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outro lado, a técnica também possibilita que a platéia reflita sobre o seu próprio saber
que, por mais amplo e privilegiado que possa parecer, está sempre à mercê da
precariedade do conhecimento e da parcialidade do saber humano. De certa forma, as
peças surtiam o efeito de desnudamento daquilo que o espectador supõe ser e conhecer.
É essa a noção de Hamlet quando ele pede a Horácio: “Mostra-me um homem
que não seja escravo de suas paixões e eu o colocarei no centro de meu coração; sim, no
coração de meu coração...”.
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O príncipe sabe que o homem é sempre escravo de suas
paixões, e que nunca pode se livrar de seus desejos, de suas necessidades, de seus
interesses. Essa combinação de paixões determinaria, ou influenciaria de forma
contundente, as ações humanas e o modo de percepção do mundo.
A ironia dramática torna um espetáculo ambíguo e rico em significação, e
Shakespeare a emprega utilizando a técnica de desnível de informação, na concepção de
Hamlet, personagem que quer vencer a limitação inerente ao conhecimento humano, ao
mesmo tempo em que encarna a limitação da condição humana.
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48
SHAKESPEARE, 1996. p.258.
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A crítica shakespeareana possui vertentes destoantes em relação à encenação do príncipe após as
revelações do espectro. O raciocínio aqui será embasado na crítica que vê na loucura de Hamlet um
fingimento, dissimulação para disfarçar seus atos e distrair os demais sobre as armadilhas de sua
vingança. Crê assim Harold Bloom e o afirma em Hamlet: poema ilimitado. Além de ser mais crível, o
texto shakespeareano nos oferece pelo menos dois momentos para essa conclusão: o primeiro em que o
príncipe anuncia que terá um comportamento extravagante, quando pede às testemunhas da aparição do
espectro – Marcelo e Horácio – que jurem não dizer nada a ninguém, Hamlet afirma: “Mas, vinde, jurai,
como anteriormente, assim o céu vos ajude, que por muito rara e extravagante que seja minha conduta,
visto que, talvez, no futuro julgue oportuno afetar minhas maneiras ridículas, jurai, que ao ver-me em
semelhantes casos, nunca dareis a entender, [...] ou proferindo alguma frase enigmática como: ‘Bem,
bem, já sabemos’, ou então: ‘Se quiséssemos, poderíamos’ [...] ou outras quaisquer ambigüidades; nunca,
pois, dareis a entender que sabeis alguma coisa a meu respeito”. (SHAKESPEARE. Hamlet, príncipe da
Dinamarca. p.226-227). Noutro momento, por ocasião da encenação do “Assassinato de Gonzaga”,
Hamlet diz a Horácio: “Já estão chegando para a peça. Devo, novamente, aparentar loucura.” (Op. cit.
p.259). A partir dessas marcas textuais, a loucura de Hamlet será considerada aqui uma encenação para
distrair a todos quando necessário.
49
SHAKESPEARE, 1996. p.226-227.