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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA UNIFOR
MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL
AS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA E A NECESSIDADE DE
PARÂMETROS JURÍDICOS À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Caroline Sátiro de Holanda
Fortaleza
Agosto 2006
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CAROLINE SÁTIRO DE HOLANDA
AS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA E A NECESSIDADE DE
PARÂMETROS JURÍDICOS À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Dissertação submetida à Coordenação
do Curso de Mestrado em Direito
Constitucional da Universidade de
Fortaleza - UNIFOR, como requisito
parcial para obtenção do título de
Mestre em Direito.
Orientadora. Profª. Drª. Ana Maria
DÁvila Lopes
Fortaleza Ceará
2006
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UNIVERSIDADE DE FORTALEZA UNIFOR
MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL
DISSERTAÇÃO
AS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA E A NECESSIDADE DE
PARÂMETROS JURÍDICOS À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
de
_______________________________________
Caroline Sátiro de Holanda
Dissertação aprovada em____/___/_______
Nota:___________
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________
Profª. Drª. Ana Maria DÁvila Lopes.
Orientadora
______________________________________
1º Examinador
_______________________________________
2º Examinador
_______________________________________
Prof. Dr. Martônio MontAlverne Barreto Lima
Coordenador do Curso
A Deus, meu pai grandioso, fonte de força
nos momentos difíceis.
A Felipe Braga Albuquerque, meu grande
amor, que sempre me incentivou na busca pelo
sucesso profissional.
A toda minha família, que sempre acreditou
em mim.
AGRADECIMENTOS
À Professora Ana Maria DÁvila Lopes, minha orientadora, que sempre
se demonstrou solícita, receptiva e, acima de tudo, bastante paciente na
orientação do presente trabalho.
As minhas sempre amigas da graduação em Direito da Universidade de
Fortaleza: Andrine Nunes, Illa Campos, Lílian Rebouças, Janaína Paiva, Jany
Feijão, Joana Laura, Mariana Castro, Michele Camelo, Olívia Pinto, Rebeca
Matias, Raquel Carvalho, Renata Abrantes e Vanessa Melo. Amigas, obrigada
pelo apoio e compreensão nas horas em que me fiz ausente.
À meiga Mônica Carvalho, cuja presença e vivacidade marcantes
tornaram a jornada do Mestrado menos cruel e mais animada.
À Renata Neris que, com sua doçura e, ao mesmo tempo, firmeza, passou
a fazer parte da minha vida.
À Lina Fiúza, pelos gestos de carinho, os quais me ajudaram a superar
momentos delicados.
A todos que, de alguma forma, contribuíram na realização do presente trabalho.
RESUMO
As técnicas de reprodução assistida constituem meio legítimo de permitir a
procriação às pessoas, trazendo, com isso, grande esperança àqueles que
imaginaram que jamais poderiam procriar. A utilização dessas técnicas trouxe
também grande inquietação social, pois levanta vários questionamentos éticos
e jurídicos. As opiniões sobre a procriação artificial ainda são bastante
divergentes e parecem longe de um consenso. Mesmo sendo cada vez mais
realizada e estando rodeada de dúvidas e indagações, não existe, porém, uma
lei que regulamente o uso da reprodução assistida no Brasil, o que deixa sem
resposta vários questionamentos. Essa vacância torna vulnerável a dignidade
da pessoa humana, pois passa a falsa impressão de que tudo é possível. Diante
da lacuna jurídica, o objetivo da procriação médica assistida deixa de ser a
reprodução e passa a ser a exploração econômica, objetivando ao lucro, o que
pode ser percebido mediante práticas abusivas como: leilões de gametas;
utilização da procriação artificial sem diagnóstico de infertilidade, para
escolha do sexo do bebê; escolha de características físicas do filho; ausência
de acompanhamento psicológico eficiente para os usuários; ausência de um
consentimento livre e informado etc. Além desses abusos que ferem a
dignidade humana, não se pode deixar de citar que o emprego da reprodução
assistida produz efeitos jurídicos práticos nas relações de família e,
conseqüentemente, no Direito de Sucessões. O intuito do presente trabalho foi
justamente tratar de alguns dos principais questionamentos ético-jurídicos em
curso acerca da reprodução assistida, bem como propor soluções. Para tanto
foi feita uma pesquisa bibliográfica, mediante a qual foram analisados livros e
artigos sobre o assunto. Também foi feito um estudo crítico na legislação
vigente sobre o assunto e no Projeto de Lei n.º 90/99. O estudo demonstrou
que as pequenas inovações trazidas pelo novo Código Civil não foram
suficientes para solucionar os conflitos que permeiam o uso da reprodução
assistida. As lacunas jurídicas continuam, de modo que os questionamentos
persistem sem soluções concretas. Mais do que nunca, fazem-se urgentes as
adaptações do Direito à nova realidade científica, a fim de pôr fim às atuais
incongruências e vazios no ordenamento jurídico brasileiro, salvaguardando,
assim, a dignidade humana. Neste sentido, faz-se necessária uma lei especial
sobre a procriação artificial, determinando os limites da sua aplicação e
procurando salvaguardar os princípios constitucionais.
PALAVRAS-CHAVE: Bioética. Reprodução Humana Assistida. Princípios Constitucionais.
ABSTRACT
The attended reproduction techniques constitute legitimate means of allowing
breeding to people, bringing, within, great hope to those who thought that
could never procreate. The use of breeding techniques also brought great
social inquietude, because it brings up several ethical and juridical
questionings. The opinions on artificial procreation are still quite divergent
and they seem far from a consensus. Even being used over and over and being
surrounded of doubts and questions, there is no law to regulate the use of the
attended reproduction in Brazil, though. This fact leaves several questionings
without answers. This vacancy turns human beings dignity vulnerable,
because it passes the false impression that everything is possible. Upon the
juridical gap, the objective of the attended medical procreation became an
economical exploitation field, aiming at to the profit, what can be noticed by
abusive practices as: gametes auctions; use of the artificial procreation
without infertility diagnosis, for choice of the baby's gender; choose of the
son's physical characteristics; absence of efficient psychological attendance
for the users; absence of a free and informed consent etc. Besides these
abuses witch hurt the human dignity, it must be said that the use of attended
reproduction produces practical juridical effects on the family relation and,
consequently, the Successions Right. The aim of the current work was to
analyze some of the main ethical-juridical questionings concerning the
attended reproduction, as well as to propose solutions. For this, a
bibliographical research was curried out, upon with books and articles were
analyzed. It was also made a critical study on the current legislation on the
subject and in the Bill # 90/99. The study demonstrated that the small
innovations brought by the new Civil Code were not enough to solve the
conflicts that permeate the use of the attended reproduction. The juridical
gaps continue, in a way that the questionings persist without effective
solutions. Even more, the adaptations of the Law upon modern scientific
reality are made urgent, in order to put end to the current incongruities and
emptiness in the Brazilian juridical order to end current incongruities and
emptiness on the Brazilian juridical order, thus safeguarding human dignity.
In this sense, it is done necessary a special law on the artificial procreation,
determining the limits of its application aiming the protection of the
constitutional principals.
WORD-KEY: Bioethics. Attended Reproduction Techniques. Constitutional
Principals
LISTA DE ABREVIATURAS
ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária
CAS - Comissão de Assuntos Sociais
CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
CFM - Conselho Federal de Medicina
IA - Inseminação Artificial
FIV - Fertilização in Vitro
GFIT - Transferência Intratubária de Gametas
HMIB - Hospital Materno Infantil de Brasília
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICSI - Injeção intracitoplasmática do espermatozóide
STJ - Superior Tribunal de Justiça
ZIFT - Transferência Intratubária de Zigotos
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................12
1. A FAMÍLIA EM TRANSFORMAÇÃO: UMA ANÁLISE DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.......................................................16
1.1 A família em transformação...........................................................16
1.2 A Constituição Federal de 1988: uma adequação às transformações da
família.........................................................................................27
1.2.1 O princípio da igualdade entre os cônjuges.......................................33
1.2.2 A despatrimonialização e a repersonalização das relações
familiares.........................................................................................33
1.2.3 A família matrimonial e a não matrimonial.......................................37
1.2.3.1 A união estável.........................................................38
1.2.3.2 A família monoparental.............................................41
1.2.3.3 A natureza jurídica da união homoafetiva...................42
1.2.4 O planejamento familiar e o direito a procriar...................................51
1.2.5 O princípio da igualdade entre os filhos............................................54
2. A INFERTILIDADE E AS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA: OS
RISCOS FÍSICOS E PSICOLÓGICOS.......................................................56
2.1 A infertilidade..............................................................................59
2.2 As principais técnicas de reprodução assistida.................................62
2.2.1 Inseminação artificial (IA)................................................................62
2.2.2 A transferência intratubária de gametas (GFIT).................................64
2.2.3 A transferência intratubária de zigotos (ZIFT)..................................66
2.2.4 A fertilização in vitro (FIV)..............................................................66
2.2.5 Injeção intracitoplasmática do espermatozóide (ICSI).......................67
2.2.6 As mães de substituição....................................................................68
2.3 Os riscos relacionados à utilização da reprodução assistida...............69
3. O DIREITO DE FILIAÇÃO E O DIREITO DE SUCESSÃO, NO NOVO
CÓDIGO CIVIL, EM RELAÇÃO ÀS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO
ASSISTIDA............................................................................................73
3.1 O conceito de filiação dado pelo artigo 1.596..................................73
3.2 As presunções de paternidade do artigo 1.597..................................77
3.2.1 O inciso III, do artigo 1.597 do Código Civil....................................78
3.2.2 O inciso IV, do artigo 1.597 do Código Civil....................................85
3.2.3 O inciso V, do artigo 1.597 do Código Civil.....................................87
3.3 O artigo 1.599 comparado ao artigo 1.597.......................................90
3.4 O Direito de Sucessões perante as novas presunções de filiação
elencadas pelo artigo 1.597, do Código Civil de 2002.......................91
4 AS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA E OS
QUESTIONAMENTOS ÉTICO-JURÍDICOS: UMA ANÁLISE DO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO............................................95
4.1 A questão dos destinatários das técnicas de reprodução assistida:os
direitos reprodutivos das mulheres solteiras e dos casais
homoafetivos.................................................................................98
4.1.1 A criança dentro de um lar monoparental ou homoafetivo................104
4.1.2 A legislação infraconstitucional...........................................108
4.2 A questão do doador de gametas: direitos e deveres decorrentes da
relação entre o filho e o doador....................................................109
4.2.1 A Constituição Federal de 1988 e o reconhecimento do estado de
filiação..............................................................................110
4.2.2 Efeitos da relação entre o filho e o doador de gametas...........114
4.2.3 A Resolução n.º 1.358/92 do Conselho Federal de Médicina
(CFM)...............................................................................117
4.3 A questão da maternidade sub-rogada............................................118
4.3.1 A Resolução n.º 1.358/92 do Conselho Federal de Médicina
(CFM)...............................................................................123
4.4 A questão da finalidade da reprodução assistida: eugenia e sexismo /
sexagem?.................................................................................124
4.4.1 A Resolução n.º 1.358/92 do Conselho Federal de Médicina
(CFM)...............................................................................126
4.5 A questão dos embriões excedentários...........................................127
4.5.1 O início da vida..................................................................130
4.5.2 A Constituição Federal........................................................134
4.5.3 A Resolução n.º 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina e a
nova Lei de Biossegurança..................................................135
5 A NECESSIDADE DE PARÂMETROS ÉTICO-JURÍDICOS PARA O
USO DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA: UMA PROPOSTA DE
REGULAMENTAÇÃO.................................................................139
5.1 A bioética.................................................................................................142
5.1.1 Princípio da autonomia........................................................144
5.1.2 Princípio da beneficência....................................................146
5.1.3 Princípio da não-maleficência..............................................147
5.1.4 Princípio da justiça.............................................................148
5.2 O direito projetado......................................................................149
5.3 Uma proposta de regulamentação..................................................154
5.3.1 O acesso à reprodução assistida pelas famílias pobres............156
5.3.2 O consentimento informado.................................................158
5.3.3 O acompanhamento psicológico...........................................162
5.3.4 A necessidade de controle dos centros de reprodução
assistida.............................................................................164
CONCLUSÃO.......................................................................................166
REFERÊNCIAS.....................................................................................171
ANEXOS..............................................................................................187
INTRODUÇÃO
Com o desenvolvimento da ciência, surgiram técnicas de reprodução assistida
que há vinte ou trinta anos se imaginavam impossíveis. Hodiernamente, homens e
mulheres já podem se valer das mais variadas técnicas de procriação artificial
(inseminação artificial, reprodução in vitro, gestação de substituição, dentre outras)
para viabilizar a procriação, constituindo essas técnicas, portanto, meio legítimo de
auxiliar as pessoas na realização de seus projetos parentais.
Acerca da reprodução assistida, é válido asseverar que o ato de procriar não se
adstringe apenas à esfera da intimidade de um casal, pois pode englobar a
participação de terceiros, antes inimagináveis, como: doadores de espermatozóides
e óvulos, mães de substituição, médicos etc. Percebe-se, portanto, que a
reprodução, conquanto ato, é passível,também de artificiosidade.
Essa nova realidade suscita vários questionamentos éticos e jurídicos,
produzindo grande inquietação social. Sobre as técnicas de reprodução assistida,
indaga-se: a) Diante da maternidade de substituição, quem é a mãe - a que gestou,
a que cedeu o óvulo ou a que recorreu ao centro de reprodução assistida? b) No que
se refere à procriação com uso de gameta de um terceiro não pertencente ao casal,
quais os efeitos jurídicos decorrentes da relação entre o filho gerado e o doador? c)
Qual a natureza jurídica dos embriões congelados, os chamados embriões
excedentários? d) Deve-se permitir o emprego da reprodução assistida para a
eleição do sexo ou para a escolha das características fisicas do bebê? e) Quem são
os beneficiários da reprodução assistida?
Mesmo com tantos questionamentos, não há dispositivos legais específicos
que imponham limites ao emprego da reprodução assistida. Essa vacância de lei faz
com que a pessoa humana se torne vulnerável, pois não há suficientes parâmetros
jurídicos limitantes ou impedientes de práticas abusivas, como são os: leilões de
gametas; o uso da procriação artificial sem diagnóstico de infertilidade, objetivando
a escolha do sexo do bebê ou a seleção de características físicas do filho; a ausência
de acompanhamento psicológico eficiente para os usuários e falta de um
consentimento livre e informado.
A conseqüência desse hiato jurídico é a banalização do ato de procriar, a qual
é alimentada pela mídia que propaga um milagre da reprodução, sem qualquer
compromisso com a verdade e a ética. A divulgação desse falso prodígio faz com
que as pessoas busquem desmedidamente a realização de seus projetos parentais,
sem informações suficientes sobre os procedimentos a serem utilizados.
Não ocorre o milagre da reprodução. Aliás, impõe-se destacar o fato de que
a reprodução assistida traz sérios riscos à saúde física e mental dos usuários, que
vivenciam todo o processo da procriação artificial, com os estresses, depressões e
sensações de fracasso. Esse lado atroz, no entanto, não é noticiado. A mídia
transfere sempre a imagem de uma fantasia que, na prática, não existe.
Assim, testemunha-se um contexto perfeito para a exploração econômica da
reprodução assistida: a) a ausência de lei específica que limite o expediente da
reprodução assistida e; b) o falso milagre da procriação propagado pelos meios
difusores coletivos. Nesse cenário, a reprodução assistida apresenta-se mais como
um ramo de exploração econômica do que como um meio de procriação artificial.
Ante o vazio jurídico atinente ao uso da reprodução, vários abusos são
cometidos, haja vista repita-se a inexistência de limites explícitos. Os usuários,
seres humanos com dignidade, passam a ser alvos de exploração econômica. Tem-
se, com isso, a vulgarização e comercialização do ser humano.
A ausência de lei específica pertinente ao emprego da reprodução assistida faz
parecer que tudo é possível, o que não é verdade. Sem as demarcações legais, vige a
consciência individual dos usuários e das clínicas de reprodução assistida. As
normas em curso são insuficientes, permitindo aos usuários, aos profissionais e às
clínicas de reprodução assistida que as suas decisões sejam baseadas única e
exclusivamente em interesses pessoais. Falta um controle juridicamente eficaz.
O intuito da presente dissertação é justamente tratar de alguns dos principais
questionamentos ético-jurídicos relativos à reprodução assistida, bem como propor
soluções. Com vistas a esse objetivo, realizou-se uma pesquisa bibliográfica,
mediante a qual foram analisados livros e artigos concernentes, havendo sido feita,
também, uma análise crítica do ordenamento jurídico brasileiro e da jurisprudência
em registro no País.
No primeiro capítulo, é apresentada a evolução da família, demonstrando a
transformação da tradicional família patriarcal homogênea para os atuais grupos
familiares plurais e heterogêneos. Também procedeu-se um exame da Constituição
Federal de 1988, no que diz respeito ao Direito de Família. Este seguimento do
trabalho é essencial para compreender as atuais tendências das relações familiares
e, com isso, obter fundamentos teórico-jurídicos para solucionar as questões
decorrentes da reprodução assistida.
No segundo capítulo, conceitua-se a infertilidade, sendo também ali
delineadas as principais técnicas de reprodução assistida. Na seqüência,
evidenciam-se os riscos físicos e psicológicos decorrentes do uso da procriação
artificial, buscando-se demonstrar o que se afirmou linhas atrás a inexistência do
milagre da procriação.
No terceiro capítulo, comenta-se a respeito das mudanças trazidas pelo Código
Civil de 2002 na matéria de filiação, relativamente à reprodução assistida. Ali
também está expresso um estudo hermenêutico do artigo 1.597 do novo Código
Civil, levando-se em consideração as opiniões de doutrinadores jurídicos e a atual
realidade da família. Nesta mesma parte, efetiva-se um exame do Direito de
Sucessões, tomando por base o atual diploma cível.
No quarto capítulo, são estudados e postos a ressalto os principais
questionamentos ético-jurídicos decorrentes da reprodução assistida. As respostas
às indagações conseqüentes da procriação artificial foram buscadas dentro do
Direito brasileiro. Em caso de lacunas, soluções foram propostas, considerando a
Constituição Federal de 1988 e os valores da sociedade brasileira. Nesta mesma
oportunidade, foi analisada a Resolução n.º 1.358/92, do Conselho Federal de
Medicina, que trata da reprodução assistida.
No quinto e último capítulo, procura-se ressaltar a Bioética como meio de
auxílio na solução dos problemas resultantes da procriação artificial. O conceito, o
objetivo e os princípios da Bioética são trazidos à colação. Neste capítulo, é
também ponderado criticamente o Projeto de Lei n.º 90/99, de origem do Senado
Federal, que dispõe sobre a reprodução assistida. Constatadas as vicissitudes da
legislação brasileira e do Projeto de Lei n.º 90/99, busca-se, tomando-se também
em consideração os princípios da Bioética, propor sugestões de regulamentação
para o procedimento de que ora se trata.
Por fim, em conclusão, exprime-se a opinião de que a inexistência de especiais
dispositivos legais acerca da reprodução assistida, no Brasil, está deixando o ser
humano vulnerável aos mais variados abusos, vindo, com isso, a ferir o princípio da
dignidade humana.
Convém ressaltar o fato de que o Estado brasileiro deve regular o uso da
reprodução assistida, sem, contudo, se restringir aos aspectos científicos e técnicos,
incluindo valores essenciais da pessoa humana. Essa regulação deve proteger as
gerações futuras de uma ciência e de uma tecnologia desumanizantes.
As referências sociais são necessárias e urgentes, pois a procriação artificial
tem interferência em toda a sociedade. Dentro de um Estado Democrático de
Direito, tudo aquilo que interfere na coletividade e no interesse público deve ser
objeto de controle social. Desse modo, como salienta Heloisa Helena Barboza,
Cabe ao Direito, através da lei, entendida como expressão da coletividade, definir
a ordem social na medida em que dispõe dos meios próprios e adequados para que
essa ordem seja respeitada
1
.
A regulação jurídica sobre o uso da reprodução assistida urge e deve ser feita
de forma bem mediata, com a máxima responsabilidade, procurando salvaguardar os
princípios constitucionais, especialmente o da dignidade humana.
1
BARBOZA, Heloisa Helena. Princípios da Bioética e do Biodireito. Bioética, v. 8, n. 2, p. 209-
216, 2000, p. 213.
1 A FAMÍLIA EM TRANSFORMAÇÃO: UMA ANÁLISE
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Conforme se anunciou na introdução, este capítulo aborda as mudanças pelas
quais a família passou ao longo de século XX, apresentando a transformação da
tradicional família patriarcal homogênea para o atual agrupamento familiar plural e
heterogênea. A análise dessas transformações faz-se necessária para entender as
inovações do Direito de Família e Sucessões, trazidas pela Constituição Federal de
1988 e pelo Código Civil de 2002.
1.1 A família em transformação
Para compreender as transformações pelas quais a família passou, ao longo do
século XX, é necessário antes entendê-la como um fenômeno cultural. A família
não é apenas um fato natural, isto é, não está calcada exclusivamente na
consangüinidade nem na filiação. Ao contrário, trata-se também de um fato cultural
que, em uma relação dialética, influencia e é influenciado por aspectos externos: a
sociedade e a cultura
2
.
2
Cristina Bruschini salienta que a família tornou-se objeto de interesse científico quando alguns
autores da segunda metade do século XIX, como Morgan, Engels e Bachofen passaram a considerá-
la como uma instituição social histórica, cujas estruturas e funções são determinadas pelo grau de
desenvolvimento da sociedade global. No fim desse século e começo do seguinte, abordagem
histórica e comparativa triunfou também com as obras de Durkheim e Mauss, que consideram a
família não como um resultado ou conseqüência natural de tendências fisiológicas e psicológicas
dos seres humanos, mas sim como uma instituição que decorre da organização da sociedade.
(BRUSCHINI, Cristina. Mulher, casa e família: cotidiano nas camadas médias paulistanas. São
Paulo: Fundação Carlos Chagas, Vértice, Revista dos Tribunais, 1990, p. 11).
É necessário desnaturalizar o conceito de família
3
, ou seja, esquecer que
existem apenas os aspectos biológicos e entendê-la intrinsecamente associada ao
contexto social no qual está inserida
4
, como leciona Maria Salete Ribeiro. Segundo
a mesma autora, a família é uma estrutura social, isto é, uma construção humana
que se consolida, se modifica, se transforma sob influência recíproca com o meio
social
5
. Desse modo, a família é conceituada como um fato cultural,
historicamente construído
6
.
Para Maria da Graça Reis Braga e Maria Cristina Lopes de Almeida
Amazonas, a família não é apenas uma unidade biológica, entre ascendentes e
descendentes, mas também uma dimensão de aliança que traz o peso cultural
7
. De
fato, a família é uma instituição que se encontra em constantes e profundas
transformações decorrentes da sociedade
8
.
3
O pioneirismo pela desnaturalização da família é atribuído a Claude Lévi-Strauss, na sua obra As
estruturas elementares do parentesco. Neste sentido ver: SARTI, Cynthia A. Família e
individualidade: um problema moderno. In: CARVALHO, Maria do Carmo de. (Org.) A família
contemporânea em debate. São Paulo: EDUC/ Cortez, 2003; BRAGA, Maria da Graça Reis;
AMAZONAS, Maria Cristina Lopes de Almeida. Família: procriação/ infertilidade/ gênero. In:
AMAZONAS, Maria Cristina de Almeida; LIMA, Albenise de Oliveira. (Orgs.) Família: diversos
dizeres. Recife: Bagaço, 2004, p. 187 204; RIBEIRO, Maria Salete Ribeiro. A questão da família
na atualidade. Florianópolis: IOESC, 1999.
4
RIBEIRO, Maria Salete. op. cit., 1999, p. 7.
5
Id., ibid., 1999, p. 7-8.
6
Id., ibid., 1999, p. 7-8.
7
BRAGA, Maria da Graça Reis; AMAZONAS, Maria Cristina Lopes de Almeida. op. cit., 2004, p.
188.
8
Andolfi, Angelo, Menghi e Nicolo-Corigliano definem a família como sendo um sistema ativo em
constante transformação, ou seja, um organismo complexo que se altera com o passar do tempo
[...]. (ANDOLFI, Maurizio et al. Por trás da máscara familiar: um novo enfoque em terapia da
família. Trad. de Maria Cristina R. Goulart. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984, p. 18). Já segundo
Umberto Cerroni, não existe uma família em geral, mas tipos históricos específicos de associações
familiares. (CERRONI, Umberto. Considerações sobre a relação família-sociedade. In: A crise da
família e o futuro das relações entre os sexos. Trad. de Giseh Vianna Konder. Rio de Janeiro: Paz
e terra, 1971, p. 13).
Seguindo o mesmo caminho, Jacques Lacan leciona que “é na ordem original de realidade
constituída pelas relações sociais que se deve compreender a família humana. (LACAN, Jacques.
Os complexos familiares na formação do indivíduo. Trad. de Marco Antônio Coutinho Jorge e
Potiguara Mendes da Silveira Júnior. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. p. 19).
Friedrich Engels, após apresentar uma evolução da família, conclui afirmando que a família deve
progredir na medida em que a sociedade se modifique, como sucedeu até agora. A família é produto
do sistema social e refletirá o estado de cultura desse sistema. (ENGELS, Friedrich. A origem da
família, da propriedade privada e do Estado. Trad. de José Silveira Paes. São Paulo: Global,
1984, p. 124).
Cristina Bruschini define a família como um grupo inserido na estrutura social, que só pode ser
captado em determinada instância histórica, estando, portanto, sujeito a determinações mais amplas,
que muito extrapolam suas próprias fronteiras. ( BRUSCHINI, Cristina. op. cit., 1990, p. 11).
Historicamente, a família brasileira foi marcada pelo patriarcalismo, o qual se
caracteriza, segundo Manuel Castells, pela autoridade imposta institucionalmente,
do homem sobre a mulher e filhos no âmbito familiar
9
. A união da família ocorria
em torno do pai, que garantia a subsistência do grupo e era havido como superior
no seio familiar. O homem era o chefe e provedor da família. Já a mulher não tinha
voz nem poder de mando dentro do núcleo familiar, estando sempre subordinada ao
marido. A condição feminina estava associada sempre à de mãe, boa mulher e dona
de casa. O trabalho exercido pela mulher era essencialmente o doméstico. Esse
modelo patriarcal coadunava-se com a economia de base agrária, latifundiária e
escravocrata do Brasil.
Ainda sobre a condição feminina, Simone de Beauvoir, em sua obra O
segundo sexo, ressalta que: O destino que a sociedade propõe tradicionalmente à
mulher é o casamento
10
, de modo que as mulheres solteiras sofrem por o serem.
Esse fato é tão verdadeiro que, ainda hoje, a solteira se encontra estigmatizada. Isto
é o reflexo do patriarcalismo, cuja estrutura está calcada na dominação masculina.
No âmbito da estrutura patriarcal, os lugares do homem e da mulher são bem
definidos e demarcados, sem praticamente pontos de intercessão, de modo que a
realização da individualidade de cada um encontra fortes obstáculos. Gilberto
Freyre aponta como característica do regime patriarcal o homem fazer da mulher
uma característica tão diferente dele quanto possível
11
. O mesmo autor
12
indica no
âmbito deste regime, um padrão duplo de moralidade: os homens tinham todas as
oportunidades de iniciativa, de ação social, de contatos diversos, ao passo que as
mulheres se limitavam ao serviço e às artes domésticas, sendo o seu contato restrito
aos filhos, parentes, serviçais e ao padre.
No regime patriarcal, o casamento muitas vezes não tinha conotação afetiva e
significava a garantia de prosperidade do grupo familiar, além de originar aliança
9
CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. Trad. de Klauss
Brandini Gerhardt. São Paulo: Paz e Terra, v. 2, 1999, p. 169.
10
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Trad. de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1980, p. 165.
11
FREYRE, Gilberto. Sobrados e mocambos: decadência do patriarcado rural e do desenvolvimento
urbano. 5. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1977, p. 93.
12
Id., ibid., 1977, p. 93.
entre duas famílias. Desse modo, observam-se os aspectos patrimoniais que
circundavam os contextos familiares.
A família era reconhecida apenas como aquela constituída pelo casamento e
pelos laços de consangüinidade
13
. Acreditava-se que somente a família pautada no
matrimônio apresentava os caracteres da moralidade e da estabilidade. As uniões
livres, no entanto, sempre existiram. Esses consórcios, atualmente conhecidas como
uniões estáveis, eram considerados ilegítimos e inferiores, por não encontrarem
amparo legal. O casamento demarcava a legitimidade da família, razão por que
eram consideradas ilegítimas as relações à margem do casamento.
No que diz respeito aos filhos, apenas os nascidos de uma relação matrimonial
eram havidos como legítimos e merecedores de integral proteção jurídica. Já os
rebentos ditos ilegítimos
14
eram sempre tratados com designações discriminatórias e
atentatórias a sua dignidade.
A família era, portanto, uma instituição homogênea, na medida em que o único
modelo aceito era o matrimonial. Não existia uma multiplicidade de família
assegurada e protegida legalmente. A família também era linear, baseada nos laços
formais (casamento) e na continuidade biológica. O filho extramatrimonial era
excluído e discriminado.
No início do século XX, com as transformações da vida rural, com o fim da
escravidão e com a urbanização, a família patriarcal foi lentamente substituída pela
família nuclear
15
urbana sem, no entanto, deixar de lado sua matriz patriarcal, como
bem salientado por Maria do Socorro Ferreira Osterne
16
. Essa forma nuclear de
13
Clóvis Beviláqua conceituava a família como o conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da
consangüinidade. (BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de família. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora Rio,
1976, p. 16).
14
Os filhos ilegítimos encontravam-se em uma dupla classificação: os naturais, que eram os filhos
de pais que não tinham impedimento para o casamento; e os espúrios, quando filhos de pais com
algum impedimento matrimonial. Por sua vez, os filhos espúrios eram sub-classificados em:
adulterinos, quando o impedimento se dava em virtude da existência de um casamento, o que
impedia o vínculo matrimonial entre os pais; e incestuosos, quando o impedimento matrimonial se
dava em decorrência de uma relação de parentesco (irmãos, pais e filhos, sogro e nora, por
exemplo).
15
O modelo de família nuclear tem origem burguesa. Surge com a ascensão da burguesia, durante o
século XIX, em substituição à família patriarcal aristocrata.
16
OSTERNE, Maria do Socorro Ferreira. Família, pobreza e gênero: o lugar da dominação
masculina. Fortaleza: EDUECE, 2001, p. 69.
familiar era reduzida ao pai, à mãe e aos filhos, mas ainda existia uma demarcação
sexual de papéis. A mulher era valorizada pela sua submissão e fidelidade ao
marido, enquanto os filhos deviam obediência aos pais.
A família continuava sendo a formada pelo casamento, que ainda era o
elemento legitimador das relações entre homens e mulheres e dos filhos advindos
dessas relações.
Na segunda metade do século XX, a família passou por intensas
transformações. A revolução sexual, a descoberta da pílula anticoncepcional, as
concentrações urbanas, a inserção da mulher no mercado de trabalho, ensejando a
emancipação feminina, a diminuição do número de casamentos, o aumento da idade
dos nubentes e das rupturas matrimoniais, a diminuição do número de filhos, o
aumento do número de uniões livres e de mães solteiras e a descoberta da
procriação artificial são elementos que contribuíram para uma mudança na
concepção da família.
A Revolução Industrial, o desenvolvimento da ciência e dos meios de
comunicação e a facilidade de acesso à informação constituem fatores que
possibilitaram a inserção da mulher no mercado de trabalho, de modo que esta
passou a reivindicar direitos, antes concedidos apenas aos homens.
A mulher deixou o lar e as atividades domésticas para trabalhar fora e dividir
as despesas com o marido
17
. Segundo Manuel Castells, em 1990, havia 854
milhões de mulheres economicamente ativas, no mundo inteiro, correspondendo por
32,1% da força de trabalho em termos globais
18
. A mulheres conquistaram e
continuam logrando seu espaço, provando ao mundo inteiro que podem exercer as
mais inusitadas atividades, tradicionalmente atribuídas aos homens, tais como
bombeiros, motoristas etc.
Com o trabalho fora do lar, a mulher tomou ciência de seu potencial e se
emancipou, abalando, com isso, a dominação masculina. Hodiernamente, a mulher
17
Sobre as mulheres do Brasil, ver: PIORE, Mary Del (Org); BASSANEZI, Carla (coord. de textos).
História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2004.
18
CASTELLS, Manuel. op. cit., 1999, p. 194.
não é mais apenas a dona de casa, a mãe. O gênero feminino, na atualidade, também
produz renda e compete com o gênero masculino, o que o fez deixar de viver
reprimido e passar a realizar seus sonhos.
A pílula anticoncepcional também foi importante para a emancipação
feminina, pois possibilitou o sexo sem a procriação, fato que só era permitido aos
homens. Com o controle da procriação, a mulher passou a ter maiores chances de
trabalhar fora do lar. Ela mudou e fez com que a família também mudasse
19
. Neste
sentido, é válido trazer as lições de Simone de Beauvoir:
A evolução econômica da condição feminina está modificando
profundamente a instituição do casamento: este vem-se tornando uma
união livremente consentida por duas individualidade autônomas; as
obrigações dos cônjuges são recíprocas e pessoais; o adultério é para as
duas partes uma denúncia do contrato; o divórcio pode ser obtido por uma
ou outra das partes em idênticas condições. A mulher não se acha mais
confinada na sua função reprodutora: esta perdeu em grande parte seu
caráter de servidão natural, apresenta-se como um encargo
voluntariamente assumido [...]
20
.
Com a alteração do papel da mulher na sociedade, modificou-se também a
organização familiar. Como bem salientam Andolfi, Angelo, Menghi e Nicolo-
Corigliano, a mudança nas funções de um membro do sistema acarreta mudança
simultânea nas funções complementares dos outros e caracteriza tanto o processo de
crescimento do indivíduo como a reorganização contínua do sistema familiar
através de seu ciclo de vida
21
.
O trabalho feminino e a conscientização da mulher sobre os seus direitos e
pontencialidades são, sem dúvida, fatores que contribuem para superação da família
patriarcal. Mesmo com a admissão da idéia de que a emancipação feminina é um
processo irreversível, ainda há, entretanto, muita discriminação concernente às
19
Elisabete Dória Bilac leciona que as mudanças na organização da família estão se dando,
fundamentalmente, a partir das mudanças na condição feminina, que terminou por afetar, também, os
papéis masculinos. (BILAC, Elisabete Dória. Família: algumas inquietações. In: CARVALHO,
Maria do Carmo de. (org.) A família contemporânea em debate. São Paulo: EDUC/ Cortez, 2003,
p. 36).
20
BEAUVOIR, Simone. op. cit., 1980, p. 165.
21
ANDOLFI, Maurizio et. al. op. cit., 1984, p. 19.
mulheres, tanto que os movimentos feministas
22
propagam-se no mundo, com a
finalidade de defender os seus direitos.
Atualmente, em muitos casos, a família não mais se constitui para satisfazer
aos padrões sociais pré-estabelecidos. Ao contrário, a união do grupo familiar tem
buscado a satisfação pessoal de cada indivíduo. Maria Berenice Dias salienta que a
família adquiriu uma função instrumental para melhor realização dos interesses
afetivos e existenciais de seus componentes
23
. Tal ocorre porque, nos dias de hoje,
a família está deixando de ter a conotação de subsistência. A união não mais
acontece entre duas famílias, passando a ocorrer entre dois indivíduos.
Hoje, o casamento, na maioria das vezes, é realizado levando-se em
consideração a vontade e os sentimentos dos nubentes, buscando-se a felicidade e a
satisfação das duas pessoas que se unem. Há um respeito cada vez mais crescente
pela liberdade e a individualidade. Umberto Cerrone leciona que uma das
características do casamento moderno é dada pelo caráter central e essencial
assumido pelo consentimento recíproco
24
.
Acerca do intuito do casamento, cabe trazer a lição de Eduardo de Oliveira
Leite:
O seu objetivo deixa de ser o interesse predominante das famílias de
origem, ou dos pais de cada nubente, mas passa a ser a vida a dois, onde
se privilegiam o crescimento pessoal, a realização individual (dentro e
fora do grupo familiar) e uma certa noção de felicidade. A família
numerosa é substituída por uma célula mais restrita, preocupada em
manter uma vida privada e íntima. O nascimento de uma criança é mais
encarado como uma fatalidade, mas como uma escolha deliberada dos
esposos
25
.
No mesmo sentido, aduz José Sebastião de Oliveira:
22
Sobre os movimentos feministas ver: NYE, Andréa. Teoria feminista e as filosofias do homem.
Trad. de Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Rosas do Tempo, 1995.
23
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 2. ed. Porto Alegra: Livraria do
Advogado, 2005, p. 37.
24
CERRONI, Umberto. op. cit., 1971, p. 32-33.
25
LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães
solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003, p. 16.
A constituição da família, hodiernamente, através do ato do casamento ou
de outras uniões, não se resume a apenas uma satisfação sexual a dois, e
sim através do consenso, do amor, do respeito recíproco, da harmonia e
da paridade entre os dois sexos opostos
26
.
O modelo nuclear de família, formado por pais, mães e filhos, está em decurso
de mudança. Não existe mais a família dita normal, que permeia o imaginário do
senso comum, até porque essa aparente normalidade, ditada por padrões
patriarcalistas, pode revestir insatisfações dos membros que a compõem, ao passo
que em uma família diferente, os membros podem possuir mais autonomia,
individualidade e, conseqüentemente, mais felicidade.
A família contemporânea possui, portanto, várias facetas. Nos dias atuais, é
cada vez mais comum as pessoas se separarem ou se divorciarem e refazerem suas
vidas afetivas ao lado de outras também separadas ou divorciadas, formando as
chamadas famílias reconstituídas ou recompostas. Não causa mais espanto um casal
trazer, para seu novo relacionamento, os filhos advindos de relação anterior.
Com tantas mudanças, Jacques Lacan confirma que a família não é um grupo
natural, mas cultural. Sobre a família, leciona o autor:
Ela não se constitui apenas por um homem, mulher e filhos. Ela é antes
uma estruturação psíquica, onde cada um de seus membros ocupa um
lugar, uma função. Lugar do pai, lugar da mãe, lugar dos filhos, sem,
entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente. Tanto é
assim, uma questão de lugar, que um indivíduo pode ocupar o lugar de pai
sem que seja o pai biológico. Exatamente por ser uma questão de lugar,
de função, que é possível, no Direito, que se faça e que exista o instituto
da adoção
27
.
Realmente, a função do pai ou da mãe não é apenas uma função natural, mas
também social. O aspecto biológico não deve ser o que determina a família, mas o
afeto e o amor. Existem pais e mães biológicos que não necessariamente exercem
essa função. Lídia Levy de Alvarenga lembra que a ligação emocional entre pais e
filhos não decorre diretamente da concepção e do nascimento, mas da atenção diária
às necessidades físicas e afetivas da criança [...]
28
. Para Maria da Graça Reis Braga
26
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 22.
27
LACAN, Jacques. op. cit., 1990, p. 13.
28
ALVARENGA, Lídia Lavy. Adoção e mitos familiares. In: FÉRES-CARNEIRO, Terezinha. (org.)
Casal e família: entre a tradição e a transformação. Rio de Janeiro: NAU, 1999, p 165.
e Maria Cristina Lopes de Almeida Amazonas, família não é apenas uma unidade
biológica, mas uma dimensão de aliança que traz o peso cultural
29
.
Percebe-se, portanto, que o modelo tradicional de família, baseado no
casamento e nas relações de consangüinidade, acolhido pelo Código Civil de 1916,
deixou de corresponder à realidade da família, pois passou a existir uma nova
família, sem que o Direito codificado viesse a corresponder às suas necessidades.
Para Andolfi, Angelo, Menghi e Nicolo-Corigliano, a relação triangular da
família, caracterizada pela existência dos pais e dos filhos (família nuclear) está
mudando, porque seus membros estão em busca de maior individualização e
autonomia. Essa busca de satisfação pessoal faz com que o modelo triangular
tradicional se rompa, dando origem a casais sem filhos ou a famílias
monoparentais. Esse processo de separação-individualização requer que a família
passe por fases de desorganização, na medida que o equilíbrio de um estágio é
rompido em preparação para um estágio mais adequado
30
. Agora, a família está
voltada para seus membros. Com efeito, Maria do Socorro Ferreira Osterne ensina
que:
[...] o amor, o casamento, a família, a sexualidade e o trabalho, antes
vivenciados a partir de papéis pré-estabelecidos, hoje são concebidos
como parte de um projeto em que a individualidade prevalece e adquire
importância social, situando como problema atual a necessidade de
compatibilizar a individualidade e a reciprocidade familiares
31
.
A procriação artificial também vai ao encontro da tendência ao individualismo
do sujeito, como bem apontado por Helenita Meyer de Macedo Coelho e Maria
Cristina Lopes e Almeida Amazonas
32
. Agora, os casais podem, livremente, decidir
quando e como terão seus filhos. Júlia S. N. Ferro Bucher lembra que “as
denominadas produções independentes são um dos exemplos marcantes da
individuação na procriação
33
.
29
BRAGA, Maria da Graça Reis; AMAZONAS, Maria Cristina Lopes de Almeida. op. cit., 2004, p.
188.
30
ANDOLFI, Mauricio et al. op. cit., 1984, p. 18.
31
OSTERNE, Maria do Socorro Ferreira. op. cit., 2001, p. 89.
32
COELHO, Helenita Meyer de Macedo; AMAZONAS, Maria Cristina Lopes de Almeida. Família e
dificuldades de aprendizagem: uma visão sistêmica. In: AMAZONAS, Maria Cristina de Almeida;
LIMA, Albenise de Oliveira. (Orgs.) Família: diversos dizeres. Recife: Bagaço, 2004, p. 178.
A alteração na concepção básica da família também denota que a união das
pessoas está se dando pelo afeto. O ambiente familiar, segundo Helenita Meyer de
Macedo Coelho e Maria Cristina Lopes de Almeida Amazonas, deve satisfazer às
necessidades básicas de afeto, apego, desapego, segurança, disciplina,
aprendizagem e comunicação
34
. Este fato é perceptível pela dissolubilidade do
casamento e a livre escolha do parceiro. O afeto está passando a ser o elemento
caracterizador da família contemporânea. A defesa do patrimônio, que antes
demarcava um dos motivos de união entre as pessoas, deixou de ser a função do
grupo familiar. Segundo Caio Mário da Silva Pereira, substituiu-se a organização
autocrática por uma orientação democrática-afetiva
35
.
Sobre a família contemporânea, Helenita Meyer de Macedo Coelho e Maria
Cristina Lopes de Almeida Amazonas lecionam:
Houve uma dissolução do modelo hierárquico, uma vez que não há mais a
relação de pátrio poder por parte dos pais. O que há é uma relação de
direitos e deveres de ambos, onde os pais são apenas responsáveis pelos
filhos; a relação do casal é igualitária (direitos e deveres), respeitando a
singularidade de cada um; há uma valorização feminina, feminilização
da cultura, ou seja, valorização dos traços femininos; [...] e a quebra da
tríade mãe/pai/filho, com o advento das famílias monoparentais
36
.
Não se pode deixar de mencionar outro fator de rompimento do
patriarcalismo: os movimentos de liberação homossexual. Tais movimentos
abalaram o modelo patriarcal de família, porque este era essencialmente
heterossexual, além de ser baseado em tabus e em repressão sexual.
O homossexualismo sempre existiu, mas, segundo Manuel Castells
37
, foi
apenas nas três últimas décadas que os movimentos sociais em defesa dos direitos
dos homossexuais e da afirmação da liberdade sexual eclodiram, desafiando a
estrutura tradicional do patriarcalismo. Esses movimentos, ainda segundo o mesmo
33
BUCHER, Júlia S. N. Ferro. O casal e a família sob novas formas de interação. In: FÉRES-
CARNEIRO, Terezinha. (org.) Casal e família: entre a tradição e a transformação. Rio de Janeiro:
NAU, 1999, p. 86.
34
COELHO, Helenita Meyer de Macedo; AMAZONAS, Maria Cristina Lopes de Almeida. op. cit.,
2004, p. 155.
35
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 14. ed. Rio de
Janeiro: Forense, v. 5, 2004, p. 27.
36
COELHO, Helenita Meyer de Macedo; AMAZONAS, Maria Cristina Lopes de Almeida op. cit.,
2004, p. 177.
37
CASTELLS, Manuel. op. cit., 1999, p. 169.
autor, põem em ação uma crítica corrosiva sobre o que é considerado sexualmente
normal e sobre a família patriarcal
38
.
A estrutura patriarcal tem em seu âmago a heterossexualidade e a reprodução,
causando, com isso, discriminações às uniões homoafetivas
39
. Atualmente, porém
vive-se um momento histórico no qual, por meio da procriação artificial, é possível
dissociar a reprodução da heterossexualidade, o que, mais uma vez, é uma
manifestação da crise do sistema patriarcal. Agora, os casais homoafetivos podem
procriar, com o auxílio das técnicas de reprodução assistida. É possível, portanto,
afirmar que a procriação artificial também representa um rompimento com o
modelo patriarcal de família.
Dentro da estrutura patriarcal, a procriação é resultado da relação sexual entre
um homem e uma mulher, remetendo aos ditames patriarcalistas de
heterossexualidade. Com a reprodução assistida, a procriação passou a ser também
medicalizada, isto é, independente das relações sexuais. Atualmente, a procriação
pode ser um ato médico e não necessariamente um ato de intimidade entre um casal.
Isso, mais uma vez, importa rompimento com os modelos patriarcais estabelecidos.
Na perspectiva de Marlene Tamanini, o desenvolvimento tecnológico é ponto
fundamental em relação às formas de tratar e constituir família, e pode-se mesmo
dizer que há uma decolagem histórico-temporal entre os avanços científicos e as
formas de organização social em famílias estruturadas na consangüinidade e na
autoridade parental
40
. Para a autora, a reprodução assistida está no centro das
preocupações sobre a família e as novas formas de parentela
41
.
Mesmo com tantas modificações, não se pode olvidar o fato de que a
sociedade continua impregnada pelo patriarcalismo, de modo a irradiar preconceitos
às modalidades familiares que não de enquadram no padrão tradicional. Aliás,
viver uma transição implica conviver com o tradicional, que sobrevive às
38
Id., ibid., 1999, p. 256.
39
Utiliza-se a expressão união homoafetiva, por considerar-se mais adequada do que união
homossexual, uma vez que evidencia o principal elo de ligação existente nestas relações: o afeto.
40
TAMANINI, Marlene. Novas tecnologias reprodutivas conceptivas: bioética e controvérsias.
Disponível em: <www.scielo/scielo.php?pid=S0104-026X2004000100005&sci_arttext&tlng=pt>.
Acesso em: 10 nov 2005.
41
Id., ibid., (on line). Acesso em: 10 nov 2005.
transformações, como bem salientado por Célia Maria Souto Maior de Souza
Fonseca
42
. O modelo nuclear de família ainda é o seguido e esperado, tanto que,
ainda hoje, não se admite a possibilidade de um casamento sem procriação, sendo a
infertilidade estigmatizada. Assim, o modelo de família hierárquica, tradicional
convive com o modelo de família igualitária
43
.
As transformações não indicam o fim da família, mas apenas a superação do
modelo tradicional patriarcal. Não há que se falar em crise, mas sim em
transformação da família. É importante ressaltar, como bem salientado por Maria
Salete Ribeiro, que romper com os modelos ideais não significa negá-los,
significa apenas não se deixar aprisionar pelos mesmos
44
. É preciso entender que
outras formas de organização familiar existem e é necessário aprender a conviver
com elas, com respeito.
A dificuldade em lidar com as mudanças, pelas quais a família hoje passa,
ocorre porque tudo o que é novo produz insegurança, medo e instabilidade. Para
entender a família contemporânea, no entanto, deve-se partir de uma visão
pluralista e heterogênea, pois outros tipos de família surgem e continuarão
aparecendo, o que comprova ser a família um fenômeno social. É necessário
entender essas novas famílias, levando-se em consideração seus valores, como
compostas por seres humanos merecedores de respeitabilidade e dignidade. Para
isso, saber lidar com as diferenças é fundamental.
1.2 A Constituição Federal de 1988: uma adequação às transformações da
família
Diante das transformações pelas quais a família passou ao longo do século
XX, a Constituição Federal de 1988 trouxe um capítulo especial sobre a família, a
criança, o adolescente e o idoso (Capítulo VII, do Título VIII), buscando adequar o
Direito à nova realidade familiar. Dispõe o artigo 226, da Constituição:
42
FONSÊCA, Célia Maria Souto Maior de Souza. O adolescente e a violência: um olhar crítico sobre
a família contemporânea. In: AMAZONAS, Maria Cristina de Almeida; LIMA, Albenise de Oliveira.
(orgs.) Família: diversos dizeres. Recife: Bagaço, 2004, p. 82.
43
BRAGA, Maria da Graça Reis; AMAZONAS, Maria Cristina Lopes de Almeida. op. cit., 2004, p.
189.
44
RIBEIRO, Maria Salete. op. cit., 1999, p. 17.
Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar
sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada
por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º - Os direito e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia
separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou
comprovada separação de fato por mais de dois anos.
§ 7º - Fundado nos princípio da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituição oficiais ou privada.
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um
dos que a integra, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito
de suas relações.
Pelo caput do artigo 226, a Constituição Federal reconhece a família como a
base da sociedade, merecedora de especial proteção do Estado. Antes do Direito, do
Estado e da própria sociedade, a família sempre existiu, por isso é reconhecida
como a célula mater. É a família que fornece ao homem os valores essenciais de sua
formação psíquica.
Uma vez reconhecida como a base da sociedade, a Constituição Federal dotou
a família de especial proteção pelo Estado. O Estado deve preservar a família e
criar condições para o seu saudável desenvolvimento, pois assim também protege a
sociedade.
Pelos parágrafos do artigo 226, da Carta Magna, são reconhecidas outras
entidades familiares: a união estável e as famílias monoparentais. O mesmo artigo
reconhece, além do casamento civil, o casamento religioso com efeitos civis. São
consagrados, ainda, o princípio da igualdade entre os cônjuges, a possibilidade de
dissolução do matrimônio e o direito ao planejamento familiar.
Além do artigo 226, outro dispositivo constitucional importante, no que se
refere ao Direito de Família, é o § 6º, do artigo 227, que estabelece:
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção
terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação.
Esse dispositivo consagrou, no plano constitucional, o princípio da igualdade
entre os filhos, acabando com a dicotomia de filiação legítima e ilegítima.
Com a Constituição Federal de 1988, o Direito de Família, importante ramo do
Direito Privado, passou a receber atenção direta do Direito Constitucional. Regras e
princípios constitucionais cogentes passaram a regular as relações de família, em
um fenômeno conhecido como constitucionalização do Direito de Família. Essa
constitucionalização, na verdade, ocorreu no Direito Privado como um todo, de
modo que o Estado passou a intervir em matérias que eram deixadas ao arbítrio
privado.
A constitucionalização do Direito privado é conceituada por Paulo Luiz Netto
Lobo como o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios
fundamentais do direito civil, que passam a condicionar a observância pelos
cidadãos, e a aplicação pelos tribunais, da legislação infraconstitucional
45
. Trata-
se, portanto, da inserção de normas privadas no plano constitucional.
Essa constitucionalização do Direito Privado implica o rompimento com os
valores liberais do século XIX, que pretendiam garantir estabilidade jurídica contra
as ações absolutistas do Estado. O Liberalismo, representado pelos tradicionais
códigos, tinha por intuito fazer com que o Estado agisse estritamente dentro dos
limites legais, tolhendo as interpretações da lei que visassem a um avanço da
sociedade. No Estado Liberal, os sujeitos de direito eram considerados formalmente
iguais, abstraídos de suas desigualdades reais. Não havia espaço para a justiça
social. Dentro do Liberalismo, os códigos e as leis constituíam as principais fontes
do Direito.
Sobre a codificação, Paulo Luiz Netto Lobo leciona:
A codificação civil liberal tinha, como valor necessário da realização da
pessoa, a propriedade, em torno da qual gravitavam os demais interesses
privados, juridicamente tutelados. O patrimônio, o domínio incontrastável
45
LOBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. Disponível em:
<http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=64>. Acesso em: 15 fev 2006.
sobre os bens, inclusive em face do arbítrio dos mandatários do poder
político, realizava a pessoa humana.
É certo que as relações civis têm um forte cunho patrimonializante,
bastando recordar que seus principais institutos são a propriedade e o
contrato (modo de circulação da propriedade). Todavia, a prevalência do
patrimônio, como valor individual a ser tutelado nos códigos, submergiu
a pessoa humana, que passou a figurar como pólo de relação jurídica,
como sujeito abstraído de sua dimensão real
46
.
A constitucionalização do Direito Privado mudou a concepção liberal,
reconhecendo na Constituição Federal a fonte mais importante do Direito. Neste
sentido, os princípios e objetivos da Carta Magna devem ser respeitados na
interpretação e aplicação de uma lei infraconstitucional.
Leciona Eugênio Facchini Neto que:
[...] o valor da segurança, ligada à estabilidade das relações jurídicas, que
caracterizava as codificações liberais, deve saber transigir com o valor da
esperança, ligada à transformação do existente, em prol de uma nação
comprometida com o horizonte traçado na Carta Maior a criação de uma
sociedade, mais justa, livre e solidária, com vida digna para todos, em
ambiente caracterizado por intenso pluralismo
47
.
A constitucionalização do Direito Civil, segundo Julio César Finger, busca um
fundamento ético para o Direito, que não exclua o homem e seus interesses não
patrimoniais
48
. Isso implica uma releitura do Direito Civil, tendo-se por base os
princípios constitucionais. A Constituição, como bem salientado por Daniel
Sarmento, projeta relevantes efeitos hermenêuticos, pois condiciona e inspira a
exegese das normas privadas, que devem orientar-se para proteção e promoção dos
valores constitucionais centrados na dignidade humana
49
.
Outra relevante inovação trazida pela Constituição Federal de 1988 foi a
inserção da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático
4 6
Id., ibid., (on line). Acesso em: 15 fev 2006.
47
FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões hitórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito
privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang. (org.) Constituição, direitos fundamentais e direito
privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 30.
48
FINGER, Julio César. Constituição e Direito Privado: algumas notas sobre a chamada
constitucionalização do direito civil. In: SARLET, Ingo Wolfgang. (org.) A Constituição
concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2000, p. 95.
49
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2004, p. 100.
de Direito brasileiro, in verbis:
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III a dignidade humana; [...].
A importância da dignidade humana, como fundamento do Estado
Democrático tem relevo porque passa a irradiar efeitos para todos os campos do
Direito. Segundo Maria Celina Bodin de Morais, a Constituição consagrou o
princípio e, considerando a sua eminência, proclamou-o entre os princípios
fundamentais, atribuindo-lhe o valor supremo de alicerce da ordem jurídica
democrática
50
. Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk lecionam que
a promoção da dignidade humana é fundamento de toda ordem jurídica, sendo um
dever atribuído a todos, não só ao Estado
51
.
A constitucionalização da dignidade humana implica respeito a todos os
direitos fundamentais, já que constitui o centro axiológico desses direitos. Assim, o
Direito (como um todo público e privado) é meio de salvaguarda dos direitos
fundamentais e, conseqüentemente, da dignidade humana. Ingo Wolfgang Sarlet
acentua que os direitos fundamentais são a concretização do princípio da dignidade
humana
52
.
O que é, porém, dignidade humana? Com bastante maestria, Ingo Sarlet
expressa que o princípio da dignidade humana constitui uma categoria axiológica
aberta
53
, de modo que defini-lo de maneira fixa é inapropriado. Realmente, o
conteúdo do princípio da dignidade humana elabora-se a cada dia, com as mudanças
da sociedade e com o surgimento de novos valores.
50
MORAIS, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e
conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang. (org.) Constituição, direitos fundamentais e
direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 115.
51
FACHIN, Luiz Edson; RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Direitos fundamentais, dignidade da
pessoa humana e o novo Código Civil: uma análise crítica. In: SARLET, Ingo Wolfgang. (org.)
Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003,
p. 98.
52
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1998, p. 97.
53
Id., ibid., 1998, p. 103.
Traçando um conceito simplista, pode-se exprimir que a dignidade da pessoa
humana é um valor absoluto inerente ao homem, tornando tudo o que possa afetar a
qualidade da vida humana algo execrável que deve ser banido pelo ordenamento
jurídico brasileiro. Daí por que a dignidade da pessoa humana é um princípio
fundamental da Constituição Federal de 1988. Para Edilson Pereira Nobre Júnior, o
princípio da dignidade da pessoa humana contém os seguintes teores:
a) reverência à igualdade entre os homens (art. 5º, I, CF); b) impedimento
à consideração do ser humano como objeto, degradando-se sua condição
de pessoa, a implicar a observância de prerrogativas de direito e processo
penal, na limitação da autonomia da vontade e no respeito aos direitos da
personalidade, entre os quais estão inseridas as restrições à manipulação
genética do homem; c) garantia de um patamar existencial mínimo
54
.
A dignidade da pessoa humana deve ser sempre respeitada, pois o ser humano
é um fim em si mesmo, não podendo, por isso, ser utilizado como instrumento de
conquistas pessoais. Um ato indigno contra um único ser é um ato de agressão
contra todos.
Para Fernando Ferreira dos Santos, se o Texto Constitucional expressa que a
dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil,
importa concluir que o Estado existe em função de todas as pessoas e não estas em
função do Estado, não só o Estado, mas, consectário lógico, o próprio Direito
55
.
A partir da Constituição Federal de 1988, portanto, a pessoa humana passou a
ser o centro das relações jurídicas, devendo-se sempre respeitar sua dignidade. No
Direito de Família, também, a dignidade da pessoa humana passou a ser respeitada
e situada no centro das relações familiares, garantindo-se maior liberdade e
autonomia aos componentes familiares.
As mudanças introduzidas no Direito de Família, pela Constituição de 1988,
são frutos de uma mudança no entendimento sobre os agrupamentos familiares e
vieram se adequar a uma realidade que não mais suportava a estrutura patriarcal e
54
NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. O direito brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa
humana. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos Divisão Jurídica, São Paulo, n. 33, 137-
151, dez. 2001 a mar. 2002, p. 140.
55
SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São
Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999, p. 92.
patrimonialista prevista em uma legislação ultrapassada. Pretendeu a Carta Magna
de 1988 adequar o Direito à nova realidade familiar e acabar com as injustiças e
desigualdades existentes na legislação.
1.2.1 O princípio da igualdade entre os cônjuges
O § 5º, do artigo 226, da Constituição Federal de 1988, consagrou o princípio
da igualdade entre os cônjuges, rompendo com a secular dominação masculina
dentro do lar. Os papéis e tarefas nitidamente delimitados entre os sexos foram, ao
menos formalmente, quebrados pela Carta Magna.
Nos termos da Constituição Federal de 1988, homem e mulher são parceiros e
guiam a relação familiar com igualdade. Hodiernamente, as decisões relacionadas à
família e ao lar são do casal e não apenas do homem.
Segundo Maria Celina Bodin de Morais, o princípio da igualdade é a primeira
manifestação do fundamento da dignidade humana
56
. O antigo sistema patriarcal,
privilegiador da superioridade masculina com base tão-somente na diferença entre
os sexos, era uma afronta à dignidade das mulheres. Desse modo, o princípio da
igualdade entre os cônjuges é a consagração da dignidade feminina, por estabelecer
o equilíbrio no lar.
1.2.2 A despatrimonialização e a repersonalização das relações familiares
A Constituição Federal no § 6º, do art. 226, diminuiu o prazo para o pedido de
divórcio e possibilitou, aos separados de fato, o ingresso com o divórcio direto.
Com isso, a Carta Magna assentiu na idéia de que o casamento é formado pelo
afeto, pela vontade de constituir uma vida em união e que, na separação de fato,
não mais existe a vontade de se manter casado (affectio maritalis). Desse modo, os
cônjuges podem ingressar com o divórcio direto, após dois anos de separação de
fato.
56
MORAIS, Maria Celina Bodin de. op. cit., 2003, p. 115.
O Texto Constitucional, ao reconhecer a união estável como entidade familiar
e garantir a possibilidade de dissolução do matrimônio, quis evitar a manutenção de
casamentos meramente formais, sem o aspecto afetivo. O elevado número de
separações pode ser considerado um fato revelador de que a afetividade está sendo
o elemento mantenedor do casamento. Hodiernamente, depois de tantas
transformações pelas quais a família passou, praticamente não existem mais os
casos de manutenção do casamento com a finalidade de mascarar um
relacionamento falido. A sociedade tem aceitado as rupturas matrimoniais com
maior facilidade e menos preconceito, de modo que não se justifica mais manter um
casamento de aparências. Os estigmas caminham para o fim.
A emancipação feminina também fez, em muitos casos, que a mulher deixasse
de se submeter ao casamento, por necessidade econômica de manutenção do
sustento próprio e dos filhos. Percebe-se, portanto, que os motivos pelos quais se
mantinha um casamento falido estão desaparecendo.
Perante essa realidade, é possível assinalar que o afeto encontra-se cada vez
mais se afirmando como um elemento caracterizador das relações familiares.
Segundo José Sebastião de Oliveira, A família só tem sentido enquanto unida
pelos laços de respeito, consideração, amor e afetividade
57
.
Ao lado da pluralidade dos tipos de família (união estável, matrimônio e
família monoparental) está a liberdade para escolha do tipo que melhor atenda às
necessidades de cada um. As pessoas, agora, podem escolher o melhor modelo de
família, no qual possam desenvolver as aptidões pessoais, recebendo amparo e
proteção do Estado.
