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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL
AS RELAÇÕES CONSTITUÍDAS HISTORICAMENTE ENTRE PRODUTORES
FAMILIARES E COOPERATIVAS AGROPECUÁRIAS NO RGS – A
COOPERATIVA REGIONAL SANANDUVA DE CARNES E DERIVADOS LTDA.
Aline Roman Savi
Porto Alegre
2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL
AS RELAÇÕES CONSTITUÍDAS HISTORICAMENTE ENTRE PRODUTORES
FAMILIARES E COOPERATIVAS AGROPECUÁRIAS NO RGS – A
COOPERATIVA REGIONAL SANANDUVA DE CARNES E DERIVADOS LTDA.
Aline Roman Savi
Orientador:: Prof. Dr. Sérgio Schneider
Dissertação submetida ao Programa de
Pós-Graduação em Desenvolvimento
Rural, da Faculdade de Ciências
Econômicas da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, como requisito
parcial para obtenção do título de
Mestre em Desenvolvimento Rural.
Porto Alegre
2006
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Responsável: Biblioteca Gládis W. do Amaral, Faculdade de Ciências Econômicas da
UFRGS
S267d Savi, Aline Roman
As relações constituídas historicamente entre produtores familiares e
cooperativas agropecuárias no RGS : a Cooperativa Regional de Carnes e
Derivados Ltda. / Aline Roman Savi. – Porto Alegre, 2006.
125 f. : il.
Orientador: Sérgio Schneider.
Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Rural) - Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas, Programa
de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural, Porto Alegre, 2006.
1. Agricultura familiar : Sananduva (RS). 2. Agricultores : Sananduva (RS). 3.
Cooperativa agrícola. 4. Desenvolvimento rural. 5. Cooperativa Regional
Sananduva de Carnes e Derivados Ltda. I. Schneider, Sergio. II. Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Ciências Econômicas. Programa
de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural. III. Título.
CDU 631.115
631.115.8
AS RELAÇÕES CONSTITUÍDAS HISTORICAMENTE ENTRE PRODUTORES
FAMILIARES E COOPERATIVAS AGROPECUÁRIAS NO RGS – A
COOPERATIVA REGIONAL SANANDUVA DE CARNES E DERIVADOS LTDA.
ALINE ROMAN SAVI
Dissertação submetida ao Programa de
Pós-Graduação em Desenvolvimento
Rural, da Faculdade de Ciências
Econômicas da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, como requisito
parcial para obtenção do título de
Mestre em Desenvolvimento Rural.
Aprovada em: Porto Alegre, 31 de agosto de 2006.
_________________________________________________________________________
Prof. Dr. Sérgio Schneider – orientador
UFRGS
________________________________________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Kunrath Silva
UFRGS
_________________________________________________________________________
Prof. Dr Marco Antônio Verardi Fialho
UFRGS
_________________________________________________________________________
Prof. Dr. José Bica de Melo
UNISINOS
Aos meus pais,
que me ensinaram a olhar o mundo
com humanidade.
AGRADECIMENTOS
Este momento, de nomear as pessoas e as instituições que contribuíram das mais
diversas formas para que este Trabalho se concretizasse, causa, ao mesmo tempo, alegria e
constrangimento.
Alegria, por poder partilhar a etapa vencida; constrangimento, pela possibilidade de
omitir importantes participações.
Nomeio, pois, alguns, mas agradeço com a mesma sinceridade aos tantos não
citados. Assim, meu reconhecimento:
À Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que desde o ano de 1999 até este, de
2006, me acolhe.
Aos meus pais, Sérgio e Clélia, pelo sempre distante, mas seguro apoio, motivador
por excelência da continuidade desta caminhada nos momentos mais difíceis.
Ao meu orientador, Professor Sérgio Schneider, que ao assumir um trabalho
atrasado, em uma fase avançada do Curso, mostrou-se sempre profissional, solícito
e compreensivo.
Aos Professores Carlos Arturi e Marcelo Kunrath, pelo pontual, mas decisivo apoio.
Aos professores e funcionários do PGDR, que me oportunizaram um espaço ímpar
de aprendizado.
Aos produtores familiares de suínos entrevistados, especialmente, que me
acolheram em suas casas com generosidade e presteza.
À Cooperativa Regional Sananduva de Carnes e Derivados LTDA, na figura dos
Diretores e dos técnicos.
À FETRAF-SUL/CUT, nas pessoas, sobretudo, do Neveraldo e do Marcelino,
grandes apoiadores da execução deste Trabalho, bem como das colegas e Edilza,
sempre pacientes e amigas.
Aos meus colegas da Turma 2004 e das demais turmas com as quais tive contato
notadamente, a Turma de Doutorado 2004 e a Turma de Mestrado 2005.
Àqueles que, além de serem colegas, transformaram-se em amigos para se ter “vida
afora”: Lova, Neide, Rosani, Paty, Jú, Cula, Adrianita, Guilherme e Affonso.
Aos antigos amigos que me acompanharam, mesmo que à distância.
Aos novos amigos, de maneira especial, à Liz, companheira motivadora das
madrugadas e dos fins-de-semana de trabalho.
Ao Rafael, fonte de firmeza e de ternura.
RESUMO
A presença e a importância das cooperativas no Rio Grande do Sul especialmente as
ligadas ao setor produtivo é consenso entre os estudiosos do tema. Estas organizações
foram constituídas por distintos agentes, com, igualmente, objetivos distintos, em múltiplos
tempos e locais, apresentando estruturas e funcionamentos diversos. A fim de compreender
o rico e pouco estudado universo dos elaboradores e participantes da constituição dessas
organizações – no caso, os produtores familiares ligados à Cooperativa de Carnes do
município de Sananduva bem como das formas com que seus associados se relacionam
com elas, contemplando, igualmente as mudanças operadas nas próprias Organizações, este
trabalho elabora, primeiramente, tipos ideais dos produtores associados. Em segundo
momento, examina as transformações operadas na própria Cooperativa, visando estabelecer,
a partir destas duas análises, quais são as relações constituídas entre a Organização e seus
associados. Conjeturaram-se, como hipóteses fundamentais, que, à medida que os
produtores de suínos associados avançam no processo histórico, eles transformam-se,
diversificando-se quanto a seu tipo. A cooperativa estudada, por sua vez, consolida um
modelo hegemônico, o empresarial, mas mantém laços de dominação pautados na tradição.
Verificou-se, comprovando-se as hipóteses apontadas, a presença de dois tipos de
produtores: o tradicional e o empresarial, que sustentam uma dominação em relação à
Cooperativa (progressivamente burocratizada e empresarial) baseada em uma relação
firmada em valores.
Palavras-chave: Produtor Familiar; Produção familiar; Cooperativas; Cooperativas
agropecuárias.
ABSTRACT
The presence and importance of cooperatives within Rio Grande do Sul - especially those
that are linked to the productive sector - is consensus among specialists of the topic. These
organizations were constituted by different agents, with, likewise, different goals, in
multiple times and localities, showing diverse structures and functionings. With the purpose
to understand the rich and little-studied universe of people who elaborate and participate in
the constitution of those organizations - in this case, the family producers involved to the
“Cooperativa Sananduva de Carnes e Derivados Ltda.” [a cooperative of meat production]
within Sananduva Municipality - as well as the forms by which associates report to them,
having in mind, as well, the changes that has been operated in the Organizations, this work
elaborates, firstly, ideal types of the associated producers. At a second time, it examines the
transformations that were operated inside the Cooperative, attempting to establish, from
these two analyses, what are the relationships that were constituted between the
Organization and their associates. The fundamental hypotheses that have been conjuctured
is that, as long as the associates of swine production go forward in the historic process, they
transform themselves, diversifying according to their type. The surveyed cooperative
consolidates a hegemonic model, or entrepreneurial, however it keeps links of domination
patterned by tradition. It was verified, confirming the mentioned hypotheses, the presence
of two types of producers: the traditional and the entrepreneurial in relation to the
Cooperative (progressively bureaucratized and entrepreneurial) based on a relation that has
been consolidated in values.
Keywords: Family farmer; Family farming; Cooperatives; Agriculture and Livestock
cooperatives.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Localização do Município de Sananduva em Relação ao estado do Rio Grande do
Sul...................................................................................................................................... 120
Figura 2: Comunidades do Município de Sananduva em que Residem os Produtores
Familiares Entrevistados.................................................................................................... 121
Figura 3: Município de Sananduva com as Primeiras Linhas Construídas pela
Colonização........................................................................................................................ 122
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................... 09
2 DA BASE CONCEITUAL: AS DISCUSSÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS.. 16
2.1. MAX WEBER: DOS AGENTES ÀS ORGANIZAÇÕES........................................ 19
2.2. DA TIPOLOGIA DAS FORMAS DE AÇÃO: OS PRODUTORES
FAMILIARES...................................................................................................................... 24
2.3. DAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO: A COOPERATIVA...................................... 28
2.4. POR UMA ANÁLISE RELACIONAL: PRODUTORES FAMILIARES E
COOPERATIVA.................................................................................................................. 30
3 DOS TIPOS DE AÇÃO SOCIAL: OS PRODUTORES FAMILIARES
ASSOCIADOS.................................................................................................................... 33
3.1. O QUE ANTECEDE A TODOS: A CONDIÇÃO DE IMIGRANTE...................... 34
3.2. O PRODUTOR TRADICIONAL.............................................................................. 38
3.3. O PRODUTOR EMPRESARIAL................................................................................. 47
4 DAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E DE AÇÃO: A COOPERATIVA
REGIONAL SANANDUVA DE CARNES E DERIVADOS LTDA............................. 56
4.1. O CONTEXTO DE FORMAÇÃO............................................................................... 57
4.2. A CONSOLIDAÇÃO DA “ASSOCIAÇÃO”.............................................................. 63
4.3. A CONSOLIDAÇÃO DA “ASSOCIAÇÃO DE EMPRESA”..................................... 70
5 POR UMA ANÁLISE RELACIONAL: PRODUTORES FAMILIARES E
COOPERATIVA EMPRESARIAL................................................................................. 81
5.1. A DISTINÇÃO E A SIMILITUDE DAS RELAÇÕES COM A COOPERATIVA: OS
DIFERENTES GRAUS DE AUTONOMIA E O ENDIVIDAMENTO
COMUM.............................................................................................................................. 83
5.2. AS RELAÇÕES DE CONFIANÇA E DE PESSOALIDADE COMO INDICADORAS
DE LEGITIMIDADE........................................................................................................... 89
5.3. A ESTRUTURA BUROCRATIZADA VERSUS A CONCENTRAÇÃO DE
DECISÕES: A PESSOALIDADE E A CONFIANÇA COMO INDICADORAS DA
DOMINAÇÃO..................................................................................................................... 92
6 CONCLUSÕES............................................................................................................... 98
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 103
APÊNDICE A................................................................................................................... 107
APÊNDICE A................................................................................................................... 110
APÊNDICE A................................................................................................................... 112
ANEXO A......................................................................................................................... 120
ANEXO B.......................................................................................................................... 121
ANEXO C......................................................................................................................... 122
9
1. INTRODUÇÃO
Movimentos de cunho associativista, bem com as organizações cooperativas ditas
“modernas”, que surgem na Europa em fins do século XIX, têm sido alvos de diversos
estudos
1
. São amplamente estudadas, do mesmo modo, a expansão e as transformações
operadas nas cooperativas produtivas formadas no Rio Grande do Sul a partir do início do
século XX. Estas, as chamadas “cooperativas coloniais”, se modificaram (ou, em outros
casos, surgiram) a partir da década de 1950, não mais apenas comercializando a produção
dos associados, mas se constituindo em “cooperativas agroindustriais”. em relação aos
produtores associados (via de regra, abordados de modo secundário nestes trabalhos),
constata-se que, embora tenham mantido a produção em bases familiares, aderem a um
forte processo de tecnificação bioquímica e mecânica, a exemplo das cooperativas aos
quais estão ligados
2
.
Tal formação, assim como as transformações técnicas citadas, podem bem ser
identificadas na cooperativa escolhida para este estudo. Tal opção decorre do fato dela ter
sido fundada ainda nos anos 30 o que possibilita uma análise em um tempo histórico
significativo –, por ela trabalhar com um produto com forte valor “cultural”, especialmente
entre as populações de origem étnica alemã e italiana, o suíno e por ser ela formada por
produtores familiares (público-alvo do estudo, anteriormente definido). Deste modo, a
Cooperativa Regional Sananduva de Carnes e Derivados LTDA, fundada por um grupo de
vinte produtores no ano de 1935 (sob a denominação de “Cooperativa União Colonial de
Produtos Suínos Majestade”), desenvolve até o período recente, em especial, o abate e
processamento de carne suína. Possui como associados prioritários, desde seu período de
formação até os dias de hoje, produtores familiares suinocultores
3
.
O município no qual está localizada a Cooperativa, Sananduva (ANEXO A), possui
sua base econômica ligada às atividades agropecuárias responsáveis por 63,37% das
1
Conferir, dentre outros: REBONATTO, 1995, p. 11-50; KLOES, 1983. p. 11-50.
2
SCHNEIDER, J. O.; KONZEN, O. G. 100 anos de cooperativismo no Rio Grande do Sul: 100 anos de
experiência solidária. In: Perspectiva Econômica, São Leopoldo, 116, v. 36, p. 5-44, out./dez. 2001.
3
LOREGIAN, E. Histórico da Cooperativa União Colonial de Produtos Suínos Majestade. In: BERNARDI, J.
B.; BARROSO, V. L. M. (Org.). Raízes de Sananduva: XIV Encontro dos Municípios Originários de Santo
Antônio da Patrulha, I Fórum Estadual de História. Porto Alegre: Est, 2004. p. 310.
10
receitas do município
4
e tem por principal característica a predominância de propriedades
rurais familiares (até o tamanho de 50 hectares), que respondem pela produção de 55% do
milho e 85% dos suínos da localidade
5
. Estima-se que haja, no município, cerca de mil e
oitocentos estabelecimentos rurais, sendo mil setecentos e dezesseis propriedades familiares.
A área em que a totalidade das propriedades está distribuída divide-se em três: a primeira
em que predominam os campos, a segunda, em que o solo é extremamente montanhoso e
acidentado e, finalmente, a terceira região, em que as propriedades possuem características
das duas áreas antecedentes, configurando-se como “zona de transição”
6
– serão estas
últimas duas consideradas nesta investigação, em função dos associados da Cooperativa
Regional, em sua maioria, as ocuparem.
Como possibilidade de estudo, tem-se, pois, uma associação situada na região
nordeste do estado, formada a partir dos anos 30 e que comporta as transformações mais
gerais sofridas por estas organizações sociais neste mais de um século de presença no Rio
Grande do Sul. Pode considera-se, porém, pela característica dos estudos até então
realizados, que em nada acrescentaria uma nova pesquisa que abordasse estas mudanças.
Como alternativa, haveria a possibilidade de realizar-se uma pesquisa centrada baseando-
se em uma divisão comumente executada “no outro lado”, ou seja, um trabalho que se
propusesse a analisar os produtores familiares associados à cooperativa. Contudo, assim
como no caso dos estudos sobre as transformações mais gerais pelas quais atravessou o
cooperativismo, crê-se que a caracterização destes produtores pode bem ser buscada em
estudos que investigam os agricultores e/ou produtores familiares de modo geral, fato que
tornaria estéril, igualmente, uma escolha que apontasse para esta proposta.
Esta pesquisa partiu (e justifica-se), por isso, do que se interpreta aqui como um
“vazio” na produção bibliográfica, embora ela tenha nascido exatamente dos trabalhos
realizados anteriormente e que todos eles tenham contribuído fundamentalmente para as
idéias e proposições aqui expostas. Tal “vazio” corresponde, porquanto, por um lado, à
ausência de esforços que percebam as cooperativas e as organizações sociais em geral não
4
EMPRESA BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL; ASSOCIAÇÃO
SULINA DE CRÉDITO E ASSISTÊNCIA RURAL. Microrregião de Sananduva: diagnóstico da realidade
municipal. Sananduva: Escritório Municipal EMATER/ASCAR, 2002. p. 3.
5
Ibid., p. 13.
6
Ibid., p. 116.
11
como ordens sociais de “espírito próprio”, mas como resultado de relações sociais. Por
outro lado, refere-se à necessidade de compreender o rico universo dos elaboradores e
participantes da constituição dessas organizações, ou seja, à possibilidade de enfocar os
produtores a partir de suas motivações, expectativas e ações, mas, sobretudo, concebendo-
os na condição de associados. Tem-se o fim claro de compreender como estes produtores
negociaram, firmaram e/ou modificaram as suas relações com a Cooperativa, ao mesmo
tempo, mantendo-a socialmente.
Coloca-se, portanto, a seguinte questão embasada na teoria weberiana: de que
formas os produtores familiares, a partir de quais fins e de quais valores, agem, em
diferentes momentos históricos, configurando e mantendo as suas relações com a
Cooperativa Regional Sananduva de Carnes e Derivados LTDA? Objetivava-se, de modo
geral, analisar como os produtores familiares, a partir de seus referenciais, percebem-se
como parte da cooperativa e, desta forma, relacionam-se com ela, seja conservando-a e/ou
transformando-a. Para tanto, foram identificados, primeiramente, os diversos tipos de
produtores familiares ligados à cooperativa. Da mesma forma, foram exploradas as
diferentes transformações que se operam nela própria. Final e centralmente, tem-se como
alvo da análise, a partir dos diferentes tipos de produtores e das mudanças ocorridas na
cooperativa, a delimitação de quais são as relações atuais constituídas entre aqueles e estas.
Conjeturaram-se como hipóteses que, na medida em que se dá o processo histórico,
os produtores familiares transformam-se, diversificando-se profundamente quanto às suas
expectativas acerca da cooperativa, bem como do modo com que se relacionam com ela. A
cooperativa estudada, por sua vez, igualmente modifica-se de modo substancial,
consolidando, no entanto, um modelo hegemônico à medida que, burocratizando-se,
assume características empresarias. Para tanto, ela passa a ter uma legitimidade
compartilhada e atribuída pelos distintos tipos de produtores associados e, embora tenha
solidificado uma forma de agir bastante característica, mantém laços de dominação, em
relação a seus associados, pautados na tradição o que a permite manter relações com a
diversidade dos sócios, firmando-se e consolidando-se socialmente.
Para que houvesse a apropriada coleta dos dados, foram estabelecidos dois meios:
um de caráter mais “institucional” e outro que se pretendeu mais apropriado para atender às
12
demandas referentes à pesquisa junto aos produtores e junto às direções passada e presente
da Cooperativa. Houve, assim, em um primeiro plano, a análise detalhada das Atas do
Conselho Administrativo, que compreendem tanto as Atas das reuniões do Conselho
Administrativo, quanto as das Assembléias Gerais, buscando-se enfocar resoluções e
deliberações seja nestas, seja naquelas. que se salientar, ainda, que a leitura destas Atas
foi orientada pela análise prévia de documentos indicadores de elementos julgados como
sendo potencialmente de “ruptura”, podendo, assim indicar o estabelecimento seja de novos
parâmetros institucionais, seja de novas perspectivas de relação com os associados
7
.
Em um segundo plano, utilizou-se a entrevista, que foi aplicada aos produtores
(APÊNDICE A) em um número total de doze (representativos no contexto territorial do
município ANEXO B), e aos diretores da Cooperativa (em um número de dois
APÊNDICE B)
8
. Os produtores entrevistados, no entanto, foram tipificados anteriormente
9
a partir de depoimentos de “agentes-chave” (técnicos da Cooperativa) com o fim de
estabelecer-se a tipologia de “ação” de ambos, bem como as suas transformações. A
construção desta tipologia esteve calcada na produção de um quadro em que se incluíram os
problemas levantados (ou o problema desdobrado), as hipóteses que os responderiam e as
categorias relacionadas, bem como suas variáveis (APÊNDICE C). A entrevista foi
concebida como um processo de interação social que, ao revelar o ponto de vista da
entrevistadora reelaborado pelo do entrevistado, produziu conhecimento, sendo, pois,
aplicada a fim de que fossem colhidas informações diversas: seja sobre condições
7
Divididos entre os anos de 1939 a 1944 (que compreende a fundação e os anos iniciais da cooperativa, além
de haver, no ano de 1944 a mudança de seu estatuto e de seu nome), de 1968 (período em que se inaugurou e
estruturou o departamento técnico), de 1972 (em que a cooperativa passou a produzir raças geneticamente
melhoradas), de 1982 a 1983 (em que se fundou a fábrica de ração, se constituiu o projeto de integração e em
que a cooperativa mudou novamente de nome) e do ano de 1997 (em que se iniciou o projeto de
especialização da produção).
8
O número de diretores da cooperativa foi pré-definido, pois englobou o diretor-presidente que assumiu a
cooperativa dos anos de 1950 até 2000, e o outro diretor, do ano 2001 até os dias de hoje. em relação aos
produtores, houve entrevistas até que se atingisse a repetição contínua de respostas, subsídio das análises
generalistas.
9
Em relação aos produtores, a “tipologia” inicial foi constituída através de conversas informais com os
técnicos da cooperativa. Levou-se em consideração dois fatores: o tempo de ligação à cooperativa e a
especialidade produtiva dos associado. os diretores-presidentes foram elencados apenas temporalmente (já
que a administração de ambos correspondia ao tempo possível de ser investigado através da entrevista mais
de cinqüenta anos).
13
estruturais (especialmente as de cunho produtivo), seja sobre os valores, normas e símbolos
do grupo ou da cooperativa estudados.
Ao considerar-se os diversos veis de estruturação da entrevista, foi estabelecida
como o mais adequado o da entrevista “semi-estruturada”, ou seja, a que combina tanto a
entrevista “estruturada”, quanto a “aberta”. A primeira definiu-se, primordialmente, em
função das perguntas serem pré-estabelecidas
10
. Este formato foi escolhido na medida em
que se objetivava abranger questões, por exemplo, relacionadas à propriedade (tamanho,
localização) e família (número de membros, idade dos membros) do produtor associado.
Buscava-se, aqui, cercar elementos que exigiam um grande controle das informações,
procurando-se a delimitação de uma freqüência (com o fim claro de contribuir para se
estabelecerem as “tipologias”) sem maior aprofundamento. No entanto, a perspectiva
admitida de que a “materialidade” da vida do produtor familiar era o ponto de partida para a
investigação de elementos mais subjetivos fez emergir a necessidade de avançar-se para
questões que apontassem (de modo mais direto) para a “subjetividade”.
Neste sentido, a entrevista “aberta” foi de enorme utilidade no trato das questões
que se apresentavam potencialmente mais “subjetivas” (que no trabalho possuem muitos
graus – indo, por exemplo, desde perguntas como que demandas e que respostas o produtor
tem obtido da cooperativa, até questões sobre suas perspectivas de futuro como associado).
Assim, partiu-se das bases desta técnica de entrevista, que aponta para o estímulo à
conversa e, como conseqüência desta, para a formulação de outras questões pertinentes e
relacionadas e centradas em um “eixo-padrão” a fim de que as respostas pudessem ser
comparadas
11
. Possuem-se, pois, como elementos definitivos na escolha da entrevista semi-
aberta, a possibilidade de obtenção de dados referentes à tanto à vida “concreta” dos
produtores, quanto da possibilidade do alcance em profundidade de variados aspectos do
comportamento destes e, conseqüentemente, de como eles realizam suas escolhas e travam
as suas relações.
Para apresentar-se as diversas etapas do estudo acima indicadas, partiu-se a
dissertação em quatro partes. O primeiro capítulo visa sobretudo discutir as escolhas
teórico-metodológicas realizadas através da exposição, primeiro, das principais motivações
10
MARCONI, M.; LAKATOS E. M. Técnicas de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1991. p. 31.
11
Ibid., p. 35.
14
que levaram a elas. Em um segundo momento, serão expostos os conceitos correspondentes
a cada questão e/ou objetivo propostos. Procura-se, na separação dos sub-capítulos,
respeitar as divisões comportadas na dissertação que, conforme foi apontado, será
decomposta em quatro pontos interligados, sendo eles: o capítulos que correspondem aos
apontamentos teóricos, o que corresponde aos tipos de produtores, o que se refere ao
modelo de organização da cooperativa e, finalmente, o que alude às relações estabelecidas
entre eles – a fim facilitar a leitura e a consulta do capítulo em questão.
O segundo capítulo, por sua vez, objetiva definir quais são os “tipos” de produtores
familiares ligados à cooperativa. Definiram-se dois – um guiado por “valores” (o dito
“tradicional”) e o outro, visando “fins” (o dito “empresarial”). Tal distinção foi buscada via
caracterização destes associados, no que se refere, primeiro, a questões ditas mais
“objetivas”, ou seja, as relacionadas à família, à terra e às condições naturais, à escolha dos
produtos produzidos na propriedade, às mudanças do processo de produção nas atividades
de plantação de milho e da criação suína, além de aspectos como a organização do trabalho
e a relação com o mercado. Ligadas diretamente a estas sobretudo no que se refere à
produção de suínos –, serão expostos os dados ditos “subjetivos”, em que se procura
identificar prioritariamente os “motivos” e “sentidos” condutores das “ações” e das
escolhas destes produtores.
o terceiro capítulo busca definir antes diferentemente do anterior não os
diferentes “tipos” de cooperativa existentes (passados ou atuais), mas as transformações
que esta comporta na consolidação do modelo vigente, que, conceitualmente, é o mesmo
desde sua formação, mas que apenas tardiamente se apresenta como “hegemônico”. Para
tanto, será abordada a dita “primeira fase” da cooperativa, caracterizada pela afirmação da
organização, de suas características de “associação” e da busca de uma estruturação
burocratizada. no terceiro (e último) ponto serão assinaladas as características
formadoras do modelo atual, constituído a partir de meados da década de 1950.
Final e centralmente, o quarto capítulo comporta dois eixos que pretendem
contemplar e explicar as continuidades e as transformações nas relações entre cooperativa e
produtores familiares associados. Primeiramente, objetiva resgatar as principais
características presentes nos dois “tipos” de produtores identificados a fim de entender de
15
que formas estes, partindo de diferentes “motivações” e “sentidos”, firmam uma
“legitimidade” comum no que se refere à cooperativa. num segundo (e principal)
momento, são expostas as questões relativas à cooperativa, procurando-se identificar os
diferentes mecanismos de “dominação” exercidos por ela.
16
2. DA BASE CONCEITUAL: AS DISCUSSÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS
De modo diverso da maioria dos trabalhos acadêmicos sobretudo os de Mestrado
–, esta pesquisa não se constitui a partir de um universo empírico “isolado”, ou seja,
primeiro mediante a busca da “experiência” e, subseqüentemente, a da reflexão teórica.
Seguramente, no entanto, desde seu início ela foi guiada pelas temáticas mais gerais do
“cooperativismo” e da produção familiar”. Tinha-se, em princípio, a firme intenção de
analisar os limites e potencialidades que as organizações cooperativas ditas
“convencionais” (ou seja, as constituídas e/ou consolidadas a partir da década de 1950 e
que, de modo geral, atualmente se apresentam no formato de agroindústrias) alcançariam
no “desenvolvimento” de seus associados familiares, buscando-se, aí, indiretamente, as
transformações diversas pelas quais os últimos atravessariam.
Contudo, se tal proposição comportava, por um lado, um entendimento prévio de
que a cooperativa em questão e os produtores a ela ligados de forma alguma poderiam ser
dissociados caso se buscasse uma compreensão relacional entre ambos, expunha, por outro,
duas graves fraquezas. A primeira se referia ao provável risco do desenvolvimento de um
trabalho meramente descritivo fato que inevitavelmente traria o abandono do fim maior
da pesquisa, ou seja, o de sua pretensão explicativa; a segunda deficiência, de fundo
teórico, apontava para a dificuldade (senão a impossibilidade) de compreender as diversas
facetas da realidade dos produtores partindo-se da Cooperativa. Naquele momento,
fizeram-se fundamentais os primeiros contatos com Max Weber que, de modo geral,
sugeriu primeiramente apenas uma (mas decisiva) modificação ou inversão –: que o os
produtores fossem a via de entendimento da cooperativa, e não o contrário.
Mediante tal suposição, tornou-se evidente que a separação entre a cooperativa e os
suinocultores a ela ligados ficava mais remota, nascendo, paralelamente, a percepção da
necessidade de deslocamento do objeto, embora tanto a cooperativa, quanto seus produtores
continuassem como um alvo secundário. A definição do objeto de pesquisa, já que a
ambição final configurou-se como o entendimento processual das transformações do
universo em foco, fixou-se na compreensão das relações (em última instância, sociais)
estabelecidas em diferentes momentos ou, por vezes, concomitantemente, entre as
17
diferentes formas organizativas que a cooperativa em questão assume e os distintos tipos de
produtores a ela ligados.
A demarcação das relações sobretudo econômicas, que o vínculo estabelecido
possui este caráter travadas entre produtores e cooperativa como objeto central desta
pesquisa adveio, pois, do progressivo conhecimento dos fundamentos da leitura teórica da
realidade (a “sociologia compreensiva”), proposta por Weber. Para o autor, as variadas
“ordens legítimas” (que neste trabalho se apresenta sob a forma da cooperativa) não
existem enquanto “indivíduos” ou seja, não são dotadas de um “espírito próprio” –, mas
são apenas ligações e desenvolvimento de ações específicas de pessoas “individuais”
1
concretizadas sob a forma de “relações sociais”. Deste modo, pretender-se-á apreender aqui,
de forma central, via entendimento das “ações típicas” destes indivíduos, a própria
existência e permanência da cooperativa, contemplando-se, do mesmo modo, o
entendimento das continuidades e transformações que os “indivíduos” aqui localizados
como os suinocultores familiares – perpassam.
As concepções acima referidas distam enormemente dos trabalhos usualmente
baseados em Max Weber, especialmente no que se refere a uma das temáticas aqui
contempladas: a do cooperativismo. Nestes trabalhos, a teoria do autor é
predominantemente empregada para compreender as variadas modificações pelas quais
atravessam as cooperativas, apontando, invariavelmente, para a construção e o
fortalecimento de organizações preponderantemente burocratizadas. Resta aos associados,
nestas pesquisas, de modo geral, a remota e interminável discussão acerca da diminuição ou
não de seu poder de participação (ou, ainda, do caráter deste)
2
e da alteração de suas
práticas produtivas, que refletem a colocação do produtor não como objeto de estudo, mas
apenas como uma das variáveis do tema anterior.
No que diz respeito à utilização do autor em relação a outras temáticas (sempre se
referendando aqui trabalhos que compreendem o “rural”), mais especificamente, no estudo
dos produtores de suínos ligados a agroindústrias no Sul do Estado de Santa Catarina,
1
WEBER, M. Economia e Sociedade. 4 ed. São Paulo: Editora UNB: Imprensa Oficial, 2004 b. p. 9.
2
Conforme ver-se-á, este debate tende a se enfraquecer na medida em que serão desvendados os mecanismos
existentes nas relações entre cooperativa e produtores, que apontam para uma perspectiva de participação e/ou
influência que, por vezes, não podem ser avaliados a partir de critérios e espaços “formais”.
18
Maria Ignez Silveira Paulilo propõe um interessante e diferenciado trabalho. A autora
procura desvendar o universo que guia” os produtores em questão a executarem suas
escolhas, assumindo, assim, determinadas posturas e ações em relação à empresa a que
estão vinculados:
Por onde começar? Pelas questões. Cremos que, para facilitar uma primeira
colocação do problema, essas questões podem ser resumidas numa grande
interrogação: Como o produtor integrado vê a si mesmo enquanto parte da
integração? O que pretendemos fazer não é ignorar o outro lado, a empresa, mas
analisar o sistema de integração a partir desse produtor integrado, isto é,
tomando como ponto de partida sua própria visão de mundo, onde a relação com
a empresa é apenas um dos aspectos relevantes.
3
Tal perspectiva contraria uma série de análises que forçava o entendimento dos produtores
familiares através das organizações, em especial os que defendiam que estas eram
importantes propulsoras da expansão do capitalismo no campo
4
.
