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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA UNIFOR
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CCJ
Mestrado em Direito Constitucional
CONTROLE JURISDICIONAL DE
CONSTITUCIONALIDADE DOS PRESSUPOSTOS DE
EDIÇÃO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS
Alcimor Aguiar Rocha Neto
Matr. 0624424/6
Fortaleza-CE
Dezembro, 2007
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9
ALCIMOR AGUIAR ROCHA NETO
CONTROLE JURISDICIONAL DE
CONSTITUCIONALIDADE DOS PRESSUPOSTOS DE
EDIÇÃO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS
Dissertação apresentada
como exigência parcial
para a obtenção do título
de Mestre em Direito, sob
a orientação do Professor
Doutor Luiz Moreira
Junior.
Fortaleza Ceará
2007
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ALCIMOR AGUIAR ROCHA NETO
CONTROLE JURISDICIONAL DE
CONSTITUCIONALIDADE DOS PRESSUPOSTOS DE
EDIÇÃO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS
Dissertação apresentada à banca
examinadora e à Coordenação do
Programa de Pós-Graduação em
Direito do Centro de Ciências
Jurídicas da Universidade de
Fortaleza, adequada e aprovada
para suprir exigência parcial
inerente à obtenção do título de
Mestre em Direito, em
conformidade com os normativos
do MEC, regulamentada pela Res.
Nº R028/99 da Universidade de
Fortaleza.
Fortaleza (CE), 10 de dezembro de 2007
Luiz Moreira Junior, Dr.
Prof. Orientador da Universidade de Fortaleza
Inoncio Mártires Coelho, Dr.
Prof. Examinador do Instituto Brasiliense de Direito Público
Martonio Montalverne Barreto Lima, Dr.
Prof. Examinador da Universidade de Fortaleza
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AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer ao meu pai, Alcimor Aguiar Rocha Junior, e à minha mãe,
Jacqueline, pelo dom da vida e apoio cotidiano.
Agrado à minha avó Síria e ao meu irmão, Daniel, pelo incentivo e torcida.
Agrado à Karine Bellaguarda pelo apoio e companhia durante toda a minha
vida acadêmica.
Agrado ao meu avô, Alcimor Aguiar Rocha, que, como disse alhures, de longe
e, ao mesmo tempo, de perto me inspira e apóia.
Meus agradecimentos dirijo, ainda, ao Professor Luiz Moreira, pela orientação
sincera e amiga, ao Professor Martônio Montalverne pelos ensinamentos constantes,
neste e noutros projetos, e ao Professor Inoncio Mártires Coelho, por ter dito sim
ao convite para participar de minha banca, honrando-me sobremaneira.
Agrado ainda àqueles todos com quem estou sendo injusto ao não dizer-lhes
os nomes. Paro por aqui para não continuar na injustiça de ter de escolher alguns a
quem agradecer.
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12
"Die Not ist die Mutter
der Künste, aber auch
die Grossmutter der
Laster."
(A necessidade é a mãe
das artes, mas também
a avó dos vícios.)
Jean Paul (1763-1825)
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RESUMO
No presente trabalho estuda-se o fenômeno das medidas provisórias canalizando as
preocupações para a específica problemática do aferimento da compatibilidade entre elas e a
Constituição da República, mormente em seu aspecto formal. Foca-se, ainda com maior
especificidade, os pressupostos constitucionais para a edição de medida provisória da
relevância e da urgência, levantando a questão de se é possível proceder-se ao controle
jurisdicional da constitucionalidade de tais pressupostos. Para que se possa ser conduzido a
uma conclusão acerca da temática proposta o que se tem nesse trabalho é primeiro uma
análise histórica do instituto da decretação de urgência e da própria idéia de lei. Analisa-se o
histórico das decretões na história constitucional brasileira e nas Constituições estrangeiras.
Empós passa-se ao estudo de particularidade relativas às medidas provisórias, como sua
natureza, por exemplo, e se o faz relacionando o seu estudo com o do sistema brasileiro de
controle de constitucionalidade. Em capítulo posterior o objeto da pesquisa foi as mudanças
pelas quais tem passado a jurisdição constitucional nos últimos tempos, especialmente no
século XX, e a situação teórica em que se encontra na contemporaneidade. No capítulo
seguinte está posta uma análise sobre a hermenêutica constitucional, confrontada com o
positivismo jurídico. Como não há uma solução nem ao menos pouco precisa para a questão
central do estudo, necessário se fez que se procedesse à um labor interpretatório que pudesse
vir a facilitar na busca por um resultado. No capítulo final contrasta-se algumas conclusões
parciais de modo a obter-se uma resposta o mais claro possível para a problemática, o que se
fez analisando, dentre outras coisas, a posição do Supremo Tribunal Federal quanto à matéria
e a de Tribunais Constitucionais de outros Estados.
Palavras-chave: Medidas provisórias. Pressupostos constitucionais. Controle jurisdicional de
constitucionalidade.
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14
ABSTRACT
In the present study focuses the phenomenon of provisional measures channelling
concerns to the specific issue of benchmarking of compatibility between them and the
Constitution of the Republic, especially in its formal aspect. Focusing, even if with
greater specificity, the assumptions for the constitutional issue of provisional measure
of the necessity and urgency, raising the question of whether it is possible to proceed to
the control of the court constitutionality of such assumptions. That they can be led to a
conclusion about the proposed theme which is that work is first a historical analysis
from the problem of the emergencies mesures and the very idea of law. The article
analyses the history of the urgency mesures in brazilian constitutional history and in the
foreign constitutions. After happening to the study of particularity regarding measures,
as their nature, for example, and if the listing does your study with the Brazilian system
of control of constitutionality. In chapter after the object of the search was the changes
for which has passed the constitutional court in recent times, especially in the twentieth
century, and "theoretical situation" in which it is in contemporaneity. In the next chapter
is called an analysis on the constitutional hermeneutics, faced with legal positivism. As
there is a solution or at least little need for the central question of the study, which was
necessary to proceed to a hard interpretative work that could come to facilitate the
search for a result. In the final chapter were contrasted some partial conclusions in order
to obtain an answer as clear as possible to the problem, which has been reviewing,
among other things, the position of the Federal Supreme Court on the issue and the
Constitutional Courts of other States.
Keywords: Provisional measures. Assumptions constitutional. Judicial review.
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15
INTRODUÇÃO
We must never forget that is a
Constitution we are expounding”
1
. (John
Marshall no McCulloch vs. Maryland, 4
Wheat 316, 1819)
Quando se inicia o estudo de determinado tema, recomenda-se o mergulho do
estudioso nas águas profundas das origens e antecedentes do objeto estudado. E mais: as
origens não se mostram suficientes; mais do que isso, é preciso que se busquem as causas.
Essas idéias introdutórias e iniciais não podem, todavia, significar que se deve
começar a expor as origens desde muito longe, tomando-se uma distância tão grande que
pode acabar por fazer com que se perca o objeto a estudar de vista. Esse alerta encontra
embasamento no pensamento de Tobias Barreto quando escreveu que Não é preciso
remontar à época tão longínqua, indo além do período pré-histórico, e entrando até no período
pré-humano da evolução do mundo orgânico”.
2
Não é isso que se espera de uma introdução
regular do estudo de determinado tema do Direito. O mesmo Tobias vem a completar aquela
linha de raciocínio asseverando que O seu entroncamento [do estudo do direito] na
antropologia não impõe a necessidade de cavar até as últimas raízes. O contrário é cair numa
espécie de gnose jurídica ou numa oca pantosophia (Destaques no original).
3
Daí porque se passará por explicões iniciais (explicitando conceitos), buscar-se-á
origens (mostrando os primeiros institutos que teriam inspirado as medidas provisórias, verbi
gratia), porém não se cairá no erro de uma oca pantosophia. Como dito, as origens não
bastam. É necessário que se mostre, de um modo lógico, as causas das mudanças que levaram
até a atual situação dos fenômenos e coisas. E falar em causa é mencionar, segundo o
pensamento de Stuart Mill, um fato que se isola da cadeia de antecedentes de um fenômeno
dado. Ou pode-se ter por causas o que Trendelenburg entende por a mais ativa das múltiplas
condições de um acontecimento, enfim, falar em causas é tratar da somatória das forças que
vêm a produzir um fenômeno.
1
Em tradução livre para o português: Nós nunca podemos esquecer que é a Constituição que estamos a
interpretar.
2
BARRETO, Tobias. Estudos de Direito; prefácio de José Arnaldo da Fonseca. Edição Fac-similar.
Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004, p. 6.
3
Idem, p. 6.
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16
Às conclusões do trabalho monográfico se foi conduzido através de pesquisa do tipo
bibliográfica, procurando explicar o problema por meio da análise da literatura já publicada
em forma de livros, revistas, publicões avulsas e imprensa escrita, que envolva o tema em
análise, e documental, através de projetos, lei, normas, resoluções, dentre outros que tratam
sobre o tema, sempre procurando fazer uso de material que ainda não sofreu tratamento
analítico. Quanto à tipologia da pesquisa, pode-se dizer que, segundo a utilização dos
resultados, foi pura, tendo por finalidade aumentar o conhecimento do pesquisador para uma
nova tomada de posição e, segundo a abordagem, foi qualitativa. O critério não é numérico.
Houve uma preocupação em aprofundar e abranger os conhecimentos teóricos sobre o tema.
Quanto aos objetivos a pesquisa foi descritiva, buscando descrever fenômenos, descobrir a
freqüência com que um fato acontece, sua natureza e suas características. Classifica, explica e
interpreta os fatos. Foi também exploratória, procurando aprimorar idéias, ajudando na
formulação de hipóteses para pesquisas posteriores, além de buscar maiores informões
sobre o tema.
O estudo divide-se em tirante esse tópico introdutório quatro grandes partes e mais
a conclusão. A primeira parte trata exatamente das explicações iniciais e necessárias para o
bom entendimento da temática, tais como origens, causas, antecedentes históricos, evolução e
desenvolvimento das decretões de urgência e do controle de constitucionalidade, a atual
posição no ordenamento constitucional e jurídico brasileiro das decretões de urgências e da
sistemática vigente de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos.
Na segunda parte do trabalho, apresenta-se a jurisdição constitucional e as
problemáticas teóricas que envolvem o tema na contemporaneidade, buscando-se uma
explicação ou justificação relativa às fontes de legitimidade desse importantíssimo papel
do Estado Democrático Constitucional dos dias atuais. O principal problema em que está
envolvida a justiça constitucional é aquele que tem como núcleo a definição de seus limites,
vale dizer, o que pretende estabelecer a linha no horizonte até onde pode ela se estender, sem
que dela se diga que é ilegítima. A importância de se procurar estabelecer limites à jurisdição
constitucional para o tema do controle jurisdicional dos pressupostos das medidas
provisórias reside no fato de que é, justamente, na delimitação de sua atuação e de sua
legitimidade que está a resposta ou pelo menos uma boa parte dessa resposta para a
questão central da presente pesquisa.
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17
Na terceira parte está desenvolvida uma análise extremamente necessária para o
entendimento profundo da temática a respeito da qual se procedeu ao estudo: a questão da
hermenêutica constitucional. Não se pode abordar o tema do controle de constitucionalidade
dos pressupostos das medidas provisórias sem que se venha a aprofundar conhecimentos a
respeito da interpretação da Constituição. Afinal, não se pode aplicar norma alguma sem um
prévio juízo interpretatório, ou como pensa Heidegger: toda compreensão guarda em si a
possibilidade de interpretão, isto é, de uma apropriação do que se compreende”.
4
Não existe
nenhum dispositivo constante do texto constitucional brasileiro de 1988 a dizer, de forma
expressa, se o Poder Judiciário pode ou não controlar os pressupostos constitucionais das
medidas provisórias, de modo que somente se deixará ser conduzido a tal conclusão caso se
proceda a uma interpretação sistemática, integrada e contextual da Constituição. E para que
isso seja facilitado ou, até mesmo, para que essa possibilidade venha a surgir, é absolutamente
necessário que se estude os princípios que regem a interpretação constitucional e a melhor
forma de se realizar a atividade hermenêutica pertinentemente à Carta Política Fundamental.
Embora se tenda a focar o estudo da problemática no caso brasileiro, é importante que se
ressalte que o debate está presente em todos os países cujos ordenamentos jurídico-
constitucionais prevêem o instituto da decretão de urgência e que estabelam critérios
subjetivos que ensejem as suas edições.
Na quarta parte, o estudo se afunila para contrastar conclusões, pôr em choque
constatações de modo a se condensar em resultados, transformando-os em um só. É nessa
quarta grande parte que se mostrará a evolução do posicionamento do Supremo Tribunal
Federal relativamente à matéria, e também a postura diante do assunto de outras cortes
supremas mundo afora.
Ao longo de todo o estudo procurar-se-á não se ater apenas ao direito-lei e nem
mesmo apenas ao Direito, no sentido mais amplo da expressão. A filosofia e a história
apresentar-se-ão como grandes parceiros na resolução dos inúmeros problemas que,
inevitavelmente, farão questão de despertar atenção para suas presenças. Nunca se
exterminariam todos os problemas o que, aliás, como é óbvio, não se conseguiu fazer
somente utilizando-se dos instrumentos que o Direito oferece. Afinal, como lecionou Tobias
4
HEIDEGGER, Martin. O ser e o tempo. Trad. Márcia de Sá Cavalcante. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1999,
p. 218.
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18
Barreto, referindo-se às ciências para buscar, mais uma vez, socorro em seus ensinamentos
: o isolamento as esteriliza”.
5
E argumenta de forma erudita e poética:
[...] nada há de mais pernicioso às ciências do que mantê-las inteiramente isoladas.
[...] Como diz um arguto provérbio aleo: as árvores impedem de ver a floresta,
ou a demasiada concentração nos detalhes de uma especialidade rouba a vista geral
do todo e apaga o sentimento da unidade cienfica. (Destaque do original).
6
Daí porque se deve ter, quando se estuda algo, um distanciamento necessário para que
não se enxergue apenas o objeto. Ao mesmo tempo, deve-se ter por perto uma luneta para,
quando necessário, utilizá-la para buscar enxergar com precisão os detalhes técnico-
científicos que deverão constar de um trabalho científico que pretenda obter o nimo de
sucesso.
5
BARRETO, Tobias, op. cit., p. 7.
6
BARRETO, Tobias, op. cit., p. 7.
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19
1 O FLORESCER DAS DECRETAÇÕES DE URGÊNCIA SUA
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E EXPLANAÇÃO TEÓRICA
A doutrina constitucionalista moderna foi uma decorrência necessária de um
poderosíssimo movimento que se acelerou, principalmente, nos final do século XV e início do
século XVI, isto é, a modernidade. O constitucionalismo não poderia ser a única seara do
conhecimento a escapar das influências desse fenômeno político-social e se deixou
influenciar imensamente pela modernidade, sendo que, inclusive, fala-se hoje em
constitucionalismo moderno e antigo. É Mcilawain que escreveu ser orasgo característico
más antiguo, constante y duradero del verdadero constitucionalismo continúa siendo, como
lo ha sido casi desde el comienzo, la limitación del gobierno por el derecho”.
7
A mais significativa diferença entre o constitucionalismo antigo e o moderno é que
aquele se caracterizou, principalmente, pela supervalorização da esfera do público em
detrimento da do privado, de modo a se poder falar numa hegemonia do público a impedir,
inclusive, o exercício efetivo de direitos individuais pela falta de garantias. No
constitucionalismo moderno, o que se enxerga é uma teorização em torno da questão de a
Constituição fundar o poder e a autoridade, realizando o trabalho de simbolizar racionalmente
não apenas a consagração, mas, do mesmo modo, a protão dos direitos individuais. Vem,
assim, a Constituição a simbolizar uma nova fase no desenvolvimento histórico daquilo que
se convencionou chamar de filosofia política.
O termo constitucionalismo quer expressar uma visão genérica de elementos
formadores do Direito Constitucional. Expressa os mais gerais princípios e institutos que
compõem o chamado Estado Constitucional, contrapondo-se àquele que lhe antecedeu e que
era caracterizado pela ausência de limitões que vieram a ser trazidas pelas constituições
formais.
O constitucionalismo é um movimento ao qual penso se poder atribuir o caractere de
revolucionário, dada a subversão de determinadas idéias que ele introduziu. O
constitucionalismo pode ser tido como uma doutrina de Estado ou o resultado de um longo
processo de se tentar pôr limites à atuação irrefreável do Estado e de seus governantes. Esse
7
MCILAWAIN, Charles Howard. Constitucionalismo antiguo y moderno. Trad. Juan José Solobal
Echavarría. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991, p. 96.
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20
processo amadurece com o advento tanto da Revolução norte-americana como da Francesa no
final do século XVIII, de modo que teve como conseência a instituição de instrumentos
normativos escritos elaborados por uma Assembléia que de hoje, daqui de cima da análise
histórica, chamamos de Constituinte.
Todo o processo constitucionalista parece ser uma grande tentativa de todas as Nões
que nele se engajaram para adaptar, de algum modo, o exemplo inglês às suas circunstâncias.
É que na Inglaterra a limitação dos poderes do monarca já vigia há um bom tempo. As
origens da prática daquilo que se veio chamar de constitucionalismo remontavam a séculos
passados, tendo documentos dos séculos XIII, XIV e XV já trazendo idéias implementadas
nos setecentos na maioria das Nões e em algumas até hoje não levadas, efetivamente, a
cabo.
Mas a Inglaterra é um caso absolutamente à parte, referente ao qual nenhuma
organização civilizatória, nenhum povo ou comunidade política mostrou qualquer analogia. O
caso inglês é tido como um grande mistério sagrado da ciência governamental. Os mais
diversos estudiosos não conseguem encontrar uma explicação, ainda que não simplista,
complexa, para o fato de lá e apenas lá se ter conseguido construir sociedade e instituições tão
peculiares.
As instituições inglesas, com obviedade, não surgiram nem do nada nem de repente,
mas foram frutos de um complexo processo de transformões, revoluções e mini-revoluções
e modificões paulatinas. O fato é que os ingleses conseguiram domar seus governantes e
adestrar sua instituição monárquica a manterem-se sempre dentro do limite do razoável e das
tradições com força de lei. Diríamos que mantinham-nos dentro dos limites circunscritos
pela lei. Foi essa limitação dos poderes governamentais e estatais que enfeitiçou todo o
mundo, incentivando a seguir o seu exemplo. Ocorre que as histórias dos diversos países
eram diferentes e a construção de suas instituições se deu por processos, homens e
mentalidade bem distintas, de modo que deveria ser bem outro, na mesma medida, os
instrumentos a serem criados e aqui está a grande diferença para conter o Estado e mantê-
lo respeitoso relativamente às esferas individual, particular e privada dos indivíduos.
Disse que no fato de criar-se instrumentos capazes de conter o poder residia a grande
diferença entre o caso inglês e o de outros lugares. É que os ingleses não se viram diante da
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21
necessidade de criar instrumentos como tais. Estes nasceram de um, como antedito, longo
processo de transformões sociais, políticas econômicas e até religiosas.
Em poucas palavras poder-se-ia dizer que a cidadania nasce na Inglaterra, ela brota em
cada coração espontaneamente, ao passo que nas demais nações ela haveria de ser decretada,
fincada nas mentes, trazidas à baila por instrumentos escritos que trouxessem expressamente
como se deveria viver e se organizar, por quais processos se formariam os governos etc. É
difícil entender, verdadeiramente, algo sem que se o viva, sem que se o experimente. Daí é
difícil entender como pode um povo se apegar de tal modo a determinadas tradições, de
forma a tê-las num grau tão alto, numa abstrata escala normativa, quanto as Constituições.
Por isso fala-se num milagre sagrado da ciência governamental.
Vieram as Revoluções americana e francesa e trouxeram consigo novos ideais a
permear todo o pensamento político e constitucional dos Estados pelo mundo ocidental afora.
Aquela primeira toma a vanguarda na aplicação prática da teoria sistematizada da separação
dos poderes de Montesquieu, e a última embasa boa parte de suas ões nas idéias sobre o
titular do poder constituinte do abade Sieyès. Os poderes vão sendo paulatinamente
controlados até se firmar, de fato, o ideal liberal de contenção do absolutismo do Estado,
protegendo os indivíduos de eventuais abusos que pudessem seus agentes vir a perpetrar. Foi
Norberto Bobbio quem justificou assim o modelo liberal de Estado:
O Estado moderno, liberal e democrático, surgiu da reação contra o Estado
absoluto [...] Na tradição do pensamento potico inglês, que ofereceu a melhor
contribuição para a solução deste problema, dá-se o nome específico de
constitucionalismo ao conjunto de movimentos que lutam contra o abuso do
poder.
8
Mas a impressão que se tem é que as idéias parecem ser como os homens, vale dizer,
obedecem a um ciclo natural que determina sua concepção, desenvolvimento,
amadurecimento e morte, com uma única diferença, talvez: as idéias podem ser ressuscitadas.
Desse modo, o ideal liberal de Estado passa a se mostrar, não insuficiente para catalisar a
cicatrização das feridas da sociedade, mas, mostra-se, mesmo, como grande vilão causador
delas, tais como a miséria profunda de muitos e o enriquecimento imoderado de outros. É
nesse contexto localizado na escala histórica entre o final do século XIX e o início do
8
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Immanuel Kant. Brasília: UNB, 1984, p. 15.
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22
século XX que uma nova idéia de Estado começa aquele ciclo natural ao qual se referiu
linhas acima.
O Estado guarda-noturno, que tem como objetivo apenas garantir o funcionamento
de algumas funções que lhe seriam típicas, passa a ter esse seu fundamento fortemente
contestado por ideólogos e teóricos políticos que concebem a imagem de um Estado que aja,
efetivamente aja, para não permitir os abusos decorrentes da não intervenção desse ente nas
esferas individuais dos cidadãos.
Como antedito, ao longo do século XIX, com a crescente situação de miséria do
proletariado, ganharam força movimentos de crítica ao modelo liberal. Nada obstante, dada a
existência do voto censitário, as forças oposicionistas ao Estado Liberal viram suas tentativas
de tomada do poder frustradas, assim como seu ímpeto reformador sempre bloqueado pelas
instituições liberais e pelo jogo democrático que dentro delas se praticava. Como dentro das
regras do jogo mostrava-se cada vez mais difícil alcançar-se o poder, a opção que restou foi a
ruptura revolucionária.
Em lição oportuna, Alcimor Aguiar Rocha escreveu que A questão social é o
complexo de problemas que agita a vida em sociedade. A sua origem se perde na noite
misteriosa dos tempos; a propriedade é a sua pedra angular”.
9
Diante do desencadeamento de
variados episódios, a burguesia progressista resolveu adotar a Teoria dos Anéis, segundo a
qual pensou-se ser melhor entregá-los (os anéis), ao invés dos dedos.
Destramando a metáfora, o que se tem a dizer é que, com o objetivo da mantença do
status quo, setores burgueses tomaram a frente no projeto, que se materializou, da
universalização do voto o que, portanto, não consistiu em conquista socialista, mas em
concessão da burguesia.
10
A imagem de Estado idealizada pela oposição socialista vai, com o passar dos anos, se
materializando, pondo a funcionar instituições que viriam a caracteri-lo não mais apenas
como democrático, ou como democrático parlamentar, mas como democrático social, com
9
ROCHA, op. cit., p. 13.
10
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
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23
intervenções suas nos donios sócio-econômicos, para propulsionar a expansão econômica e
para reduzir os contrastes sociais.
Mas até aí o Chefe do Poder Executivo não ganhara nem prerrogativas e nem
legitimidade para legislar, no sentido lato da expressão. Ocorre que o Parlamento foi dando
demonstrações cada vez mais cabais de que não era capaz de suprir as lacunas legislativas do
Estado contemporâneo e, por alguns motivos, dentre os quais vale arrolar os seguintes: (a) a
lentidão própria do processo legislativo, (b) seu funcionamento descontínuo, (c) inevitável e
freqüente carência de meios técnicos dos seus quadros e (d) por conta de sua tendência a
dedicar-se, prevalentemente, ao controle do Executivo.
11
Passa a ser tido como indispensável que se ponha à disposição do Executivo remédio
hábil para que se venha a atender a demandas que requeiram uma urgência especial. E a
decretação de urgência passa a representar
[...] um instrumento indispensável para a vida do Estado moderno, enquanto supera
as inegáveis e compreensíveis deficiências do ordinário aparato legislativo, o qual,
por sua natureza, não es em condições de satisfazer as exigências de
tempestividade e de reserva que são impostas a especiais situações de
emergência.
12
É que o Poder Executivo, naquela atual situação histórica do Estado e também no
Estado contemporâneo passa a exigir um papel de maior destaque necessidade que vê ser
atendida passando a dispor de instrumentos normativos capazes de facilitar uma nova
preocupação da contemporaneidade: a governabilidade. Para Canotilho, a atividade legislativa
do Poder Executivo é um fenômeno que se enxerga nos mais variados ordenamentos
constitucionais, mundo afora. Para ele: nenhum Estado da Terra as palavras são do
Tribunal Constitucional Alemão pode se dar ao luxo de dispensar a legislação
governamental”.
13
11
VIESTI, Giuseppe. Il decreto-legge. Nápoles: Jovene, 1967, p. 8-9.
12
O original em língua italiana tem o seguinte teor:Il decreto-legge rappresenta uno strumento
indispensabile per la vita dello Stato moderno, in quanto sopprisce alle innegabili e comprensibili
deficienze dell’ordinario apparato legislativo, il quale, per sua natura, non è in grado di soddisfare le
esigenze di tempestività e di segretezza Che sono imposte da speciali situazione di emergenza. VIESTI,
Giuseppe. Il decreto-legge. Nápoles: Jovene, 1967, p. 11.
13
CANOTILHO, J. J. Gomes. Legislação Governamental. In: MARTINS, Ivens gandra da Silva (Coord.).
As Vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002, p. 64.
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24
São dotados de vida, dessa forma, instrumentos legislativos expedidos pelo próprio
Poder Executivo, que têm como designação genérica (de gênero) as decretações de urgência
cujas espécies são decretos-leis, decreto-legge, decreto-ley, medidas provisórias etc.
O constitucionalismo moderno ou pelo menos aquele que norteia as discussões e os
conceitos atuais, melhor tido por contemporâneo tem entendido que o Estado na execução
dos fins a que está submetido pela legalidade exposta nas constituições tem de acordo com o
interesse público, a agilidade na prestação de um serviço público, o poder discricionário
14
de
fazer ou deixar de fazer alguma coisa sempre que o interesse público estiver em jogo. Como
escreveu Fernando Luiz Ximenes Rocha:
É certo que o ingresso dessas técnicas nos sistemas jurídicos contemporâneos
chocou, em um primeiro momento, a teoria da separação dos poderes, o princípio
da supremacia do Parlamento e a concepção da lei como expressão da vontade
geral catalisada pelo Legislativo. Igualmente acenou para o perigo das ditaduras.
15
Mas é o mesmo autor quem pondera, logo a seguir, ao entender que havemos de
reconhecer que, hoje, esse deslocamento da atividade legislativa para a esfera do Executivo
encontra-se consagrado nos textos constitucionais modernos”.
16
Pode parecer à primeira vista um verdadeiro absurdo o fato de se conceder ao
Poder Executivo a prerrogativa de editar atos normativos primários. A dogmática
constitucional clássica vê nesse Poder a função de aplicar a lei de ofício, como Seabra
Fagundes definia o que era administrar”.
17
Mas, ao contrário, essa visão vem, mesmo, a
concretizar com maior efetividade o princípio da separação de poderes. É o mesmo
entendimento de Reinhold Zippelius, para quem
14
Poder discricionário é o que o Direito concede à Administração, de modo expcito ou impcito, para a
prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo.
Convém esclarecer que poder discricionário não se confunde com ‘poder arbitrário. Discricionariedade
e arbítrio são atitudes inteiramente diversas. Discricionariedade é liberdade de ação administrativa, dentro
dos limites permitidos em lei; arbítrio é ação contrária ou excedente da lei. Ato discricionário, quando
autorizado pelo Direito, é legal e válido; ato arbitrário é sempre ilegítimo e inválido”. (MEIRELLES,
1998, p. 103).
15
ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. Medida Provisória em Matéria Penal. In: Responsabilidade penal da
pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. GOMES, Luiz Fvio (Coord.). São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1999, p. 192.
16
Idem, p. 192.
17
FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder judiciário. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1967, p. 16-17.
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25
o moderno Estado social viu-se cada vez mais na contingência de regular, por via
de lei, situações concretas da vida social e econômica. [...] apesar de tais
interpretações e rupturas e da menor nitidez dos limites, concretiza-se mesmo
assim, a verdadeira finalidade da divisão de poderes, desde que, em termos gerais,
os diversos grupos e órgãos do Estado se controlem reciprocamente e com
eficácia.
18
É do interesse da comunidade que o governo leve adiante e de maneira eficiente e
ágil, a execução de um dado fim na prestação de sua função, por isso o poder discricionário
não é visto com maus olhos. Até Locke em suas reflexões o tem como necessário. No
capítulo que trata das prerrogativas do poder executivo, Locke enfatiza a necessidade do
poder executivo dispor desse poder discricionário com o fito de suprir legalmente o que não
pode ser feito pelo poder legislativo. Pela sua permanência e agilidade, o poder executivo é
capaz de encontrar, sempre com o espírito comunitário, soluções em si mesmo atuando
necessariamente sem a permissão do legislativo.
19
O bem da sociedade exige que várias questões fiquem entregues à discrição de
quem dispõe do poder executivo; porque não sendo os legisladores capazes de
prever e prover por meio de leis tudo quanto possa ser útil à comunidade, o
executor das leis, tendo o poder nas mãos, possui o direito de, pela lei comum da
natureza, fazer uso dele para o bem da sociedade.
20
Daí porque se mostra extremamente necessário que conste dos ordenamentos positivos
estatais institutos como o das medidas provisórias.
1.1 As Decretações de Urgência Caminhada Histórica no Ordenamento Pátrio (e no
Direito Comparado)
Muito útil a busca em exemplos de outros Estados por modelos de instituições desde
que não busquemos cegamente o transporte delas de uma realidade dada para uma outra
completamente diversa. De qualquer forma, muito importante as comparões.
1.1.1 Medida Provisória e Constituições Estrangeiras
18
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria Geral do Estado. 3. ed. Trad., da 12. ed. Ale de 1994, Karin Praefke
Aires Coutinho, Coord. José J. Gomes Canotilho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1997.
19
ROCHA NETO, Alcimor Aguiar. Direito Constitucional e Teoria Política. Fortaleza: Imprece, 2005, p.
11.
20
LOCKE, John, op. cit., p 105.
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26
A doutrina constitucionalista brasileira é uníssona no sentido de atribuir ao decreto-
legge italiano a influência direta das medidas provisórias. Desse modo, se apresenta como de
suma importância uma análise, ainda que breve, desse instituto na Itália, para que, empós,
passe-se a ter como foco principal a evolução das medidas provisórias e seus antepassados
equivalentes.