Diante do reconhecimento do papel exercido pela afetividade no seio familiar,
é que se fala em despatrimonialização e repersonalização das famílias. Busca-se
rechaçar a marca eminentemente patrimonialista do Código Civil de 1916, passando
a valorizar o aspecto afetivo.
Os caracteres patrimoniais, no âmbito da família, devem ser secundários
57
OLIVEIRA, José Sebastião de. op. cit., 2002, p. 242.
diante da afetividade. Segundo José Sebastião de Oliveira
58
, o conteúdo
patrimonialista provoca verdadeira inversão de valores, de modo que se privilegia o
acessório ou seja, o eventual patrimônio existente na relação familiar em
detrimento do principal, vale dizer: o elemento afetivo. Neste sentido, segue a lição
de Paulo Luiz Netto Lôbo:
A família tradicional aparecia através do direito patrimonial e, após as
codificações liberais, pela multiplicidade de laços individuais, como
sujeitos atomizados. Agora, é fundada na solidariedade, cooperação, no
respeito à dignidade de cada um de seus membros, que se obrigam
mutuamente em uma comunidade de vida. A família atual é apenas
compreensível como espaço de realização pessoal afetiva, no qual os
interesses patrimoniais perderam seu papel de principal protagonista. A
repersonalização de suas relações revitaliza as entidades familiares, em
seus variados tipos ou arranjos
59
.
A despatrimonialização e a repersonalização da família visam a reaver todos
os valores imateriais que devem existir no seio familiar
60
. Luiz Roberto de
Assumpção salienta que família e casamento só têm razão de existência na medida
em que contribuam para o efetivo desenvolvimento pessoal dos cônjuges e dos
filhos
61
. João Baptista Villela ensina que o amor está para o direito de família,
assim como o acordo de vontades está para o direito dos contratos
62
.
A despatrimonialização e a repersonalização das relações familiares se
coadunam com o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado
Democrático de Direito
63
. Sobre a dignidade da pessoa humana e a repersonalização
da família, Guilherme Calmon Nogueira da Gama leciona:
A dignidade da pessoa humana, colocada no ápice do ordenamento
58
Id., ibid., 2002, p. 246-47.
59
LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5201>. Acesso em: 22 fev 2005.
60
OLIVEIRA, José Sebastião de. op. cit., 2002, p. 248.
61
ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de. Aspectos da paternidade no novo código civil. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 46.
62
VILLELA, João Baptista. Repensando o direito de família. Disponível em: <http://www.gontijo-
familia.adv.br/tex132.htm>. Acesso em: 03 nov 2005.
63
Daniel Sarmento noticia a penetração do princípio da dignidade da pessoa humana na seara do
Direito Privado, vindo a gerar a despatrimonialização e personalização do Direito Privado, em geral.
A despatrimonialização implica, segundo o autor, o reconhecimento de que os bens e direitos
patrimoniais devem ser tratados como meios para realização da pessoa humana e não como um fim
em si mesmo. (SARMENTO, Daniel. op. cit., 2004, p. 115-116).
Eugênio Facchini Neto diz que, com a despatrimonialização e repersonalização do Direito Privado, o
patrimônio deixa de ser o centro das preocupações privatistas, sendo substituído pela consideração à
pessoa humana. (FACCHINI NETO, Eugênio. op. cit., 2003, p. 32).
jurídico, encontra na família o solo apropriado para o seu enraizamento e
desenvolvimento, daí a ordem constitucional, constante do texto
brasileiro de 1988, dirigida ao Estado no sentido no sentido de dar
especial e efetiva proteção à família, independentemente de sua espécie.
Propõe-se, por intermédio da repersonalização das entidades familiares,
preservar e desenvolver o que é mais relevante entre os familiares: o
afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto
de vida comum, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de
cada partícipe, com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos
e humanistas
64
.
A Constituição trouxe o princípio da dignidade humana ao ápice do
ordenamento jurídico, de modo a irradiar seus efeitos para todos os campos do
Direito. No que tange ao Direito de Família, é possível visualizar a penetração do
princípio da dignidade humana quando se deixa de valorizar os traços distintivos
formais, biológicos e patrimoniais da família, buscando enaltecer seu aspecto
social, caracterizado pelo amor e o afeto
65
. O parentesco biológico e os laços
jurídicos estão deixando de ser os elementos demarcantes da família. A família não
é apenas um vínculo jurídico ou biológico, mas principalmente afetivo.
Paulo Luiz Netto Lôbo assevera que:
Se a Constituição abandonou o casamento como único tipo de família
juridicamente tutelada, é porque abdicou dos valores que justificavam a
norma de exclusão, passando a privilegiar o fundamento comum a todas a
entidades, ou seja, a afetividade [...].
66
Ao delinear a família com base em fundamentos socioafetivos, valorizando a
dignidade da pessoa humana, a Carta Magna tornou-se fonte de grande relevância
do Direito de Família, influenciando, inclusive, a sua interpretação.
64
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. Filiação e reprodução assistida: introdução ao tema sob a
perspectiva do direito comparado. Júris Síntese Millennium, julho/ agosto de 2003. CD-ROM.
65
No mesmo sentido ver: SOUZA, Arnaldo José Lemos de. União Civil entre pessoas impedidas de
casarem. In: PAMPLONA FILHO, Rodolfo. (coord.) Novos nomes em direito civil. Salvador: [s.e.],
2004, p. 121-138.
66
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus
clausus. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id+2552>. Acesso em: 22 fev
2005.
1.2.3 A família matrimonial e a não matrimonial
A Constituição Federal ampliou as espécies de família, dando especial
proteção a todas elas. Por uma leitura no artigo 226, entretanto, seria possível
vislumbrar a prevalência do matrimônio em relação às demais entidades familiares.
Ao determinar no § 3º, do artigo 226, que o legislador infraconstitucional deva
facilitar a conversão da união estável em casamento, poder-se-ia pensar que a
Constituição considera o matrimônio o modelo mais importante de família.
Ocorre que os dispositivos constitucionais devem ser interpretados
sistematicamente, levando em consideração seus princípios fundamentais,
especialmente o princípio da dignidade humana. Não há que se falar em prevalência
ou hierarquia do matrimônio em detrimento das demais entidades familiares, pois o
que vem caracterizando a família contemporânea não é apenas o vínculo jurídico,
mas sobretudo o afetivo. Este fato é tão verdadeiro, que o mesmo artigo 226
concede às entidades familiares a mesma especial proteção dada ao matrimônio.
Ora, se a proteção concedida pela Constituição Federal de 1988 à família
matrimonial e à não matrimonial é exatamente a mesma, não há que se falar em
hierarquia ou prevalência do casamento. Neste sentido, poder-se-ia, inclusive,
acabar com a dicotomia família e entidade familiar, uma vez que em ambos os casos
existe o vínculo afetivo.
Na lição de Heloísa Helena Barboza:
Insistir na prevalência do casamento sobre as demais famílias, sob
qualquer aspecto ou justificativa, é retomar o antigo regime, retirando-lhe
apenas os rótulos (legítimo/ilegítimo) e, mais grave, é afrontar os valores
constitucionais.
67
É possível que o legislador constituinte tenha mandado facilitar a conversão
da união estável em casamento baseado na crença de que a relação matrimonial é
mais segura e estável, o que não tem fundamento fático. Hodiernamente, o número
cada vez maior de dissoluções da sociedade conjugal serve para comprovar que o
67
BARBOZA, Heloísa Helena. A família na perspectiva do vigente Direito Civil. In: LOYOLA,
Maria Andréa (Org.) Bioética, reprodução e gênero na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro:
Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP); Brasília: LetrasLivres, 2005, p. 148.
matrimônio já não é mais tão estável como outrora. Segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de dissoluções de
casamentos, seja por separação judicial ou por divórcio, vem aumentando
gradativamente no Brasil. Comparando-se os anos de 1993 a 2003, o volume de
separações subiu de 87.885 para a 103. 452 e o de divórcios de 94.896 para 138.
520, refletindo variações de 17,8% e 44%, respectivamente
68
. O próprio IBGE
salienta que:
Esse aumento no número de dissoluções conjugais sinaliza uma tendência
clara de mudança de comportamento na sociedade brasileira, que até bem
pouco tempo tratava o fim do casamento como um tabu. Uma explicação
possível para essa mudança comportamental está associada ao firme
ingresso da mulher no mercado de trabalho, que permitiu uma
independência maior do cônjuge masculino, facilitando a dissolução da
união
69
.
A partir da Constituição Federal de 1988, não mais se pode falar em família
legítima e ilegítima. Nos termos da Carta Magna, tanto a família pautada no
casamento como a família não matrimonial são legítimas e merecedoras de igual
proteção do Estado.
1.2.3.1 A união estável
As uniões livres sempre formaram uma realidade que a sociedade, com os
olhos do preconceito, buscou encobrir. Nunca se olhou essa realidade de frente, ao
contrário eram situações tratadas com discriminação e repúdio.
Até a Constituição de 1988, considerava-se a união estável, antes conhecida
como concubinato, a negação da família. Não se observava que os mesmos atributos
afetivos do casamento também pertenciam à união estável. José Sebastião de
Oliveira reconhece que a felicidade em uma união estável não é menor nem menos
intensa do que aquela existente em um casamento
70
.
6 8
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/registrocivil/2003/comentarios.pdf>. Acesso
em: 14 out 2005.
69
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindi
csociais2004/indic_sociais2004.pdf>. Acesso em: 14 out 2005.
70
OLIVEIRA, José Sebastião de. op. cit., 2002, p. 142.
Até 1977, ano em que no Brasil foi admitido o divórcio, a união estável era a
solução encontrada pelas pessoas desquitadas para refazer suas vidas ao lado de
outras pessoas, uma vez que não podiam se casar novamente. Mesmo após a
legalização do divórcio, observou-se, porém, que o número de uniões estáveis
continuou crescente e ainda o é até hoje. Desse modo, é possível concluir que o
fundamento da formação da união estável não é mais a impossibilidade de
estabelecer um casamento, mas a liberdade que as pessoas têm para escolher o tipo
de família que melhor atenda aos seus interesses.
Atualmente, a união estável constitui um modelo de família pelo qual algumas
pessoas têm optado, acreditando que sua formação e rompimento são mais simples e
menos burocráticos.
Embora fosse uma realidade, a união estável só veio a receber proteção
jurídica com a Constituição de 1988. Antes, os efeitos jurídicos da relação
concubinária eram regulados pelos tribunais
71
. A Carta Magna de 1988, ciente da
necessidade de proteger as uniões livres, reconheceu, no § 3º do artigo 226, a união
estável entre o homem e a mulher, para fins de proteção do Estado. Com isso, a
ilegitimidade das relações não matrimoniais teve seu fim. Segundo Caio Mário da
Silva Pereira, o constituinte de 1988 passou a considerar as uniões extraconjugais
como realidade jurídica, e não apenas como um fato social
72
. Sobre o § 3º, do
artigo 226, Arnoldo Wald dispõe que a inovação foi amplamente louvável e que
71
Os efeitos jurídicos da união estável, até 1988, passaram por uma consistente evolução
jurisprudencial. A posição mais antiga não dava nenhum efeito ao concubinato, pois a preocupação
era proteger a família matrimonial, sendo o concubinato tido como uma relação imoral. Depois, a
jurisprudência evoluiu, mas ainda manteve seu caráter preconceituoso. Primeiramente, atribuiu-se
direitos à companheira, por prestação de serviços domésticos, de modo que tinha direito ao
recebimento de salários, em caso de rompimento. Aqui, os salários pagos não eram frutos da relação
mantida entre os companheiros, mas sim dos serviços prestados. Procurava-se, dessa forma, evitar o
enriquecimento sem causa. Depois, reconheceu-se a união estável como uma sociedade de fato, de
modo que os companheiros passaram a dividir o patrimônio que construíram juntos. Esse
entendimento chegou a ser consubstanciado na súmula 380, do Supremo Tribunal Federal, segundo a
qual comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução
judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. Atualmente, o artigo 1.725,
do Código Civil, instituiu, na ausência de contrato escrito entre os companheiros, o regime da
comunhão parcial de bens. (RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 28. ed. São
Paulo: Saraiva, 2004, v. 6, p.261-268).
72
PEREIRA, Caio Mario da Silva. op. cit., 2004, p. 534.
deixar a união estável marginalizada não se justificava
73
.
A Constituição Federal trouxe dignidade às relações informais, privilegiando o
aspecto afetivo e não o formal da relação familiar. Com essa inovação, acabaram-se
as designações discriminatórias e estigmatizantes que antes existiam nas uniões
livres.
A própria terminologia que designava a relação pública, estável e duradoura
de um casal foi mudada pela Constituição de 1988. O concubinato, termo
impregnado de estigmas, passou a ser chamado união estável. Portanto, a antiga
classificação de concubinato puro e impuro não existe mais. Agora, há duas
categorias distintas
74
: a) o concubinato, que segundo o artigo 1.727, do atual
Código Civil é a relação não eventual entre o homem e a mulher impedidos de
casar, ou seja, relação incestuosa ou adulterina; e b) a união estável, que é a
designação de uma vida em comum por pessoas não casadas.
A união estável é, portanto, nas palavras de José Sebastião de Oliveira, uma
forma alternativa de vida familiar paralelamente ao casamento, sendo seu principal
fator constitutivo a opção, pura e simples, dos companheiros
75
.
Percebe-se que a Constituição, pretendendo resguardar o princípio da
dignidade humana dentro das relações familiares, reconheceu, nas palavras de
Márcio Antônio Boscaro, que:
[...] a entidade familiar não mais se constitui para proteção do próprio
grupo que representa ou do instituto do casamento e, sim, para procurar
defender os interesses individuais de cada um de seus membros, unidos
por opção pessoal e não mais por imposição social e na busca de um ideal
comum de felicidade e de realização própria ao lado de pessoas que lhes
são caras
76
.
A Constituição, ao reconhecer a união estável como entidade familiar,
73
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 228.
74
Não obstante se tenha superado a antiga classificação de concubinato puro e impuro, muito
doutrinadores continuam utilizado a expressão concubinato puro para designar a união estável,
causando uma grande confusão terminológica. Ver: DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil
brasileiro. 19. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5, 2004; VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito
de família. 5. ed. São Paulo: Atlas, v. 6, 2005.
75
OLIVEIRA, José Sebastião de. op. cit., 2002, p. 173.
76
BOSCARO, Márcio Antônio. Direito de filiação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 78.
consagrou a liberdade de escolha do modelo familiar que melhor atenda aos
interesses das pessoas. Liberdade de escolha para realização pessoal, por sua vez,
significa a realização do princípio da dignidade da pessoa humana, razão pela qual
de grande importância foi o § 3º, do artigo 226, da Constituição Federal.
1.2.3.2 A família monoparental
Outro modelo de família reconhecido pela Constituição Federal de 1988 é a
comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes, a chamada
família monoparental.
Eduardo de Oliveira Leite ressalta que a monoparentalidade não é um
fenômeno novo no ocidente. O autor assevera que sempre existiram os viúvos e as
viúvas, as mães solteiras, separadas ou abandonadas, sendo que, a partir da década
de 60, com o crescimento do número de divórcios, essa realidade tornou-se mais
evidente
77
.
A família monoparental representa mais uma contraposição ao tradicional
modelo patriarcal de família, que se baseava no vínculo jurídico do casamento. Nos
dias atuais, a monoparentalidade representa mais um modelo de família acessível às
pessoas, pelo qual podem optar com base em suas convicções e necessidades.
É certo que, em muitos casos, a monoparentalidade não pode ser considerada
fruto de uma vontade consciente das pessoas, tal como ocorre na viuvez, por
exemplo. É possível afirmar, porém, que atualmente a monoparentalidade também
decorre diretamente de uma opção (celibato ou separação), logo efeito de uma
vontade deliberada por esta nova forma familiar, como anota Eduardo de Oliveira
Leite
78
.
O reconhecimento e a proteção da monoparentalidade, pela Constituição
Federal de 1988, resguardou essa modalidade de família que sempre esteve
77
LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 2003, p. 24.
78
Id., ibid., 2003, p. 16.
marginalizada. Tal proteção jurídica é o primeiro grande passo para coibir os
preconceitos ainda existentes em relação aos grupos familiares não tradicionais.
1.2.3.3 A natureza jurídica da união homoafetiva
Questão bastante polêmica reside em saber se a união homoafetiva, isto é, a
união entre pessoas do mesmo sexo, é considerada, na atual ordem constitucional
do Direito de Família, uma entidade familiar ou mera sociedade de fato. A
caracterização da natureza jurídica da união homoafetiva é de suma importância,
uma vez que deflagra vários efeitos jurídicos e sociais.
Considerada uma entidade familiar, a união homoafetiva gozará, tal como as
demais famílias, de toda a proteção do Estado (direito a alimentos, à sucessão, à
divisão do patrimônio em caso de dissolução da união, ao juízo especializado, como
as varas de família etc.), diminuindo, com isso, o preconceito social.
Já considerada mera sociedade de fato, a união homoafetiva não terá especial
proteção do Estado, nem mesmo proteção jurídica, uma vez que não existe lei
específica sobre o assunto. Os litígios serão resolvidos no juízo cível, no qual,
muitas das vezes, os juízes não estão preparados para lidar com a complexidade das
relações familiares. A união homoafetiva, considerada mera sociedade de fato,
continuará marginalizada, amargando os preconceitos da sociedade.
De acordo com a literalidade do artigo 226, da Carta Magna, família é a
formada pelo matrimônio, enquanto as entidades familiares são a família
monoparental e a união estável. A união estável é, por sua vez, de acordo com o
Texto Constitucional, a formada entre o homem e a mulher.
Primeiramente, os que não aceitam a homoafetividade como entidade familiar
atêm-se à literalidade do § 3º, do artigo 226, da Constituição Federal, que
caracteriza a união estável como uma relação entre um homem e uma mulher. Em
segundo lugar, argumenta-se que, se a Carta Magna manda facilitar a união estável
em casamento, a união homoafetiva jamais poderá ser considerada uma entidade
familiar, uma vez que é proibido, pelo ordenamento jurídico brasileiro, o casamento
entre pessoas do mesmo sexo
79
. O terceiro argumento contrário ao reconhecimento
da união homoafetiva como entidade familiar está relacionado à capacidade
procriativa dos parceiros. Alega-se que a constituição da família, ainda hoje, tem
por função a procriação, o que não é possível entre pessoas do mesmo sexo.
Desse modo, como é impossível a realização do casamento e da procriação
entre pessoas do mesmo sexo, também não é possível o reconhecimento da união
estável entre homossexuais. Assim, sem reforma na Constituição, não há como
proteger a união homoafetiva. Essa interpretação não leva em conta a realização
afetiva dos parceiros, mas apenas a constatação de que pessoas do mesmo sexo não
podem constituir família de acordo com a literalidade da Constituição Federal.
Realmente, atendendo à literalidade do Dispositivo Magno, a união
homoafetiva não seria uma entidade familiar, constituindo-se mera sociedade de
fato, sem especial proteção do Estado. É impossível, no entanto, diante da atual
conjuntura da família excluir a união homoafetiva dessa especial proteção do
Estado concedida às entidades familiares?
Ante a complexidade das relações sociais e, conseqüentemente, familiares,
uma interpretação literal do Texto Constitucional não atende aos interesses da atual
sociedade. Segundo Lenio Luiz Streck:
O novo paradigma constitucional estabelecido pelo Estado Democrático
de Direito caminha lado a lado com o novo paradigma hermenêutico, que
abandona a noção de reprodução de sentido e avança em direção à
produção de sentido.
80
79
Ver: DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 19. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5,
2004; VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 5. ed. São Paulo: Atlas, v. 6,
2005; SZKLAROWSKY, Leon Frejda. União entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=555>. Acesso em: 01 out 2005; THOMAZ, Thiago
Hauptmann Borelli. União homossexual: reflexões jurídicas. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3930>. Acesso em: 01 out 2005. AZEVEDO,
Álvaro Villaça. União entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em: <www.gontijo-
familia.adv.br/tex068.htm>. Acesso em: 03 nov 2005; NUNES, Lydia Neves Bastos Telles. A
família uma visão constitucional. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos Divisão
Jurídica, São Paulo, n. 33, 427- 461, dez. 2001 a mar. 2002.
80
STRECK, Lenio Luiz. Da solução dos problemas aos problemas da solução: uma visão
hermenêutica da bioética prolegômeros em prefácio. In: WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade
entre filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 09-11, p. 09.
De fato, há muito já se constatou que a Hermenêutica Clássica não é suficiente
para a interpretação da Constituição, a qual requer uma interpretação que formule
conceitos, atendendo aos interesses da atual sociedade complexa. Elaborar
conceitos, segundo Luiz Roberto Barroso, citando Thomas Cooley, significa tirar
conclusões a respeito de matérias que estão fora e além das expressões contidas no
texto e dos fatores nele considerado. São conclusões que se colhem no espírito,
embora não na letra da norma
81
.
A Nova Hermenêutica, consoante Lênio Streck, é entendida como uma crítica
ao Direito, porquanto rompe com o pensamento dogmatizante, o qual impede o
aparecer do Direito naquilo que ele tem de transformador
82
. Neste sentido, é
possível concluir: não é a Constituição que deve ser reformada sempre que mudam
os fatos sociais; ao contrário, são os fatos sociais aliados à Nova Hermenêutica que
devem mudar o sentido dos dispositivos constitucionais, atendendo aos anseios
sociais
83
. Interpretar a Constituição, segundo Paulo Bonavides é, sobretudo,
atualizá-la
84
. Trata-se, com efeito, de procurar concretizar os princípios
constitucionais
85
, dentre eles o da dignidade humana. Neste sentido, Belmiro Pedro
Welter leciona:
As normas e os princípios constitucionais devem ser interpretados dentro
de um contexto histórico, não podendo ignorar as transformações da
sociedade, notadamente da relação entre pessoas do mesmo sexo, até
porque a análise constitucional não é formada apenas pelo juiz, mas
também pelos cidadãos e todos aqueles que participam da sociedade [...].
Para Lênio Streck, o Direito não deve ser um mero reprodutor desta injusta
sociedade brasileira
86
, por isso a discussão em torno do Direito de Família deve ter
81
COOLEY, Thomas. A treatise on the constitutional limitatios. 7. ed. Boston. Little, Brown and
Co., 1993. apud. BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição:
fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p.
104.
82
STRECK, Lenio Luiz. op. cit., 2003, p. 10.
83
O intérprete constitucional deve prender-se sempre à realidade da vida, à concretude da
existência [...]. (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002, p. 437).
84
Id., ibid., 2002, p. 441.
85
A interpretação constitucional colhe a característica da necessidade de concretização da norma
jurídica, maximizando-a [...]. (TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2003, p. 80).
86
STRECK, Lenio Luiz. A convenções internacionais, o direito de família e a crise de paradigma
em face do Estado Democrático de Direito. Disponível em: <http://www.gontijo-
familia.adv.br/tex137.htm>. Acesso em: 03 nov 2005.
uma função de construir a sociedade.
Ora, a família, especialmente na segunda metade do século XX, passou por
uma transformação, na qual o afeto, em vez do vínculo formal, passou a ser o seu
elemento caracterizador. A união homoafetiva constitui um fato e merece proteção
do Estado. O § 3º do artigo 226, da Constituição Federal, ao exigir a diversidade de
sexo, para a configurar a união estável, está sendo desconexo com a realidade,
ferindo, portando a dignidade humana
87
. Não é poder do Estado desenhar o perfil da
família, ao contrário, seu dever é protegê-la.
As normas constitucionais devem obedecer aos ditames da dignidade humana,
pluralismo, democracia, cidadania, de modo que a exigência da diversidade de sexo
para a configuração de uma união estável é, diante da realidade, inapropriada.
Seguindo os princípios da Nova Hermenêutica, é possível, porém, incluir a
homoafetividade como um dos tipos de entidade familiar, pois essa interpretação se
coaduna com os objetivos e princípios fundamentais da Constituição. Todos os
argumentos contrários à caracterização da união homoafetiva como entidade
familiar podem ser facilmente afastados, quando se realiza uma interpretação
concretizante dos princípios constitucionais
88
.
O argumento da impossibilidade de conversão da união homoafetiva em
casamento, por se tratar de relação entre pessoas do mesmo sexo, não é válido para
desconsiderar a união homoafetiva como espécie de entidade familiar. A
Constituição não exige que toda união estável seja convertida em casamento,
apenas determina que a lei infraconstitucional a facilite. A ausência de conversão
em casamento não descaracteriza a essência da união estável, que é o afeto. Tal fato
é tão verdadeiro que o próprio Código Civil de 2002 admite explicitamente a união
87
Para Sônia Regina Negrão, o § 3º do artigo 226, da Constituição Federal, é norma discriminatória,
que contraria o princípio da igualdade que ela própria emana. (NEGRÃO, Sônia Regina. Direito à
intimidade sexual. Disponível em: <http://www.gontijo-familia.adv.br/tex254.htm>. Acesso em: 03
nov 2005.
88
Segundo Roger Guardiola Bertoluzzi, [...] mostrando-se as normas constitucionais contrárias a
um princípio constitucional, serão elas carecedores de legitimidade, tendo, diante disso, o princípio
da dignidade da pessoa humana, o condão de subtrair a eficácia de qualquer regra que o infirme,
ainda que ela se encontre no bojo da própria constituição. (BERTOLUZZI, Roger Guardiola. A
dignidade da pessoa humana e sua orientação sexual. As relações homoafetivas. Disponível em:
<http://jus2.oul.com.br/doutrina/texto.asp?id=6494>. Acesso em: 01 set. 2005.
No mesmo sentido ver: RIBEIRO, Thaysa Halima Sauáia. Adoção e sucessão nas células familiares
homossexuais. Equiparação à união estável. Disponível em: <http://jus2.oul.com.br/doutrina/
texto.asp?id=3790>. Acesso em: 01 set. 2005.
estável entre pessoas separadas de fato (art. 1.723, § 1º
89
). Se a possibilidade de
conversão em casamento fosse elemento caracterizador da união estável, a lei
proibiria esse tipo de união entre os separados de fato, já que só podem se casar
após o divórcio.
Do mesmo modo, o argumento da inaptidão para procriar não encontra
respaldo jurídico. A capacidade procriativa não é elemento da família, pois se o
fosse a união entre duas pessoas inférteis não seria considerada uma relação
familiar, uma vez que igualmente não possuem aptidão física para a procriação.
Ante o desenvolvimento da ciência, mesmo a falta de capacidade de procriação, na
união entre pessoas do mesmo sexo, está superada com a utilização da reprodução
assistida.
Neste contexto, seguem os ensinamentos de Maria Berenice Dias:
O elemento distintivo da família, que coloca sob o manto da juridicidade,
é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de
projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo.
Cada vez mais a idéia de família se afasta da estrutura do casamento. A
família hoje não se condiciona aos paradigmas originários, quais sejam,
casamento, sexo e procriação
90
.
Para José Carlos Teixeira Giogis, a negação jurídica à união homoafetiva
emerge de força preconceituosa dos valores culturais dominantes em cada época,
alicerçam-se em juízo de valor depreciativo, historicamente atrasado e
equivocado
91
. Segundo o autor, “o preconceito deve sucumbir à visão mais
abrangente da realidade, examinando e debatendo os diversos aspectos que emanam
das parcerias de convívio e afeto
92
.
Para Paulo Luiz Netto Lôbo
93
, o caput do artigo 226, da Constituição Federal,
é abrangente, não fazendo qualquer referência a determinado tipo de família.
Afirma o mesmo autor que os tipos de entidades familiares explicitados nos
89
§ 1º - A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se
aplicando a incidência do inciso IV no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou
judicialmente.
90
DIAS, Maria Berenice. op. cit., 2005, p. 39.
91
GIOGIS, José Carlos Teixeira. A natureza jurídica da relação homoerótica. Disponível em:
<http://www.gontijo-familia.adv.br/tex239.htm>. Acesso em: 10 nov 2005.
92
Id., ibid., (on line). Acesso em 10 nov 2005.
93
LOBO, Paulo Luiz Netto. op. cit., (on line). Acesso em: 22 fev. 2005.
parágrafos do art. 226 são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os
mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. As demais entidades
familiares são tipos implícitos, dependendo de concretização na experiência da
vida. Em suma, o artigo 226, segundo o autor, é norma aberta. Esta linha de
pensamento está correta, porquanto se coaduna com o princípio da dignidade
humana.
O caput do artigo 5º, da Constituição, que trata dos direitos e garantias
fundamentais, dispõe que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança [...]. Observe-se que é a
própria Lei Fundamental que proíbe distinção de qualquer natureza e é essa mesma
Lei que garante o direito à liberdade. As pessoas são livres para atender a sua opção
sexual, sem que, com isso, venham a amargar preconceitos e discriminações. Este
direito está salvaguardado pela própria Carta Magna.
No que se refere aos objetivos da República Federativa do Brasil, a
Constituição Federal elenca, em seu artigo 3º, a construção de uma sociedade livre,
justa e solidária; e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminações.
Ora, se a própria Carta Magna garantiu o direito à liberdade e vedou
distinções de qualquer natureza; se a própria Constituição estabelece como
objetivos uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminações; se, por uma interpretação condizente com os fins da Constituição
Federal, é possível afirmar que o artigo 226 consagrou o princípio da dignidade
humana, retirou os aspectos formais das relações familiares, elencando o afeto e o
amor como os elementos caracterizadores da família; por que então a união
homoafetiva não poderia ser considerada uma entidade familiar?
A interpretação constitucional deve levar em consideração o princípio da
unidade da Constituição, de modo que, nas palavras de José Carlos Teixeira Giogis,
[...] as normas constitucionais devem sempre ser consideradas coesas e
mutuamente imbricadas, não se podendo jamais tomar determinada regra
isoladamente, pois a Constituição é do documento supremo de uma nação [...]
94
.
A partir do momento em que o afeto é o elemento caracterizador das relações
familiares, é necessário elastecer a especial proteção, por parte do Estado, a outras
uniões. Cumpre, portanto, ressaltar que o afeto também está presente nas uniões
homoafetivas, devendo ser, portanto, consideradas entidades familiares,
merecedoras de proteção especial. Aliás, as uniões homoafetivas preenchem todos
os requisitos exigidos para configuração da união estável: relação contínua,
duradoura, ostensiva e pautada no afeto. Essa interpretação concretiza o sentido das
normas constitucionais, levando-se em consideração as condições fáticas e sociais.
Quanto ao reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, é
válido ressaltar o pioneirismo e a vanguarda das decisões do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO.
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA
IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva
mantida entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo período
de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou
através dos séculos, não podendo o judiciário se olvidar de prestar a
tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de
família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não
apenas a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura
exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das
relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de
privação do direito à vida, bem como viola os princípios da dignidade da
pessoa humana e da igualdade. Ausência de regramento específico.
Utilização de analogia e dos princípios gerais de direito. A ausência de
lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem
mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos
concretos a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em
consonância com os preceitos constitucionais (art. 4º da LICC). Negado
provimento ao apelo, vencido o Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos
Chaves. (Apelação Cível nº 70009550070, Sétima Câmara Cível, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, julgado em 17/11/2004).
APELAÇÃO. UNIÃO HOMOSSEXUAL.
RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA. Embora
reconhecida na parte dispositiva da sentença a existência de sociedade de
fato, os elementos probatórios dos autos indicam a existência de união
estável. PARTILHA. A união homossexual merece proteção jurídica,
porquanto traz em sua essência o afeto entre dois seres humanos com o
intuito relacional. Caracterizada a união estável, impõe-se a partilha
igualitária dos bens adquiridos na constância da união, prescindindo da
demonstração de colaboração efetiva de um dos conviventes, somente
94
GIOGIS, José Carlos Teixeira. op. cit., (on line). Acesso em: 10 nov 2005.
exigidos nas hipóteses de sociedade de fato. Negaram provimento.
(Segredo de Justiça) (Apelação Cível Nº 70006542377, Oitava Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em
11/09/2003).
União homossexual. Reconhecimento. Partilha do patrimônio. Meação
paradigma. Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência
de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos
derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de
preconceitos , são realidades que o judiciário não pode ignorar, mesmo
em sua natural atividade retardatária. nelas remanescem conseqüências
semelhantes as que vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre a
aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevado sempre
os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. desta
forma, o patrimônio havido na constância do relacionamento deve ser
partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a
melhor hermenêutica. Apelação provida, em parte, por maioria, para
assegurar a divisão do acervo entre os parceiros. (apelação cível nº
70001388982, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 14/03/2001).
Homossexuais. União estável. Possibilidade jurídica do pedido. É
possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre
homossexuais, ante princípios fundamentais esculpidos na constituição
federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo,
sendo descabida discriminação quanto a união homossexual. E é
justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo ,
com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos,
modificando conceitos e impondo a serenidade cientifica da modernidade
no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e
amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as
individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada
busca da felicidade, direito fundamental de todos. sentença desconstituída
para que seja instruído o feito. apelação provida. (apelação cível nº
598362655, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
José Ataídes Siqueira Trindade, julgado em 01/03/2000)
95
.
Na verdade, o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar
não é apenas um problema jurídico, pois a Constituição Federal fornece elementos
suficientes para seu reconhecimento implícito. Pode-se afirmar que a dificuldade
em aceitar essas relações reside essencialmente no preconceito, já que o
homossexualismo rompe com toda a estrutura da família patriarcal, que situa a
heterossexualidade como fundamento da constituição familiar. Ocorre que, como
bem salienta José Carlos Teixeira Giogis, não é negando direitos à união
homossexual que se fará desaparecer o homossexualismo, pois os fundamentos
destas uniões se assemelham ao casamento e à união estável, sendo o afeto o
vínculo que une os parceiros [...]
96
.
95
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 01
set 2005.
96
GIOGIS, José Carlos Teixeira. op. cit., (on line). Acesso em: 10 nov 2005.
É que, mesmo com todas as transformações pelas quais a família passou, não
se pode olvidar que a sociedade continua com resquícios do patriarcalismo, de
modo a irradiar preconceitos às modalidades familiares que não se enquadram no
padrão. O modelo nuclear de família ainda é o seguido e esperado, tanto que não se
admite um casamento sem procriação, sendo a infertilidade estigmatizada.
Esquece-se de que, durante anos, os mesmo preconceitos e discriminações
relativos às uniões homoafetivas foram relegados às uniões estáveis. Isso implica
dizer que essas discriminações seriam amenizadas com uma proteção jurídica
explícita. Tal como a união estável, a união homoafetiva é uma realidade que
sempre existiu e sempre existirá. Não há como dela fugir, de modo que urge uma
regulamentação legal.
A união homoafetiva é quase sempre associada à idéia de promiscuidade,
libertinagem e depravação, sem que isso seja uma verdade. Ao contrário, na maioria
das vezes, os casais homoafetivos compartilham uma vida de amor, carinho e afeto,
de forma duradoura e fiel. O respeito e a lealdade também estão presentes nessas
uniões, enquanto promiscuidade, libertinagem e depravação também podem existir
nas relações heterossexuais. Aliás, a união homoafetiva possui todas as
características das demais entidades familiares, quais sejam: afetividade,
estabilidade e ostensibilidade.
É preciso deixar de lado o falso-moralismo e preconceitos e proteger as
relações homoafetivas, vindo a resguardar o princípio da dignidade da pessoa
humana. A realização e proteção da dignidade humana devem ser garantidas a todos
e não apenas àqueles que seguem determinados comportamentos ditos como
normais ou aceitáveis. Desse modo, pode-se concluir com as sábias palavras de
Belmiro Pedro Welter: a união estável entre homossexuais é um direito de
cidadania e de dignidade da pessoa humana
97
, tendo a união homoafetiva natureza
jurídica de entidade familiar.
97
WELTER, Belmiro Pedro. op. cit., 2003, p. 61.
1.2.4 O planejamento familiar e o direito a procriar
Embora a ciência tenha possibilitado a procriação artificial às pessoas,
mediante o uso de várias técnicas de reprodução assistida, ainda pairam muitas
dúvidas acerca da legitimidade de sua utilização. A controvérsia reside em saber se
existe um direito à procriação, permitindo às pessoas, através do planejamento
familiar, o emprego das variadas técnicas de procriação artificial.
Tradicionalmente, o planejamento familiar está ligado à idéia de controle de
natalidade e à utilização de métodos contraceptivos. Ainda hoje, essa visão
ultrapassada de planejamento familiar mantém-se presente. Para o senso comum,
planejamento familiar refere-se ao domínio de métodos contraceptivos, devendo o
Estado garantir à população o acesso à informação e aos meios para atingir o
objetivo da contracepção.
A Constituição Federal de 1988 garante o direito à não procriação quando
assegura o direito ao planejamento familiar, no §7º, do artigo 226.
Maurizio Mori menciona pelo menos dois fundamentos em favor da liberdade
de não procriar: a) a primeira refere-se ao respeito da autonomia pessoal em geral;
b) a segunda relaciona-se ao direito que a pessoa tem sobre o próprio corpo
(autodeterminação física)
98
.
O mesmo autor salienta que existe uma diferença entre o direito de não
procriar (liberdade negativa) e o direito de procriar (liberdade positiva), qual seja:
o envolvimento de uma terceira pessoa, que é o filho
99
. Na liberdade negativa (de
não procriar), seu exercício não prejudica ninguém, pois não há nenhum terceiro
envolvido. Já na liberdade positiva (de procriar), o filho (terceiro envolvido) pode
vir a ter algum prejuízo/ dano, dependendo da situação.
Assim, há quem defenda a posição de que não existe o direito à procriação e
que a reprodução assistida não deveria ser utilizada para satisfazer às necessidades
98
MORI, Maurizio. Fecundação assistida e liberdade de procriação. Bioética, Brasília, v. 9, n. 2, p.
57-70, 2001, p. 59-60.
99
Id., ibid., 2001, p. 62.
dos pais, pois a vida do filho é um fim em si mesmo, não podendo ser um meio de
saciar os desejos egoísticos dos pais. Desse modo, as pessoas que necessitassem da
procriação artificial deveriam valer-se da adoção, pois, além de estarem
satisfazendo o desejo de procriação, também realizariam um ato altruístico e
benéfico à sociedade.
De fato, as pessoas inférteis poderiam valer-se da adoção para satisfazerem o
desejo de procriação, entretanto os fundamentos da adoção e da reprodução
assistida são diferentes. A adoção tem também por fundamento a resolução de um
problema social; já na reprodução assistida, a questão é eminentemente íntima e
privada. Além disso, a adoção não anula a vontade de gerar o próprio filho, ainda
que algumas vezes seja utilizado o patrimônio genético de terceiro.
É importante deixar claro que a questão dos menores abandonados é um
problema público, enquanto o desejo de procriação encontra-se na esfera privada.
Não é papel do Estado impor a forma pela qual as pessoas irão satisfazer o desejo
de procriar.
Diante da impossibilidade de resolver um problema social, que é o grande
número de menores abandonados, o Estado tenta transferir aos particulares uma
responsabilidade que é pública. Cabe ao Estado, com a ajuda da sociedade, cumprir
seu compromisso social, o que não deve ser centrado na adoção. Deve-se atacar o
problema em sua causa e não simplesmente impor uma solução, adentrando a
privacidade dos particulares. O problema dos menores abandonados está
relacionado às condições de miséria, concentração de renda, falta de educação, falta
de saúde e informação, dentre outros fatores. Repita-se: não é a adoção que
solucionará este problema.
Analisando a questão sob outro ângulo, questiona-se: e se no Brasil não
existisse um grande número de menores abandonados? E se o número de crianças
disponíveis para adoção fosse inferior ao número de pedidos de adoção? Os casais
inférteis estariam, então, proibidos de realizar o desejo da procriação? Percebe-se,
mediante essas indagações, que a adoção não pode ser encarada como a única
solução para o problema da infertilidade. Além disso, os pais são livres e têm
direito de escolher como e quando terão seus filhos.
Como bem salienta Eduardo de Oliveira Leite, não há que se falar em egoísmo
em querer ter o próprio filho
100
. De acordo com o mesmo autor, o ato de amor
também existe nas inseminações artificiais, onde o casal renuncia integralmente
sua privacidade no ato de procriação e aceita a participação de um terceiro
estranho
101
.
A reprodução assistida, atualmente, constitui uma realidade, a qual não se
pode ignorar. Ora, se, para ter filhos, a pessoa precisa da procriação artificial e os
avanços biomédicos a permitem, por que então proibir o uso da reprodução
assistida? Deve-se apenas assegurar que o respeito à dignidade humana de todos os
envolvidos no projeto parental.
A decisão do melhor momento para realização do projeto parental cabe aos
particulares, não devendo o Estado adentrar nesta esfera de individualidade das
pessoas. Se o desejo de procriação foi barrado por uma eventual infertilidade, por
que motivo as pessoas não poderiam utilizar a reprodução assistida? Se a procriação
artificial é uma realidade, por que não permitir seu uso por pessoas inférteis?
A pergunta encontra resposta no princípio da liberdade, pois o planejamento
familiar é de livre decisão dos particulares. Não há por que proibir o emprego da
reprodução assistida, de modo que, atualmente, é possível, sim, falar-se em direito
à procriação. As técnicas de reprodução assistida ratificam a livre escolha das
pessoas ao planejamento familiar, sendo seu uso uma questão de liberdade e
autonomia individual.
O § 7º, do artigo 226, dispõe que o planejamento familiar é livre decisão do
casal, de modo que não se restringe ao controle de natalidade, como comumente
divulgado, pois corresponde também ao uso da reprodução assistida.
Nos termos da Constituição, existe tanto o direito de procriar como o de não
100
LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos, religiosos,
psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1995, p. 104.
101
Id., ibid., 1995, p. 104.
procriar, pois cabe aos particulares decidirem como e quando terão seus filhos, não
devendo o Estado interferir nesta esfera da individualidade. Neste sentido, Fátima
Oliveira leciona:
[...] em uma sociedade justa e que respeita a liberdade reprodutiva
(direito de decidir sobre ter ou não uma prole) como direito de cidadania,
cabe ao Estado o dever de assegurá-la, pois a contracepção e o tratamento
da infertilidade são temas legítimos dos direitos sexuais e reprodutivos e
da saúde sexual e reprodutiva
102
.
Assim, a partir da Constituição Federal de 1988, pode-se ressaltar que o
direito à procriação foi constitucionalmente assegurado. Ao Estado cabe apenas
proteger os interesses das pessoas envolvidas no planejamento familiar: os pais e os
futuros filhos.
O livre planejamento familiar encontra respaldo no princípio da dignidade
humana, garantindo-se às pessoas a liberdade de decisão acerca da realização de
seus projetos parentais. Planejamento familiar é, portanto, uma concepção ampla,
que envolve assistência e amparo à família, permitindo, quando necessário, a
utilização da reprodução assistida.
1.2.5 O princípio da igualdade entre os filhos
O § 6º do artigo 227, da Constituição Federal consagrou a plena igualdade
entre os filhos, sejam eles advindos de uma relação matrimonial ou não. Todos os
filhos passaram a ter os mesmo direitos e as designações discriminatórias foram
vedadas.
José Sebastião de Oliveira salienta que a Constituição acabou com a punição
dos filhos não havidos na constância do casamento
103
. Segundo Luiz Roberto de
Assumpção, tem-se, com a afirmação da igualdade, a substituição de um estatuto
plural por um estatuto unitário de filiação, que assenta na existência de um vínculo
jurídico e não na origem do filho ou nos parâmetros que orientaram seu
102
OLIVEIRA, Fátima. As novas tecnologias reprodutivas conceptivas a serviço da materialização de
desejos sexistas, racistas e eugênicos? Bioética, Brasília, v. 9, n. 2, p. 199-112, 2001, p. 99.
103
OLIVEIRA, José Sebastião de Oliveira. op. cit., 2002, p. 253.
estabelecimento
104
.
Este mesmo princípio também denota a recuperação da dignidade humana,
vindo a proteger e dignificar os filhos extramatrimoniais. Fruto de uma relação
matrimonial ou não, a condição de filho não muda, é a mesma em ambas as
circunstâncias e cabe ao Direito e ao Estado protegê-la.
Tanto o princípio da igualdade dos filhos como o da igualdade entre os
cônjuges ressaltam a tendência atual da família igualitária, caracterizada pelo
respeito às diferenças pessoais, rompendo-se com as tradicionais noções de certo e
errado; de superior e inferior.
O princípio da igualdade entre os filhos coaduna-se com a repersonalização
das relações familiares, a qual busca privilegiar o vínculo afetivo.
104
ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de Assumpção. op. cit., 2004, p. 37.
2 A INFERTILIDADE E AS TÉCNICAS DE
REPRODUÇÃO ASSISTIDA: OS RISCOS FÍSICOS E
PSICOLÓGICOS
O modelo tradicional de família composto por um casal com filhos é muito
antigo. Exemplos bíblicos denotam que a descendência constitui um elemento de
suma importância para a determinação da família. O capítulo 16, do livro Gênesis,
da Bíblia Sagrada, narra a história de Sarai, mulher de Abraão, que não podia ter
filhos. Sarai, então, ofereceu sua serva Hagar a Abrão, para que concebessem um
filho. O filho foi concebido e recebeu o nome de Ismael
105
. Também no Gênesis, é
possível encontrar outro exemplo, no qual a infertilidade de Raquel, casada com
Jacó, fez com que ela oferecesse sua serva Bila para que com ele concebesse um
filho
106
.
Na obra A cidade antiga
107
, Fustel de Coulanges descreve a importância da
continuidade familiar para que, após a morte, o homem pudesse ser feliz e divino,
pois acreditava-se que a felicidade do morto não dependeria de sua conduta
enquanto vivo, mas daquela de seus descendentes em relação a ele, após a morte.
Assim, as famílias deveriam perpetuar-se, pois os mortos precisavam de suas
proles. A interrupção de uma linhagem era tida como o fim da religião de uma
família, de modo que os antepassados cairiam em desgraça. Segundo Fustel de
Coulanges, a religião, ao formar a família, exige-lhe imperiosamente sua
continuidade
108
.
É importante ressaltar que, para garantir a perpetuidade da religião, o filho
tinha de ser legítimo, isto é, fruto de um casamento. A finalidade do matrimônio era
105
A BÍBLIA Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. 2. ed. São Paulo: Sociedade Bíblica
do Brasil, 1993, p. 14-15.
106
Id., ibid., 1993, p. 29.
107
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Trad. de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret,
2004, p. 54.
108
Id., ibid., 2004, p. 54.
a união de pessoas da mesma religião, fazendo nascer um filho apto a continuar o
culto religioso. O casamento era, portanto, um contrato para dar continuidade à
existência da família.
Uma vez que o casamento tinha por objetivo a procriação, a esterilidade da
mulher era causa de divórcio ou até mesmo de anulação do casamento. Quando a
esterilidade era masculina, um irmão ou um parente do marido o substituía e a
mulher era obrigada a entregar-se a este homem. A criança nascida era considerada
filha do marido, devendo continuar seu culto religioso.
Hodiernamente, ainda em razão da herança do patriarcalismo, a concepção de
família ainda está ligada ao modelo nuclear de pai, mãe e filhos. E mais, os papéis
do homem e da mulher, no contexto familiar, ainda estão divididos: o homem é o
pai de família, superior, viril etc; a mulher é a boa mãe, boa esposa, doce, frágil
etc. Segundo Maria da Graça Reis Braga e Maria Cristina Lopes de Almeida
Amazonas, virilidade e fertilidade ainda são exemplos para a masculinidade e
feminilidade
109
.
Mesmo com a exigência social da procriação, a filiação, em muitos casos, não
é mais uma prioridade para os casais, que agora pretendem, primeiro, se estabelecer
profissionalmente, adiando, com isso, a procriação. O retardo da reprodução se
tornou possível após a revolução sexual, que ajudou a separar o sexo da procriação,
por meio do uso de contraceptivos. Atualmente, as pessoas podem escolher o
momento mais oportuno para procriar.
Por outro lado, o adiamento do projeto parental pode ser um fator que, no
futuro, venha a dificultar a realização desse mesmo projeto, pois a vida atribulada e
o estresse são fatores que podem ocasionar a infertilidade. Além disso, a
capacidade da reprodução diminui com a idade. Assim, a vontade de procriar e o
desejo de perpetuidade adiados podem ser barrados por uma eventual infertilidade.
Neste contexto, válida é a lição de Eduardo de Oliveira Leite:
A liberdade da contracepção, tão natural neste final de século, revelou
uma faceta inimaginável ao casal moderno: ela não confere igualmente a
109
BRAGA, Maria da Graça Reis; AMAZONAS, Maria Cristina Lopes de Almeida. op. cit., 2004, p. 193.
possibilidade de procriar. A concepção, o poder de fecundar, apesar de
todas as conquistas científicas, guarda segredos e permanece um
mecanismo complexo. Se hoje dispomos do poder de a inibir
completamente, não dispomos, na mesma proporção, da capacidade de a
conduzir a termo em cada tentativa. Mais a idade avança, mais as chances
de conceber se reduzem, tornando a espera ainda mais angustiante, pois o
tempo se escoa inexorável
110
.
A decisão de conceber, na hora em que se considera mais oportuna, pode ser
freada pelas incapacidades físicas e psicológicas do casal, originando uma sensação
de fracasso. Para um casal, a infertilidade pode significar a impossibilidade da
continuidade de vida, de nome, de lições, vindo, com isso, a amargar preconceitos
por parte da sociedade que, ainda hoje, exige a reprodução de filhos. Como bem
salienta Eduardo de Oliveira Leite, a esterilidade atinge o indivíduo na sua própria
identidade
111
. Geraldez Tomaz e Simone da Nóbrega Tomaz Moreira acentuam
que, quando a realização do projeto parental é freada pela constatação da
infertilidade, “sentimentos de frustração emergem, transformando o casal em
protagonista de um antigo drama, em que a auto-estima de cada um fica
profundamente abalada e dá lugar a sentimentos de desvalorização social e
familiar
112
. Afinal, um filho, em muitos casos, concentra os sentimentos e desejos
dos pais: volta à infância, satisfação de sonhos não realizados, segurança contra a
solidão da velhice etc.
Ao lado das limitações naturais que o homem pode enfrentar para atingir seus
anseios, existe, entretanto, a capacidade de superação. Isto é, o homem tem o dom
do conhecimento que lhe permite superar as próprias limitações. Neste sentido,
Leonardo Boff, citado por Marco Segre e Fermin Roland Schramm, ensina que o ser
humano é o único ser que pode intervir nos processos da natureza e co-pilotar a
marcha da evolução. Ele foi criado criador
113
.
A procriação artificial surge, então, como meio legítimo de proporcionar às
pessoas a possibilidade de efetivação de um projeto parental. A reprodução
assistida não chega a solucionar as causas que ocasionaram a infertilidade, mas são
110
LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 1995, p. 22.
111
Id., ibid., 1995, p. 21.
112
TOMAZ, Geraldez; MOREIRA, Simone da Nóbrega Tomaz. Psicologia em Reprodução Humana.
Femina, v. 29, n. 7, p.445-448, ago. 2001, p. 445.
113
BOFF, Leonardo. A cultura da paz. Jornal do Brasil, 08 fev. 2002, p. 09 apud SEGRE, Marco;
SCHRAMM, Fermin Roland. Quem tem medo das (bio)tecnologias de Reprodução Assistida?
Bioética, Brasília, v. 9, n. 2, p. 43-56, 2001, p. 44.
medidas paliativas que podem garantir o resultado: a procriação.
2.1 A infertilidade
A infertilidade pode ser conceituada como a ausência de concepção, depois de,
pelo menos, um ano de prática sexual freqüente (duas a três vezes por semana), sem
a utilização de contraceptivos
114
. Alguns autores, porém, divergem quanto ao lapso,
estendendo esse período para dois anos
115
.
Esse critério temporal é escolhido com base em estatísticas, segundo as quais
90% dos casais normais conseguem engravidar no primeiro ano de tentativas. Os
demais 10% engravidam no ano seguinte
116
.
Segundo Christian de Paul de Barchifontaine e Léo Pessini
117
, as causas da
infertilidade podem ser: a) absolutas, quando derivam de situações irreversíveis, em
que a concepção só será possível por meio das técnicas de reprodução assistida,
sendo necessária a utilização de um gameta de terceiro, como nos casos de ausência
de óvulos ou de espermatozóides; b) relativas, quando a concepção poderá ser
conseguida, em alguns casos, por terapêuticas tradicionais (tratamento com
medicação, por exemplo), como nos casos de dificuldades na ovulação.
A infertilidade, portanto, significa "dificuldade" para ter filhos, como nas
oligospermias (pouca quantidade de espermatozóides na contagem do ejaculado),
enquanto a esterilidade significa a impossibilidade de ter filhos
118
, como nas
azoospermias (ausência completa de espermatozóides no sêmen)
119
.
114
REPRODUÇÃO. Disponível em: <http://www.gineco.com>. Acesso em 05 jul 2002.
REPRODUÇÃO. Disponível em: <http://www.biogenética.com.br>. Acesso em 05 jul 2002.
REPRODUÇÃO. Disponível em: <http://www.unifesp.br/grupos/rhumana>. Acesso em 23 set 2002.
REPRODUÇÃO. Disponível em: <http://www.erhmatrix.com.br>. Acesso em: 21 ago 2005.
115
BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de; PESSINI, Léo. Problemas atuais de bioética. 4. ed.
São Paulo: Edições Loyola, 1997, p. 217.
116
REPRODUÇÃO. Disponível em: <http://www.erhmatrix.com.br>. Acesso em: 21 ago 2005.
117
BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de; PESSINI, Léo. op. cit., 1997, p. 217.
118
Mesmo diante dessa diferença de sentido, durante o presente trabalho, esterilidade e
infertilidade serão tratadas como palavras sinônimas, pois, para ambos os casos, a reprodução
assistida pode constituir uma solução.
119
REPRODUÇÃO. Disponível em: <http://www.uro.com.br/faq_est.htm>. Acesso em: 04 out.
2005.
As causas da infertilidade de um casal podem ser atribuídas tanto aos homens
como às mulheres. Os principais fatores que levam à infertilidade feminina são:
a) Fatores tubários - ausência de trompas ou anomalias congênitas ou
adquiridas, em virtude de infecções, impedindo a passagem do
espermatozóide;
b) Fatores ovarianos - ausência de óvulos, seja por causa congênita ou em
decorrência de uma escassez precoce ou, ainda, por falha no comando
cerebral, devido a problemas psicológicos
120
. Também não se pode ignorar
as dificuldades em ovular por serem os ovários policísticos
121
, dentre
outros fatores;
c) Fatores uterinos - como as infecções ou a ausência de útero. Os problemas
uterinos impedem a fertilização do óvulo ou a implantação do embrião na
cavidade uterina. Miomas, alterações no muco endocervical, com presença
de substâncias que destroem os espermatozóides, também são, dentre
outros, fatores que impedem a fertilização
122
;
d) Fatores vaginais - inflamações vaginais (vaginite), vaginismo
123
etc.;
e) Endometriose - é a presença do tecido do endométrio fora do útero, ou
seja, em outras partes do corpo. O endométrio é um tecido que se encontra
dentro do útero e, quando se encontra fora dele, é chamado de
endometriose
124
. Mesmo implantando fora do útero, o tecido endometrial
responde ao ciclo hormonal e libera sangue, quando a mulher menstrua.
Como o sangue do endométrio fora do útero não tem por onde escoar, a
endometriose ocasiona processos inflamatórios crônicos, dificultando a
120
CANTUÁRIA, Raimundo Amorim. Reprodução Assistida: filiação. Controvérsias jurídicas.
Tese apresentada no Curso de pós-graduação em Direito Civil, da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor, 2001, p. 63.
ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. Reprodução humana assistida: aspectos civis e
bioéticos. Concurso de livre-docência do departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito
de São Paulo, 2000, p. 26.
121
REPRODUÇÃO. Disponível em: <http://www.erhmatrix.com.br>. Acesso em: 21 ago 2005.
122
REPRODUÇÃO. Disponível em: <http://www.erhmatrix.com.br>. Acesso em: 21 ago 2005.
123
Vaginismo constitui em espasmos dolorosos na vagina.
124
REPRODUÇÃO. Disponível em: <http://www.erhmatrix.com.br>. Acesso em: 21 ago 2005.
fertilização
125
.
As principais causas de infertilidade masculina são:
a) Ausência de ejaculação (aspermia);
b) Oligospermia, que é ausência de um mínimo de espermatozóides por
mililitro, pois são necessários 20.000.000 de espermatozóides, com boa
mobilidade, por mililitro para penetração de apenas um no óvulo
126
.
c) Azoospermia, que é total ausência de espermatozóides;
d) Deficiência ou imobilidade dos espermatozóides (astenozoospermia)
127
,
ensejando tratamento em laboratório;
e) Anomalias na forma dos espermatozóides que dificultam a fecundação
(teratozoospermia);
f) Dificuldades no coito, por impotência.
Após os mais variados e intensos estudos sobre a infertilidade e suas causas, a
ciência proporciona aos casais inférteis a possibilidade da procriação, mediante as
técnicas de reprodução assistida. Essas técnicas, de acordo com o Conselho Federal
de Medicina, têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade
humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham
sido ineficazes ou ineficientes para solução da situação atual de infertilidade (Art.
1°, seção 1, da Resolução do Conselho Federal de Medicina).
125
REPRODUÇÃO. Disponível em: <http://www.unifoa.edu.br/genetica/genetema/infertilidade_fem.
htm>. Acesso em: 21 ago 2005.
126
LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 1995, p. 33.
127
REPRODUÇÃO. Disponível em: <http://www.erhmatrix.com.br>. Acesso em: 21 ago 2005.
2.2 As principais técnicas de reprodução assistida
Os avanços científicos na área da reprodução assistida são cada vez maiores.
Depois do nascimento do primeiro bebê de proveta do mundo, em 1978, na
Inglaterra, deixando todos perplexos e provocando questionamentos éticos sobre o
assunto, as descobertas científicas não estagnaram. As técnicas de reprodução
humana artificial estão se modernizando, a cada dia, facilitando a fertilização com
um maior índice de precisão e eficiência.
2.2.1 Inseminação Artificial (IA)
A inseminação artificial foi o primeiro método de reprodução assistida
utilizado. A história registra, como marco inicial da inseminação artificial, o ano de
1779, quando o monge e naturalista italiano de nome Lázaro Spallanzani (1729-
1799) demonstrou, pela primeira vez, ser possível a fecundação de uma fêmea sem
o contato com o macho. Para tanto, ele colheu sêmen de um cachorro através da
excitação mecânica e aplicou em uma cadela raça Barbets no cio, a qual veio a ter
três filhotes 62 dias mais tarde
128
.
Já os primeiros resultados da inseminação artificial em seres humanos são
creditados a um médico patologista inglês chamado John Hunter (1718-1783), no
final do século XVIII
129
.
Outro acontecimento importante ocorreu no ano de 1884, na Filadélfia, quando
um médico americano, chamado William Pancoast, realizou a primeira inseminação
artificial utilizando sêmen de terceiro distinto do marido ou companheiro da
mulher
130
.
128
SENAR. Inseminação artificial. Disponível em: <http://www.altagenetics.com.br/
manual/introducao.htm>. Acesso em: 03 out 2005.
129
ALDROVANDI, Andréa; FRANÇA, Danielle Galvão de. A reprodução assistida e as relações
de parentesco. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto>. Acesso em: 11 set. 2002.
Silmara Juny de Abreu Chinelato e Almeida, op. cit., 2000, p. 22; CANTUÁRIA, Raimundo
Amorim Cantuária, op. cit., 2001, p. 67; ALMEIDA, Aline Mignon de. Bioética e biodireito. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2000, p.25.
130
ALDROVANDI, Andréa; FRANÇA, Danielle Galvão de. op. cit., (on line); ALMEIDA, Silmara
Juny de Abreu Chinelato. op. cit., 2000, p. 22; ALMEIDA, Aline Mignon. op. cit., 2000, p. 25;
CANTUÁRIA, Raimundo Amorim. op. cit., 2001, p. 68.
A inseminação artificial consiste em depositar sêmen, por meios artificiais,
dentro da vagina, no colo do útero ou dentro do útero. Essa técnica é indicada para
os casos de infertilidade masculina, como nos eventos de quantidade insuficiente de
espermatozóides por mililitro, anomalia na forma do espermatozóide
(terastospermia) ou falta de mobilidade (astenospermia)
131
.
Por meio da inseminação, colocam-se os espermatozóides o mais próximo
possível do óvulo, no momento mais adequado. Com isto, suplanta-se os obstáculos
da infertilidade
132
.
A inseminação intravaginal consiste no depósito de espermatozóides na
vagina. É, basicamente, indicada para os casos de impossibilidade de uma relação
sexual normal ou de uma ejaculação intravaginal
133
.
A inseminação intracervical consiste no depósito de espermatozóides no colo
do útero.
Por meio da inseminação intra-uterina, são depositados espermatozóides,
previamente capacitados (após tratamento em laboratório), no fundo da cavidade
uterina, no momento da ovulação
134
. Em posição ginecológica, tem-se acesso ao
colo do útero, com abertura da vagina por um espéculo, que é o aparelho utilizado
para exames ginecológicos corriqueiros. Após a desinfecção do orifício do colo,
introduz-se um cateter até o interior do útero, ficando a aproximadamente um
centímetro do seu fundo, na zona mais próxima das trompas. Injeta-se o
concentrado de espermatozóides. O cateter é retirado e, não havendo refluxo da
amostra, a paciente pode se levantar e retomar sua atividade normal, sem
necessidade de repouso ou modificação na vida pessoal
135
. Esse tipo de inseminação
é o mais utilizado e com maiores chances de resultado.