As proposições de Paulilo tiveram fundamental importância para a estruturação da
pesquisa que aqui se propõe, em especial no que se refere ao entendimento dos mecanismos
de ação dos indivíduos, orientadores (aspecto acima indicado) de sua relação com as
organizações sociais de modo geral. No entanto, o trabalho que aqui se propõe diferencia-se
do apresentado pela autora ao avançar em duas proposições: pretende ir além do
entendimento da transformação das ações dos produtores. Deste modo, quer-se, por um
lado, detectar as transformações comportadas pela cooperativa-alvo e, por outro,
estabelecer-se as distintas modificações que se operam nas relações entre ela e os seus
diferentes associados.
Aponta-se, contudo, por hora, como fundamental, o fato de que a escolha centrada
na integralidade da teoria de apenas um autor
5
aparece neste trabalho não como o ceder à
facilidade de uma potencial “simplificação” de leitura da realidade, embora certamente as
características próprias do curso de mestrado a curta duração e o da pesquisadora a
imaturidade teórico-metodológica favorecessem este tipo de opção. Esta eleição (além de
se constituir numa inovação no que se refere aos estudos que contemplem a temática do
3
PAULILO, M. I. S. Produtor e agroindústria: consensos e dissensos: o caso de Santa Catarina.
Florianópolis: Editora da UFSC, 1990. p. 22-23.
4
Dentre outros: DUARTE, 1986.
5
Embora também se faça uso (contudo, absolutamente secundário) de outros pesquisadores a fim de
referendar-se determinados estudos e conceitos.
19
cooperativismo e dos produtores ligados às cooperativas a partir da teoria de Max Weber)
decorreu de um longo processo de “ajustamento” entre o desejo de entendimento e a
“realidade” objetivamente existente, mas somente apreendida, coerentemente articulada e
correspondente de modo satisfatório às demandas aqui existentes, quando recortada através
de uma sólida teoria, sugerida não a partir da comodidade, mas que se e se pretende
propositiva e inovadora.
Assim, num primeiro momento, pretende-se esclarecer quais são os fundamentos da
teoria de Weber entendidos como premissas para o desenvolvimento deste trabalho,
enfatizando-se o porquê da escolha deste autor e expondo-se, grosso modo, as bases da
“sociologia compreensiva”. Posteriormente, apresentar-se-ão os principais conceitos
necessários a fim de avançar-se no entendimento da formação tanto dos “tipos de ação” dos
produtores familiares pesquisados (discutindo-se, para além disso, brevemente o método
weberiano de investigação a formação das “tipologias”), quanto da referida cooperativa,
chegando-se, finalmente, aos conceitos que permitirão a apreensão de aspectos atinentes à
realização de suas relações sociais, sobretudo a partir dos conceitos de “legitimidade” e de
“dominação”.
2.1. MAX WEBER: DOS AGENTES ÀS ORGANIZAÇÕES
A opção pelo colocar das “lentes weberianas” de leitura da realidade (ou, ao menos,
utilizar-se do que o próprio autor designa de os “os princípios fundamentais” de sua obra
6
)
advém, pois, do entendimento de que ela é uma “ferramenta” bastante adequada para os
fins que se deseja atingir. Estes consistem, em suma, na investigação das relações
estabelecidas entre a cooperativa a ser analisada e os produtores familiares a ela ligados.
Faz-se necessário, por hora, pois, uma breve explanação acerca dos principais conceitos – e,
fundamentalmente, da ligação entre eles que baseiam a teoria de Max Weber e que, por
conseqüência da escolha realizada, aparecem como norteadores deste trabalho.
6
Referência ao primeiro capítulo da obra do autor, de seu principal livro, “Economia & Sociedade”.
Obviamente outros capítulos e livros foram lidos e utilizados.
20
Para tanto, há que se discutir, inicialmente, a noção de “indivíduo” (tida com
restrições especialmente no que se refere a estudos que abordem a sociedade), tornada aqui
fundamental na medida em que, primeiro, não se buscam explicações a partir de
características e formas de agir pessoais; no entanto e no que se refere a um segundo
aspecto –, quer-se ter o mesmo “indivíduo” como “ponto de partida”. Deste modo, a
aproximação com Max Weber decorre exatamente em função de o autor perceber os
indivíduos como elementos-chaves e primeiros na compreensão da construção da trama
social e, portanto, do processo de composição/transformação das organizações
compreendidas (as “ordens sociais”).
No que se refere, pois, ao “indivíduo” weberiano, sua fundamental característica
reside no fato de ele ser construído socialmente, tornando-se “agente”
7
conceito adotado
neste trabalho a partir desta explanação à medida que se configura como portador e
produtor de “sentidos”
8
e de “motivos”
9
(constituídos a partir do espaço social em que se
localiza e/ou dos demais agentes encontrados), ambos, por sua vez, orientadores de seu
comportamento, ou seja, de sua “ação social”, como afirma Gabriel Conh:
[...] A “ação social” mencionada nessa definição é uma modalidade específica de
ação, ou seja, de conduta à qual o agente associa um sentido subjetivo. É aquela
ação orientada significativamente pelo agente conforme a conduta de outros e
que ocorre em consonância com isso.
10
Weber diferencia, neste sentido, a “ação social” da simples “ação”:
Por “ação” entende-se, neste caso, um comportamento humano (tanto faz tratar-
se de um fazer externo ou interno, de omitir ou permitir) sempre e na medida em
que o agente ou agentes o relacionem com um sentido subjetivo. A ação ‘social’,
por sua vez, significa uma ão que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou
os agentes, se refere ao comportamento de outros, orientado-se por este em seu
curso.
11
7
“Ação como orientação compreensível pelo sentido do próprio comportamento existe para nós
unicamente na forma de comportamento de um ou vários indivíduos” WEBER, op. cit., p. 8.
8
“[...] o sentido é responsável pela unidade dos processos de ação e é através dessa que os torna
compreensíveis. Ou seja: é somente através do sentido que podemos apreender os nexos entre os diversos elos
significativos de um processo particular de ação e reconstruir esse processo com uma unidade que não se
desfaz numa poeira de fatos isolados. Realizar isso é precisamente compreender o sentido da ação”. CONH,
1979, p. 28.
9
“Denominamos “motivo” uma conexão de sentido que, para o próprio agente ou pra o observador, constitui
a “razão” de um comportamento quanto ao seu sentido. WEBER, loc. cit., p. 8.
10
CONH, op. cit., p. 26-27.
11
WEBER, op. cit., p. 3, grifos do autor.
21
Ressalta-se, por hora, que é exclusivamente neste aspecto que a “ação social” torna-se
“individual”: somente os “agentes” (ou, as pessoas) são capazes de imprimir sentido a elas
e, assim, de constituí-las.
Partindo exatamente da noção de “ação social”, o autor chega à definição de
“relação social”, grosso modo entendida como a conduta (provável) de uma pluralidade de
agentes que é orientada pelo mesmo sentido:
Por relação social entendemos o comportamento reciprocamente referido quanto
ao seu conteúdo de sentido por uma pluralidade de agentes e que se orienta por
essa referência. A relação social consiste, portanto, completa e exclusivamente
na probabilidade de que se aja socialmente numa forma indicável (pelo sentido),
não importando, por enquanto, em que se baseia essa probabilidade.
12
Cabe aqui observar a importante discussão acerca da diferença entre “ação social” e
“relação social” base para a constituição deste trabalho à medida que este visa definir as
variações de relações sociais existentes entre associados e cooperativa. Na primeira, a
conduta do agente está orientada pela conduta do(s) outros; na segunda, os diversos
agentes (podendo ser dois ou um grande número, em contato direto e/ou indireto) têm seu
comportamento orientado por um sentido que lhes é compartilhado
13
.
Ressalta-se, no entanto, que, embora a característica máxima da “relação social”
seja exatamente a ação dos agentes a partir de um sentido comum, não se pode afirmar,
concretamente, que eles o atribuam deste modo às suas relações. Nos casos em que os
participantes baseiam suas ações em sentidos diversos, a relação configura-se como
“unilateral”, havendo, contudo, certa “reciprocidade” na medida em que o agente pressupõe
as atitudes do parceiro (de modo acertado ou não), orientando, a partir desta expectativa,
sua ação:
Não se afirma de modo nenhum que, no caso concreto, os participantes da ação
reciprocamente referida ponham o mesmo sentido na relação social ou se
adaptem internamente, quanto ao sentido, à atitude do parceiro, que exista,
12
WEBER, Ibid., p. 16.
13
“A diferença entre “ação social” e “relação social” é importante: na primeira a conduta do agente está
orientada significativamente pela conduta do outro (ou outros), ao passo que na segunda a conduta de cada
qual entre múltiplos agentes envolvidos (que tanto podem ser dois em presença direta quanto um grande
número e sem contato direto entre si no momento da ação) orienta-se por um conteúdo de sentido
reciprocamente compartilhado. [...] a ocorrência de qualquer ação social pode ser pensada em termos de
probabilidade, que será maior ou menor conforme o grau de aceitação do conteúdo do sentido da ação pelos
seus participantes”. CONH, op.cit., p. 30.
22
portanto, “reciprocidade” neste sentido da palavra. [...] Neste caso, os
participantes ligam suas ações a um sentido diverso: a relação é assim, por
ambos os lados, objetivamente “unilateral”. Mas mesmo nessas condições
reciprocidade, na medida que o agente pressupõe determinada atitude do
parceiro perante a própria pessoa (pressuposto talvez completa ou parcialmente
errôneo) e orienta por essa expectativa sua ação, o que pode ter, e na maioria das
vezes terá, conseqüências para a ação e a forma de reação. Naturalmente esta é
apenas objetivamente “bilateral” quando “correspondências” quanto ao
conteúdo do sentido, segundo as expectativas médias de cada um dos
participantes.
14
De modo geral, o conteúdo e o sentido das relações (sejam elas “unilaterais” ou “bilaterais”)
podem variar
15
. Para além disso, as relações sociais – inclusive as configuradoras de
“ordens” – como a cooperativa pesquisada podem ser transitórias ou permanentes. Há, na
permanência delas, a repetição contínua de determinado comportamento ligado a um
sentido, sendo a probabilidade de que isto ocorra (e “nada mais”, conforme afirma Weber)
a constituinte da existência das daquelas
16
.
Toda a ação ou relação social (especialmente esta última) pode, além disso, ser
orientada por uma “ordem legítima” que é atribuída pelos próprios agentes
17
. Neste tipo
específico de “relação social”, o sentido da “ação” está ligado a uma regra orientadora,
posto que esta é aceita como “legítima”, afirmando, assim, dada “ordem”:
Neste ponto torna-se importante a consideração por um tipo específico de
relação social: aquela cujo sentido é incorporado pelos agentes como uma regra
orientadora da sua conduta na medida em que é aceito como legítimo. Neste caso,
o conteúdo de sentido assim aceito, assume a forma de validação de uma ordem
(que pode ser convencional ou jurídica) legítima. O importante nesse conceito de
‘ordem legítima’ é que ele permite operar com conceitos de referência coletiva,
com estado, igreja e assim por diante [...].
18
14
WEBER, op.cit., p. 3, grifo do autor.
15
“O conteúdo de sentido de uma relação pode mudar [...] Também é possível que esse conteúdo seja em
parte perene, em parte variável”. WEBER, Ibid., p. 17.
16
“Uma relação social pode ter um caráter inteiramente transitório, bem como implicar permanência, isto é,
que exista a probabilidade de repetição contínua de um comportamento correspondente ao sentido
(considerado como tal e, por isso, esperado). A existênciade uma relação social nada mais significa do que
a presença dessa probabilidade, maior ou menor, de que ocorra uma ação correspondente ao sentido, o que
sempre se deve levar em conta para evitar idéias falsas”. WEBER, loc. cit., p. 17, grifos do autor.
17
“Toda a ação, especialmente a ação social e, por sua vez, particularmente a relação social podem ser
orientadas, pelo lado dos participantes, pela representação da exigência de uma ordem legítima. A
probabilidade de que isto ocorra de fato chamamos “vigência” da ordem em questão”. WEBER, Ibid., p. 19.
18
CONH, op. cit., p. 30, grifos do autor.
23
A “vigência” de tal ordem significa, pois, mais que a conduta regular, costumeira ou com
vistas a interesses. Ela refere-se a uma conduta que é aceita em função do estabelecimento
de uma ordem válida, cuja violação acarreta as mais diversas perdas
19
.
Analiticamente, a existência de uma “ordem” atribuída pelos agentes configura-se
como o conceito básico que permite a análise de referências coletivas, pois (retomando-se)
para a gica weberiana, estas organizações existem somente em virtude dos agires
individuais”
20
:
Para a interpretação compreensível das ações pela Sociologia, ao contrário, essas
formações nada mais são do que desenvolvimentos e concatenações de ações
específicas de pessoas individuais, pois estas são portadoras compreensíveis
para nós de ações orientadas por um sentido. Não obstante, a Sociologia não
pode ignorar, mesmo para os próprios fins, aquelas formações conceituais de
caráter coletivo próprias a outras concepções.
21
Contudo, apesar da existência e da permanência das “ordens sociais” estarem
diretamente vinculadas à “legitimidade” atribuída a estas pelos “agentes”, na medida em
que um indivíduo (ou vários) se “descola” desta ordem, afirmando-se como possuidor de
um poder de mando “legitimado”, passa-se a ter, entre este e os que o “legitimam”, uma
“relação de dominação”:
A situação de dominação está ligada à presença efetiva de alguém mandando
eficazmente em outros, mas não necessariamente à existência de um quadro
administrativo nem à de uma associação; porém, certamente pelo menos em
todos os casos normais – à existência de um dos dois.
22
É exatamente a partir desta relação constituída entre agentes que se relacionam e
constituem “ordens legitimadas” que se justifica o emprego de Weber neste trabalho:
primeiramente, o autor reconhece a existência do “agenteenquanto portador de “sentidos”
19
“Para nós, a ‘vigência’ de uma ordem significa, portanto, algo mais que a mera regularidade, condicionada
pelo costume ou pela situação de interesses, do decorrer de uma ação social”. [...] Explica-se (em regra:
também) pela ‘vigência’ de uma ordem (regulamento de serviço), como mandamento, cuja violação não
apenas seria prejudicial, mas normalmente também é abominada de maneira racional referente a valores,
por seu ‘sentimento de dever’ (ainda que com graus muito variados de eficácia)”. WEBER, Ibid., loc. cit., p.
19.
20
“Para a interpretação compreensível das ações pela Sociologia, ao contrário, essas formações nada mais são
do que desenvolvimentos e concatenações de ações específicas de pessoas individuais, pois estas são
portadoras compreensíveis para nós de ações orientadas por um sentido. Não obstante, a Sociologia não pode
ignorar, mesmo para os próprios fins, aquelas formações conceituais de caráter coletivo próprias a outras
concepções.” WEBER, Ibid., p. 9, grifos do autor.
21
WEBER, Ibid., loc. cit., p. 9, grifos do autor.
22
WEBER, Ibid., p. 33, grifos do autor.
24
ou de “racionalidades” que não lhes são meramente impostos, mas que se constituem a
partir de sua realidade; em um segundo aspecto, afirma que as relações travadas entre os
indivíduos podem ou não compartilhar do mesmo “sentido”, o que possibilita o
entendimento de relações compostas por agentes com condutas diferenciadas. Final e
fundamentalmente, o autor traz a possibilidade de perceber, por um lado, as transformações
comportadas pelas organizações sociais a partir da alteração de suas “ações” e, por outro, os
seus mecanismos de “dominação” ou, antes, os de “legitimidade” atribuídos pelos
produtores, pois ordem social (ou cooperativa) alguma possui poder de determinação sobre
seus associados, mas estes sim– abaixo analisados – são os sustentadores de suas ações.
2.2. DA TIPOLOGIA DAS FORMAS DE AÇÃO: OS PRODUTORES FAMILIARES
A fim de se apreender de que forma se dão as relações entre produtores e
cooperativa, faz-se necessária uma reflexão acerca do que Weber aponta como a
constituição do “tipo ideal”. Na medida, pois, em que se definiam os contornos do objeto a
ser pesquisado, emergiam questões bastante intrigantes: como trabalhar com tantos
produtores, por vezes o distintos entre si e em momentos e contextos completamente
diferentes? Como entender, a partir da expectativa daqueles, como se deram e se, de
alguma forma, variaram as suas relações com a cooperativa? Enfim, como se poderia olhar
para uma realidade multifacetada, em que os indicativos traçados apontavam apenas para a
partida (e que partida era esta?), ou seja, os produtores, e para a “chegada”, ou seja, a do
vislumbrar das relações estabelecidas entre aqueles mesmos produtores e uma cooperativa
que, igualmente, necessitava ser caracterizada?
Os contatos com a teoria de Max Weber apresentaram-se, mais uma vez, como
fundamentais para a construção sólida de meios que se apontassem para elementos que
respondessem às questões que se colocavam. A frase clássica do “Exagerar é a minha
profissão”
23
apontava um rumo bastante acertado: o da construção de “tipologias”.
23
CONH, op. cit., p. 2, grifos do autor.
25
Constante na obra do autor, este método advém, fundamentalmente, da perspectiva de que
haja as recorrentes “probabilidades” citadas, ou seja, da perspectiva de que certos
fenômenos aconteçam com regularidade, podendo ser apreendidos racionalmente por quem
os deseje investigar.
24
Por outro lado, Weber alerta que de modo algum estas classificações
(por diversas que sejam) alcançam de fato a realidade concreta, mas que isto não deve
impedir esta construção. Deve-se levar em conta, contudo, que sempre se trata de uma
“consideração” desta realidade concreta:
Mas a Sociologia procura também exprimir fenômenos irracionais (místicos,
proféticos, inspiracionais, afetivos) em conceitos teóricos e adequados por seu
sentido. Em todos os casos, racionais ou irracionais, ela se distancia da realidade,
servindo para o conhecimento desta da forma seguinte: mediante a indicação do
grau de aproximação de um fenômeno histórico a um ou a vários desses
conceitos torna-se possível classificá-los (quanto ao tipo).
25
Para se delimitar, pois, a “tipologia da ação social” dos produtores associados,
que se resgatar brevemente a noção de “agente” weberiano, caracterizado, sobretudo, por
sua capacidade de produzir motivações e sentidos, ambos influenciadores de sua ação
social. Max Weber, referindo-se exatamente à “ação social”, (segundo ele, a toda “ação
social”), a tipifica em quatro (embora, o próprio autor aponte que apenas raramente ela se
oriente por uma destas maneiras)
26
: determinada “de modo racional referente a fins”, a “de
modo racional referente a valores”, a “de modo afetivo” e a “de modo tradicional
27
.
Para fins deste estudo, serão detalhados apenas dois tipos: a de “modo racional
referente a fins” e a de “modo racional referente a valores”
28
. No primeiro, a ação orienta-
se a partir da expectativa em relação ao mundo exterior, utilizada e ponderada
racionalmente como meio ou condição para se alcançar determinados “fins”; no segundo
tipo, a ação está orientada pela crença consciente em um “valor” (seja qual for ele),
independendo do resultado final alcançado
29
. Cabe a ressalva de que, para o “agir” de
24
WEBER, op. cit., p. 8.
25
WEBER, Ibid., p. 12.
26
“Só muito raramente a ação, e particularmente a ão social orienta-se de uma ou outra destas maneiras”.
WEBER, Ibid., p. 16.
27
WEBER, Ibid., p. 15.
28
Esta opção decorre da expectativa (confirmada) de não ser possível compor uma tipologia de ação
exclusivamente baseada no “modo afetivo”, nem no “tradicional” delimitadas por Weber.
29
“A ação social, como toda ação, pode ser determinada; 1) de modo racional referente a fins: por
expectativas quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas, utilizando essa
26
“maneira racional referente a fins”, a “ação orientada por valores” terá sempre um caráter
irracional, na medida em que o valor absoluto que a norteia, centrado na “própria ação”
(seja esta guiada pela “honestidade”, pelo “compromisso” ou por um pretenso “senso de
justiça”, por exemplo) mais se afasta da reflexão das conseqüências de tal “ação” e,
portanto de seus resultados
30
.
A identificação dos “tipos de ação social” dos suinocultores associados teve por
lógica a busca de elementos que partissem sempre da formulação de questões mais
“concretas”
31
, basicamente restritas a elementos relacionados à atividade produtiva, afinal,
não se queria tipificar um “tipo de ação” de qualquer produtor, mas um “tipo ação do
produtor” de suínos associado à Cooperativa Regional de Carnes e Derivados LTDA.
Assim, averiguou-se, por exemplo, como se dava a produção dos suínos na unidade de
produção. Dentre os aspectos avaliados estavam desde a raça dos animais até o
questionamento das principais vantagens de se estar neste ramo de produtivo. Foram
apontadas, pois, a baixa do preço do suíno e a diminuição da margem de lucro; contudo,
alguns produtores expressavam, também, a importância da criação como uma herança dos
pais e de sua continuação como uma atividade de toda uma vida, muitas vezes as maiores
justificadoras de sua permanência na atividade. Ou seja, a partir da “concreticidade” da
ação movida na criação dos animais, obteve-se o “sentido” subjacente a ela, no caso, o
“valor” da continuidade de uma “tradição” produtiva atribuída à suinocultura.
No que se refere à distinção de um tipo ou outro de produtor, novamente, os estudos
de Max Weber foram tomados por referência, sobretudo a passagem, em um de seus
trabalhos (centrando-se nas distintas formas de ação produtivas e em sua relação com o
expectativa como ‘condições’ ou ‘meios’ para alcançar fins próprios, ponderados e perseguidos racionalmente,
com sucesso; 2) de modo racional referente a valores: pela crença consciente no valor ético, estético,
religioso ou qualquer que seja sua interpretaçãoabsoluto e inerente a determinado comportamento como tal,
independente do resultado; 3) de modo afetivo, especialmente emocional: por afetos ou estados emocionais
atuais; 4) de modo tradicional: por costume arraigado”. WEBER, loc. cit.., p. 15, grifos do autor.
30
“Do ponto de vista da racionalidade referente a fins, entretanto, a racionalidade referente a valores te
sempre caráter irracional, e tanto mais quanto mais leve o valor pela qual se orienta por um valor absoluto,
pois quanto mais considere o valor próprio da ação (atitude moral pura, beleza, bondade absoluta,
cumprimento absoluto dos deveres) tanto menos refletirá as conseqüências desta ação. Mas também a
racionalidade absoluta é um caso-limite construído”. WEBER, op. cit., p. 16, grifos do autor.
31
Dada a imaturidade teórico-metodológica da pesquisadora, bem como a complexidade da composição dos
“tipos-ideais” de Max Weber, poderá ser notado um permanente conflito entre o que viria a ser um “tipo
empírico” e o que se denomina como “tipo ideal” de produtor.
27
mercado), em que o autor define a diferença fundamental entre o “camponês europeu” e o
“agricultor americano”:
Na América, o agricultor produz para o mercado. O mercado é mais antigo do
que ele na América. O camponês europeu do tipo antigo era um homem que, na
maioria dos casos, herdou a terra e produzia principalmente para atender às
próprias necessidades. Na Europa, o mercado é mais novo que o produtor. É
claro que durante muitos anos o camponês vendeu seus produtos excedentes e,
embora tecesse e fiasse, não podia satisfazer as suas necessidades com o seu
próprio trabalho. Os últimos dois mil anos não treinaram o camponês para
produzir visando ao lucro.
32
Assim, para demarcar-se o tipo “tradicional” e o tipo “empresarial” de associados,
procurou-se delimitar os momentos de ruptura tanto na atribuição de “sentido”, quanto nas
formas de “ação” empregadas na atividade. Deste modo, delimitou-se, por exemplo, que os
produtores tidos como “tradicionais” atribuem à atividade suína um sentido de
complementaridade ao sistema produtivo da propriedade, deste modo, a sua “ação”
estabelece-se de modo a manter o ciclo de criação completa do animal. o produtor
tipificado como “empresarial”, diferenciou-se ao perceber a suinocultura (portanto, a
atribuir determinado “sentido” distinto do produtor “tradicional” a esta) como um
“investimento”, rompendo com a ação de criação completa do animal e optando pela
especialização produtiva.
Contudo, esta constante tarefa de constituir e, igualmente, de desconstituir os
produtores familiares (em seus “tipos”), trouxe certo desconforto teórico, à medida que
emergia a seguinte demanda: afinal, o que (ou quem) são estes “produtores familiares”?
Neste sentido, ficou-se muito longe de contemplar fundamentais discussões seja acerca do
“campesinato” ou dos “agricultores familiares” em suas várias dimensões,
contemplados por estudiosos brasileiros
33
–, não havendo a menor pretensão de identificá-
los desta forma no grupo estudado, embora algumas aproximações fossem possíveis e, em
certos momentos, potencialmente adequadas. Optou-se, contudo, pelo “alinhamento” com a
teoria weberiana, que aponta a transformação do grupo a partir da alteração de sua forma de
32
GERTH, H. H.; MILLS, C. W. (Org.). Ensaios de sociologia: Max Weber. 5. ed. Tradução: DUTRA,
Waltensir. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1974. p. 415.
33
Dentre eles, especialmente, Ricardo Abramovay, José Graziano da Silva e Sérgio Schneider.
28
agir socialmente (de maneira alguma conclusiva ou permanente
34
). No entanto, algumas
precisões fazem-se necessárias
35
e, neste sentido, considera-se, aqui, para todos os fins,
“produtor familiar” aquele que pertence “[...] a uma unidade de produção agrícola em que a
propriedade e o trabalho estão intimamente ligados à família.”
36
Apontados os critérios para
a definição dos produtores, passa-se para os que caracterizam a cooperativa.
2.3. DAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO: A COOPERATIVA
Segundo contemplado anteriormente, para Max Weber as “formações sociais”
como a cooperativa pesquisada não passam da conduta, com sentido ou expectativas
compartilhadas, de determinados agentes. Subjaz a isto, a noção de um tipo específico de
“relação social”, ou seja, aquela que é orientada por uma regra (“ordem”), tida, pela
totalidade dos agentes, como “legítima”. Ressalta-se novamente, pois, que é somente em
função desta concepção
37
, em que a existência das organizações está intrinsecamente ligada
à motivação e, logo, à conduta de seus legitimadores, é que se propõe o estudo e a
exposição de conceitos classificadores e analíticos, que se colocam a seguir da
Cooperativa Regional Sananduva de Carnes e Derivados LTDA.
que se lembrar que o objetivo da não tipificação da organização social em
questão advém da percepção de que esta apenas aprimorou determinada forma de agir
bastante explícita deste de seus primórdios, no movimento que Weber descreveu como (e
34
“O adversário com o qual teve de lutar com o ‘espírito’ do capitalismo [no sentido de um determinado
estilo de vida regido por normas e folheado a ‘ética’] foi em primeiro lugar [e continuou sendo] aquela
espécie de sensibilidade e de comportamento que se pode chamar de tradicionalismo. Também neste caso é
preciso sustar toda tentativa de uma ‘definição’ conclusiva”. WEBER, M. A ética protestante e o espírito do
capitalismo. Tradução: MACEDO, JoMarcos Mariani; Revisão: PIERUCCI, A. F. 2 reimp. São Paulo:
Schwarcz, 2004a. p. 51.
35
Sobretudo para delinear-se os critérios que nortearam a escolha dos entrevistados que, por exemplo,
afastam-se completamente de produtores de suínos ditos “patronais”, ou seja, aqueles que têm como base
produtiva a mão-de-obra assalariada.
36
LAMARCHE, H. (Coord.). A agricultura familiar: uma comparação internacional: uma realidade
multiforme. Campinas: Editora da UNICAMP, 1993. V. 1, p. 15.
37
Embora se admita que ela não contemple, assim como os demais estudos que partem do “indivíduo”, as
relações travadas entre as próprias organizações sociais, embora procure explicar suas influências sobre os
próprios indivíduos.
29
não só em relação às organizações) “tendência à burocratização e/ou racionalização”. Neste
sentido, e remetendo-se novamente ao autor, a caracterização da cooperativa se a partir
de suas “ações”, para Weber: a “ação da associação”, ou seja, “a ação do próprio quadro
administrativo, legítima em virtude do poder de governo ou de representação, e que se
refere à realização da ordem vigente” [...]
38
. Já no que concerne às “relações” que a
caracteriza, a primeira ressaltada é a chamada relação associativa”, que embora não seja
utilizada diretamente neste trabalho compreende-se como um importante subsídio para o
esclarecimento da noção que será utilizada.
Uma “relação associativa” compreende, pois, a “relação social” que repousa num
ajuste ou numa união de interesses racionalmente motivados, que tanto podem ter por
referência valores ou fins
39
. Diretamente ligada a ela está a chamada “associação”, definida
com uma “relação social fechada”, em que um regulamento estabelecido limita a
participação externa. O atributo fundamental que diferencia, no entanto, a “relação de
associação” e a “associação”, é que, na última, a “ordem” está garantida pelo
comportamento de determinadas pessoas que tem por objetivo o propósito de mantê-la;
neste caso, a presença de um dirigente e, eventualmente, de um quadro administrativo que
têm também, em condições normais, o poder de representação
40
.
Esta capacidade de gerência ou de participação nas ações do quadro administrativo
os ditos “poderes de governo” podem ser ou estar apropriados ou delegados, tendo
caráter permanente ou temporário
41
. Cabe, também, nesta etapa, a delimitação de dois
conceitos que se não participam analiticamente de forma direta no trabalho, unificam as
referências aqui contempladas (diferenciando-se, assim, das empregadas com os mais
diversos sentidos). A primeira diz respeito à noção de “empresa”, entendida somente como
“uma ação contínua que persegue determinados fins”
42
. uma “associação de empresa” é
aquela associação com presença de quadro administrativo que age de forma continuada,
igualmente, com vista a determinados fins
43
.
38
WEBER, 2004b, p. 30.
39
WEBER, Ibid., p. 25.
40
WEBER, Ibid., loc.cit., p. 25.
41
WEBER, Ibid., loc.cit., p. 25.
42
WEBER, Ibid., p. 32.
43
WEBER, 2004b, p. 32.
30
Cabe, por hora, contudo, marcar a importante distinção entre as apontadas
“relação de associação” e “associação”, bem como os seus desdobramentos. Esta última é
caracterizada, sobretudo, pela existência de um dirigente e, potencialmente, de um quadro
administrativo. Isto significa a existência da probabilidade de haver uma ação de pessoas
indicáveis, cujo sentido consiste em pôr em prática a “ordem” da associação
44
. Tal
configuração permite que este grupo exerça, em algum grau, sobre os demais agentes, em
função de seu poder de direção, determinada “dominação”, constituíndo, deste modo, esta
“associação” em uma “associação de dominação”, com “legitimidade” compartilhada entre
os diversos participantes
45
. Tais conceitos, fundamentais para o entendimento do que se
propõem neste trabalho, são expostos a seguir.
2.4. POR UMA ANÁLISE RELACIONAL: PRODUTORES FAMILIARES E
COOPERATIVA
O terceiro e final esforço de compreensão aqui empreendido envolve a demanda do
entendimento das relações estabelecidas entre os produtores associados e a cooperativa
pesquisados. Esta cooperativa, conforme já apontado, é composta a partir, “nada mais, nada
menos”, do que a convergência de ações com sentido compartilhado, ou seja, pela
constituição e permanência de uma “relação social” (potencialmente mutável) exercida por
parte de seus associados. No entanto, essa “relação social” se apresenta em alguns casos
como o a seguir através de uma formação pica orientada por uma ordem “legítima”,
atribuída pelos próprios agentes (ou produtores) envolvidos na “ação” ou na “relação
social”. Esta imputação advém, conforme apontado, não de ações motivadas pelo hábito
ou causas semelhantes, mas sim, em função de se conferir a ela um “sentido” aceito. Para
além disso, tal “ordem” pode conferir possíveis coerções aos seus participantes caso não se
cumpram as determinações estabelecidas.
44
WEBER, Ibid., p. 30.
45
WEBER, Ibid., p. 33.
