102
O conceito da Igreja como comunhão se harmoniza com diversas imagens bíblicas,
especialmente com a imagem de Povo de Deus. “O Povo de Deus é um conceito teológico e
bíblico profundamente enraizado no Antigo Testamento, onde se alude, constantemente a
Israel como a nação da especial predileção de Deus”
328
constituída pela Aliança.
A Aliança, por sua vez, “completa e explicita a relação de fidelidade e amor em que
Deus entrou com a humanidade graças ao seu amado Filho, Jesus Cristo”.
329
Portanto, os
cristãos formam o novo povo convocado por Deus a viver segundo o paradigma da comunhão
eclesial neo-testamentário (At 2,42-47).
Na mesma linha segue o Vaticano II. O principal paradigma da Igreja é o do Povo de
Deus: “o Concílio Vaticano II acena para uma Igreja Povo de Deus, conformada por todos os
batizados, em relação de comunhão e vivendo em comunidade, a exemplo do modelo
apresentado pelos Atos dos Apóstolos (At 2,42ss)”.
330
A imagem Povo de Deus é muito mais uma categoria teológica do que propriamente
uma realidade histórica, pois é um ideal mais do que propriamente um fato histórico.
No entanto, de uma simples nação, de uma unidade histórico-biológica, deve
acontecer uma verdadeira comunhão, isto é, um real am, cujos membros não estão
unidos entre si, unicamente, em virtude da descendência e da sorte, mas também
pela participação na justiça e no amor, da vida do outro, fruto do mesmo centro
divino de unidade. Por isso, am elohim, “Povo de Deus”, expressa que todos os
membros estão unidos entre si por um mesmo centro divino de comunhão.
331
Em diversos textos (Rm 9,23-26; Hb 8,10; Tg 1,1; 1Pd 2,9) alude-se à Ekklesía cristã
como novo povo de Israel ou como Povo de Deus da Nova Aliança.
A via eficaz para traçar uma eclesiologia mais harmônica nas estruturas hierárquicas
e laicais depende da consideração de todos os crentes à luz do mistério de
comunhão, que na fé e nos dons da redenção une todos os crentes. Frente ao
juridicismo, o capítulo primeiro da Lumen Gentium oferece uma consideração da
Igreja-mistério; frente a societas inaequalis, o capítulo II da Lumen Gentium
estabelece a igualdade fundamental entre todos os cristãos em virtude do batismo.
Assim há de se concretizar o passo de uma eclesiologia jurídica a uma eclesiologia
de comunhão através do Povo de Deus: “tudo o que foi dito para o Povo de Deus
vale igualmente para os leigos, religiosos e clérigos” (LG 30).
332
328
DULLES, Avery. Op. cit., p. 55-56.
329
Ibidem, p. 57.
330
BRIGHENTI, Agenor. A pastoral dá o que pensar: a inteligência da prática transformadora da fé. São Paulo:
Paulinas; Valência: Siquem, 2006, p. 38-39.
331
HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. Op. cit., p. 157.
332
MADRIGAL, Santiago. Op. cit., p. 301.