131
LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 1995, p. 33.
132
SITES PARCEIRO. Inseminação artificial. Disponível em:
<http://www.aborto.com.br/inseminacao/>. Acesso em: 4 out 2005.
133
REPRODUÇÃO. Técnicas de reprodução assistida. Disponível em:
<http://www.semion.ned.br/tecnicas>. Acesso em: 5 mar 2002.
134
Id., ibid.,(on line), Acesso em: 5 mar 2002.
135
SITES PARCEIRO. op. cit., (on line). Acesso em: 4 out 2005.
Para o sucesso da inseminação artificial, a mulher é submetida a um
tratamento hormonal para maior produção de óvulos (indução da ovulação), pois,
como sabido, a regra é de que na ovulação natural só há liberação de um óvulo, ao
mês.
Já o sêmen recebe tratamento in vitro. O sêmen é submetido a técnicas de
migração e centrifugação, com o intuito de libertar os espermatozóides do líquido
seminal, o qual possui efeitos inibidores no processo de fecundação. O tratamento
também seleciona os espermatozóides móveis, rápidos e aptos a fertilizar
136
. O
sucesso da inseminação é garantido quando feita no momento preciso da ovulação.
A inseminação artificial poderá ser: a) heteróloga, quando feita com sêmen de
terceiro, que não seja o marido ou companheiro da mulher; b) homóloga, quando
realizada com o sêmen do próprio marido ou companheiro.
A inseminação artificial heteróloga é indicada para os casos de esterilidade
absoluta do homem ou de transmissão de doenças, por este. Já a inseminação
homóloga é utilizada para as demais ocorrências de infertilidade masculina ou
dificuldades na relação sexual.
É válido ressaltar que é possível o congelamento do sêmen recolhido, por até
20 (vinte) anos, sem alteração em suas características
137
.
2.2.2 A transferência intratubária de gametas (GFIT)
Para realização da transferência intratubária de gametas
138
, a mulher é
submetida a um tratamento hormonal, cujo intuito é estimular a produção de óvulos.
O bom desenvolvimento da estimulação é constatado pela dosagem da taxa
hormonal de estrogênio no sangue e pelo crescimento dos folículos ovarianos,
136
REPRODUÇÃO. op. cit., (on line). Acesso em: 5 mar 2002.
137
OMMATI, José Emílio Medauar. As novas técnicas de reprodução humana à luz dos princípios
constitucionais. Disponível em: <http://www1.jus.com.Br/doutrina/texto>. Acesso em: 11 set 2002.
138
Os gametas constituem a célula germinativa feminina ou masculina. O gameta masculino é o
espermatozóide e o gameta feminino é o óvulo.
avaliado através da ecografia
139
.
Após o tratamento hormonal, os óvulos são aspirados do corpo da mulher. A
punção dos folículos ovarianos, em muitos casos, é realizada em um centro
cirúrgico, com a paciente sob anestesia geral. Com o auxílio de ultra-som de alta
freqüência e um probe transvaginal com uma agulha acoplada, o médico introduz o
probe na vagina, identifica o ovário e punciona os folículos
140
.
Já o espermatozóide do marido, companheiro ou, ainda, de terceiro é captado e
tratado como na inseminação artificial. Posteriormente, por intermédio de uma
cirurgia chamada laparoscopia, uma óptica penetra a cavidade abdominal, por meio
de uma pequena incisão, permitindo a visualização das trompas. Em seguida, um
cateter deposita os gametas na trompa. Daí em diante, o processo de fertilização
segue seu caminho natural
141
. Neste método, a fecundação ocorre dentro do corpo
da mulher e não em laboratório.
Essa técnica é indicada para tratar casais cuja principal causa de infertilidade
é uma lesão tubária, mas pode produzir bons resultados em casos de endometriose,
distúrbios de esperma e infertilidade não explicada
142
. Não é uma técnica muito
utilizada pois seus resultados deixam a desejar em relação às demais.
O primeiro bebê oriundo desta técnica nasceu em 1985
143
, ou seja, sete anos
após o primeiro bebê de proveta do mundo. A vantagem dessa técnica é que a
fecundação ocorre dentro do corpo da mulher, diminuindo, assim, as manipulações
biológicas in vitro, ao mesmo tempo em que fornece um ambiente mais natural aos
embriões.
139
REPRODUÇÃO. Disponível em: <http://www.semion.med.br/guia.htm>. Acesso em: 04 out
2005.
140
REPRODUÇÃO. Disponível em: <http://www.foa.org.br/genetica/trabalhos/fertilizacao
invitro.pdf>. Acesso em: 04 out 2005.
141
REPRODUÇÃO. op. cit., (on line). Acesso em: 5 mar 2002.
142
REPRODUÇÃO. Disponível em: < http://www.ferticlin.com.br/>. Acesso em: 04 out 2005
143
LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 1995, p. 48.
2.2.3 A transferência intratubária de zigotos (ZIFT)
A transferência intratubária de zigotos
144
(ZIFT) segue inicialmente o mesmo
procedimento da técnica GFIT, ou seja, a mulher é submetida a um tratamento da
indução da ovulação e o sêmen é tratado em laboratório. A diferença é que ambos
os gametas são postos em contato em uma placa, fora do corpo da mulher para
fecundação. Esta placa é transferida para uma estufa, a qual simula o ambiente das
trompas
145
. Os zigotos resultantes são transferidos para o interior das trompas
uterinas, por meio da laparoscopia. Aqui, a fecundação ocorre fora do corpo da
mulher. Não há indução para a fecundação.
Tal como a GIFT, esta técnica, hoje, está praticamente em desuso, servindo
para casos excepcionais, como na incapacidade de se colocar os embriões através
do colo uterino.
2.2.4 A fertilização in vitro (FIV)
O primeiro bebê advindo da fertilização in vitro nasceu em 1978, na
Inglaterra, chamando-se Louise Brown
146
. Os médico responsáveis foram Patrick
Steptoe e Robert Edwards
147
.
No Brasil, o primeiro bebê nascido por meio da fertilização in vitro foi Ana
Paula Caldeira, em sete de outubro de 1984, pela equipe do Professor Milton
Nakamura
148
.
Outro marco relacionado à fertilização in vitro diz respeito ao nascimento do
primeiro bebê proveniente de um embrião congelado, em 1984, em Melbourne,
Austrália
149
.
144
Primeira célula resultante da fertilização de um óvulo por um espermatozóide, nas primeiras
horas após a fertilização. Após a segmentação, ou seja, reprodução das células, passa a ser chamada
de embrião.
145
REPRODUÇÃO. op. cit., (on line). Acesso em: 05 mar. 2002.
146
FRAZÃO, Alexandre Gonçalves. A fertilização in vitro: uma nova problemática jurídica.
Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp/id=1850>. Acesso em: 11 set. 2002.
147
CANTUÁRIA, Raimundo Amorim. op. cit., 2001, p. 77.
148
ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. op. cit., 2000, p. 30.
149
CANTUÁRIA, Raimundo Amorim. op. cit., 2001, p. 83.
A fertilização in vitro é uma das técnicas que mais se desenvolveu. Não só o
procedimento em si foi aprimorado, como também técnicas auxiliares foram criadas
para aumentar as taxas de gravidez e a qualidade dos embriões implantados
150
.
Hoje, graças aos avanços na reprodução assistida, é possível proporcionar uma
amostra com espermatozóides livre do vírus HIV, possibilitando, com isso, a
gravidez sem contaminar a mulher
151
.
A fertilização in vitro seguida da transferência de embriões (FIV) consiste em
uma continuação da técnica ZIFT. Os zigotos continuam incubados, in vitro, até sua
segmentação
152
. Os embriões resultantes são transferidos para o útero da mulher,
através de um cateter
153
. Essa técnica ficou conhecida como bebê de proveta.
Para a realização e o resultado da fertilização in vitro, também há a indução da
ovulação e a preparação do esperma.
A fertilização in vitro é indicada, principalmente, para os casos de ausência ou
obstrução irreversível das trompas.
2.2.5 Injeção intracitoplasmática do espermatozóide (ICSI)
Este modo de procriação artificial é bastante semelhante à fertilização in
vitro, sendo a única diferença representada pelo modo como ocorre a fecundação.
Enquanto na fertilização in vitro os espermatozóides são postos em contato com os
óvulos para que a fecundação ocorra livremente, na técnica ICSI, o espermatozóide
é injetado no óvulo, com o auxilio de um microscópio especial e de um
microagulha, procedimento este conhecido como micromanipulação
154
.
Esta técnica foi desenvolvida na Bélgica, pelo Professor A. Van Steirteghem e
sua equipe do Centro de Medicina Reprodutiva da Universidade Livre de Bruxelas,
150
REPRODUÇÃO. Disponível em: <http://www.portaldeginecologia.com.br/pdf/invitro.pdf>.
Acesso em: 4 out 2005.
151
Id., ibid., (on line). Acesso em: 4 out 2005.
152
OMMATI, José Emílio Medauar. op. cit., (on line). Acesso em: 11 set 2002.
153
REPRODUÇÃO. op. cit., (on line). Acesso em: 05 mar. 2002.
154
REPRODUÇÃO. op. cit., (on line). Acesso em: 05 mar. 2002.
no início da década de 90
155
.
A vantagem da injeção intracitoplasmática do espermatozóide é que basta um
único espermatozóide saudável para tornar a fecundação possível
156
. Assim, esta
técnica constitui uma saída para quase todos os casos de infertilidade masculina
(oligospermia, astenozoospermia, teratozoospermia).
2.2.6 As mães de substituição
O uso das mães de substituição, ordinariamente, conhecidas como mães de
aluguel, não chega a ser uma técnica científica de reprodução. Consiste, apenas, na
utilização do útero de uma terceira pessoa para assegurar a gestação. É indicado
para os casos de impossibilidade física da mulher em carregar e gestar o embrião
157
.
As indicações para gestação em ventre alheio são essencialmente médicas,
podendo-se mencionar como exemplos: a ausência de útero, congênita ou adquirida,
e riscos com a gravidez, como nos casos de mães diabéticas
158
.
Eduardo de Oliveira Leite registra o fato de que os primeiros casos relativos
ao empréstimo de útero ocorreram no ano de 1963, no Japão e, em 1975, nos
Estados Unidos. Segundo o mesmo autor, em 1988, tornou-se conhecida, pela
população dos EEUU, a existência de uma associação de mães de substituição
159
.
Na utilização do útero de substituição podem existir três mães: a) a
gestacional, que gesta a criança durante os nove meses; b) a biológica, que é a
doadora do óvulo; c) a socioafetiva, que recorreu aos centros de procriação
artificial.
As técnicas de reprodução assistida permitem a procriação a pessoas inférteis,
consagrando, com isso, a realização pessoal. Por um outro lado, não se pode olvidar
155
CANTUÁRIA, Raimundo Amorim. op. cit., 2001, p. 89.
156
REPRODUÇÃO. op. cit., (on line). Acesso em: 05 mar. 2002.
157
OMMATI, José Emílio Medauar. op. cit., (on line). Acesso em: 11 set 2002.
158
LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 1995, p. 67.
159
Id., idib., 1995, p. 66-67.
que também trouxeram perplexidades para a sociedade, levantando questionamentos
éticos e jurídicos.
2.3 Os riscos relacionados à utilização da reprodução assistida
Ao contrário do que se noticia, pela mídia, as técnicas de reprodução
assistida não constituem procedimentos simples, sem risco à saúde física e mental
dos usuários e do ser gerado. Essas técnicas não são um milagre que resolvem
todo e qualquer caso de infertilidade. Não há certeza alguma do resultado; ao
contrário, são poucos os casos em que se consegue sucesso, na primeira tentativa de
reprodução artificial.
O modelo de família valorizado pela sociedade e pelos meios de comunicação
social é o de casal com filhos, de modo que a infertilidade é encarada com estigma,
o que pode ocasionar o isolamento das pessoas inférteis. Liliana Seger-Jacob,
comenta que as mulheres inférteis referem-se às férteis como normais e colocam-
se em outra categoria. Essa conceitualização de ser outra, significa ser
culturalmente rejeitada e ser recusada [...]
160
.
As técnicas de reprodução assistida, na verdade, proporcionam riscos à saúde
física e mental dos usuários, que vivenciam todo o processo da procriação artificial,
com os estresses, depressões e sensações de fracasso. Esse lado sombrio, no
entanto, não é noticiado. A mídia passa sempre a imagem de uma fantasia que, na
prática, não existe. Neste sentido, seguem os ensinamentos de Liliana Seger-Jacob:
A mídia da cultura popular, como anúncios, revistas semanais e mensais,
filmes e televisão aumentam o conhecimento da biomedicina. Histórias
sobre mulheres que superam grandes desafios e diante de aterradores
custos para si mesmas foram bem-sucedidas na produção de um filho,
reproduzem e legitimam a hegemonia biomédica e aumentam a
necessidade do filho; por outro lado não se divulgam narrativas das
mulheres que acabaram perdendo seus parceiros, sua segurança financeira
e sua auto-estima em sua busca da reprodução e que raramente são capas
de revistas ou heroínas de filmes
161
.
A exigência cultural de que os casais devem não só procriar, como também
querer procriar, somada à propagação de um sucesso irreal em torno das técnicas de
160
SEGER-JACOB, Liliana. op. cit., 2000, p. 07.
161
SEGER-JACOB, Liliana. op. cit., 2000, p. 09.
reprodução assistida, fazem que não exista a possibilidade de aceitação de uma vida
sem crianças ou a possibilidade de adoção. Os casais, em vista do estigma da
infertilidade, o qual ocasiona a sensação de fracasso, ficam cegos e só passam a
enxergar, como solução, a procriação artificial.
As técnicas de reprodução assistida são procedimentos caros, inacessíveis
para a maior parte da população brasileira e sem a menor garantia de resultado
vitorioso. Como se pode observar, não existe o milagre da reprodução. Até se
alcançar a realização do projeto parental, mediante a procriação artificial, os casais
enfrentam um caminho doloroso e, muitas vezes, sem sucesso.
O estresse em torno da infertilidade e de seu tratamento é tão grande que,
segundo dados apresentado por Liliana Seger-Jacob, em uma entrevista com 200
casais, 49% das mulheres e 15% dos homens consideram a infertilidade uma
experiência pior do que a morte e o divórcio
162
. A mesma autora indica que, no final
do tratamento, apenas 37% dos casais tinham intenção de o repetir, o que evidencia
o desgaste, a pressão emocional, os custos financeiros, as interrupções das
atividades diárias experienciadas pelos participantes
163
.
No que diz respeito à saúde das mulheres, estas são submetidas a um
tratamento hormonal, cujo objetivo é estimular a produção de óvulos. Esse
hiperestímulo da ovulação representa, entretanto, sérios riscos, podendo provocar
colapsos cardiovasculares, presença de líquido intra-abdominal (ascite), anemia,
dentre outros problemas
164
.
Raimundo Amorim Cantuária também informa que o incitamento da ovulação
pode expor a mulher ao risco de morte, sem falar na probabilidade de ocorrência de
gravidez múltipla. Esse tipo de gestação traz riscos para a saúde, na medida que
deixa a mulher suscetível à realização de abortos, partos prematuros e dequitações
múltiplas.
Quanto aos bebês, estes ficam sujeitos à morte prematura e malformações,
162
Id., ibid., p. 33.
163
SEGER-JACOB, Liliana. op. cit., 2000, p. 33.
164
LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 1995, p. 45.
em virtude de anomalias cromossômicas originárias da estimulação ovariana, já que
é possível colher ovócitos imaturos ou supermaduros
165
. Ainda, os nascidos por
fertilização in vitro têm quatro vezes mais possibilidades de serem delivrados
mortos do que os outros
166
.
Quanto aos aspectos psicológicos, a reprodução assistida representa para os
casais inférteis o vislumbre de solução definitiva, a última chance de realização de
um projeto parental. Segundo Eduardo de Oliveira Leite, o desejo de engravidar
pode chegar a uma obsessão. A vida do casal se transforma num infinito
planejamento: curvas de temperatura, datas de ovulação, consultas médicas,
medicamentos maciços etc
167
; ou seja, a infertilidade influencia diretamente a vida
sexual do casal.
Como se não bastasse a crise emocional enfrentada pelo casal, todo o
caminho estressante para procriar e as esperanças depositadas, Eduardo de Oliveira
Leite lembra que:
Nem sempre o recurso às novas técnicas conduz necessariamente ao filho
tão esperado, como poderia se imaginar; os novos tratamentos podem
corresponder ao início de uma nova série de obstáculos, por vezes, mais
peníveis que a própria infertilidade
168
.
O percentual de sucesso da fertilização in vitro, por exemplo, oscila ao redor
de 35% a 40%, dependendo ainda de fatores como a idade da mulher e a ausência de
doenças
169
.
E os filhos? Quem pode garantir que não ficarão seqüelas psicológicas no
filho nascido por meio da procriação artificial com material genético de um
terceiro? Os pais estão preparados para uma situação como esta?
A verdade é que a revelação da origem genética é fundamental para o filho. É
interesse da criança saber de sua origem, pelos próprios pais. O ideal seria que os
próprios pais manifestassem a verdade para o filho, pois não viveriam com medo da
165
CANTUÁRIA, Raimundo Amorim. op. cit., 2001, p. 81.
166
Id., ibid., 2001, p. 85.
167
LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 1995, p. 25.
168
LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 1995, p. 28.
169
REPRODUÇÃO. Disponível em: <www.erhmatrix.com.br>. Acesso em: 21 ago 2005.
divulgação por terceiros. Além disso, a descoberta da verdade biológica, pelos
próprios pais, demonstra o afeto e o amor que sentem pelos filhos, além de denotar
uma relação de convicção e confiança. Relativamente a esse quadro, Eduardo de
Oliveira Leite assevera que a procriação artificial heteróloga é um caminho mais
doloroso do que fácil
170
. Continua o mesmo autor:
A revelação ou a não revelação à criança, da realidade de sua concepção,
está diretamente vinculada a inteira liberdade de escolha dos pais. [...] É
fundamental que todas as dúvidas dos pais gente aos traumatismos
imaginários que esta revelação provocaria junto à criança, estejam
devidamente resolvidas e, suficientemente, refletidas
171
.
Em razão de tantos tormentos pelos quais passam os casais até a consecução
da filiação, pode-se perceber que uma orientação e um acompanhamento
psicológicos fazem-se necessários, no uso da reprodução assistida, a fim de
proteger os pais e a futura criança.
O fato é que a reprodução assistida não pode ser encarada apenas pelo seu
lado fantasioso de possibilitar a procriação às pessoas inférteis. O procedimento é
muito complexo e engloba riscos para saúde física e mental, os quais, na maioria
das vezes, os usuários não estão preparados para enfrentar. O lado positivo existe
isso é inegável mas as pessoas devem tomar ciência do real caminho que
enfrentarão, em busca da filiação.
170
LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 1995, p. 106.
171
Id., ibid., 1995, p. 119.
3 O DIREITO DE FILIAÇÃO E O DIREITO DE
SUCESSÃO, NO NOVO CÓDIGO CIVIL, EM RELAÇÃO
ÀS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA
No capítulo anterior, demonstrou-se que atualmente as pessoas, pelos mais
diversos motivos (infertilidade, doenças geneticamente transmissíveis etc.) já se
podem valer das várias técnicas de reprodução assistida (inseminação artificial,
reprodução in vitro, mães de substituição, dentre outras) para viabilizar a
procriação de seus filhos.
Essa nova realidade científica apresenta reflexos no campo jurídico, fazendo-
se necessária uma adequação do Direito. Desse modo, o Código Civil de 2002
trouxe algumas inovações na matéria de filiação, principalmente no que se refere à
reprodução humana artificial. É o que se passa a estudar.
3.1 O Conceito de Filiação Dado pelo Artigo 1.596
Dentro dos parâmetros do Código Civil de 1916, o qual privilegiava a família
formada pelo casamento e o parentesco biológico, a filiação era conceituada como
a relação de parentesco consangüínea, em linha reta, de primeiro grau entre uma
pessoa e aqueles que lhe deram vida
172
.
Em virtude das transformações na família e da procriação artificial com
gametas de terceiros, esse conceito de filiação tornou-se ultrapassado, de modo que
a relação filial não pode mais ser considerada apenas a consangüínea.
As transformações da família e a recuperação dos valores afetivos fizeram
que o aspecto biológico deixasse de ser o único elemento determinante na
172
DINIZ, Maria Helena. op. cit., 2004, p. 396.
identificação da paternidade. Esse fato é tão verdadeiro que atualmente se fala em
desbiologização da paternidade, que é o reconhecimento da paternidade afetiva,
não necessariamente biológica
173
. A filiação é, antes de tudo, a filiação vivida.
A paternidade afetiva é caracterizada pelos laços de amor e afeto que devem
permear uma relação filial. Não há nada mais coerente do que o famoso jargão
popular: pai é o que cria. Segundo Luiz Roberto de Assumpção:
A verdadeira paternidade, sob as luzes da Constituição Federal, não pode
ser concebida, na atualidade, como dado puramente biológico, mas deve
ser construída dentro de uma realidade histórico-cultural, informada pela
prioridade absoluta do filho.
174
Maria Berenice Dias salienta que a coincidência genética deixou de ser
fundamental na análise dos vínculos familiares. A paternidade não é só um ato
físico, mas, principalmente, uma fato de opção.
175
Realmente, pai não é
necessariamente o que cedeu o espermatozóide, o biológico, mas sim aquele que
criou, deu carinho, educou, dividiu sua vida com o filho.
No mesmo sentido, leciona Paulo Luiz Netto Lôbo:
As relações de consangüinidade, na prática social, são menos importante
que as oriundas de laços de afetividade e da convivência familiar,
constituintes do estado de filiação, que deve prevalecer quando houver
conflito com o dado biológico, salvo se o princípio do melhor interesse da
criança ou o princípio da dignidade da pessoa humana indicarem outra
orientação
176
.
Diante da importância dos laços de afetividade, o Direito evoluiu e passou a
dar importância também à paternidade socioafetiva. Tal fato já é perceptível
inclusive nas decisões dos tribunais pátrios, nas ações em torno da filiação. Veja-
se:
DIREITO DE FAMÍLIA - RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE -
ATO DECLARATÓRIO LIVRE E ESPONTÂNEO - ANULAÇÃO -
POSSIBILIDADE, NOS CASOS PREVISTOS EM LEI - INEXISTÊNCIA
DE ERRO, COAÇÃO OU QUALQUER VÍCIO DE CONSENTIMENTO -
PATERNIDADE AFETIVA QUE SE PRESERVA. Sendo o
reconhecimento da paternidade por parte do declarante livre e
173
DUARTE, Rodrigo Collares. Desbiologização da paternidade e a falta de afeto. Disponível em:
<http://www1.jus.com.Br/doutrina/texto.sp?id=5845>. Acesso em: 06 abr 2005.
174
ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de. op. cit., 2004, p. 202.
175
DIAS, Maria Berenice. op. cit., 2005, p. 330.
176
LOBO, Paulo Luiz Netto, op. cit., (on line). Acesso em: 22 fev 2005.
espontâneo, sem qualquer eiva de nulidade, sem erro ou vício de
consentimento, já existente o exame do DNA no mundo jurídico à época
da declaração, o qual foi dispensado por interesse do declarante, não pode
ser anulado sponte sua, movido por interesses outros, em razão do
término do relacionamento com a mãe. O ato de reconhecimento expresso
e espontâneo da paternidade, dando causa a um relacionamento afetivo
com a criança, não pode posteriormente, ser anulado, a não ser nos casos
previstos em lei, pois o vínculo afetivo que se forma transcende o
interesse pessoal do declarante, que passa a ter responsabilidade com a
criança que assumiu. O ato de reconhecimento feito na dúvida da filiação
se equipara à adoção, que é irrenunciável e não passível de
arrependimento, sendo irretratável e irrevogável. (Tribunal de Justiça de
Minas Gerais. Número do processo: 1.0303.04.911187-3/001(1) Relator:
Gouvêa Rios. Relator do Acórdão: Vanessa Verdolim Hudson Andrade.
Data do acórdão: 14/12/2004. Data da publicação: 04/02/2005)
177
.
EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO RESCISÓRIA. ALEGAÇÃO DE
ERRO DE FATO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. Não se verifica
erro de fato quando a prova produzida foi devidamente analisada pelo
magistrado. Sentença que reconhece estado de filha que se deu - de forma
pública e respeitosa, onde ela "era carinhosamente tratada pelo mesmo
como filha". Relação de afeto que ao longo do tempo foi fincando raízes a
ponto de criar uma verdade social que independe da verdade biológica.
Reconhecida - ausente qualquer dúvida - a socioafetividade, a decisão
rescindenda não incidiu em erro de fato por ignorar o laudo pericial. Ação
rescisória que se embasa em erro de fato pois o resultado da perícia que
apontou que os embargantes não são os avós biológicos da embargada.
Novo DNA que concluiu que nenhuma conclusão verdadeira a respeito da
paternidade dos autores em relação ao investigado se pode realmente tirar
do laudo. - Ver Embargos de Declaração 70009707449 - Ver Ação
Rescisória 597245547 EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS,
POR MAIORIA. (segredo de justiça). (Tipo de processo: Embargos
Infringentes. Comarca de origem: Porto Alegre Número: 70004747143.
Relator: Rui Portanova. Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de
Justiça do RS, julgado em 18/06/2004)
178
.
NEGATIVA DE PATERNIDADE. DECADENCIA. VALIDADE DE
SENTENCA. ERRO. PROVA. ESTADO DE FILHO. O caso não se
afeiçoa aos termos do artigo 178, par. 3, do código civil. Ali esta prevista
a prescrição da ação do marido para contestar a legitimidade do filho de
sua mulher. Ou seja, indispensável que se trata de filho havido durante e
na relação de casamento. Em suma, o autor não e - e nunca foi - casado
com a mãe do apelante. Nem a inicial cai em inépcia, nem a sentença não
padece do defeito de ser "extra petita". Interessa que a inicial descreveu
adequadamente os fatos que levaram o apelado a fazer o reconhecimento
e o registro que agora quer anular. Por sua vez, a sentença tomou em
consideração exatamente tais fatos. E deu a solução de procedência, com
absoluta coerência de causa e efeito. Caso em que não se trata de
"paternidade afetiva , nem de "adoção a brasileira", pois um fato, forte e
definitivo, afasta esta linha de argumentação: desde o nascimento do
apelante, sua mãe sempre argumentou com a "filiação biológica" e não
com a " paternidade afetiva. soubesse o apelado que o apelante não era
seu filho, não o teria reconhecido. o reconhecimento só veio porque,
mantidas relações sexuais, o desconhecimento sobre o relacionamento da
mãe do autor com outro homem, levou-o a acreditar que ele era mesmo o
pai do apelante. ademais, ja havia, inclusive, a procedência da ação de
alimentos. negaram provimento. (11 fls) segredo de justiça. (Apelação
cível nº 70001590595, Comarca de origem: Santo Ângelo, Oitava Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, julgado em
177
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>.
Acesso em: 01 set 2005.
178
Id., ibid., (on line). Acesso em: 01 set 2005.
30/11/2000)
179
.
CIVIL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. GUARDA
DE MENOR. PREVALÊNCIA DA PATERNIDADE SÓCIO- AFETIVA
SOBRE A BIOLÓGICA. RECURSO IMPROVIDO. A excepcionalidade
que autoriza seja a criança criada e educada em família substituta
encontra-se configurada quando o menor é voluntariamente entregue,
ainda recém-nascido, à outra família, estando a criança a ela
perfeitamente integrada. a paternidade a ser privilegiada, em qualquer
hipótese, é a sócio- afetiva. (Apelação cível nº 20030150089995 APE DF,
2ª Turma Cível. Relator: Mario-Zam Belmiro. Tribunal de Justiça do
Distrito Federal. Relator designado: Carmelita Brasil. Publicação no DJU:
17/02/2005 pág. 64)
180
.
É válido ressaltar que a conotação biológica de filiação continua sendo
importante e não deve ser afastada; ao contrário, deve coexistir com a socioafetiva.
Pretende-se, apenas, demonstrar que a verdade biológica não deve ser absoluta, uma
vez que, em se tratando de relações familiares, o afeto e o amor devem ser seus
elementos caracterizadores. O caso concreto, com suas especificidades, indicará
qual o elemento (biológico ou afetivo) que deverá ser privilegiado, pois, como bem
salienta Eduardo Cambi, a aplicação do Direito não deve resultar injustiças
181
. É
certo que o Direito não faz nascer o amor entre as pessoas, mas é seu dever criar
um terreno propício ao desenvolvimento do afeto.
Diante da desbiologização da filiação, o seu conceito foi, então, a primeira
mudança introduzida pelo novo Código Civil. O artigo 1.596, do novo Código,
seguindo o artigo 227, §6º, da Constituição Federal de 1988, denota explicitamente
essa modificação
182
, ao dizer que os filhos havidos ou não da relação de
casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias, relativas à filiação.
Este artigo visou a evitar as discriminações em relação aos filhos adotivos ou
advindos de relações não matrimoniais, tais como as incestuosas, adulterinas e as
uniões estáveis, consagrando, no plano infraconstitucional, o princípio da igualdade
entre os filhos. Em conseqüência, porém, da atual realidade científica, este
179
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. op. cit., (on line). Acesso em: 01 set 2005.
180
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Disponível em: <http://www.tj.df.gov.br>.
Acesso em: 01 set 2005.
181
CAMBI, Eduardo. O paradoxo da verdade biológica e sócio-afetiva na ação negatória de
paternidade, surgindo com o exame de DNA, na hipótese de adoção à brasileira. Júris Síntese
Millennium, jul./ago. 2003. CD-ROM.
182
Neste trabalho, trata-se esse artigo como uma inovação em relação ao código anterior, embora
tenha se limitado a transcrever dispositivo constitucional, porque se busca demonstrar em que o
novo Código Civil inovou, na matéria de filiação.
dispositivo deve ser utilizado também para tutelar os interesses dos filhos advindos
da reprodução assistida. O legislador infraconstitucional, ao repetir a Constituição,
procurou reforçar o princípio da igualdade entre os filhos.
3.2 As Presunções de Paternidade do Artigo 1.597
Com o desenvolvimento da Medicina e a aplicação das técnicas de
reprodução assistida, muitas dúvidas surgiram em torno das presunções de
paternidade adotadas pelo Código Civil de 1916. Assim, seria possível continuar
afirmando que o filho da mulher casada é do marido (presunção pater is est quem
justae nuptiae demonstrat), mesmo diante da inseminação heteróloga, sem o
consentimento dele? Ante o congelamento de sêmen para ulterior inseminação
homóloga, poder-se-ia afirmar que só é filho do marido aquele nascido nos
trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal? O marido, por
estar distante fisicamente da mulher, poderia alegar que o filho havido por
inseminação homóloga ou heteróloga com sua autorização não é seu?
As presunções de paternidade elencadas, pelo Código Civil de 116, eram
insuficientes para albergar as novas formas de filiação decorrentes das técnicas de
reprodução assistida. As presunções de paternidade, antes pautadas unicamente na
verdade biológica, ou seja, na probabilidade de um vínculo genético, tornaram-se
obsoletas perante, por exemplo, a inseminação heteróloga, com o consentimento do
marido. Diante, portanto, das técnicas de reprodução assistida, o Código Civil, do
primeiro quartel do século XX, tornou-se ultrapassado, no que concerne à matéria
de filiação.
Por outro lado, mesmo com implicações diretas na matéria de filiação, a
reprodução assistida não foi contemplada pelo original do Projeto de Lei n.º 634/75,
referente ao novo Código Civil. Inicialmente, o Projeto repetia as mesmas hipóteses
de presunções de filiação do artigo 338, do Código Civil 1916. Doutrinadores de
todo o País passaram, então, a exigir que os legisladores inserissem novas
presunções abrangendo as situações decorrentes da reprodução assistida. Assim, o
texto aprovado pelo Senado Federal, em 1997, incluiu o inciso III, no então artigo
1.602, com a seguinte redação:
Art. 1.602 - Presumem-se concebidos na constância do casamento os
filhos:
(...)
III - havidos por inseminação artificial, desde que tenha prévia
autorização do marido.
Na Câmara dos Deputados, o então Projeto de Lei n.º 634/75 foi objeto de
mais mudanças, a fim de incluir outras situações concernentes à reprodução
assistida. Tais modificações foram sancionadas pelo Presidente da República, vindo
a compor o atual artigo 1.597, in verbis:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os
filhos:
I nascidos 180 (cento e oitenta) dias, pelo menos, depois de
estabelecida a convivência conjugal;
II nascidos nos 300 (trezentos) dias subseqüentes à dissolução da
sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do
casamento;
III havidos por inseminação artificial homóloga, mesmo que falecido o
marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões
excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia
autorização do marido.
Os incisos I e II do artigo 1.597 constituem meras repetições das presunções
de paternidade contidas no Código de 1916. Nos incisos seguintes, o novo artigo
tenta adaptar o Direito à nova realidade científica, situando no rol das presunções
as situações da procriação artificial. Os três últimos incisos do artigo 1.597,
segundo Eduardo de Oliveira Leite, enfrentam a questão complexa da relação
sexual, permitindo o desenvolvimento do ser humano, fora do corpo da mulher, no
laboratório.
183
3.2.1 O Inciso III, do Artigo 1.597 do Código Civil
De acordo com o inciso III, do artigo 1.597, do Código Civil, vige a
presunção de que são filhos concebidos na constância do casamento os havidos por
inseminação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido.
Diante desta nova presunção, o marido não poderá impugnar essa paternidade
183
LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, v. 5, p. 204.
por estar distante fisicamente da mulher, pois, em se tratando de inseminação
artificial, a presença física do marido não é necessária, bastando a utilização de
seus espermatozóides.
O mesmo inciso III estabelece a presunção de filiação ainda que a
inseminação tenha sido realizada após a morte do marido, o que mais uma vez
comprova a desnecessidade da sua presença física.
Ao permitir a concepção artificial post mortem, o incido III, do artigo 1.597,
do Código Civil suscita várias divergências na doutrina acerca da necessidade ou
não de consentimento expresso pelo marido. Maria Berenice Dias, ao interpretar o
referido inciso III, entende que na fecundação artificial homóloga, não há
necessidade de autorização do marido. A cláusula mesmo que falecido o marido
deve ser interpretada tão-somente para fins de estabelecimento da paternidade,
observado o prazo limite de 300 dias da morte do varão
184
; ou seja, segundo a
Doutrinadora, a presunção, em caso de fecundação homóloga post mortem, só vige
se o filho vier a nascer dentro dos trezentos dias após a morte do marido/ pai.
Tal entendimento não encontra guarida jurídica, porque, se esse fosse o
intuito do legislador, não haveria um artigo especial para procriação artificial
homóloga post mortem, pois esta situação já estaria protegida pela regra geral, do
inciso II, do artigo 1.597. A presunção da paternidade do inciso III é justamente
para os casos em que o filho venha a nascer nos trezentos dias após o fim da
sociedade conjugal.
Em interpretação do inciso III do artigo 1.597 do Código Civil, o Superior
Tribunal de Justiça, nas Jornadas de Direito Civil de 2002, aprovou o enunciado
106, com a seguinte redação:
106 Art. 1.597, inc. III: para que seja presumida a paternidade do
marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das
técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido,
esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja
autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético
após sua morte
185
.
184
DIAS, Maria Berenice. op. cit., 2005, p. 338.
De acordo com o enunciado 106, portanto, o filho nascido por meio da
reprodução assistida após a morte do pai, e sem a autorização deste, não teria sua
paternidade presumida. Esse entendimento, todavia, não possui fundamento legal.
Seguindo o mesmo entendimento do Enunciado 106 sobre o inciso III, do
artigo 1.597, Maria Berenice Dias leciona:
Ainda o marido tenha fornecido o sêmen, não há como presumir o
consentimento para a inseminação post mortem. Somente na hipótese de
ter havido expressa autorização do marido é que a fertilização pode ser
feita após o seu falecimento. O princípio da autonomia da vontade
condiciona a utilização do material genético ao consentimento expresso a
esse fim. [...] não se pode presumir que alguém queira ser pai depois de
morto
186
.
Maria Berenice Dias conclui que, para ser configurada a presunção de
paternidade, em caso de fecundação post mortem, o marido deve deixar expresso o
consentimento.
Observe-se que o artigo 1.597, em seu inciso V, exige que o marido conceda
expressa autorização para que se presuma a filiação decorrente de reprodução
assistida heteróloga. Já no que se refere à concepção artificial homóloga, não há
exigência de nenhuma autorização. Ora, se o legislador exigiu o consentimento
expresso do marido, nos casos de reprodução assistida heteróloga, e não o fez para
a procriação homóloga, é porque, neste caso, considerou o elemento biológico mais
importante do que o volitivo.
Em interpretação ao inciso III, do artigo 1.597, Guilherme Calmon Nogueira
da Gama salienta que não é necessário o expresso consentimento do marido,
porque, diversamente do que ocorre na reprodução assistida heteróloga, o critério a
ser observado será o biológico
187
. A filiação formada, no caso do inciso III, leva em
consideração o vínculo biológico e não a vontade do marido.
Se não há exigência legal de consentimento, presume-se concebido na
185
ENUNCIADOS. Disponível em: <http://daleth.cjf.gov.br/revista/enunciados/IJornada.pdf>.
Acesso em: 12 set. 2005.
186
DIAS, Maria Berenice. op. cit., 2005, p. 338.
187
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A reprodução assistida heteróloga sob a ótica do novo
código civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 92, v. 817, 11-34, nov. 2003, p. 19.
constância do casamento o filho havido por fecundação artificial homóloga, mesmo
na falta de autorização expressa. Desse modo, o entendimento consubstanciado no
enunciado 106, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não deve prosperar.
Ressalte-se que, no Brasil, vige o princípio constitucional da legalidade,
consagrado pelo artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, que dispõe: ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Como não existe no ordenamento jurídico nacional a exigência legal de
consentimento expresso do marido, a clínica (ou centro de reprodução humana) não
está obrigada a exigir tal autorização para a realização da procriação artificial
homóloga. Na atual conjuntura jurídica ausência de lei sobre a reprodução
assistida não há que se falar, portanto, na necessidade de consentimento explícito
para presunção de filiação decorrente de procriação artificial homóloga.
Evidenaica-se, desse modo, a necessidade de uma lei que determine a
autorização expressa do marido, nos casos de inseminação artificial homóloga post
mortem, a fim de evitar práticas atentatórias à autonomia da sua vontade.
Por outro lado, em sendo exigido o consentimento cabal do marido pela lei,
será justo negar a condição de filho àquele que nasceu por meio de procriação
artificial homóloga sem plena autorização do pai? A autorização é realmente um
elemento imprescindível para determinar uma filiação?
Para responder a essas indagações, é preciso entender a existência de dois
tipos de filiação: a) a que depende única e exclusivamente da vontade dos pais: e,
b) a que pode se estabelecer contra a vontade dos pais.
São exemplos de filiação dependente única e exclusivamente da vontade dos
pais: a adoção e a reprodução assistida heteróloga. O ato de vontade, nesses casos,
é provado mediante uma sentença (no caso da adoção) ou um contrato (no caso da
procriação heteróloga). O vínculo biológico é desconsiderado e o elemento volitivo
é o que faz nascer o vínculo de filiação. Sem o elemento vontade, não existe nem
a adoção nem a reprodução assistida heteróloga, sendo o aspecto volitivo, portanto,
imprescindível.
Nas relações de filiação que podem se estabelecer contra a vontade dos pais,
tem-se, por exemplo, o reconhecimento forçado de um filho biológico. Aqui, o
elemento volitivo é desprezado e é levado em consideração apenas o aspecto
genético. Aliás, o reconhecimento forçado de filho só existe nos casos de filiação
biológica, situação em que não se perquire a vontade, mas apenas o vínculo
biológico. Em se tratando de filiação biológica, o Direito brasileiro não avalia, em
regra, o elemento volitivo, bastando a comprovação do liame genético.
É claro, contudo, que entre os dois extremos de filiação, há também aquela
que conjuga os dois elementos: a vontade e o fator biológico. Exemplo desta
filiação, dentre outros, é o da inseminação artificial post mortem, com
consentimento formal do marido.
No caso do inciso III, do artigo 1.597, ora em análise, o elemento
caracterizador da filiação deve ser o biológico, mais do que o volitivo, sob pena de
se ferir o princípio da igualdade entre os filhos. Ora, quantos filhos nascem sem o
consentimento dos pais e mesmo assim o Direito estabelece a filiação? Por que na
reprodução assistida deveria ser diferente?
Imagine-se a seguinte situação: um casal não queira ter filhos e toma todas as
providências para afastar essa possibilidade. A mulher toma pílula anticoncepcional
e o homem usa preservativo. Sendo que a mulher toma pílula falsa de farinha, sem
saber. Durante uma relação sexual, a camisinha utilizada fura e a mulher engravida.
Observe-se que o casal, além de não querer filhos, toma as cautelas necessárias para
evitá-los, no entanto nada adianta. Diante do fato exposto, questiona-se: o bebê
advindo desse casal perde a condição de filho em virtude da ausência do elemento
volitivo? É quase certo que todos irão dizer que não. Ora, por mais que os pais não
queiram procriar e por mais cautelosos que sejam, o bebê não perderá a condição de
filho. Neste caso, cabe apenas responsabilizar civilmente o laboratório que
produziu a pílula de farinha e a fábrica de preservativos, se for o caso.
A reprodução assistida deve ser analisada pela mesma perspectiva, pois não
há fundamentos axiológicos que distingam as duas situações. A ausência de
consentimento expresso na procriação artificial homóloga não deve ilidir a
condição de filho, pois, do contrário, estar-se-ia ferindo o princípio da igualdade
entre os filhos. Ao deixar o seu material genético congelado, o marido está
assumindo o risco de vir a ter um filho. Mesmo que o marido proíba explicitamente
o uso de seu material genético, ainda assim, o bebê porventura nascido não deve
perder a qualidade de filho.
Poder-se-ia indagar: e quanto ao direito do pai em não querer ter seu material
genético utilizado? Não se está aqui para excluir a autonomia da vontade do pai,
apenas se está afirmando que, se o filho vier a nascer, mesmo sem o consentimento,
a condição de filho deve subsistir inalterada. Ao negar a condição de filho àquele
que nasceu sem o consentimento do pai, estar-se-ia punindo o filho e não a pessoa
que agiu de má-fé em desrespeito à vontade alheia. Se a clínica ou centro de
reprodução assistida realizou a inseminação artificial homóloga, sem o devido
consentimento do marido, ou se a mulher forjou tal autorização, estes é que devem
ser punidos; jamais a criança.
O Direito deve criar mecanismos para punir e desestimular as atitudes da
mulher que venha a utilizar material genético alheio, sem o devido consentimento.
Na esfera civil, referida punição poderia acontecer por meio de: exclusão da
sucessão da herança deixada pelo filho e/ou pelo marido, proibição do usufruto dos
bens do filho menor e reparações por danos morais. Na esfera penal, um novo tipo
penal deve ser criado para albergar e punir as situações relacionadas à reprodução
assistida.
Ressalte-se, mais uma vez: a mulher que agiu de má-fé e de forma
inescrupulosa e/ou a clínica de reprodução assistida, se for o caso, é que devem ser
punidos e não o filho. A condição de filho subsiste inalterada, mesmo com a
ausência de consentimento do marido.
Importa esclarecer que não se pretende defender a posição de que o filho tem
direito a um pai, até porque este direito não vai ser efetivado, nos casos de
inseminação artificial post mortem, porquanto o pai já estaria morto no momento da
própria concepção. Pretende-se demonstrar é que, em se tratando de procriação
artificial homóloga, o elemento determinante do vínculo de filiação deve ser o
liame biológico e que este persiste, ainda que o marido não tenha concedido formal
autorização. Essa relação filial, ainda que baseada única e exclusivamente no
aspecto biológico, terá efeitos jurídicos e salvaguardará os interesses dos filhos,
tais como o direito à herança.
Também não se assevera que o consentimento expresso do marido, em caso
de procriação artificial homóloga, é desnecessário; ao contrário, o consentimento é
imprescindível para salvaguardar a autonomia da vontade e a boa-fé nas relações
familiares. A lei que vier regular o uso da reprodução assistida deverá, inclusive,
exigir que tal autorização seja efetuada mediante instrumento público, a fim de
trazer mais segurança jurídica, por dificultar eventuais falsificações. A ausência de
autorização do marido, nos casos de procriação artificial homóloga, não deve,
entretanto, excluir a paternidade, que deve ser estabelecida, neste caso, em virtude
do elemento biológico e não do volitivo. A ausência de consentimento do marido,
como mencionado, deve fazer nascer apenas a responsabilidade civil e criminal
daqueles que usurparam a autonomia da vontade alheia.
Poder-se-ia indagar, ainda: como entender a filiação socioafetiva, nos casos
de procriação artificial homóloga sem o devido consentimento? O reconhecimento
da filiação socioafetiva foi importante para dignificar as filiações não biológicas,
como a adoção que, antes da Constituição de 1988, recebia tratamento diferenciado.
Também a filiação socioafetiva é importante, nos dias atuais, para impedir que um
pai socioafetivo exclua uma filiação que voluntariamente a assumiu, utilizando por
fundamento o vínculo biológico. Este é o sentido e a importância do
reconhecimento da filiação socioafetiva.
O reconhecimento constitucional da filiação socioafetiva não implica afirmar
que só existe filiação juridicamente reconhecida onde houver o afeto e a vontade de
ser pai, pois a relação filial biológica tem também plena proteção jurídica.
Ainda, no que se refere ao Enunciado n.º 106, do STJ, é exigível, para
presunção da filiação na concepção artificial homóloga post mortem, que a mulher
esteja na circunstância de viúva; ou seja, a mulher não poderia estar separada
judicialmente ou divorciada. Tal entendimento também não condiz com a leitura do
artigo 1.597, inciso III, que não faz essa distinção. Segundo o dispositivo legal, não
importa se os pais estavam separados ou divorciados, persistindo inalterada a
qualidade de filho. Mais uma vez, o que importa é o elemento biológico que
subsiste, ainda que os pais estejam separados ou divorciados.
3.2.2 O Inciso IV, do Artigo 1.597, do Código Civil
De acordo com o inciso IV, do artigo 1.597, do Código Civil, presumem-se
concebidos na constância do casamento os filhos havidos, a qualquer tempo, quando
se tratar de embriões excedentários (não utilizados quando da transferência para o
útero), decorrentes de concepção artificial homóloga. Vige, portanto, a presunção
de que é filho do marido o nascido, a partir do desenvolvimento de embrião
excedentário, há mais de trezentos dias após o fim da sociedade conjugal.
O inciso IV, do artigo 1.597 também aventa muitas divergências na doutrina
acerca da necessidade ou não de consentimento expresso pelo marido. Neste
sentido, o Superior Tribunal de Justiça, nas Jornadas de Direito Civil de 2002, em
interpretação do inciso IV, do artigo 1.597, aprovou o enunciado 107, com a
seguinte redação:
107 Art. 1.597, IV: finda a sociedade conjugal, na forma do art. 1.571,
a regra do inc. IV somente poderá ser aplicada se houver autorização
prévia, por escrito, dos ex-cônjuges para a utilização dos embriões
excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de
implantação desses embriões
188
.
Por sua vez, o artigo 1.571, do Código Civil, dispõe:
Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:
I pela morte de um dos cônjuges;
II pela nulidade ou anulação do casamento;
III pela separação judicial;
IV pelo divórcio.
§ 1º - O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges
ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código
quanto ao ausente.
§ 2º - Dissolvido o casamento pelo divórcio direito ou por conversão, o
cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso,
dispondo em contrário a sentença de separação judicial.
188
ENUNCIADOS. op. cit., (on line). Acesso em: 12 set. 2005.
O enunciado 107 exige, em caso de dissolução da sociedade conjugal, que os
ex-cônjuges dêem autorização prévia para utilização dos embriões excedentários.
Também, no inciso IV do artigo 1.597, do Código Civil não há a exigência de
consentimento expresso por ambos os pais. Seguindo a mesma linha de raciocínio
anteriormente traçada, deve ser levado em consideração o princípio constitucional
da legalidade. Como não existe no ordenamento jurídico brasileiro uma lei exigindo
consentimento de ambos os pais, nenhuma clínica (ou centro de reprodução
humana) estará obrigada a exigi-lo. Desse modo, presumem-se concebidos na
constância do casamento os filhos havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de
embriões excedentários decorrentes de concepção artificial homóloga, ainda que
sem autorização dos pais.
Mais uma vez, apresenta-se uma situação na qual a filiação deve ser
determinada pelo vínculo biológico e não pela vontade. Ora, a falta de autorização
não exclui a qualidade de filho e, se excluísse, haveria uma grande injustiça e
atentado aos interesses dos filhos. Quantos casos existem na sociedade de o pai não
querer e não ter dado autorização para procriação e, ainda assim, ser surpreendido
com a notícia de uma gravidez? Em se tratando de filiação biológica, a regra é que
a vontade deve ser um elemento importante, mas secundário.
O fato de não querer filhos e de não ter dado autorização não deve excluir a
paternidade biológica. O filho nascido, ainda que contra a vontade de um dos pais,
não deverá ser apenado. Ao deixar embrião com seu material genético congelado, o
marido e a mulher assumiram o risco de vir a ter esse filho, da mesma forma que
assumem o risco de ter um filho, ao relacionar-se sexualmente, sem a devida
proteção e segurança. Tem-se, aqui, mais uma filiação que pode ser estabelecida
contra a vontade, levando em consideração o elemento biológico.
Aqui, mais uma vez, a controvérsia será solucionada no âmbito da
responsabilidade civil ou penal da clínica, por não ter exigido a autorização do
marido, ou da mulher, ou por haver falsificado tal autorização. A qualidade de
filho, como dito, deve, porém, subsistir inalterada, pois a filiação biológica
encontra pleno amparo legal.
3.2.3 O Inciso V, do Artigo 1.597 do Código Civil
De acordo com inciso V, do artigo 1.597, do novo Código Civil, presume-se
concebido, na constância do casamento, o filho havido por inseminação artificial
heteróloga, desde que se tenha prévia autorização do marido.
Observe-se que o inciso V do artigo 1.597, do Diploma Civil, faz referência
a uma única modalidade de reprodução assistida heteróloga: a inseminação
artificial. Por uma interpretação extensiva, sistemática e teleológica é possível
afirmar, no entanto, que a presunção do inciso V inclui outras modalidades de
reprodução assistida em que possam ser utilizados gametas de terceiros, como, por
exemplo, a fertilização in vitro.
Em todo caso, não importando a técnica utilizada, para que exista presunção
de paternidade nos casos de procriação artificial heteróloga, é imprescindível o
consentimento do marido. Sem consentimento, deixa de existir presunção de
paternidade.
Também de acordo com o inciso V do artigo 1.597, o marido que deu
autorização para a procriação artificial heteróloga não poderá impugnar a
paternidade, alegando encontrar-se distante fisicamente da mulher. Ora, a presença
física do cônjuge varão não é necessária para a realização da reprodução assistida.
Importa ressaltar que, uma vez realizada a inseminação artificial heteróloga,
com o consentimento do marido, não há mais a possibilidade de retratação. Neste
sentido, leciona Guilherme Calmon Nogueira da Gama:
A hipótese não é de presunção relativa (ou iuris tantum), mas de
presunção absoluta (iuris et iure) ou certeza da parentalidade, levando em
conta a impossibilidade jurídica de admitir a impugnação da paternidade
relativamente àquele que manifestou vontade no bojo do desenvolvimento
do projeto parental dos cônjuges e posteriormente pretende se retratar de
tal consentimento. A paternidade já havia se constituído desde a época da
concepção e do início da gravidez, tal como ocorreria na hipótese de
procriação carnal pressupondo a relação sexual
189
.
No caso de presunção de paternidade do inciso V, do artigo 1.597, do Código
Civil, o elemento a ser levando em consideração é a vontade manifesta pelo marido.
Ao dar o consentimento, o marido aceitou a paternidade, não podendo após se
retratar, sob pena de ferir os princípios constitucionais do melhor interesse da
criança e da paternidade responsável, consagrados pelos artigos 226 e 227. O
critério a ser levado em consideração, nos casos de fertilização heteróloga, não é o
biológico, mas o afetivo, consubstanciado na vontade externada no consentimento.
Aqui, a presunção de paternidade é, pois, fundada no consentimento e não no
aspecto biológico.
Vale esclarecer que, quando houver vício de consentimento para a realização
da fertilização heteróloga, o marido poderá impugnar tal paternidad. Isto porque a
paternidade é formada levando em consideração o consentimento livre e a liberdade
consciente do marido. Onde existir vício de consentimento, não existe vontade livre
e consciente, de sorte que não há a presunção de paternidade do inciso V, do artigo
1.597.
De acordo com Andréa Aldrovandi e Danielle Galvão de França, a inclusão
do inciso V, no art. 1.597, do novo Código Civil, revelou-se extremamente
importante, pois reforça o entendimento de que, ao dar consentimento, o marido
assume a paternidade, não podendo depois impugnar a filiação
190
. De fato, não se
pode permitir que o marido impugne a paternidade aceita, pois, do contrário, estaria
ocasionando grande injustiça em relação à mulher (com quem concordou na
operação), mas, especialmente, em relação ao filho, que não pode ficar à mercê das
indecisões paternas
191
. Ao dar seu consentimento livre e espontâneo, o marido
renuncia, a partir de então, à ação negatória de paternidade.
Com o inciso V, fica explícita a orientação seguida pelo novo Código Civil, a
da família socioafetiva, na qual, segundo José Roberto Moreira Filho:
O pai ou a mãe não se definem apenas pelos laços que os unem ao menor
189
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. op. cit., 2003, p. 18.
190
ALDROVANDI, Andréa; GALVÃO, Danielle Galvão. op. cit., (on line). Acesso em: 11 set 2002.
191
LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 2005, 5v., p. 204.
e sim pelo querer externado de ser pai ou mãe, de então assumir,
independentemente do vínculo biológico, as responsabilidades e deveres
em face da filiação, com a demonstração de afeto e de querer bem ao
menor
192
.
A questão da paternidade socioafetiva é, em muitos aspectos, mais
importante do que a biológica. Enquanto nesta não há escolha, naquela o pai
escolheu aquele ser como filho, independentemente dos laços de sangue. Escolheu-
o para dar carinho, respeito, afetividade etc.; e isso é mais importante do que
qualquer paternidade genética.
Ainda em torno da inseminação heteróloga, se a mulher for inseminada, com
sêmen de terceiro, sem autorização do marido, a paternidade não lhe poderá ser
imputada. Constitui-se, inclusive, causa para dissolução do casamento. Essa
mulher, de acordo com José Roberto Moreira Filho, comete um ato atentatório ao
casamento (injúria grave, violação dos deveres do casamento, insurpotabilidade da
vida em comum, violação ao dever de lealdade, etc.).
193
Em tais hipóteses,
acrescenta o mesmo autor, o marido poderá contestar a paternidade do filho se já o
houver registrado, tendo em vista que foi levado a erro ao registrá-la
194
. Nada
impede, porém, que o marido possa ratificar o ato realizado pela mulher,
reconhecendo o filho como seu, ainda que não tenha dado o prévio consentimento.
Hodiernamente, diante do inciso V do artigo 1.597, do Código Civil, não há
que se falar em falsa inscrição no registro civil, visto ser a própria lei que
reconhece como filho o havido por inseminação artificial heteróloga, com prévia
autorização do marido. É a própria lei, portanto, que autoriza o registro em nome do
pai socioafetivo.
Observe-se, ainda, que o inciso V não faz referência à possibilidade de
concepção artificial heteróloga post mortem. De acordo com o artigo 1.597 do
Código Civil, só há presunção de paternidade post mortem nos casos de procriação
artificial homóloga. Nada impede, entretanto, que, nos casos de procriação
heteróloga após a morte, o consentimento deixado pelo marido, seja equivalente a
192
MOREIRA FILHO, José Roberto. Conflitos jurídicos da reprodução humana assistida.
Bioética e biodireito. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina>. Acesso em: 11 set 2002.
193
MOREIRA FILHO, José Roberto. op. cit., (on line). Acesso em: 11 set 2002.
194
Id., ibid., (on line). Acesso em: 11 set 2002.
um reconhecimento de paternidade, de modo que o filho, neste caso socioafetivo,
teria garantido todos os seus direitos.
Ainda sobre a reprodução assistida heteróloga, esta é uma modalidade de
parentesco civil, nos termos do artigo 1.593, in verbis:
Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de
consangüinidade ou de outra origem.
Para Guilherme Calmon Nogueira Gama, o preceito do artigo 1.593,
corretamente interpretado, reconhece o parentesco decorrente da procriação
assistida heteróloga, no âmbito do direito de família
195
. De fato, tanto a adoção
como o a filiação havida da procriação heteróloga não decorrem da
consangüinidade, sendo, portanto, espécies do parentesco civil.
3.3 O Artigo 1.599 Comparado ao Artigo 1.597
O artigo 1.599, aperfeiçoando o equivalente art. 342
196
, do Código anterior,
dispõe:
Art. 1.599 - A prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da
concepção, ilide a presunção da paternidade.
Uma leitura deste dispositivo legal faz parecer que a prova da impotência
para gerar, é uma causa suficiente e absoluta para ilidir as presunções de
paternidade elencadas pelo artigo 1.597. Isso, entranto, não é verdade, pois os
artigos do Código Civil devem ser interpretados sistematicamente. Ora, é
incontroverso o fato de que, se o marido deu autorização para a realização da
inseminação artificial heteróloga, não poderá depois, se utilizando do argumento da
impotência, ilidir tal paternidade.
O próprio artigo 1.597 presume como concebido na constância do casamento
o filho havido por concepção artificial heteróloga, desde que o marido tenha dado
expresso consentimento. Ao se interpretar o artigo 1.599, deve-se levar em
195
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. op. cit., 2003, p. 19.
196
Art. 342. Só em sendo absoluta a impotência, vale a sua alegação contra a legitimidade do filho.
consideração o artigo 1.597, sob pena de se cometer um absurdo hermenêutico e,
com isso, favorecer a ocorrência de injustiças.
Repita-se: nos casos de filiação heteróloga, mais importante do que o
aspectos biológico na determinação da filiação encontra-se o aspectos afetivo.
Portanto, se o marido autorizou conscientemente a concepção artificial heteróloga,
não poderá após impugnar tal paternidade, alegando impotência para gerar. Uma
interpretação contrária a esta afrontaria os interesses dos menores e os princípios
constitucionais do melhor interesse da criança e da paternidade responsável.
3.4 O Direito de Sucessões perante as Novas Presunções de Filiação
Elencadas pelo Artigo 1.597, do Código Civil de 2002
O novo Código presume como concebidos na constância do casamento o
filho havido a qualquer tempo, decorrente de concepção artificial homóloga post
mortem. O mesmo Código, porém, nada trata dos direitos sucessórios dos filhos
ainda não concebidos, quando da morte do pai. Ao contrário, dispõe em seu artigo
1.798
197
, que só tem legitimidade para suceder as pessoas nascidas ou concebidas no
momento da abertura da sucessão.
Tanto o Código Civil, em seu artigo 1.596, como a Constituição Federal, por
intermédio do § 6º, do artigo 226, dispõem que todos os filhos têm os mesmos
direitos. Desse modo, uma vez que não pode existir tratamento diferenciado entre
os filhos, não há como excluir da sucessão os havidos por procriação artificial
homóloga post mortem. A condição de filho carrega consigo todos os direitos a ela
inerentes. No mesmo sentido, seguem os ensinamentos de Silmara Juny Abreu
Chinelato e Almeida:
Se for admitida a inseminação post mortem, não deve haver discriminação
ao filho assim gestado, subtraindo-lhe quaisquer direitos e status. Admitir
a inseminação post mortem é aceitar o estabelecimento da paternidade.
Aceitando-a, todos os direitos que daí decorrem devem ser respeitados.
No nosso modo de ver afrontaria a regra da igualdade entre os filhos,
consagrada pela Constituição Federal no artigo 227, § 6°, da Constituição
Federal
198
.
197
Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura
da sucessão.
198
ALMEIDA, Silmara Juny Abreu Chinelato e. op. cit, 2000, p. 264.
Ressalte-se, ainda, que o artigo 5°, inciso, XXX
199
, da Constituição Federal
garante o direito à herança, elevando-o, inclusive, à qualidade de direito
fundamental. Desse modo, em sendo fundamental o direito à herança e diante do
princípio constitucional da igualdade entre os filhos, aquele nascido por concepção
artificial post mortem não deve ser excluído da sucessão.
Vale ressaltar que, quando se tratar de inseminação heteróloga post mortem,
embora a paternidade não esteja presumida, se o pai deixar o reconhecimento dessa
filiação, o filho terá direito à herança, pelos mesmos motivos já analisados.
Mesmo em vista do princípio constitucional da igualdade entre os filhos e do
direito fundamental à herança, a doutrina, em sua maioria, entende que a única
possibilidade de um filho concebido post mortem vir a herdar seria se o de cujus
assim o dispusesse, em seu testamento, por analogia ao instituto da prole
eventual
200
. Segundo esta corrente doutrinária, portanto, o falecido deve, em
testamento, chamar à sucessão seu próprio filho que só será concebido post mortem.
Dispõe o artigo 1.799, I, do Código Civil:
Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamado a
suceder:
I os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador,
desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;
(...).
O § 4º do artigo 1.800
201
estipula prazo de dois anos, após a abertura da
sucessão, para que o herdeiro esperado seja concebido, salvo se o testador não
houver estipulado outro prazo, sob pena dos bens reservados serem devolvidos aos
199
XXX é garantido o direito de herança.
