29
1. Sobre o conceito de “pecado hereditário” na tradição teológica
Não sem qualquer tom de ironia
17
o autor de O Conceito de Angústia abre seu texto
afirmando que “aquele que quiser escrever um livro fará bem em pensar, sob diversas
perspectivas, a respeito do tema sobre o qual quer escrever. Também não fará mal se, tanto
quanto possível, tomar conhecimento do que já foi escrito sobre o mesmo tema”.
18
De fato, o
autor demonstra estar bem informado sobre o desenvolvimento do problema do pecado
original na história da teologia e principia sua investigação analisando algumas das principais
teorias relativas à doutrina do pecado.
19
17
Há quem pense que O Conceito de Angústia é um dos textos mais sérios que Kierkegaard já escreveu. No
prefácio de uma tradução da obra para a língua inglesa lê-se o seguinte: “Nós não precisamos [...] aplicar a este
livro a enfática admoestação de S.K. de não atribuir a ele aquilo que é dito pelos pseudônimos. Este foi o seu
primeiro livro completamente sério, e tudo o que encontramos nele pode ser seguramente considerado como seu
próprio modo de pensar” (LOWRIE in KIERKEGAARD, Søren. The Concept of Dread. Trad. com introdução
e notas de Walter Lowrie. 2 ed. Princeton: Princeton University Press, 1957. (p. x)) [We need not [...] apply to
this book S.K.’s emphatic admonition not to attribute to him anything that is said by his pseudonyms. This was
his first completely serious book, and everything we find in it may safely be regarded as his own way of
thinking]. Penso que este é, provavelmente, o texto mais difícil, mas não que seja completamente sério. O livro
tem, sim, um tom de seriedade, por vezes exacerbado. A ironia kierkegaardiana pode consistir tanto em falar
coisas sérias em tom de brincadeira como em falar coisas não tão importantes ou, até mesmo, obviedades, no
tom da maior seriedade. Esta constante ambigüidade da ironia visa aumentar a responsabilidade de interpretação
do leitor.
18
SKS 4-BA, p. 313 [[...] den, der vil skrive en Bog, vel i at tænke adskilligt over den Sag, om hvilken han vil
skrive. Han gjør heller ikke ilde i at stifte, saavidt mueligt, Bekjendtskab med hvad tidligere er skrevet om den
samme Sag]. Cf. KW VIII-CA, p. 7.
19
Em seus Papirer, Kierkegaard demonstra uma grande preocupação no que diz respeito às diferenças entre
Agostinianismo, Pelagianismo e Semi-Pelagianismo. Seu conhecimento dessas controvérsias nem sempre era a
partir de fontes primárias. Entre 1833 e 1834, Kierkegaard freqüentou as aulas de teologia histórica de H.N.
Clausen, teólogo dinamarquês influenciado por Kant e Schleiermacher. Sabe-se que as notas que Kierkegaard
tomou quando freqüentando as aulas de Clausen foram extensamente usadas durante a escrita de O Conceito de
Angústia (tais notas se encontram nos Papirer de Kierkegaard (Søren Kierkegaard Papirer. v. I-XI. Ed. de P.
A. Heiberg, V. Kahr e E. Torstirg. København: Gyldendalske Boghandel; Nordisk Forlag, 1909-48; v. XII-XIII e
v. XIV-XVI de comentários de N. Thulstrup; Index de N. J. Cappelørn. København: Gyldendal, 1968-78) e parte
delas está traduzida para o inglês por Howard e Edna Hong em uma seleção dos Papirer organizada por
verbetes, chamada Journals and Papers (Søren Kierkegaard’s Journals and Papers. Ed. e trad. de Howard
V. Hong e Edna H. Hong com auxílio de Gregor Malantschuk. v. 1-6, v. 7 Index. Bloomington, London: Indiana
University Press, 1967-78). (verbete Anthropology, Philosophy of Man, JP I)). Além dessas notas de aula,
Kierkegaard usou e freqüentemente se refere a: HASE, Karl. Hutterus redivivus oder Dogmatik der
evangelish-lutherischen Kirche. 4 ed. Lepzig, 1839; e, BRETSCHNEIDER, K.G. Handbuch der Dogmatik. 2
V. 4 ed. Leipzig, 1838. Kierkegaard também possuía e provavelmente usou o: MARHEINEKE, Philip.
Lehrbuch des christlichen Glaubens und Lebens für denkende Christen. 2 ed. Berlin, 1836. Embora esses
autores pudessem divergir teologicamente, a apresentação das doutrinas feita por eles foi, principalmente, o que
serviu de base para a reconstrução da problemática feita por Kierkegaard. Cf. BARRETT, Lee. Kierkegaard’s
“Anxiety” and the Augustinian Doctrine of Original Sin. In: PERKINS, Robert L. (Ed.) The Concept of
Anxiety, Macon, Georgia: Merceer University Press, 1985. (International Kierkegaard Commentary, v. 8). (p.
48-49).