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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL
Catia Grisa
A PRODUÇÃO “PRO GASTO”
UM ESTUDO COMPARATIVO DO AUTOCONSUMO NO
RIO GRANDE DO SUL
Porto Alegre
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL
Catia Grisa
A PRODUÇÃO “PRO GASTO”
UM ESTUDO COMPARATIVO DO AUTOCONSUMO NO RIO GRANDE DO SUL
Dissertação submetida ao Programa de
Pós-Graduação em Desenvolvimento
Rural da Faculdade de Ciências
Econômicas da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em
Desenvolvimento Rural.
Orientador: Prof. Dr. Sergio Schneider
Série PGDR – Dissertação nº 63
Porto Alegre
2007
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Responsável: Biblioteca Gládis W. do Amaral, Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
G869p Grisa, Catia
A produção “pro gasto” : um estudo comparativo do autoconsumo no Rio
Grande do Sul / Catia Grisa. – Porto Alegre, 2007.
200 f. : il.
Orientador: Sérgio Schneider.
Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Rural) - Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas, Programa
de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural, Porto Alegre, 2007.
1. Agricultores : Consumo : Agricultura familiar. 2. Agricultura familiar :
Veranópolis (RS). 3. Agricultura familiar : Morro Redondo (RS). 4.
Agricultura familiar : Salvador das Missões (RS). 5. Agricultura familiar :
Três Palmeiras (RS). 6. Desenvolvimento rural : Rio Grande do Sul. I.
Schneider, Sergio. II. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade
de Ciências Econômicas. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Rural. III. Título.
CDU 631.15
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL
A banca examinadora abaixo relacionada aprovou com louvor no dia 09 de fevereiro de 2007,
a dissertação de Catia Grisa intitulada A produção “pro gasto”: um estudo comparativo do
autoconsumo no Rio Grande do Sul como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre
em Desenvolvimento Rural.
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Sergio Schneider (Orientador, Presidente, Departamento de Sociologia/UFRGS)
Prof. Dr. Renata Menasche (FEPAGRO/UERGS/PDGR)
Prof. Dr. Arlene Renk (UNOCHAPECÓ)
Prof. Dr. João Carlos Tedesco (Departamento de História/UPF)
Para Angelo e Neida, meus pais.
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho só foi possível com a ajuda e apoio de muitas pessoas e
instituições, e é chegado o momento de declarar publicamente minha gratidão a todos estes.
Às famílias de agricultores de Veranópolis, Morro Redondo, Salvador das Missões e
Três Palmeiras, que mais que ceder parte de seu tempo, expuseram e socializaram momentos
de suas vidas, demonstrando solidariedade, confiança e carinho com alguém estranho, fato
incomum aos dias atuais.
Aos extensionistas rurais da EMATER de cada município, que colaboraram durante a
pesquisa exploratória e, de modo especial, pelas informações e depoimentos que forneceram
durante o andamento da pesquisa.
À CAPES pelo apoio financeiro na forma de bolsa, sem a qual não seria possível a
realização do mestrado.
Aos professores e funcionários do PGDR e IEPE pelo aprendizado, apoio e
convivência. Aproveito também para agradecer, de maneira particular, aos professores que
compuseram a banca, examinaram o trabalho e se dispuseram a estar presente neste momento.
Aos colegas do mestrado e doutorado pelos momentos compartilhados, momentos
estes de aprendizado (acadêmico e pessoal), ansiedade, solidariedade e, sobretudo, de
consolidação de uma sincera amizade. Agradeço, do mesmo modo, aos colegas e amigos do
GEPA
f
D
r
, e amigos que, mesmo distantes, participaram de algum modo desta construção
(especialmente aos colegas de graduação).
Ao professor Sergio Schneider pelo aceite da orientação, pelos conhecimentos
repassados, tempo e atenção dedicados à realização deste trabalho.
À minha família, Angelo, Neida, Claudio, Marize, Elias, Claudia, Darlei e Pedro.
Agradeço ao apoio incondicional. Mesmo distantes vocês conseguiram me passar segurança e
estímulo nos momentos mais angustiantes desta jornada. Igualmente, estendo este
agradecimento à família do Paulo.
Ao Paulo Niederle, meu noivo, companheiro e amigo. Obrigado pelo amor, paciência,
dedicação e companheirismo. Dividimos instantes de angústia, compartilhamos tempos de
estudo e conhecimento, e somamos muitos momentos de ternura, alegria e conquistas. Com
você ao meu lado, meu caminho é mais leve, bonito e feliz.
A PRODUÇÃO “PRO GASTO”
Olha, nós aqui, tudo o que nós plantemos pro nosso gasto... Não
compremos quase nada, frango nós criemos, queijo nós fizemos aqui,
estes produtos pra comida muito pouco nós compremos. Açúcar, este
mascavo, se faz aqui, se olha de poupar o quanto mais dá. Batata,
aipim... E sabe, este negócio, dá pros filhos também. Ela [esposa]
gosta barbaridade, leva pras filhas, leva uma galinha já pronta, limpa
[...]. Temos vaca pra tirar leite, fizemos nosso queijo. Agora estas
coisas, galinha, peru, pato, eu tenho. Peru, eu tenho duas chocas
chocando. Isto aqui é ovos de peru, vou por tudo chocar. E estes
bichinhos ali, criado a milho, não tem nada de ração. A carne de uma
galinha destas aí, fazer um brodo [sopa] fica bom...
(Entrevista 29, V).
RESUMO
Esta dissertação tem por tema as funções que a produção para o autoconsumo desempenha na
agricultura familiar gaúcha. Parte-se de um estudo comparativo do autoconsumo em quatro
municípios (Veranópolis, Morro Redondo, Salvador das Missões e Três Palmeiras) que
apresentam produção agropecuária, características socioeconômicas e culturais distintas. Os
procedimentos metodológicos utilizados referem-se à aplicação de questionários (238),
entrevistas semi-estruturadas (35), diário de campo e dados de fontes secundárias (IBGE,
FEE, etc.). O objetivo principal é investigar a importância e as funções do autoconsumo em
universos empíricos que apresentam dinâmicas da agricultura familiar diferenciadas. Para
tanto, adotou-se três hipóteses. A primeira supõe que, acompanhando a diversidade da
agricultura familiar, a produção para o autoconsumo apresenta diferença de importância e de
tipos de alimentos consumidos nos municípios pesquisados. A seguinte, conjectura que esta
diferença de importância entre municípios e estabelecimentos deve-se à dinâmica da
agricultura familiar local, características do contexto social e de cada unidade familiar. A
última hipótese considera que o autoconsumo é um dos fatores explicativos da condição social
e econômica das unidades familiares e configura-se como uma estratégia de fortalecimento da
autonomia das mesmas. Propor este debate significa retomar um tema pouco discutido na
literatura brasileira, e que, embora muitas vezes marginalizado e/ou considerado sem
relevância, desempenha importante papel na agricultura familiar. Esta produção, central na
organização produtiva e econômica das unidades camponesas, torna-se complementar à
medida que ocorre o processo de mercantilização da agricultura e a metamorfose de
camponeses a agricultores familiares. Não obstante esta condição de complementaridade no
processo produtivo, o autoabastecimento alimentar continua apresentando-se uma estratégia
relevante para a reprodução social das unidades familiares. Talvez acreditando que se trate de
uma produção transitória e fadada ao desaparecimento, poucos estudiosos e pesquisadores se
interessam pelo tema, repercutindo também na desconsideração por parte das políticas
públicas. No entanto, produzir para o consumo da família constitui uma estratégia de
fortalecimento de sua autonomia, visto que propicia maior controle das unidades familiares
sobre seus processos de produção e reprodução social. O autoabastecimento mantém sob
controle da família (ao menos em parte) uma das dimensões mais importantes à sua
reprodução, a alimentação. Ademais, é fonte de segurança alimentar; estratégia de
diversificação dos modos de vida; forma de economização; modo de manter homem, natureza
e trabalho integrados em co-produção; mecanismo de defesa pela característica da
alternatividade destes alimentos; fulcro de sociabilidade e; ainda relaciona-se com a
identidade das unidades familiares. Os resultados alcançados vão ao encontro das hipóteses,
exceto em parte da primeira assertiva, onde foi possível observar uma homogeneidade dos
hábitos alimentares nos universos pesquisados, e não, como se supunha, diferenças
expressivas nos tipos de alimentos produzidos. As conclusões ratificam que esta produção é
uma estratégia recorrente e importante para a autonomia da agricultura familiar. Não se trata
de uma produção arcaica, mas sim de um elemento integrante do modo de vida rural
contemporâneo e deve ser considerado como instrumento potencial para o desenvolvimento
rural.
Palavras chaves: Agricultura Familiar, Autoconsumo e Autonomia.
ABSTRACT
This paper has for subject the functions that the production for autoconsumption plays in
family farm of the Rio Grande do Sul. This study uses the comparative method to analyze
four cities (Veranópolis, Morro Redondo, Salvador das Missões and Três Palmeiras) that
present farming production, distinct economics, social and cultural characteristics. The used
methodology refer to the application of questionnaires (238), half-structuralized interviews
(35), daily of field and data of secondary sources (IBGE, FEE, etc.). The main objective is to
investigate the importance and the functions of autoconsumption in empirical universes that
present differentiated dynamic of family farm. Three hypotheses were adopted. The first
assumes that, following the diversity of family farm, the production for autoconsumption
presents difference of importance and types of foods consumed in the searched cities. The
following suppose that this difference of importance between cities and establishments must it
the dynamics of local family farm, characteristic of the social context and each familiar unit.
The last hypothesis considers that autoconsumption is one of the explicatory factors of the
social and economic condition of the familiar units and is configured as a strategy of
strengthens of the autonomy. To propose this debate means to retake a subject little argued in
Brazilian literature, and that, although many times marginalized and/or considered without
relevance, have important role in familiar agriculture. This production, central in the
productive and economic organization of the units’ peasants, becomes to complement to the
measure that occurs the process of commoditization of agriculture and the metamorphosis of
peasants to familiar farmers. Though this condition of complementary in the productive
process, the alimentary autosupplying continues an important strategy for the social
reproduction of the familiar units. Perhaps believing that this production should disappear,
few studious and searching showed interests for the subject, also influencing in the lack of
attention on the part of the policy makers. However, to produce for the consumption of the
family constitutes a strategy of strengthens of its autonomy, because propitiates more control
of the familiar units on its processes of production and social reproduction. The autosupplying
keeps under control of family one of the dimensions most important to its reproduction, the
food. Still, is source of alimentary security; strategy of diversification de livelihoods; an
economy form; way to keep integrated man, nature and work in co-production; mechanism of
defense for the characteristic of the alternativity of these foods; promote the sociability and;
still are related with the identity of the familiar units.The results this study go to the meeting
of the hypotheses, except in part of the first assertive, where it was possible to observe a
homogeneity of the alimentary habits in the searched universes, and not, as it was assumed,
relevant differences in the types of produced foods. The conclusions ratify that this production
is a recurrent and important strategy for the autonomy of family farm. The autoconsumption is
not an archaic production, but yes of an integrant element in the way of rural life
contemporary and must be considered as potential instrument for the rural development.
Key words: Family Farm, Autoconsumption and Autonomy
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Reprodução dependente do mercado. .......................................................................50
Figura 2: Reprodução autônoma e historicamente garantida. ..................................................51
Figura 3: Localização das microrregiões e municípios estudados no Rio Grande do Sul e
Brasil.
........................................................................................................................................58
Figura 4: Horta e pomar em uma unidade familiar de Três Palmeiras.....................................80
Figura 5: Criação de galinha caipira em uma unidade familiar de Veranópolis. .....................85
Figura 6: Estratos do Produto Bruto de Autoconsumo Total em reais e o número de
estabelecimentos presentes em cada um deles nos universos pesquisados.
.............................87
Figura 7: Horta ecológica como elemento turístico em um estabelecimento de Veranópolis.
................................................................................................................................................116
Figura 8: Forno para pães como elemento turístico em um estabelecimento de Veranópolis.
................................................................................................................................................116
Figura 9: Proporção do Produto Bruto de Autoconsumo Total e de Venda (%) em relação ao
Produto Bruto Total (R$), nos municípios pesquisados.
........................................................129
Figura 10: Porcentagem de estabelecimentos familiares segundo o número de fontes de renda
nos municípios pesquisados.
..................................................................................................136
Figura 11: Mandiocal destinado ao consumo familiar e animal em uma propriedade familiar
em Três Palmeiras.
.................................................................................................................143
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: A agricultura familiar no debate brasileiro............................................................ 43
Quadro 2: Sobre a concepção de segurança alimentar.......................................................... 130
Quadro 3: Sociabilidade ameaçada....................................................................................... 153
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: IDH-M, População Total, População Rural, VAB Total em reais (R$) e outros
indicadores referentes aos universos pesquisados.
...................................................................60
Tabela 2: Presença de horta e pomar, e a suficiência destes em porcentagem (%) para o
consumo familiar nos estabelecimentos pesquisados.
..............................................................77
Tabela 3: Valor em reais (R$) atribuído pelos entrevistados aos produtos da horta e do pomar.
..................................................................................................................................................78
Tabela 4: As cinco olerícolas mais freqüentes em termos de números de estabelecimentos (n)
que produziram para o autoconsumo nos universos pesquisados.
...........................................79
Tabela 5: As cinco frutíferas mais freqüentes em termos de números de estabelecimentos (n)
que produziram para o autoconsumo nos universos pesquisados.
...........................................80
Tabela 6: Presença de transformação caseira para o consumo familiar nos estabelecimentos
pesquisados.
..............................................................................................................................81
Tabela 7: Os cinco produtos da transformação caseira mais freqüentes em termos de número
de estabelecimentos (n) que produziram para o autoconsumo nos municípios pesquisados.
..82
Tabela 8: Os cinco alimentos provenientes da lavoura mais freqüentes em termos de números
de estabelecimentos (n) que produziram para o autoconsumo nos municípios pesquisados.
..83
Tabela 9: As cinco criações animal mais freqüentes em termos de números de
estabelecimentos (n) que produziram para o autoconsumo nos municípios pesquisados.
.......84
Tabela 10: Autoconsumo de leite, ovos, peixes e mel, segundo a freqüência de
estabelecimentos (n) que produziram para o autoconsumo nos municípios pesquisados.
.......86
Tabela 11: Produto Bruto de autoconsumo animal, vegetal e total (valor médio anual em R$)
nos estabelecimentos pesquisados.
...........................................................................................86
Tabela 12: Número médio de residentes, consumidores e UTH total segundo universos
pesquisados.
..............................................................................................................................92
Tabela 13: Produto Bruto Autoconsumo Total em reais (R$) segundo estratos de residentes
nos universos pesquisados.
.......................................................................................................93
Tabela 14: Produto Bruto Autoconsumo Total em reais (R$) segundo estratos de
consumidores e estratos de UTH total nos municípios pesquisados.
.......................................94
Tabela 15: Produto bruto de autoconsumo total em reais (R$) segundo a existência de
aposentado do sexo feminino nos universos pesquisados.
.......................................................96
Tabela 16: Produto Bruto de Autoconsumo Total em reais (R$) segundo estratos de área total
nos municípios pesquisados.
....................................................................................................97
Tabela 17: Produto Bruto Autoconsumo Total em reais (R$) segundo estratos de capital
disponível em máquinas e equipamentos nos municípios pesquisados.
...................................98
Tabela 18: Produto Bruto Autoconsumo Total em reais (R$) de acordo com o acesso ao
crédito em geral nos municípios pesquisados.
.......................................................................100
Tabela 19: Produto bruto de autoconsumo total em reais (R$) segundo a relação entre produto
bruto de venda total (PBVT) sobre produto bruto total (PBT) nos municípios pesquisados. 100
Tabela 20: Produto Bruto Autoconsumo Total em reais (R$) de acordo com o acesso a
assistência técnica nos municípios pesquisados.
....................................................................101
Tabela 21: Valores médios em reais (R$) da previdência social, renda de atividades não-
agrícolas, renda agrícola e total nos universos pesquisados.
..................................................104
Tabela 22: Produto Bruto de Autoconsumo Total em reais (R$) segundo a presença no
estabelecimento de aposentados ou pensionistas nos municípios pesquisados.
.....................105
Tabela 23: Produto Bruto de Autoconsumo Total em reais (R$) segundo indicador de
pluriatividade nos municípios pesquisados.
...........................................................................106
Tabela 24: Produto Bruto de Autoconsumo Total em reais (R$) segundo a realização de
atividade não-agrícola pela esposa entre os estabelecimentos pluriativos nos municípios
investigados.
...........................................................................................................................107
Tabela 25: Produto Bruto de Autoconsumo Total em reais (R$) segundo estratos de renda
agrícola nos municípios pesquisados......................................................................................109
Tabela 26: Produto Bruto de Autoconsumo Total em reais (R$) segundo estratos de renda
total nos municípios pesquisados.
..........................................................................................109
Tabela 27: Produto Bruto de Autoconsumo Total em reais (R$) segundo acompanhamento de
programas de televisão e rádio sobre práticas agrícolas nos universos pesquisados.
.............120
Tabela 28: Produto Bruto de Autoconsumo Total em reais (R$) segundo leitura de livros
técnicos sobre agricultura e atividade rurais nos municípios pesquisados.
............................121
Tabela 29: Proporção do produto bruto de autoconsumo total sobre o produto bruto total e a
renda total anual nos estabelecimentos pesquisados.
.............................................................139
Tabela 30: Proporção do valor do produto bruto autoconsumo total por consumidor sobre o
custo da cesta básica (POA, 2001/2002).
...............................................................................139
Tabela 31: Nível de pobreza diferenciado pela presença do produto bruto de autoconsumo
total nos estabelecimentos e nos municípios pesquisados.
.....................................................140
Tabela 32: Valor do consumo improdutivo em reais (R$) segundo os municípios pesquisados.
................................................................................................................................................143
Tabela 33: Produto bruto de autoconsumo total em reais (R$) segundo a satisfação e
perspectivas dos agricultores familiares nos universos sociais pesquisados.
.........................159
LISTA DE SIGLAS
AFDLP: Agricultura Familiar, Desenvolvimento Local e Pluriatividade.
EBIA: Escala Brasileira de Insegurança Alimentar.
EMATER: Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural.
FEE: Fundação de Economia e Estatística.
GEPA
f
D
r
: Grupo de Estudos e Pesquisas em Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural.
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
IDH-M: Índice de Desenvolvimento Humano-Municipal.
INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
MERCOSUL: Mercado Comum do Sul.
MR: Morro Redondo.
MST: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
ONG: Organização Não-Governamental.
PAA: Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar.
PBAT: Produto Bruto de Autoconsumo Total.
PBT: Produto Bruto Total.
PBVT: Produto Bruto de Venda Total.
PGDR: Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural.
PIB: Produto Interno Bruto.
PNAD: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.
PNUD: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
PPGA: Programa de Pós-Graduação em Agronomia.
PRONAF: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.
SMm: Salário Mínimo.
SM: Salvador das Missões.
SNCR: Sistema Nacional de Crédito Rural.
TP: Três Palmeiras.
UFPel: Universidade Federal de Pelotas.
UFRGS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
UTH: Unidade de Trabalho Homem.
VAB: Valor Adicionado Bruto.
V: Veranópolis.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................15
2 TEORIA SOCIAL, AGRICULTURA FAMILIAR E PRODUÇÃO PARA O
AUTOCONSUMO
...................................................................................................................27
2.1 CAMPESINATO E PRODUÇÃO PARA O AUTOCONSUMO................................28
2.1.1 O papel do autoconsumo na “organização da unidade econômica camponesa”.......28
2.1.2 O autoconsumo em “sociedades camponesas”..........................................................30
2.1.3 Autoconsumo e campesinato nos estudos brasileiros................................................32
2.2 O PROCESSO DE MERCANTILIZAÇÃO DA AGRICULTURA E A PRODUÇÃO
PARA O AUTOCONSUMO
.............................................................................................36
2.2.1 De camponeses a agricultores familiares: o papel do mercado.................................37
2.2.2 A mercantilização da agricultura...............................................................................44
2.3 AGRICULTURA FAMILIAR, AUTOCONSUMO E AUTONOMIA.......................48
2.3.1 A produção para o autoconsumo como uma dimensão da reprodução autônoma e
historicamente garantida
.....................................................................................................49
2.3.2 Autoconsumo, diversificação dos modos de vida e produção de autonomia............54
3 DINÂMICAS DA AGRICULTURA FAMILIAR E PRODUÇÃO PARA O
AUTOCONSUMO
...................................................................................................................58
3.1 RETRATANDO AS DINÂMICAS DE DESENVOLVIMENTO ..............................61
3.1.1 Serra Gaúcha: desenvolvimento endógeno ...............................................................61
3.1.2 Serra do Sudeste: desenvolvimento estagnado..........................................................64
3.1.3 Região das Missões: desenvolvimento agrícola........................................................67
3.1.4 Três Palmeiras: desenvolvimento agrícola e vulnerabilidade ...................................71
3.2 CARACTERIZANDO A PRODUÇÃO PARA O AUTOCONSUMO: uma
comparação entre quatro regiões da geografia gaúcha.
......................................................75
4 OS DETERMINANTES DA PRODUÇÃO PARA O AUTOCONSUMO..........................90
4.1 A FAMÍLIA: bocas para comer, braços para trabalhar................................................91
4.2 AS CONDIÇÕES TÉCNICAS E A PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA......................96
4.3 DINHEIRO E COMIDA: as diferentes fontes de renda ............................................103
4.4 O REPERTÓRIO CULTURAL: “herança que vem de casa”....................................110
4.5 A PRODUÇÃO PARA O AUTOCONSUMO NO CONTEXTO LOCAL...............113
4.6 A PROXIMIDADE COM OS MERCADOS E O PREÇO DOS ALIMENTOS ......117
4.7 OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO: alterando hábitos de consumo alimentar ..........119
4.8 OS ELETRODOMÉSTICOS E OS “ALIMENTOS PRONTOS”: as facilidades à
mesa
..................................................................................................................................121
5 O AUTOCONSUMO E A PRODUÇÃO DE AUTONOMIA............................................127
5.1 INTERNALIZAÇÃO E SEGURANÇA ALIMENTAR............................................128
5.2 DIVERSIFICAR CULTIVOS E RENDAS, MINIMIZAR A VULNERABILIDADE
..........................................................................................................................................133
5.3 PRODUZIR PARA O CONSUMO FAMILIAR: uma economização ......................137
5.4 PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO: a co-produção......................................................141
5.5 DUPLA FINALIDADE: a alternatividade dos alimentos..........................................145
5.6 O AUTOCONSUMO ALIMENTANDO SOCIABILIDADE...................................148
5.7 O AUTOCONSUMO “FALA”: alimentação e identidade social..............................154
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................................161
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................165
APÊNDICE A - Questionário padronizado............................................................................174
APÊNDICE B - Roteiro de entrevistas. .................................................................................188
APÊNDICE C - Lista de entrevistados ..................................................................................191
APÊNDICE D - Como calcular o valor da produção para o autoconsumo?..........................193
15
1 INTRODUÇÃO
Em meio às mudanças técnico-produtivas ocorridas no meio rural brasileiro nas três ou
quatro últimas décadas, emerge um paradoxo representado pela persistência e, não raro,
incremento de formas tradicionais de organização da produção. Instrumentos de trabalho e
insumos tradicionais como o arado, a enxada, o cultivo das próprias sementes e a produção do
próprio adubo foram abandonados e substituídos por inovações mecânicas, físico-químicas e
biológicas, a exemplo do trator, fertilizantes, agrotóxicos e sementes adquiridas por meio do
mercado. Contudo, isto não significa que os agricultores tenham abdicado de todos seus
hábitos tradicionais ou deixado de praticar atividades integrantes de sua identidade social.
Uma destas práticas é a produção destinada ao autoconsumo, entendida como a produção
resultante do trabalho da família e destinada ao consumo da mesma. O autoconsumo
1
não é
um resquício do passado ou “o que sobrou da tradição”. É tradição re-contextualizada que, ao
associar-se às condições hodiernas, assume papéis e significados diferenciados. Assim, um
dos objetivos deste trabalho será justamente demonstrar a importância desta produção para a
garantia das condições de reprodução material e cultural das famílias de agricultores. Mais
que isto, pretende-se evidenciar que sua manutenção está diretamente relacionada à
autonomia destes agricultores familiares.
O relativo esquecimento a que foi relegada a produção para o consumo familiar, o qual
pode ser percebido pelo pequeno interesse que o tema tem despertado entre os estudiosos,
deve-se não apenas à crença predominante de que esta prática estaria fadada ao
desaparecimento, mas também a certo preconceito. É usual em ambientes institucionais que
discutem a agricultura e seus processos de evolução técnico-produtivos, a compreensão de
que a produção para o autoconsumo simboliza o atraso, a tradição ou uma cultura avessa à
modernização. Contribuiu sobremaneira para esta visão, a ideologia da modernização agrícola
preconizada na Revolução Verde. Repercutindo este pensamento, as políticas públicas pouco
têm considerado esta produção, algumas vezes contribuindo até mesmo para sua diminuição.
Em anos recentes, mormente no contexto dos estudos rurais brasileiros, a academia
tem apresentado uma retomada de pesquisas sobre o autoconsumo. Os trabalhos de Leite
1
Ao longo do texto, quando for utilizada a expressão “autoconsumo”, “produção para o consumo familiar”,
“autoabastecimento alimentar” e “produção pro gasto” estar-se-á fazendo menção à “produção para o
autoconsumo”.
16
(2004), Menasche (2007), Gazolla (2004) e Anjos et al. (2004) são alguns exemplos neste
sentido. A maioria destes trabalhos foi elaborada no âmbito de preocupações gerais com os
temas da segurança alimentar e da pobreza rural, que recrudesceram a partir de meados da
década de 1990.
Além desta atual “safra” de trabalhos, entre os quais esta dissertação também se
inscreve, vale salientar que no Brasil, como alhures, a discussão sobre a produção para o
autoconsumo, nas ciências sociais, foi particularmente intensa entre antropólogos, etnógrafos
e sociólogos que realizaram estudos sobre o campesinato. Destacam-se entre estes,
principalmente as contribuições de Chayanov (1974) e Wolf (1976) que, não obstante as
formas distintas de compreender a organização produtiva e econômica dos camponeses,
evidenciam que “consumo propriamente dito” ou “mínimo calórico”
2
é uma importante
dimensão do processo organizativo, quando não a principal (no caso da tese de Chayanov).
Seguindo estes autores, alguns estudos brasileiros também se dedicaram ao tema, igualmente
perseguindo entender a organização das unidades camponesas (HEREDIA, 1979; GARCIA
JUNIOR, 1983, 1989; WOORTMANN; WOORTMANN, 1997; CANDIDO, 2001
3
). Para
estes, do mesmo modo que Chayanov (1974), os camponeses são guiados segundo suas
necessidades de subsistência, sendo, portanto, fundamental o autoabastecimento alimentar.
Malgrado a contribuição destes autores, ainda são escassos os estudos dedicados à
temática no âmbito da agricultura familiar e várias lacunas permanecem abertas. Por exemplo,
há necessidade de avançar para além de estudos de caso, fato comum a maior parte destes
trabalhos, e compreender o autoconsumo numa perspectiva comparada, assim possibilitando
abarcar de modo mais conciso a amplitude e complexidade dos processos sociais
interrelacionados a esta produção. Atendendo esta demanda, a dissertação se propõe a
comparar a produção para o consumo familiar em quatro regiões distintas do Rio Grande do
Sul, que apresentam características socioeconômicas e culturais distintas. Além de possibilitar
traçar diferenças e semelhanças entre os universos pesquisados, evidenciando fatores que
interferem neste tipo específico de produção, permitirá desvendar sua importância em
contextos expressivamente mercantilizados, colocando em “xeque” as previsões sobre sua
desaparição à medida que avançava a modernização da agricultura.
Retomar este tema de pesquisa significa contribuir para a compreensão e o
reconhecimento desta estratégia de reprodução social que faz parte do modo de vida rural
2
Designação equivalente à produção para o autoconsumo dada respectivamente por Chayanov (1974) e Wolf
(1976).
3
Nona edição de Candido (1964) – “Os parceiros do Rio Bonito: um estudo sobre o caipira paulista e a
transformação dos seus meios de vida”.
17
contemporâneo. Ademais, este tema emerge diante de um momento oportuno do ponto de
vista político-institucional. Pobreza, fome e insegurança alimentar são questões na pauta do
atual governo brasileiro e de organizações governamentais e não-governamentais
internacionais. Aqui, recentemente foram criados programas como o Bolsa Família e o
Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) voltados para a
minimização destas mazelas, mas sua relação com o autoconsumo, e o próprio
reconhecimento do potencial deste, permanecem esquecidos ou renegados. Dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE, 2004) apontam que 49,9% da população rural brasileira estão em situação de
insegurança alimentar e que a incidência de insegurança alimentar moderada e grave é
também maior na população rural. Enquanto na área urbana, 11,4% e 6,0% dos
estabelecimentos estavam, respectivamente, nestas condições (insegurança moderada e
grave), no meio rural a situação se revelava ainda mais grave, com estas proporções
apresentando-se em 17,0% e 9,0%, respectivamente. De acordo com estudos de Dombek,
Tereso e Bergamasco (2006), utilizando metodologia empregada na PNAD, as famílias que
utilizam a estratégia de produzir seus próprios alimentos apresentam condições de segurança
alimentar melhores que as que assim não procedem. Deste modo, mais que afirmar a
importância do autoconsumo no meio rural, é importante compreendê-lo como um importante
instrumento para o desenvolvimento rural.
Visando contribuir com este debate, contemplando sobretudo as lacunas apontadas
acima, a problemática desta dissertação pode ser sinteticamente expressa no seguinte
interrogante: quais as funções que a produção para o autoconsumo desempenha na agricultura
familiar do Rio Grande do Sul, tendo em vista a diversidade de cultivos agrícolas, condições
econômicas e características sócio-culturais desta categoria social?
Procurando delimitar melhor o estudo, desenham-se ainda três questões
complementares:
1. Diante da diversidade da agricultura familiar pesquisada, quais as características e
importância do autoconsumo nos universos sociais estudados?
2. Supondo possíveis diferenças em relação à importância da produção para o autoconsumo,
quais os fatores ou variáveis que interferem e que explicam estas dessemelhanças entre
municípios e unidades familiares?
3. Quais as funções da produção para o autoconsumo na agricultura familiar, como estas
funções se relacionam com autonomia e, como são expressas nos diferentes universos
pesquisados?
18
Cabem aqui algumas considerações teóricas em relação ao problema de pesquisa. A
categoria social que permeia esta investigação é o agricultor familiar, aqui compreendido
distintamente do camponês. Acredita-se que na medida em que este se integra aos mercados e
sua reprodução passa a ocorrer nos marcos de uma interação cada vez mais intensa com a
sociedade envolvente, o mesmo transforma-se em agricultor familiar. Trata-se, todavia, de um
processo parcial, onde, gradativamente, ocorre uma reorganização no processo produtivo com
a inserção de novas práticas e valores, os quais se conectam a outros que se preservaram em
meio às metamorfoses como é o caso da produção para o autoconsumo , embora com
funções e características distintas daquelas no âmbito do campesinato. Se no universo social e
produtivo do camponês, esta produção era central na organização produtiva e econômica,
agora, no universo dos agricultores familiares, assume uma condição de complementaridade.
Esta metamorfose é particularmente importante à dissertação, porque é ela que demonstra
como a produção para o autoconsumo mantém-se uma estratégia presente em formas sociais
que podem ser tanto caracterizadas como camponesas ou de agricultores familiares.
Esta metamorfose entre camponeses e agricultores familiares ocorre à medida que a
agricultura se mercantiliza, isto é, à medida que se intensifica a inserção aos mercados.
Segundo Ploeg (1990, 1992), este processo torna a (re)produção das unidades familiares cada
vez mais dependente das relações mercantis, acentuando-se com a externalização de tarefas e
recursos (produção de sementes e insumos, conservação da produção, técnicas de cultivo,
serviços, etc.) antes desenvolvidas pela própria família e agora designadas a instituições
externas. Cria-se uma (re)produção dependente dos mercados e, conseqüentemente, seu
controle efetivo por parte das unidades familiares vai se esvaecendo. Neste processo,
caracterizado pela orientação das unidades produtivas para a produção de valores de troca
(mercadorias) ao invés de valores de uso, a produção para o autoconsumo tem sido subjugada
a uma condição de complementaridade. O ponto máximo deste amplo processo social pode
ser identificado na mercantilização da produção de alimentos, onde as unidades familiares
deixam de produzir seus alimentos em prol de cultivos comerciais e, assim, passando a
adquirir os bens alimentares nos mercados.
Entretanto, e principalmente nos contextos mercantilizados, a manutenção do
autoconsumo cumpre um papel fundamental. Funciona como instrumento para garantir
autonomia às unidades familiares, isto é, maior controle sobre o processo produtivo e sobre a
reprodução social. De acordo com Ploeg (1990, 1992, 2006), uma reprodução autônoma, é
aquela que busca reproduzir-se internamente a partir dos recursos disponíveis localmente.
Nesta, enquanto produz o ciclo atual, geram-se as bases para os ciclos procedentes. Ao
19
mesmo tempo em que mantém relações com o mercado, não permite que as relações
mercantis adentrem todas as etapas do processo (re)produtivo, o que deixaria a reprodução
social mais vulnerável.
Mas, como a produção para o consumo familiar fortalece a autonomia das famílias?
Considera-se que a resposta a este questionamento esteja localizada nas funções que o
autoabastecimento alimentar pode desempenhar. Este proporciona o acesso direto aos
alimentos sem nenhum processo de intermediação e, ao mesmo tempo, internaliza uma das
tarefas mais importantes para a reprodução social das unidades familiares, garantindo o
controle sobre a alimentação e segurança alimentar. Outrossim, é uma forma de produção que
estabelece a co-produção, onde natureza, homem e trabalho permanecem conectados. Assim,
cria recursos para a alimentação humana e recria recursos para ciclos futuros, baseando-se
principalmente no saber/fazer local, na artesanalidade dos agricultores (PLOEG, 1990).
A autonomia também advém do fato do autoconsumo ser uma estratégia de
diversificação dos modos de vida, contribuindo, então, para ampliar o leque de estratégias
sobre ao qual está assentada a reprodução social. Ao manter esta produção concomitante ao
exercício de outras atividades agrícolas e não-agrícolas, as unidades familiares minimizam os
efeitos da sazonalidade de rendas e das instabilidades climáticas e financeiras, fatores
responsáveis por constituir ambientes de riscos e incertezas e, deste modo contextos de
vulnerabilidade para os agricultores. Ademais, outras características/funções da produção para
o consumo familiar relacionam-se com a autonomia. A alternatividade destes alimentos, tal
qual evidenciada por Heredia (1979) e Garcia Junior (1983, 1989), confere à unidade familiar
a possibilidade de decidir, segundo suas próprias condições, entre o consumo ou
comercialização da produção. Igualmente, segundo Lovisolo (1989), configura-se uma forma
de economização, derivada da otimização dos recursos disponíveis (principalmente terra e
mão-de-obra) e economia de recursos financeiros, o que possibilita a aquisição de outros bens
também necessários à reprodução social. Também se destaca a interface do autoconsumo com
a sociabilidade e identidade social, corroborando, respectivamente, para a constituição de uma
estrutura social mais coesa que dá sustentação às escolhas dos indivíduos e, para o
autoreconhecimento social das unidades familiares ou sustentação de certa legitimidade
perante as demais.
Com base nestas referências decidiu-se pela realização de um estudo sobre a produção
para o autoconsumo em quatro regiões do Rio Grande do Sul, que representam diferentes
trajetórias da agricultura familiar em termos de formação histórica, cultivos agrícolas,
integração aos mercados, condições socioeconômicas e culturais. Cada uma destas regiões
20
pode ser compreendida como uma dinâmica particular de desenvolvimento da agricultura
familiar. Este estudo comparativo inscreve-se nas pesquisas realizadas no âmbito do Grupo de
Estudo e Pesquisa em Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural - GEPA
f
D
r
, e beneficia-
se de trabalhos anteriores realizados por colegas nestas regiões (GAZOLLA, 2004;
CONTERATO, 2004; TARTARUGA, 2005; RADOMSKY, 2006). Assim, a contribuição
mais relevante deste estudo consiste na comparação do autoconsumo entre as seguintes
regiões: a Serra Gaúcha, o Alto Uruguai, as Missões e a Serra do Sudeste
4
.
Através do método comparativo é possível desvendar algumas questões relacionadas à
temática que, se tomadas apenas em estudos de caso, remotamente tem condições de
contemplar elementos da complexidade que o tema conjuga, tais como a importância desta
produção e suas funções em dinâmicas diversas da agricultura familiar, além dos fatores que a
influenciam. Por meio da comparação pode-se “[...] descobrir regularidades, perceber
deslocamentos e transformações, construir modelos e tipologias, identificando continuidades e
descontinuidades, semelhanças e diferenças, e explicitando as determinações mais gerais que
regem os fenômenos sociais.” (SCHNEIDER; SCHIMITT, 1998, p. 49). Outrossim, conforme
alude Abramovay (1998, p. 255), a comparação “[...] faz da história uma espécie de prova
dos nove da teoria e, por aí, exige não o abandono, mas, ao contrário, o aprimoramento do
esforço de elaboração teórica.” Entretanto, ao utilizar a comparação corre-se o risco de tomar
unidades analíticas vastas na busca de identidades e diferenças, podendo-se deixar à sombra
fatos e processos relevantes. É mister ressaltar, todavia, que sempre é arriscado “[...] tomar as
teorias como a expressão acabada de processos universais que, aplicados à realidade,
resultariam em conhecimento.” (ABRAMOVAY, 1998, p. 254).
Para orientar a problemática adotaram-se três hipóteses de pesquisas que visam dar
conta de respostas iniciais ao problema de pesquisa. Estas indicam por onde seguir, o que
observar, procurar, pesquisar, etc. “[...] A hipótese é uma preposição antecipadora à
comprovação de uma realidade [...]: propomos, através dela, uma resposta a um problema,
sem sabermos se as observações, fatos ou dados, a provarão ou refutarão.” (LAKATOS;
MARCONI, 1989, p. 124). A primeira hipótese supõe que, acompanhando a diversidade da
agricultura familiar, a produção para o autoconsumo apresenta diferença de importância e de
tipos de alimentos consumidos nos universos pesquisados. A hipótese seguinte sustenta que a
diferença de importância da produção para o consumo familiar entre os municípios e as
unidades familiares deve-se à dinâmica da agricultura familiar local, características de cada
4
Ver Mapa no Capítulo 2.
21
contexto social e elementos peculiares a cada unidade familiar. A terceira e última hipótese
considera que a produção para o autoconsumo é um dos fatores explicativos da condição
social e econômica das unidades familiares e configura-se como uma estratégia de
fortalecimento da autonomia das mesmas.
A estas hipóteses associam-se ainda um conjunto de objetivos, sendo o principal deles,
investigar a importância e as funções do autoconsumo a partir de um estudo comparativo em
quatro universos empíricos que apresentam dinâmicas diferenciadas da agricultura familiar.
Daí decorre três objetivos específicos. O primeiro, é caracterizar a importância do
autoconsumo nas diferentes regiões. O objetivo seguinte é identificar os elementos que
interferem na produção para o consumo familiar e que expliquem as diferenças de
importância desta entre unidades familiares e municípios. O terceiro objetivo é evidenciar as
funções da produção para o autoconsumo nos universos sociais pesquisados e verificar se e
como estas fortalecem a autonomia das unidades familiares.
É necessário notar ainda, que a pesquisa está respaldada numa proposta quanti-
qualitativa. Simplificadamente, a pesquisa quantitativa lida com números e usa modelos
estatísticos para explicar os dados, sendo a pesquisa de levantamento de opinião seu protótipo
mais conhecido; já a pesquisa qualitativa evita números, trabalha com interpretações das
realidades sociais e o exemplo mais conhecido é a entrevista (BAUER; GASKELL; ALLUM,
2002). Embora as diferenças entre ambas e compreensões que, apressadamente, às opõe, estas
metodologias podem caminhar juntas, ora uma complementando a outra, ou confirmando seus
resultados. Assim, neste estudo a metodologia quantitativa foi particularmente importante
para quantificar a produção para o autoconsumo e identificar alguns elementos que nela
interferem, enquanto outros elementos foram identificados e complementados por
metodologia qualitativa, que também foi significante para compreender as funções do
autoconsumo na agricultura familiar.
Os dados quantitativos utilizados resultam do projeto de pesquisa “Agricultura
Familiar, Desenvolvimento Local e Pluriatividade: e emergência de uma nova ruralidade no
Rio Grande do Sul” desenvolvido em conjunto pelo Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Rural/Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Programa de Pós-
Graduação em Agronomia/Universidade Federal de Pelotas (Pesquisa AFDPL –
UFRGS/UFPel/CNPq, 2003). Este projeto teve por objetivo principal a realização de um
estudo comparativo da dinâmica da agricultura familiar em quatro regiões da geografia
gaúcha, com ênfase nas condições de ocupação e na diversidade de rendas das famílias. As
regiões, as mesmas abarcadas nesta dissertação, foram escolhidas a partir do esforço de captar
22
a diversidade social, cultural e geográfica da agricultura familiar gaúcha. Em cada uma delas
foi escolhido um município com a preocupação de que este fosse representativo das
características regionais, e que, dentre os quatro selecionados, houvesse semelhanças em
relação ao número de estabelecimentos familiares. Atendendo estes critérios, compôs a
investigação, os municípios de Veranópolis, localizado na Serra Gaúcha, Morro Redondo, na
Serra do Sudeste, Salvador das Missões, nas Missões, e Três Palmeiras, no Alto Uruguai.
5
Foram aplicados 238 questionários (Apêndice A) distribuídos nos quatro municípios,
sendo 59 em Veranópolis, 62 em Morro Redondo, 58 em Salvador das Missões e 59 em Três
Palmeiras. Estes números representam aproximadamente 10% dos estabelecimentos
familiares de cada universo pesquisado e, no total, em torno de 2.500 explorações familiares.
A escolha dos estabelecimentos ocorreu segundo o método de amostragem sistemática por
comunidade, que garante a representatividade na pesquisa de cada uma das comunidades dos
municípios, o que não seria alcançado utilizando o método sistemático por município. Assim,
o sorteio não ocorreu para toda a amostra, mas para cada comunidade, e o intervalo
sistemático válido refere-se a este universo, diferindo conforme seu tamanho. Desta
investigação resultou a formação de um banco de dados composto por quase 1.300 variáveis
analisadas por meio dos softwares SPSS (Statistical Package for Social Sciencies) e
EXCELL. Dos questionários também foram extraídos dados qualitativos, mas a grande parte
destes resultou da realização de entrevistas.
Antes da realização das entrevistas, procedeu-se uma visita exploratória em dois
municípios no mês de maio de 2006, Salvador das Missões e Veranópolis. Limitações
financeiras e de tempo impediram que o mesmo fosse procedido também em Três Palmeiras e
Morro Redondo. Esta teve por objetivo aproximar o pesquisador à realidade estudada e,
através de entrevistas informais com agricultores (as) e extensionistas rurais, alarga horizontes
que permitissem formular adequadamente as questões a serem enfocadas posteriormente nas
entrevistas formais (pesquisa de campo propriamente). Na pesquisa exploratória, as
entrevistas não apresentaram roteiro definido, apenas foram levantados temas e questões
livres para os entrevistados com o objetivo de acercar melhor o tema.
As entrevistas correspondentes à pesquisa de campo propriamente dita foram
realizadas entre os meses de setembro e outubro de 2006 nos quatros municípios.
6
Estas
5
Segundo INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA (2004), em
Veranópolis há 659 estabelecimentos familiares, em Morro Redondo, Salvador das Missões e Três Palmeiras,
724, 713 e 597, respectivamente.
6
É importante mencionar que os recursos utilizados para a elaboração desta dissertação são provenientes dos
projetos “Desenvolvimento Territorial Rural e Segurança Alimentar”, “Emprego e Renda no Meio Rural:
23
entrevistas (semi-estruturadas) seguiram um roteiro de perguntas previstas com antecedência
(Apêndice B), cujo objetivo era “testar” as hipóteses. Não obstante o roteiro, segundo
Colognese e Mélo (1998), o entrevistador pode fazer perguntas adicionais para elucidar
questões ou ajudar a recompor o contexto, e assim foi procedido. O fato da pesquisadora ser
oriunda do meio rural, as muitas cuias de chimarrão e os biscoitos, constituíram-se
importantes instrumentos para aproximar entrevistador/entrevistado e dar mais “liberdade” ao
depoimento dos agricultores. Observou-se especialmente no caso de Morro Redondo que,
mais do que depoimentos, muitas entrevistas tornaram-se verdadeiros desabafos de quem se
encontra de fronte a incipientes perspectivas de futuro na agricultura.
Estas entrevistas foram realizadas com agricultores (as) e com extensionistas rurais.
7
A
amostragem das famílias pesquisadas foi do tipo intencional, ou seja, o pesquisador estava
interessado na opinião de determinados elementos da população, que em seu julgamento
apresentavam características relevantes ao estudo (MARCONI; LAKATOS, 2002). Destarte,
levou-se em consideração na seleção, dentre as famílias investigadas pela pesquisa AFDLP,
aquelas que, em cada município, apresentaram os maiores e os menores valores para o
produto bruto de autoconsumo total por consumidor
8
, captando os extremos da diversidade
desta produção.
No total foram realizadas 35 entrevistas com o auxílio de gravador. O tempo de
duração variou de um caso para o outro, desde poucas dezenas de minutos até mais de uma
hora. O número de entrevistas foi definido tendo a preocupação de minimamente representar a
diversidade da produção para o autoconsumo entre os municípios. O número ideal de
entrevistas provavelmente seria aquele indicado pelo ponto de saturação, que serve como “[...]
critério de finalização: investigam-se diferentes representações, apenas até que a inclusão de
novos estratos não acrescente nada de novo.” (BAUER; AARTS, 2002, p. 59). Contudo, a
quantidade de municípios investigados e a distância entre eles, além do tempo e dos custos
estudos sobre estratégias de redução da vulnerabilidade social e diversificação econômica” e “Rurbano IV:
estudos de caso sobre pluriatividade e diversificação dos modos de vida em áreas rurais no Brasil”. Os dois
primeiros financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e o último
pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) e pelo Núcleo de Estudos Agrários e
Desenvolvimento Rural (NEAD).
7
Ver Apêndice C que apresenta a lista dos entrevistados e algumas características destes.
8
Uma unidade consumidor equivale a um indivíduo com idade superior a nove anos, e crianças até nove anos
contabiliza meia unidade consumidor, segundo metodologia empregada por Tavares dos Santos (1984). A
utilização da relação entre produto bruto de autoconsumo total e o número de consumidores representa melhor a
realidade empírica. A utilização simples do produto bruto de autoconsumo total obscureceria a influência do
número de membros e da composição da família (e.g. autoconsumo com valor de R$ 5.000,00 pode ser muito
para uma família composta somente pelo casal, enquanto poderia ser pouco para uma de 10 membros). A relação
entre produto bruto de autoconsumo total per capita também não é a mais adequada em função de desconsiderar
as diferentes necessidades alimentares dos indivíduos (adultos e crianças).
24
financeiros necessários, foram fatores limitantes para assim proceder. Ao longo do texto,
fragmentos dos discursos gravados são transcritos ipsis verbis, sendo as entrevistas
identificadas por um número (ordem em que foram realizadas) e pelas iniciais do nome do
município (e.g. Entrevista 05, SM).
A pesquisa de campo também contou com a utilização de diário de campo, como um
instrumento de coleta e sistematização de informações, bem como de registro de impressões
de conversas e observações. Em muitas entrevistas foi possível visitar a horta e/ou o pomar,
confirmando muitas das questões respondidas pelos entrevistados e possibilitando um espaço
para colher informações que dificilmente eram abordadas senão em depoimentos mais
espontâneos, sem a utilização do gravador.
Juntamente com estas fontes primárias (questionários e entrevistas) foi realizada
pesquisa documental e bibliográfica (fontes secundárias), a qual permitiu a coleta de
documentos originários de arquivos públicos ou particulares e fontes estatísticas (IBGE, FEE,
etc.) relacionadas aos universos empíricos, qualificando e complementando os dados
primários.
Quanto à metodologia da pesquisa, cabe sublinhar que as unidades de análise
utilizadas foram a família e a dinâmica da agricultura familiar local. Seguindo a trajetória de
alguns autores (CARNEIRO, 2000; ANJOS, 2003; SCHNEIDER, 2003), a adoção da família
decorre do fato de que é “[...] no âmbito da família que se discute e se organiza a inserção
produtiva, laboral e moral dos seus diferentes membros integrantes e é em função deste
referencial que se estabelecem as estratégias individuais e coletivas.” (SCHNEIDER, 2003, p.
106). Já a dinâmica da agricultura familiar se deve a influência que esta exerce sobre a
produção para o autoconsumo, determinando sua existência, intensidade e funções.
Finalmente, é preciso comentário específico sobre a metodologia utilizada para aferir
valor ao autoconsumo. Considera-se que esta produção é definida pela lógica que a orientou e
não pela quantidade ou característica dos produtos. Segundo Lovisolo (1989, p. 143):
[...] não são as características do produto nem as quantidades produzidas
que definem o produto como comercial ou de autoconsumo. Ele se
classifica numa ou noutra situação a partir da lógica que orientou sua
produção. É essa orientação das unidades em relação a cada produto que
define seu sentido. Por isso, o produto vendido não é nem um resíduo nem
um excedente da produção de autoconsumo, da mesma forma que este
último não é uma subtração ao produto comercial.
Diferentemente de outros autores (LEITE, 2004; GARCIA FILHO, 1999;
LOVISOLO, 1989) que consideram autoconsumo a produção destinada à alimentação da
25
família e dos animais, e ainda a construção de objetos de uso da família (ferramentas, roupas,
lenha, etc.), nesta dissertação entende-se por produção para o autoconsumo a parcela da
produção animal, vegetal e transformação caseira produzida pela unidade familiar e
consumida por esta. O valor atribuído a esses alimentos foi estimado com base no preço ao
produtor, equivalente ao preço de venda dos mesmos. Diferenciados quanto à origem animal e
vegetal, multiplicou-se a quantidade consumida destes alimentos pelo preço de venda,
obtendo-se o produto bruto de autoconsumo animal e vegetal. O somatório destes resultou no
produto bruto de autoconsumo total (PBAT). Outrossim, diferentemente das estatísticas
oficiais sobre renda, este valor compôs a renda agrícola das unidades familiares.
9
É mister ressaltar que os valores da transformação caseira (pão, bolacha, schimier,
queijo, etc.) não foram contabilizados no produto bruto do autoconsumo total em virtude do
questionário não permitir a separação da matéria-prima consumida diretamente pela família,
daquela utilizada para a produção de derivados. Deve-se mencionar, no entanto, que esta é
uma questão difícil até mesmo para as unidades familiares, que dificilmente contabilizam seus
gastos, ainda mais quando isto exige muita acuidade.
A opção pelo preço ao produtor vai de encontro à metodologia adotada por Garcia
Junior (1989), o qual considera os preços ao consumidor, isto é, os preços pagos pela unidade
familiar caso adquirisse os alimentos pela compra. Esta metodologia tem sido a mais assídua
nos estudos que tratam da temática da produção para o consumo familiar (LEITE, 2004;
SANTOS; FERRANTE, 2003; GARCIA FILHO, 1999). Todavia, a escolha de Garcia Junior
(1989) deve ser interpretada conjuntamente com sua obra, cujo objetivo era comprovar que
inseridos numa dinâmica capitalista, os camponeses também eram guiados por uma
racionalidade econômica. Segundo o autor, estes produziam para o autoconsumo conforme a
força de trabalho disponível na família, o número de consumidores e o preço dos alimentos
nos mercados. Se os preços destes fossem de tal ordem que, produzindo lavouras comerciais
com o mesmo trabalho despendido pudessem fazer frente às demandas da família, inclusive
alimentares em suficiência, a opção seria pela produção de lavouras comerciais e a não pelo
autoconsumo. Por lançar mão deste cálculo é que a produção para o autoconsumo teria que
ser balizada pelo preço aos consumidores, evidenciando o quanto a família gastaria
comprando os alimentos necessários.
Não obstante a consistência e a originalidade da metodologia do cálculo da produção
para o autoconsumo em Garcia Junior, considera-se que também pode ser utilizado como base
9
Ver Apêndice D que discute mais profundamente a metodologia utilizada para valorar o autoconsumo, e
apresenta também a adotada por outros autores, entre estes Garcia Junior (1989), Leite (2004) e Norder (1998).
26
o preço ao produtor. A opção pelo preço de venda pode ser justificada pela grande variação de
preços ao consumidor entre mercados, disparidade que se potencializa ainda mais quando se
trata de municípios distintos e distantes geograficamente, como é caso nesta pesquisa (ANJOS
et al., 2004). Considera-se igualmente o fato de que os produtos com a finalidade de
autoconsumo nem sempre alcançam o padrão de mercado, não atingindo os mesmos preços
dos produtos comerciais (SANTOS; FERRANTE, 2003) e, deste modo, os preços de venda
refletem mais intensamente as condições de reprodução das unidades familiares. Como
argumento contrário a este procedimento, pode-se sustentar que, ao utilizar os preços de
venda, há uma subestimação do produto bruto de autoconsumo total. No entanto, do mesmo
modo é possível contra-argumentar que, ao utilizar o preço ao consumidor ou preço de
compra, ocorre uma superestimação. Neste sentido, considera-se que nenhuma metodologia
está equivocada, mas que ambas apresentam limitações e potencialidades e, a partir de cada
uma delas, é possível demonstrar a importância do autoconsumo nas unidades familiares de
agricultores.
É importante mencionar ainda, que as quantidades de cada produto foram
uniformizadas em termos de unidade de medida e, em caso que a pessoa não soube informar o
preço de venda, utilizou-se o recurso da estimação deste a partir da média geral informada
pelos demais entrevistados para o mesmo produto no município pesquisado.
Além desta introdução (Capítulo 1), a dissertação está organizada em mais quatro
capítulos, considerações finais, referências bibliográficas e apêndices. No segundo Capítulo
procura-se resgatar os estudos camponeses e a importância do autoconsumo na organização
econômica desta categoria social. Ademais, discutem-se a metamorfose de camponeses para
agricultores familiares, como esta passagem afeta a produção para o autoconsumo e a relação
entre esta produção e autonomia. São apresentados alguns conceitos e noções que constituem
o arcabouço teórico para o tema desta dissertação. O Capítulo seguinte é dedicado ao estudo
dos processos de desenvolvimento e das características dos universos sociais pesquisados,
bem como à caracterização do autoconsumo, sua importância e tipos de alimentos produzidos
em cada município. O Capítulo quatro identifica os fatores que interferem e determinam a
produção para o consumo familiar, explicando as diferenças entre os municípios e as unidades
familiares. No quinto Capítulo são discutidas as funções do autoconsumo na agricultura
familiar, suas diferentes expressões entre os universos pesquisados e como seus distintos
papéis contribuem para a autonomia das unidades familiares. Por fim, elaboram-se
considerações finais com as principais conclusões obtidas na pesquisa.
27
2 TEORIA SOCIAL, AGRICULTURA FAMILIAR E PRODUÇÃO PARA O
AUTOCONSUMO
Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou
por tudo que se queira. Mas eles próprios começam a se diferenciar dos
animais tão logo começam a produzir seus meios de vida, passo este que é
condicionado por sua organização corporal. Produzindo seus meios de vida,
os homens produzem indiretamente, sua própria vida material (MARX,
1987, p. 27).
Este capítulo apresenta as principais questões teóricas associadas à compreensão das
funções desempenhadas pela produção para o autoconsumo na agricultura familiar.
Discutem-se processos, conceitos e noções que explicam a importância desta produção no
campesinato e na agricultura familiar, e a forma através da qual esta é influenciada pela
crescente inserção mercantil das unidades familiares. Demonstra-se que, conquanto às
unidades familiares contemporâneas expressem uma nova lógica produtiva, que considera a
produção para o autoconsumo como elemento complementar a sua reprodução social, esta se
afirma como uma estratégia importante para garantir autonomia à agricultura familiar. À luz
deste conjunto teórico apresentado, procuram-se ainda elementos para entender a produção
para o consumo familiar numa perspectiva comparada, segundo distintas dinâmicas da
agricultura familiar gaúcha.
A primeira seção é dedicada à relação entre campesinato e produção para o
autoconsumo. Nesta, faz-se uma breve digressão em relação ao modo como os teóricos ditos
campesinistas, principalmente aqueles ligados à teoria chayanoviana, compreenderam os
camponeses como uma forma social onde a unidade produtiva e econômica visa,
primeiramente, atender a subsistência da família, o que as levaria a produzir a maior parte de
suas necessidades alimentares. A segunda seção aborda como estas unidades camponesas
foram se metamorfoseando em agricultores familiares à medida que se inseriram de modo
cada vez mais intenso aos mercados e, de forma mais ampla, ao modo capitalista de produção
(ABRAMOVAY, 1998). Revela-se, neste caso, como se estabelece uma nova lógica orientada
para o aumento da parcela da produção destinada à venda, o que levou o autoconsumo a
tornar-se um tipo de produção complementar.
28
Também se procura sustentar que, embora as mudanças que se processaram no
ambiente social em que se reproduzem os agricultores familiares e mesmos nas condições
inerentes às unidades de produção, o autoconsumo continua como importante estratégia para
garantir uma reprodução mais autônoma, visto que propicia às unidades familiares, maior
controle sobre o processo produtivo e sobre a sua própria reprodução social (PLOEG, 1990).
Ao produzir para o autoconsumo as unidades familiares dispõe de maior controle sobre uma
das dimensões mais significativas para a sua reprodução social: a alimentação. Além disso,
trata-se de uma forma de minimizar a exposição das famílias às relações mercantis e é uma
fonte de renda não monetária que, inserida no escopo da diversificação dos modos de vida,
proporciona maior estabilidade e segurança as mesmas. Esta relação entre autonomia e
autoconsumo compõe a última parte deste capítulo.
2.1 CAMPESINATO E PRODUÇÃO PARA O AUTOCONSUMO
Algumas das primeiras referências à produção para o autoconsumo nos estudos sobre
campesinato podem ser encontradas nos trabalhos de Chayanov (1974) e Wolf (1976).
Embora com objetivos mais amplos, dirigindo-se à compreensão da organização da unidade
camponesa, estes autores dão importantes contribuições para o entendimento do papel
desempenhado por esta produção na reprodução das unidades familiares. No Brasil, seguindo
sobretudo o modelo interpretativo de Chayanov, os trabalhos de Afrânio Garcia Junior,
Beatriz Heredia e Klaas e Ellen Woortmann, também estudam o processo produtivo e as
estratégias de reprodução dos camponeses em regiões distintas do país, em todos eles
transparecendo a produção para o autoconsumo como estratégia expoente.
2.1.1 O papel do autoconsumo na “organização da unidade econômica camponesa”
Na obra “La organización de la unidad económica campesina” (1974), Chayanov
procura compreender a morfologia e as leis de funcionamento da unidade camponesa, a partir
da análise dos elementos mais internos ao organismo camponês, constituindo o que pode ser
denominado de uma microeconomia do comportamento camponês.
1
Para Chayanov (1974), o
1
Esta perspectiva contrariou outras abordagens teóricas da época, não somente pela unidade de análise
focalizada no grupo doméstico, mas por acreditar na permanência e reprodução desta forma de produção. A
principal divergência foi com os marxistas, que buscavam delimitar as leis de uma ciência econômica geral.
Estes consideravam a existência de somente duas classes sociais - aqueles que compram força de trabalho
29
campesinato não opera segundo a “lógica” de uma empresa capitalista, porquanto, ao final do
ciclo produtivo o retorno que o camponês obtém não é traduzido em lucro. Como todo
trabalho provém da família e inexiste pagamento de salários, não há como determinar custos
de produção e lucro. Assim, o retorno que o camponês aufere é uma retribuição ao trabalho da
família, o qual proporciona a satisfação do consumo familiar de bens e serviços.
Segundo o autor, a organização da unidade camponesa persegue a provisão de um
fundo de subsistência definido culturalmente. Deste modo, considerando a unidade
camponesa com uma unidade de trabalho e de consumo, propõe que um balanço entre a
penosidade do trabalho e as necessidades de consumo constitui o princípio básico que rege tal
organização. Nos seus próprios termos, pode-se referir a um “[...] cálculo, no necesariamente
explícito o consciente, que establece el equilibrio económico básico entre las fatigas del
trabajo y la satisfacción de las necesidades. El principal objetivo económico es organizar el
trabajo del año para cubrir las necesidades de una familia..” (CHAYANOV, 1974, p. 333).
