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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA
SOLANGE RIVA MEZABARBA
COM QUE ROUPA EU VOU?
CÓDIGOS QUE ORIENTAM AS ESCOLHAS DO VESTUÁRIO FEMININO NA CLASSE
MÉDIA DO RIO DE JANEIRO
NITERÓI
2007
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SOLANGE RIVA MEZABARBA
COM QUE ROUPA EU VOU?
CÓDIGOS QUE ORIENTAM A ESCOLHA DO VESTUÁRIO FEMININO NA CLASSE MÉDIA
DO RIO DE JANEIRO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Antropologia da Universidade
Federal Fluminense, como requisito parcial
para obtenção do grau de mestre em
antropologia.
Orientadora
Profa. dra. Lívia Barbosa
Linha de pesquisa do orientador: antropologia do consumo.
Niterói
2007
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SOLANGE RIVA MEZABARBA
COM QUE ROUPA EU VOU?
CÓDIGOS QUE ORIENTAM AS ESCOLHAS DO VESTUÁRIO FEMININO NA CLASSE
MÉDIA DO RIO DE JANEIRO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Antropologia da Universidade
Federal Fluminense, como requisito parcial
para obtenção do grau de mestre em
antropologia.
Aprovada em março de 2007.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
Profa. dra. Lívia Pinheiro Neves de Holanda Barbosa - Orientadora
PPGA/UFF
_________________________________________________________
Profa. dra. Ilana Strozenberg
ECO/UFRJ
_________________________________________________________
Profa. dra. Letícia Helena Medeiros Veloso
Iuperj
________________________________________________________
Profa. dra. Eliane Cantarino O’Dwyer (suplente)
PPGA/UFF
Niterói
2007
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, José e Eunice. Nem se eu vivesse mais 100 anos conseguiria dizer
um obrigado do tamanho da dedicação e amor que me ofereceram. Agradeço-os
principalmente por me legarem o interesse pelo conhecimento. E, com carinho especial a
minha irmã Adriana, que vem dando a eles o apoio de que precisam enquanto me ocupo do
projeto.
Agradeço ao meu marido Andreas Stuker, um presente que recebi da Suíça, pela
paciência, apoio e, sobretudo, pelo seu amor. A ele devo esta possibilidade, pois foi o
primeiro a apostar neste trabalho e me ajudou a tornar real um desejo que já acalentava há
muito. Nunca é demais reafirmar todo o meu amor por ele.
Aos amigos, que nunca me abandonaram, nem nos momentos de reclusão. Em
especial, ao Mauro Raggi, Renata Mafra, Léa Gut, Eduardo Ayrosa e Lelena Simas, pela ajuda
com o “recrutamento” dos meus informantes, pelas palavras de incentivo e carinho; ao Miguel
Montenegro, por ter plantado em mim este sonho desde os tempos de Coca-Cola e, hoje, no
IBGE, por ter contribuído com informações preciosas. Agradeço aos amigos Patrícia Rocha e
Fabiano Silva, grandes incentivadores, sem os quais, provavelmente eu nem teria começado
esta empreitada. À minha turma do PPGA, com toda a sua cumplicidade, tanto nas horas de
esforço e desespero, quanto nas horas de prazer e descontração, verdadeiros companheiros de
jornada. Em especial, Flávia Fernandes, Huda Blum Bakur, Juliana Blasi, Simone Donellas,
Wilmara Figueiredo e Margareth Luz. À minha amiga Fátima Caroni, pela revisão do
original, pelo seu tempo e paciência.
Às professoras Laura Graziela Gomes e Letícia Veloso, pelas dicas preciosas e,
principalmente, pelo incentivo. Torcida, apoio e conselho de gente experiente nunca é
demais.
Por fim, um agradecimento mais do que especial à minha orientadora, professora Lívia
Barbosa, por me abrir as portas da antropologia, da sua casa e da sua amizade; pelas horas de
paciência, pela generosidade, pela competência e exemplo, e, acima de tudo, pela coragem de
assumir a orientação de alguém que inicia uma nova trajetória profissional.
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À minha madrinha Maria Irene Alves, meu exemplo de mulher valente e elegante; e à minha
tia Neusa Manelli Riva, por seu trabalho, por sua alegria, por sua luta. Que ambas brilhem
eternamente onde quer que estejam.
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“Só um tolo não julgaria pelas aparências.
(Oscar Wilde)
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 11
1.1. Metodologia 14
1.1.1. Em busca dos parâmetros da classe média 19
2. OS OBJETOS COMO COMUNICADORES SOCIAIS
23
2.1. A noção de Habitus e a teoria da prática - o “adendo” de Bourdieu
ao estruturalismo 25
2.2. Cultura material: a articulação entre objetos e linguagem e sua relação
Com o sujeito. 27
2.2.1. Sistemas de classificação e lógica totêmica 32
2.3. Vestuário, Moda e expressão: uma discussão sobre vestuário e linguagem 36
3. VESTUÁRIO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE USO
45
3.1. A indústria do vestuário: do luxo à democratização; da moda à escolha individual 55
3.1.1. A roupa é um luxo 56
3.1.2. A roupa tem nome 62
3.1.3. Moda e Modernidade 70
4. O CASO BRASILEIRO E O VESTIR CARIOCA NOS DIAS DE HOJE 80
4.1. Corpo, Idade e Controle Social 90
4.2. Escolhas, uso e organização nos armários 99
4.2.1. As roupas de casa e as roupas da rua 104
4.2.2. Na rua: trabalho x lazer 112
4.2.3. Na rua: Festa x cotidiano 118
4.2.4. O luxo e o básico 122
4.2.5. Marca x não-marca ou marca x antimarca 130
4.2.6. Moda x Individualidade 139
4.3. Singularidade dos códigos 142
4.3.1. Sobre as cores 147
4.3.2. Sobre o básico 148
4.3.3. Sobre a roupa do escritório 148
4.3.4. Sobre as informações dissonantes 149
4.3.5. Sobre os detalhes que incomodam 150
5. CONCLUSÃO
152
5.1. Codificação e sistema de classificação 152
5.2 Os códigos encontrados nos grupos 157
6. BIBLIOGRAFIA
160
7. ANEXOS
170
8
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RESUMO
Para Douglas e Isherwood (2004), os objetos não falam, mas transmitem mensagens” e são
elementos mediadores das relações sociais. O vestuário, por sua relação de alto envolvimento
com as pessoas, principalmente com as mulheres, se constitui num objeto pródigo em
revelações do mundo social. O objetivo desta dissertação é conhecer os códigos que
permeiam o vestuário de um grupo de mulheres da classe dia do Rio de Janeiro e o que
comunicam, orientando as escolhas pessoais em diversas ocasiões. A análise tem inspiração
estruturalista, tomando por base os pressupostos de Claude Lévi-Strauss, abrangendo os
códigos estudados como parte de um sistema de classificação organizado em oposições
binárias dentro de um universo cultural.
Palavras-chave: vestuário; moda; marca; luxo; cultura material; comunicação; controle social;
consumo; classificação; individualidade; estratégias de imagem.
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ABSTRACT
For Douglas and Isherwood (2004), the objects do not speak, but “send messages” and are
elements that serve as mediators in social relationships. The clothes, for their high
involvement level with people, especially with the women, are profuse objects for revealing the
social world. The objective of this dissertation is knowing the codes that pervade the clothes of
a group of middle class women in Rio de Janeiro, and what they communicate, and the
orientation they provide for personal choices in the diverse occasions. This analysis was made
under an estructural inspiration, supported by Claude Lévi-Strauss postulates, including the
codes as part of a classification system organized as binary opposition within a cultural
universe.
Key words: clothing; fashion; brand; luxury; material culture; communication; social control;
consumption; classification; individuality; images strategy; cultural codes.
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RÉSUMÉ
Pour Douglas et Isherwood (2004), les objets ne parlent pas, mais “envoyent des messages” et
sont des éléments diateurs des relations sociales. Les vêtements, pour leur relation de haut
enveloppement avec les personnes, surtout les femmes, se constituent dans un objet prodigue
en revelation du monde social. L´objectif de cette dissertation est connaître les codes qui
traversent les vêtements d´un groupe de femmes de la classe moyenne de Rio de Janeiro et qui
ce qui communiquent, orientant le choix personnel em différantes occasions. Cette analyse a
une inspiration structurelle, basée sur les présuppositions de Claude Lévi-Strauss , comprenant
les codes étudiés comme partie d´un système de classification organisé en oppositions
binaires dans un universe culturel.
Mots-clés: vêtements; mode; marque; luxe; culture matériel; communication; contrôle social;
consommation; classification; individualité; stratégies d`image; codes culturels.
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1. INTRODUÇÃO
“Com que roupa eu vou?”, Noel Rosa se pergunta depois de decidir “agora eu vou
mudar minha conduta”. Roupa branca para o réveillon, terno e gravata para o escritório, salto
alto para a festa, qualquer roupa diferente para a tal mudança de conduta, ou um novo
comportamento, ou uma nova visão de mundo. A roupa é um tema tão rico em possibilidades
de estudos na área das ciências humanas que o chega a ser uma novidade investigar este
assunto.
As minhas roupas sempre foram motivo de preocupação para outras pessoas: mãe, tias,
madrinhas, todas cuidaram disso para mim até bem pouco tempo. o que eu o me
interessasse, mas o escrutínio delas era tão forte que eu preferia não arriscar. Que assumam
então o meu figurino. “Esta roupa te emagrece”, “você não devia usar cores escuras”, o
franzido não lhe cai bem”, “ficou linda com este vestido vermelho”. Comentários sobre o
resultado de uma escolha do guarda-roupas aparecem aos borbotões, como um controle social,
delimitando os códigos cuja leitura resultará no julgamento de quem porta o traje.
Por outro lado, o fato de delegar meu figurino poderia desencadear outra enxurrada de
comentários insinuando que eu não valorizo a minha individualidade: “ela não sabe se vestir”,
“não tem personalidade”, “como pode deixar que outros opinem no que veste?”. A roupa
ganhou posição de insígnia da personalidade e da individualidade, mas tudo isso, dentro de
uma esfera limitada, um padrão preestabelecido chamado moda, ou, pelo menos, um padrão
presente em determinados grupos, em determinadas situações, em determinados contextos.
Durante a minha adolescência, início da década de 1980, começaram a surgir as
“roupas de marca” no meu caminho. Olhava aturdida para os jeans Fiorucci e blusas Cantão 4
das minhas amigas, estava alheia a todo um campo de conhecimento que se descortinava bem
na minha frente. A minha roupa de formatura do segundo grau, eu mesma desenhei e minha
mãe executou. Era muito simples, mas com alguns toques de ousadia, como uma gravatinha
borboleta de cetim azul solta no pescoço e uma boina branca. Ousadia que, por mínima que
fosse, aprendi nesta dissertação, seria mesmo possível aos 17 anos, pois aos 30 os códigos
são outros e os observadores, mais atentos, ou, por que não dizer, cruéis.
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Quando ingressei no mercado de trabalho, nacada de 1990, precisei assimilar novos
códigos de vestir, códigos de trabalho dentro de uma empresa multinacional de grande porte.
Os blazers retos ou cintados e com ombreiras pronunciadas compunham junto com a calça de
pregas ou a saia reta um jeito de seriedade e decoro, sendo útil também para disfarçar as
imperfeições do corpo, ou mesmo, escondê-lo”, evitando comentários ou prevenindo contra
os desejos alheios. Este modelo, quase assexuado, deveria embotar qualquer indício de
sensualidade, ou imaturidade. Aos diversos níveis hierárquicos, no entanto, correspondiam
diferentes níveis de permissividade. Trainees e estagiárias eram toleradas em suas minissaias,
vestidos leves de verão e, muitas vezes, bermudões de pregas, o que criava, de certa forma,
um cenário diversificado de estampas, modelos e calçados. Quanto mais se subia na
hierarquia corporativa, mais “uniformizadas” se tornavam as roupas. Tailleurs e terninhos
desfilavam bolsas e sapatos de grifes famosas e caras, outro elemento que se tornava mais
comum a cada promoção. As cores, mais claras no verão, tendiam aos tons mais neutros,
como o branco, o bege, o azul bem clarinho. A preferência não tinha vínculos apenas com as
características etárias, mas, sim, repito, com o cargo ocupado dentro de um modelo
hierárquico. Gerentes empossadas ainda muito jovens mudavam seus códigos de vestuário
tão logo assumissem a nova função, como num rito de passagem. Junto com a mudança no
código de vestir, vinha também uma mudança de postura, mais séria, mais sisuda. Nos anos
2000, percebi uma certa ambição nas estagiárias e trainees. Deste momento em diante
passaram a se vestir mais cedo como gerentes, ou seja, fizeram desaparecer a diversidade nos
ambientes corporativos, valorizando ainda mais os terninhos e tailleurs, numa atitude que
sinalizava tempos de maior competitividade no mercado de trabalho.
Enquanto isso, os códigos masculinos permaneciam quase inalterados, ternos para
trainees, ternos para gerentes. A exceção era o que se convencionou chamar de casual day,
um dia da semana (a sexta-feira), onde os ternos podiam ir para a lavanderia, enquanto os
jeans com camisa de meia manga passeavam por entre as baias dos departamentos. Este era,
no entanto, o dia em que o visual feminino sofria menor alteração, muitas vezes aderindo
ao jeans como elemento diferenciador e de descontração em relação ao resto da semana. O
casual day foi uma implantação da matriz da empresa, nos Estados Unidos. Era uma forma de
fazer uma política de descontração com os funcionários, criando a ilusão de que as pressões
internas e rigidez hierárquicas eram menores no último dia útil da semana, além do que,
revigorava as expectativas para o final de semana que se aproximava.
Nas festas de Natal os códigos sofriam uma espécie de inversão nos gêneros. Os
homens, em seu cotidiano, de terno e gravata, naquele dia usavam um jeans simples, de
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lavagem escura, uma camisa de manga curta, tênis ou mocassins. as mulheres... essas
faziam uma produção de luxo. Vestidos longos com brilhos e sedas, brocados, bordados,
visuais vaporosos e penteados que denunciavam um dia inteiro de salão de beleza. Algumas,
bastante desconfortáveis, em modelos excessivamente justos e saltos altíssimos. Durante o
jantar e o pronunciamento do presidente, tudo parecia elegante e comportado como deve ser
num evento de grande formalidade. Ao som das músicas dançantes, no entanto, saltos
voavam pelo salão, corpetes eram abandonados nas mesas, penteados eram desfeitos com o
balançar frenético das cabeças ao ritmo de rock, samba e outros gêneros, lembrando o clássico
filme de Buñuel, O anjo exterminador, uma crítica direta à burguesia. O filme se passa numa
festa de onde, misteriosamente, nenhum dos convidados consegue sair, e aos poucos as
máscaras infiltradas nos códigos de comportamento e vestuário vão se deixando cair, como os
saltos, corpetes e penteados.
Esses códigos começaram então a chamar a minha atenção, sobretudo pela forma
como as pessoas administram as roupas para adequá-las às variadas circunstâncias. Com a
entrada no mestrado adquiri instrumental teórico e prático para me aprofundar na observação
da polissemia das roupas e os usos que eram adotados pelas pessoas. Ao observar o vestuário,
portanto, procurei me ater a uma análise dos sistemas de classificação e sua relação com os
diversos papéis sociais que as pessoas exercem no seu dia-a-dia. Pude verificar esta
classificação desde os seus aspectos de uso até a sua organização dentro dos armários de um
grupo de mulheres da Zona Sul do Rio de Janeiro.
Assim, organizei esta dissertação da seguinte maneira. Em primeiro lugar, levantei
algumas teorias sobre os objetos como comunicadores sociais e sua relação com as pessoas,
onde abordo pressupostos de autores como Lévi-Strauss, Bourdieu, Douglas e Isherwood, e
Miller, entre outros. Segui refletindo sobre proposições em relação ao vestuário através de um
grupo de autores que trabalharam exatamente com esta categoria de objetos. No terceiro
capítulo procuro enquadrar o vestuário em algumas teorias de consumo buscando esclarecer as
motivações de uso das roupas, como a moda, e resgatar alguns aspectos da gênese dos códigos
fixados no ocidente, como o luxo e as marcas. Por fim, na seqüência de uma pequena
digressão histórica sobre o vestuário no Brasil, introduzo a minha etnografia, fechando o
trabalho com os aspectos conclusivos sobre a aplicação das teorias expostas na seção 2 e, mais
especificamente, sobre os códigos encontrados nos armários.
O embate teórico sobre os objetos abarca, por um lado, discussões a respeito da
relação destes com os sujeitos, e em que medida esta relação pode ser compreendida como
sinalizadora de um comportamento enquadrado nas condições culturalmente constituídas. Por
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outro lado, procuro autores que se preocupam especificamente com o vestuário e que discutem
em que medida este é interpretado como um elemento comunicador ou, até mesmo, uma
linguagem. E, se as roupas funcionam como códigos, como as mulheres da classe média
carioca operam esses códigos para comunicar formalidade, conforto, prazer íntimo, bom
humor, descaso, enfrentamento? E, em especial, que lógicas governam essas escolhas? A
conversa com 36 membros da referida classe lança luz sobre alguns desses questionamentos.
1.1. METODOLOGIA
Trabalhei com três grupos distintos empregando estratégias diferentes de pesquisa em
cada um deles.
Com base num levantamento feito através de dados recolhidos na imprensa na ocasião
da minha decisão sobre o objeto de estudo de que me ocuparia, verifiquei que o luxo era
alardeado como uma nova motivação de consumo pela classe média. Estive num evento
dirigido ao mercado e que tinha como objetivo “abrir os olhos dos empresários cariocas
sobre a força do luxo em território local, para o aumento do consumo desses produtos,
principalmente em decorrência do ingresso da classe média neste segmento de compra.
1
Interessei-me pelo tema e iniciei a primeira etapa do projeto, qual seja, a investigação do
vestuário da classe média pelo viés do luxo.
Busquei compreender se em alguma medida as roupas transcendiam às classificações
feitas pelo mercado. Mas as pessoas entrevistadas, no se que refere ao vestuário, não
demonstraram subjugação ao luxo e grife, o que, num primeiro momento, não deixa claro se
as roupas são ou não usadas como distintivos sociais, e, caso o sejam, que outros critérios
deveriam estar contidos num traje que os diferenciasse. Na ocasião, conversei com 12
participantes utilizando como instrumento de coleta um roteiro onde marquei os pontos
principais de abordagem (ver anexo 3). Homens e mulheres com idade entre 20 e 50 anos
foram procurados durante o mês de agosto de 2005. Pude valer-me de uma rede de relações,
onde pessoas do meu convívio social indicaram informantes com o perfil que me dispus a
procurar. Cada entrevista durou aproximadamente uma hora, tendo como limitador o fato de
obter os dados com base apenas na declaração dos informantes.
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Evento O Negócio do Luxo no Rio de Janeiro, promovido Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)
em parceria com a MCF Consultoria. Hotel Caesar Park, jul., 2004.
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Nesta ocasião pude verificar que o luxo para este grupo não era exatamente uma
questão, sendo o apontamento sobre as categorias “luxo” e “roupas de luxo” um dado
fundamental para a continuidade do trabalho e que será detalhado na seção em que discorro
sobre a etnografia. Assim, decidi investigar os armários das mulheres em busca do que
poderia ser classificado como vestuário de luxo e as outras classificações presentes nas suas
escolhas do dia-a-dia. Esta estratégia de pesquisa foi planejada para obter dados que
transcendessem as declarações das entrevistadas, me valendo da oportunidade de observar
também a ordem dos armários, a forma como as roupas o hierarquizadas, organizadas e
escolhidas para desempenhar os diversos papéis dessas mulheres em sua rotina diária e fora
dela. Ao fim desta etapa foi possível obter um sistema de classificação de uso e organização
das roupas no armário. O sentido da palavra organização neste caso implica o arranjo das
roupas de acordo com um critério classificatório, ou uma manutenção permanente das
fronteiras entre as diferentes categorias, que me pareceram nitidamente estabelecidas. Ou
seja, ainda que houvesse armários em aparente desordem (com roupas jogadas de qualquer
jeito, amassadas ou usadas), a forma de organização sempre se sobrepunha ao caos. As
mulheres agruparam cada tipo de roupa de acordo com critérios previamente idealizados, ou
seja, cada peça em um compartimento predeterminado.
Este segundo grupo de informantes foi composto somente por mulheres, uma escolha
que passou fundamentalmente pela riqueza de dados e variedades desta relação de gênero no
vestuário. Foram 12 informantes, que me abriram as portas da sua casa e de seus armários de
março a dezembro de 2006. Este grupo foi o que demandou maior habilidade na convocação,
mais paciência com as suas agendas e, principalmente, maior cuidado com o processo de
entrevista.
Visitei a casa de cada uma delas munida de um segundo roteiro (ver anexo 4) que
deveria guiar a minha conversa, um gravador e câmera fotográfica. Cada visita durou em
média duas horas, contando desde a fase de descontração (ainda com o gravador desligado)
até o final de cada entrevista e verificação dos armários. Cheguei até as minhas informantes
através de indicações preciosas de amigos; assim, algumas das entrevistadas eram pessoas
completamente desconhecidas para mim, porém com alguma relação dentro do meu ciclo de
amizades. Procurei manter a procura pela faixa etária entre 20 e 50 anos, sendo que, ao
finalizar a pesquisa com este grupo, minha informante mais nova tinha 23 anos e a mais velha,
50. As mulheres com quem conversei foram consideradas da classe média, moradoras da
Zona Sul do Rio de Janeiro e gerenciadoras dos seus próprios rendimentos, posto a minha
intenção de obter um grupo com autonomia financeira para decidir o que vestir.
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Como este trabalho de campo envolveu informantes do segmento médio da população
feminina, ou seja, um grupo onde eu mesma poderia ser enquadrada, precisei exercitar o
estranhamento e assumir uma postura isenta, observar meu próprio comportamento, como
tentei mostrar no início desta introdução, e até ouvir pessoas de outros lugares.
Foi preciso atentar para alguns detalhes importantes que pudessem comprometer os
meus dados. A maneira como ia vestida às entrevistas poderia influenciar nos resultados
obtidos, criando assim um dilema: como sair para entrevistar um grupo que deverá falar de
vestuário e controles sociais relacionados a ele? Adotei uma “roupa de entrevista” que julguei
a mais neutra possível: calça jeans, blusa branca e bolsa grande bege de couro, portando uma
única bijuteria (um discreto par de brincos). Porém, o meu próprio juízo do que seria uma
“roupa neutra” poderia se revelar tendencioso. O risco de haver “saias justas” seria sempre
iminente. Percebi isso quando uma das minhas informantes declarou que nunca usaria uma
bermuda de R$ 40 da C&A. No dia da sua entrevista eu usava uma. O constrangimento foi
evitado porque o eram elementos visíveis: marca e preço só eu conhecia, e, assim, o
perdi o discurso crítico da informante. Foi quando decidi criar um padrão de vestir para “a
entrevistadora” que fosse o menos comprometedor possível, para que as informantes se
sentissem bem à vontade para discorrer sobre seus usos e críticas.
Por tratar-se de uma prática de pesquisa bastante invasiva, com o recolhimento de
dados financeiros, visita ao quarto e armários das entrevistadas, outros cuidados éticos foram
observados. Antes de iniciar qualquer conversa, pedi às participantes que assinassem um
protocolo ético (anexo 1), para que se sentissem seguras sobre as informações que me
revelariam e tornar a entrevista o mais profissional possível. Ao fazer a análise final usei
nomes diferentes para todos os participantes, codificados de modo que eu pudesse fazer as
associações com as pessoas.
Para validar os dados pesquisados, senti a necessidade de buscar outros códigos, e
verificar a singularidade daqueles encontrados nos armários das mulheres da Zona Sul carioca.
Ainda que o advento da moda sugerisse modos de vestir universalizantes num certo sentido,
quis verificar se realmente os códigos de interpretação são os mesmos ou se variam de
sociedade para sociedade.
Em meu último grupo, também composto por 12 mulheres de classe média moradoras
da Zona Sul carioca, testei imagens de roupas contemporâneas indicadas ou reprovadas por
cânones da moda inglesa. Apesar de a moda ser propagada e reverberada via meios de
comunicação, pude verificar que a interpretação dos significados das roupas no corpo e suas
combinações mudam de sociedade para sociedade. Os atores que poderiam levar a uma
17
17
homogeneização cultural do vestuário, na verdade esbarram em códigos locais não muito
fáceis de ser derrubados. As roupas exibidas para as informantes foram extraídas do livro O
que as suas roupas dizem sobre você? (lançado pela Editora Globo em 2006) das inglesas
Trinny Woodall e Susannah Constantine. A estratégia de pesquisa foi submeter as imagens às
informantes para ouvir o que, para elas, deveria estar por trás de cada produção e assim
confrontar a leitura dos trajes pelos olhos das autoras do livro e das mulheres da Zona Sul do
Rio de Janeiro. As entrevistas foram feitas durante o período final do processo da dissertação,
nos meses de janeiro e fevereiro de 2007, e duraram em média 45 minutos.
O programa britânico What not to wear, exibido no Brasil com o nome de Esquadrão
da moda pelo canal por assinatura People&Arts
2
é um reality show, apresentado pelas
jornalistas especializadas em moda Trinny Woodall e Susannah Constantine, e possui a
seguinte dinâmica:
“Cada episódio apresenta uma inocente ‘vítima’, secretamente indicada ao
programa e filmada pelos amigos, familiares ou mesmo pelos colegas de
trabalho. Depois de vários dias sendo seguida com câmera ocultas que
mostram as participantes em diferentes situações, dentro e fora de casa,
Woodall e Constantine presenteiam a vítima com um cheque de 2 mil
libras esterlinas (o equivalente a 3 mil dólares) para a reforma do seu
guarda-roupa. Mas antes que a ‘vítima’ possa gastar um único centavo, ela
deve obrigatoriamente aceitar entregar seu corpo, alma e armário às duas
apresentadoras.
O que vem a seguir é um difícil caso de amor. Woodall e Constantine
fazem a vítima assistir às imagens secretas dela mesma, apontando uma
série de deslizes da moda. As vítimas’ devem levar todo o armário para o
estúdio, para que Trinny e Susannah façam uma inspeção total. Os itens
favoritos devem ser obrigatoriamente sujeitos a uma inflexível análise, em
uma sala com espelhos em 360° com câmeras em seu interior.
Armada com regras fundamentais e rigorosas, a vítima embarca em uma
aventura de compras, sob o olhar vigilante das ‘policiais’ do estilo,
Woodall e Constantine, que intervêm se a compradora não respeitar as
regras do jogo.
Logo, as participantes voltam aos estúdios com suas compras, e as
transformações são extraordinárias! Sem medo de falar o que pensam para
suas vítimas ou fazer algumas chorarem durante as transformações,
2
Refiro-me à versão britânica do programa. O canal Discovery Home&Health também exibe o mesmo modelo
de programa, com o nome de Esquadrão da moda, porém uma versão americana com os apresentadores Stacy
London e Cinton Kelly. Para mais informações, consultar o site: <www.homeandhealthbrasil.com>.
18
18
Woodall e Constantine sabem que seus métodos, um tanto duros e
mordazes, sempre geram uma mulher mais elegante, atraente, com mais
estilo e mais confiante”.
3
Na esteira do sucesso do programa, dois livros foram lançados recentemente no Brasil,
o primeiro deles, um best seller, tem o mesmo nome do programa e trata de fazer
adequações da roupa ao corpo das mulheres. O segundo título recém-lançado por aqui é O
que suas roupas dizem sobre você. O livro aborda 12 situações diferentes e procura, sem
alterar o objetivo de comunicação de cada uma, transformar roupas erradas” em roupas
“corretas”, resultando então na exposição de 24 possibilidades, sendo, metade delas
consideradas inadequadas pelas autoras. Selecionei 17 das 24 imagens para submeter ao
julgamento de 12 informantes. Excluí as fotos mais caricatas (todas consideradas erradas”
pelas autoras) e apaguei o rosto das apresentadoras para evitar que alguma informante as
reconhecesse, e isso, de certa forma, influenciasse suas respostas (cópia das pranchas no
anexo 5).
Desta forma, foi possível verificar como as teorias que preconizam a tendência à
pasteurização das sociedades encontram como obstáculos códigos que foram se sedimentando
a cada geração, exercendo um controle tácito que distingue a roupa adequada a cada ocasião
em cada sociedade, o que certamente vai se refletir nos armários estudados.
Cheguei a esta última estratégia por conta da necessidade de comparação dos dados
obtidos localmente. Num primeiro momento aventei a possibilidade de estudar o
comportamento das mulheres da classe média de São Paulo. Porém, uma vez calculados os
recursos que deveria empregar nesta empreitada, com viagens constantes à capital paulista,
hospedagens, alimentação, etc. – e principalmente o tempo que seria despendido, decidi
abortar a idéia. Um questionário estruturado foi uma outra tentativa de validar os dados
obtidos, no entanto, mais uma vez não houve sucesso. Após realizar diversos testes, devido à
complexidade do assunto, foi verificada a inviabilidade de um modelo de questionário que
fosse de auto-preenchimento. A necessidade de aplicação individual de um número mínimo de
entrevistas, 70, me fez optar pela elaboração de uma nova estratégia. E foi assim que cheguei
à opção de usar as roupas sugeridas pelo programa das duas jornalistas inglesas e submetê-las
às mulheres cariocas da classe média.
Como complemento dos dados obtidos na etnografia, acompanhei reportagens sobre
moda, marca e luxo durante todo o tempo de duração do curso, além de fazer buscas
3
Informações no site da emissora:
<
www.peopleandartsbrasil.com/esquadrao_moda/index.shtml>
19
19
constantes na Biblioteca Nacional por periódicos históricos. Filiei-me a um site de
relacionamento na internet, onde participei de duas comunidades de moda, sendo uma delas,
aparentemente, formada por profissionais que trabalham com este assunto. Da primeira,
denominada “O curioso mundo da moda”, participei ativamente, na segunda, “Moda
Brasil”, somente observei as discussões e selecionei alguns depoimentos. Por fim, para
conhecer a visão do mercado e a manipulação dos códigos, conversei com a dona de uma
facção, cuja carteira de clientes inclui nomes famosos do portfólio das marcas no cenário da
moda nacional.
1.1.1. Em busca dos parâmetros da classe média
Logo no início do projeto, em busca de pessoas que pudessem discorrer sobre o mundo
do luxo com alguma desenvoltura, ainda que não fossem consideradas pessoas ricas, criei um
questionário classificatório (ver anexo 2) com o objetivo de enquadrar os meus informantes e
ao mesmo tempo entender como eles mesmos se enquadravam. Pedi que declarassem os seus
rendimentos pessoais e familiares e que marcassem com um “x” em que classe social eles se
encontravam. Ao final, o “x” circulou somente pelas cercanias da classe média (baixa, média,
alta).
Chamou-me a atenção o fato de todos os entrevistados, com renda declarada entre R$
3 mil e R$ 30 mil se auto classificarem como classe média. O fato de as pessoas se
reconhecerem como pessoas ricas ou pobres, evitando, ainda que com rendimentos acima do
teto da classe dia divulgado pelos órgãos oficiais, a classificação classe alta, pode ser um
indício de que no território pesquisado, as classes sociais se misturam e se tocam, sem que, na
prática, haja uma definição mais cartesiana e pura sobre os diferentes níveis sociais. Na
literatura das ciências sociais não indicações sobre os critérios de classificação social, de
modo que precisei investigar os dados oficiais disponíveis sobre o que se entende por classe
média e assim, delimitar o meu estudo.
A Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP)
4
, Associação Brasileira de
Empresas de Pesquisa evita falar em classes sociais”, eles utilizam a terminologia
4
Órgão relacionado à pesquisa de mercado. Para mais informações, ver site: <www. abep.org.br>.
20
20
“classificação econômica” e estabelecem cortes que vão do grupo A1 ao grupo E. A
classificação é obtida através do somatório de pontos atribuídos à posse de determinados bens,
somados a uma pontuação atribuída à escolaridade. Se fizermos uma correspondência com a
renda dia familiar, vamos obter um valor mínimo de R$ 207,00 e um valor máximo,
portanto, classe A1, de R$ 7.793,00. Assim, de acordo com este critério, tínhamos o seguinte
perfil socio econômico no Rio de Janeiro em 1999:
Classe Renda Média Familiar (R$) % no RJ
A1 7,793 1
A2 4,648 4
B1 2,804 9
B2 1,669 14
C 927 39
D 424 31
E 207 3
Fonte: Abep (www.abep.org.br)
Em análise publicada pela Veja, de 13 de maio de 1999, com base nos dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, o corte que designa a classe alta,
portanto A1, é o de rendimentos acima de 20 salários mínimos (hoje em dia, cerca de R$
6000). Este contingente representa apenas 5% da população brasileira. O estudo ainda é
apresentado de acordo com uma classificação por ocupação, com diferentes designações que
vão da “elite” aos “muito pobres”.
Classes Composição % (1996)
Elite Profissionais pós-graduados, empresários e altos administradores 4,9
Média alta Pequenos proprietários, técnicos com especialização e gerentes de grandes
empresas
7,4
Média média Pequenos fazendeiros, auxiliares de escritório e profissionais com pouca
especialização
13,3
Média baixa Motoristas, pedreiros, pintores, auxiliares de serviços gerais, mecânicos etc 26,9
Pobres Vigias, serventes de pedreiros, ambulantes e outros trabalhadores sem
qualificação
23,4
Muito pobres Trabalhadores rurais, bóias-frias, pescadores, peões de fazenda, catadores
urbanos etc.
24
Fonte: Veja, 13 mai.1999.
21
21
Em outra matéria especial publicada na Veja de 20 de dezembro de 2006 sobre a classe
média, percebi que esta dificuldade de definição não éminha ou dos meus informantes. A
reportagem, porém, conta de que existem outras variáveis além dos rendimentos que são
consideradas na hora de estabelecer uma classificação social. Diz o texto da revista:
“Definir a classe média é uma tarefa escorregadia. Em 1883, Sigmund
Freud, criador da psicanálise e integrante respeitável da classe média
vienense, observou à sua noiva, que comentava um encontro com um
grupo de operários: ‘Seria possível mostrar que eles são bem diferentes
de nós em seus julgamentos, em suas crenças e esperanças, e na maneira
como trabalham. uma psicologia do povo que é bem diferente da
nossa’. Atitudes e valores sempre fizeram parte das tentativas teóricas
de traçar um perfil da classe média. Critérios como a ocupação e a
escolaridade também são usados por pesquisadores, assim como os
dados econômicos tais quais renda e padrão de consumo. Os resultados
podem variar bastante conforme a metodologia”.
5
Por fim, o critério estabelecido pela revista, segundo o que diz na matéria, tomou como
referência o parâmetro utilizado pelo Banco Mundial: famílias com rendimentos anuais
situados entre US$ 15 mil e US$ 75 mil são consideradas membros da classe média. No
Brasil, isso significa algo em torno de R$ 3 mil a R$ 15 mil por mês.
Ainda assim, tive informantes que declararam rendimentos bem acima de R$ 15 mil e
se classificaram como classe dia. Busquei então dados que pudessem me situar nos dois
extremos da pirâmide.
A classe considerada “ricafoi retratada em outra matéria na revista Época de 6 de
dezembro de 2006,
6
onde pude perceber que os padrões de consumo ali relatados o se
parecem com os dos meus informantes. Consta que o ortopedista paulista René Abdalla gasta
o equivalente a R$ 2 mil por semana no salão de beleza, e R$ 100 mil por ano em roupas de
grife e R$ 5 mil por mês em vinhos. Este, certamente, não é o padrão das pessoas com quem
conversei.
Douglas e Isherwood (2004), referindo-se à classificação de pobreza, criticam por
exemplo, a abordagem da higiene, onde pobres, em qualquer país possuem taxas de
morbidade maiores do que a dos ricos. Eles então assumem que os estudos sobre pobreza
enfrentam um constrangedor problema de definição, pois esta classificação não obedece aos
5
Guandalini e Duailibi, 2006.
6
Vannuchi e Côrtes, 2006.
22
22
mesmos critérios em todas as culturas, podendo variar de sociedade para sociedade e até
temporalmente.
Assim, precisei criar uma definição que homogeneizasse, de certa forma, o grupo
estudado. Além da renda, ao recrutar os entrevistados, procurei me valer de outros critérios,
baseando a aceitação final do informante após a análise da soma do capital financeiro aliado
com o seu capital cultural (Bourdieu, 2005). Para Bourdieu (2005), o capital cultural pode se
fazer presente de três formas: através das disposições duráveis do corpo, da posse de bens
culturais e dos títulos acadêmicos. Ou seja, o perfil estudado se caracteriza pelo acúmulo de
rendimentos acima de R$ 3 mil mensais e um nível de escolaridade nunca inferior ao
universitário incompleto, havendo informantes com nível de mestrado e doutorado. A este
grupo denominei classe média, aceitando, deste modo a sua auto denominação.
23
23
2. OS OBJETOS COMO COMUNICADORES SOCIAIS
Com base na análise estrutural levada a cabo no campo da lingüística por Saussure,
Lévi-Strauss desenvolveu a noção de estruturas mentais inconscientes para determinar o
ambiente cultural do indivíduo.
7
No campo do consciente, é possível detectar como a
sociedade se organiza culturalmente, mas é preciso que se identifique a partir de que lógica
inconsciente essa organização se estabelece. Em outras palavras, para Lévi-Strauss, o modelo
consciente é a parte “visível” da cultura: normas e padrões estabelecidos mais a sua cultura
material. O modelo inconsciente é o que está por trás desta “parte visível”, a que lhe deu
origem a prática. É preciso dizer que um modelo cultural pode ser consciente ou
inconsciente, porém os modelos conscientes o se destinam a explicar as práticas, mas a
perpetuá-las (Mercier, 1974). As orientações do filósofo belga passam pela permuta, pela
reciprocidade e “comunicação”, o que, para ele, são os pontos cruciais para a análise de uma
dinâmica social: “ao nível pessoal, se trocam palavras; ao nível social, se trocam mulheres; ao
nível econômico se trocam valores”.
O modelo estruturalista surgiu após a insurgia da escola funcionalista, cujos maiores
representantes foram Malinowsky e Radcliffe-Brown, rivais que disputavam no campo
teórico. Este último, no entanto, teve alguns pontos do seu trabalho retomados por Lévi-
Strauss, como o totemismo, por exemplo, e a noção de estruturalismo como a forma em que
indivíduos e grupos estão ligados no interior de um grupo social”.
8
As maiores críticas ao funcionalismo dizem respeito ao seu determinismo geográfico,
e a uma “maneira quase ‘metafísica’ de interpretar a totalidade cultural” (Mercier, 1974). Na
busca de um corolário científico, Lévi-Strauss se apoiou em duas outras ciências, a lingüística
e a matemática. Assim, pela primeira vez, uma ciência social ganhou o estatuto de ciência.
7
Inspiração que nasceu da freqüência do curso do lingüista R.Jakobson, em Nova York, onde Lévi-Strauss formulou todas
as suas idéias sobre a antropologia estrutural. Sua teoria nasceu da observação da lingüística estrutural onde se percebe
que todas as línguas são constituídas por oposições de base, como o P e o B no francês. (Gaillard, 2002: 186).
8
Molina, 2000.
24
24
Em sua analogia com a linguagem, fica claro que esta possui a função de comunicar,
mas o seu sistema permaneceu oculto até que a fonologia veio desvendar o processo. No caso
das relações sociais, como o parentesco, conhecia-se o sistema, mas ignorava-se a sua função.
Da mesma forma que os fonemas são “guardados” no inconsciente, as estruturas que levam às
questões sociais também o são. No caso da moda, o trabalho de Kroeber é relevado por Lévi-
Strauss, pois a moda é um “fenômeno social intimamente ligado à atividade inconsciente do
espírito. É raro que saibamos claramente porque um certo estilo nos agrada ou porque sai de
moda”.
9
Kroeber propôs um modelo estatístico para avaliar o comportamento de um grupo
em relação ao vestuário. Lévi-Strauss não concorda que um modelo estatístico possa ser
aplicado a uma conduta social arbitrária como a moda, como também utilizou um modelo
matemático para a sua análise do parentesco.
Se o sistema de parentesco, para Lévi-Strauss, num primeiro momento, foi
interpretado como uma “espécie de linguagem (...), um conjunto de operações destinadas a
assegurar, entre os indivíduos e os grupos, certo tipo de comunicação”,
10
ele próprio se
questiona sobre a relação entre linguagem e cultura. Porém, não assume uma posição radical,
ponderando que, se o houvesse nenhuma relação, teríamos diante de nós “a imagem do
espírito humano inarticulado e retalhado, dividido em compartimento e andares, entre os quais
qualquer comunicação é impossível”.
11
Já, se a relação entre cultura e linguagem fosse
absoluta, na opinião deste autor, antropólogos e lingüistas já o teriam percebido. Assim, Lévi-
Strauss propõe que certas correlações são provavelmente reveláveis, entre certos aspectos e
em certos níveis, e trata-se, para nós, de encontrar quais são estes aspectos e onde estão estes
níveis”.
12
As críticas ao estruturalismo parecem paradoxais. Se um grupo o critica pela visão
psicologista que tem das relações sociais (Mercier, 1974), pois lida com estruturas
inconscientes; outro o vê com um objetivismo de difícil aplicação na vida prática, afinal, trata-
se de um modelo (Bourdieu, 1999), e as escolhas humanas não deveriam ser tão sistemáticas.
Pensando assim, Bourdieu desenvolveu a noção de habitus como uma forma de dar
conta de aspectos que o estruturalismo, para ele, não consegue cobrir. Ele atenta para esta
insuficiência estruturalista em seu trabalho A casa Kabilla ou o mundo às avessas
13
, a
etnografia de uma casa berbere na Argélia, sob a inspiração do mestre estruturalista. Bourdieu
9
Lévi-Strauss, 2003:75.
10
Ibid., p. 77.
11
Ibid. p. 98.
12
Ibid. p. 98.
13
Bourdieu, 1999.
25
25
trata a disposição de cada objeto da casa como organizada a serviço de um complexo digo
cultural. Assim, a idéia de sistema está presente na disposição de cada elemento e sua
relação com os demais; a noção de estrutura se inscreve no princípio lógico que governa o
modo de se estabelecer aquelas relações.
Para Bourdieu, à formulação de Lévi-Strauss escapam lógicas como as inversões, ou
seja, as homologias, que, de acordo com Bourdieu, não são somente paralelas e opostas como
previa a lógica levis-straussiana (sobre pares de oposição); e ficam de fora também as relações
de subordinação, uma vez que, para o francês, o feminino e o masculino, por exemplo, não se
encontram numa relação de simetria. Assim, se os modelos podem descrever a forma como
agem os atores sociais, para Bourdieu não o conta de explicar as suas escolhas. Este foi o
espaço que o sociólogo francês encontrou para desenvolver a sua teoria da prática.
2. 1. A NOÇÃO DE HABITUS E A TEORIA DA PRÁTICA O ADENDO”
DE BOURDIEU AO ESTRUTURALISMO
Em 1955, o jovem Pierre Bourdieu foi chamado a Versalhes para, em seguida, ser
enviado à Argélia a serviço da bandeira francesa na missão de pacificação da então colônia
situada no norte da África (Wacquant, 2002). Lá, nas regiões de Kabyllia, Collo e Ouarsenis,
aplicou estudos de campo sob a metodologia estruturalista, levando em conta a conjugação de
etnografia e estatística. Esta foi a origem de seus estudos que contemplaram de maneira
inovadora a sua teoria da prática, e o levaram a escrever o seu Esquisse d’une théorie de la
pratique,
14
onde desenvolve o conceito de habitus.
A noção do habitus não se originou no pensamento de Bourdieu, ele a resgata da
escola aristotélica
15
para forjar uma teoria da disposição da ação, cujo objetivo seria a
introdução da capacidade inventiva dos agentes no escopo da antropologia estruturalista.
16
Se
o seu desconforto em relação ao estruturalismo dizia respeito primordialmente ao
intelectualismo a que se propunha o estabelecimento de estruturas de pensamento que
14
Esboço de uma teoria da prática (Bourdieu, 1993 a).
15
O conceito de habitus vem da escola aristotélica, passando por teóricos como Tomás de Aquino, Hegel,
Mauss, Merleau-Ponty. Mas Bourdieu lhe dá características próprias. Para este autor o habitus é um sistema de
disposições, onde as maneiras de agir foram forjadas pela interiorização das estruturas sociais.
16
Para mais informações, ver texto “Esclarecer o habitus”, de Loïc Wacquant, aluno de Bourdieu, no site
<http://sociology.berkeley.edu/faculty/WACQUANT/wacquant_pdf/ESCLARECEROHABITUS.pdf>.
26
26
resultavam na prática, Bourdieu procurou um caminho para justificar exatamente a gênese
dessas práticas dentro de um conjunto de ordem ontológica, onde há previsibilidade das
conseqüências. Em outras palavras, a prática é um produto da relação dialética entre a
situação e o habitus”,
17
e é aí onde ele (o habitus) se coloca para orientar as escolhas
pessoais.
É um conceito que pressupõe a somatória do capital familiar, cultural e escolar, formando o
que ele denomina “capital simbólico”, ou um “duplo processo de interiorização da
exterioridade e de exteriorização da interioridade”.
18
Na verdade, a crítica de Bourdieu insere
uma nova dinâmica no estruturalismo, qual seja, a possibilidade de movimentação dentro das
estruturas.
O autor também não descarta o aprendizado” ou a familiarização, conforme sinaliza
em seu trabalho Gostos de classe e estilos de vida. Em sua trajetória de vida, o indivíduo
adquire aquilo que o autor chama de capital familiar, capital escolar e capital cultural. Cada
uma dessas esferas da vida prática pode exercer diferentes influências na constituição do
indivíduo. Essas disposições são duráveis, mas podem ser substituíveis dependendo dos
esquemas de socialização ao qual o indivíduo é submetido em sua trajetória de vida. O habitus
é que informa a prática social e ele não é consciente por ser ao mesmo tempo pensamento e
corpo,
19
portanto não segue um modelo automaticamente, conforme a interpretação de
Bourdieu dos pressupostos estruturalistas. O habitus imprime no sujeito um conjunto de
sensos: senso moral, senso crítico, senso estético, gosto, que o leva às suas escolhas
cotidianas.
17
Ibid.
18
Bourdieu, 1993 a.
19
Ibid.
27
27
2.2. CULTURA MATERIAL: A ARTICULAÇÃO ENTRE OBJETOS E
LINGUAGEM, E SUA RELAÇÃO COM O SUJEITO
Na descrição feita por Bourdieu sobre a casa Kabilla, percebe-se que o argumento
central repousa na organização espacial da casa, os significados que orientam as funções de
cada objeto que a compõe, revelando, através desses mesmos objetos, a estrutura simbólica e
cognitiva da sociedade Kabilla.
Os objetos o falam, mas fazem sentido dentro de um determinado contexto,
fornecendo pistas para o reconhecimento do sujeito no seu mundo social. Para Bourdieu a
noção do habitus ou a formação do gosto através das práticas, dirige as escolhas desses
objetos e nos permite a classificação do sujeito. A crítica que se faz a Bourdieu é exatamente
de que forma e em que medida o sujeito interfere nessas práticas. Sua própria história de vida
revela que “Bourdieu foi uma exceção às leis de transmissão do capital cultural que ele
mesmo estabeleceu em seus livros iniciais”,
20
afinal, oriundo de uma família humilde de
camponeses, estabeleceu-se na classe intelectual francesa, mudando a “familiaridade” de suas
práticas, de acordo com a sua mudança social.
Daniel Miller (1987) parece ver na noção de habitus de Bourdieu uma ponte entre o
mundo subjetivo e objetivo. Ele concorda que o estruturalismo não conta do subjetivismo
dos objetos, privilegiando uma abordagem objetivista, e encarando o ator humano como mero
veículo para a ação de certa ordem de princípios.
21
Para Miller, a utilização de modelos pode
ser mecânica e inflexível. O autor, no entanto, faz duras críticas a Bourdieu no que se refere à
aplicação da noção de habitus como indicador de distinções sociais. A sociedade, diz Miller,
não pode ser entendida em termos de simples hierarquia, mas como um esforço contínuo de
hierarquia sobre as hierarquias. O trabalho La distinction de Bourdieu, onde este desenvolve a
relação entre habitus e distinção social, aos olhos de Miller, parece uma versão moderna de
velhas lutas entre o Estado, a Igreja, as Forças Armadas e as preocupações comerciais da
burguesia, ou seja, uma continuação das tradições da corte francesa estudada por Elias”.
22
Miller também não concorda com o método empírico de Bourdieu, que “à despeito de haver
trabalhado previamente como etnógrafo”, se utiliza de um questionário fechado,
aparentemente com opções tendenciosas. Por fim, a visão economicista do sociólogo também
20
Wacquant, 2002.
21
Miller (1987:103).
22
Ibid., p.152.
28
28
parece ser um ponto crítico para o antropólogo inglês, onde capitais econômico e simbólico
são negociáveis, e as hierarquias sociais são reduzidas ao trânsito entre essas duas linhas.
Miller argumenta que a cultura material tem como traço principal a qualidade de multiplicar e
pôr de lado uma série de hierarquias em diversas esferas.
Com relação ao que os objetos comunicam, para Miller linguagem e artefatos (objetos
manufaturados) devem ser separados, pois a linguagem toma conta dos pensamentos
conscientes e os objetos o importantes na formação do inconsciente.
23
Miller acredita que
os objetos não possuem as mesmas características que se pode atribuir à linguagem, mas
possuem atributos outros que possibilitam uma relação entre o homem e a cultura. Ele
questiona a soberania da linguagem sobre outras formas de comunicação. Para o autor, os
objetos possuem qualidades que lhe facultam comunicar, porém, com propriedades diferentes
da linguagem.
Os objetos, para Miller, são uma ponte entre os mundos físico e mental, e entre o
inconsciente e o consciente. A consciência, para o autor, parece território da linguagem,
enquanto os objetos habitam o inconsciente, ou seja, o autor não concorda com as premissas
de que o inconsciente é dominado pela linguagem.
Ao considerar o trabalho de Kant, Miller estabelece a importância da contextualização
do objeto e o modo como ele opera a nossa relação entre consciente e inconsciente. Seu
exemplo é a apreciação de um quadro dentro de uma moldura ou num outdoor. Ele concorda
com Kant que os olhares serão influenciados pela situação. Assim, conclui:
In this instance, by establishing a relationship of immediacy with our
unconscious, one object is able to control the nature of our consciousness,
making it appropriate to the context within which object is working”.
