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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Letras
CONTRAFACTUALIDADE E CONFIGURAÇÃO DE ESTRATÉGIAS
ARGUMENTATIVAS EM DISCURSOS POLÍTICOS
Renata Amaral Teixeira
Belo Horizonte
2007
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2
RENATA AMARAL TEIXEIRA
CONTRAFACTUALIDADE E CONFIGURAÇÃO DE ESTRATÉGIAS
ARGUMENTATIVAS EM DISCURSOS POLÍTICOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre
em Língua Portuguesa.
Orientador: Prof. Dr. Milton do Nascimento
Co-orientador: Prof. Dr. Paulo Henrique Aguiar Mendes
Belo Horizonte
2007
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3
Renata Amaral Teixeira
Contrafactualidade e Configuração de Estratégias Argumentativas em Discursos
Políticos
Dissertação de mestrado defendida publicamente no Programa de Pós-Graduação em Letras
da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e aprovada pela seguinte Comissão
Examinadora:
___________________________________________________________
Profa. Dra. Carla Viana Coscarelli (UFMG)
___________________________________________________________
Profa. Dra. Josiane Andrade Militão (PUC Minas)
___________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Henrique Aguiar Mendes
Co-Orientador (PUC Minas)
___________________________________________________________
Prof. Dr. Milton do Nascimento
Orientador (PUC Minas)
Belo Horizonte, 2007.
________________________________________________
Prof. Dr. Hugo Mari
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Letras
4
Aos meus pais,
Avimar e Leopoldina,
cúmplices incondicionais dos meus sonhos... Agradeço pela
compreensão diante do meu isolamento, nas várias vezes em que
abdiquei da convivência por não tirar os olhos dos livros ou da tela
do computador; mas agradeço, sobretudo, pelo apoio, dedicação e
amor constantes. É a vocês que dedico este trabalho!
5
AGRADECIMENTOS
à vida, que tem me dado tanto;
à minha irmã, Cláudia, sempre orgulhosa pelas minhas conquistas... incentivadora de cada
passo, solícita a cada pedido; agradeço pela presença solidária em todos os momentos;
ao meu irmão Guilherme e às minhas sobrinhas Gabriela e Carolina (também afilhada);
promessas de um mundo melhor, luzes da minha vida;
ao meu cunhado Germânio, pela forte torcida...;
à Tia Vilma, pelos incentivos constantes, desde os meus primeiros passos, por me encorajar
na busca deste sonho que agora se concretiza;
à Vovó Maura, pelo carinho e pelas valiosas orações...;
à prima Lucia Amaral, exemplo de luta e dedicação; agradeço pelo carinho, incentivo e
apoio de sempre;
a você, Alfredo, um grande amor, com quem aprendi a viver a vida com poesia, com quem
aprendi a voltar atrás, a recomeçar, a continuar, sempre...;
à amiga Alessandra, por sua solicitude na revisão dos textos em inglês;
aos amigos incondicionais, Ana Cláudia, Daniela Brugnara, Eloisa Lara, Kátia Maria,
Luciane Barcelos, Rafael Villar, Renata Karine, Vera Lara, que, de perto ou de longe, sempre
se fizeram presentes.... Agradeço pelo apoio, incentivo e carinho a mim dispensados em todos
os momentos, inclusive nos momentos mais difíceis por que passei...;
a você, Diogo, por fazer parte do “meu infinito particular...”;
à Maria Aparecida Furtado..., o que a gentileza livremente oferece, agradecimentos não
6
podem pagar...;
à Josiane, pela confiança no meu trabalho, por receber-me como uma colega de profissão,
embora eu seja, para sempre, sua aluna;
aos colegas da Escola Estadual Antônio Augusto Ribeiro... pela compreensão e apoio;
aos professores do Mestrado, especialmente ao professor Marco Antônio (grande mestre)
pela disponibilidade, pelos conselhos e pelos incentivos constantes;
aos colaboradores da Secretaria de Pós-Graduação, especialmente à Berenice, pelo suporte
e atenção a mim dispensados em todos os momentos;
aos colegas desta caminhada: Bruno, Çãozinha, Darinka, Érica, Helena, Kariny e Maria
Regina;
ao Incógnito, especialmente à Heliana Mello, Adriana Tenuta, Sandra Cavalcante, Cida
Araújo, Marilene Cortez e Mauricéia Vieira. Agradeço pelas valiosas reflexões no âmbito da
linguagem, pelo trabalho em conjunto, pelos questionamentos certeiros e, sobretudo, pela
disposição e respeito com que me receberam e me acolheram nesse Grupo de Pesquisa;
aos meus alunos de ontem, de hoje, de sempre, os quais mantêm acesa em mim a paixão pelo
magistério e que me fazem crer que há centelhas de luz em meio à escuridão;
à CAPES, pelo apoio à pesquisa...;
a todos que, de alguma forma, contribuíram para a realização deste trabalho:
Muito Obrigada!
7
Agradecimento especial:
A você, Paulo Henrique,
professor e co-orientador; agradeço pela disposição com que
orientou-me, pela inquestionável competência aliada a sua infinita
paciência de conduzir-me ao amadurecimento de meus verdes
conhecimentos. Mas, agradeço, sobretudo, pela empolgação e
entusiasmo com o desenvolvimento do meu trabalho, o que foi
decisivo nos momentos mais difíceis, quando cheguei a pensar em
desistir. Obrigada!
8
Agradecimento especial:
A você, Milton,
professor, orientador, amigo. Agradeço pelo incentivo, pela
orientação sábia e cuidadosa, pela escuta sempre questionadora, pelo
respeito às minhas convicções; mas, sobretudo, pelo aprendizado de
despir a alma a partir da aprendizagem de desaprender...;
9
“Procuro despir-me do que aprendi.
Procuro esquecer-me
do modo de lembrar que me ensinaram,
e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos.
Desencaixotar minhas emoções verdadeiras.
Desembrulhar-me e ser eu,
não Alberto Caeiro, mas um animal
humano que a natureza produziu.
Mas isso (triste de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender...”
Alberto Caeiro
10
RESUMO
O presente trabalho tem como foco investigativo o modo como a propriedade da
contrafactualidade (FAUCONNIER & TURNER, 2002) se manifesta nos esquemas
1
argumentativos constituintes e constitutivos de discursos político-eleitorais. Trata-se,
especificamente, de uma investigação acerca das operações sintático-discursivas subjacentes à
produção e à recepção de textos, no âmbito desse subdomínio discursivo. Considerando-se,
necessariamente, a pretensão de se verificar a seguinte hipótese: os mecanismos e/ou
princípios léxico-sintático-discursivos básicos envolvidos na configuração de estratégias
persuasivas, implementadas na argumentação, caracterizam-se por instanciar de forma
determinante a propriedade da contrafactualidade. Desta forma, neste trabalho, não nos
fixamos apenas no estudo das expressões lingüísticas materializadas na linearidade dos textos:
buscamos identificar e explicitar operações lingüísticas realizadas pelos falantes na
configuração e utilização de tais expressões e/ou esquemas, no processo de construção de
textos/sentidos. Nesta perspectiva, assim como a noção de argumentação’, a noção de
contrafactualidade’ deve ser concebida na pauta mais ampla do processamento discursivo,
de forma que não se a restrinja aos limites do enunciado, em que suas manifestações são
identificadas através de construções gramaticais muito específicas. Para desenvolvermos este
trabalho, utilizamos um corpus constituído por textos verbais produzidos e veiculados na
imprensa nacional, no âmbito do domínio dos discursos político-eleitorais. Dos textos
coletados, selecionamos, na íntegra, dois discursos políticos referentes ao lançamento da
campanha eleitoral à Presidência da República do ano de 2006: i. um discurso do candidato à
reeleição, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, proferido por ocasião da Convenção
do Partido dos Trabalhadores (PT), em Brasília, no dia 24/06/06; e ii. um discurso do
candidato Geraldo Alckmin, proferido na Convenção do Partido da Social Democracia
Brasileira (PSDB), realizada em Minas Gerais, no dia 11/06/06. Na condução deste trabalho,
utilizamos um modelo de processamento discursivo construído, no essencial, com base numa
concepção de linguagem como atividade sócio-lingüístico-cognitiva, e fundamentado através
de uma articulação de princípios e pressupostos teórico-metodológicos fornecidos pela Teoria
da Argumentação, como proposta por Aristóteles, 1959, Perelman e Tyteca, 2002, e, Osakabe,
1999; pela Teoria da Enunciação postulada por Benveniste, 1989 e 1995; e pela Teoria da
Integração Conceptual, de Fauconnier e Turner, 2002. Com este estudo, chegamos à
conclusão de que, conforme previa nossa hipótese de trabalho, os mecanismos discursivos
básicos envolvidos na configuração de estratégias persuasivas implementadas na
argumentação, em discursos político-eleitorais, caracterizam-se pela contraposição,
instanciando de forma determinante a propriedade da contrafactualidade.
Palavras-chave: Linguagem; Processamento discursivo; Integração Conceptual;
Contrafactualidade; Argumentação.
1
Os esquemas argumentativos são constituintes e constitutivos de estratégias persuasivas, por meio das quais o
locutor visa conduzir o seu auditório a determinadas conclusões.
11
ABSTRACT
The present work investigates the way in which the property of Counterfactuality
(FAUCONNIER & TURNER, 2002) manifests itself in the argumentative schemes
2
that are
constitutive parts of political electoral speeches. It specifically investigates the sintactic-
discoursive operations underlying production and reception of texts, within the scope of these
discoursive sub-domains. We start from the hypothesis that the mechanisms and/or lexical-
sintactic basic principles involved in the configuration of persuasive strategies implemented in
argumentation are characterized by being determinant instances of a property of
Counterfactuality. Thus, in this work, we did not only concentrate on the analysis of linguistic
expressions materialized in the linearity of texts: we attempted to identify and unfold
linguistic operations carried out by the speakers in the configuration and use of such
expressions and/or schemes, in the process of construction of texts/meanings. In such
perspective not only the notion of argumentation’ but also the one of counterfactuality’
must be conceived in the wider scope of discoursive processing, in a way that it is not
enclosed within the boundaries of the enunciation, whose manifestations are identified
through very specific grammatical constructions. In order to develop this work, we used a
corpus that consisted of political electoral speeches produced and broadcasted nationwide.
From the texts collected we selected two whole political speeches referring to the launching
of the electoral campaign for President of the Republic in 2006 in Brazil: i. a speech made by
the then candidate to re-election, President Luiz Inácio Lula da Silva, during the Convention
of the Labor Party (PT) in Brasília on 24
th
June, 2006; and ii. a speech made by the candidate
Geraldo Alckmin at the Convention of the Brazilian Social Democrat Party (PSDB) in Minas
Gerais on 11
th
June, 2006. During the conduction of this work we used a model of discoursive
processing essentially based on a conception of language as a social, linguistic and cognitive
activity, founded on the articulation of principles and theoretical and methodological
suppositions provided by the Theory of Argumentation, as proposed by Aristoteles (1959),
Perelman and Tyteca (2002) and Osakabe (1999); by the Theory of the Enunciation developed
by Benveniste (1989 and 1995); and by the Conceptual Blending Theory of Fauconnier and
Turner (2002). According to our earlier previews, we reached the conclusion that the basic
discoursive mechanisms involved in the configuration of persuasive strategies implemented in
the argumentation of political electoral speeches are characterized by contraposition,
determinant instances of the property of Counterfactuality.
Key Words: Language; Discoursive processing; Conceptual Blending; Counterfactuality;
Argumentation.
2
The argumentative schemas are constitutive parts of persuasive strategies, by which means the speaker aims at
conducting his or her audience to particular conclusions.
12
LISTA
DE
ABREVIATURAS
Cf.: Conforme
Ea: Enunciatário
En: Enunciador
Espaço-R: Espaço da Realidade do Falante/Ouvinte
FLB: Faculty of language in the broad sense (Linguagem em sentido amplo)
FLN: Faculty of language in the narrow sense (Linguagem em sentido estrito)
IE: Instância de Enunciação
T/E: Tempo/Espaço
13
LISTA
DE
SIGLAS
PT: Partido dos Trabalhadores
PSDB: Partido da Social Democracia Brasileira
PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro
14
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 18
CAPÍTULO 1 - OBJETO DE ESTUDO, CORPUS E METODOLOGIA 21
1.1. Panorama Geral 21
1.2. Objeto de Estudo 25
1.3. Corpus e Metodologia 27
1.3.1. Corpus 27
1.3.1.1. Organização e Indicação dos Textos do Corpus 29
1.3.2. Noção de Discurso Político: fundamentos 30
1.3.2.1. Caracterização do Discurso Político-Eleitoral 31
1.3.2.1.1. Aspectos determinantes na configuração dos discursos político-eleitorais
32
1.3.3. Objetivos 35
1.3.3.1. Objetivo Geral 35
1.3.3.2. Objetivos Específicos 35
1.3.4. Procedimentos Adotados na Verificação da Hipótese 36
CAPÍTULO 2 - ARGUMENTAÇÃO – PERSPECTIVA ADOTADA 38
2.1. A Argumentação na Perspectiva de Aristóteles: a Retórica Clássica 38
2.1.1. Considerações Parciais 44
2.2. A Argumentação na Perspectiva de Perelman: a Nova Retórica 45
2.2.1. A Relação entre Orador e Auditório 46
2.2.2. Os Gêneros Oratórios 47
2.2.3. O Ato Argumentativo e os Auditórios 48
2.2.4. Objetos de Acordo 50
15
2.2.4.1. Os Fatos, as Verdades e as Presunções 51
2.2.4.2. Os Valores, as Hierarquias e os Lugares do Preferível 52
2.2.5. Dados, Linguagem e Interpretação 55
2.2.6. Figuras de Retórica e Argumentação 56
2.2.7. Figuras de Escolha, da Presença e da Comunhão 57
2.2.8. As Técnicas Argumentativas: Tipos de Argumentos 59
2.2.9. Considerações Parciais 63
2.3. Osakabe: Argumentação e Discurso Político 65
2.3.1. As Condições de Produção: Estratégias e Imagens 67
2.3.1.1. Argumentação - Atos de linguagem e a Construção de Imagens 69
2.3.2. Argumentação e Condições de Produção do Discurso 73
2.3.3. Considerações Parciais 74
2.4. Revisitando o Quadro das Teorias de Argumentação: SÍNTESE 76
CAPÍTULO 3 - PROCESSAMENTO DISCURSIVO - PERSPECTIVA
ADOTADA
79
3.1. Linguagem e Língua 79
3.2. Sujeito, Subjetividade e Intersubjetividade na Linguagem 83
3.3. Processamento Enunciativo: a Instância de Enunciação 86
3.3.1. Operações do Processamento Enunciativo: Construção de Instâncias de
Enunciação
87
3.4. Contrafactualidade: Condição para a Integração Conceptual 90
3.4.1. Operações de Integração Conceptual 93
3.4.2. A Integração Conceptual e a Contrafactualidade na Configuração de Redes
de Espaços Referenciais
97
3.4.3. Integração Conceptual e Instâncias Enunciativas: Discursivização 98
3.5. Síntese: Modelo de Processamento Discursivo Adotado 101
16
CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DO CORPUS 105
4.1. Contextualização do Objeto de Estudo 105
4.2. Análise dos Discursos Político-Eleitorais: PROCEDIMENTOS BÁSICOS 107
4.3. Análise do Discurso Político-Eleitoral do Candidato LULA: Organização da
Cena Enunciativa
108
4.3.1. Construção da Relação Enunciador/Enunciatário 109
4.3.1.1. Construção do ethos 109
4.3.1.2. Construção do pathos 123
4.3.1.3. Construção do logos 126
4.3.1.4. Correlação entre Elogios, Críticas e Promessas 129
4.3.1.5. A Instanciação do Princípio da Contrafactualidade no Discurso Político-
Eleitoral de Lula
135
4.4. Análise do Discurso do Candidato ALCKMIN: Organização da Cena
Enunciativa
144
4.4.1. Construção da Relação Enunciador/Enunciatário 146
4.4.1.1. Construção do ethos 146
4.4.1.2. Construção do pathos 151
4.4.1.3. Construção do logos 153
4.4.1.4. Correlação entre Elogios, Críticas e Promessas 155
4.4.1.5. A Instanciação do Princípio da Contrafactualidade no Discurso Político-
Eleitoral de Alckmin
161
4.5. Contraposição entre os Discursos Analisados: Lula e Alckmin, Parte e
Contraparte
166
CONSIDERAÇÕES FINAIS 169
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 172
ANEXOS 175
17
“O homem sentiu sempre
- e os poetas freqüentemente cantaram -
o poder fundador da linguagem,
que instaura uma realidade imaginária,
anima as coisas inertes, faz ver o que ainda não existe,
traz de volta o que desapareceu.
É por isso que tantas mitologias,
tendo de explicar que no início dos tempos
alguma coisa pôde nascer do nada,
propuseram como princípio criador do mundo
essa essência imaterial e soberana , a Palavra.”
(BENVENISTE, 1995: 27)
18
INTRODUÇÃO
O objeto de estudo deste trabalho de pesquisa a construção e utilização de
estratégias argumentativas à luz do princípio da contrafactualidade coloca em cena um
grande desafio: retomar a Retórica pelo viés da contrafactualidade, do processamento
lingüístico-discursivo. Isso implica propor uma releitura sobre a noção de argumentação e
sobre o fenômeno da contrafactualidade.
A argumentação, enquanto domínio da expressão verbal, tem sido objeto de grandes
estudos
3
, embora com perspectivas e objetivos diversificados. Tradicionalmente, do ponto de
vista gramatical, a argumentação é enquadrada estruturalmente, a partir de um esquema
sintático formal que tem como ponto de partida a oração. No âmbito da Retórica, o estudo da
argumentação é centrado nos aspectos persuasivos da fala, enquanto na Nova Retórica
privilegia-se a estrutura da argumentação escrita. Neste trabalho, porém, concebemos as
estratégias de argumentação como recursos recorrentes no uso da linguagem, e, por
conseguinte, do discurso
4
. Com base nesse entendimento, supomos que a essas estratégias
subjazem princípios e operações lingüístico-cognitivas específicas. Essa suposição justifica o
nosso interesse por enfocar o processamento dessas estratégias e seus efeitos, no âmbito do
discurso político-eleitoral, haja vista pretendermos abordar alguns destes princípios
operacionais básicos que possibilitam a efetivação de tais estratégias.
No que tange à contrafactualidade, sabe-se que ela é tradicionalmente concebida a
partir da utilização de determinadas construções da língua, as quais envolvem o uso, dentre
outros itens, da conjunção condicional “se”, seguida de verbos nos tempos e modos
adequados, tal como em: Se Clinton fosse o Titanic, o iceberg é que teria afundado
5
. Nesta
pesquisa, com base na obra The way we think: conceptual blending and the mind’s hidden
complexities, de Fauconnier e Turner (2002), adotamos a noção de “contrafactualidade” como
uma propriedade básica da mente humana, sendo necessário, para compreendê-la, partir do
princípio de que quando os seres humanos modernos, cognitivamente desenvolvidos, mentem,
fingem, imitam, fantasiam, enganam, simulam situações, propõem hipóteses e etc. (cf.
FAUCONNIER e TURNER, 2002:217), estão, na verdade, ativando habilidades complexas
que lhes possibilitarão operar mentalmente com espaços imagéticos que envolvem a
3
Neste trabalho, retomamos os estudos de Aristóteles, 1959, Perelman e Tyteca, 2002, e, Osakabe, 1999,
acrescidos das contribuições de Charaudeau, 2006, e de Lemos, 2006.
4
O termo ‘discurso’ é empregado, nesta pesquisa, como a própria atividade de linguagem.
5
Exemplo retirado de Fauconnier(2004), em entrevista concedida à Carla Coscarelli.
19
construção de um mundo alternativo ao real, ou seja, um mundo possível, diferente do mundo
da realidade discursiva do falante/ouvinte.
A essa noção subjaz a visão de linguagem como atividade sócio-lingüístico-cognitiva,
por natureza dialógica e argumentativa, e, também, o entendimento de que é a relação entre o
discurso e a situação argumentativa que produz efeitos persuasivos, a partir da interação entre
os falantes, o que pressupõe a instanciação de diversos elementos constitutivos do Processo de
Discursivização. Esse processo somente se efetiva a partir da criação e articulação de espaços
referenciais (no mínimo o factual e o seu contrafactual), ativados e integrados através das
suboperações lingüístico-cognitivas básicas de Identificação, Integração e Imaginação (cf.
FAUCONNIER e TURNER, 2002), que têm como condição de efetivação o princípio da
contrafactualidade. Segundo esse entendimento, o pensamento humano é contrafactual
6
e a
sua manifestação perceptível na materialidade dos enunciados vai muito além das estruturas e
expressões fixas, como demonstraremos caso nossa hipótese seja confirmada.
O presente trabalho de pesquisa organiza-se em quatro capítulos, distribuídos da
seguinte forma: o primeiro capítulo tem como função explicitar o seu objeto de estudo, o
corpus selecionado e a metodologia utilizada na condução da pesquisa. O segundo capítulo
destina-se à construção de uma noção de argumentação, com base nos pressupostos teórico-
metodológicos de Aristóteles, 1959, Perelman e Tyteca, 2002, Osakabe, 1999, e das
contribuições de Charaudeau, 2006, e de Lemos, 2006. O terceiro capítulo tem como foco a
construção da noção de processamento discursivo, com base em Benveniste, 1989 e 1995; em
Fauconnier e Turner, 2002; e nas contribuições de Azevedo, 2006; Hauser, Chomsky e Fitch,
2002; Morin, 1996; Magalhães, 1998 e de Nascimento e Oliveira, 2004. Nesse mesmo
capítulo, articulamos essas teorias e apresentamos a síntese do modelo de processamento
discursivo proposto. Por último, no quarto capítulo, apresentamos uma análise detalhada do
corpus deste trabalho; apresentando, em seguida, as conclusões a que chegamos.
Acreditamos que esta investigação poderá contribuir para com o desenvolvimento das
pesquisas lingüísticas atuais, uma vez que propõe elucidar alguns princípios e/ou mecanismos
envolvidos no modus operandi do processamento discursivo.
6
Com base nos pressupostos teórico-metodológicos de Fauconnier e Turner(2002).
20
“... a linguagem constrói o mundo, não o “representa”.”
W.B. Pearce
21
CAPÍTULO 1
OBJETO DE ESTUDO, CORPUS E METODOLOGIA
1.1. Panorama Geral
Desde a Antiguidade Clássica, o fenômeno da linguagem vem sendo tomado como
objeto de reflexão e análise, como se pode constatar a partir dos sofistas, no século V a.C., na
Sicília, passando por Platão e Aristóteles, entre outros, até os dias atuais. Das reflexões
filosóficas da antiguidade aos estudos contemporâneos, a linguagem tem sido estudada sob
múltiplos olhares, embora nem sempre sejam convergentes os caminhos percorridos. No
entanto, por ser multifacetado, tem sido cada vez mais evidente que somente através do
diálogo entre esses olhares é que chegaremos à compreensão do fenômeno da linguagem
como um todo. Em vista disso, propomos, nesta pesquisa, que a linguagem seja estudada no
âmbito da inter-relação lingüístico-cognitiva e social, com base no estabelecimento de uma
interface teórica que subsidie a investigação do processamento das estratégias de
argumentação, à luz do princípio da contrafactualidade
7
.
Nesta perspectiva, pretende-se, no desenvolvimento deste estudo, enfocar as
estratégias de argumentação efetivadas sintático-discursivamente, manifestas na configuração
das Redes
8
Referenciais
9
, no processamento de textos do domínio político, a fim de
demonstrar como o princípio da contrafactualidade se instancia no discurso político-eleitoral.
Isso se justifica por pressupormos que a contrafactualidade é uma propriedade básica das
operações
10
mentais responsáveis pela implementação e gestão do processamento
discursivo
11
, estando, conseqüentemente, envolvida na produção/recepção de todo e qualquer
7
Na perspectiva da Teoria da Integração Conceptual (Fauconnier e Turner, 2002), a contrafactualidade é uma
propriedade da mente humana e tem um papel central não apenas no modo como pensamos, mas, também, no
modo como aprendemos e vivemos, sendo, portanto, essencial para a compreensão da produção de sentido pela
mente humana. (Trataremos desse importante assunto mais a frente, no capítulo 3).
8
“A manipulação da mescla (integração) como uma unidade deve manter a rede de conexões aos espaços input,
facilmente e sem observação ou computação adicional” (Azevedo, 2006.)
9
A rede de Espaços Referenciais se constitui no processamento discursivo de todo e qualquer texto. Dado o
caráter dialógico da linguagem, a integração de domínios referenciais em rede é constituída, predominantemente,
por espaços referenciais constituídos por Instância de Enunciação.
10
Identificação, Integração e Imaginação: Blend.
11
A expressão “processamento discursivo” é usada para nos referirmos a “qualquer ação de linguagem que
envolva a produção de texto/sentido” (Nascimento e Oliveira, 2004).
22
texto. Além disso, presumimos, também, que a contrafactualidade pode ser entendida como
uma propriedade básica e determinante das estratégias persuasivas implementadas na
argumentação no/pelo referido domínio discursivo.
No âmbito dessa questão, não adotamos, neste trabalho, a visão geralmente arrolada
pela tradição gramatical, a qual enquadra a estrutura argumentativa em um esquema sintático
formal que tem como ponto de partida a oração, pois, neste estudo, consideramos o texto
12
.
Também não consideramos simplesmente a concepção tradicional de argumentos,
considerando-se como estratégias de argumentação cada um dos termos da estrutura de um
argumento definido no âmbito do enunciado sintaticamente configurado; o que contraria os
princípios desta pesquisa, uma vez que aqui as estratégias de argumentação são consideradas
como recursos recorrentes no uso da linguagem, e, por conseguinte, do discurso, tal como o
entendemos neste trabalho
13
. Na verdade, estamos assumindo, nesta pesquisa, que as
estratégias argumentativas são configuradas com o objetivo de promover o engajamento do
interlocutor, visando conduzi-lo a uma determinada conclusão, supondo que a essas
estratégias subjazem princípios e operações mentais específicas. Por isso, nosso interesse,
aqui, consiste em analisar o processamento dessas estratégias e seus efeitos, no âmbito do
discurso político-eleitoral, a fim de demonstrar os princípios operacionais sicos que
possibilitam a efetivação das mesmas.
Consideramos que à linguagem subjaz a ação política, que depende, necessariamente,
de um espaço
14
de discussão para se constituir. Para Charaudeau (2006:27), com quem
concordamos, “a política se concretiza mediante várias atividades de regulamentação
social”, entre elas, a de regular as relações de força, a de legislar e a de distribuir e repartir as
tarefas, papéis e responsabilidades sociais. Diante disso, podemos conceber a política como
um espaço de ação que depende dos espaços de discussão e de persuasão
15
. Esses espaços são
divididos e validados conforme domínios sociais pertencentes, haja vista a necessidade que
toda sociedade tem de reconhecer e de classificar o domínio das trocas e relações efetivadas.
O espaço público, heterogêneo e fragmentado em diferentes domínios, é estruturado em
determinados campos de ação social, a saber: jurídico (regulamentação das condutas sociais
através das leis), econômico (regulamentação do mercado), midiático (regulamentação da
12
Adotamos a noção de texto postulada por Beaugrande (apud Nascimento e Oliveira, 2004:285), para quem
“um texto é um evento comunicativo no qual convergem ações lingüísticas, sociais e cognitivas”, entendendo
por evento “aquilo que acontece quando um texto é reconhecido como tal através da produção de sentido que
ele permite”.
13
O termo ‘discurso’ é empregado, nesta pesquisa, como a própria atividade de linguagem.
14
A expressão “espaço político” não remete necessariamente ao espaço geográfico, mas ao espaço do discurso
político, que é fragmentado em diversos outros espaços.
15
Espaços esses que não se efetivam sem que o locutor se proponha, se institua como sujeito.
23
circulação da informação) e o político (regulamentação das relações de poder e de regras de
governança). Esses domínios se entrecruzam e se influenciam mútua e permanentemente, a
fim de se constituírem. Nestes meandros, como postula Charaudeau (2006:31), é numa
situação de comunicação política que o discurso se constitui como discurso político,
“metamorfoseando-se ao sabor das influências que sofre” dos vários espaços de discussão e
persuasão.
Ao politizar-se em função da situação (cf. CHARAUDEAU, 2006), o discurso
político, como postulado por Osakabe (1999:106), se divide em categorias, a saber: o discurso
Político-Teórico e o Político-Militante. O primeiro, o discurso político-teórico, fica no plano
da convicção; e o segundo, o político-militante, visa alcançar mais do que a adesão do ouvinte
a uma posição, mas, sobretudo, sua participação. Neste contexto, considera-se que o homem
público, ao dirigir-se ao seu ouvinte, confere à sua fala uma força persuasiva, instaurando um
processo de fascínio eficaz. Acrescenta-se o fator sedução que, por meio de certas
construções, visa surpreender os interlocutores. Esta forma de argumentação (a do discurso
político), segundo alguns autores, (OSAKABE, 1999, CHARAUDEAU, 2006, CARVALHO,
2002), aproxima-se do discurso publicitário em geral, cujo principal objetivo é o de vender o
produto, o que no presente caso é a imagem do candidato, seu programa de governo, com o
objetivo específico de conseguir o voto. Neste trabalho, no entanto, não nos ateremos à
classificação dos referidos tipos de discursos políticos, mas, tão-somente, ao estudo das
operações mentais que estão envolvidas na configuração das estratégias argumentativas que
os constituem.
O estudo a que nos propomos se desenvolverá a partir da adoção de uma concepção de
linguagem como atividade lingüístico-cognitiva e social
16
, contextualmente configurada, que
tem a argumentatividade como uma de suas propriedades definitórias. Consideramos que,
nessa atividade de linguagem, os interlocutores, na produção e recepção de textos, instituem-
se como enunciadores e enunciatários, em um determinado tempo e espaço discursivos, no
estabelecimento de uma relação com o mundo e com o outro, conforme postula Benveniste
(1989), em seu artigo intitulado “O aparelho formal da enunciação”. A essa acepção de
língua como uso subjaz a concepção de sujeito auto-eco-organizador, produtor e produto,
constituinte e constitutivo de seu próprio processo de existência (cf. MORIN, 1996), na
construção da sua subjetividade na relação com o mundo e com o outro. Concebendo-se,
portanto, um sujeito heterogêneo em cujo discurso se refletem diversas “vozes”.
16
À concepção de linguagem como atividade lingüístico-cognitiva e social é inerente o aspecto interativo, haja
vista que o social implica interação.
24
Para abordarmos o papel da contrafactualidade na configuração de redes referenciais
no processamento de textos do domínio político, com vistas à compreensão de como se
configuram discursivamente as estratégias de argumentação, será necessária a articulação de
diferentes teorias, o que acarretará a construção do quadro de referência teórico-metodológica
a ser adotado neste trabalho. Assim, pretendemos estabelecer uma interface teórica entre a
Teoria da Integração Conceptual
17
, a Teoria da Enunciação
18
e as Teorias da Argumentação
19
,
o que consideramos possível pelo fato de todas essas teorias considerarem a linguagem em
sentido amplo
20
, a linguagem como atividade discursiva. No entanto, é importante ressaltar
que, nesta articulação, nem todos os elementos constitutivos dessas teorias serão considerados
relevantes na constituição do quadro teórico específico deste trabalho. À luz dos pressupostos
teórico-metodológicos que adotaremos na condução desta pesquisa, explicitados nos capítulos
1, 2 e 3 deste trabalho, pretendemos verificar a seguinte hipótese: os mecanismos e/ou
princípios léxico-sintático-discursivos básicos envolvidos na configuração de estratégias
persuasivas, implementadas na argumentação, caracterizam-se por instanciar de forma
determinante a propriedade da contrafactualidade.
Organizacionalmente, este trabalho apresenta-se da seguinte forma: no primeiro
capítulo, apresentamos o trabalho a ser desenvolvido, delineando o objeto a ser estudado, a
metodologia a ser utilizada e o corpus selecionado. No segundo capítulo, explicitamos a
noção de argumentação adotada na condução do trabalho, com base em contribuições teóricas
de alguns autores que abordam o assunto, desde a antiguidade clássica aos dias atuais, entre
eles Aristóteles, 1959; Perelman e Tyteca, 2002; e, Osakabe, 1999; acrescidas das
contribuições de Charaudeau, 2006, e de Lemos, 2006. No terceiro capítulo, explicitamos e
articulamos os pressupostos a serem utilizados na concepção e configuração do modelo de
processamento discursivo adotado nesta pesquisa, o que é feito a partir da articulação dos
pressupostos teórico-metodológicos fornecidos pela Teoria da Enunciação (BENVENISTE,
1989 e 1995) e pela Teoria da Integração Conceptual (FAUCONNIER e TURNER, 2002),
enriquecida pelas contribuições dos trabalhos de Azevedo, 2006; Hauser, Chomsky e Fitch,
2002; Morin, 1996; Magalhães, 1998, e de Nascimento e Oliveira, 2004. Por fim, no quarto
capítulo, procedemos à análise do corpus, em busca de conclusões que confirmem ou refutem
a nossa hipótese de trabalho. As conclusões decorrentes das análises feitas são apresentadas
logo após o desenvolvimento da análise do corpus.
17
Fauconnier e Turner(2002).
18
Benveniste(1989 e 1995).
19
Aristóteles(1959); Perelman e Tyteca(2002); Osakabe(1999).
20
cf. Hauser, Chomsky e Fitch, 2002.
25
Com tudo isso, esta pesquisa pretende, ainda que modestamente, trazer uma
contribuição aos estudos lingüísticos, de maneira que, cada vez mais, se estude a língua como
elemento fundamental do processamento discursivo.
1.2. Objeto de Estudo
O objeto de estudo deste trabalho de pesquisa se circunscreve no âmbito da construção
e utilização de estratégias argumentativas, e de suas modalidades, na argumentação, à luz do
fenômeno da contrafactualidade. Trata-se, especificamente, de uma investigação acerca das
operações sintático-discursivas subjacentes à produção e à recepção de textos, no âmbito do
domínio do discurso político-eleitoral. Desta forma, este trabalho não pretende fixar-se no
estudo das expressões lingüísticas materializadas na linearidade dos textos, mas nas operações
mentais indiciadas por tais expressões e/ou esquemas argumentativos
21
, no processo de
construção de sentidos pela mente humana. Isso porque, na nossa visão, na materialidade do
texto tem-se uma configuração material das expressões lingüísticas minimamente necessárias
para a semantização da língua no processo de referenciação
22
.
Para o desenvolvimento deste estudo, pretende-se explicitar um modelo de
Processamento Discursivo
23
a partir da articulação de pressupostos teórico-metodológicos
fornecidos por Hauser, Chomsky e Fitch, 2002; por Morin, 1996; por Benveniste, 1989, 1995;
por Fauconnier e Turner, 2002; pelos teóricos da argumentação, tais como Aristóteles, 1959;
Perelman e Tyteca, 2002; e Osakabe, 1999; enriquecidas pelas contribuições de Nascimento e
Oliveira, 2004; Azevedo, 2006, Magalhães, 1998, Charaudeau, 2006 e Lemos, 2006; o que é
possível, somente, pelo fato de essas teorias considerarem a linguagem como atividade
discursiva. Com base nessa articulação teórica, pretendemos esboçar um modelo de
processamento discursivo que possa fundamentar a investigação do uso de estratégias
argumentativas, e de suas modalidades, na implementação de discursos no âmbito do domínio
político-eleitoral, como anteriormente explicitado.
21
Ratificamos que os esquemas argumentativos são constituintes e constitutivos de estratégias persuasivas, por
meio das quais o locutor visa conduzir o seu auditório a determinadas conclusões.
22
Compreendemos a referenciação como “produção/construção de sentidos”.
23
Ratificamos que a expressão “processamento discursivo” é usada para nos referirmos a “qualquer ação de
linguagem que envolva a produção de texto/sentido” (Nascimento e Oliveira, 2004).
26
Salientamos, contudo, que, nos dois capítulos que se seguem, consideraremos, o-
somente, os elementos constitutivos dessas teorias que julgamos relevantes para a construção
do quadro teórico desta pesquisa, com vista à análise do corpus selecionado. Assim, no
desenvolvimento desta pesquisa, assumiremos, sucintamente, as seguintes concepções e
pressupostos:
(1)
a) a hipótese segundo a qual os mecanismos e/ou princípios léxico-sintático-
discursivos básicos envolvidos na configuração de estratégias persuasivas,
implementadas na argumentação, caracterizam-se por instanciar de forma
determinante a propriedade da contrafactualidade;
b) o pressuposto de que a contrafactualidade, como propriedade básica da mente, é
condição para que se dê o processamento discursivo, consistindo na habilidade
mental de operar com mundos, na configuração de um mundo imagético,
contraparte do mundo da realidade discursiva do falante;
c) o pressuposto de que o ato de argumentar constitui o ato lingüístico fundamental e
de que o processamento discursivo se necessariamente pela construção e
integração de espaços referenciais: instâncias de enunciação e outros tipos de
espaços que só podem ser implementados e geridos no interior delas;
d) a consideração de que as estratégias de argumentação são recursos recorrentes no
uso da linguagem, e, por conseguinte, do discurso;
e) a concepção de linguagem como atividade lingüístico-cognitiva e social,
configurante de contextos e contextualmente configurada, que tem como uma de
suas propriedades definitórias a argumentatividade;
f) a consideração de que, na atividade de linguagem, os interlocutores instituem-se
como enunciadores e enunciatários, num espaço e tempo específico do discurso, a
fim de estabelecer uma relação interativa com o mundo e com o outro, conforme
postula Benveniste (1989), em seu artigo intitulado “O aparelho formal da
enunciação”;
27
g) a concepção de sujeito como sendo auto-eco-organizador, “produtor e produto”,
constituinte e constitutivo de seu próprio processo de existência (cf. Morin, 1996),
da sua subjetividade na relação com o mundo e com o outro. Essa concepção nos
leva a adotar a concepção de um sujeito heterogêneo em cujo discurso se refletem
diversas “vozes”, na construção de interação com o outro, pelo discurso.
e,
h) o postulado de que “(...)a discursivização é ação dos falantes de implementar e
gerir o processamento discursivo”, (cf. NASCIMENTO e OLIVEIRA, 2004:290).
1.3. Corpus e Metodologia
1.3.1. Corpus
O corpus deste trabalho constitui-se por textos produzidos e veiculados no domínio
dos discursos políticos, especificamente eleitorais, por serem caracterizados pela recorrência
da utilização de estratégias de argumentação, o que contribuirá positivamente para o
desenvolvimento do estudo aqui proposto. Desta forma, visando à comprovação de nossa
hipótese, coletamos, no domínio dos discursos político-eleitorais, diversos textos verbais
veiculados na imprensa nacional por meio de veículos impressos e/ou eletrônicos. Dos textos
coletados, selecionamos, na íntegra, dois discursos políticos referentes ao lançamento da
campanha eleitoral à Presidência da República do ano de 2006:
1) um discurso do candidato à reeleição, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
proferido por ocasião da Convenção Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), em Brasília,
no dia 24/06/06 (anexo 1);
e
2) um discurso do candidato Geraldo Alckmin, proferido na Convenção do Partido da Social
Democracia Brasileira (PSDB), realizada em Minas Gerais, no dia 11/06/06 (anexo 2).
28
Esses discursos foram retirados dos sites
24
dos referidos partidos, onde foram
publicados, na íntegra, após as respectivas convenções partidárias. Não obstante ao fato de
serem textos oralizados, serão assumidos, neste trabalho, como textos escritos, o que não
influenciará no alcance do nosso propósito: demonstrar como se a construção e utilização
de estratégias argumentativas, na argumentação, à luz do fenômeno da contrafactualidade.
Essa demonstração será feita a partir da identificação e análise das estratégias de
argumentação efetivadas sintático-discursivamente, manifestas na configuração das Redes
Referenciais, no processamento desses textos. É relevante ressaltar que a seleção do corpus
deste trabalho se deu por amostragem.
Em síntese, apresento, abaixo, um conjunto de informações que servirão de base para a
análise proposta nesta pesquisa:
(2)
. De todos os discursos coletados foram selecionados dois discursos político-eleitorais,
sendo: um discurso do candidato Luiz Inácio Lula da Silva; e, outro, do candidato
Geraldo Alckmin;
. Ambos discursos referem-se ao lançamento da campanha eleitoral à Presidência da
República do ano de 2006;
. Ambos discursos foram publicados, na íntegra, nos sites dos respectivos partidos (PT
e PSDB), de onde os retiramos;
. Os dois textos, a nosso ver, são textos escritos, os quais foram oralizados por ocasião
das Convenções Partidárias;
. Não temos a pretensão de analisar o conteúdo ideológico de cada político/partido,
mas a configuração e o processamento mental das estratégias argumentativas
utilizadas pelos referidos candidatos na fala aos seus interlocutores.
24
www.pt.org.br e www.psdb.org.br. Sites acessados na época das referidas convenções (junho/06).
29
1.3.1.1. Organização e Indicação dos Textos do Corpus
Para efeito de organização, identificamos os discursos da seguinte maneira:
i. discurso do candidato Lula - anexo 1 ou texto 1
ii. discurso do candidato Alckmin - anexo 2 ou texto 2
Ao fazer referência aos trechos dos referidos discursos usaremos o seguinte tipo de
denominação:
L-linha1-5
. A letra “L” maiúscula refere-se ao discurso de Lula;
. A palavra “linha” refere-se à linha, ou linhas, que compõe o trecho em destaque;
. A numeração que se segue à palavra “linha” é a identificação das linhas do trecho
em análise, conforme anexo 1.
A-linha1-5
. A letra “A” maiúscula refere-se ao discurso de Alckmin;
. A palavra “linha” refere-se à linha, ou linhas, que compõe o trecho em destaque;
. A numeração que se segue à palavra “linha” é a identificação das linhas que
compõem o trecho em análise, conforme anexo 2.
No desenvolvimento da análise de ambos os discursos, inseriremos “olhos gráficos
25
para destacar as operações subjacentes aos esquemas argumentativos identificados, a fim de
realçar o foco central desta pesquisa: o modo como a contrafactualidade se manifesta nos
discursos político-eleitorais.
Tais identificações e numerações não denotam seqüência temporal ou de publicação,
mas tão-somente critério organizacional e metodológico. É importante ressaltar que um
discurso ou fragmento poderá aparecer mais de uma vez, fazendo parte de esquemas
argumentativos distintos.
25
“Recurso de edição mais usado para anunciar os melhores trechos de textos longos e arejar sua leitura” (cf.
Novo Manual de Redação da Folha de São Paulo, 2000:157-158)
30
1.3.2. Noção de Discurso Político: Fundamentos
O discurso político, com base na concepção de discurso enquanto atividade, se
constitui a partir das relações estabelecidas entre três categorias fundamentais: a linguagem
26
,
a ação e o poder. Dessa trilogia, emergem as relações de poder, que o estabelecidas via
construção e abordagem do sistema de valores coletivos. Essa concepção de discurso político
é coerente com as perspectivas teórico-metodológicas adotadas e articuladas nesta pesquisa
27
,
convergindo com o ponto básico, a saber: o entendimento da linguagem enquanto atividade
discursiva, por meio da qual persuadimos nossos interlocutores e construímos sentidos no
processo de interação, o qual é auto-eco-organizacionalmente construído.
Nesta perspectiva, consideramos o discurso político como um domínio das práticas
sociais de linguagem, uma vez que em sua implementação efetivam-se interações.
Entendemos o poder, também, como uma forma de relação, ou conjunto de relações, por meio
da qual os indivíduos ou grupos interferem, essencialmente pela palavra, nas atividades uns
dos outros
28
. Desta forma, considera-se a política como um espaço
29
de ação
30
, de ação pela
palavra, pelo discurso, dependente de outros espaços de discussão e de persuasão. Trata-se,
portanto, de um domínio discursivo de auto-eco-organização da situação comunicativa.
Situação essa em que se configura um determinado discurso como político, o qual se constitui
com base nas diversas influências que sofre da heterogeneidade do espaço público
31
. Assim, o
discurso político, embora considerado, na maioria das vezes, como a fala do homem político,
pode ser entendido como um discurso que compete a todos os indivíduos de uma sociedade,
desde que cumpra uma função política.
No âmbito do domínio do discurso político, evidenciamos o discurso eleitoral,
considerado como um subdomínio do discurso político, o qual é fundamental para o
26
Linguagem em sentido amplo, como postulam Hauser, Chomsky e Fitch, 2002.
27
cf. Aristóteles, 1959; Perelman e Tyteca, 2002; Osakabe, 1999; Charaudeau, 2006; Lemos, 2006; Benveniste,
1989 e 1995; Fauconnier e Turner, 2002, Azevedo, 2006; Hauser, Chomsky e Fitch, 2002; Morin, 1996;
Magalhães, 1998; Nascimento e Oliveira, 2004.
28
Esse processo pode ser correlacionado à auto-eco-organização das relações intersubjetivas construídas em toda
e qualquer interação, inclusive as relações estabelecidas no âmbito do discurso político.
29
Ratificamos que a expressão “espaço político” não remete necessariamente ao espaço geográfico, mas ao
espaço construído discursivamente.
30
A política como espaço de ação, a nosso ver, constitui-se com um domínio de auto-eco-organização, haja vista
a (re)construção dos sujeitos e suas ações sociais.
31
Segundo Charaudeau (2006), o espaço público não é homogêneo. Ele é fragmentado em diferentes espaços
que se entrecruzam e não respondem às mesmas finalidades. (p. 31)
31
estabelecimento da democracia, tendo o voto como uma forma de escolha imprescindível para
a sua sustentação.
1.3.2.1. Caracterização do Discurso Político-Eleitoral
O discurso político-eleitoral é assumido, por nós, como um subdomínio do discurso
político. Constitui-se basicamente pela correlação de esquemas argumentativos típicos desse
subdomínio discursivo (elogios, críticas, promessas), embora não só. Por isso, é importante
considerarmos e entendermos, além de tais esquemas, determinados fatores que influenciam
na relação entre o candidato e o eleitor, no momento da interação discursiva. Esses fatores são
denominados, nesta pesquisa, “fatores do ambiente externo”. Isso se justifica por assumirmos
que a persuasão efetivada pelo discurso se constrói de acordo com o cenário, com a época,
com o contexto em que se insere, etc, porque é a cena enunciativa como um todo que
persuade.
Consideramos como discurso político-eleitoral os pronunciamentos dos candidatos
quando das campanhas eleitorais, sejam elas relacionadas ao Município, ao Estado ou à
União. Esse subdomínio discursivo é constituído por estratégias argumentativas do homem
político, com vistas à persuasão dos indivíduos, do auditório, especialmente dos eleitores
potenciais, pois se tem o voto como objetivo e, por conseguinte, a eleição do então candidato.
Esse subdomínio discursivo, com base no estudo que vimos desenvolvendo, parece operar de
forma privilegiada com as dimensões da factualidade e da contrafactualidade, no que tange à
ancoragem nos eixos temporais de passado e futuro, partindo do presente da enunciação do
discurso eleitoral proferido. Isso ocorre em função da sua dimensão assertiva de elogio ou de
crítica, a qual precisa se ancorar na existência de uma suposta factualidade que reporta a
ações/eventos passados, sobre os quais se apóia para, posteriormente, na sua dimensão
comissiva de promessa e diretiva de pedido de voto, se ancorar na necessidade de um
contrafactual que reporta a ações/eventos futuros não existentes, como bem coloca Mendes
(1999). É nesse domínio textual que procederemos a análise aqui pretendida.
32
1.3.2.1.1 Aspectos Determinantes na Configuração dos Discursos Político-Eleitorais
Além das considerações apresentadas, levaremos em conta os fatores do “ambiente
externo” que forem relevantes para a compreensão dos processos envolvidos na configuração
da cena enunciativa global dos dois discursos a serem analisados. O primeiro fator “externo”
relevante é a delimitação do evento comunicativo em que se construção de ambos os
discursos: a convenção.
A convenção, a nosso ver, se caracteriza como condição de produção básica e
determinante de ambos os discursos. No âmbito da política, a Convenção partidária
32
pode ser
entendida como uma “assembléia convocada para designar os candidatos a cargos eletivos,
apresentar os programas e/ou preparar campanhas eleitorais”
33
, haja vista que não
candidato avulso, que possa disputar um cargo eletivo sem indicação de um partido. Não se
trata, porém, de um evento político opcional, a lei exige que os candidatos sejam escolhidos
em convenção partidária. A convenção, mais que um simples evento, uma simples
formalidade, é um órgão deliberativo do partido. Por isso, para que seus atos produzam efeitos
no mundo jurídico é necessário que o partido esteja funcionando legalmente. No entanto, a
escolha de candidatos em convenção não é uma questão exclusivamente interna corporis. Ela
ultrapassa os domínios do partido e projeta-se na vida comunitária. Desse ato depende a
participação do partido na disputa pelos cargos eletivos. Essa é uma das facetas do status
civitatis, da cidadania, do jus honorum, que não se restringe ao querer da agremiação política.
Quanto ao local de realização, não previsão estatutária especificando o local onde deva
realizar-se a convenção nacional. Em função disso, aplica-se, subsidiariamente, o artigo 45, da
Lei n
o
5.682/71, que determina a sua realização na capital da União. Não obstante, no caso de
escolha de candidatos, a convenção poderá ser realizada em outra localidade, conforme
interesses partidários.
Com base nesses dados e nos discursos político-eleitorais em análise, entendemos que
a Convenção Nacional de cada um dos partidos se constitui como a cena enunciativa global
34
,
a qual se configura da seguinte maneira: o partido político se constrói, pela linguagem, como
32
A Lei Eleitoral 9.504, de 30 de setembro de 1997, estabelece normas para as eleições: Disposições Gerais,
das Coligações e das Convenções para a Escolha de Candidatos. Essa Lei foi alterada pela Resolução Nº 22.156,
de 3 de março de 2006.
33
Conforme definição encontrada na internet, site www.camara.rj.gov.br/acamara/legislativo/abc.html, acessado
em 25/01/07.
34
Entenda-se básica por geral. Cena em que todas as demais instâncias enunciativas (subcenas) e/ou espaços
referenciais são criados e articulados, na/pela construção da referência, do sentido emergente.
33
enunciador e, ao mesmo tempo, institui o povo brasileiro como enunciatário, objetivando
apresentar o candidato que concorrerá às eleições, o que acontece no aqui/gora da enunciação,
da realização do evento discursivo. A essa cena enunciativa, cria-se e integra-se a instância de
discurso do candidato em apresentação. Esse candidato se auto-eco-constrói como sujeito que
fala, ao mesmo tempo em que constrói seu interlocutor, seu auditório, os convencionais, na
fala a eles direcionada, também, no aqui e agora, tempo e espaço do discurso. É com base
nessa cena que procederemos a análise do nosso objeto de estudo.
Outro fator “externo” que consideramos importante para a análise do corpus desta
pesquisa é a possibilidade da reeleição
35
. A reeleição foi introduzida no país em 1997, por
meio da Emenda Constitucional 16
36
. Essa Emenda mudou a tradição brasileira, que desde
1891, data da primeira constituição republicana, proibia a reeleição a cargos do poder
executivo para dois mandatos consecutivos. A partir da promulgação dessa Emenda, o
Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e
quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos, passaram a ter o direito de
serem reeleitos, pelo voto popular, para um único período subseqüente, o que aconteceu com
o Ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso e, atualmente, com o Presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
O histórico dos partidos políticos a que se filia cada um dos candidatos, a nosso
ver, também é de suma importância para a compreensão da cena enunciativa em que se
configura o discurso dos candidatos, pois influencia em certos posicionamentos e condutas
que refletem na relação do candidato com o povo brasileiro. O Partido dos Trabalhadores, PT,
ao qual o candidato Lula é filiado, nasceu de um conjunto de mobilizações sociais, tendo sua
origem nas históricas greves do ABC paulista, no final da década de 70, quando era liderado
por Lula. Nas palavras de Raimundo Junior, vice-presidente do PT do Distrito Federal, o
partido
(...)é filho do sindicalismo independente do estado e dos patrões (...); é herdeiro dos
sacrifícios de grande parte das agremiações de esquerda que lutaram contra a
ditadura militar. Foi irmão dos movimentos populares organizados pelas
comunidades de base da igreja católica e de diversas outras lutas por mais justiça,
democracia e igualdade social.(SITE DO PT, ACESSADO EM 20/01/2007).
35
Não nos ateremos à discussão ideológica nem mesmo aos efeitos da reeleição no Brasil, mas, tão-somente, à
existência do fato em questão.
36
Conforme Emenda Constitucional nº 16, de 4 de junho de 1997.
34
Ao longo de sua história, o Partido dos Trabalhadores, talvez em função da sua origem
popular, em rios momentos foi apontado como um projeto político sectário e sem futuro.
Além disso, foi acusado de promover greves e badernas, o que fez com que carregasse por
muito tempo vários estigmas, preconceitos e adjetivos desqualificadores dos mais diversos. O
PT assume duas diretrizes: a primeira é o da unidade interna; a segunda, a da disputa do poder
fundamentada no compromisso de governar para melhoria das condições de vida dos mais
pobres. Em síntese, o Partido dos Trabalhadores é tido com um partido de “esquerda”, o qual
tem origem popular e visa defender os direitos da classe trabalhadora e miserável.
O Partido da Social Democracia Brasileira, PSDB, a que o candidato Alckmin é
filiado, foi fundado em 25 de junho de 1988. Tem mais de um milhão de filiados e acumula
vitórias sucessivas em todas as eleições realizadas desde a sua fundação
37
. O PSDB tem uma
longa pré-história política. Como partido, surgiu durante os trabalhos da Assembléia Nacional
Constituinte. No entanto, segundo informações apresentadas no site do partido, pode-se
encontrar os nomes de seus fundadores, lutando pelos mesmos ideais de hoje, nos momentos
mais dramáticos da vida nacional várias décadas. Afirmam que, por defenderem os
princípios democráticos e o desenvolvimento com justiça social, muitos dos fundadores e
atuais deres tucanos passaram por prisões, exílios e tiveram seus mandatos cassados. A
maioria de seus fundadores integrou o chamado “PMDB histórico”, antes de 1988, mas
sempre, segundo informações do site oficial do partido, defendendo a necessidade de que o
país contasse com um sistema partidário pluralista mais sólido, com agremiações organizadas
em torno de projetos políticos. Atualmente, o PSDB é visto como um partido de “direita”,
elitizado e que tende a atender os interesses da classe dominante.
Ressaltamos que, embora haja aspectos do ambiente “externo” que são comuns aos
dois discursos em análise, eles são “internalizados” de forma diferente pelos candidatos.
37
Conforme dados apresentados no site oficial do partido.
35
1.3.3. Objetivos
1.3.3.1. Objetivo Geral
Desenvolvimento de uma investigação acerca das operações mentais efetivadas
sintático-discursivamente na produção e recepção de textos, no âmbito da argumentação
instanciada no discurso político-eleitoral.
1.3.3.2. Objetivos Específicos
(3)
a) Estabelecer um quadro de referência teórico em que se explicitem e se articulem as
noções de língua, linguagem, sujeito, intersubjetividade, auto-eco-organização,
argumentação, enunciação e integração conceptual, numa perspectiva de
processamento discursivo;
b) Analisar o processo de construção e utilização de estratégias argumentativas, e de
suas modalidades, na argumentação, à luz do fenômeno da contrafactualidade;
c) Evidenciar as operações mentais que estão envolvidas na configuração das
estratégias argumentativas implementadas no âmbito do discurso político-eleitoral;
d) Analisar o processamento dessas estratégias e seus efeitos, a fim de demonstrar os
princípios e/ou operações que as subjazem;
e) Abordar o papel da contrafactualidade na configuração de redes referenciais no
processamento de textos do domínio político-eleitoral, com vistas à compreensão
de como se configuram discursivamente as estratégias de argumentação;
f) Demonstrar como o princípio da contrafactualidade se instância no discurso
político-eleitoral;
36
g) Verificar a hipótese de trabalho com vista às conclusões desta pesquisa.
1.3.4. Procedimentos Adotados na Verificação da Hipótese
Em busca dos resultados pretendidos, adotaremos os seguintes procedimentos:
(4)
a) Identificação dos esquemas argumentativos empregados na construção da relação
entre orador e auditório em cada um dos textos do corpus, à luz da noção de
argumentação adotada nesta pesquisa.
b) Análise de tais esquemas à luz da noção de Discursivização aqui adotada, visando
à verificação da hipótese de trabalho;
c) Verificar se, e como, as operações de discursivização dão conta da produção de
tais “esquemas argumentativos”.