É neste cálculo que reside o cerne da contribuição de Chayanov ao tema da produção
para o autoconsumo. Como o camponês visa à provisão de um fundo de subsistência, o
montante de trabalho despendido (quantidade e intensidade) é proporcional à obtenção de
uma quantidade de alimentos capaz de garantir o autoabastecimento da família. O trabalho do
camponês e de sua família é realizado até atender suas necessidades e, a partir deste ponto,
deixa de ser efetivado, pois continuá-lo significa expor a família a um grau de exploração da
força de trabalho que não lhe gera acréscimos ou atende a necessidades culturalmente
definidas como marginais. Portanto, em Chayanov, além da centralidade do autoconsumo na
reprodução social das famílias, esta produção relaciona-se com um nível ótimo de exploração
a que o camponês e sua família se dispõem.
O trabalho despendido concentra-se tanto na agricultura, onde se produzem alimentos
sobretudo para o autoconsumo da família, quanto em atividades não-agrícolas. A quantidade
de trabalho empregada em ambas às atividades, depende da composição e do ciclo vital da
família. Segundo o autor, a família é um dos principais fatores na organização da unidade
econômica camponesa, dado que “[...] la composición y el tamaño de la familia determinan
íntegramente el monto de fuerza de trabajo, su composición y el grado de actividad.
(CHAYANOV, 1974, p. 47). À medida que aumenta o número de integrantes do grupo
(burgueses) e aqueles que precisam vendê-lo para garantir sua reprodução (proletários). Como os camponeses
não se enquadravam em nenhuma delas, tratava-se de um resquício a mercê do tempo para desaparecer. Deste
ponto de vista, os camponeses não apresentavam motivações para estudá-los, em virtude de seu destino trágico e,
também, por não contribuírem para a luta de classe, já que se tratava de uma categoria proprietária dos meios de
produção. Contestando esta teoria, Chayanov explica a permanência dos camponeses através de seu
funcionamento interno.
30
familiar e avança o crescimento dos filhos, a relação entre número de consumidores e
trabalhadores vai sendo alterada, variando a quantidade de trabalho empregada, o grau de
autoexploração da família
2
e, portanto, a quantidade de terra necessária a sua reprodução. Para
o autor, é justamente esta diferenciação demográfica
3
elemento capaz de explicar as
diferenças encontradas entre as famílias quanto à posse da terra: “[...] el ciclo de
diferenciación familiar explica el hecho de que diferentes grupos campesinos aparezcan
como poseedores de parcelas de diferentes tamaños.” (CHAYANOV, 1974, p. 15).
4
Em resumo, a produção para o autoconsumo ou “consumo propriamente dito”,
segundo denominou Chayanov (1974), ocupa um lugar central nas estratégias de reprodução
das unidades camponesas, visto que, para ele, estas buscam em primeiro lugar a satisfação de
suas necessidades vitais, qual seja a necessidade mais vital de um ser humano, a alimentação.
Esta satisfação é atendida, mormente, pelo trabalho dos membros da família, ora em maior ou
menor grau de autoexploração.
2.1.2 O autoconsumo em “sociedades camponesas”
Seguindo a perspectiva avançada por Chayanov, Eric Wolf também considera a
unidade camponesa uma unidade de consumo e trabalho. Porém, diferentemente daquele,
afirma, em “Sociedades Camponesas” (1976), que a organização familiar segue o dilema do
equilíbrio entre as suas próprias necessidades e as exigências do mundo externo. Neste
sentido, Wolf reconheceu e procurou superar uma das principais limitações da perspectiva
chayanoviana, que é a crítica baseada na excessiva autonomia e isolamento dos camponeses
em relação ao contexto social e econômico no qual estão inseridos.
2
A autoexploração da unidade familiar também pode ser causada por condições desfavoráveis, como fatores
climáticos, doenças na família, etc.
3
A teoria da diferenciação demográfica vai de encontro à teoria da diferenciação social proposta por Lênin
(1982), que explicava as diferenças entre as unidades familiares pelo critério da compra e da venda da força de
trabalho, classificando-as em classes sociais. Chayanov (1974) reconhece a existência da diferenciação social, no
entanto critica a centralidade da explicação neste fenômeno. Para o autor, a heterogeneidade “[...] no sólo
depende del desarrollo dinámico sino también, y en forma considerable, del efecto de los factores demográficos
que resultan de la naturaleza de la unidad económica campesina.” (CHAYANOV, 1974, p. 290).
4
Não obstante, é necessário considerar que seus estudos partiam do contexto da Rússia no início do século XX.
Neste período, o modo de produção predominante era o camponês mercantil simples. O acesso a terra era
mediado por um sistema comunitário (comuna camponesa ou mir), responsável pela distribuição e redistribuição
da terra (segundo critérios de número de membros na família, relação entre o número de consumidores e de
trabalhadores e aceitação da comunidade), e pela organização do trabalho, controle da mobilidade de seus
membros, entre outros (CHAYANOV, 1974).
31
Para o autor, a produção agrícola camponesa destina-se a atender ao mínimo calórico
exigido pela família e a constituição de diversos fundos. Estes se referem aos recursos
necessários para o estabelecimento do próximo cultivo agrícola e para a aquisição de
instrumentos de trabalho, além da constituição de relações sociais e transferências de
excedentes para os grupos dominadores.
O mínimo calórico corresponde à produção que atende o necessário para a manutenção
da vida e, em termos fisiológicos, refere-se ao “[...] consumo diário de calorias alimentares
exigidas para compensar o desgaste de energia que o homem despende em seu rendimento
diário de trabalho.” (WOLF, 1976, p. 17). Corresponde, portanto, a produção para o
autoconsumo.
Do mesmo modo, Wolf menciona que os camponeses devem produzir o suficiente
para prover à próxima safra (sementes e instrumentos de produção) e para a alimentação
animal. Este montante configura o “fundo de manutenção”, que deve ser compreendido em
termos técnicos e culturais. Técnicos, por que possibilita satisfazer materialmente as
necessidades, e culturais, pelo fato que este fundo resulta de um processo de acumulação
cultural.
De acordo com Wolf (1976), parte da produção também deve compor “excedentes
sociais”. Estes são necessários para atender o fundo cerimonial e o fundo de aluguel. Os
camponeses são seres sociais que estabelecem relações comunitárias, de vizinhança e
parentesco, que são importantes cultural, econômica e até biologicamente em se tratando da
continuidade do grupo familiar. Estas servem para validar comportamentos, normas,
identidades sociais, controlar tensões, etc. Todas estas relações envolvem construções
simbólicas e cerimoniais (casamentos, festas, etc.) que precisam ser viabilizadas por meio de
trabalho, bens ou dinheiro, variando o esforço para obtê-los e suas quantidade conforme a
inserção diferenciada dos camponeses na divisão social do trabalho. O recurso necessário para
atender esta demanda compõe o fundo cerimonial designado por Wolf (1976).
É importante notar ainda que, ao contrário de Chayanov, para Wolf (1976) o camponês
encontra-se inserido em sociedades complexas com relações assimétricas marcadas pelo
exercício do poder de um grupo sobre outro. É por este motivo, que o autor destaca a
constituição de um fundo de aluguel
5
pago em trabalho, bens ou dinheiro pelo camponês ao
5
Segundo Wolf (1976), este fundo é fruto de quatro tipos de domínios: patrimonial (feudal), prebendal,
mercantil e administrativo. O primeiro refere-se ao tributo que é pago aos senhores donos das terras pela sua
utilização e este direito de cobrança é transmitido por herança. O prebendal não é hereditário, é concedido pelo
Estado a funcionários que passam a exigir tributos pela utilização da terra, ou simplesmente cobram tributos em
nome do Estado a seu favor. O domínio mercantil trata a terra como uma mercadoria, e neste caso o seu
32
seu dominador. Assim, “O que é perda para o camponês é ganho para os detentores do poder,
pois o fundo de aluguel levantado pelo camponês é parte do fundo de poder através dos quais
os dominadores se alimentam.” (WOLF, 1976, p. 24, grifos no original). Haja vista as várias
formas de produção e extração deste fundo, “[...] há vários tipos de campesinato e não só uma
forma de vida camponesa.” (WOLF, 1976, p. 24,).
De modo genérico, pode-se afirmar que Wolf (1976) considera que o dilema do
camponês é circunscrito pelo balanço entre as exigências do mundo exterior
6
e as
necessidades da família. Para atender esta equação, restam-lhes duas opções que os colocam
em permanente movimento entre dois pólos opostos: incrementar a produção ou reduzir o
consumo. Esta é a principal diferença entre Chayanov e Wolf. Enquanto Chayanov afirma que
a organização da unidade camponesa orienta-se a partir de suas próprias necessidades, Wolf
considera o camponês inserido em sociedades complexas que impõem demandas sobre a
organização familiar, além das suas próprias necessidades internas. De todo modo, embora as
diferenças no nível de análise entre os autores, são comuns a eles o reconhecimento da
importância do autoconsumo e o fato desta estratégia ser considerada parte integrante da
organização das unidades familiares.
2.1.3 Autoconsumo e campesinato nos estudos brasileiros
A maior parte dos estudos brasileiros sobre a produção para o autoconsumo focaliza os
camponeses como categoria analítica. Ademais, influenciada pela perspectiva chayanoviana,
privilegia a organização econômica das unidades familiares, em que o autoconsumo é um dos
elementos considerados. Neste sentido, entre os trabalhos de maior influência na sociologia
rural brasileira, podem-se destacar aqueles empreendidos por Garcia Junior (1983, 1989) e
Heredia (1979). Ambos os autores focalizaram os camponeses do agreste nordestino,
entretanto, enquanto aquele discute o funcionamento e a lógica que rege a decisão da família
na escolha entre a produção para consumo próprio e para fins comerciais, esta aborda
particularmente os produtos destinados ao autoabastecimento, os cultivos escolhidos e suas
possuidor poderá desfrutar da venda, compra ou arrendamento como uma forma de obter lucro. O quarto
domínio confere ao Estado a posse da terra, a coordenação da produção agrária e da aplicação de seus produtos.
Estes quatro tipos de domínios não se excluem mutuamente, podendo coexistir no tempo. Seyferth (1974),
utilizando-se do referencial teórico de Wolf, identifica entre os colonos a existência do fundo de aluguel,
destinado ao resgate de dívidas contraídas com os vendeiros.
6
Estas exigências dependem da inserção dos camponeses na sociedade, que é mediada pelas coalizões, isto é,
pelas alianças que os camponeses estabelecem entre si e com indivíduos ou grupos externos (pessoas, facções,
Estados, etc.). Estas alianças variam em termos de números de pessoas envolvidas, interesses que as une, tempo
e tipo de relação estabelecida (WOLF, 1976).
33
representações. Outrossim, cabe destacar entre os estudos dedicados ao tema da produção
para o autoconsumo, o trabalho de Brandão (1981) sobre os camponeses goianos, cuja atenção
dirigiu-se especialmente a duas questões: a forma como estes acessavam os alimentos
necessários à família e, as crenças relativas ao consumo destes alimentos.
De acordo com Garcia Junior (1983, p. 16), os camponeses organizam a unidade
familiar visando fundamentalmente atender sua subsistência, isto é, “[...] aquilo que é
socialmente necessário para a reprodução física e social do trabalhador e de sua família.” Para
tanto, os camponeses cultivam vários produtos agrícolas nos roçados, hortas e pomares,
mantém a produção de animais domésticos e, em alguns casos, utilizam-se da caça, da pesca e
da coleta. Grande parte dos alimentos obtidos é destinada ao autoconsumo, contudo também
são destinados às relações de trocas onde se adquirem outros bens necessários à reprodução.
Percebe-se, segundo esta definição, que subsistência e produção para o autoconsumo
são expressões que não possuem o mesmo significado, como corriqueiramente é utilizado.
Produção para a subsistência é mais ampla que produção para o autoconsumo. Enquanto esta
pressupõe somente o que é consumido pela família, aquela envolve ainda a produção
destinada à circulação mercantil, a partir da qual são adquiridos recursos igualmente
importantes para a reprodução social. O termo produção de subsistência é equivalente à
expressão “produção para aprovisionamento” utilizada por Sahlins, que afirma: “[...] a
produção doméstica não é descrita exatamente como produção para uso, isto é, para o
consumo direto. As famílias também podem produzir para troca, assim conseguindo
indiretamente o que precisam” (SAHLINS, 1970, p. 118, grifos no original). Do mesmo
modo, Woortmann (1978, p. 05) sustenta que “[...] é apenas em parte que a reprodução da
força de trabalho camponesa se realiza pelo autoconsumo; com a comercialização de seus
produtos o camponês apura uma renda monetária indispensável à sua subsistência, inclusive
para a compra de alimentos.”
Desta forma, visando atender tanto ao consumo alimentar direto, como a aquisição de
alimentos via mercado, o camponês opta por cultivos com a característica da
“alternatividade”. Segundo denominaram Heredia (1979) e Garcia Junior (1983), esta se trata
de uma característica de cultivos que podem ser tanto consumidos como vendidos,
dependendo do preço, da perecibilidade e da demanda da família. De acordo com os autores,
os camponeses vendem parte da produção alimentar e, com isso, podem adquirir produtos de
menor preço ou, ainda, obter conforme a demanda familiar sem correr o risco de perdê-los em
função de sua durabilidade.
34
A alternatividade das “lavouras de subsistência”, entre ser vendida ou
autoconsumida, permite atuar diante das flutuações dos preços de mercado
de forma a maximizar as chances de se atender aos requisitos do consumo
familiar. Se os preços dos produtos estão altos, o pequeno produtor pode
vender sua produção, guardando o dinheiro para as épocas que baixaram.
Consumirá de sua própria produção apenas o necessário na época em que
está vendendo. Se os preços estão baixos e tiver dinheiro, o pequeno
produtor adquire o produto necessário ao consumo familiar. Com os preços
baixos, caso não tenha dinheiro lança mão do próprio produto na obtenção
do necessário ao consumo familiar. (
GARCIA JUNIOR, 1983, p.129).
De acordo com Garcia Junior (1983; 1989) e Heredia (1979), os camponeses dão
preferência para os cultivos que apresentem esta característica, também denominada “lavoura
de subsistência”, que às “lavouras comerciais”
7
. Justifica-se tal primazia em virtude de a
primeira garantir diretamente o consumo familiar e/ou a venda, enquanto na segunda, o acesso
aos alimentos depende exclusivamente da realização da venda e a posterior compra, onde há o
risco de flutuações de preço, e, ainda, este não ser compensador (GARCIA JUNIOR, 1983).
Complementando a análise da organização produtiva da unidade camponesa, em
“Raízes históricas do campesinato brasileiro”, Wanderley (1999) afirma que o sistema
tradicional de policultura-pecuária adotado pelos camponeses deve-se ao fato da
diversificação conferir maior estabilidade e segurança à família. Citando Mendras (1984), a
autora observa que
“Toda a arte do bom camponês consistia em jogar sobre um registro de
culturas e criações o mais amplo possível e a integrá-los em um sistema que utilizasse ao
máximo os subprodutos de cada produção [...] e pela diversidade de produtos fornecesse uma
segurança contra as intempéries e as desigualdades das colheitas.” (WANDERLEY, 1999, p.
27). Neste mesmo sentido, em sua importante obra sobre a colonização alemã, Seyferth
(1974) demonstra que, embora rendesse dinheiro, a monocultura não era racional dentro da
lógica camponesa, precisamente por que aumenta os riscos à constituição da base de recursos
necessários a sua reprodução social. Assim, pesava mais a insegurança gerada pela
monocultura do que os benefícios monetários que esta pudesse gerar, em virtude do sustento
da família tradicionalmente provir basicamente da lavoura e não do mercado.
Vários estudos sobre campesinato realizados por autores brasileiros (HEREDIA, 1979;
GARCIA JUNIOR, 1983, 1989; WOORTMANN; WOORTMANN, 1997, GODOI, 1999)
corroboram as teses de Chayanov demonstrando a centralidade da composição da unidade
7
Lavoura de subsistência, é o cultivo cujo produto tem a propriedade da alternatividade [...]. O produto deste
cultivo é valor de uso para a unidade camponesa que o produz e valor de uso para quem o compra. [...] lavoura
comercial, é o cultivo cujo produto é destinado à venda, isto é, é sempre mercadoria. O produto deste cultivo não
é valor de uso para a unidade camponesa que o produz, mas é valor de uso para quem o compra. Isto pode ser
aplicado tanto a alimentos quanto a matérias-primas.” (GARCIA JUNIOR, 1983, p. 127, grifos no original).
35
familiar na organização produtiva e econômica. Neste sentido, Garcia Junior (1989) revela
como a composição do grupo familiar é um dos principais determinantes na escolha dos
cultivos, visto que a partir da disponibilidade da força de trabalho é que o camponês opta por
uma ou outra cultura; o que também associa-se, inclusive, à decisão de produzir ou comprar,
autoconsumir ou vender determinado produto. Já Woortmann e Woortmannn (1997), a partir
de etnografia de camponeses sergipanos, descreveram como ocorre a divisão e a transmissão
das tarefas no decorrer do ciclo familiar. Segundo puderam perceber, conforme os filhos
crescem, assumem responsabilidades na produção agrícola e animal (respeitado as diferenças
entre os sexos), passando a dividir as principais tarefas com os pais e, por conseguinte,
aumentando o número de trabalhadores em relação ao de consumidores. Deste modo, toma
corpo a diferenciação demográfica no interior da família que, ao mesmo tempo em que
possibilita a produção e reprodução e, algumas vezes, até a produção de excedentes para os
camponeses, pode ser o fulcro de desintegração do mesmo, devido ao excessivo
fracionamento da terra (WOORTMANN; WOORTMANN, 1997).
Evidencia-se também nas unidades camponesas uma divisão sexual das tarefas.
Embora os limites sejam tênues, pode-se constatar que cabe às mulheres a esfera da casa,
enquanto aos homens, por meio do trabalho no “roçado”, a responsabilidade de garantir a
produção para subsistência, incluída aí a própria produção para autoconsumo familiar.
Segundo Heredia (1979, p. 83, grifos no original), “Cabe ao pai de família atender ao
consumo familiar, isto é, é ele quem deve botar os produtos dentro de casa.” e, “[...] só uma
vez postos dentro da casa, os produtos serão distribuídos e preparados pela mulher mãe de
família, durante a semana.” (HEREDIA; GARCIA; GARCIA JUNIOR, 1984, p.43). Ainda
que as mulheres possuam atividades específicas no roçado como “colocar as sementes”, e
sejam responsáveis pela horta onde se cultiva somente verduras, estas tarefas não são
consideradas trabalho, mas uma ajuda.
8
Somente realiza-se enquanto tal, a atividade
masculina de “cavar leirão” e a responsabilidade pela subsistência (GARCIA JUNIOR, 1989).
A reprodução dos camponeses igualmente passa por formas de trabalho
complementares à subsistência
9
, sobretudo através da venda da força de trabalho. Mas todas
estas atividades apresentam conotação negativa ou não são consideradas trabalho porque,
conforme observou Garcia Junior (1983), os camponeses consideram que trabalhar está
8
A utilização da mão-de-obra feminina também serve como conotação negativa à unidade camponesa. “Quanto
mais próspera a situação da unidade doméstica menor será a utilização da mãe de família e das filhas no roçado
e/ou sítio.” (GARCIA JUNIOR, 1989, p. 133, grifos no original).
9
Cf. Garcia Junior (1983), são formas complementares à subsistência: a venda da força de trabalho para outros
estabelecimentos (“alugado”), trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar em outros estados, ser comerciante ou
feirante (“negócio”), atividades de artesanato, caça, e pesca, e migração para o Sul do país (São Paulo).
36
intimamente ligado com produzir na terra, com gerar os alimentos necessários à subsistência e
ao autoconsumo da família. Mais que atender necessidades fisiológicas, garantir a satisfação
das necessidades do grupo familiar com a mínima dependência externa ou de formas
complementares, representa que o pai e a mãe desempenharam com sucesso suas funções,
quais sejam: governar a esfera da roça e garantir a alimentação, administrar a casa, o quintal e
a comida
10
de modo que esta possa atender a demanda de todos (WOORTMANN;
WOORTMANN, 1997). “Há um certo orgulho entre casais de lavradores e camponeses em
provar que quase tudo o que a família usa e consome é obtido ali mesmo e como resultado do
trabalho da família sobre a terra.” (BRANDÃO, 1981, p. 79, grifos no original). Estes são
sinais de que a produção para o autoconsumo é porta-voz de identidade social e serve para
afirmar a posição social da unidade familiar perante as demais.
2.2 O PROCESSO DE MERCANTILIZAÇÃO DA AGRICULTURA E A PRODUÇÃO
PARA O AUTOCONSUMO
A penetração das relações capitalistas no campo e a inserção crescente aos mercados
condicionaram a emergência de um paradoxo representado pela consolidação de um ambiente
social que, ao mesmo tempo em que corrói as bases do modo de vida camponês, edifica os
elementos que fomentam a reprodução da agricultura familiar, (ABRAMOVAY, 1998).
Influenciada pela mercantilização da agricultura, esta metamorfose é marcada por
transformações na base produtiva e pela consolidação de uma nova lógica organizativa que
preconiza a constante relação da agricultura com os mercados, à montante e à jusante do
processo produtivo. No bojo destas mudanças, notadamente técnico-produtivas, emergem
alguns questionamentos centrais ao tema desta dissertação: se os camponeses se transformam
em agricultores familiares, o que acontece com a produção para o autoconsumo? Desaparece
ou se mantém? Neste caso, se a produção para o autoconsumo se mantém um elemento atual,
isso significa que se expressa com as mesmas características que apresentava outrora às
unidades camponesas?
10
Segundo Matta (1987), comida e alimento são duas noções distintas e servem para marcar a diferenciação
entre o universal e o particular. “Qualquer brasileiro sabe que toda substância nutritiva é alimento, mas sabe
também que nem todo alimento é comida.” (MATTA, 1987, p. 22, grifos no original). Cada sociedade classifica
segundo seus valores os alimentos que dispõe como comida ou não, e é por isso que para determinadas
sociedades alguns alimentos são iguarias, enquanto para outras são abomináveis. Como afirma Menasche (2005),
a comida é o alimento transformado pela cultura.
37
Inicialmente, é mister considerar que esta distinção teórica e conceitual entre
agricultura familiar e campesinato é uma problemática atual e controversa nos estudos rurais
brasileiros. A falta de entendimento não se restringe à academia, mas adentra organizações
sociais, como os sindicatos e movimentos sociais, e ao universo dos formuladores de políticas
e mediadores sociais. Esta dissertação admite a metamorfose de camponeses para agricultores
familiares, todavia, considera que se trata de um processo parcial onde, neste entremeio,
novos valores e práticas associam-se a valores e práticas tradicionais, preservadas em meio às
mudanças sócio-técnicas. Uma destas práticas tradicionais diz respeito à produção para o
consumo familiar, a qual, mesmo passando a uma condição de complementaridade, ao invés
da centralidade que representava outrora, revela-se absolutamente atual, mas com novas
feições e atributos. Assim, mais do que debater a metamorfose propriamente, esta dissertação
objetiva mostrar que a produção para o autoconsumo é uma estratégia que se mantém tanto
em situações que os agricultores podem ser caracterizados como camponeses ou agricultores
familiares.
2.2.1 De camponeses a agricultores familiares: o papel do mercado
Segundo Abramovay (1998), o traço básico que caracteriza o campesinato é sua
inserção em sociedades parciais com cultura parcial e a integração a mercados que operam
com alto grau de imperfeição. Referenciando-se em Redfield, Abramovay alude que a noção
de sociedades parciais com cultura parcial refere-se ao fato dos camponeses viverem uma
cultura tradicional específica, ligada fortemente ao modo de vida de pequenas comunidades
rurais, sendo “[...] nos limites da comunidade que se opera o essencial da socialização
camponesa.” (ABRAMOVAY, 1998, p.109).
Quanto à inserção parcial em mercados imperfeitos
11
, o autor argumenta que o caráter
parcial dos mercados deve-se a flexibilidade que os camponeses têm entre consumir ou
vender em função das circunstâncias ocasionais. Flexibilidade esta proporcionada por cultivos
com a característica da alternatividade, anteriormente discutida. Não que o camponês consiga
aproveitar sempre o melhor momento para comercializar, mas caso as condições de preço
sejam desfavoráveis, pelo menos a alimentação do grupo familiar não fica comprometida. O
11
Abramovay (1998) busca esta noção em Ellis (1998a, p.12) que afirma: “Peasants are farm households, with
access to their means of livelihood in land, utilizing mainly family labor in farm productions, always located in a
larger economic system, but fundamentally characterized by partial engagement in markets with tend to function
with a high degree of imperfection.”
38
fato de nem todos os meios de produção serem comprados e ainda as relações de patronagem,
clientelismo e dependência estabelecida pelos camponeses com outras categorias sociais são
outras justificativas para o caráter parcial dos mercados. “O próprio caráter comunitário da
vida camponesa, além da existência de fatores de natureza extra-econômica regendo o uso dos
recursos materiais de produção e consumo, bloqueiam a livre entrada e saída dos produtos e
não elevam a eficiência a critério importante de sobrevivência econômica.” (ABRAMOVAY,
1998, p. 118).
Não obstante, este traço básico do campesinato vai sendo alterado à medida que estes
se inserem aos mercados, desintegrando-se então a relativa autarquia da coletividade local em
vista da integração orgânica e sistemática à sociedade envolvente, (MENDRAS, 1978).
Estabelece-se uma lógica organizativa diferenciada, mediada pelo mundo das mercadorias.
São estas relações mercantis que transformam a racionalidade dos camponeses, tornando-os
produtores de valores de troca subordinados à dinâmica social e econômica do modo de
produção capitalista. Até mesmo Chayanov (1974, p. 306), no capítulo final de sua obra
principal, reconhece que
Estos vínculos comerciales que convierten la explotación familiar natural
aislada en una pequeña productora de mercancías son siempre las
primeras maneras de organizar las unidades económicas campesinas
dispersas y de abrir las primeras vías de penetración a las relaciones
capitalistas en el campo. Mediante estas conexiones, cada pequeña
empresa campesina se convierte en una parte orgánica de la economía
mundial, experimenta en sí misma los efectos de la vida económica general
del mundo, es poderosamente dirigida en su organización por las demandas
económicas del mundo capitalista.
Agora, fazendo parte da economia mundial, as unidades familiares ampliam seu leque
de relações sociais e econômicas, e passam a sentir a necessidade de incorporar
conhecimentos técnicos e melhorar a gestão do estabelecimento. O camponês não aspira mais
somente atender a sua subsistência, ou “sua reprodução social à base do mínimo vital”, mas,
fazendo parte da sociedade moderna, deseja o acesso a todo conjunto de bens materiais e
culturais, o que depende de uma nova organização econômica (WANDERLEY, 1998, p. 45).
Este processo de crescente interação social dos camponeses não passou despercebido a
Antônio Candido, em seu magistral estudo sobre os “caipiras do Rio Bonito” na década de
1950. Conforme o autor,
Surgem assim [...] necessidades novas, que contribuem para criar ou
intensificar os vínculos com a vida das cidades, destruindo sua autonomia e
ligando-o estritamente ao ritmo da economia geral, isto é, da região, do
39
estado e do país, em contraste com a economia particular, centralizada pela
vida de bairro e baseada na subsistência. Doravante, ele compra cada vez
mais, desde a roupa e os utensílios até alimentos e bugigangas de vários
tipos; em conseqüência, precisa vender cada vez mais. Estabelece-se, desse
modo, uma balança onde avultam receita e despesa (embora virtuais)
elementos que inexistiam na sua vida passada (CANDIDO, 2001, p. 207).
A partir desta nova lógica que orienta o processo produtivo, as unidades familiares
intensificam seu ritmo de trabalho, passam a dar preferência aos “cultivos comerciais”,
independentes do princípio da alternatividade, e especializam-se em poucas culturas,
diferentemente do sistema policultura-pecuária antes praticado. O trabalho de Lovisolo (1989,
p. 68) ilustra essas transformações no município gaúcho de Cândido Godói, onde a policultura
associada à criação de suínos foi substituída pela bicultura trigo e soja: “A soja passou a ser o
principal objetivo de produção de todas as unidades familiares, mesmos aquelas situadas nas
terras altas e pedregosas e sem condições de mecanização.” Nesta mesma direção, Conterato
(2004) discute a sojicização da agricultura familiar, onde a policultura praticada pelos colonos
é abolida em favor da produção de commodities, o que, aos poucos, transforma uma paisagem
ocupada com pastagens permanentes, matas e cultivos diversos, em um cenário homogêneo
coberto pela soja.
Para maximizar sua produção, o agricultor conta com novos meios de produção: trator,
sementes melhoradas, adubos químicos e vários outros instrumentos, cujo objetivo é extrair o
máximo do tempo e da natureza. Estas técnicas, no entanto, não são próprias do modo de vida
camponês. O saber/fazer, passado ao longo de gerações já não é mais suficiente para garantir
sua produção e reprodução social. Segundo Wanderley (2003, p, 46), “O exercício da
atividade agrícola exige cada vez mais o domínio de conhecimentos técnicos necessários ao
trabalho com plantas, animais e máquinas e o controle de sua gestão por meio de uma nova
contabilidade.”
Em função do mercado validar somente a parte visível da produção (as mercadorias),
como observado por Jean (1994), a produção para o consumo familiar passa de uma condição
prioritária para complementar. O tempo de trabalho, a mão-de-obra disponível e os recursos
produtivos passam a ser organizados em função dos cultivos comerciais e prevalecem no
espaço até então destinado ao autoconsumo, condicionando-o a uma função de
complementaridade. Além disso, a facilidade e a disponibilidade variada de alimentos nos
mercados (inclusive os alimentos fora da estação) são fatores que potencializam esta
reorganização produtiva da unidade familiar. Para Wolf (1976, p. 58),
40
[...] a agricultura foi racionalizada e transformada numa empresa econômica
voltada primariamente para a extração do máximo de rendimentos e apenas
secundariamente levando em conta a subsistência [...]. Como resultado
dessas mudanças, o camponês é agora freqüentemente solicitado a produzir
culturas e produtos que ele não pode consumir, como o sizal para fazer
cordas, ou pimenta para vitamina [...]. Ele tende cada vez mais a se tornar
um especialista entre outros, com cada grupo produzindo bens e serviços a
serem consumidos pelos outros.
Também ocorrem rearranjos em relação às responsabilidades com a produção para o
autoconsumo. Segundo Brumer (1996), a prioridade das unidades familiares aos cultivos
comerciais, a especialização e a mecanização da agricultura, reduziram a quantidade e a
importância do trabalho manual, realizado principalmente pelas mulheres, cabendo a estas a
produção para o consumo familiar
12
(que continua basicamente manual), e aos homens a
produção comercial. Embora a preocupação com a produção de alimentos seja de ambos os
sexos e os limites tênues, esta é normalmente uma atividade sob os cuidados das mulheres,
onde o trabalho masculino, não raro, é tido como “ajuda”, do mesmo modo que o trabalho da
mulher na lavoura. Conforme notou Tedesco (1999, p.136, grifos no original), “As culturas
menos dinâmicas, consideradas mais como meios de vida do que como produtos excedentes
(o que não significa que não possam ser vendidos), envolvem de modo mais intenso a força de
trabalho feminino num pequeno pedaço de roça perto de casa, ou até mesmo na horta, ou nas
terras não nobres.
Mediante este conjunto de transformações na lógica e na organização do processo
produtivo, torna-se difícil em muitas situações conceituar os agricultores contemporâneos
como camponeses, pelo menos não nos termos referidos no início desta seção. Já não se
tratam mais de unidades familiares inseridas em sociedades parciais com uma cultura parcial e
integradas em mercados que operam com tamanha imperfeição. Sendo assim, faz sentido
tomar emprestado as palavras de Abramovay, para perceber que os camponeses
[...] integram-se plenamente a estas estruturas nacionais de mercado,
transformam não só sua base técnica, mas sobretudo o círculo social em que
se reproduzem e metamorfoseiam-se numa nova categoria social: de
camponeses, tornam-se agricultores profissionais. Aquilo que era antes de
tudo um modo de vida converte-se numa profissão, numa forma de trabalho
(ABRAMOVAY, 1998, p. 126, grifos no original).
12
“Com a diminuição da necessidade de trabalho constante na unidade produtiva, elas [as mulheres] tendem a
abandonar as atividades agrícolas, para dedicar-se às atividades domésticas e àquelas destinadas ao auto-
consumo (sic) familiar (tais como o cuidado de pequenos animais, o cultivo de uma horta e a transformação
artesanal de produtos agropecuários)” (BRUMER, 1996, p. 53).
41
Segundo o autor, esta metamorfose atinge todas as esferas da vida: “Os códigos sociais
partilhados não possuem mais as determinações locais, por onde a conduta dos indivíduos se
pautava pelas relações de pessoas a pessoa. [...] A competição e a eficiência convertem-se em
normas e condições de reprodução social.” (ABRAMOVAY, 1998, p. 127).
A partir desta consideração, seria possível concluir que se atinge uma condição oposta
a sociedades parciais com cultura parcial e integração parcial a mercados incompletos, sendo
extintas todas as características de uma sociedade camponesa. No entanto, uma conclusão
deste tipo seria precipitada e equivocada. Muitos valores e práticas tradicionais ao modo de
vida camponês permanecem e são recorrentes no âmbito da agricultura familiar. Também não
é possível afirmar uma integração completa aos mercados, isto é, a mercantilização de todas
as esferas da reprodução social. Como já afirmava Ploeg (1992), as relações sociais de
produção não se acham limitadas a fenômenos econômicos e ainda menos à esfera das
mercadorias. Ademais, os diferentes mercados interagem de modos distintos com as unidades
familiares e, estabelecem múltiplos “graus de mercantilização”. Outrossim, mesmo às
condições de uma sociedade capitalista avançada, é difícil discorrer sobre a existência de
mercados completos ou perfeitos, uma vez que princípios e lógicas não mercantis continuam a
operar entremeio as relações de troca.
Ao afirmar a existência de mercantilização completa, entre outras coisas, se estaria
renegando o próprio tema desta dissertação. Seria aceitar o completo abandono da produção
para o consumo familiar, o que seguramente não condiz com a realidade. A metamorfose do
campesinato para agricultura familiar não suprime a produção para o autoconsumo. Esta
estratégia se faz presente e relevante para a reprodução social das unidades familiares.
13
Como afirma Wanderley (2003, p.50), mesmo que as unidades familiares estejam integradas
aos mercados, “Isso não impede, [...], que a subsistência familiar, inclusive sob a forma de
autoconsumo, [...] permaneçam objetivos constantemente renovados.” Do mesmo modo,
corroboram também para a asseveração da permanência do autoabastecimento alimentar os
estudos de Brumer et al. (1993) e Maluf (2003), os quais evidenciam que, embora em
determinadas regiões do país a produção para o consumo familiar seja menos significativa ou
fique restrita à produção da horta e do pomar, trata-se de uma estratégia recorrente na
agricultura familiar.
Deste modo, seguindo os termos de Wanderley (2003), pode-se concluir que entre a
condição camponesa e a agricultura familiar há rupturas e continuidades, a exemplo,
13
Ao contrário do que avistou Mendras (1978, p. 13): “O aldeão torna-se consumidor, da mesma forma que os
citadinos, já chega mesmo a comprar seu pão, renúncia suprema para o camponês tradicional.”
42
respectivamente, da integração cada vez mais plena aos mercados e a manutenção da
produção para o autoconsumo.
14
Terra, trabalho e família continuam elementos interligados
nesta “nova” forma social de produção, mas, agora, associados a um ambiente social distinto,
onde os mercados revelam-se arenas cada vez mais influentes nas lógicas produtiva, social,
econômica e simbólica.
Cabe considerar ainda, que a inserção na sociedade envolvente e a integração aos
mercados com todos seus efeitos, não torna os agricultores familiares unidades capitalistas de
produção. Como afirma Martins (1981, p.19), “[...] o capitalismo, na sua expansão, não só
redefine antigas relações, subordinando-as à reprodução do capital, mas também engendra
relações não-capitalistas igual e contraditoriamente necessárias a essa reprodução.” A
agricultura familiar insere-se na dinâmica capitalista sem, no entanto, ser uma forma social de
produção e trabalho tipicamente capitalistas.
15
Segundo Ploeg (2006), as unidades familiares
caracterizam-se por comercializar o resultado da produção (ou ao menos parte dele), utilizar
recursos que podem entrar no processo produtivo como mercadorias, exceto a força de
trabalho que permanece como valor de uso (ou não-mercadoria), e seu objetivo é garantir a
sobrevivência da família e/ou gerar renda. Já nas unidades capitalistas, a produção é
comercializada, todos os recursos necessários (incluído a força de trabalho) entram no
processo produtivo como mercadorias e seu objetivo é extrair mais-valia (PLOEG, 2006). Ou
seja, em que pese à reorganização do processo produtivo, as unidades familiares permanecem
unidades não capitalistas, cujo trabalho baseia-se na família e sua orientação não está voltada
para a geração de lucro.
Todas as mudanças discutidas nesta seção, referentes à inserção nos mercados e à
reorganização do processo produtivo, podem ser sumarizadas no debate sobre a
mercantilização da agricultura, tema da próxima seção.
14
A principal continuidade refere-se à permanência da lógica familiar. Esta permanece inspirando e orientando,
de modo e intensidade distintos, as decisões dos agricultores em contextos pouco conhecidos. “A família
continua sendo o objetivo principal que define as estratégias de produção e de reprodução e a instância imediata
de decisão.” (WANDERLEY, 2003, p. 48). Wanderley (2003), ainda discutindo o que permanece e o que muda,
aborda o princípio do rendimento indivisível apontado por Chayanov (1981) e a relação com o tempo (enquanto
o camponês baseia-se no passado e em suas tradições, o agricultor familiar se orienta por números e estatísticas
previsíveis). Outros elementos ainda poderiam ser abordados nesta relação entre o que fica e o que se esvaecesse,
mas esta discussão desloca-se do tema central deste trabalho.
15
Igualmente Brumer (1994, p.89) afirma: “[…] partimos da idéia de que o produtor familiar não é
necessariamente um camponês. Paralelamente temos dificuldades em considera-lo como um empresário
capitalista, levando em conta que, ao mesmo tempo em que pode estar altamente integrado ao mercado, sendo
capaz de incorporar os avanços da tecnologia e de adotar a especialização da produção, o produtor familiar
geralmente é proprietário da terra na qual produz, não vende sua força de trabalho, nem vive fundamentalmente
da exploração do trabalho dos outros.”
43
Quadro 1 – A agricultura familiar no debate brasileiro
O debate sobre a agricultura familiar no Brasil é recente, ganhando respaldo no início
da década de 1990. Segundo Schneider (2003), alguns trabalhos acadêmicos contribuíram de
modo especial para isto, como Veiga (1991), Abramovay (1992)
16
e Lamarche (1993; 1999).
A principal contribuição destes autores foi revelar que a agricultura familiar é uma forma
social reconhecida e legitimada nos países desenvolvidos, fato que diverge das previsões dos
marxistas à cerca das relações sociais capitalistas no campo e a permanência de unidades
produtivas não capitalistas. Para Veiga (1991), Abramovay (1992)
e Lamarche (1993; 1999),
a agricultura familiar é funcional ao capitalismo ao garantir comida farta e barata para uma
crescente população urbana, baixando o custo de vida e da mão-de-obra. Como afirma
Abramovay (1998, p. 227), “[...] a ênfase no estudo da agricultura no capitalismo avançado
está muito mais em suas funções globais para a economia, do que na sua capacidade setorial
de representar um segmento significativo no processo de acumulação capitalista.” Estas
considerações contribuíram para difundir a noção de agricultura familiar, estimularam estudos
no meio acadêmico e deslocaram teórica e analiticamente o debate conduzido pela sociologia
dos estudos rurais e agrários, centrado, até então, nas relações sociais capitalistas no campo
(SCHNEIDER, 2003).
No cenário político, a expressão agricultura familiar começa a ser utilizada pelos
movimentos sociais quando do processo de formação do MERCOSUL. Até então
denominados “trabalhadores rurais” ou “pequenos proprietários”, atores sociais como os
assentados, arrendatários, parceiros, agricultores integrados às agroindústrias, entre outros,
passam a se identificar com a noção de agricultura familiar, que acabou por se tornar algo
“tipo guarda-chuva”, unindo atores para lutar e discutir os impactos da abertura comercial, a
falta de crédito agrícola, a queda de preço dos principais produtos ligados à exportação, etc.
Além disso, em 1996 cria-se o PRONAF, uma política pública voltada exclusivamente para
esta categoria social, como reflexo de seu reconhecimento e legitimação pelo Estado.
Ilustrando o quão recente é este debate, Abramovay (1997) lembra que até 1995, em
documentos oficiais, textos acadêmicos e até mesmo no interior do movimento sindical, a
expressão “agricultura familiar” estava associada, quando não tratada como sinônimo de
“produção de baixa renda”, “pequena produção” e “produção de subsistência”. Esta
associação tendia a reivindicar a importância da agricultura familiar apenas sob ponto de vista
social, desconsiderando sua relevância sob ângulo econômico. Todavia, como reconhece o
próprio Abramovay (1997a), caracterizar ou definir o que seja agricultura familiar não é uma
tarefa fácil, por que envolve uma série de dissensos. Para o autor, “Agricultura familiar é
aquela em que a gestão, a propriedade e a maior parte do trabalho vêm de indivíduos que
mantêm entre si laços de sangue ou de casamento.” (ABRAMOVAY, 1997a, p. 3). Esta
definição é também encontrada em Lamarche (1993, p. 15) para quem “A exploração familiar
[...] corresponde a uma unidade de produção agrícola onde propriedade e trabalho estão
intimamente ligados a família.” Tendo em vista a amplitude da noção e sua dificuldade de
operacionalização, deve-se ajustá-la de acordo com as suas finalidades, mas, o mais
importante é que estas três dimensões estejam presentes: terra, trabalho e família.
Fonte: Elaborado pela autora.
16
Primeira edição de Abramovay (1998).
44
2.2.2 A mercantilização da agricultura
As transformações na lógica e na organização do processo produtivo, e a própria
mudança de camponeses para agricultores familiares, associam-se a um amplo processo de
mercantilização da agricultura. Por mercantilização da agricultura entende-se o processo pelo
qual a agricultura vai sendo crescentemente incorporada aos mercados, tornando-os estruturas
centrais à (re)produção da unidade familiar (PLOEG, 1990, 1992). Esta seção analisa o
fenômeno e a forma como este se relaciona à produção para o autoconsumo.
A relação entre os mercados e os agricultores não é recente. Os camponeses sempre se
utilizaram dos mercados, fundamentalmente para vender parte da produção e/ou adquirir
produtos não passíveis de produção dentro da unidade familiar. Sem embargo, o que se
pretende sustentar aqui, é que a partir de um determinado momento, os mercados tornam-se as
principais estruturas sociais a condicionar as relações dos agricultores com os objetos e meios
de trabalho, bem como entre eles próprios e outros atores sociais. Relações que passam a ser
mediadas pela forma social da mercadoria.
A mercantilização da agricultura implica a regulação da produção agrícola pelo
mercado e pelas relações de preço, acentuando-se quando a ela se vincula crescente
externalização da produção (PLOEG, 1990). Segundo Ploeg (1992), a externalização refere-se
a separação de um número crescente de tarefas do processo de trabalho agrícola, as quais são
designadas a organismos externos.
17
Os objetos, os instrumentos e progressivamente o próprio
trabalho tornam-se mercadorias mobilizadas em diversos circuitos mercantis. Isto confere aos
agricultores uma crescente dependência dos fatores externos para começar um novo ciclo
produtivo e, por conseguinte, uma perda de autonomia
18
para produzir e se reproduzir. Deste
modo, a agricultura se move de um estágio relativamente autônomo para um de dependência.
Esta externalização é fomentada pela cientifização da agricultura, entendida como
“[…] la reconstrucción sistemática de las actuales prácticas agrícolas según las pautas
marcadas por diseños de carácter científico. Por medio de la cientificación se crea una
17
Ressaltando não o universo do trabalho agrícola, mas dos recursos produtivos, Goodmann, Sorj e Wilkinson
(1990) denominam este mesmo processo de “apropriacionismo”. Apropriacionismo refere-se ao processo pelo
qual elementos discretos do processo de produção são incorporados pela indústria (por exemplo, a tração animal
substituída pela mecânica). Através do progresso técnico, a indústria vai se apropriando da agricultura,
inserindo-a aos mercados. Porém considerar deste modo, obscureceria o papel ativo desempenhado pelos
agricultores, além do que “[...] la subsunción real de la mano de obra agrícola surge no tanto de que el capital
se apropie de ciertas actividades, sino de que comienza a monopolizar el control del proceso de trabajo en la
explotación agrícola, de tal modo que este proceso de trabajo ya no puede reproducirse fuera del alcance del
capital.” (PLOEG, 1992, p. 192). Desse modo, como assinala Ploeg (1992), o conceito de externalização parece
ser mais apropriado.
18
O conceito de autonomia será retomado e discutido na seção 2.3 deste mesmo capítulo.
45
estructura que permite al capital obtener un control más directo sobre el proceso de trabajo
agrícola.” (PLOEG, 1992, p. 153).
19
O Estado assume um papel importante na cientifização e
externalização, sendo emblemático a atuação deste na mudança da base tecnológica na
agricultura. Segundo Ploeg (2006a), quando o capital alia-se a centralização exercida pelo
Estado por meio de esquemas regulatórios e políticas agrícolas, estes prescrevem e controlam
o processo produtivo, criando um novo e dominante regime sócio-técnico
20
.
Esse regime sócio-técnico diferenciado insere os agricultores em relações sociais e
materiais que, gradativamente, vão formando uma racionalidade distinta daquela que
prevaleceu entre os camponeses. Modificam-se as noções que regem a administração da
produção agrícola e redefine-se a noção de benefícios e custos: trabalho, objetos e meios de
trabalho aparecem cada vez mais como custos diretos. Eficiência econômica (relação entre
custos de produção e a própria produção) torna-se mais importante que eficiência técnica
(relação dos fatores de produção com a produção). Do mesmo modo, a noção de tempo para
os agricultores familiares torna-se consideravelmente curta, oposta àquela relativa aos
camponeses, cuja vida apresentava-se em um horizonte substancialmente longínquo,
simbolizada pela reprodução e aquisição de bens ao longo de gerações. A noção de risco, que
outrora se referia à imprevisibilidade da natureza, agora aparece como elemento central ao
processo produtivo, sendo relacionada às instabilidades do mercado. Altera-se a relação entre
insumos da produção e resultados econômicos desta, modificando o ponto de equilíbrio entre
estes. O tempo passa a ser pré-condição para a qualidade, antes definida em função da relação
entre produtor e objeto de trabalho, e os aspectos quantitativos tornam-se dominantes.
Também se modifica o processo de tomada de decisão, antes guiado por uma relação mútua
entre agricultura e natureza (PLOEG, 1990).
Contudo, a mercantilização da agricultura não é homogênea, nem linear são seus
efeitos. De acordo com Ploeg (1990, 1992), trata-se de um processo histórico e heterogêneo
que conforma diferentes graus de mercantilização, isto é, múltiplos níveis de inserção das
relações mercantis no processo de trabalho. Os graus de mercantilização estão
correlacionados com diferentes padrões de desenvolvimento agrícola reproduzidos ao longo
19
Embora Tedesco (1999) não utilize as terminologias de Ploeg, é possível evidenciar semelhanças neste
sentido. Segundo o autor, “[...] a máquina veio alterar o ritmo dos gestos, a eficácia do trabalho e sua duração;
inserir novos produtos, novas exigências internas e externas (produtividade, financiamento, consumo, preços,
associativismo, mercado, divisão de trabalho, etc.), novas espacialidades de trabalho e produtos. O fechamento
do mundo da vida e sua concepção, da agricultura em si-mesma [...], sofre alterações a partir das chamadas
descobertas científicas [...]” (TEDESCO, 1999, p. 262, grifos no original).
20
Regime sócio-técnico define o que é para ser feito, como a produção deve ser organizada e desenvolvida, quais
são as práticas inválidas, define e cria recursos e estruturas, demarca “conhecimento” e “ignorância”, e, como
lembra Ploeg (2006a), é seletivo.
46
do tempo e com as relações estabelecidas entre os agricultores, os objetos e meios de trabalho,
a natureza e o ambiente externo, mediadas por um determinado repertório cultural - o que,
interagindo conforma um determinado estilo de agricultura (PLOEG, 1990).
Na medida em que o mercado remunera somente o resultado visível do trabalho
produtivo, materializado numa mercadoria, e desconsidera que existe uma parcela invisível do
trabalho, “[...] o agricultor não tem outra escolha senão transferir o conjunto do seu trabalho
para esta parte visível que será remunerada pelo mercado.” (JEAN, 1994, p. 64). Assim,
segundo Jean (1994, p. 65), o que passa a contar é “[...] a capacidade desta exploração de
entregar ao mercado uma quantidade suficiente de produtos para remunerar convenientemente
todo o trabalho agrícola, tanto sua parte visível como a invisível.” Esta condição favorece que
a mercantilização da agricultura se amplie para outras esferas da reprodução das unidades
familiares, entre elas, a produção de alimentos.
A mercantilização da produção de alimentos
21
pode ocorrer por duas vias. A primeira,
e provavelmente mais assídua, é aquela em que os agricultores deixam de produzir seus
alimentos em prol da produção de cultivos comerciais. Desloca-se o espaço cultivável
destinado ao autoconsumo para as lavouras comerciais, mesmo aquele mais próximo das
casas ou as pequenas “roças”. A segunda, talvez a menos visível, porém muito importante
para determinadas regiões, diz respeito à expansão da fronteira agrícola para áreas
inexploradas, em que a ocupação com culturas comerciais compromete importantes fontes de
alimentação, como a coleta de frutos nativos, a pesca e a caça. Segundo Brandão (1981, p.
60), a atividade agrícola nestas condições, “[...] além de modificar as condições naturais de
produção de alimentos, [...] destrói fontes naturais de coleta de comida silvestre, de caça e de
pesca, alimentos sempre tidos como de alguma importância complementar na dieta das
populações de baixa renda.”
O acesso aos alimentos, até então produzidos e autoconsumidos pela família, passa a
ser de responsabilidade de agentes externos ao processo produtivo, que os transformam em
mercadorias, dando início ao processo de externalização da produção de alimentos, do mesmo
modo que ocorre com os demais circuitos produtivos. O consumo alimentar familiar passa a
depender de relações mercantis. Alimentos, como diversos tipos de carnes, massas, frutas e
21
Esta expressão diferencia-se de “mercantilização da produção para o autoconsumo” e “mercantilização do
consumo de alimentos” utilizadas por Gazolla (2004, 2006). Para este, mercantilização do consumo de alimentos
“[...] é um processo pelo qual, muitas famílias adquirem os alimentos para o consumo fora das unidades de
produção.” (GAZOLLA, 2006, p. 85). Enquanto este processo de mercantilização é expresso pela relação entre
produção para o autoconsumo e alimentos adquiridos via mercantil, a expressão “mercantilização da produção de
alimentos” refere-se à relação entre produção para o autoconsumo e culturas comerciais.
47
verduras in natura, batatas, ovos, queijos, conservas, feijão, arroz, etc., deixam de ser
produzidos na unidade familiar para serem comprados.
Deve-se advertir, no entanto, que o fato das unidades familiares reduzirem a produção
para o autoconsumo não necessariamente significa incremento na mercantilização da
agricultura (PLOEG, 1990), e nem que maior mercantilização produtiva com plantio de
cultivos comerciais acarreta diretamente redução da produção para o consumo familiar, como
demonstrou Gazolla (2004). Não é possível estabelecer relação linear entre a mercantilização
da produção de alimentos e a mercantilização da agricultura (GAZOLLA, 2004). Há outros
fatores que interferem nesta produção, como o ciclo demográfico da família, as atividades
econômicas desenvolvidas, as condições técnicas da produção agrícola (terra, capital
disponível, acesso ao crédito, etc.), entre outros (Cf. Capítulo 4). É o somatório de um
conjunto de elementos (ora uns influenciando mais que outros) que determinam a intensidade
e importância da produção para o autoconsumo na agricultura familiar.
No Brasil, o processo de mercantilização da agricultura foi intensificado a partir das
décadas 1960-70, no decurso das mudanças da base tecnológica, também denominadas
modernização da agricultura.
22
Promovida pela ação do Estado através de vários instrumentos
de política agrícola
23
, esta modernização incitou as unidades familiares a alterarem a base
técnica de produção através da adoção de inovações mecânicas (tratores, colheitadeiras, etc.),
físico-químicas (adubos, agrotóxicos, etc.), biológicas (plantas e sementes melhoradas) e
agronômicas (alterações no espaçamento das plantas, na freqüência de cultivos,
especialização, etc.) (SILVA, 1999). Estas inovações minimizaram a utilização da base
endógena de recursos autocontrolada pelas unidades familiares, substituindo-as por recursos
adquiridos via transações comerciais. Embora não há como desconsiderar que todo este
processo gerou ganhos de produtividade que fizeram da década de 1970, o período do milagre
econômico, também não há como fechar os olhos às conseqüências sociais geradas:
concentração fundiária e de renda, pobreza, intenso êxodo agrícola e rural, degradação
ambiental, etc.
Em relação à produção de autoconsumo, cabe reconhecer que
22
Sobre o tema ver especialmente Kageyama et al. (1990) e Silva (1996; 1999).
23
Segundo Gonçalves Neto (1997), os principais instrumentos foram: a assistência técnica e extensão rural, a
pesquisa agropecuária, a política de preços mínimos, o seguro agrícola e, principalmente o crédito rural (Sistema
Nacional de Crédito Rural –SNCR). O crédito rural concedido a taxas de juros negativas e atrelado à utilização
de insumos e práticas pré-determinadas pela indústria e Estado, tornou-se o principal veículo da mudança na
matriz tecnológica da agricultura.
48
Esta espécie de “reconversão forçada” acarretou múltiplas e profundas
conseqüências, mas o crucial residirá sobretudo no crescente abandono das
culturas e atividades voltadas ao autoconsumo no âmbito dos agricultores
familiares [...] que, num reduzido período de tempo, passam da categoria de
cultivadores de múltiplas linhas de produção para a condição de tributários
do regime do monocultivo, em meio a uma crescente e contraditória
especialização funcional
(ANJOS, 2003, p. 186).
Neste período, a produção para o autoconsumo arrefeceu, passou a ser considerada
uma produção complementar na organização produtiva das unidades familiares e, em graus
variados, ocorre a mercantilização da produção de alimentos. No entanto, em que pese à
magnitude destas mudanças, este tipo de produção continua sendo recorrente entre a grande
maioria das unidades familiares, assumindo novas conotações e atributos, destacando-se,
neste sentido, o potencial à manutenção da autonomia dos agricultores familiares, analisado
doravante.
2.3 AGRICULTURA FAMILIAR, AUTOCONSUMO E AUTONOMIA
A produção para o autoconsumo desempenha um papel importante como “produtora”
de autonomia para a agricultura familiar. Em primeiro lugar, por garantir à unidade familiar o
controle sobre uma das necessidades vitais (a alimentação), assegurando, deste modo, a
segurança alimentar que, quiçá não pudesse ser atendida caso a reprodução estivesse à mercê
de valores de troca mobilizados nos mercados. Ademais, segundo Ploeg (2006), trata-se de
uma forma de co-produção estabelecida entre o homem, o trabalho e a natureza; onde a
maioria dos recursos necessários à produção encontra-se disponível localmente e cabe ao
agricultor articular os conhecimentos indispensáveis à artesanalidade que este tipo de
produção geralmente envolve. Em terceiro lugar, produzir para o autoconsumo e,
concomitantemente, desenvolver outras atividades agrícolas e não-agrícolas, compõe o que
Ellis (1998, 2000) denominou “estratégias de diversificação dos modos de vida” dos
agricultores. A diversificação contribui para ampliar o leque de ativos notadamente renda e,
no caso do autoconsumo, renda não monetária sobre os quais está assentada a reprodução
social, conferindo estabilidade econômica e minimizando a vulnerabilidade. Outrossim, o
autoconsumo ainda contribui para aumentar a autonomia em virtude de constituir-se uma
forma de “economização”, por conta da alternatividade dos alimentos produzidos, por
relacionar-se com a identidade social dos agricultores, ou ainda, devido a sua vinculação com
49
a sociabilidade e o desenvolvimento de redes de reciprocidade representadas, por exemplo,
pelas trocas de alimentos entre vizinhos.
24
Deste modo, cabe a esta seção debater a relação entre autoconsumo e autonomia. Com
este fito, primeiramente expõem-se as características de uma reprodução autônoma e
historicamente garantida e, em seguida, apresenta-se a abordagem da diversificação dos
modos de vida.
2.3.1 A produção para o autoconsumo como uma dimensão da reprodução autônoma e
historicamente garantida
Como demonstrado na seção anterior, os processos de mercantilização e
externalização da agricultura fazem com que os recursos necessários ao um novo ciclo
produtivo sejam mobilizados em larga extensão através do mercado. Assim, recursos
derivados da natureza e reproduzidos no processo de produção agrícola são, cada vez mais,
trocados por novos artefatos produzidos e comercializados por instituições externas à unidade
familiar, geralmente agroindústrias. A partir do momento em que fatores de produção e
insumos aparecem no processo produtivo como mercadorias, a produção agrícola torna-se
cada vez mais envolvida ao, dependente do e estruturada pelo mercado, o qual prescreve e
controla o processo de produção desconectando a agricultura do ecossistema local
25
(PLOEG,
2006a).
Em decorrência do conjunto destas transformações, a (re)produção fica dependente
dos mercados e das condições futuras, perdendo gradativamente sua autonomia frente às
condições externas. Na Figura 1 pode-se observar que, numa reprodução deste tipo, todo o
resultado da produção é destinado à comercialização, obtendo-se através desta os rendimentos
para a aquisição de fatores e insumos utilizados no próximo cultivo, o qual é, novamente,
destinado à comercialização. Inicia-se, portanto, mais um ciclo de dependência, onde as
demandas já estão estabelecidas e o que resta ao agricultor é somente atendê-las.
Situação semelhante foi estudada por Lovisolo (1989) em um universo de unidades de
produção altamente mercantilizadas no noroeste sul rio-grandese. Neste, o autor identificou
que a perda da autonomia é pensada pelos agricultores num duplo sentido. Primeiro, pela
24
Discutidas diretamente no Capítulo 5.
25
De modo semelhante, Cândido (2001, p. 221) afirma que a “[...] familiaridade do homem com a Natureza vai
sendo atenuada, à medida que os recursos técnicos se interpõem entre ambos, e que a subsistência não depende
mais de maneira exclusiva do meio circundante. O meio artificial, elaborado pela cultura, cumulativo por
excelência, destrói as afinidades entre homem e animal, entre homem e vegetal.”
50
necessidade constante de re-financiar o ciclo produtivo devido à aquisição de insumos
(custeio da produção). Em segundo lugar, pela dependência “[...] colocada na necessidade de
recorrer ao mercado para cobrir as demandas exigidas pela reprodução da família,
tradicionalmente coberta, em parte, pela produção para o autoconsumo.” (LOVISOLO, 1989,
p.70). Esta dependência não é interpretada somente pelo fato de ter que recorrer ao mercado,
ou como uma resistência à compra, mas também pela existência de significativa desigualdade
entre os preços dos produtos que a unidade oferece aos mercados e aqueles que ela compra
destes (LOVISOLO, 1989).
Figura 1: Reprodução dependente do mercado.
Esfera da
p
rodu
ç
ão
Esfera da circulação
Produção
comercializada
Fatores de
produção e
insumos
utilizados
Produção
Fatores de
p
rodução e
insumos
com
p
rados
Fonte: Ploeg (1990, p.17).
Para Almeida (1994), a aspiração pela autonomia vai de encontro aos processos de
heteronomização da vida social, isto é, a perda da capacidade de autoregulação
26
e as crises
relativas a estes processos. Segundo o autor, a heteronomização, através da artificialização do
trabalho camponês, da profissionalização da atividade agrícola e da setorialização da
agricultura em geral
27
- elementos do processo de modernização - rompeu com a capacidade
tradicional da agricultura de se autoregular:
Um tal processo de heteronomização da atividade agrícola camponesa
provocou a explosão dos mecanismos tradicionais que articulavam os
diferentes componentes do trabalho camponês, em beneficio de novos
modelos de coerência exteriores à exploração agrícola, que escapam em
muito do controle do agricultor. Seja de forma individual ou coletiva, este
26
Etimologicamente heteronomização significa “que recebe do exterior as leis que regem sua conduta”
(ALMEIDA, 1994).
