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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
CONSTITUCIONAL
DEMOCRACIA E CONSTITUIÇÃO: O PROCESSO DE
ABERTURA DEMOCRÁTICA E A CONSTITUIÇÃO
BRASILEIRA
Fernando Antonio Campos Viana
Matr. 0122106/0
Fortaleza – CE
Novembro, 2007
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FERNANDO ANTONIO CAMPOS VIANA
DEMOCRACIA E CONSTITUIÇÃO: O PROCESSO DE
ABERTURA DEMOCRÁTICA E CONSTITUIÇÃO
BRASILEIRA
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-graduação em
Direito como requisito parcial para
a obtenção do Título de Mestre em
Direito Constitucional, sob a
orientação do Prof. Dr. Martônio
Mont’Alverne Barreto
Fortaleza – Ceará
2007
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FERNANDO ANTONIO CAMPOS VIANA
DEMOCRACIA E CONSTITUIÇÃO: O PROCESSO DE
ABERTURA DEMOCRÁTICA E CONSTITUIÇÃO
BRASILEIRA
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Martônio M. Mont’alverne Barreto Lima
Professor Orientador
UNIFOR
Prof. Dra. Gina Vidal Marcílio Pompeu
Professora Avaliadora
UNIFOR
Prof. Dra. Denise Lucena Cavalcante
Professora Avaliadora
UFC
Dissertação aprovada em: 3 de Novembro de 2007
Dedico a DEUS,
aos meus pais,
ao meu amor,
e a todos que contribuíram para essa conquista.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por estar presente em todos os momentos de minha vida, com sua
proteção e amor.
Aos meus pais, Zacarias e Uyara, pela compreensão, apoio, desprendimento e
carinho.
Ao meu amor, Caroline, por existir em minha vida, por confiar e acreditar em
mim, por seu amor, cumplicidade e por toda ajuda que me foi dispensada durante todo o
desenvolvimento desse trabalho.
Ao meu irmão, André e minha cunhada Ismenia por seu incentivo.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Martônio Mont’Alverne, por toda sua paciência e
esmero no exercício da orientação.
Aos funcionários do Curso de Mestrado em Direito Constitucional da
Universidade de Fortaleza, em especial, Virgínia e Chiquinho.
“Eu não me envergonho de corrigir os meus erros e mudar de opinião, porque não me
envergonho de racionar e aprender”.
Alexandre Herculano
RESUMO
Em março de 1964, chegava ao fim o Populismo. João Goulart enfraquecido pelos seus
próprios erros, foi deposto e se exilou no Uruguai. Esgotamento da política nacional-
populista. Aliança formada por militares, tecnicistas, classe média, capital internacional e
Igreja, na tentativa de aproximação de investidores internacionais e reação contra o aumento
dos movimentos sociais. Governo militar passou a governar através de Atos Institucionais,
como forma de garantir sua legitimação, principalmente através das eleições indiretas. Nova
Constituição Federal em 1967, emendada posteriormente em 1969. A sociedade civil
respondeu com passeatas e manifestações de rua. Alguns grupos partiram para resistência
armada. O regime retrucou com violência, prisões, tortura, AI-5, Lei de Segurança Nacional e
SNI. Crescimento econômico e milagre econômico faziam a propaganda ideológica pela
legitimidade do regime. A crise mundial do petróleo, no entanto, pos fim ao sonho de um país
desenvolvido. A partir daí, começou a distensão lenta, segura e gradual. A revolta da linha-
dura foi mitigada com a demissão do Ministro do Exército. Assim mesmo, vários atentados
ocorreram no Riocentro, OAB e ABI. Lei de Anistia promulgada somente em 1979, seguida
do retorno dos anistiados. Aparecimento do sindicalismo do ABC paulista a partir de 1978,
com a eclosão de várias greves. Inflação em alta fez com que o governo recorresse ao FMI. A
abertura proporcionou modificação dos antigos e surgimento de novos partidos políticos.
Eleições diretas para governador demonstrou fragorosa derrota do regime nas principais
capitais. Isso acentuou movimento pelas eleições diretas para presidente, campanha esta que
ficou conhecida por Diretas-Já. O movimento, por mais apoio que tenha obtido por parte de
todas as camadas da sociedade, acabou por fracassar. O regime obteve sua última vitória. As
últimas eleições indiretas depois da tomada do poder foram vencidas por Tancredo Neves e
José Sarney. Próximo passo seria a promulgação de nova Constituição para o país, que viesse
a substituir a autoritária. Sendo o primeiro passo rumo à redemocratização brasileira depois de
20 anos de opressão militar.
Palavras-chave: Ditadura militar. Militares no poder. Transição democrática. Constituição
Federal de 1988.
ABSTRACT
In March of 1964, it happened the end of Populism. João Goulart became weak with his
mistakes, he was put down and if he exiled in Uruguay. Exhaustion of the politics national-
Populist. An alliance was formed for military, tecnicists, middle class, capital International
and Church, in the attempt of approach of international investors and reaction against the
increase of the social movements. Military government started to govern through Institucional
Acts, as form to guarantee its legitimation, mainly through the indirect elections. New Federal
Constitution in 1967, amended later in 1969. The civil society answered with walks and
manifestations on street. Some groups had broken for armed resistance. The regimen responds
with violence, arrests, torture, AI-5, Law of National Security and SNI. Economic growth and
economic miracle made the ideological advertisement for the legitimacy of the regimen. The
world-wide crisis of the oil, however, ended the dream of a developed country. From then, it
started the slow gradual and secure opening. The revolt of line-lasts was mitigated with the
resignation of the Minister of the Army. Thus exactly, several attempted against had occurred
in the Riocentro, OAB and ABI. Law of Amnesty only promulgated in 1979, followed of the
return of the amnestied ones. Appearance of the unionism of the São Paulo ABC from 1978,
with the eclosion of some strikes. Inflation in high made with that the government appealed to
the FMI. The opening provided to sprouting and modification old of new political parties.
Direct elections for governor demonstrated deafening defeat of the regimen in the main
capitals. This accented movement for the direct elections for president, campaign this that was
known per Direct-Already. The movement, for more support that it has gotten on the part of
all the layers of the society, finished for failing. The military regimen got its last victory. The
last indirect elections after the taking of the power had been won by Tancredo Neves and Jose
Sarney. Next step was the promulgation of new Constitution for the country, that came to
substitute the authoritarian one. The Brazilian redemocratization after 20 years of military
oppression would be the first step route.
Key words: Military dictatorship. Military in the power. Democratic transistion. Federal
Constitution of 1988.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................
10
1 FORMAÇÃO DO POPULISMO..........................................................................
18
1.1 O retorno de Vargas populista............................................................................
24
1.2 O segundo governo de Vargas............................................................................
25
1.1 O populismo desenvolvimentista........................................................................
26
2 A TOMADA DO PODER.....................................................................................
35
2.1 A ditadura transitória de Castello Branco...........................................................
38
2.2 A primeira Constituição da ditadura...................................................................
40
3 O INÍCIO DA LINHA-DURA..............................................................................
41
3.1 A oposição armada............................................................................................. 44
3.2 Os movimentos armados.....................................................................................
46
3.3 A contra-reação...................................................................................................
47
3.4 A distensão lenta e gradual.................................................................................
48
3.5 A reação da linha-dura........................................................................................
51
3.6 O fim da linha-dura no governo..........................................................................
53
3.7 O fim da ditadura................................................................................................
54
3.8 O primeiro presidente civil.................................................................................
56
4 A INSTALAÇÃO DA DITADURA MILITAR NO BRASIL..............................
58
4.1 Motivação e participação no golpe.....................................................................
59
4.2 O estabelecimento do regime através dos organismos de segurança................. 62
4.3 A participação da Igreja......................................................................................
63
5 A ABERTURA......................................................................................................
65
5.1 A crise do “Milagre econômico” e crise mundial do petróleo...........................
68
5.2 O modelo político...............................................................................................
69
5.3 As eleições legislativas de 1974.........................................................................
71
5.4 O segundo plano nacional de desenvolvimento – II PND..................................
72
5.5 A desaceleração da abertura............................................................................... 73
6 CONSTITUIÇÃO E DECLÍNIO DA DITADURA MILITAR...........................
76
6.1 O federalismo......................................................................................................
76
6.2 O modelo brasileiro............................................................................................ 79
6.3 A atuação do governo militar............................................................................. 81
6.4 O governo Figueiredo.........................................................................................
90
6.5 Eleições de 1982.................................................................................................
91
6.6 Diretas já.............................................................................................................
92
6.7 Eleições indiretas................................................................................................
93
6.8 Assembléia nacional constituinte....................................................................... 94
6.9 A Constituição de 1988...................................................................................... 96
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 100
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 103
INTRODUÇÃO
Depois de findo o regime militar e, após quase 20 anos da promulgação da Constituição
Federal de 1988 muito ainda se fala sobre o processo de democratização brasileiro. Nossas
instituições democráticas ainda engatinham rumo a sua consolidação. A motivação para a
escolha desse tema surgiu exatamente em face disso, ou seja, verificar o momento que se
iniciou no Brasil a transição democrática.
Neste trabalho temos como objetivo identificar as mudanças liberalizantes promovidas
principalmente, após governo Ernesto Geisel, procurando analisar alguns pontos.
Inicialmente, compreender o que fez do governo Geisel um instrumento para a abertura
política. Em seguida, entender quais os fatores que levaram os militares castelistas,
novamente no governo, a retomar o intuito inicial de devolver o poder político aos civis.
Posteriormente, constatar em que momento a abertura lenta e gradual foi planejada, se desde o
primeiro ano de governo Geisel, ou decorreu da falência do próprio regime. Para em seguida,
verificar porque a transição não foi efetivada pela sociedade civil. Por fim, vislumbrar se a
Constituição de 1988 pode ser tida como instrumento de democratização do regime.
Esta dissertação consiste numa pesquisa qualitativa e descritiva, em forma de capítulos,
com intuito de abordar um marco teórico e uma revisão da literatura neste tema, incluindo as
principais referências relacionadas.
O primeiro capítulo aborda a formação do populismo, desde o retorno de Vargas à
Presidência da República até os momentos que antecederam a tomada do poder pelos
militares.
Em março de 1964, chegava ao fim, para alguns historiadores o Populismo. Para outros,
este marco foi apenas uma interrupção no seu curso, tendo em vista o surgimento do
Neopopulismo após as ditaduras. Estudado como fenômeno de origem social, ou forma de
11
governo, ou ainda ideologia específica, sintetizou, inicialmente, o autoritarismo do Estado
Novo, a convergência da nova classe dominante e o corporativismo associativo que perdurou
no Brasil até o governo João Goulart, ou governo Jango.
Qualquer que seja a hipótese de estudo, o fenômeno populista necessita da configuração
de certas características básicas para sua concretização: massificação de amplas camadas da
sociedade, que desvincula os indivíduos de suas classes sociais; perda da representatividade e
da exemplaridade da classe dirigente; e a presença de um líder carismático. (WEFFORT,
2003).
João Goulart, enfraquecido pelos seus próprios equívocos, na tentativa de aproximação
de sua oposição e na manutenção de seus aliados, pelos erros cometidos pelos seus
comandantes militares e pelo fortalecimento da oposição civil conservadora, bem como
econômica multinacional e associada e dos militares do complexo IPES/IBAD, deposto, se
exilou no Uruguai, após ter sido seu cargo declarado vago quando ainda estava em território
nacional. Enquanto isso, os militares, a classe média e o capital internacional associado
comemoravam.
O segundo capítulo apresenta o estabelecimento do regime militar decorrente do
impasse existente entre o esgotamento da política nacional-populista, iniciada nos pós-guerra,
e os novos modelos de expansão capitalista, nos quais a burguesia econômica brasileira era
forçada a associar-se mais estreitamente ao monopólio internacional do capital.
Resultou, também, de uma reação da classe militar e das classes dominantes ao aumento
dos movimentos sociais e à conseqüente paralisia nas decisões, que se manifestou na
inabilidade do sistema político de definir coerentemente os programas de ação no exercício de
sua de gestão.
O novo governo militar, para consolidar sua posição de liderança do movimento
revolucionário passou a governar por decreto, o Ato Institucional, o qual mantinha em vigor a
Constituição Federal de 1946 e determinou, dentre outras coisas, que a eleição para Presidente
da República seria indireta. Em 15 de abril de 1964 foi apresentado o primeiro Marechal-
presidente, Humberto de Alencar Castello Branco.
Menos de um mês após a edição do primeiro Ato Institucional, entrou em vigor o Ato
Institucional n.º2, que vedou, definitivamente, as eleições diretas para Presidente da
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República, sendo este, a partir de então, eleito, indiretamente, por Senadores e Deputados
Federais, através de voto nominal e declarado. O AI-2 restringiu, ainda, o pluripartidarismo,
permitindo, tão e somente, a existência de dois partidos: a Arena e o MDB. A Arena (Aliança
Renovadora Nacional) era o partido do governo, a antiga UDN União Democrática
Nacional. o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) era o partido da oposição
permitida.
No início de 1966, o Ato Institucional de n.º3 determinou que, também as eleições para
governador seriam realizadas de forma indireta.
O regime promulgou a Constituição Federal de 1967, a qual entrou em vigor na data de
15 de março de 1967, na tentativa de manter a aparência de que se vivia em um clima de
democracia. Assim mesmo, permaneceram as eleições indiretas para Presidente da República,
Governadores de Estado e Prefeitos das capitais. O poder centralizava-se com o aumento das
atribuições do Executivo. As funções do Congresso Nacional eram, praticamente, nulas. As
receitas tributárias não eram repartidas uniformemente, gerando total subserviência dos
governos estatais e municipais em face do governo central.
O governo militar, através da Lei n.º4.464, de 9 de novembro de 1964, chamada Lei
Suplicy, quis impedir a organização estudantil. Os estudantes, a despeito dela, saíram às ruas.
A oposição manifestou-se contra o regime. As passeatas e manifestações nas ruas,
contra a iminente ditadura começaram a reunir milhares de pessoas nas principais cidades
brasileiras. A contra-ofensiva do governo foi violenta.
O último ato do governo de Castello Branco teve conotação ainda mais centralizadora.
Tratava-se do Decreto Lei n.º314, de 13 de março de 1967, a Lei de Segurança Nacional
LSN.
O terceiro capítulo trata do início da linha dura do regime militar com a indicação de
Arthur da Costa e Silva como novo Presidente. Apenas a Arena votou na eleição indireta. O
MDB, sob protesto, retirou-se do plenário durante a votação. As passeatas de estudantes
passaram a ser reprimidas pelas próprias Forças Armadas. Era o endurecimento do regime.
Nesse contexto surgiu o Ato Institucional n.º5, em dezembro de 1968. Era a forma
instituída de aumentar a repressão e silenciar os opositores. Foi o principal instrumento de
arbítrio da ditadura militar. Por meio dele, o general-presidente poderia, em resumo, fechar o
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Congresso Nacional, cassar mandatos de parlamentares, suspender garantias do Poder
Judiciário, legislar através de decretos e estabelecer estado de sítio. A repressão veio, ainda,
pelas mãos da tortura, através do DOI-CODI (Destacamento de Operações Internas Centro
de Operações de Defesa Interna), dos Serviços de Informação das Forças Armadas, o
CENIMAR (Centro de Informações da Marinha), o CISA (Centro de Informações e
Segurança da Aeronáutica), o CIE (Centro de Informações do Exército), do DOPS
(Departamento de Ordem Política e Social) e do SNI (Serviço Nacional de Informações),
criado em 1964, por Golbery do Couto e Silva, pela Lei n.º4.341, de 13 de junho daquele ano.
A ditadura, porém, não se manteve, tão somente, pela violência física, mas, também, por
uma eficiente propaganda ideológica. O Brasil seguia o caminho para o desenvolvimento e
progresso. O projeto de modernização proposto pelos militares passava necessariamente pelo
campo das ciências e da tecnologia, visto que esses elementos eram considerados
indispensáveis para o desenvolvimento nacional. Este se constituía ponto estratégico para a
Segurança Nacional. O controle dos recursos naturais a ciência e a tecnologia se tornaram
questões prioritárias. As grandes obras do governo e o aparente desenvolvimento econômico
eram suas vedetes. O país vivia a excitação do início do milagre econômico.
Em agosto de 1969, um derrame afastou o Marechal Costa e Silva do comando político.
Uma Junta Governativa Militar, comandada pelo General Lyra Tavares, assumiu o governo
até a nomeação do novo General-presidente. No mesmo ano, foi outorgada a Emenda
Constitucional n.º1, que para muitos juristas, é considerada uma nova Constituição, a Carta de
1969. Através dela, restaram legalizados o arbítrio e os poderes totalitários da ditadura. Todas
as medidas autoritárias impostas anteriormente foram agregadas ao seu texto. Estabeleceu a
possibilidade do Presidente baixar Decretos-Leis que teriam eficácia imediata. Por meio dela,
o Congresso teria 60 dias para votar a aprovação. Caso não fosse apreciado, ou melhor, não
houvesse sua votação, seria ele automaticamente aprovado pelo decurso do prazo.
O quarto capítulo discorre sobre a instalação do regime e o início da crise entre militares
e aqueles que deram apoio irrestrito ao golpe. O novo comandante em chefe do país tratava-se
do general Emílio Garrastazu Médici. Seu governo caracterizou-se pelo o aniquilamento da
guerrilha e pelo milagre econômico. Nenhuma época do regime militar, porém, foi tão
repressora e brutal. Na economia, a produção crescia e modernizava-se num espetacular
ritmo. No intuito de apressar o crescimento, expandiram-se as empresas estatais ou criaram-se
novas, principalmente na produção de aço, petróleo, eletricidade, estradas, mineração e
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telecomunicações. O crescimento e a modernização, porém, não beneficiaram às classes
trabalhadoras.
O desenvolvimento econômico proclamado pelo Ministro da Fazenda Delfim Netto
trouxe modernização, crescimento acelerado, inflação moderada e facilidades para o
investimento estrangeiro. Em contrapartida, gerou a ampliação dos níveis de pobreza,
aumentou a concentração de renda e fez crescer a dívida externa.
O quinto capítulo aborda o início do processo de abertura com a chegada ao cargo de
presidente o General Ernesto Geisel, que recebeu o poder num momento difícil para a
economia brasileira e mundial, a histórica crise do petróleo de meados dos anos 70. Foi o fim
do aclamado mundialmente milagre econômico brasileiro. A inflação começou a aumentar e
reduzir o poder aquisitivo dos salários que não conseguiam acompanhar a alta dos preços. A
insatisfação social ascendeu, fazendo com que os movimentos de esquerda renascessem. A
ditadura estava chegando ao fim, entretanto, era necessário manter a situação sob controle.
Iniciava-se a abertura de Geisel, lenta e gradual.
Os problemas econômicos refletiram, inevitavelmente, nas eleições para Deputado
Federal e Estadual e para o Senado, em 1974 e 1978, quando o MDB conquistou excelente
votação. Acentuaram-se as divisões políticas no próprio Alto Comando Militar. Geisel,
Golbery e Figueiredo defendiam a abertura lenta e gradual, enquanto outros, porém, o retorno
à linha dura.
A dureza do regime, no entanto, começava a ser mitigada. Alguns militares, realmente,
estavam envoltos por convicções democráticas. Outros, entretanto, avaliavam, tão somente, o
desgaste que vinha sofrendo as forças armadas em governar naquele momento difícil.
Em agosto de 1976, morreu em acidente automobilístico na Via Dutra, Juscelino
Kubitschek. Em Dezembro do mesmo ano, faleceu João Goulart.
A abertura devia ser controlada. Em 1977, Geisel fechou o Congresso, decretando um
recesso de 14 dias e lançou o “Pacote de Abril”, contendo medidas políticas, administrativas e
econômicas que foi editado pela “Constituinte do Alvorada” e que, dentre outras surpresas,
previa que a Constituição poderia ser modificada com o voto de 50% dos congressistas
mais um. Desta forma, a Arena, que perdia cada vez mais militantes, mas ainda era maioria,
garantia sua supremacia política. Determinou, ainda, que 1/3 dos Senadores passariam a ser
15
“biônicos”, isto é, nomeados pelo Presidente da República, escolhidos de forma indireta pelas
Assembléias Legislativas de cada Estado.
Em 1978, foi revogado o AI-5. A Lei de Segurança Nacional LSN, porém,
permaneceu em vigor. Assumiu o mandato presidencial, o general João Baptista de Oliveira
Figueiredo, antigo chefe do SNI. Clarividente estava que a ditadura declinava. Seria um erro,
contudo, atribuir o fim do regime a simples vontade democrática dos militares. Na verdade,
ele afundava na crise econômica, na corrupção de setores dos governos e no movimento
democrático exercido pelo MDB e pelo povo, pela restauração da democracia.
A oposição democrática passou a atuar, neste momento com maturidade, não mais
através da guerrilha ou do enfrentamento paramilitar, mas com substância, através da
mobilização da sociedade civil. O movimento estudantil renasceu nas principais universidades
do país. O mesmo pode-se falar do engajamento de entidades como a Ordem dos Advogados
do Brasil – OAB e a Associação Brasileira de Imprensa ABI. A censura tinha sido
abrandada no final do governo Geisel e, portanto, já se podia discutir política mais livremente.
Em 1975 foi criado o Movimento Feminino pela Anistia MFA para que os presos
políticos fossem liberados, os exilados pudessem voltar à pátria e os cassados recuperassem
seus direitos. Em 1978, foi criado o Comitê Brasileiro pela Anistia – CBA.
Em novembro de 1978 ocorreu em São Paulo o I Congresso Nacional pela Anistia, em
julho de 1979 o Congresso pela Anistia no Brasil em Roma e, em novembro do mesmo ano o
II Congresso Nacional pela Anistia, em Salvador/Ba. Dos três encontros resultaram cartas e
resoluções políticas, que reafirmaram os princípios do movimento, e que feriam a ideologia
do regime militar. Postulavam anistia extensa, total e incondicional; o cessar da tortura;
explicação a respeito das mortes e desaparecimentos dos presos políticos; a responsabilidade
dos veículos repressivos, de seus representantes e, consequentemente do próprio Estado pelos
atos cometidos; fim da repressão política.
Em 28 de agosto de 1979, foi finalmente promulgada a Lei n.º6.683, a Lei de Anistia, a
qual possibilitava aos parentes dos desaparecidos políticos do regime militar, que requeressem
a declaração de ausência do desaparecido.
Vale ressaltar que nada ocorreu em um clima de total calmaria. As alas retrógradas do
regime, bem como da sociedade não aceitariam pacificamente a distensão política.
16
Em 1978, o movimento grevista paralisou o chamado ABC paulista, apesar da rígida
proibição da ditadura, no tocante às greves. Surgia uma nova liderança no país, Luís Inácio da
Silva, ou somente Lula, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do
Campo. A resposta do governo se deu, somente em 1979, no governo Figueiredo, com seu
fechamento pela Polícia Federal. O movimento dos trabalhadores, porém, não se abalou,
agindo independente dos líderes presos.
O país explodiu em greves. A repressão continuava dura. A intimidação, no entanto, não
se deu. As greves eram ilegais, mas legítimas. São Bernardo do Campo foi ocupada por
tanques e soldados armados. Realizar assembléia operária estava absolutamente proibido. O
enfrentamento armado, porém, não ocorreu. Estava derrotada a ditadura.
O sindicalismo no Brasil entrava em sua segunda etapa. A primeira, compreendida entre
os anos 1930 e 1978, caracterizou-se pelas associações assistenciais, pela criação do
sindicalismo oficial de Estado. A segunda ocorreu entre 1978 e 1988, distinguiu-se pelo
desenvolvimento sindical das associações antigas, bem como pelo aparecimento de novas
associações com surgimento e extensão do sindicalismo no âmbito privado.
