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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO
RODRIGO SANTALIESTRA
A FORMAÇÃO DE REDES SOCIAIS ELETRÔNICAS E O PAPEL
ESTRUTURANTE DO SOFTWARE LIVRE DE CÓDIGO ABERTO:
o caso da Fundação Telefônica
SÃO PAULO
2007
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2
RODRIGO SANTALIESTRA
A FORMAÇÃO DE REDES SOCIAIS ELETRÔNICAS E O PAPEL
ESTRUTURANTE DO SOFTWARE LIVRE DE CÓDIGO ABERTO:
o caso da Fundação Telefônica
Dissertação apresentada à Escola de
Administração de Empresas de São Paulo
da Fundação Getúlio Vargas, como
requisito para obtenção do título de
Mestre em Administração de Empresas.
Campo de conhecimento:
Sistemas de Informação
Orientador: Prof. Eduardo Henrique Diniz
SÃO PAULO
2007
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3
Santaliestra, Rodrigo.
A FORMAÇÃO DE REDES SOCIAIS ELETRÔNICAS E O PAPEL
ESTRUTURANTE DO SOFTWARE LIVRE DE CÓDIGO ABERTO: o caso
da Fundação Telefônica / Rodrigo Santaliestra. - 2007.
106 f.
Orientador: Eduardo Henrique Diniz.
Dissertação (MPA) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo.
1. Software livre. 2. Redes de relações sociais. 3. Tecnologia da
informação – Aspectos sociais. 4. Redes de computação – Aspectos sociais.
I. Diniz, Eduardo Henrique. II. Dissertação (MPA) - Escola de Administração
de Empresas de São Paulo. III. Título.
CDU 681.324
4
RODRIGO SANTALIESTRA
A FORMAÇÃO DE REDES SOCIAIS ELETRÔNICAS E O PAPEL
ESTRUTURANTE DO SOFTWARE LIVRE DE CÓDIGO ABERTO:
o caso da Fundação Telefônica
Dissertação apresentada à Escola de
Administração de Empresas de São Paulo
da Fundação Getúlio Vargas, como
requisito para obtenção do título de
Mestre em Administração de Empresas.
Campo de conhecimento:
Sistemas de Informação
Data de aprovação:
____/_____/_______
Banca examinadora:
_________________________________
Prof. Eduardo Henrique Diniz (Orientador)
FGV-EAESP
_________________________________
Prof. Maira Petrini
FGV-EAESP
_________________________________
Prof. Rogério da Costa Santos
PUC-SP
5
“Computers are to computing as
instruments are to music. Software is the
score, whose interpretation amplifies our
reach and lifts our spirit. Leonardo da
Vinci called music ‘the shaping of the
invisible’, and his phrase is even more apt
as a description of software.”
Alan Kay, “Computer Software”
in Scientific American, setembro de 1984
“É necessária a aldeia inteira para
educar uma criança.”
Provérbio africano
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço à EAESP-FGV e seus professores, que permitiram que eu
tivesse contato com novos campos de conhecimento, expandido assim meus
horizontes e mudando minha forma de ver os diversos atores que compõem nosso
mundo e suas relações com a administração.
Ao professor e orientador Eduardo Henrique Diniz, por seus sábios
conselhos e sua generosidade ao me salvar em momentos cruciais em meio a tanto
trabalho.
Aos professores Moises Sznifer, Luiz Carlos Cabrera, Renato Guimarães
Ferreira, Cecília Whitaker Bergamini e Sigmar Malvezzi, por mostrar que a
Administração é feita por seres humanos e para seres humanos.
Aos professores Maira Petrini e Rogério da Costa pelas valiosas
contribuições à versão final desta dissertação.
À Fundação Telefônica, em especial Sérgio Mindlin, Gabriella Bighetti,
Cristina Boa Nova e Talita Montiel, pela confiança depositada em tantos momentos
de incerteza.
Ao Instituto Fonte, em especial Antonio Luiz, por conduzir com maestria o
grupo de trabalho e construir acordos sólidos entre participantes para a efetiva
construção de uma rede social.
Às oito cidades participantes do projeto, pela acolhida calorosa e pelo
belíssimo trabalho construído em meio a tantas dificuldades e restrições presentes
nos municípios desse nosso Brasil varonil.
Aos pais e mães dos milhares de crianças participantes dos projetos
sociais, por perceberem que seus filhos estão em uma sociedade de exclusão e que
a participação em grupos sociais é uma alternativa verdadeira de proporcionar-lhes
um futuro melhor e mais justo.
Aos meus pais, Eduardo Santaliestra e Maria Santaliestra, que me
ensinaram que o estudo e a dedicação são os melhores caminhos.
À Marcia Padilha, pela sua inteligência, sensibilidade e a certeza de que
somos capazes de construir um mundo melhor.
Ao Paulo Cérsar Lopes, por fazer as perguntas certas nos momentos
certos, e com isso mudar o leme do barco em busca de novos ventos.
Ao João Ramirez, Antônio Graeff, Renato Bolzan e Fabio Trentini, pelos
debates tecnológicos “out of the box”.
Aos amigos Denise Lotito, Andréa Buoro, Fernando Tomaselli e Marcio
Fontanella, pelo apoio e críticas construtivas a este trabalho.
A tantos outros professores e amigos que participaram dessa jornada e
que, direta ou indiretamente, estão presentes nas linhas e entrelinhas deste
trabalho.
Obrigado a todos vocês, pelo eterno ensinar, ensinar e ensinar.
7
Dedico esta tese ao meu filho
Artur Lotito Santaliestra que,
em seus três anos de idade, me
faz aprender cada dia a me
tornar um ser humano melhor.
8
RESUMO
Este trabalho apresenta um estudo sobre a criação de redes sociais eletrônicas e o
papel estruturante do Software Livre e de Código Aberto (SL/CA), a partir da
experiência do Projeto Rede de Atenção à Criança e ao Adolescente do Programa
Pró-Menino, da Fundação Telefônica. Para tanto, foi necessário caminhar por
diferentes áreas do conhecimento, para compreender os vários aspectos das redes
sociais eletrônicas e, com isso, construir uma visão multifacetada do problema. Esse
percurso foi construído ao longo de dez meses de trabalhos, com oito municípios do
Estado de São Paulo e com a Fundação Telefônica, até a criação de um software, a
partir da seguinte pergunta: “o que faz um software de rede eletrônica ter sucesso
por longo período?”. O trabalho possibilitou o entendimento de como o SL/CA pode
servir a redes sociais e das aprendizagens que ele pode propiciar-lhes, mostrando
que a gratuidade é apenas um de suas características. O SL/CA possui uma série de
aspectos que podem constituir elementos estruturantes da rede, seja no que diz
respeito aos modelos de produção de software propriamente, seja no que tange ao
gerenciamento de equipes de projetos com grande complexidade técnica em
comunidades geograficamente dispersas e sem controle hierárquico e, enfim, no que
tange aos aspectos de produção e distribuição de conhecimentos como bens
públicos.
Palavras chave: tecnologia, sistemas de informação, software livre, redes sociais,
redes eletrônicas, redes de apoio, modularização, componentização, inteligência de
negócios, arquitetura da informação
9
ABSTRACT
This work presents a study about the creation of electronic social networks and the
structuring role of Open Source and Free Software (OS/FS), from the experience of
the Rede de Atenção à Criança e ao Adolescente (Child and Teenage Support
Network) of the Pró-Menino Program from the Telefônica Foundation. It was
necessary to walk through different branches of knowledge in order to understand
the various aspects of electronic social networks, and, from there, build a
multifaceted view of the problem. This trajectory was built along ten months of work,
with eight cities in the State of São Paulo and with the Telefônica Foundation, until
the creation of a software, starting from the following questions: “what will be
considered a successful electronic network software for these cities?” and “what
makes a software like this have long-term success?”. The work enabled the
understanding of how OS/FS can assist social networks and the learning it may make
available, showing that gratuity is only one of its characteristics. OS/FS has a series
of aspects that may constitute structuring elements of the network, be it in respect to
software production models, be it in managing project teams with high technical
complexity on geographically scattered communities with no hierarchic control and,
finally, with respect to the aspects of production and distribution of knowledge as
public goods.
Keywords: technology, information systems, free software, social networks, electronic
networks, support networks, modularization, componentizing, business intelligence,
information architecture
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
ESQUEMA 1: CADEIA DE VALOR DO SOFTWARE PROPRIETÁRIO DE PRATELEIRA.........................................................33
ESQUEMA 2: CADEIA DE VALOR DO SOFTWARE PROPRIETÁRIO PERSONALIZADO.......................................................34
ESQUEMA 3: CADEIA DE VALOR DO SL/CA, RELEITURA DA ILUSTRAÇÃO .................................................................. 34
ESQUEMA 4: COMPARAÇÃO ENTRE UM PROCESSO LINEAR INDICADO PARA SISTEMAS SIMPLES E O PROCESSO
CÍCLICO-INCREMENTAL INDICADO PARA SISTEMAS COMPLEXOS .......................................................................40
ESQUEMA 5: ESTRUTURA DE CICLOS PRESENTE NA PESQUISA-AÇÃO ..........................................................................58
ESQUEMA 6: COMO OCORRE A APRENDIZAGEM EM DOUBLE-LOOP E SINGLE-LOOP ................................................... 61
ILUSTRAÇÃO 7: PÁGINA PRINCIPAL DO “AMBIENTE COLABORATIVO”, CUJA FUNÇÃO É COMPARTILHAR
INFORMAÇÕES E DIMINUIR OS CUSTOS DE COMUNICAÇÃO ENTRE AS CIDADES PARTICIPANTES DO PROJETO...68
ESQUEMA 8: VISÃO DO PROCESSO ACORDADA COM O GRUPO: 1) LEGITIMAÇÃO, 2) COLETA DE DADOS, 3) VISÕES
INDIVIDUAIS DO SOFTWARE, 3) CONSOLIDAÇÃO DOS REQUISITOS, 4) VISÃO UNIFICADA, 5) DEFINIÇÃO DA
ARQUITETURA, 6) CODIFICAÇÃO, TESTES E IMPLANTAÇÃO................................................................................68
ESQUEMA 9: CAMINHO DO PROCESSO, DESDE 1) COLETA DAS INFORMAÇÕES NAS INSTITUIÇÕES E INFRA-
ESTRUTURA EM CADA CIDADE (CÍRCULOS E QUADRADO ROXOS), 2) CONSOLIDAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
DAS VISÕES INDIVIDUAIS (V1 ATÉ V8), 3) CRIAÇÃO DE UMA VISÃO UNIFICADA............................................. 72
ESQUEMA 10: DIAGRAMA EM BLOCOS DA ARQUITETURA LAMP / WAMP E DO SOFTWARE DA REDE ELETRÔNICA
QUE SERÁ DESENVOLVIDO ................................................................................................................................... 74
ESQUEMA 11: DIAGRAMA EM BLOCOS REPRESENTANDO A MODULARIZAÇÃO DO SOFTWARE DA REDE ELETRÔNICA
CAPAZ DE PADRONIZAR PARTES ESTRUTURAIS, MAS MANTENDO AS ESPECIFICIDADES DE CADA INSTITUIÇÃO
PARCEIRA DA REDE SOCIAL..................................................................................................................................77
ESQUEMA 12: DIAGRAMA EM BLOCOS DA SOLUÇÃO MODULAR PARA SER ADOTADA EM DIVERSOS AMBIENTES,
DEPENDENDO DAS DIRETRIZES DE TECNOLOGIA DOS MUNICÍPIOS. OS COMPONENTES SÃO DESENVOLVIDOS E
INSTALADOS NA CAMADA SUPERIOR...................................................................................................................86
ESQUEMA 13: DIAGRAMA EXEMPLIFICANDO A ESTRUTURAÇÃO DAS INFORMAÇÕES, COLOCANDO AS
CARACTERÍSTICAS INTRÍNSECAS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO CENTRO, SUAS INTERAÇÕES COM A
SOCIEDADE NO ENTORNO E AS ESPECIFICIDADES NAS BORDAS. .........................................................................90
ESQUEMA 14: OS BLOCOS DA SOLUÇÃO E A ADESÃO DE PROFISSIONAIS E ENTIDADES EM DIFERENTES CAMADAS...96
ESQUEMA 15: OS DIVERSOS ATORES QUE COMPÕEM AS TRÊS REDES (SL/CA, REDE ELETRÔNICA E REDE SOCIAL) E
SEUS INTERRELACIONAMENTOS PARA FORMAR UMA ESPIRAL ASCENDENTE DE SUSTENTABILIDADE DO
PROJETO, ONDE AS TRÊS REDES CONQUISTAM EXTERNALIDADES POSITIVAS COM O RESULTADO UMAS DAS
OUTRAS. ............................................................................................................................................................... 97
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1: TIPOS DE APRISIONAMENTO E CUSTOS DE TROCAS A ELES ASSOCIADOS ..................................................31
QUADRO 2: LEVANTAMENTO DE INSTITUIÇÕES DO SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS
ADOLESCENTES.................................................................................................................................................... 45
QUADRO 3: LEVANTAMENTO DE INSTITUIÇÕES DO SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS
ADOLESCENTES.................................................................................................................................................... 46
QUADRO 4: SETE PONTOS-CHAVE DESTACADOS POR BASKERVILLE PARA GARANTIR BONS RESULTADOS NA
PESQUISA..............................................................................................................................................................58
QUADRO 5: SETE PONTOS DE RIGOR DESTACADO POR BASKERVILLE E PRESENTES NESTE TRABALHO......................64
QUADRO 6: CENÁRIOS DE POSSÍVEIS PROJETOS............................................................................................................76
QUADRO 7: PERGUNTAS CONSTRUÍDAS COLETIVAMENTE, A PARTIR DE UM PROBLEMA PRÁTICO A SER RESOLVIDO
..............................................................................................................................................................................84
QUADRO 8: CARACTERÍSTICAS IMPORTANTES DO FRAMEWORK E QUE PERMEIAM TODOS OS COMPONENTES...........87
QUADRO 9: FRAMEWORKS EM ANÁLISE. ......................................................................................................................87
QUADRO 10: COMPONENTES MAIS IMPORTANTES PARA A PRIMEIRA VERSÃO DO SOFTWARE ....................................88
QUADRO 11: ASPECTOS PROBLEMATIZADOS POR MEIO DA COMPARAÇÃO ENTRE AS EXPERIÊNCIAS ESTUDADAS .... 93
QUADRO 12: ELEMENTOS ESTRUTURANTES E SUAS IMPLICAÇÕES NO PROJETO..........................................................96
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................................................13
2 OBJETIVO.................................................................................................................................................16
3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................................................18
3.1 REDES SOCIAIS...........................................................................................................................................18
3.1.1 As redes na história recente do Brasil ................................................................................................ 18
3.1.2 Novas abordagens e conceitos: as redes sociotécnicas...................................................................... 19
3.1.3 As intersecções entre o social e a tecnologia nas redes..................................................................... 22
3.2 SOFTWARE LIVRE E DE CÓDIGO ABERTO ................................................................................................. 24
3.2.1 Bem público.......................................................................................................................................... 25
3.2.2 Incentivo e carreira.............................................................................................................................. 25
3.2.3 Processo produtivo e modularização .................................................................................................. 27
3.2.4 Liderança e governança....................................................................................................................... 29
3.2.5 Aprisionamento .................................................................................................................................... 30
3.2.6 Efeito rede e feedback positivo ............................................................................................................ 31
3.2.7 Modelo de negócio ............................................................................................................................... 32
3.2.8 Licença.................................................................................................................................................. 35
3.3 ENGENHARIA DE SOFTWARE .....................................................................................................................37
3.3.1 Especificação de requisitos de software.............................................................................................. 37
3.3.2 Gerenciamento de software ................................................................................................................. 39
3.3.3 Modularização ou componentização................................................................................................... 40
4 A RELEVÂNCIA DO CASO ESTUDADO...........................................................................................42
4.1 O MARCO LEGAL DO SISTEMA DE PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE.......................42
4.2 A FUNDAÇÃO TELEFÔNICA .......................................................................................................................46
4.3 O PROGRAMA P-MENINO .....................................................................................................................47
4.3.1 O que é o Pró-Menino.......................................................................................................................... 47
4.3.2 Aspectos relevantes do Projeto Rede de Atenção à Criança e ao Adolescente do Pró-Menino
(RA/Pró-menino) ................................................................................................................................................. 48
4.3.3 A avaliação da etapa de 1999 a 2005 ................................................................................................. 49
4.3.4 Inovações e expectativas do projeto para a nova etapa (ano de 2006)............................................. 51
5 METODOLOGIA .....................................................................................................................................55
5.4 ORIENTAÇÕES DA METODOLOGIA .............................................................................................................55
5.4.1 Campo ideal do método ....................................................................................................................... 55
5.4.2 Similaridades e diferenças entre pesquisa-ação e consultoria .......................................................... 56
5.4.3 O rigor em pesquisa-ação.................................................................................................................... 57
5.5 COMO A PESQUISA-AÇÃO É REALIZADA ....................................................................................................58
5.5.1 Infra-estrutura Cliente-Sistema (ou ambiente de pesquisa)............................................................... 59
5.5.2 Diagnóstico........................................................................................................................................... 59
5.5.3 Plano de Ação....................................................................................................................................... 59
5.5.4 Tomada de Ação................................................................................................................................... 59
5.5.5 Avaliação.............................................................................................................................................. 60
5.5.6 Especificando o aprendizado............................................................................................................... 60
6 PESQUISA-AÇÃO E O CASO ESTUDADO........................................................................................63
6.1 A ADEQUAÇÃO DA ABORDAGEM AO CASO................................................................................................63
6.2 OS SETE PONTOS-CHAVE NO CASO ESTUDADO..........................................................................................63
6.3 DEFINIÇÃO DO AMBIENTE DE PESQUISA ....................................................................................................64
6.4 DIAGNÓSTICO ............................................................................................................................................65
6.5 PLANO DE AÇÃO.........................................................................................................................................67
6.6 TOMADA DE AÇÃO .....................................................................................................................................68
6.6.1 Mogi das Cruzes................................................................................................................................... 69
6.6.2 São Carlos ............................................................................................................................................ 70
6.6.3 Diadema................................................................................................................................................ 72
6.6.4 Encontro extra focado em tecnologia.................................................................................................. 74
6.6.5 Bebedouro............................................................................................................................................. 75
12
6.6.6 Araçatuba ............................................................................................................................................. 79
6.7 AVALIAÇÃO ...............................................................................................................................................79
6.8 APRENDIZADO............................................................................................................................................81
6.8.1 Sobre perguntas ideais......................................................................................................................... 82
6.8.2 Sobre a especificação de softwares..................................................................................................... 84
6.8.3 Sobre o software a ser desenvolvido ................................................................................................... 85
6.8.4 Sobre a arquitetura da informação e a inteligência da informação.................................................. 88
6.8.5 Sobre a importância do SL/CA ............................................................................................................ 91
6.8.6 Resultado esperado com o novo projeto ............................................................................................. 94
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................................95
7.1 CONTRIBUIÇÃO DESTE TRABALHO ............................................................................................................99
7.2 LIMITAÇÕES DO ESTUDO..........................................................................................................................100
7.3 SUGESTÕES PARA ESTUDOS FUTUROS .....................................................................................................100
8 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................102
13
1 INTRODUÇÃO
Logo após a aprovação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente),
em 1990, foram definidos três aspectos estratégicos para tirar o Estatuto do papel:
gerar a legislação necessária para municípios, estados e União cumprirem o
Estatuto; melhorar a atuação das organizações de atendimento direto a crianças e
adolescentes; reordenar as instituições existentes como a Febem e criar os
Conselhos Municipais e Tutelares
1
.
Antônio Carlos Gomes da Costa conta que esses pontos foram
acordados:
[...] durante dois dias de intensa e exaustiva reflexão [...] no UNICEF, [em]
uma reunião dos principais envolvidos na iniciativa. Eram pessoas ligadas
ao movimento social, às políticas públicas e ao mundo jurídico.
(FUNDAÇÃO TELEFÔNICA, 2006, p.4).
A implantação do Estatuto vem ocorrendo em um ritmo muito aquém do
necessário para garantir os direitos básicos de nossos milhões de crianças e
adolescentes. No entanto, é preciso compreender os enormes desafios e
dificuldades para a implantação do ECA. Felizmente, somaram-se àquele grupo
pioneiro de 1990, inúmeros outros grupos e atores sociais que compreenderam a
importância do tema da infância e da adolescência e a necessidade de agir em rede
para a garantia de seus direitos, tal como previsto no Estatuto.
Ainda no contexto de reconstrução da nossa democracia, muitos outros
grupos sociais se organizaram em redes, em torno de idéias, identidades e causas.
Desde o início dos anos 1990, novas redes sociais surgiram e, depois, redes de
redes, constituindo um movimento rico e desafiador, que tem envolvido cada vez
1
“No Estatuto da Criança e do Adolescente, uma das diretrizes da política de atendimento (Artigo 88, inciso II) é a criação de
conselhos municipais e estaduais dos direitos da criança e do adolescente. Esses conselhos devem ser paritários: compostos
numericamente por metade de representantes do governo e metade de representantes de organizações da sociedade civil, têm
assegurada a participação popular. Devem deliberar e decidir sobre os rumos, as prioridades e a destinação de recursos para a
política de atenção à infância e juventude no seu âmbito de atuação.”
“O Conselho Tutelar [é um] órgão permanente, autônomo e não jurisdicional (que não integra o Judiciário) encarregado pela
sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. O Conselho Tutelar é constituído por cinco
membros escolhidos pelos cidadãos de cada município, para um mandato de três anos, admitida uma recondução. A principal
função do Conselho Tutelar é a garantia dos direitos das crianças e adolescentes estabelecidos no ECA. Suas atribuições
estão definidas no artigo 136 do ECA. Cada município brasileiro deverá ter, no mínimo, um Conselho Tutelar.”
“O Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente [é uma] concentração de recursos provenientes de várias fontes que se
destina à promoção e defesa dos direitos desses cidadãos. Existem fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos
respectivos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente.” Cf. RISOLIDÁRIA. [online]. <
http://www.risolidaria.org.br/glSL/CAario/glSL/CAario/cons_dir.jsp> Acesso em: 18/01/2007.
14
mais pessoas, e que vem criando novos padrões de relação entre sociedade civil e
Estado.
Priorizando a horizontalidade das relações, a negociação entre atores e a
colaboração, essas redes estão inseridas em um novo contexto dos movimentos
sociais no Brasil. As redes sociais ganharam força. Acumularam experiência,
reflexão teórica e conquistas que lhes deram relevância no campo social e político,
assim como geraram teorias, conceitos e reflexões para um novo e importante
campo de estudos acadêmicos e teóricos.
Mas, de que forma a tecnologia, a Internet e, mais especificamente o
SL/CA
2
se inserem nesse contexto?
As redes eletrônicas de apoio à comunicação, troca e compartilhamento
de conhecimento, criadas com a disseminação da Internet, têm sido um elemento
muito importante na sustentação das ações das redes sociais e tornaram-se um fator
de facilitação para elas. Ao mesmo tempo, trazem grandes desafios: como organizar
redes eletrônicas, diminuir seus custos, garantir o uso e a adesão?
Nesse contexto, redes sociais colaborativas de desenvolvimento e
compartilhamento de códigos de softwares – as comunidades SL/CA – começaram a
despertar interesse. Trata-se de redes organizadas exclusivamente pela Internet,
com dimensões planetárias e que têm apresentado resultados efetivos e cada vez
mais maduros e confiáveis. Além do fato de ser um exemplo do potencial dessa
forma de organização, possuem vários aspectos de interesse para as demais redes
sociais. O primeiro deles é a redução de custos com softwares de troca de
informação, de comunicação e de colaboração, essenciais para a sobrevivência de
qualquer rede social no mundo globalizado. O aspecto da colaboração também é
bastante valorizado pelos movimentos sociais, do ponto de vista de seus ideários e
princípios.