Em meados de 1849 a Itália estava na iminência de uma guerra contra a Áustria
quando surge a figura do Deputado italiano Urbano Rattazzi levantando a tese da necessidade
como fonte do direito. Para ele, havia uma lei que seria superior a qualquer estatuto positivo:
a lei da necessidade. Mas essa manifestação não foi a primeira, segundo consta da obra de
Paolo Biscaretti de Ruffia. Para este autor, a primeira decretação de urgência foi o Decreto
738, de 27 de maio de 1848, portanto um ano antes da manifestação do Deputado
supracitado.
21
Destarte, foi de legenda ferenda a adoção dos primeiros instrumentos
normativos dessa índole.
Contemporaneamente, a Constituição italiana de 1947 traz a previsão dos
provedimento provvisorio, que, inobstante a expressão constitucionalmente adotada, continua
sendo chamado usualmente de decreto-legge. É o art. 77 daquela Constituição que
regulamenta o instituto:
Art. 77. O Governo não pode, sem delegação das Câmaras, editar decretos que
tenham valor de lei ordinária.
Quando, em casos extraordinários de necessidade e de urgência, o Governo adota,
sob a sua responsabilidade, provimentos provisórios com força de lei, deve no
mesmo dia apresentá-los para conversão às Câmaras que, mesmo se dissolvidas,
são convocadas para esse propósito e se reúnem dentro de cinco dias.
Os decretos perdem eficácia desde o início, se não são convertidos em lei dentro de
sessenta dias da sua publicação. As Câmaras podem, todavia, regular por lei as
relações jurídicas surgidas com base nos decretos não convertidos.
22
A semelhança com o que estatui a Carta Política brasileira é sensível.
21
DI RUFFIA, op. cit.
22
A tradução é de Sérgio Resende de Barros (Medidas, Provisórias?, p. 78). O original em italiano tem o
seguinte teor:Il Governo non può, senza delegazione delle Camere [76], emanare decreti che abbiano
valore di legge ordinaria. Quando, in casi straordinari di necessità e di urgenza, il Governo adotta, sotto
la sua responsabilità, provvedimenti provvisori con forza di legge, deve il giorno stesso presentarli per la
conversione alle Camere che, anche se sciolte, sono appositamente convocate e si riuniscono entro
cinque giorni [612, 622]. I decreti perdono efficacia sin dallinizio, se non sono convertiti in legge entro
sessanta giorni dalla loro pubblicazione. Le Camere possono tuttavia regolare con legge i rapporti
giuridici sorti sulla base dei decreti non convertiti.
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27
Não é apenas a Itália que traz, a nível constitucional, a possibilidade de emissão de
decretações de urgência por parte do Chefe do Executivo. A Espanha
23
o faz, assim como
Portugal
24
e França
25
também, sendo que nesta última há o regulamento autônomo. Até
mesmo a Lei Fundamental do Estado da Cidade do Vaticano, de 26 de novembro de 2000,
prevê a decretação de urgência.
26
Em que pese o fato de o instituto do decreto-legge ter sido transplantado do
ordenamento constitucional italiano para o brasileiro, devemos ter bastante cuidado e “cautela
no estudo de institutos importados do direito estrangeiro, porquanto, no mais das vezes,
experimentam desenvolvimento em muito distinto daquele que conheceram em sua
origem”.
27
Não é novidade, aliás, que se proceda dessa forma no Brasil, sendo comum a
prática e tem sido desde sempre por terras tupiniquins de modo que não é raro que
vejamos nossos legisladores [...] trazendo de países distantes nossas formas de convívio,
nossas instituições, nossas idéias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes
desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra”.
28
E tudo isso é muito
perigoso, pois, instituições estrangeiras quando transportadas para uma realidade social
23
Art. 86 da Constituição espanhola de 1978:1. En caso de extraordinaria y urgente necesidad, el
Gobierno podrá dictar disposiciones legislativas provisionales que tomarán la forma de Decretos leyes y
que no podrán afectar al ordenamiento de las instituciones sicas del Estado, a los derechos, deberes y
libertades de los ciudadanos regulados en el Titulo I, al régimen de las Comunidades Autónomas, ni al
Derecho electoral general. 2. Los Decretos leyes deberán ser inmediatamente sometidos a debate y
votación de totalidad al Congreso de los Diputados, convocado al efecto si no estuviere reunido en el
plazo de los treinta días siguientes a su promulgación. El Congreso habrá de pronunciarse expresamente
dentro de dicho plazo sobre su convalidación o derogación, para lo cual el Reglamento establecerá un
procedimiento especial y sumario. 3. Durante el plazo establecido en el apartado anterior las Cortes
podrán tramitarlos como proyectos de ley por el procedimiento de urgencia.
24
O caso português é bem peculiar e mereceria um espaço que não temos neste estudo.
25
O art. 38 da Constituição Francesa de 1958 tem o seguinte teor:Le Gouvernement peut, pour
l'exécution de son programme, demander au Parlement l'autorisation de prendre par ordonnances,
pendant un délai limi, des mesures qui sont normalement du domaine de la loi. Les ordonnances sont
prises en Conseil des Ministres après avis du Conseil d'Etat. Elles entrent en vigueur dès leur publication
mais deviennent caduques si le projet de loi de ratification n'est pas déposé devant le Parlement avant la
date fixée par la loi d'habilitation. A l'expiration du délai mentionné au premier alinéa du présent article,
les ordonnances ne peuvent plus être modifiées que par la loi dans les matres qui sont du domaine
gislatif.
26
Art. , 1, c/c o art. , 2: Art. 1. O poder legislativo, exceto os casos em que o Sumo Ponfice o
deseje reservar para si ou para outras instâncias, é exercido por uma Comissão composta por um Cardeal
Presidente e por outros Cardeais, todos nomeados pelo Sumo Ponfice por um qüinquênio. [...] Art. 2.
Em casos de urgente necessidade, ele pode emanar disposições com força de lei, as quais todavia perdem
a eficácia se não forem confirmadas pela Comissão no prazo de noventa dias (VATICANO. Disponível
em: <http://www.vatican.va/vatican_city_state/legislation/index_po.htm>.Acesso em: 20 mar. 2006).
27
AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello. Medida Provisória e a sua Conversão em lei. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004, p. 201.
28
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.
31.
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28
diferente, desvirtuam-se e perdem seu caráter de cura e têm efeitos, muitas vezes, opostos aos
pretendidos”.
29
Quanto aos pressupostos constitucionais subjetivos parte que mais nos interessa para
fins do presente estudo a medida provisória exige a ocorrência de relevância e urgência para
a sua adoção pelo Presidente da República, ao passo que o decreto-legge pede extraordinária
necessidade e urgência. Em ambos os casos, o aferimento do que venha a ser um ou outro
dos pressupostos requer um juízo eminentemente político, sendo que no particular caso
brasileiro a expressão relevância” denota menor rigor na cobrança do que a extraordinária
necessidade” italiana.
1.1.2 Decretações de Urgência na História Constitucional Brasileira
Remonta ao momento imperial do Brasil a previsão de instrumentos normativos à
disposição do Executivo com vistas a conceder a este poder de ação diante de situões
caracterizadas como de excepcionalidade. Foi no primeiro documento constitucional
brasileiro que constou a previsão. O art. 179, XXV da Constituição Imperial de 1824
dispunha da seguinte maneira:
Art.
179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros,
que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida
pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.
XXXV Nos casos de rebellião, ou invasão de inimigos, pedindo a segurança do
Estado, que se dispensem por tempo determinado algumas das formalidades, que
garantem a liberdede individual, poder-se-ha fazer por acto especial do Poder
Legislativo. Não se achando porém a esse tempo reunida a Assembléa, e correndo a
Patria perigo imminente, poderá o Governo exercer esta mesma providencia,
como
medida provisoria,
e indispensavel, suspendendo-a immediatamente que cesse a
necessidade urgente, que a motivou; devendo num, e outro caso remetter á
Assembléa, logo que reunida r, uma relação motivada das prisões, e d'outras
medidas de prevenção tomadas; e quaesquer Autoridades, que tiverem mandado
proceder a ellas, serão responsaveis pelos abusos, que tiverem praticado a esse
respeito.
30
Interessante notar-se que não é de hoje a preocupação do legislador com a necessidade
de instrumentos desta natureza à disposição daquele órgão responsável pela execução rápida
de medidas em favor do bem coletivo. Dispositivo com o mesmo sentido constara da
29
ROCHA NETO, Alcimor Aguiar. Direito Constitucional e Teoria Política: Temas Contemporâneos.
Fortaleza: Imprece, 2005, p. 86.
30
BRASIL. Presidência da Reblica. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 16 mar.
2006. O português empregado no texto constitucional transcrito é o que à época se aplicava.
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29
Constituição espanhola então vigente: Art. 308. Se em circunstâncias extraordinárias a
segurança do Estado exigir em toda a monarquia ou em parte dela a suspensão de algumas
das formalidades prescritas neste capítulo para a prisão dos delinqüentes, poderão as cortes
decreta-la por um tempo determinado. A Constituição portuguesa de então se inspirou,
justamente, neste dispositivo da Carta espanhola e foi à Lei Fundamental portuguesa que
Antonio Carlos recorreu para construir o preceito do projeto de Constituição de 1823 que
viria a fincar na Carta de 1824 o dispositivo já transcrito.
Como escreveu Aurelino Leal, a necessidade de tal dispositivo correspondia às
necessidades imperiosas do Governo. Para o mesmo autor, o executivo não pode ficar
desarmado dessa atribuição em casos de perigo iminente, estando em recesso o legislativo”.
31
As Constituições republicanas de 1891 e 1934 não trouxeram previsões a respeito de
delegações legislativas ou decretões de urgência, o que não impediu, como é óbvio, o Poder
Executivo de legislar, e o fazia disfarçadamente através de seu poder regulamentar que, não
raro pelo contrário, por tempos pareceu ser a regra , extrapolava seus limites, indo até o
ponto em que somente lei, strictu sensu, poderia ir.
O fato de, não obstante a inexistência de qualquer previsão, o Poder Executivo tomar
medidas abrangidas pelo conceito de decretação de urgência, vale dizer, lançar mão de
instrumentos normativos sem que a Constituição lhe tivesse concedido poderes para tal, traz à
lembrança a advertência de Konrad Hesse, para quem
[...] é melhor que nós coloquemos isto [decretação de urgência] no texto
constitucional porque, do contrário, poderemos ter uma situão tal uma situação
limite e vamos acabar praticando algo diferente. Não teremos disciplina para o
estado de defesa, estado de sítio e assim por diante.
32
No mesmo sentido é a advertência de Gilmar Ferreira Mendes, segundo o qual uma
expressão em alemão é muito curiosa e diz exatamente o seguinte: Not kennt kein Gebot a
necessidade não conhece princípio. Quando se coloca a necessidade, ela opera naturalmente.
Então, é preciso que disciplinemos isto constitucionalmente”.
33
31
LEAL, Aurelino. História Constitucional do Brazil. Brasília: Ministério da Justiça, 1994, p. 120-121.
32
HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da Reblica Federal da Alemanha. 20. ed.
Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: SAFE, 1998.
33
MENDES, Gilmar Ferreira. Notas Taquigráficas da Sessão de 15 de maio de 2002 da Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 51ª Legislatura, p. 37-38).
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30
O fato é que, fechando os olhos para a realidade, o legislador constituinte resolveu não
inserir nas duas primeiras Constituições republicanas brasileiras a previsão de qualquer
decretação de urgência.
Foi com a polaca” como ficou conhecida a Constituição do Estado Novo de 1937
que a primeira disposição nesse sentido surgiu no constitucionalismo positivo brasileiro. A
Carta previa que, enquanto não fosse instalado o Parlamento Nacional, todas as
competências legislativas da União concentrar-se-iam no Presidente da República. O
dispositivo constitucional tinha o seguinte teor: Art. 180. Enquanto não se reunir o
Parlamento nacional, o Presidente da República terá o poder de expedir decretos-leis sobre
todas as matérias da competência legislativa da União.
Como deixa bem transparecer, o decreto-lei como passou a ser chamado o
instrumento normativo de que lançava mão o Presidente para atender à disposição do art. 180
não necessitava de aprovação do Parlamento Nacional, até porque somente se este não
estivesse instalado é que o Presidente da República poderia editar tais medidas. Importantes
medidas legislativas foram tomadas mediante o decreto-lei, dentre as quais, o Código de
Processo Civil, o Código de Processo Penal, A lei de Contravenções Penais, a Consolidação
das Leis do Trabalho etc.
Existiam, ainda, três outros institutos denominados pelo texto constitucional de
decreto-lei, conforme disposição dos arts. 12, 13 e 14 do Diploma Político Fundamental de
1937:
Art 12 - O Presidente da Reblica pode ser autorizado pelo Parlamento a expedir
decretos-leis, mediante as condições e nos limites fixados pelo ato de autorização.
Art 13 O Presidente da Reblica, nos períodos de recesso do Parlamento ou de
dissolução da Câmara dos Deputados, poderá, se o exigirem as necessidades do
Estado, expedir decretos-leis sobre as matérias de competência legislativa da
Uno, excetuadas as seguintes: a) modificações à Constituição; b) legislação
eleitoral; c) orçamento; d) impostos; e) instituição de monopólios; f) moeda; g)
empréstimos blicos; h) alienação e oneração de bens imóveis da Uno.
Parágrafo único - Os decretos-leis para serem expedidos dependem de parecer do
Conselho da Economia Nacional, nas matérias da sua competência consultiva.
Art 14 - O Presidente da Reblica, observadas as disposições constitucionais e nos
limites das respectivas dotações orçamenrias, poderá expedir livremente decretos-
leis sobre a organização do Governo e da Administração federal, o comando
supremo e a organização das forças armadas.
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31
O fato é que os decretos dos artigos antecitados não conheceram o mundo pelo fato de
que o art. 180 os ofuscava, tendo em vista que o Parlamento Nacional não fora instalado.
Como se sabe, a história brasileira é marcada pela diástole e sístole, repressão e
liberdade, enfim, é marcada pela abertura e enrijecimento dos governos e regimes. Assim, a
Constituição de 1946, traumatizada com o autoritarismo vigente durante o período estado-
novista, aboliu a delegação legislativa e qualquer espécie de decretação de urgência, com
exceção do período parlamentarista entre 1961 e 1963, por ser muito próprio do sistema a
relação aproximada dos Poderes Executivo e Legislativo.
O Ato Institucional nº 2 de 27 de outubro de 1965 dispunha, literalmente: Art. 30. O
Presidente da República poderá baixar atos complementares do presente, bem como decretos-
leis sobre matéria de segurança nacional. Note-se que o âmbito material restringia-se à
segurança nacional. Ocorre que havia grande margem para abusos. Basta que analisemos, sem
muito aprofundamento, o que dispunha o art. 31 e seu parágrafo único do mesmo diploma
legal, in verbis:
Art. 31. A decretação do recesso do Congresso Nacional, das Assembléias
Legislativas e das Câmaras de Vereadores pode ser objeto de ato complementar do
Presidente da Reblica, em estado de sítio ou fora dele. Parágrafo Único.
Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente, fica
autorizado a legislar mediante decretos-leis em todas as marias previstas na
Constituição e na Lei Ornica. (Grifou-se).
A Constituição de 1967, em seu texto originário, previa o decreto-lei em seu art. 58,
incisos e parágrafo único, nos termos que a seguir se transcreve literalmente:
Art 58 - O Presidente da Reblica, em casos de urgência ou de interesse blico
relevante, e desde que não resulte aumento de despesa, poderá expedir decretos
com força de lei sobre as seguintes matérias: I - segurança nacional; II - finanças
blicas. Parágrafo único - Publicado, o texto, que terá vigência imediata, o
Congresso Nacional o aprovará ou rejeitará, dentro de sessenta dias, não podendo
emendá-lo; se, nesse prazo, não houver deliberação o texto será tido como
aprovado.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 1 de 17 de outubro de 1969, o decreto-lei
passou a ser disciplinado da seguinte forma:
Art. 55. O Presidente da Reblica, em casos de urgência ou de interesse blico
relevante, e desde que não haja aumento de despesa, poderá expedir decretos-leis
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32
sobre as seguintes matérias: I segurança nacional; II finanças blicas,
inclusive normas tributárias; III criação de cargos blicos e fixação de
vencimentos. § 1º. Publicado o texto, que terá vigência imediata, o Congresso
Nacional o aprovará ou rejeitará, dentro de 60 (sessenta) dias, não podendo
emendá-lo; se nesse prazo, não houver deliberação, o texto será tido por aprovado.
§ . A rejeição do decreto-lei não implicará a nulidade dos atos praticados durante
a sua vigência.
Uma das grandes diferenças que se pode anotar do decreto-lei sob a disciplina da EC
nº 1/69 e a medida provisória na Constituição de 1988 é que aquele exigia que se
preenchesse, alternativamente, um dos requisitos, quais sejam, urgência ou interesse público
relevante, ao passo que para a edição de medida provisória a Carta Política de 1988 exige que
se cumulem os dois requisitos subjetivos da urgência e relevância.
Outra diferença grande entre um instituto e outro é que o decreto-lei, se não apreciado
no prazo previsto constitucionalmente pelo Congresso Nacional, automaticamente era tido
por aprovado, ao passo que a medida provisória que se enquadre em situação semelhante é
tida como rejeitada e caduca. Outro aspecto que os diferenciam (os institutos do decreto-lei e
da medida provisória) é o fato de que a medida provisória, quando aprovada, é convertida em
lei, ao tempo em que o decreto-lei, mesmo quando aprovado pelo Congresso Nacional, tácita
ou expressamente, permanecia decreto-lei, não havendo nenhuma espécie de conversão.
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33
2 MEDIDAS PROVISÓRIAS E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
É nesse específico tópico que se esclarecerão conceitos absolutamente necessários à
melhor compreensão de todo o trabalho, tendo o condão de dar-lhe, também, maior
organicidade de modo que, assim, venha-se a estabelecer o primeiro contato entre os
institutos da medida provisória e do controle de constitucionalidade.
2.1 A Essência” das Medidas Provisórias ou sua Natureza”
A medida provisória é ato normativo primário, provisório e limitado à esfera de
competência do Chefe do Poder Executivo Federal, conforme vaticina o ministro Celso de
Mello Filho, para quem ela tem força, eficácia e valor de lei.
34
A medida provisória funciona,
na prática, como um projeto de lei com eficácia antecipada, daí porque a imperiosa
manifestação do Parlamento. Característica marcante das medidas provisórias é a sua
ambivalência de modo que, perante os seus destinatários naturais, funciona como se lei fosse,
ou seja, é materialmente lei, ao passo que diante do Congresso Nacional tem todas as feições
de projeto de lei de conversão das disposições provisórias trazidas pelo instrumento
normativo em disposições permanentes.
Aliás, não há que se confundir o caráter provisório do disposto numa medida
provisória com a figura jurídica da lei temporária, pelo fato de que o conteúdo da medida
provisória nasce com a pretensão de vir a se tornar definitivo e a ser convertido em lei. Já o
que traz em seu bojo a lei temporária nasce, desde logo, com a certeza de que só durará
enquanto durarem os motivos da realidade fática que ensejaram o seu florescimento no
mundo jurídico. Manoel Gonçalves Ferreira Filho ensina que a medida provisória é
Um pico ato normativo pririo e geral. Edita-o o Presidente da Reblica no
exercício de uma competência constitucional, de uma competência que, insista-se,
lhe vem diretamente da Constituição. Manifesta assim a existência de um poder
normativo pririo, próprio do Presidente e independentemente de qualquer
delegação.
35
34
MELLO FILHO, José Celso de. Considerações sobre as medidas provisórias. Revista da Procuradoria-
Geral do Estado de o Paulo, n. 33, 2000, p. 203.
35
FERREIRA FILHO, op. cit., p. 135.
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34
Houve quem bradasse contra o instituto em si não apenas contra a prática dele das
medidas provisórias entendendo-o como exceção ao princípio da legalidade, tese que é de
toda rechaçada pelo mesmo Manoel Gonçalves Ferreira Filho quando escreve que
Não nos parece que a utilização de medidas provisórias constitua exceção ao
princípio da legalidade. O Presidente da Reblica, ao editá-las, está exercendo
função legislativa da qual se encontra investido pela Constituição. Excepcional é,
na verdade, essa competência que lhe é atribuída, mas o ato resultante de seu
exercício é, induvidosamente, um ato legislativo.
36
Note-se que, em que pese seja uma competência do Presidente da República oriunda
diretamente da Constituição, ela somente existe em situões limitadíssima de urgência e
relevância, o que nos conduz à conclusão segundo a qual não há competência do Chefe do
Poder Executivo Federal enquanto não existir, no mundo dos fatos, vale dizer, na vida real,
situação urgente e relevante que tenha o condão de parir a competência presidencial.
Noutras palavras, a competência que a Constituição atribui à Presidência da República para
editar medida provisória é uma competência em potencial que surge no mesmo momento em
que se apresenta um fato que clame por medida rápida que não pode esperar nem o trâmite do
processo legislativo ordinário e nem o do projeto de lei com urgência constitucional.
A competência em editar medidas provisórias permanece adormecida no texto
constitucional e será incompetente para editá-las o Presidente enquanto não houver, na
realidade fática, motivo que faça despertar aquela adormecida competência.
As teses que a doutrina, de um modo geral, têm sustentado para explicar a natureza, a
essência das medidas provisórias são das mais diversas. Dentre elas poder-se-ia destacar: (a)
princípio da necessidade sem nenhuma previsão legal; (b) seria uma temporária transmissão
do exercicio da potestade legislativa; (c) seriam provimentos governativos adotados sem
autorização parlamentar, porque baixados em virtude de um legítimo poder normativo do
Governo.
A controvérsia é maior do que parece quando se trata da definição da natureza jurídica
da medida provisória e pôr em debate essa problemática não equivale a discutir o sexo dos
anjos. Somente se pode vir a concluir pela possibilidade ou impossibilidade de controle
36
Idem, p. 135.
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35
judicial dos pressupostos constitucionais da medida provisória caso, previamente, se venha a
definir a sua natureza jurídica.
Para Marco Aurélio Greco, é do próprio texto constitucional que decorre o fato de a
medida provisória não ser lei. É que, como ela é convertida em lei, não se a poderia ter já
como tal, pois, não se converte algo que já é. Diz ele: A medida provisória é convertida em
lei, logo, em si mesma não é lei, pois não se converte o que já é. Quanto à natureza, não difere
de um decreto, é ato administrativo com força de lei, igualmente um ato oriundo do Poder
Executivo. A competência que ele se apóia não é legislativa em sentido técnico”.
37
Celso Antônio Bandeira de Mello não se filia nem à corrente que tem a medida
provisória como lei e nem à que a considera como ato administrativo com força de lei. Para
ele, os atos administrativos têm um regime jurídico próprio e a medida provisória não lhe
obedece, donde decorre que não é ato administrativo com força de lei. Celso Antônio arrola
os seguintes motivos para que não se considere as medidas provisórias como lei: a) consistem
em uma forma excepcional de regular determinados assuntos, ao tempo em que as leis são a
via normal de discipliná-los; b) as medidas provisórias são efêmeras, ao passo que as leis,
normalmente, tem duração indeterminada e quando temporárias têm seu prazo de vigência
estabelecido por ela mesma; c) as medidas provisórias, quando não convertidas em lei,
perdem sua eficia desde sua edição, efeito ex tunc, enquanto as leis, quando revogadas, seus
efeitos cessam ex nunc; d) as medidas provisórias necessitam atender aos requisitos de
relevância e urgência para sua edição, ao passo que as leis não precisam atender a nenhum
desses pressupostos; e) emanam do Poder Executivo. Leis do Legislativo.
38
Clèmerson Merlin Clève entende que lei não é apenas aquele ato editado pelo Poder
Legislativo e os atos normativos emanados de outros órgãos do Estado também serão
considerados como lei desde de que emitidos dentro de uma competência delimitada pela
Constituição. Argumenta Clève que o fato de o art. 59 da Carta Política trazer em seu rol de
espécies normativas primárias é, já, motivo para ter as medidas provisórias como leis. Para o
37
GRECO, Marco Aurélio. Medidas Provisórias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 15.
38
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros,
1988, p. 54.
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36
jurista, o constituinte quis por lei todos os atos normativos primários.
39
Para Eros Grau
medidas provisórias são leis especiais dotadas de vigência provisória”.
40
Parece ser a melhor explicação, relativamente à natureza da medida provisória, aquela
que entende ser ela lei. Ocorre que não lei no sentido formal, vale dizer, no sentido estrito da
expressão. Medida provisória é lei no sentido amplo. Enquanto medida provisória é lei
material, transformando-se em lei formal quando do momento de sua conversão. Não há
dúvida que é ato normativo primário, tendo em vista que vale por si mesma, sendo
absolutamente desnecessário que um outro ato normativo a complete. Outro fator a
caracterizar a medida provisória como ato normativo primário é o de que busca ela
fundamento de validade tão-somente na Constituição Federal.
Entende o Supremo Tribunal Federal ser a medida provisória um ato do poder
executivo com natureza legislativa que nada mais seria do que uma partilha, entre o Poder
Legislativo e o Executivo, da potestade de legislar.
41
2.2 O Aferimento da Compatibilidade das Leis à Constituição no Brasil (e no Direito
Comparado)
O elemento central caracterizador do Estado Democrático de Direito ou Estado
Constitucional Democrático é a limitação ao poder estatal que o arranjo institucional que
concebe proporciona. Mas fizeram-se necessárias algumas teorizações para que se passasse a
ter parâmetros de limitações ao poder, até porque não seria confiando à boa vontade dos
governantes que se processaria à mantença, dentro da esfera da legalidade e da
constitucionalidade, os governos.
Assim, surge o ideal de Constituição como lei fundamental de um Estado a constituir
o seu modelo governativo, sua organização institucional, seu modo de exercício do poder etc..
39
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade Legislativa do Poder Executivo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 56-57.
40
GRAU, Eros. Medidas Provisórias na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 658,
1990, p. 240.
41
O Supremo Tribunal Federal assim definiu a natureza da medida provisória (ADI 293-MC, Rel. Min.
Celso de Mello, DJ 16 abr. 1993.): As medidas provisórias configuram espécies normativas de natureza
infraconstitucional, dotadas de força e eficácia legais. Não se confundem, porém, com a lei, embora
transitoriamente se achem investidas de igual autoridade. A cusula com força de lei empresta às
medidas provisórias o sentido de equivalência constitucional com as leis.
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37
Essa idéia de superioridade da Constituição relativamente às demais normas do ordenamento
jurídico é expressa, hoje, por um de seus princípios, qual seja, o da supremacia
constitucional, que quer significar, justamente, essa idéia de que as normas que não constem
da Carta Política Fundamental devem guardar conformidade com as que nela encontram-se
dispostas.
Há de haver, pois, motivo plausível para erigir ao status de norma fundamental a
Constituição. Por que não o Código Civil? Ou outra lei qualquer? Por que a Constituição? A
resposta é quase óbvia, porém, não tão simples assim. É que é nela (Constituição) que se
encontram todos os valores reconhecidos pela comunidade política. Tais valores e princípios
se incorporam à ordem jurídica, integrando-se às normas constitucionais. Todas as normas
hierarquicamente inferiores à Constituição refletirão, necessariamente, os valores
consagrados no texto constitucional, de sorte que a lei infraconstitucional venha a
procedimentalizar os princípios constitucionais.
A Constituição tem a força de espargir, por todo o arcabouço normativo, fundamentos
de validade a todas as leis que constituem o ordenamento jurídico de um Estado. Na lição de
Norberto Bobbio, a Constituição ocuparia a posição de norma fundante de qualquer sistema
jurídico, posição esta a que seria alçada pelo Poder Constituinte o poder máximo de um
Estado, onde se revelam as forças e vontades da sociedade.
42
E é exatamente nessa posição de
norma fundante do ordenamento jurídico que se constitui o princípio da supremacia
constitucional.
Entendem alguns que o princípio da supremacia constitucional defluiria de um outro
princípio, qual seja, o da rigidez constitucional, ao tempo em que outros pensam justamente o
contrário, isto é, que este último, o da rigidez constitucional, é que decorreria do primeiro, o
da supremacia da Constituição. A discussão é secundária não possuindo nenhum
desdobramento prático, fato que torna suficiente dizer-se que estão ambos os princípios
umbilicalmente ligados.
As implicões teórico-práticas da existência do princípio da supremacia
constitucional é que torna necessário que existam mecanismos de aferimento da
42
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: UnB, 1995, p. 58-59.
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38
compatibilidade de uma norma infraconstitucional e mesmo constitucional, desde que esta
venha a ser inserida em seu texto pelo processo legislativo próprio das Emendas à
Constituição à Norma Fundamental. De nada adiantaria que a Constituição fosse dotada de
toda essa supremacia se não existissem, na própria ordem constitucional, meios de se extirpar
do arcabouço jurídico as leis incompatíveis com os valores marmorizados na Constituição. O
sistema trazido pelo ordenamento constitucional para se aferir a pertinência entre normas de
menor hierarquia e a Constituição é denominado de controle de constitucionalidade das leis.
Estado cuja estrutura organizacional tenha sido constituída por uma Constituição, vale dizer,
comunidade política dotada de Norma Fundamental, deve trazer meios de se fulminar lei ou
ato normativo em desconformidade com a Constituição. Ensina Fernando Luiz Ximenes
Rocha que o controle de constitucionalidade das leis impõe-se, por conseguinte, diante do
sistema de constituições rígidas, pois este acentua a distinção entre o Poder Constituinte e os
Poderes Constituídos, resultando disso a supremacia da Constituição sobre as demais leis”.
43
Com obviedade, não é apenas nos sistemas de constituições rígidas que se faz
necessário o controle de constitucionalidade das leis, mas, de igual modo, naqueles em que o
sistema adotado é o de constituições flexíveis, aonde o processo para se modificar as normas
constitucionais é igual ao processo legislativo ordinário, o que não significa dizer que as
normas constitucionais e as ordinárias têm as mesmas funções.
44
2.2.1 Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade
Como já ficou claro, o ideal de se controlar a constitucionalidade de norma está
diretamente ligado ao de rigidez constitucional. Biscaretti di Ruffia escreve que
Quando a Constituição é rígida e já temos posto em evidência [...] que na
atualidade são rígidas quase todas as Constituições escritas em vigor a garantia
mais concreta e eficaz da proibição de que suas normas sejam modificadas por
meio das leis ordinárias consiste, indubitavelmente, na possibilidade de não aplicar
ditas leis quando se encontrarem em contradição com algum preceito
constitucional.
45
43
ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. O Controle de Constitucionalidade das Leis Municipais. São Paulo:
Atlas, 2001, p. 22.
44
MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Coimbra: Coimbra Editora,
1996. p. 40-41 apud ROCHA, Fernando Luiz Ximenes, op. cit., p. 22.
45
ROCHA, Fernando Luiz Ximenes, op. cit., p. 23.