27
A artificialização do trabalho, de acordo com o autor, refere-se à especialização do agricultor em algumas
culturas (monocultura), que “[...] viu-se obrigado a vender o essencial de sua produção no mercado, e de maneira
acessória, nele comprar sua alimentação e seus equipamentos.” (ALMEIDA, 1994, p. 213). A profissionalização
diz respeito à “[...] uma ruptura entre a vida fora do trabalho e aquela dentro do trabalho[...]” e a setorialização
da agricultura é relativa à separação entre atividade agrícola, propriedade, o lugar e o território (ALMEIDA,
1994, p. 213).
51
último viu reduzir a capacidade que tinha de harmonizar os fatores de
produção (ALMEIDA, 1994, p. 213, grifos no original).
Em outra via, Ploeg (1990) demonstra que é possível os agricultores articularem uma
“reprodução relativamente autônoma e historicamente garantida” (Figura 2).
28
Neste caso,
uma parte do resultado da produção é destinada aos mercados e outra, à reprodução dos
fatores de produção e insumos necessários ao ciclo procedente, garantindo uma base de
recursos autocontrolada.
Figura 2: Reprodução autônoma e historicamente garantida.
Reprodução,
fatores de
produção e
in
su
m
os
Produção
Reprodução,
fatores de
produção e
insumos
Produção
comercializada
Esfera da produção
Esfera da circulação
Fonte: Ploeg (1990, p.17).
Nesta forma, a força de trabalho, os objetos e os meios necessários para o ciclo
produtivo são frutos do ciclo precedente, não aparecendo como mercadorias, mas como
valores de uso para a unidade familiar. A produção agrícola atual, dependente da reprodução
em ciclos anteriores, coloca a base para os ciclos futuros, tornando a reprodução (e o ciclo
produtivo) historicamente garantida. Restabelece-se, então, a possibilidade das unidades
familiares controlarem maior dimensão do processo produtivo e, por conseguinte de sua
reprodução social (PLOEG, 1990). Nesta forma de reprodução, a agricultura encontra-se
alinhada, material e simbolicamente, com a natureza, com a sociedade local e com os atores
envolvidos diretamente no processo produtivo (PLOEG, 2006a). Ao mesmo tempo em que
usufrui os ecossistemas, também os reproduz continuamente.
Neste sentido, a produção para o autoconsumo é vista como uma estratégia que
contribui para a reprodução autônoma e historicamente garantida, em virtude de manter
interna à família, e sob controle desta, a alimentação, uma dimensão vital para sua existência.
Ao produzir para o consumo familiar, a família garante acesso direto à alimentação, sem
28
Segundo Ploeg (1990), estas duas tendências de produção e reprodução são tipos ideais. Elas representam dois
pólos opostos de um continuum agrícola. O grau de penetração das relações comerciais no processo de trabalho e
o grau em que o mercado torna-se um princípio coercitivo na prática agrícola são variáveis no tempo e no
espaço, e é este grau de incorporação que determina em qual dos pólos a unidade familiar se situa (PLOEG,
1990).
52
nenhum processo de intermediação que a torne valor de troca. Também se assevera a
segurança alimentar, consumindo alimentos sadios e de acordo com os hábitos alimentares, os
saberes locais e práticas sustentáveis (visto que esta produção geralmente é isenta de
agrotóxicos e outros produtos químicos).
Para diferenciar mais nitidamente as duas tendências, Ploeg (1992) propõe algumas
comparações: a) enquanto na reprodução autônoma a disponibilidade de fatores de produção e
dos insumos já está determinada pela produção antecedente, na reprodução dependente do
mercado a quantidade de fatores e insumos é flexível e segue a lógica do mercado; b) a
reprodução autônoma tem planos e perspectivas mais em longo prazo, ao passo que a outra
forma de reprodução segue uma perspectiva em curto prazo - ambas gerando diferentes estilos
de agricultura; c) para a primeira, a eficiência técnica é decisiva para a sua reprodução, para a
segunda, a eficiência econômica é mais importante que a técnica; d) refletindo as diferenças
anteriores, a produção autônoma desenvolve-se mediante a intensificação crescente, enquanto
a reprodução dependente do mercado se desenvolve com a ampliação da escala de produção.
Na reprodução autônoma, o processo produtivo busca criar mercadorias e, ao mesmo
tempo, garantir os ciclos futuros. Parte da produção é vendida para os mercados e parte serve
para salvaguardar o ciclo seguinte, variando as proporções ao longo do tempo e do espaço. O
recurso proveniente das trocas mercantis é empregado na compra de elementos que não
podem ser reproduzidos no processo de trabalho, mas que mantém a lógica da reprodução
historicamente garantida.
29
Não se trata de uma condição onde o mercado é considerado como
uma característica secundária, pelo contrário, o mercado faz parte do processo produtivo. Não
obstante, neste caso, procura-se um distanciamento do mercado de insumos e uma
aproximação a outros mercados que não acarretem aumento de dependência a recursos
externos, isto é, externalização. É o caso da criação de novos mercados para a venda de
produtos direta ao consumidor, ou ainda do desenvolvimento da pluriatividade. .
Complementando o exposto, Norder (2006) apresenta algumas práticas endógenas de
produção agropecuária como veículos de autonomia. São elas:
[...] a) intensificação na absorção de força de trabalho e na geração de renda
por unidade de área [...]; b) a utilização de força de trabalho na constituição
de instrumentos de trabalho; c) a ampliação contínua no montante de
29
Por exemplo, os recursos permanentes, como máquinas, equipamentos, ferramentas, materiais de construção,
meios de transporte, instalações, sistemas de criação animal, cultivos permanentes, etc. Segundo Norder (2006),
estas aquisições permitem ampliar a eficiência técnica no uso da força de trabalho, a maleabilidade no processo
de produção, aumentam a capacidade de internalizar a produção de certos insumos de ciclo curto (por exemplo,
adubação orgânica), podem viabilizar um conjunto de possibilidades técnicas, comerciais e sociais. Estes
recursos podem aumentar a autonomia, ao mesmo tempo em que se trata de inovação social.
53
recursos permanentes disponíveis da propriedade [...]; d) a busca por uma
redução sistemática no montante e na proporção de insumos de curto ciclo
adquiridos no mercado para se alcançar um certo volume de produção; e) a
adequação e o aprimoramento no uso dos recursos naturais disponíveis
(NORDER, 2006, p. 65).
Especialmente sobre este último item, porém não limitado aos recursos naturais, Ploeg
(2006, p. 22) discute a co-produção, entendida como o “[...] incessante encontro e interação
mútua entre homem e natureza viva e, de forma geral, entre o social e o material. Na co-
produção e através dela, o social e o material são mutuamente transformados. Eles são
configurados e reconfigurados de forma a se tornarem recursos úteis, adequados e
promissores.” Esses recursos, compostos por não-mercadorias ou por mercadorias convertidas
em não-mercadorias, não se limitam apenas aos recursos naturais, envolvem também um
amplo leque de recursos sociais, como o conhecimento local, redes locais de reciprocidade e
trabalho, instituições sociais comunitárias, etc., que são estrategicamente associados com a
reprodução do ciclo produtivo e criação de valores de troca (PLOEG, 2006).
Aqui, a produção para o autoconsumo novamente assume um papel relevante. Além
do autoabastecimento alimentar aproveitar-se dos resíduos da produção vegetal e animal
(palhadas e estercos, principalmente), “as sobras” do mesmo constituem-se fonte de
alimentação dos animais e recursos para os próximos cultivos, formando uma rede de
sistemas de produção interconectados. Também serve para interligar homem e natureza, por
meio da utilização dos saberes locais e de práticas sustentáveis.
30
Ao mesmo tempo em que a reprodução autônoma e historicamente garantida tem a
preocupação de manter internamente etapas do processo produtivo e, assim, desenvolver-se a
partir dos recursos locais, também ocorre uma reorientação para a diversificação da produção
(PLOEG, 2006; 2006a). Surgem alternativas como, produzir novos produtos e serviços,
buscar novos mercados e circuitos mercantis; praticar uma agricultura (mais) econômica
(farming economically), distante dos mercados de insumos; atividades não-agrícolas (turismo,
agroindústrias, etc.); reintroduzir artesanalidade (uma unidade orgânica entre trabalho
intelectual e manual permitindo controle direto e afinado do processo de produção); etc.
Enfim, mudanças que reconstroem e fortalecem a autonomia das unidades familiares.
A reprodução autônoma e historicamente garantida não pode ser identificada como
uma forma de reprodução do passado, retrógrada. Esta tendência, também sumarizada por
30
A noção de co-produção está próxima ao que Tepicht denominou por “autoconsumo intermediário”, este,
porém mais restrito. Segundo Garcia Junior (1983, 1989), autoconsumo intermediário refere-se à utilização mais
intensa de elementos materiais que sejam produto do próprio trabalho familiar, permitindo um maior controle da
própria unidade sobre a reposição de suas condições materiais de produção.
54
Ploeg (2006) de re-campesinização
31
, faz parte da agricultura contemporânea na Europa, e
refere-se a um processo onde a autonomia é recriada através da mobilização de recursos que
podem ser produzidos e reproduzidos na própria unidade familiar ou na comunidade rural.
Conforme notou Ploeg (2006, p. 17), “A re-campesinização expressa a formação de novas,
robustas e promissoras constelações – que vêm se mostrando, cada vez mais, superiores aos
demais modos de produção.” Mais promissoras, justamente por que, é capaz de proporcionar
maior valor agregado, rentabilidade, empregos e, deste modo, novas vias de desenvolvimento.
2.3.2 Autoconsumo, diversificação dos modos de vida e produção de autonomia
A abordagem dos modos de vida surgiu na Europa no início da década 1990 e
rapidamente adquiriu popularidade na academia e nas instituições internacionais de apoio e
pesquisa em desenvolvimento. Tornou-se uma importante ferramenta de análise e intervenção
nas políticas de combate à pobreza, principalmente para o continente africano, ainda que no
Brasil tenha alcançado pequena repercussão (PERONDI, 2006). Desta abordagem derivam
várias linhas de estudo, sendo uma delas, a diversificação dos modos de vida discutida por
Frank Ellis.
32
Nesta seção, discute-se a produção para o autoconsumo como uma estratégia
que contribui para este tipo de diversificação.
Segundo Ellis (1998, 2000), modos de vida ou, originalmente, livelihoods, referem-se
às condições de reprodução das unidades domésticas (househoolds), determinadas pelos
ativos disponíveis (capital natural, físico, humano, financeiro e social
33
), atividades
desenvolvidas, instituições e relações sociais que dão acesso a estas. Já diversificação, “[...] é
definida como um processo pelo qual as unidades domésticas constroem um portofólio
diversificado de atividades e ativos com o objetivo de sobreviver e melhorar seu padrão de
vida.” (ELLIS, 2000, p.15). É um processo social e econômico que reflete as pressões e
oportunidades vivenciadas pela família.
31
O conceito de re-campesinização utilizado por Ploeg (2006) é distinto do descrito por Wanderley (1999). Para
esta, recampesinização refere-se ao processo de retorno dos camponeses a terra (assentamentos) ou de condições
que lhes permita acesso a elas (relação de parceira). Campesinação, descampesinização e recampesinização são
processos que revelam a instabilidade estrutural do campesinato (WANDERLEY, 1999).
32
Segundo Perondi (2006), outras linhas de estudos são: sustentabilidade dos modos de vida, relação com
pobreza e meio ambiente; políticas de promoção de modos de vida; e modos de vida e manejo dos recursos
naturais.
33
Capital natural refere-se aos recursos de base natural, como terra, água, árvores, etc.; o capital físico pode ser
exemplificado pelas ferramentas, máquinas, canais de irrigação, etc.; por capital financeiro entende-se o estoque
de dinheiro ou o acesso ao crédito, que pode ser disponibilizado com o objetivo de comprar ou consumir bens; o
capital humano refere-se ao nível educacional e o padrão de saúde dos indivíduos; e o capital social faz menção à
estrutura social e associações ao qual o individuo participa e lhes dá suporte (ELLIS, 2000, 1998).
55
A diversificação dos modos de vida está relacionada com multiplicar as fontes de
renda, isto é, variar a renda agrícola, ampliar as rendas agrícolas fora da unidade de produção,
investir em ocupações que gerem rendas não-agrícolas, acessar transferências sociais e
promover rendas derivadas de remessas de familiares (ELLIS, 1998, 2000). Neste escopo,
também se destaca a produção para o autoconsumo, como uma espécie de renda não
monetária, como já haviam demonstrado Ellis, Kutengule, Nyasulu (2003), Ellis, Ntengua
(2003), Ellis, Bahiigwa (2003) e, para o caso brasileiro, Gazolla (2004).
34
Todavia,
diversificação dos modos de vida ultrapassa as dimensões da ocupação e renda, envolvendo
ainda a construção e o fortalecimento das instituições
35
e relações sociais, que dão sustentação
às escolhas e aos padrões de vida dos indivíduos e, de certo modo, são fundamentais ao
acesso de uma série de ativos como a própria renda.
Para Ellis (2000, 1998), as estratégias de diversificação podem ser classificadas em
dois tipos, “escolha e adaptação” ou “reação e necessidade”, dependendo do contexto em que
a unidade familiar está inserida. Estratégia como “escolha e adaptação” refere-se a uma
reação voluntária e pró-ativa de diversificação, onde as unidades domésticas já possuem
condições sociais e materiais para sua reprodução e, deste modo, objetivam geralmente
melhorar o padrão de vida, ascender socialmente, acumular capital, podendo se configurar
como um mecanismo de diferenciação social. Já uma estratégia de “reação ou necessidade”, é
uma resposta involuntária e infortúnia, onde a reprodução da unidade doméstica está
ameaçada, suscetível à sazonalidade, aos fatores de risco, às falhas nos ativos e frágil em suas
capacidades (ELLIS, 2000, 1998).
Enquanto estratégia de diversificação, o autoabastecimento alimentar pode ser
classificado em ambas as categorizações. No primeiro caso, as unidades familiares visualizam
na produção para o autoconsumo uma forma de economização, como definiu Lovisolo (1989),
que possibilita economizar recursos financeiros para investir em outros bens. Neste mesmo
sentido, as famílias podem manter este tipo de produção em virtude dela proporcionar maior
34
A diversificação dos modos de vida possui o mérito de reduzir o efeito de falha em uma renda na medida em
que dilui o impacto em outras possíveis rendas; diminui a variabilidade de rendas durante o ano e o efeito da
sazonalidade; reduz a variabilidade de rendas entre os anos resultando numa maior estabilidade na produção
agrícola e nos mercados; diminui o efeito dos riscos climáticos, financeiros e de outras tensões (ELLIS, 1998).
Em resumo, a diversificação dos modos de vida serve como um mecanismo que fortalece a autonomia das
unidades familiares.
35
O conceito de instituições utilizado por Ellis (1998, 2000) deriva das formulações de Douglas North, para o
qual instituições sociais podem ser entendidas como regras idealizadas humanamente que estruturam as
interações políticas, sociais e econômicas. São os papéis que guiam como as pessoas vivem dentro das
sociedades, trabalham e interagem com outras (NORTH, 1991). O autor classifica as instituições em dois tipos,
as informais e as formais. As instituições informais correspondem aos papéis coordenados pelas normas sociais e
de comportamento das sociedades, famílias, comunidades, tais como às sanções, tabus, costumes, tradições e
códigos de conduta. Enquanto as instituições formais são as constituições, leis, direitos de propriedade, etc.
56
segurança alimentar, sobretudo pela qualidade dos alimentos. No segundo caso, o
autoconsumo surge fundamentalmente como uma forma de aumentar a autonomia e
minimizar a vulnerabilidade. Para o caso desta dissertação, trata-se principalmente daquelas
unidades familiares cuja reprodução está dependente dos mercados por conta da
externalização acentuada, e, portanto, vulneráveis.
A vulnerabilidade é entendida como uma situação onde a reprodução social está
ameaçada devido ao “[...] alto grau de exposição ao risco, choques, tensões e propensão à
insegurança alimentar.” (CHAMBERS, 1989, DAVIES, 1996, apud ELLIS, 1998, p.14).
36
Segundo Chambers (1995), vulnerabilidade não significa carecer de algo, mas exposição e
desproteção. Exposição remete-se aos choques, tensões e riscos e, desproteção significa
carecer de meios para enfrentar a primeira sem perdas prejudiciais. Em se tratando da
mercantilização da agricultura, a exposição e a desproteção emergem da especialização
produtiva e vinculam-se ao grau de externalização das unidades de produção.
Neste contexto, a produção para o autoconsumo, como estratégia de reação ou
necessidade, é fundamental. Esta empodera as famílias, mantendo interna e sob seu controle a
alimentação, minimizando a exposição aos mercados. Também contribui para a diversificação
das rendas, o que potencializa a estabilidade e diminui os efeitos dos eventos adversos.
Nos estudos brasileiros, a necessidade de diversificar a produção já foi preocupação
de alguns autores, não obstante de modo mais restrito que a abordagem dos modos de vida.
Segundo Lovisolo (1989, p. 141, grifos no original):
Uma unidade não diversificada aparece como fraca frente às crises
ecológicas, as quais não afetam da mesma forma todas as culturas. Em tese,
a unidade diversificada pode resistir melhor a este tipo de situação. Em
segundo lugar, uma unidade não diversificada aparece como sendo afetada
pela variação de preços relativos: por regra, pensa-se que o mesmo produto
é vendido barato e comprado caro. A produção não diversificada deve
recorrer ao mercado para repor os produtos para o consumo produtivo e
improdutivo.
Para o autor, diversificação compreende manter na mesma unidade de produção a
produção para o autoconsumo (com produtos diversificados: lavoura, horta, pomar, criações,
etc.) e uma outra atividade com base ou fundamento no capital, que passa pela aquisição de
36
Originalmente o conceito de vulnerabilidade está associado a contextos de pobreza acentuada, propensos a
guerra civil e tensões socioeconômicas, como os do continente africano, onde se desenvolveram com maior
intensidade os estudos sobre modos de vida. Para as condições dos universos pesquisados neste estudo, a
vulnerabilidade está relacionada com a instabilidade fruto de fatores climáticos (enchentes, secas e geadas) que
frequentemente tem comprometido a produção agrícola gaúcha, fatores econômicos (dependência aos mercados,
preços dos produtos agrícolas, crédito agrícola) e sociais (fragmentação da posse da terra).
57
bens de produção e de tecnologias incorporadas. A importância de manter produtos
diversificados destinados à comercialização e conservar a produção para o autoconsumo é
também evidenciada por Brumer (1994, p. 101), para quem, “[...] a diversificação das
atividades representa, assim, uma forma de economizar recursos e, desta maneira, diminuir os
riscos, pela limitação das despesas necessárias e pela não contratação de dívidas.”
Embora as diferenças existentes entre a diversificação na abordagem dos modos de
vida e aquela discutida por alguns autores brasileiros, são comuns a eles a importância dada à
estratégia de diversificar, mesmo que restrita apenas ao universo agrícola, e a importância
conferida à produção para o autoconsumo dentro deste escopo.
Ao produzir para o consumo familiar as unidades familiares garantem a segurança
alimentar, internalizam e maximizam os recursos locais e diversificam seus modos de vida.
Todas estas funções corroboram para aumentar o controle sobre o processo produtivo e sobre
a reprodução social. Estas e outras funções do autoconsumo (mencionadas no início da seção
2.3), serão retomadas no Capítulo 5, que discute a relação entre esta produção e autonomia. O
Capítulo que segue apresenta os universos sociais pesquisados caracterizando a produção para
o autoconsumo.
58
3 DINÂMICAS DA AGRICULTURA FAMILIAR E PRODUÇÃO PARA O
AUTOCONSUMO
Este capítulo tem por objetivo caracterizar e verificar a importância da produção para
o autoconsumo segundo dinâmicas distintas da agricultura familiar. Trata-se de um estudo
comparativo em quatro regiões do Rio Grande do Sul: a Serra Gaúcha, a Serra do Sudeste, as
Missões e o Alto Uruguai. Como mencionado na introdução desta dissertação, estas regiões
foram escolhidas por representarem distintas dinâmicas de desenvolvimento e resultam do
esforço de captar a diversidade social, cultural e geográfica da agricultura familiar gaúcha.
Em cada uma destas foi escolhido um município que melhor representasse as características
regionais, onde seriam coletados os dados da pesquisa. Estes municípios são: Veranópolis,
Morro Redondo, Salvador das Missões e Três Palmeiras, pertencentes respectivamente às
regiões citadas. Na Figura 3 pode-se observar a localização destas regiões e municípios na
geografia do Rio Grande do Sul e do Brasil.
Figura 3: Localização das microrregiões e municípios estudados no Rio Grande do Sul e
Brasil.
Fonte: FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA SIEGFRIED EMANUEL HEUSER - FEE, 2006.
59
Este estudo comparativo dá continuidade aos trabalhos desenvolvidos pelo GEPA
f
D
r
,
especialmente os estudos de caso realizados por Conterato (2004), Radomsky (2006) e
Gazolla (2004) - este também sobre autoconsumo – nos mesmos municípios que compõem
esta dissertação. Sustentado por estes estudos e por outros citados ao longo texto, busca-se
caracterizar e investigar a importância do autoconsumo segundo dinâmicas distintas da
agricultura familiar. Parte-se da hipótese que acompanhando a diversidade da agricultura
familiar, a produção para o autoconsumo apresenta diferença de importância e de tipos de
alimentos consumidos nos municípios pesquisados.
Sinteticamente, antecipando o debate, pode-se caracterizar as regiões da seguinte
maneira. A Serra Gaúcha apresenta elevado índice de desenvolvimento humano (IDH) e
dinamismo econômico. A produção agropecuária, como a economia num todo, é diversificada
e há acentuada relação entre o rural e o urbano, principalmente no que se refere a força de
trabalho e atividades como o turismo rural. Isto favorece a manutenção dos fatores de
produção nas áreas rurais, fazendo com a forma familiar de produção seja dominante. A Serra
do Sudeste, especialmente Morro Redondo, pode ser descrita como uma região que oferece
poucas perspectivas às unidades familiares. A economia está basicamente restrita a agricultura
(esta fundamentalmente na persicultura, avicultura de corte e produção leiteira) e nas
indústrias de conservas, que empregam mão-de-obra rural apenas por alguns meses. Crises de
preço e concorrência são alguns dos fatores que tem desestimulado a permanência na
agricultura e no meio rural. A Região das Missões, como o Alto Uruguai, caracterizam-se
como regiões eminentemente agrícolas. Ambas aderiram às mudanças na base tecnológica da
agricultura e ao binômio trigo-soja nos anos 1960-70. Por conta disso, intensas
transformações ocorreram no modo de vida rural, principalmente a acentuada inserção desta
forma familiar de produção nos mercados mundiais de commodities. O Alto Uruguai
diferencia-se, no entanto, por ser uma das zonas mais deprimidas da geografia social e
econômica gaúcha, em parte também resultado desta modernização tecnológica que expôs a
agricultura familiar à vulnerabilidade.
A Tabela 1 apresenta alguns números que demonstram um pouco da dinâmica da
agricultura familiar de cada região, discutidas com maior profundidade nas seções que
seguem. Pode-se observar que entre os municípios, Veranópolis é aquele que apresenta o
maior índice de IDH
1
(0,85) e igualmente os maiores valores de renda agrícola (R$ 14.853,28)
1
O IDH combina três componentes: a longevidade, medida pelas condições de saúde da população e pela
esperança de vida ao nascer; a educação, avaliada pela taxa de alfabetização de adultos e a taxa combinada de
matrícula nos níveis de ensino fundamental, médio e superior, e; a renda, medida pelo poder de compra da
60
e total (R$ 26.969,50). Também é aquele com o mais elevado número de famílias exercendo
atividades não-agrícolas (59,32%). No oposto das condições socioeconômicas, estão Morro
Redondo e Três Palmeiras que alternam posições. Enquanto Três Palmeiras apresenta o menor
índice de IDH (0,76) e a menor renda total (R$ 11.033,12), Morro Redondo é aquele com a
menor renda agrícola (R$ 6.610,55) e onde a renda da previdência social assume maior
importância relativa (25,89%), fruto das escassas possibilidades de diversificação. Salvador
das Missões possui índices semelhantes aos de Veranópolis, e intermediários entre todos os
municípios pesquisados, como, por exemplo, no concerne, respectivamente, ao IDH (0,81) e a
renda total (R$ 18.911,28). Destaca-se ainda, comprovando o caráter eminentemente agrícola
de Salvador das Missões e Três Palmeiras, a porcentagem do VAB agropecuário sobre o VAB
total, cujos valores são respectivamente, 54,69% e 65,53%.
Tabela 1: IDH-M, População Total, População Rural, VAB Total em reais (R$) e outros
indicadores referentes aos universos pesquisados.
Indicadores Veranópolis
Morro
Redondo
Salvador
das Missões
Três
Palmeiras
IDH - M (2000) 0,85 0,77 0,81 0,76
População Total (2005) 21.114 5.906 2.403 4.229
Porcentagem População Rural (2005) 14,59 58,69 62,88 57,25
VAB Total em mil R$ (2003) 401.875,00 52.282,00 52.543,00 49.396,00
Porcentagem VAB Agropecuária (2003) 10,80 29,81 54,69 65,53
PIB per capita em R$ (2003) 20.776,00 9.454,00 20.297,00 11.016,00
Área média dos estabelecimentos 23,19 22,79 14,11 19,66
Renda Total em R$ * 26.969,50 12.914,83 18.911,28 11.033,12
Renda Agrícola em R$ * 14.853,28 6.610,55 12.047,52 8.081,40
Renda Atividades Não-agrícolas em %** 20,83 18,11 17,15 6,55
Porcentagem de famílias pluriativas 59,32 41,94 46,55 28,81
Renda Transferências Sociais em % ** 19,90 25,89 15,64 15,10
Nº médio de pessoas por família 4,59 3,87 4,45 4,02
Fonte: PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD et al., 2000; IBGE,
1998; FEE, 2006; Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq, 2003.
* Valores médios por estabelecimento.
** Proporção sobre a renda total
Antecipa-se igualmente, mesmo que de modo breve, a importância econômica do
autoconsumo em cada uma destas dinâmicas da agricultura familiar. Em valores médios
absolutos esta produção apresenta a seguinte ordem descrente de importância entre os
municípios: Veranópolis (R$ 4.308,08), Salvador das Missões (R$ 4.223,88), Três Palmeiras
(R$ 3.026,02) e Morro Redondo (R$ 2.161,05). Em termos relativos sobre a renda total anual
população. O Índice varia de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo do primeiro pior a condição de
desenvolvimento humano, e quanto mais próximo de 1, melhor.
61
média, esta ordem é observada da seguinte maneira: Três Palmeiras (38,34%), Morro
Redondo (32,01%), Veranópolis (21,87%) e Salvador das Missões (16,73%).
2
Esta
discrepância pode ser explicada pelo fato de que a renda total de Veranópolis e Salvador das
Missões são mais elevadas, e, portanto, proporcionalmente o autoabastecimento alimentar
perde importância econômica.
Este Capítulo está dividido em duas grandes seções. A primeira apresenta a dinâmica
de desenvolvimento de cada universo social pesquisado e sua relação com o autoconsumo, e a
segunda, caracteriza (tipos de alimentos) e determina a importância desta produção.
3.1 RETRATANDO AS DINÂMICAS DE DESENVOLVIMENTO
3.1.1 Serra Gaúcha: desenvolvimento endógeno
O município de Veranópolis, escolhido como representativo da região da Serra
Gaúcha, teve surgimento no ano de 1885 quando foi fundada a Colônia Alfredo Chaves com
imigrantes italianos. A necessidade do pagamento dos lotes de terras levou a rápida derrubada
das florestas, início dos cultivos agrícolas e produção de excedentes. Segundo Schneider
(2002), num primeiro momento a agricultura esteve centralizada na produção de milho,
abóbora, amendoim, batata-doce, feijão e, mais tarde trigo, destinados basicamente ao
autoconsumo das famílias e para saldar dívidas. Paralelo à agricultura desenvolveram-se a
extração da madeira e atividades acessórias, como a abertura de estradas, construção de
pontes e de barracões para o alojamento de novos colonos, etc.
3
As décadas 1930-60, de acordo com periodização realizada por Schneider (2002),
caracterizaram-se pela especialização produtiva, ampliação das áreas cultivadas,
aprofundamento das relações mercantis e expulsão demográfica. Neste período, as unidades
familiares se especializaram primeiramente na produção de milho e trigo, deslocado a partir
da década 1950 para o Planalto Médio do Rio Grande do Sul, e posteriormente na fruticultura.
A especialização e a intensificação produtiva tornaram mais nítida a separação produtiva entre
cultivos destinados à venda e ao consumo familiar, todavia a produção para o autoconsumo
2
Números extraídos das Tabelas 11 e 26, exploradas nos Capítulos seguintes.
3
Segundo recenseamento realizado em 1911, já havia um total de 45 moinhos, 30 alambiques, 35 sapatarias, 02
fábricas de chapéu, 07 fábricas de açúcar e rapadura, 05 cervejarias, 39 ferrarias, 32 carijós, 13 curtumes, 06
selarias, 11 alfaiatarias, 07 funilarias, 20 carpintarias para a construção de carroças, entre outras (FARINA, 1992
apud SCHNEIDER, 2002). Estes estabelecimentos operavam com base no trabalho familiar não remunerado e
eram exercidos em tempo-parcial conforme a demanda, associando atividades agrícolas e artesanais. Esta
associação deu início aos “colonos-operários”, como referidos por Seyferth (1974) e Schneider (2004).
62
continuou estratégia recorrida pelos agricultores. Foi um período de expansão da agricultura
colonial em virtude da adoção de sementes e equipamentos que incrementaram a
produtividade, das melhorias na comunicação e escoamento da produção (construção de
estradas e pontes)
4
e pela demanda dos centros urbanos. Concomitante cresceu a organização
de cooperativas para a comercialização da produção, intensificou-se o comércio local e os
empreendimentos industriais.
Neste mesmo período, os lotes adquiridos na colonização começaram a mostrarem-se
insuficientes aos padrões de herança, e, por conta do excessivo fracionamento das
propriedades rurais, algumas unidades familiares passaram a investir os recursos acumulados
na agricultura, em atividades industriais ou comerciais, iniciando um processo de
diferenciação social que se acentuou em anos seguintes. Percebe-se desde este momento, que
embora os obstáculos à reprodução social, as alternativas eram encontradas localmente.
Os trinta anos seguintes (1960-90) foram descritos por Schneider (2002) como um
período onde a dinâmica produtiva e a reprodução socioeconômica da agricultura tornaram-se
dependentes do mercado. O ponto de partida foi o processo de modernização, cujas bases
situou-se na motomecanização (principalmente microtratores), na quimificação (fertilizantes,
agrotóxicos, etc.), e na utilização de plantas geneticamente melhoradas. Contudo, em
Veranópolis, a modernização não implicou adoções generalizadas destas inovações pelas
unidades familiares
5
, e aquelas que assim procederam aplicaram basicamente em culturas
agrícolas existentes localmente (frutíferas) e não culturas exógenas, como trigo e soja em
outras regiões do Estado. Mesmo com a adoção aos pacotes tecnológicos de forma mais
tênue, mudanças significativas ocorreram, principalmente no que se refere a crescente
inserção aos mercados e a dependência do processo produtivo a estes. Quanto ao
autoconsumo, de acordo com Schneider (2002, p.66), este “[...] diminui significativamente e a
produção voltada à venda amplia-se. [...] ocorre, um processo de especialização produtiva
destacando-se os cultivos mais rentáveis como a uva e a fruticultura de clima temperado.”
Intensificando a inserção das unidades familiares aos mercados, a dependência a eles,
e a diferenciação social, surgiram novas atividades localmente em anos posteriores
(SCHNEIDER, 2002). Uma, refere-se ao processo de integração vertical entre empresas
4
Como relata Abruzzi (1998), até a metade do século XX os principais obstáculos ao desenvolvimento estavam
centrados na deficiência de infra-estruturas, principalmente estradas e pontes. Segundo o autor, “A falta de
estrada de ferro, de um caminho para escoar seus produtos ao mercado consumidor que seria a Capital, [...]
foram [...] fatores decisivos que impediram maior desenvolvimento de Alfredo Chaves, e esta situação perdurou
até 1952, quando foi inaugurada a ponte sobre o Rio das Antas.” (ABRUZZI, 1998. p. 22).
5
Questões relativas às condições topográficas do município, que variam de 400 a 800 metros acima do nível do
mar, são fatores que favoreceram a não adoção massiva destas inovações, sobretudo no que concerne a
mecanização.
63
agroindustriais e agricultores, principalmente na vitivinicultura, suinocultura, avicultura e na
produção leiteira. Outra se refere ao surgimento dos fruteiros, que são agricultores que através
da aquisição de um meio de transporte (caminhão ou camioneta) escoam a própria produção
agrícola, a dos vizinhos e da comunidade local, tornando-se comerciantes e intermediários,
sem deixar de serem agricultores. Surgiu ainda um terceiro grupo de agricultores formado por
uma população mais jovem que não vislumbrou a intensificação e especialização da produção
agrícola, e deslocou-se ao mercado de trabalho urbano local. Esta capacidade de absorção do
mercado de trabalho local
6
e da criação de novas estratégias de reprodução social é uma das
principais características que diferencia Veranópolis de outras regiões.
O período mais recente tem se caracterizado por uma “[...] complexificação da divisão
social do trabalho no espaço rural e de ampliação dos horizontes para a inserção individual no
tecido produtivo.” (SCHNEIDER, 2002, p. 73). Algumas unidades familiares buscam a
integração as agroindústrias e a especialização produtiva, outras mantêm uma agricultura
policultura associada com atividades não-agrícolas, e ainda aquelas que investem e adaptam-
se à novas atividades como o artesanato, a exploração do basalto, a produção de produtos
coloniais típicos e o turismo rural. Quanto a este, não somente as paisagens naturais são
fulcros para o turismo, mas até mesmo a produção para o autoconsumo, que é destacada como
parte importante do modo de vida colonial. Fornos de barro para pães, vinho, salame e queijo
colonial, schmiers caseiras, hortas ecológicas, entre outros, são utilizados como artifícios,
como pode ser observado no Capítulo 4. Abrem-se novas possibilidades de inserção
mercantil, não apenas via mercado de produtos, mas via mercado de trabalho e da exploração
de recursos não tangíveis como a cultura italiana, a relação com a natureza, etc. Amplia-se o
arcabouço de estratégias para garantir a reprodução social das unidades familiares e todas
estas arraigadas no território local.
Deste modo, quanto à dinâmica de desenvolvimento da agricultura familiar, pode-se
concluir que se trata de uma economia acentuadamente diversificada, que proporciona as
unidades familiares seguirem várias estratégias de reprodução social. Observa-se também,
uma imbricada articulação entre a agricultura e a industrialização local, vindo ao encontro do
debate de que o rural não é sinônimo de agrícola e que projetos de desenvolvimento terão
mais chances de sucesso quanto mais forem capazes de extrapolar um único setor produtivo
6
Apesar da população rural, que em 1970 representava 69,54% da população total, ter-se reduzido a 14,59 % em
2005, e que três novos municípios (Cotiporã, Fagundes Varela, e Vila Flores) se emanciparam de Veranópolis no
período de 1980 a 2000, a população total praticamente manteve-se constante (RADOMSKY, 2006). Isto reflete
a capacidade de absorver a força de trabalho rural local, e também a de outras regiões, sendo que grande parte
dos imigrantes provém da Região do Alto Uruguai, onde se localiza o município de Três Palmeiras, apresentado
na seqüência.
64
(ABRAMOVAY, 2003). As indústrias fazem parte do modo de vida rural e esta população
constitui-se numa importante força de trabalho para as primeiras, que apresentam a
capacidade de absorver e integrar endogenamente a população rural excedente (SCHNEIDER,
2002)
7
.
Pode-se afirmar, como faz Schneider (2002), que Veranópolis e região apresentam
uma dinâmica de desenvolvimento rural endógena. Esta resulta “[...] da combinação de um
conjunto de fatores sócio-econômicos e histórico-culturais que, reunidos em um mesmo
território, levaram ao desenvolvimento de uma matriz produtiva e uma conformação social
que se reproduz a partir das sinergias produzidas pelo próprio processo endógeno de
acumulação de capital.” (SCHNEIDER, 2002, p. 15). Capital este que não se refere apenas ao
capital na forma de mercadorias de troca, mas também as redes de reciprocidade evidenciadas
por Radomsky (2006), os recursos naturais, a cultura, etc.
Mas, quanto ao autoconsumo, qual a sua importância neste contexto? Mesmo que
tenha diminuído sua participação com a modernização tecnológica, as “miudezas”, conforme
denominam os italianos, sempre fizeram parte deste repertório. Constituinte do ethos do
colono, como demonstrado por Seyferth (1991) e Tedesco (1999)
8
, esta prática fez parte do
modo de vida colonial e continua sendo uma estratégia recorrida pelas unidades familiares,
até mesmo com “novas roupagens” como, por exemplo, trunfo para o turismo rural.
3.1.2 Serra do Sudeste: desenvolvimento estagnado
A segunda região tem Morro Redondo, localizado próximo a Pelotas, como o
município de referência da região conhecida como Serra do Sudeste. Sua emancipação de
Pelotas data o ano de 1989, do qual compôs o oitavo distrito. Encontram-se aqui traços da
colonização alemã, italiana e francesa. Antes da colonização, o município, e a região como
um todo, foram marcados pelo ciclo do charque, primeira atividade econômica importante.
Esta teve início ao final do século XVIII com a formação de grandes estâncias voltadas à
7
Em maio de 2006, a empresa São Paulo Alpargatas transferiu suas instalações de Veranópolis para o Estado da
Bahia, desempregando mais de 1.500 pessoas (muitos destes agricultores ou filhos de agricultores). No entanto,
durante a pesquisa exploratória e a pesquisa de campo propriamente, não foram evidenciadas preocupações
generalizadas nos depoimentos de famílias de agricultores e extensionistas rurais, dada à capacidade de absorção
por outras empresas locais.
8
Segundo Tedesco (1999), ethos de colono pode ser entendido como “[...] as noções de incorporação, de
sistemas que caracterizam formas de vida, estilos de ação, disposições (morais, estéticas e culturais), quadros de
referência e condutas; todas elas em dinamismo/confronto com processos sociais e visões de mundo.”
65
pecuária extensiva
9
, e manteve seu apogeu até o início do século XX. A partir de 1860, as
charqueadas começaram a entrar em crise por conta do fim do tráfico negreiro, da expansão
da atividade cafeeira mais ao centro do país (competidora em mão-de-obra) e da concorrência
com os saladeiros platinos (FRANTZ; NETO, 2005).
Segundo Grando (2005), a vinda de imigrantes, colonos de origem alemã, italiana e
francesa, na metade do século XIX, tornou-se uma esperança de renovação econômica para a
região. A colonização se estendeu até 1920, ocupando terras que hoje compreendem os
municípios de Morro Redondo e Canguçu. Instalados na área de mata, em pequenas
propriedades, os colonos desenvolveram a policultura associada à pecuária destinada ao
consumo da família e à comercialização nos mercados urbanos. A produção para o
autoconsumo era de extrema importância à reprodução das famílias.
10
Paralelamente também desenvolveram o artesanato para a produção de ferramentas,
equipamentos e uso doméstico (produção de doces em pasta, produtos vitivinícolas, conservas
de pêssego, etc.). Esta produção artesanal aos poucos se deslocou do interior das unidades
familiares, dando origem ao setor agroindustrial de alimentos do município, especializado
primordialmente no processamento do pêssego. Na década de 1950, este setor ganhou mais
expressão, culminando em um processo de concentração
11
(BEZERRA, 2006; PENÃFIEL,
2006). Esta concentração se deve em grande parte a década anterior, quando o governo apoiou
o fortalecimento dos grandes grupos industriais e uma rigorosa legislação entrou em vigor,
dificultando o desenvolvimento das pequenas indústrias, que passaram a ser simplesmente
fornecedoras de matérias-primas (ANJOS et al., 2004).
As indústrias de pêssego em calda depararam-se tão logo com dois problemas
principais (PENÃFIEL, 2006). Um, a entrada de pêssego da Argentina, desde a década de
1960. Outro, a falta de evolução tecnológica da persicultura, capaz de amenizar a
sazonalidade de produção. Este em parte foi atenuado com o processo de modernização da
agricultura, que transformou a base técnica por meio da mecanização, quimificação e
melhoramento genético, atrelados, porém, às culturas locais, principalmente a persicultura e
9
Segundo Penãfiel (2006), em 1758, a Coroa Portuguesa distribuiu sesmarias na região de Pelotas como uma
forma de ocupar o território, evitando ocupação espanhola. Eram entregues 13.000 hectares por proprietário para
tropeiros e militares na parte mais plana do município, região de campos, com o objetivo de estabelecer estâncias
criadoras de gado.
10
De acordo com Grando (2005), “Apesar de não podermos pensar as colônias como independentes do mercado,
pois não se tratavam de economias fechadas, as informações disponíveis indicam ter sido sempre bastante
importante a produção voltada para o auto-abastecimento tanto da própria unidade familiar como da coletividade
camponesa.”
11
Na safra 1966/67 operaram na região de Pelotas 66 indústrias das 100 que operavam em 1954. Em 1995 eram
aproximadamente 18 indústrias (PEÑAFIEL, 2006). Atualmente no município de Morro Redondo há cinco
indústrias conserveiras em funcionamento.
66
produtos destinados as indústrias conserveiras. A pesquisa agropecuária voltou-se a geração
de novos cultivares de pêssego que prolongassem o período de colheita, além de
aperfeiçoamentos na qualidade da fruta. Quanto às demais culturas agrícolas, as principais
mudanças concentraram-se nas inovações agronômicas (espaçamento das plantas, técnicas de
cultivo, etc.). As inovações mecânicas foram pouco expressivas, devido à topografia do
município. Cabe ainda destacar, que o cultivo da soja neste período também foi introduzido
nesta região, todavia, não obteve êxito.
Segundo Garcia e Santos (2005), entre 1940 e 1980, a agricultura local passou por um
período de intensificação e ocorreu o apogeu das agroindústrias ligadas a fruticultura e a
olericultura. Porém a partir deste período, o ritmo do crescimento econômico da agricultura
arrefeceu. Dificuldades de mercado promoveram o declínio da produção de pêssego, aspargo,
tomate e morango, acentuado no início dos anos 1990 com a abertura do mercado brasileiro à
entrada de produtos de outros países, como o Chile, Grécia e Taiwan. Muitas agroindústrias
locais desapareceram neste período e a própria reprodução da agricultura familiar foi colocada
em risco.
Questões relativas aos preços de insumos e de produtos agrícolas, aliados aos
problemas de ordem climática, conformam um cenário de crise de perspectivas na agricultura.
Onde já foi palco de dinamismo econômico com elevadas produções de batata, cebola,
cenoura e hortifruticultura em geral, agora se encontram algumas propriedades com
“chácaras” de pêssego ou pastagens para o gado leiteiro, e propriedades estagnadas, sem
nenhuma produção agropecuária. Mesmo a fumicultura que despontava como uma possível
alternativa, em anos bem recentes tem decrescido. Estudo hodierno de Cortez (2006),
reafirmado na pesquisa de campo desta dissertação, indica que “parar de produzir”, inclusive
para o autoconsumo, tem sido a opção de muitas famílias.
Chama atenção esta redução da produção para o autoconsumo justamente num
contexto onde esta parece ser mais relevante para as famílias rurais. Acredita-se que as
dificuldades de comercialização, pela concorrência e pela baixa qualidade dos produtos de
Morro Redondo, têm desestimulado as unidades familiares a continuarem produzindo
produtos tradicionais localmente, e este desânimo têm adentrado também a esfera da produção
de alimentos para o consumo familiar. Soma-se a isto, a facilidade de compra destes
alimentos via feirantes e fruteiros, que semanalmente os entregam na porta da casa.
Neste contexto, a renda da previdência social torna-se a principal, quando não a única
renda para a reprodução das unidades familiares. Em muitos casos, este recurso financia a
67
atividade agrícola funcionado como uma espécie seguro agrícola
12
(DELGADO; CARDOSO
JUNIOR, 2001; BEZERRA, 2006). Segundo os dados da pesquisa AFDLP –
UFRGS/UFPel/CNPq (2003), comparativamente aos demais municípios estudados, Morro
Redondo é aquele onde, entre as diferentes fontes de renda, a previdência social tem maior
expressão, respondendo por 25,88% da renda total (Tabela 1).
A pluriatividade em alguns meses do ano desponta como uma alternativa, como
também evidenciou Cortez (2006). As indústrias conserveiras presentes no município
contratam força de trabalho na época de safra (novembro a fevereiro) - os chamados
safristas
13
, e as próprias unidades familiares em períodos específicos, como a poda e a
colheita, utilizam-se deste artifício. No entanto, a sazonalidade e a instabilidade destas
atividades não-agrícolas, oferecem pouca segurança às famílias rurais.
Refletindo este leque diminuto de estratégias sobre o qual está assentada a reprodução
social dos agricultores familiares, a maioria dos jovens tem buscado novas oportunidades em
outros municípios, principalmente Pelotas. Saem visando à continuidade nos estudos e/ou
emprego no mercado de trabalho urbano. Enquanto isto, no meio rural de Morro Redondo,
intensifica-se o fenômeno do envelhecimento da população rural.
14
Em síntese, como afirmam Anjos et al. (2004, p. 9), “[...] trata-se, portanto, de uma
agricultura familiar que, no contexto mais amplo, enfrenta-se a um cenário de crise de
expectativas e estagnação.” Esta escassez de alternativas e desestimulo tem adentrado até
mesmo na esfera do autoabastecimento alimentar, provocando arrefecimento neste e
intensificação do atendimento das necessidades alimentares por meio de relações mercantis.
3.1.3 Região das Missões: desenvolvimento agrícola
A terceira área de estudo envolvida na pesquisa se inscreve na região das Missões,
representada pelo município de Salvador das Missões. As características e o desenvolvimento
deste universo empírico estão enraizados num passado mais distante, remetendo-se ao início
do século XX quando de sua colonização, e, mormente com o processo de modernização da
12
A previdência rural, segundo Delgado e Cardoso Junior (2001, p.237), “[...] cumpre não só a função precípua
de seguro-previdênciário, ou seja, operando dentro do escopo original que orientou sua concepção, mas também
atende de maneira fundamental, ainda que indiretamente, uma função que muito se aproxima de um seguro-
agrícola, pois reprograma e alarga o potencial produtivo das unidades”. Segundo os mesmos autores, o
aposentado em muitos casos permanece como o responsável do estabelecimento agropecuário em produção, e a
renda da previdência social é reinvestida na própria atividade produtiva da família.
13
Quatro das cinco indústrias localizadas em Morro Redondo empregam no período da safra 1.200 funcionários
e 200 na entressafra, inclusive dos municípios vizinhos (Cerrito e Canguçu) (CRISEL, 2006).
14
Sobre o tema, ver Camarano e Abramovay (1999) e Anjos e Caldas (2005).
68
agricultura nas décadas 1960-80.
15
A ocupação e formação da Colônia Serro Azul - atual
Cerro Largo, do qual Salvador das Missões se emancipou em 1992 - iniciou em 1902,
resultado da política migratória do Governo Estadual em acordo com a Nordwestbahn e a
Bauerverein
16
(WENZEL, 1997). Os colonos aqui estabelecidos eram na grande maioria
alemães, católicos, provenientes das “Colônias Velhas”
17
. Atualmente a população é
constituída por alemães e caboclos.
Segundo Wenzel (1997), é possível identificar três etapas no desenvolvimento da
colônia. A primeira compreendeu a demarcação dos lotes, o desmatamento e início da
agricultura de subsistência. Procurando obter a suficiência, os colonos se dedicaram à
policultura, produzindo todo o necessário a sua alimentação, com exceções do sal, açúcar
branco, café e alguns temperos. Buscou-se também a construção de infra-estruturas
necessárias à convivência social, como a capela, escola, o clube da comunidade e a casa
comercial. A segunda fase caracterizou-se pela expansão da agricultura com a
comercialização de excedentes, e em cada localidade apareceram novas ocupações
18
, como
carpinteiros, tecelões, alfaiates, donos de moinhos, pedreiros, etc. No entanto, estas
atividades, que produziam grande parte dos instrumentos de trabalho e beneficiavam a
produção dos colonos, foram reduzidas e até desapareceram nos anos 1970 com o processo de
modernização da agricultura (BRUM, 1988). Na terceira fase, de acordo com Wenzel (1997),
intensificou-se a especialização produtiva, baseada no milho, feijão, fumo e toucinho,
comercializados em centros comerciais maiores, como a capital do Estado.
As principais dificuldades para o desenvolvimento da colônia até este momento foram
o isolamento e as deficiências nos meios de comunicação e transporte, em parte superados à
medida que se aproximava a estrada de ferro
19
e com a introdução do caminhão, que “[...] foi
o instrumento de verdadeira revolução econômica nas colônias.” (ROCHE, 1969, p.70).
15
Esta região é também marcada pelas Missões Jesuíticas iniciadas no final do século XVII. Apesar das
saqueações que ocorreram nas Reduções Jesuítas, suas ruínas são pontos turísticos importantes para a região e
para o Rio Grande do Sul, como são as Ruínas de São Miguel, situada no município de São Miguel das Missões.
16
Bauerverein (Sociedade de Agricultores Riograndenses) e Nordwestbahn (Companhia de Estrada de Ferro
Alemã) tinham a concessão para a construção da estrada de ferro e colonização das terras da região (WENZEL,
1997).
17
Expressão que se remete às primeiras Colônias Alemãs formadas no Rio Grande do Sul (São Leopoldo, São
Sebastião do Caí, Montenegro, Lajeado, Estrela, Venâncio Aires e Santa Cruz do Sul). Destas Colônias Velhas é
que saíram os emigrantes para colonizar as “Colônias Novas”, dentre estas, Serro Azul.
18
O desenvolvimento destas atividades parece fazer parte do repertório cultural dos imigrantes europeus, como
pode ser observado também em Schneider (2002; 2004) e Seyferth (1974).
19
Referindo-se a Colônia de Ijuí, Roche (1969, p.64) afirma que “Graças ao estabelecimento da estrada de ferro
em 1911, a produção de 1912 aumenta 270% relativamente à de 1904, a exportação 370% e a importação
400%.” A estrada de ferro alcançou Serro Azul em 1927.
69
Minimizadas estas dificuldades, a qualidade dos solos e a topografia
20
definiram o
desenvolvimento da região como eminentemente agrícola.
A partir da década de 1940, por conta do desgaste dos solos e do fracionamento das
propriedades rurais, iniciou-se o processo de emigração nas colônias novas, buscando novas
fronteiras agrícolas em outros estados, principalmente Santa Catarina e Paraná. Segundo
Roche (1969, p. 285), “A história agrícola das colônias tornou-se a de uma luta de velocidade
entre os progressos dos meios de transporte e o declínio do rendimento, provocado pelo
esgotamento dos solos. [...] as colônias fundadas em fins do século XIX já se tornaram zonas
de emigração.”
A partir de 1950 duas novas culturas entraram em cena. Num primeiro momento,
destacou-se a triticultura mecanizada introduzida pelos “granjeiros”
21
e só mais tarde adotada
pelos colonos, quando se viram diante de terras esgotadas, descapitalizados, com produção
agrícola em declínio e sem apoio oficial. “Abandonar a policultura e ingressar na monocultura
do trigo, com reforço da soja em expansão, apresentava-se, na época, como sendo a única
alternativa viável.” (BRUM, 1988, p. 76). A partir deste momento, os colonos integraram-se
ao processo de modernização da agricultura e substituíram o binômio milho-mandioca,
destinado à criação e engorda de suínos, pelo binômio trigo-soja, dirigido à comercialização
(BRUM, 1988). O trigo comandou o processo de modernização da agricultura até início da
década de 1970, quando houve grande expansão da soja e esta passou a ser a principal cultura,
seguida pelo trigo.
A modernização da agricultura, nesta região, expressou-se em distintas dimensões. Na
esfera produtiva incitou a mecanização intensiva, a quimificação, o cultivo de culturas
exógenas aos costumes locais, enfim, a externalização do processo produtivo (PLOEG, 1990,
1992). A policultura baseada em mais de 20 produtos agrícolas, na energia humana e animal,
e no uso de instrumentos simples (arado de tração animal, enxada, etc.) foi substituída pelo
cultivo especializado de trigo e soja, pelo petróleo como energia básica
22
, e instrumentos
mecânicos particularizados para cada etapa do processo de produção (BRUM, 1988).
“Mergulhando inteiramente no binômio trigo-soja, o agricultor torna-se um importante
comprador de praticamente tudo o que a família consome”, e em alguns casos externaliza a
20
No município de Salvador das Missões são encontrados solos planos, profundos, com boa fertilidade e sem
pedras na superfície (litossolos e cambissolos, principalmente), além de um relevo pouco acidentado que permite
mecanização em 85% da área (SALVADOR DAS MISSÕES, 199-?).
21
“Granjeiros”, expressão utilizada por Brum (1988), refere-se aos comerciantes, profissionais liberais e
pequenos industriais, pioneiros na triticultura mecanizada.
22
Segundo Brum (1988), no início da década de 1970, na microrregião de Ijuí o número de tratores já era
considerado ideal (um trator para cada 100 hectares). Ao final da década já existia um excesso de mecanização
(tratores), com 30% de capacidade ociosa.
70
própria produção de alimentos, “não produz mais para comer” (BRUM, 1988, p. 118).
Outrossim, o jornal local registrava:
Antigamente, o colono plantava milho, arroz, trigo, feijão, batatinha,
algumas hortaliças; também tinha sempre na engorda um bom lote de
porcos; criava galinhas, vacas de leite, etc. [...] Hoje tudo está incrivelmente
diferente, se vê agricultores no interior nos municípios, entrar em armazéns
para comprar banha, feijão, queijo, ovos, até verduras para o seu consumo.
Muitos pomares foram quase eliminados por completo por causa da
majestosa SOJA. Quem vivia pela colônia pode ver por toda parte enormes
chiqueiros, mas todos vazios. Todo mundo só fala em soja. (ELY, 1974, p.
16, grifos no original).
Percebe-se assim, que a produção para o autoconsumo, neste período, sofreu
acentuada redução, cedendo o tempo e o espaço às culturas comerciais, sobretudo a soja.
Ainda nos dias atuais, a lógica da modernização e da mercantilização da agricultura
continuam muito presentes, incitando a predileção à produção de commodities. Corroboram
neste sentido, o acesso e a maior disponibilidade de alimentos nos mercados
23
, favorecendo a
mercantilização da produção de alimentos.
Ademais, com a modernização técnica da agricultura, a vida local que era coordenada
pela dinâmica regional, passou a ser regida por transações nacionais e internacionais. A soja
passou a ser moeda corrente nas relações comerciais, servindo como base para determinar
valor de lotes de terra, pagamento de diárias de serviços na lavoura, aquisição de cabeças de
gado ou bens de consumo durável, empréstimos, determinar a taxa de contribuição na escola e
na comunidade, etc. (WENZEL, 1997).
Ao final da década de 1970, com a recessão econômica nacional e mundial, as
sucessivas frustrações de safra do trigo-soja e reflexo das conseqüências sociais da
modernização da agricultura, houve um novo surto migratório para outros Estados e,
fundamentalmente de volta às Colônias Velhas, em busca de emprego urbano. No mesmo
período, e pelos mesmos fatores, houve uma reorientação para a diversificação produtiva,
buscando a integração entre agricultura e agropecuária (suinocultura, avicultura, gado leiteiro,
etc.) (BRUM, 1988).
Recentemente as atividades agropecuárias centram-se na soja, trigo, milho, sorgo,
mandioca, produção leiteira e, mais recentemente, amendoim, videiras e citrus. Cada vez mais
são buscadas novas alternativas produtivas, não obstante, a produção de soja permanece o
cultivo agrícola mais assíduo. É mister ressaltar que a região é freqüentemente alvo de
estiagens e, nos últimos três anos, parte da produção agrícola, principalmente soja, foi perdida
23
Tema da seção 4.6
71
por conta das secas. Este fato tem contribuído para as unidades familiares buscarem novas
estratégias de reprodução e questionarem a monocultura da soja, todavia, estas estratégias
permanecem restritas no âmbito da agricultura, confirmadas pela porcentagem do VAB
agropecuário sobre o VAB total (54,69%), e pela relação entre renda agrícola e renda total
(63,71%), observadas na Tabela 1.
Malgrado a permanência da lógica da modernização da agricultura, que promoveu
uma profunda redução no autoconsumo, este permaneceu sendo recorrido pelas unidades
familiares, em parte quiçá por conta da identidade social vinculado a ele. Nos últimos anos
esta estratégia tem sido ampliada, agora, como uma reação e necessidade, como denominou
Ellis (1998, 2000), devido às crises de preço da cultura da soja, as estiagens, e por uma
questão de segurança alimentar.
3.1.4 Três Palmeiras: desenvolvimento agrícola e vulnerabilidade
A quarta região estudada, o Alto Uruguai, tem Três Palmeiras por município
referência, localizado na fronteira com Santa Catarina. A região caracteriza-se por uma
dinâmica de desenvolvimento essencialmente agrícola, fortemente influenciada pela
modernização da agricultura. Verifica-se uma mercantilização acentuada dos espaços rurais,
atingindo até a esfera da produção de alimentos, como demonstraram os estudos de Conterato
(2004) e Gazolla (2004). Fruto disto e de outros elementos enraizados desde o processo de
colonização, decorre a presença de diferenciação social, migração, pobreza, vulnerabilidade e
conflitos pela posse da terra.
Em 1917 foi instalada a Colônia Sarandy, que mais tarde deu origem a vários
municípios como Sarandi, Rondinha e Ronda Alta (Três Palmeiras emancipou-se deste em
1989). Segundo Rückert (1997), esta região, até então, estava ocupada por indígenas
24
e
caboclos, sempre “forçados” a se deslocar à medida que avançava a formação das colônias.
Aqui, contudo, encontrou-se a resistência destes em deixar suas terras, ao mesmo tempo em
que o projeto de colonização também não os contemplava. Deram-se, então, início a tensão e
conflitos pela posse da terra. Em 1923, a companhia colonizadora passou a eliminar os
24
Em meados do século XX uma área de aproximadamente 12 mil hectares, pertencente a Guaranis e
Kaingangues (Reserva Indígena da Serrinha), foi loteada e vendida aos colonos. Em 1988, a Constituição
Federal garante aos povos indígenas, expulsos de suas antigas terras, o direito de requerê-las. Na década de 1990,
os índios retomam as terras da Reserva e os agricultores familiares, até então ali estabelecidos, são em parte
reassentados em outras terras, outros migram para os núcleos urbanos ou engrossam as fileiras das estradas
reivindicando novas áreas (CONTERATO, 2004).
72
ranchos dos caboclos com violência e mortandade, e os que sobreviveram dirigiram-se à
Palmeira das Missões, ainda não colonizado (RÜCKERT, 1997).
A colonização foi constituída por povoamento misto. Colonos de origem alemã,
italianos e luso-brasileiros, receberam lotes de 15 hectares, dimensões pequenas para os
padrões de herança da época, fato que potencializou a questão agrária em anos subseqüentes,
devido ao excessivo fracionamento das propriedades rurais (CONTERATO, 2004).
Inicialmente as atividades concentraram-se na extração da madeira e na policultura, com
cultivos de batata-inglesa, feijão preto, milho, mandioca, criação de suínos e outros pequenos
animais domésticos, e a banha, como produto de transformação animal. A policultura nas
colônias, mais que uma forma de produzir, tratava-se de uma estratégia de sobrevivência.
25
A partir da década de 1930, o sistema agrícola colonial começou a dar sinais de crise.
O esgotamento dos solos, a alta densidade demográfica e o fracionamento das pequenas
propriedades conduziram ao êxodo rural, direcionado principalmente para o oeste de Santa
Catarina e sudoeste do Paraná (RÜCKERT, 2003). Segundo Schneider (2004), o sistema
adotado pelos colonos continha em seu interior os limites de sua reprodução, dado pelas
condições de uso do solo, a falta de tecnologias e o sistema de herança. A emigração, como
afirmou igualmente Woortmann (1995), foi uma constante na história dos colonos.
Concomitante ao êxodo rural ocorreu a especialização produtiva em suínos e milho, e
um aprofundamento das relações mercantis (CONTERATO, 2004). A necessidade de
comercializar de modo mais intenso induziu um aumento na área cultivada e a introdução de
culturas tipicamente comerciais como trigo, centeio e arroz de sequeiro. O colono conseguiu
aumentar a produtividade, vender e comprar mais. Na década de 1950, contudo, “a colônia
está definitivamente em crise”, como afirmou Rückert (2003, p. 136), e as causas
permaneceram as mesmas da crise anterior. Segundo o autor, camponeses com menos de 10
hectares já não conseguiram manter suas famílias somente com a produção agrícola e foram
obrigados a vender eventualmente sua força de trabalho.