37
“O signo, a língua, a narrativa, a sociedade funcionam por contrato, mas
como esse contrato está, na maioria das vezes, mascarado, a operação
crítica consiste em decifrar o embaraço das razões, dos álibis,
das aparências, por uma só palavra, de todo o natural social, para tornar
manifesta a troca regulamentada sobre a qual repousam
a marcha semântica e a vida coletiva.”
Roland Barthes, 2003
38
CAPÍTULO 2
ARGUMENTAÇÃO – PERSPECTIVA ADOTADA
Neste capítulo, procuraremos explicitar alguns pressupostos teórico-metodológicos
constitutivos das Teorias de Argumentação, nas perspectivas apresentadas por Aristóteles,
1959, Perelman e Tyteca, 2002, e, Osakabe, 1999
38
, visando construir uma noção de
argumentação que possa ser adotada no desenvolvimento deste trabalho de pesquisa. Para
tanto, identificaremos os princípios básicos que fundamentam as teorias em questão,
atentando para as possíveis correlações dessas teorias entre si e entre elas e as teorias de
processamento discursivo que também irão compor o referencial teórico deste trabalho.
Pretendemos, a partir dessa articulação teórica, construir o quadro teórico específico que
fundamentará a análise pretendida nesta pesquisa.
2.1. A Argumentação na Perspectiva de Aristóteles: A Retórica Clássica
A noção de argumentação se constrói de uma rica variedade de elementos e
perspectivas, tendo sua origem na argumentação sofística, que remonta ao século V a.C., na
Sicília e, em seguida, em Atenas. Os sofistas, que exploravam com maestria as
potencialidades do discurso para fins persuasivos, foram fundamentais para o
desenvolvimento da retórica. No entanto, Aristóteles, em a Arte Retórica, critica severamente
os princípios da argumentação sofística, alegando que essa prima, tão-somente, pelo
ornamento da palavra, em detrimento do conhecimento de seus fundamentos
39
.
Desde a antiga Retórica Clássica
40
, a filosofia se dedica à argumentação, porém, isso
não acontece por acaso. Na verdade, a argumentação é uma das formas mais profícuas da
própria atividade filosófica, na medida em que ela envolve a capacidade de dialogar, de
38
Na construção da noção de argumentação a ser adotada nesta pesquisa também recorremos aos trabalhos de
Charaudeau, 2006, e de Lemos, 2006.
39
Não nos ateremos aqui às discussões e contradições filosóficas estabelecidas entre os Sofistas e Aristóteles.
40
A argumentação foi foco de estudo da Antiga Retórica, sendo, no século XX, resgatada por Chaim Perelman e
Lucie Olbrechts-Tyteca, no seu Tratado da argumentação: a Nova Retórica: 1958.
39
pensar, de analisar e de escolher, implicando no comprometimento de alguém com os seus
próprios argumentos.
Como se sabe, esse domínio da expressão verbal, a argumentação, tem sido objeto de
grandes estudos, embora com perspectivas e objetivos diversos. É Aristóteles quem início
ao estudo da linguagem enquanto discurso, enquanto atividade, dissecando-o em sua forma e
funcionamento. Os estudos aristotélicos sobre a linguagem deram origem a obra “Arte
Retórica”, a qual pode ser entendida como uma sistematização de uma Teoria da
Argumentação. Para esse filósofo, a Retórica pode ser definida como um estudo das
potencialidades persuasivas do discurso e, também, como a capacidade de descobrir o que é
adequado a cada caso em específico cuja finalidade seja persuadir. Assim, a argumentação,
decorrente do próprio discurso, é o ponto que tem destaque em Aristóteles.
Sinteticamente, Aristóteles concebe a Retórica como uma arte, como techné,
essencialmente relacionada à produção, à capacidade criadora que exige raciocínio, tendo por
objetivo, reiteramos, “(...)discernir os meios de persuadir a propósito de cada questão, como
sucede com todas as demais artes” (ARISTÓTELES, Retóricas I; 2, 4), haja vista que a
Retórica “é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a
persuasão” (ARISTÓTELES, Retórica II, 1,1), a partir do momento em que o locutor tem a
capacidade para se propor como sujeito, por meio da linguagem (cf. BENVENISTE,
1995:286). Diante disso, podemos considerar que o objetivo maior da retórica consiste em
analisar e definir os procedimentos com os quais o homem busca convencer a outrem, não
tendo por finalidade assumir atitudes éticas, mas analíticas, verificando quais os mecanismos
são utilizados para se fazer algo ganhar a dimensão de verdade. Sobre isso, Aristóteles diz:
Definimos, pois, a retórica como a faculdade de descobrir em todo assunto o que é
capaz de persuadir. Esta, com efeito, não é a função de nenhuma arte; cada uma
das artes tem em vista o ensinamento e a persuasão sobre o próprio objeto: a
medicina (refere-se) aos estados de saúde e à doença; a geometria, às variações das
grandezas; a aritmética, ao problema dos números, e assim as outras artes e
ciências. A retórica, ao invés, parece poder descobrir o que persuade, por assim
dizer, sobre qualquer assunto dado. (ARISTÓTELES, Retórica, A 2, 1355 b 26-34).
Em Aristóteles (1959), percebe-se que a forma da argumentação é tão importante
quanto o seu conteúdo. Segundo esse filósofo, a persuasão do auditório é obtida, em grande
escala, quando, pelo discurso, o orador procede de maneira a inspirar integridade de caráter,
pois, acredita-se que o caráter moral do orador se constitua como a “prova determinante”,
decisiva, no discurso persuasivo, o que nos leva a relacionar “ser” e “juízo”. Diante disso,
consideramos que as categorias do ser são ligadas pelo juízo, sendo expressas em termos de
40
verdade e falsidade. A esse aspecto, juízo de valor, se acrescentam o posicionamento e a
interpelação como atributos característicos da argumentação retórica, o que pode ser
ratificado pelas palavras de Aristóteles, quando diz “(...).é pelo discurso que persuadimos,
sempre que demonstramos a verdade ou o que parece ser a verdade, de acordo com o que,
sobre cada assunto, é suscetível de persuadir” (ARISTÓTELES, 1959:25).
Ao sistematizar sua Teoria da Argumentação, como mencionado acima, Aristóteles
critica ampla e rigorosamente a retórica sofistica. Isso por considerá-la uma arte pautada na
dominação pelo discurso. Para ele, a retórica sofistica prioriza os aspectos acessórios e
exteriores à arte em detrimento do conhecimento de seus fundamentos, que o as provas.
Para esse filósofo, as provas têm grande importância, haja vista que ele considera que a
persuasão buscada através do discurso se fundamenta em provas independentes e dependentes
do próprio discurso.
Com base em Aristóteles, as provas independentes são aquelas que preexistem,
bastando que nos utilizemos delas como instrumentos/argumentos de persuasão pelo discurso.
Elas consistem em testemunhos, confissões obtidas pela tortura, convenções escritas, etc. As
provas dependentes, ao contrário, são aquelas criadas pelo próprio discurso. Entre as provas
dependentes destacam-se três espécies: i. a que reside no caráter moral do orador, ou seja, no
ethos
41
; ii. a advinda do modo como busca sensibilizar o ouvinte, ou seja, focalizadas no
pathos; e, finalmente, iii. a centrada no próprio discurso, devido àquilo que este demonstra ou
parece demonstrar, ou seja, com enfoque no logos.
Cada um desses elementos (ethos, pathos e logos) desempenha um papel fundamental,
que se complementa com o dos outros numa articulação complexa. No entanto, Aristóteles
acreditava que “o ethos constitui praticamente a mais importante das três provas
engendradas pelo discurso ethos, pathos e logos”. (ARISTÓTELES, Retórica I 1356a 13
apud AMOSSY, 2005). Essas categorias postuladas por Aristóteles, a nosso ver, já antecipam
o “Aparelho Formal da Enunciação”, postulado por Benveniste (1989). Nesse sentido,
correlacionamos, respectivamente, a tríade aristotélica -ethos, pathos e logos- à tríade
proposta por Benveniste -enunciador, enunciatário, referência-, na implementação do
discurso, situado num tempo e espaço.
O ethos, aqui correlacionado com a categoria discursiva de enunciador, está
diretamente ligado ao “caráter que o orador deve assumir para inspirar confiança no
41
Aristóteles diz que três formas principais de se apresentar o ethos: 1) Phronesis o ethos da ponderação,
sabedoria, racionalidade (centra-se no logos); 2) Areté ostentação de uma franqueza e 3) Eunóia – que trata de
não chocar, não provocar, ser simpático, entrar em cumplicidade complacente com o auditório (identifica-se com
o pathos).
41
auditório, pois, sejam quais forem seus argumentos, eles nada obtêm sem essa confiança. O
caráter moral do orador constitui, por assim dizer, a prova determinante por excelência”
(ARISTÓTELES, RETÓRICA I; 2:2,4). O ethos está, dessa maneira, vinculado ao exercício
da palavra, à imagem do eu discursivo, e o ao sujeito
42
empírico. Segundo Aristóteles, a
persuasão é obtida, em grande escala, através do efeito causado pelo caráter moral do orador,
quando pelo discurso procede de maneira a deixar a impressão desse ser digno de confiança.
Desta forma, para ele, os ouvintes são persuadidos quando o discurso os leva a sentir uma
paixão
43
. A confiança que os oradores inspiram provém de três causas, além das
demonstrações; e são as únicas que obtêm a nossa confiança. São elas: “a prudência, a
virtude e a benevolência” (p.102).
O pathos, correlato do enunciatário, reside nas disposições criadas no ouvinte. Refere-
se ao caráter psicológico dos diferentes públicos a que o discurso está sendo dirigido, podendo
ser entendido como o conjunto de emoções, paixões e sentimentos que o orador deve suscitar
no auditório com seu discurso. O logos, por sua vez, centrado no próprio discurso, refere-se à
argumentação propriamente dita. É como assevera Reboul (2004), o aspecto dialético da
retórica, que Aristóteles retoma inteiramente nos Tópicos. Nessa perspectiva, o logos
corresponde à referenciação na trilogia proposta no modelo benvenistiano. É válido ressaltar
que essas categorias discursivas são complementares na construção do discurso, haja vista que
não construção do ethos sem considerações do pathos e do logos, o que também ocorre
com os seus correlatos postulados por Benveniste.
A argumentação retórica, não se pautando em conclusões lógicas estabelecidas pelos
silogismos formais, fundamenta-se em três tipos de argumentos: o exemplo, a amplificação e
o entimema
44
. O exemplo é uma indução oratória, sendo considerado o meio mais eficaz para
se persuadir, por ser acessível aos sentidos e se encontrar ao alcance das pessoas do senso
comum. O entimema, ou silogismo retórico, é um tipo de silogismo que não é lógico. É um
argumento que parte de premissas prováveis e se caracteriza pela concisão. Ele é formulado
em função de seu efeito retórico, porém carece de rigor formal, por elidir premissas
consabidas e de rigor teórico, por utilizar argumentos apenas prováveis. Nas palavras de
Menezes (2000:57), “ele é deduzido de verossimilhanças e apóia-se em premissas que
possuem na maioria das vezes um caráter contingente. Pois verossímil é o que acontece às
42
A concepção de sujeito adotada nesta pesquisa corresponde a um sujeito auto-eco-organizador, produtor e
produto, constituinte e constitutivo de seu próprio processo de existência, da sua subjetividade na relação com o
mundo e com o outro (cf. Morin, 1996).
43
No sentido de “sensibilidade”.
44
Os entimemas são considerados provas retóricas.
42
mais das vezes, mas não absolutamente, consoante a definição de alguns”. Os discursos
baseados em entimemas, afirma Aristóteles (RETÓRICA I, 2:2,10), “impressionam mais”. A
amplificação, por sua vez, consiste no prolongamento de um termo da frase pelo acréscimo de
outros elementos de mesma natureza, com a finalidade de dar maior ênfase ao exemplo ou ao
entimema.
Desses argumentos, Aristóteles se atém à discussão sobre os entimemas, por assumir
que eles estão relacionados aos chamados topoi, ou seja, aos lugares comuns, reconhecidos e
admitidos socialmente. Para esse filósofo grego, os entimemas podem partir dos topoi ou a
eles remeter. São quatro os lugares comuns destacados: 1) o lugar do possível e do
impossível; 2) o futuro; 3) o passado e 4) a grandeza. Todos constituídos e constituidores do
discurso.
Aristóteles afirma que a retórica sofistica não se dedica a uma investigação rigorosa
dos gêneros discursivos
45
, enfocando, tão-somente, o discurso judiciário. No entanto, na visão
de Aristóteles, a Retórica comporta três gêneros e três categorias de participantes do discurso.
Os participantes são: 1) a pessoa que fala, 2) o assunto de que se fala, e 3) o ouvinte, o qual se
deseja persuadir. Quanto aos gêneros, esse filósofo distingue: o gênero deliberativo, o gênero
judiciário e o gênero demonstrativo. O gênero deliberativo é pautado nos valores relacionados
ao útil e ao prejudicial, visa persuadir os membros de uma assembléia por meio do conselho,
utilizando-se dos “exemplos” como argumentos. O gênero judiciário é fundamentado em
valores relativos à justiça, e é dirigido aos juízes nos tribunais, tendo por objetivo a acusação
ou defesa de alguém, usando, para tanto, os entimemas como argumentos. O gênero
demonstrativo (ou epidíctico), pautado no louvor e na censura, é dirigido a simples
expectadores, visando a conduzi-los à celebração de atos ou eventos. Em síntese,
apresentamos, abaixo, um resumo relativo às provas retóricas e aos gêneros do discurso, tal
como postulados por Aristóteles:
45
Entendemos por gênero uma ação interativa, modelo sócio-comunicativo, “forma” de agir na sociedade, que
ratifica o fato de a linguagem ser constitutiva, isso porque os indivíduos interagem. Com efeito, produzir um
gênero é produzir um fato social para o homem, não formas, conforme Marcuschi (Palestra I EMAD/UFMG:
23/06/05 – Mesa Redonda: Gêneros Discursivos e Sociedade).
43
QUADRO 1: Provas Retóricas
EXTRA – RETÓRICAS
INDEPENDENTES
(Provas independentes)
Testemunhos, confissões obtidas pela tortura, convenções escritas, etc.
Caráter moral do orador: o orador é digno de confiança.
ETHOS
DISPOSIÇÕES CRIADAS NOS OUVINTES: O discurso leva a sentir
uma paixão.
Emoções
Paixões
Sentimentos
PATHOS
NO PRÓPRIO DISCURSO: o que se demonstra corresponde à verdade
ou o que parece ser verdade.
INTRA – RETÓRICAS
DEPENDENTES
(Provas dependentes)
Entimema:
Mais impressionante
Base verossímil
Dedução dialética
LOGOS
Exemplo:
Mais eficaz
Base no fato
Indução dialética
Quadro extraído de Menezes, 11/05/04, apud Lemos, 2006. Adaptado para este trabalho de pesquisa.
QUADRO 2: Os três gêneros do discurso
Gênero Auditório Tempo Ato Valores Argumento- tipo
Judiciário Juízes Passado (fatos
por julgar)
Acusar
Defender
Justo
Injusto
Entimema
(dedutivo)
Deliberativo Assembléia Futuro Aconselhar
Desaconselhar
Útil
Nocivo
Exemplo
(indutivo)
Epidíctico Espectador Presente Louvar
Censurar
Nobre
Vil
Amplificação
Quadro extraído de Reboul (2004:47), apud Lemos, 2006. Adaptado para este trabalho de pesquisa.
Podemos perceber que a Argumentação Retórica está pautada em valores e crenças,
bem como na constituição de laços afetivos entre orador e auditório, tendo por objetivo
descobrir e entender o que leva o auditório a aderir ao discurso do orador, ou seja, o que causa
a persuasão. Reiteramos que a Argumentação Retórica, embora extraia conclusões de
premissas, não se pauta em conclusões lógicas, uma vez que, em Aristóteles, a linguagem é
estudada na perspectiva da argumentação efetivada pelo discurso.
44
2.1.1. Considerações Parciais
Apresentada dessa maneira, percebemos pontos importantes de aproximação entre a
abordagem aristotélica e a abordagem de processamento discursivo
46
que pretendemos adotar
neste trabalho. A nosso ver, são dois os pontos de imbricação mais importantes: 1) a
concepção de linguagem; e, 2) as categorias constituintes e constituidoras da argumentação
pelo discurso. Sobre o primeiro aspecto, a concepção de linguagem, convergindo com a
proposta desta pesquisa, Aristóteles assume a linguagem enquanto discurso, enquanto
atividade persuasiva, estudando-a em sua forma e funcionamento, sem estabelecer dicotomias.
Sobre o segundo aspecto, as categorias do discurso, relacionamos as provas dependentes de
que trata Aristóteles com as categorias instituidoras do processamento discursivo, como
postuladas por Émile Benveniste. Assim, o ethos, que reside no caráter moral do orador, pode
ser correlacionado ao enunciador, ao “eu” que se assume como sujeito do discurso que
profere; o pathos, que consiste nas disposições criadas no ouvinte, correlaciona-se ao
enunciatário, ao “tu”, co-enunciador; e o logos, por sua vez, correlacionando-se com o
próprio discurso, com a referenciação instanciada na interação implementada entre os
interlocutores.
A discussão sobre os entimemas, como propõe Aristóteles, também vai ao encontro
das categorias postuladas por Benveniste, na instauração do discurso, à medida que os
entimemas são relacionados aos “topoi”, aos lugares comuns. Nessa perspectiva, o lugar do
possível e do impossível, o lugar do futuro, o lugar do passado e o lugar da grandeza podem
ser correlacionados às categorias benvenistianas da enunciação, no que tange à construção da
relação entre enunciador e enunciatário, a fim de construírem a referência, de falarem sobre
um determinado assunto: a temporalidade (futuro e passado, ambos instaurados pelo presente
da enunciação, o “agora”) e a espacialidade (o lugar da grandeza, o “aqui” do discurso);
dimensões intrinsecamente constituidoras da enunciação, portanto, do discurso.
É válido ressaltar que, em ambas as perspectivas teóricas, essas categorias podem ser
entendidas como categorias constituídas e, ao mesmo tempo, constituidoras do discurso,
podendo ser consideradas como pontos importantes de convergência de pontos de vistas
teóricos.
46
Abordagem pautada em Benveniste (1989/1995) e Fauconnier e Turner(2002).
45
2.2. A Argumentação na Perspectiva de Perelman: A Nova Retórica
A Teoria da Argumentação proposta por Perelman e Tyteca(2002) tem sua origem no
pensamento filosófico aristotélico. Esses autores, além de proporcionarem uma reabilitação da
retórica, apresentaram novos rumos à medida que exploraram os caminhos trilhados por
Aristóteles. Nas palavras dos autores, o “Tratado de Argumentação ultrapassará, em certos
aspectos e amplamente -, os limites da retórica antiga, ao mesmo tempo em que deixará de
lado outros aspectos que haviam chamado a atenção dos mestres de retórica” (PERELMAN
e TYTECA, 2002:6). Na perspectiva desses teóricos, sucintamente, o tratado sobre
argumentação consiste na retomada da Arte Retórica do grande pensador grego, com vistas a
estabelecer uma contraposição entre demonstração (lógica/formal) e argumentação
(persuasiva/informal).
O pioneirismo de Perelman e Tyteca, no que se refere à retomada dos estudos sobre a
argumentação, é unanimemente reconhecido. Seus estudos se constituem como um grande
avanço no entendimento sobre a argumentação, haja vista a construção de uma Nova Retórica
fundada nos princípios elementares da Retórica de Aristóteles e aliada a uma visão atualizada
sobre o assunto. As reflexões feitas por esses estudiosos ampliaram de modo significativo o
entendimento acerca da argumentação, seja pelo resgate de noções, como a noção de
raciocínio dialético; seja pela introdução de novos conceitos, como o de auditório interno e
universal.
Em seu texto “Argumentação”, Perelman postula que:
(...) uma argumentação é necessariamente situada. Para ser eficaz, esta exige um
contacto entre sujeitos. É necessário que o orador (...) queira exercer mediante o
seu discurso uma acção sobre o auditório, isto é, sobre o conjunto daqueles que se
propõe influenciar. Por outro lado, é necessário que os auditores estejam dispostos
a escutar, a sofrer a acção do orador, e isto a propósito de uma questão
determinada (PERELMAN, 1987: 234/235).
Ao assumirem esses postulados, Perelman e sua colaboradora Tyteca tomam como
objeto de estudo as técnicas discursivas que visam a provocar ou a aumentar a adesão das
mentes às teses que se apresentam ao seu assentimento, delimitando o campo da
argumentação ao campo do verossímil, do plausível, do provável, na medida em que escapa à
certeza do cálculo.
46
2.2.1. A Relação entre Orador e Auditório
Um dos elos entre a Teoria da Argumentação e a Retórica consiste, justamente, na
afirmação de que é em função de um auditório que qualquer argumentação se desenvolve,
uma vez que todo e qualquer discurso, oral ou escrito, se constitui em função de um auditório.
Nas palavras de Perelman e Tyteca(2002), “não basta falar ou escrever, cumpre ainda ser
ouvido, ser lido” (p.19). Neste contexto, cabe ao orador, se quiser agir pelo seu discurso,
adequar-se ao seu auditório.
Perelman(1987) postula que “o auditório é o conjunto daqueles que o orador quer
influenciar mediante o seu discurso” (p. 237). Para alcançar esse fim, é indispensável que o
orador conheça o auditório sobre o qual queira exercer alguma ação, a fim de adaptar o seu
discurso às diferenças sociais, psicológicas e lingüísticas de quem o recebe, o que é bem mais
evidente quando se trata de um auditório heterogêneo. Nesta perspectiva, ao assumirmos o
pressuposto de que argumentar implica sempre a adesão do interlocutor, seu consentimento e
sua participação mental, estamos considerando também que, neste ato, o orador precisa ter
apreço pela adesão do interlocutor; caso contrário, não alcançará os objetivos almejados. Por
isso, o contato estabelecido entre orador e auditório não diz respeito somente às condições
prévias do processo argumentativo. Ao contrário, este contato é essencial no desenvolvimento
de toda a argumentação, podendo se caracterizar como um fator crucial para a adesão do
auditório às teses que lhes são apresentadas.
Conhecer o perfil do auditório a que se pretende falar constitui-se como condição para
que se implemente a argumentação e para que se atinja os objetivos desejados. No entanto,
delimitar precisamente o auditório não é uma tarefa fácil para o orador, porque múltiplas
possibilidades de auditórios e de pessoas a eles pertencentes, o que faz com que o orador
necessite de utilizar diversos argumentos para conquistar seus interlocutores diferenciados.
Quando se conhece o auditório, o orador tem a possibilidade de assegurar o seu engajamento
e, também, de saber, a cada momento, o que está sendo aceito e o que não está sendo aceito
pelos seus ouvintes. Segundo o pensador belga e sua colaboradora,
(...)cada meio poderia ser caracterizado por suas opiniões dominantes, por suas
convicções indiscutidas, pelas premissas que aceita sem hesitar; tais concepções
fazem parte da sua cultura e todo orador que quer persuadir um auditório
particular tem de se adaptar a ele. (PERELMAN E TYTECA, 2002:23).
47
Esses pesquisadores afirmam, ainda, que “é, de fato, ao auditório que cabe o papel
principal para determinar a qualidade da argumentação e o comportamento dos oradores”
(p.27). Em síntese, é indispensável que o orador conheça o auditório sobre o qual queira
exercer alguma ação pelo seu discurso, pois isso contribuirá positivamente na escolha dos
argumentos mais adequados ao seu público e, conseqüentemente, ao processo de persuasão.
Diante de um auditório heterogêneo, o orador se constrói como um grande enunciador, pois se
vê obrigado a adaptar o seu discurso às diferenças sociais, psicológicas e lingüísticas de quem
o recebe.
2.2.2. Os Gêneros Oratórios
Como mencionado anteriormente, os teóricos da Retórica antiga distinguiam os
gêneros oratórios em função do papel assumido pelo auditório a que se dirigia o discurso.
Assim, os gêneros oratórios eram classificados em gênero deliberativo, quando o discurso era
dirigido aos membros de assembléias políticas; e em gênero judiciário, quando o discurso era
dirigido aos juízes nos tribunais. Ambos gêneros prestigiados pela Arte Retórica. Ao lado
desses, era colocado o gênero epidíctico, relacionado ao discurso dirigido a simples
expectadores e ouvintes para celebrar atos ou eventos. Esse gênero era tratado pelos teóricos
da antiguidade como uma forma degenerada da arte de bem falar.
Para Perelman e Tyteca(2002), tal classificação é inadmissível, incompatível para com
o estudo das técnicas da argumentação, como proposto por esses autores. No entanto, para
esses estudiosos, que se ressaltar um ponto relevante nessa classificação, o de salientar a
importância que o orador deve atribuir às funções exercidas pelos auditórios a que dirige seu
discurso. Além da inaceitação da classificação dos gêneros oratórios tal como postulada por
Aristóteles(1959), Perelman e Tyteca apontam como equivocada a concepção de gênero
epidíctico. Contrariamente ao pensamento filosófico grego, Perelman e Tyteca acreditam que
“os discursos epidícticos constituem uma parte central da arte de persuadir” (p. 55), e
consideram que “a incompreensão manifestada a seu respeito resulta de uma concepção
errônea dos efeitos da argumentação” (p.55). Do ponto de vista desses autores, o gênero
epidíctico, pronunciado ante uma reunião solene, elogiando ou criticando determinado tema
considerado consabido pelo orador e pelos ouvintes, sem dúvidas, propõe-se a aumentar a
intensidade da adesão do auditório a certos valores já admitidos, considerados universais.
48
2.2.3. O Ato Argumentativo e os Auditórios
O ato de argumentar, como afirmado, se constitui em função de um auditório,
visando à provocação ou à adesão aos argumentos apresentados. Em vista disso, o orador vê-
se obrigado a adaptar-se e a adaptar seu discurso, constantemente, ao auditório a que se dirige,
o que se torna problemático por causa da diversidade de auditórios possíveis. Em função
disso, aflorou-se o interesse pelo estudo das técnicas discursivas que promovem a adesão do
auditório ao discurso do orador, objetivando encontrar uma técnica que fosse aplicável a todos
os tipos de auditório, que transcendesse as particularidades.
Nesse contexto, iniciou-se uma discussão sobre os termos “persuadir” e “convencer”,
retomada entre os filósofos que são partidários da verdade e os que são partidários da opinião,
bem como pelos retores. Em relação a essa distinção, Perelman e Tyteca(2002) assumem, no
“Tratado de Argumentação”, que a persuasão está ligada à argumentação dirigida para um
auditório particular; enquanto a argumentação convincente está relacionada com a adesão de
todo ser racional. Do ponto de vista desses autores, considera-se que, em termos de
resultados, persuadir é mais do que convencer, visto que a convicção não passa da primeira
fase que leva à ação. Em sentido oposto, em termos do caráter racional da adesão, convencer é
mais do que persuadir, pois solidifica os efeitos argumentativos pretendidos. Essa distinção,
como proposta por Perelman e Tyteca, tem seus fundamentos nas características do auditório
a que se dirige o orador. Nesse sentido, a distinção dos termos em questão é proveitosa, tendo
como conseqüência a estruturação de estratégias argumentativas que visem estabelecer um elo
entre orador e auditório. Todavia, na prática, essa distinção não estabelece uma relação
dicotômica entre o ato de convencer e o ato de persuadir. Ao contrário, tem-se entre eles uma
gradação, uma vez que a distinção entre os diversos auditórios é incerta, podendo o orador
retomar e rever, a qualquer momento, a imagem que faz de seu auditório.
Nas palavras de Perelman e Tyteca:
É, portanto, a natureza do auditório ao qual alguns argumentos podem ser
submetidos com sucesso que determina em ampla medida tanto o aspecto que
assumirão as argumentações quanto o caráter, o alcance que lhes serão atribuídos.
(PERELMAN E TYTECA, 2002:33)
49
O discurso
47
é implementado em função direta do auditório. Por isso, ao pensar num
discurso, evocamos imediatamente a idéia de auditório, haja vista que ambos estão
intrinsecamente ligados. Nesta perspectiva, Perelman e Tyteca (2002) asseveram a existência
de três espécies de auditórios considerados privilegiados. O primeiro deles, o auditório
universal, é constituído por toda a humanidade, por todos os seres humanos considerados
adultos e normais. Segundo Perelman e Tyteca:
O auditório universal é constituído por cada qual a partir do que sabe de seus
semelhantes, de modo a transcender as poucas oposições de que tem consciência.
Assim, cada cultura, cada indivíduo tem sua própria concepção do auditório
universal, e o estudo dessas variações seria muito instrutivo, pois nos faria
conhecer o que os homens consideraram, no decorrer da história, real, verdadeiro e
objetivamente válido. (PERELMAN E TYTECA, 2002:37).
Para esses autores, ao dirigir-se a um auditório universal, objetiva-se, pelo discurso,
convencer o ouvinte do caráter coercivo das razões fornecidas, de suas evidências, de sua
validade intemporal e absoluta, independentemente dos acontecimentos locais ou históricos.
No entanto, percebe-se que a noção de auditório universal, como proposta por Perelman,
representa uma espécie de idealização utópica, orientada pela noção de justiça.
A segunda espécie de auditório é formada no diálogo entre duas pessoas, sendo
constituído unicamente pela pessoa a quem se dirige o discurso. Para os filósofos da
antiguidade, atribui-se um caráter de superioridade à argumentação dirigida a esse tipo de
auditório (particular) se comparada à argumentação dirigida a um vasto auditório (universal).
Acreditava-se, ainda, que embora o interlocutor do diálogo estivesse sendo percebido como
um “auditório particular”, ele também poderia representar uma “encarnação de um auditório
universal”. Perelman e Tyteca(2002), ao que parece, discordam do posicionamento dos
pensadores da antiguidade, como exposto acima, uma vez que afirmam que:
(...)mesmo quando o ouvinte único, seja ele o ouvinte ativo do diálogo ou um
ouvinte silencioso a quem o orador se dirige, é considerado a encarnação de um
auditório, nem sempre se trata do auditório universal. Ele também pode ser e
muito amiúde o é – a encarnação de um auditório particular. (PERELMAN E
TYTECA, 2002: 44).
Com base nesses autores, a escolha do ouvinte único está relacionada com os objetivos
do orador, bem como com a imagem que ele tem de determinado grupo. Por ser a
47
Ratificamos que, nesta pesquisa, empregamos o termo discurso como a própria atividade de linguagem,
podendo ser oral ou escrita.
50
argumentação realizada em função de um auditório, a escolha do auditório particular,
certamente, influenciará nos procedimentos da argumentação.
Por último, a terceira espécie de auditório é aquela que se constitui pelo próprio
sujeito. Trata-se da deliberação consigo mesmo, a qual se efetiva quando se decide ou se
descreve as razões de seus próprios atos. Para Perelman e Tyteca(2002), a deliberação íntima
pode ser considerada uma forma particular de argumentação. Ratificando esse pensamento, os
autores citam Isócrates:
Os argumentos pelos quais convencemos os outros falando são os mesmo que
utilizamos quando refletimos; chamamos oradores aos que são capazes de falar
perante a multidão e consideramos de bom conselho aqueles que podem conversar
consigo mesmo, da forma mais judiciosa, sobre os negócios. (apud PERELMAN e
TYTECA, 2002).
Esse entendimento se justifica, segundo os autores supracitados, por ser possível
considerar uma discussão com o outro como uma forma de nos esclarecermos melhor. No
entanto, se assim for, é na análise da argumentação dirigida a auditórios vastos que teremos
indícios que nos levarão à compreensão da deliberação consigo mesmo.
2.2.4. Objetos de Acordo
Para que se instaure e se desenvolva um processo argumentativo faz-se necessário o
estabelecimento de “acordos” entre o orador e o auditório. Segundo Perelman e Tyteca
(2002), esses acordos “tem por objetivo ora o conteúdo das premissas explícitas, ora as
ligações particulares utilizadas, ora a forma de servir-se dessas ligações...” (p. 73).
Ao investigarem os tipos de acordos que se estabelecem entre orador e auditório, no
processo argumentativo, Perelman e Tyteca(2002) propõem agrupá-los em duas categorias:
uma, relativa ao real; a outra, ao preferível. Do ponto de vista desses teóricos, a categoria dos
objetos dos acordos relacionada ao “real é caracterizada pela pretensão de valer para o
auditório universal, comportando os fatos, as verdades e as presunções. A outra categoria, que
remete ao “preferível”, se liga a um ponto de vista específico, identificado somente com o
ponto de vista de um auditório particular, independentemente de seu tamanho. Essa categoria
(a do preferível), na visão dos autores, comporta os valores, as hierarquias e os lugares do
possível.
51
2.2.4.1. Os Fatos, as Verdades e as Presunções
Não é propósito de Perelman e Tyteca (2002) definirem e classificarem os tipos de
dados que vêm a ser fatos, em determinadas circunstâncias. Ao contrário, na argumentação,
como proposta por esses autores, “a noção de ‘fato’ é caracterizada unicamente pela idéia
que se tem de certo gênero de acordos a respeito de certos dados...” (p. 75). Os dados que se
referem a uma realidade objetiva, que são comuns a vários ou a todos os ouvintes, sugerem
um acordo do auditório universal, o que, quando ocorre, confere ao dado o estatuto de fato.
Dessa forma, podemos considerar que o estatuto de um fato é conferido com base nas
concepções e características do auditório, haja vista há necessidade de se estabelecer um
acordo do auditório em torno de um dado para que esse tenha o estatuto de fato. De acordo
com Perelman e Tyteca(2002), os fatos admitidos pelo auditório podem ser convencionais,
possíveis ou prováveis, oriundos de observação ou de suposição. Todos eles podem se impor
ou serem propostos pelo orador aos seus ouvintes, porém, qualquer que seja o fato, ele pode
ser recusado pelo auditório e, assim, perder o seu estatuto de fato.
Contudo, ressalta-se que não há critérios estabelecidos e fixos para se afirmar que algo
seja ou não um fato. No entanto, podemos considerar que existem condições que favorecem o
acordo acerca de um fato, como, por exemplo, quando dispomos de um acordo sobre as
“condições de verificação”. Nessa situação, o fato posto como premissa é um fato não-
controverso, conforme postulado pelos autores.
As verdades, que também se constituem como objeto de acordo entre orador e
auditório, são consideradas “sistemas mais complexos, relativos a ligações entre fatos...” (p.
77). Fatos e verdades podem constituir-se como ponto de partida para a argumentação, porém,
quando ambos os objetos de acordo são confrontados, somente um dos dois gozará da
primazia. Essa distinção entre fatos e verdades não é antagônica. Ao contrário, embora se trate
de objetos distintos, percebe-se um vínculo entre eles, como observado neste exemplo
apresentado em “A Nova Retórica” (2002): “... a certeza do fato A, combinado com a crença
no sistema S, acarreta a certeza do fato B, o que significa que admitir o fato A, mais a teoria
S, equivale a admitir B” (p. 78).
As presunções, como os fatos e as verdades, têm a pretensão de serem admitidas pelo
auditório universal. No entanto, ao contrário dos fatos e das verdades incontestáveis, elas não
são consideradas objetos que estabelecem um acordo seguro, o que implica serem reforçadas
por outros elementos, no curso da argumentação. Isso ocorre porque as presunções estão
52
relacionadas com “...aquilo que normalmente se produz e sobre o que é razoável pressupor”
(PERELMAN, 1987:241). Por serem, na maioria das vezes, admitidas de imediato, as
presunções podem caracterizar-se como ponto de partida da argumentação, devendo ser
reforçadas no desenvolvimento do processo argumentativo. Os questionamentos em torno da
aplicabilidade da presunção a uma dada situação ocorrem pelo fato de elas serem
fundamentadas na noção de normalidade e verossimilhança. Noções essas que são suscetíveis
de interpretações diversas.
Na perspectiva de Perelman e Tyteca(2002), os fatos, as verdades e as presunções se
constituem como objetos de acordo relativos à categoria do real e, por isso, tem a pretensão de
valerem para o auditório universal.
2.2.4.2. Os Valores, as Hierarquias e os Lugares do Preferível
A argumentação se fundamenta, de acordo com as circunstâncias, entre outros, nos
valores, sejam eles particulares ou universais, concretos ou abstratos, os quais, ao lado das
hierarquias e dos lugares da argumentação, pretendem, tão-somente, a adesão de grupos
particulares. Na concepção de Dupréel, os valores são:
(...)meios de persuasão que, do ponto de vista do sociólogo, são apenas isso, puros,
espécie de ferramentas espirituais totalmente separáveis da matéria que permitem
moldar, anteriores ao momento de serem utilizadas e que permanecem intactas
depois de serem utilizadas, disponíveis, como antes, para outras ocasiões. (apud
PERELMAN e TYTECA, 2002: 86)
Fundamentados em Dupréel, Perelman e Tyteca (2002) apontam para o papel
argumentativo-persuasivo dos valores, e postulam o fato de poderem (os valores) ser
utilizados diante de todos e quaisquer auditórios, uma vez que os valores particulares sempre
podem ser vinculados aos valores universais, podendo até mesmo especificá-los. Essa
classificação dos valores, universal e particular, remete à precisão dos mesmos. Assim, quanto
mais preciso, remeterão aos grupos particulares; quanto mais gerais, mais vagos, se
apresentarão como universais.
Há, ainda, a distinção entre valores abstratos e valores concretos. São considerados
como abstratos os valores “que podem servir comodamente para a crítica por não levarem
em consideração pessoas e parecerem fornecer critérios a quem quer modificar a ordem
53
estabelecida” (p. 89), os quais podem ser entendidos como valores voltados para a
“renovação”. Os valores concretos, com base nos referidos autores, são aqueles que se
vinculam a um ente vivo, a um grupo determinado, a um objeto particular, quando os
examinamos em sua unicidade” (p. 87). Eles remetem à conservação, à manutenção de um
ponto de vista, de uma argumentação. Essa distinção, no entanto, não é rígida nem inflexível,
pois, em determinadas situações, um valor pode ser concreto e em outras, não. Para se definir
o valor como concreto, por exemplo, faz-se necessário examiná-lo “sob seu aspecto de
realidade única” (p. 89). Além disso, uma estreita ligação entre os valores, sendo que os
concretos podem fundar os abstratos e os abstratos fundar os concretos.
Os juízos de valor têm origem nos modelos determinados e admitidos socialmente, e
que tendemos a imitar. Os valores influem na base e no desenvolvimento de toda
argumentação, sobretudo nas relacionadas aos domínios jurídico, político e filosófico. São
utilizados para motivar o ouvinte a fazer certas escolhas em vez de outras e, principalmente,
para justificar tais escolhas, de modo que se tornem aceitáveis e aprovadas por outrem.
Ao lado dos valores, as hierarquias se constituem como ancoragem para a
argumentação. Elas são justificáveis por meio dos valores e, do ponto de vista da estrutura da
argumentação, são mais importantes que os próprios valores, pois, segundo Perelman e Tyteca
(2002) “o que caracteriza cada auditório é menos os valores que admite do que o modo como
os hierarquiza” (p.92).
Ao se estabelecer um acordo, pressupomos que ele foi firmado com base em lugares
gerais aceitos pelos interlocutores. Esses lugares, dado ao seu caráter argumentativo, podem
ser utilizados no reforço ou na consolidação da intensidade da adesão provocada pelos valores
e pelas hierarquias. Originalmente, os lugares são denominados topoi. Segundo Perelman e
Tyteca (2002), “os lugares formam um arsenal indispensável, do qual, de um modo ou de
outro, quem quer persuadir a outrem deverá lançar mão” (p. 95). Diferentemente de
Aristóteles, que estuda toda a espécie de lugares que podem servir de premissas para os
silogismos e que os classifica em “lugares do acidente, do gênero, do próprio, da definição e
da identidade”, Perelman propõe um estudo desvinculado de uma “metafísica particular” e
relacionado com a distinção estabelecida entre os objetos de acordo, os referentes ao real e os
referentes ao preferível. Diante disso, com esse autor, enfoca-se especificamente os lugares
que, servindo de premissas de ordem geral, possibilitam fundar valores e hierarquias. No
âmbito dessa questão, o autor agrupa e classifica os lugares como: o lugar da quantidade, da
qualidade, da ordem, do existente, da essência, da pessoa.
54
Os lugares da quantidade podem ser entendidos como os lugares-comuns, aceitos
socialmente, em que se admite a superioridade de uma coisa em relação à outra, por razões
quantitativas. Segundo Perelman e Tyteca(2002), essa noção fundamenta “certas concepções
da democracia e, também, as concepções da razão que assimilam esta ao senso comum”
(p.98). Podem ser considerados como lugares da quantidade, por exemplo, a preferência pelo
provável sobre o improvável, pelo fácil sobre o difícil, pelo duradouro sobre o efêmero, etc.
Esses lugares são vinculados à noção de equilíbrio, de simetria, de medida, de regularidade,
de homogeneidade, de repetição, de inércia, e permitem avaliar e valorizar a justiça, o papel e
a importância da lei e do acordo. Sucintamente, nas palavras de Perelman(1987), “os lugares
da quantidade afirmam a superioridade daquilo que é proveitoso ao maior número, daquilo
que é mais durável e daquilo que é útil nas situações mais variadas” (p. 243).
Os lugares da qualidade, opondo-se aos lugares da quantidade, são aqueles em que
algo é preferido pelo fato de ser único, raro ou insubstituível. Considera-se que o valor do
único revela-se em oposição ao comum, ao trivial, ao popular, pois, confere-se ao único um
tom de originalidade, o que é apreciado pelas multidões. Na argumentação, eles aparecem
quando a virtude do número não é reconhecida, quando é contestada. Com base em Perelman
e Tyteca(2002), “o lugar da qualidade redunda na valorização do único que, assim como o
normal, é um dos pivôs da argumentação” (p. 101). Esses autores estabelecem uma ligação
entre a unicidade e os valores concretos, pois afirmam que “o que consideramos um valor
concreto nos parece único, mas é o que nos parece único que se nos torna preciso” (p.101).
Relacionados aos lugares supracitados, estão: o lugar da precariedade, apresentado
como valor qualitativo que se opõe ao valor quantitativo da duração, e correlato do único; o
lugar da oportunidade, que tem relação com o momento em que algo é preferível, com o
momento em que algo tem maior importância, o que vincula o valor à circunstância. O lugar
do irreparável, que enfatiza, que maior expressão ao lugar do precário, vinculando a força
argumentativa à sua evocação. Esse valor pode relacionar-se tanto com os valores da
quantidade quanto com os valores da qualidade. Na argumentação, considera-se que o
irreparável é um lugar do preferível.
Ao lado dos lugares da quantidade e dos lugares da qualidade, que são os mais usuais,
verificamos o uso de outros lugares. Os lugares da ordem são considerados, por
Perelman(1987), como aqueles que afirmam “a superioridade da causa sobre o efeito, do
anterior sobre o posterior” (p. 243). Os lugares do existente estão relacionados com a
preferência daquilo que é sobre aquilo que é possível de ser, afirmando a superioridade do que
existe sobre o que é pretenso, fortuito ou impossível. Os lugares da essência são entendidos,
55
pelos autores, como a concessão de um valor superior aos indivíduos enquanto representantes
característicos da essência sobre cada uma de suas encarnações, não relacionada com uma
atitude metafísica, conforme postula o autor. Para ele, o que encarna melhor o padrão, uma
essência, uma função, é valorizado por isso mesmo, por ser modelar. Os lugares da pessoa,
como prevêem Perelman e Tyteca, podem fundar-se nos lugares da essência, da autonomia, da
estabilidade, da unicidade e da originalidade. Confere-se, portanto, a esses lugares, o valor do
que se faz com cuidado, do que demanda esforço, do que é personificado.
Em síntese, Perelman e Tyteca(2002) concebem os objetos de acordo da seguinte
maneira: de um lado, os fatos, as verdades e as presunções, que estão relacionados com o
acordo universal, relativos à categoria do real; de outro, os valores, as hierarquias e os lugares,
os quais pretendem apenas a adesão de grupos particulares e referem-se à categoria do
preferível. Como vimos, os objetos de acordo constituem a base da argumentação.
2.2.5. Dados, Linguagem e Interpretação
Com base nos pressupostos de Perelman e Tyteca (2002), “toda argumentação é
seletiva” (p. 135), porque escolha de elementos e da forma pela qual eles serão
apresentados. Desta forma, considera-se que a argumentação implica, sobretudo, a seleção e
interpretação dos dados, juntamente com a criação (construção) de significados. Para esses
autores,
Toda argumentação supõe, portanto, uma escolha, que consiste não na seleção
dos elementos que são utilizados, mas também na técnica da apresentação destes.
As questões de formas se mesclam com questões de fundo para realizar a presença
(PERELMAN E TYTECA, 2002:136).
A partir da seleção e da elaboração conceitual dos dados, para serem utilizados,
podemos distinguir a Argumentação da Demonstração. A demonstração, conforme os autores
em estudo, “exige a univocidade dos elementos nos quais ela se fundamenta” (136). No
âmbito da demonstração, pressupõe-se que a compreensão dos dados é uniforme, igualitária
para todos, ou, caso não seja, tende-se a excluir todos os elementos que admitem
interpretações diversas. Nesta perspectiva, na demonstração, a “interpretação não levanta
nenhum problema ou, pelo menos, os problemas por ela levantados são eliminados da
56
teoria” (p.137). Contrariamente, na argumentação, assevera-se a consideração da “seleção
dos dados”, “do modo como são interpretados”, do “significado” atribuído aos dados e,
também, da “apresentação” de alguns aspectos dos dados, em virtude dos “acordos
subjacentes à linguagem que é utilizada” (p. 145). Isso porque, no processo argumentativo, os
dados apresentados não são resultado de escolhas aleatórias, mas são conseqüência de toda
uma intenção e de uma organização, fundadas no “dinamismo da linguagem e do
pensamento” (p. 159). Na prática argumentativa, os dados são entendidos como “elementos
sobre os quais parece existir um acordo considerado, pelo menos de um modo provisório ou
convencional, unívoco e fora de discussão” (p. 137). Desta forma, a interpretação se opõe,
conscientemente, aos dados, pois visa a escolha de significados mais adequados. No entanto,
ressaltamos, a interpretação não se fixa apenas na escolha objetiva entre interpretações, mas
em todo o processo inerente à escolha, “ao esforço de interpretação”.
Para Perelman e Tyteca(2002), “o essencial de grande número de argumentações
resulta desse jogo de inumeráveis interpretações e da lista para impor algumas delas,
suprimir outras” (p. 138). Ainda no âmbito das interpretações, esses autores ressaltam que “a
infinita complexidade das interpretações, sua modalidade e sua intenção explicam
suficientemente a impossibilidade de reduzir todos os enunciados a proposições cuja
probabilidade numérica possa ser determinada” (p. 138). Essa consideração ratifica o
pensamento de que as possibilidades de interpretações são ilimitadas, não sendo possível
vedar o surgimento de novas interpretações, haja vista a ambigüidade das situações e as
variadas maneiras de compreendê-las, o que não descarta a preferência por determinada
interpretação.
2.2.6. Figuras de Retórica e Argumentação
Em seu Tratado de Argumentação, Perelman e Tyteca(2002) comentam que, desde a
antiguidade, são reconhecidos certos “modos de expressão que não se enquadram no comum”
(p. 189). O estudo desses “modos” diferenciados foi destinado aos tratados de retórica e
passaram a denominar “figuras de retórica”. No âmbito desse estudo, em função da
perspectiva adotada nesta época, voltada para os problemas relacionados ao estilo e à
expressão, as figuras foram consideradas como meros adornos. Nesta perspectiva, para que
uma expressão fosse considerada uma figura de retórica era imprescindível que uma
57
determinada forma fosse empregada, no discurso, de uma maneira diferente, distanciada do
modo convencional.
Atualmente, com interesse voltado para o estudo das técnicas do discurso persuasivo,
Perelman e sua colaboradora consideram que o mais importante é “mostrar em que e como o
emprego de algumas figuras determinadas se explica pelas necessidades da argumentação”
(p. 190). Para esses estudiosos, em princípio, toda e qualquer estrutura é passível de ser
utilizada como figura, porém, a utilização incomum, fora do normal, de uma expressão não é
o suficiente para considerá-la uma figura. Citando Volkmann, Perelman afirma que “as
figuras assumem todo o seu significado argumentativo” (p.191) quando, além de dissociar
entre o uso convencional de uma estrutura e o seu uso efetivo no discurso, distinguindo a
forma e fundo, o auditório consegue extinguir essa distinção em virtude do efeito discursivo-
persuasivo.
Segundo os autores de “A Nova Retórica”, deve-se considerar nas figuras,
primeiramente, a sua função argumentativa, bem como seu papel essencialmente persuasivo.
Isso pode ser ratificado na definição da hipotipose, a qual é entendida como a descrição de
uma cena ou situação tão vivamente, que faz o auditório ter a sensação de que as presencia
pessoalmente. Essa figura desencadeia o processo pelo qual os acontecimentos se tornam
presentes na nossa consciência, desempenhando um papel eminentemente persuasivo. Assim,
muito mais do que um simples ornamento, a figura deve ser considerada uma estratégia
argumentativa, com vistas à persuasão pelo discurso. Além da hipotipose, os autores apontam
outras figuras como a prolepse, a alusão, as metáforas. Mas, em síntese, afirmam que “não se
poderia decidir, de antemão, se uma determinada estrutura deve ser considerada ou não
figura, nem se ela desempenhará o papel de figura argumentativa ou de figura de estilo;
quando muito, pode-se detectar um número de estruturas aptas a se tornarem figuras”
(p.192).
2.2.7. Figuras de Escolha, da Presença e da Comunhão
Pioneiro em diversas abordagens e pontos de vistas sobre a argumentação, Perelman,
em seu tratado, discorre sobre as figuras de escolha, as figuras da presença e as figuras da
comunhão, apresentando-nos, ao contrário dos estudos tradicionais, um estudo calcado na
análise das figuras subordinada a uma análise prévia da argumentação. No entanto, o autor
58
designa as figuras pelo mesmo nome que são tradicionalmente conhecidas, embora despreze
as classificações geralmente utilizadas na tradição retórica, pois o objetivo do autor é
construir um novo entendimento acerca das figuras. Interessa a esse teórico, sobretudo, a
constatação de “que uma mesma figura, reconhecível por sua estrutura, nem sempre produz
necessariamente o mesmo efeito argumentativo” (p.194).
Diante disso, Perelman e Tyteca(2002) repensam a concepção sobre as figuras da
escolha, da presença e da comunhão, a fim de esclarecer detalhes sobre o ponto de vista
adotado por eles. No que se refere à figura da escolha, considera-se a interpretação um de
seus modos essenciais, o qual possibilita a criação de uma figura argumentativa. Além dessa,
a definição oratória, que destaca determinados aspectos de uma realidade, também é
considerada uma figura de escolha. Similarmente a essa última, aponta-se a perífrase, que
visa possibilitar maior nitidez e destaque ao papel argumentativo do enunciado. A prolepse ou
antecipação é, também, apresentada como uma figura de escolha, por insinuar haver motivos
para substituir por outra uma qualificação que poderia ter levantado objeções. E, por último, a
hesitação marcada pela retificação, que tem por objetivo único destacar a legitimidade da
escolha; e a correção, que visa a substituição de uma palavra por outra.
As figuras da presença são aquelas que têm como conseqüência o aumento do
sentimento de presença do objeto de discurso na mente do auditório. Segundo Perelman e
Tyteca, podemos entender como figuras de presença: a onomatopéia, quando a criação ou
o uso incomum de uma palavra para evocar um determinado som; a repetição, que favorece a
presença quando acentua partes de um acontecimento complexo em episódios detalhados; a
sinonímia ou metábole, que proporcionam o aumento da presença sugerindo a correção
progressiva; e, por fim, a intensificação da presença por meio da substituição sintática de um
tempo verbal por outro (enálage de tempo).
As figuras de comunhão são aquelas através das quais o orador busca efetivar ou
confirmar o engajamento do auditório ao discurso proferido. Nessa busca, o orador pode
utilizar-se de algumas figuras, tais como: a alusão, que tem por objetivo “aumentar o
prestígio do orador que possui e sabe utilizar tais riquezas” (p. 201); e a citação, quando
cumpre uma função não convencional. Além dessas, a apóstrofe, também chamada
interrogação oratória; a enálage de pessoa; e, todas as figuras usadas pelo orador, na
tentativa de fazer com que o auditório participe de sua exposição, são consideradas
mecanismos implementadores e efetivadores da comunhão entre orador e auditório.
Em síntese, esses diversos e diferenciados objetos de acordo se constituem como
grandes pontos de apoio à argumentação. No entanto, o estatuto desses objetos, como
59
elementos constituidores da argumentação, depende da forma pela qual são expressos e do
modo como o discurso é situado, o que justifica a consideração de que “apenas num contexto
completo eles podem ser reconhecidos” (p. 208) e explica a solidez e, ao mesmo tempo, a
precariedade atribuída a esses elementos.
2.2.8. As Técnicas Argumentativas: Tipos de Argumentos
No ato de argumentar, visando intensificar o engajamento do auditório às teses
apresentadas pelo orador, as técnicas argumentativas podem se apresentar sob dois aspectos
diferenciados: o positivo, que institui uma solidariedade entre teses que se procura promover e
as teses admitidas, que consiste no argumento de ligação; e, o negativo, que procura
enfraquecer ou romper a solidariedade comprovada ou prevista entre as teses admitidas e as
opostas às teses do orador, o que, conforme Perelman (1987), “tratar-se-á da ruptura das
ligações e dos argumentos de dissociação” (p.246). No entanto, definir um esquema
argumentativo não é uma tarefa simples e desprovida de riscos, haja vista que, para distinguí-
los, precisamos interpretar as palavras do orador e preencher as lacunas, os elos faltantes. Essa
situação dúbia impede-nos de afirmar que o pensamento do orador e de seus ouvintes
corresponde ao esquema identificado, pois pode haver mais de uma maneira de se conceber a
estrutura de um argumento. Porém, o interesse dos autores de “A Nova Retórica” se
circunscreve à análise dos esquemas argumentativos para os quais “os casos particulares
examinados servem apenas de exemplos” (p. 212). Isso porque, para esses autores “... nada
impede de se considerar um enunciado como suscetível de traduzir vários esquemas que
atuariam simultaneamente sobre o espírito de diversas pessoas, até mesmo sobre um único
ouvinte” (p. 212).
Na perspectiva desses autores, o discurso é considerado um ato, o qual pode ser objeto
de reflexão e ação, inclusive por parte do ouvinte. Assim, no curso da argumentação do
orador, o ouvinte poderá se dispor a argumentar acerca do discurso, com o intuito de
posicionar-se a seu respeito, determinando ou não sua adesão, seu engajamento. O ouvinte,
além de perceber os argumentos à sua maneira, pode, inclusive, ser autor de novos
argumentos, os quais influirão no resultado da argumentação.
Sucintamente, é a relação entre o discurso e a situação argumentativa que produz
efeitos persuasivos, a partir da interação entre os diferentes e diversos elementos do discurso.
60
Dessa forma, somente considerando os argumentos e suas sobreposições é que podemos
explicar o efeito argumentativo prático. No entanto, num primeiro momento, Perelman e
Tyteca (2002) optam por analisar a estrutura dos argumentos isoladamente, salientando que
em função dos procedimentos adotados serão obrigados a “separar articulações que são, na
verdade, parte integrante de um mesmo discurso e constituem uma única argumentação de
conjunto” (p. 211). Posto isso, eles agrupam, de um lado, os argumentos de ligação, e, de
outro, os de dissociação.
A abordagem desses argumentos antecipa alguns aspectos inerentes ao modelo de
funcionamento da mente proposto por Fauconnier e Turner (2002), o qual é adotado nesta
pesquisa
48
. Essa antecipação nos leva a prever uma certa correlação entre o processamento
mental desses argumentos e a operação básica da mente, a Integração Conceptual
49
. Em
função disso, supomos que o processamento desses argumentos pressupõe a
contrafactualidade, que consiste na habilidade humana de operar, através da Integração
Conceptual de Espaços, com mundos possíveis na configuração de um mundo imagético,
contrafactual, contraparte do mundo da realidade discursiva do falante (Espaço-R). Nesse
caso específico, em linhas gerais, pode-se entender: argumentos de ligação (factual) e
argumentos de dissociação (o seu contrafactual).
Na visão de Perelman e Tyteca (2002), consideram-se como argumentos de ligação:
os argumentos quase-lógicos, os argumentos fundados na estrutura do real e os argumentos ou
ligações que fundamentam a estrutura do real. Os argumentos quase-lógicos são aqueles
que, por sua estrutura, se assemelham aos raciocínios formais, tais como a identidade
50
ou a
transitividade
51
, uma vez que, a princípio, eles não apelam à experiência. No entanto, ao
contrário dos raciocínios formais, eles podem ser refutados por não serem puramente lógicos.