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39
O controle de constitucionalidade das leis e atos normativos tornou-se necessário
desde o momento em que se passou a distinguir normas de hierarquias diferentes, sendo que
uma delas a de estirpe constitucional seria a concessora do fundamento para a
imediatamente inferior, de modo direto, e para as demais, de forma indireta. Foi exatamente
no instante em que na teoria do direito se procedeu à diferenciação entre norma constitucional
e norma infraconstitucional que se mostrou necessária a concepção de mecanismos de
extirpação de atos normativos inferiores a ferir um superior.
Essa preocupação surge no direito brasileiro já na época em que éramos apenas
colônia portuguesa. Em 1822, em meio às tentativas de independência e constitucionalização
do que viria a se tornar o Estado brasileiro, tinha-se por cenário para tal constitucionalização
as cortes portuguesas. Como leciona Aurelino Leal O primeiro projeto de artigos adicionais
é o de 15 de junho de 1822, estabelecendo o poder legislativo duplo em Portugal, Algarve e
no Brasil”.
46
Segundo esse projeto as leis que eventualmente viessem a ser elaboradas no
Brasil teriam que ser sancionadas pelo regente, gozando do poder de serem executada
provisoriamente até o momento de as Cortes a reverem-nas e serem sancionadas pelo Rei. A
completar o poder legislativo dever-se-iam criar as Cortes Gerais, compostas de cinenta
deputados, tirados das cortes especiais dos dois reinos pela metade, eleitos pelas respectivas
legislaturas, à pluralidade absoluta de votos. As cortes gerais legislariam sobre relões
comerciais dos reinos entre si, defesa do reino unido, guerra, marinha, despesas, moedas etc.
As cortes gerais decretavam, ainda, a responsabilidade dos ministros e o seu poder de
contraste sobre as leis votadas pelas cortes especiais era limitado, de modo que apenas dois
seriam os pontos em que o poder desta última era relativizado pelo da primeira. O primeiro
era o de verificar se as leis pelas cortes especiais elaboradas opunham-se ao bem do reino, e
a segunda hipótese era se ofendiam a Constituição Geral do Império. Note-se aí uma das
iniciais idéias de controle de constitucionalidade das leis no Direito brasileiro à época, no
direito luso-brasileiro.
47
No ordenamento constitucional contemporâneo as normas, ao entrarem no mundo
jurídico, empós ultrapassar todo o processo legislativo e quando for o caso após passar
pelo crivo do Poder Executivo, gozam de presunção de constitucionalidade. Isto quer dizer
que nem toda lei formal e materialmente existente passará necessariamente pelo crivo do
46
LEAL, op. cit., p. 40.
47
Idem, p. 40.
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40
Órgão responsável pela avaliação da compatibilidade entre ela e a Constituição. Para que
assim venha a ocorrer, há de haver provocação, por parte dos legitimados para tanto, para
que, aí sim, o órgão controlador da constitucionalidade manifeste-se para declarar a norma
inconstitucional ou constitucional. Tal presunção de constitucionalidade que se apresenta com
relação a toda e qualquer lei ou ato normativo, decorre do princípio da presunção de
legitimidade da norma jurídica que tem como escopo precípuo garantir a segurança e
estabilidade das relões derivadas das normas de direito. Celso Ribeiro Bastos leciona que:
Enquanto as leis constitucionais somente perdem a sua validade pelo surgimento de
nova lei, que as revogue, a lei inconstitucional arca com o ônus de um processo
específico de invalidação, qual seja, o de ver a sua invalidade declarada por outro
órgão, diferente daquele que a produziu.
48
Lúcio Bittencourt, refletindo sobre o princípio da presunção de legitimidade das
normas jurídicas escreveu que:
É princípio assente entre os autores, reproduzindo a orientação pacífica da
jurisprudência, que milita sempre em favor dos atos do Congresso a presunção de
constitucionalidade. É que ao Parlamento, tanto quanto ao judiciário, cabe a
interpretação do texto constitucional, de sorte que, quando uma lei é posta em
vigor, já o problema de sua conformidade com o Estatuto Político foi objeto de
exame e apreciação, devendo-se presumir boa e válida a resolução adotada.
49
Ocorre que a presunção de que gozam as leis não é absoluta e pode ser desafiada pelos
mecanismos oferecidos pelos diversos modelos e sistemas de controle de constitucionalidade
adotados pelos mais variados ordenamentos constitucionais.
Na tipologia dos sistemas de controle de constitucionalidade podem-se destacar três:
(a) o americano (estadunidense ou norte-americano), (b) europeu ou austríaco e o (c) frans.
O americano é aquele segundo o qual o controle de constitucionalidade pode ser realizado por
qualquer órgão do Poder Judiciário, por via de exceção apresentada pelas próprias partes
litigantes no caso concreto. Este sistema surge com o famoso caso Marbury v.s. Madison, em
que o Chief of Justice John Marshall teorizou a possibilidade de qualquer órgão judicial aferir
a compatibilidade entre leis e atos normativos e a Constituição. Poder-se-ia, em síntese,
caracterizar o modelo dos Estados Unidos como incidental, difuso, declaratório, inter partes,
ex tunc.
48
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 391.
49
BITTENCOURT, Lúcio. O Controle Jurisdicional da constitucionalidade das leis. Rio de Janeiro:
Forense, 1949, p. 83.
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41
Incidental ou incidenter tantum pelo fato de que a questão da constitucionalidade
ou não da norma não é o elemento principal da lide, podendo ser arida pelo autor, pelo réu
e, mais, pelo próprio juiz, sem que, necessariamente, haja provocação de qualquer das partes
em conflito. É difuso porque não se concentra em um único órgão apenas a competência para
proceder ao controle da constitucionalidade. Diz-se ainda que é declaratório pelo fato de que
a decisão que delibera a questão da constitucionalidade tem o condão apenas de declarar o ato
inconstitucional, porque a norma já nascera morta. Quanto aos efeitos pode-se caracterizar o
modelo americano como inter parte e ex tunc, por conta do fato de que a decisão somente
vincula as partes do processo, não valendo para terceiros que não o integram. Como a decisão
nesse modelo é declaratória, apenas reconhecendo que o ato já nasceu morto, os efeitos da
sentença lato sensu retroagem, daí dizer-se que gera efeitos ex tunc (desde então).
O modelo austríaco ou europeu foi idealizado ou sistematizado pela mente
privilegiada daquele pertencente à Escola Jurídica de Viena: Hans Kelsen. Sua primeira
aparição numa ordem constitucional foi na Constituição da Áustria com uma emenda de
1929. O que torna tal modelo peculiar são os seguintes caracteres: é principal, concentrado,
desconstitutivo, erga omnes, ex tunc ou ex nunc. Quando se diz que o controle de
constitucionalidade é principal no modelo austríaco, se quer dizer que a questão da
constitucionalidade é o objeto, mesmo, da ação. É também concentrado pelo fato de que a
competência para apreciar tais questões concentra-se em apenas um único órgão
especializado, normalmente denominado, pelos sistemas constitucionais que adotam tal
modelo, de Tribunal ou Corte Constitucional. Ao contrário do sistema americano, no modelo
austríaco a natureza da decisão que declara a inconstitucionalidade de norma não é
meramente declaratória, porque a lei não nasce morta, pelo contrário, ela vive enquanto não
for declarada inconstitucional, cabendo à decisão desconstituí-la, extirpando-a do arcabouço
normativo. Opondo-se, novamente, ao modelo de Marshall, o de Kelsen não provoca efeitos,
quando declarada a inconstitucionalidade, apenas entre as partes até porque o processo é
objetivo, o que significa a existência de partes litigantes, havendo, tão-somente, questão de
constitucionalidade em discussão. A decisão da Corte Constitucional vincula a tudo e a todos,
daí porque se dizer dela que tem efeitos erga omnes ou contra todos. Há um último aspecto:
a decisão do Tribunal Constitucional é um tanto quanto política, daí porque se deixa em
aberto a questão do efeito retroativo ou apenas a partir da sentença. A estipulação desses
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42
efeitos tem dependido de cada Constituição, sendo que algumas delegam ao próprio Tribunal
a tarefa de optar por um ou por outro, dependendo da casuística.
Há um terceiro sistema denominado de francês. O caso da França é bem peculiar
porque o encargo do controle de constitucionalidade restou-se entregue nas mãos de um órgão
especial absolutamente sem nenhuma vinculação com nenhum dos poderes. Denominou-se de
Conselho Constitucional tal órgão, formado entre o governo e parlamento. O Conselho
Constitucional instituído pela Constituição francesa de 1958 é formado por nove membros
nomeados (três, pelo Presidente da República; três pelo Presidente da Assembléia Nacional; e
três pelo Presidente do Senado), por um período de nove anos, sem direito à recondução.
Somam-se a estes, como membros natos, todos os ex-Presidentes da República. Além da
composição, há um outro fator interessante que peculiariza bem o sistema frans. É que em
determinadas matérias é obrigatória a manifestação do Conselho, por exemplo, no caso das
lois organiques, que são as que dizem respeito à organização dos poderes públicos, de caráter
estrutural e complementar à Constituição.
2.2.2 O Sistema Brasileiro de Controle de Constitucionalidade
O modelo brasileiro de controle de constitucionalidade é classificado como misto, pelo
fato de que agrega elementos tanto do sistema dos Estados Unidos da América do Norte como
do austríaco ou europeu. Disse-se do modelo americano que era incidental, difuso,
declaratório, inter partes, ex tunc; e do austríaco que era principal, concentrado,
desconstitutivo, erga omnes, ex tunc ou ex nunc. Usando da mesma metodologia para
classificar o modelo brasileiro de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos,
poder-se-ia dele dizer que pode ser dependendo do caso, como avante restará detalhado
tanto principal como incidental; difuso ou concentrado; erga omnes ou inter partes; ex tunc
ou ex nunc.
Quanto à natureza dos órgãos legitimados para proceder ao controle de
constitucionalidade no sistema brasileiro, pode ser jurisdicional e político. É político o
controle de constitucionalidade quando é efetivado pelos próprios órgãos que participaram da
elaboração do instrumento normativo, de modo que, antes de surgir para o mundo jurídico, o
projeto de lei morre por ser tido como inconstitucional. Esse controle é efetuado tanto pelo
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43
Poder Legislativo e suas Comissões de Constituição e Justiça, como pelo Poder Executivo,
quando lança mão do instrumento do veto por inconstitucionalidade.
É jurisdicional o controle quando todo e qualquer órgão do Poder Judiciário é
chamado para solver dúvida de constitucionalidade.
Pode-se ainda classificar o controle de constitucionalidade no Brasil quanto ao
momento em que se o realiza, podendo ser preventivo ou repressivo. O preventivo é aquele
realizado pelos órgãos políticos, ao passo que o repressivo é aquele ao qual o Poder Judiciário
procede.
Quanto ao processo, a fiscalização constitucional no Brasil pode ser incidental ou
principal.
Diferentemente do modelo americano, o brasileiro permite que uma questão
constitucional seja suscitada perante um Órgão especializado para analisar questões de tal
índole, e que essa questão constitucional seja o objeto, mesmo, da ação. Ao contrário do
modelo austríaco, o brasileiro permite que dúvida a respeito da compatibilidade de uma
norma à Constituição seja levantada em qualquer processo e que esta dúvida não seja o objeto
em si da ação, mas apenas uma questão secundária que não se confunde com o mérito,
mesmo, da discussão. Observa-se, já, que o modelo brasileiro usa de técnicas tanto do modelo
americano como do europeu, de modo que consiste, ele mesmo, em um modelo próprio, com
suas peculiaridades.
Todo e qualquer cidadão pode suscitar, por via difusa, a questão da
inconstitucionalidade de uma norma, podendo todo e qualquer magistrado deixar de aplicar
uma lei por entendê-la inconstitucional. É óbvio que, pela própria natureza da suscitação
difusa da vida constitucional, tal ação só geraria efeitos entre as partes litigantes naquela
dada ação específica.
Os legitimados para questionar a constitucionalidade de uma norma diretamente
perante o Supremo Tribunal Federal Órgão responsável por apreciar as ações diretas de
inconstitucionalidade, sendo também a última instância para conhecer das dúvidas
constitucionais por via difusa são mais restritos, embora bem amplos se comparados a
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44
outras épocas constitucionais, e é a própria Constituição quem o diz. O art. 103 da
Constituição Federal dispõe, literalmente:
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória
de constitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado
Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia
Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de
Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da Reblica; VII - o
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com
representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de
classe de âmbito nacional.
A ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade são
os meios mais comuns de provocação do Supremo Tribunal Federal para que se manifeste a
respeito da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei, não sendo, pois, os únicos
mecanismos, constantes do ordenamento constitucional brasileiro, dotados de capacidade de
suscitação por via concentrada da dúvida constitucional. Não comportando o presente
trabalho estudo mais aprofundado sobre o controle de constitucionalidade das leis no Direito
brasileiro, é o que se apresenta como necessário para análise no que tange à via concentrada
de provocação.
A Constituição prevê a possibilidade do controle difuso da constitucionalidade das leis
quando atribui, por exemplo, ao Supremo Tribunal Federal a competência para conhecer e
julgar Recursos Extraordinários decorrentes de causas julgadas em única ou última instância,
desde que a decisão recorrida venha a (a) contrariar dispositivo desta Constituição, (b)
declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, (c) julgar válida lei ou ato de
governo local contestado em face desta Constituição, (d) julgar válida lei local contestada em
face de lei federal.
Outro exemplo é o art. 97, do mesmo Diploma Fundamental, quando diz que
somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo
órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
do Poder Público.
Quanto aos efeitos subjetivos da declaração de inconstitucionalidade, existem duas
possibilidades no sistema brasileiro, sendo a primeira a do controle difuso, quando os efeitos
são apenas inter partes, e a segunda hipótese a do controle concentrado, quando as
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45
declarões geram efeitos para todos ou erga omnes. Há, porém, possibilidade de se estender
os efeitos da declaração por via difusa para todos, dando a ela o poder que apenas a
declaração em controle concentrado teria. Entra aí a participação do Senado Federal no
processo de fiscalização de constitucionalidade. O art. 52, X da Constituição é no seguinte
sentido: Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal. [...] X - suspender a execução,
no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo
Tribunal Federal.
Assim, em linhas gerais, dá-se desse modo a análise de compatibilidade de uma dada
norma à Constituição da República no Brasil.
2.3 Controlando a Constitucionalidade das Medidas Provisórias Considerações
Genéricas
Como dito no tópico anterior, quanto à natureza do controle de constitucionalidade no
Brasil, ele pode ser político ou jurisdicional. Com as medidas provisórias não poderia ser
diferente. Nenhuma dúvida paira quando se trata do controle político, mas não há
unanimidade quanto ao controle jurisdicional quando se está a tratar sobre aspectos
específicos do problema.
Especificamente no que pertine ao controle jurisdicional das medidas provisórias no
Brasil, pode-se dizer que ele se dá ou pode fazê-lo em três diversos níveis, quais sejam,
(a) um controle dos pressupostos constitucionais da relevância e da urgência, (b) um controle
da matéria sobre a qual versa a medida provisória (se pode ou não ser tratada por tal instituto)
e, por fim, (c) um controle meritório, isto é, verificando a compatibilidade do conteúdo
trazido pela medida provisória com as normas constitucionais substanciais.
50
Não que nas
duas primeiras hipóteses não haja uma verificação da compatibilidade do conteúdo normativo
trazido pela medida provisória e a Constituição Federal. Ocorre, apenas, que nessas hiteses
verifica-se sua compatibilidade com as normas procedimentais da Carta Política, ao passo
que, como antedito, no último caso compatibiliza-se a MP com a parte substantiva da Lei
Maior.
50
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 200.
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46
Uma vez editada a medida provisória ela deve ser, imediatamente, enviada à
apreciação congressual para que as Casas do Parlamento brasileiro manifestem-se não apenas
quanto ao mérito do instrumento normativo, mas também a respeito da sua
constitucionalidade, material e formal. Aliás, antes da análise do mérito da medida provisória,
a Câmara dos Deputados e o Senado Federal procedem ao juízo de admissibilidade da medida
provisória, analisando, justamente, a presença ou ausência dos pressupostos constitucionais
ensejadores da edição de medida de tal caráter (relevância e urgência). É nesse momento que
o primeiro controle de constitucionalidade é exercido, sendo que aí se trata da
constitucionalidade formal. Somente depois de admitida a medida provisória por pensarem os
parlamentares ser ela, realmente, urgente e relevante, é que se passa à análise da
constitucionalidade material e, empós, ao exame meritório da medida.
Controverte-se ainda, quando em pauta o tema do controle de constitucionalidade das
medidas provisórias, sobre se a lei de conversão convalidaria eventuais vícios de
inconstitucionalidade que a medida provisória carregasse. A jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, acertadamente, é no sentido de que não há convalidação de vício de
inconstitucionalidade com a mera conversão da MP em lei.
51
Aprovada pelo Congresso Nacional, a medida provisória não volta à sanção do
Presidente da República, por motivos óbvios. Se foi ele quem a editou, qual o sentido de pelo
seu crivo novamente passar? Absolutamente nenhum.
Como a medida provisória tem força de lei já a partir de sua edição, pode ser que seja
levada ao Judiciário alguma questão de constitucionalidade sobre ela antes mesmo que o
Parlamento se manifeste sobre sua admissibilidade. Questão essa que pode ser quanto ao
aspecto formal ou material da medida. Não paira nenhuma dúvida ao redor da possibilidade
de se questionar a medida provisória perante o Judiciário, mormente se tivermos em conta o
disposto no inciso XXXV, art. 5º da Constituição Federal. Ali está disposto: XXXV a lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. O caso das
medidas provisórias não poderia ser exceção ao princípio da inafastabilidade do Poder
Judiciário, como parece muito elementar.
51
Nessa esteira conferir a decisão do Min. Paulo Brossard na ADI 295-3-DF, DJ. 22.06.1990.
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47
Não são muitas as resistências quanto ao controle jurisdicional da constitucionalidade
das Medidas Provisórias quando se está a tratar do seu aspecto material e alguns formais,
surgindo, pois, muitas vozes a clamar pela impossibilidade de tal controle quando o objeto
venha a ser os pressupostos constitucionais da relevância e urgência.
O grande problema sobre os pressupostos reside no fato de serem eles aferidos por um
juízo eminentemente subjetivo, o que, por sua vez, decorre do fato de serem os requisitos
conceitos indeterminados e inaferíveis por mecanismos metodológicos objetivos. Surge,
então, grandes questionamentos: pode o Presidente da República aferir livremente que
situões se mostram urgentes e relevantes? É bastante o controle político exercido pelo
Congresso Nacional para garantir os cidadãos contra abusos na edição de medidas
provisórias? Às respostas, se possível.
2.4 Os Pressupostos Constitucionais: Conceitos Jurídicos Indeterminados
Os grandes debates em torno das medidas provisórias giram, normalmente, em torno
de alguns pontos, dentre os quais está a problemática dos pressupostos da relevância e
urgência.
Com relação ao poder do Presidente da República na edição de medida provisória,
Manoel Gonçalves Ferreira Filho escreveu que tal poder é condicionado pela ocorrência de
relevância e urgência”. (Destaque não presente no original).
52
Pinto Ferreira, no mesmo
sentido, assim se expressou: A edição das medidas provisórias está condicionada pela
existência de pressupostos constitucionais de caráter positivo, quais sejam, a relencia e a
urgência, cuja inobservância deslegitima a validade da medida provisória”.
53
(Grifos do
original).
Como se pode bem notar, não há nenhuma disputa doutrinária em torno da
necessidade da ocorrência dos pressupostos, cumulativamente, da relevância e urgência para
que esteja legitimado para editar medida provisória o Presidente da República. Mas o que
viria a ser relevante e urgente? O fato de não se poder responder objetivamente à indagação
transforma os pressupostos em conceitos denominados no Direito como indeterminados.
52
FERREIRA FILHO, op. cit., p. 234.
53
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1992, 3. v., p. 288.
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48
Sobre este problema escreveu Giorgio Agamben falando do conceito de
necessidade, mas absolutamente válido quando se discute a relevância: A necessidade, longe
de apresentar-se como um dado objetivo, implica claramente um juízo subjetivo e que
necessárias e excepcionais são, é evidente, apenas aquelas circunstâncias que são declaradas
como tais”
54
.
Os conceitos jurídicos indeterminados são aqueles que constam do ordenamento
positivo e que não têm um significado único, variando conforme o intérprete. São expressões
que permitem vários significados. Poder-se-ia dizer de tais expressões que são
plurissignificativas.
Karl Engish definiu os conceitos jurídicos indeterminados como aqueles “cujo
conteúdo e extensão são em larga medida incertos. As leis são
hoje, em todos os donio jurídicos, elaboradas por tal forma que os juízes e os
funcionários da administração não descobrem e fundamentam as suas decisões o
somente através da subsunção a conceitos jurídicos fixos, a conceitos cujo
conteúdo seja explicitado com segurança através da interpretação, mas antes são
chamados a valorar automaticamente e, por vezes, a decidir e a agir de um modo
semelhante ao do legislador.
55
Tem-se ainda que observar que o fato de os conceitos jurídicos abertos serem prenhes
de indeterminação dependendo a extração de um sentido da expressão de um labor
interpretativo amplo , conduz o estudioso à conclusão segundo a qual a interpretão de
norma com tais características recairá sempre sobre um juízo valorativo e, em havendo
valoração, ou um processo de atribuição axiológica de sentido, haverá uma espécie de
individualização do conceito.
Não é pelo fato de só ganhar verdadeiro sentido prático após processo de atribuição
axiológica de sentido pelo intérprete que faz dos conceitos jurídicos indeterminados passíveis
de ganharem qualquer significado. Absolutamente, não! O mero fato de se os caracterizar
como aberto ou impreciso
54
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 46.
55
ENGISH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Tradução J. baptista Machado. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian. 6 ed., 1983, p. 207.
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49
[...] não implica que lhes fala densidade significativa. Se dela carecessem não
seriam conceitos e as expressões com que são designados não passariam de ruídos
ininteligíveis, sons ocos, vazios de qualquer conteúdo, faltando-lhes o caráter de
palavras, isto é, de signos que se remetem a um significado.
56
Até porque se assim não fosse os conceitos jurídicos indeterminados prestariam um
desserviço ao Direito tendo em vista que este como afirma Habermas exerce a função de
estabilização das expectativas nas sociedades modernas”
57
.
É certo, pois, que nunca estará livre de subjetivismos a interpretação dos conceitos
jurídicos indeterminados. Destarte, o que não pode vir a ocorrer é o abuso na interpretação, na
atribuição axiológica de sentido à norma, o que, como qualquer abuso relativamente à norma
jurídica, levaria à atuão fora das circunscrições da legalidade.
Há problema complicado, ainda, a ser dirimido quando se tem em debate esta questão:
a confusão que de quando em vez se faz entre conceitos jurídicos indeterminados e
discricionariedade da administração pública. Alguns estudiosos falam deste último como se
do primeiro se estivesse a tratar, sendo que não procedem à necessária diferenciação. Celso
Antônio Bandeira de Mello diz que ato administrativo discricionário é aquele que a
Administração pratica dispondo de certa margem de liberdade para decidir-se, pois a lei
regulou a matéria de modo a deixar campo para uma apreciação que comporta certo
subjetivismo”.
58
Para o mesmo autor a discricionariedade não se confunde com o arbítrio e
ocorre quando por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no
mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação
vertente”.
59
Eros Grau contesta as alegações de Celso Antônio dizendo que não faz ele a
necessária distinção entre discricionariedade e conceito jurídico indeterminado.
60
Ainda sobre este problema e aqui parece que ele é resolvido trata García de
Enterría. Diz ele que, diferentemente da discricionariedade, nos conceito indeterminados
la Ley refiere uma esfera de realidad cuyos limites no aparecen bien precisados em
su enunciado, no obstante lo cual es claro que intenta delimitar um supuesto
concreto. [...] La ley no determina com exactitud los limites de esos conceptos
56
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Malheiros,
1993, p. 66.
57
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. V. 1. Rio de Jeneiro: Tempo
Brasileiro, 2003, p. 115.
58
MELLO, Ob. cit., p. 199.
59
Idem.
60
GRAU, Eros Roberto, O Direito Posto e o Direito Pressuposto. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 140.
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50
porque se trata de conceptos que no admiten uma cuantificación o determinación
rigurosas, pero en todo caso es manifesto que se es refiriendo a un supuesto de la
realidad que, no obstante la indeterminación del concepto, admite ser precisado en
el momento de la aplicación
61
.
O mais importante no pensamento de Enterría sobre o tema é a identificação a que
procede de três núcleos que comporiam a estrutura dos conceitos jurídicos indeterminados.
Aponta, primeiro, a zona de certeza, aonde não se mostra nenhuma dúvida quanto à certeza
do conceito no caso específico e concreto. Segundo: zona incerta ou intermediária, em que há
dificuldade patente em se aferir o conteúdo exato da norma. Em terceiro lugar existiria a zona
de certeza negativa em que se poderia apontar, com segurança, aquilo que não está abarcado
pelo conceito. O legislador lança, assim, mão destes conceitos dada a impossibilidade de
transpor o ser para o dever-ser.
Parece-me que é nos casos em que se situa na zona de certeza negativa que se pode
proceder ao controle jurisdicional da constitucionalidade dos pressupostos de habilitação das
medidas provisórias.
2.5 O (Ab) Uso das Decretações de Urgência na Nova Ordem Constitucional Análise
Empírica e Teórica
Não parece que seria satisfatório a análise meramente teórica de um instituto que
provoca tantas reações na prática política de um Estado como o fazem as medidas provisórias
no Brasil. Daí porque mostra-se interessante que se proceda a uma análise empírica do
problema, colocando-o, quanto a isso, no mesmo patamar de importância de uma explanação
teórica.
2.5.1 Alise Teórica
Sempre que algo começa a se apresentar como um problema em nossa legislação,
a primeira coisa que se faz às vezes até de forma impensada e automática é propor-se uma
mudança legislativa.
61
ENTERRÍA, Eduardo García de. Curso de Derecho Administrativo. Madrid: Civitas, tomo I, 6. ed.,
1993, p. 440-462.
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51
Em alguns casos de fato é o mais acertado a ser feito, porém, em muitos outros a
mudança apenas no modo como se lhe dá, e a forma como se aplica uma lei é o problema
maior. Somos conhecidos por termos uma legislão muito boa na maior parte dos casos, mas
não sabemos fazer com que seja cumprida.
Com as Medidas Provisórias não tem sido diferente. Mais que necessário, é
também
[...] legítimo que se ponha à disposição do Presidente da Reblica um instrumento
que lhe permita atacar problemas urgentes com uma medida que não possa esperar
o tempo que demanda a discussão e tramitação de qualquer matéria pelo processo
legislativo ordinário.
62
O trâmite de projetos de lei no Congresso Nacional é tormentoso, atribulado e
demorado. Mesmo que haja um requerimento de urgência em um projeto de iniciativa do
Executivo, em alguns casos não se mostra eficaz o suficiente para atender a demandas que
realmente requerem uma urgência ainda maior.
É o Poder Executivo que se encontra mais próximo dos problemas apresentados pela
sociedade. É este Poder o encarregado de pôr em prática ões que atingem de forma mais
direta a sociedade. Daí sua legitimidade em lançar mão de instrumentos desta natureza.
Mas toda essa explanação não afasta o fato de que há abusos na prática brasileira da
decretação de urgência. Tais abusos, pois, podem e devem ser controlados, sendo este
controle um dos fatores legitimadores da concessão ao Executivo da prerrogativa de expedir
atos legislativos. Nesse sentido é como leciona Sérvulo Correia:
Hoje [...] a representação popular não se canaliza, em sistemas de governo como o
português, através de uma só órgão de soberania. E o desenvolvimento da parte
material da Constituição e do controlo jurisdicional da constitucionalidade das
normas atenuou, pelo menos, os perigos que para o Estado de Direito democrático
podem advir da criação pelo Governo de actos legislativos e de regulamentos com
cobertura constitucional direta.
63
62
ROCHA NETO, Alcimor Aguiar. Mudança na Práxis e o Fim da Crise das Medidas Provisórias.
Disponível em: <www.migalhas.com.br>. Acesso em: 02 mar. 2006.
63
CORREIA, José Manuel Sérvulo. Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos.
Coimbra: Almedina, 1987, p. 236. Nenhum óbice se apresenta para a aplicação da idéia à doutrina e
ordenamento constitucionais brasileiros.
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52
O abuso na edição das medidas provisórias em terras brasileiras entendem alguns
estaria intimamente ligado com o fato de se adotar tal instituto num sistema de governo
presidencialista, quando é adotado em um sistema parlamentarista no ordenamento jurídico
do país que serviu de fonte inspiradora direta para o legislador constituinte de 1987/88. Não é,
pois, este o entendimento da doutrina majoritária, embora haja quem entenda ser um fator
relevante o da diferença entre os sistemas de governo. José Levi Mello do Amaral Júnior
entende que
A maior diferença entre a decretação de urgência italiana e a brasileira es não nas
normas constitucionais específicas ao decreto-legge e à medida provisória, mas,
sim, no sistema de governo em que os referidos institutos eso imersos. Na Itália,
o decreto-legge é utilizado em um sistema de governo parlamentarista; no Brasil, a
medida provisória era e continua a ser empregada em um sistema de governo
presidencialista.
64
E o mesmo autor acaba por constatar que na Itália o decreto-legge é editado, surgindo
no mundo jurídico, com presumido apoio da maioria parlamentar que sustenta o Governo do
dia. Por outro lado, não há tal presunção no Brasil, nem sequer relativamente à base
parlamentar que empresta apoio ao Presidente da República”.
65
Janine Malta Massuda
entende que
Não foi porque a medida provisória foi pensada para um sistema parlamentarista,
em que teoricamente a fiscalização sobre os atos do Executivo seria mais intensa, e
teve se de adaptar ao presidencialista que se originou o descontrole de seu uso e
repetição. De fato, pode até mesmo ser estabelecida uma crítica a este
entendimento, uma vez que a prática do sistema parlamentarista, assim como o
presidencialista, muitas vezes não acontece da forma prevista na teoria.
66
A autora completa dizendo que O desvirtuamento do uso da medida provisória
decorre, então, da conivência do Executivo com o Legislativo na manutenção do poder
estatal”.
67
Não parece, de fato, haver qualquer relação íntima e direta entre o sistema de
governo adotado pelo Estado e o abuso nas decretações de urgência, entendimento que é
corroborado pela práxis constitucional em países com um e outro sistema.
2.5.2 Alise Empírica
64
AMARAL JÚNIOR, op. cit., p. 203.
65
Idem, p. 203.
66
MASSUDA, Janine Malta. Medida Provisória: os fenômenos na reedição. Porto Alegre: Fabris, 2001,
p. 72-73.
67
Idem, p. 72.
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53
A pergunta que se coloca diante da afirmação de que há abusos na utilização, pelo
Presidente da República, das decretões de urgência é: como se aferir abusos na edição de
medidas provisórias?