200
Ver: PALUDO, Anison Carolina. Bioética e direito: procriação artificial, dilemas ético-jurídicos.
Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina>. Acesso em: 11 fev 2005; MOREIRA FILHO,
José Roberto. O direito civil em face das novas técnicas de reprodução assistida. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina>. Acesso em: 11 set 2002; FERNANDES, Tycho Brahe. A
reprodução assistida em face da bioética e do biodireito: aspectos do direito de família e do
direito das sucessões. Florianópolis: Diploma Legal, 2000; ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo
de. Técnicas de reprodução assistida e o biodireito. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 94, v.
838, 87- 100, ago. 2005; VENOSA, Silvio de Salvo. op. cit., 2005; ALDROVANDI, Andréa;
FRANÇA, Danielle Galvão de. op. cit., (on line). Acesso em: 11 set 2002.
201
§ 4º - Se, decorridos 2 (dois) anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro
esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros
legítimos.
herdeiros legítimos.
Observe-se, pela leitura desses dispositivos legais, que a prole eventual não
pode ser utilizada por analogia nos casos da procriação artificial homóloga post
mortem, pois são institutos com natureza e fundamentos jurídicos diversos.
A prole eventual tem a finalidade de beneficiar filho de um terceiro que não
seja o do próprio testador. Para tanto, a lei estipula um prazo para que este filho
seja concebido, sob pena de a herança reservada ser devolvida aos herdeiros
legítimos.
Por sua vez, na procriação artificial homóloga post mortem, o filho é, por
presunção legal, do próprio testador, sendo, portanto, o próprio herdeiro legítimo e
necessário.
Como falar em devolver herança ao herdeiro legítimo, se o filho a ser
concebido por inseminação artificial homóloga post mortem é o próprio? É visível,
portanto, a idéia de que a prole eventual não pode ser utilizada por analogia aos
casos da procriação homóloga post mortem. Tal posicionamento não atende ao
princípio constitucional da igualdade entre os filhos. Assim, ainda que o falecido
não deixe nada em testamento, este filho deve ter assegurado seu direito à herança.
O rumo do Direito de Família passa por uma reconstrução, buscando
salvaguardar a dignidade humana. Assim, não há como impedir o exercício do
direito de herança pelo filho concebido artificialmente após a morte do pai, sob
penal de ferir o princípio constitucional da igualdade entre os filhos e,
conseqüentemente, o princípio da dignidade humana. É necessário reportar-se
sempre à Constituição Federal, que situou a dignidade humana no centro das
relações jurídicas.
Além disso, deve-se levar em consideração o primordial: o interesse da
criança. Em alguns casos, o direito à herança é tão importante quanto o direito aos
alimentos, uma vez que busca também a assegurar a subsistência. Do exposto, o
filho concebido post mortem mediante reprodução assistida deve, sim, ter direito à
herança.
Ciente do direito à herança, por parte dos filhos advindos da inseminação
post mortem, Eduardo de Oliveira Leite sugere, para fins de segurança jurídica, que
o Direito estipule um prazo para acesso à herança
202
. De fato, o estabelecimento de
prazo para que o filho venha a ser concebido ou transferido para o útero materno é
necessário, pois o Direito não pode ficar à mercê da vontade dos particulares. Deve-
se preservar a segurança jurídica.
Neste sentido, é possível assegurar que, mesmo no silêncio da lei, o filho
advindo da inseminação post mortem tem direito à herança, em atendimento aos
ditames constitucionais, especialmente ao princípio da dignidade da pessoa humana
e da igualdade dos filhos. Ora, uma vez reconhecido vínculo de filiação, não há
como excluir esse filho do exercício de seu direito à herança.
No atual panorama jurídico, o filho concebido post mortem pode exercer o
seu direito à herança por intermédio da ação de petição de herança. A ação de
petição de herança tem por finalidade obter o reconhecimento do direito sucessório
e a restituição dos bens da herança eventualmente partilhados. A ação mencionada
possui prazo prescricional de dez anos, a contar da data da abertura da sucessão.
Assim, hodiernamente, o filho concebido por procriação artificial dez anos após a
morte do pai não mais terá direito à herança, porquanto já esgotado o prazo
prescricional da petição de herança.
Observe-se que o Código Civil de 2002 não regulamentou o uso da
reprodução assistida, mas apenas procurou traçar algumas soluções às novas formas
de paternidade criadas pela procriação artificial. Dessa forma, muitos problemas
jurídicos e éticos persistem. São nítidas as omissões, impropriedades, falhas e
equívocos que permeiam o Código Civil, motivo pelo qual o intérprete deve realizar
seu trabalho hermenêutico sem se distanciar da realidade social, buscando, sempre,
a realização dos valores contidos na Constituição Federal de 1988.
202
LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 2005, p. 205.
4 AS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA E OS
QUESTIONAMENTOS ÉTICO-JURÍDICOS: UMA ANÁLISE
DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Com a possibilidade que a ciência concedeu às pessoas para realizar seus
projetos parentais, mediante as várias técnicas de reprodução assistida, vive-se
agora, a medicalização” da procriação. Atualmente, é possível efetivar uma
filiação sem nenhum contato entre os corpos, de modo que está deixando de existir
a pessoalidade na reprodução.
Não obstante os aspectos positivos da reprodução assistida, uma série de
abusos pode ser cometida. Catálogos com as características físicas e intelectuais
dos doadores de gametas, leilões de embriões via internet, utilização dos embriões
excedentes pelas indústrias de cosméticos, aluguel de útero, dentre outras práticas
abusivas, constituem um fato real, tornando o homem objeto de consumo. Há
registro de clínicas que, com a ajuda do computador, constroem a imagem do bebê,
a partir das características físicas desejadas pelos pais. Todos esses dados
confirmam a reificação do homem, tornando-o objeto de vitrine, já que é possível
escolher suas características fenotípicas.
O trecho a seguir, extraído da revista Veja, denota os horrores que podem
surgir em torno das técnicas de reprodução assistida.
Ousadias reprodutivas já foram cena de filme e forneceram material para
romances de ficção científica. Agora estão sendo uma a uma superadas
pela realidade. No admirável mundo novo das clínicas com seus bancos
de sêmen e catálogo de doadoras de óvulos, fazem-se as mais incríveis
combinações. Tia que gera a sobrinha porque a cunhada morreu.
Embriões congelados, órfãos de pais milionários vítimas de acidente cuja
fortuna ninguém sabe para onde vai. Mulheres que brigam com seus
maridos por discordar da cor dos olhos ou da textura dos cabelos do
doador do sêmen que vai permitir o nascimento do primeiro filho do
casal. Ou o pai de origem árabe que manda jogar no lixo três embriões
sadios prontos para ser implantados na mulher infértil apenas porque
eram do sexo feminino. Perto disso tudo, a jogada de marketing do
fotógrafo americano Ron Harris, que abriu na semana passada um leilão
on-line de óvulos de três modelos, empalidece. Harris, um sujeito de
passado duvidoso, suspeito de patrocinar sites de pornografia na
Califórnia, pede um mínimo de 15.000 dólares por óvulo de suas
beldades. Existem centenas de mulheres oferecendo-se para doar óvulos
na internet. Harris é o primeiro a admitir abertamente ser apenas um
intermediário e que os óvulos trocarão de útero mediante pagamento em
dólares. Cobrar para ser mãe de aluguel ou doar óvulos são práticas
comuns no mundo da reprodução artificial, embora dificilmente se
encontre quem abra o jogo sobre elas. Talvez por isso o despudorado
Harris tenha atraído tanta publicidade
203
.
É inegável que, juntamente com os benefícios trazidos pelas técnicas de
reprodução assistida, vieram problemas éticos e jurídicos até agora sem soluções. A
realização da fecundação em laboratório e a possibilidade de seleção de
características físicas dão ao homem um grande poder de decisão acerca da vida
humana.
Por princípio, as ciências não oferecem riscos, ao contrário, se desenvolvem
com o fito de favorecer a humanidade. Mesmo os cientistas, seres humanos que são,
podem, todavia, ser atingidos pela vaidade pessoal e profissional e, por via de
conseqüência, aplicar os resultados das pesquisas para a prática de atos atentatórios
à dignidade
204
. Como exemplo, podem-se mencionar as armas químicas e
biológicas.
As pesquisas científicas não podem ser utilizadas para satisfazer desejos
pessoais, em detrimento de toda a humanidade. O lucro e o poder não podem
justificar os excessos que possam ser cometidos.
Pode-se perceber que a reprodução assistida deixou de ser apenas um meio
para resolver um problema de saúde como é a infertilidade humana, passando a ser
alvo de exploração econômica. Com isso, tem-se uma verdadeira comercialização
do homem, com o objetivo de enaltecer o lucro e a vaidade humana. Fátima
Oliveira
205
diz que a reprodução assistida propicia a materialização de desejos
203
VEJA. São Paulo: abril, n. 1.699, 09 maio 2002, p.108.
204
ALMEIDA, Aline Mignon de. op. cit., 2000, p.16.
205
OLIVEIRA, Fátima. op. cit., 2001, p. 102.
sexistas, racistas e eugênicos, além de potencializarem a exploração de classe, vito
que favorece àqueles que podem pagar pela realização desses intentos.
Em decorrência desse quadro, vários questionamentos persistem sem
respostas. Será que, quando do uso das técnicas de reprodução assistida, os casais
são informados acerca de todos os riscos inerentes ao procedimento adotado? Quem
deve ser a mãe, nos casos de gestação de substituição? A criança nascida por meio
da concepção artificial heteróloga tem direito ao conhecimento de sua identidade
genética? Que angústias essa criança enfrentará por não saber as respostas que só o
inteiro conhecimento de sua identidade lhe daria? É justo tolher esse direito da
criança? Por um outro lado, onde fica o direito ao anonimato, por parte do doador
de gametas? Em que circunstâncias as técnicas de reprodução assistida podem ser
utilizadas? É legítima a utilização dessas técnicas para a escolha do sexo do bebê
ou para a escolha de características físicas? Quem pode se utilizar dessas técnicas?
Casais homoafetivos poderiam utilizar a reprodução assistida? E as mães solteiras?
Os embriões excedentes constituem vida humana? Que parâmetro é utilizado para
estabelecer o início da vida? O que fazer com os embriões excedentes? Podem esses
embriões ser utilizados em pesquisas científicas?
Os meios de comunicação social, de forma irresponsável, veiculam a
reprodução assistida pelo seu lado fantasioso - o milagre da procriação - não se
reportando aos riscos físicos e psicológicos, e nada mencionando acerca do seu
conteúdo ético. As pessoas se utilizam da reprodução assistida, sem nenhuma
consciência dos riscos a que estão sendo submetidas e sem qualquer consciência
ética acerca de seus atos, como se a realização do projeto parental tudo justificasse.
Ocorre que os dilemas em torno da reprodução assistida superam as decisões
individuais, comportando conseqüências sociais, econômicas, políticas e jurídicas.
É preciso que a sociedade tenha consciência dos problemas ético-jurídicos que
circundam a reprodução assistida, a fim de que as pessoas possam ser
responsabilizadas por seus atos.
Por isso, as indagações efetuadas sobre a reprodução assistida não podem
ficar sem respostas. A procriação artificial é um problema a ser regulado, de modo
que o Direito não pode ficar alheio ao seu uso, sob pena de, na ausência de
parâmetros legais, passar a imperar a comercialização do ser humano, em total
desrespeito aos princípios constitucionais. Neste sentido, Alberto Silva Franco
assinala:
O elenco de questões decorrentes da aceleração das ciências biomédicas
recomenda que se preencha o descompasso representado pela ausência do
Direito, posto que o progresso científico à margem da perspectiva jurídica
apresenta deformidades graves que se traduzem em efeitos perversos para
a humanidade
206
.
O Direito, como meio de controle das relações sociais, não pode se afastar da
realidade científica e deve regular, com base em princípios éticos, o uso das
técnicas de reprodução assistida, a fim de que possa alcançar seu objetivo: a paz
social.
No Brasil, as questões relacionadas à reprodução assistida tornam-se ainda
mais complexas, diante da ausência de leis específicas sobre o assunto. O primeiro
bebê de proveta brasileiro nasceu no ano de 1984, no entanto, até a presente data,
não existem leis que regulem o uso da reprodução assistida. A única
regulamentação específica sobre a procriação artificial é a Resolução Normativa n.º
1.352, emitida pelo Conselho Federal de Medicina, que data do ano de 1992 e vige
até hoje. Diante dessa omissão normativa, indaga-se: como solucionar os conflitos
decorrentes da procriação artificial?
Passa-se, desta forma, a analisar os principais problemas não respondidos
pelo Código Civil de 2002, averiguando-se se o ordenamento jurídico pátrio oferece
soluções aos questionamentos propostos. Na oportunidade, a Resolução nº 1.352/92,
do Conselho Federal de Medicina, será analisada.
4.1 A Questão dos Destinatários das Técnicas de Reprodução Assistida: os
Direitos Reprodutivos das Mulheres Solteiras e dos Casais Homoafetivos
Uma das primeiras problemáticas acerca da utilização da reprodução
assistida consiste em saber quem são os seus destinatários. Foi visto que o § 7º do
artigo 226, da Constituição Federal de 1988, consagrou o direito à procriação, mas
206
FRANCO, Alberto Silva. Genética humana e o direito. Disponível em:
<www.cfm.org.br/revista/411996/index1.htm>. Acesso em: 29 set 2002.
a quem esse direito é assegurado? Seria correto permitir a uma mulher solteira o
uso da reprodução assistida? E quanto ao direito da criança a ter um pai? Casais
homoafetivos poderiam utilizar a reprodução assistida? Diante da complexidade das
atuais sociedades, é cabível manter-se atrelado à visão tradicional de que a
parentalidade envolve necessariamente duas pessoas: o pai e a mãe?
Em primeiro lugar, convém relembrar que a família mudou, reconhecendo a
Constituição Federal seu papel na realização da individualidade, autonomia e
felicidade de cada um de seus membros. Assim, os aspectos formais nas relações
familiares passaram ao plano secundário, de modo que o afeto e o amor são agora
os elementos principais da família.
Tendo em vista as transformações pelas quais a família enfrentou,
especialmente ao longo do século XX, não há justificativa para a exigência de que
as pessoas que venham a se utilizar da reprodução assistida formem um casal
heterossexual formalmente casado. É a própria Constituição que atribui especial
proteção às famílias não matrimoniais, de modo que nenhuma legislação
infraconstitucional pode excluir a família não matrimonial do uso da procriação
artificial. Consubstanciado na dignidade humana, o que vige na atual ordem jurídica
da família é o princípio da liberdade: liberdade para escolher o tipo de família que
melhor atende aos interesses de cada um.
No que se refere à possibilidade do uso da reprodução assistida, por casais
homoafetivos, a sociedade em geral não tem aceitado essa idéia. José Carlos
Teixeira Giogis ressalta que:
[...] a união entre um homem e uma mulher pode, em potência, ser uma
família, porque o homem assume o papel de pai e a mulher de mãe, em
face dos filhos; e dois parceiros do mesmo sexo, homens ou mulheres,
jamais conjugam a paternidade e a maternidade em sua complexidade
psicológica que os papéis exigem.
207
A resistência em aceitar a idéia de que os casais homoafetivos possam
utilizar a reprodução assistida decorre do preconceito. A sociedade não considera
que os casais homoafetivos tenham boas condições de criar e educar uma criança,
207
GIOGIS, José Carlos Teixeira. op. cit., (on line). Acesso em: 10 nov 2005.
como se homossexualidade fosse sinônimo de promiscuidade. Não há resultados,
entretanto, comprovando que a homossexualidade dos pais possa provocar
distúrbios psíquicos ou morais nos filhos. Ao contrário, Maria Berenice Dias
menciona que pesquisas realizadas na Califórnia, desde a década de setenta,
concluíram que crianças com dois pais do mesmo sexo mostram-se tão ajustadas
quanto às crianças com os pais dos dois sexos.
208
A verdade é que, em virtude da tradição patriarcal, ainda são passados
valores negativos com relação às pessoas de orientação homossexual. A
conseqüência disso é a repetição de comportamentos e pensamentos
preconceituosos. Não há impedimento jurídico, contudo, para o uso da reprodução
assistida pelos casais homoafetivos, até porque constituem uma entidade familiar,
nos termos da Constituição Federal de 1988.
Se somente por meio das técnicas de reprodução assistida pode um casal
homoafetivo procriar, deve-lhes, portanto, ser permitido seu uso. O art. 3º da
Constituição Federal de 1988 preconiza em seu inciso IV, que é objetivo
fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação
209
. Dessa forma, o uso da procriação artificial, pelos casais
homossexuais (homossexuais masculinos, utilizando a maternidade de substituição
e homossexuais femininos, mediada pelas mais variadas técnicas), deve ser
garantido.
Embora se possa falar em direitos reprodutivos, por parte dos homossexuais,
ainda há um caminho árduo a ser percorrido para a realização desses direitos. É que
a sociedade brasileira ainda se apresenta contra a adoção por casais homoafetivos,
situação em se amenizaria um problema social, como é o abandono de crianças.
Ora, se mesmo nas circunstâncias em que existe um ganho social, o preconceito
impera, não se pode olvidar que a mesma resistência persistirá quanto ao emprego
da reprodução assistida por homossexuais, situação em que não há o objetivo
altruísta da adoção.
208
DIAS, Maria Berenice. União homossexual aspectos sociais e jurídicos. Disponível em:
<http://www.gontijo-familia.adv.br/tex063.htm>. Acesso em: 03 nov 2005.
209
BRASIL. Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 3º, inciso IV.
Mesmo com tantas resistências e preconceitos por parte da sociedade, é
possível assinalar que os casais homoafetivos possuem direito à procriação. Tal
conclusão é chegada a partir de uma interpretação sistemática da Constituição
Federal, a qual leva em consideração o princípio da dignidade da pessoa humana.
Quanto às mulheres solteiras, poderiam elas se utilizar da reprodução
assistida?
Sobre o uso da reprodução assistida por mulher solteira, Eduardo de Oliveira
Leite diz: Ora, é evidente que uma mulher solteira inseminada não tem condições
de garantir por mais bem intencionada que esteja o padrão familiar (constituído
de pai e mãe) que naturalmente ocorre numa comunidade familiar.
210
Percebe-se,
por esta afirmação, que o autor se mantém atrelado à tradicional estrutura nuclear
da família. Esse modelo de família, entretanto, não é mais o único; ao contrário, a
família na atualidade é plural e heterogênea, não existindo razão para impedir o uso
da reprodução assistida por uma mulher solteira.
O desejo de ter filhos é natural e imensurável, para a maioria das mulheres,
de modo que essa vontade é algo que nenhum terceiro pode avaliar ou criticar. Não
cabe ao Estado ingressar nesta esfera de particularidade dos indivíduos e selecionar
os tipos de família que devem existir, cabe, sim, ao Estado protegê-los.
Sendo a mulher solteira e oferecendo a ciência a possibilidade de procriar,
não há como impedi-la de usar as técnicas de reprodução assistida. A quem cabe
julgar a atitude dessa mulher? O mesmo raciocínio deve ser usado em relação aos
casais homossexuais femininos, sob pena de haver exclusão preconceituosa e falso-
moralista.
Vale ressaltar que a própria Constituição Federal, em seu art. 226, § 4º,
reconheceu como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e
seus descendentes. Ora, se a própria Carta Magna validou a existência da família
monoparental, uma lei infraconstitucional não poderá impedir sua formação,
210
LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 1995, p. 354.
principalmente com base em argumentos preconceituosos. Além disso, o próprio
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90), em seu art. 42
211
, caput,
permite a adoção por apenas uma pessoa, embora a finalidade desse meio de
filiação também seja social. As pessoas são livres para optar pelo modelo de família
que melhor atenda às suas necessidades
212
.
Se as questões relativas à reprodução se encontram no campo da autonomia
individual, não podendo o Poder Público interferir; se existe um direito à
procriação, garantido pelo § 7º, do artigo 226, da Constituição Federal; se a
Constituição reconheceu explicitamente a família monoparental e implicitamente a
união homoafetiva como entidades familiares, por que então reservar somente ao
casal heterossexual, unido pelo casamento ou união estável, o direito à procriação?
Em um momento em que há superação dos dogmas patriarcalistas, em uma ocasião
em que a família deve ser entendida como heterogênea e plural, impedir o uso da
reprodução assistida por mulheres solteiras ou casais homoafetivos não seria um
retrocesso, com base em preceitos discriminatórios?
Marilena Cordeiro Dias Villela Corrêa levanta o seguinte questionamento:
[...] se o desejo de ter filhos é visto como natural, como parte da
natureza humana, como explicar que sua expressão esteja restrita aos
indivíduos acasalados de forma monogâmica e heterossexual uma forma
bem estabelecida de construção social?
213
Realmente, os casais homoafetivos e as mulheres solteiras possuem os
mesmos desejos de procriação que os casais heterossexuais, de modo que, ao
excluí-los da utilização da reprodução assistida, estar-se-ia ferindo o artigo 3º, da
Constituição Federal, que impede discriminações de qualquer gênero.
O conceito de direitos reprodutivos, segundo Miriam Ventura, estabelece a
articulação entre saúde sexual e reprodutiva, exercício da sexualidade e reprodução,
desenvolvimento e direitos humanos
214
. Seguindo a mesma linha de raciocínio,
211
Art. 42 - Podem adotar os maiores de 21 (vinte e um) anos, independentemente de estado civil.
212
OLIVEIRA, José Sebastião. op. cit., 2002, p. 217.
213
CORRÊA, Marilena Cordeiro Dias Villela. Ética e reprodução assistida: a medicalização do
desejo de filhos. Bioética, Brasília, v. 9, n. 2, p. 71-82, 2001, p. 74.
214
VENTURA, Miriam. Direitos reprodutivos? De que direitos estamos falando? In: LOYOLA,
Maria Andréa (org.) Bioética, reprodução e gênero na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro:
Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP); Brasília: Letras Livres, 2005, p. 121-122.
Roger Raupp Rios leciona:
[...] direitos sexuais e reprodutivos são categorias jurídicas vocacionadas
a problematizar fenômenos e relações sociais entabuladas não só por
mulheres, mas também por homens. Tais direitos se fazem necessários, de
modo preeminente, nas discussões a respeito da expressão sexual, aqui
entendida na sua forma mais ampla, abarcando a orientação sexual
homossexual, heterossexual, bissexual, transexualidade e travestino. A
eles também não se pode furtar o debate sobre o acesso às diferentes
modalidades técnicas de reprodução assistida
215
.
Uma vez que o conceito de direitos reprodutivos possui uma ligação com o
exercício da sexualidade e a liberdade sexual, as mulheres solteiras e os casais
homossexuais têm direito à utilização da reprodução assistida. Limitar o uso da
reprodução assistida aos casais heterossexuais é uma afronta à liberdade sexual e ao
exercício da sexualidade.
Favorável ao uso da reprodução assistida por mulheres solteiras e
homossexuais, Tycho Brahe Fernandes leciona:
[...] não se pode olvidar que impedir que pessoas inférteis ou estéreis,
independentemente de seu estado civil ou opção sexual, se valham das
técnicas de reprodução assistida implicará quebra do princípio da
igualdade, consagrado n artigo 5º, caput, da Constituição da República
216
.
A limitação do exercício dos direitos reprodutivos aos heterossexuais viola os
princípios fundamentais da Constituição Federal, que impõem a realização da
igualdade. Tendo-se por fundamento os princípios constitucionais da liberdade
sexual, da igualdade e da dignidade humana, é possível concluir que as mulheres
solteiras e os casais homoafetivos podem utilizar a reprodução assistida, a fim de
realizar seus projetos parentais.
De acordo com o § 7º, do art. 226, da Constituição Federal, o planejamento
familiar apenas possui como limites os princípios da dignidade humana e da
paternidade responsável. A utilização da reprodução assistida por casais
homoafetivos não fere o princípio da dignidade humana; ao contrário, o realiza,
uma vez que inclui pessoas excluídas da reprodução natural, consagrando, assim, o
215
RIOS, Roger Raupp. Para um direito democrático da sexualidade. Disponível em:
<http://www.clam.org.br/pdf/roger_derdemsex_port.pdf>. Acesso em: 11 jan 2006.
216
FERNANDES, Tycho Brahe. op. cit., 2000, p. 109.
princípio da isonomia.
4.1.1 A Criança Dentro de um Lar Monoparental ou Homoafetivo
Um argumento contrário ao uso da reprodução assistida pelas mulheres
solteiras e pelos casais homoafetivos relaciona-se aos interesses da criança. Alega-
se que a criança não terá o direito à convivência familiar realizado, porque inexiste
a dualidade de pais (pai e mãe). Indaga-se, entretanto: o direito à convivência
familiar requer, necessariamente, a existência de dualidade de gêneros?
Para responder a pergunta, faz-se essencial entender a estrutura jurídica de
proteção à criança e ao adolescente.
O § 7º, do artigo 226, da Constituição Federal, impõe como um dos limites ao
planejamento familiar o princípio da paternidade responsável. Este princípio
estabelece aos genitores das crianças o dever de cuidado, educação, criação etc.
Neste sentido, o princípio da paternidade responsável guarda íntima relação
com o princípio da proteção integral da criança e do adolescente, consagrado pelo
caput do artigo 227, da Constituição Federal, que dispõe:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança
e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
Percebe-se que o princípio da paternidade responsável impõe para a família o
dever de realizar o sustento e o cuidado da criança em todos os seus níveis. Para
José Enrique Bustos Pueche, o princípio da proteção integral do filho, no Direito
espanhol (equivalente ao princípio da proteção integral da criança e do adolescente
do Direito brasileiro), significa que el estado no puede permitir en sus leyes que
nazcan hijos fuera del ámbito de la familia
217
; ou seja, o Estado não pode permitir
que, pela reprodução artificial, venham ao mundo seres humanos fora do âmbito
217
PUECHE, José Enrique Bustos. El derecho civil ante reto de la nueva genética. Madrid:
Dykinson, 1996, p 113.
familiar. Não é permitida, portanto, a utilização da reprodução assistida para que o
filho fique desamparado em uma instituição social.
Neste sentido, tendo-se por fundamento o princípio da paternidade
responsável, aquele que utiliza a reprodução assistida é responsável pela guarda,
sustento, educação, saúde etc. de seu filho.
Em um argumento excludente e preconceituoso, Eduardo de Oliveira Leite
acentua que o direito à convivência familiar, certamente, não ocorrerá junto a uma
mulher solteira, nem tampouco, junto a casais homossexuais
218
. Este
posicionamento encontra-se equivocado, pois a família monoparental e a união
homoafetiva constituem entidades familiares, nos termos da Constituição Federal de
1988, de modo que o direito à convivência familiar vai, sim, ser realizado. A
diferença é que a monoparentalidade e a união homoafetiva constituem novas
modalidades de família, com as quais a sociedade ainda não está habituada a
conviver.
Ao garantir o direito de procriação às mulheres solteiras e aos casais
homossexuais, deve-se ter o cuidado para que a reprodução não signifique uma
conquista pessoal. A criança gerada é um ser e, como tal, tem direitos que devem
ser respeitados, conforme salienta Anison Carolina Paludo
219
. Dessa forma, é dever
da família garantir a assistência ao filho em todos os níveis.
Eduardo de Oliveira Leite assevera ainda que, ao nascer em um lar
monoparental ou homossexual, a criança teria prejuízos, pela falta de identificação
paterna e materna
220
. Ocorre que as funções paterna e materna são funções sociais e
não biológicas. Desse modo, tais funções não são necessariamente exercidas pelos
pais biológicos, podendo ser exercidas por quaisquer pessoas, tais como tio(a),
professor(a) ou amigo(a).
É preciso deixar de lado a hipocrisia e reconhecer que a monoparentalidade e
a homossexualidade constituem uma realidade. Estão cada vez mais comuns os
218
LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 1995, p. 355.
219
PALUDO, Anison Carolina. op. cit., (on line). Acesso em: 11 fev 2005.
220
Eduardo de Oliveira Leite, op. cit., 1995, p. 357.
casos em que os casais se separam e a criança fica sem contato com o pai ou com a
mãe, circunstância em que as funções materna e paterna são exercidas por terceiros.
De igual modo, também é cada vez mais comum os filhos passarem a conviver com
a homossexualidade dos pais, aceitando e convivendo com os parceiros deles.
Na verdade, não é pela falta de identificação materna e paterna que a criança
teria prejuízos em um lar monoparental ou homoafetivo. O que traz prejuízo para
essas crianças é o preconceito com o qual a sociedade trata esses tipos
diferenciados de família. Carolina Jardim Barboza e Tânia Aldrighi denunciam:
Como qualquer criança normal, os filhos desses casais querem falar sobre
suas famílias, mas muitas vezes, são forçados pela sociedade a se
manterem no armário (termo usado para pessoas que não assumem a
homossexualidade frente à família e/ou a sociedade), seguindo a postura
dos pais que acabam se protegendo do preconceito na invisibilidade. A
sociedade, em sua maioria, pressupõe a heterossexualidade como norma e
as famílias alternativas são ignoradas e raramente tratadas pela mídia,
pelos livros educativos e cartões de felicitação
221
.
Continuam as mesmas autoras, citando Picazio:
Picazio (1998) afirma que a orientação sexual dos pais não influi de modo
algum na dos filhos, já que dessa forma todos os pais de gays no mundo
seriam igualmente gays. O autor cita o conhecimento de pesquisas que
mostram que a definição sexual independe da criação ter sido realizada
por pais homo ou heterossexuais. Picazio ressalta que, geralmente, pais
homossexuais tendem a ser mais atentos com os filhos devido a própria
flexibilidade maior dos papéis familiares e ensinam os filhos a confiarem
mais em si próprios e em seus sentimentos, pelo preconceito que são
obrigados a lidar. Assim, considerando natural o fato da
homossexualidade, fica claro que uma criança pode ser educada por pais
heterossexuais ou homossexuais e desenvolver uma orientação sexual
diversa deles, pois a constituição homo ou heterossexual
222
.
Sobre filhos de homossexuais, Klecius Borges salienta:
Há inúmeros estudos indicando que não há nenhuma diferença
significativa nos índices de ajustamento de uma criança em função da
orientação sexual dos pais. Também não há nenhuma evidência científica
da influência da orientação sexual dos pais na orientação da criança. Se
221
BARBOZA, Carolina Jardim; ALDRIGHI, Tânia. Um recorte na sexualidade feminina:
casamento e filhos entre homossexuais. Disponível em: <http://www.mackenzie.com.br/
universidade/psico/publicacao/biniciacao1_1/artigo7.pdf>. Acesso em: 13 jan 2006.
222
PICAZIO, C. Diferentes desejos: adolescentes homo, bi e heterossexuais. São Paulo, Summus,
1998. In: BARBOZA, Carolina Jardim; ALDRIGHI, Tânia. Um recorte na sexualidade feminina:
casamento e filhos entre homossexuais. Disponível em:
<http://www.mackenzie.com.br/universidade/psico/publicacao/biniciacao1_1/artigo7.pdf>. Acesso
em: 13 jan. 2006.
isso fosse verdade não haveria homossexuais filhos de heterossexuais. As
dificuldades relatadas por pais homossexuais e filhos de homossexuais se
referem ao preconceito e à intolerância da sociedade
223
.
No que se refere ao exercício da paternidade, não há diferença substancial
entre um pai heterossexual e um pai homossexual. Ao contrário, é possível que as
crianças criadas por homossexuais tenham melhores condições de lidar com as
diversidades, sendo, por isso, menos preconceituosas.
O bom desenvolvimento emocional, físico e intelectual das crianças está
relacionado com a estabilidade familiar e com a criação por adultos carinhosos e
empenhados. Desse modo, a orientação sexual e o estado civil dos pais não são
determinantes para uma boa educação e criação dos filhos.
O que deve ser observado, em se tratando da utilização da reprodução
assistida, é se os pretensos pais possuem estabilidade emocional para educar seus
filhos. Ainda, a averiguação da estabilidade emocional não deve ser adstrita às
mulheres solteiras e aos casais homoafetivos, mas a todos os que pretendem fazer
uso da procriação artificial.
É preciso que a sociedade tome consciência de que a família está mudando e
passe a aceitar, sem preconceitos, outros modelos. A sociedade precisa entender
que a homossexualidade é uma realidade cada vez mais presente e que, portanto,
precisa conviver com ela, respeitando-a. Do mesmo modo, as famílias
monoparentais já constituem uma realidade cada vez mais crescente. É imperioso
retirar a máscara do preconceito e perceber que, dentro dessas famílias não
convencionais, também pode haver amor, solidariedade, estabilidade e respeito.
Por outro lado, é verdade que uma criança fruto de um lar monoparental ou
homoafetivo realmente poderia vir a sofrer diante do preconceito social. Não é
proibindo, entretanto, o acesso à reprodução assistida pelos casais homoafetivos e
pelas mulheres solteiras que se impõe fim às situações discriminatórias. Ao
contrário, este é mais um motivo para se permitir o uso da procriação artificial por
2 23
BORGES, Klecius. Mitos e verdades sobre a homossexualidade. Disponível em:
<http://www.clicfilhos.com.br/site/display_materia.jsp?titulo=Mitos+e+verdades+sobre+a+homosse
xualidade>. Acesso em: 13 jan 2006.
essas pessoas, pois faz com que a sociedade se habitue cada vez mais a essa
realidade.
Ressalte-se, ainda, que a existência da monoparentalidade e das uniões
homoafetivas com prole não está adstrita aos casos de reprodução assistida. Ao
contrário, são circunstâncias que já existem na sociedade, mesmo nos casos de
procriação pela via natural. Dessa forma, reconhecida a existência dessas
circunstâncias na sociedade, não seria um falso-moralismo proibir a utilização da
reprodução assistida por mulheres solteiras e casais homoafetivos?
De tudo exposto, é possível perceber que o uso da reprodução assistida por
casais homoafetivos e por mulheres solteiras não ofende aos princípios da
paternidade responsável, da dignidade humana e do melhor interesse da criança. É
certo que toda criança tem direito à convivência familiar, mas essa convivência não
implica a existência de dualidade de gêneros, de modo que existe convivência
familiar em um lar homoafetivo ou monoparental.
4.1.2 A Legislação Infraconstitucional
A Lei n.º 9.263, de 1996, regula o § 7º do artigo 229, da Constituição Federal
de 1988, tratando do Planejamento Familiar. Segundo o artigo 1º desta lei, o
planejamento familiar é direito de todo cidadão, não sendo um direito restrito ao
casal; ao contrário deve servir ao homem e à mulher individualmente considerados.
O titular do direito ao planejamento familiar não é um casal, mas o indivíduo.
Dispõem os caputs dos artigos 2º e 3º:
Art. 2º. Para fins desta Lei, entende-se planejamento familiar como o
conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais
de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem
ou pelo casal.
Art. 3º. O planejamento familiar é parte integrante do conjunto de ações
de atenção à mulher, ao homem ou ao casal, dentro de uma visão de
atendimento global e integral à saúde.
Percebe-se que a Lei n.º 9.263/96 não restringe o planejamento familiar ao
casal heterossexual casado; ao contrário, por uma interpretação da lei, pode-se
concluir que tanto o homem como a mulher têm direito à procriação, não
importando sua orientação sexual ou seu estado civil.
Por sua vez, sobre os usuários da reprodução assistida, os itens 1 e 2, Seção
II da Resolução n.º 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina (CFM), dispõem:
1 - Toda mulher, capaz nos termos da lei, que tenha solicitado e cuja
indicação não se afaste dos limites desta Resolução, pode ser receptora
das técnicas de RA, desde que tenha concordado de maneira livre e
conciente em documento de consentimento informado.
2 - Estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do
cônjuge ou do companheiro, após processo semelhante de consentimento
informado.
Nos termos da Resolução n.º 1.358/92, do CFM, as mulheres solteiras ou
casais de mulheres homoafetivos podem utilizar a reprodução assistida.
Embora, a Resolução nada mencione acerca do uso da reprodução assistida
por casais homoafetivos masculinos, essa utilização deve ser permitida, uma vez
que encontra respaldo tanto na Constituição Federal de 1988 como na Lei n.º
9.263/96.
4.2 A Questão do Doador de Gametas: Direitos e Deveres Decorrentes da
Relação entre o Filho e o Doador
Questão bastante polêmica acerca da reprodução assistida consiste em saber
se o filho havido por esse meio tem direito a conhecer a origem de sua identidade
genética.
O novo Código Civil presume como concebido na constância do casamento o
filho havido por meio de procriação artificial heteróloga, desde que o marido tenha
dado prévio consentimento (art. 1.597, V). O mesmo Código deixou, entretanto, de
tratar dos efeitos decorrentes da relação entre o filho e doador de gametas, situação
que levanta as seguintes indagações: a) Pode esse filho promover uma ação de
investigação de paternidade contra o doador de gametas? b) Poderia o doador
reivindicar a paternidade? c) O filho tem direito a conhecer sua verdadeira
identidade genética? É o que se passa a analisar.
4.2.1 A Constituição Federal de 1988 e o Reconhecimento do Estado de Filiação
Saber acerca de sua origem e conhecer a si próprio constituem as primeiras
indagações do ser humano. Para determinadas perguntas, só existem respostas, a
partir do conhecimento da própria origem genética.
Segundo Andréa Aldrovandi e Danielle Galvão de França
224
, a questão que
envolve o direito do filho a conhecer sua identidade genética é muito delicada, pois,
muitas vezes, trata-se de uma necessidade da pessoa em conhecer suas origens e,
assim, poder buscar, nos pais biológicos, explicações para as mais variadas dúvidas
e questionamentos.
Ainda que a criança gerada por meio da procriação artificial heteróloga
nunca venha a conhecer sua origem, é impossível apagar de sua memória genética a
existência de genes que são de seus pais biológicos.
Por outro lado, como respeitar o direito do doador de gametas em manter-se
no anonimato? Há, na situação exposta, um conflito de interesses: direito à
intimidade consubstanciado no anonimato versus direito à identidade da criança.
Qual deve prevalecer?
O § 2º, do artigo 5º, da Constituição Federal dispõe:
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte.
Por este dispositivo, a Constituição Federal reconhece a existência de
direitos fundamentais fora de seu texto. Esses direitos, dotados de conteúdo
constitucional, formam o que se denomina de bloco de constitucionalidade.
É importante identificar as normas que formam o bloco de
constitucionalidade, porque elas passam a ter status de direito constitucional e,
224
ALDROVANDI, Andréa; FRANÇA, Danielle Galvão de. op. cit., (on line). Acesso em: 11 set
2002.
como tal, são limites ao poder de legislar. As normas que formam o bloco de
constitucionalidade podem, inclusive, funcionar como parâmetro no controle de
constitucionalidade das leis.
Por sua vez, o artigo 27 da Lei n.º 8.069, de 1990, denominada Estatuto da
Criança e do Adolescente, estabelece:
Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo,
indisponível e imprescritível, podendo ser exercido com os pais ou seus
herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça
225
.
O direito ao reconhecimento do estado de filiação é derivado da nova ordem
constitucional de proteção integral à criança e ao adolescente, podendo ser
considerado, nos termos do § 2º, do artigo 5º, da Carta Magna, um direito
fundamental.
Além disso, somente conhecendo a própria ascendência e origem, o ser
humano pode conhecer a si mesmo. Desse modo, o reconhecimento ao estado de
filiação constitui decorrência direta do princípio da dignidade humana, compondo,
por isso, o bloco de constitucionalidade brasileiro. Dessa forma, a regra é que, em
se tratando de fertilização heteróloga, o direito à intimidade do doador de gametas é
incompatível com o direito do filho ao desenvolvimento de sua personalidade.
Muito embora a filiação se estabeleça principalmente em face do vínculo
socioafetivo, que atende aos princípios do melhor interesse da criança, da dignidade
da pessoa humana e da paternidade responsável, o direito ao reconhecimento do
estado de filiação é um direito fundamental, sendo, por isso, indisponível e
imprescritível.
Tendo em vista o que preceitua o art. 27, do Estatuto da Criança e do
Adolescente, não há como impossibilitar exercício do direito ao conhecimento da
verdadeira identidade, pelo interessado, por tratar-se de um direito fundamental.
Segundo Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior, o direito de identificação da
225
BRASIL. Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente. Art. 27.
filiação biológica e a busca da gênese humana são direitos fundamentais, sendo
impassíveis de restrições
226
. Assim, o filho advindo por meio reprodução assistida
heteróloga não deve ficar impossibilitado de conhecer sua origem.
Vale ressaltar, ainda, que o Pacto São José da Costa Rica, ratificado pelo
Congresso Nacional pelo Decreto n.º 678/92, dispõe, em seu artigo 3º, que toda
pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade.
Outro ponto importante a ser ressaltado é que o § 6º
227
do artigo 227, da
Constituição Federal, proíbe tratamentos diferentes entre os filhos. Desse modo, o
ser proveniente da procriação artificial deve ter assegurado seu direito a conhecer a
identidade de seus pais biológicos. Vedar tal possibilidade seria o mesmo que
diferenciar os filhos havidos pelos métodos naturais dos havidos por meio da
reprodução assistida, uma vez que assiste àqueles o direito de ter sua paternidade
conhecida. Então, além do motivo de ordem pessoal, deve-se atender à razão
igualitarista, da Constituição Federal de 1988, que proíbe a distinção entre os
filhos. Utilizando as palavras de Reinaldo Pereira e Silva, o conhecimento da
ascendência biológica é direito fundamental do homem, alicerce indisponível da
instituição familiar.
228
Se um filho não advindo das técnicas de reprodução assistida pode intentar
com a investigação de paternidade contra o suposto pai biológico, ainda que possua
indicação de outra paternidade em sua certidão de nascimento, por que igual direito
não possuiria o filho advindo por meio da procriação artificial?
Defendendo o direito à identidade genética, Tycho Brahe Fernandes entende
que. ao se negar a possibilidade do aforamento de ação investigatória por criança
concebida por meio de uma das técnicas de reprodução assistida, em inaceitável
discriminação, se estará negando a ela o direito que é reconhecido a outra criança,
226
ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo de. op. cit., 2005, p. 96.
227
Art. 227. § 6º - Os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à
filiação.
228
SILVA, Reinaldo Pereira e. O exame de DNA e a sua influência na investigação da paternidade
biológica. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. (org.) Biodireito: ciência da vida, novos
desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 86.
nascida de relações sexuais.
229
Belmiro Pedro Welter salienta:
Não importa se a reprodução humana é sexual (corporal, natural) ou
assexual (extra-corporal, artificial, medicamente assistida, científica,
laboratorial), pois, em qualquer caso, o filho, o pai e a mãe têm o direito
de investigar e/ou de negar a paternidade biológica, como parte integrante
de seus direitos de cidadania e de dignidade humana.
230
Ainda, o anonimato do doador vem a proteger o segredo e a mentira, sendo,
por isso, contrário aos direitos da criança e do adolescente. A verdade genética é
um direito da personalidade
231
, de modo que deve ser resguardado.
Ora, uma lei não pode proibir que uma pessoa conheça o seu verdadeiro eu.
Não é justo nem legítimo que uma lei determine o que alguém pode ou não
conhecer sobre si mesmo. Como uma pessoa poderá ser ela própria, se não tiver
acesso ao conhecimento de sua origem biológica? Como se descobrir se não houver
o acesso à verdade?
Como se pode perceber, o direito ao conhecimento da origem genética é
fundamental, de modo que não pode ser negado. É certo que o direito à intimidade
também constitui um direito fundamental, mas nos casos de fertilização heteróloga
o direito à identidade deve-se sobrepor. A lei que vier a regular o uso da
reprodução assistida deve garantir que esse direito seja realizado, sob pena de
inconstitucionalidade. O direito à intimidade, por parte do doador de gameta, não
justifica a obliteração do direito ao autoconhecimento, cabendo apenas ao juiz,
diante do caso concreto, avaliar os casos de exceção à aplicação da norma geral.
Para ilustrar a presente discussão, em edição do dia 11 de dezembro de 2005,
o programa de televisão Fantástico, da emissora Rede Globo, noticiou que filhos
nascidos por meio de procriação artificial heteróloga conseguiram descobrir a
identidade de seus pais biológicos por meio Internet. Para ajudar o filho a encontrar
229
FERNANDES, Tycho Brahe. op. cit., 2000, p. 86.
230
WELTER, Belmiro Pedro. op. cit., 2003, p. 229.
231
Em uma classificação, Rita de Cássia Curvo Leite coloca o direito à identificação genética como
um dos direitos da personalidade. Ver: LEITE, Rita de Cássia Curvo. Os direitos da personalidade.
In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. (org.) Biodireito: ciência da vida, novos desafios. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 163.
o pai, foi criado um sítio na Internet. Usando os números nas fichas médicas, a
página virtual já promoveu mais de mil encontros entre irmãos ou entre filhos e
seus pais biológicos. O mais interessante da reportagem é que todos se
demonstravam felizes com a descoberta e mantinham um contato de amizade e
respeito
232
.
Percebe-se, com o exemplo noticiado pelo Fantástrico, que o conhecimento
da identidade genética é uma necessidade natural, de modo que os filhos advindos
da reprodução assistida heteróloga, na maioria das vezes, tentarão encontrar uma
maneira de conhecer sua ascendência.
Neste sentido, ao garantir o conhecimento da origem genética, a lei está
evitando, inclusive, que os filhos a conheçam através dos meios mais inusitados,
ocasionando, com isso, instabilidade familiar.
Além disso, o conhecimento da identidade genética pelos filhos pode ser
positiva para todos. É possível que os pais, filhos e irmãos biológicos se conheçam
e convivam harmonicamente.
4.2.2 Efeitos da Relação entre o Filho e o Doador de Gametas
Uma vez resguardado o direito do filho a conhecer sua origem genética,
poder-se-ia indagar: como entender a paternidade socioafetiva? O conhecimento da
origem genética não significa preponderância da paternidade biológica em
detrimento da afetiva?
Para José Roberto Moreira Filho
233
, o direito à identidade genética não
significa preponderância da filiação biológica em face da filiação socioafetiva,
apenas assegura a certeza da origem biológica, a qual é de importância ímpar para a
pessoa que a busca.
232
Para obter mais detalhes sobre a reportagem, ver o site: REDE GLOBO. Fantástico.
<http://fantastico.globo.com/Jornalismo/Fantastico/0,,AA1088690-4005-389904-0-
11122005,00.html>. Acesso em: 13 jan 2006.
233
MOREIRA FILHO, José Roberto. Direito à identidade genética. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina>. Acesso em: 05 nov 2002.
O reconhecimento da origem genética não deve desconstituir a paternidade
socioafetiva. O filho só conheceria os pais biológicos se quisesse. O que não se
pode negar é o direito fundamental do filho à identidade, fazendo-o crescer sob uma
mentira. No mesmo sentido, Silmara de Abreu Juny Chinelato Almeida:
[...] conhecer a verdade da filiação é um exercício de direito de
personalidade e não tem como conseqüência inevitável ou automática, a
desconstituição do vínculo filial.
Conhecer as origens biológicas, pesquisar a identidade genética nada tem a
ver com o amor aos pais civis e sócio-afetivos.
234
Em nenhum momento, pretende-se desconstituir a filiação socioafetiva,
apenas procura-se defender e assegurar o direito ao conhecimento da própria
identidade, da própria personalidade. Neste sentido, o conhecimento da origem
genética não geraria efeitos jurídicos, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais.
Os efeitos decorrentes da relação entre o filho e o doador de gametas devem ser
apenas saciar a curiosidade de conhecer a própría origem e, com isso, conhecer a si
mesmo.
Vige, porém, no ordenamento jurídico brasileiro o artigo 7º, da Lei de
Investigação de Paternidade (Lei n.º 8.560/92), que dispõe: “sempre que na
sentença de primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se fixarão os alimentos
provisionais; ou seja, a lei é imperativa, não levando em consideração as situações
em que o interesse da investigação de paternidade/maternidade é unicamente
pessoal, ou seja, para saciar uma curiosidade.
A lei de investigação de paternidade deve ser, portanto, interpretada levando
em consideração os novos fatos sociais decorrentes da reprodução assistida. A
investigação de paternidade/maternidade, quando movida apenas pelo interesse em
conhecer a origem genética, não deve desconstituir a família socioafetiva, pois, do
contrário, se estaria prejudicando a própria criança.
Em julgamento de Recurso Especial, envolvendo investigação de paternidade
e pedido de alimentos, movida por filho adotivo contra pai biológico, o Superior
234
ALMEIDA, Silmara de Abreu Juny Chinelato. op. cit, 2000, p. 197.
Tribunal de Justiça firmou entendimento acerca da possibilidade de uma pessoa
adotada mover ação de investigação a fim de perquirir sua origem genética
235
, uma
vez que não há no ordenamento jurídico pátrio base legal que o proíba de fazê-lo;
ao reverso, o que existe é norma admitindo o reconhecimento do estado de filiação
(art. 27, do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.º 8.069/90). Durante o
voto, o Relator, Ministro Eduardo Ribeiro, conclui:
O problema se coloca em vista do que estabelece o artigo 41 do estatuto
da Criança e do Adolescente. De acordo com a norma que ali se encontra,
a adoção desliga o adotado de qualquer vínculo com pais e parente, salvo
os impedimentos matrimoniais.
Cumpre, entretanto, observar que se os vínculos jurídicos desaparecem,
claro que não podem extinguir os laços naturais e, por isso mesmo,
persistem os citados impedimentos. E pode corresponder a uma
respeitável necessidade psicológica o conhecimento dos pais biológicos,
de qualquer sorte, algum interesse jurídico resta, em razão dos óbices ao
casamento.
Não me animaria, ademais, a excluir por completo a possibilidade de se
pedir alimentos, não obstante os termos do mencionado artigo 41.
Suponha-se a hipótese de criança de tenra idade, cujos pais adotivos
viessem a falecer ou a cair na miséria. Parece-me que a ela, que não foi
ouvida sobre a adoção, não poderia impedir de pretender alimentos de
seus pais biológicos. É o direito à vida que está aí envolvido.
Por analogia, pode-se utilizar tal entendimento para o caso da procriação
artificial com gametas de terceiros, dando aos seres assim gerados, que nunca
tiveram qualquer vínculo jurídico com os pais biológicos, a possibilidade de mover
ação de investigação de paternidade ou maternidade, conforme o caso.
A lei que vier a regular o uso da reprodução assistida deve prever a
possibilidade de ajuizamento de investigação de paternidade/maternidade, sem que
se desconstitua a família afetiva, produzindo apenas efeitos no que diz respeito ao
conhecimento da origem genética. Os efeitos jurídicos estariam restritos aos
impedimentos matrimoniais.
Guilherme Calmon Nogueira da Gama leciona que os efeitos jurídicos da
reprodução assistida, quanto aos doadores de gametas, devem existir para impor
restrições, quais sejam: Impedimento matrimonial, impossibilidade de adoção do
próprio filho biológico, proibição de reconhecimento voluntário ou mesmo forçado
para fins de criação de direitos e deveres recíprocos.
236
.
235
Recurso Especial nº 127.541, Rel. Min. Eduardo Ribeiro.
236
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. op. cit., CD-ROM.
De igual modo, no que se refere ao doador de gametas, este não possui
nenhum direito em relação ao filho biológico. Ao doar seu material genético, o
doador deve ter ciência de que abriu mão da paternidade e de todos e quaisquer
direitos sobre a criança. No mesmo sentido, leciona Guilherme Calmon Nogueira da
Gama:
Desse modo, diante da sua própria vontade, no ato de doação do embrião
ou do gameta, o genitor biológico estaria renunciando a qualquer direito
em relação à criança a ser concebida através de técnica de reprodução
assistida, também não sofrendo deveres, apenas restrições peculiares à
sua condição de genitor. Do mesmo modo, o casal que dispôs a perpetuar
a família através de método de reprodução assistida, sem fornecimento de
material fecundante próprio, tendo manifestado expresso consentimento,
não poderá esquivar-se dos efeitos jurídicos decorrentes do vínculo
parental constituído.
237
De tudo exposto, o conhecimento da origem genética não tem por intuito a
prevalência da paternidade biológica; ao contrário, o objetivo é unicamente
satisfazer o interesse de conhecer a si mesmo, tanto que o conhecimento da origem
genética não deve produzir outros vínculos jurídicos.
A lei que vier a regular a reprodução assistida deve garantir que o filho
conheça sua origem genética, sem que isso ocasione efeito jurídico, salvo quanto
aos impedimentos matrimoniais. A mesma lei deve impedir que o doador de
gametas venha a reivindicar direitos relativos à paternidade biológica. Também,
deve-se vedar a possibilidade de que os pais socioafetivos, alegando a falta de
vínculo biológico, venham a desconstituir a relação de filiação que voluntariamente
consentiram, sob pena de ferir o princípio constitucional da paternidade
responsável.
4.2.3 A Resolução nº 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina (CFM)
Acerca do conhecimento da identidade do doador de gametas, a Resolução nº
1.358/92, do CFM, em seu item 2, da seção 4, garante o anonimato, tanto do doador
como dos receptores. Apenas em situações especiais as informações sobre a
identidade dos doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas e, ainda
237
Id., ibid., CD-ROM.
assim, somente para médicos.
Dentro do atual panorama jurídico, esse dispositivo normativo é contrário ao
mencionado artigo 27, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e à Constituição
Federal de 1988. Como demonstrado, o conhecimento da origem genética é um
direito fundamental, de modo que, ao negar o exercício desse direito, a Resolução
n.º 1.358/92 é inconstitucional.
Em atendimento ao princípio constitucional da igualdade entre os filhos, o
ser humano nascido por meio da reprodução assistida tem o direito de ingressar com
ação investigatória de paternidade/maternidade.
Mesmo diante da ausência de lei específica sobre a reprodução assistida, os
efeitos dessa ação de investigação de paternidade/maternidade devem ser
relativizados; ou seja, a sentença deve ensejar efeitos apenas quanto ao
conhecimento da própria origem. Os efeitos jurídicos devem restringir-se aos
impedimentos matrimoniais.
As normas devem ser interpretadas com o fito de adequar-se à realidade
social, buscando satisfazer às suas necessidades. A mudança nos fatos sociais pode
e deve elaborar o sentido das normas existentes.
4.3 A Questão da Maternidade Sub-Rogada
A maternidade de substituição ou sub-rogada é aquela em que se utiliza o
útero de uma terceira mulher, em virtude da impossibilidade em reproduzir, por
parte da que recorreu aos centros de reprodução assistida.
Os problemas jurídicos decorrentes da maternidade sub-rogada consistem: a)
definir em qual modalidade a utilização de útero alheio pode ser feita, se mediante
contraprestação ou de forma gratuita; b) determinar quem é a mãe: a que gestou, a
que concedeu o óvulo ou a que recorreu aos centros de reprodução assistida?
Como negócio jurídico oneroso, a maternidade sub-rogada não encontra
respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, sendo inconstitucional. Essa conclusão
sucede de uma interpretação da Constituição, levando em consideração o princípio
da dignidade da pessoa humana.
O princípio da dignidade da pessoa humana veda qualquer ato que importe
diminuição do homem, como ser humano dotado de carga axiológica. Uma vez que
no aluguel de útero existe a comercialização do homem (do útero), está-se a ferir a
dignidade humana, sendo, por isso, inconstitucional. Neste contexto, cabe ainda
trazer à colação o § 4º do artigo 199, da Constituição Federal, que dispõe:
§ 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a
remoção de órgãos, tecidos ou substâncias humanas para fins de
transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e
transfusão de sangue e seu derivados, sendo vedado todo tipo de
comercialização.
Por uma leitura no dispositivo constitucional supra, percebe-se que a
Constituição Federal de 1988 proibiu qualquer forma de comercialização de partes
humanas, a fim de salvaguardar a dignidade do homem. Por uma interpretação
analógica e finalística, é possível utilizar este mesmo dispositivo constitucional
para proibir o aluguel de útero, pois também é um ato atentatório à dignidade
humana. Percebe-se que o direito ao próprio corpo não é absoluto, cedendo espaço à
dignidade humana, que deve ser sempre respeitada.
Ressalte-se que, no Brasil, o aluguel de útero seria realizado quase sempre
pelas mulheres pobres, pois dificilmente uma mulher com boas condições
financeiras e sociais o faria. O estado de pobreza e miserabilidade de algumas
mulheres no Brasil impediria que o consentimento do aluguel de útero fosse livre e
espontâneo, o que vem a ferir, mais uma vez, o princípio da dignidade da pessoa
humana. Raymundo Amorim Cantuária acrescenta que o aluguel de útero faria com
que a maternidade, expressão do amor da mulher no momento da procriação,
estaria nesses casos sendo substituída pelo egoísmo da busca por uma criança como
mero exercício de um desejo
238
. Contrários ao aluguel de útero, Antônio Henrique
Pedrosa Neto e José Gonçalves Franco Júnior salientam que a filiação, quando
estabelecida através de interesses econômicos, anula a afetividade e rompe o
238
CANTUÁRIA, Raymundo Amorim. op. cit., 2001, p. 155.
vínculo familiar, com graves repercussões para o desenvolvimento psíquico da
criança.
239
Por outro lado, a disponibilidade gratuita do útero para gestação, em favor de
uma terceira mulher, não afronta a dignidade humana, sendo, ao contrário, um ato
altruísta. Assim, a única modalidade de maternidade sub-rogada admitida, pelo
Direito brasileiro, é a gratuita. Neste caso, havendo conflito de maternidade, quem
é a mãe?
Mesmo com as mudanças científicas, ainda hoje, o ordenamento jurídico
brasileiro consagra a idéia de que a mãe é quem gestou e teve o parto, seguindo o
princípio de que a mãe é sempre certa (mater semper certa est). O próprio Código
Penal, em seu artigo 242 tipifica como crime o fato de Dar parto alheio como
próprio
240
, no entanto, tais normas não atendem às novas realidades científicas,
havendo a necessidade de novos parâmetros para se fixar a maternidade, nos casos
de gestação sub-rogada. Em se tratando de empréstimo de útero, pode haver três
mães: a gestacional, a biológica e a socioafetiva. Na ausência de lei específica
sobre o assunto, surge a questão: como definir a maternidade
241
?
Ora, a filiação atualmente deve ser fixada pela afetividade, já que o fator
biológico deixou de ser seu determinante. A própria Constituição Federal de 1988
afasta a verdade biológica como sendo o único meio de determinar a filiação, ao
equiparar os filhos adotivos aos naturais
242
. Assim, havendo conflito entre a mãe
gestacional e a mãe socioafetiva, a criança deverá ficar com a última, pois o afeto é
o elemento a ser privilegiado.
Nesse sentido, entende Tycho Brahe Fernades, dizendo que:
[...] ante a possibilidade de um conflito de maternidades, é fundamental
estabelecer juridicamente que a maternidade deverá recair, sempre
239
PEDROSA NETO, Antônio Henrique; FRANCO JÚNIOR, José Gonçalves. Reprodução assistida.
In: COSTA, Sérgio Ibiapina Ferreira; OSELKA, Gabriel; GARRAFA, Volnei. (coord.) Iniciação à
bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998, p. 123.
240
BRASIL. Decreto-lei n.º 2.848, 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Art. 242.
241
Sobre os dilemas da gestação de substituição, ver: MACHADO, Maria Helena. Filho de várias
mães. In: SILVA, Reinaldo Pereira e; LAPA, Fernanda Brandão. (orgs.) Bioética e direitos
humanos. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002, p. 171-189.
242
BRASIL. Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 227, § 6º.
naquela que será a mãe socioafetiva, até porque o projeto de maternidade
partiu dela ao descrever seu constitucional do planejamento familiar.
243
Além disso, por se tratar de um acordo previamente pactuado entre as partes,
a mulher que cedeu o útero deve estar ciente de que não terá direitos sobre a
criança. Deve-se vedar a possibilidade de quem cedeu o útero reclamar a filiação
judicialmente, pois, ao se colocar à disposição para gerar o filho de outrem,
renunciou a qualquer direito sobre a criança, aceitando o fato de que não é sua.
Mesmo nos casos de conflito negativo, em que ambas as mães neguem a
maternidade, esta deve ser atribuída à mãe socioafetiva, que assumiu a filiação com
o seu consentimento.
Deve-se levar em consideração que a criança e a disputa acerca dos direitos
que recaem sobre ela só existem porque a mãe socioafetiva recorreu ao centro de
reprodução assistida. Sem a vontade da mãe social não existiria a criança. Dessa
forma, existindo conflitos negativo ou positivo, a maternidade deverá ser atribuída
à mãe socioafetiva.
No Brasil, existe um julgado sobre o assunto, da 2ª Vara de Registro
Públicos, em São Paulo, em cuja sentença o juiz Márcio Martins Bonilha Filho
decidiu que as crianças nascidas por meio da gestação substituta fossem registradas
em nome da doadora do óvulo, que também era a mãe socioafetiva
244
. Em
fundamento à decisão, concluiu:
Atualmente, as conquistas médicas e o avanço tecnológico no setor da
procriação alteram profundamente as estruturas habituais que
juridicamente estabelecem as relações humanas.
O direito da filiação não é somente um direito da verdade. É também, em
parte, um direito da vida, do interesse da criança, da paz das famílias, das
afeições, dos sentimentos morais, da ordem estabelecida, do tempo que
passa . . . (Gerard Cornu).
[. . .]
A palavra parentesco deriva do verbo latino pário-ere (parir, gerar, dar
a luz) que dá bem a importância que sempre se atribui às relações que
unem gerados e geradores.