No entanto, a partir do caso Pró-Menino, foi possível observar que o
SL/CA pode constituir, na verdade, um elemento estruturante para a superação de
alguns dos desafios mais comuns às redes sociais eletrônicas e presenciais, tais
2
Adotamos o uso da sigla SL/CA para designar o software livre e de código aberto, pois esse é o termo que remete mais
precisamente à dupla condição desses softwares. A característica de liberdade (do inglês free) não remete à gratuidade,
mas, sim, às quatro liberdades de: executar o programa para qualquer finalidade e a qualquer momento; estudar o programa
e modificá-lo; distribuir cópias do programa; melhorar o programa e publicar as melhorias. Para que essas liberdades sejam
exercidas, o código deve, necessariamente, ser aberto, ou seja, acessível para estudo. Assim, o termo SL/CA traz em si
todo o conjunto de condições definido nesse tipo de licença de uso. Note-se que podem existir licenças de uso em que o
código é aberto, mas não pode ser modificado livremente ou gratuitamente. Também pode haver licenças em que há
liberdade de execução, mas não de alteração, por exemplo. Na licença prioritária, nenhuma dessas liberdades está presente
e, normalmente, o código é fechado, embora possa ser aberto em alguns casos.
15
como: manutenção do entusiasmo e interesse inicial, troca constante de informação,
produção de conhecimento, mecanismos de gestão (GUARNIERI, 2004).
Esta dissertação é um registro das reflexões e soluções advindas do
processo, que procura traçar um percurso para o entendimento de como o SL/CA
pode servir a redes sociais e das aprendizagens que ele pode propiciar-lhes. Espero
que ela possa ser um retorno ao grupo sobre as aprendizagens acumuladas no
processo, juntando teoria à prática de forma mais aprofundada e sistematizada do
que a realizada ao longo dos dez meses de nossos trabalhos e, também, tornando
públicas as aprendizagens e soluções encontradas, de modo que outros municípios
e redes possam delas se beneficiar.
16
2 OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é estudar características favoráveis de softwares
para redes sociais eletrônicas de atendimento à criança e adolescente e o papel
estruturante do SL/CA nesse processo, a partir da experiência do Projeto Rede de
Atenção à Criança e ao Adolescente do Programa Pró-Menino (RA/Pró-menino)
3
, da
Fundação Telefônica.
Para explicitar o papel estruturante do SL/CA nessas redes, abordaremos
tantos aspectos de engenharia de software presentes, como características de
governança próprias das comunidades de desenvolvimento do SL/CA que incluem
aspectos de gestão e de liderança.
Para tanto, foi necessário caminhar por diferentes áreas do conhecimento,
sem as quais não seria possível compreender os vários aspectos das redes sociais
eletrônicas e, com isso, construir uma visão multifacetada dos desafios que tais
redes representam e das vantagens de sua organização em torno dessas
comunidades.
O primeiro aspecto estudado foi a natureza das redes sociais, tanto do
ponto de vista de sua recente história no contexto brasileiro, como do ponto de vista
de sua relação com as redes eletrônicas por meio do conceito de rede sociotécnica.
Também foi necessário compreender a relação dessas redes com as políticas
públicas para o atendimento de crianças e adolescentes nos municípios brasileiros,
que começaram a ser implantadas a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente
no final dos anos 1980.
O segundo ponto estudado foram os aspectos operacionais, econômicos,
organizacionais, estratégicos e de negócio próprio das redes eletrônicas de
desenvolvimento de SL/CA, denominadas “Comunidades Open Source”.
O terceiro aspecto estudado, de ordem tecnológica propriamente, diz
respeito à engenharia de software, área do conhecimento que está em plena
ebulição devido às grandes mudanças tecnológicas vivenciadas nas últimas três
décadas.
Esse caminho foi construído ao longo de dez meses de trabalhos dos oito
municípios, da Fundação Telefônica e das consultorias, organizado sob as
3
Utilizaremos a sigla RA/Pró-Menino para especificar essa frente de ação do Programa, diferenciando-a tanto de suas demais
ações (cf. Parte 4.3 desta dissertação), como das redes de atenção nos municípios, sejam eles participantes ou não do Projeto.
17
premissas de participação e de aprendizado coletivo da pesquisa-ação, e constituiu
um percurso de aprendizagens necessárias até a criação de um software, a partir
das seguintes perguntas: “o que será considerado um software de rede
eletrônica de sucesso para esse grupo de municípios?” e “o que faz um
software como esse ter sucesso por longo período?
18
3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
3.1 Redes sociais
3.1.1 As redes na história recente do Brasil
As redes sociais representam um importante aspecto das relações entre
sociedade civil e Estado e fazem parte dos esforços pela democratização do país,
empreendidos por amplos setores desde o final da ditadura militar. Trata-se,
portanto, de um movimento social significativo, com implicações em nossa estrutura
de relações sociais e, inclusive, em doutrinas jurídicas como no caso do tema da
infância.
Do ponto de vista da história recente do Brasil, Inojosa aponta o
surgimento das redes sociais no “[...] tríplice movimento de redução da demanda do
Estado, de reencaixe da solidariedade na sociedade e de produção de uma maior
visibilidade social.” (INOJOSA, 1999, p. 7)
A autora menciona a adesão às redes como uma forma de organização
social frente à “percepção de um problema que rompe ou coloca em risco o
equilíbrio da sociedade ou as perspectivas de desenvolvimento social” (INOJOSA,
1999, p. 3)
Carvalho (2007) lembra que, no Brasil, a idéia de rede não é algo novo.
Redes de saúde, de educação são termos antigos na estrutura do Estado. No
entanto, a autora mostra que uma nova idéia de rede, ligada a movimentos da
sociedade civil e a um novo modo de cidadãos se relacionarem com o Estado,
começa a surgir e a tomar corpo após o final da ditadura militar:
A democracia, a descentralização, a municipalização das ações públicas
compõem a base desta mudança substantiva. A governança e
governabilidade pública exigem hoje a participação dos diversos sujeitos do
fazer social: o Estado, a sociedade civil, a iniciativa empresarial (o
mercado), a comunidade e o próprio público-alvo da ação pública.
(CARVALHO, 2007, p. 4)
A autora menciona o surgimento de leis que procuram regular novas
formas de participação e que criam, por exemplo, diversos tipos de conselhos nos
níveis municipal/estadual e nacional. Os conselhos tutelares e municipais criados no
contexto do ECA fazem parte dessa “nova cultura no fazer social público”
19
(CARVALHO, 2007) e representam uma tentativa de superação de mecanismos
tradicionais de representação e de participação da sociedade civil nas sociedades
democráticas.
Martinho (2007) lembra que é por volta do início dos anos 1990 que o
conceito de rede é mais amplamente disseminado na área social. É também nessa
época que surgem práticas e reflexões que têm a rede como parâmetro de ação e
organização. O autor aponta a ECO 92 como um momento em que o conceito de
rede começa a ser utilizado no Brasil, especialmente por grupos ambientalistas
familiarizados com o uso do conceito pela Nova Biologia para explicar o
funcionamento da natureza (MARTINHO 2005). Desde então, o conceito vem
ganhando adesão das organizações sociais, que passaram a adotar os princípios da
rede como forma de organização de seus trabalhos.
3.1.2 Novas abordagens e conceitos: as redes sociotécnicas
Do ponto de vista conceitual, estudos que definem e classificam as
redes sociais de diversas formas e com diversos critérios, o que torna o tema
bastante extenso. No entanto, vamos nos limitar ao tema das relações entre redes
sociais e tecnologia de redes eletrônicas.
Ao revisar a tradição de estudos sobre redes sociais desde 1930 na
literatura acadêmica internacional, Aguiar (2006) aponta a necessidade de novos
estudos cujo foco seja:
[...] os processos de ‘enredamento’ e os fatores que influenciam as
dinâmicas das redes (objetivos táticos e estratégicos, perfil dos
participantes, competência técnica requerida, recursos financeiros e
recursos tecnológicos, ‘cultura’ organizacional etc.). (AGUIAR, 2006, p. 8).
A autora aponta a relação desses estudos com as reflexões sobre o
pensamento relacional, a perspectiva da complexidade, o referencial de escala (da
comunidade para o global), as teorias do contágio e da proximidade, contrapondo-os
aos estudos estruturalistas predominantes até os anos 1970/1980. Aguiar lembra
que, mais do que as estruturas, são as dinâmicas entre os elementos de uma rede
que caracterizam sua natureza:
- mais do que estruturas de relações, as redes sociais são métodos de
interações [...];
20
- Isto significa que os elementos que compõem sua estrutura são
indissociáveis de sua dinâmica (freqüência, intensidade e qualidade do fluxo
entre os nós. (AGUIAR, 2006, p. 12, grifo nosso).
Aguiar ressalta que o conceito de redes sociotécnicas permite entender
que as relações pessoais presenciais são tão importantes quanto às estruturas e
dinâmicas que acontecem por meio de dispositivos eletrônicos na Internet
4
.
Embora o crescimento e a extensão das redes sociais nos últimos dez anos
possam ser atribuídos, de forma significativa, à disseminação da Internet
comercial, a abordagem aqui proposta leva em conta também os “elos
invisíveis” através dos quais circulam informação e conhecimento,
permitindo a expansão da rede para além dos meios digitalizados, das
instituições legitimadas e dos detentores de poder. Esse tipo de abordagem
é fundamental em contextos do alto grau de infoexclusão, como nos países
da América Latina, Caribe e África, ou mesmo nos “bolsões de pobreza” dos
países ricos. (AGUIAR, 2006, p.16, grifo nosso).
Na esteira da abordagem sociotécnica, Aguiar aponta dois temas de
nosso interesse: (1) a organização e disponibilidade das informações de interesse
público (e-governo, democracia eletrônica); (2) os novos paradigmas do trabalho
colaborativo e de conhecimento compartilhado, implícitos nos modelos de SL/CA e
copyleft.
No mesmo sentido, Warschauer aponta a importância de uma visão que
capte “o entrelaçamento ecológico entre tecnologia e sociedade” (2006, p. 273).
Para o ele:
[...] os domínios tecnológico e social estão muito entrelaçados, e,
continuamente, co-constituem um ao outro de diversas maneiras. Essa co-
constituição ocorre dentro das organizações, das instituições e da
sociedade em geral. (WARSCHAUER, 2006, p. 275, grifo nosso).
Warschauer relata como, a partir dos anos 1970, na Universidade da
Califórnia, em Irvine, o conceito de rede sociotécnica surgiu em estudos sobre TICs
5
e organizações como entidades governamentais, fábricas, escolas, escritórios.
Naquela universidade, o conceito de rede sociotécnica foi precedido pela noção de
pacote, em detrimento à de ferramenta, o que significava a superação da idéia da
informática como conjunto de meros dispositivos físicos:
4
A autora refere-se à abordagem muito difundida de Manuel Castells que, segundo ela, exagera no papel dado à rede mundial
de computadores como elemento estruturante de redes.
5
TIC – Tecnologia de Informação e Comunicação.
21
[...] o pacote não inclui apenas hardware e software, mas também um
conjunto diverso de habilidades, algumas unidades organizacionais para
suprir e manter os serviços e os dados baseados em informática, e certos
conjuntos de crenças a respeito de por que a informática é boa e de como
pode ser usada com eficácia. Muitas dificuldades que os usuários enfrentam
na exploração dos sistemas baseados em informática estão na maneira pela
qual a tecnologia se integra em um complexo conjunto de relacionamentos
sociais. (KLING e SCACCHI
6
, apud WARSCHAUER 2006, p. 276, grifo
nosso).
Mais familiarizado com os problemas de desenvolvimento em informática
e com seus impactos em instituições de diversas naturezas, as considerações de
Warschauer apontam as implicações do conceito de rede sociotécnica no
planejamento dos projetos de desenvolvimento de TICs.
A tabela abaixo resume os diferenciais que o modelo sociotécnico uma
abordagem mais complexa da idéia de “pacote” – traz para a análise das TICs.
Modelos-padrão
A TIC é uma ferramenta
A TIC é uma rede sociotécnica
Um modelo empresarial é suficiente
Uma visão ecológica também é necessária
As implantações da TIC são feitas todas
de uma vez
As implantações da TIC são um processo social
contínuo
Os efeitos tecnológicos são diretos e
imediatos
Os efeitos tecnológicos são indiretos e envolvem
escalas de tempo diferentes
As opiniões políticas são ruins ou
irrelevantes
As opiniões políticas são essenciais e até
habilitadoras
Os estímulos à mudança não são
problemáticos
Os estímulos podem requerer reestruturação (e
podem estar em conflito).
Os relacionamentos são facilmente
reformados
Os relacionamentos são complexos, negociados,
polivalentes (incluindo confiança)
Os efeitos sociais da TIC são grandes,
mas isolados e benignos
É possível haver grandes repercussões sociais a
partir da TIC (não apenas qualidade de vida do
trabalho, mas qualidade total de vida)
Os contextos são simples (alguns termos
ou contextos demográficos-chave)
Os contextos são complexos (por exemplo,
matrizes de negócios, serviços, pessoas,
tecnologia, história, localização)
O conhecimento e a expertise são
facilmente explicitados
O conhecimento e a expertise são inerentemente
tácitos/implícitos
A infra-estrutura de TIC é plenamente
sustentável
São necessárias habilidades e iniciativas
adicionais para fazer a TIC funcionar
Tabela 1: Modelos padrão versus modelos sociotécnicos.
Fonte: WARSCHAUER 2006, p. 277
6
R. Kling & W. Scacchi, “The Web of Computing: Computer Technology as Social Organization”, in M. C. Yovits (org.),
Advances in Computers, vol. 21 (Nova York: Academic Press, 1982), p.6
22
A partir dessa concepção sociotécnica, Warschauer (2006) critica a visão
“determinista” de tecnologia, segundo a qual as tecnologias têm um impacto na
sociedade e que sustenta, por exemplo, investigações sobre o impacto da televisão
nas crianças ou o impacto da informática no aprendizado. Para ele, é preciso
analisar o papel dessas tecnologias em contextos sociais, e não seus impactos, uma
vez que não são elementos separados entre si.
um complexo relacionamento mutuamente desenvolvido entre a
tecnologia e as estruturas sociais mais amplas, que não pode ser reduzido a
uma questão da existência de tecnologia no exterior e exercendo uma força
independente. (WARSCHAUER, 2006, p. 271)
O autor também critica abordagens neutralistas - ou instrumentais - que
vêem a tecnologia sem nenhum conteúdo ou valor específico, podendo servir a
qualquer propósito. Warschauer mostra como cada tecnologia carrega valores e
crenças baseadas em sua história e idealização que determinam, de antemão, quais
grupos e sistemas sociais podem mais se beneficiar dessa tecnologia
7
(2006, p.
272).
3.1.3 As intersecções entre o social e a tecnologia nas redes
Quanto à tipologia das redes sociais contemporâneas, Martinho (2007)
menciona redes operacionais, redes temáticas, redes de estudos e de pesquisas,
redes para busca e oferta de recursos e vários outros tipos e finalidades. Mas o
autor lembra que “A interligação entre indivíduos não garante a existência da rede. É
preciso que a interligação ocorra de forma específica: horizontalmente.”
(MARTINHO, 2007, p. 2)
Mais do que listar tipologias e classificações de redes na literatura sobre o
tema, para os fins deste estudo interessa lembrar características e necessidades das
redes sociotécnicas encontradas nos diversos autores consultados. São elas:
objetivos ou causas comuns aos participantes;
7
O computador pessoal e a Internet, criados por norte-americanos com o padrão de codificação dos caracteres ASCII
(American Standard Code for Information Interchange), não permitiam a representação de tremas (muito utilizadas no leste
europeu) ou de símbolos do alfabeto não-romano. Mais tarde, o sistema UNICODE, mais flexível, permitiu a utilização desses
caracteres. Do mesmo modo, a metáfora do escritório (arquivos e pastas) usada nos ícones do Windows é mais acessível a
pessoas com determinada experiência prévia. Outras metáforas possíveis, como uma cozinha ou uma fazenda, tornariam a
metáfora amigável a outros grupos sociais, por exemplo.
23
convivência com o diferente (tempos, atores, culturas e processos
heterogêneos);
circulação de informações ;
produção de conhecimentos;
articulação;
participação;
colaboração;
cooperação;
horizontalidade nas relações e não-hierarquização;
socialização do poder;
negociação.
Interessado nos desafios que essas características representam, Martinho
destaca a importância da informação para qualquer rede social, quando diz que toda
rede é, necessariamente, uma rede de informação:
Geralmente, redes se constituem para trocar ou buscar informação e,
especialmente, para distribuí-la esta é a sua grande propriedade. Elas
também servem para identificar oportunidades ocultas aos processos
tradicionais, para captar recursos, para organizar ações e
empreendimentos, para atuar sobre políticas públicas [...] (MARTINHO,
2007, p. 3)
Desse modo, a relação entre a Internet e as redes sociais vem se
tornando cada vez mais estreita e estudos mostram outros desdobramentos daí
decorrentes. Carvalho aponta a importância do acesso às TICs como possibilidade
de “velocidade, interatividade e pró-atividade dos agentes e organizações que se
movem na rede” (CARVALHO, 2007, p. 1). Almeida ressalta três “grandes virtudes”
da Internet que se relacionam com princípios, propósitos e características das redes
sociais:
a - Ninguém é dono: [...] ela é um acordo, não uma coisa. A Internet não
está no domínio público: ela é um domínio público.
b - Todos podem usá-la: [...] independentemente de todo o aparato
tecnológico necessário para estar ligado à grande rede, não existe um
‘administrador de sistemas’ que se digne a deixá-lo participar.
c - Qualquer um pode melhorá-la: Qualquer um pode fazer da Internet um
espaço de expressão. (ALMEIDA, 2007, p. 3)
24
Inojosa levanta outros aspectos da Internet que fazem dela um modelo de
referência para as redes sociais:
Ela é virtual e sua composição é dinâmica. Existe quando articula entes
indivíduos e instituições, de caráter público ou privado que nela ingressam
por livre opção e pelo tempo que desejarem. Tem a cada momento uma
configuração distinta. Parece que seu maior atrativo diz respeito às
evidentes vantagens de custo/benefício para os que a ela aderem com o
objetivo de adquirir e/ou divulgar informações. (INOJOSA, 1999, p. 3)
Todos os autores mostram uma importante intersecção entre os modos de
ser da Internet e das redes sociais. E é nesse contexto que o movimento do SL/CA
se destaca, uma vez que, tendo surgido e se organizado na Internet, apresenta
várias características de interesse para as redes sociais, conforme seguiremos
apontando.
3.2 Software Livre e de Código Aberto
Antes de se tornar um fenômeno econômico e social significativo (HIPPEL
E KROGH 2003), os projetos de SL/CA estavam mais circunscritos a centros
acadêmicos e de tecnologia. Nas décadas de 1960 e 1970, a Universidade da
Califórnia (Berkeley) e o Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), assim
como as empresas AT&T Bell Laboratories e Xerox Palo Alto Research Center
para citar aqui alguns desses ambientes –, reuniam pesquisadores que davam início
ao que, anos depois, resultou no movimento SL/CA.
Naqueles tempos, os pacotes de programas de computador eram uma
raridade. Para atender às próprias necessidades, os programadores tinham que
escrever os códigos de que necessitavam e tornou-se comum a troca de
informações e de códigos entre eles. Após a versão inicial de um programa, o código
fonte ficava disponível para ser utilizado e modificado por outros, gratuitamente, o
que se tornou um comportamento comum na “cultura hacker”
8
(HIPPEL E KROGH
2003).
Esse conjunto de regras deu origem ao tipo de licença de software que
viria a definir o SL/CA. Independente de como e por quem foi desenvolvido, o que
caracteriza o SL/CA é um tipo de licença em que o código fonte não fique restrito à
8
Em comunidades de programadores de código aberto, "hacker" é um termo positivo, aplicado à programadores talentosos e
dedicados (HIPPEL E KROGH, 2003, p. 9).
25
empresa ou grupo de pessoas que o criou, possibilitando que qualquer pessoa com
habilidades de programar use e modifique o software conforme suas necessidades e
desejos. O oposto ocorre no caso de softwares proprietários.
Na licença GPL (General Public License), a mais usual ainda hoje, o
usuário concorda em não impor restrições de licença a terceiros e concorda em
licenciar nos mesmo termos todas as melhorias do código e as partes desenvolvidas
separadamente que se misturarem ao software. A versão oficial do software fica sob
a responsabilidade dos programadores que o desenvolveram inicialmente e o seu
gerenciamento é de responsabilidade de um único líder ou é rotativo entre os
principais desenvolvedores. As contribuições que esses projetos recebem de
diversas partes devem ser disponibilizadas para acesso público (LERNER E
TIROLE, 2001).
Uma série de características do SL/CA fazem dele um dos fenômenos
mais importantes em termos de produção de software e de funcionamento de redes
sociais. A partir de aspectos relevantes para o RA/Pró-menino, discutiremos oito
dessas características.
3.2.1 Bem público
Weber (2004) destaca que o SL/CA é um bem público, não excludente e
não rival. Conforme detalha Pindiky (2002), são bens não excludentes, porque
ninguém está privado do direito de consumi-los; são bens não rivais, porque seu
consumo por parte de alguns não diminui a quantidade total do bem disponível a
outros. Weber lembra que, diferentemente de alguns bem públicos presentes na
natureza, como o ar, por exemplo, o SL/CA não nasce espontaneamente. Ao
contrário, ele precisa ser feito por pessoas qualificadas e criativas.
3.2.2 Incentivo e carreira
Weber lembra que o SL/CA é feito com a dedicação de profissionais que
se organizam para trabalhar no desenvolvimento de códigos de forma voluntária e
colaborativa ao redor do mundo e atribui às pessoas e às empresas a definição das
regras de SL/CA tal como vimos hoje:
26
[...] as pessoas e as instituições determinam as formas particulares que o
conhecimento e os direitos de propriedade ao seu redor são estruturados.
Nós iremos criar muitas coisas novas neste espaço tecnológico, e podemos
organizar a criação dessas coisas da maneira que quisermos. (WEBER,
2004, p.132, tradução nossa)
Assim, o autor procura entender as razões que levam esses indivíduos a
contribuir com essa “provisão coletiva de bens não-rivais e não-excludentes” (2004,
p. 133). Diferentemente do que apontam alguns trabalhos, não acredita em
engajamento no por voluntariado no SL/CA, por hobby ou simples diversão:
Se o altruísmo fosse a principal motivação por trás do open source software,
ninguém daria muita importância sobre a quem se atribui o crédito por
certas contribuições. E não teria importância quem conseguisse licenciar
qual código sob quais condições. (WEBER, 2004, p. 131, tradução nossa)
O autor aponta a pesquisa feita pela Kiel University no ano de 2000
9
,
segundo os quais desenvolvedores de SL/CA são pessoas que se sentem parte de
uma comunidade e que estão comprometidas em aprimorar suas habilidades de
programação para facilitar seu trabalho de desenvolvimento de softwares. Weber
ressalta o custo de oportunidade que esta iniciativa representa para essas pessoas:
Essa pessoa reconhece o custo de oportunidade existente na programação
de SL/CA (tempo e dinheiro perdidos), mas não muita importância a isso
- na verdade, ele se importa um pouco menos com o dinheiro do que com o
tempo. Ele é otimista quanto ao futuro, e espera receber mais vantagens e
menos perdas da sua participação futura. (2004, p. 135, tradução nossa)
Weber lembra que, como não qualquer tipo de coerção para que uma
pessoa participe de um projeto SL/CA, incentivos para que desenvolvedores entrem
nele, e permaneçam, são de extrema importância.