A crise financeira mantinha a inflação e a dívida em alta. Em 1982, o país iniciou
negociações com o Fundo Monetário Internacional FMI. Os gastos públicos, como
educação e saúde, teriam que ser cortados em nome da estabilização econômica.
A anistia somente aconteceu em 1979, com a Lei n.º6.683, de 28 de agosto do mesmo
ano. Não foi, porém, ampla, geral e irrestrita, como deveria. De qualquer modo, permitiu o
retorno dos exilados e a libertação dos presos políticos.
O governo proclamava a abertura, mas criava formas de manter o controle da situação.
Para dividir as oposições, Figueiredo baixou a Nova Lei Orgânica dos Partidos, Lei n.º6.767,
de 20 de dezembro de 1979, que findou a divisão política bipartite entre Arena e MDB. Foi
assim que nasceram cinco novos partidos políticos: o Partido Democrático Social PDS,
antiga Arena; Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMDB, antigo MDB; Partido
Democrático Trabalhista PDT; Partido Trabalhista Brasileiro PTB e o Partido dos
Trabalhadores – PT, de Lula.
17
Em 1982, com as eleições diretas para governador restabelecidas, a oposição obteve
vitórias espetaculares com Franco Montoro, em São Paulo (PMDB), Leonel Brizola, no Rio
de Janeiro (PDT) e Tancredo Neves, em Minas Gerais (PMDB).
O sexto capítulo enfatiza o processo de transição para a democracia, impulsionada ao
final do governo do general Figueiredo marcado pela campanha das Diretas Já, em 1984. No
dia em que a Emenda Dante de Oliveira, restabelecendo as diretas, foi votada pela Câmara
dos Deputados, Brasília amanheceu em estado de emergência. Apesar do apoio massivo, a
votação não foi suficiente para dar a vitória ao povo brasileiro. Faltaram 22 votos a favor. O
PMDB, juntamente com descontentes do PDS, acordaram pela realização de um colégio
eleitoral para a realização de novas eleições indiretas. Somente o Partido dos Trabalhadores,
mostrou-se contrário. Concorreram Paulo Maluf (PDS) e Tancredo Neves, apoiado por
dissidentes do PDS, que posteriormente fundaram o PFL Partido da Frente Liberal e pelo
PMDB. Tancredo saiu vencedor.
Após a morte efêmera do presidente recém eleito assumiu a presidência o antigo
senador pedessista, José Sarney, que levaria o país a assembléia nacional constituinte que
promulgou a Constituição Federal 1988.
Em 1989 foi eleito pela forma direta, o alagoano, Fernando Collor de Mello, para o
cargo de Presidente da República. Em 1992, sofreu processo de “impeachment” no Congresso
Nacional, tendo seus direitos políticos cassados por oito anos. No seu lugar, assumiu o
mineiro Itamar Franco.
Em seguida esteve a frente do cargo máximo do Executivo o sociólogo Fernando
Henrique Cardoso, do Partido da Social Democracia Brasileira, perseguido pelo regime
militar e, pai do Plano Real. Foi sucedido pelo ex-líder sindical Luís Inácio Lula da Silva, do
PT, que chegou ao seu segundo mandato consecutivo, ao vencer candidatos do PSDB.
1 FORMAÇÃO DO POPULISMO
O Estado Brasileiro, até o ano de 1930, caracterizou-se pela dominação de uma
oligarquia agro-comercial. Esta era formada pelas elites rurais nordestinas, pelos cafeeiros de
São Paulo e pelos produtores de leite de Minas Gerais. Era a conhecida Política “Café-com-
Leite”, celebrada entre os governos estaduais de São Paulo e Minas Gerais. Em torno desse
domínio, formou-se um bloco único e forte de interesses oligárquicos, agro-exportadores e
comerciais importadores.
“Foi sob a tutela política e ideológica desse bloco de poder oligárquico e também sob a
influência da supremacia comercial britânica, nos últimos vinte e cinco anos do século XIX
que se formou a burguesia industrial” (DREIFUSS, 1987, p.21).
Durante toda a década de vinte, novos centros econômicos regionais se consolidaram
sob novas bases econômicas. Desta forma, o sistema bancário que, em grande parte, tinha se
desenvolvido por causa dos interesses agrários, em conseqüência disto, fixou o poder político
agrário e comercial, na Região Sudeste do país deslocando as tradicionais elites agrárias para
novos grupos urbanos. Estas mudanças abriram caminho para o surgimento de figuras
políticas. Uma delas foi Getúlio Vargas.
A urbanização e o desenvolvimento industrial foram os principais motivos que
ensejaram a desestruturação da elite oligárquica.
O novo bloco de poder tentou opor-se à crise da oligarquia e dos setores cafeeiros em
particular. O conflito nos setores da oligarquia era grande, e as pressões eram cada vez mais
intensas da fração industrial sobre o poder oligárquico, que ficou ainda mais fraco após a crise
do capitalismo mundial de 1929.
A nova burguesia, não destruiu, porém, nem política, muito menos a economia das
antigas classes agrárias dominantes para impor sua presença no estado. Não se sabe se isto
19
aconteceu pelo fato da indústria, ainda, não ter força suficiente para aniquilar a oligarquia ou,
se não queria mesmo a destruição do poder oligárquico.
Com isso, ao assumir o governo após a Revolução de 1930, Getúlio Vargas tratou de
harmonizar as, sempre conflitantes, forças dos industriais e das oligarquias. Durante seu
governo, no entanto, nenhuma das classes conseguiu a supremacia e domínio do Estado.
Mesmo como o estado de compromisso assumido entre os industriais e os oligarcas, o
período foi caracterizado por diversas crises a partir de 1932, o que levou à implantação do
Estado Novo em 1937.
A burguesia industrial, que estava afirmando seu poderio econômico, não aceitava de
nenhuma maneira o rompimento de alianças das classes politicamente dominantes no seu
interior. Havia, também, o temor de levante das classes subordinadas. Desta forma, os
industriais perceberam que precisavam de uma liderança forte para a consolidação de sua
classe, para atender seus interesses. Getúlio era essa pessoa.
“O estado de compromisso foi então remodelado a partir das experiências de um novo
estado traduzido pelas formas coorporativas de associação e apoiado por formas autoritárias
de domínio” (DREIFUSS, 1987, p.22).
Assim, o Estado Novo surgiu em virtude da burguesia industrial mostrar-se incapaz de
dominar os componentes oligárquicos do estado de compromisso e não conseguir criar uma
infra-estrutura sócio-econômica para o desenvolvimento industrial.
O Estado Novo garantiu a supremacia da burguesia industrial e certa aliança entre os
empresários e os proprietários de terra. Isto, é claro, não impediu divergências entre essas
duas classes, mas serviu como mediador, na tentativa de apaziguar os conflitos.
A ligação e a dependência de ambas as partes ficou marcada por quatro fenômenos
(DREIFUSS, 1987):
A demanda dos produtos industriais decorrente em parte dos setores agro-
exportadores;
Compra dos elementos necessários à industrialização de centros estrangeiros, a
partir de receitas obtidas das exportações;
20
Transformação dos setores agrários em produtores de matérias-primas para a
indústria, assim como para as empresas agroindustriais;
Interpenetração entre os setores agrários e industriais, resultante de laços
familiares ou de empresas coligadas.
Esse empenho de industrialização foi fortalecido pela relativa marginalização de
interesses estrangeiros devido aos anos de depressão e ao conseqüente envolvimento
de tais interesses industriais no esforço bélico da segunda guerra mundial. A
industrialização teve então um caráter específico de substituição de importações
(DREIFUSS, 1987, p.23).
No Estado Novo iniciou-se a nacionalização da economia com a criação de empresas
estatais, autarquias mistas e o estabelecimento do controle nacional sob certas áreas de
explorações estratégicas e rentáveis como a mineração, aço e petróleo.
A conseqüência foi o desenvolvimento industrial através da produção de bens de infra-
estrutura. O Estado também teve o grande papel de fomentador do capital industrial, através
da reorganização econômica, do processo de expansão capitalista e da transferência de
recursos de outras áreas para a indústria. Vale ressaltar, que devido a forte estrutura bancária a
industrialização cresceu muito.
O pensamento corporativista conceituava a formação sócio-econômica como conjunção
entre os grupos econômicos e os grupos políticos, onde cada um tinha uma forte influência na
ideologia e ação do poder, através do estabelecimento de uma série de mecanismos para a
formulação de diretrizes políticas e de tomada de decisão. Essa série de mecanismos
implantados tinha por interesse a destruição dos interesses agrários. Desta forma, o Poder
Executivo tornou-se um grande aliado à industrialização. Neste, e por um longo período, os
industriais foram os únicos a tirar vantagens das oportunidades corporativistas.
O Estado Novo também estimulou um processo nacional de formação de diretrizes
políticas, na tentativa de subordinar as lideranças regionais e introduzir reformas
administrativas, objetivando modernizar o aparelho estatal e controlar o capital
estrangeiro em favor de empreendimentos locais (DREIFUSS, 1987, p.24).
21
O Executivo criou, então, o Departamento Administrativo do Serviço Público, o DASP.
Este órgão foi, por demais, importante para a modernização e a centralização da
administração pública.
O Estado Novo permitiu e, propiciou, também, a participação de profissionais de classe
média e de militares, juntamente com os próprios empresários.
A ditadura de Vargas, também, interveio fortemente nas relações de trabalho existentes
naquela época. Exemplo foi a elaboração da Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT. Isso,
porém gerou forte óbice à fácil expansão industrial capitalista.
Devido às péssimas condições laborais que viviam os trabalhadores, as reivindicações
por melhores condições de vida e trabalho, estavam cada vez mais intensas e atuantes.
Com o aumento da insatisfação e das reivindicações pelo fim da pobreza, pelo
desenvolvimento das forças produtoras, pela democracia e pela justiça social, as classes
dominantes perceberam que novas formas de governo deveriam substituir o autoritarismo
coercitivo do Estado Novo.
Vários foram os fatores que demonstravam o descontentamento das classes dominantes
com o Estado Novo, dentre elas: a imagem fascista que gerava a reação das classes médias
contra o autoritarismo do Estado Novo; as diferenças entre as posições do governo que,
embora neutro, tinha uma simpatia pelos EUA, Inglaterra, enquanto os oficiais superiores
simpatizavam com Alemanha.
Vargas ao perceber que o autoritarismo não mais correspondia aos fatos que se
sucediam, tentou deslocar a base sócio-política do Estado Novo para um alinhamento formado
por classes trabalhadoras e burguesia industrial. Vargas, nas eleições de 1945, estabeleceu
novas estratégias.
Getúlio Vargas concedeu anistia política e tentou ganhar para o seu lado as classes
trabalhadoras urbanas, e o Partido Comunista através de medidas de reforma sócio-
econômica e a participação política, tentando organizar sua própria base para a
constituição de uma nova forma de organização política do governo e de um novo
regime. Forças sócio-econômicas emergentes, assim como novas demandas sócio-
políticas, necessitavam ser comandadas. A limitada convergência de classe no
poder, o corporativismo associativo e o autoritarismo do Estado Novo foram
integrados e sintetizados numa fórmula nacional de desenvolvimento que, sob o
nome genérico de POPULISMO, tentava estabelecer uma hegemonia burguesa.
22
Através do populismo, o Executivo procura estabelecer um esquema de limitada
mobilização política nacional das massas urbanas, baseado em uma estrutura
sindical controlada pelo estado e no apoio institucional do PSB (Partido do poder) e
do PTB (Partido da legitimação da ordem vigente). Após anos de autoritarismo e
predominância do Executivo, o populismo favorecia a reentrada em cena do político
profissional, juntamente com a participação de industriais banqueiros em atividades
político-partidárias (DREIFUSS, 1987, p.27).
A estratégia de Vargas era vista pelas classes dominantes como uma forma de Getúlio
obter mais simpatia das classes trabalhadoras, e com o apoio desta, estabelecer um Executivo
relativamente independente.
Tal independência seria um problema terrível para os industriais, bem como para os
oligarcas, e com certeza Vargas ficaria acima do controle das Forças Armadas. Além disso,
com essa estratégia, Getúlio ligou o desenvolvimento da economia ao lado nacionalista
estatizante distributivo.
As reformas do Estado Novo foram, então, reprimidas pelas classes dominantes, pois
estas tinham o objetivo da multinacionalização das indústrias, com o fim de tecnologia,
investimentos, lucros.
Getúlio não teve tempo para reação, antes de pensar em alguma saída, seus opositores
(industriais oligarcas, classes médias e empresas multinacionais) aliados aos oficiais de alta
patente entraram em ação e o depuseram.
Os empresários não aceitaram Getúlio ou suas propostas políticas, mas, desta
personalidade histórica, adotaram o modelo e o sistema partidário que o ex-ditador havia
estimulado. A passagem do Estado Novo para uma forma populista de governo não teve
muitas dificuldades. Isto porque, a mesma elite que dominava no tempo de Vargas estava
também no domínio nesta nova fase de governo (Populista). Assim, essa elite, que se
prolongou no poder, promoveu as primeiras eleições nacionais pós Estado Novo.
“Além disso, a continuidade foi salientada pelo fato de a Constituição de 1946 haver
deixado praticamente intacto o marco institucional do Estado Novo” (DREIFUSS, 1987,
p.28).
Existe uma visão contra o conceito pejorativo dado ao movimento populista de que o
único momento válido seria o momento institucionalista, enquanto o movimento de
23
mobilização seria sempre vilipendiado, não estando ligado a tipo de regime ou ideologia, e
sim, a forma de construção do político que privilegia a lógica da equivalência sobre a lógica
institucional. Em outras palavras, seria a convergência das equivalências sobre símbolos
comuns. (LACLAU, 2006).
O vencedor da eleição para Presidente da República, foi o Marechal Eurico Gaspar
Dutra, que havia sido Ministro da Guerra no governo de Vargas. O ex-ministro foi eleito pelo
PSB, mas tinha o apoio do PTB de Getúlio.
Sob a presidência do Marechal Dutra, restaram, ainda, muitas das características do
Estado Novo como posição privilegiada dos industriais dentro do Executivo e as relações de
domínio das elites para com os trabalhadores. Houve, porém, o restabelecimento do
Legislativo como foro de atuação política.
Pelo fato do Marechal Dutra ter sido eleito pelo PSB e PTB e, com apoio de Vargas,
pensou-se que Dutra iria aderir às idéias de Getúlio, principalmente no que diz respeito ao
nacionalismo e aos trabalhadores. Mas, aconteceu exatamente o contrário. Dutra adotou
medidas muito elitistas. Entregou às classes dominantes os principais cargos da administração
governamental. Defendeu, também, o controle político das classes subordinadas. Logo, o
Brasil foi reaberto ao capital estrangeiro.
O bloco oligárquico empresarial, que tinha por objetivo conseguir o consentimento
político das classes subordinadas e impor consenso entre as frações subalternas das classes
dominantes, usou para esses fins, inicialmente, meios de dominação e táticas que se
caracterizavam, sobretudo, pelo paternalismo.
Marechal Dutra era defensor da indústria privada. Para fortalecê-la, em junho de 1946,
assinou um decreto criando o Serviço Social da Indústria – SESI, com o objetivo de, em longo
prazo, combater o reaparecimento de organizações autônomas entre as classes trabalhadoras e
de construir no seio do operariado uma base ideológica e de comportamento político, em
consonância com uma sociedade industrial capitalista. Porém, devido à organização, à
conscientização dos trabalhadores e à força que o Partido Comunista ganhava, a manipulação
foi dificultada.
24
Vários acontecimentos, como o fato de uma suposta ligação dos trabalhadores com o
ilegal Partido Comunista, fez com que o governo adotasse medidas fortemente autoritárias
dentro do sistema político e do regime populista.
Em resumo, o populismo sustentava uma igualdade democrática urbana, por sinal
muito seletiva. Um sistema excludente havia sido criado. E mais, os baluartes
populistas do Ministério do Trabalho, o peleguismo e os partidos populistas eram
responsáveis pela incorporação ao Estado das forças sociais que haviam se
desenvolvido em decorrência da modernização. Eles eram simultaneamente
responsáveis pela desagregação e conformismo das classes trabalhadoras e pela
legitimação da sociedade capitalista (DREIFUSS, 1987, p. 30).
1.1 O retorno de Vargas populista
Em 1950 houve eleições com o Partido Comunista ainda ilegal e os sindicatos ainda sob
intervenção estatal. Getúlio, candidato pelo PTB, procurou resgatar e mostrar propostas que
enfatizassem o bem-estar social e medidas favoráveis aos trabalhadores. Defendeu, também, a
industrialização nacionalista e o direito do Brasil explorar seus recursos minerais sem
intervenção estrangeira.
Vargas deixou claro em seus discursos que aceitaria de bom grado investimentos
estrangeiros, mas estes deveriam fazer o Brasil crescer e não se subordinar e aceitar todas as
idéias norte-americanas. Getúlio, com todas as suas propostas, voltou ao poder, com uma
ampla vantagem nos votos, reunindo todos os interesses políticos.
O sistema político e o regime sofreram mudanças expressivas durante a segunda
administração de Vargas (DREIFUSS, 1987):
O Congresso Nacional ficou mais forte, igualando-se ao Executivo, como um
centro de articulação de interesses. Passou a representar o lugar onde diferentes frações das
classes dominantes compartilhavam do governo junto ao bloco do poder dominante;
O Legislativo tornou-se uma instituição fundamentalmente regulada por
conciliações e alianças, pois exercia certo grau de controle sobre as medidas políticas
adotadas pelo Executivo;
25
A aliança PSB/PTB fazia circular as reivindicações do eleitorado aliado do
Presidente no Congresso Nacional;
Na convergência de classes do regime populista, o controle do Executivo
tornava-se a questão política central, e as lutas pela participação neste poder favoreciam uma
intensa personalização da vida política, que se tornou fator fundamental nas crises.
1.2 O segundo governo de Vargas
O Congresso Nacional estava dividido em dois blocos de representação. O primeiro era
representado pela aliança PSB/PTB. Nela, as pressões populares eram agregadas e
canalizadas. Os partidos podiam pressionar o sistema, estruturar suas alianças e ganhar apoio
popular.
O segundo bloco era composto pelos proprietários de terra que se manteve forte durante
o Governo de Vargas e, também, apresentavam suas demandas políticas através de seus
representantes no Congresso.
Vale salientar que o bloco industrial financeiro não detinha supremacia, e que os
interesses rurais permaneciam economicamente poderosos.
A segunda administração Vargas foi dividida em três períodos. A primeira fase foi
caracterizada por forte presença empresarial, uma política antiinflamatória e uma
procura entusiástica de ajuda econômica dos EUA. Essa fase terminou em meados
de 1953 sob pressão conjunta de sindicatos e diversos grupos nacionalistas [...] Em
meados de 1953 o ministério foi reorganizado e começou a segunda fase. Apesar de
manter suas opções abertas tanto em relação ao bloco oligárquico-industrial quanto
aos EUA [...] Vargas recorreu intensamente às classes trabalhadoras. Ele substituiu
seu Ministro do Trabalho por João Goulart. O crescimento em torno de assuntos
nacionalistas e trabalhistas andou passo a passo com uma oposição do Exército de
Vargas e de Goulart, culminando com o famoso memorando dos coronéis, o que
levou à demissão de João Goulart e do Ministro de Guerra, general Estillac Leal [...]
A terceira fase foi inaugurada sob considerável pressão militar, pressão esta
fortemente apoiada por empresários e pelo governo americano. Esta fase foi, na
verdade, uma longa sucessão de manobras getulistas defensivas e com propósitos
definidos e limitados, manobras que foram intensamente. Atacadas no Congresso e
na imprensa. Esta fase acaba com um golpe de estado e o suicídio de Vargas
(DREIFUSS, 1987, p.32).
26
Vargas tinha como estratégia de industrialização e acumulação de capitais a manutenção
da política cambial e do controle das taxas cambiais e a contenção relativa dos salários reais.
Vargas queria, a qualquer custo, uma política nacionalista-capitalista. Este ideal era,
também, apoiado pelas empresas estatais e privadas. Esta política nacionalista capitalista foi
materializada com a criação da PETROBRÁS e pela formação de uma diretriz política de
desenvolvimento geral que tentava combinar o crescimento econômico com a democracia
social. Desenvolvia-se, também, a idéia de um esforço para implementação de um bloco
industrial trabalhista amparado pelo Estado e, igualmente, pelo apoio, para os interesses
agrários.
Os empresários locais, longe de serem hostis à penetração multinacional, até
favoreceram-na. Queriam o desenvolvimento industrial através da internacionalização da
economia, mas temiam que este desenvolvimento fosse liderado pelo Estado. Os empresários
junto com os interesses multinacionais temiam a ascendência política de Vargas e forças
sócio-democráticas.
Vargas suicidou-se devido as grandes pressões que sofreu. Com sua morte, todos os
seus ideais de desenvolvimento nacional foram recusados. O período de transição entre
Vargas e Café Filho foi marcado pelo favorecimento de corporações multinacionais,
importação de equipamentos industriais para produção de bens considerados altamente
prioritários para a administração.
1.3 O populismo desenvolvimentista
O governo de Café Filho não foi diferente, pois também foi marcado pela penetração
multinacional. Isto visava conter as classes trabalhadoras. Logo, no entanto, esta
administração foi derrotada pela força sindicalista.
É exatamente neste cenário que Juscelino Kubitschek e João Goulart formaram uma
aliança. João Goulart veiculava os interesses de Getúlio Vargas e, Juscelino apresentava um
programa de desenvolvimento e planejamento nacional.
27
Porém a administração de Juscelino, embora aparentemente baseada na mesma
correlação de forças políticas do regime de Vargas, implementou uma política de
desenvolvimento que resultou em uma mudança drástica no modelo de acumulação de
receitas, reforçando um padrão de desenvolvimento.
A política de desenvolvimento de Juscelino era baseada num pacote tecnológico. Um
exemplo disto foi a indústria automobilística. Com a vinda de tecnologia, esperava-se a
solução para os problemas econômicos do país. Não foi exatamente solução para todos os
problemas, mas com certeza modificou a estrutura da economia e da sociedade.
Havia, no entanto, uma falha no esquema. A eficiência da administração paralela
dependia amplamente da atitude positiva e da boa vontade que o executivo
demonstrasse quanto ao seu funcionamento. Tornava-se necessário, então, que os
interesses multinacionais e associados conseguissem o comando do Estado e a
ocupação de postos burocráticos na administração (DREIFUSS, 1987, p.37).
Foi sob a vigência do Plano de Metas que se pode identificar que mesmo com presença
expressiva do Estado na economia, ele não orientaria a nova estrutura de produção. Pelo
contrário. Quem controlava essa nova estrutura era o capital estrangeiro.
O populismo, com suas características clientelistas, cartoriais e paternalistas, serviu,
por um breve período, para reproduzir ideologicamente e recriar politicamente a
idéia de um Estado neutro e benevolente. Através do populismo, as classes
dominantes visavam também preservar a falta de diferenciação sócio-política que
havia sido característica dos regimes anteriores, em uma tentativa de abafar o
aparecimento de organizações autônomas dos trabalhadores (DREIFUSS, 1987,
p.36).
No final da administração de Juscelino, pôde-se perceber que mesmo devido às
transformações e alguns progressos, vários problemas, principalmente os sociais, se tornaram
ainda maiores.
Após seu governo surgiu a figura política controvertida de Jânio Quadros, que tentou
solucionar o impasse entre o desenvolvimento nacional e o capital estrangeiro. Encurralado,
renunciou.
