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CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC
CURSO DE MESTRADO, MODA, CULTURA E ARTE
MARIA DE FÁTIMA GRAVE
A MODA-VESTUÁRIO E A ERGONOMIA DO HEMIPLÉGICO
SÃO PAULO
2007
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MARIA DE FÁTIMA GRAVE
A MODA-VESTUÁRIO E A ERGONOMIA DO HEMIPLÉGICO
SÃO PAULO
2007
Dissertação apresentada como
requisito para a obtenção do título de Mestre
em moda, cultura e arte, sob orientação do
Professor Doutor Luiz Octávio de Lima
Camargo.
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Catalogação na Fonte
Grave, Maria d Fátima
G781m A Moda-vestuário do Hemiplégico / Grave,Maria de Fátima – São
Paulo, 2007.
133 f. : il. color. ; 29 cm
Orientador: Prof. Dr. Luiz Octávio de Lima Camargo.
Dissertação Mestrado Curso (Stricto Senso: Moda, Cultura e Arte) Centro
Universitário Senac, Campus Santo Amaro, São Paulo, 2007.
1.a presença de mecanismos para vestir-se 2.hemiplegia ou hemiparesia 3.a
modelagem ergonômica 4.metodologia I. Luiz Octávio de Lima Camargo
(orient.) II. Título.
CDD 641
A MODA-VESTUÁRIO E A ERGONOMIA DO
HEMIPLÉGICO.
Maria de Fátima Grave
Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título de Mestre em
moda, cultura e arte e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-
Graduação do Centro Universitário SENAC, em 29 de agosto de 2007.
APRESENTADA À COMISSÃO EXAMINADORA
INTEGRADA PELOS PROFESSORES:
___________________________
Professor Luiz Octávio de Lima Camargo. Dr.
(Centro Universitário SENAC – Orientador)
___________________________
Professora Ana Lúcia de Castro. Dra.
(Centro Universitário SENAC)
___________________________
Professora Suzana de Avelar Gomes. Dra.
(Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP)
A Deus e a minha família:
Kuzma, querido marido,
incansável companheiro.
Ao meu filho Caio Henrique, razão
da minha vida.
Aos meus pais, Manoel (in
memoriam) e Maria do Rosário,
pelo amor e carinho sempre
demonstrados, em especial nos
momentos difíceis.
A Paulo José Terrezza Licciardi,
a quem dedico este estudo.
Agradecimento especial
Por ter estendido a mão,
auxiliado, acolhido e orientado.
Por ter apontando o
caminho e persistido que o
caminhar deve ser com os
próprios pés.
Por não ter ensinado fórmulas,
regras, raciocínios, e sim ter
questionado e despertado para
a realidade, fazendo germinar o
saber.
A você Professor Doutor Luiz
Octávio de Lima Camargo, o meu
muito obrigado.
Agradecimentos
Agradeço a Deus, pela imensa generosidade com que me acolhe nos
momentos de dificuldade, e pelos anjos que colocou em meu
caminho.
Aos professores do curso, que sempre estiveram presentes,
apoiando e compartilhando conhecimentos.
A direção do Mestrado e a todos os colegas pelo incentivo e apoio,
especialmente a Professora Doutora Cyntia Malaguti que todo o
tempo me ajudou e mostrou-se amiga.
A Fundação Selma, que abriu espaço ao estudo de caso e
possibilitou concretização desse trabalho.
A Clínica C.U.R.A.T, em especial ao seu diretor José Carlos Teixeira
do Vale.
Enfim, a todos que direta ou indiretamente me ajudaram nesta etapa
de estudos.
(...) a concepção da vida enquanto um tipo de estado fetal
permanente do tempo confere ao homem a natureza de um ser
em constante mutação ou, ainda mais, em um inacabado e
interminável processo de fazer-se, de auto definição. Não é
outro sentido da frase de Arnald Gehlen quando afirma que
“der Mensch ist ein Màngelwesen” (o homem é um ser
composto de deficiências). Isto implica que a consciência de
sua própria fragilidade obriga a este ser sua permanente re-
criação de si mesmo, criando para tanto um poderoso
instrumento que se prestasse de útero de suas infindas
gerações (BAITELLO, 1999, p.94)
RESUMO
Como a moda-vestuário pode contribuir para minorar o desconforto do hemiplégico,
dada sua condição física? Trata-se de um duplo problema: primeiro, de ergonomia,
pois o hemiplégico tende a desenvolver uma atrofia do lado comprometido que, na
maioria das vezes, está paralisado e gera repercussões de postura no lado sadio;
segundo, de moda, visto que não se trata de um vestuário com o objetivo apenas de
abrigá-lo, mas também de fazê-lo sentir-se confortável em relação aos padrões
sociais das pessoas com as quais convive. Com a falta de estudos que sintetizem e
substanciem um vestuário adequado para este segmento da população, o usuário
não encontra tais peças à venda no mercado - daí a importância de pesquisas
detalhadas sobre as áreas do corpo do deficiente hemiplégico. Destas preocupações
nasceu este trabalho, baseado em pesquisas já realizadas sobre as características
da postura do deficiente físico hemiplégico. Com base nestas pesquisas e depois de
estabelecer as definições específicas a respeito de sua condição física, caminhar-se-
á para a apresentação de protótipos ergonomicamente ajustados.
Palavras-chave: ergonomia, moda, hemiplegia, conforto.
ABSTRACT
How can fashionable clothing contribute to abating a hemiplegic person’s discomfort
toward their physical condition? It is a matter of a dual concern: firstly, that of
ergonomics since a hemiplegic person tends to present atrophy development on their
body affected side, which is usually paralyzed and acts as a postural deformities
developer on the healthy side. Secondly, that related to the fashion question as long
as it is about clothing that not only shelters them but also makes the identification
with other people around them possible. Consequently, it is also about making them
feel that they belong. However, because there is a lack of studies that unify and
reinforce adaptable clothing for this population’s niche, wearers have great difficulty
when shopping for clothes that fit them properly. That is why having thorough studies
about the hemiplegic person’s body parts is vital. This study arose from those worries
and it was based on researches that have already been carried out about a
hemiplegic person’s postural characteristics. Based on these researches and after
having the specific physical conditions established, I will then move on to presenting
ergonomically adapted prototypes.
Key words: ergonomics, fashion, hemiplegic, comfort.
LISTA DE FOTOS
Foto 1 - Posicionamento da altura em relação ao ponto de gravidade do
cóccix ................................................................................................
81
Foto 2 - Paralela da altura sagital baseada na orelha/mamilo ....................... 82
Foto 3 - Medição em contorno da mão sã (direita) ........................................ 83
Foto 4 - Medição em contorno da mão plégica (esquerda) ............................ 83
Foto 5 - Posicionamento para medição da mão plégica ................................ 84
Foto 6 - Medição do braço, baseada no plano frontal, braço são (direito) ..... 85
Foto 7 - Medição do braço baseada no plano frontal, braço plégico
(esquerdo) .........................................................................................
86
Foto 8 - Medição da altura do tronco e do abdome, plano transversal, perna
sã (direita) .........................................................................................
88
Foto 9 - Medição da altura do tronco e do abdome, plano transversal, perna
plégica (esquerda) ............................................................................
89
Foto 10 - Disposição da altura com base no cóccix (ponto gravitacional) ....... 91
Foto 11 - Modelo tecido segunda pele, antialérgio, frente da calça ................. 101
Foto 12 - Modelo tecido segunda pele, antialérgico, costas ............................ 102
Foto 13 - Deficiência do corpo e sua assimetria frente .................................... 103
Foto 14 - Deficiência do corpo e sua assimetria costas ................................... 104
Foto 15 - Tecido de algodão, mostrando a simetria frente, fechamento em
vélcro ................................................................................................
105
Foto 16 - Tecido de algodão, mostrando a simetria, costas ............................ 106
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Bengala inglesa ........................................................................... 59
Figura 2 - Ponto de gravidade no sacro e joelho ......................................... 61
Figura 3 - Alavancas eficazes para rotatória ............................................... 68
Figura 4 - Corpo em flexão .......................................................................... 72
Figura 5 - Perna da frente direita sã e perna esquerda plégica ................... 94
Figura 6 - Perna traseira direita sã e perna esquerda plégica ..................... 95
Figura 7 - Componente da parte da frente ................................................... 96
Figura 8 - Frente e costas da camisa .......................................................... 97
Figura 9 - Modelagem da manga esquerda e direita ................................... 98
Figura 10 - Visão plana do modelo da camisa ............................................... 99
Figura 11 - Visão plana do modelo da calça .................................................. 100
Figura 12 - Avariação do ponto de gravidade do hemiplégico em marcha ... 108
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Sinergia de flexão estereotipada de movimento de um
hemiplégico ....................................................................................
54
Quadro 2 - Sinergia extensora estereotipada do movimento de um
hemiplégico ....................................................................................
54
SUMÁRIO
FOLHA DE APROVAÇÃO.................................................... Erro! Indicador não definido.
DEDICATÓRIA ........................................................................................................................3
AGRADECIMENTO ESPECIAL...........................................................................................4
AGRADECIMENTOS..............................................................................................................5
EPÍGRAFE................................................................................................................................6
RESUMO...................................................................................................................................7
ABSTRACT..............................................................................................................................8
LISTA DE FOTOS...................................................................................................................9
LISTA DE FIGURAS.............................................................................................................10
LISTA DE QUADROS ..........................................................................................................11
SUMÁRIO...............................................................................................................................12
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................15
CAPÍTULO 1 - A PRESENÇA DE MECANISMOS PARA VESTIR-SE.......................21
1.1 O Corpo e o vestuário: ligações e interligações.....................................................24
1.2 O homem definido pela biologia ...............................................................................25
1.3 Uma breve abordagem sobre a história da moda .................................................30
CAPÍTULO 2 – HEMIPLEGIA OU HEMIPARESIA........................................................41
2.1 O deficiente físico na atualidade...............................................................................42
2.2 Hemiplegia ou Hemiparesia e seu vestuário ..........................................................46
2.3 Fatores que interferem no movimento normal do hemiplégico ...........................49
2.3.1 Distúrbios da sensibilidade em vários graus...................................................49
2.3.2 Espasticidade .......................................................................................................50
2.3.3 Distúrbio do mecanismo de reflexo postural normal......................................51
2.3.4 Perda dos Padrões de movimento seletivo.....................................................52
2.4 Medicina física e reabilitação ....................................................................................53
2.5 O normal e o patológico .............................................................................................55
CAPÍTULO 3 - A MODELAGEM E A ERGONOMIA ......................................................58
3.1 Características do tecido ...........................................................................................63
3.1.1 O vestuário e as superfícies têxteis..................................................................64
3.1.2 Tecido plano (biaxial) ..........................................................................................65
3.1.3 Caimento em viés ................................................................................................66
3.1.4 Caimento do tecido com fibras em triaxialidade.............................................66
3.1.5 Malha .....................................................................................................................66
3.1.6 Elastano.................................................................................................................67
3.2 Pontos antigravitacionais ...........................................................................................67
3.2.1 Relacionando a gravidade do corpo humano com o tecido..........................69
3.3 Movimentos, eixos articulares influem na modelagem .........................................70
3.3.1 Movimentos do corpo..........................................................................................71
3.3.1.1 Flexão, extensão ..........................................................................................71
3.3.1.2 Movimentos de adução e abdução............................................................73
3.3.1.3 Flexão lateral.................................................................................................73
3.3.1.4 Movimento de rotação .................................................................................74
3.3.1.5 Movimento de inclinação.............................................................................75
CAPÍTULO 4 – METODOLOGIA........................................................................................77
4.1 Estudo de caso............................................................................................................78
4.1.1 Biografia modelo base para esse estudo.........................................................78
4.1.2 Caso clínico ..........................................................................................................80
4.2 Características dos pontos gravitacionais e seus ajustes....................................81
4.2.1 Cálculos matemáticos para angulação ............................................................92
4.2.1.1 Cálculo matemático partindo do cruzamento da nuca com a
transversal...................................................................................................................92
4.2.1.2 Cálculo matemático: camisa.......................................................................92
4.2.1.3 Cálculo matemático: manga esquerda .....................................................93
4.2.1.4 Cálculo matemático: perna esquerda frontal ...........................................93
4.3 Aplicação das técnicas de modelagem....................................................................93
4.3.1 – Calça-frente.......................................................................................................94
4.3.2 – Calça- Traseiro .................................................................................................95
4.3.3 Bolso e Cós - Frente ...........................................................................................96
4.3.4 – Frente e costas da camisa..............................................................................97
4.3.5 – Modelagem da manga esquerda e direita....................................................98
4.3.6 – Visão plana do modelo da camisa.................................................................99
4.3.7 – Visão plana do modelo da calça ..................................................................100
4.4 Fotos das peças confeccionadas ...........................................................................101
4.4.1 Considerações relevantes que interferem na modelagem .........................107
CONCLUSÕES....................................................................................................................110
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................116
ANEXOS...............................................................................................................................124
Anexo A - Declaração de Autorização de uso de Imagem e Narrativa...................125
Anexo B - Boletim de Ocorrência..................................................................................126
Anexo C – Relatório Médico ..........................................................................................128
Anexo D – Relatório de Evolução Terapêutica...........................................................132
Anexo E – Reportagem Jornal da Tarde de 22/02/2006...........................................133
INTRODUÇÃO
16
A decisão de estudar a moda-vestuário e a ergonomia do hemiplégico ocorreu
quando fui procurada para desenvolver um vestuário que atendesse às
necessidades de um garoto com hidrocefalia. Na ocasião, tentei comprar-lhe
algumas roupas e não encontrei uma só peça que servisse nele, pois sua cabeça
apresentava um grau de desenvolvimento elevado e as roupas com decote no
tamanho normal não passariam por ela. Isto fez com que eu mesma confeccionasse
a roupa.
Indignada, comecei a visitar o Centro de Reabilitação do Serviço Social da
Indústria - SESI, hospitais e times esportivos compostos por atletas portadores de
deficiência física, entrevistando-os e cronometrando o tempo que levavam para se
vestirem.
Aprofundando o trabalho, venho procurando o apoio de pessoas de diversas
áreas: antropólogos, médicos, filósofos e outros especialistas que sustentem e
solidifiquem uma nova visão para a moda, a qual deve começar a adotar novas
técnicas de confecção de roupas para hemiplégicos que visem integrá-los à
sociedade.
Mas, o que é moda? Qual sua função? O que as pessoas buscam expressar
sobre si mesmas que possa estar relacionado com a moda? Em primeiro lugar, o
vestuário é apenas um campo da moda.
Questões como a moda e a vestimenta vêm repercutindo nas reflexões de
autores contemporâneos, os quais afirmam existir uma grande interferência
psicológica e física no indivíduo, quando vestido adequadamente.
Segundo Roselle:
A moda é a expressão “vestimentar” de uma dada população em um
momento preciso de sua história, sendo que as codificações que impõem
não constituem mais que formulações momentâneas, e que de fato, a
moda evolui ao ritmo das transformações técnicas, econômicas e culturais
que se apresentam ao olhar da história (1980 p.12).
As roupas permitem ao usuário estabelecer uma identificação com seu meio
e, neste sentido, encontrar roupas que vistam adequadamente o seu tipo físico irá
proporcionar-lhe um sentimento de participação e integração.
Pode-se considerar que “andar na moda” é uma forma de preferência e o fato
de uma pessoa “não andar na moda” poderá fazer com que esta seja rotulada de
17
antiquada ou até mesmo de excêntrica. Mas a moda não se refere apenas ao
vestuário de acordo com Abbagnano:
Na idade moderna foram moda o cartesianismo, o iluminismo, o
newtonismo o darwinismo, o positivismo,o idealismo, o neo-idealismo, o
pragmatismo, etc. - doutrinas que tiveram uma importância decisiva na
historia da cultura. Por outro lado, foram moda também os movimentos
culturais que deixam pouco ou nenhum rastro. Pode-se dizer que a função
da moda é a de introduzir nas atitudes institucionais de um grupo, ou mais
particularmente, em suas crenças, por meio de uma rápida comunicação e
assimilação, atitudes ou crenças novas que, sem a moda, deveriam,
combater por muito tempo para sobreviver e fazer-se valer (1982, p.646).
A moda tem, desta forma, muitos braços que interferem na dinâmica social e
cultural. Mas nem sempre esta interferência é vista como positiva. Por exemplo:
Hipócrates (460 a.C.), considerado o pai da medicina, já apresentava avaliações de
benefícios e prejuízos ao questionar as roupas e suas influências no corpo e na
sociedade. Segundo Rainho, lutas foram travadas contra o vestuário: “A medicina
vestimentária partia em guerra contra os rigores dos botões e dos laços opressores
e de todas as ataduras que prejudicavam o fluxo linfático“ (2002, p.113, grifo do
autor).
Kant (apud Abbagnano) interpretou a moda como uma forma de imitação
baseada na vaidade, pois “ninguém quer aparentar menos que os outros mesmo no
que não possui utilidade alguma” (1982, p.646).
Este código da moda, porém, não é igualmente adequado aos diferentes
segmentos da população. A expressão “ditadura da moda” polêmica e questionável,
se aplicada a todo o campo da moda, tem muito a dizer sobre as dificuldades que
determinadas tendências de vestuário causam em alguns segmentos da população,
que diferem entre si conforme altura, massa corpórea, cor da pele, etc. Todas as
tentativas (não raro cômicas) que são feitas pelas pessoas, sobretudo mulheres, ao
tentar ajustar seu corpo a determinados padrões de moda-vestuário, que são
próprios apenas para algumas estruturas corpóreas, fazem parte do folclore
cotidiano. Esta ditadura, contudo, é especialmente cruel para com os portadores de
deficiência física.
Neste contexto, este estudo busca circunscrever o problema a um
determinado tipo de deficiência física – o da “hemiplegia ou hemiparesia”, abordando
assuntos que respondam a perguntas tais como: Do que se trata esta deficiência?
18
Quais as preocupações que se deve ter em mente ao vestir adequadamente este
deficiente?
De qualquer forma, parte-se do entendimento que hemiplegia ou hemiparesia
é a limitação total ou parcial de movimentos, coordenação motora, sensibilidade e
força, que atinge um lado do corpo. Percebe-se hoje que há um número crescente
de pessoas portadoras desta deficiência, principalmente nos grandes centros
urbanos, como decorrência de acidentes vasculares cerebrais, da violência, dos
acidentes de trânsito e de trabalho - principalmente na construção civil.
É de fundamental importância que o vestuário específico do indivíduo
hemiplégico/hemiparésico apresente características da moda que possibilitem a
participação da pessoa em um determinado segmento sociocultural, além de não
comprometerem sua saúde. Faz-se necessária a apresentação de técnicas de
confecção de roupas que atendam sua ergonomia específica e que venham ao
encontro das necessidades do deficiente hemiplégico. Para o desenvolvimento deste
tipo de peças de vestuário, é essencial que se conheça muito bem o corpo humano,
pois é nele que se manifestam nossos aspectos orgânicos e é através dele que
exteriorizamos nossas características psíquicas e emocionais.
Para tanto, o objetivo deste estudo é apresentar uma técnica de confecção da
peças de vestuário que permitam, simultaneamente, atender às expectativas
estéticas do hemiplégico/hemiparésico ergonomicamente falando, de acordo com os
seus pontos antigravitacionais e que respondam com equilíbrio e simetria à
motricidade de um corpo diferenciado.
Qual a relação corpo-vestuário?
