metáfora da criação literária e seu eterno jogo com a tradição. O velho aceita o jogo e
quase derruba os jovens que o derrubam e, mesmo assim, o velho, depois de derrubado,
enlameado e xingado, sente-se feliz. Embate melhor não há, pois o pai é subjugado por
seus filhos e ainda assim consente, mesmo que forçado ou impotente, que estes façam
de suas vidas o que quiserem. A tradição enlameada é ainda a tradição, e a juventude só
pode fazer outra história da sua vida se derrubar seu pai e o sujar. Só assim eles
conseguirão ser pais de suas criações.
O escritor não volta ao Brasil, perde-se em Londres, é tomado pelo Velho
Mundo. Dessa forma, João Gilberto Noll parece dizer que entrou na tradição, ela agora
está em seus ossos ou em seu esperma e servirá para fecundar novos escritores. O
narrador tem a certeza, ao final do romance, de que ele será um dos donos da cadeira de
Língua Portuguesa na Universidade da Cidade de Liverpool (NOLL, 2004, 104). E
demonstra seu interesse pela língua mais uma vez:
[...] pouco me interessavam então as teorias no campo literário, as exegeses,
as metáforas, a palpitação de alma dos grandes escritores. Mais me valia o
conhecimento da língua portuguesa, como ela se formara, com que cara e
dinâmica se apresentava hoje. Porque ligamos uma palavra a outra e
montamos frases suntuosas ou secas, sinuosas ou diretas, brutas ou
subliminares. Se o que dissemos com tais frases tem ligação imediata com as
coisas ou se servem apenas ao descarrego para os nossos neurônios
impossíveis. E se for essa última hipótese a prevalecer, por que não nos
calamos, mesmo que com isso eu venha a perder o emprego de professor
desse delírio chamado Língua Portuguesa? Formaremos assim um novo
Departamento nessa Universidade, o dos cânones do Silêncio, desse jeito
mesmo, com S maiúsculo, e nele evocaremos o que se esqueceu de ecoar, de
vir até aqui. De início será a única cadeira da Universidade, a nova Teologia,
de onde sairão miríades de outras tantas ramificações. (NOLL, 2004, 104).
Esse narrador deseja novamente entranhar-se em sua língua, percebê-la, senti-la,
estudá-la e, ao mesmo tempo, quer estrangeirar-se dela, e, mais uma vez, está a se
perguntar para que escrever. Sua metáfora e sua discussão metaficcional estão diante de
uma encruzilhada: para que escrever? E se há apenas a possibilidade de desentranhar da
língua aquilo que ela possui de mais genuíno, sua forma, seu corpo, para dizer aquilo
que só o sujeito pode saber, a representação acaba por ser algo da ordem do silêncio,
principalmente nessa escrita que se faz negando-se a si mesma. O teatro da aparição, em
sua instantaneidade, cria a ilusão de não-representação, opera com a transformação da
escrita em fala, prosa, poesia, tenta desfazer o ilusionismo que não é, por sua vez,
desfeito, pois é representação também. Os cânones do Silêncio é o que essa escrita
procura, mas já sabe de antemão da impossibilidade de estes se fazerem sem base