Nesse ponto, percebemos que Hampaté Bâ se distancia muito das idéias de
Bataille. Isso porque o malinês, além de conceber a “força vital” numa relação fértil
com a natureza, percebe essa presença muito mais próxima do sagrado e não
considera, como o francês, a força dos interditos; por isso, é possível dizer que, na
visão de Hampaté Bâ, o erotismo estaria disseminado no mundo, porque é inerente
à noção de força vital. Poderíamos afirmar ainda que, enquanto para Bataille, a
sexualidade se liga ao “mundo profano”, para Hampaté Bâ, ela é uma das
manifestações vitais dos seres.
Bataille (1987) encerra suas reflexões dizendo-nos que “o sentido último do
erotismo é a morte” (p.135). Nesse sentido, o desejo do homem de amar, de procriar
ou de ultrapassar limites é um desejo de vencer a morte, de permanecer na vida, ou
seja, o desejo do impossível.
Marilena Chauí (1990), no texto “Laços do desejo”, apresenta um histórico do
erotismo que parte de uma visão primordial muito ligada às forças da natureza, uma
força cósmica ordenadora do mundo, até os dias atuais. Dessa primeira concepção,
vale citar a recuperação, feita pela teórica, da visão de Abravanel:
Digo-te que o Céu, pai de todas as coisas geráveis, move-se num movimento
contínuo e circular sobre o todo do globo da matéria primeira, ao mover-se e
remexer todas as suas partes, germina todos os gêneros, espécies e
indivíduos do mundo inferior da geração; assim como, movendo-se o macho
sobre a fêmea, e movimentando-se nela, procria filhos (...). A Terra é o corpo
da matéria primeira, receptáculo de todas as influências de seu macho, que é
o Céu. A Água é a umidade que a nutre. O Ar é o espírito que a penetra. O
Fogo é o calor natural que a tempera e vivifica (...). Todo o corpo do Céu
produz com seu movimento o esperma, assim como o todo do corpo humano
produz o seu. E do mesmo modo que o corpo humano é composto de
membros homogêneos, quer dizer, não organizados, como ossos, veias,
panículos e cartilagens, além da carne, assim o corpo do Oitavo Céu é
composto de estrelas fixas de natureza diversa, além da substância do corpo
diáfano que penetra entre elas (...). A geração do esperma, do homem,
depende, em primeiro lugar, do coração que dá o calor, forma do esperma;
em segundo lugar, do cérebro, que dá o úmido, matéria do esperma (...); em
terceiro, do fígado, que tempera o esperma (...); em quarto, do baço que
engrossa o esperma (...); em quinto, dos rins que o tornam pungente, quente
e estimulante (...); em sexto, dos testículos, onde o esperma adquire
perfeição e compleição gerativa (...). Sétimo e último, do pênis que lança o
esperma (...). É assim que, no Céu, os sete planetas concorrem para a
geração do esperma do mundo (...). O Sol é o coração do Céu (...) a Lua é o
cérebro (...) Júpiter, o fígado (...) Saturno é o baço do Céu (...) Marte, o fel e
os rins (...) Vênus, os testículos (...). Por último, Mercúrio é o pênis do Céu.
(ABRAVANEL apud CHAUÍ, 1990, p.20-21)