Na visão de Castilho:
(...) o corpo é um modo de presença no mundo, protagonizando vários
papéis nas diferentes interações humanas, o que implica o fato de
requerer, neste processo, a presença de “outro”, um suposto receptor que
processa as atividades do corpo: a de recepção e a de leitura daquele que
se apresenta diante de seu campo de visão. Desse modo, o corpo passa a
ser entendido como um meio de expressão de um conteúdo articulado, por
meio do qual é possível “dizer” ou “significar”, inclusive, o que a palavra,
muitas vezes, omite ou não consegue expressar por seus recursos
inerentes característicos (2004, p.79).
Para Schilder, os cuidados com as peças do vestuário são muito importantes,
pois o vestuário é tido como uma extensão do corpo: “Qualquer peça de roupa
19
vestida torna-se, imediatamente, parte da imagem corporal e é revestida de libido
narcisista” (1994, p.177).
Portanto, pode-se dizer que a relação corpo-vestuário é parte integrante da
imagem corporal, trazendo com ela desejo e prazer. Independentemente do corpo, o
vestuário formaliza-se e acomoda-se à esta superfície, como que criando sua própria
técnica de aderência, libertando-se da circunstância física ou psíquica em que o
corpo se encontra e transpondo-se à linguagem do corpo a ponto de, após ser
despido, continuar apresentando os traços do usuário. Pode-se dizer que, em
contrapartida (como em uma relação côncavo/convexo), o vestuário deixa no corpo
da pessoa determinadas características, ou até mesmo sentimentos, tais como o
prazer ou a repugnância por terem “estado juntos”. Conforme Schilder, “(...) pode-se
dizer, inclusive, que as roupas que despimos continuam a fazer parte do nosso
corpo” (1994, p.177).
A cumplicidade existente nesta inter-relação corpo/vestuário fica evidente: as
atitudes do corpo e do vestuário repetem-se, simultaneamente. Desta forma, a
observação do corpo do hemiplégico (de sua característica patológica, de seu
equilíbrio gravitacional, a mensuração de partes do corpo em planos, levando-se em
consideração as funções, a coordenação e sensibilidade) tem como objetivo oferecer
ao portador desta deficiência física roupas feitas com melhor ergonomia,
favorecendo assim um vestuário adequado e com leitura mais contemporânea.
Neste contexto, este estudo ambiciosamente pretende abrir campo para tal
nicho de mercado e para uma nova área de investigação, que irá gerar um número
cada vez maior de trabalhos de pesquisa realizados e, portanto, irá minorar o
problema atual de bibliografia disponível, que é praticamente inexistente no país.
Para tanto, este trabalho está organizado em quatro capítulos, sendo que o
primeiro fundamenta-se na filosofia e antropologia e mostrará a necessidade de
conscientização da sociedade para a acessibilidade universal e incondicional, bem
como uma breve abordagem da história da moda, focando a saúde no que diz
respeito ao relacionamento desta com o vestuário / moda. Já o segundo capítulo tem
como objetivo mostrar a necessidade do portador de deficiência ter seus direitos
garantidos, sem discriminação de cor, raça, tampouco deformidades físicas.
Apresenta-se também neste capítulo, o conceito de hemiplegia ou hemiparesia em
sua essência, enfatizando-se a patologia e apontando possíveis causas e seqüelas.
No terceiro capítulo, apresenta-se a modelagem e a ergonomia, estabelecendo uma
20
relação entre os sentidos de ver, ouvir e pensar com motricidade. Finalmente, o
quarto capítulo explicita a metodologia utilizada, objetivando-se uma maior
familiarização do pesquisador com o fenômeno investigado ou o alcance de uma
nova compreensão sobre técnicas de modelagem de roupas para portadores de
deficiência física. Destaca-se o estudo de caso, com suas seqüelas e aceitações
quanto ao conforto de uma peça de vestuário e apresentam-se técnicas de
modelagem e fotos com o intuito de facilitar o entendimento por parte dos possíveis
usuários. E, para finalizar o trabalho, apresenta-se parecer conclusivo a partir do
resgate do problema e do objetivo proposto.
21
CAPÍTULO 1 - A PRESENÇA DE MECANISMOS PARA VESTIR-SE.
22
Comece fazendo o que é necessário, depois o que
é possível, e de repente, você estará fazendo o
impossível.
São Francisco de Assis.
O homem é um ser único quanto à capacidade ilimitada de exprimir sua
consciência em relação aos seus dons. Ele pode “ser” como e o quê quiser ser e tem
consciência disto, podendo tanto manter como mudar este seu estado de “ser”. Ele
usa seu corpo e sua mente na investigação da natureza e é nesse sentido que se
difere dos animais.
Tomemos como exemplo o beija-flor. O menor da espécie pesa 1,5 gramas e
o maior 13 gramas e é auto-suficiente para voar a 100 quilômetros por hora.
Alimenta-se das flores quando, em um incrível movimento frenético de bater asas,
golpeia o ar e, parado, enfia o bico dentro delas e tira o néctar e os carboidratos.
Alimenta-se também dos insetos, dos quais obtém os sais minerais e proteínas. Se
não encontrar em seu habitat clima e vegetação favoráveis à sua sobrevivência,
corre o risco de entrar em extinção.
É neste sentido que Bronowski afirma.
(...) entre a multidão de animais que ao nosso redor brinca, voa, escava e
nada, o homem é o único que não está inserido em seu habitat. Sua
imaginação, sua razão, sua sutileza emocional e robustez, representam
condições fundamentais que lhe permitem transformar o meio antes de
aceitá-lo como tal. E a série de invenções através das quais, de tempos em
tempos, restitui seu habitat. Este fator é típico da evolução não mais
biológica, mas, sim, cultural (1992, p.20).
Com a evolução da espécie,o homem firmou os pés no solo, posicionou-se
ereto sobre sua coluna cervical, assumiu compromissos, tornando-se capaz de caçar
e preparar seus alimentos, de desenvolver métodos que o protegessem e que lhe
oferecessem mais conforto. Quer seja por comodismo ou por ignorância, esqueceu-
se da sua condição de primata e da sua essência zoológica de quando andou de
quatro, já que conseguiu atingir o apogeu da evolução. Conquistando direitos e
qualidade de vida (o que ocorre mais facilmente dentro de padrões pré-
estabelecidos de normalidade física e mental), passou a exibir as condições pelas
quais pode ser classificado: são ou deficiente.
23
Conforme Lyra e Garcia:
O corpo é feito de uma mistura impossível de realidade e irrealidade. A
realidade são os ossos, músculos, sangue, cérebro, neurônios e
hormônios. Carne que respira, pulsa e sangra. Mas este mesmo corpo
chora, ri, ama, luta, comunica-se e produz arte, movido por irrealidades. Os
espaços psíquicos e corporais são indissociáveis (2001, p.33).
A moda (efêmera satisfaz o desejo do presente , com seu “prêt-à-porter”
buscando um mercado imediatista) cria uma distância entre o corpo e seu verdadeiro
sentir, pensar, agir e movimentar ao fazer uso de uma tecnologia industrializada na
arte de confeccionar, ou seja, os lados psicológicos, fisiológicos e biomecânicos.
Sob este ponto de vista, pode-se afirmar que um homem anda pelas ruas como se
fosse um “cabide”, vagueando vestido com algumas das peças que são vendidas
dentre as futilidades apresentadas pelo mercado consumista, que ignoram as
diferenciações que o corpo humano apresenta. Há séculos, o vestuário vem
marcando a história e pesquisadores provam sua importância ao afirmarem que se é
possível identificar corpos caracterizados através de suas vestes.
Envolvido por roupas, o deficiente físico exerce interatividade de ações e
movimentos que, inversamente ao que ocorre com uma pessoa sã, são expostos
através de pensamentos e sentimentos (dada impossibilidade de se movimentar, um
deficiente físico expressa a dor, por exemplo, através do olhar), fazendo das vestes
uma extensão do seu próprio corpo. Conhecer seu íntimo e identificar suas
particularidades fornece dados importantes na atribuição de uma nova característica
ao vestuário. Assim, atitudes como conhecer o mecanismo humano, os movimentos
(voluntários ou involuntários), bem como seu comportamento psicológico, são
parâmetros que devem compor uma futura visão do vestuário.
A melhoria no vestuário será garantida ao aumentar-se o grau de
relacionamento entre o indivíduo e este, levando-se em consideração o corpo
humano com suas diferenciações e patologias e também se relacionando dados
como toque do tecido, recortes, dobraduras, número de costuras, maciez e outros. É
necessário que técnicas de modelagens de confecções sejam criadas com o objetivo
de facilitar a vida dos portadores de deficiência, explorando os recursos disponíveis
no Brasil, já que o país é rico em qualidade de tecidos e a tecnologia utilizada pela
indústria de confecção é eficiente.
24
Este estudo entende o vestuário como sendo um objeto cultural, capaz de
codificar os diferentes grupos que compõem a estrutura social de uma comunidade,
um povo ou uma época da História. Entende-se também que este objeto, a partir da
modernidade, pertence ao universo analítico do fenômeno da moda.
1.1 - O Corpo e o vestuário: ligações e interligações
O homem, sendo a mais complexa das máquinas, sempre foi objeto de muitos
estudos. Em conseqüência, várias áreas de especialização vêm se desenvolvendo
ao longo dos anos com o objetivo de melhor conhecer cada um de seus sistemas,
cada órgão, enfim, cada partícula do corpo.
No que se refere ao vestuário, não tem sido diferente. O homem, à mercê do
modernismo e do surgimento de novas necessidades, precisa de informações mais
precisas sobre a anatomia humana para o desenvolvimento de peças de vestuário
que ofereçam mais conforto, qualidade e funcionalidade à sua vida e se tornem,
portanto, uma solução para determinadas situações. Para tanto, ele se volta à
tecnologia e, cada vez mais, estas peças tornam-se objeto de atenção e estudo de
várias ciências, como a biomecânica, a fisiologia e a psicologia, passando a exprimir
uma linguagem tecnológica. Na indústria da confecção, desenvolve-se a tecnologia
das fibras, dos tecidos e maquinários. A tecnologia desenvolvida para área
esportiva, por exemplo, cria modernidades inteligentes a partir da eficiência da
interação vestuário-saúde mental e física, com o propósito de atender às
necessidades próprias de vestuário dos atletas.
Com respeito ao vestuário ergonômico, é necessário que se desenvolvam
vestuários específicos, que haja uma conscientização do profissional da moda sobre
o fato do poder do vestuário estar além da qualidade do produto, indo do conforto à
estética. É preciso que se estabeleça também um canal de comunicação e
relacionamento entre os profissionais da área ampliando-se, desta forma, os
conceitos. É sabido que o vestuário envolve-se tanto com a saúde mental como
física e pode vir a propiciar, sanar ou ainda alimentar toda esta problemática.
E como a roupa se relaciona com seu usuário? Se nos voltarmos à História e
avaliarmos roupas em um museu, ou dermos uma olhada em roupas velhas e
abandonadas, em desuso, perceberemos a ligação que ficou estabelecida entre elas
e seu usuário. No caso específico do deficiente físico, como já mencionado, ele faz
25
das vestes uma real extensão (no sentido literal da palavra) do seu próprio corpo e
suas marcas ficam claras.
Köhler ilustra esta idéia com um exemplo:
(...) Ludovico l, da Baviera, do qual o Museu Nacional possui uma coleção
completa. O próprio rei preservara cuidadosamente todos os trajes,
juntamente com algumas das roupas pertencentes à sua esposa Teresa e,
de próprio punho, fez descrições pormenorizadas das mesmas. O rei era
alto e belo, mas magro, como o demonstram nas roupas, as quais revelam
uma surpreendente precisão de corte e perfeição de feitio (1993, p. 6).
Já segundo Wilson:
Tem-se uma sensação estranha quando se olha para essas roupas que
tiveram uma relação íntima com seres humanos que há muito tempo foram
para o túmulo, porque o vestuário é uma parte tão próxima de nossos “eus”
vivos em movimento que, assim petrificados para serem exibidos em
mausoléus da cultura, dão-nos um vislumbre de qualquer coisa só
parcialmente entendida, sinistra, ameaçadora; a atrofia do corpo e a
evanescência da vida (1985, p.11).
Percebe-se que as roupas representam um papel de cumplicidade um tanto
quanto ambíguo, pois apresentam uma memória congelada da vida cotidiana, que é
demonstrada através de marcas fixadas nas peças, as quais traduzem os
movimentos, os hábitos e os exageros da vida de seu usuário. Desta forma, pode-se
afirmar que as roupas atuam como sendo “representantes”, ao mesmo tempo
apresentam dificuldades de estabelecer fronteira, pois quando passamos por uma
loja e vemos uma peça em uma vitrina, instala-se em nós o desejo de compra, como
se ela nos aguardasse para o uso e, então, nos projetamos dentro dela, fazendo
renascer uma sensibilidade de satisfação envolvida por uma máscara perfeccionista,
satisfazendo o “eu”.
1.2 O homem definido pela biologia
Formado por sistemas, o corpo humano é definido quanto à sua anatomia
juntamente com a psicologia. Por maior que seja o número de características que ele
compartilhe com outros seres, há sempre uma manifestação individual, única.
A máquina motora do corpo humano é formada por cerca de 210 ossos e
mais de 600 músculos. Respondendo a estímulos como uma simples picada de
26
alfinete, o corpo pode “gritar” ou sangrar ou ainda adoecer. O sistema nervoso
central se manifesta agindo conforme a lei de ação/reação, ou seja, por meio de
reações aos estímulos. As articulações nos permitem locomover e gesticular, onde
uma amplitude de alongamento dos músculos e execução de movimentos favorece a
capacidade de equilíbrio durante a locomoção do corpo, qualificando o homem como
um ser bípede. Tendo domínio do corpo, a pessoa apresenta maior ou menor
mobilidade.
Ao mensurar-se o corpo, pode-se dizer que este se divide em planos: lado
esquerdo e direito; e região anterior, posterior, torácica e abdominal. Apresenta
ainda centros gravitacionais assim como apoios antigravitacionais.
O quadril localiza-se na região abdominal e tem como função principal a
mobilidade, executando um movimento amplo e sendo responsável pela origem do
mesmo. O quadril cumpre o papel de estabilizador e organizador ao permitir aos
membros inferiores uma angulação necessária para a ação do caminhar, além de
possibilitar o alongamento, permitindo ao indivíduo sentar-se.
Em uma posição anatomicamente confortável, o homem mantém-se em eixo
ao executar suas tarefas. O ombro localiza-se na região torácica e, em um balanço
semelhante a um pêndulo, possibilita o equilíbrio e proporciona o contato com o
mundo através do ato de pegar os alimentos, da gesticulação.
O corpo é o centro de gravidade. A gravidade age sobre o organismo de baixo
para cima e a constituição do peso do corpo gera a existência de um ponto de força
única e de grandeza, que possibilita que o corpo atue verticalmente para cima e que
haja um estado de equilíbrio em qualquer posição que se encontre, ou seja, sentado,
em pé parado, agachado, etc. Desta forma, o homem mostra ter domínio sobre si e
ser soberano em suas atividades ao manter-se em pé, diante do empuxo na
grandeza de seu sistema, sem ter que dispor de energia.
Toda essa “engenharia” biológica encerra peculiaridades de indivíduo para
indivíduo que podem ser visíveis apenas com o uso de instrumentos especiais de
medição e observação. No entanto, estas podem também ser visíveis e expostas,
como ocorre no caso de pessoas portadoras de deficiência física.
Levando-se em consideração o tema do estudo, o que distingue um indivíduo
deficiente dos demais são seus traços característicos, ou seja, uma pessoa que é
considerada como sendo fora dos padrões sociais em termos de físico e intelecto.
Ao percorrer a história da loucura, Foucault (2005) afirma que, do século XIV ao
27
século XVII, a exclusão de um indivíduo da sociedade através do seu isolamento
com base nos valores éticos, morais e no modelo médico da época era uma prática
constante. Retirá-los do convívio social era uma atitude comum, seja enviando-os
em embarcações marítimas para determinados destinos, seja fechando-os em celas
e calabouços, asilos e hospitais.
Já no século XVII, o internamento surge com o objetivo de se disciplinar
mendigos e vagabundos e não o de curá-los. Acreditava-se, por exemplo, que o
lugar dos loucos era entre os miseráveis, pois eles perturbavam a ordem social. O
louco não era dono de seu chão, de seu pensamento, de sua cidadania e nem
tampouco de seu comportamento. Em seu livro Doença mental e psicologia,
Foucault afirma:
Criam-se (e isto em toda a Europa) estabelecimentos para internação que
não são simplesmente destinados a receber os loucos, mas toda uma série
de indivíduos bastantes diferentes uns dos outros, pelo menos segundo
nossos critérios de percepção: encerram-se os inválidos pobres, os velhos
na miséria, os mendigos, os desempregados opiniáticos, os portadores de
doenças venéreas, libertinos de toda espécie, pessoas a quem a família ou
o poder real querem evitar um castigo público, pais de família dissipadores,
eclesiásticos em infração, em resumo, todos aqueles que, em relação à
ordem da razão, da moral e da sociedade, dão mostras de ´alteração´
(1984, p.78).
Na Europa, a internação destas pessoas foi um movimento bastante forte, um
período de segregação e categorização dos indivíduos, internando a loucura pela
mesma razão que se internava a devassidão e a libertinagem. Indesejáveis
alienados reuniam-se em grupos distintos e os indivíduos eram excluídos. Entre eles
destacavam-se os indigentes, vagabundos e mendigos, os prisioneiros, as "pessoas
ordinárias", as "mulheres caducas" e "velhas senis ou enfermas" ou "velhas infantis",
as pessoas epiléticas e os "inocentes malformados e disformes, pobres bons”, como
também as “moças incorrigíveis”. A cura era incerta e justificável.
Relata a história que, nos Estados Unidos e na Europa ainda durante o século
XVII, pessoas exploravam deformações humanas como meio de vida, apresentando
em público fetos sem cabeça e colunas vertebrais de crianças abortadas, juntamente
com atrações circenses, em praças, mercados e hospedarias.
A Guerra Civil Americana (1861/1865) e a vitória do Norte trouxeram grande
prosperidade econômica à região, incentivando a vinda de imigrantes oriundos, em
28
sua maioria, da Europa, em busca de uma nova vida. Este fato ocasionou um
crescimento populacional rápido, resultando em uma população com mais de 25
milhões de norte-americanos concentrados em áreas urbanas no final do século XIX.
E, em conseqüência, surgiu a necessidade de se oferecer alternativas de lazer que
fossem mais interessantes, como parques públicos e divertimentos populares com
apresentações de espetáculos diferenciados. E a exibição de portadores de
deficiências era entretenimento que causava o maior impacto. Ao custo de uma
moeda de prata, era possível assistir a exibição de pessoas extremamente magras
ou extremamente gordas, pessoas com pele de cobra, com cara de cão, com a
cabeça pontiaguda e pessoas gigantes. Esta forma de distração cativou muita gente
durante muito tempo. Alguns destes portadores de deficiência física eram usados
pelos empresários, mas outros chegaram mesmo a enriquecer às custas da própria
deficiência.
Segundo Naruyama, um dos significados da palavra “freak” é multifacetado,
mas este termo também abre um leque de significados específicos que são
utilizados no submundo norte-americano, uma subcultura marcada pelo consumo e
pela inexistência de regras pré-estabelecidas. A anormalidade difere da
normalidade. A grande verdade é que, mais de meio século depois de especulações,
as anormalidades representadas por deformidades físicas ainda constituem um tabu.
