades da psique em grupo
de uma comunidade; fica evidente em si mesmo, estava no ar, por assim dizer, que as primeiras comunidades
cristãs helenísticas deram ao seu herói cultual o título de kyrios” [Kyrios Christos, 1913, Ti 1970, 146-7].
Posição semelhante é aquela que adotou R. Bultmann [Theology of the New Testament, I, 1952, 123 e segs.; cf.
também a introdução de Bultmann a Kyrios Christos, 7 e segs], Cf. BOUSSET, W. In COENEN, L. & BROWN,
C. Dicionário Internacional de Teologia.... Vol. II. p. 2320.
69
Outros autores que tratam a questão, posicionando-se a favor ou contra o conceito de Bousset e Bultmann:
HURTADO, L. W. Lord Jesus Christ: Devotion to Jesus in Earliest Christianity. Grand Rapids: Eerdmans,
2003; CULLMANN, O. The Earliest Christian confessions, 1949; Christ and time: the Primitive Christian
Conception of Time and history, 1951; DALMAN, G. The Words of Jesus Considered in the Light of Post-
biblical Jewish Writings and the Aramaic Language, 1902, 324-31; FULLER, R. H. The Foundations of New
Testament Christology, 1965, entre outros.
50
narrativas sinóticas da discussão da dignidade de “Senhor” do Filho de Davi dão a
entender que o emprego deste título remonta ao próprio Jesus (Mt 22, 41-46; Mc 12,
35-37; Lc 20, 41-44).
A evidência bíblica para a exaltação de Jesus e para a sua instalação como
Senhor se acha em Sl 110,1: “hd'([ew> ~yrIåv'y> dAsßB. bb'_le-lk'B. hw"hy>â hd,äAa Hy" Wll.h;”, donde
podemos traduzir: [Aleluia! Louvo, dou graças ao Senhor de todo o coração na
companhia dos justos e na congregação]. Tal constatação está em conformidade com
várias citações do NT, entre outras
70
, Lc 10, 12-13; 12, 2.
Em Lucas, outro aspecto peculiar que nos chama a atenção é a freqüência com
que aplica a Jesus o título ku,rioj durante seu ministério público. Enquanto Marcos
aplica o título somente 01 vez, Lucas o faz pelo menos 19 vezes
71
.
Normalmente, ku,rioj é usado em sentido absoluto. Interessa-nos, porém, no
momento, dizer que conforme se entende pela leitura de 1 Cor 8, 6, a fé cristã, desde o
fim da primeira metade do século I, entrou em contato com muitos “deuses’ e
“senhores”. Para se ter essa constatação, basta considerar que estamos refletindo, tanto
em contexto lucano como o paulino, sobre ambiente helenístico.
Como explica Fitzmyer
72
, o contexto da religiosidade helenística despertou na
consciência da comunidade cristã a convicção de que “avllV h`mi/n ei-j qeo.j o` path.r evx
ou- ta. pa,nta kai. h`mei/j eivj auvto,n( kai. ei-j ku,rioj VIhsou/j Cristo.j diV ou- ta. pa,nta
kai. h`mei/j diV auvtou/” [mas para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para
quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós
70
Mt 22, 44; 26, 64; Mc 12, 36; 14, 62; 16, 19. Veja B. Lindars. New testament Apologetic, 1961, 45-51, 252 e
segs.; R. T. France. Jesus and the Old Testament, 1971, 100 e segs.”, Cf. BIETENHARD, H. In COENEN, L. &
BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia...., p. 2320.
71
Em Marcos: 11, 3. Em Lucas: 7, 13. 19; 10, 1. 39. 41; 11, 39; 12, 42; 13, 15; 17, 5.6; 18, 6; 19, 8. 31. 34; 20,
44; 22, 61 (2x); 24, 3. 34.
72
Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…, Vol. I, p. 339.
51
por ele], (cf. 1 Cor 8, 6)
73
. É neste contexto que Lucas e demais autores do mundo
helenístico utilizam ku,rioj.
Vimos, que na obra de Lucas, ku,rioj é usado tanto para se referir a Deus como
a Jesus. Sobre a atribuição do título a Deus, apesar das reflexões existentes
74
não
parece haver aqui necessidade de maior reflexão, uma vez que na perícope, o título é
atribuído a Jesus.
Sobre a atribuição de ku,rioj a Jesus, é possível perceber em muitas passagens, o
quanto é significativo o uso de “Senhor”. No Evangelho faremos menção a duas
passagens muito significativas, por envolver o nascimento e a ressurreição de Jesus.
Em Lc 2, 11, lemos: “o[ti evte,cqh u`mi/n sh,meron swth.r o[j evstin cristo.j ku,rioj evn
po,lei Daui,d”, podemos traduzir: [Pois, nasceu-vos hoje, um Salvador, que é Cristo, o
Senhor, na cidade de Davi]. Há, inclusive, certo paralelismo entre Salvador e Senhor.
Em Lc 24, 34, temos: le,gontaj o[ti o;ntwj hvge,rqh o` ku,rioj kai. w;fqh
Si,mwni, traduzimos: [lhes disseram – os discípulos de Emaús – que :
“verdadeiramente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão”].
E ainda, em Atos 2, 36, lemos “avsfalw/j ou=n ginwske,tw pa/j oi=koj VIsrah.l o[ti
kai. ku,rion auvto.n kai. cristo.n evpoi,hsen o` qeo,j( tou/ton to.n VIhsou/n o]n u`mei/j
evstaurw,sate”, traduzimos
75
: [Com certeza, saiba pois toda a casa de Israel: que Deus
constitui Senhor e Cristo, este Jesus a quem vós crucificastes].
73
Traduzimos: “No entanto, para nós, há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem somos, e um só
Senhor, Jesus Cristo, por quem são todas as coisas, e para quem iremos” (1Cor 8, 6).
74
Como referências, pode-se consultar a obra de BULTMANN, R. The Theology of the New Testamentt II.
Londres: 1955. O referido autor questiona, por exemplo, a questão do uso por parte dos judeus, do título
“Senhor”, para se referir a Deus, antes da era cristã; Também a obra de CONZELMANN, H. An Outline of the
Theology of the New Testament. New York: Harper & Row. Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…,
Vol. I, p. 338-339.
75
A Bíblia de Jerusalém, por sua vez, traduz: “Saiba, portanto, com certeza, toda a casa de Israel: Deus o
constitui Senhor e Cristo, este Jesus a quem vós crucificastes” (At 2, 36).
52
Percebemos que o título que com maior freqüência se atribui a Jesus no
Evangelho segundo Lucas e também nos Atos dos Apóstolos é ku,rioj, ou mais
precisamente, o` ku,rioj, e concluímos, sobretudo partindo do testemunho de 1 Cor 8, 6,
que Lucas atualiza e dá continuidade ao significado que o referido título possuía na
primitiva comunidade cristã, na qual, em certo sentido, se considerava a Jesus como
igual a Deus.
Oi;kw (dat. masc.), oi=koj, casa. Na perícope, 2 vezes; no Ev. segundo Lc, 12
vezes; no NT, 112 vezes.
Trata-se de um termo bem usual, ou seja, oi;kw|, oi=koj, casa. Sabemos que é
amplamente usado na Escritura e seus significados variam muito, podendo ir desde o
sentido literal de casa, como no sentido de família, de povo – casa de Israel – a
comuniade cristã e casa de Deus
76
. Segundo Richard
77
, juntamente com caminho, casa
é uma realidade paradigmática em Lucas.
Em meio à variação em termos de significado, a palavra oi=koj é usada em
oposição ao templo, onde os fracos, os pobres, os enfermos e as mulheres não tinham
pleno acesso. A casa é o lugar onde os pecadores, os que não têm direito à vida pública
podem estar presentes. É o lugar da acolhida e da fraternidade, o espaço onde nos
tornamos pessoas
78
. “No NT, a casa é também símbolo da comunidade onde se
76
Sobre o termo oi=koj veja GOETZMANN, J. In COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de
Teologia..., Vol. I. p. 285.
77
Cf. RICHARD, P. O Evangelho de Lucas – estrutura e chaves para uma interpretação global do evangelho.
Revista de Interpretação Latino-Americana, Petrópolis, n. 44, p. 30, 2003/1.
78
Interessante notar que em artigo sobre a carta de Filêmon, Ivoni Richrer se refere à Igreja, como “igreja da
casa”, cf. REIMER, I. R. Eficácia da fé na superação de desigualdades. Revista de Interpretação Latino-
Americana, Petrópolis, n. 28, p. 71, 1997/3.
53
estabelecem novas relações e se descobre um rosto com características femininas de
Deus”
79
.
Ono,mati (dat. neutro), o;noma, nome. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 34
vezes; no NT, 228 vezes.
Oclou (gen. masc.), o;cloj, multidão. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 41
vezes; no NT, 174 vezes.
Há certa dificuldade de falar sobre o;cloj devido a falta de estudos sobre o uso
do termo na Bíblia. A maioria absoluta dos dicionários bíblico-teológicos se quer
inclui o termo na relação daqueles estudados. No dicionário de Latim, lemos que nada
há mais incerto do que a multidão (Vulgus, i)
80
. Por isso, talvez seja mais plausível
notar que em muitas passagens do NT, a multidão é símbolo daqueles que seguem
Jesus, mas que não entendem sua mensagem.
Swthri,a (nom. fem.), swthri,a, salvação. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo
Lc, 4 vezes; no NT, 45 vezes.
O substantivo swthri,a, salvação, por sua vez, é tomado de amplo significado na
obra de Lucas, uma vez que para o evangelista, a salvação é um dos efeitos mais
importantes do acontecimento Cristo
81
. Lucas, como sabemos, é o único dos
evangelistas sinóticos que chama Jesus de “Salvador” (Lc 2, 11; At 5, 31 e 13, 23).
Também o verbo sw,|zw, salvar, está ligado ao substantivo swthri,a. Conforme
vimos acima, aparece mais em Lucas do que em qualquer um dos sinóticos, o que
evidencia ainda mais o direcionamento que o evangelista desejou dar ao evento Cristo.
79
Cf. GUETTE, M. P. Carta a Filêmon na perspectiva feminina. Revista de Interpretação Latino-Americana,
Petrópolis: n. 28, p. 41, 1997/3.
80
FERREIRA, A. G. Diccionario de Latim-Português…, p. 1237.
81
Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas..., Vol. I, p. 374.
54
Em Lucas, swthri,a é o que Jesus oferece a toda a humanidade, conforme
anunciou o anjo aos pastores (Cf. Lc 2, 10-11) e, ainda, o próprio Jesus na perícope de
Zaqueu: “h=lqen ga.r o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou zhth/sai kai. sw/sai to. avpolwlo,j”, cf.
traduzimos: [pois o Filho do Homem veio para procurar e salvar o que estava
perdido], (19, 10).
Sukomore,an (acus. fem.), sukomore,a, sicômoro. Na perícope, 1 vez. E é a única
vez que o vocábulo aparece em toda a Escritura. Por isso, trata-se de um termo de
expressiva importância na Bíblia
82
. Fitzmyer ressalta ainda sua ausência inclusive nos
LXX
83
.
Champlin nos esclarece que a cidade – Jericó – estava ornamentada de árvores,
incluindo sicômoros, que só medravam no vale do rio Jordão e nas áreas costeiras do
mar Mediterrâneo. Ressalta ainda, que pequenas peças de madeira, segundo ficou
demonstrado pela escola de Florestamento da Universidade de Yale, foram feitas de
sicômoro”
84
.
Subir sobre um sicômoro é termo para expressar a atitude daqueles que se
encarapitam
85
, isto é, se instalam comodamente na instituição judaica (Israel), que, por
sinal, tantas vezes já foi comparada a uma árvore.
To,pon (acus. masc.), to,poj, lugar. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 19
vezes; no NT, 95 vezes. O substantivo, a principio trata de lugar, no sentido de
localidade mesmo. Mas o termo, sobretudo acompanhado de artigo, no NT é usado
82
O termo que aparece em Lc 17, 6, suka,minoj, ou, se refere a uma amoreira. Tal substantivo grego aparece nos
LXX (cf. 1 Rs 10, 27; 1 Cr 27, 28; 2 Cr 1, 15; 9, 27; etc.) como tradução do hebraico hm'q.v, que na realidade é o
sicômoro. Possivelmente, Lucas não conhecia a diferença entre as duas árvores, porém, de todos os modos, se
trata de uma árvore maior, cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas..., Vol. III, p. 782.
83
“El término griego Sykamorea no aparece más que aqui, em todo el Nuevo Testamento, y está totalmente
ausente em los LXX” , cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas..., Vol. IV, p. 62.
84
CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo..., p. 182.
85
Sobre a referida interpretação veja RIUS-CAMPS, J. O Evangelio de Lucas..., p. 286.
55
para se referir a lugares específicos, tais como lugar chamado caveira (cf. Lc 23, 33; Jo
19, 17), lugar santo (Jo 11, 48), este, normalmente interpretado como sendo o Templo.
Ui`o.j (nom. masc.), ui`o,j, filho. Na perícope, 2 vezes; no Ev. segundo Lc, 77
vezes; no NT, 375 vezes.
Na perícope, aparece uma vez se referindo a Zaqueu como filho de Abraão. mas
em 19, 9, aparece a expressão o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou.
Sobre ui`o.j ui`o,j, filho
86
, e avnqrw,pou a;nqrwpoj, homem, que, precedido de o`
ui`o.j tou/, remete verossimilmente à profecia: Filho do Homem, podemos anotar que no
texto grego dos evangelhos, o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou entende-se sempre como título
87
.
Segundo Jeremias, o título “Filho do Homem” é a única designação que Jesus
aplicou a si mesmo e cuja autenticidade pode ser seriamente cogitada
88
. Segundo o
mesmo autor, levando-se em conta a análise do material da história da tradição sobre
as passagens bíblicas que se referem ao título “Filho do Homem”, o caso de Lc 19,
10b, evidencia-se como sendo uma formulação secundária
89
.
O título o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou aparece 24 vezes em Lucas e sempre
acompanhado de artigo
90
. Nos evangelhos, no total, são 82 vezes. Normalmente a
expressão é relacionada com Dn 7, 13, de modo que se pensa na misteriosa figura que
um dia haveria de se revelar, donde Jesus, o Eleito de Deus, o Justo, seria a realização
desta figura do Filho Homem.
86
Em 19, 9c, encontramos: ui`o.j VAbraa,m, filho de Abraão. No evangelho, a expressão aparece somente neste
versículo. Zaqueu é chamado Filho de Abraão, o que demonstra que ele, pela sua atitude, também está ligado,
não se separou do tronco de Israel e, como qualquer outro israelita, também tem direito à benção de Abraão. Cf.
FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…, Vol. IV, p. 64.
87
Cf. JEREMIAS, J. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2004, p. 375.
88
Cf. JEREMIAS, J. Teologia do..., p. 371.
89
Cf. JEREMIAS, J. Teologia do..., p. 377-378.
90
Lc 6, 5. 22; 7, 34; 9, 22. 26. 44. 58; 11, 30; 12, 8.10.40; 17, 22. 24. 26. 30; 18, 8. 31; 19, 10; 21, 27.36; 22, 22.
48. 69; 24, 7.
56
Em Lucas, o título faz referência à condição moral de Jesus (5, 24; 6, 5; 12,
humilhação que sofrerá (6, 22; 7, 34 e 9, 58), e outras vezes anuncia o sofrimento e a
trágica morte de Jesus (9, 22. 44; 18, 31; 22, 22 e 24, 7)
91
.
A expressão, com conteúdo de certa forma enigmático, é objeto de muitos
estudos, mas podemos afirmar que Lucas não deixa dúvidas de que a pessoa a que se
refere o título “Filho do Homem” é o próprio Jesus
92
. Nisto, entre os exegetas há
consenso.
Ao fazer uma comparação com os verbos, percebemos que há quase 2 verbos
para cada substantivo.
4. 3. Adjetivos
Temos os seguintes adjetivos no texto:
Amartwlw/| (adj. dat. masc.), a`martwlo,j, pecador, pecadora. Na perícope, 1 vez;
no Ev. segundo Lc, 18 vezes; no NT, 47 vezes
93
. A partir destes dados, podemos dizer,
que o referido adjetivo é de uso comum no NT.
Mikro.j (adj. nom. masc), mikro,j, pequeno. De dignidade insignificante. Na
perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 5 vezes; no NT, 30 vezes.
Para alguns autores, a tradução: pequeno, se refere a um dado de caráter
puramente físico, pois o termo grego que o acompanha, o substantivo h`liki,a|, não tem
91
Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…, Vol. I, p. 353-345.
92
Sobre o presente tema, ou melhor, o título “Filho do Homem”, pode-se consultar, por exemplo,
RICHARDSON, A. An Introduction to the Theology of the New Testament. New York, 1958; FITZMYER, J. A.
El Evangelio según Lucas… Vol. I, p. 349-355, e, também CULLMANN, O. Cristologia do Novo Testamento.
São Paulo: Custom, 2002.
93
Cf. GÜNTHER, W. In COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia.... Vol. II, p. 1605.
57
nenhuma conotação de tipo simbólico
94
. Por isso, na tradução, optamos por pequena
estatura. Contudo, é preciso observar que o uso de mikro,j em Lucas e também no NT
não está relacionado apenas com sentido físico. Em Lc 12,32; 17, 2, significa
importância, dignidade: pequeno em importância, em dignidade. Em 9, 48
encontramos o adjetivo complementar de mikro,j: mikro,teroj, que também se refere a
importância, dignidade. Em 7, 28, o sentido é claramente espiritual
95
.
Em Mt 10, 42, também é usado com sentido de dignidade insignificante. E em
Ap 13, 16, sentido espiritual.
Plou,sioj (adj. nom. masc.), plou,sioj, rico. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo
Lc, 11 vezes; no NT, 28 vezes.
Em todos os códices, “o rico” que Lucas cita nas demais passagens, é um
personagem anônimo
96
. Mas O plou,sioj, rico, nesta perícope é identificado, tem
nome, se refere a Zaqueu.
O adjetivo em questão aparece 05 vezes em Lucas (
16, 1. 19. 22; 18, 23; 19, 2).
Se considerarmos outras formas em que o adjetivo aparece, pode-se encontrá-lo até 11
vezes no referido Evangelho
97
. Porém não mais do que 03 vezes em Mateus (19, 23.
24; 27, 53)
e 02 vezes em Marcos (10, 25; 12, 41).
94
Sobre a referida afirmação, veja nota exegética sobre v. 3c in FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas.
Vol. IV, p. 60.
95
RUSCONI, C. Dicionário do Grego do Novo Testamento..., p. 310.
96
Além da nomeação de Zaqueu, somente o Códice P75, o manuscrito mais antigo da redação textual grega
sobre o evangelho segundo Lucas, faz referência a um homem rico chamado Neves. Mais detalhes veja-se
FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. III, p. 755- 757.
97
Além das citações acima: 6, 24; 12, 16; 14, 12; 16, 21; 18, 25; 21, 1
58
Plou,sioj traduz o hebraico ryvi[', “rico”, “opulento”. Com poucas exceções
98
,
no NT a palavra é empregada para descrever pessoas que são ricas nos bens deste
mundo .
Em Lucas, o homem rico que confiou em sua grande colheita (Lc 12, 16-21)
tipifica os ricos em geral, que se esquecem de que Deus é o Doador de tudo quanto
têm e passam a confiar nos seus bens. Pelo contexto das passagens que Lucas trata do
assunto dos ricos, transparece a idéia de que o termo se empregasse para os inimigos
de Jesus, de forma que há, uma rejeição total dos ricos que não se abrem á mensagem
de Jesus por serem escravos das riquezas enganadoras
99
.
A questão sobre plou,sioj parece ser tão relevante que já se chegou a defender
que o v. 1 da perícope em estudo, é claramente fruto da redação
100
. O interessante é
que, caso fosse comprovado tal tese o início da perícope seria o v. 2. Deste modo,
teríamos uma terceira perícope, num pequeno bloco, que iniciaria com a apresentação
de um homem rico, uma vez que temos em 16, 1: “....a;nqrwpo,j tij h=n plou,sioj...”; e
em 16, 19: “Anqrwpoj de, tij h=n plou,sioj ...”, sendo que 19, 2, dá uma referência
nominal: “...avnh.r ovno,mati kalou,menoj Zakcai/oj
101
.
Os dados acima sobre plou,sioj, ajudam a reforçar a tese já defendida de que o
Evangelho segundo Lucas trata de forma clara sobre a questão da pobreza e da
98
As exceções são os casos em que rege o dativo, pois expressa as riquezas de Deus (Ef 2, 4) ou do cristão (Tg
2, 5). Em 2 Co 8, 89 e Ap 2, 9 denota os que são ricos em possessões espirituais, cf. SELTER, F. In
COENEN,
L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia.... Vol. II, p. 1721.
99
Sobre esta e outras reflexões sobre o adjetivo plou,sioj, Veja SELTER, F. In COENEN, L. & BROWN, C.
Dicionário Internacional de Teologia..., p. 1722.
100
Afirmação de Bultmann (HST 33), cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. IV, p. 54.
101
Quanto á diferença de Anqrwpoj e avnh.r, sabe-se que o primeiro é usado genericamente: ser humano, e
muitas vezes se diz que é um aramaísmo, evitado ou, simplesmente, incomum a Lucas.
59
riqueza, ou como alguns defendem, que é o Evangelho dos pobres
102
. Neste sentido, o
uso do vocábulo plou,sioj confronta a salvação dos pobres com a dificuldade dos ricos
entrarem no Reino (
Cf. Lc 18, 24; Mt 19, 23-26; Mc 10, 23-27). Contudo, a perícope de
Zaqueu, situada já no fim da subida para Jerusalém expressa a possibilidade de
entrarem no Reino
103
, caso haja generosidade, desapego e conversão, o que ocorreu
com Zaqueu, mas antes, não havia ocorrido com o rico de posição (Lc 18, 18-23).
Ptwcoi/j (adj. dat. masc.), ptwco,j, pobre. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo
Lc, 10 vezes; no NT, 34 vezes.
Enquanto Lucas usa o termo 14 vezes, 10 no evangelho e 4 nos Atos, Mateus e
Marcos usa-o 5 vezes cada. Este detalhe, demonstra a importância dos pobres em
Lucas.
4. 4. Partículas
Dentre as partículas temos os advérbios:
Emprosqen (adv.), e;mprosqen, adiante. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc,
10 vezes; no NT, 48 vezes.
Kai. (adv), e, também, ainda, que pode ter valor adversativo: mas, porém. Na
perícope, 1 vez no versículo 9. É preciso trabalho minucioso para identificar as vezes
em que kaì se apresenta como advérbio.
Sh,meron (adv.), sh,meron, hoje. Na perícope, 2 vezes; no Ev. segundo Lc, 11
vezes; no NT, 41 vezes.
102
Sobretudo STORNIOLO, I. Como ler o Evangelho de Lucas: Os pobres constroem a nova história. 2.ed. São
Paulo: Paulus, 1992.
103
Aliás, pode-se lembrar o episódio sobre o perigo das riquezas, presente nos três evangelhos sinóticos: Mt 19,
16-29; Mc 10, 17-31 e Lc 18, 18-30. Diga-se de passagem, nos três textos se afirma a possibilidade de salvação.
60
O vocábulo sh,meron possui grande relevância no contexto lucano. Para
comparar, enquanto aparece 2 vezes no texto
104
e mais 9 vezes no Evangelho segundo
Lucas
105
, aparece uma única vez em Marcos
106
e, 8 vezes em Mateus. Aparece mais 9
vezes em Atos dos Apóstolos
107
.
O que torna relevante o termo sh,meron não é somente o fato de aparecer várias
vezes em Lucas, mas também o conteúdo dos outros conceitos que aparecem junto
com o mesmo: o hoje do nascimento do Salvador (Lc 2, 11); o hoje da salvação (Lc 4,
21); o hoje da salvação que entra nesta casa (19,9), tema preferido de Lucas; e o hoje
do cumprimento da Escritura (4, 21).
Temos, dentre as partículas, as preposições:
Apo,. Avpo,, como advérbio: de longe, para trás. Preposição + genitivo: de (com
idéia de proveniência). Daí a tradução: por causa de. Na perícope, aparece 1 vez; no
Ev. segundo Lc, 127 vezes; no NT, 645 vezes.
Eivj (prep. acus.), eivj, até um. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 223
vezes; no NT, 1753 vezes.
Epi. (prep. acus.), evpi,, sobre. Na perícope, 2 vezes; no Ev. segundo Lc, 160
vezes; no NT, 878 vezes.
Para. (prep. dat.), para,, de um. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 29
vezes; no NT, 191 vezes.
Pro.j, (prep. acus.), pro,j, perto, diante de, com. Na perícope, 3 vezes; no Ev.
segundo Lc, 165 vezes; no NT, 696 vezes.
104
19, 5. 9.
105
2, 11; 4, 41; 5, 26; 12, 28; 13, 32. 33; 22, 34. 61; 23, 43.
106
14, 30.
107
4, 9; 13, 33; 19, 40; 20, 26; 22, 3; 24, 21; 26, 2. 29; 27, 33.
61
En (prep. dat.), evn, em. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 354 vezes; no
NT, 2713 vezes.
Segue as conjuções, os pronomes, os artigos e a partícula ouvkv, para os quais,
não julgamos necessário, senão relacioná-las e dar o respectivo significado.
Ga.r, ga,r, de fato.
De. , de,, e, pois.
Ei;, eiv, se, senão.
Hmi,sia,, h[misuj, metade.
Ina, i[na, a fim de que.
Kai., e, também.
Kaqo,ti, kaqo,ti, à medida que.
Conforme Dicionário do grego do NT, kaqo,ti tem significado de segundo,
conforme, à medida que
108
. Trata-se da conjunção kata, que pode reger genitivo ou
acusativo, e ti. Esse seria o sentido do v. 9 da perícope, quando Jesus afirma que a
salvação acontece nesta casa à medida que este é filho de Abraão. Jesus, em outras
oportunidades, deixou claro que alguém é filho de Abraão porque segue seus
ensinamentos, e assim, age como filho de Abraão. Ninguém o é por mera descendência
de sangue. Daí que, a expressão à medida que, está muito mais de acordo com o
ensinamento de Jesus.
Kaqo,ti, poderia significar também: porque, pois, dado que.
Oti, o[ti, porque, uma vez que.
Oti, o[ti, conjução declarativa= indica dois pontos (:).
108
RUSCONI, C. Dicionário do Grego do Novo Testamento..., p. 244.
62
W`j, w`j, que, quando.
E os pronomes:
Auvto.j auvto,j, ele, esse.
Auvto.n, auvto,j, ele, esse.
Ekei,nhj, evkei/noj, por ali. Trata-se de um pronome demonstrativo no genitivo
feminino singular de evkei/noj, usado como advérbio local
109
.
Me, evgw,, eu me.
Pa,ntej, pa/j, todos.
Sou, su,, tu, teu, tua.
Mou, evgw,, eu, me.
Tetraplou/n, tetraplou/j, o quádruplo, quatro vezes.
Tino,j, ti.j, de alguém.
Ti, ti.j, quem. Pode ser usado para introduzir um argumento; junto com ei
pode significar: e depois, se.
Ti,j, ti,j, quem
110
.
O pronome ti,j, quem, será objeto de ampla reflexão no capítulo 3. Trata-se de
pronome que muda consideravelmente o conteúdo da frase, uma vez que ver
111
é uma
coisa, ver quem [é], por sua vez é algo muito mais significativo.
Também em 4c
: i[na i;dh| auvto.n, o autor reforça, ainda que seja apenas pela
repetição do verbo o`ra,w (i;dh|), uma vez mais a idéia de que Zaqueu procurava ver
quem é Jesus. Traduz-se: “para vê-lo”.
109
Cf. RUSCONI, C. Dicionário do Grego do Novo Testamento..., p. 155.
110
Aparece cerca de 78 vezes em Lucas, nenhum outro evangelista a usa tanto. Cf. MORGENTHALER, R.
Statistik des Neutestamentlichen Wortschatzes..., p. 181.
111
Ainda que se considere o sentido do verbo ver em grego, muito usado no Evangelho segundo João no sentido
de conhecer, e ver quem é alguém, isto é, conhecer a identidade, a pessoa em profundidade.
63
Percebe-se que em Lucas, ti,j está sempre ligada a textos de conteúdo muito
significativo. Por exemplo, “ti,j evstin”, aparece pelo menos 7 vezes
112
. Das 07 vezes,
4 vezes, faz referência a Jesus
113
, 1 vez a Deus
114
, 1 vez ao próximo
115
e 1 vez a um
soldado
116
. Também aparecem outras fórmulas que podem ser traduzidas por quem é.
Entre outras: “ti,j ou-to,j evstin” (Lc 7, 49); “ti,j a;ra ou-to,j evstin” (Lc 8, 25); “ti,j de,
evstin” (Lc 9,9). Note-se que sempre se referindo a Jesus e sua identidade, inclusive
divina: “...ti,j ou-to,j evstin o]j kai. a`marti,aj avfi,hsinÈ[...Quem é este que até perdoa
pecados?], (Lc 7,49); “...ti,j a;ra ou-to,j evstin o[ti kai. toi/j avne,moij evpita,ssei kai. tw/|
u[dati( kai. u`pakou,ousin auvtw/|È” [...Quem é este, que manda até nos ventos e nas ondas,
e eles lhes obedecem?], (Lc 8, 25); “...ti,j de, evstin ou-toj peri. ou- avkou,w toiau/taÈ
[...Quem é esse, portanto, de quem ouço tais coisas], (Lc 9,9).
Diante do que está exposto acima, podemos afirmar que o autor usa a expressão
ti,j evstin, ou outras semelhantes, para referir-se à identidade de alguém, e, na maioria
dos casos, referindo-se especialmente à pessoa de Jesus.
Por fim, vale ressaltar a partícula demonstrativa ivdou.,, Eis! Eis pois, eis que.
Aparece 2 vezes no texto e 58 vezes em Lucas. Conforme Rius-Camps, os evangelistas
empregam a referida partícula com freqüência para concentrar a atenção na
personagem em torno da qual gira o relato
117
.
112
5, 21; 10, 22 (2x); 10, 29; 19, 3; 20, 2; 22, 64.
113
5, 21; 10, 22 (2x) e 19, 3.
114
20, 2.
115
10, 29.
116
22, 64.