24
É como o “estado de espírito” dos objetos, um conceito que Miller toma emprestado da
análise de Goffmann sobre o nosso comportamento em diferentes ambientes. Assim, uma
obra de arte pode ser vista com diferentes juízos, se ela está numa moldura, nas paredes de um
muro no meio da cidade ou no altar de uma capela. Por outro lado, se uma moldura pode, à
primeira vista, parecer conspícua, Miller tem uma posição contrária. A moldura, no dia-a-dia,
é somente um adendo ao trabalho de arte e, para entrar na esfera do meu objeto de estudo, da
23
Miller, (1987: 152).
24
Ibid., p. 101. “Neste exemplo (da moldura), estabelecendo uma relação imediata com o inconsciente, um
objeto está apto a controlar a natureza da nossa consciência psicológica, tornando-a apropriado ao contexto onde
o objeto está operando” (tradução livre).
29
29
mesma maneira, as roupas, independentemente de quão ornadas sejam, segundo ele,
emolduram a pessoa. É o que Miller considera a “humildade dos objetos”. Assim, os objetos
podem ser de extrema visibilidade, bem como de extrema invisibilidade, dificultando nossa
percepção do papel importante que desempenham nas relações sociais.
Além da contextualização, é preciso também que se leve em conta a dimensão da
estratégia de imagem utilizada pelo usuário, o que pode interferir na interpretação.
Na dicotomia que se estabelece entre linguagem e objeto, Miller lembra que os objetos
não podem ser quebrados em subunidades gramaticais - o que proporciona maior flexibilidade
à linguagem - mas possuem relação com as emoções, sentimentos e orientações básicas para o
mundo. Este sentimento aflora ainda na primeira infância quando os objetos fazem a
intermediação do mundo interno da criança com o mundo exterior, numa negociação perene
entre introjeção do exterior e exteriorização do mundo introjetado, mais ou menos a relação
proposta pela concepção de habitus de Bourdieu, um ponto de concordância entre os dois
autores.
Os objetos transmitem mensagens” e o elementos mediadores das relações sociais.
Douglas e Isherwood tratam os objetos como bens, e vêem o consumo como uma experiência
cotidiana, um bom ângulo para se explicar a vida contemporânea”. (Douglas e Isherwood,
2004)
Esses autores põem em cheque a teoria utilitarista, argumentando que os bens são
neutros e que fazem sentido simbolicamente, e dentro de um contexto social. Assim,
enquanto Bourdieu propõe o estilo de vida gerenciado pelo habitus, Douglas e Isherwood,
através da comparação dos padrões de consumo, verificam melhor as desigualdades sociais do
que o tradicional método da distribuição de renda. O que para eles parece realmente fazer a
diferença são os bens como “comunicadores” e elementos que devem ser tratados como “um
meio não verbal para a faculdade humana de criar” (Douglas e Isherwood, 2004). E, se assim
o são, não são privilégios” da moderna sociedade capitalista, mas operadores das relações
sociais em qualquer outra sociedade, e o necessariamente vinculados a uma hierarquia
social. Para eles, os bens são “acessórios rituais” que dão sentido ao “fluxo incompleto dos
acontecimentos”, e neste contexto as roupas são marcadores que se estabelecem num
referencial de tempo e espaço (Douglas e Isherwood, 2004; 113-114).
Se Bourdieu afirma que nas classes sociais menos favorecidas uma tendência à
motivação utilitarista para o consumo (Bourdieu, 1993a), Douglas e Isherwood argumentam
que a questão simbólica prevalece sobre a utilitária, em qualquer esfera, posto que o ato de
consumir envolve mais do que as propriedades intrínsecas dos bens, mas o que eles produzem
30
30
de significado. Assim, os bens são classificatórios, e o seu caráter simbólico predomina sobre
o utilitário. Embora deixando clara a posição sobre a predominância das propriedades
simbólicas sobre as utilitárias, Douglas e Isherwood não descartam o peso da utilidade na
decisão sobre as escolhas durante o processo do consumo de bens. Para Baudrillard, no
entanto, os objetos são destituídos de sua utilidade e passam a operar apenas como sistemas
simbólicos (Baudrillard, 2004).
Os objetos, para o autor francês, o “funcionais”, mas não dentro de uma perspectiva
utilitarista, não como “aquilo que se adapta a um fim, mas aquilo que se adapta a uma ordem
ou a um sistema” (Baudrillard, 2004: 70). Assim, Baudrillard a entender que os objetos
deixaram a sua função de serviço aos humanos, passando a fazer parte de um todo simbólico
(exatamente o sistema dos objetos) de onde obtém o seu valor; afinal, “para o objeto, é a
possibilidade de ultrapassar precisamente a sua ‘função’ para uma função segunda, de se
tornar elemento do jogo, de combinação, de cálculo, em um sistema universal de signos”
(Baudrillard, 2004:70).
Porém, no que se refere ao paradigma lingüístico aplicado ao sistema de objetos,
Baudrillard reconhece que este possui, sim, propriedades de linguagem, mas o seu
contraponto, ou seja, as chamadas necessidades humanas, que clamam o objeto por suas
propriedades utilitárias, são menos coerentes e menos estruturadas, e fazem com que o sujeito
se subsuma no mundo dos objetos. Esse, segundo o autor, é o empecilho para uma sintaxe.
Assim, Baudrillard até vê o sistema dos objetos estruturado como um sistema de
significantes, mas não admite o processo completo de comunicação através desses objetos,
uma vez que o sistema dos objetos não abarca uma correlação lingüística do significado,
permitindo a sintaxe.
O problema com o ponto de vista de Baudrillard é o seu posicionamento quase tirano
no que se refere aos objetos em relação ao sujeito, descartando por completo o aspecto
funcional em detrimento de um conteúdo apenas simbólico. Ele nos objetos propriedades
que chegam a rivalizar com a religião e com a ideologia. “Os objetos são categorias de
objetos que induzem de forma muito tirânica categorias de pessoas, mantendo o controle
social” (Baudrillard, 2004). Este ponto de vista parece comungar com as inquietações de
Marx sobre o fetiche da mercadoria, pois Baudrillard sinaliza para a submissão do indivíduo a
propriedades outras dos objetos, que estão além da satisfação das necessidades. E são
somente essas propriedades simbólicas que hierarquizam sócio-economicamente o indivíduo,
conforme sugere Bourdieu (1993 b).
31
31
No que se refere à visão de Marx sobre as propriedades simbólicas dos objetos, bens
ou produtos, a linha de raciocínio que ele desenvolve não parece conclusiva, deixando no ar o
questionamento sobre o que haveria de especial em uma mercadoria, atribuindo a este algo
especial um caráter fetichista, o que ele denominou o fetiche da mercadoria”, uma analogia
religiosa, a atração que relaciona sujeito e objeto. Segundo Marx (1983:71):
“Para encontrar uma analogia, desloquemo-nos para o mundo da religião,
onde os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria,
figuras autônomas, que mantêm relações entre si e com os homens. Assim,
no mundo das mercadorias, acontece com os produtos da mão humana.
Isso eu chamo de fetichismo que adere aos produtos de trabalho, tão logo
são produzidos como mercadorias, e que, por isso, é inseparável da
produção de mercadorias. Esse caráter fetichista do mundo das
mercadorias provém do caráter social peculiar do trabalho que produz
mercadorias”.
Marx buscava uma justificativa para que o valor do mesmo trabalho aplicado sobre
diferentes tipos de mercadorias gerasse valores de troca distintos. Esta justificativa,
exatamente o que ele chama de “fetiche” exercido no sujeito, posteriormente foi apropriada
por outros autores de forma negativa como uma obsessão normativa do capitalismo em
relação às mercadorias sob a forma de produtos e marcas: parecem dotados de vida própria,
figuras autônomas, que mantêm relações entre si e com os homens” (Marx, 1983). O caráter
fetichista, no entanto, o parece portador do sentido de “obediência cega”, mas de devoção,
de “talismã”, portador de propriedades simbólicas relacionadas à dinâmica social, que podem
transmitir segurança em relação a determinado grupo. Este valor implícito será atribuído
contextualmente, num determinado sistema cultural.
Ainda que a visão estruturalista da cultura tenha sofrido críticas em muitos aspectos, a
sua noção de organização do mundo através dos sistemas de classificação parece dotada de
algum respaldo empírico. Os críticos do estruturalismo conseguiram agregar novas premissas
analíticas aos postulados desta teoria, porém, nenhum deles logrou uma nova possibilidade
teórica de grande envergadura.
Marshall Sahlins (2003) é um autor que reabilita a análise estruturalista para defender
a sua tese de que a cultura é quem governa a produção. No Brasil, Everardo Rocha (1995)
propôs uma analogia entre o totem das sociedades tradicionais e o discurso publicitário nas
sociedades modernas.
32
32
2.2.1. Sistemas de classificação e lógica totêmica
As duas obras clássicas de Claude Lévi-Strauss que tratam do assunto são O totemismo
hoje (Le totémisme aujourd’hui) originalmente publicada em 1961, e O pensamento selvagem
(La pensée sauvage) de 1962. A primeira, reconhecida como uma introdução à segunda, trata
especificamente do totemismo, fazendo uma revisão de tudo o que foi dito a respeito por
outros autores. a segunda trata de aprofundar o tema do totemismo de uma maneira
estrutural.
As muitas teorias e hipóteses relacionadas ao totemismo passam por trabalhos como o
do etnólogo escocês John Ferguson McLennan. Considerado um autor da escola
evolucionista, McLennan, com o seu artigo The worship of animals and plants (O culto de
animais e plantas, 1870), o demonstra um esforço em explicar a origem específica do
fenômeno do totemismo, mas quer indicar com o seu trabalho que toda a raça humana passou
pelo estágio totêmico num momento remoto de sua evolução. McLennan fornece o
significado da palavra “totem”, que, derivada da palavra ojibwa “ototeman” significa “ele é da
minha parentela”, e o define como “fetichismo mais a exogamia e a filiação matrilinear”
(Gaillard, 2002:31). Posteriormente, outro escocês, James Frazer escreveu, a pedido de
Robertson Smith, para a Enciclopédia Britânica, verbetes para tabu” e “totemismo”. O
mesmo Robertson Smith o incentivou a publicar um trabalho mais abrangente sobre o assunto.
Assim, em 1887, sir James Frazer lança Totemismo e exogamia (Gaillard, 2002:37). Para
Frazer, o totemismo aproxima o homem do animal, o que leva, por conta da ignorância da
paternidade, os espíritos a serem os “genitores”. Lévi-Strauss, insatisfeito com a visão
evolucionista do totem, acha que este pensamento só cria uma maior alteridade entre o
“selvagem” e o “civilizado”.
Outro autor criticado por Lévi-Strauss sobre sua concepção do totemismo é Émile
Durkheim, para quem as sociedades prestavam obrigações rituais aos totens, como se eles
fossem somente um objeto religioso. O sociólogo francês também parece tomar uma posição
que sugere a alteridade. Para ele, homens que simbolizam com signos as suas filiações
clânicas o fazem devido a sua “tendência instintiva”, que leva “os homens de cultura inferior...
associados numa vida comum... a pintar-se ou a gravar sobre o seu corpo imagens que
recordam esta comunidade de existência” (Durkheim apud Lévi-Strauss, 2003b:94). O
33
33
sagrado coletivo e as pulsões e emoções seriam a motivação desses homens. Para Lévi-
Strauss, “pulsões e emoções não explicam nada; resultam sempre” (Lévi-Strauss, 2003b:94,
grifo do autor).
O viés religioso atribuído ao totem seguidamente por alguns autores, para Lévi-
Strauss, fez aumentar as distâncias entre as sociedades ditas primitivas e as ditas
civilizadas.
Em 1916, Franz Boas afirmou que o totemismo era uma unidade "artificial", só
existente no pensamento dos etnólogos. Essa opinião foi partilhada pelo britânico Radcliffe-
Brown, que, para Lévi-Strauss, foi quem mais se aproximou do sentido do totemismo, ao
estabelecer que os animais e as plantas tornavam-se totêmicos na medida em que ganhavam
importância social no grupo.
Lévi-Strauss, enfim, concluiu que o totemismo não passa de uma expressão simbólica,
que permite ao indivíduo um melhor entendimento da realidade social e da diferenciação de
clãs e papéis. Para o pensador belga, nada que se diferencie do simbolismo adotado em nossa
sociedade: bandeiras, insígnias, brasões.
“(...) somos confrontados com o seguinte problema: como explicar que
grupos sociais, ou segmentos da sociedade, se distingam uns dos outros
pela associação de cada um com uma espécie natural particular? Este
problema, que é o próprio problema do totemismo, sobrepõe-se a dois
outros: como é que cada sociedade concebe a relação entre seres humanos
e as outras espécies naturais (...); e como é que, por outro lado, grupos
sociais chegam a ser identificados por meio de emblemas, de símbolos, ou
de objetos emblemáticos ou simbólicos? Este segundo problema
ultrapassa igualmente o quadro do totemismo, que, deste ponto de vista,
um mesmo papel pode ser atribuído, conforme o tipo de comunidade
considerado, a uma bandeira, a um brasão, a um santo, a uma espécie
animal”.
25
Após a publicação de Lévi-Strauss, nada mais se falou sobre o totemismo.
Para o belga, o sentido do totemismo é muito mais próximo às sociedades complexas,
carregando consigo uma forma bastante simples do pensamento discursivo. Ele desenvolve
essa linha de argumento no seu trabalho seguinte: O pensamento selvagem.
26
.
25
Lévi-Strauss, 2003b:110.
26
Lévi-Strauss, 1989.
34
34
Lévi-Strauss chama a atenção para o pensamento selvagem que, na verdade, não se
expressa apenas pela forma concreta. O autor defende que, ao contrário, aos indivíduos das
sociedades tradicionais também é facultado o modo abstrato de expressão. O oposto também
é verdadeiro, ou seja, aos indivíduos das sociedades complexas, o pensamento concreto se
manifesta exatamente na condição emblemática do concreto (Lévi-Strauss: 1989:58):
“(...) as classificações ‘totêmicas’ estão menos longe do que parece do
emblematismo vegetal dos gregos e dos romanos que se exprimiam através
de coroas de oliveira, de carvalho, de louros, de aipo etc, ou do que ainda
se praticava na Igreja medieval, quando, conforme a festa, cobria-se a
coroa de feno, de junco, de hera ou de areia” .
É bom frisar que o que Lévi-Strauss, considerado o “pai do estruturalismo”, chama de
“pensamento selvagem” ou pensamento primitivo”, na verdade, são os pensamentos básicos,
estruturais, próprios de qualquer indivíduo em qualquer sociedade. A analogia utilizada para
ilustrar a base do pensamento é feita com o bricoleur, ou alguém que se utiliza dos recursos
que possui à o para executar uma obra, sem qualquer planejamento prévio ou um projeto
orientador. O pensamento científico é ilustrado pela figura do engenheiro, cuja obra será
realizada mediante o cumprimento de um projeto já elaborado, onde os materiais serão
cuidadosamente estudados e adquiridos. Para o autor, formas concretas de pensamento
(bricoleur), bem como as formas abstratas (engenheiro), ou o pensamento selvagem” e o
“pensamento científico” estão presentes em todos os tipos de sociedade, pois são estruturais
no ser humano como ser social.
Sahlins, em seu trabalho Cultura e razão prática (2003), questionou se não seria o
caso de os operadores totêmicos, nas sociedades modernas ocidentais terem sido “substituídos
por espécies e variedades de objetos manufaturados, os quais, como categorias totêmicas têm
o poder de fazer mesmo da demarcação de seus proprietários individuais um procedimento de
classificação social” (Sahlins, 2003:176). Afinal, continua, “será que os operadores totêmicos
e os de produtos o m a mesma base no código cultural de características naturais, a
significação atribuída aos contrastes em forma, linha, cor e outras propriedades do objeto
apresentadas pela natureza? A diferença entre o chamado pensamento selvagem de Lévi-
Strauss nas sociedades tradicionais, e o pensamento burguês sugerido por Sahlins nas
sociedades modernas, seria a capacidade produtiva permitindo uma profusão de variedades.
35
35
Na verdade, Sahlins defende que os valores funcionais sozinhos não dão conta de
justificar as ordens da produção nas sociedades ocidentais. Para ele, o valor funcional é
sempre relativo a um esquema cultural. Assim, argumenta, não há motivo prático que
justifique a produção de calças para homens e saias para as mulheres, ou que preserve a carne
canina na alimentação cotidiana, privilegiando a carne bovina.
De fato, Sahlins faz referência aos dois pressupostos legados por Lévi-Strauss, sejam
os aspectos totêmicos elevados a um sistema de classificação que conecta natureza e cultura,
sejam suas aplicações na vida prática. O totem, em suas propriedades concretas, expressando
o lado consciente da cultura, e as práticas cotidianas, inseridas dentro do contexto do sistema
cultural, denunciando a forma inconsciente com que se relacionam os homens com a própria
cultura.
Está na sua análise sobre o vestuário americano o ponto crucial de observação sobre a
aplicação das regras verificadas no processo totêmico das sociedades analisadas por Lévi-
Strauss, ou seja, por meio de oposições binárias, a classificação da pessoa através dos itens de
vestuário. Assim, as seguintes oposições podem ser observadas no vestuário: jovem x idosa
(cores e formas), feminino x masculino (tecidos, cortes, modelagens e cores), riqueza x
pobreza (tecidos, cortes, acabamentos, marcas), casa x rua (modelos, tecidos, cores), trabalho
x lazer (modelos, tecidos,cores), sedentária x esportiva (cortes, modelos, tecidos).
Numa analogia com a linguagem, Sahlins abre o de utilizar um termo como
“vestema”, mas propõe o que chamou de UCE (unidades componentes elementares) e
considerou três classes de UCE: textura, linha e cor. O autor sinaliza para um jogo consciente
x inconsciente, onde se percebe que uma semântica no uso dessas unidades que remete a
motivações de ordem racional, porém, como na linguagem, só serão de fato expressivas dentro
de um determinado sistema cultural ou atuarão de modo contextual.
O exemplo de paradigma de construção cultural usado por Sahlins parece dar conta de
ilustrar essas diferenças. Uma linha oblíqua indo para baixo, da direita para a esquerda, para
os europeus, se inclina “para cima”, e uma linha partindo da esquerda, indo para baixo,
inclina-se “para baixo”. Na cultura japonesa, a percepção seria inversa, porque a leitura
naquele país é feita da direita para a esquerda, ou seja, toda a lógica estabelecida obedecerá a
um sistema, onde se assimilam as premissas que governarão os códigos perceptuais oferecidos
no vestuário.
No Brasil, o antropólogo que se aventurou na empreitada de analisar aspectos da vida
moderna contemporânea em relação à lógica do concreto estabelecida nos pressupostos
estruturalistas foi Everardo Rocha. Ele trabalha com a lógica totêmica aplicada pela
36
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publicidade para “humanizar” objetos produzidos numa fria linha de produção industrial
(Rocha, 1995). Utilizando-se da análise de material publicitário, Rocha consegue mostrar
empiricamente que as questões inconscientes que formam os modelos estruturais estão
presentes na vida prática, e são verbalizadas pelos seus informantes, ao discorrerem sobre o
que o anúncio comunica.
Dadas as premissas estruturalistas e suas principais críticas, confrontando-as com as
analogias de Sahlins em relação à lógica totêmica nas sociedades modernas, devo agora
avançar ao próximo tópico, onde o meu objetivo será entender, através de um grupo de
autores, como o vestuário adquire suas propriedades expressivas no interior de grupos
humanos específicos.
2.3. VESTUÁRIO, MODA E EXPRESSÃO: UMA DISCUSSÃO SOBRE
VESTUÁRIO E LINGUAGEM
Já mencionei no tópico anterior alguns autores que relacionam os objetos com a
linguagem e a comunicação, ao mesmo tempo tentando perceber o debate entre o caráter
simbólico e utilitário dos mesmos. Se autores como Daniel Miller acreditam numa
comunicação inconsciente e subjetiva dos objetos, Jean Baudrillard os como fortes
portadores simbólicos prontos para criar uma expressão própria. Na forma de mercadoria,
Marx os toma como motivo de fetiche, quase adquirindo vida própria. Bourdieu os como
materialização do habitus adquirido na forma de capital cultural e capital financeiro, refletindo
nas escolhas do indivíduo sob a perspectiva da formação do gosto. Já Mary Douglas e
Marshall Sahlins vêem a expressão dos objetos somente dentro do contexto de um código
cultural variável nas diferentes sociedades, porém, manipuláveis pelos sujeitos, de acordo com
o que desejam expressar. Se Sahlins consegue enxergar UCEs (unidades componentes
elementares), Miller tem dificuldade em definir de que maneira um objeto pode criar uma
sintaxe.
Para Douglas e Isherwood, os bens são parte do ritual de consumo, usados para “tornar
firme e visível um conjunto particular de julgamentos nos processos fluidos de classificar
pessoas e eventos” (Douglas e Isherwood, 2004: 115). Mas, o indivíduo que usa os bens
dependerá dos seus companheiros para processar a sua intenção num universo inteligível, e
dizer coisas sobre si mesmo. Para esses autores, é importante lembrar que os bens o são
37
37
meras mensagens, mas o próprio sistema; porém, uma vez portadores de significados, nunca o
são por si mesmos.
O vestuário foi escolhido para esta análise, não pela proximidade e envolvimento
com o seu portador, mas também como poderoso classificador social, “um vasto reservatório
de significados” (Crane, 2006:22) que deixa o indivíduo pronto para ser lido” e classificado
por seus interlocutores, ao mesmo tempo em que poderá fazer parte de uma estratégia, onde se
manipula o significado para provocar uma leitura equivocada. Afinal, “processos, princípios
e categorias culturais, distância social, comunicação cotidiana e história; tudo isso é acessível
ao estudante da cultura material através da análise do vestuário” (McCracken, 2003:88).
Sahlins considera o vestuário “um verdadeiro mapa do universo cultural” (2003:178),
que opera com base numa sintaxe geral, ou seja, um conjunto de regras de declinação e
combinação das classes de forma-vestuário, que formulam categorias culturais. As várias
combinações possíveis resultarão numa produção semântica. E mais, para Sahlins, é uma
verdadeira reconciliação com o sistema totêmico. Ele argumenta que o princípio é quase o
mesmo: “uma rie de diferenças concretas entre objetos da mesma classe aos quais
correspondem distinções no sentido de alguma dimensão da ordem social como a roupa
distingue entre o operário (blue collar) e o trabalhador de escritório (white collar); a saturação
relativa ou o brilho da cor distingue o outono da primavera” (2003:180).
Diana Crane vê no vestuário uma maneira menos direta de expressar tensões. A autora
lembra que este tipo de comunicação não-verbal pode ser recusado por quem não deseja ver a
mensagem, ao mesmo tempo em que aqueles que mandam as mensagens podem muito bem
negar suas intenções, ou mesmo nem estarem inteiramente conscientes delas. Crane na
forma como as mulheres foram aos poucos incorporando itens do vestuário masculino na sua
vestidura do dia-a-dia, uma forma de resistência ao estilo de vestuário dominante” (Crane,
2006:265). Mas este processo se deu aos poucos. Se, num primeiro momento, causaram
estranheza até mesmo nas mulheres, o hábito popularizado de andar de bicicleta, uma razão
prática para a mudança, acabou acolhendo, ainda com algumas resistências, a peça
originalmente masculina (calças) no guarda-roupa feminino. Isso, para evitar o controle social
na forma de zombaria ou outras humilhações, processando num ritmo gradativo o que Crane
denominou forma de subversão simbólica.
Certa de que os símbolos o-verbais, como o vestuário, por exemplo, o menos
estáveis, Crane admite que a manipulação desses símbolos não pode prescindir de uma
linguagem verbal, porém sua força está no seu resultado, ou seja, na mudança de hábitos,
diferente dos meios verbais que resultam em decisões conscientes. Isso novamente me faz
38
38
refletir sobre o pensamento de Miller, tendo os objetos como agentes do inconsciente; e, ao
mesmo, tempo, nos leva a Bourdieu, pensando sobre a mudança de hábito no vestuário como
uma manifestação dinâmica, e o estática como sinaliza o sociólogo francês, agindo de
acordo com o capital financeiro e cultural adquiridos.
A análise semiótica de Roland Barthes nos leva ao mesmo ponto de Crane, quando o
autor francês se questiona se pode existir um sistema de objetos apto a prescindir da
linguagem verbal e um vestido que possa significar sem que as palavras o descrevam (Barthes,
2003:13). Pois a linguagem possui funções específicas que a imagem é incapaz de assumir.
Na verdade, novamente podemos relacionar esta afirmativa com as questões de Miller, afinal,
a imagem provoca percepções em diversos veis, porém a palavra é menos suscetível aos
vieses de interpretação. A imagem mexe com o inconsciente, mas a palavra opera em nível
consciente: la imagem fija uma infinidad de posibles; la palabra fija uma sola certeza”.
27
Barthes analisou revistas de moda, com fotografias e observações por escrito sobre as
peças apresentadas. Aos traços específicos das roupas, correspondem traços de caráter, ou
seja, em seu exemplo, um cardigã comprido com forro é formal, sem forro, informal; um é
próprio para saídas de final de semana, outro para as compras. Esta, segundo Barthes, é a
correspondência vestido x mundo, ou seja, a revista é um agente pedagógico que relaciona a
roupa com o seu mundo, onde ela se adaptará, lembrando sempre, que a imagem sozinha não
dará conta de processar esta correspondência. a relação vestido x moda, esta, sim, pode
prescindir de palavras, uma vez que, numa revista de moda recém-adquirida, o vestido ali
exposto, implicitamente, está na moda.
28
Da mesma forma, porém, a língua pode possuir a
função de ênfase, por exemplo, para comunicar, sob a imagem de um vestido azul, que a cor
azul, nesta primavera, estará na moda (Barthes, 2003).
Barthes reconhece que as relações com a língua não provocam uma identificação
imediata com o código de vestuário real. Isso significa que não um correspondente entre
sujeitos, verbos, complementos, ou seja, elementos da língua formal, e os elementos do
vestuário: cores, cortes, tecidos. Se somos reféns da linguagem para darmos sentido a uma
roupa, e só quando esta se apóia numa noção consagrada pela própria língua, é possível nos
libertarmos do que Barthes denomina “tirania da linguagem”. Parece que esta fórmula é a que
Crane faz referência quando menciona a subversão feminina através do vestuário, quando as
27
Barthes, 2003:31. “A imagem fixa uma infinidade de possibilidades; a palavra fixa uma só certeza”. (tradução
livre).
28
É bom lembrar que a análise de Barthes se deu entre os anos 1957 e 1963, portanto num período em que
verificamos que a moda foi mais imperativa. Nos dias atuais, mais do que serem reflexos da moda, ou de uma
moda, as imagens das roupas nas revistas se tornaram mais sugestivas do que impositivas (Lipovetsky, 1989).
39
39
mulheres começam a adicionar elementos já consagradamente entendidos como masculinos ao
seu traje.
Outro autor que faz uma análise empírica sobre o vestuário e o que ele pode comunicar
é Grant McCracken. Ele critica a metáfora “linguagem do vestuário”, argumentando que,
apesar de se constituir numa das categorias de produto mais expressivas, o vestuário é um
sistema de comunicação diferente da linguagem (McCracken, 2003). Em suas críticas inclui
autores que se referem ao vestuário de modo a aproximá-lo da linguagem. Sahlins e a
comparação que faz em Cultura e razão prática, mencionada acima, também é criticado
quanto ao uso de termos como “sintaxe”, ”semântica”, “gramática” do vestuário.
McCracken conversou com seus informantes durante cerca de 25 horas, abordando-os
com slides e demandando deles um significado para as imagens contidas na projeção –
pessoas vestidas de diversas maneiras diferentes. Sua conclusão foi que os dois princípios
lingüísticos, o da seleção e o da combinação, não encontram um paralelo na “leitura” do
vestuário. O da seleção, “ocorre quando o falante elege uma unidade lingüística de cada
classe paradigmática para preencher cada uma das ‘lacunas’ que formam a frase”
(McCracken, 2003:90). O segundo princípio, o da combinação, “ocorre quando o falante
combina as unidades selecionadas das classes paradigmáticas em uma cadeia sintagmática”
(McCracken, 2003:90).
Na sua experiência empírica, percebeu que não havia uma leitura linear, mas uma
percepção de conjunto; além disso, nas seqüências, as diferentes combinações das partes do
traje, segundo McCracken, não pareciam “desempenhar um papel importante na formulação
de um significado pelo informante(McCracken, 2003:92). As composições descritas pelos
informantes dispunham de possibilidades limitadas, ou seja, havia somente um pequeno
conjunto de adjetivos e nomes à disposição dos informantes, o que não lhes permitia a
inovação, ou seja, “o código, não tem capacidade gerativa”, “não liberdade combinatória”
(McCracken, 2003:94), diferente dos códigos lingüísticos. A análise do informante é sempre
feita com base numa convenção antiga, fixada e estabelecida pelos padrões incorporados
em seu ambiente social.
O código do vestuário, para McCracken, é considerado “fechado”, por isso ele sugere
a analogia com o bricoleur de Lévi-Strauss, uma vez que o vestuário possui significados
finitos, possibilitando a representação de categorias, princípios e processos culturais, sem
facultar a criação de novas mensagens; diferente da língua, para McCracken, um código
“aberto”, mais próximo ao pensamento científico, facultando a criação constante de novas
mensagens sobre a estrutura (McCracken, 2003:96). Crane discorda de que os digos de
40
40
vestuário sejam limitados. De um outro ponto de vista, ela reitera que, dentro do universo do
vestuário existem códigos “fechadoscomo o terno, por exemplo, que permite uma pequena
variedade de significados; ou o jeans e a camiseta, portadores de um código “aberto”, mais
amplo em sua variedade de significados. Ainda, segundo esta autora, “a rua está mais caótica
em seus códigos do vestuário”, com uma vasta diversidade de auto-expressão. Numa pequena
nota de rodapé, Crane (2006:394, nota 175) coloca suas restrições em relação à pesquisa
empírica empreendida por McCracken:
“Grant McCracken argumenta que os códigos de vestuário são
extremamente limitados naquilo que podem comunicar. Contrariamente
pode-se argüir que os códigos de vestuário são muito diversificados, e que
as interpretações dos entrevistados acerca das combinações específicas de
roupas são inibidas por sua inevitável falta de familiaridade com os
códigos usados por grupos sociais que não os seus” .
O autor francês Patrice Bollon expôs um interessante ponto de vista em relação à
expressão contida nas aparências. Com base no texto A gaia ciência de Nietzche, o autor
argumenta que a aparência é uma coisa ria, “superficial por profundidade”, onde acabamos
por assumir a personagem que criamos através do estilo. Em seus exemplos, percebe-se uma
dinâmica dialógica entre grupos e sociedade como um todo.
Sobre o exemplo dos muscadins, é possível encontrar similaridade com a percepção de
Crane em relação à moda feminina, ou uma subversão silenciosa, demonstrada com pequenos
elementos na ordem do vestuário, porém uma estratégia (consciente ou não) bastante eficaz
para efetuar uma mudança social de maior profundidade.
Numa época de transição política na França pós-Revolução, um grupo manifestava o
seu descontentamento buscando nas referências anteriores uma aparência que desafiava
silenciosamente o sistema vigente. Era a ressurreição” dos muscadins, que se voltavam
contra as ideologias mostradas pelos sans-culottes. “(...) sendo mais jovens do que seus
inimigos sans-culottes, paradoxalmente não haviam conhecido o fausto daquele Antigo
Regime que pareciam se esforçar em querer recriar suas vestimentas” (tendo entre 20 e 25
anos em 1794, época enfocada por Bollon; e o marco da Revolução Francesa em 1789
tomada da Bastilha). “Nunca a elegância dos muscadins (...) estivera o requintada. Seus
trajes tinham melhor corte do que antes, apesar de ser muito chique usá-los descuidadamente
amassados. (...) mas isso se tornara um estilo” (Bollon, 1993). Para o autor, este grupo, os
muscadins, teve forte influência no desenrolar dos acontecimentos políticos de sua época,
41
41
ainda que não houvesse um movimento formalizado com este objetivo. Bollon sinaliza para o
seu papel no restabelecimento do equilíbrio social pós-revolução. “A Revolução fora um
sonho que se transformara em pesadelo com o Terror”, e os muscadins, “como quem não quer
nada”, mostraram a Revolução através de um novo ângulo, o que, para Bollon, foi “a maneira
mais segura de destruí-la”. A aparência foi a sua ação silenciosa. Eles aspiravam uma vida
de superfície, sem peso, nem gravidade, inconsciente de si mesma e de suas metas: saltitante,
como era seu curioso andar”. Não era exatamente a monarquia o que queriam de volta, “mas
uma vida cotidiana, uma arte de viver”. O que eles queriam era a volta da Paris mítica e
altamente imaginária, como magicamente livre de todas as sombras surgidas com as luzes,
Paris da aparência como finalidade em si e quase moral e do estilo como modo de vida, se
não o objetivo máximo da existência”.
Bollon defende a estreita imbricação entre estilo e essência nas sociedades, mas admite
que o vestuário sozinho o encontra este valor, é preciso adotar o espírito. Segundo ele,
fazer parte de uma moda é menos material, e mais uma questão de atitude, como o dandismo,
em seu empreendimento sustentado pela moral. Mas os movimentos da moda são paradoxais,
suas manifestações exteriores podem ser normativas, e o que pretendem passar pode ser fluido
e passível de várias interpretações, inclusive, contraditórias.
No que se refere à moda e sua relação com a cultura, Bollon defende que introduzem
novas doxas (crenças, opiniões) e que causam uma reorganização de nossas percepções e com
isso, de nossas atitudes. Elas renovam a visão que temos do mundo e desbloqueiam algumas
das contradições insuportáveis, quebrando, muitas vezes, os sensos estéticos e morais
adquiridos. Mas, para Bollon, as modas não têm a mesma ambição que as culturas. o sub-
culturas. Elas trabalham as aparências, o resto decorre mais ou menos acessoriamente, mas,
nunca, necessariamente.
Interpretar uma moda, segundo este autor, é quase sempre impossível, pois as posições
não são fixas, revelando um amplo quadro de referência para qualquer movimentação dentro
desses limites. Os estilos, diz Bollon, “assimilam o real de uma maneira diferente e
complementar da linguagem” (Bollon, 1993). No campo da linguagem, o que a moda
comunica está, num primeiro momento, no inconsciente. O que se fala da moda,
posteriormente é que sugerirá o discurso nela contido. A jaqueta preta de couro sozinha não
poderia indicar qualquer sinal de rebeldia, se o viesse acompanhada de um discurso
contextual, mais tarde interpretado pela mídia e reverberado como tal.
42
42
Com isso, Bollon parece concordar com Davis,
29
passando uma idéia de interpretação
contextual da moda, passível de muitas interpretações, porém imbricada num universo
cultural, parte de um sistema de significados, em muitos casos, “traduzida” para o que
McCracken chama de “mundo culturalmente constituído” pelos “agentes de transferência”.
Bollon, no entanto, se atém a movimentos isolados e que abarcaram junto com a moda
uma gama de comportamentos, compreendidos através do distanciamento, com a visão da
totalidade da dinâmica social do momento. Foi assim com o Romantismo, com o movimento
punk, com os muscadins, quando moda, música e visão de mundo se encontraram. Bollon, no
entanto, atenta que não são movimentos que delimitam regras e o perfil dos seus atores, pois
as modas nunca dizem o que permitem, mas o que proíbem.
Davis, bem como McCracken, põe na berlinda os autores que defendem uma
gramática do vestuário, mas, como Bollon, admite que o significado do modo de vestir pode
ser dividido com um pequeno grupo ou comunidade familiarizada com códigos específicos.
Esses códigos podem conter relações associativas, conforme exposto na análise de Sahlins
(curvilíneo, feminino; reto, masculino etc.), mas não uma regra que governe o
“discurso” do vestuário, conforme na linguagem articulada. Na melhor das hipóteses, a
correspondência entre linguagem e vestuário é somente metafórica, e, ainda assim, Davis cita
McCracken, uma metáfora errônea. Em outra crítica, Davis cita Schier (1983) para assinalar
que, se para Barthes é possível “dizer” alguma coisa através do vestuário, será possível
fazermos qualquer interpretação acerca de qualquer das nossas escolhas. Davis alerta para as
ambigüidades. Ou seja, este autor não só compartilha do mesmo ponto de vista de McCracken,
como também é duro nas críticas a Sahlins e Barthes, usando até de ironia para representar o
que para ele seria a linguagem do vestuário, como se as roupas pudessem fazer qualquer
declaração sobre a pessoa.
30
Goffman (1985) a entender que o uso calculado de determinado traje pressupõe a
utilização de códigos estabelecidos para compor uma imagem, cujo compromisso será o de
“convencer a sua platéia”. Ele atenta para os diversos papéis que assumimos e a importância
de criarmos condição para que aparência e maneira estejam de acordo, ou a estratégia poderá
fracassar, a menos que a intenção seja exatamente a de provocar uma imagem dissonante. Os
significados, de acordo com o pensamento de Bollon (1993), são atrelados ao traje quando
29
Davis,1994.
30
No livro Fashion, culture and identity (1994:7), Davis usa o desenho de uma mulher, onde ironiza que suas
roupas possam “falar”, colocando ao lado de cada peça do vestuário o que elas diriam, como, por exemplo, o
chapéu que quer dizer “My favorite food is tuna. I could eat it five times a day” (Minha comida favorita é atum.
Eu poderia comer isso cinco vezes ao dia).
43
43
ocorrem uma série de negociações. A primeira delas, uma atitude de grupo que caracterize
uma “panóplia”, em segundo lugar a leitura da “platéiacomo agentes de transferência faa
“tradução” ou relação entre a roupa e o que ela passará a representar. Por fim, a moda se
apropria desse conjunto e o coloca nas passarelas, propagando para a sociedade um novo
figurino e o que ele representa em termos de atitude.
Então, vejamos, o vestuário está envolvido num esquema de comunicação, que,
embora não preceda de regras fixas de sintaxe, pode requerer a linguagem articulada para
fazer a relação entre significante (roupa) e significado (mensagem). Esse esquema, porém,
recebeinterpretações diversas em função do tempo, dos grupos expostos a ele, da ocasião, e
até do protagonista, ou seja, aquele que porta determinada roupa. E, ao mesmo tempo, pode
ser dissonante, caso o código não esteja de acordo com as expectativas. Desse modo são
gerados os significados que começam a fazer parte de uma complexa rede de classificações à
disposição das pessoas e legitimada pelos agentes de transferência. Na medida em que os
acordos sobre o uso de determinados códigos são tacitamente estabelecidos, os participantes
de dada sociedade, a brasileira, por exemplo, poderão escolher entre as roupas que classificam
determinados papéis ou estados de espírito, como numa associação totêmica.
Para ilustrar a manipulação do vestuário como expressão, vou usar como exemplo a
militante de esquerda nos Anos de Chumbo, Iara Iavelberg. Em sua biografia, a jornalista
Judith Patarra
31
a descreve como uma mulher moderna, inteligente, sensível, com opiniões
firmes e jeito suave. Iara destoava das outras mulheres que militavam politicamente, ela
mantinha um jeito especial de se vestir, diferente do modo impessoal, quase militar, de suas
colegas revolucionárias. Para ela, ter consciência política e enfrentar os cassetetes dos
militares não necessariamente exigia um modo masculinizado de vestir-se. Numa discussão
sobre as finanças da organização na qual participava (Polop),
32
teve o descuido de revelar:
“torrei meu pagamento”. A reposta das colegas foi imediata: “como é que você compra o
superficial se precisamos tanto de dinheiro? (...) Roupa é acessório burguês”. Mas Iara
argumenta: “num trabalho ilegal, dar na vista seria cana certa. Burrice as militantes andarem
molambentas, os companheiros que ouvissem a voz do povo – o hábito faz o monge” (Patarra,
1992:129). Para os colegas militantes, Iara tinha uma aparência que não condizia com o papel
que queria exercer. Ela escolheu códigos que a classificavam em outro grupo que não o de
31
Patarra, 1992.
32
Polop ou P.O., sigla de um dos grupos radicais de estudantes universitários: Organização Revolucionária Marxista
Política Operária.
44
44
militante de esquerda, mas de alguém integrado ao sistema vigente, dificultando a sua
aceitação no grupo de militantes.
45
45
3. VESTUÁRIO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE USO
Se é senso comum que o homem decidiu se vestir para aplacar o frio e proteger o seu
corpo de adversidades do ambiente, posteriormente os trajes se revelaram objetos de grande
representatividade nas dinâmicas sociais, além de se constituírem numa das formas mais
visíveis de consumo” (Crane, 2006: 21). O vestuário sempre proporcionou uma ordem visual
de classificação, revelando a identidade das pessoas, e hoje tornou-se um importante campo de
experimentação entre as muitas possibilidades oferecidas na modernidade.
O caráter utilitário das roupas não deve ser desprezado, em detrimento de uma
abordagem cultural. É importante termos em mente que:
“Os geólogos nos conscientizaram de uma sucessão de eras glaciais, nas
quais o clima de grande parte da Europa tornou-se extremamente frio.
Mesmo nas últimas culturas paleolíticas (...) vivia-se junto às grandes
geleiras que cobriam a maior parte do continente. Em tais circunstâncias,
apesar de os detalhes das roupas poderem ter sido determinados por
implicações sociais e psicológicas, o motivo principal para se cobrir o
corpo e afastar o frio, uma vez que a natureza fora tão avara com a
proteção natural do Homo sapiens”.
33
Porém, nem com o corolário pragmático, usado como proteção e abrigo, mas com
indícios muito fortes da capital influência do corolário cultural na estética do vestuário:
“As grandes civilizações antigas surgiram nos vales férteis do Eufrates, do
Nilo e do Indo, ou seja, em regiões tropicais onde a proteção contra o frio
não pode ter sido o principal motivo para se usar roupas. Muitos desses
motivos foram relatados, abrangendo desde a idéia ingênua, baseada no
relato do Gênesis, de que o uso de roupas deveu-se ao pudor, até a noção
33
Laver, 2006:8.
46
46
sofisticada de que eram usadas por motivos de exibição e mágica
protetora”.
34
Malinowski foi duramente criticado por seu trabalho Uma teoria científica da cultura.
O livro, publicado em 1944 postumamente, causou alguns desconfortos na comunidade
antropológica. Sob a ótica funcionalista, o pensador postula uma teoria que se desenvolve
levando em conta o determinismo geográfico, qual seja, que, se o homem tem necessidades
universais, para cada uma delas especificamente haverá uma resposta cultural elaborada de
maneira diferente, de acordo com as possibilidades disponíveis na natureza (Malinowski,
1975; Mercier, 1974).
Aos olhos de Veblen, que publicou o clássico A teoria da classe ociosa em 1899,
35
não
um movimento ordenado, hierárquico, de imposição das necessidades, mas um embate
entre o que podemos chamar de carências fisiológicas e o desejo de mostrar poder pecuniário
através do uso dos bens. Pode-se dizer, grosseiramente, que, para esse autor, a fome nem
sempre está na base das necessidades, antes dela, ou concomitantemente, o indivíduo atenderá
a outros anseios, mais relacionados com a sua dinâmica social. Para Veblen:
“Não classe nem país que o abjetamente cedesse à pressão da
necessidade sica ao ponto de se recusar todas as satisfações desta
necessidade mais alta ou espiritual” .
36
A partir deste argumento, Veblen segue sustentando a sua teoria da classe ociosa, onde
defende que as motivações que movimentam o consumo conspícuo são a inveja e emulação
por aqueles que detêm o “poder pecuniário”, referindo-se a uma permanente luta de classes
onde, de modo a fugir de uma perseguição”, as classes mais abastadas deveriam buscar
maneiras de diferenciação permanentemente através do consumo.
Veblen destaca o dispêndio com o vestuário por achar que este seja o exemplo mais
adequado para a sua teoria, pois “o nosso traje está sempre em evidência e proporciona logo à
primeira vista uma indicação da nossa situação pecuniária a todos quantos nos observam”.
37
Para Veblen, o vestuário é considerado uma “necessidade espiritual”, uma vez que,
argumenta, ainda que em clima “ríspido”, pessoas se vestem impropriamente para manter a
elegância. Veblen dedica um capítulo inteiro da sua obra (A teoria da classe ociosa) ao
34
Laver, 2006:7
35
Portanto, ainda antes de Maslow ou Malinowsky.
36
Veblen, 1980:56
37
Ibid., p.98
47
47
vestuário como expressão da cultura pecuniária. Nele, o autor é taxativo: “(...) o barato é
indigno”,
38
afinal, conclui, “um artigo não dispendioso é considerado inferior”. O artigo
espúrio é execrado, e, para Veblen, chega a ser ofensivo. O autor também condena vestiduras
desgastadas (pois estas revelam que quem as usa efetua trabalho manual). A roupa elegante
deve ser imaculada e sugerir o ócio. Além de dispendiosa e incômoda, prossegue o autor,
deve estar na moda.
Veblen reconhece a moda como um motivador para o dispêndio com o vestuário”,
mas ela é privilégio das elites. Além de manter a sua posição de que a força pecuniária inspira
a inveja e a gana de copiar os padrões da chamada classe ociosa”, o autor sustenta a teoria,
mais tarde retomada por Bourdieu, de que esta classe (que detém o poder pecuniário) é a que
forma o padrão de gosto que será imitado pelas demais camadas sociais. A nova moda,
segundo o autor, surge de um ou outro detalhe modificado para “simular uma utilidade
ostensiva”. Com a banalização, aquele detalhe que se propunha de utilidade se torna tão fútil
quanto qualquer outro que compunha o traje antecessor, fazendo com que novas utilidades”
sejam incorporadas a uma nova moda. Em suma, para Veblen, o objetivo do consumo não é
senão a ostentação, a busca por sinais de status, e a emulação das classes inferiores nos leva a
uma luta de classes perene no campo do consumo.
Lipovestsky até admite a influência que as rivalidades de classe tiveram no
desenvolvimento da moda, mas argumenta que apenas sustentaram e garantiram sua
variabilidade: “no mais das vezes, as novidades andam muito mais depressa que a
vulgarização; não esperam para surgir, que um pretenso ‘ser alcançado’ se tenha produzido,
antecipam-no”.
39
Este autor lembra que a moda permaneceu por muito tempo associada ao
luxo e prestígio, portanto, presente apenas na aristocracia. Somente nos séculos XVI e XVII a
moda se espraiou pela classe média e burguesia urbanas. Nas áreas rurais, lembra Lipovestky,
o vestuário permanecia como um bem para poucos (Lipovetsky, 1989), sendo mínima a
influência da moda.
Tanto a perspectiva apresentada por Veblen, quanto o pensamento de Simmel sobre o
movimento trickle-down
40
são contestados por Lipovestky. Por esta dinâmica de consumo
entende-se a imitação num movimento descendente, partindo da nobreza para as classes
menos abastadas, garantindo o refúgio da primeira nas novidades da moda, que, por sua vez,
38
Veblen, 1980:99.
39
Lipovetsky, 1989:53, grifo do autor.
40
A palavra, em inglês, significa: “gotejar”, “pingar”. Daí a intenção de comparar este movimento ao movimento de
imitação, só que do ponto de vista de quem lança a moda. Ex.: a nobreza cria uma moda que logo é adotada pela
burguesia. Para manter-se diferenciada das classes mais baixas, a nobreza cria uma nova moda, “escapandoda estética
semelhante àquela que fora imitada pela burguesia.
48
48
serão logo emuladas pelas classes inferiores, e assim por diante. Lipovetsky afirma que o
mimetismo burguês da aristocracia não ocorreu cegamente como propõe a teoria de Simmel,
mas deu-se de forma controlada, pois nem sempre as inovações da aristocracia agradaram aos
burgueses. Traços mais exóticos e fantasiosos mereceram a reprovação da burguesia. Esta
classe preferia vestir-se de forma “moderada”, recusava as extravagâncias dos cortesãos.
Assim, conclui Lipovestsky, pode-se dizer que a moda não obedeceu a uma resposta
sociológica das classes mais abastadas pela diferenciação, mas partiu da iniciativa estética. O
autor a admite a moda como uma das formas do consumo conspícuo, mas o
necessariamente dentro de um cenário de luta de classes. A moda é o resultado de uma nova
relação de si com os outros. No fim da Idade Média houve uma conscientização inédita da
identidade subjetiva, quando as pessoas se viram tomadas de uma vontade de expressão da
singularidade, da exaltação da individualidade. Mas, segundo o autor, a confusão sobre o
efeito trickle-down se estabeleceu porque as classes mais altas tinham acessos mais fáceis às
novidades tecnológicas, o que lhes proporcionava uma posição de ponta na esfera do uso e
experimentação de novos produtos.
41
Assim, conclui, “se hoje os nones de moda e beleza
se vestem como qualquer um, não espaço para uma dinâmica da imitação no jogo de
classes. O que se imita pode estar ao lado, e não, acima”.
42
Diana Crane é outra autora que argumenta contra a possibilidade da dinâmica trickle-
down na esfera do vestuário. Para a autora, “os observadores da classe dia no século XIX
tendiam a generalizar as experiências de seus próprios rculos sociais e exagerar o grau em
que novos estilos eram largamente adotados pela classe operária”.
43
Não há, segundo a
autora, nenhuma evidência de que a classe operária, por exemplo, pudesse copiar os amplos
guarda-roupas da classe média em “alguma medida além da superficial”. Para Crane, Simmel
não contemplou uma série de possibilidades: as mulheres casadas da classe média que o
dispunham de recursos para seguir a moda das mulheres da classe alta; mulheres trabalhadoras
solteiras de classe média que desempenhavam papéis que contradiziam o papel ideal de
gênero, pois trabalhavam e tinham alguma independência financeira. Crane questiona como
esses diversos perfis femininos poderiam lidar com a dinâmica do trickle-down .
44
Grant McCracken (2003) faz uma tentativa de reabilitar a teoria do trickle-down.
que abandonou o eixo das classes sociais em detrimento de uma possibilidade entre gêneros.
Enquanto Crane e Lipovestky analisam o trickle-down como uma relação de escapismo, de
41
Lipovetsky, 1989.
42
Ibid.
43
Crane, 2006.
44
Ibid.
49
49
fuga das classes mais altas para alcançar o novo e fugir da visão igualitária em relação às
classes menos abastadas, McCracken a como um esforço para escapar ao antigo”. Ele
relaciona alguns pontos positivos, quais sejam: que através dela é possível inserir a difusão da
moda em um contexto social, encarar o comportamento de diferentes grupos sociais em
relação à moda como expressão de uma mesma lógica subjacente e fornecer ao observador da
moda os indícios prévios de uma mudança iminente .