De acordo com Conterato (2004), a agricultura colonial buscou superar esta crise
intensificando a inserção no mercado e se especializando, o que foi facilitado pela
modernização da agricultura desencadeada após 1960. Inicialmente o trigo foi mais assíduo, e
mais tarde consolidou-se a soja, ou a “sojicização da agricultura”, como definiu o referido
autor. Como evidenciado por Conterato (2004) e Gazolla (2004), a partir deste momento, o
25
“Em virtude do isolamento da colônia e da dificuldade de obter mercadorias de primeira necessidade, o colono
obtinha na sua propriedade o necessário a sua subsistência, com exceção do sal, roupas e ferramentas. A
policultura era a condição essencial à sobrevivência e nos primeiros anos só um mínimo de excedentes da
produção do colono era canalizado para a venda.” (SEYFERTH, 1974, p. 59).
73
processo produtivo e sua reprodução passaram a depender da constante relação com os
mercados, convertendo a agricultura colonial em uma agricultura familiar mercantilizada. Até
mesmo a esfera do autoconsumo foi afetada, onde o espaço e o tempo dedicados a esta foram
sendo substituídos por lavouras comerciais e a satisfação das necessidades alimentares
supridas também pelo mercado (GAZOLLA, 2004).
Estas mudanças técnicas, no entanto, não foram homogêneas em Três Palmeiras. A
topografia do município permite mecanização em menos de 50% da área total, intensificando
a diferenciação social (CONTERATO, 2004). Na área plana do município predominam
propriedades maiores que empregam tecnologias com tração mecânica (tratores,
colheitadeiras), já na área acidentada prevalecem pequenas propriedades e agricultores
descapitalizados que utilizam tecnologias baseadas na força animal (carroças, arado,
trilhadeiras, etc.). Esta diferenciação social também foi favorecida pelas limitações de alguns
agricultores em saldar suas dívidas ou por frustrações de safras
26
, que “obrigaram” os mesmos
a venderem seus lotes de terra, promovendo a concentração fundiária.
Não obstante a desuniformidade na transformação da base técnica, a lógica da
modernização agrícola baseada no cultivo de commodities, na especialização e na inserção aos
mercados atingiu a todos, mesmo aquelas unidades familiares que possuem pequenas
extensões de terra e localizadas em áreas de declive acentuado. Assim, a diminuição da
produção para o autoconsumo foi evidenciada em todas as regiões do município. Desperta a
atenção, o fato desta redução ter sido mais aguda justamente na região acidentada, que
abrange pequenos estabelecimentos e com menor grau de capitalização, onde provavelmente
o autoabastecimento alimentar seria mais necessário. A razão para estas unidades familiares
assim proceder, pode estar localizada na necessidade de maximização dos fatores de produção
disponíveis, no caso a terra e a mão-de-obra, discutidas com maior acuidade na seção 4.2.
Como resultado da modernização e do fracionamento das propriedades rurais, muitas
famílias perderam a posse da terra. Para estas restou principalmente duas opções, uma já
apresentada referente à migração para outros Estados, e a outra condizente ao ingresso nos
movimentos sociais que lutam pela terra, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
26
Segundo Rückert (2003, p. 127), “O acúmulo sistemático de prejuízos por frustrações de safras, arrocho
financeiro [...] e baixos preços agrícolas têm levado camponeses pequenos proprietários – com menos de 20ha –
a colocarem seus lotes à venda para saldarem suas dívidas.” Nos municípios próximos de Sarandi, mais de 90 %
dos produtores no ano de 1987 estavam com dificuldades para saldarem seus débitos com bancos, cooperativas e
terceiros. Incrementam este cenário, os custos de produção, que a exemplo do cultivo da soja, no ano de 1973
correspondiam a 0,55 sacas por hectare e no ano de 1985 alcançaram o valor equivalente a 12,81 sacas
(RÜCKERT, 2003). Segundo Brum (1988, p. 121), com a modernização “o banco passou a ser a casa de todos”.
74
Terra (MST)
27
. A descapitalização das famílias rurais, aliada ao contingente que foi
expropriado da propriedade da terra, confere à região do Alto Uruguai a condição de uma das
regiões mais pobres do Estado, pobreza esta localizada principalmente na área rural
28
.
Segundo Conterato (2004), a partir de 1985 a produção de grãos adentrou em crise,
resultado das frustrações de safras e/ou dos riscos gerados pela monocultura que vinham
comprometendo a reprodução social das unidades familiares. Neste período, a produção
leiteira despontou como atividade econômica importante na região, especialmente para as
pequenas propriedades. Mais recentemente, a fruticultura tem se destacado como uma
atividade de interesse, principalmente videiras e citrus. Todavia, a soja continua sendo a
produção basilar.
O fato é que, malgrado a crise do modelo adotado na modernização da agricultura,
poucas alternativas de reprodução social têm surgido. Segundo Veiga (2005), o Alto Uruguai
é uma região de economia primária, cujo sistema agropecuário passa por longa crise, e até em
decadência, e não parece haver sinal de diversificação econômica proto-industrial (exceto no
município de Frederico Westphalen). Dados da pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq
(2003), apresentados na Tabela 1, comprovam a afirmação deste autor. Segundo os números,
Três Palmeiras, comparativamente aos demais, é o município onde a renda agrícola possui a
maior proporção em relação à renda total (73,25%), e o mesmo acontecendo com o VAB
agropecuário (65,53%). A pluriatividade é pouco freqüente, encontrada em 17 unidades
familiares e destas, oito exercem a pluriatividade de base agrária
29
. Este estreitamento das
estratégias de reprodução social faz com que a migração permaneça uma alternativa
absolutamente atual. De acordo com Veiga (2005), a região do Alto Uruguai perdeu 7,5% de
sua população entre 1991/2000, o equivalente a 14.831 habitantes
30
, e qualquer aumento
populacional deve resultar de situações bem específicas, como a constituição de um
assentamento da reforma agrária.
27
Nas proximidades de Ronda Alta, surgiram 14 assentamentos de reforma agrária entre 1962 e 1992, a maioria
na década de 1980 (CONTERATO, 2004).
28
Segundo Schneider e Fialho (2000, p.139), nesta região há o que pode ser denominada por “pobreza colonial”,
ou seja, “[...] aquela que, mesmo não produzindo renda suficiente para o agricultor, permite-lhes o acesso aos
bens, serviços e alimentos, que obtém com seu trabalho em sua pequena propriedade de terra, os quais
minimizam sua carência social.” De acordo com os mesmo autores, é esta pobreza colonial que afeta o maior
número de pessoas no Estado, ainda que seja menos intensa em relação aos níveis de carência como verificado
na região Sul do Estado. Outra região onde é encontrado este tipo de pobreza é a região da Serra do Sudeste,
onde localiza-se Morro Redondo, também investigado nesta dissertação.
29
Pluriatividade de base agrária compreende as situações em que se a combinação de atividades agrícolas
dentro e fora da unidade de produção, sendo a venda de horas de trabalho o exemplo mais típico. Ver Schneider
(2006).
30
Dados de Conterato (2004) complementam esta informação. Segundo o autor, entre 1970 e 2000 a população
rural diminuiu 56%, e a população total apresentou um “déficit populacional” de 32.756 pessoas.
75
Quanto ao autoconsumo, fruto da queda do preço da soja, das estiagens recentes e da
vulnerabilidade vivida constantemente pelas unidades familiares, esta produção tem sido
retomada nos últimos anos, particularmente nos últimos dois. Há o reconhecimento de que ao
garantir esta produção, parte importante da alimentação está assegurada.
Em resumo, Três Palmeiras apresenta uma economia pouco diversificada, fortemente
enraizada em uma agricultura mercantilizada, que pouco tem contribuído para resolver
problemas históricos como a questão agrária, migração, pobreza rural e vulnerabilidade.
Observado as dinâmicas da agricultura familiar de cada região e o modo como se
relacionam com a produção para o autoconsumo, cabe caracterizar e determinar a importância
desta produção em cada um deles. Quantos estabelecimentos familiares produzem para o seu
próprio consumo? Qual a importância, em valores monetários, desta produção? Estes valores
se diferenciam conforme dinâmicas distintas da agricultura familiar? Quais são os alimentos
autoconsumidos nos município investigados? Estas são algumas das questões que perpassam
o debate na próxima seção.
3.2 CARACTERIZANDO A PRODUÇÃO PARA O AUTOCONSUMO: uma comparação
entre quatro regiões da geografia gaúcha.
No capitulo anterior, sustentou-se com base na literatura a importância da produção
para o autoconsumo para as unidades familiares, nesta seção, busca-se referendar a literatura
empiricamente. Através da aplicação de questionários e da realização de entrevistas foi
possível quantificar, em valores monetários, o autoabastecimento alimentar em cada uma das
regiões investigadas, observar como este tem se transformado ao longo dos anos, descrever os
alimentos autoconsumidos, evidenciar alguns fatores que o interferem e as funções que
desempenha na agricultura familiar. Enquanto estes dois últimos objetivos serão discutidos
nos capítulos posteriores, os demais serão abordados nesta seção.
Os dados indicam que a produção para o autoconsumo foi uma estratégia recorrida por
todos os estabelecimentos pesquisados (238), corroborando, portanto, com a discussão
realizada no Capítulo anterior sobre a permanência desta produção na agricultura familiar.
Esta produção se faz presente principalmente por proporcionar uma alimentação “mais
natural, sem veneno” e também “porque senão a gente tem que comprar” (Entrevista 30, V).
Há a percepção de que produzir para o consumo familiar é uma forma de economizar recursos
76
financeiros e uma importante fonte de segurança alimentar, sobretudo pela qualidade dos
alimentos. Além do fator econômico e da segurança alimentar, as unidades familiares mantêm
o autoconsumo como uma atividade que dá prazer, “eu planto porque eu gosto também
(Entrevista 36, MR), “é um esporte também (Entrevista 29 V.); e porque “estar na colônia e
não ter uma galinha pra fazer sopa é brabo” (Entrevista 34, V), ou seja, isto faz parte do dia-a-
dia das unidades familiares, do “ethos de colono” (TEDESCO, 1999; SEYFERTH, 1974,
1991), “a gente está na colônia, tem que criar estas coisas” (Entrevista 20, TP).
31
Os depoimentos abaixo confirmam novamente algumas das justificativas expostas,
mormente no que concerne ao fato de não precisar comprar a alimentação e pela qualidade
sanitária desta. Também apresentam um pouco da diversidade que compõem esta produção. É
possível evidenciar em poucas linhas que se trata de uma gama diversa de alimentos
provenientes da criação animal, da horta, do pomar, da lavoura e da transformação caseira.
Galinhas, porcos, bezerros, ovos, leite, mandioca, batata-doce, batata inglesa, frutas e
hortaliças, são alguns exemplos. Enfim, “se planta de tudo um pouco” (Entrevista 38, MR).
Pra ter em casa, pra não comprar. Se a gente tem a terra. Se a gente não
planta, tem que comprar tudo isto. Também as galinhas nós temos, ovos... A
gente cria um terneirinho e quando que está grande a gente engorda e bota
no freezer. Tem os porco também. [...] Depois tem os pés de chuchu
também. Vai ter o parreiralzinho de chuchu também, quando não tem outra
coisa é bom. Depois planta uns pedacinhos de mandioca, aipim, pra depois
descascar e por no freezer pra depois cozinhar, cozinha que é uma beleza.
Ervilha também a gente guarda no freezer. A gente guarda também os
pepinos, faço compota em casa e a gente guarda. Também conserva de
tomate (Entrevista 28, V).
Leite, ovos, carne, batatinha, batata-doce, mandioca, amendoim. Até
amendoim eu to vendendo o que sobra. Tudo que hortaliças, frutas. Pra não
precisar compra. Cebola também. O que a gente pode produzir. E tem a
vantagem que não têm agrotóxicos (Entrevista 10, SM).
Não obstante esta estratégia esteja presente em todas as unidades familiares
pesquisadas, é perceptível no depoimento abaixo que houve transformações na produção “pro
gasto”, ou nas “miudezas” como comumente denominam os descendentes de italianos.
Estes anos atrás, então, a maioria das coisas era plantado e se segurava ali
pra plantar e agora quase a maioria, eles criam ou colhem as coisas, mas é
pra vender, depois quando falta alguma coisa vão comprar. É mais pro
comércio, do que segurar em casa. Parece que o costume da pessoa mudou
bastante, porque já estes anos atrás não se comprava tanta coisinha que nem
31
Estas justificativas serão retomadas e aprofundadas no Capítulo 5 desta dissertação, quando se discute as
funções da produção para o autoconsumo na agricultura familiar.
77
se compra agora. Então agora se compra não tudo, mas uma boa parte.
Quase compram coisas que nem necessitavam comprar (Entrevista 20, TP).
É fato, identificado pelo depoente e igualmente por Wagner, Marques e Menasche
(2007), que anos atrás “se produzia bem mais que agora” (Entrevista 08, SM). As unidades
familiares diminuíram o cultivo para o consumo próprio em prol da produção comercial,
conforme discutido no Capítulo 2, e o processo de mercantilização da produção de alimentos
tem se acentuado. Ademais, outros fatores podem contribuir para este arrefecimento, como a
redução do número de membros da família, a facilidade de acesso aos mercados e maior
disponibilidade de alimentos nestes, redução do tamanho das propriedades rurais devido aos
padrões de herança, recebimento de outras rendas (aposentadoria, atividades não–agrícolas,
etc.) e mudança nos hábitos alimentares fruto da influência dos meios de comunicação.
32
Malgrado este arrefecimento, ocorrido de modo heterogêneo entre as unidades familiares e os
universos pesquisados, a produção para o autoconsumo continua uma estratégia presente e
relevante para a reprodução das famílias rurais, como demonstram os dados que seguem.
A presença generalizada da produção para o autoconsumo entre os agricultores
familiares pode ser percebida pelas informações da Tabela 2, que apresenta a importância da
horta e do pomar nos estabelecimentos pesquisados. Evidencia-se nesta, que a grande maioria
dos estabelecimentos familiares preza por possuir horta (92,1%) e pomar (89,9%), e entre os
universos pesquisados não há grandes discrepâncias. A diferença mais expressiva refere-se à
presença de horta: enquanto em Veranópolis 98,3% dos estabelecimentos a possuem, em
Morro Redondo este percentual se reduz para 87,1.
Tabela 2: Presença de horta e pomar, e a suficiência destes em porcentagem (%) para o
consumo familiar nos estabelecimentos pesquisados.
HORTA POMAR
Município
Presença nos
Estabelecimentos
(%)
Suficiência para
consumo familiar
(%)
Presença nos
Estabelecimentos
(%)
Suficiência para
consumo familiar
(%)
Veranópolis 98,3 93,1 86,4 86,3
Morro Redondo 87,1 68,5 87,1 52,5
Salvador das Missões 93,1 75,9 91,4 69,8
Três Palmeiras 89,8 93,1 94,9 87,5
Total 92,1 82,6 89,9 74,0
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
A produção da horta é exaltada como uma produção isenta de agrotóxicos, ecológica e
saudável, e por isto justifica-se sua existência. “A horta a gente já tem mais por causa dos
32
Ver Capítulo 4.
78
agrotóxicos. A gente planta estas coisas assim, a gente colhe e sabe o que come. É mais
limpo, bem mais saudável” (Entrevista 05, SM). A mesma fundamentação é dirigida ao
pomar, com a ressalva de que “o gosto é bem melhor quando tu pode ir no pé arrancar, eu
acho que é bem mais saboroso, daí tu sempre escolhe um pouco” (Entrevista 07, SM).
Argüidos sobre a suficiência da horta e do pomar para atender suas necessidades
alimentares (ainda Tabela 2), os entrevistados responderam de forma diferenciada, sendo que
a horta atende de modo superior a este quesito, 82,6%, se comparado com o pomar, 74%.
Entre os municípios pesquisados, as discrepâncias se aceraram. Ao passo que em Três
Palmeiras, a horta e o pomar atendem de modo suficiente o consumo da família em 93,1% e
87,5% dos estabelecimentos respectivamente, em Morro Redondo esta mesma condição é
alcançada por apenas 68,5% e 52,5% dos estabelecimentos, respectivamente. A insuficiência
pode ser atribuída às dificuldades de produzir determinados cultivos em virtude de condições
climáticas, pouca diversificação, preferência por produtos forâneos, limitação de área, opção
da família por não produzir, etc., muitos destes discutidos no Capítulo 4.
Tabela 3: Valor em reais (R$) atribuído pelos entrevistados aos produtos da
horta e do pomar.
Valor anual médio (R$)
Município
Horta Pomar Total (médio)
Veranópolis 830,65 677,65 754,15
Morro Redondo 475,06 313,00 394,03
Salvador das Missões 689,22 683,81 686,51
Três Palmeiras 397,42 416,41 406,91
Total 598,09 522,72 560,40
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003)
A Tabela 3 revela os valores anuais estimados pelos entrevistados aos produtos da
horta e do pomar.
33
Vale ressaltar que esta é uma pergunta que oferece elevado grau de
dificuldade para obter uma resposta precisa, dado que raramente os agricultores contabilizam
seus gastos, principalmente quando se trata da produção para o consumo da própria família.
Mesmo assim, segundo Carneiro (2003), os próprios agricultores se surpreendem de fronte
aos valores estimados, reconhecendo a importância desta produção. Os números indicam uma
ordem decrescente entre os universos pesquisados quanto aos valores médios do autoconsumo
33
Diferentemente da metodologia utilizada por Santos e Ferrante (2003), que se valeram de uma caderneta onde
cada família anotou durante uma semana de cada mês, pelo período de doze meses consecutivos, a quantidade
consumida de alimentos produzidos pela família no próprio lote, neste trabalho adotou-se como critério a
estimação feita pelos entrevistados e não a observação diária. Este procedimento justifica-se pelo tempo e
recursos financeiros que demandaria, além da dificuldade imposta na descrição do consumo. Seria exigido
elevado grau de minuciosidade na contabilização, por exemplo, consumo anual de pés de alface, laranjas, molhos
de brócolis, etc.
79
(horta e pomar somados): Veranópolis (R$ 754,15), Salvador das Missões (R$ 686,51), Três
Palmeiras (R$ 406,91) e Morro Redondo (394,03). Levanta-se a hipótese de que em
Veranópolis e Salvador das Missões, a produção para o consumo familiar é mais valorizada
pelas unidades familiares.
Nos municípios estudados, os principais produtos cultivados na horta são: alface,
beterraba, cebola, cenoura, couve, salsa, repolho, tomate, alho, radite, rúcula, couve-flor,
pimentão, moranga, brócolis, pepino, vagem, chuchu, ervilha, rabanete e espinafre. Outros
também foram citados (alcachofra, fava, espinafre, chicória, etc.), mas com freqüência pouco
significativa, localizada em apenas um município. A Tabela 4 apresenta as cinco olerícolas
mais freqüentes em termos de números de estabelecimentos que produziram para o
autoconsumo, nos universos pesquisados. É interessante observar que entre estas cinco,
freqüentemente está presente alface, repolho, beterraba e cenoura, indicando uma possível
homogeneização nos hábitos alimentares.
Tabela 4: As cinco olerícolas mais freqüentes em termos de números de estabelecimentos
(n) que produziram para o autoconsumo nos universos pesquisados.
Veranópolis Morro Redondo Salvador das Missões Três Palmeiras
olerícolas n olerícolas n olerícolas n olerícolas n
radite 57 alface 53 Repolho 52 alface 52
alface 57 couve 51 Cebola 51 salsa 48
cenoura 51 beterraba 47 Alface 49 repolho 46
repolho 50 salsa 47 Beterraba 48 beterraba 46
cebola 46 repolho 44 Cenoura 48 cenoura 46
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
Hábitos alimentares são definidos por Bleil (1998), citando Mead e Guthe (1945),
como porções do conjunto de alimentos disponíveis a indivíduos ou grupos de indivíduos, que
são selecionadas, utilizadas e consumidas em resposta a pressões sociais e culturais.
Igualmente Woortmann (1978) afirma que os hábitos alimentares dependem, por um lado, das
condições de acesso aos alimentos em função da posição dos indivíduos e grupos no processo
produtivo, e, por outro, da seletividade advinda do processo cultural, justamente por ser a
alimentação um fenômeno cultural.
Quanto ao pomar, em todos os municípios, são encontradas as seguintes frutíferas:
videira, pessegueiro, macieira
34
, laranjeira, bergamoteira, abacateiro, pereira, goiabeira,
caquizeiro, figueira e limoeiro. Além destas, em Veranópolis e Três Palmeiras foram citadas:
34
Veranópolis é considerado o “Berço Nacional da Maçã” e realizava a Festa Nacional da Maçã até 1994. No
entanto, segundo dados da pesquisa AFDPL – UFRGS/UFPel/CNPq (2003), no ano agrícola pesquisado, a
macieira foi a espécie menos freqüente neste município, citada por apenas 06 estabelecimentos.
80
ameixeira, mamoeiro, pitangueira, nogueira, bananeira, romãzeira, jabuticabeira e kiwi. A
Tabela 5 apresenta as cinco frutíferas mais assíduas em termos de número de
estabelecimentos que produziram para autoconsumo. Embora o pomar não sinalize tanto
quanto a horta para a homogeneização dos hábitos alimentares, é interessante ressaltar a
predominância dos citros sobre as demais frutíferas em todos os municípios estudados, do
mesmo modo observado por Wagner, Marques e Menasche (2007) na região do Vale do
Taquari (RS).
Tabela 5: As cinco frutíferas mais freqüentes em termos de números de estabelecimentos
(n) que produziram para o autoconsumo nos universos pesquisados.
Veranópolis Morro Redondo Salvador das Missões Três Palmeiras
frutíferas n frutíferas n frutíferas n frutíferas n
laranjeira 50 laranjeira 53 laranjeira 53 laranjeira 57
bergamoteira 50 bergamoteira 53 bergamoteira 52 bergamoteira 55
limoeiro 43 limoeiro 47 pessegueiro 48 pessegueiro 49
videira 41 goiabeira 45 videira 37 caquizeiro 39
figueira 39 figueira 39 limoeiro 36 pereira 38
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003)
Figura 4: Horta e pomar em uma unidade familiar de Três Palmeiras.
Fonte: Pesquisa de Campo (2006).
Outra dimensão da produção para o autoconsumo analisada diz respeito à
transformação caseira. Segundo a Tabela 6, a proporção de famílias que possuem alguma
forma de transformação caseira para o consumo familiar é elevada em todos os municípios,
81
alcançando 96,6 % dos estabelecimentos em Veranópolis e Três Palmeiras.
35
O valor mais
baixo (mas nem por isso pouco significante) é encontrado em Morro Redondo (87,1%),
resultado que acompanha a Tabela 3. Além de atender as necessidades alimentares, o
desenvolvimento desta produção responde as “habilidades” femininas, onde saber fazer é
motivo de orgulho, como se observa no depoimento: “até aquelas passas de pêssego eu fiz,
que delícia. Eu sei fazer bolacha, eu sei fazer aquelas broinhas de milho, eu faço que é uma
beleza. As minhas filhas sabem fazer de tudo, aniversário elas não compram nada, sabem
fazer tudo.” (Entrevista 36, MR, grifos nossos).
Tabela 6: Presença de transformação caseira para o consumo
familiar nos estabelecimentos pesquisados.
Transformação caseira
Município
Sim (%) Não (%)
Veranópolis 96,6 3,4
Morro Redondo 87,1 12,9
Salvador das Missões 93,1 6,9
Três Palmeiras 96,6 3,4
Total 93,3 6,7
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
Muitos alimentos são provenientes desta produção e fazem parte da dieta alimentar
diária das famílias, como: queijo, salame, vinho, banha, schmier/doces, conservas (pepino,
pêssego, etc.), açúcar mascavo, massa de tomate, cachaça, rapadura, melado e massa caseira
(pão, cuca, etc.). “[...] Daí a gente faz umas conservas para durante o ano e o que estão um
pouco estragados [as frutas] a gente faz schmier, daí tudo isto pro consumo.” (Entrevista 07,
SM). A Tabela 7 apresenta os cinco produtos da transformação caseira mais freqüentes em
termos de número de estabelecimentos que produziram para o autoconsumo. Embora a
assiduidade seja diferente entre os municípios, é importante mencionar que dentre os cinco
mais freqüentes, quatro são comuns a todos (schmier, banha, queijo e salame). São nos
produtos da transformação caseira que fica mais evidente a influência da cultura nos hábitos
alimentares, a exemplo da preponderância de queijo, salame e vinho em Veranópolis,
produtos tipicamente italianos, e a dominância de schmier/doce e salame (ou lingüiça, como
denominam os alemães) em Salvador das Missões, influência da cultura alemã.
35
Embora a transformação caseira esteja presente na maioria dos estabelecimentos, também é perceptível que
esta ocorre em menor intensidade e freqüência que em épocas anteriores. “Tudo isto ali nós fazia, mas hoje tão
se esquecendo disto ali tudo. Bom, o que se fazia em casa quando era pequeno! Quando era Natal, era aquelas
latas de bolachinha, com aquelas coisinha em cima, era pão, cuca, cuquinha, e hoje ta se findando tudo. Tu não
tem tempo, aí quando eles vão no açougue já pegam uma, duas [cucas].” (Entrevista 39, MR).
82
Tabela 7: Os cinco produtos da transformação caseira mais freqüentes em termos de
número de estabelecimentos (n) que produziram para o autoconsumo nos municípios
pesquisados.
Veranópolis Morro Redondo Salvador das Missões Três Palmeiras
alimentos n alimentos n alimentos n alimentos n
queijo 47 schmier 43 schmier 49 banha 53
salame 46 banha 32 banha 41 salame 39
banha 45 conservas 19 salame 40 queijo 30
schmier 39 salame 16 conservas 38 schmier 27
vinho 33 queijo 07 queijo 26 melado 20
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003)
O autoconsumo de alimentos provenientes da lavoura também foi considerado. Para
Heredia (1979), seriam estes os responsáveis pela “comida” da unidade familiar. O termo
“comida”, aqui, significa a base da dieta alimentar. Não dispor destes, mesmo que havendo
produtos da horta, pomar, transformação caseira e criação animal, a família “passaria fome”
(HEREDIA, 1979). Conquanto estes alimentos continuem sendo a base do prato diário, como
o feijão, mandioca e batatas, considera-se não que estes perderam importância, mas que
outros também ganharam maior notoriedade, como as frutas e verduras, sobretudo por
garantirem uma alimentação saudável (em tempos que vigoram o colesterol, triglicérides,
etc.). Outrossim, a criação animal passa a ter maior importância. No estudo realizado por
Candido (2001), a presença da carne era esporádica, presente em refeições e dias especiais
(como os domingos), nos dias de hoje é corriqueira, compondo a mesa cotidianamente: “[...] a
gente se acostumou de ter todos os dias um pedacinho de carne, mesmo que seja pequeno,
mas tenha.” (Entrevista 43, MR).
A comparação demonstra que o grupo de alimentos provenientes da lavoura é
praticamente o mesmo nos quatro municípios, sendo eles: feijão, batata-doce, batata inglesa,
mandioca
36
, cana-de-açúcar e amendoim. A Tabela 8 apresenta os cinco mais assíduos em
termos de número de estabelecimentos que os produziram para o consumo familiar. Três
destes (feijão, batata-doce e mandioca) são comuns entre os universos pesquisados,
demonstrando mais uma vez homogeneidade nos hábitos alimentares.
36
A produção de mandioca em Salvador das Missões, além de atender ao autoconsumo das famílias, é destinada
grande parte à comercialização. Há no município a maior agroindústria familiar de produção de polvilho do
Estado, que compra a matéria-prima local, inclusive “o pessoal viu que o preço da mandioca era bom e ela não
morreu da seca o ano passado. Este ano plantaram mais e sobrou mandioca este ano” (Entrevista 16, SM). Em
2006, a Reunião Anual da Mandioca foi realizada neste município.
83
Tabela 8: Os cinco alimentos provenientes da lavoura mais freqüentes em termos de
números de estabelecimentos (n) que produziram para o autoconsumo nos municípios
pesquisados.
Veranópolis Morro Redondo Salvador das Missões Três Palmeiras
alimentos n alimentos n alimentos n alimentos n
feijão 40 feijão 41 mandioca 44 mandioca 53
batata-doce 39 batata inglesa 30 cana-de-açúcar 40 Batata-doce 44
mandioca 38 Batata-doce 18 Batata-doce 23 feijão 42
batata inglesa 15 mandioca 02 feijão 17 cana-de-açúcar 30
cana-de-açúcar 09 milho 01 batata inglesa 12 arroz 12
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
Arroz e trigo, dois cereais importantes na alimentação, somente foram encontrados em
dois municípios
37
, e em poucos estabelecimentos. As dificuldades de beneficiamento relativas
à localização das beneficiadoras e custos para pequenas quantidades podem ser fatores que
contribuem para esta condição. Também pode ser justificado, no caso do arroz, o fato de que
“O pessoal perdeu o hábito e os banhados que tinham foram drenados pra plantá soja e milho,
então arroz tem uns dois, três, quatro no máximo que ainda produzem pro consumo deles e o
resto de pessoal compra.” (Entrevista, 16, SM). Quanto ao trigo, naquelas poucas unidades
familiares que ainda o produzem, a maioria entrega o produto bruto para uma cooperativa,
sendo parte do valor pago em farinha, retirada aos poucos, conforme a necessidade da família.
“[...] Você colhe o trigo e entrega ali, e daí se você quer uma cota deste trigo pra ti retirar em
farinha pra levar pra casa cada mês, isto eles fazem. Você deixa cem sacos de trigo e diz - eu
quero destes cem sacos, dez troca em farinha - Cada mês ele vai pegar quarenta quilos de
farinha.” (Entrevista 16, SM). “Farinha de trigo, até agora nós não compremos. Agora faz dois
anos que não plantemos trigo, mas temos farinha lá [cooperativa] pra mais um ano quase.”
(Entrevista 25, TP).
A criação de animais domésticos, igualmente, é uma fonte importante de alimentação
para família. Segundo Garcia Junior (1983), a criação é uma atividade que se presta à reserva
e acumulação. Reserva porque faz face ao consumo alimentar da família, tanto de forma
direta (consumo de carne) como de forma indireta (produção de leite, ovos, etc.). Acumulação
porque não havendo necessidade de consumo, basta garantir a alimentação dos animais para
que eles se reproduzam fisicamente. Ademais, não existindo mais possibilidade de reprodução
física, e sem demanda de consumo da família, pode-se recorrer à venda, ampliando os
recursos monetários desta.
38
37
Arroz foi encontrado em Veranópolis e Três Palmeiras, e trigo, em Salvador das Missões e Três Palmeiras.
38
“[...] tenho leite pro gasto e a gente vai criando um terneiro, quando falta dinheiro, vende, e assim a gente vai
levando.” (Entrevista 42, MR).
84
Nas unidades familiares investigadas, o principal motivo para a manutenção desta
produção está vinculado à insegurança derivada do desconhecimento da sanidade e do manejo
da carne comercializada nos mercados. Esta mesma insegurança foi percebida por Menasche
(2003) entre consumidores urbanos de Porto Alegre, não se restringindo ao consumo de carne,
mas a todos os produtos de modo geral. Há a compreensão de que produzindo os próprios
animais para o consumo familiar assegura-se a qualidade, advinda do conhecimento de como
criá-los e do manejo mais natural a que são submetidos estes animais vis-à-vis àqueles
comprados. Segundo informante:
[...] não adianta tu compra as coisas, tu não sabe o que tu come. [...] Criação
cheio de berne ou doente, daí morrem, daí vendem no mercado e o pessoal
come e nem sabe o que estão comendo. Eu não sou assim, eu engordo uns
bichinhos ali. Um gado sempre tenho, estou com o freezer cheio. Galinha,
porco sempre tem (Entrevista 24, TP).
Foram encontrados os seguintes animais destinados ao consumo familiar nos universos
pesquisados: galinha caipira, suíno, novilho, vaca, frango de corte, touro e terneiro. Além
destes em Morro Redondo e Três Palmeiras foram citados: pato, boi e ovino. Os cinco mais
freqüentes em termos de número de estabelecimentos que os produziram para o consumo são
encontrados na Tabela 9. Em todos os municípios, há predominância do consumo de galinha
caipira e de suínos sobre os demais, o que pode ser justificado pelo fato destes animais
geralmente serem alimentados com produtos do próprio estabelecimento, até mesmo com os
resíduos de alimentos da família.
Tabela 9: As cinco criações animal mais freqüentes em termos de números de
estabelecimentos (n) que produziram para o autoconsumo nos municípios pesquisados.
Veranópolis Morro Redondo Salvador das Missões Três Palmeiras
alimentos n alimentos N alimentos n alimentos n
suíno 49 galinha caipira 48 galinha caipira 41 suíno 55
galinha caipira 45 suíno 37 suíno 41 galinha caipira 28
vaca 28 novilha 05 terneiro 30 frango de corte 26
frango de corte 09 vaca 05 frango de corte 25 terneiro 22
terneiro 06 frango de corte 03 vaca 23 vaca 15
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
Durante o trabalho de campo em Morro Redondo, vários entrevistados citaram a
diminuição do autoconsumo de carne suína em virtude de que “dizem que faz mal a carne de
porco, a gordura, então... Quando nós era pequeno sempre criava, agora não, tem algum que
cria aqueles porcão grande, branco, mas antigamente era aquele de banha, eu criava muito”
(Entrevista 39, MR). Várias unidades familiares possuem a compreensão que a “carne de
85
porco” compromete a saúde e, por isso, diminuíram ou abandonaram a produção de suínos.
Ainda em relação a este município e ao consumo de criação animal, é mister mencionar que
em Morro Redondo o açougue sempre esteve muito presente na vida das famílias rurais, “não
é que nem no norte do Estado. [...] Carne de rês, o pessoal, aqui, nunca criou pra consumo
próprio, claro tem quem crie, mas a maioria... Hoje praticamente ninguém mais mata porco,
ninguém mais cria, até nos açougue vendem carne de porco.” (Entrevista 41, MR). A
freqüência de estabelecimentos que produzem algum tipo de bovino (novilha, vaca, terneiros)
e suínos para o consumo familiar neste município é a menor vis-à-vis os demais (Tabela 9).
Figura 5: Criação de galinha caipira em uma unidade familiar de Veranópolis.
Fonte: Pesquisa de Campo (2006).
A Tabela 10 apresenta o autoconsumo de leite, ovos, peixe e mel para os universos
estudados. Os dados não apresentam grandes discrepâncias em torno do número de
estabelecimentos que produzem cada alimento, embora se consiga visualizar diferenças em
Morro Redondo. Neste município, exceto no caso do leite, o número de estabelecimentos que
mantêm ovos, peixe e mel para o autoabastecimento é sempre menor que nos demais
municípios.
Estes produtos constituem importante fonte de alimentação, do mesmo modo que a
produção de animais domésticos. Parte destes alimentos e dos demais citados, também são
destinados à comercialização, como é o caso do leite, da uva, citros, pêssego, feijão, milho,
etc. Alguns de modo mais esporádico, como ovos, vacas, suínos, peixes, etc. Isto se deve a
86
característica de alternatividade dos mesmos que atendem tanto ao consumo como a venda,
conferindo além de ingresso monetário, maior autonomia as unidades familiares (Capítulo 5).
Tabela 10: Autoconsumo de leite, ovos, peixes e mel, segundo a freqüência de
estabelecimentos (n) que produziram para o autoconsumo nos municípios pesquisados.
Alimento Veranópolis Morro Redondo
Salvador das
Missões
Três Palmeiras
leite 48 55 51 55
ovos 21 14 20 17
peixe 51 47 54 52
mel 21 09 30 20
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
A Tabela 11 apresenta os valores monetários anuais do conjunto de alimentos
destinados ao autoconsumo, diferenciados quanto à origem (animal e vegetal) e o total.
Verifica-se que se trata de valores expressivos, alcançando o valor total anual médio de R$
4.308,08 em Veranópolis, R$ 2.161,05 em Morro Redondo, R$ 4.223,88 em Salvador das
Missões e em Três Palmeiras, R$ 3.026,02.
Tabela 11: Produto Bruto de autoconsumo animal, vegetal e total (valor médio anual em R$)
nos estabelecimentos pesquisados.
Produto Bruto do Autoconsumo médio anual em Reais (R$) e porcentagem (%)
Município
Vegetal Animal Total
R$ % R$ %
Veranópolis 2.414,17 56,04 1.894,31 43,96 4.308,08
Morro Redondo 1.081,39 50,04 1.079,66 49,96 2.161,05
Salvador das Missões 2.026,01 47,97 2.197,87 52,03 4.223,88
Três Palmeiras 1.425,48 47,11 1.600,00 52,89 3.026,02
Total 1.736,76 50,63 1.692,96 49,37 3.430,02
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
Quanto às diferenças entre os universos sociais pesquisados, os resultados desta
Tabela são semelhantes à Tabela 3. Os valores são mais expressivos em Veranópolis, seguido
por Salvador das Missões, Três Palmeiras e Morro Redondo. Chama atenção o fato de Morro
Redondo apresentar um produto bruto de autoconsumo total
39
médio correspondente a
50,16% de Veranópolis. Comparativamente aos demais, naquele município é mais notável a
diminuição do autoconsumo e a mercantilização da produção de alimentos.
O caso mais emblemático, onde a família somente autoconsome o leite, é explicitado
abaixo quando argüido se produzia “pro gasto”. Os custos de produção, a sazonalidade desta,
39
Lembrando que se denomina produto bruto de autoconsumo total, o valor referente ao somatório: quantidade
de produtos vegetais autoconsumidos multiplicado pelo valor de venda destes alimentos, mais, quantidade de
animais autoconsumidos multiplicado pelo valor de venda destes alimentos. Ressalta-se ainda que se trata de
valores brutos, ou seja, não foi descontado os custos de produção e a depreciação.
87
o trabalho envolvido e o preço dos alimentos no mercado (tanto de venda como de compra)
são argumentos lançados para justificar a compra de praticamente tudo que é consumido pelo
casal. Embora não esteja presente no fragmento da entrevista, é mister ressaltar que se trata de
um casal de aposentados, cuja idade se aproxima aos setentas anos, corroborando com a
decisão de parar de produzir para o autoabastecimento alimentar.
Nada, batata eu compro, feijão eu compro, milho eu compro, o porco eu
compro, verdura, tudo se compra [...]. Mas sai mais barato. Dois anos atrás
eu plantei milho, o saco de milho que eu colhi saiu trinta e três reais, e no
mercado estava vinte reais. Eu vou plantar ainda? Tira do meu salário pra
botar na terra? Pra eu e ela [esposa] me judiar? Não. É mais vantagem
comprar. Porque se ela vai na horta plantar vinte pés de repolho, vinte pés
de alface, vinte de beterraba, enfim, fica pronta e eu tenho que consumir ela,
aí outro mês eu não tenho porque ela terminou e, assim, eu compro. Eu
gasto menos do que se eu fosse plantar. Um repolho assim tu compra é um
real e pra nós dá um mês, a gente não faz todos os dias mesmo. Tu quer
ver a minha horta vai lá na geladeira. Lá na geladeira tem cada
beterraba assim, e alface assim. A gente compra, guarda, tem, não se
incomoda (Entrevista 37, MR, grifos nossos).
1,69
27,12
38,98
32,21
19,35
58,07
19,35
3,23
5,17
37,93
31,03
25,87
6,78
47,46
35,59
10,17
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Veranópolis Morro
Redondo
Salvador das
Missões
Três
Palmeiras
maior à 5.000,00
3.000,01 - 5.000,00
1.000,01 - 3.000,00
menor à 1.000,00
Figura 6: Estratos do Produto Bruto de Autoconsumo Total em reais e o número de
estabelecimentos presentes em cada um deles nos universos pesquisados.
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
A Figura 6 apresenta o produto de autoconsumo total separado por estratos de valores
e o número de estabelecimentos pertencentes a cada um deles, tornando mais nítidas as
diferenças entre universos pesquisados e também dentro destes. Enquanto em Veranópolis
apenas 1,69% dos estabelecimentos pesquisados apresentam produto bruto de autoconsumo
total menor à R$ 1.000,00, em Morro Redondo, 19,35% dos estabelecimentos encontram-se
neste estrato. Em Salvador das Missões e Três Palmeiras, as proporções são, respectivamente,
88
5,17% e 6,78%. Já a porcentagem de estabelecimentos no estrato do produto de autoconsumo
total maior que R$ 5.000,00 em Veranópolis é 32,21% vis-à-vis 3,23% em Morro Redondo,
25,87% em Salvador das Missões e 10,17% em Três Palmeiras. Além destas diferenças entre
municípios, a produção “pro gasto” também é heterogênea em cada um deles como pôde ser
visto, permitindo concluir que a produção para o consumo familiar, em termos de importância
econômica, é uma estratégia com acentuada diversidade. A explicação para esta diversidade
será retomada no próximo Capítulo.
***
Pôde-se observar neste Capítulo, que a produção para o autoconsumo é uma estratégia
generalizada na agricultura familiar. Não se trata de resquício do modo de vida camponês ou
algo atrasado. Também não pode ser considerada uma produção marginal ou insignificante,
pois alcança valores monetários anuais médios de R$ 4.308,08, caso de Veranópolis. Ainda
que tenha deixado de ser a atividade principal, isto não retira ou minimiza sua importância
social e econômica para a reprodução social das unidades familiares.
40
No entanto, como já supunha a hipótese no início deste Capítulo, a produção para o
autoconsumo apresenta diferença de importância entre os universos sociais pesquisados, do
mesmo modo que a própria agricultura familiar é diversa entre estes. Veranópolis e Morro
Redondo, duas dinâmicas distintas de desenvolvimento, conforme observado nas primeiras
seções, compõem as extremidades desta diferença. Enquanto o primeiro apresenta os valores
mais elevados, o segundo depara-se com os inferiores. Salvador das Missões e Três Palmeiras
apresentam valores intermediários, mas também discrepantes entre si. Além das diferenças
entre municípios, o autoconsumo também se diferencia dentro destes, como demonstrado
especialmente na Figura 6. Visualiza-se através desta, em todos os municípios,
estabelecimentos pertencentes desde o menor estrato de valor (menor a R$ 1.000,00) até o
maior (superior a R$ 5.000,00). Malgrado estas diferenças, mesmo em Morro Redondo, que
apresenta os menores valores médios e onde parece ter sido mais intensa a mercantilização da
produção de alimentos, a produção para o consumo familiar continua respondendo por valores
anuais significativos.
Todavia a hipótese é apenas parcialmente confirmada. Pressupôs-se que haveria
diferença entre os tipos de alimentos autoconsumidos nos municípios pesquisados e o mesmo
não foi comprovado. Embora as distâncias geográficas, os diferentes cultivos agrícolas, as
40
Melhor explorados no Capítulo 5.
89
distintas culturas e as dinâmicas de desenvolvimento da agricultura familiar, observou-se que
há uma tendência a homogeneidade nos hábitos alimentares. Resultados semelhantes foram
encontrados por Wagner, Marques e Menasche (2007) ao compararem três comunidades no
Vale do Taquari (RS). Segundo as autoras, os produtos da lavoura (“roça”) e pomar pouco se
diferenciam entre as comunidades, sendo mais distinto os produtos da horta, fruto das
diferenças étnicas e hábitos alimentares. Os dados desta dissertação, contudo, indicam
homogeneidade também nos produtos da horta. Alface, beterraba, repolho, laranja,
bergamota, queijo, salame, banha, schimier/doce, feijão, mandioca, batata-doce, batata
inglesa, galinha caipira, suínos, leite e peixe são alimentos presentes em quase todos os
estabelecimentos pesquisados. A homogeneidade pode resultar de um conjunto de fatores,
entre estes a perda de raízes culturais, o aumento da disponibilidade de alimentos nos
mercados e o acesso a estes pelas unidades familiares, a influência dos meios de
comunicação, entre outros.
Depois de testada a hipótese deste Capítulo, a indagação que se coloca é a seguinte:
tendo em vista a importância do autoconsumo, porque em alguns municípios e
estabelecimentos esta produção apresenta valores expressivamente inferiores? Em outras
palavras: que fatores explicam as diferenças de importância econômica do autoconsumo entre
universos empíricos e unidades familiares?
90
4 OS DETERMINANTES DA PRODUÇÃO PARA O AUTOCONSUMO
Apesar da produção para o autoconsumo estar presente em todas as unidades
familiares nos quatro universos sociais pesquisados, percebe-se que a mesma não é praticada
com a mesma intensidade e importância em todos os estabelecimentos, diferindo
significativamente também entre os municípios. Um dos objetivos desta dissertação,
particularmente neste capítulo, é buscar explicações para estas diferenças. Sendo assim,
retoma-se a hipótese apresentada na introdução deste trabalho, que supunha que a diferença
de importância da produção para o autoconsumo entre unidades familiares e entre municípios
deve-se a fatores próprios ao universo de cada família, como, por exemplo, a composição e o
ciclo demográfico, o repertório cultural, as atividades econômicas desenvolvidas, a
proximidade aos mercados, as condições técnicas da produção agrícola (área total, assistência
técnica, etc.), a produção agropecuária (leite, uva, soja, etc.), entre outros.
Também esta diferença pode resultar de elementos particulares a cada contexto
estudado, como a intensidade na mudança da base tecnológica da agricultura, a diversificação
produtiva, as condições de vida, etc. enfim, a dinâmica de desenvolvimento de cada região.
1
Além destes elementos, busca-se refletir como a produção para o autoconsumo sofre
influência dos meios de comunicação, da utilização de determinados eletrodomésticos (freezer
e geladeira) e das facilidades disponíveis nos mercados, desde os enlatados, até alimentos pré-
cozidos.
A relevância em estudar os fatores que interferem na produção para o autoconsumo
consiste no fato de que se trata de uma importante forma de asseverar o mínimo vital, como
diria Candido (2001), e que ademais, cumpre outras funções na agricultura familiar
proporcionando-a maior autonomia (discutidas no Capítulo 5). São poucos os estudos
dedicados a este tema, porém cabe considerar o esforço realizado por Garcia Junior (1989),
Santos e Ferrante (2003) e Wagner, Marques e Menasche (2007). Para estes autores, a
produção para o autoconsumo está imbricada num complexo conjunto de elementos que
influenciam na decisão de produzir para o consumo familiar, dentre estes se destacam o
consumo socialmente necessário da unidade doméstica, a força de trabalho disponível, as
1
Deve-se considerar que a delimitação do que são fatores peculiares à família e do contexto social mais amplo, é
apenas ilustrativa para facilitar o estudo, e admite-se que muitas vezes estes fatores estão sobrepostos.
91
condições técnicas de produção (acesso a terra, qualidade dos solos, clima, equipamentos,
etc.), os preços dos alimentos nos mercados, a cultura, a motivação pessoal, a influência do
meio urbano, a valorização do trabalho feminino e o incentivo externo (extensão rural,
cooperativas, grupos religiosos, entidades assistenciais em geral). Foi com base nestas
considerações e na observação empírica dos universos pesquisados, que elencam-se a seguir
os elementos que podem explicar as diferenças encontradas entre as unidades familiares e
entre municípios.
4.1 A FAMÍLIA: bocas para comer, braços para trabalhar
Chayanov foi um dos primeiros autores a destacar a importância da família na
organização da unidade camponesa. Para o autor são a composição e o ciclo da família,
mediados pelas necessidades de consumo, que determinam a quantidade de trabalho, a auto-
exploração, a quantidade de terras, etc. Segundo Chayanov (1974), é o estudo da composição
e das leis de funcionamento da família que permite compreender a organização da unidade
econômica camponesa.
2
Conquanto à cautela na aplicabilidade do balanço entre trabalho e
consumo estipulado por Chayanov (1974) à realidade a estudada
3
, o mesmo não ocorre para a
importância da família na reprodução da agricultura familiar.
No Brasil vários estudos apontam na mesma direção. Segundo Almeida (1986, p. 66),
na década de 1980 estudos sobre a família rural receberam “uma posição de destaque inédita”
no campo da sociologia e da antropologia econômica. Autores como Garcia Junior (1983,
1989), Heredia (1979) e Santos (1978), do mesmo modo que Chayanov (1974), afirmaram a
importância da família na tomada decisão e na organização produtiva e econômica das
unidades de produção. Enquanto isto, Seyferth (1985) e Woortmann (1995) buscaram
compreender a reprodução camponesa, de geração a geração, através das relações de
parentesco, e entender a família como uma instituição que regula o comportamento e a
preservação de valores culturais. Em ambos os enfoques, correspondentes, segundo Almeida
2
Cf. discussão realizada no Capítulo 2, seção 2.1.1.
3
As considerações feitas por Chayanov (1974) baseavam-se num contexto de terras disponíveis à demanda
familiar, fato que não corresponde à realidade estudada neste trabalho (as constantes migrações das colônias
comprovam esta afirmação). O próprio autor reconhece esta limitação de sua teoria. Além disso, o consumo das
famílias é redefinido envolvendo uma ampla gama de bens materiais e culturais, muito além das necessidades
alimentares, e a demanda e penosidade do trabalho também são alteradas com as inovações tecnológicas. O
ponto de equilíbrio entre a satisfação das necessidades alimentares e o trabalho empregado não regula a
organização econômica e produtiva na agricultura familiar, que passa a ser regida pelo aumento da produção de
excedentes e o incremento do ingresso econômico. Outras considerações ver Almeida (1986), Wanderley (1998)
e Anjos (2003).
92
(1986), à questões econômicas e extra-econômicas respectivamente
4
, a família é tida como
um elemento decisivo para a reprodução social.
Nesta seção, busca-se “testar” estas considerações no âmbito da agricultura familiar,
particularmente se e como as variáveis chayanovianas, composição e ciclo demográfico,
influenciam na produção para o autoconsumo.
A Tabela 12 apresenta o número médio de residentes, consumidores
5
e Unidades de
Trabalho Homem
(UTH)
6
total nas famílias pesquisadas. Observa-se que as maiores médias
para estas variáveis encontram-se em Veranópolis, cujos números são, respectivamente, 4,59;
4,40; e 3,62. Seguindo uma ordem decrescente nos valores médios destas variáveis, entre os
municípios pesquisados, o próximo é Salvador das Missões, que apresenta, respectivamente,
os números 4,45; 4,08; e 3,05; seguido por Três Palmeiras, 4,02; 3,81; 3,00; e Morro
Redondo, 3,87; 3,67; 2,61. Evidencia-se, assim, que os municípios que apresentam as maiores
médias para o número de residentes, consumidores e UTH, são os mesmos que apresentam os
maiores valores médios para a produção para o autoconsumo. Esta relação, apurada com
maior acuidade nas tabelas seguintes, indica que estas variáveis podem ser elementos
explicativos das diferenças do autoabastecimento alimentar entre universos pesquisados e
estabelecimentos.
Tabela 12: Número médio de residentes, consumidores e UTH total segundo
universos pesquisados.
Veranópolis Morro Redondo Salvador das Missões Três Palmeiras
n. residentes 4,59 3,87 4,45 4,02
n. consumidores 4,40 3,67 4,08 3,81
UTH total 3,62 2,61 3,05 3,00
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
A Tabela 13 apresenta o valor médio do produto bruto de autoconsumo total segundo
estratos residentes. Nesta é possível visualizar uma tendência de crescimento desta produção à
medida que cresce o número de membros da família, isto é, quanto maior o número de
4
De acordo com Almeida (1986, p. 67), o primeiro enfoque analisa a família rural sob um aspecto econômico.
Investiga “[...]como a unidade familiar se reproduz no ciclo anual, combinando trabalho, recursos naturais e
conhecimento tradicional para atender ao consumo familiar e para repor os insumos necessários ao reinício do
processo.” Trata-se de uma “reprodução de ciclo curto”. O segundo enfoque persegue as questões extra-
econômicas envoltas na família, como o ciclo geracional. O interesse é pela “lógica de parentesco que perpetua
famílias via nascimento, casamento, morte e herança, [é uma forma de] reprodução de ciclo longo.” (ALMEIDA,
1986, p. 67).
5
Lembrando que uma unidade de consumidor equivale a um indivíduo com idade superior a 09 anos, enquanto
crianças com até esta idade correspondem à meia unidade consumidor, segundo metodologia de Santos (1984).
6
A Unidade de Trabalho Homem (UTH) corresponde à unidade de medida utilizada para mensurar a quantidade
de trabalho. Uma UTH equivale a 300 dias de trabalho de 8 horas diárias de uma pessoa adulta (18 a 59 anos). A
UTH total corresponde ao somatório das UTH’s da família e das contratadas por esta.
93
residentes, maior a produção alimentícia destinada ao autoconsumo, com exceção do estrato
“entre 3 e 5 residentes” em Veranópolis que apresentou valor menor. Resultados semelhantes
foram alcançados por Guevara (2002) na Colômbia, corroborando que unidades familiares
mais numerosas apresentam maior autoconsumo.
Tabela 13: Produto Bruto Autoconsumo Total em reais (R$) segundo estratos de
residentes nos universos pesquisados.
Estratos de residentes
Município
Menor ou igual a 2 entre 3 e 5 Maior ou igual a 6
Veranópolis 4.761,30 3.618,91 6.133,38
Morro Redondo 1.862,07 2.166,87 2.527,05
Salvador das Missões 3.057,82 3.536,45 7.552,70
Três Palmeiras 1.870,60 3.270,24 3.568,61
Total 2.622,04 3.145,61 5.157,93
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
Na Tabela 14 encontram-se os valores do produto bruto de autoconsumo total segundo
estratos de consumidores e de UTH total nos universos pesquisados. A primeira relação –
número de consumidores e autoconsumo - não é tão visível através destes dados. Não se
observam tendências ou correlações. Deve-se considerar, no entanto, que um número maior
de consumidores pode não corresponder a um número próximo de trabalhadores ou UTH.
Conforme exemplo citado por Garcia Junior (1989), uma família de agricultores composta
pelo casal e por três filhos crianças, apresenta um número maior de consumidores que de
unidades de trabalho, neste caso, dependendo das condições de preço de determinados
alimentos (por exemplo, a farinha de mandioca) a decisão pode ser de comprá-los e não de
produzi-los. Isto não minimiza a importância do número de consumidores. “[...] O consumo
semanal de farinha de seu grupo doméstico é um dado anterior a qualquer decisão do processo
de trabalho, uma imposição social de sua condição de chefe de família.” (GARCIA JUNIOR,
1989, p. 120, grifos no original).
A relação entre produção para o autoconsumo e número de consumidores ficou mais
evidente através das entrevistas. Segundo os depoimentos, à medida que aumenta o número de
membros e consumidores na família, cresce a demanda alimentar, “[...] já vai bem mais, cada
vez a gente vai aumentando, cada vez é mais gasto que a gente tem. A diferença que tem
quando são pequenos depois de grande, agora [os filhos] comem um boi por uma perna.”
(Entrevista 06, SM). Destarte, o número de consumidores influencia na decisão de produzir
ou comprar, e determina a quantidade produzida para o autoconsumo. Procura-se produzir de
modo suficiente e que não exceda a demanda familiar. Segundo informante, a produção para o
autoconsumo varia “conforme a família, a quantidade de pessoas na família pra comer. O que
94
adianta plantar um monte? Plantam conforme os gastos deles mesmo” (Entrevista 21, TP). Se
a produção exceder o consumo familiar, estar-se-á consumindo tempo e força de trabalho que
poderiam ser deslocados para os cultivos comerciais, do mesmo modo necessários. Percebe-se
desta forma, que o balanço estipulado por Chayanov (1974) entre trabalho e consumo
continua vigente na produção para o autoconsumo. Trabalha-se nesta, somente até atender as
necessidades da família (dada pelo número de pessoas a comer), pois acima disto, significa
um grau de exploração da força de trabalho que não lhe gera acréscimos.
Tabela 14: Produto Bruto Autoconsumo Total em reais (R$) segundo estratos de
consumidores e estratos de UTH total nos municípios pesquisados.
Menor ou igual a 2 entre 2 e 4 maior que 4
Município Consumidores
UTH
total
Consumidores
UTH
total
Consumidores
UTH
total
Veranópolis 4.524,98 3.341,58 2.968,53 4.000,55 5.435,40 5.456,87
Morro Redondo 1.931,29 2.080,64 2.342,66 2.162,99 2.080,75 2.501,32
Salvador das
Missões
3.140,09 2.962,40 3.278,53 3.395,88 6.089,27 7.723,03
Três Palmeiras 1.870,60 1.732,05 3.153,17 3.468,97 3.547,63 3.634,63
Total 2.661,04 2.343,23 2.938,03 3.224,91 4.354,43 5.324,91
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
Quanto à relação entre produção para o consumo familiar e UTH total, “ou quantas
pessoas de trabalho tem em casa” (GARCIA JUNIOR, 1989, p. 121), em todos os universos
pesquisados é possível observar que à medida que aumenta a UTH disponível, “onde tem
mais pessoal pra ajudar”, intensifica-se a produção para o autoconsumo. “Porque dá trabalho
plantar tudo isto ali. Tem que plantar e limpar e onde tem poucas pessoas no caso, não tem
como.” (Entrevista 30, V). Este foi um fator limitante freqüentemente citado nas entrevistas.
Como expressou o entrevistado: “[...] a senhora tem duas mãos, trabalha com as duas, mas se
tivesse mais duas, faz mais coisas, é quatro mãos.” (Entrevista 24, TP).
Estes dados corroboram com as variáveis chayanovianas, indicando que o número de
consumidores, de trabalhadores e o ciclo demográfico (crescimento dos filhos), como já
haviam explicitado Garcia Junior (1983, 1989) e Woortmann e Woortmann (1997), continuam
regendo as práticas e a organização das unidades familiares, mormente no que concerne a
produção de sua alimentação. Nas palavras de Garcia Junior
(1989, p. 118): “Vê-se, portanto,
que o ciclo de vida do grupo doméstico tem efeitos diretos sobre as decisões de produção e de
disposição da produção agrícola, entre vender ou autoconsumir, como seria de se esperar a
partir do cálculo camponês especificado teoricamente por Chayanov (1966).”
Investiga-se ainda a influência de outros elementos da composição da família na
produção para o consumo próprio. Conforme discutido no Capítulo 2, a produção para o
95
autoconsumo é uma tarefa geralmente de responsabilidade das mulheres. Segundo Zanetti e
Menasche, “[...] são as mulheres, eventualmente com a participação de filhas e filhos mais
jovens, as responsáveis pelos serviços domésticos, pela horta, pequenos cultivos e criações
voltadas ao autoconsumo e pelo preparo das refeições.” (2007, p. 05). No universo pesquisado
esta divisão sexual das tarefas também foi evidenciada. Segundo o depoimento, “Nós [pai e
filho] cuidamos da lavoura, do aviário, das vacas, e ela [esposa] cuida da casa, planta as
miudezas pro consumo e ajuda também nas vacas de leite.” (Entrevista 25, TP). Em muitas
famílias, quando argüidos sobre o tema, respondiam “[...] é tudo junto, eu [esposa] ajudo no
leite, ele [marido] me ajuda na horta” (Entrevista 36, MR), ou seja, os homens “ajudam” a
produzir para o autoconsumo, do mesmo modo que as mulheres “ajudam” na roça. Há,
destarte, uma divisão sexual em relação à coordenação das atividades.
Nos produtos oriundos da lavoura e da criação animal, a participação masculina é um
pouco mais freqüente, “as culturas que requerem mais áreas, aipim, amendoim, pipoca, então
estas o homem participa um pouco mais”, mas a horta é “com a mulher” (Entrevista 26, V). A
participação masculina também tem a especificidade de ocorrer “quando o marido está ali,
que não tem outro serviço” (Entrevista 38, MR), ou seja, uma “força marginal” como
originalmente denominou Tepicht.
Segundo Abramovay (1998), mencionando Tepicht, as forças marginais referem-se ao
trabalho em tempo parcial das mulheres, o trabalho das crianças e de pessoas de mais idade, e
as margens de tempo disponíveis pelo esposo. Pode-se também denominar de “forças não
transferíveis”, já que se esta família deixar sua exploração agrícola não poderá mais recorrer a
estas forças para assegurar sua subsistência (ABRAMOVAY, 1998).
7
Estas forças marginais
desempenham papel importante na produção para o autoconsumo. Além do auxílio mais
esporádico dos maridos, “quando tem tempo”, as esposas contam com a ajuda dos filhos e de
pessoas com mais idade (mãe, sogra), quando não são estas as principais responsáveis pelo
autoabastecimento alimentar.