117
Cf. RIUS-CAMPS, J. O Evangelio de Lucas: o Êxodo do homem livre.., p. 117-118. O referido autor, cita
ainda, exemplos de passagens onde a partícula ivdou é usada em Lucas: 2, 25; 5, 12; 7, 12. 37, entre outras. Veja
também SILVA, V. da. Eis meu servo: leitura do primeiro canto do servo do Senhor, segundo Is 42, 1-7.
Estudos Bíblicos. Petrópolis: n. 89, p. 46, 2006/1.
64
Além de ser usada para chamar a atenção para o personagem Zaqueu, a
partícula ivdou volta a se repetir no v. 8b, quando Zaqueu diz a Jesus: “ivdou. ta. h`mi,sia,
mou tw/n u`parco,ntwn( ku,rie, toi/j ptwcoi/j di,dwmi”, conforme tradução proposta
abaixo: [eis, Senhor, que dou a metade de meus bens aos pobres]. Da mesma forma,
nesta citação, ivdou. demonstra a importância da atitude de Zaqueu. No mais, o que
encontramos na perícope são os artigos e a partícula ouvk, ouv, não, que aparece 1 vez
no texto e 99 vezes em Lucas.
5. Estrutura do Texto
Para se referir à estrutura do texto, é interessante considerar a estrutura da obra
de Lucas, isto é, considerando Evangelho e Atos
118
, conforme proposta de Richard
119
,
a saber:
Prólogo histórico (Lc 1, 1-4) a toda a obra Lc-At
Prólogo teológico (Lc 1, 5 – 4, 13) a toda a obra Lc-At
A) Ministério de Jesus na Galiléia (Lc 4, 14 – 9, 50)
B) Subida de Jesus da Galiléia para Jerusalém (Lc 9, 51 – 19, 44)
C) Ministério de Jesus no Templo de Jerusalém (Lc 19, 45 – 21, 38)
118
“Ler a obra como um conjunto é uma chave interpretativa fundamental”, cf. RICHARD, P. O Evangelho de
Lucas... p. 8.
119
RICHARD, P.. O Evangelho de Lucas..., p. 7-36.
65
CENTRO: 1. Paixão e morte de Jesus (Lc 22 – 23)
2. Ressurreição de Jesus (Lc 24, 1-49)
3. Testamento de Jesus (Lc 24, 44-49 + At 1, 6-8)
4. Exaltação de Jesus: Ascensão (At 1, 9-11)
A) O movimento de Jesus em Jerusalém (At 1, 12 – 5, 42)
B) O movimento de Jesus de Jerusalém a Antioquia (At 6, 1 – 15, 35)
C) O movimento de Jesus de Antioquia a Roma (At 15, 36 – 28, 31)
Observa-se a exclusão de Lc 24, 50-53 e At 1, 1-5, os quais, segundo Richard,
seriam acréscimos posteriores.
Segundo o referido autor, a subida de Jesus da Galiléia para Jerusalém (Lc 9, 51
– 19, 44), pode ser dividida em quatro etapas, sendo que a perícope de Zaqueu (19, 1-
10), se situa na quarta etapa
120
, isto é: Lc 18, 31 – 19, 44, parte na qual, Jesus continua
subindo a Jerusalém passando por Jericó.
Percebe-se que Jesus toma consigo os Doze, em seguida refere-se à subida a
Jerusalém e faz o terceiro anúncio da paixão, mas os doze ainda não entendem nada
(Cf. 18, 31-34). Diante disso o texto apresenta dois encontros libertadores ainda em
Jericó (18, 35 – 19, 10): no caminho: um cego recupera a vista e segue Jesus (18, 35-
43)
121
; na casa: Zaqueu renuncia ao mau uso de sua riqueza (19, 1-10)
122
.
120
Cf. RICHARD, P. O Evangelho de Lucas..., p. 29.
121
Texto tomado de Mc 10, 46, 52, que ressalta a cura de outro cego, após o terceiro anúncio da paixão (10, 32-
34), completando assim, o bloco 8, 22 – 10, 52, que começa e termina com cura de um cego, sendo que ao longo
do bloco são feitas os três anúncios da paixão.
122
Caminho e casa, duas realidades paradigmáticas em Lucas, cf. RICHARD, P. O Evangelho de Lucas..., p. 30.
66
Levando em conta as considerações acima, compreende-se melhor a perícope
em estudo, que pode ser estruturada de forma a considerar também a aproximação de
Jerusalém, ponto culminante da longa viagem empreendida.
Assim como todo o bloco da subida de Jesus da Galiléia para Jerusalém (9, 51 –
19, 44) é marcado, a cada início de perícope por termos tipo:
123
VEn de. tw/| poreu,esqai
auvtou.j auvto.j eivsh/lqen...” [E aconteceu que, estando em viagem...], (Lc 10, 38); “Kai.
evge,neto evn tw/| ei=nai auvto.n...” [e estando ele em certo lugar...] ,(Lc 11,1); “Kai.
dieporeu,eto kata. po,leij kai. kw,maj...” [e atravessando cidades e aldeias...], (Lc 13,
22); também o texto de Lc 19, 1-10 pode ser dividido pelo uso dos mesmos termos,
sendo que a conclusão seria o diálogo entre Jesus e Zaqueu.
De fato, a perícope é marcada por este estilo: “E, tendo entrado em Jericó,
atravessava-a” (1a); “E, correndo adiante” (4a); “E vendo isso” (7a). Sendo assim,
podemos afirmar que (1a): “E, tendo entrado em Jericó, atravessava-a”, marca a
introdução da perícope; (4a): “E, correndo adiante”, e (7a): “E vendo isso”, marca o
desenvolvimento, sendo o diálogo Jesus e Zaqueu, a conclusão.
Há na narração uma introdução, pois a partir de 1a, o texto se refere ao encontro
com Zaqueu, sua colocação profissional na sociedade e o seu objetivo por estar ali no
caminho de Jesus.
Em seguida, a partir de 4a, o autor narra a forma que Zaqueu escolheu para ver
quem é Jesus: “subiu a um sicômoro”, a chegada de Jesus, o início do diálogo de Jesus
e Zaqueu e a conseqüente atitude de descer e receber Jesus. A essa parte, podemos
chamá-la de desenvolvimento.
123
Normalmente os verbos encontram-se no infinitivo ou particípio aoristo.
67
A partir de 7a, já aparece a reação de alguns por Jesus hospedar-se em casa de
um homem pecador. Em contrapartida aos que murmuravam, temos a conversão de
Zaqueu e o “veredicto” de Jesus. A essa parte, pode-se denominar conclusão. Vejamos
isso através de um breve esquema, na página seguinte:
68
I
N
T
R
O
D
U
Ç
Ã
O
1
E, tendo entrado em Jericó, atravessava-a.
2
E eis que um homem
chamado com o nome de Zaqueu, que era arquicobrador de impostos e era
rico:
3
procurava ver Jesus, quem é, e não podia por causa da multidão,
pois era de baixa estatura.
D
E
S
E
N
V
O
L
V
I
M
E
N
T
O
4
E, correndo adiante, subiu a um sicômoro para vê-lo, pois devia passar
por ali (Jesus).
5
E quando chegou ao lugar, tendo olhado para cima, Jesus
disse-lhe: Zaqueu, desce depressa, pois hoje, é necessário que eu fique em
tua casa.
6
E desceu depressa e o acolheu com alegria.
7
Vendo isso, todos
murmuravam dizendo que foi hospedar-se na casa de um homem pecador.
C
O
N
C
L
U
S
Ã
O
8
De pé, Zaqueu disse ao Senhor: eis, Senhor, que dou a metade de meus
bens aos pobres, e se defraudei alguém em alguma coisa, devolvo o
quádruplo.
9
Disse-lhe Jesus: hoje acontece a salvação nesta casa, na
medida em que este é filho de Abraão;
10
pois o Filho do Homem veio
para procurar e salvar o que estava perdido.
69
6. Tradução
Texto Grego tal como se encontra
na 27ª edição do Novum
Testamentum
Graece de Nestle-Aland
Tradução
1
Kai. eivselqw.n dih,rceto th.n VIericw,Å
1
E, tendo entrado em Jericó, atravessava-a.
2
Kai. ivdou. avnh.r ovno,mati kalou,menoj
Zakcai/oj( kai. auvto.j h=n avrcitelw,nhj
kai. auvto.j plou,sioj\
2
E eis que um homem chamado com o nome de
Zaqueu, que era arquicobrador de impostos e era
rico:
3
kai. evzh,tei ivdei/n to.n VIhsou/n ti,j
evstin kai. ouvk hvdu,nato avpo. tou/
o;clou( o[ti th/| h`liki,a| mikro.j h=nÅ
3
procurava ver Jesus, quem é, e não podia por
causa da multidão, pois era de baixa estatura.
4
kai. prodramw.n eivj to. e;mprosqen
avne,bh evpi. sukomore,an i[na i;dh| auvto.n
o[ti evkei,nhj h;mellen die,rcesqaiÅ
4
E, correndo adiante, subiu a um sicômoro para
vê-lo, pois devia passar por ali (Jesus).
5
kai. w`j h=lqen evpi. to.n to,pon
avnable,yaj o` VIhsou/j ei=pen pro.j auvto,n\
Zakcai/e( speu,saj kata,bhqi( sh,meron
ga.r evn tw/| oi;kw| sou dei/ me mei/naiÅ
5
E quando chegou ao lugar, tendo olhado para
cima, Jesus disse-lhe: Zaqueu, desce depressa, pois
hoje, é necessário que eu fique em tua casa.
6
kai. speu,saj kate,bh kai. u`pede,xato
auvto.n cai,rwnÅ
6
E desceu depressa e o acolheu com alegria.
7
kai. ivdo,ntej pa,ntej diego,gguzon
le,gontej o[ti para. a`martwlw/| avndri
eivsh/lqen katalu/saiÅ
7
Vendo isso, todos murmuravam dizendo que foi
hospedar-se na casa de um homem pecador.
8
staqei.j de. Zakcai/oj ei=pen pro.j
to.n ku,rion\ ivdou. ta. h`mi,sia, mou tw/n
u`parco,ntwn( ku,rie( toi/j ptwcoi/j
di,dwmi( kai. ei; tino,j ti evsukofa,nthsa
avpodi,dwmi tetraplou/naÅ
8
De pé, Zaqueu disse ao Senhor: eis, Senhor, que
dou a metade de meus bens aos pobres, e se
defraudei alguém em alguma coisa, devolvo o
quádruplo.
9
ei=pen de. pro.j auvto.n o` VIhsou/j o[ti
sh,meron swthri,a tw/| oi;kw| tou,tw
evge,neto( kaqo,ti kai. auvto.j
ui`o.j VAbraa,m evstin\
9
Disse-lhe Jesus: hoje acontece a salvação nesta
casa, na medida em que este é filho de Abraão;
10
h=lqen ga.r o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou
zhth/sai kai. sw/sai to. avpolwlo,jÅ
10
pois o Filho do Homem veio para procurar e
salvar o que estava perdido.
70
Capítulo II: Contexto
Neste segundo capítulo vamos tratar do contexto literário de Lc 19, 1-10 no
conjunto da obra lucana, o que é comumente chamado de sitz in der literatur
124
. Trata-
se de mostrar a função da perícope no desenvolvimento geral da obra
125
.
Apresentamos o plano do autor, isto é, a forma de organização geral da sua obra, o
escopo, pelo qual falamos da finalidade do autor ao escrever a obra. Isto tudo é o
contexto remoto. Em seguida, referimo-nos ao contexto próximo ou imediato, para
assim, constatar a articulação da perícope com a que precede e com a que segue.
No mesmo capítulo, apresentamos também um quadro do contexto histórico
que envolve a perícope em estudo. Procuramos partir de um contexto mais distante até
chegar ao contexto do dinheiro em Lucas, o que consideramos de fundamental
importância para este trabalho. Sendo assim, iniciamos pelo contexto helenístico,
depois helenístico-romano, situando os aspectos sociais e econômicos, de modo
especial a administração romana. Em seguida, tratamos do contexto lucano, situando a
influência do pensamento gnóstico
126
e concluímos o capítulo com a questão do
dinheiro no contexto de Lucas.
O contexto literário é imprescindível, pois, a partir
dele, compreende-se melhor a pretensão, a mensagem ou, se quisermos, o ensinamento
que o autor quer transmitir ao narrar a perícope.
124
Sitz in der literatur (Colocação literária), que “busca evidenciar as relações, manifestas ou latentes, entre o
texto que estudamos e as demais perícopes do mesmo livro”, cf. SILVA, C. M. D. da. Metodologia de Exegese
Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 275.
125
Cf. SILVA, C. M. D. da. Metodologia de Exegese Bíblica..., p. 272-273.
126
Procuramos demonstrar a relação do gnosticismo com a caminhada das comunidades, sobretudo no que diz
respeito a questões de salvação.
71
O estudo do contexto histórico é necessário, primeiro porque é regra geral para
o estudo teológico que, quanto mais conhecemos o contexto, melhor compreendemos
o texto, e, segundo, porque a teologia latino-americana, de modo especial, procura ler
a Bíblia em estreita relação com as realidades humanas em que estavam inseridas para
também aplicá-la com mais eficiência à realidade atual.
Para Arens, há uma situação concreta na comunidade lucana, a saber, um
conflito relacionado com as diferenças socioeconômicas entre seus membros
127
. Essa
constatação nos remete à questão do dinheiro, tema em pauta nesta dissertação.
1. Contexto literário
1. 1. Contexto literário remoto
A história de Zaqueu, que decide dar a metade de seus bens aos pobres e
restituir o quádruplo a quem defraudou (cf. Lc 19, 8), é exclusiva de Lucas. Ela está
em perfeita relação, não somente com o Evangelho segundo Lucas, mas com os
sinóticos em geral, pois, nos três evangelistas é notável a insistência na temática do
desapego às riquezas, condição fundamental para o seguimento de Jesus
128
.
127
Cf. ARENS, E. Ásia Menor nos tempos de Paulo, Lucas e João: aspectos sociais e econômicos para a
compreensão do Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 1998, p. 5.
128
Há várias passagens que colocam em destaque a temática do desapego às coisas materiais, sobretudo o
dinheiro: Mateus (o verdadeiro tesouro: 6, 19-21; Deus e o dinheiro: 6, 24; condições para seguir Jesus: 16, 24-
28; o moço rico: 19, 16-22; o perigo das riquezas: 19, 23-26); Marcos: (condições para seguir Jesus: 8, 34-38; o
homem rico: 10, 17-22; o perigo das riquezas: 10, 23-27); e, de modo especial, o próprio Lucas: (condições para
seguir Jesus: 9, 23-26; não entesourar: 12, 13-21; renúncia a todos os bens: 14, 28-35; o bom emprego do
dinheiro: 16, 9-13; os fariseus, amigos do dinheiro: 16, 14-15; o rico e o pobre Lázaro: 16, 19-31; o rico notável:
18, 18-23; o perigo das riquezas: 18, 24-27; e a própria história de Zaqueu: 19, 1-10).
72
Uma breve exposição sobre o escopo (qual tese o autor quer provar), e sobre o
plano da obra (divisões e subdivisões), nos oferece maior entendimento dos contextos
próximo e remoto da perícope analisada nesta dissertação
129
.
Neste sentido, Cristina Conti afirma:
“Lucas é um escritor muito talentoso e
cuidou de colocar os materiais que chegaram a ele nos lugares mais apropriados”
130
.
1. 1. 1. O escopo (tese do autor)
Lucas, no conjunto de sua obra, isto é, Evangelho e Atos, procura transmitir a
história dos fatos ocorridos entre nós... (Lc 1,1). Ele quer que a comunidade verifique
a solidez dos ensinamentos recebidos (Lc 1,4). Ensinamentos que consistem no fato da
salvação ter entrado na história. Assim, Lucas apresenta em sua obra a tese de que
Deus atua na história, realizando a salvação por meio de Jesus de Nazaré e da Igreja.
No início de sua obra, Lucas diz que deseja que “os leitores” verifiquem a
solidez dos ensinamentos (w-n kathch,qhj)
131
recebidos (cf. 1, 4), e no fim da obra,
volta a dizer que Paulo, “proclamava o reinado de Deus e ensinava (dida,skwn)
132
o
que diz respeito ao Senhor Jesus Cristo...” (At 28, 31).
Para Lucas, a História da Salvação pode ser dividida em três etapas
fundamentais: tempo da preparação, marcado pelo povo de Israel do AT até João
Batista; tempo da realização, que é tempo de Jesus de Nazaré e da Igreja, ou NT; e
tempo da plenitude escatológica, no fim da caminhada (Parusia).
129
Cf. sugestão metodológica de SILVA, C. M. D. da. Metodologia de exegese bíblica..., p. 276.
130
CONTI, C. O amor como práxis – estudo de Lucas 7, 36-50. Revista de Interpretação Latino-Americana,
Petrópolis: n. 44, p. 60, 2003/1.
131
O verbo kathce,w pode ter o significado neutro de “informar”, mas Lucas o emprega em sentido de “instruir”,
“ensinar”, mediante a palavra, oralmente, como se percebe, por exemplo, em At 18, 25.
132
Verbo dida,skw, usado com significado de “ensinar”, “instruir” , “demonstrar”, cf. Lc 5, 17 e At 18, 11.
73
O autor do Evangelho e dos Atos dos Apóstolos narra a História da Salvação,
apresentando a solidez dos ensinamentos e o caminho para os cristãos alcançarem a
salvação que chegou para toda humanidade: “kai. o;yetai pa/sa sa.rx to. swth,rion tou/
qeou/”, [e verá toda a carne a salvação de Deus],
( cf. Lc 3, 6)
133
.
1. 1. 2. O plano do autor
A História da Salvação é apresentada mediante um plano
134
.
Fitzmyer
135
apresenta em detalhes o esquema do Evangelho: o prólogo
136
, as
seções e subseções. Só não relacionamos as diversas perícopes. Vejamos através do
esquema que segue:
Prólogo
1. Um relato fidedigno; dedicatória a Teófilo (1, 1-4)
Primeira parte: relatos da infância (1, 5 - 2, 52)
I. Antecedentes do nascimento de João Batista e de Jesus (1, 5-56)
II. Nascimento e infância de João e de Jesus (1, 57 - 2, 52)
Segunda parte: Preparação do ministério público
de Jesus (3, 1 - 4, 13)
Terceira parte: ministério de Jesus na Galiléia (4, 14 - 9, 50)
I. Começo do ministério: Nazaré e Cafarnaum (4, 14 - 5, 16)
II. Primeiras controvérsias com os fariseus (5, 17 - 6, 11)
133
Em português ficaria melhor: “E toda a carne verá a salvação de Deus” (Lc 3, 6).
134
Constata-se que poucos autores tratam da obra lucana em seu conjunto, de modo que, normalmente se
encontra num autor somente a estrutura do Evangelho e noutro a estrutura do livro dos Atos dos Apóstolos.
135
Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 229-235.
136
Praticamente todos os autores assim o fazem.
74
III. Pregação de Jesus (6, 12-49)
IV. Atitudes frente ao ministério de Jesus (7, 1 - 8, 3)
V. A palavra de Deus: proclamação e aceitação (8, 4-21)
VI. Manifestação progressiva do poder de Jesus (8, 22 - 9, 6)
VII. Quem é este? (9, 7-36)
VIII. Cura e instruções diversas (9, 37-50)
Quarta parte: Viagem para Jerusalém (9, 51 - 19, 27)
I. Narração lucana da viagem (9, 51 - 18, 14)
a) Jesus a caminho para Jerusalém: primeira menção e
episódios subseqüentes (9, 51 - 13, 21)
b) Jesus a caminho de Jerusalém: segunda menção e
episódios subseqüentes (13, 22 - 17, 10)
II. Narração sinótica da viagem (18, 15 - 19, 27)
Quinta parte: ministério de Jesus em Jerusalém (19, 28 - 21, 38)
Sexta parte: relato da paixão (22, 1 - 23, 56a)
I. Acontecimentos preliminares (22, 1-38)
II. Paixão, morte e sepultura de Jesus (22,39 - 23, 56a)
Sétima parte: relatos da ressurreição (23,56b - 24, 53)
As perícopes são enumeradas seqüencialmente dentro das seções ou subseções,
totalizando 169, sendo que a primeira parte possui 9 perícopes; a segunda, 6; a
terceira, 42; a quarta, 68; a quinta, 19; a sexta, 20; e a sétima, 5 perícopes. Ressalta-se,
justamente a parte denominada viagem para Jerusalém, com 68 perícopes, entre elas, a
perícope de Zaqueu (19, 1-10).
75
Para corresponder ao esquema apresentado por Fitzmyer, fazemos uso, na
seqüência, da divisão proposta por Kurtz
137
, para assim, termos um esboço completo
da obra lucana. Em seguida, apresentamos dois exemplos de autores que fizeram o
esquema de toda a obra.
Em comparação a Fitzmayer, Kurtz, em seu comentário ao livro dos Atos dos
Apóstolos, apresenta um esquema mais sintetizado. Há uma introdução formada pelo
prólogo e pela ascensão de Jesus ao céu (Jesus elevado ao céu, conforme autor), e em
seguida, assim como Fitzmyer com o Evangelho segundo Lucas, sete partes,
preenchidas pelas diversas perícopes
138
.
Esquematicamente, temos o seguinte quadro:
Introdução (1, 1 - 11)
I. origem e crescimento da Igreja em Jerusalém, por
Intermédio do Espírito Santo (1, 12 - 8, 3)
II. Perseguição e expansão na Judéia e em Samaria (8, 4 - 9, 31)
III. Aos pagãos: Pedro e Cornélio, Barnabé e Saulo,
a Assembléia de Jerusalém (9, 32 - 15, 35)
IV. Missão de Paulo para os pagãos: a segunda viagem (15, 36 - 18, 23)
V. Destino de Paulo em Jerusalém: a terceira viagem (18, 24 - 21, 14)
VI. Prisioneiro, Paulo dá testemunho da ressurreição (21, 15 - 26, 32)
VII. É preciso que em Roma testemunhes igualmente (27, 1 - 28, 31)
137
Cf. KURTZ, W. S. Atos dos Apóstolos. In BERGANT, D., CSA & KARRIS, J. R., OFM (org). Comentário
Bíblico. Vol. III. São Paulo: Loyola, 1999, p. 146-174.
138
Além do esquema apresentado por Kurtz, podemos consultar outros, tais como o quadro do plano de Atos dos
Apóstolos, apresentado por SAOÛT, Y. Atos dos Apóstolos: ação libertadora. São Paulo: Paulinas, 1991, p. 333-
334.
76
Mas para se ter um quadro completo da obra lucana, é oportuno apresentar a
organização elaborada por Kümmel
139
.
Após o prólogo (1, 1-4), o referido autor divide o texto do evangelho em cinco
partes, seguidas das perícopes correspondentes. A delimitação das partes segue
basicamente o critério geográfico (da Galiléia para Jerusalém). Vejamos:
Prólogo (1, 1-4)
Primeira parte: a pré-história (1, 5 - 4, 13)
Segunda parte: atividade de Jesus na Galiléia (4, 14 - 9, 50)
Terceira parte: jornada para Jerusalém (9, 51 - 13, 30)
Quarta parte: retomada da caminhada para Jerusalém (13, 31 - 19, 27)
Quinta parte: Jesus em Jerusalém (19, 28 - 24, 53).
Para o texto dos Atos dos Apóstolos, Kümmel apresenta o mesmo esquema,
inclusive com a mesma quantidade de partes, como se vê no esquema que segue:
Prólogo (1, 1-14)
Primeira parte: A Igreja de Jerusalém (1, 15 - 8, 3)
Segunda parte: propagação do Evangelho na Samaria
e nas regiões costeiras (8,4 - 11, 18)
Terceira parte: propagação do Evangelho até Antioquia
e, em seguida, para além de Antioquia (11, 19 - 15, 35)
Quarta parte: propagação do Evangelho nas terras
circunjacentes ao mar Egeu (15, 36 - 19, 20)
Quinta parte: propagação do Evangelho desde
Jerusalém até Roma (19, 21 - 28, 31).
139
KUMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento..., p. 151- 155.
77
A estruturação proposta por Richard
140
, conforme apresentamos no capítulo 1, é
uma referência de uma organização geográfico-teológica, sendo que, o prólogo de Lc
1,1 – 4, 13, seria um prólogo a toda a obra lucana e, de cunho histórico e teológico.
Há vários comentários sobre a estruturação da obra lucana, mas para o objetivo
deste trabalho é suficiente dizer que Lucas narra a história da salvação, apresentando a
solidez dos ensinamentos e o caminho da salvação que chegou para toda humanidade,
dando ênfase à insistência na temática do desapego às riquezas, condição fundamental
para o seguimento de Jesus.
O texto de Lc 19, 1-10 está relacionado com a narração da “subida” a
Jerusalém, com o tema de bom uso ou desapego do dinheiro e a missão de Jesus de
acolher e salvar os que se haviam perdidos.
Podemos constatar, ligações remotas da perícope de Lc 19, 1-10, inclusive com
a segunda parte de sua obra (Atos)
141
, sobretudo, no que se refere ao desapego e ao
bom uso do dinheiro.
Antes de tomar resolutamente a decisão de tomar o caminho de Jerusalém (cf.
Lc 9, 51), e logo após fazer o primeiro anúncio da paixão (Lc 9, 22), Jesus já havia
colocado na “lista” de condições para segui-lo, a renúncia a si mesmo, alertando que
de nada aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder e arruinar a si mesmo
(cf. Lc 9, 23-25).
No capítulo 12, Lucas apresenta Jesus orientando o homem a não colocar sua
segurança nos bens (cf. Lc 12, 13-21), mas ao contrário, abandonar-se à providência
(Lc 12, 22-32). Segue duas expressões imperativas: “Pwlh,sate ta. u`pa,rconta u`mw/n
140
RICHARD, P. O Evangelho de Lucas..., p. 8.
141
Talvez a denominação Atos de Apóstolos fosse mais adequada, uma vez que o livro, refere-se basicamente
aos atos de Pedro e Paulo.
78
kai. do,te evlehmosu,nhn\ poih,sate e`autoi/j balla,ntia mh. palaiou,mena( qhsauro.n
avne,kleipton evn toi/j ouvranoi/j( o[pou kle,pthj ouvk evggi,zei ouvde. sh.j diafqei,rei
[Vendei os vossos bens e daí esmola. Fazei para vós bolsas que não fiquem velhas,
tesouro nos céus que não se acaba, onde o ladrão não chega e a traça não rói], (cf. Lc
12, 33). E conclui: “o[pou ga,r evstin o` qhsauro.j u`mw/n( evkei/ kai. h` kardi,a u`mw/n e;stai
[porque onde está o vosso tesouro, aí também o vosso coração estará], (cf. Lc 12, 34).
Antes das parábolas da misericórdia de Deus para com os perdidos, como se lê
abaixo, o evangelista ainda expõe uma vez mais, o ensinamento de Jesus sobre a
necessidade das renúncias, (cf. Lc 14, 25-33). A conclusão é clara: “ou[twj ou=n pa/j evx
u`mw/n o]j ouvk avpota,ssetai pa/sin toi/j e`autou/ u`pa,rcousin ouv du,natai ei=nai, mou
maqhth,j” [Assim, pois, todo aquele que não renunciar a tudo quanto possui, não pode
ser meu discípulo], (cf. Lc 14, 33).
O capítulo 16 trata
142
do problema da atitude dos cristãos ante os bens terrenos.
Em Lc 16, 1-15, temos três pequenas perícopes claramente conexas à perícope de
Zaqueu (Lc 19, 1-10). Tal evidência se dá pelas temáticas: parábola do administrador
infiel, o bom emprego do dinheiro e reprovação da avareza dos fariseus. Na perícope
sobre o bom emprego do dinheiro (Lc 16, 9-13), encontramos o vocábulo mamwna/
[dinheiro]
143
, expressão conhecida da literatura judaica
144
, e que aparece três vezes só
nesta pequena perícope
145
. Na última perícope (Lc 16, 14-15), os fariseus também são
chamados amigos do dinheiro: “ oi` Farisai/oi fila,rguroi”, (cf. Lc 16, 14).
142
Exceção das três breves sentenças dos versículos 16-18, cf. SCHMID, J. El Evangelio Segun San Lucas.
Barcelona: Herder, 1968, p. 368.
143
El Mammón puede ser calificado de ‘injusto’ por ir unido com él, por lo general, si no em cada caso
particular, según muestra la experiência cotidiana, la injusticia (Cf. Eclo 27, 2), sea que haya sido adquirido de
manera injusta o empleado para fines egoístas”, cf. SCHMID, J. El Evangelio Segun San Lucas..., p. 374.
144
Por exemplo, 1Hen 63, 10; Cf. Eclo 5, 8. Veja também SCHMID, J. El Evangelio Segun San Lucas..., p. 374.
145
16, 9. 11. 13.
79
Em Lc 16, 19-31, encontramos a parábola do rico ostentoso e o mendigo
Lázaro
146
. O relato é uma conclusão muito apropriada para o tema que já fora
desenvolvido. A conexão com o texto dessa dissertação se dá, principalmente pelo
predomínio, uma vez, da temática: riqueza e modo de usar dos bens nesta vida. Quanto
ao vocabulário, a repetição do termo plou,sioj não deixa dúvidas: “:Anqrwpoj de, tij
h=n plou,sioj.” [um homem que era rico], (cf. Lc 16, 19). O adjetivo reaparecerá outras
duas vezes na mesma perícope (Lc 16, 21. 22).
As conexões remotas mais próximas se dão com a perícope sobre o rico notável
(18, 18-23), seguida do ensinamento sobre o perigo das riquezas (Lc 18, 24-27) e
também com a perícope sobre a recompensa prometida ao desapego (Lc 18, 28-30). O
vocabulário, uma vez mais, é esclarecedor: “Kai. evphrw,thse,n tij auvto.n a;rcwn” [e
certo homem de posição lhe perguntou], (cf. Lc 18, 18a); “...h=n ga.r plou,sioj sfo,dra
[pois era muito rico], (cf. Lc 18, 23b); “...pw/j dusko,lwj oi` ta. crh,mata e;contej eivj
th.n basilei,an tou/ qeou/ eivsporeu,ontai” [quão dificilmente os que têm riquezas
entrarão no Reino de Deus!], (cf. Lc 18, 24b); “Ei=pen de. o` Pe,troj\ ivdou. h`mei/j
avfe,ntej ta. i;dia hvkolouqh,same,n soi” [Disse, então, Pedro: “Eis que nós deixamos
tudo e te seguimos!], (cf. Lc 18, 28).