45
McCracken pondera que a teoria, que
pressupõe um movimento para baixo, como um efeito gravitacional, pode ser considerada um
erro de metáfora: o movimento é ascendente e não, descendente.
Outro ponto assinalado por McCracken sobre a teoria de Simmel é o fato de que as
camadas dias, dentro de uma dinâmica de imitação, estariam numa posição ambígua, tanto
de fuga para a distinção das classes mais baixas, quanto de imitação das classes superiores.
McCracken, em sua tentativa de resgate do trickle-down, concentra-se na vantagem de que ela
é habilitada a fornecer ao observador de moda os indícios prévios de uma mudança iminente.
Ele toma como exemplo o vestuário feminino nas organizações. As mulheres assumiram um
“padrão masculino” para se vestir, na expectativa de, com isso, passar uma imagem de
autoridade e seriedade, angariando o respeito organizacional já consolidado pelos homens.
Seria uma maneira de “escapar da praga do caráter simbólico do seu atual estilo de vestir”,
46
imitando a imagem produzida pelo homem através dos cortes retos, cores sóbrias, tecidos mais
pesados. A imitação, neste caso, a serviço da apropriação feminina dos emblemas masculinos
de poder e autoridade. Os homens, por sua vez, foram contemplados com reportagens de
moda em revistas masculinas, elaborando um novo padrão de vestir para os executivos, com
trajes mais luxuosos e diferenciados, remetendo-lhes a uma nova forma de poder. A
previsibilidade da “teoria trickle-down reabilitada” residiria exatamente num movimento de
busca por novidades no ambiente organizacional empreendido pelos homens, o que nos
entregaria pistas sobre como estes passariam a se vestir.
McCracken conclui que a nova forma masculina de se vestir poderia ter sido prevista a
partir do momento em que as mulheres começaram a se apropriar de um simbolismo visual
relacionado à autoridade, pois, segundo o autor, era de se esperar que a moda masculina
evoluísse no sentido de buscar uma nova diferenciação. Para ele, “este poder de previsão é
um aperfeiçoamento da teoria de Simmel”, pois sozinha a teoria do trickle-down poderia
45
McCracken, 2003.
46
Ibid.,131.
50
50
apenas “prever o fato, mas não o caráter da mudança. Complementada por uma teoria do
simbolismo do vestuário, ela se torna mais acurada”.
47
Sobre a possibilidade aventada por McCracken, cabe uma pequena digressão, numa
tentativa de averiguar se, de fato, a imitação do vestuário, antes uma luta travada numa
dinâmica de classes sociais, comporta uma transposição para a disputa entre gêneros.
A observação de McCracken pode ser confrontada com alguns trabalhos recentes,
inclusive o da jornalista canadense Nancy MacDonell Smith (2004) sobre os clássicos da
moda. O terninho é um deles. Diz Smith que “na linguagem da moda, o terninho é sinônimo
de poder. Ele é o uniforme da autoridade”.
48
Além do poder, para a autora, o terninho
confere uma sutil sensualidade, encarnada em ícones do jet set internacional como Marlene
Dietrich, Bianca Jagger e Madonna. Os terninhos a que Smith se refere como exemplos, não
são exibidos no campo da labuta, mas, primordialmente, no do lazer, como uma alusão ao
poder da mulher na esfera da sedução nos dias atuais (Crane, 2006). Há, portanto, uma
inversão dos códigos. Se roupa de trabalho deve ser decorosa, distanciando-se da
sensualidade, as mulheres podem muito bem subverter esta ordem, usando o mesmo artifício
para mostrar poder de sedução, apenas com a inclusão ou exclusão de um ou mais itens no
traje.
O terno masculino, com toda a sua sobriedade de cores, cortes e tecidos, pôs fim à
profusão de cores e estilos que ainda faziam parte do guarda-roupa dos homens. Smith conta
que o que deu início a esta estética foi a postura crítica dos cavalheiros rurais da Inglaterra em
meados do século XVIII, em relação à conduta católica e “afetações” continentais.
Por volta de 1860 a moda feminina começou a fazer incursões pelo guarda-roupa
masculino, começando com o corte, porém ainda com a utilização da saia como peça
principal. Eram as roupas sob medida, preferidas entre as mulheres que começavam a rotina
de trabalho remunerado, distanciando-se do padrão da mulher, que, confinada à casa, portava
trajes de menor praticidade (Crane, 2006). O controle social sobre esta mulher, ainda nesta
ocasião, e, podemos dizer, até bem pouco tempo, a expunha ao dilema de optar por uma
aparência excessivamente masculina e austera, levando os olhares mais conservadores a
interpretá-la como uma masculinização da mulher; ou por uma imagem provocante, ou a
mesmo de fragilidade que as roupas femininas inevitavelmente a reputava. As ombreiras,
lançadas no final da cada de 1970 por Mugler e Montana
49
viraram uma febre entre as
47
McCracken, 2003:133.
48
Smith, 2004:40.
49
Lipovetsky, 1989.
51
51
executivas das cadas de 1980 e 90. Na verdade, ao que parece, esse esforço de transmitir a
autoridade feminina perpassou diversas modas, ainda que a moda em si, encarada como
futilidade, represente um paradoxo para quem deseja expressar firmeza e autoridade na esfera
do trabalho. Para Smith, o terninho suplantou o tailleur como roupa de trabalho feminina,
porque, com saias mais curtas e ombreiras, segundo a autora, a mensagem passada era
confusa: a sensualidade da saia anulava a imagem de força e autoridade das ombreiras
exageradas. Assim, venceu o terninho, cuja imagem de autoridade foi feminilizada com
tecidos mais delicados e cores variadas, ou, para citar Sahlins, um modelo criado
originalmente para ser masculino, porém com um conjunto paratáxico de proposições em
relação à idade, atividade, classe, tempo, lugar e outras dimensões de ordem cultural”
(Sahlins, 2003:191).
Com relação aos homens, o que se seguiu, na verdade, foi o abrandamento da
formalidade masculina, antes materializada na imagem do terno de cortes retos e cores
sóbrias, com mecanismos como o casual day,
50
gravatas mais coloridas e uma tendência mais
esportiva (Crane, 2006) em algumas organizações. Já no período de s-guerra, a moda
tentou formalizar ainda mais os trajes masculinos, porém, sem sucesso, afinal os homens
estavam fartos da formalidade militar e começaram a buscar modelos mais descontraídos para
o trabalho (Laver, 2006).
Em visita aos armários das mulheres de classe média, pude observar a presença
garantida de terninhos para aquelas que trabalhavam em escritórios, ou com alguma atividade
que exigisse negociação externa (vendas, por exemplo). As ombreiras, no entanto, sumiram,
e as cores dos terninhos, não necessariamente revelam sobriedade, variando dos tons pastéis,
ao estampado, confeccionados em tecidos macios e acetinados ou ainda o crepe. Tons como
berinjela, azul-marinho e outras cores mais escuras também foram encontrados, atestando uma
variedade que é inconcebível para suas versões masculinas. O que pude apurar, no que se
refere à apropriação feminina de trajes estabelecidos como masculinos, foi um processo mais
longo do que McCracken nos a entender,
51
não com implicações de âmbito culturais,
mas de ordem prática.
52
A apropriação feminina do terno o levou também à condição de traje
50
Algumas empresas (mesmo as mais formais das áreas financeiras e de advocacia) ofereceram aos homens a
possibilidade de se vestirem de maneira mais esportiva às sextas-feiras. Este dia da semana ficou conhecido entre
os executivos como o casual day.
51
Crane também defende que as mulheres buscaram no vestuário caracterizado como masculino uma forma
silenciosa de protesto e reivindicação. Falarei sobre isso mais adiante, quando enfocar o vestuário como
linguagem e comunicação.
52
É bom mencionar que a mudança no estilo de vida da mulher foi o vetor de mudança da roupa justa e
desconfortável para a praticidade. A calça comprida feminina, por exemplo, criada por mrs. Amelia Bloomer nos
Estados Unidos, foi apresentada na Inglaterra ainda por volta de 1850, mas foi um fracasso total, criticada pela
52
52
sensual, postura avessa ao comportamento esperado dentro das organizações. Por outro lado,
a moda de ostentação para o homem não vingou, sendo necessário um artifício legítimo (como
o casual day) para que ousassem” no traje de trabalho, podendo optar por uma roupa mais
esportiva e colorida. Setores mais formais da economia, como a área financeira, o direito e a
administração, seguem o padrão de vestuário masculino já estabelecido. Percebe-se, no
entanto, na esfera do lazer, uma aproximação maior com o padrão feminino (cores, cortes
mais descontraídos) graças à popularização dos padrões esportivos de vestir (Crane, 2006).
Bourdieu, já mencionado no capítulo anterior, tende a corroborar com os argumentos
de quem defende uma corrida social” em prol da distinção (Barbosa, 2004). Em seu artigo
Gosto de classe e estilo de vida, discorre sobre estilo de vida como marca de classes sociais
fortemente caracterizadas pelas preferências estéticas, e essas preferências são forjadas no
habitus. No mesmo artigo, o autor reforça que para manter uma posição hierarquicamente
superior, a classe mais abastada entraria num jogo cuja regra seria a incessante busca por
elementos que a distinguissem das demais classes sociais, quando estas tivessem acesso aos
bens inicialmente destinados ao topo da pirâmide social. Um jogo complexo, no qual é
possível perceber, empiricamente, um movimento de disseminação do gosto, não vertical,
de cima para baixo, como propõe Bourdieu, mas também de baixo para cima, ou mesmo,
horizontal, como argumenta Lipovetsky.
Na modernidade, não é difícil observarmos estilos de vida que se misturam,
dificultando o reconhecimento imediato da classe social a qual pertencem os indivíduos. No
caso francês, Wilhelm tem uma explicação para a corrida e distinção sociais: “deve-se
confessar que o desprezo com que cada classe oprime a classe imediatamente inferior estimula
em todos o desejo de ascender a uma escala superior e assim desfilar também todo o seu
desprezo” (Wilhelm, 1977:42). Isso, entre os séculos XVII e XVIII, exatamente à época do
Rei Sol.
Campbell (2001) lança um novo olhar sobre o que impulsiona o consumo, e a
aplicação de sua teoria ao vestuário parece encaixar-se perfeitamente. Para Campbell, a
necessidade se relaciona com a satisfação, que deverá gerar apenas uma sensação de bem-
estar. O que se relaciona com o desejo é o prazer. A satisfação, para o autor se relaciona
com um estado do ser e sua perturbação, seguido pelo ato de restabelecer o equilíbrio
sociedade de então. Cinqüenta anos depois, finalmente, a moda da calça bloomer “pegou” em território britânico,
por conta da popularização da prática do ciclismo entre as mulheres. Nos Estados Unidos, a moda foi menos
inflexível. Apesar de muito criticada, as calças em estilo bloomer começaram a ganhar espaço ainda na década de
1860 (Laver, 2006; Crane, 2006).
53
53
original”. o prazer “é uma palavra usada para identificar nossa reação favorável a certos
padrões de sensação”.
53
Este autor, em seu trabalho A ética romântica e o espírito do consumismo moderno
54
apresenta duas teorias, uma delas relacionada ao surgimento da sociedade de consumo,
ancorada principalmente no Romantismo como elemento catalisador do desejo pela posse dos
bens; e a outra diz respeito ao consumo propriamente dito. O autor discute os mecanismos
que motivam o indivíduo a consumir incansavelmente e que geram a insaciabilidade.
Veblen, já discutido acima, é tomado por Campbell como um importante divisor de
águas nos estudo do consumo, porém, ainda que reconheça o avanço desse autor em relação
ao puro materialismo da tradição utilitária, Campbell não o poupa de críticas. O caráter
simplista sobre os significados dos bens, na visão de Veblen, segundo o antropólogo britânico,
não nos leva para além do interesse condicionado ao desejo de demonstrar status social, e usá-
los apenas como indicadores de força pecuniária para estabelecer um traço de poder em
relação a seus pares. Para Campbell, Veblen deixa em aberto um vasto campo que abrange a
complexidade dos significados simbólicos. Um dos argumentos de Campbell se baseia no
trabalho empírico dos pesquisadores Laumannn e House, para quem os novos-ricos, em sua
sede de consolidar uma posição social, não se miram nas camadas mais altas socialmente
estabelecidas para formar o seu gosto ou fazer as suas opções de consumo. Eles consultam
profissionais especializados que os ajudarão nas suas escolhas.
“Além de apoiar a sugestão de que o sistema de status das sociedades
modernas é mais complexo do que pretendia Veblen, essa pesquisa sugere
que as dimensões sociais do status e do gosto não coincidem
necessariamente, e que não se pode simplesmente subordinar um ao
outro”.
55
As classes mais altas estabelecidas, por sua vez, cada vez mais, ainda no final do
século XIX, se desinteressam do vestuário de caráter portentoso para exprimir distinção,
deixando-o “à plebe” (Souza, 1987). A liderança da moda passa então “aos arrivistas e,
principalmente, às cocottes e às atrizes”.
56
Campbell postula uma lógica de consumo baseada principalmente na manutenção dos
desejos. No campo das sensações, ele destaca que, embora os sentidos da visão e da audição
53
Campbell, 2001:90.
54
Ibid.
55
Ibid., p.83.
56
Souza, 1987:133.
54
54
possuam um refinamento muito maior do que o paladar, o olfato e o tato, aqueles sentidos não
estão sujeitos ao mesmo grau de incitamento que os últimos. A esse prazer desencadeado
pelos órgãos do sentido, Campbell dá o nome de hedonismo tradicional. Já o que ele
denomina
hedonismo moderno ocorre quando há o deslocamento da valorização das sensações
para as emoções. Unindo imagens mentais a estímulos físicos, o hedonismo moderno permite
o controle do indivíduo sobre esses estímulos, coisa que não ocorre com as sensações. São os
devaneios que trazem ao indivíduo possibilidades ainda não alcançadas. Essas possibilidades
se diferenciam da fantasia, pelo simples fato de que são “alcançáveis” em algum nível. Por
isso, então, um desejo realizado lugar a outro. O descarte, o forte quanto o grau de
consumo na nossa sociedade, é o que ocorre quando aquela mercadoria não serve mais, ou por
imposição da moda, ou pela banalização do que ela representa nos devaneios do consumidor.
A fala de uma informante me parece bastante adequada para exemplificar este ponto. Sobre
suas roupas preferidas, ela respondeu:
“Geralmente são as que eu comprei recentemente. São as que eu mais
gosto porque as outras por mais que sejam, de repente, bonitas... o olhar da
gente muda a roupa, né. (...) essa roupa tem um tempo, ela pode ser
linda, mas para mim ela já está parecendo velha. Então geralmente as
peças que eu gosto são as mais novas...” (entrevistada, 31 anos, moradora
de Ipanema).
A teoria de Campbell é bastante profícua para uma explicação sobre os motores do
consumo do vestuário. Lipovestky, ainda que não tenha chegado ao ponto - pois o avança
sobre os motivos que levam a sociedade ocidental moderna a render-se às novidades da moda
- lembra que o gosto pelas novidades se intensificou na Idade Média. Assim, o autor francês,
que não concorda que as lutas de classe e a predisposição para a emulação das classes mais
altas tenham de fato impulsionado a moda, afirma que o que sustentou essa mudança foi a
exaltação do novo pelas sociedades modernas (o que ele chama de Império do Efêmero”),
diferente das sociedades mais simples que dignificam a tradição (Lipovetsky, 1989). Souza
chega a banalizar esta informação: “todos os sociólogos concordam em que a moda se
encontra em oposição aos costumes”.
57
Este gosto pela novidade” é desenvolvido por
Campbell, que encontra sua explicação na teoria do hedonismo moderno. A literatura, em
57
Souza, 1987:20. Souza ainda cita, no mesmo parágrafo, Gabriel Tarde, repassando-lhe os créditos por esta
observação. “Em LES LOIS DE L’IMITATION, Tarde distingue ambos, dizendo que os costumes cultuam o
passado, ligando-se assim à tradição, e a moda cultua o presente, adotando sempre a novidade”.
55
55
especial o romance, segundo Campbell, foi um importante catalisador desta predisposição ao
devaneio, da “criação e direção” do seu próprio filme, e busca incessante pela realização que
nunca se completa. Campbell se utiliza do livro The new dress de Virgínia Woolf para
exemplificar o processo. Trata-se de uma moça que, ao receber o vestido novo, vindo da sua
costureira, experimenta-o e maravilha-se com o que no espelho. Imaginou-se
singularmente bela na festa em que estrearia a peça nova. na estréia, porém, o vestido
revelou-se insatisfatório para tornar realidade a sua expectativa. A mecânica é exatamente
esta: devaneio, materialização, encontro com a realidade, decepção, novo devaneio, nova
materialização. Não estou certa se “decepção” é o melhor termo, mas conforme justifica
minha informante, “o olhar muda”.
3.1. A INDÚSTRIA DO VESTUÁRIO: DO LUXO À DEMOCRATIZAÇÃO
DA MODA; DA MODA À ESCOLHA INDIVIDUAL
Lipovetsky divide a história do vestuário em quatro etapas, três delas governadas pela
moda. A primeira, antes do surgimento da moda como conhecemos hoje. Este período vai até
a metade do culo XIV. A segunda fase começa de meados do século XIV até metade do
século XIX, quando havia uma moda para poucos. A terceira fase, que ele chama de “Moda
dos 100 anos”, vai da segunda metade do culo XIX a a década de 1960 (Lipovetsky,
1989). Este período abarca a industrialização e conseqüente democratização da moda, e esta
vigora em seu período mais impositivo. O indivíduo que estivesse fora da moda” estava o
sujeito aos mecanismos de controle social (zombaria, desaprovação, desprestígio), quanto
aquele que, no passado, ousasse vestir-se como um fidalgo, sendo um reles plebeu (neste caso,
havia um mecanismo oficial de controle: as leis suntuárias).
O período que veio em seguida foi marcado por novas relações sociais, influenciadas
pelos ares da modernidade. A moda deixou de evoluir numa perspectiva diacrônica e tornou-
se sincrônica. Seguirei então com a trajetória do vestuário, falando de sua condição como
objeto de luxo, sua democratização, e em seguida, dos aspectos modernos das “modasque
coexistem no século XXI.
56
56
3.1.1. A roupa é um luxo
Não é nenhuma novidade dizer que o vestuário sempre esteve condicionado à situação
social do sujeito, levando consigo a marca de um povo, de uma classe, de um gênero, de uma
ocupação, de uma região, religião, ou ainda indícios da própria identidade. Houve um tempo
em que egípcios, gregos e romanos eram identificados pelo uso do sarongue drapeado. Os
drapeados denotavam civilização. O que quer que aparecesse de diferente, ou seja, modelos
que acompanhavam o formato do corpo, por exemplo, era reconhecido como roupa dos
bárbaros. Os romanos eram intolerantes com eles e chegavam a condenar à morte quem
ousasse portar aquelas vestes (Laver, 2006). Nessas mesmas civilizações, no entanto, era
comum que os escravos andassem nus. O uso de roupas, por si só, era um distintivo de
classe (Laver, 2006). Mesmo na Europa, antes da Revolução Industrial, a roupa, per se, já foi
considerada um objeto de luxo.
Crane lembra que até a Revolução Industrial, as roupas eram inventariadas como um
bem valioso de família, repassadas por herança às gerações posteriores. Segundo a autora, era
comum também a utilização do vestuário como recurso financeiro, que era passível de
penhora junto com jóias e outros objetos considerados de valor numa eventual crise (Crane,
2006). Wilhelm relata que a “gentinha” (sic.) na Paris dos séculos XVII e XVIII só comprava
roupas usadas, mas, confirmando as teorias veblenescas, poderiam sacrificar outras
prioridades em nome da elegância:
“Sem vida ali também se vendiam roupas novas, mas os pobres
trabalhadores e muitos mestres-artesãos de condição inferior deviam se
contentar com roupas usadas. Alguns, no entanto, como sabemos pelas
críticas dos moralistas, sacrificavam tudo pela elegância, o que tornava
difícil distingui-los dos jovens burgueses”.
58
Não era incomum, portanto, que embusteiros quisessem se passar por membros de
outra classe social. Para contê-los, existiam as leis suntuárias, sobre as quais escreverei mais
adiante, mas Wilhem adianta: “alguns grandes senhores davam pouca importância a elas”
(Wilhelm,1977:60). A pátina, esta valorização dos objetos antigos, como indicadores das
58
Wilhelm, 1977: 60.
57
57
famílias tradicionais aristocráticas, era usada como indicador de status social, mas acabou por
“eclipsar-se sob a moda ainda no século XVIII(McCracken, 2003). A industrialização e a
democratização da moda levaram a cabo este distintivo social no que se refere ao vestuário.
Neste tópico, em que discuto o vestuário em sua faceta de objeto de luxo, é mister
mencionar as leis suntuárias, que, grosso modo, podem ser caracterizadas como a interdição
de determinados objetos a determinados grupos sociais. Vigorando ao culo XVIII, mas
com um número muito maior de incidências no culo XVI, elas foram criadas para
“proteger” certas classes de seu status natural, e, claro, regular o consumo conspícuo dos
cidadãos (Hunt,1996). Ao final de sua existência, as leis suntuárias trocaram o foco da
“regulação pessoal” para a “proteção do bem-estar público”, mas se perderam em meio à
avalanche de regulações de ordem econômica e de saúde pública, afrouxando, inclusive, os
seus mecanismos de controle (Wilhelm, 1977; Lipovetsky, 1989; Laver, 2006). Para Mukerji
(1983), o advento da moda produzia uma ruptura na dinâmica das sociedades de então, e isso,
para a autora, justifica a intensificação das leis suntuárias exatamente no século XVI. Num
mundo ainda não industrializado, era uma reação ao sistema da moda em sua gênese (Mukerji,
1983). Esta é também a posição de Alan Hunt:
“It is only with the rise of mercantile capitalism that sumptuary laws
became a regular feature of the governance of social order. The most
obvious inference to be drawn is that sumptuary law was an expression of
conservative deference of a hierarchical social order whose mode of
existence came to be threatened by the rise of new economic and social
forces. Furthermore it was an attempt to mount a defense of the old order
that, quite simply, came too late”.
59
Um ponto curioso é como a França angariou para si a legitimidade na indústria do
luxo e em especial, do vestuário.
60
Na verdade, a dominação do gosto no vestuário europeu vagava ao sabor do poder
(Laver 2006; Mukerji, 1983). No fim do século XV a moda italiana influenciava a Europa
59
Hunt, 1996. “Foi somente com a ascensão do capitalismo mercantil que as leis suntuárias se converteram num traço
regular na governança da ordem social. A mais óbvia ilação a ser registrada é que as leis suntuárias eram a expressão de
uma deferência conservadora por uma ordem social hierárquica cujo modo de existência veio a ser ameaçado pelo
advento de novas forças sociais. Além disso, elas eram uma tentativa de instalar uma defesa à velha ordem, que chegou
muito tarde” (tradução livre).
60
Por legitimidade entenda-se: “consagrado ou aceito pela lei, de acordo com a eqüidade, a justiça e a razão. (...) A
legitimidade remete, assim, à autoridade”. Eliette Roux faz referência a Weber nesta categoria, além de utilizar a
tipologia da autoridade de Weber para a lógica das marcas, em especial, para as marcas de luxo francesas, cuja
legitimidade, segundo ela, viria da tradição (legitimidade tradicional) ou da criação (legitimidade carismática). Roux,
2005:137.
58
58
(Castaréde, 2005). Eram os reis mais carismáticos ou que lideravam o reino mais
economicamente poderoso que influenciavam o vestuário de toda a Europa, inventando a
própria moda (com algumas exceções, é claro).
“Então, em meados do século (XVI), tudo mudou. O domínio alemão da
moda européia com suas cores vibrantes e formas fantásticas deu lugar à
moda espanhola, ajustada e sombria, de preferência preta. Isto se atribuiu,
em parte, ao gosto pessoal do Imperador Carlos V, famoso pela sobriedade
de suas roupas e, em parte, ao crescente poder da Espanha. Quando, em
1556, Felipe II sucedeu a Carlos V como rei da Espanha, a corte espanhola
se transformou no exemplo admirado por toda a Europa. Ate o rei francês
Henrique VIII seguiu a moda espanhola e quase sempre usava preto”.
61
Neste sentido, Luís XIV foi um destaque para a indústria do vestuário e da moda
francesa. Durante o seu governo, Jean-Baptiste Colbert foi nomeado controlador-geral das
finanças (1665).
62
Colbert reformou completamente o sistema financeiro francês e, graças â
arrecadação proporcionada por seu incomum talento para a cobrança de impostos, pôde
aplicar o dinheiro em diversas melhorias para o Estado francês, desde a abertura de ferrovias,
até a então moderna urbanização da cidade de Paris. A reforma da cidade, aliada ao fato de
Paris ser a capital e ter certa proximidade de Versalhes (residência do rei), transformou-a em
um local de intensa densidade: “de grandes nomes, grandes fortunas, grandes talentos, e em
conseqüência, do luxo, bom gosto, inteligência, cultura” (Wilhelm, 1977).
Se é reconhecida a alta qualidade da produção artesanal francesa durante o período do
Rei Sol, que se dar crédito a Colbert. no reinado de Henrique IV foram criadas as
manufaturas, porém, sem um foco diretivo, muitas acabaram definhando. Foi Colbert quem se
interessou pela excelência na qualidade da produção e o se furtou a convidar técnicos
estrangeiros especializados em cada ofício, a peso de ouro, para impulsionar as manufaturas, e
integrá-los à população local: “flamengos para as tapeçarias, italianos para as sedas, fios de
ouro e objetos de vidro, holandeses para as telhas envernizadas, suecos e alemães para os
metais”. Estava criada a base para o desenvolvimento da indústria francesa do luxo,
sobretudo, para evitar possíveis evasões de divisas empregadas nas importações (Wilhelm,
1977).
61
Laver, 2006:88.
62
Site <www.dec.ufcg.edu.br/biografias>.
59
59
O estatuto desta gênese da indústria francesa do luxo era o caráter da sociedade de
corte, liderada por Luís XIV, um rei cuja autoridade se assentava tanto na transformação de
sua vida intima num espetáculo público,
63
quanto na ostentação de bens de luxo como
instrumento político (McCracken, 2003). O poder do rei era incontestável. O soberano, após
sucessivos embates, o somente submete os seus concorrentes internos e externos como
ainda centraliza a arrecadação fiscal (através de Colbert) e o poderio militar. Esse duplo
monopólio, segundo Norbert Elias (2001), faz do rei a única força social capaz de colocar-se
acima dos grupos concorrentes, sejam os outros membros da família real, a nobreza de sangue,
a nobreza de toga, os burgueses, e administrar as tensões entre eles. Este caráter de
centralidade obrigou toda a nobreza a gravitar nas proximidades do soberano, jogando um
jogo social com regras de conduta muito demarcadas (Elias, 2001). O acesso a Versalhes era
aberto a quem tomasse parte no jogo. Diz Wilhelm: “não vão a Versalhes, entre os que têm o
direito de fazê-lo, aqueles que detestam a multidão, odeiam Colbert (...), não pedem nada ou
não devem favores ao rei”. Porém, muitos cortesãos assíduos o inteligentes, letrados,
eruditos que protegem os escritores e os artistas. Assim, a presença da intelectualidade na
corte é, entretanto, indispensável à sua boa reputação” (Wilhelm, 1977). Reside a
personalidade da nobreza francesa e seu poder de reverberar suas modas para toda a Europa.
Na Alemanha, por exemplo, no mesmo período (séculos XVII e XVIII), a burguesia é pobre,
geograficamente fragmentada e o se revela uma classe social de franca importância, como
na sociedade francesa. A literatura e a arte não são fomentadas, uma vez que o recurso
financeiro para tanto, ela vive no limbo das classes marginais. A sociedade, em seus extratos
mais altos, fala o francês. O idioma alemão fica confinado às classes subalternas e camadas
médias. Diferente da dinâmica francesa, a intelectualidade deveria manter distância da corte
alemã (Elias, 1994b). A formação do gosto na sociedade alemã, portanto, obedecia aos
padrões franceses, contribuindo para sedimentar a legitimidade francesa da moda e do luxo.
Para Elias, o preço que a corte francesa pagou pela proximidade com esse grupo de
intelectuais e artistas foi a Revolução Francesa, mas isso já é uma outra história, e que, com
toda a certeza, como todo grande evento histórico, refletirá sobremaneira nos hábitos de vestir.
A participação de Colbert no desenvolvimento da indústria francesa do luxo foi tão
fundamental que, hoje, ele nome ao Comitê Colbert, uma instituição que, segundo Allérès,
é “bem mais que uma promoção de ofícios prestigiosos ou de empresas entre as mais
63
Habermas, ao discorrer sobre as mudanças estruturais na esfera pública, lembra como a sociedade de corte no período
de Luís XIV transformou sua vida cotidiana em espetáculo. A cama do rei ganhou ares de palco, para que espectadores se
acotovelassem diariamente para as cerimônias do lever e do coucher (Habermas, 1984:23).
60
60
seletivas, o papel do Comitê Colbert é apresentar e exportar uma imagem global de uma ‘arte
de viver à francesa’” (Allérès, 2000). Ele foi criado em 1954 em Paris e, na época, possuía
somente 12 empresas. Em 2003 eram 67, porém, com critérios bastante rigorosos de admissão
e permanência, muitas empresas foram e ainda podem ser excluídas (Castaréde, 2005).
Alguns nomes relacionados à moda que estavam entre os 67 que compunham o comitê em
2003: Chanel, Dior, Lanvin, Louis Vuitton, Yves Saint Laurent, Givenchy.
Castaréde (2005) lamenta que a França, com todo esse histórico pioneiro em relação
ao luxo e à alta-costura esteja hoje dividindo a sua posição de liderança no cenário do luxo
com outras nações. O autor enumera falhas de conduta do Estado francês em diversas
ocasiões, que abriram o flanco para as indústrias do Japão e Estados Unidos, por exemplo.
Ele culpa os inspiradores da revogação do Edito de Nantes, que expulsou do território francês
todos os protestantes peritos em relojoaria e tecelagem, as leis suntuárias, em especial no
período de Luís XV, o bloqueio continental imposto por Napoleão, privando o país de muitas
negociações externas.
Embora a França o tenha perdido completamente o glamour da legitimidade em
relação ao luxo e à alta-costura, hoje os franceses dividem a cena com outros atores que se
estabeleceram trilhando caminhos diferenciados.
64
O que houve, na verdade, foi um distanciamento dos conceitos de moda e luxo, cujo
maior fator influenciador foi a produção industrial (Lipovetsky, 1989), uma revolução que
impulsionou e democratizou o vestuário, de uma maneira sem precedentes. Não por acaso, o
berço da industrialização, a Inglaterra, teve no setor têxtil um dos carros-chefe no seu
pioneirismo industrial.
Para Mukerji, a tomada de consciência da moda surgiu por volta dos séculos XV e
XVI (Mukerji, 1983). A intensificação do comércio com países não-europeus, aliada a um
fortalecimento da Europa, imune a ataques de outras civilizações, criou condições para o
aparecimento da moda e o gosto pelas novidades que vinham de outros cantos do mundo
(Lipovetsky, 1989; Mukerji, 1983).
Mukerji ainda defende que a industrialização inglesa surgiu por conta de dois fatores
primordiais: além da descoberta” do novo, e de uma nova gama de objetos diferenciados,
entre eles o algodão indiano (calicoes) e os objetos de porcelana para chás, havia o receio
inglês de tornar-se um refém econômico das nações que dominavam a manufatura desses
64
A liderança mundial em produtos de luxo ainda pertence aos franceses – 47%; porém, a concorrência internacional
intensificou-se. Eliette Roux dá a entender que a lógica da dimensão do luxo, migrou do instinto criador e artístico de
quem cria produtos únicos, para uma lógica de mercado, muito mais focada nos desejos do consumidor e no trabalho da
concorrência. Roux, 2005:93.
61
61
objetos (Mukerji, 1983). É que a população inglesa, além desenvolver o hábito do chá, o que
os fez criar a sua própria indústria de porcelana, viu inúmeras vantagens no consumo do
algodão indiano (calicoes). O produto, mais barato do que a seda, proporcionava enorme
variedade de padrões; e se o tecido era inicialmente importado para a confecção de roupas de
casa ou anáguas, tornou-se a base para a confecção de uma moda para as ruas. Para evitar
prejuízos comerciais, os ingleses começaram a desenvolver a própria indústria para a
fabricação do algodão (calicoes). Portanto, a moda, ou o que Campbell chama de Revolução
do Consumo antecedeu os esforços para a industrialização (Campbell, 2001). E a
industrialização, proporcionando a acessibilidade de um maior número de camadas sociais às
novidades do vestuário, desvinculou os conceitos de moda e luxo.
Talvez esta democratização da moda e, cada vez mais, de objetos com marcas de luxo
tenha deslocado o padrão de luxo das classes mais altas para a experiência. A revista Vogue
fez uma lista de 10 itens de luxo: “Veja aqui itens irresistíveis para uma experiência luxuosa”.
Seis entre 10 itens pertenciam à esfera da experiência.
65
Ao falar sobre luxo, e mencionar
exemplos, alguns informantes citaram viagens, gastronomia, particularidades como gravar um
CD num estúdio próprio etc.
“Se eu ganhasse hoje na mega sena, a vida de todo mundo vai virar um
inferno, porque eu vou primeiro alugar uma vila na Toscana, ai nós vamos
comer todas aquelas coisas sensacionais, nós vamos tomar todos os
Brunellos de Mont´altino, todos os vinhos... todos. Aí quando a gente
cansar daquilo, eu vou alugar uma casa num pátio cordobés em
Córdoba. E nós vamos ficar comendo rabada, rabo de toro, vamos
ficar tomando todos aqueles vinhos também. Quando a gente estiver com
cirrose, aí eu vou encontrar outro lugar. a gente vai, sei lá...pra
Barcelona. Mas é tudo sempre ligado a viagem, comida, experiência,
assim...” (informante, 35 anos, moradora do Flamengo).
Vestir-se com ícones do luxo, em formas, tecidos e marcas o se constitui, sozinho,
em estatutos do luxo para esta classe dia. Uma hipótese para este comportamento são os
65
1. Perfumes JAR; 2. Party Buddys (serviço vip para baladas em geral) – tratamento de celebridade; 3. Carteirinha
de sócio da Soho House (clube exclusivo) – spa
;
4. Cartão de sócio Celux Club
(dentro da loja Louis Vuitton em
Tóquio – já uma tentativa de a própria marca criar a experiência;
5. Uma equipe técnica para cuidar da sua existência:
no mínimo, um analista, massagista,
personal trainer
, nutricionista, homeopata, acupunturista e dermatologista;
6.
Relógio Cartier modelo Santos;
7.
Um jantar no Restaurante Julio Verne na Torre Eiffel
; 8. Perfume Bar, butique de
perfumes em Nova York, onde um frasco com 97 ml sai mais ou menos a R$ 480; 9. Pintura negra de Valdirlei Dias
Nunes;
10.
Almoço no Restaurante Dal Pescatore em Canneto sull’Oglio, na Itália
. “Múltipla escolha flexível...”,
2005.
62
62
novos acessos às marcas de luxo, seja via falsificação, ou mesmo outras formas de transação
comercial, como o aluguel das roupas e acessórios de grifes famosas.
66
Esses novos acessos,
mascaram a origem do seu usuário, e se enfraquecem como distintivos sociais.
3.1.2. A roupa tem nome
Uma das vertentes do luxo da moda na atualidade encontra-se nas marcas. uma
diferença entre a alta-costura, o prêt-à-porter e a série industrial. Essas definições são
importantes para entendermos, dentro do trabalho empírico, o caráter difuso que essas
categorias adquiriram para as informantes.
“E vovê alguma diferença entre categorias roupa de marca ou roupa de
grife?”
Informante: “Pra mim é a mesma coisa, não sei se tem uma outra
conotação” (informante, 31 anos, moradora de Ipanema).
“Você entende alguma diferença de categoria quando a gente fala de marca
e quando a gente fala de grife? Ou pra você as duas coisas são a mesma
coisa?”
Informante: Não, eu acho que não são a mesma coisa. Eu acho que grife
tem um marketing muito mais pesado em cima do que a marca
propriamente dita. Eu acho que a marca tem uma questão meio que de
fidelidade e grife é uma coisa quando você quer mostrar alguma coisa a
mais. Não sei, imagino que seja meio que por aí” (informante, 45 anos,
moradora de Ipanema).
Grife e marca são categorias que o mercado tenta impor aos usuários, porém, em
termos práticos, elas não se estabelecem, e o que se verifica com o grupo estudado é que
ambas são sinônimos de uma categoria. A gênese que suporta a proposição do mercado é
que a palavra grife, etimologicamente (grafia), remete à mão humana, assim, o conceito de
66
Recentemente foi criada nos Estados Unidos uma empresa chamada Bag Borrow or Steal (trocadilho com a expressão
beg, borrow or steal - peça, tome emprestado ou roube), que oferece o inédito serviço de empréstimo de bolsas de grifes
famosas pela Internet. Funciona da seguinte forma: a cliente faz um plano de pagamento mensal que varia de US$ 20 a
US$ 100, onde cada patamar disponibiliza um grupo diferente de produtos. Marcas de prestígio como Fendi, Gucci e
Louis Vuitton estão presentes no portfolio. Para as associadas, há também a opção de compra com desconto de 40%
sobre o valor original. Branco, 2004.
63
63
grife deverá relacionar-se com a arte, o território do ateliê. Desta forma, as marcas
prestigiosas mantêm a sua aura de exclusividade e esmero da criação, porém, em suas lojas,
as roupas consideradas prêt-à-porter, roupas já prontas (e não sob medida), mas que podem
ser ajustadas no corpo das consumidoras, e são vendidas em quantidades limitadas. A marca
de luxo, ou simplesmente, marca, recebe esta denominação porque se relaciona com a
produção industrial. Seu território é a fábrica (Kapferer, 2004). Grife e marca não são,
portanto, categorias nativas, mas criadas pelo mercado, e pouco ou nada assimiladas pelas
informantes. Mas se as minhas informantes se confundem com os conceitos, elas não estão
sozinhas. O fato de muitas casas de alta-costura terem desenvolvido suas linhas prêt-à-porter
e seus produtos industrializados gerou esta confusão entre as duas categorias do mercado. Por
isso, o vestido Armani feito sob medida, cujo escopo é pertencer à esfera da alta-costura, e
Armani das peças que circulam por todo o mundo e que exibem a sua marca, ainda que sendo
produto desenvolvido em escala industrial. Isso ocorre porque a alta-costura, sozinha, não
conta de manter o faturamento da empresa. Em todo o mundo, não existem mais do que 3 mil
clientes para este tipo de produto (Crane, 2006).
Christian Dior foi o primeiro a se utilizar do recurso de licenças para estabelecer a sua
marca nos quatro cantos do mundo. Em evento recente sobre luxo no Rio de Janeiro,
67
a
representante da marca Dior no Brasil, Rosangela Lyra, em sua apresentação, contou que após
a morte do seu criador, a empresa ampliou o seu braço de licenças, de forma pouco criteriosa,
prejudicando a marca colocando em risco a sua aura de glamour e exclusividade. Somente
com um saneamento das concessões da marca, e a contratação de John Galiano, considerado
um gênio da alta-costura, a Maison Dior retomou o seu posto de marca prestigiosa.
O fato de algumas empresas negligenciarem a produção dos seus artigos costuma gerar
um resultado negativo para a imagem da marca. A Nike, por exemplo, após denúncias sobre a
utilização irregular de mão-de-obra em países asiáticos, sofreu duros ataques da imprensa,
resultando numa atitude de desconfiança por parte dos seus consumidores. Naomi Klein
(2004), tomando esta marca como exemplo, critica duramente a prática do branding
68
e as
empresas que se valem de fabricantes fora de seu país de origem, obtendo custos finais mais
baixos e aumentando a sua margem de lucro. Os manuais de marketing apenas recomendam
que as empresas detentoras das marcas tomem cuidado com as fábricas que contratam para
67
Evento promovido pela ESPM, em parceria com a MCF consultoria, em julho de 2004 no Hotel Caesar Park, em
Ipanema.
68
Prática de marketing focada na marca, onde há esforços para a ampliação de visibilidade. Esses esforços passam por
marketing de presença e patrocínios, onde a imagem da marca é trabalhada num contexto diferente da situação exclusiva
de compra.
64
64
operar a produção de suas mercadorias (Kapferer, 2004). A marca deve manter o controle
rígido sobre a sua produção, onde quer que ela seja operada, sob pena de diminuir a qualidade
do produto, ou, mesmo, incorrer em injustiças sociais que possam arranhar sua imagem.
“(...) a empresa (Nike) é americana, ela fabrica usando escravos. Eu não
sei se a Adidas faz a mesma coisa, se a Puma faz a mesma coisa, se a
Rainha... sei lá... provavelmente fazem... A questão é que eu não posso
fingir que eu não sei que a Nike faz isso, porque eu sei que a Nike faz isso.
Eu não sou xiita de pensar - e acho até que as pessoas deveriam ser, e eu
inclusive - deveriam procurar saber como é que as coisas são feitas, se
aquela marca carrega responsabilidades junto com ela, mas eu não sou
assim, infelizmente. Mas, tem determinadas coisas que vêm a mim e eu
fico sabendo” (informante, 35 anos, moradora do Flamengo).
No passado, o fato de possuir roupas novas ou da moda já era um diferencial social,
uma vez que as roupas eram, por si só, um luxo. Hoje, em certas esferas a vinculação do
conceito de luxo às marcas prestigiosas (Lipovetsky, 1989). De um lado, a alta-costura, que
monopoliza a criação; de outro, as confecções seguem a tendência e constroem sua marca. E,
mais uma vez, a classe média desempenha um papel importante na massificação do luxo,
consumindo versões industrializadas ou prêt-à-porter, versões mais em conta das grifes de
prestígio. Ou seja, se Campbell, atribui à burguesia e segmentos médios a consagração da
sociedade de consumo, o mesmo ocorre na modernidade com as marcas consideradas de luxo.
Embora a confecção tenha precedido a alta-costura (Lipovetsky, 1989), esta última, ao surgir,
se estabeleceu sobre uma aura de arte.
No ramo da moda, quem primeiro capitalizou para a si a marca como diferencial, foi
Paul Poiret, que disputava os louros com Coco Chanel. Charles Frederic Worth, seu
predecessor, no entanto, foi quem colocou o nome do costureiro à frente da aristocracia a
quem vestia. Favorito da esposa de Napoleão III, a imperatriz Eugênia tornou o estilista um
artista potencial. O costureiro deixou de ser um serviçal e passou a ser a estrela. Chanel e
Dior consolidaram a prática.
Pra mim, roupa de luxo é: Gucci, Armani, Chanel. Eu não tenho roupa
nem da Gucci, nem Armani” (informante, 33 anos, moradora da Lagoa).
65
65
Marca é um tema bastante complexo no mundo acadêmico. Não raro ela é condenada
como o símbolo fatídico, responsável direta pelas mazelas da humanidade. Essa visão é
geralmente acompanhada de uma posição crítica em relação ao consumo nas sociedades
modernas, enviesada por um estreito olhar moralista. Dois trabalhos relativamente recentes
no Brasil, dão conta exatamente deste ponto de vista. Um deles, trata as marcas a partir do
exemplo do McDonalds,
69
o outro, de uma perspectiva do momento da compra, aborda os
shopping centers a partir de uma ótica semelhante ao primeiro.
70
Para Fontenelle, as marcas são o produto execrável de uma sociedade capitalista, “a
marca é uma ‘ilusão de forma’ numa cultura que se tornou descartável” (Fontenelle, 2002:
302). Elas (as marcas) preenchem um vazio existencial deixado pela modernidade, dentro de
uma noção de fetiche. Segundo esta autora, o sujeito faz uso das marcas para construir uma
imagem sobre si mesmo e sobre o mundo. Esta visão é um pouco complicada, uma vez que
podemos realmente dizer que o marketing trabalha exatamente para isso, para criar uma
identificação tão forte entre marca e sujeito que este tenha dificuldades em desligar-se da
primeira. Mas, na prática, as coisas caminham de modo diferente. o fosse assim e o
haveria novas marcas surgindo o tempo todo no mercado. Fontenelle parece transpor o estudo
de Baudrillard sobre os objetos para a consagração capitalista das marcas, onde estas ganham
vida própria. Falando especificamente sobre vestuário, posso citar aqui mesmo várias marcas
que tiveram seus dias de glória em determinadas épocas, mas que se foram ao sabor das
novidades e de novos tempos, novas modas. aqui no Rio de Janeiro, por diferentes
motivos, desapareceram dos corpos sarados, ou simplesmente arrefeceram na imaginação dos
cariocas, Company, Píer, Dijon (jeans), Fiorucci (italiana), Blu 4, OP, entre outras.
Daniel Miller, em espirituoso artigo,
71
critica os autores, cuja posição moralista,
interfere em suas conclusões em seus estudos sobre consumo. Para o autor, o que está por trás
da postura saudosista que preconiza o consumo como um sintoma do processo de perda dos
valores tradicionais é uma concepção ingênua de que o universo material, sob a forma de
mercadoria, conspurca as relações sociais. Se na literatura recente encontramos argumentos
que põem em dúvida a autenticidade identitária do sujeito que deseja obter um bem com uma
marca famosa, Miller consegue ver na compra de um nis Nike ou um jeans GAP uma
demonstração de zelo de mãe para filho, por exemplo, uma forma de agradá-lo, ou de mostrar
como conhece seus desejos.
69
Fontenelle, 2002.
70
Padilha, 2006.
71
Miller, 2004.
66
66
A importância das marcas no mercado não é somente pragmática. Sim, são elas que
garantem a procedência e o grau de confiabilidade do produto, mas também, é claro,
estabelecem pontos de identificação com os usuários. A palavra fetiche, bastante mencionada
em trabalhos como os dois que mencionei acima, tem como inspiração as inquietações de
Marx, em relação aos atributos contidos numa mercadoria que vão além da matéria-prima e do
esforço de trabalho empregado na sua produção. Tomadas às últimas conseqüências, essas
inquietações levaram alguns autores a acreditar numa predominância da marca sobre a
mercadoria.
Não é difícil sermos seduzidos por este tipo de argumento, por isso, creio que devo
fazer uma pequena digressão sobre a marca, um tema de importância ascendente dentro do
marketing moderno, e um critério de escolha da roupa para minhas informantes.
A consciência de marca, como a conhecemos hoje, é relativamente recente. Na década
de 1980, em meio a uma avalanche de fusões e aquisições, os executivos descobriram que o
valor da marca era fundamental na contabilidade dos seus ativos. Este novo conceito foi
batizado de brand equity, ou eqüidade da marca (Kapferer, 2003). Segundo o Dicionário
Aurélio, a palavra eqüidade significa “conjunto de princípios imutáveis de justiça que induzem
o juiz a um critério de moderação e de igualdade, ainda que em detrimento do direito
objetivo”. Este valor da marca é atribuído de acordo com alguns critérios fundamentais, entre
eles: lealdade à marca, conhecimento da marca, qualidade percebida, associações da marca e
outros ativos da empresa (vantagens competitivas, por exemplo) (Aaker, 1998). São atributos
medidos através de pesquisas oficiais, mediadas por uma consultoria internacional que se
especializou neste ofício: a Interbrand.
Mas, se a marca como a conhecemos hoje carrega consigo um valor de troca, que pode
ser tangibilizado através do seu valor financeiro, é preciso que se diga que elas sempre
estiveram presentes nas nossas vidas, não só como ícones de uma mercadoria num ambiente
capitalista, mas também na forma de insígnias de família, emblemas, ou outros tipos de
simbolismos.
72
Wilhelm recorda alguns casos na Paris do século XVI, portanto, ainda bem
antes da Revolução Industrial.
72
No artigoDo corpo à moda: exercícios de uma prática estética”, Kátia Castilho faz uma referência à
etimologia da palavra “símbolo”. Ela diz em nota: “É uma palavra grega, derivada do verbo ‘symbállein’
(colocar junto, reunir). Em origem denotava qualquer objeto que, dividido em duas partes permitia a seus
possuidores de reconhecerem-se recompondo o todo do objeto. Pressupõe a idéia de separação e unificação,
reconciliação”. (Castilho e Galvão, 2002).
67
67
“As insígnias desempenhavam um papel importante na decoração das ruas.
Mas, é preciso distinguir as que serviam apenas para identificar as casas e
substituíam os números – ainda desconhecidos – das insígnias de lojas.
Em geral, as primeiras eram esculpidas em pedra, acima da porta. Trata-
se, na maioria das vezes, de uma imagem de santa (...). As outras
insígnias, dos comerciantes e artesãos, davam livre curso à imaginação”.
73
Da Matta pondera que símbolos no capitalismo, tanto quanto simbologias e
mitologias entre os índios do Amazonas. No nosso ambiente, são as narrativas que
“humanizam” a mercadoria, bem como as lendas humanizam fenômenos da natureza. As
narrativas que humanizam” os produtos partem das marcas e se tornam publicidade,
estabelecendo códigos de identificação entre, por exemplo, uma marca de roupa e seu usuário.
Nem sempre isso funciona, e os fracassos de marketing estão para provar. O antropólogo
brasileiro, prefaciando o livro de Everardo Rocha, estabelece a conexão com o “pensamento
selvagem” lévi-straussiano:
“Assim, fumar um dado cigarro, usar uma certa marca de camisa ou calça,
guiar aquele automóvel permite fazer uma idéia precisa de uma
personalidade. Tal como um selvagem’ saberá dizer o tipo de
comportamento de membros do clã do Urso ou da Águia, nós podemos
prever com relativa precisão a personalidade e a conduta de uma pessoa
que usa calças Lee, camisas Wrangler (...)”.
74
Se marcas como Chanel e Dior perduram ahoje e vivem envoltas em uma aura de
sofisticação e glamour, é somente por mérito de seus criadores, que souberam como perpetuá-
las. Poiret o teve a mesma habilidade, tornando-se a primeira marca de luxo a adernar
(Crane, 2006; Lipovetsky, 1989). Num mundo de forte competitividade é preciso muito
trabalho para manter-se no páreo. Um dos aspectos que mais contribuíram para a manutenção
desses nomes foi, sem dúvida, a capacidade de narrativa e inventiva de seus criadores. Eles
souberam fazer história, e souberam como propagá-la, e por isso são lembrados a hoje
(Erner, 2005).
Não é à toa, então, que muitos usuários de marcas desse porte, na cada de 1980,
adotaram a “logomania” como forma de vestir-se. Muitos artigos, à primeira vista, se
distinguem de seus pares menos glamourosos através da marca, ou de um estilo consagrado
73
Wilhelm, 1988:53-54.
74
DaMatta, 1995.