Fiedler (1999) Apud Naruyama faz referências a esta problemática como sendo um
fato folclórico e cita a história médica, a cultura e a sociedade como agentes
participativos em tal situação e com ela coniventes durante um bom período. E vai
além: compara a aceitação de grupos como hippies, heróis da banda ou mesmo
cantores de rock ou jogadores e atletas da nossa cultura, ainda hoje tratados com o
maior respeito e importância, “(...) ao fato das pessoas ”normais“ mudarem de
opinião acerca do que é “normal” assim que entram em contacto com as aberrações.
A sua aparência na esfera “normal” dá vazão a sentimentos de medo e de
repugnância, em que o medo não é causado pelas deficiências em si, sendo assim
parte integral da estrutura social”.
Completa falando que: “(...) quaisquer demonstrações da história social,
étnica e física da realidade unem-se para favorecer a imagem e que tudo é uma
questão de convivência”.
E ainda acrescenta:
29
(...) cabe ao homem contemporâneo atenuar traumas interiores coletivos,
alegando que a deformação pode apresentar-se no subconsciente e que há
necessidade de tomar-se consciência da existência de mistérios, que
podem ir além da medicina e que somente um estado cultural elevado trará
a igualdade, mesmo nas diferenciações (1999, p.26).
Neste contexto, só a partir do século XIX é que a medicina veio a entender e
desmistificar pessoas com defeitos físicos chamados de “monstruosos” e a
preocupar-se com elas, passando a dedicar-lhes atenção e mais estudos. Antes,
estas pessoas eram consideradas criaturas com excesso ou falta de hormônios e,
portanto, sem solução. Foi a partir desta idéia que o estigma do deficiente físico foi
criado: como sendo bruxos, pessoas demoníacas. Logo, o fato de alguém se
aproximar de um deficiente físico era motivo de admiração e, quando as pessoas
perceberam que nada de ruim acontecia, passaram a ser solidária para com o
deficiente.
Naruyama afirma ainda que o homem “(...) expõe a estrutura psicológica do
homem contemporâneo, que tenta atenuar o trauma interior coletivo” (1999, p.26).
Sendo assim, o homem começa a perceber suas próprias deficiências
(embora ainda que escondidas) quando em contato com o deficiente e nota que elas
também, muitas vezes, são monstruosas.
Darwin (1999) apud Naruyama afirma que:
(...) as espécies surgem e desaparecem, seguindo um processo de seleção
natural; as alterações na estrutura genética dos seres vivos asseguram a
diversidade. Isto significava que somente os mais fortes sobreviveriam
(1999 p.15).
Bataille comenta o problema partindo da questão do desrespeito com que a
forma humana é tratada e da capacidade do ser humano de zombar do seu
semelhante, apresentando diferenciações ao lidar com a monstruosidade genética e
a patológica. Considera que formar pares matrimoniais com pessoas deficientes
seria mostrar certa demência humana.
(...) se quisermos, de forma simbólica o patrimonial, entre outros, como o
pai e a mãe de revolta selvagem e apocalíptica, à pretendida continuidade
de nossa natureza substituir-se-ia a uma justaposição de monstros que iria
gerar-se, incompatíveis (1994, p.34, grifo o autor).
30
Mas ainda podemos visualizar o quanto à aparência desproporcional é
deprimente, aparecendo de maneira preconceituosa na exclusão social. Na verdade,
isto está fora de questão, pois a verdade não se encontra somente na aparência,
que pode ser enganadora. Atos hediondos praticados por nossos antepassados
ainda continuam nos assombrando como fantasmas, mesmo que seja só em nosso
inconsciente. Apesar de existir certa diferença de clareza entre as interpretações
presentes em nossa sociedade, o ser humano ainda tem dificuldades em aceitar e
se aceitar dentro do mundo onde existem tantas desproporções, sejam elas sociais,
raciais, discriminadoras e preconceituosas. A questão dificulta a inclusão das
pessoas na sociedade, tirando destas o direito à igualdade. Aos olhos do ser
humano, o foco principal é simbolizado pelas formas concretas de proporções ou
desproporções, com base na Natureza. Mesmo que tentemos reconhecer o caráter
arbitrário de todo o comportamento humano, tal foco continua sendo claramente
perceptível. Na maioria das vezes, ele é expresso através de uma manifestação
direta de aversão à diferença física por meio da zombaria (que é considerada como
sendo uma atitude “lógica” e normal dentro dos padrões sociais vigentes) da
aparência física, formatando-se como uma diferenciação de interpretações, mas que
ainda continua a existir.
1.3 Uma breve abordagem sobre a história da moda
A moda reflete as mudanças sociais que ocorrem em cada época. Nota-se
nitidamente que, na maioria das sociedades (principalmente na sociedade
ocidental), roupas são usadas em função de determinada influência sociocultural. No
que tange aos grandes centros urbanos midiatizados, é interessante notar que, com
a intensificação do ritmo de vida, a presença cada vez mais marcante de práticas
esportivas se torna fator determinante na rotina das pessoas no que se refere à
melhoria do desempenho do indivíduo diante da funcionalidade e praticidade.
O esporte, tal como a dança, tem como princípio levar o indivíduo a adotar um
novo modo de vida que lhe garanta a superação física e mental quando comparada
ao que é tido como normal.
Para tanto, torna-se preciso otimizar a vida do ser humano frente às
dificuldades impostas pelo estilo de vida dos dias de hoje, aperfeiçoar o
cumprimento de tarefas antes realizadas com dificuldade. Com o mesmo fim, este
31
trabalho objetiva priorizar a aparência, o conforto e a saúde do deficiente físico
hemiplégico.
Nota-se também o uso de um estilo de roupa específico, que venha a garantir
a aceitação por parte do grupo social ao qual se pertence. Tal fato é observado
principalmente entre os adolescentes, pois estes possuem gostos em comum e
buscam vestir-se de maneira similar, muitas vezes imitando pessoas que idolatram.
Partindo-se do pressuposto de que a todo o momento estamos fazendo uso
de certa indumentária, adquirindo hábitos e nos transformando de diversas formas
para melhor nos ajustarmos à realidade, percebe-se que ao mesmo tempo estamos
produzindo mudanças e respondendo aos estímulos que nos rodeiam.
Através da moda, pessoas passam a observar e comparar, avaliando as
diferenças de corte, de cores e de motivos de indumentária, apreciando a aparência
uns dos outros. Ela está ligada ao prazer de ver e de ser visto, desenvolve o olhar
crítico e estimula as pessoas a fazerem observações sobre a elegância dos outros, o
que induz a uma completa investigação de si mesmo.
Conforme Dorfles:
(...) a moda não é apenas um dos mais importantes fenômenos sociais – e
econômicos – do nosso tempo; é também um dos padrões mais seguros
para medir as motivações psicológicas, psicanalíticas, socioeconômicas da
humanidade. E é também uma das depositárias daquele estilo e daquela
maneira que numa determinada época guia e orienta o design aplicado ao
vestuário, às decorações, aos tecidos, aos objectos de mobiliário. É
portanto um dos mais sensíveis indicadores daquele peculiar <<gosto da
época>> (1979, p.14, grifo do autor).
Nesse sentido, a moda é a base para a valorização da aparência e da crítica,
caracterizando os diferentes períodos da história. Como já foi mencionado, percebe-
se ao longo dos tempos a necessidade de diferenciação entre pessoas de culturas
diferentes e tal necessidade se manifesta através de práticas de caráter cultural
como infibulação, circuncisão, perfuração, cicatrizes decorativas e outras tais como
alterações forçadas de partes do corpo (a deformação intencional dos pés das
chinesas é um bom exemplo). A incessante renovação, evolução e involução destas
práticas estão agregadas a cada fato histórico, às revoluções, aos movimentos
artísticos e ao desenvolvimento científico ou mesmo à decadência dos costumes.
Quando o indivíduo interfere no seu corpo ao fazer uso de formas artificiais,
ele passa a apresentar uma nova naturalidade e, em conseqüência, a roupa passa
32
também por um processo de amadurecimento, agregando-se ao corpo e
valorizando-o.
A moda remete-se não só à questão da diferenciação de valores, quando
tratamos do poder de decisão e da transformação tanto física como psíquica, mas
também à questão da transformação involuntária. Em todas as épocas, percebe-se
não só a facilidade com a qual a moda incorpora as diferentes apresentações
voluntárias, mas também uma clara indiferença cruel quando a transformação física
acontece involuntariamente.
Vale mencionar que cada indivíduo apresenta uma plasticidade mental, a qual
acontece na voluntariedade da diferenciação e que, nesta analogia, o faz manter
áreas de respeito em seu corpo que, por mais que interfira nele, permanecem como
sendo intocáveis. Cabe à moda considerar essa atitude psicológica. Apesar do corpo
do indivíduo ser a primeira coisa de sua propriedade (podendo ser usado para o
poder, ameaça e diferenciação), ele não tem relação com o caráter mutável da moda
uma vez que, algumas vezes, a roupa apresenta uma característica de
funcionalidade e, em outras, uma condição anômala de destaque, podendo também
apresentar as duas diferenciações.
Na visão de Flugel:
(...) por meio de nossas roupas tentamos satisfazer duas tendências
contraditórias e, portanto, tendemos a considerá-las de dois pontos de vista
compatíveis: de um lado, como meio de exibir nossos atrativos; de outro de
ocultar nossa vergonha. (1965. p. 16)
A questão é que a deficiência física, como diferenciação involuntária e de
âmbito social, precisa apresentar uma amplitude tal no seu aspecto geral que venha
a atender às todas as necessidades do portador.
A palavra moda é abrangente. Encaixa-se no sentido de definição de um
modo de ser ou estar de uma sociedade, podendo ainda significar maneira ou modo
de se vestir. Daí porque cuidamos, desde o título desta dissertação em
distinguirmos moda geral e moda vestuário. Vestir lembra vestuário, roupas, que são
peças que delineiam o corpo e que apresentam linguagens que articulam um
conjunto de elementos autônomos procedidos entre o corpo e a roupa.
Já a questão da moda ligada ao status só surgiu com o crescimento das
cidades. Conta-nos a história que a expansão comercial e o emergir da burguesia
33
favoreceram a criação de um grupo que possuía condições financeiras para comprar
roupas que antes eram usadas apenas pelos nobres. Diante dessa crescente
igualdade entre as classes sociais, os nobres - irritados - começaram a produzir
mudanças rápidas na vestimenta, pois a roupa era (e ainda é) um espelho que
refletia o status social. Assim, o sistema da moda surge no final da Idade Média.
Anteriormente, só se referia ao vestuário como indumentária e as variações ocorriam
em um ritmo lento, não existia o efêmero. Aspectos como proteção, adorno,
hierarquia e pudor eram então levados em conta.
Ao longo do século XIX, a industrialização da produção de roupas e tecidos
espalhou-se pelo mundo. A indústria têxtil estabeleceu-se de forma definitiva nos
Estados Unidos, França e, posteriormente, na Alemanha e no Japão. Neste período,
a moda masculina abandona os elementos decorativos e o excesso de adornos
(marcantes nos séculos anteriores) e a moda feminina apresenta um caráter que vai
além do tom de fantasia instaurado pela aristocracia, multiplicando-se em formas,
cores e textura.
De acordo com Hollander:
(...) as modificações dos trajes masculinos aconteciam lentamente e suas
alterações passavam despercebidas nas roupas, resultando na confecção
em proporções maiores, onde os alfaiates passaram a registrar medidas
individuais. (...) Para cada cliente, os alfaiates mantinham uma única fita
métrica com seu nome inscrito nela, marcada com indicações denotando o
comprimento de seu antebraço, o diâmetro de seu pescoço, a largura de
seus ombros ou o que quer fosse necessário para o feitio da roupa. O traje
do cliente era cortado de modo apropriado, alterando-se um padrão muito
para coincidir com as indicações da fita individual (1996, p.133).
Em 1820 foi inventada a fita dividida em centímetros que, sendo impessoal e
universal, podia servir na confecção de roupas para todos, permitindo, assim, uma
comparação de medidas. Esta comparação gerou modelagens que se padronizaram
dentro da seletiva, aperfeiçoando-se de forma a atender qualquer pessoa dentro do
tipo físico definido pelo estilo neoclássico, exaltando a figura masculina, com
alterações somente no comprimento das peças. As reproduções eram mais rápidas
e eram feitas sem distinção, tornando-se mais complexas. Com peças de modelo
masculino similar, foi possível estudar-se comparações das medidas com base no
tórax. Ainda de acordo com Hollander:
34
(...) muito provável teriam a mesma largura de ombros, um tamanho de
cintura similar, uma mesma largura de ombros, uma distância do meio das
costas entre o pescoço e a cintura semelhante, e medidas iguais para os
braços e as pernas (1996, p.136).
“Estas roupas foram as primeiras roupas prontas para o uso realmente
similares, aquelas usadas nos níveis mais altos da moda” (1996, p.137).
Seguindo a mesma lógica, produziam-se as roupas femininas, de caráter mais
simples tais como mantos, capas curtas ou longas e saias, enquanto confecções
mais sofisticadas seguiam a individualidade e o trabalho artesanal, tratado com
atenção que é o caso da alta costura.
À época, a moda obteve a atenção dos veículos de comunicação e os
médicos, como principais opositores, apontavam o uso de roupas inadequadas ao
corpo como causadoras de doenças, de alterações na saúde (conforme dados
históricos, disponíveis já a partir do século XVIII, assim o indicam).
Segundo Roche apud Rainho:
(...) na França, desde o século XVIII, os médicos vinham defendendo a
liberdade do corpo. Na Encyclopedie, por exemplo, os verbetes
relacionados ao vestuário – redigidos por médicos assim como por Diderot
– já faziam uma análise das conseqüências nefastas advindas do uso de
algumas vestimentas (2002, p.111).
A atenção dedicada às roupas em citações médicas começa a fazer parte da
Sociedade Real de Medicina. Ainda na visão de Rainho:
(...) A Encyclopedie méthodique publicada entre 1787/1794. Neste, um
artigo de 1792 proclamava: “Devemos fazer nos nossos modos, costumes
e vestimenta as mesmas mudanças que fazemos atualmente na nossa
Constituição e nas nossas leis” (2002, p.112, grifo do autor).
As implicações da moda sem preocupação com danos à saúde, diante da
posição econômica e política, chegaram a níveis tão altos de questionamento que se
chegou a considerar que o homem deveria andar nu.
Por séculos, vestir-se ou despir-se era uma tarefa difícil de ser executada
dada a quantidade de peças que compunham um modelo volumoso, confeccionadas
em tecidos pesados, com corte e confecção rústicos. O corpo, sem opção, era
35
castigado ao ser submetido ao calor e ao frio, sempre exposto às agressões
advindas do contato da pele com o vestuário.
O domínio da moda era tão impositivo que, na tentativa de aliviar o incômodo
causado pela roupa, homens e mulheres passaram a utilizar roupas brancas de
musselina molhada tanto nas épocas quentes como nas frias, hábito este que gerou
forte oposição médica.
Afirma Rainho;
O hábito de molhar as roupas feitas de musselina era comum também aos
homens, que, com vestimentas desse tecido, saíam para passear pelas
ruas, tanto no verão como no inverno. Mais uma vez os médicos tentaram
interferir na moda, até porque um surto de tuberculose acabou por atingir
os habitantes de Paris. “Os médicos clamavam por roupas secas, em nome
da sanidade e da natureza, talvez os últimos recursos. Poucas pessoas os
ouviram” (2002, p.112).
Foram levantadas várias discussões quanto à maleficência das roupas e
antigos ensinamentos voltaram a serem considerados, já que a preocupação atingia
até mesmo a gestante e as crianças uma vez que se acreditava que o feto sofria as
conseqüências do vestuário usado pela mãe. Com a prática do uso de espartilhos, a
mulher apertava os seios e a cintura, prejudicando a respiração e até mesmo a
digestão dos alimentos. Tal costume foi motivo de estudos e grandes discussões
médicas quanto às possíveis deficiências e às seqüelas do uso constante do
espartilho (ao qual as mulheres se submetiam pela vaidade). Quanto às roupas das
crianças, estas prejudicavam seu desenvolvimento. De acordo com Rainho:
“Reutilizando antigos preceitos de Hipócrates, os médicos afirmam que a vestimenta
não era somente uma garantia de saúde, mas podia também, como a sociedade que
a produzia, causar inúmeras doenças” (2002, p.113).
Instalou-se então uma guerra entre a medicina e o vestuário e, a partir da
Revolução Francesa, ass roupas começaram a serem modificadas, indo ao encontro
das questões médicas.
Já no século XX, as roupas passaram a ser produzidas em massa,
possibilitando tanto aos homens como às mulheres o acesso a roupas baratas. Além
disso, livre dos espartilhos (usados até o final do século XIX), a mulher começou a
usufruir mais liberdade.
O fator de maior influência nas atitudes e no vestuário mundial deste período
foi resultado das duas guerras mundiais, quando problemas sócio-políticos e
36
econômicos acarretaram uma mudança generalizada de postura na medida em que
as mulheres assumiam tarefas anteriormente dadas como masculinas, fazendo com
que a necessidade tanto de praticidade como de economia no dia-dia mudassem
sua forma de se vestir. Para esta mulher o vestuário, conseqüentemente, adaptou-se
à nova condição. No entanto, essa praticidade não era tão necessária para as
mulheres de famílias mais abastadas, tal como afirma Souza:
(...) a moda tanto pode refletir as transformações sociais como opor-se à
elas através de inúmeros subterfúgios, todas as vezes que há perigo de
uma aproximação excessiva entre as classes e os sexos (1993 p. 128).
Entretanto, cabe aqui se fazer uma observação adicional. Além deste fator,
deve-se também levar em consideração que desavenças sociais, culturais e /ou
políticas sempre implicam em uma reavaliação da sociedade, gerando o repensar de
atitudes e obrigatoriamente a mudança de hábitos. Mesmo que estes pensamentos
não sejam tão abrangentes como os que decorreram das duas grandes guerras, as
alterações são sempre uma repetição de falhas que acontecem de forma a gerar
diferenciação, apesar das facilidades que o mercado lança mão a fim de oferecer
peças de vestuário com características diversas e, em alguns casos, com maior foco
na praticidade, quer através do tecido ou do design (vale ressaltar-se, porém, que
nem todas as pessoas têm acesso a este vestuário). Hoje, o processo de
comunicação é mais rápido, mais abrangente e, portanto, mais influente. Como
exemplo, podemos citar a preocupação mundial com o aquecimento global e sua
conseqüente interferência no vestir-se: tecidos biodegradáveis e multifuncionais, ou
seja, a mesma roupa sofre transformações de modelo e pode ser utilizada tanto para
o tempo frio como para o calor.
Podemos citar ainda e especificamente a Guerra do Vietnã, que durou vinte
anos e trouxe à cultura americana uma série de conseqüências, causando
mudanças profundas. Dentre as inúmeras conseqüências, podemos aqui destacar o
saldo de milhares de cidadãos americanos portadores de deficiências físicas, fato
este que se tornou motivo de estudos e alvo de grandes somas de investimento. O
Estado participou ativamente neste processo com o intuito de garantir não só o
sustento dos mutilados pela guerra, mas também seu tratamento médico. Hoje,
encontramos próteses e os mais variados objetos, desenvolvidos com tecnologia de
37
primeira linha, para todos os casos de deficiências físicas. Entretanto, não contamos
com o desenvolvimento de peças de vestuário que sustentem todo este processo.