28
Para a vaga de Jânio Quadros, é chamado a suceder-lhe, João Goulart ex-ministro e
herdeiro das idéias de Vargas, ou seja, líder do bloco nacional-reformista. Jango, como ficou
historicamente conhecido, assumiu o poder em momento caracterizado por gravíssima crise
militar; por contas públicas descontroladas; imensa dívida interna e externa; situação política
delicada e, dificuldade para a implantação de reformas (FERREIRA; DELGADO, 2003).
Quando da renúncia, Jango encontrava-se em visita oficial à China. Assim sendo, em 25
de agosto de 1961, o presidente da Câmara, o Deputado Ranieri Mazzilli, assumiu
interinamente a Presidência da República. Enquanto o Vice-presidente não regressava ao país,
a UDN e os militares de alta patente das Forças Armadas tentaram evitar a posse de Jango,
por considerá-lo subversivo e ligado aos comunistas. Os ministros militares fizeram força
junto ao Congresso para que o cargo de Presidente da República fosse considerado vago.
Assim, novas eleições teriam de ser realizadas.
Em defesa da legalidade, Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul,
resistiu a golpe militar, instituindo a denominada Cadeia da Legalidade, conclamando a
sociedade e as forças políticas aliadas do governo a lutar contra tomada do poder, em defesa
da Constituição. Em 28 de agosto de 1961, o chefe militar do Exército com sede no Rio
Grande do Sul, manifesta sua fidelidade a Goulart. Em 2 de setembro o Congresso emenda a
Constituição instituindo o regime parlamentarista no Brasil.
O sistema Parlamentarista havia sido instalado como forma de impedir que o Presidente
da República viesse a exercer seus poderes. Decorreu da coalizão de grupos civis e militares
que não se conformaram com sua posse.
Assim mesmo, Goulart deu continuidade à política externa de Juscelino, ampliando
mercados para exportação e, estabelecendo relações diplomáticas com países comunistas,
como se deu em 1961, com a URSS, bem como se opondo ao embargo econômico dos EUA a
Cuba.
As conspirações se iniciaram antes mesmo da posse de João Goulart, mas se
intensificaram nas primeiras semanas de governo. Estavam contra ele, os ministros militares
de Jânio Quadros, que haviam entregado os cargos, dentre eles o General Odílio Denys. Além
daqueles, os apoiavam, os generais Cordeiro de Farias e Olympio Mourão. Dentre os civis,
destacavam-se os empresários cariocas e os políticos conservadores.
29
No campo da economia, a inflação chegava à marca de 45%, em 1961, provocada pela
emissão descontrolada de moeda, entre os governos Jânio Quadros e Jango.
Jango assumira o governo num cenário de reivindicações históricas das esquerdas por
reformas de base, pela alteração nas estruturas econômicas, sociais e políticas que
possibilitassem um desenvolvimento econômico autônomo e justiça social (FERREIRA;
DELGADO, 2003).
Reclamava-se por reformas fiscal, administrativa, agrária, pelo controle do capital
estrangeiro e pelo monopólio estatal dos setores estratégicos da economia. Essa coligação pró-
reformas era formada, porém, por um grupo bastante heterogêneo, composto por militantes do
PCB, pelas Ligas Camponesas, por uma frente parlamentar nacionalista, pelo CGT, por
subalternos das Forças Armadas e pela UNE. A luta pelas reformas era liderada pela Frente de
Mobilização Popular – FMP, liderada pelo Governador Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul.
A atuação deste, inclusive, é taxada como um dos motivos que levaram ao desgaste do
governo de Goulart.
Outro setor das esquerdas era contrário a Jango e, queria derrubá-lo. Era formado por
militantes do Partido Comunista do Brasil PC do B, do Partido Revolucionário Trotskista
(POR-T), pela Organização Revolucionária Marxista e pela Ação Popular – AP (FERREIRA;
DELGADO, 2003).
As esquerdas extremistas atacavam o Congresso Nacional conservador e, exigiam de
Jango medidas radicais e imediatas, principalmente no tocante à reforma agrária.
Em 1962, o Presidente da República afastou-se do gabinete de ministros, aproximando-
se das esquerdas. Iniciava-se o processo de retorno ao Presidencialismo. Contou, para sua
sorte, com a demissão de quase todo o gabinete, que se desvinculou do governo para se
candidatar às eleições de 1962.
Com a saída de Tancredo Neves que havia sido nomeado Primeiro Ministro, foi
indicado San Thiago Dantas, que tinha o apoio das esquerdas, dos grupos nacionalistas e do
movimento sindical. Seu nome foi, porém, rejeitado pelos conservadores. Em face do
impasse, Jango nomeou, dentre estes, o Presidente do Senado Auro de Moura Andrade, sob o
protesto do de seus partidários de PTB. Em conseqüência da nomeação, os sindicatos
deflagraram gigantesca greve, o que culminou na renúncia de Auro. Mesmo com a renúncia, a
30
nomeação de um conservador havia provocado um enorme desgaste do Presidente com as
esquerdas. Em seguida, foi nomeado Brochado da Rocha, o qual teve a aprovação da maioria
dos votos.
Em agosto de 1962, os ministros militares se manifestaram pela antecipação do
plebiscito sobre a manutenção do sistema. No mês seguinte, o gabinete de Brochado
renunciou. Sentindo-se pressionado, o Congresso Nacional aprovou a antecipação do
plebiscito para 06 de janeiro do ano seguinte. Até essa data, ficaria no gabinete, Hermes Lima.
O parlamentarismo estava, porém desacreditado.
Nos Estados Unidos, a CIA alertava para o risco de esquerdização do Brasil.
Confirmando isso, o Presidente norte-americano cancelou viagem ao País.
Em 06 de janeiro, Goulart obteve uma vitória esmagadora, que pode ser perfeitamente
interpretada como sua eleição para Presidente da República.
Empossado, tratou de nomear um ministério de centro, no qual buscou a conciliação
entre a esquerda e a direita, em prol da estabilização econômica através das reformas de base.
Para que obtivesse êxito, teria, obrigatoriamente, que aliar o PDT ao PSD, o que seria uma
tarefa por demais árdua.
Editou um Plano Trienal, em 30 de dezembro de 1962, de autoria de Celso Furtado, que
visou à obtenção de apoio político dos grupos conservadores, da opinião pública, bem como a
confiança dos credores externos, principalmente dos EUA. Seria o novo modelo de orientação
da política econômica do governo. Procurou-se estabelecer regras gidas para o controle do
déficit público e assim, combater a inflação sem o comprometimento do desenvolvimento
econômico para, em seguida, implementar as reformas. Outro objetivo seria a elevação do
PIB para taxa equivalente a 7%. Para isso, deveria contar com um apoio multiclassista, o que
não se deu.
Sem o apoio dos conservadores, Jango partiu rumo às reformas, sobretudo a agrária.
Tento, então, emendar a Constituição de 1946, buscando a alteração dos artigos 146 e 147 do
seu texto. O projeto, porém, foi derrotado no Congresso Nacional. Tal fato determinou
decisivamente os rumos do país.
Para piorar a situação, a imensa dívida externa brasileira fez com que os EUA e o Fundo
Monetário Internacional FMI bloqueassem todos os créditos para o Brasil, temendo uma
31
moratória unilateral. A conseqüência desse arrocho, o governo Goulart regulamentou a Lei de
Remessa de Lucros, a Lei nº 4.131/62, que era uma demanda histórica da esquerda.
Enquanto isso, a conspiração tomava forma nas cúpulas de oficiais das forças armadas.
O próprio Serviço Federal de Informações e Contra-informações – SFICI a denunciava.
Uma grave crise militar abalou, ainda mais, as relações entre os oficiais e o governo.
Em setembro de 1963, o Supremo Tribunal Federal julgou inelegíveis os sargentos eleitos no
ano anterior. Em conseqüência, estes se sublevaram, se auto-proclamando de Comando
Revolucionário de Brasília. Tal fato gerou maior desconfiança do oficialato em relação ao
colapso da hierarquia e da disciplina. Exigiu-se punição severa e rigorosa, o que não ocorreu.
O levante enfraqueceu sensivelmente o governo.
Seguindo sugestão dos ministros militares, Goulart pediu junto ao Congresso Nacional a
decretação de Estado de Sítio, o que provocou reação negativa tanto por parte da direita,
quanto da esquerda. Desta forma, Jango não teve outra opção, senão retirar a proposta.
Um forte grupo conspirador civil-militar se formava. Era formado pelo Marechal Odílio
Denys e pelos Governadores Magalhães Pinto (Minas Gerais), Carlos Lacerda (Guanabara) e
Adhemar de Barros (São Paulo).
Os políticos conservadores temiam a radicalização das esquerdas, o que os levou a
aderir à Rede da Democracia iniciada pelas Rádios Globo, JB e Tupi, à qual, posteriormente,
aderiram os jornais. Através dela, denunciavam o perigo comunista.
A esquerda que não concordava com a política conciliatória de Jango, decidiu por
romper, então, como o governo. Queria a confrontação com a direita, o que Goulart jamais
quis.
Jango não temia a conspiração. Acreditava no Dispositivo Militar elaborado pelo
General Assis Brasil, o qual isolaria os militares sublevadores. Vários atos subseqüentes,
como o caso da nomeação de Nei Galvão para o Banco Central, decepcionaram, ainda mais,
as esquerdas.
Numa tentativa de retomar o apoio perdido, o Presidente tratou de tomar medidas
nacionalistas e de cunho reformista, como a de determinar o monopólio da PETROBRÁS.
32
Surgiu, ainda, um boato a respeito do monopólio sobre o câmbio, que gerou pânico entre o
empresariado.
Com o chamado Decreto da SUPRA Superintendência de Política Agrária, Jango
desapropriou 20 km de cada lado das rodovias, ferrovias, açudes e rios navegáveis federais,
além das terras que haviam sido beneficiadas por investimentos exclusivos da União.
Nesta época, surgiu a Frente Progressista de Apoio às Reformas, classificada por San
Tiago Dantas de Esquerda Positiva, contrária à Frente de Mobilização Popular de Brizola e,
favorável ao reagrupamento das forças de centro em torno do governo, na tentativa de
bloquear o crescimento da conjuração da direita civil-militar. Buscou entendimento com o
PSD, o PTB e o PCB moderado no sentido de isolar a esquerda radical. Não conseguiu,
todavia, seu intento.
Os americanos, com o objetivo de desgastar o governo com o agravamento da crise
econômica, promoviam o estrangulamento do Brasil através de sua política externa.
A esquerda, naquela conjuntura, não esperava um golpe militar. Para seus militantes, o
exército era democrático e, pelo povo, pois nas vezes que teve que intervir na política, logo
em seguida sempre devolvia o poder aos civis. Assim mesmo, diziam-se preparados para o
embate.
No início de março de 1964, a radicalização política assumiu proporções preocupantes
para a manutenção da ordem democrática, principalmente após o anúncio do comício que se
realizaria no dia 13 daquele mês na Central do Brasil.
No comício, ao lado do Presidente, estavam Miguel Arraes e Leonel Brizola. Em sua
palavra, este defendeu o fechamento do Congresso Nacional e a convocação de uma
Assembléia Nacional Constituinte.
Dois dias após o comício, Jango enviou uma mensagem ao Congresso Nacional com o
objetivo de implementar as reformas universitária, agrária e eleitoral.
No dia 19 de março, a direitas se reuniram em São Paulo na famosa Marcha da Família
com Deus pela Liberdade. Após a passeata, houve um comício onde se discutiu a respeito do
discurso que Goulart proferira dias antes.
33
Em março um levante de marinheiros levou o Ministro da Marinha, Silvio Mota, a
decretar a prisão de 12 dirigentes da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros. Em seguida,
determinou a detenção de mais 40 marinheiros e cabos. Ocorre que a tropa enviada para
prendê-los aderiu ao movimento. Contrariando a opinião do oficialato, Goulart determinou
que os rebeldes não fossem atacados, fato que deixou aqueles indignados e, provocou a
renúncia de Sílvio Mota.
Se o Conselho do Almirantado não aceitou a saída de Sílvio Mota, mesmo com a
nomeação do Almirante, de esquerda, Paulo Márcio Rodrigues, se enfureceu com a anistia
dos revoltosos. Sentiram que a hierarquia e a disciplina haviam sido subvertidas. Desta forma,
o alto oficialato da Marinha de Guerra brasileira aderiu à conspiração pela queda de Jango,
em nome da corporação militar.
No discurso proferido na sede do Automóvel Clube do Rio de Janeiro, em 30 de março,
para a Associação dos Sargentos e Suboficiais da Polícia Militar, Jango tentou inutilmente
conciliar as partes envolvidas.
No dia seguinte, os Jornais mais importantes do país estampavam em suas capas
protestos pela deposição do Presidente. Naquele mesmo dia, o Presidente do Senado, o
Senador Auro Moura Andrade lançou manifesto à nação declarando o rompimento daquela
casa com o governo federal, requisitando, ainda, a intervenção militar. assim, Jango se deu
conta da insustentável situação de mandato.
Carlos Lacerda se protegeu no Palácio da Guanabara, juntamente com o Brigadeiro
Eduardo Gomes. Generais e Marechais estavam ali para apoiá-lo. Goulart poderia ter
determinado sua prisão, mas resolveu evitar derramamento inútil de sangue. Havia a denúncia
de que tropas americanas estariam a postos, prontas para intervir em prol dos revoltosos.
Todas as medidas que poderiam ter sido adotadas pareciam soar como infrutíferas. A
conjuração estava difundida na sociedade, entre militares, e em todos os grupos sociais e da
sociedade civil (classe alta, média, empresários nacionais e estrangeiros, intelectuais,
jornalistas, religiosos e políticos).
Várias foram as versões a respeito da falta de resistência do Governo Federal face o
avanço dos revoltosos, mas a mais aceita foi a de que faltou comando ao Presidente. Havia
34
um acordo tácito com os militares de baixa patente para que esperassem uma ordem do
Planalto para a reação.
2 A TOMADA DO PODER
O esperado golpe militar, após tentativa frustrada ocorrida em 1961 após a renúncia
de Jânio Quadros e, que foi obstaculizado pela frente da legalidade juntamente com o apoio
da sociedade civil e, setores militares, aconteceu na madrugada do dia 31 de março de 1964,
para o dia 1º de abril. Era a derrocada do governo populista de João Goulart. Em sua
administração claudicante, Jango perdeu o apoio de seus naturais aliados e, não conseguiu
forma uma aliança com os conservadores.
Foi deflagrado por vários setores da sociedade brasileira, a ala conservadora, os
militares do complexo IPES/IBAD, notadamente o General Golbery do Couto e Silva e o
Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco (Chefe do Estado Maior do Exército) e,
organismos públicos e privados multinacionais de vocações econômicas.
A reação foi sentida por parte do governo e de seus supostos aliados. Jango acreditou,
por demais, no dispositivo criado pelos militares legalistas pra coibir qualquer ação contrária
ao governo. Ele sequer esboçou reação. A adesão do General Amaury Kruel, até então
legalista, deu força ao movimento. Esperou, também, a reação das classes proletárias, nas
quais havia depositado seu apoio e confiança. Esperou, ainda, pela greve geral que seria
articulada pelo Comando Geral dos Trabalhadores – CGT, o que, também, não se deu. lhe
restou aceitar os fatos e, evitar uma guerra civil, da qual sabia que sairia derrotado, assim
mesmo. Seu cunhado, o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola tentou repetir a
resistência que ocorrera em 1961. Jango, a despeito disso, seguiu para o exílio no Uruguai,
onde ficaria até sua morte em 1976. Ainda no país, havia sido declarada a vacância da
Presidência da República, pelo, então Presidente do Senado Federal, Auro de Moura Andrade.
Assumia o Presidente da Câmara dos Deputados, Raineri Mazilli, que assumira a
Presidência quando da renúncia de Jânio Quadros.
O Brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo, o vice-almirante Augusto Rademaker
e o General Artur da Costa e Silva formaram o Comando Supremo da Revolução. Este último
36
assumiu o ministério da Guerra, se autodenominando de chefe do Exército Nacional. A
repressão se iniciou atingindo os setores políticos de esquerda, como o CGT, a União
Nacional dos Estudantes UNE, a Juventude Universitária Católica JUC e a Ação Popular
– AP e as Ligas Camponesas. Começavam as prisões e as primeiras notícias de tortura.
Foi de autoria do referido Comando a outorga do Ato Institucional. Tinha por objetivo
precípuo dar fundamento aos atos de exceção que já ocorriam e, que fariam parte do cotidiano
brasileiro. Tais atos atendiam pelo nome de Inquéritos Policiais Militares (IPMs), tinham por
escopo apurar atividades consideradas subversivas. Muitos foram os que perderam seus
direitos políticos, foram demitidos ou aposentados e, ainda, os que tiveram seus mandatos
cassados.
Como foi citada acima, a tomada do poder pelos militares foi festejada por
importantes setores da sociedade brasileira. O empresariado associado ao capital
multinacional, as empresas estrangeiras, elementos da imprensa, os grandes latifundiários,
setores da Igreja católica. Além deles, contavam com o apoio dos governadores dos estados
mais importantes da federação, dentre eles, Carlos Lacerda, que ocupava o governo do Estado
da Guanabara; Magalhães Pinto que forneceu ajuda irrestrita ao General Mourão Filho
quando do levante das tropas mineiras e, Ademar de Barros, governador de São Paulo. Setores
da classe média também queriam a intervenção militar, que sempre se dera de forma
moderadora, enquanto o problema permanecesse, para, depois encaminhar o poder aos civis.
Pretendiam estancar o processo de esquerdização do governo Jango, bem como o controle da
conjuntura econômica. O golpe agradou, inclusive, ao governo norte-americano, que
acompanhou de bem perto a conjuração, através de seu embaixador no Brasil, Lincoln
Gordon, o qual mantinha contatos diários com o Secretário de Estado americano Dean Rusk,
que disponibilizou aos revoltosos apoio logístico e, de tropas, por meio da secreta Operação
Brother Sam, caso houvesse resistência das tropas leais ao governo a ser deposto.
A justificativa invocada pelos militares golpistas estava baseada na chamada Doutrina
de Segurança Nacional e, também nas teorias sobre guerra anti-subversiva ou anti-
revolucionária estudadas na Escola Superior de Guerra. A ação era justificada para a
restauração da disciplina e da ordem hierárquica nas Forças Armadas, assim como para deter
iminência comunista que amedrontava a sociedade brasileira a ordem capitalista e à segurança
do país. Teorizavam que o Brasil estava cheio de inimigos internos, os quais procurariam
37
hastear a bandeira do comunismo no país por meio da via revolucionária, através da subversão
da ordem política e social.
Os revolucionários, como se autodenominavam, acreditavam que os civis que
governavam o país desde a Era Vargas se mostraram incompetentes em governar o país de
forma coesa e ordeira, bem como de mantê-lo afastado da ameaça comunista. Com a tomada
do poder, iniciou-se a implantação de um regime de viés autoritário que preconizava o Estado
em relação aos direitos e liberdades individuais previstos na Constituição de 1946, que até
então, permanecia em vigor. Caracterizava-se, ainda, pela supremacia do Poder Executivo,
quanto aos demais poderes.
A expressa falta de organização e coordenação entre os golpistas combinou-se à
ausência de resistência do governo à conspiração militar. É certo que não se tratou de uma
conjuração única, centralizada e bem estruturada. Haviam bolsões conspiratórios unidos,
apenas, pela rejeição ao regime. Não se encontrava entre os conjuradores, alguém ou algum
grupo que possuísse um plano de governo organizado. Alguns dele, inclusive, criam que os
militares serviriam, tão somente para restabelecer a paz para, depois, devolver o poder para os
civis, eram as intervenções moderadoras. De outro lado, estavam os militares que protestavam
por medidas radicais contra a subversão e, queriam a conservação dos militares no poder por
um extenso e indefinido período. Os grupos estavam divididos entre os Marechais Castello
Branco e Costa e Silva, respectivamente.
O grupo de oficiais pró-Castello, mais bem articulado com os principais líderes políticos
da época, o colocaram na Presidência da República em 15 de abril de 1964. Foi eleito pela
forma indireta. Iniciava-se a ditadura militar no Brasil. Desta feita, os militares se sentiam
preparados para governar, estimular o crescimento do país, dentro da harmonia social e
política, além de extirpar o mal do comunismo, da corrupção e da subversão. As instituições
civis haviam falhado, era a vez dos militares, que permaneceriam no poder durante 21 anos.
(STEPAN, 1988).
38
2.1 A ditadura transitória de Castello Branco
Castello assumiu pensando em retornar o poder aos civis após sanadas as causas que
determinaram a tomada do poder. Não queria o poder para si, nem para os militares. Entendia
que a função destes era pacificadora.
A caçada aos subversivos se iniciara. Milhares de pessoas foram presas, dentre elas
professores universitários, intelectuais, políticos e sindicalistas. Os políticos opositores ao
golpe, tiveram seus mandatos cassados, dentre eles, os últimos Presidentes: Jango, Jânio e JK.
Funcionários públicos foram demitidos ou aposentados compulsoriamente. Comunista era
qualquer um que não concordasse com o regime que se instaurava.
Em seu primeiro ano, o governo de Castello procurou desfazer as reformas de base
instituídas por Jango. Simulou uma mini-reforma agrária através do Estatuto da Terra, a qual
jamais sairia do papel.
Na economia, criou o Plano de Ação Econômica do Governo, o PAEG que tinha por
objetivo o controle e a diminuição da inflação através do corte dos gastos públicos, bem como
da restrição do meio circulante. Cortaram investimento no ensino público e da saúde. Em
1964, foi criado o Banco Central, que ficaria, desde então, responsável pelas operações
financeiras e, pela emissão de moeda. Os juros altos decorrentes da política de recessão do
governo estancaram o crescimento da economia. Era a forma de diminuir a inflação. Para
devolver o impulso, foram criadas facilidades para o investimento estrangeiro.
Sem a ameaça do nacionalismo, de greves e comunistas, os investidores estrangeiros
retornaram ao país. Além disso, o novo governo tinha eliminado as restrições ao capital
estrangeiro. O risco de investimento se dissipara. Assim, o Brasil passou ser, novamente
fomentado pelos bancos estrangeiros.
Ainda em 1964 foi criado o Serviço Nacional de Informações SNI, criado nos moldes
da CIA americana, mas com o diferencial de fazer contra-espionagem interna. Seus agentes se
espalharam pelos quatro cantos do país, fazendo diligências e, indicando os suspeitos. Seu
criador, o general Golbery do Couto e Silva, já nos anos finais da ditadura, admitiria a criação
se tornara um monstro.
39
Uns dos primeiros atos de exceção do Comando Geral foi o chamado Ato Institucional.
Seria seguido por outros, que levariam número de ordem. Conhecido posteriormente por AI-1
determinava que seria o Congresso Nacional composto apenas de deputados e senadores
aliados, que a partir dele elegeria os próximos Presidentes da República. Não se tratava de
eleição, mas de uma quase aclamação. Foi o que se deu em 15 de abril de 1964, quando
Humberto de Alencar Castello Branco foi anunciado como o primeiro marechal-presidente.
Castello Branco saíra da Escola Superior de Guerra ESG. Estudara a Doutrina da Segurança
Nacional e pretendia aplicá-la no Brasil. Era membro efetivo do complexo IPES/IBAD e um
de seus fundadores. Seus ministros eram em sua grande maioria egressos da ESG, como
Golbery do Couto e Silva e Ernesto Geisel.
As eleições para governador em 1965, se deram pela forma direta. O resultado das
eleições, porém, não foi o desejado. Viu-se que muitos não apoiavam o regime. A reação dos
militares veio com o Ato Institucional de n.º 2, o AI-2, em 27 de outubro de 1967, que
tornava, em definitivo, as eleições indiretas para Presidente. Agora, somente deputados e
senadores seriam eleitos pelo povo.