É certo que a filiação materna, como afirmou De Page, é mais cômoda de
estabelecer. Com efeito, quando um indivíduo prova que tal mulher teve
parto e que há identidade entre o parto e a criança daí oriunda, a filiação
materna está estabelecida de maneira completa e definitiva. Assim,
costuma-se dizer, em princípio, nunca há dúvidas quanto à filiação
243
FERNANDES, Tycho Brahe Fernandes, 2000, p. 113-114.
244
IRIB Instituto de Registro Imobiliário do Brasil. Disponível em: <http://www.irib.org.br/
ultimas/boletim>. Acesso em: 09 set 2002.
materna: mater semper certa est.
Todavia, o desenvolvimento da reprodução assistida impõe que se passe a
enfocar o tema sob a ótica da chamada paternidade de intenção, fruto de
um projeto planejado, no estabelecimento de uma filiação desejada pelos
requerentes.
É a técnica chamada nos EUA de surrogate gestational mother [...] e
que, na ausência de mercancia, inexistindo o elemento voltado ao
comércio carnal, como sucedeu, na espécie, longe de ser reprovada,
configura a denominada paternidade de intenção, a merecer tutela
jurisdicional favorável no sentido de se efetivar o registro na forma
requerida, conferindo a paternidade aos requerentes [...].
Embora a legislação brasileira venha se consolidando no sentido de admitir a
utilização da maternidade de substituição, essa modalidade de reprodução artificial
deveria ser mais bem detalhada, a fim de chegar a um amadurecimento psicológico
dos interessados, pois, como diz Anison Carolina Paludo:
As conseqüências psicológicas podem ser graves tanto para o bebê quanto
para a mãe gestadora, pois é sabido que durante a gravidez ocorre um
intenso processo de afeto e dependência entre mãe e filho. Essa relação
não acaba com o nascimento, mas intensifica-se com a busca do bebê pelo
olhar protetor de sua mãe.
245
Acrescenta Eduardo de Oliveira Leite:
Durante a gravidez a situação da mãe de substituição é de grande
vulnerabilidade: aos riscos obstetrícios inerentes a toda gravidez
acrescem os riscos psíquicos para a mãe que, desde o início, deverá
elaborar a difícil idéia que a criança por ela carregada não lhe pertencerá
ao término da gravidez. Essa dissociação vivenciada, do somático e do
psíquico, é altamente perturbadora e praticamente impossível de
assimilar
246
.
Observa-se que essa modalidade de procriação artificial pode ensejar
conseqüências psicológicas para todos. A mãe sub-rogada deve estar ciente de que
pode criar fortes laços afetivos e físicos com o bebê, quando assume o risco de
gestá-lo para outrem.
Deve-se restringir o uso da maternidade de substituição apenas na sua forma
gratuita e em casos de relação de parentesco até segundo grau colateral. Com a
finalidade de ratificar este entendimento, é válido mencionar o estudo realizado por
Naara Luna, no qual, em entrevistas com as mulheres que estavam se submetendo
ao tratamento contra infertilidade, constatou que as manifestações favoráveis ao
245
PALUDO, Anison Carolina. op. cit., (on line). Acesso em: 11 fev 2005.
246
LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 1995, p. 191.
empréstimo de útero eram relativas ao parentesco próximo, como no caso de irmãs
ou tias.
247
Ainda no que se refere à possibilidade de utilização da maternidade sub-
rogada, Aline Mignon de Almeida ressalta que só é jurídica e eticamente aceitável
o útero de aluguel quando a mulher não pode gestar o filho
248
, devendo ser
proibida a prática do empréstimo de útero por motivos fúteis, quais sejam:
incômodos ou modificações estéticas decorrentes da gravidez. A maternidade de
substituição deve ser restringida à impossibilidade de gestação e à situação, em que
a gravidez importe riscos para a mulher.
A lei que vier a regulamentar o assunto deve tratar, de modo claro, sobre o
consentimento informado, especificamente quanto ao uso do útero alheio. Aqui,
mais do que nunca, será necessária uma equipe multidisciplinar alertando a mãe
sub-rogada e a socioafetiva acerca dos riscos físicos, jurídicos e, principalmente,
emocionais envolvidos.
4.3.1 A Resolução n.º 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina (CFM)
Sobre a gestação de substituição, a Resolução n.º 1.358/92, do CFM, assim
dispõe:
VI- SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO
TEMPORÁRIA DE ÚTERO)
As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar
técnicas de RA para criar situação identificada como gestação de
substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contra-
indique a gestação na doadora genética.
1 As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da
doadora genética, num parentesco até segundo grau, sendo os demais
casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.
2 A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou
comercial.
São requisitos da maternidade sub-rogada, nos termos da Resolução n.º
1.358/92, do Conselho Federal de Medicina: não ter caráter lucrativo ou comercial;
247
LUNA, Naara. Natureza humana criada em laboratório: biologização e genetização do parentesco
nas novas tecnologias reprodutivas. Histórias, ciências, saúde, Manguinhos, v. 12, n. 2, p. 395-417,
maio ago. 2005, p. 401.
248
ALMEIDA, Aline Mignon de Almeida. op. cit, 2000, p. 47.
existência de um problema médico que impossibilite ou contra-indique a gestação
na mãe socioafetiva, que pode ou não ser a mãe genética; a doadora temporária de
útero deve pertencer à família da mãe socioafetiva, em um parentesco até o segundo
grau.
Percebe-se que o Conselho Federal de Medicina utiliza a terminologia
doadora genética, quando a mais apropriada é mãe afetiva, pois pode ser que a
mãe afetiva seja absolutamente infértil, necessitando inclusive do óvulo de uma
terceira mulher.
4.4 A Questão da Finalidade da Reprodução Assistida: Eugenia e Sexismo/
sexagem?
Uma questão bastante discutida diz respeito à finalidade das técnicas de
reprodução assistida: a) poderão ser utilizadas para aumentar a possibilidade de
filhos gêmeos, já que essas técnicas propiciam este fato, em virtude da quantidade
de embriões introduzidos na mulher e da estimulação, na produção de óvulos? b)
poderão ser utilizadas com o fito de escolher o sexo (sexismo/ sexagem), a cor
dos olhos ou quaisquer outras características fenotípicas da criança (eugenia)?
A revista Veja publicou reportagem na qual se encontra o fato de que os
médicos e pacientes conversam sobre as características físicas e psicológicas que
desejam ver no bebê. Em São Paulo, no banco de sêmen do Hospital Albert
Einstein, é freqüente a escolha do doador com base em suas características físicas e
intelectuais, existindo até um catálogo com os dados dos doadores. Em clínicas
americanas os clientes podem, inclusive, visualizar o resultado futuro de suas
escolhas
249
.
Fátima Oliveira noticia uma entrevista com o Dr. Roger Abdelmassih à
revista Domingo, do Jornal do Brasil, na qual o médico fala sobre a rigorosa
seleção de óvulos para que resultem em bebês belos
250
. Percebe-se que há um culto
à beleza, mas quem determina o padrão de beleza? A mesma autora denuncia o fato
de que as técnicas de reprodução assistida favorecem o racismo, na medida em que
249
VEJA. São Paulo: Ed. Abril, n. 1.622, 03 nov. 199, p. 122.
250
OLIVEIRA, Fátima. op. cit., 2001, p. 104.
as pessoas, na maioria das vezes, selecionam a pele branca e olhos castanhos como
características de seus bebês.
A escolha das característica físicas do bebê só é legítima para fazer com que
os filho assemelhe-se com os pais. Ainda neste caso, essa escolha só aconteceria na
fertilização heteróloga e sem a intervenção direta nos genes do bebê.
No que se refere à escolha do sexo do bebê, Fátima Oliveira narra um caso
emblemático, em que o marido da paciente mandou jogar fora três embriões
saudáveis, ao descobrir que todos eram do sexo feminino
251
.
A revista Veja
252
também noticiou uma situação em que um casal escolheu o
sexo da criança para satisfazer o sonho do pai em ter uma filha. O casal não tinha
problemas com infertilidade, sendo o único objetivo da reprodução assistida a
escolha do sexo do bebê; ou seja, a sexagem é realizada, sem qualquer controle
ou punição.
A escolha do sexo (sexismo), da cor e das demais características físicas do
bebê pode causar sérias conseqüências sociais. O sexismo impõe a supremacia de
um sexo sobre o outro. No caso, o sexo masculino se sobressairia, já que é tido
como o mais importante na maioria das culturas. O sexismo, por imposição da
dominação masculina, pode ameaçar as conquistas das mulheres, depois de décadas
de submissão.
Já a eugenia, se realizada indiscriminadamente, pode romper com a
diversidade de raças, impondo a supremacia de uma delas. É quase certo que
ninguém esqueceu os horrores pelos quais os judeus passaram, no período marcado
pela Segunda Guerra Mundial, em virtude de uma ideologia que propagava a
supremacia de uma raça. No Brasil, os negros e os índios ainda amargam a exclusão
decorrente do preconceito. Como assevera Alexandre Gonçalves Frazão:
A escolha de características fenotípicas dos bebês poderia levar ao
acirramento dos preconceitos e discriminações, além de trazer a violência
a que está associada esses termos. E tal aconteceria pois certamente
251
Id., ibid., 2001, p. 106.
252
VEJA. São Paulo: abril, n. 1.699, 09 maio. 2002, p. 108.
haveria o prevalecimento de um padrão racial sobre outros no processo de
escolha dos padrões genéticos. Em tal seleção, portanto, acham-se
implícitos juízos de valor preconceituosos que seriam inevitavelmente
transferidos para as relações sociais
253
.
Reinaldo Pereira e Silva noticia que na lógica da eugenia capitalista, a vida
humana é transformada em objeto de transação mercantil e a procriação responsável
é substituída por uma opção numérica no McDonalds da fecundação.
254
Uma pergunta a ser considerada é a seguinte: quem ganha com a prática do
sexismo e da eugenia? O sexismo e a eugenia são práticas que só se coadunam com
os interesses das grandes clínicas de reprodução assistida e das grandes indústrias
farmacêuticas, que lucram de forma exorbitante com a venda de medicamentos e
hormônios para o tratamento da infertilidade.
A humanidade em nada se beneficia com o sexismo e a eugenia; ao reverso
tais práticas transformam os seres humanos em objeto de consumo, vindo a
satisfazer os interesses econômicos de grandes grupos. Ora, a finalidade da
reprodução assistida é auxiliar pessoas inférteis na procriação. O sexismo e a
eugenia fogem ao seu objetivo e permitem uma das piores conseqüências da
procriação artificial: a comercialização do homem, ferindo, com isso, o princípio
constitucional da dignidade humana. Desse modo, tais práticas devem ser proibidas
e abolidas.
4.4.1 A Resolução nº 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina (CFM)
O item 4º, da Seção I, da Resolução n.º 1.358/92, dispõe:
4 - As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de
selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro
filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho
que venha a nascer.
Percebe-se, portanto, que o Conselho Federal de Medicina proíbe que as
técnicas de reprodução assistida sejam aplicadas com a intenção de selecionar sexo
253
FRAZÃO, Alexandre Gonçalves. op. cit., (on line). Acesso em: 11 set 2002.
254
SILVA, Reinaldo Pereira. Os Direitos Humanos do Concebido: Análise Biojurídica das Técnicas
de Procriação Assistida. Revista da Faculdade de Direito da UFSC, vol. 2. Santa Catarina, 1999,
p. 204.
ou qualquer outra característica do futuro filho. A única possibilidade de escolha do
sexo do bebê diz respeito ao tratamento para evitar a transmissão de doenças
ligadas ao gênero.
Embora a Resolução do Conselho Federal de Medicina proíba expressamente
o uso da reprodução assistida para fins de sexismo, é sabido que tal prática é
realizada, o que demonstra a necessidade de uma lei que venha a regular o uso da
reprodução assistida, impondo sanções cíveis, penais e administrativas, em caso de
descumprimento.
É necessário que se criem normas que expressem quando as técnicas de
reprodução assistida podem ser utilizadas, a fim de não banalizar o ser humano,
tornando-o coisa ou objeto de consumo. A finalidade dos métodos de procriação
artificial é, acima de tudo, dar às pessoas a possibilidade de procriarem. A lei que
vier a regular a reprodução assistida também deve proibir seu uso quando implicar
riscos à saúde da usuária ou do descendente.
4.5 A Questão dos Embriões Excedentários
A fim de garantir o sucesso da fertilização in vitro, a mulher submete-se a
um tratamento hormonal para uma maior produção de óvulos. Assim, mais de um
óvulo é colocado em contato, in vitro, com vários espermatozóides. Em virtude
desse contato, existe a possibilidade de vários óvulos serem fecundados, mas só
podem ser transferidos para a cavidade uterina, o máximo de 04 (quatro) embriões,
de acordo com o item 6, da Seção I, da Resolução n.º 1.352/92, do Conselho
Federal de Medicina. Dessa forma, há a possibilidade de existir um excedente de
embriões. O que fazer com eles?
O destino dos embriões excedentes é revestido de contornos éticos, sociais e
jurídicos, ainda sem solução. Poderiam ser utilizados em pesquisas científicas?
Poderiam ser comercializados?
Na Inglaterra, alguns milhares de embriões foram descartados
255
. Em julho de
255
FRAZÃO, Alexandre Gonçalves. op. cit., (on line). Acesso em: 11 set 2002.
2001, uma equipe de cientistas dos EEUU garantiu haver criado embriões humanos
em laboratório com o único objetivo de colher suas células. Para tanto, esses
embriões foram destruídos
256
. Essa situação demonstra muito bem os problemas que
ameaçam os embriões excedentários e, como conseqüência, toda a humanidade.
De acordo com Jussara Maria Leal de Meirelles, citando Stela Marcos de
Almeida Neves Barbas:
Em 1983, dados resultantes de estatística realizada pelo Queen Victoria
Medical Center’ (Austrália) davam conta de em cada 984 embriões
implantados somente nascem 95 bebês, destruindo-se, assim, 889
embriões, o que corresponde às porcentagens de 90,6% e 9,4%,
respectivamente. Número que seria maior se a estatística incidisse não
somente sobre embriões implantados, abrangendo dessa forma todos os
embriões obtidos a partir de fertilização in vitro, que se perdem mesmo
antes da transferência
257
.
A mesma autora, agora citando Eugênio Carlos Callioli, faz uma observação
acerca das expressões utilizadas em referência aos embriões excedentários:
Lembra o autor que os embriões humanos são congelados e conservados
para, caso seja conveniente, virem a ser aproveitados em futuras
gestações ou para investigações científicas; se já não forem úteis, os
técnicos se desfazem deles, assim como daqueles que apresentem
anomalias. O uso corrente das expressões destacadas denota a designação
de coisas e não de seres humanos.
258
Atualmente, a polêmica se torna ainda maior em razão das descobertas das
células-tronco
259
embrionárias, as quais prometem revolucionar a ciência com a
cura de doenças e deficiências tachadas de incuráveis. Marco Segre ressalta que:
A retirada de células-tronco produz a morte desse "conjunto de células":
daí, fulcro das polêmicas, é quanto a podermos produzir esses pré-
256
CIÊNCIA VIVA Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica. Embriões
humanos criados apenas para investigação. Polêmica nos Estados Unidos. Disponível em:
<http://www.cienciaviva.mct.pt/genomahumano/imprensa_artigos28.asp>. Acesso em: 22 nov
2002.
257
BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves. Direito ao patrimônio genético. Coimbra: Almedina,
1998. In: MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A vida humana embrionária e sua proteção
jurídica. São Paulo: Renovar, 2000, p. 32-33.
258
CALLIOLI, Eugênio Carlos. Aspectos da fecundação artificial in vitro. Revista de Direito Civil,
Agrário e Empresarial, São Paulo, v. 12, n. 44, p. 71-95, abr./jun. 1988. apud MEIRELLES, Jussara
Maria Leal de. A vida humana embrionária e sua proteção jurídica. São Paulo: Renovar, 2000, p.
32-33.
259
Células-tronco são as células com capacidade de auto-replicação, isto é, com capacidade de gerar
uma cópia idêntica a si mesma e com potencial de diferenciar-se em vários tecidos. PROJETO
GHENTE. Disponível em: <http://www.ghente.org>. Acesso em: 13 jan 2006.
embriões com o fim específico, não de gerarmos novos seres humanos,
mas sim de fabricarmos "remédios" contra patologias graves, como a
doença de Alzheimer, o síndrome de Parkinson, leucemias etc. É sabida a
capacidade das céculas-tronco desencadearem a formação de tecidos
variados, sendo inestimável o valor dessa capacidade para se reporem, no
"vivo" (caso dos doentes portadores das moléstias já referidas) tecidos e
órgãos vitalmente prejudicados
260
.
Daniel Serrão aponta que a dificuldade em definr o estatuto ético do embrião
in vitro acontece porque todos nós sabemos que também fomos, um dia, embriões
vivos aos quais foi assegurado o direito ao desenvolvimento.
261
Para Dietmar Mieth, os embriões em laboratório constituem vida humana,
não importando em que fase se encontrem. Assim, não podem ser utilizados para
pesquisa, porque estariam sendo tratados como matéria-prima. O autor não
concorda com a utilização de embriões em pesquisas, a fim de tratar doenças e
pacientes. Segundo o autor, Embora importantes, os interesses de quem sofre de
uma doença não têm de se tornar absolutos para obrigar uma sociedade que tem de
estar comprometida com todos os valores morais.
262
O aspecto mais relevante que está no centro da controvérsia ética sobre os
embriões em laboratório refere-se à discussão sobre o início da vida humana. Marco
Segre lembra:
Assim como o desenvolvimento das técnicas de transplantes de órgãos
vitais, a partir de doadores "mortos", passou a exigir a redefinição do
momento de morte, para que esses fossem viáveis, o desenvolvimento das
técnicas de reprodução assistida está estimulando um questionamento do
momento de início da vida, para que, pelo destino que não se sabe qual
dar aos embriões excedentes, este outro avanço científico (a reprodução
assistida) não seja obstaculizado
263
.
O que é a vida humana? Quando começa? Inicia-se com a junção do
espermatozóide e o óvulo, com a origem da formação do sistema nervoso, a partir
da nidação do embrião no útero ou a partir dos batimentos cardíacos? O que
diferencia um embrião em laboratório do embrião já implantado no útero? Todo o
260
SEGRE, Marco. A propósito da utilização de células-tronco embrionárias. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000200017>. Acesso em:
20 nov 2005.
261
SERRÃO, Daniel. Estatuto do embrião. Bioética, v. 11, n. 2, p. 109-116, 2003, p. 113.
262
MIETH, Dietmar. Os problemas éticos do uso de embriões para pesquisa. In: GARRAFA, Volnei;
PESSINI, Leo. Bioética: poder e injustiça. São Paulo: Edições Loyola, p. 176.
263
SEGRE, Marco. op. cit., (on line). Acesso em: 20 nov 2005.
cerne dos problemas que envolvem os embriões em laboratório dizem respeito a
essas perguntas, que são de respostas difíceis, pois ultrapassam a esfera do
conhecimento jurídico.
4.5.1 O Início da Vida
Estabelecer o início da vida humana é algo de grande complexidade, pois não
se trata de um fato exclusivamente técnico; ao contrário, necessariamente, envolve
valores, daí por que tantas divergências e teorias
264
sobre o início da vida humana.
Reinaldo Pereira e Silva destaca algumas teorias que estabelecem critérios para a
definição da individualidade humana, ou seja, a vida do ser humano
265
:
a) Teoria da natalidade - para esta teoria, a individualidade humana surge
a partir do nascimento. O concebido dentro do útero materno não possui
individualidade, sendo apenas parte da mulher.
b) Teoria da gestação – esta teoria assevera que a individualidade
humana se firma gradualmente. Relaciona a completude da individualidade ao
tempo de gestação. A proteção jurídica do feto está relacionada ao tempo de
gravidez. Por esta teoria, o embrião in vitro jamais seria considerado vida humana.
c) Teoria da singamia - para entender esta teoria vale esclarecer que a
fertilização do óvulo e a concepção constituem momentos diferentes. A fertilização
do óvulo ocorre quando apenas um, dos milhões de espermatozóides liberados,
consegue penetrar o óvulo. Já a concepção ocorre aproximadamente doze horas
após a fertilização e se caracteriza como sendo o momento de fusão dos pronúcleos
masculino e feminino do interior do ovo. Para esta teoria, a individualização
humana ocorre desde o momento da penetração do espermatozóide no óvulo, isto é,
desde a fusão das membranas dos gametas masculino e feminino
266
.
264
Sobre as teorias acerca do início da vida ver também: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. A
arte do possível: sobre a reprodução humana assistida. In: SILVA, Reinaldo Pereira e; LAPA,
Fernanda Brandão. (orgs.) Bioética e direitos humanos. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002, p.
157-169.
265
SILVA, Reinaldo Pereira e. Introdução ao biodireito: investigações político-jurídicas sobre o
estatuto da concepção humana. São Paulo: Ltr, 2002, p. 82-100.
266
Id., ibid., 2002, p. 85.
d) Teoria da cariogamia - para esta teoria, a individualidade humana
apenas tem início com a concepção, isto é, após a fusão dos pronúcleos masculino e
feminino. Aqui, há a dissolução das membranas que cobrem os pronúcleos,
permitindo a interação da informação genética contida em duas parcialidade com
identidades diferentes para formar um todo novo
267
. Para esta teoria, o concepto já
é um ser humano e não um ser humano em potência. A potencialidade é apenas do
desenvolvimento humano. A capacidade que o concebido tem em desenvolver-se e
converter-se em ser humano adulto é algo que lhe é intrínseco, por isso, para esta
teoria, já existe vida humana desde a concepção.
e) Teoria do pré-embrião - segundo esta teoria somente a partir do 14º
dia da fecundação, é que existe um indivíduo humano. O zigoto ainda não é um ser
humano, mas apenas uma célula progenitora dotada de potencialidade para gerar
indivíduo da espécie humana. Marilena Côrrea salienta que o critério do 14º dia foi
universalmente admitido, porque apoiou-se na premissa cientificamente aceita de
que até esta etapa não tem início ainda o desenvolvimento do sistema nervoso do
embrião
268
. Se o critério do estabelecimento da morte é o fim da atividade
cerebral, então essa teoria se utiliza do mesmo argumento para o estabelecimento
do início da vida.
Para Reinaldo Pereira e Silva, a teoria do pré-embrião:
Trata-se de uma tese de caráter ideológico, haja vista que promove a
subordinação inconfessa de uma posição teórica a uma postura prática,
não tendo outro objetivo senão autorizar a manipulação de seres
humanos.
269
.
Essa teoria é bastante criticada, pois submete o valor e a dignidade do ser
humano a fatores cronológicos. Para Eugênio Carlos Callioli, é insuficiente buscar
definir o ser humano com base em fatores meramente cronológicos. Continua o
autor:
Após a fecundação, não há biologicamente um antes e um depois
267
SILVA, Reinaldo Pereira e. op. cit., 2002, p. 85.
268
CÔRREA, Marilena C. D. V. Bioética e Reprodução Humana. In: LOYOLA, Maria Andréa (org.) Bioética,
reprodução e gênero na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Estudos
Populacionais (ABEP); Brasília: Letras Livres, 2005, p. 49-80, p. 66.
269
SILVA, Reinaldo Pereira e. op. cit., 2002, p. 89.
objetivos, semelhantes ao que existe antes da fecundação (células
destinadas a morrer) e depois da fecundação (células destinadas a viver e
a dar lugar, por si mesmas, a um ser humano, se cultivadas em um meio
adequado)
270
.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, conclui Jussara Maria Leal de
Meirelles:
[...] ao se estabelecer distinção de valor no ser humano, segundo as
diversas etapas de seu desenvolvimento, é possível chegar-se à conclusão
de que embrião precoce não é ainda um homem, assim como um indivíduo
na sua infância é menos humano que o indivíduo adulto
271
.
Humberto Vieira, criticando o desenvolvimento do embrião em fases,
concluiu:
Para contornar alguns problemas éticos há quem defenda a existência do
pré-embrião.
Inicialmente é preciso dizer que não existe pré-embrião. Em depoimento
na Corte do Tenessee, o Prof. Jerôme Lejeune já desfez esse engano.
Afirma Prof. Lejeune “que nada existe antes do embrião e o ser
formado pela união do espermatozóide do homem e o óvulo da mulher
constitui um ser humano único sobre o universo. Em nosso entender o
uso da expressão pré-embrião constitui um artifício para eliminar vidas
humanas já concebidas. E uma maneira de anestesiar as consciências
diante de um fato concreto: eliminação de um ser humano no início de sua
trajetória vital.
272
f) Teoria da nidação - esta adota o critério da nidação, isto é,
implantação do embrião do útero, para o estabelecimento do início da vida. Para
esta teoria, não há viabilidade de vida para o embrião em laboratório, necessitando
ser implantado no útero. Este critério de identificação do início da vida humana é
bastante falho, pois, nas palavras de Jussara Maria Leal de Meirelles, a nidação
não acrescenta nada à nova vida que se desenvolve; fornece-lhe, isso sim,
condições ambientais mais favoráveis ao seu desenvolvimento.
273
A teoria da nidação é também perigosa e atentatória à dignidade humana,
porque atualmente já se fala em criar um útero em laboratório, onde o embrião
270
CALLIOLI, Eugenio Carlos. Aspectos da fecundação artificial in vitro. Revista de Direito Civil, Agrário e
Empresarial. São Paulo, v. 12, n. 44, p. 71-95, abr./jun. 1988. In: LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 1995, p.
385.
271
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. op. cit, 2000, p. 135.
272
VIEIRA, Humberto L. Problemas da fecundação artificial. Disponível em: <http://www.google.com.br>.
Acesso em: 20 abr. 2002.
273
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. op. cit., 2000, p. 119.
poderia se desenvolver. Com base na teoria da nidação para o estabelecimento do
início da vida, o feto, mesmo estando em desenvolvimento no útero artificial em
laboratório, ainda assim não seria considerado vida humana, já que não foi
implantado no útero.
Enquanto não implantado no útero, o feto não seria considerado vida, o que
justificaria todos os atos contrários a sua dignidade. Como se pode perceber, a
teoria da nidação é falha, tornando o ser humano vulnerável às mais absurdas
barbáries.
Na verdade, é possível observar que não há consenso quanto ao critério
identificador do início da vida humana, significando dizer que a escolha do critério
utilizado por essas teorias leva em consideração componentes ideológicos e
axiológicos. Definir a vida humana é essencialmente uma tarefa valorativa,
portanto, variável segundo o tempo e o local.
A definição do início da vida, nas questões referentes à Biomedicina, possui
grande repercussão prática. Se for considerado que há vida humana a partir da
fertilização do óvulo (teoria da singamia) ou da concepção (teoria da cariogamia),
não pode existir nenhum tipo de manipulação nesses zigotos ou embriões.
Todas as questões referentes aos embriões excedentários são rodeadas de
grande complexidade. O estatuto moral do embrião in vitro ainda é repleto de
dúvidas e controvérsias. Para acabar com os conflitos éticos, poder-se-ia adotar
atitudes radicais, como: proibir a fecundação de óvulos em número superior ao
necessário; e vedar as pesquisas científicas com células-tronco embrionárias. Estas
são, entretanto, as melhores soluções?
A resposta a essa pergunta ainda é muito duvidosa, pois as pesquisas com
células-tronco embrionárias dizem respeito à saúde e à qualidade de vida de
milhares de pessoas. Uma coisa é certa: cabe ao Direito fixar o início da vida
humana, a fim de evitar abusos e arbitrariedade atentatórios à dignidade humana.
Poder-se-ia levantar a questão de que ainda não há um consenso científico
sobre o início da vida e que, por isso, não cabe ao Direito defini-la. Ora, como dito,
o início da vida tem por base critérios ideológicos e valorativos. Desse modo, o
Direito, como ciência pautada em fatos e valores, pode e deve definir a vida
humana, por meio de suas normas. Além disso, ainda que a ciência se posicionasse
de forma unânime quanto ao início da vida, isso não significaria certeza, pois até o
conhecimento científico é transitório e não fecha questão.
274
É melhor que o Direito defina o início da vida, ainda que transitoriamente,
do que deixar que abusos continuem a ser realizados, até porque a manipulação de
embriões constitui um fato real. A ausência de regulação jurídica faz parecer que
tudo é possível, de modo que somente com uma regulamentação legal poderiam ser
reduzidos os abusos. É necessário que se defina em que condições e para que o
embrião excedentário pode ser utilizado, com respeito ao princípio da dignidade
humana.
4.5.2 A Constituição Federal
A Constituição Federal de 1988 é silente quanto às questões que envolvem o
início e o fim da vida humana, assegurando apenas o direito à vida, em seu artigo
5º, caput. Desse modo, cabe à legislação infraconstitucional o estabelecimento
desses limites.
No que diz respeito à proteção jurídica dos embriões excedentários, a Carta
Magna brasileira não é explícita, no entanto é possível extrair alguns dispositivos e
princípios constitucionais protetores dos embriões em laboratório.
O artigo 199, § 4º
275
, da Constituição Federal de 1988, veda a
comercialização de tecidos e substâncias humanas, pelo que se pode concluir que a
comercialização de embriões humanos é terminantemente proibida.
274
Sobre a transitoriedade do conhecimento científico ver: POPPER, Karl Raymund. Conjecturas e
Refutações. 2. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1982; POPPER, Karl Raymund.
Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Tradução de Milton Amado. Belo
Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Universidade de São Paulo, 1975.
275
Art. 199. [...]
§ 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos ou
substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta,
processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.
Ainda que a lei estipulasse que a vida humana começa a partir do 14º após a
concepção, não há como negar que no conjunto de células ali formados existe algo
com potencialidade de vir a ser vida humana.
Não há como negar que o embrião possui existência individual,
independentemente dos que lhe deram origem, motivo pelo qual merece ser
amparado pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Não é possível identificar
o embrião antes do 14° dia (pré-embrião) como mero aglomerado de células, pois o
desenvolvimento dessas células tem a potencialidade de formação de uma pessoa
humana. De acordo com Jussara Maria Leal de Meirelles:
No que diz respeito especificamente aos embriões obtidos a partir da
reprodução assistida e mantidos em laboratórios, ainda que lhe reconheça
caracterização mais específica como pessoa, não há como prescindir de
sua vinculação com a natureza humana.
276
É impossível tratar o embrião humano como coisa, não restringindo sua
utilização. Desse modo, em atendimento aos ditames constitucionais de proteção da
dignidade humana, por terem potencialidade de formação de ser humano, os
embriões humanos em laboratório não podem ser comercializados ou descartados.
Deve ser proibida, ainda, a criação de embrião humano com a única finalidade de
investigação científica. A grande quantidade de embriões excedentários não
justifica que se criem ainda mais embriões, destinados às pesquisas científicas.
4.5.3 A Resolução nº 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Nova
Lei de Biossegurança
Sobre os embriões excedentários, a Seção V, da Resolução nº 1.358/92, do
CFM, dispõe:
1- As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides,
óvulos e pré-embriões.
2- O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será
comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão
transferido a fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não
podendo ser descartado ou destruído.
3- No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem
276
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. op. cit., 2000, p. 163.
expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos
pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de
falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.
Em análise aos dispositivos supra, percebe-se que o Conselho Federal de
Medicina, no item 2, proíbe o descarte e a destruição de embriões sem dar nenhuma
destinação para os mesmos.
O que fazer com os embriões excedentários consiste talvez no maior
problema decorrente da reprodução assistida. Geralmente, esses embriões ficam no
laboratório à mercê da sorte, pois as pessoas que obtiveram sucesso com a
procriação artificial geralmente não desejam mais filhos e, conseqüentemente, não
se preocupam com esse excesso de embriões em laboratório. Ainda, manter os
embriões no laboratório requer um alto custo, pois a criopreservação é um
procedimento dispendioso.
Em 24 de março de 2005, após uma série polêmicas, foi aprovada a nova Lei
de Biossegurança brasileira, a qual permitiu pesquisas em células-tronco
embrionárias. Dispõe o artigo 5º, da Lei n.º 11.105/2005:
Art. 5º - É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de
células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por
fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento,
atendidas as seguintes condições:
I sejam embriões inviáveis; ou
II sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da
publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta
Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir do
congelamento.
§ 1º - Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
§ 2º - Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa
ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter
seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética
em pesquisa.
§ 3º - É vedada a comercialização do material biológico a que se refere
este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei nº
9.434, de 4 de fevereiro de 1997
277
.
Percebe-se que a nova Lei de Biossegurança, ao possibilitar as pesquisas em
células-tronco embrionárias, permitiu, indiretamente, a destruição dos embriões.
Para tanto, basta que o embrião esteja congelado há mais de três anos ou que seja
inviável. Em caso de inviabilidade do embrião, não é necessário que ele esteja
277
BRASIL. Lei n.º 11.105, de 24 de março de 2005.
congelado há um período mínimo de três anos. Em qualquer caso, o consentimento
dos genitores é indispensável. Entende-se por genitores aqueles que recorreram à
utilização da reprodução assistida.
O caput do artigo 5º restringe as pesquisas aos embriões produzidos por
fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento. Por uma
interpretação a contrário senso, pode-se concluir que não é permitida a criação de
embriões, com a finalidade única e exclusiva de realização de pesquisas e de
terapias.
No que se refere ao comércio de embriões, a lei, em atendimento aos ditames
constitucionais, proibiu tal prática, constituindo, inclusive, crime.
Por outro lado, mantém-se sem solução o problema do destino a ser dado aos
embriões excedentários, quando seus genitores não consentem com as pesquisas e
as terapias. O ideal é que fossem criados bancos de embriões, a fim auxiliar pessoas
inférteis na realização de seus projetos parentais. Para tanto, seria necessária a
autorização das pessoas responsáveis por tais embriões.
Em caso de abandono de embriões, a lei deve estabelecer um prazo máximo
para que os responsáveis apresentem um destino para eles, sob pena de serem
encaminhados para os bancos ou para as pesquisas científicas. O destino dos
embriões excedentários não pode ficar à espera única e exclusiva da vontade de
seus responsáveis.
A lei que vier a regular o uso da reprodução assistida deve ser explícita
quanto ao destino dos embriões excedentários abandonados pelas pessoas que
recorreram à utilização da reprodução assistida.
Observe-se, ainda, que a Lei de Biossegurança permitiu as pesquisas em
células-tronco embrionárias sem que o Direito brasileiro tenha definido ainda o
critério para estabelecimento do início da vida humana, o que suscita a questão de
saber se os embriões in vitro constituem vida.
Poder-se-ia subentender que os embriões in vitro não constituem vida
humana para o Direito brasileiro, justamente pelo fato de ter sido permitido seu uso
em pesquisas científicas. No entanto, como dito, fica-se sem saber qual o momento
exato do início da vida, para o ordenamento jurídico pátrio. Diante desse quadro, é
necessário que o Direito preencha o vácuo jurídico e ponha fim às dúvidas e
incongruências da legislação atual.
5 A NECESSIDADE DE PARÂMETROS ÉTICO-
JURÍDICOS PARA O USO DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA:
UMA PROPOSTA DE REGULAMENTAÇÃO
As técnicas de reprodução assistida representam grande conquista para a
humanidade. A velocidade do crescimento do conhecimento científico, entretanto,
especialmente na área genética, está sendo tão rápida que impede a sociedade de
poder refletir acerca dos avanços.
Como visto, o uso das técnicas de reprodução assistida levanta uma série de
conflitos éticos e jurídicos, os quais tornam a pessoa humana vulnerável. Dessa
forma, o uso da procriação artificial pode ser questionável, especialmente perante o
vácuo jurídico ameaçador da dignidade humana.
Não se pretende condenar a ciência e seus avanços, até porque se trata de
uma espécie de conhecimento humano necessária e útil à humanidade. O que se está
a reivindicar são avanços científicos com maior racionalidade e ética. Quantos
avanços médicos e científicos foram conquistados à custa de vidas humanas? Quem
não se lembra dos horrores cometidos contra os prisioneiros e os judeus durante a
Segunda Guerra Mundial, em prol de avanços científicos?
As pesquisas científicas em seres humanos implicam um alto nível de
complexidade devido asos aspecto éticos envolvidos. Geralmente, as pessoas
utilizadas se encontram em situação de vulnerabilidade, tais como: presidiários,
crianças, deficientes mentais, pacientes pobres e minorias étnicas. Entre os
beneficiários dessas pesquisas, no entanto, raramente se encontram os mesmos
grupos utilizados para testar os avanços científicos. Os beneficiários são, na
maioria das vezes, os ricos, que podem pagar pelo tratamento médico, e as
indústrias relacionadas à Medicina e à Farmácia.
No atual estádio do desenvolvimento científico, o conhecimento técnico não
é mais o único importante, pois os profissionais estão diante de problemas de ordem
ética. É necessário que os profissionais se conscientizem de que a ciência está para
servir ao homem, jamais o contrário. Em ciência, a máxima maquiavélica de que
os fins justificam os meios não deve prosperar. A dignidade da pessoa humana e a
autonomia do indivíduo devem ser respeitadas.
Maria Cláudia Crespo Brauner ressalta que: É imperativo que todas as
pesquisas relativas ao ser humano tenham como primeiro parâmetro proteger os
direitos e o bem estar das pessoas, através de critérios éticos previamente
estabelecidos
278
.
Especificamente no que se refere à reprodução assistida, vários abusos foram
e continuam sendo cometidos. As clínicas se aproveitam do sofrimento e da
fragilidade das pessoas que pretendem se submeter à procriação artificial, fazendo
com que o filho seja tratado como um objeto de consumo.
Para ser feliz é realmente preciso procriar? Não se pretende diminuir a
importância que um filho representa na vida de uma pessoa; apenas se critica a
forma como é explorada a procriação artificial. Por que incutir na cabeça das
pessoas inférteis que sem filhos elas serão infelizes e incompletas? Será que as
pessoas inférteis não podem ser felizes sem seus próprios filhos? Será que as
pessoas inférteis não podem ser felizes adotando uma criança?
Por incitar a sensação de fracasso nas pessoas inférteis, aumentando seu
estado de vulnerabilidade, são questionáveis as condições em que os usurários da
reprodução assistida tomam suas decisões. São eles informados acerca de todos os
riscos físicos, psicológicos, éticos e sociais do procedimento? Há um
acompanhamento psicológico capaz de colocar esses usuários em uma situação de
conforto mental ou pelo menos de diminuir o sofrimento inerente ao procedimento?
Quem são os brasileiros que podem ter acesso aos serviços de reprodução assistida?
278
BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. A bioética e os progressos tecnocientíficos da medicina
moderna: quais os limites de segurança? Cadernos de Pesquisa. Caderno n.º 4, out. 1997, p. 07.
Marilena Côrrea e Débora Diniz ressaltam que, no Brasil, há muito pouca
transparência no emprego da reprodução assistida. As autoras denunciam ainda:
1) a pobreza de registro dessas atividades e 2) a inadequada avaliação de
seus resultados no âmbito científico, evidenciada pela escassez de estudos
comparativos e controlados do sucesso/ insucesso na aplicação de cada
uma das diferentes técnicas e procedimento.
279
Essa realidade se torna ainda mais grave quando se constata a inexistência de
uma lei específica, que venha a regular e impor limites à procriação artificial,
coibindo as práticas nefastas e contrárias à dignidade humana.
Marlene Tamanini instrui:
O que observamos é que, proeza para alguns, ameaça para outros, a
artificialização da procriação humana ocupa lugar singular dentro do
movimento obscuro das ciências da vida. Cada um pode sentir que o que
está em jogo é muito mais do que a esterilidade tubária ou qualquer outra
- são os sentidos de demandas nem sempre identificáveis. São jogos
empapados pelo interesses mercadológicos e tecnológicos e que muitas
vezes se contrapõem no tabuleiro das escolhas e dos direitos. São
interesses que incluem o mercado, com suas trocas e equipamentos, os
bandos de espermas, as universidades e centros médicos, que mantêm o
pagamento, o governo que promulga as pesquisas, as apólices de seguro
[...].
280
Os fatos mostram que o objetivo da reprodução assistida está sendo
desvirtuado em nome de interesses econômicos alimentados por um mercado cada
vez mais crescente. Não é possível continuar admitindo que práticas contrárias e
atentatórias à dignidade humana possam continuar existindo, sem qualquer
constrangimento legal.
Miriam Pillar Grossi salienta que: [...] enquanto não houver legislação
pertinente às tecnologias de reprodução fica mais ou menos livreo mercado e as
diferentes formas que os indivíduos ou casais buscam as novas tecnologias
reprodutivas.
281
279
CÔRREA, Marilena; DINIZ, Débora. Novas tecnologias reprodutivas no Brasil: um debate à
espera de regulação. Disponível em: <http://www.dbbm.fiocruz.br/ghente/publicacoes/limite/
novas_tecnologias.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2006.
280
TAMANINI, Marlene. op. cit., (on line). Acesso em: 10 nov 2005.
281
GROSSI, Miriam Pillar. Sexualidade e reprodução assistida: direitos e gênero. In: SILVA,
Reinaldo Pereira e; LAPA, Fernanda Brandão. (orgs.) Bioética e direitos humanos. Florianópolis:
OAB/SC Editora, 2002, p. 119-133, p.131.
A reprodução assistida representa uma gama de grandes negócios,
ocasionando a comercialização do homem e o desrespeito à dignidade humana.
Neste sentido, ressalta-se a importância da Bioética para a criação de espaços de
debates.
5.1 A Bioética
O termo Bioética foi utilizado pela primeira vez em 1971
282
, nos Estados
Unidos, pelo oncologista americano Van R. Potter, em sua obra intitulada
Bioethics, bridge to the future
283
. Apesar do termo haver surgido na década de 70,
os problemas bioéticos são anteriores, tendo por referencial as experiências com os
judeus, durante a Segunda Guerra Mundial, culminando no Tribunal de
Nüremberg
284
.
A Bioética está relacionada com uma reflexão ética acerca da ciência. Tem
por intuito proteger a dignidade humana, representando, nas palavras de Regina
Fiuza Sauwen e Severo Hryniewicz:
[...] a tentativa de compreensão do verdadeiro significado da novidade,
visando a realçar seus aspectos positivos e alertar para os negativos. Ela
consiste no esforço em estabelecer em diálogo entre a ética e a vida.
Diante dos impactos causados pelas grandes descobertas feitas pelas
ciências da vida e da saúde nas últimas décadas, a bioética tem a proposta
de debater sobre os impactos por elas produzidos, sobre suas aplicações e
sobre o comportamento mais adequado ao homem, à medida que estas vão
produzindo suas novidades
285
.
Desse modo, a Bioética pode ser conceituada como a ética das ciências da
vida e da saúde, buscando efetivar valores éticos, ao questionar acerca do respeito à
dignidade humana, perante o progresso da ciência
286
. Marilena C. D. V. Corrêa
define Bioética como o campo de conhecimento, problematização e discussão que
282
Sobre a história da Bioética ver: PESSINI, Léo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul.
Problemas atuais de bioética. 4. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2000; RODRIGUES, Maria
Rafaela Junqueira Bruno. Biodireito: alimentos transgênicos. São Paulo: Lemos e Cruz, 2002.
283
BARBOZA, Heloisa Helena. Princípios da Bioética e do Biodireito. Bioética, v. 8, n. 2, p. 209-
216, 2000, p. 209.
284
O Tribunal de Nüremberg, realizado no final do ano de 1946, foi um tribunal de exceção criado
para o julgamento de médicos e de oficiais do Terceiro Reich, acusados de falta de ética nos
experimentos médicos nos campos de concentração. A partir de então, foi criado o Código de
Nüremberg, que estabelece regras para evitar as atrocidades cometidas em nome da ciência.
285
SAUWEN, Regina Fiuza; HRYNIEWICZ, Severo. O direito in vitro: da bioética ao biodireito.
2. ed. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2000, p.17-18.
286
Id., ibid., 2000, p.17-18.
tem como objetivos situações de conflito moral relacionadas à prática da medicina e
da pesquisa biomédica, aos processos de saúde e doença, e à conservação da
vida
287
.
A Bioética perquire o equilíbrio entre as pesquisas biotecnológicas e a
preservação da dignidade humana, repelindo a idéia de que tudo o que a ciência faz
necessariamente se resolve em vantagem para a humanidade. A pessoa humana
constitui o centro da Bioética. De acordo, ainda, com Regina Fiuza Sauwen e
Severo Hryniewicz:
Até onde podemos ir? Esta clássica pergunta parece sempre válida na
esfera da bioética, pois, neste campo, aborda-se constantemente a questão
dos limites: os limites entre o começo e o fim da vida; o limites entre a
coisificação ou não da pessoa; o limites entre o eugenismo e a
manipulação ética do gene; [...]
288
.
Conclui Elida Séguin acerca do objeto da Bioética:
A bioética tem como objeto garantir que sejam efetuadas dentro de
padrões éticos e de respeito à dignidade humana todas as intervenções
médicas, desde as exercidas no processo inicial da vida, como a
fecundação in vitro, até as que culminam com a extinção da pessoa. A
bioética procura respostas morais a interrogações técnicas da medicina e
da biologia com cunho educativo, de garantia ao acesso à informação e à
sensibilização do público em geral para estas questões
289
.
É importante ressaltar, entretanto, que o intuito da Bioética não é proibir ou
impor limites absolutos. Na verdade, como bem salientado por Volnei Garrafa:
Baseada no respeito ao pluralismo moral, para ela, o que vale é o desejo
livre, soberano e consciente dos indivíduos e das sociedades humanas,
desde que as decisões não invadam a liberdade e os direitos de outros
indivíduos e outras sociedades.
290
O intuito é conjugar os interesses do crescimento científico com a proteção
da dignidade humana.
Marco Segre ressalta que a Bioética interage com profissionais e estudiosos
287
CORREA, Marilena C. D. V. op. cit., 2005, 49-92, p. 56.
288
SAUWEN, Regina Fiuza; HRYNIEWICZ, Severo. op. cit., 2000, p.20.
289
SÉGUN, Elida. Biodireito. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, s.d., p. 42-43.
290
GARRAFA, Volnei. Biotecnologia, ética e controle social. Cadernos de Ciência & Tecnologia,
Brasília, v. 17, n. 2, p. 171-177, mai./ago. 2000, p. 172.
das mais diversas áreas. Ensina o autor:
Médicos, biólogos, psicólogos, psicanalistas, cientistas sociais, filósofos,
religiosos, juristas, enfermeiros, são apenas exemplos de pessoas, de
diferentes formações, que têm um papel a desempenhar na discussão
bioética. Porque a Bioética, discutindo a vida e a saúde humana, não
apenas interessa a todos os homens, bem como requer, para essa
discussão, bagagem do conhecimento de todos esses profissionais
291
.
Para atender ao seu objetivo de proteger a vida humana, vale-se a Bioética de
quatro princípios básicos: autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça. Tais
princípios não são aplicados isoladamente, ao contrário, há um equilíbrio e
complementação na aplicação dos princípios bioéticos.
5.1.1 Princípio da Autonomia
O princípio da autonomia, também conhecido como princípio do respeito à
pessoa, refere-se à liberdade individual. Considera-se que o próprio indivíduo é
quem deve tomar suas decisões, por ser ele quem melhor sabe o que é bom para si.
Para H. Tristram Engelhardt Jr, o princípio da autonomia, denominado pelo autor
como princípio do consentimento, mostra que os pacientes não podem ser usados
como meios
292
. Realmente, as ações médicas devem se basear no consentimento
dos pacientes, impedindo-se, com isso, que os profissionais possam,
arbitrariamente, utilizar o ser humano em experiências. A experiência com seres
humanos pode ser possível, desde que consentida e dentro dos limites legais.
O princípio da autonomia protege a liberdade de escolha do indivíduo,
respeitando sua capacidade de autodeterminação. Para que exista um sujeito
autônomo em suas decisões, fazem-se necessários, contudo, alguns requisitos.
Cláudio Cohen e José Álvaro Marques Marcolino salientam que o exercício da
autonomia está condicionado em primeiro lugar, pelo reconhecimento da sua
existência e em segundo pela necessidade de uma capacidade para exercê-la; e
finalmente, pela possibilidade de existirem elementos para permitir uma opção
293
.
291
SEGRE, Marco. Definição de bioética e sua relação com a ética, deontologia e diceologia. In:
SEGRE, Marco; COHEN, Cláudio. (orgs.) Bioética. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1995, p.
23-29, p.25-26.
292
ENGELHARDT JR, H. Tristram. Fundamentos da bioética. Trad. de José A. Ceschin. São Paulo:
Edições Loyola, 1988, p. 141.
293
COHEN, Cláudio; MARCOLINO, José Álvaro Marques. Relação médico-paciente. A) Autonomia
e paternalismo. In: SEGRE, Marco; COHEN, Cláudio. (orgs.) Bioética. São Paulo: Universidade de
O exercício da autonomia pressupõe liberdade, que por sua vez, pressupõe
consciência do ato que se pretende praticar. Desse modo, o exercício da autonomia
exige a troca de informações entre o cientista e o sujeito. Para se determinar, a
pessoa deve ter pleno conhecimento dos atos a serem assumidos. O indivíduo deve
ter à disposição todas as informações possíveis e necessárias acerca do seu estado
de saúde e do procedimento a ser adotado pelo cientista, a fim de que possa fazer
uma escolha livre e consciente
294
.
O indivíduo possui livre disposição sobre o próprio corpo, no entanto, para
que essa liberdade seja verdadeira e plena, é necessário que tenha consciência de
seus atos, mediante o recebimento de informações.
Ao exercer o princípio da autonomia, escolhendo o procedimento médico que
considera mais adequado, o indivíduo não pode prejudicar terceiros. Esse é o novo
entendimento do princípio da autonomia. O respeito ao outro trouxe a inclusão do
componente social na ação individual
295
. Segundo Flávio Carvalho Ferraz, Quando
se fala em autonomia, não se fala em autocracia. Ser autônomo é ter o direito de
autodeterminar-se e de, simultaneamente, suportar que o outro faça o mesmo.
Portanto, autonomia não existe sem o senso de reciprocidade e tolerância
296
.
De acordo com o professor José Roberto Goldim:
Uma pessoa autônoma é um indivíduo capaz de deliberar sobre seus
objetivos pessoais e de agir na direção desta deliberação. Respeitar a
autonomia é valorizar a consideração sobre as opiniões e escolhas,
evitando, da mesma forma, a obstrução de suas ações, a menos que elas
sejam claramente prejudiciais para outras pessoas. Demonstrar falta de
respeito para com um agente autônomo é desconsiderar seus julgamentos,
ou omitir informações necessárias para que possa ser feito um
julgamento, quando não há razões convincentes para fazer isto
297
.
O princípio da autonomia faz com que o indivíduo participe das tomadas de
São Paulo, 1995, p. 51- 62. p. 54.
294
ALMEIDA, Aline Mignon de. op. cit., 2000, p. 7.
295
GOLDIM, José Roberto. Princípio da autonomia ou do respeito à pessoa. Disponível em:
<http://www.ufrgs.br/hcpa/gppg/biorepr.htm.>. Acesso em: 15 abr 2002.
296
FERRAZ, Flávio Carvalho. A questão da autonomia e a bioética. Bioética, v. 9, n. 1, 73-81, 2001,
p. 78
297
GOLDIM, José Roberto. op. cit., (on line). Acesso em: 15 abr 2002.
decisões, rompendo com o tradicional paternalismo antes existente na relação
médico-paciente, na qual o paciente se submetia sem questionamentos às decisões
do médico. Segundo Maria Julia Kovács: Quando se favorece a autonomia, ocorre
uma relação simétrica entre profissionais e pacientes, sendo que estes últimos
participam de maneira ativa das decisões que envolvem seu tratamento, bem como
sua interrupção.
298
Em casos de absolutamente incapazes, que não possuem condições de se
regerem, o exercício do princípio da autonomia deve ser exercido pelo
representante legal.
5.1.2 Princípio da Beneficência
O princípio da beneficência aborda, no caso concreto, a avaliação do
risco/benefício na utilização do procedimento médico. O profissional, ao aplicar
determinado método de tratamento, deve sempre buscar a superação dos riscos e
dos sofrimentos. O objetivo é trazer benefício aos pacientes, sempre buscando o
bem. Joaquim Clotet doutrina sobre o princípio da beneficência:
O princípio da beneficência requer, de modo geral, que sejam atendidos
os interesses importantes e legítimos dos indivíduos e que, na medida do
possível, sejam evitados danos. Na Bioética, de modo particular, esse
princípio se ocupa da procura do bem-estar e interesses do paciente por
intermédio da ciência médica e de seus representantes ou agentes
299
.
O princípio da beneficência busca o bem. Trata-se do comprometimento com
o máximo de benefícios e com o mínimo de danos. Segundo H. Tristram Engelhardt
Jr, o princípio da beneficência reflete a circunstância de que as preocupações
morais compreendem procurar os bens e evitar prejuízos.
300
Sobre os efeitos da beneficência, Sérgio Slawka instrui:
Os efeitos da beneficência afetam investigadores e a própria sociedade,
2 98
KOVÁCS, Maria Julia. Bioética nas questões da vida e da morte. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642003000200008>. Acesso em:
28 mar 2006.
299
CLOTET, Joaquim. Por que bioética? Disponível em: <http://www.pucrs.br/reitoria/bioetica/
professores/clotet/POR_QUE_BIOETICA.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2006.
300
ENGELHARDT JR., H. Tristram. op. cit., 1988, p. 159.
pois se estendem tanto para os projetos de pesquisa com seres humanos
quanto para o empreendimento global de pesquisa:
-Para projetos com seres humanos, os pesquisadores são obrigados a
prever a maximização dos benefícios e a redução do risco que possa
ocorrer, baseando-se na investigação.
-Para projetos globais de pesquisa, os membros da sociedade são
obrigados a reconhecer os benefícios e riscos a longo prazo que possam
resultar da melhora do conhecimento
301
.
Percebe-se, então, que o maior objetivo do princípio da beneficência é
maximizar os benefícios de um determinado procedimento médico.
5.1.3 Princípio da Não-Maleficência
O princípio da não-maleficência visa a impedir que o cientista cause
intencionalmente mal ao paciente, garantindo, assim, que danos previsíveis sejam
evitados. Este princípio traduz a idéia de não provocar prejuízo aos outros.
Maria Helena Diniz ressalta que os autores não se preocupam em desenvolver
o princípio da não-maleficência por o considerarem um desdobramento do princípio
da beneficência
302
, uma vez que quem evita o dano intencional ao próximo visa ao
seu bem.
Na verdade, embora guarde semelhança com o princípio da beneficência, não
se pode descartar a importância do princípio da não-maleficência. Por este, um
médico ou pesquisador está proibido de testar um determinado procedimento no
indivíduo, sabendo que seus efeitos serão maléficos.
Na aplicação do princípio da beneficência, é possível que o paciente tenha
algum prejuízo ou dano decorrente do procedimento médico, no entanto este dano
não deve ser intencional, mas, sim, inerente ao próprio procedimento. Neste caso, o
pesquisador/ médico, pelo princípio da beneficência, deve buscar a superação dos
riscos, dando ênfase aos benefícios.
O que diferencia o princípio da beneficência do princípio da não-
301
SLAWKA, Sérgio. O termo do consentimento livre e esclarecido e a pesquisa em seres
humanos na área da saúde: uma revisão crítica. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Ciências.
Departamento de Medicina Preventiva. São Paulo, 2005, p. 28.
302
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 16.
maleficência, portanto, é que naquele busca-se maximizar os benefícios em
detrimento dos riscos, e neste procura-se evitar o dano intencional. Assim, seguindo
o princípio da não-maleficência o médico não poderá aplicar ao paciente um
procedimento que lhe trará mais danos que benefícios, mas se este for o único
procedimento cabível, seguindo o princípio da beneficência, o médico deverá
buscar potencializar as benesses.
5.1.4 Princípio da Justiça
O princípio da justiça é entendido no sentido de que ela deve ser distributiva.
Todos devem ter acesso aos procedimentos médicos, independentemente de sua
situação econômica.
Aline Mignon de Almeida diz que, sem a justiça distributiva, não se tem
autonomia para escolha do tratamento mais adequado, pois o ato pode estar
viciado pela situação econômica do paciente
303
. Continua a autora: Todas as
pessoas devem ser tratadas igualmente, no sentido de que devem ter acesso ao
tratamento mais moderno.
304
Pessoas em situações semelhantes devem ser tratadas
de forma semelhante.
No Brasil, o princípio da justiça não é plenamente respeitado, pois somente
as pessoas com bons recursos financeiros têm acesso aos melhores profissionais,
equipamentos e tratamentos, pois podem pagar por eles. Como o princípio da
justiça não é salvaguardado, fica praticamente impossível para a classe mais pobre
exercer, por via de conseqüência, a sua autonomia.
Para o exercício pleno do princípio da autonomia, o indivíduo deve ter
condições de optar pelo melhor tratamento que atenda aos seus interesses e
convicções. Em se tratando de camadas sociais mais humildes, que fazem uso de
serviço público de saúde, são raros, entretanto, os casos em que mais de um
tratamento é posto à disposição. Geralmente, dentre os tratamentos médicos
custeados pelo Estado, não se encontram os mais modernos, pois implicam mais
despesas. Como praticamente não existe opção para os pobres no Brasil, é possível
303
ALMEIDA, Aline Mignon de. op. cit., 2000, p. 8-9.
304
Id., ibid., 2000, p. 9.
afirmar que o princípio bioético da autonomia fica prejudicado.
De acordo com o Professor José Roberto Goldim:
Entende-se por justiça distributiva como sendo a distribuição justa,
eqüitativa e apropriada na sociedade, de acordo com normas que
estruturam os termos da cooperação social. Uma situação de justiça, de
acordo com essa perspectiva, estará presente sempre que uma pessoa
receberá benefícios ou encargos devidos às suas propriedades ou
circunstâncias particulares
305
.
Para efetivo cumprimento do princípio da justiça, ressalte-se a importância
do Estado, no sentido de criar condições de igualdade entre as pessoas de variadas
origens de classe e etnia.
5.2 O Direito Projetado
Mesmo com tantas implicações éticas e jurídicas, não há lei específica sobre
a reprodução assistida no Brasil. As soluções que vêm sendo encontradas para os
problemas e conflitos decorrentes da procriação artificial resultam de um raciocínio
hermenêutico que leva em consideração os princípios constitucionais.
O projeto de lei que aborda o maior número de questões sobre a reprodução
assistida é o Projeto de Lei n.º 90/99
306
, de autoria do ex-senador Lúcio Alcântara.
Na data do dia 9 de março de 1999, esse parlamentar protocolizou o Projeto de Lei
n.º 90/99. Originalmente, o projeto possuía quinze artigos distribuídos em oito
seções relativas: aos princípios gerais da reprodução assistida; ao consentimento
informado; aos estabelecimentos e profissionais; às doações; aos gametas e
embriões; à filiação; à criança; aos crimes e às disposições gerais.
Do projeto original, ressaltam-se as seguintes disposições, de acordo com o
Parecer 353
307
, de autoria do senador Roberto Requião:
305
GOLDIM, José Roberto. Princípio da justiça. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/hcpa/gppg
/biorepr.htm.>. Acesso em: 15 abr. 2002.
306
Sobre a tramitação do Projeto de Lei n.º 90/99 ver: BRASIL. Senado Federal. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mal=1304>. Acesso em: 11
jan 2006; BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/
sileg/Prop_Detalhe.asp?id+118275>. Acesso em: 11 jan. 2006.
307
Parecer nº 353, de 2003. Disponível em: BRASIL. Senado Federal. <http://
www.senado.gov.br/web/cegraf/pdf/07052003.pdf>. Acesso em: 11 jan. 2006.
a reprodução assistida só pode ser empregada nos casos de
infertilidade que não decorram da passagem da idade reprodutiva;
a reprodução assistida pode ser utilizada para a prevenção ou para o
tratamento de doenças genéticas ou hereditárias;
o filho nascido por meio da reprodução assistida tem o direito de
conhecer a identidade genética do doador de gameta e da mãe substituta;
o emprego da técnica submete-se ao mecanismo do consentimento
informado, estabelecido para esclarecer aos usuários todos os aspectos da
reprodução assistida e para registrar sua concordância quanto aos procedimentos, de
forma a proteger também os usuários contra a má utilização da técnica;
a utilização da reprodução assistida requer licenciamento prévio dos
estabelecimentos e profissionais, concedido pelo Poder Público, responsável pela
fiscalização da atividade;
admitem-se a doação de gametas e embriões, bem como a preservação
ou destruição de gametas e de embriões excedentes, uma vez que, a cada ciclo
reprodutivo da mulher receptora, só se permite a implantação de no máximo três
embriões;
autoriza-se a gestação de substituição, em sua forma não remunerada,
desde que haja parentesco até o segundo grau entre as duas mulheres envolvidas;
- autoriza-se o uso da reprodução por toda e qualquer mulher, bastando
ser capaz, mas desde que a infertilidade não decorra da passagem da idade
reprodutiva; e
- o Projeto de Lei original não faz restrição explícita quanto ao estado
civil ou a opção sexual da usuária.
Depois de apresentado pelo senador Lúcio Alcântara, o Projeto de Lei 90/99
foi distribuído para Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado
Federal, onde o relator, senador Roberto Requião apresentou um substitutivo que
foi aprovado. Do substitutivo apresentado pelo senador Roberto Requião, destacam-
se as seguintes modificações:
- restrição do uso da reprodução assistida para o homem e a mulher
casados ou em união estável;
- o substitutivo não faz referência à infertilidade decorrente da
passagem da idade reprodutiva;
- exclusão da possibilidade de utilização da reprodução assistida para
prevenção e tratamento de doenças hereditárias, admitindo apenas a prevenção de
doenças transmitidas hereditariamente, em virtude do gênero;
- proibição de doação e destruição de embriões excedentes, de modo que
todos os embriões devem ser implantados a fresco na mulher; e
- a identidade do doador de gametas é sigilosa, salvo em se tratando de
razões médicas.