31
A constatação de que as organizações sociais advêm da motivação dos agentes não
significa, no entanto, a isenção de entendimento dos “mecanismos” da primeira, ou seja, do
“outro lado” (que, como foi salientado, constitui-se, no fim das contas, em apenas um),
sobretudo quando se busca um entendimento em “duas mãos”. Para tanto, faz-se
fundamental o conhecimento do conceito de “dominação”, proposto por Weber. Nele, o
autor identifica a probabilidade de determinados grupos de pessoas oferecerem obediência
a certa “ordem”
46
. que se salientar certo mínimo de vontade de obedecer
47
, o que
diferencia fundamentalmente a “dominação” do simples conceito de “poder”, que se refere
a toda a probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo quando haja
resistências, independentemente de qual seja seu fundamento. Contrariamente, a
“dominação”, exige determinada “disposição” de obediência, o que justamente a sustenta e
“legitima”.
48
A fim de melhor identificar os mecanismos de “dominação” exercidos pelas ordens
e, aqui, pela organização social em questão (a Cooperativa Regional Sananduva de Carnes
e Derivados LTDA), Weber contribui ao apontar uma tríplice divisão (no intuito de tipificá-
la): a dominação de caráter racional”, a de caráter “tradicional” e a de caráter
“carismático”. Para os fins deste trabalho, destacam-se apenas a primeira e a segunda
(assim como na delimitação dos tipos de “ação social” e de “ação da associação”). A
dominação de caráter “racional” está baseada na crença na legitimidade das ordens
estatuídas e no direito de mando daqueles que, em virtude dessas ordens, estão nomeados
para exercer a dominação; a de caráter “tradicional”, calca-se na crença cotidiana na
santidade das tradições vigentes desde sempre e na legitimidade daqueles que, em virtude
dessas tradições, representam a autoridade
49
.
Se a base de qualquer forma de “dominação”, representada, aqui, pela Cooperativa
de Carnes, reside na “legitimidade” que ela alcança junto a seus “dominados”, ou seja, os
produtores familiares ligados a ela, este último conceito torna-se fundamental para compor
46
WEBER, 2004b, p. 139.
47
WEBER, Ibid., p. 33.
48
“O conceito de poder é sociologicamente amorfo. Todas as qualidades imagináveis de uma pessoa e todas
as espécies de constelações possíveis podem pôr alguém em condições de impor sua vontade, numa situação
dada. Por isso, o conceito sociológico de “dominação” deve ser mais preciso e pode significar a
probabilidade de obediência a uma ordem”. WEBER, Ibid., loc. cit., p. 33.
49
WEBER, Ibid., p. 141.
32
a explicação das relações estabelecidas, havendo, conforme ver-se-á, uma lógica ligação
entre ambos. A “vigência legítima” de uma ordem, assim como a sua “dominação”, pode
ser atribuída pelos agentes partindo de três motivações distintas: em virtude da “tradição”,
da crença “racional referente a valores” e em função da crença em determinada
“legalidade”. A exemplo dos conceitos apontados anteriormente, apenas a segunda e a
terceira formas de validação da legitimidade serão aqui apuradas. No caso da crença
racional referente a valores, há a vigência do que se reconheceu como absolutamente válido;
em relação à validação da legitimidade pautada na “legalidade”, um estatuto existente
no qual se acredita
50
.
Refletindo-se sobre a condição do objeto de análise deste trabalho, que contempla,
por um lado, agentes e, por outro, uma “organização social”, cabe ressaltar, primeiramente
e em função desta última, que nem toda a “dominação” se serve de meios econômicos e,
ainda menos, comporta fins econômicos, sendo a diversidade de motivações que a sustenta
a mais variada; há, no entanto, um fator fundamental que se liga a toda e qualquer
motivação, que é, justamente, a crença em determinada “legitimidade”
51
. Um segundo
aspecto a ser ressaltado é o de que, ao trabalhar-se com uma “associação” (no sentido
weberiano), ressalta-se novamente a sua intrínseca característica de, em algum grau,
apresentar-se como uma “associação de dominação”, justamente em função de esta possuir
um “quadro administrativo”. Neste sentido, as características que consolidam de fato a
“dominação” exercida pela cooperativa serão buscadas na forma com que é administrada,
no caráter do círculo de pessoas que a administram, nos objetos administrados e no alcance
que possui a sua “dominação”.
52
50
WEBER, Ibid., p. 23.
51
WEBER, Ibid., p. 139.
52
“Uma associação é sempre, em algum grau associação de dominação, em virtude da existência de um
quadro administrativo. o conceito é relativo. A associação de dominação, como tal, é normalmente uma
associação administrativa. A peculiaridade da associação é determinada pela forma que é administrada, pelo
caráter do círculo de pessoas que exercem a administração, pelos objetos administrados e pelo alcance que
tem a dominação. As duas primeiras características, por sua vez, dependem principalmente do caráter dos
fundamentos de legitimidade de dominação”. WEBER, Ibid., p. 33, grifos do autor.
33
33
3. DOS TIPOS DE AÇÃO SOCIAL: OS PRODUTORES FAMILIARES
ASSOCIADOS
Este capítulo propõe-se a definir quais são os tipos de produtores familiares ligados
à cooperativa pesquisada a fim de constituir-se o objeto final desta pesquisa o
entendimento das relações estabelecidas entre Cooperativa Regional Sananduva de Carnes
e Derivados LTDA e seus associados. Neste sentido, concebe-se, a exemplo de Paulilo
1
e
Lamarche
2
, que a influência geral de um capitalismo expandido e aprofundado não se
constitui como base única e determinista da explicação e da delimitação da “conduta” e das
“ações” dos produtores em questão, embora não se negue a sua influência. Pretende-se, pois,
alcançar a compreensão da forma com que os processos (restritos, aqui, à atividade suína),
são percebidos pelos distintos associados e de que formas estes respondem a eles,
construindo-os. É exatamente neste ponto que se quer chegar: como as transformações na
suinocultura são apreendidas pelo público objeto da pesquisa
3
e de que formas sua
percepção embasa, via construção social, suas motivações, delimitando, assim, as suas de
“agir”, ou, no caso, de produzir. Subjaz a esta busca, como conceito fundamental, a
definição de como os produtores estabelecem as suas “ações sociais”.
Como se verá a seguir, definiu-se dois tipos de produtores: um “guiado por valores”,
o “tradicional” e o outro, que “visa fins”, o “empresarial” (sendo a terminologia de ambos
explicada na seqüência). Tal distinção foi buscada através da caracterização dos associados
entrevistados, nos dois sub-capítulos desenvolvidos, procurando relacioná-los com o
contexto de migração da região exposto no primeiro subitem. Serão investigadas,
primeiramente, a questões ditas mais “objetivas”, ou seja, as relacionadas à família, à terra
e às condições naturais, às mudanças do processo de produção do milho e da criação suína
(e da ligação ou não entre estes), além de aspectos como a organização do trabalho e da
relação mantida com o mercado. Ligadas diretamente a estas sobretudo no que se refere à
1
PAULILO, op. cit., p. 45.
2
“[...] Não qualquer determinismo em nosso propósito. Apesar da predominância evidente de
determinadas tendências (da autarquia para a economia de mercado, da tradição para a modernização etc), as
explorações familiares não se encontram sob a influência de um processo de evolução histórica que,
inexoravelmente e onde quer que estejam, arrastariam-nas a um mesmo destino.” LAMARCHE, op.cit., p. 20,
grifos do autor.
3
Ou seja, o estudo não visa apontar quais são as alterações pelas quais a suinocultura atravessa, mas como os
produtores familiares as interpretam.
34
produção de suínos –, expor-se-ão os dados entendidos como “subjetivos”, ou seja, aqueles
em que o produtor expõe os motivos (impregnados de sentidos que partem da visão de seu
mundo) das continuidades ou rupturas em sua conduta, indicadoras, em última instância, do
estabelecimento de suas “relações” com a cooperativa.
3.1. O QUE ANTECEDE A TODOS: A CONDIÇÃO DE IMIGRANTE
Expõe-se, neste subitem, um breve histórico da região de Sananduva
4
, procurando
situá-la em relação aos fundamentais eventos ocorridos especialmente em relação ao estado
no qual ela está inserida. Neste sentido, serão apresentados seus principais elementos
constitutivos (da região), focando-se, primeiramente, no chamado “troperismo”, evento
histórico inicial no qual ela participa. Será abordado, igualmente, mas constituindo-se como
a “marca temporal” orientadora, o fenômeno da “migração”. Isto se dá, essencialmente, em
função de os produtores ligados atualmente à Cooperativa Regional descenderem deles.
Para além disso, são estes primeiros habitantes de Sananduva os constituidores, na década
de 1930, da Cooperativa pesquisada. Salienta-se, contudo, que a delimitação, seja das
práticas produtivas associadas à Unidade de Produção em formação, seja dos laços e dos
traços culturais evidenciados relativos aos produtores do período, não compõem um “tipo”
específico de produtor. Objetiva-se, com esta delimitação, apenas indicar-se algumas de
suas essenciais características, fundamentais para a compreensão dos tipos de associados
que serão centralmente analisados – o “tradicional” e o “empresarial” – nos dois pontos que
seguem.
Neste sentido (e bem retrospectiva e brevemente), no final do século XIX, parte das
chamadas “colônias velhas”, localizadas na Serra Gaúcha (Bento Gonçalves, Caxias e
Garibaldi), um forte movimento migratório de famílias italianas que ali haviam se instalado
a partir da segunda metade da década de 1870, no bojo da migração européia. Tal expansão
efetivou-se, no início, em direção à periferia das antigas colônias, tomando, em seguida,
4
Baseado apenas em fontes bibliográficas.
35
direções cada vez mais distantes. Assim, a fundação das colônias de Alfredo Chaves, Nova
Prata, Nova Bassano, Antônio Prado, Guaporé, Encantado e outras marcaram a primeira
etapa desta conquista, traçando a grande linha de expansão italiana. Tal linha de expansão
prossegue, décadas depois, rumo ao norte do estado às regiões florestais dos municípios
de Passo Fundo (em que se situam as posteriores localidades de Casca, Vila Maria, Marau,
Mato Castelhano, Água Santa, Tapejara, Getúlio Vargas, Erechim), e de Lagoa Vermelha
(hoje, Araçá, Forquilha, Cacique Doble), onde se encontra atualmente Sananduva.
5
A região em que se localizava o município de Sananduva outrora fazia parte da
chamada “Invernada da Serra” (delimitada onde hoje se localiza o município, bem como o
vizinho, Ibiaçá), pertencendo politicamente à “grande Lagoa Vermelha” e em sua maioria
ao tropeiro (não se sabe a que título), Francisco Alves Ribeiro do Amaral e à sua esposa
Maria Eduarda Alves Rocha. A região emergiu, pois, em decorrência da progressiva
fixação de população a partir da rota utilizada pelos tropeiros para conduzirem tropas de
gado para o centro do país (em especial, São Paulo), caracterizando-se assim, como uma
área oriunda do chamado “troperismo”
6
. Com a morte do primeiro proprietário, a extensão
de terras que iria formar a então Sananduva foi partilhada entre Maria Eduarda e os filhos
Carlota Joaquina e Francisco Alves do Amaral. Posteriormente, aplicando recursos que
acumulou em sua atividade como tropeiro, José Ferreira Bueno adquiriu, através de
escritura pública de compra e venda, a parte que pertencia aos herdeiros de Francisco Alves
Ribeiro do Amaral, tornando-se proprietário único do imóvel
7
.
Com seu falecimento, entre 1884-86, a área inventariada da “Fazenda o João do
Forquilha” foi requerida pelos herdeiros e outros interessados. Efetuada a partilha, coube ao
árbitro da medição judicial, Cel. Heleodoro de Moraes Branco, Intendente de Lagoa
Vermelha, uma área formada de campo e matas, cuja medição não foi especificada
8
. Neste
período, no afã de aumentar a densidade populacional do estado, o governo do Rio Grande
5
DAL MORO, B.; DAL MORO, S. M. As marcas identitárias de Sananduva esculpidas nos caminhos abertos
pelos pioneiros imigrantes. In: BERNARDI, J. B.; BARROSO, V. L. M. (Org.). Raízes de Sananduva: XIV
Encontro dos municípios originários de Santo Antônio da Patrulha, I Fórum estadual de História. Porto Alegre:
Est, 2004. p. 60-62.
6
LOVATTO, S. 30 anos: Sananduva 30 anos de emancipação política. Sananduva: Prefeitura Municipal de
Sananduva, 1986. p. 16.
7
LOVATTO, loc. cit., p. 16.
8
DAL MORO; DAL MORO, op. cit., p. 63.
36
do Sul abriu espaço para que se instalassem projetos particulares de colonização
9
.
Favorecido por estas condições, após tratativas com os herdeiros de José Ferreira Bueno,
Heleodoro de Moraes Branco implantou nas terras de mata da Fazenda São João da
Forquilha o “Projeto Sananduva”. Além de interesses políticos, ele também era movido por
interesses comerciais: vislumbrava angariar dividendos com a venda de lotes e com os
excedentes agrícolas das lavouras dos colonos. Designada a sede, toda a área de
colonização foi dividida, conforme os critérios de colonização governamental em léguas
quadradas e cada légua em linha à semelhança das colônias oficiais.
10
Pela povoação de Sananduva pode-se notar a dificuldade enfrentada pelos colonos
italianos (preponderantes em número, embora migrantes de outras nacionalidades também
tenham ocupado a então Colônia). Primeiro, foi-se povoando o Rio Tigre de baixo até São
Paulo da Cruz e de subindo pelo Guabiroba. De outro lado, iniciou-se a linha Bom
Conselho, em direção à sede (ANEXO C). Procuravam os exploradores dos loteamentos
(que passaram a adquirir as terras e revendê-las) comerciarem primeiro os lotes distantes, a
preços módicos para, à medida que se aproximavam da sede, valorizar os restantes
11
. Deu-
se, assim, o primeiro contato do colonizador com a terra: ele teve de fazer a derrubada, o
caminho para transportar o produto, as casas. O italiano, neste primeiro momento, teve no
índio o primeiro modelo de plantador, recorrendo produtivamente às queimada e à rotação
de terras em aproveitamento da fertilidade natural do solo
12
. A implantação de uma
economia agrícola de excedentes, baseada na pequena produção e no regime de trabalho
familiar, constitui-se no modo como os imigrantes passaram a garantir sua sobrevivência.
13
Logo que se os migrantes se instalaram (entre as décadas de 1910 e de 1920)
14
, a
escolha dos alimentos a serem produzidos estava alicerçada na necessidade de
autoconsumo das famílias (além de, evidentemente, estarem correlacionados com as
características do clima e do solo locais e com os que já eram produzidos no lugar de
9
ZARTH, P. A. História agrária do planalto gaúcho: 1850-1920. Ijuí: Ijuí, 1997. p. 81.
10
DAL MORO; DAL MORO, op. cit., p. 63.
11
LOVATTO, op. cit., p. 32.
12
ZARTH, op. cit., p. 135.
13
DAL MORO; DAL MORO, op. cit., p. 61.
14
LOVATTO, op. cit., p. 25-26.
37
origem) e incluíam o feijão, o trigo, a cevada, a mandioca, o amendoim, a batata, a cana-de-
açúcar e o milho, este último o produto central da propriedade:
O principal produto sempre foi o milho, porque servia para alimentar pessoas e
animais. Com a sobra do milho alimentavam as galinhas, que davam ovos e
carne para o sustento da família. Com o milho alimentavam as vacas e tinham
leite para beber e para fabricar o queijo e manteiga. Com o milho tratavam os
porcos que eram engordados para fazer banha, lingüiça e salame.
15
havia, para além das plantações, a criação de pequenos animais e de suínos, sendo a
associação de milho à criação ainda incipiente.
Em relação ao trabalho, a mão-de-obra era livre e formada pela família do imigrante.
Era comum entre os núcleos familiares as práticas de ajuda mútua (“mutirão”) e a troca de
dias, que, se por um lado, constituía-se em uma estratégia de complementação da mão-de-
obra familiar
16
, por outro, fundava a ampliação da unidade do grupo.
17
Simbolicamente,
pois, a Igreja Católica ordenava o trabalho e a vida dos colonos, sendo a “capela” o local
que concentrava desde as rezas e as festas do domingo até o comércio e a escola:
Foi como colonos-católicos que eles passaram, mediante o trabalho, a
transformar o mundo físico que os rodeava, para nele construir sua vida familiar
e social. A oração, aos domingos, e o trabalho, nos demais dias da semana,
constituíram-se nos valores par onde convergia toda a sua existência e para quais
os herdeiros, desde cedo, eram encaminhados”.
18
Contudo, se a organicidade da vida comunitária/religiosa e produtiva/familiar
manteve-se inalterada neste período, as novas relações sócio-econômicas constituídas pelos
já produtores familiares “sananduvenses” rompem este círculo comunitário.
Neste sentido, a comercialização dos excedentes aparece como setor emblemático.
Para expandir suas vendas, os produtores especializaram e ampliaram sua produção. A
banha aparece, progressivamente, como o principal produto de venda
19
– fato que irá
permanecer no município até a década de 1950. Assim, opera-se, na propriedade, o
redirecionamento do destino da produção de milho, que passa a estar diretamente associada
15
FLORES, Moacir. História do Rio Grande do Sul. 5 ed. Porto Alegre: Nova Dimensão, 1996. P. 112.
16
DAL MORO, S. Escola, Igreja e Estado nas colônias italianas o caso de Sananduva RS. Educação e
Realidade, Porto Alegre, v. 12, n. 2, p. 57-79, jul./dez. 1987. p. 58.
17
DAL MORO, Ibid., p. 65.
18
DAL MORO, Ibid., p. 60.
19
Acompanhando, assim, como ver-se-á no capítulo subseqüente, uma tendência produtiva de todo o estado
do Rio Grande do Sul.
38
à criação de porcos com o fim destes produzirem maior quantidade de banha. Esta prática
associativa, oriunda dos imigrantes alemães, ao se incorporar à dinâmica produtiva italiana
aponta para o “vencimento de uma etapa”:
A prática da cultura do milho, associada à criação de suínos e objetivando a
produção de banha, difundiu-se também entre os colonos italianos, quando,
vencida a fase da auto-subsistência, passaram a produzir para o mercado interno
gaúcho e, após, para o nacional.”
20
Com a expansão da comercialização, os produtores sananduvenses passaram a
conviver com dois tipos de concorrência: por um lado, a própria Colônia de Sananduva
competia com as das demais, sobretudo a de Erechim que, localizada ao longo da via férrea
Santa Maria/São Paulo, escoava sua produção com maior rapidez e, em decorrência disto,
recebia preços relativamente melhores. Por outro lado, internamente, soma-se a ação dos
comerciantes locais (responsáveis pela venda da banha e de outros artigos), com os quais os
produtores mantinham uma relação subordinada e dependente. Estes comerciantes,
sentindo-se atingidos pela concorrência, se ressarciam dos baixos preços pagos pelos
produtos de duas formas: pagando menos pelos produtos da Colônia, comparativamente aos
preços da região, e elevando o preço das mercadorias na venda.
21
Emerge deste contexto
e em reação a ele a necessidade de buscar-se formas alternativas e mais rentáveis de
comercializar os produtos. Em meados dos anos de 1930, a formação de ligas, de
associações comunitárias e de pequenas cooperativas como a da “Banha”, futura
Cooperativa Regional Sananduva de Carnes e Derivados LTDA.
3.2. O PRODUTOR “TRADICIONAL”:
Os pontos a seguir desenvolvidos objetivam definir o tipo de produtor “tradicional”,
constituído a partir dos suinocultores entrevistados. Para isso, foram utilizados tanto a
bibliografia coletada, quanto a entrevista aplicada, delineando-se a partir delas as
20
PESAVENTO, S. J. RS: agropecuária colonial & industrialização. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983. p.
72.
21
DAL MORO, op. cit., p. 64.
39
características que consolidam um tipo de associado, com uma forma de produzir
característica, que, embora atualmente em número bastante reduzido, descende diretamente
daqueles que a formaram e nela ainda subsiste
22
. Visando este fim, a exposição e análise
serão estruturadas, primeiramente, através da descrição do “entorno” do associado, tendo-se
a finalidade de situá-lo no espaço e no tempo. Em um segundo momento, pretender-se-á
delimitar as principais características que afirmam este grupo como “tradicional”. As
questões que servirão como base desta caracterização compreendem, de modo geral, as
ligadas às práticas utilizadas na atividade suína, seguindo-se a expectativa exposta
anteriormente de que irá se partir do “concreto” das situações. Finalmente com partida
direta do ponto anterior buscar-se-á, aqui, delimitar os “motivos” que configuram as
“ações” dos agentes em questão, ponto-chave da explicação de sua própria configuração
enquanto grupo e das formas de conduzir as suas relações sociais.
Localizado em uma região caracterizada sobretudo por áreas acidentadas e por
pequenas propriedades, o produtor de tipo “tradicional”
23
(constituído a partir das
entrevistas realizada) que está atualmente ligado à Cooperativa Regional, possui, como
primeira característica, idade adulta que varia de 47 anos a 70 anos, tendo-se associado a
ela entre as décadas de 1960 e 1970, embora sua família (pai) fosse sócia. Os membros
da família que trabalham na propriedade se compõem pela esposa (também em idade adulta)
e por um número variado de filhos (com idades igualmente diversas)
e, há, ainda, em um
dos casos, total ausência destes, que migraram para a cidade. As propriedades, em sua
maioria herdadas (embora haja incorporação de área via compra)
24
, têm tamanho que varia
entre 10 e 22 hectares. Estas propriedades estão localizadas na chamada área de “transição”
e nas “acidentadas”
25
– conforme já apontado, na primeira estão combinados solos planos e
irregulares e, na segunda, há os predominantemente os irregulares.
A suinocultura, para estes produtores, iniciou muito antes de se tornarem sócios
nominais da Cooperativa. Eles já a exerciam quando ainda residiam na propriedade dos pais,
22
Os produtores que fazem o chamado “ciclo completo” diretamente identificados com os de tipo
“tradicional”- correspondem a 25% dos entrevistados, compondo, atualmente, 8% dos associados da
Cooperativa. Cf. LOREGIAN, 2005, p. 52.
23
Caracterizado, nas entrevistas realizadas, como os de números 1, 7 e 8.
24
Há comumente, além da herança de terras, posterior aquisição de área.
25
Respectivamente, nas Comunidades do Caça e Pesca, São Pedro e de São Domingos, todas no município de
Sananduva.
40
estando a opção da continuidade da criação vinculada à esta “herança” familiar: “Iniciei na
criação porque o meu falecido pai sempre criou uns porquinho.”
26
Para além desta
continuidade, a escolha pela atividade esteve vinculada também ao rendimento que a
suinocultura proporcionava no período: “Eu sempre vivi criando porco. Comprei terra, tudo
com porco.”
27
Remetendo-se às práticas produtivas realizadas em sua propriedade (ou seja, a partir
das décadas de 60 e 70), constata-se que o produtor “tradicional” iniciou na suinocultura
com a chamada “criação solta”
28
, ou seja, naquela em que não havia presença de pocilga:
“Nos primeiros ano, naqueles ano, se criava tudo solto no potreiro. Quando você achava ela
[matriz] ela tinha tido os leitão e tava com eles no meio do mato.”
29
Neste sistema, o
animal acabava por alimentar-se de frutas e raízes encontradas pelo chão:
Ah, eu criava os porco solto, as porca fora. O custo era a mínima coisa. Gastava
menos e ganhava mais. Ainda crio uns porco solto. Eles vão comer no mato.
Fuça, come raiz, fruta. Aqui, o chiqueiro este meu, ninguém tinha chiqueiro pra
criar leitão, o primeiro foi o meu
30
.
em relação à raça dos animais, eram criados os chamados “mestiços comuns”, ou
seja, porcos sem genética definida e compostos por altas taxas de gordura
31
. Os suínos eram
criados em número reduzido (variando de três a oito matrizes por produtor), sendo que a
entrega destes para a Cooperativa (não se vendia a produção para intermediários) acontecia,
em média, a cada seis meses, tempo mínimo, na época, para o término da criação. No que
concerne aos dejetos produzidos pelos animais soltos, aponta-se o seu aproveitamento,
mesmo que não sistemático, na lavoura
32
, com o importante fim de adubá-la:
A mais importância que a gente tinha aqui era pra adubar as terras. Desde o
esterco, aí tu já adubava as terras, ajudava bastante. Porque estas terra aqui são
26
Produtor entrevistado 7.
27
Produtor entrevistado 1.
28
Embora já se tivesse em alguma escala as pocilgas rudimentares de madeira.
29
Produtor entrevistado 7.
30
Produtor entrevistado 1.
31
“Quando comecei a produzir, peguei o porco Duroc. E depois foi virando o Landrace. Por causa que, o
primeiro era banha [o segundo, conforme ver-se-á, é uma raça que inicia a conversão do porco-banha para
o porco-carne]. Este daqui [aponta para o animal] é pura carne.” Produtor entrevistado 1.
32
Em função dos suínos serem criados soltos. No entanto, em maior ou menor grau, o esterco era levado
até as lavouras: “Nós, uma vez, puxava de carroça até a roça.” Produtor entrevistado 7.
41
muito magra e se não fosse o esterco de porco... Porque onde tu colocava o
esterco, tu já vai o resultado.
33
A lavoura de milho ocupava, em meados dos anos 60 e 70, boa parte da área da
propriedade (quando se pensa em termos de uma plantação exclusiva) dos produtores
“tradicionais”, ou seja, entre quatro e seis hectares, caracterizando-se por uma produção
voltada para o autoconsumo, principalmente animal – embora os suínos se servissem
também do alimento de raízes e frutas, conforme já apontado:
Sabe que naquele ano, naqueles anos, praticamente nem se vendia milho, quase.
Ninguém comprava. Uma parte dava pras criação; outra parte dava pros porco.
Naqueles ano, você plantava pouco, porque era só no braço
34
.
Para o tipo de produto tradicional, o milho era plantado com uso de ferramentas manuais, a
“muque”, sendo as sementes cultivadas na própria propriedade, as “tiradas”, ou seja, as
separadas de uma safra anterior, debulhadas e reservadas para o plantio da próxima safra.
Resultava, assim, da restrita área plantada, das cnicas de plantio manual e das sementes
que “botavam menos por hectare” e que “davam um milho mais ralo” uma produtividade
que não excedia 30 ou 40 sacas do produto por hectare.
Tal modo de produzir, calcado nas antigas referências familiares, alterou-se de
modo importante a partir da década de 1970, mas, especialmente da de 80, estimulado pela
cooperativa a qual estes produtores estavam (e estão) associados. Esta propõe, com fins que
serão expostos no capítulo subseqüente, a incorporação de diferentes tecnologias, que
induzirão a modificações que vão desde a raça do suíno criado, passando pela própria
estruturação das pocilgas (e, em alguns casos construção destas) até o tipo de alimentação
animal e a utilização dos dejetos. Assim, paulatinamente e configurando os meios pelos
quais a produção -se até os dias de hoje, os produtores ditos “tradicionais” iniciam a
criação “fechada” de seus porcos, com pocilgas que já separam o animal em suas diferentes
fases de crescimento e que são construídas, em geral, de alvenaria, substituindo, assim, os
antigos “chiqueirões” de madeira: “Naquele tempo, era de madeira, mas também criava
os porcos fora; hoje, é de material. Hoje tem a sala parideira, a do desmame; antes tinha
33
Produtor entrevistado 8.
34
Produtor entrevistado 7.
42
proteção de madeira e não tinha todas estas divisão”.
35
As raças introduzidas são as de
alto melhoramento genético, havendo a substituição definitiva do “porco-banha” pelo
“porco-carne”
36
:
Antes era mais “mestiço”, o [porco] “comum”; era porco mais de banha; agora
não, tu produz um porco mais com carne, que hoje com banha não querem mais;
antes era mais o mestiço comum, já existia o Duroc e o Landrace; hoje, tu
produz o Lajoeit, o MS-60.
37
A raça do suíno mudou muito. É sempre mais raça. Isto porque a gente trabalha
com a Majestade. Daí, quando você precisa das porca, pega lá. Precisa dos leitão,
pega lá também. E eles sempre te oferecem as raça mais renovada.
38
a quantidade de matrizes criadas pelo produtor “tradicional” não se altera
substancialmente, não ultrapassando, até hoje, o número de quinze, embora o tempo de
criação tenha diminuído bastante devido à introdução das novas raças, tornando as entregas
para a cooperativa mais freqüentes. Os dejetos, por sua vez, são armazenados na esterqueira
– estrutura localizada sob a pocilga e distribuídos para as lavouras através de um
caminhão com serviço terceirizado, sendo ainda utilizados como importante fonte de
adubação: “Agora eu tenho a esterqueira. Antes, não tinha nada. Ainda hoje o esterco vai
tudo pra lavoura.”
39
O milho continua sendo, para estes suinocultores, um dos principais
cultivos. Contudo, ele passa a ser plantado a partir de sementes adquiridas na cooperativa,
que possui produtividade extremamente superior a dos anos anteriores, segundo os
produtores. Em sua plantação e colheita, nas áreas em que o relevo permite, são utilizadas
máquinas em geral contratada junto a particulares. Ao milho (processado com
maquinário rudimentar na propriedade)
40
, continua sendo o principal componente na
alimentação da criação
41
, são acrescidos os “concentrados vitamínicos” oferecidos pela
cooperativa.
35
Produtor entrevistado 8.
36
O primeiro produz, como afirma o próprio nome, principalmente banha (gordura); já o segundo, carne.
37
Produtor entrevistado 8.
38
Produtor entrevistado 8.
39
Produtor entrevistado 8.
40
“Sim, uso tudo. O que colho vai tudo pro suíno, porque o custo é muito caro. Aí, a gente colhe à mão, a
gente passa pro batedor, debulha e vai pra forrageira. Ainda tem que fazer as mistura com os concentrado. Os
premix.” Produtor entrevistado 8.
41
Com o sistema de criação “fechadoabandonou-se definitivamente o uso de raízes e frutas na alimentação
dos animais.
43
Tal transformação técnico-produtiva, conforme será apontado no capítulo
subseqüente, foi impulsionada pelo quadro administrativo da cooperativa, mas concretizada
sobretudo pelo seu corpo técnico, que passou a ter ação sistemática junto às propriedades,
sendo a alterações tecnológicas percebidas de modo positivo pelos produtores:
No começo, nós tinha reunião, sabe. Aí, mudava. As mudança foi. Cada vez
modernizar mais. Eu vejo as mudança, tem de mudar muito, cada vez mais. A
Cooperativa ajudou, mas peguei um pequeno empréstimo na Cooperativa, mas
não muito, não.
42
Fui mudando através da explicação dos técnico. De quarenta ano atrás, não tinha
nenhum técnico que visitava a propriedade. Se tinha, tinha algum veterinário na
Majestade. Mas agora você pode pedir informação pra um técnico, um
veterinário e um próprio da Majestade.
43
No entanto, apesar destas numerosas modificações nos meios de produzir, fica explícita na
fala dos produtores uma noção de continuidade na forma de criação dos animais, inclusive
em um momento que se julgava de grande estímulo para a operação de uma ruptura: o da
“Integração”. Através da Integração, o produtor passa a ter maior possibilidade de negociar
a compra de insumos e matérias-prima para a produção, barganhando adiantamento tanto
de produtos a serem descontados na entrega dos animais, quanto de próprio dinheiro,
igualmente descontado no valor do suíno entregue. Para o produtor “tradicional”, contudo:
Pra mim não mudou nada depois da Integração, porque eu sempre trabalhei com
“ciclo completo”, desde quarenta ano atrás e nunca mudei. Uma vez, eu vou te
dizer que na Majestade eu sempre tive crédito. Se eu chegar e preciso 100 saco
de adubo, com prazo de uns dia, eles me vendem, né. Praticamente não mudou
nada.
44
Portanto, se o produtor “tradicional” constituído a partir das entrevistas incorporou
de modo homogêneo importantes mudanças tecnológicas, alterando diferentes elementos da
criação, o sistema da atividade – que aparece na fala acima como característica fundamental
desta forma de suinocultura –, ao contrário, continuou o mesmo. Este associado cria o
animal desde o seu nascimento até o momento que julga ideal para a venda, perpassando os
estágios definidos e estanques da “produção de leitões” e da “terminação” não acessando,
42
Produtor entrevistado 8.
43
Produtor entrevistado 7.
44
Produtor entrevistado 7.