Esse tipo de argumento pode recorrer às estruturas lógicas, a exemplo da contradição, da
identidade total ou parcial e da transitividade, bem como podem apelar para relações
matemáticas, como a relação da parte com o todo, do menor com o maior, da relação de
freqüência. Essas estruturas a que o argumento pode remeter, a nosso ver, podem ser
48
Modelo teórico abordado no capítulo 3.
49
A Integração Conceptual é uma operação mental básica, a qual ocorre essencialmente por meio do processo
denominado “Blending” (mesclagem), o qual envolve, no mínimo, a integração de dois espaços, o factual e o seu
contrafactual, na produção de significados emergentes. Trata-se, concisamente, de uma e única operação mental,
a qual se divide, para fins metodológicos, em três suboperações: Identificação, Integração, Imaginação (cf.
Fauconnier e Turner, 2002: 6).
50
Correlacionado à operação de Identidade, (cf. Fauconnier e Turner, 2002).
51
Pressupondo a implementação mental da operação de Integração Conceptual.
61
correlacionadas às Relações Vitais postuladas por Fauconnier e Turner (2002)
52
, as quais são
abordadas no capítulo seguinte. De maneira geral, acreditamos que as relações que se
estabelecem via “estruturas lógicas” são tão importantes quanto as Relações Vitais, no que
tange a instanciação do processo de produção de sentido pela mente.
Os argumentos fundados na estrutura do real se caracterizam por não se apoiarem
na lógica, mas na experiência, nas relações existentes entre as coisas
53
. De acordo com
Perelman e Tyteca (2002:298), esses argumentos geram outros argumentos que exprimem
maneiras pelas quais se apresentam opiniões concernentes ao real, podendo, estas opiniões,
serem tratadas como fatos, como verdades ou como presunções. Esses argumentos podem se
aplicar a ligações de sucessão, tendendo a unir um fenômeno a suas conseqüências ou causas;
situação em que se insere o argumento pragmático, o argumento do desperdício, da direção,
de superação, entre outros. Também podem ser aplicados a ligações de coexistência, unindo a
pessoa a seus atos, um grupo aos indivíduos que dele fazem parte e, em geral, uma essência a
suas manifestações. Nesse tipo de ligação (de coexistência), estão os argumentos de
autoridade, de hierarquia, os concernentes às diferenças de grau e ordem e os argumentos
concernentes ao ethos.
Os argumentos que fundamentam a estrutura do real são considerados, também,
como sendo argumentos de ligação. Semelhantes ao anterior, são entendidos como
argumentos empíricos, porém, ao invés de se apoiarem na estrutura do real, eles a criam,
apontando nculos entre lugares antes não vistos. Esse tipo de argumento desempenha
funções variadas: como exemplo, permitirá uma generalização; como ilustração, esteará uma
regularidade estabelecida; como modelo, incentivará a imitação. Podem, ainda, generalizar
aquilo que se aceita acerca de um caso particular ou colocar em um outro domínio aquilo que
se admite em um domínio particular, conforme postulado por Perelman e Tyteca, 2002. Esse
tipo de argumento se ancora, essencialmente, nos raciocínios baseados em analogias e
metáforas
54
. Para Perelman (1987:260), elas desempenham um papel fundamental na
estruturação e valorização do real. A analogia
55
, no que diz respeito à evidência de seu valor
52
Esses pesquisadores destacam, entre outras, as Relações Vitais de variação ou mudança, identidade; tempo;
espaço; causa-efeito; parte-todo; representação; papel-valor; analogia, propriedade; similaridade; categoria;
intencionalidade, as quais podem ser correlacionadas com as estruturas explicitadas pelos teóricos da
argumentação.
53
“Essa relação existente entre as coisas” nos leva a pensar numa correlação com a operação de Identificação
(cf. Fauconnier e Turner, 2002), por consistir em realizar operações de reconhecimento de identidades,
igualdades, semelhanças, diferenças, contrastes, etc., entre dois domínios cognitivos, logo, operando com a
contrafactualidade.
54
Ambas, analogias e metáforas, são tratadas em Fauconnier e Turner (2002), numa perspectiva conceptual.
55
Tratada em Fauconnier e Turner (2002:99): “(...) when, through blending, two different blended spaces have
acquired frame structure in common, they are linked by the Relation de Analogy”.
62
argumentativo, é entendida como uma similitude de estruturas, tendo como fórmula genérica
o seguinte: “A” está para “B” assim como “C está para “D”, conforme apresentado pelos
autores em estudo. No âmbito dessa questão, Perelman endossa alguns posicionamentos de
Paul Grenet, ao citar M. Cazals em sua obra:
O que faz a originalidade da analogia e o que a distingue de uma identidade
parcial, ou seja, da noção um tanto corriqueira de semelhança, é que em vez de ser
uma relação de semelhança, ela é uma semelhança de relação. (PERELMAN E
TYTECA, 2002: 424)
Para ratificar esse pensamento, o teórico belga utiliza-se do seguinte exemplo tirado de
Aristóteles: “Assim como os olhos dos morcegos são ofuscados pela luz do dia, a inteligência
de nossa alma é ofuscada pelas coisas mais naturalmente evidentes” (ARISTÓTELES apud
PERELMAN e TYTECA, 2002:424). Com base nesse exemplo, Perelman propõe chamar de
tema o conjunto de termos “A” e “B”, postulando que sobre ele repousa a conclusão
(inteligência da alma, evidência); e a designar o conjunto “C” e “D” como foro, assumindo
que nele se estriba o raciocínio (olhos do morcego, luz do dia).
A metáfora
56
, para os mestres da retórica, é um tropo. Trata-se de “uma mudança
bem-sucedida de significação de uma palavra ou de uma locução (...)” (p.453), transportando
uma significação para outra graças a uma comparação que existe na mente. No entanto,
concordando com Richards, Perelman explicita a rejeição dessa idéia de comparação, por
acreditar no caráter vivo e dinâmico das relações estabelecidas entre os conceitos expressos
em uma metáfora, enfocando o seu caráter interativo ao invés da mera substituição. Assim,
Perelman e Tyteca asseveram a importância da metáfora na argumentação, apontando a
existência de um vínculo fundamental entre metáfora e analogia
57
, a ponto de postular que a
metáfora, no que tange a argumentação, pode ser considerada uma analogia, a qual resulta da
combinação de um elemento do foro com um elemento do tema. Em síntese, nas palavras
desses teóricos:
A metáfora, fusão analógica, desempenha todos os papéis representados pela
analogia. Desempenha-os melhor ainda em certos pontos, porque reforça a
analogia; a metáfora condensada se integra na linguagem. Mas apenas o despertar
56
Entendemos a metáfora, neste trabalho, para além dos aspectos lingüísticos, pois, com Cavalcante (2002:174),
assumimos que “(...) a compreensão dos processos envolvidos na produção/recepção de metáforas exige a
utilização de categorias processuais de investigação...”.
57
Na perspectiva de Fauconnier e Turner, metáforas e analogias são tratadas do ponto de vista conceptual,
remetendo ao pensamento contrafactual, à criação de um mundo imagético, contrafactual, contraparte do mundo
da realidade discursiva do falante.
63
da metáfora possibilitará distinguir-lhe a estrutura e, vencida essa etapa, superar a
analogia. (PERELMAN E TYTECA, 2002:.465).
Os argumentos de dissociação, em oposição aos argumentos de ligação, têm por
objetivo dissociar noções em pares hierarquizados, tais como aparência/realidade, meio/fim,
letra/espírito, etc. São caracteristicamente contrários aos demais argumentos, uma vez que, ao
invés de associar, dissociam as noções em voga. Segundo Perelman e Tyteca:
(...)a dissociação das noções determina um remanejamento mais ou menos profundo
dos dados conceituais que servem de fundamento para a argumentação. não se
trata, nesse caso, de cortar os fios que amarram elementos isolados, mas de
modificar a própria estrutura destes. (PERELMAN E TYTECA, 2002:468).
A apresentação isolada desses tipos de argumentos não pretende demonstrar que eles
se constituam como entidades isoladas, haja vista que podemos interpretar um determinado
raciocínio com base em um ou em outro esquema argumentativo. Além disso, certos tipos de
argumentos podem pertencer a mais de um grupo, de acordo com a situação argumentativa
implementada. Como postulam Perelman e Tyteca,
(...) os elementos isolados com vistas ao estudo formam, na realidade, um todo;
estão em interação constante, e isso em vários planos: interação entre diversos
argumentos enunciados, interação entre estes e o conjunto da situação
argumentativa, entre estes e sua conclusão e, enfim, interação entre os argumentos
contidos no discurso e aqueles que têm este último por objeto (PERELMAN E
TYTECA, 2002:523).
2.2.9. Considerações Parciais
Para finalizar esse tópico é pertinente estabelecer uma correlação entre os dois pontos
de vistas apresentados até agora, bem como antecipar algumas convergências com as teorias
de processamento discursivo que abordaremos mais à frente. Percebe-se, de maneira geral,
que a Retórica consiste no estudo da fala em público de forma persuasiva, ao passo que a
“Nova Retórica”, de Perelman e Tyteca, apóia-se na estrutura da argumentação escrita. Essa
última mantêm a concepção dos gêneros discursivos propostos por Aristóteles (deliberativo,
judiciário e epidíctico), mas enfoca o gênero epidíctico, por considerá-lo fundamental à arte
de persuadir. Além disso, a perspectiva apresentada em “A Nova Retórica” não visa a
subordinar o discurso argumentativo à noção de verdade proposicional, mas à pragmática,
64
uma vez que os juízos de valor estão diretamente relacionados com a aceitação do discurso
pelo auditório.
Além dessas questões, pudemos perceber que diversos aspectos abordados em
Perelman e Tyteca (2002) antecipam categorias propostas por Fauconnier e Turner (2002) ao
construírem o modelo de funcionamento da mente humana, o qual adotamos
58
. A saber: 1) o
processamento mental dos argumentos de ligação e dos argumentos de dissociação, do nosso
ponto de vista, pode ser correlacionado à efetivação da operação mental de Integração
Conceptual, que pressupõe a contrafactualidade, habilidade humana de operar mentalmente
com mundos (factual e contrafactual, parte e contraparte); 2) as estruturas a que certos tipos
de argumentos podem recorrer (contradição, identidade total ou parcial, transitividade, relação
da parte com o todo, do menor com o maior, relação de freqüência), a nosso ver, podem ser
correlacionadas às Relações Vitais postuladas por Fauconnier e Turner (2002),
desempenhando um papel fundamental no processo de produção de sentido, na construção do
efeito persuasivo da argumentação; e, 3) a menção aos raciocínios metafóricos e analógicos,
tratados, processualmente, a partir de sua produção e recepção, em Fauconnier e
Turner(2002).
Outro ponto de suma importância, e que certamente possibilita a articulação entre as
teorias do quadro teórico desta pesquisa, é a concepção de linguagem, a qual é assumida como
discurso, como ação persuasiva estabelecida entre os interlocutores. Em outras palavras, o
discurso é concebido como um ato, o qual pode ser objeto de reflexão e ação, inclusive por
parte do ouvinte. Desta forma, no curso da argumentação do orador, o ouvinte tem a
possibilidade de argumentar, de contra-argumentar acerca do discurso, com o intuito de
posicionar-se a seu respeito, determinando ou não sua adesão, seu engajamento. Em síntese, é
a relação entre o discurso e a situação argumentativa que produz efeitos persuasivos, a partir
da interação entre os diferentes e diversos elementos constitutivos do discurso em ação.
58
Ver capítulo 3.
65
2.3. Osakabe: Argumentação e Discurso Político
A discussão de Osakabe(1999) sobre a argumentação enquanto fenômeno discursivo é
iniciada por uma tentativa de delimitação do termo discurso. Isso se justifica porque, para o
autor,
Trata-se de uma palavra cujo sentido preciso tem sido pouco questionado, e isso
pelas razões mais diversas. Uma destas talvez se deva ao fato de ter sido ela
utilizada em trabalhos com alguma preocupação científica, onde simplesmente se
recuperou o próprio uso que se fez dela na linguagem ordinária. (OSAKABE,
1999:5).
O uso pluralizado do termo discurso, bem como sua complexidade, gera uma gama
intricada de significações a ele atribuídas. Fato que, para Osakabe(1999), implica um
movimento contínuo de ajustes conceituais por parte dos pesquisadores, a fim de delimitar o
campo de investigação. No entanto, a delimitação por si só não é suficiente. Como afirma esse
autor é “...necessária, do ponto de vista estritamente lingüístico, a esquematização do sentido
que, por consenso, tem sido atribuído a esse termo, dentro da própria lingüística” (p. 7).
Posto isso, o autor afirmar não ter a pretensão de se chegar a um conceito único e
definitivo sobre o termo discurso, num quadro definido de regras, mas a uma abordagem do
mesmo enquanto realidade empírica
59
, desde que não seja confundindo com a frase por estar
além da sua combinação. Em vista disso, Osakabe (1999), traçando um panorama dos usos do
termo discurso, tenta um equacionamento de um possível sentido consensual atribuído a esse
termo, o que, certamente, acarretará numa delimitação do quadro da investigação proposta
pelo autor. A fim de se estabelecer a referida caracterização, Osakabe parte da discussão
proposta por Geneviève Provost (apud OSAKABE, 1999:8) em que se contempla elementos
que podem contribuir para uma aproximação do termo discurso. Nas palavras do autor,
resumidamente, trata-se “da questão da delimitação” e “da questão da natureza”, que tem
como base a seguinte discussão:
Il semble difficile de préciser les emplois du terme discours en linguistique. Lorsque
le terme ne renvoie pas à la notion de parole (F. Saussure) ou d’énoncé
(Bloomfield), il est à peu près l’équivalent de texte, au sens d’une structure close,
achevée, dont les éléments sont définis par l’ensemble de leurs relations. De même
qu’on peut concevoir la phrase comme um certain contour d’intonation entre deux
pauses, d’une manière pragmatique, le discours est parfois compris comme une
succession d’événements: il y a ‘prise de parole’ du locuteur, puis déroulement
59
“Entende-se como realidade empírica um objeto delimitável no tempo e no espaço, perceptivelmente
observável e compreensível, e analisável em seus elementos mais recorrentes”. (cf. Osakabe, 1999:8)
66
d’une séquence de phrases, suive de silence (ou d’un changement de locuteaur)
(PROVOST, apud OSAKABE ,1999:8-9)
60
.
No âmbito da caracterização do termo discurso, Osakabe salienta que, a partir do
fragmento acima, podemos percebemos a convergência de duas tendências definidoras do
referido termo. Segundo o autor, trata-se da vertente que considera o discurso como uma
“combinatória de frases” (p. 9), oriunda dos trabalhos de Harris; e da vertente fundada nos
estudos de Benveniste e Jakobson. A primeira vertente relaciona-se com “a questão da
delimitação” e tem como base os estudos de Harris e de Pêcheux, dos quais, respectivamente,
pode-se inferir que o discurso seja constituído de uma seqüência estruturável individualmente
e seja delimitado por brancos semânticos
61
dependentes dos componentes do aparelho
enunciativo, conforme Osakabe (1999:14). Esses dois pontos de vista, de maneira geral,
podem ser entendidos como complementares, embora se perceba que a perspectiva proposta
por Pêcheux ultrapasse a de Harris. A segunda vertente, a da “natureza” do discurso, é
fundamentada na discussão proposta por Émile Benveniste
62
, a qual, para Osakabe, é a visão
mais abrangente, em termos teóricos, sobre o tópico em questão. Benveniste (apud
OSAKABE, 1999, p.16-17) estabelece a dupla correlação constituidora do discurso,
caracterizada como: i) correlação de pessoalidade, que consiste na oposição eu/tu a ele,
respectivamente consideradas como as pessoas e a não-pessoa do discurso; e, ii) a correlação
de subjetividade entre “eu-tu”, em que o “eu” constitui-se como o sujeito da ação verbal
enquanto o “tu” constitui-se como o objeto dessa ação. Nesta perspectiva, considera-se que as
entidades “eu-tu” pertençam à instância do discurso ou, como interpreta Osakabe, que o
“discurso (...) constitui uma espécie de espaço prático em que tais entidades ganham sua
razão de ser ...” (1999:17). Pressupõe-se que, nessa instância, com vista à construção de
sentidos, se processe a relação entre os indicadores de pessoa, de tempo, de lugar e de objeto
mostrado e a instância da contemporaneidade do discurso, implementada no aqui e agora
discursivos. A caracterização do discurso para Benveniste, segundo as palavras de Osakabe,
“...prende-se basicamente a esse processo de relacionamento entre situação e indicadores de
60
“Parece difícil precisar os empregos do termo discurso em lingüística. Quando o termo não é nota de rodapé,
passa pela noção de fala (F. Saussure) ou de enunciação (Bloomfield), ele é mais ou menos equivalente a texto,
no sentido de uma estrutura fechada, acabada, de onde os elementos são definidos pelo conjunto de suas
relações. Mesmo que conserve um pouco a frase com um certo contorno de entonação entre duas pausas, de uma
maneira pragmática, o discurso é perfeitamente compreendido como uma sucessão de acontecimentos: ele
está, 'preso a fala' do locutor, e, além disso, desenvolvendo uma seqüência de frases, seguida de silêncio (ou de
uma modificação do locutor)”. (Tradução livre).
61
Os “brancos semânticos”, conforme Pêcheux apud Osakabe, 1999, p. 14-16, podem ser entendidos como as
“paradas”, como o silêncio, que estabelecem os limites do discurso, sendo semanticamente nulos.
62
Trataremos, no segundo capítulo, detalhadamente, sobre a Teoria da Enunciação, como proposta por Émile
Benveniste.
67
forma tal que se torna inalienável de sua definição o jogo de relações intersubjetivas que
se estabelecem” (1999:17).
Das várias contribuições teóricas apresentadas, com base em Osakabe, pode-se
concluir, ainda que não definitivamente, que do ponto de vista de sua natureza, o discurso
pode ser caracterizado pelas relações estabelecidas entre “eu” e “tu”, pela presença dos
indicadores de situação, pela ligação com um processo em que “eu” e “tu” se aproximam
pela construção de sentidos e, também, pela situacionalidade que contribui para com a
construção da semanticidade discursiva. Do ponto de vista de sua extensão, podemos entender
que o discurso está além das combinações frasais
63
, sendo, portanto, mais amplo que elas.
Além disso, o discurso, desse ponto de vista, se limita por dois brancos semânticos, referentes
à ausência de uma cadeia significativa ou à troca de locutor.
2.3.1. As Condições de Produção: Estratégias e Imagens
Com enfoque no processo de produção de textos, numa perspectiva pragmática,
Osakabe(1999) coloca em foco a questão das condições de produção como a base da
discussão sobre as realidades discursivas. No tocante a essa questão, o autor comenta sobre
duas correntes que assumem a discussão a esse respeito, porém apontando para direções
distintas. Essas correntes são fundamentadas na visão psicológica e sociológica. Elas
estabelecem uma diferenciação entre produção individualizada e produção socializada, as
quais são definidas com base na natureza do discurso, com base no seu interesse dominante.
No âmbito dessa questão, considerando o direito de se colocar em foco qualquer uma das duas
óticas, Osakabe questiona a possibilidade de se restringir a análise ao se optar, previamente,
por uma dessas perspectivas.
Diante disso, com vista a uma tomada de atitude menos comprometida, o autor propõe
que as condições de produção sejam pensadas de acordo com o interesse emanado pelo
discurso. Para tanto, Osakabe apresenta-nos uma esquematização de alguns componentes
fundamentais, pautado no raciocínio de Pêcheux, que coloca em evidência os protagonistas do
discurso e o seu referente. Resumidamente, esse esquema é constituído pelo destinador, A;
pelo destinatário, B; pelo referente, R; pelo código lingüístico comum a A e a B, (£); pelo
63
“... a não ser que determinada frase possa ser caracterizada como discurso”, conforme salientado por Osakabe,
1999:21.
68
contato estabelecido entre A e B, ___ ; e pela seqüência verbal emitida por A em direção a B,
D; o que pode ser assim representado, conforme Pêcheux apud Osakabe, 1999:53:
(£)
A D B
R
Esse esquema apresenta uma fundamental alteração em relação ao esquema da teoria
da informação: o uso do termo discurso em detrimento do termo mensagem. Trata-se de uma
substituição fundamental tanto para a proposta de Pêcheux quanto para Osakabe, uma vez
que, em ambas as propostas, considera-se que “a relação que se processa pela seqüência
verbal emitida por um destinador em relação a um destinatário não é puramente informativa,
mas abarca, além do ‘efeito de sentido’ pensado por Pêcheux, uma relação de
intersubjetividade” (1999:53). As perspectivas teóricas de Osakabe e Pêcheux, até este ponto
de discussão, são assemelhadas, mas começam a distanciar a partir do momento em que
Pêcheux concebe o destinador e o destinatário como representantes de um lugar em
determinada formação social, sendo perceptível a inclinação sociológica assumida pelo autor,
bem como o seu comprometimento com um interesse determinado. Diante disso, o discurso
passa a ser caracterizado como resultante das relações de papéis sociais determinados, visão
que, para Osakabe, parece ser um tanto simplista.
No âmbito dessa questão, Pêcheux (apud OSAKABE, 1999, p. 54-55) ressalta a
importância da imagem que se constrói mutuamente entre destinador e destinatário, propondo
um esquema baseado nas seguintes perguntas: a) por parte do destinador: “Quem sou eu para
lhe falar assim?”, “Quem é ele para eu lhe falar assim?”; b) por parte do destinatário:
“Quem sou eu para que ele me fale assim?”; “Quem é ele para que ele me fale assim?”.
Questões essas que são acrescentadas a outras relativas aos pontos de vista do destinador e do
destinatário sobre o referente, tais como: a) por parte do destinador: “De que lhe falo eu?”; b)
por parte do destinatário: “De que ele me fala?”. Refletindo sobre essas indagações,
Osakabe aponta para a ausência de elementos que remetam à relação atuacional e pragmática
entre destinador e destinatário, sugerindo, na formulação proposta por Pêcheux, uma pergunta
que não se localize no destinador ou no destinatário, mas sobre eles: “O que o destinador
pretende do destinatário falando dessa forma?”, “O que o destinador pretende de si falando
dessa forma?”. Segundo Osakabe, essas considerações colocam em cena não apenas a
69
imagem que o destinador e o destinatário fazem de si, entre si ou do referente, mas da
natureza do ato estabelecido entre eles.
2.3.1.1. Argumentação - Atos de linguagem e a Construção de Imagens
As questões levantadas acima remetem-nos diretamente à natureza dos atos de
linguagem, cuja pertinência ao estudo das condições de produção do discurso se mostram
fundamentais. Essa perspectiva tem sua origem em Austin que, pioneiramente, atentou para o
estudo da linguagem “segundo um quadro hipotético de atos de linguagem” (apud
OSAKABE, 1999:56), ancorado numa concepção prática e mais concreta, por entender que
“o ato de discurso integral, na situação integral de discurso, é, no final das contas, o único
fenômeno que procuramos elucidar de fato” (ibidem).
Com o intuito de distanciar ao máximo do critério de verdade e falsidade que norteou
muitos estudos sobre a significação, Austin, segundo Osakabe, discute, primeiramente, que
existem, na linguagem ordinária, determinados enunciados
64
que não possuem um fim
assertivo. A título de exemplo, aponta-se a diferença entre os enunciados “Prometo sair” e
“Paulo promete sair”
65
, em que o primeiro não se submete ao critério de verdade e falsidade,
enquanto o segundo se submete. As distinções entre esses tipos de enunciados conduzem o
autor a um vasto estudo, a partir do qual se conclui que, no caso dos enunciados
performativos, existe uma base de significação definível somente a partir do conceito de atos
de linguagem. Austin, na interpretação de Osakabe(1999), postula que o falante realiza três
atos básicos no momento em que fala, quais sejam: 1) ato de locução, referente à apropriação
da linguagem, no âmbito fonético, gramatical e semântico; 2) ato ilocucionário, relacionado à
“força” com que os enunciados são produzidos; e, 3) ato perlocucionário, relacionado aos
efeitos de sentidos produzidos pelo uso da linguagem, relacionando-se, assim, com a situação
da enunciação.
A distinção entre esses atos não é muito clara, principalmente no que tange à
diferenciação entre os atos ilocucionários e perlocucionários
66
. Para Austin, a diferença entre
esses atos está ancorada no quesito convenção, entendendo o ato ilocucionário como
64
O autor remete, aqui, aos perfomativos (apud Osakabe, 1999:56).
65
Exemplos retirados de Osakabe, 1999:56.
66
Desses atos, Austin dedica maior atenção ao estudo dos atos ilocucionários, não pela importância a ele
atribuída, mas em função dos objetivos específicos do autor.
70
convencional, por obedecer a regras instituídas, e o ato perlocucionário como o-
convencional. Seguindo a mesma perspectiva de Austin, Searle (apud OSAKABE, 1999:58)
não evolui na discussão sobre os atos perlocucionários, assumindo que sua existência é
dependente, é conseqüência dos atos ilocucionários. Além disso, esse autor relaciona alguns
tipos de atos perlocucionários, dizendo:
(...) se eu sustento um argumento, posso persuadir, ou convencer meu interlocutor;
se lhe peço alguma coisa, posso conduzi-lo a fazer o que lhe peço; se lhe forneço
uma informação posso convencê-lo (esclarecê-lo, edificá-lo, inspirá-lo, fazê-lo
tomar consciência). (SEARLE apud OSAKABE, 1999:58).
Ao contrário desses autores, Osakabe afirma que, na perspectiva do discurso, é de
suma importância a consideração dos atos perlocucionários, pelo menos para o
desenvolvimento de sua proposta. Além disso, assume que “o discurso tem sua semanticidade
garantida situcionalmente, isto é, no processo de relação que se estabelece entre as suas
pessoas e a situação” (p. 59), e salienta que não como proceder a uma análise
interpretativa sem levar em conta as significações emanadas das relações entre “os
protagonistas do discurso e a situação” (p. 59). Sobre essa questão, acreditamos que a
situcionalidade não “garantias”. É o contexto cognitivo do falante/ouvinte, ou seja, a
construção mental que o leitor faz da situação como um todo, que pode fornecer certas
contribuições para o processo de construção de sentido. No entanto, concordamos com as
duas críticas feitas por Osakabe aos posicionamentos de Austin e Searle. Contrariamente ao
primeiro teórico, Osakabe afirma que o ato perlocucionário é também convencional, tendo em
vista sua subordinação a determinadas regras contextuais, o que é exemplificado por meio da
negação “Deus não existe”
67
, que somente se constitui como ato de chocar na medida em que
as relações entre os interlocutores e a situação mantiverem como dada a afirmação subjacente
àquela negação. A propósito do ato perlocucionário, Osakabe conclui que esse deve ser
considerado como uma condição fundamental para o ato ilocucionário, seja explicitamente ou
enquanto pressuposição. Com relação a Searle, Osakabe também se opõe, afirmando ser
impraticável a decisão antecipada sobre os fins discursivos, definindo, previamente, se o
discurso visará à persuasão ou à edificação.
No âmbito dessa questão, segundo Osakabe, podemos considerar que todo discurso é
motivado por determinado fim específico, porém, ao desenvolver seu discurso, o locutor conta
com certos conhecimentos tácitos, com determinadas significações aceitas e assimiladas pelos
67
Exemplo retirado de Osakabe, 1999:60.
71
ouvintes, mesmo que não manifestadas declaradamente, cujo desconhecimento e/ou
inaceitação pode levar à rejeição do discurso por parte do ouvinte. No que concerne a essa
questão, é Osvald Ducrot, na visão de Osakabe, quem estabelece uma importante distinção
para a análise dos enunciados. Ele aponta para a diferença entre o subentendido e o
pressuposto, apontando o caráter discursivo do primeiro e o caráter lingüístico do segundo.
Ducrot (apud OSAKABE, 1999:68) aponta dois fatores como responsáveis pela implicitude
de certas significações: 1) a existência de um conjunto diligenciável de tabus lingüísticos; e,
2) o fato de que toda afirmação explicitada pode vir a ser um tema de discussão, o que nem
sempre é possível ou desejável. Segundo o autor, esses fatores têm como origem dois tipos
distintos de implícitos discursivos. O primeiro fator supramencionado corresponde ao
“implícito interditado institucionalmente” (ibidem); e o segundo ao fato de que “não se
explicita um objeto que se pretende não ser questionado” e ao fato de que “não se explicitam
objetos que se consideram suficientemente estratificados e aceitos” (ibidem).
Essas considerações são convergentes com a proposta de Pêcheux, no que tange à
questão das imagens, uma vez que concebe que, para produzir um discurso, o locutor se
fundamenta num conjunto de imagens e num conjunto de significações que subjazem ao
discurso. Posicionamento esse que é assumido, por Osakabe, como uma das questões básicas
das condições de produção do discurso. A configuração das imagens que sustentam o discurso
é pautada em algumas questões básicas. A primeira questão, “Que imagem faço do ouvinte
para lhe falar dessa forma?” (p. 69), está diretamente ligada à relação estabelecida entre
locutor e ouvinte e, também, ao conhecimento que o locutor pressupõe que o seu ouvinte
tenha. Para Osakabe, no que se refere ao relacionamento interpessoal, locutor e ouvinte são
vistos dentro de uma relação de dominação, especificamente no que tange à posse do
discurso, pois, na leitura que Osakabe faz de Ducrot, quem enuncia, no momento específico
de sua fala, é a entidade dominante, por poder manipular as diretrizes do discurso. Nesse
contexto, o locutor sempre será o dominador, independentemente da existência de outros
níveis de dominação entre locutor e ouvinte. No entanto, como a posição de locutor não é
fixada em apenas uma pessoa, esta posição de dominância pode se alternar entre os sujeitos, à
medida que assumem a palavra, haja vista que essa relação de dominância funda-se no critério
unicamente operatório. Nesse sentido, do ponto de vista puramente funcional, a imagem
fundamental que o locutor faz do ouvinte é a de dominado, porém, do ponto de vista do
fornecimento de um ponto de partida para o desenvolvimento do discurso, acredita-se que o
ouvinte tem uma função decisiva, pois seu campo de significações deve ser seguido pelo
locutor. Esse posicionamento de Osakabe, no que diz respeito à “dominação”, não é assumido
72
neste trabalho de pesquisa, uma vez que concebemos a linguagem como essencialmente
dialógica, não havendo construção do eu” sem que haja simultaneamente, especularmente, a
construção do “tu”.
A segunda questão relativa à configuração das imagens, “Que imagem penso que o
ouvinte faz de mim para que eu fale dessa forma?”, tem a ver com a pressuposição da
imagem que o ouvinte faz do locutor. No caso dos corpora de Osakabe (1999) e desta
pesquisa, trata-se da imagem do locutor enquanto “locutor político”, o que está
intrinsecamente ligado à imagem da função assumida, pelo locutor, perante o ouvinte. Por
último, temos as questões relativas à construção da imagem sobre o referente: “Que imagem
tenho do referente para falar dessa forma?” e “Que imagem penso que o ouvinte tem do
referente para eu falar dessa forma?”. Dessas duas questões, para Osakabe, é a segunda que
faz jus à produção do discurso do locutor, por partir da pressuposição de que o ouvinte tem
uma imagem do referente que seja diferente da sua, haja vista que o fim discursivo é conduzir
o auditório ao engajamento às teses do locutor.
Por último, Osakabe(1999) trata, isoladamente, “do ato de linguagem praticado pelo
próprio ato de discursar” (p. 92), por considerar a sua natureza distinta dos precedentes. Esse
ato, embora envolva o ouvinte, está centrado na pretensão do locutor. Sendo assim, para
configurar-lhe a estruturação é preciso distinguir, de um lado, os atos perlocucionários
manifestos pelas ações de “persuadir” e “convencer”; e de outro, a caracterização de um ato
ilocucionário, expresso pelo verbo “argumentar”, não sendo possível a caracterização desse
último sem que se leve em conta os atos perlocucionários a ele ligados. Isso porque, de acordo
com Osakabe, ‘argumentar’ liga-se necessariamente a uma finalidade pragmática situada
no ouvinte...” (1999:93). Dada essa relevância do ato de argumentar, Osakabe, baseando-se
nos postulados de Perelman, tenta caracterizar empiricamente a argumentação, partindo da
distinção entre demonstração e argumentação, a qual é ancorada no critério de “tempo”,
atribuindo à demonstração um caráter atemporal e à argumentação o caráter temporal. A
temporalidade desempenha um papel fundamental na argumentação: internamente, no
desenvolvimento do discurso, à medida que o locutor ajusta a sua fala às reações do ouvinte,
especialmente quando se trata de discurso improvisado; e, externamente, relacionado à força
que os argumentos assumem na situação discursiva. Essas considerações, reforça Osakabe, se
constituem como justificativa sobre a natureza do ato de linguagem, o que nos leva a
considerar, com esse autor, que:
73
(...) o discurso, mais do que cumprir uma função de informação, constitui-se
basicamente na sua própria realização um ato concreto. Isto é, constitui-se em ato
pela própria realização da sua natureza argumentativa. E, como ato, ele se
circunscreve nos limites de sua temporalidade (...), tem uma força criadora, pois
permite a seu agente sua reformulação e seu contínuo ajuste... (OSAKABE,
1999:100)
Ao ato de argumentar, reiteramos, ligam-se dois atos perlocucionários, o de
convencer, quando o locutor se dirige argumentativamente a todos os homens; e o de
persuadir, quando se dirige a um ouvinte particular ou a si mesmo. Essas diferenças são
evidenciadas conforme o tipo de discurso: de ordem prática ou teórica. Osakabe, por trabalhar
com discurso políticos, distingue o discurso político-militante do discurso político-teórico, os
quais, segundo o autor, respondem, enquanto classificação, às necessidades impostas por
esses mesmos contextos. O discurso político-militante utiliza-se da argumentação para obter
um resultado final, o voto, que, ultrapassando o vel da convicção, visa a ação. O discurso
político teórico assenta-se no âmbito da convicção, dirigindo-se a um ouvinte situado acima
dos limites temporais de sua própria elocução. Neste trabalho, que tem como corpus discursos
político-eleitorais, de caráter militante, enfocaremos veementemente o efeito persuasivo da
argumentação.
2.3.2. Argumentação e Condições de Produção do Discurso
Osakabe (1999) considera o discurso como um “todo” semanticamente organizável,
tanto no plano da ação quanto no plano dos efeitos que incita, estando, inevitavelmente,
atrelado ao papel assumido pelo sujeito, na atividade discursiva. Nesta perspectiva, o autor
pressupõe que o “ato de discursar constitui um ato de argumentar” (p. 109), e que, por isso,
deve revelar as marcas desse ato. Ao assumir essas concepções e posicionamentos, o autor
aponta para a existência de uma certa organização argumentativa possível de revelar um
mecanismo de relação intrínseco e extrínseco ao discurso. No âmbito dessa questão, Osakabe
hipotetiza um duplo e distinto direcionamento para o discurso, sendo o primeiro em direção às
informações individuais reveladas; e o segundo, em direção às informações reveladas em
virtude do relacionamento com outros discursos. Para ele,
(...)mediando essas duas direções, haveria a organização argumentativa que, vista
do ângulo de um discurso, favoreceria a captação sobretudo dos mecanismos
74
pelos quais o locutor se contacta com o ouvinte e que, vista sob o ângulo da
variedade de discursos com os quais pode ser relacionado um discurso único,
favoreceria a explicitação das próprias motivações que determinam o conjunto
desses discursos. (OSAKABE,1999:108).
Segundo Osakabe, o processo de organização argumentativa constitui-se a partir de
três processos complementares: 1) o que se refere à delimitação dos atos que se ligam à
argumentação; 2) o que visa selecionar os enunciados em função da pertinência aos atos
definidos; e 3) o relacionado à paráfrase desses enunciados, a fim de obter uma visão geral
sobre os conteúdos. A argumentação, no que tange aos discursos analisados pelo autor
68
,
parece fundar-se em três atos distintos e indissociáveis: 1) “um ato de promover o ouvinte
para um lugar de decisão na estrutura política; 2) um ato de envolvê-lo de forma tal a anular
a possibilidade da crítica; e 3) um ato de engajar o ouvinte numa mesma posição ou mesma
tarefa política” (p. 110). A função pragmática desses atos somente se justifica no conjunto, ao
se relacionarem com o fim discursivo que o locutor almeja alcançar no seu ouvinte.
2.3.3. Considerações Parciais
De tudo o que vimos, é possível perceber que, para fundamentar o seu estudo,
Osakabe(1999) tenta estabelecer um vínculo entre a Teoria da Enunciação e a Teoria da
Argumentação, como exposto neste breve apanhado teórico. No entanto, resta-nos, ainda,
apresentar o elo que Osakabe constrói entre a Retórica aristotélica e a lingüística da
enunciação, enfocando os atos de linguagem. Pretendendo estabelecer esse vínculo, o autor,
interpretando o pensamento de Aristóteles, diz que “a retórica é a única faculdade’ que se
interessa pela própria persuasão” (p.156).
Ao assumir essa concepção, Osakabe discute, à luz de Aristóteles, temas como
“provas”, “gêneros” e as “partes do discurso”, tomando a fala em sua função persuasiva,
enquanto ação efetiva, como propõe o pensador grego. Nesta perspectiva, Osakabe considera
que é por meio do discurso que o orador age sobre o seu ouvinte, visando persuadi-lo. No
entanto, na visão desse teórico, a persuasão somente se efetiva quando o discurso assume um
valor demonstrativo e revela o caráter moral do orador, ao tomar a língua e se instituir como
68
Osakabe(1999), em seu estudo, analisou alguns discursos político-militante de Getúlio Vargas, do período de
1930 a 1937. Não por mera coincidência, a pesquisa que aqui se desenvolve tem como corpus os discursos
político-militantes de Alckmin e Lula, proferidos respectivamente em 11/06/06 e 24/06/06, por ocasião do
lançamento da candidatura de ambos à presidência da República (eleições 2006).
75
sujeito-enunciador, estabelecendo, simultaneamente, as demais relações constituintes da
enunciação (cf. BENVENISTE, 1989), influindo, no ouvinte, uma certa disposição para com
o discurso desenvolvido, o que possibilitará o seu engajamento. No que tange à condição
estabelecida para que haja persuasão, o valor demonstrativo do discurso (cf. OSAKABE,
1999), assumimos uma outra posição, pois acreditamos que a persuasão se efetiva
discursivamente por meio da argumentação.
Estabelecendo uma interface entre o domínio da Retórica, da Dialética e da Política,
Aristóteles aponta o duplo papel exercido pelo orador, o de agenciador político e o de mestre
do raciocínio, fazendo do seu conhecimento um meio de ação. No que concerne às espécies de
ouvintes, esse pensador considera três espécies: “... o ouvinte que julga o passado; o ouvinte
que se pronuncia sobre o futuro; e, o ouvinte que se pronuncia sobre o talento do orador”
(cf. OSAKABE, 1999:159). Ao falar para esses ouvintes, o locutor pode, entre outros, visar
três finalidades: “...o justo e o injusto, o útil e o prejudicial, o belo e o feio” (p. 159). Nesse
âmbito, são três, também, os tempos do tema: o passado, o futuro e o presente. Os gêneros,
que também são três (judiciário, deliberativo e epidítico), se definem com base na trilogia:
ouvinte, fins e tempo, os quais são considerados em conjunto. Na interpretação feita por
Osakabe, Aristóteles concebe que todo discurso comporta algo de persuasivo e que os gêneros
citados comportam, por excelência, esse efeito, dada a finalidade política a eles atribuída.
Nesse sentido, considera-se que os gêneros se estruturam argumentativamente, uma vez que a
persuasão consiste em conduzir o ouvinte à acreditar no que se diz, a fim de alcançar êxito do
ato discursivo.
Em síntese, com base em Osakabe(1999), a noção de argumentação é construída a
partir da articulação entre vários pressupostos teóricos, o que é possível por estar subjacente a
noção de discurso enquanto atividade, a qual é implementada pelo falante, que tem o seu
ouvinte como um co-participante desta atividade contextualmente situada, visando a um fim
específico. Diante disso, considera-se o discurso como uma instância atualizadora e
articuladora das relações pessoais e situacionais, que têm, no ato argumentativo, a força
persuasiva que visa inteirar o ouvinte da imagem que o locutor faz do referente, almejando
seu engajamento. Desse ponto de vista, leva-se em conta a dependência dos atos
ilocucionários em relação aos perlocucionários, como afirmado por Osakabe. Desta maneira
colocada, a argumentação liga-se à própria condição de produção do discurso.
76
2.4. Revisitando o Quadro das Teorias de Argumentação: SÍNTESE
As teorias aqui consideradas encerram questões fundamentais sobre a argumentação,
nos conduzindo à construção de uma noção de argumentação a ser adotada no presente
trabalho. Para tanto, sintetizaremos e organizaremos as idéias dessa primeira etapa do
trabalho, incursionada no terreno da argumentação retórica, e apresentaremos a noção aqui
assumida.
Como anteriormente explicitado, a argumentação tem sua origem na Grécia Antiga,
centrada na Retórica, na arte do bem falar, tendo por objetivo a persuasão do auditório, fim
discursivo bastante enfocado pelos sofistas. Aristóteles, sob um outro olhar, postula que a
retórica está relacionada não ao efeito discursivo propriamente dito, mas às técnicas que
possibilitam esse efeito. Na perspectiva desse filósofo, a noção de argumentação é constituída
levando-se em consideração a noção de discurso, a qual está intimamente relacionada com a
palavra, com os juízos de valor e com o estabelecimento de proposições.
Perelman e Tyteca (2002) constroem a noção de argumentação a partir da Arte
Retórica de Aristóteles, estabelecendo uma contraposição entre demonstração
69
e
argumentação
70
. Nesta perspectiva, Perelman(1987) defende que:
(...)a argumentação é essencialmente comunicação, diálogo, discussão. Enquanto a
demonstração é independente de qualquer sujeito, até mesmo do orador, uma vez
que um cálculo por ser efetuado por uma máquina, a argumentação por sua vez
necessita que se estabeleça um contacto entre o orador que deseja convencer e o
auditório disposto a escutar. (PERELMAN, 1987:235).
Além disso, acrescenta o pressuposto de que, “enquanto um sistema dedutivo se apresenta
como isolado de todo o contexto, uma argumentação é necessariamente situada”. (p.234).
Desse quadro teórico, interessa-nos, fundamentalmente, a visão de que o ato de argumentar
implica sempre no engajamento do interlocutor, seu consentimento, sua participação mental,
sendo importante considerar nesse processo o que é presumidamente admitido pelos ouvintes,
o que constrói a relação entre enunciador e enunciatário, condição para a argumentação, a
qual se fundamenta pelos objetos do acordo (fatos, verdades, presunções, valores, lugares-
comuns) expressos discursivamente de modo estratégico.
Com Osakabe(1999), corroboramos a adoção dos pressupostos de Aristóteles e
Perelman, antevendo convergências com a nossa interpretação sobre o pensamento
69
Lógica/formal
70
Persuasiva/informal
77
benvenistiano
71
. À noção de argumentação proposta por Osakabe subjaz a concepção de que
“o discurso não é uma somatória livre de frases, mas um todo, semanticamente organizável,
no plano da ação que o caracteriza e dos efeitos que provoca” (1999:217). Considerado
dessa maneira, o autor concebe o discurso como uma instância em que se articulam as
relações pessoais “eu” e “tu”, caracterizada pela presença, em maior ou menor grau, dos
indicadores de pessoa, situação e semanticidade em relação à situação discursiva, como
propõe Benveniste(1989,1995). Nesta perspectiva, assume-se, com Osakabe(1999), que o ato
de linguagem, que tem como propriedade a argumentatividade, objetiva inteirar o ouvinte da
imagem que o locutor faz do referente, conduzindo-o à sua aceitação, ao seu engajamento,
vislumbrando atingir determinados efeitos discursivos.
Em ntese, a Retórica, tal como concebida por Aristóteles e por Perelman, apresenta
valiosas contribuições para o estudo da linguagem, além de possibilitar uma visão mais
globalizante sobre o fenômeno da linguagem. Osakabe(1999), pertinentemente, aponta “a
relação entre interlocutores do discurso, a totalidade discursiva enquanto ato lingüístico, os
efeitos desse ato lingüístico e o mecanismo desse mesmo tipo de ato” (p. 216) como pontos de
convergência entre a Retórica e a abordagem da Lingüística da Enunciação, aqui apresentada
sob o enfoque de Benveniste. Nesta perspectiva, para o desenvolvimento desta pesquisa,
assumiremos, da Teoria da Argumentação, que as técnicas discursivas visam a provocar ou a
aumentar o engajamento do auditório às teses que se apresentam ao seu assentimento, tendo-
se em vista que na argumentação não se separam a razão da vontade, nem a teoria da prática.
Assim sendo, consideramos a argumentação como parte constitutiva, essencial, do
processamento discursivo, haja vista que consideramos a argumentatividade como
propriedade definitória da linguagem, juntamente com outros fatores como o dialogismo, a
dinamicidade, a interação que, também, o constitutivos e inseparáveis da concepção de
linguagem enquanto atividade discursiva. Essa concepção de linguagem fundada em seu
caráter ativo, enquanto atividade interativa, coloca no cerne da questão um sujeito que,
construindo o seu mundo, atua na linguagem e pela linguagem. Nesta perspectiva,
entendemos que esse sujeito se constitui a partir da relação com o “outro”, na própria
atividade de linguagem, situada em um determinado tempo e espaço discursivo, como
postulado por Benveniste.
71
Abordaremos a Teoria da Enunciação, como proposta por Benveniste, no capítulo 3 desta pesquisa.
78
“The way we think is not the way we think we think.
Everyday thought seems straightforward,
but even our simplest thinking is astonishingly complex”.
(FAUCONNIER e TURNER, 2002)
79
CAPÍTULO 3
PROCESSAMENTO DISCURSIVO - PERSPECTIVA ADOTADA
Neste capítulo, procuraremos explicitar a noção de Processamento Discursivo
72
que
adotaremos neste trabalho. Nesta tarefa, articularemos pressupostos teórico-metodológicos
fornecidos pela Teoria da Enunciação, de Benveniste (1989, 1995), pela Teoria da Integração
Conceptual, de Fauconnier e Turner (2002) e pelas Teorias de Argumentação, com base em
Aristóteles, 1959; Perelman e Tyteca, 2002; e, Osakabe, 1999; conforme proposto no capítulo
1, neste trabalho. Ao estabelecer esta articulação teórica, temos a pretensão de esboçar um
modelo de processamento discursivo que possa subsidiar a investigação do uso de estratégias
argumentativas, e de suas modalidades, na implementação de discursos no âmbito do domínio
político-eleitoral
73
. Começaremos por destacar os pressupostos a serem utilizados na
concepção e configuração do modelo de processamento discursivo, a fim de estabelecer esse
modelo, para, em seguida, tratar o objeto pretendido, momento em que desenvolveremos a
análise proposta.
3.1. Linguagem e Língua
Os termos linguagem e língua têm sido amplamente usados, com os mais diversos
significados, em diferentes contextos e ciências. Nesta pesquisa, delimitamos o uso desses
termos a partir dos postulados de Hauser, Chomsky e Fitch, 2002, no texto “The faculty of
language: what is it, who has it, and how did it evolve?”, e dos postulados de Benveniste,
1989, em seus artigos “A linguagem e a experiência humana”, “O aparelho formal da
enunciação” e “A forma e o sentido na linguagem”.
72
Ratificamos que a expressão “processamento discursivo” é usada para nos referirmos a “qualquer ação de
linguagem que envolva a produção de texto/sentido” (Nascimento e Oliveira, 2004).
73
Como dissemos, dos textos coletados, selecionamos, na íntegra, dois discursos políticos referentes ao
lançamento da campanha eleitoral à Presidência da República do ano de 2006, sendo um discurso do candidato à
reeleição, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva; e, o outro, de seu adversário, Geraldo Alckmin.
Assumimos que estes discursos são textos escritos, os quais foram oralizados pelos referidos candidatos, ao
proferirem seus discursos.
80
No âmbito da delimitação da noção de linguagem e língua, assumimos, com Hauser,
Chomsky e Fitch, 2002, que uma distinção entre a linguagem em sentido amplo
74
e a
linguagem em sentido estrito
75
. Segundo esses pesquisadores, a “faculty of language in the
broad sense”, linguagem em sentido amplo, doravante FLB, refere-se aos sistemas de
interface articulatórios e perceptivos e ao sistema conceptual; enquanto a “faculty of language
in the narrow sense, linguagem em sentido estrito, doravante FLN, inclui um sistema
computacional necessariamente envolvido na FLB. Essa distinção não coloca linguagem e
língua em pólos opostos, ao contrário, a FLB tem como um de seus constituintes a FLN,
como uma condição necessária para a efetivação da linguagem, da FLB.
Nas palavras desses teóricos, a
FLB includes an internal computational system (FLN, below) combined with at least
two other organism-internal systems, which we call “sensory-motor” and
“conceptual-intentional”. (...) FLN is the abstract linguistic computational system
alone, independent of the other systems with which it interacts and interfaces. FLN
is a component of FLB, and the mechanisms underlying it are some subset of those
underlying FLB. (HAUSER, CHOMSKY e FITCH, 2002:1571.).
Para melhor compreensão dessa concepção de linguagem, apresentamos, a seguir, uma
representação esquemática, retirada dos próprios autores (p. 1570):
74
Originalmente, “Faculty of language in the broad sense” (FLB), cf. HAUSER, CHOMSKY e FITCH, 2002.
Em nosso entendimento, podemos correlacionar a FLB a constructos tais como Atividade de Linguagem,
Instância Enunciativa, Processamento Discursivo, operações de Discursivização.
75
Originalmente, “Faculty of language in the narrow sense” (FLN), cf. HAUSER, CHOMSKY e FITCH, 2002.
Em nosso entendimento, a FLN corresponde à Língua-I, ao Aparelho Formal da Enunciação, às operações de
configuração de Instância Enunciativa, às Operações de Integração Conceptual, à propriedade da
Contrafactualidade.
Figura 1: Linguagem em Sentido Amplo e Linguagem em Sentido Estrito
81
Dada essa definição de Linguagem, a qual assumimos neste trabalho, incorporamos ao
modelo de processamento discursivo que vimos configurando aqui a seguinte hipótese:
Only FLN is uniquely human. (…) we hypothesize that most, if not all, of FLB is
based on mechanisms shared with nonhuman animals (as held by hypothesis 1). In
contrast, we suggest that FLN—the computational mechanism of recursion—is
recently evolved and unique to our species. According to this hypothesis, much of
the complexity manifested in language derives from complexity in the peripheral
components of FLB, especially those underlying the sensory-motor (speech or sign)
and conceptual-intentional interfaces, combined with sociocultural and
communicative contingencies. (HAUSER, CHOMSKY e FITCH, 2002:1573).
Nesta perspectiva, traçamos um paralelo entre o ponto de vista de Hauser, Chomsky e
Fitch, 2002, e o ponto de vista de Benveniste, 1989, no que tange à concepção de linguagem,
o que visa corroborar a distinção aqui apresentada e assumida. Benveniste (1989:83), propõe-
se a “...esboçar, no interior da língua, os caracteres formais da enunciação (grifos nosso) a
partir da manifestação individual que ela atualiza”, remetendo, a nosso ver, respectivamente,
à linguagem em sentido amplo, FLB, e à linguagem em sentido estrito, FLN (componente
computacional, formal), estando subjacente a essa noção o mesmo princípio da
interdependência entre FLB e FLN, ou seja, não há linguagem sem língua.
Avançando um pouco mais, ainda nesse paralelo entre a visão de Hauser, Chomsky e
Fitch, 2002, e Benveniste, 1989, assumimos que a linguagem em sentido amplo corresponde à
língua(gem) atualizada, efetivada na enunciação:
A enunciação é [entendida como o] colocar em funcionamento a língua por um ato
individual de utilização, entendendo a enunciação como “o ato
76
mesmo de produzir
o enunciado. (BENVENISTE, 1989:82).
Correlacionamos a linguagem em sentido estrito, o sistema computacional, a língua I
(CHOMSKY
77
), ao Aparelho Formal da Enunciação, às operações de configuração de
Instância Enunciativa, conforme postula Benveniste:
Todas as línguas têm em comum certas categorias de expressão que parecem
corresponder a um modelo constante. (...) mas suas funções não aparecem
claramente senão quando se as estuda no exercício da linguagem e na produção do
discurso. (BENVENISTE, 1989:68).
76
É importante considerar que, ao se caracterizar a enunciação como ato, está se explicitando o caráter
processual da enunciação.
77
Utilizamos, aqui, o termo “língua” para nos referir a “Língua-I” (cf. Chomsky, 1994, cap. 2), levando em
conta que “(...) quando o foco é a língua-I, o problema é bastante diferente: trata-se de encontrar as
representações mentais que estão na base da produção e da percepção do discurso e as regras que ligam estas
representações aos eventos físicos do discurso” (op.cit. p.58)
82
Nesta perspectiva, adotamos, nesta pesquisa, uma concepção de linguagem como
atividade lingüístico-cognitiva e social
78
, na qual os interlocutores, interativamente, na
produção e recepção de textos
79
, constroem-se especularmente como enunciadores e
enunciatários, na e para a construção da referência, em um determinado espaço e tempo
discursivos. Concebemos, assim, a linguagem como processo, como discurso
80
, como
enunciação
81
, como processamento discursivo
82
, como atividade de interação social, o que
corresponde à concepção de “linguagem em sentido amplo”. Diante disso, consideramos a
língua, linguagem em sentido estrito, como uma das condições de produção da linguagem
83
,
como uma condição essencial da implementação de um processo de interação verbal entre os
seres humanos. Em conseqüência, os termos “texto” e “enunciado”, aqui, serão entendidos
como o resultado, como o produto da atividade discursiva, um produto que é, necessária e
simultaneamente, um dos fatores constituintes desse processo.
Desta forma, neste trabalho, tentar-se-á analisar a ngua sem delimitar seu enfoque ao
domínio das expressões lingüísticas materializadas na superfície do texto, mas considerando-a
em seu funcionamento na linguagem, no processamento discursivo, reiteramos, numa
perspectiva lingüístico-cognitiva e social
84
. Ao adotarmos essa concepção de
língua/linguagem, assumimos com Turner
85
que:
Expressions do not mean; they are prompts for us to construct meanings by working
with processes we already know. In no sense is the meaning of [an] ... utterance
“right there in the words”. When we understand an utterance, we in no sense are
understanding “just what the words say” the words themselves say nothing
independent of the richly detailed knowledge and powerful cognitive processes we
bring to bear. (TURNER, 1991).
78
Como já dissemos, entendemos que à concepção de linguagem como atividade lingüístico-cognitiva e social é
inerente o aspecto interativo, haja vista que o social implica o aspecto interacional.
79
Ratificamos que, adotamos a noção de texto postulada por Beaugrande (apud Nascimento e Oliveira,
2004:285), para quem “um texto é um evento comunicativo no qual convergem ações lingüísticas, sociais e
cognitivas”, entendendo por evento “aquilo que acontece quando um texto é reconhecido como tal através da
produção de sentido que ele permite”.
80
O termo discurso é empregado, neste estudo, para referir-se à própria atividade de linguagem, como dito
anteriormente.
81
O termo enunciação é empregado, neste trabalho, na perspectiva benvenistiana, e “consiste em colocar a
língua em funcionamento por um ato individual de sua realização”. Como postula Émile Benveniste, “a
enunciação é o ato mesmo de produzir um enunciado”, o que destaca o caráter processual da enunciação.
82
Ratificamos que a expressão processamento discursivo é usada para nos referirmos a “qualquer ação de
linguagem que envolva a produção de texto/sentido” (Nascimento e Oliveira, 2004).
83
Linguagem em sentido amplo, como já se explica no texto de HAUSER, CHOMSKY, FITCH, 2002.
84
À concepção de linguagem como atividade lingüístico-cognitiva e social é inerente o aspecto interativo, haja
vista que o social implica interação.
85
“Expressões por si não tem significado; elas são sinalizações para que construamos significados a partir de
processos que conhecemos. De modo algum o significado de um enunciado está lá, nas palavras. (...) as
palavras por si não diriam nada, não fosse nosso conhecimento ricamente detalhado e os poderosos processos
cognitivos que são acionados por nós”. (Tradução livre).
83
Ao assumirmos a linguagem como atividade lingüístico-cognitiva e social, estamos
entendendo “atividade” no sentido de um fato social que possibilita e proporciona a interação
entre as pessoas. Nesse sentido, não como entender a linguagem se o para exercer, com
ela, influência sobre os interlocutores, com já postulava Aristóteles em sua Teoria da
Argumentação, sendo ratificado em Perelman e Tyteca, na releitura dessa teoria, que, por
meio do discurso, da língua em ação, é que buscamos persuadir o outro, o auditório, nosso
interlocutor. Nesta perspectiva, a linguagem manifesta-se como fundamentalmente retórica,
haja vista ser sempre ação intencionada, dirigida para influir em benefício próprio ou em
favor de nossa causa, sobre um interlocutor.