68
68
(Erner, 2005; Roux, 2005).
75
Neste contexto, as falsificações proliferaram. A marca de luxo
mais falsificada do mundo, a Louis Vuitton, é também considerada a de maior valor
financeiro, cerca de US$ 7 bilhões. A segunda marca de luxo mais valiosa é a Chanel, com
valor estimado em US$ 4,27 bilhões. Rolex é a terceira mais valiosa dentro deste segmento
com US$ 3,7 bilhões.
76
Nos anos 1990 e 2000, o visual “logotipado” deu lugar a uma conduta de vestuário
que, a primeira vista se parece com a atitude do bricoleur de Lévi-Strauss, qual seja, a
construção de uma imagem, onde a justaposição de estilos, misturando marcas famosas
com roupas de artesanato, o caro com o barato (Roux, 2005). Este tipo de atitude, facilmente
perceptível entre as minhas informantes, tem sido alardeado pela imprensa especializada em
moda. O Correio Braziliense, em matéria sobre moda intitulada “Altos e baixos” publicada
em sua revista (Revista do Correio) no dia 26 de fevereiro de 2006, ensina:
“Nada de sair de grife da cabeça aos s. A tendência agora é misturar
peças compradas em lojas populares a uma única de marca. No hi-low, o
que vale é a atitude e bom gosto”.
A matéria mostra modelos misturando, por exemplo, uma jaqueta jeans da Armani (R$
2.450,00) com uma saia da Renner (R$ 59,90). Este tipo de matéria, um instrumento de
transferência do mundo culturalmente constituído para o indivíduo (McCracken, 2003), se
revela muito mais como um delimitador” de atitudes, que, graças a esses recursos, me
parecem muito mais afeitas à comparação de Lévi-Strauss com o engenheiro do que com o
bricoleur. As informantes foram pródigas em demonstrar um estilo “desleixado” calculado.
Quando se trata da escolha do vestuário para usar da porta de casa para fora, os critérios são
bastante objetivos, tanto no que se refere à sua imagem, quanto a atributos mais pragmáticos
como conforto e adequação.
“A impressão que aqui no Rio de Janeiro é que a gente se preocupa
mais... até tem um visual super-produzido, mas produzido pra parecer
relaxado” (informante, 44 anos, moradora de Ipanema).
75
Em visita ao site <www.chanel.com>, é possível conhecer a coleção outono/inverno desta grife. Trata-se de
uma releitura dos estilos imortalizados por sua criadora. A novidade é o mix das peças confeccionadas em tecidos
nobres, revelando certa formalidade com itens como os jeans rasgados, proporcionando à composição final um
toque de Chanel com uma atitude moderna.
76
A autora Elyette Roux se baseia em dados da Interbrand, consultoria especializada em marcas. Roux, 2005:92.
69
69
É importante que se diga que uma marca que conquista uma imagem sólida e gera
confiança em seus usuários, não opera somente através das narrativas, como no exemplo de
Chanel, que inventou a própria mitologia. Mas, para além das narrativas, as marcas devem
entregar benefícios muito tangíveis e as mulheres buscam também esses benefícios ou, pelo
menos, associam essas marcas a vantagens concretas, e alimentam expectativas em relação a
elas. Uma das minhas informantes mostrou as suas expectativas em relação a uma marca
famosa.
“Outra coisa pra mim importantíssima numa roupa: a costura interna tem
que ser muito bem-feita. Tenho horror a troço mal-feito por dentro. Pra
mim troço mal-feito por dentro é porcaria, entendeu? É roupa que não dura
muito. É roupa que você coloca na máquina daqui a pouco ela acabou, e a
costura interna da roupa é onde mostra a qualidade dessa roupa. Ah, olho,
sempre! Costura interna não é bem-feita, to fora, não quero. Pode aser
bonita por fora, mas aquela costura mal-feita por dentro, a qualidade é
ruim” (informante, 44 anos, moradora de Copacabana).
No caso da roupa, a marca que conquista sua legitimidade junto aos usuários deve
adequar-se ao nível de exigência que o seu público deseja. Uma das minhas informantes,
dona de uma facção, deixou clara a diferença do compromisso de trabalho assumido para
marcas consideradas de primeira linha e marcas mais direcionadas ao varejo, com baixo
preço.
77
No primeiro caso, os modelos são exclusivos, as estampas o exclusivas, os
detalhes, geralmente são difíceis de reproduzir, e o número de peças é reduzido (ver foto no
anexo 7). no segundo caso, os tecidos o menos trabalhados, os modelos, mais fáceis de
serem reproduzidos, o nível de exigência, menor, e o número de peças, ilimitado. No caso da
minha informante, seus planos envolviam adicionar à sua carteira de clientes moda com
artigos mais simples, com número maior de peças e preço mais baixo por unidade. Essas
marcas, de menor exigência na confecção, com nível de detalhamentos muito menor, trariam
um retorno financeiro mais garantido, segundo a informante. Para dar uma idéia do que é,
neste mercado da classe média do Rio de Janeiro, uma quantidade reduzida por modelo, segue
um trecho da entrevista com a minha informante:
77
Esta informante é dona de uma facção no Rio de Janeiro, e atende marcas para um público considerado da
classe média alta da cidade. São nomes da moda locais, como Andréa Saleto, Adriana Barra (São Paulo),
Mariazinha entre outros.
70
70
“(...) eu pego a Espaço Fashion, eu faço uma camiseta transada de malha,
com uma sainha de malha, e ela me fecha em 800 peças, 600 peças,
daquele modelo em várias cores. uma Maria Bonita, uma Andréa Saleto,
não pode fazer isso. (...). (...) a Andréa Saleto faz assim...eu faço 800 peças
pra ela, mas é assim: 68 de um modelo, 35 de outro. Agora você imagina
em certos clientes que você tem que modelar, como faz a Beth Bragança,
eu entreguei ontem seis modelos, seis modelagens, seis pilotagens, seis
cortes, e com poucas peças por modelo.
(...) essa loja que eu fiz 12 blusas ontem de cada modelo. É que ela fez
vários modelos de blusa. Eu hoje fechei 34 shorts pra Beth Bragança,
de um modelo. (...) o que ela quer ter mais diversidade de modelos, fica
difícil. Acaba tendo que ter um estoque grande de tecidos, de material de
aviamentos por cliente! Ali eu tenho naquele armário caixinhas com o
nome de cada cliente, pra não misturar aviamentos deles, etiqueta, etiqueta
de composição de cada tecido” (informante, dona de facção no Rio de
Janeiro).
Assim, na atualidade, uma das formas de distinção no vestuário se através das
marcas famosas ou grifes. E o é exagero dizer que esta ocupou um lugar de destaque na
moda. Segundo lembra Erner (2005), ao serem perguntadas sobre como irão vestidas a
determinado evento, atrizes recém-içadas ao estrelato não descreveram o modelo, o tecido ou
a cor do traje, mas a assinatura numa referência metonímica do objeto, algo do tipo: eu vou de
Valentino, irei com um Oscar de La Renta etc.
3.1.3. Moda e Modernidade
No capítulo final do livro de Laver
78
sobre a história da moda vemos o título “A era do
individualismo”, onde, em seus últimos parágrafos, faz um apanhado geral da moda desde o
final da Segunda Guerra e conclui que hoje um conhecimento mais apurado de cortes e
tecidos, e que, portanto, as mulheres estão mais aptas a encontrar o próprio estilo (Laver,
2006).
Diana Crane (2006:336) é provocativa ao concluir o capítulo sobre a moda e os
mercados globais.
78
O capítulo final do livro de Laver foi escrito pela historiadora Christina Pobert. Laver, 2006.
71
71
“Alguns estilos de vida raramente constituem um alvo. Ao mesmo tempo,
a porcentagem de mulheres interessadas em moda, na população como um
todo, tem diminuído de forma constante. O desaparecimento da moda que
incorporava ideais sociais e culturais amplamente aceitos substituída por
um conjunto pluralista de modas que representam valores e mbolos
conflitantes e às vezes fora dos padrões, identificados com segmentos
específicos do público parece ter afastado uma grande parcela do público
e levanta a questão de se a moda, em seu verdadeiro sentido, ainda existe”.
Lipovetsky lembra que o sistema prêt-à-porter e a rua se estabeleceram como “centros
autônomos da moda”, deixando à alta-costura (que antes desempenhava este papel), a missão
de manter o glamour da marca. Além disso, para o autor, “na raiz do prêt-â-porter, essa
democratização última dos gostos de moda trazida pelos ideais individualistas, pela
multiplicação das revistas femininas e pelo cinema, mas também pela vontade de viver no
presente estimulada pela nova cultura hedonista de massa” (Lipovetsky, 1989:115, grifo do
autor).
Laver e Lipovetsky deixaram em aberto uma análise mais acurada da moda moderna.
Crane é quem leva mais adiante este assunto, deixando questões importantes para refletirmos.
Ela aborda a moda na contemporaneidade, lembrando que, ainda que tenha se democratizado,
a moda fala por certos grupos sociais, em detrimento de outros. Se, no passado, ela excluía
um status inferior de classe social, hoje a exclusão se dá, primordialmente, pela idade. Dentro
de um cenário que alguns autores chamam de modernidade, ela questiona: “será que as
sociedades fragmentadas são frustrantes porque as pessoas são permanentemente expostas a
códigos que o compreendem e dos quais se sentem excluídas? (...) Ou essas sociedades
seriam libertadoras porque as pessoas encontram ou criam códigos que expressam as suas
identidades?” (Crane, 2006). É possível encontrarmos defensores desses dois extremos.
Zygmund Bauman (2001) adota uma postura pessimista, onde a profusão de possibilidades
assusta o indivíduo como consumidor, e este, por fim, tem que se apegar ao que os meios de
comunicação lhe oferece. Campbell, num outro extremo, acredita que o consumo seja o
caminho para a auto descoberta, ou seja, uma vez expostos a uma enorme gama de
possibilidades (e o vestuário é um excelente exemplo), é possível descobrirmos um pouco
mais sobre nós mesmos (Campbell, 2006).
Com a urbanização em crescimento, a questão da “reconhecibilidade” foi afetada,
assim, o imperativo suntuário deveria em sua forma simplificada, ser capaz de hierarquizar as
pessoas através dos códigos de vestuário (Hunt, 1996). As leis suntuárias, como já mencionei,
72
72
deveriam controlar socialmente a dinâmica das cidades, pois o crescimento urbano criou certo
desconforto em relação aos “estranhos”. O forasteiro é, potencialmente, um inimigo. Porém,
não raro as leis eram desafiadas por aqueles que queriam se passar por outro nível social, em
geral, um nível além das suas possibilidades.
Na contemporaneidade, a dinâmica das cidades afetou este tipo de comportamento, e a
moda, com sua expansão através da industrialização, inoculou os efeitos das leis suntuárias,
em seu formato original. Isso gerou a angústia da “irreconhecibilidade”.
Vários autores contextualizam o momento atual no que chamam de pós-modernidade.
Pós-modernidade, modernidade tardia, ou simplesmente, modernidade. Modernismo x pós-
modernismo, com uma gama de diferentes significados; para Featherstone (1995), a
centralidade da cultura é um ponto comum: reflexividade e auto-consciência estética,
rejeição da estrutura narrativa em favor da simultaneidade e da montagem, exploração da
natureza paradoxal, ambígua e indeterminada da realidade, rejeição da noção de personalidade
integrada, em favor da ênfase no sujeito desestruturado e desumanizado”. Mas ele próprio
admite que não um consenso sobre a significação exata do termo. Não pretendo me deter
na conceitualização da pós-modernidade, mas me interesso pelas implicações que os autores
relacionam a ela.
Giddens (2002) é um autor que vem tratando deste tema com alguma freqüência em
seus trabalhos. Em seu livro Modernidade e identidade, cujo objetivo maior é uma análise das
interconexões entre as influências globalizantes e as disposições pessoais, ele chama o tempo
atual de modernidade tardia, relacionando a ele uma série de particularidades que nos
estimulam a pensar sobre as subjetividades que vêm nos cercando, entre elas, sem dúvida, a
relação com o vestuário e a moda. Para Giddens, os contornos da modernidade vinham
sendo traçados na Europa pós-feudal, onde, pela primeira vez, modos de comportamento que
permeiam o cotidiano da vida moderna foram adotados. O século XX mundializou essas
novas formas de vida. De todos os aspectos relacionados por este autor em sua obra, vou me
deter naqueles que serão de interesse para a minha observação sobre o comportamento em
relação à moda e vestuário na atualidade.
O autor escolheu falar sobre a identidade por identificar neste período algumas
particularidades em relação aos aspectos íntimos da vida pessoal que se ligaram
indelevelmente a uma grande amplitude social. Os ritos de passagem, por exemplo, presentes
em sociedades tradicionais e que auxiliavam o indivíduo a atravessar as diversas fases da sua
vida, nas sociedades complexas, praticamente desaparecem, deixando uma brecha que
73
73
profissionais especializados vêm tentando cobrir (psicólogos, pedagogos, educadores etc.),
gerando uma constante exposição do self em outras dimensões da sociedade.
Em sua análise do self, Giddens é bastante criterioso. Ele admite as influências
externas, mas lembra que o eu não é uma entidade completamente passiva. A constante
reflexividade é uma característica do indivíduo da modernidade. Esta reflexividade é
acompanhada de uma gama de manuais, guias, livros de auto-ajuda, a própria mídia, que
balizam frequentemente a condição do eu em relação aos outros. A confiança é um outro
aspecto importante do self, ela monta uma guarda em sua relação com a realidade cotidiana,
condição que o autor denomina “casulo protetor”, ou os resquícios da construção da segurança
ontológica. Surge a noção de estilo de vida, e, segundo o autor, os indivíduos passam a ter
que se enquadrar em um determinado estilo entre diversas opções.
O corpo, parte integrante da noção de self, é trabalhado na busca de uma composição
da identidade. Neste caso, as roupas são manipuladas para que, no jogo de revelação e
ocultação, o indivíduo produza a imagem que deseja para mostrar a sua biografia. A auto-
identidade supõe uma narrativa que é perpassada por esta imagem (Giddens, 2002).
No que se refere às inúmeras possibilidades de escolha como uma característica da
modernidade tardia, um caminho importante para uma análise sobre o vestuário, é preciso um
olhar bastante crítico sobre a questão. Giddens pondera que nas sociedades tradicionais as
possibilidades de escolha também existiam, porém os hábitos ali arraigados faziam com que
as opções circulassem dentro de canais relativamente fixos. na modernidade, o indivíduo
se depara o tempo todo com uma variedade complexa de escolhas, e não conta com nenhuma
ajuda ou mesmo com a estrutura da tradição para efetuar a seleção. Mas, como lembra
Barbosa (2004), “embora a liberdade de escolha seja um valor central da sociedade
contemporânea, ela não flutua em um vácuo cultural” (Barbosa, 2004:24).
A escolha do estilo de vida, por exemplo, de acordo com Giddens, esatrelada a uma
série de critérios, como a pressão dos grupos sociais, ou as circunstâncias sócio econômicas.
As práticas ritualizadas das sociedades tradicionais fazem com que o estilo de vida seja
uma das escolhas específicas da modernidade. São conjuntos de práticas adotadas pelo
indivíduo, que dão forma material a uma determinada narrativa de auto-identidade. Assim, se
as relações sociais se estabelecem de dentro para fora, torna-se mister que as escolhas sejam
tais que permitam o trânsito nos diversos grupos em que se circula. Nas sociedades
tradicionais, segundo Giddens, não havia esta preocupação, uma vez que a noção de amigo era
amalgamada com a noção do grupo integrante de determinada sociedade. Os de fora, num
primeiro momento, não eram considerados amigos.
74
74
Corpo, aparência, estilo de vida gravitam em torno de um eixo que forma a auto-
identidade. Na relação com o outro, a vergonha e a culpa desempenham papéis de suma
importância. Giddens conceitua a culpa da seguinte forma: “ansiedade produzida pelos
termos da transgressão”. a vergonha, ao contrário da culpa, é a reparação: “ansiedade
sobre a adequação da narrativa por meio da qual o indivíduo sustenta uma biografia coerente”
(Giddens, 2002:65). Giddens ainda cita o que pensava Sartre sobre a vergonha: é ver a si
mesmo através dos olhos dos outros em um ato não coerente com a sua história de vida.
Vergonha e confiança estão mutuamente relacionadas, afinal, a vergonha pode destruir a
confiança.
o sociólogo Michel Maffesoli
79
discorda que o individualismo seja uma marca do
nosso tempo. Para o autor, o movimento que ele chama de tribalismo restabelece aspectos
importantes da vida social, como o pertencimento a um lugar, a um grupo. Ele exemplifica o
fato exatamente com a moda, o instinto de imitação, pulsões gregárias, agrupamentos
musicais, esportivos e religiosos em profusão na atualidade. Ressalta que o processo tribal
vem contaminando as instituições sociais, formando redes de influência através da
camaradagem e outras formas de ajuda mútua. Para Maffesoli, o que sustenta o tribalismo
moderno é o que ele chama de socialidade, ou um instinto gregário; potência subterrânea, ou
forças míticas que atuam, ora de forma secreta, ora notória, ora como levantes e revoltas, ora
como seitas e sociedades secretas; e a comunidade emocional, ou seja, uma vez que
congregam em uma mesma tribo, os indivíduos criam laços emocionais capazes de mitigar os
mais arraigados preconceitos, e em sua dinâmica, proporcionam a proxemia e o
pluriculturalismo. Maffesoli não trata as “suas tribos” como uma categoria, mas sim, como
uma metáfora, ponto observado criticamente por Magnani.
80
Este autor alerta para o uso
indiscriminado do termo “tribos urbanas”, amplamente citado, tanto na mídia, quanto em
trabalhos acadêmicos. Há, contudo, que se tomar certos cuidados com a expressão, afinal, diz
Magnani, a tribo, em seu sentido original, denota “uma forma de organização de sociedades
que constituíram o primeiro e mais significativo objeto de estudo da antropologia”, porém a
“tribo constitui uma forma de organização mais ampla que vai além das divisões de clã ou
linhagem de um lado e da aldeia, de outro. Trata-se de um pacto que aciona lealdades para
79
Maffesoli, 2006.
80
Magnani, 1992
“A metáfora, não traz consigo a denotação e todas as conotações distintivas de seu uso inicial. Por algum desses
traços é que foi escolhida, tornando-se metáfora exatamente nessa transposição: o significado original é aplicado a
um novo campo. A vantagem que oferece é poder delimitar um problema para o qual ainda não se tem um
enquadramento. É usada no lugar de algo, substitui-o, dá-lhe um nome. Evoca o contexto original, em vez de
estabelecer distinções claras e precisas no contexto presente”.
75
75
além dos particularismos de grupos domésticos e locais. E o que é que vem à mente quando
se fala em ‘tribos urbanas’? Exatamente o contrário dessa acepção”. Sobre as tribos
tradicionais, pensa-se logo em pequenos grupos bem delimitados, com regras e costumes
particulares em contraste com o caráter homogêneo e massificado que comumente se atribui
ao estilo de vida das grandes cidades. Não deixa de ser paradoxal o uso de um termo para
conotar exatamente o contrário daquilo que seu emprego técnico denota: “no contexto das
sociedades indígenas ‘tribo’ aponta para alianças mais amplas; nas sociedades urbano-
industriais evocam-se particularismos, estabelecem-se pequenos recortes, exibem-se símbolos
e marcas de uso e significado restritos”.
81
Ou seja, em outras palavras, a principal crítica que
se faz à metáfora empregada por Maffesoli é que na tribo indígena fortes barreiras de
entrada e de saída (Barbosa, 2004), ao passo que, em seus correspondentes “urbanos”, não
existem regras fixadas, além de freqüente circulação por muitas “outras tribos”, não sendo
necessária a lealdade, como mencionou Magnani.
Para Elias
82
o individualismo nasceu como conseqüência inevitável da urbanização, ou
seja, na ausência de grupos estabelecidos para exercer o controle e proteção (tribos, paróquias,
feudos, guildas), Estados altamente centralizados passaram a assumir esta função. Este
pensamento se coaduna com Giddens no que se refere à segurança proporcionada dentro das
sociedades tradicionais, ou tribos. Para Elias, “ nas sociedades estatais maiores, centralizadas
e urbanizadas, o indivíduo tem que batalhar muito mais por si. (...) E à medida que os
indivíduos deixam para trás os grupos pré-estatais estreitamente aparentados, dentro das
sociedades nacionais, cada vez mais complexas, eles se descobrem diante de um número
crescente de opções. Mas também têm que decidir muito mais por si. Não apenas podem
como devem ser mais autônomos. Quanto a isso, não m opção” (Elias, 1994a). Isso
certamente não os exclui dos diversos grupos em que atuam e participam criando sim as suas
redes de relações, e sujeitas, sim, ao escrutínio desses grupos. A escolha dos grupos também
poderá sofrer influências da classe social e do território de moradia.
A expressão “tribos urbanas”, porém, tornou-se um termo comum, articulado via
mídia, denotando os vários papéis assumidos em diferentes grupos sociais freqüentados, como
declara uma das minhas informantes. Ela afirma que tem seu próprio estilo de vestir, sua
personalidade, sua individualidade (a individualidade como um valor em si), mas procura se
adaptar aos meios por onde circula, sob pena de se expor ao julgamento de outrem, e,
81
Magnani, José Guilherme Cantor. Selvagens, desajustados?. Artigo originalmente publicado em “Cadernos de
Campo - Revista dos alunos de pós-graduação em Antropologia”. Departamento de Antropologia, FFLCH/USP,
São Paulo, ano 2, nº 2, 1992
82
Elias, Norberto. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994. Trad.: Vera Ribeiro.
76
76
submeter-se à zombaria, o-aceitação, críticas, e até, no pior dos casos, de acordo com
Giddens, vergonha; ou outras formas de controle. Ela emprega o termo tribo” em
consonância com a metáfora de Maffesoli.
“Depende da
tribo
, assim, se de repente eu no meio de pessoas que todo
mundo tem (roupas caras). Eu tenho muitas amigas que têm muito mais do
que eu. Assim, tipo, vo abre o armário dela, tem trezentos sapatos da
Gucci, Chanel, não sei mais o quê... Então, quer dizer, então todas estão
assim. Então se a gente fica conversando sobre isso, é normal. (...). Se, por
exemplo, eu vou falar com uma amiga minha que não tem tanta grana
assim e eu vou chego e começo a mostrar minhas roupas... pô, vai me
achar, sabe... Não é legal, eu acho, entendeu?” (informante, 39 anos,
moradora de Ipanema).
Na fala da informante, é possível notar uma particularidade de comportamento em
função dos grupos por onde transita. um cuidado em não “transgredir” as regras de
determinado grupo para evitar as sanções dos controles sociais.
Mas esse cuidado em fugir ao controle de outros grupos específicos, passa, sem
dúvida, pelas escolhas, que, conforme exposto acima, não são o livres assim, sendo
submetidas a diversas aprovações, ou mesmo tomadas com base na pedagogia, provindas de
diferentes fontes de informação. Neste caso, como definiu Giddens, especialistas de
plantão para informar o que está dentro do perímetro das escolhas possíveis e o que está fora.
Essas escolhas feitas com a pedagogia profissional, naturalmente, são o aprendizado” para
circular num grupo em que não se tenha o conhecimento de suas “regras tácitas”. Exatamente
como supõe Bourdieu (1993b), mas isso não se dá apenas entre diferentes classes sociais, mas
entre diferentes grupos urbanos.
Relaciono como ilustração alguns casos exemplares extraídos de uma comunidade
sobre moda na internet.
83
Alguns tópicos de discussão são criados exatamente como uma
forma de balizamento do que é a norma e do que é (ou está) sujeito à crítica, o que nos leva
mais uma vez a analisar em que situações e que gama de possibilidades são aceitáveis ou não,
e em que grupos. Muitas vezes uma peça condenada por um participante é resgatada em
seguida por outro.
83
Comunidades “O curioso mundo da moda” e “Moda Brasil”, ambas no site de relacionamento
(www.orkut.com).
77
77
Tópico: “Meu passado me condena” crítica à moda de um passado recente. O
distanciamento de 20 anos da década de 1980 faz desta época o atual “clássico do mau gosto”,
como relatam Alzer e Claudino: “Para elas (...) calça baggy e semi-baggy – de preferência da
Philippe Martin, que deixava as meninas parecendo palhaças, mas ninguém achava isso na
época”.
84
“Gente, não sei como aquelas malditas calças semi-bag existiram, e eu
adorava, que horror! Ainda bem que não tenho as fotinhas (sic.) usando as
malditas, iria rasgar todas!”
“Já usei ombreiras tão grandes nos anos 80, que dava pra dormir em mim
mesmo”.
“ Na minha Primeira Comunhão usei calça com ‘cintura’ no lugar, ou
seja... debaixo do braço”.
Tópico: “Erros da moda crítica ao que se usa na atualidade: controle social do
grupo.
“Jeans desbotado na bunda já de fábrica é muito brega”.
“Pochete. Ui... nem gosto da palavra, me causa calafrios!!!!”.
“...look iemanjá, com saião e vestidão brancos... ugh!”.
“Saias de chita florida. Parece pano de colchão”.
“Outra coisa que não é dirty wash, rasgões de fábrica... é um tédio.
Roupa se rasga com o tempo, não com o cartão de crédito”.
“Não dá. Fim de feira total. Além desses insistentes vestidos estampados
com ponta, o que bate em desparada (sic.) são os tais saltos de acrílico
estilo cachorra! Imperdoável! Com legging então... vixe!!!”
84
Alzer e Claudinho, 2004.
78
78
McCracken relata em seu livro
85
um episódio onde um certo sr. Thomas Bradshaw foi
exposto à humilhação de ter suas roupas dilaceradas sob as vistas da vizinhança, só por
infringir, com seu “vestuário excessivo”, os padrões impostos pelas leis suntuárias. Isso
ocorreu na Inglaterra do século XVI. Hoje, embora não haja mecanismos legítimos que
coíbam algumas formas de vestuário, a própria sociedade, baseada nos ditames dos agentes de
transferência e nas aprovações de grupos específicos, se incumbe de classificar o que pode e o
que o pode. Seus instrumentos de punição não passam de zombarias e comentários
sarcásticos, mas são estratégias para reconhecer quem está ou não no grupo.
Da mesma forma, os especialistas se tornam cada vez mais presentes no campo do
vestuário e moda: livros sobre estilo, proliferação dos títulos de revistas, novos campos
profissionais como o chamado personal stylist, ou seja, os recursos para evitar o “erro” se
multiplicam. Isso porque, se a moda era impositiva até a década de 1960, hoje ela ainda o é.
Porém, o que mudou foi a possibilidade de escolha dentro de um amplo leque de opções à
disposição, o que, ao contrário do discurso de exaltação à liberdade de escolha, dificulta
sobremaneira a seleção das peças que comporão um guarda-roupa. Aí está o ponto colocado
por Giddens em relação à segurança das sociedades tradicionais. Uma vez que o uma
“ajuda programadapara enfrentar a profusão de escolhas que se deve fazer na vida cotidiana
contemporânea, profissionais especializados em diversos aspectos da vida prática vêm
surgindo para guiar as seleções. Por isso, talvez, o visual básico seja uma forma menos
comprometedora, menos exposta à crítica, de se preparar para o escrutínio das ruas. Segue um
outro exemplo extraído do site de relacionamento, uma moça, insegura sobre a sua opção,
pede ajuda aos profissionais de moda que fazem parte da comunidade.
“Pergunta aos estilistas aqui presentes (...).
Oi pessoal, talvez o meu tópico não caia bem como um Armani aqui rs,
mas é que estou com dúvida. Aliás, eu nunca sei com que roupa eu vou.
Fui convidada para um casamento, que vai ser à noite numa igreja, e
comprei um tecido de cetim rosa. Não é aquele rosa que grita a 100 km de
distância. É uma rosa clarinho, bonito. Mas depois fiquei em dúvida, não
pela cor, mas pelo tecido. Fiz boa escolha? Pensei em fazer um vestido
longo e frente única com corte discreto na parte de trás, e com a saia um
pouquinho solta, tipo evasê. Nada de bordados, porque o cetim brilha, e
eu sou convidada, não sou madrinha e nem parente dos noivos. Será
85
McCracken, 2003:56.
79
79
que vou fazer feio, visual muito over? Bjo. Espero ansiosamente por
resposta” .
86
Para Elias, as relações que se estabeleceram nas sociedades que ele chama de
nacionais complexas, geraram o encapsulação e o isolamento dos indivíduos em suas relações
uns com os outros, controlando sozinhos as emoções e os instintos. A individualização tem
um paralelo com um processo de civilização, que, de certa forma, planta no indivíduo a
angústia e os sentimentos de vergonha ou embaraço. Elias se refere às intimidades do
indivíduo, o que, atualmente, é possível observarmos, não causa mais tamanha aflição. Posso,
no entanto, no atual contexto, transpor essas angústias para o território da moda. Aqui sim,
comportamento do vestir, cada vez mais sujeito a um “processo civilizador”, materializado
nas revistas e manuais de estilo, exposto ao escrutínio do outro, passivo de gerar embaraço e
vergonha.
Neste caso, se pensarmos nas inquietações de Crane com relação aos rumos que a
moda vem tomando, ou seja, obliterada no sentido em que a conhecemos, talvez o que
estejamos agora presenciando sejam novas regras para a concepção da moda, e só o
distanciamento nos dará a certeza sobre quais sejam essas novas regras. Por enquanto prefiro
ver a moda apenas como um dos códigos usados pelas minhas informantes para inspirar-se em
suas composições diárias de vestir.
86
Site de relacionamento <www.orkut.com> , comunidade Moda Brasil, tópico: “pergunta aos estilistas aqui
presentes”.
80
80
4. O CASO BRASILEIRO E O VESTIR CARIOCA NOS DIAS DE HOJE
“(...) com a inoculação da vergonha no corpo do inocente gentio pelos
jesuítas, camisolas de algodão branco cobriam as partes do homem e da
mulher: era a expulsão do Paraíso efetuada pelos portugueses que agiam em
nome da civilização”.
87
O que se vestia no Brasil, durante muito tempo, era a moda importada da França”.
Ainda quando a Família Real aportou por esses mares, o que usavam era pura influência
francesa, uma vez que, de acordo com o que diz o historiador Luiz Edmundo (apud Joffily,
1999), “Portugal nunca teve sua própria moda”.
Mas, se a roupa européia vingou aqui nos trópicos, a despeito de seus tons sóbrios e
tecidos pesados, foi também, indiretamente, por interferência de Portugal. Em 1791 os teares
brasileiros foram destruídos por ordem de d.Maria I. Depois disso, as máquinas passaram a ser
permitidas somente para a confecção das roupas dos escravos, de algodão pesado, própria para
a lida nas grandes fazendas (Galeano apud Joffily, 1999), abortando qualquer possibilidade de
se desenvolver a própria indústria têxtil. Todo o vestuário então deveria ser trazido da
metrópole, e vinha, aparentemente, com larga freqüência, indiferente à moda, com pouco a ser
registrado. Esta era uma época ainda pobre no que se referia aos modos de vestir próprios da
colônia.
87
Extraído de DA OCA, 1965.
81
81
Durand (1988) atenta que em três culos na condição de colônia de Portugal, o Brasil
vivia um tempo de pouca vida cultural, e a mulher resignava-se a reclusão doméstica,
esperando pelo envelhecimento do corpo, que não tardava chegar. O descuido pessoal e a
incultura a levavam a desempenhar um papel secundário na vida social. Xales e mantilhas,
herança do comércio português com o oriente, eram os adornos da rua, usados pelas mulheres
em raras ocasiões de exposição como nas procissões e festejos religiosos. Segundo Gilberto
Freyre (1977):
“Nos princípios do século XIX, São Paulo, capital de certa importância
(...) suas senhoras não apareciam às visitas”. (...)
Foi no Rio de Janeiro, corte, primeiro dos Vice-Reis, depois do Regente e
do Rei, e finalmente do Imperador, que a mulher começou a aparecer aos
estranhos. Mas aos poucos. Em 1832 um viajante ainda se queixava das
casas de ‘muros altos, janellas (sic.) pequenas, e portas ainda mais estreitas’
onde um estrangeiro dificilmente conseguia penetrar porque ‘lá dentro
imperavam maridos ciumentos e brutaes (sic.)’. Maria Grahan notara,
alguns anos antes, que a moça solteira nem às festas e casamento
comparecia. E o Comandante La Salle debalde procurou mulheres da
sociedade nos passeios públicos e nas ruas do Rio de Janeiro. Elas
principiaram a aparecer de rosto descoberto nos bailes e nos teatros”.
88
A vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, provocou muitas
mudanças na cidade, que a partir de então, passara a ser a sede do reino. Eram os primeiros
contatos do povo local com a nobreza européia e sua indumentária que as naus lusitanas faziam
chegar às ruas da colônia. Mas, uma medida fundamental para as modificações no vestuário
dos habitantes daqui veio em seguida.
Ainda que, em causa própria, dom João VI, em janeiro de 1808, abriu “os portos às
nações amigas”, o que significava, na prática, à Inglaterra. Os portos de Lisboa e Porto
estavam ocupados pelos inimigos franceses, e aqueles eram os pontos de negociação entre o
Brasil e a Europa, por isso, tornou-se inevitável a permissão para uma atuação comercial de
maior vulto entre o Brasil e as potências que se conservem em paz e harmonia com a minha
Real Coroa”, conforme texto do decreto. Além disso, a Família Real aqui instalada demandava
88
Freyre, 1977:38-39. Em nota, Freyre explica que La Salle, que fez a volta ao mundo entre os anos 1837 e
1839, reparara: “(...) se por seu aspecto, a cidade do Rio de Janeiro lembra as cidades da Europa, o povo que
circula em seus quarteirões mui depressa destrói essa ilusão. Os homens, e sobretudo as damas da sociedade
brasileira saem pouco de casa. Não as vemos, como suas semelhantes em França, aparecer nas ruas ou nos
passeios públicos”.
82
82
os mesmos padrões de consumo que em terras portuguesas. Em abril deste mesmo ano, outro
decreto revogava a proibição das manufaturas no Brasil, que, como vimos, haviam sido
eliminadas por d. Maria I. O desenvolvimento manufatureiro, porém, não conheceu muitos
progressos neste tempo. A concorrência inglesa e o regime escravocrata ainda eram fortes
entraves ao desenvolvimento da manufatura brasileira.
89
A grande novidade era o Rio de Janeiro tornar-se, ainda que temporariamente, capital
do reino, e isto fez com que os hábitos das pessoas que aqui viviam também sofressem muitas
transformações. Graças às reformas na cidade, incluindo-se aí a iluminação pública, as
mulheres passaram a sair mais, a ir mais às ruas, a se expor mais, e, conseqüentemente, a se
preocupar mais com o que vestir. Quem vai às ruas precisa de um número maior de trajes.
Além disso, a nobreza de Portugal introduziu nessas terras os hábitos sociais mais corriqueiros
da corte: “recepções, casamentos, batizados, cortejos, jogos, óperas, enfim, o luzir dos fidalgos
davam modelos e incitavam imitações” (Priori, 2002). Se, antes disso, em um período de
reclusão doméstica feminina, a figura do mascate era preponderante para o comércio das
novidades vindas de fora, incluindo-se as miudezas e novas modas, agora a visita do
comerciante fora substituída pelos passeios à rua do Ouvidor, onde, a partir de 1830, os
franceses se estabeleceram comercialmente. As ruas então incitavam as pessoas e, em
especial, as mulheres, que, pela maior exposição, passaram a buscar maior esmero no vestir.
Novas lojas repletas de novidades faziam a alegria das mulheres e a ruína dos maridos,
ou, como dizia Machado de Assis, a rua do Ouvidor era “a via dolorosa dos maridos pobres”
(apud Joffily, 1999). Lá se falava mais francês do que português. Com o vapor substituindo a
vela na travessia entre a Europa e o Brasil, as mulheres das classes dirigentes começaram a ter
acesso mais rápido ao que era moda na Europa. Os artigos importados atendiam a uma
clientela dividida da seguinte forma: os ingleses vestiam os homens, e os franceses, as
mulheres. Gilberto Freyre (1977) lembra que os rapazolas recém-chegados da Europa exibiam
orgulhosos seus novos trajes pelas ruas do Rio de Janeiro. Eles iam à Europa para completar
os estudos e voltavam trazendo a cultura européia e a diferenciação através das roupas pesadas
e de cores escuras para uma temperatura que beirava os 40°.
A inadequação dos trajes ao clima brasileiro não chegava a abalar a hegemonia francesa
no campo da moda no Brasil, até porque esta era a referência da elegância. Mas, ao que
parece, as mulheres européias em visita aos trópicos não aprovavam o descuido caseiro ou até
talvez uma ou outra adaptação dos trajes de ao clima daqui. Em visita ao Rio de Janeiro na
89
Para mais informações, ver sites <www.culturabrasil.org.br> e <www.brasilcultura.com.br>.
83
83
primeira metade do século XIX, uma certa Rose Marie Freycinet
90
observou as mulheres na
Corte. Sobre a princesa dona Leopoldina, ela disparou: “Não pude ver nas maneiras da
Princesa Real a aparência nobre e tão cerimoniosa de uma dama vinda da corte da Áustria”.
Mas notou que as damas locais iam à igreja com a estampa que uma francesa usava para ir a
um sarau: decotes e jóias chamaram a atenção de Freycinet. Era o desalinho casual do
cotidiano contra os excessos das ocasiões especiais. a “embaixatriz da Holanda
excursionando pela Tijuca com um precioso vestido de rendas e musselina e sapatos de cetim”
que ao fim do passeio o prestam para mais nada, se transformaram em farrapos enlameados,
talvez tenha se dado conta da inadequação das suas roupas ao clima quente e úmido e à
paisagem bucólica dos trópicos. Outra observadora européia, desta vez uma inglesa, Maria
Grahan, mostrou-se chocada com as vestimentas caseiras das senhoras de sociedade. Sentiu
falta dos espartilhos, comuns na sua terra àquela ocasião, e reparou que as brasileiras de então
viviam bem à vontade” dentro da própria casa. Dizia ela sobre as mulheres da sociedade
baiana: “dificilmente poder-se-ia acreditar que metade delas eram senhoras de sociedade.
Como o usavam espartilhos nem coletes, o corpo tornava-se quase indecentemente
desalinhado logo após a primeira juventude, e isto é tanto mais repugnante quanto elas se
vestem de modo muito leve, não usam lenços ao pescoço e raramente os vestidos têm qualquer
manga”.
91
O luxo de pequenos eventos como um espetáculo teatral, por exemplo, contrastava
fortemente com o desleixo caseiro. Um luxo, de acordo com Maria Grahan, desnecessário para
as ocasiões em que apareciam (Priori, 2002).
que se registrar outra forma de manter-se na moda de acordo com os padrões
franceses: as revistas femininas circulavam pela cidade, permitindo às costureiras, muitas de
origem italiana com sotaque afrancesado, confeccionar o que estivesse ao alcance das senhoras
de então, principalmente para aquelas que o dispunham de recursos para comprar os
produtos importados.
Souza (1987) descreve como era a vida da mulher no século XIX, uma eterna busca por
um marido que lhe proporcionasse segurança, em conformidade com as regras sociais de
então. O fato de não se casar era uma verdadeira sentença de desprestígio social. O trabalho
feminino no Brasil não era até então uma prática comum, limitando-se às tarefas domésticas e
de ensino.
90
Segundo a revista O Cruzeiro (nov.1965), Rose Marie era esposa do guarda-marinha Luis Claude de Soulces Freycinet,
um francês da academia que viajava pelo mundo com interesses científicos.
91
Extraído de DA OCA, 1965.
84
84
“Mas, se não se casando a mulher via o seu prestígio na sociedade
diminuído, dedicando-se ao trabalho remunerado descia imediatamente de
classe”
92
.
Este modelo de comportamento feminino lembra o modo como Crane (2006) descreve
a vida das francesas neste mesmo período: “aquelas que permaneciam solteiras, geralmente por
não possuírem um dote, contavam com recursos muito limitados e eram obrigadas a suportar
uma existência marginal”
93
. As mulheres inglesas e americanas, ao contrário, possuíam, no
século XIX, muito mais liberdade e opções fora do espaço doméstico” (Crane, 2006). As
americanas, com o advento da guerra civil, precisaram assumir posições tipicamente
masculinas (muitas já assumiam, ainda antes deste período). A oposição ociosidade x trabalho
remunerado começa a aparecer neste período. Trajes que o permitissem, mas
enaltecessem a ociosidade, com pouca liberdade de movimento, descreviam a mulher de certa
posse, que não precisava, ou aque desprezava quem tivesse de se aventurar no mercado de
trabalho. Já a mulher que participou, de alguma forma, de tarefas remuneradas fora do
ambiente doméstico, precisou adaptar o seu vestuário a uma rotina de maior movimentação, em
busca do conforto e, ao mesmo tempo, de respeitabilidade, uma vez que, ainda nos Estados
Unidos o controle social das mulheres nesta época era muito forte. Crane (2006) faz referência
à hostilidade com que a médica Mary Walker foi recebida por seus companheiros no Exército
ao conseguir com o Congresso o direito de usar calças. A conotação de lesbianismo, ou de
mulher masculinizada, ainda estava fortemente presente naquela sociedade.
Enquanto isso, a mulher brasileira vivia um dilema de comportamento. Encontrar um
marido era de vital importância para mantê-la dentro das expectativas sociais, mas, por outro
lado, a rigidez dos códigos morais de então a impediam de agir deliberadamente em jogos de
sensualidade para praticar a conquista. Assim, esta mulher viu no vestuário o caminho para a
sedução. A roupa, então, passa a ter a função de esconder partes do corpo que não coincidem
com os ideais socialmente construídos, e de exaltar ou valorizar os atributos que melhor se
encaixavam nesta concepção. Por exemplo, a roupa que evidencia os quadris, revela o colo,
molda a cintura. Aqui vemos a roupa, neste caso a feminina, como um elemento sensual no
jogo da conquista. A oposição dia x noite também será manipulada neste sentido, sendo a noite
mais liberada e propícia para apresentar os códigos de sensualidade, e o dia mais recatado,
próprio para a utilização de roupas casuais.
92
Souza,1987:91.
93
Crane, 2006:220.
85
85
“Durante o dia eram menores os sustos, pois imperava a simplicidade e o
recato (...). Com a noite, porém vinha uma mudança arbitrária nas regras de
decência, e sempre havia a esperança de que, no teatro ou no baile, o
vestido sublinhasse melhor a graça do corpo e os decotes deixassem
transbordar os braços e colos nus” .
94
A moda dos anos 1930 no Brasil experimentou novidades que iam da indústria têxtil
nacional em expansão às edições nacionais de revistas femininas, pela primeira vez abrindo
espaço para o trabalho de adaptação da moda européia por brasileiros (Durand, 1988). Por
força da crise econômica dos anos 1930 e Segunda Guerra Mundial, o governo brasileiro se viu
obrigado a suspender as importações, mantendo apenas uma pequena parcela (cerca de 10% a
20% de tecidos finos, mais caros).
Uma nova influência dava os ares da graça no mercado brasileiro, a moda de
Hollywood. Isso tudo chegava ao conhecimento das brasileiras através de revistas
especializadas ou de seções femininas em revistas de grande circulação como O Cruzeiro.
Lojas como a Sloper e A Imperial na rua Gonçalves Dias, já na década de 1940, ofereciam às
suas clientes as novidades de Nova York, fosse pela cópia dos modelos, fosse pela
correspondência com os estilistas de lá (Nacif, 2002).
Em 1947 Christian Dior revitalizou a moda francesa com o new look. O traje, uma
inversão da proposta americana de utilizar cortes retos para evitar o desperdício de tecido num
mundo recém-saído de uma grande guerra, trazia saia ampla, com profusão de tecido, uma
imagem bastante feminina, diferente da basic body com ombros largos e estruturados por
ombreiras e saia logo abaixo do joelho. Apesar de duramente criticado pela imprensa sob a
alegação de que o modelo era uma afronta ao clima de racionamento da época”, as mulheres
aprovaram e fizeram dele objeto de desejo da época. Elas pareciam o ver a hora de se
libertar dessa espécie de embargo” da moda. Até o número de botões era controlado pelo
governo. O new look foi prontamente adotado por mulheres brasileiras, que, nem por isso,
desprezaram as calças compridas justas na altura dos tornozelos. Moda francesa e americana
conviviam nas ruas das cidades brasileiras. As mulheres da classe média compravam revistas
com modelos franceses, ao mesmo tempo em que freqüentavam os cinemas, prontas para
copiar os modelos vindos de Hollywood.
Esta época (década de 1950) também foi marcada pelo crescimento das indústrias
têxteis de forma avassaladora. para lembrarmos o início deste tópico, o Brasil foi
94
Souza, 1987:94.
86
86
autorizado a retomar suas manufaturas ainda durante o período em que dom João VI esteve por
aqui, mas esta indústria só tomou impulso na segunda metade do século XX. Segundo Durand
(1988), nos anos 1950 e 60 a indústria de confecções teve enorme progresso no Brasil. Para
garantir a adesão dos tecidos nacionais, os industriais buscaram ajuda técnica na França
(Durand, 1988) e agentes de transferência (McCracken,) do jet set nacional. Costureiros,
colunistas sociais e mulheres da alta sociedade foram recrutados” para propagar e “formar o
gosto” tendo como base o produto nacional.
Durand (1988) conta que a Rhodia era uma empresa que, na década de 1960, convidava
profissionais brasileiros a criar moda com os tecidos sintéticos que fabricava. Com a
popularidade e as metas de vendas da Rhodia atingidas, a empresa deixou então de promover
acordos com os estilistas brasileiros. A moda do Brasil voltou à estaca zero, tendo como
principais concorrentes os modelos parisienses trazidos pelas mulheres de classe média alta e
alta que podiam viajar com freqüência e trazer novidades de lá (para si e para as amigas).
Este período, no entanto, conheceu alguns dos nomes que se celebrizariam mais tarde
através da mídia. Eram jovens estilistas que buscavam o reconhecimento do seu trabalho, sem
recorrer à “inspiração” francesa. Dener Pamplona de Abreu e Clodovil Hernandez estavam
entre eles. Mais tarde, na década de 1970, a mineira Zuzu Angel viria juntar-se aos
importantes nomes da moda nacional.
No Rio de Janeiro da década de 1970, as minissaias e os modelos ditos unissex
passeavam pelas ruas das capitais brasileiras, e o jeans estava em toda a parte, não nos
cabides na forma de saias e calças para qualquer dia, qualquer ocasião: “luxo, esportivo, social,
caríssimo ou popular” (Bahiana, 2006:241), como nas almofadas, bancos de automóveis e
outras aplicações.
As novelas ganhavam fôlego, primeiro na TV Tupi e, em seguida, na então recém
inaugurada TV Globo, abrindo caminho para a massificação das peças mostradas pelos
personagens, e mais tarde se consolidando como importante fonte de legitimação das peças
exibidas. Ruth Joffily (1999) relembra personagens e seus estilos amplamente copiados pela
mulher brasileira: Sônia Braga lançando a meia de lurex em Dancing days, Letícia Spiller
consagrando o short na novela Quatro por quatro, entre outras intérpretes tão fortes quanto
suas personagens. E isso não acontece somente com as mulheres, como era de se pensar.
Bahiana (2006) lembra que Tarcísio Meira, em 1973, legitimou o salto alto para homens, tudo
por conta das botas usadas pelo seu personagem na novela Cavalo de aço da TV Globo. Na
comunidade sobre moda, o tópico “Meu passado me condena” revela constrangimentos de
modas passadas, um rapaz se lembrou desta novela e confessou que usava:
87
87
“...Camisa cacharrel, daquelas manchadas com água sanitária e grudada no
corpo, calça boca de sino e sapato ‘cavalo de aço’... eita, e escutando
Yellow River... CÁSPITA!”
E se as novelas celebrizaram tantos atores, isso deu a eles uma posição “canônica” para
legitimar uma moda. É como se dessem uma permissão para que as pessoas utilizassem
determinadas peças, escapando ao controle social. Por exemplo, se os homens ainda se
limitavam às cores sóbrias instaladas em seus guarda-roupas desde o século XIX, na década de
1970, o ator José Wilker se arriscava pelas ruas de Ipanema com o visual cor-de-rosa de cima a
baixo, desafiando as convenções do vestuário de então (Bahiana, 2006) e legitimando o homem
“mais colorido”.
A telenovela é o romance da atualidade e, não fosse desse modo, outros estímulos
poderiam trazer à tona o desejo por um novo estilo de vida, como descreveu Campbell (2001)
com relação à aparição do romance como forte motivador na criação do day dream. Ainda
assim, é muito fácil encontrarmos quem critique ferozmente a moda da TV como se fosse algo
menor, exatamente por ser um veículo de massa que populariza determinadas modas.
“Nossa, odeio modinha de novela!!! Terra nostra, jade, darlene (ninguem
merece...!!)”.
95
Lembrando Arlindo Machado, a televisão parece estar sempre na berlinda porque
possui alcance massivo em relação, por exemplo, a qualquer romance literário,
96
“a mais baixa
audiência de televisão é, ainda assim, uma audiência de várias centenas de milhares de
telespectadores, e, portanto, muito superior a mais massiva audiência de qualquer outro meio,
equivalente à performance comercial de um best seller na área de literatura” (Machado, 2003:
30).
Se, no Brasil, a TV como mídia é de importância fundamental para grandes
anunciantes, as novelas, segundo Gomes (1998), legitimam e reproduzem a realidade social do
Brasil, uma vez que sua força está numa enorme capacidade de representação social”, isso,
sem dúvida, se reflete nas inúmeras cartas de populares solicitando as referências de uma ou
95
Usuário do Orkut, participante da comunidade Moda Brasil, respondendo ao tópico “vícios da moda e/ou
modinhas irritantes”.
96
Para mais detalhes, ver Machado, 2003.
88
88
outra moda usada pelos personagens das telenovelas, e atinge mulheres de diversas classes
sociais e variadas faixas etárias (Joffily, 1999; Durand, 1988).
“Agora tem uma que eu olhei, que eu falei: eu quero, e comprei duas, foi
essa aqui. É de uma lojinha, em Copacabana: Mamãe que Fez, que a
Bebel, da Grande Família
, ela usa essas saias. É linda! Tem essa e tem
mais uma igualzinha”. (informante, 29 anos, moradora das Laranjeiras)
Calças baggy e semi-baggy, pochetes, leggings, ombreiras, polainas, tudo isso parece,
no imaginário popular, fazer parte de um passado distante e para ser enterrado, causando, nos
dias de hoje, constrangimento. Abaixo alguns depoimentos encontrados no tópico Meu
passado me condena”
97
de uma das comunidades sobre moda de um site de relacionamento na
internet:
“...láaaaa nos anos 80, não resisti aos apelos de uma bee e submeti meus
lisos cabelos a uma bela permanente... tudo bem que faz muuuuuuuuuito
tempo, foi praticamente em outra vida, mas até hj tinha isso de atravessado
(sic.)... mea culpa! Mea culpa”.