O segundo Ato Institucional alterou, ainda, a estrutura político-partidária. Somente dois
partidos eram autorizados: a Arena e o MDB. A Aliança Renovadora Nacional, Arena, era o
partido do governo. Integravam sua base políticos integrantes do PSD e do PSP. O
Movimento Democrático Brasileiro – MDB era a oposição consentida. Era formado por
elementos do PSD e por integrantes do PTB, que não haviam sido cassados.
Atribuiu à Justiça Militar o julgamento de civis acusados de crimes contra a segurança
nacional. Conferiu ainda ao Presidente a prerrogativa de cassar mandatos eletivos, bem como
de suspender os direitos políticos até 15 de março de 1967.
O Ato Institucional de nº 3, o AI-3, de 05 de fevereiro de 1966, estabeleceu a eleição
indireta para governador. No mesmo ano, a ARENA homologou o nome do Marechal Costa e
Silva como candidato à Presidência da República. Em Julho, milhares de estudantes foram
presos durante a realização de um congresso da União Nacional dos Estudantes UNE, em
Belo Horizonte.
40
2.2 A primeira Constituição da ditadura
O Brasil vivia uma ditadura do executivo, engrandecido em comparação aos outros
poderes que deviam, obrigatoriamente comungar dos seus interesses. Assim mesmo, o regime
se preocupava com sua imagem democrática. Desta forma, promulgou, em 24 de janeiro de
1967, a Constituição de 1967, que sofreu ampla alteração em 1969. Não foi instalada
nenhuma Assembléia Nacional Constituinte, daí não haver que se falar em promulgação. A
nova Carta Constitucional havia sido imposta pelo regime sem qualquer cerimônia. O
Congresso apenas referendou.
Em 25 de fevereiro do mesmo ano, através do Decreto Lei 200, regulamentou-se a
instalação de representações do SNI nos ministérios civis. A investigação se instalava no
próprio governo. Todos eram suspeitos em potencial.
A Constituição de 1967 tinha caráter extremamente centralizador. Estados e Municípios
dependiam do governo central. Qualquer obra importante dependia da liberação de verbas
federais. Deveria velar apoio irrestrito ao regime, apoiando seus candidatos ao Senado e à
Câmara dos Deputados.
O último ato do governo de Castello foi o Decreto Lei 314, de 11 de março de 1967,
que editou a nova Lei de Segurança Nacional LSN. O dispositivo definia os crimes contra a
segurança nacional, contra a ordem política e social.
3 O INÍCIO DA LINHA-DURA
No dia 03 de outubro de 1966, o Congresso Nacional elegia Arthur da Costa e Silva, o
novo marechal-presidente. A linha-dura chegara, enfim, ao poder. Em que pese ter sido eleito
de forma indireta, a oposição consentida, ou seja, o MDB, manifestou sua indignação,
deixando o plenário de votações.
A posse de Costa e Silva se deu 15 de março de 1967. Antes disso, havia sido
promulgada a Lei de Imprensa, em 9 de fevereiro do mesmo ano. Logo, as oposições ao
regime voltariam a se pronunciar.
Com o PAEG, a economia voltara a crescer e, as metas inflacionárias estavam sendo
cumpridas, mas a situação da classe operária estava cada vez pior. As reformas de base
defendidas por Jango haviam sido abandonadas e, o poder aquisitivo dos trabalhadores
arruinara profundamente se comparado com os salários do início da década.
A luta armada tornou-se ferrenha em 1968. O PCB clandestino estava desacreditado. O
embate direto era a única saída. Esperava-se pelo apoio popular. Trabalhadores entraram em
greve. Estudantes foram às ruas.
Estava em vigor a Lei 4.464, de 9 de novembro de 1964, a chamada Lei Suplicy, que
dispunha sobre os órgãos de representação dos estudantes. A UNE havia sido extinta no
mês anterior. Tentava-se impedir a organização estudantil. Os estudantes, porém, não se
entregaram e, construíram a “época de ouro” do movimento estudantil contra o regime.
Em abril de 1967, terminava em Minas Gerais a Guerrilha do Caparaó, vinculada ao
Movimento Nacionalista Revolucionário, ligado ao ex-governador Leonel Brizola. Outras
viriam urbanas ou rurais.
As passeatas contra o regime militar denotavam o retorno do crescimento da esquerda
no Brasil. A reação dos defensores do regime não tardou. Grupos paramilitares como o
42
Comando de Caça aos Comunistas saíram às ruas para causar o terror psicológico nos que
resolvessem se levantar contra os abusos cometidos.
Em 05 de novembro de 1967, quase quatro meses após a morte trágica de Castello
Branco, jovens integrantes do movimento Juventude Operária Católica foram presos o que
provocou protestos por parte da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB.
O PARASAR (Parachute Search and Rescue), termo em inglês para pára-quedismo e
salvamento, sob o comando do Brigadeiro João Paulo Burnier, chefe de gabinete de rio de
Souza Mello, então Ministro da Aeronáutica, projetou explodir o gasômetro no Rio de
Janeiro. O ataque ensejaria a morte de milhares de pessoas, assim como a destruição das
instalações elétrica, gerando o terror na sociedade, que atribuiria aos subversivos a autoria da
ação.
“O atentado seria necessário para salvar o Brasil do comunismo, instigando o ódio da
população contra os subversivos, que levariam a culpa pelas mortes" (CHIAVENATO, 2004,
p.124).
Esta ação foi abortada antes de sua efetivação por ter sido o Brigadeiro ameaçado de
denúncia por parte do capitão-aviador, Sérgio Miranda de Carvalho. Somente em março de
1978 é que o caso foi dado ao conhecimento público.
Nos primeiros meses de 1968, Costa e silva regulamentou as Divisões de Segurança e
Informações nos ministérios Civis, através do decreto-lei 348. Em seguida, ampliou os
poderes da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional.
Em fins de março, um conflito com a PM deixa o saldo de um civil morto. Era o
estudante Edson Luís Ferreira Souto, morto no Restaurante Calabouço. Em função da morte,
50 mil pessoas marcharam pelas ruas do Rio de Janeiro até a Igreja da Candelária, onde seria
celebrada a missa de sétimo dia. Passeatas irrompem pelo Brasil afora. A mais conhecida foi a
passeata dos Cem Mil, ocorrida em junho de 1968. O povo exigia mudança.
No intuito de responsabilizar os estudantes pelos seus atos, entra em vigor em 22 de
maio do mesmo ano, a Lei nº 5439, que estabelece a responsabilidade criminal para os
menores de 18 anos envolvidos em ações contra a segurança nacional.
43
Em junho, 68 cidades brasileiras foram declaradas como áreas de segurança nacional. O
objetivo do governo foi o de evitar que os eleitores ficassem livres para escolher, pelo voto
direito, os seus prefeitos. Desta forma, o regime manteria a Arena no comando dos principais
centros estratégicos.
Temeroso pelo pior, Costa e Silva determinou que o Conselho de Segurança Nacional
estudasse um projeto de decretação de estado de sítio, caso os movimentos continuassem.
Determinou, ainda, que os ministros militares tomassem todas as providências para repressão
do estado contra-revolucionário. Em agosto, é aprovado pelo Conselho de Segurança
Nacional o Conceito Estratégico Nacional.
Em meados de outubro de 1968, centenas de estudantes que participavam de congresso
da UNE são presos. A prisão destes estudantes, provocaria uma das poucas decisões judiciais
do Supremo Tribunal Federal, tomadas contra os interesses do regime.
Em 12 de dezembro do mesmo ano, a Câmara dos Deputados rejeitou o pedido de
cassação do Deputado Márcio Moreira Alves, que discursara no plenário conclamando as
namoradas dos cadetes e jovens oficiais a boicotá-los.
É neste cenário de ebulição social que é publicado o Ato Institucional 5, o AI-5, em
13 de dezembro de 1968. O regime precisava conter as manifestações de repúdio a ditadura. O
Congresso Nacional foi posto de recesso.
O AI-5 mantinha a Constituição da República de 1967, com as modificações por ele
introduzidas. Pelo Art. 2º poderia o Presidente da República determinar o recesso do
Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras dos Vereadores. O
recesso do legislativo lhe daria competência para legislar sobre todas as matérias, de
interesse de todos os entes federativos. Permitia, ainda, a decretação de intervenção nos
Estados e Municípios sem a necessidade de obediência às restrições constitucionais.
No interesse da Revolução, após a ouvida o Conselho de Segurança Nacional,
poderia o Presidente suspender os direitos políticos de todo e qualquer cidadão pelo prazo
de 10 anos, bem como cassar Senadores, Deputados Federais e Estaduais e Vereadores.
Suspendeu as garantias constitucionais da vitaliciedade, inamovibilidade e
estabilidade. Assim, poderia o presidente demitir, remover, aposentar ou por em
disponibilidade qualquer servidor público.
44
O Presidente estava, ainda, habilitado a decretar estado de sítio nos casos previstos
na Constituição. Suspendeu a garantia do habeas corpus, nos casos de crimes políticos e,
contra a segurança nacional. Estes crimes, inclusive, foram excluídos da apreciação do
judiciário.
3.1 A oposição armada
O ano de 1969 se iniciaria com retirada de Carlos Lamarca das forças armadas. O ex-
capitão do Exército brasileiro havia aderido à Vanguarda Popular Revolucionária VPR. Em
seu primeiro ato de oposição, roubou armas e munição de um quartel em Itaúna – SP.
Em janeiro, o regime cassou 39 parlamentares, 3 ministros do STF e 1 do STM. Em se
tratando do Supremo Tribunal Federal, sua composição foi alterada pelo Ato Institucional nº6.
Estudantes e professores eram proibidos de discutir política, sob pena de serem expulsos
da escola ou da faculdade, em virtude do decreto-lei 477, que dispunha sobre as infrações
disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de
estabelecimentos de ensino. Tais instituições eram alvo certo dos arapongas do governo. Pelo
Ato Institucional nº 10, vários professores foram conduzidos à aposentadoria forçada.
A criação da Operação Bandeirantes Oban, serviu de embrião para a polícia política
que foi instituída em todo o país e, que seria chamada de sistema DOI-CODI, o temido
Destacamento de Operações Internas – Centro de Operações de Defesa Interna.
O inesperado ocorreu em agosto de 1969. No dia 29 daquele mês, o Presidente Costa e
Silva sofreria uma isquemia cerebral, ficando inválido e, tendo que afastar-se do poder.
Assumiu o poder uma Junta governativa, comandada pelo General Lyra Tavares e, formada
exclusivamente pelos ministros militares. Desta forma, impediram a posse do Vice de Costa e
Silva, Pedro Aleixo, que se opunha ao AI-5.
Sob o governo da referida Junta, ainda foram impostos novos Atos Institucionais,
notadamente o de 13, que instituiu a pena de banimento do território nacional e o de 14,
que estabeleceu a pena de morte.
45
Em outubro, outorgou-se a Constituição de 1969, a Emenda Constitucional 1 de
1969, e, reaberto o Congresso Nacional, foi eleito Presidente da República o General gaúcho
Emílio Garrastazu Médici. Era o terceiro militar a governar o país, após 64, e sob o seu
governo a oposição, principalmente a armada, sofreria as piores derrotas.
A Emenda Constitucional 1, provocou uma imensa alteração à Constituição Federal
de 1967, tanto que para alguns juristas tratou-se de uma nova Carta Constitucional. Legalizou
o regime de exceção no Brasil, incorporando todas as medidas despóticas asseguradas pelo
AI-5. Conferiu ao Presidente da República a prerrogativa de governar através de decretos de
aplicação imediata, que se não apreciado pelo Congresso Nacional no prazo de 60 dias,
validava pelo decurso do tempo.
Para muitos estudiosos, velhos militantes da esquerda e intelectuais, após o AI-5 não
havia mais ambiente para o legalismo. Entediam que o Brasil somente seria salvo pela luta
armada.
O PCB manifestou-se contrário às armas e, por isso, foi abandonado por muitos de seus
elementos. Seus líderes criam que a luta deveria ser pelo fim do regime e, que a estratégia a
ser seguida deveria a da união de todas as oposições democráticas contra o mesmo. Posto na
ilegalidade, passou a atuar dentro do MDB. Neste momento, os comunistas não encarnavam
o movimento contra-revolucionário, mas um movimento pela reforma democrática, isto é,
sem armas.
Em dezembro de 1969, jornais estrangeiros estampam em suas primeiras páginas
denúncias a respeito da prática de tortura no Brasil. Em março do ano seguinte, o Papa Paulo
VI condena a tortura brasileira.
Um dos métodos utilizados pelos “subversivos” conta o regime era a guerrilha rural.
Alguns militantes acreditavam, porém, ser a guerrilha urbana mais importante. Desde 1968
haviam ações guerrilheiras. As principais ações, porém, se desenvolveriam entre os anos de
1969 e 1973. Eram vários os grupos de luta armada, cada um com seus objetivos e suas
estratégias. Não havia união entre eles. De comum, apenas o desejo de derrubar o regime
através da implantação do socialismo. Certo é que em poucos momentos chegaram a operar
em conjunto.
46
3.2 Movimentos armados
Os principais grupos foram o Movimento Revolucionário Oito de Outubro MR-8, a
Vanguarda Popular Revolucionária VPR, a Vanguarda Armada Revolucionária VAR-
Palmares, a Ação Libertadora Nacional ALN, o PCB Revolucionário PCBR e o Partido
Comunista do Brasil – PC do B.
Os líderes guerrilheiros eram, em geral, egressos do Partido Comunista, que haviam
rompido com o PCB, em virtude de sua negativa de abraçar a luta armada. Outros eram
militares de baixa patentes e até mesmo, oficiais desertores, muitas vezes, partidários de
Jango. O movimento recrutou, ainda, estudantes universitários ou secundaristas e seus
professores, além de intelectuais. Poucos foram os operários e camponeses que aderiram. A
maior parte dos grupos revolucionários foi desarticulada antes do início da guerrilha rural, a
qual acabou sem seus principais líderes e fomentadores que foram presos.
Durante o ano de 1970, a guerrilha seqüestrou dois embaixadores, um alemão,
Ehrenfriend von Holleben pelo VPR e ALN e outro suíço, Giovanni Bucher pelo VPR e MR-
8, os quais foram trocados por presos políticos.
No mês de setembro de 1970, foram criados os DOIS, os Destacamentos de Operações
Internas. Em Maio, haviam sido criados o Centro de Informações do Exército e o Centro de
Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA). No mês de Junho, pelo Decreto 66.732,
instituiu-se o Plano Nacional de Informações. Todas essas reações do regime visavam coibir
as ações guerrilheiras.
Ocorre que além dos esforços do governo, a própria oposição armada pecou pelos seus
próprios erros. Dentre eles, não foi realizada nenhuma investigação aprofundada da
conjuntura social brasileira. Jamais mantiveram uma aproximação maior com a população que
acabava por tratá-los como foras-da-lei e, até mesmo, como terroristas.
Em fins de março de 1971, o Centro de Informações da Marinha foi regulamentado pelo
decreto nº 68.447. Agora, as três armas contavam com seus próprios centros de informações.
A Guerrilha do Araguaia, mais famoso movimento guerrilheiro do Brasil, se
desenvolveu entre os anos de 1972 e 1973, na região do Tocantins-Araguaia. A liderança era
47
do PC do B e, seu principal líder o ex-capitão Carlos Lamarca. A reação do regime provocou
o envio de milhares de soldados para região. Resultado, quase a totalidade dos guerrilheiros
foram mortos e enterrados em valas clandestinas. Quando Geisel assumiu o poder, o último
foco de resistência já havia caído. Lamarca já morrera em setembro de 1971.
Na guerrilha urbana, a pena por ser descoberto era a tortura e, na melhor das hipóteses a
morte. A tortura beirava a barbárie. Desrespeitava todos os direitos humanos incorporados nos
últimos séculos. Maltratavam o preso física e psicologicamente. O regime não respeitava,
sequer, os religiosos.
Em 1972, pela primeira vez desde que o governo americano deu apoio irrestrito aos
militares de 1964, um Senador americano propôs naquela casa legislativa a suspensão de toda
a ajuda militar enquanto perdurassem as acusações de tortura.
3.3 A contra-reação
Naquele mesmo ano, a Censura proibiu qualquer notícia a respeito da sucessão
presidencial. O sucessor de Médici já estava escolhido. Era o General Ernesto Geisel.
Em agosto, a Anistia Internacional divulgou uma lista com o nome de 472 torturadores
e de mais de mil torturados. A opinião pública estrangeira condenava a tortura. O regime,
porém, negava qualquer participação. Não negava os fatos e, não punia os autores.
O caixão do torturado morto era lacrado antes de ser enviado à família. O sepultamento
deveria ser feito quase que de imediato. O laudo médico legal atribuía a morte ao suicídio ou
a tentativa de fuga. Era freqüente, inclusive, a negativa da prisão do morto.
As torturas aconteciam em todo lugar. Nas delegacias, nos quartéis, em lugares
afastados ou públicos. Certo é que o regime militar dizimou a guerrilha com truculência,
através das DOI-CODI, da Operação Bandeirantes – OBAN e das DOPS. Houve, ainda,
suposta participação dos centros de informações das forças armadas e do SNI, não na tortura,
mas no desmantelamento da guerrilha.
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A tortura não teve o envolvimento de todos os militares. Era, em geral, chefiada por
coronéis do que tinham sob sua autoridade policiais civis e militares, agentes e delegados da
polícia federal, oficiais das três armas.
Em que pesem os atos bárbaros praticados nos porões da ditadura, não se pode
comparar com as atrocidades cometidas pelos generais na Argentina e Pinochet no Chile,
onde milhares desapareceram.
A ditadura argentina que perdurou entre os anos de 1976 e 1983 seqüestrou mais de
30.000 mil pessoas, o que equivalia à época a 0,12% da população daquele país. Além disso, a
crueldade dos torturadores se comparou a dos oficiais nazistas. Vários foram os casos de
terrorismo oficial contra os subversivos argentinos. Milhares de pessoas tiveram que fugir do
país e procurar asilo nos Estados vizinhos.
No Chile, após a deposição e morte do Presidente Salvador Allende, O General Augusto
Pinochet transformou o Estádio Nacional em campo de concentração, para onde foram
mandados os presos políticos. Milhares deles foram torturados, sendo muitos até a morte,
inclusive adolescentes e crianças.
Em junho de 1973, o nome de Geisel foi definitivamente escolhido como sucessor de
Médici. Em Setembro, a ARENA homologou a escolha. O deputado Ulysses Guimarães se
lançaria, posteriormente, como “anticandidato” à Presidência da República.
3.4 A distensão lenta e gradual
Em 15 de janeiro de 1974, o Colégio Eleitoral, denominação dada ao Congresso
Nacional quando das eleições presidenciais, homologou o nome de Ernesto Geisel, filho de
imigrantes alemães e, irmão de Orlando Geisel, ministro do Exército de Médici, Presidente da
República.
Geisel assumiu o governo, em 15 de março do mesmo ano, em crítico período para a
economia mundial e brasileira, pela crise mundial do petróleo que afetou globalmente, os
mercados consumidores, principalmente dos paises em desenvolvimento.
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No intuito de fomentar o desenvolvimento, o regime buscou empréstimo junto aos
bancos estrangeiros. A inflação, com o aumento da emissão de papel-moeda, começou a
crescer e a dilapidar ainda mais os salários, que se encontravam defasados. A economia
desestruturada determinava o fenecimento do milagre econômico.
Geisel havia posto no ministério da Justiça Armando Falcão e na Fazenda, Mário
Henrique Simonsen. No ministério do Exército, preteriu a permanência de seu irmão. O
poderoso ministério viria posteriormente a ser ocupado pelo General Sylvio Frota, substituto
do falecido Dale Coutinho, com quem travaria uma disputa acirrada pelo poder.
Em agosto de 1974, o Presidente Geisel anuncia a lenta, gradativa e segura distensão.
Geisel via que o regime se encontrava desgastado, mas temia uma transição rápida que
resultasse em desastre e, consequentemente, noutro golpe.
A guerrilha tinha sido eliminada, mas mesmo assim, a repressão permanecia intacta.
Em junho, o CIE investiu contra o PCB. Em setembro, foram efetuadas prisões no Cebrap
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.
Mas a impressão de que o regime, mais cedo ou mais tarde iria ser substituído pela
democracia se deu em novembro do mesmo ano, nas eleições legislativas, quando a ARENA
foi desmoralizada. O MDB elegeu 16 dos 22 Senadores e, ocupou 160 assentos na Câmara,
por muito pouco não perfazendo a maioria. O partido do governo ficou com 6 lugares no
Senado e 204 Deputados-federais.
Nesse instante, a insatisfação era aparente. O aumento de votos do MDB deixava isso
bem claro. A ditadura estava acabando. Tudo, porém se daria sob o controle do regime.
Na economia, a crise econômica consumia as riquezas do país. O mercado interno não
supria a demanda de mercadorias. E esse modelo econômico adotado pelo regime militar, ou
seja, voltado, principalmente, para o mercado interno.
O Brasil se caracterizava por ser um país com uma classe rica e média alta de padrão de
consumo de país desenvolvido, mas onde a grande maioria vivia em padrões de miséria
absoluta. O poder aquisitivo arruinara. Em função disso, de nada adiantava incrementar a
produção, pois não havia mercado consumidor externo e, o interno não dava conta do
consumo sozinho.
50
A melhoria na distribuição de renda seria a única alternativa. Ocorre que isso não era do
interesse do regime, nem das classes dominantes, que não queria perder sua farta fatia do
capital.
No intuito de tentar manter os efeitos do Milagre Econômico, o Brasil passou a pedir
empréstimos de banqueiros estrangeiros no intuito de bancar a produção, dando falsa
impressão de austeridade econômica. Ocorre que os Bancos, novamente, fizeram exigências,
além de altos juros. Em conseqüência, a dívida externa tomou proporções astronômicas.
No segundo semestre de 1974, o ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen,
lançou o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento II PND. Tinha por objetivo a
substituição da indústria de base pela de bens de capital. Com isso, haveria o crescimento das
indústrias nacionais, o que abriria o mercado estrangeiro para os produtos nacionais. O
problema é que o fomento concedido aos empresários nacionais através do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico incidiu no aumento da dívida externa, uma vez que o
investimento havia sido captado nos bancos estrangeiros.
Em 1975, em plena crise do petróleo, o Brasil encontrou o ouro negro na bacia de
Campos, no Estado do Rio de Janeiro. Naquele mesmo ano, em junho, o Brasil e a Alemanha
assinaram o um acordo de cooperação nuclear. Geisel entendia que para que o Brasil fosse
respeitado no exterior, deveria ser capaz de possuir tecnologia para produzir armas nucleares.
Resquícios da doutrina de segurança nacional.
Nacional mesmo foi o Pró-álcool, projeto do governo que, em função da crise
energética, queria dotar o país de meios alternativos que suprissem a eventual falta do
petróleo. Em 1990, o projeto de um combustível mais barato e menos poluente naufragou. As
multinacionais desse campo pressionaram o governo os subsídios concedidos aos usineiros.
As estradas de ferro, tão importantes nos países desenvolvidos, foram relegadas a segundo
plano pelo governo e as estatais deste setor tiveram seus recursos cortados.
51
3.5 A reação da linha-dura
Não era somente nas urnas que se davam os primeiros sinais de abertura. Vários
militares apoiavam a distensão de Geisel. Outros, porém eram contrários. Pertenciam à linha-
dura. A liderança deste grupo pertencia ao ministro do Exército, Sylvio Frota.