Lerner e Tirole (2000) relacionam com incentivos profissionais e de
carreira os motivos pelos quais profissionais de um mercado tão dinâmico como o de
tecnologia trabalham sem remuneração em projetos SL/CA. Segundo os autores,
profissionais de tecnologia e programadores participam de um desenvolvimento,
seja ele um software proprietário ou SL/CA, caso obtenham o que chamam de
“benefício líquido” no final do período de desenvolvimento. Entende-se por “benefício
líquido” o “pagamento imediato” somado ao “pagamento futuro” por ter participado
9
Weber indica a pesquisa em www.psychologie.uni-kiel.de/linux-study/
27
do desenvolvimento (2000, p. 20). Podemos representar da seguinte maneira o
conceito trazido pelos autores:
pagamento imediato = benefício imediato – custos imediatos
pagamento futuro = beneficio futuro – custos futuros
total = benefício líquido
Os autores citam, como um dos benefícios, a liberdade em escolher um
projeto que traga satisfação pessoal. Esse aspecto é facilmente compreendido se
pensarmos que muitos profissionais executam tarefas rotineiras no dia-a-dia, sem
muito espaço para criatividade nem autonomia para decidir o que vão desenvolver.
Um segundo benefício mencionado pelos autores é o reconhecimento obtido em
uma comunidade de desenvolvimento por suas contribuições e o conseqüente papel
de liderança dentro do projeto. Portanto, os autores consideram que há possibilidade
real de satisfação pessoal e de reconhecimento nesses ambientes.
O principal custo mencionado por Lerner e Tirole (2000) é o custo de
oportunidade, representado pelo investimento de tempo não remunerado no projeto,
que implica abdicar da participação em outros projetos remunerados. No entanto, a
dedicação de tempo na resolução de problemas técnicos resultará no
aprimoramento das habilidades técnicas daquele profissional. Desse modo, Lerner e
Tirole mostram como, muito provavelmente, as metas e ambições profissionais são
determinantes na escolha de participação em um projeto SL/CA.
3.2.3 Processo produtivo e modularização
Weber (2004) faz um paralelo entre a complexidade de um software e
uma grande organização. Afirma que, da mesma forma que uma empresa precisa
recorrer a estruturas organizacionais formais quando suas operações ficam
complexas, um projeto como o Linux (com mais de 2,5 milhões de linhas de código
apenas no kernel
10
) também precisa de uma estrutura que garanta seu
funcionamento no mundo virtual.
10
“Kernel de um sistema operacional é entendido como o núcleo deste ou, numa tradução literal, cerne. [é o] responsável por
gerenciar os recursos do sistema computacional como um todo. É no kernel que estão definidas funções para operação com
periféricos (mouse, discos, impressoras, interface serial/interface paralela), gerenciamento de memória, entre outros.
Resumidamente, o kernel é um conjunto de programas que fornece para os programas (aplicativos) uma interface para utilizar
os recursos do sistema.” [online]. http://pt.wikipedia.org/wiki/Kernel. Acesso em: em 20/01/2007.
28
O autor afirma que a característica principal para lidar com sistemas
dessa complexidade é a modularidade. Com ela, alterações em partes diferentes do
software podem ser feitas sem que a mudança em um módulo interfira no
funcionamento de outro modulo.
Da mesma forma, ao tratar das características de organização do trabalho
em comunidades SL/CA, Lerner e Tirole (2000) abordam a importância da divisão
em componentes distintos, sendo que cada um deles responde a um aspecto do
software. Isso permite que os participantes trabalhem concomitantemente em tarefas
distintas, uma vez que elas são independentes entre si. Finalmente, esses autores
lembram que o processo produtivo modularizado demanda lideranças capazes de
manter sua unidade e uma estrutura de governança adequada, seja com a definição
de um responsável por tarefa, seja com a criação de comitês que decidem por
votação ou consenso.
Enfim, modularizar ou seja, quebrar o projeto em pequenas unidades
interconectadas que integram um projeto maior - permite uma estrutura
descentralizada da produção que, além dos aspectos acima mencionados, facilita o
processo de testes e reparos de erros além de permitir a reutilização desses
pedaços em outras partes do projeto e até mesmo em outros projetos.
Garcia (2001) destaca, ainda, que a modularidade é peça-chave para a
produção descentralizada do código, o que permite que centenas de
desenvolvedores se concentrem em um determinado pedaço do código e explorem
diferentes formas de aprimorá-lo sem a necessidade de uma hierarquia
organizacional que coordene diretamente a alocação de recursos humanos para
aquela tarefa.
Hayek (1945) afirma que através da descentralização
11
as
responsabilidades individuais são distribuídas de forma mais eficiente, com maior
independência dos desenvolvedores, o que faz com que eles empreendam seus
melhores esforços para aprimorar o código e garantir qualidade no projeto. Torvalds
(1999) afirma que a modularidade foi um aspecto determinante para o sucesso do
projeto do Linux.
11
Brickley afirma que conhecimento específico dos atores de uma estrutura descentralizada torna mais eficiente o uso destas
informações, caso os atores tenham autonomia para tomar decisões. (2004, p. 307, tradução nossa).
29
3.2.4 Liderança e governança
Weber (2004) afirma que a liderança de um projeto fica mais complexa à
medida que ele cresce e que, portanto, o papel do líder torna-se mais significativo
quanto maior o projeto. O líder deve iniciar o projeto, focar um ponto inicial e manter
sua coordenação. A quantidade de adesões a um projeto SL/CA é totalmente
imponderável - que é um processo de associação voluntário -, o que torna o líder
“dependente” de seus colaboradores e faz do incentivo, da organização e da
governança do grupo fatores determinantes do sucesso de um projeto. (WEBER,
2004)
Weber (2004) não acredita na organização espontânea das comunidades
SL/CA e, sim, no papel do líder para determinar parâmetros entre os voluntários e
entre cada parte de um projeto. O autor lembra que, em uma empresa privada, um
funcionário pode ser demitido caso faça algo errado. Mas, nas comunidades SL/CA,
não como demitir um voluntário. Por isso, é fundamental o líder estar presente
para manter a ordem das comunidades que se formam em torno do projeto e
estabelecer regras claras sobre o relacionamento entre os voluntários e sobre as
metas do projeto. Caso haja quebra das regras, esse voluntário sofre uma
repreensão em público para que volte a ter a conduta que o grupo espera. Esse
mecanismo composto de regras claras, conduta e vigilância pela comunidade
acontece se o líder estiver presente, defendendo o projeto.
Do mesmo modo, a escolha dos líderes do projeto deve ser feita
cautelosamente, para que haja liderança sem coerção e boa comunicação entre o
líder e os participantes. A liderança e a governança são vistas como fatores
determinantes na formação de projetos SL/CA de sucesso, e o bom uso das
ferramentas colaborativas existentes na Internet são fundamentais para que o
projeto tenha coordenação distribuída.
Hecker (1999) mostra que esses elementos são essenciais para a
estabilidade da comunidade e a longevidade do projeto, e que representam, ao
menos, um custo de investimento de tempo e comprometimento e lembra que
Qualquer que seja o benefício que o SL/CA possa oferecer para a indústria
de software, não existe 'almoço grátis'. Você não pode simplesmente lançar
o código fonte, criar alguns newsgroups, e esperar que o desenvolvimento
distribuído se auto-organize feito mágica. (HECKER, 1999, p.51, tradução
nossa)
30
Com isso, o autor desvia o foco do sucesso de projetos SL/CA do
voluntariado e da cooperação para o planejamento, a liderança e a governança.
Esse processo de liderança e governança deve ser articulado através de
softwares remotos de gerenciamento de projetos. Ambientes como o
www.sourceforge.net garantem ao grupo formas de comunicação que promovem a
colaboração, controles para que o grupo consiga gerenciar os módulos de software
de um projeto, ferramentas de versionamento, ferramentas para construção de
documentação, entre outras. Esses ambientes garantem o bom andamento do
projeto e permitem que o gerenciamento seja feito a partir dos integrantes do próprio
grupo.
3.2.5 Aprisionamento
Shapiro e Varian (2003) abordam algumas leis básicas da economia e sua
importância para os “bens da informação” que superaram os bens industriais na
economia da Informação. Para nosso estudo, destacaremos algumas dessas leis.
A primeira lei a explorar é a do lock-in ou aprisionamento, determinado
por uma situação em que trocar de solução tecnológica tem um custo muito caro. Os
autores lembram que sempre uma nova tecnologia mais adequada a uma
empresa e que sempre será possível optar por uma mudança, mas atentam para o
fato de que o custo da troca, quando muito alto, tem implicações importantes nas
estratégias de uma empresa.
O aprisionamento surge sempre que os usuários investem em ativos
duráveis e de múltipla complementaridade específicos de um determinado
sistema de tecnologia da informação. [...] Em geral, ao substituir um sistema
antigo por um novo, pode-se achar necessário trocar ou duplicar todos os
componentes do sistema. Esses componentes costumam incluir uma
variedade de ativos: arquivos de dados [...], várias peças de hardware
durável e treinamento, ou capital humano. [...] A escolha do moderníssimo
de hoje é o legado de amanhã. Esse tipo de situação é a norma da
economia da informação. (SHAPIRO E VARIAN, 2003, p.25-6, grifo nosso).
Os autores seguem apresentando diversas características e implicações
do aprisionamento, além de maneiras de lidar com ele, do ponto de vista do
fornecedor e do cliente. Para os fins de nosso estudo, reproduziremos o quadro que
resume os tipos de aprisionamento e seus respectivos custos de troca em sistemas
tecnológicos.
31
Tipo de
aprisionamento
Custo de troca
Compromissos
contratuais
Indenizações compensatórias ou liquidadas
Compras de bens
duráveis
Substituição de equipamento (tende a cair à medida
que o bem durável envelhece)
Treinamento em
marca
Aprender sobre um novo sistema, tanto custo direto
quanto perda de produtividade (tende a aumentar com
o tempo)
Informação e banco
de dados
Conversão de dados para novo formato (tende a
aumentar à medida que a coleção aumenta)
Fornecedores
especializados
Financiamento de novo fornecedor (pode aumentar
com o tempo se as aptidões forem difíceis de encontrar
ou manter)
Custo de busca
Custos combinados do comprador e do fornecedor;
incluem o aprendizado sobre a qualidade de
alternativas
Programas de
lealdade
Quaisquer benefícios perdidos do fornecedor titular,
mais a possível necessidade de reconstruir o uso
cumulativo
Quadro 1: Tipos de aprisionamento e custos de trocas a eles associados
Fonte: SHAPIRO E VARIAN, 2003, p.140
Apesar dos autores usarem “bens duráveis” para explicar o conceito de
aprisionamento, este também é aplicável para software e sistemas de informação,
onde custos de troca de tecnologia, custos de migração de plataforma, contratos e
licenciamento criam aprisionamento e entrincheiramento do cliente. O SL/CA é uma
alternativa para empresas que desejam abandonar fornecedores de soluções
baseadas em software proprietário, que praticam estratégias de aprisionamento para
manter e ampliar a carteira de clientes. Ao adotar o SL/CA a empresa contratante
não dependerá de conhecimento ou de serviços restrito apenas a um fornecedor e
certamente vai encontrar em comunidades desenvolvedoras dos softwares que
utiliza, outros fornecedores capacitados a lidar com o software e prestar serviços
relacionados, uma vez que aquele conhecimento não é restrito. Nesse caso, as
empresas precisam capacitar sua área de TI e traçar estratégias de uso do SL/CA
para adotá-lo na empresa. (WOODS e GAUTAM, 2005)
3.2.6 Efeito rede e feedback positivo
Um produto apresenta efeitos de rede quando seu valor para um usuário
depende de quantos outros usuários estão utilizando a mesma solução. O exemplo
clássico é o aparelho de fax, inventado no início do século XX, mas que, apenas na
32
década de 1980, quando foi adotado em massa no mundo, passou a ter valor.
Enquanto poucas pessoas tinham o fax, ele não era interessante. (SHAPIRO E
VARIAN 2003)
Os autores lembram que as tecnologias com fortes efeitos de rede
tendem a apresentar uma etapa inicial de crescimento intenso, seguida de uma
etapa duradoura de liderança de mercado. Essa tendência é resultado do que
chamam de feedback positivo, ou seja, quanto maior a base de usuários de uma
tecnologia, mais usuários acham que vale a pena usá-la. Em poucas palavras: o
sucesso gera mais sucesso (SHAPIRO E VARIAN, 2003, p. 204)
Enquanto a economia industrial era movida pelas economias de escala, a
economia da informação é movida por economias de redes. O conceito de feedback
positivo é fundamental para entender dinâmicas da economia da informação. A
relação entre o feedback positivo e crescimento por ele impulsionado é chamada
pelos autores de “círculo virtuoso”. Podemos dizer que os ciclos virtuosos se
intensificam à medida que aumenta o número de usuários na rede. Com isso, cresce
o valor da rede em si, o que cria incentivos para que mais pessoas participem da
rede. Se a compatibilidade é condição técnica para a comunicação entre sistemas, o
“efeito rede” é o fator que determinará seu sucesso em termos de adesão e
liderança no mercado. (SHAPIRO E VARIAN, 2003, p. 205 e seguintes)
O efeito rede é visto em muitos projetos SL/CA. A gratuidade é apenas
um dos fatores da rápida adesão a esses projetos. Conforme a comunidade cresce,
o produto passa para um estágio acelerado de correções e de criação de novas
funcionalidades, que por sua vez atrai mais usuários. Projetos conhecidos, como
Linux, Apache, Mozilla e tantos outros, passaram por essa fase de aceleração até se
tornarem alternativas reais a produtos líderes de mercado como os da Microsoft.
Outros tantos projetos também passam pela fase de efeito rede, cada um em seu
segmento. Hoje existem alternativas reais de softwares ERP, CRM, BI, CMS, E-
learning, entre outros. Todos com grande base instalada, gerando negócio e
fortalecendo a indústria de serviços, conforme visto em Spiller e Wichmann (2002).
3.2.7 Modelo de negócio
Spiller e Wichmann (2002) relembram que um software raramente é
comprado sozinho, ou seja, geralmente o mercado procura uma solução para um
33
problema como um todo, o que significa adquirir hardware, software e serviços
relacionados ao processo de instalação e configuração. Partindo desse ponto de
vista, os autores analisam três blocos principais na cadeia de valor do software:
produção e programação;
marketing e vendas;
serviços.
Os autores chamam a atenção para diferenças na cadeia de valor do
software proprietário de prateleira e do software proprietário personalizado,
desenvolvido para um problema específico.
Uma vez que um software é algo imaterial e, em si, não é um produto,
pode-se dizer que o que o caracteriza como produto é o seu tipo de licença, no caso
do software proprietário. Nesse caso, a maior parte do lucro advém das restrições
definidas nesse tipo de licença. O marketing aparece nessa cadeia, pois um produto
do tipo “um para todos” deve ser anunciado no modelo de mídia “um para todos”. A
figura abaixo detalha a sua cadeia de valor
12
.
Esquema 1: Cadeia de valor do software proprietário de prateleira
Fonte: SPILLER E WICHMANN, 2002, p. 23, tradução nossa
No caso dos softwares proprietários personalizados, marketing e vendas
não aparecem, e a consultoria para a identificação do problema passa a ser
solucionado ocupa o primeiro lugar no da cadeia, seguida por desenvolvimento do
produto e, finalmente, por serviços de implementação, treinamento, suporte e
gerenciamento da aplicação. O quadro abaixo mostra como, nesse caso, a empresa
detentora do código obtém lucro de sua personalização para cada cliente.
12
No caso dos softwares proprietários de prateleira, a licença não permite o acesso a seu código e, conseqüentemente, não
permite personalizações.
34
Esquema 2: Cadeia de valor do software proprietário personalizado
Fonte: SPILLER E WICHMANN, 2002, p.24, tradução nossa
A cadeia de valor para o SL/CA é semelhante à do software
personalizado, no que diz respeito à ordem de seus elos, mas guarda uma diferença
fundamental: a produção e programação estão fora da cadeia, uma vez que
pertencem a uma comunidade e não a uma empresa em particular. É um
conhecimento disponível, com licença de uso livre
13
e, dependendo do tempo de
vida do projeto, uma grande parte do software já foi produzido, codificado e testado.
Esquema 3: Cadeia de valor do SL/CA, releitura da ilustração
Fonte: SPILLER E WICHMANN, 2002, p.24, tradução nossa
Finalmente, os autores mostram que, embora a cadeia de valor do SL/CA
não contenha os elos de produção e programação e tampouco de marketing e
vendas, ela contém todos os elementos do elo de serviços, que representam
inúmeras possibilidades de negócios no mundo SL/CA, que pode obter receita com:
consultoria;
implementação;
treinamento;
suporte técnico;
gerenciamento de aplicativos.
Em famoso artigo, Hecker (1999) aborda os modelos de negócios
possíveis com o SL/CA. Quando escreveu o artigo, o autor era engenheiro na
13
Lembre-se de que licenças de uso livre têm regras estritas e rigorosas, mas que não transformam o software em produto em
si.
35
empresa Netscape Communications e estava no centro do furacão da Internet e do
SL/CA. O artigo, que faz clara referência ao texto de Eric Raymond The Cathedral
and the Bazaar”, foi um dos primeiros a explicitar como o SL/CA pode gerar receita,
derrubando o mito de que o software livre significa apenas trabalho voluntário e
cooperativo. Relembrando a premissa de que não é possível comercializar o SL/CA,
Hecker (1999) afirma que é possível explorar receitas a partir do que chamou de
“Vendedores de Suporte”. Trata-se de consultores e de técnicos que prestam
serviços ao cliente final, através de treinamento, efetivando instalações ou
desenvolvendo módulos personalizados que se encaixam no SL/CA principal
14
.
Hecker (1999) lembra àqueles que pretendem empreender esforços para
gerar receita com o SL/CA, a importância de determinados cuidados no processo de
produção, relacionados à modularização. Uma vez que o processo é distribuído e
provavelmente terá a colaboração de pessoas de todas as partes do mundo, é
essencial ter infra-estrutura para os desenvolvedores, tais como: fórum, sistema de
versões concorrentes do código dos módulos (concurrent version system, ou cvs),
mecanismos de aviso de problemas no código (bugs) e boletim de notícias para
grupos (news-groups).
3.2.8 Licença
Lemos (2005) aborda de forma clara e abrangente os desafios que
surgem no campo do direito devido aos avanços da tecnologia e da Internet, nos
importando especialmente a questão da propriedade intelectual e das formas
colaborativas.
O autor analisa as relações entre direto e desenvolvimento tecnológico,
campo em que as instituições jurídicas não conseguem acompanhar a rápida
transformação da realidade.
O direito da propriedade intelectual tem como um de seus objetivos
assegurar o retorno de capital do autor/inventor, bem como incentivar o
desenvolvimento tecnológico futuro. No entanto, muitas vezes, acaba
criando monopólios privados e ineficientes que a análise jurídica tradicional
não consegue considerar. (LEMOS, 2005, p.65).
Lemos exemplifica essa situação com as questões dos processos
jurídicos contra a empresa Microsoft, decorrentes de seu monopólio e de seu
14
Essa situação pode variar de acordo com as especificações da licença do software. Há 58 tipos de licenças homologadas
pelo OSI (Open Source Initiative)
36
controle sobre o mercado de software no mundo, a ponto de conceder a si mesma
vantagens comerciais, o que explicaria as proporções de seu crescimento.
O SL/CA é outra importante inovação originada no mundo tecnológico que
traz implicações que a análise jurídica tradicional sobre direitos intelectuais não tem
conseguido acompanhar:
Pela análise do surgimento do movimento do software livre’, verifica-se a
necessidade de se repensarem as conseqüências do regime atual de
propriedade intelectual, sem um demasiado apego institucionalista. O
movimento do software livre demonstra que espaço para inovação
institucional no âmbito da propriedade intelectual, e que tal inovação pode-
se dar fora dos mecanismos usuais de transformação do direito. (LEMOS,
2005, p. 66)
Lemos destaca que o SL/CA é um exemplo de subversão institucional
ocorrida de baixo para cima, em que pessoas descontentes com as regras de
proteção de direito autoral no desenvolvimento de software, valendo-se da
tecnologia, organizam-se de forma virtual e constroem mecanismos de
desenvolvimento de software totalmente diferente dos existentes nas empresas
desse segmento. O movimento feito pela comunidade SL/CA caminhou no sentido
contrário do direito autoral e de propriedade intelectual, criando regras de conduta
prórpias, segundo as quais todos devem ter acesso aos segredos do software e
qualquer trabalho derivado desse software deve continuar de acesso livre. Nos
Estados Unidos, essa oposição ao direito autoral (copyright) é chamada copyleft.
Essa subversão trouxe consigo implicações valorativas, econômicas e
cognitivas diferentes das existentes no direito de propriedade intelectual tradicional.
Lemos constata a urgência na ponderação dos efeitos sociais e econômicos do atual
regime de propriedade intelectual frente a essas novas situações e aponta a
necessidade de uma mudança do regime de propriedade intelectual que não permita
privilégios a alguns agentes em detrimento da sociedade como um todo.
Sobre a importância das licenças, Weber (2004) aponta para o fato de
que elas constituem não apenas um contrato explícito entre as partes interessadas,
mas também acabam ditando normas e comportamentos que condicionam a união
das comunidades SL/CA. Nesse caso, o autor chama a atenção para o fato de que
licenças deixam de ser apenas um aspecto legal e passam a atuar como norma de
conduta para o grupo e para o projeto e, portanto, relacionam-se também com os
aspectos de governança dos projetos SL/CA.
37
3.3 Engenharia de Software
A Engenharia de Software assistiu a um grande desenvolvimento nas
últimas décadas, acompanhando e impulsionando os chamados sistemas
complexos. Trata-se de soluções projetadas para resolver problemas de natureza
cada vez mais sofisticada, seja pelo volume de dados, seja pela flexibilidade no
tratamento dos dados, seja pela multiplicidade de situações em que serão aplicados,
seja pela variedade e imbricações dos aspectos contidos nos problemas que esses
softwares devem resolver. Dentro do escopo do nosso projeto, dois conceitos que
têm suas raízes na Engenharia de Software foram fundamentais e permearam o
trabalho aqui descrito. Eles dizem respeito à definição do software e ao
gerenciamento das informações, desde sua etapa de concepção até a implantação.
3.3.1 Especificação de requisitos de software
Sommerville (2003) destaca a dificuldade de se definir a arquitetura de
softwares quando os problemas que tais softwares precisam resolver são muito
complexos, especialmente nos casos de sistemas novos. O autor chama a atenção
como, nesses casos, é difícil estabelecer com exatidão o que se chama de
“requisitos” do software, ou seja, o que o sistema deve e não deve fazer. Muitos
problemas que surgem durante o processo de desenvolvimento de software são
resultantes dessa dificuldade e, segundo Sommerville, um registro claro e exaustivo
do que cada parte do software deve fazer é essencial para que ele seja
desenvolvido de modo correto.
O autor aponta para o fato de que esses requisitos são elaborados em
momentos diferentes e por atores com papéis diferentes de cliente e de
desenvolvedor. Davis
15
(apud SOMMERVILLE, 2003, p. 82) aponta a diferença entre
esses dois tipos de requisitos:
quando uma empresa procura um fornecedor para terceirizar o
desenvolvimento ou a adequação de um sistema, ela escreve suas
necessidades de modo abstrato, em um documento capaz de servir como
linha mestra para o planejamento e para o orçamento das empresas
contatadas;
15
Davis, A.M., Sotware requirements: objetcts, functions and states. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall. (Cap. 5), 1993.
38
quando um desenvolvedor necessita preparar a definição de um sistema
para o cliente, o faz de forma detalhada, para o cliente compreender e
validar o que o software fará.
Em cada caso, o requisitante precisa descobrir, analisar, documentar e
verificar as funções e restrições do sistema desejado. Mas, como as finalidades da
elaboração dos requisitos são diferentes para os dois casos, a forma de pensar os
requisitos também é feita de modo diferente
16
, gerando dois tipos de documentos de
requisitos de software de caráter distintos. Sommerville (2003) mostra como, no
primeiro caso, teremos uma declaração mais abstrata, denominada “de alto nível”.