As três perícopes citadas, tendo como tema a riqueza e o desapego, fazem a
conexão com Lc 19, 1-10.
Também há conexões quando o tema é a missão de Jesus de acolher e salvar os
que estavam perdidos (os pecadores). As parábolas dos perdidos no capítulo 15: a
ovelha perdida (Lc 15, 4-7), a moeda perdida (Lc 8-10) e o filho perdido (15, 11-32),
146
Sugerimos estudo sobre a referida parábola, cf. ROCHA, A. R. Parábola: palavra encenada. Exercício
interdisciplinar de leitura da Bíblia a partir de Lucas 16, 19-31. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 92, p. 71- 82,
2006/4.
80
situadas no coração do terceiro Evangelho
147
, se conectam, segundo algumas opiniões,
tais como de FItzmyer
148
, a todo um bloco que pode ir até mesmo ao capítulo 19, 27
149
,
incluindo então, a perícope de Zaqueu (Lc 19, 1-10)
O uso do verbo avpo,llumi [perder] também evidencia a ligação da perícope de
Zaqueu (Lc 19, 1-10) com as perícopes remotas, mas sobretudo, com o capítulo 15,
uma vez que o referido verbo, das nove vezes
150
em que aparece no Evangelho, sete
vezes são no bloco 15, 1 – 19, 27 até definir claramente o ministério de Jesus: “h=lqen
ga.r o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou zhth/sai kai. sw/sai to. avpolwlo,j” [pois o Filho do Homem
veio para procurar e salvar o que estava perdido]
151
, (v.10). A partir desse momento
não aparecerá mais.
Conexões remotas podem ser constatadas ainda, ao verificarmos a reação dos
fariseus e doutores da lei, que desde o capítulo 5, murmuram contra Jesus
152
. Em Lc
5,30 lemos: “kai. evgo,gguzon oi` Farisai/oi kai. oi` grammatei/j (e murmuravam os
fariseus e os escribas). Observa-se o verbo “goggu,zw” [murmurar], que também
147
Expressão cunhada por Ramaroson, L. Lê coeur du troisième évangile: Lc 15: Bib 60.1979, 248-260), cf.
FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. II. Madrid: Cristandad, 1987, p. 648.
148
Sin embargo, las três parábolas Del capítulo 15 formam parte integrante de uma unidad más amplia, dentro
de la narración Del viaje de Jesús a Jerusalén, que comienza em este capítulo y se prolonga hasta el final Del
relato; dede luego, hasta Lc 18, 14, fin de la narración especificamente lucana, y probablemente hasta la
conclusión Del viaje com la entrada em Jerusalén, es decir, hasta Lc 19, 27”, Cf. FITZMYER, J. A. El
Evangelio según Lucas. Vol. III…, p. 648.
149
T. W. MANSON (The Sayings of Jesus as Recorded in the Gospel according to St. Matthew and St. Luke,
282), denomina el conjunto de esta sección como él Evangelio de los marginados…”, cf. FITZMYER, J. A. El
Evangelio según Lucas. Vol. III…, p. 648.
150
Lc 6, 9; 9, 25; 15, 4. 6. 8. 24. 32; 17, 27; 19, 10.
151
Mas é preciso lembrar que a ação de Jesus de acolher e salvar os perdidos (pecadores)s não se iniciou com as
parábolas, nem ficou sem reação violenta dos fariseus e doutores da lei. Neste sentido, é preciso perceber que sua
missão de libertar já se coloca no início de seu ministério (cf. Lc 4, 18-19) e segue por todo o Evangelho,
enfatizando-se sempre o perdão dos pecados, como por exemplo, Lc 5, 20b:a;nqrwpe( avfe,wntai, soi ai`
a`marti,ai sou” [Homem, perdoados estão teus pecados].
152
Refeição na casa de Levi com os pecadores (Lc 5, 29-32).
81
aparece em Lc 19, 7a, acrescido da preposição dia,: “kai. ivdo,ntej pa,ntej diego,gguzon
le,gontej” [e vendo isso, todos murmuravam dizendo]
153
.
Por fim, vale ressaltar a conexão com a segunda parte da obra lucana, isto é,
com o livro dos Atos dos Apóstolos. Neste sentido, pode-se afirmar que, se o
Evangelho segundo Lucas apresenta os ensinamentos sobre o Reino de Deus, que já
acontece na ação de Jesus, e, entre estes ensinamentos, sobressai a renúncia aos bens
materiais, nos atos dos Apóstolos se encontra a concretização na vida das comunidades
deste mesmo Reino, inclusive no que diz respeito à renúncia aos bens materiais.
As atitudes dos primeiros cristãos comprovam que a proposta de renúncia aos
bens materiais, de desapego ao dinheiro tornou-se realidade em suas vidas. No capítulo
2, perícope sobre o modo da primeira comunidade cristã viver a fé, se lê: “pa,ntej de. oi`
pisteu,ontej h=san evpi. to. auvto. kai. ei=con a[panta koina” [todos os que tinham
abraçado a fé reuniam-se e colocavam tudo em comum], (cf. At 2, 44). E também:
kai. ouvde. ei-j ti tw/n u`parco,ntwn auvtw/| e;legen i;dion ei=nai avllV h=n auvtoi/j a[panta
koina,” [e ninguém dizia que o que possuía era exclusivamente seu, mas todas as
coisas lhes eram comuns], (At 4, 32b).
Como que insistindo no modo de viver da primeira comunidade, uma nova
perícope (At 4, 32-37), expõe de modo inequívoco, a renúncia, a generosidade,
inclusive no que diz respeito ao dinheiro. Parece-me oportuno expor integralmente a
referida perícope, com a respectiva tradução:
32
Tou/ de. plh,qouj tw/n pisteusa,ntwn h=n kardi,a kai. yuch. mi,a( kai. ouvde. ei-j
ti tw/n u`parco,ntwn auvtw/| e;legen i;dion ei=nai avllV h=n auvtoi/j a[panta koina,Å
33
kai.
153
Apesar de o texto de Lc 19, 7a se referir a “pa,ntej” [todos], e não a “oi` Farisai/oi kai. oi` grammatei/j” [os
fariseus e os escribas), (cf. Lc 5, 30), é certa a ligação de 5, 30 com 19, 7a, pois a murmuração, em todo o
evangelho é própria dos fariseus e escribas.
82
duna,mei mega,lh| avpedi,doun to. martu,rion oi` avpo,stoloi th/j avnasta,sewj tou/ kuri,ou
VIhsou/( ca,rij te mega,lh h=n evpi. pa,ntaj auvtou,jÅ
34
ouvde. ga.r evndeh,j tij h=n evn auvtoi/j\
o[soi ga.r kth,torej cwri,wn h' oivkiw/n u`ph/rcon( pwlou/ntej e;feron ta.j tima.j tw/n
pipraskome,nwn
35
kai. evti,qoun para. tou.j po,daj tw/n avposto,lwn( diedi,deto de. e`ka,stw|
kaqo,ti a;n tij crei,an ei=cenÅ
36
VIwsh.f de. o` evpiklhqei.j Barnaba/j avpo. tw/n avposto,lwn(
o[ evstin meqermhneuo,menon ui`o.j paraklh,sewj( Leui,thj( Ku,prioj tw/| ge,nei(
37
u`pa,rcontoj auvtw/| avgrou/ pwlh,saj h;negken to. crh/ma kai. e;qhken pro.j tou.j po,daj
tw/n avposto,lwn” [
32
Grande número dos que haviam crido era um só coração e uma só
alma, e ninguém dizia que o que possuía era exclusivamente seu, mas todas as coisas
lhes eram comuns.
33
E com grande poder, os apóstolos davam o testemunho da
ressurreição do Senhor, e graça em todos eles era abundante.
34
Não havia entre eles
necessitado algum. De fato, os que possuíam campos ou casas, vendendo-os, traziam
os valores das vendas
35
e os depositava aos pés dos apóstolos. E repartia-se a cada
um, segundo a necessidade.
36
José, cognominado pelos apóstolos, Barnabé, que quer
dizer “filho da consolação”, era levita originário de Chipre.
37
Possuindo um campo,
vendeu-o e trouxe o valor, depositando-o aos pés dos apóstolos], (At 4, 32-37).
É oportuno ressaltar aqui o comentário de Schökel ao referido texto: “É
coerente com a atitude de Lucas evangelista com respeito a riquezas e bens (Lc 6, 24;
9, 3; 10, 4; 12, 16-21; 16, 19-31). Segue o exemplo de Jesus, vivido também pelos
discípulos”
154
.
Podemos, assim, constatar a conexão temática entre Evangelho segundo Lucas e
Atos dos Apóstolos
155
, inclusive no que diz respeito a riquezas e bens, aos quais
154
Cf. BÍBLIA DO PEREGRINO, Ad (At 4, 32-35), nota.
155
“Lucas nos diz que no evangelho ele quis tratar de “tudo o que Jesus fez e ensinou, desde o começo até o dia
em que ..... foi elevado” (At 1, 1-2). Pode-se, pois esperar que ele no “segundo livrová nos falar do que se
83
Zaqueu foi capaz de renunciar, colaborando assim com o processo de salvação que
acontece em sua casa.
Concluindo, a perícope de Lucas 19, 1-10, ao apresentar Zaqueu que renuncia a
metade de seus bens em favor dos pobres e restitui o quádruplo a quem defraudou (cf.
Lc 19, 8), está em relação com todo o conjunto da obra lucana, que ressalta a
necessidade da renúncia, como atitude fundamental, da parte humana, para a salvação
acontecer.
1. 2. Contexto literário próximo
Sobre o contexto próximo
156
, apresentamos a perícope imediatamente anterior
(Lc 18, 35-43), que se refere ao cego curado por Jesus na entrada de Jericó. Há várias
referências na perícope que atestam o vínculo com o texto da dissertação (Lc 19, 1-
10).
A história narrada em Lc 18, 35-43, apresenta Jesus chegando a Jericó:
VEge,neto de. evn tw/| evggi,zein auvto.n eivj VIericw.”, [e aconteceu que, chegando ele perto
de Jericó] enquanto que em Lc 19, 1, Jesus já entrou e está passando por Jericó: “Kai.
eivselqw.n dih,rceto th.n VIericw
,
, [E, tendo entrado em Jericó, atravessava-a]. O
vínculo se dá pela evidente seqüência da caminhada
157
.
passou depois, precisamente dos Atos dos apóstolos escolhidos e instruídos por Jesus...”, cf. VV.AA. In
Cadernos Bíblicos: uma leitura dos Atos dos Apóstolos.. São Paulo: Paulinas, 1983, p. 17.
156
Também chamado contexto imediato. Trata-se da articulação da perícope que estudamos com a que
imediatamente a precede e com a que imediatamente a segue”, Cf. SILVA, C. M. D. da. Metodologia de exegese
bíblica..., p. 275.
157
Não pretendo discutir neste trabalho se a caminhada, assim como a subida a Jerusalém, se trata de caminhada
geográfica ou teológica.
84
Os vínculos entre as perícopes sobre Zaqueu e o cego podem também ser
constatados por três antíteses:
a) Zaqueu que procura ver quem é Jesus (3a) e o cego (tuflo,j) que,
obviamente não pode ver Jesus, ou, representa aqueles que não querem ver Jesus.
b) Pela multidão que, para Zaqueu, dificulta ver quem é Jesus (Lc 19, 3b), mas
que para o cego, é o “sinal” que o leva a perguntar o que era aquilo “evpunqa,neto ti, ei;h
tou/to”, (cf. Lc 18, 36). Interessante que, Zaqueu procura uma pessoa e o cego pergunta
por uma coisa “tou/to”, [aquilo]!
c) Por todas as pessoas presentes (adjetivo pa,ntej), que no caso de Zaqueu,
murmuravam (7a), e no caso do cego, dava louvores a Deus (cf. 18, 43).
O vínculo também pode ser constatado pelo tema da salvação. Na perícope de
Zaqueu Jesus diz: o[ti sh,meron swthri,a tw/| oi;kw| tou,tw evge,neto[hoje acontece a
salvação nesta casa], ( 9b), e para o cego: “...avna,bleyon\ h` pi,stij sou se,swke,n seÅ
[Vê de novo; a fé tua te salvou], (Lc 18, 42b).
A relação da perícope de Zaqueu (Lc 19, 1-10), com a que a precede (Lc 18, 35-
43), como se constata, é de continuidade.
Quanto à perícope que segue imediatamente à de Zaqueu, a saber, a parábola
das minas (Lc 19, 11-28)
158
, constatamos a princípio, mudança de assunto, uma vez
que se passa da narrativa do encontro entre Jesus e Zaqueu para uma parábola,
conforme se vê na delimitação do texto. Não obstante, o vínculo acontece pelo fato de
158
Também chamada de parábola das moedas de ouro, que, na verdade, significa o dinheiro entregue aos
empregados. Em Atenas, uma mina equivalia a cem dracmas, na Palestina a cinqüenta siclos de prata; uma
quantidade moderada que contrasta com a enormidade da recompensa. Cf. BÍBLIA DO PEREGRINO, Ad (19,
13), nota.
85
tratar de dinheiro. As minas significam dinheiro
159
: de,ka mna/j (dez minas) = mil
denários (
Cf. Lc 19, 13).
Em Lc 19,11a, se lê: Akouo,ntwn de. auvtw/n tau/ta...[ouvindo eles estas
coisas], e também: “...dia. to. evggu.j ei=nai VIerousalh.m auvto.n” [como estava próximo
de Jerusalém” (Lc 19, 11c). Expressões que sucedem imediatamente a conclusão da
história de Zaqueu e expressam a ligação
160
.
Se, por um lado há dados que caracterizam uma nova perícope, por outro há
elementos que interligam as perícopes.
Há também uma “continuidade geográfica”
161
, pois na perícope anterior à de
Zaqueu, Jesus se aproximava de Jericó (cf. 18, 35), na perícope de Zaqueu, Jesus
atravessava Jericó (Lc 19, 1), no início da perícope sobre as parábolas das minas, Jesus
estava perto de Jerusalém (Lc 19, 11) e no fim da mesma perícope, uma “litúrgica
conclusão, a qual, confirma mais uma vez a “seqüência geográfica”: “Kai. eivpw.n
tau/ta evporeu,eto e;mprosqen avnabai,nwn eivj ~Ieroso,luma” [e, tendo dito isto, caminhava
à frente, subindo em direção a Jerusalém], (Lc 19, 28).
Além da questão do uso do dinheiro e da “seqüência geográfica”, percebemos o
tema da salvação, que também relaciona as perícopes, pois assim como a salvação
entra na casa de Zaqueu, que em sua vida soube renunciar ao mau uso do dinheiro, a
159
Sabe-se que uma das problemáticas da comunidade é a questão do dinheiro, problemática esta, expressa
inúmeras vezes, inclusive na perícope de Zaqueu, um arquicobrador de impostos e rico, ou, noutras palavras,
possuidor de muito dinheiro.
160
Entretanto, é preciso dizer, há uma aparente contradição, pois em Lc 19, 5-6 se lê que Jesus deseja hospedar
em casa de Zaqueu, e que este desce e o recebe alegremente, o que contradiz com a narração de Lc 19, 11:
“Como a multidão o escutasse, acrescentou uma parábola, pois estavam perto de Jerusalém...”. A esse respeito
é preciso citar a opinião de Richard, que defende a importância de ler Lc 19, 11-27 em continuação a Lc 18, 31-
34, sendo que os encontros libertadores do cego e de Zaqueu, um no caminho e outro em casa, expressariam
justamente o significado de caminho e casa no Evangelho segundo Lucas, isto é, duas realidades paradigmáticas.
De qualquer modo, a inclusão desses dois episódios, reforçariam a mensagem do bloco em questão: a
necessidade de se libertar do mau uso do dinheiro.
161
Considerando a literalidade do texto. Não é interesse, neste ponto, discutir o sentido ou a coerência das
citações geográficas feita por Lucas.
86
parábola das minas (Lc 19, 11-28), apresenta como os discípulos ou a comunidade,
devem estar vigilantes contra o perigo de uma vida dissoluta
162
, inclusive no que se
refere ao uso do dinheiro, para não serem pegos de surpresa a qualquer momento.
O tema da salvação na perícope, a ser concedida ou não pelo rei quando voltar,
é interpretada de modo singular por Augustin George:
No limiar da terceira parte do evangelho, esta parábola e a cena seguinte proclamam o
acontecimento da páscoa como, no início da missão, o episódio de Nazaré (4, 16-30)
prefigurava a salvação oferecida por Jesus e recusada por Israel
163
.
Por se referir à possibilidade ou não da salvação, a parábola das minas nos
remete aos assuntos desenvolvidos nas perícopes anteriores porque deixa entrever a
necessidade de administrar bem as coisas de Deus para receber mais dons, por que não
dizer, o maior deles: a salvação
164
.
Jesus veio salvar a todos, e de modo especial os pecadores, mas cabe aos
mesmos uma decisão em favor da pessoa de Jesus, de seu projeto. Cabe a conversão
para a participação no reino.
A parábola sobre as minas reforça a idéia de adesão aos ensinamentos do
homem de nobre origem, para a participação na vida divina, isto é, para a salvação.
162
Interpretação que se encontra na terceira versão desta perícope, a saber, no Evangelho aos Nazareus, apócrifo.
Evangelho em aramaico, do qual só se conhecem alguns textos e deve ter surgido na primeira metade do século
2. A primeira versão seria Mt 25, 14-30 e a segunda, o texto de Lucas citado acima (10, 11-27). Cf. JEREMIAS,
J. As parábolas de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1980.
163
GEORGE, A. Cadernos Bíblicos: leitura do Evangelho segundo Lucas..,, p. 40.
164
O referido pensamento combina com a mensagem da perícope: se os servos que se ocuparam devidamente
com as tarefas determinadas pelo homem que saiu para ser nomeado rei, participam do governo no reino celeste,
se não o fizeram e, pior ainda, resistiram à missão do rei, serão condenados e executados. Também é oportuno
esclarecer que o pensamento acima, de modo algum, cai em algum pelagianismo
164
, ou, noutras palavras, em
conquista por mérito apenas, uma vez que o ponto de partida na referida passagem bíblica já é dom, graça:
kale,saj de. de,ka dou,louj e`autou/ e;dwken auvtoi/j de,ka mna/j...” [chamando dez de servos seus, deu-lhes dez
minas...” (19, 13a). A gratuidade divina na concessão de dons pode ser notada pelo verbo e;dwken, di,dwmi, dar
(cf. Lc 19, 13).
87
Conformando-nos às constatações acima, concluímos que a perícope de Zaqueu
está bem inserida no contexto do Evangelho segundo Lucas, uma vez que está
relacionada com as passagens imediatas.
2. O contexto histórico
Conforme observa Lohse, “O Evangelho foi proclamado em um determinado
lugar e tempo da história”
165
, porém, mais do que isso, é preciso notar que em nossos
dias a consideração do contexto histórico se exige porque os textos bíblicos estão
separados por quase dois milênios de nossa geração
166
e foram concebidos com
determinada mentalidade e expressos mediante uma linguagem muito diferente da
nossa
167
.
Sabemos que a mensagem cristã não ficou restrita ao ambiente judaico, mas
irradiou-se, muito cedo, para além das fronteiras da Palestina, entrando em contato
com o ambiente helenístico-romano. Tal constatação exige que façamos uma breve
reflexão sobre o contexto histórico que marca o desenvolvimento do judaísmo, para
então, compreender as raízes da fé cristã e o ambiente cultural helenístico-romano,
considerando-se, porém, que não há uma nítida separação dos dois ambientes, como
propõe Eduard Lhose
168
. De fato, Jesus Cristo e a Igreja entraram de modos diversos
165
LOHSE, E. Contexto e ambiente do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 6.
166
Podemos afirmar que não sintetizar bem o contexto histórico compromete seriamente a mensagem pretendida
pelo autor bíblico. Ao contrário, expor a realidade histórica de um escrito, nos ajuda a aproximar mais fielmente
da genuína mensagem que o autor quis transmitir. Por isso, essa tarefa é de fundamental importância.
167
Cf. MARCONCINI, B. Os Evangelhos sinóticos; formação, redação, teologia. São Paulo: Paulinas, 2001, p.
3.
168
LOHSE, E. Contexto e ambiente do Novo Testamento..., p. 6.
88
em contato não somente com o judaísmo, mas também com o helenismo e o Império
Romano
169
.
Conforme algumas teses modernas, o Evangelho segundo Lucas é uma
proclamação em forma de relato e com terminologias normalmente usada pelos
literatos e historiadores helenistas. Noutras palavras, ele formula a proclamação cristã
em termos de história de salvação, como declara que Fitzmyer
170
.
A obra lucana tem uma perspectiva histórica
171
e percebemos isso por causa do
uso, no início do Evangelho, do termo dih,ghsin, dih,ghsi,j
[relato, narração], (Lc 1, 1),
diferentemente de Marcos, que usa o termo euvaggeli,ou, euvagge,lion [Boa Notícia], (Mc
1, 1). Fitzmayer considera a não utilização do termo de Marcos como sendo uma
indicação de que Lucas quer suscitar a atenção do leitor para captar as implicações
históricas da narração
172
.
Quando se fala de contexto histórico do NT é preciso pensar numa realidade
muito variada e complexa, pois no próprio NT há evidências desta complexidade
histórica
173
.
Os horizontes do longo itinerário histórico vão se alargando aos poucos,
começando, se é que se pode colocar um ponto de partida exato, pelo judaísmo pós-
exílico, passando por toda influência helenística e finalmente pelos desdobramentos e
169
Cf. REICKE, B. I. História do tempo do Novo Testamento: o mundo Bíblico de 500 a. C. até 100 d. C. São
Paulo: Paulus, 1996, p. 5.
170
“Hay que reconocer que así es, en realidad”, cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p.
299.
171
Para melhor esclarecimento da questão do valor histórico dos escritos atribuídos a Lucas e da sua perspectiva
histórica, pode-se fazer uso de ampla exposição de FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 38
– 44 e 286 – 322.
172
Pues Bien, el hecho es que el evangelista Lucas no utiliza euangelion, sino diégésis; es más, al colocar este
último término prácticamente como título de toda su obra, Lucas no solo da a sua relato una dimensión
literária, sino que, al mismo tiempo, suscita la atención del lector para que pueda captar las implicaciones
historicas de la narración”, cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 290.
173
O próprio Novo Testamento oferece evidências de que a história das primeiras comunidades cristãs foi um
processo complexo e cheio de controvérsias e decisões difíceis”, cf. KOESTER, H. Introdução ao Novo
Testamento. Vol. II, prefácio à segunda edição.
89
complexidades do Império Romano, o qual, é preciso dizer, também traz em si, a
herança grega.
2. 1. Contexto helenístico
Constamos que desde o tempo de Alexandre Magno
174
a Palestina se encontrava
sob domínio Grego e com isso, sob forte influência da cultura helenística. As
comunidades cristãs surgiram, muitas vezes de círculos das sinagogas helenísticas, de
modo que o cristianismo primitivo recebeu forte influência do judaísmo helenístico
175
.
Mas também podemos considerar que desde o exílio babilônico, quando se
costuma situar o início da história do judaísmo, a Palestina sempre foi dominada pelos
grandes impérios que sucessivamente dominaram o Oriente Próximo, sobretudo em
termos políticos. Enumeram-se os impérios Babilônico, Persa, Egípcio, Grego e
Romano.
Adotando políticas e táticas diferentes, as primeiras nações dominadoras não
conseguiram transformar significativamente a realidade judaica. Porém, com a
chegada dos gregos a influência foi inevitável
176
, pois difundiram fortemente a sua
cultura
177
por todo o Oriente Próximo, alterando assim, as atitudes e, inclusive, muitos
comportamentos religiosos.
174
Preferimos não referir ao período que vai desde o pós-exílico até a chegada de Alexandre, O grande, que
alterou consideravelmente o quadro geo-político do mundo então conhecido.
175
Constata-se a referida influência, considerando, sobretudo, que a tradição sobre Jesus de Nazaré não foi
escrita em palavras aramaicas, mas gregas.
176
A influência foi de tal forma que ainda no tempo de Jesus e das primeiras comunidades cristãs os efeitos da
dominação podiam ser nitidamente reconhecidos.
177
Para aprofundar a compreensão do mundo, da cultura helênica até a Conquista Romana, veja AUSTIN, M.
M., (ed.). The Hellenistic World from Alexander to the Roman Conquest: a Selection of Ancient Sources in
translation (Cambridge e New York: Cambridge University Press, 1981), ou ainda: WALBANK, F. W. The
Hellenistic World (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1982).
90
Muitas eram as formas de imprimir a cultura grega. Sabemos, em primeiro
lugar, da expansão da língua grega, educação e cultura gregas iniciada com a
consolidação do domínio político macedônico e grego sobre as nações do antigo
Império Persa, fenômeno este, definido como intensificação do processo de
“helenização”
178
.
Houve uma forte influência em termos de ideologia política e promoção do
culto ao imperador na Síria, assim como no Egito, os reis helenísticos se consideram
legítimos sucessores dos faraós e dos Aquemênidas
179
, cujos territórios haviam
conquistado. Neste sentido, o ensinamento dos filósofos foi de considerável
importância, pois exaltavam o rei como sendo homem sábio, de carisma e educação
que os qualificavam para o trono
180
.
Nos impérios helenísticos, outro elemento importante das políticas
administrativas e econômicas era a cobrança de impostos. Eram cobrados somente dos
habitantes urbanos que não tinham direitos de cidadania plena, mas os cidadãos, além
do pagamento regular dos impostos, podiam ser convocados a dar contribuições em
circunstâncias excepcionais.
178
Cf. KOESTER, H. Introdução ao Novo Testamento. Vol. I. São Paulo: Paulus, 2005, p. 44.
179
Aquemênida, governou a Pérsia em seu primeiro período monárquico independente. Sua linhagem remonta
ao rei Aquêmenes da Pérsia, na verdade, um governante tributário ao reino da Média no século VII a.C..Os
Aquemênidas viram seu apogeu sob o governo de Ciro II da Pérsia, bisneto de Aquêmenes, quando este
subjugou a Média e todas as outras tribos arianas da área do atual Irã, e conquistou a Lídia, a Síria, a Babilônia, a
Palestina, a Armênia e o Turquestão, fundando o Império Persa. As conquistas foram levadas adiante por seu
filho Cambisses II, que conquistou o Egito, e Dario I, que expandiu o poderio persa pela Europa, conquistando a
Trácia e consolidando seu poder na Anatólia. Neste primeiro período, os governantes Aquemênidas
caracterizaram sua administração pela tolerância com as diferentes culturas e religiões dos povos conquistados,
gerando uma lealdade sem precedentes entre seus súditos. Após a tentativa frustrada de Dario de conquistar a
Grécia, o império aquemênida começou a declinar. Décadas de golpes, revoltas e assassinatos enfraqueceram o
poder dos aquemênidas. Em 333 a.C., os persas já não tinham mais força para suportar a avalanche de ataques de
Alexandre, o Grande, e em 330 a.C., o último rei Aquemênida, Dario III, foi assassinado por seu sátrapa Bessus,
e o primeiro Império Persa caiu em mãos dos gregos e macedônios. Cf. Wikipédia, a enciclopédia livre.
Disponível em: http://wikimediafoudation.org/. Acesso em 05 setembro 2006, 11:45:38.
180
Em geral, na folosofia clássica, o sábio dava evidências de ser plenamente virtuoso pelas ações praticadas no
mundo e na sociedade, por sua fortaleza nas batalhas, por sua prudência nas decisões políticas e por sua
temperança nas relações com os outros.
91
O sistema de cobrança dos impostos foi sendo aperfeiçoado, de tal forma que o
Egito, por exemplo, contava com uma administração financeira central que os coletava
através do exator, tipo de funcionário público que chegava a ter esta função após ir
pessoalmente a Alexandria todos os anos para submeter seus lances ao rei. Quem
fizesse a maior oferta, em geral recebia a concessão
181
. Normalmente, pelo caminho a
ser feito, somente pessoas abastadas conseguiam candidatar-se à função. A exação de
impostos foi adotada no sul da Síria, na Ásia Menor e outras regiões.
A colonização grega ampliou os horizontes do pensamento científico,
filosófico, sobretudo porque os reis helenísticos, em geral eram patrocinadores
generosos do saber.
A influência grega se dava em diferentes áreas, pois eles rapidamente se
espalharam e não só se estabeleceram nas cidades existentes, como também fundaram
novas cidades e colônias, de modo que aos poucos, muitos povos do Oriente Próximo,
foram absorvidos pelo helenismo
182
e assim, perdendo, até certo ponto, a identidade.
Não demorou muito para que a língua grega fosse imposta como língua comum.
Se por um lado todo o poder político e o êxito nas conquistas e investidas dos
reinos helenísticos desapareceram antes do surgimento do cristianismo, em
conseqüência das investidas de Roma no Ocidente e da Pártia
183
no Oriente, por outro,
181
KOESTER, H. Introdução ao Novo Testamento. Vol. I..., p. 56.
182
O termo helenismo designa o período que começou com Alexandre Magno e terminou com a conquista do
Oriente pelos romanos, cf. observação de KOESTER, H. Introdução ao Novo Testamento. Vol. I..., p. 44.
183
A Pártia, também conhecida como Império Arsácida, foi a potência dominante no Planalto Iraniano a partir
do século III a.C., e controlou a Mesopotâmia de maneira intermitente entre c. 190 a.C. e 224 d.C. A Pártia era
o arquiinimigo do Império Romano, ao limitar a expansão deste ao leste além da Capadócia (Anatólia central).
O Império Parto (ou Parta) foi o mais duradouro dos impérios do antigo Oriente Médio. Nômades partos, de
origem iraniana, instalaram-se no Planalto Iraniano e estabeleceram um pequeno reino independente. Sob a
liderança do Rei Mitrídates, o Grande (171-138 a.C.), o reino parto tornou-se dominante na região, submetendo
a Média, a Mesopotâmia e a Assíria. O Império Parto ocupava todo o território do atual Irã, bem como os
modernos Iraque, Azerbaijão, Armênia, Geórgia, o leste da Turquia, o leste da Síria, Turcomenistão,
Afeganistão, Tadjiquistão, Paquistão, Kuwait e a costa do Golfo Pérsico de Arábia Saudita, Bareine e Emirados
92
o impacto cultural e religioso do helenismo, alcançado mediante profunda atuação nos
diversos meios sociais, permaneceu visível e influente por muitos séculos.