Com base nesse panorama aqui delineado, ratificamos que o sentido não está pronto e
acabado nas formas lingüísticas explícitas na linearidade do enunciado, pois é construído
discursivamente na atividade humana de interação.
3.2. Sujeito, Subjetividade e Intersubjetividade na Linguagem
Nesta pesquisa, assumimos, com Morin (1996), uma noção de sujeito que tem como
base a seguinte proposição:
(...) creio na possibilidade de fundamentar científica, e não metafisicamente, a
noção de sujeito e de propor uma definição que chamo de “biológica”, mas não nos
sentidos das disciplinas biológicas atuais. Eu diria biológica, que corresponde à
lógica própria do ser vivo. (MORIN, 1996:46).
Como se vê, a noção de sujeito proposta por Morin(1996), que aqui adotamos, é
fundamentada na “lógica do ser vivo” que consiste, basicamente, no entendimento de que o
ser vivo se auto-organiza naturalmente, em virtude de uma predisposição, de uma
configuração biológica, inscrita em seu DNA, contrariamente às máquinas que são
programadas artificialmente para se auto-organizarem. Essa noção, segundo Morin, tem como
base a concepção de autonomia. No entanto, não se trata de uma noção de autonomia
vinculada à antiga noção de liberdade, pois, para Morin, a autonomia está intrinsecamente
ligada à noção de dependência, que, por sua vez, é inerente à noção de auto-organização. Nas
palavras desse estudioso,
84
(Autonomia)... é uma noção estreitamente ligada à de dependência, e a de
dependência é inseparável da noção de auto-organização.(...) a auto-organização
significa obviamente autonomia, mas um sistema auto-organizador é um sistema
que deve trabalhar para construir e reconstruir sua autonomia e que, portanto,
dilapida energia. (...) para ser autônomo é necessário depender do mundo externo
(...). (...) Na autonomia, pois, uma profunda dependência energética, informativa
e organizativa a respeito do mundo exterior. (MORIN, 1996: 46-47).
Ao discutir essas noções, Morin (1996) estabelece uma comparação entre os sistemas
e mecanismos de controle automático, regulação e comunicação nos seres vivos e nas
máquinas. Segundo esse teórico, não é possível conceber autonomia nas máquinas, pois elas
dependem da energia, de combustível e de um “engenheiro humano que conserta a máquina
quando ela falha” (p. 47). Além disso, as máquinas se auto-organizam artificialmente via
programação e não estabelecem interação com o meio ambiente. Ao contrário, como postula
esse teórico, os seres vivos são máquinas que têm “capacidade de auto-reparar-se e auto-
regenerar-se sem cessar, segundo um processo que chamo de organização recursiva, ou seja,
uma organização na qual os efeitos e os produtos são necessários para a sua própria causa e
sua própria produção, uma organização em forma de anel” (MORIN, 1996:47). Desta forma,
podemos entender que os seres vivos são biologicamente, naturalmente programados para
gastar e produzir energia através da interação com o meio ambiente. Nesse processo, o ser
vivo é um ser autônomo que tem uma profunda dependência
86
energética, informativa e
organizativa do meio externo. Para Morin (2005:32-33) “...a individualidade do sistema vivo
se distingue dos outros sistemas cibernéticos. (..) ...ela é dotada de autonomia, autonomia
relativa..., mas autonomia organizacional, organísmica e existencial”, não bastando em si
mesma, haja vista a profunda dependência que tem do nosso meio ambiente
87
, caracterizando-
se como auto-eco-organizador, como afirma esse teórico:
(..)o sistema auto-organizador se destaca do meio ambiente e dele se distingue, por
sua autonomia e sua individualidade, ele se liga ainda mais a este pelo aumento da
abertura e da troca que acompanham todo progresso de complexidade: ele é auto-
eco-organizador. (..) O meio ambiente está de repente no interior dele e joga (...)
um papel co-organizador.(MORIN,, 2005:32-33).
Nesta perspectiva, a concepção de sujeito implica a noção de auto-eco-organização.
Tal afirmação tem razão de ser, uma vez que o homem, parte integrante de um contexto sócio-
histórico-cultural, usa a linguagem para se constituir como sujeito, marcando suas posições.
Essa concepção coaduna com a visão de Benveniste(1995:286), que diz ser “na linguagem e
86
Essa noção pode parecer contraditória, mas, como explicitado, a noção de autonomia assumida por Morin
(1996) implica em dependência.
87
Seja biológico, meteorológico, sociológico ou cultural, como afirma Morin (1996:47).
85
pela linguagem que o homem se constitui como sujeito; porque a linguagem fundamenta
na realidade, na sua realidade que é a do ser, o conceito de ‘ego’”(p. 286). Ego que é uma
propriedade básica, essencial da linguagem, pois ‘é ego’ que diz ‘ego’”(p.286), o que, no
pensamento benvenistiano, é o fundamento da subjetividade, determinado pelo status
lingüístico da “pessoa”, Eu”. Desta forma, considera-se, com esse lingüista, que a
subjetividade é a capacidade que o locutor tem para se propor como sujeito e é construída
pelo exercício da linguagem, no estabelecimento de uma relação com o mundo e com o outro.
Sobre isso, ele postula que:
A consciência de si mesmo é possível se experimentada por contraste. Eu não
emprego eu a não ser dirigindo-me a alguém, que será na minha alocução um tu.
Essa condição de diálogo é que é constitutiva da pessoa, pois implica em
reciprocidade - que eu me torne tu na alocução daquele que por sua vez se designa
por eu. (BENVENISTE, 1995:286).
Como propõe Benveniste, o estabelecimento da relação eu/tu é uma condição
necessária para que se a implementação do processamento discursivo, pois ela constitui o
sistema de referências pessoais necessário para que os falantes utilizem a língua atualizando-a
em ato(s) de linguagem. Esse sistema de referências indicia-se no processamento discursivo
através da implementação de certas estratégias responsáveis pela construção do enunciador
(En), do enunciatário (Ea) e da inter-relação entre eles. Essa organização dialógica instaurada
a partir do momento em que o locutor se assume como “Eu”, instituindo o outro, o alocutário,
como “Tu, num tempo e espaço discursivo, como fatores constituintes da referência
discursiva, é assumido, por nós, como a efetivação de um processo de auto-eco-organização,
de delimitação e uso de princípios e/ou mecanismos básicos de discursivização, da fala.
Nesta perspectiva, a concepção de sujeito aqui adotada não separa o sujeito do objeto
nem o objeto do sujeito. Além disso, nos leva a conceber o sujeito como produtor e produto,
constituinte e constitutivo da sua própria existência, da sua relação com o outro e com o
mundo. Dessa forma, “o indivíduo só existe enquanto sujeito num mundo que lhe pertence e o
define (...)” (VICENTE, 2002:183). Em ntese, a concepção de sujeito adotada nesta
pesquisa corresponde a um sujeito auto-eco-organizador, produtor e produto, constituinte e
constitutivo de seu próprio processo de existência, da sua subjetividade na relação com o
mundo e com o outro. Concebe-se, assim, um sujeito heterogêneo em cujo discurso se
refletem diversas “vozes”, deixando a posição meramente egocêntrica e construindo-se no
processo interlocutivo.
86
3.3. Processamento Enunciativo: A Instância de Enunciação
Com base em Benveniste (1989), em seu artigo intitulado “O aparelho formal da
enunciação”, uma Instância de Enunciação pode ser considerada um modelo de organização
dialógica, um conjunto de operações sintático-discursivas responsável pelo processo de
construção das relações entre enunciador e enunciatário, situados discursivamente num
tempo e espaço, como fatores constituintes da referência discursiva. Cremos que, se
corretamente interpretamos o pensamento de Benveniste, esse modelo pode ser considerado
como parte essencial da competência lingüística dos falantes de qualquer língua, devendo ser
levado em conta sempre que nos referirmos a termos como linguagem, enunciação, discurso.
Segundo Benveniste (1989), reiteramos, “todas as línguas têm em comum certas
categorias de expressão que parecem corresponder a um modelo constante (...), mas suas
funções não aparecem claramente senão quando se as estuda no exercício da linguagem e na
produção do discurso” (p. 68). Esse “modelo constante”, a que Benveniste denomina
Aparelho Formal da Enunciação, tem sido representado, por alguns autores, através do
seguinte gráfico:
Essa representação nos possibilita visualizar os fatores necessariamente envolvidos na
instanciação do Aparelho Formal da Enunciação, na implementação do processamento
discursivo: um locutor (L), que se institui como enunciador (En) pela atividade lingüística;
um alocutário (A), co-instituído pela atividade lingüística como enunciatário (Ea); ambos se
instituindo lingüístico-cognitivamente num tempo (T) e num espaço (E) discursivos,
T E
L => En
(Eu)
(Aqui)
(Agora)
Ea <= A
(Tu)
(Aqui)
(Agora)
R
(Referenciação )
Figura 2: Aparelho Formal da Enunciação
87
construindo a referência (R), que se constitui a partir da necessidade de o locutor e alocutário
falarem sobre um determinado assunto, ou seja, de co-referirem pelo discurso. Nesta operação
de discursivização, de instauração da fala, evidencia-se a “operação básica de
referenciação”, a qual, segundo Nascimento e Oliveira(2004: 289), é caracterizada pela ação
do locutor que, na implementação do processamento discursivo, institui-se como enunciador e
postula o outro, o alocutário, como enunciatário, num processo de co-referenciação, pelo
discurso.
Ressalta-se, ainda, que a referência é um aspecto fundamental a ser considerado no
processo de enunciação. Na perspectiva benvenistiana, como dissemos, “a referência é
parte integrante da enunciação”. Ela é desencadeada pela possibilidade e, principalmente,
pela necessidade de cada locutor se transformar em um co-locutor, em um ato, um processo
de referenciação, de co-referenciação.
Segundo Benveniste,
(...)na enunciação, a língua se acha empregada para a expressão de uma certa
relação com o mundo. A condição mesma dessa mobilização e dessa apropriação
da língua é, para o locutor, a necessidade de referir pelo discurso, e, para o outro,
a possibilidade de co-referir identicamente, no consenso pragmático que faz de
cada locutor um co-locutor. A referência é parte integrante da enunciação.
(BENVENISTE, 1989:84).
Assim, consideramos que a referência não está contida, pronta e acabada nas formas
lingüísticas, pois ela é co-construída pelo discurso, não sendo, portanto, imanente ao texto.
Dessa forma, o significado é construído dialogicamente no curso de uma interação.
3.3.1. Operações do Processamento Enunciativo: Construção de Instâncias de Enunciação
Tendo estabelecido uma correlação entre a visão de Hauser, Chomsky e Fitch, 2002, e
Benveniste, 1989, no que diz respeito à concepção de linguagem, estamos assumindo que
podemos correlacionar a Linguagem em Sentido Amplo, na perspectiva de sua efetivação, à
enunciação, ao processo enunciativo; e a Linguagem em Sentido Estrito ao conjunto de
operações sintático-discursivas do componente computacional, entre elas as operações
constitutivas do Aparelho Formal da Enunciação. Essa distinção não implica oposição, mas
complementariedade: uma das condições de efetivação da Linguagem em Sentido Amplo é a
88
Linguagem em Sentido Estrito; uma das condições de efetivação da Linguagem na
Enunciação são as operações constituintes do Aparelho Formal da Enunciação.
Note-se que, para Hauser, Chomsky e Fitch, 2002, as operações computacionais
reduzem-se ao âmbito da produção e recepção do enunciado. Eles hipotetizam que “(...) FLN
comprises only the core computational mechanisms of recursion as they appear in narrow
syntax and the mappings to the interface” (p. 1573). Porém, neste trabalho, adotando-se os
pressupostos de Benveniste (1989, 1995), está-se postulando que esses tipos de operações
subjazem, também, e necessariamente, à produção e recepção de textos. Dessa forma, postula-
se, também, que entre as operações básicas necessariamente envolvidas no processo de
produção e recepção de textos estão aquelas responsáveis pela implementação e integração de
instâncias de enunciação, na construção da relação entre enunciador e enunciatário.
No âmbito dessas questões, ao concebermos a enunciação como “o colocar a língua
em funcionamento por um ato individual de utilização” (BENVENISTE, 1989), estamos
considerando que, quando alguém utiliza a língua implementando uma operação de
discursivização, de fala, institui-se como enunciador e ativa uma Instância de Enunciação, a
qual é considerada como espaço base da fala. Segundo Magalhães(1998), essa situação em
que a Instância de Enunciação é construída denomina-se situação default ou Instância de
Enunciação Zero, sendo caracterizada tão-somente pela entrada súbita da voz do locutor, que
se institui, neste momento, como enunciador zero. Assim, a situação default é considerada a
forma primeira de se criar uma Instância de Enunciação, sem que, no entanto, seja ativado
algum item lexical específico materialmente expresso, pois, o próprio ato de o locutor assumir
a palavra para enunciar é considerado uma forma de dizer, como ilustrado pelo exemplo
abaixo:
(5)
88
:
IE0/E0{Bem, meus companheiros e companheiras,... }IE0/E0
89
Especificamente, ao iniciar um discurso, ou seja, ao instaurar a Instância de
Enunciação Zero (IE0), o locutor se institui como Enunciador Zero (E0) e, necessariamente,
postula um enunciatário, ambos instituídos num tempo/espaço discursivos definidos. Essa IE0
corresponde a toda a fala de E0, a todo o discurso, sendo considerada situação default. No
discurso utilizado por nós como corpus, do qual apresentamos acima o trecho inicial,
88
Esse exemplo é o trecho inicial (L-linha1) do discurso do candidato Lula (em anexo 1).
89
Legenda -> IE0 = Instância de Enunciação Zero; E0 = Enunciador Zero.
89
podemos perceber que o locutor, Luiz Inácio Lula da Silva, assumindo o papel de candidato,
institui-se como enunciador e, simultaneamente, institui o outro, os participantes da
Convenção, o povo brasileiro, os alocutários, como enunciatários, num tempo e espaço
discursivos.
A Instância de Enunciação Zero serve de base para a instauração de outras Instâncias
de Enunciação, sendo a sua criação e articulação a condição necessária para que se a
implementação do processamento discursivo. Desse modo, na Instância de Enunciação Zero,
podem ser criadas outras Instâncias de Enunciação que correspondem às diversas vozes que se
articulam entre si e se integram à IE0, produzindo a polifonia discursiva, na construção da
referência do texto.
Para identificarmos, a partir da materialidade dos enunciados, que uma Instância de
Enunciação foi implementada, precisamos ter em mente que toda Instância de Enunciação é
introduzida por formas de dizer e, por conseguinte, compreender o que e quais são essas
chamadas formas de dizer. Como dito, a situação default é uma delas, a qual se caracteriza
tão-somente pela entrada da voz do locutor ao iniciar o discurso. Além da situação default,
Magalhães (1998) aponta os verbos dicendi (dizer, falar, afirmar, citar, comentar, explicar,
etc), alguns verbos não-dicendi (atacar, ferir, agredir, inclinar-se, debruçar-se, aproximar-se,
cochichar, etc), os nomes deverbais de verbos dicendi (conversa, declaração, diálogo,
sussurro, escritor, escrito, escrita, promessa, etc), os termos de elocução (tese, lei, cláusula,
lição, texto, palavra, plebiscito, etc), e, no caso da escrita, alguns recursos gráficos
(parênteses, aspas, travessão), considerados como formas de dizer, como construtores de
Instâncias de Enunciação. Essa consideração se funda na pressuposição de que esses recursos
discursivos estão, necessariamente, relacionados a/com um ato de elocução, de fala, como
pode ser observado no exemplo abaixo, L-linha1-9:
(6)
IE0/E0{Bem, meus companheiros e companheiras. Eu quero IE1[cumprimentar o meu
companheiro José Alencar, vice-presidente da República e candidato a vice-presidente da
República]IE1. E quero IE2[dizer a vocês que a manutenção do José Alencar na nossa chapa,
primeiro é o reconhecimento do mérito, da lealdade, do companheirismo e da competência do
companheiro José Alencar. Segundo, é porque eu não poderia abrir mão da tradição libertária do
Estado de Minas Gerais, da tradição cultural das Minas Gerais e da importância para a economia
e para a política que Minas Gerais tem. E também porque a combinação da ligação entre um
metalúrgico e um empresário como o José Alencar demonstrou o equilíbrio necessário que o Brasil
precisava para chegar onde nós estamos]IE2. (...)} IE0/E0
90
Ao considerar esse fragmento do discurso de Lula, podemos perceber que,
primeiramente, o locutor, Luiz Inácio Lula da Silva, utiliza a língua, assumindo o papel de
candidato, e institui-se enunciador. Essa operação, denominada, aqui, situação default, é a
operação básica de discursivização, de fala. A partir dela, ao construir-se como enunciador,
institui o outro, os companheiros de convenção, o povo brasileiro, os alocutários, como
enunciatários, num tempo e espaço discursivos específicos. Em seguida, ativada pelo item
lexical “cumprimentar”, um verbo dicendi, que mais do que descrever uma atitude do falante
simultânea ao seu ato de fala é indiciador do próprio ato de fala, cria-se uma outra Instância
de Enunciação. Na seqüência desse trecho, ativada pelo verbo dicendi “dizer”, uma segunda
Instância de Enunciação é criada, em que se perceber o dizer sobre o dizer do locutor, ou seja,
na instância de sua fala o sujeito-falante enuncia que quer dizer, o que é recorrente no
discurso de Lula. As instâncias de enunciação criadas pelos dicendi “cumprimentar” e
“dizer” se articulam e se integram à instância de enunciação básica, zero, da fala do orador,
estabelecendo a relação intersubjetiva construída entre En/Ea.
3.4. Contrafactualidade: Condição para a Integração Conceptual
PEOPLE PRETEND, IMITATE, LIE, fantasize, deceive, delude, consider
alternatives, simulate, make models, and propose hypotheses. Our species has an
extraordinary ability to operate mentally on the unreal, and this ability depends on
our capacity for advanced conceptual integration. (FAUCONNIER E TURNER,
2002:217)
Com base em Fauconnier e Turner (2002), podemos dizer que a contrafactualidade é
uma propriedade básica da mente humana e que, para compreendê-la, devemos partir do
princípio de que quando os seres humanos modernos, cognitivamente desenvolvidos, mentem,
fingem, imitam, fantasiam, enganam, simulam situações, propõem hipóteses e etc., na
verdade, estão ativando habilidades complexas que lhes possibilitarão operar mentalmente
com espaços imagéticos que envolvem a construção de um mundo alternativo ao real, ou seja,
um mundo possível, diferente do mundo da realidade discursiva do falante/ouvinte. Nesta
perspectiva, a contrafactalidade, enquanto propriedade básica da mente, possibilita a mente
91
humana operar com o “irreal”; e, enquanto condição, possibilita a mente humana realizar a
operação de Integração Conceptual
90
.
Ao operar com o “irreal” supõe-se que a mente humana esteja necessariamente
trabalhando na construção e integração de, no mínimo, dois espaços mentais, os quais são
criados e integrados no processamento discursivo que os gera. A criação e integração de
Espaços Mentais são consideradas operações constitutivas do processamento de todo e
qualquer discurso, a partir das pistas oferecidas pelas expressões lingüísticas materializadas
no texto. Desta forma, os espaços mentais podem ser entendidos, então, como constructos
mentalmente construídos no discurso, como condição para que se efetive o processamento
discursivo, o que ocorre a partir de pistas lingüísticas. Isso nos leva a considerar que o sentido
não está nas palavras, mas que elas servem de guia para a sua produção. Nesse contexto, os
espaços mentais são entendidos como:
(...) small conceptual packets constructed as we think and talk, for purposes of local
understanding and action. They are very partial assemblies containing elements,
structured by frames and cognitive models. As explained in Chapter 2, our
hypothesis is that, in terms of processing, elements in mental spaces correspond to
activated neuronal assemblies and liking between elements correspond to some kind
of neurobiological binding, such as co-activation. On this view, mental spaces
operate in working memory, but are built up partly by activating structures
available from long-term memory. Mental spaces are interconnected in working
memory, can be modified dynamically as though and discourse unfold, and can be
used generally to model dynamic mappings in though and language.
Spaces have elements and, often, relations between them. When these elements and
relations are organized as a package that we already know about, we say that the
mental space is framed and we call that organization a “frame”. (FAUCONNIER E
TURNER, 2002:102).
Como condição, a contrafactualidade define e configura a operação de Integração
Conceptual. Essa operação traz em seu âmago a articulação de outras três operações, a saber:
Identificação, Integração e Imaginação
91
, constituindo, conseqüentemente, o processo de
discursivização, de fala. Fauconnier e Turner (2002) pressupõem que essas operações se
constituam como condição para que se dê o processamento discursivo, o que incorporamos ao
modelo que estamos construindo.
Nesta perspectiva, é importante ressaltar que vários estudos sobre o fenômeno da
contrafactualidade, como o de Martins, 2002, têm como foco a análise de situações
hipotético-contrafactuais como conjunto de operações descritas cognitivamente. Nesses
trabalhos, considera-se a correlação entre a referência instituída no Espaço da “realidade” do
90
Trataremos desta operação, em detalhes, no item 3.4.1, mais à frente.
91
Definiremos cada uma dessas operações no item seguinte, ao trata especificamente da Operação de Integração
Conceptual.
92
falante e aquela instituída no Espaço da hipótese, a qual é sempre implementada através de
expressões lingüísticas típicas, âncoras materiais, tais como as seguintes construções
condicionais ou hipotéticas: Se..., então...; Caso..., então...; No caso de..., então...; Na hipótese
de..., então... etc.). Note-se que, na frase Se eu tivesse dinheiro, eu compraria uma casa”, a
conjunção “se” estabelece, no caso, um espaço hipotético em relação ao espaço da
“realidade”, criada discursivamente. Esses estudos nos trazem grandes contribuições. No
entanto, nesta pesquisa, com base nos pressupostos de Fauconnier e Turner(2002), não nos
pautamos apenas na análise de tais estruturas gramaticais, por entendermos que essas não são
as únicas formas que possibilitam implementar o fenômeno da contrafactualidade, visto que,
como asseguram os pesquisadores, o pensamento contrafactual não é uma questão restrita às
estruturas gramaticais ou ao universo filosófico.
Em síntese, considerada em sua manifestação “visível”, em seus resultados em termos
de ações manifestas, a contrafactualidade, enquanto propriedade da mente, pode ser
compreendida como uma forçada incompatibilidade entre Espaços Mentais/Referenciais
92
de
natureza distinta. Em suma, constituindo a habilidade humana de operar, através da Integração
de Espaços Mentais/Referenciais, com mundos possíveis na configuração de mundos
imagéticos, contraparte do mundo da realidade discursiva do falante (Espaço-R). Isso implica
dizer que as operações mentais de Identificação, Integração e Imaginação, através das quais a
mente humana constrói sentidos, envolvem necessariamente a contrafactualidade.
Para o escopo desta pesquisa, objetivando tratar da construção lingüístico-cognitiva da
referência, passamos a conceber os Espaços Mentais, como propõem Fauconnier e
Turner(2002), como Espaços Referenciais
93
, por se tratarem de domínios lingüisticamente
construídos, em cujo interior se constrói a referência para os enunciados produzidos pelos
falantes.
92
O conceito de Espaços Mentais constitui uma noção importante para este trabalho, o qual lida com a descrição
de operações lingüístico-cognitivas ligadas à maneira como pensamos, como a mente humana constrói sentidos.
Em síntese, os espaços mentais podem ser entendidos como condições de discurso, criados/ativados por
expressões lingüísticas. (Trataremos desse assunto, em detalhes, mais à frente).
93
uma sutil diferença entre Espaços Mentais e Espaços Referenciais (noção adotada nesta pesquisa). Todos
os espaços de referência (referenciais) são espaços mentais, mas nem todos os espaços mentais são espaços de
referência, espaços constituídos no processamento discursivo. Em linhas gerais, os espaços mentais remetem a
uma noção mais ampla do que aquela a que remetem os espaços referenciais.
93
3.4.1. Operações de Integração Conceptual
A Teoria da Integração Conceptual
94
se constitui como uma visão específica sobre os
estudos relativos às formas e aos significados. Fauconnier e Sweetser (1996), bem como
Fauconnier e Turner (2002) postulam que estudar o processamento discursivo implica
considerar operações lingüístico-cognitivas que são implementadas por itens e/ou expressões
que constituem a materialidade dos enunciados de um texto, os quais devem ser considerados
no contexto de sua produção:
The basic idea is that, as we think and talk, mental spaces are set up, structured, and
linked under pressure from grammar, context, and culture. The effect is to create a
network of spaces through which we move as discourse unfolds. (FAUCONNIER E
SWEETSER, 1996: 11).
Para esses teóricos, as formas da língua que levam aos sentidos literais podem também
indiciar sentidos metafóricos que parecem pertencer a tipos muito diferentes de raciocínio. No
entanto, os esquemas de mapeamento mental compõem–se de modo idêntico, desfazendo-se
as classificações e diferenciações entre sentidos literais, poéticos, metafóricos, científicos,
analógicos, surrealisticamente sugestivos ou opacos. Segundo esses estudiosos, a gramática
disponibiliza um conjunto de “gatilhos” que ativam, com muita precisão, o uso das operações
mentais responsáveis pela produção de sentidos, tendo como fundamento o contexto sócio-
histórico e cultural dos interlocutores participantes e construtores da interação discursiva.
Nessa perspectiva, pode-se dizer que a gramática da língua apenas indica um tipo de caminho,
o que vem a ocorrer nele depende exclusivamente do que nele encontramos e das operações
instanciadas pela nossa mente. Visto dessa forma, os significados são produtos resultantes das
mesclas efetivadas pela Operação de Integração Conceptual, simples ou complexas, e não são
previsíveis apenas a partir das formas lingüísticas usadas para evocá-los, pois as formas
lingüísticas nos dirigem no esquema de projeção de Espaços Mentais, mas não nos dizem com
qual projeção nossa mente deve operar. Por isso, entende-se que a construção do significado
envolve, além das formas lingüísticas, as molduras
95
, as topologias
96
, o conhecimento geral, o
contexto, as relações vitais
97
e, principalmente, o próprio processo de mesclagem
98
.
94
Essa teoria foi proposta inicialmente por Fauconnier (1984, 1994, 1996 e 1997) com a denominação de
“Teoria dos Espaços Mentais”, e teve alguns aspectos reformulados em Fauconnier e Turner(2002), passando a
ser denominada “Teoria da Integração Conceptual”.
95
Molduras são frames de interação. São identidades, papéis sociais, agenda de encontros, alinhamento,
permitindo a identificação que está sendo posta em movimento na interação. Uma moldura organizada fornece
94
Nessa perspectiva teórica, a obra The way we think: conceptual blending and the
mind’s hidden complexities apresenta-se como um amplo estudo sobre os processos que
subentendem a produção de significados pela mente humana, partindo do princípio de que a
construção de sentido se através de operações complexas e quase sempre inconscientes, as
quais constituem a Integração Conceptual. Essa operação, denominada por Fauconnier e
Turner (2002:18) como “Conceptual Blending
99
, é uma operação mental básica do
processamento cognitivo, necessariamente envolvida na produção de sentidos:
Conceptual integration, which we also call ‘conceptual blending’, is another basic
mental operation, highly imaginative but crucial to even the simplest kinds of
thought. (FAUCONNIER E TURNER, 2002:18).
Esta operação mental básica (Integração Conceptual) ocorre essencialmente por meio
do processo denominado “Blending”, neste trabalho traduzido como “Mesclagem”, como
“Fusão” entre Espaços Mentais/Referenciais, o qual envolve, no mínimo, a integração de
dois espaços, de dois domínios cognitivos, o factual e o seu contrafactual
100
, na produção de
significados emergentes. A mesclagem se efetiva sem que estejamos necessariamente
conscientes, não se tratando de uma operação mental a mais que realizamos por vivermos no
mundo. Ao contrário, constitui-se como o nosso meio de viver no mundo, de construí-lo e de
nos construirmos efetivamente. Trata-se, concisamente, de uma e única operação mental, a
qual se divide, para fins de entendimento, em três suboperações, como dissemos:
Identificação, Integração e Imaginação, também conhecidas como “Os Três I’s da Mente”.
uma topologia para o espaço que organiza, fornece um conjunto de relações organizadas entre os elementos de
espaço.
96
“Para qualquer espaço input e qualquer elemento naquele espaço projetado à mescla, é ideal para as relações
do elemento na mescla corresponderem às relações de sua contraparte” (cf. Azevedo, 2006:44)
97
As Relações Vitais são definidas por Fauconnier e Turner (2002) como importantes relações conceptuais
constitutivas da estrutura interna dos Espaços Mentais Inputs e, simultaneamente, como responsáveis pela
conexão, pela articulação entre Espaços Mentais de natureza distinta. Dessa forma, as Relações Vitais têm um
papel fundamental na configuração da Rede de Espaços Mentais. Na obra The way we think: conceptual
blending and he mind’s hidden complexities, os pesquisadores destacam, entre outras, as Relações Vitais de
variação ou mudança, identidade; tempo; espaço; causa-efeito; parte-todo; representação; papel-valor; analogia,
propriedade; similaridade; categoria; intencionalidade.
98
A mescla deve constituir uma cena fortemente integrada, a partir da qual emergirá o sentido construído pela
mente humana.
99
Traduzida como Integração Conceptual.
100
Noção que será tratada a seguir. Por ora, entenda-se, numa Rede Conceptual Integrada, cf. Fauconnier e
Turner (2002:46), o Espaço Genérico é o espaço onde se conectam as informações gerais comuns aos dois
Espaços de Entrada (Input 1 e Input 2), os quais se apresentam, naturalmente, como domínios cognitivos
diferenciados - parte e contraparte factual e contrafactual, respectivamente, correspondendo a estruturas
parciais sem as quais não pode ocorrer a formação da mescla, espaço em que se projetam estruturas captadas
nos demais espaços para que se o processo de referenciação, de produção de sentidos. A contrafactualidade
é condição para que se dê a integração de espaços, a mescalgem..
95
Fauconnier e Turner (2002) definem e abordam, no conjunto de sua obra, essas três
suboperações, e postulam que:
These operations basic, mysterious, powerful, complex, and mostly unconscious
are at the heart of even the simplest possible meaning. (...) they are the key to the
invention of meaning and that the value of even the simplest forms lies in the
complex emergent dynamics they trigger in the imaginative mind. (...) these basic
operations are more generally the key to both everyday meaning and exceptional
human creativity.(FAUCONNIER E TURNER, 2002:6).
Estas suboperações podem ser delineadas da seguinte maneira: a Identificação
consiste em realizar operações de reconhecimento de identidades, igualdades, semelhanças,
diferenças, contrastes, etc., entre dois domínios cognitivos indiciados por itens e/ou
expressões lexicais ativadas. Nas palavras de Fauconnier e Turner:
In short, connectionist modeling, like neuroscience, has come to recognize that
identity, sameness, and difference, far from being easy primitives, are the major and
perhaps least tractable problems involved in modeling the mind. (FAUCONNIER E
TURNER, 2002:11-12).
A Integração é a operação mental básica do processo de produção de sentidos. Consiste em
realizar projeções (mapping) de domínios cognitivos (espaços mentais) léxico-gramático-
discusivamente ativados. Para os referidos teóricos, a “Conceptual integration, which we also
call conceptual blending, is another basic mental operation, highly imaginative but crucial to
even the simplest kinds of thought.” (p.18). E o terceiro I da mente, a Imaginação, que, por
sua vez, consiste em, simultânea e concomitantemente às outras duas suboperações, realizar,
através da projeção de dois ou mais domínios cognitivos, a configuração do sentido
pretendido pelo locutor em sua interação discursiva com o alocutário. Segundo os referidos
pesquisadores, as operações de identificação e de integração não podem construir significados
sem o acionamento da operação de imaginação, o que pode ser ratificado pelas palavras dos
próprios pesquisadores: “Identity and integration cannot account for meaning and its
development without the third I of the human mind - imagination” (FAUCONNIER e
TURNER, 2002:6).
Para Fauconnier (2004), é necessário o uso de exemplos e um contexto mais completo,
a fim de compreendermos o funcionamento dessas operações na criação e articulação de
96
espaços mentais, no processo de produção de sentidos. Em virtude disso, comentaremos um
exemplo do próprio autor
101
:
(7)
Se Clinton fosse o Titanic, o iceberg é que teria afundado.
Para contextualizar o exemplo, Fauconnier, em entrevista concedida à Carla
Coscarelli, em 2004, na University of California San Diego, diz que o enunciado proferido é
uma piada sobre o presidente Bill Clinton, sobre como ele pôde ter tido sua popularidade
aumentada apesar de ter sido atacado pelos mais variados tipos de inimigos. Nesse contexto
social do país, todos pensavam que o presidente estaria em apuros, em função do escândalo
sobre o seu envolvimento íntimo com uma secretária da Casa Branca, mas, na realidade,
aconteceu o contrário, ele estava ficando cada vez mais popular. Naquele momento, as
pessoas costumavam dizer que “Se Clinton fosse o Titanic, o iceberg é que teria afundado”.
Ao dizer isso, Clinton foi então comparado ao Titanic; e o Titanic, quando era o Clinton, era
tão forte que, ao chocar-se com o iceberg, esse é que afundaria, contrariando assim as leis da
física. Para a compreensão dessa piada temos que operar com um espaço mental em que se
referencia o iceberg e o Titanic, no qual nós sabemos o que é o Titanic: um navio enorme que
afundou ao se chocar com um iceberg. Temos que construir também um outro espaço mental
com o conhecimento que temos sobre o Clinton e sobre os ataques que ele sofreu em relação à
sua mentira sobre os contatos sexuais com a secretária da Casa Branca. A partir desses dois
espaços mentais, temos que construir um terceiro. Agora temos uma espécie de Clinton-
Titanic tão forte que é capaz de afundar o iceberg. Instanciada dessa maneira, a nossa mente é
capaz de produzir um sentido emergente para a compreensão da piada “Se Clinton fosse o
Titanic, o iceberg é que teria afundado”. Para Fauconnier, esse é um exemplo passível de
demonstrar a ativação mental das operações responsáveis pela produção de sentidos em
qualquer evento de produção/recepção de texto.
Em síntese, para Fauconnier e Turner(2002), a estrutura dos enunciados de um texto
não porta, em si, o sentido. Ela apenas fornece elementos necessários à construção de
significados particulares, contextualizados sócio-culturalmente por meio de recursos percepto-
101
Esse exemplo foi retirado da entrevista gravada em vídeo na University Of California San Diego, em abril de
2004. Transcrita e traduzida por Arabela Franco e Carla Viana Coscarelli. Não exploraremos, aqui, todos os
aspectos desse exemplo, pois envolve contrafactuais e metáforas, que somente abordaremos mais a frente.
Nosso interesse, aqui, é, tão-somente, demonstrar o funcionamento geral do modelo proposto pelos teóricos em
questão.
97
cognitivos, um dos componentes de interface da noção de linguagem em sentido amplo de
Hauser, Chomsky e Fitch, 2002. Diante disso, podemos considerar que a adoção da Teoria da
Integração Conceptual na abordagem do objeto do estudo que aqui se propõe implica um
trabalho de estudar a realização das conexões cognitivas geradas por operações léxico-
sintático-discursivas que englobam desde a escolha do léxico e a opção por determinada
construção gramatical até a adoção de estratégias discursivas específicas, visando à produção
de diferentes e possíveis efeitos semânticos e de seus respectivos contextos de ocorrência.
3.4.2. A Integração Conceptual e a Contrafactualidade na Configuração de Redes de
Espaços Referenciais
Assumimos que a mente humana opera contrafactualmente e que realiza as operações
de Identificação, Integração e Imaginação, as quais são instanciadas através de gatilhos
lingüísticos expressos na materialidade dos textos produzidos pelos falantes. Operando dessa
maneira, a mente humana aciona e integra, simultânea e inevitavelmente, espaços referenciais
diversos, projetando-os sempre num e único espaço imagético em que se configura o sentido
emergente. De acordo com a Teoria da Integração Conceptual, ao fazer isso, no
processamento discursivo, o falante/ouvinte realiza a operação de Integração Conceptual,
construindo uma “Rede Conceptual Integrada”, que apresenta, em sua forma menos
complexa, quatro espaços mentais, reiteramos, aqui assumidos como referenciais: dois (ou
mais) Espaços Inputs, que, segundo Azevedo(2006), “constituem informação prévia, ligados
à experiência; são em algum sentido análogos, mapeáveis entre si, de onde elementos são
selecionados para compor o espaço da mescla” (p. 39); um Espaço Genérico, considerado
como “uma abstração contendo o que em comum entre os inputs” (idem); e o Espaço
Integrado, Espaço da Mescla, (Blend), “contendo elementos selecionados dos espaços inputs,
[na configuração da] estrutura emergente (...), a qual pode ser a base para outras mesclas”,
conforme postula Azevedo (2006). Essa configuração pode ser observada no diagrama
abaixo
102
, o qual é a representação mínima da Integração Conceptual. Dizemos mínima
porque é possível a construção de um espaço integrado formado ou constituído por sucessivas
mesclas instituídas na rede.
102
O Diagrama Básico ilustrado na figura 3 foi retirado de Fauconnier e Turner, 2002:46.
98
Os Espaços de Entrada (Espaços Input 1 e Input 2) constituem domínios cognitivos
diferenciados e funcionam, via contrafactualidade, como parte e contraparte. Sem eles o
pode ocorrer formação da mescla. A correlação entre os Espaços de Entrada é realizada pelas
associações e conexões contrapartes, por meio de um mapeamento desses espaços. Essa
correlação se dá por conexões metafóricas, conexões metonímicas, conexões analógicas,
conexões de identidade ou transformações, etc, no processo de construção do sentido
emergente.
3.4.3. Integração Conceptual e Instâncias Enunciativas: Discursivização
Estabelecer uma articulação teórica entre um modelo de funcionamento da mente a
Teoria da Integração Conceptual (cf. FAUCONNIER e TURNER, 2002) e um modelo de
organização dialógica - a Teoria da Enunciação (cf. BENVENISTE, 1989), somente é uma
iniciativa possível pelo fato de essas teorias conceberem a linguagem (em sentido amplo,
conforme a definição adotada), como uma atividade que, materializada na forma de textos,
evidencia seu caráter processual e pluridimensional. Tal articulação tem por objetivo tratar da
Figura 3: Rede Conceptual Integrada
99
construção de sentidos, da construção sócio-lingüístico-cognitiva da referência, no âmbito da
construção e utilização de estratégias argumentativas, a partir da investigação de determinadas
operações envolvidas na produção e recepção de textos no domínio do discurso político-
eleitoral. Ressalta-se, porém, que esse tipo de interface teórica implica, na verdade, a
construção de uma nova teoria, na qual nem todos os elementos constitutivos das teorias
individualmente são considerados relevantes para a configuração do quadro teórico específico
deste trabalho.
Com base na definição de linguagem que adotamos de Hauser, Chomsky e Fitch,
2002; da concepção de sujeito assumida com Morin, 1996; e, da construção da relação entre
enunciador e enunciatário postulada por Benveniste, estabelecemos uma ligação entre essas
teorias e a Teoria de Integração Conceptual, na configuração do modelo de processamento
discursivo desta pesquisa, a partir do seguinte postulado:
A presença do locutor em sua enunciação faz com que cada instância de discurso
constitua um centro de referência interno. Esta situação vai se manifestar por um
jogo de formas específicas cuja função é de colocar o locutor em relação constante
e necessária com sua enunciação. (BENVENISTE, 1989:84) – Grifo nosso.
Nesta perspectiva, postulamos que cada instância enunciativa, cada espaço referencial,
corresponde a um espaço mental base, primitivo, de que tratam Fauconnier e Turner(2002);
levando-se em conta, para tanto, os recursos lingüísticos utilizados pelo falante na criação de
instâncias enunciativas. A situação default, com já dito, entre outros recursos, é uma estratégia
básica na construção das instâncias enunciativas, condição para que se dê a implementação do
processamento discursivo, correspondendo ao ato de se tomar a palavra e instituir-se como
enunciador em face de um enunciatário, ambos situados discursivamente. A instância base
instaurada pela situação default possui como centro de referência o “eu/aqui/agora” da
enunciação, instituído frente ao “tu/aqui/agora”. Com base em Fauconnier e Turner (2002), o
espaço base, também denominado espaço genérico, é um constructo teórico que se relaciona
com o espaço de representação mental da realidade do falante/ouvinte, ou seja, representa a
perspectiva do falante/ouvinte, num tempo/espaço discursivos, o aqui/agora da enunciação,
em que os interlocutores se situam no momento da produção e recepção de textos. É a partir
dessa correlação que equiparamos a noção de Instância Enunciativa à noção de Espaço
Mental, de Espaço de Referência, Espaço Base, considerando que cada espaço instituído
funciona como um plano base, o qual pode abrigar outros espaços instaurados no
processamento discursivo. Nessa perspectiva, como dissemos, no âmbito deste trabalho,
100
passamos a conceber os Espaços Mentais, como propõem Fauconnier e Turner(2002), como
Espaços Referenciais, como domínios lingüisticamente construídos, em cujo interior se
constrói a referência para os enunciados produzidos pelos falantes. Identificamos, assim,
“Espaço de Referenciação” e “Instancia Enunciativa”.
Para que se torne mais clara essa articulação, achamos necessário destacar o que
consideramos relevante de cada um dos quadros teóricos adotados. De Hauser, Chomsky e
Fitch (2002), adotamos a noção de linguagem em sentido amplo e de linguagem em sentido
estrito, bem como a inter-relação entre elas na produção da linguagem. De Morin (1996),
assumimos a noção de sujeito auto-eco-organizador, constituinte e constitutivo da sua própria
existência, da intersubjetividade na construção da sua relação com o outro e com o mundo. De
Benveniste (1989, 1995), levamos em conta, essencialmente, as operações envolvidas na
criação e articulação de Instâncias de Enunciação, no que tange às especificações do processo
de construção das relações entre enunciador e enunciatário, bem como a consideração de que
a Instância de Enunciação é o espaço primitivo da fala, aquilo que Fauconnier e Turner (2002)
denominam espaço-base. Do quadro teórico de Fauconnier e Turner (2002), assumimos que
as suboperações de Identificação, Integração e Imaginação, lingüisticamente indiciadas, são
inerentes à operação de Integração Conceptual, e se constituem como condição para a
implementação do processamento da mente humana.
Nesta perspectiva, concebemos, então, que é por meio da ativação de determinadas
expressões lingüísticas, ou seja, ao se colocar a língua em funcionamento, que a mente
humana produz sentidos, através da criação e articulação simultânea e dinâmica das redes de
espaços referenciais, por meio da operação básica da mente, a Integração Conceptual, a qual é
propiciada pela propriedade da contrafactualidade. Nesse contexto, estamos levando em conta
que o nosso pensamento é contrafactual e que opera, sempre, e no mínimo, com dois espaços,
o factual e o seu contrafactual. Além disso, consideramos que a argumentatividade é
constitutiva de todo processamento discursivo que se efetiva por intermédio da criação e
articulação de Instâncias de Enunciação, da criação e articulação de espaços referenciais,
materializadas pela riqueza e variedade de expressões lingüísticas das línguas naturais. Diante
de tudo isso, postulamos que compreender o processo de produção de texto/sentido a partir
dessa articulação teórica, do conjunto dos princípios constitutivos do modelo de
processamento discursivo adotado, implica, em ntese, em assumir a noção de
discursivização, como postulada por Nascimento e Oliveira:
101
Discursivização (D): criação, numa, e única, instância enunciativa, de um espaço
de referenciação X, que integre, recursivamente, numa rede, todos os espaços de
referenciação instituídos no processo discursivo. (NASCIMENTO E OLIVEIRA,
2004).
Noção que é formalizada, pelos referidos estudiosos, da seguinte maneira:
D X
EB
{X ) , X
n
n
)}
A definição de discursivização, bem como sua fórmula, a nosso ver, é uma possível
leitura do que diz Benveniste (1989:84), na citação acima, podendo ser entendida como uma
tentativa de descrever a atividade lingüística efetivada pelos interlocutores na linguagem. A
partir dessa consideração, assumimos, com Nascimento e Oliveira (2004:290), que “a
discursivização é a ação dos falantes de implementar e gerir o processamento discursivo”, o
que sintetiza o modelo de processamento discursivo aqui adotado. Para maior clareza,
apresentaremos, a seguir, uma síntese das proposições e princípios que sustentam esse
modelo, e, em seguida
103
, ilustraremos seu funcionamento.
3.5. Síntese: Modelo de Processamento Discursivo Adotado
Destacamos
104
os pressupostos e os princípios básicos das Teorias da Argumentação,
da Teoria da Enunciação e da Teoria da Integração Conceptual
105
; realçamos os pontos de
convergência teórica e nos empenhamos em articulá-los
106
, visando construir um modelo de
processamento discursivo, pautado em tais convergências, que pudesse subsidiar a
investigação pretendida: “análise da construção e utilização de estratégias argumentativas, e
de suas modalidades, na argumentação, à luz do princípio da contrafactualidade”. Para
efeito de maior clareza, sintetizamos, abaixo, o referido modelo, o qual se estrutura com base
nas seguintes proposições:
103
Na seqüência, capítulo 4.
104
Cf. capítulos 2 e 3.
105
Essas teorias são inspiradoras do nosso modelo de processamento discursivo.
106
Mais claramente no item 3.4.3.
102
(8)
a) O Processamento Discursivo só se implementa via Discursivização;
b) O Processo de Discursivização é necessariamente implementado pela criação de
Instâncias Enunciativas, de Espaços Referenciais;
c) A criação e articulação de toda e qualquer Instância Enunciativa como de todo e
qualquer Espaço Referencial somente se através das suboperações lingüístico-
cognitivas básicas de Identificação, Integração e Imaginação;
d) A Integração Conceptual, operação básica da mente, trás em seu âmago as três
suboperações, e somente se efetiva via contrafactualidade;
Essas proposições que estruturam o modelo de processamento discursivo adotado nos
levam a operar com os seguintes princípios:
(9)
a) A linguagem é por natureza dialógica e argumentativa. Ela não se efetiva sem que
haja articulação entre espaços referenciais, o que pressupõe a instanciação do
princípio da contrafactualidade;
b) O processamento discursivo é compreendido como a intanciação de operações
mentais que se indiciam na materialidade textual;
c) A criação e articulação de Instâncias Enunciativas, operações que indiciam o
caráter dialógico da linguagem, são condições básicas para a implementação do
processamento discursivo;
d) A criação e integração de Espaços Referenciais, no domínio de Instâncias de
Enunciação, são condições necessárias à implementação do processamento
discursivo;
e) Toda Instância Enunciativa é um Espaço Referencial, embora nem todo Espaço
Referencial seja uma Instancia Enunciativa;
103
f) A contrafactualidade é uma propriedade básica da mente e condição para que o
processamento discursivo se efetive.
Com base nessa configuração do processamento discursivo, estamos considerando que
os processos que subentendem a constituição e compreensão de todo e qualquer texto são os
mesmos: 1) operações lingüístico-cognitivas básicas de Identificação, Integração e
Imaginação, que têm como condição de operacionalidade a propriedade a contrafactualidade;
2) criação e articulação de Instâncias Enunciativas; e 3) criação e articulação de diferentes
tipos de Espaços Referenciais. Sabendo disso, pretendemos investigar o modo como a
contrafactualidade se manifesta nas construções argumentativas, no âmbito do discurso
político-eleitoral, por hipotetizarmos que os mecanismos e/ou princípios léxico-sintático-
discursivos básicos envolvidos na configuração de estratégias persuasivas, implementadas na
argumentação desse subdomínio discursivo, caracterizam-se por instanciar de forma
determinante a propriedade da contrafactualidade.
104
“ Quando falamos uma língua sabemos muito
mais do que aquilo que aprendemos.”
Noam Chomsky
105
CAPÍTULO 4
ANÁLISE DO CORPUS
4.1. Contextualização do Objeto de Estudo
Com base no quadro teórico
107
-metodológico
108
configurado nesta pesquisa,
delimitamos o foco central desta análise nas operações de discursivização efetivadas no
processamento das estratégias de argumentação, à luz do princípio da contrafactualidade. Em
função disso, para uma melhor compreensão, deslocaremos a ênfase dada ao conteúdo de cada
discurso e nos fixaremos na configuração das redes referenciais, nas operações sintático-
discursivas adotadas na produção e recepção de textos, no âmbito do domínio do discurso
político-eleitoral, corpus deste trabalho.
Ressaltamos que estamos lidando com a noção de linguagem em sentido amplo (cf.
HAUSER, CHOMSKY e FITCH, 2002), como atividade lingüístico-cognitiva e social
109
,
entendendo “atividade” no sentido de um fato social que possibilita e proporciona a interação
entre as pessoas, por meio da qual podemos exercer influência sobre os interlocutores, como
postulado por Aristóteles (1959) e ratificado por Perelman e Tyteca (2002). Assumir essa
concepção de linguagem, a nosso ver, implica considerar o seu caráter essencialmente retórico
e a afirmar que o sentido não está nas palavras (cf. FAUCONNIER e TURNER, 2002), nas
formas lingüísticas materializadas na linearidade do enunciado, pois é construído via
interação discursiva, na enunciação (cf. BENVENISTE, 1989). Ao lidar com essa concepção
de linguagem, consideramos que é por meio do discurso que o orador age sobre o seu
auditório, com o objetivo de persuadi-lo. Nesta perspectiva, assumimos que a persuasão
somente se efetiva quando o discurso assume um valor argumentativo
110
e revela o caráter
moral do orador ao se instituir como sujeito-enunciador, estabelecendo, simultaneamente, as
demais relações constituintes da enunciação, influindo, no ouvinte, uma certa disposição para
107
O quadro teórico desta pesquisa foi configurado nos capítulos 2 e 3.
108
As questões organizacionais e metodológicas foram tratadas, em detalhes, no capítulo 1.
109
Ratificamos, à concepção de linguagem como atividade lingüístico-cognitiva e social é inerente o aspecto
interativo, haja vista que o social implica interação.
110
Especificamente sobre esse ponto, assumimos que é a situação discursiva como um todo que persuade,
através da argumentação construída discursivamente. Ao contrário de Osakabe, que considera que a persuasão se
efetiva quando o discurso assume um valor demonstrativo.
106
com o discurso que está sendo proferido, o que possibilitará o seu engajamento. Entendemos,
assim, que ao configurar discursivamente uma situação argumentativa o orador instaura, entre
si e o auditório a que se destina, um processo de auto-eco-organização do qual emergem
efeitos persuasivos. Nesta perspectiva, consideramos que, no âmbito dos discursos político-
eleitorais, como em todo e qualquer discurso, várias cenas enunciativas/espaços referenciais
se integram, formando uma única rede hipertextual integrada, multifacetada, ampla e
complexa, mas que mantém a unidade, visto integrar na sua totalidade todos os espaços
referenciais que lhe deram origem, na/pela construção do sentido emergente.
Para clarificar, apresentamos, abaixo, os fundamentos básicos que nortearão esta
análise:
(10)
. Noção de linguagem em sentido amplo
111
;
. Noção de sujeito auto-eco-organizador
112
;
. Foco nas operações de discursivização efetivadas no processamento de
estratégias argumentativas;
. Construção dialógica de sentido, no curso da interação
113
;
. Pressuposto de que a persuasão é efetivada através do discurso, que é por
natureza argumentativo
114
;
. Consideração de que é a cena enunciativa como um todo que persuade;
. Pressuposto de que a contrafactualidade
115
é condição para que se o
processamento discursivo: consiste na habilidade mental do falante/ouvinte de
criar e contrapor mundos imagéticos (espaços referenciais) na configuração da
realidade discursiva;
. Pressuposto de que no discurso político-eleitoral a contrafactualidade tem um
modo típico de se manifestar.
111
cf. Hauser, Chomsky e Fitch, 2002.
112
cf. Morin, 1996.
113
cf. Benveniste, 1989.
114
cf. Perelman e Tyteca, 2002.
115
cf. Fauconnier e Turner, 2002.
107
Serão levados em conta, também, os aspectos do “ambiente externo
116
que, a nosso
ver, o comuns e determinantes na configuração dos discursos político-eleitorais em análise.
São eles:
(11)
. Trata-se de eleição à presidência do Brasil;
. A eleição a que fazemos referência situa-se cronologicamente no ano de 2006;
. As eleições brasileiras são definidas organizacional e funcionalmente pela Lei
Eleitoral nº 9.504, de 30 de setembro de 1997;
. A reeleição é uma situação possível e legalizada no Brasil, conforme Emenda
Constitucional nº 16, de 1997;
. Ambos os candidatos devem submeter-se à Convenção político-partidária;
. A origem, tradição e história de cada partido político serão levadas em
consideração, haja vista interferirem determinantemente em certos
posicionamentos e condutas partidárias, refletindo na relação do candidato
com o povo brasileiro;
. A história pessoal e política de cada um dos candidatos será considerada à
medida que influenciarem nas relações e alianças estabelecidas no âmbito da
vida pública dos candidatos.
4.2. Análise dos Discursos Político-Eleitorais
117
- PROCEDIMENTOS BÁSICOS:
Com base no quadro teórico-metodológico desta pesquisa e nos aspectos do “ambiente
externo” que são relevantes para a configuração da cena enunciativa global dos discursos a
serem analisados, passamos à análise de cada um dos discursos, seguindo o seguinte roteiro:
(12)
a) identificação e análise dos esquemas argumentativos básicos de cada um dos
discursos político-eleitorais;
116
Tratados em detalhes no capítulo 1.
117
Os discursos em análise são apresentados, na íntegra, na seção de anexos. Anexo 1, discurso do candidato
Lula; anexo 2, discurso do candidato Alckmin.
108
b) identificação e análise das operações subjacentes aos esquemas argumentativos
identificados;
c) identificação e análise do modo como o princípio da contrafactualidade é
instanciado na constituição de cada um dos referidos discursos;
d) correlação entre os discursos.
Salientamos que esse roteiro não será linearmente seguido, mas desenvolvido ao longo
da análise dos textos do corpus. Isso posto, passemos à análise dos textos.
4.3. Análise do Discurso Político-Eleitoral do Candidato LULA: Organização da Cena
Enunciativa
A instância do discurso do candidato em apresentação é tomada aqui como cena
enunciativa básica. Na configuração dessa cena enunciativa básica, o locutor, Lula, se institui
como enunciador, assumindo o papel de candidato. Simultaneamente, institui o outro, seu
alocutário, os convencionais (o auditório), como enunciatários. Ambos, enunciador e
enunciatários, situados num tempo e espaço discursivos. Essa cena é criada pelo locutor, na
implementação do processo de discursivização, de sua fala,
ao assumir a palavra e dizer “Bem, meus companheiros
e companheiras...” (L-linha1), instaurando a construção da
relação interlocutiva que constitui a cena enunciativa
básica. Essa cena enunciativa básica é construída pela contraposição
de duas grandes subcenas
118
, as quais são compostas pela integração
de outras subcenas , na configuração do discurso como um todo.
As duas grandes subcenas são construídas e integradas à cena enunciativa básica e
cada uma delas apresenta um foco específico. Na configuração da subcena 1, L-linha1-138, é
118
Usamos a denominação “cena” e “subcena” para nos remeter às interlocuções e subinterlocuções
implementadas no/pelo discurso. Além disso, a hierarquização em cenas e subcenas se justifica por assumirrnos
que um texto atualiza uma e única instância de enunciação, um espaço discursivo integrado em que se articulam,
hierarquicamente, todos os demais espaços referenciais instituídos no e pelo processamento discursivo que o
gera.
Criação e integração
de cenas e subcenas:
manifestação da
contrafactualidade.
Implementação do Processo de
Discursivização: criação da cena
enunciativa básica (situação
default).
109
evidente o foco na construção intersubjetiva da imagem do “sujeito que fala” ao seu
auditório. Na configuração da subcena 2, L-linha139-664, o orador, contanto com uma
determinada imagem construída intersubjetivamente na relação com seu auditório,
efetivamente profere o seu discurso de cunho político-eleitoral, anunciando-se explicitamente
como candidato: “Companheiros e Companheiras, sou outra vez candidato...” (L-linha139-
140). Podemos perceber que o candidato marca, na materialidade do discurso, com o vocativo
“companheiros e companheiras”, a contraposição entre as duas grandes subcenas
enunciativas. A partir dessa organização, desses meios operatórios, entre outros mais
específicos, é que os esquemas argumentativos são configurados, visando-se a alcançar a
persuasão do auditório.