No segundo caso, teremos uma definição detalhada, formal, matemática,
denominada “de baixo nível”.
Sommerville (2003) mostra que isso gera uma inconsistência no uso do
termo “requisitos de software” e aponta a necessidade de padronizar documentos de
requisitos mais precisos, que contenham vários tipos de requisitos, de modo a se
construir uma especificação mais rica e detalhada, abrangendo os diversos aspectos
do software. Abaixo, os principais requisitos destacados por Sommerville (2003, p.
82):
requisitos funcionais: descrevem a funcionalidade ou os serviços que se
espera que o sistema forneça;
requisitos não funcionais: descrevem as propriedades do sistema, tais
como confiabilidade, tempo de resposta, espaço em disco, carga de
trabalho, segurança, privacidade etc.;
requisitos de usuário: são os requisitos funcionais e não funcionais
descritos na linguagem menos técnica, geralmente a linguagem do
usuário. Devem especificar apenas o comportamento externo do sistema;
requisitos de sistema: são detalhamentos técnicos feitos a partir dos
requisitos do usuário e servem como plano de implementação do sistema.
Devem ser uma especificação completa e consistente de todo o sistema,
inclusive sua interoperabilidade com outros sistemas existentes.
16
Lembramos que, quando o cliente não é uma empresa de tecnologia – ou seja, não possui conhecimento técnico de software
-, não só os momentos são distintos, como também o perfil dos requisitantes é diferente. O cliente conhece bem o problema a
ser resolvido e o contexto em que o software será utilizado, mas não sabe como o software deve operar. O desenvolvedor, ao
contrário, tem domínio técnico de softwares, mas pode não conhecer com detalhes o problema específico do cliente.
39
Sommerville chama a atenção para o fato de que os problemas em
sistemas complexos têm origem na imprecisão das especificações dos requisitos. A
imprecisão leva o desenvolvedor a interpretar o requisito de maneira própria, a partir
de seu repertório, e não do conhecimento do problema, muitas vezes mudando o
objetivo inicial desejado pelo cliente (ou requisitante).
3.3.2 Gerenciamento de software
Royce (1998) compara os gerenciamentos de software necessários para
sistemas simples e para sistemas complexos. Em sistemas simples, geralmente se
usa o desenvolvimento linear, seqüencial, composto pelas etapas de: 1) requisitos,
2) modelagem, 3) codificação, 4) testes e 5) entrega.
Em sistemas complexos, a abordagem linear não satisfaz as exigências
presentes no projeto. Riscos, interatividade com outros sistemas, grande variedade
de componentes, plataformas heterogêneas, redes complexas exigem que a
elaboração do software seja gerenciada de maneira a contemplar essas diferenças.
A linearidade lugar ao desenvolvimento cíclico e incremental, capaz de construir
um relacionamento equilibrado entre quem concebe, quem codifica e quem
efetivamente usa o software.
Royce (1998) destaca, para os sistemas complexos, a importância de
criar documentos, ou artefatos de gerenciamento, para que os envolvidos possam
descrever o planejamento e a execução do projeto de forma cíclica e incremental. O
autor denomina de artefato um documento com informações pertinentes a uma
determinada fase do desenvolvimento de software. Para esta dissertação vamos
falar de um artefato específico da fase de concepção de um software, denominado
Visão.
O artefato de Visão Unificada deve conter uma “visão geral” do software
que se deseja construir. É um contrato entre o grupo que concebeu o projeto e a
equipe (ou empresa) que codifica o software. Royce (1998) detalha que o artefato
deve focar tanto as funcionalidades essenciais do sistema, como aquelas
consideradas importantes, mas não inclusas na primeira versão a ser desenvolvida.
O registro das denominadas funcionalidades futuras auxiliam a equipe de
desenvolvimento a preparar o software para o crescimento futuro, preparando a
estrutura para comportar os aprimoramentos já planejados.
40
Esquema 4: Comparação entre um processo linear indicado para sistemas simples e o processo
cíclico-incremental indicado para sistemas complexos
Fonte: ROYCE, 1998, p. 214-215, tradução nossa
Nos processos cíclicos e incrementais, o documento Visão deverá ser
reescrito ou complementado em diferentes momentos antes de sua execução,
criando um diálogo com implicações mútuas entre os aspectos de planejamento e
análise, de um lado, e de desenho e arquitetura, de outro lado. A avaliação deve
averiguar se o que foi solicitado estava adequado e a Visão poderá, ainda, ser
reescrita após uma avaliação anterior ao momento de sua entrega.
3.3.3 Modularização ou componentização
A modularização, ou componentização, está presente nos projetos SL/CA
principalmente devido ao trabalho geograficamente distante dos participantes e a
necessidade de quebrar o projeto em pedaços menores para que possam ser
modificados em ritmo e ordem independentes (item 3.2.3).
A Engenharia de Software trata da modularização com foco na qualidade,
no reuso e no gerenciamento de sistemas complexos. Crary (2001) afirma que a
quantidade de software no mundo cresce constantemente, mas que a qualidade não
cresce na mesma proporção, resultando no incremento dos custos de manutenção
corretiva e evolutiva e transformando o software de pouca qualidade em um grande
consumidor de recursos. A componentização reduz tempo e melhora a qualidade,
41
reduzindo tais custos. Se um componente apresenta problemas, ele é substituido por
um melhor, aumentando a eficiência do sistema como um todo. Crary afirma:
Um componente é um pedaço de código que pode ser desenvolvido,
instalado e integrado em grande sistemas de forma independente. Em um
mundo ideal de componentes, um grande número de desenvolvedores pode
criar grandes repositórios de módulos que sejam intercambiáveis. Desse
modo, um desenvolvedor poderia construir sistemas escolhendo
componentes existentes nos diversos repositórios, adaptando-os e
conectando-os na forma que bem desejasse. (CRARY, 2001, p.3, tradução
nossa)
trinta anos Brooks (1975) destacava que a modularização é o
primeiro passo para melhoria no processo de desenvolvimento de software.
42
4 A RELEVÂNCIA DO CASO ESTUDADO
Esta tese estuda a criação de redes sociais eletrônicas e o papel
estruturante do SL/CA nesse processo. Para realizar este estudo, utilizamos o
projeto RA/Pró-Menino, da Fundação Telefônica. A seguir, apresentamos o marco
legal do sistema de proteção integral, um breve perfil da Fundação Telefônica e o
histórico do programa RA/Pró-Menino.
4.1 O marco legal do sistema de proteção integral à criança e ao
adolescente
O tema do trabalho em rede das organizações que atendem crianças e
adolescentes tornou-se de extrema relevância desde 1990, quando surgiu como
uma diretriz do ECA Estatuto da Criança e do Adolescente. A compreensão dessa
lei, de sua história e princípios, é fundamental para a compreensão da relevância do
tema das redes eletrônicas que integram as redes sociais, especificamente as redes
de proteção integral à criança e ao adolescente.
Na Constituição de 1988, o Art. 227 criou o Princípio da Prioridade
Absoluta, um dos pilares do novo direito da criança e do adolescente:
Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar com
absoluta prioridade o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.
Em 13 de julho de 1990, foi criada a Lei nº 8.069, que dispõe sobre o ECA
e é composta por 267 artigos.
Em suas disposições preliminares constam a noção de proteção integral,
a definição de crianças (pessoas até 12 anos de idade) e adolescentes (pessoas de
12 a 18 anos de idade). Destacamos abaixo alguns artigos fundamentais para a
compreensão da integralidade e da rede de atendimento como sua condição.
Conforme a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990:
Art. - A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata
esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
43
Art. - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.
Art. - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais. (grifo nosso)
Enquanto a lei anterior (Código de Menores de 1979) tratava de crianças
em situação irregular, o ECA dispõe sobre os direitos individuais e os direitos
humanos estendidos a toda e qualquer criança brasileira. Isso significa uma
mudança de paradigma propriamente. O trecho abaixo resume a doutrina do antigo
sistema tutelar.
A doutrina da situação irregular do Código de Menores identificava-se com a
denominada etapa tutelar do sistema da infância e juventude. A etapa
tutelar, por sua vez, era dotada de caráter assistencialista, na medida em
que a autoridade judiciária tinha o poder de decidir, em nome da criança, o
que seria melhor para ela; ao juiz era atribuído um poder discricionário. Sob
a égide do Código de Menores a criança e o adolescente eram concebidos
como meros objetos de intervenção jurídica. (ILANUD, 2007 B, grifo nosso)
Com o ECA, a criança e os adolescentes são vistos como sujeitos de
direitos, titulares de seus interesses e até mesmo com direito de expressão do
cumprimento ou não de seus direitos. Um novo sistema de normas jurídicas ampara
a garantia aos direitos fundamentais: direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à
convivência familiar, comunitária e social, à integridade física e psíquica e outros.
É por este aspecto que a doutrina da proteção integral rompe com a etapa
tutelar e inaugura uma etapa garantista do sistema da infância e juventude.
Garantista pois, como a criança e o adolescente são sujeitos de direitos,
cabe à Família, à Sociedade e ao Estado o dever de garanti-los. Nesta
etapa garantista, etapa atual, o juiz não tem poder discricionário a medida
que deve decidir conforme os interesses da criança e do adolescente.
(ILANUD, 2007 B)
Desse modo, as políticas públicas atuais devem ser preventivas e
intersetoriais, evitando que crianças e jovens vivam situações cotidianas que firam
seus direitos básicos. São as seguintes as políticas públicas previstas no ECA:
políticas básicas: saúde, alimentação, habitação, educação, esporte, lazer,
profissionalização e cultura;
44
políticas protetivas: de responsabilidade do Poder Judiciário e dos
Conselhos Tutelares para crianças e adolescentes com direitos
ameaçados ou violados. Visam ao apoio e acompanhamento temporários,
o regresso escolar, o apoio sociofamiliar, necessidades especiais de
saúde, atendimento às vítimas de maus-tratos, tratamento de drogadição,
renda mínima familiar, guarda subsidiada e abrigo;
políticas socioeducativas: conjunto de sanções aplicadas somente pelo
Poder Judiciário a adolescentes em conflito com a lei.
As sanções podem ser: medida de advertência, obrigação de reparar o
dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade ou
internação.
Assim, o atual Direito da infância e juventude, resguardado pela doutrina da
proteção integral, insere a criança e o adolescente no ordenamento jurídico
como titulares de direitos e garantias fundamentais e oferece mecanismos
jurídicos para que estes direitos sejam totalmente protegidos pela Família,
Sociedade e Estado. (ILANUD, 2007 B)
No entanto, a implementação dessas políticas públicas enfrenta uma série
de desafios, tais como desconstruir uma imagem do “menor” carregada de
preconceitos, engajar os diversos atores sociais na causa da proteção integral,
qualificar as instituições de atendimento direto e o poder público para seu novo
papel e, finalmente, criar redes de atendimento efetivas de pessoas, instituições e
entidades que formam o que se denomina o Sistema de Garantia de Direitos da
Criança e do Adolescente (SGDCA).
Os quadros abaixo mostram alguns dados sobre os avanços e
dificuldades no sentido de estruturar, organizar e colocar em rede os atores desse
sistema em todo o país e no Estado de São Paulo:
45
NO PAÍS
Instituição
Total
Conselhos Estaduais de Direitos
um por Estado
Conselhos Municipais de Direitos
4.369
Conselhos Tutelares17
3.819
Varas de Infância e Juventude
presentes nos 27 estados
Delegacias Especializadas
45
Defensorias Públicas
presentes em 24 estados
Centros de Apoio Operacional de Infância e Juventude
do Ministério Público
um por estado
Promotorias de Infância
presentes nos 27 estados
Centros de Defesa filiados à ANCED
30
Outros Serviços Especializados
11
Quadro 2: Levantamento de Instituições do Sistema de Garantia de Direitos das Crianças e dos
Adolescentes
Fonte: REDE ANDI, 2007
Comarca
Instituição
Situação Atual
São Paulo
Centro de Apoio
Operacional das
promotorias de justiça
da IJ
São 11 as promotorias especializadas de
Justiça da Infância e da Juventude nos fóruns
regionais e distritais da capital.
As 307 promotorias de justiça do interior
também prestam atendimento na área de
Infância e Juventude.
São Paulo
CDDH Padre Ezequiel
Ramin
Presta defesa jurídica, assistência jurídica,
trata de ato infracional, homicídios e tortura,
liberdade assistida, atendimento para crianças
carentes nas suas comunidades
(socioeducativo, lúdico, jurídico). Também
trabalha com capacitação.
São Paulo
Centro de Defesa dos
Direitos da Criança e do
Adolescente "Mônica
Paião Trevisan"
(Sapopemba)
Presta defesa jurídica, assistência jurídica,
trata de homicídios e tortura, incentiva o
protagonismo juvenil, trata de ato infracional,
liberdade assistida e atendimento a crianças
carentes nas comunidades
(socioeducativo,lúdico, jurídico). Também faz
capacitação.
São Paulo
Centro de Defesa dos
Direitos da Criança e do
Adolescente "Noeme
de Almeida Dias"
Presta defesa jurídica, assistência jurídica,
atendimento psico-jurídico, trata de combate
aos maus-tratos, abuso e exploração sexual,
ato infracional, liberdade assistida,
atendimento para crianças carentes nas suas
comunidades (socioeducativo, lúdico, jurídico),
atendimento para meninos e meninas de rua,
casas de acolhida para meninas ou meninos
em situação de risco. Também trabalha com
capacitação.
São Paulo
Centro de Defesa dos
Direitos da Criança e do
Adolescente do
Ipiranga Casa 10
Presta defesa jurídica, assistência jurídica,
trata de ato infracional, liberdade assistida,
homicídios e tortura, incentiva o protagonismo
juvenil, presta atendimento socioeducativo e
também trabalha com capacitação.
17
“Mais de 70% dos estados não têm número mínimo de Conselhos Tutelares: Pelo menos 19 das 27 Unidades da Federação
não contam com um Conselho Tutelar por município – conforme estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente. Piauí,
Bahia e Maranhão lideram ranking das UFs com menos CTs.” (REDE ANDI, 2007)
46
São Paulo
Cedeca "Luiz Gonzaga
Júnior" (Santana)
Presta defesa jurídica, assistência jurídica,
combate aos maus-tratos, abuso e exploração
sexual, trata de ato infracional, liberdade
assistida, atendimento a crianças carentes nas
suas comunidades (socioeducativo, lúdico,
jurídico). Também faz capacitação.
São Paulo
Cedeca "Mariano
Kleber dos Santos"
(Cedeca Sé)
Presta defesa jurídica, assistência jurídica,
trata de homicídios e tortura, ato infracional,
atendimento para crianças carentes nas suas
comunidades (socioeducativo, lúdico, jurídico).
São Paulo
Cedeca "Indiara Felix
Santos Afonso" (Lapa)
Presta defesa jurídica, assistência jurídica,
atendimento para crianças carentes nas suas
comunidades (socioeducativo, lúdico, jurídico).
Também faz capacitação.
Guarulhos
CDDH. "Pe. João
Bosco Burnier" de
Guarulhos
Trata de violência sexual. Faz articulações
com os conselhos e tem um programa que
promove o protagonismo juvenil. Também faz
capacitação.
São José do Rio
Preto
Cedeca “Alta Paulista”
(São José do Rio Preto)
Trabalha com o tema de conflito com a lei e
com adolescentes que têm direitos
ameaçados e violados. Também faz
capacitação.
Campinas
Crami – Centro
Regional de Atenção
aos Maus-Tratos na
Infância
Presta defesa jurídica, atendimento psico-
jurídico, trata de ato infracional, violência
sexual, combate aos maus-tratos, abuso e
exploração sexual. Também trabalha com
capacitação.
Quadro 3: Levantamento de Instituições do Sistema de Garantia de Direitos das Crianças e dos
Adolescentes
Fonte: ILANUD, 2007, A
Cada um dos desafios aqui mencionados tem inúmeros desdobramentos
e, desde 1990, os atores sociais mais diretamente envolvidos nessa questão vêm
criando, avaliando e modificando estratégias e soluções para a garantia dos direitos
das crianças e adolescentes e para o cumprimento do ECA.
Um desses atores é a Fundação Telefônica, como se verá a seguir.
4.2 A Fundação Telefônica
A Fundação Telefônica coordena as ações sociais do Grupo Telefônica e
está presente na Espanha, Argentina, Chile, Marrocos, México, Peru, Venezuela e
Brasil. Sua missão, expressa em seu site institucional, é:
Contribuir para a construção do futuro das regiões onde a Telefônica opera,
impulsionando seu desenvolvimento social através da educação e utilizando
para isso as capacidades distintivas do Grupo: sua extensa base de clientes
e empregados, sua presença territorial e suas capacidades tecnológicas.
(www.fundacaotelefonica.org.br)
47
No Brasil, a Fundação Telefônica é uma das mais atuantes no terceiro
setor, participando de inúmeros grupos, redes e iniciativas que buscam aperfeiçoar,
sistematizar e disseminar as ações sociais no Brasil, assim como as relações entre
sociedade civil e Estado. Foi criada em março de 1999, para desenvolver programas
próprios e financiar projetos da comunidade, e, desde que surgiu, financia projetos
que envolvem os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, atuando,
portanto, no sentido de viabilizar os atores ligados à rede de atenção, engajando-se
nos esforços nacionais para o cumprimento do ECA.
A articulação de redes, a sistematização e a disseminação de
conhecimentos e de experiências são modos de atuar dessa Fundação, visando
assim “possibilitar a multiplicação em larga escala do potencial transformador de
suas ações” (www.fundacaotelefonica.org.br).
A Fundação Telefônica considera a inclusão digital um meio para a
inclusão social e entende que as TICs (tecnologias de informação e comunicação)
podem ser um instrumento para a cidadania. Seus principais programas são na área
de voluntariado (Voluntários Telefônica), na área de cultura e tecnologia (Memória
Telefônica), na área de Educação (EducaRede) e o Pró-Menino, na área de
promoção da defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, também ligado à
educação. O investimento anual da Fundação é de cerca de 6 milhões de reais.
4.3 O Programa Pró-Menino
4.3.1 O que é o Pró-Menino
O Pró-Menino possui quatro frentes:
erradicação do trabalho infantil;
jovens em conflito com a lei;
portal RISolidária;
rede de atenção à criança e ao adolescente;
Na rede de atenção, a Fundação contribui, através dos Fundos Municipais
dos Direitos da Criança e do Adolescente, para o financiamento de projetos de
implantação de redes sociais e eletrônicas de informação entre os Conselhos
48
Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente e as entidades de assistência às
crianças e adolescentes dos municípios. Foi aí que nosso trabalho se desenvolveu.
mais de seis anos a Fundação investe em projetos de aplicação das
TICs como recurso para aperfeiçoar a estruturação das redes municipais de
proteção à criança e ao adolescente. Para o entendimento do caso estudado, é
necessário que se faça um relato breve do histórico do RA/Pró-Menino, apontando
objetivos, avaliação e aperfeiçoamentos do projeto. O objetivo do projeto é contribuir
para
[...] o financiamento de projetos de implantação de redes sociais e
eletrônicas de informação entre os Conselhos Municipais de Direitos da
Criança e do Adolescente e as entidades de assistência às crianças e
adolescentes dos municípios. O financiamento é feito através dos Fundos
Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente.
(www.fundacaotelefonica.org.br)
Os grupos – organizados por municípios – envolvidos nessa rede são:
Instituições da sociedade civil de atendimento ao direto da criança e do
adolescente;
Secretarias Municipais de Assistência Social, Saúde e Educação;
CMDCA (Conselho Municipal de Direito da Criança e do Adolescente);
Conselhos Tutelares;
Ministério Público;
Defensoria Pública;
Varas da Infância e da Adolescência.
4.3.2 Aspectos relevantes do Projeto Rede de Atenção à Criança e ao
Adolescente do Pró-Menino (RA/Pró-menino)
Gostaríamos de ressaltar alguns aspectos que fazem do RA/Pró-Menino
um caso relevante e de interesse. São eles:
o projeto possui seis anos de vida e uma avaliação consistente, o que
permite aplicar os aprendizados em projetos afins;
o projeto envolve a possibilidade de replicabilidade, questão de
fundamental importância para investimentos públicos ou privados na área
social;
49
o projeto visa ao aumento de eficiência, eficácia, efetividade dos SGDCAs,
somando-se ao esforço nacional iniciado com o ECA, em 1990;
o projeto tem abrangência significativa, uma vez que já envolveu
dezessete municípios e que pretende envolver mais municípios no futuro;
o projeto diz respeito à qualidade de vida de crianças e adolescentes,
grupo que representa uma parcela significativa da população do Brasil. Em
alguns municípios envolvidos no projeto esta população representa 30%
da população total;
questões de formação de redes eletrônicas estão ganhando importância
devido à expectativa de apoio a redes presenciais sociais, por um lado, e à
disseminação da Internet e o constante barateamento dos computadores e
das TICs, por outro.
4.3.3 A avaliação da etapa de 1999 a 2005
Entre 1999 e 2005, a Fundação Telefônica apoiou a criação de redes de
atenção em 9 municípios do país: Vitória da Conquista e Salvador (BA), Vitória e Vila
Velha (ES), Caxias do Sul, Novo Hamburgo e Santo Ângelo (RS), Barueri (SP) e
Aracajú (SE).
No ano de 2005, foi realizada uma avaliação por meio da metodologia de
Estudos de Caso, com a colaboração do Instituto Fonte para o Desenvolvimento
Social (www.fonte.org.br). A metodologia utilizada foi de estudo de caso instrumental
e avaliação por triangulação, articulando-se análises quantitativas e qualitativas.
Foram realizadas entrevistas individuais e em grupo, observações em campo e
coleta de materiais impressos. As perguntas de avaliação do Projeto e os seus
indicadores foram construídos pelo Instituto Fonte, em conjunto com a Fundação
Telefônica. A análise qualitativa lidou com interpretação de sentidos (contexto,
razões, conjunturas, lógicas das falas dos participantes) e a análise quantitativa foi
feita com testes estatísticos tradicionais. Um questionário de natureza quantitativa foi
enviado aos gestores das 114 organizações participantes nos 4 municípios
estudados, com retorno de 75% (FUNDAÇÃO TELEFÔNICA, 2006, p. 12).
Como resultado da avaliação, verificou-se que a produção coletiva foi
sempre melhor do que as ações isoladas em todos os municípios e que as redes
geraram vários benefícios, como:
50
visibilidade à causa;
fortalecimento da participação da sociedade civil nos CMDCAs;
ampliação da possibilidade de participar em políticas públicas;
fortalecimento da captação de recursos para os CMDCAs;
criação de oportunidades de cooperação entre entidades de atendimento
direto da sociedade civil, conselhos tutelares e poder judiciário;
melhorias para a reflexão e nas práticas dos atores do SGDCAs
18
;
manutenção e renovação do foco na causa da proteção integral.
No entanto, no que tange à estruturação da rede eletrônica, a avaliação
apontou dificuldades por vezes muito grandes e observou que, para os municípios, o
processo de criação da rede eletrônica foi muito complexo e custoso, principalmente
pelas seguintes questões:
falta de informação técnica dos agentes sociais dos municípios sobre as
possibilidades tecnológicas disponíveis;
falta de troca de experiências com os municípios que passaram por
este processo;
custos de desenvolvimento que poderiam ser evitados se os bancos de
dados fossem comuns ou, pelo menos, uma parte deles.
Em resumo, os resultados da avaliação confirmaram a necessidade de
prosseguir com o Projeto e a necessidade de algumas inovações para a melhoria de
resultados no que tange à implantação das redes eletrônicas.