44
portanto, a “especialização produtiva” proposta pela cooperativa no ano de 1997
45
–,
configurando, assim, a produção através do dito “ciclo completo”. Indagados dos motivos
desta permanência, todos apontaram para desde os altos custos para se investir na
especialização
46
até um suposto maior lucro através destes moldes de produção
47
. No
entanto, ficou explícito em suas falas um “sentido” que atribui uma relação (sustentando
esta “ação” produtiva) entre o “ciclo de criação completa do animal” e a um pretenso
“ciclo” existente na propriedade.
Esta noção transparece a partir de dois elementos: no primeiro, aponta-se para a
importância do “ciclo completo” da suinocultura para poder-se reutilizar totalmente o
esterco produzido pelos animais:
Porque a gente mantém, assim, quando tu vai bem, tu tem os porco, você
produz no caso, o porco, você tem bastante esterco no “ciclo completo”. Se você
produzir leitão, você vai produzir pouco esterco. Então você vai fazer, você
tem “ciclo completo” você tem tudo. Aproveita todo o esterco pra levar pra
lavoura.
48
o segundo aspecto, embora ambos se “retro-alimentem”, aponta para o estreito vínculo
atribuído à produção de milho e à alimentação dos suínos:
Eu sempre tinha umas sete ou oito [matrizes]; hoje, em torno de umas quinze;
acho que não adianta produzir mais. Acho que não adianta colocar muita matriz
se tu não produz milho. Nós produzia cinco matriz, até oito já era bom. Mas hoje,
produz mais milho, quando corre bem, aí se tem mais matriz.
49
Esta lógica, pois, combina elementos “de uma ponta a outra” da produção, percebendo a
adubação não ligada, mas “dependente” do plantio, da qual, por sua vez, depende a
alimentação dos animais. Constitui-se, assim, uma relação produtiva “sistêmica” entre os
diversos elementos da propriedade, na qual o suíno é o elemento “chave” desta ligação.
45
possibilidade, a partir da “especializaçãode receber-se “lotes” de animais da Cooperativa, seja com a
incumbência de engordá-los enquanto leitões ou porcos já adultos e entregá-los após cumprir sua função (com
margens de “engorda” e tempo determinados).
46
“Muito investimento. Agora pra mim, se tivesse um chiqueiro melhor, tava bom. pro gasto o que eu
tenho.” Produtor entrevistado 1.
47
“Eu acho que ao meu ver, quem pega leitão e vende, e aquele que pega pra engordar, eles não vão ter o
lucro que tem de pegar, criar e engordar. Aquele que entrega leitão sobra 15, 20 pila, aquele que engorda
sobra 10. Então, pega cinco porca e não precisa botar 300.” Produtor entrevistado 1.
48
Produtor entrevistado 8.
49
Produtor entrevistado 8.
45
Para além da concepção relativa à propriedade, uma percepção de criação
bastante peculiar por parte dos suinocultores “tradicionais”, que concebem o suíno como
“propriedade”. Aliada a perspectiva está, igualmente, uma noção de controle e
determinação sobre o próprio trabalho e sobre a própria renda:
Eu acho que o “ciclo completo” pra mim é melhor porque eu tenho as minhas
porca tudo paga, eu se chegar o técnico e eu não limpei o chiqueiro porque tinha
trabalho na roça, ele não pode reclamar comigo, porque eu trabalho por conta. Se
eu tenho prejuízo, ele não tem nada a dizer, né.
50
Ligado a isto, há ainda a noção arraigada do suíno como uma espécie de “poupança”, a qual
se recorre, para a venda, em caso de (extrema) necessidade como doença, casamento de
filho etc. – o que determina a ação da criação mais “independente”, pois através dela, pode-
se recorrer a esta possibilidade:
Estes leitão meu aqui, chego lá e digo: tenho 9, 10 leitão, vão lá vê e me pegar os
leitão. E levam embora. Se eu quero engordar, eu fico aqui e engordo aqui. A
decisão é minha. Aí, quando eu preciso, por coisa e outra entregar ou quando eu
quero, eu entrego.
51
Outro importante aspecto que delimita o produtor “tradicional” e que se apresenta
complementar às noções particulares da atividade da suinocultura apresentadas, advém da
perspectiva (já citada) de que a escolha e/ou continuidade da atividade decorre sobretudo da
“tradição”, ou seja, de que a atividade foi “herdada” de seus antecedentes, calcando-se no
trabalho do conjunto da família
52
. Aponta-se, pois, não para a constituição de uma opção
(ou, simplesmente uma “escolha”) produtiva, mas para um prolongamento do que vinha
sendo realizado anteriormente pela família.
Assim, a delimitação dos “motivos” que caracterizam determinadas ações” dos
produtores “tradicionais” (configurando-os como tais), centram-se especialmente na
continuidade da forma de produzir o animal. Esta, ou seja, o “ciclo completo”, para além de
ser uma prática produtiva que incorporou diversas alterações tecnológicas, comporta,
primeiramente, a noção de um “ciclo” existente na propriedade, que se apresenta
50
Produtor entrevistado 7.
51
Produtor entrevistado 1.
52
“A piazada limpa o chiqueiro, uma faz um serviço, outra faz outro. Aí ajuda. Antes a esposa tinha de ajudar
também. A mulher ajuda também hoje, mas hoje tem as vaca.” Produtor entrevistado 8.
46
fundamental para a conservação desta sob a ótica dos produtores. Um segundo aspecto diz
respeito à qualificação da suinocultura como uma atividade “herdada”, ou seja, que não foi
constituída a partir de uma escolha individual. Finalmente, o terceiro aspecto aponta a
existência de uma perspectiva de que o suíno seja de fato “propriedade” do suinocultor e
que este, portanto, deva ter total autonomia de decisão sobre o animal, seja na sua produção,
seja na sua venda, o que resulta em uma histórica expectativa (conforme ver-se-á
posteriormente) de buscar-se as cooperativas agropecuárias com o intuito primordial de
comercializar a produção.
Tal forma de agir, baseada na cadeia de sentidos acima exposta, é entendida neste
trabalho como tendo uma racionalidade baseada em “valores”. Tal afirmação decorre da
percepção de que há, entre os produtores, uma “crença no valor” deste comportamento
produtivo e, embora eles possuam vistas em relação a “fins” (sobretudo econômicos)
53
,
priorizam aspectos da própria ação, configurando-a, conforme o trecho abaixo como guiada
por “valores” (em que o conceito de “ação baseado em valores” é esclarecido a partir da
comparação com a “ação afetiva”):
A ação afetiva e a ação racional em relação a valores distinguem-se entre si pela
elaboração consciente dos alvos últimos de ação e pela orientação conseqüente e
planejada com referência a estes, no último caso. Têm em comum que, para elas,
o sentido da ação não está no resultado que a transcende, mas sim na própria ação
em sua peculiaridade.
54
Para além disso, tal conduta interliga (parcialmente) este tipo de produtor ao pioneiro
migrante da região, o configurando como prolongador de uma “tradição” e, portanto, o
constituindo como produtor “tradicional”
55
.
53
Há que se considerar ainda uma passagem que o próprio Weber percebe uma forma de ação “híbrida”: “[...]
A decisão entre fins e conseqüências concorrentes e incompatíveis, por sua vez, pode ser orientada
racionalmente com referência a valores: neste caso, a ação só é racional com referência a fins no que se refere
aos meios[...]”. WEBER, Ibid., p. 16.
54
WEBER, Ibid., p. 15.
55
Esta nomenclatura reforça-se, em nada liga este produtor ao tipo de ação “tradicional” weberiano, mas sim,
ao tipo de ação “racional referente a valores”.
47
3.3. O PRODUTOR “EMPRESARIAL”
Objetiva-se, aqui, desenvolver os pontos que definem o tipo de associado
denominado “empresarial”. Para isto, serão utilizados, igualmente, tanto a bibliografia
coletada, como o questionário aplicado, mostrando-se características que consolidam este
produtor, que, embora tenha emergido do mesmo contexto e seja “herdeiro” direto do tipo
acima, rompeu com a forma de agir centralmente produtiva daquele, apresentando-se
hoje como maioria numérica esmagadora na cooperativa. Da mesma forma que no subitem
anterior, a exposição e análise será estruturada a partir dos traços mais “objetivos”e dos
“subjetivos”, ambos centrados em aspectos relacionados à produção de suínos. Será
enfatizada, pois, tanto a emergência de uma nova forma de produzir, quanto a de um novo
sentido atribuído à prática da suinocultura, indicadora de uma nova forma de se relacionar
com a cooperativa.
Os produtores entrevistados e tomados aqui como “empresariais” possuem idade
variada – dado importante, pois aponta uma composição que abrange tanto produtores
ligados à Cooperativa há anos
56
, quanto novos associados sendo, para os últimos, a
situação de “empresários”, conforme ver-se-á, condição para seu ingresso na cooperativa.
As famílias deste tipo de associado são compostas pela esposa – com idade compatível a do
marido e por um número bastante reduzido de filhos, contando, para além do trabalho
familiar, com alguma participação de mão-de-obra externa. As propriedades em questão
situam-se sobretudo na transição entre o relevo mais íngreme e a área em que predominam
os campos, variando, em tamanho, entre 20 e 25 hectares, sendo, prioritariamente, herdadas
da família, com posterior aquisição de alguns hectares. Há, ainda, uma pequena parte da
área destinada a arrendamentos, que mantém, contudo, certa relação familiar o genro
arrenda terras do sogro etc.
No que se refere às formas de produzir, este tipo de suinocultor assemelha-se
bastante ao “tradicional” em seus primeiros anos de atividade referência, aqui, aos
produtores ligados à cooperativa nos anos 60 e 70. Ou seja, os depoimentos aproximam-se
56
Os mais antigos datam da década de 1960/70.
48
no que diz respeito à presença (ou não) de pocilgas, da estruturação destas
57
, das raças dos
animais produzidos
58
, do número que eram criados
59
, da produtividade que era obtida a
partir deles
60
e, inclusive, da forma em que seus dejetos eram aproveitados
61
. No que se
refere ao milho, este produto também era tido como o principal alimento dos suínos
62
,
sendo cultivado com sementes próprias em uma pequena área da propriedade e tendo
plantio e colheita manuais, como afirma o produtor abaixo:
Hi... Naquela época, eu plantava muito pouco milho. Na época, pouco porque a
gente assim, era tudo trabalho braçal. [...] Mas a gente plantava três saquinho,
quatro saquinho de milho. Isto plantava em uns, ah, uns três, quatro hectare.
Usava as maquinetas aquelas pra plantar.
63
Complementar a isto, este associado “empresarial” ligado mais tempo à cooperativa foi
motivado a iniciar na atividade a partir da “tradição” da suinocultura presente na família e
da maior renda advinda da produção do animal no período:
Eu me criei praticamente em cima do suíno, então continuei assim. [...] Porque
meu falecido pai sempre criou suíno. E eu, desde que comecei a trabalhar,
sempre lidei com suíno, como meu falecido pai. Depois que eu vim morar pra cá,
ah, e suíno dava um pouco de dinheiro naquela época, né, então, eu vim pra e
comecei com uma, duas criadeira e fui indo, né. Sempre criando.
64
Do mesmo modo que os produtores “tradicionais”, os “empresariais” também
passaram por uma série de mudanças tecno-produtivas – percebidas como positivas –,
incentivados pela cooperativa, segundo afirma um produtor entrevistado:
É que vai mudando as coisa, também tu não pode ficar sempre igual, você tem
de progredir, no caso, você tem de aumentar né. E eu também tive de começar a
pegar o milho na Cooperativa porque eu não tinha produção pra mim manter
57
“Não tinha pocilga. Criava tudo solto e depois a gente fechava numa parte de um galpão, engordava e
vendia. Sem ração, sem técnica, sem genética, sem nada.” Produtor entrevistado 11.
58
“Ah, no início era aqueles porco antigo, porco comum. Aqueles porco pintado. Dava no mato, se criava nos
potreiro.” Produtor entrevistado 2.
59
“Quando eu vim morar aqui eu peguei uma matriz pequena, uma leitoa, que a minha mãe me deu pra mim.
Porque eu, quando ainda era solteiro, faleceu meu pai e fiquei com a mãe, daí ela me deu uma leitoa, de
raça. E comecei com aquela.” Produtor entrevistado 2.
60
“Lá, naquela época, se entregava lá, pouco, porque eu fazia também a terminação, o “ciclo completo”,
aquela época não existia esta divisão. Aí eu entregava, uns 15, 20 a cada 30, 60 dias.” Produtor entrevistado 6.
61
“Não existia aquela de recolher, aquela época era criado assim. Tudo criado solto se pegava e colocava
em qualquer lugar.” Produtor entrevistado 2.
62
“Tudo, tudo. O milho produzido na propriedade era todo consumido no suíno. Produtor entrevistado 6.
63
Produtor entrevistado 6.
64
Produtor entrevistado 2.
49
todo o plantel. A Cooperativa ajudou bastante nestas mudanças, era ela que tava
incentivando a gente de mudar, botar umas raça que vêm “depressa”, a genética
do porco mudou bastante, né.
65
A partir dos anos 80, estas transformações abarcaram os diversos recursos produtivos, seja,
na reestruturação das pocilgas
66
, no melhoramento genético das raças produzidas
67
ou no
aproveitamento dos dejetos
68
. No entanto, o número de animais criados e a produtividade
resultante deste alteraram-se profundamente. Tal transformação iniciou, segundo os
produtores entrevistados, em função da progressiva queda no preço do animal, que gerou a
necessidade de maior produção proporcionada pelas técnicas disponíveis para que se
obtivesse uma renda satisfatória, segundo explicita o produtor entrevistado:
O que a gente nota é o seguinte: agora produzindo mais, a gente ganha menos. O
nosso ganho, por exemplo, na época [no passado], era bem melhor do que hoje,
né. Por exemplo, eu, a gente produz hoje ali duzentos e cinqüenta leitão e ganha
lá oito real por suíno. É pouco, né? Precisaria uns quinze real por suíno.
69
No entanto, se este processo trouxe o aumento da produtividade, acarretou,
igualmente, um maior aporte de insumos e tecnologias que exigiram do produtor maior
investimento, diminuindo ainda mais a margem de lucro. Assim, na perspectiva desses
suinocultores, o processo de “Integração” proposto pela Cooperativa decorreu exatamente
da dificuldade do associado permanecer na produção:
Sim, eu fui convidado a se integrar. Naquela época, o credor do suíno, tinha que
fazer tudo nos custo da gente, né. A Cooperativa ela te cedia o produto, mas
você tinha que pagar o juro, né. Assim, os associado tavam caindo tudo fora,
porque não tinham condição de se manter. Aí, a Cooperativa começou com este
negócio da Integração pra segurar o criador, porque senão ia terminar com a
criação do suíno. Daí, a Cooperativa fez a Integração e ficou melhor pra
trabalhar com a Cooperativa. Eles te davam, antes, trinta dia pra pagar, depois
cobravam juro. Agora, a gente pega o produto e paga com leitão e o que me
sobra, eles me dão.
65
Produtor entrevistado 10.
66
“Na época a gente criava porco, solto não, o chiqueiro era de madeira, tinha buraco que caía fora por
baixo. E hoje não, já é chiqueiro de alvenaria, tudo bem limpinho, bem cuidado.” Produtor entrevistado 2.
67
“Depois veio o tal do porco Duroc, uma raça um pouco melhor e depois veio veio o Landrace, o MS, o
MS-60, hoje se trabalha com o porco Agroceres.” Produtor entrevistado 2.
68
“Hoje, não: tu vai procurar e levar para o depósito e depois para a lavoura. Vai direto para a fossa e depois
para a lavoura para adubo de pasto, dos milho.” Produtor entrevistado 6.
69
Produtor entrevistado 6.
50
Neste sentido percebe-se, comparativamente ao produtor “tradicional”, que não buscou as
tecnologias para aumentar seu plantel, a fundamental importância que a nova forma de
acessar recursos possuiu para o associado “empresarial”.
Progressivamente, pois, em função da necessidade de maior produção, foi-se
alterando a relação entre suínos e os demais elementos produtivos que formavam o
chamado “ciclo da propriedade” embora o esterco, por exemplo, seja ainda aproveitado
na lavoura (agora sendo transportado por um caminhão). A principal ruptura que se opera,
neste sentido, é o da histórica relação existente entre a produção de milho e a de suíno.
Anteriormente, o produtor “empresarial”, a exemplo do “tradicional”, plantava e colhia
manualmente o milho, o debulhava, o moía e, ele próprio, produzia a ração destinada à
alimentar a sua criação. No entanto, com a progressiva expansão da atividade, isto se
tornou praticamente inviável (embora ainda subsista em poucas propriedades) por dois
motivos: o primeiro, pela crescente mistura de compostos adicionados à base de milho e de
soja, exigência das novas raças melhoradas geneticamente do animal, que acabou por
diminuir a importância do milho como alimento, tornando-o apenas matéria-prima da ração.
O segundo motivo advém da condição inerente a este processo de criação intensiva,
em que o inevitável aumento do número de suínos, impede, em função da grande
quantidade de alimento consumido, que se beneficie o milho na propriedade, segundo
ilustra o entrevistado abaixo:
Não, nada. Entrego tudo na Cooperativa. Meu pai alimentava com milho, moia e
fazia a ração em casa e alimentava. Eu não faço. Uma, que muito serviço,
porque se eu moer todo o milho pra quinhentos e cinqüenta porco, na
“maquineta” vai muito longe e, então, na verdade é assim, o sistema que a gente
tem com a Majestade é de parceria, então, eles fornecem os leitão e toda a ração.
Então, a gente entra com a mão-de-obra e só. Daí pra mim facilita bastante, né.
O milho, na propriedade, é utilizado uma parte pras vacas de leite, que
consomem um pouco.
70
Os produtores “empresariais” passaram, então, exclusivamente a plantar e a colher o milho
mecanicamente com sementes “melhoradas”, (e pela facilidade, em maior escala), o
entregando em sua totalidade à Cooperativa Regional ou a outra cooperativa ou empresa a
fim de que estas realizem seu beneficiamento, retornando o produto à propriedade em
70
Produtor entrevistado 4.
51
forma de ração, processo inegavelmente mais “cômodo” para o associado. Rompe-se, assim,
a lógica constituída pelos seus antecedentes (e perpetuada pelo produtor “tradicional”), na
medida em que o milho produzido na Unidade não mais alimenta a criação de animais que
comporta.
Nestes moldes produtivos, os próprios suinocultores perceberam a necessidade não
só de um grande aporte de investimentos em insumos e medicamentos (para além da
assistência técnica oferecida pela cooperativa), mas, igualmente, de um grande número de
animais e de estruturação adequada que não diminuiu o trabalho, mas acabou por
“individualizá-lo”, centralizado-se, agora, sobretudo no produtor.
71
Descapitalizados para
isto, os produtores, segundo ilustram os entrevistados abaixo, firmaram com a cooperativa
uma nova perspectiva produtiva – a da “especialização”:
Comecei só há um não a criar leitão. Eu teimei em 2001, 2002 e 2003 a criar por
conta [“ciclo completo”], me deu prejuízo, eu quase quebrei. É, eu comprava e
pagava juro. Agora, a gente pega os núcleo pra fazer a ração e quando entrega
os leitão, paga. [...] Hoje a Cooperativa tem 60 associado que trabalha por
conta, e tinha 920 iniciador e hoje tem quatrocentos e pouco que engorda, na
terminação. Então, diminuiu bastante e aumentou o suíno, porque hoje a
Cooperativa abatendo 500, 600 suínos por dia, com menos criador. Aí, tu tem
de se estruturar, porque se não se estruturar.
72
É, a gente foi incentivado a “criar leitão” ou “terminação”. Então, como eu
gostava de criar leitão, optei pela opção de criar leitão. É mais complicado cria
“ciclo completo”, porque tem de ter mais instalação e fica melhor assim
especializado, ou terminação, ou cria, melhora a qualidade do suíno, menos
trabalho. Olha, hoje a criação de leitão dá uma renda a mais que o “ciclo
completo”, apesar que a gente tem um custo um pouco alto também de
medicamento e reposição de matrizes. Mas tá bom.
73
Assim, na “especialização produtiva” (conforme será visto no capítulo posterior)
a divisão de atividades antes realizadas de forma completa (no “ciclo completo”),
desdobrando-as na “produção de leitões”, ou, no cuidado do nascimento até que o suíno
atinja um peso pré-determinado e a “terminação”, ou acompanhamento que se faz até que o
suíno (vindo das propriedades de “produtores de leitão”) esteja pronto para o abate. Na
71
“É, dá um pouco mais de serviço o “ciclo completo” [refere-se à “criação de leitões”]. Só “criando” [refere-
se à atividade não especializada] menos serviço, mas é um serviço mais em cima. Tudo junto. Sou eu que,
quase, que cuido de tudo. É sofrido, porque você tem que ficar em cima, cuidar, no esmagamento de noite,
quando dá cria. É mais sofrido.” Produtor entrevistado 2.
72
Produtor entrevistado 11.
73
Produtor entrevistado 10.
52
“especialização”, o produtor possui, como descreve o associado abaixo, a sua força de
trabalho e sua pocilga, sendo os demais fatores produtivos cedidos pela cooperativa:
Era assim [no “ciclo completo”]: o produtor comprava o leitão por intermédio da
Cooperativa, quem pagava era a Cooperativa, mas o produtor comprava o leitão.
Eu comprava a ração também, da Cooperativa. Quando tava pronto [os leitões]
pra entregar, eu entregava os porco e aí era calculado tanto de peso, por exemplo,
agora, um e noventa [reais], dava lá um “x” [valor], entre o que eu tinha
consumido de ração e os leitão, a ração era descontada. Se, na época, o porco
baixasse e o que eu tinha consumido de ração dava um valor a mais, eu tinha
prejuízo. Daí, agora mudou todo o sistema. Tu ganha por quantidade de suíno,
por cabeça. Através da conversão que tu faz. Eles calculam assim: o leitão chega
na propriedade cm 22 kg, sai com em torno de 100 kg, né, então eles pegam os
100, menos os 22 kg, né, vai dar a quantidade de quilos que engorda na
propriedade. E calcula a quantidade de ração, e aí calcula a quantia de peso.
74
O “sistema de especialização” responderia, assim, sob a ótica dos produtores, às suas
principais necessidades econômicas.
Tal “especialização” rompe, para além do Ciclo da Unidade Produtiva, com a
“tradicional” relação de “propriedade” tida pelo suinocultor em relação ao suíno. Em
função da cooperativa “cedê-lo” e de existir o compromisso regular de entrega dos suínos,
o associado passa a acessá-lo de modo diferenciado: não mais como um “bem” do qual
possa dispor em momento que necessite (a “poupança” do produtor “tradicional”), mas
como uma fonte de renda ordinária e segura, que supre as necessidades cotidianas (como a
compra de roupas, alimentos industrializados, equipamentos para a lavoura etc.),
adquirindo, por ser regular e freqüente, grande importância para o produtor:
[...] a rentabilidade é de mês a mês, não é que nem a safra que é de seis em seis
meses. Ou então, você tem que ter um estoque de grãos, que você fica vendendo
e nem sempre o mercado favorável. Então é mais rápido converter ele em
dinheiro. A gente acaba sustentando o sustento da casa. Sai daqui o combustível,
lazer, médico, hospital. A gente não pega nada da lavoura.
75
Neste sentido, a produção de suínos passa a demandar recursos externos, ou seja,
faz com que o produtor tenha de “investir de outro modo na atividade que não a
tradicionalmente estabelecida. Rompem-se, assim, os laços fundados a partir da tradição,
que os fez optar pela atividade e permanecer nela, em especial e isto foi constatado com
imensa facilidade pelo prosseguimento da escolha realizada pelos seus antecedentes e por
74
Produtor entrevistado 4.
75
Produtor entrevistado 5.
53
ele próprio, por questão de “gosto”. Ele passa, pois, a significar a atividade como um ramo
de investimento racionalmente constituído assim como em outros tipos de criação ou de
plantação e inserido em uma lógica voltada a atingir determinados fins: “Eu permaneci,
porque, uma que eu tinha um aviário, que gasto e acabo o chiqueiro pronto. E as coisa que
precisa hoje por dentro são caríssima! E, depois que montado, você vai abandonar tudo,
deixá? Aí, você não tem mais nada. Aí, eu continuei.”
76
Para além dos produtores “empresariais” mais antigos, os novos associados, que
reforçam este “sentido” de “investimento” atribuído à atividade:
Primeiro, porque eu gostava de suíno. E outra que quando eu terminei de estudar
eu não tinha muita outra coisa pra fazer, né. A terra é pouca, e não tinha muita
condição financeira, então eu tive de achar um outro setor pra conseguir renda.
Daí a gente investiu no suíno, meu pai também gostava na época, né, e acabou
saindo o financiamento, a linha de crédito, e aí começamo na atividade. O
financiamento veio através da SICREDI, quando começou os PRONAF, no
segundo ano que teve os PRONAF, o pai entrou se encaixou neste
financiamento também.
77
Tal concepção da suinocultura torna, segundo o próprio associado, a relação entre produtor
e sua opção produtiva pela suinocultura bastante frágil, segundo explana o produtor abaixo:
Olha, eu acho que pra mim não tem desvantagem, porque, na verdade, se a gente
visse alguma desvantagem que não fosse benéfica, acho que desistiria. Meu pai,
na época, nem engordava, ele tinha ali sete ou oito porca, que vinha de cria,
engordava. Ele fazia tudo, a ração. E eu acho que ele tinha o mesmo lucro que eu
tenho com tudo isso. E aí, a época, eu acho que esta é uma desvantagem, ta
dando menos margem de lucro.
78
Configura-se, assim, o tipo “empresarial”
79
de suinocultor associado à Cooperativa
Regional Sananduva. Desvinculando-se do “ciclo” de criação restrito à propriedade e
organizador dela ao se especializar produtivamente, alterou desde o tratamento dispensado
ao animal (como a reestruturação da pocilga, o fornecimento exclusivo de ração
“enriquecida”) até a condição de “propriedade” do animal, tendo-o, fundamentalmente,
como um “investimento” planejado. Deste modo, ele rompe e recria aspectos fundamentais
76
Produtor entrevistado 2.
77
Produtor entrevistado 4.
78
Produtor entrevistado 4.
79
Nomenclatura inspirada na obra de Weber, em que “Denominamos empresa uma ação contínua que
persegue determinados fins”. WEBER, Ibid., p. 16.
54
sustentados pela “tradição” na atividade suína. Este produtor passa, pois, a “agir” de modo
a alcançar, a partir de sua criação, fins expressos:
[A ação social pode ser determinada] “de modo racional referente a fins”: por
expectativas quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e de outras
pessoas, utilizando essa expectativa como “condições” ou “meios” para alcançar
fins próprios, ponderados e perseguidos racionalmente, como sucesso;
80
Neste caso, os fins apresentam-se, sobretudo, como econômicos, pois este tipo de ação
insere de modo direto este produtor no mercado, diferenciando-o social e economicamente
do associado “tradicional”.
Acrescenta-se, por ora, que, na medida em que estes produtores perdem a
“autonomia” de sua produção, seja através da compra integral da ração dada aos animais ou
de sua não propriedade em relação a estes ou seja, de sua criação através do fornecimento
de animais que, após o período de “engorda”, o recebe para o abate ou o encaminha a quem
“termine” a engorda – seu grau de independência produtiva diminui drasticamente (os
motivos que afirmam este série de relações serão analisados no Quarto Capítulo). Estreita-
se, de modo necessário, o vínculo deste associado à cooperativa e, necessariamente, a
relação que mantém junto a ela – alterando, no limite, ela própria, como ver-se-á. Supera-se,
para, além disso, a expectativa histórica (e ainda existente entre os associados
“tradicionais”), em seus contatos com a cooperativa, de apenas comercializar seus produtos
(ou comprar insumos e maquinários) de uma maneira mais favorável.
80
WEBER, Ibid., p. 15.
55
Quadro Comparativo: Produtor “Tradicional” e “Empresarial”:
Tipo Produtor Tradicional Empresarial
Especialização
Produtiva
Ciclo completo de
produção.
Especialização produtiva
(produtor de leitão ou
terminador).
Motivos/Sentidos
Ciclo da propriedade
(sobretudo, relação
estreita entre a produção
de milho e a de suínos).
Suíno é percebido como
“propriedade”.
Atividade de é auto-
financiada.
Suinocultura é herdada.
Especialização produtiva
(rompe o ciclo da
propriedade).
Atividade comporta
investimentos externos.
Suinocultura: foi herdada,
mas passa a ser percebida
como um ramo de
investimento.
Tipo de Ação
Mantém ciclo da
propriedade/ciclo
completo de produção.
Maior autonomia
produtiva (gerência sobre
negócio e trabalho).
Identifica-se em aspectos
diversos com produtores
pioneiros: “tradicional”.
Especializa-se
produtivamente, rompendo
com o ciclo da
propriedade.
Baixa autonomia produtiva
(seja sobre a produção,
seja sobre o trabalho).
Busca fins a partir da
atividade: “empresarial”.
56
56
4. DAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E DE AÇÃO: A COOPERATIVA
REGIONAL SANANDUVA DE CARNES E DERIVADOS LTDA
Este capítulo objetivará definir não o “tipo” de cooperativa existente, mas as
transformações que esta comporta em sua “ação de empresa”, levando-se em consideração
que o modelo de organização assumido por ela é, conceitualmente, o mesmo desde sua
formação. Partindo-se sempre da apontada perspectiva de que a totalidade das
organizações sociais (portanto, inclusive, da cooperativa analisada) não passam da
concretização da “conduta”, com sentido ou expectativas compartilhadas de determinados
“agentes”, a tarefa aqui empreendida consiste justamente em apontar as premissas e as
características – a partir de sua “ação” produtivo-administrativa que compõe este peculiar
tipo de “relação social”. Com este fim, serão utilizados dois conceitos weberianos já
apresentados no Capítulo Teórico: o de “associação” e o de “ação de associação”. O
primeiro, constitui-se a partir de uma relação entre agentes motivada tanto por “valores” ou
por “fins”, ajustada a partir de interesses. Há, nessa “associação”, presença de um “quadro
administrativo” com formas de agir próprias – o que configura o segundo conceito utilizado.
No caso estudado, se constatada a progressiva consolidação da cooperativa como
“associação de empresa”, à medida que solidifica um modo de agir “empresarial”.
Para tanto, será analisado o período que compreende os anos iniciais da cooperativa,
ou seja, as décadas de 30, 40 e meados da de 50 para além da exposição de um breve
histórico acerca de seu contexto de formação. Essa investigação será realizada a partir de
dados coletados em Atas, bem como através da entrevista de um antigo diretor
1
,
configurando-se a chamada “primeira fase” da cooperativa, em que se buscará caracterizar
uma forma de “ação” específica, mas marcada pela sua progressiva transformação em uma
“associação”. Já no subitem subseqüente, serão assinaladas, a partir da fala de dois diretores
entrevistados e das Atas consultadas, as características formadoras do modelo atual,
constituído principalmente a partir da década de 1950 e consolidado no período
subseqüente, em que profundas transformações da “ação” da cooperativa, seja do ponto de
vista produtivo, seja do administrativo, demarcam e caracterizam a hoje Cooperativa
Regional Sananduva de Carnes e Derivados LTDA.
1
Diretor que assumiu a cooperativa em meados dos anos 50.
57
4.1. O CONTEXTO DE FORMAÇÃO
Serão expostos a seguir, de modo breve e geral, com o alvo único de aportar
subsídios que facilitem a compreensão dos dois itens subseqüentes, o contexto de formação
da Cooperativa Regional de Carnes e Derivados Sananduva LTDA.Visando este fim,
elegeu-se, sempre partindo-se do caso concreto pesquisado, como elementos norteadores
históricos, primeiro, a conjuntura em que as cooperativas de produtores familiares emergem,
naquele momento, no estado, centrando-se na análise daquelas ligadas à produção de suínos.
Em um segundo momento, a temática da banha norteará a escrita, dada a importância do
produto na época na constituição das cooperativas agropecuárias. A intenção subseqüente
será a de refletir acerca das relações existentes entre produtores de suínos e comerciantes
(locais), buscando assinalar que a cooperativa pesquisada, apesar de buscar sua
“legitimidade” de constituição (seja no período de formação, seja em um argumento
consolidado historicamente) através do combate aos “intermediários”, ela está inserida num
contexto em que estes não mais os controladores da atividade, mas as grandes indústrias..