“Num deu pra causar nos 80’s, mais (sic.) lembro-me bem, quando sai com
a bota da xuxa (que era da minha irmã, e fui ao park (sic.)de diversões com
ela... uma xoxação (sic.) só”.
“Adorava usar aquelas calças semi-bags, putz! Coisa feia... e os blusões,
cafonaaaaaaaaa, parecia um espantalho”.
Outras críticas, desta vez, em especial para as pochetes e leggings, duas peças que eram
consideradas “moda” nos anos 80, e que hoje são interpretadas, numa leitura metonímica,
como ícones que representam alguém que tenha mau gosto, sujeito a forte controle social:
“Pochete. Ui, nem gosto da palavra. Causa-me calafrios”.
“Pochete já é um clássico do mau gosto”.
98
“Saia em cima de legging ou calça”.
99
97
Tópico da comunidade “O curioso mundo da moda”, no site relacionamento <www.orkut.com>.
98
Tópico “Vícios da moda ou modinhas irritantes” na comunidade Moda Brasil, no site de relacionamento
<www.orkut.com>.
89
89
Dentro da classe dia estudada é possível reconhecer um movimento em relação à
moda, desencadeando as seguintes reações:
1. Estranhamento
: há, num primeiro momento, certo desconforto em relação àquilo que
é lançado e que se distancia em certa medida dos padrões vigentes. Da mesma forma que a
calça de Amélia Bloomer chocou a moda européia no século XVIII,
100
uma informante (38
anos, moradora da Lagoa) declarou que “não usaria calças com o gancho baixo”, como as que
estão nas vitrines ultimamente, mas admitiu, “aí a gente começa a ver as pessoas na rua usando
e começa a se acostumar... é... pode ser que eu ainda use uma calça de gancho baixo”. Então
passamos à segunda reação.
2. Adoção
: os agentes de transferência, conforme definição de McCracken, começam a
agir, mostrando as diversas formas e contextos (Davis, 1994) em que a roupa pode ser usada,
através de publicações sobre moda, vitrines, celebridades. Pelo que pude apurar, as mais
jovens são as primeiras a adotar, com um olhar um pouco mais afeito às novidades. Logo em
seguida a adoção se horizontaliza, alcançando outras faixas etárias. Isso o sinaliza, no
entanto, para um movimento trickle-down etário. O que pude apurar em relação às mulheres
mais velhas é um senso crítico maior em relação a determinadas peças, selecionando aquilo
que melhor lhes convém. Com o passar do tempo, no entanto, e a vinda de outras modas, o
olhar muda e passamos assim, à terceira atitude.
3. Saturação
: ocorre quando um modelo está horizontalizado e começa a haver um certo
incômodo de vestir-se “igual a todo mundo”, seguindo-se a um desejo de individualização.
4. Crítica
: esta é exatamente a fase dos exemplos que coloquei acima sobre os anos
1980. Este olhar crítico a qual me refiro se dá num contexto diacrônico, em meio à propagação
de novas formas, novos modelos. E essas novidades não se dão apenas no campo do vestuário,
mas da estética corporal, incluindo cabelos, maquiagem e outros “modismos”. Assim, no
exemplo em que mencionei a legging, uma calça em tecido sintético grudada no corpo, usada
com camisas compridas, túnicas ou vestidos, muito em voga nos anos 1980, os participantes da
comunidade virtual sobre moda desenvolveram um olhar extremamente crítico, o que atua nas
reações próprias dos controles sociais, criando naquelas mulheres que admitiram ter usado uma
legging um certo constrangimento, um sentimento de vergonha, tal como o descrito por
Giddens (ver seção 3 desta dissertação). Mas, exatamente neste momento, as revistas de moda
“relançam” a peça como a tendência da última estação, o que me faz concluir que o tempo cria
99
Ibid.
100
Ver seção 3 desta dissertação.
90
90
ainda uma nova atitude em relação a essas mesmas peças: o distanciamento e o olhar sobre o
clássico.
5. Distanciamento
: algumas modas retornam ao contexto do novo, apenas revitalizadas
com um ou outro toque de diferenciação, o que os estilistas chamam de “releitura”. Roupas
que marcaram uma determinada época, evento ou comportamento retornam à ordem do dia
como clássicos que são incorporados à moda atual.
Para lembrarmos a terceira seção deste trabalho, é na década de 1980 que as marcas
adquirem valor financeiro e, portanto ganham importância singular no cenário da moda. No
Brasil, é ainda um momento em que as marcas importadas eram raras nas lojas e tinham preços
bastante altos. Fiorucci e Benetton (ambas fabricadas no Brasil) foram duas marcas italianas
que se estabeleceram ainda no final dos anos 1970. No rastro delas, vieram as nacionais.
Assim, alguns pequenos empresários se aventuraram na criação de marcas
genuinamente brasileiras, principalmente com apelo para os jovens, com destaque para a
chamada moda praia. É desta época a Company, um dos nomes mais desejados pelos
adolescentes de então. Os surfistas Mauro Taubman e Luis de Freitas Machado ocuparam um
prédio de dois andares em Ipanema para criar a Company, marca jovem com peças de cores
vibrantes e uma mochila emborrachada que virou febre entre os adolescentes. Outras marcas
brasileiras faziam sucesso: Cantão 4, Maria Bonita, Blue Man, Zoomp. Os shopping centers,
que começaram a aparecer no Brasil ainda na primeira metade dacada de 1960, começaram
a assomar com maior freqüência no Rio de Janeiro a partir dos anos 1980 (Padilha, 2006),
possibilitando a ampliação dos negócios da indústria da moda local e, em especial, das marcas
brasileiras.
4.1. CORPO, IDADE E CONTROLE SOCIAL
“Todo homem é construtor de um templo que é o seu próprio corpo. Somos
todos escultores e pintores, e o material é nossa própria carne, sangue e
ossos” (Henry D. Thoreau)
Ainda que o final da história não tenha sido feliz, o desejo de Dorian Gray parece
pertencer à condição humana, uma forma de aplacar a angústia da morte. Segundo o autor da
trama, o irlandês Oscar Wilde, “a melhor maneira de resistir a uma tentação é ceder a ela”, e é
91
91
o que faz o seu personagem. O livro O retrato de Dorian Gray foi escrito em 1891, mas o
assunto parece muito atual, e em conformidade com o vestuário.
101
Vestuário e corpo comungam na formação da imagem do indivíduo, e aqui nos
encontramos em uma bifurcação que retoma uma estrada única mais adiante, ou seja, os
contornos do corpo e os ideais de juventude. Lipovetsky (1989) aponta os anos 1950 e 1960
como um período de ascensão dos valores hedonistas e de uma cultura jovem, que ao exprimir
um estilo de vida “emancipado, liberto das coações, desenvolto em relação aos cânones
oficiais” pôs de lado, por exemplo, o conceito de vestuário luxuoso. “Aparentar menos idade
agora importa muito mais do que exibir uma posição social”, e, contestando o que pressupunha
Veblen (1980),
102
“o descuidado, o tosco, o rasgado, o descosturado, o desmazelado, o gasto, o
desfiado, o esgarçado, até então rigorosamente excluídos, vêem-se incorporados no campo da
moda” (Lipovetsky, 1989:121).
A velhice, no entanto, é vista como um flagelo, desde os tempos antigos na Grécia, pois
“aniquilava a força do guerreiro” (Mascaro, 1997). No caso da mulher, lembra Mascaro, a
velhice possui uma conotação ainda mais impiedosa, uma vez que, se o folclore e a mitologia
revelam o homem idoso como uma figura cheia de vigor, bondade e sabedoria, à mulher ficou
reservada uma imagem associada ao feio, à maldade, às bruxas. Na mitologia grega, as Gréias
eram três irmãs consideradas monstruosas e que já nasceram velhas. Elas moravam no país da
noite, onde nunca brilhava o sol (Mascaro, 1997).
Monteiro (1998) associa os vários tipos femininos com as deusas gregas tomando como
base a sua atitude diante da vida. Um dos tipos relacionados é o da deusa Afrodite, a que “traz
beleza efêmera, valoriza roupas, flores, bordados”. É como Oxum na mitologia nagô, cultiva a
beleza e a vaidade. Esta mulher revelará uma preocupação desmedida com a preservação dos
seus traços e vitalidade, esforçando-se para protelar as marcas do envelhecimento no corpo a
o limite do possível.
Aqui, a classificação jovem x velha no armário das mulheres possui uma relação
imbricada com o corpo e o condicionamento físico. A passagem do tempo parece marcada por
alguns rituais que farão do modelo da roupa uma panóplia para enfrentar a nova condição: a
conquista de um emprego, o casamento, o nascimento dos filhos, a chegada dos netos.
101
A história de Wilde gira em torno de Dorian Gray, um jovem bonito e cativante, que, sendo amante dos
prazeres da vida, faz um pacto onde o seu corpo se mantém jovem, enquanto os efeitos da idade incidem sobre o
retrato pintado por um amigo.
102
Ver seção 3 desta dissertação.
92
92
“Por exemplo, vestido, é raro vome ver usando durante o dia. Coisa que
na época da Coca-Cola, usava vestido, saia, de noite. Até meu marido
falava: ‘Você tem que mostrar as pernas, você tem as pernas bonitas!’. Quê
que mudou? Número um: eu tive dois filhos. Então, você ficar nesta
posição, assim, de saia, não gosto. É, abaixada, com o bumbum arrebitado
pro ar. Não gosto! De ficar assim de saia, nem de vestido. Ou decotão! Vou
pagar sutiã pra todo mundo? Então, eu tenho vestido... você vai ver, eu
adoro vestidos! Mas eu vou sair de noite” (informante, 33 anos, moradora
da Lagoa).
Roupas que me parece (sic.) mais velha eu não uso! Roupa que tem cara de
coroa, o uso mesmo! Procuro sempre dar uma remoçada na roupa,
entendeu? Ah, tem (marcas que não usa de jeito nenhum)! Passo longe! No
Rio Sul tem algumas, é a Rouge, a Mademoiselle tem umas roupas coroas,
coisas assim, desse gênero. eu não gosto. Realmente eu nem olho, passo!
(informante, 48 anos, moradora da Lagoa).
O corpo que parece jovem é motivo de orgulho, como um prêmio:
“Eu estava em Montreal e nós fomos fazer uma viagem de Montreal pra
Quebec, então nós fomos de ônibus eu e meu marido. Eu fui bem
garotona: botei um shortinho, bem lindinho toda linda, mas de shortinho,
de camiseta, de boné, mochila, então isso faz 2 anos, eu tinha 48 anos.
Quando chegamos pra comprar a passagem a senhora que tava no guichê
falou assim: o documento de identidade dela. Aí meu marido: mas ela é
minha esposa! Ela: não, com identidade. E eu tive que mostrar minha
identidade pra ela ver que eu não era menor de idade, e eu tava com 48
anos! (Risos) Essa história eu sempre conto, porque eu acho que aquela
roupinha que eu tava vestida, virei uma menina, de boné” (informante, 50
anos, moradora da Glória).
O controle social está presente em qualquer sociedade, seja na forma de coerção,
mexericos ou zombaria. Evans-Pritchard (1978), em seu trabalho sobre os Azande, revela uma
forma de controle social peculiar, a bruxaria, que, para Gillies (1978), era um instrumento
social, um sistema de controle, com o qual regulava-se social e moralmente o grupo. Tais
mecanismos de controle, segundo Berger e Luckmann (1985), existem “em todas as
aglomerações de instituições que chamamos sociedades”. Conforme exposto anteriormente,
no passado, as leis suntuárias cuidavam de estabelecer o controle sobre o uso das roupas de
93
93
forma coercitiva. Atualmente o mexerico e a zombaria são as formas mais comuns de controle
social no que se refere ao vestuário. Nas instituições constituídas formalmente, como escolas e
empresas, o controle socialo é apenas baseado nos comentários de cunho moral dos
participantes, mas também operam na forma de constrangimentos e são passíveis de sanções,
se não de forma objetiva, pelo menos de maneira velada, como o adiamento ou cancelamento
de promoções, ou ainda alijando o indivíduo de reuniões e decisões importantes dentro de uma
organização, por exemplo.
No caso do vestuário no Brasil, o controle social que ocorre na forma de zombaria
parece muito mais voltado para a adequação do corpo às diversas modas. É senso comum, no
entanto, que a elegância está naquela mulher que tem conhecimento do próprio corpo e que
sabe usar a roupa para passar uma imagem harmoniosa de si. O vestuário pode ser uma saída
para escapar ao controle social, quando equilibra uma imagem elegante com as “imperfeições”
corporais inerentes ao tempo; ou, ao contrário, dar motivo às ironias e comentários jocosos
próprios para quem se vestiu com inadequação em desacordo com um código tácito inserido no
seio das sociedades modernas.
Retomando a metáfora de “tribo” de Maffesoli, mas utilizando-a com o devido cuidado,
conforme expus na seção 3, cada pequeno grupo social formado nas sociedades modernas
adere a uma forma de vestir-se. Fugir a esta regra pode, por um lado, significar uma barreira
de entrada no grupo, uma barreira frágil e não totalmente intransponível. Mas, por outro, o
vestuário que possua melhor adequação aos códigos do grupo facilitará o contato e a adesão.
Ou seja, a roupa inadequada não fecha portas, mas encontra uma dificuldade maior para abri-
las.
É claro que têm barreiras. Eu cheguei numa festa tica, e eu tava num
jantar com os meus pais, eu tava por acaso com um vestido rosa e um
sapato boneca, e eu sou muito pequenininha, eu tenho cara de mais nova do
que eu sou, então as pessoas acharam que... nada a ver, sabe? Acabei me
sentindo legal, porque eu fiquei me sentindo a mais diferente do lugar
inteiro: todo mundo de preto e eu com um vestido e sapatinho rosa. Sentia
um pouco olhares estranhos, mas... assim... os lugares que eu freqüento
normalmente são pessoas que não ficam julgando os outros, então não é
tanto assim” (informante, 23 anos, moradora da Glória).
Atributos como beleza e juventude podem facilitar o trânsito nas mais diversas “tribos”.
Por isso, as mulheres mais jovens se sentem mais confiantes para ousar um pouco mais em
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seus guarda-roupas, e sair às ruas, passando pelo escrutínio público, e tomam a atitude de sair
na frente com as novidades. Na medida em que amadurecem, estabelecem novas normas de
vestir, restringindo seu campo de escolhas, refletindo um pouco mais sobre a adequação das
novidades e se mostrando mais integradas aos códigos já estabelecidos.
“Tipo... eu acho andar seminua um horror, com uma saia de um palmo e
um top, eu acho isso um horror. Não tem como explicar isso, porque
outro dia eu saí seminua por aí. Mas foi diferente, foi um estilo todo,
tava com um maiô de lurex; eu saí com maiô e calça, mas maiô todo
aberto atrás, tava bem seminua. Eu me sentia pelada...” (informante,
23
anos
, moradora da Glória).
“Eu sou muito clássica, Solange, não é uma coisa nem moda, nem nada.
O que eu acho que veste bem, o mais clássico possível, não sou muito de
decotes, cortes, o sei o que, não.
O que cai bem e não vou errar
,
sabe? Que eu me sinto melhor, daí aquela coisa: não sei se aparecendo,
não sei se marcando, não gosto (informante,
39 anos
, moradora das
Laranjeiras).
“...eu tenho 35 anos, então eu acho que isso é relevante. De uns três,
quatro anos pra cá, eu tenho sentido mais assim... eu não me sinto à
vontade com roupas que antes eu me sentia muito à vontade. Um
exemplo clássico disso é a roupa curta. Eu não me sinto à vontade com a
roupa curta mais...não legal.. isso não bom... e não é nem o que é
que as pessoas vão pensar... é assim... é eu realmente pensar de que aquilo
não está legal. Então, eu fui muito mais diferente, eu tive coisas que
eu considero muito mais diferentes, assim... usava umas saias de pelúcia
inacreditáveis... umas botas de vinil... sabe... memoráveis, que são coisas
que eu guardo, porque.. assim... virou relíquia. Eu digo, caramba, eu
usava uma saia de pelúcia imitando vaca... entendeu? Foi assim que eu
conheci meu marido! (...) Deu muito certo. Mas, eu acho que eu me
vesti de forma mais divertida e, hoje, eu às vezes coloco umas coisas
divertidas, mas assim, eu não tenho mais coragem de sair com uma saia
de vaca, não” (informante,
35 anos
, moradora do Flamengo).
A preocupação com o erro” fica maior com a maturidade. O mesmo ocorre em
relação ao que se pode mostrar do corpo e como pode ser mostrado. Ao longo da história da
moda, é possível verificarmos muitos momentos em que o corpo feminino é moldado” por
95
95
artifícios das roupas: no século XVI existiam os enchimentos usados nos gibões, que eram
feitos de trapos, resíduos de ou crina de cavalo; nesta mesma época havia um corpete
endurecido com uma tela de papelão e armado com barbatanas, de onde pendiam saias armadas
de forma circular, chamadas farthingale, a menor mobilidade denotava maior posição na
hierarquia social; no culo XVIII havia o panier, armação para saias, feita com barbatanas de
baleia ou ripas de salgueiro. O século XIX, na França, se iniciou sem espartilhos, que depois
reapareceram para sumir de vez pelas mãos de Paul Poiret. Em meados do século XIX
apareceu a crinolina, armação de arcos flexíveis feitas de crina. Aos poucos foi sendo reduzida
até tornar-se uma anquinha (Laver, 2006). Todos esses aparatos modelaram o corpo da
mulher, diferenciando-o do traje masculino, evidenciando determinadas partes do corpo
feminino, como os seios e as nádegas, trazendo sensualidade e, por fim, demarcando fronteiras
sociais, num tempo em que o sedentarismo feminino significava uma vida portentosa, de luxos,
e as roupas mais sofisticadas “engessavam” braços e pernas, tolhendo os movimentos.
Consta que os espartilhos provocavam sérios problemas de saúde, resultando em
doenças respiratórias e digestivas, além de abortos espontâneos nas gestantes. Banido dos
guarda-roupas das mulheres no início do século XX, inicia-se um novo ciclo no que se refere
ao controle da aparência: a busca pelo corpo magro. Em entrevista à Época, a historiadora
americana Joan Jacobs Brumberg aponta dois fatores como motivadores para que as pessoas se
preocupassem em manter-se magras, a Revolução Industrial com a substituição dos operários
por máquinas e a produção abundante de alimentos. Ora, talvez esses dois fatores combinados
afetassem apenas uma determinada classe social. Mas o hábito de ir à praia e tomar sol
também influenciou o comportamento na classe média, completa a historiadora.
103
Na mesma
matéria os editores discriminam os padrões de beleza vigentes desde a década de 1960,
sinalizando para uma divergência entre as preferências masculinas e o desejo feminino. Nos
anos 1960, Anita Ekberg, no filme La dolce vita de Frederico Fellini, alimentava os sonhos
masculinos, mas Twiggy, a modelo cujo apelido significa “graveto”, era o ícone de beleza para
as mulheres de então; na década de 1970, Jane Fonda propagou seu programa de ginástica
aeróbica como a solução para a saúde e o corpo perfeito, mas a preferência masculina era pela
atriz Bo Derek, celebrizada no filme A mulher nota 10; no Brasil, atualmente, a atriz Juliana
Paes é o sonho masculino, enquanto a meta feminina é o corpo das super-modelos Letícia
Birkheuer e Gisele Bündchen. É como se as mulheres, inconscientemente, preferissem buscar
no modelo masculino um ideal para o seu próprio corpo, abdicando das curvas, trabalhando a
103
Velloso e Sanches, 2006.
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musculatura, enquanto os homens reverenciam um modelo feminino mais afeito a curvas,
corpulento, mas sem exageros. É como se os pressupostos de Crane (2006) sobre a forma
silenciosa de protesto das mulheres passasse das roupas à condição do corpo.
Mas, se a magreza é associada à juventude, faz sentido que as mulheres busquem a
silhueta de sílfide para parecer mais jovens. Esta matéria a que faço referência e ainda outras
que recolhi chamam a atenção para o fato de a chamada ditadura da beleza”, que obrigava as
mulheres ao calvário do espartilho até o século XIX, hoje as obriga ao calvário das dietas,
excesso de exercícios físicos e medicamentos que prometem “milagres”. Recentemente,
alguns casos de anorexia chamaram a atenção do mundo, a ponto de os organizadores da
Semana de Moda em Madri proibirem modelos com índice de massa corporal
104
abaixo do
aceitável de desfilar suas marcas. Outros pólos de moda, como Milão, por exemplo, também
decidiram seguir a atitude dos espanhóis e adotar a nova regra. A atitude gerou um debate no
seio da sociedade, com uma batelada de cartas às redações dos jornais, e vários tópicos criados
nas comunidades da internet.
A matéria da Gazeta Mercantil (30 de junho de 2002) com o título “Apertem os cintos,
a grife encolheu” destaca o depoimento da coordenadora de moda de uma famosa grife carioca.
Ela diz: “fazemos roupa para gente que faz ginástica, gente bem malhada, gente bem resolvida
com o corpo e que quer andar na moda (...). O consumidor para o qual a Zoomp trabalha é o
homem de 1m80 e 1m85 e uma mulher entre 1m70 e 1m75. Os tamanhos dos jeans femininos
vão de 38 a 42. A menor numeração contempla uma jovem de quadril numero 92, busto 86 e
cintura 64 centímetros. A maior servirá num quadril de no máximo 100 centímetros. Passou
daí, mudando de marca”. A Veja de 7 de agosto de 2002 esclarece que a diminuição dos
tamanhos nas lojas de grife faz parte de uma estratégia para que os modelos não apareçam no
corpo de mulheres que são consideradas “fora do peso” ou fora de forma”. Isso poderia
“desvalorizar a imagem da marca”.
105
Ou seja, a sociedade parece conspirar com um acordo
tácito, onde o ideal de um corpo magro se estabelece como modelo de beleza.
“Aqui você entra em qualquer loja, você entra no Cantão hoje, não tem nada
pra mim. Nada! Tem até umas coisinhas: é bonitinho, mas não adianta
entrar. Primeiro porque assim, é de 36 a 40. Até visto 40, mas é um 40 que é
38. Tenho coisas da Richards que eu gosto. Que mais que eu tenho? Tenho
104
O IMC, ou Índice de Massa Corporal, é calculado da seguinte forma: peso dividido pela altura elevada ao
quadrado. Resultados abaixo de 18,5 indicam um sinal de alerta, podem significar anemia, subnutrição ou
anorexia. Índices acima de 24,9 sinalizam para a obesidade.
105
Nota de rodapé do artigo “O corpo carioca (des)coberto”, escrito por Miriam Goldenberg e Marcelo Silva
Ramos e publicado em Castilho e Galvão, 2002.
97
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mais coisas da Zara, sem duvida” (Informante, 39 anos, moradora das
Laranjeiras).
Nesse contexto, conceitos como chique e elegante surgem como qualidades pessoais
que transcendem a moda e a aparência real. Por esses conceitos entende-se alguém que possui
“desenvoltura social”. Durand (1988) explica que a Paris do século XVIII se converteu num
centro de bom-gosto, e sua alta-costura era “experimentada” nas atrizes e cocottes mais
ousadas, posto que as senhoras dos poderosos clãs se vestiam de forma mais discreta. A alta-
costura transformou-se em um artesanato de luxo que deveria ter alto custo para não afetar a
sua credibilidade. Encontramos então o surgimento do termo chic, que passou a ser o
significado de alguém que, além de elegante, possuía desenvoltura social, separando a imagem
das senhoras dos poderosos clãs, que se vestiam com trajes caros, porém clássicos, das atrizes
e cocottes, que ousavam as novidades da moda. Percebe-se que, no que se refere ao vestuário,
o chique e o elegante se relacionam com o bom senso na escolha do que vestir, insinuando um
saber que manipula as roupas para que o resultado final seja acolhido por determinados grupos
(ou tribos) e em determinadas situações. Isso inclui a adequação ao corpo de modo que
esconda o que está fora dos padrões do establishment e evidencie o que está em acordo. Este
saber vem acompanhado de inúmeros manuais, profissionais especializados como o chamado
personal stylist, personal shopper, para assessorar, ou civilizar (Elias, 1994b) o indivíduo em
seus diversos papéis na modernidade (Giddens, 2002). Afinal, a adequação do vestuário ao
corpo e à situação parece um ponto muito mais vulnerável ao escrutínio público do que a moda
por si só. Ou seja, estar na moda, mas com um vestuário em desacordo com o corpo ou com a
situação pode provocar comentários jocosos e criar um impasse nas relações sociais. Algumas
das minhas informantes foram taxativas quanto a algumas “inadequações” em relação ao
corpo:
“Eu acho que (roupas ‘proibidas’ para gordinhas) roupas que os seios
ficam saindo assim pra fora. Principalmente roupa de alça, roupa curta,
que vão aparecer as pernas gordas cheias de celulite. Não é nada... Mas eu
acho que a pessoa que é gordinha tem que pôr uma roupinha que encaixa
melhor nela, entendeu? Pra não se expor meio ao ridículo. Mas se ela
bem... Mas pra mim, eu penso assim, se a pessoa tem os seios muito
grandes, tem os ombros muito largos, e bota roupas de alça, ficam os
seios saindo, roupa apertada, colante” (informante, 50 anos, moradora da
Glória).
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“Mas tem gente que anda com saia micro e top pela rua toda hora, eu
acho deselegante.
Tem, porque tem gente gorda que anda assim pelo Rio. Eu acho muito
deselegante mesmo. É deselegante, mas ao mesmo tempo eu acho legal
que aqui no Rio as pessoas são desinibidas de andar assim. Mas eu não
sei explicar, é uma coisa que pela atitude é legal, mas esteticamente é
feio” (informante, 23 anos, moradora da Glória).
“Se eu fosse gorda, se eu estivesse gorda, eu ia arrumar pelo menos umas
roupinhas que me escondesse isso. Ia usar muito mais coisas mais largas,
menos coladinhas, mas solta, camisão, coisa larga pra não marcar o
corpo. Pra usar uma coisa mais coladinha, tem que estar com o corpo
legal, com tudo em cima, senão fica muito chato” (Informante, 48 anos,
moradora da Lagoa).
Tópico “Erros da moda” em comunidade de moda na internet:
“Velha com a perna cheia de varizes e saia curta mostrando tudo. Parece
que fazem questão de esfregarem na cara da gente como se dissesse:
‘você vai ficar assim’. E vontade de responder: ‘meu corpo pode ficar
assim, mas minha cabeça chic, sofisticada e com desconfiômetro ligado
me fará usar roupas elegantes e próprias’.
“(...) mulheres gordas com roupas apertadas e coloridas parecem
colchonetes amarrados com barbante (...)”.
Diante de comentários como esses, onde se percebe o forte controle social exercido
através da crítica ao vestuário, posso afirmar que essa classe média, preocupada com a imagem
que transmitirá aos interlocutores, sobrepõe adequação corporal até mesmo ao próprio gosto.
Assim, durante o processo de compra, o day dream, ou seja, os planos que se faz para o visual
que a roupa vai proporcionar e os seus resultados sociais numa perspectiva romântica, como
nos ensina Campbell (2001), ocorrerão principalmente no momento da experimentação da
roupa.
“Teve uma vez que eu entrei numa loja e tinha um conjuntinho que eu achei
bonitinho. Eu vesti o conjunto... e ele... coube, né. E a vendedora
querendo me convencer de que a roupa estava linda, e eu me sentindo... não
vou nem dizer na frase do João Ubaldo que ele foi vestir o terno dele e ele
tava se sentindo um provolone. Um provolone que fica amarrado. Eu
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estava me sentindo um salaminho. Porque a roupa ficou toda justa, e a
mulher querendo me convencer de que estava linda... posso ter achado
muito bonita, mas não vou comprar a roupa porque eu achava a roupa
bonita” (informante, 44 anos, moradora de Ipanema).
Desta forma, se a chamada moda dos 100 anos de Lipovetsky (1989) foi a mais
impositiva em termos de cores, tecidos e modelos, o que vemos hoje, no período em que ele
chama de moda consumada, e, portanto, considerada mais democrática, é uma outra imposição:
a adequação de estilos em relação ao ideal de corpo.
4.2. ESCOLHAS, USOS E ORGANIZAÇÃO NOS ARMÁRIOS
Por trás das escolhas e usos das roupas femininas uma complexa rede de
significados, que abarca cores, tecidos, modelos, cortes, brilhos e outros elementos. Elementos
que permeiam as diversas situações do dia-a-dia da mulher, e a imagem que ela pretende criar
usando as peças do seu armário, como no conceito do bricoleur de Lévi-Strauss. Para Sahlins,
que toma o sistema de vestuário americano como objeto de reflexão, as roupas usadas em
determinadas sociedades correspondem a “um esquema muito complexo de categorias culturais
e de relação entre elas, um verdadeiro mapa (...) do universo cultural” (Sahlins, 2003: 178).
Compra e uso das roupas são dois momentos em que a lógica para formular as escolhas
opera de maneira distinta. A busca por uma peça específica, um vestido de festa, por exemplo,
é uma situação onde existe um planejamento, uma elaboração, em que pese a elementos loja,
marca, modelo e cor que são calculados com o claro objetivo de provocar alguma reação
positiva, reconhecendo características pessoais planejadas ou não como elegância,
sensualidade, ousadia. O que, em geral, se espera obter como resultado deste “cálculo” é a
admiração dos outros e a busca da segurança em relação aos controles sociais, o que não
descarta a possibilidade de uma compra extremamente passional. Quem nunca comprou uma
roupa que, ao chegar em casa, não conseguiu mais assimilar numa situação de uso? É no
momento da experimentação que o mecanismo do devaneio vai aprovar ou não a roupa. É o
que Campbell (2001) chama de day dream, como descrevi na seção 3, exemplificando,
inclusive, com a história de Virgínia Woolf. É nesta hora que toda a expectativa em relação à
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auto-imagem se estabelece, e a mulher cria e dirige o seu próprio filme, sendo ela a estrela, o
centro das atenções.
Uma das informantes, a psicóloga Sarah (nome fictício) de 37 anos, relatou um
momento de compra. Ela visitou uma loja conhecida, próxima da sua casa e experimentou um
vestido que gostou. Era um vestido verde. Mas, quando a vendedora lhe apresentou a versão
vermelha do mesmo vestido, ela viu que aquela era a peça que queria levar. Sua certeza veio
quando a vendedora lhe informou que o nome da coleção era “Mulheres de Chico Buarque”, e
que aquele vestido era a Geni. Ela esperava tomar para si a sensualidade da Geni cantada pelo
compositor. Ela experimentou a roupa e decidiu.
“Pronto. é que eu queria mesmo levar aquele vestido... Geni. Tinha
que ser vermelho! Geni... é vermelho!” (informante, 37 anos, moradora
de Botafogo).
Se a compra o planejada é a conclusão de um momento em que nos afeiçoamos de
forma quase passional a um objeto qualquer, e o desejamos a ponto até de nos endividarmos
por ele, quando se trata de itens do vestuário, esta relação se torna quase visceral. Mas esta
condição se revela mais fortemente no momento da experimentação, quando exercitamos as
diversas possibilidades do self, numa atitude quase lúdica. Campbell (2006), ao contrário de
autores que proclamam a perda da identidade através do consumo, afirma que o processo é
exatamente o inverso, ou seja, o consumo é uma oportunidade de reafirmarmos a nossa
identidade, pois traz a possibilidade de nos reconhecermos nos objetos. O autor o trata a
identidade com a idéia de fragmento ou fluidez, como alguns autores pós-modernos o fazem,
mas a como uma unicidade que se descobre o tempo todo. Ao contrário de Bourdieu,
Campbell, que não polemiza sobre o gosto como distintivo social, admite até que o sujeito
“mude o seu padrão de gosto” ao sabor das novidades. Para ele, a exposição ao novo via
consumo faz o indivíduo moldar com maior facilidade o self. O depoimento que transcrevo
abaixo é da informante Alessandra, de 21 anos, que conseguiu verbalizar exatamente o que
sente quando está em seu momento de compra. Ela revela seu lado lúdico e admite o prazer
que sente ao comprar roupas novas, exatamente porque a experimentação oferece uma
oportunidade rara de exercitar e “brincar” com o self na hora da escolha:
Alessandra
: “Pra mim, comprar é uma maneira de me divertir. Então, eu
incluiria no meu... vamos supor, gastos com entretenimento, compras. É
um prazer pra mim sair pra comprar”.
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Entrevistadora
: “O que é que te dá prazer na verdade?”
Alessandra:
“É a possibilidade de você brincar com a tua imagem, é a
possibilidade de você... até se despertar pra outras dimensões que você
não observava antes. Por exemplo, tem roupas que eu me visto que eu
falo assim: eu poderia ir pra tal lugar com essa roupa. Mas eu nunca fui
pra tal lugar... pó, vou comprar”.
Entrevistadora
: “Você acha que é alguma coisa de imaginação?”
Alessandra
: “De imaginação, de auto-conceito, da imagem que você tem
de si. Na verdade eu acho que a roupa, a moda, ela é um instrumento de
expressão que ela pode te ajudar a aproximar o teu auto-conceito real com
o ideal. Então eu acho que você brinca muito com essas imagens, eu
acho legal isso!
Entrevistadora
: É mais ou menos como tentar ser outra pessoa no chat
da internet?”
Alessandra
: “Eu não acho. Porque no caso do chat, você realmente se
passando por outra pessoa. No caso da roupa, você não necessariamente
está se passando por outra pessoa, você pode ta descobrindo uma nova
identidade, você pode estar despertando uma coisa que você não conhecia
antes (...).”
É no uso, no entanto, que se percebe uma relação realmente afetiva com a roupa. Ouvi
narrativas cujo teor romântico pareceu ser o motor para o apego a determinadas peças. O
vestido do primeiro encontro com o atual marido, o biquíni usado quando grávida do primeiro
filho, o top comprado para um show onde ela encontrou o atual namorado, o vestido que usou
no casamento no civil. Roupas que ocupam um espaço cativo nos armários jamais são doadas,
jamais são passadas adiante, muitas o usadas à exaustão, como o top da moça que foi ao
show. Ao ver a peça, percebi que já não possuía mais o viço e o brilho de uma roupa
considerada em condições de uso fora de casa, mas continuava sendo a roupa de que a
informante mais gostava. Há, portanto, uma diferença sutil entre o devaneio no momento da
compra e o que o uso de fato evoca na memória, gerando, em alguns casos, o apego pelo
objeto, uma vez que este passa a extrapolar o seu significado objetivo.
No caso estudado sobre o tema vestuário, o gosto, um dos pontos centrais da obra de
Bourdieu, não parece preceder de uma hierarquia social estanque, como o autor propõe. O
próprio advento da moda, um dos motores de consumo da categoria vestuário, mostra
exatamente o contrário.
Não reconheci na classe dia entrevistada uma posição clara em relação ao uso das
roupas como um demarcador de fronteiras socioeconômicas, ou a busca por uma aparência que
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seja reconhecida como economicamente superior. Os controles em relação à aparência, neste
grupo, atuam muito mais visivelmente no âmbito do corpo e da idade. Assim, a despeito de
pertencerem a um grupo cujo capital cultural e financeiro está acima da média da população
brasileira, isso o se refletirá numa distinção através do gosto, conforme análise de Bourdieu
(2002). A “distinção” perseguida é um ideal de juventude e beleza que se refletirá no corpo em
conjunto com o vestuário.
Depois que a roupa entra no armário, inicia-se outra relação com ela, o uso. Salvo as
ocasiões de festa, a escolha pode ser pragmática ou estar de acordo com a disposição do dia.
Isso não significa dizer que a prática do vestir dispense devaneios, mas é um devaneio dosado
com algum pragmatismo, e operado na medida em que o estado de espírito o permita. os
dias em que o acesso à roupa é mais ou menos automático, em especial nas situações do
cotidiano e do trabalho. Se eventos e festas pedem uma lógica diferenciada, é porque
pressupõem uma saída da rotina, sinalizam para novos encontros, é uma ocasião de exposição
daquilo o que se quer mostrar de si.
A organização dos armários se estabelece, na maioria das vezes, a partir de uma ordem
prática, a fim de evitar os conflitos e o dispêndio de tempo na busca ou mesmo num
planejamento mais cuidado nas diversas situações do dia-a-dia. Isso não significa que não haja
um planejamento, uma previsibilidade de adequação da roupa aos compromissos do dia. Mas
o que encontrei foi, por exemplo, o acesso desobstruído às roupas de trabalho, que entram e
saem do armário todos os dias. Elas geralmente ocupam os cabides. As roupas mais quentes,
pouco usadas no Rio de Janeiro, entram em outro compartimento, geralmente uma prateleira
mais alta, um pouco menos acessível, supondo a baixa freqüência do uso.
O planejamento atua dentro dos limites de um grupo de roupas, separadas fisicamente
para atender às diversas ocasiões. As informantes Sarah, de 37 anos, e Maria Lúcia, 36, por
exemplo, antes de saírem de casa pela manhã pensam em todos os lugares para onde terão que
ir durante o dia e as pessoas com quem deverão encontrar-se, antes de decidir o que vão vestir.
Quanto menor o número de novos eventos previstos (a possibilidade de ser apresentada a
alguém, uma reunião importante de trabalho, a visita a um local onde nunca esteve antes),
menor o esforço deste planejamento.
Então, a representação do papel social que se pretende desempenhar durante o dia
governará as escolhas do cotidiano. A organização dos armários pressupõe a facilidade de
acesso àquelas peças que entram neste grupo, e as roupas vão servir como suporte nas
estratégias de representação previstas para aquele dia. Goffman (1985) diz que o indivíduo
representa papéis, mas a questão que o autor examina é a própria crença do indivíduo na
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103
impressão de realidade que passa àqueles entre os quais se encontra, pois são esses papéis que
proporcionam o conhecimento próprio e dos outros. “Essa máscara que representa a
concepção que fazemos de nós mesmos, é portanto, o mais verdadeiro eu, aquilo que
gostaríamos de ser” (Goffman, 1985).
A roupa, neste caso, deve compor uma imagem, que é aquela que deverá estar em
acordo com a maneira”. Para Goffman, o vestuário é parte de uma fachada pessoal, que será
convincente na medida em que a aparência e a maneira estejam em acordo. A maneira é a
atitude do indivíduo, o que, quando em acordo com a aparência, ocorre dentro de uma certa
previsibilidade. O uso de terninhos para o escritório pressupõe alguma atitude de autoridade
ou formalidade, ou perícia em determinado tema. O uso de roupas consideradas inadequadas
pode gerar um conflito na percepção e assimilação dos interlocutores. Imaginemos a diretora
de uma empresa multinacional especializada em consultoria financeira liderando uma reunião
com clientes vestida com uma calça de moleton e um top de malha. Se não houvesse uma
razão especial para o traje, a postura dissonante da diretora poderia ser mal avaliada, e sua
credibilidade durante a reunião seria certamente afetada.
Simone, 48 anos, trabalha assessorando políticos e empresários. Sua agenda pode
conter num mesmo dia uma reunião com empreiteiros e/ou visitar logradouros onde vivem as
camadas populares. Assim, em seu closet, a parte mais acessível comporta, de um lado,
terninhos coloridos, e, de outro, jeans e camisas, peças que entram na composição de seu traje
diariamente, dependendo dos compromissos. Os vestidos que ela considera de luxo estão em
outro cômodo da casa, sinalizando a eventualidade de seu uso e um planejamento que inclui o
envio para a lavanderia, a experimentação para verificar se precisa sofrer algum ajuste.
Mesmo em casa, e aqui a casa deve ser entendida como uma situação oposta ao trabalho
formal, Simone prefere o jeans e uma camiseta leve, porque seu dia deve comportar pequenas
tarefas como a ida ao supermercado, ao banco, à escola das filhas.
Esta dinâmica espacial dos armários é comum a quase todas as entrevistadas, com uma
ou outra alteração, como a organização por cores, por exemplo. Nas gavetas, geralmente
habitam as roupas íntimas e aquelas consideradas mais informais: camisetas, bermudas, shorts,
roupas de ginástica, biquínis. Somente uma informante mostrou peças íntimas em cabides
especiais, por serem, para esta mulher, peças também consideradas especiais e relevantes na
composição do seu traje no dia-a-dia. As outras mulheres, ou não dão tanta importância às
peças íntimas, ou se constrangeram e não mostraram espontaneamente. Eram peças que se
misturavam no interior das gavetas, ou eram armazenadas em pequenos sacos de tecido. As
blusas de malha que são usadas para trabalho ou outras ocasiões consideradas mais formais não
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104
têm um compartimento determinado, variando de posição nos armários. Elas transitam entre
cabides e gavetas, pragmaticamente, obedecendo ao espaço disponível.
As roupas de “andar em casa”, em geral, ocupam gavetas, e não cabides. O cabide é
destinado a roupas que amassam com facilidades, calças compridas, vestidos, blusas de botão
ou batas. Camisolas, baby-dolls, pijamas também entram em gavetas e, em muitos casos,
fazem parte do repertório de roupas para ficar em casa.
Um dos armários visitados, da informante mais nova, tinha uma aparência
completamente desordenada. Roupas usadas e recém-passadas se misturavam a roupas que
deveriam ir para a máquina de lavar; calças jeans jogadas umas por sobre as outras num
compartimento separado; um amontoado de blusas num outro compartimento. Ainda assim, é
perceptível a lógica da organização, no sentido do arranjo estabelecido de acordo com os
códigos de cada uma. As calças compridas de jeans ou outro tecido mais encorpado, embora
amontoadas, estavam todas num mesmo compartimento. As roupas especiais, ou consideradas
mais finas, como vestidos bordados, com babados em chiffon e outros artigos designados para
ocasiões eventuais, estavam em cabides em outro compartimento; as camisetas, neste caso,
blusas de malha não necessariamente do modelo T-shirt, estavam todas separadas em outro
compartimento, ainda que em total desordem.
4.2.1. As roupas de casa e as roupas da rua
Para DaMatta (1983), o espaço da casa e o espaço da rua não o somente “diferentes
espaços geográficos”, ele esta oposição como um “instrumento de análise do mundo social
brasileiro”. A rua, em oposição à casa, demanda um cuidado especial com a aparência, posto
que é menos acolhedora, estamos longe das nossas relações de parentesco, e é um universo que
“implica uma certa falta de controle e afastamento. É o local do castigo, da ‘luta’ e do
trabalho”.
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No início desta seção, mencionei atitudes do vestir da mulher brasileira em meados do
século XIX, através das observações de Maria Grahan. Se Grahan se assustava com o desleixo
caseiro da mulher brasileira, se surpreendia com a ostentação nos saraus. Em casa, estamos
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Da Matta, 1983:72.
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preservados do controle social, protegidos, livres do escrutínio público. Por isso, não raro, para
minhas informantes, a roupa de casa é aquela que desbotou”, manchou”, rasgou” e,
portanto, não pode mais ser exibida no ambiente “cruel”, crítico e competitivo da rua.
“Tenho camisolas velhas, camisetas, coisas que eu não saio mais, ou
ficou pequeno, ou deu uma manchadinha, que eu não vou usar, mas não
pra dar pra ninguém que vai usar. Short velho, sabe... aquele que
bem larguinho? Isso eu uso em casa, não vou em lugar nenhum com
aquilo” (informante, 39 anos, moradoras das Laranjeiras).
Por conforto no vestuário, entende-se a total despreocupação com o julgamento de
outrem, abnegação, facilidade de movimento, estar relaxada, o no sentido de descuidada,
mas de descansada, sem qualquer preocupação com a postura, a posição do corpo, roupas
folgadas, que não apertem a barriga, o tórax, as pernas. O corpo está livre de apertos, e a
aparência o tem uma regra a ser seguida, uma rigidez de postura, o estufamento do peito, a
barriga comprimida. “Estou em minha casa, visto qualquer coisa”.
A casa é o lugar do conforto por excelência, ou da preparação para enfrentar a rua,
como se fosse a coxia ou o camarim de um grande palco. A informante Maria Lúcia, 36 anos,
em seu ambiente doméstico, usa cremes especiais no rosto, cabelos presos, roupa desgastada.
Quando sai para a faculdade, escolhe sua roupa, limpa o rosto, solta os cabelos. Uma vez lá,
quando “todos já a viram”, ela torna a prender os cabelos, como se sua primeira aparição diante
das outras pessoas tivesse um impacto, mas que após o reconhecimento dos colegas já pudesse,
em alguma medida, relaxar a aparência: prende os cabelos, descalça as sandálias. Este
comportamento se parece com o dos participantes das festas de Natal que descrevi na
introdução. Uma vez que a produção passou pelo crivo de todos os colegas, é hora de relaxar,
afinal, a platéia é toda conhecida.
DaMatta (1983) duas formas de organizar o universo da rua em oposição ao
universo da casa, seja como oposição binária ou em gradações, havendo, por exemplo, na casa,
cômodos que tenham alguma identificação com a rua, como a sala de visitas e a varanda, por
exemplo. Ou seja, o ambiente da casa é exclusivo e acolhedor, livre do escrutínio público, uma
vez que se presta ao espaço privado. Na extraordinária ocasião de receber as pessoas de fora,
da rua, convidados para um jantar, por exemplo, neste caso, um pouco da rua se faz presente
em determinados espaços da casa. O critério para a escolha do vestuário deverá obedecer às
106
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mesmas premissas de uma peça “para a rua”, para um evento, para uma festa. É uma situação
de intolerância ao vestuário selecionado para “ficar em casa”.
Por mais descomprometido que seja o motivo de estarmos na rua, é onde somos
observados e temos nossos caráter e conduta muitas vezes julgados pelo que vestimos.
estão as pessoas estranhas ao nosso convívio habitual, portanto, demanda uma composição
diferente no vestir.
Se Hunt (1996) aponta as leis suntuárias como uma resposta ao crescimento das cidades
e uma forma de garantir a “reconhecibilidade”, o que se verifica atualmente é uma gama de
códigos à nossa disposição, códigos que poderão variar em diferentes cidades, diferentes
localizações, diferentes culturas e que, de certa forma, poderão exercer a função de
“reconhecibilidade” nas sociedades complexas. Esses códigos são assimilados o tempo todo, e
guardam ou não relação com a moda. Se aqui jeans, bermudas, camisetas e tênis, chinelo,
keds, papetes, são adequados a incursões como a ida ao supermercado, a ida à video-locadora,
uma caminhada descomprometida pelo calçadão, ida ao dentista, ao médico, à farmácia, é bem
possível que em outras cidades seja diferente. Esses são ambientes passíveis de informalidade,
cuja regra é a menor rigidez quanto à produção no vestir. O jeans e a camiseta ou camisa
escapam de formas mais gidas de controle social em diversas esferas da vida cotidiana,
evitando “o erro”. Percebe-se que o conjunto jeans e camiseta se presta a muitos papéis na
cidade do Rio de Janeiro. A cidade de São Paulo, no entanto, aparece como uma referência de
formalidade no estilo de vestir. Percebe-se nas informantes certo desconforto em relação ao
que vestir quando se imaginam na capital paulista. Demonstram, na maioria das vezes, uma
preocupação diferente, como se “não estivessem na própria casa”, como se fossem visitar um
parente mais rico e formal, na casa do qual devessem se comportar de maneira diferente.
De outro lado, no Rio de Janeiro, o excesso de zelo em ocasiões classificadas como de
menor formalidade são rigidamente controlados pelo escrutínio público. Numa das histórias
que ouvi, uma prima mineira se vestiu para ir à um quiosque na Lagoa com demasiada pompa
para os padrões cariocas. A moça, segundo a informante, foi “a atração da noite”, parecia que
todos os seus amigos, já num primeiro olhar, conseguiam reconhecer a forasteira. Os
“excessos” parecem vistos como se as usuárias estivessem infringindo seriamente um código,
como se precisassem ser perdoadas por isso. Outra informante mencionou uma amiga que se
veste com roupas muito caras para ir a locais mais informais, e o seu comentário soou como
um ato de benevolência com os “abusos” da amiga, algo do tipo tudo bem, ela é assim, mas é
boa pessoa”, considerando, aparentemente, que o código utilizado pela amiga pudesse
denunciar algo negativo, como um desvio de caráter.
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“Do meu grupo bem próximo eu tenho uma amiga que é aficionada por
roupas, ela tem muito dinheiro e ela usa todo dinheiro dela em roupa.
Então ela realmente quando sai com a gente, ela faz uma diferença
enorme. Ela em relação a todas as outras. Mas até porque ela curte, gosta,
mas não faz isso absolutamente por...
não existe um problema nessa
história toda, a gente até ri muito
.
Mas assim... uma pessoa
ótima
(informante, 45 anos, moradora de Ipanema)
Minhas informantes, ao comparar espontaneamente a forma de vestir carioca com a
paulista, pareciam querer com isso reafirmar uma característica identitária relacionada com a
cidade do Rio de Janeiro. O traço informal do vestir do carioca, gerando até uma ponta de
orgulho, como se isso denunciasse uma postura igualitária entre os diversos tipos que habitam
a cidade. “eu acho que existe um estereótipo do paulista bem arrumado e do carioca mais
informal. o vou dizer desarrumado, mas mais informal” (informante, 45 anos, moradora de
Ipanema).
O jeito de vestir informal, para este grupo, pressupõe conforto, despojamento,
praticidade. A praticidade, neste caso, está associada a uma forma rápida de se vestir. O
acerto é garantido, não é preciso elaborar nada, a escolha já foi feita na hora da compra, agora é
compor. É uma prática do bricoleur, onde o material disponível está ali, no armário, é
montar, sem um planejamento muito elaborado. Não há como criar estratégias bem pensadas e
elaboradas durante todo o tempo e a cada roupa trocada todos os dias. A condição do humor
influenciará diretamente na criatividade com que compõem a sua imagem do dia. Dias de bom
humor favorecem a criatividade e, em certa medida, até um pouco de ousadia, como se
houvesse uma compensação em outras esferas da personalidade para assumir uma escolha com
uma pitada de exotismo.
A organização dos armários procura facilitar a tomada de decisão e a prática, liberando
as usuárias para outras decisões do cotidiano. A distância entre discurso e prática pode ser
considerada, suscitando algumas questões. Um observador de fora pode não entender
exatamente a lógica do vestir carioca, e isso às vezes gera um estranhamento. Uma coisa
parece clara quando se pensa o comportamento da classe dia para se vestir, as mulheres
acima dos 30 anos não ousam, preferindo o que chamam de estilo clássico ou básico. Já as
mais novas possuem um pouco mais de desenvoltura para “arriscar” roupas mais justas e
corpos mais expostos, porém, é preciso que se diga, com certa parcimônia. Exposição
excessiva do corpo também não agrada às moças mais jovens do grupo estudado.