Uma pergunta simples para um resposta deveras complexa. Como se já tem dito
exaustivamente ao longo de todo o estudo, a competência do Presidente da República para a
edição de medida provisória é excepcional e extraordinária, condicionada à ocorrência de
situação de relevância e urgência que clame por uma regulamentação que não possa aguardar
nem o processo legislativo ordinário e nem o trâmite pelo qual são obrigados a passar os
projetos de lei com regime de urgência.
A função estatal que deve ordinariamente legislar é o Poder Legislativo, de modo que
se o Poder Executivo coma a legislar mais do que o Parlamento algo há de errado ou de,
no nimo, estranho. É que não se consegue imaginar situões tão extremas com tanta
freqüência a ensejar a edição de medidas provisórias. Tudo isso impele o estudioso a uma
análise empírica da questão para que se possa aferir, de fato, se há abusos no lançar mão das
decretações de urgência.
O número de medidas provisórias consideradas as reedições superou o número de
leis entre 1994 e 2001, portanto antes da edição da Emenda Constitucional nº 32.
68
Abaixo
um quadro que bem demonstra o alegado:
ANO
MPs originárias
Média Mensal
Total de reedições
Média Mensal
Leis Ordinárias
1988
15 5 9 3 67
1989
93 7,75 10 0,83 276
1990
93 7,75 69 5,75 166
1991
9 0,75 2 0,17 219
1992
8 0,67 2 0,17 2199
1993
47 3,92 49 4,08 225
1994
91 7,58 314 26,17 131
1995
30 2,5 407 33,92 281
68
Conforme dados da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da Reblica,
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/Quadro/Governo_novo.htm.>. Acesso em:
10 mar. 2006.
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54
1996
41 3,42 608 50,67 177
1997
34 2,83 686 57,17 169
1998
55 4,58 748 62,33 178
1999
47 3,92 1040 86,67 175
2000
23 1,92 1088 90,67 218
2001
33 3,67 458 51 240
Com o advento da emenda constitucional acima mencionada conseguiu-se frear um
pouco o abuso quando se retirou a possibilidade de reedições indefinidas das medidas
provisórias, diminuindo o seu prazo para aprecião pelo Congresso para 60 dias e limitando
a uma única reedição por igual período. O abuso diminuiu. Mas não acabou.
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55
3 A JUSTIÇA CONSTITUCIONAL NA CONTEMPORANEIDADE
Se todos tivessem a exata noção de como o controle de constitucionalidade atinge não
somente o mundo jurídico, mas o cotidiano de todo e qualquer cidadão, o tema seria dos mais
importantes dos debates jus-políticos contemporâneos e parece que caminha a passos largos
para esse lugar nos debates acadêmicos.
É das mais fundamentais problemáticas a serem destramadas pela teoria política, do
direito e do Estado, a da legitimidade, questão antiqüíssima e complexa além da média. A
teoria da legitimidade sofreu tortuoso processo evolucionário ao longo da História, tendo
passado pelo direito divino, pelo princípio dinástico, pelo tradicionalismo, pelo
contratualismo. até alcançar o seu atual estado no espectro evolucionista, qual seja, o da
soberania popular e do Estado Democrático de Direito.
Modernamente, são muitas e extremadas as discussões sobre a jurisdição
constitucional, mormente depois que o Judiciário deixou de ser um mero guardião da
Constituição para tornar-se, senão totalmente, muito próximo do que alguns chamam de o
senhor da Constituição.
Foi principalmente com o nascimento e desenvolvimento da Teoria da Constituição
Dirigente, a do Garantismo Jurídico e de outras formulões teóricas, tais como o
neoconstitucionalismo, que o Judiciário ganhou poderes além do que vinha dele se esperando
nos últimos séculos, sendo que tem sido dele, nos últimos anos, a palavra final nas grandes
questões da democracia. A Teoria da Constituição Dirigente é aquela que pretende conceder
uma maior efetividade ou uma efetividade plena às normas constitucionais, usando como
instrumento, para atingir esse fim, a idéia de vinculação absoluta dos atores legiferantes aos
preceitos constantes do texto constitucional, inclusive àqueles que veiculariam apenas planos
para o futuro, programas. Dessa forma, alguns dos valores estatuídos na Constituição não
podem ser objeto de reformas propostas no âmbito do Poder Legislativo, de modo que deve
caber a alguém proceder ao controle de eventuais fugas do Parlamento das suas correntes que
lhe prendem aos axiomas constitucionais.
69
69
E não apenas aos axiomas, mas às normas-regras, do mesmo modo. Nesse sentido, vem corroborar esse
pensamento decisão do Supremo Tribunal Federal: O RESPEITO À LEI E A POSSIBILIDADE DE
ACESSO À JURISDÃO DO ESTADO (A MESMO PARA CONTESTAR A VALIDADE
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56
Pode-se dizer sem muito pensar quem, com obviedade, haveria de recair sobre o
Judiciário uma incumbência de tal monta e natureza, haja vista ser o poder político detentor
das prerrogativas de aplicar a lei ao caso concreto e de controlar a constitucionalidade das
leis. Ora, quanto mais se espargir a Teoria da Constituição, mais se atribuirá importância à
jurisdição constitucional, pois será através dela que se obterá respostas últimas sobre dilemas
que de quando em vez vierem a surgir nos ares políticos da República. Mas a questão não se
afigura tão simples assim.
Crescente que são os poderes do Judiciário, uma questão em especial se apresenta à
destrama: até que ponto pode ser o mais poderoso dos Poderes justamente aquele que não é
pelo povo escolhido? Como pode ser legítimo para dar as derradeiras palavras sobre
pendengas políticas o Poder que menos sofre influência da soberania popular e com cuja
teoria, em tese, guarda menos pertinência?
3.1 Causas Ensejadoras do Fortalecimento da Justiça Constitucional
Os dados objetivos da realidade levam-nos a concluir que, na atualidade, o Poder
Judiciário, tem crescido a cada dia que passa no grau de importância das instituições estatais.
Se o fenômeno não é uniforme no que tange à sua validade universal, podemos dizer que
valem as explanações que daqui por diante constarão de nosso texto, para o Brasil e alguns
outros Estados que adotam modelos parecidos de controle de compatibilidade das leis
infraconstitucionais às Constituições.
Na história do Estado Moderno, desde o seu nascimento se não natural, espontâneo
até a contemporaneidade, somos capazes de observar a sempre preponderância de um poder
ou função do Estado sobre os demais. É demasiado óbvio que essa constatão somente pode
ser feita quando direcionamos nossa análise para uma fase histórica e para espos
geográficos determinados. É que no Estado Moderno, no seu berço e nos seus primórdios, não
JURÍDICA DA PRÓPRIA LEI) CONSTITUEM VALORES ESSENCIAIS E NECESSÁRIOS À
PRESERVAÇÃO DA ORDEM DEMOCRÁTICA. - A necessidade de respeito ao império da lei e a
possibilidade de invocação da tutela jurisdicional do Estado - que constituem valores essenciais em uma
sociedade democrática, estruturada sob a égide do prinpio da liberdade - devem representar o sopro
inspirador da harmonia social, além de significar um veto permanente a qualquer tipo de comportamento
cuja motivação derive do intuito deliberado de praticar gestos inaceitáveis de violência e de ilicitude,
como os atos de invasão da propriedade alheia e de desrespeito à autoridade das leis da Reblica” (ADI-
MC 2213, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23.04.04).
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57
cabia a distinção, hoje consagrada, da divisão das funções estatais em três. Assim, não se
pode dizer que na Europa absolutista havia a preponderância de um poder sobre os demais,
pois ainda não havia uma noção sistematizada
70
da divisão tripartite dos poderes do Estado.
A Inglaterra é o primeiro país onde se viu nascer, na prática, o ideal de
desconcentração de poder, embora não tenha sido naquele Estado que se tenha implantado
pela primeira vez na história dos povos a teoria da tripartição das funções, até porque o
movimento inglês precede a formulação sistemática montesquieuana.
Daremos aqui uma visão mundana da preponderância de uma função sobre a outra nas
diversas fases do Estado Moderno, sendo que variando conforme a época e o espo
territorial, de modo que, num mesmo tempo, pôde o Executivo preponderar em determinado
local, ao passo que o Parlamento reinava num outro.
3.1.1 O Reinado do Parlamento
A estrutura genérica e a idéia de Parlamento surgem ainda no período medieval, sendo
que a instituição do medievo difere enormemente das que se assistiu florescer nos Estados a
partir do século XVII na Europa, mais especificamente na Inglaterra. Nesta Nação, em 1215
já se tentava impor o Parlamento relativamente ao monarca. Foi com a Magna Carta que os
barões ingleses impuseram ao rei João Sem Terra que de sem-terra não tinha nada (era dono
de quase todo o território frans, embora não fosse possuidor de quase nenhuma gleba no
seu próprio reino). A Magna Carta é de interesse do assunto que aqui expomos pelo fato de
que foi ela quem admitiu o direito da Nação em consentir o imposto, ou tributo. Daí sua
importância, apesar de não ter ela sido um instrumento tão lá democrático, como o quer
Stubbs, bispo de Oxford, que considera a Magna Carta como obra da Nação inteira, coligada
contra o Rei: Os barões não tinham a preocupação egoísta de exigir privilégios só para eles
[...] Mantinham e defendiam o direito do povo inteiro contra eles mesmos, assim como contra
seu senhor; cláusula por cláusula os direitos dos comuns são preservados tanto quanto os dos
nobres. Uma visão mais moderna e menos ortodoxa do fato histórico não o lê dessa forma.
70
Digo sistematizada pelo fato de que remonta a Aristóteles os primeiros germes do ideal da divisão das
funções do Estado. Esta idéia, como é natural a todas as demais, evolui nos estudos de grandes
pensadores da modernidade, passando por Maquiavel, Marsílio de Pádua e Locke até uma sistematização
procedida por Charles Secondat, mais conhecido por Barão de Montesquieu.
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58
Mas perdão a Stubbs. Hoje somos melhor informados do que o bispo e ainda temos a
vantagem de ter a história escrita a sangue-frio”.
71
Mas não é nessa época ainda que o Parlamento passa a imperar na Inglaterra. O
período do reinado do Parlamento inicia-se, principalmente, com a Revolução Gloriosa
inglesa de 1688, donde, aí, sim, o Parlamento inglês sai vitorioso contra o poder régio.
A Revolução Gloriosa é tida como a primeira das revoluções liberais, tendo iniciado
em 1640 e se estendido por quarenta e oito anos, até 1688, ocasião em que dá origem ao
primeiro país capitalista do mundo. Ao término de quase meio século de confrontos entre o
Parlamento e o monarca, com a solução da monarquia constitucional, foi criada a condição
primordial para o crescimento econômico de orientação capitalista. A conseência política
da Revolução Gloriosa e que, aqui sim, está diretamente ligada com o nosso estudo, foi que o
poder trocou de mãos.
Realizou-se na prática os ideais da teoria política contratualista, tendo a burguesia
consolidado boa parte de seus valores lançando mão da monarquia constitucional, limitando
os poderes do rei, reduzindo-o ao clássico mote do rei que reina, mas não governa. O
Parlamento passa a se sobressair relativamente ao monarca. A rigor, a luta travada entre o
poder régio e o Parlamento foi apenas o extravasamento de um debate mais profundo e de
interesses. O velho poder estatal protetor da antiga ordem feudal que fora apeado do poder
por uma verdadeira guerra de classes onde de um lado lutavam o despotismo do Rei Carlos I,
com o apoio das forças reacionárias da Igreja vigente e pelos grandes proprietários de terras
conservadores, contra o Parlamento defendido, entusiasticamente, pelas classes mercantis e
industriais da cidade e do campo, pelos pequenos proprietários rurais, pela nobreza
progressiva, em número pequeno, e pelas massas manipuladas, a parte mais vasta da
sociedade.
Nos fins do século XVI afirmava-se cada vez mais, nos Estados europeus de um modo
geral, a autoridade do monarca, que encontrou sua afirmação mais completa no absolutismo
iluminista dos séculos XVII e XVIII, quando os Parlamentos deixaram de ser convocados e
terminaram, quase, por desaparecer da vida política de algumas localidades.
71
A expressão é do professor Nelson Saldanha.
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59
A Inglaterra é um caso à parte. Dito isto, continuemos. Apenas após a explosão da
Revolução francesa que os Parlamentos (ou Assembléias representativas, numa expressão
mais genérica) foram trazidos de volta à cena pública, tendo muitos países imitado o modelo
inglês. A diferença mora no fato de que por trás do corpo político que ganha o Parlamento,
dá-lhe sustentação, a partir de então, uma configuração jurídica. A França tomou essa decisão
de vanguarda com sua Constituição de 1791, sendo que os Estados contemporâneos, em boa
medida, seguiram o exemplo.
O caso britânico é peculiar e deve ser estudado à parte por conta do desenvolvimento
das instituições representativas por lá. Remonta ao século XIII exigências, às quais já
poderíamos conceder o caractere de democráticas, ao monarca que só viriam a ser instituídas
noutras partes mundanas, quase meio milênio depois. E a tradição, somos todos sabedores
disso, é grande responsável pelo sucesso ou insucesso de algumas instituições, mormente as
políticas, sendo que a tendência das coisas é que será tão mais respeitada e dotada de
efetividade a instituição quanto mais profundas forem suas raízes na história, de modo que
séculos de experiências com uma instituição extremamente revolucionária, para os padrões da
época, haveriam de fazer do Parlamento inglês um caso especial, sem precedentes e que até
hoje não conseguiu enxergar naquelas Assembléias, que lhe tentaram imitar a forma, algo
pelo menos parecido no que tange à respeitabilidade e tradição. É como já escreveu Santi
Romano quando disse que a história oferece alguns exemplos de instituições que, devido a
uma causa especial e contingente, permanecem mesmo quando esta causa desaparece,
atingindo, por novos e supervenientes elementos vitais, força e autoridade. Para o
constitucionalista italiano, as instituições que assim surgem e perduram são, de um modo
geral, aquelas mais racionais, já que “a racionalidade mais segura não é aquela dos
indivíduos, mas a da História”.
72
3.1.2 A Era do Judiciário (?)
O Estado não deve medir esforços na persecução do bem coletivo e, para que se venha
a atingir esse alvo, ele há, necessariamente, que chegar sempre o mais próximo possível da
efetivação dos direitos fundamentais dentro de cujo amplo conceito estão abrigados os
72
ROMANO, Santi. Princípios de Direito Constitucional Geral. Trad. Maria Helena Diniz. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1977, p. 431.
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60
direitos de liberdades, os direitos sociais e as garantias individuais e coletivas. Desse modo,
os três Poderes ou funções do Estado devem estar a todo instante objetivando conceder
eficia aos dispositivos constitucionais que trazem à ordem jurídico-positiva este produto de
uma muito antiga construção histórica, que são os direitos fundamentais. É óbvio que ao
Judiciário não caberá suplantar Executivo e Legislativo na realização dos direitos, pois cabe a
cada um parcelas distintas de responsabilidade na perseguição destes desígnios. Mas diante de
uma situação em que nem Legislativo e nem Executivo se mostrem capazes ou dispostos a
aproximarem-se o máximo possível da concretização da Constituição, o Judiciário estará
legitimado a intervir na efetivação dos direitos e garantias constitucionais desde que, para
isso, não transborde para um decisionismo que não leva em conta limitões fático-empíricas
que impedem a tomada de determinadas medidas.
Aqui não deve prevalecer a concepção de democracia vinculada à vontade da maioria.
Existem esferas do ordenamento jurídico em que nem a maioria e nem mesmo a
unanimidade pode tocar para modificar desvirtuando. São normas fundamentadoras do
próprio sistema constitucional e que a própria Constituição elege como irretorquíveis,
intangíveis para restringir-lhes. Quem exerce esse papel na grande maioria dos ordenamentos
constitucionais escritos são, justamente, os direitos e garantias fundamentais, genericamente
falando. Nesse sentido é o ensinamento de Luigi Ferrajoli, corroborando meu entendimento:
Los derechos fundamentales se configuran como otros tantos nculos sustanciales
impuestos a la democracia política: vínculos negativos generados por los derechos
de libertad que ninguna mayoría puede violar; vínculos positivos, generados por
los derechos sociales que ninguna mayoría puede dejar de satisfacer.
73
Apesar de as teorias conspiratórias não gozarem de muita credibilidade e com muita
razão , parecia ter-se montado uma imensa conspiração para a não realização de uma grande
revolução no campo dos direitos do cidadão, deixando estes de impor apenas obrigões
negativas ao Estado para obrigá-lo, também, positivamente. Conservadorismo, positivismo e
liberalismo. São as três forças que puxavam para baixo a ascensão incoercível da necessidade
por direitos sociais.
Mas, como dissemos, a ascensão era incoercível e, de fato, demonstrou sê-la. Nascia
timidamente o Estado Social com todas suas promessas de superação dos problemas seculares
73
FERRAJOLI, Luigi, Derechos y Garantías La ley del más débil. Madrid: Trotta, 1999, p. 46.
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61
que afligiam os menos abastados, vítimas das práticas selvagens e inumanas perpetradas por
uma parte significativa do capital industrial e financeiro.
74
O constitucionalismo clássico que nascera como contra-força ao absolutismo, não
mais dá mostras de ter ainda a força necessária para enfrentar os desafios da
contemporaneidade. Não se pode julgar o constitucionalismo clássico dizendo-o injusto,
insensível, ou coisas semelhantes que provocam os mesmos efeitos. É que as teorias assim
como os homens devem ser analisadas dentro do contexto no qual foram idealizadas. O
absolutismo era uma realidade nos primórdios do Estado Moderno e algo havia de conter os
poderes insuperáveis do monarca, fazendo-o adstringir-se ao que melhor faria aos homens do
respectivo Estado Nacional. Daí concluirmos que o constitucionalismo clássico exerceu
fundamental papel para as liberdades conquistadas, ainda que muitas delas apenas no plano
formal. O que não podemos é julgar a teoria constitucional clássica dizendo-a injusta ou
insensível, pois os valores à época eram bem outros. Mas nada nos obstaculiza a não mais
pretender aplicá-la à realidade do século XXI.
Na lógica da teoria constitucional clássica, o Judiciário não é protagonista. É
principalmente com a derrocada do regime que precedera o instituído pela Revolução
Francesa que o Judiciário passa a ser visto, ali, com desconfiança. Os privilégios de que
dispunham justificam muito bem a postura da parte que saíra vencedora da Revolução.
É ao término da Segunda Grande Guerra Mundial que se passa a montar sistemas
institucionais na Europa aonde o Judiciário passa a constar como centro do Poder Estatal, não
isoladamente, mas ao lado dos dois outros. Nos Estados Unidos da América do Norte
(doravante EUA do Norte) ele já passara a exercer o papel de um dos protagonistas há mais
tempo, mais precisamente desde 1803, com o caso Marbury vs. Madison para alguns antes
disso, em 1792 e 1796 com os casos Hayburn e Hylton vs. United States, respectivamente.
75
74
Para importante lição sobre o problema ver o magistral trabalho MOREIRA, Luiz. A Constituição como
Simulacro. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 23: [...] a sofisticação das relacoes economicas
redundou em aproveitamento cada vez menor de o-de-obra desqualificada, reservando a ela trabalho
esporádico e informal; ä produção fabril, fundada na apropriacao do trabalho pelos que detém os meios de
produção, sucede um movimento de capitais cujo eixo se encontra na reprodução autopoietica do
capital.
75
BARROS, Sérgio Resende de. Controle de Constitucionalidade. Apostila para o programa de Mestrado
em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba. Piracicaba: Unimep, 2000.
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62
3.2 Justiça Constitucional e Soberania Popular: compatibilidade
Se não se abre exceção nem mesmo ao direito à vida, relativizado em
determinadas circunstâncias, nenhum motivo plausível parece existir para que se excetue,
justamente, o princípio da soberania popular da regra da relativização. Parece uma construção
de raciocínio em demasia conservadora pelo fato de que, à primeira e falha vista, parece
querer-se negar aquele princípio que é o cerne de um outro maior, qual seja, o da democracia.
Mas não se trata disso. Tanto é que quando falo em relativização do princípio da soberania
popular não o fo pautando minha linha de raciocínio por alguma fonte metafísica de
conhecimento. Ao contrário, extraio essa idéia do próprio texto constitucional. E o raciocínio
que conduz a esta conclusão é muito simples.
Como se sabe, é a própria Constituição que estabelece as regras para sua modificação.
Sendo a Constituição o resultado da luta de tendências, classes e ideologias travada na
Assembléia Nacional Constituinte, é nela que estão representados todos os valores e anseios
da sociedade, de modo que seus preceitos vinculam a tudo e a todos indistintamente. O povo,
em seu momento de maior expressão da soberania popular, optou por garantir a
imodificabilidade ou, melhor dizendo, a imodificabilidade para pior absoluta de
determinados valores que se pensou essenciais para o Estado brasileiro. Tais valores
encontram-se presentes no art. 60, parágrafo 4º da Carta Política. São as chamadas cláusulas
pétreas que não podem ser, nem mesmo, objeto de proposta de emenda à Constituição. Note-
se: nem mesmo a unanimidade pode deliberar sobre a repressão de algum direito ou garantia
fundamental.
Ora, caso fosse absoluto o princípio da soberania popular, não se conceberia que se
opusesse qualquer obstáculo à modificação de determinado algo que, por exemplo, noventa
por cento da população estivesse a reclamar. Mas em homenagem e respeito à Constituição,
admite-se que se limite a soberania popular até mesmo como forma de a protegê-la de, por
exemplo, solavancos autoritaristas e populistas que poderiam manipular a opinião pública.
Não se pode perder de vista o fato de que o princípio da soberania popular não é um
fim em si mesmo e que convive, dentro do ordenamento constitucional, com outros princípios
de igual hierarquia, tanto formal quanto axiológica. A soberania popular só fará sentido se,
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63
por seu intermédio, estiver o Estado a implementar objetivos comuns a toda coletividade. Já
se manifestou, nesse sentido, Fábio Konder Comparato, para quem “a legitimidade do Estado
passa a fundar-se não na expressão legislativa da soberania popular, mas na realização de
finalidades coletivas, a serem realizadas programadamente”.
76
Luiz Moreira questiona e, empós, responde que
É possível que a soberania popular seja exercida em sua plenitude sem os direitos e
garantias fundamentais? A soberania pode perdurar sem eles, mas não na plenitude.
Isso significa que sem eles a soberania fica fragilizada, pois a liberdade e a
autonomia dos sujeitos de direito não seriam exercidas plenamente. É nesse sentido
que os direitos e garantias fundamentais funcionam como uma petição de
tolhimento frente ä soberania. Eles lhe são necessários, mas não suficientes ä
soberania dos sujeitos de direito.
77
Demonstra-se aí a relação de interdependência e de retroalimentação de sentido”
78
entre soberania e direitos fundamentais o que acaba por desaguar numa dependência mútua
entre ambos que, por sua vez, procede a uma limitação recíproca das idéias. E ä jurisdição
constitucional também cabe, afora outras coisas, efetivar os direitos fundamentais.
3.3 O Novo Princípio da Separação das Funções Orgânicas do Estado
Os radicalismos são, normalmente, as principais causas da derrocada de determinada
idéia, inicialmente, palatável. A verdade não pode ser usurpada; ela pode, no máximo, ser
herdada por aquele que tentou dela se apropriar e morreu tentando fazê-lo. Noutras palavras
mais simples, a verdade é inapropriável e inusucapível porque indisponível. E indisponível
porque inauferível. Não se pode substancializar a verdade e aquele que tentou levar a cabo tal
aventura morreu antes de alcançar seu objetivo. Tudo isso para dizer, em síntese, que a
verdade não tem dono e que, em decorrência disto, os radicalismos são proibidos numa
sociedade civilizada. Aliás, só há uma única excão para esta regra: só se pode ser radical na
proibição de radicalismos.
76
COMPARATO apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito
Administrativo Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 89.
77
MOREIRA, LUIZ. A Constituição como Simulacro. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 98.
78
Idem.
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64
Como teoria clássica que é e que se vem sustentando-se, pelo menos em idéia, por
mais de séculos, a da separação dos Poderes do Estado não poderia ser de modo diverso.
Não se conceberia uma separação radical entre as funções estatais, de modo que o Judiciário
somente aplicasse a lei ao caso concreto, o Executivo apenas administrasse e o Legislativo se
limitasse à atividade legiferante. Quanto mais o tempo voa mais relativizada torna-se a teoria
tripartite das funções e a sociedade vem legitimando, cada vez mais, práticas típicas dum
Poder perpetradas por um outro. É a própria dinamicidade social que impõe essa necessidade,
essa mitigação de formalismos. E a relativização de formalismos não se confunde com
relativismo como pretendem alguns teóricos positivistas talvez com racionalismo.
Quando falo em relativização da teoria tripartite das funções estatais não quero dizer
que se tem pendido para o retorno ao status quo ante, vale dizer, aos tempos em que as
funções eram concentradas num só órgão do Estado e não raro numa só pessoa. Pretendo
explicitar, com a expressão relativização, a idéia de flexibilização dos limites de cada uma
das funções, deixando claro, portanto, que mitigar a teoria da separação dos poderes quer
dizer, modernamente, desconcentrar ainda mais, e não concentrar como pode, à primeira e
desapercebida vista, parecer. Sobre a relativizão da doutrina clássica da separação dos
poderes, aliás, já se manifestara James Madison, que escreveu nos Federalist Papers: se nós
olharmos as constituições de vários estados [...] não existe nenhum exemplo em que as
diferentes funções dos Poderes encontram-se absolutamente distintas e separadas”.
79
Diz
ainda que a maneira mais eficaz de se evitar eventuais riscos decorrentes da concentração de
poderes
Consiste em se dar para aqueles que administram cada departamento, os
significados constitucionais necessários, e motivos pessoais, para resistir às
interpenetrações dos outros [...] é preciso primeiro tornar o governo capaz de
controlar o governado; e depois, obrigá-lo a controlar-se a si mesmo. A
dependência do povo é sem vida o primeiro controle dos governos; mas a
experiência tem ensinado que outras precauções auxiliares são necessárias.
80
Não se pode perder de vista que o motivo ensejador do nascimento de semelhante
doutrina naquele século XVIII foi a necessidade premente de se castrar os exacerbados
79
MADISON, James. The Federalist no. 47, in ed. Wesleyan University Press, com notas e introdução de
Jacob E. Cooke, 2000, p. 327.
80
Tradução livre do seguinte texto original:consists in giving to those who administer each department,
the necessary constitutional means, and personal motives, to resist encroachments of the others [...] you
must first enable the government to control the governed; and in the next place, oblige it to control itself.
A dependence on the people is no doubt the primary control on the government; but experience has
taught mankind the necessity of auxiliary precautions.
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65
poderes que detinham os monarcas absolutos. Necessitava-se de uma justificativa teórica
hábil a apoiar a idéia de se retirar do rei o poder de tudo poder. O objetivo precípuo naquela
ocasião era resguardar a esfera individual de cada qual criando-se condições institucionais
para tanto.
E essa relativização da separação dos Poderes torna-se tão mais clara quanto maior a
proximidade do Estado Liberal de seu fim e o Estado Social de seu nascimento. É dessa
transição e de vários processos que se desenvolvem em seu seio que começa a nascer uma
necessidade por um Poder Judiciário que não se atenha apenas aos limites de índole formal-
positivista estatuídos nos ordenamentos constitucionais. Estes, aliás, não se contentam em
estabelecer limites à atuação do Judiciário, mas limitam, inclusive, os modos como pode este
Poder atuar dentro de suas próprias competências. É que o positivismo toma conta do
pensamento jurídico do como do século XX até o segundo pós-guerra, de modo a impedir
interpretões axiológicas por parte dos atores da atividade jurisdicional, vale dizer, dos
sujeitos responsáveis por aplicar o frio texto da lei à realidade em chamas. O gelo a entornar o
texto legal não é forte o suficiente para se sustentar perante as ardentes chamas da realidade
fática, o que se configura num dos mortais erros do positivismo.
Notamos, pois, que as amarras a tentarem impedir uma atuação efetiva do Judiciário
estavam presas a dois pontos, quais sejam, (a) o dos limites de natureza formal-positivista a
circunscreverem as competências judiciais e (b) o das limitões que o próprio pensamento e
filosofia jurídicos dominantes à época impunham.
Na verdade, o melhor modo de se interpretar alguma coisa é afastando-se do objeto
interpretando de modo a vê-lo não isoladamente, mas dentro de um contexto histórico e de
um sistema em que se correlaciona com outros conceitos e outros subsistemas. No momento
em que se foca tão-somente o objeto da interpretação, sem que se atente para todas aquelas
coisas que o circundam, está-se não apenas afastando o melhor resultado da atividade
interpretatória, mas também aproximando-se, na mesma medida, do mais desastroso. Nessa
esteira, Luís Roberto Barroso escreveu que toda interpretação é produto de uma época, de
um momento histórico”.
81
81
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do novo Direito Constitucional
Brasileiro (Pós-modernidade, Teoria Crítica e Pós-positivismo). Post Scriptum In: _________.
Interpretação e Aplicação da Constituição. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 304.
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66
Alguns juristas têm hoje em pleno século XXI tido as mesmas preocupões que
os revolucionários franceses tiveram no século XVIII. Os sentimentos que movem a ambos os
grupos são nobilíssimos, mas a preocupação quanto às suas efetivões justifica-se apenas
com relação àqueles que respiraram os límpidos ares setecentistas. É que os desafios da
modernidade não se confundem com os da contemporaneidade. Ao contrário, aqueles
primeiros já foram, em boa medida, resolvidos ou, pelo menos pertinentemente a eles, tem-se
um sentimento de segurança quanto às suas aplicações bem mais enrobustecido. O mundo
contemporâneo apresenta à solução outros problemas tão complexos como foram aqueles
com os quais se depararam os povos do século das luzes. Admitir-se que hoje se resgate estas
mesmas preocupões que inquietavam tais povos é o mesmo que admitir que esses mesmos
povos se preocupassem com problemas do século XVI.
O alerta de Bruce Ackerman é nesse mesmo sentido: A separação de poderes é uma
boa idéia, mas não há nenhuma razão para se supor que os escritores clássicos tenham
exaurido essa bondade. Ao contrário”.
82
É o magistério de Alexandre Santos de Aragão a
ensinar que não existe uma separação de poderes, mas muitas, variáveis segundo cada
Direito positivo e cada momento histórico”.
83
Tratar-se-ia de um grandioso absurdo, por exemplo, caso se viesse a querer ver
aplicada a doutrina da separação das funções estatais tal como fora cunhada pela primeira
vez. E os esboços gerais da idéia foram traçados já por Aristóteles, Pobio e Cícero estes
dois últimos a partir da experiência concreta da República Romana em suas diversas fases.