Apesar do impacto da cultura grega, os judeus souberam adaptar-se às novas
circunstâncias provocadas pelo helenismo, e assimilaram, por exemplo, o costume
grego de desenvolver o pensamento em forma de diálogo didático. Fizeram isso,
principalmente na discussão e estudo da Torá que os instruía para o fato de Israel ter
sido eleito como o povo de Deus em meio a todos os povos. Desta forma, não
obstante toda a influência do helenismo, a comunidade judaica orientada pela Torá,
transmitida pelos pais e antepassados conservou a fé segundo a instrução de Moisés.
A reação dos fiéis, diante de atitudes como as do arquiinimigo dos judeus,
Antíoco IV Epífanes, deu-se, sobretudo, pela resistência e fidelidade à fé dos
antepassados. O livro de Daniel é expressão da perseguição que sofreram e também da
resistência que empreenderam.
O grande reino conquistado por Alexandre Magno, fragmentou-se rapidamente
após sua morte precose, no entanto, a influência da língua e dos costumes gregos, se
manteve fortemente, inclusive no período dominado pelo Império Romano. Já nos
primórdios do reino helenístico, mesmo com todas as divisões acarretadas pelas
batalhas que os sucessores de Alexandre (= diádocos)
184
travaram entre si, os reis
conseguiram imprimir nas pessoas os costumes gregos e suas formas de conduta.
Deste modo, os gregos em geral passaram não só a influenciar de forma significativa
várias partes do mundo então conhecido e dominado, mas também constituíam
Árabes Unidos. O império chegou ao fim em 224 d.C., quando o último rei parto foi derrotado por um de seus
vassalos, Ardacher dos persas, da dinastia sassânida”. Cf. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em:
http://wikimediafoudation.org/. Acesso em 29 agosto 2006, 20:56:12.
184
Veja WALBANK, F. W., AUSTIN, A. E., FREDERIKSEN, M. W., e OGILVIE, R. M. (eds.) The Hellenistic
World (CambAncHist 7/1; 2ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1984).
93
praticamente a classe dominante e ocupavam todas as posições importantes na
administração.
2. 1. 1. Contexto helenístico-romano
No Evangelho segundo Lucas, encontramos várias referências
185
à realidade
histórica do mundo greco-romano
186
. Não obstante os dados bíblicos deixarem
entrever fissuras na informação lucana, é evidente a intenção do autor em realçar que o
nascimento do fundador do cristianismo se dá num determinado momento histórico da
Roma Imperial, e assim, dentro da história romana
187
. Deste modo, propomo-nos
expor brevemente alguns aspectos do período romano.
Os romanos
188
, sobretudo a partir do conflito de Cartago
189
, deram crescente
atenção à Grécia e ao Oriente. Com certa desenvoltura, eles também assimilaram a arte
e a ciência dos gregos, porém, destaque mesmo foi a capacidade de privilegiar e
aumentar seu domínio político.
No séc. I a.C., todo o leste da região mediterrânea, inclusive a Palestina, estava
submetida ao domínio romano. Fator decisivo e ao mesmo tempo surpreendente
190
, é
que os romanos consideravam um dever, a preservação da herança recebida pelos
185
Lc 2, 1; 2, 2, entre outras.
186
Quando se fala de período romano, não se pode esquecer da ainda visível influência helenística.
187
FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 293.
188
Sobre a relação entre mundo helênico e o Advento de Roma, veja GRUEN, E. S. The Hellenistic World and
the Coming of Rome (2 vols.; Berkeley: University of Califórnia Press), 1984.
189
O conflito de Cartago ficou conhecido como a Primeira Guerra Púnica, travada entre 264 e 241 a.C. Opôs
as duas maiores potências da região do Mediterrâneo da época: Cartago e Republica Romana. Foi a primeira
de três guerras entre os dois povos, todas vencidas pelos romanos. Resultou no nascimento oficial da marinha
romana, que no futuro proporcionou a expansão do Império Romano”. Wikipédia, a enciclopédia livre.
Disponível em: http://wikimediafoudation.org/. Acesso em 18 agosto 2006, 11:08:28.
190
Apesar de encontrarmos várias explicações para isso.
94
gregos
191
, de forma que o impacto cultural grego continuou a se dar de forma
significativa no período romano.
Um aspecto do poder romano que desencadeou muita instabilidade e sofrimento
tanto a judeus como às comunidades cristãs foi o poder dos Césares, que eram nítida
expressão da tirania imperial. Houve períodos de grandes reviravoltas. Muitas foram
as atitudes de desmando, tirania. Entre tantas outras podemos falar da audaciosa
entrada do pagão Pompeu no Templo em Jerusalém; do assassinato de César (44 a.C.),
momento marcado por convulsões que sacudiram o império, e de outros inúmeros
assassinatos; e as maquinações, como as de Herodes
192
, o Grande que sob a menor
suspeita, mandava matar
193
. Marcante também foi a perseguição aos cristãos a partir da
metade do século I.
A política cultural do imperador e as atitudes do procurador no campo
financeiro, como era de se prever pela sua função, somada aos desmandos e
brutalidades, causaram um crescente aumento do ódio dos judeus.
Momentos decisivos e marcantes aconteceram a partir de 69 d.C., quando
Vespasiano foi proclamado imperador por seus soldados. Viajou para Roma e entregou
a continuação da guerra a seu filho Tito que, durante a Páscoa do ano 70 d.C. cercou
Jerusalém. Os judeus, ainda que corajosos, não podiam vencer o poder bélico dos
romanos
194
. Em questão de dias, os romanos romperam as muralhas, o Templo ardeu
191
Cf. sintetiza LOHSE, E. Contexto e ambiente do Novo Testamento..., p. 46: “Eles – os romanos -
consideravam a preservação da herança recebida como seu dever, fortalecendo-a e difundido-a, como cultura e
civilização helenístico-romana, através da construção e manutenção de seu poderoso império”.
192
Sobre este rei, quem mais nos deixou informações sobre ele foi o historiador Flávio Josefo. Vale a pena
reproduzir uma delas: “O regimento passou para o lado de Herodes, filho de Antípater, que descendia de uma
casa plebéia e de uma família ordinária”, FLÁVIO JOSEFO. Antiguidades XVI, 491.
193
Sua “Síndrome de traição” era tão forte que mandou matar a própria esposa e três de seus filhos, suspeitando
que eram traidores.
194
No Evangelho segundo Lucas, fala-se dessa dramática situação (Lc 19, 43ss; 21,20).
95
em chamas. Cidade e Templo estavam destruídos! E assim, o judaísmo estava sem o
centro visível.
Não obstante o fim do segundo templo e conseqüentemente do culto sacrificial,
a adoração do Deus de Israel, continuaria nas sinagogas.
O poder e a tirania da maioria dos Césares acabaram por significar, após vários
incidentes, um golpe terrível à comunidade judaica, além, é claro, de causar vários
distúrbios amplamente conhecidos na história em geral.
Outra realidade que marcou o contexto dos escritos do NT, e assim, também de
Lucas, foi o culto aos Césares. Para judeus e cristãos, o culto ao imperador era uma
realidade complexa e espinhosa. Por vários motivos, a ideologia segundo a qual, na
pessoa do rei, a divindade revelava-se aos homens, era de difícil aceitação. Contudo, o
culto ao imperador, era cada vez mais difundido no Império Romano e servia
principalmente para fins políticos, pois, significava em primeiro lugar um sinal de
submissão política, expressa em formas cultuais.
Os comportamentos e as honras, freqüentemente atribuídas aos reis ou
reivindicadas por eles, causaram grandes embates com o judaísmo e mais tarde com o
cristianismo. Entre outras honras, podemos citar a atribuição de filiação divina
195
dos
Césares
196
, o adicionamento do título Augusto
197
aos seus nomes, e a elevação dos
mesmos ao cargo sacerdotal de “pontifex maximus”. Neste sentido, Octaviano foi um
caso típico. Do senado, recebeu o título de filiação divina, dele mesmo o de Augusto e,
195
Cunhava-se muitas moedas de ouro com a cabeça coroada de Augusto com a inscrição AUGUSTO DIVI
F[ILIUS]= Augusto Filho do Divinizado (César). Foi uma moeda dessas pode ter sido apresentada a Jesus
quando lhe perguntaram se era justo pagar tributo a César. Cf. KOESTER, H. Introdução ao Novo Testamento.
Vol. II..., p. 87.
196
Otaviano, por exemplo, viu seu poder crescer enormemente, quando o Senado elevou seu pai adotivo, César,
entre os deuses. A partir daí, Otaviano passou a se chamar filho do divino César, Imperator Caesar Divi filius.
197
Augusto, isto é, o venerável. Destacava-se, com isso, a dignidade única da posição do imperador, pois essa
denominação, até o momento, era usada somente como cognome dos deuses.
96
por meio de uma votação popular, no ano 2 a.C., o cargo sacerdotal de “pontifex
maximus”. O Senado ainda lhe acrescentou o título de “pater patriae”.
Domiciano, sem o menor escrúpulo exigia cumprimento de suas ordens por se
tratar de palavras e ordens divinas. Assim introduzia seus ofícios: “Nosso Senhor e
Deus ordena que se faça o seguinte”
198
.
Concluindo, o modo tirânico dos romanos de governar e a manipulação
ideológica através do culto ao imperador, tornou inevitável o aparecimento de novos e
freqüentes conflitos, perseguições e muito sofrimento tanto para judeus como para a
Igreja nascente, de modo que o NT esta visivelmente marcado por estas realidades.
2. 2. O contexto social e econômico
Em todo extenso território do Império Romano, a cultura helenístico-romana
desenvolvia-se sem obstáculos, mas por ser um Estado predominantemente
cosmopolita, eram nas cidades, onde se concentrava o comércio e o trânsito e,
conseqüentemente a aquisição de riquezas.
Mas ao lado de desenvolvimento e riquezas de uns poucos havia uma realidade
constrastante, pois no Império Romano vigorava o sistema escravagista, com algumas
características como a concentração fundiária nas mãos de uns poucos senhores,
geralmente políticos, a urbanização e a produção mercantil
199
.
198
Suetônio, Domiciano, 13, cf. LOHSE, E. Contexto e ambiente...., p. 209.
199
Cf. REIMER, I. R. Lucas 16, 1-8: Um elogio à prudência econômica transgressora. Estudos Bíblicos,
Petrópolis, n. 92, p. 61, 2006/4.
97
2. 2. 1. O saber e a ciência
Em termos do saber e da ciência, houve pouca ou nenhuma criatividade, de
forma que podemos constatar uma decadência no período romano. Prevaleciam mais
os relatos de anedotas, lendas do que propriamente pesquisa e criatividade científica.
2. 2. 2. As cidades
As cidades representavam considerável importância para a política e a
economia do Império Romano. A urbanização foi prioridade política de muitos
imperadores. Eles reorganizavam as cidades já existentes, reconstruíam as mais antigas
e fundavam outras. A algumas lhes dava privilégios, socorriam-nas financeiramente
em tempos difíceis, e em alguns casos concedia-lhes o direito de cobrar seus próprios
impostos.
2. 2 .3. Moral, família e escola
A decadência moral alterou significativamente o contexto social dos dois
primeiros séculos de nossa era. O adultério, a permissividade e até mesmo a pederastia
ao estilo grego eram quase comum. Com a crescente riqueza, também o luxo e o
hedonismo contribuíam para uma maior decadência moral dos romanos.
Tão real
200
era o problema da decadência moral, que em meio a períodos de
relativa paz imperial e desenvolvimento, o governo de Augusto até disponibilizou
tempo e esforço para tentar combater a decadência moral em Roma
201
, por exemplo.
200
O que se lê em Rm 1, 18-32, ainda que com certo exagero, expressa, em muitos aspectos, á situação real do
mundo helenístico-romano daquela época.
98
No que diz respeito á educação dos filhos, o princípio a ser seguido, também
parecia ser a imitação dos gregos. Como não havia escolas públicas, eram as próprias
famílias que deviam preocupar-se com a formação dos seus filhos. Os professores
contratados ensinavam, além de introdução literária, a música e o esporte. E atenção
especial dava-se à formação em retórica. Quanto à disciplina do menino, o escravo,
chamado pedagogo, no sentido de disciplinador
202
, é que era o responsável.
2. 2. 4. A administração romana
Todas as partes do império estavam subordinadas à administração romana. É
verdade que os romanos davam aos serviços públicos locais uma certa autonomia, o
que não significava falta de controle, pois se intervinha quando necessário
203
.
Um instrumentomuito útil e eficiente usado pelos romanos para dominar e
explorar os povos de cada região, eram os censos populacionais, como atesta o próprio
Evangelho segundo Lucas (cf. Lc 2, 1)
204
. Outro testemunho sobre os censos,
encontramos em Josefo
205
. Questionava-se a cada habitante, basicamente pela sua
proveniência e situação econômica, a fim de estabelecer uma base exata para fins
tributários.
201
Muitos romanos não se casavam, procurando exclusivamente o prazer, diversos casais não tinham filhos, o
divórcio tornara-se costumeiro e o grande número de escravos e escravas representava uma ameaça contínua à
moral”, Cf. LOHSE, E. Contexto e ambiente..., p. 192. Ver ainda, as leis adotadas para a proteção da família
romana.
202
w[ste o` no,moj paidagwgo.j h`mw/n ge,gonen eivj Cristo,n( i[na evk pi,stewj dikaiwqw/men\” (Gl 3, 24), texto cf.
BÍBLIA SACRA - Utriusque Testamenti..., traduzimos: “De modo que a lei era nosso pedagogo, até que de
Cristo recebêssemos pela fé; a justiça”.
203
Muitos testemunhos atestam que os funcionários romanos abusavam de sua posição, enriquecendo-se através
da corrupção, o que por vezes rendiam-lhes acusações e conseqüentes processos nos tribunais.
204
Hoje se considera como data mais provável o nascimento de Jesus e o referido censo, o ano 6/5 a.C.”, Cf.
BÍBLIA DO PEREGRINO, ad (2, 1), nota.
205
Com a deposição do príncipe judeu Arquelau, no ano 6 d. C., e a subordinação da Judéia a um procurador
romano, Quirino,o governador romano da Síria, ordenou um censo geral para a Síria e a Palestina (Josefo,
Antiguidades judaicas XVII, 335; XVIII, 1-10.26)”, cf. LOHSE, E. Contexto e ambiente..., p. 200.
99
Em poucas palavras, o fato é que a administração romana, de diversas formas,
controlava e explorava intensamente as populações do Império.
Ao contrário do saber e da ciência, parece ter havido algumas mudanças
criativas no campo social, sobretudo no que se refere aos escravos e às mulheres.
Quanto aos primeiros, a condição de vida deles foi um tanto quanto aperfeiçoada e
humanizada: o abuso e a execução de escravos sem causa justa passaram a ser crime
passível de punição. Entretanto, como classe social, eram ainda, freqüentemente
desprezados.
Os aspectos acima, ainda que apresentados de forma breve, oferecem um
quadro do contexto social do Império Romano e assim do NT. Reforçam o pensamento
segundo o qual, grandes problemas sociais e econômicos marcavam o florescimento e
o desenvolvimento das comunidades cristãs.
2. 3. Contexto lucano
Sabemos que a obra de Lucas
206
teve lugar por volta do 85 d. C
207
.
206
È bem aceita a opinião de que sua obra completa é composta pelo Evangelho segundo Lucas e Atos dos
Apóstolos. Contudo, o exegeta holandês W. C. Van Unnik qualificou a dupla obra lucana como “um dos grandes
rede-moinhos da investigação neo-testamentária” (Luke-Acts, a Storm Center in Contemporary Scholarship, em
Studies in Luke-Acts, p. 16), cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 21.
207
Antes de 85 d. C, não é possível, uma vez que usa material de Marcos, obra datada entre 65-70, o que é
amplamente aceito atualmente. Também as referências à cidade de Jerusalém: “ivdou. avfi,etai u`mi/n o` oi=koj
u`mw/n”, [eis que ficará abandonada vossa casa], (Lc 13, 35a); “Kai, tinwn lego,ntwn peri. tou/ i`erou/ o[ti li,qoij
kaloi/j kai. avnaqh,masin keko,smhtai ei=pen\ tau/ta a] qewrei/te evleu,sontai h`me,rai evn ai-j ouvk avfeqh,setai li,qoj
evpi. li,qw| o]j ouv kataluqh,setai”, donde traduzimos: [...Chegarão dias em que não ficará pedra sobre pedra que
não seja demolida!], (cf. Lc 21, 5-6; também cf. Mc 13,2, e ainda: “{Otan de. i;dhte kukloume,nhn u`po.
stratope,dwn VIerousalh,m( to,te gnw/te o[ti h;ggiken h` evrh,mwsij auvth/j”, para o que traduzimos: [quando virdes
cercada de exércitos Jerusalém, sabei que está próxima a devastação dela], (Lc 21, 20). Essas citações nos
remetem a um contexto posterior à destruição de Jerusalém, como é sabido, ocorrida em 70 d.C. Muitos
comentaristas estão de acordo em considerar sobretudo a última passagem (Lc 21, 20) como sendo descrição do
sítio de Jerusalém. Sendo assim, consideram tal passagem como uma “profecia depois do acontecimento”, na
qual se apresenta referências concretas a diversos detalhes da conquista de Jerusalém pelas tropas de Tito (79-81
d.C.). Sobre estas reflexões consultar FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 100-108.
100
O próprio autor
208
, no prólogo do Evangelho, confessa que muitos já tentaram
narrar por escrito os acontecimentos conforme foram transmitidos por testemunhas
oculares
209
. Assim sendo, ele está dizendo que seu relato depende dos representantes
da primeira geração cristã, concretamente: “oi` avpV avrch/j auvto,ptai”, [os que desde o
princípio, presenciaram - as testemunhas oculares], (Lc 1, 2). Ele também se refere
aos “geno,menoi tou/ lo,gou”[ministros da Palavra], o que indica, possivelmente,
discípulos pertencentes à segunda geração
210
.
Alguns estudiosos defendem que o “polloi.” (Lc 1, 1), isto é, muitos, refere-se
aos responsáveis pelo início e desenvolvimento da tradição escrita, ou melhor, pessoas
da segunda geração cristã, entre os anos 60-80 d. C.
211
, o que corrobora com a data
proposta acima para a obra de Lucas. Isso, de antemão, também significa uma
dependência de no mínimo, dos representantes da primeira geração cristã e
possivelmente também de alguns discípulos da segunda geração
212
.
Entre os que empreenderam a tarefa de compor uma narração dos fatos,
certamente se encontra Marcos, que compôs sua obra entre os anos 65 – 70, conforme
208
Não é nosso objetivo, neste trabalho, discutir se autor é ou não Lucas. Trata-se de um pagão que se tornou
cristão, conforme opinião de W. G. KÜMMEL, que a esse propósito disse: “lo único que se puede afirmar com
seguridad sobre el autor, a base de los datos que aporta su narración evangélica (Lc), es que se trata de um
pagano-cristiano”, cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 87.
209
evpeidh,per polloi. evpecei,rhsan avnata,xasqai dih,ghsin peri. tw/n peplhroforhme,nwn evn h`mi/n pragma,twn”,
traduzimos: [Uma vez que muitos se ocuparam em narrar por escrito os acontecimentos que se cumpriram entre
nós], (Lc 1, 1). Observa-se que algumas traduções, tais como Bíblia do Peregrino, traduz o termo avnata,xasqai,
por contar os fatos. Isso parece impreciso, pois contar pode ser entendido também como contar oralmente.
Prefere-se então, seguir o que o termo acima significa: narrar por escrito, redigir, compor ordenadamente. No
mais, a tradição nos diz que o autor é Lucas, e assim será, a não ser que se prove o contrário.
210
Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 101.
211
Cf. RICHARD, P. Estrutura e chaves para uma interpretação global do evangelho. Revista de Interpretação
Latino-Americana, Petrópolis, n. 44, p.10, 2003/1.
212
FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 101, que afirma: “Em el prólogo a su narración
evangélica, Lucas confiessa abiertamente que su relato depende de los representantes de la primera generación
cristiana, concretamente de los ‘testigos oculares’ possiblemente también de algunos discípulos pertenecientes a
la segunda generación, es decir, los ‘servidores de la palavra’”.
101
também é aceito atualmente. Por conseguinte, a data da composição do Evangelho
segundo Lucas tem que ser posterior.
Outra constatação importante para datar a obra de Lucas e entender seu
contexto é o fato de referir-se com mais insistência à destruição de Jerusalém (cf.
Lc
19, 42-44; 21, 20-24). Com bastante convicção, Dodd afirma que o terceiro evangelho
foi escrito depois da queda de Jerusalém
213
.
Considerando-se que a obra de Lucas teve lugar por volta do 85 d.C, torna-se
mais fácil conhecer o seu contexto.
Quanto ao local da composição, pode ser a cidade de Antioquia
214
, mas também
há opiniões de que tenha sido na Acaya, ou segundo outros, em Roma ou na Bitínia
215
,
ou ainda em Èfeso
216
. Porém mais relevante do que pontuar exatamente em qual
cidade, parece ser afirmar que seu contexto é o de uma grande cidade do mundo
helenístico
217
, dominada pelo Império Romano e formada por judeus, pagãos e
estrangeiros em geral. Em outras palavras, de comunidades que vivem fora da
Palestina e quase sempre formadas por pessoas procedentes do paganismo e alguns
judeus da Diáspora.
Diante da influência da mentalidade grega, Lucas procura assimilar da melhor
maneira possível, a fé recebida dos apóstolos. Para isso, apresenta a fé através de uma
213
The third gospel was written, almost com all security, after the fall of Jerusalem”, DODD, C. H. The Fall of
Jerusalem and the “abomination of desolation”, en More New Testament Essays, Grand Rapids 1968, p. 69.
214
Antioquia de Orontes – assim chamada para diferenciá-la das outras quinze cidades que receberam o
mesmo nome de um mesmo fundador, Seleuco I Nicator (311-281 a. C.) – era a terceira grande cidade do
Imperio romano, superada apenas por Roma e Alexandria”, cf. O´CONNOR, J. M. Paulo: Biografia Crítica.
São Paulo: Loyola, 2000, p. 158.
215
Cf. FITZMYER, Joseph. A.. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 79.
216
Há ainda tentativas modernas de determinar outros lugares que não passam de meras suposições; por
exemplo, Cesárea (H. Klein), Decápole (R. Koh), Ásia Menor (K. Lönning). “Lo único que parece cierto es que
no se compuso em Palestina”, cf. Cf. FITZMYER, J. A.. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 109.
217
Por sua língua e seu estilo, por seu modo de escrever e por sua mentalidade, a obra de Lucas pertence ao
mundo helenístico”, cf. GEORGE, A. Cadernos Bíblicos: leitura do Evangelho segundo Lucas..., p. 7.
102
linguagem visivelmente adaptada
218
, para assim, atingir os destinatários, isto é, pagãos
cristãos, com certeza, maioria absoluta.
Todos os tópicos acima nos mostram algumas imagens que ilustram o contexto
da comunidade lucana, naturalmente herdeira de todos os revés e acontecimentos dos
últimos anos, e porque não dizer, últimos séculos, uma vez que a cultura helenista,
visivelmente presente viera influenciando a séculos.
Para fazer um resumo do contexto lucano, podemos citar quatro acontecimentos
que, inevitavelmente, influenciaram a vida cristã no final do primeiro século d. C., e
assim, a obra de Lucas, a saber:
a) A perseguição aos cristãos em Roma, a partir do ano 64 d. C. pelo
imperador Nero;
b) Entre os anos 66 e 73 d.C. a Guerra Judaica, marcada por verdadeiros
massacres que causaram o desaparecimentos de vários grupos influentes na vida do
povo, sobretudo judeu;
c) A destruição do Templo e da cidade de Jerusalém por volta do ano 70 d.C.,
o que, aliás, causou a fuga de muitos cristãos para as regiões vizinhas, incluso, com
certeza, a região onde Lucas escreveu sua obra;
d) E, a partir de 85 d.C., a forte perseguição contra grupos considerados
“hereges”, entre eles o grupo dos cristãos que é expulso das sinagogas. Em
contrapartida, não se pode negar que entre os anos 81-92 d.C., primeiros doze anos de
218
É notório como Lucas utiliza o título ku,rioj, isto é, Senhor, título freqüentemente atribuído aos imperadores.
Outros exemplos de adaptação:Os gregos têm dificuldade de admitir a ressurreição; Lucas então insiste na
realidade corporal do Ressuscitado e tenta encontrar expressões mais significativas para seus leitores, dizendo,
por exemplo, que Jesus ‘está vivo’. Ele apresenta Jesus como ‘salvador’, o que é mais claro para os leitores do
que ‘Cristo’ ou ‘Messias’.da mesma forma ele evita dizer que Jesus se ‘transfigurou’ em grego, ‘se
metamorfoseou’), porque as metamorfoses de deuses são bem conhecidas nesse meio”. Cf. CUNHA, A.
Iniciação à Bíblia: para você estudar o Novo Testamento. Vol. III. São Paulo: Paulinas, 1982, p. 141.
103
governo de Domiciano, período no qual muitos exegetas defendem ter sido escrito o
Evangelho segundo Lucas, não há nenhuma constatação de perseguição aos cristãos
219
,
o que talvez se explica pelo fato de judeus cristãos não representarem um papel de
poder político relevante nesse período, o que para os governantes, significava ausência
de ameaça a autoridade imperial e a romanidade, o que causava, por sua vez, a
indiferença dos mesmos
220
.
Além dos acontecimentos acima, mais desafiantes foram as constantes guerras
pelo poder e a exploração através de numerosos impostos, que causaram grandes
sofrimentos para a população e, assim, para as comunidades cristãs. Muitas pessoas
contraíam enormes dívidas, perdiam suas terras e acabavam tendo que trabalhar como
meeiras ou arrendatárias, ou até mesmo ficavam sem trabalho.
Vivendo num ambiente de predomínio absoluto da mentalidade e cultura
gregas, a população, principalmente a urbana, tinha que enfrentar a lógica do
comércio, do dinheiro, do lucro e inclusive de comercialização de vidas humanas, caso
típico dos escravos, uma vez que 2/3 da população do Império Romano era de
escravos.
A passagem de Lucas 16, 19-31, sobre o rico e o pobre Lázaro, ilustra bem o
ambiente de competição, ganância e acúmulo de riquezas que criava um verdadeiro
abismo entre ricos e pobres.
É, pois, neste contexto histórico complexo, de dominação romana, de guerras,
perseguições, desmandos, crueldades, de elevadas cargas tributárias que empobrecem
219
Cf. REICKE, B. I. História do tempo do Novo Testamento..., p. 322.
220
A constatação talvez explica a ausência de situações mais conflituosas no Evangelho segundo Lucas, assim
como certa proteção e absolvição dos governantes romanos.
104
ainda mais a população, e também de idéias gnósticas, de conceitos gregos e pagãos,
que podemos situar o NT e, mais especificamente a obra de Lucas.
Trata-se de um contexto em que os seguidores de Jesus Cristo são chamados a
testemunha-lo nas diversas problemáticas vividas nas comunidades, procurando
encontrar o significado concreto deste testemunho a partir de dois elementos centrais:
o caminho e a mesa
221
.
2. 3. 1. A influência do gnosticismo
Sabemos que já no final do primeiro século, muitas comunidades cristãs eram
fortemente influenciadas por idéias gnósticas, por isso, ao falar do contexto de
Lucas
222
, torna-se, ao nosso ver, imprescindível uma referência ao gnosticismo
223
.
Segundo Fitzmyer
224
, vários comentaristas modernos relacionam Lucas com o
gnosticismo. Barret (Luke the Historian in Recent Study, p. 62), por exemplo,
contrapõe Lucas e João, sintetizando que o último tem uma visão positiva do
gnosticismo e assim, discute seus erros, enquanto Lucas chega mesmo a ridicularizar
221
A memória de Emaús (24, 13-33) sintetiza perfeitamente os dois momentos de sua proposta de fé: o caminho
do discipulado, como momento de instrução e de avaliação, e a mesa, como momento central de revelação e do
conhecimento de quem é Jesus e do seu projeto de vida, cf. GALLAZZI, S. Eu estou no meio de vocês como
aquele que serve à mesa! (Lc 22, 27). Revista de Interpretação Latino-Americana, Petrópolis: n. 44, p. 114,
2003/1.
222
Varios comentaristas modernos han relacionado la intención de Lucas com el gnosticismo. C. K. Barrett
(Luke the Historian in Recent Study, p. 62) contrapone a Lucas con Juan”, cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio
según Lucas. Vol. I…, p. 33. Tal contraposição tem como objetivo expressar uma visão positiva do gnosticismo
por parte de João e a atitude claramente negativa por parte de Lucas. A Lucas se atribui até mesmo uma atitude
de ridicularização aos expoentes do gnosticismo. Também alguns exegetas modernos, como R. Reitzenstein e R.
Bultmann, rotularam certas frases de Lucas como sendo gnósticas ou como ecos do gnosticismo, contudo nas
pesquisas têm surgido interrogações quanto ao florescimento gnóstico já no primeiro século, cf. estudo da
questão,também em FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I.., p. 34.
223
KOESTER, H. In Introdução ao Novo Testamento. Vol. I..., p. 384, observa que o melhor e mais esclarecido
tratamento do agnosticismo se encontra em KURT RUDOLPH. Gnosis: The nature and History of na Ancient
religion (Edinburg: Clark, 1983).
224
FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 33-34.
105
seus expoentes, na figura de Simão Mago (cf. At 8, 9-24). Talbert chegou a afirmar que
Lucas e Atos foi escrito para defender-se do gnosticismo
225
.
Sendo uma realidade que influenciava de diversas formas o anúncio cristão,
pode-se afirmar que a Igreja primitiva encontrou no gnosticismo, já no primeiro
século, mais um grande desafio. Sabemo-lo, primeiro porque o NT dá testemunho da
existência de um gnosticismo pré-cristão, amplamente difundido. Neste sentido,
Eduardo Lhose defende que, por trás da narração de At 8,9-24, quando se refere a um
certo Simão, mago, que estava impressionado pela capacidade dos cristãos de fazer
sinais e milagres extraordinários, e por isso os seguia, transparece um primeiro conflito
entre a doutrina gnóstica e o querigma cristão
226
.