Ao especificarmos os trechos correspondentes às subcenas não estamos afirmando que
elas tenham início e fim preestabelecidos. Estamos destacando tão-somente um foco básico,
até porque a relação entre os interlocutores é (re)construída inevitavelmente, pelo locutor, ao
longo da interação discursiva. Desta forma, a referência aos trechos do discurso é apenas um
meio de situar o leitor, não se tratando de uma localização fixa, material, mas de um trecho
com maior enfoque em determinado aspecto relevante para esta análise.
4.3.1. Construção da Relação Enunciador/Enunciatário
4.3.1.1. Construção do Ethos
O excerto abaixo é parte inicial do discurso político-eleitoral do candidato Lula. Trata-
se do discurso de lançamento de sua campanha eleitoral à presidência da República:
(13)
Bem, meus companheiros e companheiras,
Eu quero cumprimentar
o meu companheiro José
Alencar,
vice-presidente da República e candidato a
vice-presidente da República. E quero dizer a vocês que a
manutenção do José Alencar na nossa chapa, primeiro é o
reconhecimento do mérito, da lealdade, do companheirismo e da
competência do companheiro José Alencar. Segundo, é porque
eu não poderia abrir mão da tradição libertária do Estado de
Implementação
do Processo de
Discursivização
(situação default).
Implementação de subcenas por
expressões dicendi”: “quero
cumprimentar”; “dizer”.
Contraposição: vice-
presidente da República x
candidato a vice-presidente
da República.
Contraposição entre
espaços: classe trabalhadora x
empresariado.
110
Minas Gerais, da tradição cultural das Minas Gerais e da importância para a economia e para a
política que Minas Gerais tem. E também porque a combinação da ligação entre um metalúrgico e
um empresário
como o José Alencar demonstrou o equilíbrio
necessário que o Brasil precisava para
chegar onde nós
estamos. (L-linha1-9).
Como dissemos
119
, a implementação da cena enunciativa básica, da interlocução
entre orador e auditório, respectivamente, o candidato Lula e os participantes da convenção, é
efetivada no momento em que o orador assume-se como sujeito do discurso que profere e
pronuncia Bem, meus companheiros e companheiras...”, (L-linha1). Percebemos que a
escolha lexical dessa expressão, “meus companheiros e companheiras”, não se de
maneira casual, não se tratando, portanto, de um simples vocativo. Com base em informações
do meio externo, podemos assumir que se trata da utilização
de uma expressão que remete a uma marca identitária do
partido, caracterizadora dos petistas, indivíduos vinculados
ao Partido dos Trabalhadores, partido do orador, o candidato Lula. Essa expressão,
intencionalmente utilizada, identifica o Partido dos Trabalhadores, contrapondo-o a outros
partidos, ao mesmo tempo em que estabelece um tipo de relação diferenciada entre os
interlocutores da cena enunciativa. Com base no uso dessa expressão, podemos entender que
o orador, o então candidato Lula, visa construir a imagem de um candidato que não a
população brasileira (interlocutor indireto) como constituída por simples eleitores, mas como
parceiros, como sujeitos que se reconhecem mutuamente e estão unidos por uma similaridade
de interesses e preocupações sociais. Ao implementar essa interlocução, falando diretamente
aos convencionais e indiretamente à população brasileira, na condição de presidente eleito e
candidato à reeleição, Lula procura construir uma imagem de homem político bem articulado,
o qual dialoga com as várias classes sociais e políticas do país. Em função disso, Lula fala ao
seu auditório, muitas vezes, via subinterlocuções com sujeitos
representativos de determinadas classes político-sociais
120
,
apresentando-os como seus aliados, configurando, assim, a sua
instância política.
119
Referência ao item 4.3, “Organização da cena enunciativa”.
120
Agrupamos as referidas subinterlocuções em cinco classes, a fim de evitarmos repetições e delonga
desnecessária. São elas: política, trabalhadora, empresariado, familiar e sociedade civil.
Identificação e contraposição
de cenas enunciativas:
contrafactualidade.
Identificação e
contraposição de cenas
enunciativas:
contrafactualidade.
Contraposição entre
domínios constitutivos da
Metáfora do “caminho”.
111
No interior da interlocução com seu auditório, Lula, enquanto orador, implementa uma
subinterlocução com José Alencar, a qual é ativada pelo verbo dicendi “cumprimentar”, aqui
entendido como um ato ilocucional, haja vista a realização simultânea da ão indiciada pelo
verbo. Retomando o trecho inicial, observemos:
(14)
“Eu quero cumprimentar o meu companheiro José
Alencar, vice-presidente da República e candidato a
vice-presidente da República.(...)”. (L-linha2-3).
Nessa fala, ao utilizar o item lexical “meu
121
, o qual é retomado nas expressões
“vice-presidente da República” e “candidato a vice-presidente da República”, o locutor,
Lula, se constrói como contraparte de Alencar, assumindo-se implicitamente como
“presidente”, como “candidato a presidente”, o que coloca-o hierarquicamente no topo da
chapa do partido. Essa referência explícita a Alencar como “vice-presidente” e como
“candidato a vice-presidente” e implícita a Lula como “presidente” e “candidato a
presidente”, no mesmo tempo e espaço, pode parecer, a primeira vista, incompatível. No
entanto, a mente humana, ao ativar as informações do “meio externo” sobre a possibilidade
de reeleição, consegue operar discursivamente com os dois espaços, contrapondo-os no aqui e
agora da enunciação, momento da campanha eleitoral, em que o “presidente” e o “vice-
presidente” podem se recandidatar. Na seqüência do trecho 14, o orador, em função da
construção da referência do discurso, volta-se aos convencionais através da ativação do verbo
dicendi “dizer” e do pronome de tratamento “vocês”, como podemos observar abaixo:
(15)
“E quero dizer
a vocês que a manutenção do José Alencar na
nossa chapa, primeiro é o reconhecimento do mérito, da
lealdade, do companheirismo e da competência do companheiro
José Alencar. (...)”. (L-linha3-5).
121
Denominado tradicionalmente como “pronome possessivo”.
Criação e integração de
cenas por expressão dicendi
“quero cumprimentar”.
Criação e integração de
subcenas por verbo dicendi.
Neste caso, utilização do
verbo “dizer”.
Contraposição de espaços (vice-
presidente x presidente; candidato a
vice-presidente x vice-presidente, etc):
manifestação da contrafactualidade.
112
Entendemos que, ao usar o pronome “você” para referir-se ao seu auditório, o orador
pretende construir uma relação interlocutiva de informalidade, de proximidade entre os
interlocutores, o que pode ser considerado um diferencial na relação entre candidato/eleitor.
Além desse tom de informalidade, parceria e amizade estabelecido entre os interlocutores, os
elogios feitos a José Alencar são relevantes na construção da identidade de Lula, pois
reforçam os valores e crenças do orador: “mérito, lealdade, companheirismo e
competência”. Ainda na subinterlocução com José Alencar, o orador assume uma outra
posição social em que se identifica na contraposição com seu enunciatário. Isso ocorre ao
fazer referência aos trabalhadores (como origem de Lula: “metalurgico”) e aos empresários
(posição atribuída a José Alencar: “empresário”), como pode ser verificado na passagem
apresentada abaixo:
(16)
“E também porque a combinação da ligação entre um
metalúrgico e um empresário
como o José
Alencar demonstrou o equilíbrio necessário que o
Brasil precisava para
chegar onde nós estamos.
(...)”. (L-linha7-9).
Nesse trecho, é perceptível a comparação entre a origem de Lula e a origem de José
Alencar, bem como o papel social assumido e a imagem que se visa construir para cada um
dos interlocutores ao fazer referência à classe trabalhadora e ao empresariado. Lula se
assume como metalúrgico, portanto, trabalhador, de origem popular; José Alencar é
caracterizado como empresário, mas não como um empresário qualquer, pois a referência é
enfática a “um empresário como o José Alencar”. No entanto, embora historicamente haja
oposição entre classe operária e empresariado, Lula tenta mostrar que em seu governo houve
“uma combinação”, “uma ligação”, “uma parceria” entre essas partes; o que é visto como
mérito de seu governo.
Outro ponto relevante é a referência à história de Lula, à caminhada, a qual pode ser
inferida pela expressão “(...)chegar onde nós estamos”, L-linha9, em que o verbo chegar
indica uma caminhada percorrida espaço-temporalmente por esse político e seus aliados. Essa
referência à caminhada sócio-histórica de Lula é feita várias vezes em seu discurso, de
Comparação “um empresário como”:
Manifestação da contrafactualidade.
Expressões indefinidas como meio de
criação e integração de espaços (classe
trabalhadora x empresariado):
manifestação da contrafactualidade.
Metáfora do caminho/ caminhada,
contraposição de espaços: manifestação
da contrafactualidade
113
maneiras diversas, mas sempre remetendo a uma caminhada de dificuldades e cheia de
obstáculos, porém sempre vencida por Lula e seus aliados, em função do apoio popular. Com
base nesta “caminhada”, em que o locutor se posiciona sócio-historicamente, Lula reforça a
sua imagem como alguém do povo, a favor das causas populares, como alguém do “bem”,
lutador, que passa por dificuldades, mas que não desiste; ao contrário de seus adversários.
Além disso, podemos perceber que o orador busca correlacionar a situação de uma “batalha”
ao contexto da “eleição”, referenciando, mais uma vez, sua trajetória de luta. Isso pode ser
verificado em vários trechos, dos quais alguns explicitamos a seguir:
(17)
a) “Portanto, José Alencar, esteja preparado para essa nova batalha
, porque nós dois iremos
enfrentar
preconceitos, ódio, inveja... E nós dois iremos demonstrar
paz, humildade e muito
amor ao povo brasileiro durante esta campanha. (...)”. (L-linha10-
12).
b) “...dizer para vocês que a batalha que enfrentamos no Congresso
Nacional não foi uma batalha fácil.(...)”. (L-linha18-19).
c) “...Quanta batalha foi preciso
vencer, quanto preconceito foi preciso remover, quanta
armadilha foi preciso desmontar.(...)”. (L-linha121-122).
d) “Os números e os fatos demonstram que
seguimos o caminho
certo.(...)”. (L-linha218).
e) “Sei que muita coisa precisa ser feita para diminuir a pobreza e a
desigualdade social.
Mas estamos no caminho certo.(...)”. (L-linha270-271).
Além dessa subinterlocução com José Alencar, no curso da fala aos convencionais, na
construção da imagem do “sujeito que fala”, Lula remete à classe familiar e à grande parcela
feminina da sociedade civil ao dialogar com sua esposa, Senhora Mariza. É evidente a
imagem tradicional de família com a qual Lula pretende se construir: marido, esposa,
companheirismo, casamento duradouro. Observemos o trecho em questão:
Contraposição de
espaços: “batalha” x
“eleição”; “ódio” x “paz”;
“vencer” x “perder”.
Metáfora do
caminho:
manifestação da
contrafactualidade.
114
(18)
Quero cumprimentar minha companheira Mariza.
Neste ano nós
completamos
32 anos de casados. Obviamente, que nem
eu nem ela
apresentamos a idade que temos. Ela
certamente muito menos do que eu. Mas, cumprimentando a minha companheira,
pela importância que ela tem na minha vida, eu quero cumprimentar todas as
mulheres deste país, sem as quais nenhum de nós existiria. Nem
teríamos nascido. Portanto, obrigado a vocês, companheiras,
parceiras e guerreiras deste querido Brasil(...)”.(L-linha13-17).
Note-se que a primeira utilização do item lexical “companheira”, nesse trecho, tanto
remete ao idealismo partidário que comungam os interlocutores dessa subcena quanto à
referência ao papel social de esposa, embora essa última intenção seja a mais forte para o
auditório, haja vista a informação do ambiente externo” de que Lula e Mariza formam um
casal. Ao explicitar o tempo de casados, “Neste ano nós completamos 32 anos de casados”,
(L-linha13), o orador possivelmente quer remeter à solidez da relação. Os comentários
elogiosos e a fala “pela importância que ela tem na minha vida”, (L-linha15), também visam
confirmar a solidez, estabilidade e harmonia existente na relação conjugal, tal como prevê o
modelo familiar tradicional. No interior da subinterlocução estabelecida com sua esposa,
Mariza, Lula implementa uma outra subinterlocução, falando especificamente às mulheres,
explicitando a sua importância na configuração natural do mundo. Como resultado da
integração dessas subcenas emerge uma estratégia discursiva de forte efeito persuasivo, a qual
é utilizada, pelo orador, com a finalidade de se atingir a grande parcela feminina do eleitorado
brasileiro, buscando engajar esse público ao discurso político proferido
122
.
Ainda na configuração da instância política, na construção da imagem de um bom
administrador, de um bom líder, de um ser humano íntegro e bem relacionado, o qual dialoga
com várias esferas sociais e políticas, Lula, enquanto enunciador, continua falando aos
convencionais através da criação e integração de subinterlocuções com seus aliados e aliadas,
mostrando, a partir de tais alianças, a abrangência de sua base de apoio social e político, para
além das fronteiras petistas. Nesta construção, sempre evocando seu auditório, “...quero dizer
para vocês...”, Lula implementa uma outra subcena, falando, agora, ao Senado Federal,
122
Não estamos entrando aqui na questão ideológica. Sabemos da importância da mulher na sociedade e das
grandes contribuições das mulheres para com o desenvolvimento do país. No entanto, a parcela politicamente
ativa das mulheres ainda é inferior à dos homens, o que é sócio-historicamente compreendido.
Criação e integração de
espaços indiciados pelas
expressões “Neste ano”,
“32 anos”.
Criação e
integração de subcenas
pela expressão dicendi
“quero cumprimentar”.
Contraposição
entre “ser” x “parecer
ser”.
115
através do presidente do Senado, Renan Calheiros. Nesta fala, Lula reforça as difíceis
batalhas enfrentadas na luta pelo povo ao longo de sua vida política, “...ao longo desses 20
anos (...)”, L-linha21, contrapondo-se aos partidos adversários, sobre os quais deixa implícito
que “entravam” as realizações das ações que beneficiam a camada mais pobre da população
brasileira. Isso pode ser evidenciado no trecho abaixo:
(19)
Quero cumprimentar o companheiro Renan Calheiros,
presidente do Senado Federal, e dizer para vocês que a batalha
que enfrentamos no Congresso Nacional não foi uma batalha
fácil. E, junto com o nosso líder Aloizio Mercadante, o Renan
enfrentou, nas
batalhas internas dentro do PMDB, o que nós
petistas já estamos acostumados a enfrentar
ao longo desses 20
anos. Obrigado, Renan, pela sua presença e pelo trabalho feito
até agora(...)”. (L-linha18-22).
Esses subdiálogos, na/pela auto-construção da imagem positiva do “sujeito que fala”,
vão sendo implementados no curso do discurso proferido pelo locutor, o candidato Lula.
Evidenciamos, no trecho L-linha23-28, outra
subinterlocução, agora com José Sarney: “Quero
cumprimentar o meu companheiro ex-presidente da
República, ex-presidente do Senado e hoje senador
da República, o presidente Sarney(...)”, L-linha23-24.
Essa sobreposição de papéis e posições sociais
atribuídas a José Sarney somente é compreendida
porque, no processo de construção de sentidos, a mente humana ativa habilidades complexas
que lhe possibilita operar com espaços imagéticos que envolvem a construção de um mundo
alternativo ao real, diferente do mundo da realidade discursiva do falante/ouvinte, integrando-
os e construindo sentidos emergentes.
Ao fixar na posição social de José Sarney enquanto “ex-presidente da República”,
Lula compara a pessoa de Sarney, enquanto ex-presidente da República, aos demais ex-
presidentes, criticando esses e elogiando aquele: “Eu tenho dito que possivelmente o
presidente Sarney seja, de todos os ex-presidentes da República, o que mais sabe ser ex-
presidente. (...)”, L-linha24-25. Nessa pauta, ele contrapõe palpite x conselho; fala com a
Criação e integração de subcenas
por expressão dicendi: “quero
cumprimentar”
Contraposição, integração de
espaços: ex-presidente x presidente;
passado (presidente) x hoje (senador):
manifestação da contrafactualidade.
Criação e integração de
subcenas: “quero
cumprimentar”, “dizer para
vocês”.
Contraposição: batalha x
atuação política.
Contraposição espaço-
temporal: “ao longo desses 20
anos...”
116
imprensa x fala com a gente (pessoalmente), valorizando positivamente a ação de aconselhar,
de falar pessoalmente, como faz José Sarney, hoje seu
aliado: “O Sarney não palpite, ele conselho. Ele não
fala pela imprensa, ele fala com a gente.(...)”, L-linha25-
26. Além disso, reafirma o lado negativo do PMDB,
apresentando o governo Lula e seus aliados como aqueles que buscam a “paz”, a
consolidação, o bom relacionamento, o lado positivo da política: “E também, nesse trabalho
de costurar todas as divergências e complicações com o PMDB, eu posso garantir a vocês
que o Sarney foi um parceiro extraordinário, surpreendentemente extraordinário”. (L-
linha26-28).
Na construção da relação entre En/Ea, na cena enunciativa básica, outra
subinterlocução é evidenciada, L-linha35-41, a qual, também, se integra e é referenciada na
construção de sentidos do discurso como um todo. Trata-se da fala de Lula direcionada aos
Deputados Federais via presidente da câmara dos deputados federais, Aldo Rebelo. Nesta
subinterlocução, na construção da imagem do “sujeito que fala”, Lula constrói uma imagem
de bom conselheiro:
(20)
Quero cumprimentar o companheiro Aldo Rebelo. O Aldo Rebelo, vocês olhando a cara dele
assim, ele parece uma pessoa brava. Eu de vez em quando falo: ‘Aldo, você precisa sorrir um
pouco’. A gente sorri, a gente transmite mais serenidade,
fica melhor com a gente mesmo, fica com menos rugas no
rosto, fica com uma série de coisas.(...)”, L-linha35-38.
Além disso, através de elogios à pessoa de Aldo Rebelo, assume alguns valores que,
certamente, influenciarão positivamente na construção da imagem do enunciador enquanto
político, candidato: lealdade e companheirismo: “Agora, eu quero dizer para vocês que
aprendi profundamente a admirar a lealdade e o companheirismo do companheiro Aldo
Rebelo em todos os momentos em que estivemos juntos(...)”, L-linha38-40.
Ainda na construção da imagem desse “sujeito que fala”, Lula implementa
subinterlocuções com diversos partidos políticos. Nestas subinterlocuções, Lula institui-se
como enunciador e, simultaneamente, institui os partidários de cada um dos partidos políticos
como enunciatários, objetivando demonstrar as relações estabelecidas entre eles, as “costuras
políticas” realizadas na constituição da base aliada. Para tanto, Lula, enquanto enunciador, na
Contraposição de espaços:
palpite x conselho; fala pela
imprensa x fala pessoalmente:
manifestação da contrafactualidade.
Subcenas criadas e integradas
por expressão dicendi: “quero
“cumprimentar” e “falo”.
117
fala proferida ao seu auditório, simultaneamente fala ao PRTB, através do enunciatário Levir
Fidélix; fala ao PTB, através da interlocução com Flávio Martinez e Walfrido dos Mares
Guia; fala ao PSB, através da interlocução com Eduardo
Campos; fala ao PRB, via interlocução com Vitor Paulo; e,
fala ao PCdoB através da fala com Renato Rabelo; (trecho
L-linha42-73, do anexo 1) . Nas referidas
subinterlocuções, além da asserção ao apoio político de cada partido, das alianças feitas, o
candidato fala das relações pessoais, histórico-afetivas com alguns dos partidos, enfocando,
novamente, a caminhada de lutas e de dificuldades vivenciadas até chegar à presidência, bem
como os valores básicos admitidos e assumidos pelo candidato, como pode ser visto em
diversos trechos, dos quais alguns explicitamos abaixo:
(21)
a) “...O Levir Fidélix, do PRTB, (...), que é um partido
mais
novo, mas
desde o começo ele esteve discutindo conosco o
apoio.(...)”. (L-linha42-43).
b) “...
Quero cumprimentar o Flávio Martinez, que assim que
assumiu a presidência do PTB, junto com o nosso ministro
Walfrido dos Mares Guia (Turismo), assumiram o
compromisso de que,
acontecesse o que acontecesse no
PTB, eles estariam juntos na campanha presidencial. (...)”.
(L-linha43-46).
c) “O PT inteiro sabe o
carinho que eu tenho pelo Eduardo
Campos,(...)”. (L-linha47-48).
d) “Agora, o que a gente tem que fazer é não permitir que uma divergência circunstancial abale a
relação sólida que existe neste país em torno de um projeto nacional, entre PSB e PT. (...)”. (L-
linha51-53).
e) “(...)a relação minha pessoal
, do PCdoB com o PT e do PT com o
PCdoB, em quase todos os Estados da Federação, tem sido uma relação
extraordinária,
civilizada, democrática, respeitosa...”. (L-linha67-69).
Criação e integração de
subcenas por verbos dicendi
(cumprimentar): manifestação da
contrafactualidade.
Contraposição espaço
temporal indiciada pela expressão
“desde o começo”; mais novo x
mais velho.
Criação de espaço hipotético-
contrafactual: “acontecesse o que
acontecesse... estariam” no
interior da subcena criada pela
expressão dicendi “quero
cumprimentar”.
Contraposição entre espaços:
carinho, solidez, respeito x ódio,
desrespeito.
Contraposição entre
espaços: relação
pessoal x relação
político-profissional.
118
Na criação e integração das subinterlocuções estabelecidas com os partidos políticos,
dois pontos merecem ser discutidos individualmente. O primeiro refere-se ao momento em
que o locutor evoca seu auditório, seus interlocutores básicos, e diz: “Eu quero contar uma
história pra vocês...”. (L-linha58). Ao selecionar o item lexical “história”, Lula cria um
espaço referencial, no qual relata seu diálogo com João Amazonas, num tempo/espaço
cronologicamente passado, fazendo referência às dificuldades por que passou no ano de 1989,
o que fundamenta a perspectiva da continuidade de sua “caminhada”. Este é o trecho, na
íntegra:
(22)
Eu
quero contar uma
história pra vocês.
Em 1989, eu estava
desanimado. Eu caía tanto na pesquisa que chegou uma hora que eu falei: ‘eu vou
deixar de ser candidato, senão eu vou terminar a campanha devendo dinheiro e
devendo número pro Ibope. Depois eu vou ter que
concorrer para zerar. Então eu vou desistir...’. E eu estava com
nosso querido e saudoso João Amazonas, que não está mais entre
nós, no carro, e o João Amazonas dizia uma coisa que nosso
prefeito de Recife fala muito, o nosso companheiro João Paulo: ‘Companheiro Lula, nós temos que
demarcar o campo. Nós temos que definir quem que nós queremos atingir. E eu acho que s
precisamos fazer um discurso próprio para a classe trabalhadora’. Foi daí que s fomos para o
segundo turno em 89.” (L-linha58-65).
O segundo aspecto relevante nas subinterlocuções com os partidos políticos é a
comparação metafórica explícita da relação “marido e mulher” com a “relação entre
partidos”. Nesta fala, o orador assume os valores que devem pautar a relação conjugal
(paciência, tolerância...): Eu digo sempre o seguinte: o marido e a mulher não podem
brigar todo dia...tem que ter paciência, tolerância...”, (L-linha69-71). Ao fazer isso, Lula,
certamente, tem por objetivo vincular tais valores à sua imagem enquanto político e reforçar
as relações que tenta estabelecer, o que reflete positivamente na sua imagem de candidato. O
trecho é o seguinte:
(23)
“....Eu digo sempre o seguinte: o
marido e a mulher não
podem brigar todo dia por causa de um erro que um fez. Senão o
casamento não certo. Tem que ter paciência, tolerância,
contar até dez, ir para casa, tomar um banho gelado, antes falar
Metáfora, contraposição
de espaços: manifestação da
contrafactualidade (“marido e
mulher” x “relação entre
partidos”).
Criação e
integração de subcenas
por expressão dicendi:
“quero contar”.
Criação e integração de
espaço por expressão
indicativa de tempo “em
1989”.
119
mal de um companheiro, do PCdoB falar mal do PT e do PT falar mal do PCdoB. (trecho L-
linha69-73).
Além dessas subinterlocuções, constituintes e constituidoras da cena enunciativa
básica, evidenciamos a implementação da fala do orador direcionada à sua equipe de governo,
aos ministros, a partir da qual faz uma primeira avaliação do seu governo, o saldo é
altamente positivo, (L-linha78), o que corresponde a um argumento a mais em favor da sua
reeleição, uma vez que a avaliação é “positiva”. Nesta subinterlocução, Lula fala aos
ministros, mas enfoca o sucesso de seu governo e se mostra como alguém que sabe trabalhar
em conjunto, que é um bom líder; o que, certamente, contribui para com a construção de sua
imagem como candidato ideal. Este é o trecho em destaque:
(24)
Quero agradecer aos meus ministros, (...), companheiros todos responsáveis pelo
sucesso que nós alcançamos no nosso governo. É o
trabalho de cada um, não tem mérito pessoal do
presidente, é um trabalho em que o conjunto das
virtudes se junta e acontece uma coisa boa. O conjunto dos defeitos
se junta e acontece uma coisa ruim..., mas o
saldo é altamente
positivo. (...)”. (L-linha 74-78).
Há, também, a implementação da subinterlocução com governadores e candidatos a
governadores, enfocando os partidos aliados, em primeiro plano, e, em segundo plano, os
demais partidos (trecho L-linha79-82). Nesta fala, Lula utiliza-se de uma metáfora lingüística
caracterizadora do atual período eleitoral, a partir da qual volta a construir uma imagem de
bom conselheiro, de conhecedor da situação política e de alguém pacífico: “...meus
companheiros, preparem não as armas, preparem as
pétalas de rosas para responder aos tiros dos adversários
, L-linha80-82. Ao dizer isso, contrapõe-se juntamente
com seus aliados aos adversários políticos, construindo para si e seus aliados uma imagem
positiva, e para seus adversários uma imagem negativa, ligada ao item lexical tiros”. Além
disso, ao falar para os governadores e para os candidatos a governadores, entendemos que o
locutor Lula-candidato pretende, também, demonstrar as boas relações estabelecidas por Lula-
presidente entre as esferas federal e estadual, outro argumento favorável à sua gestão.
“saldo positivo” x
“saldo negativo”:
contraposição de espaços,
manifestação da
contrafactualidade.
Subcena criada
por expressão
dicendi “quero
agradecer”.
Contraposição: armas/flores,
partidários/adversários:
manifestação da contrafactualidade.
120
Lula, na sua auto-eco-construção como sujeito, no âmbito do discurso que profere,
estabelece, ainda, uma subinterlocução com os deputados, ao cumprimentar os deputados
presentes na convenção. No entanto, é perceptível o enfoque dado ao bom trabalho
desenvolvido por Aloízio Mercadante, no Congresso Nacional, por ser considerado líder do
governo Lula, o que remete à construção da imagem do candidato enquanto “bom formador
de equipe”, “bom líder”. Reforça a luta de seu governo pelas “maiorias” para aprovação de
projetos para melhoria do país, colocando os adversários,
sempre, na posição de dificultadores, de entraves para o
crescimento da nação, conforme trecho L-linha83-90. Há,
também, o diálogo com os deputados estaduais, prefeitos,
prefeitas, vereadores, movimentos sociais, delegados e delegadas, conforme trecho L-
linha91-101. No âmbito dessas subinterlocuções, ressaltamos alguns pontos: na fala aos
prefeitos, a fim de explicitar o prestígio e o apoio que Lula tem enquanto candidato, enquanto
político, a modalização “...quero agradecer aos prefeitos, que eu vi que são muitos...”,
(L-linha91-92). Isso remete, além de apoio e prestígio, às boas relações entre as instâncias
federal e municipal, mais um argumento positivo de sua gestão. Outro ponto relevante é a
subinterlocução com os movimentos sociais, a partir da qual remete diretamente à CUT,
Central Única dos Trabalhadores, movimento sindical presidido por Lula, origem da sua vida
política.
No trecho L-linha102-113, ao demonstrar a prioridade atribuída aos programas sociais,
a exemplo do Bolsa Família, já em funcionamento, bem como outras formas de inclusão
social, como o Programa Universidade Para Todos, entre outros, o orador, presidente e
candidato a presidente, revela sua opção preferencial pela redução das diferenças e injustiças
sociais, reafirmando um tipo de conhecimento genuíno sobre a vida do povo brasileiro,
implementando uma imediata identificação com seus interlocutores. Além disso, apresenta as
ações realizadas pelo seu governo em prol dos mais pobres. Nesse contexto, no âmbito da fala
proferida aos convencionais, Lula fala com seus aliados sociais como “provas” das
realizações do seu governo. Em vista disso, estabelece uma subinterlocução com Arnaldo
Pereira, de São Paulo, beneficiado pelo Programa Luz para
Todos; fala com Maria José Ferreira da Silva, de Goiás,
beneficiada pelo Programa Bolsa Família; fala com Priscila de
Jesus, do Rio de Janeiro, beneficiada pelo PROUNI; fala com
Antônio Klein, do Rio Grande do Sul, beneficiado pelo Pronaf; fala com Enoque Lopes, do
Ceará, beneficiado pelo Microcrédito; fala com Ana Cristina Rodrigues, de Goiás, beneficiada
Criação e integração de subcenas
por verbos dicendi ( cumprimentar,
nominar, agradecer, citar):
manifestação da contrafactualidade.
Metonímias, espaços,
integração: pressupõem
contraposição (manifestação
da contrafactualidade).
121
pelo Crédito Solidário referente à habitação; fala com Alex Oliveira, de Brasília, atendido
pelo Samu, como evidenciado no exemplo abaixo:
(25)
“...eu
quero agora chamar aqui no palco alguns convidados
especiais... (...)eu quero chamar aqui alguns companheiros
especiais. Eu quero chamar aqui o
Arnaldo Pereira, do Vale
do Ribeira, São Paulo, que foi atendido pelo programa Luz Para
Todos; quero chamar aqui a dona Maria José Ferreira da Silva,
(...). (L-linha102-106).
Ao estabelecer essas subinterlocuções, o locutor apresenta seus alocutários
caracterizado-os a partir do programa governamental pelo qual foram beneficiados e pela
cidade de onde vêm, a fim de apresentar os programas de governo e o seu alcance nas
diversas regiões brasileiras. Percebe-se que, neste primeiro momento, construção da subcena
1, o orador fala com os beneficiados, L-linha102-113. No entanto, essas subinterlocuções são
retomadas, na configuração da grande subcena 2, no trecho L-linha325-466, quando Lula fala
sobre os programas criados e desenvolvidos em seu governo e sobre os benefícios concedidos
à população, visando mostrar os bons feitos de seu governo, prometendo continuidade dessas
ações benéficas. Nesta perspectiva, observa-se, respectivamente, a demonstração da
abrangência das relações de Lula (construção de sua imagem) e dos feitos de seu governo
(construção da imagem de seu governo), ambos argumentos em favor da continuidade, da
reeleição.
É relevante explicitar que, na fala aos convencionais, implicitamente evocando o povo
brasileiro, o orador privilegia o uso de um “nós” com um tom inclusivo (eleitor e candidato),
de modo a construir um efeito de sentido de proximidade, favorecendo a identificação com os
valores e propostas defendidas. Essa relação de proximidade entre candidato e eleitor é
construída, também, no uso recorrente do pronome de tratamento “você”, estabelecendo uma
relação de informalidade entre Eu-Tu. Com isso, Lula, enquanto candidato, tenta incutir no
seu auditório a idéia de que, com ele na presidência, é o povo que governa, porque é o povo
que caminha, que lula junto com ele. Observemos alguns trechos em que essa questão é
aparente:
Subcenas criadas e
integradas por expressão
dicendi “quero chamar”.
Metonímias, espaços,
integração: pressupõem
contraposição: manifestação
da contrafactualidade.
122
(26)
a) “Vocês sabem muito bem quanto custou a cada um de nós
chegar até aqui. Quanta batalha foi preciso vencer, quanto
preconceito foi preciso remover, quanta armadilha foi preciso
desmontar”. (L-linha121-122).
b) “...o
sonho coletivo de ter um trabalhador na presidência do
Brasil.(...)”. (L-linha123-124).
c) Juntos, conseguimos mostrar que este sonho não apenas era possível, como era justo e
necessário.(...)”. (L-linha125).
d)
Hoje
eu estou
aqui para dizer a vocês que aceitei,
mais uma
vez, o chamamento. O chamamento que vem de vocês, mas que vem,
também, do fundo do meu coração(...)”. (L-linha129-131).
No que tange a esta primeira parte do discurso de Lula, a qual, a nosso ver, privilegia a
construção da imagem do candidato, do “sujeito que fala”, a partir da relação intersubjetiva
com seu enunciatário, entendemos que a tentativa de construir, às vezes de reforçar, a
identificação do enunciador com seu interlocutor preferencial, o povo. No entanto, ao mesmo
tempo, há, também, a tentativa de consolidar a sua identidade política, através da apresentação
dos aliados e das alianças feitas. Nesta perspectiva, podemos dizer que a escolha e criação das
subinterlocuções implementadas no curso da fala direta aos convencionais e indireta ao povo
brasileiro são estratégias argumentativas utilizadas para construir a imagem do orador através
do seu discurso, visando persuadir o auditório. Dizemos isso por entendermos que as
subinterlocuções são utilizadas como meios de configuração dos vínculos políticos e sociais
de Lula-presidente, reforçando a imagem de Lula-candidato. Nesta perspectiva, o
presidenciável passa a ser visto como o candidato do povo brasileiro. Mais ainda, enfatiza-se
a ligação orgânica de Lula com o povo, não sendo um mero representante, mas uma síntese do
povo.
Diante de tudo isso, pode-se concluir que, para se auto-construir-se como sujeito do
discurso que profere, Lula, construindo-se como enunciador, vai construindo o seu
enunciatário, seu auditório (que não é constituído somente pelos convencionais, embora esses
sejam seus interlocutores básicos), através do diálogo com diversas classes sociais e políticas
do Brasil, o que constitui as subinterlocuções, aqui denominadas, também, subcenas.
Dialeticamente, à medida que vai construindo o seu discurso e auto-construindo-se como
Metáfora do caminho,
contraposição de espaços:
manifestação da
contrafactualidade.
“Sonho”: item lexical
instanciador de espaço da
imaginação.
Contraposição
espaço-temporal
indiciada pelos itens
lexicais “Hoje”, “aqui”,
“mais uma vez”.
123
enunciador constrói, também, o seu enunciatário/auditório, num jogo especular próprio da
auto-eco-organização da cena enunciativa básica, ao mesmo tempo em que efetivamente
profere o seu discurso, que fala. Interessante notar, no discurso em análise
123
, como a escolha
dos itens lexicais de que se compõe o enunciado vai nos fornecer as pistas necessárias para a
referenciação da relação enunciador/enunciatário (utilização do pronome pessoal “nós”, do
pronome de tratamento “vocês”; estabelecimento de relação de cumplicidade, parceria:
“Companheiros e companheiras”; entre outros). Além disso, note-se, também, que, ao
proferir o seu discurso, Lula assume uma posição político-ideológica, colocando-se histórico-
socialmente perante o seu blico, assumindo um conjunto de crenças e valores condizentes
com seus interlocutores, como evidenciado na referência à caminhada de lutas e às batalhas
vivenciadas: “... para chegar onde nós estamos”; e como evidenciado na apresentação dos
valores fundamentadores desta caminhada: “paz, humildade e amor”, conforme trecho L-
linha2-12, entre outros. No entanto, ao mesmo tempo, o orador mostra-se no centro de um
campo de forças e domínios político-sociais, apresentando-se como alguém muito bem
articulado, que dialoga com as várias esferas e classes estabelecidas socialmente.
4.3.1.2. Construção do Pathos
No processo de interação discursiva, o locutor se auto-eco-constrói como sujeito à
medida que constrói seu discurso e institui seu enunciatário, seu auditório; o que se efetiva
num jogo dialógico próprio da configuração da cena enunciativa. No âmbito do discurso
político-eleitoral, esfera de mobilização para a conquista da adesão do eleitor, são acionados
mecanismos que visam configurar o modo como Lula, o então candidato, seu auditório, o
que, ao mesmo tempo, incide sobre a construção da sua própria imagem. No discurso político-
eleitoral de Lula, uma tentativa de construção do enunciatário pelo viés da identidade,
estabelecida pelas proposições de valores, interesses e preocupações em comum. Evidenciam-
se três grandes focos determinantes na construção da imagem do auditório pelo orador: i. o
eleitor como aliado; ii. o eleitor como responsável pelo processo de mudança, pela sua opção,
pela sua escolha; e, iii. o estabelecimento de laços afetivos entre orador e auditório, candidato
e eleitor.
123
Neste momento, estamos analisando, especificamente, o discurso do candidato Lula (anexo 1).
124
Sobre o primeiro aspecto, o eleitor como aliado, percebemos que tanto os
interlocutores diretos, os convencionais, como os indiretos, a população brasileira, aparecem
como grandes aliados, como fiadores do desempenho presidencial prometido por Lula para
um segundo mandato; o que pode ser verificado nas seguintes passagens do discurso em
análise:
(27)
a) Vocês sabem muito bem quanto custou a cada um de nós chegar até aqui.(...)”. (L-linha121).
b) Vocês sabem como foi difícil realizar aquele sonho que parecia
impossível: o sonho coletivo de ter um trabalhador na presidência do
Brasil.”. (L-linha123-124).
c)
Juntos, conseguimos mostrar que este sonho não apenas era possível, como era justo e
necessário. Juntos, mostramos ao mundo que um trabalhador tem condições de dirigir com
competência um país da importância do Brasil”. (L-linha125-127).
No entanto, embora construído como aliado, como alguém que está “junto”, que
“governa junto”, o auditório é apontado como responsável pelo processo de mudança para
o país, fazendo-o crer que está livre para escolher, mas que é o seu ato (o voto) que permitirá
a realização das transformações pretendidas, como pode ser visto nos trechos abaixo:
(28)
a) Hoje eu estou aqui para dizer a vocês que aceitei, mais uma vez, o chamamento. O chamamento
que vem de vocês, mas que vem, também, do fundo do meu coração. O
chamamento para continuar a luta de construção de um Brasil mais
justo e independente,(...)”. (L-linha129-132).
b) “(...)decidi submeter meu nome e meu governo, humildemente, ao
julgamento dos meus irmãos Brasileiros.(...)”. (L-linha135-136).
c) “...um candidato a presidente da República ou um presidente da República que tem em vocês a
maior salva-guarda de proteção no cumprimento da institucionalidade, não tem que ter medo de
quem quer que seja o nosso adversário, e não tem que ter medo do discurso do adversário.(...)”. (L-
linha657-660).
Contraposição
espaço-temporal via
item lexical “hoje”,
“aqui”, “mais uma
vez” e criação de
subcena por verbo
dicendi “dizer”.
Contraposição:
governar com o povo x
governar sem o povo.
125
O terceiro aspecto, a construção de laços afetivos entre orador e auditório, visa
envolver ainda mais seus interlocutores, solidificando a relação estabelecida entre eles. Nesta
perspectiva, a relação estabelecida ultrapassa os interesses políticos, passando para uma esfera
particular, pessoal, o que contribui para com a conquista da credibilidade e da confiança do
eleitor no candidato, haja vista ser mais previsível crer e confiar em alguém familiar, com
quem temos relações pessoais. Vejamos os trechos que se seguem:
(29)
a) “E s dois iremos demonstrar paz, humildade e muito amor ao povo
brasileiro durante esta campanha.(...). (L-linha11-12).
b) “Volto a ser candidato porque amo o Brasil, amo meu povo”. (L-
linha165).
c) “(...) Porque tenho feito e continuarei a fazer um governo capaz de unir os brasileiros e
brasileiras”. (L-linha165-166).
Além desses três aspectos inerentes à construção da imagem do auditório, percebemos
que o orador também constrói seu auditório como aquele que, embora desencantado, ainda
tem esperanças de melhorar de vida, sonha com um futuro melhor. Esse ponto é crucial para o
engajamento do auditório às propostas do orador, o então candidato Lula. Por isso, ele insiste
em dizer que “o sonho não acabou”, “a esperança não morreu”; “que tentará restaurar a
confiança do povo”; “que, tendo a confiança do povo, fará muito mais num próximo
mandato”. O enfoque na “esperança”, a nosso ver, também, se constitui como uma estratégia
argumentativa de forte persuasão, por meio da qual o orador visa mobilizar, reanimar,
conquistar seu o auditório:
(30)
a)
Hoje eu estou aqui para dizer a vocês que o
sonho não acabou e
a esperança não morreu.(...)”. (L-linha129).
b) “...onde cada Brasileiro possa fazer três refeições todos os dias; possa
ter emprego, educação e saúde; possa viver em um país cada vez mais
moderno e humano; e possa, acima de tudo, ter
esperança de um
futuro cada vez melhor. (...)”. (L-linha132-134).
Criação de espaço
pelo item lexical
“hoje”.
Criação e
integração de espaços
pelos itens e
expressões lexicais
“sonho”, “esperança”,
“restaurar”, “próximo
mandato”.
Contraposição de
espaços: amor, união
x ódio, desunião.
126
c)
Quero apenas poder cumprir com meu dever,
honrar
a confiança do povo e terminar meu governo em paz.(...)”.
(L-linha610-611).
Na implementação da relação En/Ea, da projeção da imagem dos interlocutores, fica
evidente a adoção de papéis sociais distintos, embora a relação entre En/Ea seja construída
com base na parceria, no companheirismo, com enfoque em um único objetivo: melhorar a
condição de vida dos brasileiros, prioritariamente dos mais pobres. Enunciador e Enunciatário
são construídos complementarmente, como partes integradas na construção de um todo, o que,
no contexto da reeleição, é delimitado e reforçado no âmbito da continuidade de um objetivo
em comum.
Nesta perspectiva, o orador, no papel de candidato, busca alcançar um tipo de
engajamento consensual, com base em determinados acordos estabelecidos com seu auditório.
Esses acordos são regulados por dois movimentos básicos, estruturadores dessa relação.
Trata-se do comprometimento de ambos, embora isso não seja colocado objetivamente: de um
lado, o candidato se compromete a realizar ações benéficas ao eleitor; de outro, é requerido
dos eleitores, como contrapartida, o compromisso de votar no candidato, o qual está engajado
na solução dos problemas do povo.
4.3.1.3. Construção do Logos
Por meio do discurso político-eleitoral, o orador busca conquistar o eleitor, tentando
fazê-lo aderir à imagem do candidato, locutor do discurso, objetivando conseguir o voto. No
entanto, embora seja perceptível a orientação argumentativa em torno do pedido de voto
124
,
isso nem sempre é feito explicitamente. Lula, enquanto candidato, em nenhum momento pede
explicitamente o voto, porém constrói toda uma rede de significações, de relações com seu
auditório direto, os convencionais, e indiretos, o povo brasileiro, de modo a conduzi-los a tal
ato, como, por exemplo, o trecho abaixo:
124
Embora o discurso de Lula seja proferido diretamente para os convencionais, esses não são seus únicos
interlocutores. Obviamente, Lula, enquanto candidato à presidência, fala, também, ao povo brasileiro.
Epistêmico “quero”:
indiciador de espaço do desejo.
Contraposição: honrar x
desonrar.
127
(31)
“Hoje estou aqui para dizer a vocês que decidi submeter meu nome e meu governo,
humildemente, ao julgamento dos meus irmãos Brasileiros (...)”. (L-linha135-136).
Em vista disso, pode-se dizer que através da referenciação da relação entre enunciador
e enunciatário, o orador busca várias maneiras de conquistar seu auditório, seu eleitorado,
tendo em vista a adesão à sua imagem, às suas propostas, o que acarretará o voto.
Na configuração da subcena 2, L-linha139-664, o orador, tendo uma determinada
imagem construída intersubjetivamente na relação com seu auditório, evoca o seu interlocutor
básico, “Companheiros e Companheiras”, e efetivamente anuncia a sua candidatura, “...sou
outra vez candidato(...)”. Neste momento, ancora explicitamente a sua fala num eixo espaço-
temporal, “sou outra vez candidato...”, a partir do presente da enunciação, enfocando a
“continuidade do projeto de mudança iniciado em seu primeiro mandato”, dizendo, L-
linha139-141:
(32)
Companheiros e companheiras
,
Sou outra vez candidato não por ambição, mas porque o
projeto de mudança do Brasil tem que continuar. (...)”
Ao anunciar sua candidatura, e possivelmente numa tentativa de reforçar a sua
reeleição, o candidato utiliza-se do recurso argumentativo da repetição, repetindo várias vezes
a expressão “volto a ser candidato porque...”, o que tem como efeito de sentido a instauração
da realidade do orador como candidato e a fixação desta idéia. Ao fazer uso desse recurso,
visa aumentar o sentimento de presença do objeto do discurso na
mente do auditório, no caso, a sua reeleição, o que é feito através
do enfoque nas melhorias realizadas em seu primeiro mandato e
na possibilidade de continuidade num futuro segundo mandato.
Note-se que, no trecho em questão, temos a configuração de um esquema argumentativo do
tipo “q (tese: volto a ser candidato), porque p (argumentos)”, em que se contrapõem os
espaços “fui candidato” x “volto a ser candidato” e “fui presidente” e “voltarei a ser
presidente”, como pode ser evidenciado, entre outros, nos seguintes trechos:
Vocativo: marca lingüística
da contraposição entre as duas
grandes subcenas – manifestação
da contrafactualidade.
Contraposição espaço-
temporal: mandato passado x
mandato futuro (manifestação
da contrafactualidade)
128
(33)
a) Volto a ser candidato porque o Brasil, hoje, está melhor do que o
Brasil que encontrei três anos e meio atrás, mas pode – e precisa -
melhorar muito mais. (...)”. (L-linha141-142).
b) Volto a ser candidato porque os pobres estão menos pobres e poderão continuar melhorando de
vida, (...)”. (L-linha143).
c) Volto a ser candidato porque conseguimos recuperar uma economia que encontramos
profundamente fragilizada(...)”. (L-linha145-146).
d)
Volto a ser candidato porque demos às classes mais pobres um alto índice de crescimento de
renda e de poder de consumo. (...). (L-linha150-151).
Esse discurso produz um tipo de valorização da figura do presidente como um sujeito
que faz saber à nação o quanto o país progrediu durante o seu governo, ao enfatizar os feitos
positivos. Com isso, no momento de lançamento da campanha à reeleição, o orador mostra-se
como cumpridor das promessas feitas ao eleitor, quando da campanha eleitoral que antecedeu
seu primeiro mandato, deixando subentendido que, por isso, merece a confiança da
população, devendo ser reconhecido positivamente e ser novamente eleito.
Outro recurso argumentativo recorrente no discurso do candidato Lula é a apóstrofe,
também denominada interrogação oratória. Ao utilizar esse recurso o orador busca efetivar ou
confirmar o engajamento do auditório ao discurso proferido, objetivando a comunhão entre
orador e auditório. No entanto, para relatar os feitos do seu governo e fazer influir em seu
auditório o sentimento de co-participante, de co-agente, além de interrogar oratoriamente, o
locutor responde à pergunta utilizando-se da primeira pessoa do plural, “nós”, enfatizando a
participação de todos em seu governo. Vejamos:
(34)
a) “O que conseguimos? Além de ter retirado o país da beira do abismo, recolocamos o Brasil nos
trilhos,(...)”. (L-linha173-174).
b) “E qual é a base deste projeto que temos implantado, nos últimos três anos
e meio?É a integração do social e do econômico, buscando que o social
seja o eixo do desenvolvimento econômico e o desenvolvimento econômico
seja o eixo do progresso social. Nosso objetivo
nunca foi alcançar apenas o
superávit na economia (...). (L-linha180-184).
Contraposição entre
espaços: “já fui
candidato” x “volto a
ser candidato”.
Contraposição
espaço-temporal:
passado / futuro.
129
c) “... o que não poderemos fazer, num segundo governo, com mais experiência e com pleno
conhecimento da máquina pública brasileira?(...)”. (L-linha624-625).
Os recursos utilizados pelo orador não são meros adornos nem mesmo foram
utilizados casualmente. Ao contrário, o discurso em análise é muito bem construído, as
estratégias argumentativas o muito bem escolhidas e intencionalmente utilizadas no
desenvolvimento do discurso do orador, visando persuadir o auditório, conseguir o voto e,
conseqüentemente, ser reeleito. Além dos recursos e estratégias argumentativas que vimos
analisando, são fundamentais na constituição do discurso político-eleitoral as construções
argumentativas no âmbito dos elogios e das críticas, que se ancoram espaço-temporalmente
no passado; e as construções argumentativas no âmbito das promessas e predições, projetadas
para o futuro; todas elas implementadas a partir do presente da enunciação, do discurso
proferido pelo candidato.
4.3.1.4. Correlação entre Elogios, Críticas e Promessas
Elogios, críticas e promessas são os pilares do
discurso político-eleitoral, cujas correlações configuram
esquemas argumentativos básicos utilizados na conquista
do eleitor pelo discurso. Em função disso, Lula, na
posição de presidente e candidato a presidente, arvora-se em elogios a ações e/ou estados de
coisas realizadas no decorrer do seu primeiro mandato, ancorado no passado, a partir do
presente da enunciação, e promete ações futuras de continuidade e de melhoria da situação,
projetando-as para o seu futuro segundo mandato, também, a partir do presente da enunciação
do discurso que profere. Nesta perspectiva, o orador vai qualificando positivamente sua
imagem na busca de conquistar um próximo mandato, como pode ser visto nos trechos
abaixo:
(35)
a) Sou outra vez candidato não por ambição, mas porque o projeto de mudança do Brasil tem que
continuar(...)”. (L-linha140-141).
Princípio básico do discurso
político-eleitoral: correlação entre
elogios, críticas e promessas -
contraposição espaço-temporal
(manifestação da contrafactualidade).
130
b) Volto a ser candidato porque os pobres estão menos pobres e poderão continuar melhorando de
vida, caso sejam mantidos –e aprofundados os programas sociais que implantamos.(...)”. (L-
linha-143-144).
c) Volto a ser candidato porque demos às classes mais pobres um
alto índice de crescimento de renda e de poder de consumo. E
porque tenho a certeza de que podemos continuar reduzindo a
desigualdade social que ainda é grande no nosso país.(...)”. (L-
linha150-152).
d) Volto a ser candidato porque melhoramos a educação, e vamos
melhorá-la mais ainda, (...)”. (L-linha153).
e) “De cabeça erguida, posso olhar para vocês e dizer que obtivemos
muitos avanços nesta luta. E como me sinto em condições de fazer muito mais, quero continuar à
frente do governo de todos os brasileiros e brasileiras (...)”. (L-linha189-191).
f) Nos nossos três anos e meio de governo, as reservas aumentaram de 16,3 bilhões para 63
bilhões de dólares. E vão continuar crescendo(...)”. (L-linha229-230).
g) “É para garantir a continuidade e ampliação destes e de muitos outros projetos que queremos
continuar à frente do governo(...)”. (L-linha511-512).
h) Se reeleitos, continuaremos fazendo um governo de seriedade,
responsabilidade e equilíbrio. Continuaremos honrando nossos acordos e
cumprindo, de forma sagrada, nossos compromissos nacionais e
internacionais. Mas nosso compromisso mais especial continuará sendo
com o nosso querido povo Brasileiro(...).” (L-linha531-534).
i)
“Uma das características que pretendo manter num segundo governo é a de continuar lutando
por mudanças que melhorem a vida de toda a nação brasileira(..)”. (L-linha540-541).
Podemos perceber que uma relação direta entre o elogio e a promessa de
continuidade e melhoria, como podemos ver nos excertos acima: ...demos às classes mais
pobres um alto índice de crescimento de renda e de poder de consumo...”, (elogio), por isso,
“...tenho a certeza de que podemos continuar reduzindo a desigualdade social”, (promessa);
“...obtivemos muitos avanços nesta luta...., (elogio), e “... me sinto em condições de fazer
muito mais...”, (promessa); “...melhoramos a educação...”, (elogio) e “...vamos melhorá-la
mais ainda...”, (promessa), entre vários outros. Ressaltamos que, no discurso em análise,
Contraposição
espaço-temporal
(passado x futuro):
“fui candidato” x “sou
outra vez”, “volto a ser
candidato”;
“nos nossos três anos e
meio de governo...” x
“vão continuar
crescendo” .
Contraposição
espaço-temporal
(passado x futuro):
eleito x reeleito.
131
proferido pelo candidato Lula, a relação entre elogio e promessa é ainda mais veemente. Isso
porque os elogios são centrados no mandato do presidente, que é o locutor do discurso, o qual
se assume como candidato à reeleição. Apresentar os bons feitos de seu governo, prometer
mantê-los e até melhorá-los, como faz o orador do discurso em análise, é uma estratégia
argumentativa de forte persuasão do auditório, porque influi no auditório um certo sentimento
de progressão com estabilidade.
Outra estratégia que o candidato utiliza para qualificar-se para a reeleição, para um
futuro segundo mandato, centrada, agora, nas críticas e elogios, é a comparação estabelecida
entre o que foi realizado nos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso e o que foi
realizado em três anos e meio no governo Lula. Essa comparação é feita explicitamente,
utilizando o item lexical “comparar” e seus derivados. Além disso, uma marcação espaço-
temporal incisiva, enfocando o tempo de governo de Fernando Henrique (antes, oito anos) e o
tempo de governo Lula (depois, três anos e meio), levando o auditório a concluir que em
menos tempo Lula fez mais, o que é um argumento a mais em favor da reeleição do candidato
Lula. Evidenciamos claramente essas comparações no trecho L-linha206-324. Explicitaremos
alguns deles a seguir:
(36)
a) “(...) por mais que nos provoquem, não usaremos os mesmos métodos,
pois temos armas limpas e poderosas. Uma delas é a
comparação do
que eles fizeram em oito anos de governo com o que nós estamos fazendo
em apenas três anos e meio. ” (L-linha205-207).
b)
Todos se lembram do final do governo deles, quando a
economia encolhia, o emprego diminuía e a pobreza aumentava.
Era o tempo da instabilidade e da vulnerabilidade econômica. Era
a época da insensibilidade social e do sucateamento da infra-
estrutura. Era o tempo dos grandes apagões. Era o final da sanha privatista que dilapidou o
patrimônio público. Era a época da desesperança e da baixa estima.” (L-linha208-212).
c) Começamos a trabalhar sem tréguas. Não nos queixamos da
realidade, nem nos deixamos paralisar pela herança recebida.
Iniciamos o processo de mudança e de reconstrução do Brasil, que
continua ainda hoje.(...)”. (L-linha213-215).
Expressões indiciadoras
da contraposição espaço-
temporal.
Comparação:
manifestação da
contrafactualidade.
Expressões indiciadoras
da contraposição entre
espaço: mudança,
reconstrução.
132
d) “Os números e os fatos demonstram que seguimos o caminho
certo. Vamos começar comparando alguns números da
economia(...)” (L-linha218-219).
e) Enquanto, com eles, a relação da dívida externa líquida com o PIB
aumentou de 17,4% para
35,9%, conosco ela diminuiu de 35,9% para apenas 9,4%. (...)”. (L-linha225-226).
f) “Eu quero encerrar este capítulo comparando os resultados na área mais delicada e de mais forte
demanda no mundo, que é a área do emprego.” (L-linha310-311).
g)
“Nos oito anos de governo deles, a taxa de desemprego aberto
aumentou 41%. Nos nossos três anos e meio, a taxa de desemprego
aberto diminuiu 13,7%. (...)”. (L-linha312-313).
Como pode ser percebido, os itens lexicais são selecionados, pelo locutor, com o
intuito de instanciar uma comparação espaço-temporal das ações realizadas, o que pode ser
considerado um recurso típico do discurso político-eleitoral: “Nos oito anos de governo
deles...” x “Nos nossos três anos e meio...”; “final do governo deles...” x [início do nosso]
“Começamos a trabalhar...”; “Quando assumimos o governo...” x “Quando eles deixaram
o governo...”; “Na época deles...” x “Na nossa época...”. Além da escolha dos itens lexicais,
da comparação entre os posicionamentos e ações realizadas, o orador utiliza-se de dados
estatísticos, a fim de reforçar a comparação estabelecida. Ao fazer isso, pressupomos que o
locutor quer estabelecer uma comparação para além dos juízos de valor, objetivando alcançar
maior credibilidade em seu auditório.
Em síntese, note-se que, na configuração da subcena 2, L-linha139-664, de início,
Lula, enquanto sujeito-enunciador, tem como foco confirmar sua recandidatura e justificá-la,
conforme trecho L-linha140-166. Nesse trecho, Lula reforça sua posição de candidato e elogia
as ações de seu primeiro mandato, fazendo referência ao passado; promete continuidade e
melhorias, fazendo referência ao seu futuro mandato. Vejamos mais um exemplo em que esse
aspecto se destaca:
(37)
Volto a ser candidato para ampliar o que está dando certo,
corrigir o que houve de errado
e fazer muita coisa que ainda não
pôde ser feita.” (L-linha163-164).