Talvez o ato de exceção de maior repercussão dentro da mídia e da opinião pública
tenha sido a morte do jornalista Vladimir Herzog, em 25 outubro de 1975. Herzog, que era
chefe de telejornalismo da TV Cultura do Estado de São Paulo, se apresentou voluntariamente
perante o DOI-CODI. De lá, não saiu. Causa da morte: suicídio. O jornalista falecera vítima
da tortura. No dia de seu sepultamento, USP (Universidade de São Paulo), PUC (Pontifícia
Universidade Católica) e FGV (Fundação Getúlio Vargas) entraram de greve.
A morte de Herzog foi duramente rechaçada na tribuna da Câmara pelo Deputado Leite
Chaves. Isso ensejou o pedido de providências do ministro Sylvio Frota ao Presidente Geisel,
contra o parlamentar. Porém, reconhecendo de forma implícita o crime, o Presidente Geisel
exonerou o General Ednardo D’Avila Mello do comando do Segundo Exército, por considerá-
lo responsável pelos fatos que culminaram na morte do operário Manuel Fiel Filho e do
jornalista.
A “tigrada”, como eram chamados os torturadores, continuava a reinar nos porões. Em
carta enviada ao General Figueiredo, chefe do SNI, Geisel pediu que fossem examinadas as
atividades dos subversivos. O presidente sabia que não havia mais necessidade de repressão
violenta, nem de tortura, uma vez que a guerrilha havia sido derrotada.
O ano de 1976 começou com a cassação de dois Deputados Federais. Nessa mesma
época, Geisel decidiu pela demissão do ministro do Exército, mas foi dissuadido da idéia pelo
General Reynaldo Mello de Almeida, que julgou inadequada a medida para aquele momento.
Geisel teve que utilizar de toda sua desenvoltura para enfrentar e vencer seus oposicionistas.
Em março e abril, greves de estudantes irromperam na Bahia, em Minas e no Rio de
Janeiro.
52
No intuito de impor restrições à propaganda eleitoral, no sentido de se tentar evitar o
desastre de 1974, o governo baixou a Lei 6.339, de 1976, que ficou conhecida como Lei
Falcão.
Em agosto, morreu ex-presidente Juscelino Kubitschek, vítima de acidente
automobilístico na Via Dutra. Naquele mesmo mês, bombas explodiram na Associação
Brasileira de Imprensa – ABI e na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.
No mês seguinte, nova bomba explodiu, desta feita no Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento – Cebrap e, na casa do jornalista Roberto Marinho.
Em dezembro, o ex-Presidente João Goulart faleceu no exílio no Uruguai. Seu
sepultamento ficou marcado pela ausência de honras de chefe de Estado e, pela intolerância
do regime, que por pouco não deixou de permitir a entrada do corpo de Jango no país.
O extremismo da linha-dura (CIE) provocaria, ainda, a morte de três dirigentes do PC
do B, em São Paulo. Tal crime viria a ser conhecido como Massacre da Lapa.
No início do ano, militares ligados ao CIE e ao SNI, de linha-dura, discutiram um
atentado contra a vida do Presidente. Enquanto isso, Geisel planejava sua sucessão, que
seria de forma indireta.
O governo americano, agora sob a presidência de Jimmy Carter, passou a reprovar a
política repressiva do regime militar. Era a política em prol dos direitos humanos. Em março,
o governo americano publicou um relatório divulgando a situação dos presos políticos no
Brasil. Esse motivo ensejou por parte de Geisel a ruptura do acordo militar com os EUA.
Em abril, Geisel decretou o recesso de 14 dias do Congresso Nacional. Durante esse
período, o Presidente reuniu o que denominou de Constituinte do Alvorada, que baixou o
“Pacote de Abril”. Tal medida estabelecia que entre dois Senadores que fossem eleitos, por
Estado, um deveria ser escolhido indiretamente. Ficariam conhecidos como Senadores
“biônicos”. O Pacote determinava que a Constituição somente poderia ser modificada com os
votos de 50% dos congressistas mais um. Assim, a Arena (ainda maioria) garantia seu poder
constitucional. Os governadores permaneceriam eleitos pelo voto indireto das Assembléias
Legislativas. A propaganda eleitoral se resumiria à apresentação do nome, número e, currículo
dos candidatos e, o mandato presidencial seria aumentado para 6 anos.
53
A situação entre Geisel e Frota era insustentável. Discordavam em tudo, principalmente
no tocante à abertura e a sucessão presidencial. O ministro queria ser Presidente e, Geisel
queria João Baptista Figueiredo. Em julho de 1977, porém, o chefe do SNI foi lançado à
sucessão de Geisel.
3.6 O fim da linha-dura no governo
O que era esperado se deu em outubro, mais precisamente no feriado do dia 12. Frota
era afastado do ministério mais poderoso da ditadura. Pela primeira vez em muito tempo de
ditadura, a Presidência da República se sobrepunha ao ministério do Exército (outrora da
Guerra).
Foi um passo decisivo rumo à abertura política. Os aliados de Geisel se dividiam em
duas vertentes. Alguns estavam convictos que era momento de se devolver o poder aos civis,
outros, porém, queriam evitar um maior desgaste do regime, principalmente em virtude da
crise econômica. A distensão viria, mas não de imediato, mas nos moldes de Geisel: lenta e
gradativa.
Em outubro, o governo editou a Emenda Constitucional 11, a qual extinguiu os
poderes discricionários decorrentes do AI-5 e demais legislações repressivas. Em
compensação, criou as chamadas medidas de emergência e o estado de emergência.
Naquele mesmo mês, o Colégio Eleitoral referendou a eleição de João Baptista de
Oliveira Figueiredo, homologado pela ARENA, como o quinto general-presidente da
Ditadura Militar.
Em meados de novembro, novo ato governamental extingue a Comissão Geral de
Investigações e revoga os banimentos políticos. Com isso, os opositores do regime poderiam
retornar ao país.
O ano de 1979 iniciou-se com a revogação do Ato Institucional de 5, o que
representou um marco na transição política. Assim mesmo, antes de abolí-lo, fez uso do
54
instrumento para cassar alguns de seus opositores políticos. A Doutrina de Segurança
Nacional da ESG ainda se mantinha intacta.
O regime militar ainda se pautava na doutrina estudada na Escola Superior de Guerra.
Ansiava transformar o país numa grande potência regional. Durante muito tempo foi
contemplado com o apoio irrestrito dos EUA que queria um aliado forte contra o avanço do
comunismo na América. Ocorre que o governo Carter, passou a criticar o governo brasileiro
no tocante à infração aos direitos humanos, pressionando em troca do apoio que antes davam
de forma incondicional.
No final do seu governo, Geisel deu lugar ao general Figueiredo. A crise continuava e
as pressões populares pelas mudanças, também.
3.7 O fim da ditadura
Em 15 de março de 1979, assumiu o governo o último general-presidente. Em seu
discurso de posse reafirmou o propósito de distensão política inaugurado pelo Presidente
Geisel.
Um dos primeiros atos do novo governo foi edição da Lei 6.683, em 28 de agosto de
1979, a tão esperada Lei da Anistia. Infelizmente, os efeitos benéficos da citada Lei atingiram,
também, todos aqueles que cometeram crimes por motivação política, inclusive os
torturadores. A despeito disso, o retorno ao país dos exilados proporcionou, ainda mais o
avanço no processo de abertura política.
Em 29 de novembro, seria a vez de o bipartidarismo acabar. Nesse dia foi publicada a
nova Lei Orgânica dos Partidos Políticos, a Lei nº 6.767, de 1979, que modificou dispositivos
da Lei nº 5.682, de 21 de julho de 1971. Era o fim da ARENA e do MDB.
Os militantes da ARENA aglutinaram-se no Partido Democrático Social PDS. Os
emedebistas formaram o Partido do Movimento Democrático Nacional – PMDB. Leonel
Brizola fundou o Partido Democrático Trabalhista – PDT. Um novo partido político surgiu do
cenário nacional, foi o Partido dos Trabalhadores, o PT, fundado pelo, então, líder sindical
55
Luís Inácio Lula da Silva, por Olívio Dutra, Sérgio Buarque de Holanda, Apolônio de
Carvalho, Francisco de Oliveira, Plínio de Arruda Sampaio Júnior, César Benjamin, Francisco
Correa Weffort, José Genuíno, José Dirceu, dentre outros.
Formou-se basicamente de sindicalistas, representantes das organizações de esquerda,
do setor progressista da Igreja Católica e Intelectuais. Combinava-se a geração que lutara em
1968 e 1969, formada pelos intelectuais e professores universitários que combateram o regime
militar, com a vanguarda sindical, instituída pela luta e conseqüência do ilusório milagre
brasileiro, na recente evolução do capitalismo nacional.
Seguindo as reformas, em 13 de novembro de 1980, o Congresso Nacional promoveu a
alteração no tocante às eleições para governador dos Estados, as quais voltaram a ser,
novamente, da forma direta. Da mesma forma, foram extintos os mandatos dos senadores
biônicos.
A direita extremista, porém, não aceitou as medidas de abertura. Vários grupos foram
acusados de atos terroristas. Um desses atentados matou a funcionária Lídia Monteiro da
Silva, da OAB. Desde janeiro diversas bombas explodiram ou foram encontradas em todo o
país. O pior, porém, viria a ocorrer quando dois militares ligados ao DOI do I Exército em 30
de abril de 1981, explodiram duas bombas nas vizinhanças do Riocentro, no Rio de Janeiro. O
atentado aconteceria durante uma apresentação comemorativa ao Dia do Trabalho. A
explosão acidental antes do tempo matou os dois militares.
Nas eleições para Governador e o Congresso, em 1982, o PDS, partido governista,
obteve a maioria das cadeiras do Senado, mas na Câmara ficou demonstrado o avanço da
oposição, que obteve 243, contra 235 do PDS. Para o governo dos Estados o PDS venceu na
maioria deles, mas a oposição saiu vencedora nos principais entes da federação, como São
Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro e Paraná.
Em fevereiro de 1983, inicia-se a mobilização nacional a favor das eleições diretas para
Presidente da República, a campanha Diretas-Já. O movimento atraiu a atenção nacional,
inclusive da mídia, intelectuais e artistas, conduzindo milhões de pessoas às ruas e praças de
todo o país numa corrente em favor da democracia.
56
Em 25 de abril de 1984, a Emenda Constitucional 5/83, a Emenda Dante de Oliveira,
que restabeleceria as eleições diretas para Presidente da República foi derrotada no Congresso
Nacional.
Mais uma vez, o presidente seria eleito indiretamente pelo Colégio Eleitoral criado pela
ditadura. Com os militares perdendo o domínio do processo político, em meio à agonia do
regime, um racha no PDS faz surgir o Partido da Frente Liberal (PFL). Este se aliou ao
PMDB, com o qual formou a Aliança Democrática em oposição a Paulo Maluf e esta lança
Tancredo Neves à Presidência da República, com o dissidente pedessista José Sarney para
vice. Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo e Sarney venceram Maluf por 480 votos a 180. A
oposição chegava ao poder.
3.8 O primeiro presidente civil
José Sarney foi eleito, indiretamente pelo Colégio Eleitoral, vice-presidente da chapa
que tinha Tancredo Neves como candidato a presidência. Ocorre que, Tancredo morreu antes
de ser empossado. O governo do primeiro Presidente civil após o regime militar ficou
marcado pela reforma constitucional (Constituição de 1988), a tentativa de estabilização da
economia, principalmente através do Plano Cruzado, crescimento econômico, recessão e
inflação altíssima.
A chegada do senador maranhense Sarney, principal articulista da derrubada da emenda
Dante de Oliveira, ex-líder do Partido Democrático Social PDS, ao poder começou a ser
traçada após a derrota do projeto de emenda constitucional pelas eleições diretas, em 1984, no
Congresso Nacional.
O lançamento da candidatura de Paulo Maluf, pelo PDS levou José Sarney a se desligar
do partido e a entrar como vice na chapa de Tancredo Neves, formando a Frente Liberal, em
oposição a Maluf. A Frente Liberal, formada pela dissidência do PDS, pelo Partido do
Movimento Democrático Brasileiro PMDB e pelo Partido da Frente Liberal PFL, venceu
as eleições indiretas. O vitorioso, porém, Tancredo Neves morreria meses depois. O PT não
participou das eleições.
57
Em 1º de março de 1986, o Presidente anunciou o Plano Cruzado, que reformou
totalmente o sistema monetário nacional. O Cruzeiro foi substituído pelo Cruzado. Além da
mudança da moeda, o referido plano tinha por objetivo estabilizar a economia através do
congelamento de preços e salários. Supervalorizou a moeda através do corte de três zeros e
vinculou um gatilho salarial de 8% para todos os trabalhadores a uma inflação superior a
20%. Esperava que essas medidas estimulassem as compras e, consequentemente a produção,
o que provocaria um aquecimento da economia. Os resultados iniciais deram sinais errôneos
de sucesso. O Plano fracassou e, outros se seguiram na tentativa de salvar a moeda.
Sob a batuta do Deputado Ulysses Guimarães, em 1º de fevereiro de 1987, instalou-se a
Assembléia Nacional Constituinte, que promulgaria a chamada Constituição da Primavera,
em outubro de 1988. Dentre as mudanças ocorridas, a nova Constituição restaurou as eleições
diretas para Presidente da República, Governador Estadual e Prefeito Municipal. Incluiu o
Município entre os entes federativos. Reafirmou a independência dos três poderes,
prejudicada pela ditadura. Restabeleceu diversos direitos e outras garantias civis, sociais e
trabalhistas, dentre estas a universalização do direito de greve.
4 A INSTALAÇÃO DA DITADURA MILITAR NO BRASIL
Movimentos militares de caráter interventivo sempre se fizeram presentes na história
política brasileira. Exemplos foram a Proclamação da República (1889), a derrubada da
oligarquia café-com-leite (1930), fim do Estado Novo (1945) e a posse de Juscelino (1955).
(STEPAN,1988).
Tais intervenções, porém, sempre tiveram por fim o restabelecimento da ordem
institucional, com o posterior retorno do poder aos civis. Em 1964, isso não se deu. Os
militares se sentiam aptos a se manter no poder. Tinham por fundamento a Doutrina da
Segurança Nacional, de origem americana, conseqüência da Guerra-fria. A Doutrina estudada
na Escola Superior de Guerra ESG, era manifestação da ideologia de guerra permanente
entre o comunismo e o ocidente. A intervenção militar sempre foi justificada pela missão
constitucional das forças armadas e do interesse nacional pela proteção contra a
esquerdização. (FERREIRA; DELGADO, 2003).
Esse era, ainda, o interesse patrocinado pela classe empresária, tanto nacional, quanto
internacional representante do capital internacional e do governo americano, preocupado com
inclinação comunista de Jango.
A Doutrina de Segurança Nacional, de origem americana, aboliu dois princípios
fundamentais do regime democrático liberal: a subordinação dos militares ao poder civil e a
não intervenção no processo político (FERREIRA; DELGADO, 2003).
Os militares da ESG passaram a se julgar como os únicos preparados para representar o
Estado brasileiro, bem como protegê-lo da subversão iminente. O governo Jango no seu
entendimento caminhava rumo à esquerdização. Alguns de seus atos traduziam e
confirmavam esse temor.
59
4.1 Motivação e participação no golpe
O golpe de 64 foi um movimento civil-militar, uma vez que obteve amplo apoio de
parte expressiva da sociedade. Pode-se dizer que não foram tão somente as classes
dominantes que aderiram ao golpe. (DREIFUSS, 1987).
O fracasso da defensiva do Governo Jango se deu em virtude do adversário já dominar o
poder estatal. Os revoltosos tinham o apoio das principais fileiras das forças armadas.
Goulart não conseguiu o apoio das classes operárias, do campesinato e das camadas médias
urbanas.
A campanha de desestabilização teve como conspiradores e, envolveu oficiais-generais,
oficiais superiores, governadores, parlamentares e, principalmente empresários ligados ao
capital internacional e associados. Esse movimento era capitaneado pelo complexo
IPES/IBAD, contra a incompetência e esquerdização do governo.
As reformas de base, anseios de Jango, faziam parte da linha política adotada pelo PCB
no final dos anos 50. Isso proporcionou por certo tempo, a aglutinação e mobilização de
forças sociais, o que gerou uma de situação pré-revolucionária.
Havia, pois uma suspeita de que Jango estivesse preparando um golpe que lhe
permitisse um segundo mandato, o que era expressamente vedado pela Constituição de 1946.
Tinha apoio de Luis Carlos Prestes, der histórico do PCB, que mantivera influência
expressiva sobre os operários, camponeses e estudantes nos anos anteriores ao golpe. Além do
Partidão, outras correntes esquerdistas se destacavam em favor das reformas.
A instituição militar não é um fator autônomo, mas deve ser pensada como um sistema
que reage a mudanças no conjunto do sistema político. A conspiração política resultou da falta
de habilidade de Jango em reequilibrar o sistema político do país. (STEPAN, 1988).
As instituições civis estavam falhando e os militares se sentiam aptos a intervir. Além
disso, estes temiam a quebra da hierarquia e disciplina das forças armadas, como o que
ocorreu na revolta dos sargentos da marinha.
60
De fato, como se pode observar nas linhas anteriores, que Goulart, com sua política de
apaziguamento, ora se projetava à direita, ora se inclinava à esquerda. Procurava sua base
governativa, mas nunca quis se afastar das classes que, de fato, dominavam o país. Como as
classes não se aproximavam, o Presidente foi assustando seus oponentes, e afastando seus
aliados.
Para os estudiosos do marxismo, os militares são como agentes instrumentais as
burguesia. Em função disso, o golpe de 64 foi um movimento reacionário de direita, no qual
os militares foram instrumento decisivo.
Diante de uma análise econômico-estrutural, a expansão do capitalismo internacional
prevalece em detrimento dos regimes militares, da qual estes foram simples decorrência. A
burguesia estrangeira havia deslocado e assumido o papel da burguesia nacional, em função
da relação entre o capital internacional e o associado.
O FMI impusera parâmetros a serem seguidos pelo Brasil, que o haviam levado à
recessão. A convivência de um governo com esta, requer negações aos direitos dos
trabalhadores. E isso, requer um governo forte, uma vez que reduz o padrão de vida das
classes laborais. A presidência de Jango, desde o seu início se mostrara vacilante e fraca.
O Presidente desejava reformas de base, mas estas não se dirigiam no rumo descrito
pelos credores nacionais. Em virtude disso, as classes dominantes passaram a temê-las, o que
consequentemente proporcionou uma modernização conservadora anti-revolucinária
(esquerda), que acabou por se conjugar à conjuração golpista.
O domínio econômico do capital multinacional e associado não encontrava
correspondente liderança política. Desta forma, passou a desestabilizar o governo através de
seu Estado-maior, o complexo IPES/IBAD, quartel-general da burguesia multinacional e
associada.
A tentativa de reforma na forma legal havia falhado. Assim sendo, não restava
alternativa para os conservadores, senão a tomada do poder pela força. A ação ideológica, por
si só, não seria capaz de alterar os rumos políticos.
O golpe foi conseqüência de um movimento civil-militar, ou seja, da luta de classes de
um bloco de poder, havendo existência de um processo de luta política de um setor de
classe, ou de um bloco de poder, com o intuito de implantar seus objetivos e ideais. Esse
61
processo foi longo e sua propaganda ideológica fragilizou a suposta aliança entre o Governo
Federal e seus aliados, bem como a relação deles com a sociedade não envolvida diretamente
com a conspiração. O Estado teria sido reorganizado de forma direta pelas elites orgânicas,
dirigidas pelo IPES. Assim sendo, o movimento não teria ocorrido inversamente, ou seja,
através do aparelho militar burocrático, sem a participação das classes dominante para em
seguida, beneficiá-las (DREIFUSS, 1987).
Outra escola a respeito da tomada de poder ocorrida em 1964 entende que os militares
predominaram em relação aos civis conspiradores, tendo sido o movimento golpista
estritamente militar e, se dado a despeito do apoio da burguesia e da classe média. Ou seja, o
golpe que deu origem ao regime militar foi um golpe dos militares. Decorreu da conspiração
de militares, que tiveram o apoio dos grupos econômicos e, não de grupos econômicos com o
respaldo militar. Destaca que o golpe foi motivado pelo caos administrativo e pela desordem
política; pelo risco da esquerdização e do comunismo e, pelos ataques à hierarquia e à
disciplina militares. Tratou-se de um golpe essencialmente político, mas que não teve
qualquer articulação entre os grupos conspiradores. Articulação até que houve, mas somente
no que tange à desestabilização política. Em relação à ação armada, esta não houve.
(SOARES, 1984).
A tomada do poder se deu em virtude da paralisia do Governo em decorrência da
fragmentação do apoio político, conseqüência da instabilidade das coalizões parlamentares,
ou seja, as instituições representativas brasileiras se encontravam em situação de completo
impasse, sem a mínima condição de implementar as reformas tão necessárias àquele momento
político, econômico e social. (SANTOS, 2003)
Parte dos militares que assumiram o poder em de abril de 1964 divergiam quanto à
durabilidade e a neutrabilidade do movimento. Os primeiros entendiam que as instituições
civis encontravam-se corrompidas e, que somente os militares podiam trazer de volta ao país
os princípios éticos e morais necessários à sobrevivência da sociedade brasileira. A outra ala
tinha a mesma visão que os revoltosos anteriores, e pretendiam passar apenas o tempo
necessário à manutenção da ordem interna e prevenção de golpe da esquerda. O General Artur
da Costa e Silva era representante do primeiro grupo, enquanto o General Castello Branco
representava a revolução transitória.
62
4.2 O estabelecimento do regime através dos organismos de segurança
Conduzidos pela Doutrina de Segurança Nacional, os militares atribuíram um forte
papel aos mecanismos de segurança e informação, que agiram através de métodos violentos,
incluindo a tortura física e psicológica, na quase totalidade das vezes acobertada pelo Estado
repressor. A referida doutrina estudada na ESG, tem por objetivo aniquilar o inimigo,
afastando-o a todo custo da sociedade. O mito da guerra interna permite ao Estado a
instauração de uma política repressiva.
O estado de guerra permanente gera uma crise interna que justifica a imposição de
restrições dos direitos, liberdades e garantias individuais. Os militares acreditavam que existia
uma guerra revolucionária comunista em curso no Brasil.
O Serviço Nacional de Informações SNI, criado pelo General Golbery do Couto e
Silva, sofreu severa deturpação quando do Governo do Presidente Costa e Silva, apoiado pela
linha-dura das forças armadas. Na sua presidência, transformou as antigas seções de
segurança nacional em Divisões de Segurança e Informações DSI, que funcionavam em
todos os Ministérios civis. Eram subordinadas aos respectivos ministérios, desde que não
prejudicassem as informações de interesse do SNI.
Todos os Ministérios militares possuíam serviços de informações, que atuavam com
bastante independência em relação ao SNI, assim como todas as entidades e órgãos públicos.
A partir de 1970, todos os serviços passaram a integrar o Sistema Nacional de
Informações SisNi, que trabalhava com informações, no Brasil e no exterior, através dos
adidos militares.
O SNI possuía status de Ministério, mas não chegou, como muitos entendem, a ser um
órgão de segurança, não obstante ter participado de diversas operações em conjunto com os
verdadeiros órgãos de segurança, como por exemplo os DOI-CODI.
No AI-1, o preâmbulo indicava que o regime militar não buscaria sua legitimação
através do Congresso Nacional. O primeiro Ato Institucional limitou drasticamente os poderes
do Parlamento, tratou de controlar o Judiciário, bem como suspendeu os direitos
fundamentais.
63
O AI-2 instaurou o Estado de Segurança Nacional, o qual foi constitucionalizado pela
Carta Constitucional de 1967. O AI-5 veio a consolidá-lo num Estado de Segurança Interna
Absoluta. Este é fruto do processo de maturação da linha-dura do regime, que justificou sua
edição pela radicalização da guerrilha em 1968.