Depois de aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
(CCJ), o projeto foi encaminhado para a Comissão de Assuntos Sociais (CAS),
também do Senado, que tem poder terminativo sobre a matéria. Na CAS, o projeto
foi relatado pelo senador Tião Viana, que apresentou um outro substitutivo
308
, o
qual foi também aprovado. Ao substitutivo apresentado pelo senado Tião Viana,
foram encaminhadas várias emendas para serem apreciadas em turno suplementar
na CAS. Em turno suplementar, o senador Tião Viana apreciou as emendas, que
culminaram em uma versão final do Projeto de Lei n.º 90/99l
309
, que ficou com
vinte e seis artigos, destacando-se como principais as seguintes questões:
308
O substitutivo apresentado pelo senador Tião Viana encontra-se em anexo. Também encontra-
se em anexo um quadro comparativo entre a versão original e os substitutivos do Projeto de Lei n.º
90/99.
309
A versão final do Projeto de Lei n.º 90/99 encontra-se em Anexo.
- acatando parcialmente a emenda nº 2, a reprodução assistida não pode
ser utilizada para prevenção e tratamento de doenças hereditárias, admitindo apenas
a prevenção de doenças ligadas ao gênero;
- garante que todos os casais e mulheres tenham acesso à reprodução
assistida, sem referência explícita ao estado civil e à opção sexual;
- proibição da gestação de substituição, inclusive na modalidade
gratuita;
- o consentimento livre e esclarecido deve ser relativo aos aspectos
técnicos, aos custos envolvidos, às implicações jurídicas e a todas as informações
relevantes acerca da reprodução assistida;
- proibição de produção e congelamento de embriões excedentes,
determinando que somente dois embriões poderão ser produzidos e transferidos, a
cada ciclo reprodutivo; e
- possibilidade do conhecimento da identidade dos doadores de gametas,
sem que isso produza efeitos jurídicos, salvo quanto aos impedimentos
matrimoniais.
Depois de aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), o Projeto de
Lei n.º 90/99 foi encaminhado à Câmara Federal, onde recebeu o número
1.184/2003. Na Câmara, o Projeto foi enviado para a Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania (CCJ), recebendo como Relator o deputado Colbert Martins.
Na CCJ, onze projetos que tratam sobre a reprodução assistida foram
apensados ao Projeto n.º 1.184/ 2003 (antigo Projeto n.º 90/99), para que
caminhassem em conjunto e, com isso, fossem facilitados os trabalhos. Em parecer,
datado de 28 de dezembro de 2005, o relator responsável, deputado Colbert
Martins, rejeitou todos os projetos, inclusive o Projeto de Lei n.º 90/99. Entendeu o
deputado que não há conveniência, necessidade ou oportunidade para aprovação
das propostas.
310
No que diz respeito diretamente ao Projeto de Lei n.º 1.184/2003 (antigo
Projeto n.º 90/99), entende Colbert Martins que a reprodução assistida não deve ser
tratada minuciosamente. Ainda, segundo o mesmo deputado, o Código Civil de
2002 já permite a reprodução assistida, motivo pelo qual:
Cabe aos órgãos competentes do Poder Executivo (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária - ANVISA, Ministério da Saúde, etc.), juntamente
com o Conselho Nacional de Medicina, atendidos os princípios éticos e
legais nortear todos os seus atos e regras, ditar as regras para que o
disposto no Código Civil seja efetivado.
311
Enquanto todos estão preocupados com as questões éticas e jurídicas
decorrentes da reprodução assistida, enquanto a sociedade e os mais variados
estudiosos do assunto levantam o problema da urgência de regulamentação legal,
para o deputado Colbert Martins não há necessidade de lei que regulamente a
reprodução assistida, devendo ser regulada pelas resoluções dos órgãos do Poder
Executivo e do Conselho Federal de Medicina.
Ora, existem questões relativas à reprodução assistida que fogem à esfera de
competência do Poder Executivo. Situações relativas à constituição de uma família,
aos laços de parentesco, à herança, recebem influências diretas da reprodução
assistida e só uma lei pode regular os efeitos dessas circunstâncias. Temas
complexos, como: a gestação de substituição, eugenia, sexismo, efeitos jurídicos da
relação entre o filho e o doador de gametas, só podem ser regulados por uma lei,
pois meras resoluções não são suficientes. Só uma lei pode proibir e punir os
abusos decorrentes da utilização da reprodução assistida.
De acordo com Volnei Garrafa, a ciência e a técnica não podem prescindir
da ética, sob pena de transformarem-se em armas desastrosas para o futuro da
humanidade nas mãos de minorias poderosas e/ ou mal-intencionadas.
312
Para Eduardo de Oliveira Leite: O Direito deve, seguramente, intervir no
310
BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/
integras/366599.pdf>. Acesso em: 11 jan 2006.
311
BRASIL. Câmara dos Deputados. op. cit., (on line). Acesso em: 11 jan 2006.
312
GARRAFA, Volnei. op. cit., 2000, p. 171.
campo das técnicas biomédicas, quer para legitimá-las quer para coibir ou
regulamentar outras.
313
A reprodução assistida deve ser utilizada dentro de
parâmetros jurídicos. Além disso, como bem salientado pelo mesmo doutrinador,
regulamentações pelos órgãos do Poder Executivo e do Conselho Federal de
Medicina são destituídas de qualquer cogência, podem ser facilmente
contornáveis.
314
Desse modo, é necessária uma lei que venha a impor limites éticos
e jurídicos à utilização da reprodução assistida.
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka salienta que:
O papel do Direito não é o de cercear o desenvolvimento científico, mas
justamente o de traçar aquelas exigências mínimas que assegurem a
compatibilização entre avanços biomédicos que importam na ruptura de
certos paradigmas e a continuidade do reconhecimento da Humanidade
enquanto tal e, como tal, portadora de um quadro de valores que devem
ser assegurados e respeitados.
315
A reprodução assistida é um assunto de alta complexidade e produz efeitos
na sociedade, de modo que deve, sim, ser regulada por lei. Diante desse vácuo
legislativo, só há o que lamentar, pois a sociedade brasileira encontra-se vulnerável
e sujeita aos abusos decorrentes da utilização da procriação artificial.
5.3 Uma Proposta de Regulamentação
A busca por parâmetros éticos e jurídicos para o controle das técnicas de
procriação artificial constitui um desafio para o legislador. Para Reinaldo Pereira e
Silva:
[...] as práticas das ciências biomédicas na área da procriação assistida
são resolvidas de maneira casuística, por uma combinação de praxes
administrativas, de regras de deontologia médica, de regras de ética da
pesquisa e de soluções jurisprudenciais. Nesse contexto de insegurança, a
lei é o instrumento privilegiado para o adequado desenvolvimento
científico.
316
313
LEITE, Eduardo de Oliveira. O Direito, a ciência e as leis biomédicas. In: SANTOS, Maria
Celeste Cordeiro Leite. (org.) Biodireito: ciência da vida, novos desafios. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001, p. 107.
314
LEITE, Eduardo de Oliveira. op. cit., 2001, p. 110.
315
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Bioética e biodireito: revolução biotecnológica,
perplexidade humana e prospectiva jurídica inquietante. Disponível em: <http://www.gontijo-
familia.adv.br/tex019.htm>. Acesso em: 11 jan. 2006.
316
SILVA, Reinaldo Pereira. op. cit., 1999, p. 204.
Na busca de uma legislação própria, a Bioética apresenta indicativos teóricos
para a elaboração de uma lei sobre procriação assistida, com vistas, em última
instância, à proteção da dignidade da pessoa humana.
Reinaldo Pereira e Silva atenta para o fato de que:
[...] este novo ethos da vida humana, cuja essência democrática
expressa-se em um de seus mais destacados traços, a concepção de
alteridade, advoga: a) a preferência pela vida propriamente humana; b) a
importância de toda vida humana; c) a proteção de todas as formas de
manifestação do viver humano e d) a demanda de ações a serviço da
humanidade.
317
Amparando-se nas reflexões da Bioética, cabe ao Direito criar normas sobre
as questões referentes à reprodução assistida. Segundo Regina Fiuza Sauwen e
Severo Hryniewicz, a inspiração que o Direito deve retirar da Bioética reside,
sobretudo, nos princípios que esta sugere no tocante à finalidade e ao sentido da
vida humana e no que tange aos fundamentos das obrigações e dos deveres
sociais.
318
Continuam os autores:
Os sistemas clássicos do direito não apresentam soluções imediatas para a
grande maioria dos casos concretos que já se fazem presentes. Contudo,
para buscar-lhes solução adequada, o jurista deve recorrer a valores e
princípios que estão acima de qualquer revolução social ou científica.
Entre eles está, sem dúvida, o valor da vida humana.
319
As discussões em torno dos problemas éticos e sociais relacionados à
reprodução assistida requerem debates com a sociedade. Neste sentido, Marco
Segre leciona:
Matérias como a engenharia genética, a reprodução assistida, o aborto, o
planejamento familiar, a disponibilidade (ou não) de órgãos para
transplantes, o suicídio assistido (inadequadamente denominado
eutanásia), interessam à pessoa, portanto ao cidadão, sendo que sua
regulamentação, procedida democraticamente, é um coroamento dos
direitos da cidadania. não serão mais colegiados de médicos ou de
juízes (ou de qualquer outro grupamento corporativo) que haverão de
decidir sobre matérias que dizem respeito aos aspectos mais íntimos da
vida de cada ser humano. São eles, somos nós, todos seres humanos,
atuando como sujeitos (e não como objetos) de nosso destino, que vamos
nos manifestar sobre o que considerarmos adequado ou inadequado,
317
SILVA, Reinaldo Pereira. op. cit., 1999, p. 215.
318
SAUWEN, Regina Fiuza; HRYNIEWICZ, Severo. op. cit., 2000, p.47.
319
Id., ibid., 2000, p. 47.
construtivo ou destrutivo, para o nosso convívio em sociedade
320
.
As discussões sobre os aspectos éticos e jurídicos da reprodução assistida
devem resultar de uma discussão da própria sociedade, respeitando os valores nela
vigentes. A lei deve proteger os usuários, a população e o novo ser gerado, no lugar
de atender apenas aos anseios dos profissionais envolvidos na Medicina
reprodutiva. Portanto, a lei que vier a regular a reprodução assistida deverá basear-
se nos princípios bioéticos, levando-se sempre em consideração também os
princípios constitucionais.
Diante da insuficiência do ordenamento jurídico brasileiro para solucionar os
problemas decorrentes da procriação artificial, faz-se necessária uma lei, com a
máxima brevidade. Além das questões analisadas no capítulo anterior, há outros
importantes aspectos que a lei que vier a tratar da reprodução assistida não deve se
abster de tratar.
O Direito comparado não foi utilizado como parâmetro para este trabalho,
porque as questões decorrentes da procriação artificial envolvem valores próprios
de cada sociedade, tais como os referentes à família, religião e idiossincrasia. Este
fato é tão verdadeiro que os outros países divergem sobre a regulação da
reprodução assistida, tornando o panorama legislativo internacional extremamente
multifacetado, o que dificulta o estabelecimento de parâmetros consensuais, como
bem salientado pela professora portuguesa Paula Martinho da Silva
321
. Neste
sentido, buscou-se encontrar soluções levando-se em consideração as peculiaridades
da sociedade e do ordenamento jurídico brasileiros.
5.3.1 O Acesso à Reprodução Assistida pelas Famílias Pobres
O exercício da reprodução assistida deve ser estendido ao maior números de
usuários possíveis, já que a própria Constituição Federal, em seu artigo 226, § 7º,
garante o direito à procriação. A realidade, no entanto, mostra que, na maioria dos
casos, somente as pessoas agraciadas economicamente têm acesso à reprodução
assistida.
320
SEGRE,Marco. op. cit., 1995, p. 26-27.
321
SILVA, Paula Martinho da. Perspectivas jurídicas portuguesas e européias sobre a reprodução
assistida. Bioética, v. 11, n. 2, p. 129-138, 2003, p. 130.
As técnicas são caras, de forma que atendem apenas aos interesses de uma
pequena parcela da população brasileira: a que pode pagar o alto preço pelos
procedimentos. A maioria da população fica à margem das benesses garantidas pela
procriação artificial, limitando-se a acompanhar, por intermédio dos meios de
comunicação, o milagre da reprodução assistida.
Marilena C. D. V. Côrrea denuncia o fato de que, no Brasil, a quase
totalidade das clínicas de fertilização in vitro concentra-se no setor privado da
Medicina, estando fora de qualquer tipo de controle oficial. Além disso:
Os raros serviços implantados, nos últimos anos, em hospitais públicos (e
universitários) não oferecem a integralidade dos procedimentos de RA,
cabendo aos clientes custear medicamentos, exames e material, todos de
altíssimo custo.
322
E quanto às pessoas pobres? Como terão elas acesso à reprodução assistida?
Não há dúvida de que os pobres têm direito ao planejamento familiar na sua
integralidade, incluindo a procriação artificial. Tal direito está consagrado pelo
artigo 226, § 7º, da Constituição Federal, e pela Lei n.º 9.263/96. Não basta,
entretanto, garantir o acesso à reprodução assistida, pois existe todo um contexto
social que deve ser levado em consideração. Após o acesso gratuito à reprodução
assistida, como as pessoas pobres sustentarão seus filhos? Terão condições de pagar
uma creche ou uma babá para cuidar dos filhos, enquanto trabalham? Tudo isso sem
mencionar a hipótese de gravidez múltipla, o que não é raro em se tratando de
procriação artificial.
Para ilustrar a presente discussão, é válido trazer como exemplo os
quíntuplos de Brasília
323
. O casal de baixa renda Linda Mar Miranda Alves da Silva
e Clidenor Lima dos Santos Neto se submeteu a um tratamento gratuito de
infertilidade, oferecido pelo Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB) único
da rede pública de saúde do Distrito Federal a realizar inseminação artificial e
fertilização in vitro. Linda Mar engravidou de cinco crianças
324
.
322
CORREA, Marilena C. D. V. op. cit., 2005, p. 71.
323
CORREIO WEB. Sobre os quíntuplos de Brasília. Ber: <http://www2.correioweb.com.br/cw/
2001-02-12/mat_27086.htm>. Acesso em: 03 fev. 2006.
324
Observe que a gravidez de cinco crianças, através da procriação artificial, constitui uma afronta à
Resolução N.º 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina, que só permite a implantação de, no
Após uma gravidez de alto risco, as cinco crianças nasceram, em fevereiro do
ano 2000. Após 50 horas de vida, uma das crianças morreu vítima de hemorragia
pulmonar. Um ano após o nascimento das crianças, todas elas tinham sérios
problemas de saúde e subnutrição. Com um ano de idade, uma menina pesava 8
quilos, o único menino pesava 8,10 quilos e as outras duas garotas pesavam 5,89
quilos e 4,66 quilos.
O casal, como dito, era de baixa renda e não tinha condições de criar os
filhos. O caso foi noticiado pela imprensa nacional, de modo que várias pessoas se
solidarizaram com a situação de pobreza das crianças e enviaram ajudas. Sem a
ajuda das doações, o casal não teria condições de criar os filhos, que precisam de
remédios, alimentos, roupas, educação etc.
O Estado, mediante o Direito, além de assegurar o emprego da reprodução
assistida por homens, mulheres e casais pobres, deve criar condições para que essas
pessoas eduquem e sustentem seus filhos. Democratizar a reprodução assistida não
significa apenas garantir o acesso às técnicas, mas, principalmente, propiciar todas
as condições que possibilitem a criação, educação e sustento das crianças. Essa
visão encontra respaldo tanto nos princípios constitucionais como no princípio
bioético da justiça distributiva.
5.3.2 O Consentimento Informado
A utilização das técnicas de reprodução assistida deve ocorrer mediante o
consentimento informado do(s) usuário(s) e dos doadores de gametas, o qual deve
ser dado após receber todas as informações e esclarecimentos, pelo médico, acerca
do procedimento e suas conseqüências. Isso significa dizer que os usuários devem
ser informados acerca de tudo o que possa influenciar na sua decisão, como: custo
dos procedimentos, conseqüências éticas, decorrências jurídicas, riscos físicos e
psicológicos etc.
A prática da reprodução assistida, no entanto, mostra que o consentimento
máximo, quatro embriões para o útero.
informado é banalizado. Na maioria das vezes, faz-se com que os usuários assinem
o documento de consentimento, sem que tenham recebido todas as informações
necessárias e imprescindíveis de uma aceitação livre e consciente.
Muitas das vezes, os profissionais banalizam o consentimento informado,
fazendo com que os usuários acreditem que o documento o qual estão subscrevendo
constitui uma burocracia tola, a qual é facilmente transponível com a mera
assinatura. Assina-se o documento de consentimento informado sem a consciência
da sua importância.
Ressalte-se que o consentimento informado é mais do que uma formalidade,
constituindo o real conhecimento da situação médica e do procedimento a ser
aplicado/utilizado. Sônia Vieira e William Saad Hossne fazem a distinção entre
formulário de consentimento e o consentimento propriamente dito. Lecionam os
autores:
O formulário de consentimento é um documento legal, assinado pelo
paciente ou por seu representante, que protege tanto o pesquisador como
a instituição em que se realiza o experimento. Esse documento deve fazer
parte do protocolo de pesquisa e deve ser redigido de forma simples,
porém exata. Já o consentimento do paciente não tem natureza legal, mas
sim ética. Para obter o consentimento do participante em potencial do
experimento é preciso que o pesquisador explique toda a situação para
essa pessoa, de forma simples, mas exata. Só assim essa pessoa poderá
decidir, com pleno conhecimento de causa, se participará ou não do
experimento
325
.
O documento de consentimento esclarecido não é, por si só, suficiente para
atestar a real consciência dos procedimentos a serem tomados, na medida em que é
necessário que o médico explique o conteúdo do documento. Daí a importância do
comprometimento com a ética, por parte dos profissionais da Medicina.
Vera Sonia Mincoff Menegon, em seu texto Consentindo ambigüidades:
uma análise documental dos termos de consentimento informado, utilizados em
clínicas de reprodução humana assistida, ressalta que os documentos de
consentimento informado estão repletos de ambigüidades, tanto na linguagem
325
VIEIRA, Sônia; HOSSENE, William Saad. Experimentação com seres humanos. 2. ed. São
Paulo: Moderna, 1987, p. 58.
como nos adereços e finalidades a que se prestam.
326
As contradições também
estão presentes na linguagem dos riscos.
Em um outro texto, intitulado Consentindo materialidades: o caso da
reprodução humana assistida, a mesma autora assevera:
Dentre os vinte e sete textos que analisei consentem-se técnicas de
fertilização dos gametas (óvulos e espermatozóides), dentre elas:
fertilização in-vitro FIV (considerada a técnica clássica de fertilização
fora do corpo da mulher); a injeção intracitoplasmática de espermatozóide
do oócito, a ICSI, que tecnicamente deveria ser utilizada apenas em caso
de infertilidade masculina.
327
Segundo a autora, os documentos de consentimento informado restringem-se
à aquiescência na utilização de uma determinada técnica de reprodução assistida,
quando, na verdade, deveriam fazer referência também a outros procedimentos
eventualmente necessários, tais como: criopreservação de material genético e
embriões, doação e recepção de gametas e embriões, utilização da maternidade de
substituição, consentimento para exames, consentimento para estimulação de
produção de óvulos etc. A prática mostra que, mesmo quando necessária a
utilização de outros procedimentos, o documento de consentimento esclarecido é
silente quanto a eles, o que está errado. O consentimento informado deve ser
explícito em tudo aquilo que se relaciona à reprodução assistida. Não basta um
consentimento genérico. Neste sentido, válida é a lição da mesma Vera Sonia
Mincoff Menegon:
É importante compreender que cada técnica consentida desdobra-se em
vários procedimentos. Assim, a menção a exames clínicos,
ultrassonografias, cirurgias, captação de oócitos, criopreservação de pré-
embriões, obtenção de óvulos de boa ou má qualidade, pré-embrião
anormal, risco de gravidez múltipla etc, nos textos para consentimento
informado, emergem como materialidades genéricas que se diz
compreender, aceitar e correr os riscos comunicados, tendo em vista o
benefício de obter um bebê ou mesmo de bebê de determinada
qualidade
328
.
Consentir de modo informado implica o recebimento de todas as informações
326
MENEGON, Vera Sonia Mincoff. Consentindo ambigüidades: uma análise documental dos
termos de consentimento informado, utilizados em clínicas de reprodução humana assistida.
Cadernos de Saúde Pública. v. 20, n. 3, p. 845-854, maio/jun. 2004, p. 852.
327
MENEGON, Vera Sonia Mincoff. Consentindo materialidades: o caso da reprodução humana
assistida. Disponível em: <http://antalya.uab.es/athenea/num4/mincoff.pdf>. Acesso em: 11 jan
2006.
328
MENEGON, Vera Sonia Mincoff. op. cit., (on line). Acesso em: 11 jan 2006.
que possam influir na decisão dos usuários. Desse modo, os que pretender utilizar a
procriação artificial devem estar cientes de todas as conseqüências advindas da
reprodução assistida, tanto médicas como éticas, sociais e jurídicas. É necessário
que os usuários tenham consciência de seus atos, para que possam decidir segundo
suas convicções pessoais. Neste sentido, o consentimento informado é
imprescindível para a realização do princípio bioético da autonomia.
De acordo com Charles M. Culver, para que o consentimento ou rejeição a
um tratamento pelo paciente seja válido:
O paciente deve receber do médico informação adequada sobre o
tratamento sugerido. Como mínimo, isto deve incluir os possíveis danos e
benefícios que o tratamento poderá trazer. Além do mais, o paciente deve
ser informado dos possíveis danos significativos e benefícios associados
com qualquer outro tratamento que possa razoavelmente ser utilizado nas
presentes circunstâncias parra poder comparar as duas condutas
329
.
O consentimento informado, portanto, não é mero requisito para utilização
das técnicas de procriação artificial; ao contrário, é um ato de suma importância,
pois atesta que os usuários têm consciência de seus atos e das conseqüências
advindas deles. Para tanto, as clínicas de reprodução assistida possuem grande
responsabilidade no sentido de informar seus pacientes acerca dos procedimentos,
em toda a sua extensão.
O consentimento livre e esclarecido vem ao encontro do princípio bioético da
autonomia. Toda pessoa tem o direito de se determinar e tomar as decisões relativas
ao próprio corpo, no entanto essa autodeterminação pressupõe a informação.
Atualmente, apesar da ausência de lei, a Resolução n.º 1.358/92, do Conselho
Federal de Medicina, exige o consentimento informado como requisito para uso das
técnicas de reprodução assistida. Dispõe o artigo 3º, da seção I, da Resolução n.º
1.358/92:
Art. 3º O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos
pacientes inférteis e doadores. Aspectos médicos envolvendo todas as
circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente
329
CULVER, Charles M., Relação médico-paciente. B) Competência do paciente. Trad. de Patrícia
Roffo de Nelson. In: SEGRE, Marco; COHEN, Cláudio. (orgs.) Bioética. São Paulo: Universidade
de São Paulo, 1995, p. 63-64.
expostos, assim como os resultados já obtidos naquela unidade de
tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir
dados de caráter biológico, jurídico ético e econômico. O documento de
consentimento informado será em formulário especial, e estará completo
com a concordância, Por escrito, da paciente ou do casal infértil.
O aspecto positivo do retrocitado dispositivo foi ter incluído nas informações
a serem prestadas ao paciente ou doador as implicações de caráter biológico, ético,
jurídico e econômico. Desse modo, o doador, por exemplo, deve ter ciência de que
pode ter sua identidade revelada, por meio de uma investigação de paternidade/
maternidade.
No mesmo sentido, a lei que vier a regular o uso da reprodução assistida
deve exigir um consentimento livre e informado por parte dos usuários e doadores
de gametas. As informações prestadas devem estar relacionadas a tudo o que possa
influenciar na decisão da pessoa. É necessário, entretanto, que essa mesma lei exija
uma fiscalização desse consentimento, a fim de garantir sua real existência. Como
dito, o consentimento informado não é simples burocracia representada na forma de
um documento; ao contrário, como a própria denominação indica, trata-se da
consciência sobre o ato a ser realizado, com a certeza de que é o melhor para si.
5.3.3 O Acompanhamento Psicológico
Como demonstrado no segundo capítulo da presente dissertação, a
infertilidade ocasiona severos impactos psicológicos. Geraldez Tomas e Simone da
Nóbrega Tomas Moreira lecionam:
O casal que vive o drama da infertilidade vivencia uma crise,
caracterizada pela invasão de uma experiência de paralização da
continuação do processo de vida. Não atinge apenas o casal envolvido,
mas também seus familiares e amigos, que numa trama de cobranças e
expectativas contribuem para a depressão e isolamento social.
330
A infertilidade pode causar uma dor tão profunda, uma sensação de fracasso
tão grande, que muitas vezes a pessoa não sabe mais se quer realizar a reprodução
assistida pelo desejo de ter um filho ou para se sentir capaz, diminuindo, com isso,
o sentimento de frustração. Para facilitar o discernimento e a escolha livre e
consciente, o acompanhamento psicológico é fundamental. É necessário que as
330
TOMAZ, Geraldez; MOREIRA, Simone da Nóbrega Tomaz. op. cit., 2001, p. 445.
pessoas saibam que o caminho que lhes aguardam, com a reprodução assistida, pode
ser ainda mais doloroso do que a aceitação da infertilidade.
Maria do Carmo Vieira da Cunha denuncia o fato de que os profissionais da
reprodução assistida estão preparados para lidar com o arsenal tecnológico, não
com a incompletude do ser, com suas demandas subjetivas e suas fendas.
331
Desse
modo, ressalta-se a importância da necessidade de um acompanhamento psicológico
por parte das clínicas de reprodução assistida.
O acompanhamento psicológico é determinante no auxílio do consentimento
informado, pois restabelece o equilíbrio emocional nas pessoas, fazendo com que
elas tenham a real noção de seus desejos. Geraldez Tomas e Simone da Nóbrega
Tomas Moreira ressaltam:
A presença do profissional de saúde mental dentro do contexto de
infertilidade promove ao casal a oportunidade de ampliar o seu nível de
maturidade emocional, tornando-os cada vez mais agentes de suas
escolhas, ajudando-s a percorrer o difícil caminho para uma razoável
lucidez diante do enfrentamento do problema
332
.
Os mesmo autores revelam qual o papel do psicólogo durante um tratamento
de reprodução assistida:
A atuação do psicólogo deverá estar associada ao processo do tratamento,
procurando diagnosticar todos os aspectos psicológicos que possam
contribuir ou atrapalhar o caminho do casal pelo casto universo da
infertilidade. Em cada etapa, desde a mais simples até a mais complexa, é
preciso analisar se o diagnóstico, pedidos de exames ou sugestões de
tratamento estão sendo entendidos pelo paciente.
[...]
O psicólogo tem o papel de conscientizar o casal infértil da magnitude
dos seus problemas dentro do contexto bio-psico-social, procurando
integrá-lo num campo de atuação com a equipe profissional de trabalho
do centro de medicina reprodutiva, minimizando o seu sofrimento durante
a travessia que irá conduzi-lo ao êxito ou ao fracasso.
333
Também é importante que o acompanhamento psicológico cogite, perante as
pessoas que pretendem utilizar a reprodução assistida, a possibilidade da adoção e/
ou de uma vida sem filhos. Léo Pessini e Christian de Paul de Barchifontaine
331
CUNHA, Maria do Carmo Vieira da. Infertilidade, reprodução assistida e filiação simbólica.
Tempo psicanalítico, Rio de Janeiro, v. 36, p. 193-210, 2004, p. 203.
332
TOMAZ, Geraldez; MOREIRA, Simone da Nóbrega Tomaz. op. cit., 2001, p. 445.
333
Id., ibid, 2001, p. 447.
informam:
As opções sociais como adoção, iniciativas assistenciais, atitude de
assumir voluntariamente a condição de infértil, poderão constituir, para
muitos casais, a melhor forma de superar a ausência de filhos. É
importante que por meio de serviços sérios de aconselhamento, os casais
inférteis sejam conhecedores e conscientes das possibilidades dessas
opções.
334
Como bem salientado por Liliana Seger-Jacob:
Médico e profissionais da saúde mental devem estar conscientes das
repercussões psicológicas e sociais da tecnologia de reprodução assistida,
a fim se reduzir ou modificar a tensão do casal e facilitar a adaptação ao
processo.
335
Neste sentido, é possível afirmar que o acompanhamento psicológico satisfaz
aos princípios bioéticos da autonomia, da beneficência e não maleficência.
O acompanhamento psicológico não tem o condão de fazer com que os
usuários da reprodução assistida desistam delas, ao contrário, o intuito é que eles
tenham consciência de seus desejos, se conheçam e estejam preparados para todas
as eventualidades.
5.3.4 A Necessidade de Controle dos Centros de Reprodução Assistida
Atualmente, com a ausência de lei, os centros de reprodução assistida atuam
sem praticamente nenhum controle, por parte dos órgãos públicos. Essa situação
ocasiona alguns inconvenientes, como: ausência de dados sobre as taxas de sucesso
por cada tipo de procedimento de procriação artificial, ocorrência de atos contrários
à dignidade humana (sexismo e eugenia), falta de controle sobre o número de
indivíduos nascidos advindos de gametas do mesmo doador, falta de sanções
administrativas, cíveis ou até penais etc.
Para superar esses problemas, é necessário que as clínicas e os centros de
reprodução assistida sejam mais eficazmente fiscalizados. Urge a criação de banco
de dados com monitoramento de resultado das técnicas e de doação de gametas, a
334
BARCHIFONTAINE, Christian de Paul; PASSINO, Léo. op. cit., 2000, p. 219.
335
SEGER-JACOB, Liliana. op. cit., 2000, p. 40.
fim de evitar, inclusive, cruzamentos entre pais e irmãos. Com o fito de obter uma
fiscalização segura e enérgica, as clínicas e os centros de procriação artificial
devem ainda passar por um processo de licenciamento, o qual deve ser renovado
periodicamente.
É necessária a criação, por meio da lei, de mecanismos aptos a fazerem com
que as clínicas de reprodução assistida visem menos ao lucro e mais à proteção da
pessoa humana, como, por exemplo: a) obrigando-as a dar um suporte psicológico
aos usuários; b) compelindo-as a ter um controle sobre o sucesso das técnicas; c)
proibindo-as de realizar sexismo e eugenia etc.
As clínicas de reprodução assistida devem ser diligentemente fiscalizadas,
pelo Poder Público, sobre todos os aspectos da reprodução assistida, tais como: o
consentimento informado, o acompanhamento psicológico, a manutenção de
documentos relativos aos usuários e doadores etc.
A lei que vier regulamentar a reprodução assistida deve impor sanções
administrativas, cíveis e até penais às clínicas que praticarem atos atentatórios à
dignidade humana.
Os profissionais que trabalham com a reprodução assistida precisam tomar
consciência de que a procriação não constitui um ramo de exploração econômica, e
que, pelo lucro, tudo é possível.
CONCLUSÃO
Na segunda metade do século XX, a família passou por intensas
transformações. A revolução sexual, a descoberta da pílula anticoncepcional, as
concentrações urbanas, a inserção da mulher no mercado de trabalho, ocasionando a
emancipação feminina, a diminuição do número de casamentos, o aumento da idade
dos nubentes e das rupturas matrimoniais, a diminuição do número de filhos, o
aumento do número de uniões livres e de mães solteiras e a descoberta da
procriação artificial constituem elementos que contribuíram para uma mudança na
concepção da família. A emancipação feminina também fez com que a família,
antes caracterizada essencialmente pelo patriarcalismo, mudasse, de modo que os
grupos familiares contemporâneos possuem várias facetas.
Dessa forma, o ambiente familiar, hodiernamente, visa a satisfazer às
necessidades básicas de afeto, apego, desapego, segurança, disciplina,
aprendizagem e comunicação. Este fato é perceptível pela dissolubilidade do
casamento e a livre escolha do parceiro. O afeto está passando a ser o elemento
caracterizador da família contemporânea. A defesa do patrimônio, que antes
demarcava um dos motivos de união entre as pessoas, deixou de ser a função do
grupo familiar.
Não se pode deixar de mencionar outro fator de rompimento do
patriarcalismo: os movimentos de liberação homossexual. Tais movimentos
abalaram o modelo patriarcal de família, porque este era essencialmente
heterossexual, além de ser baseado em tabus e em repressão sexual.
A estrutura patriarcal tem em seu âmago a heterossexualidade e a
reprodução, ocasionando, por este motivo, discriminações às uniões homoafetivas.
Atualmente, porém, vive-se um momento histórico no qual, por meio da procriação
artificial, é possível dissociar a reprodução da heterossexualidade, o que, mais uma
vez, é uma manifestação da crise do sistema patriarcal. Agora, os casais
homoafetivos podem procriar, com o auxílio das técnicas de reprodução assistida. É
possível, portanto, afirmar que a procriação artificial também representa um
rompimento com o modelo patriarcal de família.
Dentro da estrutura patriarcal, a procriação é resultado da relação sexual
entre um homem e uma mulher, remetendo aos ditames patriarcalistas de
heterossexualidade. Com a reprodução assistida, a procriação passou a ser também
medicalizada, isto é, independente das relações sexuais. Atualmente, a procriação
pode ser um ato médico e não necessariamente um ato de intimidade entre um casal.
Isso, mais uma vez, importa rompimento com os modelos patriarcais estabelecidos.
O desenvolvimento tecnológico é ponto fundamental em relação às formas de
tratar e constituir família. Atualmente, a reprodução assistida está no centro das
preocupações sobre a família e as novas formas parentais.
Com intuito de adequar o Direito à nova realidade da família trazida pelas
mudanças na sociedade e pela reprodução assistida, a Constituição Federal de 1988
e o Código Civil de 2002 trouxeram algumas mudanças.
Pelos parágrafos do artigo 226, da Carta Magna, são reconhecidas
explicitamente como entidades familiares a união estável e as famílias
monoparentais e implicitamente a união homoafetiva. O mesmo artigo reconhece,
além do casamento civil, o casamento religioso com efeitos civis. São consagrados,
ainda: o princípio da igualdade entre os cônjuges; a possibilidade de dissolução do
matrimônio; e o direito ao planejamento familiar.
O § 6º do artigo 227, da Constituição Federal, consagrou a plena igualdade
entre os filhos, sejam eles advindos de uma relação matrimonial ou não. Todos os
filhos passaram a ter os mesmo direitos e as designações discriminatórias foram
vedadas.
Com a utilização das técnicas de reprodução assistida e com o
desenvolvimento da Medicina, muitas dúvidas surgiram em torno das presunções de
filiação adotadas pelo Código Civil de 1916.
Neste sentido, o novo Código Civil de 2002, buscando adequar-se à nova
realidade trazida pela reprodução assistida, trouxe algumas inovações em matéria
de filiação. Ao artigo 1.597 foram acrescentadas três novas presunções de filiação,
relativas especificamente à reprodução assistida.
O problema é que o Código Civil de 2002 não regulou o uso da reprodução
assistida, mas apenas criou novas presunções de paternidade para albergar as
situações de filiação decorrentes da procriação artificial, de modo que muitos
problemas jurídicos e éticos persistem.
Neste sentido, há a necessidade de uma lei que venha a regular o uso da
procriação artificial, pois trata-se de uma realidade e que deflagra várias e
complexas repercussões sociais, éticas e jurídicas. Os princípios constitucionais
podem ser utilizados como parâmetros para solucionar várias divergências e coibir
eventuais abusos, no entanto são insuficientes. Urge uma lei especial que regule a
utilização da reprodução assistida, traçando limites mínimos e punindo os atos
abusivos.
O Estado regula as condutas humanas, com objetivo de assegurar a vida em
sociedade e o faz mediante o Direito. Desse modo, a ausência de lei relativa ao uso
da procriação artificial faz parecer que tudo é possível, embora tal não seja
verdade.
Essa ausência de limites legais só vem ao encontro dos interesses dos
profissionais da área da reprodução assistida, que cometem vários excessos, sem
qualquer punição. Enquanto isso, a sociedade fica desamparada à espera de uma lei
que proteja e resguarde a dignidade humana e os princípios constitucionais. A falta
de uma lei faz com que a realidade da procriação artificial torne vulnerável o ser
humano.
A lei que vier a regular emprego da reprodução assistida deve, no mínimo:
1. Permitir o uso da reprodução assistida a mulheres solteiras e casais
homoafetivos, pois limitar o uso da reprodução assistida aos casais heterossexuais é
uma afronta à liberdade sexual e ao exercício da sexualidade, o que é proibido pela
Constituição Federal de 1988;
2. Fazer com que o Estado assegure a utilização da reprodução assistida
pelas pessoas com poucos recursos econômicos, bem como crie condições para que
essas pessoas eduquem e sustentem seus filhos. Democratizar a reprodução assistida
não significa apenas garantir o acesso às técnicas, mas, principalmente, propiciar
todas as condições que possibilitem a criação, educação e sustento das crianças;
3. Garantir que o filho nascido da procriação artificial conheça sua
origem genética, pois trata-se de um direito fundamental. A verdade genética
constitui um direito ao conhecimento da própria identidade, do próprio eu.
Conhecer a si mesmo e saber sobre a própria origem são direitos que devem ser
assegurados pela lei;
4. Ser explícita quanto à possibilidade de utilização da gravidez de
substituição, determinando a quem cabe o exercício da maternidade nos casos de
disputas. A indicação da maternidade, em casos de gravidez de substituição, é
fundamental, a fim de tornar relativo o princípio, que ainda vige no Direito
brasileiro, de que a mãe é quem teve o parto;
5. Proibir práticas como sexismo e eugenia, pois desvirtuam o objetivo
da reprodução assistida e levam à comercialização do homem. Ainda, tais práticas
impõem a supremacia do sexo, da raça e da beleza, ferindo a dignidade humana.
Neste caso, faz-se imprescindível impor sanções penais, cíveis e administrativas;
6. Fixar o início da vida humana, a fim de proteger os embriões
excedentários, evitando abusos e arbitrariedades atentatórios à dignidade humana.
O Direito, como ciência pautada em fatos e valores, pode e deve definir a vida
humana, através de suas normas. É melhor que o Direito defina a vida, ainda que
transitoriamente, do que deixar que abusos continuem a ser realizados, até porque a
manipulação de embriões constitui um fato real. A ausência de regulação jurídica
faz parecer que tudo é possível, de modo que, somente com uma regulamentação
legal, podem ser reduzidos os abusos cometidos. É necessário definir em que
condições o embrião excedentário pode ser utilizado, com respeito ao princípio da
dignidade humana;
7. Exigir como requisito do uso da reprodução assistida um sério
acompanhamento psicológico, por parte dos usuários. Esse acompanhamento
psicológico deve ser eferecido pela própria clínica ou centro de reprodução
assistida;
8. Estabelecer uma fiscalização eficaz no que se refere ao consentimento
informado, pois trata-se de uma condição indispensável para o exercíco e efetivação
do princípio bioético da autonomia. Para tanto, a participação do Ministério Público
é fundamental;
9. Determinar que o Poder Público fiscalize as clínicas de reprodução
assistida, exigindo monitoramento de resultados e controle de doação de gametas, a
fim de evitar cruzamentos entre pais e irmãos. As clínicas devem ainda passar por
um processo de licenciamento, o qual deve ser renovado periodicamente; e
10. Impor sanções administrativas, civis e penais aos usuários, aos
profissionais e às clínicas, para que obtenha sucesso em seu intento de regular a
reprodução assistida, salvaguardando a dignidade humana.
Devido àsua complexidade ético-jurídica, a reprodução assistida não pode
ficar sem regulação legal. Sem lei adequada, a dignidade da pessoa humana está
vulnerável aos mais variados abusos. O desenvolvimento da Medicina deve estar
acompanhado da proteção do ser humano.
É necessário deixar de lado interesses individuais e corporativistas,
passando-se a regular a reprodução assistida levando-se em consideração os
interesses da sociedade. Para tanto, a lei que vier a regular a reprodução assistida
poder-se-á basear nos princípios bioéticos e não se deverá afastar dos princípios
constitucionais.
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ANEXOS
ANEXO I
RESOLUÇÃO CFM Nº 1.358/92
Dispõe sobre Reprodução humana artificial
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições que lhe
confere a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo
Decreto 44.045, de 19 de julho de 1958, e CONSIDERANDO a importância da
infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações médicas e
psicológicas, e a legitimidade do anseio de superá-la;
CONSIDERANDO que o avanço do conhecimento científico já permite
solucionar vários dos casos de infertilidade humana;
CONSIDERANDO que as técnicas de Reprodução Assistida têm possibilitado
a procriação em diversas circunstâncias em que isto não era possível pelos
procedimentos tradicionais; CONSIDERANDO a necessidade de harmonizar o
uso destas técnicas com os princípios da ética médica; CONSIDERANDO,
finalmente, o que ficou decidido na Sessão Plenária do Conselho Federal de
Medicina realizada em 11 de novembro de 1992;
RESOLVE:
Art. 1º - Adotar as NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS
TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA, anexas à presente Resolução,
como dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos.
Art. 2º - Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação.
São Paulo-SP, 11 de novembro de 1992.
IVAN DE ARAÚJO MOURA FÉ
Presidente
HERCULES SIDNEI PIRES LIBERAL
Secretário-Geral
Publicada no D.O.U dia 19.11.92-Seção I Página 16053.
NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE
REPRODUÇÃO ASSISTIDA
I - PRINCÍPIOS GERAIS
1 - As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na
resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de
procriação quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes
para a solução da situação atual de infertilidade.
2 - As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade
efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou
o possível descendente.
3 - O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes
inférteis e doadores. Os aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias
da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim
como os resultados já obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica
proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico,
jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será
em formulário especial, e estará completo com a concordância, por escrito, da
paciente ou do casal infértil.
4 - As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o
sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando
se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.
5 - É proibido a fecundação de oócitos humanos, com qualquer outra
finalidade que não seja a procriação humana.
6 - O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para a
receptora não deve ser superior a quatro, com o intuito de não aumentar os
riscos já existentes de multiparidade.
7 - Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é
proibida a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária.
II - USUÁRIOS DAS TÉCNICAS DE RA
1 - Toda mulher, capaz nos termos da lei, que tenha solicitado e cuja
indicação não se afaste dos limites desta Resolução, pode ser receptora das
técnicas de RA, desde que tenha concordado de maneira livre e conciente em
documento de consentimento informado.
2 - Estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do
cônjuge ou do companheiro, após processo semelhante de consentimento
informado.
III - REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU SERVIÇOS QUE APLICAM
TÉCNICAS DE RA
As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis
pelo controle de doenças infecto-contagiosas, coleta, manuseio, conservação,
distribuição e transferência de material biológico humano para a usuária de
técnicas de RA, devendo apresentar como requisitos mínimos:
1 - um responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais
executados, que será, obrigatoriamente, um médico.
2 - um registro permanente (obtido através de informações observadas ou
relatadas por fonte competente) das gestações, nascimentos e mal-formações
de fetos ou recém-nascidos, provenientes das diferentes técnicas de RA
aplicadas na unidade em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na
manipulação de gametas e pré-embriões.
3 - um registro permanente das provas diagnósticas a que é submetido o
material biológico humano que será transferido aos usuários das técnicas de
RA, com a finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças.
IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES
1 - A doação nunca terá caráter lucrativa ou comercial.
2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.
3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de
gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais,
as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas
exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.
4 - As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de
forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral,
características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.
5 - Na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará que
um doador tenha produzido mais que 2 (duas) gestações, de sexos diferentes,
numa área de um milhão de habitantes.
6 - A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do
possível deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e
imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora.
7 - Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou
serviços, nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas prestam
serviços, participarem como doadores nos programas de RA.
V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES
1 - As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides,
óvulos e pré-embriões.
2 - O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será
comunicado aos pacientes, para que se decida quantos
pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser
criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído.
3 - No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem
expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-
embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de
falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.
VI - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE PRÉ-EMBRIÕES
As técnicas de RA também podem ser utilizadas na preservação e tratamento
de doenças genéticas ou hereditárias, quando perfeitamente indicadas e com
suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica.
1 - Toda intervenção sobre pré-embriões "in vitro", com fins diagnósticos,
não poderá ter outra finalidade que a avaliação de sua viabilidade ou detecção
de doenças hereditárias, sendo obrigatório o consentimento informado do
casal.
2 - Toda intervenção com fins terapêuticos, sobre pré-embriões "in vitro", não
terá outra finalidade que tratar uma doença ou impedir sua transmissão, com
garantias reais de sucesso, sendo obrigatório o consentimento informado do
casal.
3 - O tempo máximo de desenvolvimento de pré-embriões "in vitro" será de 14
dias.
VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA
DO ÚTERO)
As Clínicas, Centros ou Serviços de Reprodução Humana podem usar técnicas
de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição,
desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a
gestação na doadora genética.
1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora
genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à
autorização do Conselho Regional de Medicina.
2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou
comercial.
ANEXO II
PROJETO DE LEI Nº 90, DE 1999
Autor: Senador Lúcio Alcântara
Dispõe sobre Reprodução Assistida
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
SEÇÃO I
DOS PRINCÍPIOS GERAIS
Artigo 1º Constituem técnicas de Reprodução Assistida (RA) aquelas que
importam na implantação artificial de gametas ou embriões humanos no
aparelho reprodutor de mulheres receptoras com a finalidade de facilitar a
procriação.§ 1º Para os efeitos desta Lei, atribui-se a denominação de:
I - embriões humanos aos produtos da união in vitro de gametas humanos,
qualquer que seja a idade de seu desenvolvimento;
II - usuários às mulheres ou aos casais que tenham solicitado o emprego de
RA com o objetivo de procriar;
III - criança ao indivíduo nascido em decorrência do emprego de RA;
IV - gestação ou maternidade de substituição ao caso em que uma doadora
temporária de útero tenha autorizado sua inseminação artificial ou a
introdução, em seu aparelho reprodutor, de embriões fertilizados in vitro, com
o objetivo de gerar uma criança para os usuários.
Artigo 2º A utilização da RA só será permitida, na forma autorizada pelo
Poder Público e conforme o disposto nesta Lei, para auxiliar na resolução dos
casos de infertilidade e para a prevenção e tratamento de doenças genéticas ou
hereditárias, e desde que:
I - tenha sido devidamente constatada a existência de infertilidade irreversível
ou, caso se trate de infertilidade inexplicada, tenha sido obedecido prazo
mínimo de espera, na forma estabelecida em regulamento;
II - os demais tratamentos possíveis tenham sido ineficazes ou ineficientes
para solucionar a situação de infertilidade;
III - a infertilidade não decorra da passagem da idade reprodutiva;
IV - a receptora da técnica seja uma mulher capaz, nos termos da lei, que
tenha solicitado ou autorizado o tratamento de maneira livre e consciente, em
documento de consentimento informado a ser elaborado conforme o disposto
no artigo 3º;
V - exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de
saúde para a mulher receptora ou a criança;
VI - no caso de prevenção e tratamento de doenças genéticas ou hereditárias,
haja indicação precisa com suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica.
SEÇÃO II
DO CONSENTIMENTO INFORMADO
Artigo 3º - O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos
cônjuges e companheiros em união estável, em documento redigido em
formulário especial, no qual os usuários manifestem, pela aposição de suas
assinaturas, terem dado seu consentimento para a realização das técnicas de
RA e terem sido esclarecidos sobre o seguinte:
I - os aspectos técnicos e as implicações médicas das diferentes fases das
técnicas de RA disponíveis, bem como os custos envolvidos em cada uma
delas;
II - os dados estatísticos sobre a efetividade das técnicas de RA nas diferentes
situações, incluídos aqueles específicos do estabelecimento e do profissional
envolvido, comparados com os números relativos aos casos em que não se
recorreu à RA;
III - a possibilidade e probabilidade de incidência de acidentes, danos ou
efeitos indesejados para as mulheres e para as crianças;
IV - as implicações jurídicas da utilização da RA, inclusive quanto à
paternidade da criança;
V - todas as informações concernentes à licença de atuação dos profissionais e
estabelecimentos envolvidos;
VI - demais informações definidas em regulamento.
§ 1º O consentimento mencionado neste artigo, a ser efetivado conforme as
normas regulamentadoras que irão especificar as informações mínimas a
serem transmitidas, será extensivo aos doadores e seus cônjuges ou
companheiros em união estável.
§ 2º No caso do parágrafo anterior, as informações mencionadas devem incluir
todas as implicações decorrentes do ato de doar, inclusive a possibilidade de a
identificação do doador vir a ser conhecida pela criança e, em alguns casos,
de o doador vir a ser obrigado a reconhecer a filiação dessa criança, em
virtude do disposto no artigo 12.
§ 3º O consentimento deverá refletir a livre manifestação da vontade dos
envolvidos, vedada qualquer coação física ou psíquica, e o documento
originado deverá explicitar:
I - a técnica e os procedimentos autorizados pelos usuários;
II - o destino a ser dado, no caso de divórcio ou separação do casal, aos
embriões excedentes que vierem a ser preservados na forma do §4º do artigo
9º;
III - as circunstâncias em que os doadores autorizam ou desautorizam a
utilização de seus gametas e embriões.
§ 4º No caso de utilização da RA para a prevenção e tratamento de doenças
genéticas ou hereditárias, o documento deve conter a indicação precisa da
doença e as garantias de diagnóstico e terapêutica, além de mostrar
claramente o consentimento dos receptores para as intervenções a serem
efetivadas sobre os gametas ou embriões.
§ 5º O consentimento só será válido para atos lícitos e não exonerará os
envolvidos em práticas culposas ou dolosas que infrinjam os limites
estabelecidos nesta Lei e em seus regulamentos.
SEÇÃO III
DOS ESTABELECIMENTOS E PROFISSIONAIS
Artigo 4º - Cabe a clínicas, centros, serviços e demais estabelecimentos que
aplicam a RA a responsabilidade sobre:
I - o recebimento de doações, a coleta, o manuseio, o controle de doenças
infecto-contagiosas, a conservação, a distribuição e a transferência do
material biológico humano utilizado na RA, vedando-se a transferência a
fresco de material doado;
II - o registro de todas as informações relativas aos doadores desse material e
aos casos em que foi utilizada a RA, pelo prazo de vinte e cinco anos após o
emprego das técnicas em cada caso;
III - a obtenção do consentimento informado dos usuários de RA, doadores e
respectivos cônjuges ou companheiros em união estável, na forma definida no
artigo anterior.
Parágrafo único. As normas para o cumprimento do disposto neste artigo
serão definidas em regulamento.
Artigo 5º - Para obter sua licença de funcionamento, clínicas, centros,
serviços e demais estabelecimentos que aplicam RA devem cumprir os
seguintes requisitos mínimos:
I - funcionar sob a direção de um profissional médico, devidamente licenciado
para realizar a RA, que se responsabilizará por todos os procedimentos
médicos e laboratoriais executados;
II - dispor de recursos humanos, técnicos e materiais condizentes com as
necessidades científicas para realizar a RA;
III - dispor de registro permanente de todos os casos em que tenha sido
empregada a RA, ocorra ou não gravidez, pelo prazo de vinte e cinco anos;
IV - dispor de registro permanente dos doadores e das provas diagnósticas
realizadas no material biológico a ser utilizado na RA com a finalidade de
evitar a transmissão de doenças e manter esse registro pelo prazo de vinte e
cinco anos após o emprego do material.
§ 1º A licença mencionada no caput, obrigatória para todos os
estabelecimentos e profissionais médicos que pratiquem a RA, será válida por
dois anos e renovável ao término de cada período, podendo ser revogada em
virtude do descumprimento de qualquer disposição desta Lei ou de seus
regulamentos.
§ 2º O profissional mencionado no inciso I não poderá estar respondendo, na
Justiça ou no órgão de regulamentação profissional da categoria, a processos
éticos, civis ou penais relacionados ao emprego de RA.
§ 3º O registro citado no inciso III deverá conter, em prontuários, elaborados
inclusive para a criança, e em formulários específicos, a identificação dos
usuários e doadores, as técnicas utilizadas, os procedimentos laboratoriais de
manipulação de gametas e embriões, a ocorrência ou não de gravidez, o
desenvolvimento das gestações, os nascimentos, as mal-formações de fetos ou
recém-nascidos e outros dados definidos em regulamento.
§ 4º Em relação aos doadores, o registro citado no inciso IV deverá conter, em
prontuários individuais, a identidade civil, os dados clínicos de caráter geral,
uma foto acompanhada das características fenotípicas e uma amostra de
material celular.
§ 5º As normas para o cumprimento deste artigo serão definidas em
regulamento.
SEÇÃO IV
DAS DOAÇÕES
Artigo 6º - Será permitida a doação de gametas e embriões, sob a
responsabilidade dos estabelecimentos que praticam a RA, vedada a
remuneração dos doadores e a cobrança por esse material, a qualquer título.
§ 1º Os estabelecimentos que praticam a RA estarão obrigados a zelar pelo
sigilo da doação, impedindo que doadores e usuários venham a conhecer
reciprocamente suas identidades, e pelo sigilo absoluto das informações sobre
a criança nascida a partir de material doado.
§ 2º Apenas a criança terá acesso, diretamente ou por meio de um
representante legal, a todas as informações sobre o processo que a gerou,
inclusive à identidade civil do doador, nos casos autorizados nesta Lei,
obrigando-se o estabelecimento responsável pelo emprego da RA a fornecer as
informações solicitadas.
§ 3º Quando razões médicas indicarem ser de interesse da criança obter
informações genéticas necessárias para sua vida ou sua saúde, as informações
relativas ao doador deverão ser fornecidas exclusivamente para o médico
solicitante.
§ 4º No caso autorizado no parágrafo anterior, resguardar-se-á a identidade
civil do doador, mesmo que o médico venha a entrevistá-lo para obter maiores
informações sobre sua saúde.
§ 5º A escolha dos doadores será responsabilidade do estabelecimento que
pratica a RA e deverá garantir, tanto quanto possível, semelhança fenotípica e
compatibilidade imunológica entre doador e receptor.
§ 6º Com base no registro de gestações, o estabelecimento que pratica a RA
deverá evitar que um mesmo doador venha a produzir mais de duas gestações
de sexos diferentes numa área de um milhão de habitantes.
§ 7º Não poderão ser doadores os dirigentes, funcionários e membros de
equipe do estabelecimento que pratica a RA ou seus parentes até quarto grau.
Artigo 7º - Fica permitida a gestação de substituição em sua modalidade não
remunerada conhecida como doação temporária do útero, nos casos em que
exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na
usuária e desde que haja parentesco até o segundo grau entre ela e a mãe
substituta ou doadora temporária do útero.
Parágrafo único. A gestação de substituição não poderá ter caráter lucrativo
ou comercial, ficando vedada sua modalidade remunerada conhecida como
útero ou barriga de aluguel.
SEÇÃO V
DOS GAMETAS E EMBRIÕES
Artigo 8º Na execução de técnica de RA, poderão ser transferidos no máximo
quatro embriões a cada ciclo reprodutivo da mulher receptora.
Artigo 9º Os estabelecimentos que praticam a RA ficam autorizados a
preservar gametas e embriões humanos, doados ou depositados apenas para
armazenamento, pelos métodos permitidos em regulamento.
§ 1º Não se aplicam aos embriões originados in vitro, antes de sua introdução
no aparelho reprodutor da mulher receptora, os direitos assegurados ao
nascituro na forma da lei.
§ 2º O tempo máximo de preservação de gametas e embriões será definido em
regulamento.
§ 4º O número total de embriões produzidos em laboratório durante a
fecundação in vitro será comunicado aos usuários para que se decida quantos
embriões serão transferidos a fresco, devendo o restante ser preservado, salvo
disposição em contrário dos próprios usuários, que poderão optar pelo
descarte, a doação para terceiros ou a doação para pesquisa.
§ 5º Os gametas e embriões depositados apenas para armazenamento só
poderão ser entregues ao indivíduo ou casal depositante, sendo que, neste
último caso, conjuntamente aos dois membros do casal que autorizou seu
armazenamento.
§ 4º É obrigatório o descarte de gametas e embriões:
I - doados há mais de dois anos;
II - sempre que for solicitado pelos doadores;
III - sempre que estiver determinado no documento de consentimento
informado;
IV - nos casos conhecidos de falecimento de doadores ou depositantes;
V - no caso de falecimento de pelo menos uma das pessoas que originaram
embriões preservados.
Artigo 10º - Ressalvados os casos de material doado para pesquisa, a
intervenção sobre gametas ou embriões in vitro só será permitida com a
finalidade de avaliar sua viabilidade ou detectar doenças hereditárias, no caso
de ser feita com fins diagnósticos, ou de tratar uma doença ou impedir sua
transmissão, no caso de ser feita com fins terapêuticos.
§ 1º A pré-seleção sexual de gametas ou embriões só poderá ocorrer nos casos
em que os usuários recorram à RA em virtude de apresentarem hereditariedade
para gerar crianças portadoras de doenças ligadas ao sexo.
§ 2º As intervenções autorizadas no caput e no parágrafo anterior só poderão
ocorrer se houver garantias reais de sucesso.
§ 3º O tempo máximo de desenvolvimento de embriões in vitro será definido
em regulamento.
SEÇÃO VI
DA FILIAÇÃO DA CRIANÇA
Artigo 11º - A criança terá assegurados todos os direitos garantidos aos filhos
na forma da lei.
Parágrafo único. Ressalvados os casos especificados nos §§ 2º e 3º do art. 12,
os pais da criança serão os usuários.
Artigo 12º - A criança nascida a partir de gameta ou embrião doado ou por
meio de gestação de substituição terá assegurado, se assim o desejar, o direito
de conhecer a identidade do doador ou da mãe substituta, no momento em que
completar sua maioridade jurídica ou, a qualquer tempo, no caso de
falecimento de ambos os pais.
§ 1º A prerrogativa garantida no caput poderá ser exercida, desde o
nascimento, em nome de criança que não possua em seu registro civil o
reconhecimento de filiação relativa a pessoa do mesmo sexo do doador ou da
mãe substituta, situação em que ficará resguardado à criança, ao doador e à
mãe substituta o direito de obter esse reconhecimento na forma da lei.
§ 2º No caso em que tenha sido utilizado gameta proveniente de indivíduo
falecido antes da fecundação, a criança não terá reconhecida a filiação
relativa ao falecido.
§ 3º No caso de disputa judicial sobre a filiação da criança, será atribuída a
maternidade à mulher que deu à luz a criança, exceto quando esta tiver
recorrido à RA por ter ultrapassado a idade reprodutiva, caso em que a
maternidade será outorgada à doadora do óvulo.
§ 4º Ressalvado o disposto nos §§ 1º e 3º, não se aplica ao doador qualquer
direito assegurado aos pais na forma da lei.
SEÇÃO VII
DOS CRIMES
Artigo 13º - É crime:
I - praticar a RA sem estar previamente licenciado para a atividade;
Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
II - praticar RA sem obter o consentimento informado dos receptores e dos
doadores na forma determinada nesta Lei, bem como fazê-lo em desacordo
com os termos constantes do documento de consentimento assinado por eles;
Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
III - envolver-se na prática de útero ou barriga de aluguel, na condição de
usuário, intermediário, receptor ou executor da técnica;
Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
IV - fornecer gametas ou embriões depositados apenas para armazenamento a
qualquer pessoa que não seja o próprio depositante, bem como empregar esses
gametas e embriões sem a autorização deste;
Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
V - intervir sobre gametas ou embriões in vitro com finalidade diferente das
permitidas nesta Lei;
Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
VI - deixar de manter as informações exigidas nesta Lei, na forma
especificada, ou recusar-se a fornecê-las nas situações previstas;
Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
VII - utilizar gametas ou embriões de doadores ou depositantes sabidamente
falecidos;
Pena: detenção, de dois a seis meses, ou multa.
VIII - implantar mais de quatro embriões na mulher receptora;
Pena: detenção, de dois a seis meses, ou multa.
IX - realizar a pré-seleção sexual de gametas ou embriões, ressalvado o
disposto nesta Lei;
Pena: detenção, de dois a seis meses, ou multa.
X - conservar gametas ou embriões doados por período superior a dois anos
ou utilizar esses gametas e embriões;
Pena: detenção, de dois a seis meses, ou multa.
§ 1º No caso de gametas ou embriões depositados por casal, incide no crime
definido no inciso IV a pessoa que os fornecer a um dos membros do casal
isoladamente.
§ 2º A prática de qualquer uma das condutas arroladas neste artigo acarretará
a perda da licença do estabelecimento de reprodução assistida e do
profissional responsável, sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis.
SEÇÃO VIII
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Artigo 14º - O Poder Público editará os regulamentos necessários à
efetividade da Lei, inclusive as normas especificadoras dos requisitos para a
execução de cada técnica de RA, concederá a licença aos estabelecimentos e
profissionais que praticam a RA e fiscalizará a atuação de ambos.
Artigo 15º - Esta Lei entrará em vigor cento e oitenta dias após sua
publicação.