Comparação: manifestação
da contrafactualidade.
Comparação espaço-
temporal: aumentou x
diminuiu; com eles
(adversários) x conosco
(partidários de Lula).
Contraposição: “fui
candidato” x “volto a ser
candidato”; certo x errado;
corrigir x continuar.
133
Após reforçar a sua recandidatura, o orador centra-se em elogios à sua gestão enquanto
presidente da República, apontando as dificuldades por que passou, a situação precária em
que o Brasil se encontrava quando do início de seu mandado (crítica implícita à gestão
anterior) e expõe as realizações de seu governo, avaliando-o positivamente, L-linha168-204.
Vejamos outros exemplos com esse enfoque :
(38)
a) “Além de ter retirado
o país da beira do abismo, recolocamos o
Brasil nos trilhos, iniciando um ciclo duradouro de
desenvolvimento sustentado.” (L-linha174-175).
b) “Mas, graças a Deus,
o saldo tem sido muito positivo. E este saldo
favorece a todos os brasileiros e brasileiras, sem distinção”. (L-
linha178-179).
A partir do trecho L-linha205, como anteriormente mostrado, Lula estabelece
explicitamente uma comparação entre o seu governo e o governo Fernando Henrique. Essa
comparação é marcada espaço-temporalmente (“antes/depois”; “no tempo deles”, “no nosso
tempo”; “nos oito anos de governo deles”, “nos nossos três anos e meio”; “na época deles”,
“na nossa época”, entre vários outros), na tentativa de mostrar que o governo Lula “fez muito
pelo Brasil e que pretende fazer muito mais” e que o governo Fernando Henrique, partidário
do seu atual adversário, Geraldo Alckmin, “não fez nada”. Considere-se mais alguns
exemplos:
(39)
a) “Porém, por mais que nos provoquem, não usaremos os mesmos métodos, pois temos armas limpas
e poderosas. Uma delas é a
comparação do que eles fizeram em oito
anos de governo com o que nós estamos fazendo em apenas três anos e
meio. (L-linha205-207).
b)
Na época deles, nossas reservas internacionais diminuíram de 37,9
bilhões de dólares para 16,3 bilhões. A economia ficou bastante
vulnerável, o que era uma ameaça à nossa soberania. Nos nossos três anos e meio de governo, as
reservas aumentaram de 16,3 bilhões para 63 bilhões de dólares. E vão continuar crescendo”. (L-
linha227-230).
Comparação,
Contraposição
espaço-temporal
indiciada por itens e/ou
expressões lexicais:
manifestação da
contrafactualidade.
Contraposição: “saldo
positivo” x “saldo
negativo” – manifestação
da contrafactualidade.
Contraposição: “Brasil
a beira do abismo, com
FHC” x “Brasil nos trilhos,
com Lula” – manifestação
da contrafactualidade.
134
c)
Nos oito anos de governo deles, a taxa de desemprego aberto aumentou 41%. Nos nossos três
anos e meio, a taxa de desemprego aberto diminuiu 13,7%.” (L-linha312-313).
Na seqüência, no trecho L-linha325-466, o locutor, Lula,
reforçando sua imagem de candidato ideal, retoma as
subinterlocuções com seus “convidados especiais”. Eles são
representantes da sociedade civil, os quais foram beneficiados pelos programas do governo
Lula. Ao retomar esses diálogos, Lula fala sobre cada programa social desenvolvido em seu
governo e das benfeitorias alcançadas. Apresentar as realizações de seu governo e os seus
benefícios se constitui como argumento forte a favor da reeleição de Lula, haja vista conduzir
o auditório ao entendimento de que o governo Lula é um governo que deu certo, que
contribuiu para com a melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Na última parte de seu discurso, L-linha 467-664, o candidato Lula fala das propostas
para o futuro governo e faz promessas para o seu futuro mandato. Observemos:
(40)
a)
Se reeleito presidente do Brasil, pretendo modificar por
completo o que não funcionou. E, com muita ênfase, manter e ampliar
aquilo que deu certo”. (L-linha467-468).
b) Se reeleito, quero fazer um governo que reúna o que tiver de melhor na sociedade Brasileira para
mudarmos ainda mais o Brasil”. (L-linha628-629).
c)
Meu possível futuro governo conciliará, de forma contundente e irreversível, uma eficiente
ação social com uma política de alto desenvolvimento tecnológico. Vai
conjugar, ainda mais fortemente, uma política de redução das
desigualdades sociais com uma política de redução das desigualdades
regionais.” (L-linha485-488).
d) A síntese de nosso possível futuro governo será a distribuição de renda
para que haja crescimento; o crescimento acelerado com estabilidade; e a responsabilidade fiscal
para manter a estabilidade”. (L-linha525-526).
Diante de tudo isso, podemos concluir que o locutor, Lula, ao mesmo tempo em que se
qualifica enquanto candidato, elogiando sua performance como presidente e prometendo
continuidade das realizações positivas, julga e critica a gestão anterior, através de críticas ao
Criação e integração de
subcenas: manifestação da
contrafactualidade.
Criação e
contraposição
espaço-temporal
(passado x futuro).
Criação de espaço
hipotético-contrafactual
pela conjunção “se”;
Contraposição de espaço:
eleito x reeleito.
135
governo Fernando Henrique Cardoso, partidário de Geraldo Alckmin, atual adversário de
Lula. Desta maneira, Lula tenta estabelecer, negativamente, relações de identidade entre
Fernando Henrique Cardoso e Geraldo Alckmin, e desses com a elite nacional e internacional,
mostrando-se como o oposto, como o diferente e configurando-se como a melhor opção para
o país.
4.3.1.5. A Instanciação do Princípio da Contrafactualidade no Discurso Político-
Eleitoral de Lula
125
No discurso de Lula, além da contraposição constitutiva e constituinte da correlação
entre elogios, críticas e promessas
126
, na configuração dos esquemas argumentativos, há,
também, e primeiramente, a contraposição interlocutiva com diversas classes sociais, em que
o candidato constrói sua identidade com a classe familiar, trabalhadora, sociedade civil e com
a classe política aliada; e se contrapõe, na construção de diferenças, com a classe empresarial
e com a classe política adversária. Dessa maneira, constrói sua imagem, pelo discurso, como
alguém bem articulado e que busca harmonizar as relações entre as diferentes classes.
No trecho abaixo, no âmbito da subinterlocução com seu vice, Lula fala com seu
auditório e explica o porquê da manutenção de José Alencar na sua chapa. Ao fazer isso,
apresenta três motivos: ser um companheiro leal, ser mineiro e ser empresário; o que visa
qualificar, de um modo bastante específico, a chapa petista. Nesse contexto, podemos ver a
construção da imagem do orador via contraposição entre classes sociais (trabalhadora x
empresariado). Lula, enquanto presidente e candidato, se assume como um “metalúrgico”,
identificando-se com a classe trabalhadora, reforçando sua origem popular; ao mesmo tempo,
constrói a imagem de José Alencar como um “bom empresário”. No entanto, embora se
contraponha à posição de José Alencar, Lula se apresenta como aquele que é capaz de integrar
os três domínios em evidência (o PT; Minas com sua tradição, seu
peso na economia do país; e, a classe empresarial) e de
demonstrar um certo tipo de equilíbrio possível, um diálogo entre
essas classes/domínios, o que foi conquistado em seu governo. Vejamos:
125
Nessa seção, explicitaremos poucos exemplos, somente o suficiente para demonstrarmos a instanciação da
contrafactualidade.
126
i. ‘se auto-elogio às próprias ações de governo, então promessa de continuidade e de melhoria dessas ações’;
ii. ‘se critica ao governo FCH, então auto-elogio ao governo Lula’.
Criação e articulação de
domínios referenciais que
qualificam a chapa de Lula.
136
(41)
“(...)E também porque a combinação da ligação entre um
metalúrgico e um empresário como o José Alencar demonstrou o
equilíbrio necessário que o Brasil precisava para chegar onde nós
estamos”. (L-linha7-9).
Em outro excerto, abaixo explicitado, trecho da subinterlocução entre Lula e José
Sarney, o locutor (Lula), em sua fala, assume o papel de presidente da República, na
construção de sua imagem como candidato. Na integração de espaços interlocutivos
instanciados nesta fala, Lula constrói uma espécie de identidade com José Sarney, “eu posso
garantir a vocês que o Sarney foi um parceiro extraordinário, surpreendentemente
extraordinário”, e se contrapõe aos partidários do PMDB, “nesse trabalho de costurar todas
as divergências e complicações com o PMDB”, o que se constitui como estratégia
argumentativa favorável à imagem de Lula-candidato, o qual busca “parcerias e alianças”. É
importante ressaltar que, ao analisar o trecho abaixo, podemos perceber que há, por
contraposição de espaços, uma alusão ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, na qual
ele é negativamente comparado ao ex-presidente Sarney. Vejamos o trecho em questão:
(42)
Quero cumprimentar o meu companheiro ex-presidente da
República, ex-presidente do Senado e hoje senador da República, o
presidente Sarney. Eu tenho dito que possivelmente o presidente
Sarney seja, de todos os ex-presidentes da República, o que mais
sabe ser ex-presidente. O Sarney não palpite, ele conselho.
Ele não fala pela imprensa, ele fala com a gente. E também, nesse
trabalho de costurar todas as divergências e complicações com o
PMDB, eu posso garantir a vocês que o Sarney foi um parceiro extraordinário,
surpreendentemente extraordinário. E eu quero dizer pra vocês: a gente fica sabendo quem é mais
ou menos companheiro da gente de duas formas: na vida pessoal, quando a gente está doente, ou
quando a gente está desempregado, que as pessoas têm medo de encostar perto da gente,
(pensando) que a gente vai pedir um dinheirinho emprestado pra eles; ou na vida política, quando
a gente está vivendo uma crise. Muitas pessoas se afastam. A gente fica sempre imaginando(...)
(L-linha23-33).
Criação e integração de
espaços por verbos dicendi
(cumprimentar, dito,
palpite, conselho, fala,
garantir, dizer); e por itens
lexicais indicadores de
tempo (hoje, quando,
sempre).
Contraposição: classe
trabalhadora (metalúrgico)
x empresariado.
137
Somente após construir sua imagem
127
é que o orador, Lula, efetivamente profere seu
discurso político de cunho eleitoral
128
, pautando-se em elogios ao seu primeiro mandato (no
passado) e em promessas de continuidade e melhoria (projeção para o futuro mandato); e,
também, em elogios à sua gestão (passado) e em críticas à gestão de seus adversários,
referindo-se ao governo de Fernando Henrique Cardoso (passado)
129
. Essa referência a
determinados espaços e tempos, a nosso ver, remetem a fatos, criam mundos possíveis,
hipotéticos, imaginados, sonhados ou desejados, contraparte da realidade discursiva do
falante, instanciando, necessariamente, o princípio da contrafactualidade, como pode ser
observado em mais alguns exemplos, abaixo. Nestes trechos, podemos verificar, claramente, a
correlação entre os elogios (ações passadas) e as promessas (projeção para o futuro) na
construção de esquemas argumentativos. Observem-se os trechos e os itens lexicais
destacados:
(43)
a) “Volto a ser candidato porque o Brasil, hoje, está melhor do que o Brasil que encontrei três anos e
meio atrás
, mas pode – e precisa - melhorar muito mais.(...)”. (L-linha141-142).
b) “Volto a ser candidato porque demos às classes mais pobres um alto índice de crescimento de
renda e de poder de consumo. E porque tenho a certeza de que podemos
continuar reduzindo a
desigualdade social que ainda é grande no nosso país.(...)”. (L-linha150-152).
c) “Volto a ser candidato porque melhoramos a educação, e vamos melhorá-
la mais ainda,
(...).” (L-linha153).
Note-se que, nos trechos acima, o orador, Lula, presidente da República e candidato a
presidente da República, faz elogios ao seu governo, ancorando-se espaço-temporalmente no
passado, e faz promessas de continuidade e melhorias das ões empreendidas, projetando
para o futuro; o que é possível, somente, porque a mente humana consegue operar
discursivamente com espaços imagéticos, distintos da realidade discursiva do falante. Nesse
caso, respectivamente, tempo e espaço são criados e articulados a partir do espaço da
realidade do falante, o presente da enunciação, na construção de sentidos emergentes,
conduzindo à conclusão de que “Lula é o candidato ideal”. Observemos, agora, mais estas
127
Vimos isso em detalhes no item 4.3.1.1.
128
Vimos isso em detalhes nos itens 4.3.1.3 e 4.3.1.4.
129
Vimos isso em detalhes nos itens 4.3.1.3 e 4.3.1.4.
Contraposição
espaço-temporal
(passado x futuro).
138
passagens do discurso de Lula, nas quais podemos evidenciar a contraposição espaço-
temporal instanciada pelas críticas ao governo Fernando Henrique Cardoso (no passado),
pelos elogios ao primeiro mandato de Lula (passado recente) e pelas promessas de
continuidade para um possível segundo mandato (projeção para o futuro), a partir do presente
da enunciação do discurso proferido:
(44)
a) “Todos se lembram do final do governo deles, quando a economia encolhia, o emprego diminuía e
a pobreza aumentava. Era o tempo da instabilidade e da vulnerabilidade econômica. Era a época
da insensibilidade social e do sucateamento da infra-estrutura. Era o tempo
dos grandes apagões. Era o final da sanha privatista que dilapidou o
patrimônio público. Era a época da desesperança e da baixa estima(...)”. (L-
linha208-212).
b) “Começamos a trabalhar sem tréguas. Não nos queixamos da realidade,
nem nos deixamos paralisar pela herança recebida. Iniciamos o processo de mudança e de
reconstrução do Brasil, que continua ainda hoje(...)”. (L-linha213-215).
Nesses trechos, por meio de críticas e elogios, é nítido o estabelecimento da
contraposição entre “o governo Fernando Henrique Cardoso”, L-linha208-212, o qual é
criticado, e o “governo Lula”, L-linha213-215, o qual é elogiado, ambos situados no passado,
a partir do presente da enunciação, mas sendo respectivamente situados cronologicamente
como “antes” e “depois”.
Esquematicamente, as correlações e contraposições constitutivas e constituintes dos
esquemas argumentativos do discurso de Lula podem ser representadas da seguinte maneira:
Expressões
lexicais
indiciadoras de
contraposição
espaço-temporal
(passado x futuro).
139
Espaço da Convenção Partidária do PT
Discurso Político-Eleitoral de Lula
Construção da Cena Enunciativa Básica
(presente da enunciação)
Subcena 2
“construção da dimensão
argumentativo-referencial do discurso”
logos
Contraposição de
Espaços
Interlocutivos En/Ea
Enunciador
Enunciatário
Enunciatário
Classe
familiar
Enunciatário
Empresariado
Contraposição
Espaço-temporal
Elogios às ações passadas
(antes) e promessa de
continuidade (depois)
Crítica ao governo
adversário
x
Elogio ao governo Lula
Lula-
presidente
(passado)
Lula-
reeleito
(futuro)
1º/2º
mandato
de FHC
(passado,
antes)
mandato
de Lula
(passado,
depois)
Lula-
candidato
Enunciatário
Enunciatário
Classe política
Subcena 1
Construção da Imagem do
“sujeito que fala e do auditório”
Ethos/pathos
Criação e Contraposição de Subcenas
Enunciatário
Classe
Trabalhadora/
Sociedade
Civil
Discurso Político-Eleitoral de Lula
“Esquemas Argumentativos Básicos”
140
As operações subjacentes a esses esquemas argumentativos, os quais foram
construídos e utilizados no discurso político-eleitoral de Lula, bem como os “gatilhos” que
instanciaram a criação e articulação das cenas enunciativas e demais espaços identificados,
podem ser sucintamente representados da seguinte maneira:
141
Discurso Político-Eleitoral de Lula
“Operações Mentais Subjacentes aos Esquemas Argumentativos”
Implementação do Processo de Discursivização
(situação default)
Cena Enunciativa Básica (construção da relação En/Ea)
Criação e integração de Subcena 2, constituída
através da correlação crítica, elogio e promessa
Contraposição Espaço-temporal (passado /
futuro).
CRÍTICAS E ELOGIOS
(passado)
Críticas:
.
Governo
FHC
. Auto-
crítica
(governo
Lula)
Âncoras Materiais:
“No final do governo deles”;
“Nos oito anos de governo
deles”;
“Na época deles”; etc.
Auto-Elogios:
.
mandato
de Lula
Âncoras Materiais:
“Nos nossos três anos e meio
de governo”;
“fizemos muito e vamos
continuar fazendo”;
“No nosso governo”, etc.
PROMESSAS
(futuro)
Mudança (do que é
criticado)
Continuidade (do que é
elogiado).
Âncoras Materiais:
“ no meu futuro
mandado”;
“no próximo mandato”;
“se reeleito”;
“num segundo mandato”;
Criação e integração de subcena 1, composta por outras
subcenas:
Criação e integração de espaços de imaginação por
epistêmicos: “pensando”, “imaginando”, no interior da
interlocução com o auditório, instanciada por “quero dizer”.
Criação e Contraposição de Subcenas
Criação e integração de subcenas com a “Classe familiar”
implementada por verbo epistêmico “quero” e verbo dicendi
“cumprimentar”
.
Contraposição: metáfora do caminho (luta/batalha)
. Contraposição: metalúrgico x empresariado
. Contraposição: ódio x amor
. Contraposição espaço-temporal: “ao longo desses 20
anos”
. Contraposição: batalha fácil x batalha difícil
. Contraposição espaço-temporal “ex-presidente” x
presidente; no passado, presidente x hoje, senador
. Contraposição: palpite x conselho; falar pela imprensa
x falar pessoalmente
. Contraposição espaço-temporal: “antes, durante e
depois”.
. Contraposição: ex-petista x petista
. Contraposição: Metáfora: marido e mulher x relação
entre partidos
. Contraposição: armas x pétalas de rosas
.
Contraposição por verbo “comparar” e derivados.
Criação e integração de subcenas com a “Classe política”
por verbos dicendi “cumprimentar”, “agradecer”, “saudar”.
Criação e integração de subcenas com “Classe
trabalhadora/ sociedade civil” por verbo epistêmico “quero”
e verbo dicendi “chamar” (metonímias).
.
Criação e integração espaço-temporal “neste ano”, “32
anos de casado”
.
Criação e integração de espaço de imaginação pelo item
lexical “história” (discurso relatado) no interior da
interlocução com o auditório instanciada por “quero contar”.
142
Em síntese, os esquemas argumentativos construídos através das contraposições de
espaços interlocutivos e da correlação entre os esquemas de elogios, críticas e promessas
instanciam a criação e integração de espaços, a partir de pistas lingüístico-discursivas, na/pela
construção de sentidos emergentes. Esse processo argumentativo pressupõe a instanciação da
contrafactualidade, haja vista ser essa a condição para que se a integração de espaços.
Alem desses, temos, também, algumas construções gramaticais que são tipicamente
130
implementadoras de espaços contrafactuais, o que, no caso do discurso político-eleitoral, é
também uma estratégia de argumentação recorrente, principalmente na configuração do ato de
promessa. Vejamos como isso acontece, a partir das pistas textuais do discurso de Lula-
candidato:
(45)
a)
“Se reeleito presidente do Brasil, pretendo modificar por completo o que não funcionou. E, com
muita ênfase, manter e ampliar aquilo que deu certo(...)”. (L-
linha467-468).
b) “Se reeleito, pretendo intensificar ainda mais o esforço que estamos
fazendo para revolucionar a qualidade da educação no Brasil(...)”
(L-linha514-515).
c) Se reeleitos, continuaremos fazendo um governo de seriedade, responsabilidade e equilíbrio(...)”.
(L-linha531).
Note-se que, nos trechos acima, a conjunção “se” estabelece um espaço “hipotético”
em relação ao espaço da “realidade” criada discursivamente. Dessa forma, no espaço da
realidade, o “eu” que se constrói discursivamente como enunciador apresenta a possibilidade
de “não ser reeleito” e, portanto, “de não haver continuidade”. No espaço hipotético, o “eu”
que se constrói atribui ao fato de “ser reeleito” a condição que lhe possibilitará “dar
continuidade às ações do governo”. Essa construção e articulação de espaços surte um efeito
argumentativo de grande persuasão do auditório, conduzindo-o à adesão ao discurso do
candidato que “fez e promete continuar a fazer”.
Vejamos, em destaque, mais algumas construções gramaticais específicas que
instanciam o fenômeno da contrafactualidade:
130
Denominadas “Âncoras Materiais”, cf. Fauconnier e Turner, 2002.
“Se”: item lexical
indiciador da criação de
espaço hipotético-
contrafacutal.
143
(46)
a) “Eu quero cumprimentar o meu companheiro José Alencar, vice-presidente da República e
candidato a vice-presidente da República.(...)”. (L-linha2-3).
b) “Quero cumprimentar o meu companheiro ex-presidente da República, ex-presidente do Senado e
hoje senador da República, o presidente Sarney.(...)”. (L-
linha23-24).
c) “Meu mandato só acaba em 31 de dezembro. Mas se
acabasse hoje, eu poderia dizer: não fizemos tudo que
queríamos, porém fizemos muito mais do que certa gente
imaginava(...)”. (L-linha168-169).
d) “Hoje, as vozes do atraso estão de volta. E como não têm
uma boa obra no passado e nem propostas para o futuro,
fazem da agressão e da calúnia as suas principais
armas(...)”. (L-linha198-199).
e) Se reeleito presidente do Brasil, pretendo modificar por completo o que não funcionou. E, com
muita ênfase, manter e ampliar aquilo que deu certo(...)”. (L-linha467-468).
f) “Meu possível futuro governo conciliará, de forma contundente e irreversível, uma eficiente ação
social com uma política de alto desenvolvimento tecnológico(...)”. (L-linha485-486).
g) “Mas se tivesse que destacar uma área de prioridade máxima, para um próximo governo, eu
citaria a educação(...)”. (L-linha513-514).
h)
“A síntese de nosso possível futuro governo será a distribuição de renda para que haja
crescimento(...)”. (L-linha525).
As construções gramaticais e expressões lingüísticas utilizadas nos trechos acima
(“candidato a vice-presidente e vice-presidente”; “presidente e ex-presidente”; “hoje”; “no
passado”; “para o futuro”; “reeleito”; “Meu mandato
acaba em 31 de dezembro. Mas se acabasse hoje, eu
poderia dizer...”; “Meu possível futuro governo”; “se
tivesse”; “próximo governo”) sugerem a criação de um
espaço contrafactual, contraparte da realidade discursiva do falante, factual. Desses exemplos,
comentarei, alguns, a seguir. As expressões “candidato a vice-presidente e vice-presidente”,
Espaços hipotético-contrafactuais
indiciados por expressões lingüísticas
típicas: vice, ex, se, hoje, eu poderia
dizer, (re)eleito, próximo governo,
futuro governo, etc.
Note-se que, no interior das
subcenas criadas por expressão
dicendi (quero cumprimentar), são
criados, integrados e contrapostos
outros espaços:
vice-presidente x candidato a vice-
presidente;
ex-presidente x presidente;
hoje x no passado x no futuro;
eleito x reeleito;
“se acabasse”, etc.
144
“presidente e ex-presidente” e “eleito x reeleito” implementam a criação de um espaço
contrafactual, contraparte do espaço da realidade discursiva do falante, o factual. No caso da
expressão “candidato a vice-presidente e vice-presidente”, o contexto da reeleição é
fundamental para que esses espaços possam ser mentalmente processados, pois ratifica a
possibilidade de um sujeito ser presidente ou vice-presidente e poder se recandidatar a tal
cargo. No caso de “ex-presidente” e “reeleito”, os prefixos “ex” e “re marcam
lingüisticamente a implementação do espaço contrafactual, haja vista que quem é ex-
presidente foi presidente, factual. O mesmo acontece com quem é reeleito, foi eleito,
ambos remetendo a determinados tempos/espaços. É importante ressaltar que essas expressões
somente não são vistas como “incongruentes” porque a mente humana consegue operar
discursivamente com espaços factuais e contrafactuais, no processo de construção de sentidos,
partindo sempre do presente da enunciação. As expressões “meu possível futuro governo”,
“próximo governo”, projetam um espaço hipotético-contrafactual futuro, correlacionando-o
com “meu governo passado”, “meu governo anterior”, factual, ancorado no passado. Essa
articulação espaço-temporal, construída com base no presente da enunciação, é integrada no
processo de construção de sentidos, em que o enunciador toma como base suas ações
passadas, elogiando-as, e promete ações futuras, na tentativa de persuadir o auditório, de
alcançar a sua adesão, a fim de ser reeleito.
4.4. Análise do Discurso do Candidato ALCKMIN: Organização da Cena Enunciativa
Como assumido anteriormente, a instância do discurso do candidato em apresentação é
tomada, para efeito desta análise, como cena enunciativa básica, por meio da qual se
estabelece um processo interativo entre os interlocutores. Na implementação desse processo
de interação verbal, o locutor, Geraldo Alckmin, institui-se como sujeito enunciador,
assumindo o papel de candidato, ao mesmo tempo em que institui seu alocutário, os
convencionais e o povo brasileiro, como seus enunciatários/auditório, eleitores potenciais.
Todos discursivamente construídos e situados num tempo e espaço específicos, a partir do
presente da enunciação. A implementação dessa cena enunciativa básica se efetiva
simplesmente com o início da fala do locutor, ao instituir-se enunciador do discurso que
profere e instituir o outro como seu enunciatário. Alckmin, ao instaurar a sua fala, caracteriza
o evento como “uma caminhada de festa e mudança”:
145
(47)
“Esta festa é o primeiro passo de uma grande
caminhada
para mudar o Brasil(...)”. (A-linha1-2).
Percebe-se que, embora Alckmin caracterize o momento de sua fala como uma ocasião
festiva, seu discurso é marcado pela objetividade. São raras as evidências de proximidade e de
construção de laços afetivos entre os interlocutores. Além disso, através da utilização do
verbo epistêmico “quero”, o candidato apresenta a configuração do Brasil que ele deseja
construir, como pode ser visto nos seguintes trechos:
(48)
a) Posso resumir meus objetivos em poucas palavras: quero um Brasil mais justo, menos desigual,
com menos miséria, mais oportunidades. Com crescimento
econômico acelerado e permanente.(...)”. (A-linha7-8).
b) Vou direto ao ponto. Meu compromisso(...)”. (A-linha64)
O discurso de Alckmin é marcado, também, pela construção da imagem de alguém que
se coloca como “aquele que sabe”, seja na pauta das críticas (“sei o que está ruim”) como na
pauta das propostas de melhorias (“Eu sei o que fazer para mudar/melhorar”). As escolhas
lexicais, as construções e articulações discursivas são muito bem feitas, pautadas no padrão
culto da língua, haja vista a opção pelo uso de um vocabulário formal, o que acaba
produzindo um efeito de sentido de “frieza”, de pouca proximidade com o outro, para quem
se fala, especialmente quando se diz remeter à população brasileira como um todo.
Estrutural e organizacionalmente, a cena enunciativa básica do discurso de Alckmin é
configurada da seguinte maneira: caracterização do evento comunicativo; delimitação precisa
dos interlocutores; anúncio da candidatura; crítica ao governo Lula; promessa de mudança;
elogio à gestão de Fernando Henrique Cardoso (partidário de Alckmin); elogio à gestão do
locutor enquanto governador do estado de São Paulo; e, comparação da gestão do governo de
São Paulo com sua possível gestão na presidência da República. No entanto, o orador centra
seu discurso nas críticas ao governo Lula e nos elogios à sua administração no governo de São
Paulo, pontuando o seu “saber político-administrativo”.
Metáfora do “caminho”:
contraposição de espaços.
Criação e integração de espaço
por verbo epistêmico (quero):
espaço do desejo.
Implementação do Processo de
Discursivização de Alckmin.
146
4.4.1. Construção da Relação Enunciador/Enunciatário
4.4.1.1. Construção do Ethos
Como evidenciado, Alckmin, enquanto enunciador, implementa sua fala
caracterizando-a como um momento de festa, ponto de partida para as mudanças que ele
pretende realizar. Concomitantemente, justifica o local de realização da Convenção, Minas
Gerais, identificando e comparando Tiradentes, Juscelino, Tancredo e Aécio Neves,
caracterizando-os positivamente como patriotas e idealistas, oriundos das terras de Minas. Ao
fazer isso, implicitamente, coloca-se junto a eles e a eles se compara e se identifica
politicamente. Note-se que, ao citar Tiradentes, Juscelino e Tancredo, coloca ao seu lado
pessoas que, hoje, são marcos na história política do nosso país, buscando reforçar a idéia de
mudanças que estão por vir, no caso de Alckmin ser eleito. Outro ponto a ser observado é que,
no trecho inicial (explicitado abaixo), Alckmin, da mesma maneira que Lula, faz menção à
caminhada. O diferencial está no qualifidador. A caminhada de Alckmin é permeada de
“festa”, por inferência, “alegria, entusiasmo, bem-estar, satisfação popular”. Observemos o
trecho em questão, bem como os itens destacados:
(49)
Esta festa é o primeiro passo de uma grande caminhada
para
mudar o Brasil. É simbólico que esta jornada se inicie aqui, em Minas Gerais, terra de patriotas e
de idealistas. Terra de gente
como Tiradentes, Juscelino,
Tancredo e o nosso anfitrião, Aécio Neves.(...)”. (A-linha1-3).
Em seguida, de uma maneira bastante direta e objetiva, Alckmin delimita
explicitamente os seus interlocutores, especificando a quem sua fala é dirigida: Quero me
dirigir não a vocês, companheiros de Convenção, mas a todos os brasileiros (A-linha4).
Note-se que, no discurso de Alckmin, a escolha do item lexical “companheiros” não produz o
mesmo efeito de sentido construído no discurso de Lula. Não se trata de companheirismo,
mas de vínculo institucional, partidário, tanto que “os demais brasileiros” não são
caracterizados como “companheiros”, mas como parte da nação, à qual o candidato quer
presidir. Tendo instituído-se como enunciador e instituído, explicitamente, seus enunciatários,
Metáfora do caminho.
Comparação indiciada
pelo item lexical “como”.
147
conforme A-linha4, Alckmin apresenta um panorama dos assuntos a serem abordados,
reforçando o tom objetivo de seu discurso, e anuncia-se como candidato:
(50)
Exponho aqui minhas idéias, minhas convicções, minha visão
sobre a realidade brasileira, minhas propostas e a minha
motivação para ser candidato a Presidente do Brasil”(...)”. (A-
linha4-6).
Feito isso, Alckmin, assumindo o papel de candidato a presidente do Brasil, apresenta
um resumo de seus objetivos enquanto presidente, projetando-se para o
futuro mandato , mais uma vez ratificando a objetividade de seu
discurso. Nesse momento, passa a construir sua imagem em oposição à
imagem de Lula, com base em críticas à formação, às condutas e aos posicionamentos de seu
adversário, como pode ser verificado no exemplo abaixo:
(51)
“Posso resumir meus objetivos em poucas palavras:
quero um Brasil
mais justo, menos desigual, com menos miséria, mais oportunidades.
Com crescimento econômico acelerado e permanente. São objetivos
ambiciosos, mas não há bom vento para quem não sabe onde quer chegar.
Eu sei
. O atual Presidente recebeu um País modernizado, pronto para
crescer. Teve o mundo em grande expansão econômica. Mas errou muito.
O Brasil perdeu(...)”. (A-linha7-11).
Ao resumir os seus objetivos para um futuro governo, Alckmin afirma saber onde quer
chegar, “Eu sei”, A-linha9, ou seja, sabe o que e como deve fazer para que seus objetivos
sejam alcançados. Nessa pauta, contrapõe-se a Lula, seu adversário, argumentando que
“embora Lula tenha recebido um país modernizado e pronto para crescer” e “tendo o
mundo em grande expansão econômica” não soube o que fazer, “errou muito”, A-linha11, e
que, por isso, “O Brasil perdeu”, A-linha11.
Nesta perspectiva, Alckmin constrói uma imagem negativa de Lula e de seu governo e
a ela se contrapõe veementemente, construindo e projetando uma imagem de si como alguém
íntegro, bem formado (“sou médico de formação”, A-linha234) e informado (“conheço a
Criação de instância de
enunciação por verbo
dicendi: “exponho”.
Contraposição
espaço-temporal.
Contraposição
de espaços: “Brasil
de Alckmin” x
“Brasil de Lula”, no
interior da subcena
criada pelo
epistêmico “quero”.
Contraposição “Eu
sei”, de Alckmin, x
“Não saber”, de Lula.
148
realidade do país”, A-linha5), como alguém moderno (“vou usar as ferramentas de governo
eletrônico”, A-linha119-120), conhecedor das necessidades do país, como alguém que tem
uma visão abrangente e que sabe o que fazer para possibilitar o desenvolvimento e
crescimento do Brasil (“não aceito amadorismos...”, A-linha96). Vejamos alguns trechos em
que isso é evidente:
(52)
a) Estamos perdendo terreno, mesmo comparados a vizinhos que sempre foram mais frágeis e mais
lentos. Não propaganda ou discurso que esconda essa constatação: o Brasil de Lula ficou para
trás. Apequenou-se.(...)”. (A-linha15-17).
b) “Mais que reformar, é preciso reinventar o Estado brasileiro em todo seu conceito(...).” (A-
linha107).
c) Vou trabalhar com a máxima transparência,
usando as ferramentas de governo eletrônico.
(...). Essa nova postura vai nos ajudar a superar
uma das facetas de um Brasil arcaico: (...)”. (A-
linha119-123).
d) “Sou médico de formação. Conheço o sistema(...)”., (A-linha234).
e) “Tudo isso exige, além recursos humanos e materiais, uma moldura institucional adequada(...)”.
(A-linha285).
Vejamos mais alguns exemplos em que Alckmin constrói uma imagem negativa de
Lula e de seu governo e que, ao contrapor-se a essa imagem, constrói positivamente a sua
imagem enquanto candidato:
(53)
a) “...quero um Brasil mais justo, menos desigual, com menos
miséria, mais oportunidades(...)”. (A-linha7-8).
b) Crescimento econômico não cai do céu.
Exige planejamento,
ação, trabalho sério(...)”. (A-linha28-29)
Contraposição: Brasil
de Alckmin x Brasil de
Lula.
Contraposições:
“governo Lula”, “arcaico”, “não saber”.
x
“futuro governo Alckmin”; “moderno” ,
“saber fazer”.
149
c) Tenho uma visão de Estado que não comporta amadorismos. O
Estado, em especial o brasileiro, não pode se limitar ao seu papel de
regulador, embora essencial e estratégico.(...)”. (A-linha96-97).
d) É inaceitável que, ainda hoje, a qualidade da educação de uma criança e o seu acesso à saúde
sejam determinados pelo seu local de nascimento. Não aceito que o local de nascimento possa
determinar o futuro de uma criança(...)”. (A-linha144-146).
Note-se que, nos trechos acima, Alckmin assume alguns valores e posicionamentos
(justiça, igualdade, seriedade; organização, trabalho árduo, criação de oportunidades)
favoráveis à construção de sua imagem como candidato, haja vista mostrar-se como alguém
inteirado e disposto a trabalhar para que as mudanças efetivamente ocorram na vida da
população. Ainda atendo-se à construção da imagem do
enunciador, Alckmin continua a opor-se à Lula, criticando a
maneira como governa a nação (sem planejamento, sem ação, sem
trabalho sério, com discussões estéreis), apontando as crises pelas quais o governo Lula
passou (Mensalão, corrupção nas estatais, dólar na cueca, etc) e as posições assumidas pelo
então presidente (“dizer que não sabia"; “fingir que não tem responsabilidade sobre as
coisas”; “achar que nada é com ele”). Ao se contrapor a Lula, implícita e/ou explicitamente,
assume valores e condutas socialmente aceitas, o que é benéfico à construção de sua imagem
como político, como candidato (“Não sou assim. Não serei assim na presidência. A garantia
é a minha história, a minha biografia”). Vejamos mais alguns trechos em que isso é
evidente:
(54)
a) Crescimento econômico não cai do céu. Exige planejamento, ação, trabalho sério. Fazer o
Brasil crescer com inclusão social será a minha tarefa. Não vou cair
nas discussões estéreis(...)”. (A-linha28-30).
b) “Com o desgaste da atividade política, disseminou-se, no Brasil, a
falsa idéia de que todos os políticos são iguais.
Não são, não.
Somos muito diferentes, por exemplo, dos nossos adversários que
hoje estão atolados na lama moral que eles próprios criaram(...)”.
(A-linha311-314).
Contraposição de
imagens: Alckmin x Lula.
Contraposição: Governo
Lula x futuro governo
Alckmin.
Contraposição: Alckmin
e partidários x Lula e
partidários.
Contraposição espaço-
temporal.
Contraposição das
imagens de Alckmin x
Lula.
150
c)
Quero ser um presidente à altura do Brasil, um presidente à altura do povo brasileiro. Um
líder verdadeiro, um presidente como o Brasil precisa e merece, não pode se omitir; não pode
dizer que "não sabia"; não pode fingir que não tem responsabilidade sobre as coisas; não pode
achar que nada é com ele. Não sou assim. Não serei assim na presidência. A garantia é a minha
história, a minha biografia(...)”. (A-linha336-339).
d) “O que os brasileiros viram nos últimos anos não tem paralelo na
história do nosso País. Nunca houve tanta desfaçatez e tanto
banditismo em esferas tão altas da República.
Mensalão,
corrupção nas estatais, dólar na cueca, dólar em caixa de bebida,
malas de dinheiro, propinas, compra de deputados, sanguessugas do dinheiro público(...)”. (A-
linha340-343).
Contrapondo-se a Lula, como vimos acima, o orador busca um certo tipo de
identificação com seu auditório, no âmbito da “insatisfação” e do “desejo de mudança”,
embora se trate, tão-somente, de uma identificação de “assuntos”, de perspectivas: é um
“clamor popular” que será “atendido por Alckmin-presidente”, por concordar com as
necessidades de desenvolvimento e de crescimento do nosso país. Vejamos os trechos abaixo
e seus destaques:
(55)
a) “Fazer a economia crescer é um clamor da sociedade brasileira
hoje. E será a obsessão de meu governo a partir do ano que vem.
(...)”. (A-linha27-28).
b) “Hoje, o Brasil é escravo do Governo, que gasta muito e gasta mal. Vamos consertá-lo para que
sirva ao povo, e não o inverso(...)”. (A-linha82-83).
Podemos afirmar que não tentativas, por parte do orador, de assemelhar-se à classe
popular, grande maioria do eleitorado brasileiro. Ao contrário, o candidato não tenta
descaracterizar-se da imagem de “alguém da elite”, tanto que afirma “Sou médico de
formação. Conheço o sistema” (A-linha-234), entre outras afirmações que o colocam em
uma posição de superioridade. Ao que parece, ele assume o lugar de onde fala, porém, se
apresenta como conhecedor da realidade da população brasileira e se dispõe a melhorá-la,
afirmando saber como atingir as melhorias almejadas pela população, como observado no
Contraposição de
tempo/espaço: governo
Lula (insatisfação) x futuro
governo Alckmin
(mudanças, satisfação).
Contraposição de
espaços: “mensalão”,
“corrupção nas estatais”,
“propinas”, etc.
151
trecho: “São objetivos ambiciosos, mas não bom vento para
quem não sabe onde quer chegar. Eu sei , (A-linha8-9).
Como pode ser percebido, contrariamente ao discurso de
Lula, Alckmin não se detém especificamente à construção de sua
imagem, nem mesmo tenta identificar-se com a grande massa popular, embora se construa
como conhecedor dos anseios e necessidades da população e, sobretudo, como alguém que,
além de conhecedor, sabe o que fazer para atender às demandas populares e se mostra
disposto a fazer tais mudanças. O discurso de Alckmin é centrado nas críticas ao governo de
seu adversário, Lula, a partir das quais, ao contrapor-se, constrói a sua imagem de “candidato
ideal”. Essa imagem também é fundamentada nos elogios à sua gestão no governo de o
Paulo, prometendo fazer o mesmo na gestão do país.
4.4.1.2. Construção do Pathos
Ao se auto-eco-construir na/pela construção do discurso que profere, o locutor,
Geraldo Alckmin, se constrói como enunciador e constrói, também, seu enunciatário, o que se
efetiva dialogicamente na configuração da cena enunciativa. Essa relação dialógica de
construção da relação Eu-Tu, como se sabe, é considerada condição sine qua non para
instanciação de um processo de interação verbal entre os seres humanos. No entanto, ela não é
estabelecida por acaso, sempre a intenção de se conduzir o outro a determinadas
conclusões, ou seja, sempre a intenção de persuadi-lo. Especificamente, no caso do
discurso político-eleitoral, o locutor, então candidato, visa conquistar a adesão do eleitor e,
por conseguinte, seu voto. Para tanto, várias estratégias e recursos argumentativos o
utilizados, dos quais alguns vêm sendo discutidos ao longo deste capítulo. Ateremo-nos,
agora, à construção do pathos, do auditório, interlocutor de Alckmin.
Entendemos que a imagem que o orador constrói de seu auditório é, também, uma
estratégia de construção da sua própria imagem. No discurso político-eleitoral de Alckmin, o
enunciatário é construído como aquele que está insatisfeito, como aquele que quer mudanças,
que está decepcionado com a gestão do governo Lula. Vejamos alguns excertos que podem
confirmar isso:
Contraposição de
espaços: “Eu sei” de
Alckmin contrapõe-se ao
“não sabia” de Lula.
152
(56)
a) “Fazer a economia crescer é um clamor da sociedade brasileira hoje (...)”. (A-linha27).
b) Empresas brasileiras são forçadas a investir no exterior, para ganhar acesso a mercados
prioritários, que estão fechados ao Brasil(...)”. (A-linha44-45).
c) O que os brasileiros viram nos últimos anos não tem paralelo
na história do nosso País. Nunca houve tanta desfaçatez e tanto
banditismo em esferas tão altas da República. Mensalão,
corrupção nas estatais, dólar na cueca, dólar em caixa de bebida, malas de dinheiro, propinas,
compra de deputados, sanguessugas do dinheiro público. O aparelho de estado tomado de assalto
por quem devia geri-lo, especialmente por um partido político que deixou o Brasil vermelho de
vergonha (...)”. (A-linha340-344).
d)
“Tristes tempos. Tristes tempos que, tenho certeza, vão acabar.
Porque os brasileiros não aceitam a desonestidade e a traição dos que
foram depositários dos seus sonhos(...)”. (A-linha349-350).
Note-se que, o candidato Alckmin constrói a sua imagem e a imagem de seu auditório
com base em críticas ao governo Lula. De um lado, os convencionais e o povo brasileiro
estariam insatisfeitos com a gestão do governo Lula, querendo mudanças; de outro, Alckmin
seria o candidato disposto e apto a realizar tais mudanças. É válido ressaltar, aqui, um ponto
de encontro entre os interesses, o que é discursivamente construído: o desejo de mudança.
Outro aspecto relevante é que se trata de uma mudança de um tempo triste (governo Lula)
para tempos felizes (futuro governo Alckmin), em que vemos uma comparação entre as
perspectivas apresentadas e a imagem construída tanto para Lula quanto para Alckmin e seu
auditório. Há, ainda, a utilização intencional de uma metáfora
lingüística “um partido político que deixou o Brasil vermelho de
vergonha...” (A-linha344) . Nessa expressão, Alckmin identifica
negativamente a cor vermelha à identidade do Partido dos Trabalhadores (partido do
presidente Lula, o PT) e à ruborosidade da pele quando ficamos envergonhados, afirmando
que o “Brasil está vermelho de vergonha”, o que sugere que o povo sente-se envergonhado,
desonrado, humilhado pelo presidente que eles confiaram e elegeram.
No final do discurso de Alckmin, evidenciamos uma única tentativa de proximidade,
de construção de laços afetivos entre orador e auditório:
Contraposição de espaços:
insatisfação (governo Lula) x
satisfação (futuro governo
Alckmin).
Contraposição:
tristeza (governo Lula) x
alegria (futuro governo
Alckmin).
Metáfora: criação e
contraposição de espaços.
153
(57)
Meus amigos e minhas amigas. Nossa jornada
começa,
hoje
, aqui
em Minas
. Vamos com entusiasmo mostrar
aos brasileiros que o Brasil tem jeito; que o Brasil pode, e vai,
melhorar
(...)”. (A-linha350-352).
Nesse trecho, como pode ser visto, Alckmin, na posição de candidato, refere-se a seu
auditório como “amigos” e reforça a necessidade de mudança, num tom comissivo,
indicando, identitariamente, que o povo quer mudar e que ele, se eleito, fará tais mudanças.
4.4.1.3. Construção do Logos
Desde o início, Alckmin, em seu discurso, procura conduzir o auditório à adesão as
suas teses/afirmações, entre elas: i. que o Brasil se encontra em péssimas condições; ii. que a
população brasileira está insatisfeita com o governo Lula, por
administrar mal e o ser uma pessoa íntegra; e, iii. que ele,
Alckmin, é a única pessoa capaz de reverter essa situação, por ser
conhecedor da realidade e estar disposto a realizar mudanças em prol do país.
No que diz respeito ao primeiro aspecto, “as péssimas condições em que o Brasil se
encontra”, Alckmin constrói uma visão negativa da realidade brasileira, com base em críticas
ao governo Lula, e assume que a população compartilha dessa visão, haja vista colocá-la
como uma verdade absoluta. Vejamos alguns trechos em que isso é mais evidente:
(58)
a) “No ano passado, na América Latina, o
Brasil cresceu mais do que
o Haiti, um país pequeno e despedaçado pela guerra. (...) Estamos
perdendo terreno
, mesmo comparados a vizinhos
que sempre foram mais frágeis e mais lentos. Não
propaganda ou discurso que esconda essa
Criação e integração de
espaços : manifestação da
contrafactualidade.
Comparação:
manifestação da
contrafactualidade
(Brasil x Haiti).
Metáfora do caminho:
“nossa jornada”;
Criação e contraposição de
espaços por itens lexicais
“hoje”, “aqui”, “em Minas”.
Contraposição de espaços:
“o Brasil de Lula está ruim” x
“o Brasil de Alckmin vai ser
melhor”
Contraposição de espaços: “com Lula,
estamos perdendo terreno” x “com
Alckmin, ganharemos terreno”.
154
constatação: o Brasil de Lula ficou para trás. Apequenou-se(...)”. (A-linha12-17).
b) “...além do crescimento medíocre, o Governo Lula não fez
nada
, absolutamente nada, para que as condições de
crescimento no futuro sejam melhores(...)”. (A-linha18-19).
c)
Empresas brasileiras são forçadas a investir no exterior, para ganhar acesso a mercados
prioritários, que estão fechados ao Brasil(...)”. (A-linha44-45).
Observe-se que, para criar uma realidade negativa, Alckmin utiliza-se de comparações
entre o Brasil e outros países, como o Haiti; afirma que o Brasil “apequenou-se” e que “os
mercados prioritários estão fechado para o Brasil”; caracteriza o crescimento do país como
“medíocre”; entre vários outros. Apresentada dessa maneira, Alckmin vai delineando uma
realidade brasileira altamente negativa e, conseqüentemente, desqualificando o governo
vigente, o que é um forte argumento a favor de Alckmin, que promete mudar a atual situação,
delineada por Alckmin como ruim.
No desenvolvimento do segundo aspecto, “insatisfação com o governo Lula, por
administrar mal e não ser uma pessoa íntegra”, intrinsecamente ligado ao primeiro aspecto,
Alckmin se apóia em um suposto negativismo, “numa era triste”, em função da
administração, da corrupção e da omissão do governo Lula, como pode ser visto nos trechos
abaixo:
(59)
a) “Um líder verdadeiro, um presidente como o Brasil precisa e merece, não pode se omitir; não
pode dizer que "não sabia"; não pode fingir que não tem
responsabilidade sobre as coisas; não pode achar que nada é com
ele(...)”. (A-linha336-339).
b) “O que os brasileiros viram nos últimos anos não tem paralelo na
história do nosso País. Nunca houve tanta desfaçatez e tanto banditismo em esferas tão altas da
República. Mensalão, corrupção nas estatais, dólar na cueca, dólar em caixa de bebida, malas de
dinheiro, propinas, compra de deputados, sanguessugas do dinheiro público. O aparelho de
estado tomado de assalto por quem devia geri-lo, (...)”. (A-linha340-343).
c) Tristes tempos. Tristes tempos que, tenho certeza, vão acabar. Porque os brasileiros não aceitam
a desonestidade
e a traição dos que foram depositários dos seus sonhos(...)”. (A-linha349-350).
Contraposição
fundamental: imagem de
Alckmin x Lula; “governo
Lula” x “futuro governo
Alckmin”.
Contraposição espaço-
temporal: “Lula não fez
nada” (passado) x “Alckmin
vai fazer” (futuro).
155
Nesta perspectiva, Alckmin vai construindo uma imagem oposta à de Lula, visando
conduzir seu auditório ao entendimento de que ele, Alckmin, é o único candidato capaz de
“mudar” a atual situação, haja vista “saber o que fazer”, “ter uma visão abrangente” e “ter
realizado uma boa gestão no governo de São Paulo”, como pode ser observado nos trechos
abaixo:
(60)
a) “(...)não bom vento para quem não sabe onde quer chegar. Eu sei
(...)”. (A-linha9).
b) Tenho uma visão de Estado que não comporta amadorismos. O Estado,
em especial o brasileiro, não pode se limitar ao seu papel de regulador,
embora essencial e estratégico(...)”. (A-linha96-97).
c)
Em São Paulo, no meu governo, conseguimos estender a todos os
professores o acesso ao curso superior. Todos, agora, tem diploma
universitário. Quero levar essa experiência bem sucedida para o
Brasil(...)”., (A-linha177-179).
Diante de tudo isso, percebemos que, embora pretenda persuadir seu auditório,
Alckmin é categórico. Assume-se como candidato em função de suas idéias, suas convicções,
sua visão, como explicitado neste trecho: “Exponho aqui minhas idéias, minhas convicções,
minha visão sobre a realidade brasileira, minhas propostas e a minha motivação para ser
candidato a Presidente do Brasil...”, conforme A-linha4-6; contrariamente a Lula que coloca
sua recandidatura como “um chamamento do povo”, (L-linha130).
Vejamos, em detalhes, como esses esquemas argumentativos são construídos e
articulados no discurso de Alckmin, a seguir.
4.4.1.4. Correlação entre Elogios, Críticas e Promessas
Enquadrando seu discurso no âmbito das críticas, elogios e promessas, Alckmin
centra-se em críticas ao governo Lula e em promessas de mudança; em elogios à sua gestão
no governo de São Paulo e em promessas de continuidade, comparando o governo de São
Contraposição de
espaços: “saber
fazer” de Alckmin
contrapõe-se ao “não
saber” de Lula.
Comparação:
Alckmin no governo
de São Paulo x
Alckmin no governo
do Brasil.
156
Paulo com o governo do Brasil; e, também, em críticas ao governo Lula (adversário) e
elogios ao governo de Fernando Henrique Cardoso (partidário). Note-se que os elogios e as
críticas remetem a ações e/ou estados de coisas realizadas no passado, ancoradas em uma
suposta factualidade. Enquanto as promessas não passam de projeções para o futuro, ações
idealizadas, contrafactuais. Ambos esquemas situados a partir do presente da enunciação.
Essa contraposição espaço-temporal é condição básica de construção do discurso político-
eleitoral, como afirmado anteriormente, tendo por objetivo construir uma imagem positiva do
candidato e, conseqüentemente, conquistar sua eleição ao cargo pleiteado, com base em
elogios e em promessas; construindo, ao mesmo tempo, uma imagem negativa do adversário,
com base em críticas. É interessante notar que, no desenvolvimento desse raciocínio, é nítida
a contraposição espaço-temporal (passado/futuro) e a contraposição pessoal
(candidato/adversário).
Com base nas críticas ao governo Lula e nas promessas de mudança, fica evidente que
Alckmin vai construindo sua imagem em oposição à imagem de Lula, na conquista discursiva
do seu auditório, na busca de um engajamento consensual, objetivando ser eleito presidente
do Brasil. Vejamos alguns trechos em que isso é evidenciado:
(61)
a) O atual Presidente recebeu um País modernizado, pronto para crescer. Teve o mundo em grande
expansão econômica. Mas errou muito. O Brasil perdeu(...)”. (A-linha9-11).
b) Desastre é um adjetivo leve para caracterizar a política externa do governo Lula. Sem projeto e
preso a fantasias ideológicas, o atual governo gastou o mandato em gestos de mera marquetagem,
busca de cargos em organismos internacionais e relações perigosas com
aventureiros de ocasião. Muita cena, muita imagem e nenhum resultado
(...)”. (A-linha40-43).
c) “Vou direto ao ponto. Meu compromisso é enviar ao Congresso, na
primeira semana de Governo, projeto de reforma tributária que
simplifique o modelo, estimule novos investimentos e busque eficiência (...)”. (A-linha64-66).
d) Hoje, o Brasil é escravo do Governo, que gasta muito e gasta mal. Vamos consertá-lo para que
sirva ao povo, e não o inverso(...)”.. (A-linha82-83).
e) A incompetência e corrupção do atual governo
agravaram as dificuldades estruturais do Estado
brasileiro para projetar, induzir e fomentar os investimentos públicos e privados necessários para
sustentar o crescimento(...)”. (A-linha104-106).
Contraposição
espaço-temporal:
crítica ao governo
Lula x promessa de
mudança(Alckmin)
157
f) “Mais que reformar, é preciso reinventar o Estado brasileiro em todo seu conceito(...)”. (A-
linha107).
g) “Vamos mudar junto com o estímulo ao investimento privado, vamos fazer investimentos em
infraestrutura e nas pessoas, sem o que não há desenvolvimento(...)”. (A-linha141-143).
h) O atual governo federal tem se omitido diante dos desafios do crime. O plano nacional de
segurança pública apresentado no começo de 2003 foi abandonado e seus recursos cortados(...)”.
(A-linha261-262).
É perceptível a posição assumida por Alckmin. Trata-se de uma oposição veemente.
Tanto que ele atém-se longamente nas críticas ao governo e às condutas de Lula. O que é
feito, também, para reforçar a sua imagem de conhecedor da realidade do Brasil tanto no
âmbito nacional quanto internacional. Ressaltamos que Alckmin constrói seu discurso a partir
de críticas à Lula enquanto Lula constrói seu discurso a partir da apresentação de suas “boas
relações com as classes sociais
131
, embora também se fundamente em críticas. Essa estratégia
é típica dos embates entre “candidato do governo” e “candidato
da oposição” , haja vista que quem está no governo se apóia nas
realizações positivas de sua gestão e que quem se caracteriza
como oposição se arvora em críticas a tais realizações do
adversário, o que inevitavelmente pressupõe a contrafactualidade
entre espaços.
Vejamos mais alguns trechos em que Alckmin critica o governo Lula:
(62)
a) O Mercosul passa pela crise mais séria, desde a sua criação. E não se enxerga lógica na
atuação, ou omissão, do governo brasileiro(...)”. (A-linha48-49).
b) O atual presidente criou 12 ministérios, inchou a máquina
estatal com amigos dos partidos derrotados nas urnas, aparelhou
o serviço público com companheiros cuja única qualificação era o uso do distintivo
partidário(...)”. (A-linha87-89).
c) O atual governo vive do improviso e da sobrevivência às crises contínuas (...)”. (A-linha116).
131
Analisado no item 4.3.1.1
Contraposição entre
espaços: “candidato do
governo” x “candidato da
oposição”: manifestação da
contrafactualidade.
Contraposição espaço-
temporal: atual governo Lula
x futuro governo Alckmin.
158
Ao desqualificar o governo Lula, por meio de críticas às ações realizadas e às posturas
assumidas no decorrer de seu mandato, Alckmin vai se qualificando. Nesta perspectiva, as
críticas ao governo Lula se constituem como argumentos a favor de Alckmin-candidato, que,
ao mesmo tempo em que critica, implícita ou explicitamente, se auto-elogia, mostra-se
inteirado dos assuntos do país e se apresenta como uma “solução” para os problemas vigentes.
Com isso, o orador visa conquistar seu auditório e engajá-lo em seu propósito específico, o
voto, condição para ser eleito. É interessante ressaltar que, embora critique o governo Lula,
Alckmin mantém sua escolha por um vocabulário formal, como pode ser percebido pelas
escolhas lexicais feitas ao longo de seu discurso.