A vindoura Cooperativa Regional de Carnes e Derivados Sananduva LTDA nasce,
pois, sob a denominação de Cooperativa União Colonial Sananduvense de Produtos
Suínos
2
, em 15 de abril de 1935
3
, quando a então Colônia de Sananduva pertencia como
Quarto Distrito ao Primeiro Distrito de Lagoa Vermelha
4
. Data deste período, ou seja, do
final dos anos 20 e meados dos 30, dois movimentos gerais na Colônia um de ordem
econômica e outro de ordem social –: a emergência de uma infra-estrutura básica formada a
partir da progressiva instalação dos migrantes e do avanço sob as áreas de mata e, do
surgimento, como grupo econômico, de influentes comerciantes. No que se refere à
primeira, houve a construção de uma pequena capela no centro da praça, casas comerciais
com artigos variados, curtumes, ferrarias etc. Já o surgimento do segundo, ou seja, do grupo
de comerciantes, advém do declínio da venda de terras para imigrantes, em que os ex-
2
E, conforme ver-se-á, assim será denominada até julho do mesmo ano, quando passa a ser chamada de
“Cooperativa Sananduvense de Produtores Suínos”. Cf. LOREGIAN, 2005, p. 20.
3
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS. Sananduva, 1939. p.
2.
4
“Até novembro de 1907, a Colônia de Sananduva pertencia ao Distrito de Lagoa Vermelha. Como era
demasiadamente grande este Distrito, e administrativamente deficitário, o coronel Heleodoro de Moraes
Branco, Intendente Municipal, resolve criar o 4° Distrito, o de Sananduva.” LOVATTO, op. cit., p. 32.
58
comerciantes destas (ou seus descendentes
5
) voltam-se para o comércio de víveres,
ferramentas, tecidos, remédios e sementes, em troca dos produtos da Colônia, além de
guardarem, a juros módicos, as sobras dos imigrantes
6
.
Este grupo formado por negociantes-fazendeiros era bastante estruturado, possuindo,
via de regra, tropa própria de muares para o transporte das mercadorias, bem como
carroceiros
7
. Progressivamente, contudo, os imigrantes iniciaram na atividade, não como
donos de casas de comércio, mas como carroceiros, transportando seus próprios produtos
ou o dos seus vizinhos para os centros de comércio. Neste período, por parte destes
pequenos produtores, além da dedicação a uma produção de subsistência, a afirmação da
especialização no cultivo de determinados produtos, tendo-se como principais o trigo, o
feijão preto, o milho e os suínos. Tal prática da associação da cultura do milho à criação de
suínos, objetivando a produção de banha acabou por se difundir entre estes migrantes (no
caso, os pequenos produtores da então Colônia de Sananduva, especialmente aqueles
oriundos das “colônias velhas italianas”) que passaram a produzir para o mercado interno
gaúcho e, após, para o nacional, conforme foi apontado no Capítulo III.
A proliferação da produção de suínos com vistas a negociação da banha, justificava-
se comercialmente tanto no período de formação da cooperativa em questão, quanto em um
diretamente anterior a ele (a partir da década de 1880, quando o Rio Grande do Sul
vendia banha para o norte do país), em função da eclosão da Primeira Guerra Mundial. A
banha passou a se afirmar como um dos principais produtos de exportação do Rio Grande
do Sul, que estendeu as suas remessas para os mercados europeus da Inglaterra, Alemanha,
Itália e para a região do Prata, embora seu consumo interno fosse ainda maior que a
5
“Já no ano seguinte, Victor de Moraes Branco, vulgo “Mesquita”, seu filho, adquiria a Casa de Comércio de
Carlos Raymundi, em troca de centenas de hectares de campo. Assim, através de seu filho, Heleodoro
também se favorecia no comércio. LOVATTO, op. cit., p. 27.
6
LOVATTO, loc. cit., p. 27.
7
“O comerciante Ângelo Granzotto, por exemplo, com sortida Casa no Lageado Bonito, viajava
periodicamente a Florianópolis com 30 a 40 mulas de carga, via Barracão, Campos Novos, Lages, Anita
Garibaldi e Florianópolis. A encomenda era apanhada, na maioria das vezes, diretamente do navio. As compra,
na maioria tecidos, eram cuidadosamente acondicionadas sobre o cargueiro e cobertas com couro inteiro de
gado, para manter o tecido e evitar a chuva, o sol e as intempéries. A viagem durava de 30 a 35 dias. O trecho
mais difícil era a passagem pelo Rio Pelotas. Demorava-se um dia, entre desencilhar as mulas, passá-las a
nado, transportar o equipamento com canoa e preparar os animais para seguir viagem. [...] “E quando as
compras chegavam a Lajeado Bonito, parecia uma festa. O pessoal se achegava para comprar novidades,
ouvir histórias e tomar um bom vinho.” LOVATTO, op. cit., p. 27-28.
59
quantidade exportada. Em 1913, a banha aparecia como o segundo produto em valor,
sobrepujando o couro, até então absoluto. Industrialmente, a banha, em 1916,
posicionava-se em terceiro lugar quanto ao valor da produção industrial, sendo apenas
inferior ao charque e às madeiras
8
. Comparativamente aos demais produtos de exportação
do estado, pode-se observar, mediante o novo contexto (ou seja, o da Guerra) a progressão
de sua exportação em um relativo curto espaço de tempo – de dez anos
9
. Para além de toda
esta escalada ascensional de vendas, acirrava-se a concorrência no mercado. Enquanto no
plano interno, cresciam as vendas de Minas Gerais, no mercado internacional, a partir de 24,
o Rio Grande passa a ser superado em vendas pelos Estados Unidos
10
.
Ao ganhar tamanha importância econômica, a banha (principalmente, mas a
produção de suíno em geral) passa a ser foco de atenção e de preocupação por parte do
governo estadual. Estes anseios se irmanavam, no momento, às reivindicações dos
pequenos produtores, que visavam alcançar uma melhor organização produtivo-comercial.
A fim de responder a esta demanda, o Ministério da Agricultura e Comércio e a Sociedade
Nacional de Agricultura propiciaram a vinda de técnicos do exterior para introduzirem o
cooperativismo na zona colonial italiana
11
. Em 1911, veio da Itália o Dr. Stéfano Paternó
que organizou cooperativas no Rio Grande do Sul, centradas na “capacidade de poupança”
das populações coloniais de origem italiana
12
. Já aquelas diretamente relacionadas com a
produção de banha tiveram como precursora, neste ano, em Antônio Prado, a primeira
refinaria cooperativa. Logo depois, em 1920, surgiu a de Guaporé, seguindo-se as de
Alfredo Chaves e Garibaldi. Supõe-se
13
, por ora, que houve um grande estímulo por parte
de migrantes destas regiões que vieram a ocupar a então Colônia de Sananduva na
formação da posterior Cooperativa União Colonial Sananduvense de Produtos Suínos.
De modo geral, o objetivo de tais agremiações de pequenos produtores era o de
aperfeiçoar as técnicas de criação de suínos e da produção de banha mediante processos
mais higiênicos e mecanizados. Buscava-se, também, propiciar a industrialização da banha
8
PESAVENTO, op. cit., p. 87.
9
PESAVENTO, Ibid., p. 82.
10
PESAVENTO, Ibid., p. 89.
11
PESAVENTO, Ibid., p. 84.
12
Data deste período a emergência no estado, pois, das cooperativas de crédito.
13
Na medida em que não há estudos históricos a respeito.
60
através da reunião de capitais, visando obter maior qualidade e melhor preço
14
. No entanto,
embora fossem empreendidos diversos esforços, o contexto de concorrência era
progressivamente aumentado. Em reação às novas condições de comercialização, em fins
de 1928, um grupo de industriais do ramo
15
reuniu-se em Porto Alegre para, com o apoio
do governo estadual, organizar um sindicato
16
. Este objetivava, em suma, centralizar a
produção e as vendas, atuando no sentido da concentração do capital e renovação dos
processos técnicos. Para o sindicato, era necessário adquirir e transformar do ponto de
vista técnico – as refinarias de banha que utilizavam métodos pouco higiênicos e artesanais.
Para além disto, o sindicato instituído, ou seja, a “Sociedade da Banha”, estipularia o preço
que deveria ser seguido para a confecção do produto. Na medida em que o Sindicato deteria
o controle das vendas no mercado comprando toda a produção objetivando, assim,a alta
dos preços –, assumia uma condição centralizadora e monopólica
17
.
A formação do Sindicato era entendida, no período, pelo governo do estado, como a
via para a superação da oposição entre os interesses dos suinocultores e dos intermediários
à medida em que se eliminaria os últimos. Partindo das novas condições criadas, os
interesses dos suinocultores e dos refinadores se apresentariam como solidários
18
. No
entanto, além das condições gerais da crise do pós-30 – de retração do poder de compra dos
mercados –, crescentemente o consumidor nacional apresentava uma tendência que
impactava a produção e a venda da banha gaúcha. Em especial, São Paulo consolidava uma
concorrência diferenciada à banha gaúcha no mercado interno e mesmo no externo através
da produção de óleos vegetais de algodão, coco e outros, matérias-primas de “custo ínfimo”
de produção comparativamente ao porco. Em face destas condições, o óleo vegetal
14
PESAVENTO, op. cit., p. 84.
15
Segundo Pesavento, no início da do século XX, surgia e consolidava-se, na região de migração alemã,
um forte grupo de industriais da banha: “Observando, pois, as três maiores refinarias de banha do estado
apontadas pelo censo de 1907, vê-se que Trost e Renner apresentavam, na época, condições manufatureiras,
enquanto Otero Gomes podia ser classificado como fábrica. A estes talvez pudesse ser agregado o caso de
Renner, que, em 1912, dotaria seu estabelecimento de uma câmara frigorífica, oportunizando um
aproveitamento melhor dos suínos e diversificando o produto: salames, salsichas, carnes preparadas, bacon,
etc. Em 1916, o capital da firma era de 800 contos de réis e atuava com representantes seus no Rio de Janeiro
e São Paulo, exportando anualmente 60.000 caixas de banha (marca Rosa) e 5.000 barricas de carne, sob
diversas marcas. A fábrica, além de instalações frigoríficas, possuía criação de porcos e matadouro.”
PESAVENTO, Ibid., p. 79.
16
PESAVENTO, Ibid., p. 90.
17
PESAVENTO, Ibid., p. 91.
18
PESAVENTO, Ibid., p. 92.
61
produzido no centro era vendido a baixo preço, encontrando logo colocação nos mercados.
Neste ponto, não o menor custo de produção influía, mas também o mais baixo frete
cobrado para sua colocação no mercado, considerando a proximidade com os centros
consumidores
19
.
Assim, na medida em que, no centro do país, se registrava uma baixa no preço do
artigo, o Sindicato retraía as compras no estado. Ele agia no sentido de rebaixar o preço da
matéria-prima, limitando as compras diárias e propagando, assim, uma quebra generalizada
de preços. Mostrava-se, pois, a incapacidade do Sindicato em manter os preços e assegurar
mercados. A presença de concorrentes superiores tecnicamente (especialmente dos Estados
Unidos) ou daqueles que, no contexto nacional, inovaram no sentido de tentar competir
com similares de menor custo e maior aceitação (no caso, São Paulo) abalaram o controle
do Sindicato Sul Rio-grandense da Banha pretendia exercer no mercado
20
. Em reação a este
contexto e mais diretamente, ao Sindicato surge a chamada “Liga das Uniões
Coloniais”, propondo que a banha bruta, lavada ou refinada, fosse examinada
exclusivamente no lugar de produção ou no destino, de forma a nunca ser permitida
interrupção no trânsito do produto. Requeria, ainda, ainda que se fizesse a revisão das
tarifas rodoviárias no sentido de serem diminuídos os fretes da banha bruta de longas
distâncias, bem como se concedessem às cooperativas que se fundassem como o fim de
industrializar o suíno para exportação os mesmos direitos concedidos ao Sindicato da
Banha
21
.
Outra característica do movimento, que tomou incremento entre os produtores, foi o
estímulo ao ressurgimento do cooperativismo no Rio Grande do Sul. Em outubro de 1933,
realizou-se o Primeiro Congresso dos Suinocultores, patrocinado pela recém fundada Liga.
Críticas foram feitas ao Sindicato, por realizar uma valorização fictícia do produto, da qual
não tirava proveito o produtor. Da mesma forma, a isenção do pagamento da taxa
bromatológica
22
e a incapacidade de garantir mercado para a carne gaúcha foram fatores
apontados. Pregando, aliadas às reivindicações, o retorno ao movimento cooperativista dos
19
PESAVENTO, Ibid., p. 102.
20
PESAVENTO, Ibid., p. 103.
21
PESAVENTO, Ibid, p. 104.
22
A que regulava os alimentos.
62
pequenos produtores, a Liga das Uniões Coloniais Rio-grandense criou a Cooperativa Sul
Rio-grandense da Banha, com sede em Cruz Alta. A partir desta, formaram-se outros
consórcios profissionais de produtores a partir de 1933: a Cooperativa União Colonial de
Produtos Suínos, de Borges de Medeiros (fundada em 19 de novembro de 1933), município
de Guaporé; a Cooperativa de Produtores da Banha de Sant’Ana, no município de Getúlio
Vargas (fundada em 31 de março de 1935); a Cooperativa dos produtores de Banha de
Cadeados, no município de Ijuí (fundada em 16 de julho de 1935) e, igualmente, a a
Cooperativa da Banha de Sananduva, no município de Lagoa Vermelha (fundada em 16 de
abril de 1935)
23
.
Esta última, advinha, pois, de um contexto de oposição ao até então hegemônico
Sindicato da Banha e da nascente condição de menor controle produtivo e comercial por
parte de organismos externos, embora as instituições que se denominavam representativas
do setor permanecessem no controle do mesmo grupo social, ou seja, o dos industriais
24
.
No entanto, os objetivos e, conseqüentemente, as ações executadas, nas quais se assentaram
a sua formação, coincidiam com os que pautaram a constituição do Sindicato da Banha
anos antes, surgida com o intuito de “modernizar” dos processos de industrialização
25
.
Contudo, embora a tônica da fundação estivesse centrada na industrialização, esta ocorrerá
23
PESAVENTO, op. cit., p. 106.
24
“No caso da banha, o governo baixou, em 15 de janeiro de 1937, o Decreto 6.375 que criava o Instituto
Sul Rio-grandense da Banha. Oficializado pelo governo do Estado como entidade pública autônoma, o
Instituto da Banha visava à defesa da suinocultura gaúcha e a sua industrialização através de modernos
entrepostos frigoríficos. [...] O Instituto vinha a substituir as organizações pré-existentes, com o que deveria
desaparecer o Sindicato da Banha e a Sociedade Sul Rio-grandense da Banha. [...] Aliás, haviam participado
da reunião [de fundação] tanto os sindicalizados como os grupos representativos das cooperativas e dos não-
sindicalizados, mas, em termos legais, a instalação do Instituto da Banha representou o domínio do grupo
detentor do maior capital, ou seja, o que controlava o Sindicato.” PESAVENTO, Ibid, p. 117-118.
25
“Art. 4. A cooperativa tem por fim a industrialização dos produtos suínos de seus associados, venda em
consórcio, libertando-os das pesadas comissões dos intermediários. Art. 5. Para a realização do que dispõe o
artigo anterior, a sociedade observará o seguinte programa de acções: a) industrialização dos produtos suínos
de seus associados, venda em comum, libertando-os das pesadas comissões dos intermediários; b) lutar pela
defesa da produção suína no estado, sua melhoria e desenvolvimento; c) pela industrialização racional e
padronizada dos produtos e subprodutos suínos; d) pela instalação, quando possível, de refinarias de banha
matadouros e demais aparelhamentos necessários ao racional aproveitamento da produção suína; e)
encaminhar diretamente a venda dos produtos e subprodutos da indústria suína da cooperativa aos mercados
consumidores, sem prejuízo do consumidor local; f) centrar e padronizar os produtos por tipos, fornecendo
aos mercados consumidores, produtos puros e a preços justos; g) adaptar marcas que distingam seus produtos
de outros semelhantes; h) produzir reprodutores suínos para atendimento das criações de seus associados.”
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS. Ata de Fundação.
Sananduva, 1939. p. 4.
63
somente em um período bastante posterior. Os esforços da incipiente organização ficam por
ora restritos ao abate de suínos e à venda da banha, sobretudo às refinarias localizadas no
município de Erechim, industrializadoras do produto
26
. Deste modo, se a constituição da
cooperativa visava (para além da industrialização) a eliminação de intermediários, haverá a
percepção progressiva por parte de seus associados e de seu quadro administrativo de que
os recursos advindos da atividade não mais concentram-se nos intermediários. Tal
percepção provocará um forte movimento reorganizativo que, conforme ver-se-á a seguir,
delimitará e aprofundará a conduta que caracterizará a cooperativa.
4.2. A CONSOLIDAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO
Os temas aqui desenvolvidos tratam, primeiro, das características da cooperativa
quando de sua formação e de suas décadas primeiras de fundação, bem como dos anos
iniciais que marcam o início de suas transformações – compreendendo o período que vai da
década de trinta ao ano a década de 1950. Além de aspectos mais descritivos, tanto os que
dizem respeito aos associados, quanto os relacionados à estruturação produtiva interna da
cooperativa, se realizada a caracterização de seus setores técnicos e de seu quadro
administrativo. A partir disto, os dois argumentos fundamentais a serem expostos são o de
que a cooperativa configura-se progressivamente em uma consolidada “associação”, sendo
a sua forma de “ação” correspondente às “ações” dos produtores a ela ligados o que
forma a base de sua permanência social.
A então União Colonial de Produtos Suínos nasce, conforme já apontado, no ano de
1935 e a partir da iniciativa de vinte produtores que visavam, basicamente, a reorganização
da produção, do processamento e da comercialização de derivados do suíno por eles
produzidos. Uma vez fundada a cooperativa e tendo-se a primeira diretoria eleita, iniciaram
26
“Dando prosseguimento ao seu processo de modernização, a Sociedade da Banha criava, em 1932, mais
uma refinaria, desta vez em Erechim, o maior município produtor de banha no estado. Na refinaria inaugurada,
foram reunidas as das refinarias que existiam anteriormente, pertencentes às firmas Saulle Pagnoncelli &
Cia. e Dal Molin, Sciullo & Cia., membros do sindicato da Banha.” PESAVENTO, op. cit., p. 98.
64
os preparativos para a construção da sede administrativa e do abatedouro de suínos
27
. no
final do ano de 1935 e início de 1936, o abatedouro realizava o abate de suínos, bem como
a industrialização dos mesmos, com exceção da banha que ainda não era refinada pela
cooperativa mas que, neste período, era a sua principal fonte de divisas
28
. A banha era
transportada com grande dificuldade, embora sem grandes problemas de conservação
29
,
situação esta que perdurou até meados da década de 50, segundo afirma um diretor:
O grosso era a banha, no início. Se levava a banha até Getúlio Vargas
30
,
acondicionada em latas, era embarcada no trem e chegavam até o Rio, São Paulo.
Daqui até lá, era todo transportado com carroça. Quando eu entrei aqui na
Cooperativa, não tinha carro nenhum, nenhum caminhão, nem pra trazer lenha,
uma situação precária, difícil. [...] O primeiro caminhão foi pra trazer lenha [para
as caldeiras]. A banha não precisava de uma temperatura ideal. Os colonos
entravam e colocavam no porão. Nós também, para mandar embora, mandava
em lata, como o óleo hoje, ela derretia. Imagina ela ir ao Rio, como chegava
31
.
a carne do suíno, desde este período passava por um incipiente processo de
beneficiamento. Entretanto, o frigorífico realizava abates em número bastante pequeno e,
em geral, em determinados dias especialmente aos sábados dependendo, ainda, das
oscilações produtivas e de consumo de seu quadro fornecedor (sendo a época de menor
compra da matéria-prima no inverno, em que o aumento do consumo entre os produtores
tornava-se bastante significativo). Internamente, os suínos eram descarregados em fileiras,
com auxílio apenas de pessoas (“descarregado à mão”, segundo o mesmo diretor).
Posteriormente, eram colocados em balanças para serem pesados e encaminhados a um
chiqueiro localizado junto ao matadouro, onde eram alimentados e permaneciam ali até o
abate.
27
Em outubro de 1935, o Diretor Comercial demonstra balanço das despesas com construções de pavimentos,
aquisição de máquinas etc. e das importâncias recebidas dos associados. Ata nº 1, outubro/1935, p. 7.
28
LOREGIAN, E. Os impactos causados pela suinocultura no município de Sananduva e as medidas de
preservação ambiental da Cooperativa Regional Sananduva de Carnes e Derivados LTDA. 2005. (Curso
de s-Graduação “Lato Sensu” em Ciências Biológicas). Centro Universitário Católico do Sudoeste do
Paraná. Palmas, 2005. p. 21.
29
No sentido de ter uma temperatura ideal, sendo transportadas, para “exportação” para o estado, em latas. Cf.
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS, op. cit., p. 8. No
entanto, o mesmo diretor aponta que o grau de contaminação era muito alto devido ao fato da banha ser
transportada em latões soldados com chumbo.
30
O diretor refere-se à cidade que servia, junto com Marcelino Ramos, como entreposto para a o transporte
até Erval do Oeste, onde era refinada, como apontado, no frigorífico Pagnocelli. Cf. LOREGIAN, 2005, p.
21.
31
Diretor entrevistado 1.
65
O número de funcionários empregados era bastante baixo
32
, constituindo-se por
volta de sete ou oito, empenhados em todos os estágios de produção
33
. O processamento da
carne suína era bastante limitado e realizado integralmente de modo manual –,
constituindo-se, basicamente, em seu total salgamento a fim de que fossem produzidos os
salames. Estes tinham por destino mercados com São Paulo e Rio de Janeiro
34
, num
movimento que aparenta claro acompanhamento das vendas em mercados que já adquiriam
a banha produzida na cooperativa
35
.
Outra característica marcante do período refere-se à relação restrita de compra de
animais
36
entre a então União Colonial e seus associados (selecionados mediante o único
critério de exercerem a atividade de criação de suínos). Vive-se o período da citada
criação do dito “porco banha”, ou o “mestiço comum” ou, ainda, o “porco preto” todos
produtores de grande quantidade de gordura. Estes animais não exigiam nenhuma espécie
de alimento ou de estrutura (pocilga) que não os oriundos e existentes na própria Unidade
de Produção do associado. Os suínos tinham, ainda, por exclusiva forma de reprodução a
“natural” (ou a “cobertura”), havendo, na década de 1930, a indicação de que a compra
das matrizes fosse efetuada através da cooperativa
37
. Da mesma forma, os produtores, “um
quadro bem homogêneo, em que todos os eram pequenos, miniprodutores”
38
– o que
corrobora a leitura realizada na primeira parte do Capítulo II eram selecionados a partir
da “indicação” de um terceiro associado, ou seja, a cooperativa agia de modo a selecionar
seus participantes calcado no “valor” do reconhecimento pessoal
39
.
32
Há, na no ano de 1937, a construção de uma casa para um técnico projeto ampliado, posteriormente,
para os trabalhadores e que a Cooperativa percebe como sua “função social”. Ata nº 1, setembro/1937, p. 11.
33
Destaca-se, segundo a fala do Diretor, a presença do “salameiro”, ou seja, o responsável pela “receita”
empregada na produção do salame.
34
Diretor entrevistado 1.
35
Ao contrário do que afirma Loregian (argumento ainda reforçado, conforme citado, pela relativa escassez e
instabilidade de produção de industrializados): “Entre os anos de 1936 até 1946 a cooperativa, motivada pela
necessidade de conquistar novos mercados para sua produção, instalou representantes nas cidades de Porto
Alegre (1936), São Paulo (1942) e Rio de Janeiro (1946). LOREGIAN, 2005, p. 22.
36
A Cooperativa recebia apenas suínos vivos e banha dos sócios, sendo esta registrada através de vale que
especificava a entrega. COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS
SUÍNOS, op. cit., p. 5.
37
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS. Ata do Conselho
Administrativo. Sananduva, 1939-1944. p. 17.
38
Diretor Entrevistado 1.
39
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS, op. cit., p. 10.
66
Do ponto de vista administrativo, desde a sua fundação, a Cooperativa União
Colonial de Produtores de Suínos Majestade já possuía um quadro administrativo bem
delineado votado e aprovado na constituição de seu Primeiro Estatuto. Aquele era
composto por três segmentos: o Conselho de Administração, o Conselho Fiscal e a Diretoria
Executiva
40
. Tinha-se, compondo a primeira instância, um Presidente e mais doze membros
eleitos; o Conselho Fiscal era formado por treze membros, igualmente eleitos; por fim a
Diretoria Executiva, compunha-se do Presidente do Conselho Administrativo (sendo este o
representante direto da Cooperativa), do Diretor Comercial e do Diretor Gerente
41
.
Funcionalmente, cabia ao Conselho de Administração apontar decisões, cuja execução
competia à Diretoria Executiva
42
. Em relação ao Diretor Comercial, cabia-lhe a
representação legítima do Conselho Administrativo, tendo por fim executar as
determinações por ele indicadas. o Diretor Gerente auxiliava o Diretor Comercial na
administração interna podendo, este último, ser contratado e todos os demais receberem
remuneração fixa mensal.
43
.
Para além deste quadro, havia a Assembléia Geral o “órgão soberano da
Organização”
44
, o espaço em que decidia, através do voto, todas as questões relacionadas à
cooperativa, ocorrendo esta uma vez por ano. Internamente, ou seja, ao largo deste espaço
mais geral de decisão, um crescente corpo técnico-profissional era formatado. Se por um
lado, a progressiva fixação do pagamento de funcionários em especial, referindo-se ao
Diretor Comercial e ao Guarda Livros (espécie de contador), já nos anos iniciais
45
, possuído,
o quadro administrativo, em relação a estes, uma exigência de resultados
46
estabelece-se,
por outro, a remuneração do quadro administrativo eleito. Este adquire a condição de
trabalho de cargo integral, sendo seu salário complementado por uma porcentagem fixa
40
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS, 1939, p. 5.
41
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS, Ibid., p. 3.
42
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS, Ibid., p. 7.
43
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS. Ibid., p. 8-9.
44
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS. Ibid., p. 5.
45
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS. Ibid., p. 4.
46
“O Conselho Administrativo escolhe entre os conselheiros um Diretor Gerente (conforme autorização da
Assembléia Geral). O anterior foi substituído (antes deve prestar contas) em função das freqüentes ausências e
descompromisso. COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS,
1939-1944, p. 35
67
sobre a venda dos produtos da cooperativa
47
. Tal remuneração, ainda em meados dos anos
40, é estendida ao Conselho Administrativo e ao Conselho Fiscal, embora não seja sob a
forma de salário fixo, mas sim, através das ditas “gratificações”
48
. Neste sentido, ou seja, o
da fixação de uma burocratizada “associação”
49
, aponta-se ainda, no período, para a
progressiva distinção de funções (opondo-se à sua sobreposição)
50
, além da afirmação de
datas regulares de reuniões dos Conselhos
51
e do aumento de poder de decisão destas
instâncias sobretudo, os financeiros, respaldando-se em normas presentes no Estatuto da
Instituição
52
.
Ultrapassando as características que o corpo técnico e administrativo assumem, a
relação com o associado passa, igualmente, a pautar-se em mecanismos estatutários, ou, ao
menos, o quadro administrativo passa a fazer referência a estes. Em um período de grande
valorização do suíno
53
, sobretudo dificuldade de fazer-se cumprir a entrega regular e
exclusiva dos animais por parte dos associados, sendo os animais vendidos a preços
melhores aos “atravessadores”. A cooperativa passa a pautar suas exigências em relação
aos sócios através da imposição do Estatuto muitas vezes reforçada pelo
comprometimento através de uma assinatura em Atas, quando da realização das
Assembléias Gerais
54
. Recorria-se, antes disso, a alternativas que passava ao largo das
institucionais. Há, como exemplo, a cobrança, no ano de 1935, que se referia especialmente
à integralização das quotas do capital social, através não de mecanismo de coerção
institucional, mas sim, via “visita” de pessoas das comunidades incumbidas, nas seções (ou
47
O que, certamente, se constitui em um estímulo financeiro. Ata de Fundação, abril/1935, p. 12.
48
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS, 1939, p. 30.
49
Ou seja, da afirmação de um “quadro administrativo” que tem por função garantir a “ordem” estabelecida,
através do poder de representação. WEBER, 2004b, p. 30.
50
Até então, o Presidente do Conselho Administrativo, acumulou também o cargo de Diretor-Administrativo,
acumulando, da mesma forma, os vencimentos. COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE
DE PRODUTOS SUÍNOS, 1939-1944, p. 35.
51
Ainda que estas aconteçam apenas no ano de 1941. COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL
SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS, Ibid., p. 26.
52
a deliberação, aprovada pelos Conselhos, de que a Diretoria Executiva pudesse praticar operações
bancárias, contraindo dívidas. COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS
SUÍNOS. Ibid., p. 22.
53
Seja em função de seu subproduto, a banha, ou da escassez do animal para a venda.
54
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS. Ibid., p. 11.
68
“Linhas”) em que residiam, da cobrança das dívidas dos demais associados com a
cooperativa
55
, reforçando, ainda, a importância da entrega de sua integral produção.
Neste sentido, existem dois pontos de tensão permanente entre cooperativa e
associados trazidos pelas Atas consultadas: o primeiro se refere à fixação de multas
decorrentes da não entrega integral dos suínos,
56
bem como do não acesso, por parte dos
produtores, às “vantagens” oferecidas (sobretudo, a não contemplação na divisão dos juros
advindos das “sobras líquidas” das quotas-parte
57
). O outro motivo de permanente conflito
refere-se à necessidade de contribuição, via compra de quotas-parte, para a capitalização da
cooperativa
58
. Partindo-se desta última característica, avança-se na análise, no sentido de
apontar-se uma profunda relação entre o seu modo de agir e a de seus associados. Estes
últimos, conforme apontado no capítulo precedente, possuíam como uma de suas
características fundamentais uma maior “independência” produtiva, estando esta ligada a
uma concepção do suíno assim como de todos os insumos e instrumentos necessários
para a produção como “propriedade”, embora uma prática bastante comum
59
, desde seus
anos iniciais, conforme ver-se-á a seguir, fosse o “adiantamento” de recursos por parte da
Cooperativa
60
.
A cooperativa aos quais estes produtores estão ligados assume a mesma postura ao
conceber, no período, que qualquer ampliação – seja na compra de maquinário ou na
constituição de uma infra-estrutura mínima
61
–, bem como no pagamento dos lucros obtidos
junto à venda dos suínos
62
ou a compra de mercadorias para serem fornecidas a preços
melhor (a fim de que fosse evitado qualquer estabelecimento de dívida com terceiros) por
55
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS, Ibid., p. 8.
56
Estimada em 20% sobre o preço do animal. COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE
DE PRODUTOS SUÍNOS, 1939, p. 4.
57
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS, 1939-1944, p. 11.
58
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS, Ibid., p. 18.
59
E que, conforme será analisado no Capítulo IV, consiste em uma das bases fundamentais do relacionamento
entre a cooperativa e seus associados.
60
Esta possibilidade está contemplada ainda no primeiro Estatuto, em que, se houver a permissão do “Caixa”,
mediante autorização do Conselho Administrativo, a possibilidade de um adiantamento sobre o valor do
produto a ser entregue, o que, conforme ver-se-á, será uma constate na relação entre ambos, caracterizando-a
e legitimando-a parcialmente. COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS
SUÍNOS, 1939, p. 5.
61
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS, 1939-1944, p. 9
(esta se refere à compra de uma “batedeira” para a banha) e p. 36, (relativa à instalação de um frigorífico),
dentre outras.
62
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS, Ibid., p. 10.
69
parte dos associados, seja realizada apenas através do aumento de aquisição de quotas-
capital
63
. Esta postura torna-se contínua mesmo que, progressivamente, os lucros advindos
destes investimentos não fossem mais divididos com os produtores, mas mantidos para a
capitalização da Cooperativa
64
.