O uso de roupas é um veículo de exteriorização do “ser” de cada pessoa. Nas
décadas de 60 e 70, por exemplo, os hippies transmitiam sua filosofia de “Paz e
Amor” através de roupas com cores alegres e estampas floridas, demonstrando
sensibilidade, romantismo, descontração e bom humor.
A forma e as cores evidenciam o modo de uma pessoa pensar e viver, seu
estilo, sua etnia e personalidade. As cores, especificamente, representam um caráter
psicológico ao expressarem estados de humor e sentimentos.
Na visão de Wilson, a partir do referencial da psicanálise freudiana, a moda
identifica que:
(...) o tempo não existiria, as emoções apaixonadas seriam transformadas
em imagens concretas e os conflitos resolver-se-iam magicamente,
metamorfoseando-se de forma simbólica. Além disso, de uma perspectiva
psicanalítica, podemos encarar o vestuário da moda no mundo ocidental
como um meio através do qual um eu sempre fragmentário é unificado e
aparenta uma certa identidade. A identidade passa a ser um certo tipo de
problema da <<modernidade>>. A moda faz transparecer uma tensão entre
a multidão e o individuo, em todas as frases de desenvolvimento da
metrópole dos séculos dezenove e vinte (1985, p.24).
Já o aspecto estilo é caracterizado pela individualidade apesar das influências
exercidas pela mídia. O indivíduo pode participar de determinado grupo ao vestir-se
“a caráter”, o que o liga ao grupo por afinidade, podendo em contrapartida se
diferenciar dos demais com a mesma aceitação desde que suas atitudes sejam
coerentes com o meio. Percebe-se, claramente, a constatação do paradigma da
moda em respeito à diversidade humana, levantando-se a questão da inércia
sociocultural existente em relação ao fato do desenvolvimento da moda ter que se
dar conforme características particulares a cada tipo físico.
Durante anos, as roupas foram confeccionadas a partir de técnicas e
numerações vinculadas à praticidade de estudos do século XIX. Hoje, em detrimento
da existência de grupos dominantes e da globalização, estas são produzidas em
larga escala, sempre respeitando o modelo-padrão para atender cada vez mais o
consumidor, com o corpo estereotipado e definido de acordo com uma tabela
numérica (34; 36; 38; 40; 42; 44; 46 ...).
38
Entretanto, visando-se a praticidade, também se desdobrou esta tabela em
tamanhos determinados por letras (P, M, G....) e, conforme a necessidade continuou
se alterando, fragmentou-se ainda mais estes valores para melhor atender às
constantes mudanças impostas pela indústria como: PP, PM, PG. Como
conseqüência e em nome de facilitar- se a integração mundial, alimenta-se cada vez
mais o capitalismo, responsabilizando a globalização e esquecendo-se das
diferenças existentes entre as etnias.
Atualmente podemos utilizar o Scanner 3D, equipamento este que favorece a
formatação de manequins antropométricamente, de forma tridimensional e virtual.
Tecnologia de última geração, ela nos auxilia no levantamento de medidas da
superfície corporal por meio de mapeamento, possibilitando uma leitura
tridimensional do corpo humano.
Este processo é aplicado na obtenção de medidas precisas, utilizadas pela
indústria, auxiliando a ergonomia e possibilitando o design correto de um produto de
segurança para uso do individuo, seu mobiliário e também seu vestuário.
Entretanto, tal processo de medição ainda não é utilizado com freqüência pela
indústria de confecção, embora possibilite a redução do custo final do produto e
facilite o intercâmbio entre países no que diz respeito a antropometria viável, uma
vez que o custo do equipamento é elevado. No que se refere à utilização do scanner
3D no desenvolvimento de produtos dirigidos ao portador de deficiência física, é
necessário que o especialista no equipamento saiba distinguir o efeito da medida do
corpo estatuário e em atividade. É preciso que, de sua parte, haja não só respeito
como também interação com as relações entre o corpo e seu vestuário,
estabelecendo-se desta forma agrupamentos por tipos de deficiências de acordo
com a motricidade e os pontos gravitacionais, bem como o uso de sua sensibilidade
ao relacionar às medidas adequadamente e obter o resultado satisfatório desejado.
A moda é um fenômeno que interage, participa e, assim, divide (como
qualquer outra atividade) os veículos de comunicação de massa. Ela injeta um
sentimento de igualdade entre aqueles que são diferentes fisicamente ao apresentar
a faculdade de estabelecer elos que satisfaçam o indivíduo, exercendo ao mesmo
tempo um sentimento de participação na massa popular. E mostra ainda ter a
capacidade de caracterizar qualquer tipo de traje como fenômeno popular de massa,
beneficiando novas técnicas de confecções e novos consumidores.
39
A moda tem um caráter mágico, oferecendo a ilusão da beleza e colaborando
na construção da identidade, criando novos grupos, participando do lado artístico,
ilusório e consciente, sofisticando a aparência.
De acordo com Mendes: “A moda é uma indicação da identidade individual,
grupal e sexual. Além disso, sua fluidez reflete as mudanças da matriz social.” (2003.
Prefácio XI).
Podemos ainda considerar que a moda remete o individuo ao seu “eu”
formando um paradoxo do moderno individual e o grupal. O homem, mesmo que se
utilizando artifícios na sustentação de sua autonomia de individuo moderno, se
preocupa com a expressão de sua identidade dentro do grupo, por medo de se
destruir. Para o portador de deficiência física, a necessidade de se incluir neste
sentimento é muito mais desejada, mesmo que inconscientemente, pois sua
capacidade física limitada mistura-se ao desejo de participação no todo.
Afirma Wilson:
O nosso sentido moderno de individualidade, como ferida, é também,
paradoxalmente, o que nos torna a todos receosos de não sermos capazes
de suster a autonomia do “eu”; este medo transforma a idéia do <<homem
massificado>> numa ameaça de auto-aniquilação. A nossa maneira de
vestir pode apaziguar este medo, estabilizando a nossa identidade
individual. Ela poderá estabelecer uma ponte para a solidão do <<homem
massificado>>, ligando-o ao grupo social.(1985, p.24).
Ainda segundo Wilson: “Vestir à moda implica uma pessoa destacar-se e,
simultaneamente, fundir-se na multidão, reivindicar o exclusivo e seguir o rebanho”.
(1985.p.17).
O vestuário não só assegura a comunicação como dela participa, favorecendo
a modernidade e seus benefícios para todos, inclusive promovendo valores para o
portador de deficiência física. Nesta perspectiva, a moda é um agente de inclusão.
A moda não aplicada apropriadamente não passa de um meio de
sobrevivência.
Todo corpo (independente da sua forma) determina seu limite, sua vida -
mesmo que a compartilhando. No caso do portador de hemiplegia, a moda pode
colaborar na superação, quando agregada à condição do corpo.
Segundo Cidreira:
40
(...) o corpo é alvo de interferências e está predisposto a manipulações nos
nossos próprios círculos de partilha social. Nada mais arraigado em nossa
própria cultura do que o “ato de vestir” o corpo e, no entanto, sequer damos
muita atenção ao que o vestuário nos impõe e propicia (2005.p.13).
Seu vestuário, dentro de uma imperfeição, participa duplamente na
comunicação: primeiramente, preocupado com a massa, comunica-se com o meio
emitindo mensagens de contato impessoal, mas que lhe garantem a imediata
impressão no meio em que se encontra. Em segundo lugar, com um contato íntimo,
suas vestes (quase que se apropriando do espaço de seu corpo) vêm
impetuosamente comunicar-se, bem ou mal, explorar a capacidade de resistência
física da máquina humana, desempenhando o papel de ponte entre os dois espaços
distintos mencionados, em plena atividade comunicativa.
A moda se profissionalizou e estabeleceu um trabalho respeitado pela
criatividade de profissionais, havendo ainda a necessidade de incluir todos seus
benefícios, criando uma nova visão que, definitivamente, atenda a todos.
Em um processo de comunicação, o vestuário, quando não projetado para o
corpo, dispõe de uma atitude deficiente, podendo considerar seus efeitos sem
permeio, afetando - ou não - as resultantes do corpo para o próprio corpo; é a
comunicação retornando para seu criador.
CAPÍTULO 2 – HEMIPLEGIA E OU HEMIPARESIA
42
Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.
Albert Einstein
2.1 O deficiente físico na atualidade
Deficiências aberrantes são apresentadas na televisão e isto nos choca
duplamente. Primeiro, por ainda estarem presentes na realidade da vida
contemporânea e, segundo, por serem utilizadas como instrumento de publicidade e
audiência, com propósitos econômicos e preocupação com processos educativos.
Em contrapartida, o que se vê em resposta é, primeiramente, uma
revalorização ética e estética da diferença. Dentro dessa revalorização, a diferença
pode deixar de ser considerada uma aberração e passar a acrescentar algo de bom
e de belo à sociedade humana. Em segundo lugar, estão sendo realizados estudos
avançados que, através de isolamento de células, permitem que se reconheça o
corpo de um bebê que está por nascer e que, num futuro talvez não tão remoto,
possibilitem uma intervenção genética reparadora.
De qualquer forma, o caminho atual e correto é o do preconceito negativo.
Pode-se considerar que, paradoxalmente, a revolução industrial, as guerras e
mesmo as catástrofes (cada qual com a sua cota de deficientes) contribuíram de
forma impositiva e estimularam a realização de novos estudos. Mas, ainda hoje (não
obstante a tecnologia e conhecimento científico por nós já alcançados), o homem
assiste à aberração da deficiência causada pelo próprio homem de forma indiferente,
até com certo desprezo. Surgem, em grande número, os deficientes das seqüelas da
violência urbana: acidentes de trabalho, de trânsito; assaltos seguidos de
seqüestros; as seqüelas do stress ou de substâncias químicas; poluição industrial –
e, na verdade, todos são considerados como sendo os novos monstros da
humanidade.
Pode-se citar o filme “O corcunda de Notre Dame”, baseado no romance de
Victor Hugo (1939), cujo enredo conta a história de Quasímodo, um homem forte e
com uma gibosidade, que vivia no porão da catedral de Notre Dame, em Paris,
durante a Idade Média. Um dia, ele resolve sair da escuridão em que vive e conhece
uma bela jovem, por quem se apaixona. Para conseguir concretizar sua paixão,
enfrenta seu rival, defendendo a jovem publicamente. O filme causa impacto quando
visto pela primeira vez quer pela monstruosidade explícita quer pelo humanismo, ao
43
transformar a figura monstruosa em um ser amoroso e terno, ainda que o espectador
sinta repugnância pela aparência disforme do personagem. No decorrer do filme, o
sentimento de repugnância é deixado de lado e uma emoção positiva para com o ser
diferente (mas com sentimento afetivo, seguido da razão) toma conta do espectador,
que sai do cinema encantado. O sucesso do filme foi tão grande que já foi produzido
várias vezes e até ganhou uma versão infantil, transformando e educando indivíduos
quanto à aceitação das diferenças, contribuindo desta forma para uma nova atitude
cultural e social.
Faz-se fundamental entender a importância da “Declaração Universal dos
Direitos Humanos”, datada de 10 de dezembro de 1948, cuja Assembléia Geral
proclama em seu Artigo 2, Parágrafo I:
“Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidas nesta declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de
raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza,
origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra
condição”.
Na declaração, percebe-se que os valores referentes à saúde, habitação, bem
estar, alimentação e vestuário estão pautados em valores igualados e essenciais à
vida do homem. Portanto, ao se manter o homem alimentado, com boas condições
de moradia e protegendo seu corpo das intempéries, atendem-se às suas
necessidades fundamentais e assegura-se a saúde física e mental do corpo.
A Declaração salienta também em seu Artigo 25, Parágrafo 1:
“Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a
sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação,
cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à
segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou
outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de
seu controle”.
Tendo-se a Declaração como amparo, é necessário que se faça uma
reavaliação de toda e qualquer inclusão. Cabe ao vestuário atender às necessidades
dos portadores de deficiência física ao proporcionar roupas acessíveis sob o ponto
de vista técnico e estético. Entretanto, não se busca somente o conforto estético,
mas também permitir um “ver sem ser visto” (um “ver” que desconsidera a diferença,
44
como se verá adiante) à semelhança do que ocorre com os demais seres humanos,
trazendo novas expectativas, que devem ser levadas em consideração.
Desde o final da Idade Média, a sociedade tem um relacionamento
complicado com os portadores de deficiência física (conforme se depreende de
vários estudos), marcando-os pela exclusão social com base na intolerância, no dó,
descaso, na curiosidade - como já mencionado anteriormente na citação de
Foucault.
Uma estratégia de exclusão utilizada durante muito tempo foi a de
confinarem-se pessoas em construções especialmente destinadas ao isolamento,
que não atendiam às necessidades dos deficientes em sua ideologia arquitetônica.
Pode-se considerar que, ainda nos dias atuais, encontram-se comunidades onde as
pessoas são segregadas, acreditando que o isolamento beneficia não somente a
elas como também a sociedade. Esta questão apresenta uma amplitude que vem
repercutir na questão dos Direitos Humanos. Sabe-se que o maior fator de interesse
oficial pela integração dos portadores de deficiência física foi o acontecimento das
duas grandes guerras do século XX, quando se caracterizou um grande avanço no
Movimento pelos Direitos Humanos e um aumento de interesse por parte da Ciência.
Sobre as duas grandes guerras, pode-se relacionar não só o retorno, mas
também o aumento do número de indivíduos fisicamente debilitados, ou deficientes,
às sociedades pela necessidade de se preencher as lacunas deixadas pelo grande
número de pessoas mortas. Estes dois fatores, em conjugação, promoveram o
aparecimento de programas de educação, saúde e treinamento específico que
visavam preencher o vazio criado pela falta de força (forte) de trabalho europeu, ao
mesmo tempo em que reintegravam tais indivíduos à sociedade.
O homem, motivador de desastre com a natureza e o corpo, viu-se à mercê
de sentimentos de culpas: social, patrióticas, pessoal e passou a reavaliar
seu meio e seu corpo sendo assim busca normas que os proteja deles
mesmos. (SANTOS, 1995, p.22).
Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela
Organização das Nações Unidas (ONU) em 10 de Dezembro de 1948, no Artigo 1º:
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidades e direitos e, dotados
que são de razão e consciência, devem comportar-se fraternalmente uns com os
outros”.
45
O pós-guerra propiciou uma visão de reintegração que, até 1960, apresentava
um caráter paternalista e não atendia às necessidades existentes à época.
Surge então a necessidade de se avaliar a interpretação do Artigo e oferecer
seguridade ao portador de deficiência física. Foi só em 9 de dezembro de 1975 que
a ONU proclamou a Declaração Universal dos Direitos das Pessoas Deficientes. Seu
Artigo 3º diz:
“As pessoas deficientes têm direito inerente de respeito por sua dignidade
humana. As pessoas deficientes, qualquer que seja a origem, natureza e
gravidade de suas deficiências, têm os mesmos direitos fundamentados
que seus concidadãos da mesma idade, o que implica, antes de tudo, o
direito de desfrutar de uma vida decente, tão normal e plena quanto
possível”.
Em seu artigo 8º, diz: “As pessoas deficientes têm direito de ter suas
necessidades especiais levadas em consideração em todos os estágios de
planejamento econômico e social”.
Dentro de movimentos comunitários, verifica-se que a preocupação com o
bem-estar do deficiente físico passou a ser um assunto importante não somente no
que se refere ao convívio deste com a sociedade, mas também ao fato de que é
preciso tornar-lhe mais fácil o desempenho de um papel dentro da mesma
sociedade. Para atingir-se este objetivo, é de suma importância que haja espaço
para o deficiente físico em todos os campos profissionais, que sejam criados
ambientes planejados e que haja facilidade de acesso físico ao lazer. A preocupação
é não segregá-los de forma alguma, pelo contrário, é de acolhê-los dentro de uma
perspectiva que atenda à sua qualidade de vida, facilitando-a e agregando conforto
à moda e seus benefícios. Ora, se para qualquer pessoa normal realizar uma
atividade com uma roupa que proporcione conforto físico e psicológico é importante,
que dizer então da importância de seu benefício ao portador de deficiência física?
Entretanto, é relevante ressaltar aqui o fato de que, no que se refere ao deficiente, a
união de todos os fatores fortalece não só a este, mas de forma decisiva também a
família e, em conseqüência, a sociedade.
É por meio da análise da cultura social que se identifica à necessidade de se
rever condições e avaliar diferenciações existentes entre os diversos tipos físicos e,
assim, facilitar a formação de grupos ou associações que visem estabelecer normas
de organização e informação às pessoas. É importante destacar que, quando se
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trata de pessoas que fogem aos padrões, as diferenciações precisam ser levadas
em conta. Dentro destas aplicações, a Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT) mostra que o homem perde o mito de “homem-padrão” – um conceito
ilusório que prevaleceu durante muitos séculos. Este passa, então, a garantir a
adequação física (independente de sua deficiência ou incapacidade), o acesso físico
aos espaços públicos, que são melhorados, bem como a adequação do próprio
ambiente familiar.
2.2 Hemiplegia e ou Hemiparesia e seu vestuário.
Dada a relevância da hemiplegia, se faz importante enfatizar alguns assuntos.
Do que se trata esta deficiência física? Quais preocupações devem-se ter ao vestir
adequadamente este grupo da população? O vestuário do hemiplégico deve
apresentar características da moda, tornando-o participante dentro de um segmento
sociocultural e não comprometendo sua saúde.
O homem, um ser biológico, apresenta capacidade de desenvolvimento
cultural. Em função de sua cultura e de interferências econômicas, sociais ou mesmo
climáticas (quer elas sejam impostas ou não), ele se permite redesenhar ou
reconstruir seu próprio corpo a fim de se agradar ou mesmo agradar aos outros,
conforme os padrões vigentes.
Na visão de Castilho:
A imagem que um sujeito cria de si mesmo exprime-se, então, em
codificações, em seu modo de parecer, de mostrar e ser visto. Esse seu
fazer, uma montagem discursiva, resulta na (re) arquitetura anatômica de
seu corpo e de todas as suas modalidades expressivas e narrativas.
Considerando que: o homem é um animal que se baseia principalmente no
seu sentido da visão (2004, p.81).
Partindo da idéia que o homem quer “se ver”, ele passa a buscar no vestuário
uma complementação, cercando-se com cuidados que favoreçam sua vida.
Para Flügel: “As roupas servem para cobrir o corpo e, assim, satisfazer o
impulso de pudor. Mas ao mesmo tempo realçar a beleza do corpo”. (1965, p.17).
Fica claro que a roupa, além de cobrir o corpo, comunica-se de forma ampla.
Flügel afirma ainda: “é através das roupas que formamos a primeira impressão.”
(1965, p.11).
47
Ao analisarmos a linguagem transmitida pelos movimentos tanto do corpo
como das roupas, se percebe a existência de uma interação das avaliações, sendo
então possível distinguir-se um indivíduo do outro visto que ambos apresentam
movimentos. O corpo movimenta-se de uma forma direta e equilibra-se,
apresentando uma postura para sustentar-se, enquanto que as roupas movimentam-
se de forma indireta, como que copiando o movimento do corpo e, desta forma,
revelam a personalidade e o gosto do individuo.
Para Schilder : “(...) as roupas fazem parte do esquema corporal, ganham o
mesmo sentido das partes do corpo e podem ter o mesmo significado simbólico
destas” (1994, p.177).
Pode-se considerar que as roupas se diferem em relação ao momento de uso
e que esta relação apresenta diferenças de ocasião, bem como da parte do corpo
que a roupa toca. “(...) Ao mudarmos de roupas, mudamos de atitude” (1994, p.177).