Alckmin, em seu discurso, ao mesmo tempo em que critica o adversário, promete
mudanças a serem realizadas em seu possível futuro governo, apresentando o que Alckmin-
presidente pretende fazer quando estiver à frente do governo da República. Essa é, também,
uma estratégia argumentativa típica do discurso político-eleitoral (criticar, logo, prometer
mudanças). Vejamos:
(63)
a) Meu compromisso é enviar ao Congresso, na primeira semana de Governo, projeto de reforma
tributária que simplifique o modelo, estimule novos investimentos e busque eficiência(...)”. (A-
linha64-66).
b) Assumo aqui mais um compromisso: vamos cortar esses ministérios criados à toa; cabides de
emprego(...)”., (A-linha90).
c) “Reduzir as desigualdades regionais é acabar com as diferenças de oportunidades. E o meu
governo não poupará esforços para dar passos gigantescos nesta
direção. Esse é um compromisso que assumo, diante da
Nação(...)”. (A-linha146-148).
d) “No caso da segurança, o futuro governo vai atuar com rapidez e
ousadia. É meu compromisso lançar, na primeira semana de governo, um conjunto de medidas que
melhorem a articulação entre as forças da lei e aumentem o trabalho e o resultado da União no
setor(...)”. (A-linha258-260).
e) O meu futuro governo dará urgência à elaboração dessas leis, visando criar uma base jurídica
sólida para integrar e dar foco às ações dos órgãos federais e estaduais de segurança no combate
ao crime organizado(...)”. (A-linha290-292).
Promessas para o futuro
governo de Alckmin:
contraposição espaço-
temporal.
159
Na construção dos esquemas argumentativos pautados em elogios, Alckmin toma
como base a sua gestão no governo de São Paulo, a partir da qual promete uma certa
“continuidade”, ou seja, o que deu certo em São Paulo será feito, também, quando ele estiver
à frente do governo do Brasil.
Vejamos alguns trechos em que isso é evidenciado:
(64)
a) Em São Paulo, desde o governo Mário Covas, reduzimos impostos de mais de 200 produtos e
serviços. Vamos fazer isso no Brasil (...)”. (A-linha66-67).
b) Em São Paulo, no meu governo, conseguimos estender a todos os professores o acesso ao curso
superior. Todos, agora, tem diploma universitário. Quero levar essa
experiência bem sucedida para o Brasil(...)”. (A-linha177-179).
c) No Governo de São Paulo, tive a satisfação de aumentar a rede
de escolas técnicas e a das Fatec, Faculdades de Tecnologia
públicas e gratuitas cada vez mais identificadas com as necessidades das regiões onde estão
instaladas. (...) Educação para o emprego será, de imediato, instrumento prioritário de inclusão
social dos jovens, (...)”.(A-linha200-203).
d) No Governo de São Paulo, entregamos 19 novos hospitais à população, recuperamos e
expandimos a fábrica de remédios, fizemos a primeira fábrica de vacinas da América Latina,
criamos um programa que distribui, de graça, 41 tipos de remédios à população(...)”. (A-linha234-
237).
Note-se que, no que tange aos auto-elogios, Alckmin procura exaltar as realizações
positivas de sua gestão no Governo de São Paulo, bem como o lado positivo das gestões de
seus partidários, como faz ao citar “Mário Covas”. Os elogios, além de o enaltecer como
político, também visam alcançar no auditório uma certa credibilidade para com o seu partido,
opondo-o ao PT, partido de Lula. É interessante notar, também, que, ao elogiar sua gestão no
governo de São Paulo, Alckmin tenta estabelecer uma comparação entre a administração do
Estado de São Paulo e a administração do Brasil. Repare que, embora se trate de uma
comparação entre instâncias diferentes, com dimensões também diferentes, o candidato busca
igualá-las, tentando levar seu auditório a concluir que “administrou bem o estado de São
Paulo (no passado) e, por isso, administrará bem o Brasil (no futuro)”.
Contraposição espaço-
temporal: No governo de
São Paulo (passado) x No
governo do Brasil (futuro).
160
Outra estratégia argumentativa utilizada por Alckmin é elogiar o governo de Fernando
Henrique Cardoso e, conseqüentemente, criticar o governo Lula, como que estabelecendo
uma comparação entre as duas gestões, numa tentativa de desqualificar o governo de Lula e
qualificar o governo Fernando Henrique, com quem Alckmin busca identificar-se. Vejamos:
(65)
a)
O governo do presidente Fernando Henrique conseguiu colocar
praticamente todas as crianças no ensino fundamental. O número de alunos
que completavam o primeiro grau aumentou cerca de 80% e a matrícula no
ensino médio regular mais de 70% nesse período. O grande responsável por esse salto foi a criação
do Fundo para o Desenvolvimento do Ensino Fundamental - Fundef, em 1996(...)”. (A-linha153-
156).
b) “E aqui é preciso destacar: embora representasse grande aumento de recursos para a educação e
aumento de salário para os professores, o Fundef teve a oposição cerrada e o voto contrário do
PT, partido do qual Lula era presidente(...)”.. (A-linha157-159).
c)
Programas importantes, herdados do governo Fernando Henrique, e mesmo iniciativas do
atual governo, foram abandonados sem justificativa plausível. O Fundo para o Desenvolvimento
do Ensino Básico - Fundeb, pelo qual se propõe substituir o Fundef e que ampliaria o acesso à
educação, ainda não saiu do papel (...)”. (A-linha162-165).
d) O PETI, Bolsa-Escola e Bolsa-Alimentação, criados pelo governo
Fernando Henrique, significaram um salto de qualidade nas políticas
sociais, ao estenderem às crianças a proteção antes limitada aos idosos e adultos(...)”. (A-
linha221-223).
Podemos concluir que o orador, Alckmin, ancora seu discurso na contraposição
espaço-temporal de gestões passadas (governo FHC x governo Lula; e, governo-SP de
Alckmin), fazendo projeções para seu possível mandado (Alckmin-presidente). Essa
articulação e integração de espaços é feita a partir do presente da enunciação, momento em
que Alckmin se assume como candidato à presidência da República. Além disso, Alckmin,
em seu discurso, se contrapõe à Lula e se identifica com Fernando Henrique Cardoso, a partir
de elogios a esse e críticas àquele. Tudo isso é feito na tentativa de se configurar como o
melhor candidato, como a melhor opção para o país e, assim, conquistar seu auditório e o seu
voto.
Contraposição:
FHC x Lula.
Identificação:
FHC e Alckmin
161
4.4.1.5. A Instanciação do Princípio da Contrafactualidade no Discurso Político-
Eleitoral de Alckmin
Como vimos, o discurso político-eleitoral de Alckmin se constitui basicamente pela
instanciação da contrafactualidade possibilitada pela correlação entre os esquemas
argumentativos de elogios, críticas e promessas, em que se articulam e integram, a partir do
presente da enunciação do candidato, os espaços factuais e contrafactuais de espaço-tempo e
pessoa. Consideremos alguns exemplos:
(66)
“No ano passado, na América Latina, o Brasil cresceu
mais
do que o Haiti, um país pequeno e despedaçado pela guerra. Em
2002, o Brasil respondia por 56% de tudo o que se produzia na
América Latina. No ano que vem, segundo projeções dos organismos
internacionais, vamos produzir 47%. Estamos perdendo terreno,
mesmo comparados a vizinhos que sempre foram mais frágeis e mais
lentos. Não há propaganda ou discurso que esconda essa constatação:
o Brasil de Lula ficou para trás. Apequenou-se. (...)”. (A-linha12-17).
Note-se que, no trecho acima, o candidato critica seu adversário com base na
contraposição espaço-temporal em que se delineia a situação do país, a partir do presente da
enunciação, cronologicamente situado em 2006. Observe-se que a expressão “No ano
passado” faz referência a uma determinada época do governo de Lula, cronologicamente o
ano de 2005, estabelecendo uma comparação crítica entre o Brasil (governado por Lula) e o
Haiti (um país inferior ao Brasil), em que o Brasil é negativamente qualificado em função de
somente ter crescido mais do que um país inferior. A expressão “Em 2002”, referindo-se ao
último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, e a expressão “No ano que vem”, final
do governo Lula, são, também, utilizadas para implementar uma comparação, agora, entre a
gestão de Fernando Henrique e a gestão de Lula. Ambas numa tentativa de desqualificar, de
criticar o governo Lula. É importante ressaltar que no âmbito dessa contraposição espaço-
temporal instanciada pelas expressões “No ano passado”, “Em 2002” e “No ano que vem”, há,
também, a utilização do mecanismo lingüístico “mais do que”, indiciador típico de
comparações no âmbito do enunciado.
Contraposição
espaço-temporal: “No
ano passado” x “Em
2002” x “No ano que
vem”.
Comparação no nível
do enunciado: “mais do
que”.
162
No trecho “Fazer a economia crescer é um clamor da sociedade brasileira hoje. E
será a obsessão de meu governo a partir do ano que vem, (A-linha27-28), a expressão
“hoje” , ancorada na factualidade, nas realizações negativas do governo Lula, indicia a
criação de um espaço que é contraposto ao espaço hipotético-contrafactual do futuro governo
Alckmin, “a partir do ano que vem”, momento em que o enunciador promete realizar
mudanças. Note-se que se trata de um esquema argumentativo típico deste subdomínio
discursivo (criticar e prometer mudanças), o qual é instanciado por expressões lexicais que
implementam a contrafactualidade entre dois espaços, na construção de sentidos emergentes.
Observemos mais este trecho do discurso de Alckmin:
(67)
Se,
no passado, o Brasil errou por entender que a
desigualdade regional poderia ser reduzida apenas com incentivos
aos investimentos privados, o governo atual erra ao imaginar que
desigualdade regional se combate com a simples distribuição de
bolsas(...)”. (A-linha128-131).
No trecho acima, a conjunção “se”
implementa a construção de um espaço
“hipotético-contrafactual”, fazendo referência ao passado, em relação a um espaço “atual-
factual”, em que Lula governa o país. É interessante perceber que essa construção, embora
contraponha tempo e espaço, identifica hipoteticamente a mesma postura, o erro. Essa
construção, intencionalmente utilizada pelo enunciador, sugere que os possíveis “erros”
cometidos no passado e no presente não serão cometidos no futuro governo, em que Alckmin
será presidente. Além disso, é interessante notar que os “erros” do passado, por fazerem
referência a gestões partidárias, estão no âmbito da hipótese, e que os erros do adversário são
factuais.
Como estamos vendo, a contraposição espaço-temporal é incisivamente marcada nos
discursos político-eleitorais. Em outro trecho, explicitado abaixo, as expressões “Daqui a 20
anos” e “hoje” também se constituem como expressões criadoras de espaços contrafactuais.
Veja que a primeira expressão projeta-se para o futuro, semanticamente entendido como
conseqüência das causas priorizadas “hoje”, factual. Ao fazer isso, o candidato apresenta-se,
mais uma vez, como um visionário, procurando mostrar que seu governo não estará
preocupado unicamente com o período de quatro anos de mandato, mas com o futuro do país.
Criação e integração de
espaço hipotético-
contrafactual: conjunção
“se”.
Contraposição espaço-
temporal: “no ano passado”
x “o governo atual”.
163
(68)
Daqui a 20 anos, o Brasil será tão bom quanto a atenção que
dermos hoje às nossas crianças(...)”. (A-linha212).
A contraposição pessoal é, também, evidente no discurso de Alckmin, embora
existente em todo discurso político-eleitoral. No trecho abaixo, Alckmin compara e contrapõe
explicitamente duas classes de políticos: uma, fazendo referência a Lula e aos seus
partidários: “nossos adversários que hoje estão atolados na lama moral que eles próprios
criaram”; e, a outra, fazendo referência a si próprio e a seus partidários: Somos muito
diferentes,(...)”, “Ao contrário deles, podemos nos orgulhar da nossa história, dos nossos
atos, das nossas ações. Da nossa coerência e da nossa honestidade. Podemos nos orgulhar
das nossas idéias, do nosso presente e do nosso passado. Os itens lexicais “diferentes” e
“ao contrário deles” marcam a contraposição entre os políticos em questão. Além disso, o
enunciador faz questão de fundamentar essa diferença pautando-se nas ações realizadas no
“passado” e no “presente”. Vejamos o trecho em questão:
(69)
“Com o desgaste da atividade política, disseminou-se, no
Brasil, a falsa idéia de que todos os políticos são iguais.
Não são, não.
Somos muito diferentes, por exemplo, dos
nossos adversários que hoje estão atolados na lama moral
que eles próprios criaram. Ao contrário deles, podemos
nos orgulhar da nossa história, dos nossos atos, das nossas ações. Da nossa coerência e da nossa
honestidade. Podemos nos orgulhar das nossas idéias, do nosso
presente e do nosso
passado(...)”. (A-linha315-317).
Diante de tudo isso, reafirmamos que é o discurso como um todo que persuade e que a
persuasão se efetiva via argumentação. No caso específico dos discursos político-eleitorais, a
argumentação é fundamentada na correlação de certos esquemas (elogios, promessas e
críticas), os quais instanciam inevitavelmente a contrafactualidade, podendo ser ou não
marcados por algum item ou expressão lexical específica.
Os esquemas argumentativos construídos no discurso de Alckmin, a nosso ver, podem
ser esquematicamente representados da seguinte maneira:
Contraposição espaço-
temporal indiciada pelos
itens lexicais “daqui a 20
anos” e “hoje”.
Contraposição pessoal: imagem
dos partidários x imagem dos
adversários.
Contraposição espaço-temporal:
passado x presente.
164
Contraposição
Espaço-temporal
Crítica ao governo Lula e
promessa de mudança.
Elogios às ações passadas
(Governo de São Paulo) e
promessa de continuidade /
mudança (Se eleito - futuro)
Elogio ao governo FHC
x
Crítica ao Governo Lula
Elogios:
Alckmin-
governador de
SP (passado)
Promessas:
Alckmin-
presidente
(futuro)
1º/2º
mandato
de FHC
(passado,
antes)
mandato
de Lula
(passado,
depois)
Espaço da Convenção Partidária do PSDB
Discurso Político-Eleitoral de Alckmin
Construção da Cena Enunciativa Básica
(presente da enunciação)
Relação Enunciador/Enunciatário
Ethos/pathos/logos
Enunciador
Enunciatário
Enunciatário
Alckmin-
candidato
Convencionais
Povo brasileiro
Críticas ao
governo Lula
(passado)
Discurso Político-Eleitoral de Alckmin
“Esquemas Argumentativos Básicos”
165
As operações subjacentes a esses esquemas argumentativos, os quais foram
construídos e utilizados no discurso político-eleitoral de Alckmin, bem como os gatilhos”
que instanciaram a criação e articulação das cenas enunciativas e demais espaços
identificados, podem ser sucintamente representadas da seguinte maneira:
CRÍTICAS E ELOGIOS
(passado)
Crítica:
. Ao governo Lula
Âncoras Materiais:
“No ano passado...”;
“Em 2002...”;
“Nos últimos anos...”
“O Brasil andou para trás nos
últimos anos...”, etc.
Elogio:
. Ao governo FHC
. Ao governo Alckmin (SP)
Âncoras Materiais:
“O governo do presidente
Fernando Henrique...”
“Em São Paulo, no meu
governo...”
“O atual presidente herdou dos
antecessores...”, etc.
PROMESSAS
(futuro)
Mudança (do que é criticado)
Continuidade (do que é
elogiado).
Âncoras Materiais:
“No ano que vem...”;
“...essa será a obsessão de meu
governo a partir do ano que
vem...”;
“... na primeira semana de
governo...”
“Como presidente, vamos
trabalhar...”
“Minha meta como presidente...”
“Daqui a 20 anos...”
“Meu futuro governo...”, etc.
Espaço da Convenção Partidária do PSDB
Implementação do Processo de Discursivização
(situação default)
Cena Enunciativa Básica (construção da relação En/Ea)
Criação e contraposição espaço-temporal
Discurso Político-Eleitoral de Alckmin
“Operações Subjacentes aos Esquemas Argumentativos Básicos”
OUTRAS
CONTRAPOSIÇÕES:
. Metáfora do caminho (festa);
. Metáfora do PT x Brasil
(“Um partido que deixou o
Brasil vermelho de
vergonha”);
. Contraposição por verbo
“comparar” e derivados.
166
4.5. Contraposição entre os Discursos Analisados: Lula e Alckmin, Parte e Contraparte
Ratificamos a nossa consideração de que a linguagem é por natureza argumentativa e
que ela não se efetiva sem que haja articulação entre espaços, o que pressupõe a instanciação
do princípio da contrafactualidade. No caso do discurso político-eleitoral isso é mais
veemente, haja vista os esquemas argumentativos básicos constituintes desse subdomínio
discursivo serem pautados na correlação entre elogios, críticas e
promessas, os quais são ancorados fundamentalmente na
contraposição espaço-temporal de passado e futuro, a partir do
presente da enunciação do discurso proferido. Essa ancoragem
espaço-temporal instancia a contraposição porque tanto o elogio quanto a crítica estribam-se
na existência de uma suposta factualidade que reporta a ações/eventos realizados no passado;
ao passo que a promessa se ancora na existência de um contrafactual que reporta a
ações/eventos futuros, não existentes. Consideramos, também, que a referenciação se pela
criação e articulação das diversas cenas enunciativas num plano maior que corresponde ao
plano-base
132
, no qual todas as cenas criadas se articulam, na construção do sentido
emergente, o que nos leva a ratificar que “é o todo discursivo que persuade”.
Com vimos, o discurso político-eleitoral é fundamentalmente marcado pela integração
de espaços referenciais que “materializam” a propriedade da confratactualidade, haja vista sua
manifestação inevitável na construção dos esquemas argumentativos típicos desse subdomínio
discursivo, marcados ou não por âncoras materiais
133
. No entanto, ainda um outro âmbito
de manifestação da contrafactualidade, no que tange ao discurso político-eleitoral. Trata-se
especificamente do evento político como um todo, em que um candidato do governo, no
caso Lula, militante de um partido de “esquerda”, e um
candidato adversário, no caso Alckmin, militante de um partido
de “direita”, os quais se instituem como contrapostos
134
. É
interessante notar que ambos se constroem na medida em que se
opõem ao outro, o que pode ser observado na materialidade textual
dos dois discursos. Comentaremos, a seguir, alguns trechos dos discursos em análise, a fim de
ratificar essa nossa afirmação.
132
Cena enunciativa básica.
133
Expressões lingüísticas típicas.
134
Estamos considerando, aqui, somente os candidatos mais expressivos, em que a oposição é evidente.
C
ontraposição espaço-
temporal (passado/futuro):
manifestação da
contrafactualidade.
Contraposição pessoal
(imagem de Lula x imagem
de Alckmin; partidários x
adversários): manifestação
da contrafactualidade.
167
Nos discursos político-eleitorais analisados, Lula caracteriza a eleição como uma
“caminhada de batalhas”, (L-linha10), enquanto Alckmin faz
menção a uma “caminhada de festa rumo a mudanças”, (A-
linha1) . Ao longo de ambos os discursos é evidente essa
contraposição de perspectivas. Lula, em vários trechos, remete às batalhas (L-linhas10, 19,
20, 121, entre outros) e às lutas (L-linhas73, 131, 189, 261, 540, 565, 566, 582, etc) vividas
no curso de sua vida política; contrariamente, Alckmin fala de uma vida de sucesso e na
possibilidade de realizar mudanças com “satisfação” e “entusiasmo” (A-linhas141, 200,
309, 351, entre outros).
A configuração da atual situação do Brasil também é antagônica em ambos os
discursos. Para Lula, o Brasil melhorou muito, embora ainda haja o que fazer, conforme
trechos L-linhas141, 156, 159, 174, 249, 250, 251, 254, 267, 268,
278, entre outros; para Alckmin, o Brasil se encontra em péssimas
condições, de acordo com os trechos A-linhas11, 12, 16, 18, 27,
44, 45, 72, 82, 227, 307, entre outros .
Com base nesse olhar sobre o país, ambos os candidatos fazem suas promessas para a
possível futura gestão. Lula promete “continuidade e melhoria”, como pode ser evidenciado
nos trechos L-linhas131, 143, 151, 166, 190, 230, 380, 511, 531, 532, 533, 540, 611, 612,
613, 614; enquanto Alckmin promete mudar a situação vigente, conforme identificado nos
trechos A-linhas1, 107, 141, 177, 186, 230, 232, 240, 241, 259, 309, 333, 352. A referência a
“Era FHC” também é oposta em ambos os discursos. Lula
critica severamente a “Era FHC” enquanto Alckmin
elogia. Nessa construção argumentativa, Lula busca opor-
se a Fernando Henrique Cardoso e Alckmin procura
identificar-se, conforme observado nos trechos L-linhas206, 208, 227, 231, 234, 239, 295,
312, entre vários outros, e A-linhas153, 163, 221, 247, entre outros .
Como vemos, a manifestação da contrafactualidade é inerente a todo discurso, haja
vista ser considerada uma propriedade da mente e, também, condição para efetivação da
operação de integração de espaços. No entanto, pode-se perceber que, no âmbito do discurso
político-eleitoral, a contrafactualidade tem um “modo” específico de se manifestar, seja na
correlação entre os esquemas argumentativos básicos (elogios, promessas e críticas), seja na
contraposição entre candidatos, indo muito além das expressões lingüísticas tradicionalmente
instanciadoras desse fenômeno.
Metáfora da
“caminhada”: manifestação
da contrafactualidade.
Contraposição: Brasil
de Lula x Brasil de
Alckmin.
Identificação entre FHC e
Alckmin; Oposição entre FHC e
Lula: manifestações da
contrafactualidade.
168
“Tem horas em que, de repente,
o mundo vira pequenininho,
mas noutro de repente
ele já torna a ser demais de grande.
A gente deve de esperar o terceiro pensamento”.
Guimarães Rosa
169
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho de pesquisa iniciou-se na busca de se compreender o modo como a
propriedade da contrafactualidade (FAUCONNIER e TURNER, 2002) se manifesta na
configuração e utilização dos esquemas argumentativos constituintes e constitutivos de
discursos político-eleitorais. Essa problematização partiu do princípio de que os esquemas
argumentativos, mais do que esquemas sintáticos formais, devem ser compreendidos como
manifestações lingüísticas resultantes de operações cognitivas, devendo ser observados na
dinâmica e complexa relação estabelecida entre os elementos que constituem o processamento
discursivo.
O desenvolvimento desta pesquisa esteve fundamentado nas seguintes considerações:
1) a noção de argumentação e de contrafactualidade não foram compreendidas na visão
tradicional, mas na pauta mais ampla do processamento discursivo, não se restringindo aos
limites do enunciado; 2) a análise dos esquemas argumentativos não esteve centrada apenas
nas expressões lingüísticas materializadas na linearidade dos textos, mas nas operações
mentais indiciadas por tais expressões/esquemas; e 3) essa abordagem investigativa somente
foi possível diante de uma interface entre a Teoria de Argumentação (cf. ARISTÓTELES,
1959; PERELMAN e TYTECA, 2002; e OSAKABE, 1999), a Teoria da Enunciação (cf.
BENVENISTE, 1989, 1995) e a Teoria da Integração Conceptual (cf. FAUCONNIER e
TURNER, 2002), uma vez que todas essas teorias tratam o discurso do ponto de vista de seu
processamento.
O objetivo geral deste trabalho foi o de apresentar uma contribuição aos estudos
lingüísticos, no que tange à investigação das operações mentais efetivadas sintático-
discursivamente na produção e recepção de textos, no âmbito da argumentação instanciada no
discurso político-eleitoral, pelo viés da contrafactualidade.
Para alcançarmos esse objetivo, apresentou-se, no primeiro capítulo, o objeto a ser
estudado, o corpus selecionado e a metodologia a ser utilizada na condução da pesquisa,
visando delinear a base sobre a qual o trabalho foi construído. O segundo capítulo foi
destinado à construção de uma noção de argumentação, com base nos pressupostos teórico-
metodológicos de Aristóteles, 1959, Perelman e Tyteca, 2002, Osakabe, 1999, e das
contribuições de Charaudeau, 2006, e de Lemos, 2006. O terceiro capítulo enfocou a
construção da noção de processamento discursivo, com base em Benveniste, 1989 e 1995; em
Fauconnier e Turner, 2002; e nas contribuições de Azevedo, 2006; Hauser, Chomsky e Fitch,
170
2002; Morin, 1996; Magalhães, 1998 e de Nascimento e Oliveira, 2004. Nesse mesmo
capítulo, articulamos essas teorias e apresentamos a síntese do modelo de processamento
discursivo proposto. No quarto capítulo, utilizando esse modelo de processamento discursivo,
procurou-se verificar a hipótese deste trabalho através da identificação e análise dos esquemas
argumentativos construídos e utilizados nos textos do corpus desta pesquisa.
Com base no desenvolvimento da análise proposta, evidenciamos que as operações
cognitivas de Identificação, Integração e Imaginação são basilares no processamento
discursivo e são responsáveis pela implementação dos subprocessos constitutivos do processo
de Discursivização, sendo regidas pela força integradora da contrafactualidade. Além disso,
chegamos à conclusão de que, conforme previa nossa hipótese de trabalho, os mecanismos
discursivos básicos envolvidos na configuração de estratégias persuasivas implementadas na
argumentação, em discursos político-eleitorais, caracterizam-se pela contraposição,
instanciando de forma determinante a propriedade da contrafactualidade.
O presente estudo nos leva a argumentar a favor dos seguintes pressupostos:
. no processo de construção de sentidos a mente humana opera de maneira
hipertextual e pluridimensional;
. a criação e articulação de Instâncias Enunciativas, operações que indiciam o
caráter dialógico da linguagem, são condições básicas para a implementação
do processamento discursivo;
. as operações cognitivas de Identificação, Integração e Imaginação, postuladas
por Fauconnier e Turner (2002), são básicas na implementação de domínios
referenciais e, portanto, do processamento discursivo;
. a contrafactualidade, mais do que um fenômeno restrito a determinadas
estruturas gramaticais, deve ser entendida como uma propriedade básica do
processamento de textos;
A análise aqui desenvolvida não teve a pretensão de realizar um estudo exaustivo dos
mecanismos e/ou princípios léxico-sintático-discursivos básicos envolvidos na configuração
171
de estratégias persuasivas implementadas na argumentação, uma vez que em termos de
processo isso seria impossível. A finalidade deste trabalho foi tão-somente apresentar um
outro olhar sobre a argumentação e sobre a contrafactualidade, deixando pistas para
discussões posteriores.
172
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Católica de Minas Gerais.
175
ANEXOS
Apresento, a seguir, o corpus desta pesquisa, o qual se compõe de dois discursos
político-eleitorais referentes ao lançamento da campanha à Presidência da República, do ano
de 2006. O primeiro texto, anexo 1, é um discurso do candidato à reeleição, o então presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, proferido por ocasião da Convenção do Partido dos Trabalhadores
(PT), em Brasília, no dia 24/06/06. O segundo texto, anexo 2, é um discurso do candidato
Geraldo Alckmin, proferido na Convenção do Partido da Social Democracia Brasileira
(PSDB), realizada em Minas Gerais, no dia 11/06/06.
Estes discursos foram retirados dos sites dos referidos partidos, onde foram publicados
na íntegra após as respectivas convenções partidárias. Assumimos que estes discursos o
textos escritos, os quais foram oralizados pelos referidos candidatos, ao proferirem seus
discursos.
Ressaltamos que em nada altera a ordem de disposição dos discursos, corpus desta
pesquisa, os quais foram anexados aleatoriamente.
ANEXO 1: Discurso do candidato Lula
1 Bem, meus companheiros e companheiras,
2
3
4
5
6
7
8
9
Eu quero cumprimentar o meu companheiro José Alencar, vice-presidente da República e candidato a
vice-presidente da República. E quero dizer a vocês que a manutenção do José Alencar na nossa chapa,
primeiro é o reconhecimento do mérito, da lealdade, do companheirismo e da competência do
companheiro José Alencar. Segundo, é porque eu não poderia abrir mão da tradição libertária do
Estado de Minas Gerais, da tradição cultural das Minas Gerais e da importância para a economia e para
a política que Minas Gerais tem. E também porque a combinação da ligação entre um metalúrgico e
um empresário como o José Alencar demonstrou o equilíbrio necessário que o Brasil precisava para
chegar onde nós estamos.
10
11
12
Portanto, José Alencar, esteja preparado para essa nova batalha, porque nós dois iremos enfrentar
preconceitos, ódio, inveja... E nós dois iremos demonstrar paz, humildade e muito amor ao povo
brasileiro durante esta campanha.
13
14
15
16
17
Quero cumprimentar minha companheira Mariza. Neste ano nós completamos 32 anos de casados.
Obviamente, que nem eu nem ela apresentamos a idade que temos. Ela certamente muito menos do que
eu. Mas, cumprimentando a minha companheira, pela importância que ela tem na minha vida, eu quero
cumprimentar todas as mulheres deste país, sem as quais nenhum de nós existiria. Nem teríamos
nascido. Portanto, obrigado a vocês, companheiras, parceiras e guerreiras deste querido Brasil.
18
19
20
21
22
Quero cumprimentar o companheiro Renan Calheiros, presidente do Senado Federal, e dizer para
vocês que a batalha que enfrentamos no Congresso Nacional não foi uma batalha fácil. E, junto com o
nosso líder Aloizio Mercadante, o Renan enfrentou, nas batalhas internas dentro do PMDB, o que nós
petistas já estamos acostumados a enfrentar ao longo desses 20 anos. Obrigado, Renan, pela sua
presença e pelo trabalho feito até agora.
176
23
24
25
26
27
28
Quero cumprimentar o meu companheiro ex-presidente da República, ex-presidente do Senado e hoje
senador da República, o presidente Sarney. Eu tenho dito que possivelmente o presidente Sarney seja,
de todos os ex-presidentes da República, o que mais sabe ser ex-presidente. O Sarney não palpite,
ele dá conselho. Ele não fala pela imprensa, ele fala com a gente. E também, nesse trabalho de costurar
todas as divergências e complicações com o PMDB, eu posso garantir a vocês que o Sarney foi um
parceiro extraordinário, surpreendentemente extraordinário.
29
30
31
32
33
34
E eu quero dizer pra vocês: a gente fica sabendo quem é mais ou menos companheiro da gente de duas
formas: na vida pessoal, quando a gente está doente, ou quando a gente está desempregado, que as
pessoas têm medo de encostar perto da gente, (pensando) que a gente vai pedir um dinheirinho
emprestado pra eles; ou na vida política, quando a gente está vivendo uma crise. Muitas pessoas se
afastam. A gente fica sempre imaginando... E por isso eu quero dizer para vocês da minha gratidão a
estes companheiros que não se afastaram dos compromissos até o último instante.
35
36
37
38
39
40
41
Quero cumprimentar o companheiro Aldo Rebelo. O Aldo Rebelo, vocês olhando a cara dele assim,
ele parece uma pessoa brava. Eu de vez em quando falo: ‘Aldo, você precisa sorrir um pouco’. A gente
sorri, a gente transmite mais serenidade, fica melhor com a gente mesmo, fica com menos rugas no
rosto, fica com uma série de coisas. Agora, eu quero dizer para vocês que aprendi profundamente a
admirar a lealdade e o companheirismo do companheiro Aldo Rebelo em todos os momentos em que
estivemos juntos. Está até sorrindo agora... E ele tem uma razão para não rir nesse momento. É que ele
é palmeirense... E as coisas não andam bem (para o Palmeiras).
42
43
44
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Quero cumprimentar os partidos políticos. O Levir Fidélix, do PRTB, o partido do José Alencar, que é
um partido mais novo, mas desde o começo ele esteve discutindo conosco o apoio. Quero
cumprimentar o Flávio Martinez, que assim que assumiu a presidência do PTB, junto com o nosso
ministro Walfrido dos Mares Guia (Turismo), assumiram o compromisso de que, acontecesse o que
acontecesse no PTB, eles estariam juntos na campanha presidencial.
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Quero agradecer o meu companheiro, irmão, Eduardo Campos, presidente do PSB. O PT inteiro sabe o
carinho que eu tenho pelo Eduardo Campos, antes, durante e depois; sabe do carinho e do respeito que
eu tinha pelo doutor Miguel Arraes; e sabe do carinho que eu tenho pelos companheiros do PSB, às
vezes com pequenas divergências... Porque quando a gente é do PT e vai para o PSB... E ex-petista fica
tão raivoso às vezes como ex-comunista, como ex-marido, como ex um monte de coisa... Agora, o que
a gente tem que fazer é não permitir que uma divergência circunstancial abale a relação sólida que
existe neste país em torno de um projeto nacional, entre PSB e PT.
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Quero cumprimentar o companheiro do PRB, do Partido Republicano Brasileiro, agora sim o partido
do JoAlencar, o Vitor Paulo. Quero cumprimentar o Renato Rabelo, do PCdoB. E aqui uma coisa
particular. Eu quero que vocês compreendam que eu estou falando mais de um partido ou de outro
porque eu tenho uma relação mais histórica com um ou com outro.
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Eu quero contar uma história pra vocês. Em 1989, eu estava desanimado. Eu caía tanto na pesquisa
que chegou uma hora que eu falei: ‘eu vou deixar de ser candidato, senão eu vou terminar a campanha
devendo dinheiro e devendo número pro Ibope. Depois eu vou ter que concorrer para zerar. Então eu
vou desistir...’. E eu estava com nosso querido e saudoso João Amazonas, que não está mais entre nós,
no carro, e o João Amazonas dizia uma coisa que nosso prefeito de Recife fala muito, o nosso
companheiro João Paulo: ‘Companheiro Lula, nós temos que demarcar o campo. Nós temos que
definir quem que nós queremos atingir. E eu acho que nós precisamos fazer um discurso próprio para a
classe trabalhadora’. Foi daí que nós fomos para o segundo turno em 89.
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E de para cá... eu tive muitas divergências com o PCdoB no sindicato, não pensem que tudo foi
amor e rosas... nós tivemos muitas... mas de lá para cá, a relação minha pessoal, do PCdoB com o PT e
do PT com o PCdoB, em quase todos os Estados da Federação, tem sido uma relação extraordinária,
civilizada, democrática, respeitosa e ela precisa se manter mesmo onde a gente tenha disputa. Eu digo
sempre o seguinte: o marido e a mulher não podem brigar todo dia por causa de um erro que um fez.
Senão o casamento não certo. Tem que ter paciência, tolerância, contar até dez, ir para casa, tomar
um banho gelado, antes falar mal de um companheiro, do PCdoB falar mal do PT e do PT falar mal do
PCdoB. Porque em todas as lutas estivemos juntos.
74 Quero agradecer aos meus ministros, companheiros uns mais conhecidos do que outros, porque
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falam mais com a imprensa –, mas companheiros todos responsáveis pelo sucesso que nós alcançamos
no nosso governo. É o trabalho de cada um, não tem mérito pessoal do presidente, é um trabalho em
que o conjunto das virtudes se junta e acontece uma coisa boa. O conjunto dos defeitos se junta e
acontece uma coisa ruim..., mas o saldo é altamente positivo.
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Quero agradecer aos nossos governadores aqui presentes, aos nossos candidatos a governadores do PT,
do PCdoB, do PMDB, do PRB, de todos os partidos políticos, do PSB... E dizer para vocês, meus
companheiros, preparem não as armas, preparam as pétalas de rosas para responder aos tiros dos
adversários.
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Quero cumprimentar todos os deputados aqui presentes. Eu não poderia deixar de nominar a figura do
Aloizio Mercadante, porque qualquer senador da República que hoje freqüenta o Congresso Nacional
sabe da competência com que este companheiro tem defendido o governo lá dentro, do trabalho insano
que é feito para poder construir junto com nossos aliados José Maranhão, Sarney, Renan e tantos
outros... as nossas maiorias, que às vezes é sempre muito difícil... a nossa guerreira Ideli... anotei todos
os senadores aqui... eu falei que ia citar o Aloizio Mercadante por causa do papel dele de líder do
governo. Meus agradecimentos, Aloizio, pela tua disposição, competência, combatividade e
enfrentamento.
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Quero agradecer aos deputados estaduais que estão aqui, quero agradecer aos prefeitos, que eu vi que
são muitos, e às prefeitas também, quero agradecer aos vereadores, quero agradecer aos movimentos
sociais. E aqui eu queria citar o mais importante dos movimentos sociais na pessoa do meu querido
companheiro João Felício, presidente da Central Única dos Trabalhadores... mudou? É o Arthur
agora... (Arthur Henrique da Silva Santo, eleito presidente da entidade no último dia 9 de junho) .Mas
então alguém precisa comunicar aqui porque... Você veja como eu estou desatualizado. Eu, por ser
presidente, não fui no congresso da CUT... Mas, Arthur, eu tenho certeza de que quem conhece a
história da CUT sabe que você vai continuar o trabalho para que ela continue sendo a mais importante
central deste país.
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Quero saudar os delegados e as delegadas. Vocês, no fundo, no fundo, no fundo, no fundo, no fundo,
no fundo, vocês são a razão de tudo isso, vocês são a explicação de tudo isso.
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Bem, meus companheiros e companheiras, eu quero agora chamar aqui no palco alguns convidados
especiais... tiramos a foto meu, amor... prepara a máquina... não se avexe... não se avexe... aguarda
um pouquinho... eu quero chamar aqui alguns companheiros especiais. Eu quero chamar aqui o
Arnaldo Pereira, do Vale do Ribeira, São Paulo, que foi atendido pelo programa Luz Para Todos; quero
chamar aqui a dona Maria José Ferreira da Silva, de Formosa, Goiás, que recebe o benefício do
programa Bolsa Família; quero chamar a nossa companheira Priscila de Jesus, do Rio de Janeiro, que
teve acesso à universidade graças ao ProUni; quero chamar aqui o Antonio Klein, de Cruzeiro do Sul,
Rio Grande do Sul, agricultor beneficiário do Pronaf; quero chamar aqui o Enoque Lopes, de
Fortaleza, Ceará, que junto com seu irmão expandiu sua lanchonete com recursos do microcrédito;
quero chamar aqui a Ana Cristina Rodrigues, de Cidade Ocidental, Goiás, que obteve financiamento
para comprar sua casa através do programa habitacional Crédito Solidário, da Caixa Econômica; e
quero chamar aqui o Alex Oliveira, daqui de Santa Maria, Brasília, que teve o atendimento do Samu.
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Primeiro vou fazer aqui uma concessão à Dona Maria: se você tiver cansada não precisa ficar... pode
sentar ali porque aqui vai demorar... Olha, eu quero dizer pra vocês que não adianta a gente ficar
saindo para ir almoçar, não, porque ontem eu fui a Chapecó, tinha 10 mil agricultores, churrasco
sendo feito lá fora, um cheiro de fumaça com gosto de churrasco danado, e ninguém saiu para ir comer
churrasco. Então, se vocês são os guerreiros que todo mundo citou aqui, não é meia-hora de atraso na
comida que vai deixar vocês meio ressabiados. Eu vou... eu vou encher vocês de discurso.
120 Companheiras e companheiros,
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Vocês sabem muito bem quanto custou a cada um de nós chegar até aqui. Quanta batalha foi preciso
vencer, quanto preconceito foi preciso remover, quanta armadilha foi preciso desmontar.
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Vocês sabem como foi difícil realizar aquele sonho que parecia impossível: o sonho coletivo de ter um
trabalhador na presidência do Brasil.
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Juntos, conseguimos mostrar que este sonho não apenas era possível, como era justo e necessário.
Juntos, mostramos ao mundo que um trabalhador tem condições de dirigir com competência um país
da importância do Brasil. Que pode fazer isso governando para todos e sem trair os interesses da
população mais pobre.
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Hoje eu estou aqui para dizer a vocês que o sonho não acabou e a esperança não morreu. Hoje eu estou
aqui para dizer a vocês que aceitei, mais uma vez, o chamamento. O chamamento que vem de vocês,
mas que vem, também, do fundo do meu coração. O chamamento para continuar a luta de construção
de um Brasil mais justo e independente, onde cada Brasileiro possa fazer três refeições todos os dias;
possa ter emprego, educação e saúde; possa viver em um país cada vez mais moderno e humano; e
possa, acima de tudo, ter esperança de um futuro cada vez melhor.
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Hoje estou aqui para dizer a vocês que decidi submeter meu nome e meu governo, humildemente, ao
julgamento dos meus irmãos Brasileiros. Hoje eu estou aqui para anunciar que sou, mais uma vez,
candidato à Presidência da República. E mais uma vez me acompanha, nesta jornada, o meu querido
companheiro José Alencar.
139 Companheiros e companheiras,
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Sou outra vez candidato não por ambição, mas porque o projeto de mudança do Brasil tem que
continuar. Volto a ser candidato porque o Brasil, hoje, está melhor do que o Brasil que encontrei três
anos e meio atrás, mas pode – e precisa - melhorar muito mais.
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Volto a ser candidato porque os pobres estão menos pobres e poderão continuar melhorando de vida,
caso sejam mantidos –e aprofundados – os programas sociais que implantamos.
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Volto a ser candidato porque conseguimos recuperar uma economia que encontramos profundamente
fragilizada, porque provamos que é possível garantir, ao mesmo tempo, estabilidade, crescimento e
distribuição de renda. Porque provamos que é possível ter crescimento econômico com geração de
empregos e inclusão social. E porque queremos provar que é possível ampliar estas conquistas ainda
mais.
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Volto a ser candidato porque demos às classes mais pobres um alto índice de crescimento de renda e de
poder de consumo. E porque tenho a certeza de que podemos continuar reduzindo a desigualdade
social que ainda é grande no nosso país.
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Volto a ser candidato porque melhoramos a educação, e vamos melhorá-la mais ainda, oferecendo
ensino de qualidade em todos os níveis e fazendo com que a universidade seja cada vez mais acessível
para os mais pobres.
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Volto a ser candidato, porque abrimos as portas do Brasil para o século 21, lançando projetos que farão
o nosso país dar o grande salto nas áreas de energia, infra-estrutura e pesquisa científica. E esses
projetos precisam ter continuidade e apoio nos próximos anos.
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Volto a ser candidato porque o Brasil é hoje uma nação mais respeitada internacionalmente e, se
mantiver o rumo certo, poderá ampliar cada vez mais o seu papel no mundo.
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Volto a ser candidato porque me sinto ainda mais maduro e preparado, pois aprendi bastante nos
últimos anos, muitas vezes com sofrimento e injustiças.
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Volto a ser candidato para ampliar o que está dando certo, corrigir o que houve de errado e fazer muita
coisa que ainda não pôde ser feita.
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Volto a ser candidato porque amo o Brasil, amo meu povo e não tenho ódio no peito. Porque tenho
feito e continuarei a fazer um governo capaz de unir os brasileiros e as brasileiras.
167 Companheiras e companheiros,
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Meu mandato acaba em 31 de dezembro. Mas se acabasse hoje, eu poderia dizer: não fizemos tudo
que queríamos, porém fizemos muito mais do que certa gente imaginava.
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Tenho certeza de que frustrei profundamente dois tipos de pessoas: aquelas que pensavam que meu
governo seria um caos e torciam para isso - e aquelas, que com paixão e ingenuidade, imaginavam
que eu poderia resolver todos os problemas do Brasil em apenas quatro anos.
173 O que conseguimos?
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Além de ter retirado o país da beira do abismo, recolocamos o Brasil nos trilhos, iniciando um ciclo
duradouro de desenvolvimento sustentado. No início do governo, eu disse a vocês que iria primeiro
fazer o necessário; depois o possível; para enfrentar, mais tarde, o impossível.
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Por causa das dificuldades agudas que enfrentamos, tivemos, às vezes, de fazer tudo isso
simultaneamente. Algumas vezes erramos e sofremos derrotas. Mas, graças a Deus, o saldo tem sido
muito positivo. E este saldo favorece a todos os brasileiros e brasileiras, sem distinção.
180 E qual é a base deste projeto que temos implantado nos últimos três anos e meio?
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É a integração do social e do econômico, buscando que o social seja o eixo do desenvolvimento
econômico e o desenvolvimento econômico seja o eixo do progresso social. Nosso objetivo nunca foi
alcançar apenas o superávit na economia, mas, sim, uma meta mais difícil: o superávit social. A
economia é transitória, muda com as circunstâncias. As conquistas sociais são definitivas.
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Superávit social, para mim, é a oferta justa, a todos os brasileiros, de bens e serviços de qualidade. E de
meios para que todos possam crescer e progredir. Para que desapareça da nossa paisagem o triste
desenho da fome, da miséria, do desemprego, do analfabetismo, da má assistência à saúde e da falta de
segurança.
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De cabeça erguida, posso olhar para vocês e dizer que obtivemos muitos avanços nesta luta. E como
me sinto em condições de fazer muito mais, quero continuar à frente do governo de todos os brasileiros
e brasileiras.
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Eu me sentiria frustrado se, nesta altura do meu governo, só pudesse mostrar bons indicadores
macroeconômicos, sem que eles se refletissem na melhoria da vida do cidadão comum.
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Graças a Deus, o Brasil está conseguindo fazer da política econômica e da política social duas faces de
uma mesma moeda. Por isso nossos indicadores sociais e os números da nossa economia são os
melhores dos últimos dez anos.
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Companheiros e companheiras,
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Hoje, as vozes do atraso estão de volta. E como não têm uma boa obra no passado
e nem propostas para o futuro, fazem da agressão e da calúnia as suas principais armas.
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Pensam que o povo esqueceu o que eles fizeram com o nosso país. Pensam que o povo esqueceu o
tamanho do buraco que eles cavaram. E que não engoliu o Brasil, porque o Brasil era muito maior
do que o abismo que eles construíram.
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Nos lares, nas praças, nas fábricas e nos campos, o povo está dizendo que não os quer de volta. Mas
eles nunca escutaram a voz do povo, e, obviamente, não vão querer escutá-la agora.
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Porém, por mais que nos provoquem, não usaremos os mesmos métodos, pois temos armas limpas e
poderosas. Uma delas é a comparação do que eles fizeram em oito anos de governo com o que nós
estamos fazendo em apenas três anos e meio.
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Todos se lembram do final do governo deles, quando a economia encolhia, o emprego diminuía e a
pobreza aumentava. Era o tempo da instabilidade e da vulnerabilidade econômica. Era a época da
insensibilidade social e do sucateamento da infra-estrutura. Era o tempo dos grandes apagões. Era o
final da sanha privatista que dilapidou o patrimônio público. Era a época da desesperança e da baixa
estima.
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Começamos a trabalhar sem tréguas. Não nos queixamos da realidade, nem nos deixamos paralisar
pela herança recebida. Iniciamos o processo de mudança e de reconstrução do Brasil, que continua
ainda hoje.
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O caos que anunciaram que seria meu governo não aconteceu. Cumprimos contratos, negociamos com
altivez nossas pendências, zeramos nossos débitos com o FMI e voltamos a crescer com justiça social.
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Os números e os fatos demonstram que seguimos o caminho certo. Vamos começar comparando
alguns números da economia.
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Quando assumimos o governo, o país estava à beira da falência, com uma dívida externa de 210,7
bilhões de dólares e um risco Brasil de quase 2.000 pontos.
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Em três anos e meio, zeramos nossa dívida com o FMI, diminuímos a dívida restante para 161 bilhões
de dólares e derrubamos o risco Brasil para os patamares mais baixos desde que é medido. E hoje ele
está em 260 pontos.
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Enquanto, com eles, a relação da dívida externa líquida com o PIB aumentou de 17,4% para 35,9%,
conosco ela diminuiu de 35,9% para apenas 9,4%.
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Na época deles, nossas reservas internacionais diminuíram de 37,9 bilhões de dólares para 16,3
bilhões. A economia ficou bastante vulnerável, o que era uma ameaça à nossa soberania.
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Nos nossos três anos e meio de governo, as reservas aumentaram de 16,3 bilhões para 63 bilhões de
dólares. E vão continuar crescendo.
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No tempo deles, o saldo comercial acumulado sofreu um déficit de 8,6 bilhões de dólares. No nosso,
tivemos um superávit de 118,7 bilhões de dólares e nossas exportações cresceram 106%. Um índice de
crescimento muito acima da média mundial.
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Eles prometem, agora, baixar os juros da noite para o dia. Mas no governo deles, a taxa Selic chegou a
alcançar um pico de 85% ao ano.
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Não estou satisfeito com a taxa de juros praticada no país. Mas já conseguimos baixá-la para 15,25% e
criamos condições macroeconômicas para que ela continue diminuindo de forma equilibrada e
consistente.
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Eles prometem, agora, reduzir os impostos. Mas nos oito anos deles, foi grande o aumento da carga
tributária. Nosso aumento de arrecadação, ao contrário, se deu fundamentalmente pelo crescimento da
economia e a melhoria da máquina arrecadadora. Além do mais, desoneramos produtos de consumo
popular e setores produtivos estratégicos, como bens de capital e material de construção civil.
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Tudo isso, somado, significa uma economia sólida, capaz de garantir o crescimento de forma
sustentada e com força para resistir aos solavancos externos. Acabou-se o tempo em que um leve
resfriado nos mercados globalizados significava uma grave pneumonia no Brasil.
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Porém, mais importante que os indicadores macroeconômicos são os benefícios concretos na vida das
pessoas.
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Melhoria de vida se mede, principalmente, pela capacidade de consumo da população pobre, não pelo
consumo sofisticado dos mais ricos. E hoje o brasileiro, em especial o brasileiro e a brasileira pobre e
de classe média, tem melhor capacidade de consumo.
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Hoje muitos brasileiros pobres estão comendo melhor, porque ganham mais e m alimento mais
barato; podem construir ou reformar sua casa, porque baixamos os impostos e o preço do material de
construção diminuiu; podem comprar sua geladeira, seu fogão e sua televisão, porque a renda
melhorou e o crédito está muito mais acessível.
255 Hoje vivemos uma feliz combinação de inflação baixa, melhor poder aquisitivo das classes mais
181
256 pobres e melhor acesso ao crédito.
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Nos nossos três anos e meio de governo, o salário mínimo real teve o maior aumento dos últimos 12
anos. Como a inflação é baixa, a oferta de alimentos boa, e nós reduzimos os impostos dos produtos, o
poder de compra do salário mínimo aumentou fortemente em relação à cesta básica.
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Eu quero aqui falar uma coisa diretamente para os dirigentes sindicais. Eu, modéstia à parte, fui um
bom dirigente sindical no Brasil. E passei parte da minha vida lutando para ter aumento de salário,
lutando contra o desemprego. E muitas vezes, mesmo nas mais importantes greves, nós fomos
derrotados. E quando conseguíamos ter um reajuste apenas igual à inflação, muitas vezes
considerávamos uma vitória. No nosso governo, faz três anos que 90% do movimento sindical faz
acordo com aumento real de salário.
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Ao mesmo tempo, praticamos uma verdadeira revolução no crédito, abrindo suas portas para amplos
setores da população que nunca tiveram acesso a ele. Ou seja, melhorou o Brasil e a vida dos
brasileiros também melhorou.
269 Meus queridos, companheiras e companheiros,
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Sei que muita coisa precisa ser feita para diminuir a pobreza e a desigualdade social. Mas estamos no
caminho certo. E aqui me permitam fazer uma nova comparação com o passado recente.
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O valor do índice Gini, que mede a desigualdade social, foi o menor dos últimos 29 anos. Repito: o
menor dos últimos 29 anos. Conforme a Pnad (Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio),
entre 2003 e 2004, a miséria teve uma redução de 8%, e 3 milhões e 200 mil pessoas saíram da linha de
pobreza. Obrigado, companheiro Patrus (Patrus Ananias, ministro do Desenvolvimento Social), pelo
trabalho dignificante do programa Fome Zero e Bolsa Família. É como se um país inteiro de
miseráveis tivesse levantado a cabeça e saído a caminhar em busca de um destino melhor.
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Isso ocorre porque temos, hoje, no Brasil, alguns dos maiores e mais eficientes programas de
transferência de renda do mundo. Eles formam uma grande rede de promoção e proteção social, cuja
cabeça é o Fome Zero; e o principal braço, o Bolsa Família.
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O Fome Zero é, na verdade, um guarda-chuva de cidadania que integra ações de combate à fome,
transferência de renda, acesso a alimentos mais baratos e fortalecimento da agricultura familiar.
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O Bolsa Família é o programa de mais visibilidade do Fome Zero, porém, a sociedade ainda não
conhece todas as suas facetas. Além da ajuda financeira – e neste mês atingimos 11 milhões e 100 mil
famílias –, o Bolsa Família está hoje integrado, entre outros programas, com o Brasil
Alfabetizado; com o Pronaf em ações na área da agricultura familiar; com o Peti, que é o Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil, e com o Sentinela, que combate a exploração sexual da criança e do
adolescente.
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Não estamos dando esmola. Estamos transferindo renda, garantindo o direito à alimentação e
ampliando a cidadania.
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Hoje, nossos programas de transferência de renda beneficiam a população de todos os Estados
brasileiros. Eles melhoram a vida dos mais pobres e, ao mesmo tempo, ativam a economia de milhares
de municípios, gerando renda e emprego para toda a comunidade.
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Nos nossos três anos e meio de governo, transferimos para as famílias carentes um volume de recursos
36% maior, em proporção ao PIB, que nos oito anos do governo deles.
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Por minha história pessoal e minha formação política sou um homem que defendo a cultura do
trabalho. E sei que somente com emprego e educação uma pessoa pode, definitivamente, melhorar de
vida.
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É por isso que o eixo do nosso governo une o econômico, o social e o desenvolvimento tecnológico.
Programas de transferência de renda convivem com políticas públicas de desenvolvimento e emprego.
Equilíbrio macroeconômico é pano de fundo para o avanço social. Políticas de longo prazo interagem
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com ações emergenciais no cotidiano. E o apoio a grandes indústrias e ao grande setor de serviços
ocorre junto com um vigoroso suporte ao pequeno e médio empreendedor.
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Como exemplo do apoio ao pequeno empreendedor, quero citar o grande avanço que conseguimos na
agricultura familiar. O crédito triplicou: enquanto no último ano de governo eles investiram 2,4 bilhões
de reais no Pronaf, nós investimos 7,5 bilhões na safra que terminou agora em julho de 2006.
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Demos um salto, além disso, na implantação da reforma agrária, aumentando os assentamentos, o
crédito e a assistência técnica. Já assentamos 260 mil novas famílias e aumentamos o orçamento do
setor em 255%.
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Eu quero encerrar este capítulo, comparando os resultados na área mais delicada e de mais forte
demanda no mundo, que é a área do emprego.
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Nos oito anos de governo deles, a taxa de desemprego aberto aumentou 41%. Nos nossos três anos e
meio, a taxa de desemprego aberto diminuiu 13,7%.
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E o mais importante: enquanto eles criaram, em média, 8,3 mil empregos por mês, nós estamos criando
em média de 102 mil empregos mensais. Quero lembrar a vocês que fazem exatamente 42 meses que o
nível de emprego é superior a 100 mil mensais. Isso é uma demonstração de que a economia está
consolidada para o próximo salto que queremos dar.
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Por isso, criamos mais de quatro milhões de empregos com carteira assinada, um montante superior
ao que eles criaram nos seus oito longos anos de inércia.
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Se somarmos as vagas abertas no mercado informal e no setor público, o mero de empregos criados
por nós é de 5 milhões e 600 mil.
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Para não cansá-los com outros números, resumo o restante numa frase: fizemos em 42 meses mais que
eles em 8 anos. Porém, mesmo que tivéssemos feito o dobro, ainda seria pouco, frente à imensa dívida
social deixada por séculos e séculos de descaso com os mais pobres deste país.
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Permitam-me, agora, conversar um pouco com meus convidados especiais, com estes amigos que são a
cara deste Brasil belo e sofrido. Deste Brasil que é a razão da minha existência e ao qual jurei dedicar a
minha vida.
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Primeiro, cumprimento o meu querido Arnaldo Pereira: melhor do que ninguém, eu posso medir a sua
alegria e de sua família quando o programa Luz para Todos levou energia elétrica para a propriedade
de vocês, lá no Vale do Ribeira, em São Paulo.
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Em boa parte da minha infância, até os 7 anos, Arnaldo, eu não tive luz em casa. Era difícil viver com
o candeeiro depois das 6 horas da tarde. É por isso que uma das minhas maiores alegrias como
presidente é já ter levado energia elétrica para 3 milhões e 300 mil pessoas neste país, nos pontos mais
remotos do Brasil nós chegamos. E quero ir além, viu Arnaldo: quero ser o presidente que, se Deus
me permitir, vai apagar a última lamparina da casa mais humilde que tiver nesse país.
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Sabe por que Arnaldo? Entre outras coisas, para poder ouvir histórias como a de uma companheira
nossa, do sertão do Ceará, que nos primeiros dias em que a energia chegou à sua casa, ela ficou
acendendo e apagando a luz a noite inteira. O marido perguntou por que ela estava fazendo aquilo. E
ela respondeu: “Porque eu nunca tinha visto a cara do meu filho dormindo”.
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São emoções como esta, Arnaldo, que fazem valer a pena ser presidente. Elas amenizam algumas
injustiças que a gente sofre e nos mostram o tamanho do equívoco daqueles que acham que os
programas que favorecem os mais humildes, como o Luz para Todos, são investimentos desnecessários
e mal feitos.