Assim, como características fundamentais da então Cooperativa União Colonial de
Produtos Suínos Majestade, transformada, no ano de 1944, em Cooperativa Sananduvense
de Produtos Suínos
65
, a afirmação, por um lado, de uma “ação de associação” que
marcou uma época, qual seja, o período em que as cooperativas basicamente vendiam a
banha comprada de seus associados, beneficiando uma parte mínima da produção. Por
outro lado, a progressiva consolidação de um estruturado “quadro administrativo” que,
acompanhado por um emergente setor “técnico”, progressivamente se profissionaliza,
afirmando seu poder diretivo e desse modo consolidando a cooperativa como uma
“associação” de fato. Para além disso, constata-se que a ela, que já persegue “fins” como a
melhor condição de venda dos produtos, possui uma “ação” característica (a exemplo e em
concordância com a “ação” dos associados do período), seja apenas comercializando seus
produtos, seja não contraindo empréstimos.
Contudo, este cenário começa a se alterar ainda em meados da década de 1940.
Neste período, inicia-se a uma fase de queda do preço do suíno recebido, em função da já
citada diminuição de compra da banha. Surge, então, a perspectiva que guiará as
transformações das décadas seguintes da cooperativa: a percepção da necessidade de
instalação de um frigorífico para não apenas comercializar a banha, mas, sobretudo,
63
Instituído na fundação da Cooperativa “capital mínimo”. COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL
SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS, 1939, p. 4.
64
Tal situação explica-se de certa forma, acredita-se, por uma reação ao período anterior, de oposição á
concentração de decisões proposta pelo Sindicato da Banha (embora nunca estivesse associada à ela), do qual
a Instituição é fruto, conforme afirma-se em uma passagem na Ata de Fundação, em que a União das
Cooperativas propõe a transferência das atividades industriais para a cooperativa Central, no intuito de
formar-se um bloco de pequenas indústrias, tendo os meios para a obtenção de empréstimo no Banco do
Brasil para financiar todos os associados de cada fábrica em separado, no valor equivalente às instalações de
sua fábrica, sem ter de recorrer às Assembléias para autorizar a transação. A proposta não foi aceita em
Assembléia Geral realizada, sob o argumento de estar-se vivendo em uma “conjuntura desfavorável”.
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS, 1939-1944, p. 42-43.
65
Nada foi encontrado, nos documentos, sobre a mudança da nomenclatura da Cooperativa, embora esta
possa ser atribuída a desentendimentos entre a Organização e a União das Cooperativas dos Produtores de
Suínos do Rio Grande do Sul. COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS
SUÍNOS, Ibid., p. 28.
70
industrializá-la, conforme se afirma em Ata: “[O presidente] fez ver a todos os associados
presentes a situação que nos encontramos atualmente, principalmente a classe agrícola, que
opera desamparada pelo Governo, está sendo explorada pelos grandes industriais [...]”
66
.
Para além disso, crescentes dificuldades financeiras por parte da cooperativa atribuída
à grande quantidade de capital nas “mãos de terceiros” ou da dificuldade de receber
dívidas
67
. Tal necessidade progressiva de capitalização, seja para manter a estrutura do
período, seja para alterá-la segundo os novos propósitos, irá desencadear a afirmação de um
novo modelo de cooperativa (que surge inclusive com outra denominação e outro tipo de
quadro administrativo
68
), exposto a seguir.
4.3. A CONSOLIDAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DE EMPRESA
Este subitem abordará, primeiramente, as principais transformações pela qual a
cooperativa em questão atravessa a partir, em especial, do final da década de 1950 até os
dias de hoje. De forma análoga ao subitem anterior, serão tratados, primeiro, os aspectos
mais descritivos, tanto os que dizem respeito aos associados, quanto os relacionados à
estruturação produtiva interna da cooperativa, incluindo-se, ainda, a caracterização do
quadro administrativo. Tem-se, como fontes para a análise, as entrevistas realizadas junto
aos dois diretores entrevistados, bem como as Atas e a bibliografia selecionadas. Os
argumentos centrais defendidos correspondem, primeiro, ao profundo e progressivo
processo de afirmação do quadro administrativo e do corpo técnico da cooperativa,
consolidando-a como uma “associação” com traços proeminentemente “empresarias”
uma “associação de empresa”. O segundo aspecto corresponde à constatação de que
embora a ela reafirme sua ação fundada em “fins”, rompe com a forma de agir anterior,
66
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS, Ibid., p. 39.
67
COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS, Ibid., p. 37.
68
Embora, conforme ver-se-á, não haja nenhuma divergência entre este e o quadro passado o mesmo (com
pequenas alterações) desde a fundação da Organização.
71
dado o novo “sentido” atribuído pelo quadro administrativo à gerência da organização, bem
como da emergência de um novo contexto sócio-produtivo.
O período que demarca a formação, de fato e de nome, da Cooperativa Regional
Sananduva de Carnes e Derivados LTDA, advém, conforme apontado acima, de uma forte
proposta de reestruturação que se opera desde as instâncias produtivas internas, passando
pela maior interferência junto aos produtores, até a reformulação do próprio estatuto e dos
projetos por ela desenvolvidos. No que se refere à produção, a grande ruptura ocorre a
partir da introdução e expansão na e pela cooperativa do porco “tipo carne”
69
. Na época, a
emergência de outros tipos de gordura, em especial, a vegetal, fez com que a banha, até
então principal subproduto do suíno, virasse um produto secundário, sendo substituída pela
carne do animal
70
. Em função disso, foram introduzidas, especialmente em meados da
década de 1960, raças geneticamente melhoradas, como Duroc, MS-7 e Landrasse
71
. Tal
transformação se operou na cooperativa, segundo o diretor entrevistado, seguindo esta
mesma lógica:
[...] Nós começamos um pouco mais tarde, porque as indústrias maiores, como
Sadia e Perdigão, com maior expressão, eles já tinham iniciado a criação do
porco tipo carne, porque a banha como era o produto principal do suíno, ela
virou produto secundário, porque entrou o soja e do soja extraíam do grão o óleo
[...].
72
Houve, a partir desta mudança de orientação produtiva, a necessidade, segundo o
diretor que administrava a cooperativa no período
73
, de disseminar os novos tipos de
animais junto aos produtores, que inicialmente eram fornecidos em especial, os animais
responsáveis pelo início da reprodução (“matrizes”) que, conforme apontado, esta se
dava através da “cobertura”. A partir daí, adveio a necessidade de estabelecimento de uma
“maternidade”, ou seja, de um espaço ligado à cooperativa que reproduzisse os suínos
destinados a quadro de associados, como aponta o mesmo diretor:
69
Sem sustentar-se, aqui, contudo, uma ordem causal estabelecida, mas procurando-se constituir um fio
condutor da análise.
70
Na década de 1970 começam a aparecer de modo recorrente nas Atas da Cooperativa a queda do preço dos
suínos ligada a diminuição do valor da banha. Ata Conselho de Administração, agosto/1972.
71
LOREGIAN, 2005, p. 22.
72
Diretor entrevistado 1.
73
Diretor entrevistado 1, que administrou a Cooperativa do ano de 1949 até 2001, ocupando por ora, o cargo
de Diretor Comercial.
72
Eu que introduzi a produção de animais [melhorados geneticamente]. Eu que
comprei o terreno e construí a nossa Maternidade. Começamos a construir e
fazer a criação de animais tipo carne, com assistência da EMBRAPA de
Concórdia, com o Ministério da Agricultura. Aí, compramos os primeiros suínos
e iniciamos a produção. Aí começamos a distribuir entre os associados
74
.
Data deste período, ou seja, de meados da década de 1960, a emergência de mais
uma necessidade: em função do tipo de animal produzido pelos associados, houve a
demanda do estabelecimento de uma alimentação mais “racional”. Abandonou-se
conforme foi apontado no capítulo anterior –, pois, a dieta baseada em milho, mandioca e
pinhão, tradicionalmente utilizada. Os componentes das rações alimento-base dos novos
animais continham (e contém, juntamente com vitaminas acrescidas atualmente) óleo de
soja, farelo de milho e farelo de trigo. De modo inicial, a ração era integralmente adquirida
pela cooperativa junto a empresas
75
. Buscou-se, contudo, a instalação de uma fábrica de
ração que atendesse às demandas dos sócios, ocorrida em meados dos anos 80:
Instalou-se o recebimento de milho com o início das atividades do secador e
silos, fica convencionado que a Cooperativa deverá receber o milho dos
associados para a secagem cobrando as taxas devidas e adquirir o milho
necessário para a fábrica de ração, não entrando por enquanto na
comercialização do milho.
76
A cooperativa, pois, começava a adquirir não mais apenas o suíno de seu produtor
77
, mas
também milho e, posteriormente soja (comercializando ambos)
78
.
De modo paralelo a este processo de expansão, em fins dos anos 60 e meados dos
70, a estrutura da cooperativa é ampliada, contendo quatro setores: a loja de insumos, de
material veterinário
79
e de maquinários responsável pelo fornecimento e venda de ambos
–, a fábrica de rações, o frigorífico e o departamento técnico. Este último é criado com o
74
Diretor entrevistado 1.
75
“Naquele tempo, quando nós começamos a comprar ração, vinham os próprios técnicos da empresa, que
orientavam para a sua utilização.” Diretor entrevistado 1.
76
COOPERATIVA REGIONAL DE CARNES E DERIVADOS LTDA. Ata do Conselho Administrativo.
Sananduva, 1983, p. 29.
77
Como lembra o diretor da instituição, no período, em função da fábrica, teve, por vezes, de se buscar milho
em outras regiões em função de consecutivas estiagens, pois se necessitava suprir a demanda de alimento dos
animais. Diretor entrevistado 1.
78
Rompe-se, aqui, a estreita relação, já citada no capítulo anterior, entre a produção de milho e de suínos dos
associados que assumiram este o novo modelo produtivo.
79
Instala-se em uma das salas a “secção de produtos veterinários”, tendo o produtor o “retorno” na entrega da
sua produção, proporcional ao valor gasto. Ata Assembléia Geral Extraordinária, outubro/1968, p. 129-130.
73
fim de assistir os associados em sua produção, visando, sobretudo, o aumento da
quantidade de suínos produzidos
80
. No período inicial de sua formação, segundo o diretor
que o consolidou, o departamento técnico tinha como principal responsabilidade a
vacinação dos animais atividade antes realizada por um técnico do estado, através do
Ministério da Agricultura, que ia até às propriedades para fazer a vacinação
81
pois a
principal preocupação referia-se ao alastramento da “peste suína”, sem que, no entanto,
deixasse de haver uma forte reação dos produtores em relação a este novo procedimento
82
.
Ressalta-se, que, para o diretor atual
83
, esta estrutura organizacional-produtiva não alterou-
se estruturalmente:
Não sofreram alteração. foram modernizados. Temos aqui o departamento
técnico, que cuida da produção. Ele tem o compromisso de acompanhar o
produtor desde o início da criação até a ponta, a entrega. Ele tem que me
fornecer 550 leitões/dia. Como? O problema é dele. São veterinários, técnicos
agrícolas e mais três filiais, em São João da Urtiga, Paim Filho e São José do
Ouro, além da Granja, que fornece material genético, coordenado por um técnico.
[...] Temos também a loja de insumos, com medicamentos, insumos, máquinas e
toda esta parte. Além dos setores da Fábrica de Rações e o Frigorífico, fechando
quatro setores
84
.
Do ponto de vista da industrialização dos produtos e da própria estrutura da
indústria
85
–, houve significativas e admitidas modificações. Com a introdução do porco
“tipo carne”, segundo o diretor da época, aumentou-se o aproveitamento do animal. A partir
daí, a cooperativa diversificou crescentemente os produtos, abrangendo desde os
caracteristicamente “in natura”, como o toucinho e o bacon, até os processados, como a
copa e o salame
86
sendo este último sempre o primeiro em vendas. Os próprios
procedimentos do beneficiamento do animal alteraram-se sobremaneira, caracterizando-se
80
LOREGIAN, 2005, p. 22.
81
COOPERATIVA SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS. Ata do Conselho Administrativo.
Sananduva, 1962, p. 42.
82
“Tinham alguns produtores que a gente orientava pra vacinar e não vacinavam. os suínos morriam.
Muitos pegavam a nota (que comprovava a vacinação obrigatória) e não vacinavam e sofriam as
conseqüências. O processo foi paulatinamente implantado”. Diretor entrevistado 1.
83
Que assumiu a direção no ano de 2001.
84
Diretor entrevistado 2.
85
Iniciada no final dos anos 60 com o aporte de maquinários diversos, bem como de uma reforma para
expandi-la, no ano de 1982. COOPERATIVA SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS. Sananduva,
1968, p. 6.
86
“Nós montamos um “mix” de mercadorias maior e aumentamos o volume. Dentro do mesmo abate,
vendemos carne “in natura” e agregamos mais. Agora, o salame continua um dos principais produtos desde o
início. Salame, copa, etc. Temos um volume grande de [produção] de mercadorias.” Diretor entrevistado 2.
74
por uma profunda mecanização, o que, segundo o atual diretor, não resultou em uma
diminuição do quadro de funcionários
87
que, no entanto, possuem características e
funções particulares, estando inseridos em um processo preponderantemente mecanizado:
Temos uma máquina hidráulica, que moí, tempera e tudo. O funcionário só
coloca a tripa ali. O aumento de funcionários vem em função do aumento do
leque de produtos, já que temos a maior parte da produção mecanizada. O
salame e a lingüiça vêm de porcos diferentes, então a carne deve ser selecionada,
embora a criação seja hoje bem mais homogênea [em função dos padrões
exigidos no recebimento e construídos na criação].Mas os funcionários, nem
todos se adaptam à rotina de trabalho. No abate e na separação precisa de mais
pessoas, em especial homens
88
.
Neste sentido, o “processo artesanal” que é propagado pela cooperativa – limitado à cura do
salame, do salamito e da copa, em que estes são expostos até a secagem – objetiva,
sobretudo a venda dos produtos, em uma estratégia admitida pelo diretor atual como “de
marketing”.
Já a comercialização da produção centra-se, como desde o início da cooperativa, nos
mercados de São Paulo, Rio de Janeiro e de Porto Alegre, enfatizando-se as vendas para
este último, pois, na fala do atual diretor, o Rio Grande do Sul consome muito mais carne
suína (comparativamente a outros estados) e os compradores gaúchos são “melhores
pagadores”. No entanto, se a estratégia passada focalizava a venda em larga escala –
sobretudo para grandes redes de supermercados, superando-se um período de venda direta a
pequenos comerciantes os novos procedimentos de venda (embora ainda bastante
centrados no anterior
89
) apontam para o retorno à pulverização destas. Tal alteração deve-se,
segundo o mesmo diretor, a dois fatores: em função de, primeiro, na possibilidade de os
compradores não pagarem, quem assume o ônus são os atravessadores que adquiriram
anteriormente os produtos. O segundo, refere-se ao alto custo atual de se “chegar até o
consumidor”, o que favorece a constituição de uma lógica de formação de uma cadeia de
distribuição e venda independentes. Cabe, por ora, notar que existe entre a “pulverização”
87
“Tanto é que quando eu assumi tinham 273 empregados, agora tem 360, oscila 10 ou 12 por mês.” Diretor
entrevistado 2.
88
Diretor entrevistado 2.
89
“Hoje, tu vai num supermercado ou numa Casa para vender, se tu tiver salame, ele o compra. Ele quer
vários produtos. Nós vendemos todo dia para a Central em Porto Alegre, que requisita todos os meses. O
Zaffari é nosso maior comprador. Além disso, nos temos uma empresa da rede, que nos cobra 4.500 reais
por mês para arrumar as prateleiras e retirá-las da geladeira, substituir as embalagens rasgadas.” Diretor
entrevistado 2.
75
de vendas do passado e a do presente uma diferença fundamental: na primeira, tinha-se esta
opção estabelecida sobre as bases da confiança
90
; na segunda, se estabelece a partir de
uma garantia final estrategicamente projetada.
Este conjunto de mudanças estruturais (com maior ou menor amplitude dependendo
do setor a que se refere) advém, segundo a fala do diretor da época, da estratégia, surgida
em meados dos anos sessenta, de ampliação da produção por parte da cooperativa. Tal
iniciativa teve como um de seus principais marcos a expansão e mecanização do frigorífico,
que era bastante limitado conforme se apontou anteriormente tanto na capacidade de
abate, quanto na instrumentalização para a industrialização. Ao se investir na estruturação
da indústria, a cooperativa passou a ter um forte empecilho para o aumento da produção – a
restrição da matéria-prima:
Foi quando eu comecei a ampliar a indústria, já tinha os sócios, que produziam
pouco, não era o suficiente. Tivemos que buscar matéria-prima em outras
regiões para aumentar a produção, cobrir a mão-de-obra e aproveitar todo o
maquinário, porque eu botei todo maquinário pronto. Eu comprei ele. Eu
comprei desde as caldeiras que não funcionavam. As caldeiras, as máquinas, as
instalações. Tudo, tudo novinho.
91
Buscou-se solucionar esta dificuldade por meio de duas alternativas: primeiro, a de buscar
matéria-prima em outras localidades, passando-se a agregar cios residentes, o que
tornou a cooperativa “regional”
92
:
Comecei a associar colonos à cooperativas que recebiam suínos, como em
Ronda Alta, Xingu e canalizar para a Cooperativa. Depois que veio o aumento
da quantidade do abate. Fizemos muitas campanhas de aumento do quadro social.
Em São José do Ouro, instalei o primeiro posto de recebimento de suínos, junto
com o padre, na missa. Não havia nenhuma cooperativa que recebesse nesta
região, Getúlio Vargas. Foi que mudei o estatuto para Cooperativa
Regional Sananduva, isto significava que a Cooperativa não era de
90
Em que os compradores, na maior parte das vezes eram conhecidos, estabelecendo-se uma “redea partir
de uma relação baseada no compromisso assumido por ambos.
91
Diretor entrevistado 1.
92
“Comecei a associar colonos à cooperativas que recebiam suínos, como em Ronda Alta, Xingu e canalizar
para a Cooperativa. Depois que veio o aumento da quantidade do abate. Fizemos muitas campanhas de
aumento do quadro social. Em São José do Ouro, instalei o primeiro posto de recebimento de suínos, junto
com o padre, na missa. Não havia nenhuma cooperativa que recebesse nesta região, Getúlio Vargas. Foi
que mudei o estatuto para Cooperativa Regional Sananduva, isto significava que a Cooperativa não era de
Sananduva, mas incluía municípios vizinhos. Quando começou este frigorífico, o abate aumentou pra 300.000
quilos.” Diretor entrevistado 1.
76
Sananduva, mas incluía municípios vizinhos. Quando começou este frigorífico,
o abate aumentou pra 300.000 quilos.
93
Como segunda estratégia, a cooperativa passou a criar mecanismos que garantissem ou o
aumento do produto por associado. Neste contexto faz todo o sentido buscar desde o
aprimoramento da genética animal, passando pelo cuidado veterinário, até o balanceamento
de sua dieta.
Assim, os critérios para a associação, que antes se limitavam à prática da
suinocultura (embora esta seja a principal até hoje), progressivamente passaram a exigir um
grau de caracterização bastante específica o fornecimento em quantidade e de qualidade
para a cooperativa (que, conforme se anotou acima, assumia uma nova postura tanto interna
no setor produtivo –, quanto externa no alcance da comercialização). Advém daí, a
iniciativa primeira do aumento do quadro social:
Quando eu ampliei a Cooperativa, eu podia, com o aval do Estatuto, buscar até
30% de suínos de produtores que não eram sócios, em função da falta de
matéria-prima. [...] Quando eu entrei, tivemos uma Assembléia com três mil
associados. Depois da campanha de aumento de associados, chegamos a três mil.
Tu vês quanto foi aumentado o quadro social.
94
No entanto, progressivamente percebeu-se que a relação produtiva estabelecida com os
associados a da “criação mais independente” dos animais– não atendia satisfatoriamente
às demandas. Necessitava-se afirmar um quadro permanente, constante, obtido através do
“sistema de integração”:
Automaticamente, alguns produtores foram saindo. Desde os anos 70
começamos paulatinamente a introduzir algumas transformações. São os
Integrados que mantém a Cooperativa hoje. Hoje, com a Integração, não
dependemos de ninguém. A Integração surgiu a partir desta necessidade: um
quadro de associados fixo que produzisse a partir de um conjunto de exigências.
E ele não podia falhar. E até hoje não pode
95
.
Embora a Cooperativa afirme, através do diretor da época, que os produtores tiveram uma
transformação gradual, sendo orientados através dos técnicos (veterinários), o fato é de que,
93
Diretor entrevistado 1.
94
Diretor entrevistado 1.
95
Diretor entrevistado 1.
77
a partir deste processo uma grande queda do número de produtores associados (que se
mantém até hoje)
96
, conforme admite o Diretor atual:
Baixou o mero de produtores, mas aumentou a produção. O mercado eliminou.
Aquele que não quis crescer, que não acompanhou, deu a oportunidade para
aquele que acompanhou, porque as margens diminuíram e hoje aquele não tem
condições de sobreviver. Então, têm produtores que tinham duas criadeiras.
Quando eles perdiam uma, ficavam com 50% da produção; agora, se ele tem 50,
se perde uma ou duas, é dois, três por cento. Daí este prejuízo desaparece.
97
Atingiu-se, no entanto, a meta de produção: “Destes 600, 700 integrados, eles alimentam a
Indústria como quando eram 3000, 3500. Foram estes que se enquadraram no sistema, que
se modernizaram, que sustentam a cooperativa.”
98
Posterior à “integração”, ocorrida nos anos 80, foi constituída na cooperativa, na
década de 90, a chamada “especialização produtiva”, ou seja, dividiu-se a produção de
suínos (e, assim, o quadro social) nas etapas de “criação de leitões” e de “engorda” ou
“terminação”. No entanto, uma parcela mínima dos produtores continuou praticando o
“ciclo completo” – em torno de 20%
99
–, ou seja, criando o leitão e o entregando pronto para
o abate, quando este atinge 100 kg de peso vivo. Além disso, continuaram arcando com os
custos de ração, medicamento, fretes e demais gastos necessários para realizar a criação,
recebendo de forma gratuita, da cooperativa, a assistência técnica. Este produtor, além do
preço estabelecido para o suíno (que segue a cotação da SINDICARNE), recebe uma
porcentagem de bonificação por animal, que pode variar de 0% a 10% do valor, conforme o
rendimento.
100
a “produção de leitão” que conta com maior número de integrados, 225
associados é formada por produtores que possuem além de reprodutores com genética
especializada, instalações adaptadas. A especialidade visa à produção de leitões com até 25
kg de peso vivo, quando então os comercializam junto à cooperativa, recebendo por estes
65% mais que o preço do quilo do animal para abate estando os leitões enquadrados nos
96
O número de associados da Cooperativa é de 3.000, embora 1.500 sejam “atuantes” ou seja, mantêm
negócios com ela – e apenas 474 suinocultores integrados. Cf. LUPPI, 2004, p. 5.
97
Diretor entrevistado 2.
98
Diretor entrevistado 1.
99
Diretor entrevistado 1.
100
LUPPI, J. Diagnóstico de Unidade de Produção: Cooperativa Regional de Carnes e Derivados LTDA.
Relatório de Estágio Curricular II (Curso de Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial) Universidade
Estadual do Rio Grande do Sul, Sananduva, 2004, p. 33.
78
padrões de qualidade exigidos. os associados que recebem este leitões em forma lotes,
são os “terminadores”. Para além dos suínos, eles recebem também as rações, os
medicamentos, a assistência técnica, fretes e demais insumos necessários ao engorde dos
suínos. Em contra partida, os produtores oferecem à cooperativa as instalações e a mão-de-
obra necessárias para realizar os cuidados de manejos recomendados para a produção dos
suínos, que durante um período de 100 dias permanecem na propriedade até atingirem o
peso adequado.
101
Tecnicamente, o processo de “especialização” significou para a cooperativa,
segundo a fala do diretor atual, primeiro, a garantia de uma produção permanente e
controlada, com custos menores e que beneficia, igualmente, o produtor:
Este aqui ganha o leitão pago [refere-se ao “terminador”], damos toda assistência
e se ele fizer “x” quilos de suíno com a ração, quanto ele fizer, dentro de uma
meta que ele atingir, ganha mais ou ganha menos. É proporcional ao rendimento,
à capacidade e à produtividade que ele tem. Então, pra nós barateia o custo e nós
aí premiamos ele pelo serviço prestado. Eu tenho que recolher aqui 200, 50, 300,
100 e distribuir conforme a estrutura de engorda. Também, para a sanidade dos
animais é bom retirar todos de uma vez só. vem o “vazio sanitário”, que em
sete, oito dias, se limpa, desinfeta tudo, diminui as doenças, embora elas ainda
existam.
102
Para além destes supostos benefícios, a cooperativa, que assumiu este processo, segundo o
mesmo diretor, foi determinante para a manutenção da produção do associado: “Nós
tivemos que alcançar a mão para o produtor. Este que fazia o Ciclo Completo estava
quebrando. Se ele é um bom criador de leitão, então se cria leitão, até os 24 kg. A
cooperativa recebe e te paga. E aloja aqui no Terminador.”
103
No que se refere ao “quadro administrativo”, embora a configuração permaneça a
mesma
104
, dois aspectos que o caracterizam devem ser salientados: o primeiro, diz respeito
à formação dos Diretores-Presidentes, que desde os anos 50 (ou da época que se delimita
aqui como sendo de ruptura), são profissionais urbanos e não suinocultores como acontecia
até então. O segundo aspecto, que marca a conduta do “novo” quadro, refere-se à
101
LUPPI, J. Ibid., p. 32.
102
Diretor entrevistado 2.
103
Diretor entrevistado 2.
104
Ou seja, o Diretor do Conselho Administrativo o “Diretor-Presidente” –, o Diretor-Gerente, hoje o
“Industrial” e o “Diretor-Comercial”.
79
construção da noção de que os investimentos e a própria manutenção da cooperativa
necessitava, no contexto que se formava – já nos anos 60, de recursos externos:
O primeiro empréstimo eu fiz com o Banco Nacional de Crédito Cooperativo,
com créditos subsidiados. Assim, nós construímos, para substituir o matadouro
velho, através de Planta aprovada pelo Ministério da Agricultura do Rio de
Janeiro, para aprovar a planta e nos enquadrarmos dentro das exigências
sanitárias para não contaminar o produto. O primeiro empréstimo que fiz, fui
buscar em Porto Alegre. Em Lagoa Vermelha o acesso era difícil [...] Com o
tempo a Cooperativa foi percebendo que ele precisava procurar recursos
externos, pois o capital dos sócios não era mais suficiente para mantê-la [...].
105
Rompe-se, assim, a gica anterior da dependência exclusiva das quotas-parte dos
associados, tornando-se o acesso ao capital externo devidamente aprovado pelos
associados – prática recorrente na Cooperativa.
Tem-se, pois, uma profunda alteração na caracterização e na conduta do quadro
administrativo da cooperativa pesquisada. Este constitui, por um lado, mudanças de cunho
produtivo concretizadas na afirmação de uma indústria frigorífica –, comercial a partir
da estruturação racionalizada de canais de venda da produção e de gestão – mais
independente e profissionalizada – todos caracterizadores de uma estratégia que busca
atingir fins (sobretudo econômicos) estabelecidos a partir de demandas externas (de
mercado). Por outro lado, este mesmo quadro promove, junto à maior parcela de seus
associados, uma profunda reorganização produtiva, que, para além da absorção de
instrumentos técnico-produtivos, configura-se como um novo tipo de produtor, possuindo
sentidos e condutas coerentes com os da “nova cooperativa”. Contudo, há a permanência de
um tipo específico de produtor – o “tradicional” – que aponta para a constituição de
relações peculiares da “associação de empresa” pesquisada com seus associados aspectos
analisados a seguir.
105
Diretor entrevistado 2.
80
Quadro Comparativo Cooperativa: “Associação” e “Associação de Empresa”
Organização Consolidação Associação Associação de Empresa
Ação Produtiva
Suíno adquirido “tipo
banha”.
Baixo beneficiamento
cooperativa enquanto
“matadouro”
Trabalho não-
qualificado.
Processamento
artesanal/manual dos
produtos.
Baixa
produção/produtividade.
Relação restrita com
produtor (compra e
venda de produtos)
Suíno adquirido “tipo
carne”.
Alto beneficiamento produtos
cooperativa enquanto
“indústria”.
Trabalho especializado.
Processamento mecanizado
dos produtos.
Alta produção/produtividade.
Relação produtiva estreita
com produtor
(integração/especialzação).
Caracterização/Ação do
Quadro Administrativo
Quadro Administrativo
consolidado (estatuto).
Número reduzido de
funcionários/técnicos.
Estruturada a partir das
quotas-capital dos
sócios.
Persegue “fins”.
Quadro Administrativo
estruturado e
profissionalizado.
Quadro funcionários e
técnicos especializados.
Manutenção/ampliação
Cooperativa: recursos
externos.
Persegue “fins” estreita
relação estreita com mercado.
81
81
5. POR UMA ANÁLISE RELACIONAL: PRODUTORES FAMILIARES E
COOPERATIVA EMPRESARIAL
Este capítulo buscará contemplar e explicar as continuidades e as transformações
nas relações construídas entre a Cooperativa Regional Sananduva de Carnes e Derivados
LTDA e os suinocultores familiares a ela associados atualmente. Buscando este fim,
primeiramente serão rememorados os principais componentes que definiram, neste trabalho,
os dois tipos de produtores, especialmente no que se refere às suas características
produtivas. Aliadas a estas, analisar-se-á as questões em que se provocou explicitamente os
produtores a elaborarem e exporem as motivações, as desvantagens e as vantagens de
continuarem ligados à cooperativa. Pretende-se, assim (partindo-se do resgate da
construção do sentido de suas “ações”), alcançar argumentos (ligado essencialmente às
práticas produtivas) que contribuam para a delimitação das “relações sociais” mantidas por
parte dos produtores com a cooperativa. Demarcar-se-á, aí, os diferentes graus de
autonomia dos dois tipos de suinocultores e as dessemelhantes formas de se relacionar
produtivamente com aquela.
Diferentemente da análise acima exposta, a segunda questão apontada como
definidora das “relações” entre a cooperativa pesquisada e seus associados assinala a
heterogeneidade de “sentido”, mas a homogeneidade do “agir” dos distintos tipos de
produtores em relação à “ordem” ao qual estão vinculados, reforçando os apontamentos de
Weber que indicam que uma relação comporta, potencialmente, sentidos diversos. Os
pressupostos desta afirmação baseiam-se na tríade “adiantamento-confiança-desconto”, ou,
no que Paulilo denominou “a dívida como uma forma de relacionamento social”
1
. Tem-se,
pois, que, embora os associados possuam graus de autonomia diversos e acessem os
recursos e bens da cooperativa de forma bastante distinta, atribuindo sentidos diversos a ela,
o mecanismo que mantém este “acesso” embasa-se no mesmo “valor”, ou seja, o valor da
1
“A idéia de que os suinocultores integrados estão sempre endividados e, por isso, não podem romper a
ligação com a empresa também mercê discussão. Estar devendo é a situação normal na relação entre estes
dois elementos, o que não significa que a dívida não pode ser saldada a qualquer momento. A rigor, dois
tipos de dívida: a que o produtor contrai com o banco para construir as instalações e a que ele tem com a
firma, decorrente do fornecimento de insumos.” PAULILO, 1990, p. 128. A autora, no entanto, não estabelece
distinção entre o “sentido” que os produtores atribuem a esta prática, conseqüentemente não os diferenciando.
82
“confiança” concretizada, sobretudo, na valorização da relação pessoal –, “legitimando”
2
o vínculo com a Cooperativa. Tal relação, exposta igualmente no subitem posterior,
expande esta análise para a esfera administrativa, demarcando que o fundamento da
“legitimidade”, atribuída por ambos os tipos de suinocultores familiares à cooperativa
Regional Sananduvense baseia-se, fundamentalmente, em uma “crença racional baseada em
valores”.