A Tabela 15 confirma a importância do trabalho das mulheres de mais idade
(aposentadas rurais) na produção para o autoconsumo. Percebe-se que os estabelecimentos
que possuem uma mulher aposentada apresentam valor de autoconsumo maior do que os que
não possuem, exceto em Morro Redondo
8
. Zanetti e Menasche (2007) evidenciaram
7
Segundo Schneider (2004, p. 91), “O caráter não transferível das forças marginais explica-se pelo fato de que o
valor de sua produção não entra no cálculo dos custos de produção das mercadorias vendidas pelo colono. Em
geral, são atividades destinadas à manutenção da propriedade e ao consumo doméstico dos membros da família.”
8
Morro Redondo, em relação à previdência social, tem uma particularidade: “a partir do momento que chegou a
aposentadoria parece que estas pessoas – não, agora eu me aposentei não vou fazer mais nada! - aconteceu isto,
96
resultados semelhantes: “[...] quando há presença ativa de mulheres de mais idades, a
diversidade de alimentos produzidos para o autoconsumo é maior do que nas famílias em que
as mulheres são mais jovens.” (ZANETTI; MENASCHE, 2007, p. 07). Por conseguinte,
reafirma-se a influência de mais uma variável chayanoviana, a composição sexual da família,
na produção “pro gasto”.
Tabela 15: Produto bruto de autoconsumo total em reais (R$) segundo a
existência de aposentado do sexo feminino nos universos pesquisados.
Presença de aposentado feminino
Município sim não
Veranópolis 4.749,17 3.648,18
Morro Redondo 2.005,38 2.157,30
Salvador das Missões 4.995,79 3.133,18
Três Palmeiras 3.281,87 1.985,09
Total 3.843,13 2.756,74
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
Destarte, pode-se concluir ao final desta seção, que a família se mantém um elemento
que influencia na produção para o autoconsumo e na agricultura familiar. Inclusive, a família
pode ser um fator que explica a diferença de importância desta produção entre municípios e
estabelecimentos. Famílias mais numerosas, com mais consumidores, e, sobretudo, com mais
força de trabalho, apresentam maior autoabastecimento alimentar. Também contribuem para
esta condição, a presença de mulheres de mais idade. Logo, universos sociais que apresentam
médias maiores para estas variáveis, também apresentam maior produto bruto de
autoconsumo total, como é o caso de Veranópolis e Salvador das Missões.
4.2 AS CONDIÇÕES TÉCNICAS E A PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA
Esta seção aborda como as condições técnicas de produção influenciam no
autoconsumo, particularmente as variáveis: área total, capital disponível, acesso ao crédito e a
assistência técnica. Também se investiga a existência de cultivos agrícolas ou produção
pecuária que interferem ou limitam a produção para o consumo familiar.
A Tabela 16 apresenta a relação entre a produção para o consumo da família e a área
total dos estabelecimentos. Observa-se, em todos os municípios, que à medida que aumenta
área intensifica-se o produto bruto de autoconsumo total. No geral, estabelecimentos menores
isto é um pouco geral das famílias, não quererem mais produzir pro consumo próprio” (Entrevista 41, MR). Em
algumas famílias, independente do sexo, a renda da previdência rural tem servido como um estímulo para
diminuir a renda agrícola, inclusive a produção para o autoconsumo.
97
a dez (10) hectares apresentam autoabastecimento alimentar no valor de R$ 2.487,72, aqueles
com área total entre dez (10) e vinte cinco (25) hectares, R$ 3.315,50, entre vinte e cinco (25)
e cinqüenta (50), R$3.980,57, e acima de cinqüenta (50) hectares, autoconsumo no valor de
R$ 4.751,71.
Tabela 16: Produto Bruto de Autoconsumo Total em reais (R$) segundo estratos
de área total nos municípios pesquisados.
Estratos de área total (ha)
Município
menor que 10 10,01-25 25,01-50 maior que 50
Veranópolis 2.797,70 4.454,87 4.556,74 5.151,61
Morro Redondo 1.706,03 2.161,55 2.031,02 2.776,73
Salvador das Missões 3.170,73 3.746,96 5.854,22 6.834,76
Três Palmeiras 2.277,12 2.898,62 3.480,30 4.243,75
Total 2.487,72 3.315,50 3.980,57 4.751,71
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
Assim, estabelecimentos muito pequenos podem limitar a quantidade produzida de
alimentos, “que não adianta, com um pouquinho de terra, vai plantar um pouquinho de cada
coisa, não tem espaço, muito pouco” (Entrevista 06, SM). Também, as unidades familiares
podem optar por produzir no mesmo espaço culturas mais rentáveis economicamente,
maximizando o fator de produção “terra”. Independente de qual seja o caso, confirma-se que
o tamanho das propriedades rurais pode ser um fator limitante para a segurança alimentar das
famílias
9
e um dos fatores explicativos das diferenças de importância do autoconsumo entre
estas.
Outro fator considerado diz respeito ao capital disponível em máquinas e
equipamentos (Tabela 17). Os valores médios para esta variável em Veranópolis, Morro
Redondo, Salvador das Missões e Três Palmeiras são respectivamente R$ 21.056,53, R$
18.544,04, R$ 11.391,68 e R$ 12.530,81. Observa-se no caso de Salvador das Missões e Três
Palmeiras, que o autoconsumo aumenta à medida que se intensifica o capital disponível em
máquinas e equipamentos. Por exemplo, unidades familiares com capital disponível de até R$
9
Segundo estudo realizado por Benitez (1996), no Paraguai (Departamento da Cordillera), 44% das famílias
afirmam que a produção para o autoconsumo não é suficiente para atender as necessidades alimentares de todos
os seus membros, e a principal causa desta insuficiência reside na falta de terra, corroborando com a afirmação
feita acima, e na carência de recursos para comprar insumos. De acordo Bialoskorski et al. (1987) apud Norder
(2004) é possível estimar um módulo de subsistência (área necessária para a produção de alimentos para uma
família de cinco pessoas). Este módulo, para o Estado de São Paulo, ocuparia uma área de 4,77 hectares com o
cultivo (consorciado) de arroz (0,6 ha), feijão (0,29 ha), milho (3,82 ha), mandioca (186 m²), cana (900 m²) e
café (300 m²); a criação de galináceos (35 galinhas e 3 galos), suínos (2 fêmeas), caprinos (6 cabeças ), horta (10
m² por pessoa) e pomar (50 pés de banana, 30 m² de mamão, 06 pés de diversos citros) entre outros gêneros
alimentícios. Para este módulo seria necessário 0,73 mão-de-obra (homens por ano), isto é, uma pessoa da
família trabalhando durante nove meses do ano. Através deste módulo de subsistência, o abastecimento
alimentar familiar estaria praticamente completo.
98
5.000,00, em Salvador das Missões, apresentam autoabastecimento alimentar no valor de R$
3.048,37. Já aquelas com capital acima de R$ 25.000,00, o autoconsumo equivale a R$
6.570,66. Em se tratando de Veranópolis e Morro Redondo, esta relação linear não é tão
nítida.
Tabela 17: Produto Bruto Autoconsumo Total em reais (R$) segundo estratos de capital
disponível em máquinas e equipamentos nos municípios pesquisados.
Estratos de capital disponível em máquinas e equipamentos (R$)
Município
menor que 5.000 5.000,01 – 15.000 15.000,01 – 25.000 maior que 25.000
Veranópolis 2.844,76 4.879,35 4.708,03 4.902,36
Morro Redondo 1.825,83 2.406,35 2.580,35 1.995,74
Salvador das
Missões
3.048,37 4.219,32 6.125,04 6.570,66
Três Palmeiras 2.790,85 2.935,75 3.347,96 3.851,85
Total 2.684,79 3.564,60 4.031,29 4.326,59
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
Em seu estudo sobre os agricultores de Candido Godoi (RS), Lovisolo (1989, p. 94),
observa que
[...] os agricultores que possuem maquinaria defrontam-se freqüentemente
com o fato de que sua capacidade de trabalho supera a possibilidade de sua
utilização. [...] É a mecanização [...] que, num efeito sobre a força de
trabalho da família, ao potencializá-la, possibilita uma dedicação mais
intensa aos produtos de autoconsumo na unidade familiar.
Esta consideração de Lovisolo condiz com os dados de Salvador das Missões e Três
Palmeiras, todavia, como explicar que o mesmo não acorre em Veranópolis e Morro
Redondo? Acredita-se que a resposta reside nas culturas agrícolas existentes em cada universo
empírico. Nos primeiros municípios (Salvador das Missões e Três Palmeiras), a principal
cultura é a soja, e a mecanização desta atinge todas as etapas do processo produtivo, desde o
plantio à colheita, potencializando a capacidade de trabalho da mão-de-obra familiar. Em
Veranópolis e Morro Redondo, a uva e o pêssego são as principais culturas respectivamente, e
nestas, embora a mecanização, etapas importantes da produção (poda e colheita) continuam
manuais, não causando tanto efeito sobre a força de trabalho como é o caso da soja.
As entrevistas realizadas com agricultores e extensionistas corroboram com a relação
em análise. Segundo informante de Três Palmeiras, um processo produtivo mais tecnificado
propicia as unidades familiares mais tempo para se dedicar à produção para o autoconsumo.
Inclusive, neste município, é possível identificar que as famílias que produzem mais para o
autoconsumo são aquelas que apresentam maior grau de capitalização, cuja localização está
concentrada em determinadas regiões deste universo pesquisado.
99
O pessoal que tem um pouquinho mais de condição, normalmente a lavoura
é mais tecnificada, as criações mais tecnificadas, tem a horta e o pomar mais
cuidados, tem mais tempo da mão de obra pra cuidar destas atividades.
Se tu der um giro no município tu distingue bem duas realidades. Há um
divisor de águas e de riquezas. Se tu andar Caneleira, São Paulo, Bela Vista,
Santa Bárbara, são próximas ao que a gente costuma dizer ideal [as mais
capitalizadas]. Produção econômica baseada em grãos, leite, frutas,
produção de tecnologias, produção de subsistência num padrão razoável. Já
do outro lado tu vê a coisa degringola (Entrevista 26, TP, grifos nossos).
Ainda em relação à Tabela 17, em todos os universos empíricos, o menor valor médio
da produção para o autoconsumo encontra-se no primeiro estrato de capital disponível em
máquinas e equipamentos (menor que R$ 5.000,00). Isto significa, como evidenciado por
Garcia Junior (1989, 240), que “[...] diante de um estoque de terras cada vez mais reduzido e
em contínua valorização, simultaneamente as dificuldades de financiarem o acesso a
equipamentos mais modernos, [os agricultores] fazem então uso, em larga escala, da
intensificação do uso do próprio trabalho e dos membros de suas unidades domésticas.” Esta
maximização do “fator trabalho” tende a ser concentrada em atividades agrícolas de cunho
principalmente comercial (e não tanto de autoconsumo), que lhes proporcione recursos
suficientes para atender todas as necessidades, inclusive as alimentares. Esta racionalidade,
como já afirmava Garcia Junior (1989, p. 122), nada tem de idêntico ao cálculo ou
comportamento de uma empresa capitalista, “[...] mas de pessoas a reproduzir mediante o
produto da mobilização do esforço produtivo deste mesmo conjunto de pessoas.”
A Tabela 18 apresenta a relação entre produção para o consumo familiar e acesso ao
crédito. Observa-se nesta, que o autoconsumo é mais elevado naquelas unidades familiares
que acessaram crédito no ano agrícola da pesquisa. Supõe-se que a explicação para este
fenômeno vai ao encontro da Tabela anterior. Observou-se que as unidades familiares que
acessaram crédito, eram as mesmas que apresentaram maior capital disponível em máquinas e
equipamentos médio
10
, podendo o resultado da relação entre autoconsumo e crédito ser fruto
da força de trabalho ocioso na família ou da intensificação da mesma em culturas mais
rentáveis economicamente.
10
Segundo dados da Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003), em Veranópolis, os estabelecimentos que
acessaram crédito apresentam capital disponível em máquinas e equipamentos médio de R$ 34.266,75, enquanto
os que assim não procederam tem em média R$ 14.282,05. Para os demais municípios os números são
respectivamente: Morro Redondo, R$ 18.916,46 e R$ 16.992,31; Salvador das Missões, R$ 11.607,42 e R$
11.009,90; e Três Palmeiras, R$ 14.435,50 e R$ 7.825,12.
100
Tabela 18: Produto Bruto Autoconsumo Total em reais (R$) de acordo com
o acesso ao crédito em geral nos municípios pesquisados.
Acesso ao crédito
Município
sim não
Veranópolis 4.845,11 4.033,29
Morro Redondo 2.215,65 1.933,57
Salvador das Missões 4.580,31 3.595,89
Três Palmeiras 3.098,00 2.848,21
Total 3.404,51 3.420,61
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
Mais que indicar como o capital disponível (em máquinas e equipamentos) e o acesso
ao crédito interferem na produção para o autoconsumo, os resultados das Tabelas 17 e 18 vão
ao encontro do afirmado no Capítulo 2, de que, embora a adoção de técnicas modernas de
produção, a inserção aos mercados (aqui representado pelo acesso ao crédito), e as
transformações daí derivadas, a produção para o autoconsumo continua uma estratégia
recorrente na agricultura familiar. E ainda, como afirmam Ploeg (1990) e Gazolla (2004), a
diminuição do autoconsumo não significa maior mercantilização da agricultura, e, do mesmo
modo, maior mercantilização da agricultura não é sinônimo de redução do autoabastecimento
alimentar. Complementam e confirmam esta consideração a Tabela 19, que apresenta o grau
de inserção do processo produtivo aos mercados, medido pela relação entre produto bruto de
venda total sobre produto bruto total, e o valor da produção para o autoconsumo nestes.
Visualiza-se através desta, nos universos pesquisados, a inexistência de confluência entre
estas variáveis. O produto bruto de autoconsumo total não apresenta tendência ou
regularidade à medida que aumenta o grau de inserção do processo produtivo aos mercados.
Portanto, a produção para o consumo familiar independe da mercantilização da agricultura.
Tabela 19: Produto bruto de autoconsumo total em reais (R$) segundo a relação entre
produto bruto de venda total (PBVT) sobre produto bruto total (PBT) nos municípios
pesquisados.
Estratos de PBVT/PBT
Municípios
menor que 0,25 0,26 –0,50 0,51-0,75 maior que 0,76
Veranópolis 3.330,71 3.788,77 5.583,02 4.155,90
Morro Redondo 1.391,18 2.779,77 2.733,17 1.761,62
Salvador das Missões 3.833,29 3.215,81 5.514,12 3.769,96
Três Palmeiras 1.675,55 2.909,15 3.093,37 3.174,12
Total 2.842,55 3.178,63 3.940,42 3.211,51
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
As variáveis analisadas na seqüência, complementando o exposto acima, discutem os
demais fatores que interferem no autoconsumo, como é o caso da assistência técnica (Tabela
101
20). As unidades familiares que receberam alguma forma de assistência técnica (Empresa de
Assistência Técnica e Extensão Rural -EMATER, cooperativa, empresa integradora,
Organizações Não-Governamentais - ONG’s, etc.) apresentam valores médios de
autoconsumo mais elevados que as desassistidas. Em todos os municípios, quando indagados
sobre quem incentivava a produção para o consumo familiar, freqüentemente a EMATER foi
citada. Além das reuniões com as famílias onde se incentiva a manutenção da horta, do
pomar, da criação animal, dos produtos da lavoura e da transformação caseira, o trabalho da
EMATER em relação ao autoconsumo, materializa-se na aquisição de equipamentos, por
exemplo, “35 sovadeiras de pão elétricas pra estimular as mulheres a produzir a bolacha,
biscoito, a moer a carne” (Entrevista 26, TP); no resgate de práticas tradicionais, como
“aqueles forno de barro, pra fazer um pão, rosca, assar uma carne, uma costela” (Entrevista
16, SM); na distribuição de “frangas pro pessoal criar, e alevinos” (Entrevista 41, MR); em
quintal doméstico na escola pra “mostrar a importância de ter várias frutas em casa, pra chás,
comer. Tem frutas o ano inteiro” (Entrevista 41, MR); e cursos técnicos e de práticas
alimentares (receitas, multi-misturas, etc.).
Tabela 20: Produto Bruto Autoconsumo Total em reais (R$) de acordo com
o acesso a assistência técnica nos municípios pesquisados.
Acesso à assistência técnica
Município
sim não
Veranópolis 4.582,14 3.774,85
Morro Redondo 2.357,92 1.715,52
Salvador das Missões 4.431,78 2.924,54
Três Palmeiras 3.354,06 2.609,67
Total 3.711,31 2.730,68
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
No entanto, esta relação positiva entre produção para o consumo familiar e extensão
rural nem sempre foi assim. No ímpeto da modernização tecnológica, muitos extensionistas
rurais estimularam as unidades familiares a diminuírem esta produção e intensificar a
produção de commodities. Atualmente, a questão da segurança alimentar tem sido o principal
argumento utilizado pelos técnicos e assistentes sociais para as famílias incrementarem a sua
própria produção de alimentos. Ademais, outros elementos são considerados, como é o caso
do turismo rural em Veranópolis.
Hoje nós estamos fazendo o contrário. Uma vez nós já estimulamos que
comprassem nos mercados que era mais fácil. Hoje voltemos a dizer a eles,
que eles têm que produzir o queijo, salame, produzir as hortaliças, por causa
desta questão de segurança alimentar e também por que nós temos uma
102
região, que nós estamos trabalhando com turismo rural, então a gente
procura incentivar as famílias a ter o seu forno, pra ter o pão, pra fazer o
biscoito, a terem a horta como atração turística, o jardim, estas coisas todas,
o paisagismo, os ovos, o prazer de fazer uma comida com sabor...
(Entrevista 36, V).
Além das condições técnicas de produção, investigou-se ainda a existência de
produção agropecuária que influenciam no autoconsumo. Quando argüidos sobre o tema,
alguns depoentes citaram a produção de pêssego, uva e a produção leiteira. Na opinião destes,
as famílias que tem uma destas produções, produzem menos para o consumo, por que estas
são atividades mais intensas em trabalho, “[...] não sobra muito tempo, que nem aqui tem as
vacas de leite, não sobra tempo pra nada.”
11
(Entrevista 19, TP). Quem produz mais “pro
gasto”, “tem menos parreira, daí eles plantam mais estas coisas, milho, estas coisas. Tem mais
tempo de ir atrás”
(Entrevista 27, V), “[...] eles tem mais gente pra trabalhar. De repente, eles
não têm o aviário pra cuidar, eu tenho, eles não têm chácara de pêssego” (Entrevista 39, MR).
Na realidade, “[...] pra não ter que atrapalha, precisa ter quem ajude fazer os serviços. Que
nem nós dois, nós até temos umas vaquinhas, mas dá muito serviço. Tiramos o leite só pra o
café, o resto vai pros terneiro.” (entrevista 20, TP). Ou seja, ao manterem estas atividades
mais intensas em trabalho, como a vitinicultura, a persicultura e a produção leiteira,
dependendo do número de membros da família, a produção para o autoconsumo pode estar
comprometida, satisfazendo-se as necessidades alimentares por outros meios como a compra,
“A gente compra batata, feijão, arroz, farinha de milho, carne.” (Entrevista 19, TP).
A cultura da soja, de certo modo, também acaba interferindo na produção para o
autoconsumo. Se observado apenas o manejo, e mais recentemente com a soja transgênica que
“não dá muito serviço” (Entrevista 19, TP), o fator “intensidade de trabalho” não é o
limitante. O ciclo da planta é de poucos meses e todas as etapas de produção são mecanizadas.
Porém, como acontecido durante a modernização da agricultura, e como ocorre com as
videiras em Veranópolis e a persicultura em Morro Redondo, as unidades familiares têm dado
preferência para as culturas com maiores retornos econômicos, “[...] então ao invés de ter
meio hectare de parreira, eu tenho dois e deixo de cuidar das miudezas.” (Entrevista 36, V).
No caso da soja, em anos recentes quando o preço de venda esteve elevado, “o pessoal
destruiu até a própria horta” (Entrevista 26, TP) para cultivar este cereal. Até mesmo em
Veranópolis, que desde os anos 1980 não produziam soja, quando o preço elevou-se, algumas
11
Em outro depoimento, referindo-se a atividade leiteira um agricultor afirmou: “a gente está preso de certa
forma. A gente perde bastante liberdade tendo as vacas. Anos atrás as pessoas atavam as vacas, agora as
vacas atam as pessoas, porque perde a liberdade, tem que estar todo tempo cuidando e trabalhando, é pasto, é
tudo” (Entrevista 10, SM, grifos nossos).
103
unidades familiares “[...] trocaram o leite pra por soja na lavoura, acabou com pastagens pra
por soja, o pessoal trocou milho também pela soja em 2004. Dava mais que a uva.”
(Entrevista 36, V). É em função desta reorganização da unidade produtiva, e não
propriamente pelas características da cultura, que a soja acaba interferindo na produção “pro
gasto”.
Igualmente, a criação de frangos de corte no sistema de integração tem uma
especificidade em relação à produção para o autoconsumo. As unidades familiares neste
sistema, recebem orientação das empresas para eliminar a produção de outras aves (galinha
caipira, ganso, etc.) ou mantê-las em local fechado e distante do aviário, como uma medida de
controle sanitário. Como evidenciaram também Zanetti e Menasche (2007), esta restrição tem
favorecido a diminuição do consumo de alimentos provenientes das criações, particularmente,
galinha caipira. Conforme o relato: “[...] galinha caipira um pouco tem, mas eles [empresa
integradora] não querem por causa do aviário, até nós tinha bastantes patas, ganso bastante e
começaram a complicar com estes bichos ali.” (Entrevista 43, MR).
Destarte, não é possível estabelecer uma relação direta entre estas culturas e a
produção para o autoconsumo, ou seja, que as unidades familiares que produzem soja,
pêssego, uva, que têm vacas de leite ou aviário, têm menor produção para o consumo familiar.
Apenas evidenciou-se que estes são elementos, como também é a área, o capital disponível
(em máquinas e equipamentos), o acesso ao crédito e à assistência técnica, que podem, em
conjunto com outros mais, influenciar nesta produção. O mesmo não pode ser dito ao
processo de mercantilização da agricultura, que, como visto, não apresenta confluência com o
autoabastecimento alimentar. Este dado é particularmente importante, para comprovar que,
embora a passagem de camponeses para agricultores familiares (determinada
fundamentalmente por aquele processo), o autoconsumo permanece e é relevante para esta
categoria social.
4.3 DINHEIRO E COMIDA: as diferentes fontes de renda
Esta seção investiga como as diferentes estratégias de renda utilizadas pelas unidades
familiares se relacionam com a produção para o autoconsumo. Para critério de análise, serão
consideradas as fontes de rendas evidenciadas pela pesquisa AFDLP
UFRGS/UFPel/CNPq
(2003)
e que compuseram a renda total das unidades familiares, quais sejam: benefícios da
previdência social que geraram rendimentos, renda de atividades não-agrícolas e a renda
104
agrícola.
12
Valores médios destas podem ser observados na Tabela 21. Os valores médios
mais elevados para todas estas rendas são encontrados em Veranópolis, sendo eles,
respectivamente, R$ 5.368,60; R$ 5.617,07; R$ 14.853,28; e R$ 26.969,50 (renda total). Os
valores mais baixos encontram-se em Três Palmeiras, cujos valores são: R$ 1.671,89 oriundo
da previdência social, R$ 722,20 de atividade não-agrícolas e R$ 11.033, 12 de renda total.
Quanto à renda agrícola, o valor mais baixo é encontrado em Morro Redondo, R$ 6.610,55.
Tabela 21: Valores médios em reais (R$) da previdência social, renda de atividades não-
agrícolas, renda agrícola e total nos universos pesquisados.
Rendas Veranópolis Morro Redondo Salvador das Missões Três Palmeiras
Previdência Social 5.368,60 3.343,40 2.957,91 1.671,89
Atividades não-agrícolas 5.617,07 2.339,16 2.957,91 722,20
Agrícola 14.853,28 6.610,55 12.047,52 8.081,40
Total 26.969,50 12.914,83 18.911,28 11.033,12
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
A previdência social, como brevemente comentada no Capítulo anterior, constitui uma
importante fonte de renda para a reprodução das unidades familiares.
13
Alguns estudos
apontam que, além de cumprir com sua função de seguridade social, acaba financiando a
atividade agrícola e atendendo as despesas correntes dos estabelecimentos (DELGADO,
CARDOSO JUNIOR, 2001; CALDAS, ANJOS, 2005). Contribuindo para este tema, esta
dissertação aborda a relação entre previdência social e produção para o autoconsumo.
Os dados da pesquisa, apresentados na Tabela 22, apontam que em Veranópolis e
Salvador das Missões, a produção para o consumo da família é mais elevada nos
estabelecimentos que recebem benefícios da previdência social (respectivamente, R$ 4.509,82
e 4.737,09), se comparada com os que não auferiram (R$ 3.596,06 e R$ 3.384,09,
respectivamente). Já em Morro Redondo e Três Palmeiras o cenário é o oposto, o
autoconsumo é maior naqueles estabelecimentos que não receberam benéficos da previdência
social (respectivamente, R$ 2.399,89 e R$ 3.155,31), e menor naqueles que se apoderaram
(respectivamente, R$ 2.038,73 e R$ 2.850,20).
12
Na pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003), fizeram ainda parte da renda total as rendas provenientes
de outras fontes (aluguéis de imóveis e máquinas; pensões judiciais; juros de empréstimos e aplicações
financeiras ou poupança; e recebimento de dinheiro de familiares de forma periódica) e outras rendas do trabalho
(rendas obtidas necessariamente fora da UP e de atividades inerentes ao setor agropecuário). Porém estas fontes
de rendas não foram consideradas nesta análise em função do pequeno número de casos encontrados e de sua
importância comparativamente as demais citadas.
13
Segundo Caldas e Anjos (2005, p. 17), mesmo em localidades com alto Índice de Desenvolvimento Humano,
como é o caso de Veranópolis e Salvador das Missões, “[...] a previdência social é hoje um dos grandes esteios
da economia local.” Para municipalidades submetidas a condições exatamente opostas, caso de Morro Redondo
e Três Palmeiras, “[...] a previdência ergue-se hoje como instrumento através do qual torna-se possível garantir a
permanência de pessoas no campo e nos pequenos municípios brasileiros.” (CALDAS, ANJOS, 2005, p. 17).
105
Tabela 22: Produto Bruto de Autoconsumo Total em reais (R$) segundo a
presença no estabelecimento de aposentados ou pensionistas nos municípios
pesquisados.
Presença de aposentados
Município
Sim não
Veranópolis 4.509,82 3.596,06
Morro Redondo 2.038,73 2.399,89
Salvador das Missões 4.737,09 3.384,09
Três Palmeiras 2.850,20 3.155,31
Total 3.600,20 3.098,63
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
Em Veranópolis e Salvador das Missões, supõe-se que a previdência social e a
presença destas “forças marginais” acabam intensificando a produção alimentar para o
consumo próprio. Nestes municípios, esta produção, além de atender o mínimo calórico
especificado por Wolf (1976), se torna também uma atividade de lazer para as pessoas mais
idosas, um “passo-tempo” e distração, “que se a gente parar é capaz de adoecer” (Entrevista
36, MR). Segundo entrevistados:
Até que eu posso plantar, eu faço. Eu gosto, faz parte, porque senão tu fica
dentro de casa o dia inteiro, começa a botar idéia, a gente sai fora de tarde é
uma distração pra gente. Eu sempre gostei de ter as minhas coisas, o dia que
precisa tu vai lá e pega (Entrevista 31, V).
Este é o prazer do meu marido, mas se ele pode ir na rocinha dele, atrás dos
animais, cuidar da criação... Ele é aposentado agora, isto é o passa-tempo
dele (Entrevista 05, SM).
Em Três Palmeiras e, especialmente, em Morro Redondo, a renda da previdência
social oferece certa estabilidade, o que quiçá antes não fosse atingido, e estas “forças
marginais” “se dão ao direito de descansar”, diminuindo a intensidade da atividade agrícola e
também da produção para o autoconsumo. A penosidade do trabalho, tal como evidenciado
por Chayanov (1974), torna-se um elemento relevante, “[...] porque eles que nunca ganharam
nada, ganhar um salário de trezentos, quatrocentos reais por mês, quando tem um casal,
setecentos reais por mês, eles não tem necessidade de ficar cultivando tomate, repolho. Tu
tem dinheiro, tu vai lá no mercado e compra.” (Entrevista 36, V).
Deve-se considerar também que alguns aposentados apresentam limitações físicas,
pela idade ou saúde, para desenvolver estas atividades, corroborando com os resultados da
Tabela anterior.
14
Em termos gerais não é possível chegar a uma conclusão sobre a existência
14
“Nós dois estamos aposentados, então é uma grande ajuda, ainda que o salário é meio baixo, mas ajuda. Claro
a gente tem outras coisas por fora, leite, frangos, mas eu também não posso fazer muitas coisas. É aqui são só
106
de confluência entre o autoconsumo e a previdência social. Em alguns estabelecimentos esta
produção é mantida e incrementada, enquanto em outros é reduzida, dependendo das
condições da própria família e do ambiente socioeconômico local.
Outra fonte de renda analisada é a renda de atividades não-agrícolas. Estudos já
apontaram a importância da pluriatividade para a reprodução social das unidades familiares
(SCHNEIDER, 2003, 2004; ANJOS, 2003) e, mais recentemente, tem-se procurado
aprofundar este tema e relacioná-lo com outras dimensões da reprodução social, como as
condições de vida dos agricultores familiares (SCHNEIDER et al., 2006). Neste sentido,
aborda-se aqui, a relação entre esta fonte de renda e a produção para o autoconsumo.
Conforme a Tabela 23, os estabelecimentos familiares exclusivamente agrícolas
apresentam valores de autoconsumo um pouco superiores aos pluriativos. Cita-se, a exemplo,
o caso de Morro Redondo, onde esta diferença, mesmo que pequena, é mais expressiva. Aqui,
os estabelecimentos exclusivamente agrícolas apresentam produto bruto de autoconsumo total
no valor de R$ 2.248,48, enquanto os pluriativos, R$ 2.040,01. A exceção a esta regra ocorre
em Salvador das Missões. Neste, ao passo que os pluriativos apresentam autoconsumo de R$
4.700,54, os exclusivamente agrícolas, R$ 3.808,73.
Tabela 23: Produto Bruto de Autoconsumo Total em reais (R$) segundo
indicador de pluriatividade nos municípios pesquisados.
Município
Indicador de pluriatividade
Pluriativo Exclusivamente Agrícola
Veranópolis 4.278,80 4.351,77
Morro Redondo 2.040,01 2.248,48
Salvador das Missões 4.700,54 3.808,73
Três Palmeiras 2.912,56 3.071,95
Total 3.611,68 3.251,73
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
A partir destes dados, poder-se-ia supor que, ao combinar atividades agrícolas com
não-agrícolas, as unidades familiares utilizam a força de trabalho disponível de modo mais
intenso, diminuindo o tempo antes destinado à produção “para o gasto”, e/ou que o
recebimento de mais uma renda contribui para a aquisição de alimentos comprados vis-à-vis à
produção.
Quanto à primeira suposição, a mesma não foi evidenciada empiricamente.
Geralmente as famílias pluriativas são mais numerosas que as exclusivamente agrícolas
quatro pessoas pra comer, não se gasta muito. Plantei 100 pés de repolho, amarelou tudo, dá uma chuva,
apodrece tudo. Então a gente planta aquela quantidade e não é vendido. Só pro gasto é demais. Então a gente
compra, sempre verdura nova, é um ou dois por semana.” (Entrevista 39, MR, grifos nossos).
107
(SCHNEIDER et al., 2006) e, deste modo, o deslocamento de um membro para o exercício
destas atividades não afeta o trabalho na unidade de produção e nem o autoconsumo.
Ademais, muitas destas atividades não-agrícolas ocupam tempo parcial
15
e/ou são atividades
sazonais (como é o caso mais recorrente em Morro Redondo), e também existe a estratégia de
produzir para o autoconsumo “[...] depois do horário de expediente e em sábado, a gente faz
isto nas horas vagas.” (Entrevista 05, SM).
Não obstante, é mister considerar que dependendo da atividade não-agrícola
(principalmente em relação ao tempo ocupado), de quem a executa e do número de pessoas
ativas na família, a pluriatividade pode ser um fator a somar na decisão de diminuir a
produção “pro gasto”. Cita-se como exemplo hipotético, a realização de uma atividade não-
agrícola de quarenta horas semanais pela esposa, principal responsável pela produção para o
autoconsumo. A Tabela 24 tentar representar esta situação sem considerar, no entanto, a carga
horária. Embora os resultados não permitam alcançar uma resposta mais concisa, toma-se a
particularidade de Veranópolis, que mais expressa a situação de esposas colonas-operárias,
submetidas a tal tempo de trabalho fora do lar. Neste caso, observa-se que os
estabelecimentos em que a esposa desenvolve atividades não-agrícolas, apresentam menor
produção para o autoconsumo (R$ 4.096,50) em face daqueles onde não são elas que
executam (marido, filhos ou outros membros) (R$ 4.441,17). Segundo Tedesco (1999),
embora a casa e as “miudezas” continuem sob responsabilidade das colonas-operárias, a
quantidade da última tem diminuído nestes casos.
Tabela 24: Produto Bruto de Autoconsumo Total em reais (R$) segundo a realização de
atividade não-agrícola pela esposa entre os estabelecimentos pluriativos nos municípios
investigados.
atividade não-agrícola desenvolvida pela esposa
Município
sim não
Veranópolis 4.096,50 4.441,17
Morro Redondo 2.802,27 1.830,48
Salvador das Missões 4.050,23 4.552,55
Três Palmeiras -* 2.888,45
Total 3.851,92 3.470,82
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
*nenhum caso na amostra.
Quanto à suposição de que uma fonte de renda a mais contribui para aquisição de
alimentos via mercado, do mesmo modo que a renda da previdência social, a renda de
atividades não-agrícolas proporciona maior estabilidade financeira à família e pode favorecer
15
Como demonstra o depoimento: “Ela só tem 24 horas semanais [como professora] e daí o resto de tempo ela
está em casa igual, ajudando.” (Entrevista 10, SM).
108
o aumento do consumo de alimentos comprados e a diminuição da produção para o
autoconsumo. Todavia, em alguns casos, “[...] esta outra renda pode ser um apoio financeiro
para organizar melhor a horta, o pomar, porque tem mais recursos pra fazer isto [...] tem estes
dois lados.” (Entrevista 16, SM).
Destarte, a relação entre pluriatividade e produção para “pro gasto” depende do tipo de
atividade não-agrícola realizada (tempo integral, parcial, sazonal), de quem e quantos a
executam, da composição da família e ainda depende “[...] da conscientização, da visão de
cada produtor, de cada pessoa que trabalha numa outra atividade.” (Entrevista 16, SM).
Também foi analisada a relação da produção para o autoconsumo com a renda agrícola
e a renda total, que apresentam resultados semelhantes (Tabelas 25 e 26). Evidenciou-se que à
medida que aumenta a renda agrícola e a renda total, aumenta a produção para o consumo
familiar, exceto no último estrato de renda total (maior que R$ 30.000,00) nos casos de Morro
Redondo e Três Palmeiras, onde decaiu.
16
Conforme observado também por Norder (2004),
Santos e Ferrante (2003) e Guevara (2002), esta produção é superior nas unidades familiares
mais capitalizadas. Segundo Guevara (2002, p. 79),
[...] las familias que tienen mejores condiciones para la producción
agropecuaria son los que tienen, al mismo tiempo, los más altos
niveles de autoconsumo y mejores posibilidades de éxito en la
generación de bienes mercadeadles, lo cual nos indica que el
autoconsumo e integración al mercado no competen entre si por los
recursos productivos sino que se complementan.
Deste modo, “[...] não dá pra dizer que os mais capitalizados abandonaram a produção
para o autoconsumo” (Entrevista 36, V), como alguns poderiam presumir. Mais que isto, estes
dados confirmam que o autoconsumo não é uma pratica realizada apenas por propriedades
decadentes, mas também recorrente em agricultores familiares consolidados. É justamente
naquelas unidades familiares que se encontram mais vulneráveis socialmente, que a produção
para o autoconsumo é mais arrefecida. São estes que produzem menos para o consumo da
família, contudo, é nestes que esta produção é mais importante, respondendo em média a
41,37% da renda total (Tabela 26). Como mencionado por Anjos et al. (2004), a importância
do autoconsumo vai sendo diluída à medida que se eleva a renda total, mesmo que em valores
absolutos tenha se elevado consideravelmente.
16
Esta diferença pode ser explicada pelo fato de que, nestes municípios, há maior diferenciação social e
concentração de renda entre os agricultores, e as explorações com maior densidade econômica devem estar
localizadas neste estrato de renda. A maior intensidade econômica destes estabelecimentos pode estar
acompanhada de uma tendência à compra de alimentos ao invés de produzi-los.
109
Tabela 25: Produto Bruto de Autoconsumo Total em reais (R$) segundo estratos de renda
agrícola nos municípios pesquisados.
Estrato de renda agrícola
Município
menor que 5.000 5.000 – 10.000 10.000 – 15.000 maior que 15.000
Veranópolis 3.473,43 3.957,66 3.341,91 5.434,35
Morro Redondo 1.642,85 2.262,90 2.865,94 3.716,25
Salvador das Missões 2.444,86 3.960,26 6.368,45 5.885,64
Três Palmeiras 2.239,28 3.808,13 3.983,43 4.374,50
Total 2.317,48 3.428,36 4.149,14 5.244,76
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003)
Tabela 26: Produto Bruto de Autoconsumo Total em reais (R$) segundo estratos de renda total
nos municípios pesquisados.
Estratos de renda total
Município menor 10.000 %* 10.000 - 20.000 %* 20.000 - 30.000 %* maior 30.000 %*
Veranópolis 3.169,20 46,77 3.469,36 21,79 3.947,61 15,32 4.384,05 09,87
Morro
Redondo
1.668,38 31,28 2.405,14 17,77 3.559,03 14,80 1.471,39 03,65
Salvador das
Missões
2.651,23 45,34 3.727,29 26,75 5.827,72 22,89 7.060,29 10,66
Três
Palmeiras
2.651,55 44,65 3.688,42 26,58 6.490,98 23,63 2.963,51 05,17
Total 2.405,31 41,37 3.261,17 22,78 4.809,89 18,98 5.103,83 10,57
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003)
*Percentual do produto bruto de autoconsumo total na renda total média segundo os estratos de renda.
Como explicar que o autoconsumo é inferior em valores absolutos nas unidades
familiares onde ele é mais importante? Acredita-se que a resposta a este interrogante reside
também na potencialização do “fator trabalho”, tal como ressaltado na Tabela 17, referente à
relação entre autoconsumo e capital disponível em máquinas e equipamentos. Ao dispor de
menor capital disponível (em máquinas e equipamentos) e menor renda monetária, as
unidades familiares tendem a concentrar os esforços em culturas agrícolas ou atividades que
proporcionem maior retorno econômico no tempo e por mão-de-obra empregada, fazendo
frente às necessidades que emanam. Trata-se de uma estratégia para maximizar os recursos
disponíveis. Norder (2004) justifica o fato alegando que os descapitalizados possuem menos
recursos (terra, renda monetária, etc.) para gerir a produção. Um incremento nos recursos
financeiros “[...] ao invés de restringir a produção autônoma de alimentos, vem a reforçar,
ainda mais, uma vez que permite a mobilização dos recursos necessários a sua realização.”
(NORDER, 2004, p. 212). Embora não se desconsidere a influência destes elementos
17
,
17
Cf. discutido na seção antecedente e expressa no depoimento (respondendo as características das unidades
familiares que apresentam autoconsumo elevado): “[...] as que têm mais terra. Se tem mais terra e mais que a
gente pra pode investir na terra. Agora também não adianta tu ter bastante terra, se tu não tem pra te sustenta ali,
pra pode investir, assim como nós. [...] como tem gente por aí que tem um monte de terra e eles têm, eles têm o
110
pondera-se como primária e fundamental a justificativa prévia, dado que geralmente a
produção para o consumo familiar é realizada em áreas pequenas, às vezes até em locais que
não permitem a mecanização (pelo tamanho, topografia e localização) e freqüentemente é
isenta de agrotóxicos ou adubos químicos.
18
Isto permite concluir que, em relação ao
autoconsumo e a renda agrícola e renda total, como já diz o ditado, “dinheiro não é o
problema, é a solução”.
4.4 O REPERTÓRIO CULTURAL: “herança que vem de casa”
Esta seção investiga como a produção “pro gasto” é influenciada pelo repertório
cultural dos agricultores, entendido, de acordo com Ploeg (2003), como um conjunto de
noções estratégicas sobre como a agricultura deve praticada. Estas noções guiam as ações
práticas e o comportamento dos agricultores. Trata-se de um modelo de tomada de decisão
que é repetidamente compartilhado por um amplo número de agricultores, onde é discutido e
transformado. Como discutido no Capítulo 2, pode-se afirmar que o repertório cultural que
guia a prática agrícola dos agricultores familiares não é o mesmo daquelas unidades familiares
pouco inseridas aos mercados, principalmente antes da modernização tecnológica da
agricultura. Contudo, elementos deste permanecem, sobretudo no que diz respeito à produção
para o autoconsumo. Como afirmado por um entrevistado, esta produção é uma “herança que
vem de casa” (Entrevista 25, TP), e do grupo social pertencente de um modo mais amplo.
A produção para o autoconsumo possui o atributo de ser algo que “[...] já vem de casa
e daí eu aprendi, isto eu aprendi de família.” (Entrevista 07, SM). O fato de acompanhar a
rotina de trabalho dos pais, “a gente ia junto semear, capinar”, de “vê trabalhá” e em certa
medida ajudar nas atividades, “a gente ia plantando os brotos de batata, [...] de tudo”
(Entrevista 28, V), possibilitava o aprendizado e o conhecimento para, em anos seguintes,
quando constituída uma nova família, satisfazer parte das necessidades alimentares por meio
do próprio trabalho sobre a terra. A experiência acumulada junto aos pais e o fato de sempre
ter trabalhado na agricultura são elementos citados como responsáveis pelo conhecimento da
dinheiro para eles compra. Aí deste a semente, compram tudo à vista e coisa, e a gente que não tem...”
(Entrevista 06, SM).
18
“Na verdade, ali [pro gasto], só comprar a semente, porque a área já está ali, adubação a gente tem aqui
mesmo, não tem muito gasto, só a semente. Não uso nenhum veneno. Só a mão-de-oba, este é o problema. O
único gasto é com mão-de-obra, daí se tu vai pagar alguém pra fazer isto, sai mais barato comprar.” (Entrevista
19, TP).
111
produção para o consumo familiar, “aprendi com o pai e a mãe”, e também pela sua
manutenção, “a gente foi criada nisto, tem que continuar” (Entrevista 36, MR).
A importância deste repertório cultural pode ser melhor compreendido no depoimento
abaixo, que expressa as dificuldades de alguém que não possui esta bagagem, confirmando
que este pode ser um dos fatores que explica a diferença de importância do autoconsumo entre
as unidades familiares.
[...] eu e a sogra cuidamos, aqui em casa, da horta, miudezas [...] Mais é com
ela [sogra]. Eu ajudo, não tenho muita experiência, não sei muito cuidar
destas coisas, que eu nunca trabalhei na lavoura, faz seis anos que eu moro
aqui, sempre morei na cidade, daí nem sei como se lida assim muito, mas
com o tempo já to... (Entrevista 21, TP).
Percebe-se, deste modo, que há diferenças entre quem possui esta herança cultural.
Para captar mais bem esta diversidade, adotou-se como ponto de partida analisar os diferentes
grupos étnicos de cada município, e como estes se relacionam com o autoconsumo.
Em Salvador das Missões encontram-se alemães e caboclos. Segundo depoimentos e
verificado empiricamente, há diferenças entre ambos. Para os alemães, conquanto as
mudanças decorrentes da mercantilização da agricultura, esta produção é interpretada como
parte da identidade do colono (Capítulo 5). Os caboclos também produzem para o consumo
familiar, porém, conforme depoimentos, em menor intensidade,
[...] o hábito dele é mais plantar uma cana, mandioca eles não deixam de
plantar, batata-doce eles sempre tem, uma galinha solta, todos tem um pouco
de galinha, um terneiro e um porco. Pro consumo da família eles sempre têm
alguma coisinha, mas eles pecam na horta, no pomar (Entrevista 16, SM).
Ao analisar estas diferenças, é mister considerar, como já afirmava Candido (2001, p.
32), que “[...] há para cada cultura, em cada momento, certos mínimos abaixo dos quais não
se pode falar em equilíbrio. Mínimos vitais de alimentação e abrigo, mínimos sociais de
organização para obtê-los e garantir a regularidade das relações humanas.” Assim, as
quantidades produzidas para o autoconsumo em um grupo podem ser adequadas, enquanto
para outro, insuficientes. Além desta questão cultural, não há como desconsiderar,
principalmente para o caso dos caboclos, que fatores estruturais (área, capital disponível, etc.)
corroboram para estes resultados, visto que geralmente estes são mais descapitalizados.
Em Veranópolis há italianos e, do mesmo modo que entre os alemães em Salvador das
Missões, as “miudezas” estão muito presentes na vida destas unidades familiares. O italiano
“[...] sem horta não sobrevive. Tem que ter horta. A mulher sem horta na colônia, ela fica
112
estressada. É um prazer, porque, além das hortaliças, elas têm junto as plantas medicinais, o
tempero, o chazinho.” (Entrevista 36, V). Há no município também algumas famílias
polonesas, que apresentam poucas diferenças em relação ao italiano. “Os poloneses
começaram a se italianizar, eles começam a ter mais hábitos de italianos, eles até começaram
a plantar igual os italianos”, mas ainda há particularidades como o primeiro “plantar mais
feijão que o italiano” (Entrevista 36, V).
Em Morro Redondo e Três Palmeiras há várias etnias: italiano, alemão, caboclo e
português. Nestes universos empíricos, o autoconsumo não se diferencia entre etnias, “é um
carrerão” (Entrevista 20, TP). No primeiro município, a diminuição do autoconsumo atinge a
maioria dos estabelecimentos, independente das etnias. A perda do repertório cultural, mesmo
que este pudesse apresentar diferenças entre etnias, sobressai-se na maior parte das unidades
familiares. No segundo, a diferença de importância do autoconsumo, do mesmo modo, não
persegue distinções étnicas. Esta se deve sobretudo ao grau de capitalização das unidades
familiares e “[...] isto pega todas as raças, uma coisa meio homogênea, os menos capitalizados
se fragilizam” (entrevista 26, TP), ou dito de outro modo, perdem o repertório cultural.
Destarte, não há como afirmar que alguma etnia, pelo seu repertório cultural, valorize
mais ou menos o autoconsumo. Se italianos e alemães se destacam em algum município por
demonstrarem maior importância a esta produção, o mesmo não acontece em Morro Redondo
e Três Palmeiras, onde não se diferenciam dos demais. Como já vem sendo afirmado,
provavelmente não há um fator isolado que explique a diferença de importância do
autoconsumo entre unidades familiares e municípios, mas um conjunto de elementos que
interagem conformando o resultado. Sendo assim, o repertório cultural em alguns casos pode
influenciar de modo mais incisivo, caso dos italianos em Veranópolis e dos alemães em
Salvador das Missões, ou ser apenas mais um elemento a somar, ou até mesmo nem
influenciar.
Se em alguns casos, a produção “pro gasto” resulta desta herança cultural, de algo que
vem de família, o mesmo está sendo pouco seguido pelas novas gerações. A falta de
expectativa de continuidade na agricultura provavelmente seja o principal fator para os jovens
não se interessarem pela produção para o autoconsumo. A maioria dos filhos, dos jovens, está
saindo da agricultura e do meio rural em busca de melhores oportunidades de educação e
empregos. Segundo dados da pesquisa AFDLP
UFRGS/UFPel/CNPq (2003), no ano
agrícola pesquisado, apenas 47,1% dos estabelecimentos pesquisados previam a existência de
algum membro da família para continuar o trabalho na propriedade rural, e são nestes, quando
113
há algum membro decidido a permanecer na agricultura, que há maior interesse na produção
para o consumo da família
19
.
Morro Redondo, entre os universos pesquisados, talvez seja o exemplo mais
emblemático de perda deste repertório cultural no que concerne ao autoconsumo (ANJOS et
al., 2004). Paradoxalmente, no município com mais tradição na produção de frutas de clima
temperado, hortifrutigranjeiros e na agroindustrialização de alimentos, encontram-se os
menores valores para o autoconsumo. Além do desinteresse dos jovens, a desmotivação em
continuar a produzir atinge a maioria dos estabelecimentos, que dão preferência pela compra
destes alimentos.
4.5 A PRODUÇÃO PARA O AUTOCONSUMO NO CONTEXTO LOCAL
Algumas características ou elementos da dinâmica de desenvolvimento de cada região,
mais especificadamente de cada município, possuem interfaces com a produção para o
autoconsumo, estimulando-a ou arrefecendo-a. Busca-se nesta seção, através destas
características, ainda que algumas destas já tenham sido esboçadas na seção 3.1, explicar um
pouco das diferenças encontradas entre os universos empíricos em relação ao
autoabastecimento alimentar.
Salvador das Missões e Três Palmeiras, como já apresentado no Capítulo 3, são
marcados pelos processos de modernização e mercantilização da agricultura, e através destes
as unidades familiares foram priorizando o plantio de cultivos comerciais, principalmente a
soja, “[...] porque a soja dá pra vender, daí vão deixando só os cantinhos pra plantar as
miudezas.” (Entrevista 19, TP). “Quando entrou este maquinário, este adubo, então foi mais
finalidade plantar mais soja e aí não se diversificava tanto. Só tinha quase monocultura, trigo
e soja, um pouco de milho, e então isto influenciou bastante. Até quase às vezes na horta
plantavam estas coisas.” (Entrevista 10, SM).
Em Salvador das Missões, a partir de 1980, as famílias começaram a buscar
alternativas e diversificar mais a produção. Mais recentemente, a diversificação tem se
fortalecido com o plantio comercial de mandioca, amendoim, cana-de-açúcar, leite, videiras,
citrus, etc. Em Três Palmeiras, a diversificação vem sendo buscada há poucos anos, mormente
nos dois últimos anos agrícola. A fruticultura, especialmente as videiras, tem sido a principal
escolha. Em ambos os municípios, acompanhando a diversificação hodierna, a produção para
19
Ver Tabela 33, Capítulo 5.
114
o autoconsumo tem se fortalecido. Desponta, principalmente, como uma reação e necessidade,
tal qual mencionada por Ellis (1998, 2000), devido às sucessivas frustrações de safra com as
estiagens e as crises no preço da soja. “A gente vê assim uma certa retomada das iniciativas
em função da desvalorização do produto, isto em anos bem recentes.”
(Entrevista 26, TP).
Não obstante esta retomada da diversificação, a lógica da modernização e da
mercantilização da agricultura continuam muito presentes. “A maioria hoje pensa em plantá
soja e coisa que dá dinheiro e deixa de plantá, produzir pro consumo, pra ocupá o pedaço que
dá pra plantá com soja e coisa pra vende, [...] eles acham mais fácil ir no mercado comprar e
se eu planto daí tem que cuidar delas.” (Entrevista 07, SM). “A gente podia plantar mandioca,
mas a gente prefere plantar soja ou trigo, porque daí dá dinheiro.” (Entrevista 08, SM).
Mas se o processo de modernização continua interferindo na produção para o
autoconsumo, como explicar as diferenças de valor desta produção entre Salvador das
Missões e Três Palmeiras?
Em Salvador das Missões, como já exposto, a diversificação de cultivos, inclusive
com o autoconsumo, vem sendo buscada há mais tempo, e não só recentemente como
acontece em Três Palmeiras. Ademais, destaca-se no primeiro caso o incentivo do órgão de
extensão rural local na produção para o consumo familiar, relatado por todas as famílias
entrevistadas, a própria valorização por estas em virtude de uma questão de segurança
alimentar (maiormente pela qualidade dos alimentos) e o repertório cultural. Há que
considerar ainda, no caso de Três Palmeiras, a existência de concentração de renda e pobreza,
e as rendas total e agrícola que são inferiores vis-à-vis Salvador das Missões, indicando
estabelecimentos familiares mais descapitalizados. Estes por uma estratégia de maximizar o
“fator trabalho” ou de insuficiência de recursos produzem menos “pro gasto”.
20
Em Veranópolis, o processo de modernização da agricultura foi mais tênue e a
diversificação de cultivos e atividades sempre se fez presente. “Aqui poucos agricultores
conseguem trabalhar só com uma atividade, por exemplo, só com frutas, e as frutas são, uva,
maçã, pêssego, ameixa, muitos têm junto aviário, tem o leite e o milho pra subsistência.”
(Entrevista 36, V). A produção para o autoconsumo também sempre fez e faz parte deste
cenário, embora se reconheça que hoje não é tão expressiva como em tempos passados,
quando todas as famílias produziam praticamente tudo que consumiam.
Já produziram mais, mas tem a tradição de produzir os ovos, o aipim, as
hortaliças todas, raramente as pessoas compram hortaliças. O pessoal
compra o açúcar, o sal, algumas carnes, nem sempre. É tradição também o
20
Ver seção 4.3.
115
pessoal matar um boi, uma ovelha, porco. Dificilmente o pessoal compra
carne de porco, e assim como regra, normalmente as famílias no meio rural
matam suínos de 200 quilos a cada três meses, daí tem a banha, comem
muito salame, muitas fazem queijo, não é como antigamente, antigamente
tinha bem mais famílias fazendo queijo, mas eu diria, 40% das famílias
rurais fazem queijo... (Entrevista 36, V).
Além da diversificação e das “miudezas” fazerem parte do repertório cultural das
famílias, a produção agrícola possui uma especificidade que fortalece o autoconsumo: todos
os produtos comercializados possuem a característica da alternatividade. Isto possibilita que a
parte da produção não comercializada possa ser consumida pela família ou no
estabelecimento, e o contrário, quando sobra produção para o autoconsumo, esta pode ser
vendida. A proximidade aos centros urbanos e a tradição dos fruteiros são veículos que
facilitam os canais de comercialização.
Também contribui para o maior valor médio de autoabastecimento, o fato de
Veranópolis estar situada numa região turística, que além das paisagens e dos atributos
naturais, valoriza a vida colonial como trunfo turístico, e um destes elementos é a produção
para o autoconsumo. Produtos ecológicos, alimentos e instrumentos próprios do modo de vida
colonial são artifícios para o turismo rural (Figuras 7 e 8).
Em Morro Redondo, as características atuais da produção para o autoconsumo, do
mesmo modo que em Veranópolis, se relacionam de forma mais amena com o processo de
modernização. As peculiaridades aqui, se devem, notadamente, a crise de perspectivas que
assola as unidades familiares. Dificuldades de comercialização, pela concorrência e a baixa
qualidade dos produtos produzidos, têm desestimulado as unidades familiares a continuarem
produzindo produtos tradicionais, como a cenoura, batata, tomate, cebola, etc., restando-lhes
poucas alternativas, e este desânimo têm atingido também a esfera da produção de alimentos
para o consumo familiar. Soma-se a isto, a facilidade de compra destes alimentos via feiristas
e fruteiros (que entregam na porta da casa), o preço de alguns destes produtos, “[...] que não
recompensa plantar, tirá do bolso, tu investe naquilo e tira do bolso, não tem recompensa”
(Entrevista 39, MR), e a renda da previdência social, que neste contexto proporciona
estabilidade e segurança para as famílias, favorecendo o consumo de produtos comprados.
Também, do mesmo modo que em Três Palmeiras, neste município a pobreza é acentuada, e
as rendas agrícola e total médias são mais inferiores, podendo contribuir para o baixo valor da
produção “pro gasto”.
116
Figura 7: Horta ecológica como elemento turístico em um estabelecimento de
Veranópolis.
Fonte: Pesquisa de Campo (2006).
Figura 8: Forno para pães como elemento turístico em um estabelecimento
de Veranópolis.
Fonte: Pesquisa de Campo (2006).
Como visto, as diferentes dinâmicas de desenvolvimento da agricultura familiar
relacionam-se distintamente com a produção para o autoconsumo. Cada universo empírico
possui uma especificidade ou um conjunto de elementos próprios conformando uma dinâmica
que o distinguirá dos demais e que influenciará de modo particular esta produção.
117
4.6 A PROXIMIDADE COM OS MERCADOS E O PREÇO DOS ALIMENTOS
A proximidade e o preço dos alimentos nos mercados também são dois elementos que
interferem na produção para o autoconsumo. Quanto ao primeiro, poder-se-ia supor que as
unidades familiares geograficamente mais próximas aos mercados ou aos centros urbanos
estariam mais propensas a diminuir a produção para o autoabastecimento e aumentar o
consumo de alimentos comprados. Todavia, o mercado se faz acessível a todos. A distância
não é mais limitante para aproximar unidades familiares e mercados. “Uma vez as pessoas
vinham pra cidade no máximo uma vez por semana, isto até os anos oitenta, depois duas
vezes por semana, depois eles vêm todos os dias, então se tornou prático, os veículos são mais
confortáveis.” (Entrevista 36, V).
Segundo outro informante, “[...] hoje não tem dificuldade
pra tu sair lá da comunidade mais distante de Três Palmeiras e vir pra cá [cidade], transporte
escolar, linha de ônibus, o próprio veículo...” (Entrevista 26, TP).
Além desta facilidade em alcançar os mercados via melhorias nos meios de transporte
e a crescente freqüência de contato com os centros urbanos, as unidades familiares também
dispõem de vendedores que comercializam a produção “[...] na porta da casa, só saio dali de
dentro e vou ali pegar prontinho.” (Entrevista 44, MR). É comum no meio rural a presença
semanal, e às vezes até mais freqüente, de fruteiros e padeiros (estes com menor assiduidade),
comercializando seus produtos. Muitos destes alimentos, as próprias famílias poderiam
produzir, mas, no entanto, a facilidade proporcionada pela compra dos mesmos prontos pesa a
favor desta. A maioria dos comerciantes e destas mercadorias é oriunda de outros municípios,
todavia, algumas famílias de agricultores têm despertado para este “nicho” de consumidores,
muitas vezes o próprio vizinho, como demonstra o depoimento:
Isto é muito fácil. Antigamente não tinha, a pessoa tinha que ir na vila, na
cidade comprar estas coisas, ou comprar de um vizinho que produzisse.
Agora pelo menos duas vezes por semana, no mínimo isto, passa um
caminhão que vai fazendo reparte. Os caras saem buzinando estrada a fora e
sai vendendo, vende batata, vende feijão, tomate, alface, tudo, cuca,
bolachinha. O caminhão leva tudo. Tem estes caminhõezinhos que vem de
fora, vem de Pelotas, mas agora já tem algumas pessoas do meio rural que
estão começando a se ligar e fazer isto. Tem um aqui lá da colônia, que
antes ele vinha de bicicleta entregar tomate, agora ele já conseguiu comprar
um carro, já faz a distribuição de carro. (Entrevista 41, MR).
Os casos mais emblemáticos ocorrem em Veranópolis e Morro Redondo. Neste, como
relata o depoimento acima, os feiristas freqüentemente transitam no meio rural
comercializando a produção. Um destes repõe suas mercadorias na SEASA em Porto Alegre,
118
distante 291 Kilômetros do município. Em Veranópolis, um comerciante da cidade
transformou um ônibus em um supermercado ambulante. Com este veículo, o comerciante
comercializa suas mercadorias entre os agricultores, e, ao mesmo tempo, compra a produção
destes em troca de produtos, revendendo para as próximas unidades familiares que encontra
em seu trajeto.
Assim sendo, as facilidades de deslocamento e a presença de comerciantes ambulantes
acabam influenciando na produção para o autoconsumo. “O mercado te acomoda, te dá mais
incentivo pra ir lá pegar, por exemplo, desde o pão. Uma vez era feito todo pão em casa e
agora a maioria das famílias, a gente percebe, vão no mercado.”
21
(Entrevista 17, SM). A
comodidade apresentada pelos mercados, aliada a outros fatores como falta de mão de obra,
atividades econômicas mais intensas, etc. acabam influenciando na decisão das famílias de
diminuir a produção “pro gasto” e aumentar o consumo de alimentos comprados.
Outro fator que tem estimulado a aproximação com os mercados na aquisição de
alimentos, especialmente no caso de Morro Redondo, é o preço dos produtos. O mesmo já
havia sido evidenciado por Garcia Junior (1989, p. 122). Segundo o autor, “Todas as decisões
sobre produtos a cultivar e/ou a beneficiar, e o destino (venda e/ou consumo) levam em
consideração os preços monetários e suas flutuações.” Isto acontece não como uma estratégia
de acumulação, mas levando em consideração a força de trabalho disponível, o possível
resultado da mobilização desta e o número de pessoas a se reproduzir com este produto.