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Para uma informante, que mora no Rio há pouco mais de cinco anos, o carioca
simplesmente o sabe se vestir. A questão é: não sabe mesmo ou será que mais estratégia
do que se imagina neste tipo de comportamento?
Abaixo transcrevo o trecho em que a informante que nasceu em Rondônia estranha o
modo de vestir carioca e, a seguir, a respostadada por outra informante nascida e criada na
cidade, aparentemente há um embate, onde, se aqui a crítica se dirige a quem muito se
“produz”, o olhar avalia quem se veste com mais informalidade.
Informante 1
: nasceu em Rondônia, e está no Rio há pouco mais de
cinco anos
“O carioca se veste muito mal. Ele usa uma roupa de mil oitocentos e
bolinha assim de uma forma que é... eu não gosto. Eu acho que paulista
se veste muito bem, eu acho que o pessoal de Curitiba também se veste
legal, mas o carioca eu acho que... e não é assim, uma questão da praia,
muita gente me fala: ah... porque é um ambiente de praia e não sei que...
mas não é porque é um ambiente de praia, eu acho que o carioca, muitas
vezes... ele não preocupa em se elaborar, elaborar uma imagem através da
roupa. Tudo bem que muita gente faz isso inconsciente” (informante, 21
anos, moradora do Flamengo).
Informante 2
: nascida e criada na cidade do Rio de Janeiro
Entrevistadora
: O que significa relaxado?
Informante: Ele (o carioca) é relaxado, no sentido de mais confortável,
como a gente mora perto da praia, a impressão que me é que a gente é
mais relaxado na forma de ser, ... a gente é mais... não tem como dizer,
relaxado mesmo. Pra mim, o paulista é meio tenso... não é que a gente
seja desleixado, a gente só é relaxado...
Entrevistadora
: Esse tenso do paulista significa maior preocupação com
a aparência e com o próprio visual?
Informante
: Não quer dizer que o carioca seja menos preocupado. A
impressão que aqui no Rio de Janeiro é que a gente se preocupa mais...
até tem um visual super-produzido, mas produzido pra parecer relaxado.
Enquanto o paulista, não. O visual produzido é pra parecer produzido.
As meninas vão pra um barzinho de noite, como aqui no Rio de Janeiro
você vai pra uma boate, e elas vão assim pro botequim... eu vi coisas
assim em SP: eu aparecer de calça jeans e camiseta e tênis, e as mulheres
todas super-maquiadas, e saias justas, e salto 15...
(informante, 44 anos, moradora de Ipanema).
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Informal, relaxado, confortável. Este é o campo semântico que permeia o jeito carioca
de se vestir.
Numa comparação com o Paulo através dos dados do IBGE, o carioca gasta menos
com vestuário do que os paulistas. O POF,
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pesquisa feita pelo IBGE, sobre orçamento
familiar conta de que o gasto dio mensal com vestuário no Brasil em 2005 foi de R$
82,95. O estado de São Paulo teve gastos médios acima da média Brasil, R$ 94,22; já o Rio de
Janeiro, embora ainda um pouco acima da média do país, gasta quase R$ 11,00 a menos que
São Paulo, R$ 83,21. Este dado sozinho não conduz a uma conclusão, ou mesmo permite uma
análise mais acurada. Seria necessária uma avaliação minuciosa sobre os preços dios e
ofertas das duas cidades, porém, há nos dados o IBGE uma sinalização para um interesse maior
dos paulistas, ou para a compra de peças mais caras do que os cariocas. Na prática, isso pode
aparecer na conversa com a minha informante, dona de uma facção.
“São Paulo é muito elite, né? Você tem até sobrenome lá em São Paulo,
você não é bem aceito, quem não é conhecido. Você não consegue entrar
num grupo se você não tem um sobrenome. É de roupa, é de tudo. São
Paulo... Por isso existe a Daslu lá. Você vê que aqui eles quiseram fazer e
não conseguiram. Não a Daslu, mas a Lundgreen, eles não conseguiram
ter o sucesso que a Daslu teve. O poder aquisitivo paulista, não tem... A
força do dinheiro tá em São Paulo” (informante, dona de facção).
Esta inclinação dos paulistas ao consumo de luxo aparece em pesquisa realizada pela
agência de publicidade Ogilvy do Brasil e publicada pela Isto é de novembro de 2005.
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Segundo os dados, enquanto o carioca aparece como mais preocupado com a boa forma do
corpo e aparência jovial, São Paulo (bem como Brasília) é classificada como “templo do luxo”
pela revista.
Para além da razão prática, ou seja, a percepção de que em São Paulo circula mais
dinheiro, afinal lá os salários são mais altos, também uma percepção de diferença de estilos
de vida. Não raro, ouvi comparações com a forma como o paulista se veste.
“Você não vai ver nunca em São Paulo um homem no meio da rua de
bermuda e chinelo havaiana, entrando num bar. E hoje em dia nos
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Programa de Orçamento Familiar
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“O Brasil mostra sua cara”. Isto é, n. 1882,9 de nov.2005.
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restaurantes! Porque aqueles artistas entraram e foram barrados, aquilo
foi um problema sério. Eu vejo, eu acho isso um absurdo! Você entrar
num restaurante mais refinado e botar uma havaiana. Eu acho que é uma
tendência de moda, mas tudo tem seu lugar. Já em São Paulo você não
isso. A mulher é mais bem vestida. Porque o clima, também, né? Tem
praia, lugar de praia vovê...você vai a Santos é outra qualidade de
vida. Carioca é muito despojado, eu acho, eu sinto(informante, dona de
facção).
São Paulo, observada por olhos cariocas pelo viés da moda, parece, no fim, ser uma
referência de gosto e estilo, porém, com aplicabilidade problemática na capital fluminense. De
certa forma, uma admiração pelos padrões de elegância do establishment paulista, mas a
certeza de que eles o se enquadram numa concepção carioca de auto-imagem voltada para a
informalidade, uma relação mais próxima ao mar e um lazer ao ar livre, compartilhado entre as
muitas classes sociais. O lazer paulista é pago, e é caro, segregando e impondo barreiras
sociais à convivência entre os pólos opostos da cidade. No Rio de Janeiro, o lazer gratuito da
praia convida pessoas de toda a cidade a partilharem os prazeres da orla juntos. A classe média
carioca tem a consciência de um modo diferente do vestir paulista e cabe a ela querer se
adaptar, como muitas declararam que o fazem, ou preferir carregar consigo a identidade
informal da carioca, quase até como uma provocação, desafiando um suposto comportamento
sectário com uma ilusão de igualdade social.
São Paulo, para as cariocas, forma uma imagem de sofisticação, onde o vestuário pode
ser mais ousado, não no sentido de sensualidade, mas de sofisticação dentro do cenário da
moda.
“Mas eu acho bem legal também o estilo carioca de ser, casual, não
montado. Eu acho isso legal, e ao mesmo tempo eu acho ruim porque
ninguém se monta aqui. Outro dia eu fui numa festa, graças a Deus, que
dava pra se arrumar. Em São Paulo já é um pouco diferente. Aqui no Rio
não tem um lugar. Por exemplo, eu adoro usar salto, mas tem um tempão
que eu não uso pra sair, porque a ocasião não me permite. Por um lado
isso é muito bom, por outro é um saco. Por mais legal que seja, tudo que é
muito a mesma coisa sempre vai encher o saco” (informante, 23 anos,
moradora da Glória).
“São Paulo tem que ser outro esquema. São Paulo normalmente quando
eu vou, mesmo quando não é para trabalhar eu faço uma produção
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completamente diferente. uso umas blusinhas de seda, entendeu?”
(informante, 45 anos, moradora de Ipanema)
“Não, básico cabe em qualquer lugar, no Rio de Janeiro eu acho que cabe.
Em São Paulo não. Eu fui pra um chá-de-panela, e falei: ‘meu Deus, com
que roupa eu vou pra esse negócio?’. Não sabia como ia ser, é outro
publico, é outra coisa. Eu indo num chá-de-panela de uma amiga aqui
num sábado à tarde, eu posso ir do jeito que eu quiser. Lá não, vofica
assim: ‘ai meu Deus, o que as pessoas vão usar?’. É diferente, acho que
no Rio não tem essa, você vai ao shopping, tem que se arrumar pra ir ao
shopping; não, vopode sair da praia e ir ao shopping. No fim, eu fui
arrumada demais ao chá-de-panela. Olha, tinha de tudo, mas as pessoas
mais à vontade do que eu. Mas é um estilo de se vestir diferente, o é
um casual carioca. É aquela coisa que voassim, a pessoa anda de salto
a semana inteira em São Paulo” (informante, 39 anos, moradora das
Laranjeiras).
Não como afirmar que exista uma oposição Rio de Janeiro x São Paulo nos códigos
de vestuário da classe média pesquisada. Isso, inclusive, não aparece na lógica dos armários.
Ainda aquelas mulheres que declararam que precisam viajar para São Paulo a trabalho com
alguma freqüência, não demonstraram uma preocupação direta com a orientação para um
compartimento onde pudesse haver “roupas para ir a São Paulo”. O critério de escolha das
roupas quando se trata de uma visita à cidade, no entanto, exige uma atenção diferente. Não
pode ser uma escolha automática, como a roupa do dia-a-dia na própria cidade. Talvez ainda
neste caso, mas em outra esfera, seja possível uma analogia com a casa e a rua, sendo a própria
cidade, o Rio de Janeiro, uma visão da casa, enquanto a outra cidade é vista como uma situação
diferente, como se os julgamentos fossem mais rígidos, portanto, mais parecida com “a rua”. É
como se a própria cidade, a casa, acolhesse e perdoasse eventuais deslizes, ou provocasse
reações previsíveis e contornáveis, mas numa cidade como São Paulo, “outra cidade”, isso
estivesse fora de questão. Este caso, particularmente,aparece na referência à cidade de São
Paulo (espontaneamente ou o). Outras cidades, como Curitiba, até são mencionadas, mas
percebe-se São Paulo como forte padrão de elegância no vestuário.
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4.2.2. Na rua: trabalho x lazer
O universo do trabalho e do lazer, no que se refere ao vestuário, pode apresentar uma
relação mais próxima ou mais distante. Isso dependerá diretamente da função, cargo ou local
onde a mulher exerce o seu trabalho. Vamos examinar o caso específico das mulheres
entrevistadas em casa, onde verifiquei os armários.
Nome, idade Profissão Como se veste para trabalhar
Maria Paula,
31
Web designer – trabalha em casa. A mesma roupa com que foi levar as filhas à escola –
confortável, geralmente jeans e camiseta. Vestidos leves para
reuniões fora.
Andréa, 45 Arquiteta – trabalha numa loja de
móveis.
Define como prática e básica: uma camiseta “mais
arrumadinha”, um bom jeans, ou uma calça social de microfibra
Michele, 29 Atriz – trabalha no Projac. Informal, básica, despojada.
Branca, 39 Consultora do ramo de confecção –
trabalha em casa e na rua.
Gosta de roupas indianas para trabalhar em casa, prefere
terninhos se precisar ir a uma reunião fora.
Diva, 50 Corretora de imóveis – trabalha
numa corretora.
Terninhos coloridos e estampados.
Simone, 48 Assessora político-financeira –
trabalha em gabinetes públicos,
mas vai às ruas com freqüência.
Terninhos com cores variadas.
Mônica, 44 Relações públicas de uma joalheria
– trabalha na joalheria.
“Não é um uniforme, mas a gente tem a obrigação de usar cores
padronizadas que seriam preto, azul-marinho ou marrom.
Normalmente é tailleur, ou então um duas peças assim, tipo
terninho”.
Débora, 33 Dona de loja de produtos infantis –
trabalha na loja.
Básica – jeans e camiseta ou batas de seda ou algodão.
Dayse, 39 Engenheira de produção – trabalha
num arsenal de armas da Marinha.
Jeans e camiseta ou camisa de botão, sandália baixa.
Marisa, 23 Gerente de uma galeria de arte –
trabalha na galeria.
“No meu trabalho eu posso ir vestida do jeito que eu quiser. Às
vezes vou mais arrumada, às vezes vou de Havaianas”.
Trabalhar com arte possibilita essas combinações.
Fabiana, 38 Agente de viagens – trabalha numa
agência de turismo.
Jeans, camisas, camisetas, batas, vestidos leves estampados.
Maria Lúcia,
36
Economista, pesquisadora de uma
instituição do governo.
Jeans, camisetas, saias compridas e estampadas.
113
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A roupa do trabalho, para mulheres, pode variar imensamente, havendo diversas
possibilidades até mesmo dentro de uma mesma função. É o local de trabalho que ditará a
forma de se vestir, se em escritório, em casa ou ao ar livre, as pessoas com as quais se
relaciona no ambiente de trabalho, as estratégias que precisa elaborar para se enquadrar à
cultura empresarial ou à cultura do campo de atuação.
A categoria “arrumada” ou “arrumadinha” geralmente é empregada para definir a roupa
que corresponda à categoria formal. “Arrumadano trabalho indica uma maneira de se vestir
que pressupõe ausência de decotes ou fendas, o uso de tecidos de melhor qualidade, ausência
de brilhos, sapato alto, com o salto variando entre o cinco e sete, roupas bem passadas, sem
rasgos ou manchas, reta”, segundo uma informante. Podem ser incluídos, nesta categoria,
vestidos com corte reto, decote pequeno e comprimento no joelho ou um pouco abaixo,
blazers, blusas sociais (tipo camiseta ou com botões). A categoria “arrumada”, quando se
refere a festas ou eventos em ambientes mais requintados, é vista de outra forma. Neste caso,
estar “arrumadapode incluir brilhos, fendas, decotes, saltos acima do tamanho sete, vestidos
mais curtos e justos. Estar “bem vestida” pressupõe relação direta com o corpo, ou seja, usar a
roupa que crie a ilusão visual de fazer alguém “mais magra”, disfarçar partes do corpo que
estejam fora dos padrões de beleza como culotes, pernas curtas, barriga etc.
Quando as informantes mencionam “camisetas”, elas podem estar se referindo a blusas
de malha básicas (ou de outro tecido que não amasse), ou a camisetas de algodão tipo T. As
camisetas tipo T de algodão não estão descartadas do ambiente de trabalho, mas o menos
comuns para esta ocasião. Aquelas que trabalham em casa usam camiseta tipo T, a informante
que trabalha na galeria de arte também. As outras, na verdade, estão pensando em blusas
básicas de malha, sem manga.
A categoria “conforto” também é digna de nota, uma vez que há uma expectativa
diferente para a casa e para a rua. O conforto em casa (não na casa como ambiente de
trabalho), como descrevi anteriormente, pressupõe despreocupação com o resultado da escolha,
roupa folgada, com liberdade para movimentar-se. o conforto no ambiente de trabalho
pressupõe uma roupa que se ajusta ao corpo, de modo que em qualquer posição o haja risco
de aparecer partes do corpo que não devem aparecer, pode-se caminhar sem que seja necessária
uma atenção maior com o local onde pisa. A mulher deverá usar um calçado que não
machuque o pé, uma roupa que não esteja apertada, mas não necessariamente seja folgada.
Neste quadro há particularidades de ordem prática e de ordem simbólica. Dayse,
embora trabalhe na Marinha, não precisa de uniforme. Porém, deve manter o decoro, uma vez
que convive com homens o tempo todo. Necessita, portanto, evitar qualquer traço de
114
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sensualidade. Seus sapatos devem ser baixos e confortáveis porque precisa caminhar em solo
irregular com muita freqüência, revelando uma preocupação de ordem prática.
numa galeria de arte, onde a criatividade é uma expectativa inerente à atividade,
Marisa persegue uma imagem criativa para si também, e o faz através da variedade de roupas
e combinações. Neste caso, o só a idade a favorece (ela tem 23 anos), como também o fato
de, numa galeria de arte, a expectativa da aparência ser diferente de uma repartição pública,
por exemplo. Ela declarou que, “sem inspiração”, vai de jeans, camiseta T e sandálias
Havaianas. “Inspiradaela pode adotar uma imagem “gótica” com a intenção de revelar uma
certa rebeldia, ou um conjunto mais romântico com babados e tons mais claros. Vale
mencionar que as mulheres que buscam “inspiração”, na verdade, se referem a um
planejamento visual. A falta de “inspiração”, ou casualidade, pressupõe uma escolha
automática, onde, sem uma motivação que as faça planejar, optam pela combinação que
proporcione menor risco ao conjunto final e, portanto, menor possibilidade de gerar
comentários negativos após minucioso escrutínio público. A arquiteta também declarou que
uma expectativa menos rígida no seu vestir do dia-a-dia. Existem, porém, exceções, como
visitas a clientes, viagens a outras cidades, quando precisa realmente empregar uma estratégia
visual condizente com a ocasião. A informante que é atriz segue a mesma linha de Marisa. O
outro grupo de informantes, quando confrontado com a figura AFR-241 (ver figura no anexo 5)
do livro das inglesas, associa o conjunto a profissionais ligadas à arte, ou qualquer ramo de
trabalho que proponha exercer uma atividade criativa, como moda, por exemplo, ou ainda uma
atividade acadêmica relacionada às ciências humanas, como ciências sociais ou comunicação.
Isso porque o conjunto lhes parece ousado demais para escritórios e repartições públicas. Para
elas, é uma forma “perigosa” de se vestir, sendo muito tênue a linha que demarca a fronteira
entre o que se propõe a ser uma imagem “moderna” ou “cafona”.
Diferente do senso comum, portanto, os códigos de trabalho parecem passar longe da
discussão sobre gênero e vestuário no ambiente de trabalho que incluí na seção 3, quando
discorro sobre a teoria do trickle-down reabilitada por McCracken e empregada na
previsibilidade de vestir masculina quando aplicada a um eixo de nero. Talvez porque
atividades mais ligadas à criatividade sejam mais facilmente associadas com o feminino. Ou
seja, a “competição” simbolizada pelo terninho parece existir somente na esfera em que a
mulher atua lado a lado com o homem, em especial, em carreiras como a administração, o
direito, a área financeira. Uma informante do segundo grupo admite que neste comportamento
há, para além da competição, um lado lúdico também, ou, conforme Bollon (1993), na
construção de uma aparência assume o personagem contido nela. Ela diz:
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“Por exemplo, eu trabalhei no mercado financeiro, e tinha dias assim
que... Alessandra, você vai ter reunião com um investidor amanhã. Eu
vinha ‘fantasiada’ pra enganar o investidor... sabe? Alessandra, agora,
analista macroeconômica da empresa, aquela coisa séria, bem vestida.
Porque eu sabia que ia passar uma impressão daquilo, eu sabia que ia
enganar...” (informante, 21 anos, moradora do Flamengo).
Se ela precisa “enganar” o investidor, é porque ele, possivelmente,o confiaria no seu
trabalho, caso ela aparecesse vestida no estilo indiano, com batas coloridas, saias compridas
estampadas, por exemplo. Sua capacidade permaneceria inalterada, mas o estilo indiano no
ambiente financeiro gera uma percepção desconexa, o discurso o condiz com a imagem, ou
aparência e maneira estão em desacordo, conforme, mais uma vez, assinala Goffmann (1985).
Isso pode até comprometer o resultado final do seu trabalho, lembrando como Bollon (1993)
destaca o quanto aparência é uma coisa muito séria, bem distante da futilidade.
Assim, sob o pretexto de discutir a proposta de McCracken de reabilitar a teoria trickle
down na esfera de gênero dentro do ambiente de trabalho, creio que seja necessário especificar
que esta luta travada pela mulher no campo do vestuário para ganhar o espaço e credibilidade
atribuídos ao homem, hoje faz parte de um jogo muito mais complexo. As atividades
profissionais femininas abarcam uma grande variedade, incluindo o home office, uma maneira
de trabalhar desde sua própria casa, proporcionada pela tecnologia. Alguns campos de
trabalho, inclusive, vêem na mulher uma profissional mais adequada, é o caso de psicólogas e
professoras do ensino fundamental. Isso limita a nossa discussão sobre a competição
simbolizada pelo vestuário a algumas poucas atividades profissionais e ambientes, como nas
grandes organizações, por exemplo. Algumas profissões, como as que estão relacionadas com
a criatividade geram a expectativa de ousar combinações que desafiem os padrões vigentes,
podendo até, num outro extremo, gerar uma imagem sóbria demais ou clássica demais (como a
dos terninhos de corte reto e cores neutras), e com isso comprometer a negociação entre ator e
platéia (Goffman, 1985).
As atividades de lazer podem ser vistas em uma gradação que vai do ócio à diversão.
Sobre festas, prefiro desenvolver no próximo tópico, fazendo uma oposição com o cotidiano.
As outras atividades de lazer, então, compreendem outra oposição, dia x noite. Praia,
exercícios e caminhadas na orla podem ser classificados como atividades diurnas; bares, boites
e cinema, como lazer noturno.
116
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Sobre lazer noturno, para minhas informantes, nem sempre uma oposição
perceptível no vestuário. Isso porque a roupa do trabalho até pode ser adequada às situações de
lazer, sendo possível sair do trabalho e ir ao cinema, ir a um bar com amigos, sair com o
namorado, ou fazer compras num shopping center. O shopping center foi muito pouco
mencionado pelo grupo, mas comprar é muitas vezes, como vimos, uma atividade de lazer.
O fato é que, havendo tempo para uma nova produção, elas preferem, ainda que a mudança se
defina em alguns detalhes, uma maquiagem mais cuidada, um salto fino mais alto, “um
brilhinho”. A roupa básica, jeans, camisa ou camiseta, saia longa colorida, ou vestido leve
quase sempre se mantém.
Mônica, que trabalha sob rígido código de vestir, sendo exigido uso de terninhos ou
outro conjunto de duas peças em tecidos de cores neutras, prefere trocar de roupa antes de
seguir para a sua atividade de lazer. Sua paixão por calças e saias jeans pode até ser encarada
como uma tentativa de inverter completamente o código a que precisa se submeter ao longo do
dia. Ela define o seu estilo como esportivo, reservando terninhos e tailleurs somente para o
trabalho. O jeans então está presente no armário daquelas que se definem como básicas, como
clássicas ou como esportivas, consagrando-se como uma peça polivalente na composição de
um estilo.
O lazer diurno na Zona Sul carioca encontra na praia o seu principal ponto de encontro.
Na areia, ainda que os olhos sejam mais críticos, graças à exposição maior do corpo, as
mulheres parecem mais despreocupadas. É como se estivessem dispostas a “pagar o preço” em
nome do prazer de freqüentar a praia em sua hora de lazer. , porém, uma segmentação
natural nas areias da Zona Sul do Rio de Janeiro, havendo trechos onde o escrutínio público é
mais ou menos cruel. aquela parte da praia freqüentada pelas famílias, e onde os olhares
críticos são mais tolerantes: são mães, avós, pessoas que, a despeito de o corpo já não ser tão
firme, usam um biquíni, ainda que seja um modelo considerado “mais comportado”. Saem da
areia com shorts, vestidos, bermudas e camisetas tipo T. Há, no entanto, trechos da praia
freqüentados por mulheres mais jovens. Uma das minhas informantes observou que nesses
trechos as moças usam batas, shorts curtíssimos e salto alto, para valorizar as pernas e fazê-las
mais “musculosas”. É perceptível a preocupação maior com as formas do corpo, uma vez que
maior exibição. São trechos mais freqüentados por jovens, e a exibição tem objetivo de
competição com o mesmo sexo e aprovação do sexo oposto. A mesma informante tem a
percepção de que, quanto mais baixo for o nível de renda, mais despreocupadas as mulheres
são em relação à crítica como controle social, principalmente no que diz respeito ao corpo. Ela
diz:
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“Eu acho que quanto mais baixo o nível de renda, acho que mais as
pessoas não estão nem pra isso e querem usar qualquer coisa. Então
você aquelas roupas de furinho com uma mulher gorda que foi de
ônibus: ela vai entrar no ônibus com aquela roupa toda furadinha e com
tudo de fora” (informante, 39 anos, moradora das Laranjeiras).
A questão é se a lógica da informante não funciona exatamente de maneira inversa, ou
seja, se ela, ao ver uma mulher que esteja acima do peso e demonstre despreocupação com o
corpo em relação à roupa que usa, a associa automaticamente a alguém das classes sociais com
menores rendimentos. Este é um exemplo perigoso, onde se percebe um ranço de distinção
social (Bourdieu), que se projeta, de novo, não no traje especificamente, mas no descuido da
aparência corporal em desacordo com a roupa. Porém, a atenção em coordenar o traje e a
aparência corporal não se mostrou uma prática intencional da classe média entrevistada para se
distinguir dos outros segmentos econômicos, mas, repito, para elaborar uma imagem final que
a distinga como atraente e bela.
Outra informante declara assertiva: “se eu fosse gorda nunca iria usar um biquininho
tanguinha”. Na comunidade de moda na internet, uma especialista em moda ensina como uma
mulher que está “acima do peso” pode ser elegante:
“(...) muita roupa em gordo piora. A criatura gordinha não pode usar
mesmo tops de lycra e jeans justíssimos. No entanto, também não pode
usar roupa demais porque engorda ainda mais. Tem que ter um equilíbrio
entre cor, forma e tecido (tricô e malha justa jamais). Eu adoro a Queen
Latifah, por exemplo. Ela está sempre bem com seus 30 quilos a mais (ou
mais)”.
Uma das minhas informantes mais velhas prefere sair à orla usando uma calça tipo
bailarina com camiseta, ainda que, graças a muitas cirurgias plásticas, seu corpo possa
comportar algo mais leve. É inevitável, portanto, falar de lazer na praia sem voltar à questão
do corpo. No entanto, um vel de tolerância diferente, principalmente quando se trata de
um trecho da praia freqüentado por famílias.
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118
4.2.3. Na rua: festa x cotidiano
É numa festa que Kitty perde o conde Vronsky para Anna Karenina. Também é numa
festa que os desejos de Emma Bovary afloram, iniciando em sua vida, um ciclo de descobertas.
É nas festas que o vestir exige maior esmero, maior atenção aos detalhes, às minúcias. Souza
(1987) diz que a festa é a vida de exceção. O cineasta espanhol Luis Buñuel descreve suas
festas burguesas com sarcasmo, denunciando as máscaras da burguesia (1962 e 1972),
sinalizando para uma ocasião de “fantasia” ou o “dia da borralheira” como intitula Souza
(1987) no capítulo do seu livro.
Pode-se inferir um vasto campo semântico ao redor da categoria festa, desde festas
religiosas de romaria a jantares com pequenos grupos de amigos. A festa a qual faço referência
nesta dissertação é aquela que exige maior esmero no vestir, aquela que o grupo estudado
classificou como ocasiões para usar a roupa mais cara, a mais cuidada, a que exigiu um esforço
maior para planejar a imagem final.
É no ambiente deste tipo de festa que os maiores desconfortos do vestuário são
tolerados, porém o envergadas as roupas mais caras e elaboradas, aquelas que ficam
guardadas quase sempre em um compartimento separado da ala principal do armário, ou as que
são compradas especialmente para a ocasião, aquelas cujo efeito do day dream (Campbell,
2001) se faz fortemente presente no momento da experimentação ou do “ensaio” da produção
final, que deixam as dimensões do armário para ganhar a esfera da rua. A festa privilegia o
clássico e o luxo em detrimento de modismos, do minimalismo e do sico. A moda pode a
estar presente, mas não de forma impositiva, com um toque, um detalhe, o comprimento das
saias, o tipo do salto dos sapatos. Ainda assim, a ousadia do grupo estudado é contida,
revelando regras específicas, pois é um ambiente onde se está exposto a um grande número de
pessoas desconhecidas, porém com algum vínculo que as relaciona. É o caso de uma festa de
casamento, de aniversário de 15 anos, de bodas de prata ou ouro, ou, como mencionei na
introdução, uma grande festa de Natal da empresa onde se trabalha.
Minha informante de Copacabana (45 anos) vê no vestuário de festa “uma mentira”. É
como se a verdade das pessoas estivesse guardada dentro de casa ou na esfera do cotidiano.
Ela a entender que a festa é um momento em que se desempenha o papel do personagem
que se deseja ser. Souza (2005) compartilha da mesma opinião. Referindo-se ao culo XIX,
ela diz que na festa “um vago ar de mentira revelando-se nas jóias emprestadas, nos folhos
opulentos que caem da saia escondendo o descuido da lingerie (Souza, 2005:169). Esta
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mentira não é uma negação daquela imagem que se transforma no dia da festa, mas uma
afirmação de que a imagem do cotidiano é a mais verdadeira. O binômio festa x cotidiano, aos
olhos das informantes, pode ser correlacionado com o binômio verdade x mentira. É
novamente uma referência às festas retratadas por Buñuel, onde cada pose, cada gesto
acompanhado das roupas que apertam”, do salto “que machuca” no dia-a-dia podem revelar
uma postura mais despreocupada, uma barriguinha mais saliente, uma coluna menos reta.
Danuza Leão faz uma reflexão sobre o uso das roupas, no seu caso, o uso específico de
um Chanel, no dia de uma grande festa. Seu relato parece enquadrar-se nas opiniões das
minhas informantes da classe média:
“No baile eu era a mais chique – ou uma das – mas só eu sei o que passei.
O medo que pingasse uma gota de champanhe no vestido me impediu de
me divertir (...). Nunca sofri tanto. Quando voltei para o hotel, tirei
cuidadosamente a roupa quase acomodei o vestido na cama e dormi no
chão, para não amarrotar (...). no fundo talvez eu achasse que, o dia
em que uma mulher vestisse um lindo vestido Chanel e usasse
esmeraldas, tudo mudaria, ela passaria a ser outra, mas a verdade é que
nada muda e você volta a ser a mesma pessoa de antes. E pensei que,
mesmo adorando essas coisas maravilhosas que aliás, adoro não vale
a pena fazer nenhum tipo de concessão para tê-las, pois, quando a festa
acaba, nada disso quer dizer nada, e nenhuma festa dura para sempre”.
109
Ora, desempenha-se diversos papéis o tempo todo, seja no cotidiano ou na festa, mas a
ocasião da festa demanda um ensaio mais rigoroso, um papel mais raro de se desempenhar.
Existem detalhes, tecidos e cores que são especificamente chamados à situação de festa.
O objetivo é ser olhada, admirada, ser reconhecida como bela ou elegante. O traço
conservador dessas mulheres da classe média carioca, no entanto, é mais forte, e se reflete nas
dúvidas sicas do vestir para festas, o “medo de errar”, de “pecar pelo excesso”. O vestido
preto, assim, se torna a opção segura, garantida. A cor preta do vestido transmite sedução,
elegância, praticidade, mistério, além de ser delicado, atraente e “seguramente chique” (Smith,
2006). Não existe nos armários um modelo que se preste à classificação de “pretinho básico”,
ou seja, aquele vestido que pode ser usado em diversas situações e se permite inúmeras
combinações. O vestido preto nos armários cariocas, salvo exceções, é a roupa que tem uma
ocasião certa, a festa. Certamente porque o vestido preto “é simples o suficiente para aparecer
109
Leão, 2005:154.
120
120
sem esforço, mas elegante o bastante para que a mulher que o use fique marcada como uma
pessoa de bom gosto” (Smith, 2004). Ou seja, é segurança garantida, escapando dos olhares
críticos, ainda que comprometendo a exclusividade, a singularidade.
“Fim do ano passado uma guria que morava comigo tava se formando e
foi comprar o vestido de formatura. Ela é loira de olho claro. Eu e minha
mãe fomos com ela ver alguns vestidos. Amei os efeitos de verde água e
vermelho nela. Mas a songa (sic.) queria preto... É o cúmulo da falta
de criatividade! E sempre é certo que vai achar outros 50 vestidos
parecidos (quiçá iguais) na festa.”
110
“Então, é aquela coisa assim: ah, eu não sei com que roupa eu vou, não
sei o que fica bem, não sei o que os outros vão usar, vou de preto que eu
não erro” (informante, 39 anos, moradora das Laranjeiras).
“Você falou do pretinho básico, eu me lembrei de uma festa que eu fui
com essa calça (uma calça pantalona azul de bolas brancas), um cara veio
falar comigo que eu era a única mulher que não estava de preto na festa.
Eu acho ótimo, porque também é isso: todo mundo com medo de errar,
tudo errado porque ninguém aparece mais que ninguém. Mas eu achei
ótimo, pelo menos eu tava chamando atenção por alguma coisa diferente
e não era nada demais” (a mesma informante).
Brilhos, fendas e decotes são permitidos com poucas restrições na esfera da festa, mas
tudo delimitado por um senso estético que não perdoa exageros. nos códigos da festa uma
forma de reconhecimento da pessoa que os escolheu. O excesso de cor provoca a associação
com a “cafonice”, o “brega”; o excesso de brilho, denota futilidade, a “perua”; a roupa muito
justa ou com decotes demasiado profundos, fendas muito grandes denotam extrema
sensualidade, chegando à “vulgaridade”.
No que se refere ao que “excede” numa roupa demasiadamente apertada, ou com
fendas e decotes em profusão, o corpo é um dos delimitadores. um “bom senso” balizado
pelos ditames da moda e, ao mesmo tempo, pelos códigos culturais locais. A medida dos
brilhos e cores poderá ser delimitada pelos formadores de opinião, ou pelos nones da moda.
Lembro que a roupa da festa demanda um planejamento prévio, onde manuais e “especialistas”
são consultados, numa atitude mais próxima ao pensamento científico de Lévi-Strauss.
110
Participante da comunidade Moda Brasil do site <www.orkut.com>.
121
121
Até bem pouco tempo atrás, os brilhos estavam completamente fora de questão durante
o dia. Hoje, em pequena quantidade, eles são aceitos, sem parecer excessivos, mostrando que,
o que é considerado “excesso” hoje, poderá estar integrado ao bom senso no futuro. Ou seja,
até o que é excesso é delimitado pelo tempo e pela ocasião. Mas, de qualquer forma, os
excessos de “brilho” e “sensualidade” são mais tolerados na ocasião da festa do que no
ambiente de trabalho, ou no ir-e-vir durante o dia.
O trecho transcrito abaixo é de uma das minhas informantes com grande senso crítico e
capaz de verbalizar melhor do que as outras o sentimento evocado pelos “excessos” nas roupas
de festa. Pode-se dizer que qualquer excesso, ainda que fora dos limites da festa, viola o
código do vestir corretamente para este grupo. Mas na festa também um limite de
tolerância, que, embora mais flexível do que no cotidiano, provoca leituras negativas sobre a
pessoa que porta códigos que transgridam o padrão vigente.
“Não, não posso dizer que é negativo, não. Posso dizer que é burro.
Porque ela não sabe se vestir. (...). Mas eu acho burro, porque na roupa,
quando você veste a roupa, não é só mostrar a roupa: vo tem que
mostrar você. Se você exagerar na roupa, cadê você? Ninguém vê, que
se a tal da roupa. Então se é uma coisa muito brilhosa, muito apertada,
muito, muito! Seja muito colorida, ninguém você. vê aquela tal da
daquela roupa coloridésima, aquele troço apertado exageradamente
apertado. Vê aquela roupa brilhosa demais.
Então, um troço brilhoso
demais, então “é perua!”. Nem conhece a mulher, não sabe o caráter
dela, não sabe como ela pensa. Quer dizer, essa colocação de perua
que a sabe qual é. Colorido demais? É brega! Apertado demais?
Puta. Então, ninguém sabe quem é a pessoa. Você não a pessoa,
você vê aquela roupa exagerada.
(...)Você uma mulher, dependendo do ambiente claro, vai depender
do ambiente, vai depender da festa, do momento, enfim. De repente é
uma festa que pede aquilo: colorido. Mas se não for, for uma festa
normal, ou seja, aniversario de alguém.
chega uma pessoa com um
troço coloridíssimo, chega a ofuscar os olhos, você olha fica até meio
vesga de olhar, porque é colorido demais. Ofende a maioria das
visões também. Mulher brega, mulher sem gosto, mulher cafona.
Não sei... Mas acho que tem a ver, de repente um colorido, um
colorido exagerado, é uma coisa meio brega; coisa apertada demais:
meio puta, meio vagabunda. Porque quer mostrar bunda, quer
mostrar peito, quer mostrar alguma coisa assim... E é o sensual, ?
122
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Sensual, mas exagerada. Ser sensual é um negocio bom, mas nada
exagerado é bom
”(informante, 44 anos, moradora de Copacabana).
4.2.4. O luxo x o básico
Se Roux (2005) estiver certa, o luxo no vestuário do século XXI serão as marcas e
grifes prestigiosas. Analisando os dois primeiros grupos pesquisados, percebe-se que as
categorias “luxo” e “roupas de luxo” são encaradas de forma diferente. Sobre o luxo”,
uma visão negativa e outra positiva, sendo esta última relacionada à elegância ou a alguém
considerado “chique”, o que nem sempre guarda conformidade com a aparência, mas com uma
postura correta, moral. A visão negativa está associada com a ostentação, o kitsch, o pastiche.
No que se refere ao campo semântico do luxo, num primeiro momento, os informantes
o associam a sofisticação, riqueza, dinheiro, marcas famosas e caras, refinamento, diferença,
raridade, elegância, conforto, qualidade, futilidade, ostentação, coisas caras. Mas estas
parecem definições automáticas, dadas sem uma reflexão mais apurada. Ao longo da conversa
é que aparecem as nuances na percepção de luxo dos informantes. O luxo considerado
positivo é o que se coaduna com a noção de chique. A noção de chique passa tanto pela opção
elegante na escolha do que se veste e sua adequação à estética estabelecida, quanto pela
postura discreta e bem educada da pessoa, quanto por ter desenvoltura social (Durand, 1988).
Ser chique, para o carioca, tem forte relação com um comportamento discreto, o que,
nesta classe média, é perceptível pela falta de ousadia nos guarda-roupas. Qualquer traço de
novidade ou criatividade no vestir pode ficar de fora do perímetro do chique e passar para o
grotesco.
Um exemplo que me chamou a atenção entre as informantes do segundo grupo é digno
de nota. O perfil da entrevistada, fortemente conservador, se reflete no estilo de vestir que ela
mesma classifica como clássico. Há uma peça, no entanto, dissonante das demais, uma blusa
branca assinada pela estilista norte-americana Anne Fontaine, especializada em camisas
brancas. A estilista, celebrizada pela estratégia de atuar apenas num pequeno nicho, o das
camisas brancas, era desconhecida da informante. A blusa foi um presente do atual namorado.
Com 39 anos, Dayse admitiu que jamais pensaria comprar uma blusa como aquela, um modelo
bastante marcante, com gola grande e transpassada. No entanto, quando solicitada a me
mostrar sua peça favorita, a informante não pensou muito na hora de escolher exatamente
123
123
aquela blusa. Para além das implicações emocionais de uma troca de presentes entre
namorados, uma característica simbólica, a percepção de que lugar em seu armário para
portar uma blusa um pouco mais ousada, no que se refere ao modelo. Encoberta pela
monotonia de um estilo pouco inovador, comum entre as minhas informantes com idade acima
de 30 anos, ela se deu conta de que é possível sentir-se bem com algo que extrapola a sua
percepção do limite do clássico. Isso não significa, no entanto, que a informante mudará o seu
estilo de roupa, mas hoje ela sabe que é possível sair da previsibilidade do seu vestir, ainda que
isso não se torne uma prática regular.
O chique pode ser “básico”, ainda que o “básico” carregue etiquetas de marcas e grifes
famosas. E osico pode variar de acordo com o lugar, ou haver um “básico” mais “luxuoso”
porque possui uma etiqueta famosa. Ou ainda, se para alguns o luxo avaliado de forma
positiva pode significar elegância, o jeito que chamam “básico” de se vestir pode ser
considerado um luxo”. A diferença entre a roupa básica e de luxo está na ocasião para as
quais são escolhidas, e no planejamento do uso.
o luxo negativo, este é visto de duas formas: é autêntico, por exemplo, nas drag
queens, denotando um excesso calculado. Na sociedade, e principalmente na classe média, é
visto como um pastiche do luxo europeu, ou com os “excessos” que alimentam as percepções
negativas sobre a pessoa. Talvez algo como os excessos de que Maria Grahan falou em sua
estada nos trópicos. De todas as formas, a visão negativa do luxo se articula com a noção de
kitsch, uma expressão inglesa que significa “de ostentação, que dá na vista, pretensioso,
superficial” (Oxford Dictionary of current english). que na drag queen, de acordo com a
concepção de Goffman (1985), a estratégia de representação é coerente, posto que aparência e
maneira estão adequadas ao personagem. É autêntico. na sociedade, aparência e maneira
podem destoar e então provocam uma reação de ironia nos entrevistados, principalmente
quando há a percepção de inautenticidade.
Embora o grupo designe o conceito de luxo conforme acima, a roupa de luxo” pode
ser caracterizada de maneira peculiar, e pode ou não prescindir de uma grife de prestígio,
diferente do que sugere Roux. Ou seja, luxo e roupa de luxo são percebidos de formas
diferentes.
As poucas roupas de luxo que minhas entrevistadas me mostraram eram reservadas a
festas ou ocasiões muito especiais, geralmente eram vestidos longos e feitos de tecidos finos.
Uma das entrevistadas, embora guardasse entre seus vestidos dois modelos prêt-à-porter da
Prada e outro Dolce&Gabbana, afirmava o possuir nenhuma peça realmente de luxo. Isso
porque, em sua concepção, os vestidos de luxo deveriam possuir uma aura de arte, deveriam
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124
ser exclusivos. Outra declarou que não possuía nenhuma roupa de luxo, porque essas, em sua
concepção deveriam ser peças como vestidos finos e caros, com um modelo diferenciado e
longo.
Os modelos Prada e Dolce&Gabbanna, mostrados pela outra informante, eram suas
roupas para festas ou ocasiões especiais, e causavam o desconforto que geralmente essas peças
provocam, com a compensação do prazer que o uso desses vestidos gera nas mulheres, o
do ponto de vista racional, pensando com pragmatismo, uma roupa que valoriza o corpo, mas
pelo efeito que tudo vai causar na imagem final. Ou seja, a roupa de festa nem sempre é
considerada uma roupa de luxo, mas a roupa de luxo é a roupa de festa. O efeito do
desconforto, no luxo ou na festa, gera uma sensação de prazer, mexendo certamente com a
auto-estima dessas mulheres, elas se sentem diferentes, mais bonitas, olhadas, valorizadas.
Você fica... o consegue nem andar direito de tão apertadinho e justinho.
E esse tecido não é pra ter essa modelagem, entendeu? Então você tem
que estar muito magra pra usar. Porque isso é uma seda, né? Mas aqui
atrás, você vê que ele tem um bumbum, ó, vendo? A modelagem aqui é
grandinha. Porque não é um tecido que tem caimento pra você fazer bem
justo, né? Seda, geralmente, é melhor uma coisa larguinha.(...)
Olha, esse Prada aqui, esse bege, eu vesti, eu fui pra Nuth, pra uma festa
fechada de um amigo. E eu estava linda, e me olharam bastante. Além
desse vestido ser um pouco transparente, sabe? Um pouco, não, ele é bem
transparente, eu fiz o maior sucesso com esse vestido (informante, 39
anos, moradora de Ipanema).
A roupa considerada de luxo pode ser aquela feita com exclusividade, ainda que não
tenha a assinatura de uma grife famosa. É uma roupa rara de usar, para raras ocasiões,
desconfortável, mas um desconforto que vai fazer com que a mulher mude a postura física,
esticando a coluna, estufando o peito, uma roupa geralmente acompanhada de saltos finíssimos
e altos, fazendo realçar os músculos da panturrilha, valorizando o porte, criando uma aparência
soberba, ou semelhante aos nobres do passado. Ou seja, se a roupa de luxo é para compor uma
imagem oposta àquilo o que se é no dia-a-dia, nas mazelas do cotidiano, para o dia da Gata
Borralheira (Souza, 1987), não significa que a ocasião da festa demande sempre uma
composição de luxo.
Abaixo transcrevo a fala de uma das minhas informantes. Seu único vestido
considerado de luxo é um modelo vermelho feito pela sua mãe, e, ela admite, ainda que feito
125
125
sob medida, é uma roupa desconfortável, é uma roupa para poucos momentos, mas a torna
diferente, a faz sentir-se admirada.
“Não pra usar todo dia, não pra usar em qualquer ambiente, é pra
um ambiente específico. É um pouco desconfortável. Ah, porque luxo,
a forma que você tem que se comportar já é desconfortável,
não é você
.
Ele é frente única. Ele é tipo assim, sereia, né? Ele fica todo justo aos
quadris e depois ele abre. E ele tem um decote muito bonito e tal, e esse
trabalho todo drapeado aqui, que foi minha mãe que fez. . Usei num
navio, fiz uma viagem de navio, um cruzeiro. Usei nesse navio e fez um
tremendo sucesso: as mulheres olhavam, ‘ai, que lindo, comprou onde?’.
Ela costurava profissionalmente, atualmente ela não mais fazendo, não.
Mas ela fazia, e ela é muito, muito caprichosa! Ela não sabe o potencial
que ela tem, mas ela é extremamente caprichosa e as coisas que eu pedia
ela sempre soube fazer superbem-feito. E esse vestido foi um deles.
É, existe diferença. A roupa que vofaz pra você fica direitinha no seu
corpo. É verdade, mas não, isso é outra história. Ela é desconfortável,
apesar de ter sido feita pra mim, pro meu corpo. Mas é um vestido que é
todo justo, se eu comer um pouco mais, se aparecer uma barriguinha,
não vai ficar tão bonito. Ele é justo até o quadril, então exatamente a
partir do tronco ele tem que estar legal. A barriga não pode estar muito
grande, enfim. Tem que segurar na comida. Mas é pra aquele ambiente,
pra aquele momento (informante, 44 anos, moradora de Copacabana).
Sendo a categoria “luxo” de grande complexidade, tentarei resumir os achados do
trabalho empírico.
Luxo positivo Luxo negativo Roupas de luxo
Simplicidade, dis
crição, chique, básico,
desenvoltura social
, prescinde de
marcas e grifes famosas.
Excessos de brilhos, pastiche do
luxo europeu, ostentação
,
profusão de marcas famosas
usadas ostensivamente.
Exclusividade, tecidos finos e caros
,
vestido longo, brilho comedido
, não
necessariamente portador de uma
grife ou marca e prestígio.
A categoria básica é definida de forma mais cautelosa, pois irá variar de acordo com o
lugar, com a usuária, com a visão que cada uma tem do que seja uma imagem básica. Os
conceitos de roupa clássica e básica são confundidos, desconsiderando que uma roupa básica
pode ser clássica, mas nem sempre um clássico pode tomar parte na categoria dos básicos.
Para os cânones, a roupa clássica é atemporal. Uma amiga me mostrou um casaco Dior que
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comprou em 1966, ela o usa até os dias de hoje, transcende as variações da moda. Smith
(2006) listou 10 itens do vestuário, que, segundo ela, são os favoritos da moda, pois, “são
símbolos que ressoam e atravessam fronteiras sociais e culturais. Suas origens talvez sejam
antiqüíssimas, mas seus significados continuam válidos porque as idéias que representam
atração sexual, riqueza, poder, rebelião – são universais e atuais” (Smith, 2004:14). As roupas
listadas são: o vestido preto básico, o terninho, o jeans, o suéter de cashmere, a camisa branca,
o salto alto, as pérolas, o trench coat, o batom, o nis. Avaliando o quadro das minhas
informantes, posso concluir que, da lista de Smith, as peças consideradas básicas nos armários
visitados são: o jeans, a camisa branca, o batom e o tênis. Aqui é preciso atentar para as
diferenças climáticas. O trench coat e o suéter de cashmere são peças muito distantes do
cotidiano das mulheres que vivem sob temperaturas dias anuais acima dos 20°. De certa
forma, isso reflete uma mudança de comportamento em relação ao que nos contava Gilberto
Freyre. O clima daqui começa a exercer influência direta na forma de vestir. A roupa preta,
por exemplo, exaltada por Smith como a cor que vai bem com qualquer tipo de pele, e é ideal
para realçar os contornos do corpo, parece não combinar com a luminosidade e o calor carioca.
As mulheres, na verdade, não discordam de Smith, mas, na prática, como já mencionei,
preferem guardar o preto para as festas ou outras ocasiões de maior formalidade. A própria
Smith aponta para as diferenças semânticas das cores, quando menciona a ex estilista da Gucci
e atualmente editora da Vogue francesa, Carinne Roitfeld: “O marrom é triste. O azul marinho,
conservador. E o preto é chique. Acho que quando se mora numa cidade como Paris, Nova
York ou Londres, os dias o cinza o ano todo, e não acho que azul-turquesa, rosa ou amarelo
se misturem tão bem com esse clima. Na cidade eu uso preto, cinza ou branco” (apud Smith,
2004:34). Constanza Pascolatto, em livro em que dicas sobre elegância é taxativa quando
aconselha a mulher a não deixar espaço em seus guarda-roupas para tons mais abertos ou
estampados claros. Para ela, a elegância está nas cores branco, preto, bege, marrom, cinza e
azul-marinho. Mas, como não estamos falando de Paris, Nova York, Londres ou mesmo São
Paulo, os códigos que traduzem as cores para o mundo culturalmente constituído o outros.
Cores e estampados em profusão habitam os armários pesquisados, e coabitam com algumas
(poucas) roupas pretas. As autoras inglesas do livro O que as suas roupas dizem sobre você?
acham que poucos são os tons de pele que combinam com a cor preta. Entre as minhas
informantes, não percebi qualquer rejeição ao preto, ou ao “pretinho básico”. Outras forças, no
entanto, atuam nas práticas de compra: a moda, que ultimamente não é o preto, e o clima
quente. Ao serem abordadas sobre o “pretinho básico”, algumas informantes se davam
conta de que não possuíam um modelo assim quando vasculhavam o armário a procura da peça
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127
para me mostrar. Então, constrangidas, lembravam-se de que não possuem o clássico
imortalizado por Chanel.
Houve apenas uma exceção, uma informante cujas cores favoritas eram o preto e o
branco. Neste caso, esta predileção de cores governa as suas escolhas e, portanto, o que não
faltam neste armário, são as peças pretas. Por outro lado, o vestido preto, mesmo neste
armário, continua sendo a roupa para as festas. O preto estava apenas em blusas e calças
compridas. Outra informante declarou seus motivos de ordem prática para evitar o preto.