No que diz respeito à cooperativa (e em concordância e complementaridade com a
reflexão acima exposta), mais especificamente no que diz respeito à sua organização
interna, serão resgatados alguns elementos que apontarão menos para a transformação dos
seus processos produtivos internos, mas sobretudo para o aprofundamento da
especialização dos quadros, bem como da progressiva profissionalização do quadro
administrativo aspectos apontados no Capítulo III deste trabalho. Para além disso, serão
consideradas as questões em que os próprios diretores delimitam a estruturação, as
atribuições e os poderes dos distintos setores. Pretende-se constatar que embora a haja uma
profunda e progressiva estruturação burocrática na cooperativa, os poderes de decisão,
embora respeitem as instâncias previstas no Estatuto e perpassem tecnicamente diversos
setores e/ou profissionais especializados, permanecem profundamente concentrados,
sobretudo na figura do diretor-presidente.
Externamente, ou seja, em sua relação com os seus produtores familiares de suínos,
será demonstrado que a cooperativa estabelece seus laços de “dominação” ou, a
possibilidade daqueles oferecerem obediência a ela –, de modo homogêneo, seja em relação
ao “produtor tradicional”, seja em relação ao “empresarial”. Ancorada em questões que
cercam as mais amplas relações desde as produtivas até as institucionais, mas
especialmente estas últimas procurar-se-á delinear seguindo-se as orientações do
próprio Weber a forma com que a cooperativa é administrada, o caráter do círculo de
pessoas que a administram, os objetos administrados e o alcance que possui a sua
dominação junto aos associados, buscando-se relacionar esta última noção à da
“legitimidade”, que constitui, conceitualmente, a sua base. Objetiva-se, a partir disto,
demonstrar que para além de uma relação de “dominação” homogênea entre os dois tipos
2
Resgatando-se: segundo Weber, a crença em determinada ordem social.
83
de produtores encontrados na cooperativa, ela se caracteriza por um profundo caráter
“tradicional”.
5.1. A DISTINÇÃO E A SIMILITUDE DAS RELAÇÕES COM A COOPERATIVA:
OS DIFERENTES GRAUS DE AUTONOMIA E O ENDIVIDAMENTO COMUM
Conforme apontado no Capítulo II, este trabalho definiu dois tipos de produtores
familiares de suínos ligados à Cooperativa Regional Sananduva de Carnes e Derivados
LTDA, sejam o “tradicional” e o “empresarial”, ambos portadores de características
bastante distintas que, conforme ver-se-á na seqüência, definirão relações diferenciadas
com a cooperativa. O produtor “tradicional” caracteriza-se fundamentalmente, por um
maior tempo de associação, uma lenta, mas progressiva incorporação de tecnologias
(principalmente as que dizem respeito à raça dos animais criados, ao acréscimo de
substâncias nutricionais processadas industrialmente e à melhoria das instalações nas quais
os animais são criados), mas, sobretudo, por manter traços e concepções produtivos
herdados de seus antecessores. Neste sentido, a prática produtiva que os configura como
“tradicionais” advém da permanência na modalidade de produção do ciclo completo, ou
seja, naquela em que o suinocultor cria o animal desde o seu nascimento até o momento em
que o suíno encontra-se pronto para o abate, entregando-o diretamente à cooperativa.
O “sentido” de tal permanência neste sistema de produção está calcado, conforme
constatado, principalmente em duas concepções tidas por parte destes produtores. A
primeira se refere à idéia de que existe um determinado “ciclo da propriedade”, em que o
milho plantado serve de alimento primeiro para os animais, que, por usa vez, eliminam
dejetos fundamentais para a adubação do solo que, novamente, deve receber e fazer
germinar as novas sementes de milho. De modo análogo, a noção de que a os porcos são de
fato sua “propriedade” o que vem ao encontro, em especial, da concepção do porco
enquanto “patrimônio” e “poupança”, já explicitados. Tal perspectiva conduz a “ação”
destes indivíduos no sentido de que a criação abranja desde o nascimento até o abate dos
animais embora se utilizem os diversos serviços oferecidos pela cooperativa –,
84
configurando, substancialmente uma “criação autônoma” (concebida, segundo os
entrevistados como o “criar por conta”), valorizada, desde a produção até a venda, segundo
os produtores entrevistados:
Eu acho que o ciclo completo pra mim é o melhor, porque eu tenho as minhas
porcas tudo paga. Eu, se chegar o técnico e eu não limpei o chiqueiro porque
tinha trabalho na roça, ele não pode reclamar comigo, porque eu trabalho por
conta. Se eu tiver prejuízo, ele não tem nada a dizer, né. E se eu sou
especializado na Majestade, dali, se eles chegam ali e vêem o chiqueiro sujo,
eles podem reclamar, eles têm direito. Criando por conta, eles não têm direito.
Se acaso tenho prejuízo, sou eu que assumo, né.
3
Tem, tem [vantagem do ciclo completo]. Veja este leitão meu aqui. Chego na
cooperativa e falo: tenho [em casa] nove ou dez leitão. Vão e me pegam
os leitão. Eles vão e levam embora. Se eu quero engordar, eu fico aqui e engordo
aqui. A decisão é minha
4
.
Desta forma, a manutenção da “relação” com a cooperativa é explicada, em um de seus
aspectos, pela possibilidade de poder continuar criando suínos á sua maneira.
A partir desta constatação aponta-se que, a principal motivação que levou os
produtores “tradicionais” a se tornarem sócios permanece bastante atual (embora date de
várias décadas em todos os casos), constituindo-se, basicamente, na expectativa de
“negociar porco”. Assim, as causas de se estar associado na cooperativa podem ser
resumidas a dois planos: no primeiro, a preocupação de comercialização do produto e,
conseqüentemente, de seu pagamento, segundo afirmam os entrevistados:
Olha, o principal motivo e a vantagem que eu vejo, que me fez entrar na
cooperativa: eu ia entregar os porco pra quem? Tinha que entregar pra Majestade.
que depois de uns anos atrás, quando em falta os suíno, passa os picareta,
mas você tem que entregar pra Cooperativa, porque quando você tem uma sobra
de suíno, aí eles te recebem o suíno, né?
5
Da cooperativa, é que tem que negociar com eles, porque tu vai aonde? Você vai
fazer negócio com outros de fora? É correr o risco de, às vezes, você perder
tudo.. Já teve gente que teve este caso, né. Eles te apóiam quando o preço tá bom,
no caso. Quando o preço tá ruim, você vai vender pra quem?
6
Em um segundo plano, mas não menos importante, há o apontamento das vantagens
advindas de uma certa “comodidade de acesso à matéria-prima, aos insumos e à
3
Produtor entrevistado 7.
4
Produtor entrevistado 1.
5
Produtor entrevistado 7.
6
Produtor entrevistado 9.
85
assistência técnica, atualmente necessários para a produção, descontados relação
analisada no subitem abaixo – na medida em que o produto é entregue:
É as vantagem toda. Você pega todos estes medicamentos, estas ração, que você
não precisa pagar à vista. Às vez vem o técnico. É uma vantagem ter prazo para
pagar também desde a matriz, senão pega pra pagar agora, tem até dois anos pra
pagar, reprodutores, no caso. E daí tem que manter assim.
7
Por sua vez, os produtores entrevistados tipificados como “empresariais”, do ponto
de vista produtivo, para além da série de mudanças tecnológicas incorporadas (basicamente,
as mesmas alcanças pelos produtores “tradicionais”, mas em volume e grau superiores),
o rompimento do “sentido” e do modo de produzir até então vigentes – seu modo de “agir”.
Como fator fundamental desta mudança indicou-se como motivo não o processo de
integração, do qual o produtor “tradicional” também se serviu e se serve, mas sim, a
introdução e expansão da dinâmica de especialização produtiva em voga na cooperativa a
partir da década de 1990. Esta acabou por segmentar o processo de produção, dividindo os
produtores “empresariais” em produtores de leitões ou em terminadores. Deste modo,
rompeu-se a grande lógica que norteava sua forma de se relacionar com a produção até
então (denominada neste trabalho de “ciclo da propriedade”), estabelecendo, para além de
novas formas de produzir, um novo “sentido” em relação a esta, configuradora, da mesma
forma, de novas relações com a cooperativa.
Assim, este produtor passou a adquirir não as raças geneticamente melhoradas e
os insumos necessários para a produção (além de ter as visitas regulares dos técnicos à
propriedade), mas o milho (até então transformado na propriedade) sob a forma de ração
(sendo adicionado a esta, os nutrientes necessários). Porém, o elemento central desta nova
forma de produzir diz respeito à não propriedade dos animais, pertencentes agora à
cooperativa, tendo o produtor como tarefa apenas cumprir um restrito papel na cadeia
produtiva. Deste modo, o “sentido” tradicionalmente atribuído à criação de suíno (de
“propriedade”, de “patrimônio” e de “poupança”, além de estar inserido em uma dinâmica
específica da propriedade) é superado por uma nova lógica, em que o produtor “age” em
relação à sua criação pautado em fins prioritariamente econômicos, dado que o “retorno”
esperado pela criação do animal, bem como o projeto de sua criação, é planejado e pesado
7
Produtor entrevistado 8.
86
pautando-se quase que exclusivamente neste. Esta forma de produzir evidencia (quando se
compara o produtor em questão ao “tradicional”), a perda de grande parte de autonomia
produtiva – e da importância atribuída a esta – por parte dos produtores “empresariais”.
Se para o suinocultor familiar “tradicional”, pois, a autonomia é percebida como
essencial não só para a manutenção da atividade, mas como também da própria propriedade,
para o produtor “empresarial” a realidade apresenta-se bastante distinta. Em função da
diminuição da margem de lucro obtida por animal e a progressiva dificuldade de
comercializá-lo, a produção mais “dependente” (configurando uma nova “relação social”
com a cooperativa) passou a ser percebida não como um risco, mas sim, como uma
possibilidade de, em momentos de adversidade no mercado para a suinocultura, sentir-se
mais “seguro” e atingir um margem mínima de lucro, especialmente pela garantia da
compra dos suínos e de uma possível renegociação das dívidas, como apontam os
entrevistados:
Com certeza, este sistema é mais seguro, porque, na verdade, antes você fazia
quase um buraco na água, porque se você desse a sorte de vender o suíno na lata,
você tinha lucro; se vendesse na baixa, tinha prejuízo, mesmo que a venda fosse
para a Cooperativa. E aí, agora não. A vantagem é que, por menos que dê,
garantido
8
.
Um pouco, com a variação das época tu que tu pode ganhar um pouco ou
bastante. Então, por ser um integrado estabelecido, tu sempre vai ganhar um
tanto. Sempre aquilo, né. Se tu cria porco particular, se der algum problema, é
muito arriscado. Fazendo parceria, é uma coisa mais garantida [...].
9
Estabelece-se, assim, entre produtor e cooperativa a estreita relação que passou a ser
denominada, tanto pelos próprios produtores, quanto pelo quadro administrativo da
organização social, de “parceria”.
Levando-se em conta, pois, os aspectos relacionados aos diferentes graus de
autonomia dos dois tipos de produtores ligados à cooperativa analisada, tem-se que, dado o
tipo de ação social delimitada em cada grupo, configura-se um tipo específico de relação
social com a cooperativa. No entanto, percebe-se que entre os dois, em comum, uma
relação de “dívida permanente. No entanto, dado a especificidade de cada tipo de
associado tanto o adiantamento”, quanto o “desconto” possui maneiras de concretizar-se e
8
Produtor entrevistado 4.
9
Produtor entrevistado 9.
87
“sentidos” diversos. Para o produtor “tradicional”, pois, é caracterizado muito mais como
um “favor” realizado por parte da cooperativa, dado que a produção é realizada de forma
independente:
Porque quando eu tinha dinheiro, chegava e falava direto [...] Ó eu preciso de
um cereal, mas na semana que vem ou na ou outra te entrego os porco. Não tinha
problema. [...] Nós ali, o problema é que somo bem visto lá. Eu nunca fico
devendo pra eles. E eles, a hora que precisa pagar, eles pagam. Se faltar dinheiro
que eu não tenho, eles me dão, adiantam.
10
O “pagamento” desta dívida se opera, pois, para o produtor “tradicional”, no momento de
entrega do suíno, mas se constitui como um fato considerado “irregular” na relação
produtor versus cooperativa, embora se prove comum a partir das entrevistas realizadas.
O produtor “empresarial”, por sua vez, tem uma relação de “dívida” com a
cooperativa que faz parte do processo de produtivo. Nela, o associado assume o ônus do
“empréstimo” de todos os insumos e matérias-prima necessários para a produção. Nada, na
especialização, pertence ao produtor, além do chiqueiro e de seu próprio trabalho (o que
significa o de sua família). No entanto, ele possui, junto à cooperativa, o bônus de seu
esforço, resgatado após o balanço entre a meta esperada e os resultados por ele atingidos.
Interessante relatar que, para os associados “empresariais” entrevistados, a transição entre
uma forma de “endividamento” e outra parece estar interligada, ou seja, para eles não
houve de fato uma “ruptura”. Ao menos é o que aponta a fala de um dos produtores
especializados, quando se refere ao seu passado:
Uma, que é a cooperativa. Quando eu me apertava de dinheiro, eu ia e dizia,
olha, presidente da cooperativa. Eu tenho os porco pra entregar, mas não pra
entregar porque eles ainda não o bem pronto. Aí, eles sempre me ajudaram.
Não pode cair fora. Hoje eles me ajudam e eu ajudo eles.
11
Levando-se em conta, pois, os aspectos relacionados aos diferentes graus de
autonomia e das formas de “endividamento” tem-se, que, por um lado, o produtor familiar
“tradicional”, que age de modo a garantir uma forma produtiva baseada na tradição, com
uma lógica quase impenetrável de um “ciclo da propriedade” que se retro-alimenta, resume
sua relação com a cooperativa à compra e venda de seus produtos, tendo, nos
10
Produtor entrevistado 1.
11
Produtor entrevistado 2.
88
“adiantamentos” um recurso oriundo de uma relação pessoal, recorrente e antiga, baseada
na “tradição”. Já o produtor “empresarial”, que décadas age no sentido de romper com
uma lógica de autonomia produtiva, possui uma “dívida” saldada em maior ou menor
proporção com seu trabalho, assumindo junto à cooperativa uma relação de “parceria”
produtiva. São produtores diferentes estabelecendo demandas diferentes. Há, no entanto,
um elemento que marca estas relações: a “confiança”. A confiança de entregar seu produto
e receber em dinheiro. A confiança de assumir a produção e de ser pago integralmente por
isto.
A marca de toda relação produtiva, independente do tipo de associado, tem para
além da confiança depositada na cooperativa, a noção de “compromisso” e de “obrigação”
assumidos junto a ela, sendo o seu cumprimento percebido menos como uma necessidade
formal, mas, sobretudo, como uma obrigação moral”, como afirma o produtor
“empresarial” abaixo:
Nós ali [na cooperativa], o problema é que nós somos bem vistos lá. Eu nunca
fico devendo pra eles. Eles a hora que precisa pagar, eles pagam. Se faltar
dinheiro, eles me dão, adiantam, porque eles me conhecem lá.
12
Neste sentido, tal relação é aqui entendida como estando baseada na crença do “valor”,
embora não se negue que estes tenham consciência da existência de “normas legais”
exigidas – “combinação” vista por Weber como recorrente:
Em regra, a disposição de se submeter a uma ordem desde que não se trate de
estatutos completamente novos está condicionada por uma mistura de
vinculação à tradição e de idéias de legalidade prescindindo-se das mais
diversas situações de interesses.
13
O pressuposto de uma “legitimidade” baseada em uma “crença racional referente a valores”,
representada fundamentalmente pelo “trato pessoal”, é o argumento aqui defendido,
estando este estendido à relação estabelecida diretamente com o quadro administrativo,
como ver-se-á abaixo.
12
Produtor entrevistado 1.
13
WEBER, 2004b, p. 23.
89
5.2. AS RELAÇÕES DE CONFIANÇA E DE PESSOALIDADE COMO
INDICADORAS DE LEGITIMIDADE
Objetiva-se, aqui, apontar que, para os produtores associados à Cooperativa
Regional Sananduva de Carnes e Derivados LTDA, independente do “tipo de ação” que os
norteia e, neste trabalho, os classifica como “tradicionais” e “empresariais’, concebem a
cooperativa como uma “ordem legítima” baseados em elementos “valorativos”. Tal
expectativa, assumindo a forma de “vínculo pessoal”, é identificada, primeiro, através da
diminuição da importância dos espaços decisórios coletivos (no caso, as Assembléias
Gerais), da não participação e da não discussão na elaboração das normas formais, não
havendo nem conhecimento, nem verificação destas por parte dois associados que, logo,
não as tem como uma referência para sua conduta. Em acordo com isto, os critérios
utilizados na definição do “quadro administrativo”, bem como do questionamento de suas
ações possuem cunho estritamente pessoal, advindo, daí, uma noção bastante particular de
“competência” para administrar a cooperativa.
Quando indagados sobre a participação na elaboração das distintas regras presentes
na cooperativa
14
(tentando-se aproximar a questão de seu universo, como, por exemplo,
perguntando-se se eles haviam discutido a quantidade de peso que deveria ser agregado no
suíno, na entrega), a resposta dos suinocultores entrevistados foi, invariavelmente, “não”.
Houve, em apenas um dos casos, a explicação de que as “leis” eram feitas pelo quadro
administrativo, restando, aos sócios, apenas o dever de cumpri-las: “Ah, não, isto não. Isto
aí, eles implantam a lei e a gente tem que cumprir”
15
. Já “personalizando” esta relação, um
outro produtor aponta que a possibilidade de influenciar a construção das normas da
cooperativa não se possibilita em função do não acesso à direção
16
. Reforçando a tese de
que as normas legais não são relevantes para os associados, constata-se que, sequer foi
14
referência, aqui, à questão de número 38 da entrevista aplicada aos produtores: “O senhor participou da
elaboração das diversas regras vigentes na Cooperativa (por exemplo, as de comercialização), especialmente
as ligadas à atividade de suínos? De que forma?”
15
Produtor entrevistado 6.
16
“A gente teve diálogo mais com os técnicos, não com a direção. Tem como discuti com eles. A gente não
teve contato direto com eles pra discuti isto ou aquilo. A diretoria dizia, compra este e este.” Produtor
entrevistado 10.
90
citada pelos dois tipos de produtores a existência do Estatuto Geral, que teoricamente
deveria regrar a relação entre sócios e cooperativa.
Assim, as questões que investigavam se regras estabelecidas eram “claras” e de fácil
acesso, ou se os produtores as cumpriam de modo integral ou, ainda, se havia satisfação em
relação a elas
17
, perderam o sentido, sendo, na maior parte das vezes, não entendidas ou não
respondidas pelos associados. No entanto, quando os produtores foram perguntados sobre a
presença Assembléias Gerais, houve unanimidade na afirmação de que participavam
regularmente delas. Da mesma forma, afirmaram que a Assembléia é de fato o local em que
se expõem e se discutem os principais problemas, inclusive, por vezes, havendo calorosos
debates”
18
: “Sempre que dá eu vou [nas Assembléias]. Sempre se tem esta chance. Sempre
que um ou outro fala. Conversando, eles dão chance par você dar a tua opinião.”
19
Contudo,
apesar da Assembléia constituir-se como um espaço de exposição de idéias, em nenhum
depoimento houve indicativo de possibilidade de que houvesse nela, igualmente, um espaço
de deliberação: “Ah, os problema que a gente tem a gente apresenta na Assembléia. Mas a
mudança não é muito, não. Eles não abrem muito a mão. Eles são meio enérgico.”
20
Neste sentido, recorre-se a fim de resolver problemas mais graves ou simplesmente
cotidianos a dois “personagens”: ou ao técnico, ou ao diretor-presidente da cooperativa.
Quando se busca o primeiro, espera-se alcançar soluções para dificuldades na produção,
embora o contato regular– que possibilita o estabelecimento de laços de amizade permita
abordar assuntos mais amplos, sendo esta justificada pela necessidade, por vezes, de
soluções para demandas específicas de cada produtor:
A gente fala diretamente, quando tem a Assembléia, ou a visita do técnico, a
gente fala o que é melhor. A gente não tá junto na hora de fazer decidir, mas a
gente, através da conversa com os técnico, a gente participa também. Cada
produtor tem um problema ou uma qualidade.
21
17
Questões de números 32, 33 e 34 da Entrevista, respectivamente: “Estas regras são de claras e de fácil
verificação?” “O senhor as cumpre de modo integral? Por quê?” “O senhor está satisfeito em relação a elas?
Por quê?”
18
Produtor entrevistado 8.
19
Produtor entrevistado 7.
20
Produtor entrevistado 6.
21
Produtor entrevistado 12.
91
quando a procura pela direção, ou seja, pelo diretor-presidente, a demanda exige
deliberação, configurando-se esta via, segundo os produtores, como a melhor estratégia
para atingi-la: “A gente procura discutir em particular com o Presidente. Quando a gente vê
uma coisa daí a gente em outros encontros a gente usa pra discutir. Nas Assembléia até fica
um pouco chato.”
22
Em outra entrevista, porém aparece explicitamente o motivo de se
buscar junto ao Diretor as demandas – o poder de decisão:
Eu, o motivo que eu tenho, eu agora na eleição do Loreni, eu dei apoio porque
conhecia, então a gente tinha aquela confiança. Porque quando eu tinha dinheiro,
chegava lá; se não tinha dinheiro, eu chegava e falava direto com o Loreni,
porque era ele que mandava lá. Ó, eu preciso de um cereal, mas na semana que
vem, ou outra te entrego os porco. Não tem problema.
23
Dada a atribuição, por parte dos associados, de grande poder de decisão ao diretor, o
critério pelo qual este é eleito assinalado no depoimento acima é bastante coerente com
a lógica de “confiança”
24
e de “pessoalidade” até agora apontados, aparecendo em todas as
respostas que o principal fator que os leva a escolher o quadro administrativo seja o dos
candidatos serem “conhecidos” desfavorecendo elementos como o “parentesco”,
“amizade”, “indicação de terceiros”, capacidade técnico-administrativa” e “outros”.
25
Para
além da falta de opção dos associados na escolha dos dirigentes, subjaz a esta uma noção
bastante particular de “capacidade administrativa”, que igualmente está fundamentada na
condição do “conhecer”, segundo aponta um entrevistado:
Na verdade é assim, eu participei da última eleição [novo sócio], mas como tinha
uma chapa única, não tinha muito o que escolher. Na verdade a direção não é
ruim, é uma direção boa, que aí, segurou a cooperativa numa época de crise
que foi bem complicada. Uma por fazer muito tempo que eles tão aí, então
tem um pouco do jeito, o espírito da coisa. Apesar de eu achar que também
assim, fazem, na verdade, acho, 20 anos que é a mesma que mandando, acho
que é bom mudar, mas, enquanto tiver uma chapa só, a maioria venceu.
26
Tem-se, pois, a partir das evidências, que seja nas relações produtivas ou administrativas, a
ligação entre produtores (dos dois tipos) e a cooperativa ao qual estão associados baseia-se,
22
Produtor entrevistado 10.
23
Produtor entrevistado 1.
24
“Eu vejo que ele tem um bom grau de conhecimento pra tocar a coisa. Eles também tem negócio bom,
negócio ruim. Um desconhecido é difícil, porque esses que já tão dentro eles conhecem mais. Um cara que é
de fora, é difícil você confiar, né.” Produtor entrevistado 8.
25
Questão nº 35 do Roteiro de Entrevista 1: Aplicado aos Produtores Familiares.
26
Produtor entrevistado 4.
92
fundamentalmente, nos “valores”
27
da “confiança” e da “pessoalidade”. Os associados
agem, assim, de modo a “manter socialmente” a cooperativa. Cabe agora esclarecer de que
formas ela corresponde à esta “relação”– ou, em outras palavras, afirma a sua “dominação”.
5.3. A ESTRUTURA BUROCRATIZADA VERSUS A CONCENTRAÇÃO DE
DECISÕES: A PESSOALIDADE E A CONFIANÇA COMO INDICADORAS DA
DOMINAÇÃO
A Cooperativa Regional de Carnes e Derivados LTDA passou, conforme apontado
no Capítulo III, por um intenso processo de mudanças internas, em especial, a partir da
década de 1960. Estas centraram-se, por um lado, tanto em uma série de alterações nas
formas de produzir, quanto na modificação dos produtos finais. Assim, se nas décadas
iniciais de sua fundação, o único produto adquirido pela cooperativa era o suíno “tipo-
banha” do qual se extraía, em especial, a banha o principal produto de venda, sendo
comercializada “in natura” –, embora a carne fosse salgada e dela se obtivesse charque e
salame. Tanto a quantidade comprada (de matéria-prima), quanto a produzida eram
bastante limitadas (embora se comercializasse em grande mercados como Porto Alegre,
Rio de Janeiro e São Paulo), sendo a produção irregular e quase exclusivamente artesanal
(ou seja, com uso restrito ou quase inexistente de maquinário), configurando-se, no período,
segundo a fala de um dos Diretores-Presidente, em um mero “abatedouro”.
Entretanto, nos anos 60, tal estrutura produtiva é transformada. Segundo os dados
coletados, a proposta engendrada de expansão do frigorífico fez com a cooperativa
buscasse, como prioridade, tanto o aumento de produção por parte dos associados, quanto o
melhoramento da produtividade interna. No que se refere ao primeiro, em um contexto de
expansão de novas tecnologias, estimulou-se os associados a reestruturarem as pocilgas e a
adquirirem raças geneticamente melhoradas a introdução do porco “tipo carne” –,
juntamente com uma composição alimentar dada aos animais – a ração, além de, em
27
Contrapondo-se, pois, fundamentalmente, a uma “legitimidade”, segundo Weber, pautada na “legalidade” –
na qual a crença centra-se em um estatuto (no caso, o Estatuto da Cooperativa e as normas a ele agregadas)
existente.
93
décadas posteriores estreitar produtivamente sua relação com o associado (seja através da
“integração”, seja através da “especialização”). Internamente, criaram-se setores e
mecanismos que dessem suporte à nova condição: a criação de uma “maternidade” para
produzir e reproduzir os suínos a serem repassados aos produtores, a abertura de uma
fábrica de ração, a ampliação da loja de insumos e de material veterinário e a expansão de
um corpo técnico tanto para acompanhar o processamento dos novos produtos (ligados ao
frigorífico), quanto para monitorar a criação nas propriedades (veterinários).
No que se refere ao setor administrativo, neste novo contexto são contratados
técnicos das mais diversas áreas, sobretudo as “auxiliares”, como secretárias e contabilistas.
Concernente ao “quadro administrativo” de fato, ou seja, o eleito pelo espaço deliberativo
supremo, ou seja, pela Assembléia Geral, este permanece praticamente igual ao formado
nos anos iniciais da cooperativa, ou seja, compõe-se de um Diretor-Presidente, de um
Diretor-Comercial e de um Diretor-Industrial, possuindo pouca “rotatividade”,
especialmente do primeiro
28
. Neste sentido, embora se avance tanto na quantidade de
funcionários contratados, quanto no grau de especialização e formação que estes possuem
(desde técnicos, passando por graduados e chegando aos especialistas), o poder de
deliberação está exclusivamente concentrado na figura do diretor-presidente
29
. Tal situação,
embora apontada como “tecnicamente” inconveniente é vista como necessária. Para além
desta necessidade, apresenta-se uma postura de “descrença” em relação à possibilidade de
profissionalização do quadro administrativo:
O Presidente supervisiona tudo. Diretor Financeiro-Administrativo, que cuida do
financeiro e do industrial; o Industrial é o ex-Diretor-Presidente. Tudo passa pela
Direção. Tem de ser. Se tu não fizer isto aí... Tu pode até passar pros outro, mas
tu viu a COTREL, faliu, né? Porque entrou quatro ou cinco economista que
28
“A diretoria da Cooperativa da Cooperativa não mudou. em função da Legislação que mudou a linha de
produção. O industrial, no lugar do comercial. A Cooperativa não teve muitos diretores.” Diretor entrevistado
1.
29
O grande poder pessoal do Diretor-Presidente é identificado sobretudo através das falas dos dois
entrevistados, em que, invariavelmente apontam as ações da Cooperativa como ações pessoais (em primeira
pessoa): “Comecei em 44, 45 compramos as maras. A banha não precisava de uma temperatura ideal. Os
colonos entravam e colocavam no porão. Nós também, para mandar embora, mandava em lata, como o óleo
hoje, aí ela derretia. Imagina ela ir ao Rio, como chegava lá. Tive que buscar matéria-prima em outras regiões
para aumentar a produção, cobrir a mão-de-obra e aproveitar todo o maquinário, porque eu botei todo
maquinário pronto. Eu comprei ele. Eu comprei desde as caldeiras que não funcionavam. As caldeiras, as
máquinas, as instalações. Tudo, tudo novinho. nós começamos a produzir mais, em maior escala, como
Cooperativa.” Diretor entrevistado 1.
94
acharam isto aqui, isto ali e se foi. Salários altos. Temos de fazer economia. O
ideal não seria o acúmulo de funções. Nós não chegamos ao ideal. Daí eu
supervisiono tudo.
30
Referindo-se ainda ao corpo técnico, a função deste restringe-se, identificou-se em
diversas falas dos diretores-presidentes ao cumprimento de ordens emitidas pelo quadro
administrativo: “No industrial, tem o guri que cuida de tudo. Ele recebe instrução. Até,
esta orientação é diária, porque a nossa atividade é sazonal, no inverno se vende mais
salgados.”
31
As decisões tomadas pelo diretor-presidente, contudo, embora concentradas,
não são pessoais e arbitrárias. Recorre-se, a fim de embasar as deliberações, à “legalidade”
dos “trâmites” previstos em Estatuto:
Primeiro falo com o Conselho. Ele autoriza eu faço. Qual é a área: o
frigorífico? eu chamo o chefe e digo isto, isto e isto. A reunião fixa com o
Conselho Administrativo é de uma vez por mês. Está no Estatuto. Eles sabem do
resultado de todos os meses. Positivo ou negativo.
32
Uma explicação bastante plausível para esta busca, identificada na fala de um diretor,
consiste na resposta às exigências externas, como a dos financiamentos fundamentais, no
tempo atual, para atingir os “fins” almejados
33
–, nas quais são exigidas documentações
emitidas pela cooperativa que sejam consideradas legítimas e legais:
Se houver uma coisa grande, se chama a Assembléia. Por exemplo, a gente quer
aumentar o frigorífico. a gente vai fazer reuniões no interior. Aí, talvez o
Banco que vai financiar exija a realização de uma Assembléia e a Assembléia
tem de dar o poder de hipotecar as coisas. Você não tem atribuição pra isto. É a
Assembléia que tem. A chamada é publicada, quem não vem, tem de assumir
junto.
34
Se internamente, pois, as “ações” do quadro administrativo indicam, por um lado,
uma crescente profissionalização de seus diferentes setores tendo por fim atingir suas metas
enquanto “empresa”, por outro, centraliza as decisões na figura do diretor-presidente. Esse
as constitui e legitima através da participação dos Conselhos Administrativo e Fiscal, numa
relação que se pressupõe aqui baseada em laços “tradicionais”. Leva-se em conta, nesta
30
Diretor entrevistado 2.
31
Diretor entrevistado 2.
32
Diretor entrevistado 2.
33
“O nosso principal objetivo é a ampliação [do frigorífico] para depois nós construirmos uma Unidade fora
da cidade. Nosso objetivo é, em sete ou oito anos, dobrar a produção e estabilizar a produção no campo. E se
der certo, fazer esta parceria com a Central de Cooperativas.” Diretor entrevistado 2.
34
Diretor entrevistado 2.
95
afirmação, as análises realizadas a partir dos produtores associados, bem como a sua forma
de seleção, estritamente “pessoal”:
Tu tem de ser produtor de suínos. Ter a vocação., né. Ou, então, ser produtor de
milho. São dois perfis que nos interessam, porque o milho é 70% da
alimentação do suíno é milho. Aí eu vou fazer a pesquisa: quem é esta pessoa, na
cidade, no SERASA, ver se não tem cheque sem fundo e tal. Porque eu tenho
que ter aqui uma pessoa ideal. Que ele chegue aqui e eu nem precise assinar o
documento. Ter confiança. Se ele tem dúvida de trabalhar conosco, nós nem
queremos.