3.3.1 Esboço Evolutivo do Princípio da Separação das Funções
84
Modernamente, é na Inglaterra do século XVII que surgem as primeiras
sistematizações rumo a uma teoria aplicável à realidade fática dos governos. Naquele Estado,
a idéia de separar funções mantinha conexão direta com uma outra, qual seja, a do rule of
82
ACKERMAN, Bruce. The New Separation of powers. Harvard Law Review. V. 113, n. 3, jan. 2000, p.
727. Traduzimos livremente o seguinte texto original:The separation of powers is a good idea, but there
is no reason to suppose that the classical writers have exhausted its goodness. To the contrary.
83
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Princípio da Legalidade e Poder Regulamentar no Estado
Contemporâneo. RDA, 225, p. 111, jul./set. 2001.
84
As linhas gerais do princípio em análise foram desenhadas ainda na Grécia antiga e na Reblica
Romana. No pensamento medievo a idéia também foi expressa, ainda que de modo indireto, no
pensamento de Marsílio de Pádua.
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67
law. É que não se consegue nem mesmo imaginar como podem coexistir o império da lei com
a concentração de poderes nas mãos de um só homem ou de um só órgão de Poder. E é
nessa Inglaterra seissentista que Locke escreve a sua afamada obra Two Treatises of
Government. Para alguns, John Locke fora o pai da teoria da separação dos poderes, havendo,
pois, quem sustente opinião diametralmente oposta a essa no sentido de entender que não há
nenhum sinal em sua obra do princípio. A posição intermediária é também a majoritária e
enxerga a obra de Locke como precursora da idéia. Parece esta última a mais acertada.
Ocorre que é, conforme a idéia de Ver, Montesquieu quem apresenta a teoria como
um princípio dogmático e institucional. A doutrina montesquieuana incorre, pois, no erro ao
qual se referiu no início deste capítulo, isto é, o dos radicalismos. O barão propunha uma
separação demasiadamente rígida entre as funções estatais, o que até se entende quando se
tem em vista as necessidades da época nunca deixando de se contextualizar idéias e
ensinamentos.
Não se pode resolver problemas do presente com soluções do passado, do mesmo
modo que não se há de enxergar uma nova realidade usando lentes antigas. Daí porque se
deve reler e revisitar a antiga concepção de separação dos poderes que para Karl Loewenstein
já era, na primeira metade do século passado, uma antiquada teoria”. Nos dizeres de
Loewenstein:
O que na realidade significa a assim chamada separação de poderes, não é, nada
mais nada menos, que o reconhecimento de que, por um lado, o Estado tem que
cumprir determinadas funções o problema técnico da divisão de trabalho e que,
por outro, os destinarios do poder sejam beneficiados se estas funções forem
realizadas por diferentes órgãos: a liberdade é o telos ideológico da teoria da
separação de poderes. A separação de poderes não é senão a forma clássica de
expressar a necessidade de distribuir e controlar respectivamente o exercício do
poder político. O que, correntemente, ainda que erroneamente, se costuma
denominar como separação de poderes estatais, é na verdade a distribuição de
determinadas funções estatais a diferentes órgãos do Estado. O conceito de
‘poderes apesar de estar profundamente enraizado, deve ser entendido neste
contexto de uma maneira meramente figurativa.
85
O sentido que alguns ainda insistem em atribuir à separação de poderes é o de que a
doutrina deve ser protegida de toda e qualquer invasão de sentido diverso que, porventura,
viesse a macular o dogma, destruindo-o e desvirtuando-o. Desvirtua-se o princípio no
momento em que se quer tê-lo como absoluto, pois não foi o objetivo do seu nascimento
85
LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constitución. Barcelona: Ariel, 1986, p. 55.
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68
sustentar-se inalterado pela eternidade. A sua finalidade, no momento em que surge com toda
a força no século XVIII, foi o de controlar o poder político, garantindo a liberdade dos
cidadãos. Isso porque os ataques dos monarcas absolutos às mais diversas esferas de
liberdade do povo eram tão constantes quanto inaceitáveis e absurdos. Mas a era dos
monarcas absolutos pelo menos nas sociedades políticas civilizadas não passa de um
capítulo na história dos povos. Daí porque se deve reinterpretar a idéia de separação das
funções do Estado, adaptando-a à nova realidade política dos Estados, direcionando suas
ões e canalizando seu poder para a resolução de outras problemáticas que têm se
apresentado nos mais diversos ordenamentos constitucionais.
Quando se disse da necessidade de reinterpretação da doutrina da separação dos
poderes se quis fugir, de certo modo, daquilo que José Carlos Barbosa Moreira chama de
interpretação retrospectiva. Segundo esse método de interpretão dos mais errôneos diga-
se o olhar do intérprete dirige-se antes ao passado que ao presente, e a imagem que ele
capta é menos a representação da realidade que uma sombra fantasmagórica”.
86
Persistem, contudo, ainda algumas idéias intocadas com relação ao princípio da
separação das funções. E na específica problemática da interferência de um poder noutro
valeria lembrar o magistério de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, ao tratar da matéria da
possibilidade de apreciação judicial de determinados temas. Parece-me que o que foi dito por
Oswaldo Aranha permanece válido neste ponto, daí porque interessante que se expresse aqui
a idéia deste autor.
Para Oswaldo Aranha, alguns temas estariam livres de interferência do Judiciário
dadas suas próprias naturezas e essências. Seriam eles: a) a declaração de guerra e a
celebração da paz; b) a mantença e a direção das relões diplomáticas; c) a verificação dos
poderes dos representantes dos governos estrangeiros; d) a celebração e rescisão de tratados;
e) o reconhecimento da independência e da soberania de outros países; f) a fixação das
extremas do país com seus vizinhos; g) o comando e disposição das forças militares; h) a
convocação e mobilização da milícia; i) o reconhecimento do governo legítimo no Estado,
quando contestado entre duas parcialidades; j) a apreciação, nos governos estaduais, da forma
republicana, exigida pela Constituição; k) a fixação das relões entre a União ou os Estados
86
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 6. ed. Rio de Janeiro:
Forense, v. 5, 1993, p. 568.
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69
e as tribos indígenas; m) a adoção de medidas protecionistas
87
; n) a admissão de um Estado à
União; o) a declaração da existência do estado de insurreição; p) o restabelecimento da paz
nos Estados insurgentes e a reconstrução neles da ordem federal; q) o provimento de cargos
federais; r) o exercício da sanção e do veto sobre as resoluções do Congresso; s) a
convocação extraordinária da representação nacional.
88
3.4 Quem Deve Aferir o Conteúdo Jurídico-valorativo das normas de Conteúdo
Indeterminado
Os ordenamentos jurídicos modernos têm trazido em seu bojo normas às quais se
costuma atribuir o caractere de juridicamente indeterminadas. Seriam aquelas normas que não
possuem um conteúdo concreto, que apontariam para o futuro de modo que, aparentemente,
dela não se pudesse extrair uma idéia de efetividade imediata e de normatividade plena
(programaticidade?).
Conceitos como o de boa-fé”, função social, dignidade humana”, dentre outros
tantos que por todo nosso arcabouço normativo se encontram espargidos, são considerados
indeterminados justamente pela vastidão de subjetividade que sobre eles pesam. Assim,
sabedores que somos da existência de tais institutos jurídicos, deparamo-nos com um
problema que para alguns já se apresentou como insolúvel: como atribuir efeitos práticos a
tais normas de conteúdo abstrato?
É somente por meio de processos interpretatórios que se pode vir a estimar o conteúdo
normativo das normas de tal índole. A interpretão é o processo que se costuma usar,
afastando-se da pura forma lingüística, que come o instrumento normativo, em direção à
determinação do significado efetivo e mais próximo do real para o legislador que a
elaborou.
87
Não parece que com relação a este tenha acertado Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, tendo em vista
que pode ser que venha determinada medida protecionista a ferir princípios constitucionais da ordem
econômica.
88
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Teoria das Constituões Rígidas. 2. ed. São Paulo: Bushatsky,
1980, p. 123-131.
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70
As leis, de um modo geral, guardam em seus conteúdos um grau, de certo modo, alto
de materialidade e concretude, o que não vem a ocorrer, em regra, com a Constituição. Vem a
corroborar esse pensamento o de Inoncio Mártires Coelho:
Com efeito, enquanto a Lei ostenta um grau relativamente alto de determinação
material e de precisão de sentido, podendo, por isso, ser diretamente aplicável, a
Constituição pela sua natureza, estrutura e finalidade apresenta-se como um
sistema aberto de regras e princípios que necessitam da mediação de legisladores e
juízes para lograrem efetividade.
89
A lição de Paulo Roberto Lyrio Pimenta não é outra. Ensina que de modo isolado os
símbolos e signos nada representam até que se lhe venham a atribuir um determinado
significado mediante o seu uso que varia entre o aspecto onomasiológico da palavra, ou seja,
o uso corrente para designar um fato e o aspecto semasiológico, vale dizer, o seu
significado normativo.
As Constituições pluralísticas e democráticas modernas aumentaram
significativamente o uso de conceitos abertos, indeterminados, o que valorizou
excessivamente o ato de interpretar. É que nessas Constituições buscou-se inserir normas com
um determinado substrato axiológico, e é natural que quanto mais se tenta atribuir um sentido
valorativo a uma norma, mais se distancia de sua concretude, de modo que o aferimento de
seu conteúdo normativo-jurídico se torna tão mais difícil, quanto mais diversificados e plurais
forem a cultura e valores da sociedade na qual se a pretende aplicar e instalar.
É tendência dos homens e principalmente daqueles que fazem, estudam, aplicam e
operam o direito que da supervalorização de algo apenas, e inicialmente, instrumental
pelos estudos e discussões acadêmicas, acabe-se por não mais tratar o instrumental como tal,
mas como fim em si mesmo. Assim ocorreu com o processo que nasceu para servir como
meio para se atingir o fim, que é a composição dos conflitos, e é o que se vem assistindo com
a interpretão a qual devemos dedicar atenção apenas na medida em que ela merece, vale
dizer, apenas tida como um meio que serve a um fim: a medição do substrato normativo da
regra ou norma jurídica.
Ainda que a tenhamos como mero instrumento se é que podemos chamar de
meros os instrumentos não podemos esquecer de que merecem certa atenção, mormente
89
COELHO, Inoncio Mártires. Interpretação constitucional. Porto Alegre: SAFE, 1997, p. 26.
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71
no Direito Constitucional contemporâneo aonde cresce, como antedito, o uso dos conceitos
jurídicos indeterminados. Há, aliás, outro fato importante que atribui ainda maior importância
aos processos interpretatórios que são justamente a existência nem tão moderna assim de
normas constitucionais implícitas, vale dizer, de princípios implícitos com relação aos quais
devem-se pautar os intérpretes da Constituição quando da realização de seu mister.
O que de antemão necessitamos entender, para que desenvolvamos nosso raciocínio a
respeito do problema, é que numa sociedade plural, étnica e culturalmente diversificada, não
encontraremos definições uniformes de valores. Os axiomas variam conforme se modifica a
cultura da sociedade. E ainda em sociedades relativamente uniformes no que pertine às
diversidades culturais é de difícil aferimento das normas principiológicas, pois, em cada
indivíduo moram sentimentos distintos, de modo que o que se deve entender e ter quando se
fala de conteúdo jurídico-valorativo das normas programáticas é uma noção macro dos
valores de uma sociedade. Não se deve buscar apurar o que cada cidadão, individualmente,
sente e tem em sua escala valorativa como certo ou errado; como verdade etc.
Desse modo, o Poder político aonde se encontrará a representação da sociedade
pluralista e diversificada é o Legislativo. O Executivo, apesar de ser o resultado da vontade da
maioria, não é a representação do povo, o que lhe retira a legitimidade de interpretar os
valores que este tem arrolado em sua relação valorativa. Ao Judiciário pelos mesmos motivos
isto é, por sua composição não decorrer do resultado da vontade dos cidadãos não se
poderia atribuir legitimidade para a aferição do que vem ou não a ser o correspondente aos
anseios populares no que tange a seu baldrame axiológico.
Mas a questão não se encerra nesse ponto. José Alfredo de Oliveira Baracho escreve
sobre a interpretão evolutiva que, consoante seu magistério, amplia a operação que visa
reconstruir o direito dinamicamente, com grande influência nas exigências resultantes da
realidade social manifesta.
90
Para Baracho, a finalidade evolutiva da interpretão vem propiciando várias
polêmicas, das quais se poderiam destacar duas, quais sejam, a) os que sustentam uma
interpretação fixa e abstrata do direito, para reservar as mudanças ao legislador; b) de outro
90
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Hermenêutica constitucional. Revista de Direito Público, v. 59-
60, 1981.
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72
lado, propõe-se uma mudança ativa da interpretação, particularmente da jurisprudência, ao
adequar o ordenamento à evolução das relações sociais.
91
Aqueles que preferem agarrar-se à primeira corrente, isto é, a que pretende interpretar
fixamente o direito, fecham os olhos para a dinamicidade das sociedades humanas e das
comunidades políticas. É impossível que interpretemos o Direito sem que levemos em conta
fatores externos à Ciência estrita e pura”, tais como contextos históricos, sociológicos,
econômicos e filosóficos. A concepção técnico-jurídica que pretende interpretar de forma fixa
o direito entende a dogmática jurídica como auto-suficiente em seus fundamentos teóricos e
lógicos.
Já aqueles que são partidários da idéia de que a jurisprudência pode adequar o Direito
às mudanças e transformações sociais, levadas a cabo pela dinamicidade das comunidades
políticas, e através da interpretação dinâmica das normas jurídicas, parecem acertar no alvo
que nada mais é do que o fim, mesmo, objetivado pelo Direito, qual seja, o bem comum,
dando a cada um o que lhe é devido, compondo conflitos, harmonizando as relões sociais e
a elas concedendo a devida segurança jurídica, tão necessária para o desenvolvimento da paz
interna de cada indivíduo e para o florescimento do sentimento de felicidade no espírito de
cada cidadão. Ultrapassada essa necessária explicação chegamos ao que efetivamente nos
interessa.
Ora bem, a crescente necessidade e a recente supervalorização da atividade e dos
processos interpretatórios decorre, senão tão-somente, em grande parte, do uso cada vez
maior, por parte do Legislador, de conceitos jurídicos abertos, indeterminados. Essa
interpretação não poderia caber a outro Poder que não fosse o Judiciário. E para essa
afirmação há dois motivos que concorrem para o mesmo fim.
O primeiro deles é que, historicamente, tem cabido ao Poder Judiciário aplicar o
direito ao caso concreto. Quando chamado para exercer seu mister, o Judiciário,
necessariamente, há de proceder à mediação entre a norma regulamentadora e o fato da vida
regulamentado.
92
Tal mediação consiste, justamente, na interpretão. É da própria natureza
91
Ibid.
92
E essa mediação pressupõe uma interpretação, objeto, aliás, da Hermenêutica que tem sua origem
epistemológica no Deus Hermes, tido como o Deus do comércio, da intermediação.
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73
do Poder Judiciário interpretar normas, processo pelo qual se pode aferir o substrato jurídico-
axiológico de determinada norma.
Um segundo motivo, intimamente ligado ao primeiro, é que é o próprio legislador
quem opta por fazer constar dos instrumentos normativos conceitos jurídicos abertos que
abrem espaço para a interpretação da norma jurídica. É exatamente neste momento em que o
legislador seja constituinte ou ordinário insere no texto constitucional ou legal conceitos
indeterminados que são remetidos ao intérprete, que aplica e opera o direito, à aferição que
confere normatividade à disposição jurídico-normativa.
Mas pode-se arir que o legislador é obrigado a lançar mão de conceitos
indeterminados pela impossibilidade, quase física, de se individualizar e de se prever
concretamente todas as situões que poderão, eventualmente, ser oferecidas pela realidade
fática. E isso é verdade. Isso não retira, pois, a consistência da argumentação lógica supra
apresentada. Ora, se o legislador não pode prever as situões que podem exigir concretude
dos conceitos jurídicos indeterminados, há que se atribuir a alguém a tarefa de interpretá-los
diante de cada caso concreto e é pela sua própria natureza que o Poder Judiciário é chamado
e o deve ser para interpretar a norma, finalística e conseencialisticamente, de modo a
concretizar, aplicando aos casos individuais que se lhe apresentarem, os ideais postos nos
instrumentos normativos pelo legislador.
Por interpretação conseencialista vale que se retranscreva cá o que Manuel Atienza,
comentando o pensar de Neil MacCormick, falou sobre a argumentação jurídica, que,
segundo seus próprios dizeres, é essencialmente uma argumentação conseencialista”:
Sua tese [de Neil MacCormick] consiste em afirmar que justificar uma decisão
num caso difícil significa, em primeiro lugar, cumprir o requisito da
universalidade, e, em segundo lugar, que a decisão em queso tenha sentido em
relação ao sistema (ou seja, que cumpra os requisitos de consistência e de
coerência) e em relação ao mundo (o que significa que o argumento decisivo
dentro dos limites marcados pelos critérios anteriores é um argumento
consequencialista.
93
Enquanto o Judiciário estiver a interpretar a norma conseencialisticamente, estará
legitimado para fazê-lo, e será importante que o faça até para que conceda dinamicidade à
93
ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito. 3. ed. São Paulo: Landy, 2003, p. 286.
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74
norma jurídica originalmente estática de modo a -la atualizada com a realidade social e
a comunidade política.
3.5 A Legitimidade da Jurisdição Constitucional
A questão da legitimidade do Poder Judiciário para alguns não passaria
necessariamente pelo fato de ser ou não eleito diretamente pelo povo, mas, aí sim, deveria,
fundamentalmente, cruzar o labiríntico caminho da realização material do bem coletivo, vale
dizer, deveria atender às necessidades do povo de modo que viesse este a se sentir
contemplado pelos atos que, além de respeitarem as normas básicas de procedimento,
viessem a consistir, igualmente, na transformação de preceitos abstratos em concretas
realizações de determinado conteúdo prático e de ordem social, guardando sempre
consonância com os axiomas emanados pela comunidade política. Não deveria, pois,
circunscrever-se
a um processo tecnocraticamente apto a justificar o funcionamento sem falhas do
sistema; como instrumento normativo a constituição preocupa-se com a justeza das
decisões, com a identidade material de uma ordem política, com a legitimidade
normativo-substancial do sistema político.
94
Sendo o Poder mais neutro às pressões político-partidárias, parece, segundo algumas
balizadas opiniões, que o Judiciário buscaria sua legitimidade em agir como árbitro já desse
argumento, sendo que, obviamente, sem prejuízo de outros muitos. Esse não parece ser um
argumento consistente. Ocorre que sua fragilidade não prejudica a argumentação em favor de
sua legitimidade, tendo em vista os variados aspectos a respeito dos quais nesse estudo estão
sendo e ainda serão expressos.
A atividade judicial buscaria legitimar-se, também, no fato de que o Poder
Constituinte originário estatuiu grande rol de direitos e garantias fundamentais, sendo que
haveria de se criar algo responsável por efetivar tais axiomas capitais, de modo que este
algo responsável transformar-se-ia numa espécie de guardião do baldrame axiológico do
povo constitucionalmente previsto.
94
CANOTILHO, op. cit., p. 262.
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75
Ainda que assim entendêssemos, deparar-nos-íamos com uma outra problemática: por
quais mecanismos poder-se-ia aferir que valores seriam esses compartilhados pelo povo?
Como determinar o conteúdo das normas abstratas de substância eminentemente
principiológica?
Cairíamos no mesmo dilema para responder esse questionamento. Pode-se aduzir que
determinados valores estão expressos no próprio texto constitucional, o que é verdade. Ocorre
que existe uma infinidade de outros que estão apenas implícitos e, mesmo, alguns que se
encontram explicitados guardam grande dificuldade quanto ao aferimento de seus conteúdos
jurídicos. Diante dessa dificuldade surgem, então, correntes do pensamento jurídico que
pretendem extirpar do arcabouço normativo as questões valorativas e ideológicas pelo fato de
que, como ensinou Kelsen em sua famosa teoria pura do direito, toda ideologia tem sua raiz
na vontade, não no conhecimento, mas originada em determinados interesses, ou melhor, no
interesse pela verdade; diante do que, naturalmente, nada se deve dizer sobre o valor ou a
dignidade desses outros interesses.
95
Hans Kelsen ainda conclui o mesmo raciocínio alegando que é contra ela, ideologia,
que se insurge a Teoria Pura do Direito. Ela apresenta o direito como ele é, sem legitimá-lo
como justo ou desqualificá-lo como injusto; ela indaga do real e do possível, e não do direito
justo. Aproxima-se do direito positivo para avaliá-lo. A ideologia encobriria a verdade, e com
sua intenção de preservá-la, de defendê-la, transfigura-a, ou, na intenção de agredí-la, de
destruí-la, substitui-la através de outra, desfigura-a.
O precípuo fim do Direito, segundo a teoria kelseniana, não seria alcançar justiça, mas
tão-somente frear os impulsos primitivos de todo ser humano, de modo a conceder mais
segurança às relações sociais.
Ora, mas é demasiado simplista que nos esquivemos no pensamento jurídico-positivo
apenas para fugir das questões do Direito que se apresentam aos cientistas e que se mostram
complexas. Esse relativismo ético-jurídico contesta a possibilidade de um conceito objetivo
de justiça, dizendo do Direito uma ciência que deve se afastar dos aspectos axiológicos sob
pena de que possa, mesmo, passar a não mais merecer ser chamada de Ciência. De fato, seria
95
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
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76
uma forma de se eliminar o questionamento a respeito de como se aferir o conteúdo jurídico
dos princípios valorativos trazido pela Constituição, mas o que se espera não é que se elimine
a pergunta, mas que se a responda.
3.5.1 Fontes de Legitimidade da Jurisdição Constitucional
Uma coisa é se discutir a legitimidade do Poder Judiciário quando atua realizando
suas funções típicas. Uma outra bem diferente é referir-se à sua legitimidade quando exara
decisões que suplantam deliberões do Parlamento.
A importância na delimitação da legitimidade da jurisdição constitucional para o
presente estudo prescinde de qualquer explicação, mas apenas para que não se deixe de tratar
da problemática, poder-se-ia lembrar que, quando se debate a respeito da possibilidade ou
impossibilidade de se controlar, jurisdicionalmente, a constitucionalidade dos pressupostos
constitucionais das medidas provisórias, repito, quando se debate a respeito disso, está-se a
discutir, de modo frontal, se a jurisdição constitucional encontra fundamento de validade e de
legitimidade, para assim proceder, ou deixar de proceder, na Constituição. Daí porque essa
confrontação doutrinária e teórica mostra-se fundamental.
A questão de legitimidade da jurisdição constitucional iniciou-se já quando do ato
inaugural do modelo que proporcionou ao Judiciário a possibilidade de controlar a
conformação da legislação ordinária com o texto constitucional. Após a unânime decisão do
afamado caso Marbury v.s. Madison, o então presidente norte-americano, Thomas Jefferson
não se conformou com a decisão, levantando a questão da legitimidade do juiz constitucional
em dar a última palavra a respeito de uma grande questão para o nascente Estados Unidos da
América do Norte.
E Jefferson não estava sozinho nesta briga. James Madison igualmente condenou
vigorosamente a afirmação do controle judicial da constitucionalidade das leis. Em nome do
essencial equilíbrio dos poderes e do próprio ideal de democracia, recusaram-se a enxergar na
Supreme Court ainda que apenas faíscas de legitimidade, haja vista ser um órgão
politicamente irresponsável.
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77
Os tempos eram bem outros. Não obstante, a corrente que coaduna com a visão de
Jefferson e Madison ainda é muito forte, sendo que não se tem como distinguir, na doutrina
constitucional moderna, posição arrasadoramente dominante com relação à problemática. A
sociedade tem-se mostrado excessivamente dinâmica e tem procedido a mudanças
comportamentais com uma velocidade nunca experimentada dantes na história por qualquer
povo que seja.
É exatamente desta dinâmica e velocidade das mutações procedimentais, de conduta e
de valores dos membros duma comunidade política que decorre a necessidade de o Direito
acompanhar com igual velocidade as transformações da realidade fática e por conseguinte
também a legitimidade, pois a necessidade é um dos fatores capazes de legitimar
determinados atos e fato (vide o estado de necessidade, previsto pela lei penal, como
legitimador de condutas originariamente criminosas).
Ao Executivo não se pode confiar o papel de interpretar a mudança de valores da
coletividade pelo fato de que se corre alto risco de se entregar a chefia deste poder a algum
tirano ou a algum governante que, mesmo com boas intenções, venha a deturpar os valores da
comunidade confundindo-os com os seus. Confiássemos apenas ao Legislativo a tarefa de
atualizar o Direito com os anseios populares que a todo instante mudam, correríamos o risco
de engessar, não a realidade fática, mas o Direito.
Como sabemos, a realidade fática é iningessável, sua força é incoercível e se o Direito
a ela não se adaptar, ela não se adaptará ao Direito. Ou como se escreveu, certa feita, num
histórico documento da história do Brasil: As leis, as Constituições, todas as instituições
humanas, são feitas para os povos, não os povos para elas.
Portanto, somente o Judiciário é capaz de acompanhar a realidade social, fazendo
aplicar o Direito como a sociedade espera que o seja feito e não apenas como uma
determinada prescrição legal determina que se o aplique. O lugar sagrado do Poder
Legislativo e suas precípuas funções devem ser resguardados, ad eternum ou até que se
transformem os axiomas sociais. O Judiciário não pode em hipótese alguma substituir o
Legislativo, mas ambos devem cooperar, exercendo cada qual o seu múnus constitucional,
concorrendo para realizar a única coisa que de fato interessa e que está acima de quaisquer
disputas institucionais: o bem coletivo.
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78
3.5.2 O (Novo) Princípio Democrático e a Justiça Constitucional
O princípio democrático não se confunde com o princípio majoritário. Se assim o
fosse, poder-se-ia, com toda convicção e certeza, aduzir que o regime democrático seria
sinônimo de ditadura da maioria. Parece um absurdo e realmente o é.
Ultrapassadas essas considerões, pode-se concluir que não será sempre a vontade da
maioria o elemento concessor do caractere de democrático a determinado algo regime de
governo, Estado, órgão etc. Em um efetivo regime democrático existem normas e princípios
que não podem ser modificados nem mesmo pela unanimidade e isso não implica na negativa
do regime democrático. Ora, se a negativa, nesse caso, da possibilidade de a maioria deliberar
sobre determinados assuntos não exprime nenhum sentimento ou ideologia antidemocrática
e parece que ninguém pode argumentar de modo contrário a isso por que com relação à
jurisdição constitucional esse argumento seria válido? Dito de outro modo: argumentam os
que se posicionam contra a legitimidade da justiça constitucional que o fato de não serem os
membros que a compõe eleitos diretamente pelo povo único detentor do poder soberano, ou
o poder soberano, em si retirariam dela todo e qualquer elemento legitimador. Ou seja,
como a maioria nenhum poder direto mantém sobre a jurisdição constitucional, careceria ela
do elemento democrático, tendo em vista que atuaria à revelia dos detentores do poder
soberano. Mas a maioria nada pode contra as cláusulas pétreas e nem a unanimidade,
ressalte-se. E esse fato, ao invés de negar o princípio democrático faz, mesmo, é torná-lo mais
efetivo, quando afasta de maiorias circunstanciais deliberões que poderiam desfigurar a
própria organização do Estado.
O princípio democrático ganha nova configuração no Estado contemporâneo de modo
que nele passa o controle jurisdicional da constitucionalidade a constar como uma atenuante
dos riscos de arbítrio a ser levado a cabo por parte de um dos poderes sobre os outros.
96
Ensina Ana Paula de Barcellos que a doutrina contemporânea da separação de poderes é um
mecanismo engajado em um propósito: controlar o exercício do poder [...] garantindo-se o
96
ROCHA NETO, Alcimor Aguiar. Política vs. Direito Os Limites da Jurisdição Constitucional.
Disponível em <http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=22235>. Acesso em:
20 mar. 2006.
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79
Estado de Direito e, principalmente, os direitos fundamentais”.
97
Este, o papel central do
controle jurisdicional da constitucionalidade na nova democracia.
Aliás, nas doutrinas constitucionalista e administrativista é pacífico que mesmo o
histórica e classicamente intovel mérito administrativo dos atos estatais pode vir a sofrer
controle em razão de alguns aspectos, dentre os quais, do desvio de finalidade ou de poder; da
aplicação da teoria dos motivos determinantes; do controle da
razoabilidade/proporcionalidade; e do controle da moralidade.
98
Do mesmo modo, a jurisdição constitucional efetiva o princípio democrático antes de
ferí-lo. A justiça constitucional realiza a democracia, por exemplo, ao assegurar um correto
processo legislativo na elaboração das leis ou quando protege a minoria contra os ataques da
maioria, analisando o conteúdo das normas, e não apenas seus aspectos procedimentais. E não
é a justiça constitucional que determina que a minoria deve ser protegida, é a própria
Constituição que o faz. Ora, qual o objetivo da Carta Fundamental ao exigir um quorum de
três quintos para se emendar a Constituição se não for o de exigir a participação da minoria
nas decisões políticas de grande importância? Sem a participação da minoria no processo de
mudança constitucional, caso venha a se efetivar tal modificação, ela será escancaradamente
inconstitucional. E quem haveria de proteger o interesse das minorias na constitucionalidade
da lei entendida aqui no sentido amplo senão a jurisdição constitucional? Caso se deixasse
a cargo do próprio Parlamento essa decisão, ele estaria a julgar a si próprio e a maioria
deliberaria segundo suas conveniências, declarando constitucional uma lei escancaradamente
contrária à Constituição.
É exatamente nesse sentido que se manifestou, certa feita, Hans Kelsen quando
declarou que
a essência da democracia reside não no império absoluto da minoria, mas
exatamente no permanente compromisso entre maioria e minoria dos grupos
populares representados no Parlamento, eno representa a jurisdição constitucional
um instrumento adequado para a concretização dessa idéia. A simples possibilidade
de impugnação perante a Corte Constitucional parece configurar instrumento
adequado para preservar interesses da minoria contra lesões, evitando a
97
BARCELLOS, Ana Paula de. Separação de Poderes, Maioria Democrática e Legitimidade do Controle
de Constitucionalidade. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Rio de Janeiro, v. 53, p. 84, 2000.
98
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 210-211.
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80
configuração de uma ditadura da maioria que, tanto quanto a ditadura da minoria,
se revela perigosa para a paz social.
99
Querendo expressar a mesma idéia, Édouard Laboulaye escreveu que A Constituição
é uma urna sagrada na qual o povo depositou as suas liberdades, certo de que ninguém, nem
mesmo o legislador, teria o direito de violá-la. Os juízes federais são a garantia desse depósito
sagrado”.
100
101
Ser prolixo nesse momento não é pecado: a jurisdição constitucional efetiva o
princípio democrático antes de ferí-lo.
3.5.3 Mutação Constitucional
A Constituição Federal de 1988, lei suprema do ordenamento jurídico
brasileiro, desde o esgotamento da revisão, dispõe de apenas um mecanismo de
alteração formal do seu texto, responsável pela atualização e perpetuação do esforço do
legislador constituinte.