Na Constituição Federal de 1969, o Conselho de Segurança Nacional ocupa toda uma
Seção com a Política Interna. O Texto de 69 visava alargar o conceito de Segurança Nacional.
A censura foi uma das formas de exercício do poder de exceção do regime militar, mas
não pode ser encarada como uma de suas características essenciais, pois na história política
brasileira, diversos foram os momentos em que foi utilizada. Consistia em dois tipos: censura
prévia (antes da publicação ou exibição) e censura sistemática ou velada (posterior às
publicações).
A sociedade brasileira, de certa forma, durante algum tempo se manteve inerte frente
aos atos de exceção do governo militar.
O isolamento de esquerda em relação à sociedade provocou fracasso de sua contra-
revolução social. Esperava-se, mas na verdade, as massas nunca aderiram em peso ao
movimento, à luta contra a opressão. Não conseguiram contagiar as camadas sociais que
poderiam apoiá-la. Os próprios camponeses, durante a fase de guerrilha rural, temiam os
guerrilheiros e, acabavam por denunciá-los.
4.3 A participação da Igreja
No início, a Igreja estava polarizada entre os que apoiavam o governo Jango, e os que
temiam a ebulição dos movimentos populares organizados, que mantivessem vínculos com o
socialismo internacional.
A participação da Igreja se deu de forma ascendente a partir da percepção da
importância da questão social, em seguida à constatação da necessidade de confrontação. A
partir de então passou a se destacar, no cenário nacional, a figura de Dom Hélder Câmara.
64
O confronto com o regime militar se deu, porém, principalmente após o AI-5, quando o
catolicismo resolveu empunhar a bandeira dos direitos humanos e sociais.
Em maio de 1970, durante o governo Médici, na XI Assembléia Geral da CNBB, foi
produzido um documento que denunciava os abusos do regime contra os direitos da pessoa
humana.
Deve ser salientado que, enquanto vários focos de resistência ao regime haviam sido
aniquilados, a Igreja surgia como núcleo de oposição. Durante a ditadura militar, as
Comunidades Eclesiais de Base – CEBS se apresentaram como espaços de expressão religiosa
e política, mostrando-se focos de resistência pacífica ao regime. Um desses apresentou-se
com a denominação de Teologia da Libertação do Frei Leonardo Boff.
A hierarquia católica, também passou a se opor através de seus representantes. Alguns
deles foram, inclusive, vítimas da linha-dura, por amparar os perseguidos ou denunciar suas
atrocidades.
5 A ABERTURA
O resultado das eleições de novembro de 1974 influenciou de sobremaneira às
estratégias de governo a partir de seu primeiro ano. Fato é que os castelistas, dentre os quais
figuravam Geisel e Golbery, nunca quiseram se perpetuar no poder, ao contrário de seus
oponentes dentro do regime, da linha-dura.
A derrota nas urnas provocou uma maior aproximação do Governo Central dos entes
federativos. Essa era a melhor forma de se retomar o controle do poder político, talvez pela
percepção dos estrategistas do governo Geisel, que puderam vislumbrar a situação política e
socioeconômica de então.
O projeto de governo do novo presidente demonstrava, inicialmente, mudanças em
face do processo de dominação e legitimação dos governos anteriores. Em virtude disso, não
se pode dizer que a abertura foi tão e simplesmente derivada da intercorrência de fatores
políticos e econômicos que despontaram durante o curso de seu governo.
Pode-se dizer que foi conformado pelas circunstâncias ocorridas, principalmente, após o
pleito de 1974, o que gerou uma modificação nos objetivos iniciais do governo.
Geisel se manteve, porém, atrelado ao padrão econômico desenvolvimentista montado
pelos governos anteriores, assim como pela manutenção do aparelho repressivo. (ALVES,
2005).
Várias são as interpretações levantadas pelos autores sobre os motivos que levaram a
liberação a ser iniciada durante a presidência de Geisel. Apesar de alguns deles diferirem,
todos estão de acordo em revelar que a necessidade de manutenção da legitimação do regime
foi fator decisivo na abertura política.
66
Outros motivos podem ser elencados (CARDOSO, 1980).:
A crise econômica que esgotou o modelo do milagre econômico, o que forçou o
estabelecimento de um novo pacto político para assegurar a manutenção do modelo de
desenvolvimento econômico;
Os problemas sociais, em virtude da crise econômica e da complexidade da sociedade
brasileira não podiam mais ser administrados pelo crescimento econômico;
A crise no processo de legitimação/dominação provocou a liberalização
principalmente após os movimentos sociais e dos trabalhadores de 1978;
Vontade do presidente Geisel a frente do grupo castelista, novamente no poder, que
visava evitar o desgaste do poder.
Analisando todos esses aspectos enfrentados por Geisel, pode-se constatar que vários
fatores em conjunto influenciaram o processo de redemocratização iniciado em seu governo,
que sustentava sob uma ordem econômica, social e política.
Geisel foi escolhido por ter prestigio nas forças armadas, e por ter experiência tanto na
política, quanto na economia, num acordo selado entre o então Presidente Médici e seu
Ministro da Guerra, e irmão do sucessor, Orlando Geisel. (STEPAN, 1988)
Geisel foi indicado por consenso entre os militares, a partir de uma campanha
“cuidadosamente orquestrada”. (SKIDMORE, 1988).
A sucessão de Médici por Geisel representou duro golpe aos militares da linha dura, que
viam nos castelistas a mitigação do movimento revolucionário. Em momento algum, porém, a
escolha recaiu em Geisel por ser ele pretenso a uma política de abertura. Pelo contrário, o
novo General-presidente foi escolhido em virtude de seu comprometimento com o projeto da
Revolução.
Geisel claramente se manifestava pela revogação do AI-5, antes do fim de seu governo
o que de fato se deu. Entretanto, entendia que a entrega do poder aos civis, desejo dos
castelistas, ainda demoraria por vir. Não pensava, pois, em ser um governo de transição.
(STEPAN, 1988).
67
Para o novo Presidente, a situação do país não podia continuar principalmente no que se
referia aos problemas sociais relegados pelo desenvolvimento econômico. O poder havia de
ser mantido, estabilizado, mas sem o comprometimento do crescimento da economia.
Defendia, outrossim, a institucionalização do regime militar, através da manutenção do
poder político. Embora, a partir de certo momento, vislumbrasse a inevitável abertura, buscou
evitar avanços que provocassem recuos irreversíveis. (STEPAN, 1988).
O projeto de liberação político de Geisel instaurado principalmente após a derrota nas
eleições de 1974, se daria fatalmente, mas de forma segura, lenta e gradualmente, no intuito
de evitar embates com os rivais de linha-dura, contrários à liberalização.
Para a efetivação de seu modelo de democratização, Geisel precisava de apoio,
principalmente da sociedade civil e da Igreja Católica. Esta última, principalmente durante o
governo Médici tinha se tornado a mais forte instituição a criticar o regime autoritário.
A sociedade civil, principalmente a ala conservadora, fiel aliada dos militares na tomada
do poder e nos primeiros anos de governos, ficara acossada com a repressão do regime,
principalmente através dos organismos de censura. Para atraí-la novamente, Geisel precisava
agir meticulosamente junto aos formadores de opinião da imprensa brasileira. Para isso,
precisava abolir a censura aos meios de comunicação.
Os partidos políticos, inclusive membros da Arena cobravam do sucessor de Médici, um
maior compromisso com a democracia. A própria oposição consentida, ou seja, o MDB, já
havia lançado a “anticandidatura” de Ulysses Guimarães à Presidência da República no
intuito de fomentar a oposição nas eleições de 1974. Ou seja, todos queriam mudanças no
cenário político nacional.
Algo que também preocupava o novo Presidente era a quebra da hierarquia militar pela
ação dos órgãos de repressão, fato que provocou conseqüências danosas dentro das Forças
Armadas, fazendo-se por demais necessária a mitigação da influência dos militares da linha-
dura nos “porões”, com a conseqüente recuperação do equilíbrio dentro da hierarquia militar.
68
5.1 A crise do “milagre econômico” e a crise mundial do petróleo
Ao contrário do governo anterior, quando fora comandada pelo, então, Ministro da
Fazenda Antônio Delfim Netto, de tendência desenvolvimentista e pai do “Milagre
Econômico Brasileiro”, a economia passou a ser dirigida por Mário Henrique Simonsen, que
defendia a adoção de medidas restritivas, tendo em vista a crise do petróleo, o crescimento da
inflação e da produção.
O último ano do governo Médici ficara marcado pela desaceleração da economia
nacional, influenciada, principalmente, pela crise mundial do capitalismo, que transcorreria
durante toda a década de 70, e traria repercussões no esgotamento do “milagre” e nos rumos
da ditadura militar brasileira.
Foi nesse contexto, que Geisel procurou criar condições políticas e socioeconômicas
com o objetivo manter o binômio dominação-legitimação sob novas bases.
O ano de 1974 caracterizou-se pelo aumento inflacionário e pela mudança nos rumos do
programa econômico projetado no início do governo de Ernesto Geisel. As metas restritivas
não haviam funcionado a contento, e tiveram que ser revistas. Havia muita interferência
política nas decisões políticas, e isso comprometia todo o planejamento inicial, o qual era
contrário à tendência desenvolvimentista do I Plano Nacional de Desenvolvimento – I PND.
Estabelecia-se, pois, a necessidade de se definir uma estratégia que voltada para o
desenvolvimentismo, deixando de lado a política de equilíbrio da economia. Fazia-se,
portanto, imperativa a elaboração do II PND.
O novo projeto econômico do governo federal seria voltado para o desenvolvimento
integral, que seria a forma encontrada pelos estrategistas de Geisel para consolidar e concluir
o processo de legitimação do regime.
69
5.2 O modelo político
Antes de assumir o poder, Geisel conhecia os desafios que enfrentaria dentro da
hierarquia das Forças Armadas, do crescimento oposição política no braço aliado e do MDB e
na economia em crise. Desta forma, verificava a necessidade de efetivar mudanças que
visassem à institucionalização do regime.
Ocorre, porém, que a distensão política não decorreu nem da crise econômica tão
somente, nem de ato de vontade do Presidente da República. Foi, sem dúvida, decorrência de
modelo político construído pelo novo governo, o que tinha por objetivo a restauração da
legitimação do regime, que sempre se manteve pela truculência dos organismos de repressão,
e, posteriormente, pelo “Milagre Econômico Brasileiro”.
As bases de dominação seriam outras, diferentes das dos “Anos de Chumbo”.
Respondiam pelos princípios organizadores do movimento de 1964, que sempre defenderam a
devolução do poder aos civis, e que apostaram nessa tendência como sendo a possibilidade
derradeira de ser institucionalizado o regime militar. A fórmula seria o desenvolvimento
integrado, social e político.
Como se sabe, a sustentação da política repressiva de Médici dependia do modelo de
desenvolvimento econômico acelerado, o “Milagre Econômico”, que, em crise, ameaçava
toda a legitimação forçada do regime.
A pequena base aliada dava sinais explícitos de enfraquecimento. Em virtude disso,
fazia-se necessária a obtenção de novas formas de apoio político e social. Isso somente se
daria com a vinculação da legitimidade às instituições políticas mais sujeitas à dominação
clientelista. (ALVES, 2005).
Geisel queria a atuação do governo nos mais rios setores de atuação, promovendo o
desenvolvimento integral, tanto na política, quanto nas áreas social e econômica. Para o novo
Presidente, o governo anterior provocou um crescimento apenas econômico e desordenado.
A referida forma deveria buscar o máximo desenvolvimento sustentável, dentro de um
mínimo de segurança indispensável. E esse mínimo de segurança demonstrava a necessidade
70
de se abrandar a repressão à sociedade brasileira, e com isso, garantir a institucionalização do
regime, nos moldes da Revolução de 1964. (LAFER, 1978).
A abertura deveria se dar em três fases. Na primeira, haveria a suspensão da censura
prévia, e melhoria no que diz respeito aos direitos humanos. Na segunda, seria aumentada a
participação política através de reformas eleitorais. Por fim, o AI-5, assim como outras
normas repressivas deveriam ser abolidas até o fim do Governo Geisel. (ALVES, 2005).
Ocorre que as reformas políticas sozinhas ou, somente o desenvolvimento econômico
não seriam suficientes para legitimar o regime durante o processo de distensão. Somente a
conjugação de ambas possibilitaria a promoção da institucionalização do regime. Para isso,
deveria promover a descentralização do poder decisório através de articulação entre o regime
militar e a sociedade civil.
As medidas foram adotadas no início do governo. Visavam atender os objetivos de
liberalização do regime, através de mudanças nas atitudes em relação à sociedade civil, em
relação à hierarquia militar e às instituições políticas, que deveriam ser preparadas para a
execução das estratégias do governo.
Um passo a ser dado na direção das reformas, e que ao mesmo tempo atingir tanto a
sociedade, quanto a crise na hierarquia militar, seria a redução do poder da unidade de
repressão, dos chamados porões. A comunidade de repressão, vinha subvertendo a hierarquia
militar, o que era extremamente perigoso para os rumos traçados por Geisel. Deveria ser
firmada uma medida contra os torturadores.
Apesar das atitudes tomadas, o aparelho repressivo permanecia em completo
funcionamento. Contraditoriamente ao processo de abertura, a atuação dos porões se manteve
extremamente violenta e ativa. Mas tudo isso pode ser justificado prontamente, pois uma vez
que se sentiram ameaçados, os extremistas da linha-dura passaram, eles mesmos, a fomentar o
terror, pondo sempre a culpa nos subversivos, como uma forma de justificar a permanência da
opressão. Essa conjuntura de foi chamada de “paradoxos inigmáticos da abertura”. (STEPAN,
1988).
Assim, as atividades repressivas foram incrementadas, no intuito de demonstrar todo o
poderio do grupo dissidente sobre o aparato de segurança, controlador e financiador,
principalmente das torturas.
71
No campo das reformas políticas, apesar da reação negativa da linha-dura, Geisel
manteve o calendário eleitoral, assegurando as eleições legislativas marcadas para novembro
de 1974, as quais eram bastante temidas em face do avanço da oposição permitida.
Geisel demonstrou, desde o início de seu mandato, que iria buscar alianças entre os
entes da Federação brasileira. Assim sendo, procurou escolher os novos governadores
estaduais, levando em consideração o fortalecimento da ARENA, bem como a aproximação
dos escolhidos das decisões políticas. Deve-se deixar explicitado que não houve, a despeito do
que haviam feito seus antecessores, qualquer consulta ao SNI na escolha dos governadores.
Assim, foram escolhidos, por exemplo, Paulo Egídio Martins para o governo de São Paulo,
em que pesassem as preferências que recaíam sobre Antonio Delfim Netto e, Aureliano
Chaves para Minas Gerais.
Todos eram favoráveis à abertura política. Desta forma, se posicionariam ao lado do
governo central no combate à repressão e à linha-dura do regime, mostrando-se sua
importância dentro do cronograma da liberalização.
Ocorre que nem tudo saiu a contento. Geisel não conseguiu revigorar a ARENA que se
mostrava cada vez mais fragmentada e incapaz de exercer seu papel dentro da estratégia
governista. Isso influenciaria profundamente as eleições legislativas de 1974 e o processo de
redemocratização.
5.3 As eleições legislativas de 1974
Protesto. Foi dessa forma que o eleitorado brasileiro em sua grande maioria se
manifestou contra o regime militar no poder há, então, dez anos. Numa resposta da sociedade
civil, houve votação maciça no partido de oposição permitida, o MDB. Não que esse fosse fiel
representante das camadas que nele apostaram, mas porque essa era, praticamente, a única
forma de expressar o descontentamento crescente em face de um governo antidemocrático e
centralizado.
O Movimento Democrático Nacional venceu na maioria dos Estados e dos centros
urbanos, principalmente do Sul e Sudeste do país e, a exceção dos estados aristocráticos do
72
Norte, Nordeste e Centro-oeste. Apesar da expressiva votação, não chegou, no entanto, a se
tornar o MDB o representante das classes sociais desgostosas. Porém, pode-se afirmar que
essa foi a primeira grande derrota do regime militar.
5.4 O segundo plano nacional de desenvolvimento – II PND
Conseqüência da manifestação dos empresários que buscavam uma descentralização das
decisões, bem como o aumento da participação do setor privado na economia, e do fracasso
nas eleições de novembro de 1974, o governo Geisel início ao ano de 1975 efetivando
mudanças na agilidade do processo de liberação. Essas alterações viriam por alterar a
velocidade do curso da abertura, através de medidas que visaram refreá-lo.
As transformações se dariam a partir de então, como o próprio Geisel disse, de forma
lenta e gradual. Era preciso manter o binômio dominação e legitimação através da abertura,
mas sem desnecessários riscos.
É nesse clima de crise interna e da economia mundial que Governo Federal lança o
Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento II PND. Visava buscar o máximo de
desenvolvimento, dentro do máximo de realismo, evitando, desta forma, as quimeras do
“Milagre Econômico brasileiro”. Desejava-se o desenvolvimento integral, com a eliminação
da faixa existente entre o Brasil subdesenvolvido e o desenvolvido.
As reformas decorrentes do II PND seriam estruturais, deveriam evitar a recessão
proveniente do colapso do capitalismo mundial, assim como necessitariam mitigar os efeitos
da crise do Petróleo, através da concessão de subsídios ao preço do combustível.
O intuito era o de dotar o Brasil de uma economia moderna ajustada às realidades
mundiais, através da integração nacional, do desenvolvimento social e da inclusão do país no
mercado internacional. Para isso, era preciso evitar que o momento de tensão externo viesse a
interferir negativamente nesse processo. Desta forma, o Governo Federal optou por aumentar
o endividamento externo com o objetivo de não onerar a sociedade civil, o que gerou um
aumento exorbitante do nível inflacionário.
73
Pode-se, portanto, verificar que os acontecimentos dos primeiros anos do governo
Geisel foram bastante importantes para o desenrolar do processo de abertura que se iniciou a
partir de sua posse ou, até mesmo antes se levados em consideração os interesses iniciais do
grupo castelista.
5.5 A desaceleração da abertura
As eleições ocorridas em novembro de 1974, como foi dito, influenciaram de
sobremaneira uma reação do Governo Federal, que resolveu por proceder a medidas políticas
e econômicas no intuito de conduzir a abertura.
Sabe-se que foi adotada uma desaceleração do processo de liberalização sem, no entanto
interrompê-lo, assim como se procurou estabelecer alianças que o respaldassem junto ao
Congresso Nacional e a sociedade civil e econômica.
O Governo Federal estava envolto por uma crise econômica, uma derrota fragorosa nas
referidas eleições e, de uma tensão interna dentro da hierarquia militar. Tudo isso incentivou
um maior controle do processo de liberalização.
Para isso, Geisel teve que buscar apoio na cada vez mais fragmentada ARENA. Ocorre
que o partido da situação, na verdade nunca chegou realmente a se engajar como um elemento
do regime e, agora, se sentia ainda mais fragilizado e, afastado do Governo Central. Fato é
que por ser o único aliado dos militares no Congresso Nacional, fez com que vários políticos
a ele acorressem, em busca de melhores colocações na máquina governista, o que
conseqüentemente gerou uma multiplicidade de interesses, que culminaram numa divisão
interna do Partido.
Assim sendo, o Governo Federal teve que desviar seu foco em busca do necessário
apoio, indo alcançá-lo nas esferas federativas, até então, bastante alijadas de participação no
poder. Isso refletiu na escolha dos Governadores de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do
Sul.
74
Diante da omissão dos dirigentes arenistas no plano federal, processou-se
movimentação visando à afirmação de novas alianças centradas entorno dos
Executivos estaduais em condições de garantir apoio efetivo ao governo (KLEIN;
FIGUEIREDO, 1978, p.78).
O Governo Federal padecia de influência no Legislativo. Não havia liderança política. O
apoio necessário às mudanças viria dos Estados. Passaram a participar das decisões políticas e
econômicas, vez que faziam parte do desenvolvimento integrado proposto por Geisel. Isso
não quer, porém, dizer que as elites estaduais haviam restabelecido seus poderes. Ao
contrário, funcionariam como meros executores das estratégias definidas. Assim mesmo,
tiveram papel de destaque no processo de distensão controlada.
No plano político, fazia-se necessária uma vitória nas eleições municipais de 1976.
Seria a resposta do regime. Assim sendo, o Governo Geisel baixou a Lei Falcão, que tinha por
objetivo limitar para a oposição o uso do rádio e da televisão para a campanha. Nesse pleito,
Geisel deveria utilizar-se de seus novos aliados. Esta medida, no entanto, não foi suficiente
para impedir o aumento do número de municípios comandados pelo MDB.
Essa nova derrota gerou um clima de tensão para o pleito legislativo de 1978, cujo grau
de importância superava em muito o das eleições de 1976. Assim, Geisel deveria agir no
intuito de evitar novas surpresas desagradáveis. E foi exatamente esse momento de incertezas
que determinou o “Pacote de Abril”, que entrou em vigor em 1977 e, como já se falou, alterou
a política para as eleições de 1978, com a criação dos chamados Senadores “biônicos”, eleitos
indiretamente.
Desta forma, o regime manteria a maioria no Congresso Nacional. Além disso, haveria
maior representação dos Estados onde a “patronagem” era mais efetiva, ou seja, no Norte e
Nordeste, onde a ARENA era sensivelmente mais influente. Aumentou o peso da
representação das áreas da federação menos desenvolvidas e urbanizadas.
“O ‘Pacote de Abril’ mostrou sua importância ao garantir para Geisel maior controle
sobre o ‘público interno’ e proporcionar-lhe fôlego para as reformas políticas futuras.”
(MATHIAS, 1995, p. 122).
Essas medidas do Governo serviram para a aproximação dos movimentos de base.
Assim, o MDB encarnou, de vez, o rótulo de partido de oposição. Ao seu lado, aderiram os
movimentos populares. (ALVES, 2005).
75
O Governo Geisel tentava continuar pondo em prática seu projeto de liberalização,
garantindo a permanência do processo de dominação-legitimação e, conseqüentemente, a
institucionalização do regime, abalada, principalmente pelos nefastos resultados das eleições
de 1974 e 1976. A vitória aparente nas eleições de 1978, comandadas pelo Pacote de Abril,
não chegaram a dar a falsa impressão de revigoramento do regime, mas deram a sobrevida
necessária para que o referido modelo pudesse se implantado.
Tudo isso visava à formação de uma elite política fora do regime nos Estados menos
desenvolvidos, que pudesse, como dissemos, dar a devida sustentação às mudanças e à
própria continuidade da revolução.
6 CONSTITUIÇÃO E DECLÍNIO DA DITADURA MILITAR
Para se iniciar o estudo a respeito do processo de redemocratização ocorrido,
principalmente, a partir do governo Geisel, faz-se necessária uma análise acurada sobre a
relação existente entre o comando militar dirigente e as outras esferas governamentais.
É exatamente essa problemática, dentre outras, que possibilita, como se verá a tomada
do poder pelos militares e grupos adjacentes e, que por fim, determina sua derrocada.
6.1 O federalismo
As forças políticas regionais se viram, a partir de certo momento, alijadas do poder, vez
que o governo central passou a enfrentar o esgotamento da sua capacidade de utilização dos
fundos públicos para fins de articulação e negociação dos interesses daquelas.
Pode-se dizer que o processo de abertura política verificado no governo Geisel guarda
intrínseca relação com o processo político e de desenvolvimento sócio-econômico ocorrido
antes de 1964.
A distensão política deveu-se, de certa forma, à questão do federalismo, tendo em vista
a interrupção do pacto celebrado entre a administração militar e, as oligarquias regionais após
a tomada do poder.