Diante da inter-relação corpo e vestuário, a cumplicidade fica evidente e as
atitudes repetem-se, simultaneamente. De forma similar, a observação do corpo do
hemiplégico (de sua característica patológica, de seu equilíbrio gravitacional e
antigravitacional, considerando-se suas funções dentro de partes distintas e
baseando-se em planos, coordenação e sensibilidade) beneficia o corpo
hemiplégico, ou hemiparésico, com roupas ergonômicas. Um vestuário adequado,
com leitura mais contemporânea, sem distinção à visão do espectador, proporciona
ao usuário a união de significados a tal ponto que qualquer roupa pode alterar seu
humor e mudar sua aparência. Sem a participação da estética e do conforto, a roupa
não adequada contradiz a ação mecânica (voluntária e involuntária) do hemiplégico.
Uma vez que peças de roupa especialmente modeladas para o corpo do
hemiplégico estejam ao seu dispor, a sensação positiva criada ao se vestir uma
roupa que imite a roupa normal passará a fazer parte do seu dia-dia, resultando em
seu bem estar físico e psicológico, fortalecendo também o belo.
Conforme Schidler, “Ao imitar as roupas, modificamos nossa imagem postural,
incorporando a imagem dos outros. Assim, as roupas podem se tornar um meio de
mudar inteiramente nossa imagem corporal” (1994, p.178).
A capacidade do indivíduo de se modificar ou de se sentir modificado permite-
lhe, dentro da normalidade de atitudes e costumes, mudar sua aparência, sua
percepção e sua imagem, podendo modificar também sua linguagem corporal.
Schilder afirma: “Uma das razões da transformação e do uso de roupas é o desejo
48
de superar a rigidez da imagem corporal. Esta pode ser transformada através de
roupas, (...)” (1994, p.179).
Por mais que o indivíduo hemiplégico recorra às modificações como
autoplásticas, ele dificilmente poderá voltar ao padrão de normalidade física.
Entretanto, fazer uso de métodos autoplásticos (como roupas ou jóias adequadas)
irá causar uma melhora na sua aparência. A necessidade de integrar suas vestes ao
corpo irá oferecer-lhe condições participativas na sociedade, beneficiando-o física e
psicologicamente. O que ocorre aqui é similar ao que acontece na prática da dança
e da ginástica, onde existem necessidades específicas decorrentes da
transformação do corpo e do costume e é preciso usar roupas que facilitem os
movimentos e liberem o corpo à participação dos movimentos.
Entre os anos 384-322 a.C, Aristóteles, encantado pela anatomia, realizou
estudos nesta esta área e sobre a estrutura dos movimentos. Ele foi considerado o
primeiro biomecânico, preocupando-se com a anatomia dos animais e comparando
seus corpos a um sistema mecânico. Com o uso da mecânica, descreveu alavancas
e outros mecanismos do corpo. Considerando os relevantes estudos da
biomecânica, chegamos a resultantes no que diz respeito ao hemiplégico.
As conseqüências da hemiplegia no adulto são decorrentes de lesões no
sistema nervoso central tais como hemorragias cerebrais, embolias ou tromboses.
Apresenta manifestações clínicas com variações de acordo com o grau de
distribuição da espasticidade e do tipo de distúrbio sensorial. Mesmo com
variedades de sintomas, encontramos alguns distúrbios sensoriais e motores com
similaridade em grande parte dos pacientes.
Em grandes centros urbanos, é muito comum um indivíduo apresentar um tipo
de paralisa causado por stress, por acidentes no trabalho decorrentes do descuido
no uso de equipamentos e/ou roupas de segurança no trabalho, pela violência, por
acidentes de trânsito. Todos estes fatores provocam, com muita freqüência, uma
agressão ao corpo e ocasionam o mau funcionamento do sistema vascular.
49
2.3 Fatores que interferem no movimento normal do hemiplégico
De acordo com Bobath, o hemiplégico apresenta:
1. Distúrbios da sensibilidade em vários graus;
2. Espasticidade;
3. Um distúrbio do mecanismo de reflexo postural normal e;
4. Perda dos padrões de movimento seletivo (1978, p.1).
2.3.1 Distúrbios da sensibilidade em vários graus.
Os distúrbios da sensibilidade em vários graus apresentam recuperações
espontâneas, dependendo do tratamento no grau de envolvimento sensorial. Alguns
apresentam distúrbios maiores ou menores, de acordo com os danos motores.
Brain (1956) apud Bobath, definiu que a disfunção sensorial na hemiplegia
apresenta-se:
A apreciação da postura e dos movimentos passivos é muitas vezes
seriamente prejudicada, juntamente com a apreciação do tato superficial e
sua localização correta e a discriminação da dualidade de duas pontas do
compasso. A apreciação do tamanho, forma, aspereza e textura
freqüentemente sofrem alterações. O elemento qualitativo na dor, calor e
frio ainda é reconhecido, porém, em se tratando de estímulos térmicos no
meio da escala, o paciente pode encontrar dificuldade em dizer qual dos
dois é mais quente é mais frio (1978, p.2).
Bobath ainda afirma que:
Todos os nossos movimentos são realizados em resposta a estímulos
sensoriais, os quais agem sobre o sistema nervoso central, a partir do
mundo exterior, através de exteroceptores, da visão, tato e audição. Os
movimentos são orientados durante o seu curso através da visão e por
estímulos sensoriais dos proprioceptores nos músculos, tendões e
articulações (1978, p.2).
50
2.3.2 Espasticidade.
A Espasticidade é uma força variável encontrada em todos os pacientes com
hemiplegia, desenvolvendo-se de forma gradual em um período de 12 a 18 meses,
aproximadamente, após a instalação da hemiplegia. Apresenta distribuição de
espasticidade nas partes afetadas e modificadas com reflexos tônicos.
Em um primeiro estágio, o hemiplégico passa pelo estado da flacidez
muscular, podendo apresentar movimentos pela espasticidade leve a moderada, já
que esta torna o movimento inoperante e,portanto, impossível.
Segundo Botelho:
Nos pacientes hemiplégicos, a espasticidade apresenta-se em geral por
lesões corticais e da cápsula interna. Clinicamente, hipertônica predomina
nos músculos antigravitacionais, resultando no padrão flexor do membro
inferior. Sua intensidade pode ser variável de acordo com uma série de
fatores, como variação de temperatura, estado de ansiedade e dor. A
espasticidade pode encobrir a atividade motora voluntária e a força
muscular. Uma das conseqüências da espasticidade é a perda da
movimentação seletiva, que afeta principalmente o membro superior.
Dependendo da intensidade da lesão, o paciente hemiplégico não realiza
isoladamente a movimentação de mão, punho e cotovelo, em graus
variáveis. A capacidade de realizar movimentos seletivos também está
comprometida no membro inferior (1999, p.78).
Neste contexto, entende-se hipertonia como um aumento do estado de
relativa tensão que o músculo normal deve apresentar em repouso.
Para tanto, Bobath aponta que:
O braço do paciente pode-se tornar fixo em flexão e sua perna em
extensão. Se a espasticidade for moderada, pode ser possível uma
variedade de amplitude limitada de movimento. Entretanto, os movimentos
são realizados dentro dos padrões totais de sinergia de reflexos e tônicos,
e um esforço excessivo é utilizado para a realização de movimentos
pequenos e eficazes (1978, p.5).
Nos casos de hemiplegia, é possível dizer que a deficiência de sensibilidade
ocorra menos no movimento dos pés e pernas, já que desde cedo utilizamos estes
membros para o mesmo fim. Fato que não acontece com as mãos, que apresentam
mais dificuldades de movimento. Existe a inter-relação entre o fato do tato próximo
às áreas do membro inferior plégico estimular a recuperação sensitiva, justamente
pelo ato do ficar em pé e andar.
51
Bobath afirma ainda que: “Pacientes com uma grave deficiência da
sensibilidade não apresentam o ímpeto para movimentar-se freqüentemente, apesar
de terem somente uma espasticidade” (1978, p.2).
O processo de espasticidade faz com que alguns músculos apresentem a
predominância de força, principalmente nos músculos flexores sobre os extensores
do braço, em uma pessoa normal. No hemiplégico, produz total flexão, adução e
pronação interna no ombro e flexão e pronação do antebraço.
2.3.3 Distúrbio do mecanismo de reflexo postural normal
Nos três primeiros anos de vida, desenvolve-se um mecanismo que promove
o reflexo postural por meio do mecanismo voluntário normal, com respostas motoras
automáticas.
O corpo estabelece posições de postura como a cabeça sobre o tronco e, em
equilíbrio, colocam-se os ombros, que funcionam como pêndulos e organizam a
estabilidade do corpo sobre os pés.
O homem aos poucos se educa e se capacita à realização de movimentos,
engatinha, senta-se e, por volta do quinto mês de vida, alguns movimentos são
substituídos ou acrescidos a outros, que são essenciais na construção dos padrões
para a vida adulta.
Percebemos que determinadas reações automáticas se mantêm por toda a
vida como, por exemplo, a extensão dos braços, que protegem o corpo e a face
quando da ocorrência de quedas. O homem adquire este sistema de proteção a
partir do sexto mês de idade.
O corpo apresenta centros de gravidade. Quando existe um pequeno
deslocamento do centro de gravidade, a postura ajusta-se, não sendo reconhecida
como movimento, pois a modificação é somente do músculo. A sincronia tônus
muscular e amplitude de movimento apresentam modificações no centro de
gravidade, proporcionando ajustes posturais.
Weiss, Zador, Rademaker apud Bobath afirmam que: “(...) se houver um
deslocamento considerável do centro de gravidade, as reações de equilíbrio
correspondentes são movimentos de amplitude e padrões variáveis” (1978, p. 14).
O corpo apresenta uma proteção contra forças. Bobath, afirma: “Na pessoa
normal, este mecanismo de reflexo postural controla o peso de um membro durante
52
movimento na direção da gravidade ”adaptação postural” contra a gravidade” (1978,
p.14).
O hemiplégico perde algumas reações posturais no lado afetado. Aprende a
movimentar-se tendo em vista a ausência de reações. Sendo assim, seu equilíbrio é
compensado pelo lado sadio. As atitudes de equilíbrio do lado plégico não
respondem na presença de espasticidade, principalmente associada à sensibilidade
de músculos e articulações.
Bobath considera que:
O paciente compensa com o lado sadio – ele tateia a procura de apoio com
sua mão íntegra, o pé no lado sadio apresenta uma atividade exagerada e
o paciente é relutante em colocar peso sobre sua perna afetada, de vez
que ele tem medo de cair. Para melhorar o padrão da marcha ele tem que
adquirir reações de equilíbrio no lado afetado e costumar-se a apoiar
totalmente o peso sobre a perna afetada (1978, p.16).
O hemiplégico perde a capacidade de realizar movimentos como proteção
contra a gravidade em seus membros e, portanto, é incapaz de impedir o movimento
para baixo do braço, estando sem apoio. Tanto os braços como as pernas podem
ser estendidas quando ajudadas pelo membro sadio.
2.3.4 Perda dos Padrões de movimento seletivo.
Na hemiplegia leve, o movimento seletivo e discriminativo são extintos. No
braço e na mão, tal perda fica bem visível visto que o hemiplégico não move o
cotovelo, punho ou dedos seletivamente.
Apresenta dificuldade no caminhar, uma vez que necessita de habilidade de
dorsiflexionar o tornozelo e os artelhos, independentemente da perna estar
flexionada ou estendida, com o joelho em flexão, enquanto o quadril está estendido.
Existem reações associadas que são definidas como sendo respostas
automáticas anormais estereotipadas dos membros afetados, resultado de uma ação
ocorrida em qualquer parte do corpo, por estimulação reflexa ou voluntária (ex.:
tossir, espirrar, esforço), inibindo a função. Estas reações são comuns quando o
indivíduo se esforça para realizar uma tarefa difícil ou quando está ansioso. Ao
vestir-se, por exemplo, as reações associadas poderão ser observadas no braço e
perna afetadas.
53
Os indivíduos com hemiplegia do lado direito têm um comportamento lento,
são muito cuidadosos, incertos e inseguros. Logo, ao desempenharem tarefas, são
ansiosos e hesitantes, exigindo freqüentemente “feedback” e apoio. Eles também
tendem a serem realistas na avaliação dos próprios problemas.
A labilidade emocional é, geralmente, encontrada nos casos de hemiplegia. O
indivíduo apresenta emoções instáveis, sendo capaz de inibir a expressão das
emoções espontâneas, que rapidamente alteram o seu comportamento emocional
sem qualquer razão aparente.
2.4 Medicina física e reabilitação
As lesões do sistema nervoso central promovem alterações clínicas na
periferia do corpo e, clinicamente falando, a hipertonia é predominante nos músculos
antigravitacionais, resultando no padrão extensor do membro inferior e flexor do
membro superior.
De acordo com a intensidade da lesão, o paciente hemiplégico não realiza
isoladamente a movimentação de mão, punho e cotovelo em graus variáveis. A
capacidade de realizar movimentos seletivos também está comprometida no
membro inferior. Todo movimento exige um conjunto de mecanismos que atuam em
sinergia e com alterações motoras tornando-se incapazes de acontecer.
Um hemiplégico pode apresentar padrões anormais de movimento ou
sinérgicos devido ao tônus anormal, dificuldades sensoriais e perda das reações de
equilíbrio. Existem dois tipos de padrões anormais (sinergias), chamados de padrão
de flexão e padrão de extensão.
As sinergias estereotipadas de movimento de um hemiplégico podem ser
observadas no quadro abaixo:
54
Sinergia flexora
Extremidade superior
Flexão do punho e dedos
Flexão do cotovelo
Supinação do antebraço
Rotação externa do ombro
Abdução do ombro
Retracção/ elevação da omoplata
Extremidade inferior
Extensão do dedo grande do pé
Flexão dorsal e eversão da tíbio-társica
Flexão do joelho
Flexão da anca
Abdução e rotação externa da anca
Quadro 1 - Sinergia de flexão estereotipada de movimento de um hemiplégico.
Fonte: Nobre (2004) – Artigo: Acidente Vascular Cerebral (AVC)
Sinergia extensora
Extremidade superior
Extensão do punho e dedos
Extensão do cotovelo
Pronação do antebraço
Rotação interna do ombro
Adução do ombro
Protracção da omoplata
Extremidade inferior
Flexão dos dedos
Flexão plantar e inversão da tíbio-társica
Extensão do joelho
Extensão da anca
Adução e rotação interna da anca
Quadro 2 - Sinergia extensora estereotipada de movimento de um hemiplégico
Fonte: Nobre (2004) – Artigo: Acidente Vascular Cerebral (AVC)
55
No que se refere à reabilitação, cabe ao hemiplégico a difícil missão de
passar por um processo de reaprendizagem das coisas do dia a dia, da execução de
tarefas corriqueiras como escovar os dentes, comer, vestir-se e despir-se.
Para vestir-se, ele precisa sentar-se em uma cadeira firme e separar as
roupas. Suas roupas devem apresentar fechos práticos, serem agradáveis,
confortáveis e com um caimento adequado, que aconchegue seus movimentos com
liberdade. Dado que o indivíduo hemiplégico dispõe de um campo de visão limitado,
todas as peças devem apresentar-se de forma ordenada à sua colocação, do lado
plégico, para onde ele irá virar-se e pegar a peça que vestirá, sempre utilizando a
mão sã. O tempo gasto na realização desta tarefa é, indiscutivelmente, muito maior
do que aquele despendido por uma pessoa comum.
Como cada hemiplégico dispõe de mais ou menos dificuldade motora, cabe a
um profissional da área da terapia ocupacional educá-lo na execução de qualquer
tarefa, visando uma maior comodidade.
2.5 O normal e o patológico
A palavra normal é sinônima de média, ou conforme definição no Novo
Dicionário Aurélio, aquilo “que é segundo a norma”, o que se enquadra na norma,
patológico o contrário a media universal, portanto é uma alteração do normal.
Na avaliação do individuo com certa deficiência, podemos avaliar de duas
formas: é ele normal dentro do grupo que pertence a sua deficiência ou é diante de
um grupo que não apresenta aparente deficiência? É seu órgão do corpo anormal
diante do grupo que faz parte da sua característica? É este individuo comprometido
patologicamente ou somente parte do seu corpo é comprometido? Da mesma forma
é designado pela sociedade “deficiente”.
Estabelecer qualificações aos indivíduos é comprometedor, partindo do
principio de não vermos internamente nosso corpo. Uma pessoa é considerada
deficiente quando um dos órgãos internos do seu corpo apresenta alguma
debilidade? Ou somente o órgão? De forma geral, desconsideramos aquilo que não
vemos ou não nos é permitido perceber. Só consideramos o individuo com um órgão
interno debilitado quando ele aparentemente o demonstra, no caso do sofrimento, da
dor ou mesmo aparência: pálida ou excessivamente avermelhada.
56
O limite entre o normal e patológico é sempre impreciso, pois estabelecer
regras para esta denominação é incoerente não só no que diz respeito à saúde, mas
do ponto de vista social e na forma de viver. O individuo, mesmo apresentando
limitações, tem os mesmos direitos assegurados pela lei embora não lhe seja
permitido interagir no todo. Portanto, fazem-se necessários questionamentos como
os abordados neste estudo “o vestuário do hemiplégico”.
A postura de um indivíduo saudável (não afetado neurologicamente) é
determinada pelo uso dos dois hemisférios cerebrais que controlam eletricamente a
função de cada pequeno músculo, da base ao topo do corpo, que se inter-relaciona
com os demais até que a postura vertical seja obtida. Assim, constrói-se toda a rede
muscular necessária para que o individuo vença a gravidade e sinta-se confortável e
equilibrado.
No indivíduo com lesões cerebrais, lacunas de comando elétrico vão gerar
uma verticalidade plena de compensações que darão o equilíbrio possível, apesar
de distorções altamente específicas e ao mesmo tempo comuns ao hemiplégico.
Os mecanismos que a natureza cria para que as falhas de contribuição de
músculos essenciais para a postura vertical sejam compensadas são extremamente
úteis à vida. O conhecimento neurológico os explica de modo analítico e eficaz para
que outras áreas do conhecimento possam reconhecê-los, estudá-los e compensar
aspectos que interferem na qualidade de vida.
CAPÍTULO 3 - A MODELAGEM E A ERGONOMIA
58
Nunca ande pelo caminho traçado, pois ele te
conduz somente até onde os outros foram.
Alexander Grahan Bell
A ergonomia é um conjunto de ciências que visa o bem-estar e o conforto do
homem. Ela busca a adequação do homem com o trabalho, ajustando suas
atividades físicas aos equipamentos, considerando suas características físicas,
fisiológicas, psicológicas e sociais, levando em conta sexo e idade e, desta forma,
melhorando seu desempenho. Ela avalia a máquina, ajusta equipamentos,
ferramentas, mobiliários e instalações, ambientes, levando em consideração o nível
de ruído, as vibrações, a incidência de luz, as cores, os líquidos utilizados e a
emissão de gases. Preocupa-se com a organização, os acidentes e o desempenho
energético disposto ao homem.
Segundo Lida:
Ergonomia é o estudo do relacionamento entre o homem e seu trabalho,
equipamento e ambiente, e particularmente a aplicação dos conhecimentos
de anatomia, fisiologia e psicologia na solução dos problemas surgidos
desse relacionamento (2001, p.1).