A Fundação Telefônica acredita que o uso da tecnologia da informação é
fundamental para elevar a qualidade do atendimento à criança e ao adolescente
prestado por entidades governamentais, não-governamentais e pelos conselhos
tutelares, assim como para auxiliar os conselhos de direitos. Ela considera a rede
eletrônica como ferramenta estratégica no processo de organização do trabalho
coletivo dos atores do SGDCA, seja dentro de cada município, seja entre os
diferentes municípios, conforme mostra o trecho a seguir:
[...] [ela] oferece mecanismos de comunicação e divulgação de informações
sobre as entidades participantes e consolidação dos dados das crianças e
adolescentes atendidos por essas entidades. A rede on-line tem potencial
para agilizar os encaminhamentos, promover maior conhecimento da
18
SGDCA – Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.
51
realidade das crianças e adolescentes do município, melhorar a qualidade
do atendimento prestado, garantir visibilidade e legitimidade frente à
sociedade, além de contribuir para aumentar a captação de recursos
para
as ONGs. (FUNDAÇÃO TELEFÔNICA, 2006, B)
O aumento nas doações aos Fundos Municipais da Criança e do
Adolescente se em função da credibilidade gerada pela transparência que a rede
eletrônica confere às ações das Redes. O aumento dos recursos promove o
fortalecimento das políticas e programas do município.
Finalmente, lembramos que a avaliação realizada valorizou, como um de
seus resultados, a aprendizagem conjunta e o fortalecimento dos laços dessas
redes, idéias que permeiam todo o Projeto e que serão reforçadas nas inovações
inseridas em suas etapas subseqüentes:
Um processo de avaliação não termina necessariamente em tomada de
decisão ou guinada radical na direção de um programa. A ampliação do
diálogo, a renovação das relações, a incorporação de novas formas de
aprender e trabalhar em grupo podem ser resultados tão importantes quanto
aqueles mensuráveis pelos indicadores. (FUNDAÇÃO TELEFÔNICA 2006,
p. 10)
4.3.4 Inovações e expectativas do projeto para a nova etapa (ano de 2006)
No ano de 2006 a Fundação iniciou uma nova fase do projeto envolvendo
oito municípios no Estado de São Paulo: Araçatuba, Bebedouro, Diadema, Guarujá,
Itapecerica da Serra, Mogi das Cruzes, São Carlos e Várzea Paulista.
As expectativas e a demanda para essa nova etapa foram sintetizadas em
um documento chamado “Termo de Referência”, enviado aos consultores para que
pudessem preparar suas propostas de participação no projeto. Trata-se de um
documento de circulação restrita, elaborado pela Fundação e pelas cidades
participantes da etapa 2006, a partir da análise e debate sobre os resultados da
avaliação realizada.
As redes eletrônicas a serem constituídas deveriam:
consolidar dados das crianças e adolescentes atendidos nos municípios;
manter as entidades de atendimento de cada município em contato
permanente entre si;
criar canais de comunicação com a sociedade;
A metodologia adotada para a construção dessa rede eletrônica deveria
prever processos participativos e coletivos de pesquisa, análise, avaliação e
52
tomadas de decisão sobre as redes eletrônicas a serem construídas, visando
fortalecer a rede presencial em cada município e a rede entre os oito municípios
participantes. O Termo de Referência aponta o processo coletivo como condição
para o sucesso da implementação de infra-estrutura, do desenvolvimento e
implantação do software, da capacitação de equipes e do uso e adesão ao sistema
desenvolvido e implantado.
O documento define como rede presencial de proteção à criança e ao
adolescente aquela constituída de instituições e entidades de assistência social em
cada município; como rede eletrônica ou rede on-line, o sistema informatizado e
interconectado capaz de armazenar informações de cada entidade de proteção à
criança e ao adolescente de um município e tratá-las de forma inteligente; como
“rede das redes”, a relação entre as redes de cada município com o objetivo de
melhorar a rede presencial e implantar a rede eletrônica.
As consultorias contratadas de forma coletiva pelos oito municípios seriam
de duas naturezas:
mediação do processo coletivo de definição de parâmetros para a rede
eletrônica, priorizando o aprendizado e a participação de todos;
apoio tecnológico para esclarecimento e orientação a respeito de
aspectos relacionados à infra-estrutura, especificações técnicas de
software, capacitação de equipes técnicas dos municípios.
A consultoria de mediação do trabalho coletivo foi realizada pelo Instituto
Fonte de Desenvolvimento Social. A consultoria de tecnologia foi realizada pelo
autor desta dissertação
19
.
A expectativa sobre a rede eletrônica declarada no Termo de Referência é
que ela traga os seguintes benefícios:
agilize os encaminhamentos;
promova maior conhecimento da realidade das crianças e adolescentes do
município;
melhore a qualidade do atendimento prestado;
garanta visibilidade e legitimidade frente à sociedade;
contribua para aumentar a captação de recursos para as ONGs;
melhore a eficácia, eficiência, efetividade das redes;
19 O autor participou do projeto representando a empresa de consultoria na área de TI (www.webuse.com.br).
53
reduza custos e tempo na construção de novas redes;
potencialize a interação entre municípios.
Os resultados do processo coletivo devem ser:
criação de referências para o desenvolvimento de redes eletrônicas,
denominadas “Parâmetros para a criação de uma rede eletrônica de
proteção à criança e ao adolescente”;
definição de um “módulo básico”, ou seja, um software de cadastramento
de crianças e jovens, que atenda às principais questões comuns aos
municípios;
possibilidade de integração de outros módulos, para demandas
específicas de cada município;
recurso (publicação ou site) que torne públicos e facilmente acessíveis os
resultados obtidos ao final do processo, de modo a auxiliar “qualquer
município que queira investir no desenvolvimento de uma rede desse
gênero [tratando] dos parâmetros constituídos”.
O último item busca respaldar a preocupação da Fundação com respeito
à replicabilidade da rede eletrônica em qualquer município do país, tornando ainda
mais significativos os resultados do projeto no contexto de fortalecimento das Redes
de proteção nos municípios.
Finalmente, lembramos que o Termo de Referência indica claramente que
a definição exata do escopo dos Parâmetros deveria ocorrer de forma coletiva nos
oito municípios e Fundação, dentro do paradigma de participação do Projeto. No
entanto, o documento esclarece que, em função das dificuldades práticas relatadas
na avaliação realizada, tais Parâmetros deveriam abordar necessariamente:
Configuração mínima das máquinas e equipamentos;
Sistema operacional de banco de dados e sistema operacional básico
(Linux x Windows);
Linguagem/software;
Estrutura e modelagem do banco de dados com a estrutura do módulo
básico;
Hospedagem e servidor;
Software para construção e atualização dos sites das instituições da rede;
54
Conexão à Internet;
Atualização e manutenção das máquinas;
Capacitação dos usuários;
55
5 METODOLOGIA
5.4 Orientações da metodologia
Este estudo segue as orientações da metodologia de Pesquisa-Ação
definidas por Baskerville (1999). Neste capítulo faremos um paralelo entre a teoria
de Baskerville e o percurso dos trabalhos descritos nesta dissertação, a fim de
mostrar a adequação da metodologia ao caso estudado.
Sommer e Armick (2003) destacam que pesquisa-ação é um método de
pesquisa usado na área das ciências sociais desde meados do século 20. O
psicólogo Kurt Lewin iniciou os trabalhos pioneiros da pesquisa-ação na década de
1940. Segundo os autores, os trabalhos de Lewin propunham
[...] uma maneira por meio da qual pesquisadores comportamentais
poderiam contribuir simultaneamente em aspectos teóricos e práticos. Nesta
abordagem mudanças organizacionais e sociais são combinadas com
avaliação no contexto de uma concepção experimental. Lewin argumentava
que não deve haver pesquisa sem avaliação, nem avaliação sem
reestruturação. Programas para melhorar a eficácia organizacional
transformaram-se em experimentos a serem avaliados e contribuem para o
avanço de teorias e de práticas futuras. Aqueles que são afetados pelas
mudanças, os participantes de estudos organizacionais ou comunitários,
são envolvidos intimamente em todas as fases da pesquisa. (SOMMER E
ARMICK, 2003, p. 1)
Esse método é utilizado com maior freqüência por pesquisadores que
acreditam que um sistema social complexo não pode ser reduzido ou fragmentado
para fins de estudo. Caso a fragmentação ocorra, a divisão por partes não consegue
fornecer ao estudo a complexidade do ambiente estudado, empobrecendo os
resultados. Muitos autores falam sobre pesquisa-ação, mas Baskerville se
aprofundou no estudo dessa metodologia aplicada à área de tecnologia, o que o faz
ideal para tratar dos assuntos abordados nesta dissertação. Desde o fim da década
de 1990, cresceu a importância da pesquisa-ação na área de tecnologia.
5.4.1 Campo ideal do método
Baskerville define o campo ideal para uso desse método. Segundo ele, a
pesquisa-ação deve ser usada quando:
56
1. O pesquisador está ativamente envolvido, e existe a expectativa de, tanto
o pesquisador como o grupo, beneficiarem-se da pesquisa;
2. O conhecimento obtido pode ser imediatamente aplicado, não havendo a
sensação de um observador distante e, sim, de um participante ativo,
querendo utilizar qualquer conhecimento novo baseado em conceitos
explícitos e claros;
3. A pesquisa é um processo tipicamente cíclico, no qual teoria e prática
estão interligadas. (BASKERVILLE, 1999, p. 11, tradução nossa)
5.4.2 Similaridades e diferenças entre pesquisa-ação e consultoria
Segundo o autor, tanto o processo de pesquisa-ação como os processos
tradicionais de consultoria organizacional são muito similares, pois ambos têm forte
ligação com os trabalhos desenvolvidos por Kurt Lewin. Apesar da similaridade,
Baskerville destaca 5 diferenças importantes nesses dois processos:
1. Motivação. A pesquisa-ação é motivada pelas suas expectativas
científicas, materializadas nas publicações científicas. A consultoria é
motivada pelos benefícios comerciais, incluindo lucros e conhecimentos
privados sobre soluções para problemas organizacionais.
2. Compromisso. A pesquisa-ação assume um compromisso com a
comunidade científica e com o cliente para a produção de conhecimento
científico. Em uma situação de consultoria, o compromisso é apenas para
com o cliente.
3. Abordagem. A colaboração é essencial na pesquisa-ação por causa das
suas suposições idiográficas. A consultoria normalmente valoriza o ponto de
vista "exterior" e imparcial, fornecendo uma perspectiva objetiva sobre os
problemas organizacionais.
4. Fundamentação para recomendações. Na pesquisa-ação, essa
fundamentação é teórica
20
. No caso de consultorias, espera-se que os
consultores dêem soluções que obtiveram êxito em situações semelhantes
anteriores.
5. A essência da compreensão organizacional. Na pesquisa-ação, a
compreensão organizacional é baseada no sucesso prático de repetidas
mudanças experimentais na organização. Equipes típicas de consultoria
baseiam-se em sua análise independente e crítica da situação problemática.
(BASKERVILLE, 1999, p. 12, tradução nossa)
Essa diferença, na visão de Baskerville, se deve principalmente ao fato de
que os pesquisadores agem em interesse científico, priorizando o aprendizado da
organização, através da formulação de soluções experimentais. Os consultores, no
20
O termo no original é “theoretical framework”.
57
entanto, são pagos para aplicar soluções baseadas em suas próprias visões e
experiências.
5.4.3 O rigor em pesquisa-ação
Baskerville enumera sete pontos-chave importantes que devem estar
presentes em processos de pesquisa-ação, objetivando aumentar o rigor da
pesquisa e melhorar os resultados do processo. São eles:
Pontos-chave
Descrição
Considere a
mudança de
paradigma
Como a pesquisa-ação não ocorre na filosofia positivista tradicional da
ciência, e seu domínio é o de perguntas de pesquisa ideais, assegure-se de
que a pesquisa-ação é apropriada para a pergunta da pesquisa e que será
de interesse para um público que aceita um aprendizado pós-positivista.
Estabeleça um
acordo formal de
pesquisa
Assegure-se de que os humanos pesquisados no estudo forneçam
"consenso informado". Algumas bancas de revisão de pesquisas com
pessoas podem ver a conduta da pesquisa-ação disfarçada de consultoria
como sendo uma prática antiética. O acordo de consenso e divulgação é
apenas parte da infra-estrutura cliente-sistema. O pesquisador deverá
também organizar claramente as procurações que autorizarão a equipe de
pesquisa a iniciar a ação dentro da organização.
Forneça uma
declaração teórica
do problema
A estrutura teórica deve estar presente como uma premissa, caso contrário a
ação de intervenção não é mais válida como pesquisa. O documento do
diagnóstico deve incluir fundamentos teóricos explícitos. Enquanto a
pesquisa progride, o aparecimento da teoria deve ser cuidadosamente
registrado nos cadernos de pesquisa.
Planeje métodos de
coleta de dados
A pesquisa-ação é empírica, embora os dados coletados sejam tipicamente
qualitativos e interpretativos. Dados podem ser coletados através de
observações gravadas em áudio, entrevistas, experimentos de ações e
casos escritos por participantes. Experimentos de ação acarretam debates
"no ato" com os pesquisados durante a tomada de ação, enquanto que os
casos escritos por participantes são reminiscências escritas pelo pesquisado
após a tomada de ação [Argyris et al., 1985]. Pesquisadores ou equipes
podem manter também diários estruturados [Jepsen et al., 1989]. Projete
calmamente e especifique com clareza as técnicas de coleta de dados
quando estiver montando a infra-estrutura de pesquisa, e reveja este
assunto quando estiver planejando a ação.
Mantenha a
Colaboração e o
Aprendizado do
Objeto
A pesquisa-ação requer uma cuidadosa preservação da colaboração com os
pesquisados. Particularmente no caso de pesquisa-ação participativa, os
pesquisados terão um conhecimento-chave tanto na teoria, como em um
cenário prático, que é decisivo para a descoberta de aspectos importantes
da teoria que está sendo testada. Evite dominar as fases de diagnóstico e
planejamento de ações (i.e., assumindo o papel autoritário do consultor
externo).
Promova interações
A pesquisa-ação também é tipicamente cíclica. Os fracassos da ação (em
termos da situação problemática imediata) são tão importantes quanto, e
talvez até mais importantes, que os sucessos da ação. A ação deve
continuar até que a situação problemática imediata seja aliviada. Ações que
aliviam um problema imediato são boas provas da eficiência prática de uma
teoria subjacente.
58
Generalização
A generalidade das teorias desenvolvidas durante a ação é baseada nas
generalizações dedutivas [Baskerville and Lee, 1999]. Esse tipo de
generalização é compartilhado com experimentos de laboratório.
Declarações gerais não podem ser feitas com base no número de
observações (uma noção estatística), mas, preferivelmente, sobre um único
exemplo representativo. Generalidades devem ser abrandadas por uma
interpretação da amplitude de cenários semelhantes onde a teoria possa ser
aplicada.
Quadro 4: Sete pontos-chave destacados por Baskerville para garantir bons resultados na pesquisa
Fonte: BASKERVILLE,1999, p.18-19 , tradução nossa.
5.5 Como a pesquisa-ação é realizada
Segundo Baskerville, para ser possível trabalhar com pesquisa-ação é
preciso ter um cenário propício. Ele chamou esse ambiente de "infra-estrutura
cliente-sistema" ou "ambiente de pesquisa". Tendo o ambiente pronto, cinco fases
distintas de interação acontecem de forma cíclica. São elas:
diagnóstico;
plano de ação;
tomada de ação;
avaliação;
aprendizado.
Esquema 5: Estrutura de ciclos presente na pesquisa-ação
Fonte: BASKERVILLE,1999, p.14 , tradução nossa.
59
5.5.1 Infra-estrutura Cliente-Sistema (ou ambiente de pesquisa)
O ambiente de pesquisa é definido pelo tipo de acordo definido
previamente para a realização da pesquisa. Ele legitima as ações previstas e define
as regras, os acordos e as sanções para as ações e atividades previstas entre o
grupo (pesquisadores e clientes). Normalmente tais acordos prevêem o âmbito da
pesquisa, os momentos de participação dos pesquisadores, sua liberdade de ação
para disseminar o aprendizado adquirido com a pesquisa, as responsabilidades do
cliente e dos pesquisadores na pesquisa-ação. Baskerville lembra que a natureza
colaborativa entre pesquisador e cliente é um aspecto-chave nos acordos de uma
pesquisa-ação.
5.5.2 Diagnóstico
Como em qualquer pesquisa, trata-se da identificação dos problemas ou
questões que motivam as mudanças pretendidas. No entanto, nesse caso, é
essencial que o diagnóstico não seja feito por meio de reduções ou simplificações
generalizantes, mas, sim, por meio de uma “auto-interpretação” do problema com
uma abordagem holística. Baskerville lembra que esse diagnóstico pressupõe
suposições, hipóteses e teorias compartilhadas por todos sobre a natureza da
organização e o âmbito de seu problema.
5.5.3 Plano de Ação
É definido, de forma conjunta, entre pesquisadores e participantes. O
plano de ação deve estar de acordo com algumas premissas comuns ao grupo e,
consequentemente, com as expectativas das características que a ação deve ter. O
plano de ação define o foco e a abordagem da ação e da mudança desejada.
5.5.4 Tomada de Ação
A tomada de ação é o momento de implantação do plano de ação, com a
participação ativa dos pesquisadores e clientes (ou participantes) nas mudanças a
serem adotadas. Baskerville lembra que “a intervenção pode ser diretiva, onde a
pesquisa ‘direciona’ a mudança, ou não-diretiva, onde a busca pela mudança é feita
60
de forma indireta” (BASKERVILLE, 1999, p.16, tradução nossa). O autor menciona a
possibilidade de táticas de intervenção que mudam o ritmo e a dinâmica da tomada
de ação (por exemplo, “o recrutamento de leigos inteligentes para serem
catalisadores de mudança”) e a possibilidade do uso das etapas da psicologia social:
contato, descongelamento, aprendizado (ou mudança) e reenquadramento (ou
recongelamento)
21
.
5.5.5 Avaliação
A avaliação é feita entre pesquisador e participantes, e inclui avaliar as
suposições, hipóteses e teorias compartilhadas, seus efeitos na ação e se os efeitos
resolveram os problemas. Deve-se questionar se os resultados obtidos vieram
realmente da tomada de ação, se ela foi a única causa de sucesso, ou se outras
ações rotineiras ou externas ao processo estabelecido influenciaram nesses
resultados. Onde não se conseguiu o resultado esperado, deve-se iniciar um
próximo ciclo de pesquisa-ação, ajustando as premissas iniciais e outros aspectos
do ciclo.
5.5.6 Especificando o aprendizado
Baskerville mostra que, embora seja possível especificar a aprendizagem
ao final de um processo, normalmente ela se de modo contínuo ao longo do
processo. O autor mostra como, na pesquisa-ação, é importante diferenciar o êxito
da ação das aprendizagens ocorridas. Ou seja, mesmo quando não se obtém o
resultado pretendido com a ação, os ganhos de aprendizagem sempre podem incidir
em três direções.
A primeira delas diz respeito à reestruturação das normas organizacionais
a partir de novos conhecimentos adquiridos com a pesquisa-ação. Baskerville
menciona que Argyris e Schön [1978] descrevem esse processo com o conceito de
"double-loop learning”.
Segundo Argyris (1999), sempre que um erro é detectado e corrigido sem
questionamento ou alteração dos valores e pressupostos subjacentes à ação, temos
o aprendizado em "single-loop". Mas quando um erro é detectado, e o
21
No original: “engagement, unfreezing, learning and reframin” (BASKERVILLE, 1999, p. 16).
61
questionamento e a problematização possibilitam a revisão desses aspectos, então,
temos o aprendizado em "double-loop". O autor denomina esses aspectos
subjacentes à ação como “variáveis de governo” e afirma que elas podem ser
inferidas através da observação das ações dos indivíduos no papel de agentes da
organização (independente de seus valores e crenças pessoais). As aprendizagens
do tipo single-loop são mais comuns porque os trabalhos complexos geralmente são
fracionados em pequenas partes de fácil execução e controle. Essa é, geralmente, a
natureza dos problemas e tarefas presentes no dia-a-dia dos indivíduos em
organizações. O autor lembra que, apesar de serem mais comuns, essas
aprendizagens não são as mais transformadoras. Segundo Argyris, são as
aprendizagens do tipo double-loop que realmente controlam a efetividade e o
destino dos sistemas.
Esquema 6: Como ocorre a aprendizagem em double-loop e single-loop
Fonte: Argyris, 1999, p. 68, tradução nossa
A metáfora do termostato é bastante ilustrativa dos dois tipos de
aprendizagem:
O termo é emprestado da engenharia elétrica ou cibernética onde, por
exemplo, um termostato é chamado de single-loop learner. O termostato é
programado para detectar estados de “muito frio” ou “muito quente” e para
corrigir a situação ligando ou desligando o aquecimento. Se o termostato
perguntasse a si mesmo questões do tipo “por que está programado a
sessenta e oito graus” ou “por que está programado da forma que está”,
ele estaria sendo um double-single learner. (Argyris, 1999, p. 67, tradução
nossa)
62
Finalmente, lembramos os outros dois tipos de ganhos de aprendizagem
mencionados por Baskerville. O autor aponta que, nos casos em que a ação não
obtém êxito, as aprendizagens podem gerar o conhecimento necessário para os
fundamentos de novos diagnósticos e para a preparação de novas intervenções de
pesquisa-ação. Outro ganho diz respeito aos conhecimentos gerados em um
processo de pesquisa-ação para a comunidade científica. Isso porque o trato com
futuros cenários de pesquisa depende da validação ou da contestação das
estruturas teóricas assumidas (theoretical framework) em função das aprendizagens
obtidas em diferentes cenários de pesquisa-ação.
Assim, o ciclo de pesquisa-ação pode continuar,
(…) com ou sem êxito da ação, para desenvolver conhecimentos adicionais
sobre a organização e a validade de estruturas teóricas relevantes. Como
um resultado dos estudos, a organização passa a aprender mais sobre sua
natureza e ambiente, e a constelação de elementos teóricos da comunidade
científica continua a evoluir e a beneficiar-se. (BASKERVILLE, p. 16,
tradução nossa)
63
6 PESQUISA-AÇÃO E O CASO ESTUDADO
6.1 A adequação da abordagem ao caso
A pesquisa-ação é uma metodologia indicada para casos em que o
pesquisador é também participante, como o nosso. Integramos o grupo durante todo
o processo, participando ativamente e buscando a aprendizagem dentro dele,
através do cruzamento entre teoria e prática de diversos aspectos implicados no
problema a ser enfrentado pelo grupo, ou seja, a construção do software para as
redes eletrônicas com as características apontadas no Termo de Referência.
O caso da Fundação Telefônica também apresenta os ciclos estruturais
da pesquisa-ação e, em todos os momentos de trabalho, houve ciclos de interação
de diagnóstico plano de ação tomada de ação avaliação aprendizado,
conforme a descrição de “ambiente de pesquisa” feita por Baskerville.
Este capítulo detalha o ciclo de cinco pontos de interação do processo de
pesquisa-ação no caso da Fundação. Vale lembrar que a demanda da Fundação
previa exatamente um processo interativo e colaborativo de construção de
conhecimento, que envolvesse igualmente todos os integrantes Fundação,
consultores e representantes das oito cidades –, condição essencial para a
caracterização dessa metodologia, como visto no capítulo anterior.
6.2 Os sete pontos-chave no caso estudado
A tabela abaixo sistematiza como os sete pontos de rigor organizados por
Baskerville estiveram presentes nesta pesquisa.
Pontos-chave
Descrição
Considere a
mudança de
paradigma
O grupo buscou um rol de “perguntas ideais para o problema que queríamos
solucionar” e o “aprendizado pós-positivista” era, de fato, de interesse da
Fundação, dos oito municípios e das consultorias envolvidas.