A reaproximação em relação aos entes federados requereu um assentimento dos
participantes. Em face disso, entende-se que tal parceria dependia, no caso brasileiro de uma
colaboração ajustada a respeito de assuntos e interesses e, que se caracterizava pelo poder de
barganha de todos os componentes da busca de um acordo que os beneficiasse.
77
A associação aos componentes da federação decorre de diversas tentativas de se
restabelecer o poder político sobre um território através da adequação e resguardo das
diferentes identidades.
A constituição do federalismo deriva de variáveis sociais, econômicas e políticas de
uma sociedade. Qualquer que seja a federação, o grau de concentração de poder dependerá
das forças convergentes ou divergentes da sociedade, quer em face do governo central ou dos
seus outros componentes.
Teve origem na formação do Estado norte-americano, disseminando-se posteriormente
pelos outros continentes, sendo impregnado pelos valores socioculturais, políticos e
econômicos particulares de cada sociedade, e são esses tais que norteiam a concepção e
coordenação de um poder político nacional sob determinado território. Durante todo o século
passado os Estados Federais moldaram suas gestões, redefinindo-as conforme as
transformações sociais, bem como o incremento do capitalismo.
Antes de 1929, ou seja, anteriormente à grande depressão capitalista, imperava o
modelo liberal econômico. Após essa crise, verificou-se um nítido processo de concentração
de poder nos governos centrais, principalmente, no executivo daqueles Estados, com o
objetivo de acumulação de capitais.
Com a evolução do federalismo, os conceitos originais de autonomia e descentralização
também foram alterados. A autonomia passou a ser encarada como a efetividade que as
entidades federadas possuem de captar recursos financeiros através da competência delegada
para tributar e originar receitas que permitam uma atitude independente das respectivas
administrações. Já o novo conceito de descentralização passou a ser descrito como o potencial
de participação dos entes federativos no processo de articulação de diretivas e deliberações do
Estado Federal.
Um país será mais ou menos descentralizado, quanto mais ou menos estiver aproximado
dos pólos, do centro ou da periferia, o que dependerá das instituições políticas que regem as
relações entre os poderes da federação, como o regime político, a forma de governo as regras
eleitorais e político-partidárias.
78
Os movimentos de centralização e de descentralização constituem uma alteração do
modelo de relacionamento entre as esferas, por meio de uma dinâmica de compressão e
expansão de controles políticos e fiscais. (KUGELMAS; SOLA, 1999)
Essa tendência centralizadora passa a perder força a partir do final dos anos 60, quando
os governos passam a sofrer uma descentralização seletiva, o que é fruto de intenção
governamental ou de falha política. (LOBO, 1982).
As transformações políticas que promovem as modificações no federalismo diferem
principalmente no tocante ao mundo desenvolvido e ao em processo de desenvolvimento. Isto
porque aqueles possuem instituições políticas bem definidas e estruturadas, enquanto estes
ainda lutam contra as desigualdades sociais e econômicas. Naqueles as transformações
econômicas ocorreram passo a passo com a formação das instituições políticas estáveis.
Nestes, as mudanças políticas e econômicas proporcionaram a instabilidade política e
social. Neles, a consolidação das referidas instituições não acompanhou os razoáveis
desenvolvimentos social e econômico. O desigual padrão sócio-econômico serve para
incentivar a insatisfação com o desempenho do governo federal, o qual se mostra incapacitado
de implantar reformas de cunho estrutural. (HUNTINGTON, 1975).
O Brasil, assim como outros países caracterizados pela industrialização tardia e pela
maior participação do Estado na economia, continua a promover o desenvolvimento
econômico através de negociações junto à sociedade e às unidades federativas, fugindo, desta
forma, do pacto de cooperação, característica do federalismo, para conseguir a colaboração
para implantação de medidas com base em verdadeira transação. (LEME, 1992).
Assim sendo, verifica-se que os países anteriormente denominados de
subdesenvolvidos, em face da instabilidade política, fazem do federalismo uma questão
institucional. Isso porque as mudanças políticas se deram sem a supressão de instituições
tradicionais com ingerências arraigadas nas políticas locais e regionais.
Estas mudanças embaraçam enormemente a criação de novas bases de associação
políticas, bem como de novas instituições políticas que conjuguem legitimidade e eficiência
(HUNTINGTON, 1975).
O federalismo no Brasil é considerado incompleto porque o Estado ainda procura
construir novas bases de autoridade legítima. Para isso, realizam negociações e concessões em
79
troca do apoio necessário. Assim, o Estado Federal brasileiro não se sustenta através da
autonomia das unidades federativas, mas de sua vinculação ao poder central.
Vê-se que o Governo Federal tem dificuldade de se legitimar como instituição política
consolidada e, por isso ora se rumo ao autoritarismo centralizador, ora próximo da
democracia. Isso porque sempre que um regime é substituído por outro, não representa uma
ruptura em relação à ordem pretérita, pois a preservação de um vínculo de continuidade
com o passado, resultado do caráter imediatista, transitório de manutenção do poder político,
sem o mínimo interesse de consolidação das instituições políticas. (LINZ; STEPAN, 1999).
Essa manutenção visa exclusivamente à permanência no poder, pois os governos que
administram a sociedade e a economia delongam imensamente toda institucionalização
política séria e consistente.
6.2 O modelo brasileiro de federalismo
O caso brasileiro não guarda discrepância em relação ao dos demais países em
desenvolvimento, principalmente os sul americanos onde os interesses regionais e os
interesses privados sempre estiveram em choque pela disputa do poder com a ordem pública
nacional, pelo espaço da organização social. (DUARTE, 1966).
O federalismo pátrio não decorreu de um processo de estabilização das relações de
poder entre unidades federadas, que, em regra, são relativamente isonômicas, pois são unidas
por um governo nacional. A conjunção de unidades tão individualizadas sempre foi alcançada
através da atuação do governo central por meio da direção dos fundos públicos, e pela
definição, das regras político-partidárias e político-eleitorais
Como se vê, o Brasil se caracteriza por possuir um federalismo às avessas, em tudo
contrário ao modelo americano onde as unidades federadas se conjugaram no intuito de
fortalecer o poder central. Nosso arquétipo federal se caracteriza pela união quase forçada de
entidades unidas exclusivamente pelo interesse e pela dependência exclusiva daquele poder,
daí, o Brasil viver eternamente sob tensão e agregação do mando central e dos interesses
80
locais heterogêneos. É o conhecido Estado de compromisso, ou seja, aquele cuja federação
está impregnada de influência dos interesses políticos das elites regionais. (FIORI, 1994).
O Estado brasileiro pode, também, ser explicado num movimento desenvolvimentista,
conduzido por um relacionamento Estado e Sociedade, que se refere à sustentação de um
modelo de dominação seletiva, diferente de um amplo pacto ou contrato social, referente à
introdução de novos elementos ou grupos às relações sociais dominantes, ou às coalizões
sociais de apoio, que caracterizam o Estado desenvolvimentista desde a Revolução de 30.
(SALLUM JÚNIOR, 1994).
Desde 1930 quando se findou a República, que o Brasil vem verificando, em sua
história política, momentos de centralização de poder, seguidos de experiências
descentralizadoras. Exemplo da Era de Vargas, seguida do período democrático
compreendido entre os anos de 1946 e 1964, quando novamente foi retomado o autoritarismo
e a concentração do poder político e econômico pela União Federal.
No período anterior ao Golpe de 1964, atribui-se às elites regionais uma ação
fundamental na constituição e no perfil dos partidos políticos, bem como a participação
efetiva na direção do clientelismo estatal e dos pleitos local.
No contexto s-1945 embora não existisse mais a ‘política dos governadores’ da
Primeira República, os governadores dos principais estados serão figuras de
primeira grandeza na política e candidatos ‘naturais’ à Presidência da República
(SOUZA, 1994, p.3).
Conforme prescrito anteriormente, após a tomada de poder pelos militares em 1964, o
centralismo autoritário limitou sensivelmente a ingerência das oligarquias regionais no
cenário político nacional, estas que desde o Estado Novo dominavam seus respectivos
estados, os partidos políticos e o Congresso Nacional, principal instrumento de negociação
dos interesses dessas elites orgânicas, onde trocavam o voto nas aprovações das medidas
necessárias à administração política, econômica e social do país, pela captação dos recursos
indispensáveis à satisfação das aspirações dos referidos grupos políticos.
Os partidos políticos são fortemente arraigados nos conhecidos currais eleitorais, o que
faz dificultar a nacionalização partidária. A ideologia característica de cada um deles é posta
81
em segundo plano, em benefício da busca pelo controle do poder político por parte das
oligarquias dominantes em cada região da federação. (LIMA JÚNIOR, 1997).
Por mais autoritário que tenha sido o regime militar instaurado em 1964, até mesmo nos
anos mais virulentos, não se pode falar em exclusão total desses grupos regionais de
dominação de representação política.
Lógico é que houve sim um declínio da autonomia dos estados-membros e dos
municípios, principalmente no que se refere à questão econômico-financeira. Não se pode,
porém, falar em desfazimento completo dos laços existentes entre o governo militar que se
instaurava e a ordem política e sócio-econômica pré-existente. Isso fica patente a partir das
negociações de adesão ao governo e a manutenção de certo grau de federalismo, como forma
de justificar a suposta democracia.
6.3 A atuação do governo militar
Um modelo complexo de dominação e legitimação pode ser verificado a partir da
análise das bases socioeconômicas e das regras que sustentaram as relações entre o Estado e a
sociedade e o estabelecimento do regime autoritário a partir da fundação da ordem política de
1964. A partir dessa análise pode-se depreender o processo de afastamento das elites
orgânicas no período mais fechado da ditadura militar.
Os militares, conforme visto anteriormente, sabiam que o possuíam legitimidade para
tomar o poder sozinhos. Precisavam, assim, da colaboração de setores da sociedade civil em
uma atuação conjunta. Aos militares sempre restou a tarefa de tomar o poder e, por suas
qualificações morais e condições políticas de lutar pelo bem comum, e, por fim, após tê-los
ensinado, devolver-lhes o comando do país. (OLIVEIRA, 1987).
De fato, em todas as vezes em que foram chamados a intervir, os militares após terem
administrado a situação de crise, sempre haviam devolvido os rumos do Brasil às mãos das
elites políticas civis.
82
A tarefa não foi nada difícil, uma vez que João Goulart vinha sendo hostilizado por
vários setores da sociedade, desde os grandes empresários de capital estrangeiro e associado, a
elite política regional, os grandes proprietários de terras, os membros do complexo
IPES/IBAD, políticos conservadores (UDN e PSD), a classe média conservadora, a Igreja
católica e aqueles que deveriam ser a base do governo populista.
Tratou-se, portanto, de um movimento político bastante complexo, que, em seu
princípio, mostrou-se, da mesma forma que os anteriores, ou seja, transitório, somente
enquanto da duração da conjuntura de convulsão.
Resultado dessas negociações foi um modelo de gestão no qual o regime militar não
importou na militarização plena da direção política, nem o estabelecimento de um regime
exclusivamente autoritário. Esse padrão instituído desde os primeiros momentos da ditadura
militar é qualificado pela permanência de regras constitucionais, mas de cunho
desenvolvimentista, reflexo dos interesses de uma eclética aliança formada por civis, militares
e os detentores do capital estrangeiro e seus associados. Estavam alijados os intelectuais, os
trabalhadores, os estudantes e outros grupos, os quais formariam nos anos seguintes, a
oposição ao regime.
Em assim sendo, os militares tiveram que obrigatoriamente empenhar-se na sustentação
do poder político em todo o território brasileiro buscando reprimir a oposição civil; conter a
provável insatisfação de certos grupos que os apoiaram, a partir da negociação e satisfação
dos interesses destas elites políticas, sociais ou econômicas; manter o diálogo com as forças
políticas regionais como forma de manter o caráter federativo do Estado brasileiro. Para a
consecução desses objetivos foi traçada como diretriz principal o desenvolvimento nacional,
linha mestra do Governo militar desde a tomada do poder em 64, juntamente com a repressão
política.
No que se refere aos militares, a questão do desenvolvimento econômico não se
mostrava menos importante. O binômio segurança-desenvolvimento recebeu,
sobretudo durante o Governo Médici, uma ênfase crescente como fonte, em última
instância, da legitimidade do sistema de poder instaurado a partir de 1964 (KLEIN;
FIGUEIREDO, 1978, p.58).
83
O desenvolvimento do Brasil dependia, no entanto, do engajamento de todos os entes
federativos numa forma de se vencer as diferenças regionais. Em virtude disso, o governo
militar entendeu por bem preservar a federação, mantendo seus componentes sob uma forma
de autonomia contida, baseada na dependência econômica destes em face do poder central.
No tocante à segurança, o Estado brasileiro tratou de silenciar sua oposição proibindo
greves ou outras formas de manifestações civis, estabelecendo a censura, a cassação de
mandatos.
De certa forma, a eliminação das vozes contrárias ao regime, na medida em que
emudecia seus opositores principalmente no Congresso Nacional, permitia a implantação das
medidas que o Governo militar julgava necessárias ao desenvolvimento nacional. A primeira
meta foi o combate a inflação e o controle dos déficits públicos, através do Plano de Ação
Econômica do Governo - PAEG, que visava preparar o país para os anos seguintes,
principalmente no tocante as reformas institucionais e de base, como a tributária,
administrativa e bancária, e à modernização.
O que surgiu no Brasil foi uma coalizão política dominante, expressando um tipo de
hegemonia mediadora que foi mantida junta contando que os mecanismos de
coerção fossem combinados com rápido crescimento econômico pra fornecer um
cimento ideológico baseado na eficiência, no desenvolvimentismo e no sonho de
transformar o país numa potência mundial (MEDEIROS, 1986, p.49).
Certo era que o regime autoritário em razão da busca do desenvolvimento nacional não
poderia prescindir do federalismo, mas teria que definir como exercer o poder político em
entidades federadas tão desiguais.
Inicialmente, como ficou demonstrado, por ter tido durante a presidência de Castello
Branco um caráter transitório, não houve um rompimento pleno com as elites regionais. Estas,
somente aos poucos, passaram a sentir o peso do autoritarismo do regime. Isso ocorreu,
também, para que a legitimidade obtida antes do golpe pudesse ser estabilizada nos primeiros
anos.
O endurecimento do regime somente se deu após a verificação de que a tão desejada
integração nacional não se daria facilmente dados os eternos conflitos de interesses entre os
84
componentes da federação e, que representavam um perigo à visão organicista dos militares e
ao próprio poder político.
Em seu primeiro momento, o regime militar tratou de fortalecer o Poder Executivo, em
detrimento do Legislativo e do Judiciário. As unidades federadas, no entanto, ainda
mantinham suas funções e direitos estabelecidos pelo Texto Constitucional de 1946, como por
exemplo, eleger seus representantes no Congresso Nacional e os chefes dos Executivos
estaduais e municipais.
O sistema proporcional, segmentado por estados, transforma os governadores em
chefes políticos, independentemente da ocupação formal de qualquer posição de
direção nos partidos, uma vez que os governadores controlavam grande parte dos
recursos políticos passíveis de distribuição (SALLUM JÚNIOR, 1996, p.131).
As elites estaduais vinculadas à UDN que haviam feito parte do grupo de adesão ao
golpe de 64, durante o primeiro ano de governo militar, formaram a base de adesão ao
mesmo.
As novas medidas introduzidas no país passaram a impactar e a provocar reações no
seio da sociedade, bem como do cenário político nacional, provocando conflitos, dos quais o
Estado não estava livre.
As contradições existentes entre a permanência de instituições democráticas num
regime autoritário revelaram as dificuldades decorrentes da política de coalizão, impondo a
necessidade de reformulação das relações entre os integrantes da composição do poder, ainda
impregnada por um aparato político de feições populistas. As eleições de outubro de 1965
representavam um perigo, visto que a oposição crescia, inclusive dentro do próprio regime.
O elemento perturbador das eleições não era apenas o crescimento da oposição
política. O pior era que ela passasse a comandar parte do Executivo, isto é, governos
estaduais que dispunham de certa autonomia política, lastreada em recursos
financeiros e militares próprios. E, se a federação abria espaço para os adversários
compartilharem o poder com os adversários o poder com os novos donos, o sistema
partidário podia agravar a heterogeneidade da camada dirigente, na medida em que
os partidos nacionais tinham uma organização fortemente regionalizada (SALLUM
JÚNIOR,1996, p.29).
85
Não adiantava controlar, tão e somente, a sociedade civil. Era necessário conter as
forças políticas regionais impondo-lhes a ferocidade do regime, e, para isso, era preciso impor
medidas centralizadoras através da alteração das regras do regime em vigor desde 1964. Essas
medidas entraram em vigor a partir de 1965 com a centralização do poder, a intervenção
política e econômica do Estado brasileiro. Dentre elas, procurou-se, ainda mais, vigorar e
expandir a competência do Executivo, que passou a ter a prerrogativa legislativa sobre
finanças públicas, bem como segurança nacional. (FIGUEIREDO, 1978).
O primeiro passo dado foi o de alterar as regras eleitorais, o que ocorreu através do AI-
2, com a inserção no ordenamento jurídico brasileiro da eleição indireta para Presidente e
Vice-presidente da República. Através do referido instrumento, foi dado ao Presidente da
República a prerrogativa de impor a intervenção federal nos Estados-membros como medida
de segurança nacional. Com o Ato Institucional de n.º 3, as eleições para Governador e Vice-
governador, também passariam a ser indiretas.
O fechamento do regime, porém, se daria mesmo quando da publicação do AI-5 quando
o Executivo Federal recebeu a permissão de fechar o Parlamento por prazo indeterminado.
Outras medidas de exceção perceptíveis, anteriormente, como a cassação dos mandatos
eletivos, assim como a suspensão dos direitos políticos dos cidadãos foram mantidas e
acentuadas. Era a resposta da linha-dura dos militares, que assumira o poder, aos movimentos
civis que eclodiram por todo o país em protesto contra a ditadura.
De posse de poderes ilimitados, o governo central avançou em sua política de
reformulação das regras eleitorais no intuito de mitigar a influência das elites regionais no
panorama nacional. Os militares não queriam, porém, prescindir, em seu todo, de instituições
democráticas.
O sistema representativo foi, porém, sensivelmente alterado, pois a representação
passou a ser calculada sobre o número de eleitores e, não mais, sobre a população como um
todo. Além disso, o número de Deputados Federais na Câmara foi reduzido em quase 100
parlamentares, como conseqüência da redução das bancadas de muitos Estados.
(FLEISCHER, 1981).
Foram estabelecidas outras normas para o funcionamento do Legislativo. No que se
refere às deliberações sobre projetos do governo, caso esses não fossem votados dentro do
prazo legal, teriam aprovação tácita. Era a convalidação pelo decurso do tempo.
86
Outras medidas adotadas em relação aos parlamentares foram a questão da fidelidade
partidária e do voto de liderança, com as quais os componentes de determinado partido não
poderiam afastar-se das decisões tomadas pela direção partidária.
A representação política do governo no parlamento era, desde o início do
bipartidarismo, exercida pela ARENA. Sendo o partido da situação, a ARENA passou a
suportar um processo de crescimento de seus quadros, o que importou numa falsa impressão
de legitimação do regime pelas vitórias eleitorais obtidas.
Conflitos passaram, então, a ocorrer em virtude dessa diversidade de opiniões e, as
relações se estremeceram a ponto de em 1968, ser decretado o fechamento do Congresso
Nacional.
“A ARENA vinha criando uma série de dificuldades para o Governo, resultantes, em
parte, da virtual impossibilidade de compor as múltiplas facções existentes nos quadros
partidários nos diversos níveis.” (KLEIN; FIGUEIREDO, 1978, p.82).
Usando do expediente da Segurança Nacional, o governo militar eliminou as eleições
diretas para Governado e Vice-governador estaduais, conforme restou dito. A nível local,
somente os municípios que não foram considerados como áreas de segurança nacional e as
capitais dos estados continuaram a eleger seus administradores.
A necessidade de compatibilizar as ações dos estados com as diretrizes da União não
significou, em nenhum momento, que o regime militar intencionava acabar ou
alterar profundamente o status quo das oligarquias regionais. O objetivo era escolher
homens de confiança que pudessem cumprir as ordens do Poder Central. Por isso,
não foram feitas modificações de fundo na lógica de sobrevivência das elites locais
(ABRUCIO, 2002, p.82).
As elites regionais continuaram a eleger seus representantes na Câmara dos Deputados,
nas Assembléias Legislativas, na Câmara Municipal, assim como permaneceram escolhendo
seus prefeitos, visto a grande interiorização da política nacional.
Por causa do estremecimento nas relações do regime com o partido da situação,
incertezas começaram a despontar no rumo das eleições posteriores a 1970. Fato é que esta
87
própria se deu em clima de constrangimento generalizado, pois o braço repressivo do regime
se entranhava na maquinaria governamental (SANTOS, 1978).
Conseqüência da desconfiança com que eram encarados os partidos políticos foi a
grande taxa de abstenção, votos brancos e nulos, o que representou sem dúvidas o sinal de
descaso da sociedade civil em relação àquele momento eleitoral. Essa reação provocaria
resultados nas eleições de 1974.
Vistas como sem significação, as eleições indiretas foram desprezadas pelos
eleitores, que rapidamente passaram a canalizar seu protesto para as eleições
senatoriais. Em retrospecto, pode-se pois afirmar que a imposição de eleições
indiretas para os altos cargos do executivo fortaleceu, em vez de enfraquecer, o
caráter plebiscitário do sistema, fornecendo a lideranças politicamente
marginalizadas o meio para reunir uma heterogênea coalizão de forças e, pela
primeira vez, derrotar os candidatos do esquema oficial nas eleições de 1974 para o
Senado (LAMOUNIER; SOUZA, 1990, p.93).
A relação entre o Governo Central existia por meio da força política, com o objetivo de
buscar aliados para conseguir vitórias eleitorais que simulassem a legitimação do regime.
(MEDEIROS, 1986).
A tentativa de superação da crise estatal através repressão política em todo o território
federal confirma a instabilidade de um regime de natureza heterogênea. (KINZO, 1990).
O sucesso do regime em administrar as crises está condicionado à manutenção do
desenvolvimento econômico. Explicando melhor, a combinação administração, manipulação,
decisões arbitrárias continuariam tendo sucesso enquanto a economia estivesse bem, o que
garantiria a manutenção do binômio dominação e legitimação. (LINZ; STEPAN, 1999).
Ocorre que ao afastar as elites orgânicas da participação direta nas decisões políticas do
país fomentou a aproximação destas dos eleitores e políticos locais possibilitando o
surgimento de condições e instituições políticas que irão influenciar fortemente no período da
redemocratização.
O fortalecimento da economia, uma das bases de sustentação do regime, permanecia
compelido pelo Estado Federal, verificando ser cada vez maior o grau de dependência dos
88
membros subnacionais em face do Poder Central. Este permanecia sendo o principal agente
de expansão monetária e financiador do desenvolvimento econômico.
Desequilíbrios no desempenho econômico seriam demonstrados nos anos de crise do
petróleo a despeito do vultoso aumento da produção interna na primeira década da ditadura,
pois não é encontrado na economia substancial ganho de autonomia na capacidade produtiva
de autotransformação, nem qualquer habilidade da sociedade em financiar seu próprio
desenvolvimento (FURTADO, 1983).
Em resumo, pode-se dizer que a concentração do poder na União possibilitou o
aparecimento de uma estrutura centralizada de poder que orientou os rumos do país através do
uso da força, da manutenção da unidade territorial brasileira por meio de um modelo de
federalismo concentrado como forma única de contenção dos conflitos regionais, com o
objetivo de desenvolver economicamente o país, e criar meios políticos, que assim,
legitimassem o regime.