A Emenda Constitucional (espécie de veículo do Poder reformador) tem como
um de seus objetivos precípuos ajustar os dispositivos da Carta Magna à realidade
social, propiciando maior aplicabilidade e efetividade das normas, pois é certo que a não
manutenção, torna o texto constitucional um instrumento insuficiente ao exercício digno
dos direitos nela positivados.
Outro meio, com objetivo semelhante ao mecanismo supracitado, é a mutação
constitucional, que corresponde ao chamado poder constituinte difuso. Essa
modificação se dá de forma implícita, alterando o resultado da interpretação da norma
sem, contudo, alterar o texto normativo.
3.5.3.1 Mutação Formal
As modificações ao texto constitucional se dão através de procedimento
extraordinário, em decorrência de sua rigidez. O legislador constituinte originário
102
,
99
KELSEN, Hans. La Garanzia giurisdizionale della Constituzione. Milão: Giuffrè Editore, 1980, p. 144.
100
LABOULAYE, Édouard. Do Poder Judiciário, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 20.
101
Quando Laboulaye se refere a “juízes federais não o faz usando a expressão no mesmo sentido que se
costuma fazer no Brasil.
102
A referida denominação caracteriza-se como aquele que é dotado do poder criador, investido do
caráter político e que não es atado às limitações de ordem formal.
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81
cuidadosamente, manifestou, de maneira expressa, todo o procedimento de criação da
emenda constitucional (art. 60, CF), atribuindo ao Poder constituinte derivado
103
a
missão de exercer a atividade de modificação da Constituição.
Muito embora a emenda possua a missão de tornar o texto constitucional mais
dinâmico à realidade, o trabalho de modificação da Lex Legum é ladeado de limitões,
tendo em vista a observância da estabilidade. Estas limitões podem ser de ordem
temporal, circunstancial, formal e material.
A limitação temporal, não prevista na Constituição de 1988, corresponde a uma
vedação imposta ao ofício do legislador, proibindo que este reforme a Constituição
durante determinado lapso de tempo. Nesta situação tomamos como exemplo a Lei
Suprema de 1824, que determinou que a Constituição apenas pudesse ser reformada
quando decorrido um prazo de quatro anos a contar de sua vigência (art. 174)
104
. Outro
caso clássico é o da Constituição portuguesa de 1976, onde está estabelecido que esta só
pode ser revisada se respeitado o prazo de cinco anos entre a publicação de cada
revisão.
105
A limitação circunstancial é a vedação ao poder de modificar a Constituição em
situões de inconstância ou abalo institucional. Na visão de Canotilho, os limites
circunstanciais proíbem a revisão da Constituição em situões de anormalidade
constitucional.
106
Em consonância com o que dispõe a Carta Magna, não será possível emendá-la
nos períodos de Intervenção Federal (art. 34), Estado de Sítio (art. 137) e Estado de
Defesa (art. 136). Neste sentido, em casos de defesa da unidade, ordem pública, defesa
das finanças públicas, calamidade pública, catástrofe natural ou guerra, o poder
constituinte derivado não poderá ser acionado com esta finalidade.
103
A noção de Poder constituinte derivado é utilizada para designar aquela parcela de competência
atribuída, geralmente, ao próprio corpo legislativo encarregado de elaborar as leis em geral, respeitadas as
limitações constitucionais. Também denominado de instituído, constituído, remanescente, de reforma, de
revisão.
104
Art. 174 - Se passados quatro anos, depois de jurada a Constituição do Brazil, se conhecer, que algum
dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter origem na Câmara dos
Deputados, e ser apoiada por terça parte delles.
105
SILVEIRA, Vladimir Oliveira da. O poder reformador na Constituição brasileira de 1988 e os limites
jurídicos das reformas constitucionais. São Paulo: RCS Editora, 2006. O referido autor, acerca desta
limitação, cita Canotilho: os limites temporais costumam ser justificados pela necessidade de assegurar
uma certa estabilidade às instituições constitucionais. A Constituição de 1976 oferece um exemplo pico
da necessidade de conciliação da flexibilidade exigível a um texto constitucional com a consolidação da
legalidade democrática.
106
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra:
Almedina, 2000.
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82
As limitões formais correspondem a obediência ao procedimento de
modificação do texto constitucional, ou seja, deverão ser observados a titularidade (ou o
direito de iniciativa), a deliberação parlamentar (discussão, votão cindida, com o
quorum de, no nimo, três quintos e em dois turnos), e a fase de promulgação.
As limitões materiais são obstáculos intransponíveis opostos, pelo legislador
constituinte originário, ao legislador ordinário sobre determinadas matérias. Existem os
limites materiais explícitos e impcitos. Os primeiros estão dispostos no art. 60, § 4° da
Constituição (cláusulas pétreas), são eles: a forma federativa; o voto direto, secreto,
universal e periódico; a separação de Poderes e os direitos e garantias individuais. Os
segundos estão difusos pela Constituição, com o objetivo de resguardar a aplicabilidade
destas cláusulas
107
. Canotilho adverte que as Constituições não contêm quaisquer
preceitos limitativos do Poder de revisão, mas entende-se que há limites não articulados
ou tácitos, vinculativos do poder de revisão. Estes limites podem ainda desdobrar-se em
limites textuais impcitos, deduzidos do próprio texto constitucional, e limites tácitos
imanentes numa ordem de valores pré-positiva, vinculativa da ordem constitucional
concreta.
108
Cabe recordar, ainda na perspectiva brasileira, o poder de revisão constitucional
já exaurido (art. 3°, ADCT), tendo em vista a sua utilização, diga-se de passagem,
inapropriada na década de 90. A revisão parcial, prevista nos atos de disposições
constitucionais transitórias
109
veio com a tarefa originária de adaptar a Constituição
Federal a uma nova realidade jurídica, caso o povo brasileiro tivesse optado, através do
plebiscito, por outra forma e sistema de governo (monarquia e parlamentarismo,
respectivamente).
No contexto da ordem constitucional brasileira, a revisão possuiu um caráter
peculiar, pois foi submetida a um acontecimento futuro e incerto, qual seja a mudança
de sistema e governo. Poder-se-ia dizer que se tratou de uma limitação condicional
107
BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 37. As proibições
impcitas, também chamadas de citas ou inerentes, concernem à supressão da própria titularidade do
poder constituinte, o que, vale dizer, de certas normas consideradas inalteráveis quando da feitura do
Documento Maior. Transgredi-las seria violar a própria manifestação inicial, autônoma e incondicionada
do poder criador da Lei das Leis.
108
CANOTILHO, ob. cit..
109
Anote-se a irretocável via elegida pelo constituinte, pois a natureza dos ADCT’s tem por objetivo,
justamente, disciplinar a confluência entre o passado e o presente, da positividade que se impõe com
aquela que se esvai.
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83
positiva, na medida em que submeteu o exercício do legislador constituído em proceder
à revisão a uma situação que poderia ocorrer ou não.
O fato é que, apesar da sociedade brasileira ter optado pela manutenção da
República e do presidencialismo, a revisão ocorreu, muito embora restrita a
modificões pontuais e de pouca relevância. Foram aprovadas 6 emendas
constitucionais de revisão, além da tentativa fracassada, dentre outras, em retirar do
texto constitucional o princípio da anterioridade tributária, declarado como direito
individual pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e, portanto, cláusula pétrea (art. 60, §
4°, inciso IV).
110
Estas duas espécies atuam de modo a alterar a rigorosidade literal do texto,
moldando-o às novas perspectivas sociais. Com a emenda constitucional tem-se um
procedimento dificultoso, pois esta característica afirma a superioridade da Constituição
em relões às demais normas do ordenamento. Já a revisão constitucional possui a
característica de uma modificação com maior alcance e dispõe de um procedimento, nos
termos do comando das disposições transitórias, menos severo do que o da emenda.
4.5.3.2 Procedimento Informal
Muito embora a análise destes procedimentos formais seja instigante,
direcionamos o foco da discussão para uma modalidade não formal de alteração das
normas constitucionais. Essa espécie também tem por objetivo adequar os textos às
mudanças significativas, redimensionando a realidade normativa.
Laband, ao analisar a Constituição da Alemanha detectou a situação em que
apesar do governo empreender modificações quanto à maneira de funcionamento das
instituições, as normas vigentes mantiveram-se inertes, ou seja, não sofreram alterões
em seu texto
111
. Ressalte-se, porém, que a mutação constitucional, como supracitado,
110
MENDES, Gilmar Ferreira. Os limites da revisão Constitucional. Cadernos de direito Constitucional e
ciência política, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 21, p. 69-91, out. 1997. Art. 60, § 4°, IV: Não será
objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: os direitos e garantias individuais. Tais
cusulas devem impedir, todavia, não só a supressão da ordem constitucional, mas também qualquer
reforma que altere os elementos fundamentais de sua identidade histórica. Não se pode negar, porém, que
a aplicação ortodoxa dessas cusulas, ao invés de assegurar a continuidade constitucional, pode antecipar
a sua ruptura.
111
BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 54 e 55. Foi a
doutrina ale quem primeiro detectou o problema, ao notar que a Constituição de 1871 sofria,
freentemente, mudanças quanto ao funcionamento das instituições do Reich mudanças estas que
ocorriam sem reformas constitucionais. Foi aí que Laband, examinando o aludido Texto aleo de 1871,
notou importantes modificações nesse Diploma Maior, para acompanhar a situação constitucional do
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84
não possui um procedimento positivado para a sua ocorrência. Uadi Lamego define a
mutação constitucional como:
O processo informal de mudança da Constituição, por meio do são atribuídos
novos sentidos, conteúdos até eno não ressaltados à letra da Lex Legum
quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer
por intermédio da construção (contruction), bem como dos usos e costumes
constitucionais […] Atuam modificando o significado das normalizações
depositadas na Constituição, sem vulnerar-lhes o contudo expresso; são
apenas percepveis quando comparamos o entendimento dado às cláusulas
constitucionais em momentos afastados no tempo.
112
De maneira cautelosa, cabe observar a diferenciação entre as duas formas de
mudança da Constituição, pois, apesar de possuírem missão semelhante, pouco se
equiparam. A esse respeito Konrad Hesse, de maneira caterica, propôs uma
segregação entre a modificação formal e a informal:
Sob modificação constitucional é entendido aqui exclusivamente a
modificação do texto da Constituição. Ela deve ser distinguida do
rompimento constitucional, isto é, o desvio do texto em cada caso particular
(modificação do texto), como ele, na prática estatal da Reblica de Weimar,
sob o pressuposto de realização das maiorias necessárias para as
modificações constitucionais, foi considerado como admissível. Ela deve,
finalmente, ser ressaltada da mutação constitucional, que não afeta o texto
como tal esse fica inalterado -, senão a concretização do conteúdo das
normas constitucionais; esta pode, nomeadamente em vista da amplitude e
abertura de muitas determinações constitucionais, sob pressupostos alterados,
conduzir a resultados diferentes […] e, nesse aspecto, produzir uma
mutação.
113
De outro modo, não podemos entender que a mutação constitucional é livre de
qualquer juízo de razoabilidade, pois se assim o fosse, estaríamos a pregar pela
flexibilização e relatividade das normas constitucionais, situação que comprometeria a
segurança jurídica e a própria identidade da Constituição.
Assim, Konrad Hesse preceitua que quando as normas constitucionais deixam
espo para a mutação constitucional esta deve ocorrer de maneira dificultada,
permitindo elasticidade relativa e estabilidade relativa, ou seja, possibilita que a
Constituição seja modifivel, porém nunca flexível, não comprometendo a sua tarefa
com ordem fundamental da coletividade
114
. No mesmo sentido, Lorde Bryce já
asseverava que a Constituição, para ter o seu texto modificado, necessitaria de um
império (verfassungszustand), distinguindo a verfassungszustand (reforma constitucional) da
verfassungswandlung (mutação constitucional).
112
Id. ibid., 1997, p. 57.
113
HESSE, Konrad. Elementos de direito Constitucional da República Federativa da Alemanha.
Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p.
114
Id. ibid., 1998, p. 46 e 47.
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85
procedimento bem mais específico e solene, cunhando pela primeira vez as expressões
rígida e flexível.
A realização da Constituição é uma premissa relevante para dimensionarmos o
papel da mutação. Essa realização, segundo Hesse, se dá pela aproximação entre
Constituição e realidade, pois a força normativa da Constituição repousa na sua
capacidade de produzir efeito determinante e regulador na realidade da vida histórica.
Quanto mais as normas constitucionais se aproximam da essência histórica de sua
sociedade mais dotadas de efetividade serão.
115
As possibilidades de realização da constituição aumentam na medida em que
seu conteúdo esteja aberto às transformações sociais, limitando-se à
estatuição de princípios fundamentais. A constitucionalização de interesses
momenneos ou particulares exige, em contrapartida, uma constante revisão
constitucional, com a inevitável força normativa da Constituão’.
116
A sua força normativa também está relacionada com a vontade atual,
compreendendo-se na atividade de realizar os fundamentos da Constituição. Desta
forma, a atualização do texto é imprescindível para a sua continuidade, no entanto, estas
têm por finalidade ampliar o ânimo de suas normas e não alterá-las para desconstituir a
sua identidade, pois a Constituição não pode ser refém do clamor passageiro imprimido
por grupos de pressão.
117
A finalidade de uma norma não é realizável, simplesmente, a partir da sua
existência. A sua concretização está, intrinsecamente, ligada às particularidades do
momento histórico em que ela emerge e somente a partir desse envolvimento ou
condições de realidade” é que podemos enxergar a norma como referencial da conduta
humana.
118
115
SILVA, Gustavo Just da Costa e. Os limites da Reforma Constitucional. São Paulo: Renovar, 2000, p.
71. A adaptação da constituição às transformações políticas e sociais permite controlar a adequação das
normas constitucionais ao objeto de sua regulação, recuperando com isso a sua ‘possibilidade de
realização acaso afetada com o decurso do tempo ou por uma imperfeição originária, e colaborando
assim para a consolidação da força normativa da constituição.
116
SILVA, Gustavo Just da Costa e. Os limites da Reforma Constitucional. São Paulo: Renovar, 2000, p.
59.
117
BULOS. Uadi Lammêgo. Mutação Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997, p. Neste sentido, aponta
que a função do legislador constituinte derivado no dever de renovador das constituições, encarregando-
se de modificar a forma plasmada quando da elaboração primária da Lei Básica, recriando e inovando a
ordem constitucional instituída.
118
PEREIRA, Rodolfo Viana. Hermenêutica filosófica e constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001,
p. Nesta perspectiva, vale ressaltar o entendimento de Rodolfo Viana Pereira acerca dos estudos
hermenêuticos de Gadamer: Toda forma de compreender é enraizada na situação hermenêutica do
sujeito, nessa espécie de espo que todos participamos, conscientes ou não, na medida em que
conhecemos. Vincula-se ao conjunto de experiências trazidas na História que formam indissociavelmente
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86
Se se busca a efetivação das normas constitucionais ao longo dos
acontecimentos históricos, estas normas não podem estar imunes às alterões
pertinentes a esse fim, podendo, no entendimento de Hesse, os resultados da
concretização da norma modificar-se, embora o texto da norma (e, com isso, no
essencial, o programa da norma”) fique idêntico.
Assim, a mutação constitucional surge como uma possibilidade de alterar o
sentido e a aplicação da norma, atendendo à necessidade da vontade atual da
sociedade. O processo de mutação emerge, portanto, como veículo de aproximação
entre a Constituição e o âmbito de sua aplicação.
A mutação, geralmente, se dá em decorrência de um processo lento, no entanto,
podem existir mutões em um curto período de tempo. Em sentido oposto, Konrad
Hesse afirma que o requisito do tempo não constitui elemento caracterizador de tal
fenômeno, pois este pode ocorrer tanto em longos períodos, como em curto espo de
tempo.
Seguimos a orientação, consoante a qual as mudanças constitucionais dão-se,
normalmente, em períodos separados no tempo, sendo esta uma das marcas
características do fenômeno. Isto, entretanto, não precisa ser levado ao pé da
letra, ou seja, não descartamos a hipótese de existirem mutações
constitucionais em momentos próximos, pois há algo de exato naquela
afirmação de Loewenstein, quando que uma ‘Constituição não é jamais
idêntica a si própria, estando constantemente submetida ao pontha rei
heraclitiano de todo o ser vivo’.
119
A mutação constitucional pode derivar de diversos fatores. Apesar de não existir
unanimidade na doutrina, podemos citar várias formas de manifestação, tais como: a
interpretação, os usos e costumes, construção judicial, e até mesmo pela influência dos
grupos de pressão. Ressaltamos que não trata de um rol exauriente, tendo em vista a
amplitude dos acontecimentos sociais e, portanto, a impossibilidade de esgotar todas as
possibilidades de mutação existente.
A atuação deste poder difuso, apesar da imperiosa contribuição à realização das
normas constitucionais, nos impõe uma postura cautelosa, tendo em vista a ameaça que
pode significar à rigidez da Constituição. Concordamos em parte com o pensamento de
Herman Heller que afirmou que a mutação constitucional encontra limites na própria
nosso raio de visão e pré-moldam nossas interações intelectivas com os fenômenos que se nos postam à
frente.
119
BULOS, Uadi Lammêgo, op. cit., 1997, p. 62 e 63.
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87
Lex Legum. Em que pese não ser menos verdade a sua afirmativa, esta é carecedora de
exatidão.
120
Não obstante, é impraticável entender o processo de mudança constitucional sem
a observação das normas constitucionais, porquanto nem mesmo a mutação foge ao
campo gravitacional da Constituição. Apesar da subjetividade acerca da questão, é
provável que outros meios repressivos possam exercer o papel de limitadores da
incúria mutacional ou do relativismo. É preciso esclarecer que a mutação não pode
funcionar apenas a critério ou bom senso do intérprete, pois, por mais bem intencionado
que esteja, a sua aplicação sem a observância da sistemática (Constituição e sociedade),
poderá ocasionar situões bem diversas da finalidade precípua do instituto.
Os limites da mutação constitucional. Eis uma questão ainda conturbada para os
juristas da Constituição, pois como é possível estabelecer limites a algo que não tem
forma ou momento exato para acontecer? Não há, em verdade, meios convencionais
para a sua ocorrência, pois é a realidade cambiante quem dita as exigências e
necessidades. Como disseram Laband e Jellinek, o fenômeno é involuntário e
intencional, e, destarte, não pode imprimir-lhe uma exatidão, a ponto de prever-se a
unanimidade dos casos de mutação constitucional que a experiência possa
apresentar”.
121
Sobre os limites da mutação constitucional Canotilho
escreveu que uma coisa é admitirem-se alterações no âmbito ou na esfera da
norma que ainda se podem considerar susceveis de serem abrangidas pelo
programa normativo; e outra coisa, bem diversa, é legitimarem-se rupturas,
mutações constitucionais silenciosas e revisões apócrifas, que se traduzem
na existência de uma realidade constitucional inconstitucional,
manifestamente incomporvel no programa da norma constitucional.
122
Neste sentido, o fortalecimento do controle de constitucionalidade das normas
seria um instrumento de grande valia contra as mutações inconstitucionais. Outro órgão
que pode combater estas ofensas à Constituição seria o Poder Legislativo no exercício
120
HESSE, Konrad. Escritos de derecho Constitucional. Tradução de Pedro Cruz Villalon. 2. ed. Madrid:
Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 99. Cuando la modificación de contenido de la norma es
comprendida como cambio en el interior de la norma constitucional misma, no como consecuencia de
desarrolos producidos fuera de la normatividad de la Constitución, y cuya mutación’ en normatividad
estatal tampoco se puede explicar satisfactoriamente cuando se parte de una relación de coordinación
correlativa entre normalidad e normatividad.
121
Apud VERDÚ, Pablo Lucas. Curso de Derecho Potico. Madrid: Civitas, 2000.
122
COELHO, Inoncio Mártires. Interpretação Constitucional. Porto Alegre: SAFE, 1997, p. 40.
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88
de suas funções típicas, ou seja, criando normas que tornem claro os intuitos sociais
que, potencialmente, atingirão a norma sujeita ä mutão constitucional.
Como já se mostrou claro em momentos anteriores neste estudo, os valores de uma
sociedade modificam-se com uma velocidade tamanha que aos legisladores não é dada a
chance, não é dada oportunidade de acompanhá-los, assertiva que se torna ainda mais
verdadeira se a dirigirmos não ao legislador ordinário, mas ao constituinte derivado.
Uma vez elaborada e promulgada uma Constituição, ela se torna autônoma,
independente, de modo que para continuar a viver independe de seus criadores. É como
qualquer animal que ao nascer não mais necessita, diretamente, dos pais para respirar por sua
própria conta. Daí porque se entende a Constituição como um ser vivo que está no mundo e
que, como qualquer animal para retomar a metáfora muda conforme os dias e anos
passam. Não é que se modifiquem em suas essências. Apenas algumas das idéias que se
encontram albergadas dentro de si são interpretadas de modos diversos, de acordo com a
geração que a está a interpretar.
Essa modificação da Constituição sem que se a modifique foi batizada por Konrad
Hesse de mutação constitucional. Tal mutação não afeta o texto constitucional em si, mas
interfere diretamente na efetivação dos preceitos constitucionais. Hesse aduz que
[...] se atiende a la idea y al cometido de la Constitución cuando se deja espacio a
la mutación constitucional en los limites trazados en el texto. [...] tal solución
opera simultáneamente esa relativa elasticidad y esa relativa estabilidad
necesarias para el adecuado cumplimiento de su cometido por parte de la
Constitución.
123
Relativamente à problemática específica que se está a tratar, Hermann Heller coaduna
inteiramente com o pensamento de Hesse na medida em que recha qualquer
desvencilhamento entre a Constituição e a realidade fática que a ela se submete. Heller
escreve que Como situação política existencial, como forma e ordenação concretas, a
123
HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,
1995, p. 24, ns. 39 e 40. Em tradução livre para o português: Atende-se à idéia e ao estabelecido na
Constituição quando se deixa espaço para a mutação constitucional dentro dos limites traçados pelo texto.
Tal solução opera simultaneamente essa relativa elasticidade e essa relativa estabilidade necessárias para
o adequado cumprimento do estabelecido por parte da Constituição.
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89
Constituição só é possível porque os partícipes consideram essa ordenação e essa forma já
realizadas ou por realizar-se no futuro, como algo que deve ser e o atualizam”.
124
A questão da mutação constitucional é tão importante que Thomas Jefferson chegou
mesmo a afirmar que as constituições têm prazo de validade. Jefferson escreveu o seguinte
numa correspondência para James Madison: A terra pertence sempre à geração
contemporânea [...]. Cada Constituição, portanto, e cada lei, expira [sic] naturalmente ao final
de dezenove anos. Se forem levadas a durar mais, trata-se de um ato de força, e não de
direito”.
125
É óbvio que há um exagero retórico talvez involuntário, até na afirmativa e na
precisão de Thomas Jefferson, mas a idéia é essencialmente válida quando quer exprimir que
os valores modificam-se na mesma medida em que velhas gerões dão lugar a novas. Para
que uma Constituição não expire” com a mudança de geração, necessário se faz que se a
atualize, e a maneira menos traumática de se o fazer é através da interpretação. É necessário
que fique claro que deverá caber à justiça constitucional essa atualização, até porque é ela que
dispõe dos instrumentos mais ágeis e efetivos para tanto, podendo, assim, acompanhar mais
de perto a evolução axiológica da comunidade política.
Neste sentido, o Professor Inoncio Mártires Coelho escreve que
No campo da experiência judicial onde a criatividade do interprete encontra
soluções para os conflitos de interesses muito mais rápidas do que as respostas
formuladas pelo legislador nesse terreno as exigências sociais são imediatamente
absorvidas e racionalizadas pelo aplicador do direito sob a forma de novas leituras
dos mesmos enunciados normativos, leituras tão inovadoras que chegam a criar
modelos inteiramente novos.
126
Ao legislador cabe atualizar a Constituição modificando o seu texto, ao passo em que
cabe à jurisdição constitucional fazê-lo por meio de novas interpretações dadas por novos
membros que à nova geração pertencem substituindo antigas opiniões de membros
pertencentes à uma geração que não mais existe.
124
HELLER, op. cit., p. 296.
125
Jefferson para Madison em 6 de setembro de 1789. BOYD, Julian P.. Papers os Thomas Jefferson.
Princeton, 1958, p. 396.
126
COELHO. Ob. cit, p. 37.
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90
3.5.4 Jurisdição constitucional e acesso democrático
Já se disse na doutrina político-constitucional que os direitos não são dádivas que a
classe dominante, ou a que se encontra à frente do poder estatal, concede às demais camadas
da sociedade. Um direito não se ganha, conquista-se. Direitos são fruto de lutas e
derramamentos de sangue, daí porque a sua garantia na Constituição consiste em uma grande
vitória popular.
André Ramos Tavares considera como mais uma categoria que entra na legitimação
da jurisdição constitucional o acesso aos juízos que a exercem. Argumenta que
[...] em se assegurando o acesso do cidadão, por exemplo, em casos que envolvam
direitos fundamentais, assegura-se maior democraticidade do instituto do controle
de constitucionalidade e, por conseência, adquire o Tribunal uma maior
legitimidade sob essa perspectiva, especialmente aos olhos do cidadão comum.
127
Na medida em que se abrem as portas da jurisdição constitucional para todo e
qualquer cidadão está-se a efetivar, de alguma forma, o princípio da soberania popular pelo
fato de que se permite que ele reclame perante o Estado a concretização de determinado
direito que lhe foi negado por qualquer instância, estatal ou privada. Pode-se argumentar,
contrariamente a este elemento legitimador, dizendo-se que não há arraigada na psicologia
coletiva do brasileiro e de muitos outros povos uma consciência política e jurídica
consistente o suficiente para arrastar às barras dos tribunais grande parte dos cidadãos que
permanecem inertes diante de situões de manifesto desrespeito a direitos fundamentais. De
fato, a afirmação segundo a qual é rarefeita a consciência político-jurídica na mentalidade do
povo-massa para usar aqui uma expressão de Oliveira Viana é verdadeira. Mas isso não
nega a solidez do argumento expressado nas linhas acima. É que a responsabilidade pela
educação dos cidadãos não pode pesar sobre os ombros do Poder Judiciário, mas é encargo do
Poder Executivo e do Poder Legislativo principalmente daquele.
Ramos Tavares ainda pondera que não é que se pretenda transmudar as ações de
controle de constitucionalidade em ões de caráter popular, pois isso acabaria por acarretar
sérios danos à própria atividade da justiça constitucional. Mas essa constatação não quer
127
TAVARES, André Ramos. Tribunal e Jurisdão Constitucional. São Paulo: Instituto Brasileiro de
Direito Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p. 87-88.
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91
significar em nenhum momento que os cidadãos não devam ter a possibilidade de defender
pelo menos os direitos fundamentais protegidos pelo próprio texto constitucional.
E o instrumento jurídico-processual eficaz e hábil para concretizar essa idéia de acesso
democrático à jurisdição constitucional é o controle de constitucionalidade na sua modalidade
difusa ou concreta.
128
Embora o constituinte de 1987 e 1988 tenha protagonizado uma revolução no sentido
de democratizar o controle de constitucionalidade na sua modalidade concentrada, este meio
de se provocar a manifestação da justiça constitucional para que se manifeste sobre a
constitucionalidade ou não de leis e atos normativos não é, por sua própria natureza, o mais
democrático dos possíveis meios de se levar uma questão constitucional ao conhecimento da
instância competente. É que, como se sabe, o processo no controle abstrato de
constitucionalidade é objetivo, isto é, não envolve partes propriamente ditas e por conta desse
fato não envolve nenhum interesse concreto, daí porque se restringe a legitimidade para
provocar um processo dessa estirpe.
Mas no que pertine ao controle difuso da constitucionalidade das leis não há qualquer
restrição quanto à legitimidade o que torna a justiça constitucional um meio dos mais
democráticos de acesso pelo cidadão a um órgão estatal. Mais simples e fácil, até mesmo, do
que o acesso ao Executivo e ao Legislativo.
128
Idem, p. 88.
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92
4 HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL, PRINCÍPIOS DA
INTERPRETAÇÃO E JUSPOSITIVISMO
4.1 Peculiaridades da Interpretação Constitucional
A Constituição, pelo mero fato de ser Constituição, já é merecedora de análise
específica no que tange aos princípios e métodos de interpretão das disposições normativas
que a compõem. Parece muito óbvio que por emanar de um poder supremo ilimitado
juridicamente, revolucionário e insubordinado, vale dizer, que não deve respeito a nenhuma
ordem jurídico-constitucional pretérita a Carta Política Fundamental merece um estudo
especial a respeito da forma como se dará o labor hermenêutico que venha a ter como objeto
uma norma nela contida. Mas não é apenas este o motivo que nos leva a essa conclusão, isto
é, a de que se precisa elaborar análise específica sobre a Constituição. Tem-se sempre que
interpretar a Constituição porque de que é somente em assim se procedendo que se passará de
uma leitura política, ideológica ou empírica para uma leitura de índole jurídica das
disposições constitucionais.
129
A Norma Suprema criada por aquele poder livre de qualquer
peia jurídica
130
tem por característica, ainda, trazer em seu bojo normas de grau de
abstratividade mais elevado do que as demais normas infraconstitucionais e infralegais.
Quanto mais baixa a posição do instrumento normativo na pirâmide da hierarquia normativa,
maior a tendência de ele vir a abranger normas de caráter mais concreto do que a que lhe
imediatamente precede na mesma pirâmide. Daí porque os princípios que regem a tarefa de se
interpretar a Constituição servem-na sem, necessariamente, servir à interpretação das demais
normas. Já as regras interpretatórias gerais relativas a leis infraconstitucionais, em regra, se
aplicam à hermenêutica constitucional, no que couber, pois, em determinadas situões os
princípios específicos da interpretação constitucional prevalecerão, diante de um conflito, em
face dos princípios gerais. Assim não fosse seria como, guardadas as devidas proporções,
ministrar o mesmo medicamento para doenças diversas. Nesse sentido é a lição de Jorge
Miranda, ao escrever que
129
MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 448.
130
De fato, as questões de cunho constitucional não são, na raiz, isto é, originariamente, questões
jurídicas, mas estritamente políticas. O desenvolvimento das Constituições nos ensina que uma regra
jurídica não é suficientemente forte para guiar e determinar o rumo das forças políticas. ROCHA NETO,
op. cit., p. 90.
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93
A interpretação constitucional não é de natureza diferente da que se opera noutras
áreas. Como toda a interpretação jurídica está estreitamente conexa com a
aplicação do Direito; não se destina à enunciação abstrata de conceito, destina-se à
conformação da vida pela norma. Comporta especialidades, não desvios aos
cânones gerais.