Estabeleça um
acordo formal de
pesquisa
Houve um contrato formal para o início das ações e para suas condições,
assinado pela Fundação, pelas consultorias e por cada um dos municípios.
O contrato e o Termo de Referência mencionam a necessidade de
divulgação de resultados, até mesmo para atender o objetivo de
replicabilidade. Houve também a concordância em trabalhar de forma
colaborativa, compartilhando informações com os integrantes do grupo para
que todos aprendessem com as experiências coletivas.
Forneça uma
declaração teórica
do problema
Os diagnósticos realizados continham pressupostos como: trabalho
participativo e colaborativo, avaliação colaborativa voltada a resultados
práticos e imediatos, tanto para o fortalecimento da rede das cidades, como
para definiçao do papel estratégico das redes eletrônicas nas redes sociais.
Ao longo do trabalho, outros conceitos foram sendo incorporados a partir do
debate sobre as escolhas técnicas para o software planejado. Entre eles:
modularização, efeito rede, aprisionamento, aspectos da engenharia de
software (tipos de requisitos, documento Visão), governança e outros.
64
debate sobre as escolhas técnicas para o software planejado. Entre eles:
modularização, efeito rede, aprisionamento, aspectos da engenharia de
software (tipos de requisitos, documento Visão), governança e outros.
Planeje métodos de
coleta de dados
Alguns dados foram coletados por meio de observação participante,
assumindo uma variedade de funções durante os encontros, e por meio de
observação direta nas visitas às entidades em cada cidade; outros dados
foram coletados por meio de questionários e instrumentos similares
aplicados entre os encontros, em cada município, pelos representantes do
Projeto; todos os dados foram publicados e armazenados pelos participantes
no ambiente virtual para consulta de todos.
Mantenha a
colaboração e o
aprendizado do
objeto
A participação intensa dos “pesquisados” foi um pressuposto que atravessou
todas as ações: a análise da avaliação de 2006, a definição do Termo de
Referência, a contratação das consultorias, os encontros presenciais, a
coleta de dados para identificação das demandas nas instituições das redes
nos municípios, a construção do documento Visão em cada município, o
documento Visão Unificada, que é o resultado final de um amplo trabalho
essencialmente colaborativo.
Promova interações
Os encontros foram momentos de interação durante os quais as cidades
conseguiram expor seus problemas, suas dificuldades, seus erros e seus
acertos. Foram momentos de debate e de aprendizagem em que se
realizaram dinâmicas em grupo e apresentações de outras iniciativas
semelhantes de construção de software de rede.
Generalização
As declarações sobre as aprendizagens que as redes sociais podem obter
com o SL/CA não são baseadas em recursos quantitativos, mas em “um
único exemplo representativo” (o caso do RA/Pró-Menino no cenário de
projetos de criação de redes de atenção), e deve-se levar em conta a
“amplitude de cenários semelhantes em que a teoria possa ser aplicada”
(como é o caso da quantidade de municípios que necessitam implantar sua
rede de atenção à criança e ao adolescente e uma rede eletrônica similar à
rede que estudamos).
Quadro 5: Sete pontos de rigor destacado por Baskerville e presentes neste trabalho
Fonte: Elaboração própria
6.3 Definição do ambiente de pesquisa
Os trabalhos se iniciaram em 6 de junho de 2006, no auditório da
Fundação Telefônica, em São Paulo. Esse primeiro encontro serviu como marco
zero do projeto da rede eletrônica do Programa Pró-Menino. Os objetivos principais
do encontro foram:
apresentar individualmente cada participante;
firmar o acordo de que o trabalho seria feito de forma colaborativa;
firmar o acordo de que os trabalhos iriam priorizar o diálogo e o
compartilhamento de informações, experiências, dificuldades e
aprendizados;
firmar o acordo de que o fruto do trabalho daquele grupo pertencia ao
próprio grupo.
65
O grupo era constituído dos seguintes atores:
Fundação: composta por um gerente de projeto, um estagiário, um
consultor para mediação dos trabalhos coletivos e um consultor para
questões de tecnologia;
Araçatuba: representantes da articulação da rede social e representante
de tecnologia do município (escolhido por cada prefeitura);
Bebedouro (idem);
Diadema (idem);
Guarujá (idem);
Itapecerica da Serra (idem);
Mogi das Cruzes (idem);
São Carlos (idem);
Várzea Paulista (idem).
Vale ressaltar que as oito cidades participantes do projeto foram
selecionadas pela Fundação no ano anterior, a partir de uma convocação pública
para que cidades do estado de São Paulo enviassem seus projetos de Proteção
Integral à Criança e ao Adolescente, seus indicadores sociais e uma série de dados
que auxiliariam a Fundação a escolher quais cidades receberiam recursos para dar
andamento aos projetos. Vale lembrar, também, que partiu da Fundação a demanda
de que cada cidade trouxesse um representante da rede social e um representante
de tecnologia. Essa exigência tinha como objetivo garantir a troca de informações
entre os dois grupos de atores em cada cidade.
Esse encontro foi essencial para garantir o comprometimento entre os
integrantes do grupo com o projeto e firmar um acordo formal de pesquisa para os
problemas enfrentados, o que possibilitaria estabelecer uma rede social eletrônica
nas cidades participantes do projeto.
6.4 Diagnóstico
O diagnóstico foi iniciado no primeiro encontro. Era consenso que uma
tática composta de uma série de atividades (estudos, dinâmicas) seria necessária
para que ele fosse aos poucos sendo trabalhado, descoberto e apropriado pelo
grupo. Para o diagnóstico inicial, cada cidade se reuniu por uma hora e montou uma
apresentação em grandes folhas de papel, mostrando em que ponto cada rede
66
social se encontrava no momento. Com isso, cada cidade pode entender os
trabalhos, esforços e dificuldades que as outras enfrentavam.
Além dessa dinâmica, o grupo partia dos pontos levantados na
avaliação dos projetos realizados entre 1999 e 2005, cujos processos e resultados
foram registrados pela Fundação Telefônica na publicação “Desafios do nosso
Tempo” (2006), distribuída a todos do grupo e de acesso público no site da
Fundação e da RISolidária.
O diagnóstico inicial do grupo, somado ao Diagnóstico da Fundação em
2005, trouxe à luz as seguintes informações sobre as cidades:
estavam preocupadas com a capacitação dos usuários do software
quando este estivesse pronto para uso;
tinham muitas dúvidas de ordem operacional, tais como segurança física
dos equipamentos entregues às instituições parceiras; segurança lógica
(tanto acesso como vírus) dos computadores; local de hospedagem; tipo
de conexão a ser usada;
tinham recursos diferentes no trato com a tecnologia. Algumas possuíam
equipes próprias para o projeto, outras tinham que alocar funcionários em
algum departamento e, outras, precisariam contratar empresas para
terceirizar trabalhos;
tinham ambientes tecnológicos distintos no que diz respeito ao sistema
operacional, banco de dados, linguagem de programação etc.;
tinham dúvidas em relação ao que deveriam registrar nesse novo sistema
ao atender uma criança ou adolescente na rede de atenção;
não queriam ficar dependentes de empresas terceiras para desenvolver o
software da rede eletrônica;
setenta e cinco por cento delas comprou equipamentos para as
instituições participantes da rede social logo no início do projeto, mesmo
sem ter o software da rede.
Como resultado inicial, após o compartilhamento dos questionamentos
das cidades, o grupo tomou ciência de que muitos pontos deveriam ser investigados.
67
6.5 Plano de ação
Foi proposta ao grupo uma série de cinco encontros, em cinco cidades
diferentes. Cada encontro teria a duração de dois dias, durante os quais vários
aspectos do projeto seriam abordados com o objetivo de conhecer melhor os
problemas das cidades e chegar ao conjunto de parâmetros para a construção
da rede eletrônica, conforme o Termo de Referência.
Fazer os encontros em cidades diferentes foi uma forma de garantir que
as cidades pudessem conhecer os projetos locais e o ambiente onde as crianças e
adolescentes estão inseridos. Durante os dois dias de encontro, várias atividades
seriam desenvolvidas, com o objetivo de fazer um pequeno ciclo de diagnóstico-
planejamento-ação-avaliação-aprendizagem. Nos encontros também havia espaço
para palestrantes convidados contarem suas experiências em projetos similares.
Além dos encontros, foi disponibilizada uma comunidade virtual batizada
de “Ambiente Colaborativo”. Esse ambiente tinha como objetivo aproximar as
cidades e manter as discussões ativas até o próximo encontro. Assim que
realizamos a primeira reunião entre consultores e Fundação, percebemos a
importância do ambiente para facilitar o processo de colaboração. Todos os
envolvidos entendiam como a Internet poderia potencializar o processo de
comunicação, de troca e de registro entre os participantes da RA/Pró-Menino. As
cidades estão distantes fisicamente e o ambiente virtual também teve o objetivo de
garantir a comunicação organizada a um baixo custo.
O Ambiente ficou hospedado no endereço www.prodireitos.net. Para criá-
lo, foi utilizado o SL/CA Drupal 4.7, indicado especialmente para formação e
administração de comunidades.
68
Ilustração 7: Página principal do “Ambiente Colaborativo”, cuja função é compartilhar informações e
diminuir os custos de comunicação entre as cidades participantes do projeto.
Fonte: Elaboração própria.
6.6 Tomada de ação
A tomada de ação se deu durante os encontros, que serviam como
momentos de aprendizado do grupo e de descoberta de novas possibilidades. Os
encontros geralmente eram divididos em quatro momentos: manhã e tarde do
primeiro dia e manhã e tarde do segundo dia. Nos tópicos abaixo, um breve relato
dos pontos mais importantes dos encontros em cada cidade.
Esquema 8: Visão do processo acordada com o grupo: 1) legitimação, 2) coleta de dados, 3) visões
individuais do software, 3) consolidação dos requisitos, 4) visão unificada, 5) definição da arquitetura,
6) codificação, testes e implantação.
Fonte: Elaboração própria.
69
6.6.1 Mogi das Cruzes
Encontro realizado nos dias 3 e 4 de julho de 2006.
Em Mogi das Cruzes, o CMDCA de Barueri foi o convidado para
apresentar os trabalhos realizados em anos anteriores no Projeto Pró-Meninos.
Barueri fez um ótimo trabalho na construção da rede social, mas o software
desenvolvido apresentou problemas e não conseguiu absorver as demandas das
instituições parceiras. Acabou abandonado e deixou de potencializar uma rede
social bem construída.
Nesse encontro, o grupo discutiu questões de envolvimento e adesão das
instituições parceiras no projeto, além de problematizar os benefícios e dificuldades
de implantar a rede eletrônica. Nesse momento, o grupo conseguiu construir uma
macro visão dos seis perfis básicos das redes em questão:
Governo: Assistência Social e demais Secretarias
Judiciário: Justiça e Promotoria
Conselho: Conselho Tutelar e CMDCA
Entidades: Instituições de atendimento, sejam elas focadas em educação,
saúde, cultura e lazer ou para cuidados com jovens em conflito com a lei,
submetidos à medidas sócio educativas (semiliberdade, liberdade
assistida, prestação de serviço a comunidade etc)
Articuladores: Coordenadores do projeto de rede eletrônica nos
municípios; técnicos responsáveis pela implantação do software da rede
eletrônica nos municípios
Usuários da rede: Crianças, adolescentes e familiares que buscam
atendimento.
Também foi identificado que cada um desses perfis precisaria interagir de
forma diferente na rede, sendo essas interações identificadas como:
Consulta de dados para aceso ao histórico das crianças e adolescentes
Inserção de dados de atendimento para formação do histórico
Encaminhamentos de casos entre entidades
Consultas gerenciais para criação e monitoramento de indicadores
Desenvolvimento e manutenção do software
Concepção de funcionalidades para melhoria da rede
Demanda por serviços e melhoria no atendimento
70
Os representantes dos municípios voltaram para casa com duas tarefas
necessárias para que o grupo pudesse aprofundar essa macro visão e especificar as
particularidades dos perfis e de suas demandas:
levantar em cada instituição parceira da rede local o que elas precisavam
registrar a respeito do atendimento às crianças e adolescentes; inserir os
dados coletados no documento “Mapa de Demandas”.
pesquisar a infra-estrutura tecnológica disponível na cidade para abrigar o
projeto, investigando não apenas os aspectos operacionais, aos quais
estavam habituados, mas também os aspectos estratégicos e táticos de
tecnologia; inserir os dados coletados no documento “Mapeamento da
Infra-estrutura”.
Para ambas as tarefas, foram produzidos documentos explicativos e uma
matriz para registro das informações das instituições e das questões tecnológicas.
Esses documentos (Mapeamento da Infra-estrutura e Mapa de Demandas) foram
planejados previamente para possibilitar a sistematização das informações de forma
homogênea e possibilitar o passo seguinte, que seria a construção do documento
Visão de cada município.
6.6.2 São Carlos
Encontro realizado nos dias 21 e 22 de agosto de 2006.
Em São Carlos, o convidado para apresentar os passos trilhados para o
desenvolvimento do software da rede eletrônica foi o CMDCA de Caxias do Sul.
Caxias também havia participado do Programa Pró-Menino alguns anos antes,
iniciando os trabalhos entre 1999 e 2000. Na apresentação feita por Caxias, os
coordenadores do projeto disseram que a primeira versão do software para a rede
eletrônica não deu certo. As dificuldades tecnológicas pontuadas por Caixas em sua
primeira versão do software eram muito próximas às enfrentadas por Barueri. Antes
que o sistema saísse totalmente do ar, como ocorrido com Barueri, Caixas contratou
outra empresa com experiência em implantação de sistemas SL/CA que
desenvolveu a segunda versão do software da rede eletrônica da cidade, utilizando
71
tecnologia Zope/Plone/Python
22
. Essa nova versão foi um sucesso e está até hoje
em funcionamento. O projeto está em http://www.recria.org.br/recrialivre/
O grande impacto do encontro em São Carlos foi o contraponto entre o
caso da cidade de Caxias e o caso da cidade de Barueri, cujo trabalho foi debatido
no encontro anterior. Ambos tiveram problemas com a primeira versão do software,
mas Caxias conseguiu uma segunda solução antes de retirar o primeiro sistema
totalmente do ar. Isso animou muito as cidades que, agora, sabiam que o fracasso
era um risco, mas o êxito também era possível.
Por fim, cada cidade voltou para casa com uma tarefa importante:
construir, a partir das informações levantadas na tarefa anterior, um
documento Visão de software que atenderia a todas as instituições
parceiras. Ter um software que atendesse a todas as instituições era uma
forma de garantir a participação ativa dos parceiros e, com isso, manter a
rede viva.
Para essa tarefa, também foi fornecido um documento explicativo e um
documento de registro das informações. A Visão do software de cada cidade deveria
passar necessariamente por quatro fases:
registro dos problemas;
registro das soluções;
beneficiários das soluções;
requisitos funcionais que deveriam existir para cada solução;
requisitos não funcionais para a solução como um todo.
Esses passos de escrita da Visão, até chegar nos requisitos do software,
são passos habituais em processo de Engenharia de Software. Para o trabalho com
as cidades, os conceitos foram tirados de Sommerville (2003) e Royce (1998).
Com todas as cidades esclarecendo suas Visões do que seria o software
para atender a rede, um segundo trabalho deveria ser desenvolvido para consolidar
todos os desejos: criar um conjunto básico com um máximo de funcionalidades
comuns exigidas pela rede de cidades.
22
Zope é um aplicativo servidor de web orientado a objetos e de código aberto, escrito na linguagem de programação Python.
Zope significa "Z Object Publishing Environment." O Zope utiliza um banco de dados orientado a objetos, o ZODB. Plone é um
sistema de gerenciamento de conteúdo, extensível, de código aberto, construído em cima do Zope e do Zope Content
Management Framework. Python é uma linguagem de programação interpretada e orientada a objetos.
72
A ilustração abaixo mostra como seria a construção das Visões e a
consolidação da Visão Unificada.
Esquema 9: Caminho do processo, desde 1) coleta das informações nas instituições e infra-estrutura
em cada cidade (círculos e quadrado roxos), 2) consolidação e desenvolvimento das Visões
individuais (V1 até V8), 3) criação de uma Visão Unificada.
Fonte: Elaboração própria.
6.6.3 Diadema
Encontro realizado nos dias 17 e 18 de outubro de 2006.
O estudo de caso foi o da própria cidade de Diadema, que tinha acabado
de desenvolver um software para a rede da cidade. Diadema não pode esperar os
trabalhos do grupo e precisava lançar o software da rede local ainda em 2006.
Nesse encontro o grupo tomou consciência de que a construção da Visão
não era uma tarefa fácil, por abordar diversos problemas com diferentes soluções
possíveis. Além disso, as cidades começaram a se perguntar como seria um
software no qual duas cidades teriam soluções e encaminhamentos diferentes para
um mesmo problema? A pergunta era como fazer um software padronizado e ao
mesmo tempo personalizado?
Uma primeira versão da Visão Unificada foi mostrada para as cidades.
Essa versão foi consolidada com o objetivo de mostrar que era possível ter uma
solução que atendesse a ambientes com características diferentes, mas mantendo a
unidade do projeto.
73
A explicação desse conceito girou em torno da solução LAMP e WAMP
23
,
que garantiria um desenvolvimento que poderia ser usado tanto em Linux
24
como em
Windows, mas que, para isso, deveria trabalhar com Apache, MySQL e PHP
25
,
conforme mostra a ilustração dez.
Alguns representantes de tecnologia questionaram sobre o uso de Java
26
,
afirmando que era uma linguagem com perspectiva de futuro (longevidade) e ótima
do ponto de vista técnico. Foi discutida a importância de manter baixos custos de
criação e manutenção nesse projeto, sendo que custos devem contemplar:
curva de aprendizagem da tecnologia;
sofisticação do ambiente de desenvolvimento;
sofisticação do ambiente de produção;
custos de contratação de profissionais para a tecnologia escolhida.
Isso tudo fez o foco da conversa retornar para uma solução LAMP ou
WAMP, ou seja, a escolha deveria aumentar o que o grupo chamou de “graus de
liberdade” na escolha de uma solução tecnológica. Para tanto, seria necessário criar
independência das camadas de sistema operacional e de hardware necessárias
para sustentar o software, aumentando as possibilidades de implantação em
diferentes ambientes nos municípios.
23
LAMP é uma plataforma de desenvolvimento Web de código aberto baseada em Linux, Apache, MySQL e PHP. A
combinação dessas tecnologias é usada para definir uma infra-estrutura composta de um sistema operacional (Linux), um
servidor Web (Apache), uma linguagem de programação (PHP) e um banco de dados (MySQL). Ainda que os criadores desses
programas não os tenham projetado para funcionar especificamente uns com os outros, a combinação tem se tornado comum
por causa de seu baixo custo de aquisição e pela onipresença de seus componentes (que vêm agrupados na maioria das
atuais distribuições Linux). O termo foi cunhado na Europa, onde esses programas são normalmente utilizados juntos e têm se
tornado um ambiente de desenvolvimento padrão. O WAMP segue o mesmo conceito, mas substituindo o Linux por Windows.
24
Linux é um sistema operacional de computadores cujo maior competidor é o Windows, da Microsoft. É um dos exemplos
mais famosos de software livre e de desenvolvimento de código-aberto. Ao contrário de outros sistemas operacionais
importantes (como Windows ou MacOSX), o seu código-fonte está disponível ao público, e qualquer um pode usá-lo, modificá-
lo e redistribuí-lo livremente. Ele roda em muitas plataformas de hardware diferentes, incluindo os processadores Intel, Sparc,
PowerPC e Alpha. Originalmente o Linux foi criado por Linus Torvalds, com a ajuda de programadores de todo o mundo.
25
Apache é um servidor de páginas Web de código aberto. É o servidor Web mais comum na Internet atualmente e seu maior
competidor é o IIS da Microsoft. MySQL é um banco de dados relacional de código aberto e utiliza a linguagem SQL
(Structured Query Language) para acesso aos dados armazenados nele. PHP é uma linguagem de programação de código
aberto largamente utilizada na Internet. Tanto o Apache como o MySQL e o PHP são multiplataformas, ou seja, podem ser
usados em diversos ambientes, tais como Windows, Unix/Linux, MacOSX entre outros.
26
Java é uma linguagem de programação orientada a objeto, desenvolvida pela Sun Microsystem no início da década de 1990.
Suas características mais valorizadas são a estabilidade, portabilidade e o reuso do código em sistemas complexos.
74
Esquema 10: Diagrama em blocos da arquitetura LAMP / WAMP e do software da rede eletrônica que
será desenvolvido
Fonte: Elaboração própria.
6.6.4 Encontro extra focado em tecnologia
Encontro realizado no dia 13 novembro de 2006.
Uma reunião extra foi marcada na sede da Fundação, porque o grupo
decidiu discutir um pouco mais sobre tecnologia a ser adotada e conhecer melhor a
solução desenvolvida por Diadema. Esse encontro foi importante para colocar lado a
lado:
o caso de sucesso de Caxias do Sul;
o novo software de Diadema;
a perspectiva de fazer um novo software.
A preocupação principal era abrir mais uma frente de desenvolvimento,
sendo que o grupo tinha acesso a duas soluções: uma em pleno funcionamento e
outra que acabava de ser criada.
Diadema deixou claro que uma das razões de não adotar a solução de
Caxias era a falta de conhecimento e falta de acesso a profissionais que soubessem
utilizar a plataforma Zope/Plone/Python, o que provavelmente seriam dificuldades
enfrentadas por futuros participantes do programa Pró-Menino.
75
O estudo da solução adotada por Caxias levantou dúvidas no grupo sobre
a conveniência do esforço necessário para conhecer profundamente
Zope/Plone/Python, uma vez que, provavelmente, não usariam esse conhecimento
em outros projetos. Seria um investimento de tempo e de recursos humanos com
retorno aplicável apenas ao caso Pró-Menino, uma vez que poucos projetos nas
cidades adotam essa tecnologia, justamente em função da dificuldade de
aprendizagem.
O software feito por Diadema, apesar das suas qualidades de controle de
acesso e segurança das informações, foi avaliado pelo grupo como um software com
muitas particularidades de Diadema e que ainda necessitava de muito
desenvolvimento para que pudesse fornecer relatórios estatísticos e informações
sobre a rede em si.
Assim, a terceira opção que vínhamos construindo para atender às
particularidades de cada cidade parecia muito mais atraente. Desenvolver um
software totalmente modular, que partisse de um framework tecnológico já existente,
significava ganho de tempo de desenvolvimento e uma concepção mais inteligente.
A analogia entre a modularidade e as peças de “Lego”
27
freqüentemente apareceu
nas discussões do grupo e foi por nós incorporada para mostrar a flexibilidade e
versatilidade deste tipo de solução.
A decisão final desse encontro foi manter o conceito LAMP/WAMP e
investigar mais as questões de framework e de modularidade.
6.6.5 Bebedouro
Encontro realizado nos dias 12 e 13 de dezembro de 2006.
No encontro de Bebedouro, cada cidade mostrou como estava o
desenvolvimento da sua Visão do software. As lideranças de cada cidade
mostraram, além das funcionalidades que gostariam de ver no software, uma real
preocupação em relação a
manter permanente cooperação do grupo de cidades no futuro;
garantir a longevidade da rede eletrônica.
27
Lego é um brinquedo produzido pelo Lego Group, uma empresa privada Dinamarquesa. Seu principal produto, que leva o
nome da empresa, consiste em pequenas peças plásticas coloridas, que se encaixam de inúmeras formas, permitindo a
montagem diversos objetos. Ver www.lego.com.
76
Para aprofundar a preocupação das lideranças em manter a cooperação
permanente entre as cidades, fiz uma analogia entre o grupo de trabalho e uma
grande mesa virtual, em torno da qual pessoas, cidades e instituições poderiam se
sentar, experimentar o software, sugerir melhorias, esclarecer dúvidas e contribuir
com o seu desenvolvimento. Para isso precisariam seguir as regras de conduta
estipuladas pela mesa. E, por fim, o mais importante é que qualquer um deveria ter a
liberdade de sentar-se à mesa ou sair dela quando bem desejasse, mas com a
condição de que o conhecimento produzido ficasse no centro da mesa para que
outros pudessem usar.