Outra grande prova e expressão da problemática que representou o gnosticismo
é encontrada na Epistula Apostolorum
227
, cujo gênero e conteúdo revelam claramente
sua intenção antignóstica. Com a mesma intenção, pode-se citar ainda a Epístola de
Judas e muitos outros escritos do NT.
Trata-se de um movimento histórico e religioso cristão que floresceu durante os
primeiros séculos e cujas bases filosóficas eram as da antiga Gnose (palavra grega que
significa conhecimento)
228
, com influências do neoplatonismo
229
e dos pitagóricos
230
.
225
Luke and Acts were written to defend of the gnostics”, cf. TALBERT, C. Luke and the Gnostics: An
Examination of the Lucan Purpose. Nashville, 1966, p. 111.
226
Por trás da narração oferecida pelos Atos dos Apóstolos, transparece um primeiro conflito entre a doutrina
gnóstica e o querigma cristão. Pois a afirmação de ser “o grande poder” não pode ser simplesmente entendida
como opinião de um feiticeiro, mas significa, ao contrário, a pretensão de ser o portador da revelação divina”,
cf. LOHSE, E. Contexto e ambiente do Novo Testamento..., p. 257-258.
227
Esse livro é um documento sumamente importante porque responde diretamente ao desafio do gnosticismo”,
escreve KOESTER, H. Introdução ao Novo Testamento. Vol. II..., p. 257.
228
Todavia, não se deve entender aqui um conhecimento como na filosofia grega, adquirido por meio da
pesquisa científica e da reflexão crítica. Tampouco se refere ao saber correto, que oferece uma compreensão
das conexões do plano divino da história, como na apocalíptica judaica, ou o verdadeiro conhecimento da lei
divina, como na comunidade de Qumrâ. Ao contrário, recebe-se o saber através da revelação, que transmite ao
homem o conhecimento de Deus”, cf. LOHSE, E. Contexto e ambiente do Novo Testamento..., p. 246.
229
O Neoplatonismo foi uma corrente de pensamento iniciada no século III que se baseava nos ensinamentos de
Platão e dos platônicos, mas interpretando-os de formas bastante diversificadas. É uma forma de monismo
106
O gnosticismo combinava alguns elementos da Astrologia e mistérios das
religiões gregas, como os mistérios de Elêusis
231
com as doutrinas do Cristianismo
232
.
O aspecto dualista de suas idéias e expressões indicam uma conexão com pensamentos
iranianos. Também se sabe atualmente, que tradições judaicas distintas da ortodoxia
judaica em desenvolvimento naquele tempo deram grande contribuição ao complexo
fenômeno do gnosticismo.
Noutras palavras, sua estrutura básica era formada por pensamentos colhidos de
diversas religiões e correntes espirituais e filosóficas. Neste sentido, Eduard Lhose
afirma que é necessário perguntar como se criou essa estranha formação
caleidoscópica que une idéias iranianas, babilônias, egípcias e judaico-
veterotestamentárias com o pensamento da filsofia grega
233
.
Mas o que importa dizer, é que os gnósticos cristãos, naturalmente após incluir
os pensamentos cristãos que lhes eram convenientes, apresentaram uma interpretação
do Evangelho, sinalizando o perfeito conhecimento como caminho de salvação.
Segundo eles, o homem não recebe um dom, uma proposta de salvação, ao contrário,
ele é reconduzido à sua natureza original, que nele existe ocultamente. Basta ser
despertado do sono para se conscientizar de sua condição de estrangeiro no mundo.
idealista. Plotino ensinou a existência de um Uno indescritível do qual emanou como uma seqüência de seres
menores.
230
A escola Pitagórica recebe o nome do seu fundador, Pitágoras, o qual, junto com os pensadores, tais como
Arquitas e Alcméon, manifestam ao mesmo tempo tendências místico-religiosas e tendências científico-
racionais.
231
Em tempos imemoriais, uma colônia grega vinda do Egito havia trazido para a tranqüila baía Elêusis o culto
da grande Ísis, a deusa egípcia, sob o nome de Deméter ou mãe universal. Desde esse tempo, Elêusis ficou sendo
um centro de iniciação. Os Mistérios de Elêusis eram segredos ciosamente guardados, protegidos por sanções,
tais como a morte para qualquer pessoa impura que espiasse os ritos sagrados ou o confisco das terras de um
iniciado que revelasse os segredos do culto.
232
Pelas características acima, o gnosticismo deve ser considerado como representante de um movimento do
mundo helenístico, amplamente ramificado, e não uma formação religiosa dentro da história da igreja antiga. Cf.
LOHSE, E. Contexto e ambiente do Novo Testamento..., p. 243.
233
LOHSE, E. Contexto e ambiente do Novo Testamento..., p. 244.
107
Ele é que recebe esse conhecimento por meio de um apelo
234
, que o atinge como
revelação divina. Não importa onde e como vive o homem, de qualquer modo, esse
apelo o alcança através de uma mensagem que provém da esfera divina. A salvação,
em resumo, seria conseqüência apenas de um acaso divino, não importando as ações e
escolhas humanas.
Jesus Cristo, na interpretação gnóstica é o salvador que traz a mensagem divina
aos homens. Ele veio disfarçado de humano para os poderosos não perceber antes do
tempo previsto sua verdadeira identidade, assim, ele não era verdadeiramente homem
e, portanto, não assumiu o sofrimento e a morte. Contudo, para os gnósticos, existem
diversas maneiras do divino transmitir o apelo de salvação, que, aliás, pode ser
imediato, sem nenhuma intermediação.
Por todas as características do pensamento gnóstico, sobretudo por evidenciar a
não pertença do homem a este mundo e à sua necessidade de se afastar dele, e ainda,
pela convicção de que seu verdadeiro eu o pode ser afetado por coisa alguma que
goza neste mundo, conclui-se que há um caminho aberto para a libertinagem e puro
prazer, uma vez que nada do que é mudano pode afetar o eu gnóstico.
Mas para este trabalho, a questão mais importante a ser respondida no capítulo
seguinte, quando da análise do texto de Lc 19,1-10, será sobre a salvação e o caminho
para alcançá-la. Pensando na influência gnóstica, poderíamos perguntar ao Evangelho
segundo Lucas, ou mais precisamente ao referido texto: existe no homem uma
centelha de luz que o levará inevitavelmente de volta à sua existência própria ou a
salvação se dá pelo perdão dos pecados, pelo qual se realiza a nova criação em Cristo?
234
O apelo é de origem celestial e é descrito de maneira viva e concreta no canto das perólas das Atas de Tomè
(108-113), cf. LOHSE, E. Contexto e ambiente do Novo Testamento..., p. 249.
108
Por pré-estabelecimento puramente divino ou por busca humana e acolhida de Deus?
A gnose traz um dom de salvação substancial, concreto e imperecível independente
dos atos, ou a salvação só nos advém pela fé, unida ao amor e à esperança?
Muitas outras perguntas, tais como qual o propósito da encarnação de Cristo?
Como alcançar a salvação? Como originou a criação? Entre outras, esquentaram por
séculos a temperatura das discussões. Mas concluindo, neste trabalho, vale sintetizar
apenas, que o conflito entre gnosticismo e cristianismo no seio da Igreja primitiva foi
inevitável e influenciou consideravelmente os escritos bíblicos do NT.
2. 3. 2. O dinheiro no contexto de Lucas
A questão do dinheiro, em Lucas, é uma realidade. Representa uma verdadeira
idolatria, algo que impede a pessoa de participar da vida de Deus, isto é, de encontrar a
salvação.
Para Lucas, o dinheiro é questão fundamental porque segundo sua obra, a
salvação não acontece enquanto não se renuncia às estruturas que perpetuam os
mecanismos de injustiça, que aumentam sempre mais o abismo entre pobres e ricos.
Constatamos isso não só na perícope em estudo, mas em vários textos, tanto próximos
quanto remotos
235
.
Na missão dada aos 12, Jesus deixa claro que não deverão levar, entre outras
coisas, dinheiro (cf. 9, 3). Na reflexão sobre o contexto remoto, observamos que logo
após fazer os dois primeiros anúncios da paixão (Lc 9, 22; 9, 43b-45)), e desde o ínicio
da caminhada para Jerusalém (cf. Lc 9, 51), Jesus já havia colocado na “lista” de
condições para segui-lo, a renúncia, o que inclui a renúncia a todo tipo de bens,
235
Como vimos no contexto literário, capítulo 2, a partir da p. 70.
109
inclusive o dinheiro. Do capítulo 9 em diante, a temática se repetirá com freqüência e
de diversas maneiras, seja através da instrução aos discípulos para não entesourar
(12,13-21), abandonar-se à providência (12, 22-32), vender os bens e distribuir aos
pobres (12, 33-34), parábola do administrador infiel (16, 1-8), a questão do bom
emprego do dinheiro (16, 9-13), reprovação da avareza dos fariseus (16, 14-15), o rico
e o pobre Lázaro (16, 19-31), o rico notável (18, 18-23), seja na referência direta sobre
o perigo das riquezas (18, 24-27) e, evidente, na gratuidade da salvação a Zaqueu que
renuncia ao mau uso do dinheiro (19, 1-10).
Muito antes de instruir sobre o perigo da riqueza, a necesidade da renúncia aos
bens e assim, também ao dinheiro, o Evangelho segundo Lucas apresenta-nos um Deus
que escolhe os pobres. É tão evidente essa proposição que Lucas, comumente é
chamado de o Evangelho dos pobres
236
.
O Evangelho segundo Lucas, como sabemos, apresenta muitas contraposições,
tais como templo-casa, homem-mulher, soberbos-tementes a Deus, poderosos-
humildes
237
, mas de modo especial, temos a contraposição sobre ricos e pobres. A
passagem sobre as bem aventuranças é um exemplo típico: após as bem-aventuranças,
segue, em contraposição evidente, as maldições para os ricos (cf. Lc 6, 20-26). Essas
236
Poderíamos citar uma lista de autores que são unânimes em afirmar o quanto sobressai na obra de Lucas, uma
mensagem de preferência pelos pobres. A título de exemplo, lembramos os seguintes: STUHLMUELLER, C.
Evangelho de Lucas.o Paulo: Paulinas, 1975, p. 10; TORRES, F. P. O abismo que separa e rompe a
fraternidade (Lc 16, 19-31). Revista de Interpretação Bíblica Latino Americana, Petrópolis, n. 44, p. 105-
107, 2003/1; MELÚS, L. F. M. Pobreza y riqueza em los evangelios. San Lucas, el evangelista de la pobreza.
Madrid, 1963; PIKASA, J. A teologia de Lucas. São Paulo: Paulinas, 1978, p. 294, donde se lê claramente:
“Cristiano es el Lucas el hombre que tiene actitud de profunda pobreza...”; SCHMID, J. El Evangelio Segun San
Lucas..., p. 32, donde também se lê: “Lucas, el médico griego, es evidentemente él mismo um amigo de los
pobres...”; STORNIOLO I. Como ler o evangelho de Lucas... Além do próprio título do livro, Storniolo afirma:
Lucas tem uma grande preocupação social e dedica muita atenção às pessoas. E sua preferência está sempre
do lado dos pobres...”, p. 10.
237
Sobre tal consideração, veja RICHARD, P. O Evangelho de Lucas..., p. 10
110
evidências já enunciam o contexto: uma sociedade dividida entre homens ricos e muita
gente pobre, entre elas, muitas pessoas escravas
238
.
Lucas, não sem motivos, antes de ensinar sobre o perigo da riqueza, apresenta
aqueles que já fazem parte do caminho de salvação: os pobres. Eles são os escolhidos
desde o princípio do evangelho: Maria, José, Isabel, Zacarias, os pastores, João
Batista, Jesus, Ana, Simeão, e assim por adiante, são os pobres de Deus, já incluídos
no processo de salvação. Suas “histórias” precedem todas as demais narrações,
inclusive os ensinamentos diretos sobre a necessidade de despreender-se dos bens
materiais.
Uma necessária constatação, na linha da escolha dos pobres, é a citação de
Isaías, lida por Jesus na sinagoga de Nazaré: “pneu/ma kuri,ou evpV evme. ou- ei[neken
e;crise,n me euvaggeli,sasqai ptwcoi/j”, donde traduzimos: [O Espírito do Senhor sobre
mim está, porque me ungiu e enviou para evangelizar os pobres], (Lc 4, 18). Nos
parece que Zaqueu, ao ver quem é Jesus, compreendeu sua pessoa e missão:
despreendeu-se dos bens doando metade aos pobres (cf. 19, 8b). Não é sem motivos
então, que os pobres são o objeto da ação justa de Zaqueu!
Retomando os textos que se referem diretamente à necessidade de renúncia aos
bens materiais, referimo-nos primeiramente à instrução aos discípulos para não
entesourar, situada no capítulo 12 do Evangelho.
Sobre o referido capítulo a pesquisa sobre as fontes nos fornece argumentos
importantes no sentido de fundamentar a importância que Lucas dá à preocupação com
a necessidade de renúncia aos bens materiais: seguindo a proposta de Richard, a
238
Cf. REIMER, I. R. Lucas 16, 1-8: Um elogio à prudência..., p. 60.
111
instrução pode ser dividida em três, sendo que a primeira (12, 2-12), é tomada de Q, a
segunda (12, 13-21), de L e a terceira (12, 22-34), de Q
239
. Uma estrutura onde o texto
Lucano é emoldurado por duas passagens de Q, considerada uma fonte muita próxima
dos ditos de Jesus.
A mensagem lucana sobre os bens materiais é, primeiramente, fundamentada
em ditos muito próximos de Jesus, como nos mostram as últimas pesquisas
240
referentes à fonte Q e, segundo, na mensagem prioritária do evangelista.
Para resumir um pouco mais a reflexão, podemos priorizar a parábola do rico
insensato (12,16-21), que representa uma observação direta contra a avareza. Trata-se
de uma passagem que oferece um claro ensinamento de que uma vida devotada ao
acúmulo de riquezas materiais é uma vida que só demonstra insensatez. É oportuno
notar que a referida passagem, assim como a história de Zaqueu é da fonte lucana:
“L”, o que demonstra uma vez mais a prioridade lucana em relação à necessidade do
homem em não deixar se escravizar pelo dinheiro.
Na passagem sobre a necessidade de abandonar-se à providência (12, 22-32),
podemos observar que Jesus não condena os bens materiais básicos, mas sim, a
inquieta ansiedade do homem, que procura e confia nos bens deste mundo e se esquece
de colocar sua confiança em Deus. Stuhlmueller faz uma observação interessante ao
notar que Lucas reserva para a viagem à cruz, aquilo que Mateus coloca no primeiro
239
Cf. RICHARD, P. O Evangelho de Lucas..., p. 22.
240
O livro de Q se inicia justamente com os ensinamentos de Jesus e neles, antes de tudo encontramos:felizes
são os pobres; o reino de Deus é deles”. Sobre os bens, o livro Q relata a parábola do homem que encheu seus
celeiros, confiando em suas posses e se esquecendo de que Deus pediria sua alma. A setença final é clara: “Isso é
o que acontece com quem acumula tesouros para si próprio sem se tornar rico diante de Deus”. Também
encontramos o conselho evangélico de vender os bens e dar à caridade, de forma a acumular tesouro numa conta
celestial. E ainda, nas instruções para os que querem servir ao Reino de Deus, Jesus coloca o dinheiro como
coisa que eles não devem levar. Sobre estas e outras sentenças, ver MACK, B. O Evanvelho perdido: O livro de
Q e as origens cristãs. Rio de Janeiro: Imago, 1994, p. 73-100.
112
sermão público de Jesus (Mt 6, 25-33)
241
. Tal constatação demonstra certamente, a
necessidade do discípulo que está a caminho da salvação, não ter uma preocupação
excessiva com as coisas materiais.
Na seqüência da exortação ao abandono à providência temos uma proposta mais
radical: vender os bens e distribui-los aos pobres (12,33-34). Para compreender melhor
tal radicalidade do terceiro evangelho, é interessante observar que no lugar de Mt 6,
19a: “Mh. qhsauri,zete u`mi/n qhsaurou.j evpi. th/j gh/j”, isto é, “Não junteis para vós
tesouros na terra”, Lucas diz: “Pwlh,sate ta. u`pa,rconta u`mw/n kai. do,te
evlehmosu,nhn\”, a saber: “Vendei os vossos bens e daí esmolas”. Uma exortação
positiva, mas de forma imperativa e mais radical, pois é necessário ir além do não
juntar tesouros. É necessário dispor dos bens em favor dos necessitados. Transparece,
uma vez mais, a urgência lucana em praticar essas boas obras que conduzem ao
verdadeiro tesouro que é a salvação.
Certamente não é também sem significado que Lucas, ao apresentar as
tentações de Jesus (4, 1-13), coloca nos lábios do diabo uma proposta atraente de
poder e glória, coisas que não se conquista sem a colaboração da riqueza, ou mais
precisamente, do dinheiro. O texto diz: “kai. ei=pen auvtw/| o` dia,boloj\ soi. dw,sw th.n
evxousi,an tau,thn a[pasan kai. th.n do,xan auvtw/n” [E disse-lhe o diabo: Dar-te-ei a ti
todo este poder e a sua glória], (cf. 4, 6). Foi possível observar que em muitas
traduções ressalta-se o oferecimento de poder e riqueza, o que, não obstante o
significado de “evxousi,an tau,thn a[pasan kai. th.n do,xan auvtw/n”, parece confirmar
241
STUHLMUELLER, C. Evangelho de Lucas..., p. 156.
113
nossa interpretação, pois, como afirmamos, não se obtém poder e glória sem a
“intermediação” da riqueza.
Vale ressaltar ainda, algumas sentenças diretas de Jesus, tais como Lc 6, 24:
Plh.n ouvai. u`mi/n toi/j plousi,oij( o[ti avpe,cete th.n para,klhsin u`mw/n”, donde se pode
traduzir: “Mas ai de vós que sois ricos! Pois já recebestes a vossa consolação”. Há
quem entende esse versículo
242
como verdadeira antítese do v. 20: “... Maka,rioi oi`
ptwcoi,( o[ti u`mete,ra evsti.n h` basilei,a tou/ qeou/” [b
em-aventurados vós, os pobres,
porque vosso é o reino de Deus], interpretado como uma enfática valorização da pobreza
literal e a malignidade da riqueza literal em Lucas.
Após tanta insistência na temática da renúncia é que se dá o terceiro anúncio da
paixão (18, 31-34), e, como sabemos, após esse último anúncio, Lucas refere-se ao
cego na entrada de Jericó e logo em seguida, apresenta algo que de certa forma, era
esperado na caminhada de Jesus, ou no Evangelho, a saber, alguém que, sendo rico,
renuncia à sua riqueza injusta, para encontrar a salvação oferecida por Deus em Jesus.
Esse alguém é o próprio Zaqueu (19,8). Desde modo, aquilo que é impossível aos
homens, mas não a Deus (cf. Lc 18, 27), acontece graças à ação, à missão de Jesus e o
esforço de Zaqueu.
A passagem de Zaqueu que renuncia ao mau uso do dinheiro não será a última
vez que a temática do dinheiro aparecerá no Evangelho segundo Lucas. Tratando do
contexto próximo, constatamos que a perícope que segue imediatamente à de Zaqueu,
a saber, a parábola das minas (Lc 19, 11-28), fala de dinheiro, uma vez que de,ka
mna/j
(dez minas) se refere a uma quantia em dinheiro equivalente a mil denários.
242
CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo..., p. 65.
114
Temos ainda, um texto muito indicativo, entitulado reprovação da avareza dos
fariseus: (Lc 16, 14-15). Uma análise minuciosa do Evangelho segundo Lucas, nos
mostra que os fariseus representam os opositores da mensagem de Jesus. Sendo assim,
era de se esperar, que Lucas os chamassem de fila,rguroi, isto é, amigos do dinheiro,
expressão encontrada uma única vez em toda a Escritura. Tal constação, apresenta,
uma vez mais, a declarada oposição da mensagem de Jesus segundo Lucas ao dinheiro,
verdadeiro obstáculo no caminho da salvação e até mesmo motivo para queda de
muitos, como o será ainda, no caso de Judas que para entregar Jesus, recebe dinheiro
(cf. Lc 22, 5).
Antes de concluir, também é preciso dizer que o dinheiro faz parte do contexto
da segunda parte da obra lucana (Atos dos Apóstolos), onde o Reino de Deus
anunciado por Jesus se concretiza na vida das pessoas que desapegam do mau uso do
dinheiro (cf. At 2, 44; At 4, 3237).
Tanta referência e insistência no tema da renúncia ao dinheiro ou a seu mau
uso, não é por acaso e nem sem objetivos na obra de Lucas. O dinheiro, de fato, afasta
o homem da Lei de Deus, subverte as energias da alma, introduz a ignorância e não
permite ao homem ter sentimentos de bem-querer para com o próximo, como também
nos atestam o Testamento dos Doze Patriarcas
243
.
Concluindo o capítulo 2, podemos afirmar que a obra de Lucas situa-se num
contexto de realidades históricas conflitivas e complexas, onde as comunidades cristãs,
formadas por judeus e pagãos, eram fortemente influenciadas, não simplesmente pela
mentalidade greco-romana dos últimos séculos, mas, sobretudo, pela dominação
243
Cf. PROENÇA, E. de. & PROENÇA, E. O. de. Apócrifos e Pseudo-epígrafos da Bíblia. São Paulo: Novo
Século, 2004, p. 361.
115
romana, que de várias formas, aumentava o abismo entre homens ricos e pobres.
Inequivocamente, Lucas deixa transparecer isso.
116
Capítulo III: Análise
No terceiro e último capítulo, apresentamos a análise do texto. Procuramos não
somente justificar as opções de tradução, mas também analisar e discutir o texto. Para
facilitar este trabalho, analisaremos as passagens mais siginicativas de cada versículo,
obedecendo a ordem em que estão na perícope.
Esta parte do trabalho tem como objetivo principal comprovar que o tema
proposto possui fundamentação. Para isso, tomaremos do texto expressões ou palavras
que consideramos fundamentais para a sua compreensão.
A perícope de Lc 19, 1-10 é, praticamente, a conclusão de todo o ensinamento
de Jesus, que Lucas apresenta como sendo feito ao longo da caminhada para
Jerusalém. O ensinamento tem uma mensagem clara no sentido de orientar os
discípulos quanto ao modo de fazer uso do dinheiro.
Ao apresentar a conversão de Zaqueu, a perícope questiona, exorta e desafia os
discípulos de Jesus para uma vivência autêntica do Evangelho, o que só se faz, a partir
da libertação do mau uso do dinheiro.
O ensinamento sobre o uso de dinheiro vem de encontro a temas muito atuais,
pois a busca de bens materiais, o desejo de acumular, as questões administrativas no
que diz respeito à honestidade ou corrupção, e o modo de usar o próprio dinheiro, tem
se apresentado como uma questão delicada e complexa para muitas pessoas e
comunidades.
A análise da perícope nos dá argumentos para reafirmar que é a partir do
“procurava ver quem é Jesus”, que se abre o caminho para um novo modo de fazer uso
do dinheiro. Como já afirmamos, é a partir de um processo de profundo conhecimento
117
da identidade de Jesus que Zaqueu abandona parte de suas riquezas, adquiridas por
exploração.
1. A identificação de Zaqueu (cf. v. 2)
Após a localização geográfica: “Kai. eivselqw.n dih,rceto th.n VIericw
,”, [e, tendo
entrado em Jericó, atravessava-a], (v. 1), temos a apresentação de Zaqueu: “Kai. ivdou.
avnh.r ovno,mati kalou,menoj Zakcai/oj( kai. auvto.j h=n avrcitelw,nhj kai. auvto.j plou,sioj
[e eis que um homem chamado com o nome de Zaqueu, que era arquicobrador de
impostos e era rico], (v. 2). O texto diz quem ele era, para em seguida dizer que ele
procurava ver quem é Jesus.
O contraste, tantas vezes apresentado em Lucas, neste texto é sutil e
transformador. Primeiramente, Zakcai/oj... h=n [Zaqueu... era], enquanto no versículo
seguinte se dirá que VIhsou/n... evstin [Jesus ... é]. Pode ser apenas uma forma de fazer a
narração, mas o contraste não deixa de existir.
Enquanto o texto diz o que Zaqueu era: kai. auvto.j h=n avrcitelw,nhj kai. auvto.j
plou,sioj [que era arquicobrador de impostos e era rico], não diz quem é Jesus. As
suas ações e ensinamentos falam por si mesmas, e serão suficientes para convencer
Zaqueu a abandonar aquilo que era para ser o que Jesus ensina.
Através do estudo do vocabulário, vimos que a partícula demonstrativa ivdou.,,
traduzida por: eis que, é freqüentemente usada pelos evangelistas como fórmula de
apresentação que chama a atenção para o personagem em torno do qual gira o relato.
Lucas não foge à regra. Assim, é preciso perceber que o abandono da vida regressa, ou
118
a conversão que se dá não foi simplesmente a de um pescador, de um trabalhador
comum, mas de um avrcitelw,nhj. O termo, como também verificamos, é usado uma
vez na Bíblia, de modo que Lucas o teria usado para expressar o significado e a
importância do que ocorre na perícope.
Zaqueu, sendo um arquicobrador de impostos, liderava uma legião de
exploradores. É responsável pela desonestidade ligada à atividade de todos os seus
subalternos. Sendo assim, assinala Kodell, a questão do uso apropriado da riqueza é
abordada novamente
244
.
Mas Zaqueu, como se não bastasse, também era plou,sioj, rico. Sendo assim,
trata-se de um símbolo do pecador que dificilmente se convertia aos ensinamentos de
Jesus, conforme se conclui pelas palavras do próprio Jesus: “pw/j dusko,lwj oi` ta.
crh,mata e;contej eivj th.n basilei,an tou/ qeou/ eivsporeu,ontai”, [Quão dificilmente os
que tem riquezas no reino de Deus entrarão]
245
, (Lc 18, 24), e de tantos outros textos
no Evangelho segundo Lucas.
No v. 2, a identificação de quem era Zaqueu cria uma grande expectativa no
texto e, ao mesmo tempo, ressalta o significado de sua conversão. Para converter-se
terá que deixar o lucrativo trabalho ou mudar as atitudes no exercício do mesmo, e
também, terá que decidir sobre sua riqueza. Zaqueu será capaz? Há pouco, um homem
de notável posição, voltara triste pra casa, pois não quis abandonar sua riqueza (cf. Lc
18, 18-23). O que fará? A análise dos verbos e algumas expressões da perícope
demonstram que o conhecimento profundo da identidade de Jesus o levará a ações
244
KODELL, J. Lucas..., p. 100.
245
Sobre o texto de Lucas 18, 24, consultar o comentário referente à variante do versículo, segundo a qual, Jesus
é que percebera a tristeza do rico notável...Ver BRUCE, M. M. A textual comentary on the Greek New
Testament. Stuttgart: United Bible Societies, 1971, p. 143.
119
concretas, que possuem amplo significado para a vida dos discípulos de Jesus em
todos os tempos.
2. Zaqueu e o processo de conhecimento de Jesus (cf. v. 3a)
Após a identificação de quem era Zaqueu, o narrador diz o que Zaqueu costuma
fazer: “kai. evzh,tei ivdei/n to.n VIhsou/n ti,j evstin”, [procurava ver Jesus, quem é]
246
, (v.
3a). Trata-se de uma atitude repetida como o comprovaremos nesta reflexão.
Nos comentários sobre a perícope, a ênfase quase sempre se dá ao fato de
Zaqueu ter renunciado ao mau uso de sua riqueza, não se ressalta que tal atitude é
resultado do fato de que ele “procurava ver Jesus, quem é”. É o que se percebe nas
reflexões de Pablo Richard
247
, Jerome Kodell
248
, e Ivo Storniolo
249
, entre outros.
Nesta reflexão, porém, propomo-nos desde o início, a mostrar que sua renúncia
é conseqüência do “procurava ver Jesus, quem é”. Trata-se de uma atitude de busca, de
conhecimento da identidade de Jesus que leva Zaqueu à conversão, de forma que sua
procura por ver, deve ser entendida como processo e não simplesmente como atitude
isolada e momentânea.
Entre os exegetas que fazem referência específica ao v. 3a, podemos citar a
título de exemplos, Joseph Fitzmyer
250
, Javier Pikasa
251
, Wilfrid Harrington
252
,
246
Encontramos outros aspectos importantes da perícope de Zaqueu, que poderiam ser desenvolvidos neste
capítulo, tais como a pressa de Zaqueu em descer da árvore, conseqüência do imperativo de Jesus: “Zakcai/e(
speu,saj kata,bhqi” [Zaqueu, desce depressa], (cf. 5c). Também poderíamos refletir sobre o próprio fato de
Zaqueu descer imediatamente e receber Jesus com alegria (cf. v. 6), e assim por adiante.
247
RICHARD, P. O Evangelho de Lucas..., p. 29.
248
KODELL, J. Lucas..., p. 100.
249
STORNIOLO I. Como ler o evangelho de Lucas....
250
FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. IV
251
PIKASA, J. A teologia de Lucas
252
HARRINGTON, W. A New Catholic Commentary on Holy Scripture…
120
Augustin George
253
, Carrol Stuhlmueller
254
, Josef Schmid
255
e Russel Norman
Champlin
256
.
Para Fitzmyer, a frase: “procurava ver quem é Jesus”, expressa apenas mera
curiosidade. O autor ainda ressalta que assim pensam muitos comentaristas
257
.
Contudo, chega a questionar a possibilidade de Zaqueu ter uma idéia, ainda que vaga,
de algo especial que rodeia o personagem que atravessa a cidade e de quem tanto se
fala (cf. Lc 4, 14. 37)
258
.
Na mesma linha da curiosidade, além de Fitzmyer, podemos citar Pikasa
259
e
Harrington. Este último diz que Zaqueu até se esquece da sua “dignidade” para ver um
homem com a reputação de Jesus. Eis sua afirmação textual: “Curioso para ver um
homem com tal reputação, Zaqueu se esquece de sua dignidade”
260
.
Outros autores, como Josef Schmid, além de ignorar o pronome ti,j, também
afirmam que a atitude de Zaqueu pode proceder de um simples esforço de
curiosidade
261
.
