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Richard Shaull
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não conseguiu vencer o conservadorismo e o puritanismo americano
presentes na Igreja Presbiteriana do Brasil, a qual se mantinha alheia às transformações que es-
tavam ocorrendo na época e na realidade à sua volta, sobretudo, em relação à crescente desi-
gualdade econômica e social. Esse mesmo ‘espírito repressor’ assumido pela liderança daquela
igreja seria o responsável pela denúncia de Rubem Alves (e de outros cinco pastores) no início
da Ditadura. Essa denúncia o obrigaria a sair do país mais tarde. A igreja se associara à política
da Ditadura
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. Nas palavras de Rubem Alves,
Somente muito tempo depois compreendi os fundamentos sociais dos meus temores.
A Igreja Católica tem uma eclesiologia forte – na verdade é uma eclesiologia forte.
Suas fronteiras institucionais e sua teologia delimitam um espaço e um tempo imensos,
transbordando das limitações apertadas dos espaços e tempos políticos. Ela aprendeu a
arte da sobrevivência. E esta arte tem a ver com a manutenção da integridade institu-
cional, sempre que algum perigo surge. Assim, em meio à “caça às bruxas”, a Igreja
Católica se constituiu numa “cidade refúgio”, “santuário” onde os perseguidos encon-
travam abrigo. O fato de pertencerem à Igreja era mais forte que sua pertinência ao Es-
tado. Mas com as Igrejas Protestantes a situação era diferente. Comunidades pequenas,
marginais, sem reconhecimento, desejosas de “pertencer” a algo maior: nada melhor
que uma situação de “caças às bruxas” para afirmar, perante o Estado, a sua lealdade,
garantindo assim o seu direito de participar do poder. E que melhor prova de lealdade
pode existir que entregar os seus próprios filhos ao sacrifício?
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Acusado de subversivo pela própria igreja e denunciado ao regime militar, Rubem Al-
ves viu-se sem saída até que surgiu o convite da
United Presbyterian Church – USA
(acordado
previamente com o presidente do
Princeton Theological Seminary
) para a realização de um
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Depois que retornou ao Brasil, em 1958, Richard Shaull ficou de ‘mãos atadas’. “Minhas atividades na Igreja e
no Seminário foram gradualmente restringidas. Minha identificação com amigos tornou-se, para eles, uma carga
incômoda. Minha posição passou a ser a de observador dos acontecimentos, enquanto todas as coisas pelas
quais havia trabalhado iam sendo destruídas uma a uma. Durante anos, sentia mágoa ao observar os efeitos da
destruição da esperança que tantos haviam cultivado em relação ao futuro e o efeito desalentador que essa des-
truição causou na carreira profissional de tantos com quem estive tão intimamente ligado” (SHAULL, 1985, p.
194-195). No ano de 1959, aceitou o convite para atuar no Seminário Presbiteriano de Governador Valadares
(MG). Pensou que lá poderia fazer a igreja se aproximar das lutas populares, mas estava enganado. Em 1960,
aceitou o convite de ser vice-presidente do Instituto Mackenzie, em São Paulo, com a intenção de estar mais
próximo dos movimentos estudantis (SHAULL, 1985, p. 197). Por volta de 1966, Richard Shaull retorna aos
Estados Unidos e se afasta gradativamente das instituições religiosas estadunidenses, devido a sua experiência
no Brasil (SHAULL, 1985, p. 207). Faleceu em 2002.
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Segundo Leonildo Silveira Campos, a posição dos evangélicos (protestantes de missão) diante do Golpe de
1964 se deve a uma soma de fatores que, em conjunto, aparentam ambivalência. Por um lado, os missionários
que chegaram ao Brasil provinham de um contexto de Guerra (havia a luta contra os indígenas no Oeste, entre
os escravistas do Sul e os liberais do Norte dos Estados Unidos). Muitos missionários “haviam jurado desvenci-
lhar a pregação protestante das lutas políticas, possivelmente por causa dos problemas ligados à Guerra da Se-
cessão ou então por medo de não serem bem aceitos pelos governantes nos países em que estavam atuando”
(CAMPOS, Leonildo Silveira. Evangélicos e o Golpe Militar de 1964. Tempo e Presença. Rio de Janeiro, n.
334, mar.-abr., 2004, p. 24). Por outro lado, o ‘susto’ da revolução de 1930, que colocou, em uma década, Getú-
lio Vargas no poder, instaurando o Estado Novo, a propaganda anticomunista que encontrou simpatia nas igre-
jas evangélicas e a irrupção de um movimento de renovação, conduzido, sobretudo, pelas lideranças jovens,
provocaram a “mobilização dos conservadores, antiecumênicos e portadores do poder burocrático nas igrejas,
geralmente mais idosos, o que proporcionou a identificação com os ideais dos golpistas de 1964 e de sua ideo-
logia motivadora centrada na idéia da ‘segurança nacional’” (CAMPOS, 2004, p. 25).
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ALVES, 1987b, p. 29. Grifos no original.