Para aprofundar a questão da longevidade, os casos estudados ao longo
dos encontros foram transformados em cenários para que pudessem ser
comparados com a nova Visão da rede eletrônica em desenvolvimento. Os cenários
mostram como diferentes projetos passam por momentos distintos de concepção,
implantação e continuidade.
Cenários
Desfechos
Cenário 1
- O projeto se inicia.
- Alguns investimentos são feitos.
- É implantado, mas não se desenvolve.
- Problemas impedem uso e adesão.
- O projeto pára.
Cenário 2
- O projeto se inicia.
- É implantado e se desenvolve.
- Funciona corretamente e permanece estável.
- A adesão ocorre com restrições (difícil aprendizagem).
- Há o risco de menor ritmo de evolução.
Cenário 3
- O projeto se inicia.
- É implantado com ritmo satisfatório de evolução de acordo com as
necessidades da rede.
- Acolhe a entrada de novas cidades (fácil aprendizagem).
- Adesão constante e comunidade atuante geram desenvolvimento
de novas funcionalidades.
- Ele independe das pessoas que iniciaram o projeto.
- Surge o efeito rede, uma espiral ascendente em torno do projeto.
Quadro 6: Cenários de possíveis projetos
Fonte: Elaboração própria.
Ao mesmo tempo em que se desejava padronizar a tecnologia para
diminuir custos e ter um software em que todos soubessem trabalhar, era preciso
atender às demandas individuais de cada instituição nos municípios. Para entender
a dimensão do projeto, chegou-se a uma média de vinte instituições por cidade, nas
77
oito cidades. Portanto, estamos falando de um software que deverá atender às
necessidades individuais de aproximadamente 160 instituições diferentes. Software
que demandará atualizações, correções, aprimoramentos e novas funcionalidades.
A modularização do software, chamada no grupo de “componentização”
ou “peças de Lego”, havia sido colocada em foco tanto no encontro de Mogi como
no encontro de São Carlos. Mas foi em Diadema que o conceito tomou corpo.
Diadema fez seu software com o conceito modular para permitir que novas
funcionalidades fossem implementadas ao longo do tempo, sem que a estrutura
principal precisasse ser alterada. No encontro de Bebedouro, propus uma
modularização utilizando partes estruturais que estavam disponíveis no mercado,
para que pudéssemos partir de um conjunto testado, com funcionalidades
adequadas para nossos propósitos, com alto grau de satisfação de seus usuários e
com uma comunidade de desenvolvimento atuante e organizada. Ou seja,
deveríamos nos beneficiar de um framework tecnológico (parte estrutural)
avançado
28
, desenvolvendo as partes do sistema que realmente são essenciais.
Em linhas gerais, a proposta de módulos amadurecida nesse encontro
está ilustrada no esquema abaixo:
Esquema 11: Diagrama em blocos representando a modularização do software da rede eletrônica
capaz de padronizar partes estruturais, mas mantendo as especificidades de cada instituição parceira
da rede social.
Fonte: Elaboração própria.
28
Benkler (2006) resgata o conceito de “apoiar-se nos ombros de gigantes” para exemplificar o desenvolvimento tecnológico a
partir de sistemas SL/CA existentes. Benkler cita a frase de Isaac Newton: “If I have seen farther it is because I stand on the
shouders of giants.” “Se eu enxergo mais longe é porque estou sobre os ombros de gigantes.”, tradução nossa.
78
Para o projeto, o framework pode ser um genérico ou um específico para
gerenciamento de conteúdo. A definição ainda será avaliada, mas está claro para o
grupo que o sistema em questão é um CMS (content management system) ou um
CRM (content relationship management) que atenda às especificidades da rede
social.
Os componentes que devem ser desenvolvidos para a primeira versão
são as funcionalidades mais importantes que conseguirão atender ao maior número
de instituições parceiras. Outras instituições que vierem a fazer parte da rede no
futuro poderão usar os mesmos componentes, ou deverão ser feitos novos
componentes que serão encaixados no framework.
A componentização (ou modularização) do software é uma solução com
implicações tanto na engenharia de software como na arquitetura da informação,
necessárias ao atendimento das características de heterogeneidade das entidades e
municípios da rede. A arquitetura de informação necessária nessa rede demanda
liberdade e independência na criação e na alteração de funcionalidades do software.
Ou seja, o software está organizado para ajustar-se ao ritmo de mudanças e de
aperfeiçoamentos que cada município - ou mesmo entidade - imprimirá em sua rede
eletrônica para atender suas particularidades, conforme suas prioridades e suas
possibilidades. Nesse sentido, tanto o software como a informação são modulares.
A título de exemplo da variedade de informações que correspondem a
necessidades particulares de diferentes instituições temos:
o Entidades de atendimento à crianças com necessidades especiais,
como por exemplos, a AACD, necessitam de dados sobre o pré-
natal das crianças atendidas
o Promotores de Justiça necessitam do histórico dos atos infracionais
de crianças e adolescentes em conflito com a lei.
o Escolas necessitam de dados de matrículas na rede de ensino em
anos anteriores da vida de uma criança
o Ministério Público precisa de informações sobre como os pais
responderam aos chamados e aos encaminhamentos feitos por
entidades assistenciais nos últimos anos.
Assim, nesta arquitetura de software, que começa a ser delineada no
Esquema 11 acima, os componentes atendem tanto as necessidades em comum
79
como as necessidades específicas de algumas entidades da rede, estabelecendo
uma função de complementariedade com um framework único, que integra todos os
aplicativos em um mesmo sistema.
6.6.6 Araçatuba
Encontro realizado em março de 2007.
O encontro de Araçatuba deve acontecer em março e tem por objetivo
testar a versão inicial do software. uma grande expectativa em relação às
funcionalidades iniciais, bem como às dificuldades de implantação e posterior
treinamento. A documentação do uso do software deve ser feita em conjunto, assim
como acontece em projetos SL/CA.
Os pontos principais, tanto o framework como os componentes, foram
apresentados. Ficou acordado que a escolha final do framework e dos componentes
seriam feitas em outro encontro por uma simples questão de tempo. Também ficou
acordado que a codificação dos componentes e sua integração com o framework
seriam feitos por uma empresa especializada para garantir a padronização do código
e agilidade no desenvolvimento da primeira versão. Para isso, a Visão Unificada
passou ter extrema importância, já que é o acordo forma entre cliente e
desenvolvedor, como visto em Sommerville (2003, p. 82) e Royce (1998, p. 103).
6.7 Avaliação
Seguiremos organizando os aspectos da avaliação conforme indicado por
Baskerville, ou seja, apontando onde o planejado foi realizado ou alterado, onde a
ação alcançou o seu propósito, e, finalmente, onde as hipóteses precisaram ser
alteradas. Uma vez que o processo não foi concluído, a avaliação a seguir é parcial.
Novos pontos deverão ser agregados e, talvez, algum aspecto modificado.
A ação foi parcialmente alterada em relação ao planejamento inicial e três
encontros extras foram criados para aprofundar especificamente aspectos técnicos.
O primeiro encontro extra ocorreu em função de dúvidas sobre qual linguagem
escolher e sobre as implicações da modularização. Esse encontro foi importante
para equalizar o entendimento desses aspectos entre os participantes. Esperava-se
que, no encontro de Bebedouro, o grupo tivesse aprovado o documento Visão
Unificada, mas isso não ocorreu, devido à complexidade do problema a ser
80
resolvido e, conseqüentemente, à dificuldade em escrever as Visões de cada
cidade. Em função disso, mais dois encontros foram planejados para tratar da
especificação dos módulos e das características do framework. Eles vão ocorrer
após a entrega desta dissertação.
Os princípios de gestão de rede do projeto, ou seja, o trabalho em rede, a
participação (todas as cidades devem participar da pesquisa-ação) e a inclusão (o
software deve atender a todos) presente no Termo de Referência estavam corretos e
foram os responsáveis pelo sucesso dos demais aspectos da pesquisa-ação. Esse
conjunto de opções de gestão foi fundamental para melhorar a sensibilidade do
grupo a respeito do que é funcionar em rede, considerando-se os elos físicos e os
“elos invisíveis” de cada rede, seus objetivos táticos e estratégicos, seus limites etc.
Os resultados do trabalho em grupo aprimoraram as especificações do
software, uma vez que permitiram conhecer melhor os problemas das cidades,
criando-se um panorama dos aspectos específicos e dos aspectos comuns entre
elas. Podemos dizer que o trabalho em grupo foi uma estratégia acertada para criar
o embrião de algo fundamental para a rede e que Costa denomina de “espaço
público”:
Dentre os vários desafios que a implantação de uma comunidade virtual nos
coloca, encontramos um que nem sempre está claro para os
empreendedores, o aspecto da esfera pública e de seu significado
fundamental para o engajamento dos indivíduos em comunidades de todos
os gêneros (atuais, virtuais, espirituais…). Ora, o que seria, em sua acepção
genuína, uma esfera pública? Basicamente, um espaço no qual um
indivíduo consegue reconhecer como dele as questões que ali são
publicadas. (COSTA, 2007, p. 1)
Os principais problemas levantados foram:
falta de recursos para investir em software;
falta de profissionais para alocar no projeto;
falta de conhecimento no uso de computadores por parte das instituições
de atendimento que irão consultar e adicionar dados na rede;
mudanças de governo nos municípios que podem gerar desinvestimento e
descontinuidade do projeto local.
Quanto à expectativa sobre o conjunto de parâmetros para o cadastro
básico, considerações importantes a serem feitas. Percebeu-se que especificar
81
parâmetros de um cadastro único não seria possível, e que poderia resultar,
justamente, no contrário do que se desejava: impor um cadastro padrão que não
necessariamente representasse as necessidades das centenas de entidades que
utilizarão os cadastros e, desse modo, que a rede não fosse atraente para elas.
Assim descartou-se a proposta de um cadastro básico com um conjunto de campos
mínimo, mas indispensável, que servisse a todos. O aprofundamento no diagnóstico
e na compreensão dos problemas de cada cidade mostrou ao grupo que essa
expectativa estava equivocada, uma vez que eram muito diversificadas as
necessidades das centenas de instituições que comporiam as redes.
Desse modo, o que será padronizado não é uma solução de cadastro,
mas uma arquitetura cujas partes estruturais permitem a criação de módulos
específicos, garantindo que as especificidades de cada rede sejam incorporadas na
solução. Em outras palavras, a meta não era excluir os aspectos particulares em
nome de algo comum, mas, ao contrário, criar uma estrutura comum que viabilize as
particularidades. Assim será criado um software inclusivo.
Quanto à expectativa da FT sobre a rede eletrônica, todos os aspectos
estiveram sempre presentes na elaboração da Visão Unificada, garantindo assim
não a visão de rede dos municípios, como também os aprendizados retirados da
avaliação feita no final de 2005 e explicitadas na publicação da Fundação Telefônica
(2006). São eles:
agilizar os encaminhamentos;
promover maior conhecimento da realidade das crianças e adolescentes
do município;
melhorar a qualidade do atendimento prestado;
garantir visibilidade e legitimidade frente à sociedade;
contribuir para aumentar a captação de recursos para as ONGs;
melhorar a eficácia, eficiência, efetividade das redes;
reduzir custos e tempo na construção de novas redes;
potencializar a interação entre municípios.
6.8 Aprendizado
Os aprendizados obtidos pelo grupo relacionam-se com o double-loop
learning (ARGYRIS, 1999). Em outras palavras, eles são referentes a princípios,
82
crenças e valores que organizaram o trabalho de desenvolvimento de software
ocorrido nos municípios que participaram do projeto em sua etapa anterior (1999-
2005). Mencionaremos aqui as aprendizagens mais significativas e reconhecidas
pelo grupo, e que constituem o resultado mais perene da pesquisa-ação.
6.8.1 Sobre perguntas ideais
A pesquisa-ação garantiu aprendizagens significativas e compartilhadas,
que possibilitaram inovações importantes para o enfrentamento do desafio que a
construção dessas redes eletrônicas representa. Lembrando a importância dada por
Baskerville às perguntas ideais, gostaríamos de registrar aqui as perguntas que
orientaram nosso trabalho, construídas coletivamente, a partir de dois problemas
específicos: “o que será considerado um software de rede eletrônica de
sucesso para esse grupo de municípios?” e “o que faz um software como esse
ter sucesso por longo período?
Perguntas e respostas
O que é “ter sucesso”?
É conceber um projeto de software com desenvolvimento sustentado, como uma espiral
ascendente.
É diminuir a distância entre o projeto idealizado e a realidade existente nos municípios,
buscando a melhoria na qualidade de vida das crianças e adolescentes.
Como conseguiremos movimentar a espiral de modo ascendente?
Trazendo cidades, profissionais, voluntários e instituições para participarem do projeto da
rede eletrônica e fazendo-a crescer.
Dividindo custos e ofertando conquistas.
Como conseguimos a adesão de novas cidades?
Mostrando que o processo colaborativo otimiza custos.
Mostrando que ele também diminui a dependência de fornecedores de tecnologia.
Como garantimos a adesão de voluntários e profissionais?
Motivando os voluntários e profissionais envolvidos no projeto.
Mostrando que o projeto tem uma boa arquitetura tecnológica e que suas estruturas são
sólidas a ponto de dar-lhe credibilidade.
83
Como garantimos a adesão das instituições?
Garantindo que se vejam incluídas nas soluções, para que sua participação não seja apenas
de cadastramento burocrático. O software precisa contemplar as necessidades e desejos das
instituições. É uma via de mão dupla: a rede melhora as condições de trabalho da instituição e a
instituição alimenta a rede de informação ao cadastrar corretamente as crianças e adolescentes.
Com isso as instituições se sentem representadas no software.
Através do desenvolvimento e compartilhamento do conhecimento, da documentação e das
instruções de uso do software para que diversos níveis hierárquicos das instituições possam
usá-lo com autonomia.
Como motivamos os profissionais de tecnologia para dedicarem tempo em desenvolver
componentes para o projeto?
Mostrando-lhes que, além do projeto em si, há ganhos para a carreira delas ao aprender uma
tecnologia que tem futuro e aplicações práticas no dia-a-dia. Fazendo-as ver, também, que o
conhecimento adquirido no projeto tem outras aplicações na vida profissional, proporcionando
ganhos futuros.
Como mostramos que o projeto possui arquitetura sólida e digna de crédito?
Através da seleção de um bom framework tecnológico conhecido e respeitado no mercado, já
em uso por outros projetos de sucesso ao redor do mundo.
Como garantir que as instituições estejam representadas no software?
Através da investigação de suas demandas, trazendo informação específica que está na
ponta, ou seja, no cotidiano das atividades da instituição parceira do projeto.
Através da inclusão rápida dessas demandas no software, para que a rede entenda que a
espiral está ascendendo.
Como conseguimos agilidade no atendimento das demandas e implantação de novas
funcionalidades?
Através da arquitetura modular, para desenvolvimento em paralelo e independente do
software, sem que um profissional interfira no trabalho do outro.
Através do uso de tecnologia que proporcione agilidade de codificação, testes e implantação
com baixos custos.
Como conseguimos baixos custos de desenvolvimento?
Através do reuso do código, existente em projetos modularizados, aproveitando o
conhecimento gerado por muitos programadores
Através de tecnologias com rápida curva de aprendizagem, muito conhecidas no mercado,
utilizadas por grande número de profissionais da área.
Através do compartilhamento do conhecimento para que profissionais e instituições tenham
autonomia no aprendizado do que é o software da rede eletrônica e como ele funciona.
84
autonomia no aprendizado do que é o software da rede eletrônica e como ele funciona.
Através de uma concepção de software que seja padronizado na sua estrutura e
personalizado em suas funcionalidades.
Como conseguimos diminuir a dependência de fornecedores de tecnologia?
Através da adoção de padrões de mercado e do uso de soluções tecnológicas de acesso livre
e código aberto.
Como conseguimos gerenciar uma grande quantidade de módulos e de conhecimento
existente dentro do software?
Através de um ambiente de gestão de software capaz de organizar documentos, perguntas,
respostas, dúvidas, códigos e demandas de diversos municípios espalhados pelo Brasil.
Como manter os participantes do ambiente unidos e focados no que deve ser feito para a
espiral girar de forma ascendente e ritmada?
Através de regras claras de governança do ambiente e da escolha correta das lideranças do
projeto.
Através da escolha das licenças de uso do software que funcionam como uma diretriz do
projeto, e não apenas como uma questão jurídica.
Como saber se todas essas perguntas e respostas vão realmente levar o projeto para uma
rota espiral e ascendente de adesão e desenvolvimento?
Grandes projetos OSS conhecidos hoje, tais como, Linux, Apache, Mozilla, Wikipedia, Joomla,
Moodle, SlashDot, OpenSource Directory e dezenas de outros seguiram caminhos semelhantes
e foram objeto de estudo acadêmico devido ao sucesso alcançado.
Quadro 7: Perguntas construídas coletivamente, a partir de um problema prático a ser resolvido
Fonte: Elaboração própria
6.8.2 Sobre a especificação de softwares
A criação de uma rede eletrônica é uma tarefa complexa, que não
depende simplesmente da definição de parâmetros referentes a um conjunto de
tópicos de natureza técnica. Ela depende de um diagnóstico bem realizado, que
inclui a natureza do problema a ser resolvido, o desejo das instituições e usuários
que estão “na ponta” do processo –, os ambientes tecnológicos disponíveis, o perfil
das equipes de tecnologia, as habilidades de uso de tecnologia dos usuários dessas
redes. A partir do diagnóstico, decisões devem ser tomadas. Mas isso não significa
que haja uma única solução possível. Opções serão feitas em função de
características técnicas (linguagem, arquitetura, estrutura etc.), do conhecimento
85
técnico presente e acessível em cada município, do conforto e da usabilidade da
solução, de seus custos, do modelo de negócio adequado. Essas decisões são
objetivadas na especificação do software, que, para ter qualidade, precisa resultar
da articulação de conhecimentos da engenharia de software, de gestão de projetos
colaborativos, de sistemas de informação, da economia e das ciências sociais, assim
como do profundo conhecimento das necessidades do usuário final, peça chave na
formação da rede. Isso porque softwares, em geral, se destinam a viabilizar
interações realizadas por seres humanos e toda a complexidade aí envolvida.
O documento Visão é a peça-chave que organiza e registra essas
especificações, além de constituir um acordo entre quem concebe e especifica o
software, de um lado, e quem irá executá-lo, de outro. No entanto, o grupo percebeu
muito claramente a dificuldade de se construir um documento dessa natureza e o
empenho que o documento Visão exige. Em função disso, os pressupostos sobre
construção de softwares foram revistos e o paradigma linear inicial foi substituído
pelo paradigma cíclico e incremental, retratado na própria construção do documento
de Visão Unificada. Ou seja, o grupo aprendeu que problemas complexos exigem
soluções mais elaboradas, e que o processo linear não era suficiente para a
construção de um software dessa natureza. Finalmente, lembramos que os
processos de especificação de requisitos e de gerenciamento de software da
Engenharia de Software, fundamentais na sistematização e orientação desses
processos, representaram um desafio enriquecedor que, mais ou menos
intensamente, foram incorporados pelos integrantes do grupo.
6.8.3 Sobre o software a ser desenvolvido
A figura abaixo resume a solução definida pelo grupo.
86
Esquema 12: Diagrama em blocos da solução modular para ser adotada em diversos ambientes,
dependendo das diretrizes de tecnologia dos municípios. Os componentes são desenvolvidos e
instalados na camada superior.
Fonte: Elaboração própria.
A solução deve funcionar como um “Lego”, com camadas de tecnologia e
componentes, proporcionando flexibilidade para incorporar as especificidades de
cada município.
As camadas devem se adequar à diversidade de infra-estrutura e de
ambiente tecnológico dos municípios. O sistema operacional, a linguagem de
programação, o banco de dados e o servidor de páginas devem ser elementos de
suporte da solução. Por isso, deve-se escolher o conjunto com maior penetração de
mercado e que abrace o maior número possível de profissionais, facilitando a
adesão de novos desenvolvedores. Outro aspecto importante é que essas quatro
camadas estejam o mais próximo possível do modelo SL/CA, para que os custos de
instalação do sistema nos municípios possam ser reduzidos ao máximo.
87
Os diversos componentes serão desenvolvidos e instalados sobre a infra-
estrutura e o framework da aplicação. A componentização é um aspecto estratégico,
uma vez que deve permitir o desenvolvimento de funcionalidades que atendam a
necessidades específicas de cada instituição parceira. Esse atendimento é essencial
para gerar adesão das instituições, uma vez que permite que elas reconheçam suas
necessidades no software. Assim, as chances do efeito “rede” aumentarão, e os
municípios poderão obter um crescente cadastramento de crianças e adolescentes.
O framework deve ser o responsável por gerenciar a incorporação de
novos componentes e pela troca de informação entre eles. Ele deve possuir
características que permeiem todos os componentes, ou seja, que dêem suporte ao
sistema como um todo. O conjunto mínimo de características do framework
acordado entre as cidades, é:
Característica
Função
Autenticação
Diferentes acessos em diferentes áreas para proteger a
identidade dos atendidos.
Rastreamento de
alterações
Registro de cada ação dentro do sistema, também
conhecido como “watch dog” ou farejador.
Ajuda on-line
Ao se passar o mouse sobre algum item, o sistema exibe
pequeno texto de ajuda para facilitar o uso por parte dos
funcionários das instituições parceiras.
Criptografia de campos
Campos específicos com criptografia para manter sigilo na
base de dados.
SSL
Navegação deve usar SSL para impedir rastreamento em
redes não seguras.
Backup automático
Backup de base de dados com todo o conteúdo dos dados
inseridos e modificados pelas instituições.
Quadro 8: Características importantes do framework e que permeiam todos os componentes
Fonte: Elaboração própria.
Os frameworks para desenvolvimento de aplicativos Web possíveis de
serem usados e que serão submetidos à análise até o final do processo são:
Nome
URL
Joomla (CMS)
http://joomla.org/
Typo 3 (CMS)
http://typo3.org/
Seagull (genérico)
http://seagullproject.org/
Prado (genérico)
http://www.cakephp.org/
CakePHP (genérico)
http://www.pradosoft.com/
Quadro 9: Frameworks em análise.
Fonte: Elaboração própria
88
Os componentes mais importantes da primeira versão do software são:
Componente
Função
Módulo básico
Cadastro com campos comuns utilizados por todas
as instituições.
Construtor de instituições /
entidades
Criação de cadastros específicos, complementares
ao módulo básico, que pode ser preenchido por
aquela instituição.
Busca controlada
Busca por crianças sem expor a identidade do
atendido nos resultados, para garantir sigilo das
informações conforme determina a Lei.
Controlador de chave primária
Permitir a escolha entre duas ou três chaves
diferentes. Por exemplo, certidão de nascimento,
nome da mãe ou núcleo familiar.
Cadastros pré-definidos
Incorporar bases de dados existentes, com
informações utilizadas regularmente, tais como CEP,
bairro, cidade etc.
Central de vagas para crianças
e adolescentes
Ofertar e pedir vagas para as crianças atendidas e
inscrevê-las em programas sociais, culturais,
esportivos etc., ou encaminhar para outra instituição
mais apropriada.
Gerenciador de
encaminhamento
Encaminhamentos devem ser acompanhados até
que se feche a “ocorrência”.
Gerador de relatórios
Relatórios técnicos de atendimento devem cruzar
informações e gerar dados estatísticos específicos
para cada instituição. Relatórios devem mostrar a
evolução dos atendimentos ao longo do tempo e as
mudanças em indicadores de qualidade de vida das
crianças, adolescentes e famílias atendidas no
município.