Segundo Champlin, os motivos de Zaqueu para ver quem era [sic] Jesus, eram
principalmente os movidos pela curiosidade, embora como pecador que era, algo
pudesse ter sido tocado dentro dele quando ouviu falar de Jesus
262
. É interessante
notar, por outro lado, que o mesmo autor, interpreta o pedido dos gregos para ver Jesus
253
GEORGE, A. Cadernos Bíblicos...
254
STUHLMUELLER, C. Evangelho de Lucas...
255
SCHMID, J. El Evangelio Segun San Lucas...
256
CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo...
257
...como piensan muchos comentaristas (por ejemplo, M.-Lagrange, Luc, 488; J. Schmid, Eevangelium nach
Lukas, 286)”, cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. IV…, p. 61.
258
Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. IV…, p. 61.
259
Referindo-se a Zaqueu, afirma que: “...tiene curiosidad por saber quién es Jesus.... Cf. PIKASA, J. A
teologia de Lucas..., p. 300.
260
Curious to see a man with such a reputation, Zacchaeus forgets his dignity”, cf. HARRINGTON, W. A New
Catholic Commentary on Holy Scripture…, p. 1014.
261
Cf. SCHMID, J. El Evangelio Segun San Lucas..., p. 411.
262
CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo..., p. 182.
121
(cf. Jo 12, 21) não como sendo uma mera curiosidade, mas um querer conhecer o tipo
de pessoa que era o Senhor Jesus, ressaltando inclusive, que os gregos queriam ouvir
em primeira mão os admiravéis ensinamentos de Jesus
263
. Por que essa interpretação
vale para os gregos e não vale para o procedimento de Zaqueu? Tentaremos responder
no ponto seguinte, quando faremos uma comparação entre Lucas 19, 3a e João 12, 20-
21.
Como podemos constatar, vários autores analisam o “procurava ver Jesus, quem
é”, como sendo mais uma curiosidade, mas, para nós há algo muito mais significativo,
como temos argumentado.
Augustin George, após questionar se o “procurava ver quem é Jesus”, era
interesse ou curiosidade, responde que a continuação do texto demonstra que Zaqueu
tem certa dose de preocupação religiosa, e que sua ação não demonstra mera
curiosidade, como foi o caso de Herodes, mas um desejo, ainda que obscuro,
provavelmente de arrependimento mais ou menos consciente
264
.
Por sua vez, Carrol Stuhlmueller, em seu comentário sobre o Evangelho de
Lucas, apesar de optar por uma tradução de Lc 19, 3a, que ignora o pronome ti,j,
“Procurava ver a Jesus”, argumenta que Zaqueu tinha uma determinação séria de ver
Jesus, e que nesse acontecimento (encontro de Jesus e Zaqueu), palpita um desejo
grande de encontrá-Lo
265
.
Em contraposição, além do que será exposto abaixo, temos as seguintes
passagens do NT: Mt 15, 14; 23, 26-26; Lc 6, 39; Jo 9, 39-41. Nelas, Jesus se refere à
cegueira, como algo contrário, obviamente, ao ver. Normalmente, o alvo são os
263
CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo..., p. 485.
264
Cf. GEORGE, A. Cadernos Bíblicos..., p. 82.
265
Cf. STUHLMUELLER, C. Evangelho de Lucas..., p. 192.
122
fariseus, e é com eles que a discussão sobre o ver chega a um ponto interessante, pois
em Jo 9, 41, eles pensam numa cegueira física, mas Jesus, se refere à cegueira que não
permite acolhê-lo.
Não obstante essas interpretações, precisamos buscar no próprio texto os
argumentos em favor da proposta de um desejo profundo de conhecimento da pessoa
de Jesus por parte de Zaqueu. Para isso vamos analisar os três termos, que ao nosso
entender, são mais relevantes na formação do v. 3a, isto é, os verbos zhte,w e o`ra,w, e o
pronome ti,j.
2. 1. Significado do verbo zhte,w [procurava]
O verbo zhte,w, que se encontra em 3a, na 3ª. p. s. do modo indicativo
imperfeito ativo: evzh,tei, nos oferece parte dos argumentos que buscamos. Em Lucas,
além de 19, 3a e 10c, é usado para se referir ao desejo de Herodes de conhecer Jesus,
de quem ele ouve falar tantas coisas (cf. 9, 9); para falar da procura de Judas, o traidor,
por uma oportunidade para entregar Jesus (cf. 22, 6) e nos Atos dos Apóstolos, vimos
que um mago, após ficar cego, e cair na escuridão e trevas, procurava
quem o levasse
pela mão (cf. At 13, 11).
Em Mateus, o verbo zhte,w é usado para se referir ao Reino de Deus que é
semelhante a quem procura
pérolas preciosas (cf. Mt 13, 45). Em Marcos, é usado para
dizer que todos procuravam
Jesus. O texto diz que os companheiros o procuravam
ansiosos (cf. Mc 1, 37-38).
123
A questão não é tanto as ocasiões em que o verbo é usado. Mais significativo é
o modo e o tempo verbal em que é usado. Sabemos que no NT, o modo indicativo
imperfeito ativo também é usado para expressar uma ação passada que não é vista
como acabada. Trata-se de uma ação prolongada ou recorrente no tempo passado. É
oportuna, a explicação de James Swetnam:
Quando interpretado de acordo com
outros elementos do contexto, o imperfeito geralmente indica uma ação passada que é
vista como repetida
266
ou contínua”
267
.
Noutras palavras, o indicativo imperfeito ativo pode apresentar a ação como um
processo, uma ação em desenvolvimento (aspecto durativo), sentido este, presente no
verbo correspondente a ver em hebraico: ha'r', traduzido em seu sentido genérico, por
atividades referentes ao ver: examinar, inspecionar, investigar, procurar; e como ação
durativa: olhar, contemplar, observar, vigiar. Atividades que levam a uma conclusão:
comprovar, apreciar, reconhecer, contar com, ser testemunha
268
.
Sendo uma ação contínua no passado, o uso do verbo indica:
a) Uma tentativa feita no passado, mas cujo fim não foi alcançado. Como
exemplo, podemos citar Lc 1, 59: “...kai. evka,loun auvto. evpi. tw/| ovno,mati tou/ patro.j
auvtou/ Zacari,anÅ ”. O verbo kale,w está na 3
a
p. p. imperfeito indicativo ativo
(
evka,loun
), e por isso a tradução mais exata seria: “...e lhe chamavam Zacarias, o nome
de seu pai”;
266
Contrariamente ao significado do tempo aoristo, o qual veicula a idéia de uma ação terminada, isto é, não
repetida ou continuada, cf. SWETNAM, J. Gramática do Grego do Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 2002,
p. 62 e também p. 110.
267
SWETNAM, J. Gramática do Grego do Novo Testamento..., p. 66.
268
Passagens bíblicas onde ha'r é usado no sentido de ação durativa: olhar: Nm 27, 12; 1 Sm 24, 12; e Rs 2,
12.24; Jr 4, 23; contemplar: Nm 27, 13; Is 17, 8; 59, 15; Ez 3, 23; observar: Dt 26, 7; Jr 2, 23; Sl 10, 14; Jó 38,
22; Pr 6, 6; Ecl 2, 13 (freqüente), eclo 6, 36. Mais detalhes veja: SCHÖKEL, L. A. Dicionário Bíblico Hebraico-
português..., p. 596-597.
124
b) Exprime uma repetição no passado, um costume. Para exemplificar temos Lc
3,10: “Kai. evphrw,twn auvto.n oi` o;cloi le,gontej\ ti, ou=n poih,swmenÈ”. O verbo
evperwta,w está na 3
a
p. p. imperfeito indicativo ativo (evphrw,twn), de modo que a
tradução seria: “E a multidão o interrogava, dizendo: Que faremos, pois?”. Ou: “E o
interrogavam (= costumavam interrogar) as multidões, dizendo: que faremos, pois?”.
c) Descrever uma ação prosseguindo no passado. Podemos exemplificar com
uma passagem do evangelista Marcos
269
(12,41): “...kai. polloi. plou,sioi e;ballon
polla,\”. Como o verbo ba,llw também está na 3
a
p. p. indicativo imperfeito ativo,
podemos propor a seguinte tradução: “E muitos ricos lançavam muitas (moeda)”.
Note-se ainda, que o verbo, tendo como significado também o procurar, o fazer
uma busca em forma de investigação, reforça ainda mais a tese de desejo mais forte,
no caso, de encontrar alguém, de conhecer, e assim, saber sua identidade.
Outra sinalização de uma ação prolongada pode ser constatada na própria
repetição de algumas atitudes. Referimo-nos, principalmente à atitude de murmuração
dos escribas e fariseus diante das ações de Jesus.
Desde o capítulo 5 de Lucas, quando os fariseus começaram a raciocinar sobre
quem é Jesus (cf. Lc 5, 21), os verbos
goggu,zw, caso de Lc 5, 30 e diagoggu,zw, caso de
Lc 15, 2 e 19, 7, são usados com sentido de murmuração, crítica. Além do uso deste
verbo se repetir ao longo do Evangelho, é importante ressaltar que nas três citações,
eles aparecem no indicativo imperfeito ativo, 3ª p. plural: evgo,gguzon, murmuravam (Lc
5, 30); diego,gguzon, murmuravam (Lc 15,2); diego,gguzon , murmuravam (Lc 19, 7).
269
Um exemplo de outro evangelista para expressar que o uso do imperfeito ativo, modo indicativo, não é
próprio somente do evangelista Lucas, mas do grego do NT.
125
Sobre o indicativo imperfeito ativo, Swetnam observa que é preciso interpretar
o verbo de acordo com o contexto, para assim, ter precisão de que o imperfeito está
indicando ação passada que é vista como repetida. Neste sentido, percebemos que o
contexto da perícope confirma a idéia de repetição, de durabilidade da ação de
procurar, uma vez que as indicações do Evangelho segundo Lucas nos levam a
entender a passagem num sentido teológico, e não, necessariamente como episódio
ocorrido. A isso, deve-se acrescentar o fato de a perícope estar na secção que já tem
sentido teológico claro: “subida para Jerusalém”.
Podemos, com a reflexão acima, afirmar que Zaqueu está no caminho de Jesus,
não simplesmente na estrada, no caminho em sentido concreto, mas, em processo de
conhecimento da pessoa de Jesus, do projeto do Reino de Deus.
Ainda em relação ao verbo zhte,w, é preciso acrescentar a atitude de Zaqueu:
kai. evzh,tei ivdei/n to.n VIhsou/n ti,j evstin”, [procurava ver Jesus, quem é], (v. 3a), e a
do Filho do Homem: “...zhth/sai kai. sw/sai to. avpolwlo,jÅ”, [...procurar e salvar o que
se havia perdido], (v. 10c), marcam de forma evidente a introdução e a conclusão da
perícope, de forma que o verbo zhte,w [procurar], ocupa lugar estratégico na estrutura
geral da perícope.
Podemos, então, perceber que numa perícope onde há tantos verbos (42), como
vimos no capitulo 1, o verbo zhte,w também funciona como verbo chave para
compreender o significado da perícope, além de ivdei/n.
Chama-nos atenção até mesmo o fato do verbo “procurar”, quando se refere a
Zaqueu estar no imperfeito, modo indicativo, e, quando se refere a Jesus, estar no
aoristo ativo, modo infinitivo. Como sabemos, no aoristo, o infinitivo veicula a visão
126
de uma ação terminada, de modo que podemos afirmar, neste caso, que seu uso indica
uma ação consumada.
Se colocarmos os versículos 3 e 10 em paralelo, podemos perceber ainda que,
enquanto Zaqueu “procurava ver Jesus, quem é, o Filho do Homem veio procurar e
salvar”. Sobressai assim a busca do ser humano e a missão do Filho do Homem.
Enquanto Zaqueu não pode ver Jesus por causa da multidão, o Filho do Homem veio
procurar e salvar o que estava perdido, ou melhor, não só Zaqueu, mas a própria
multidão, pois além de impedir que Zaqueu “veja” quem é Jesus (3a), também não
sabe quem é Jesus (cf. Lc 9, 18-19). Segundo essa interpretação é que a multidão
dificulta as coisas para Zaqueu.
Para o ser humano, a multidão pode ser obstáculo na busca e no conhecimento
de Jesus. Até para o próprio Jesus ela é obstáculo, mesmo assim, ela é o “objeto” da
sua missão, pois aquele que pede a Deus o perdão por aqueles que o crucificam (cf. Lc
23, 34) e promete ao bom ladrão o Paraíso (cf. Lc 23, 43), não deixaria de oferecer a
salvação à multidão
270
.
Percebemos na perícope um paralelismo muito significativo entre a ação de
Zaqueu: “...kai. evzh,tei ivdei/n to.n VIhsou/n ti,j evstin”, [procurava ver Jesus, quem é] e a
ação do Filho do Homem: “...zhth/sai kai. sw/sai to. avpolwlo,jÅ”, [...procurar e salvar
o que estava perdido], paralelismo este, basicamente construído a partir do verbo
verbo zhte,w.
270
De fato, nenhum outro evangelho ressalta tão claramente que Jesus veio para salvar a todos. Não obstante,
sobretudo em Lucas, devemos observar que os homens precisam como Zaqueu, optar pela salvação. Neste
sentido, vale a síntese de Santo Agostinho: “Deus, que nos criou sem nós, não quis salvar-nos sem nós” (Sermão
169, 11, 13: PL 38, 923).
127
Os esclarecimentos nos mostram, em princípio, a necessidade humana de uma
busca constante, repetida, expressa pelo indicativo imperfeito ativo, e a eficácia da
ação do Filho do Homem, expressa pelo aoristo.
2. 2. Significado do verbo o`ra,w [ver]
No estudo do vocabulário, encontramos elementos suficientes para dizer que em
grego, ivdei/n ei=don, verbo o`ra,w, significa conhecer com profundidade, com atenção,
observar
271
. Deste modo, em 2a, “Ver” significa: conhecer a identidade, fazer
experiência pessoal de Jesus.
Se “ver” já significa conhecer com profundidade, “ver Jesus, quem é”, nos
remete a algo ainda mais concreto, isto é, nos remete à sua pessoa, à sua identidade.
Sendo assim, Zaqueu procurava conhecer a identidade de Jesus, o seu projeto de vida, de
Reino de Deus. A constante e variada repetição do verbo ver em Lucas não deixa
dúvidas quanto ao sentido de procura da identidade de Jesus.
Constatamos que o`ra,w, aparece 22 vezes no Evangelho segundo Lucas, o que,
por certo, demonstra a importância que o evangelista dá ao “ver”. Também notamos que
o referido verbo aparece com freqüência tanto no NT quanto no AT, e que pode
significar “notar’, “tornar-se consciente”, “conhecer”, além de “ver”, “perceber”.
Em Lucas, no que diz respeito ao significado teológico de “ver”, a percepção
espiritual como função do ver chega a significar “ficar conhecendo” (Lc 23, 8),
“encontrar” (At 20, 25). A visão espiritual é ao mesmo tempo uma experiência (Lc 2,
26).
271
Cf. p. 36ss, as anotações sobre o verbo.
128
Podemos acrescentar que no Evangelho segundo João, que tem contexto
histórico, em muitos aspectos, semelhantes a Lucas, sobretudo por se tratar de
comunidades da Ásia Menor, o verbo “ver” assume um significado especial, de forma
que podemos refletir brevemente sobre o conceito joanino deste verbo. Neste sentido,
constatamos que João opta por usar o`ra,w para aquilo que o Filho “pré-existente” viu
quando estava com o Pai (Jo 3, 11. 32; 6, 46; 8, 38).
Segundo Bultmann, João emprega o verbo “ver” num tríplice sentido
272
, a
saber:
a) percepção de coisas e acontecimentos terrestres acessíveis a todos os
homens;
b) percepção de coisas e eventos sobrenaturais que somente certos homens
conseguem, mesmo assim, ainda é um ver físico;
c) percepção de um evento de revelação, que é um ato espiritual de ver, a vista
da fé. Neste sentido os discípulos vêem a glória do Filho (1, 14). O “ver” da fé ilustrado
em Jo 6, 40: “...i[na pa/j o` qewrw/n to.n ui`o.n kai. pisteu,wn eivj auvto.n e;ch| zwh.n
aivw,nion”, [...que todo o que vê o Filho e crê nele tem a vida eterna].
O ouvir e o ver podem ser usados de modo intercambiável com relação à fé (cf.
Jo 5, 24; 8, 45; com 5, 39; 6, 40), e o conceito de zwh. aivw,nioj, [vida eterna], é
associado com o “ver”. Ver, assim, como ouvir, repetidas vezes fornecem o ímpeto à fé
(2, 11; 20, 8), levam ao conhecimento (14, 9), e ministram à percepção interior (“Vejo
272
BULTMANN, R. The Gospel of John, 1971, 69, n. 2, Cf. COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário
Internacional de Teologia do Novo Testamento..., p. 2596.
129
que tu és profeta”, 4, 19). A fé reconhece o Messias vindouro. O “ver”, portanto, é no
seu todo um encontro existencial com Jesus
273
.
Em João 20, 25 os discípulos chegam a crer por meio do “Ver” o Cristo
ressurreto: “Vimos o Senhor”. Esses encontros levam á fé, à dedicação e ao testemunho.
O desejo de ver revela o querer participar da vida por ele oferecida. Ver Jesus é
perceber o que ele significa, o que ele deseja de nós, o quanto do amor do Pai se revela
através dele. Em suma, “Ver” Jesus significa, de fato, acolher sua Pessoa com alegria
274
.
As anotações nos fazem perceber, e este é o objetivo, que na linguagem grega, o
verbo “ver” possui um sentido extraordinariamente rico, de forma que ao ficarmos
restritos ao sentido da leitura na língua vernácula, encurtamos e muito, o sentido original
da Palavra de Deus.
O verbo o`ra,w, tendo como significado um ver em sentido de conhecimento,
também indica que a ação de Zaqueu de “procurava ver Jesus, quem é”, não foi
momentânea, como, à primeira vista o episódio poderia sugerir, mas ao contrário, uma
ação prolongada, própria à pessoa que se coloca no caminho de conhecimento da
pessoa de Jesus
275
.
A partir do significado do “procurava ver Jesus, quem é”, a perícope, mais do
que ser um fato isolado, é um ensinamento, uma ilustração clara sobre como deve agir
a pessoa que conhece Jesus.
273
Cf. COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia..., p. 2591-2598, obra que possui
mais detalhes sobre a importância do verbo ver.
274
Cf. CNBB. Queremos ver Jesus, Caminho, Verdade e Vida. Projeto Nacional de Evangelização. São Paulo:
Paulus, 2004, p. 21- 22.
275
Vale lembrar que a comunidade compreendeu Jesus, justamente como caminho, cf. Jo 14, 6; 8, 12; 11, 9-10;
12, 35. Também os cristãos, muitas vezes foram conhecidos como aqueles que seguem o caminho.
130
2. 3. Significado do pronome ti,j [quem]
Muitos autores, simplesmente omitem o pronome ti,j nas traduções. A título de
exemplo podemos citar: Abogunrin
276
, Manuel de Tuya
277
e Josef Schmid
278
.
Essa opção nos parece equivocada, sobretudo porque é fato que o pronome está
lá no texto, sem nenhuma variante que sugerisse sua ausência, o que não dá direito à
sua omissão.
Mais do que não omitir o pronome ti,j, seja em traduções ou comentários, temos
que perceber a sua importância para expressar a necessidade de conhecer quem é
Jesus. Desde a análise de vocabulário, capítulo 1, já havíamos sintetizado que o
pronome ti,j muda consideravelmente o conteúdo da frase, uma vez que ver é uma
coisa, mas ver quem é, nos remete a algo mais significativo. Neste sentido, o pronome
não é um detalhe, e ainda que o fosse, é preciso lembrar que detalhes também podem
ser importantes para uma boa exegese.
Além dos autores citados, podemos acrescentar o comentário de Oyin
Abogunrin que, não obstante ressaltar a tenacidade de Zaqueu ao procurar Jesus, omite
o pronome ti,j: “Zaqueu mostra sua tenacidade subindo a árvore para ver a Jesus”
279
.
Também é preciso acrescentar que, conforme vimos na secção sobre
vocabulário, o ti,j evstin, não é usado aleatoriamente em Lucas, mas ao contrário, seu
uso, em todas as passagens possui um conteúdo significativo, inclusive para fazer
276
ABOGUNRIN, S. O. Lucas...,p. 1291.
277
TUYA, M. de. Bíblia Comentada..., p. 186.
278
SCHMID, Josef. El Evangelio Segun San Lucas..., p. 410.
279
...Zaqueu muestra su tenacidad subiéndose a um árbol para ver a Jesús...”, cf. ABOGUNRIN, S. O.
Lucas..., p. 1291.
131
referência à identidade divina de Jesus
280
. Exemplo disso é a passagem onde os
escribas e fariseus, após o perdão dos pecados do paralítico, que em seguida será
curado (cf. Lc 5, 17-26), iniciam os questionamentos sobre a identidade de Jesus: kai.
h;rxanto dialogi,zesqai oi` grammatei/j kai. oi` Farisai/oi le,gontej\ ti,j evstin ou-toj o]j
lalei/ blasfhmi,ajÈ ti,j du,natai a`marti,aj avfei/nai eiv mh. mo,noj o` qeo,jÈ [e começaram a
raciocinar os escribas e os fariseus: “Quem é este que diz blasfêmias? Não é só Deus
que pode perdoar pecados?”], (Lc 5, 21).
Através do pronome ti,j, Lucas ressalta que Zaqueu, ao procurar ver quem é
Jesus, não tinha simplesmente uma curiosidade, mas ao contrário, está num processo
de conhecimento da identidade de Jesus, o que, por conseqüência, nos leva a afirmar
que nesse processo, importa quem ele é, e não simplesmente vê-lo.
Torna-se claro, que não parece fiel ao propósito de Lucas, apenas dizer que
Zaqueu procurava ver Jesus. Schökel, apesar de omitir no comentário o pronome
quem, ressalta que Zaqueu deseja ver Jesus, e sua curiosidade não parece
simplesmente superficial. De alguma maneira, também ele se pergunta quem é (como
Herodes e melhor que ele, Lc 9,9)
281
.
2. 4. Comparando Lc 19, 3a com Jo 12, 20-21
Em João 12, 20-21, lemos que os gregos dizem a Filipe que querem ver Jesus.
A frase central é: “ku,rie( qe,lomen to.n VIhsou/n ivdei/n”, donde uma tradução literal diz:
[Senhor, queremos a Jesus ver].
280
Sobre isto veja maiores detalhes neste mesmo trabalho, seção sobre vocabulário, capítulo 1, a partir da p. 33.
281
Cf. BÍBLIA DO PEREGRINO, ad (Lc 19, 1-10), nota.
132
Para melhor compreensão, é oportuno considerar o significado dos tempos e
modos dos verbos gregos da passagem. O verbo qe,lw, está no presente do indicativo.
Sabemos que é usado para expressar simples enunciados ou para formular perguntas
comuns. O verbo o`ra,w, no infinitivo aoristo (ivdei/n). O infinitivo tem certa variedade
de usos, mas o comum é funcionar como infinitivo “de complemento”. Em vez de
dizer queremos a Jesus, se complementa com
ivdei/n dizendo: queremos ver a Jesus.
João usa o verbo o`ra,w, no infinitivo aoristo (ivdei/n), somente mais uma vez: Jo
3, 3, ao passo que em Lucas aparece outras onze vezes
282
. É um tempo e modo verbal,
usado quase que com exclusividade por Lucas
283
.
Sem desvalorizar o significado da expressão “queremos ver Jesus” em João,
pelos tempos e modos verbais, não há, na atitude dos gregos, em princípio, nada além
de um desejo, ainda que convicto, de ver Jesus e com isso, conhecê-Lo no sentido mais
comum possível. Isso, porém, não anula a possibilidade de um conhecimento mais
profundo. Apenas notamos que o texto não faz indicações claras no sentido de um
conhecimento mais elevado.
O pedido dos gregos:
ku,rie( qe,lomen to.n VIhsou/n ivdei/nÅ , têm sido
interpretado, por alguns autores, como um querer ver no sentido de conhecer mais
profundamente
284
, conhecer a pessoa, os ensinamentos sobre a fé, sobre a vida
espiritual e moral. Numa palavra, conhecer sua identidade.
Entre outros autores, Champlin diz que os gregos não desejam simplesmente
satisfazer a curiosidade, mas expressam um querer conhecer o tipo de pessoa que era
282
Lc 2, 26; 7, 25. 26; 8, 20. 35; 9, 9; 10, 24; 14, 18; 17, 22; 23, 8 (2x).
283
Em Mateus aparece cinco vezes (11, 8. 9; 12, 38; 13, 17; 26, 58) e em Marcos apenas duas vezes (5, 14. 32).
284
CNBB. Queremos ver Jesus, Caminho, Verdade e Vida..., p. 21-22.
133
Jesus
285
. O autor inclusive ressalta que os gregos queriam ouvir em primeira mão os
admiráveis ensinamentos de Jesus
286
. Diante disso, questionamos: por que em João o
ver Jesus tem significado tão substancial e em Lucas é só uma curiosidade? Noutras
palavras, por que se valoriza tanto o querer ver Jesus dos gregos e não se faz o mesmo
com o querer ver quem é Jesus de Zaqueu?
É fato que em João, o verbo o`ra,w tem um significado muito especial. Isso é
inquestionável. Mas também precisamos considerar os seguintes pontos:
a) Quando falamos de Evangelho segundo Lucas e João, referimo-nos a um
contexto até certo ponto comum, isto é, a Ásia Menor durante a segunda metade do
século I d. C. Neste sentido, Eduardo Arens é que afirma:
Dou por suposto que a comunidade de João morava em Éfeso, como afirma a tradição.
Estou, de mais a mais, convencido de que Lucas escreveu para uma comunidade de
cristãos que também encontrava-se na Ásia Menor, quer em Éfeso, quer perto dessa
cidade
287
.
Diante de contexto tão semelhante, não parece verossímil que o sentido do
verbo “Ver” tenha maiores diferenças nos escritos de João e Lucas.
b) Mesmo considerando que o verbo ver tem significado particular em João, e
por isso a expressão joanina “queremos ver Jesus” tem tanta importância, precisamos
relembrar que na passagem sobre Zaqueu há, além do verbo ver, duas expressões com
285
Sobre esse sentido mais profundo de “ver” a Jesus em João, pode-se verificar ainda outros comentários, tais
como o da Bíblia do Peregrino, ad (Jo 12, 20-21), nota. Então afirma: “Vê-lo é visitá-lo, e pode ser muito mais
(na linguagem de João)”; A Bíblia de Jerusalém também trás um comentário oportuno: “ ‘Ver’ o Filho é
discernir e reconhecer que ele é realmente o filho enviado pelo Pai”, (cf. 12, 45; 14, 9; 17, 6+).
286
CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo..., p. 485.
287
ARENS, E. Ásia Menor nos tempos de Paulo, Lucas e João..., p. 6.
134
amplo significado, isto é, o verbo zhte,w “procurar”, e o pronome ti,j, conforme já
refletimos. Sendo assim, a expressão “procurava ver Jesus, quem é”, ao nosso ver, não
demonstra outra coisa senão o mesmo, ou muito mais, do que aquilo que se aplica à
expressão joanina “queremos ver Jesus”.
Concluindo, a ação de Zaqueu em Lucas: “procurava ver Jesus, quem é”, à
semelhança do querer dos gregos em João; “queremos ver Jesus”, também expressa de
forma contudente, um desejo profundo de conhecer a identidade de Jesus, a sua
pessoa, o seu projeto, para aderir a ele e encontrar a salvação.
3. Desafios no caminho de Zaqueu (cf. 3bc)
No v. 3bc encontramos os desafios de Zaqueu no processo de conhecimento da
identidade de Jesus. O texto diz que dois motivos impediam Zaqueu de ver quem é
Jesus: “...kai. ouvk hvdu,nato avpo. tou/ o;clou( o[ti th/| h`liki,a| mikro.j h=n” [... e não podia
por causa da multidão, pois era de baixa estatura], (3bc).
Como vimos no estudo do vocabulário, a multidão representa aqueles que
acompanham Jesus, mas que não entendem sua mensagem, não formam parte do grupo
de Jesus. Não são “seguidores”, e somente vão atrás de Jesus por interesse material
288
.
Em Lc 12, 54-59, Jesus chama a atenção das multidões para que aproveitem a
oportunidade que o tempo presente lhes dá. A partir de 14, 25, percebendo que o
acompanham por interesse, Jesus impõe-lhes condições para o seguimento. Caso
contrário, que voltem para casa.
288
Cf. RIUS-CAMPS, J. O Evangelio de Lucas..., p. 250.
135
O mais agravante, porém, é que por vezes, a multidão tenta interferir na
instrução de Jesus aos discípulos: “Ei=pen de, tij evk tou/ o;clou...” [disse alguém da
multidão...], (cf. 12, 13), ou seja, alguém que a representa, com a intenção de envolvê-
lo como juiz numa disputa relativa a questões de herença entre irmãos. O problema
central era o de sempre: a questão do dinheiro
289
.
É verdade que os textos bíblicos dizem que a multidão inteira se alegrava com
todas as maravilhas que Jesus realizava (cf. Lc 13, 17), que vinha ao seu encontro (cf.
Lc 9, 37), mas os motivos, reinteramos, são puramente materiais. Certamente, como
em nossos dias!
Considerando o papel da multidão em Lucas, parece evidente o porquê ela
atrapalha Zaqueu na sua caminhada de conhecimento da pessoa e do projeto de Jesus.
Como diz o texto, a multidão é a causa de ele não conseguir ver quem é Jesus.
Na seqüência do texto, porém, o narrador apresenta a segunda causa: h`liki,a|
mikro.j h=n [era de baixa estatura]. O adjetivo mikro,j, como vimos no estudo do
vocabulário pode significar importância, dignidade (cf. Lc 12,32; 17, 2), além do
sentido “espiritual”, constatado em Lc 7, 28. E o substantivo h`liki,a, refere-se mais a
idade, maturidade, o que poderia ser entendido como maturidade de fé daquele que
procura conhecer Jesus conforme o Apóstolo Paulo nos ensina (Ef 4, 13).
Em Lc 18, 18, isto é, num contexto remoto da perícope em estudo, temos um
episódio sobre um homem notável, de posição, chamado, por sinal, de “a;rcwn”,
mesma raiz de avrcitelw,nhj, e que significa chefe, autoridade. Temos mais um
289
Cf. RIUS-CAMPS, J. O Evangelio de Lucas..., p. 226-227.