131
A tarefa de tirar o texto constitucional da alienação em que ele se encontra
reposicionando-o na realidade viva
132
não é igual embora se assemelhe em alguns aspectos
ao labor de isolar o sentido da lei do texto em que ele se encontra escondido. Para a
efetivação dos dois trabalhos são exigidos métodos distintos.
4.2 Princípios Constitucionais Hermenêuticos
A idéia da normatividade dos princípios é caríssima à hermenêutica contemporânea. É
que a dogmática tradicionalista jamais concebeu que essas disposições abstratas contidas na
norma, ou, até mesmo, aquelas que nem mesmo da lei expressa constavam, tivessem, de fato,
o condão de vincular condutas ou de regular situões, a não ser extraordinariamente, vale
dizer, somente poderiam vir a ter qualquer força normativa diante de uma situação em que
nenhuma solução se poderia encontrar no texto legal, nos costumes e pela técnica da analogia.
Essa posição é, por exemplo, a adotada por Vicente Ráo que em sua clássica obra O Direito e
a Vida dos Direitos assevera que somente na falta de disposição legal, direta ou indireta por
meio de analogia (e, em certas legislões, como a brasileira, na falta, ainda, de preceitos
costumeiros), os princípios gerais de direito adquirem força normativa, para a solução das
controvérsias submetidas a juízo”.
133
A obra do professor Vicente Ráo teve sua primeira
edição publicada no ano de 1952, época em que apenas se iniciavam no mundo as discussões
acerca da superação do positivismo jurídico por uma visão do direito mais aberta à aceitação
da normatividade plena dos princípios, mormente dos de índole constitucional, tendo em vista
que é a partir de então que se começa a ajustar a lente do jurista, fazendo com que enxergue o
direito sob um prisma constitucional e não mais com uma visão privatista que tendeu sempre
a supervalorizar as codificões, preterindo-se, assim, a Carta Política. Ráo completa aquele
seu raciocínio acima mencionado dizendo ainda que é o próprio legislador quem sugere o
método segundo o qual deve o intérprete, em primeiro lugar, procurar
131
MIRANDA, op. cit., p. 451.
132
Utilizei-me, , de uma idéia originalmente posta por Palmer quando escreveu: A tarefa da
hermenêutica é tirar o texto da alienação em que ele se encontra (enquanto forma rígida, escrita),
recolocando-o no presente vivo do diálogo, cuja primeira realização é a pergunta e a resposta” (op. cit., p.
202).
133
RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 299.
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94
[....] a disposição precisa, legal ou costumeira, aplicável a determinada
controvérsia; em seguida, não existindo semelhante disposição, ordena que se
levem em conta as soluções adotadas para casos semelhantes, ou matérias análogas
e, afinal, só depois destas duas operações e não se encontrando ainda a solução
procurada, é que remete o intérprete à investigação dos princípios gerais do
direito.
134
Essa concepção não mais se sustenta no mundo atual da interpretação do direito.
Negar força normativa aos princípios não é mais do que negar a própria melhor aplicação do
direito e a melhor forma de solução dos conflitos que se apresentarem à solução jurisdicional
proposta e garantida pelo Estado. O corpo legislativo a quem se delega a tarefa de elaborar as
leis é composto por humanos que não gozam da divina capacidade de prever todas e
quaisquer situões geradoras de choques sociais provocadores da jurisdição. Daí porque o
legislador sintetiza nos princípios e, aqui, afunilar-se-á a discussão para relacioná-la aos
princípios constitucionais os valores supremos que devem servir de estrela guia aos que
lidam com o direito nos seus cotidianos.
Prevendo que não poderá prever todas as situões que nascem das relões sociais, o
legislador resolve condensar em princípios alguns axiomas que servem como base das
organizações sócio-políticas do Estado e da sociedade, de modo que uma interpretação do
Direito deve proceder a uma análise axiológica dos casos concretos submetendo a solução
que a ele se dará à compatibilidade que tem com os valores pintados na moldura dos
princípios constitucionais. Caso dessa análise axiológica se venha a constatar que a situação
estudada contraria aqueles valores consubstanciados na norma, deve o aplicador do direito
fazer com que venha tal situação a atender as noções valorativas mencionadas.
Desse modo, como é nos princípios que se encontrará a base axiológica de todo o
ordenamento normativo, não se pode a eles negar força normativa imediata. Diz-se imediata
pelo fato de que na concepção da dogmática tradicional não é que os princípios não gozem de
força normativa, ocorre apenas de virem a fazê-lo tão-só supletivamente, isto é, de forma
mediata. Caso não haja solução na lei, nos costumes e na analogia os princípios vêm a gozar
de força normativa. Mas somente após se vir a ultrapassar todas essas outras fases na busca
por uma solução no Direito para o caso em torno do qual pairar toda a controvérsia. Por isso
falou-se em força normativa imediata. Não se há que ultrapassar etapas antes de se conceder
134
Idem, p. 299.
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95
poder normatizador de condutas aos princípios. Estes o gozam antes mesmo de o fazerem a
lei, os costumes ou a analogia. Rompendo-se com todos os paradigmas tradicionalistas da
dogmática jurídica, devem-se ter os princípios, mesmo, como fundamentadores das normas
com conteúdo de menor abstratividade. Deve a lei ser um instrumento de um princípio que
lhe é superior e que se irradia por toda uma seara determinada do ordenamento jurídico.
Noutras palavras, pode-se dizer que a lei instrumentaliza os valores abarcados pelos
princípios concedendo-lhes um caráter de maior concretude. Lei que não venha a exercer esse
papel nasce já desvirtuada e dificilmente poderá continuar a ser tida como norma jurídica.
De tamanha importância que se atribui, contemporaneamente, aos princípios
constitucionais, conclui-se que a tarefa hermenêutica deve ter como fundamento primeiro,
inicial e originário a efetivação desses axiomas superiores, fundantes de toda a ordem
jurídico-social, de forma a concretizar na realidade fática as abstrões valorativas constantes
das normas principiológicas constitucionais. Mas para que esse objetivo venha a ser
alcançado, efetivamente, necessário se faz que se respeite e se leve em conta princípios
interpretatórios que funcionam como um barco que leva o intérprete da margem abstrata do
rio constitucional à concretude do seu outro lado.
135
4.2.1 Princípios da Interpretação Constitucional
Os princípios da interpretação constitucional devem ser sempre levados em conta,
conjuntamente, quando da aplicação de determinada disposição constante do texto da
Constituição. Assim, não basta que se aplique apenas um deles para que se venha a obter o
resultado esperado do labor interpretativo. É necessário que se respeite a cada um deles para
que o resultado prático seja a melhor aplicação da Lei Fundamental à realidade social. De
nada adianta, por exemplo, respeitar-se o princípio da coloquialidade sem que se respeite, de
igual modo, o princípio da máxima eficácia das normas constitucionais. É óbvio que casos
haverão de aparecer em que princípios interpretativos parecerão se excluir mutuamente.
Diante de situões como essa não se deve entender por revogado um ou outro princípio,
135
Sobre a imporncia dos princípios constitucionais, mormente os que consagram direitos
fundamentais, conferir o importante trabalho: COELHO, Inoncio Mártires. Interpretação
Constitucional. Porto Alegre: SAFE, 1997, p. 29: [...] parece cito imaginar que a tão decantada
especificidade da interpretação constitucional seria muito mais uma decorrência ainda não
conscientizada pelos constitucionalistas da natureza aberta dos próprios princípios, do que do fato,
significativo embora, de que os direitos fundamentais, para serem operativos e permitirem os
desenvolvimentos exigidos pelas transformações históricas e sociais, devem ser estruturados
principiologicamente, nisto diferindo das simples regras de direito.
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96
apenas deverá o intérprete optar para o caso concreto por um ou outro. Sem nenhuma
pretensão à exaustividade, posso destacar alguns princípios da interpretão constitucional
que nos auxiliarão mais diretamente na consecução do fim a que se destina este trabalho.
a) Princípio da Supremacia da Constituição
136137
Em que pese já se tenha debruçado sobre esse princípio constitucional e da
interpretação da Constituição anteriormente neste estudo, é necessário que se o aborde sob a
visão da hermenêutica constitucional, e não apenas enfocando-se a problemática do controle
de constitucionalidade, como se já o fez.
O ideal de um direito fundamental que se situe no topo de uma pirâmide normativa, a
representar todo o ordenamento jurídico, é tributária da concepção de direito natural como um
direito anterior e superior ao positivo e por este inderrogável. É, aliás, esta concepção de que
há um direito superior a ser respeitado pelo ordenamento jurídico-positivo é dos principais
fundamentos teóricos para a revolução americana do último quarto do século XVIII.
138
García
de Enterría lembra que
en los famosos argumentos de James Otis en el Writs of Assistance case, de 1761
(que para Adams significan el nacimiento del niño independencia’) se atacan las
medidas fiscales que azotan a los colonos como contrarias a the fundamental
principles of law, de lo que deduce que an Act against Constitution is void (una ley
contra la constitución es nula) y que los Tribunales deben inaplicarlas.
139
A idéia de supremacia da Constituição vem, na verdade, romper com alguns
paradigmas, principalmente com relação à interpretação do Direito. Tratando do tema,
Cristina Queiroz nos ensina que
136
José Afonso da Silva escreve Da rigidez emana, como primordial conseência, o princípio da
supremacia da constituição. [...] significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do
ps, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os
reconha e na proporção por ela distribuídos. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional
Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 45.
137
Toda interpretação constitucional se assenta no pressuposto da superioridade jurídica da Constituição
sobre os demais atos normativos no âmbito do Estado. Por força da supremacia constitucional nenhum ato
jurídico, nenhuma manifestação de vontade pode subsistir validamente se for incompavel com a Lei
Fundamental”. BARROSO, op. cit., p. 150.
138
ENTERRÍA, Eduardo Gara de. La Constitución como Norma e el Tribunal Constitucional. 3. ed.
Madrid: Civitas, 1994, p. 51.
139
Idem. Em português, tradução livre: Nos famosos argumentos de James Otis em seus Writs of
Assistance case, de 1761 (que para Adams significam o ‘nascimento do menino independência’) se
atacam as medidas fiscais que para os colonos são contrarias aos princípios fundamentais da lei, do que se
deduz que uma lei contrária a Constituição é nulo e que os Tribunais devem inaplicá-las.
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97
À imagem outrora da lei, a constituição fixa agora a fronteira entre o cito e o
ilícito, entre o constitucional e o inconstitucional. Provoca com isso uma clara
diferenciação entre o direito constitucional e o direito infraconstitucional. O
binómio inovação política/mudança conceptual reside precisamente nisso: na idéia
de supremacia da constituição face ao restante do ordenamento, a idéia de uma lei
utilizada como critério de legitimidade e/ou ilegitimidade face às demais leis e
actos jurídico-públicos. A constituição atribui-se a si própria a primazia, rompendo
com a regra tradicional segundo a qual lex posterior derrogat legi priori. Esta
supremacia constitui em si mesma uma regra de resolução de conflitos. Ela é a
própria forma do direito.
140
Como se nota, a supremacia constitucional é também critério essencial quando da
interpretação da Constituição e talvez mais importante ainda quando se interpreta o direito
infraconstitucional que em nenhuma hipótese pode estar em desacordo com normas formais
ou matérias da Constituição.
Do princípio da supremacia constitucional derivam algumas relevantes conseências,
dentre as quais, na lição de Canotilho: a) a vinculação do legislador à Constituição; b) a
vinculação de todos os atos do Estado à Constituição; c) o princípio da reserva da
Constituição que implica a exclusão do tratamento de determinadas questões por leis
infraconstitucionais; e d) a força normativa da Constituição.
141
A mim parece que a tendência dos homens quando tratam de uma idéia já consolidada
pelo tempo, é a de a ela não atribuir tanta atenção quando às temáticas ainda não
solidificadas. Decorre desta tendência o caso de ter o fato consolidado como óbvio e de não
se imaginar, à primeira vista, como se um dia já se pensou de modo contrário. É mais ou
menos esse o sentimento que assalta a todos quando se fala em supremacia da Constituição.
Ocorrer de ser hoje consagrado na doutrina constitucionalista dos mais diversos lugares do
mundo não quer dizer que assim sempre foi e que relativamente a ele nunca se opôs obstáculo
algum. Aos europeus, em particular, não foi tão fácil a aceitação desta idéia porque, de certa
forma, ela viria bater de frente com uma outra já consagrada, qual seja, a de supremacia do
parlamento.
140
QUEIROZ, Cristina. Interpretação Constitucional e Poder Judicial: sobre a epistemologia da
construção constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 15.
141
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituão. 3. ed. Coimbra:
Almedina, 1999, p. 242.
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98
Como se viu linhas acima, Canotilho coloca, como uma das conseências da adoção
em uma ordem constitucional do princípio da supremacia da Constituição, a vinculação do
legislador aos seus ditames. Ora, aceitar a idéia de que o legislador não pode agir em sua
função típica legislando senão em conformidade com os mandamentos constitucionais
significa negar o princípio da supremacia do parlamento, tendo em vista que, caso deixe de
agir conforme essa determinação do princípio da supremacia constitucional, será passível de
controle por algum outro órgão, de modo que venha a se manter dentro dos limites traçados
pela Constituição. O princípio interpretatório em análise implica na castração da absoluta
liberdade do parlamento.
Não é do nada que advém a idéia de supremacia da Constituição. Ela decorre como
parece acontecer com todas as idéias que sempre advém de uma outra do fato de que é
criada por um poder supremo, manifestado num momento de altíssima tensão política, de
intenso debate público e de viva participação da sociedade e dos seus cidadãos: o poder
constituinte. Se este poder cria uma norma jurídica fundamental e superior seria antilógico
aceitar-se que um outro poder, criado por este, pudesse agir em desconformidade com o que o
primeiro estatuiu. Nessa esteira é o ensinamento de Linhares Quintana para quem[...] el
principio de la supremacía de la Constitución, que descansa en el presupuesto de la
distinción entre el poder constituyente e el poder constituido, inherente al sistema de las
constituciones rígidas”.
142
Todas essas considerões deságuam numa constatação segundo a qual deve-se
sempre levar em consideração o princípio da supremacia constitucional quando se interpreta a
Constituição e as demais normas que compõem o ordenamento jurídico. Isso implica em
dizer-se que quando interpretamos uma norma constitucional inserida por meio de emenda
constitucional devemos analisar se não desrespeita o núcleo da Constituição que o poder
constituinte protegeu dizendo-o imodificável para pior as cláusulas pétreas. Caso a norma
interpretada seja de índole infraconstitucional aquilo, a que se deve primeiro proceder é à
aferição de compatibilidade por parte do intérprete da lei ou ato normativo com a
Constituição, sendo, pois, o primeiro critério interpretativo de que se deve lançar mão quando
da interpretação constitucional.
142
QUINTANA, Segundo V. Linhares. Derecho Constitucional e instituciones políticas. Buenos Aires:
Plus Ultra, v. 1., 1981, p. 481.
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99
b) Princípio da Coloquialidade ou do Coloquialismo
Sabemos todos que a Constituição resulta de um intenso debate público político
aonde atuam as mais diversas vertentes de pensamento e de ideologias e com uma agravante:
essas forças encontram-se, quando debatem a criação da Norma Fundamental, em seu estado
de maior efervescência.
Quem cria a Constituição é a sociedade naquele que é o momento de maior expressão
da soberania de um povo. A Constituinte constitui-se de representantes de todas as searas do
corpo político, de modo a levar para dentro do lócus da disputa ideológica os diversos modos
de pensar.
Como se nota, a Constituição não é obra de juristas. A Lei Fundamental não tem
natureza estritamente jurídica embora norma jurídica seja , mas é embebida por um
fortíssimo teor político, na medida que sintetiza a linhagem ideológica dominante na
sociedade num dado momento histórico. A Constituição não é um documento jurídico
elaborado para os juristas. Trata-se de documento político-jurídico talvez mais até do que
jurídico-político com a face voltada para toda a comunidade política, diferentemente da
imensa maioria das demais normas jurídicas que servem imediata e precipuamente àqueles a
que se costuma, normalmente, atribuir o rótulo de operadores jurídicos ou do direito.
Destas considerões decorre uma constatão: se se está a tratar de documento
político-jurídico quando se refere à Constituição; se volta-se ela muito mais que todas as
demais normas que compõem o ordenamento jurídico para a sociedade tida como
comunidade política mais do que para apenas os juristas; se é o produto de um debate
político-ideológico intenso levado a cabo pelo povo no seu momento de maior expressão da
soberania popular; diante de tudo isso, não se poderia chegar a outra conclusão senão àquela
segundo a qual a linguagem que o constituinte adota na Constituição é a coloquial, sem o uso
de expressões técnico-jurídicas, de modo que quando procede ao labor hermenêutico e se
depara, o intérprete, com duas interpretões possíveis onde a uma se chega através da
interpretação técnica do termo utilizado pela Carta Política e a outra se o faz por intermédio
de uma interpretação comum, deve-se preferir a esta última, justamente por corresponder ou
por se aproximar o máximo possível da realidade normada ou a que quer ver atingida a
Constituição.
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100
Embora o texto da norma não se constitua no principal elemento a ser levado em conta
pelo intérprete quando da realização de sua atividade, não se pode perder de vista o fato de
que é ele o texto o ponto de partida da interpretão, é ele que despertará no intérprete
aquilo que Heidegger chamaria de pré-compreensão ou o que Gadamer nominaria pré-juízo
ou pré-conceito.
O texto não é a norma. Consiste ele apenas em um lado de um rio a ser ultrapassado
pelo exercente do trabalho hermenêutico, ultrapassagem esta possibilitada, tão-somente, por
uma ponte, consistente na interpretão, por cima da qual o intérprete passará para atingir a
outra margem do rio chamada norma. Vale lembrar , no momento em que se trata de
assunto tão relevante, que o motor de toda essa operação que consiste em se atravessar um rio
em busca da norma é o fato, vale dizer, o caso concreto. Funcionaria ele como o meio de
transporte a ser utilizado para pela ponte se passar (lado A= texto; lado B= norma;
ponte=interpretão; meio de transporte=fato ou caso concreto).
c) Princípio da Sistemicidade ou da Unidade
Para que se venha a ter a verdadeira noção do princípio da unidade da Constituição
quando se a interpreta tem-se que retomar alguns pontos da própria teoria do direito. Deve-se
lembrar que o Direito não consiste num conjunto de partes autônomas, vale dizer, não é
composto por partes isoladas que não se misturam e que quando amalgamadas passam a ser
chamadas de Direito. O Direito é um sistema e como em todo sistema suas partes dependem
umas das outras de modo que de nada seria o Direito Administrativo sem o Tributário e deste
nada se poderia falar com muita profundidade sem ter que se recorrer ao Direito Civil, por
exemplo.
Se do Direito pode-se dizer que é um sistema e se os sistemas caracterizam-se pela
interdependência das partes que o compõem algo há de haver a funcionar como articulação
entre todas essas ramificações. Algo que paire sobre elas e que espraie por sobre todas
determinados valores que devem nortear seus caminhos desde o nascimento até a morte. Esse
algo existe e é a Constituição. A Constituição é o mecanismo de que se utiliza o Direito para
conceder unidade a todo o ordenamento jurídico de modo a ser uma norma das normas
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101
relativamente a qual nenhuma daquelas que lhe deve respeito pode deixar, em qualquer
momento, de fazê-lo.
Mas há ainda um outro significado para a unicidade da Constituição. Se de um lado a
Carta Política estabelece determinados traços em comum que as normas que lhe são inferior
devem ter, por outro as normas que a compõem devem guardar entre si compatibilidade de
modo que em nenhuma hitese pode haver descompasso entre normas constitucionais
originárias. E é essencialmente aí que entra a grande questão do princípio da unidade como
norte interpretativo da Lei Fundamental.
Antes de mergulharmos na análise específica desse aspecto do princípio da unidade da
Constituição, parece interessante aduzir, ainda, que os princípios, como normas que são,
complementam-se entre si não sendo raro que nos deparemos com casos em que parecem
estar dois ou mais princípios a abarcar realidades iguais. Mas as normas dependem, mesmo,
umas das outras para que atinjam o fim para o qual foram produzidas.
Para exemplificar a situação que foi apresentada no parágrafo anterior pode-se, já,
começar a tratar da faceta que mais interessa ao presente estudo no tocante ao princípio da
unidade constitucional. No caso em que princípios ou valores constitucionais aparentemente
entram em conflito deve-se e aqui já se tratará, com específica e aprofundada análise, do
tema lançar mão do método da ponderação onde se procura sempre o ponto em que aquelas
normas tornam-se compatíveis entre si. Nesse trabalho de busca da compatibilidade acaba-se
por exercer um outro importante labor que é o de otimizar a aplicação das normas
constitucionais. E esse trabalho de compatibilização/otimização somente pode ser levado a
cabo com eficiência e efetividade se, no caso concreto, buscar-se ser proporcional. Note-se
que variados princípios trabalham lado a lado na solução de uma problemática interpretatória
que se apresenta.
Konrad Hesse, nos seus Elementos de Direito Constitucional, escreveu o que vem a
dar apoio ao há pouco esposado que os bens jurídicos que gozam de proteção jurídico-
constitucional devem, quando da solução de determinado problema, ser coordenados uns aos
outros de forma a cada um deles vir a ganhar realidade.
143
Diz ainda, literalmente:
143
HESSE, op. cit., p. 67.
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102
Onde nascem colizões (sic) não deve, em ponderação de bens precipitada ou até
‘ponderação de valor abstrata, um ser realizado à custa do outro. Antes, o
princípio da unidade da Constituição põe a tarefa de uma otimização: a ambos os
bens devem ser traçados limites, para que ambos possam chegar a eficácia ótima.
Os traçamentos dos limites devem, por conseguinte, no respectivo caso concreto
ser proporcionais.
144
O que se percebe é que nesta pequena explicação de como se deve solver problema de
colisão o constitucionalista alemão lança mão dos princípios da ponderação, da unidade da
constituição, da máxima eficia e da proporcionalidade.
Em linhas gerais pode-se, então, afirmar que é na busca de uma unidade de valores,
vale dizer, na harmonização de tendências que se deve utilizar o princípio da unidade da
constituição, tendo em vista, sempre, que as normas constitucionais podem até vir a ser
aparentemente antagônicas, mas haverá sempre um ponto em que se esconde ou não, pode
ser bem expcito a possibilidade de compatibilização entre ambas.
d) Princípio da Força Normativa ou da Efetividade
Quando nos reportamos ao princípio da força normativa da Constituição, o que
primeiro nos ocorre é a idéia expressa por Konrad Hesse em sua afamada conferência de
mesmo nome. Quando os homens resolvem reunir o corpo social em torno de uma instituição
à qual se costuma atribuir o nome de Estado, pretendem que esse mesmo corpo social deixe
de ser mero agrupamento de seres humanos para constituir-se em comunidade política
formada por homens tidos como, não mais seres biológicos, apenas, mas como, aproveitando
clássica expressão de Aristóteles, animal político. Mas para isso precisam estabelecer
regras de conduta e organização de modo a buscar a paz social, ordem e justiça desejadas,
objetivos que somente podem alcançar caso todos se submetam às regras a serem
estabelecidas, abrindo cada um mão de parte de suas liberdades individuais com vista a
preservar esta mesma liberdade. É que não há liberdade efetiva em sociedade onde todos
gozem de liberdade absoluta.
Para que estas regras de convivência estipuladas pela comunidade política atinjam os
alvos almejados, necessário se faz que tenham efetividade, vale dizer, é imprescindível que a
144
Idem, p. 67.
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103
todos vinculem, sob pena de ser mero símbolo a caracterizar o corpo comunitário, mas
símbolo que desrespeitado não é verdadeiro símbolo, daí porque nem mesmo essa
denominação viria a merecer o conjunto de normas desrespeitadas sistematicamente pelos
cidadãos. A Constituição é a norma maior onde estão estabelecidas as regras de organização
principais e as de conduta precípuas de uma comunidade política, e o mero fato de ser ela
norma e ela não é apenas norma, mas a norma suprema do ordenamento, concessora de
fundamentos de validade para todas as demais que compõem o sistema faz de seus preceitos
vinculantes.
Mas não parece que essas considerões são suficientes. As teorias do direito e
constitucional não pararam por aí quando das suas tarefas de argumentação em prol da
vinculação de todos à Constituição.
Como bem lembra Luís Roberto Barroso, os atos jurídicos comportam, classicamente,
uma análise do cientista do Direito em três esferas diversas, quais sejam, a da existência, da
validade, da eficácia. Há, pois, contemporaneamente, estendido-se essa análise para um
quarto plano que é, justamente, o da efetividade, idéia esta umbilicalmente ligada com a de
força normativa, porque falar naquela é referir-se a esta última.
Ao tratar desse específico princípio da interpretação constitucional Canotilho ensina
que a ele se pode atribuir também a nomenclatura de princípio da interpretação efetiva,
dizendo este mesmo autor poder-se formulá-lo nos seguintes termos:
a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê.
É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e
embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas programáticas
(Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso
de vidas deve preferir-se a interpretação que reconha maior eficácia aos
direitos fundamentais).
145
Sabe-se que o direito prescreve normas de conduta a serem seguidas e que se situam,
costuma-se dizer, no mundo do dever-se, ao passo que vivemos todos no mundo do ser, vale
dizer, na realidade fática. Respiramos, dormimos, comemos, enfim, vivemos no ser, enquanto
o Direito estabelece regras a serem obedecidas que se situam na esfera do dever-ser, uma
espécie de ideal de realidade a ser alcançado ou pelo menos a ser buscado. É exatamente na
145
CANOTILHO, op. cit., p. 233.
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104
tentativa de se fazer com que a realidade fática se aproxime cada vez mais do ideal de mundo
em regra constante das normas jurídicas que se atribui à norma de Direito o caractere de
imperatividade.
Pode-se mesmo dizer que fazer do Direito eficaz é torná-lo verdadeiramente útil,
retirando à força dele a pecha de que é meramente um símbolo de uma dada sociedade ou
instrumento de mera repressão da classe dominante sobre a dominada. O simbolismo jurídico
é de fato o oposto da idéia de efetividade e é em fuga dele que devemos todos
empreendermos esforços na tentativa de retirar o Direito da seara do obsoleto dando-lhe
verdadeira oportunidade de efetivar-se como instrumento de modificação da realidade social
ao alcance de todos. E se parece-se cair no lugar comum ao afirmar o Direito como
instrumento de transformação social, é melhor fa-lo do que abster-se de reafirmar o que
parece óbvio e deixar com que se eternize pelo infinito a idéia que alguns muitos pretendem
realmente que se estenda indeterminadamente no tempo do Direito como símbolo, apenas,
de uma comunidade política.
A idéia de Direito e em última instância de Constituição meramente simbólica é
expressa muito bem por Karl Loewenstein ao classificar as Constituições em normativa,
semântica e nominal, sendo a primeira aquela que se encontra não apenas juridicamente
validade, mas que é também vivida de modo efetivo pela sociedade. A segunda, a semântica,
mostra-se presente somente no vago campo da formalidade sem transbordar para a realidade
social, de modo que sem ela, a esmagadora maioria das coisas permaneceria do mesmo modo
no mundo real. A terceira chamada por Loewenstein de Constituição nominal seria aquela
que aponta para um futuro diferente para melhor, mas que ainda não é efetivamente vivida
pela comunidade, podendo-se dela dizer que, como as normas programáticas, apontam para o
futuro, estabelecendo objetivos a serem alcançados pela sociedade.
146
Como se pode notar, o mais interessante é que seja a Constituição normativa, para
usar da classificação do autor acima citado, o que pode ser alcançado por intermédio de uma
educação jurídica calcada nas idéias de força normativa da Constituição, de vinculação do
legislador e de todos os atores políticos e sociais aos preceitos constitucionais. E isso tudo
146
LOEWENSTEIN, op. cit., 217 e ss.
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105
deve ter caráter de primazia quando do momento de efetiva realização do labor hermenêutico
que tenha como objeto a Constituição ou as normas constitucionais.
e) Princípio da Proporcionalidade
Existem coisas que nos ocorrem que não são expressáveis nem mesmo com o uso
avançado da linguagem, dos gestos e de todo e qualquer meio de estabelecer-se comunicação
já criado pelo ser humano. Parece enquadrar-se nessa categoria de coisas a idéia de
proporcionalidade, isto é, sabe-se bem de que se trata quando se sente, mas não bem se sabe
como expressá-la, de forma bem definida.
De todo modo, quando se pensa em proporcionalidade expressão que logo nos ocorre
é equilíbrio. Mas não é o suficiente para se delimitar, de modo a dar segurança em sua
aplicação, o princípio.
Proporcionalidade não se confunde com razoabilidade, embora haja entre os termos,
conforme escreveu Willis Santiago Guerra Filho sinonímia e origem comum, na matemática,
dos termos razão (lat. ratio) e proporção (lat. proportio)”.
147
Podem-se estabelecer
determinados critérios, relativamente objetivos, para a aferição da razoabilidade e da
proporcionalidade de determinadas normas, de modo que suas interpretões os leve em conta
quando diante da necessidade de se proceder a um trabalho hermenêutico.
O primeiro critério seria o da adequação a significar uma análise que afira se uma
medida atinge o fim que almeja. O segundo critério seria o da exigibilidade, isto é, deve-se
buscar saber se não haveria outra forma menos danosa para o alcance de determinado
objetivo senão a que foi empregada. O terceiro critério de aferição da razoabilidade e
proporcionalidade de uma medida seria o que a construção teórica e jurisprudencial alemã
veio a chamar de proporcionalidade em sentido estrito, que consistiria numa espécie de
pesagem das vantagens e desvantagens a possivelmente decorrerem da adoção de certa
medida, de modo que se as vantagens prevalecerem depois de obedecidos os dois primeiros
critérios, pode-se dizer que agiu-se de modo proporcional e razoável.
147
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Sobre o prinpio da proporcionalidade. Mimeografado, p. 13.
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106
f) Princípio (?) da Interpretão Conforme a Constituição
O ponto de interrogação que se pôs acima, no sub tópico, tem sua razão de ser. É que
o chamado princípio da interpretação conforme a Constituição é menos um verdadeiro
princípio hermenêutico e mais uma técnica ou método de verificação de constitucionalidade
que encontra justificativa num princípio de economia do ordenamento ou num outro princípio
de aproveitamento máximo dos atos jurídicos.
Falar-se em interpretação conforme a Constituição é, como quer Jorge Miranda,
conceder todo o relevo, dentro do elemento sistetico da interpretação, à
referência à Constituição. Com efeito, cada norma legal não tem somente de ser
captada no conjunto das normas da mesma lei e no conjunto da ordem legislativa,
tem outrossim de se considerar no contexto da ordem constitucional; e isso tanto
mais quanto mais se tem dilatado, no século XX, a esfera de aão desta como
centro de energias dinamizadoras das demais normas da ordem jurídica positiva.
148
Não se pode confundir a interpretão conforme a Constituição com a tarefa de se
escolher dentre vários sentidos possíveis aquele que se compatibiliza com maior facilidade
com a Carta Política Fundamental. Trata-se a técnica de aferir de que modo se pode atribuir
um sentido a determinada norma sentido este necessário e possível para evitar que dela se
diga que é incompatível com a Constituição e, portanto, inconstitucional.
