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Constituição de cada país. Essa corrente defendia que, por um problema formal, os tratados de
direitos fundamentais não tinham força de norma constitucional, mas também não poderiam
ser equiparados a uma lei interna infraconstitucional.
A grande polêmica diz respeito ao Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil
em 1992, no tocante à prisão do depositário infiel. A Constituição Federal prevê duas prisões
por dívida, uma pelo não pagamento da pensão alimentícia e outra, no caso do depositário
infiel. Se fosse aceita a tese de que os tratados internacionais gozam de força
supraconstitucional, o Pacto revogaria o art. 5º, LXVII, da Constituição Federal, nesse último
caso. Todavia, o Supremo Tribunal Federal-STF, em sede de Recurso Extraordinário (RE
466.343/SP), ao se debruçar sobre essa questão, decidiu que os tratados internacionais de
direitos humanos se incorporavam ao ordenamento interno com força de lei, de caráter
supralegal, quer dizer, inferior à Constituição Federal e acima da legislação infraconstitucional.
O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário no qual se discute a
constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel nos casos de alienação
fiduciária em garantia (DL 911/69: ‘Art. 4º Se o bem alienado fiduciariamente não
for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a
conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito,
na forma prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo
Civil’). O Min. Cezar Peluso, relator, negou provimento ao recurso, por entender
que a aplicação do art. 4º do DL 911/69, em todo o seu alcance, é inconstitucional.
Afirmou, inicialmente, que entre os contratos de depósito e de alienação fiduciária
em garantia não há afinidade, conexão teórica entre dois modelos jurídicos, que
permita sua equiparação. Asseverou, também, não ser cabível interpretação
extensiva à norma do art. 153, § 17, da EC 1/69 - que exclui da vedação da prisão
civil por dívida os casos de depositário infiel e do responsável por inadimplemento
de obrigação alimentar - nem analogia, sob pena de se aniquilar o direito de
liberdade que se ordena proteger sob o comando excepcional. Ressaltou que, à lei,
só é possível equiparar pessoas ao depositário com o fim de lhes autorizar a prisão
civil como meio de compeli-las ao adimplemento de obrigação, quando não se
deforme nem deturpe, na situação equiparada, o arquétipo do depósito convencional,
em que o sujeito contrai obrigação de custodiar e devolver.
Em seguida, o Min. Gilmar Mendes acompanhou o voto do relator, acrescentando
aos seus fundamentos que os tratados internacionais de direitos humanos subscritos
pelo Brasil possuem status normativo supralegal, o que torna inaplicável a legislação
infraconstitucional com eles conflitantes, seja ela anterior ou posterior ao ato de
ratificação e que, desde a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há mais
base legal para a prisão civil do depositário infiel. Aduziu, ainda, que a prisão civil
do devedor-fiduciante viola o princípio da proporcionalidade, porque o ordenamento
jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do credor-
fiduciário para a garantia do crédito, bem como em razão de o DL 911/69, na linha
do que já considerado pelo relator, ter instituído uma ficção jurídica ao equiparar o
devedor-fiduciante ao depositário, em ofensa ao princípio da reserva legal
proporcional. Após os votos dos Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski,
Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Marco Aurélio, que também acompanhavam o
voto do relator, pediu vista dos autos o Min. Celso de Mello. RE 466343/SP, Rel.
Min. Cezar Peluso, 22.11.2006. RE-466343. (STF, 2007, on-line).