136
paralelismo que, neste caso, nos leva a entender que o sentido de h`liki,a| mikro.j h=n
poderia ser a dignidade insignificante de Zaqueu.
Consideramos que a multidão e a baixa estatura têm significados teológicos e
não simplesmente dados físicos, de modo que a multidão e a dignidade insignificante
de Zaqueu por ser arquicobrador de impostos (profissão) e rico (posição social), são
desafios que dificultam a realização de seu propósito: ver quem é Jesus.
Para remover os desafios, será preciso, da parte de Zaqueu, esforço, o que ele
faz pela procura constante (cf. 3a) e por outras muitas outras ações (cf. v. 4-10) , e da
parte de Jesus, a iniciativa de chegar até Zaqueu (cf. v. 5).
4. Ações de Zaqueu (cf. v. 3 - 10)
Zaqueu não está acomodado, ele age, procurava ver Jesus, quem é. Sua ação é
fundamental para encontrar o que Jesus veio oferecer a todos os homens, a saber a
salvação, que é participação na vida de Deus, e que deve acontecer no hoje da história.
Não se trata apenas de uma promessa futura.
As ações de Zaqueu podem ser visualizadas com clareza, a partir de uma
possível estrutura concêntrica, elaborada com duplas de verbos, o que denota
justamente a idéia de ação.
Além do que Zaqueu faz, para se completar a estrutura, é necessário a ação do
Filho do Homem, que evidencia sua missão de procurar e salvar o que estava perdido.
Vejamos:
137
v. 3a. evzh,tei, zhte,w; procurar
v. 3a. ivdei/n, o`ra,w; ver
v. 4a. prodramw.n, protre,cw; correr adiante
v. 4b. avne,bh, avnabai,nw; subir
v. 6a. kate,bh, katabai,nw; descer
v. 6b. u`pede,xato, u`pode,comai; acolher
v. 8b. di,dwmi, di,dwmi; dar
v. 8c. avpodi,dwmi, avpodi,dwmi; devolver
v. 10a. h=lqen, e;rcomai; vir
v. 10c. evzh,tei zhte,w, procurar
Consideramos importante a estrutura acima, pois, o esquema percebido chama a
atenção do leitor para os seguintes aspectos:
a) São 9 verbos diferentes, sendo que o verbo zhte,w, abre e fecha a estrutura,
formando assim, um conjunto de 10 verbos para 10 versículos que compõem
a perícope. Não contado a repetição de zhte,w, o décimo verbo é sw,|zw, que,
por sinal, marca a conclusão da perícope;
b) Os 10 verbos formam uma estrutura que apresenta um conjunto de ações
com finalidade muito clara: Salvar o que estava perdido
290
;
c) O paralelismo entre a procura de Zaqueu e a procura de Jesus, que abre e
fecha, respectivamente toda a estrutura. O perdido (Zaqueu), procura por
alguém (Jesus), mas é este que o encontra, pois esta é a sua missão. E
290
Certamente, o motivo de o verbo salvar estar “fora” da estrutura, é o fato da perícope ser considerada como
sendo um apotegma biográfico ou paradigma, como defendem Bultmann e Dibelius, cf. FITZMYER, J. A. El
Evangelio según Lucas. Vol. IV, p. 55. Segundo esse tipo de narrativa, o centro de interesse está numa palavra
de Jesus, que neste caso é “salvar o que estava perdido”.
138
também, como diz o texto, é Jesus quem chega ao lugar onde Zaqueu estava
(cf. 5a);
d) O correr e o subir. Zaqueu corre e sobe sobre um sicômoro, atitudes,
segundo as quais, são o meio para ver quem é Jesus;
e) No centro da estrutura se encontra a ação de descer e acolher. Para ver quem
é Jesus, Zaqueu precisa começar por uma ação contrária ao que fazia: tem
descer e, em seguida, acolher Jesus;
f) É o descer e acolher Jesus que desencadeia atitudes novas e fundamentais:
dar aos pobres e devolver aos defraudados. Neste ponto, vale notar que todas
as atitudes de Zaqueu são importantes para a salvação, mas é após dar aos
pobres e devolver aos defraudados, que ouve a afirmação que todo judeu
apreciava: “ei=pen de. pro.j auvto.n o` VIhsou/j o[ti sh,meron swthri,a tw/| oi;kw|
tou,tw evge,neto( kaqo,ti kai. auvto.j ui`o.j VAbraa,m evstin\” [Disse-lhe Jesus:
hoje acontece a salvação nesta casa, na medida em que este é filho de
Abraão], (v. 9);
g) O verbo zhte,w, procurar, amarra toda a estrutura. Esse fechamento nos faz
interpretar que nenhuma atitude que Zaqueu teria efeito, não fosse a missão
do Filho do Homem: “h=lqen ga.r o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou zhth/sai kai. sw/sai
to. avpolwlo,j.” [pois o Filho do Homem veio para procurar e salvar o que
estava perdido], (v. 10).
O texto, através da referida estrutura, indica um caminho, um processo, pelo
qual, toda pessoa que quer conhecer Jesus, precisa percorrer, para assim, encontrar a
salvação.
139
Há alguns pormenores a serem notados. O texto afirma: “kai. prodramw.n eivj to.
e;mprosqen avne,bh evpi. sukomore,an i[na i;dh| auvto.n” [E, correndo adiante, subiu a um
sicômoro para vê-lo], (4abc).
Zaqueu corre adiante, isto é, na frente da multidão, subtende-se. Segundo Rius-
Camps, correr adiante é uma forma semítica de expressar muito desejo de fazer
algo
291
.
O verbo usado é protre,cw, particípio prodramw.n. Trata-se do verbo tre,cw (cf.
Lc 12, 20; 24, 12), normalmente usado para expressar a idéia de correr. Na perícope, o
que se acrescenta ao verbo é a preposição pro,.
Paralelo para o verbo protre,cw, tal como o encontramos no v. 4, só em Jo 20, 4,
onde o outro discípulo amado corre mais depressa que Pedro. O dado importante em
Jo 20, 4, é que o discípulo que correu adiante de Pedro, ao entrar, vê e crê, ao passo
que sobre Pedro, se diz apenas que ele seguia o outro discípulo e que chegando ao
local, entrou. Deste modo, correr adiante, pode ser interpretado como uma atitude
própria de quem tem muito desejo de fazer algo, e por isso faz progresso na fé.
O ver, atitude de quem toma consciência e entende o que significa, também
reforça a idéia de desejo de conhecer. Note-se que o verbo é o`ra,w, mesmo verbo do v.
3a, em Lucas. O ver também é seguido de pisteu,w, crer: ei=den kai. evpi,steusen [viu e
creu]. Uma conclusão nos parece oportuna: Quem vê, conhece, toma consciência, crê.
Ao correr, segue o subir. Zaqueu avne,bh evpi. sukomore,an [subiu a um sicômoro],
(4b), mas logo em seguida Zaqueu desce, obedecendo ao imperativo de Jesus:
speu,saj kata,bhqi” [desce depressa], (cf. 5c).
291
Cf. RIUS-CAMPS, J. O Evangelio de Lucas..., p. 285.
140
Subir denota esforço, atitude de querer uma experiência com Jesus, através da
qual, iniciamos nosso processo de conversão. Descer, por sua vez, denota necessidade
de ir para a planície, onde acontece a Paixão, isto é, a doação, o serviço. Atitudes
próprias do discipulado.
Subir e descer, atitudes necessárias para seguir Jesus. Constamos essas atitudes,
entre outras passagens importantes, no texto da transfiguração
292
, quando Jesus sobe à
montanha para orar, mas desce logo em seguida (cf. Lc 9, 28-37). Em favor da
necessidade de descer, acrescenta-se ainda, em referência ao texto da transfiguração, a
ironia do narrador em dizer que Pedro não sabia o que dizia, quando propôs ficarem na
montanha (cf. Lc 9, 33).
O texto de Lc 4b também diz que Zaqueu subiu sobre um sicômoro. Alguns
exegetas traduzem a palavra sukomore,a, por figueira brava. Outros autores vêem o
sicômoro como figura de Israel, que tinha sido excomungado
293
. Neste sentido, a
atitude de Zaqueu, de subir a um sicômoro, significaria que ele se colocou no ponto
mais alto da instituição religiosa de Israel, o Templo, onde pensava encontrar a
salvação.
Zaqueu, através de suas ações, num primeiro momento, pensa estar no caminho
certo de conhecimento de Jesus: “procurava ver Jesus, quem é”, corre adiante, isto é,
tem grande desejo de conhecer Jesus, mas estaria equivocado na ação de subir sobre o
sicômoro, isto é, de confiar na instituição de Israel, que tem como expressão maior, o
Templo. Por isso terá que obedecer ao imperativo de Jesus: “speu,saj kata,bhqi” [desce
depressa], (cf. 5c).
292
O contexto é justamente de mais um ensinamento de Jesus sobre as condições para segui-lo (cf. Lc 23-26).
293
Corroboram com este pensamento, autores como RIUS-CAMPS, J. O Evangelio de Lucas..., p. 285.
141
Se considerarmos o episódio de encontro entre Jesus e Zaqueu como narração
teológica, poderíamos concluir que as palavras de Jesus têm o significado de descer da
instituição que, naquele momento é a segurança de Zaqueu. Lucas estararia colocando
na boca de Jesus uma expressão para convidar as pessoas a se desligarem de algumas
tradições da instituição judaica.
5. O Imperativo de Jesus e a obediência de Zaqueu (cf. v. 4 - 6)
O v. 5 fala da chegada de Jesus a “o lugar” e da sua atitude, carregada de
simbolismo, de levantar os olhos, seguida do imperativo: “speu,saj kata,bhqi” [desce
depressa], (cf. 5c).
A chegada de Jesus não é uma mera constatação. Há elementos no texto para
comprovar um significado muito maior, sobretudo, quando consideramos a perícope,
como um todo. Nela, percebemos um processo, como algo que transcende o temporal,
o histórico, processo este, manifestado pelos verbos me,llw,
die,rcomai, e e;rcomai evpi. .
O verbo me,llw contém a idéia de estar para, estar a ponto de, estar destinado a
acontecer. Significando aqui que Jesus estava a ponto de passar por ali. Traduzimos,
pois, a frase por “devia passar”.
Na seqüência do v. 4 temos a composição dia. + e;rcomai o verbo e;rcomai
(die,rcomai) no infinitivo aoristo ativo. E continua o processo que termina em 5a com o
verbo e;rcomai. “Kai. w`j h=lqen evpi. to.n to,pon…”, [e quando chegou ao lugar...], (cf.
5a).
142
No v. 4d: h;mellen die,rcesqai. Em 5a: h=lqen, e no v. 10a, novamente o verbo
h=lqen. As formas verbais indicam uma “promessa”, o anúncio, e a realização: Jesus
devia passar por ali, chegou e chegou para salvar.
A promessa da vinda do Filho do Homem foi anunciada em Dn 7, 13, e
realizada em Jesus que vem procurar e salvar o que estava perdido.
O termo que segue o verbo chegar, nos indica o significado e a importância do
imperativo de Jesus. Trata-se de “to.n to,pon”, observa-se, com artigo. “o lugar”, nos
evangelhos, sempre está relacionado com o Templo, lugar por excelência, conforme,
por exemplo, Jo 11, 45-48, quando os chefes dos sacerdotes e os fariseus temem que
todos venham a crer em Jesus e, que depois, os romanos venham e destruam o lugar
santo, isto é, o templo e a nação
294
.
Antes da ordem de Jesus a Zaqueu, temos uma expressão muito significativa:
“olhando para o alto”. Trata-se do verbo avnable,yaj, avnable,pw. Constatamos no estudo
do vocabulário, que no NT, o verbo é usado com freqüência para se referir a ações de
Jesus.
Dentre as passagens onde o verbo avnable,pw é usado, chama a atenção os
contextos de bênção do pão e dos peixes (Mt 14, 19; Mc 6, 41; Lc 9, 16), onde se diz
que Jesus olha para o céu: “avnable,yaj eivj to.n ouvrano.n”, e a passagem de Lc 21, 1,
onde se diz que “VAnable,yaj de. ei=den tou.j ba,llontaj eivj to. gazofula,kion ta. dw/ra
auvtw/n plousi,ouj” [olhando para o alto, viu os ricos lançarem na sala dos tesouros,as
suas ofertas].
294
Veja comentário exegético sobre Jo 11, 48, na Bíblia de Jerusalém. Também RIUS-CAMPS, J. O Evangelio
de Lucas..., p. 286.
143
Diante do sentido e do contexto da ação de Jesus, podemos afirmar que Ele, ao
olhar para o alto, está olhando para um lugar determinado do Templo, a sala dos
tesouros, onde o rico Zaqueu teria se colocado. Assim sendo, o sentido de “o lugar’ e
de “olhando para o alto”, se completam: chegou ao Templo, onde Zaqueu havia se
instalado, e olhou para um lugar específico, sala dos tesouros, onde Zaqueu, como
rico, está.
O contexto da passagem de Lc 21, 1-4, ao comparar a oferta dos ricos com a
duas moedinhas da viúva expressa ainda mais o absurdo da atitude de quem confia e se
sustenta na estrutura do Templo.
Os significados dos verbos que se referem ao “chegar”, do substantivo “o lugar”
e da expressão verbal “olhando para o alto”, oferecem as justificativas para que Jesus
ordene a Zaqueu que desça depressa.
Zaqueu, como pessoa que procurava ver quem é Jesus, não pode mais colocar
sua confiança numa estrutura injusta, que marginaliza e explora, inclusive a ele,
Zaqueu, com a lei da pureza, uma vez que, sendo arquicobrador de impostos é
pecador, segundo a interpretação institucional.
Zaqueu deve descer e descer depressa, sem vacilos, para que não tenha o
mesmo destino de outros ricos que não conseguiram seguir Jesus e assim, encontrar a
salvação. Mas descendo do Templo, lugar onde tinha colocado sua confiança, Zaqueu
se instalará em que lugar? Jesus o adianta: “sh,meron ga.r evn tw/| oi;kw| sou dei/ me
mei/nai” [hoje, é necessário que eu fique em tua casa], (5d).
A casa será o novo “lugar”, em clara contraposição ao Templo. Neste mesmo
sentido, Rius-Camps afirma: “Jesus contrapõe “o lugar” à “a casa”: começa a
144
vislumbar a futura “casa” da comunidade de salvos provenientes do paganismo, dos
quais o “arquicobrador” é figura representativa no evangelho”
295
.
A expressão “evn tw/| oi;kw| sou dei/ me mei/nai”, também é significativa à medida
que o Salvador demonstra ser uma necessidade: ficar na casa de Zaqueu. Não basta
Zaqueu descer da “posição” onde estava, é preciso algo mais, que só se realiza a partir
da benevolência de Jesus para com o arquicobrador de impostos. Temos, aqui, uma
vez mais no terceiro evangelho, uma manifestação da misericórdia de Deus que
procura aos homens de todas as formas, como expressou santo Agostinho: “Quando te
conheci a princípio, tu me ergueste, para que eu pudesse perceber que havia algo para
eu ver, embora, naquele momento, eu ainda não estivesse preparado para vê-lo”
296
.
Diante da proposta de estar com Jesus, a ordem de descer depressa passa a ser
uma bela oferta, à qual, Zaqueu retribui com pronta obediência e acolhida alegre: “
kai.
speu,saj kate,bh kai. u`pede,xato auvto.n cai,rwn” [e desceu depressa e o acolheu com
alegria], (cf. v. 6).
Zaqueu não hesitou em descer e obedecer alegremente, de forma que, hospedar
Jesus em sua casa lhe parece uma honra incomparável. No Salmo 101, 2, o salmista
pergunta a Deus: “quando virás à minha casa”? A Zaqueu, antes que perguntasse,
Jesus disse: hoje, “hoje, é necessário que eu fique em tua casa”, (v. 5d).
A repetição de speu,saj kata,bhqi, aqui, speu,saj kate,bh, sublinha de forma
quase poética, a disposição de Zaqueu em se afastar da instituição a qual estava
apegado.
295
Cf. RIUS-CAMPS, J. O Evangelio de Lucas..., p. 287.
296
AGOSTINHO, Confissões VII. 10, cf. CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento interpretado versículo por
versículo..., p. 183.
145
O que se percebe é que a conversão de Zaqueu, demonstrada pelas atitudes, é
proporcional ao interesse de alguém que, ao procurar ver quem é Jesus, teve a alegria
de hospedá-lo em sua casa e assim, conhecê-Lo, uma vez que, em se falando de
Evangelho segundo Lucas, a casa e a mesa, assim como o caminho, são realidades que
têm uma relevância explícita.
A alegria de hospedar Jesus não é sem motivos, pois a hospitalidade é uma
verdadeira instituição social da Antigüidade, e significa mais do que apenas comida e
moradia. Ela implica em oportunidade de se trabalhar junto à pessoa que hospeda, em
garantia de proteção diante das autoridades locais, em freqüentar os locais de reunião e
celebração
297
, de modo que, no contexto lucano, a hospitalidade de Zaqueu a Jesus é a
acolhida da Boa Notícia, é o passar a fazer parte da comunidade cristã.
A partir da obediência à ordem de Jesus e da acolhida de Zaqueu a Jesus, volta
a murmuração dos “religiosos” mais freqüentes, mas quanto a Zaqueu, todas as suas
ações passarão a expressar contradição com os ensinamentos e as práticas do Templo.
6. A murmuração dos legalistas (cf. v. 7)
Diante da alegre acolhida de Zaqueu a Jesus, aparece os “filhos mais velhos”,
conforme registro de Lucas: “...pa,ntej diego,gguzon le,gontej o[ti para. a`martwlw/|
avndri. eivsh/lqen katalu/sai” [...todos murmuravam dizendo que foi hospedar-se na
297
Veja REIMER, I. R. Lucas 16, 1-8: Um elogio à prudência econômica transgressora..., p. 65.
146
casa de um homem pecador], (cf. v. 7). Os presentes se escandalizam porque o
importante, como ressalta Schökel, é observar as normas da pureza legal
298
.
A costumeira murmuração (cf. 5, 30 e 15, 2) é motivada, não somente pelo fato
de Jesus, mais uma vez, estar em casa de pecadores, mas sobretudo, porque na
perícope, ele faltou ainda mais com o decoro, uma vez que não espera ser convidado
por Zaqueu, antes, ele mesmo se convida para estar em sua casa.
Já vimos que a murmuração é uma atitude freqüente dos escribas e fariseus
diante das ações de Jesus, freqüência, que se comprova não somente pelas três citações
(Lc 5, 30; 15, 2 e 19, 7), mas também pelo fato de o verbo aparecer no imperfeito do
indicativo ativo: diego,gguzon, murmuravam, conforme já vimos.
Em Lc 5, 30 e 15, 2, os fariseus e escribas é que murmuravam, mas na perícope
de Zaqueu, há uma ampliação da murmuração: “pa,ntej diego,gguzon” [todos
murmuravam]. Outra constatação é que a primeira murmuração se dirigia aos
discípulos: “...tou.j maqhta.j auvtou/” [...aos discípulos dele]. A segunda é dirigida
indiretamente a Jesus: “ou-toj a`martwlou.j prosde,cetai...” [este recebe pecadores...],
mas na terceira murmuração, todos murmuravam contra Jesus: “eivsh/lqen katalu/sai
[foi hospedar-se]. A murmuração vai se direcionando pouco a pouco a Jesus, até
atingi-lo diretamente.
Todos murmuravam contra Jesus. Trata-se de uma das características da
apresentação dada pelos evangelhos, acerca das reações adversas que Jesus acarretava,
quando fazia o bem às pessoas mais humildes e, especialmente, quando os
beneficiados eram reputados como grandes pecadores.
298
Cf. BÍBLIA DO PEREGRINO, Ad (19, 7), nota.
147
A atitude de murmuração é muita própria de fariseus e escribas, mas também de
todos quantos são “catequisados” por eles. Juntando todos eles, podemos chamá-los de
legalistas, pessoas que normalmente não entendem ou não aceitam que a misericórdia
de Deus se estenda aos pecadores, perdidos e desprezados.
Legalistas, certamente são aqueles que se escondem atrás do sistema injusto e
explorador do Templo, dentre os quais, muitos se beneficiam com privilégios,
inclusive econômicos. O dinheiro! Neste caso específico da perícope de Zaqueu, isso
fica evidente.
O verbo katalu,w, hospedar-se, nos remete à missão do Filho do Homem:
h=lqen ga.r o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou zhth/sai kai. sw/sai to. avpolwlo,j”, isto é, [pois o
Filho do Homem veio para procurar e salvar o que estava perdido], (v. 10).
Considerando que Jesus, a caminho para Jerusalém já havia revelado a misericórdia e a
alegria do Pai, através das parábolas da ovelha, da moeda e do jovem perdido,
mostrando assim que Deus se rejubila com o reencontro, com o “achar o que estava
perdido’. Faltava, certamente hospedar com um pecador para ampliar assim, ainda
mais o alcance da missão de Jesus. Ou ainda, para que um pecador (chefe dos
cobradores [arquicobrador de impostos] e ainda rico) se convertesse, era necessária a
ação de Jesus de não somente encontrar, se aproximar e comer com Zaqueu, como
fizera com tantos outros pecadores, mas também hospedar-se em sua casa: “sh,meron
ga.r evn tw/| oi;kw| sou dei/ me mei/nai, traduzimos: [Hoje, é necessário que eu fique em
tua casa], ( v. 5d).
Conforme o desfeche da perícope de Zaqueu, concluímos que os legalistas não
são justificados, mas em contraposição, os pecadores o são, pois Deus se lembra deles:
148
Zaqueu significa “o puro”, “o justo”, ou, se é uma abreviatura de Zacarias, “Deus se
lembrou”. De qualquer modo, em contrapartida aos legalistas, Deus justifica os
pecadores, dos quais, Zaqueu é representante por excelência.
7. Conversão de Zaqueu e suas conseqüências (cf. v. 8 -10)
No texto de Lc 19, 1-10, não há um momento específico para situar a conversão
de Zaqueu. Como temos dito, foi um processo, como deve ser. O que se percebe é que
Zaqueu, após passar por processo de conhecimento de Jesus, passa agir de modo
diferente, toma novas atitudes, que, são as conseqüências, e ao mesmo tempo, a prova
de sua conversão.
Já vimos que é a partir do “procurava ver Jesus, quem é”, que se desencadeia
um conjunto de ações que marcam o processo de conversão que tem seu ápice na
libertação do mau uso de dinheiro: correr, subir, descer, acolher, dar e devolver.
Zaqueu era arquicobrador de impostos e rico (cf. 19, 2), mas diante do encontro
existencial com Jesus e do conhecimento do projeto de Jesus fez renúncias, algo
fundamental para o discípulo de Jesus Cristo, sobretudo no Evangelho segundo Lucas.
A conversão do arquicobrador de impostos é comprovada por atitudes bem
concretas em favor dos pobres e injustiçados por um sistema econômico corrupto e
explorador.
A atitude de devolver o quádruplo é proporcional ao interesse de quem, ao
procurar ver quem é Jesus, teve a alegria de hospedá-lo em sua casa, ocasião mais do
que propícia para conhecer a identidade de Jesus. Isso se torna ainda mais evidente, à
149
medida que correspondeu acima do que a lei mandava, devolução em dobro (Ex 22, 1-
4), dando metade dos bens aos pobres e devolvendo o quádruplo do que havia
defraudado. Zaqueu, porém, segue a orientação do Pentateuco, que mandava dar
quatro ovelhas por uma roubada (cf. Ex 21, 37).
Sem dúvida, se realça nesta atitude de devolver, a generosidade daquele que vê
quem é Jesus e tem coragem de fazer uma escolha: converter-se da vida construída em
torno do dinheiro. “O ser humano tornou-se para ele mais importante que o dinheiro. A
honestidade tornou-se mais importante que o lucro. Zaqueu se havia tornado um
homem novo e diferente!”
299
.
Sendo uma conseqüência do “procurava ver Jesus, quem é a conversão se
comprova, primeiramente pela doação da metade dos bens aos pobres, e pela atitude
de restituir o quádruplo em caso de ter exorbitado na cobrança dos impostos com base
em evidências falsas
300
.
A respeito da atitude de Zaqueu, Kodell observa que sua atitude de amor para
com Jesus despertou novas possibilidades de caridade e serviço
301
.
Manuel de Tuya comenta que Lucas é rápido na descrição e vai logo ao
fundamental dos fatos, isto é, Zaqueu está convertido
302
. E a prova de sua conversão
são as atitudes: “staqei.j de. Zakcai/oj ei=pen pro.j to.n ku,rion\ ivdou. ta. h`mi,sia, mou tw/n
u`parco,ntwn( ku,rie( toi/j ptwcoi/j di,dwmi( kai. ei; tino,j ti evsukofa,nthsa avpodi,dwmi
tetraplou/n”[De pé, Zaqueu disse ao Senhor: eis, Senhor, que dou a metade de meus
bens aos pobres, e se defraudei alguém em alguma coisa, devolvo o quádruplo], (v. 8).
299
RICHARDS, L. C. Comentário Bíblico do Professor.o Paulo: Vida, 2001, p. 801.
300
Cf. CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo...p. 184.
301
KODELL, J. Lucas..., p. 100
302
TUYA, M. de. Bíblia comentada..., p. 187.
150
Zaqueu renunciou a metade de seus bens e os “deu” aos pobres (cf. 19, 8bc).
Podemos dizer que é a primeira conseqüência do encontro existencial com Jesus. Mas
é preciso salientar que, conforme observações feitas sobre o verbo di,dwmi
303
, a atitude
de dar não é para o futuro, mas passa a ser um costume, uma atitude própria de quem
segue os ensinamentos de Jesus.
O texto não diz que Zaqueu deixou de ser arquicobrador de impostos, mas
considerando o sentido de costume do verbo di,dwmi, Zaqueu passou a ter atitudes de
partilha dos bens com os pobres. Se, ao fato de não deixar a profissão, tivéssemos que
somar a promessa de dar, no sentido de futuro, tudo não passaria de mera promessa de
um rico.
Zaqueu renuncia à sua riqueza. Essa renúncia, certamente não fora fácil, pois a
riqueza é algo que em todas as épocas, exerceu grande fascinação nas pessoas. No
próprio Evangelho segundo Lucas, no capítulo anterior (18, 18-23), a fascinação pela
riqueza havia impedido certo homem de posição, possuidor de muitos bens, de seguir
Jesus.
A atitude de renúncia que Zaqueu faz é justamente uma contraposição à atitude
do jovem rico, de modo que se torna evidente o contraste entre ricos e pobres, que
Lucas, desde o início de sua obra, fizera questão de demonstrar, sobretudo através da
profecia de Simeão, na qual, ele ressalta que o menino será posto para a queda e para o
soerguimento de muitos (cf. Lc 2, 34).
Ao procurar ver quem é Jesus e renunciar à metade de seus bens, Zaqueu faz
acontecer no Evangelho segundo Lucas algo novo e inusitado. Em 1, 53, o evangelista
303
Cf. pg. 33 a 34, estudo sobre vocabulário, verbo di,dwmi.
151
grego anunciara pelas palavras do Magnificat, que “o Senhor cumula de bens os
famintos e despede os ricos de mãos vazias”. De fato, também em 18, 25, Jesus
anunciara que “é mais fácil o camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que o rico
entrar no reino de Deus!” Mas o encontro existencial de Zaqueu com Jesus superou
tudo isso. Jesus também anunciara que “as coisas impossíveis aos homens são
possíveis a Deus” (18, 27), e assim se faz. Na vida de Zaqueu, aquilo que parecia
impossível, acontece, graças à gratuidade divina e a disposição humana.
Zaqueu corresponde à pessoa e mensagem de Jesus. Ele soube quem é Jesus e
não se negou a tornar-se discípulo. Ele faz renúncias porque é assim que se alcança o
Reino de Deus, o qual, não é para os que simplesmente nascem filhos de Abraão pelo
sangue, mas que agem tal qual um filho de Abraão. A expressão de Stuhlmueller
elucida este pensamento: “O Evangelho da renúncia e da salvação mostra em Zaqueu
um verdadeiro filho de Abraão”
304
.
Em termos de restituição de roubos e fraudes em geral, a lei judaica faz várias
distinções entre um caso e outro. Em Ex 21, 37 se diz que: Se alguém roubar um boi
ou ovelha e o abater ou vender, restituirá cinco bois por um boi e quatro ovelhas por
uma ovelha”. Em seguida orienta que; “Se o animal roubado, boi, jumento ou ovelha,
for encontrado vivo em seu poder [poder do ladrão], restituirá o dobro (Ex 22, 3).
Segundo o livro dos Números, a lei judaica requeria a mera restituição, além de um
quinto do valor do objeto roubado (cf. Nm 5, 7).
Não obstante às variações, podemos sintetizar que de acordo com as leis
judaicas, a quadruplicada devolução era uma medida requerida dos ladrões. E Zaqueu
não hesitou em conformar-se com essa exigência legal.
304
STUHLMUELLER, C. Evangelho de Lucas..., p. 193.
152
Confrontando as atitudes de Zaqueu e leis judaicas, é interessante notar dois
pontos: primeiro, Zaqueu não parece ter se preocupado em distinguir os casos em que
cada lei devia ser aplicada, simplesmente se dispõe a aplicar a quantia máxima, em
todos os casos em que houvesse defraudado e, segundo, nada na lei exigia que Zaqueu
desse aos pobres metade de sua fortuna
305
.
Sem dúvida, se realça na atitude de devolver, a generosidade daquele que ve
quem é Jesus e tem coragem de fazer uma escolha: converter-se da vida construída em
torno do dinheiro. Cabe, relembrar uma vez mais o comentário de Lawrence Richards:
“O ser humano tornou-se para ele mais importante que o dinheiro. A honestidade
tornou-se mais importante que o lucro.
Mas há um questionamento que demonstra uma vez mais a importância do
procurar ver quem é Jesus. Zaqueu conforma-se com a exigência legal e até vai além,
mas por que só agora tem consciência de sua fraude? Jesus, por acaso, havia ensinado
alguns cálculos? Não. Foi simplesmente o encontro, o conhecimento da pessoa de
Jesus, dos critérios do Reino de Deus que fez Zaqueu tomar consciência da sua
situação e abrir-se à partilha e generosidade.