ANEXO III
PROJETO DE LEI Nº 90 (SUBSTITUTIVO), DE 1999 (SUSBSTITUTIVO
APRESENTADO PELO SENADOR ROBERTO REQUIÃO)
Dispõe sobre a Procriação Medicamente Assistida
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
SEÇÃO I
DOS PRINCÍPIOS GERAIS
Artigo 1º Esta Lei disciplina o uso das técnicas de Procriação Medicamente
Assistida (PMA) que importam na implantação artificial de gametas ou
embriões humanos, fertilizados in vitro, no aparelho reprodutor de mulheres
receptoras.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, atribui-se a denominação de:
I - beneficiários aos cônjuges ou ao homem e à mulher em união estável,
conforme definido na Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, que tenham
solicitado o emprego de Procriação Medicamente Assistida;
II - gestação de substituição ao caso em que uma mulher, denominada genitora
substituta, tenha autorizado sua inseminação artificial ou a introdução, em seu
aparelho reprodutor, de embriões fertilizados in vitro, com o objetivo de gerar
uma criança para os beneficiários, observadas as limitações do art. 3º desta
Lei;
III - consentimento livre e esclarecido ao ato pelo qual os beneficiários são
esclarecidos sobre a Procriação Medicamente Assistida e manifestam
consentimento para a sua realização.
Artigo 2º A utilização da Procriação Medicamente Assistida só será permitida,
na forma autorizada nesta Lei e em seus regulamentos, nos casos em que se
verifica infertilidade e para a prevenção de doenças genéticas ligadas ao sexo,
e desde que:
I - exista, sob pena de responsabilidade, conforme estabelecido no art. 38
desta Lei, indicação médica para o emprego da Procriação Medicamente
Assistida, consideradas as demais possibilidades terapêuticas disponíveis, e
não se incorra em risco grave de saúde para a mulher receptora ou para a
criança;
II - a receptora da técnica seja uma mulher civilmente capaz, nos termos da
lei, que tenha solicitado o tratamento de maneira livre e consciente, em
documento a ser elaborado conforme o disposto nos arts. 4º e 5º desta Lei;
III - a receptora da técnica seja apta, física e psicologicamente, após
avaliação que leve em conta sua idade cronológica e outros critérios
estabelecidos em regulamento.
§ 1º Somente os cônjuges ou o homem e a mulher em união estável poderão
ser beneficiários das técnicas de Procriação Medicamente Assistida.
§ 2º Caso não se diagnostique causa definida para a situação de infertilidade,
observar-se-á, antes da utilização da Procriação Medicamente Assistida, prazo
mínimo de espera, que será estabelecido em regulamento e levará em conta a
idade da mulher receptora.
Artigo 3º Fica permitida a gestação de substituição em sua modalidade não-
remunerada, nos casos em que exista um problema médico que impeça ou
contra-indique a gestação na beneficiária e desde que haja parentesco até o
segundo grau entre os beneficiários e a genitora substituta.
Parágrafo único. A gestação de substituição não poderá ter caráter lucrativo
ou comercial, ficando vedada a modalidade conhecida como útero ou barriga
de aluguel.
SEÇÃO II
DO CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Artigo 4º O consentimento livre e esclarecido será obrigatório para ambos os
beneficiários, vedada a manifestação da vontade por procurador, e será
formalizado por instrumento particular, que conterá necessariamente os
seguintes esclarecimentos:
I - a indicação médica para o emprego de Procriação Medicamente Assistida,
no caso específico;
II - os aspectos técnicos e as implicações médicas das diferentes fases das
modalidades de Procriação Medicamente Assistida disponíveis, bem como os
custos envolvidos em cada uma delas;
III - os dados estatísticos sobre a efetividade das técnicas de Procriação
Medicamente Assistida nas diferentes situações, incluídos aqueles específicos
do estabelecimento e do profissional envolvido, comparados com os números
relativos aos casos em que não se recorreu à Procriação Medicamente
Assistida;
IV - a possibilidade e a probabilidade de incidência de danos ou efeitos
indesejados para as mulheres e para os nascituros;
V - as implicações jurídicas da utilização da Procriação Medicamente
Assistida;
VI - todas as informações concernentes à capacitação dos profissionais e
estabelecimentos envolvidos;
VII - demais informações estabelecidas em regulamento.
§ 1º O consentimento mencionado neste artigo, a ser efetivado conforme as
normas regulamentadoras que irão especificar as informações mínimas a
serem transmitidas, será exigido do doador e de seu cônjuge, ou da pessoa
com quem viva em união estável.
§ 2º No caso do parágrafo anterior, as informações mencionadas devem incluir
todas as implicações decorrentes do ato de doar, inclusive a possibilidade de a
identificação do doador vir a ser conhecida.
Artigo 5º O consentimento deverá refletir a livre manifestação da vontade dos
envolvidos, e o documento originado deverá explicitar:
I - a técnica e os procedimentos autorizados pelos beneficiários, inclusive o
número de embriões a serem produzidos, observado o limite disposto no art.
14 desta Lei;
II - as circunstâncias em que doador ou depositante autoriza ou desautoriza a
utilização de seus gametas.
SEÇÃO III
DOS ESTABELECIMENTOS E PROFISSIONAIS QUE REALIZAM A
PROCRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA
Art. 6º Clínicas, centros, serviços e demais estabelecimentos que realizam a
Procriação Medicamente Assistida são responsáveis:
I - pela elaboração, em cada caso, de laudo com a indicação da necessidade e
oportunidade para a realização da técnica de Procriação Medicamente
Assistida;
II - pelo recebimento de doações e pelas fases de coleta, manuseio, controle
de doenças infecto-contagiosas, conservação, distribuição e transferência do
material biológico humano utilizado na Procriação Medicamente Assistida,
vedando-se a transferência a fresco de material doado;
III - pelo registro de todas as informações relativas aos doadores desse
material e aos casos em que foi utilizada a Procriação Medicamente Assistida,
pelo prazo de cinqüenta anos após o emprego das técnicas em cada situação;
IV - pela obtenção do consentimento livre e esclarecido dos beneficiários de
Procriação Medicamente Assistida, doadores e respectivos cônjuges ou
companheiros em união estável, na forma definida na Seção II desta Lei;
V - pelos procedimentos médicos e laboratoriais executados.
Parágrafo único. As responsabilidades estabelecidas neste artigo não excluem
outras, de caráter complementar, a serem estabelecidas em regulamento.
Art. 7º Para obter a licença de funcionamento, clínicas, centros, serviços e
demais estabelecimentos que aplicam Procriação Medicamente Assistida
devem cumprir os seguintes requisitos mínimos:
I - funcionar sob a direção de um profissional médico;
II - dispor de recursos humanos, técnicos e materiais condizentes com as
necessidades científicas para realizar a Procriação Medicamente Assistida;
III - dispor de registro de todos os casos em que tenha sido empregada a
Procriação Medicamente Assistida, ocorra ou não gravidez, pelo prazo de
cinqüenta anos;
IV - dispor de registro dos doadores e das provas diagnósticas realizadas no
material biológico a ser utilizado na Procriação Medicamente Assistida com a
finalidade de evitar a transmissão de doenças e manter esse registro pelo
prazo de cinqüenta anos após o emprego do material;
V - informar o órgão competente, a cada ano, sobre suas atividades
concernentes à Procriação Medicamente Assistida.
§ 1º A licença mencionada no caput deste artigo, obrigatória para todos os
estabelecimentos que pratiquem a Procriação Medicamente Assistida, será
válida por no máximo três anos e renovável ao término de cada período,
podendo ser revogada em virtude do descumprimento de qualquer disposição
desta Lei ou de seu regulamento.
2º Exigir-se-á do profissional mencionado no inciso I deste artigo e dos
demais médicos que atuam no estabelecimento prova de capacitação para o
emprego de Procriação Medicamente Assistida.
§ 3º O registro citado no inciso III deste artigo deverá conter, por meio de
prontuários, elaborados inclusive para a criança, e de formulários específicos,
a identificação dos beneficiários e doadores, as técnicas utilizadas, a pré-
seleção sexual, quando imprescindível, na forma do art. 17 desta Lei, a
ocorrência ou não de gravidez, o desenvolvimento das gestações, os
nascimentos, as malformações de fetos ou recém-nascidos e outros dados
definidos em regulamento.
§ 4º Em relação aos doadores, o registro citado no inciso IV deste artigo
deverá conter a identidade civil, os dados clínicos de caráter geral, foto
acompanhada das características fenotípicas e amostra de material celular.
§ 5º As informações de que trata este artigo são consideradas sigilosas, salvo
nos casos especificados nesta Lei.
§ 6º No caso de encerramento das atividades, os estabelecimentos de que trata
esta Seção deverão transferir os registros mencionados nos incisos III e IV
deste artigo para o órgão competente do Poder Público.
SEÇÃO IV
DAS DOAÇÕES
Art. 8º Será permitida a doação de gametas, sob a responsabilidade dos
estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida, vedadas a
remuneração e a cobrança por esse material, a qualquer título.
§ 1º Não será permitida a doação quando houver risco de dano para a saúde do
doador, levando-se em consideração suas condições físicas e mentais.
§ 2º O doador de gameta é obrigado a declarar:
I - para quais estabelecimentos já realizou doação;
II - as doenças de que tem conhecimento ser portador.
§ 3º A regulamentação desta Lei poderá estabelecer idade limite para os
doadores, com base em critérios que busquem garantir a qualidade dos
gametas doados.
Art. 9º Os estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida
estarão obrigados a zelar pelo sigilo da doação e das informações sobre a
criança nascida a partir de material doado.
Art. 10 Excepciona-se o sigilo estabelecido no artigo anterior nos casos
autorizados nesta Lei, obrigando-se o estabelecimento responsável pelo
emprego da Procriação Medicamente Assistida a fornecer as informações
solicitadas.
§ 1º Quando razões médicas indicarem ser de interesse da criança obter
informações genéticas necessárias para sua vida ou saúde, as informações
relativas ao doador deverão ser fornecidas exclusivamente para o médico
solicitante.
§ 2º No caso autorizado no parágrafo anterior, resguardar-se-á a identidade
civil do doador, mesmo que o médico venha a entrevistá-lo para obter maiores
informações sobre sua saúde.
Art. 11 A escolha dos doadores será responsabilidade do estabelecimento que
pratica a Procriação Medicamente Assistida e deverá garantir, tanto quanto
possível, semelhança fenotípica e compatibilidade imunológica entre doador e
receptor.
Art. 12 Haverá um registro central de doações e gestações, organizado pelo
Poder Público com base nas informações periodicamente fornecidas pelos
estabelecimentos que praticam Procriação Medicamente Assistida, o qual será
obrigatoriamente consultado para garantir que um mesmo doador só origine
descendentes para um único par de beneficiários.
Art. 13 Não poderão ser doadores, exceto na qualidade de beneficiários, os
dirigentes, funcionários e membros, ou seus parentes até o quarto grau, de
equipe de qualquer estabelecimento que pratique a Procriação Medicamente
Assistida e os civilmente incapazes.
SEÇÃO V
DOS GAMETAS E EMBRIÕES
Art. 14 Na execução de técnica de Procriação Medicamente Assistida, poderão
ser produzidos e transferidos até três embriões, respeitada a vontade da
mulher receptora, a cada ciclo reprodutivo.
§ 1º Serão obrigatoriamente transferidos a fresco todos os embriões obtidos,
obedecido o critério definido no caput deste artigo.
§ 2º Não se aplicam aos embriões originados in vitro, antes de sua introdução
no aparelho reprodutor da mulher receptora, os direitos assegurados ao
nascituro na forma da lei.
Art. 15 Os estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida
ficam autorizados a preservar gametas humanos, doados ou depositados
apenas para armazenamento, pelos métodos permitidos em regulamento.
§ 1º Os gametas depositados apenas para armazenamento só poderão ser
entregues à pessoa depositante, não podendo ser destruídos sem sua
autorização.
§ 2º É obrigatório o descarte de gametas:
I - sempre que for solicitado pelo doador ou depositante;
II - sempre que estiver determinado no documento de consentimento livre e
esclarecido;
III - nos casos conhecidos de falecimento de doador ou depositante,
ressalvada a hipótese em que este último tenha autorizado, em testamento, a
utilização póstuma de seus gametas pela esposa ou companheira.
Art. 16 Serão definidos em regulamento os tempos máximos de:
I - preservação de gametas depositados apenas para armazenamento;
II - desenvolvimento de embriões in vitro.
Art. 17 A pré-seleção sexual só poderá ocorrer nos casos em que os
beneficiários recorram à Procriação Medicamente Assistida em virtude de
apresentarem probabilidade genética para gerar crianças portadoras de
doenças ligadas ao sexo, mediante autorização do Poder Público.
SEÇÃO VI
DA FILIAÇÃO
Art. 18 Será atribuída aos beneficiários a condição de pais da criança nascida
mediante o emprego das técnicas de Procriação Medicamente Assistida.
Parágrafo único. É assegurado ao doador e à criança de que trata este artigo o
direito recíproco de acesso, extensivo a parentes, a qualquer tempo, por meio
do depositário dos registros concernentes à procriação, observado o disposto
no inciso III do art. 6º, para o fim de consulta sobre disponibilidade de
transplante de órgãos ou tecidos, garantido o anonimato.
Art. 19 O doador e a genitora substituta, e seus parentes biológicos, não terão
qualquer espécie de direito ou vínculo, quanto à paternidade ou maternidade,
em relação à pessoa nascida a partir do emprego das técnicas de Procriação
Medicamente Assistida, salvo os impedimentos matrimoniais.
Art. 20 As conseqüências jurídicas do uso da Procriação Medicamente
Assistida, quanto à filiação, são irrevogáveis a partir do momento em que
houver embriões originados in vitro ou for constatada gravidez decorrente de
inseminação artificial.
Art. 21 A morte dos beneficiários não restabelece o pátrio poder dos pais
biológicos
Art. 22 O Ministério Público fiscalizará a atuação dos estabelecimentos que
empregam técnicas de Procriação Medicamente Assistida, com o objetivo de
resguardar os direitos do nascituro e a saúde e integridade física das pessoas,
aplicando-se, no que couber, as disposições do Capítulo V da Lei nº 8.069, de
13 de julho de 1990.
SEÇÃO VII
DOS CRIMES
Art. 23 Praticar a redução embrionária:
Pena - reclusão de um a quatro anos.
Parágrafo único. Não se pune a redução embrionária feita por médico se não
houver outro meio de salvar a vida da gestante.
Art. 24 Praticar a Procriação Medicamente Assistida sem estar previamente
capacitado para a atividade:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
Art. 25 Praticar a Procriação Medicamente Assistida sem obter o
consentimento livre e esclarecido dos beneficiários e dos doadores na forma
determinada nesta Lei, bem como fazê-lo em desacordo com os termos
constantes do documento de consentimento assinado por eles
Pena - reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Art. 26 Participar da prática de útero ou barriga de aluguel, na condição de
beneficiário, intermediário ou executor da técnica:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Art. 27 Fornecer gametas depositados apenas para armazenamento a qualquer
pessoa que não seja o próprio depositante, bem como empregar esses gametas
sem a autorização deste:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Art. 28 Deixar de manter as informações exigidas na forma especificada,
deixar de fornecê-las nas situações previstas ou divulgá-las a outrem nos
casos não autorizados, consoante as determinações desta Lei:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa
Art. 29 Utilizar gametas de doadores ou depositantes sabidamente falecidos,
salvo na hipótese em que o depositante tenha autorizado, em testamento, a
utilização póstuma de seus gametas pela esposa ou companheira:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa
Art. 30 Implantar mais de três embriões na mulher receptora:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa
Art. 31 Realizar a pré-seleção sexual de gametas ou embriões, ressalvado o
disposto nesta Lei:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Art. 32 Participar da prática de útero ou barriga de aluguel, na condição de
genitora substituta:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Art. 33 Produzir embriões além da quantidade permitida:
Pena - reclusão de três a seis anos, e multa.
Art. 34 Armazenar, destruir, ou ceder embriões, ressalvados os casos
previstos nesta Lei:
Pena - reclusão de três a seis anos, e multa.
Art. 35 Deixar de implantar na mulher receptora os embriões produzidos,
exceto no caso de contra-indicação médica:
Pena - detenção de dois a seis anos, e multa
Art. 36 Utilizar gameta:
I - doado por dirigente, funcionário ou membro de equipe de qualquer
estabelecimento que pratique a Procriação Medicamente Assistida ou seus
parentes até o quarto grau, e pelo civilmente incapaz;
II - de que tem ciência ser de um mesmo doador para mais de um par de
beneficiários;
III - a fresco ou sem que tenha sido submetido ao controle de doenças infecto-
contagiosas:
Pena - reclusão de três a seis anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre:
I - o médico que usar o seu próprio gameta para realizar a Procriação
Medicamente Assistida, exceto na qualidade de beneficiário;
II - o doador que omitir dados ou fornecer informação falsa ou incorreta sobre
qualquer aspecto relacionado ao ato de doar.
Art. 37 Realizar a procriação medicamente assistida em pessoas que não sejam
casadas ou não vivam em união estável:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre o homem ou a mulher que solicitar o
emprego da técnica para dela usufruir individualmente ou com outrem que não
o cônjuge ou a companheira ou o companheiro.
Art. 38 A prática de qualquer uma das condutas arroladas nesta seção
acarretará a perda da licença do estabelecimento de procriação medicamente
assistida, sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis.
Art. 39 O estabelecimento e os profissionais médicos que nele atuam são,
entre si, civil e penalmente responsáveis pelo emprego da Procriação
Medicamente Assistida.
SEÇÃO VIII
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 40 O Poder Público regulamentará esta Lei, inclusive quanto às normas
especificadoras dos requisitos para a execução de cada técnica de Procriação
Medicamente Assistida, competindo-lhe também conceder a licença aos
estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida e
fiscalizar suas atuações.
Art. 41 Os embriões congelados existentes até a entrada em vigor da presente
Lei poderão ser utilizados, com o consentimento das pessoas que os
originaram, na forma permitida nesta Lei.
§ 1º Presume-se autorizada a utilização, para reprodução, de embriões
originados in vitro existentes antes da entrada em vigor desta Lei, se, no
prazo de sessenta dias a contar da data da publicação desta Lei, os
depositantes não se manifestarem em contrário.
§ 2º Incorre na pena prevista no crime tipificado no art. 34 aquele que
descartar embrião congelado anteriormente à entrada em vigor desta Lei.
Art. 42 A União poderá celebrar convênio com os Estados, com o Distrito
Federal e com os Municípios para exercer, em conjunto ou isoladamente, a
fiscalização dos estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente
Assistida.
Art. 43 Esta Lei entrará em vigor no prazo de um ano a contar da data de sua
publicação.
ANEXO IV
PROJETO DE LEI Nº 90 (SUBSTITUTIVO), DE 2001 (SUSBSTITUTIVO
APRESENTADO PELO SENADOR TIÃO VIANA)
Dispõe sobre a Procriação Medicamente Assistida
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
SEÇÃO I
DOS PRINCÍPIOS GERAIS
Art. 1º Esta Lei regulamenta o uso das técnicas de Reprodução Assistida (RA)
para a implantação artificial de gametas ou embriões humanos, fertilizados in
vitro, no organismo de mulheres receptoras.
Parágrafo Único. Para os efeitos desta Lei, atribui-se a denominação de:
I - embriões humanos ao resultado da união in vitro de gametas, previamente
à sua implantação no organismo receptor, qualquer que seja o estágio de seu
desenvolvimento;
II - beneficiários às mulheres ou aos casais que tenham solicitado o emprego
da Reprodução Assistida;
III - consentimento livre e esclarecido ao ato pelo qual os beneficiários são
esclarecidos sobre a Reprodução Assistida e manifestam, em documento,
consentimento para a sua realização, conforme disposto na Seção II desta Lei.
Art. 2º A utilização das técnicas de Reprodução Assistida será permitida, na
forma autorizada nesta Lei e em seus regulamentos, nos casos em que se
verifique infertilidade e para a prevenção ou tratamento de doenças genéticas
ou hereditárias, e desde que:
I - exista indicação médica para o emprego da Reprodução Assistida,
consideradas as demais possibilidades terapêuticas disponíveis, segundo o
disposto em regulamento;
II - a receptora da técnica seja uma mulher civilmente capaz, nos termos da
lei, que tenha solicitado o tratamento de maneira livre, consciente e
informada, em documento de consentimento livre e esclarecido, a ser
elaborado conforme o disposto na Seção II desta Lei;
III - a receptora da técnica seja apta, física e psicologicamente, após
avaliação que leve em conta sua idade e outros critérios estabelecidos em
regulamento;
IV - O doador seja considerado apto física e mentalmente, por meio de exames
clínicos e complementares que se façam necessários.
Parágrafo Único. Caso não se diagnostique causa definida para a situação de
infertilidade, observar-se-á, antes da utilização da Reprodução Assistida,
prazo mínimo de espera, que será estabelecido em regulamento e levará em
conta a idade da mulher receptora
Art. 3º Fica proibida a gestação de substituição.
SEÇÃO II
DO CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Art. 4º O consentimento livre e esclarecido será obrigatório para ambos os
beneficiários, nos casos em que a beneficiária seja uma mulher casada ou em
união estável, vedada a manifestação da vontade por procurador, e será
formalizado em instrumento particular, que conterá necessariamente os
seguintes esclarecimentos:
I - a indicação médica para o emprego de Reprodução Assistida, no caso
específico, com manifestação expressa dos beneficiários de falta de interesse
na adoção de criança ou adolescente;
II - os aspectos técnicos, as implicações médicas das diferentes fases das
modalidades de Reprodução Assistida disponíveis e os custos envolvidos em
cada uma delas;
III - os dados estatísticos referentes à efetividade dos resultados obtidos no
serviço de saúde onde se realizará o procedimento de Reprodução Assistida;
IV - os resultados estatísticos e probabilísticos acerca da incidência e
prevalência dos efeitos indesejados nas técnicas de Reprodução Assistida, em
geral e no serviço de saúde onde esta será realizada;
V - as implicações jurídicas da utilização de Reprodução Assistida;
VI - os procedimentos autorizados pelos beneficiários, inclusive o número de
embriões a serem produzidos, observado o limite disposto no Art. 13 desta
Lei;
VII - as condições em que o doador ou depositante autoriza a utilização de
seus gametas, inclusive postumamente.
VIII - demais requisitos estabelecidos em regulamento.
§ 1º O consentimento mencionado neste artigo será também exigido do doador
e de seu cônjuge ou da pessoa com quem viva em união estável e será firmado
conforme as normas regulamentadoras, as quais especificarão as informações
mínimas que lhes serão transmitidas.
§ 2º No caso do parágrafo anterior, as informações mencionadas devem incluir
todas as implicações decorrentes do ato de doar, inclusive a possibilidade de a
identificação do doador vir a ser conhecida
SEÇÃO III
DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E PROFISSIONAIS
Art. 5º Os serviços de saúde que realizam a Reprodução Assistida são
responsáveis:
I - pela elaboração, em cada caso, de laudo com a indicação da necessidade e
oportunidade para o emprego da técnica de Reprodução Assistida;
II - pelo recebimento de doações e pelas fases de coleta, manuseio, controle
de doenças infecto-contagiosas, conservação, distribuição e transferência do
material biológico humano utilizado na Reprodução Assistida, vedando-se a
transferência a fresco de material doado;
III - pelo registro de todas as informações relativas aos doadores e aos casos
em que foi utilizada a Reprodução Assistida, pelo prazo de cinqüenta anos.
IV - pela obtenção do consentimento livre e esclarecido dos beneficiários de
Reprodução Assistida, doadores e respectivos cônjuges ou companheiros em
união estável, na forma definida na Sessão II desta Lei.
V - pelos procedimentos médicos e laboratoriais executados;
VI - pela obtenção do Certificado de Qualidade em Biossegurança junto ao
órgão competente;
VII - pela obtenção de licença de funcionamento a ser expedida pelo órgão
competente da administração, definido em regulamento;
Parágrafo único. As responsabilidades estabelecidas neste artigo não excluem
outras, de caráter complementar, a serem estabelecidas em regulamento.
Art. 6º Para obter a licença de funcionamento, os serviços de saúde que
realizam Reprodução Assistida devem cumprir os seguintes requisitos
mínimos:
I - funcionar sob a direção de um profissional médico, devidamente
capacitado para realizar a Reprodução Assistida, que se responsabilizará por
todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados;
II - dispor de equipes multiprofissionais, recursos técnicos e materiais
compatíveis com o nível de complexidade exigido pelo processo de
Reprodução Assistida;
III - dispor de registro de todos os casos em que tenha sido empregada a
Reprodução Assistida, ocorra ou não gravidez, pelo prazo de cinqüenta anos;
IV - dispor de registro dos doadores e das provas diagnósticas realizadas, pelo
prazo de cinqüenta anos após o emprego do material biológico;
V - encaminhar relatório semestral de suas atividades ao órgão competente
definido em regulamento.
§ 1º A licença mencionada no caput deste artigo será válida por até três anos,
renovável ao término de cada período, desde que obtido ou mantido o
Certificado de Qualidade em Biossegurança, podendo ser revogada em virtude
do descumprimento de qualquer disposição desta Lei ou de seu regulamento.
§ 2º O registro citado no inciso III deste artigo deverá conter a identificação
dos beneficiários e doadores, as técnicas utilizadas, a pré-seleção sexual,
quando imprescindível, na forma do Art. 15 desta Lei, a ocorrência ou não de
gravidez, o desenvolvimento das gestações, os nascimentos, as malformações
de fetos ou recém-nascidos e outros dados definidos em regulamento.
§ 3º Em relação aos doadores, o registro citado no inciso IV deste artigo
deverá conter a identidade civil, os dados clínicos de caráter geral, foto
acompanhada das características fenotípicas e uma amostra de material
celular.
§ 4º As informações de que trata este artigo são consideradas sigilosas, salvo
nos casos especificados nesta Lei.
§ 5º No caso de encerramento das atividades, os serviços de saúde transferirão
os registros para o órgão competente do Poder Público, determinado no
regulamento.
SEÇÃO IV
DAS DOAÇÕES
Art. 7º Será permitida a doação de gametas, sob a responsabilidade dos
serviços de saúde que praticam a Reprodução Assistida, vedadas a
remuneração e a cobrança por esse material, a qualquer título.
§ 1º Não será permitida a doação quando houver risco de dano para a saúde do
doador, levando-se em consideração suas condições físicas e mentais.
§ 2º O doador de gameta é obrigado a declarar:
I - não haver doado gameta anteriormente;
II - as doenças de que tem conhecimento ser portador, inclusive os
antecedentes familiares, no que diz respeito a doenças genético-hereditárias e
outras.
§ 3º Poderá ser estabelecida idade limite para os doadores, com base em
critérios que busquem garantir a qualidade dos gametas doados, quando da
regulamentação desta Lei.
Art. 8º Os serviços de saúde que praticam a Reprodução Assistida estarão
obrigados a zelar pelo sigilo da doação, impedindo que doadores e
beneficiários venham a conhecer reciprocamente suas identidades, e pelo
sigilo absoluto das informações sobre a pessoa nascida por processo de
Reprodução Assistida.
Art. 9º O sigilo estabelecido no artigo anterior poderá ser quebrado nos casos
autorizados nesta Lei, obrigando-se o serviço de saúde responsável pelo
emprego da Reprodução Assistida a fornecer as informações solicitadas,
mantido o segredo profissional e, quando possível, o anonimato.
§ 1º A pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida terá acesso, a
qualquer tempo, diretamente ou por meio de representante legal, e desde que
manifeste sua vontade, livre, consciente e esclarecida, a todas as informações
sobre o processo que a gerou, inclusive à identidade civil do doador,
obrigando-se o serviço de saúde responsável a fornecer as informações
solicitadas, mantidos os segredos profissional e de justiça.
§ 2º Quando razões médicas ou jurídicas indicarem ser necessário, para a vida
ou a saúde da pessoa gerada por processo de Reprodução Assistida, ou para
oposição de impedimento do casamento, obter informações genéticas relativas
ao doador, essas deverão ser fornecidas ao médico solicitante, que guardará o
devido segredo profissional, ou ao oficial do registro civil ou a quem presidir
a celebração do casamento, que notificará os nubentes e procederá na forma
da legislação civil.
§ 3º No caso de motivação médica, autorizado no parágrafo anterior,
resguardar-se-á a identidade civil do doador, mesmo que o médico venha a
entrevistá-lo para obter maiores informações sobre sua saúde.
Art. 10 A escolha dos doadores será de responsabilidade do serviço de saúde
que pratica a Reprodução Assistida e deverá assegurar a compatibilidade
imunológica entre doador e receptor.
Art. 11 Não poderão ser doadores os dirigentes, funcionários e membros de
equipes, ou seus parentes até o quarto grau, de serviço de saúde no qual se
realize a Reprodução Assistida.
Parágrafo único. As pessoas incapazes não poderão ser doadoras de gametas.
Art. 12 O Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais fica
obrigado a comunicar ao órgão competente previsto no art. 5º, incisos VI e
VII, até o dia 10 de cada mês, o registro dos óbitos ocorridos no mês
imediatamente anterior, devendo da relação constar a filiação, a data e o local
de nascimento da pessoa falecida.
§ 1º No caso de não haver sido registrado nenhum óbito, deverá o Titular do
Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais comunicar esse fato ao
referido órgão no prazo estipulado no caput deste artigo.
§ 2º A falta de comunicação na época própria, bem como o envio de
informações inexatas, sujeitará o Titular de Cartório de Registro Civil de
Pessoas Naturais à multa variável de R$ 636,17 (seiscentos e trinta e seis
reais e dezessete centavos) a R$ 63.617,35 (sessenta e três mil, seiscentos e
dezessete reais e trinta e cinco centavos), na forma do regulamento.
§ 3º A comunicação deverá ser feita por meio de formulários para
cadastramento de óbito, conforme modelo aprovado em regulamento.
§ 4º Deverão constar, além dos dados referentes à identificação do Cartório de
Registro Civil de Pessoas Naturais, pelo menos uma das seguintes
informações relativas à pessoa falecida:
I - número de inscrição do PIS/PASEP;
II - número de inscrição no Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, se
contribuinte individual, ou número de benefício previdenciário - NB, se a
pessoa falecida for titular de qualquer benefício pago pelo INSS;
III - número do CPF;
IV - número de registro da Carteira de Identidade e respectivo órgão emissor;
V - número do título de eleitor;
VI - número do registro de nascimento ou casamento, com informação do
livro, da folha e do termo;
VII - número e série da Carteira de Trabalho.
SEÇÃO V
DOS GAMETAS E EMBRIÕES
Art. 13 Na execução da técnica de Reprodução Assistida, poderão ser
produzidos e transferidos até dois embriões, respeitada a vontade da mulher
receptora, a cada ciclo reprodutivo.
§ 1º Serão obrigatoriamente transferidos a fresco todos os embriões obtidos,
obedecido o critério definido no caput deste artigo.
§ 2º Os embriões originados in vitro, anteriormente à sua implantação no
organismo da receptora, não são dotados de personalidade civil.
§ 3º Os beneficiários são juridicamente responsáveis pela tutela do embrião e
seu ulterior desenvolvimento no organismo receptor
§ 4º São facultadas a pesquisa e experimentação com embriões transferidos e
espontaneamente abortados, desde que haja autorização expressa dos
beneficiários.
Art. 14 Os serviços de saúde são autorizados a preservar gametas humanos,
doados ou depositados apenas para armazenamento, pelos métodos e prazos
definidos em regulamento.
§ 1º Os gametas depositados apenas para armazenamento serão entregues
somente à pessoa depositante, não podendo ser destruídos sem sua
autorização.
§ 2º É obrigatório o descarte de gametas:
I - quando solicitado pelo depositante;
II - quando houver previsão no documento de consentimento livre e
esclarecido;
III - nos casos de falecimento do depositante, salvo se houver manifestação de
sua vontade, expressa em documento de consentimento livre e esclarecido ou
em testamento, permitindo a utilização póstuma de seus gametas.
Art. 15 A pré-seleção sexual será permitida nas situações clínicas que
apresentarem risco genético de doenças relacionadas ao sexo, conforme se
dispuser em regulamento.
SEÇÃO VI
DA FILIAÇÃO DA CRIANÇA
Art. 16 Será atribuída aos beneficiários a condição de paternidade plena da
criança nascida mediante o emprego de técnica de Reprodução Assistida.
§ 1º A morte dos beneficiários não restabelece o poder parental dos pais
biológicos.
§ 2º A pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida e o doador terão
acesso aos registros do serviço de saúde, a qualquer tempo, para obter
informações para transplante de órgãos ou tecidos, garantido o segredo
profissional e, sempre que possível, o anonimato.
Parágrafo Único. O acesso referido no caput estender-se-á até os parentes de
2º grau do doador e da pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida.
Art. 17 O doador e seus parentes biológicos não terão qualquer espécie de
direito ou vínculo, quanto à paternidade ou maternidade, em relação à pessoa
nascida a partir do emprego das técnicas de Reprodução Assistida, salvo os
impedimentos matrimoniais elencados na legislação civil.
Art. 18 Os serviços de saúde que realizam a Reprodução Assistida sujeitam-
se, sem prejuízo das competências de órgão da administração definido em
regulamento, à fiscalização do Ministério Público, com o objetivo de
resguardar a saúde e a integridade física das pessoas envolvidas, aplicando-se,
no que couber, as disposições da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990
(Estatuto da Criança e do Adolescente).
SEÇÃO VII
DAS INFRAÇÕES E PENALIDADES
Art. 19 Constituem crimes:
I - praticar o médico a Reprodução Assistida sem estar habilitado para a
atividade;
II - praticar o médico a Reprodução Assistida sem obter o consentimento livre
e esclarecido dos beneficiários e dos doadores na forma determinada nesta
Lei, ou em desacordo com os termos constantes do documento de
consentimento por eles assinado;
III - participar o médico do procedimento de gestação de substituição, na
condição de beneficiário, intermediário ou executor da técnica;
IV - fornecer o médico gametas depositados apenas para armazenamento a
qualquer pessoa que não o próprio depositante, ou empregar esses gametas
sem sua prévia autorização;
V - deixar o médico de manter as informações exigidas na forma especificada,
não as fornecer nas situações previstas ou divulgá-las a outrem nos casos não
autorizados, consoante as determinações desta Lei;
VI - utilizar o médico gametas de doadores ou depositantes sabidamente
falecidos, salvo na hipótese em que tenha sido autorizada, em documento de
consentimento livre e esclarecido, ou em testamento, a utilização póstuma de
seus gametas;
VII - implantar o médico mais de dois embriões na mulher receptora;
VIII - realizar o médico a pré-seleção sexual de gametas ou embriões,
ressalvado o disposto nesta Lei;
IX - produzir o médico embriões além da quantidade permitida;
X - armazenar ou ceder o médico embriões, ressalvados os casos em que a
implantação seja contra-indicada;
XI - deixar o médico de implantar na mulher receptora os embriões
produzidos, exceto no caso de contra-indicação médica;
XII - descartar o médico embrião antes da implantação no organismo receptor;
XIII - utilizar o médico gameta:
a) doado por dirigente, funcionário ou membro de equipe do serviço de saúde
em que realize a Reprodução Assistida, ou seus parentes até o quarto grau;
b) de pessoa incapaz;
c) de que tem ciência ser de um mesmo doador, para mais de um beneficiário;
d) a fresco ou sem que tenha sido submetido ao controle de doenças infecto-
contagiosas e outros exames complementares.
§ 1º As infrações previstas neste artigo serão punidas com:
I - prestação de serviços à comunidade;
II - multa
III - suspensão da licença para exercer função ou profissão.
§ 2º Ao aplicar as medidas previstas neste artigo, cumulativamente ou não, o
juiz considerará a natureza e a gravidade do delito e a periculosidade do
agente.
Art. 20 Constituem crimes:
I - Intervir sobre gametas ou embriões in vitro com finalidade diferente das
permitidas nesta Lei.
Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
II - Utilizar o médico do próprio gameta para realizar a Reprodução Assistida,
exceto na qualidade de beneficiário.
Pena: detenção, de um a dois anos, e multa.
III - Omitir o doador dados ou fornecimento de informação falsa ou incorreta
sobre qualquer aspecto relacionado ao ato de doar.
Pena: detenção, de 3 meses a um ano, e multa
IV - Praticar o médico redução embrionária, com consentimento, após a
implantação no organismo da receptora, salvo nos casos em que houver risco
de vida para a mulher.
Pena: reclusão de um a quatro anos.
V - Praticar o médico redução embrionária, sem consentimento, após a
implantação no organismo da receptora, salvo nos casos em que houver risco
de vida para a mulher.
Pena: reclusão de três a dez anos.
Parágrafo único. As penas cominadas nos incisos IV e V deste artigo são
aumentadas de um terço, se, em conseqüência do procedimento redutor, a
receptora sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, pela
mesma causa, lhe sobrevém a morte.
SEÇÃO VIII
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 21 Os embriões conservados até a data de entrada em vigor desta Lei
poderão ser doados exclusivamente para fins reprodutivos, com o
consentimento prévio dos primeiros beneficiários, respeitados os dispositivos
da Seção IV.
Parágrafo Único. Presume-se autorizada a doação se, no prazo de sessenta
dias, os primeiros beneficiários não se manifestarem em contrário.
Art. 22 O Poder Público promoverá campanhas de incentivo à utilização, por
pessoas inférteis ou não, dos embriões preservados e armazenados até a data
de publicação desta Lei, preferencialmente ao seu descarte
Art. 23 O Poder Público organizará um cadastro nacional permanente de
informações sobre a prática da Reprodução Assistida em todo o território,
com a finalidade de organizar estatísticas e tornar disponíveis os dados sobre
o quantitativo dos procedimentos realizados, a incidência e prevalência dos
efeitos indesejados e demais complicações, os serviços de saúde e os
profissionais que a realizam e demais informações consideradas apropriadas,
segundo se dispuser em regulamento.
Art. 24 A Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995 passa a vigorar acrescida do
seguinte artigo:
"Art. 8º-A São vedados, na atividade com humanos, os experimentos de
clonagem radical através de qualquer técnica de genetecnologia." (NR)
Art. 25 O art. 13 da Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, passa a vigorar
acrescido do seguinte inciso:
"III-A realizar experimentos de clonagem humana radical através de
qualquer técnica de genetecnologia;" (AC)
Art. 26 Esta Lei entra em vigor cento e oitenta dias a partir da data de sua
publicação.
ANEXO V
PROJETO DE LEI 1.184 DE 2003 (VERSÃO FINAL DO PROJETO DE
LEI 90/99)
Dispõe sobre a Reprodução Assistida.
O Congresso Nacional decreta:
CAPÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS GERAIS
Art. 1º Esta Lei regulamenta o uso das técnicas de Reprodução Assistida
(RA) para a implantação artificial de gametas ou embriões humanos,
fertilizados in vitro, no organismo de mulheres receptoras.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, atribui-se a denominação de:
I embriões humanos: ao resultado da união in vitro de gametas, previamente
à sua implantação no organismo receptor, qualquer que seja o estágio de seu
desenvolvimento;
II beneficiários: às mulheres ou aos casais que tenham solicitado o emprego
da Reprodução Assistida;
III consentimento livre e esclarecido: ao ato pelo qual os beneficiários são
esclarecidos sobre a Reprodução Assistida e manifestam, em documento,
consentimento para a sua realização, conforme disposto no Capítulo II desta
Lei.
Art. 2º A utilização das técnicas de Reprodução Assistida será permitida, na
forma autorizada nesta Lei e em seus regulamentos, nos casos em que se
verifique infertilidade e para a prevenção de doenças genéticas ligadas ao
sexo, e desde que:
I exista indicação médica para o emprego da Reprodução Assistida,
consideradas as demais possibilidades terapêuticas disponíveis, segundo o
disposto em regulamento;
II a receptora da técnica seja uma mulher civilmente capaz, nos termos da
lei, que tenha solicitado o tratamento de maneira livre, consciente e
informada, em documento de consentimento livre e esclarecido, a ser
elaborado conforme o disposto no Capítulo II desta Lei;
III a receptora da técnica seja apta, física e psicologicamente, após
avaliação que leve em conta sua idade e outros critérios estabelecidos em
regulamento;
IV o doador seja considerado apto física e mentalmente, por meio de exames
clínicos e complementares que se façam necessários.
Parágrafo único. Caso não se diagnostique causa definida para a situação de
infertilidade, observar-se-á, antes da utilização da Reprodução Assistida,
prazo mínimo de espera, que será estabelecido em regulamento e levará em
conta a idade da mulher receptora.
Art. 3º É proibida a gestação de substituição.
CAPÍTULO II
DO CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Art. 4º O consentimento livre e esclarecido será obrigatório para ambos os
beneficiários, nos casos em que a beneficiária seja uma mulher casada ou em
união estável, vedada a manifestação da vontade por procurador, e será
formalizado em instrumento particular, que conterá necessariamente os
seguintes esclarecimentos:
I a indicação médica para o emprego de Reprodução Assistida, no caso
específico, com manifestação expressa dos beneficiários da falta de interesse
na adoção de criança ou adolescente;
II os aspectos técnicos, as implicações médicas das diferentes fases das
modalidades de Reprodução Assistida disponíveis e os custos envolvidos em
cada uma delas;
III os dados estatísticos referentes à efetividade dos resultados obtidos no
serviço de saúde onde se realizará o procedimento de Reprodução Assistida;
IV os resultados estatísticos e probabilísticos acerca da incidência e
prevalência dos efeitos indesejados nas técnicas de Reprodução Assistida, em
geral e no serviço de saúde onde esta será realizada;
V as implicações jurídicas da utilização de Reprodução Assistida;
VI os procedimentos autorizados pelos beneficiários, inclusive o número de
embriões a serem produzidos, observado o limite disposto no art. 13 desta
Lei;
VII as condições em que o doador ou depositante autoriza a utilização de
seus gametas, inclusive postumamente;
VIII demais requisitos estabelecidos em regulamento.
§ 1º O consentimento mencionado neste artigo será também exigido do doador
e de seu cônjuge ou da pessoa com quem viva em união estável e será firmado
conforme as normas regulamentadoras, as quais especificarão as informações
mínimas que lhes serão transmitidas.
§ 2º No caso do § 1º, as informações mencionadas devem incluir todas as
implicações decorrentes do ato de doar, inclusive a possibilidade de a
identificação do doador vir a ser conhecida.
CAPÍTULO III
DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E PROFISSIONAIS
Art. 5º Os serviços de saúde que realizam a Reprodução Assistida são
responsáveis:
I pela elaboração, em cada caso, de laudo com a indicação da necessidade e
oportunidade para o emprego da técnica de Reprodução Assistida;
II pelo recebimento de doações e pelas fases de coleta, manuseio, controle
de doenças infecto-contagiosas, conservação, distribuição e transferência do
material biológico humano utilizado na Reprodução Assistida, vedando-se a
transferência de sêmen doado a fresco;
III pelo registro de todas as informações relativas aos doadores e aos casos
em que foi utilizada a Reprodução Assistida, pelo prazo de 50 (cinqüenta)
anos;
IV pela obtenção do consentimento livre e esclarecido dos beneficiários de
Reprodução Assistida, doadores e respectivos cônjuges ou companheiros em
união estável, na forma definida no Capítulo II desta Lei;
V pelos procedimentos médicos e laboratoriais executados;
VI pela obtenção do Certificado de Qualidade em Biossegurança junto ao
órgão competente;
VII pela obtenção de licença de funcionamento a ser expedida pelo órgão
competente da administração, definido em regulamento.
Parágrafo único. As responsabilidades estabelecidas neste artigo não excluem
outras, de caráter complementar, a serem estabelecidas em regulamento.
Art. 6º Para obter a licença de funcionamento, os serviços de saúde que
realizam Reprodução Assistida devem cumprir os seguintes requisitos
mínimos:
I funcionar sob a direção de um profissional médico, devidamente
capacitado para realizar a Reprodução Assistida, que se responsabilizará por
todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados;
II dispor de equipes multiprofissionais, recursos técnicos e materiais
compatíveis com o nível de complexidade exigido pelo processo de
Reprodução Assistida;
III dispor de registro de todos os casos em que tenha sido empregada a
Reprodução Assistida, ocorra ou não gravidez, pelo prazo de 50 (cinqüenta)
anos;
IV dispor de registro dos doadores e das provas diagnósticas realizadas,
pelo prazo de 50 (cinqüenta) anos após o emprego do material biológico;
V encaminhar relatório semestral de suas atividades ao órgão competente
definido em regulamento.
§ 1º A licença mencionada no caput deste artigo será válida por até 3 (três)
anos, renovável ao término de cada período, desde que obtido ou mantido o
Certificado de Qualidade em Biossegurança, podendo ser revogada em virtude
do descumprimento de qualquer disposição desta Lei ou de seu regulamento.
§ 2º O registro citado no inciso III deste artigo deverá conter a identificação
dos beneficiários e doadores, as técnicas utilizadas, a pré-seleção sexual,
quando imprescindível, na forma do art. 15 desta Lei, a ocorrência ou não de
gravidez, o desenvolvimento das gestações, os nascimentos, as malformações
de fetos ou recém-nascidos e outros dados definidos em regulamento.
§ 3º Em relação aos doadores, o registro citado no inciso IV deste artigo
deverá conter a identidade civil, os dados clínicos de caráter geral, foto
acompanhada das características fenotípicas e uma amostra de material
celular.
§ 4º As informações de que trata este artigo são consideradas sigilosas, salvo
nos casos especificados nesta Lei.
§ 5º No caso de encerramento das atividades, os serviços de saúde transferirão
os registros para o órgão competente do Poder Público, determinado no
regulamento.
CAPÍTULO IV
DAS DOAÇÕES
Art. 7º Será permitida a doação de gametas, sob a responsabilidade dos
serviços de saúde que praticam a Reprodução Assistida, vedadas a
remuneração e a cobrança por esse material, a qualquer título.
§ 1º Não será permitida a doação quando houver risco de dano para a saúde do
doador, levando-se em consideração suas condições físicas e mentais.
§ 2º O doador de gameta é obrigado a declarar:
I não haver doado gameta anteriormente;
II as doenças de que tem conhecimento ser portador, inclusive os
antecedentes familiares, no que diz respeito a doenças genético-hereditárias e
outras.
§ 3º Poderá ser estabelecida idade limite para os doadores, com base em
critérios que busquem garantir a qualidade dos gametas doados, quando da
regulamentação desta Lei.
§ 4º Os gametas doados e não-utilizados serão mantidos congelados até que se
dê o êxito da gestação, após o quê proceder-se-á ao descarte dos mesmos, de
forma a garantir que o doador beneficiará apenas uma única receptora.
Art. 8º Os serviços de saúde que praticam a Reprodução Assistida estarão
obrigados a zelar pelo sigilo da doação, impedindo que doadores e
beneficiários venham a conhecer reciprocamente suas identidades, e pelo
sigilo absoluto das informações sobre a pessoa nascida por processo de
Reprodução Assistida.
Art. 9º O sigilo estabelecido no art. 8º poderá ser quebrado nos casos
autorizados nesta Lei, obrigando-se o serviço de saúde responsável pelo
emprego da Reprodução Assistida a fornecer as informações solicitadas,
mantido o segredo profissional e, quando possível, o anonimato.
§ 1º A pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida terá acesso, a
qualquer tempo, diretamente ou por meio de representante legal, e desde que
manifeste sua vontade, livre, consciente e esclarecida, a todas as informações
sobre o processo que o gerou, inclusive à identidade civil do doador,
obrigando-se o serviço de saúde responsável a fornecer as informações
solicitadas, mantidos os segredos profissional e de justiça.
§ 2º Quando razões médicas ou jurídicas indicarem ser necessário, para a vida
ou a saúde da pessoa gerada por processo de Reprodução Assistida, ou para
oposição de impedimento do casamento, obter informações genéticas relativas
ao doador, essas deverão ser fornecidas ao médico solicitante, que guardará o
devido segredo profissional, ou ao oficial do registro civil ou a quem presidir
a celebração do casamento, que notificará os nubentes e procederá na forma
da legislação civil.
§ 3º No caso de motivação médica, autorizado no § 2º, resguardar-se-á a
identidade civil do doador mesmo que o médico venha a entrevistá-lo para
obter maiores informações sobre sua saúde.
Art. 10. A escolha dos doadores será de responsabilidade do serviço de saúde
que pratica a Reprodução Assistida e deverá assegurar a compatibilidade
imunológica entre doador e receptor.
Art. 11. Não poderão ser doadores os dirigentes, funcionários e membros de
equipes, ou seus parentes até o quarto grau, de serviço de saúde no qual se
realize a Reprodução Assistida.
Parágrafo único. As pessoas absolutamente incapazes não poderão ser
doadoras de gametas.
Art. 12. O Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais fica
obrigado a comunicar ao órgão competente previsto no art. 5º, incisos VI e
VII, até o dia 10 de cada mês, o registro dos óbitos ocorridos no mês
imediatamente anterior, devendo da relação constar a filiação, a data e o local
de nascimento da pessoa falecida.
§ 1º No caso de não haver sido registrado nenhum óbito, deverá o Titular do
Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais comunicar esse fato ao
referido órgão no prazo estipulado no caput deste artigo.
§ 2º A falta de comunicação na época própria, bem como o envio de
informações inexatas, sujeitará o Titular de Cartório de Registro Civil de
Pessoas Naturais a multa variável de R$ 636,17 (seiscentos e trinta e seis
reais e dezessete centavos) a R$ 63.617,35 (sessenta e três mil, seiscentos e
dezessete reais e trinta e cinco centavos), na forma do regulamento.
§ 3º A comunicação deverá ser feita por meio de formulários para
cadastramento de óbito, conforme modelo aprovado em regulamento.
§ 4º Deverão constar, além dos dados referentes à identificação do Cartório de
Registro Civil de Pessoas Naturais, pelo menos uma das seguintes
informações relativas à pessoa falecida:
I número de inscrição do PIS/Pasep;
II número de inscrição do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, se
contribuinte individual, ou número de benefício previdenciário - NB, se a
pessoa falecida for titular de qualquer benefício pago pelo INSS;
III número do CPF;
IV número de registro de Carteira de Identidade e respectivo órgão emissor;
V número do título de eleitor;
VI número do registro de nascimento ou casamento, com informação do
livro, da folha e do termo;
VII número e série da Carteira de Trabalho.
CAPÍTULO V
DOS GAMETAS E EMBRIÕES
Art. 13. Na execução da técnica de Reprodução Assistida, poderão ser
produzidos e transferidos até 2 (dois) embriões, respeitada a vontade da
mulher receptora, a cada ciclo reprodutivo.
§ 1º Serão obrigatoriamente transferidos a fresco todos os embriões obtidos,
obedecido ao critério definido no caput deste artigo.
§ 2º Os embriões originados in vitro, anteriormente à sua implantação no
organismo da receptora, não são dotados de personalidade civil.
§ 3º Os beneficiários são juridicamente responsáveis pela tutela do embrião e
seu ulterior desenvolvimento no organismo receptor.
§ 4º São facultadas a pesquisa e experimentação com embriões transferidos e
espontaneamente abortados, desde que haja autorização expressa dos
beneficiários.
§ 5º O tempo máximo de desenvolvimento de embriões in vitro será definido
em regulamento.
Art. 14. Os serviços de saúde são autorizados a preservar gametas humanos,
doados ou depositados apenas para armazenamento, pelos métodos e prazos
definidos em regulamento.
§ 1º Os gametas depositados apenas para armazenamento serão entregues
somente à pessoa depositante, não podendo ser destruídos sem sua
autorização.
§ 2º É obrigatório o descarte de gametas:
I quando solicitado pelo depositante;
II quando houver previsão no documento de consentimento livre e
esclarecido;
III nos casos de falecimento do depositante, salvo se houver manifestação
de sua vontade, expressa em documento de consentimento livre e esclarecido
ou em testamento, permitindo a utilização póstuma de seus gametas.
Art. 15. A pré-seleção sexual será permitida nas situações clínicas que
apresentarem risco genético de doenças relacionadas ao sexo, conforme se
dispuser em regulamento.
CAPÍTULO VI
DA FILIAÇÃO DA CRIANÇA
Art. 16. Será atribuída aos beneficiários a condição de paternidade plena da
criança nascida mediante o emprego de técnica de Reprodução Assistida.
§ 1º A morte dos beneficiários não restabelece o poder parental dos pais
biológicos.
§ 2º A pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida e o doador terão
acesso aos registros do serviço de saúde, a qualquer tempo, para obter
informações para transplante de órgãos ou tecidos, garantido o segredo
profissional e, sempre que possível, o anonimato.
§ 3º O acesso mencionado no § 2º estender-se-á até os parentes de 2º grau do
doador e da pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida.
Art. 17. O doador e seus parentes biológicos não terão qualquer espécie de
direito ou vínculo, quanto à paternidade ou maternidade, em relação à pessoa
nascida a partir do emprego das técnicas de Reprodução Assistida, salvo os
impedimentos matrimoniais elencados na legislação civil.
Art. 18. Os serviços de saúde que realizam a Reprodução Assistida sujeitam-
se, sem prejuízo das competências de órgão da administração definido em
regulamento, à fiscalização do Ministério Público, com o objetivo de
resguardar a saúde e a integridade física das pessoas envolvidas, aplicando-se,
no que couber, as disposições da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990
(Estatuto da Criança e do Adolescente).
CAPÍTULO VII
DAS INFRAÇÕES E PENALIDADES
Art. 19. Constituem crimes:
I praticar a Reprodução Assistida sem estar habilitado para a atividade:
Pena detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
II – praticar a Reprodução Assistida sem obter o consentimento livre e
esclarecido dos beneficiários e dos doadores na forma determinada nesta Lei
ou em desacordo com os termos constantes do documento de consentimento
por eles assinado:
Pena reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa;
III participar do procedimento de gestação de substituição, na condição de
beneficiário, intermediário ou executor da técnica:
Pena reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
IV fornecer gametas depositados apenas para armazenamento a qualquer
pessoa que não o próprio depositante, ou empregar esses gametas sem sua
prévia autorização:
Pena reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
V deixar de manter as informações exigidas na forma especificada, não as
fornecer nas situações previstas ou divulgá-las a outrem nos casos não
autorizados, consoante as determinações desta Lei:
Pena detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
VI utilizar gametas de doadores ou depositantes sabidamente falecidos,
salvo na hipótese em que tenha sido autorizada, em documento de
consentimento livre e esclarecido, ou em testamento, a utilização póstuma de
seus gametas:
Pena reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
VII implantar mais de 2 (dois) embriões na mulher receptora:
Pena reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
VIII realizar a pré-seleção sexual de gametas ou embriões, ressalvado o
disposto nesta Lei:
Pena reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
IX produzir embriões além da quantidade permitida:
Pena reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
X armazenar ou ceder embriões, ressalvados os casos em que a implantação
seja contra-indicada:
Pena reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
XI deixar o médico de implantar na mulher receptora os embriões
produzidos, exceto no caso de contra-indicação médica:
Pena reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
XII descartar embrião antes da implantação no organismo receptor:
Pena reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
XIII utilizar gameta:
a) doado por dirigente, funcionário ou membro de equipe do serviço de saúde
em que se realize a Reprodução Assistida, ou seus parentes até o quarto grau;
b) de pessoa incapaz;
c) de que tem ciência ser de um mesmo doador, para mais de um beneficiário;
d) sem que tenham sido os beneficiários ou doadores submetidos ao controle
de doenças infecto-contagiosas e a outros exames complementares:
Pena reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Ao aplicar as medidas previstas neste artigo, o juiz
considerará a natureza e a gravidade do delito e a periculosidade do agente.
Art. 20. Constituem crimes:
I intervir sobre gametas ou embriões in vitro com finalidade diferente das
permitidas nesta Lei:
Pena detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa;
II utilizar o médico do próprio gameta para realizar a Reprodução Assistida,
exceto na qualidade de beneficiário:
Pena detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa;
III omitir o doador dados ou fornecimento de informação falsa ou incorreta
sobre qualquer aspecto relacionado ao ato de doar:
Pena detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
IV – praticar o médico redução embrionária, com consentimento, após a
implantação no organismo da receptora, salvo nos casos em que houver risco
de vida para a mulher:
Pena reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos;
V praticar o médico redução embrionária, sem consentimento, após a
implantação no organismo da receptora, salvo nos casos em que houver risco
de vida para a mulher:
Pena reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos.
Parágrafo único. As penas cominadas nos incisos IV e V deste artigo são
aumentadas de 1/3 (um terço), se, em conseqüência do procedimento redutor,
a receptora sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, pela
mesma causa, lhe sobrevém a morte.
Art. 21. A prática de qualquer uma das condutas arroladas neste Capítulo
acarretará a perda da licença do estabelecimento de Reprodução Assistida,
sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis.
CAPÍTULO VIII
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 22. Os embriões conservados até a data de entrada em vigor desta Lei
poderão ser doados exclusivamente para fins reprodutivos, com o
consentimento prévio dos primeiros beneficiários, respeitados os dispositivos
do Capítulo IV.
Parágrafo único. Presume-se autorizada a doação se, no prazo de 60 (sessenta)
dias, os primeiros beneficiários não se manifestarem em contrário.
Art. 23. O Poder Público promoverá campanhas de incentivo à utilização, por
pessoas inférteis ou não, dos embriões preservados e armazenados até a data
de publicação desta Lei, preferencialmente ao seu descarte.
Art. 24. O Poder Público organizará um cadastro nacional de informações
sobre a prática da Reprodução Assistida em todo o território, com a finalidade
de organizar estatísticas e tornar disponíveis os dados sobre o quantitativo
dos procedimentos realizados, a incidência e prevalência dos efeitos
indesejados e demais complicações, os serviços de saúde e os profissionais
que a realizam e demais informações consideradas apropriadas, segundo se
dispuser em regulamento.
Art. 25. A Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, passa a vigorar acrescida do
seguinte art. 8º-A:
Art. 8º-A. São vedados, na atividade com humanos, os experimentos de
clonagem radical através de qualquer técnica de genetecnologia.
Art. 26. O art. 13 da Lei nº 8.974, de 1995, passa a vigorar acrescido do
seguinte inciso IV, renumerando-se os demais:
Art. 13.
.....................................................................................................
.................................................................................................................
...
IV realizar experimentos de clonagem humana radical através de qualquer
técnica de genetecnologia;
.........................................................................................................
(NR)
Art. 27. Esta Lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias a partir da data de
sua publicação.
Senado Federal, em de junho de 2003
Senador José Sarney
Presidente do Senado Federal
ANEXO VI
QUADRO COMPARATIVO ENTRE A VERSÃO ORIGINAL E OS
SUBSTITUTIVOS DO PROJETO DE LEI 90/99
PROJETO DE LEI DO
SENADO Nº 90, DE
1999 (versão original)
PROJETO DE LEI DO
SENADO Nº 90
(SUBSTITUTIVO), DE 1999
(Senador Roberto
Requião)
PROJETO DE LEI DO SENADO
Nº 90, DE
2001(SUBSTITUTIVO)
(Senador Tião Viana)
Dispõe sobre a Reprodução
Assistida
Dispõe sobre a Procriação
Medicamente Assistida
Dispõe sobre a Reprodução Assistida.
O CONGRESSO NACIONAL
decreta:
O CONGRESSO NACIONAL decreta: O CONGRESSO NACIONAL decreta:
SEÇÃO I SEÇÃO I
SEÇÃO I
DOS PRINCÍPIOS GERAIS DOS PRINCÍPIOS GERAIS DOS PRINCÍPIOS GERAIS
Art. Constituem técnicas de
Reprodução Assistida (RA)
aquelas que importam na
implantação artificial de gametas
ou embriões humanos no
aparelho reprodutor de mulheres
receptoras com a finalidade de
facilitar a procriação.
Art. 1º Esta Lei disciplina o uso das
técnicas de Procriação Medicamente
Assistida (PMA) que importam na
implantação artificial de gametas ou
embriões humanos, fertilizados in
vitro, no aparelho reprodutor de
mulheres receptoras.
Art. Esta Lei regulamenta o uso das
técnicas de Reprodução Assistida (RA)
para a implantação artificial de gametas ou
embriões humanos, fertilizados in vitro, no
organismo de mulheres receptoras.
§ Para os efeitos desta Lei,
atribui-se a denominação de:
Parágrafo único. Para os efeitos desta
Lei, atribui-se a denominação de:
Parágrafo Único. Para os efeitos desta Lei,
atribui-se a denominação de:
I - embriões humanos aos
produtos da união in vitro de
gametas humanos, qualquer
que seja a idade de seu
desenvolvimento;
I - embriões humanos ao resultado da união
in vitro de gametas, previamente à sua
implantação no organismo receptor,
qualquer que seja o estágio de seu
desenvolvimento;
II - usuários às mulheres ou
aos casais que tenham solicitado
o emprego de RA com o objetivo
de procriar;
I - beneficiários aos cônjuges ou ao
homem e à mulher em união estável,
conforme definido na Lei nº 8.971,
de 29 de dezembro de 1994, que
tenham solicitado o emprego de
Procriação Medicamente Assistida;
II - beneficiários às mulheres ou aos casais
que tenham solicitado o emprego da
Reprodução Assistida;
III - criança ao indivíduo nascido
em decorrência do emprego de
RA;
O substituto não contempla O substituto não contempla
IV - gestação ou
maternidade de substituição
ao caso em que uma
doadora temporária de
útero tenha autorizado sua
inseminação artificial ou a
introdução, em seu aparelho
reprodutor, de embriões
fertilizados in vitro, com o
objetivo de gerar uma
criança para os usuários.
II - gestação de substituição ao caso
em que uma mulher, denominada
genitora substituta, tenha autorizado
sua inseminação artificial ou a
introdução, em seu aparelho
reprodutor, de embriões fertilizados in
vitro, com o objetivo de gerar uma
criança para os beneficiários,
observadas as limitações do art.
desta Lei;
O substitutivo proíbe a gestação de
substituição
Ver a redação do artigo 3º abaixo
O projeto não contempla
III - consentimento livre e esclarecido
ao ato pelo qual os beneficiários são
esclarecidos sobre a Procriação
Medicamente Assistida e manifestam
consentimento para a sua realização.