Diante da necessidade de ajustar o homem à sua condição de vida,
diferenças devem ser consideradas para que cada uma delas se ajuste ao perfil do
usuário, dentro de fatores respeitáveis, propiciando leituras que favoreçam sua
característica física no caso do hemiplégico, já descrita no capitulo anterior. O
hemiplégico passa por etapas diferenciadas na vida pós-trauma, ficando por um bom
período na cama, passando em seguida a necessitar de cadeira de rodas e de
permanentes sessões de fisioterapias e, muitas vezes, com utilização de bloqueios
químicos. Após este período, começa a utilizar uma bengala Inglesa.
59
Figura 1 – Bengala inglesa
Fonte: Acervo próprio.
Segundo pesquisa realizada por Grave (2004), o corpo na posição ortostática
(ou seja, posição em que o corpo está em pé, com os tornozelos virados em ângulo
de 90 graus com referência ao solo, mantendo o corpo dentro de uma simetria) deve
sustentar sua massa ao descarregar seu peso no solo.
Dângelo e Fattini (2003) dispõem, dentro da anatomia sistêmica, que o
homem (com suas características conforme a hereditariedade) é dividido em três
categorias, segundo seu biótipo, seguindo de planos e subdivisões:
1. Longilíneos: tórax alongado, alto, membros longos, apresenta proeminência
do eixo sobre os demais.
2. Brevilíneo: membros curtos em relação ao tórax que apresenta diâmetro
largo. Estatura baixa, pescoço curto, predominância do eixo transversal,
predomina sua largura.
3. Médio: membros e tórax dentro da normalidade. Próximo à harmonia, entre
verticalidade e horizontalidade.
O Homem, em posição anatômica, é subdividido em planos.
60
1. Plano sagital: é como se uma seta partindo da sagital dividisse o corpo em
lado esquerdo e direito. Este alinhamento obedece aos pontos de gravidade
do corpo nuca e no cóccix.
2. Plano frontal ou coronal: é como se uma linha dividisse o corpo em parte da
frente e parte das costas, seguindo o alinhamento das orelhas, ombros, lateral
do corpo, meio das pernas, fechando todo o contorno do corpo.
3. Plano Transversal: é como se uma linha dividisse o tronco do abdômen
respeitando o alinhamento de movimento do corpo entre a caixa torácica e a
bacia pélvica.
O corpo pode ser subdividido em planos e secções, sempre baseado nos três
planos acima mencionados, na medida em que necessitamos representar
particularidades.
O homem tem seu centro de gravidade além de tantos pontos
antigravitacionais. Eixos articulares e músculos contraídos são suficientes para fazê-
lo ficar em posição ereta.
Os pontos se revelam antigravitacionais em qualquer corpo, seguindo as três
leis de Newton e propiciando ao homem o movimento. A primeira lei afirma que um
corpo em repouso tende a permanecer em repouso e um corpo em movimento tende
a permanecer em movimento com velocidade constante (nenhuma alteração na
rapidez ou direção), a menos que sofra a ação de força não compensada. Isso é
fundamental para compreendermos o movimento e equilíbrio.
A segunda lei afirma que a aceleração adquirida por um corpo é diretamente
proporcional à intensidade da resultante das forças que atuam sobre o corpo. Ao
mesmo tempo, tal aceleração tem a mesma direção e sentido desta força resultante
e é inversamente proporcional à sua própria força (em relação à gravidade).
A terceira lei determina que cada uma das forças atuando sobre um corpo ou
uma parte deste origina-se de outro corpo. Assim, as forças não atuam
isoladamente, mas como um par interativo no lugar onde os dois corpos entram em
contato.
Em situação de verticalidade, estas três leis estão presentes e contraem o
centro de gravidade, o que permite tanto a estabilidade estática quanto o
movimento. Músculos que nos tracionam para trás e para os lados devem
harmonizar-se para que nos sustentemos continuamente.
61
O corpo, com os planos cruzados pela horizontalidade da bacia pélvica (ou
cintura pélvica) e verticalidade (sacro), forma um ponto antigravitacional e equilibra-
se sobre os dois pés, sustentando toda a ação. Em pé, a linha de força gravitacional
(por intermédio do centro de massa) cai atrás da articulação do quadril, à frente da
articulação do joelho e à frente da articulação do tornozelo. Nos membros inferiores,
a contração muscular ativada pela força gravitacional visando o equilíbrio, é
necessária apenas nos músculos da barriga da perna (panturrilha).
Figura 2 – Ponto de gravidade no sacro e joelho.
Fonte: Grave (2004) – A modelagem sob a ótica da ergonomia
.
62
Os ombros conferem aos membros superiores a posição apendicular, agindo
como um pêndulo, respondendo ordens naturais, em um gingado sincronizado,
atuando como alavanca junto aos membros superiores.
Bobath afirma que, em qualquer condição, o corpo ajusta-se, adequando seu
centro às mudanças de postura e, sendo assim, sua posição mantém-se com
tendência vertical, mesmo inclinada, sempre como uma proteção à força de
gravidade.
Na pessoa normal, este mecanismo de reflexo postural controla o peso de um
membro durante movimentos na direção da gravidade. Este mecanismo pode ser
chamado “adaptação postural contra a gravidade”. Beevor (1904) fez as seguintes
observações:
Em todo movimento vagaroso e sem resistência que é realizado em
direção à gravidade, os músculos que agem na direção do movimento são
relaxados ao passo que seus antagonistas se contraem e suportam os
membros, e se o movimento continuar estes últimos, gradualmente se
relaxam totalmente (1978, p.14).
Os movimentos do corpo, e até mesmo a ausência de movimentos, são de tal
forma relevantes em qualquer atividade, que Laban (1910) dedicou-se a estudar a
relação do corpo e da mente com o movimento. Ele acreditava que o domínio do
movimento era tão importante como o domínio da escrita. Assim, apresentou uma
nova proposta de dança que se preocupava com a leveza e a beleza do movimento,
possibilitando ao homem uma auto-suficiência no próprio corpo, afirmando:
(...) um professor diante dos alunos sentados em sua carteira pode através
da compreensão, fazer tanto para ajudar toda classe e cada criança
individualmente como o professor de dança ou de ginástica cujo interesse
pelo movimento é mais imediato. O docente que ensina matéria do tipo
acadêmico deve apreciar os esforços expressados por meio do movimento,
assim como o professor de dança que tem que se dar conta de que há um
esforço mental implícito em toda atividade. (1990, p.102).
A simples observação do movimento do corpo não nos permite ver todo o
mecanismo existente por trás dele quando da sua geração e que atua para mostrar
sua significância física ou psicológica. Um olhar pode falar tanto quanto os
movimentos, uma interpretação de sentimentos que implicitamente nos traduz seu
significado, como mágica. Por outro lado, um movimento estritamente físico
63
acontece com a ajuda de moléculas de glicose de açúcar, que fornecem a energia
vital para a circulação do sangue durante um trabalho intenso. Embora não nos seja
permitido efetivamente ver sua atuação, a mesma fonte de energia se manifesta
para o desempenho de ambos os papéis. A comunicação (seja com trabalho
muscular seja com trabalho mental) é irrigada por componentes que, junto com o
oxigênio que respiramos, se movimentam de forma ordenada em processos mais
lentos ou mais rápidos, sem exibirem-se exteriormente. Estes componentes são
necessários para manter vivo um corpo, não permitindo qualquer discriminação, mas
sim uma união, visto que na falta de um elemento, o outro deve atuar mais para que
haja a compensação. Agem tal qual a glicose e a gordura que se substituem na
geração de energia quando da realização de um movimento.
3.1 Características do tecido
Sendo o tecido composto por fibras animal, vegetal ou química, ele sofre - tal
qual qualquer corpo - efeitos da gravidade. Sozinho, ele não se sustenta em pé, o
que significa que, ao depositá-lo sobre uma superfície, não tem capacidade de ficar
na vertical (o que ocorre somente com auxílio de produtos químicos). Dentro de sua
característica natural, independendo do seu entrelaçamento, mantêm a mesma
reação. Segundo pesquisas realizadas por Grave (2004), capítulo III, o
entrelaçamento das fibras tornarão o tecido mais firme e sua resposta aos
movimentos do corpo pode apresentar-se mais ou menos harmônica ao corpo. Na
confecção de peças de vestuário, indicar os tecidos apropriados ao modelo e ao
usuário tornará as vestes mais saudáveis.
O casamento entre os pontos de gravidade dominante do corpo, sua
acomodação nos movimentos e os pontos de gravidade do tecido (quando em
sintonia) torna o caimento da peça de vestuário perfeita. Massa e aceleração
participam deste casamento e apresentam como resposta um vestuário sem torções,
com liberdade e sem causar agressões. É a força dominando o mais fraco.
Para um bom resultado na confecção do vestuário, é necessário que haja um
bom conhecimento de cada parte do corpo bem como seu comportamento. É preciso
fragmentar a peça para ajustar o ponto de gravidade do tecido, direcioná-lo a
vertical, respeitando os planos anatômicos ou suas paralelas.
64
O corpo e o tecido entram em acordo e as ações de motricidade permitem
que o corpo seja seu próprio tecelão. Portanto, corpos diferenciados devem
obedecer às suas características, tanto na verticalidade como horizontalidade e na
tridimensionalidade. Independentemente da posição do tecido, este adere às formas
determinadas pelo corpo.
O corpo é o cabide tridimensional que dá não somente vida, mas também
alma às roupas. Muitas vezes, a roupa quando vista pendurada em uma arara não
agrada, mas quando vestida no corpo torna-se ideal, estabelecendo e mantendo
uma cumplicidade que permanecerá viva enquanto estiver em uso.
Dentro da visão ergonômica, a modelagem deve atender particularidades que
signifiquem melhorias na qualidade de vida do indivíduo, junto às aplicações gerais,
respeitando diferenças entre verticalidade, horizontalidade, tridimensionalidade
(corpo) e fibras.
3.1.1 O vestuário e as superfícies têxteis
As superfícies têxteis são utilizadas para elaborar peças de vestuário ou
outras finalidades. Os métodos principais para sua obtenção são entrelaçamentos
de fibras têxteis e entrelaçamento de fios têxteis.
As fibras têxteis são entrelaçadas em todas as direções e aderidas umas às
outras por fusão ou colagem, resultando em tecidos não–tecidos, em geral telas
rígidas com pouca mobilidade, utilizadas mais em forros, entretelas, lençóis,
descartáveis e outros.
Os fios têxteis são entrelaçados utilizando-se um processo mais comum,
apresentando duas formas básicas: tecido plano e malha.
As fibras e tecidos influenciam as atitudes do corpo, trabalham entre
verticalidades e horizontalidades, determinando um caimento para o tecido
diferenciando dentro da força da gravidade.
Com formações diferenciadas, registra o tipo de caimento que, de acordo com
princípios agregados ao corpo, determinam o resultado individualizado ao vestuário.
As condições tecnológicas do tecido e das fibras se atualizaram mais que as
técnicas de modelagem.
65
Obrigações específicas da modelagem passaram a ficar sob a
responsabilidade das fibras e fios. A qualidade do vestuário é boa devido às fibras,
aos fios e à tecnologia aplicada ao maquinário e não em razão da modelagem.
Como uma blusa que adere tão bem que nem percebemos a falta de altura e
amplitude para que seu vestir aconchegue a articulação do ombro e do braço. Enfim,
vestir como um abraço amigo.
3.1.2 Tecido plano (biaxial)
A característica dos tecidos planos é a ordenação de dois sistemas de fios,
apresentando composições perpendiculares, formando ângulos retos.
O fio em verticalidade, na ordem de paralelos individualizados, atende a um
mesmo comprimento e tensão, denominado urdimento, o qual define a altura do
tecido.
Já o fio na horizontalidade, formando uma disposição em paralelos em uma
mesma largura, cruzando-se, faz com que um segure o outro, passando por baixo ou
por cima, sucessivamente e é o que denominamos trama, a qual define a largura do
tecido.
O urdimento se une ao plano sagital (corpo) e a trama ao plano transversal.
A união do corpo com o tecido e a ação da gravidade resulta na regularidade
de caimento.
Como exemplos, podemos citar o caimento da saia reta e o vinco da calça
comprida. Ambos seguem o plano sagital. Quando em movimento, os urdimentos
unem-se às longitudinais do corpo, seguindo e mostrando-se alternadamente no
caminhar, demonstrando a estrutura do tecido.
Segundo Gomes:
O equilíbrio é o estado no qual as forças, agindo sobre um corpo, se
compensam mutuamente. Ele é seguido, na sua maneira mais simples, por
meio de duas forças de igual resistência que puxam em direções opostas.
Esta definição física é aplicável também ao equilíbrio visual. O sentido da
visão experimenta equilíbrio quando as forças fisiológicas correspondentes
no sistema nervoso se distribuem de tal modo que se compensam
mutuamente (2003, p.57).
66
No vestuário, o fio do urdimento e a altura do corpo se combinam,
proporcionam equilíbrio - tanto físico como visual.
Ainda de acordo com Gomes: “O equilíbrio, tanto físico como visual, é o
estado de distribuição no qual toda ação chegou a uma pausa” (2003, p.57).
Os recursos que facilitam a simetria do vestuário são: planos e fio do
urdimento. Eles favorecem o equilíbrio visual e, no caso do hemiplégico, a
localização do centro de gravidade e a definição do ângulo de abertura que
resultarão no equilíbrio bilateral do corpo, melhorando o vestuário do hemiplégico.
3.1.3 Caimento em viés
Determinando outro caimento, os fios urdimento e trama são dispostos na
diagonal sobre o plano sagital (do corpo), apresentado um outro efeito, como se a
ação da gravidade escorresse sobre os fios, dando-lhes um aspecto de babado e
adaptando-se melhor às curvas do corpo. Tudo atendendo ao agito propiciado pela
união do movimento e o equilíbrio.
3.1.4 Caimento do tecido com fibras em triaxialidade
Por apresentar três eixos, o tecido se trava, praticamente resultando em um
único caimento autônomo. Utiliza-se esse tipo de tecido para objetos que exijam
mais resistência, tais como forrações e estofados, pois não conseguem aderir ao
corpo humano. Seu caimento é muito firme, independente.
3.1.5 Malha
Os tecidos em malha apresentam pouca estabilidade. Esta característica
pode ser melhorada com o dimensionamento adequado da relação do fio versus
quantidade de malha. É um fio com uma sucessão de entrelaçamentos, que
apresenta tendência a relaxar com o tempo de uso da peça de vestuário, isto sob a
exposição freqüente ao corpo em atividade.
67
3.1.6 Elastano
Por apresentar fibra de borracha, sua função é aderir ao corpo, onde a
homogeneidade da massa em relação ao volume corporal não permite que deslize.
Modela-se ao corpo, aderindo a ele.
Os atributos tecnológicos formam os tecidos e influem na aparência, no
desempenho, na segurança e no conforto.
Com relação à aparência, citamos o caimento, textura, cor, retenção do vinco,
não-enrugamento. Quanto ao conforto, há fatores como a absorção de umidade,
porosidade e permeabilidade.
O desempenho se refere a repelência a água, resistência à abrasão,
estabilidade, dimensionamento e solidez.
A segurança envolve a flamabilidade, isolação, resistência a produtos
químicos e antiestática.
Há ainda outros fatores, como tipo de fio, combinação de fios, torção e
acabamento do tecido, que podem alterar a ação da gravidade sobre ele e,
conseqüentemente, sua estabilidade.
3.2 Pontos antigravitacionais
As linhas escuras retas, conforme mostra a figura a seguir, indicam as
alavancas eficazes para rotatórias entre um centro articular próximo e na seqüência.
Essa rotatória faz com que os movimentos apresentem-se contemplados,
valorizando o vestuário.
68
Figura 3 – Alavancas eficazes para rotatória
Fonte: Grave (2004) – A modelagem
sob a ótica da ergonomia
.
69
3.2.1 Relacionando a gravidade do corpo humano com o tecido
O corpo humano tem domínio sobre a gravidade. Com o corpo em
alinhamento, quem suporta todo o peso é a pelve, que o distribui ao solo. O centro
de gravidade da cabeça, braços e tronco localiza-se no centro do tronco. Ao mudar
de posição, no caminhar, o membro de apoio suporta o peso do corpo com a ajuda
dos abdutores do quadril, que se equilibra em relação à pelve. Na dinâmica da
marcha, o centro de gravidade oscila permanentemente e permite a harmonia. Se os
músculos falharem na sua função, o eixo e o equilíbrio ficam comprometidos,
alterados, levando o vestuário a acompanhá-los.
O tecido apresenta sua massa de acordo com o tipo de estrutura física. Assim
sendo, é energia atuante que pode ser mais ou menos ativa de acordo com sua
constituição.
O caimento do tecido depende da estabilidade do corpo. Para tanto, é
necessário pendurá-lo, para que a ação de seus eixos ceda à gravidade.
Seu caimento sobre o corpo em movimento acontece em combinação com as
trocas resultantes da acomodação do corpo e do tecido à lei da gravidade. O efeito
final do vestuário se dá por meio da regularidade à qual as fibras são dispostas
sobre o eixo antigravitacional (sagital) do corpo.
A variação dos eixos do tecido pode torná-lo mais resistente. Em razão do
efeito da gravidade no corpo, conjugado à ação antigravitacional (eixo), o caimento
pode apresentar-se mais rígido, firme, a exemplo do tecido triaxial. Informações
precisas relativas ao corpo facilitam o trabalho.
Preocupações relativas ao detalhamento do corpo passam a serem
estudadas para a atuação das áreas, integrando, melhorando a qualidade do
vestuário de acordo com sexo, raça, biótipo e atividade física. Podemos ainda
acrescentar o fator moda.
Todo o esforço do corpo no tocante a uma atividade merece cuidados no seu
vestuário. Os movimentos do corpo respondem às atitudes que se realizam dentro
do pensamento, do sentimento.
Podemos considerar que os primeiros movimentos vieram dos antepassados
primitivos, os símios. Trazemos outros movimentos na hereditariedade da família e
ainda movimentos que são ditos, educados ou adquiridos. Realizamos atividades
como comer quando estamos com fome, beber quando temos sede, como qualquer
70
animal. Gesticulamos em determinada situação tal qual nossos avós o faziam,
falamos ou rimos no mesmo tom que nosso pai.
Podemos desenvolver o destrianismo ou sinistrismo, mesmo com caracteres
referenciais para um, ou ainda treinar e trabalhar muito bem com ambos.
Dezenas de grupos ou tribos diferenciam-se por meio do gingado ao andar,
adquirindo movimentos mais sedutores.
O sexo define preocupações diferenciadas para o vestuário, condizentes com
a cultura.
As características da raça, de regiões, a influência sócio-cultural e econômica,
são aspectos importantes na combinação do vestuário.
O biótipo, dentro das suas variações (longilíneos, médio e brevilíneo), é
analisado pela equivalência dos membros, tórax e abdome, de forma que o vestuário
ajude a amenizar qualquer diferença que o corpo apresente.
A atividade física exige uma adequação da modelagem para que a roupa
acompanhe e libere os movimentos.
A moda pode integrar todos os fatores acima mencionados à peça que se
usa, atualizando o indivíduo e propiciando o bem-estar. Ao cuidar do vestuário,
verificamos que o homem tem praticamente dois mundos. Um mundo, que permite
criar seu universo e um segundo, que faz com que ele seja parte de um todo. Muitas
vezes, o homem utiliza vestes específicas no seu universo, mas no todo não.
A moda deve se apresentar funcional para entoar a vida, deixando o fútil,
atendendo às exigências da satisfação e das necessidades da vida humana, ou
seja, ela não é apenas funcional, mas, isso servirá para a aceitação social e cultural.