Evidenciou-se empiricamente que além da mobilização de recursos humanos, são
considerados ainda o custo de produção e o risco de perda desta por estiagens e outras
intempéries. Com base nestes fatores, as unidades familiares de Morro Redondo afirmam que
“[...] é mais vantagem comprar [...]. O que tem nos mercados está mais barato que a nossa
produção aqui. É mais fácil comprar do que produzir. Compro lá em Morro Redondo [cidade],
as verduras são baratas, repolho também.” (Entrevista 39, MR).
Nos demais municípios, ainda que algumas unidades familiares reconheçam que o
preço de compra de determinados alimentos seja compensador, preferem produzir a maioria
dos alimentos por uma questão cultural e identitária, “[...] quando é pro gasto tem que plantar
e pronto. Se der bem, se der mal, não tem nada” (Entrevista 20, TP) e, notadamente por uma
questão de segurança alimentar. O conhecimento de como o alimento foi produzido e de suas
qualidades, mormente sanitárias, são fatores que compensam o plantio/criação, mesmo que
com custo mais elevado. Conforme depoimento:
21
Depoimento de uma informante que reside na Sede do município de Salvador das Missões, fato que pode ter
sobreestimado as informações relativas a maioria das famílias comprarem pão.
119
Olha, estes dias a gente estava fazendo [um cálculo] dos frangos que a gente
cria, dos brancos ali, daí a gente viu que se fosse ver mesmo, acho que vale
mais a pena ir comprar, porque gasta bastante entre ração e mão de obra pra
cuidar, tem que estar sempre... desde comprar eles até eles estarem no porte
de matar. Isto aí nós estávamos fazendo as contas. Acho que se torna mais
barato ir comprar fosse botar tudo na pontinha da caneta. Pesquisador: Vão
deixar de produzir? Acho que não porque é mais gostosa e se sabe do jeito
que está criando ali tudo. É bem mais gostosa a carne que a comprada, a
carne é mais firme (Entrevista 21, TP).
Assim, mesmo que não possa ser generalizado para todos os produtos e
estabelecimentos familiares, o preço dos alimentos nos mercados acaba interferindo na
decisão das famílias de produzir para o autoconsumo, e o mesmo acontece com a proximidade
aos mercados pela facilidade e comodidade que este oferece.
4.7 OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO: alterando hábitos de consumo alimentar
A alimentação da população rural tem se transformado ao longo dos anos. Já não são
tão freqüentes, por exemplo, o cozimento dos alimentos com gordura animal (banha)
22
, as
massas caseiras, a manteiga no café da manhã, ao mesmo tempo em que são incorporados
novos hábitos, como os refrigerantes, os biscoitos industrializados, etc. Em parte, isto resulta
da influência dos meios de comunicação, particularmente a televisão, que por meio de
artifícios e propagandas criam necessidades, tornando certos alimentos “indispensáveis”, ou
no mínimo sedentos ao conhecimento
23
. Certamente a alimentação da população urbana está
mais suscetível que a rural aos apelos das propagandas, devido à proximidade aos mercados,
mas é inegável a contigüidade crescente a eles também pela população rural. Santos e
Ferrante (2003, p. 47), referindo-se ao cotidiano de assentamentos rurais no Estado de São
Paulo, afirmam que “[...] coisas comumente associadas ao consumo na zona urbana fazem
parte da alimentação das famílias assentadas. Os meios de comunicação alcançam as
populações rurais e contribuem na moldagem de hábitos de consumo.”
Embora os meios de comunicação não sirvam para explicar a diferença de importância
do autoconsumo entre as unidades familiares e municípios, não é possível ignorar sua
influência nesta produção e na alimentação das famílias rurais. Ao invés de consumir os
22
Esta pode refletir uma preocupação com a saúde, que em grande medida é transmitida pelos meios de
comunicação. Exemplo emblemático desta mudança é a diminuição da criação e consumo de carne suína em
Morro Redondo, fruto desta inquietação.
23
Ver Bleil (1998) que demonstra a mudança nos hábitos alimentares brasileiros e suas causas, sendo uma destas
a influência da publicidade e da televisão.
120
produtos do próprio estabelecimento, as unidades familiares são cada vez mais incitadas a
buscar a praticidade, adquirindo alimentos “prontos” (bolachas, biscoitos, enlatados, etc.), e a
descobrir as novidades que passam a ser incorporadas ao cardápio familiar. Pela facilidade e
mudança nos hábitos alimentares, a produção para o autoconsumo pode ser minimizada.
Conforme depoimento:
Tem porcaria que a gente compra mais, o que a gente menos devia comer.
Invés de comer mais hortaliças, a gente vai e compra farinha, compra
lingüiça, empanado... Tudo a gente vai comprar, e realmente são porcarias
aquilo. A gente compra e come aquilo em vez de comer o que tem em
casa... Pesquisador: atribui isto a propaganda? Claro que é isto, senão a
gente não conhecia aquilo. Tu vê isto - vou dá um jeito, vou ver se não
consigo comprar pra ver como é - daí a gente compra e é bom, vai de novo,
compra porque é bom... (Entrevista 09, SM).
Além das propagandas, outra porta de entrada para novos hábitos alimentares é os
programas de televisão relacionados à culinária, “[...] porque tu pode olhar receitas, pode tirar
umas receitas boas que a gente não sabia.” (entrevista 05, SM). Frequentemente foi citado nas
entrevistas a contribuição destes programas no “incremento dos pratos”. “[...] Eu gosto de
pegar um prato diferente. Às vezes dá uma receita na televisão, porque a gente também pode
pegar uma coisa diferente.” (Entrevista 07, SM). “Muita coisa a gente aprende ali, pra fazer
também.” (Entrevista 36, MR).
Malgrado esta influência da televisão nos hábitos alimentares, os meios de
comunicação em geral também podem desenvolver um importante papel no fortalecimento do
autoabastecimento alimentar, como apresenta a Tabela 27. De acordo com os dados, as
famílias que acompanham programas de televisão e de rádio sobre práticas agrícolas (80,7%
das famílias pesquisadas) apresentam maior valor de produto bruto de autoconsumo (R$
3.572,17), que aqueles que assim não procedem (R$ 2.735,88).
Tabela 27: Produto Bruto de Autoconsumo Total em reais (R$) segundo
acompanhamento de programas de televisão e rádio sobre práticas agrícolas nos
universos pesquisados.
Acompanha programas de televisão e rádio sobre práticas agrícolas
Município
sim não
Veranópolis 4.477,36 3.053,96
Morro Redondo 2.185,62 2.084,06
Salvador das Missões 4.294,02 3.785,52
Três Palmeiras 3.153,68 2.682,95
Total 3.572,17 2.735,88
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
121
Resultados semelhantes podem ser observados na Tabela 28. Esta relaciona a leitura
de livros técnicos sobre a agricultura e atividades rurais com o valor da produção para o
consumo familiar. Em geral, as famílias que tem este hábito apresentam maior produto bruto
de autoconsumo (R$ 4.020,52), se comparado com as que não tem (R$ 2.912,29), exceto em
Morro Redondo, onde ocorre o inverso. Deve-se considerar, no entanto, que este é um hábito
pouco freqüente, realizado por apenas 45,0% dos estabelecimentos totais pesquisados.
Tabela 28: Produto Bruto de Autoconsumo Total em reais (R$) segundo
leitura de livros técnicos sobre agricultura e atividade rurais nos municípios
pesquisados.
Leitura de livros técnicos
Município
sim Não
Veranópolis 4.600,24 4.006,66
Morro Redondo 2.075,24 2.211,67
Salvador das Missões 4.989,61 3.213,12
Três Palmeiras 3.800,06 2.598,27
Total 4.020,52 2.912,29
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
Assim, por um lado, os meios de comunicação, notadamente a televisão, podem incitar
a mudança nos hábitos alimentares das famílias rurais, incentivando a troca no consumo de
produtos produzidos no próprio estabelecimento por aqueles adquiridos via mercado,
geralmente industrializados. Através de propagandas e programas televisivos, dá-se a
homogeneização do padrão alimentar, transformando gostos e comportamentos alimentares.
Por outro lado, os meios de comunicação em geral podem ser importantes instrumentos para o
fortalecimento da produção para o consumo familiar, incentivando-a via divulgação de
técnicas de cultivos e transformação dos alimentos.
4.8 OS ELETRODOMÉSTICOS E OS “ALIMENTOS PRONTOS”: as facilidades à mesa
Cada vez mais as indústrias alimentícias e de eletrodomésticos buscam minimizar o
tempo despendido no preparo dos alimentos, seguindo uma tendência que decorre
principalmente da inserção da mulher no mercado de trabalho. Alimentos congelados, pré-
cozidos, instantâneos, etc. fazem parte do cardápio cotidiano das famílias urbanas, que já não
sabem mais viver sem fornos microondas. Mas como estas inovações são incorporadas nas
famílias rurais e como isto pode influenciar na produção para o autoconsumo?
A primeira consideração a ser feita, é que a intensidade de incorporação destes bens de
consumo, e até destes “alimentos prontos”, é expressivamente menor nas famílias rurais, que
122
nas famílias urbanas. Cita-se, por exemplo, que no ano da coleta dos dados quantitativos,
apenas 35,29% dos estabelecimentos pesquisados possuíam forno elétrico ou microondas.
Não obstante esta diferença de intensidade, não há como desconsiderar as mudanças no
processamento e na alimentação das famílias a partir da introdução da energia elétrica,
particularmente do acesso à geladeira e freezer (presentes respectivamente em 96,64% e
91,6% dos estabelecimentos pesquisados), e também do crescente consumo de alimentos pré-
elaborados ou elaborados.
O acesso à eletricidade e, por conseguinte, à geladeira e principalmente ao freezer,
provocou alterações nos hábitos alimentares das famílias rurais. Segundo Menasche (2005),
antigamente no meio rural a carne mais consumida era a de suíno, que, armazenada em barril
cheio de banha, se conservava por mais tempo que a carne bovina. Quanto a esta, quando uma
família abatia uma rês, “era um verdadeiro evento na comunidade”, os vizinhos e parentes
ajudavam e a carne era distribuída entre eles, evitando que a carne bovina se estragasse
(MENASCHE, 2005, p. 12). Após algum tempo, era outra família que abatia um animal e o
mesmo ritual se processava. Assim, as famílias envolvidas dispunham de carne fresca
constantemente, cada vez que tinha um abate nas redondezas. Ao mesmo tempo em que era
uma estratégia de acesso aos alimentos, exerciam-se os laços de sociabilidade. No entanto, de
acordo com Menasche (2005), a chegada principalmente do freezer, alterou estas práticas. A
possibilidade de armazenamento favoreceu o consumo de carne bovina, presente quase que
cotidianamente na mesa das unidades familiares
24
, e o consumo de carne suína diminuiu.
O depoimento abaixo vai ao encontro da discussão realizada por Menasche (2005).
Quando se remete ao passado, o entrevistado cita apenas ao consumo da carne suína, e
atualmente com o freezer, “se carneia uma vaca, um porco”. Também se observa que no lugar
das trocas freqüentes entre vizinhos, agora uma pessoa só faz, não sendo mais necessário,
portanto, socializar. Ainda existe a possibilidade, como frequentemente relatada em Morro
Redondo, de comprar de um vizinho ao invés de trocar, como era realizado. “Então claro, a
energia elétrica mudou muito.”
(Entrevista 38, MR).
Ah sim, quando nós era solteira, nós carneava um porco, o que a gente
fazia com a carne? Não tinha como tu cortar em pedaço e colocar no freezer
que nem a gente faz hoje. Então, naquela época, nós fazia bastante lingüiça
e, outra carne, nós fritava na gordura e botava em latas e botava a gordura
quente em cima, tapava lá e aí quando a gente ia consumir, a gente tirava
aquela carne de novo e derretia. Era assim que a gente consumia, porque
não tinha como comer o porco inteiro, então assim era conservada a carne.
24
“Não é que a gente goste da carne, mas é difícil fazer comida sem carne, eu pelo menos não sei fazer nada
sem, um dia se não tiver passa, mas muda muito o gosto.” (Entrevista 42, MR).
123
Hoje não, carneia uma vaca, um porco, ou compra de uns vizinhos, uma
pessoa só né, e a carne é cortada, embalada e conforme ela esfriou, como se
dizem, ela vai toda no freezer. Então claro a energia elétrica mudou muito e
pra tudo... (Entrevista 38, MR, grifos nossos).
Além da carne, o freezer possibilitou também a conservação, por um tempo mais
prolongado, de outros alimentos, “[...] guardo uva no freezer. Pêssego eu descasco, coloco em
saquinho depois só tiro, fazer uma fervura, um suco. Tem alimento pra mais tempo,
prolongado” (Entrevista 38, MR), “[...] o feijão que sobra de um dia para o outro dá pra
conservar, que não era assim, né” (Entrevista 07, SM). Tedesco (1999, p. 250, grifos no
original), através de depoimentos de agricultores evidenciou que
[...] a geladeira, dentre os produtos da eletricidade, na opinião da maioria
das mulheres entrevistadas, foi a que mais mudou e facilitou o nosso
serviço; redefiniu hábitos alimentares, tipos, o modo de preparar e de
conservar alimentos; motivou o aprendizado e a variação do cardápio,
propiciou o consumo de alimentos fora de sua estação, quantidades,
qualidades, trocas de alimentos com o vizinho, etc. A alimentação talvez
tenha sido o ato social mais facilitado pelas técnicas e objetos técnicos
domésticos.
Deste modo, a energia elétrica e alguns eletrodomésticos têm influenciado nos hábitos
alimentares das unidades familiares e também na produção para o autoconsumo, seja nos tipos
de alimentos consumidos ou na oferta destes por um período mais prolongado.
A disponibilidade e a aquisição de alimentos prontos nos mercados é outro fator que
influencia a produção para o consumo familiar, como já havia reconhecido Wagner, Marques
e Menasche (2007). Este é um tema que afeta a identidade das unidades familiares enquanto
agricultores, sendo “vergonhoso” quem se deixa influenciar por este fator. Deste modo,
dificilmente as famílias reconheceram a troca por ou o consumo destes alimentos no seu
estabelecimento, porém facilmente reconheceram no vizinho. “Aqui na nossa casa não, mas
tem casa que sim. Eu, pão nunca comprei, sempre faço o pão pra mim, bolacha também,
schimia também eu faço, mas tem bastante gente que compra.” (Entrevista 20, TP). “Na
minha família nem um pouquinho. Eu faço questão, o que eu puder produzir pra minha
família, eu vou produzir, mas no geral atrapalha, o pessoal deixa de plantar porque tem tudo
pronto pra comprar.” (Entrevista 05, SM). A exceção a esta regra ocorre em Morro Redondo,
onde as famílias afirmam comumente que este é fator que tem provocado a diminuição da
própria produção para o autoconsumo.
É verdade, inclusive eu sou uma delas. Eu faço manteiga aqui, então se
deixa na geladeira, ela endurece, se deixa fora, ela rança. Meu filho é da
124
margarina, minha filha também, então se compra a margarina. A bolachinha
também. Sempre se compra as bolachinhas, tem os pacotes no freezer, e até
pão. Hoje eu digo - não vou fazer pão, se vai ali e se busca pão. Então tem
tudo isto, e primeiro não. Não tinha padaria, dificilmente no super tinha
pão, aí dificilmente, mas agora tem tudo, vai ali e busca, tudo facilita
(Entrevista 38, MR).
[...] manteiga que eu sei fazer, se eu precisar eu compro, é mais fácil.
Acho que hoje o pessoal vai pelo mais fácil, e não pelo que dá trabalho
(Entrevista 44, MR, grifos nossos).
Como exposto nos depoimentos, a praticidade também é buscada pelas famílias rurais,
sendo um dos fatores que tem favorecido o aumento do consumo de alimentos comprados que
poderiam ser produzidos no próprio estabelecimento.
***
Neste Capítulo apontaram-se alguns elementos que interferem na produção para o
autoconsumo determinando sua existência, intensidade e até alimentos consumidos. Os
resultados alcançados confirmam a hipótese que se trata de variáveis peculiares a cada família
e aos universos pesquisados, explicando as diferenças de importância entre municípios e
estabelecimentos.
A própria composição e o número de membros da família são algumas destas
variáveis. Famílias com maior número de residentes, consumidores e força de trabalho
apresentam maiores valores de autoabastecimento alimentar. Inclusive, a proporção existente
entre consumidores e trabalhadores é um elemento que influência, não somente a quantidade
produzida, mas também a presença desta produção. Também se observou que esta tarefa
geralmente é das mulheres, e que quando há mulheres de mais idade no estabelecimento, o
autoconsumo é mais elevado.
Outras variáveis consideradas, relativas às condições técnicas de produção, foram:
área total, capital disponível em máquinas e equipamentos, acesso ao crédito e assistência
técnica. O acesso a estes e à medida que se intensificavam os primeiros, é respondido pelos
agricultores com o aumento na produção para o consumo familiar. As unidades familiares
com menores porções de terra e capital disponível adotam como estratégia, a maximização
dos fatores de produção disponíveis (mão-de-obra e terra), concentrando-os em culturas mais
rentáveis economicamente, que lhes proporcionem recursos para satisfazer também as
necessidades alimentares. Estes resultados também foram importantes para confirmar que,
emboras as unidades familiares adentrem na mercantilização da agricultura, a produção para o
125
autoconsumo permanece, ou seja, que não há relação direta entre esta produção e aquele
processo.
Outrossim, demonstrou-se que cultivos agrícolas intensivos em mão-de-obra, como a
vitivinicultura, a persicultura e ainda a produção leiteira, interferem na produção para o
autoconsumo pelo tempo dedicado que demandam. A soja, e algumas anteriormente citadas,
também influenciam, porém, devido à predileção das famílias àqueles cultivos mais rentáveis
economicamente. Além destes, destaca-se os frangos de corte, no sistema de integração, que
exigem o término da criação de aves domésticas, repercutindo, mormente, no consumo de
galinha caipira. Assim, unidades familiares que possuem algum destes cultivos e/ou
produções podem ter menor autoabastecimento alimentar.
A interface do autoconsumo com outras rendas também foi considerada. No caso da
renda oriunda da previdência social, em alguns casos, esta pode favorecer o consumo de
alimentos comprados pela estabilidade que oferece, e, por conseguinte, a diminuição do
autoconsumo. Em outros, esta produção é mantida, sendo atribuída a esta, também a
conotação de uma atividade de lazer, um passa-tempo. Quanto às rendas não-agrícolas, esta é
variável. Depende do tempo dedicado à atividade não-agrícola, do número de pessoas na
família e de quem a executa. Mas, do mesmo modo que a previdência social, oferece
estabilidade favorecendo a aquisição de alimentos via mercados. Em relação à renda agrícola
e total, evidenciou-se que estabelecimentos com rendas maiores, também apresentam maior
produção para o consumo familiar, reiterando, deste modo, que esta prática não está restrita
apenas a unidades mais propensas a decadência, e sim também naquelas com agricultura
familiar consolidada.
O repertório cultural das unidades familiares é outra variável relevante para a
existência e intensidade do autoconsumo. Este repertório diferencia-se entre etnias e também
intra-etnias, relacionando-se distintamente com esta produção, não sendo possível, assim,
estabelecer relações entre etnias e autoconsumo.
O autoconsumo também é influenciado pelo contexto local, particularmente as
dinâmicas de desenvolvimento da agricultura familiar. Destaca-se aqui, sobretudo, o processo
de modernização da agricultura que estimulou as unidades familiares a produzirem
commodities e não mais sua alimentação. Este é o caso, mormente de Salvador das Missões e
Três Palmeiras. Em Veranópolis, a produção para o consumo da família sempre fez parte do
modo de vida dos agricultores, e agora ainda assume novas conotações, como potencial para o
turismo rural. Em Morro Redondo, a crise de perspectivas e futuro na agricultura que assola o
126
município, tem adentrado também a esfera do autoconsumo, atendido cada vez mais pelo
mercado.
Poder-se-ia supor que a proximidade geográfica aos mercados seria outro fator
relevante, contudo, a localização já não é mais obstáculo. Tornou-se mais fácil alcançar os
centros urbanos, e os mercados, do mesmo, tornaram-se próximos, a exemplo dos feiristas que
comercializam seus produtos na porta das casas. Esta contigüidade aos mercados, aparece,
então, como um fator que interfere no autoabastecimento alimentar. Soma-se a isto, o preço
de muitos alimentos que se tornam atrativos a aquisição pelas famílias rurais.
Igualmente os meios de comunicação, os eletrodomésticos (nomeadamente, a
geladeira e freezer) e os alimentos prontos podem ser acusados. Estes em decorrência das
mudanças nos hábitos alimentares, provocadas pelas propagandas e/ou facilidades oferecidas.
Cabe considerar, no entanto, que os meios de comunicação podem ser importantes
instrumentos para o fortalecimento do autoconsumo, via programas técnicos e educativos.
Estes são fatores que explicam a diferença de importância do autoconsumo entre
unidades familiares e universos sociais. Entretanto, não há como afirmar a predominância de
um elemento sobre outro. Em conjunto, ou alguns de modo especial em alguma unidade
familiar ou universo empírico, estes elementos perpassam a tomada de decisão das famílias.
Conclui-se que a produção para o consumo familiar está imbricada num complexo conjunto
de elementos e relações objetivas e subjetivas, muito além de uma simples aversão ao
mercado ou ao trabalho.
127
5 O AUTOCONSUMO E A PRODUÇÃO DE AUTONOMIA
Como apresentado no Capítulo 2, o processo de mercantilização da agricultura torna a
reprodução social das unidades familiares dependente das relações mercantis. Também foi
discutido que ao externalizar etapas do processo produtivo, as unidades familiares são
impelidas a produzir cada vez mais para o mercado e a se especializarem em alguma cultura
que propicie rendimento monetário. Estes processos em conjunto aumentam a exposição da
reprodução social às situações de risco ou deixam-na mais vulnerável, segundo expressão
utilizada por Ellis (1998, 2000) e Chambers (1995). Neste contexto, algumas famílias rurais
optam por minimizar ou não produzir mais para o autoconsumo, realizando estas necessidades
também via mercado. Outras permanecem recorrendo, embora em graus muito variados.
Este capítulo tem por objetivo compreender como a manutenção da produção para o
consumo familiar pode minimizar a vulnerabilidade e/ou contribuir para a autonomia da
agricultura familiar. Discute-se a hipótese de que o autoconsumo é um dos fatores
explicativos da condição social e econômica das unidades familiares e configura-se como uma
estratégia de fortalecimento da autonomia, entendida como um processo através do qual as
unidades familiares possuem maior controle sobre o processo produtivo e, por conseguinte
sobre a sua reprodução social (PLOEG, 1990). Seguindo os princípios que Ploeg (1990, 1992)
denomina de uma reprodução autônoma e historicamente garantida, cuja preocupação é
manter interna à família etapas do processo produtivo e desenvolver-se a partir dos recursos
locais, considera-se que a produção “pro gasto” tem a contribuir pelas funções que desenvolve
na agricultura familiar.
Buscando testar a hipótese, as seções que seguem apresentam as seguintes funções do
autoconsumo: internalizar tarefas do processo produtivo e asseverar a segurança alimentar;
diversificar a produção e conferir maior estabilidade à reprodução social; economizar recursos
financeiros e potencializar outros ociosos; reaproveitar e reproduzir recursos estabelecendo a
co-produção; atender a demanda de consumo alimentar da família e a criação de valores de
trocas, por meio da alternatividade destes alimentos; promover a sociabilidade; e contribuir
para a identidade social das famílias.
128
5.1 INTERNALIZAÇÃO E SEGURANÇA ALIMENTAR
Do jeito que está indo as coisas, agora com a seca, os preços altos, eu acho
que teria muita gente passando fome se não produzisse nem os alimentos em
casa. Porque o trigo agora se foi tudo com a geada, a soja, os três últimos
anos praticamente não deu safra. Com o que eles vão comprar se não
tivessem em casa? (Entrevista 09, SM).
Diferentemente da reprodução dependente do mercado, em que é preconizada a
externalização de etapas do processo produtivo, a reprodução autônoma busca reproduzir-se a
partir de ciclos precedentes e da internalização de recursos e tarefas (PLOEG, 1990, 1992). As
unidades familiares buscam potencializar seu controle sobre o processo produtivo. Neste
sentido, a produção para o autoconsumo cumpre uma importante função ao manter
internamente à unidade familiar a satisfação de uma das necessidades principais para a
reprodução social, a alimentação. Esta segue direto da unidade de produção (lavoura) para a
unidade de consumo (casa), sem nenhum processo de intermediação que a torne valor de
troca. “Quando a gente quer não precisa ir no super [mercado] pegar, já tem em casa”
(Entrevista 38, MR), “o dia que tu precisa tu vai lá e pega” (Entrevista 30, V)
1
. Segundo
Garcia Junior (1989, p. 127), a unidade familiar, “[...] ao autoconsumir diretamente durante
parte do ano, diminui o tempo em que estão expostas à flutuação dos preços pagos ao
consumidor, reduzindo os momentos em que são apenas compradoras.”
Através da Figura 9, que apresenta a proporção do Produto Bruto de Autoconsumo
Total sobre o Produto Bruto Total, é possível evidenciar que entre 25 e 30% do que é
produzido nos estabelecimentos familiares permanece nestes para o consumo da família
2
. As
diferenças entre municípios decorrem dos valores do produto bruto total e das proporções do
produto bruto de venda total. Em Veranópolis e Salvador das Missões, cujos valores do
autoconsumo são 29,39% e 28,82%, respectivamente, embora as unidades familiares
produzam mais para o seu consumo, o produto bruto total é mais elevado, diluindo a
importância desta produção. No caso de Morro Redondo (25,5%), como já vêm sendo dito, os
agricultores estão diminuindo a produção agrícola, inclusive para o autoabastecimento
1
Conforme outro depoimento: “[...] a semana passada eu fui lá na minha filha [na cidade], e o que a gente põe na
boca tem que comprar. Salsa, cebolinha, tudo a gente tem que compra, que aqui não valoriza. Antes eu falei pra
minha cunhada ainda – aqui a gente vê as bergamotas cair no chão, as laranjas. A gente nem dá bola. Lá se
querem comer uma laranja tem que comprar.” (Entrevista 09, SM).
2
Buainain, Romeiro e Guanziroli (2002) apontam que, para a Região Sul do país, o autoconsumo responde em
torno a 20% do produto gerado pela unidade produtiva. Outrossim, Leite (2004) destaca que esta produção
representa 17,79% do rendimento total da agropecuária. Ambos, um pouco inferiores ao aqui encontrados.
129
alimentar, e, assim, se justifica o valor baixo. Em Três Palmeiras (31,8%), as famílias
produzem mais para o consumo familiar, comparado com Morro Redondo, e apresentam
menor produto bruto total que Salvador das Missões e Veranópolis, contribuindo para
concentrar a importância do autoconsumo.
29,4%
70,6%
25,5%
74,5%
28,3%
71,2%
31,8%
68,2%
0,00
5000,00
10000,00
15000,00
20000,00
25000,00
30000,00
Veranópolis Morro
Redondo
Salvador das
Missões
Três
Palmeiras
produção autoconsumida
produção vendida
Figura 9: Proporção do Produto Bruto de Autoconsumo Total e de Venda (%) em
relação ao Produto Bruto Total (R$), nos municípios pesquisados.
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
O fato de ter alimentos disponíveis “a hora que precisa”, mesmo que a oferta não seja
constante de todos os tipos, mas “uma coisa ou outra sempre tem na horta, cada época tem as
coisas, época do milho, tem agora da ervilha” (Entrevista 30, V), proporciona segurança e a
sensação de fartura alimentar às unidades familiares. Isto não seria alcançado se a alimentação
dependesse do mercado, não simplesmente por uma aversão a este, mas pelas relações
desiguais com ele estabelecidas, como evidenciado por Lovisolo (1989) e exposto no
depoimento. Segundo percebido pelo informante, na condição de produtor, os mesmos são
“obrigados” a comercializar seus produtos por um valor bem inferior àquele encontrado na
condição de consumidor, onde os mesmo produtos apresentam valores expressivamente
superiores. Deste modo, a produção para o autoconsumo, como reconhecido por Lovisolo
(1989, 141), “[...] aparece, em relação à autonomia frente ao mercado, como provedora de
produtos para o consumo produtivo e improdutivo [consumo animal] que podem ser
produzidos na unidade.”
[...] e depois tu tem fartura. Se tu vai comprar no super, tu vai pegar o leite,
por exemplo – não, mas o leite está tanto, está caro! – então compra menos.
Assim não, inclusive meus gatos tomam um litro de leite por dia, eu tenho
oito gatos, de noite e de manhã, porque pra gente o leite é barato, a gente
130
recebe pouco pelo leite, mas se eu fosse comprar, daí não tinha...
(Entrevista 38, MR, grifos nossos).
Quadro 2 – Sobre a concepção de segurança alimentar
Segundo Menezes (1998), o termo “segurança alimentar” surgiu mundialmente
p
ela primeira vez após a I Guerra Mundial, quando os países perceberam que ter o
controle sobre o fornecimento da alimentação de uma determinada nação poderia se
r
uma poderosa arma, ainda mais se o país dominado dispusesse de pouco poderio milita
r
e insuficiência auto-alimentar. “O termo segurança alimentar é, portanto, de orige
m
militar. Tratava-se de uma questão de segurança nacional para todos os países”
(MENEZES, 1998, p. 60). Estes necessitavam aumentar sua capacidade produtiva,
visando à auto-suficiência e a garantia de estoques para eventuais carências. A questão
alimentar estava exclusivamente ligada à produção agrícola. Esta compreensão foi
ratificada na I Conferência Mundial de Segurança Alimentar (1974), promovida pel
a
FAO diante de um contexto de escassez dos estoques alimentares e quebras de safras e
m
importantes países produtores (MENEZES, 1998). A Revolução Verde apareceu como
solução, mas a fome permaneceu como uma das grandes mazelas da humanidade.
No Brasil, um dos pioneiros a abordar a problemática da fome foi Josué de
Castro, ainda na década de 1930. No entanto, a noção de segurança alimentar surgiu
p
ela primeira vez apenas em 1986 no programa de Vigilância Alimentar e Nutricional,
limitando-se a avaliar o desempenho nutricional dos indivíduos, principalmente das
crianças, e com poucas repercussões na prática (MALUF, MENEZES, VALENTE,
1996). A década de 1990 ficou marcada pela luta contra a fome conduzida por Herbert
de Souza e por alguns avanços importantes para o tema da segurança alimentar. Em
1993 foi criado o Conselho Nacional de Segurança Alimentar – CONSEA, como um
órgão de aconselhamento do Presidente da República para problemas da fome e da
miséria no país, composto por Ministros de Estado e representantes da sociedade civil.
A partir de 1994 tem início as Conferências Nacionais de Segurança Alimentar e
N
utricional, que em 2007 realiza a terceira edição. Na definição adotada pelo CONSEA
na II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional em 2004, segurança
alimentar e nutricional é entendida como “[...] a realização do direito de todos ao acesso
regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem
comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas
alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam
social, econômica e ambientalmente sustentáveis.” (CONSEA, 2004 apud ZANETTI;
MENASCHE, 2007, p.04).
Fonte: Elaborado pela autora.
Além do acesso e da disponibilidade de alimentos, ao manter interna à unidade
familiar a atribuição de produzir a própria alimentação assevera-se outros princípios da
segurança alimentar (Ver Quadro 2), como a qualidade e a adequação aos hábitos alimentares
locais
3
.
3
A quantidade também é um elemento considerado no conceito de segurança alimentar, todavia os dados
coletados nesta dissertação não fornecem instrumentos suficientes para uma avaliação neste âmbito. Os
131
A qualidade sanitária dos alimentos autoconsumidos e sua confluência com práticas
alimentares saudáveis foram freqüentemente citadas pelas famílias rurais, principalmente em
Veranópolis, Salvador das Missões e Três Palmeiras, como se observa no depoimento. Em
Morro Redondo esta preocupação foi percebida em menor intensidade, quiçá em decorrência
do consumo mais freqüente de alimentos comprados.
A gente produz isto porque ao menos a gente sabe. As galinhas, a gente sabe
o que a gente trata, o porquinho também, não toma remédio, antibiótico,
estas coisas. Ração pronta, a gente não compra. Só milho e farelo de soja e
farelo de trigo e os restos da cozinha, isto a gente dá pra eles. Então a gente
sabe que estes porcos e estas galinhas que a gente trata, comem coisas
naturais, que não tem remédio, não tem veneno (Entrevista 09, SM).
Desfrutar de alimentos “sem venenos” e saber o que está consumindo são algumas das
principais justificativas para a existência do autoconsumo nos estabelecimentos. Os alimentos
comprados parecem não ser confiáveis quanto este critério, mesmo adotando medidas
profiláticas (lavar e descascar), como observou também Menasche (2003). Segundo
testemunho: “[...] a nutricionista disse que era pra mim comer maçã. Uns vinte dias atrás
comprei. Me deu uma coisa embaixo da língua, uma ardência, eu disse - esta maçã tem
veneno! - e eu tinha lavado e descascado [...]. Mas então a gente tinha que ter em casa,
sem veneno.” (Entrevista 28, V, grifos nossos).
Além da constante preocupação em comer alimentos sadios, há também a percepção
de que os alimentos produzidos pela unidade familiar fornecem mais energia
4
vis-à-vis
aqueles comprados, como observaram também Brandão (1981), Wagner, Marques e
Menasche (2007) e mencionado pelo informante:
Eu trato o pão de padeiro como papel higiênico, que tu caminha um pedaço
já está com fome. Claro pra nós não assenta isto ali. Nós trabalhemos no
pesado, quem trabalha no escritório não faz força, só faz força com a
cabeça, e nós aqui não. Nós comemos este pão de casa, ele sustenta mais,
alimentos provenientes da horta, do pomar e da criação animal não foram contabilizados em quantidades, apenas
em valores monetários.
4
Os dados desta dissertação, pelo mesmo motivo anterior, não permitem avaliar o autoconsumo
nutricionalmente. Porém, estudos conduzidos por Norder (2004) sobre a avaliação nutricional da produção para
o autoconsumo indicam carência de nutrientes importantes como o cálcio, vitamina A e B2. Preocupações sobre
o balanço nutricional do autoconsumo também são encontradas em Santos, Biolchi e Angelis (2006, p.25): “[...]
apesar da extensa e diversificada lista, a qualidade da dieta garantida no autoconsumo apresenta baixa freqüência
de grupos de alimentos importantes, sugerindo dietas com possíveis desequilíbrios nutricionais.” Isto em parte se
deve a sazonalidade e aos próprios hábitos alimentares. No entanto, estes não seriam elementos para
desconsiderar o autoconsumo. Devem ser interpretados como elementos que precisam de ajustes. Ademais,
segundo Norder (2004), as famílias que apresentam melhor adequação nutricional são aquelas com maiores
índices de produção para o autoconsumo, ou seja, ainda que esta produção possa não atender de modo suficiente
à demanda nutricional, trata-se de um importante componente à segurança alimentar.
132
ele segura mais, e daí uma lingüiça, um pedacinho de carne é suficiente tu
agüenta de manhã até meio dia tranqüilo (Entrevista 43, MR).
Para garantir a qualidade e a sanidade dos alimentos, a produção destinada ao
autoconsumo geralmente é isenta de agrotóxicos e outros produtos químicos. Além do uso do
esterco animal, utilizam-se cinzas, restos de alimentos, “terra e folhas do mato”, e outros
materiais que não comprometem a salubridade. Quando há infestações de pragas ou doenças
procuram-se formas alternativas de controle, “[...] em vez de passar veneno, tu pega mijo de
vaca que não contamina a gente também. Tem fumo, dá pra amassar em água, deixar de um
dia para o outro e depois passar, calda bordalesa...” (Entrevista 18, SM). A criação animal
também tem manejo diferenciado. Por exemplo, muitas famílias adquirem frangos de corte
pro consumo familiar quando ainda pintinhos e geralmente os alimentam com alimentação
proveniente do próprio estabelecimento, como milho e farelos. Ainda expandem o período de
criação para além daquele originalmente utilizado em aviários (45 dias), garantindo a
qualidade e o sabor da carne, “é bem mais gostosa que a comprada” (Entrevista 21, TP).
Além da sanidade e qualidade, estas práticas garantem manejos sustentáveis. Muitas
destas utilizam recursos disponíveis localmente, numa forma de co-produção (Seção 5.4), sem
agredir o meio ambiente, a capacidade futura de produção e consumo, e sem comprometer a
condição socioeconômica da família, antes pelo contrário, fortalecendo-a ainda mais.
Em relação à diversidade cultural, o autoconsumo é uma forma de produção que
respeita as preferências alimentares das comunidades locais, suas práticas de preparo e
consumo, e serve como um instrumento de preservação da cultura, dada que muitas destas
práticas são passadas de pais para filhos, em consonância com as condições socioambientais e
a própria história local. Embora a homogeneização dos hábitos alimentares nos municípios
estudados (Capítulo 3), é possível evidenciar traços culturais nos alimentos, como, por
exemplo, o consumo de radite, salame, queijo, os grostolis
5
, o brodo e a sopa de capeleti,
citados ao longo das entrevistas em Veranópolis, as cucas e “aquelas bolachinhas com aquelas
coisinhas em cima” (Bolacha Pintada de Natal), típicas da culinária alemã.
Deste modo, pode-se afirmar que a produção para o autoconsumo, em todos os
universos sociais pesquisados (mesmo com as diferenças encontradas), é um importante
componente para garantir a segurança alimentar das famílias rurais, e, por conseguinte a
autonomia. Além de ter “pra comer” ou o mínimo calórico como denominou Wolf (1976), as
unidades familiares têm a segurança de que “sempre tem em casa” (Entrevista 22, TP), “não
precisa compra” (Entrevista 08, SM), e a “gente sabe o que come” (Entrevista 07, SM). Se
5
Também conhecido por calça-virada. Os demais, brodo e capeleti, são sopas típicas italianas.
133
não produzisse as “[...] miudezas, seria feio o negócio. Teria que comprar, depois segurar um
pouquinho pra amanhã, depois de amanhã, invés assim eu apronto a comida e coloco ali o que
precisa. Não tenho que segurar isto aqui é pra amanhã. Tem mais à vontade.” (Entrevista 29,
V). As unidades familiares asseveram sua alimentação, a qualidade desta, segundo seus gostos
e costumes, práticas agrícolas sustentáveis e fortalecem sua condição socioeconômica
6
, “[...]
porque se fosse comprar tudo que a gente gasta pra fazer almoço, janta, diariamente café,
almoço e janta... É bastante que os homens comem aqui!” (Entrevista 31, V).
5.2 DIVERSIFICAR CULTIVOS E RENDAS, MINIMIZAR A VULNERABILIDADE
[...] se eu não colho de uma, eu colho de outra, porque perder tudo, tudo, se
tu planta mais coisas, já é mais difícil eu acho (Entrevista 09, SM).
Segundo Ploeg (2006a), o regime sócio-técnico dominante, o mesmo preconizado na
modernização da agricultura, torna o processo produtivo cada vez mais dependente do
mercado, cada vez mais concentrado a um limitado número de agricultores, com custos de
produção crescentes (necessidade constante de adotar e renovar tecnologias) e redução nas
margens de lucro (por unidade de produto final, animal e hectare)
7
. Aumentar a escala e se
especializar tornam-se um dos critérios para o desenvolvimento da agricultura
No entanto, especialização produtiva e vulnerabilidade são dois termos que
constantemente caminham juntos. Vulnerabilidade, conforme discutido por Ellis (1998, 200) e
Chambers (1995), faz menção a situação em que a reprodução social das unidades familiares
fica exposta e desprotegida. No caso da especialização e da mercantilização da agricultura, as
famílias ficam expostas aos mercados e as relações por ele estabelecidas, e carecem de meios
para se resguardarem.
Recentemente, quando o preço da soja esteve em elevação, algumas unidades
familiares decidiram dedicar-se exclusivamente ao cultivo deste cereal. Famílias que
produziam “[...] leite, 10, 12 vacas, venderam pra produzir soja. Venderam vacas, e pastagens
foram transformadas em lavouras.” (Entrevista 16, SM). A reprodução social ficou a mercê de
6
De acordo com os princípios definidos no conceito de segurança alimentar, como evidenciado também por
Gazolla (2004).
7
O aumento expressivo das despesas em relação ao valor da produção também pode ser denominado de
squeeze da agricultura” (PLOEG, 2006a). Segundo dados da pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003),
o consumo intermediário (custos e despesas de produção) representou sobre o produto bruto total, no ano
agrícola pesquisado, 31,78%, 40,04%, 43,62% e 46,68% respectivamente em Veranópolis, Morro Redondo,
Salvador das Missões e Três Palmeiras. Em média significa que em torno de 40% de tudo que é produzido no
estabelecimento fica comprometido com o pagamento de custos de produção e manutenção.
134
um único cultivo agrícola. No ano seguinte, o preço do cereal decaiu e a crise foi acentuada
pela estiagem (seca) que atingiu o Estado. As famílias ficaram sem recursos e nem dispunham
de outras estratégias para fazer frente as suas necessidades.
O próprio agricultor que vendeu as vacas, ele se arrependeu logo e as
famílias na volta ficaram preocupadas – como é que vai ser? Agora sem
leite, e o soja não tem, qual é a renda que ele vai ter pra viver? – e sabe, o
rancho tem que fazer, o cara que não tem produto para subsistência tem que
comprar no mercado, a luz cada mês vence, água, carro, gasolina pra andar
(Entrevista 16, SM).
A especialização deixou as unidades familiares expostas às crises financeiras e
climáticas, e desprotegias. Sentindo esta fragilidade, principalmente no caso de Salvador das
Missões e Três Palmeiras, as famílias têm procurado diversificar a produção, “[...] estão
plantando parreira, laranja, bastante coisa, que não seja só na soja e no milho, como era
antigamente.” (Entrevista 19, TP). Também se retoma e intensifica-se a produção para o
autoconsumo, “[...] o ano passado foi um ano que compraram bastante coisa [para o
consumo], agora este ano já estão voltando a plantar mais.” (Entrevista 23, TP).
A diversificação e a produção para o autoconsumo, neste caso, surgem como uma
resposta a uma situação de crise e insegurança, como uma “necessidade e reação”, conforme
definido por Ellis (1998, 2000). Trata-se de estratégias que visam aumentar a autonomia e
minimizar a vulnerabilidade advinda da mercantilização e externalização acentuada. De modo
semelhante, Buainain, Romeiro e Guanzirolli (2002, p.13) afirmam que a diversificação “[...]
é uma clara e consciente estratégia de redução de riscos e incerteza, sem dúvida um trunfo de
muitos sistemas de produção explorados por agricultores familiares.”
Mesmo que não monetária, o autoconsumo constitui uma importante fonte de renda, e,
sendo assim, apresenta o mérito de auxiliar na estabilidade econômica e social das unidades
familiares expostas as oscilações das culturas comerciais e falhas nas rendas, intensificando o
controle sobre o processo produtivo. O mesmo foi observado nos estudos de caso conduzidos
por Ellis e colegas em países da África (ELLIS; KUTENGULE; NYASULU, 2003; ELLIS;
NTENGUA, 2003; ELLIS; BAHIIGWA, 2003). Segundo Ellis (2000), o autoabastecimento
alimentar pode ser um dos explicativos da persistência e reprodução das unidades familiares
em ambientes onde cada vez mais vigora a economia capitalista competitiva.
Igualmente, referindo-se às unidades familiares baseadas no binômio soja-trigo,
Lovisolo (1989, p. 70) constata que “Os agricultores [...] que fazem acompanhar ao binômio a
produção de autoconsumo podem, em tese, resistir melhor a ambas as crises: a dos preços e as
naturais.” Isto porque, como demonstrado por Leite (2004), esta produção confere um efeito
135
anticíclico compensando as épocas de baixos rendimentos monetários nos estabelecimentos e
as variações destes ao longo do ano agrícola, proporcionando uma renda total mais constante.
É, portanto, um importante “instrumento de proteção frente às incertezas e oscilações da
produção mercantil” (MALUF; MENEZES; MARQUES, 2001, p. 8). Outrossim, Brumer
(1994) constata que manter o autoconsumo, junto com outras atividades econômicas,
configura-se uma forma de economizar recursos, diminuir riscos de contração de dívidas e
extrapolação das despesas necessárias, ao mesmo tempo em que possibilita a intensificação do
trabalho familiar e a manutenção de membros na residência familiar, evitando o êxodo rural e
a exposição ao desemprego urbano.
Manter uma produção diversificada e garantir a produção para o consumo familiar,
além destes elementos já citados, também permite investir na propriedade, ou seja, trata-se de
uma estratégia de acumulação ou “de escolha e adaptação”, como definiu Ellis (1998, 2000) e
demonstram os depoimentos. Organiza-se a propriedade de tal modo que uma fonte de renda,
no caso, a produção leiteira, é destinada ao pagamento das despesas ordinais, como a energia
elétrica, o combustível, etc.; a produção para o autoconsumo faz frente às demandas
alimentares da família; e com outra renda, a produção de soja, é possível investir na
propriedade e acumular, comprar mais terras, por exemplo. Assim, todas as necessidades da
unidade familiar são contempladas e garante-se a autonomia.
As miudezas a gente não pode deixar, não tem como. Olha que tem um
custo pra comprar tudo. Não adianta ali, que nem nossos vizinhos,
produziram leite e disseram - com o leite eu compro isto, compro aquilo -
não plantaram nem feijão mais pro gasto. Isto não tem, tu tira o leite, não te
sobra nada. Assim não, tu tem o leite e todas as miudezas, ali sempre
sobra um pouco do leite senão não. A gente aqui abastece trator, abastece
os carros, paga luz tudo com o dinheiro do leite. Dai o dinheiro da lavoura
vai pra investir: nós temos uma filha em Chapecó, demos casa [...], meu
filho tem 21 anos, já tem 18 hectares de terra. Isto que quando nos casemos
saímos da estaca zero (Entrevista 25, TP, grifos nossos).
A família tem mais autonomia porque, ela sempre produz coisas para o
comércio, ou leite, soja, milho, trigo, canola, sempre ele vai ter um ou outro
produto que vai puxar pra venda, então se ele tiver para o consumo, ele vai
ter muito mais autonomia, muito mais segurança. Isto a gente vê, tem um
gerenciamento melhor das propriedades. Mesmo produzindo mais soja, mas
produzindo para o consumo próprio e leite, acaba sobrando. Quando da
fatura de soja, eles faziam com que a soja fosse uma reserva, e aquilo
servia pra fazer uns negócios à parte: comprá mais um pedacinho de terra,
um trator melhor, construir a casa. Aquilo era uma poupança que eles
tinham, porque a manutenção da propriedade fazia através do leite e
do que eles produziam pro consumo da família, então eles tinham muito
mais autonomia, e ainda tem estas famílias, embora esta poupança tenha
balançado bastante no último ano (Entrevista 16, SM, grifos nossos).
136
A existência de outras fontes de renda, como de atividades não agrícolas e da
previdência rural, também é importante no escopo da diversificação dos modos de vida e
possuem as mesmas atribuições que a “renda” do autoconsumo. A Figura 10 apresenta o
número de rendas sob a qual está assentada a reprodução social das unidades familiares nos
universos investigados
8
. Através desta é possível evidenciar que em Veranópolis 45,76% dos
estabelecimentos desfrutam acima de 09 fontes de renda, e apenas 6,78% até 04. Em Morro
Redondo e Três Palmeiras, em torno de 20% dos estabelecimentos contam com no máximo
até 04 fontes de renda, e igualmente apenas próximos a 15%, acima de 09, resultados que vão
ao encontro da vulnerabilidade encontrada em muitos estabelecimentos nestes municípios. Em
Salvador das Missões, embora o processo de modernização, iniciativas de diversificação
ressurgiram ainda na década de 1980 e desde então tem se intensificado, assim, apenas 8,62%
dos estabelecimentos contam com no máximo 04 fontes de renda, e 22% com acima de 09.
6,78
47,46
45,76
19,35
64,52
16,13
8,62
68,97
22,41
18,64
66,10
15,25
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Veranópolis Morro
Redondo
Salvador
das Missões
Três
Palmeiras
até 4 fontes de renda
entre 5 e 8
acima de 9
Figura 10: Porcentagem de estabelecimentos familiares segundo o número de
fontes de renda nos municípios pesquisados.
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
Independente da diversificação resultar de uma “reação/necessidade” ou
“escolha/adaptação”, o autoconsumo é sempre uma estratégia importante, observada em todos
os universos empíricos pesquisados, ora contribuindo para a estabilidade socioeconômica e
manutenção das unidades familiares, ora permitindo melhorias na qualidade de vida e infra-
estruturas, e até mesmo ascensão e diferenciação social frente às demais em alguns casos.
8
O conjunto de fontes de renda é formado pelo número de culturas agrícolas vendidas, o número de animais
vendidos, leite, ovos, mel e peixes vendidos, pelo número de beneficiados da previdência social na família, pelo
número de membros que exercem atividades não agrícolas, pelas rendas provenientes de outras fontes (aluguel
de imóveis, máquinas, etc.), outras rendas do trabalho (rendas de atividades realizadas fora do estabelecimento
familiar, mas relacionadas com a atividade agrícola) e a produção para o autoconsumo.
137
5.3 PRODUZIR PARA O CONSUMO FAMILIAR: uma economização
[...] no fim do mês se tu vai comprar tudo, tu nota [a diferença], e se tu tem
em casa, não precisa comprar (Entrevista 38, MR).
Utiliza-se a expressão “economização”, referida por Lovisolo (1989), para demonstrar
mais uma função do autoconsumo e sua importância para a condição socioeconômica da
agricultura familiar. Segundo o autor, este termo refere-se à forma de aproveitar o tempo e a
força de trabalho ociosos do estabelecimento produzindo para o consumo familiar, e também
ao fato de, ao produzir seus próprios alimentos, a unidade familiar deixa de gastar o mesmo
equivalente em recursos monetários com a compra destes nos supermercados (LOVISOLO,
1989).
Ambas as formas de economização foram evidenciadas nos universos empíricos e
utilizadas como justificativa para existência do autoconsumo, principalmente a segunda.
Algumas famílias produzem para o consumo familiar porque “[...] a gente tem terra, tem tudo
de sobra, então é só plantar, só ter vontade” (Entrevista 38, MR), também porque “[...] a gente
tem um tempinho, tem um intervalo nas parreiras. Já que tenho tempo tem que aproveitar,
porque ir comprar é mais caro do que ir produzir, a gente vai com as máquinas e faz.”
(Entrevista 32, V). Ou seja, trata-se de uma estratégia de maximizar todos os recursos
disponíveis na unidade familiar, principalmente terra e força de trabalho, e ainda em uma
produção que proporciona economia evitando a compra da alimentação necessária ao grupo
familiar, como justificam também outras famílias, “não precisa compra, é que sai mais caro se
tem que comprar tudo.” (Entrevista 18, SM).
Economizando o valor equivalente à compra de alimentos, as unidades familiares
podem utilizar este recurso para outras necessidades. Segundo Woortmann (1978, p. 114),
“[...] realizando seu consumo alimentar em boa medida pela produção própria, o pequeno
lavrador aumenta as possibilidades de realização, pela via do mercado, de outras fontes de
consumo, não menos importantes para sua reprodução como ser social.” “Morando na
colônia, se a gente não plantar isto ali com o que a gente sobrevive? O que a gente ganha, o
pouco que a gente ganha, praticamente vai pra rancho e tem luz, telefone, a gente paga água e
tudo o resto, e é gás, sempre tem.” (Entrevista 30, V). O pagamento de muitos destes custos
(água, telefone, energia elétrica, rancho, etc.) ou até mesmo o acesso a outros alimentos
necessários poderia ficar comprometido ou restrito, caso a unidade familiar tivesse que
adquirir toda sua alimentação, necessidade primária, em mercados.
138
Embora o reconhecimento de que se trata de uma fonte de renda importante, a maioria
das unidades familiares não consegue estimá-la em valores. Não há o hábito de contabilizar
esta produção, “os cálculos a gente não fez ainda” (entrevista 06, SM), mas consideram um
valor elevado.
Dá bastante. Antes quando eu morava na cidade, o meu rancho era de
duzentos e poucos reais, seis anos atrás, e só em dois. Hoje, aqui dá cento e
poucos pila, cento e cinqüenta às vezes, que tem este daqui [filho pequeno],
que daí tem que pegar frutas e coisa sempre pra ele, estas coisa que não se
planta. Senão com cento e vinte, cento e trinta, a gente passa o mês, eu acho
bastante (Entrevista 21, TP).
Seis anos depois, em três pessoas na família, os custos com alimentação reduziram-se
consideravelmente em função do autoconsumo, e embora não consiga estimar o valor exato
desta produção, considera que “é bastante”.
Através da Tabela 29, é possível evidenciar que em média 28,88% do produto bruto
total e 27,24% da renda total é fruto da produção para o autoconsumo, contribuindo
significativamente para a condição econômica das famílias. Em outras palavras, em Três
Palmeiras e Morro Redondo, casos mais expressivos, as unidades familiares deixam de gastar,
respectivamente, 38,34 % e 32,01% da renda total anual com a aquisição de alimentos nos
mercados
9
. Cabe considerar ainda para estes casos, a extrema relevância do autoconsumo,
dado que a proporção desta produção no produto bruto total (31,80% e 25,50%,
respectivamente) é inferior quando na renda total (38,34% e 32,01%, sucessivamente). Isto
significa que, descontado os custos de produção e somando as outras possíveis rendas, a
importância do autoconsumo é acentuada. Em Salvador das Missões e Veranópolis, as
porcentagens em relação à renda total anual são menores, resultado desta ser mais elevada
comparativamente aos demais municípios
10
, fato que dilui a importância relativa do
autoconsumo.
A Tabela 30, complementando a anterior, compara o valor monetário do produto bruto
de autoconsumo total por consumidor com o custo médio da cesta básica
11
no ano agrícola da
9
Outrossim, Guevara (2002) aponta que o autoconsumo mais as doações de alimentos recebidas pelas famílias
representam 28% do ingresso líquido total, valores próximos aos alcançados nesta dissertação.
10
Ver Tabela 21, Capítulo 4.
11
Os alimentos e as quantidades destes que compõem a cesta básica foram estipuladas com base na dieta de um
trabalhador em idade adulta, segundo quantidades suficientes e balanceadas de proteínas, calorias, ferro, cálcio e
fósforo. Os alimentos e suas quantidades recomendadas para a Região Sul do país são: carne (6,6 kg), leite (7,5
l), feijão (4,5 kg), arroz (3,0 kg), farinha (1,5 kg), batata (6,0 kg), legumes (tomate) (9,0 kg), pão (6,0 kg), café
em pó (600 gr), frutas (banana) (90 unidades), açúcar (3,0 kg), banha/óleo (900 gr) e manteiga (750 gr)
(DIEESE, 2003). Tomou-se como referência o custo médio desta no ano agrícola da pesquisa (set./ 2001 -
ago./2002) para a capital do Rio Grande do Sul (R$ 132,21 reais), segundo valores divulgados pelo
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - DIEESE. Deve-se considerar que o custo
139
pesquisa (R$ 132,21 reais). Também utilizado por Barbosa (2003), este procedimento permite
comparar a produção “pro gasto” com o valor monetário necessário para alimentar um
indivíduo em idade adulta, embora desconsiderando o balanço nutricional.
Tabela 29: Proporção do produto bruto de autoconsumo total sobre o produto bruto
total e a renda total anual nos estabelecimentos pesquisados.
Proporção do produto bruto do autoconsumo (%) sobre
Município
produto bruto total anual renda total anual
Veranópolis 29,39 21,87
Morro Redondo 25,50 32,01
Salvador das Missões 28,82 16,73
Três Palmeiras 31,80 38,34
Total 28,88 27,24
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
Tabela 30: Proporção do valor do produto bruto autoconsumo total por
consumidor sobre o custo da cesta básica (POA, 2001/2002).
Município Proporção no custo da cesta básica (%)
Veranópolis 68,31
Morro Redondo 42,67
Salvador das Missões 69,09
Três Palmeiras 54,22
Total 58,33
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003) e DEPARTAMENTO INTERSINDICAL
DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SÓCIOECONOMICOS - DIEESE (2006).
Em Veranópolis e Salvador das Missões, onde a produção para o autoconsumo é uma
estratégia mais valorizada pelas unidades familiares, o autoabastecimento responde,
aproximadamente, a 70% do custo da cesta básica (Tabela 30). Nestes, as unidades familiares
deixam de gastar em torno de R$ 90,00 por mês com alimentação. Morro Redondo e Três
Palmeiras apresentam valores inferiores, 42,67% e 54,22% respectivamente, mas nem por isso
menos importantes.
12
Não obstante as diferenças, percebe-se mais uma vez, nos quatro
municípios investigados, o potencial do autoabastecimento alimentar para a segurança
alimentar e também como uma importante forma de economização.
Outra forma de demonstrar a importância socioeconômica do autoconsumo consiste
em relacionar essa produção com uma linha de pobreza, como procederam Hoffmann (1995),
da cesta básica em Porto Alegre é um dos mais elevados do país, podendo subestimar o valor da produção para o
autoconsumo. Outro fator que contribui para a subestimação é o fato do autoconsumo estar sendo mensurado
pela preço de venda dos alimentos, enquanto a cesta básica considera os preços de compra.
12
Valores semelhantes foram encontrados por Santos e Ferrante (2003, p. 100). Segundo as autoras, “[...] o que é
produzido no lote chega a representar, em termos médios, 58% do valor gasto mensalmente com alimentação
pelas famílias.”
140
Norder (1998) e Leite (2004). Esta linha de pobreza equivalente a ½ salário mínimo
13
per
capita, contraposta ao rendimento líquido per capita (renda total) “com” e “sem”
autoconsumo, determinará famílias abaixo da linha da pobreza e famílias consideradas não-
pobres. Conforme a Tabela 31, quando comparado o valor do salário mínimo com a renda
total “sem” o autoconsumo, em média 23,5% dos estabelecimentos situam-se abaixo da linha
da pobreza, considerados, portanto, pobres. Em Veranópolis é encontrado o menor número de
estabelecimentos (6,8%) abaixo desta linha, enquanto em Três Palmeiras encontra-se o maior
(37,3%), condizendo com a apresentação feita dos mesmos no Capítulo 03. Estes percentuais
alteram-se quando se adiciona o valor do produto bruto de autoconsumo total.
Respectivamente 22,0% e 15,5% dos estabelecimentos deixaram a linha da pobreza em Três
Palmeiras e Salvador das Missões, casos mais emblemáticos, tendência esta também
identificada no trabalho de Leite (2004) e Norder (1998).
Tabela 31: Nível de pobreza diferenciado pela presença do produto bruto de
autoconsumo total nos estabelecimentos e nos municípios pesquisados.
Nível de pobreza
sem autoconsumo com autoconsumo
Município
< 0,5 SMm* > 0,5 SMm < 0,5 SMm > 0,5 SMm
Veranópolis 06,8 93,2 03,4 96,6
Morro Redondo 27,4 72,6 14,5 85,5
Salvador das Missões 22,4 77,6 06,9 93,1
Três Palmeiras 37,3 62,7 15,3 84,7
Total 23,5 76,5 10,1 89,9
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
* SMm: salário mínimo.
Embora a problemática da pobreza não seja resolvida simplesmente aumentando
alguns algarismos acima de uma linha imaginária, estes resultados apontam para a relevância
do autoconsumo. Frequentemente esquecida nas estatísticas oficiais e nas políticas públicas, a
produção “pro gasto” cumpre um importante papel no combate à pobreza, que segundo Maluf,
Menezes e Marques (2001), ocupa o lugar de determinante principal da insegurança
alimentar. Reitera-se a importância do autoconsumo dado que a pobreza concentra-se
principalmente em áreas rurais.
14
Produzir para consumo familiar é uma estratégia dos
agricultores familiares para aumentar a qualidade de vida e a condição socioeconômica,
13
No ano agrícola da pesquisa (set./ago.2002), o salário mínimo (SMm) nacional variou de R$ 180,00 para R$
200,00, um valor médio ponderado de R$ 188,33.
14
Hoffmann (1995) ao utilizar esta mesma metodologia com base nos dados da PNAD para o ano de 1990,
concluiu que a pobreza é maior na área rural, atingindo 73,1% desta população. O autor, entretanto, admite que
estes dados possam estar superestimados por não considerarem o valor da produção para o autoconsumo, e
também se pode argumentar que o custo de vida na área urbana é maior.