“Tenho um armário muito colorido, eu gosto. Mas eu também adoro
preto. Bem, eu adoro usar preto, eu usaria sempre, eu uso a menos
porque morando no Rio é muito quente pra usar preto, e eu não gosto de
usar muito preto no sol, uso mais no inverno” (informante, 23 anos,
moradora da Glória).
O clássico não sai de moda, o básico pode sofrer algumas variações ao sabor dos
estilos de cada época. O básico dos básicos por aqui é o jeans e camiseta ou camisa branca de
botão. O chamado basic body americano, que, provavelmente, deu origem a este conceito, é
exatamente aquela roupa reta, com corte simples, pouco tecido, criada nos tempos do pós-
guerra, e desafiado pelo new look de Dior. Mais tarde, o basic wear americano, composto por
roupas do dia-a-dia. A melhor forma de conceituar o básico quem me passou foi uma pessoa
que trabalha com moda e esnuma das comunidades virtuais das quais passei a fazer parte.
Ele diz: Básico é o look ‘básico’ para a construção de outros’”. É isso mesmo. Essa
conceituação me conduz a uma analogia com o Triângulo Culinário de Lévi-Strauss (1968).
Pensando na mesma lógica que, para Lévi-Strauss, governa as práticas da alimentação em
diversas culturas, criei um esquema de vestuário com base em tudo o que vi durante o meu
campo.
O jeans com camiseta tipo T ou de malha branca ou colorida ou com camisa branca de
botão é um traje que admite diversas estratégias de imagem, dependendo do que o
complementa. No caso da classe média do Rio de Janeiro, o vestido sico não é preto, mas,
geralmente é feito com um tecido leve, pode ser de cor clara, como azul, verde, vermelho, ou
mesmo neutra, como o bege. Vi também alguns vestidos estampados, sendo os das marcas
famosas, com desenhos exclusivos. Vou chamar a todos de “vestidos leves”, isso porque,
embora com comprimentos diversos, poucos levavam mangas compridas, e nenhum
confeccionado com tecidos pesados como a lãzinha ou o veludo. Assim, segue o esquema :
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Base
Automático, sem
planejamento
Complemento 1
Planejado
Complemento 2
Planejado
Imagem
Planejada ou não
Jeans + camiseta ou
camisa
Casaco de couro Sapato fechado ou bota Rebeldia, protesto, poder, noite,
lazer, rua.
Jeans + camiseta ou
camisa
Casaco jeans Tênis monocromático Conformidade, adequação a qualquer
situação, medo de errar, casual,
escola, compras, cotidiano, dia ou
noite, casa ou rua.
Jeans + camiseta ou
camisa
Blazer Sandália de salto fino Formalidade, trabalho, dia ou noite,
social, rua.
Jeans + camiseta ou
camisa
Bijuterias leves Sandálias rasteiras Praia, show, lazer, compras, casa ou
rua, casual, despojada,
descomprometida.
Vestido leve Casaco de couro Sapatilha ou bota Rebeldia, protesto, poder, noite,
lazer, rua, ousadia, desafio,
sensualidade.
Vestido leve Casaco jeans Tênis monocromático Conformidade, adequação a qualquer
situação, medo de errar, casual,
escola, compras, cotidiano, dia ou
noite, feminilidade, sensualidade,
rua, romântico sem “pieguice”.
Vestido leve Blazer Sandália de salto fino Formalidade, trabalho, dia ou noite,
social, rua, feminilidade, seriedade.
Vestido leve Bijuterias leves Sandálias rasteiras Praia, show, lazer, compras, rua,
casual, romantismo, feminilidade.
Lembro que o traje de festa é a exceção, portanto, não entra na classificação básica,
aliás, a estratégia de imagem para a festa, muitas vezes, faz oposição ao básico.
Na comunidade virtual, os participantes que moram em cidades nordestinas o
mencionaram o jeans como peçasica. Para eles, o jeans é um tecido quente, sendo
substituído pela calça de sarja ou outros tecidos mais leves, ou ainda bermudões de tactel,
sempre com cores claras. Isso me faz concluir que o sico sem qualquer complemento é a
forma mais confortável possível de se vestir. Mais uma vez me remetendo à oposição
cotidiano x festa, o básico se enquadra muito bem no cotidiano.
Percebe-se nesta mulher carioca uma tendência a optar pelo estilo básico. Mesmo as
mulheres que se classificaram como clássicas, na prática, de acordo com as roupas mostradas,
parecem mesmo fazer parte da classificação básica. E, conforme mencionei no início do
tópico, pode-se julgar chique a simplicidade do traje básico, com o alerta de que ele habita os
armários sempre sob a orientação da moda vigente. A declaração a seguir salienta bem a
diferença entre a “roupa de luxo” e o que se entende por luxo como qualificação para o chique,
o elegante.
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“É engraçado. Sandálias Havainas têm o status de luxo que as pessoas
procuram, de uma certa forma, porque luxo tem muito a ver com valor
simbólico do produto, e Havaianas dizem alguma coisa, e as pessoas têm
prazer em usar, têm prazer em dizer as coisas via sandálias Havaianas, o
problema é que eles não tem a coragem de botar o preço em cima.
Mas, vo não pode dizer que não seja um produto de luxo. Cara, eu
acho uma camisa Hering branca, básica, tá... um troço chiquérrimo.
Podre de chique. Eu gostaria muito de ter um corpo que me permitisse
usar uma camisa Hering com uma calça jeans. Eu acho que isso é o
supra-sumo do elegante. É o hiperbásico, do hiperbásico, do hiperbásico.
Então, se eu tivesse que eleger uma marca brasileira pra investir como
marca de luxo, e tivesse a cara daquilo que eu acho que é Brasil, é
sandália Havaiana. Camiseta Hering” (informante, homem, 42 anos,
morador de Ipanema).
A calça jeans é a peça básica por excelência. Ela ocupa boa parte dos muitos armários,
e é oportuna em diversas ocasiões. Se o jeans é básico, e o estilo básico se tornou o estilo da
mulher carioca, é porque dificilmente “erra” quem opta pela famosa calça azul. A moda,
porém, não se conforma com uma peça tão versátil e atemporal. Por isso, hoje a escolha do
jeans passa pelas seguintes variáveis: marca, lavagem, modelo e aplicações (em tecido, ou
bordados em linha, pedrarias e outrascustomizações”). Portanto, ainda dentro dessas
combinações, existe um tipo de jeans que é classificado como modelo básico: deve ter a
lavagem azul, sem ser “estonado” (lavado à pedra, desbotado de fábrica), sem ser rasgado, ou
com furos, ou cerzidos; corte tradicional, sem ter cintura alta, nem baixa, com pernas nem tão
largas, nem tão ajustadas.
O imigrante bávaro Lévi-Strauss não tinha idéia de que seu invento ganharia o mundo.
Primeiro, como roupa resistente, de trabalho, portanto, com características de ordem prática,
em seguida, como símbolo de rebeldia vestindo ícones como James Dean, imortalizado pelo
cinema norte-americano e mitificado pela morte violenta e precoce. Se, no início, as mulheres
ofereciam resistência ao novo tecido, principalmente por estar associado ao trabalho braçal,
tipicamente masculino, a Vogue e Lauren Bacall foram os agentes de transferência que
convenceram as mulheres de que o jeans também foi feito para elas (Smith, 2004). O jeans
então, deixa de ser a peça-chave na conquista do oeste norte-americano, para se tornar a peça-
chave do guarda-roupa de muitas mulheres contemporâneas.
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“O que não pode faltar no meu armário: calça jeans não pode faltar; all-
star não pode faltar; um bom salto agulha não pode faltar; uma camisa
preta básica também. Essas daqui, nessa parte. Meu tipo de jeans favorito
é jeans escuro” (informante, 23 anos, moradora da Glória).
No caso do jeans, a moda em termos de modelo segue ao lado da moda das marcas.
Uma das minhas informantes, Maria Lúcia (nome fictício), 36 anos, lembrou a saga do jeans
desde sua juventude, na cada de 1980: havia o jeans com elastano, mais conhecido como
lycra
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da marca Inega, uma verdadeira novidade para os padrões vigentes, extremamente
feminina, modelava as curvas do corpo. Depois a mídia popularizou as calças Dijon com a
então top model Luiza Brunet. Ela estava em quase todas as contra-capas das revistas, sempre
vestindo a calça com as pontas dos bolsos metalizadas. Em seguida, a calça carpinteiro da
Company junto com os modelos Fiorucci pedal pusher desbotada e baggy ou semi-baggy da
Philippe Martin. Hoje a variedade ainda é grande, mas esses modelos estão fora de todos os
armários, dando lugar a peças de cintura baixa, cerzidas, rasgadas, estonadas em determinadas
partes, como as pernas e as nádegas, ou com bordados, conforme as modas atuais.
4.2.5. Marca x Não-Marca ou Marca x Antimarca
O chamado “visual logotipado” da década de 1980, hoje é olhado e julgado com
desconfiança. As marcas famosas estão presentes em todos os armários, mas o usadas com
parcimônia, etiquetas escondidas por dentro da blusa ou do vestido, camisetas menos
ostensivas. São os detalhes que farão a diferença entre uma roupa básica “grifada” ou
comprada na feirinha, e garantirão a reconhecibilidade da peça no interior de grupos
especialistas. São detalhes reconhecidos por aquelas mulheres que apreciam roupas mais caras
e mais sofisticadas, porém, são quase imperceptíveis para aquelas não iniciadas no mundo das
marcas. As calças jeans continuam carregando grandes etiquetas, mas sempre uma opção
mais discreta, ou uma etiqueta que ficará encoberta pelo uso de um cinto. A marca passa a ser
um demarcador de fronteira social, porém quando é pouco ostensiva, limitando-se a mostrar
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Lycra tornou-se o nome que designa o tecido feito com fio de elastano, na verdade, é uma marca registrada da
DuPont desde 1962. A DuPont, empresa fundada em 1802 nos Estados Unidos, se autodenomina como
especializada em ciência. Para mais informações, ver <www2.dupont.com>.
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detalhes que denunciem a origem, permite ao usuário circular em qualquer âmbito social, sem
ser julgado por “patrulhas sociais”.
As mulheres entrevistadas demonstraram forte conhecimento das marcas locais, ou que
sejam mais acessíveis em seus bairros. Citam com freqüência: Leeloo, Mara Mac, Doc Dog,
Maria Bonita, Farm, Mixed, Carmim, Colcci, A-Teen, entre outras. Distanciam-se, no entanto
daquelas cujo conceito técnico define como grife: Prada, Gucci, Salvatore Ferragamo, Mugler.
Sacralizam nomes sedimentados como Dior e Chanel.
Esta relação pode ser considerada uma característica do grupo de mulheres da classe
média do Rio de Janeiro. A diferença pode ser verificada nas duas entrevistadas que não são
originariamente do Rio de Janeiro. A informante nascida na Itália discorreu com desenvoltura
sobre as marcas e grifes que para as outras mulheres, de certa forma, pareciam distantes, como
algo quase inatingível, como entidades, daí o que denominei sacralização das grifes”. a
informante que veio de Rondônia, falou sobre suas marcas preferidas sem qualquer pudor,
denunciando a clara preferência por roupas que tenham, de fato, uma origem “confiável”
atestada pela etiqueta, admitindo idas à São Paulo com o propósito de comprar nas
multimarcas de lá, entre elas, claro, a Daslu.
É importante que se diga que uma das limitações do método foi a impossibilidade de
cruzar os dados financeiros e concluir sobre relação com o capital financeiro e a adesão às
marcas e grifes. Dentro do grupo estudado esta relação não fica clara, mas no que se refere ao
comportamento específico deste grupo, numa avaliação a priori, esta relação não existe. O
comportamento em relação às marcas pareceu bastante uniforme.
O controle social que envolve as marcas, principalmente as de luxo ou grifes, passa,
evidentemente, pela questão da moralidade. Esta moralidade pode estar relacionada com a
ética no que se refere à falsificação das peças, ou com a desigualdade social, muitas vezes
classificando como imoral a conduta de alguém que “gasta uma fortuna com uma bolsa de
marca num país que passa fome”.
Na comunidade virtual “Eu amo Louis Vuitton” uma discussão sobre o uso de peças
falsificadas. O tópico é aberto por alguém que desafia as participantes, duvidando que
qualquer uma delas tenha de fato uma bolsa verdadeira. As respostas carregam o ranço da
indignação. Algumas participantes se sentem ofendidas e assumem que juntaram muitas
economias, mas conseguiram comprar uma bolsa verdadeira; outras, simplesmente reprovam o
comportamento de quem é capaz de sacrificar o bolso por conta do capricho que é obter uma
bolsa com o monograma LV autêntica, e assumem que não vêem qualquer problema em
comprar uma peça falsificada. O fato é que, a despeito da falsificação, para essas moças, o
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prazer de portar a marca em um objeto que, por seu uso, deve ser enquadrado na categoria do
vestuário para a rua, certamente justifica o sacrifício financeiro. É digno de nota que, também
as versões falsificadas são vendidas por preços bastante altos, mesmo para os padrões dessa
classe média. Muitas das minhas informantes revelaram suas paixões por bolsas, mas somente
duas delas possuíam artigos dessa marca. Só uma revelou seus truques para distinguir a
verdadeira da falsificada. Outras marcas com a logo menos evidente se instalaram nos
armários visitados: Dolce&Gabbanna, Lenny&Cia, Arezzo, mas, nem por isso, eram menos
exaltadas. Ao contrário, algumas mulheres até rejeitam a marca Louis Vuitton, que, devido às
falsificações e à exposição excessiva da logomarca, tornou-se, para esses informantes, uma
marca estigmatizada.
Se luxo e marca, para esse grupo, são conceitos que não se misturam, pode-se dizer que
as marcas sofrem mais com o julgamento moral do que a roupa considerada de luxo. Esta
última tem lugar certo para aparecer. As marcas e a importância dada a elas se tornaram um
dado classificador de futilidade dependendo do grupo ou “tribo” por onde se circula.
Este cunho amoral acompanhava o luxo desde os primórdios da história grega. Para
Platão, o luxo gera a guerra. aos deuses deveria ser reservado o trânsito pelo mundo do
luxo, em oposição ao homem mortal, comedido, e conseqüentemente são. O luxo se contrapõe
ao ideal moral, da mesma forma que as marcas são vistas na atualidade como fetiches ou
alienação, futilidade. É neste ponto que percebemos a associação de Roux (2005) do luxo
com as marcas prestigiosas.
Na seção 3 mencionei alguns trabalhos com inspiração marxista que tratam as marcas
como fetiches, como falassem por si. Diante deste cenário crítico, no grupo estudado um
discurso de mea culpa, uma espécie de reconhecimento da própria futilidade, uma certa
“vergonha” das marcas mais valorizadas. Ao mesmo tempo, o grupo não conseguiu esconder o
prazer de envergar uma roupa assinada por algum estilista famoso, ainda que seja um modelo
prêt-à-porter, porém, mostrou o cuidado de circular nos grupos “certos”.
Entrevistadora
: “Como é que você se sente quando veste uma roupa que
tem uma marca famosa, uma marca respeitada? Qual é a sensação?”
Branca:
(Risos) “Além de fútil?”
Entrevistadora
: “Por que fútil?”
Branca:
“Porque, assim, você sabe por quê!”
Entrevistadora
: “Não, não sei!”
Branca: “Quando você quer se mostrar, ser alguém pelas aparências...
Ah, porque eu vestindo uma grife, tô vestido um Prada, vestindo um
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Dolce & Gabbana eu sou alguém. Não é isso! Mas eu gosto de me vestir
com uma coisa de qualidade que eu sei que não muita gente tem acesso.
Eu gosto de exclusividade” (informante, 39 anos, moradora de Ipanema).
Talvez seja essa a origem da preocupação das minhas informantes em evitar a
ostentação na forma de uma composição onde sobressaiam as marcas ou a excessiva exposição
de logos. Há um risco iminente de ser reconhecida em alguns grupos como uma mulher fútil.
Todas gostam, conhecem as marcas locais, apontando, inclusive, pontos positivos ou
negativos de determinadas etiquetas, mas a ostentação circula onde há apreciação no grupo, ou
onde os pares também enverguem peças nitidamente de origem prestigiosa.
“Por exemplo, eu já usei meu vestido do Givenchy pra uma festa do
jóquei. Então tinha high society, gente que nem me conhecia, não
sabia quem eu era. E eu tava de convidada, e sempre tem uma amiga
que pergunta: ‘ah, vem cá, que vestido lindo’. Não me sinto constrangida
nem um pouco, até porque eu uso esses vestidos nessas ocasiões, só”
(informante, 48 anos, moradora da Lagoa).
Essas roupas oriundas de uma loja, marca ou grife de prestígio, proporcionam uma aura
de poder, de atitude, altivez e, principalmente, segurança nos meios onde o reconhecidas.
Elas podem estar presentes no traje de luxo ou do cotidiano. Há, como que para aliviar a culpa
e atenuar o possível julgamento moral, um discurso de qualidade comprovada, de
exclusividade com uma aura de arte, ou ainda, para não ferir preceitos morais, a roupa cara, de
uma grife ou marca famosa tem lugar certo para aparecer, não sai do armário para qualquer
evento, ou para se mostrar em qualquer companhia. Porém, solicitadas a mostrar uma roupa
que falasse mais forte sobre sua preferência ou personalidade, muitas informantes retiraram do
armário uma roupa portadora de uma etiqueta famosa de prestígio, ainda que de uma marca
local.
As grifes internacionais, um pouco mais distantes do dia-a-dia das entrevistadas,
despertam nelas respeito e admiração, uma postura que parece sacralizar nomes como Chanel,
Versace, Gucci, Prada, fenômenos glamourizados muito distantes do cotidiano. Outras, de o
emblemáticas, parecem aos poucos adquirir para o grupo o estigma da marca do aventureiro,
do novo-rico, do alpinista social, daquele que as usa somente para mostrar o novo status quo,
sem qualquer reconhecimento dos atributos intrínsecos dos produtos. É o caso da Louis
Vuitton, provavelmente por ser uma marca demasiadamente falsificada, junto com o Rolex.
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Percebe-se um embate semelhante à relação entre nobreza e burguesia pré Revolução Francesa.
No entanto, conforme lembra Giddens (2002), os novos-ricos nos dias de hoje procuram se
informar com especialistas, exatamente para evitar o “erro” e denunciar sua origem.
“É... eu não teria um Mercedes. Pra mim, Mercedes é carro de rico. Não é
carro de gente chique (...) Um cara de Mercedes e Rolex: Ah, vai mais
um advogadozinho... Começou a ganhar dinheiro resolveu comprar o seu
Mercedes, o seu Rolex...” (entrevistado, 42 anos, morador de Ipanema).
No campo do que chamei não-marca, estão as roupas feitas por costureiras, as roupas
de feirinhas ou de confecções desconhecidas, geralmente vendidas por uma amiga ou
conhecida. Todas admitiram vasculhar barraquinhas nas feirinhas Babilônia Feira Hype e
Feirinha de Itaipava. É digno de nota que as feiras citadas não são feirinhas comuns. A
Babilônia foi berço de algumas marcas de peso no atual cenário carioca da moda, como a
Farm, por exemplo. Ou seja, não é em qualquer feirinha que circulam as roupas que vão para
esse armário da classe média. O grande diferencial das peças vendidas neste circuito é o
atributo de ser artesanal, a ilusão de usar uma roupa quase única, exclusiva. Ora, este é o
conceito da alta-costura, diferenciando-se pelo seu alto preço, justificado por uma elaboração
mais complexa e o uso de materiais mais nobres.
O que classifiquei como antimarca, são aquelas roupas rejeitadas sem um exame prévio
de qualidade e acabamento. São descartadas das possibilidades de compra simplesmente
porque estão dispostas em uma loja de grande varejo, ou possuem uma etiqueta pouco
relacionada à moda, ou ainda, possuem propriedades simbólicas que não se alinham com os
objetivos dessas mulheres. É como se fosse preciso munir-se de coragem para admitir a
compra de uma roupa como essa. Algumas, ainda que vendidas em lojas tradicionais, pecam
pelo exagero, pelo estilo que o combina nada com esta classe média conservadora em seu
vestir. É o caso da marca Gang, uma das mais citadas quando falamos de rejeição.
A calça da Gang, uma peça mencionada por quase todas as informantes dentro do grupo
de marcas rejeitadas, celebrizou-se graças a um discurso midiático que soube aliar suas
propriedades intrínsecas e simbólicas. Diferente do que sua aparência denuncia, a calça da
Gang é feita de moleton stretch, mais conhecido como lycra, e tingida para adquirir aparência
de jeans. A diferença entre o indigo blue misturado ao elastano, tecido usado para
confeccionar as calças da marca Inega nos anos 1980, e o moleton stretch das calças da marca
Gang, é que este último estica na vertical e horizontal, e o primeiro, usado pela marca Inega,
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apenas na horizontal.
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A marca Gang então notabilizou-se por ganhar as pistas de dança nos
bailes funk. Esta associação, aliada a uma modelagem ousada em sua sensualidade (cintura
bem baixa, sendo um pouco mais alta na parte de trás para dar a sensação de aumentar as
nádegas) para as mulheres entrevistadas, são aspectos vistos de forma negativa, provocando a
imediata rejeição da marca. É uma roupa que se encontra totalmente fora dos padrões do
grupo. A peça rejeitada geralmente infringe esses padrões, portando os “excessos” de cores, de
sensualidade, de brilhos.
Renner, C&A, Leader, Marisa e Lojas Americanas estão classificadas como antimarcas.
Alguns informantes admitiram que não vêem qualquer problema na compra ou uso dessas
roupas, porém, reconhecem que, salvo uma situação contingencial,o pensariam em procurar
ou escolher um figurino numa dessas lojas. Mas, se entram e encontram algo que lhes sirva
não se furtam de comprar, ou seja, no que se refere ao uso, transitam em várias possibilidades,
porém, algumas delas com restrições, como é o caso das anti-marcas”. Fora a marca Gang,
não houve um consenso nas rejeições, o que me faz inferir que elas se relacionam muito mais
com o gosto. Agrupei no quadro a seguir algumas oposições colhidas sobre os três grandes
grupos que formei.
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Mizhari, 2006.
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MARCA x NÃO-MARCA MARCA x ANTIMARCA NÃO-MARCA x ANTIMARCA
Farm, Maria Roupa feita por
Farm, Maria Renner, C&A, Roupa feita por
Renner, C&A,
Bonita, costureira, Bonita, Lojas costureira, Lojas
Mara Mac, comprada em Mara Mac, Americanas comprada em Americanas
outras. feirinha outras.
feirinha
ou de
conhecidos
ou de
conhecidos
Risco de cópia Legítimo
ou falsificação
Boa qualidade Qualidade
questionável
Caráter
artesanal
Produção em
escala
industrial
Qualidade Sem garantia
de
garantida qualidade
Chique Simplória Sob medida ou
possível de ser
ajustada
Sem ajuste
Roupa de
preço
No. reduzido
de peças por
Produção em
escala
industrial
Roupa cara
acessível modelo
Percepção de Percepção de
que terá que durará
muito
longa pouco tempo
durabilidade
Roupa cara Roupa barata
Industrial Artesanal Durável o-durável
Nem sempre
Sofisticação
Durável
Simplicidade
Não-durável
Bom caimento
veste bem
Acabamento Acabamento Acabamento
bem-feito
Acabamento
pouco
esmerado
bem-feito duvidoso
Os aspectos negativos das roupas classificadas como não-marcas o aventados apenas
como possibilidades. em relação às antimarcas, percebe-se a certeza de seus aspectos
negativos, o nome serve para classificar a rejeição, ainda que admitam ser possível encontrar
peças de qualidade. As marcas, ao contrário, funcionam como um atestado de segurança, sem
esquecer, claro, toda a carga simbólica que lhes é própria. Lembro que estamos falando de
percepções. A rejeição, no entanto, não é uma regra geral, há, sim, alguma tolerância às
antimarcas, e até aprovação após o uso efetivo. Os informantes que admitiram a compra de
roupas nas Lojas Americanas, o fizeram por motivos pragmáticos, seja por mero acaso, como o
primeiro deles, seja pela adequação ao corpo. Nunca é demais lembrar que, para este grupo, a
adequação ao corpo se sobrepõe a qualquer outro critério de escolha, até mesmo da percepção
de segurança das marcas. Seguem os depoimentos:
Eu tava andando nas Lojas Americanas, comprando, sei lá,
brinquedo
, uma coisa dessas, e uma camisa que eu tenho que é jeans
prendeu numa daquelas gôndolas lá e rasgou. eu fui lá falar ‘poxa tem
uma gôndola aqui que tem um gancho, as pessoas passam e... rasgou a
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minha
camisa’. Na hora a gerente levantou e foi comigo numa seção
que tinha uma camisa jeans e falou ‘olha, a única coisa que eu posso fazer
é te dar essa camisa aqui, que eu sei que não é igual à sua, mas é jeans
também, é do seu tamanho, você leva essa camisa como uma forma de
ressarcir o seu prejuízo’. Eu já achei esta atitude bastante legal, depois eu
botei a camisa, e a camisa ficou muito bem em mim. Uma camisa de...
sei lá... R$18. Não é pelo preço, mas eu jamais iria procurar uma camisa
nas Lojas Americanas, né?... sei por quê. Nem sabia que tinha camisa
jeans lá, talvez... sempre achei que fosse roupa íntima e brinquedo e
eletrodoméstico. Mas, enfim, achei aquela camisa bacana e uso ela assim
normalmente, no dia-a-dia. E as pessoas às vezes falam ‘poxa, que
camisa bonita’. E eu digo ‘comprei nas Lojas Americanas’ (...) Eu não
me sinto brega, ou não-chique, pelo contrário, ame sinto muito chique
com aquela camisa. É muito sofisticada e isso não tem nada a ver com o
lugar de onde ela veio, que é a coisa do fato de ser autêntico. Aquela
camisa ‘cai’ comigo (informante, homem, 32 anos, morador de
Copacabana).
“Eu tenho um problema. Eu tenho um fator limitador que é o tamanho da
minha perna, porque eu tenho perna comprida, então não é qualquer calça
jeans. Então eu posso amar uma, sei lá, uma calça da Fórum, se ficar
curta em mim eu não vou comprar. Então isso determina. Mas eu não
tenho assim...
se tiver nas Lojas Americanas uma calça que me vista
bem, eu não tenho o menor problema
. Eu tenho calça jeans de lá, das
Lojas Americanas. Eu tenho, gosto e uso! Eu uso bastante até. Veste bem,
eu uso.
Eu acabei de comprar essa semana, três calças jeans. Eu tenho calça da
Taco! Eu não ligo, se vestir bem... Eu acabei de comprar três calças jeans
de uma fabrica de Itaipava. Comprei uma de 39 reais. Não tenho essa,
sabe? Se vestir bem! Coube na minha perna, vestindo direito, não tenho
esse problema. Ai, é das Lojas Americanas, é da Fórum inclusive não
tenho da Fórum que eu acho absurdo. Não tenho essa frescura
não”(informante, 39 anos, moradora das Laranjeiras).
“Já comprei nas Lojas Americanas umas camisetas brancas, já comprei lá.
Acho que eu comprei uma camiseta na Renner uma vez. Não, não
rejeito, não. Eu não gosto muito, não, mas também não rejeito. Se tiver
alguma coisa que eu ache legal, vou comprar. Acho que eu nunca compro
lá, porque eu nunca vi uma coisa que me interessasse mesmo. Não teria
preconceito de
comprar algo nessas lojas se eu gostasse de alguma coisa.
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Feirinha? Eu compro muito na Feira Hype, que é diferente um pouco da
Feira Hippie porque tem vários novos estilistas lá, e você compra
baratinho umas coisas bem legais” (informante, 23 anos, moradora da
Glória).
O uso de uma marca com algum prestígio no mercado pode, de certa forma, ser um
demarcador social, mas o me parece que seja uma questão para esta classe média. Porém,
numa cidade onde as diferentes classes sociais se esbarram o tempo todo, é possível que haja
uma inibição natural da ostentação de roupas com etiquetas famosas. Por outro lado, roupas
cujas marcas não são tão ostensivas, e que tenham um caráter “básico”, ou um diferencial
visível somente aos que a reconhecem, podem quebrar barreiras sociais em ambos os
segmentos sociais que imprensam os segmentos médios: as camadas mais populares, por não
reconhecerem os nomes ou mesmo detalhes diferenciadores, e a classe alta, exatamente por
reconhecer a origem das peças.
De qualquer modo, há sempre um discurso racional por trás da opção por uma marca de
primeira linha. Uma informante foi taxativa ao reconhecer que a marca não faz diferença para
a roupa sica, ou seja, o básico é sempre igual, com marca famosa ou não, no entanto ela
reconhece os benefícios oferecidos pelas grandes marcas.
“Mas, na boa, quando vocompra um jeans... jeans é jeans. Jeans é pra
você batalhar, pra vosuar, pra vocorrer, não é peça de vestuário
de noite. É jeans, é jeans! Então, é a mesma coisa: comprar uma camiseta
básica, branca, da Armani, e vai comprar uma da Hering, é uma camiseta
branca. Ou vo vai usar como camiseta branca, ou você não vai usar
como camiseta branca. Não adianta! É básico, entendeu?”
“(...) uma vez eu comprei uma calça, na A-teen. E é uma loja cara! O
botão de pressão caiu, quando eu fui fazer assim. eu cheguei, falei,
quer dizer... você pagando por uma coisa que tem que ter durabilidade.
Você acredita, que... Falei: ‘isso não é de vocês’. E eu tenho mania de
cortar isso da calça, a bainha. Elas trocaram pra mim na hora com a
bainha cortada. Na hora! Porque não é pra acontecer isso, entendeu? Você
pega uma blusinha dessa, tipo assim: pô, o trabalho que isso dá, pregar
botão a botão. Não é blusa pra você usar de noite, por exemplo, essa de
botãozinho branca. E é um negócio caro. Se você comparar com C&A,
Renner, sabe? E eu tenho essa blusa um monte...” (informante, 33
anos, moradora da Lagoa).
139
139
4.2.6. Moda e Individualidade
“A moda pode ser uma servidão, mas é uma servidão voluntária”
(Erner,
2005).
A moda rompe com alguns dogmas do vestir, mas cria outros. É a moda que nos faz
perceber como o gosto o pode ser apenas um aprendizado inerente à classificação
socioeconômica, inflexível, como quer Bourdieu, mas, sim, um traço moldável, sujeito a
experimentações (Campbell, 2006), ou pronto para ser convencido por algum agente de
transferência (McCracken, 2003).
Simmel (apud Barnard, 2003) como condição para o aparecimento da moda duas
tendências sociais: um certo instinto gregário, a busca pelo apoio do grupo, e, ao mesmo
tempo, o anseio pelo isolamento. Há, portanto, um mecanismo de pertencimento não
condicionado à perda do individualismo. Se o que o autor chama de “impulso socializante” se
sobrepuser ao impulso de diferenciação”, não haverá moda. Na seção 3 discorri um pouco
sobre os dois assuntos separadamente, mostrei como Lipovetsky vê o aparecimento da moda e
como Giddens trata a questão da individualidade como um traço da modernidade. Outro
elemento, a tendência ao pertencimento, é vista por Maffesoli de maneira exatamente oposta
ao individualismo moderno, o autor, ao contrário, nos tempos atuais um instinto gregário
que chama de tribalismo. A moda, no entanto, parece sinalizar outra possibilidade, uma
predisposição individualista, porém, não exatamente isolada.
A noção de agentes de transferência de McCracken aponta o sistema da moda como
uma engrenagem que transfere o significado do mundo socialmente constituído para os bens,
neste caso, o vestuário. Ao conversar com as informantes percebi que elas assim o fazem, ou
seja, percebem via sistema da moda novos significados, adotam novas estratégias visuais, ainda
que não se dêem conta disso. Quando abordadas sobre suas fontes de inspiração para a criação
do próprio estilo, procuram uma atitude voltada para a própria individualidade. Há, portanto,
uma valorização do self, um discurso que reforça uma percepção de força da própria disposição
em criar sua imagem, como se não houvesse um sistema a toda volta contaminando e
“dialogando” com esses traços pessoais.
140
140
Uma informante, por exemplo, revelou que estava numa fase de bolsas grandes”. Um
olhar mais atento percebe que o sistema da moda vem ultimamente valorizando este modelo de
bolsas, seja em revistas, vitrines, em modelos, na TV. O que ocorre é uma identificação com o
estilo que vai para as ruas, seguido da adoção. Outra informante se deu conta disso e
descreveu exatamente este processo. Ela admite que a revista, por exemplo, é um agente de
transferência, e pode ser uma espécie de laboratório”. Combinações que o ousaria fazer,
quando mostradas numa foto de revista, parecem fazer mais sentido, e, portanto, o olhar da
mulher assume uma postura menos crítica. Novamente um traço do perfil da mulher da classe
média, o medo de ousar no vestuário, de fazer combinações que não sejam legitimadas pelo
sistema da moda, ou pela mídia.
“Mas é interessante, a revista é meio que um laboratório até. Você acha
esquisito e tudo, e ali você comprova que pode dar certo. Eu acom
uma revista aqui, que eu vi na minha medica. Eu tava na dermatologista,
olhando a revista, falei ‘que legal, quanta idéia tem nessa revista!’.
Comprei a revista! É porque eu falei: ‘eu acho que eu tenho uma calça
dessa’, (...). Comprei a revista, e funcionou muito bem! Cheguei em casa,
desencavei a calça que tava lá inverno. Fiz uma composição com que eu
tinha. (...). Outro dia minha irdescobriu uma calça numa revista, que
eu tinha igualzinha a calça. ‘Ai, meu Deus, eu vou usar! Vou fazer essa
combinação!’. E tem combinações que eu também não faria. Eu sou
muito... por exemplo, no inverno, eu jamais usaria uma sandália no
inverno! Acho que não combina, eu vou sentir frio no pé, pô! Mas agora,
usando: umas sandálias grossas, não sei o quê. Eu tinha sandália grossa
de plataforma e tinha calça de lã, e fiz uma combinação e ficou uma
graça” (informante, 48 anos, moradora da Lagoa).
A moda, então, assegura uma certa renovação nos modelos das peças. No tópico
anterior, descrevi o processo de aceitação de uma moda. Ele consiste em estranhamento,
adoção, saturação, crítica e distanciamento. São os diversos planos dos significados da moda.
Se num primeiro momento um estranhamento, logo os agentes de transferência, como num
processo de laboratório, levarão a roupa à aceitação. Então, após o crivo da adaptação ao
corpo (lembrando que o critério “vestir bem” que se relaciona à adaptação com o corpo é
sempre prioritário), a nova moda é adotada. A etapa seguinte é a saturação, quando a moda
está horizontalizada e um certo cansaço do modelo, como as batas assimétricas, na
atualidade. Uma participante da comunidade virtual de moda reclama: “nem Vilma, Beth e
141
141
Pedrita o conta de tanta assimetria”. Passamos então à outra etapa, à fase da crítica. Novas
modas surgem, e aquela, ultrapassada, ganha distanciamento, ou passa a um estágio que
McCracken chama de significado deslocado”, ou seja, é “um significado cultural que foi
deliberadamente removido da vida cotidiana de uma comunidade e realocado em um domínio
cultural distante”.
113
Neste caso, a moda se utiliza de dois tipos de deslocamento: geográfico e
cultural. O geográfico, quando transforma em moda um traje específico de determinada
cultura, chemisiers chineses, estampas indianas. Mas o deslocamento ao qual me refiro é o
temporal. Durante um bom tempo as estampas psicodélicas da década de 1970 desapareceram
das ruas, para mais tarde retornarem como o que os estilistas chamam de “releitura” da época,
ou seja, o uso das mesmas estampas em outros contextos, em outros modelos. Então
reiniciamos o ciclo.
Existem, no entanto, nos dias de hoje, inúmeras possibilidades. Pode-se dizer que
uma grande linha de conduta dentro da moda, isso, porém, se difere dos “modismos”. Pode-se
dizer que uma moda de longo prazo e outra de curtíssimo prazo. A moda de longo prazo,
geralmente, é a preferida pelas informantes, especialmente as mais velhas, revelando a
preocupação com a durabilidade das peças, seja ela em termos intrínsecos (acabamentos,
costuras bem-feitas, tecido resistente), ou extrínsecos (uma moda mais longa, menos
comprometedora, menos sujeita à crítica). É possível que este seja um dos motivos da
minuciosa avaliação da moda pelas informantes mais velhas, antes de prosseguirem com a
adoção.
Detalhes da moda de curto prazo que são mais evidentes, como as pontas assimétricas
nas barras das batas e vestidos, por exemplo, são analisados antes de haver a adoção definitiva.
A calça de gancho baixo é outra peça considerada “perigosa”. Outras modas mais sensuais
também são analisadas com cuidado, caso das blusinhas mais curtas que deixam a barriga de
fora, ou, numa perspectiva histórica, o monoquíni, uma peça que, lançada em 1964 por Rudi
Gernheich, fez sucesso temporariamente, enfrentando protestos e a proibição do papa.
Se os valores individuais habitam no seio do grupo estudado, em seus armários não
verifiquei o que escapasse ao manto da moda, nada que desafiasse os padrões estabelecidos
pelo sistema da moda. Por exemplo, as tais calças jeans estilo baggy e semi-baggy, com
cintura alta, hoje em sua fase crítica, não vi nenhuma nos armários. Não vi leggings, embora o
sistema da moda já as esteja reabilitando, da mesma forma que as criticadas pochetes. Os
armários seguem um estilo mais ou menos parecido, com muito poucas variações. As mais
113
McCracken, 2003:135.
142
142
jovens se permitem um pouco mais de ousadia, mas tudo dentro de uma concepção de
significados disseminada pelo sistema da moda, como no caso da “bolsa grande” da jovem
que mencionei anteriormente.
Há, para além dos valores individuais, valores de grupo, ou o que Maffesoli usa como
metáfora, de tribo. Já vimos os problemas com esta metáfora, mas percebe-se que ela é
utilizada largamente pelas informantes como forma de segmentar os seus relacionamentos e
estabelecer normas de vestir adequadas a cada grupo. O novo, portanto, se estabelece dentro de
um circuito muito controlado, cujos limites se apresentam de forma mais rígida do que
imaginamos.
Não podemos falar de uma ditadura da moda”, mas de um amplo leque de
possibilidades que os agentes de transferência legitimam antes que possam entrar no armário
dessa mulher da classe média no Rio de Janeiro. A moda no vestuário, portanto, pressupõe o
uso horizontalizado de um determinado modelo. O individualismo seria o traço de ousadia em
destoar do conjunto. Isso eu não encontrei nos armários visitados, mas no discurso,
demonstrando a preocupação com valores pertinentes a uma marca pessoal.
4.3. SINGULARIDADES DOS CÓDIGOS
Se a moda é propagada em escala mundial, que se perceber que ainda existem
códigos que irão variar em sua interpretação de sociedade para sociedade. Se os armários se
organizam homogeneamente sob o comando da moda e suas diversas possibilidades, o diálogo
com a moda não é universal, ou seja, códigos que se sedimentaram ao longo da formação de
um determinado grupo social influenciarão na leitura da classificação do vestuário, limitando
as escolhas aos códigos estabelecidos ou legitimados por agentes de transferência. Um
observador mais atento aqui no Rio de Janeiro poderá perceber facilmente, independentemente
dos traços físicos, que uma ou outra mulher que circula na Zona Sul da cidade é turista
estrangeira. Seus códigos de vestir facilmente a denunciarão.
Foi assim que, para refletir um pouco mais sobre as particularidades dos códigos
verificados para os diversos papéis sociais na segunda etapa do projeto, decidi complementar a
pesquisa com uma terceira fase, onde expus para mulheres da classe média carioca, residentes
da Zona Sul do Rio de Janeiro e detentoras de capital cultural, as figuras com as roupas
143
143
recomendadas (algumas reprovadas) pelas apresentadoras inglesas do programa What not to
wear (exibido no canal People&Arts no Brasil com o nome de Esquadrão da moda).
Londres, capital da Inglaterra, caracteriza-se pelo glamour personificado pela Família
Real e toda a pompa destinada a ela, e, ao mesmo tempo, por bairros habitados por pessoas
ecléticas, como Camdle Town, por exemplo, onde a chamada street fashion poderia denunciar
uma ousadia que não encontrei por aqui. Lá, não raro esbarramos com pessoas vestidas de
forma diferente do establishment ou dos padrões vigentes ditados pela moda, mas, segundo
Erner (2005), muitas vezes são fontes de inspiração para os estilistas da terra da rainha. É
quando a roupa das ruas se torna moda.
O livro O que as suas roupas dizem sobre você, das apresentadoras Trinny Woodall e
Susannah Constantine, es organizado da seguinte forma: são 12 situações diferentes
(baseadas em tipos reais que participaram dos programas de Woodall e Constantine), as
jornalistas confrontam conjuntos supostamente usados pelas mulheres e o que essas roupas
“estão dizendo” sobre quem as usa, e o que, afinal, acabam mostrando ou comunicando
(intencionalmente ou não). As apresentadoras fazem uma revisão e verificam que a intenção
delas não é realizada através das roupas que possuem, e sugerem algo dentro de cada estilo,
que comunicará de forma mais eficaz coisas positivas a respeito de cada uma.
Cada capítulo começa com uma série de frases confrontando o lado pragmático e
subjetivo de cada tipo, com os títulos: “O que eu digo” (através do vestuário) e “O que
realmente sinto”. Depois apresenta uma foto com uma das duas apresentadoras vestidas da
forma “erradae, ao lado, as críticas irônicas a cada item daquele conjunto. A seguir, elas
colocam em letras grandes os depoimentos de quem enviou a carta à produção do programa,
depoimentos do tipo “É assustador pensar que posso acabar assim” – filha em relação ao modo
como a mãe se veste. Elas então escrevem uma carta motivacional cujo estilo se aproxima dos
livros de auto-ajuda. Por fim, chegamos à página onde apontam a solução. As próprias
apresentadoras o as modelos das roupas mostradas (a certa e a errada). que se notar aqui
os efeitos da produção das fotos. No momento em que estão “erradas”, a expressão do rosto
das apresentadoras é desalentadora. Dependendo do caso, elas fazem cara de entediadas,
desesperadas, atrapalhadas, poses desengonçadas, postura caída. a foto que consideram o
modelo “correto” apresenta a mesma mulher com uma expressão tranqüila, segura de si e
sorridente.
Em seguida vêm os conselhos sobre maquiagem e acessórios, e outra seção onde dão
“dicas de vida”. As autoras fecham o capítulo com imagens de um exemplo real para aquela
situação específica e que foi exibido no programa da TV.
144
144
Este trabalho ainda não contempla uma etnografia da roupa nas ruas de Londres, mas
verifica como as formadoras de opinião londrinas interpretam determinados códigos do
vestuário. A seguir tento descrever os conjuntos apresentados e os objetivos e códigos
relacionados pelas inglesas. Precisei rotular cada figura para não perder a crítica na gravação,
por isso uma codificação em cada ilustração.
114
No anexo 5 as ilustrações poderão ser
contempladas na forma como foram exibidas para as informantes. O rosto das apresentadoras
foi apagado para evitar o risco de as entrevistadas, ao reconhecê-las, tendenciarem suas
respostas.
114
Os códigos foram criados por mim, com a abreviação de nomes que me faziam lembrar os objetivos das
jornalistas e em que contextos elas sugeriam as roupas mostradas.
145
145
Figura Código Descrição
1
CTD-21
“Cotidiano” p.21
São as roupas para o dia-a-dia da mulher.
Casaco xadrez bege até o joelho, calça comprida de tecido bege com pernas
largas, echarpe colorida longa, bolsa de couro vermelha.
2
ATH-37-1
“Athena” p. 37
1º. modelo.
Para as mulheres que trabalham fora em um escritório ou empresa.
Tailleur preto com blusa bordada branca, meias pretas, sapatos pretos de
salto grosso, bolsa grande preta.
3
ATH-43-2
“Athena” p.43
2º. modelo
Conjunto cinza risca de giz, camiseta branca, bolsa grande preta, colar com
pedra branca.
4
DMTR-59-1
“Deméter” p. 59,
1º. modelo
Para as mulheres que foram mães e abdicaram de cuidar de si para tomar
conta das crianças.
Calça comprida bege de perna curta, sapato fechado de camurça bege,
camiseta bege num tom mais escuro do que a calça, casaco de linha bege,
bolsa grande preta.
5
DMTR-65-2
“Deméter” p.65
2º. modelo
Calça jeans tradicional, tênis branco, camiseta branca com desenho em
linhas verdes, casaco estampado fundo creme com desenhos num tom
escuro de marrom. Cinto de couro marrom, bolsa de couro de cor azulada.
6
BRSPS-81-1
“Britney Spears”
p. 81 1º. modelo.
Para as mulheres que querem ser olhadas e desejadas pelo sexo oposto.
Saia de malha cor-de-rosa, miniblusa transparente branca com mangas
compridas, botas metalizadas cor-de-rosa, bolsa cor-de-rosa.
7
BRSPS-87-2
“Britney Spears”
p.87 2o. modelo.
Vestido preto de jérsei com comprimento abaixo do joelho, com cintura
marcada, corte reto, manga comprida, decote V e botões que vão do decote
até a altura da virilha. Meia tipo arrastão de gomo grande, sapato fechado
com bico arredondado e salto alto.
8
DRGRY-109
“Dorian Gray
p.109
Para as mulheres que chegaram aos 40 anos e se vestem como “velhas”.
Vestido de chiffon estampado com linhas sinuosas em tom de cor de vinho,
calça comprida branca de perna larga, colares compridos de contas.
9
MCN-131
“Masculina”
p.131
Para mulheres que não ligam para roupa e perdem a feminilidade nas roupas
que usam.
Calça jeans tradicional de lavagem escura, blusa de malha roxo-clara com
detalhes brilhosos na altura do ombro, cinto de couro com fivela de
pedrarias azuis, sandália rasteira com detalhes de pedraria azul (a mesma do
cinto).
10
ELK-147-1
“Elke” p.147 1º
modelo
Para as mulheres que gostam de se vestir de maneira exótica, com excessos.
Legging preta, camiseta larga roxa, casaco comprido com detalhe de
estampa de onça, scarpin azul de bico arredondado.
146
146
11
ELK-153-2
“Elke” p.153 2º.
modelo
Calça tipo pantalona preta, blusa de chiffon estampada em tom de coral,
casaco com estampado em motivo diferente da blusa, mas no mesmo tom de
cor, colares de contas grandes.
12
SLV-175
“Silvia” p.175
Para mulheres que se perderam na rotina doméstica e deixaram de cuidar de
si.
Saia preta evasê, blusa verde clara de malha franzida na linha dos botões
com mangas compridas, bolsa estampada em tom de verde, sapatos de saltos
altos, abertos nos dedos.
13
HLL-197
“Hell” p. 197
Para mulheres que se mostram “escravas das grifes”.
Calça jeans de lavagem escura, pernas largas, blusa com babados largos
saindo da gola na cor marrom escura, casaco de pele sintética xadrez em
tom de bege e marrom, bolsa de couro com trabalho em vários tipos de
estampa. Sapato de salto fino, alto, bico arredondado.
14
YRIVB-219
“Yara Iavelberg”
p.219
Para mulheres idealistas e intelectuais que acham que gostar de roupas é um
materialismo desnecessário.
Saia marrom comprida de camurça, botas de cano longo, salto grosso baixo,
blusa de malha com zíper em marrom de tom mais escuro do que a saia,
camiseta cáqui.
15
AFR-241
“Afrodite” p.241
Para mulheres maduras que acham que ainda podem vestir-se com a ousadia
dos 15 anos.
Calça comprida jeans de perna justa, camiseta verde, vestido tipo envelope
estampado em ziguezague colorido, colares de contas e broche de margarida
brilhoso.
16
OLDFS-257-1
“Old fashioned”
p. 257 1º.
modelo
Para mulheres que se prenderam a uma maneira de se vestir que ficou
para trás.
Tailleur pérola de tecido brilhoso e saia curta, bolsa pequena preta com alça
comprida, colares de pedras, scarpin preto de salto fino alto e bico fino.
17
OLDFS-263-2
“Old fashioned”
p.263, 2º.
modelo
Saia preta de tecido brilhoso com babados em franzido acompanhando a
linha da perna, camiseta de manga comprida e decote V marrom escura,
meia tipo arrastão de gomo apertado, scarpin de bico arredondado.
A seguir relaciono alguns pontos centrais nos comentários das entrevistas ao julgar as
fotografias. Muitos deles reafirmam o que verifiquei na prática, examinando os armários e
ouvindo sobre seus critérios.
147
147
4.3.1. Sobre as cores
Constanza Pascolato, consultora paulista de moda, afirma que é preciso um talento
incomum para combinar as cores, por isso, os tons neutros são recomendados para quem não
se sente segura ao compor uma imagem com variedade de cores e estampas. Apesar de
preferirem um armário pródigo em tonalidades, as informantes revelaram um certo cuidado
com o excesso delas. Pelo que pude apurar, uma peça com estampado muito colorido ou com
uma cor mais forte, geralmente é acompanhada de outra em tons neutros ou jeans. Nem as
mais jovens mostraram combinações de duas ou mais peças estampadas. O olhar crítico das
últimas informantes confirmou esta tendência. Todos os conjuntos que misturam estampados
diferentes causaram um desconforto. Na figura 5, recomendada pelas jornalistas inglesas, foi
observado exatamente o desenho da camiseta branca sob casaco com estampa bem
marcante. a figura 4, considerada “erradapelas jornalistas, agradou por ser uma roupa
discreta e despojada.
Algumas combinações consideradas “exóticas” pelas entrevistadas, por conta das
misturas de estampas ou da utilização de uma profusão de cores, até foram aprovadas em suas
composições finais. Porém esses conjuntos foram considerados “ousados” e associados a
mulheres que trabalham com moda, arte ou qualquer outra profissão relacionada com a
criatividade, que consegue elaborar um conjunto ousado pelo excesso sem provocar uma
imagem grotesca. Isso demonstra aprovação para quem vê, mas revela a insegurança das
informantes ao pensar em compor algo parecido.
A figura 15, recomendada pelas jornalistas para mulheres que desejam parecer joviais
depois dos 35 anos, é um desses exemplos, a túnica por sobre a calça jeans possui uma
estampa considerada “exótica” exatamente por conta da mistura de cores vibrantes. O
conjunto foi julgado interessante, porém, ousado. Por conta desta ousadia, ele provoca
exatamente o efeito que as consultoras desejam, ou seja, é jovial, mas nenhuma das
entrevistadas admitiu que usaria o conjunto, algumas repararam que as listas ziguezagueadas
estão na horizontal, realçando o corpo, um efeito indesejado para quem não está em boa forma
física. Já o conjunto da figura 11, também uma recomendação das jornalistas, causou algum
desconforto por conta das diferentes estampas na blusa e casaco. Para algumas, elas estavam
“brigando”, comprometendo o resultado final.