Referindo-se ao processo de encontro e conversão, Russel Champlin comenta:
“Zaqueu não hesitou em conformar-se com a exigência legal, embora, antes de seu
encontro com Jesus, a sua consciência jamais tê-lo-ia provocado a qualquer ação
similar àquela”
306
.
È verdade que a lei não exigia de ninguém a obrigatoriedade de doar metade
dos bens aos pobres, mas o terceiro Evangelho, ao contrário, exige que se dê tudo aos
305
Cf. CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo..., p. 184.
306
Cf. CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretadoversículo por versículo..., p. 184.
153
pobres para poder seguir Jesus. São critérios apontados pelo próprio Jesus em diversas
ocasiãoes e que Lucas fez questão de colocar sempre em evidência. Sendo assim,
podemos dizer que Zaqueu está mesmo convertido, uma vez que não dá tudo aos
pobres, e assim, também não renuncia a todos os bens? Ao homem notável, Jesus
havia dito: “...e;ti e[n soi lei,pei\ pa,nta o[sa e;ceij pw,lhson kai. dia,doj ptwcoi/j( kai.
e[xeij qhsauro.n evn Îtoi/jÐ ouvranoi/j( kai. deu/ro avkolou,qei moi” [...ainda te falta uma
coisa. Vende tudo quanto tens, distribui aos pobres e terás um tesouro nos céus; e vem
e segue-me], (Lc 18, 22). Por que a Zaqueu não se exige o mesmo? Para responder, é
preciso relembrar que, pela lei e também por parte de Jesus, a Zaqueu, nada é exigido.
É ele próprio que, diante das murmurações toma a iniciativa. Segundo, é necessário
recorrer a outros textos do evangelho segundo Lucas, e mais precisamente a Lc 16, 9-
13, onde encontramos uma discussão sobre dinheiro da iniqüidade, ou Mamona
307
.
Kai. evgw. u`mi/n le,gw( e`autoi/j poih,sate fi,louj evk tou/ mamwna/ th/j avdiki,aj(
i[na o[tan evkli,ph| de,xwntai u`ma/j eivj ta.j aivwni,ouj skhna,jÅ” [E eu vos digo: fazei
amigos com o dinheiro da injustiça, para que, quando faltar o dinheiro, eles vos
recebam nos tabernáculos eternos],
(Lc 16, 9)
308
. Richard, comentando essa passagem,
relaciona-a justamente com a perícope de Zaqueu. O autor então esclarece que:
A frase – entenda-se o versículo bíblico - pode ser interpretada em dois sentidos. Pode
referir-se só ao dinheiro cobrado injustamente ao qual se deve renunciar (como o
administrador da parábola ou como Zaqueu (19, 1-10). Quer dizer: pode-se fazer
amigos devolvendo todo o dinheiro cobrado injustamente. Outra interpretação, mais
radical pode referir-se à renúncia de todos os bens, dado que todo dinheiro é dinheiro
307
A palavra mamona, em Grego mamwna/, aparece três vezes na pequena perícope (v. 9, 11 e 13).
154
da iniqüidade (todo dinheiro é mamona, um ídolo que mata). Um discípulo, então,
pode agir como Zaqueu (19, 1-10), que renunciou unicamente ao dinheiro injusto, ou
renunciar a todos os bens
309
.
O que o texto deixa entrever é que o fato de Zaqueu ter renunciado somente a
metade de seus bens em favor dos pobres não impede que ele encontre a salvação, pois
é nítido que isso era exigido a quem fosse seguir os passos de Jesus, e para isso
Zaqueu não foi chamado.
Em seguida, cabe ressaltar a observação de Pablo Richard, que no comentário a
Lc 16, 9-13, conclui que o Jesus histórico se prende mais a atitude radical
310
, e que
Lucas sempre deixa um espaço para os ricos na comunidade, que renunciaram
radicalmente ao dinheiro injusto, como Zaqueu
311
.
Referindo-se ao caminho para Jerusalém ((9, 51 – 19, 46)
312
, Javier Pikaza
comenta que o caminho é marcado por uma catequese, em que Cristo mostra a seus
discípulos a força e a exigência de falar e buscar a riqueza verdadeira
313
. Zaqueu, neste
sentido, optou por essa riqueza verdadeira: converter-se, não só através do
reconhecimento de que Jesus é o Senhor mas também tomando atitudes concretas de
conversão, de justiça, afinal, aceitar Jesus implica mudança de atitude e conduta.
Merece atenção o reconhecimento de Jesus como Senhor, por parte de Zaqueu.
Como vimos na secção sobre o vocabulário, capítulo 1, ku,rioj é um título atribuído a
Jesus com freqüência no Evangelho segundo Lucas e, além disso, possui amplo
309
RICHARD, P. O Evangelho de Lucas..., p. 25.
310
Conforme manifestado em Lc 16, 13 e na parábola do pobre Lázaro (Lc 16, 19-30).
311
RICHARD, P. O Evangelho de Lucas..., p. 26.
312
Conforme já refletido neste trabalho, há divergências entre os autores sobre onde se conclui de fato a subida a
Jerusalém. Alguns autores consideram como sendo em 19, 27, outros em 19, 28 e, neste caso, Javier Pikaza, 19,
46.
313
Cf. PIKASA, J. A teologia de Lucas..., p. 275-274.
155
significado. Tais constatações nos fazem entender que a comunidade cristã expressa a
consciência de que, assim como existe um só Deus, também há um só Senhor, Jesus
Cristo (cf. 1 Cor 8, 6), de forma que havia, no mínimo, uma convicção de que Jesus
possuía um caráter transcendente.
Baseando-se na compreensão acima do uso de “Senhor” no Evangelho segundo
Lucas, podemos afirmar que Zaqueu, assim como a comunidade, ao chamar Jesus de
Senhor, não está apenas dando-lhe um tratamento cortês, mas expressando também sua
fé na transcendência, no “senhorio” de Jesus Cristo.
Como acolhedor do ensinamento de Jesus, Zaqueu está num processo de
conhecimento de Jesus, de uma conversão real, processual. Escuta a palavra do mestre,
atitude própria de discípulo, como diz Javier Pikasa: “Zaqueu está no caminho de
aprender. Tem sabido escutar a palavra que vem chamar-lhe”
314
.
Além da conversão, renúncia e generosidade de Zaqueu, podemos dizer que
uma conseqüência especial e conclusiva do “procurava ver quem é Jesus” é a salvação
que acontece na casa do homem chamado Zaqueu, que era arquicobrador de impostos
e rico: o[ti sh,meron swthri,a tw/| oi;kw| tou,tw evge,neto[hoje acontece a salvação
nesta casa], (cf. 9b). É, sem dúvida, o ponto culminante do episódio.
Zaqueu pode, agora sim, viver de acordo com o significado de seu nome: “o
puro”
315
, “o justo”, e isto segundo a compreensão de pureza e justiça de Jesus no
Evangelho segundo Lucas, a saber: pureza como algo interior que se consegue não por
ritos externos, mas pelo despreendimento de tudo o que temos (Cf. Lc 12, 39-41), e
justiça, não como cumprimento de leis e normas, mas como atitude concreta que
314
Zaqueu está en camino de aprender . Há sabido escuchar la palavra que vino a llamarle”, Cf. PIKASA, J.
A teologia de Lucas..., p. 300.
315
Cf. ABOGUNRIN, S. O. Lucas..., p. 1291.
156
manifesta amor e gratuidade seja de Deus mesmo em relação ao homem ou vice-
versa
316
.
Vale acrescentar também, que se o nome Zaqueu é uma abreviatura de
Zacarias= “Deus se lembra”, como propõe Manuel de Tuya
317
, a perícope ganha ainda
mais significado, uma vez que a pureza e a justiça de Zaqueu, além de ser
conseqüência de sua procura por quem é Jesus, também é expressão da bondade divina
que se lembra do homem e o procura para salvá-lo.
Considerando que o Evangelho segundo Lucas insiste na idéia de que para
entrar no Reino de Deus, ou, para já estar vivendo a salvação, é necessário renunciar
ao mau uso da riqueza, podemos concluir que Zaqueu também chegou, alcançou a
salvação. De fato, é como descreve Stuhlmueller: “O Evangelho da renúncia e da
salvação mostra em Zaqueu um verdadeiro filho de Abraão”
318
.
A conseqüência concreta e última do “procurava ver Jesus, quem é, é a
renúncia ao mau uso de sua riqueza, que em Lucas, significa se tornar um verdadeiro
discípulo de Jesus, ou noutras palavras, fazer a acolhida da salvação que Deus oferece
na pessoa de Jesus.
Mathias Grenzer, afirma que a falta de vontade pessoal parecem inviabilizar
uma melhora significativa para os sofridos
319
. Nas atitudes de Zaqueu, porém, não
316
Podemos constatar na história da pecadora que foi perdoada (Lc 7, 36-50), e mais precisamente na resposta
que Jesus dá ao fariseu que reflete consigo mesmo contra a atitude de amor que Jesus tem para com a pecadora,
que a justiça não é garantida pelo cumprimento de leis e ritos, mas pelo amor que se demonstra. Jesus já havia
dito aos fariseus que murmuravam: “Não vim chamar para a conversão os justos, mas os pecadores...” (5, 32),
manifestando assim uma ironia sutil, pois Jesus não está identificando-os como sendo justos, mas como os que se
crêem justos. Eles, então, nada têm de justos. Noutras palavras, os justos são aqueles que se sentem pecadores
como a mulher de 7, 36-50, não os que se crêm justos como o fariseu. Logo, justiça é o amor gratuito, a entrega a
Deus.
317
Cf. TUYA, M. de. Bíblia comentada..., p. 186.
318
STUHLMUELLER, C. Evangelho de Lucas..., p. 193.
319
GRENZER, M. A proximidade de Deus na eliminação da opressão e na caridade ao pobre: um estudo de Is
56-66. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, v. 9, n. 34, p. 109, [jan./mar.] 2001.
157
faltou vontade pessoal. Seu desejo de conhecer a identidade de Jesus, desencadeou um
processo de libertação do mau uso do dinheiro. Sua vontade pessoal viabilizou uma
melhora significativa na vida de quem havia sido injustiçado e por isso, certamente
sofriam: “...Zakcai/oj ei=pen pro.j to.n ku,rion\ ivdou. ta. h`mi,sia, mou tw/n u`parco,ntwn(
ku,rie( toi/j ptwcoi/j di,dwmi( kai. ei; tino,j ti evsukofa,nthsa avpodi,dwmi
tetraplou/n”[...Zaqueu disse ao Senhor: eis, Senhor, que dou a metade de meus bens
aos pobres, e se defraudei alguém em alguma coisa, devolvo o quádruplo], (v. 8).
O processo desencadeado pelo fato de que Zaqueu “procurava ver Jesus, quem
é”, o leva, usando as palavras do profeta Isaías (
Cf. Is 61,10), a ser vestido com o manto
da justiça e as vestes da salvação, pois ao dar metade dos bens aos pobres e devolver o
que havia defraudado, ele abriu espaço para Deus fazer justiça e manifestar a salvação
àqueles que amam o direito e ajustiça
320
.
Zaqueu venceu a idolatria do dinheiro. Superou a tentação de viver de forma
insensata e pôde então, participar da vida de Deus, isto é, encontrar a salvação: “ei=pen
de. pro.j auvto.n o` VIhsou/j o[ti sh,meron swthri,a tw/| oi;kw| tou,tw evge,neto” [Disse-lhe
Jesus: hoje acontece a salvação nesta casa, na medida em que este é filho de Abraão],
(9ab).
Jesus não propõe a Zaqueu a renúnica de todos os seus bens nem o convida para
segui-lo como discípulo. Jesus registra que “hoje acontece a salvação nesta casa”, o
que significa, na verdade, que a salvação já é um fato nesta comunidade humana que
Zaqueu representa, a saber, os perdidos, os pecadores, os pagãos.
320
Sobre esse tema tão relevante, veja também GRENZER, M. A proximidade de Deus na eliminação da
opressão e na caridade ao pobre..., p. 117, [jan./mar.] 2001.
158
Na seqüência do texto, lemos que a salvação acontece à medida que esse
(Zaqueu) é um filho de Abraão. O que se ressalta é que a missão do Filho do Homem é
justamente fazer chegar a salvação: “h=lqen ga.r o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou zhth/sai kai.
sw/sai to. avpolwlo,j” [pois o Filho do Homem veio para procurar e salvar o que
estava perdido], (v. 10).
A procura efetuada por Jesus, como nos lembra Champlin
321
, é a ação do
Pastor
322
. Neste sentido, o v. 10 nos remete à profecia de Ez 34, 16, quando Deus
mesmo, diz que procurará a ovelha que estiver perdida, reconduzirá a que estiver
desgarrada.
Zaqueu e Jesus agem como quem quer viver e refazer a Aliança. Zaqueu é um
perdido que procura e ao mesmo tempo é procurado por Jesus. O encontro torna-se
inevitável e o desfecho, ao contrário de outros encontros no Evangelho, foi feliz.
Reafirmamos, graças à procura de Zaqueu pela identidade de Jesus e a misericórdia e
bondade divina, que em Jesus, também procura o homem para salvá-lo (cf. v. 10).
Antes de concluir essa reflexão cabe ressaltar que o “procurar e salvar o que
estava perdido”, na perícope de Zaqueu, tem um significado muito especial, à medida
que verificamos que a salvação acontece para um perdido que lidera, representa a
classe mais odiada em Israel, isto é, os cobradores de imposto, e que, além disso, é
rico, tipo de pessoa, que até então, no Evangelho, não havia encontrado a salvação.
No Evangelho, onde a salvação é universalizada de modo especial, como se
percebe já no nascimento do Salvador, que é motivo de alegria para todo o povo (cf.
Lc 2, 10-11), e também na pregação de João Batista, quando afirma que toda carne
321
Cf. CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo..., p. 184
322
Veja Lc 15, 4. 6. 9; Mt 9, 13 e 18, 11.
159
verá a salvação de Deus (cf. Lc 3, 6), não poderia faltar a salvação de um rico que se
converte, deixando de fazer mau uso do dinheiro. Neste sentido, é o verbo sw,|zw, que
anuncia, a finalidade última da missão de Jesus: salvar. De fato, a salvação pode
chegar a todos, pois chegou até para um arquicobrador de impostos e rico, que se
libertou do mau uso do dinheiro.
160
Conclusão
Na introdução deste trabalho, propuzemo-nos comprovar que a afirmação de
Lucas de que Zaqueu “procurava ver Jesus, quem é” (cf. 3a), significa, na verdade, o
desencadear de um processo de libertação do mau uso do dinheiro. A perícope nos faz
compreender que sua atitude de procurar ver era nele habitual, como em alguém que
está num processo de conhecimento da identidade de Jesus.
A partir da reflexão desenvolvida nesta dissertação, podemos concluir que o
procedimento de Zaqueu, desencadeado pelo processo de procurar ver, e desenvolvido
pelas atitudes de correr, subir, descer, acolher, dar e devolver, comprova que Zaqueu
esteve num processo de conhecimento da identidade de Jesus.
Tal processo de conhecimento teve incidências profundas na vida de Zaqueu,
pois foi a partir desta experiência que ele se libertou do mau uso do dinheiro, o que se
caracterizou por atitudes muito concretas: transformou seus bens, seu dinheiro, em
benefício a favor da partilha, da fraternidade e justiça em favor dos pobres.
Observando bem, Zaqueu é a grande surpresa do Evangelho segundo Lucas,
pois o que se apresentou em várias circunstâncias como algo quase impossível, tornou-
se realidade no fim da “longa caminhada para Jerusalém”: um homem rico encontra a
salvação, podendo agora, também viver como filho de Abraão. Para salientar a
importância do acontecimento, vale lembar que Zaqueu se tornara rico, exercendo uma
função deplorada pelos judeus, uma vez que era caracterizada pela desonestidade:
arquicobrador de impostos, um chefe dos cobradores de impostos, ou, noutras
palavras, chefe dos pecadores.
161
Além de ter encontrado a salvação, Zaqueu, a partir da dignidade que Jesus lhe
devolveu, passa a viver de acordo com o significado de seu nome: “puro”. Pureza
resultante não de ritos, sacrifícios ou oblações, mas de duas ações que se completam:
divina e humana. De Deus que no Filho, veio procurar e salvar aqueles que aos olhos
dos homens estão perdidos, manifestando assim, a gratuidade da salvação; do homem,
que na busca, procura conhecer Jesus Cristo, “Caminho, Verdade e Vida” (cf. Jo 14,
6).
Aos que procuram Deus, Jesus lhes revela toda a bondade e misericórdia,
trazendo ao mundo, um projeto de salvação, de vida, chamado Reino de Deus, pouco a
pouco edificado, por homens e mulheres como Zaqueu, que procuram a identidade
verdadeira de Jesus e faz grandes renúncias em suas vidas.
Diante das incidências que teve na vida de Zaqueu o fato de que ele “procurava
ver Jesus, quem é”, também nós, como é próprio de uma boa conclusão, devemos
lançar alguns questionamentos e propostas referentes ao uso dos bens e mais
especificamente do dinheiro.
Toda pessoa, de alguma forma, seja pela escassez ou abundância, pelo uso ou
adminstração, relaciona-se com dinheiro e bens em geral. Mas, nossos
questionamentos e propostas devem ser feitos principalmente em âmbito social e
eclesial. Observamos, porém, que nossa intenção é oferecer uma reflexão que nos faça
questionar a vida cristã, que nos ofereça elementos para uma análise crítica das
atitudes que temos num mundo de pessoas cada vez mais seduzidas pela idolatria do
dinheiro. De modo algum, temos a pretensão de oferecer mais um manual de moral
cristã.
162
Há pessoas que detêem muita riqueza: terra, empresas, veículos, dinheiro
aplicado em ações e em paraísos fiscais. Muitas delas, ainda se consideram cristãs. A
elas e tantas outras, o caminho de Zaqueu é um verdadeiro paradigma, pois ele foi em
busca da identidade de Jesus, e encontrando-a tomou atitudes práticas, isto é,
renunciou a parte de seus bens para promover a vida, a partilha e a solidariedade com
os mais necessitados. Também se dispos a restituir a quem defraudou e tratou de
exercer a justiça em seu sentido mais pleno, vestindo assim o manto da justiça.
Muitos parecem ter medo de se aproximar do cristianismo, porque ele exige que
se viva a pobreza. Isso tem sido mau entendido e, conforme a perícope, precisamos
afirmar que a exigência radical foi feita a quem quissesse seguir Jesus de forma
especial. Jesus não pediu nada, não pediu que Zaqueu desse tudo aos pobres, como de
fato a outros exigiu, mas devido suas atitudes de renúncia e despreendimento, se
tornou discípulo à medida que passou a seguir os ensinamentos sobre uso do dinheiro,
sobre amor aos pobres, partilha.
Para ser mais concreto, um empresário, por exemplo, de modo algum, a pensar
na perícope de Lc 19, 1-10, precisaria dispor de sua empresa, de todo o seu patrimônio
e riquezas, porém, como cristão atento aos ensinamentos evangélicos, deveria
renunciar a mecanismos de exploração, tão evidentes na economia de mercado;
deveria promover uma administração justa, criar empregos, participação dos
empregados nos lucros e, entre tantas outras possíveis atitudes, incentivar e custear
projetos sociais, sobretudo na área de educação e profissionalização de nossos jovens.
Tudo isso ajudaria a diminuir as enormes desigualdades, mas, reinteramos, para isso é
necessário conversão, libertação do mau uso do dinheiro.
163
Com atitudes como as que descrevemos acima, mesmo sendo ricas, as pessoas
estariam vivendo os ensinamentos evangélicos próprios de quem conhece a verdadeira
identidade e proposta de Jesus. Não seriam pseudo-cristãos, talvez mais precisamente,
cristãos consumidores, que “aderem” a Jesus Cristo pelo fascínio do sagrado, pelas
ofertas de um mercado religioso, também explorador e ganancioso. Ao contrário, em
vez de dizerem não à proposta de Jesus, estariam ajudando a criar um mundo mais
fraterno.
Para os que aderem somente à religião de mercado, as experiências com Jesus,
se é que o experimentaram, seriam reduzidas a meras experiências egocêntricas, de
satisfação pessoal, sem nenhuma incidência prática e concreta.
Muitas seriam as transformações que cada pessoa pode realizar, se, ao invés de
acreditar em experiências momentâneas, vazias e egoístas, se dedicassem a conhecer a
identidade verdadeira de Jesus, através de um processo constante de conversão e
libertação.
Em termos sociais, podemos afirmar que a causa principal da pobreza, das
muitas enfermidades e sofrimentos que assolam grande parte da população mundial é o
desejo insaciável do homem em acumular riquezas a qualquer preço. Há nações que,
mesmo tendo sido dotadas de muitos recursos naturais, e até de avanços científicos e
econômicos, continuam produzindo grande número de miseráveis, de pobres, pessoas
que são excluídas de toda riqueza econômica, social e cultural.
Não poderíamos esquecer também, que na ganância que marca as atitudes
políticas e econômicas de muitas nações, em primeiro lugar, justamente as mais ricas,
tem-se promovido grandes prejuízos ambientais. É urgente novas atitudes!
164
Em nosso país, de modo especial, a desigualdade, a pobreza, o sofrimento em
hospitais, a falta de educação de qualidade, o aumento assustador da criminalidade e
tantos outros males, têm suas raízes na corrupção, na impunidade, isto é, no desvio de
dinheiro para sustentar, às custas de muitos, o enriquecimento escandaloso de uma
minoria.
A situação do nosso país nos chama a atenção, sobretudo se consideramos as
últimas estatísticas que afirmam: O Brasil é o maior país católico do mundo, e mais
recentemente, evangélico também. Que cristãos são estes? Qual Jesus Cristo
conhecem? O Jesus Cristo dos manuais meramente moralistas ou o mais
contemporâneo, fabricado pelo mercado de venda do sagrado?
Diante da realidade, percebemos a urgência em formar cristãos que tenham uma
consciência mais apurada. Muitos cristãos atuais parecem conhecer um determinado
Jesus Cristo, mas não o enviado de Deus, que anunciou o reino de justiça e de paz, de
partilha e solidariedade.
Podemos ainda, diante da realidade presente, sugerir a muitos católicos e
evangélicos, conforme se auto-denominam, que muito mais importante do que certos
aspectos da fé, seria o esforço de todos nós para darmos um testemunho mais autêntico
do Evangelho de Jesus Cristo. Com toda certeza, mesmo diferentes em alguns aspectos
da fé, podemos colaborar com a sociedade, no sentido de ajudar a criar estruturas
sociais justas, solidárias, seguindo assim, o exemplo do homem rico e pecador do
Evangelho, usando o dinheiro e os bens em geral, para erguer os pobres e restituir-lhes
a dignidade perdida.
165
Outro grande escândalo social em âmbito mundial que não devemos esquecer é
o gasto com guerras e projetos armamentistas em geral. Bilhões e bilhões de dólares
são gastos. Estes investimentos não têm outra finalidade senão alimentar outra
idolatria que caminha ao lado do dinheiro: o poder. Enquanto se gasta tanto para fins
bélicos, milhares de vidas humanas são ceifadas na infância por desnutrição, pobreza e
até mesmo pelas próprias guerras. Outros milhares, que sobrevivem um pouco mais,
vivem humilhados.
Diante dessa realidade social questionamos: o mau uso do dinheiro não é a
principal causa de tantas desgraças? E propomos: permitam que a perícope de Zaqueu,
seja uma alternativa de salvação para todos os habitantes desta casa maior, casa de
todos nós, chamada planeta terra. À medida que experimentarmos o mesmo Jesus
Cristo que Zaqueu experimentou, teremos coragem e esforço suficientes para criar
uma sociedade justa e fraterna, onde a salvação não é apenas proposta para o futuro,
para a eternidade, mas acontecimento histórico, realidade presente aqui mesmo.
Também queremos lançar alguns questionamentos e propostas em âmbito
eclesial, ressaltando, porém, que, na Igreja, a questão do dinheiro não é menos
problemática do que em outras realidades humanas. Tratá-la é um verdadeiro desafio.
Primeiro, relembremos o fato da Igreja no Brasil, através da CNBB, ter
proposto um projeto de evangelização com o tema: “Queremos ver Jesus”. Oxalá, a
convicção dos gregos nesse pedido leve os católicos a um ver que seja também
conhecimento profundo da identidade de Jesus Cristo, para que assim, se desfaçam
tantas desigualdades, a começar, no seio da comunidade eclesial.
166
Os gregos manifestaram o desejo de ver Jesus. Zaqueu procurava ver quem é
Jesus. Àqueles, Jesus anunciou misteriosamente o caminho da cruz, a este, nada lhe foi
pedido, mesmo assim, libertou-se do mau uso do dinheiro, por isso, ouviu Jesus lhe
dizer: “Hoje acontece a salvação nesta casa”. Nesta casa, como procuramos
demonstrar, não simplesmente na vida de Zaqueu, mas na comunidade nascente,
“Casa-Igreja”, que deve renunciar ao mau uso do dinheiro e colocá-lo sempre ao
serviço da evangelização e do bem comum. Neste sentido, a atitude de Zaqueu é
paradigma também para a comunidade eclesial que possui mais responsabilidade do
que os Zaqueus, pois, como Igreja é chamada, não somente procurar ver quem é Jesus,
mas a anunciar e testemunhá-lo à humanidade.
A Igreja, casa e escola da comunhão, é chamada a ser expressão viva da
caridade, da partilha e da solidariedade, sobretudo para com os pobres, nos quais, há
uma especial presença de Cristo, como escreveu João Paulo II (Carta Apostólica Novo
Millennio Ineunte, n. 43). Para isso, portanto, é imprescindível vigiar e penitenciar-se
para que o dinheiro seja administrado com justiça e eqüidade, de forma a criar
comunhão.
Como a Igreja poderia anunciar Jesus Cristo e suas propostas de renúncia, de
desapego e de necessidade de libertação do mau uso do dinheiro, se muitas vezes o
dinheiro, no seio da Igreja é motivo de escândalos? Sabemos dos limites do ser
humano, mas como teremos autoridade para evangelizar os pobres, se o dinheiro deles,
que pingam no dízimo, nas coletas e receitas em geral é usado inescrupulosamente por
carreiristas, consumistas ou mercenários mesmos? Não é objetivo nosso atacar
167
ninguém, muito menos reduzir tais questões à Igreja Católica, queremos apenas indicar
as implicações que a perícope de Zaqueu nos apresenta.
Somente uma Igreja coerente e o mais livre possível de dúvidas quanto ao uso
do dinheiro, poderia ter uma voz profética capaz de questionar pessoas e estruturas
que, por causa da ganância por dinheiro, exploram, são injustas e assim, multiplicam o
número de pobres e miseráveis. Reinteramos, somente uma Igreja austera, trasnparente
e desapegada de bens materiais, poderá anunciar com eficácia o Evangelho.
Há na perícope, como tivemos opotunidade de notar, uma oferta da salvação a
todos quantos se abrem ao conhecimento de Jesus Cristo. Esta constatação, também
coloca um grande desafio para a Igreja e para os cristãos em geral no sentido de
alargar a compreensão sobre os que se salvam. Uma retomada ou um aprofundamento
da mensagem ecumênica do Concílio Vaticano II, ainda que delicada, urge ser feita.
Para superar tantos desafios e levar os cristãos à tomada de consciência destes e
de tantos outros aspectos, é fundamental que haja uma formação mais profunda,
sobretudo em termos bíblicos, pois, como disse o Papa Bento XVI, em discurso aos
participantes no Congresso Internacional por ocasião do 40º aniversário da
Constituição Dogmática Dei Verbum (16/09/05), é a Palavra de Deus que, através do
Espírito Santo, nos guia sempre de novo para a verdade total (cf. Jo 16,13).
É urgente o conhecimento da Escritura e assim, da pessoa de Jesus Cristo. Um
conhecimento em sentido amplo, isto é, não só intelectual, mas de experiência e
vivência eclesial. São Jerônimo, citado pela Dei Verbum, já dizia que ignorar as
Escrituras é ignorar Cristo (cf. DV 25).
168
A respeito da importância de conhecer Jesus Cristo, o Verbo de Deus que se fez
carne e habitou no meio de nós, vejo a necessidade de recordar as palavras do Papa
Bento XVI na Sessão inaugural da V Conferência Geral do episcopado da América
Latina e do Caribe. Dizia: “Como conhecer realmente Cristo, para poder segui-lo e
viver com Ele, para nele encontrar a vida e para comunicar esta vida aos demais, à
sociedade e ao mundo? Antes de tudo, Cristo dá-se-nos a conhecer na sua pessoa, na
sua vida e na sua doutrina, através da Palavra de Deus. Começando a nova etapa que a
Igreja missionária da América Latina e do Caribe se dispõe a empreender, a partir
desta V Conferência Geral em Aparecida, é condição indispensável o profundo
conhecimento da Palavra de Deus”. Acredito que tais palavras, são oportunas e
elucidativas.
Diante da necessidade de conhecer Jesus Cristo, a perícope de Lc 19, 1-10,
tendo como ponto de partida fundamental, o enunciado: “kai. evzh,tei ivdei/n to.n VIhsou/n
ti,j evstin”, [procurava ver Jesus, quem é], se torna, como se diz em termos literários,
um apotegma, verdadeiro paradigma para toda pessoa e/ou comunidade que deseja
conhecer a identidade de Jesus, para segui-Lo.
Diz uma expressão religiosa muito popular, que “é impossível conhecer Jesus e
não amá-Lo, amá-Lo e não servi-Lo”. No contexto da perícope de Zaqueu, podemos
adaptar e dizer: é impossível conhecer Jesus e não segui-Lo, segui-Lo e não se libertar
do mau uso do dinheiro, que perpetua a injustiça e prolonga o sofrimento dos pobres.
Finalmente, queremos reafirmar que a perícope de Lc 19, 1-10, ao apresentar
Zaqueu como uma pessoa que “procurava ver Jesus, quem é”, e, entendida como
desencadeamento de um processo de libertação do mau uso do dinheiro, tem
169
implicações diretas e profundas na vida pessoal, social e, sobretudo, eclesial. Todos
nós, ao conhecermos a identidade de Jesus Cristo e seu projeto de salvação, somos
impelidos a uma vida de anúncio e testemunho, que passa, necessariamente pelo
processo de libertação do mau uso do dinheiro.
170
Bibliografia
Bíblias
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