Além do fator desigualdades regionais e da heterogeneidade do grupo revolucionário, os
militares que assumiram o poder e, que estiveram na primeira década de ditadura, tiveram
que mitigar as tensões existentes entre os grupos civis que pudessem ter ingerência no futuro
político do Governo.
Para isso, o regime deveria reprimir a sociedade civil; manter a aliança estatal entre os
diversos grupos que participaram da derrubada do governo Jango; conter a instabilidade
existente entre os membros da Federação brasileira, sem ter que, no entanto, prescindir do
próprio federalismo, uma vez que entendiam ser esta a única forma de se alcançar o
desenvolvimento nacional.
O primeiro objetivo dos militares foi parcialmente cumprido visto que realmente
conseguiram conter a inquietação social pré-existente, assim como a que se formou após a
derrubada do regime populista. Entretanto, os mecanismos utilizados para tal feito resultaram
a perda do controle do aparato de repressão.
Na economia, a expansão da participação do Estado na economia, o crescimento do
setor financeiro e dos interesses particulares desse setor e a predominância multinacional
sobre a burguesia nacional sinalizava pelo rompimento da aliança socioeconômica que dera
início à ditadura militar.
89
O colapso da aliança de classes provocado pela crescente retirada de apoio da burguesia
nacional representa não somente a quebra do modelo de sustentação do regime, como de seu
próprio destino. (PEREIRA, 2003).
O terceiro objetivo, também, somente pode ser considerado como cumprido em parte
tendo em vista que, apesar ter havido a contenção das elites regionais através da subtração da
autonomia econômico-financeira de estados e municípios, aumento da dependência destes em
face do poder central e o acúmulo de funções e responsabilidades na União, os mecanismos
de repressão política e, principalmente eleitoral, possibilitaram, contraditoriamente numa
distorção da representação eleitoral em âmbito nacional, com o incentivo ao personalismo
político.
Ao final do ciclo de expansão da economia iniciado em 1967, o instrumento fiscal,
que fora importante peça para seu êxito, encontrava-se impotente para continuar
desempenhando o papel de ferramenta do crescimento à medida que era incapaz de
gerar recursos adicionais, dada sua estruturação, para o financiamento de novos
programas (OLIVEIRA, 1995, p.51).
Não era suficiente ao Estado encontrar novas fontes de recursos, mas de procurar
medidas que diminuíssem as dificuldades financeiras dos entes federativos, o que poderia ser
conduzido a partir da descentralização da política tributária. OLIVEIRA (1995).
Em meados de 1973, o milagre econômico começava a enfrentar sérias dificuldades,
seja no que se refere ao problema criado pela crescente dívida externa, o qual
apontava a vulnerabilidade do modelo seguido; seja no que concerne ao célere
aumento da taxa de inflação, seja no que tange aos custos sociais acarretados pela
concentração de renda resultante do modelo econômico. A despeito disso, com o
choque do petróleo, ‘subitamente foi posto em cheque o padrão de crescimento da
economia mundial, cuja estrutura produtiva era baseada principalmente na matriz
energética americana (SCHWARTSMANN, 1990, p.21).
A opção do regime pela força de sustentação baseada no desenvolvimento econômico
trazia o risco da perda de apoio político no caso de crise na economia. (ALVES, 2005).
Diante da circunstância de incerteza e crise política e econômica, agravada pela crise
mundial do petróleo, assumiu o poder o quarto General-Presidente Ernesto Geisel, ao qual
90
coube a difícil missão de avaliar os custos de se manter o sistema político e de
desenvolvimento econômico, com o objetivo de sustentar o processo de dominação e
legitimação do Governo autoritário. Geisel tinha a opção de continuar o modelo deteriorado
da primeira década de regime militar, ou poderia promover mudanças tendentes a reorganizar
o poder político.
6.4 O governo Figueiredo
Findo o Governo Geisel, assumiu a Presidência da República o General João Baptista
de Oliveira Figueiredo, o quinto Presidente Militar, o preferido de Geisel para conduzir a
abertura nos moldes planejados.
A chapa de Figueiredo composta, ainda, do civil Aureliano Chaves, ex-Governador de
Minas Gerais, derrotou no Colégio Eleitoral, em 14 de outubro de 1978, a chapa formada pelo
também General Euler Bentes Monteiro e pelo Senador Paulo Brossard.
Era crescente a saturação do Regime. O “milagre” econômico se fora. O início de seu
mandato ficou marcado pelo aprofundamento da crise econômica, principalmente após o
segundo choque do petróleo, pela inflação galopante, caos na balança de pagamentos,
aumento das taxas de juros, da desigualdade e das reivindicações sociais.
Figueiredo continuava a incorrer nos mesmos erros de seus antecessores, em vincular a
política à economia. O desenvolvimentismo sustentara o regime, mas isso não era mais
suficiente. A opção autoritária havia se desgastado inclusive nos círculos de poder,
prejudicados com os cortes de investimentos públicos e privados.
Parecia ser Figueiredo preparado para promover a abertura lenta e gradual, bem como
neutralizar a linha-dura. O atentado frustrado ao Riocentro, no Rio de Janeiro, em 30 de abril
de 1981, quando um sargento do Exército morreu e um capitão saiu gravemente ferido, deu
bem sinais que isso não seria tão fácil.
A inércia de um governo mais preocupado com a inflação do que a respeito da transição
acabou por proporcionar que os partidos de oposição, assim como as próprias manifestações
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populares ditassem o ritmo da abertura. Como por exemplo, o movimento pela Anistia geral
e, principalmente, o Diretas Já, pelas eleições diretas para Presidente da República.
Existem duas formas clássicas de transição democrática: rápida, chamada de transição
por colapso, ou seja pela força; e lenta, como foi a brasileira, acordada entre as elites
dominantes. (O’ DONNEL; SCHMITTER, 1988).
Não se pode negar, porém, que houve massiva participação do povo, mas que, no final
das contas, acabou não sendo determinante, tendo em vista a frustração pela votação da
Emenda Constitucional denominada Dante de Oliveira, derrotada pelo que ficou registrado
como “último suspiro” de um regime moribundo.
6.5 Eleições de 1982
Em 1979 entrou em vigor a nova Lei Orgânica dos partidos políticos. Foram extintos o
MDB e a ARENA. Esta última transformou-se no Partido Democrático Social PDS. o
MDB, passou a contar com o acréscimo da letra “P”, agora obrigatória, no início da sigla,
passado a denominar-se Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB.
Além desses, surgia no cenário o Partido dos Trabalhadores PT, formado por
integrantes do sindicalismo urbano e rural, setores da igreja e da classe média, e intelectuais.
Constituiu-se desde seu nascedouro de partido formado por várias correntes políticas.
O Partido Democrático Trabalhista PDT de Leonel Brizola, o Partido Trabalhista
Brasileiro PTB de Ivete Vargas e o Partido Popular PP de Tancredo Neves e Magalhães
Pinto compunham o cenário político partidário. Este último seria posteriormente anexado pelo
PMBD.
Antes do pleito de 1982, Figueiredo quis podar a oposição através do voto vinculado.
Assim, seria obrigatório votar para todos os níveis de representação em candidatos do mesmo
partido. O PDS, muito forte em âmbito municipal, atrairia os votos para os outros cargos
eletivos.
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O resultado das eleições acabou sendo positivo para o PDS, muito embora tenha
perdido governos estaduais importantes como em São Paulo, Minas Gerais e Paraná para o
PMBD e Rio de Janeiro para o PDT.
6.6 Diretas já
A partir de 1983 o PT passa encabeçar a campanha pelas eleições diretas para
presidente. Posteriormente, houve a adesão de outros partidos e da sociedade.
A primeira manifestação pública pelo que ficou historicamente denominado movimento
Diretas-Já ocorreu em novembro de 1983, reunindo integrantes do PT, PMDB, PDT, Central
Única dos Trabalhadores – CUT.
Em janeiro de 1984 o PMDB entra efetivamente na campanha, comandado pelo seu
então presidente Ulysses Guimarães que ficaria, posteriormente conhecido como “Senhor
Diretas”. No dia 27 daquele mês, um comício na praça da Sé em São Paulo reuniu milhares de
pessoas, extrapolando os limites das organizações político partidárias, tornando-se quase
unanimidade nacional, verdadeiro fenômeno de participação popular.
O Congresso era de maioria do PDS. A oposição acreditava, porém, que a manifestação
popular faria com que alguns de seus componentes votassem contra o regime e em favor das
Diretas. A aprovação dependia de Emenda Constitucional e, portanto da aprovação de 2/3 dos
membros do Congresso Nacional. A alteração constitucional teve como relator o Deputado
Federal de Mato Grosso Dante de Oliveira.
Figueiredo pôs o país em estado de emergência. Sabia que a emenda não passaria e,
temia que por conta da mobilização social, a derrota poderia gerar enfrentamento.
O Presidente estava certo. A emenda não passou, mas não houve conflito. Houve sim
comoção. O texto recebeu 298 votos de 320 necessários, de um total de 479 congressistas.
Desses, 55 deputados do PDS votaram pelas Diretas.
Setores conservadores temeram que o movimento pró-diretas fizesse com que o
processo de democratização se desestabilizasse. A transição não deveria ser entregue ao povo.
93
Frustrada, a sociedade que lotou as praças nos comícios teve que se contentar com a
eleição de um civil para a sucessão de Figueiredo. O preferido era Tancredo Neves. Político
mineiro de natureza conservadora, Tancredo mostrara-se imparcial quando do apoio às
Diretas-Já. Viria a formar chapa com o maranhense José Sarney ex-presidente do PDS,
principal articulador da derrota da Emenda Dante de Oliveira.
6.7 Eleições indiretas
A chapa Tancredo/Sarney foi resultado da conciliação das elites. Foi a forma encontrada
para manter sob o controle o processo político, da mesma forma que asseguravam seus
privilégios.
Do outro lado, três foram os candidatos à sucessão de Figueiredo: Aureliano Chaves,
seu Vice-presidente; Mário Andreazza, seu Ministro do Interior; Paulo Maluf. A escolha do
candidato, dessa vez, não passaria pelo crivo da corporação militar.
Maluf foi indicado candidato em agosto de 1984, após vencer Andreazza nas prévias. A
vitória de Maluf, porém, provocou uma cisão no PDS. A dissidência comandada por
Aureliano Chaves e José Sarney ficou conhecida como Frente Liberal que se aproximaria do
PMDB para formar a Aliança Democrática, encabeçada por Tancredo e o mesmo Sarney.
A vitória da Aliança Democrática foi esmagadora. Foram 480 votos a seu favor contra
apenas 180 votos para o candidato do Regime. Proclamado vitorioso, Tancredo não viria a
assumir a Presidência da República em virtude de sua morte em 21 de abril de 1985, após
meses de sofrimento. A posse de Sarney ocorreu em 15 de março do mesmo ano. Um
representante do regime permanecia no poder.
94
6.8 Assembléia nacional constituinte
Como não poderia deixar de ser, o PMDB obteve massiva votação nas eleições de 1986
para o Governo dos Estados, Deputados estaduais e federais e para o Senado. Todos os
governos foram entregues aos candidatos do partido, com exceção feita a Sergipe. Além
disso, conquistou a maioria absoluta das cadeiras do Senado e da Câmara dos Deputados.
Deputados Federais e Senadores formariam a Assembléia Nacional Constituinte. Sua
convocação pode ser encarada como verdadeira vitória da sociedade civil ânsia por mudanças
no modelo constitucional imposto pelo regime militar.
No fim do ano de 1985, discutiu-se como deveria ser instalada a Constituinte.
Questionava-se se deveria ser uma Assembléia Constituinte autônoma e exclusiva ou se
deveria ser Constituinte Congressual, ou seja, o Congresso Nacional com poderes de
constituinte originário.
Caso a opção recaísse sobre a constituinte exclusiva, seria eleita particularmente para
redigir, votar e promulgar o texto constitucional, dissolvendo-se após este último ato.
Se escolhida a segunda opção, Senado e Câmara se tornariam um órgão (Assembléia
Constituinte) e, após a promulgação da Constituição, voltariam a suas funções originárias.
Uma Assembléia Constituinte exclusiva teria a prerrogativa de se concentrar apenas em
de assuntos ligados ao debate constituinte. Deixariam de lado questões normalmente
discutidas nas Casas parlamentares.
Além do desempenho privativo das funções de poder constituinte originário, a
constituinte exclusiva é livre para discutir os mais variados assuntos, sem se mostrar atrelada
ao clientelismo tão comum em nosso país.
Apesar de todas as visíveis vantagens, a proposta foi rejeitada pela opção por uma
Constituinte Congressual, tendo o projeto que possibilitaria ao povo fazer sua escolha através
de plebiscito, que se realizaria em 15 de março de 1986 sido arquivado com a destituição do
cargo de relator o Deputado
Flávio Bierrenbach.
95
Desta forma, a Assembléia Nacional Constituinte iniciou seus trabalhos em 1º de
fevereiro de 1987, composta de 23 Senadores “biônicos” eleitos indiretamente em 1982, que
tiveram suas participações impugnadas por não terem mandato específico para serem
constituintes. A impugnação partiu dos Deputados Plínio de Arruda Sampaio (PT-SP) e
Roberto Freire (PCB-PE), mas restou vencida pelo plenário da Constituinte.
O texto constitucional, criticado por muitos por ter adentrado em assuntos que
tecnicamente não possuem natureza constitucional, refletiu as pressões de diferentes grupos
sociais, dentre os quais destacamos empresários, sindicalistas, classe média, Igreja e os
próprios militares, cada um deles tentando garantir uma fatia de seus interesses.
A Constituição avançou na proteção dos direitos fundamentais, além de apresentar
maior extensão no que se refere aos direitos sociais e políticos do cidadão, além de reconhecer
os direitos coletivos.
Quanto ao sistema e forma de governo, ficou mantido o presidencialismo e a república
com plebiscito marcado para 7 de setembro de 1993, quando seria dado a sociedade escolher
entre presidencialismo e parlamentarismo, república e monarquia. Ficou prevista, ainda,
revisão constitucional, que ocorreria cinco anos após a promulgação da Constituição.
A eleição dos parlamentares que compuseram a Assembléia Nacional Constituinte
ficou, portanto marcada pela ausência de discussão que diz respeito a temas constitucionais,
ou seja, foram eleitos para o desempenho de seus mandatos eletivos e não para o exercício das
funções de constituintes. Portanto, a composição do Congresso e, por conseguinte da
Constituinte acabou por ser extremamente conservadora.
Apesar de suas características democráticas, a Constituição da República Federativa do
Brasil, de outubro de 1988, acabou por ser bastante criticada por setores da classe empresarial
e de setores expressivos da classe média. Aqueles se sentiam “engessados” no desempenho da
atividade econômica, argumentando que o modelo nacional-estatista-desenvolvimentista
havia se exaurido, tendo se tornado um obstáculo à modernização do país.
Para isso, defendiam desde aquele momento uma urgente Revisão Constitucional como
uma forma de dotar o país de condições para integrar a economia nacional ao competitivo
mercado produtivo e comercial internacional e globalizado. O caminho a se seguir seria o
96
fortalecimento da economia com a eliminação dos monopólios e da participação do capital
estrangeiro na economia brasileira, na forma de financiamentos e investimentos.
A classe média queria apenas que os direitos postos pela nova Constituição fossem
aplicados e, não somente previstos. Ocorre que muitos deles restaram dependentes de
regulamentação posterior.
6.9 A Constituição de 1988
A nova Carta Constitucional consagrou
vários direitos vilipendiados pelo regime como
as liberdades de expressão, de pensamento e de imprensa. Fez retornar ainda as garantias de
exercício desses direitos como o restabelecimento da previsão constitucional do habeas
corpus, do mandado de segurança. Estabeleceu, igualmente, o habeas data. Foi criado o
mandado de injunção.
A Constituição de 1988 se caracteriza, ainda, pela proteção aos direitos sociais,
principalmente o direito à associação profissional ou sindical e, pelo amparo ao direito de
greve, vitória do movimento sindical em fins da década de 70 e início da década de 80.
Deve-se ainda destacar que as eleições voltaram a ser da forma direta tanto para
Presidente e Vice Presidente da República, Governador e vice, e para Prefeito. No âmbito do
legislativo foram extintos os mandatos dos chamados senadores “biônicos”.
Merece destaque, outrossim, a busca pelo equilíbrio regional e da diminuição da
diferenças entre os entes federativos, na tentativa de maior integração nacional e mitigação
das desigualdades sociais e econômicas.
Uma crítica rotineira que se faz ao texto constitucional se deve ao fato de ser uma
Constituição abrangente. Muitas normas nela contidas poderiam ter sido tratadas por leis
ordinárias.
Outra queixa dos constitucionalistas repousa na ausência de regulamentação por parte
dos parlamentares de diversos dispositivos constitucionais através de leis complementares,
97
tendo, por exemplo, o mandado de injunção que, após quase 20 anos da promulgação da
Constituição Cidadã, permanece à espera de ser regulamentado.
Em resumo, a Constituição da República Federativa do Brasil, que instituiu o estado
democrático de direito trouxe muitos avanços, mas necessita urgente de uma reforma,
principalmente tributária, tendo em vista a carga maciça de tributos que assola a economia, e
onera a classe média.
Uma reforma política também se faz urgente. É nítido que nossas instituições
democráticas ainda não se consolidaram. Acusações de corrupção que abalam até a cúpula das
casas legislativas. Cassação de mandatos. Enquanto isso o Executivo se estabelece a partir de
medidas provisórias. Denúncias sobre compra de votos para aprovação de interesses daquele
poder.
Óbvio que não se pode estabelecer a democracia instantaneamente, nem que as
instituições democráticas se consolidem tão rapidamente. O Brasil passou por um período
autoritário onde imperou a supremacia do Executivo sobre o Legislativo, vez ou outra fechado
e o Judiciário subserviente.
As reformas se fazem necessárias no intuito de dotar o país de condições para diminuir
o quadro de desigualdades sociais e regionais, bem como de garantir os direitos fundamentais
e sociais e de promover a consolidação da democracia em todos os seus termos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pela primeira vez em toda história brasileira os militares tomaram o poder, não para
entregá-lo novamente aos civis, passado o momento de conturbação. De fato, os civis fizeram
parte da chamada “Revolução”. Foram os tecnicistas, empresários, membros da classe alta e
média, da Igreja, que quiseram alijar do poder o populista João Goulart e suas idéias
socialistas.
Após isso, a sociedade civil foi colocada em segundo plano, como subserviente dos
militares, pois a cúpula das forças armadas assumiu diretamente o poder e muitas funções de
governo, que duraria 20 anos e que marcaria a vida do país de muitas famílias brasileiras.
Durante o domínio das forças armadas, os militares se dividiram, praticamente, em três
correntes: eram os castelistas, os linha-dura e os nacionalistas. O poder variou entre estes
grupos, que sempre buscaram o apoio de outros elementos das forças armadas como forma de
permanecer no poder para impor candidaturas e dar legitimidade a suas ações.
Embora tenham sido relegados a segundo plano, aos civis foram dadas pastas de
extrema relevância num país que durante alguns anos pugnou pelo Milagre Econômico” e
pelo desenvolvimentismo. Houve ainda a primazia dos setores burocráticos do Estado. Os
tecnicistas dividiram com os militares as diretorias das empresas estatais.
O regime militar ficou caracterizado, ainda, pelo autoritarismo. Apesar disso, ainda há
quem defenda a tese que durante o período de domínio militar, apenas uma experiência
autoritária pode ser realmente verificada, a qual ocorreu apenas na Presidência de Médici.
Desta forma, teria vivido uma situação autoritária e não um regime autoritário.
No entanto, as medidas de exceção e também as arbitrariedades e barbaridades
verificadas denotam que, de fato, imperou o autoritarismo. Não se podia dizer ou pensar de
forma contrária ao governo. Quem mandava era a alta cúpula das forças armadas, os órgãos
101
de repressão e informação. A classe média e operária, os estudantes e os camponeses haviam
sido silenciados. A Igreja, com o passar dos anos, deixou de apoiar o regime. A própria classe
alta e empresarial, embora tenha sido beneficiada em detrimento das anteriores não participou
da condução da política econômica, entregues que estavam aos ministros da fazenda e do
planejamento.
No campo econômico, o Estado permaneceu extremamente presente. Como citado
anteriormente, prezava-se pelo desenvolvimento do país a qualquer custo, tanto que foram
contraídos empréstimos internacionais para fomentar o crescimento, principalmente durante o
“Milagre”.
A Constituição de 1988 foi o divisor de águas entre o regime autoritário e o renascer
democrático. Iniciada sob a presidência de Geisel, a transição democrática levou 14 anos para
se efetivar.
Inicialmente, Geisel encarnava o espírito do grupo castelista, que, enfim, retornava ao
poder, após os anos de chumbo. Estes militares, que haviam tomado o poder em 1964, sempre
tiveram por objetivo sua devolução aos civis, após a estabilização política e social. O
Presidente via no desgaste dos militares a inevitabilidade da abertura.
A sociedade brasileira passava a clamar por melhores condições sociais, visto que o
milagre econômico o mais podia entorpecê-la. Os problemas sociais se avolumavam em
virtude da crise econômica e da complexidade da sociedade brasileira. O regime militar
precisava, portanto lançar mão de novos esforços para garantir, ao menos, uma transição
tranqüila para a democracia.
Desde Geisel, porém, se podia imaginar que a democratização do país não partiria do
povo. O regime militar tratou de conduzi-la de forma a não lhe trazer maiores transtornos, ou
seja, “lenta, gradual e segura”.
A oposição não tinha força o suficiente para mudar o ritmo da abertura, nem mesmo
com a obtenção do apoio da sociedade civil no fenômeno Diretas-Já, isso foi possível. Além
disso, o regime definhou aos poucos. Já não tinha como se manter, mas ninguém tinha
capacidade para tomada brusca do poder.
102
A caminhada de Geisel até a Constituição Cidadã, denominação dada pelo Deputado
Ulysses Guimarães, foi extenuante, mas relativamente pacifica e ordeira, não fosse os
atentados verificados, e a inflação que fazia os preços aumentar quase que diariamente.
Os problemas sociais só se agravaram. O desenvolvimentismo do regime, não atingiu as
camadas mais baixas da sociedade. Estas se tornaram cada vez mais pobres e dependentes do
Estado. A Constituição trouxe inúmeras garantias de direitos fundamentais, sociais e políticos,
mas a situação se sobrepunha às previsões constitucionais.
A corrupção e o clientelismo continuavam impregnados nos serviços públicos. As
instituições democráticas permaneciam fracas e imperava a desconfiança. Nada disso foi
enfrentado durante os 20 anos de domínio militar, nem durante os anos de transição para a
democracia.
Disso tudo se pode considerar que muito pouco se mudou, socialmente falando. No
âmbito de direitos políticos, foi concedido o tão sonhado direito de se votar para presidente,
além da extensão dos votos aos analfabetos, como uma forma de se manter a estrutura
clientelista.
Ainda se esperava à época da promulgação da Constituição Federal de 1988 a
consolidação de um regime democrático, luta que permanece até os dias atuais. O processo de
redemocratização brasileiro perdura. Nossas instituições democráticas ainda caminham rumo
à consolidação. Quase vinte anos após sua promulgação muitos dos dispositivos
constitucionais permanecem sem regulamentação. Assim mesmo, podemos comemorar a
eleição para Presidente da República de um sociólogo cassado pelo regime e, posteriormente,
de um líder sindical.
Assim, podemos inferir em que pesem as denúncias de corrupção nos diversos campos
do poder e, dos níveis sociais ainda se manterem em nível longe do desejado, algo de
importante se desenvolve dentro da sociedade brasileira, o desejo de se estabelecer de fato um
Estado Democrático de Direito em nosso país.
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