Quadro 10: Componentes mais importantes para a primeira versão do software
Fonte: Elaboração própria.
6.8.4 Sobre a arquitetura da informação e a inteligência da informação
O objetivo final da construção da rede eletrônica é a melhoria no
atendimento e a melhoria da qualidade de vida da criança e do adolescente em cada
município. Ao mapear a demanda das instituições parceiras, cada município
aprofundou seu entendimento sobre o papel de cada uma delas. A construção da
rede eletrônica terá impacto na forma como cada instituição faz o atendimento em
sua cidade. É importante que a implantação do software nas instituições não cause
um impacto operacional nas rotinas de registro e de atendimento das instituições.
Quanto menor seu impacto operacional, melhor para a adesão e aceite dessa nova
ferramenta de trabalho. Em contrapartida a implantação do software pode trazer
novas formas de lidar com as informações armazenadas, possibilitando novas
formas de análise. Quanto maior a possibilidade de inteligência de análise, melhor
para a adesão e aceite desse novo software. Essa inteligência de análise deve estar
89
presente no software na forma de relatórios. Atualmente, sem a rede eletrônica,
um grande dispêndio de energia para extrair qualquer informação que esteja
armazenada em relatórios manuais e em bases eletrônicas fragmentadas, como
planilhas eletrônicas e pequenos banco de dados isolados.
Do mesmo modo que o software deve ser modular para crescer e
aperfeiçoar com as novas necessidades de cada município, a informação sobre a
criança também é modular e se constrói ao longo dos atendimentos, no contato com
as crianças, adolescentes e responsáveis envolvidos.
Todas as informações inseridas no software devem resultar em relatórios
para os coordenadores e gestores em cada município. Não sentido para os
participantes da rede eletrônica em simplesmente registrar as informações se não
houver como obter estatísticas para monitoramento de resultados e tomada de ação.
O documento Visão de cada município explicita esse desejo de “macro análise” ao
demandar a necessidade de detectar boas práticas de atendimento ou detectar
falhas na distribuição de benefícios entre as famílias atendidas.
O registro de todas as informações coletadas nos atendimentos deve
proporcionar aos integrantes da rede a criação de relatórios de análise que:
Auxiliem a tomada de decisões ao fornecer análises mais profundas da
situação das crianças e adolescentes.
Otimizem os processos internos, identificando quais práticas são mais
efetivas e quais problemas afetam mais os jovens nas cidades.
Melhorem o uso do dinheiro público alinhando programas sociais
complementares que se mostraram eficazes em outros atendimentos.
Apóiem o planejamento de políticas públicas eficazes.
Esses relatórios são responsáveis pela “inteligência da rede eletrônica”,
também denominada dentro das corporações de “inteligência de negócios” ou
business intelligence”.
Petrini e Pozzebon (2003) afirmam que a constante inovação tecnológica
faz do gerenciamento da informação um grande operador de mudanças. A constante
busca por eficiência requer um processo de tomada de decisão apoiado sobre
informações obtidas de diversas fontes. As autoras destacam ainda que muitas
instituições possuem grande quantidade de informação, mas nem por isso
conseguem gerar valor a partir dessas informações. Propõem uma abordagem que
90
tira o foco da informação em si e valoriza a inteligência no tratamento das
informações. Por fim, definem “inteligência de negócios” como:
[…] um processo coletivo e socialmente construído para coleta, análise e
disseminação da informação, onde esta informação apesar de resumida tem
caráter estratégico, pertence a múltiplas perspectivas, tem sua origem
dentro e fora da empresa, e por fim, é contextualizada. (PETRINI e
POZZEBON, 2003, p. 3, tradução nossa)
Para atender tanto a modularização do software como a necessidade de
inteligência no tratamento das informações, é preciso organizar a informação de
forma estruturada, de dentro para fora, onde as características intrínsecas das
crianças e dos adolescentes fiquem no centro dessa estrutura e as informações
relativas às interações desses atores com a sociedade fiquem no entorno. Quanto
mais específica a informação, mais para a borda da estrutura ela deve se posicionar.
Temos então a figura como descrita abaixo, denominada pelo grupo de “pétalas de
informação”:
Esquema 13: Diagrama exemplificando a estruturação das informações, colocando as características
intrínsecas da criança e do adolescente no centro, suas interações com a sociedade no entorno e as
especificidades nas bordas.
Fonte: Elaboração própria.
91
É importante padronizar as estruturas das pétalas para que o processo de
inteligência no tratamento das informações tenha êxito. As pétalas menores, ou
específicas de cada instituição, serão de grande utilidade para os parceiros, mas
podem ter menor importância em uma análise abrangente, que contemple todo o
município. Com essa arquitetura de informação, as instituições parceiras podem ser
diferentes em cada município, mas devem construir núcleos de informações (as
pétalas) em cada uma das áreas de atuação. Desse modo, as intituições são
responsáveis por registrar informação para uma determinada área, que será
compartilhada com outras instituições de mesmo tipo. A informação específica dela,
só interessa a ela mesma, tanto do ponto de vista do atendimento como do ponto de
vista da inteligência da informação.
Com isso, busca-se estruturar um business intelligence colaborativo
para redes sociais eletrônicas de atendimento à criança e ao adolescente.
6.8.5 Sobre a importância do SL/CA
Compartilhar as soluções imaginadas ou desejadas, além de ouvir e
debater as experiências de outras cidades, foram oportunidades que trouxeram
novas variáveis de análise do problema para o grupo. Mas essa análise deve ser
feita com base em um conjunto de premissas que amarre os vários aspectos em
questão e permita uma síntese do pensamento.
O conhecimento do SL/CA trouxe para os participantes uma série de
questões e aspectos que constituíram novas variáveis de análise, enriquecendo a
visão do problema e criando uma síntese válida para o problema da rede eletrônica
a ser construída.
A escolha pelo SL/CA não é apenas pela sua gratuidade. Não que o fator
custo esteja fora de debate, muito pelo contrário. Os municípios são pressionados
constantemente a reduzir custos e melhorar a eficiência nos gastos públicos. Aqui
temos duas abordagens distintas que devem ser compreendidas: uma relacionada
ao tipo de licenciamento e outra relacionada a como o código é disponibilizado para
os integrantes do projeto.
A escolha por Software Livre está ligada à formação de rede de
colaboração e ao entendimento de que é preciso ter auto-gestão no
desenvolvimento de funcionalidades em um projeto que envolve diversas entidades
92
nos municípios. Também está ligada ao fato de que municípios com poucos recursos
tecnológicos podem beneficiar-se do projeto ao oferecer idéias em troca de código.
O Código Aberto é essencial para trazer conhecimento e aprendizagem aos
profissionais de tecnologia. O conhecimento e aprendizagem são fatores
motivadores para que esses profissionais dediquem tempo ao projeto.
Caso a escolha fosse comprar uma solução proprietária, mesmo tendo o
Código Aberto, os elos de sustentabilidade da rede se quebrariam. O primeiro elo é
o do reuso, que licenças proprietárias proibem alteração e reuso do código
licenciado. A impossibilidade de reuso para desenvolvimento de novas
funcionalidades teria impacto negativo no elo da motivação, que profissionais de
tecnologia se sentiriam afastados da responsabilidade e do mérito da criação de
soluções. O elo do controle dos custos também seria quebrado porque os municípios
ficariam dependentes da empresa detentora do direito autoral do código, que
provavelmente cobraria por qualquer melhoria nos módulos. Por fim, o elo da adesão
também seria quebrado, porque municípios com poucos recursos não arriscariam
entrar em um projeto onde houvesse obrigatoriedades contratuais com fornecedores,
deixando de contribuir com informações e idéias para a evolução da rede. Ou seja,
o gasto efetivo dos municípios em forma de licenciamento e suporte para uma
solução Proprietária de Código Aberto provavelmente afastaria as equipes de
tecnologia de cada município do contato e envolvimento com o projeto, uma vez que
os municípios não alocariam recursos humanos próprios para realizar tarefas
contratadas.
O quadro abaixo sintetiza os principais aspectos problematizados por
meio da comparação entre as experiências estudadas no processo.
Barueri
Caxias
Diadema
Novo projeto
Bem público
Não
Sim
Sim
Sim
Motivação,
incentivo e
carreira
Software
proprietário só
pode ser corrigido
e atualizado pela
empresa
contratada.
Framework e
linguagem
parecem não ser
fatores de
motivação e
adesão de
profissionais.
Linguagem deve
ser um fator de
motivação e
adesão de
profissionais.
Framework e
linguagem devem
ser fatores de
motivação e
adesão de
profissionais.
Processo
produtivo e
modularização
Sem modularidade.
Apenas a empresa
produz, atualiza e
corrige o software.
Modular
Modular
Modular
93
Aprisionamento
Sim, a cidade está
aprisionada ao
fornecedor, na
medida em que
depende dele para
atualizações no
sistema.
Não, baseado em
padrões abertos.
Não, baseado em
padrões abertos.
Não, baseado em
padrões abertos.
Efeito rede
Não
Sim, algumas
adesões
começaram
recentemente.
Sim, ainda não há
casos de adesão
devido ao recente
lançamento.
Sim, a divulgação
do software deve
ser estimulada
para atrair
instituições e
profissionais de
tecnologia. A
utilidade do
software, sua
versatilidade e
modelo de
negócios devem
ser destacados
para que se forme
um grupo perene
de
desenvolvedores.
Liderança e
governança do
processo
produtivo do
software (L/G)
Apenas pode ser
liderado pela
empresa
desenvolvedora.
Pode ser liderado e
governado por uma
comunidade. L/G
ainda não foi
desenvolvido.
Pode ser liderado e
governado por uma
comunidade. L/G
ainda não foi
desenvolvido.
Pode ser liderado e
governado por uma
comunidade. Deve
existir desde o
início do projeto.
Modelo de
negócio
Não, apenas a
empresa
desenvolvedora
ganha nesse
processo.
Sim, Zope e Plone
são tecnologias
que podem ser
exploradas na
cadeia de valor de
prestação de
serviço.
Não, um
framework
desconhecido é
mais difícil de gerar
valor e atrair
profissionais.
Sim, o framework
escolhido deve ter,
além de
funcionalidades
importantes,
potencial para ser
explorado na
cadeia de valor de
prestação de
serviço.
Licença
Proprietária, outros
municípios não
poderiam usar o
software
gratuitamente.
SL/CA
SL/CA
SL/CA
Instituições se
vêem
representadas?
Não
Sim, pelas
funcionalidades
existentes.
Sim, pelas
funcionalidades
existentes.
Sim, pelas
funcionalidades
existentes e pela
agilidade em
incorporar novas
funcionalidades.
Tecnologia
ASP e MsSQL
Python e ZopeDB
PHP e MySQL
PHP e MySQL
Independente
do Sistema
Operacional
Não, deve usar
Windows.
Sim, Linux,
Windows e outros.
Sim, Linux,
Windows e outros.
Sim, Linux,
Windows e outros.
Framework
Não
Sim, conhecido no
mercado:
Zope/Plone.
Sim, mas
desconhecido no
mercado.
Sim, conhecido no
mercado.
Quadro 11: Aspectos problematizados por meio da comparação entre as experiências estudadas
Fonte: Elaboração própria.
94
6.8.6 Resultado esperado com o novo projeto
Inúmeras expectativas surgiram com o projeto da rede eletrônica, tanto
por parte dos Coordenadores, dos Técnicos, da Fundação e das entidades
participantes. Abaixo pontuamos os resultados mais esperados da rede eletrônica:
baixo custo de implantação, manutenção e inovação;
adesão (uso por todos os atores da rede);
replicabilidade (possibilidade de uso por outras redes);
legitimidade (reconhecimento e auto-reconhecimento dos técnicos
envolvidos no desenvolvimento, dos técnicos nas instituições de
atendimento direto, dos representantes das instituições de atendimento,
dos beneficiários do sistema – crianças e adolescentes);
efeito rede (dinâmica positiva de uso-melhoria-uso que depende do
objetivo e da governança estabelecida entre os participantes da rede);
longevidade do software (o projeto permanece vivo após sua implantação).
95
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O SL/CA não deve ser visto ou usado somente pela sua gratuidade. Ele
possui uma série de aspectos que podem constituir elementos estruturantes da rede,
seja no que diz respeito aos modelos de produção de software propriamente, seja no
que tange ao gerenciamento de equipes de projetos com grande complexidade
técnica em comunidades geograficamente dispersas e sem controle hierárquico e,
enfim, no que tange aos aspectos de produção e distribuição de conhecimentos
como bens públicos.
O quadro abaixo relaciona os fatores do SL/CA que podem caracterizar-
se como elementos estruturantes de redes eletrônicas de proteção.
Aspectos
Detalhamento
Bem público:
O software SL/CA está acessível a qualquer um, bastando dedicar tempo na
aprendizagem de uso. O SL/CA não pertence a uma empresa em especial,
mas pertence a todos. Assim, todos cuidam para que não haja apropriação
indevida. Para a rede, diminui as chances de aprisionamento e os novos
participantes se beneficiam do conhecimento gerado anteriormente.
Incentivo e
carreira:
O SL/CA pode levar ao aprendizado de novas técnicas, conceitos e métodos
que trazem benefício futuro para a carreira dos profissionais de tecnologia
envolvidos no projeto. Para a rede, traz a adesão de técnicos e profissionais
para desenvolvimento contínuo do código, que por sua vez se beneficiam do
acesso ao conhecimento gerado pelo grupo.
Processo
produtivo e
modularização
O SL/CA é modular em sua natureza para que possa ser atualizado e
modificado por vários participantes em diferentes localizações geográficas.
Para a rede, a modularização garante desenvolvimento em paralelo de novas
funcionalidades, sem que o projeto tenha que esperar. O desenvolvimento
em paralelo permite rapidez no desenvolvimento de novas funcionalidades e
de novos componentes, permitindo que informações específicas presentes
nas instituições sejam rapidamente incorporadas ao projeto. Traz para a
instituição legitimidade e percepção de estar representada no software.
Aprisionamento
O acesso ao código fonte muda o ponto de aprisionamento e tira do
fornecedor de tecnologia o controle sobre o código. A rede passa a depender
dos profissionais que se engajam no projeto. Quanto mais profissionais
envolvidos, menor o aprisionamento, por depender menos de poucas
pessoas que controlam o conhecimento tecnológico.
Efeito rede
A sustentabilidade passa a ser um objetivo tangível e retira da rede a
pressão por novos financiamentos para contratar manutenção evolutiva do
fornecedor do software. O efeito rede é responsável pelo engajamento de
novas cidades e novos profissionais que irão contribuir para o aprimoramento
do software, dividindo-se os custos entre os participantes.
Liderança e
governança
O projeto estruturado com SL/CA exige que se estabeleçam regras para a
comunidade através de acordos explícitos que norteiem e reflitam os anseios
do grupo para o futuro do projeto. Para a rede é uma oportunidade de
articulação de trabalho e engajamento virtual.
96
Modelo de
negócio
Por ser um bem público, o SL/CA não é comercializável. Qualquer um tem
acesso gratuito ao código fonte. Isso não significa que por trás do SL/CA não
haja modelo de negócio capaz de gerar receita. O peso dos elos de
produção e venda na cadeia de valor do SL/CA é menor. Os elos de serviços
se destacam, abrindo espaço para empresas, em cada município, atuarem
em consultoria, implementação, integração, treinamento, suporte e
gerenciamento da aplicaçã. Valoriza fornecedores locais e profissionais
locais em cada município.
Licença
A licença deixa de ter o papel restritivo presente nos softwares proprietários
e passa a ter um papel de disseminação do conhecimento e do não
aprisionamento do trabalho construído coletivamente.
Engenharia de
Software
Os conceitos de Engenharia de Software faz com que os municípios pensem
em requisitos de sistema e ciclos de melhoria, ensinando uma nova forma de
se relacionar com projetos de tecnologia. Explicitar funcionalidades de modo
mais técnico e sistematizado aumenta as chances de que estas sejam
incorporadas em futuras versões do software. A Engenharia de Software
deve garantir a modularização para que o projeto cresça de forma orgânica,
incorporando as demandas dos diversos atores da rede eletrônica. Também
é importante para que o processo produtivo seja descentralizado mas
organizado, focando na melhoria de qualidade com custos menores.
Quadro 12: Elementos estruturantes e suas implicações no projeto
Fonte: Elaboração própria.
Aspectos técnicos são pontos chave e também atuam positivamente na
estruturação da rede, uma vez que atraem ou afastam atores, dependendo das
escolhas tecnológicas tomadas pelo grupo.
Esquema 14: Os blocos da solução e a adesão de profissionais e entidades em diferentes camadas.
Fonte: Elaboração própria.
97
As redes são complexas e contemplam centenas de atores. Cada rede
deve beneficiar-se e, ao mesmo tempo, contribuir com e para o trabalho umas das
outras. A ilustração abaixo mostra os benefícios e as contribuições de cada rede ao
aderir ao projeto.
Esquema 15: Os diversos atores que compõem as três redes (SL/CA, rede eletrônica e rede social) e
seus interrelacionamentos para formar uma espiral ascendente de sustentabilidade do projeto, onde
as três redes conquistam externalidades positivas com o resultado umas das outras.
Fonte: Elaboração própria.
98
A solução construída possui os aspectos tecnológicos necessários para o
sucesso da rede eletrônica, conferindo-lhe um ciclo ascendente de adesão-melhoria-
adesão, que gerará legitimidade da rede eletrônica, agregando-lhe valor. No entanto,
é preciso apontar claramente os pontos críticos dessa solução e a necessidade de
ação sobre eles, sob a forma de políticas públicas e incentivos privados.
O grande desafio colocado para esse tipo de organização do trabalho
reside na manutenção, incentivo e fomento à rede que o sustenta. COSTA aponta
essa dificuldade da seguinte maneira:
Seria muito fácil, no entanto, se nos bastasse pôr em contato pessoas
através das tecnologias da informação e, com isso, acreditar que a partir daí
uma comunidade virtual poderia se formar. Os desafios e problemas para se
construir uma comunidade virtual, na verdade, começam bem antes das
tecnologias e continuam depois que elas estão implantadas. Não mágica
aqui! (COSTA, 2007, p.1)
As dificuldades anteriores à tecnologia
29
foram minimizadas, por um lado,
pelo diagnóstico coletivo e pela coleta das necessidades específicas das instituições
parceiras, e, por outro lado, pelos procedimentos de especificação de requisitos e de
construção da Visão Unificada. As principais dificuldades “posteriores à tecnologia”
dizem respeito ao fato de que comunidades de SL/CA dependem da capacidade dos
desenvolvedores de se organizarem virtualmente para impulsionar e garantir a
manutenção de uma comunidade de desenvolvimento ativa, organizada e inclusiva.
A governança dessa rede deve garantir sua perenidade, independente de mudanças
de governo nos municípios e da entrada e saída de pessoas nas equipes (sejam
elas do corpo técnico dos municípios, de empresas terceirizadas ou voluntárias).
Assim, embora os aspectos de gestão e de produção de SL/CA
configurem modos de fazer que incorporam os princípios de compartilhamento da
informação e de produção de conhecimento público, é necessário apontar o grande
desafio de mudança de paradigma aí implicado.
Para DINIZ, a sustentabilidade dessas “comunidades de prática” (2005, p.
20) depende de ações conjuntas entre governos e empresas. O autor aponta a
responsabilidade de corporações e de governo em “garantir a interação e a
liberdade criativa das comunidades” (2005, p.21) sem que as comunidades percam
sua autonomia e sem que assumam interesses particulares de uns ou de outros. O
29
A dissertação não pretendeu abordar dificuldades de outra natureza, mas é importante que sejam ao menos mencionadas as
dificuldades políticas, ideológicas e de relações mencionadas no documento de avaliação da Fundação Telefônica (2006).
99
financiamento dessas comunidades é um impulso para que o modelo de SL/CA
continue a gerar negócios dentro desse novo modelo de produção econômica, no
qual grandes corporações “reconhecem [nas comunidades] uma forma de melhorar
seu desempenho e reduzir seus custos de mão-de-obra”. (2005, p.18)
No caso dos oito municípios envolvidos nesse processo, o esforço de
superação desses pontos críticos deverá ser empreendido pelos municípios, com a
implantação de políticas de fomento a essas comunidades e com a continuidade de
apoio de fundações e sociedade civil.
7.1 Contribuição deste trabalho
Esperamos que este trabalho possa contribuir para:
Sistematizar e tornar públicas as experiências e aprendizagens desse
processo, estendendo a experiência vivida pelos participantes do projeto
RA/Pró-Menino a outras redes sociais que necessitem de suporte
tecnológico para melhorar sua eficiência, eficácia, efetividade.
Indicar as vantagens do processo de pesquisa-ação para projetos que
envolvam desenvolvimento de software em grandes grupos por
contemplar dinâmicas de aprendizagem e melhoria, também presentes na
engenharia de software (o que foi chamado de “processo cíclico-
incremental”) e essenciais no desenvolvimento de SL/CA.
Difundir a prática e o conceito de software livre no Brasil e as práticas de
gestão de projetos nele embutidas, para que sociedade civil, poder público
e ONGs cada vez mais deixem de ser apenas usuários do software livre,
mas passem a produzir software, mobilizando profissionais para projetos
dessa natureza. Parece-nos uma contribuição fundamental a
sistematização da teoria que permeou a pesquisa-ação, permitindo
explicitar o inter-relacionamento dos conceitos de redes sociotécnicas com
conceitos de engenharia de software e com características específicas
presentes no SL/CA.
Gostaríamos de ressaltar a validade da generalização dos resultados e
aprendizagens desse trabalho, nos termos indicados por Baskerville, ou seja, não
por ter sido uma solução quantitativamente testada, mas, sim, por constituir “um
100
único exemplo” de uma “rede de redes” de oito municípios representativos de todos
os milhares de municípios que, apesar de muito diferentes entre si, possuem em
comum a necessidade legal de cumprir o ECA, criar suas redes e oferecer um
atendimento que garanta efetivamente os direitos das crianças e adolescentes que
neles vivem.
7.2 Limitações do estudo
O ciclo de pesquisa-ação não foi concluído – o calendário prevê o término
dos trabalhos em março de 2007 –, e o software não foi implantado, o que diminui o
registro dos aprendizados e limita a avaliação.
Os indicadores de sucesso trazidos pelo grupo não foram
problematizados com profundidade e são simples em relação à complexidade do
problema. Eles foram apontados no início dos trabalhos, quando vários aspectos
ainda não haviam sido investigados e a complexidade do problema e do software
ainda não havia sido bem explorada.
7.3 Sugestões para estudos futuros
A criação e implementação do software trará novas demandas de
pesquisa-ação ligadas ao processo de codificação, implementação e ajustes dos
módulos do software. A implementação também deverá abrir espaço para estudar a
adesão e a necessidade de capacitação das dezenas de instituições para o uso da
rede.
Mas a maior oportunidade de estudo está no processo de
desenvolvimento da comunidade que deve ser formada em torno do projeto de
software. É nesse processo que reside o maior desafio de sustentabilidade e de
continuidade do software que dará vida à rede eletrônica, exigindo capacitação das
equipes dos municípios para atuarem em comunidade virtual de SL/CA. Esse
aspecto é fundamental para que ele realmente possa ser um elemento estruturador
da rede, como apontamos nesta dissertação.
Todos os momentos de estudos descritos acima são oportunidades para
criar indicadores para avaliar as novas funcionalidades do software, o funcionamento
da rede, a dinâmica da comunidade. A publicação dos resultados dos indicadores
101
deve ser feita em espaço público. A transparência na apuração e divulgação dos
indicadores é importante para garantir “(…) feedback entre gestores e membros. Os
gestores devem estar atentos aos sinais que os membros emitem, devem procurar
compreender constantemente os membros e se fazer compreender por eles”.
(COSTA, 2007, p. 3 )
102
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