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A mesma coisa, dona Maria, eles dizem do Bolsa Família, que beneficia a senhora e toda a sua família,
aqui em Formosa. Eles são incapazes de ver a importância que tem este programa para as 11 milhões
de famílias que hoje são beneficiadas por ele. Eu queria falar um pouco do Bolsa Família, se vocês
tiverem mais um pouquinho de paciência. Tem muita gente que acha que 60 reais é pouco, que 90 reais
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é pouco, que 100 reais é pouco. Eu acho que para muitos de nós que estamos aqui para o presidente
da República é pouco, para o presidente do Senado é pouco, para o presidente da Câmara é pouco, para
os deputados é pouco, para os senadores é pouco, para o JoAlencar é pouco, para muita gente que
ganha oito, nove, dez mil reais é pouco. Mas para os milhões e milhões de brasileiros, que vivem às
vezes passando um ano sem ver uma nota de cinco reais, receber 65 reais, 80, 90 reais no fim do mês é
a certeza de que a sua criança não vai morrer de fome e não vai ficar desnutrida.
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E tem muita gente que fala: ‘ah, mas isso não resolve o problema’. Certo que não resolve o problema.
Nós queremos é arrumar emprego. Mas as pessoas que acham que é assistencialismo, elas não têm a
menor noção do que é, por este país imenso, nos grandes centros urbanos, na periferia, e no interior
de todo o país, uma mãe levantar de manhã sem ter um copo de leite para dar para um filho. Eles não
sabem o que é uma mãe, na hora do almoço, saber que não tem um bocado de feijão com água para
fazer para o filho. Então 90 reais, 70 reais, fazem uma diferença incomensurável. E essa mulher
certamente... e é por isso que damos na mão da mulher o dinheiro... porque na mão da mulher, a gente
sabe que ela não vai fazer nada errado, mas vai levar a comida para dentro de casa para o seu filho.
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Mas eu vejo ali também a companheira Priscila de Jesus, do Rio Janeiro, que está podendo cursar a
universidade porque ela conseguiu uma das 203 mil bolsas do ProUni. Priscila, o Prouni é apenas um
aspecto da grande transformação que estamos fazendo na educação. Além do aumento de verbas que
fizemos nos primeiros anos de governo, enviamos ao congresso em junho de 2005 e espero que seja
votado logo - um projeto de lei criando o Fundeb, um fundo que, nos próximos três anos, vai aumentar
em dez vezes o investimento federal nos setores mais carentes do ensino.
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Estamos criando as bases para investir em todos os níveis de ensino, Priscila, porque sabemos que os
pobres, os trabalhadores e a classe média, merecem ter uma pré-escola boa, um curso fundamental
eficiente, um nível médio de qualidade, uma universidade moderna e uma s-graduação de
excelência.
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criamos quatro universidades federais, transformamos seis faculdades em universidades e levamos
42 extensões universitárias para o interior do nosso querido país. E estamos fazendo uma reparação
histórica, apenas uma reparação histórica: a garantia de vagas, nas universidades públicas e no ProUni,
para afro-descendentes, além da concessão de bolsas universitárias para índios.
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Além disso, temos vários outros programas na área da educação e da formação profissional, como o
ProJovem, que assegura a conclusão do curso fundamental e o aprendizado de uma profissão. Ele
beneficiou 95 mil jovens, como você, Priscila, em todo o Brasil. E mais 112 mil acabam de se
inscrever para a nova etapa.
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Este esforço na educação tem que continuar, Priscila. Pois educação não é apenas instrumento de
promoção social e econômica, mas, também, de cidadania. E somente através do conhecimento
poderemos fazer a verdadeira revolução que o Brasil precisa.
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Me permitam cansar um pouco mais vocês. Nós não temos apenas o ProJovem e o ProUni. Nós temos
alguns programas extremamente importantes para a juventude brasileira. É ProJovem, é o ProUni, é o
Primeiro Emprego, é o Consórcio da Juventude, é o Escola de Fábrica, que são programas que se
completam entre si... o Soldado Cidadão, que este ano vai ter 100 mil jovens fazendo... que são
programas que garantem à juventude a perspectiva de não perder a esperança e ter a certeza de um
futuro melhor.
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E quero dizer isso para vocês porque sei a importância de um curso técnico. Foi graças ao fato de eu ter
tirado diploma de torneiro mecânico que eu pude arrumar um emprego melhor, ganhar mais que o
salário mínimo, entrar no sindicato e chegar à Presidência da República. No meu governo, está
proibido para qualquer ministro, seja ele da Educação ou do Transporte, utilizar a palavra gasto quando
se fala em colocar dinheiro na educação. Educação é investimento, é retorno garantido. E todo centavo
que nós não tivermos coragem de colocar na educação agora, a gente vai ter que colocar em cadeia
amanhã.
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Então é muito melhor a gente acreditar que hoje a gente pode salvar essa juventude e permitir que eles
tenham um futuro tranqüilo e garantido. Porque não existe na história da humanidade nenhum país
desenvolvido com um povo analfabeto, nenhum país desenvolvido pelo alto grau de ignorância da
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sociedade, mas sim pelo alto grau de conhecimento da sociedade. Por isso, Priscila, meus parabéns. Eu
sei, Priscila, que o maior legado, a maior herança que uma mãe e um pai podem deixar para um filho
não é um carro, não é uma casa, não é uma conta bancária. O maior legado que nós podemos deixar
para aqueles que nós colocamos no mundo é a formação profissional, é a qualificação profissional.
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Porque quando a gente forma um homem ele fica mais independente. Ele, quando sai para procurar
emprego, se ele não tiver profissão, as pessoas simplesmente dizem ‘não tem vaga’. Mas se ele tiver
uma profissão, vão fazer uma ficha dele, e um belo dia ele será chamado. A mulher, sobretudo, se ela
tiver uma profissão e tiver um companheiro que não seja um companheiro, que tente fazer a mulher
subserviente, quando ela tiver uma profissão, ganhando igual ou mais do que ele, se ele falar alto, ela
fala: ‘Meu filho, baixa o tom, menos, menos, porque eu estou vivendo com as minhas próprias pernas’.
E essa independência é uma conquista que nenhum de nós pode abrir mão. Portanto, meus parabéns
querida.
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Quero também saudar o nosso querido Antonio Klein, este gaúcho... todo gaúcho é de fibra, batalhador
do nosso campo. Em sua pessoa, quero homenagear todos os heróis anônimos que colocam comida
barata na mesa do brasileiro e ajudam a melhorar a vida dos seus compatriotas.
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Sei da importância do trabalho de vocês, Antonio. Foi por isso que quase triplicamos o volume de
recursos do Pronaf. Foi por isso que criamos o seguro agrícola para a agricultura familiar, e que
fizemos a repactuação e o alongamento de dívidas do crédito rural, tirando mais de 500 mil produtores
rurais da inadimplência.
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Essa é uma coisa que me dá orgulho, porque conheço profundamente bem a agricultura familiar
brasileira e tenho a convicção de que nós ainda não fizemos tudo o que vamos fazer por eles, mas
certamente fizemos mais do que em qualquer outro momento da história deste país.
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Acordos. Todo ano é feito acordo na minha mesa com as entidades. não faz acordo com nosso
governo quem não quer. Porque alguns não querem fazer acordo, querem fazer política. Então façam
política. Mas aqueles que querem fazer acordo sabem está aqui o nosso companheiro representante
dos mata-mosquito – como nós sabemos fazer acordos.
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Mas eu quero comentar com meu amigo Enoque Lopes, que mora em Fortaleza, e que recebeu
financiamento para tocar a sua lanchonete, as profundas mudanças que estamos fazendo no crédito
popular no Brasil.
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Já concretizamos, Enoque, mais de 17milhões de operações de microcrédito, com taxa de juros
máxima de 2%, num total de R$ 3 bilhões emprestados. Ampliamos, também, o crédito direto ao
consumidor, criando formas de crédito consignado para trabalhadores da ativa e aposentados.
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Para facilitar a vida das pessoas com baixos recursos, autorizamos, ainda, a abertura de 6 milhões de
contas bancárias simplificadas, isentas de tarifas.
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E você, minha querida Ana Cristina Rodrigues, que está concretizando seu sonho da casa própria, saiba
que duplicamos os recursos federais para a habitação e aumentamos para 397 mil a média anual de
unidades financiadas pelo governo federal. Tudo isso para que pessoas pobres, e da classe média,
possam ter seu próprio teto.
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E deixei você por último, meu querido Alex Oliveira, porque sua história é singela e comovente. Sua
vida foi salva por causa do atendimento rápido e eficiente do Samu, aqui em Brasília. Saiba que o
Samu está implantado hoje em 647 municípios Brasileiros, beneficiando, diariamente, milhares e
milhões de pessoas.
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Sei que a saúde pública precisa ainda melhorar muito. Sei que muitas pessoas ainda morrem sem
atendimento no nosso país. Mas temos trabalhado muito para melhorar isso.
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Entre 2003 e 2005, o repasse do SUS para Estados e municípios cresceu 35%. O programa agente
comunitário de saúde foi reforçado com mais de 38 mil agentes; o programa saúde da família
aumentou o número de equipes e de municípios em todo o território nacional. E o programa Brasil
Sorridente, pelo qual tenho uma simpatia toda especial, possui 13.408 equipes e 383 centros de
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especialidades odontológicas em operação, minorando o sofrimento e aumentando a auto-estima de
milhões de brasileiros e brasileiras que agora podem sorrir melhor.
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Sem falar do programa Farmácia Popular do Brasil, que tem 149 unidades em 117 municípios, e
1.719 pontos de vendas em farmácias privadas, comercializando medicamentos por preço até 90%
inferior ao preço praticado no mercado. Uma oferta, meu caro Alex, que vai melhorar ainda mais
agora, com o estímulo que temos dados à venda de medicamentos fracionados, o que vai baixar o custo
do remédio e evitar desperdício.
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Essa é uma coisa importante que o nosso Ministério da Saúde e a Anvisa estão fazendo. Vocês sabem
que cada um de nós tem uma farmácia em casa. A gente com dor de cabeça, vai compra um
pacote de remédio, toma um, fica o resto. A gente tá com um problema, compra um monte de remédio,
toma um, fica o resto. Aí um belo dia de noite a gente acorda, sai procurando remédio, correndo o risco
de tomar um remédio vencido e quebrar a cara.
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Então agora nós estamos adotando uma política de vender remédio por unidade. A pessoa chega na
farmácia, pede um comprimido; se quiser dois, pede dois; se quiser três, pede três... s temos
alguns laboratórios (produzindo), algumas farmácias vendendo e tem quatro laboratórios
conversando com a Anvisa, mandamos um projeto de Lei para o Congresso Nacional para transformar
em obrigatoriedade o remédio fracionado, porque isso vai melhorar a vida das pessoas e as pessoas vão
poder apenas o que precisam. Até porque ninguém compra remédio para enfeite, nem compra remédio
para guardar na prateleira. A gente compra para tomar. Então essa é uma coisa muito importante.
466 Por isso, eu quero dizer que fico satisfeito quando o Samu socorre um companheiro como você.
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Se reeleito presidente do Brasil, pretendo modificar por completo o que não funcionou. E, com muita
ênfase, manter e ampliar aquilo que deu certo. É mais ou menos como o Parreira (Carlos Alberto
Parreira, técnico da Seleção Brasileira de futebol) ou como o técnico do Corinthians, o técnico do
Palmeiras. Você é dono de um time, você escala o time, na hora que você percebe que uma cosia não
está fluindo bem você saca um, coloca outro e a coisa vai bem.
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No governo é a mesma coisa. Nesses quatro anos, nós já sabemos o que fluiu, o que andou bem, o que
teve dificuldade, aonde a burocracia empacou, aonde a burocracia não andou. Então, nós estamos com
a viola azeitada, mais ou menos como o time brasileiro para entrar agora para valer na próxima terça-
feira (quando jogam Brasil e Gana pelas oitavas-de-final da Copa do Mundo da Alemanha). Nós
estamos com o time azeitado para disputar essa final.
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Para nossa felicidade, os principais caminhos do futuro governo estão abertos, em especial na área
do desenvolvimento. Nosso governo não mudou apenas a cara da política social e da política
econômica. Mudou, especialmente, o modelo de desenvolvimento do país.
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A linha mestra do nosso modelo de desenvolvimento é a do crescimento sustentável, com distribuição
de renda, geração de emprego e redução das desigualdades.
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Este novo modelo está nos abrindo novas vertentes estratégicas, como a da nova matriz energética; e
implantando vetores de futuro como a TV digital, as indústrias de semicondutores, software, fármacos,
biotecnologia e nanotecnologia.
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Meu possível futuro governo conciliará, de forma contundente e irreversível, uma eficiente ação social
com uma política de alto desenvolvimento tecnológico. Vai conjugar, ainda mais fortemente, uma
política de redução das desigualdades sociais com uma política de redução das desigualdades
regionais.
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Hoje, através de medidas vigorosas, estamos queimando etapas para transformar o Brasil na maior
potência energética mundial. Nenhum país no mundo tem condições de produzir, em quantidade e
qualidade, combustíveis alternativos como o Brasil. E isto não é mais um sonho distante, e sim uma
realidade.
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Depois da experiência pioneira nas décadas passada, com o etanol, chegamos agora à Era
revolucionária do biodiesel e do Hbio, este último uma maravilhosa invenção brasileira, fruto da
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495 competência técnica da Petrobrás.
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Parte disso só foi possível porque nos últimos três anos e meio, a Petrobrás deu um salto sem
precedentes. Alcançou nossa tão sonhada auto-suficiência em petróleo, aumentou sua presença no
exterior e seu valor de mercado saltou de R$ 60 bilhões em 2002 para R$ 204 bilhões no início de
2006.
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Nosso modelo de desenvolvimento também incorpora, em todas suas ações, a defesa do meio-
ambiente. Não foi por acaso e está aqui a nossa querida Marina (Marina Silva, ministra do Meio
Ambiente) que conseguimos reduzir, em 2005, 31% do índice de desmatamento na Amazônia, a
maior marca dos últimos nove anos.
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Não foi por acaso que criamos 19,6 milhões de hectares de áreas protegidas, quase metade de tudo que
tinha sido feito, nesta área, em toda nossa história. E não foi por acaso que nos transformamos no
primeiro país da América Latina a adotar um Plano Nacional de Recursos Hídricos.
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Nosso modelo de desenvolvimento tem também por base uma forte política de diminuição das
desigualdades regionais. E ela se traduz em projetos estruturantes como a refinaria de Pernambuco, a
(ferrovia) Transnordestina, o pólo siderúrgico do Ceará, a BR-101 do sul, a BR-101 do nordeste e a
BR-163 ligando Santarém a Cuiabá e o Pólo Petroquímico do Rio de Janeiro.
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É para garantir a continuidade e ampliação destes e de muitos outros projetos que queremos continuar
à frente do governo.
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Mas se tivesse que destacar uma só área de prioridade máxima, para um próximo governo, eu citaria a
educação. Se reeleito, pretendo intensificar ainda mais o esforço que estamos fazendo para
revolucionar a qualidade da educação no Brasil.
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O Brasil poderá ocupar seu verdadeiro papel no mundo se formar melhor a sua juventude, se
aperfeiçoar seus quadros técnicos, se criar novas gerações pensantes.
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Para isso não basta que nosso jovem tenha o direito de entrar na escola, mas que tenha a felicidade de
sair dela bem formado, preparado para a vida e em condições de competir no mercado de trabalho.
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Prioridade na educação significa também cultura. Cultura erudita e popular. Apoio e incentivo às artes,
à música, ao teatro, ao cinema, à dança, ao livro e a todas as manifestações culturais do nosso povo.
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disse que estudei menos do que gostaria. Exatamente por isso, quero ser o presidente que mais fez
pela educação no Brasil. Ela terá prioridade absoluta no nosso segundo mandato.
524 Companheiras e companheiros,
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A síntese de nosso possível futuro governo será a distribuição de renda para que haja crescimento; o
crescimento acelerado com estabilidade; e a responsabilidade fiscal para manter a estabilidade.
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Conseguiremos isso porque vamos ampliar, ainda mais, a sólida parceria que firmamos com amplos
setores da população. Nos últimos três anos e meio, mudamos a relação do estado com a sociedade,
fazendo o governo de maior participação popular da história e de mais respeito aos movimentos
sociais.
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Se reeleitos, continuaremos fazendo um governo de seriedade, responsabilidade e equilíbrio.
Continuaremos honrando nossos acordos e cumprindo, de forma sagrada, nossos compromissos
nacionais e internacionais. Mas nosso compromisso mais especial continuará sendo com o nosso
querido povo brasileiro.
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Dedicarei meu segundo governo, também, para resolver uma questão difícil e delicada: a qualidade do
gasto público. Se não fizermos assim, a carga tributária inevitavelmente aumentará. Isso ninguém quer
e não é bom para a economia.
538 Por isso, vamos investir mais nas reformas e enfrentar o problema do desperdício e das falhas de
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539 controle, em especial na nossa querida Previdência Social.
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Uma das características que pretendo manter num segundo governo é a de continuar lutando por
mudanças que melhorem a vida de toda a nação brasileira.
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A reforma política, por exemplo, meus companheiros deputados e senadores, que espero que todos
voltem com mandato para cá, não pode mais ser adiada. Ela é fundamental para aperfeiçoarmos nossa
vida institucional e corrigir graves defeitos que ainda persistem.
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Esta reforma, que deve ser a nossa prioridade institucional imediata, e terá por base a fidelidade
partidária, é fundamental para dar suporte às demais reformas que deveremos implantar.
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Muitas das crises que o Brasil tem enfrentado, ao longo destes anos, não teriam ocorrido se já
houvéssemos modernizado nosso sistema eleitoral, nosso sistema partidário e algumas particularidades
do nosso sistema representativo. Isso terá que ser feito nos próximos quatro anos, e eu espero que a
gente consiga fazer no primeiro ano, sob pena de comprometermos seriamente a nossa evolução
política.
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A reforma agrária precisa ter continuidade, com a implantação de novos assentamentos e a garantia de
infra-estrutura. Tudo feito com paciência, com tranqüilidade, respeitando as normas legais vigentes no
país.
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A reforma urbana precisa se tornar uma realidade, com ênfase na regularização fundiária e na infra-
estrutura das áreas mais pobres, em especial das regiões metropolitanas. Já tem uma medida provisória
no Congresso Nacional cuidando disso.
558 Neste processo será também fundamental rediscutir a problemática da segurança.
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A Constituição Federal estabelece que a segurança pública é de responsabilidade dos Estados. Não
quero criar um álibi legal para afastar-me do dever de considerar este um dos mais sérios problemas do
Brasil.
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Quero estabelecer mecanismos solidários e de cooperação com todas as unidades federativas, para dar
segurança à sociedade, que não pode ser acuada pelo medo e pelo crime organizado, com centrais de
comando nas penitenciárias brasileiras.
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A luta contra o crime pode ser vencida com o trabalho persistente de toda a sociedade. Ela envolve
tanto uma ação de vigilância e repressão, como, em especial, uma luta contra a pobreza e as
desigualdades.
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Nos últimos três anos e meio, tomamos muitas medidas para melhorar a segurança pública. Ampliamos
e modernizamos a polícia federal, com um aumento de 74% no seu orçamento e um crescimento de
33% no seu efetivo.
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Criamos a força nacional de segurança, que tem atuado com eficiência em graves casos de perturbação
da ordem pública.
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Implantamos o Sistema Único de Segurança pública e consolidamos o Banco de Dados Digital de
Informações Criminais, numa parceria da polícia federal com as polícias estaduais.
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Estamos concluindo duas penitenciárias federais e outras três ficam prontas no próximo ano, obras,
aliás, que estavam previstas desde 1984 e nunca tinham saído do papel.
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Promovemos a campanha do desarmamento, principal responsável pela primeira queda na taxa de
homicídios desde 1992.
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Estas medidas trouxeram bons resultados. Mas elas precisam ser ampliadas. Isso é também uma tarefa
fundamental para a gente colocar em prática num segundo mandato.
581 Queridas companheiras e companheiros,
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Ao longo de sua história, o PT tem enfrentado muitas lutas e muitas dificuldades, mas, sem dúvida
nenhuma, nunca enfrentamos uma crise como a que se abateu sobre nós no ano passado.
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O importante é que não perdemos o rumo nem esquecemos nossos ideais, e o partido iniciou um
processo de autocrítica que deve continuar.
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A oposição aproveitou-se de algumas condutas equivocadas para generalizar culpas e tentar destruir o
partido mais autenticamente popular do Brasil; o único construído de baixo para cima, com os sonhos e
a dor de milhões e milhões de brasileiros.
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Nossos adversários tentaram se aproveitar de algumas situações para passar a falsa idéia de que nosso
governo compactuava com atos ilícitos.
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Mas a sociedade entendeu o que se passou e sabe que se determinados fatos afloraram é porque este foi
o governo que mais apurou – e puniu – a corrupção em toda a história do Brasil.
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Respeitamos a independência das instituições, do ministério público, reforçamos a Controladoria Geral
da união e imprimimos uma nova dinâmica à Polícia Federal. O resultado é que nunca se apurou tanto
e com tanta liberdade.
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Repito aqui o que disse antes: depois de apurar todas as responsabilidades, a justiça deve punir, e
quem tiver culpa comprovada tem que pagar. E eu serei o primeiro a aplaudir o cumprimento da
Justiça neste país.
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Os que me atacaram injustamente, e tentaram me destruir, se esqueceram que em toda a minha história
eu convivi da forma mais democrática possível com a divergência e a adversidade. Dentro do
sindicato, eu tinha oposição das mais diferentes facções e isso continuou em toda a minha vida política.
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Lembro de quantas divergências e disputas internas enfrentamos na campanha pela redemocratização
do país. Mas havia uma grande diferença de qualidade. Ali eu tinha embates francos, e limpos, com
homens como João Amazonas, como Brizola, como Miguel Arraes, como Ulysses Guimarães.
605 Que falta, companheiros, homens como estes fazem ao Brasil!
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Pessoas com as quais podíamos divergir, mas que sabíamos que combatiam o bom combate.
Defendiam os verdadeiros interesses nacionais. Pessoas que não queriam destruir ninguém, mas fazer
prevalecer o que julgavam melhor para o país.
609 Os tempos que vivemos hoje são muito diferentes. E isto, para mim, é muito triste.
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Não quero posar de vítima ou de herói. Quero apenas poder cumprir com meu dever, honrar a
confiança do povo e terminar meu governo em paz. E, se os brasileiros quiserem, continuar
aprofundando o trabalho de mudança do nosso querido Brasil.
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Para continuar este trabalho, queridas companheiras e companheiros, precisamos nos aperfeiçoar cada
vez mais. Precisamos continuar convivendo com a divergência e nos abrindo, sempre, para que os
setores que querem, de verdade, construir um Brasil moderno, independente e justo, possam estar
conosco.
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No campo partidário, mais que nunca nossas alianças têm que estar fundadas em princípios
programáticos. Sempre buscamos isso, mas agora temos que buscar ainda mais.
619 O Brasil precisa do PT para seguir em frente e o meu governo precisa do PT para governar.
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Mas o PT sabe, melhor do que ninguém, que precisamos fazer um segundo governo melhor do que o
primeiro e buscar coalizões sólidas para dar sustentação, sem indecisões, ao programa de governo.
622 Não tenho dúvida que temos todas as condições de fazer um governo ainda melhor.
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Se com a inexperiência que tínhamos, e com a tormenta política que enfrentamos, conseguimos
recuperar o Brasil, imaginem o que não poderemos fazer, num segundo governo, com mais experiência
e com pleno conhecimento da máquina pública brasileira?
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Imaginem o que não poderemos fazer depois de termos ampliada e renovada a confiança do nosso
povo?
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Se reeleito, quero fazer um governo que reúna o que tiver de melhor na sociedade Brasileira para
mudarmos ainda mais o Brasil.
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Quero fazer um governo que amplie nossos compromissos com os mais pobres, pois o melhor caminho
de servir melhor a todos é atender primeiro os que mais necessitam.
632 Meus amigos e minhas amigas,
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Eu comecei pedindo desculpas a vocês pela demora, mas eu sentia a necessidade de dizer tudo o que
foi dito a vocês. Queria dizer para vocês que vamos disputar as eleições sabendo que eleição e
mineração a gente conhece o resultado depois da apuração. Não tem eleição ganha na véspera. Não
tem eleição ganha na noite anterior. Ela será ganha no dia que a gente começar a apurar o voto
eletrônico no país.
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Portanto, o que eu quero dizer para vocês: ninguém pode sair por de forma ufanista, dizendo que
ganhou. Ninguém pode sair por dizendo que vai ganhar no primeiro turno, ninguém pode sair por
dizendo que os adversários não vão dar conta do recado. Humildade, seriedade e caldo de galinha não
fazem mal a ninguém, nem na política, nem em nenhuma atividade.
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Nós certamente, pela falta de proposta dos nossos adversários, pela impossibilidade de fazer o debate
econômico, pela impossibilidade de fazer o debate social, pela impossibilidade de fazer o debate da
participação popular, os nossos adversários já têm demonstrado o tipo de campanha que eles vão fazer.
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O compromisso que eu quero assumir com vocês é que, com a mesma tranqüilidade que eu enfrentei
essa crise sem transmitir um minuto de ódio, sem transmitir um minuto de ranço político, sem falar mal
de nenhum governador, de nenhum deputado, de nenhum senador, de não procurar culpados pelos
nossos erros, de não tentar jogar embaixo do tapete as mazelas que foram cometidas, durante a
campanha eu me portarei do mesmo jeito.
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Para cada gesto de ódio deles, uma palavra de carinho e uma palavra de amor. Para cada agressão, para
cada gesto de intolerância, nós iremos fazer gestos de tolerância, nós iremos fazer gestos de
compreensão.
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Ao invés do ódio, o amor. Ao invés da brutalidade, o carinho. É assim que nós precisamos ser na nossa
vida pessoal, na nossa vida política e na nossa vida pela passagem pela Terra.
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Se eu e essa galega (Dona Mariza) estamos juntos 32 anos, passando bons e maus momentos,
enfrentando situações boas e situações adversas, certamente iremos enfrentar mais uma. Enfrentar.
Porque quero dizer a vocês, com muito carinho: um candidato a presidente da República ou um
presidente da República que tem em vocês a maior salva-guarda de proteção no cumprimento da
institucionalidade, não tem que ter medo de quem quer que seja o nosso adversário, e não tem que ter
medo do discurso do adversário.
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Porque nós temos, na verdade, é que firmar cada vez mais a convicção de que, se alguns representantes
de setores elitistas do país, ou alguns saudosistas do tempo militar, nos odeiam, eu posso dizer a vocês
que o povo pobre deste país precisa de nós. E nós vamos atendê-lo mais uma vez.
664 Muito obrigado, viva o povo brasileiro e viva o Brasil!
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ANEXO 2 - Discurso do candidato Alckmin
Em discurso, Alckmin aponta caminho para desenvolvimento
Confira íntegra do discurso do candidato tucano à Presidência
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Belo Horizonte (11 de junho) - "Esta festa é o primeiro passo de uma grande caminhada para mudar o
Brasil. É simbólico que esta jornada se inicie aqui, em Minas Gerais, terra de patriotas e de idealistas.
Terra de gente como Tiradentes, Juscelino, Tancredo e o nosso anfitrião, Aécio Neves.
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Quero me dirigir não a vocês, companheiros de Convenção, mas a todos os brasileiros. Exponho
aqui minhas idéias, minhas convicções, minha visão sobre a realidade brasileira, minhas propostas e a
minha motivação para ser candidato a Presidente do Brasil.
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Posso resumir meus objetivos em poucas palavras: quero um Brasil mais justo, menos desigual, com
menos miséria, mais oportunidades. Com crescimento econômico acelerado e permanente. São
objetivos ambiciosos, mas não bom vento para quem não sabe onde quer chegar. Eu sei. O atual
Presidente recebeu um País modernizado, pronto para crescer. Teve o mundo em grande expansão
econômica. Mas errou muito. O Brasil perdeu.
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No ano passado, na América Latina, o Brasil cresceu mais do que o Haiti, um país pequeno e
despedaçado pela guerra. Em 2002, o Brasil respondia por 56% de tudo o que se produzia na América
Latina. No ano que vem, segundo projeções dos organismos internacionais, vamos produzir 47%.
Estamos perdendo terreno, mesmo comparados a vizinhos que sempre foram mais frágeis e mais
lentos. Não propaganda ou discurso que esconda essa constatação: o Brasil de Lula ficou para trás.
Apequenou-se.
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Pior: além do crescimento medíocre, o Governo Lula não fez nada, absolutamente nada, para que as
condições de crescimento no futuro sejam melhores. Nenhuma das reformas estruturais. Nada. Não
avançamos na infraestrutura, andamos para trás nas agências reguladoras, pioramos no front do sistema
tributário, aumentamos o custo Brasil com a adição do custo PT.
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Com a taxa de juros mais alta do mundo, com impostos levando 40% da riqueza produzida por ano;
com a manutenção das desigualdades regionais; com as estradas esburacadas e a infraestrutura
abandonada; com sua burocracia; com o empreguismo, o Governo é responsável por um ambiente
pouco propício ao empreendimento; ao investimento produtivo; à geração de riqueza; à criação de
postos de trabalho.
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Fazer a economia crescer é um clamor da sociedade brasileira hoje. E será a obsessão de meu governo
a partir do ano que vem. Crescimento econômico não cai do céu. Exige planejamento, ação, trabalho
sério. Fazer o Brasil crescer com inclusão social será a minha tarefa. Não vou cair nas discussões
estéreis. Crescimento ou estabilidade é um falso dilema. O Brasil precisa dos dois. Crescimento sem
estabilidade é fraude. Não existe. Estabilidade sem crescimento é perversão. Não deveria existir.
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Para um país como o nosso, a inserção no mundo não pode e não deve ser tratada como imposição, ou
falta de opção. Ao contrário, deve se afirmar como opção soberana, que permite e facilita o melhor
aproveitamento de todo o seu potencial. Não devemos perder tempo com reclamações ou tentar
retardar nossa integração com o mundo. Devemos aproveitar as oportunidades.
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Por isso, a política externa é cada vez mais relevante para o desenvolvimento de um país como o
Brasil. Temos muito a contribuir para o aprimoramento das instituições globais, da mesma maneira que
podemos nos beneficiar com a integração soberana ao mundo global. É preciso - e o faremos -
substituir a retórica vazia por resultados concretos, em consonância com os interesses do Brasil.
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Desastre é um adjetivo leve para caracterizar a política externa do governo Lula. Sem projeto e preso a
fantasias ideológicas, o atual governo gastou o mandato em gestos de mera marquetagem, busca de
cargos em organismos internacionais e relações perigosas com aventureiros de ocasião. Muita cena,
muita imagem e nenhum resultado.
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Empresas brasileiras são forçadas a investir no exterior, para ganhar acesso a mercados prioritários,
que estão fechados ao Brasil. Enquanto o México celebrou mais de 30 entendimentos bilaterais, os
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Estados Unidos concluíram ou estão em vias de concluir outros tantos, o Brasil completou poucos e
modestos acordos. Estamos exportando empregos.
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O Mercosul passa pela crise mais séria, desde a sua criação. E não se enxerga lógica na atuação, ou
omissão, do governo brasileiro. Não é possível ser tolerante com a imposição de barreiras comerciais
descabidas. Em vez de mais proteção, o Mercosul precisa de mais competição, mediante a adoção de
um cronograma sério para remover as barreiras protecionistas e as muitas exceções e perfurações que
retiram credibilidade e previsibilidade ao acordo.
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O Brasil está no meio do caminho entre pobres e ricos, entre subdesenvolvidos e desenvolvidos. Esta
deve ser a ótica da nossa política externa. De um lado, solidariedade e parceria com nossos irmãos em
desenvolvimento. De outro, temos interesses e responsabilidades que nos aproximam do mundo
desenvolvido, as quais devemos assumir plenamente, sem constrangimento ou demagogia.
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Os maiores entraves imediatos ao nosso crescimento econômico são conhecidos: carga tributária
demais, investimentos de menos e um Estado ineficiente no cumprimento de suas funções básicas, da
provisão de estabilidade institucional à educação e segurança pública.
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A elevadíssima carga tributária seria por si um problema para o crescimento do país. Torna-se um
obstáculo quase intransponível, quando associada à baixíssima capacidade de investimento em
infraestrutura, à ineficiência do setor público como provedor de saúde, educação, segurança e justiça e
aos pesadíssimos compromissos assumidos no passado com a previdência social.
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Vou direto ao ponto. Meu compromisso é enviar ao Congresso, na primeira semana de Governo,
projeto de reforma tributária que simplifique o modelo, estimule novos investimentos e busque
eficiência. Em São Paulo, desde o governo Mário Covas, reduzimos impostos de mais de 200 produtos
e serviços. Vamos fazer isso no Brasil.
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Da mesma forma, reduzimos ou isentamos a carga tributária de mais de meio milhão de pequenas
empresas. Vamos fazer isso também no Brasil, com tributos federais. Milhões de micro e pequenos
empresários lutam para sobreviver, e dão uma contribuição relevante para a geração e distribuição de
renda, gerando ocupação e emprego.
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Os pequenos empresários são os mais penalizados pela quase estagnação da economia brasileira nos
últimos anos, quando a maioria dos países do mundo crescia aceleradamente. Eles não têm acesso a
créditos especiais, pagam as taxas de juros mais elevadas do mundo e têm que enfrentar uma enorme
burocracia se quiserem existir formalmente.
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O resultado desta mistura de impostos elevados e burocracia ineficiente é levar cidadãos honestos à
ilegalidade, à informalidade, deixando-os expostos aos eventuais achaques de funcionários desonestos
e às penalidades da lei. A informalidade é uma doença que mina a capacidade do empreendedor.
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Vamos trabalhar nisso. Vamos criar um ambiente institucional e legal capaz de atrair os milhões de
empreendedores para a economia formal, permitindo que trabalhem com tranqüilidade e que cresçam
gerando emprego e renda.
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Hoje, o Brasil é escravo do Governo, que gasta muito e gasta mal. Vamos consertá-lo para que sirva ao
povo, e não o inverso. Estou determinado a cortar despesas supérfulas, reduzir o peso da máquina
pública inútil, definir prioridades na alocação dos recursos, fazer render o dinheiro da sociedade. E à
medida que o gasto for racionalizado, os impostos vão ser mais reduzidos, contribuindo para estimular
ainda mais o crescimento, abrindo espaço para mais investimento e mais crescimento.
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O atual presidente criou 12 ministérios, inchou a máquina estatal com amigos do partido derrotados
nas urnas, aparelhou o serviço público com companheiros cuja única qualificação era o uso do
distintivo partidário.
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Assumo aqui mais um compromisso: vamos cortar esses ministérios criados à toa; cabides de emprego.
Parece pouco, mas não é. Não é pouco em volume de dinheiro e não é pouco, principalmente, como
exemplo.
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É uma aberração que, em pleno século XXI, ainda tenhamos que ressaltar a necessidade de medidas
para gastar bem os recursos do Estado. Gastar bem o dinheiro público não deveria ser um plano de
governo, mas sim uma obrigação.
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Tenho uma visão de Estado que não comporta amadorismos. O Estado, em especial o brasileiro, não
pode se limitar ao seu papel de regulador, embora essencial e estratégico. Estimular o crescimento
econômico e promover o bem-estar social, pressupõe mobilizar energias, somar esforços e dividir
competências e responsabilidades - entre o setor público e privado e, no interior do setor público, entre
Governo Federal, Estados e Municípios.
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Os serviços e as ações que os municípios, e depois os estados, puderem executar, a eles serão
transferidas, junto com recursos, de modo que o governo federal se concentre no planejamento, na
coordenação nacional e fomento de ações de desenvolvimento.
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A incompetência e corrupção do atual governo agravaram as dificuldades estruturais do Estado
brasileiro para projetar, induzir e fomentar os investimentos públicos e privados necessários para
sustentar o crescimento.
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Mais que reformar, é preciso reinventar o Estado brasileiro em todo seu conceito. O setor privado
demonstrou seu dinamismo. Um novo Estado brasileiro desenvolvimentista, que terá como prioridade
a promoção do crescimento sustentável com inclusão social e redução das desigualdades regionais, não
pode despender energia e recursos fazendo o que o setor privado pode e tem condições de fazer. Por
isso, o Estado moderno não pode, sob nenhum pretexto, ser um obstáculo para a ação socialmente
responsável do setor privado.
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Vamos definir marcos regulatórios apropriados, que estimulem os investimentos e ao mesmo tempo
modulem o comportamento e decisões do setor privado às regras de convivência desejadas e aceitas
pela sociedade. Vou recuperar a capacidade de planejamento no setor público, atividade hoje
praticamente abandonada. O atual governo vive do improviso e da sobrevivência às crises contínuas.
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O ponto de partida para a recuperação dessa capacidade é a adoção de orçamentos realistas, que
representem com clareza as prioridades e deixem de ser objeto de barganha política para liberação e
alocação de recursos. Vou trabalhar com a máxima transparência, usando as ferramentas de governo
eletrônico. Vou prestigiar as carreiras públicas e a meritocracia, investindo na capacitação de uma
burocracia forte, estável, qualificada e bem paga.
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Essa nova postura vai nos ajudar a superar uma das facetas de um Brasil arcaico: a disparidade entre as
regiões. Vamos agir ativamente para diminuir as disparidades regionais. Para desconcentrar. O Brasil
tem de progredir por inteiro. Em todas as regiões. De novo, parece óbvio, mas não é. centenas de
obras do Governo Federal paradas no País. Há centenas de projetos que não andam e que, se andassem,
mudariam o quadro de desenvolvimento regional.
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Ainda hoje o Centro-Oeste, Nordeste e Norte apresentam indicadores econômicos e sociais
substancialmente inferiores à média do Brasil. Se, no passado, o Brasil errou por entender que a
desigualdade regional poderia ser reduzida apenas com incentivos aos investimentos privados, o
governo atual erra ao imaginar que desigualdade regional se combate com a simples distribuição de
bolsas.
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Erra de novo ao imaginar que desenvolvimento se faz com inauguração de editais ou de estradas de
ferro imaginárias, como a Transnordestina, ou obras virtuais, numa clara tentativa de iludir a população
na véspera da eleição. É preciso dar um basta nisso tudo. As regiões menos desenvolvidas não podem
ser tratadas como pedintes da nação.
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Todas têm recursos, grande potencial e vantagens econômicas, algumas evidentes e outras a serem
exploradas. O maior obstáculo para a superação das desigualdades regionais não é o fator geográfico,
mas sim a falta de visão do governo, que é incapaz de distinguir os potenciais competitivos dessas
regiões.
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Quase 50 anos de políticas regionais concentradas apenas no fomento ao investimento fixo privado,
revelam as limitações para superar as desigualdades. Vamos mudar junto com o estímulo ao
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investimento privado, vamos fazer investimentos em infraestrutura e nas pessoas, sem o que não
desenvolvimento.
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É inaceitável que, ainda hoje, a qualidade da educação de uma criança e o seu acesso à saúde sejam
determinados pelo seu local de nascimento. Não aceito que o local de nascimento possa determinar o
futuro de uma criança. Reduzir as desigualdades regionais é acabar com as diferenças de
oportunidades. E o meu governo não poupará esforços para dar passos gigantescos nesta direção. Esse
é um compromisso que assumo, diante da Nação.
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Junto com a economia, nossa prioridade será a educação. Não País que tenha progredido sem
investimento e esforço enormes em educação. Cada vez mais, a escola deve ocupar um papel central na
vida, não dos estudantes, mas de suas famílias e da comunidade, articulada com as políticas de
trabalho, saúde, segurança, cultura e lazer.
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O governo do presidente Fernando Henrique conseguiu colocar praticamente todas as crianças no
ensino fundamental. O número de alunos que completavam o primeiro grau aumentou cerca de 80% e
a matrícula no ensino médio regular mais de 70% nesse período. O grande responsável por esse salto
foi a criação do Fundo para o Desenvolvimento do Ensino Fundamental - Fundef, em 1996.
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E aqui é preciso destacar: embora representasse grande aumento de recursos para a educação e
aumento de salário para os professores, o Fundef teve a oposição cerrada e o voto contrário do PT,
partido do qual Lula era presidente. É de se estranhar que, tendo prejudicado tanto o avanço do ensino
num passado recente, o candidato se sinta à vontade para pontificar sobre a importância da educação.
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Por falta de foco, competência e continuidade administrativa, o atual governo pouco avançou na
educação. Três ministros com prioridades diferentes se sucederam em menos de três anos. Programas
importantes, herdados do governo Fernando Henrique, e mesmo iniciativas do atual governo, foram
abandonados sem justificativa plausível. O Fundo para o Desenvolvimento do Ensino Básico - Fundeb,
pelo qual se propõe substituir o Fundef e que ampliaria o acesso à educação, ainda não saiu do papel.
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A maioria dos brasileiros, mas não todos, já compreendeu a importância da educação para o seu
desenvolvimento pessoal e o de seus filhos. Uma preocupação básica do meu governo será fixar de
uma vez por todas na consciência dos cidadãos comuns e dos agentes públicos o valor da educação
como ferramenta de desenvolvimento pessoal e nacional ao mesmo tempo.
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Não permitirei que se dispersem recursos, retrocedendo nos avanços obtidos com o Fundef. Não
podemos perder o foco no ensino básico, a grande prioridade que permitiu a países como a Coréia do
Sul darem um verdadeiro salto de desenvolvimento.
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Ainda mais porque, em comparação com países desenvolvidos, e mesmo com outros países
emergentes, os brasileiros adultos ainda têm escolaridade baixa: em média, apenas 6,7 anos de estudo.
Isso limita seu acesso a bons empregos e compromete o potencial de desenvolvimento do país como
um todo, em um mundo em que o domínio do conhecimento é o grande diferencial de produtividade.
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Os recursos federais serão destinados a melhorar a qualidade do ensino. Em São Paulo, no meu
governo, conseguimos estender a todos os professores o acesso ao curso superior. Todos, agora, tem
diploma universitário. Quero levar essa experiência bem sucedida para o Brasil.
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Como presidente, vamos trabalhar para aumentar progressivamente o turno escolar, começando pelas
áreas mais pobres e expostas à violência, como também foi feito em São Paulo. De quatro horas de
aula por dia, passamos a cinco, depois, 3 dias por semana, seis horas-aula. Agora, em mais de 500
unidades, já estamos caminhando para a escola de tempo integral.
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Minha meta como presidente é completar a informatização das escolas e facilitar o acesso pessoal dos
professores e alunos à internet. Vamos abrir as portas das escolas às famílias dos alunos e à
comunidade local; e melhorar a gestão escolar incorporando processos de avaliação e incentivos
focados no aproveitamento dos estudantes.
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Em nossa proposta de educação para o desenvolvimento, a meta é universalizar o ensino médio. E isso
servirá tanto à formação do cidadão, quanto a capacitação do trabalhador. Esta deve responder com
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flexibilidade às necessidades da economia em rápida transformação e encarar o trabalhador como
empreendedor, um agente da inovação, seja na condição de autônomo, empregado ou empregador.
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No Brasil o ensino técnico foi principalmente utilizado como meio apenas para o ingresso dos
estudantes no ensino superior. Com isso desviou-se de sua missão primordial de formar competência
profissional adequada às necessidades dos diferentes mercados de trabalho em constante mutação. As
escolas técnicas não podem ser vistas como concorrentes ou substitutas do ensino médio, mas como
complementares e voltadas para qualificar os jovens e permitir sua inserção ao mercado cada vez mais
exigente em termos de capacitação técnica.
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A experiência de outros países, e de alguns estados brasileiros, confirma que a educação profissional
pode criar um circulo virtuoso que permite a inclusão social pelo emprego, e não por programas
compensatórios. No Governo de São Paulo, tive a satisfação de aumentar a rede de escolas técnicas e a
das Fatec, Faculdades de Tecnologia públicas e gratuitas cada vez mais identificadas com as
necessidades das regiões onde estão instaladas.
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Educação para o emprego será, de imediato, instrumento prioritário de inclusão social dos jovens,
abrindo novas perspectivas e oportunidades de progresso e ascensão profissional e social para aqueles
que busquem dar continuidade ao processo educacional.
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As universidades federais serão estimuladas a se engajar crescentemente no desenvolvimento do
ensino básico e da capacitação para o trabalho, especialmente via formação e aperfeiçoamento de
professores e instrutores.
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As parcerias com organizações não-governamentais serão ampliadas com critério, mas sem
preconceito, suplementando os recursos públicos, especialmente na prestação de assistência sócio-
educativa aos alunos da rede pública e em programas de capacitação para o trabalho.
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Daqui a 20 anos, o Brasil será tão bom quanto a atenção que dermos hoje às nossas crianças. Proteger
as crianças mais pobres e garantir, a todas, saúde e educação de qualidade é a chave da estratégia de
desenvolvimento social que nosso governo irá implementar.
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O atual Presidente herdou dos antecessores uma rede de proteção social que, em 2002, se estendia a
mais de 38 milhões de brasileiros: 6,4 milhões de beneficiários da aposentadoria rural e seus
dependentes; 2,1 milhões da renda mensal vitalícia e da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS;
4,7 milhões do seguro-desemprego e seus dependentes; 900 mil do seguro-safra; e 7 milhões de
famílias assistidas pelos programas de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI, Bolsa-Escola e Bolsa-
Alimentação.
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O PETI, Bolsa-Escola e Bolsa-Alimentação, criados pelo governo Fernando Henrique, significaram
um salto de qualidade nas políticas sociais, ao estenderem às crianças a proteção antes limitada aos
idosos e adultos. Além disso, inovaram ao combinar o auxílio em dinheiro a ações de educação e
assistência à saúde, visando ajudar os filhos dos pobres a escapar da armadilha da pobreza.
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Vamos retomar o acompanhamento das transferências de renda associadas à educação, saúde,
segurança e oportunidades, para assegurar, de fato, a superação da pobreza.
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Na Saúde, como na Educação, o Brasil também andou para trás nos últimos anos. Não preciso lembrar
o quadro caótico do atendimento público de saúde, embora o atual presidente o veja como "quase
perfeito", o que demonstra mais uma vez que ou ele é cínico ou vive em outro mundo, totalmente mal-
informado. Minha visão é outra. Precisamos trabalhar - e muito - para melhorar o sistema público de
saúde. Precisamos trabalhar - e muito - para ampliar o acesso, a oferta dos serviços de saúde e para
melhorar o atendimento. O primeiro passo para resolver um problema é reconhecer que ele existe. E
não, como o atual presidente, fingir que não o vê.
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Sou médico de formação. Conheço o sistema. No Governo de São Paulo, entregamos 19 novos
hospitais à população, recuperamos e expandimos a fábrica de remédios, fizemos a primeira fábrica de
vacinas da América Latina, criamos um programa que distribui, de graça, 41 tipos de remédios à
população. A mortalidade infantil caiu significativamente, o sarampo foi erradicado e há muitos e bons
avanços em muitas áreas da saúde. A experiência de vida me diz que é preciso enfrentar os desafios.
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239 Sem bravata, sem discurso. Com esforço permanente.
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Como presidente, vou melhorar a gestão do SUS, fazendo mais e melhor com cada real gasto. Vamos
melhorar a organização, enfrentando o problema da fragmentação da assistência, definindo claramente
o papel de cada nível de gestão. Vamos investir na formação de recursos humanos especializados e
investir na saúde preventiva. Reorganizar a política de acesso a medicamentos é componente essencial
da proteção e recuperação da saúde.
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muito por fazer. E é preciso começar pela lei. É preciso aprovar no Congresso a lei que
regulamenta a emenda constitucional 29, que assegura os recursos mínimos para a Saúde. A emenda é
fruto do trabalho do ministro Serra e do apoio do presidente Fernando Henrique. Foi um avanço. Mas a
aprovação da lei está sendo bloqueada pelo atual governo. E com isso fica aberta a brecha aos estados,
municípios e à União que não querem aplicar o mínimo legal no sistema de saúde.
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Como fez, aliás, o governo Lula, denunciado dias, pelo Tribunal de Contas da União, por ter
deixado de aplicar R$ 1,6 bilhão, na Saúde, ano passado. Portanto, não é por acaso que o sistema tem
tantas deficiências. As diferenças regionais nos indicadores de saúde são alarmantes. É urgente reduzir
as desigualdades de assistência, investindo mais nas regiões Norte e Nordeste. Vamos construir o
sistema de saúde com a qualidade e competência gerencial que todos os brasileiros desejam e
merecem. Qualidade, a humanização, acolhimento, visão integral, isso tudo depende do compromisso
dos profissionais da saúde, que serão valorizados.
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Saúde, Educação e Segurança fazem parte do tripé essencial de serviços que precisam de dedicação
extra e investimentos. No caso da segurança, o futuro governo vai atuar com rapidez e ousadia.
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É meu compromisso lançar, na primeira semana de governo, um conjunto de medidas que melhorem a
articulação entre as forças da lei e aumentem o trabalho e o resultado da União no setor.
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O atual governo federal tem se omitido diante dos desafios do crime. O plano nacional de segurança
pública apresentado no começo de 2003 foi abandonado e seus recursos cortados. O primeiro passo
para enfrentar a crise é cada nível de governo, começando pelo federal, assumir com clareza suas
responsabilidades específicas pela segurança pública. Responsabilidade sem tergiversação.
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O Brasil precisa tanto de educação de qualidade e emprego para seus filhos como de polícia eficiente,
justiça rápida e prisões seguras para se defender dos criminosos. Sugerir que uma coisa substituiria a
outra é tripudiar sobre a aflição das famílias que sentem falta de ambas. Não se deve ter complacência
com o crime porque o País é injusto.
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Os especialistas concordam que, mais do que a severidade da pena, é a certeza da punição que pode
desencorajar a prática do crime. O exemplo, bom ou mau, vem de cima. O clima de cinismo e
impunidade instaurado pelo atual governo em favor de seus correligionários e aliados é um péssimo
exemplo.
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Vamos praticar, em vez disso, a indulgência zero, começando pelos políticos.A repressão ao crime
organizado, notadamente ao tráfico de drogas e de armas, que cruza as divisas estaduais e as fronteiras
nacionais, compete pela Constituição à Polícia Federal. As autoridades federais que oferecem "apoio"
episódico aos estados esquecem convenientemente que elas próprias deveriam estar na linha de frente
do combate a essa espécie de criminalidade.
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O crime desorganizado é localizado e sua prevenção e repressão cabem primordialmente aos estados.
Mas são leis federais que estabelecem as regras gerais de organização e funcionamento das polícias
civil e militar, da justiça criminal e dos sistemas penitenciários estaduais.
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É preciso reforçar a inteligência da Polícia Federal e estreitar sua cooperação com outros órgãos
federais (Receita, Banco Central, COAF, Abin, Forças Armadas), as polícias estaduais e o Ministério
Público. O combate à corrupção será intransigente, mesmo porque é por meio dela que o crime
organizado se infiltra no aparelho do Estado.
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Tudo isso exige, além recursos humanos e materiais, uma moldura institucional adequada. O capítulo
de segurança pública da Constituição prevê duas leis que até hoje não foram aprovadas: uma para
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definir a competência da Polícia Federal em relação às "infrações cuja prática tenha repercussão
interestadual ou internacional e exija repressão uniforme"; outra que "disciplinará a organização e o
funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de
suas atividades". O meu futuro governo dará urgência à elaboração dessas leis, visando criar uma base
jurídica sólida para integrar e dar foco às ações dos órgãos federais e estaduais de segurança no
combate ao crime organizado.
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A competência legislativa da União também pode e deverá ser usada para impulsionar a reforma das
polícias estaduais. Um Conselho Nacional de Segurança Pública fortalecido como instância, não
meramente consultiva, mas normativa, será mais efetivo em promover a troca de informações e
experiências entre os estados e, a partir desse intercâmbio, estabelecer padrões de treinamento, banco
de dados, equipamento e operação de suas polícias e das guardas municipais.
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Não menos importante, o meu futuro governo levará adiante a atualização do Código de Processo
Penal com vistas a desburocratizar e tornar mais expeditas a investigação e julgamento dos delitos.
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ainda outras providências que não cabe detalhar agora. Minha posição nessa área, como em outras,
sempre foi muito clara. Não vamos tolerar o crime. Vamos combatê-lo. De maneira dura, firme. Com
todas as forças legais disponíveis. Sem vacilação. A guerra contra o crime, no mundo moderno, é uma
guerra permanente: 24 horas por dia, 7 dias por semana. Batalha por batalha. Às vezes se ganha, às
vezes se perde.
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Mas cabe aos governos, numa Democracia, não permitir que o Estado de Direito e as regras de
convivência sejam solapados pela ação criminosa. O monopólio da força é do Estado.
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O Brasil precisa de uma reforma política. É um tema difícil para qualquer presidente, pois há muitos
interesses enraizados e que não admitem ser contrariados. Mas não vou me omitir. Como presidente,
vou propor a discussão e as mudanças em que acredito, em termos francos e honestos. Da fidelidade
partidária à discussão sobre o voto distrital misto. O essencial, no caso, é combater a descrença no
sistema e aproximar os representantes dos representados. Com o desgaste da atividade política,
disseminou-se, no Brasil, a falsa idéia de que todos os políticos são iguais. Não são, não. Somos muito
diferentes, por exemplo, dos nossos adversários que hoje estão atolados na lama moral que eles
próprios criaram.
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Ao contrário deles, podemos nos orgulhar da nossa história, dos nossos atos, das nossas ações. Da
nossa coerência e da nossa honestidade. Podemos nos orgulhar das nossas idéias, do nosso presente e
do nosso passado.
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É isso o que conta. A história, a biografia, os valores, as crenças, o comportamento. O caráter. Se
temos palavra e se não traímos nossas promessas e nossos ideais. E nós não traímos.
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O povo brasileiro não é corrupto. O povo brasileiro não é mentiroso. O povo brasileiro não é
preguiçoso. O povo brasileiro não é omisso. O povo brasileiro não é enganador.O povo brasileiro não é
cínico. O seu presidente também não pode ser.
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A presidência do Brasil é o centro para onde convergem os sonhos e as expectativas dos brasileiros.
Por isso, quem lá se sentar precisa ter a capacidade de sonhar. Mas sonhar não basta. É preciso dar vida
aos sonhos. Realizar. Minha missão é restaurar a confiança dos brasileiros no Governo da República.
Devolver dignidade e seriedade ao cargo.
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Minha missão é fazer andar - e andar rápido -- um projeto de desenvolvimento para o Brasil, que torne
o nosso País mais forte, mais moderno, mais rico. Mas, ao mesmo tempo, mais justo, mais fraterno,
mais igualitário.
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Minha missão é governar para incluir. Para diminuir desigualdades. Para assegurar oportunidades. Para
construir soluções coletivas para os problemas coletivos. Para assegurar que o Brasil possa crescer
economicamente e que todos os brasileiros possam se beneficar desse progresso. Aos mais fracos e aos
mais necessitados, um apoio maior. A todos, a certeza de que vamos construir uma Nação melhor.
Minha missão é construir a maioria necessária para a realização desse projeto brasileiro. Tenho certeza
de que vou conseguir.
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Quero ser um presidente à altura do Brasil, um presidente à altura do povo brasileiro. Um líder
verdadeiro, um presidente como o Brasil precisa e merece, não pode se omitir; não pode dizer que "não
sabia"; não pode fingir que não tem responsabilidade sobre as coisas; não pode achar que nada é com
ele. Não sou assim. Não serei assim na presidência. A garantia é a minha história, a minha biografia.
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O que os brasileiros viram nos últimos anos não tem paralelo na história do nosso País. Nunca houve
tanta desfaçatez e tanto banditismo em esferas tão altas da República. Mensalão, corrupção nas
estatais, dólar na cueca, dólar em caixa de bebida, malas de dinheiro, propinas, compra de deputados,
sanguessugas do dinheiro público. O aparelho de estado tomado de assalto por quem devia geri-lo,
especialmente por um partido político que deixou o Brasil vermelho de vergonha.
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Que tempos são esses, em que um procurador-geral da República denuncia uma quadrilha de 40
criminosos e no meio da lista estão ministros, auxiliares do presidente, amigos do presidente? Que
tempos são esses, no Brasil, em que a cada vez que ouvem uma notícia sobre a quadrilha dos 40, os
brasileiros pensam automaticamente, em silêncio: e o chefe? Onde está o chefe, o líder dos 40 ladrões?
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Tristes tempos. Tristes tempos que, tenho certeza, vão acabar. Porque os brasileiros não aceitam a
desonestidade e a traição dos que foram depositários dos seus sonhos. Meus amigos e minhas amigas.
Nossa jornada começa, hoje, aqui em Minas. Vamos com entusiasmo mostrar aos brasileiros que o
Brasil tem jeito; que o Brasil pode, e vai, melhorar.
353 Vamos à vitória.
354 E meu muito obrigado".
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