141
estratégia que não está disponível para muitos outros segmentos sociais em situação de
pobreza (NORDER, 1998).
Os resultados da Tabela 29, além de demonstrarem o potencial do autoconsumo para
minimizar a pobreza, trazem à tona outro debate: como mensurar esta? Tomando como
exemplo duas unidades familiares hipotéticas que apresentam rendas equivalentes, contudo
uma produz toda a alimentação necessária à família e a outra a satisfaz por meio da compra,
pergunta-se: qual é a mais pobre? Seguindo os critérios das estatísticas oficiais, cujo único
parâmetro é o fator renda, estas famílias estariam no mesmo patamar de capitalização,
portanto, também de pobreza, mesmo que em condições socioeconômicas ou graus de
vulnerabilidade distintos. A mesma comparação poderia ser realizada com outros elementos
como educação, emprego, saúde, etc. Emergem assim, dúvidas sobre a centralidade da renda
na mensuração de pobreza, desconsiderando outros elementos importantes como a própria
produção para o autoconsumo e as diferenças regionais.
15
5.4 PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO: a co-produção
[...] aqui tudo se aproveita (Entrevista 42, MR).
Segundo Ploeg (2006a), durante a segunda metade do século XX, a relação entre
processo produtivo e ecossistemas foi desconectada. Homem e natureza se afastaram.
Recursos antes derivados da natureza, reproduzidos e melhorados pelo processo de produção
agrícola, foram crescentemente substituídos por novos artefatos construídos e comercializados
por agroindústrias, que cada vez mais prescrevem e governam o processo produtivo.
Ampliou-se o grau de mercantilização e emergiram novas relações de dependência. Ainda que
este processo não seja uniforme e completo
16
, algumas iniciativas têm buscado a reconexão da
agricultura com a natureza ou a co-produção, sumarizadas no conceito de recampesinização
(PLOEG, 2006). Esta seção debate o autoconsumo como uma forma de produção que
estabelece esta co-produção, ou seja, utiliza os recursos disponíveis no estabelecimento e, ao
15
Sobre este tema, ver Sen (2000), que propõe que a pobreza seja analisada para além do fator renda,
considerando as capacitações dos indivíduos (conjunto de vetores de funcionamento que determina o que a
pessoa é e o que pode fazer, por exemplo, escolaridade, saúde, emprego, etc.) e a avaliação que o próprio
indivíduo tem de sua condição. A pobreza estaria relacionada com as limitações das capacitações das pessoas.
Cabe destacar ainda, o recente trabalho de Mattos (2006), dedicado à comparação entre estas duas metodologias
que aferem pobreza.
16
Cf. debate no Capítulo 2.
142
mesmo tempo, os fortalece e recria para os ciclos futuros, contribuindo assim, para a
autonomia das unidades familiares.
Conforme Santos e Ferrante (2003), uma característica importante da produção vegetal
para o autoconsumo é que ela geralmente utiliza resíduos da produção agrícola (palhadas,
estercos, etc.) e recursos oferecidos pelo próprio ambiente (fertilidade natural do solo, por
exemplo), otimizando assim os recursos disponíveis no lote. Este aproveitamento dos recursos
para a produção vegetal “pro gasto” também foi destacado por outros autores (GAZOLLA,
2004; NORDER, 2004) e evidenciada empiricamente em todos os universos sociais
pesquisados. “Tudo, esterco das vacas, o lixo caseiro, a erva-mate, os restinhos, tudo ajunto
num pote depois misturo com esterco e vai pra horta.” (Entrevista 42, MR). O uso do esterco
dos animais é o mais freqüente e é utilizado em muitos cultivos, “eu adubei todos os pés de
laranja com o esterco das vacas” (Entrevista 23, TP), “nas pastagens”, e ainda “se coloca na
parte mais fraca [do solo] que percebe que tem carência” (Entrevista 38, MR). Além da
renovação autônoma da fertilidade do solo e minimização da externalização, há benefícios
também na qualidade dos alimentos.
Utiliza esterco do aviário e deixamos assim o esterco no mínimo uns vinte e
cinco centímetros longe da batatinha, no plantio. A gente enverga, daí
despeja adubo meio a vontade e depois cinza, cinza dos fornos de lá do
aviário de aquecimento dos frangos. A gente vai ensacando e guardando, e
depois despeja cinza. Porque a cinza? Ela não deixa criar aquele bichinho
que depois vai comer a batatinha, deixa ela tudo furadinha. Batata doce se
planta da mesma forma (Entrevista 25, TP, grifos nossos).
Se a existência da criação animal (também autoconsumida) beneficia a produção
vegetal, esta também contribui para aquela com a produção para o autoconsumo “mais que o
gasto”
17
, como denominou Heredia (1979) e Garcia Junior (1983), não vendida, que serve
como fonte de alimentação. “O que sobra vai pras galinhas, pro porquinho.” (Entrevista 09,
SM). “Teve mês que dei balde de ovos pros porcos.” (Entrevista23, TP). Os alimentos mais
assíduos nesta função são: milho, mandioca, batata-doce, abóbora e cana-de-açúcar. Embora
provavelmente não sejam suficientes, “as sobras” constituem uma importante fonte de
alimentação para os animais e também servem para reduzir custos de produção. Este
aproveitamento sistemático do subproduto da produção agrícola para a alimentação animal e
vice-versa no caso do adubo orgânico, também foi denominado por Tepicht de autoconsumo
intermediário (GARCIA JUNIOR, 1989, 1983).
17
Conforme Heredia (1979), considera-se “mais do que o gasto” a produção que supera o consumo em um
determinado momento. Não pode ser interpretada como uma produção que excede o consumo familiar, pois em
um momento futuro estes mesmos alimentos podem ser adquiridos via mercado para suprir uma demanda atual.
143
Não obstante a produção destinada ao consumo animal (na maioria das vezes plantada
exclusivamente para isto, e não apenas “as sobras”) não fazer parte da aqui denominada
produção para o autoconsumo, esta é uma estratégia importante para garantir a autonomia do
processo produtivo. A Tabela 32 apresenta o valor anual desta produção destinada ao
consumo animal, com base no preço de venda destes produtos. Em Salvador das Missões e
Veranópolis, casos mais significativos, este valor corresponde a R$ 14.665,23 e R$ 10.280,42
respectivamente. Em Três Palmeiras, o valor é de R$ 9.705,79, e em Morro Redondo, apenas
R$ 5.988,55 - 40,84% do valor alcançado em Salvador das Missões - fato que vai ao encontro
da descrição do mesmo no Capítulo 3, de que as unidades familiares, de modo geral, têm
reduzido a produção agrícola. Em termos gerais, trata-se de valores expressivos, e
representam uma importante forma de economia.
Tabela 32: Valor do consumo improdutivo em reais (R$) segundo os
municípios pesquisados.
Município Consumo Improdutivo
Veranópolis 10.280,42
Morro Redondo 5.988,55
Salvador das Missões 14.665,23
Três Palmeiras 9.705,79
Total 10.088,49
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
Figura 11: Mandiocal destinado ao consumo familiar e animal em uma
propriedade familiar em Três Palmeiras.
Fonte: Pesquisa de Campo (2006).
144
Outros recursos locais importantes utilizados na produção para o autoconsumo
referem-se às sementes e ao saber-fazer. As sementes, quando na produção “pro gasto”,
geralmente são procedentes dos ciclos produtivos anteriores
18
. Há o cuidado de coletar,
selecionar e armazenar as sementes, das quais depende a produção futura. Segundo Heredia
(1979, p. 58), “[...] os pequenos produtores preferem utilizar as sementes provenientes da
própria colheita, não apenas pela economia que isto implica, mas também porque dessa forma
têm certeza de haver realizado uma seleção cuidadosa das melhores.”
Quanto ao saber-fazer, o autoconsumo é uma forma de produção que utiliza o
conhecimento e a experiência acumulada ao longo de gerações. É um tipo de produção
aprendido com o pai e mãe, “desde nova, de vê o pai e mãe trabalhá” (Entrevista 28, V), e
com o grupo social pertencente. Ou seja, há um “corpo do saber” que antecede a produção
propriamente, como denominou Woortmann e Woortman (1997, p. 13). Segundo os autores,
utilizando como exemplo a produção comercial, “Para se reproduzirem, os camponeses
produzem mercadorias, mas a produção de mercadorias é antecedida logicamente pela
produção de bens, e esta, por sua vez, é antecedida pela produção-reprodução de bens
simbólicos que constituem o corpo do saber.” Para Tedesco (1999, p.97)
Há um intercâmbio homem-terra e trabalho extremamente complexo, que
não se resume à produção mercantil e/ou a satisfazer necessidades. O sol, a
chuva, as estações, a noite, o dia, os incentivos, etc. são horizontes sociais e
culturais que se aglutinam na relação terra/colono. O controle técnico dos
meios de produção e do processo de trabalho e da natureza faz parte de um
saber, de uma tecnologia do colono [...] que norteiam ações, funções e
estratégias.
A posse deste “corpo do saber” é um dos fatores que permite que o atendimento das
necessidades alimentares da família seja saciado em grande medida por ela mesma. Conhecer
os potenciais e as limitações, como e quando plantar cada cultura são elementos que permitem
à unidade familiar gerir e aproveitar melhor seus recursos.
Este conhecimento não é estático. Ao longo do tempo, ele é transformado pela própria
experiência da família e também pela relação que esta estabelece com outros indivíduos ou
instituições. Como afirma Tedesco (1999, p. 97), “Parece-nos que há processos que se
conjugam ao sistema de classificação local, porém que não estão privados de reflexão do
sistema local, muitas vezes não para ignorá-las, mas também para enriquecê-las.” Cursos de
18
Os cultivos onde isto acontece com menor freqüência são aqueles no âmbito da horta. As sementes de alguns
legumes ou até mesmo mudas prontas são comprados levando em consideração a praticidade, a dificuldade de
conservação (por conseguinte, a qualidade das sementes) e ainda efeitos adversos que impossibilitam a própria
coleta das sementes. “Alface eu compro, eu tinha cenoura também que eu guardava só que eu perdi com esta
seca, mas eu quero ver se eu não consigo de novo fazer semente própria.” (Entrevista 07, SM).
145
aperfeiçoamento têm sido freqüentes no meio rural, estimulados pelos órgãos públicos e de
extensão, onde são incorporadas novas técnicas e formas de organizar a produção,
estendendo-se até mesmo a esfera do autoconsumo.
19
[...] até estes dias nós fizemos um curso de derivados de cana. Eu fiz um
curso de gado leiteiro aqui na São Francisco [...] a gente aprendeu muito e
estamos mudando, porque anos atrás a gente não tinha pastagem, cortava o
pasto, levava pasto pra casa, e com estes cursos do [nome] a gente
descobriu que era melhor a pastagem. E assim com o tempo vai mudar mais
ainda, daí nós temos que se acostumar, assim como nossos pais se
acostumaram com a gente, [...] até de horta eu fiz no início do ano
(Entrevista 18, SM, grifos nossos).
Estes cursos aprimoram o saber/fazer cultivado ao longo de gerações, como, por
exemplo, ao invés de cortar o pasto e trazer pra casa para os animais, são estes que vão até a
pastagem na lavoura. Todavia, também ocorre a troca do saber/fazer pela cientifização da
agricultura (PLOEG, 1992). Ao adquirir novos artefatos produzidos pelas agroindústrias,
como mencionado inicialmente nesta seção, as unidades familiares tornam-se dependentes do
conhecimento também produzido por estas, como exposto no depoimento:
O agricultor não consegue analisar mais como antigamente. Meu pai hoje
teria setenta e poucos anos, meu pai olhava pro tempo e dizia – bom, esta
semana o tempo vai estar bom não precisa tratar o parreiral, a semana que
vem se o tempo piorar a gente trata. O produtor gosta muito da medicação,
tem que tratar tudo. O ano passado nós tivemos casos de intoxicação de
tratamentos nas plantas (Entrevista 36, V).
O saber/fazer, neste caso, além de autonomia, proporcionava o uso mais adequado dos
insumos baseando-se na relação já estabelecida entre homem, natureza e produção. Sendo
assim, a produção para o autoconsumo, como uma forma de co-produção percebida de modo
semelhante nos universos empíricos estudados, mantém homem, natureza e trabalho
conectados. Utiliza-se dos recursos materiais e sociais disponíveis localmente e, ao mesmo
tempo, os reproduz, garantindo a existência de ciclos futuros e uma base de recursos
autocontrolada, resultando, enfim, em maior controle sobre o processo (re)produtivo.
5.5 DUPLA FINALIDADE: a alternatividade dos alimentos
[...] o caráter de alternância dos produtos que possibilitam a opção do seu
aproveitamento para o consumo e/ou venda converte-se num mecanismo de
19
Dá-se inicio então a profissionalização dos agricultores. Segundo Wanderley (2003), o camponês que tinha um
modo de vida que articulava as múltiplas dimensões de suas atividades, torna-se um profissional.
146
defesa que [...] pode ser acionado pelo pequeno produtor (HEREDIA, 1979,
p. 130).
O autoconsumo também confere autonomia pela marca da alternatividade que os
produtos apresentam. Alternatividade
20
é a característica que certos alimentos apresentam de
possibilitar tanto o consumo como a transformação destes em valores de troca, conforme a
demanda da família, as condições de preço, perecibilidade, etc. (GARCIA JUNIOR, 1983,
1989; HEREDIA, 1979). Esta possibilidade proporciona maior autonomia para a família, que
pode utilizar diferentes estratégias para enfrentar situações adversas ou apoderar-se de
momentos propícios, sem que a esfera da alimentação da família seja afetada.
21
Esta flexibilidade entre consumir e vender também foi evidenciada empiricamente nos
quatro municípios pesquisados. A produção para o autoconsumo, depois de satisfeitas as
necessidades da família, também propicia ingresso financeiro pela venda das “sobras”.
Quando há esta produção “mais do que o gasto”, “[...] daí vende, seja dez, vinte, vendemos.
Tem uns que pegam aqui, outros levamos lá em cima [na cidade]. Ovo, queijo, carne, salame,
estas coisas.” (Entrevista 20, TP). “Ovo, dá umas quatorze dúzias por semana que eu levo pra
vender, às vezes dá menos, às vezes dá mais. Daí tem bastante galinha que vende. Vendo na
vila aí, por tudo, até ontem carneei mais uns pra entregar hoje de tarde.” (Entrevista 23, TP).
Geralmente quando a venda é realizada para pequenos estabelecimentos comerciais, o produto
é pago com outras mercadorias. “A gente pega em troca ali no mercado. A gente pega farinha
em troca dos ovos.” (Entrevista 28, V). Não obstante se trate de vendas esporádicas, os
recursos obtidos contribuem para a reprodução social da família, “vai e como bem, sabe, pode
investir em outra coisa.” (Entrevista 05, SM).
Produtos com a marca da alternatividade também são cultivados com a finalidade
principal de comercialização, mas atendem, ao mesmo tempo, o consumo familiar. Em
Salvador das Missões, durante a pesquisa de campo (2006), estava em implementação um
quiosque para a venda de produtos da agricultura familiar, envolvendo várias famílias. Este
seria um caso emblemático para o exposto. Os produtos antes cultivados em pequenos
espaços, apenas para o consumo familiar, agora “merecem” áreas maiores, com mais cuidados
e destinação comercial, contudo, sem prejudicar o consumo dos mesmos pela família. Altera-
se a lógica que orienta a produção, como observava Lovisolo (1989) e exposto no
depoimento. Se antes o amendoim atendia somente a esfera do consumo familiar, agora
20
Heredia (1979) também utilizada a expressão flexibilidade, que da mesma forma simboliza a flexibilidade de
alguns produtos de permitir ao agricultor escolher entre o consumo direto ou a venda, nos diferentes momentos
do ano agrícola.
21
Cf. discutido no Capítulo 2.
147
desponta como uma fonte de renda importante, e o mesmo acontecerá com outros produtos,
característicos do autoconsumo, demandados pelo mercado.
[...] que nem a mandioca e o amendoim, este ano vamos plantar mais pra
vender. Este ano a gente já tinha amendoim e a gente já vendeu super bem.
Eu ia vender mais que o dobro se a gente tivesse, daí este ano nós queremos
plantar mais, inclusive nos meus planos nós ia plantar um hectare, porque a
gente sabe que isto dá lucro. Eu sou sócia do quiosque na Salvador, que ele
vai abrir, é para abrir meio logo, daí eu posso por lá pra vender os produtos.
Eu já tinha colocado mandioca, amendoim, e artesanato eu também faço.
Daí estas coisas, a gente ia vê o que ia mais, o que dá mais lucro e o que
mais vai, o que mais ia conseguir vender (Entrevista 10, SM).
Os parreirais e as “chácaras” de pêssego em Veranópolis e Morro Redondo,
respectivamente, também são exemplos. Aliás, em Veranópolis todos os produtos
comercializados apresentam esta característica. Para Woortmann (1978, p. 07), “É racional
tornar central a dieta alimentar aquele produto que ocupa posição central nas relações de
mercado, em outras palavras, adequar o uso à troca.” O contrário, e talvez mais adequado,
também poderia ser afirmado, ou seja, é racional tornar central às relações de mercado
aqueles produtos que ocupam posição central na dieta alimentar da unidade familiar.
Independente da ordem estabelecida, Veranópolis é o município que melhor representa esta
situação.
Em Salvador das Missões e Três Palmeiras, há o cultivo da soja, que segundo
Woortmann (1978, p.12) “[...] retiraria da produção camponesa sua característica de
alternatividade, [...] e colocaria o pequeno produtor na dependência total de um mercado que,
com toda a probabilidade, se configuraria como de caráter monopsônico.” Este é o cultivo
mais freqüente entre estabelecimentos, presente em 50 unidades familiares em Salvador das
Missões e em 45 em Três Palmeiras, seguido pela produção leiteira (PESQUISA AFDLP
UFRGS/UFPel/CNPq, 2003). Em Morro Redondo, a produção de fumo tem sido bem assídua
entre as unidades familiares. Soja e fumo são duas culturas que “não tem nada que come, se
não vende, aquilo é perdido” (Entrevista 43, MR), ou seja, não são culturas alternativas que
apresentam a dupla finalidade, fragilizando, assim, a autonomia de decisão das unidades
familiares.
Se a alternatividade da produção para o autoconsumo foi observada em todos os
universos empíricos estudados, o mesmo não pode ser dito da alternatividade da produção
agrícola como um todo, como demonstrado acima. A freqüência de produtos alternativos,
nestes municípios, levanta dúvidas em relação à afirmação de Garcia Junior (1989, p.127,
grifos no original) de que
148
[...] quanto maior a ameaça ao consumo doméstico e à reprodução social
camponesa, maior será a tendência ao princípio da alternatividade operar. E
ao inverso, quanto maior a estabilidade das condições sociais de produção e
consumo e da reprodução destas condições, maior será a tendência à
especialização em lavouras comerciais, a se transformar num farmer.
Comparativamente aos demais, Morro Redondo e Três Palmeiras apresentam os
menores índices de IDH, as menores rendas (total e agrícola) em valores absolutos
22
, as
condições de reprodução são mais incertas e, no entanto, são os municípios onde a produção
para o autoconsumo tem menor importância, é menos valorizada e são cultivados produtos
não alternativos. Em Veranópolis, onde as condições de produção e reprodução são mais
estáveis, o princípio da alternatividade é mais vigente se comparado com Três Palmeiras, por
exemplo. Isto remete a existência de outros fatores que interferem no cultivo de produtos com
a marca da alternatividade, que não somente as condições sociais de reprodução, como, por
exemplo, o processo de modernização da agricultura, o contexto socioeconômico, etc.,
conforme discutido no Capítulo 4. Este resultado também corrobora com a relação entre
produção para o autoconsumo, alternatividade e autonomia, dado que onde o autoconsumo é
mais elevado (Veranópolis), é onde o princípio da alternatividade (da produção como um
todo) é mais vigente e onde as condições socioeconômicas e de reprodução social são mais
estáveis.
Produzir alimentos alternativos seja com o objetivo primário para o autoconsumo ou
para a venda, constitui-se, então, num mecanismo de defesa, conforme denominado por
Heredia (1979). A característica da alternatividade, como evidenciado também Gazolla
(2004), proporciona maior autonomia às unidades familiares, que podem acionar este
mecanismo para atender o que Candido (2001) nomeou de mínimo alimentar vital e ainda
reverter a produção em recursos monetários, sem comprometer a segurança alimentar.
5.6 O AUTOCONSUMO ALIMENTANDO SOCIABILIDADE.
[...] no fogão se prepara a comida que nutre socialmente os indivíduos,
estreitando as relações entre as pessoas. Quer dizer é no fogão que se
prepara o almoço de domingo da família, o jantar para os amigos, e também
a água do chimarrão! (WOORTMANN; WOORTMANN, 2005, p.14).
22
Cf. Tabela 1, Capítulo 2.
149
A alimentação, como já afirmava Candido (2001), é um importante fulcro de
sociabilidade. Sociabilidade refere-se, segundo Tedesco (1999, p.49), ao
[...] vínculo social e relacional do individuo e de sua família, e esses com
grupos sociais no lugar/local e no processo social envolvente. [...] A
sociabilidade é entendida por nós como processo dinâmico de relações de
interações constitutivas da comunidade, da vida em família e da rede de
vizinhança e parentesco, criando uma esfera específica de existência.
A alimentação é um importante instrumento para isto. Freqüentemente encontros
familiares, reuniões de amigos ou simplesmente uma visita inesperada são celebradas em
volta de uma mesa com algum tipo de comida.
23
A alimentação é um ato social, e, assim, uma
refeição feita solitária perde seu sabor (ISHIGE, 1987). As refeições realizadas em grupos de
amigos, familiares e conhecidos reforçam o grupo e contribuem para sua coesão.
A produção para o autoconsumo também cumpre esta função. Como evidenciado por
alguns autores (BRANDÃO, 1981; CANDIDO; 2001; GUEVARA, 2002; MENASCHE,
2007), estes alimentos estão presentes em muitos momentos da vida social, como, por
exemplo, encontros, festas, os filós, etc., e ainda parte desta produção é destinada a trocas e/ou
doações para vizinhos, parentes e amigos. Nos universos pesquisados, estas interfaces do
autoconsumo com a sociabilidade também foram evidenciadas.
São comuns no meio rural os encontros de “Clube de Mães”, onde estas se reúnem,
geralmente uma vez por mês, para discutir assuntos de seus interesses e se divertir. Nestes
encontros, as mulheres sempre “levam um pratinho” de comida, que também é denominado
de “merenda”. “Cada uma leva uma coisa e reparte lá pro outros, faz uma integração.”
(Entrevista 18, SM). Em Veranópolis, Salvador das Missões e Três Palmeiras a presença dos
“Clube de Mães” foi confirmada, como também a importância dos alimentos característicos
do autoconsumo na merenda, através dos biscoitos e bolos caseiros, das rapaduras, dos
amendoins, etc.
Em Morro Redondo não existe os Clube de Mães, mas, de modo semelhante, há os
encontros promovidos pelo órgão de extensão rural. Separados por grupos de agricultores,
uma vez por mês realiza-se reunião na casa de uma família, de forma rotativa, e com a
participação de homens e mulheres. Os homens reúnem-se para discutir assuntos ligados à
atividade agrícola e as mulheres, em separado, aprendem novas receitas e discutem temas de
23
De acordo com Candido (2001, p.38), quando assim se procede “[...] prolongamos de certa forma práticas
imemoráveis, em que a ingestão de alimentos obtidos com esforço, e irregularmente, trazia uma poderosa carga
afetiva, facilmente transformada em manifestações simbólicas. Á medida que a civilização assegura a
regularidade do abastecimento, esta carga diminui, para manifestar-se quase apenas nas ocasiões importantes da
vida.”
150
suas escolhas. Tal qual o Clube de Mães, em um determinado momento há uma
confraternização, neste caso, oferecida pelo dono da casa. “Aonde é casa, aquela pessoa dá o
café. Cada qual faz à sua vontade, uma faz com bolos, salgados, enche a mesa toda. Outras
fazem só duas variedades e tá bom, conforme a vontade de cada pessoa, sempre aquelas
coisas feitas em casa.” (Entrevista 38, MR). E a comida sela o encontro.
Típicos da cultura italiana, e somente encontrados em Veranópolis (entre os casos
estudados), os “filós” ou “serões” também possuem esta atribuição. Estes são encontros,
visitas, que um parente, vizinho ou amigo faz a outro sempre à noite, depois da janta. Em
meio a conversas, “sempre tem salame, pão, pinhão no inverno, amendoim, pipoca, brodo”
(Entrevista 36, V), enfim algo para comer, e ainda, às vezes, algum tipo de distração como
jogos de carta, mora
24
, etc. “A família hospedeira tomava certos cuidados: reservar muita
lenha para o fogo, deixar encaminhados os alimentos para a noite do filó. [...] A comida era
parte importante nos filós.” (GALEAZZI, 1998, p.132-133).
Quanto às doações e/ou trocas, vários produtos foram descritos com esta finalidade
nos municípios investigados: sementes, mudas (de hortaliças principalmente), frutas, cortes de
carne, produtos da transformação caseira, hortaliças, são alguns exemplos.
[...] a gente dá pra algum vizinho. Quando vem gente conhecida de Três
Palmeiras, a gente dá, na comunidade também. Que nem agora o vizinho
tinha rama de mandioca, daí troquemos, e assim vai. Carne sim, quando um
vizinho carneia me dá, depois quando eu mato, eu dô, a gente troca.
Bergamota teve gente até de Ronda Alta vindo buscar (Entrevista 23, TP).
Muitas destas trocas e, sobretudo, as doações extrapolam as relações de vizinhança,
alcançando amigos mais distantes, como “gente conhecida de Três Palmeiras”, conforme
citado. “[...] Às vezes, gente da cidade vem pegar [...], daí eles sabem que tem laranja, vem
da cidade, passam pra dar uma conversada, daí pegam as laranjas. O pessoal da prefeitura que
trabalha nas máquinas, eles passam aqui e pegam.” (Entrevista 18, SM, grifos nossos). Isto
acontece porque doar ou trocar é interpretado como “uma obra de caridade” (Entrevista 18,
SM) e “nem todos tem a capacidade, este dom de Deus” (Entrevista 07, SM).
Malgrado a conotação de “obra de caridade”, as trocas/doações de alimentos com os
vizinhos ocorrem assentadas na reciprocidade. Conforme apontado por Candido (2001, p.
181), “[...] o ofertante adquire em relação ao beneficiado uma espécie de direito tácito a
prestação equivalente.” “[...] A obrigação de dar é que garante a honra e o prestígio [...]. A
obrigação de retribuir garante a permanência, o pertencimento, reiteram-se os laços,
24
Jogo típico italiano em que os dedos equivalem a palitos e que os participantes tentam adivinhar o somatório
destes. É um jogo muito rápido e são falados ou “cantados” os números o tempo todo.
151
constituem-se alianças.” (MARQUES et al., 2007, p. 104). Deste modo, as trocas se
processam onde há alguma garantia de retribuição do receptor. “A gente troca com aquele que
tem. Que têm muitos espertos que não plantam porque não querem e depois vem buscar na
horta, daí não. Eu primeiro era mais boba, agora não, agora se a horta dela está vazia, não,
não, nem da horta eu levo.” (Entrevista 40, MR). “Tem muita gente que não te retorna, então
a gente desiste de dar alguma coisa, mas quando tem retorno então é um troca-troca. Eu tenho
um vizinho ali, eles retornam, são pobres, mas eles retornam.” (Entrevista 43, MR).
Implicitamente estabelece-se um acordo: “a gente dá alguma coisa, o vizinho retribui com
outra.” (Entrevista 38, MR).
Se em tempos passados ou alhures, estas trocas/doações possuíam uma utilidade
prática
25
e serviam para complementar a dieta alimentar
26
, para os universos estudados estas
funções diminuíram suas relevâncias, permanecendo principalmente como um instrumento de
sociabilidade e reciprocidade.
27
Como observaram também Marques et al. (2007, p. 104):
“[...] o valor simbólico da doação, da oferta de alimentos para a troca, evidencia-se como
elemento criador e mantenedor de vínculos e compromissos entre os indivíduos e famílias.”
Esta estrutura social e de parentesco serve para dar suporte às escolhas dos
indivíduos/famílias e funciona como um “porto-seguro” em situações de ameaça a reprodução
social dos mesmos (ELLIS, 1998; 2000).
Entre vizinhos, esta reciprocidade é estabelecida principalmente entre grupos de
semelhantes, nomeadamente quando se trata de similitudes étnicas. Negros “se vizinham
mais facilmente com negros, e alemães “se vizinham” com alemães, como demonstra o
depoimento:
[...] tem alguns aí que não trocam. Tem alguém, mas é pouco. Aqui nas
redondezas, na nossa vizinhança não tem ninguém, isto é mais quando é
alemão com negro. O alemão tem um jeito o negro tem outro. Agora onde é
tudo negro, eles se vizinham mais, se acertam mais. No caso, um vizinho não
tem sabão e gente vai, tem, daí dá (Entrevista 06, SM).
25
Por exemplo, quando não havia ainda geladeira e freezer, a família que abatia um animal repartia a carne com
os vizinhos, como uma forma de aproveitar ao máximo o consumo desta. Algum tempo depois, outra família
abatia outro animal e procedia do mesmo modo.
26
Segundo Guevara (2002), as trocas, junto com produzir seus próprios alimentos e pedir emprestado (o que
oferecia pouca garantia de sucesso a família), são formas de acesso aos alimentos, sem a necessidade de compra.
Para a autora, no caso Boliviano, as primeiras são uma importante estratégia de complementação da dieta
alimentar.
27
A troca de sementes, materiais de plantio e outros alimentos, além de instrumento de sociabilidade,
proporcionam maior diversidade genética, minimizando os efeitos adversos, como observaram Marques et al.
(2007) e Gazolla (2004). Este autor cita o exemplo da troca de ovos de galinha caipira entre unidades familiares,
cujo objetivo é “misturar as raças” das galinhas que estão “afinadas de sangue”.
152
De modo geral, a importância da produção para o autoconsumo nestas trocas foi
percebida em todos os municípios investigados, porém, de modo mais ameno, em Morro
Redondo, onde talvez por conta da diminuição desta produção, o intercambio recíproco de
alimentos entre vizinhos tenha arrefecido.
Enquanto as trocas de alimentos característicos do autoconsumo ocorrem
principalmente entre vizinhos, as doações dão-se fundamentalmente para parentes e/ou festas
de igreja da comunidade local. Muitas unidades familiares possuem alguns de seus membros
(comumente filhos/as) residindo nas cidades e são geralmente para estes, o destino dos
alimentos. Alguns afirmam a realização do “rancho do mês” na casa dos pais, de onde se leva
carne de vários tipos, conservas, “eles trazem os vidros vazios e levam os vidros cheios”
(Entrevista 07, SM), pães, massas, frutas, verduras, etc. “Nós damos pros filhos, olha é queijo,
é ovo, é melado, açúcar mascavo, massa, capeleti, e tudo o que sobra manda tudo pra cima
[para os filhos].” (Entrevista 29, V). “Eu plantava pra mim e para minha filha, a carne nós não
compremos, a galinha não compro, ela também não, ovo não compro, ela também não, o
feijão ela não compra, o leite... Estas miudezas da casa, batata-doce, eu sempre mudo
[transplanto], sempre pra mim e pra filha.” (Entrevista 40, MR, grifos nossos).
As doações de alimentos para as festas ou alguma outra atividade da comunidade local
foram evidenciadas nos quatro municípios, no entanto, em Veranópolis de modo mais
acentuado, quiçá pela marcante religiosidade aí encontrada. De modo geral, estas doações
podem ocorrer de dois modos. Um, as famílias doam alimentos prontos. Organiza-se a
comunidade de tal modo que algumas famílias doam pães, outras cucas, pudins, e “[...] até
porco, terneiro, novilha, boizinho, de tudo nós já demos. Dois anos seguidos eu dava um
leitão, daí faziam rifa, jogavam bocha.” (Entrevista 25, TP). Outro modo das doações é
quando as famílias doam ingredientes para a festa comunitária, e alguns membros desta
preparam a comida. Aqui, além de produtos característicos do autoconsumo, também se doam
aqueles comprados. “Tem a festa da comunidade, todos os anos a gente doa. Geralmente o
que a gente tem, se tem manteiga, o que precisa. A gente dá açúcar, farinha, uma lata de azeite
e as coisas são feitas na comunidade. Dá cebola, galinha que elas fazem a sopa de capeleti,
manteiga, ovos.” (Entrevista 31, V).
Em termos gerais, a relação entre produção para o autoconsumo e sociabilidade foi
percebida em todos os universos sociais pesquisados, com dessemelhanças tênues em suas
manifestações. Mesmo com estas diferenças, a função do autoconsumo enquanto “fulcro de
sociabilidade” permanece. Por meio das trocas, doações, reuniões e encontros com presença
de comida e alimentos característicos do autoconsumo, as famílias, mais que alimentos,
153
socializam saberes, experiências e “favores”. Renovam-se os sentimentos comunitários,
afirma-se a inserção nesta e dá-se mais solidez a estrutura social, importante componente para
a reprodução social e autonomia das unidades familiares.
Quadro 3 – Sociabilidade ameaçada
Embora evidenciada a existência das trocas/doações de alimentos, não há como
desconsiderar que estas práticas têm diminuído ao longo dos anos, e em algumas unidades
familiares ou comunidades já não existem mais. As trocas de carnes eram as mais freqüentes
entre vizinhos, no entanto estas se reduziram a partir da introdução da energia elétrica, das
geladeiras e freezer. Estes além de alterar hábitos alimentares, também afetaram a
sociabilidade. “Antes se carneava um porco, daí se levava uma perninha pra um vizinho, outro
vez ele devolvia de novo. Isto acabou. E agora tem o congelador. Agora ficou mais fácil, tu
carneia, tu finca lá no congelador e antigamente tu levava uma peça fresca pro vizinho, outra
dia também tu ganhava.” (Entrevista 18, SM). No lugar das trocas de carne, novas relações
são estabelecidas, agora comerciais, como observado em Morro Redondo. “O pessoal mata o
animal, vaca ou porco e eles não trocam, vendem. Tu tem também esta praticidade de
comprar, se tu não tem ou tu não quer matar o animal, tu compra. Isto aqui na volta acontece,
o pessoal carneia e vende. Sai oferecendo uns dias antes nas casas.” (Entrevista 44, MR).
Outros alimentos também eram trocados. “Se faltava arroz, farinha, iam emprestando.
Se tu se pegava sem um pão, tu ia no vizinho pedia emprestado um pão e depois devolvia.
Hoje já não se faz. Agora a facilidade do mercado aqui perto, pega o carro e vai. É mais fácil
ir lá do que ficar emprestando dos vizinhos.” (Entrevista 18, SM). Ou seja, a introdução do
freezer e da geladeira não foi o único fator a influenciar na sociabilidade, a disponibilidade
dos alimentos nos mercados e a facilidade de acesso a eles são fatores também importantes.
Hoje, ao invés de assumir um “compromisso” com um vizinho, muitas unidades familiares
preferem relacionar-se de forma impessoal com o mercado.
As doações para parentes continuam freqüentes
28
, já as doações para as festas e para
comunidade tem também diminuído. Esta ação parte de dois pontos. Um, as próprias unidades
familiares diminuem sua participação na vida comunitária (e esta também diminui: “festa de
igreja quando sai a gente faz isto, mas faz tempinho, nem igreja não tem mais, tá caindo
tudo.” (Entrevista 20, TP)) e por iniciativa delas não doam mais alimentos. Por outro lado, a
própria comunidade tem deixado de solicitar doações e organiza “as coisas dela sozinha”
(Entrevista 43, MR). Compram todos os ingredientes e alguns membros fazem a comida na
própria sede (salão comunitário), ou compram os alimentos prontos, “fazem tudo na padaria
agora, tudo mais simples. Antes era tudo lucro. Aquele tempo [...] a gente dava um leitão, um
boizinho, tudo era lucro.” (Entrevista 24, TP). “Tudo era lucro”, refere-se ao fato de que a
maior parte dos alimentos consumidos na festa era doada e todo o dinheiro arrecadado com as
vendas era praticamente lucro para a comunidade, que investia na melhoria da igreja,
construção ou reforma do salão, etc., e, sem as doações, os custos se acentuam,
comprometendo parte do lucro.
Quanto à realização de encontros ou momentos de confraternização onde se fazem
presentes os alimentos característicos do autoconsumo, estes também são menos freqüentes.
Os encontros de Clube de Mães ainda existem, porém os filós têm diminuído. “Foram embora
28
O fato das trocas/doações manter-se mais freqüente apenas entre membros da família vai ao encontro do
observado por Candido (2001) de que há uma tendência de redução da sociabilidade à esfera familiar. “[...] a
família torna-se a unidade mínima de sociabilidade, por meio dos blocos familiais.” (CANDIDO, 2001, p.277,
grifos no original).
154
tudo os filós de antigamente. Por causa das porcarias da televisão. Cada um fica na casa
porque está cansado. Olha um pouco de televisão e vai dormir. Desapareceu o filó de
antigamente. Era mais bonito que agora.” (Entrevista 28, V). Muitas unidades familiares
afirmaram que esta prática tem diminuído, como também uma simples visitação. “As pessoas
estão mais fechadas, não saem pra tomar chimarrão, ajudar. Mas isto, de repente, nós também
temos culpa, porque em casa a gente também toma chimarrão, a gente podia ir no vizinho
tomar, mas a gente está mais ocupado e os meios de comunicação, televisão, rouba este tempo
que antes não existia.” (Entrevista 10, SM). Muitos fatores podem influenciar nesta retração
da sociabilidade, mas o tempo “roubado” pela televisão é um dos comumente indicados,
reconhecido pelas próprias famílias, como se evidencia acima.
Fonte: Elaborado pela autora.
5.7 O AUTOCONSUMO “FALA”: alimentação e identidade social
Dize-me o que comes e eu te direi quem és (BRILLAT-SAVARIN, 1826
apud GARINE, 1987).
Esta frase citada por Garine (1987) é simbólica de como a alimentação é porta voz de
identidade social. Segundo o mesmo autor, através da alimentação é possível evidenciar o
status do indivíduo segundo múltiplos critérios: idade, sexo, nível socioeconômico, etc. e
ainda no tempo e no espaço. Do mesmo modo, Woortmann (1985) afirma que a comida “fala”
da família, de homens e de mulheres.
Na medida em que diferentes grupos ou categorias nacionais, étnicas ou
regionais elegem diferencialmente o que se pode ou não comer, ou
discriminam entre o que é comido “por nós” e o que é comido pelos
“outros”, os hábitos alimentares alimentam identidades e etnocentrismos. O
como se come, tanto quanto o que se come é também carregado de
significado (WOORTMANN, 1985, p. 02).
Segundo Matta (1987), a comida permite exprimir identidades nacionais, regionais,
locais e até mesmo familiares e pessoais. Dentro do Brasil é possível identificar regiões e até
famílias pelo que comem, pelo modo como preparam e servem certos alimentos. Ao convidar
alguém para compartilhar uma refeição escolhe-se cuidadosamente o alimento a ser comido,
porque se sabe que ele ajuda a definir uma posição social. “O fundamental é que o ato de
comer cristaliza estados emocionais e identidades sociais.” (MATTA, 1987, p. 22).
Mas como a produção para o autoconsumo pode “falar” de identidade social? Produzir
para a subsistência das unidades familiares significa mais que simples produção de alimentos,
é motivo de orgulho e de demarcação de posição social (BRANDÃO, 1981; GARCIA
JUNIOR, 1983; WOORTMANN; WOORTMANN, 1997). Para Garcia Junior (1983), as
155
atividades complementares à subsistência
29
realizadas pelas unidades familiares são
impregnadas de conotações, servindo para demarcar como trabalho apenas o trabalho na terra,
na produção de subsistência. De acordo com Woortmann e Woortmann (1997, p. 85), os
sitiantes sergipanos estocavam seus mantimentos (especialmente milho e feijão) em
recipientes localizados na sala principal da casa, “[...] bem à vista dos visitantes, como prova
da competência do pai. São sinais que expressam a identidade de lavrador do sitiante.”
Segundo Seyferth (1991), produzir para o consumo familiar faz parte da identidade do colono
e esta se caracteriza pelo “[...] trabalho familiar, posse de terras em quantidade suficiente para
permitir a atividade de cultivo, produção voltada em primeiro lugar para o consumo
doméstico (privilegiando-se, assim, a policultura com criação), participação nas atividades de
solidariedade, etc.” (SEYFERTH, 1991, p.38).
Embora a mercantilização da agricultura e as demais transformações citadas no
Capítulo 2, a produção para o autoconsumo continua sendo um componente relevante da
identidade das unidades familiares, do ethos de colono (SEYFERTH, 1991; TEDESCO,
1999). Tal como identificado por Seyferth, ser colono e produzir para o consumo familiar
permanecem indissociáveis, “se é colono tem que fazer isto ali” (Entrevista 20, TP). “Porque
agricultor, que é agricultor e só planta pra vender e vende pra ir comprar ovos, leite e nata,
tudo que come, eu acho que está errado.” (Entrevista 09, SM). Conforme outro depoimento:
Um cara que está no meio rural, considerado um agricultor, o que é um
agricultor? Um produtor de alimentos. Se ele não planta pro próprio
consumo dele, então não posso chamar de agricultor. É inconcebível que ele
não tenha produção pra autoconsumo. Até pode ser que o cidadão queira se
profissionalizar na produção de um só alimento, bom, mas desde que torne
isto uma atividade profissional, mas ser produtor de soja, milho, trigo e faltar
todo o resto na mesa dele, não tem condições (Entrevista 26, TP).
Não produzir para o autoconsumo, além de fragilizar sua reprodução social,
compromete a identidade social, a identificação enquanto agricultor
30
. Trata-se de algo
vergonhoso. “Comprar estas coisas é uma vergonha, o cara mora na agricultura e compra.”
29
Garcia Junior (1983) referia-se ao trabalho no “alugado” (venda da força de trabalho para os vizinhos), a
venda de força de trabalho para o corte da cana-de-açúcar em outros Estados, viver do negócio (compra e venda
de mercadorias), a caça, pesca e artesanato (tidas como lazer), e ainda a migração para o Sul do Brasil. Todas
estas, a seu modo e medida, representavam a precariedade das unidades familiares.
30
O mesmo não foi evidenciado no estudo de caso (Nova Friburgo, RJ) conduzido por Carneiro et al. (2003).
Segundo observado pelos autores, o que define a atividade do agricultor é a produção de mercadorias. A
produção para o autoconsumo não é considerada “trabalho” devido à área pequena que utiliza e por ser uma
atividade realizada durante o “tempo livre”. “Apesar de sua importância para a manutenção da família, essa
atividade não é considerada prioritária. E um agricultor que só desenvolve a agricultura para o autoconsumo não
é valorizado por seus pares, tendo mesmo sua identidade como agricultor abalada.” (CARNEIRO et al. 2003, p.
27).
156
(Entrevista 23, TP). “Nós temos colonos por aí que vai no mercado comprá até mandioca, é
uma vergonha, mas é uma realidade.” (Entrevista 07, SM). Mesmo aquelas unidades
familiares que comparativamente produziram valores absolutos menores de autoconsumo,
qualificam a não realização desta produção como indigno. Uma maior autonomia alimentar
garante legitimidade, enquanto agricultor, perante aos demais, “faz parte dele” (Entrevista 18,
SM). Como já afirmava Brandão (1981), há orgulho entre as unidades familiares em
demonstrar que grande parte do que consomem resultam do próprio esforço. É motivo de
orgulho do pai, enquanto chefe da família, e desta mesma, mostrar que quase tudo que ela
necessita provém do seu próprio trabalho sobre a terra.
Quando argüidos da existência de alguma prioridade entre cultivos comerciais e
cultivos para o autoconsumo, a maioria das unidades familiares respondeu que produzem
“primeiro pro consumo. Primeiro fazer pra casa, se sobra vende” (Entrevista 22, TP), indo ao
encontro da caracterização de colonos realizada por Seyferth (1991). De acordo com Brandão
(1981) e observado empiricamente, é difícil alguma família reconhecer que planta
prioritariamente para a venda, mesmo que a produção agrícola e comportamento da unidade
familiar levariam a assim supor. Percebe-se mais uma vez que autoconsumo e identidade
social caminham juntas.
Esta função do autoconsumo apresentou diferenças tênues entre os universos sociais
pesquisados. Em Salvador das Missões expressou-se de forma mais acentuada,
transparecendo constantemente nos depoimentos. A inexistência de produção para o consumo
familiar é discriminada por todos. Isto talvez resulte da permanência marcante do repertório
cultural, referente ao autoconsumo, ainda de colonos, e do trabalho desenvolvido pelos
extensionistas da EMATER no fortalecimento desta produção. Morro Redondo foi o
município onde este papel foi percebido em menor intensidade. Como apresentado, a compra
de alimentos neste município é mais freqüente e é interpretada como algo que não
compromete a identidade da família. Na realidade, é percebida como uma estratégia de
maximização econômica, dado que as unidades familiares aproveitam-se dos preços baixos
dos alimentos no mercado. Nos demais municípios, esta função foi percebida somente quando
solicitado e não de forma espontânea como ocorrido no primeiro.
Diferentemente das outras funções do autoconsumo que se constituem principalmente
como fonte de produção de autonomia para a agricultura familiar, a identidade social é
resultante desta, sobretudo da autonomia alimentar. É garantindo a satisfação das
necessidades alimentares (ou ao menos de grande parte) por meio do suor da própria família
que a identidade de agricultor é mantida.
157
***
Mais que evidenciar que a produção para o autoconsumo é uma estratégia recorrente
na agricultura familiar, buscou-se demonstrar, através deste Capítulo, que esta produção
contribui sobremaneira para a condição socioeconômica e autonomia dos agricultores, como
supunha a hipótese apresentada inicialmente. Os dados aqui alcançados confirmam esta
conjectura.
O autoconsumo contribui para o processo de internalização (oposto ao processo de
externalização da agricultura) característico de uma reprodução autônoma (PLOEG, 1990,
1992) e, ao mesmo tempo, confere segurança alimentar às famílias. Estas acessam os
alimentos sem nenhum processo de intermediação que dificulte a proximidade a eles, e, ainda,
garantem a qualidade sanitária e satisfazem-se de acordo com seus hábitos alimentares,
segundo práticas mais sustentáveis.
Enquanto estratégia de diversificação dos modos de vida, o autoabastecimento
alimentar proporciona maior estabilidade nas rendas (funcionando como um efeito anti-
cíclico) e minimiza a vulnerabilidade. Diversificar com a produção para o autoconsumo tem
sido uma estratégia adotada nos universos sociais pesquisados em decorrência de uma “reação
ou necessidade”, dada as constantes oscilações de preço dos produtos agrícolas e as estiagens
climáticas que assolaram o Estado, e também como uma estratégia de “escolha e adaptação”,
ou seja, uma forma de diminuir os custos com alimentação e maximizar os retornos
econômicos da produção agropecuária.
A produção “pro gasto” é uma importante forma de economização (LOVISOLO,
1989). As unidades familiares deixam de gastar valores expressivos de sua renda total ou dos
custos de uma cesta básica produzindo para o consumo familiar, podendo fazer frente a outras
demandas necessárias à sua reprodução social. Os valores economizados com esta produção,
se contabilizados à renda e contraposta à linha da pobreza, são responsáveis por retirar da
pobreza muitas famílias, e ainda garantindo sua segurança alimentar, demonstrando sua
importância econômica e social.
O autoconsumo é uma forma de produção que estabelece ou retoma a co-produção.
Natureza, homem e trabalho são conectados. Resíduos da produção para o consumo familiar
(palhadas, estercos, etc.) dão base para ciclos procedentes e também parte do autoconsumo
“mais que o gasto” é destinado à alimentação dos animais, ou seja, uma produção está
conectada à outra, fornecendo recursos para a sua existência, numa espécie de co-produção.
Imbricado nestas relações encontra-se ainda o saber/fazer, transmitido ao longo de gerações.
158
Esta co-produção entre homem, natureza viva e o processo de trabalho é uma estratégia de
fortalecimento da base de recursos sobre a qual a mesma está assentada (PLOEG, 2006).
A alternatividade da produção para o autoconsumo e da produção agropecuária como
um todo, entre consumir ou vender, constitui-se um mecanismo de defesa (HEREDIA, 1979)
das unidades familiares, que podem lançar mão desta estratégia dependendo das condições de
preços, da demanda alimentar, dos recursos monetários da família e a perecibilidade dos
alimentos. Muitas unidades familiares comercializam “as sobras” da produção para o
autoconsumo, ou ainda tornam a produção para o consumo familiar e para a venda
equivalentes (os produtos autoconsumidos são os mesmos comercializados), como é o caso
nomeadamente de Veranópolis, atendendo a duas esferas importantes: o consumo e a
comercialização.
A produção para o consumo familiar ainda cumpre com a função de ser fulcro de
sociabilidade, expressão utilizada por Candido (2001). Parte da produção para o autoconsumo
é trocada com vizinhos ou doada para amigos mais distantes, festas de igreja e,
principalmente, para outros membros da família (ordinariamente os filhos) que residem nas
cidades. Esta produção também está presente nas visitas ou nos “filós”, encontros, reuniões e
festas. Mais que alimentar necessidades vitais, nestes casos a produção para o autoconsumo
alimenta sociabilidades, firma relações entre vizinhos, estabelece compromissos, consolida a
vida comunitária e uma estrutura social importante para reprodução social das unidades
familiares.
A autonomia alimentar ou a garantia de satisfação das necessidades alimentares por
meio da própria produção de alimentos confere legitimidade à família perante as demais.
Observou-se que não proceder desta forma é compreendido como algo errado, não condizente
com a identidade do agricultor. Este sentimento fez com que a maioria das unidades
familiares, mesmo aquelas que produziram valores menores, reiterasse a importância desta
produção e afirmasse que a prioridade de primeiro atender o consumo familiar rege a
organização desta. Tal qual citado por Seyferth (1991), para ser colono precisa produzir ao
menos parte de sua alimentação. Ao produzir para o autoconsumo as unidades familiares se
auto-reconhecem e são reconhecidas.
Todas estas funções do autoconsumo foram encontradas nos universos sociais
pesquisados, algumas com diferenças mais acentuadas, outras com distinções tênues entre
estes. Em alguns, a preocupação com a ingestão de alimentos sadios assume maior
importância que em outros, e o mesmo ocorre com a orientação de internalizar esta tarefa, a
economização, a sociabilidade, a identidade social, etc. Não obstante estas diferenças, fruto
159
das dinâmicas específicas de desenvolvimento da agricultura familiar, estas não
comprometem a validade das funções desempenhadas pelo autoconsumo, que contribuem
para a condição social e econômica da família e proporcionam a estas maior controle sobre o
processo produtivo.
Apresentam-se por fim mais alguns números que vão ao encontro da hipótese deste
Capítulo e refletem o autoconsumo como uma forma de produção que proporciona maior
autonomia. Concerne na relação entre produção para o consumo familiar e satisfação e
percepção sobre a agricultura e o meio rural (Tabela 33).
Tabela 33: Produto bruto de autoconsumo total em reais (R$) segundo a satisfação e
perspectivas dos agricultores familiares nos universos sociais pesquisados.
Veranópolis Morro Redondo Salvador das Missões Três Palmeiras Total
Satisfação com a atividade agrícola
Sim 4538,89 2265,92 4677,91 2938,66 3648,46
Não 3406,05 1965,93 2627,21 3013,22 4123,55
Perspectivas e futuro na agricultura
Sim 4300,24 2187,53 4809,11 3153,25 3654,72
Não 4025,31 2232,22 3597,32 2684,10 3049,56
Desejo que os filhos seguissem a profissão de agricultor
Sim 4911,35 2381,94 5161,32 3428,95 4012,72
Não 3251,41 2130,43 2890,87 2622,67 2675,92
Desejo de algum membro da família em residir na cidade
Sim 3626,17 1880,52 3866,76 3353,35 3298,2
Não 4903,52 2244,65 4530,78 2817,27 3539,25
Existência de sucessor no estabelecimento
Sim 5500,14 2390,00 5091,35 3270,63 4102,91
Não 3240,99 2226,56 3129,94 2642,65 2800,82
Fonte: Pesquisa AFDLP – UFRGS/UFPel/CNPq (2003).
Através da Tabela 31, observa-se que os entrevistados que se declararam satisfeitos
com a atividade agrícola, apresentam valores médios de autoconsumo superiores aos
insatisfeitos.
31
A diferença mais expressiva ocorre em Salvador das Missões, onde este valor
alcança R$ 2.050,7, e a menos significativa incide sobre Três Palmeiras, R$ 74,56. A mesma
tendência evidenciada na satisfação com a atividade agrícola ocorre quando analisada a
existência de perspectivas e futuro na agricultura, o desejo que os filhos seguissem a profissão
de agricultor e presença de sucessor no estabelecimento. Em todos estes, quando a resposta
foi positiva, o valor médio do autoconsumo foi mais elevado, alcançando diferenças
31
Estes dados poderiam ser mais concisos se houvesse diferença entre os estabelecimentos quanto à existência
do autoconsumo. Entretanto como esta produção ocorre em todas as unidades familiares, havendo diferença na
importância atribuída a este (mensurada através do valor monetário), a forma de comparar se dá através do valor
médio.
160
expressivas, como, por exemplo, 66% superior no caso dos estabelecimentos de Veranópolis
que os pais gostariam que seus filhos seguissem na agricultura. Quando argüidos sobre a
existência de algum membro da família que desejasse residir na cidade, os valores médios do
autoconsumo foram superiores naqueles estabelecimentos em que a resposta foi negativa.
Entre os municípios investigados, todas estas diferenças sempre foram mais expressivas em
Veranópolis e Salvador das Missões, onde o autoconsumo é mais valorizado pelas unidades
familiares. Em Morro Redondo e Três Palmeiras, as diferenças foram um pouco menos
acentuadas, mas, nem por isso, irrelevantes. Os resultados desta Tabela provavelmente
estejam relacionados às condições socioeconômicas promissoras e estáveis dos
estabelecimentos, e também ao conjunto das funções desenvolvidas pelo autoconsumo na
agricultura familiar, como se demonstrou ao longo deste capítulo.
161
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão central que permeia este estudo pode ser descrita como uma tentativa de
demonstrar as funções que a produção para o autoconsumo desempenha na agricultura
familiar, tendo em vista a diversidade histórica, sócio-cultural e econômica desta. Para tanto,
buscou-se a realização de um estudo comparativo que pudesse dar conta de várias dinâmicas
de desenvolvimento desta categoria social e as suas interfaces com o autoabastecimento
alimentar. Investigaram-se a importância desta produção, suas características, os fatores que
nela interferem e seus papéis em quatro regiões da geografia gaúcha: Serra Gaúcha, Serra do
Sudeste, Missões e Alto Uruguai.
Como supunha uma das hipóteses, o autoconsumo apresentou distinções de
importância entre as dinâmicas estudadas, o que se deve às particularidades com que se
expressaram, por exemplo, a intensidade do processo de modernização tecnológica, a
valorização da diversificação produtiva e do próprio autoconsumo, o grau de capitalização das
famílias, etc., e também a fatores pertinentes ao universo de cada unidade familiar, a exemplo
da composição da família, do repertório cultural, das atividades econômicas desenvolvidas,
entre outros. Todavia, não obstante as diferenças apresentadas, em todos os universos sociais
pesquisados, a produção para o autoconsumo foi desvendada como uma estratégia relevante e
hodierna à reprodução social da agricultura familiar.
Observou-se que o produto bruto de autoconsumo total responde por expressivos
valores absolutos anuais, alcançando próximo a R$ 4.300,00 em Veranópolis e Salvador das
Missões e, do mesmo modo, significativos valores relativos sobre a renda total, como é o caso
em Três Palmeiras e Morro Redondo, cujas proporções são respectivamente 38,34% e
32,01%. Ademais, produzir os próprios alimentos revela outros papéis fundamentais: é uma
forma de internalizar recursos e asseverar a segurança alimentar, diminuindo a exposição da
reprodução social às relações de troca; propicia a diversificação dos modos de vida,
ampliando o leque de estratégias sob o qual está assentada a continuidade do grupo familiar e,
assim, minimiza a vulnerabilidade; é uma forma de economização na medida em que otimiza
a utilização dos fatores de produção (terra e força de trabalho), do tempo e dos recursos
financeiros; restabelece a co-produção entre homem, natureza e trabalho, potencializando os
recursos locais; possibilita atender a demanda alimentar e a realização de valores de troca em
virtude da característica da alternatividade destes alimentos; alimenta relações de
162
sociabilidade e reciprocidade contribuindo para a coesão da estrutura social e; fortalece a
identidade social dos agricultores, conferindo legitimidade e reconhecimento perante os
demais. Todas estas funções corroboram para a autonomia das unidades familiares,
propiciando a estas maior controle sobre o processo produtivo e, por conseguinte, sobre a
reprodução social.
Estes resultados vão ao encontro ao que foi anunciado na introdução deste trabalho e,
sobretudo, no Capítulo 2: a produção para o autoconsumo não é o que “sobrou da tradição” e
nem está fadada à marginalidade ou ao desaparecimento. É fato que esta produção não é mais
idêntica a outrora, mas nem por isso deve-se ignorá-la. Trata-se de uma estratégia que se
reconfigurou ao longo do tempo, assumindo novas conotações e atributos, permanecendo,
contudo, atual ao modo de vida das unidades familiares.
Estas mudanças devem-se, sobretudo, ao processo de mercantilização da agricultura,
mormente estimulado a partir da modernização tecnológica, que gerou transformações na
lógica que rege a organização do processo produtivo. A prioridade, desde então, passou a ser
a produção de mercadorias embasadas na externalização acentuada, onde tarefas são
designadas às organizações externas à família. As unidades familiares foram estimuladas a
minimizar a produção de valores de uso, aqui incluída a sua própria alimentação, e passaram a
produzir cada vez mais para o mercado, intensificando sua inserção e dependência a eles. Em
decorrência desta inserção aos mercados, aquilo que era, antes de tudo, um modo de vida
transformou-se numa profissão, camponeses tornaram-se agricultores familiares. Neste
contexto, o autoconsumo que ocupava uma posição central na organização econômica das
famílias, passou a ser cotado como uma produção complementar, dividindo seu tempo e
espaço com a produção mercantil de commodities agrícolas, e assumiu novas atribuições.
Além de atender as demandas alimentares, passou a contribuir sobremaneira para asseverar
autonomia das unidades familiares inseridas em contextos altamente mercantilizados.
Mais importante que discutir estas mudanças do autoconsumo e dos próprios
agricultores, foi objetivo desta dissertação demonstrar que esta produção se mantém no modo
vida dos agricultores contemporâneos e desempenha funções importantes para a sua
reprodução, notadamente no que diz respeito à manutenção da autonomia.
Assim, os dados alcançados nesta dissertação questionam o relativo esquecimento a
que foi submetida esta produção. Mesmo que algumas pesquisas e autores estejam retomando
o tema do autoconsumo, ainda há poucos estudos sobre esta estratégia. Avanços importantes
já foram alcançados, principalmente no que concerne a relação existente entre esta produção,
segurança alimentar e pobreza rural, e as funções que desempenha na agricultura familiar,
163
discutidas neste trabalho. Entretanto, algumas lacunas permanecem abertas e outras precisam
ser mais bem exploradas.
Foram apontadas por esta dissertação algumas variáveis que interferem na produção
para o autoconsumo, influenciando sua existência e intensidade. Algumas destas já haviam
sido exploradas por outros autores, como, por exemplo, a composição e características da
família, o preço dos alimentos nos mercados, entre outros, e foram novamente reafirmadas
neste trabalho. No entanto, algumas das variáveis aqui balizadas merecem ser melhor
investigadas, tais como os diferentes sistemas de produção agropecuária, o exercício de
atividades não-agrícolas, a previdência social e as distintas dinâmicas da agricultura familiar.
Uma das grandes lacunas que permanece refere-se a como as atuais políticas públicas
para as populações rurais interagem com esta produção. Sabe-se que a modernização
tecnológica, promovida através de instrumentos da política agrícola, contribuiu sobremaneira
para o arrefecimento do autoconsumo. Cabe, deste modo, discutir qual o modelo técnico-
produtivo perseguido pelas atuais políticas públicas e se estas fortalecem ou minimizam ainda
mais esta importante estratégia de reprodução social.
Ademais, tendo em vista a relevância desta produção à segurança alimentar, o combate
à pobreza rural e sua contribuição à autonomia, cabem investigações sobre as características e
importância desta estratégia em outras formas familiares de produção, como é o caso das
populações quilombolas, da pecuária familiar, dos pescadores artesanais, entre outros.