35
Reforçando este argumento, há a idéia de uma relação que ultrapassa a de “parceria”
apontada pelos produtores, mas avança para uma postura “familiar” e, sobretudo
“paternalista”:
A importância da Cooperativa pro produtor é simples: ele é o dono, esta é a casa
dele. Nós, aqui, temos de procurar ir ao encontro disso. Enquanto um frigorífico
particular, ele sofre, ele vai produzir, vai vender, obter o lucro dele. Ele vai
chegar aqui, vender. Nós fizemos todas despesas e as sobras líquidas e
retornamos ao associado na proporção de quilos. E isto mantém o estímulo. A
Cooperativa é o prolongamento da casa dele, da família dele, dos filhos. A
Cooperativa fornece adiantamentos. O produtor não precisa entregar. Nós temos
a confiança.
36
A gente coloca ônibus para os municípios. Depois, claro, eles trabalham o ano
todo. Não comem os produtos nossos. Sabe o que eu faço, daí? Quando eles vêm
de São José do Ouro, de Cacique, eu dou um pacote de fatiados pra eles, páro na
estrada para que eles tomem uma cervejada. Sempre vai um responsável. É uma
coisa pouquinha, mas eles guarda com prazer porque vêem que a gente
reconhece o trabalho deles.
37
Tem-se, pois, na composição das relações entre produtores familiares “tradicionais”
e “empresarias” ligados à Cooperativa Regional Sananduva de Carnes e Derivados LTDA
(ou seja, para além da constatação de que a última se constitui em uma “associação de
empresa”), o que Weber denomina uma “dominação legítima”. A cooperativa possui,
portanto, junto a seus dominados, uma “obediência” que é fruto de uma ação determinada
“de modo racional referente a valores”, ou seja, que é a expressão do cumprimento de
valores supremos e obrigatórios
38
, no caso, o valor da “confiança”, concretizado na
realização “pessoal” dos diversos “compromissos” assumidos por parte dos associados.
35
Diretor entrevistado 2.
36
Diretor Entrevistado 1.
37
Diretor Entrevistado 2.
38
WEBER, 2004b, p. 21.
96
Legitimada a partir destes critérios, a cooperativa distancia-se do exercício de uma
“dominação de caráter racional”, distinguida pela “crença” constituída a partir da “[...]
legitimidade das ordens estatuídas e do direito de mando daqueles que, em virtude dessas
ordens, estão nomeados para exercer a dominação [...].”
39
Desta forma, a “dominação de
caráter tradicional”, baseada na legitimidade daqueles que, em virtude das tradições,
representam a autoridade,
40
afirma-se desde a escolha do quadro dirigente até a busca de
resolução dos problemas com um contato direto com o diretor.
Este último possui uma posição bastante “superior”, sendo escolhido através de uma
eleição, o que aproxima a sua conduta “do tipo mais puro de dominação legal”, que,
segundo Weber: “[...] é aquele que se exerce por meio de um quadro administrativo
burocrático. Somente o dirigente da associação possui sua posição de senhor, em virtude ou
de apropriação ou de eleição ou de designação da sucessão.”
41
Contudo, o diretor (e a
direção) da cooperativa afasta-se desta classificação à medida que as suas “competências
senhoriais” não são também “competências legais”. Pelo contrário, a capacidade de decisão
pessoal, atribuído quase que exclusivamente em função da “confiança” a um “conhecido” –
e o grande poder deste afasta, igualmente, a administração exercida na cooperativa, de
uma “administração puramente burocrática”, definida por Weber como:
A administração puramente burocrática, portanto, a administração burocrático-
monocrática mediante documentação, considerada do ponto de vista formal, é,
segundo toda a experiência, a forma mais racional de exercício de dominação,
porque nela se alcança tecnicamente, o máximo de rendimento em virtude de
precisão, continuidade, disciplina, rigor e confiabilidade [...].
42
A Cooperativa Regional Sananduva de Carnes e Derivados LTDA possui, portanto,
e sob todos os aspectos, uma dominação, via estabelecimento e manutenção de seus
quadros (ou de seus “senhores”), legitimada e baseada em valores, que na “dominação
tradicional”:
[... A] legitimidade repousa na crença da santidade das ordens e poderes
senhoriais tradicionais (‘existentes desde sempre’). Determina-se o senhor (ou
39
WEBER, Ibid., p. 141.
40
WEBER, Ibid., p. 141.
41
WEBER, Ibid., p. 141.
42
WEBER, Ibid., p. 147.
97
vários senhores) em virtude de regras tradicionais. A ele se obedece em virtude
da dignidade pessoal que lhe atribui a tradição.
43
43
WEBER, Ibid., p. 148.
98
6. CONCLUSÕES
Este trabalho surgiu da perspectiva de entendimento das transformações e/ou
continuidades comportadas historicamente nas relações estabelecidas entre a Cooperativa
Regional Sananduva de Carnes e Derivados LTDA e os produtores de suínos a ela ligados.
Para tanto, partiu-se da teoria weberiana de que a explicação das “relações sociais”
constituídas entre os indivíduos inclusive o tipo específico de relação social que legitima
e sustenta determinada “ordem”, no caso da cooperativa estudada poderia ser somente
apreendida através da demarcação da “ação” dos diversos “agentes”. Assim, buscou-se, no
Capítulo I, a caracterização dos produtores familiares ligados à cooperativa através da
construção de seus “tipos de ação”. Distinguiram-se, então, dois “tipos ideais” de
suinocultores: o “tradicional” e o “empresarial”.
O produtor “tradicional” foi delimitado através de três características: a primeira
centra-se na continuidade (advinda de seus antecessores) da forma de produzir o suíno, ou
seja, o “ciclo completo”, que comporta a noção de um “ciclo” produtivo sistêmico existente
na propriedade. A segunda característica diz respeito à qualificação da suinocultura como
uma atividade “herdada” de seus familiares e a terceira, aponta para a existência de uma
perspectiva de que o suíno seja de fato “propriedade” do suinocultor – e que este, portanto,
deva ter total autonomia de decisão sobre o animal, seja na sua produção, seja na sua venda.
Resulta, destes três aspectos, uma forma de agir baseada em “valores” (de propriedade e de
herança) que interliga este tipo de produtor ao migrante da região, configurando-o como
prolongador de uma “tradição” e, portanto, o constituindo neste trabalho como
“tradicional”.
o produtor tipificado como “empresarial”, transforma profundamente a sua
condição de suinocultor ao desvincular-se (a partir da introdução de altas tecnologias) do
“ciclo” de criação restrito à propriedade o “ciclo da propriedade” especializando-se
produtivamente. Assim, ao assumir a condição de uma criação mais “dependente”, em que
não possui a condição de “proprietário” do animal, passa a tê-lo – em lugar de considerá-lo
como “propriedade” – como um “investimento” planejado, sustentando, a partir deste
critério, a continuidade da atividade. Assim, este suinocultor rompe e recria os aspectos
99
amparado na “tradição” na atividade suína, passando, pois, a “agir” de modo a alcançar fins
expressamente econômicos e racionalmente constituídos, configurando-se, portanto, como
um produtor “empresarial”.
Delimitados os diferentes tipos de produtores, atentou-se, a partir das leituras de
Weber, para as particularidades constitutivas da própria cooperativa, em função desta
possuir um quadro administrativo (configurando-se como uma associação”) possuidor de
ação própria a “ação de associação”. Assim, procurou-se demarcar tanto as alterações
comportadas na “associação” – sejam elas produtivas ou administrativas –, quanto na
“ação” tida por ela. Constatou-se, pois, que numa fase inicial, a cooperativa consolida um
estruturado “quadro administrativo” que, acompanhado por um emergente setor “técnico”,
progressivamente se profissionaliza, afirmando seu poder diretivo, constituindo, assim, a
Cooperativa como uma “associação” de fato. Em relação à sua “ação”, a cooperativa, que já
persegue “fins”, a possui a exemplo dos associados do período, seja apenas
comercializando seus produtos, seja não contraindo empréstimos externos.
no segundo período demarcado, uma profunda ruptura e alteração na
caracterização e na conduta do quadro administrativo da cooperativa. Estas apontam para
mudanças de cunho produtivo, comercial e de gestão. Este último, intimamente ligado à
conduta do quadro administrativo mais independente e profissionalizado caracteriza
uma estratégia que busca atingir fins sobretudo econômicos, estabelecidos a partir de
demandas externas as de mercado. Por outro lado, este mesmo quadro promove, junto à
maior parcela de seus associados, uma profunda reorganização produtiva, que, para além da
absorção de instrumentos técnico-produtivos, configura um novo tipo de produtor – o
“empresarial” –, possuidor de sentidos e condutas coerentes com a Associação atualmente
estabelecida.
Contudo, a permanência de suinocultores “tradicionais” em uma “associação
empresarial” suscitava maiores indagações acerca do objeto final deste trabalho: a relação
existente entre Cooperativa e os seus distintos produtores. Assim, traçaram-se as
características particulares de cada grupo investigando-se se, a partir delas, haveria
semelhanças ou diferenças em suas relações com a Cooperativa. O que primeiro constatou-
se, foi que a diferença de “sentido” atribuída à autonomia produtiva existente entre
100
produtores “tradicionais” e “empresariais” fez com que o primeiro mantivesse sua relação
com a Cooperativa em moldes “tradicionais”, ou seja, apenas comprando dela produtos e
vendendo os seus animais. o produtor empresarial, ao especializa-se produtivamente,
tornou-se “parceiro” da Associação, percebendo a diminuição de sua autonomia, frente às
permanentes adversidades do mercado, como uma “segurança”, por poder contar com uma
divisão de tarefas, de ônus e de bônus com a cooperativa.
No entanto, se a variação do grau de autonomia produtiva entre os
associados fez com que se estabelecessem distintas relações sociais com a Cooperativa
percebeu-se, contudo, que entre os dois tipos de produtores, em comum, uma relação de
“dívida” permanente. Entretanto, dado a especificidade de cada tipo de associado, tanto o
“adiantamento”, quanto o “desconto” possui maneiras de concretizar-se e “sentidos
diversos. Para o produtor “tradicional”, pois, a vida se caracteriza muito mais como um
“favor” realizado por parte da cooperativa, dado que a produção é realizada de forma
independente. Já para o produtor “empresarial”, que em função dos mecanismos de
“especialização” possui uma “dívida” saldada em maior ou menor proporção com seu
trabalho, assume em conjunto com a cooperativa, uma relação de “parceria” produtiva, em
que a “dívida” compõe um dos aspectos ordinários da relação.
Tem-se, então, produtores diferentes estabelecendo demandas diferentes. Há,
contudo, um elemento que demarca todas estas relações: a “confiança”. A confiança de
entregar seu produto e receber em dinheiro. A confiança de assumir a produção totalmente
e de ser pago integralmente por isto. Neste sentido, para além da “confiança” depositada na
Cooperativa e que responde a ela , está na noção de “compromisso” e de “obrigação”
assumidos pelos produtores, sendo o seu cumprimento percebido como uma “obrigação
moral”, configurando, pois uma legitimidade baseada em valores e apontando, assim, para
uma “dominação” com as mesmas bases.
Coerente à motivação de uma relação baseada no valor da “confiança”, os contatos
com o quadro administrativo, provou-se, caracterizam-se por uma profunda “pessoalidade”
presente tanto na diminuição da importância dos espaços decisórios coletivos, quanto na
não participação, na não discussão e na não elaboração das normas formais, não havendo
nem conhecimento e nem verificação destas por parte dois associados. Ligado a isto, os
101
critérios utilizados na definição do “quadro administrativo”, bem como do questionamento
de suas ações possuem cunho estritamente pessoal, advindo, daí, uma noção bastante
particular de “competência” para administrar a cooperativa.
O quadro administrativo, por sua vez, para além de ter promovido uma completa
reestruturação produtiva na cooperativa (seja em relação aos processos de beneficiamento
interno, seja fornecendo tecnologias aos seus produtores), responde a esta relação baseada
em “confiança” basicamente através da centralização de poder, sobretudo na figura do
Diretor-Presidente. No entanto, suas decisões respaldam-se em mecanismos estatutários em
especial quando há demandas externas formais. Já em relação aos produtores, constatou-se,
a Associação estabelece como critério primeiro de vínculo e de relação, os mesmos
mecanismos de “confiança”, tendo por vezes posturas “paternalistas” em relação aos seus
associados, configurando, assim uma “dominação tradicional”.
Assim, as hipóteses tidas no início deste trabalho de que, primeiro, os produtores
familiares transformavam-se historicamente, diversificando-se profundamente quanto às
suas expectativas acerca da cooperativa, foram comprovadas à medida que se firmaram os
dois tipos de produtores. A hipótese tida sobre a Cooperativa estudada, que consolidaria um
modelo hegemônico, ou seja, “empresarial” confirmou-se igualmente, ao serem apontadas
as formas de agir desta Associação como estando calcadas em “fins”. Finalmente, no que
concerne à relação entre cooperativa e associados, pressupunha-se haver uma
“legitimidade” compartilhada e atribuída pelos distintos “tipos” de produtores associados
demonstrada, através sobretudo da “confiança”. em relação à “dominação” que se
pressupunha baseada em laços de “dominação” pautados na “tradição”, igualmente foi
comprovada, estando ela embasada tanto na “confiança’, quanto na “pessoalidade”
Para além dos objetivos em maior ou menor grau atingidos, reconhece-se os limites
apresentados neste trabalho. O primeiro refere-se à não atualização de alguns conceitos e
interpretações realizados por estudiosos weberianos, sendo a análise (que poderia ter
agregado outros autores certamente), mesmo que calcada apenas no autor, bastante
superficial, dialogando de modo precário com as informações empíricas, dado a
complexidade e o grande número de conceitos utilizados. Ressalta-se, contudo, a tentativa
de concluir um “exercício” próprio do mestrado: o diálogo entre a empiria e a teoria. O
102
segundo limite apontado, diz respeito às dificuldades de se constituir “tipologias”, não
quando se apresentavam idéias discordantes entre os produtores (que foram poucas), mas
quando apenas um deles revelava suas “motivações” verbalmente
44
. Outro ponto de imensa
dificuldade refere-se ao número de produtores entrevistados bastante reduzido –,
especialmente os que vieram a se constituir em produtores “tradicionais”.
Apesar das limitações referidas, a pesquisa permite, no entanto, estabelecer algumas
diferenciações em relação aos estudos já realizados que abordam as cooperativas e seus
produtores: primeiro, o de não a conceber– e suas ações como independente de seus
associados; segundo, o de não definir, através das transformações ocorridas na organização
social, critérios que caracterizem os produtores a ela ligados análise que não considera os
critérios de “escolha” dos associados; finalmente, o de apontar que as relações
estabelecidas entre cooperativa e produtores em alguma medida são “negociadas” (embora
não se negue a influência do quadro diretivo), muitas vezes passando ao largo de
mecanismos formais critérios únicos de trabalhos que investigam sobretudo a
“participação” do associado –, contudo, estabelecendo-se aí, os mais distintos acordos e
disputas.
44
Assim, não se tinha segurança em atribuí-las aos demais, embora todos compartilhassem da mesma forma
de “agir”.
103
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106
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COOPERATIVA UNIÃO COLONIAL SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS.
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COOPERATIVA SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS. Ata do Conselho
Administrativo. Sananduva, 1962. p. 81-102.
COOPERATIVA SANANDUVENSE DE PRODUTOS SUÍNOS. Ata do Conselho
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COOPERATIVA REGIONAL DE CARNES E DERIVADOS LTDA. Ata do Conselho
Administrativo. Sananduva, 1983. p. 27-34.
COOPERATIVA REGIONAL DE CARNES E DERIVADOS LTDA. Ata do Conselho
Administrativo. Sananduva, 1997. p. 22-28.
107
APÊNDICE A: Roteiro de Entrevista aplicada aos produtores familiares associados à
Cooperativa Regional Sananduva de Carnes e Derivados LTDA.
_________________________________________________________________________
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural
Roteiro de entrevista a ser aplicado para o desenvolvimento da dissertação “As relações
constituídas historicamente entre produtores familiares e cooperativas agropecuárias no RS
– Cooperativa Regional de Carnes e Derivados Sananduva LTDA”.
Aline Roman Savi
Roteiro de Entrevista 1: Aplicado aos produtores familiares.
I – Dados de identificação:
1) Nome:
2) Idade:
3) Outros membros da família/idade:
4) Tamanho da propriedade:
( ) Até 20 ha ( ) De 21 a 50 ha ( ) De 51 a 100 ha ( ) Mais de 101 ha
5) Data e modo de apropriação:
6) Ano de filiação à Cooperativa:
7) Comunidade/município:
8) Especialidade:
II – Dos “tipos” de produtores rurais:
1) Quais são os principais produtos que têm origem em sua propriedade (além de
suínos) que o senhor comercializa?
( ) Soja
( ) Milho
( ) Trigo
( ) Cevada
( ) Feijão
( ) Hortifrutigranjeiros
( ) Aves
( ) Gado de Leite
( ) Gado de Corte
( ) Outro (s):
2) Por que da escolha deste(s)?
3) Quando o senhor começou a produzir suínos?
( ) Antes de 1960 ( ) De 1961 a 1980 ( ) A partir de 1981
108
4) Por que motivos o senhor começou na atividade de suínos?
5) Por que o senhor optou pela permanência na atividade?
6) Quais são as principais vantagens de produzir suínos?
7) E as desvantagens?
8) Qual a importância que esta atividade tinha para o senhor e sua família nos anos
iniciais de produção?
9) E atualmente, qual é a importância?
10) A importância econômica que a produção de suínos tem para o senhor e sua família
é:
( ) Muito grande ( ) Grande ( ) Média ( ) Pequena ( ) Muito
pequena
11) Por quê?
12) e 13) Mudanças no processo produtivo dos suínos:
a) Estruturação da pocilga:
b) Raça dos animais:
c) Número de matrizes:
d) Produtividade média anual:
e) Tratamento/aproveitamento dos dejetos:
14) e 15) Mudanças no processo produtivo do milho:
f) Área cultivada:
g) Tipos de sementes:
h) Máquinas:
i) Produtividade média anual:
16) Existia, no passado, em sua propriedade, alguma relação entre a produção de milho
e a de suínos? Qual?
17) E atualmente, existe?
18) Por que motivos o senhor alterou a forma de produzir suínos?
19) Por que o senhor optou por ser um produtor “integrado” à Cooperativa?
20) E por que motivos o senhor (não) especializou-se em alguma etapa produtiva (na
criação de leitões ou na terminação)?
21) As mudanças no processo de produção alteraram a organização do trabalho em sua
propriedade? Como?
22) Para quem o senhor entregava, nos primeiros tempos de produção, os suínos?
( ) Cooperativa ( ) Outras cooperativas ( ) Indústria ( ) Intermediários ( ) Venda
direta ( ) Outro(s)
23) Quais eram as vantagens?
24) E atualmente, para quem o senhor entrega sua produção?
( ) Cooperativa ( ) Outras cooperativas ( ) Indústria ( ) Intermediários ( ) Venda
direta ( ) Outro(s)
25) Quais são as vantagens?
26) O senhor pretende continuar na atividade de suínos? Por quê?
II – Das relações com a cooperativa: “legitimidade” e “dominação”:
109
28) Qual o principal motivo que levou o senhor a se tornar sócio da Cooperativa?
29) Quais as principais vantagens que o senhor vê em ser sócio?
30) E as desvantagens?
31) O senhor participou da elaboração das diversas regras vigentes na Cooperativa (por
exemplo, as de comercialização), especialmente as ligadas à atividade de suínos?
De que forma?
32) Estas regras são de claras e de fácil verificação?
33) O senhor as cumpre de modo integral? Por quê?
34) O senhor está satisfeito em relação a elas? Por quê?
35) Qual o principal critério que o senhor leva em consideração ao escolher os
membros da direção da Cooperativa?
( ) Parentesco ( ) Amizade ( ) Indicação de terceiros ( ) Capacidade cnico-
administrativa ( ) É “conhecido” ( ) Outro
36) Existe possibilidade, nas Assembléias Gerais, do senhor sugerir propostas que
venham a ser implementadas na Cooperativa?
37) Quando o senhor tem problemas com a Cooperativa, qual é o meio mais eficaz de
resolvê-los? Por quê?
38) Que importância que a Cooperativa tem hoje para o senhor e sua família?
O senhor pretende continuar na condição de sócio? Por quê?
110
APÊNDICE B: Roteiro de Entrevista aplicada aos diretores-presidente da Cooperativa
Regional Sananduva de Carnes e Derivados LTDA.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural
Roteiro de entrevista a ser aplicado para o desenvolvimento da dissertação “As relações
constituídas historicamente entre produtores familiares e cooperativas agropecuárias no RS
– Cooperativa Regional de Carnes e Derivados Sananduva LTDA”.
Aline Roman Savi
Roteiro de Entrevista 2: Aplicado à diretoria da Cooperativa e à documentação existente
de períodos remotos.
I – Dados de identificação:
1) Nome:
2) Idade:
3) Ano de filiação à Cooperativa:
9) Período que administrou Cooperativa:
10) Atividade que exercia antes de se tornar Presidente:
II – Dos “tipos” de Cooperativas:
1. Quais são os principais “tipos” de produtores de suínos associados à Cooperativa
que o senhor identifica? Quais são suas principais características?
2. Quais são os critérios fundamentais para a admissão de produtores de suínos?
3. Houve oscilação no número de produtores no período de sua administração? Em
que momento ela foi mais marcante?
4. Quais são os motivos que o senhor atribui a ela?
5. Quais são os principais produtos comprados pela Cooperativa junto a seus
associados que se relacionam com a produção de suínos – animais e vegetais?
6. Houve grande oscilação na quantidade comprada destes principais produtos? Em
que período ela foi mais marcante?
7. Quais são os principais subprodutos? Por que da escolha destes?
8. Como eram antigamente organizados os diferentes setores internos à Cooperativa
para o processamento e fabricação da carne suína? E como o são atualmente, nos
itens:
a) “Etapas” do processamento:
b) “Etapas” da fabricação:
c) Composição do maquinário:
d) Composição da mão-de-obra:
e) Produtividade média anual:
9. Por que motivos se optou pela mudança dos processos produtivos e dos de
industrialização?
111
10. Quais são os setores profissional-especializados presentes na instituição? Quais são
as datas de formação?
11. Quais foram os principais financiadores dos elementos necessários para as
mudanças no processo produtivo e de industrialização?
12. Quais são os principais produtos comercializados pela Cooperativa? Quais são os
motivos que contribuíram para a fixação destes?
13. Quais são os principais destinos dos produtos e dos subprodutos oriundos dos
suínos?
14. De que modo a Cooperativa participa da produção nas UP’s familiares, nos
quesitos:
a) Produtos oferecidos aos produtores (de que forma; como são cobrados):
b) Serviços oferecidos aos produtores (de que forma, como são cobrados):
15. Qual é a participação que os produtos e subprodutos suínos têm no ganho geral da
Cooperativa?
II. Da Legitimidade e Dominação:
1. Como está estruturado o quadro administrativo/dirigente?
2. Quais são as atribuições dos distintos componentes do quadro administrativo?
3. Que poderes são atribuídos ao quadro administrativo?
4. Como é realizada a escolha e/ou eleição deste quadro?
5. De que forma são delimitadas e sob que bases as diferentes regras ou normas
estabelecidas na Cooperativa?
6. Quais são os principais projetos da Cooperativa?
7. Em sua opinião, qual é a importância da Cooperativa para os associados produtores
de suínos? Ela vem sendo alterada nos últimos anos?
112
APÊNDICE C: Sumário das categorias e indicadores que compuseram a formulação das
Entrevistas da dissertação: “Dos fins e dos valores: as relações constituídas historicamente
entre produtores familiares e cooperativas agropecuárias no RS – Cooperativa Regional de
Carnes e Derivados Sananduva”.
Proble
ma
Hipóteses Categorias Indicadores/Variáveis Nível de
Análise
Instrumen-
tos de
Coleta de
Dados
Fontes de
Coleta de
Dados
Produt
ores
agem a
partir
de
quais
fins ou
de
quais
valores
– em
diferen
tes
momen
tos?
Produtores
familiares
diversificam
seu tipo.
Um dos tipos
de agricultores
absorve
características
empresariais,
mas continua
tradicional.
Tipos de
produtores –
racionalidad
e: baseada
em fins ou
valores.
a) Terra e condições
naturais:
Tamanho – até 20
ha, de 21 a 50 ha, de
51 a 100 ha, mais de
101 ha;
Data e modo de
apropriação –
compra ou herança;
Localização – dentre
as comunidades do
município;
Relevo – dentre as
três áreas
teoricamente
distintas;
b) Produtos:
Principais produtos
comercializados –
animais e vegetais:
soja, milho, trigo,
cevada, feijão;
hortifrutigranjeiros;
suínos, aves, gado
de leite e gado de
corte; o por quê da
escolha de cada um
deles;
Início da produção
de suínos – até
1960, de 1961 a
1980; a partir de
1981;
O porquê da
per
manência na
Micro
(familiar).
Constituição
de pré-
tipologia
que
contemple
todos os pré-
períodos e
os pré-tipos;
Entrevista
semi-
estruturada;
Informações
de agentes-
chave;
Produtores
pré-
selecionados;
113
produção de suínos;
Principais vantagens
da produção de
suínos;
Principais
desvantagens da
produção de suínos;
Importância passada
e atual da produção
de suínos;
c) Importância
econômica:
Importância
econômica da
produção de suínos
(representatividade
frente a outros
produtos
comercializados) –
muito grande,
grande, média,
baixa, muito baixa;
o por quê;
d) Perspectivas:
Pretensão de seguir
na atividade de
suíno ou de legá-la a
descendente(s); o
por quê;
e) Processos produtivos:
Comparativo entre
processos
“passados” e
“atuais” na atividade
de suínos:
Processos
“passados”:
presença e
estruturação da
pocilga, raça dos
suínos,
medicamentos,
número de matrizes,
produtividade média
114
anual, tratamento e
aproveitamento dos
dejetos;
Processos “atuais”:
presença e
estruturação da
pocilga, raça dos
suínos,
medicamentos,
número de matrizes,
produtividade média
anual, tratamento e
aproveitamento dos
dejetos;
Comparativo entre
processos passados e
atuais na produção
de milho:
Processos
“passados”:
tamanho da área
cultivada, tipos de
sementes, máquinas;
Processos “atuais”:
tamanho da área
cultivada, tipos de
sementes, máquinas;
Data e o porquê (se
houve) das
mudanças em cada
etapa do processo
produtivo;
Relação da produção
de milho com a de
suínos;
O porquê da (não)
especialização em
alguma etapa da
produção de suínos;
O porquê da
integração na
atividade de suínos
com a cooperativa;
Financiador(es) para
115
esta aquisição de
elementos
fundamentais para a
mudança das formas
de produzir – banco,
cooperativa,
terceiros;
e) Organização do
trabalho:
Composição da
mão-de-obra
familiar- chefe,
cônjuge, filhos;
Idade dos membros
– até 12 anos, de 13
a 25 anos, mais de
26 anos;
Novo processo
produtivo alterou a o
trabalho na
propriedade, de que
forma;
f) Relações com o
mercado:
Canais de
comercialização de
suínos e milho –
cooperativa,
indústria,
intermediários,
venda direta, outros;
Respectivas
quantidades de
produtos
comercializados –
em porcentagens;
Vantagens e
desvantagens destas
escolhas;
Formas de
transporte de suínos;
Que
tipos
de
cooper
Cooperativa
consolida-se
como uma
associação de
Tipos de
cooperativa
– Relação
de
a) Sócios:
Principais tipos de
sócios/associados
Micro
(cooperati
va);
Análise
histórica dos
documentos;
Atas
(administrati
vas,
assembléias
116
cooper
ativa
são
formad
os –
em
diferen
tes
momen
tos?
associação de
empresa;
de
associação,
Associação,
Associação
de Empresa;
ligados a ela –
constituídos a partir
da análise do
próprio diretor;
Critérios para
admissão de
produtores de
suínos;
Número de
associados no
período da gestão;
Período de maior
oscilação do número
de associados;
motivos;
b) Produtos:
Produtos
comprados: animal e
vegetal –
relacionados à
produção de suínos;
Quantidade
comprada
média/ano;
Período de maior
oscilação; motivos;
Quais são seus
subprodutos;
c) Processos produtivos:
Comparativo entre
processos
“passados” e
“atuais”:
Processos
“passados”:
processamento de
suínos (maquinário,
diversas “etapas” do
processamento,
dinâmica de
trabalho,
produtividade) –
descrição;
Processos “atuais”:
Entrevista
semi-
estruturada;
assembléias
gerais) e
documentos
oficiais;
Ex-diretores
e diretores
pré-
selecionados;
117
processamento de
suínos (maquinário,
diferentes “etapas”
do processamento,
dinâmica de
trabalho,
produtividade) –
descrição;
O porquê da escolha
e/ou permanência
das formas de
produzir;
Financiador(es) para
esta aquisição;
d) Comercialização:
Principais produtos
comercializados; o
porquê da escolha
destes;
Destino dos
produtos suínos;
Destino dos
produtos do milho
(se) comprado;
e) Participação da
Cooperativa na
produção:
Produtos e serviços
oferecidos aos
produtores; de que
forma; como são
cobrados;
f) Importância
econômica:
Participação
(estimada) da
atividade suína no
ganho geral da
cooperativa
(porcentagem); por
quê;
g) Administração:
Formas de
escolha/eleição do
118
quadro
administrativo;
Poderes do quadro
administrativo;
Presença de regras
estabelecidas;
Formas de
delimitação das
regras; é possível
modificá-las; formas
de modificação;
Presença de setores
profissional-
especializados;
desde quando; quais;
Principais projetos
da cooperativa;
h) Expectativas:
O porquê da
escolha/permanência
da atividade suína;
Importância da
Cooperativa para os
produtores;
Como
produt
ores
configu
ram
suas
relaçõe
s – em
diferen
tes
momen
tos?
Embora haja
diversos
“tipos” de
produtores, a
“legitimidade”
atribuída à
cooperativa é
geral;
Há, portanto,
possibilidade
desta exercer
“domínio”
diverso sobre
aqueles;
Legitimidad
e e
Dominação
a) Sócios:
Tempo de
associação;
b) Motivos:
Principais vantagens
de ser sócio da
cooperativa;
Principais
desvantagens de ser
sócio da
cooperativa;
Principal motivo da
associação;
c) Regras:
Participação na
constituição das
diversas regras
vigentes (compra da
produção,
assistência técnica,
Micro
(familiar);
Análise
histórica dos
documentos;
Entrevista
semi-
estruturada
Informações
de agentes-
chave;
Produtores
pré-
selecionados;
119
venda de insumos
etc) – sim, não;
qual; de que forma;
Satisfação em
relação a estas
diversas regras
estabelecidas na
cooperativa; o por
quê;
Clareza e
possibilidade de
verificação das
regras estabelecidas;
Cumprimento das
regras pelos
produtores; o por
quê;
d) O quadro
administrativo:
Principal critério
para a escolha dos
diretores;
e)Participação/resolução
problemas
(“burocratização”):
Papel da assembléia
no poder de
influência/decisão
do sócio; o por quê;
Meios mais eficazes
na resolução de
problemas com a
cooperativa; o por
quê;
f) Perspectivas:
Continuará sendo
sócio da
cooperativa; o por
quê;
120
ANEXO A: Localização do Município de Sananduva em Relação ao estado do Rio Grande
do Sul
FONTE: nutep.ea.ufrgs.br
121
ANEXO B: Comunidades do Município de Sananduva em que Residem os Produtores
Familiares Entrevistados
FONTE: EMATER/ASCAR. Microrregião de Sananduva: diagnóstico da realidade municipal. Sananduva:
Escritório Municipal EMATER/ASCAR, 2002.
122
ANEXO C: Município de Sananduva com Marcas das Primeiras Linhas Construídas pela
Colonização
FONTE: EMATER/ASCAR. Microrregião de Sananduva: diagnóstico da realidade municipal. Sananduva:
Escritório Municipal EMATER/ASCAR, 2002.
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