III - consentimento livre e esclarecido ao ato
pelo qual os beneficiários são esclarecidos
sobre a Reprodução Assistida e manifestam,
em documento, consentimento para a sua
realização, conforme disposto na Seção II
desta Lei.
Art. A utilização da RA
será permitida, na forma
Art. 2º A utilização da Procriação
Medicamente Assistida será
Art. A utilização das técnicas de
Reprodução Assistida será permitida, na forma
autorizada pelo Poder Público e
conforme o disposto nesta Lei,
para auxiliar na resolução dos
casos de infertilidade e para a
prevenção e tratamento de
doenças genéticas ou
hereditárias, e desde que:
permitida, na forma autorizada nesta
Lei e em seus regulamentos, nos casos
em que se verifica infertilidade e para a
prevenção de doenças genéticas
ligadas ao sexo, e desde que:
autorizada nesta Lei e em seus regulamentos,
nos casos em que se verifique infertilidade e
para a prevenção ou tratamento de
doenças genéticas ou hereditárias, e
desde que:
I - tenha sido devidamente
constatada a existência de
infertilidade irreversível ou,
caso se trate de infertilidade
inexplicada, tenha sido
obedecido prazo mínimo de
espera, na forma
estabelecida em
regulamento;
I - exista, sob pena de
responsabilidade, conforme
estabelecido no art. 38 desta Lei,
indicação médica para o emprego
da Procriação Medicamente
Assistida, consideradas as demais
possibilidades terapêuticas
disponíveis, e não se incorra em
risco grave de saúde para a mulher
receptora ou para a criança;
I - exista indicação médica para o
emprego da Reprodução Assistida,
consideradas as demais possibilidades
terapêuticas disponíveis, segundo o
disposto em regulamento;
(quanto ao prazo mínimo de espera ver a
redação do Parágrafo Único do Art. 2º)
II - os demais tratamentos
possíveis tenham sido ineficazes
ou ineficientes para solucionar a
situação de infertilidade;
Ver a redação do Inciso I do Art. 2º
acima
Ver a redação do Inciso I do Art. 2º acima
III - a infertilidade não
decorra da passagem da
idade reprodutiva;
Ver a redação do inciso III a seguir
Ver a redação do inciso III a seguir
IV - a receptora da técnica
seja uma mulher capaz, nos
termos da lei, que tenha
solicitado ou autorizado o
tratamento de maneira
livre e consciente, em
documento de
consentimento informado
a ser elaborado conforme
o disposto no art. 3º;
II - a receptora da técnica seja uma
mulher civilmente capaz, nos termos da
lei, que tenha solicitado o tratamento
de maneira livre e consciente, em
documento a ser elaborado
conforme o disposto nos arts. e
desta Lei;
II - a receptora da técnica seja uma mulher
civilmente capaz, nos termos da lei, que tenha
solicitado o tratamento de maneira livre,
consciente e informada, em documento de
consentimento livre e esclarecido, a ser
elaborado conforme o disposto na Seção II
desta Lei;
O projeto não contempla
III - a receptora da técnica seja apta,
física e psicologicamente, após
avaliação que leve em conta sua
idade cronológica e outros critérios
estabelecidos em regulamento.
III - a receptora da técnica seja apta, física
e psicologicamente, após avaliação que
leve em conta sua idade e outros critérios
estabelecidos em regulamento;
V - exista probabilidade efetiva
de sucesso e não se incorra em
risco grave de saúde para a
mulher receptora ou a criança;
O Substitutivo não contempla
O substitutivo não contempla
VI - no caso de prevenção e
tratamento de doenças genéticas
ou hereditárias, haja indicação
precisa com suficientes garantias
de diagnóstico e terapêutica
O Substitutivo não contempla
O Substitutivo não contempla
O Projeto não contempla
O Substitutivo não contempla
IV - O doador seja considerado apto física
e mentalmente, por meio de exames
clínicos e complementares que se façam
necessários.
§ 1º. Somente os cônjuges ou o homem
e a mulher em união estável poderão
ser beneficiários das técnicas de
Procriação Medicamente Assistida.
A redaç ã o d o in c i s o II d o A rt.
1º, d o s u b s t itutivo define, ma s
nã o h á di s p o s i ti v o re g u l a n d o
Ver a redação do inciso I
acima
§ 2º Caso não se diagnostique
causa definida para a situação de
infertilidade, observar-se-á, antes
da utilização da Procriação
Medicamente Assistida, prazo
mínimo de espera, que será
estabelecido em regulamento e
levará em conta a idade da mulher
Parágrafo Único. Caso não se diagnostique
causa definida para a situação de infertilidade,
observar-se-á, antes da utilização da
Reprodução Assistida, prazo mínimo de
espera, que será estabelecido em regulamento
e levará em conta a idade da mulher receptora
receptora.
Ver a redação Art. 7º
Art. Fica permitida a
gestação de substituição em sua
modalidade não-remunerada, nos
casos em que exista um problema
médico que impeça ou contra-
indique a gestação na beneficiária e
desde que haja parentesco até o
segundo grau entre os beneficiários
e a genitora substituta.
Art. Fica proibida a gestação de
substituição.
Ver a redação do
Parágrafo Único do Art. 7º
Parágrafo único. A gestação de
substituição não poderá ter caráter
lucrativo ou comercial, ficando vedada a
modalidade conhecida como útero ou
barriga de aluguel.
Não aplicável em face da redação
do caput do artigo
SEÇÃO II
DO CONSENTIMENTO
INFORMADO
SEÇÃO II
DO CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO
SEÇÃO II
DO CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO
Art. O consentimento
informado será obrigatório e
extensivo aos cônjuges e
companheiros em união estável,
em documento redigido em
formulário especial, no qual
os usuários manifestem, pela
aposição de suas assinaturas,
terem dado seu consentimento
para a realização das técnicas de
RA e terem sido esclarecidos
sobre o seguinte:
Art. O consentimento livre e
esclarecido seobrigatório para ambos
os beneficiários, vedada a manifestação
da vontade por procurador, e será
formalizado por instrumento particular,
que conterá necessariamente os
seguintes esclarecimentos:
Art. O consentimento livre e esclarecido
será obrigatório para ambos os beneficiários,
nos casos em que a beneficiária seja uma
mulher casada ou em união estável, vedada
a manifestação da vontade por procurador, e
será formalizado em instrumento particular,
que conterá necessariamente os seguintes
esclarecimentos:
Ver a redação do artigo 2º e
seus incisos
I - a indicação médica para o emprego
de Procriação Medicamente Assistida,
no caso específico;
I - a indicação médica para o emprego de
Reprodução Assistida, no caso específico, com
manifestação expressa dos beneficiários de
falta de interesse na adoção de criança ou
adolescente;
I - os aspectos técnicos e as
implicações médicas das
diferentes fases das técnicas de
RA disponíveis, bem como os
custos envolvidos em cada uma
delas;
II - os aspectos técnicos e as
implicações médicas das diferentes
fases das modalidades de Procriação
Medicamente Assistida disponíveis, bem
como os custos envolvidos em cada
uma delas;
II - os aspectos técnicos, as implicações
médicas das diferentes fases das modalidades
de Reprodução Assistida disponíveis e os
custos envolvidos em cada uma delas;
II - os dados estatísticos sobre a
efetividade das técnicas de RA
nas diferentes situações,
incluídos aqueles específicos
do estabelecimento e do
profissional envolvido,
comparados com os números
relativos aos casos em que
não se recorreu à RA;
III - os dados estatísticos sobre a
efetividade das técnicas de Procriação
Medicamente Assistida nas diferentes
situações, incluídos aqueles
específicos do estabelecimento e do
profissional envolvido, comparados
com os números relativos aos casos
em que não se recorreu à
Procriação Medicamente Assistida;
III - os dados estatísticos referentes à
efetividade dos resultados obtidos no serviço
de saúde onde se realizará o procedimento de
Reprodução Assistida;
III - a possibilidade e
probabilidade de incidência de
acidentes, danos ou efeitos
indesejados para as mulheres e
para as crianças;
IV - a possibilidade e a probabilidade de
incidência de danos ou efeitos
indesejados para as mulheres e para
os nascituros;
IV - os resultados estatísticos e probabilísticos
acerca da incidência e prevalência dos efeitos
indesejados nas técnicas de Reprodução
Assistida, em geral e no serviço de saúde
onde esta será realizada;
IV - as implicações jurídicas da
utilização da RA, inclusive
quanto à paternidade da
criança;
V - as implicações jurídicas da utilização
da Procriação Medicamente Assistida;
V - as implicações jurídicas da utilização de
Reprodução Assistida;
V - todas as informações
concernentes à licença de
atuação dos profissionais e
estabelecimentos envolvidos;
VI - todas as informações concernentes
à capacitação dos profissionais e
estabelecimentos envolvidos;
O Substitut i v o n ã o contempla
Ver a redação do inciso I do §3º
do Artigo 3º
V e r a r e d a ç ã o d o i n c iso I d o
A r t i g o 5 º
VI - os procedimentos autorizados pelos
beneficiários, inclusive o número de embriões
a serem produzidos, observado o limite
disposto no Art. 13 desta Lei;
Ver a redação do Inciso III do §
3º do Artigo 3º
Ver a redação do inciso II do Artigo 5º
VII - as condições em que o doador ou
depositante autoriza a utilização de seus
gametas, inclusive postumamente.
VI - demais informações
definidas em regulamento.
VII - demais informações
estabelecidas em regulamento.
VIII - demais requisitos estabelecidos em
regulamento.
§ O consentimento
mencionado neste artigo, a ser
efetivado conforme as
normas regulamentadoras
que irão especificar as
informações mínimas a serem
transmitidas, será extensivo
aos doadores e seus cônjuges
ou companheiros em união
estável.
§ 1º O consentimento mencionado
neste artigo, a ser efetivado
conforme as normas
regulamentadoras que irão
especificar as informações mínimas a
serem transmitidas, se exigido do
doador e de seu cônjuge, ou da
pessoa com quem viva em união
estável.
§ O consentimento mencionado neste
artigo será também exigido do doador e
de seu cônjuge ou da pessoa com quem
viva em união estável e será firmado
conforme as normas regulamentadoras,
as quais especificarão as informações
mínimas que lhes serão transmitidas.
§ 2º No caso do parágrafo
anterior, as informações
mencionadas devem incluir
todas as implicações decorrentes
do ato de doar, inclusive a
possibilidade de a identificação
do doador vir a ser conhecida
pela criança e, em alguns
casos, de o doador vir a ser
obrigado a reconhecer a
filiação dessa criança, em
virtude do disposto no art.
12.
§ No caso do parágrafo anterior, as
informações mencionadas devem incluir
todas as implicações decorrentes do ato
de doar, inclusive a possibilidade de a
identificação do doador vir a ser
conhecida.
§ 2º No caso do parágrafo anterior, as
informações mencionadas devem incluir todas
as implicações decorrentes do ato de doar,
inclusive a possibilidade de a identificação do
doador vir a ser conhecida.
§ O consentimento deverá
refletir a livre manifestação da
vontade dos envolvidos, vedada
qualquer coação física ou
psíquica, e o documento
originado deverá explicitar:
Art. O consentimento deverá refletir
a livre manifestação da vontade dos
envolvidos, e o documento originado
deverá explicitar: Ver a redação do caput do Artigo 4º
I - a técnica e os procedimentos
autorizados pelos usuários;
I - a técnica e os procedimentos
autorizados pelos beneficiários,
inclusive o número de embriões a
serem produzidos, observado o limite
disposto no art. 14 desta Lei;
Ver a redação do inciso VI do Art. 4º
II - o destino a ser dado, no
caso de divórcio ou separação do
casal, aos embriões excedentes
que vierem a ser preservados na
forma do §4º do art. 9º;
III - as circunstâncias em que os
doadores autorizam ou
desautorizam a utilização de
seus gametas e embriões.
II - as circunstâncias em que doador ou
depositante autoriza ou desautoriza a
utilização de seus gametas. Ver a redação do inciso VII do Art. 4º
§ No caso de utilização da RA
para a prevenção e tratamento
de doenças genéticas ou
hereditárias, o documento deve
conter a indicação precisa da
doença e as garantias de
diagnóstico e terapêutica, além
de mostrar claramente o
consentimento dos receptores
para as intervenções a serem
efetivadas sobre os gametas ou
embriões.
O substitutivo não contempla O substitutivo não contempla
§ O consentimento será
válido para atos lícitos e não
exonerará os envolvidos em
práticas culposas ou dolosas que
infrinjam os limites estabelecidos
nesta Lei e em seus
regulamentos.
SEÇÃO III
DOS ESTABELECIMENTOS E
PROFISSIONAIS
SEÇÃO III
DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E
PROFISSIONAIS
Art. Cabe a clínicas, centros,
serviços e demais
estabelecimentos que aplicam a
RA a responsabilidade sobre:
Art. 6º Clínicas, centros, serviços e
demais estabelecimentos que
realizam a Procriação Medicamente
Assistida são responsáveis:
Art. 5º Os serviços de saúde que realizam a
Reprodução Assistida são responsáveis:
I - pela elaboração, em cada caso, de
laudo com a indicação da necessidade e
oportunidade para a realização da
técnica de Procriação Medicamente
Assistida;
I - pela elaboração, em cada caso, de laudo
com a indicação da necessidade e
oportunidade para o emprego da técnica de
Reprodução Assistida;
I - o recebimento de doações, a
coleta, o manuseio, o controle
de doenças infecto-contagiosas,
a conservação, a distribuição e a
transferência do material
biológico humano utilizado na
RA, vedando-se a transferência a
fresco de material doado;
II - pelo recebimento de doações e
pelas fases de coleta, manuseio,
controle de doenças infecto-
contagiosas, conservação, distribuição e
transferência do material biológico
humano utilizado na Procriação
Medicamente Assistida, vedando-se a
transferência a fresco de material
doado;
II - pelo recebimento de doações e pelas fases
de coleta, manuseio, controle de doenças
infecto-contagiosas, conservação, distribuição
e transferência do material biológico humano
utilizado na Reprodução Assistida, vedando-se
a transferência a fresco de material doado;
II - o registro de todas as
informações relativas aos
doadores desse material e aos
casos em que foi utilizada a RA,
pelo prazo de vinte e cinco
anos após o emprego das
técnicas em cada caso;
III - pelo registro de todas as
informações relativas aos doadores
desse material e aos casos em que foi
utilizada a Procriação Medicamente
Assistida, pelo prazo de cinqüenta
anos após o emprego das técnicas
em cada situação;
III - pelo registro de todas as informações
relativas aos doadores e aos casos em que foi
utilizada a Reprodução Assistida, pelo prazo
de cinqüenta anos.
III - a obtenção do
consentimento informado dos
usuários de RA, doadores e
respectivos cônjuges ou
companheiros em união estável,
na forma definida no artigo
anterior.
IV - pela obtenção do consentimento
livre e esclarecido dos beneficiários
de Procriação Medicamente Assistida,
doadores e respectivos cônjuges ou
companheiros em união estável, na
forma definida na Seção II desta
Lei;
IV - pela obtenção do consentimento livre e
esclarecido dos beneficiários de Reprodução
Assistida, doadores e respectivos cônjuges ou
companheiros em união estável, na forma
definida na Sessão II desta Lei.
O projeto não contempla
V - pelos procedimentos médicos e
laboratoriais executados.
V - pelos procedimentos médicos e
laboratoriais executados;
O projeto não contempla O substitutivo não contempla
VI - pela obtenção do Certificado de Qualidade
em Biossegurança junto ao órgão competente;
O projeto não contempla O Substitutivo não contempla VII - pela obtenção de licença de
funcionamento a ser expedida pelo órgão
competente da administração, definido em
regulamento;
Parágrafo único. As normas
para o cumprimento do disposto
neste artigo serão definidas em
regulamento.
Parágrafo único. As
responsabilidades estabelecidas neste
artigo não excluem outras, de
caráter complementar, a serem
estabelecidas em regulamento.
Parágrafo único. As responsabilidades
estabelecidas neste artigo não excluem
outras, de caráter complementar, a serem
estabelecidas em regulamento.
Art. 5º Para obter sua licença de
funcionamento, clínicas,
centros, serviços e demais
estabelecimentos que aplicam
RA devem cumprir os seguintes
requisitos mínimos:
Art. Para obter a licença de
funcionamento, clínicas, centros,
serviços e demais estabelecimentos
que aplicam Procriação Medicamente
Assistida devem cumprir os seguintes
requisitos mínimos:
Art. Para obter a licença de
funcionamento, os serviços de saúde que
realizam Reprodução Assistida devem cumprir
os seguintes requisitos mínimos:
I - funcionar sob a direção de
um profissional dico,
devidamente licenciado para
realizar a RA, que se
responsabilizará por todos os
procedimentos médicos e
laboratoriais executados;
I - funcionar sob a direção de um
profissional médico;
I - funcionar sob a direção de um profissional
médico, devidamente capacitado para
realizar a Reprodução Assistida, que se
responsabilizará por todos os
procedimentos médicos e laboratoriais
executados;
II - dispor de recursos
humanos, técnicos e
materiais condizentes com as
necessidades científicas para
realizar a RA;
II - dispor de recursos humanos,
técnicos e materiais condizentes
com as necessidades científicas
para realizar a Procriação
Medicamente Assistida;
II dispor de equipes multiprofissionais,
recursos técnicos e materiais compatíveis
com o nível de complexidade exigido pelo
processo de Reprodução Assistida;
III - dispor de registro
permanente de todos os casos
em que tenha sido empregada a
RA, ocorra ou não gravidez, pelo
prazo de vinte e cinco anos;
III - dispor de registro de todos os
casos em que tenha sido empregada a
Procriação Medicamente Assistida,
ocorra ou não gravidez, pelo prazo de
cinqüenta anos;
III - dispor de registro de todos os casos em
que tenha sido empregada a Reprodução
Assistida, ocorra ouo gravidez, pelo prazo
de cinqüenta anos;
IV - dispor de registro
permanente dos doadores e das
provas diagnósticas realizadas
no material biológico a ser
utilizado na RA com a
finalidade de evitar a
transmissão de doenças e
manter esse registro pelo prazo
de vinte e cinco anos após o
emprego do material.
IV - dispor de registro dos doadores e
das provas diagnósticas realizadas no
material biológico a ser utilizado na
Procriação Medicamente Assistida
com a finalidade de evitar a
transmissão de doenças e manter
esse registro pelo prazo de cinqüenta
anos após o emprego do material;
IV - dispor de registro dos doadores e das
provas diagnósticas realizadas, pelo prazo de
cinqüenta anos após o emprego do
material biológico;
V - informar o órgão competente, a
cada ano, sobre suas atividades
concernentes à Procriação Medicamente
Assistida.
V - encaminhar relatório semestral de suas
atividades ao órgão competente definido em
regulamento.
§ A licença mencionada no
caput, obrigatória para todos
os estabelecimentos e
profissionais médicos que
pratiquem a RA, será válida
por dois anos e renovável ao
término de cada período,
podendo ser revogada em
virtude do descumprimento de
qualquer disposição desta Lei ou
de seus regulamentos.
§ A licença mencionada no caput
deste artigo, obrigatória para todos os
estabelecimentos que pratiquem a
Procriação Medicamente Assistida, será
válida por no máximo três anos e
renovável ao término de cada
período, podendo ser revogada em
virtude do descumprimento de qualquer
disposição desta Lei ou de seu
regulamento.
§ A licença mencionada no caput deste
artigo será válida por até três anos,
renovável ao término de cada período,
desde que obtido ou mantido o
Certificado de Qualidade em
Biossegurança, podendo ser revogada em
virtude do descumprimento de qualquer
disposição desta Lei ou de seu regulamento.
§ 2º O profissional mencionado
no inciso I não poderá estar
respondendo, na Justiça ou no
órgão de regulamentação
profissional da categoria, a
processos éticos, civis ou penais
relacionados ao emprego de RA.
O substitutivo não contempla
O substitutivo não contempla
Exigir-se-á do profissional
mencionado no inciso I deste artigo e
dos demais médicos que atuam no
estabelecimento prova de capacitação
para o emprego de Procriação
Medicamente Assistida.
Ver a redação do inciso I do artigo 6º
§ O registro citado no inciso
III deverá conter, em
prontuários, elaborados inclusive
para a criança, e em formulários
específicos, a identificação dos
usuários e doadores, as técnicas
utilizadas, os procedimentos
laboratoriais de manipulação
de gametas e embriões, a
ocorrência ou não de gravidez, o
desenvolvimento das gestações,
os nascimentos, as mal-
formações de fetos ou recém-
nascidos e outros dados
definidos em regulamento.
§ 3º O registro citado no inciso III deste
artigo deverá conter, por meio de
prontuários, elaborados inclusive
para a criança, e de formulários
específicos, a identificação dos
beneficiários e doadores, as técnicas
utilizadas, a pré-seleção sexual, quando
imprescindível, na forma do art. 17
desta Lei, a ocorrência ou não de
gravidez, o desenvolvimento das
gestações, os nascimentos, as
malformações de fetos ou recém-
nascidos e outros dados definidos em
regulamento.
§ 2º O registro citado no inciso III deste artigo
deverá conter a identificação dos beneficiários
e doadores, as técnicas utilizadas, a pré-
seleção sexual, quando imprescindível, na
forma do Art. 15 desta Lei, a ocorrência ou
não de gravidez, o desenvolvimento das
gestações, os nascimentos, as malformações
de fetos ou recém-nascidos e outros dados
definidos em regulamento.
§ Em relação aos doadores, o
registro citado no inciso IV
deverá conter, em prontuários
individuais, a identidade civil, os
dados clínicos de caráter geral,
uma foto acompanhada das
características fenotípicas e uma
amostra de material celular.
§ Em relação aos doadores, o
registro citado no inciso IV deste artigo
deverá conter a identidade civil, os
dados clínicos de caráter geral, foto
acompanhada das características
fenotípicas e amostra de material
celular.
§ 3º Em relação aos doadores, o registro
citado no inciso IV deste artigo deverá conter
a identidade civil, os dados clínicos de caráter
geral, foto acompanhada das características
fenotípicas e uma amostra de material celular.
Ver a redação do § 1º do Art.
§ As informações de que trata este
artigo são consideradas sigilosas, salvo
nos casos especificados nesta Lei.
§ 4º As informações de que trata este artigo
são consideradas sigilosas, salvo nos casos
especificados nesta Lei.
. § No caso de encerramento das
atividades, os estabelecimentos de que
trata esta Seção deverão transferir os
registros mencionados nos incisos
III e IV deste artigo para o órgão
competente do Poder Público.
§ No caso de encerramento das atividades,
os serviços de saúde transferirão os registros
para o órgão competente do Poder
Público, determinado no regulamento.
§ As normas para o
cumprimento deste artigo serão
definidas em regulamento
SEÇÃO IV
DAS DOAÇÕES
Art. Será permitida a doação de
gametas e embriões, sob a
responsabilidade dos
estabelecimentos que praticam a RA,
vedada a remuneração dos doadores
e a cobrança por esse material, a
qualquer título.
Art. Será permitida a doação de
gametas, sob a responsabilidade dos
estabelecimentos que praticam a
Procriação Medicamente Assistida,
vedadas a remuneração e a cobrança
por esse material, a qualquer título.
Art. 7º Será permitida a doação de
gametas, sob a responsabilidade dos
serviços de saúde que praticam a
Reprodução Assistida, vedadas a
remuneração e a cobrança por esse
material, a qualquer título.
O projeto não contempla
§ Não será permitida a doação
quando houver risco de dano para a
saúde do doador, levando-se em
consideração suas condições físicas e
mentais.
§ Não será permitida a doação quando
houver risco de dano para a saúde do
doador, levando-se em consideração suas
condições físicas e mentais.
§ Os estabelecimentos que
praticam a RA estarão obrigados a
zelar pelo sigilo da doação, impedindo
que doadores e usuários venham a
conhecer reciprocamente suas
identidades, e pelo sigilo absoluto das
informações sobre a criança nascida
a partir de material doado.
Ver a redação do Art. 9º Ver a redação do Art. 8º
§ Apenas a criança terá acesso,
diretamente ou por meio de um
representante legal, a todas as
informações sobre o processo que a
gerou, inclusive à identidade civil do
doador, nos casos autorizados nesta
Lei, obrigando-se o estabelecimento
responsável pelo emprego da RA a
fornecer as informações solicitadas.
Ver a redação do Art. 10º Ver a redação do Art. 9º
§ Quando razões médicas
indicarem ser de interesse da criança
obter informações genéticas
necessárias para sua vida ou sua
saúde, as informações relativas ao
doador deverão ser fornecidas
exclusivamente para o médico
solicitante.
Ver a redação do § 1º do Art. 10 Ver a redação do §2ºdo art. 9º
§ No caso autorizado no parágrafo
anterior, resguardar-se-á a identidade
civil do doador, mesmo que o dico
venha a entrevistá-lo para obter
maiores informações sobre sua saúde.
Ver a redação do § 2º do Art. 10 Ver a redação do § 3º do Art. 9º
5º A escolha dos doadores será
responsabilidade do estabelecimento
que pratica a RA e deverá garantir,
tanto quanto possível, semelhança
fenotípica e compatibilidade
imunológica entre doador e receptor.
Ver a redação do Art. 11 Ver a redação do Art. 10º
§ Com base no registro de
gestações, o estabelecimento que
pratica a RA deverá evitar que um
mesmo doador venha a produzir mais
de duas gestações de sexos
diferentes numa área de um milhão
de habitantes.
§ Não poderão ser doadores os
dirigentes, funcionários e membros de
equipe do estabelecimento que
pratica a RA ou seus parentes até
quarto grau.
Ver a redação do Art. 13º Ver a redação do Art. 11
§ O doador de gameta é obrigado
a declarar:
§ O doador de gameta é obrigado a
declarar:
I - não haver doado gameta anteriormente;
I - para quais estabelecimentos
realizou doação;
II - as doenças de que tem
conhecimento ser portador.
II - as doenças de que tem conhecimento
ser portador, inclusive os antecedentes
familiares, no que diz respeito a doenças
genético-hereditárias e outras.
§ 3º A regulamentação desta Lei
poderá estabelecer idade limite para
os doadores, com base em critérios
que busquem garantir a qualidade dos
gametas doados.
§ Poderá ser estabelecida idade limite
para os doadores, com base em critérios
que busquem garantir a qualidade dos
gametas doados, quando da
regulamentação desta Lei.
Art. Os estabelecimentos que
praticam a Procriação Medicamente
Assistida estarão obrigados a zelar
pelo sigilo da doação e das
informações sobre a criança
nascida a partir de material doado.
Art. 8º Os serviços de saúde que
praticam a Reprodução Assistida estarão
obrigados a zelar pelo sigilo da doação,
impedindo que doadores e
beneficiários venham a conhecer
reciprocamente suas identidades, e pelo
sigilo absoluto das informações sobre a
pessoa nascida por processo de
Reprodução Assistida.
Ver a redação do Art. 6º
Art. 10. Excepciona-se o sigilo
estabelecido no artigo anterior nos
casos autorizados nesta Lei,
obrigando-se o estabelecimento
responsável pelo emprego da
Procriação Medicamente Assistida a
fornecer as informações solicitadas.
Art. O sigilo estabelecido no artigo
anterior poderá ser quebrado nos casos
autorizados nesta Lei, obrigando-se o
serviço de saúde responsável pelo emprego
da Reprodução Assistida a fornecer as
informações solicitadas, mantido o
segredo profissional e, quando
possível, o anonimato.
Ver a red a ç ã o d o §2ºdo Art.
6º
Ver a redação do Artigo 12
O substitutivo não contempla
§ A pessoa nascida por processo de
Reprodução Assistida terá acesso, a
qualquer tempo, diretamente ou por meio
de representante legal, e desde que
manifeste sua vontade, livre, consciente e
esclarecida, a todas as informações sobre o
processo que a gerou, inclusive à identidade
civil do doador, obrigando-se o serviço de
saúde responsável a fornecer as
informações solicitadas, mantidos os
segredos profissional e de justiça.
Ver a redação do § 3º Art. 6º
§ Quando razões médicas
indicarem ser de interesse da
criança obter informações
genéticas necessárias para sua
vida ou saúde, as informações
relativas ao doador deverão ser
fornecidas exclusivamente para o
médico solicitante.
§ Quando razões médicas ou jurídicas
indicarem ser necessário, para a vida
ou a saúde da pessoa gerada por
processo de Reprodução Assistida, ou para
oposição de impedimento do
casamento, obter informações genéticas
relativas ao doador, essas deverão ser
fornecidas ao médico solicitante, que
guardará o devido segredo profissional,
ou ao oficial do registro civil ou a quem
presidir a celebração do casamento,
que notificará os nubentes e procederá
na forma da legislação civil.
Ver a redação do §4º do Art. 6º
§ No caso autorizado no parágrafo
anterior, resguardar-se-á a
identidade civil do doador, mesmo
que o médico venha a entrevistá-lo
para obter maiores informações sobre
sua saúde.
§ No caso de motivação médica,
autorizado no parágrafo anterior,
resguardar-se-á a identidade civil do
doador, mesmo que o médico venha a
entrevistá-lo para obter maiores
informações sobre sua saúde.
Ver a redação do §5º do Art. 6º
Art. 11.A escolha dos doadores será
responsabilidade do estabelecimento
que pratica a Procriação Medicamente
Assistida e deverá garantir, tanto
quanto possível, semelhança
fenotípica e compatibilidade
imunológica entre doador e
receptor.
Art. 10. A escolha dos doadores se de
responsabilidade do serviço de saúde que
pratica a Reprodução Assistida e deverá
assegurar a compatibilidade
imunológica entre doador e receptor.
Art. 12 Haverá um registro central
de doações e gestações, organizado
pelo Poder Público com base nas
informações periodicamente
fornecidas pelos estabelecimentos
que praticam Procriação Medicamente
Assistida, o qual será
obrigatoriamente consultado para
garantir que um mesmo doador
origine descendentes para um único
Ver a redação do inciso I do § 2º do Art. 7º
e a redação do Art. 23
par de beneficiários.
Ver a redação do § 7º do Art. 6º
Art. 13. Não poderão ser
doadores, exceto na qualidade de
beneficiários, os dirigentes,
funcionários e membros, ou seus
parentes até o quarto grau, de equipe
de qualquer estabelecimento que
pratique a Procriação Medicamente
Assistida e os civilmente
incapazes.
Art. 11. Não poderão ser doadores os
dirigentes, funcionários e membros de
equipes, ou seus parentes até o quarto
grau, de serviço de saúde no qual se realize
a Reprodução Assistida.
Parágrafo único. As pessoas incapazes
não poderão ser doadoras de gametas.
Art. Fica permitida a gestação de
substituição em sua modalidade não
remunerada conhecida como doação
temporária do útero, nos casos em
que exista um problema médico que
impeça ou contra-indique a gestação
na usuária e desde que haja
parentesco até o segundo grau entre
ela e a mãe substituta ou doadora
temporária do útero.
Ver a redação do Art. 3º
O substitutivo não permite a gestação
de substituição
Ver a redação do Art. 3º
Parágrafo único. A gestação de
substituição não poderá ter caráter
lucrativo ou comercial, ficando vedada
sua modalidade remunerada
conhecida como útero ou barriga de
aluguel.
Ver a redação do Parágrafo Único
do Art. 3º
O substitutivo não permite a gestação
de substituição
Ver a redação do Art. 3º
O Projeto não contempla
O substitutivo não contempla
Art. 12O Titular do Cartório de Registro
Civil de Pessoas Naturais fica obrigado
a comunicar ao órgão competente
previsto no art. 5º, incisos VI e VII, até
o dia 10 de cada mês, o registro dos
óbitos ocorridos no mês imediatamente
anterior, devendo da relação constar a
filiação, a data e o local de nascimento
da pessoa falecida.
O projeto não contempla O substitutivo não contempla
§ No caso de não haver sido registrado
nenhum óbito, deverá o Titular do Cartório
de Registro Civil de Pessoas Naturais
comunicar esse fato ao referido órgão no
prazo estipulado no caput deste artigo.
O projeto não contempla O substitutivo não contempla
§ A falta de comunicação na época
própria, bem como o envio de informações
inexatas, sujeitará o Titular de Cartório de
Registro Civil de Pessoas Naturais à multa
variável de R$ 636,17 (seiscentos e trinta e
seis reais e dezessete centavos) a R$
63.617,35 (sessenta e três mil, seiscentos e
dezessete reais e trinta e cinco centavos),
na forma do regulamento.
O projeto não contempla
O substitutivo não contempla
§ 3
o
A comunicação deverá ser feita por
meio de formulários para cadastramento de
óbito, conforme modelo aprovado em
regulamento.
O projeto não contempla O substitutivo não contempla
§ Deverão constar, além dos dados
referentes à identificação do Cartório de
Registro Civil de Pessoas Naturais, pelo
menos uma das seguintes informações
relativas à pessoa falecida:
O projeto não contempla
O substitutivo não contempla
I) número de inscrição do PIS/PASEP;
O projeto não contempla
O substitutivo não contempla
II) número de inscrição no Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS, se
contribuinte individual, ou número de
benefício previdenciário - NB, se a pessoa
falecida for titular de qualquer benefício
pago pelo INSS;
O projeto não contempla
O substitutivo não contempla
III) número do CPF;
O projeto não contempla
O substitutivo não contempla
IV) número de registro da Carteira de
Identidade e respectivo órgão emissor;
O projeto não contempla
O substitutivo não contempla
V) número do título de eleitor;
O projeto não contempla
O substitutivo não contempla
VI) número do registro de nascimento ou
casamento, com informação do livro, da
folha e do termo;
O projeto não contempla
O substitutivo não contempla
VII) número e série da Carteira de
Trabalho.
SEÇÃO V
DOS GAMETAS E EMBRIÕES
SEÇÃO V
DOS GAMETAS E EMBRIÕES
SEÇÃO V
DOS GAMETAS E EMBRIÕES
Art. Na execução de técnica de
RA, poderão ser transferidos no
máximo quatro embriões a cada
ciclo reprodutivo da mulher
receptora.
Art. 14. Na execução de técnica de
Procriação Medicamente Assistida,
poderão ser produzidos e
transferidos até três embriões,
respeitada a vontade da mulher
receptora, a cada ciclo
reprodutivo.
Art. 13. Na execução da técnica de
Reprodução Assistida, poderão ser
produzidos e transferidos até dois
embriões, respeitada a vontade da
mulher receptora, a cada ciclo
reprodutivo.
Ver a redação do §4º do Art. 9º
§ Serão obrigatoriamente
transferidos a fresco todos os
embriões obtidos, obedecido o
critério definido no caput deste
artigo.
§ Serão obrigatoriamente transferidos a
fresco todos os embriões obtidos, obedecido
o critério definido no caput deste artigo.
Ver a redação do §1º do Art. 9º
§ 2º Não se aplicam aos embriões
originados in vitro, antes de sua
introdução no aparelho
reprodutor da mulher receptora,
os direitos assegurados ao
nascituro na forma da lei.
§ Os embriões originados in vitro,
anteriormente à sua implantação no
organismo da receptora, não são
dotados de personalidade civil.
§ Os beneficiários são juridicamente
responsáveis pela tutela do embrião e seu
ulterior desenvolvimento no organismo
receptor
O Projeto não contempla
O Substitutivo não contempla
§ São facultadas a pesquisa e
experimentação com embriões transferidos
e espontaneamente abortados, desde que
haja autorização expressa dos beneficiários.
Art. Os estabelecimentos que
praticam a RA ficam autorizados a
preservar gametas e embriões
humanos, doados ou depositados
apenas para armazenamento, pelos
métodos permitidos em regulamento.
Art. 15. Os estabelecimentos que
praticam a Procriação Medicamente
Assistida ficam autorizados a
preservar gametas humanos, doados
ou depositados apenas para
armazenamento, pelos métodos
permitidos em regulamento.
Art. 14. Os serviços de saúde são
autorizados a preservar gametas humanos,
doados ou depositados apenas para
armazenamento, pelos métodos e prazos
definidos em regulamento.
§ Não se aplicam aos embriões
originados in vitro, antes de sua
introdução no aparelho reprodutor da
mulher receptora, os direitos
assegurados ao nascituro na forma da
lei.
V e r § 2 º d o A r t . 1 4 a c i m a
Ver §2º do Art. 13 acima
§ 2º O tempo máximo de preservação
de gametas e embriões será definido
em regulamento.
Ver a redação do Art. 16 Ver a redação do Art. 14
§ O número total de embriões
produzidos em laboratório durante a
fecundação in vitro será comunicado
aos usuários para que se decida
quantos embriões serão transferidos a
fresco, devendo o restante ser
preservado, salvo disposição em
contrário dos próprios usuários, que
poderão optar pelo descarte, a
doação para terceiros ou a doação
para pesquisa.
§ Os gametas e embriões
depositados apenas para
armazenamento poderão ser
entregues ao indivíduo ou casal
depositante, sendo que, neste último
caso, conjuntamente aos dois
membros do casal que autorizou seu
armazenamento.
§ Os gametas depositados
apenas para armazenamento
poderão ser entregues à pessoa
depositante, não podendo ser
destruídos sem sua autorização.
§ Os gametas depositados apenas para
armazenamento serão entregues somente à
pessoa depositante, não podendo ser
destruídos sem sua autorização.
§ É obrigatório o descarte de
gametas e embriões:
§ É obrigatório o descarte de
gametas:
§ 2º É obrigatório o descarte de gametas:
I - doados há mais de dois anos;
II - sempre que for solicitado pelos
doadores;
I - sempre que for solicitado pelo
doador ou depositante;
I - quando solicitado pelo depositante;
III - sempre que estiver
determinado no documento de
consentimento informado;
II - sempre que estiver
determinado no documento de
consentimento livre e
esclarecido;
II - quando houver previsão no
documento de consentimento livre e
esclarecido;
IV - nos casos conhecidos de
falecimento de doadores ou
depositantes;
III - nos casos conhecidos de
falecimento de doador ou
depositante, ressalvada a hipótese
em que este último tenha
autorizado, em testamento, a
utilização póstuma de seus
gametas pela esposa ou
companheira.
III - nos casos de falecimento do
depositante, salvo se houver
manifestação de sua vontade, expressa
em documento de consentimento livre
e esclarecido ou em testamento,
permitindo a utilização póstuma de
seus gametas.
V - no caso de falecimento de pelo
menos uma das pessoas que
originaram embriões preservados.
Ver a redação do §2º Art. 9º
Art. 16. Serão definidos em
regulamento os tempos máximos de:
Ver a redação do Art. 14
Ver a redação do §2º Art. 9º
I - preservação de gametas
depositados apenas para
armazenamento;
Ver a redação do Art. 14
II - desenvolvimento de embriões in
vitro.
Ver a redação do Art. 14
Art. 10. Ressalvados os casos de
material doado para pesquisa, a
intervenção sobre gametas ou
embriões in vitro se permitida
com a finalidade de avaliar sua
viabilidade ou detectar doenças
hereditárias, no caso de ser feita com
fins diagnósticos, ou de tratar uma
doença ou impedir sua transmissão,
no caso de ser feita com fins
terapêuticos.
§ A pré-seleção sexual de
gametas ou embriões poderá
ocorrer nos casos em que os
usuários recorram à RA em
virtude de apresentarem
hereditariedade para gerar
crianças portadoras de doenças
ligadas ao sexo.
Art. 17. A pré-seleção sexual
poderá ocorrer nos casos em que
os beneficiários recorram à
Procriação Medicamente Assistida
em virtude de apresentarem
probabilidade genética para gerar
crianças portadoras de doenças
ligadas ao sexo, mediante
autorização do Poder Público.
Art. 15. A pré-seleção sexual será
permitida nas situações clínicas que
apresentarem risco genético de
doenças relacionadas ao sexo,
conforme se dispuser em regulamento.
§ As intervenções autorizadas no
caput e no parágrafo anterior
poderão ocorrer se houver garantias
reais de sucesso.
§ O tempo máximo de
desenvolvimento de embriões in
vitro será definido em regulamento.
Ver a redação do Art. 16
SEÇÃO VI
DA FILIAÇÃO DA CRIANÇA
SEÇÃO VI
DA FILIAÇÃO
SEÇÃO VI
DA FILIAÇÃO DA CRIANÇA
Art. 11. A criança terá Art. 18. Será atribuída aos Art. 16.Será atribuída aos beneficiários
assegurados todos os direitos
garantidos aos filhos na forma da
lei.
beneficiários a condição de pais
da criança nascida mediante o
emprego das técnicas de Procriação
Medicamente Assistida.
a condição de paternidade plena da
criança nascida mediante o emprego de
técnica de Reprodução Assistida.
Parágrafo único. Ressalvados os
casos especificados nos §§ e do
art. 12, os pais da criança serão os
usuários.
§ A morte dos beneficiários não
restabelece o poder parental dos pais
biológicos.
O projeto não contempla
Parágrafo único É assegurado ao
doador e à criança de que trata
este artigo o direito recíproco de
acesso, extensivo a parentes, a
qualquer tempo, por meio do
depositário dos registros
concernentes à procriação,
observado o disposto no inciso
III do art. 6º, para o fim de
consulta sobre disponibilidade de
transplante de órgãos ou tecidos,
garantido o anonimato.
§ A pessoa nascida por processo de
Reprodução Assistida e o doador terão
acesso aos registros do serviço de
saúde, a qualquer tempo, para obter
informações para transplante de
órgãos ou tecidos, garantido o segredo
profissional e, sempre que possível, o
anonimato.
Art. 12. A criança nascida a partir
de gameta ou embrião doado ou
por meio de gestação de
substituição terá assegurado, se
assim o desejar, o direito de
conhecer a identidade do doador
ou da mãe substituta, no
momento em que completar sua
maioridade jurídica ou, a qualquer
tempo, no caso de falecimento de
ambos os pais.
O substitutivo não contempla Ver a redação do §1º do Art. 9º
§ A prerrogativa garantida no
caput poderá ser exercida, desde
o nascimento, em nome de
criança que não possua em seu
registro civil o reconhecimento de
filiação relativa a pessoa do
mesmo sexo do doador ou da mãe
substituta, situação em que ficará
resguardado à criança, ao doador
e à mãe substituta o direito de
obter esse reconhecimento na
forma da lei.
O substitutivo não contempla
Parágrafo Único. O acesso referido no
caput estender-se-á até os parentes de
grau do doador e da pessoa nascida
por processo de Reprodução Assistida.
§ No caso em que tenha sido
utilizado gameta proveniente de
indivíduo falecido antes da
fecundação, a criança não terá
reconhecida a filiação relativa ao
falecido.
Ver a redação dos §§ 3 e 4 abaixo
Art. 19. O doador e a genitora
substituta, e seus parentes
biológicos, não terão qualquer
espécie de direito ou vínculo,
quanto à paternidade ou
maternidade, em relação à
pessoa nascida a partir do
emprego das técnicas de
Procriação Medicamente
Assistida, salvo os impedimentos
matrimoniais.
Art. 17. O doador e seus parentes
biológicos não terão qualquer espécie
de direito ou vínculo, quanto à
paternidade ou maternidade, em
relação à pessoa nascida a partir do
emprego das técnicas de Reprodução
Assistida, salvo os impedimentos
matrimoniais elencados na legislação
civil.
§ No caso de disputa judicial
sobre a filiação da criança, será
atribuída a maternidade à mulher
que deu à luz a criança, exceto
quando esta tiver recorrido à RA
por ter ultrapassado a idade
reprodutiva, caso em que a
maternidade será outorgada à
doadora do óvulo.
Art. 20.As conseqüências
jurídicas do uso da Procriação
Medicamente Assistida, quanto à
filiação, são irrevogáveis a partir
do momento em que houver
embriões originados in vitro ou
for constatada gravidez
decorrente de inseminação
artificial.
Ver a redação dos Art. 16 e 17
§ Ressalvado o disposto nos §§
e 3º, não se aplica ao doador
qualquer direito assegurado aos
pais na forma da lei.
Art. 21.A morte dos beneficiários
não restabelece o pátrio poder
dos pais biológicos
Ver a redação do § 1º do Art. 16 e a do
Art. 17
Ver a redação do Art. 14
Art. 22. O Ministério Público
fiscalizará a atuação dos
estabelecimentos que empregam
técnicas de Procriação
Medicamente Assistida, com o
objetivo de resguardar os direitos
do nascituro e a saúde e
integridade física das pessoas,
aplicando-se, no que couber, as
disposições do Capítulo V da Lei
nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
Art. 18. Os serviços de saúde que
realizam a Reprodução Assistida
sujeitam-se, sem prejuízo das
competências de órgão da
administração definido em
regulamento, à fiscalização do
Ministério Público, com o objetivo de
resguardar a saúde e a integridade
física das pessoas envolvidas,
aplicando-se, no que couber, as
disposições da Lei 8.069, de 13 de
julho de 1990 (Estatuto da Criança e
do Adolescente).
SEÇÃO VII
DOS CRIMES
SEÇÃO VII
DOS CRIMES
SEÇÃO VII
DAS INFRAÇÕES E PENALIDADES
Art. 23. Praticar a redução
embrionária:
Ver a redação do Artigo 20 incisos IV e
V
Pena - reclusão de um a quatro anos.
Ver a redação do Artigo 20 incisos IV e
V
Parágrafo único. Não se pune a
redução embrionária feita por médico
se não houver outro meio de salvar a
vida da gestante.
Ver redação do Artigo 20 incisos IV e V
Art. 13. É crime:
Art. 19. Constituem crimes:
I - praticar a RA sem estar
previamente licenciado para a
atividade;
Art. 24.Praticar a Procriação
Medicamente Assistida sem estar
previamente capacitado para a
atividade:
I - praticar o médico a Reprodução
Assistida sem estar habilitado para a
atividade;
Pena: detenção, de seis meses a dois
anos, e multa.
Pena - detenção, de um a três anos,
e multa.
As penalidades referentes aos crimes
previstos nesta Seção estão detalhadas nos
§§ 1º e 2º abaixo
II - praticar RA sem obter o
consentimento informado dos
receptores e dos doadores na forma
determinada nesta Lei, bem como
fazê-lo em desacordo com os termos
constantes do documento de
consentimento assinado por eles;
Art. 25. Praticar a Procriação
Medicamente Assistida sem obter o
consentimento livre e esclarecido dos
beneficiários e dos doadores na forma
determinada nesta Lei, bem como
fazê-lo em desacordo com os termos
constantes do documento de
consentimento assinado por eles
II - praticar o médico a Reprodução
Assistida sem obter o consentimento livre e
esclarecido dos beneficiários e dos
doadores na forma determinada nesta Lei,
ou em desacordo com os termos constantes
do documento de consentimento por eles
assinado;
Pena: detenção, de seis meses a dois
anos, e multa.
Pena - reclusão, de dois a quatro
anos, e multa.
As penalidades referentes aos crimes
previstos nesta Seção estão detalhadas nos
§§ 1º e 2º abaixo
III - envolver-se na prática de Art. 26.Participar da prática de
III - participar o médico do
útero ou barriga de aluguel, na
condição de usuário,
intermediário, receptor ou
executor da técnica;
útero ou barriga de aluguel, na
condição de beneficiário,
intermediário ou executor da
técnica:
procedimento de gestação de
substituição, na condição de
beneficiário, intermediário ou executor
da técnica;
Pena: detenção, de seis meses a dois
anos, e multa.
Pena - reclusão, de um a três anos, e
multa.
As penalidades referentes aos crimes
previstos nesta Seção estão detalhadas nos
§§ 1º e 2º abaixo.
IV - fornecer gametas ou embriões
depositados apenas para
armazenamento a qualquer pessoa
que o seja o próprio depositante,
bem como empregar esses gametas e
embriões sem a autorização deste;
Art. 27. Fornecer gametas
depositados apenas para
armazenamento a qualquer pessoa
que não seja o próprio depositante,
bem como empregar esses gametas
sem a autorização deste:
IV - fornecer o médico gametas
depositados apenas para armazenamento a
qualquer pessoa que não o próprio
depositante, ou empregar esses gametas
sem sua prévia autorização;
Pena: detenção, de seis meses a dois
anos, e multa.
Pena - reclusão, de um a três anos, e
multa.
As penalidades referentes aos crimes
previstos nesta Seção estão detalhadas nos
§§ 1º e 2º abaixo.
V - intervir sobre gametas ou
embriões in vitro com finalidade
diferente das permitidas
O Substitutivo não contempla
Ver redação do Artigo 20 inciso I
Pena: detenção, de seis meses a dois
anos, e multa.nesta Lei;
As penalidades referentes aos crimes
previstos nesta Seção estão detalhadas nos
§§ 1º e 2º abaixo.
VI - deixar de manter as informações
exigidas nesta Lei, na forma
especificada, ou recusar-se a fornecê-
las nas situações previstas;
Art. 28. Deixar de manter as
informações exigidas na forma
especificada, deixar de fornecê-las
nas situações previstas ou
divulgá-las a outrem nos casos
não autorizados, consoante as
determinações desta Lei:
V - deixar o médico de manter as
informações exigidas na forma especificada,
não as fornecer nas situações previstas ou
divulgá-las a outrem nos casos não
autorizados, consoante as determinações
desta Lei;
Pena: detenção, de seis meses a dois
anos, e multa.
Pena - detenção, de um a três
anos, e multa
As penalidades referentes aso crimes
previstos nesta Seção estão detalhadas nos
§§ 1º e 2º abaixo.
VII - utilizar gametas ou embriões
de doadores ou depositantes
sabidamente falecidos;
Art. 29. Utilizar gametas de
doadores ou depositantes
sabidamente falecidos, salvo na
hipótese em que o depositante
tenha autorizado, em testamento,
a utilização póstuma de seus
gametas pela esposa ou
companheira:
VI - utilizar o médico gametas de doadores
ou depositantes sabidamente falecidos,
salvo na hipótese em que tenha sido
autorizada, em documento de
consentimento livre e esclarecido, ou
em testamento, a utilização póstuma
de seus gametas;
Pena: detenção, de dois a seis meses,
ou multa
Pena - reclusão, de um a três anos, e
multa
As penalidades referentes aso crimes
previstos nesta Seção estão detalhadas nos
§§ 1º e 2º abaixo.
VIII - implantar mais de quatro
embriões na mulher receptora;
Art. 30. Implantar mais de três
embriões na mulher receptora:
VII - implantar o médico mais de dois
embriões na mulher receptora;
Pena: detenção, de dois a seis meses,
ou multa.
Pena - reclusão, de dois a seis anos,
e multa
As penalidades referentes aos crimes
previstos nesta Seção estão detalhadas nos
§§ 1º e 2º abaixo.
IX - realizar a pré-seleção sexual de
gametas ou embriões, ressalvado o
disposto nesta Lei;
Art. 31. Realizar a pré-seleção sexual
de gametas ou embriões, ressalvado
o disposto nesta Lei:
VIII - realizar o médico a pré-seleção
sexual de gametas ou embriões, ressalvado
o disposto nesta Lei;
Pena: detenção, de dois a seis meses,
ou multa.
Pena - reclusão, de um a três anos, e
multa.
As penalidades referentes aso crimes
previstos nesta Seção estão detalhadas nos
§§ 1º e 2º abaixo.
X - conservar gametas ou embriões
doados por período superior a dois
anos ou utilizar esses gametas e
embriões;
Ver a redação do Art. 34
V e r a r e d a ç ã o d o s i n c is o X
a b a i x o
Pena: detenção, de dois a seis meses,
ou multa.
As penalidades referentes aso crimes
previstos nesta Seção estão detalhadas nos
§§ 1º e 2º abaixo
O projeto não contempla
Ver redação do Artigo 33
IX - produzir o médico embriões além da
quantidade permitida;
Ver inciso X acima
V e r r e d a ç ã o d o A r t i g o 3 4
X - armazenar ou ceder o médico embriões,
ressalvados os casos em que a implantação
seja contra-indicada;
O projeto não contempla Ver redação do Artigo 35
XI - deixar o médico de implantar na
mulher receptora os embriões produzidos,
exceto no caso de contra-indicação médica;
projeto não contempla
Ver redação do Artigo 34
XII - descartar o médico embrião antes da
implantação no organismo receptor;
XIII - utilizar o médico gameta:
O projeto não contempla
Ver a redação do artigo 36 inciso
I
a) doado por dirigente, funcionário ou
membro de equipe do serviço de saúde em
que realize a Reprodução Assistida, ou seus
parentes até o quarto grau;
Ver a redação do Inciso III do
Art. 13
Art. 32.Participar da prática de útero
ou barriga de aluguel, na condição de
genitora substituta:
Pena - detenção, de seis meses a
dois anos, ou multa.
O substitutivo não contempla
O projeto não contempla
Art. 33. Produzir embriões além da
quantidade permitida:
Pena - reclusão de três a seis anos, e
multa.
Ver redação do artigo 19 inciso IX
§ 1º No caso de gametas ou embriões
depositados por casal, incide no crime
definido no inciso IV a pessoa que os
fornecer a um dos membros do casal
isoladamente.
§ A prática de qualquer uma das
condutas arroladas neste artigo
acarretará a perda da licença do
estabelecimento de reprodução
assistida e do profissional
responsável, sem prejuízo das demais
sanções legais cabíveis.
Ver a redação do Art. 38
Ver a redação dos §§ 1º e 2º do Art. 19
O projeto não contempla
Ver a redação do Inciso I do Art.
36
b) de pessoa incapaz;
O projeto não contempla
Ver redação do artigo 36 inciso II
c) de que tem ciência ser de um mesmo
doador, para mais de um beneficiário;
Ver redação do artigo 36 inciso
III
d) a fresco ou sem que tenha sido
submetido ao controle de doenças infecto-
contagiosas e outros exames
complementares.
As penalidades no Substitutivo da
CCJ estão descritas no dispositivo
que tipifica o crime.
§ As infrações previstas neste artigo
serão punidas com:
I - prestação de serviços à comunidade;
II - multa
III - suspensão da licença para exercer
função ou profissão.
§ Ao aplicar as medidas previstas neste
artigo, cumulativamente ou não, o juiz
considerará a natureza e a gravidade do
delito e a periculosidade do agente.
Art. 34. Armazenar, destruir, ou
ceder embriões, ressalvados os casos
previstos nesta Lei:
Ver redação do artigo 19 inciso X
Pena - reclusão de três a seis anos, e
multa.
O Projeto não contempla
Art. 35.Deixar de implantar na
mulher receptora os embriões
produzidos, exceto no caso de
contra-indicação médica:
Ver redação do artigo 19 inciso XI
Pena - detenção de dois a seis anos,
e multa
Art. 36.Utilizar gameta:
O Projeto não contempla
I - doado por dirigente, funcionário
ou membro de equipe de qualquer
estabelecimento que pratique a
Procriação Medicamente Assistida ou
seus parentes até o quarto grau, e
pelo civilmente incapaz;
Ver redação do artigo 19 inciso XIII,
letra "a"
O Projeto não contempla
II - de que tem ciência ser de um
mesmo doador para mais de um par
de beneficiários;
Ver redação do Artigo 19
inciso XIII, letra "c"
Art. 20 Constituem crimes:
Ver redação do Artigo13 inciso V
O substitutivo não contempla
I - Intervir sobre gametas ou embriões in
vitro com finalidade diferente das
permitidas nesta Lei.
Pena: detenção, de seis meses a dois anos,
e multa.
O projeto não contempla
Ver a redação do inciso I
Do Parágrafo Único
Do Art. 36
II - Utilizar o médico do próprio gameta
para realizar a Reprodução Assistida, exceto
na qualidade de beneficiário.
Pena: detenção, de um a dois anos, e
multa.
Ver redação do artigo 28
III - Omitir o doador dados ou fornecimento
de informação falsa ou incorreta sobre
qualquer aspecto relacionado ao ato de
doar.
Pena: detenção, de 3 meses a um ano, e
multa
Ver redação do artigo 23
seu parágrafo único
IV - Praticar odico redução embrionária,
com consentimento, após a implantação
no organismo da receptora, salvo nos casos
em que houver risco de vida para a mulher.
Pena: reclusão de um a quatro anos.
III - a fresco ou sem que tenha sido
submetido ao controle de doenças
infecto-contagiosas:
Ver redação do artigo 19 inciso XIII
letra "d"
Pena - reclusão de três a seis anos, e
multa.
Ver redação do artigo 23 e seu
parágrafo único
V - Praticar o médico redução embrionária,
sem consentimento, após a implantação
no organismo da receptora, salvo nos casos
em que houver risco de vida para a mulher.
Pena: reclusão de três a dez anos.
Parágrafo único. As penas cominadas nos
incisos IV e V deste artigo são aumentadas
de um terço, se, em conseqüência do
procedimento redutor, a receptora sofre
lesão corporal de natureza grave; e são
duplicadas, se, pela mesma causa, lhe
sobrevém a morte.
Parágrafo único. Na mesma pena
incorre:
I - o médico que usar o seu próprio
gameta para realizar a Procriação
Medicamente Assistida, exceto na
qualidade de beneficiário;
Ver redação do artigo 20 inciso II
II - o doador que omitir dados ou
fornecer informação falsa ou
incorreta sobre qualquer aspecto
relacionado ao ato de doar.
Ver redação do artigo 20 inciso III
Art. 37. Realizar a procriação
medicamente assistida em pessoas
que não sejam casadas ou não vivam
em união estável:
O substitutivo admite a utilização de RA
em pessoas que não sejam casadas nas
condições previstas no Artigo Parágrafo
Único, inciso II
Pena - detenção, de seis meses a
dois anos, ou multa.
Parágrafo único. Na mesma pena
incorre o homem ou a mulher que
solicitar o emprego da técnica para
dela usufruir individualmente ou com
outrem que não o cônjuge ou a
companheira ou o companheiro.
Art. 38. A prática de qualquer uma
das condutas arroladas nesta seção
acarretará a perda da licença do
estabelecimento de procriação
medicamente assistida, sem prejuízo
das demais sanções legais cabíveis.
Art. 39. O estabelecimento e os
profissionais médicos que nele atuam
são, entre si, civil e penalmente
responsáveis pelo emprego da
Procriação Medicamente Assistida.
SEÇÃO VIII
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
SEÇÃO VIII
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
SEÇÃO VIII
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 14 O Poder Público editará os
regulamentos necessários à
efetividade da Lei, inclusive as
normas especificadoras dos requisitos
para a execução de cada técnica de
RA, concederá a licença aos
estabelecimentos e profissionais que
praticam a RA e fiscalizará a atuação
de ambos.
Art. 40. O Poder Público
regulamentará esta Lei, inclusive
quanto às normas especificadoras dos
requisitos para a execução de cada
técnica de Procriação Medicamente
Assistida, competindo-lhe também
conceder a licença aos
estabelecimentos que praticam a
Procriação Medicamente Assistida e
fiscalizar suas atuações.
Art. 41. Os embriões congelados
existentes até a entrada em vigor
da presente Lei poderão ser
utilizados, com o consentimento
das pessoas que os originaram,
na forma permitida nesta Lei.
Art. 21. Os embriões conservados até a
data de entrada em vigor desta Lei
poderão ser doados exclusivamente
para fins reprodutivos, com o
consentimento prévio dos primeiros
beneficiários, respeitados os
dispositivos da Seção IV.
§ Presume-se autorizada a
utilização, para reprodução, de
embriões originados in vitro
existentes antes da entrada em
vigor desta Lei, se, no prazo de
sessenta dias a contar da data da
publicação desta Lei, os
depositantes não se
manifestarem em contrário.
Parágrafo Único. Presume-se
autorizada a doação se, no prazo de
sessenta dias, os primeiros
beneficiários não se manifestarem em
contrário.
§ 2º Incorre na pena prevista no
crime tipificado no art. 34 aquele que
descartar embrião congelado
anteriormente à entrada em vigor
desta Lei.
Art. 22. O Poder Público promoverá
campanhas de incentivo à utilização, por
pessoas inférteis ou não, dos embriões
preservados e armazenados até a data de
publicação desta Lei, preferencialmente ao
seu descarte
Art. 42. A União poderá celebrar
convênio com os Estados, com o
Distrito Federal e com os Municípios
para exercer, em conjunto ou
isoladamente, a fiscalização dos
estabelecimentos que praticam a
Procriação Medicamente Assistida.
.
Ver a redação do Art. 12
Art. 23. O Poder Público organizará um
cadastro nacional permanente de
informações sobre a prática da Reprodução
Assistida em todo o território, com a
finalidade de organizar estatísticas e tornar
disponíveis os dados sobre o quantitativo
dos procedimentos realizados, a incidência
e prevalência dos efeitos indesejados e
demais complicações, os serviços de saúde
e os profissionais que a realizam e demais
informações consideradas apropriadas,
segundo se dispuser em regulamento.
O projeto não prevê O substitutivo não prevê
Art. 24. A Lei 8.974, de 5 de janeiro de
1995 passa a vigorar acrescida do seguinte
artigo:
"Art. 8º-A São vedados, na atividade com
humanos, os experimentos de clonagem
radical através de qualquer técnica de
genetecnologia." (NR)
O projeto não prevê
O substitutivo não prevê
Art. 25. O art. 13 da Lei 8.974, de 5 de
janeiro de 1995, passa a vigorar acrescido
do seguinte inciso:
"III-A realizar experimentos de
clonagem humana radical através de
qualquer técnica de genetecnologia;" (AC)
Art. 15. Esta Lei entrará em vigor
cento e oitenta dias após sua
publicação.
Art. 43. Esta Lei entrará em vigor
no prazo de um ano a contar da
data de sua publicação.
Art. 26. Esta Lei entra em vigor cento e
oitenta dias a partir da data de sua
publicação.
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