Estas são algumas das questões que podem contribuir para a retomada deste tema de
pesquisa na academia e, assim, também em ambientes institucionais que discutem a
agricultura e o meio rural. Particularmente nestes, faz-se necessário o reconhecimento do
potencial e importância desta produção para o desenvolvimento rural, que até então, parece ter
passado despercebido.
Entre os formuladores de políticas públicas e mediadores deve haver a compreensão
de que o fortalecimento da agricultura familiar passa, além das políticas agrícolas que
promovem a produção de mercadorias, pelo fortalecimento e empoderamento da família, de
sua cultura, das relações sociais estabelecidas por estas e de outras produções que não
adentram na produção de valores de troca, como é o caso do autoconsumo. Este,
especialmente por todas as funções apontadas nesta dissertação e em outros trabalhos,
contribui sobremaneira para a permanência e para as condições socioeconômicas e culturais
das unidades familiares e, deste modo, para o próprio desenvolvimento rural.
Destarte, espera-se que esta dissertação tenha contribuído para demonstrar a relevância
da produção para o autoconsumo, sobretudo em contextos onde as unidades familiares
164
encontram-se inseridas nos mercados, por conta da mercantilização da agricultura, e
vulneráveis as relações de troca e as instabilidades ambientais. Também almeja-se que tenha
colaborado para despertar entre os pesquisadores, formuladores de políticas públicas e
mediadores sociais o interesse sobre a produção para o autoconsumo, que mais que atender
necessidades alimentares, adentra a condição socioeconômica da família, a sua identidade
social, a sua cultura, as relações de sociabilidade e reciprocidade, enfim, o modo de ser e
viver dos agricultores.
165
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p. 01-08. (no prelo)
174
APÊNDICE A - Questionário padronizado.
AGRICULTURA FAMILIAR, DESENVOLVIMENTO LOCAL E PLURIATIVIDADE: a emergência de uma
nova ruralidade
Entrevistador:..................................................................................................................... Data:................................................
Município Localidade Nº Questionário
Estrutura Fundiária, Capital e Produção
1) Estrutura Fundiária
Área Total (ha) Área (ha)
Em Parceria Arrendamento Outra forma Própria
De Terceiro Para Terceiro De Terceiro Para Terceiro
1.1) Quanto paga pelo arrendamento [informar em dinheiro ou produto]? .............................................................
1.2) Quanto ganha com arrendamento [informar em dinheiro ou produto]? ...........................................................
1.3) Quanto paga na parceria [informar em dinheiro ou produto]? .........................................................................
1.4) Quanto ganha na parceria [informar em dinheiro ou produto]? .......................................................................
2) Como o Senhor obteve suas terras – área própria? (Indicar ao lado a quantidade em Hectares)
Quantidade de área
( ) através de herança ................
( ) compra de parentes ................
( ) compra de terceiros ................
( ) através de doação ................
( ) as terras são de posse provisória ................
( ) por atribuição (colonização, etc) ................
( ) outra________________________________________
3) SE HOUVE HERANÇA (parcial ou total da propriedade), assinalar quem foram os herdeiros:
( ) o marido herdou a terra de sua família
( ) a esposa herdou a terra de sua família
( ) ambos, o marido e a esposa, herdaram partes que compõem a propriedade atual
( ) outra________________________________________
4) Como o pai do Senhor procedeu na distribuição de sua propriedade aos seus filhos (no caso a ele
próprio e eventuais irmãos)?
( ) Todos os herdeiros, homens e mulheres, receberam uma parte igual da herança (IGUALITÁRIA PARA TODOS)
( ) Apenas os homens receberam uma parte da herança e as mulheres não receberam nada (IGUALITÁRIA PARA HOMENS)
( ) Apenas os homens receberam uma parte da herança e haverá uma compensação para as mulheres (IGUALITÁRIA PARA
HOMENS COMPENSADA)
( ) A partilha não foi igualitária e não houve compensação para os não-herdeiros (DESIGUAL NÃO COMPENSADA)
( ) A partilha não foi igualitária mas houve um sistema de compensação para os não-herdeiros (DESIGUAL COMPENSADA)
( ) Um sucessor foi designado pelo pai e recebeu a terra sem nenhuma compensação para os outros demais herdeiros (DESIGUAL
NÃO COMPENSADA COM SUCESSÃO)
( ) Não houve herança
( ) Outra forma________________________________________________________________________________________
175
5) Atividades de produção vegetal – roça [Ano agrícola de setembro de 2001 a agosto de 2002]
Destino da Produção (quantidades e preço obtido)
Venda e/ou Comércio
Especificação Superfície
Área Plan-
tada (ha)
Quantidade Total
Colhida
Quantidade Valor/Unidade (R$)
Para o Consumo
Familiar
Para o Consumo
Animal
Arroz
Batata – Doce
Batatinha
Cana Açúcar
Feijão
Fumo
Mandioca
Milho
Soja
Trigo
Legumes e Verduras [Somente especificar se houver venda. Se forem produtos para autoconsumo registrar em horta]
Frutas [Somente especificar se houver venda. Se forem produtos para autoconsumo registrar em pomar]
Uva
Pêssego
Pastagem Plantada
Pastagem Nativa
Reflorestamento e extração de madeira
Acácia-negra
Eucalipto
Pinus
S A U Total
Matas e Florestas
Naturais
Benfeitorias (casa,
estábulo, etc)
Terras
Inaproveitáveis
Área Total
OBS. I - CUIDADO! Quando duas ou mais culturas anuais ocupam a mesma
superfície cultivada ou são plantadas em consórcio, esta área deverá ser contada apenas
uma única vez.
OBS. II – Solicite PRIMEIRO a informação sobre a área em terras inaproveitáveis
(banhados, penhascos, etc.), DEPOIS sobre benfeitorias e o restante da área incluir em
matas e florestas.
176
6) Aquisição de insumos para produção vegetal [Ano agrícola de setembro de 2001 a agosto de 2002]
Especificação Quantidade/unidade Valor Pago por Unidade
Sementes
Mudas
Adubos
Adubo químico (NPK, etc.)
Adubo orgânico (esterco, estrume, etc.)
Uréia
Calcário
Óleo diesel
Agrotóxicos (fungicida, inseticida, herbicida, formicida).
7) Para quem o Senhor vende a maior parte da produção vegetal? (assinalar apenas uma alternativa)
( ) venda direta para consumidores – nas casas ou em feiras livres
( ) para cooperativa
( ) para agroindústria e/ou empresa privada se estiver integrado
( ) para poder público – município, etc.
( ) para o intermediário – atravessador
( ) não vende
( ) outro___________________________________
8) Possui HORTA?
Sim ( ) Não ( )
8.1) A Horta é suficiente para atender as necessidades da família?
Sim ( ) Não ( )
8.2) Na sua avaliação quanto valem os produtos que são retirados da horta (por semana ou mês) em R$?............................................
...............................................................................................................................................................
8.3) Assinale os principais produtos/variedades que possui na horta
( ) alface
( ) beterraba
( ) cebola
( ) cenoura
( ) couve
( ) salsa
( ) repolho
( ) tomate
( ) alho
( ) radite
( ) rúcula
( ) couve-flor
( ) pimentão
( ) moranga
( ) brócoli
( ) .....................
( ) .....................
( ) .....................
9) Possui POMAR? Sim ( ) Não ( )
9.1) O pomar é suficiente para atender as necessidades da família? Sim ( ) Não ( )
9.2)
Na sua avaliação quanto valem os produtos que são retirados do pomar (por semana ou mês) em R$?.........................................
.......................................................................................................................................................
9.3) Assinale os principais produtos/variedades que possui no pomar
( ) uva
( ) pêssego
( ) maçã
( ) laranja
( ) bergamota
( ) abacate
( ) pêra
( ) goiaba
( ) caqui
( ) figo
( ) limão
( ) tangerina
( ) .....................
( ) .....................
( ) .....................
( ) .....................
( ) .....................
( ) .....................
177
10) Efetivos animais disponíveis [Ano agrícola de setembro de 2001 a agosto de 2002]
Inventário das Criações
Raças – categorias
Efetivo Valor/
Unidade
Animais Vendidos
Preço Animais
Vendidos
Consumo Familiar
Bovinos
Touros
Vacas
Novilhas
Terneiros
Bois para trabalho
Aves
Frango de corte
Galinha caipira
Suínos
Ovinos
Eqüinos / Muares
11) Produção de origem animal (Ano agrícola de setembro de 2001 a agosto de 2002) [Usar produção por
dia, semana, mês ou ano]
Especificação Unid. Quant. Prod. Quant. Vend. Preço de Venda Consumo Familiar
Leite
Ovos
Mel
Peixes
12) Insumos das atividades de produção animal [Ano agrícola de setembro de 2001 a agosto de 2002]
Especificação Unidade Quantidade Valor Pago por Unidade
Sal mineral
Rações (para suínos, bovinos, aves)
Componentes para rações (milho/sorgo, vitaminas,
farelos, etc.)
Produtos veterinários (antibióticos, vacinas,
carrapaticidas, vermífugos, desinfetantes, etc.)
Outros insumos animais (especificar)
13)Para quem o Senhor vende a maior parte da produção animal? (assinalar apenas uma alternativa)
( ) venda direta para consumidores – nas casas ou em feiras livres
( ) para cooperativa
( ) para agroindústria e/ou empresa privada se estiver integrado
( ) para poder público – município, etc.
( ) para o intermediário – atravessador
( ) não vende
( ) outro___________________________________
178
14) Listar produtos processados ou beneficiados dentro do estabelecimento (Transformação Caseira
ou Agroindústria Familiar) [Ano agrícola de setembro de 2001 a agosto de 2002]
Produto produzido Quantidade
Produzida
Unidade Preço Médio de Venda
por Unidade
Quantidade
Vendida
Quantidade Consumida
pela Família
Queijo
Salame
Vinho
Banha
Schmier
Conservas
15) Listar toda a matéria-prima utilizada para a transformação da produção caseira (Somente o que for
comprado) [Ano agrícola de setembro de 2001 a agosto de 2002]
Especificação Quantidade Unidade Valor Pago por Unidade Observações sobre quantidades, etc
Açúcar
Coalho
Tripas
16) Para quem o Senhor vende a maior parte dos produtos da transformação caseira (beneficiamento
e/ou processamento no estabelecimento) ou da agroindústria doméstica? (assinalar apenas uma
alternativa)
( ) venda direta para consumidores – nas casa ou em feiras livres
( ) para cooperativa
( ) para agroindústria e/ou empresa privada se estiver integrado
( ) para poder público – município, etc.
( ) para o intermediário – atravessador
( ) não vende
( ) outro__________________________________
17) Benfeitorias e instalações (levantar todas disponíveis no estabelecimento)
Especificação Quantidade
(1) alvenaria
(2) madeira
(3) mista*
Idade do bem ou
ano de construção
Área construída em
m
2
Açudes
Aviários
Casas de empregados
Estábulo
Estufa plástica
Estufa fumo
Galinheiro
Galpões/armazéns/paiol
Pocilgas/chiqueiro
Poços artesianos
Secadores leito fixo
Silo
Outros (especificar)
Alvenaria com menos de 50 anos – 1952
Madeira com menos de 30 anos – 1972
* Para efeito de depreciação considerar
Mista com menos de 40 anos – 1962
179
18) Máquinas e equipamentos [Ano agrícola de setembro de 2001 a agosto de 2002]
(levantar informação sobre o modelo do veículo/trator)
Especificação Quantidade Idade
Caminhão/Veículo utilitário (com menos de 20 anos-1982)
Mercedes 608
Caminhonete Ford F1000 até F4000
Tração Animal em Juntas (Bois, Cavalos e Mulas)
Trator (com menos de 20 anos-1982) [indicar a marca e a
potência em HP]
Trator > 80 Hp
Trator < 80 Hp
Microtrator
Equipamentos (com menos de 15 anos-1987)
Arado de tração animal
Arado de tração mecânica
Capinadeira de tração animal
Grade aradora de tração animal
Grade de tração mecânica
Semeadora de tração mecânica
Semeadora de tração animal
Ensiladeira
Roçadeira
Carreta agrícola
Pulverizador tracionado
Pulverizador costal motorizado
Pulverizador costal manual
Ordenhadeira
Resfriador de leite
Motor elétrico
Bomba de água
Engenho de cana
Triturador de cereais
Carroça
Picador de pasto (forrageiras)
Máquina de costurar fumo
Outros (especificar)**
(**) Saber quantidade e valor de: ancinhos, caixas para colheita, enxadas, enxadões, foices, machados, pás, picaretas, saraquá.
DESPESAS
19) O senhor teve despesa com mão-de-obra contratada no último ano? [Ano agrícola de setembro de
2001 a agosto de 2002]
Formas de contratação Número de pessoas
Número de dias trabalhados
no ano
Valor total pago
(R$) (*)
01 Assalariado permanente agrícola (**)
02 Trabalho agrícola temporário (**)
03 Empreitada agrícola (**)
(*) Incluir as despesas com transporte e alimentação, quando houver.
180
(**) Atividades Agrícolas: considera-se todas aquelas que envolvem a participação direta na produção animal e vegetal.
20) Outros gastos (valores anuais) [Ano agrícola de setembro de 2001 a agosto de 2002]
Discriminação Valor R$ (indicar se é por mês ou por ano)
ITR – Imposto da Terra
Contribuição Sindical (mensalidade/anuidade)
Luz elétrica para Unidade de Produção
Gás (GLP) somente para propriedade
Água encanada (taxa, etc)
21) Quais são as práticas de conservação de solo praticadas na sua propriedade (assinalar todas que forem
praticadas)? [Ano agrícola de setembro de 2001 a agosto de 2002]
( ) adubação verde
( ) curvas de nível
( ) plantio direto
( ) rotação de culturas
( ) consorciamento de culturas
( ) adubação orgânica com esterco e outros materiais orgânicos
( ) reflorestamento de áreas degradadas
( ) controle alternativo (sem veneno) de pragas e doenças
( ) Não realiza nenhuma prática conservacionista
FAMÍLIA E TRABALHO
22) Composição da família (Informar todos os componentes da família)
Nome
Relação com o
chefe (A)
Idade
Tipo de Trabalho
(B)
Estado civil
(C)
Escolaridade
(D)
( C)
1 Casado
2 Solteiro
3 Viúvo
4 Divorciado /
Desquitado
99 Outros
(D)
1 analfabeto – nunca estudou
2 apenas lê e escreve
3 1ª a 4ª série completo
4 1ª a 4ª série incompleto
5 5ª a 8ª série completo
6 5ª a 8ª série incompleto
7 2º grau completo
8 2º grau incompleto
9 nível técnico
10 superior completo
11 superior incompleto
12 sem idade escolar
( B)
1 Trab tempo integral na UP (*)
2 Trab tempo-parcial na UP
3 Trab na propriedade e estuda
4 Trab tempo integral fora UP (*)
5 Somente estuda
6 Criança menor de 8 anos
7 Idoso maior de 65 anos
8 Não trabalha pq deficiente ou inválido
9 Trab doméstico – tempo integral
10 Trab doméstico – tempo parcial
11 Desempregado
( A)
1 Resp/Chefe
2 Cônjuge
3 Filho
4 Filha
5 Genro
6 Nora
7 Netos
8 Avô
9 Avó
10 Irmão
11 Irmã
99 Outros
(*) Considerar tempo integral de trabalho igual a 300 dias/ano
181
ATIVIDADES NÃO-AGRÍCOLAS E PLURIATIVIDADE
[somente preencher para membros que têm atividades não-agrícolas]
23) Número de dias trabalhados em atividades não-agrícolas e em atividades fora da UP [Ano agrícola de
setembro de 2001 a agosto de 2002]
(*) Atividades Agrícolas: considera-se todas aquelas que envolvem a participação direta na produção animal e vegetal.
Em atividades PARA-
AGRÍCOLAS (**)
Em atividades NÃO-
AGRÍCOLAS (***)
Nome do indivíduo que
trabalha:
Em atividades
agrícolas FORA
da UP (*)
Nº dias
Localização
(A)
Nº dias
Localização
(B)
Setor
(C)
Valores recebidos
em R$ [indicar p/dia
ou mês]
(**) Atividades Para-Agrícolas: considera-se todas aquelas que envolvem a transformação, beneficiamento e processamento de produtos de origem animal ou vegetal,
visando a agregação de valor. Podem ocorrer dentro ou fora da UP.
(***) Atividades Não-Agrícolas: considera-se as demais atividades.
(C) Setor atividades
não-agrícolas
1. Indústria
2. Comércio
3. Serviços Auxiliares
4. Construção Civil
5. Transformação Artesanal
6. Transporte/Comunicação
7. Serviço Público
8. Serviços Pessoais
9. Outros
(A) Local de exercício das
atividades para- agrícolas
1. No domicílio ou na UP
2. Na casa de vizinhos
3. Na unidade de processamento
(B) Localização das atividades não-agrícolas
1. No domicílio ou na UP
2. Na localidade/comunidade rural onde reside
3. No centro urbano do próprio município
4. Em outro município
24) Os membros de sua família que trabalham em atividades não-agrícolas (fora ou dentro da
propriedade) fornecem algum tipo de ajuda nas atividades agrícolas da propriedade?
( ) Sim ( ) Não ( ) Não sabe/não respondeu
24.1) Se sim, indique com que freqüência:
( ) regularmente ( ) às vezes
( ) quando sobra tempo ( ) quando há demanda específica no trabalho agrícola (colheita, doença do encarregado, etc)
( ) outra situação __________________________________________________________
25) Qual a principal razão que levou os membros da família a trabalhar nas atividades não-agrícolas?
.................................................................................................................................................................................................
.................................................................................................................................................................................................
.................................................................................................................................................................................................
26) Os membros que trabalham em atividades não-agrícolas contribuem com as despesas da família e da
UP?
( ) Sim ( ) Não ( ) Não sabe/ não respondeu
182
27) Se sim, em que é aplicada a maior parte do valor das rendas de atividades não-agrícolas. Assinale
apenas
1 alternativa:
( ) para investimentos na propriedade ( ) tanto para investimentos na propriedade como para aumentar o conforto doméstico
( ) para o sustento (subsistência) da família ( ) nas despesas pessoais de todo tipo
( ) para aumentar o conforto da casa ( ) não sabe/não respondeu
( ) outra___________________________________________________
28) SE HOUVE, assinalar quais investimentos foram feitos no último ano agrícola? [Ano agrícola de
setembro de 2001 a agosto de 2002]
Tipos de investimentos Valor total gasto em R$
( ) Aquisição de terras
( ) Aquisição de veículos (utilitários)
( ) Aquisição de equipamentos ou máquinas
( ) Aquisição de terreno na cidade
( ) Construção e reforma da casa
( ) Construção e reforma das benfeitorias da propriedade
( ) Outros investimentos (especificar)
29) SE HOUVE, assinale e informe com quais outras fontes de renda sua família contou no último ano agrícola
(setembro de 2001 até agosto 2002).
Tipos de rendas Valor (R$) total recebido
( ) Aluguéis recebidos de imóveis residenciais/comerciais
( ) Aluguéis recebidos de máquinas e equipamentos
( ) Remessas em dinheiro recebido de familiares de forma periódica
( ) Pensões judiciais
( ) Juros recebidos de empréstimos para terceiros
( ) Juros de aplicações financeiras ou poupança
( ) Outras rendas (especificar)
POLÍTICAS PÚBLICAS E ESTADO
30) Assinale de quem recebeu assistência técnica (assinalar todos) [Ano agrícola setembro 2001
a agosto 2002]
( ) Não recebeu assistência técnica ( ) ONGs
( ) Cooperativa de produção ( ) Empresas integradoras
( ) Sindicato ( ) Assistência técnica particular (liberais)
( ) Secretaria Estadual de Agricultura ( ) EMATER
( ) Secretaria Municipal de Agricultura
31) [SOMENTE para assistidos da EMATER] Qual o grau de satisfação em relação à assistência técnica
que recebe da EMATER:
( ) muito satisfeito
( ) satisfeito
( ) insatisfeito
( ) não sabe/não respondeu
183
32) Assinale em quais atividades de extensão rural e/ou informação técnica participa:
Escuta programas de rádio e TV sobre técnicas agrícolas Sim ( ) Não ( )
Participa de demonstrações de novos produtos e/ou dias de campo Sim ( ) Não ( )
Participa e/ou visita feiras e exposições agropecuárias Sim ( ) Não ( )
Assiste palestras ou apresentação sobre temas agropecuários Sim ( ) Não ( )
Lê livros técnicos sobre agricultura e atividades rurais Sim ( ) Não ( )
33) Obteve financiamentos ou empréstimos no último ano agrícola (setembro de 2001 até agosto 2002)?
Sim ( ) Não ( ) ( ) Não sabe/não respondeu
33.1) Em caso afirmativo, informar (responder utilizando códigos):
Finalidade
(A)
Fonte
(B)
Indicar produto ou finalidade
do financiamento
Valor financiado
(R$)
Taxa de juros
(mês/ano)
Valor da prestação (R$)
[Indicar se é por mês ou
ano]
(A)
1 Custeio
2 Comercialização
3 Investimento
( B)
1 Bancos 4 Emp. Integradora/Agroind. 7 Pronaf
2 Cooperativas 5 Vizinhos 8 RS-Rural
3 Fundo Municipal 6 Parentes 9 Outros
34) Há aposentados e/ou pensionistas na sua família?
Sim ( ) Não ( ) ( ) Não sabe/ não respondeu
34.1) Em caso afirmativo, informar o tipo de benefício e o valor recebido durante o último ano agrícola
(setembro de 2001 até agosto 2002)?
Primeiro nome da pessoa que recebeu o
benefício
Tipo de benefício (A)
Número de meses em que
recebeu o benefício
Valor mensal recebido
(R$) (*)
Códigos
(A)
1 Aposentadoria 2 Pensão
35) No último ano agrícola (setembro de 2001 até agosto de 2002) o dinheiro da aposentadoria ou pensão
foi utilizado, de alguma forma, na atividade agrícola?
Sim ( ) Não ( ) ( ) Não sabe/ não respondeu
35.1) Se sim, indicar em que são utilizados os recursos da aposentadoria ou pensão:
( ) Custeio da atividade produtiva da família
( ) Compra de máquinas e/ou equipamentos
( ) Outro. Especificar qual? _______________________________________________________________________
184
36) Qual sua religião?
( ) Católica
( ) Protestante/evangélica - IECLB
( ) Pentecostal – “Crentes”
( ) outro______________________________________________
INFRAESTRUTURA BÁSICA
37) Composição da moradia 37.1) Instalações sanitárias (Assinalar apenas uma opção)
Es
p
ecifica
ç
ão
N
úmero de
p
e
ç
as Es
p
ecifica
ç
ão
Banheiro Banheiro com
p
leto
(
*
)
(
)
Cozinha Banheiro incom
p
leto
(
**
)
(
)
Q
uarto Casinha ou latrina
(
)
Sala
N
enhuma
(
)
Varanda
(
*
)
Com
p
leto: Vaso
,
chuveiro e
p
ia
(
externa ou não
)
(
**
)
Incom
p
leto: Vaso ou chuveiro
37.2)Tipo de piso predominante 37.3)Tipo de cobertura predominante
(Assinalar apenas uma opção) (Assinalar apenas uma opção)
Es
p
ecifica
ç
ão Es
p
ecifica
ç
ão
Concreto
(
)
Telha de barro
(
)
Chão batido
(
)
Telha de amianto
(
Brasilit
)
(
)
Madeira
(
)
Ca
p
im ou
p
alha
(
)
Outro
(
)
Zinco ou outro metal
(
)
Outra
(
)
37.4) Tipo de parede externa predominante (Assinalar apenas uma opção)
Es
p
ecifica
ç
ão
Ti
j
olo com revestimento
(
)
Ti
j
olo sem revestimento
(
)
Tábuas
(
)
Ta
p
umes ou cha
p
as de madeira
(
)
Folha de zinco
(
)
Barro ou adobe
(
)
Outra
38) Abastecimento de água 39) Destino dos dejetos humanos
(Assinalar apenas uma opção) (Assinalar apenas uma opção)
Es
p
ecifica
ç
ão
Es
p
ecifica
ç
ão
Po
ç
o artesiano
(
)
Fossa sim
p
les
(
seca
)
(
)
N
ascente ou vertente com
p
o
ç
o
(
)
Fossa sé
p
tica/
p
o
ç
o absorvente
(
)
Córre
g
o/A
ç
ude
(
)
Direto no solo
(
)
Cacimba
(
)
Direto nos cursos d’á
g
ua
(
)
Á
g
ua do vizinho
(
)
N
ão te
m
(
)
Outro ti
p
o
(
)
Outro destino
(
)
40) Qual o principal tipo de abastecimento de energia elétrica?
( ) rede geral
( ) gerador próprio
( ) não possui
( ) outro______________________________________________
185
41) Bens de Consumo que existem no domicílio
[assinalar a quantidade]
Especificação Quantidade Especificação Quantidade
01 Aparelho de som
02 Automóvel 12 Máquina de lavar roupa
03 Batedeira 13 Moto
04 Bicicleta 14 Parabólica
05 Ferro elétrico 15 Rádio
06 Fogão a gás 16 Televisor
07 Fogão à lenha 17 Vídeo cassete
08 Forno elétrico/microondas
18 Linha de Telefone fixo
09 Freezer
19 Celular
10 Geladeira
11 Liquidificador
AMBIENTE SOCIAL E ECONÔMICO
42) Participação social da família na comunidade local e/ou no município [assinale todas em que houver a
participação de algum membro]
Especificação Participa
01 Associação comunitária de produtores e/ou agricultores Sim ( ) Não ( )
02 Cooperativas (créditos, eletrificação, produção, etc.) Sim ( ) Não ( )
03 Sindicato de trabalhadores Sim ( ) Não ( )
04 Associação de mulheres/clube de mães Sim ( ) Não ( )
05 Associação vinculada a igreja (pastoral, canto, etc.) Sim ( ) Não ( )
06 Clube de futebol, bocha, etc ligado ao lazer Sim ( ) Não ( )
99 Outros tipos de entidade (especificar)
Sim ( ) Não ( )
Sim ( ) Não ( )
43) Em que LOCAL o Senhor e sua família gastam a maior parte do dinheiro que ganham [não importa
a fonte deste dinheiro]:
( ) na própria comunidade onde residem
( ) no centro urbano da cidade a que pertence a localidade/distrito onde residem
( ) na cidade-pólo mais próxima (cidade maior da região)
( ) outra localidade _______________________________________________________________
44) Em quem o Senhor deposita MAIS CONFIANÇA E CREDIBILIDADE (assinalar apenas uma
alternativa):
( ) nos técnicos da Emater
( ) no pessoal da Prefeitura (funcionários, agentes de saúde, etc)
( ) nos Vereadores do município
( ) nos dirigentes do seu sindicato
( ) no pastor e/ou padre da Igreja que freqüenta
( ) nos técnicos e/ou pessoas ligadas as agroindústrias e cooperativas com as quais trabalha
( ) nos compradores e intermediários que adquirem sua produção agrícola
( ) nos vizinhos
( ) Não sabe/não respondeu
186
45) Em quem o Senhor NÃO TEM CONFIANÇA E NENHUMA CREDIBILIDADE
(assinalar apenas
uma alternativa):
( ) nos técnicos da Emater
( ) no pessoal da Prefeitura (funcionários, agentes de saúde, etc)
( ) nos Vereadores do município
( ) nos dirigentes do seu sindicato
( ) no pastor e/ou padre da Igreja que frequenta
( ) nos técnicos e/ou pessoas ligadas as agroindústrias e cooperativas com as quais trabalha
( ) nos compradores e intermediários que adquirem sua produção agrícola
( ) nos vizinhos
( ) Não sabe/ não respondeu
46) Qual é seu nível de satisfação em relação à educação e as escolas de seu município e/ou comunidade:
( ) Muito satisfeito ( ) Insatisfeito
( ) Satisfeito ( ) Não sabe/não respondeu
47) Na sua opinião, qual deveria ser o ensino e a educação fornecido as crianças e jovens, filhos e filhas,
de agricultores
(assinalar apenas uma alternativa):
( ) uma educação especializada e voltada para as atividades agrícolas
( ) uma educação geral destinada a prepará-los para disputar trabalhos e empregos fora da agricultura
( ) uma educação mista, destinada tanto à agricultura como à formação geral
( ) Não sabe/ não respondeu
REPRESENTAÇÕES DOS AGRICULTORES SOBRE A RURALIDADE E SEU FUTURO
48) Em relação à época em que seus pais trabalhavam na agricultura, o Senhor considera que o período
atual
(assinalar apenas uma alternativa):
( ) melhorou muito, em todos os aspectos ( ) está pior do que antes, nada melhorou
( ) melhorou, em algumas coisas ( ) não se aplica (os pais não eram agricultores)
( ) não sabe/ não respondeu
49) O Senhor tem perspectivas na agricultura e vê futuro para sua família nesta atividade?
( ) Sim ( ) Não ( ) Não sabe/ não respondeu
50) O Senhor gostaria que seus filhos seguissem a profissão de agricultor:
( ) Sim ( ) Não ( ) Não sabe/ não respondeu
51) Existe algum membro da família (filho ou outro) que o Senhor prevê que continuará a trabalhar em
sua propriedade depois que o Senhor não puder mais trabalhar nela?
( ) Sim ( ) Não ( ) Não sabe/ não respondeu
52) Caso haja uma piora na renda e na agricultura de modo geral nos próximos anos, o Senhor pensa em
fazer o quê
(assinalar apenas uma alternativa):
( ) continuar a fazer o mesmo que atualmente e esperar que a crise passe ou volte ao normal;
( ) deixar de trabalhar na agricultura e vender a terra;
( ) buscar aperfeiçoamentos tecnológicos para melhorar a produção na propriedade;
( ) procurar emprego em alguma atividade não-agrícola, sem vender a terra;
( ) Não sabe/
não respondeu
53) Qual é o grau de satisfação do Senhor e de sua família em relação À ATIVIDADE AGRÍCOLA
(explorar aspectos do trabalho e produção)?
( ) Muito satisfeito
( ) Satisfeito
( ) Insatisfeito
( ) Não sabe/não respondeu
187
54) Qual é o grau de satisfação do Senhor e de sua família em relação AO MEIO RURAL (perguntar sobre
espaço/ambiente e a comunidade onde vive
)?
( ) Muito satisfeito
( ) Satisfeito
( ) Insatisfeito
( ) Não sabe/não respondeu
55) Quando o Senhor pensa no meio rural ou no espaço rural em que vive, o que mais valoriza ou associa
(assinalar apenas uma alternativa)?
( ) a paisagem ( ) o trabalho na agricultura e a importância de produzir alimentos
( ) os animais e as plantas ( ) a tranqüilidade
( ) os vizinhos e a comunidade em que vive ( ) Não sabe/não respondeu
56) Alguém de sua família gostaria de mudar para a cidade?
( ) Sim ( ) Não ( ) Não sabe/
não respondeu
56.1) Se sim, apontar a razão pela qual o (s) membro (s) pretende (m) mudar para cidade:
.............................................................................................................................................
.............................................................................................................................................
.............................................................................................................................................
57) Em época de eleição, o Senhor costuma votar em candidatos que defendem e/ou apresentam
propostas para agricultura e o meio rural?
( ) Sim ( ) Não ( ) Não sabe/ não respondeu
58) Qual destas propostas o senhor normalmente (em todas as eleições de que participa) leva em
consideração na escolha do candidato ou partido? (assinalar apenas uma alternativa)
( ) melhoria de acesso ao crédito e financiamento ( ) melhoria da assistência técnica
( ) melhoria das estradas, da água e da luz ( ) melhoria da segurança, saúde e educação
( ) não sabe/
não respondeu
59) Na hora de votar, o Senhor atribui maior importância:
( ) ao partido ( ) as propostas apresentadas
( ) ao perfil do candidato ( ) não sabe/ não respondeu
60) O que seria preciso acontecer para melhorar a qualidade de vida de sua família? (pedir para destacar o
aspecto mais importante)
...............................................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................................
188
APÊNDICE B - Roteiro de entrevistas.
Público alvo: AGRICULTORES FAMILIARES
1.Questões gerais e caracterização do autoconsumo:
1.Características da família (nome, nº de residentes, nº de crianças, principais atividades
econômicas (agrícolas e não-agrícolas), etc.).
2.Porque produzem para o consumo da família?
3.Qual a importância da horta, pomar, produtos da lavoura, e criações animais (investigar
cada um separadamente)?
4.O Sr. está satisfeito com a quantidade produzida para o autoconsumo? Pretende modificar a
quantidade produzida no futuro?
5.Em que situação deixaria de produzir para o consumo próprio?
2.Determinantes da produção para o autoconsumo:
1. Mudou alguma coisa ao longo dos anos na produção para o autoconsumo na família?
(enfocar quantidade e tipos de alimentos). Por quê?
2.O que o Sr. acha que pode explicar a diferença na quantidade produzida para o consumo
familiar entre vizinhos?
3.Quais as características das famílias que produzem para o próprio consumo?
2.1.O ciclo demográfico:
1.Quem é o mais responsável pelo autoconsumo e por quê?
2.Há diferença na quantidade produzida para o autoconsumo com a variação do número de
integrantes na família (número e crescimento dos filhos)?(enforcar a demanda de alimentos e
a força de trabalho disponível)
2.2.Condições da/e produção agrícola:
1.Tem alguma cultura (soja, fumo, soja, leite,etc.) que atrapalha ou que pode atrapalhar na
produção para o autoconsumo?
2.Existe alguma prioridade (ordem) entre produzir para o autoconsumo ou para a venda?
Porque esta disposição?
2.3.Fontes de renda:
1.PLURIATIVO: Qual é a atividade? Quem realiza? Atrapalha na produção para o
autoconsumo?
2. APOSENTADO: O Senhor acha que o fato de ter agora uma renda mensal interfere na
quantidade produzida para o autoconsumo? Continua produzindo para o autoconsumo ou não
e por quê?
2.4.Matriz cultural:
1.No município tem descendentes de [...], que diferenças o Sr. percebe entre as diferentes
etnias quanto ao autoconsumo (enfocar quantidade e tipos de alimentos)?
2. De quem aprendeu a produzir para o autoconsumo?
2.5.O contexto socioeconômico:
189
1.De quem a família recebe incentivo para produzir para o autoconsumo (Extensão rural,
prefeitura, cooperativas, etc.)? Tem alguém que é contra?
2. O Sr. acha que morar perto ou longe dos mercados pode interferir na quantidade produzida
para o autoconsumo?
2.6.Eletrodomésticos e enlatados:
1.O Sr. acha que o fato de ter nos mercados produtos “prontos” (conservas, chimier, massas,
etc.) pode interferir na produção para o consumo familiar?
2.O Sr. leva em consideração na hora de produzir para o autoconsumo, os preços que os
mesmos alimentos apresentam no mercado? Se custa mais caro produzir ou comprar?
3.Na sua opinião, a introdução da energia elétrica e com elas os eletrodomésticos (geladeira,
freezer, fogão a gás) modificaram a alimentação da família e a produção para o autoconsumo?
2.7.Os meios de comunicação:
1.Como o Sr. acha que a TV influencia na alimentação da família e na produção para o
consumo familiar?
2.8.O processo de modernização:
1.O Sr. percebeu alguma diferença na produção para o autoconsumo depois que chegaram os
tratores, e os insumos (adubos, agrotóxicos,etc.)? O que mudou?
3.Funções e representações da produção para o autoconsumo:
3.1.Segurança Alimentar:
1.Como o Sr. avalia a relação entre produzir para o consumo familiar e saúde?
2.A família já passou por situações de carência alimentar (fome)? Como era a produção para o
autoconsumo neste período?
3.O Sr. produz de modo diferenciado os alimentos que são para o consumo da família
daqueles que são para a venda? Como é? (aproveitam esterco dos animais?)
3.2.Sociabilidade:
1.O Sr. costuma trocar/dar alimentos com vizinhos, parentes? Por que faz isso?
2.Mudou alguma coisa de como era antigamente e por quê?
3.Como é visto quem não faz isso?
4.Tem algum encontro ou festa na comunidade em que são utilizados estes alimentos?
3.3.Identidade do agricultor:
1. O que identifica o trabalho na agricultura? O autoconsumo pode contribuir nisso?
2.O Sr. gosta de produzir para o autoconsumo (horta, lavoura)? Em qual dos cultivos o Sr.
sente mais prazer em trabalhar, cultivo comercial ou para o autoconsumo? Por quê?
3.Os jovens/filhos se interessam pela produção para o autoconsumo ou preferem comprar?
4.Autonomia:
1.Qual a sua avaliação sobre comprar tudo o que a família necessita no mercado?
2.Como o Sr. acha que o autoconsumo contribui para a vida no meio rural, para a condição
econômica e social da família?
190
3.Como o Sr. acha que seria a condição da família e da propriedade se não produzisse para o
autoconsumo?
4. O que acha que é importante: diversificar ou especializar a produção? Qual a importância
de diversificar a produção agrícola e manter o autoconsumo?
5.Quando sobra produção para o autoconsumo, o que fazem? (vender, alimentação animal).
Público alvo: EXTENSIONISTAS RURAIS
1.Qual a importância de produzir para o autoconsumo?
2.Principais produtos produzidos no município e por quê?
3.Quais as mudanças que aconteceram com o autoconsumo ao longo dos anos? Por quê?
4.Quais os fatores que podem explicar a diferença de produção para o autoconsumo entre as
unidades familiares e do município com os demais?
5.Quem são as famílias que produzem para o autoconsumo (número de integrantes da família,
área, principais atividades econômicas agrícolas, etc.)? E as que não produzem?
6.Conseguem perceber alguma diferença entre etnias quanto a produção para o autoconsumo?
O que pode explicar a diferença?
7.Na sua opinião, o exercício de atividades não-agrícolas e as rendas da aposentadoria podem
interferir na produção para o autoconsumo?
8.Na sua opinião a disponibilidade e os “alimentos prontos” nos mercados pode interferir na
produção para o autoconsumo?
9.E a proximidade aos mercados? Percebe diferença entre unidades familiares (segundo o
critério de distância dos mercados) e o autoconsumo?
10.Como os meios de comunicação interferem na produção para o autoconsumo?
11.Na sua opinião a introdução de eletrodomésticos (geladeira, freezer, microondas) pode
interferir na produção para o autoconsumo?
12.Como o processo de modernização atuou no município e como afetou a produção para o
autoconsumo?
13.Como o autoconsumo pode contribuir para a segurança alimentar das unidades familiares?
14.Qual o papel do autoconsumo para a sociabilidade?
15.Existem trocas de alimentos entre vizinhos e parentes? E nas festas, reuniões, serões?
16.Na sua opinião, o autoconsumo contribui para demarcar a identidade do agricultor?
17.Os agricultores gostam de produzir para o autoconsumo?
18. Na sua opinião, a produção para o autoconsumo dá mais autonomia ao agricultor ou é
fator que atrapalha o desenvolvimento das atividades econômicas?
19.O que acha que é importante: diversificar ou especializar a produção?
20.A extensão rural estimula e apóia a produção para o autoconsumo? Como?
191
APÊNDICE C - Lista de entrevistados
Entrevista 05, SM - Depoente: esposa; Idade: 54;
Entrevista 06, SM - Depoente: casal; Idade: 41 (marido); 34 (esposa);
Entrevista 07, SM - Depoente: esposa; Idade: 65;
Entrevista 08, SM - Depoente: esposa; Idade: 45;
Entrevista 09, SM - Depoente: esposa; Idade: 46;
Entrevista 10, SM - Depoente: casal; Idade: 51 (marido); 42 (esposa);
Entrevista 16, SM - Depoente: extensionista rural;
Entrevista 17, SM - Depoente: esposa; Idade: 50;
Entrevista 18, SM - Depoente: família; Idade: 37 (marido); 37 (esposa); 15 (filho);
Entrevista 19, TP – Depoentes: esposa e filho; Idade: 42 (esposa); 20 (filho);
Entrevista 20, TP – Depoente: casal; Idade: 62 (marido); 62 (esposa);
Entrevista 21, TP – Depoente: esposa; Idade: 30 (esposa);
Entrevista 22, TP – Depoentes: mãe e filhos; Idade: 64 (esposa); 23 (filho); 20 (filha);
Entrevista 23, TP - Depoente: homem; Idade: 34;
Entrevista 24, TP – Depoente: casal; Idade: 78 (marido); 76 (esposa);
Entrevista 25, TP – Depoente: casal; Idade: 51 (marido); 51 (esposa);
Entrevista 26, TP – Depoente: extensionista rural;
Entrevista 27, V – Depoente: esposa; Idade: 63;
Entrevista 28, V – Depoente: esposa; Idade: 63;
Entrevista 29, V – Depoente: casal; Idade: 72 (marido); 70 (esposa)
Entrevista 30, V – Depoente: esposa; Idade: 50;
Entrevista 32, V – Depoente: marido; Idade: 60;
Entrevista 33, V – Depoente: esposa; Idade: 76;
Entrevista 34, V – Depoente: esposa; Idade: 50;
Entrevista 35, V – Depoente: marido; Idade: 68;
Entrevista 36, V – Depoente: extensionista rural;
Entrevista 36, MR – Depoente: esposa; Idade: 73;
Entrevista 37, MR – Depoente: casal; Idade: 68 (marido); 65 (esposa);
Entrevista 38, MR – Depoente: esposa; Idade: 53;
Entrevista 39, MR – Depoente: casal; Idade: 61 (marido); 62 (esposa);
Entrevista 40, MR – Depoente: casal; Idade: 65 (marido); 63 (esposa);
Entrevista 41, MR – Depoente: extensionista rural;
Entrevista 42, MR – Depoente: família; Idade: 56 (marido); 58 (esposa); 26 (filha);
192
Entrevista 43, MR – Depoente: casal; Idade: 53 (marido); 50 (esposa);
Entrevista 44, MR – Depoente: esposa; Idade: 22;
193
APÊNDICE D - Como calcular o valor da produção para o autoconsumo?
Uma das primeiras dificuldades ao se estudar a produção para o autoconsumo situa-se
em como aferir esta estratégia de reprodução social. Para contribuir neste debate e fomentar
os estudos sobre este tema, esta seção discute as metodologias empregadas por alguns autores
e projetos de pesquisa, dando continuidade aos esforços iniciados por Gazolla (2004) e
Tartaruga, Gazolla e Schneider (2005). Busca-se iniciar um debate metodológico que tenha
por objetivo aperfeiçoar a metodologia e dar bases para outras pesquisas.
a) O cálculo do autoconsumo segundo Afrânio Garcia Junior
Conquanto Garcia Junior (1983, 1989) não defina claramente o que entende por
produção para o autoconsumo, subentende-se que se refere somente à produção destinada à
alimentação da unidade familiar. Quanto à produção de outros elementos necessários a
reprodução da família (ferramentas, adubação, alimentação animal, etc.), quando
reproduzidos através da força de trabalho desta, Garcia Junior (1983), semelhante à Tepicht,
denomina autoconsumo intermediário.
O autor sustenta que o cálculo do valor da produção para o autoconsumo deve levar em
consideração o preço médio ao consumidor; ou seja, o preço que seria pago aos alimentos
caso fossem adquiridos no mercado. Para compreender melhor este procedimento deve-se
entender o objetivo da obra de Garcia Junior (1989). O autor estava interessado em
demonstrar que existia uma racionalidade que orientava a escolha dos cultivos. Segundo
Garcia Junior (1989), entre produzir para o “gasto da casa” e produzir lavouras comerciais ou
de “exportação”, existiam elementos que interferiam na decisão ou no “cálculo” das unidades
familiares, sendo tais, a flutuação dos preços no mercado, a existência de condições técnicas
de produção, o consumo socialmente necessário dos alimentos pela unidade familiar (“o gasto
da casa”), e a disponibilidade de força de trabalho da família (número de trabalhadores). O
somatório destes elementos determinaria a opção por produzir ou comprar, autoconsumir ou
vender determinado alimento.
De acordo com Garcia Junior (1989), as unidades familiares produziriam lavouras
comerciais se:
Q
L
x P
L
C
S
x P
S
(C)
Q
L
– produção física;
P
L
– preço unitário ao produtor da lavoura comercial;
194
C
S
consumo socialmente necessário para a família;
P
S
(C) – preço médio ao consumidor das lavouras de subsistência.
Ou seja, a renda da lavoura comercial é mais que suficiente para atender ao consumo
dos produtos de autoconsumo avaliados em termos de preços semanais ao consumidor.
[...] para que a lavoura comercial, que não tem alternatividade, seja mais
interessante [...], é preciso que com o mesmo trabalho doméstico se consiga
uma renda monetária superior ao somatório superior, não à renda monetária
que possa ser proporcionada pela venda das lavouras com alternatividade,
ao final do ciclo agrícola, mas que seja superior ao somatório das rendas
monetárias que a cada semana, a cada feira, permitiriam comprar a
dinheiro os produtos essenciais ao consumo doméstico. A renda monetária
da lavoura comercial tem, portanto, de ser ponderada pela variação dos
preços dos produtos de subsistência [...] A flutuação destes preços ao
consumidor dos produtos de subsistência pode ser de tal ordem que anule a
diferença de produtividade valor por unidade de tempo trabalhada
(GARCIA JUNIOR, 1989, p. 123, grifos no original).
Ainda de acordo com o autor, as unidades familiares produziriam lavoura de
subsistência, que contém produção para o autoconsumo, se:
Q
L
x P
L
C
S
x P
S
(C) mesmo que Q
L
x P
L
C
S
x P
S
P
S
– preço unitário ao produtor da lavoura de subsistência.
Neste caso, a renda monetária com a lavoura comercial não permite satisfazer o
consumo socialmente necessário e empregando a mesma quantidade de trabalho na lavoura de
subsistência, esta demanda seria atendida. Assim, a escolha pela lavoura de subsistência, antes
de uma resistência (tradicionalista), significa uma escolha racional para garantir a alimentação
da família.
É para demonstrar a existência desta racionalidade guiando a escolha dos cultivos e
que não há nada de subjetivo neste cálculo, que Garcia Junior (1989) utiliza como base o
preço ao consumidor. Como lembra o autor: “[...] o preço de referência real, para o confronto
entre os dois tipos de lavoura, é o preço ao produtor para a lavoura comercial e o preço médio
ao consumidor para as lavouras de subsistência” (GARCIA JUNIOR, 1989, p. 126). É
somente com base no preço ao consumidor que as unidades familiares conseguem calcular se
a produção comercial é compensadora, e é por este motivo que o autor sustenta o preço ao
consumidor como referência.
Embora esta metodologia tenha sido a mais freqüente entre as pesquisas sobre o
autoconsumo, o questionamento que permanece é se os preços aos consumidores são os mais
adequados: não se estaria superestimando esta produção?
195
b) O cálculo do autoconsumo segundo a metodologia dos Sistemas Agrários (GARCIA
FILHO, 1999).
Para Garcia Filho (1999), autor do “Guia Metodológico: Diagnósticos de Sistemas
Agrários”, a produção para o autoconsumo abarca a produção produzida e consumida pela
família: alimentos, instrumentos domésticos, artesanato, lenha, materiais para construção ou
para fabricação de objetos de uso da família, plantas medicinais, etc. O valor desta produção é
equivalente ao valor que a mesma apresenta no mercado, ou seja, o valor pago caso as
unidades familiares adquirissem estes alimentos nos mercados. “É, portanto, pelo preço de
compra desses bens que se deve valorizar o autoconsumo.” (GARCIA FILHO, 1999, p. 52).
Segundo o autor, em algumas comunidades, certos produtos como, por exemplo, o leite, é
comercializado entre vizinhos pelo preço pago pela agroindústria ao produtor (laticínio), não
havendo diferença de preço entre o autoconsumo e a produção vendida. Mas, o mais
freqüente, é que a produção para o autoconsumo não sendo suficiente à família, esta recorra
aos mercados e, neste caso, é pelo preço de compra que deve ser computado aquele alimento.
Quanto ao levantamento da produção para o autoconsumo nos estabelecimentos
familiares, o autor indica proceder à identificação da produção obtida (inclusive os
subprodutos) e o destino da mesma: comercialização, autoconsumo, consumo improdutivo,
semente para a próxima safra. A parte vendida e a autoconsumida constituirão,
respectivamente, o produto bruto de venda total e o produto bruto de autoconsumo total. O
somatório destes resultará no produto bruto total. Neste valor não está descontado os custos de
produção e a depreciação, só sendo realizados para calcular a renda agrícola, que é líquida.
Utilizando-se do “Guia Metodológico”, Santos e Ferrante (2003) investigaram a
produção para o consumo familiar em assentamentos rurais no Estado de São Paulo. Neste
estudo, famílias amostradas intencionalmente, abarcando diferentes categorias, camadas e
classes sociais, realizaram um levantamento da quantidade consumida de alimentos
produzidos no próprio lote durante uma semana em cada mês, pelo período de doze meses
consecutivos. Estes dados eram recolhidos ao fim de cada semana pelo técnico de campo, que
realizava uma análise dos dados identificando falhas ou erros de medidas, submetendo-os a
correções. A quantidade autoconsumida foi multiplicada pelo preço médio dos mesmos
alimentos nos estabelecimentos comerciais da cidade, onde os assentados realizavam suas
compras. O grau de detalhamento, a periodicidade da coleta e o acompanhamento dos dados
tornam o resultado deste método muito próximo aos dados reais.
196
A dúvida que emerge da metodologia dos sistemas agrários para calcular o valor do
autoconsumo, remete-se a amplitude do conceito atribuído a esta produção: o que deve ser
considerado como produção para o autoconsumo? E ainda, do mesmo modo que em Garcia
Junior (1989), que preço deve ser atribuído a esta produção?
c) O cálculo do autoconsumo de acordo com Leite (2004).
Para Leite (2004), o autoconsumo corresponde à fração da produção agropecuária
(agrícola, pecuária, extrativista e aquela resultante de produtos primários beneficiados)
produzida em um estabelecimento e destinada ao consumo da família, dos responsáveis e
também à alimentação animal e outros usos da atividade produtiva. Aqui, o conceito de
autoconsumo é mais amplo que aquele utilizado por Garcia Filho (1999).
Para realizar o levantamento da produção para o autoconsumo nas unidades familiares,
o autor sugere deduzir da produção total a parte comercializada, as doações, a produção
armazenada e a produção perdida. O resultante desta operação refere-se à produção
autoconsumida. Para quantificar o autoconsumo, dado que não sofre transação monetária, o
autor, seguindo os passos de Garcia Junior, adota como parâmetro os preços ao consumidor,
ou seja, o valor caso as unidades adquirissem estes produtos nos mercados.
Embora pareça ser simples de executar, esta metodologia também demanda a
descrição das quantidades de todos os alimentos autoconsumidos, para, assim, multiplicar
pelos seus respectivos preços ao consumidor.
d) O cálculo do autoconsumo seguindo atribuição de valor aos nutrientes.
Esta metodologia, utilizada por Norder (1998), atribui valor monetário ao
autoconsumo a partir de informações da porcentagem de nutrientes autoconsumidos e
comprados (portanto, do mesmo modo que Garcia Junior, leva em consideração os preços ao
consumidor). No levantamento realizado pelo autor, foram evidenciados nove nutrientes que
são produzidos e consumidos pela própria família em proporções oscilantes entre eles. Dentre
estes, optou-se pela comparação do percentual de autoconsumo de calorias, por ser o nutriente
com a menor média de autoconsumo entre os nutrientes apurados.
Dispondo da porcentagem de calorias autoconsumidas e do valor em reais utilizado
para obter no mercado o percentual de nutrientes comprados (complementar a 100%), chegou-
se a um valor monetário atribuído ao autoconsumo. Por exemplo, se uma família
197
autoconsumiu um percentual de 49,11% e comprou 50,89% correspondendo a 0,37 salários
mínimos per capita, o valor monetário do autoconsumo será de 0,36. Segundo esta
metodologia, o valor do autoconsumo irá oscilar de acordo com o gasto com alimentação
comprada e do percentual de consumo calórico que estes alimentos representam (NORDER,
1998). O valor do autoconsumo resulta de uma estimação com base no valor das calorias
compradas, por conseguinte, é necessário o conhecimento destas também.
A questão que insurge desta metodologia, além daquela já apontada nas anteriores
(preço ao consumidor), alude-se a consideração apenas da porcentagem de calorias e se o
valor do autoconsumo, ao ser calculado com base no custo das calorias compradas,
corresponde ao seu valor real.
e) O cálculo do autoconsumo através da estimação das unidades familiares.
Este procedimento foi utilizado no projeto de pesquisa “Estratégias de
desenvolvimento rural, multifuncionalidade da agricultura e agricultura familiar: identificação
e avaliação de experiências em diferentes regiões brasileiras” cujos resultados estão
compilados em Maluf (2003). Para estes autores, o autoconsumo compreende a produção
destinada à alimentação da família, dos animais e a produção de lenha.
Para mensurar monetariamente o autoconsumo, adotou-se como critério a estimação
pelos agricultores do valor que despenderiam para adquirir estes alimentos no mercado,
estimativa esta complementada pela discriminação dos principais bens produzidos. Este
procedimento possui a vantagem da praticidade e da economia de tempo, porém, como
lembram os próprios autores, as unidades familiares geralmente não têm o hábito de
contabilizar sua produção, muito menos quando se trata da produção para o autoconsumo, o
que dificulta uma aproximação maior com a realidade. Pelos resultados alcançados pelos
autores, ao assim proceder, as unidades familiares comumente subestimam os valores da
produção para o autoconsumo.
f) O Cálculo do autoconsumo segundo a Pesquisa AFDLP.
Parte da metodologia utilizada nesta dissertação foi desenvolvida a partir de intensos e
contínuos debates entre os membros do projeto de pesquisa AFDLP
UFRGS/UFPel/CNPq
198
(2003), e tiveram seguimento no projeto DTRSA (2004)
1
. Conforme apresentado, considera-
se produção para o autoconsumo a parte da produção animal, vegetal e transformação caseira
produzida pela família e consumida por esta
2
, e estimou-se o seu valor monetário com base no
preço ao produtor ou preço de venda
3
.
Como apresentado na introdução desta dissertação, justifica-se a utilização do preço de
venda devido a grande variação de preços ao consumidor entre mercados, e esta disparidade
se potencializa ainda mais quando se trata de municípios distintos e distantes
geograficamente, como é caso nesta pesquisa (ANJOS et al., 2004). Também se considera que
os produtos com a finalidade de autoconsumo nem sempre alcançam o melhor padrão de
mercado, não atingindo os mesmos preços de produtos comerciais (SANTOS; FERRANTE,
2003) e, deste modo, os preços de venda refletem mais intensamente as condições de
reprodução das unidades familiares.
O levantamento da quantidade autoconsumida foi realizado com base na aplicação de
questionário semi-estruturado referente ao ano agrícola 2001/2002, onde, através deste,
investigou-se a quantidade produzida, vendida e consumida naquele ano. Estes dados
forneceram o produto bruto de autoconsumo total (PBAT)
4
e o produto bruto de venda (PBV).
O primeiro foi calculado com base na seguinte equação:
PBAT (R$): (QPAV x PPAV) + (QPAA x PPAA) onde,
QPAV: Quantidade de Produtos para Autoconsumo Vegetal;
PPAV: Preço dos Produtos de Autoconsumo Vegetal;
QPAA: Quantidade de Produtos para Autoconsumo Animal;
PPAA: Preço dos Produtos de Autoconsumo Animal.
Da primeira multiplicação resulta o produto bruto de autoconsumo vegetal e da
segunda o produto bruto de autoconsumo animal. O produto bruto de venda sofreu o mesmo
procedimento, porém ao invés do autoconsumo tratava-se das quantidades e dos valores dos
produtos vendidos. Juntos PBAT e PBV formam o produto bruto total, ou seja, o valor
1
Projeto de Pesquisa “Desenvolvimento Territorial Rural e Segurança Alimentar”, que teve como instituições
executora e colaboradora, respectivamente, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Programa
de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural - e a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) – Programa de Pós-
Graduação em Agronomia (DTRSA – UFRGS/UFPel/CNPq, 2004).
2
Na pesquisa também foram levantadas as quantidades de autoconsumo animal, entendida como a parte da
produção fruto do trabalho da família destinada a alimentação animal, igualmente denominado por Tepicht como
autoconsumo intermediário. Porém diferentemente Leite (2004), este não foi contabilizado como parte da renda
monetária do autoconsumo.
3
Do mesmo modo procedeu Barbosa (2003), porém para esta autora, autoconsumo corresponde a produção
destinada a alimentação da família e construção de domicílios por ela mesma.
4
Cabe lembrar novamente, que os valores da transformação caseira não foram computados no PBAT dado as
limitações do questionário em separar a matéria-prima consumida diretamente pela família daquela destinada a
produção de derivados.
199
produzido total sem deduzir qualquer custo de produção (consumo intermediário,
depreciação, etc.).
Segundo Gazolla (2004), há dificuldades para se calcular os valores monetários
líquido da produção para o autoconsumo devido ao fato de não ser possível isolar, de forma
exata, as despesas que incorrem sobre esta produção com as da produção para venda. Estas
dificuldades seriam acentuadas se considerado o produto da transformação caseira (devido às
dificuldades de separar os custos de produção), o autoconsumo improdutivo, e ainda o grau de
detalhamento das informações que demandaria. Por exemplo, são remotas as possibilidades de
conseguir separar o custo da energia elétrica utilizada na ordenha das vacas, cujo leite em
parte vai para a venda e outra para o consumo, daquela do consumo geral da família. Sendo
assim, prefere-se calcular o autoconsumo na forma de produto bruto (valor bruto) e não como
produção líquida.
Na determinação da quantidade dos produtos de autoconsumo oriundos de hortas e
pomares não foi utilizada a mesma metodologia. Isto se deve a grande variabilidade destes
alimentos entre as unidades familiares e, sobretudo, pela dificuldade de conseguir contabilizar
as quantidades consumidas em um ano agrícola (quantos pés de alface, quantas laranjas,
tempero verde, etc.). Também influenciou na decisão, o grau de detalhamento que seria
exigido pelo questionário, o próprio trabalho e tempo de coleta das informações. Deste modo,
foi solicitado aos entrevistados que estimassem, em reais, o valor dos produtos
autoconsumidos da horta e do pomar por semana ou por mês. Quando estes não sabiam
informar, adotou-se como critério estimar este valor tomando por referência os valores médios
per capita informados pelos demais entrevistados.
A grande interrogação que permeia esta metodologia é a utilização dos preços de
venda para calcular o valor da produção para o autoconsumo. O contrário do questionamento
apontado na metodologia de Garcia Junior (1989) poderia ser feito aqui: ao assim proceder,
não se estaria subestimando esta produção?
***
Provavelmente ao final desta apresentação, a pergunta título deste apêndice ainda
permaneça sem resposta definitiva. Ademais, percebe-se que outras circundam este tema
complexificando-o, tais como: o que considerar como produção para o autoconsumo? Qual o
melhor método de coleta dos dados (estimação em valor, descrição em quantidades do
consumo anual, levantamento periódico)? Que valor atribuir a ele (preço ao consumidor ou ao
produtor)?
200
Neste sentido, é possível afirmar que não existe uma metodologia única ou mais
adequada para se estudar a questão da produção para o autoconsumo. As metodologias
apresentadas aqui oferecem vantagens e desvantagens, potencialidades e limitações. Contudo,
cabe considerar, antes de qualquer método, como já advertia Chayanov (1981), que as
unidades econômicas camponesas não podem ser analisadas e tratadas a partir dos conceitos e
princípios utilizados para medir a eficiência de uma empresa capitalista. Isto se deve, segundo
o autor, ao fato dos agricultores (para ele, camponeses, todavia, o mesmo pode ser aplicado
aos agricultores familiares) organizarem seu trabalho e sua produção não com a finalidade de
obter lucro, mas, sobretudo, de atender o bem-estar de sua família e vislumbrar a sua
reprodução.
Não foi objetivo desta seção apontar qual a melhor metodologia, certo ou errado.
Como dito primeiramente, deseja-se iniciar um debate metodológico buscando qualificar o
estudo. Uma padronização quiçá fosse interessante para propiciar a comparação entre Estados,
municípios, comunidades, etc. Até o momento, cada pesquisador, segundo critérios próprios,
recorta o que considera como produção para o autoconsumo e, do mesmo modo, procede com
o método de coleta de dados e com o valor atribuído a esta produção. Sabendo que uma
padronização de metodologias não é uma tarefa fácil, unânime e rápida, espera-se que ao
menos esta seção tenha contribuído para elaboração de novas pesquisas e estimulado os
pesquisadores a apresentar e discutir suas metodologias. Este é um exercício pouco realizado
no Brasil e que, além de fornecer subsídios metodológicos, pode contribuir para o próprio
reconhecimento da produção para o autoconsumo.
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