3.3 Movimentos, eixos articulares influem na modelagem.
As articulações são mecanismos que permitem que os ossos se mantenham
unidos. Existem casos em que os ossos estão próximos e as articulações não ficam
visíveis dadas à existência da cartilagem. Em outros, os ossos são unidos
frouxamente para permitir a liberdade de movimentos.
A ação da projeção do plano do centro da gravidade atua sobre o vestuário,
que responde ao deslocamento de massa.
71
Algumas articulações proporcionam estabilidade em uma direção, permitindo
liberdade de movimento na direção oposta. Outros permitem liberdade em todas as
direções.
A modelagem tem função participativa e ativa nos movimentos articulares.
Nos movimentos, alguns músculos encolhem-se 30% da sua medida natural, dentro
da posição anatômica (ou posição zero). Para atender uma ordem na execução de
um movimento, o cuidado com o cálculo determina a construção da peça, pois ela
trabalhará simultaneamente com o corpo.
Considerar a atividade (região do corpo), a localização e a consciência do
movimento e ainda relevar ações involuntárias proporcionará qualidade de vestuário
e bem-estar para o usuário.
Algumas articulações oferecem pouco ou nenhum movimento, pois têm os
dois segmentos dos ossos unidos. Mas todo e qualquer movimento é respeitado
pela sincronia das ações, visto que o ato de respirar implica na realização de uma
série de atividades internas.
Como as costelas mudam de diâmetro de acordo com a inspiração e a
expiração, isto é bem definido de acordo com o volume de ar que ocupa espaço
dentro da caixa torácica, o mínimo desconforto externo causado pelo vestuário na
movimentação desta atividade repercutirá no bem-estar. O mesmo ocorre nos casos
de hipertensão, quando um vestuário justo e pesado pode ocasionar aquecimento e
avermelhamento por excesso de circulação na região superior (cabeça e rosto) e
conseqüente frieza na região inferior, acentuando-se nos membros.
3.3.1 Movimentos do corpo
3.3.1.1 Flexão, extensão
Movimentos de extensão e flexão mobilizam o corpo. Verificamos que o corpo
no plano frontal (coronal), se pudesse ser dobrado em um de seus eixos, o faria
somente para frente ou para trás, não dobraria para os lados, tampouco torceria.
O plano não se dobra, mas o corpo sim, quando se afasta dele. Quando se
move para frente e para trás, este plano atua em direção sagital, em um movimento
de flexão e extensão, também gerando uma agitação dos órgãos internamente.
72
Figura 4 – Corpo em flexão
Fonte: Grave (2004) – A modelagem sob a ótica da ergonomia.
Na flexão, o movimento é na direção anterior para a cabeça, pescoço, tronco,
membro superior e quadril. Portanto, a extensão é o movimento na direção oposta à
flexão.
A peça deve resguardar tanto o interior como o exterior do corpo. Desta
forma, o plano transversal anterior acompanha o exterior, com veneração às
atividades internas e externas, que devem atuar livremente. Para tanto, respeitar a
ação e traduzir a variação da cintura em medidas são cuidados que ajudam a
facilitar o movimento.
73
3.3.1.2 Movimentos de adução e abdução
Os eixos se interseccionam e é impossível realizar movimentos em um plano
só. Na adução ou abdução vemos, em princípio, que o eixo sagital se estende até a
horizontal de frente para trás e se mantém sobre o plano sagital. Se pudesse dobrar,
dobraria somente para os lados. Como já foi visto, não é possível dobrar o plano,
mas o corpo sim.
Movimentando-se, ocorrem adução e abdução com flexões laterais, onde
ambos acontecem no plano coronal.
Abdução é o movimento que afasta o corpo do plano coronal. Adução é o
movimento que aproxima corpo do plano mediossagital do corpo para todos os
membros, com exceção do polegar, dedos e artelhos. Ambos afastam-se ou
aproximam-se da linha axial.
Conceituando a adução e abdução para a modelagem, percebe-se que o
movimento de abdução é o afastamento do plano sagital. O vestuário sofre
estiramento no plano frontal de um lado (direito) e provoca um relaxamento no lado
inverso (esquerdo). Conseqüentemente, o vestuário afasta-se da sua linha de
equilíbrio. Este é o procedimento natural para a confecção de uma peça de vestuário
que não tenha manga.
Caso a peça tenha manga, o movimento irá travar na região pouco abaixo da
axila, na direção da musculatura estirada, devido ao peso da cabeça, que traz com
ela o ombro e o braço. Essa ação puxa e força a musculatura, pressiona o vestuário
em toda a extensão da região frontal.
3.3.1.3 Flexão lateral
Usamos o termo flexão lateral quando nos referimos aos movimentos laterais
com a cabeça, pescoço e tronco. Sempre sobre o eixo sagital, o corpo dirige-se para
os lados.
O trabalho da modelagem deve considerar a reação das flexões entre o corpo
e o vestuário e ser cuidadosamente observada. Entre as regiões de flexões
excessivas, podemos citar como exemplo uma gola que, por envolver o pescoço,
participa de movimentos, tanto de encolhimento como rotatório.
74
O longo do pescoço e o longo da cabeça atuam em sinergia, mantendo a
estabilidade da coluna cervical, formando um ponto fixo para a ação de inspiração.
Com tantas atividades, definir um decote ou gola de uma peça é um processo
delicado, principalmente se a roupa apresentar manga. É preciso atentar para a
articulação do ombro, o braço e ainda a região torácica. As atividades da
musculatura trabalham todo o lado convexo, alargam os espaços intercostais; o
conjunto torácico se dilata, na mulher acomoda nas mamas.
O vestuário obrigatoriamente reúne um conjunto de mobilidades e funções.
Modelar essa “máquina humana” deve ser uma tarefa realizada com precisões
ergonômicas. Sua adequação deve ocorrer sem nenhum atrito.
3.3.1.4 Movimento de rotação
A rotação trata do movimento em redor de um eixo longitudinal, sempre em
plano transversal, em todas as áreas do corpo com exceção da escápula e da
clavícula. Quando tratamos dos membros, o eixo é anatômico exceto no fêmur, que
possui eixo mecânico. A referência dos membros é a região superior anterior. A
rotação da superfície acontece no plano mediossagital.
Cabeça, pescoço, tórax e pelve rodam em torno de um eixo longitudinal na
área mediossagital. A rotação da cabeça é denominada como rotação da face direita
ou esquerda.
As rotações do tórax e pelve dividem-se entre as que seguem o sentido
horário ou anti-horário (referência à transversal e às 12 horas como ponto mediano
anterior). Essa rotação ocorre no sentido horário tendo o lado esquerdo do tórax ou
pelve mais à frente que o direito, e o contrário, na rotação anti-horária.
Essa rotação influi na disposição da modelagem das peças interferindo no
movimento. Trajes como macacão, vestido ou ainda qualquer vestimenta que
delineie a cintura e utilize pences (pregas que propiciam a acomodação das
saliências), atuando no contorno do tórax, mamas, cintura e abdome, merecem
atenção especial.
75
3.3.1.5 Movimento de inclinação
É a denominação para a atividade exercida pela cabeça, escápula e pelve.
Tanto a cabeça quanto a pelve podem inclinar-se no sentido anterior ou posterior
sobre o eixo frontal (coronal). Quando o movimento de inclinação acontece na
cabeça, existe uma flexão, ou seja, um achatamento da coluna cervical, enquanto a
inclinação posterior resulta em extensão.
A pelve apresenta situações opostas - as inclinações posterior e anterior. A
inclinação posterior resulta em achatamento da coluna lombar enquanto que a
anterior resulta na extensão. Podemos caracterizar as inclinações da pelve entre alta
em um lado e baixa em outro lado, movendo-se como uma unidade. Suas
inclinações podem ser vistas como sendo anterior, posterior e lateral do plano
transversal, liberando ainda movimentos de rotação junto com a inclinação anterior
lateral (mais comum) e posterior.
O trabalho exercido pelo corpo na inclinação da cabeça, disposto pela
modelagem, deve seguir os mesmos cuidados dispensados ao movimento do
pescoço, acrescido de atenção no caso de utilização do uso de capuz, boné ou
capacete, para que atue na região ao longo da cabeça, aderindo elegantemente.
Os cuidados quanto à inclinação da escápula serão abordados no capítulo
sobre modelagem para ergonomia do ombro e braço.
Para a pelve, onde ocorrem os movimentos de rotação, é preciso estar atento
à altura do gancho (no caso de macacão ou calça comprida, principalmente). Isso é
fundamental para a liberdade na altura, não só do quadril, como também da coxa.
CAPÍTULO 4 – METODOLOGIA
77
A força não vem da capacidade física, ela vem de
uma vontade inabalável.
Mahatma Gandhi
Neste capítulo, apresentar-se-á o aporte metodológico utilizado na elaboração
deste trabalho, iniciando-se com uma biografia que embasará o estudo para, em
seguida, apresentar-se as técnicas de modelagem aplicadas na confecção de peças
de vestuário para um portador de hemiplegia.
Todo trabalho científico exige um embasamento teórico e metodológico para
sua sustentação. Neste estudo, utilizou-se a pesquisa bibliográfica e estudo de caso,
que se mostrou ser de fundamental importância.
No que se refere à metodologia científica, Pinto nos diz que: “O progresso da
sociedade, em grande parte, é conseqüência do desenvolvimento da ciência e da
aplicação do método científico, seja na descoberta, no entendimento ou na criação
do conhecimento” (2003, p.101).
Bunge (1980) apud Pinto afirma:
(...) o método científico é universalmente utilizado para todas as ciências e
que as normas e diretrizes da pesquisas foram estabelecidas há séculos.
Para o autor, o método científico é um procedimento explícito, que pode ser
repetido, buscando sempre uma indagação material ou conceitual, ou seja,
o caminho para se chegar a algum resultado (2003, p.101).
Dencker e Viá nos dizem que:
Quando trabalhamos com pesquisa partimos de uma teoria, de uma idéia que
fazemos a respeito dos fatos. Nenhum trabalho de pesquisa inicia-se sem que haja
uma teoria que fundamente a ação do pesquisador, mesmo que essa teoria não
apareça explicitamente no trabalho (2001, p.60).
Centrar o estudo unicamente no tratamento físico (incluindo-se informações
da biomecânica com o intuito de verificar as relações entre as variáveis) talvez não
contribua de forma tão significativa para alcançar os resultados desejados, pois a
pesquisa agrega valores subjetivos.
A pretensão deste trabalho ultrapassa os limites do conforto, entrando em
significâncias do belo.
Este trabalho, de caráter exploratório, tem como objetivo criar uma maior
familiarização do pesquisador com o fenômeno investigado, ou ainda, propiciar o
78
alcance de uma nova compreensão sobre técnicas de modelagem de roupas para
portadores de deficiência física.
Esse estudo apresenta características pessoais do investigado, partindo de
seqüelas físicas e psicológicas, atendendo ao seu meio cultural e econômico.
4.1 Estudo de caso
4.1.1 Biografia modelo base para esse estudo
Paulo José Terrezza Licciardi, nascido em 18 de junho de 1965, na cidade de
São Paulo, formado em Administração de Empresa, vaidoso, tinha uma vida social
intensa, gostava de viajar e divertir-se e escolhia suas roupas conforme a grife.
Enfim, tinha uma vida normal, como qualquer pessoa de classe média ou média-alta.
Entre 1987 e 1995 foi coordenador de uma escola na zona sul da cidade de São
Paulo e, em abril de 1995, recebeu uma proposta de trabalho, irrecusável, para ser o
gerente comercial de uma empresa, a qual aceitou prontamente.
As coisas caminhavam maravilhosamente bem. No segundo mês já havia
triplicado o faturamento da empresa e sua remuneração era invejável.
Em função disso, começou a sonhar mais e fazer mais planos: começou a
procurar apartamento, planejava casar-se, mas não sabia que esta tendência de
prosperidade iria logo se inverter! Ele não sabia que tinha um homônimo, um homem
golpista e estelionatário.
Manhã de oito de junho de 1995. Paulo estava no escritório, sozinho,
trabalhando, quando foi informado que uma pessoa estava à sua espera na portaria
da empresa. Como era comum receber clientes nos recintos da empresa, achou
que fosse mais um destes casos e foi ao encontro dele.
Ao encontrá-lo, um rapaz aparentando uns vinte anos confirmou se ele era
Paulo, desconversou um pouco e, em seguida, apontou um revólver para cabeça de
Paulo e disse: “Sua hora chegou”! Então disparou a arma várias vezes, acertando a
cabeça, o braço esquerdo e a perna direita de Paulo, que foi socorrido meia hora
depois por uma viatura da polícia, levando-o para um pronto-socorro. Paulo estava
então com 26 anos.
Ali começava um longo processo de luta pela vida. Foi submetido a uma
neurocirurgia de emergência que durou cinco horas.
79
O prognóstico era de que não sobreviveria. Teve duas paradas
cardiorrespiratórias e, mesmo a contragosto dos médicos, foi transferido para um
grande hospital, aonde chegou em estado de coma e com infecção generalizada.
Ficou em coma profundo por dez dias e o novo prognóstico era que Paulo ficaria em
estado vegetativo.
No seu aniversário de 27 anos, ganhou um presente: começou a sair do
coma, mas estava completamente cego e com o lado esquerdo do corpo paralisado.
Começou então um intenso processo de reabilitação e de readaptação à nova
realidade.
Os prognósticos médicos ainda eram bem ruins! Nunca mais andaria e nem
enxergaria. Após 40 dias, ele voltou para casa em uma cadeira de rodas e cego.
Por nunca ter acreditado totalmente nos médicos, Paulo insistiu e continuou
com fisioterapia intensiva e se submeteu à várias cirurgias. Após cinco meses,
contrariando os prognósticos médicos, voltou a enxergar e um mês mais tarde, ou
seja, seis meses após o acidente, recomeçou a andar (embora ainda com seqüelas
motoras e de sensibilidade).
Os primeiros dois anos foram de verdadeiro luto. Tudo na vida era novo, tudo
teve que ser adaptado e ele iniciou então o processo de aceitação de sua nova
condição de vida. Passou a preocupar-se com os acessos físicos dentro do lar e
acessos urbanos visto que, no Brasil, o deficiente é diferenciado no seu tratamento
social, cultural e econômico. Ganhando salário de aposentado por invalidez e com a
carreira interrompida, ele procurou se associar à instituições de reabilitação onde,
além de se tratar, também estaria beneficiando outras pessoas com seu próprio
empenho.
Por ser uma pessoa culta, teve mais clareza para entender pelo o quê as
pessoas do seu convívio estavam passando (assim como elas a ele, no que se
referia à discriminação) e procurava não se deixar perturbar ou abater, sempre
buscando criar novas forças para prosseguir com o tratamento.
Sua readaptação ocorreu de forma mais rápida e consistente com o carinho
da família, amigos e profissionais de diferentes áreas como médicos, fisioterapeutas
e psicólogos.
Muitas pessoas saíram da vida de Paulo, como sua noiva. Em compensação,
outras muito especiais começaram a fazer parte do seu dia-dia, como uma ex-
modelo profissional, que dirigia um programa de formação de modelos portadores de
80
deficiência. Paulo fez o curso e começou a desfilar junto com outras pessoas de
visão e cientes do que é responsabilidade social.
Conheceu Maria de Fátima Grave, estilista e professora universitária que
pesquisa roupas adaptadas para portadores de deficiência. A partir deste momento,
começou a não só participar de desfiles, apresentando suas criações como também
a usá-las no dia-dia, pois estas apresentam várias vantagens como permitir vestir-se
e despir-se sozinho e em tempo mais hábil, pois antes demorava um tempo enorme
na realização destas ações. Outra vantagem é que os tecidos usados nas roupas
não agridem a pele, evitando assim um aumento da espasticidade, ou seja, aumento
do tônus muscular que pode causar movimentos involuntários e dificultar os
movimentos normais de alguns músculos.
Além de facilitar muitas atividades, as roupas adaptadas são mais
confortáveis e colaboram para que a vida de portadores de deficiência se aproxime
cada vez mais da normalidade. Paulo espera que demais profissionais continuem
tendo a sensibilidade de perceber que existe um nicho de mercado enorme de
milhões de pessoas que também têm sonhos e são consumidores, tanto quanto os
demais.
4.1.2 Caso clínico
Diagnóstico médico: Traumatismo crânio-encefálico (lesões que atingiram a
calota craniana e a parênquima cerebral, produzindo sinais neurológicos, podendo
apresentar caráter transitório ou não transitório).
Diagnóstico terapêutico: hemiplegia espástica à esquerda.
Não apresenta movimentação ativa com seu membro superior esquerdo, faz
uso de bengala para deambular, campo de visão esquerdo reduzido.
81
4.2 Características dos pontos gravitacionais e seus ajustes
Foto 1 – Posicionamento da altura em relação
ao ponto de gravidade do cóccix
Fonte: Acervo próprio
A altura do plano sagital apresenta uma abertura com variação de 3 a 4
centímetros em direção ao solo. No caso da peça que veste a parte superior do
corpo (como, por exemplo, a camisa), partimos a medição do ponto gravitacional
nuca, em direção ao solo na posterior. Na parte da frente, guia-se pelo nariz em
direção ao umbigo em queda livre. Sua abertura é avaliada com base no cruzamento
gravitacional da região do cóccix com auxilio da transversal que corta o umbigo na
82
região da frente. Percebemos que a abertura do ângulo é aproximadamente de 3,5
graus, acontecendo sempre do lado inverso ao lado plégico, causando um ajuste na
altura do plano frontal sob o braço tanto na frente do corpo como na posterior.
Foto 2 – Paralela da altura sagitalbaseada
na orelha/mamilo
.
Fonte: Acervo próprio.
83
No caso da peça apresentar recortes laterais, conforme a foto, a altura
orelha/mamilo segue a mesma inclinação que o plano sagital.
Foto 3 – Medição em contorno da mão sã Foto 4 – Medição em contorno da mão direita)
plégica (esquerda). Fonte: Acervo próprio.
Fonte: Acervo próprio.
84
Foto 5 – Posicionamento para medição da mão plégica.
Fonte: Acervo próprio.
O punho de um indivíduo sadio, para fins de modelagem, deve seguir a foto 3,
contornando a mão fechada para maior mobilidade do punho. Já a foto 4 descreve o
posicionamento natural da mão plégica, respeitando-se a mobilidade espástica. Para
executar essa medição é necessário o apoio da mão sadia para manter o
posicionamento natural da mão, conforme foto 5.
85
Foto 6 – Medição do braço baseada no plano frontal, braço são (direito).
Fonte: Acervo próprio
86
Foto 7 – Medição do braço baseada no plano frontal, braço plégico (esquerdo).
Fonte: Acervo próprio.
87
No caso dos braços, a medição é feita com base no cruzamento do ombro
com o plano frontal, onde se localiza um ponto gravitacional. Neste sentido, a altura
parte em direção ao metacarpo em queda livre. A diferença acontece somente no
lado plégico, sendo que a variação fica em torno de 4 a 6 centímetros, com um
ângulo aproximado de 4,8 graus. A preocupação com a rotação da cabeça para o
lado inverso da plegia, o ombro em adução e rotação interna faz com que o decote
apresente uma abertura diferenciada do lado plégico com o lado sadio, para que em
momentos espásticos, apresente liberdade.
