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socializam saberes, experiências e “favores”. Renovam-se os sentimentos comunitários,
afirma-se a inserção nesta e dá-se mais solidez a estrutura social, importante componente para
a reprodução social e autonomia das unidades familiares.
Quadro 3 – Sociabilidade ameaçada
Embora evidenciada a existência das trocas/doações de alimentos, não há como
desconsiderar que estas práticas têm diminuído ao longo dos anos, e em algumas unidades
familiares ou comunidades já não existem mais. As trocas de carnes eram as mais freqüentes
entre vizinhos, no entanto estas se reduziram a partir da introdução da energia elétrica, das
geladeiras e freezer. Estes além de alterar hábitos alimentares, também afetaram a
sociabilidade. “Antes se carneava um porco, daí se levava uma perninha pra um vizinho, outro
vez ele devolvia de novo. Isto acabou. E agora tem o congelador. Agora ficou mais fácil, tu
carneia, tu finca lá no congelador e antigamente tu levava uma peça fresca pro vizinho, outra
dia também tu ganhava.” (Entrevista 18, SM). No lugar das trocas de carne, novas relações
são estabelecidas, agora comerciais, como observado em Morro Redondo. “O pessoal mata o
animal, vaca ou porco e eles não trocam, vendem. Tu tem também esta praticidade de
comprar, se tu não tem ou tu não quer matar o animal, tu compra. Isto aqui na volta acontece,
o pessoal carneia e vende. Sai oferecendo uns dias antes nas casas.” (Entrevista 44, MR).
Outros alimentos também eram trocados. “Se faltava arroz, farinha, iam emprestando.
Se tu se pegava sem um pão, tu ia no vizinho pedia emprestado um pão e depois devolvia.
Hoje já não se faz. Agora a facilidade do mercado aqui perto, pega o carro e vai. É mais fácil
ir lá do que ficar emprestando dos vizinhos.” (Entrevista 18, SM). Ou seja, a introdução do
freezer e da geladeira não foi o único fator a influenciar na sociabilidade, a disponibilidade
dos alimentos nos mercados e a facilidade de acesso a eles são fatores também importantes.
Hoje, ao invés de assumir um “compromisso” com um vizinho, muitas unidades familiares
preferem relacionar-se de forma impessoal com o mercado.
As doações para parentes continuam freqüentes
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, já as doações para as festas e para
comunidade tem também diminuído. Esta ação parte de dois pontos. Um, as próprias unidades
familiares diminuem sua participação na vida comunitária (e esta também diminui: “festa de
igreja quando sai a gente faz isto, mas faz tempinho, nem igreja não tem mais, tá caindo
tudo.” (Entrevista 20, TP)) e por iniciativa delas não doam mais alimentos. Por outro lado, a
própria comunidade tem deixado de solicitar doações e organiza “as coisas dela sozinha”
(Entrevista 43, MR). Compram todos os ingredientes e alguns membros fazem a comida na
própria sede (salão comunitário), ou compram os alimentos prontos, “fazem tudo na padaria
agora, tudo mais simples. Antes era tudo lucro. Aquele tempo [...] a gente dava um leitão, um
boizinho, tudo era lucro.” (Entrevista 24, TP). “Tudo era lucro”, refere-se ao fato de que a
maior parte dos alimentos consumidos na festa era doada e todo o dinheiro arrecadado com as
vendas era praticamente lucro para a comunidade, que investia na melhoria da igreja,
construção ou reforma do salão, etc., e, sem as doações, os custos se acentuam,
comprometendo parte do lucro.
Quanto à realização de encontros ou momentos de confraternização onde se fazem
presentes os alimentos característicos do autoconsumo, estes também são menos freqüentes.
Os encontros de Clube de Mães ainda existem, porém os filós têm diminuído. “Foram embora
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O fato das trocas/doações manter-se mais freqüente apenas entre membros da família vai ao encontro do
observado por Candido (2001) de que há uma tendência de redução da sociabilidade à esfera familiar. “[...] a
família torna-se a unidade mínima de sociabilidade, por meio dos blocos familiais.” (CANDIDO, 2001, p.277,
grifos no original).