A figura 12, se mostrou descomprometida, uma composição de blusa de botão com
saia preta, podendo ser considerada básica. É uma roupa que poderia ser encontrada nos
148
148
armários visitados, cores pouco marcantes, porém com o detalhe da bolsa destacada por uma
estampa mais elaborada. Esta pareceu ser uma forma de vestir mais próxima à da mulher
carioca da classe média: a blusa com uma cor destacada, o verde, a saia com uma cor neutra, o
preto.
4.3.2. Sobre o básico
As roupas aprovadas pelas minhas informantes, geralmente foram as mais discretas, ou
básicas. O conjunto da figura 5, por exemplo, foi condenado pelas jornalistas, mas, aqui, as
mulheres não viram qualquer problema com ele. Todo em diferentes tons de bege, é
composto por uma camiseta básica sob um cardigã e calça comprida de brim. O conjunto da
figura 6, recomendado no livro, teve como pontos críticos, exatamente, os seus elementos de
diferenciação, ou seja, o casaco e a estampa da camiseta. Algumas mulheres gostaram muito
do casaco, mas observaram que sua estampa marcante não permite o uso freqüente, mostrando
assim, uma preocupação com a renovação da imagem e uma otimização custo x benefício na
hora de escolher as peças.
A figura 13, considerada elegante, teve a blusa como um ponto crítico para as cariocas.
É uma blusa, em certa medida, ousada, uma vez que carrega detalhes da gola à cintura como
grandes babados. Detalhes como esses o tolerados aqui somente na condição de
pertencerem à esfera da moda, mas de uma moda passageira, de curto prazo. São detalhes
destacados demais para pertencerem ao grupo da moda de longo prazo.
4.3.3. Sobre a roupa do escritório
Os dois conjuntos apresentados como roupas de trabalho foram aprovados, tanto o que
as jornalistas consideram “errado”, quanto o que elas recomendam. O curioso, no entanto, foi
que as informantes, não raro, imaginavam o primeiro conjunto numa empresária de sucesso ou
alguém do primeiro escalão numa empresa multinacional. O conjunto apontado como “certo”
pelas inglesas foi associado a secretárias, ou outros cargos de menor importância em relação
ao primeiro conjunto mostrado. Esse comportamento pode sinalizar para um certo
conservadorismo na forma de vestir-se para trabalhar em áreas como administração ou
finanças. A calça comprida, correta para as inglesas, porém muito larga, causou certo
149
149
incômodo visual. As informantes, quando pensam em ambiente de trabalho, preferem roupas
mais ajustadas, mais reveladoras do que a calça folgada, preferem algo como o tailleur preto
da primeira figura.
A figura 12, considerada básica, também foi associada ao ambiente de trabalho, talvez
ainda mais próximo do padrão carioca. Muitas relacionaram a figura a uma mulher que
aulas numa escola de administração ou é bancária.
4.3.4. Sobre informações dissonantes
Algumas recomendações das jornalistas não passaram pelo crivo das minhas
informantes. A combinação de vestido ou casaco comprido com calça comprida nem sempre
agradou. Espontaneamente, as informantes da segunda etapa não mencionaram esta
combinação (vestido com calça comprida) para qualquer ocasião, nem mesmo as mais jovens.
Este tipo de traje, no entanto, ao ser avaliado pelas cariocas, foi classificado como roupa para
uma ocasião de festa, mas algo casual, como um jantar em casa de amigos, por exemplo, onde
deve ser produzida uma imagem elegante e há alguma permissão para ousadias. Esses
conjuntos foram vistos como perigosos”, permitido somente para quem estiver muito segura
da sua imagem final.
A figura 1, apresentada no livro como uma elegância para o dia-a-dia, foi interpretada
aqui como roupa de trabalho para uma cidade como São Paulo. Evidentemente, o casaco
comprido contribuiu para formar esta idéia, porém, a echarpe com a bolsa, dois pontos fortes
do conjunto, segundo as jornalistas, foram interpretadas aqui como elementos destoantes na
composição final do traje, um “excesso” de cores. Outro aspecto deste conjunto que causou
estranhamento nas entrevistadas foi o fato de a sandália ser aberta, inviabilizando para as
cariocas o traje como característico de uma cidade fria. então uma percepção de
dissonância entre as oposições frio e calor. O casaco comprido é para o frio, mas a sandália
aberta é para o calor.
A figura 9 foi exemplar no que se refere à interpretação dos itens da composição. O
conjunto foi uma recomendação das inglesas, para mulheres que não gostam de saias ou
vestidos. O traje, para as cariocas, no entanto, resultou numa confusão de informações no que
se refere à oposição dia e noite. O brilho da blusa, que as inglesas usam para realçar o colo
sem o uso de bijuterias, pareceu aos olhos cariocas mais reservado à noite, estava em
desacordo com as pedras da fivela do cinto e da sandália rasteira, mais recomendadas para a
150
150
luz do dia. O excesso das pedrarias também incomodou, resultando, para algumas numa
composição agressiva: pedras no anel, na sandália e na fivela do cinto.
A figura 17, recomendada, também gerou críticas das cariocas. A blusa, básica
deveria estar relacionada a outra peça sica, não a uma saia justa com babados verticais. A
saia com a meia tipo “arrastão”
115
deveria compor uma imagem para a noite, mas
acompanhadas de outro tipo de blusa, algo com mais brilho e com uma combinação de cores
menos monótona do que o preto com marrom. Para as inglesas, aquela era uma solução
“modernapara quem estava presa ao passado em sua forma de vestir, no entanto, o que as
cariocas enxergam é a oposição cotidiano e festa, onde a blusa se presta ao cotidiano e a saia
preta com a meia, a uma ocasião de festa.
4.3.5. Sobre detalhes que incomodam
Alguns detalhes mostrados nas figuras incomodaram bastante às informantes. As
meias tipo arrastão” foram consideradas “próprias para o carnaval”, ou seja, uma referência
que se opõe exatamente ao cotidiano, que é a ocasião para a qual as inglesas recomendam o
traje.
As estampas de bichos, como a mostrada na figura 10, também incomodam, porém, de
modo geral, as informantes não souberam verbalizar a causa. Acham este tipo de estampa
vulgar, mas usariam se estivesse na moda. O fato é que temem não saber lidar com uma
estampa fortemente marcada. Uma delas pensou e conseguiu imaginar a causa da rejeição
por associar pele de animais com a proibição do sacrifício de chinchilas e martas zibelinas em
prol dos casacos de pele. O discurso da preservação é válido, mas percebi que não era o
motivo principal da rejeição.
O fato de usar estampa de animais foi a principal crítica a esse conjunto, considerado
“errado” pelas inglesas, mas os outros elementos também traziam um certo incômodo: a
legging, peça muito criticada, os sapatos de salto na composição com legging e camisa. As
cariocas, no entanto, até admitem a legging com a blusa larga, mas para a casa ou, no máximo,
passear à tarde na praia.
115
Denominação dada por tratar-se de uma peça que lembra a rede de pesca arrastão com trama quadriculada.
151
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“Oncinhas, zebrinhas e todas as ‘inhas’ não dá. A história da moda e seu
passado que me perdoem, mas isso foi shocking um dia, hoje não
mais” (participante da comunidade virtual “O curioso mundo da moda”).
Padronagens metalizadas também incomodam, reafirmando a preocupação com a
parcimônia no uso de brilhos. A tentativa das inglesas comunicarem sensualidade na figura 6,
ainda que classificada por elas como o lado grotesco do esforço de ser sensual, por aqui soou
como infantilidade, tanto pelo excesso da cor rosa em muitos elementos, quanto pelo
metalizado das botas. Provavelmente uma referência às roupas usadas por apresentadoras de
programas infantis brasileiros desde os anos 1980.
Embora o método não me permita uma análise mais profunda sobre as diferenças de
códigos, creio que tenha sido possível verificar que existem diferenças nas leituras dos
conjuntos ingleses. O objetivo era testar a relevância dos dados encontrados nos armários e o
fato de que as sociedades não se encontram pasteurizadas em modelos que se expandem
uniformemente pelas sociedades ocidentais.
Empiricamente esta singularidade já havia sido revelada nas entrevistas quando as
informantes espontaneamente se referem ao modo de se vestir das mulheres de São Paulo.
Para me convencer de que os pontos observados nos armários cariocas o eram tão óbvios
segui com a empreitada nesta terceira etapa do projeto.
152
152
5. CONCLUSÃO
5.1. CODIFICAÇÃO E SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO
Escolhi a plataforma estruturalista como inspiração para a análise do vestuário porque
verifiquei que esta escola dava conta de explicar suas práticas de uso e escolhas dentro de um
contexto social. Se Bourdieu (1999) nos pressupostos estruturalistas uma difícil aplicação
na vida prática por tratar-se de um modelo, o que pude verificar com a minha investigação é
que um modelo generalizado de sociedade e as escolhas, embora inspiradas num amplo
leque de possibilidades, jamais se distanciam de padrões consolidados culturalmente. Os
códigos de vestir são, na realidade, a parte visível de um código cultural que abarca a
sociedade como um todo. E, conforme Lévi-Strauss, os modelos não coincidem com a
realidade empírica, mas nos orientam quanto às condutas sociais tomadas por determinados
grupos.
Bourdieu (1999 e 1993a) rechaça a forma como os modelos podem descrever o modo
de agir dos atores sociais, respondendo com a sua teoria da prática calcada sobre o habitus,
um conjunto de práticas ontológicas onde previsibilidade das conseqüências. O habitus
que atua na formação do gosto dá a entender que, no campo do vestuário, por exemplo, as
respostas dos indivíduos seriam sempre enquadradas em seu aprendizado e aquisição de
capital escolar e cultural, tornando irrelevante o advento da moda como uma possibilidade que
orientasse as escolhas. Isso, como pude perceber no trabalho empírico, parece não fazer muito
sentido, uma vez que a moda, ainda que em sua forma considerada sica ou clássica, se
encontra presente nos armários da classe dia pesquisada. Ou seja, o uma escolha
estanque, ou a influência da distinção social para orientar as opções de vestuário das
entrevistadas. Há, sim, uma pedagogia da moda, onde o processo se dá, principalmente, entre
as mulheres mais velhas, de forma mais gradual, pressupondo um estranhamento, a
observação do uso da nova peça e finalmente, a adoção. Esta resistência o é mais do que
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um exercício de “laboratório” onde são estudados idade, condição do corpo e adequação à
nova moda, em que pese a uma mudança de percepção no que se refere aos sensos crítico e
estético, que, para Bourdieu estão introjetados de maneira ontológica no comportamento de
escolha dos indivíduos. A distinção aparece muito mais como um destaque à beleza e
juventude do que propriamente a estratificações de ordem socioeconômicas.
Miller (1987) no habitus uma ponte entre o subjetivo e o objetivo, percebendo que
o estruturalismo não dá conta do subjetivismo dos objetos. Neste sentido, o habitus parece ser
apenas “uma das pontes”, uma vez que outros elementos entram em jogo, como o sistema da
moda, por exemplo, assinalado por McCracken (2003) como parte de uma dinâmica que
traduz o mundo culturalmente constituído para os objetos. Do sistema da moda, atualmente,
fazem parte as revistas de moda, as celebridades, os jornalistas de moda, os formadores de
opinião em geral.
O enfoque que tentei dar ao trabalho foi o do vestuário como parte da cultura material
usada para comunicar os diversos papéis sociais do indivíduo. A subjetividade, neste caso, é
entendida dentro de uma esfera maior, qual seja, a dos códigos disponíveis para que as
escolhas sejam feitas dentro das possibilidades de adequação, ou, de acordo com Goffman
(1985), as roupas fazem parte de um cenário que será usado como estratégia para convencer
uma platéia, e sua leitura deve ser tal que o que se pretende transmitir seja percebido.
Miller (1987) acredita que o vestuário funcionará como uma moldura para o sujeito,
concluindo que existe uma humildade nos objetos. O que se percebe é que em algumas
situações o vestuário será parte integrante da comunicação do sujeito, especialmente se
exemplificarmos com o ambiente de trabalho. Um escritório financeiro não toleracertos
excessos, o que, a despeito da competência da pessoa, poderá comprometer os seus resultados
finais. Não é a toa que uma informante assumiu que em visita a clientes ela se “fantasiade
executiva. Ela precisa, num primeiro momento, passar credibilidade para além da sua
competência pessoal, que será medida a posteriori. A roupa certa é o crédito que ela
precisa para mostrar suas qualidades intelectuais, portanto, mais do que somente uma
moldura, as roupas tomam parte numa estratégia de comunicação que chega antes da
apresentação do conteúdo pessoal de cada indivíduo.
Por outro lado, para Miller, os objetos não podem ser quebrados em subunidades
gramaticais, o que proporciona maior flexibilidade à linguagem. O que se percebe em todo
o processo é que o que se comunica através do vestuário é dependente da linguagem articulada
para formar os códigos. Bollon parece deixar isso bem claro quando toma alguns exemplos de
estilo que se tornaram códigos com o distanciamento temporal e o entendimento das
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implicações daquela aparência no conjunto de acontecimentos sociais. Na atualidade o
cinema desempenhou um papel importante, principalmente com a transformação do jeans e da
jaqueta de couro em itens que carregam consigo uma simbologia de rebeldia, inconformismo,
liberdade.
Portanto, ainda que o estruturalismo tenha sofrido diversas críticas, a sua visão da
cultura, a noção de organização do mundo através dos sistemas de classificação parece ainda
bastante presente para um observador mais atento das culturas. O caso estudado, o vestuário,
pareceu-me um objeto pródigo no encaixe com diversas formas de classificação, ou seja, ele
mesmo é classificado como no processo descrito no parágrafo acima, e classifica quem o
porta. Com isso, retomo Sahlins (2003) quando este faz uma tentativa de reabilitar o
totemismo numa esfera moderna burguesa. Se o totemismo dentro dos pressupostos de Lévi-
Strauss (2003) funciona como uma expressão simbólica que permite ao indivíduo um melhor
entendimento da realidade social e diferenciação de clãs e papéis, os objetos manufaturados na
modernidade podem assumir este mesmo papel, na medida em que fazem a demarcação dos
sujeitos como um procedimento de classificação social. Para Sahlins, o processo é o mesmo,
mencionando, inclusive, as oposições binárias como forma de visualizar esta classificação.
No caso do vestuário, essas oposições são entendidas e manipuladas, principalmente quando
representantes das oposições jovem x idosa, pobre x rica. Há, portanto, o conjunto que
“remoça”, porque há outro que “envelhece”.
Sahlins, no entanto, mantém um discurso sobre a sintaxe do vestuário. Neste caso,
Crane (2006) tem outra visão mais atenta ao processo de comunicação através do vestuário.
Ela vê, por exemplo, na apropriação das roupas definidas como masculinas pelas mulheres,
como uma espécie de subversão silenciosa, ou a resistência ao estilo dominante de vestuário
que impunha uma condição catatônica à mulher como indicativo de prestígio. Mas a
linguagem verbal é imprescindível para que essas indicações se estabeleçam como um
processo de comunicação. Para Barthes, quando a roupa se apóia numa noção consagrada
(através da palavra), então é possível a liberação do que ele chama de “tirania da
linguagem”. McCracken o qualquer indício de linguagem nas roupas. Mas, o que
posso inferir através deste trabalho é que os códigos são consolidados somente a posteriori,
conforme observa Bollon (1993), e o apropriados pelas usuárias para dar credibilidade aos
papéis que exercem em seu dia-a-dia, ou formar uma imagem específica, transmitindo à
platéia características que deseja enfatizar.
Ou seja, as roupas carregam consigo uma série de códigos, mas não agem como
linguagem porque, de acordo com McCracken, o possuem o poder gerativo. A geração de
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um novo código seconsolidada a posteriori, e a leitura possível, no entanto, dependerá das
referências culturais de cada grupo, e também de razões práticas.
Muitas vezes, a tentativa que a moda faz de introduzir novos modelos nem sempre
obtém as respostas que o mercado planeja, por conta de outros códigos fortemente arraigados
em determinadas sociedades. O monoquíni, por exemplo (já citado acima), criado em 1964
por Rudi Gernheich, encontrou fortes barreiras na sua adoção, por conta de uma ousadia (os
seios desnudos) para a qual a sociedade americana, onde foi lançado, ainda não possuía uma
referência, e ainda hoje, a moda do topless, mesmo no Brasil, o passou de um modismo
temporário. A meia arrastão, outro exemplo, testada com o grupo de mulheres da Zona Sul,
foi um caso de leituras dissonantes. Se na Inglaterra ela pressupõe elegância porque o
esconde totalmente as pernas, e ao mesmo tempo a elas um contorno que as valoriza, no
Brasil, a leitura desta peça variou do grotesco, remetendo às fantasias de carnaval, ao vulgar.
Ou ainda, um conjunto formado pelas inglesas pode levar as cariocas a associar uma peça com
uma ocasião de dia, e outra com eventos noturnos.
Os códigos formados pelas roupas e a tradução do mundo culturalmente constituído
formarão uma gama de possibilidades de classificação, e essas possibilidades serão
manipuladas de acordo com os papéis exercidos em diferentes locais, situações ou ocasiões no
dia-a-dia pelos sujeitos.
então dissonâncias na leitura que as cariocas fazem das roupas inglesas. São
códigos que foram formados de maneiras diversas, mas não parecem engessados numa único
modo em todas as sociedades ocidentais modernas. Basta perceber que as cariocas
conseguem traduzir e se adaptar aos códigos de uma cidade como São Paulo, por exemplo,
pois, pela proximidade, parecem conhecê-los com suficiente propriedade de modo que
conseguem também manipular sua imagem com eles.
5.2. OS CÓDIGOS ENCONTRADOS NOS GRUPOS
Dois pontos centrais na obra de Giddens (2002) me saltaram aos olhos durante o
campo. Um deles, os valores relacionados com a individualidade. A preocupação em parecer
ter total domínio sobre suas escolhas foi verbalizada por quase todas as informantes, no
entanto esta atitude o se refletiu nos armários, revelando poucas variações ou um uma
atitude de baixo risco relacionado com a imagem final. A moda e/ou os valores e códigos já
aprovados pelo grupo é que orientam as escolhas. O que se passa, no entanto, conforme
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lembra Lipovetsky (2003), é que estamos num período em que a moda é menos impositiva,
mais flexível, ou um período de várias modaspara vários papéis. Neste ponto, os armários
mais pareceram coxias de um teatro, remetendo à idéia de estratégias de representação de
Goffman (1985), mas com um figurino aprovado para cada cena, pronto para convencer o
público da veracidade do seu papel. um campo da moda que delimita as possibilidades
para a esfera do trabalho, outro para o cotidiano, um terceiro para o lazer. Ocasiões de festa
escapam um pouco desta lógica, obedecendo a uma linha mais clássica.
Roupas com marcas ou grifes mais distantes do dia-a-dia, como as francesas, por
exemplo, serão consideradas sempre roupas de luxo. Mas, na gama de roupas que consideram
de luxo, nem sempre a marca ou grife esta presente. Exclusividade e/ou outros traços
intrínsecos, como o longo e a cor preta, influenciarão nesta classificação.
O segundo ponto da obra de Giddens (2002) é a reflexividade, ou seja, um diálogo
perene entre as opiniões de especialistas e a decisão pessoal. Sem os ritos de passagem como
os caracterizados nas sociedades tradicionais, gerando a segurança para atravessar os diversos
períodos da vida, o recurso para se estabelecer esta segurança na modernidade é o profissional
especializado. Na esfera do vestuário, com a profusão de possibilidades que se estabelecera,
novos profissionais surgiram no mercado como o personal stylist e até, mais recentemente, o
personal shopper, alguém que auxilia um cliente no momento da compra.
Sem que admitam uma interferência externa em sua forma de vestir, essas mulheres
recebem informações do mundo exterior que são processadas, ainda que inconscientemente.
Esse gosto é moldado, adaptado, remoldado e readaptado o tempo todo, numa teia de relações
que se processa na assimilação dos agentes de transferência. Essa gama de informações,
então, passa por um filtro interno e forma uma ordem de adoção que começa pela adequação
ao corpo. Os outros critérios levados em conta passam pela adequação às ocasiões, adequação
aos grupos em que circula e, por fim, pela imagem de si própria e o que se deseja comunicar
ao mundo exterior. As que desejam mostrar uma imagem mais moderna adotam novas
modas prontamente.
A moda propõe e legitima. Esta consumidora estudada, numa atitude como a descrita
por Campbell (2004) sobre o “consumidor artesão”, brinca com a sua individualidade e faz
experimentações, tornando o ato de comprar suas roupas uma atividade prazerosa e lúdica.
Mas, se no momento da compra podemos supor as influências do hedonismo moderno,
conforme teoriza Campbell (2001), no momento do uso essas influências diminuem,
especialmente se a roupa em questão experimentou o seu momento de estréia. D em
diante, haverá mais pragmatismo e, principalmente, o que as informantes denominam como
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praticidade. Uma informante lembrou que prefere sempre as suas roupas novas, porque
depois disso o seu olhar em relação a elas é outro. É porque ela passa para um plano onde o
peso da racionalidade é maior na hora da escolha.
Não percebi entre as entrevistadas uma disposição em ressignificar suas roupas, dando
a elas um toque de renovação: cortar, recombinar, refazer. A roupa é usada até o seu destino
final, sem qualquer interferência em sua forma original, e em combinações pensadas
previamente, sendo variados os critérios de descarte: a roupa que não serve mais, a roupa
desgastada, a roupa da qual “enjoou”, a roupa fora de moda.
A profusão de opções, no entanto, conforme preconiza Giddens sobre o período que
ele denomina modernidade tardia, é infinita, porém, delimitada por “cercas” culturais. Há,
neste caso, um controle social no vestuário e para o vestuário, principalmente ao impor
reconhecibilidade nas sociedades complexas, conforme lembra Hunt (1996). Hoje, no
entanto, observa-se um controle social que se utiliza do vestuário, que pode ou não ser
coercitivo, e que, o sendo coercitivo, se manifesta através da zombaria, dos comentários
jocosos, constrangendo e dificultando o acesso a novo grupos. É uma forma simbólica, tácita
de controle. Ou, em outras palavras, o ingresso em um novo grupo com a roupa “errada” não é
proibido, mas o indivíduo precisa se provar para o grupo, precisa mostrar-se além do que
veste. Frases do tipo, “ela se veste assim, mas é boa pessoa” não são incomuns.
Portanto, se a metáfora de Maffesoli sobre as “tribos urbanas” se constitui num erro
porque uma tribo urbana prescinde de lealdade, diferente da tribo formada nas sociedades
tradicionais, a expressão se tornou bastante popular no grupo estudado, mas, denotando os
diversos papéis e grupos por onde circulam. Esses grupos, ao contrário das tribos, o
obedecem a regras preestabelecidas, ou têm na lealdade um traço característico. Conforme
Bollon, são grupos que prescindem de estatutos, ou seja, são marcados apenas pelo que o
aceitam, e não pelo que estatuem. Ainda assim, as barreiras que impõem são bastante
frágeis, ou seja, se num primeiro momento existe a possibilidade de uma rejeição pela imagem
do “forasteiro”, este conflito pode se dissolver na medida em que as relações se solidificam
através de outros recursos como a reciprocidade. Nesse contexto, a categoria de vestir
“básica” se constitui numa opção pródiga em possibilidades, diminuindo o risco dos olhares
críticos e rejeição, e, ao mesmo tempo, possibilitando uma marca pessoal, através de
acessórios ou da adição de outras peças na composição final. Mesmo em ocasiões eventuais,
como as festas programadas, uma preocupação em se refugiar do erro”, escolhendo, por
exemplo, vestir-se com a cor preta, que é interpretada geralmente como sinônimo de
elegância, por suas propriedades intrínsecas e extrínsecas.
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O grupo estudado demonstrou forte preocupação em ter à sua frente o menor número
possível de barreiras, usando, portanto, roupas que amenizem as distâncias sociais. Isso, de
certa forma, denota o esforço de trazer para as roupas um traço do imaginário identitário da
cidade, qual seja, a de uma convivência sem constrangimentos, nos mesmos espaços públicos
de diversas camadas sociais. A diferenciação se manifestará nos detalhes da roupa, como
marcas ou grifes conhecidas de um grupo reduzido, ou pequenas características que revelem a
origem da peça, além, é claro, de certa desenvoltura social. Neste ponto, as comparações
espontâneas com a cidade de São Paulo, marcam esta diferença. Naquela cidade, as distâncias
sociais são demarcadas geograficamente ou economicamente, sendo o melhor exemplo o lazer
caro de São Paulo em contraposição ao lazer gratuito do Rio de Janeiro, que é freqüentado por
todos: a praia.
Alguns códigos ingleses esbarraram nos estabelecidos entre as mulheres
pesquisadas. As roupas que causaram maior estranhamento revelaram rejeição das
entrevistadas em alguma medida, sinalizando exatamente para um afastamento natural
daquelas que transmitiam uma imagem diferente ou transgressora dos códigos vigentes no
seio do grupo estudado. Por outro lado, essa reação não refletiu nenhum radicalismo. Ou
seja, um reforço de que as informantes não vinculam a roupa ao caráter de quem a usa,
aceitando a possibilidade de se relacionar com pessoas que se utilizem de qualquer código,
mas evidenciando uma frágil barreira. Ou seja, depois que outros elementos que
possibilitem a “reconhecibilidade entram em jogo é que o vestuário poderá ser encarado
apenas como uma moldura, conforme posição de Miller.
Os julgamentos morais passam pelo que se considera “excesso”, mas o que excede é
medido em relação aos padrões do grupo ou da moda. O uso de elementos que demarquem
uma posição social privilegiada em grupos situados na base da hierarquia social é visto como
mau gosto, ou é reprovado pelos pares.
A análise dos dados conta de um complexo sistema classificatório envolvendo o
vestuário desse grupo. Alguns códigos parecem mais sedimentados no imaginário dessas
mulheres, outros, no entanto, sugerem a influência da moda. As percepções mais
sedimentadas no imaginário, como a associação da meia arrastão ou da estampa de animais
com a vulgaridade ou o carnaval, só serão modificadas mediante a aprovação dos agentes de
transferência. Ainda assim, nem tudo o que é disseminado como moda é adotado
imediatamente. Uma nova moda passa por uma fase de estranhamento, que só termina depois
de alguma reflexão sobre a prática, ou seja, o uso. Algumas modas resultam em modelos
passageiros e nem sempre são adotadas, uma vez que o grupo, numa concepção mais
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pragmática, prefere “investir” em roupas de longa duração. E as roupas com “longa duração”
geralmente o aquelas que comprometem menos, dentro dos padrões associativos das
mulheres. Estampa de animais e meias arrastão, por exemplo, estarão sempre entre os
“modismos passageiros”, aque as barreiras associativas que as cercam sejam derrubadas ou
esquecidas.
Assim, nesta rede complexa de significados que permeiam o vestuário das mulheres do
grupo estudado, é possível perceber rigidez em alguns deles e flexibilidade em outros. Neste
texto reflito sobre os códigos vigentes, reforçando a idéia do presente etnográfico. Esses
códigos, mais do que transmitir mensagens, são catalisadores ou desestimuladores das novas
relações. E essas mulheres, pertencentes ao segmento médio da população, desejam transitar
na diversidade de grupos sociais, e isso se percebe em sua baixa ousadia e conservadorismo de
suas escolhas.
Este trabalho, mais do que uma conclusão única, demanda uma reflexão mais apurada
sobre as estratégias de imagem e as lógicas que as governam. Assim, acredito que ao longo
desta análise tenha sido possível lançar luz sobre os códigos de vestir presentes no Rio de
Janeiro e como são operados por um grupo de mulheres da classe média.
Niterói, 25 de fevereiro de 2007.
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moda. São Paulo: Planeta, 2004.
SOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas: a moda no século XIX. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
VEBLEN, Thornstein. A teoria da classe ociosa. In.: Veblen. São Paulo: Abril Cultural,
1980. (Os pensadores).
WACQUANT, Loïq J. D. O legado sociológico de Pierre Bourdieu: duas dimensões de uma
nota pessoal. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, n.19, nov.2002.
WILHELM, Jacques. A vida cotidiana. Paris no tempo do Rei Sol. São Paulo: Círculo do
Livro, 1977.
WILK, Richard. Consuming morality. Journal of Consumer Culture, v.1, n.2, 2001.
WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. Rio de Janeiro: Martin Claret, 2004.
WILLIANS, Rosalind. Dream worlds. Mass consumption in late nineteenth-century France.
Berkeley: University of California Press, 1982.
167
167
WOODALL, Trinny; CONSTANTINE, Susannah. O que suas roupas dizem sobre você. São
Paulo: Globo, 2006.
6.1. MATERIAL DA IMPRENSA
BRANCO, Adriana Castelo. Lojas sofisticadas para um público idem. O Globo, 26 set. 2004.
DA OCA. Ocari. Carioca se veste de graça mesmo quando se despe. O Cruzeiro, edição
comemorativa do IV Centenário da cidade do Rio de Janeiro, nov. 1965.
ESTÉTICA da fome, A. Estudos mostram que o corpo da maioria das mulheres é curvilíneo
como o de Sophia Loren. Para ser magra como Raica, fechando (bem) a boca. Veja,
edição especial Mulher, no. 65, p.82-83, jun.2006.
GUANDALINI, Giuliano; DUAILIBI, Julia. Congelaram a classe média. Veja, ed. 1987, ano
39, n. 50; 20 dez. 2006.
INTRATOR, Simone. Campanha mundial contra a anorexia. Revista O Globo, ano 2, n. 113,
24 set. 2006.
MOHERFAUI, Bel. Alegres trópicos. Nada de papagaiada. Quem manda no verão
tropicalista que colore as vitrines são estilistas capazes de costurar um novo e moderno tipo de
brasilidade. Veja, n. 43, p. 128-131, 1 nov. 2006.
MÚLTIPLA escolha: flexível, o conceito do luxo adapta-se aos novos tempos e, entre a
democracia e a exclusividade radical, segue como opção pessoal e intransferível. Veja aqui
itens irresistíveis para uma experiência luxuosa. Vogue, n. 324, p. 47-49, 2005.
RODRIGUES, Iesa. A mistura certa de moda e sociedade. Jornal do Brasil, 25 jun.1983.
Caderno B.
168
168
SEGATTO, Cristiane; PADILHA, Ivan; FRUTUOSO, Suzane. Por dentro de mente de uma
anoréxica. A morte da modelo Carolina Reston chama a atenção para a doença psiquiátrica
que mais mata no mundo moderno. Época, n. 444, p.92-99, 20 nov. 2006.
TORRES, Rosane. Altos e baixos. Revista do Correio, Correio Braziliense, ano I, n.41, p.
16-17, 26 fev. 2006.
VANNUCHI, Camilo; CÔRTES, Celina. No maravilhoso mundo dos ricos. Época, n. 1937,
06 dez.2006.
VELLOSO, Beatriz; SANCHES, Mariana. Por que elas querem ser tão magras? A obsessão
por dietas, malhação e cirurgias plásticas é para as mulheres um estorvo comparável ao
espartilho. Será que um dia elas vão se libertar? Época n. 432, p.82-91, 28 ago.2006.
VITÓRIA do bizarro, A. Vogue, n. 324, p.160-165, 2005.
6.2. SITES NA INTERNET
www.fashion-era.com
http://sociology.berkeley.edu/faculty/WACQUANT/wacquant_pdf/ESCLARECEROHABIT
US.pdf.
www.orkut.com
Comunidades: O curioso mundo da moda
e Moda Brasil.
http://informefashionbrasil.terra.com.br/arquivos.htm
www.culturabrasil.org.br
www.brasilcultura.com.br.
169
169
www2.uol.com.br/modabrasil/biblioteca
www2.uol.com.br/modaalmanaque/especiais/coluna_moda1.htm
Coluna da jornalista Cláudia Garcia.
www.peopleandartsbrasil.com/esquadrao_moda/index.shtml
www.modapoint.com.br
www.topmodabrasil.com.br
www. abep.org.br
www.ibge.org.br
6.3. OUTRAS FONTES
Filmografia:
BUÑUEL, Luis. O anjo exterminador (El angel exterminador), Espanha, 1962.
-------------------. O discreto charme da burguesia (Le charme discret de la bourgeoisie),
Espanha/França, 1972.
Eventos:
O NEGÓCIO DO LUXO NO RIO DE JANEIRO. Rio de Janeiro. ESPM Escola Superior
de Propaganda e Marketing do Rio de Janeiro; MCF Consultoria. Hotel Caesar Park, jul.,
2004.
170
170
7. ANEXOS
ANEXO 1 – PROTOCOLO ÉTICO
Meu nome é Solange Riva Mezabarba (21-9168-0767). Estou realizando pesquisa sobre o tema:
Biografia do vestuário. Esta pesquisa, para dissertação de mestrado, é realizada com o apoio da Capes, e servirá
como crédito para a conclusão do Curso de Mestrado em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em
Antropologia da Universidade Federal Fluminense.
A professora doutora Lívia Barbosa é a orientadora deste projeto de pesquisa e pode ser contactada pelo
telefone (21)-2295-5201 ou pelo endereço: <lívia@visualnet.com.br>, e poderá fornecer quaisquer
esclarecimentos que se fizerem necessários.
Agradecemos a sua disposição em participar deste projeto de pesquisa. Ela é muito importante para os
estudos que estão sendo desenvolvidos atualmente na antropologia cultural. Antes, porém, gostaria de garantir-
lhe que, ao participar, você tem alguns direitos bem definidos.
1. Sua participação no nosso projeto é voluntária.
2. Você pode se recusar a responder a qualquer pergunta em qualquer momento.
3. Você poderá se retirar da entrevista ou dá-la por encerrada em qualquer momento.
4. Esta entrevista será mantida em confidencialidade e estará disponível apenas para a orientadora do
projeto e a própria autora da dissertação.
5. Partes das entrevistas (transcrição de alguns trechos) poderão ser utilizadas na redação final da
dissertação, mas em nenhuma circunstância o seu nome ou qualquer característica que possa
identificá-lo estarão incluídos no relatório final.
6. Esta entrevista será gravada e, eventualmente, fotografada, desde que com o consentimento do
entrevistado.
Mais uma vez agradeço a atenção e disposição, e peço assinar abaixo como prova de que a entrevistadora a fez
conhecer os itens deste protocolo.
Assinatura
Nome por extenso
Data: ___/___/_____
171
171
ANEXO 2 – QUESTIONÁRIO DE CLASSIFICAÇÃO
Projeto Biografia do Vestuário - Questionário de classificação
1.Nome:_____________________________________________Telefone:______________
e-mail: _____________________________Bairro em que mora: _____________________
2. Idade:_________ 3. Trabalha? ( ) Sim ( ) Não. Com o que? ______________________
________________________________4. Escolaridade: ____________________________
5. Escolaridade dos pais: _____________________________________________________
6. Religião: _________________________
7. Renda pessoal (média mensal em R$):
( ) Até 1000 ( ) De 11001 a 13000
( ) De 1001 a 3000 ( ) De 13001 a 15000
( ) De 3001 a 5000 ( ) De 15001 a 17000
( ) De 5001 a 7000 ( ) De 17001 a 19000
( ) De 7001 a 9000 ( ) De 19001 a 21000
( ) De 9001 a 11000 ( ) Acima de 21001.
8. Com quem você mora? (resposta múltipla)
( ) Sozinho ( ) Cônjuge ( ) Pais ( ) Pai ( ) Mãe ( ) Filhos Qtos.: ____
( ) Irmãos Qtos.: ____ ( ) Outras pessoas que moram com você (relacionar outros parentes ou
amigos):_______________________________________________________.
9. Renda familiar (média mensal em R$):
( ) Até 1000 ( ) De 11001 a 13000 ( ) De 23001 a 25000
( ) De 1001 a 3000 ( ) De 13001 a 15000 ( ) De 25001 a 27000
( ) De 3001 a 5000 ( ) De 15001 a 17000 ( ) De 27001 a 29000
( ) De 5001 a 7000 ( ) De 17001 a 19000 ( ) De 29001 a 31000
( ) De 7001 a 9000 ( ) De 19001 a 21000 ( ) De 31001 a 33000
( ) De 9001 a 11000 ( ) De 21001 a 23000 ( ) Acima de 33000
10. Você se considera:
( ) Classe baixa ( ) Classe Média Baixa ( ) Classe Média Média
( ) Classe Média Alta ( ) Classe Alta
11. Possui automóvel de passeio? ( ) Sim ( ) Não Quantos? ___________________
Discriminar marca e ano: __________________________________________________
__________________________________________________________________-
12. Costuma viajar para o exterior? ( ) Sim ( ) Não. Com que freqüência? ________
__________________________________________________________________-
13. Possui algum hobby? ( ) Sim ( ) Não. Qual? ___________________________
__________________________________________________________________-
14. Pratica algum tipo de esporte? ( ) Sim ( ) Não Qual? _____________________
__________________________________________________________________-
15. De que forma você se diverte? ____________________________________________________
172
172
ANEXO 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTA – FASE 1
1. Aquecimento / perfil do entrevistado
:
- Em que você trabalha? É casado (a)? Tem filhos? Onde mora?
- Como você gosta de se vestir? Como você descreveria o seu estilo pessoal de se vestir?
- Gosta de ler? Que tipo de leitura? Livros, revistas, jornais? Que revistas prefere?
2. Luxo
:
- Para você o que é “luxo”? Como você o definiria? Que palavras você associaria a Luxo?
- Como você define as expressões “de luxo”, “um luxo”, “se dar ao luxo de”, “chique”.
(explorar necessidade x supérfluo e as dimensões produto x experiência).
3. Produtos de Luxo:
- Que categorias de produtos você acha que pertencem aos domínios do luxo?
- Quais as marcas de luxo que vo conhece? (separar por categoria – 3 marcas top of mind)
- Quais as marcas que você costuma usar? Em que ocasiões você usa esses produtos (freqüência/motivo)?
Alguma marca que você deseja, mas ainda não tem? Por que ainda não tem?
- Como você combina o seu guarda-roupas? Como é o seu mix luxo/não-luxo, marca/não-marca?
- Quais produtos/marcas nacionais você classificaria como luxo? Por que? Que diferenças você apontaria entre
os produtos considerados de luxo nacionais e importados/internacionais?
- Como você se sente usando um produto de luxo? Em que ocasiões você usa um produto de luxo? Você acha
que as pessoas que convivem com você percebem quando você está usando um produto de luxo?
- Você algum sonho que gostaria de ver realizado?
- Qual o seu “sonho de consumo”?
4. Compras
:
- Você gosta de ir às compras? (para comprar roupas, acessórios ou perfumaria)
- Quais as lojas que você mais gosta/freqüenta? Por que? Com que freqüência?
- Qual você acha que é o seu percentual de gasto com produtos de luxo?
- Como você toma conhecimento das novas marcas ou produtos de luxo?
173
173
ANEXO 4 – ROTEIRO DE ENTREVISTA FASE 2 - ARMÁRIOS
1. Aquecimento
:
- Em que você trabalha? Como você se veste no seu dia a dia no trabalho? Formal/informal? - E fora do
ambiente de trabalho, como vc definiria o seu jeito de se vestir? É diferente do estilo como vc vai trabalhar?
Gosta de acessórios, bolsas, sapatos, perfumes...
- Agora vc vai me contar as histórias das suas roupas.
2. Armário
:
- Quais são as roupas/acessórios de que vc mais gosta de usar? Como vc se sente quando a usa? O que ela tem
que faz com que vc se sinta assim quando a usa?
- Quando vc comprou esta roupa? Comprou para alguma ocasião especial?
- O que faz vc gostar de se vestir com esta roupa? Em que ocasiões vc a usa? Vc combina esta peça com qual
outra?
- Vc tem alguma roupa que vc considere coringa? (verificar se é de alguma marca famosa) Qual? Vc a usa com
muita freqüência? (desenvolver caso seja uma peça de grife conhecida).
- Posso ver as outras roupas? Alguma delas tem uma história especial que vc gostaria de contar?
- Há algum tipo de roupa que vc não usaria de jeito nenhum?
3. O Básico
:
Vc se acha básica?
Quando vc é básica e quando não é? Há ocasiões em que se deve ir com o visual básico? Quando?
O que é o básico pra vc? Descreva o seu “básico”.
Por que o visual básico? O que vc pretende com o visual básico?
Há lugares em que vc evita o básico?
Como vc escolhe jeans? Que critérios vc utiliza para decidir por um jeans? (cor, detalhes, marca, caimento)
Vc usaria um jeans Renner ou das Lojas Americanas? Por que?
Na atualidade há várias modas, há sempre muitas opções. Por que vc optou pelo “básico”?
4. Marcas
:
Caso não tenha saído espontaneamente:
- Você tem alguma roupa de marca? E de grife? Grife e Marca são categorias diferentes? Qual a diferença?
- Você tem alguma roupa/acessório que considere “de luxo”? Por que vc a considera assim?
- (Caso não haja nenhuma roupa de marca/grife no armário): Vc tem algum perfume considerado de marca
internacional? Qual? Por que vc o comprou? Usa com muita freqüência?
- Na verdade, pra vc, o que uma roupa tem que ter para ser considerada “de luxo”? Serve para que ocasiões?
174
174
- Existe alguma marca/grife de luxo que vc desejaria ter, e por um ou outro motivo ainda não tem? Qual? Por
que?
- Quais as marcas que vc considera “de luxo”? Por que vc considera exatamente essas marcas / grifes como “de
luxo”?
- Quais as suas expectativas em relação às marcas/grifes internacionais?
- Existe alguma marca/grife que vc não usaria de jeito nenhum? Qual? Por que vc não a usaria?
- Corpo sarado dispensa etiqueta?
5. Praia e corpo
:
Vc costuma ir à praia?
Como você se relaciona com a praia? (esportes, banho de sol, banho de mar, caminhada na orla etc)
Que visuais você combina em diferentes situações na praia?
Como vc as mulheres que vão à praia? Como vc interpreta a relação delas com o vestuário e com o corpo?
Elas se arrumam para ir à praia?
Vc consegue, de olhar, identificar a origem das mulheres que freqüentam a praia? (bairro ou área onde
moram, se são pobres, ricas ou remediadas)
O que vc chama de “moda praia” – o que está incluído aí?
Vc cuida do corpo? O que vc faz? Por que vc tem a preocupação com a sua forma física?
Quando vc expõe o corpo, o que vc mostra e o que esconde? Há este tipo de preocupação?
6. Grupo
:
- Quais as suas referências para criar o seu estilo de se vestir? Onde vc busca inspiração para comprar suas
roupas novas?
- Como vc se vê (em termos de vestuário) em relação às suas amigas mais próximas? Elas se vestem de modo
semelhante ao seu?
- Tem alguma amiga sua que voconsidere uma espécie de referencia quando o assunto é moda e vestuário?
Ou ainda que vc não siga o mesmo estilo, há alguma amiga que vc admire a forma como ela se veste? E como é?
- Como vc organizaria as peças do seu armário? Como vc as hierarquizaria? (atenção aos tipos de organização:
por ocasião de uso, por marcas)
O que vc entende por “ousadia”
para se vestir? Por que? Vc se acha “ousada”?
Quem (que grupos), na sua opinião, ousa ao se vestir? O que chama a sua atenção em relação a esta “ousadia”?
175
175
ANEXO 5 – FIGURAS UTILIZADAS NA TERCEIRA FASE DO PROJETO
Figura 1-CTD Figura 2-ATH1
Figura 3-ATH2
Figura 4-DMTR1 Figura 5-DMTR2
Figura 6-BRSPS1
176
176
Figura 7-BRSPS2 Figura 8-DRGRY Figura 9-MCN
Figura 10-ELK1 Figura 11-ELK2 Figura 12-SLV
177
177
Figura 13-HLL
Figura 14-YRIVB Figura 15-AFR
Figura 16-OLDFS1 Figura 17-OLDFS2
178
178
ANEXO 6 - Coluna Gente Fina por Bruno Drummond – Revista O Globo de domingo,
dia 04 de fevereiro de 2007.
179
179
ANEXO 7: FOTOGRAFIAS
Ousadia
informante
mostra maiô de lurex.
Mas o vestido preto de um
o
mbro só
,
é para a festa.
Informante, 23 anos, moradora da Glória
180
180
Vestido de luxo:
desconforto.
Jeans
para o dia
-
a
-
dia.
Informante, 42 anos, moradora de Copacabana
181
181
Roupa pref
erida: motivos
é
tnicos (para eventos).
Roupa
para parecer mais jovem
“.
Informante, 50 anos, moradora da Glória
182
182
Vestido para
depois que eu
t
ive filhos“:
l
azer/
n
oite
Blusa para trabalhar.
Informante, 32 anos, moradora da Lagoa
183
183
Casaco Dolce&Gabbanna, vestido Prada:
s
acralização.
Informante, 39 anos, moradora de Ipanema
184
184
Blusa Anne Fontaine:
roupa favorita.
Calça:
fuga“ do preto
em casamento.
Informante, 39 anos, moradora das Laranjeiras
185
185
Casaco CoraMel.
Calça Maria Bonita Extra.
Informante, 45 anos, moradora de Ipanema
Intimidade com marcas locais
186
186
Detalhes: dificuldade de
produção para marcas de prestígio
Informante, dona d
e
facção
187
187
Marca X Não Marca
Calça LASA.
Top feito pela amiga.
Vestido comprado
na feirinha.
188
188
Marcas de Prestígio
Vestido Prada.
Bolsa Louis Vuitton.
Blazer
Armani.
189
189
Organização dos armários
Roupas de frio em
c
ompart
imento separado.
Camisetinhas de malha
nas gavetas.
190
190
Vestido do casamento
no civil.
Vestido usado no
p
rimeiro encontro com o
atual marido.
Informante, 32 anos, moradora de Ipanema
191
191
ANEXO 8: Quadro de entrevistados.
Grupo 1: homens e mulheres com capital cultural elevado residentes na cidade do Rio de
Janeiro.
Quadro 1: Informações baseadas no questionário classificatório.
Nome* Idade Escolaridade Bairro Classe social **
Alberto 21 Cursando o superior Vila Isabel Média Média
Alessandra 21 Cursando o superior Flamengo Média Alta
Fábio 42 Doutor Ipanema Média Média
Rosa 35 Mestranda Flamengo Média Alta
Túlio 35 Doutorando Botafogo Média Baixa
Mariela 43 Pós-Graduação Leblon Média Média
Roberta 40 Pós-Graduação Barra da Tijuca Média Alta
Cristina 44 Doutoranda Ipanema Média Média
Jorge Luiz 32 Doutorando Copacabana Alta
Cléo 20 Cursando o superior Flamengo Média Alta
Cláudia 37 Mestrado Ipanema Média Média
Margarida 50 Pós-Graduação Flamengo Média Alta
* Foram trocados por motivos éticos e de segurança.
** Auto declarada
Quadro 2: Análise de classificação social comparando dados oficiais com a auto-classificação.
Nome Renda
Familiar (R$)
Renda R$
(per capita)
Classificação
ABEP
Classificação
Veja/IBGE
Auto-definição
Alberto 3000 600 B1 Média Alta Média Média
Alessandra 31000 6200 A1 Elite Média Alta
Fábio 11000 5500 A1 Elite Média Media
Rosa 9000 4500 A1 Elite Média Alta
Túlio 3000 3000 B1 Média Alta Média Baixa
Mariela 7000 3500 A1 Elite Média Média
192
192
Roberta 15000 3750 A1 Elite dia Alta
Cristina 11000 5500 A1 Elite Média Média
Jorge Luiz 9000 3000 A1 Elite Alta
Cléo 3000 3000 B1 Média Alta Média Alta
Cláudia 5000 5000 A1 Elite Média Média
Margarida 25000 8300 A1 Elite Média Alta
Grupo 2: Mulheres da classe média, residentes na Zona Sul do Rio de Janeiro com elevado
capital cultural e financeiro.
Quadro 1: Informações baseadas no questionário classificatório.
Nome* Idade Escolaridade Bairro Classe social **
Maria Paula 31 Superior Completo Ipanema Média Alta
Andréa 45 Superior Completo Ipanema Média Alta
Michele 29 Superior Incompleto Laranjeiras Média Baixa
Branca 39 Superior Completo Ipanema Média Média
Diva 50 Superior Completo Glória Média Baixa
Simone 48 Superior Completo Lagoa Média Média
Mônica 44 Superior Incompleto Copacabana Média Média
Débora 33 Superior Completo Lagoa Média Alta
Dayse 39 Pós-Graduação Laranjeiras Média Média
Marisa 23 Superior Completo Glória Média Média
Fabiana 38 Superior Completo Lagoa Média Média
Maria Lúcia 36 Pós-Graduação Botafogo Média Alta
*Foram trocados por motivos éticos e de segurança
**Auto declarada
Quadro 2: Análise de classificação social comparando dados oficiais com a auto-classificação.
Nome Renda
Familiar (R$)
Renda
(per capita)
Classificação
ABEP
Classificação
Veja/IBGE
Auto-
definição
Maria Paula 7000 1750 A2 Elite Média Alta
Andréa 17000 8500 A1 Elite Média Alta
Michele 7000 1400 A2 Média Alta Média Baixa
Branca 7000 7000 A2 Elite Média Média
Diva 17000 8500 A1 Média Alta Média Baixa
Simone 23000 4600 A1 Elite Média Média
Mônica 13000 7500 A1 Elite Média Média
193
193
Débora 27000 6750 A1 Elite Média Alta
Dayse 7000 3500 A2 Elite Média Média
Marisa 11000 2750 A1 Elite Média Média
Fabiana 9000 1800 A1 Média Alta Média Média
Maria Lúcia 17000 A1 Elite Média Alta
Grupo 3: mulheres com elevado capital cultural residentes na Zona Sul do Rio de Janeiro.
Não foi feita a análise minuciosa de classificação social. Todas as informantes são pessoas do
meu ciclo de amizades e possuem, no mínimo, o curso superior completo.
Nome* Idade Escolaridade Ocupação
Sarah 37 Superior Completo Psicóloga
Francine 27 Pós-Graduação Cientista Social
Mirna 40 Superior Completo Jornalista
Dora 50 Pós-Graduação Dentista
Valquíria 24 Superior Completo Agente de Turismo
Paula 34 Pós-Graduação Administradora
Márcia 44 Pós-graduação Antropóloga
Ariadne 34 Pós-Graduação Economista
Joana 23 Superior Completo Cientista Social
Carmem 46 Superior Completo Agente de Turismo
Hortência 42 Superior Completo Pequena empresária
Lourdes 50 Superior Completo Revisora de textos
* Foram trocados por motivos éticos e de segurança.
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