A cava pode utilizar metade da largura das costas como base de abertura no
sentido de comprimento, enfatizando que o homem tem o ombro largo e no caso do
Paulo, pela rigidez muscular, esta medida fica evidenciada. Pode-se considerar que,
no lado plégico, o comprimento é acrescido de meio centímetro e o arco da cava da
frente, na região peitoral, apresenta uma profundidade de 0,3 a 0,5 milímetros,
sendo maior que o lado normal, não interferindo nas técnicas comuns de
modelagens de manga. Ao aplicar-se esta técnica, a construção da peça torna-se
harmoniosa.
88
Foto 8 – Medição da altura do tronco e do abdome, plano
transversal perna sã (direita)
Fonte: Acervo próprio.
89
Foto 9 – Medição da altura do tronco e do abdome, plano
transversal perna plégica (esquerda).
Fonte: Acervo próprio.
90
No caso da perna esquerda ou direita, usa-se a paralela do plano sagital
tomando como média o alinhamento da orelha, mamilo, joelho e tornozelo. Partindo-
se do cruzamento da transversal do umbigo, em direção ao ponto antigravitacional
do tornozelo, dá-se a abertura de ângulo. O deslocamento do alinhamento na perna
da calça do lado plégico segue o alinhamento baseado na altura do centro.
Conforme foto 8, a altura segue num caimento natural, passando pelo joelho em
direção ao 3º metatarso. Na foto 9 percebe-se um desvio para o lado direito,
mostrando a preocupação com uma correção, formando um ângulo aproximado de
2,2 graus.
91
Foto 10 – Disposição da altura com base no cóccix
(ponto gravitacional)
Fonte: Acervo próprio.
92
Num corpo plégico estacionário, fica claro a diferença da inclinação com
formação de ângulo baseada no plano sagital (cóccix,) e no plano transversal.
Observa-se que a abertura do ângulo é maior na frente do que na região
posterior. Na maioria dos casos, a parte posterior apresenta angulação que deixa de
ser significativa pela condição de proeminência para frente dos membros.
No que diz respeito à boca da calça, segue-se um procedimento comum entre
perna direita e perna esquerda. Com o pé estendido, mede-se a largura da
circunferência na altura do calcanhar, resultando a largura mínima usual para uma
calça comprida, mantendo o cuidado da folga, pois o pé plégico sofre momentos
espáticos, devendo-se também levar em consideração o gosto do usuário.
4.2.1 Cálculos matemáticos para angulação
O ângulo referente à altura (H) e referente à abertura (L), podemos
representar pela seguinte fórmula matemática:
Arco tangente do ângulo Alfa = L/H
Sendo:
α = arc tg L/H
L = abertura da vertical.
H = altura
4.2.1.1 Cálculo matemático partindo do cruzamento da nuca com a transversal:
α = 6cm/1,48m
α = 2,32 graus
4.2.1.2 Cálculo matemático: camisa
α = 4cm/64cm
α = 3,57 graus
93
4.2.1.3 Cálculo matemático: manga esquerda
α = 6cm/72cm
α = 4,76 graus
4.2.1.4 Cálculo matemático: perna esquerda frontal
α = 4cm/1,04m
α = 2,2 graus
4.3 Aplicação das técnicas de modelagem.
Com base na modelagem comum, aplicam-se técnicas diferenciadas para a
modelagem do hemiplégico.
94
4.3.1 – Calça-frente
Figura 5 – Perna da frente direita sã e perna esquerda plégica
Fonte: Acervo próprio.
95
4.3.2 – Calça- Traseiro
Figura 6 – Perna traseira direita sã e perna esquerda plégica
Fonte: Acervo próprio
96
4.3.3 Bolso e Cós - Frente
Figura 7 – Componente da parte da frente
Fonte: Acervo próprio.
97
4.3.4 – Frente e costas da camisa
Costas D Costas E
F
I
O
R
E
T
O
Plégio E
Ponto gravitacional
nuca” dominante
P
l
a
n
o
S
a
g
i
t
a
l
C
Frente E
Plano Normal
Dobra
Plano Alterado - Paulo
Margem de abotoamento
Frente D
P
l
a
n
o
S
a
g
i
t
a
l
C
Figura 8 – Frente e costas da camisa
Fonte: Acervo próprio.
98
4.3.5 – Modelagem da manga esquerda e direita
Manga Direita
Costas Frente
Frente
Costas
Manga Esquerda
Figura 9 - Modelagem da manga esquerda e direita
Fonte: Acervo próprio
99
4.3.6 – Visão plana do modelo da camisa
Figura 10 – Visão plana do modelo da camisa
Fonte: Acervo próprio.
100
4.3.7 – Visão plana do modelo da calça
Figura 11 – Visão plana do modelo da calça
Fonte: Acervo próprio
101
4.4 Fotos das peças confeccionadas
Foto 11 – Modelo tecido segunda pele antialérgico
frente da calça.
Fonte: Acervo próprio.
102
Foto 12 – Modelo tecido segunda pele antialérgico costas.
Fonte: Acervo próprio.
103
Foto 13 – Deficiência do corpo e sua assimetria frente.
Fonte: Acervo próprio.
104
Foto 14 – Deficiência do corpo e sua assimetria costas.
Fonte: Acervo próprio.
105
Foto 15 – Tecido de algodão mostrando a simetria, frente,
fechamento em vélcro.
Fonte: Acervo próprio.
106
Foto 16 – Tecido de algodão mostrando a simetria, costas.
Fonte: Acervo próprio.
107
4.4.1 Considerações relevantes que interferem na modelagem.
Diante de detalhamentos, podemos caracterizar o vestuário de acordo com as
informações mencionadas e dividi-lo em grupos de acordo com a generalidade da
hemiplegia e subdividindo em planos.
Como podemos observar na figura abaixo, o centro de gravidade altera-se
para equilíbrio físico e, portanto, seus planos (que no corpo sadio demonstra a
bilateralidade) se alteram de acordo com a seqüela, favorecendo uma nova
definição.
Tornar o caimento e a qualidade da confecção bons e eficazes favorece o
corpo e são também características conceituais aplicáveis na indústria da confecção.
Testes feitos na confecção de camisas com tecidos inteligentes, de última
geração, têm mostrado que a peça tornar-se mais confortável e adapta-se mais à
temperatura do corpo enquanto que, em roupas clássicas, salientam a deficiência.
108
Figura 12 – A variação do ponto de gravidade do hemiplégico em marcha
Fonte: Grave (2004) – A modelagem sob a ótica da ergonomia.
109
Para obtermos sucesso no trabalho de modelagem, devemos ler as linhas do
corpo e as linhas do vestuário, adequando-as à sua finalidade. Para obtenção de um
bom resultado ergonômico, a execução do trabalho requer uma leitura simultânea
entre o corpo e o design da peça de vestuário, matéria-prima e seu objetivo
específico. Em contrapartida, equipamentos utilizados, dimensão de pontos,
quantidade de costura e dobraduras, permitirão que o vestuário fique mais ou menos
suave ao toque com o corpo.
Conhecer o plano sagital caracterizará não só o esquerdo e o direito do corpo
(antimeria), mas orientará a ação da articulação, indicando o lado plégico da face
para o caso de linha de produção do vestuário. Peças específicas para indivíduos
com esta patologia devem atender à classificação para uma linha de produção em:
1. Vestes respeitando o plano sagital, considerado pelas faces direita e
esquerda dos hemiplégicos.
2. No plano transversal, dividir o corpo em porções superior (cranial),
inferior (caudal), avaliar as necessidades de cada porção de acordo com
suas funções, dimensões e necessidades a que atendem.
3. O plano Frontal executa seu papel ao dividir o lado anterior do posterior,
facilitando a leitura das partes côncavas e convexas do corpo e do
vestuário.
Com base na modelagem de um corpo humano dentro da normalidade,
devemos reavaliar e executar alterações nos planos e linhas, dando o equilíbrio à
peça.
Caracterizar-se a descentralização do centro gravidade através da postura e
do movimento do corpo facilitará a leitura.
A combinação da gravidade do corpo com o tecido determinará o caimento e
a naturalidade do movimento do vestuário.
CONCLUSÕES
111
Na sociedade dos dias de hoje, há uma tendência cada vez mais marcante de
se incluir o indivíduo com deficiência física em todas as áreas sociais e profissionais,
como cidadãos ativos, produtivos e detentor de direitos. Em um mundo capitalista e
globalizado, tal fato poderá criar um novo nicho de mercado para a indústria da
moda. Partindo-se deste fato, este estudo buscou analisar o uso de roupas como
forma de comunicação não-verbal do corpo anatômico e fisiológico, como uma união
sistêmica de atividades orgânicas. O foco principal reside no fato de que se faz
necessário, por meio do desenvolvimento de roupas adequadas, não só
proporcionar o bem estar do deficiente físico, mas também atender às suas
necessidades básicas e diferenciais no que se referem à sua saúde. Desta forma,
facilita-se sua participação progressiva na sociedade. Para tanto, lança-se mão de
estudos avançados sobre a anatomia humana, de recursos tecnológicos de ponta na
evolução dos tecidos, acessórios e aviamentos, que acompanham as novas
necessidades decorrentes das atividades físicas, e de novas técnicas de confecção.
Ao se descrever diversas épocas e civilizações, com suas respectivas
transformações na forma de vestir, percebe-se que determinadas preocupações, em
determinadas épocas, praticamente existiam em nome do status e da beleza,
ficando a saúde em planos inferiores. Isto, para não se mencionar o plano social ao
qual o deficiente físico sempre foi relegado. Entretanto, ainda hoje e mesmo com a
evolução já alcançada da condição social deste segmento da sociedade, é visível a
falta de preocupação com a saúde do deficiente no que tange à vestimenta. Só se
faz necessário observar, ao se andar pelas ruas, as torções das roupas, as
descentralizações em relação ao eixo do corpo, aos seus movimentos ou mesmo
aos genitais no corpo plégico.
Buscou-se também mostrar o comportamento do indivíduo diante das
diferenças físicas, paralelamente às diferenças das peças, mais valorizadas pelo
design do que pela qualidade que ela oferece ao corpo que a recebe. Diante deste
fato, a única saída disponível ao indivíduo tem sido a de se adaptar às suas roupas
e não o inverso, como visto quando discorremos sobre a história da moda. A partir
de novos estudos, integrando conhecimentos e incluindo-se técnicas de composição
do vestuário (enquanto linguagem simbólica e artística), atribuem-se à confecção de
roupas valores como largura específica para interação dos músculos nas atividades
com base nas sinergias, conforme pudemos avaliar nos capítulos um e dois.
112
Parte-se do pressuposto que o vestuário é um referencial na evolução sócio-
cultural, percebendo-se que várias áreas (tais como a antropologia, sociologia e
filosofia) questionam o procedimento do indivíduo quanto a seu comportamento e
que, considerado sadio ou não, sofre discriminações.
Considerar a moda como uma forma de comunicação rápida levanta questões
relativas à educação. Quando se trata de inclusão social, a criação de novas
técnicas de confecção (que visem melhorar a qualidade de vida do indivíduo) implica
em desenvolverem-se métodos de fixação que favoreçam não só a aceitação, mas
como também a aplicação.
A maior preocupação com a moda e o “fashion” deve ser a visão de inclusão
como uma regra da sociedade em todos os campos. Isto porque a confecção de
roupas com técnicas detalhadas e apropriadas para faixas segmentadas de
deficiência física atende o conhecimento, fortalece o mercado, educa a sociedade,
propicia a qualidade de vida e cria novas bibliografias, que hoje são praticamente
inexistentes no mercado.
A preocupação não é somente com o design, mas com a união de
conhecimentos profundos da fisiologia e, conseqüentemente, da anatomia no
respeito à patologia, seqüelas e a hereditariedade, fechando-se um elo entre o
psicológico e o físico.
A dificuldade em encontrar roupas prontas para o deficiente, independente do
seu estilo, é grande, pois o mercado carece de mão de obra qualificada na
confecção de tais peças. Acredita-se que não há mercado e que as deficiências
devem ser tratadas isoladamente.
No decorrer deste estudo, percebe-se que as roupas podem ser direcionadas
a cada tipo de deficiência, respeitando-se suas seqüelas patológicas ou hereditárias.
Agrupando-se conforme idade, sexo, biotipo, planos de corpo, características e
necessidades da deficiência, formam-se subgrupos de vestimentas, com estudo
direcionado à frente e costas do corpo, esquerdo e direito, parte superior e parte
abdominal, respeitando-se os planos estudados pela anatomia em qualquer região
do corpo que necessite ser vestida, trabalhando a topologia e confeccionando-se
agrupamentos de peças.
Neste contexto, o consumidor deficiente tem a oportunidade de montar seu
vestuário voltado ao lado que está plégico e sadio, simultaneamente, pois, dentro
desta patologia, a angulação das alturas das peças está sempre dentro da mesma
113
variação, facilitando a aplicação da técnica para o mercado. Ele age tal qual
qualquer pessoa que, ao adquirir um traje de banho com tamanho menor em cima e
maior em baixo, resolve o problema que consideramos normais. Fica claro que, no
caso das roupas para o hemiplégico, dentro das técnicas oferecidas normalmente
em lojas especializadas ou não, surge uma nova visão tanto para o mercado como
para o usuário. Quanto à questão da moda, a roupa do hemiplégico detém uma
visão diferenciada; temos que cuidar do conforto e da qualidade de vida acima da
tendência da moda ou mesmo moda. Porém, este vestuário tem por obrigação fazer
a conexão entre ambos, quando detalhes da moda devem instalar-se na peça de
forma clara, pois é ele que proporcionará ao hemiplégico a sensação de atualidade e
de inclusão e participação em seu meio.
Diante do estudo de caso, percebe-se no depoimento de Paulo, no capítulo 4,
a valorização do indivíduo quando tratado como um consumidor normal, com grande
potencial de compra e tendo suas necessidades atendidas no que diz respeito ao
vestuário. Durante os 5 anos analisando o vestuário de Paulo, percebi que ocorrem
algumas alterações em seu físico quando pratica esporte, fisioterapia, ou quando
passa por bloqueios químicos. Seu comportamento muscular fica mais maleável ao
movimento, mas, mesmo assim, seu ponto de equilíbrio não se altera, e em algumas
ocasiões demonstrou sentir dores causadas pelas picadas da agulha quando
recebia remédios para tratamento, o que deixa a região com mais sensibilidade ao
toque das roupas.
Vale ressaltar que embora a indústria têxtil, em franco desenvolvimento,
apresente tecidos de última geração, ainda lhe falta uma visão global, deixando de
atender à uma fatia do mercado (que é crescente) no que diz respeito às
necessidades do deficiente, visto que o mesmo requer apenas um design clássico e
confortável para atender suas necessidades do dia-dia. A tecnologia do maquinário
utilizado para a confecção é moderna, porém ineficaz no que diz respeito à
montagem de peças para o deficiente. Este estudo mostra um cuidado especial com
a necessidade de largura e distância entre pontos variáveis, seguridade entre as
partes, maciez nos fios, costuras sem dobraduras ou sobreposições a fim de se
evitar possíveis lesões com fissuras profundas, perdendo a pele sua simetria e
aumentando sua falta de sensibilidade nas partes plégicas.
As peças de roupas comuns são elaboradas com diversas técnicas de
modelagem tais como cálculos centesimais e aplicação geométrica, mas sempre
114
apoiadas na antropometria, com base nas medições lineares e volumétricas que
permitem garantir uma simetria dentro de um modelo. Para corpos diferenciados,
além dos apoios das técnicas anteriores, devem ser aplicadas variações que
acompanhem as alterações às quais o corpo se expõe, diante da alteração à qual o
corpo se submete para manter-se em pé ou em movimento. Esta modelagem
seguramente apresenta uma mudança de visão quanto à técnica. Primeiramente,
têm-se as impressões de que tudo foi traçado de modo errado, tal o vício ao
lidarmos com corpos considerados iguais e normais. Quando um corpo apresenta
eixos diferentes, podemos considerar que existe uma torção (prejudicando os
movimentos e agredindo a pele) causada pelo uso de roupas comuns, situação esta
tão comum que muitas vezes passa despercebida. Em um corpo normal, esta roupa
não apresenta torção. Logo, conclui-se que a técnica considerada ruim para um
corpo normal é a técnica adequada para um corpo hemiplégico.
Quanto aos acessórios e aviamentos, o que o mercado oferece é
praticamente um acaso da moda, nada especificamente dirigido ao hemiplégico,
sendo que nem sempre o que se considera óbvio é eficaz como, por exemplo, o
caso do velcro: se não for utilizado na medida certa, pode causar úlceras e
vermelhões. Quanto à largura das peças, caso estas não respeitem a motricidade
comum, a espasticidade e as sensibilidades causadas pelos remédios, elas poderão
causar alterações de pressão arterial e estagnações no indivíduo.
Como resultado deste estudo, destaca-se que, na forma mais primitiva da
construção de roupas e na mais simples leitura humana (Dângelo e Fanttini,2003),
ler o corpo na sua integridade de massa e considerar as três leis de Newton
(velocidade, aceleração e massa) irá proporcionar um resultado coerente, que
atenderá à diferenciação dos corpos. Dentro da modelagem, cabe aqui a
necessidade fundamental de se ter noções básicas de física, além de anatomia,
propiciando ao indivíduo ergonomia que diz respeito àquilo que está mais próximo
dele mesmo: o vestuário.
Durante a apresentação das roupas no Reafashion (desfile com portadores de
deficiência física vestindo roupas especificamente para seu tipo de corpo), ficou
claro que a platéia não deficiente fisicamente perturba-se ao ver um deficiente físico
desfilar e que o olhar é muito mais de compaixão do que de respeito. Já os
portadores de deficiência presentes na platéia questionaram as peças e sua
adequação às diversas deficiências, deram sua opinião quanto à qualidade, o
115
conforto, os tecidos, os recortes, detalhes complementares à estética. Eles
demonstraram, claramente, um sentimento de igualdade do cidadão diante do
desejo de adquirir uma peça ou mesmo frente a uma vitrine, onde sua imagem frente
ao desejo de usar a roupa projeta automaticamente seu corpo dentro da roupa.
Por este motivo, foram apresentados dois modelos do mesmo sexo na
passarela: um era portador de deficiência física e o outro não, sempre de sexo
oposto para que não ficasse estabelecido o mesmo parâmetro referencial diante da
apresentação.
Como afirma Koda, curador da exposição Extreme Beauty: The Body
Transformed ( 2001, p.12), no século XX, além de Balenciaga, os criadores
japoneses subvertem a relação entre bonito e feio.¹
Com base não só na pesquisa como na convivência, fica evidente que o
portador de deficiência física deve ser tratado com igualdade e respeito dentro da
sociedade e que as preocupações com tudo que o cerca devem ser reavaliadas e
questionadas. Desta forma, iremos conseguir respostas que melhorem a visão da
sociedade e, conseqüentemente, criar uma cultura de reconhecimento da igualdade,
sem que haja discriminação de qualquer espécie.
1 “Like the work of many artists at the end of the twentieth century, the Japanese designers subvert the relationship of the
beautiful and the ugly.”
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124
ANEXOS
125
Anexo A – Declaração de Autorização de
uso de Imagem e Narrativa
126
Anexo B – Boletim de Ocorrência
127
ANEXO B – Boletim de Ocorrência
128
Anexo C – Relatório Médico
129
Anexo C – Relatório Médico
130
Anexo C – Relatório Médico
131
Anexo C – Relatório Médico
132
ANEXO D – Relatório de Evolução
Terapêutica
133
ANEXO E – Reportagem Jornal da tarde,
Datado de 22/02/2006
Livros Grátis
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