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“Mudanças culturais e valorativas na população, referidas tanto à excessiva
desconfiança no Estado (tido como ineficiente, burocrático, lento, caro,
corrupto, etc), como à exagerada confiança na “sociedade civil” como
instância supostamente mais próxima do povo, do excluído, mais flexível,
democrática, mais eficiente. Mudanças culturais e valorativas empresariais,
definidas, pelos autores do “terceiro setor”, como “maior sensibilidade social”
do empresariado, como o “despertar do empresário para sua responsabilidade
social”, como sua “visão mais ampla” na constituição da “empresa cidadã” –
na verdade, mudanças de estratégia de marketing e redução de custos e
tributos. Mudanças institucionais, na passagem de uma função social, a
resposta às demandas sociais, do âmbito de responsabilidade
fundamentalmente estatal [...] para o âmbito particular das organizações do
“terceiro setor”, próprio ou funcional ao projeto neoliberal” (ibid, p.210-211).
Referindo-se ainda as fontes de recursos para o chamado “terceiro setor”, adverte o
autor, podem provir de: “simpatizantes, membros filiados à organização e público em geral
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;
empresas “doadoras” ou fundações de filantropia empresarial
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; atividades comerciais, vendas
de serviços; instituições estrangeiras
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; e recursos governamentais
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” (p.211). Entretanto,
ressalta que “é imperiosa uma análise mais profunda e crítica sobre estas fontes de recursos”
(ibidem).
No Brasil, o tema da captação de recursos tem ganhado destaque especial nos eventos
realizados voltados ao chamado “terceiro setor”, inclusive é um tema recorrente ressaltado nas
revistas e livros publicados nos últimos anos, a exemplo da revista Filantropia que aborda esse
tema em todas as suas edições. Em 2002 anunciava com destaque: “Franchising social: a mais
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Destaque para o trabalho voluntário, a partir dos apologéticos De Masi e Rifkin e do ano de 2001 ter sido o
“Ano Internacional do Voluntário”, trabalho este oferecido durante o “tempo livre”. Os referidos autores
defensores da idéia de que na sociedade pós-industrial, o “ócio criativo” e o “tempo livre” passaram a ocupar a
centralidade (antes do trabalho), permitindo o cidadão dedicar-se às atividades voluntárias no “terceiro setor”.
Todavia, Montaño aponta a precariedade da análise social destes autores que “confundem trabalho com emprego,
não diferenciam o “tempo livre do desemprego ou subemprego”. Complementa “Substitui-se a atividade
profissional/assalariada, garantidora de qualidade e permanência, pelas tarefas voluntárias, fugazes e de qualidade
duvidosa que, por sua vez, são geradoras de ainda mais desemprego” (ibid, p.212).
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Segundo Montaño, pensar nessas empresas ou fundações no sentido de “uma maior “sensibilidade” e
“responsabilidade social” do empresariado resulta numa visão romântica e fetichizada da realidade”. Na verdade,
elas obtêm maiores benefícios que seus custos, a partir das vantagens econômicas e/ou políticas da atividade
filantrópica. Citando Marx (1980: 690) “o luxo entra nos custos de representação do capital”, como fonte de
crédito e de vantagens econômicas e políticas. Acrescenta o autor “a filantropia empresarial entra nos custos de
representação do capital”, limpando a imagem da empresa, melhorando o marketing comercial, isentando o
capital de impostos estatais, conseguindo subsídios, entre outros benefícios” (p.213) (grifos do autor).
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Exemplos apontados por Montaño: ONU, Banco Mundial, BID, fundações como Konrad Adenauer,
Rockefeller, etc. têm desembolsado recursos destinados as atividades do “terceiro setor” nos países periféricos,
enviados diretamente às organizações ou indiretamente passando pela gestão do Estado (p.214).
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No Brasil, segundo Montaño, o Estado, seja a União, o governo estadual ou o municipal, constitui relevante
fonte de recursos para o “terceiro setor”. Por meio das “parcerias”, o Estado destina expressivas quantias às
organizações filantrópicas e de serviços públicos, através de transferências de fundos mediante vários
mecanismos tais como: “isenção de impostos (renúncia fiscal), terceirização, parcerias, subvenções, etc” (p.214)
(grifos do autor).