É muito claro que existem limites a essa atribuição de sentido, devendo-se sempre
levar em conta critérios de razoabilidade, de forma a não se preencher a norma com um
significado que vá de frontal encontro com, por exemplo, o texto da regra jurídica.
Parece bem acertado o entendimento de Konrad Hesse segundo o qual no donio da
interpretação conforme a Constituição as normas constitucionais não são apenas normas
parâmetro, mas também normas de conteúdo na determinação do conteúdo das leis
ordinárias.
149
4.4 O Positivismo Jurídico e a Jurisdição Constitucional
148
MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 454.
149
HESSE, op. cit., p. 54.
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107
É nesse sub-tópico que se buscará estabelecer a correlação entre o modo puro de
enxergar o Direito como Ciência e a Justiça Constitucional, iniciando com uma breve
explanação da teoria kelseniana.
4.4.1 Teoria Pura do Direito
A Teoria Pura do Direito é a principal obra do pensamento positivista jurídico na sua
concepção normativista. Tal teoria, tamanha sua relevância, funciona como uma espécie de
divisor de águas na Teoria do Direito. O seu formulador, Hans Kelsen, elegeu como objeto de
seu estudo as normas jurídicas, edificando uma teoria estritamente formal desvinculada da
realidade fática. Kelsen rompe com o paradigma jusnaturalista, abstraindo da interpretão
não de sua formulação, diga-se todo aspecto valorativo, moral, sociológico etc. Tanto
Kelsen aceitava e, mesmo, entendia necessários os valores quando da formulação da norma,
que ele escreveu que a formulação do Direito fica a cargo do legislador, seara em que o
aspecto valorativo desfila com vigor; ao jurista seria descabida essa valoração, mas tão-
somente a interpretação avalorativa das normas jurídicas, sem a pretensão de suplantar o
legislador e quebrar o dogma da separação de poderes.
A discussão que propunha Kelsen era restrita ao disposto nas normas jurídicas
emanadas do Poder Legislativo do Estado. Nascia o normativismo kelseniano tendo como
precípuo objetivo a purificação da ciência do Direito. A Teoria Pura do Direito busca
purificar os métodos utilizados pela ciência jurídica, de modo a eliminar todo e qualquer
elemento estranho ao texto da lei. Rechava todos os aspectos axiológicos e os da realidade
fática para acolher apenas os aspectos do mundo lógico. O positivismo começa, já daí, a
pecar, capitalmente, ao querer isolar o Direito de outras ciências. Quando ela [a ciência]
tinha a pretensão de explicar um réptil ou um molusco, isolando-o era como se pretendesse
achar a vida nos cemitérios”.
150
Foi assim que Tobias Barreto justificou a importância em não
se estudar o Direito isoladamente. Esse alerta não é tão recente assim, data da década final do
século XIX.
Para Kelsen e sua pureza teórica a tarefa do cientista jurídico deveria ser, tão-somente,
a de descrição, abstendo-se das discussões valorativas pois
150
BARRETO, op. cit., p. 11.
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108
Uma norma jurídica não vale porque tem um determinado conteúdo, vale dizer,
porque seu conteúdo pode ser deduzido pela via de um raciocínio lógico do
conteúdo de uma norma fundamental pressuposta, mas porque é criada de uma
forma determinada em última análise, por uma forma fixada por uma norma
fundamental pressuposta. Por isso, e somente por isso, pertence ela à ordem
jurídica cujas normas são criadas de conformidade com esta norma fundamental.
151
E o arremate é com, talvez, um dos seus mais célebres dizeres: Por isso, todo e
qualquer conteúdo pode ser Direito.
Como se depreende da análise da passagem acima transcrita da teoria kelseniana, há
um apego apaixonado paradoxalmente, pois há uma valorização da lógica em detrimento de
axiomas à forma e um conseente desapego ao conteúdo da norma.
Para Kelsen, uma norma para ser tida como tal necessita apenas obedecer às normas
procedimentais de feitura das leis, não havendo que estar em conformidade com nenhum
conteúdo material, nenhum aspecto conteudológico, por assim dizer. Daí dizer-se da Teoria
Pura uma teoria formalista.
152
Como crítica a esse entendimento formalista, é lúcida a crítica de Min. Cesar Asfor
Rocha quando ensina que Quando da aplicação da norma, não pode o Juiz deixar de se
aproximar da realidade social e de se orientar pelos princípios mais elevados da Justiça”.
153
Hans Kelsen não enxergava nenhuma possibilidade lógica em se deduzir as normas
jurídicas dos fatos da vida cotidiana e real, por isso a separação entre ser e dever-ser, sendo
que aquele seriam os fatos e este, as normas.
4.4.2 Vigência e Validade das Normas Jurídicas: Positivismo e sua superação
Tudo desaguava numa confusão, literalmente. Vigência confundindo-se com validade.
Ora, se era desnecessária a compatibilidade conteudológica ou material da norma com uma
151
KELSEN, op. cit., p. 65.
152
A forma prepondera sobre o conteúdo e o ordenamento jurídico seria estruturado de modo lógico,
com inferências formais, colmatadoras da validade das normas jurídicas, emanadas, de qualquer sorte, do
Estado. ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 41.
153
ROCHA, Francisco Cesar Asfor. Temas de Introdução ao Direito. Fortaleza: Imprensa Universiria,
1974, p. 63.
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109
superior, bastava que respeitasse as normas procedimentais de confecção das leis para que
passasse a valer, vale dizer, a viger e, por conseguinte, a gozar de validade. Sergio
Cademartori, analisando os juízos de vigência e validade discorre:
Enquanto os juízos sobre a vigência ou não de normas apresentam um caráter
fortemente descritivo, eis que dizem respeito a fatos concretos, tais como a
promulgação daquelas por autoridades competentes e a observância do devido
procedimento de edição, os juízos sobre a validade pelo fato de pretenderem
verificar processos de adequação valorativa trazem uma acentuada carga
axiológica.
154
Cademartori diz ainda que enquanto as condições formais constituem requisitos de
fato em cuja ausência as normas não chegam juridicamente a existir, as condições
substanciais de validade e de forma especial as da validade constitucional consistem no
respeito de valores tais como a igualdade, a liberdade e as garantias dos direitos dos
cidadãos cuja lesão produz uma antinomia, isto é, um conflito entre normas de significados
incompatíveis. O pensamento de José Luis Serrano não é diverso e corrobora o de
Cademartori:
Juicio de vigencia es aquel que va referido a la mera constatación de la existencia
de una norma en el interior de un sistema jurídico. Es un juicio de hecho o técnico,
pues se limita a constatar que la norma cumple los requisitos formales de
competencia, procedimiento, espacio, tiempo, materia y destinatario; y como tal
juicio de hecho es susceptible de verdad y falsedad.
155
Relativamente ao juízo de validade o mesmo autor é preciso ao destacar ser
aquel en virtud del cual se declara (si es positivo) que una determinada norma
(cuya vigencia formal se ha comprobado como verdadera) se adecua además en su
contenido a las determinaciones existentes en niveles superiores del ordenamiento
sean reglas o principios, valorativas o neutras, justas o injustas, eficaces o
ineficaces.
Numa visão que supera o positivismo, a norma somente gozará de validade se
compatível materialmente com a norma superior fundamentadora de todo o ordenamento
normativo, ou seja, a Constituição. Caso não respeite o conjunto axiológico que a Carta traz,
explícita ou implicitamente, deverá ser expurgada do arcabouço jurídico nacional. Ocorre que
há uma outra diferença desta visão com aquela do positivismo.
154
CADEMARTORI, Sérgio. Estado, Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Porto alegre:
Livraria do Advogado, 1999, p. 48.
155
SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia: La Aportación Garantista de la Norma Jurídica. Madrid:
Trotta, 1999, p. 51.
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110
O positivismo purista de Kelsen é radical, vale dizer, deve estar puro de qualquer
aspecto valorativo. Assim é que uma norma ou é válida ou não é, maniqueisticamente. Numa
perspectiva superadora do positivismo ou paleopositivista, como quer Luigi Ferrajoli, uma
norma pode muito bem ter sua validade escalonada gradualmente, isto é, ela pode ser válida
para determinadas situões e não ser para outras, de modo que o juízo de validade não se dá
num sistema binário-positivista, mas, sim, garantista, segundo a teoria de Ferrajoli.
Segundo a teoria pura do direito e, por conseguinte, para o positivismo jurídico
não há que se falar em juízo de validade, haja vista o de vigência se confundir com ele. Se se
é conduzido à conclusão de que uma norma respeitou os ditames procedimentais de feitura de
leis e, por isso, está vigente, chega-se, necessariamente para o positivismo à conclusão de
que ela é válida, do mesmo modo.
Sendo o juízo de validade escalonável e graduável em diferentes níveis, pode o
operador jurídico deixar de aplicar determinada norma a um caso concreto pelo fato de não se
adequar com axiomas constitucionais. A norma continua vigente podendo, inclusive, ser
aplicável a outros casos diversos, mas para aquele caso em especial ela não é aplicável por
incompatível com ditame constitucional, de modo que ao ser aplicada pode-se, mesmo, ferir
mandamento superior, não reali-lo.
O sentido das normas infraconstitucionais é realizar a Constituição. Sua razão de ser é
tão-somente procedimentalizar, vale dizer, é servir como instrumento para a efetivação dos
valores constitucionais. Assim é que se da aplicação de uma norma decorrer um ferimento a
princípio constitucional, esta mesma norma não merece constar do ordenamento positivo ou
apenas não deve ser aplicada àquele caso específico, por ser este peculiar.
5.4.3 Liberalismo e Positivismo
Aqui o que se procurará demonstrar é uma estreita vinculação entre duas idéias que,
embora atuantes em searas do conhecimento distintas, ajudaram-se mutuamente no sentido de
uma facilitar realizações da outra. É o caso da doutrina política do liberalismo e do
positivismo jurídico.
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111
5.4.3.1 Estado Liberal e Estado Social
Serve esse tópico apenas para situar os Estados Liberal e Social na discussão que eu
ponho no tablado. O Estado de Direito liberal é, básica e muito singelamente, aquele que deve
apenas abster-se de perpetrar atos que pudessem, eventualmente, piorar as condições de vida
dos componentes de uma determinada comunidade política. O Estado de Direito social
entende não ser o bastante e mesmo ser covarde abster-se de não cometer abusos. Pensa
que ao invés de apenas não piorar as coisas deve intervir para sua melhora.
156
Cademartori
aduz que a diferença básica entre ambos estaria na natureza dos bens que cada um deles
pretenderia preservar:
Enquanto o estado liberal de direito tem por fito preservar as condições naturais ou
pré-políticas de existência (vida, liberdades, imunidade perante o poder, e, hoje, a
não nocividade do ar, da água e dos recursos naturais), as garantias sociais ou
positivas baseadas em obrigações de estado permitem pretender ou adquirir
condições sociais de vida: subsistência, saúde, educação, trabalho, moradia etc.
157
Abaixo alguns liames entre liberalismo e positivismo.
5.4.3.2 Previsibilidade Positivista: um bem (?)
A dogmática jurídica lida sob o prisma do positivismo jurídico tem como fito
principal o desenvolvimento de um sistema de normas coerente, unitário e completo que
tenha capacidade de processar a incontroversa complexidade da contemporaneidade. Para o
alcance dessas metas, a dogmática positivista faz uso de recursos de interpretação
pertencentes à hermenêutica clássica, isto é, aqueles de natureza lógico-formal. Tais métodos
156
Sobre uma noção teórica mais profunda a respeito da negatividade ou positividade da atuação estatal
ver ALEXY, Robert. Teoría de Los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1997, p. 186 a 196. O sistema de posições jurídicas fundamentais de Alexy, veiculado
em sua teoria anatica dos direitos subjetivos, traz uma tríplice divisão: direito a algo, liberdades e
competências. O direito a algo é concebido como uma relão trilateral na qual o primeiro membro é o
titular do direito, o segundo é o destinatário do direito e o terceiro é o objeto do direito. O objeto é
constituído por uma ação do destinario que pode ser positiva ou negativa, pois se o objeto não fosse
uma ação do destinatário não haveria sentido em incluí-lo na relação. Quando cogitamos dos direitos em
face do Estado, os direitos a ações negativas são chamados de direitos de defesa, enquanto os direitos a
ações positivas coincidiriam, parcialmente com os direitos a prestações, em uma conceituação restrita de
prestação. Os direitos a ações negativas subdividem-se em: a) direito ao não impedimento de ações; b)
direito à não afetação de propriedade (bens) e situações (jurídico-subjetivas); e c) direito à não eliminação
de posões jurídicas. Por seu turno, os direitos a ações positivas desmembrariam-se em direitos a ações
positivas fáticas e direitos a ações positivas normativas.
157
CADEMARTORI, Sérgio. Estado, Direito e Legitimidade: Uma Abordagem Garantista. Porto alegre:
Livraria do Advogado, 1999, p 160.
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112
interpretatórios seriam capazes de conferir atributos de uniformização e previsibilidade das
decisões o que, por conseguinte, asseguraria a tão preciosa segurança jurídica almejada pelo
pensamento liberal-normativista.
O (neo) liberalismo é o modelo adotado pelo Estado no qual este deve única e
exclusivamente não piorar as condições de vida dos cidadãos, ao passo que o Estado de
Direito Social deve não apenas procurar manter a boa vida de que a tem, mas patrocinar a
promoção social, melhorando as condições de vida de quem reputa não as ter em boa medida.
A principal instituição do Estado Liberal não é o Estado, mas o Mercado com sua
mão invisível, para usar aqui a consagrada expressão cunhada por Adam Smith. Assim, o
mercado capitalista encontra seu ambiente propício para nascer e desenvolver-se naqueles
locais aonde o Estado lhes concede ampla liberdade para agir, tutelando apenas aquelas áreas
que antes de lhes castrar a liberdade, dar-lhes-ão garantia de que esta será respeitada.
O mercado pretende respeito a contratos instrumento-mãe de todas as trocas
capitalistas e mercadológicas. E tal respeito não decorre, algumas vezes, da vontade dos
indivíduos em respeitá-los, mas da coerção que o Estado, por meio de seu Poder Judiciário,
pode ser chamado a exercer. Vale dizer, a garantia mesma do respeito aos contratos não está
nos indivíduos, mas no Judiciário e nas leis, de modo que tão mais querido será para os
liberais um ordenamento jurídico, quanto mais previsíveis forem as decisões nele baseadas.
Como expusemos, supra, um dos fins do positivismo é exatamente o de conceder
previsibilidade às decisões judiciais, fazendo delas uma aplicação direta e lógica da lei, uma
aplicação quase matemática como se fosse possível existir uma verdade absoluta a não
exigir interpretações casuísticas, algo difícil de ser alcançado até mesmo pelas ciências
exatas. Quando os positivistas defendem apaixonadamente uma aplicação paradoxalmente
desapaixonada da lei, a partir de juízos avalorativos, abstraídos da realidade fática, o fazem,
basicamente, por dois motivos, sendo que na maioria dos casos um exclui o outro.
O primeiro é o de atender aos interesses mercadológicos, e é juntando-se à corrente
formal-normativista que se atingirá, mais facilmente, este objetivo. O segundo é mais ingênuo
sendo que o motivo ensejador de seus ajuntamentos aos normativo-positivistas é quase
inconsciente. É que os positivistas ingênuos, se é que podemos assim lhes chamar, não sabem
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113
nem mesmo que pertencem à tal corrente doutrinária, sendo que nela se albergam pelo fato de
que respeitam as regras só por serem regras, sem proceder a juízos críticos do Direito que
buscam a adequação material e não apenas a formal dos instrumentos normativos à
Constituição.
Tudo que o liberalismo quer é que continue a permear as mentes de grande parte dos
atores jurídicos a idéia positivista. É assim que atingirão um de seus objetivos que é fugir das
imprevisibilidades das decisões de juízes que não se conformam apenas em analisar os
aspectos formais de uma regra, mas também e principalmente , a compatibilidade material
da norma com sua superior de onde busca fundamento e razão de toda sua existência.
O positivismo cai no erro de ter a norma como algo com sentido primitivo e absoluto.
Mas elas não são bem assim, modificando-se no tempo e no espo, pois o seu sentido só será
alcançado ao cabo de um longo processo de interpretão que passa, necessariamente, por sua
conformação conteudológica aos axiomas constitucionais.
4.4.3.3 Princípios e Positivismo
É Paulo Bonavides quem aponta a trajetória dos princípios jurídicos dividida em três
fases, sendo que a primeira delas seria a jusnaturalista, a segunda a positivista e a terceira
pós-positivista. Interessa-nos para os fins colimados por este estudo, principalmente, as duas
últimas. Sobre as duas demais etapas trataremos, em seguida, sem separá-las,
sistêmicamente.
158
O arcabouço jurídico-constitucional brasileiro é formado por duas espécies de normas:
a) normas-regras e b) normas-princípios. As normas-regras são aquelas com conteúdo mais
concreto e de aferibilidade mais acessível, ao passo que as normas-princípios caracterizam-se
justamente pelo contrário, isto é, têm conteúdo com alto grau de abstração e,
conseentemente, de aferibilidade mais dificultosa.
Canotilho aponta dois critérios para a distinção entre princípios e regras, apesar de
reconhecer a dificuldade em direferençá-las. O primeiro seria, exatamente, o que já
158
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006.
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114
apontamos, qual seja, o grau de abstração, onde os princípios são mais abstratos que as regras.
O segundo critério diferençador seria o grau de indeterminação: aferível diante da aplicação
casualística, ao caso concreto. Diz o constitucionalista português: [...] os princípios, por
serem vagos e indeterminados, carecem de mediões concretizadoras (do legislador? Do
juiz?), enquanto as regras são suscetíveis de aplicação directa”.
159
A diferenciação entre regras e princípios também é feita por Robert Alexy em sua
Teoría de los Derechos Fundamentales.
160
Sobre a diferenciação entre os dois, Alexy escreve
queSin ella, no puede existir una teoría adecuada de los limites, ni una teoría satisfactoria
de la colisión y tampoco una teoría suficiente acerca Del papel que juegan los derechos
fundamentales en el sistema jurídico.
Alexy aponta para duas diferenças qualitativas entre regras e princípios:normas que
sólo pueden ser cumplidas o no. Si una regla es valida, entonces de hacerse exactamente lo
que ella exige, ni más ni menos. Por lo tanto, las reglas contienen determinaciones en el
ámbito de lo fáctica y jurídicamente posible. Já os princípios são materializados por normas
que
ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posible, dentro de las
posibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los principios son
mandatos de optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden
ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimento no
sólo depende de las posibilidades reales sino tambn de las jurídicas.
É dessas diferenças qualitativas entre regras e princípios que nasce a rechaça do
positivismo aos princípios. Ora, os ditames normativo-positivistas são no sentido de
orientarem os seus aplicadores e seguidores a considerarem uma norma válida ou inválida
validade que leva em conta, basicamente, a questão da vigência. Assim mesmo,
maniqueisticamente. Não há meio termo. Os princípios têm como um de seus objetivos o que
Robert Alexy descreve como a otimização da aplicação das normas. Existem casos em que
nem sempre será a decisão pela validade ou invalidade da norma que solverá a problemática.
A graduabilidade da validade é impraticável pelos padrões formalistas, pois o método que
utilizam é aquele binário da validade/nulidade.
161
159
CANOTILHO, op. cit., p. 1033.
160
ALEXY, op. cit., p. 299.
161
Ibid.
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115
Um outro aspecto que assusta o jus-positivismo é o caráter de abstrão dos
princípios, justamente, pelo fato de que um dos objetivos precípuos da doutrina positivista é
alcançar uma espécie de matematização da normatividade onde o papel da norma é o de
suprir totalmente as necessidades do caso concreto, sendo ela a única verdade aplivel a ele.
Os princípios não só permitem como exigem do operador jurídico a interpretão da norma,
levando em conta aspectos exógenos a ela, o que se consubstancia em pecado capital à pureza
teórica do Direito.
Mas não há dúvida acerca da força normativa dos princípios, mormente dos
constitucionais.
Os princípios constitucionais funcionam para o Estado como a bússola para o
navegante. Os Poderes estatais, todos aqueles que trabalham na implementação dos ideais e
serviços do Estado, devem pautar suas condutas pelos princípios constitucionais. Os
princípios são as linhas gerais da axiologia constitucional, são as normas abstratas donde se
desdobram as normas-regras na Carta Política insculpidas. Eles têm uma certa ascendência
relativamente a todo o ordenamento constitucional e, por conseguinte, consistem nas normas
mais importantes do sistema jurídico de um Estado.
A essa conclusão somos conduzidos pelo fato de que diante de um conflito entre
princípios e regras aqueles primeiros sempre prevalecerão em desfavor destas últimas. É
nesse sentido o magistério de Willis Santiago Guerra Filho, para quem enquanto o conflito
de regras resulta em uma antinomia”, a ser resolvida pela perda de validade de uma das regras
em conflito, ainda que em um determinado caso concreto, deixando-se de cumprí-la para
cumprir outra, que se entende ser a correta, as colisões entre princípios resultam apenas em
que se privilegie o acatamento de um, sem que isso implique o desrespeito completo do outro.
E conclui: Já na hipótese de choque entre regra e princípio, é curial que esse deve
prevalecer, embora aí, na verdade, ele prevalece, em determinada situação concreta, sobre o
princípio em que a regra se baseia”.
162
Paradoxalmente, o princípio com todo o seu grau de abstração permite a aplicação
mais precisa de uma norma do que as regras nos moldes que preceituam os positivistas. É
que eles funcionam como um líquido que se moldam a qualquer formato, ao passo que as
162
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo:
Celso Bastos Editor, 2001, p. 45, apud ROCHA NETO, Alcimor Aguiar. Hermenêutica Constitucional e
Direito Ambiental, Disponível em:
<http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=20115>. Acesso em: 05 mar. 2006.
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116
regras são tão rijas que parecem mais tijolos que, quando se tenta colocar em um determinado
recipiente cilíndrico, não encaixam. Os princípios constitucionais permitem que tenhamos a
norma como válida para casos específicos e inválida para outros, ao contrário das regras que
ou servem para tudo ou não servem para nada. É como disse no início deste estudo: os
radicalismos são, normalmente, a causa da derrocada de idéias, inicialmente, palatáveis.
Talvez um dos motivos da não-sustentação dos argumentos positivistas de pé.
Um ordenamento constitucional aberto, prenhe de princípios ávidos por efetividade,
princípios explícitos, mas também implícitos, positivos, mas, igualmente, suprapositivos,
necessita de quem o ponha realmente a funcionar, vale dizer, de quem lhe conceda a
efetividade merecida e clamada. Essa implementação efetiva somente se dará de forma
eficiente pela Jurisdição Constitucional, pelo fato de que é a ela que se apresentarão os casos
concretos, da vida, da realidade, a procura de solução que virá por decisão judicial que atenda
aos dois requisitos da argumentação jurídica sobre os quais discorreu Manuel Atienza,
comentando o pensar de Neil MacCormick:
Sua tese [de Neil MacCormick] consiste em afirmar que justificar uma decisão
num caso difícil significa, em primeiro lugar, cumprir o requisito da
universalidade, e, em segundo lugar, que a decisão em queso tenha sentido em
relação ao sistema (ou seja, que cumpra os requisitos de consistência e de
coerência) e em relação ao mundo (o que significa que o argumento decisivo
dentro dos limites marcados pelos critérios anteriores é um argumento
consequencialista.
163
Em palavras mais simples: o argumento fundamentador da decisão a ser proferida pela
Jurisdição Constitucional e aqui adapto o debate ao meu tema tem de ser pertinente ao
sistema e, ainda, ao mundo; deve ser legitimada dentro da contextualização dos fatos sem se
conduzir os receptores atingidos pela decisão à perplexidade material e a pensar dela
absurdidades.
Esse fenômeno que deveria ser levado a cabo por todos os atores jurídicos e políticos
leva o nome de filtragem constitucional e consiste, justamente, na análise das normas em face
da principiologia constitucional. Trata-se da aferição da validade de uma norma
infraconstitucional conformando-a materialmente à Constituição.
163
ATIENZA, op. cit., p. 182-183.
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117
5.4.3.4 Caça à Norma
No positivismo não é necessário que se passe por processos muito complexos para se
chegar à norma. É que, segundo a doutrina formalista-normativa, o texto legal se confunde
com a norma em si, como se o texto legal independesse por completo de qualquer
interpretação e de qualquer atribuição de valores por parte daquele a quem é dado interpretar
os textos jurídicos. Ora, não se pode fugir da realidade que impõe, a quem quer que seja, não
importando a qual doutrina do direito se filie ou até se não se filie a nenhuma , seja o texto
interpretado. Ainda que se tenha em mente a idéia de que o intérprete não pode ultrapassar os
limites da literalidade do texto, está-se impondo um tipo de interpretação, qual seja, a
gramatical ou literal. E quando se escolhe qualquer meio através do qual se interpreta um
texto, inclusive o gramatical, que seria puro, se está a lançar mão de juízo de valor. Eu
escolho esse método porque o prefiro; não escolho outro porque não me seduz tanto quanto o
primeiro. Há valoração ainda que se opte pela avaloração. Tudo isso na linha weberiana e
nietzschiana do politeísmo de valores: viver é ser uma gota dágua em meio a um oceano de
axiomas; optar por um deles é resguardar-se dos demais (não-valores).
O texto não trás expressa a norma. A norma resultará do processo de interpretão do
texto jurídico, será o resultado desse processo dentro do qual se usarão técnicas e métodos
hermenêuticos. Norma não se confunde com texto, embora sem o texto não se alcance a
norma, a não ser que esta esteja abrigada dentro de um daqueles princípios suprapositivos, ou
daqueles implícitos, que decorrem de outros ou do conjunto de outros. E não basta que haja
texto para que se consiga alcançar a norma. Existe um terceiro fator necessário para que ao
objetivo sejamos conduzidos: o fato. O sentido do texto, isto é, a norma só poderá ser buscada
caso estejamos a analisar o texto em face de um caso concreto. Não vejo como se chegar à
norma caso se esteja abstraído da realidade. E a casuastica se apresenta ao Poder Judiciário,
por exemplo, ou a qualquer intérprete, que, inclusive, poderá decidir acerca da
constitucionalidade ou não da lei ou ato normativo. A teoria clássica da separação dos
poderes ainda muito válida quanto a este aspecto condena a aplicação de uma lei por
aquele (s) homem (ns) ou órgão (s) que a elaborou e interpretar os instrumentos normativos é
confrontá-lo com a Norma Superior. Esse processo de conformação não pode ser posto à mão
daquele que os elabora, sob pena de concentração de poderes.
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118
É óbvio, não se pode olvidar que a validade de um texto jurídico possa ser analisada
abstratamente, em processos objetivos tal qual acontece no controle concentrado de
constitucionalidade, o que, de nenhum modo, consubstancia-se em óbice ao nosso
entendimento, pois dizer que a norma não pode ser alcançada quando se analisa em abstração
a faticidade não é o mesmo que afirmar que o texto jurídico, a lei, não pode ter suas
conformidades à constituição fiscalizadas abstratamente.
No processo em que se busca alcançar a norma, a partir do texto jurídico, deve-se
necessariamente passar por uma grande peneira constitucional, aonde o instrumento
normativo deverá mostrar-se ao intérprete como válido, dada sua conformidade material e
formal com a Constituição. Caso o intérprete não proceda a essa fiscalização prévia da
compatibilidade da lei com a Constituição, mormente no seu aspecto material, incidirá
naquele que, infelizmente, consiste no senso comum teórico: a aplicação da lei pelo mero fato
de que é lei, e de que lei não se discute.
Há um segundo grau desse pensamento desprendido de qualquer doutrina do direito, e
é, justamente, quando se aplica a lei, ou quando se a tem como válida (a) pelo fato de ser lei,
formalmente falando, e (b) por conta dos comentários doutrinários e jurisprudenciais
relativamente ao dispositivo interpretado. Edmundo Lima de Arruda Junior discorre sobre
esse pensamento dominante nos corredores forenses dizendo-o irracional por aderir à forma
jurídica tomada como direito posto e definitivo. Esse irracionalismo ele denomina de fetiche
do invólucro que se desdobraria em dois fetiches:
Primeiro, de caráter simlico, pelo apego ao normativismo; em segundo lugar
pelo aspecto concreto, expressado no ritual do mundo forense. É conhecido o
apego ao formalismo por parte dos juristas. A exacerbação do ritual jurídico; da
predominância do direito processual em detrimento do direito objeto da lide; e o
culto religioso à interpretação exegética das normas jurídicas, pressuposta a
completude do sistema jurídico, constituem alguns dos elementos universais da
reprodução do direito moderno, com sinais de maior ou menor fetiche nas várias
formações históricas.
164
164
ARRUDA JR., Edmundo Lima. Weber e Marx, anpodas? Fragmentos para pensar o Direito. In:
_________ (Org.). Max Weber Direito e Modernidade. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1996, p.
48-69.
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119
Com esta mentalidade acaba-se por deixar de lado aquela que para Luigi
Ferrajoli consiste na principal tarefa, científica e política, da ciência jurídica:la critica del
derecho inválido dirigida a propiciar su anulación”.
165
4.4.3.5 Sobre a Programaticidade das Normas Constitucionais
O grande responsável pela elevação das normas programáticas à categoria normativa,
no que tange a sua eficia, foi José Afonso da Silva
166
. A classificação deste autor é em
normas constitucionais de eficácia plena, contida e limitada.
A adesão à tese do eminente constitucionalista é tão tentadora quanto perigosa,
podendo levar com a mesma velocidade ao paraíso da solução fácil dos casos concretos como
ao inferno da postergação da efetivação dos direitos constitucionais de cada qual. Aceitar que
determinada norma constitucional seja apenas um indicativo norte do que deve atingir a
Constituição é aceitar, na mesma medida, que não se aplique disposições elaboradas pelo
povo no seu momento de maior fervor e paixão política o momento constituinte ,
postergando para um futuro indeterminável a realização efetiva dos valores constitucionais.
Mas o próprio José Afonso da Silva entende que o termo programático não exprime
com rigor o sentido dessas normas e porque se trata de expressão comprometida com teorias
ultrapassadas que viam na Constituição normas sem valor jurídico que davam aquela
denominação [normas programáticas]”.
167
É da mesma impressão relativamente às normas programáticas Eros Roberto Grau,
que as tem como uma investida conservadora para a não concretização dos direitos
reconhecidos na Carta Constitucional. Seria um óbice para a não implementação destes, sob o
argumento de que seriam dependentes de uma complementação infraconstitucional.
168
Corroborando o mesmo raciocínio vêm os escritos de Martonio Montalverne, dizendo
que o uso de tal classificação seria um recurso a reduzir a possibilidade de aplicação de modo
165
FERRAJOLI, op. cit., p. 29.
166
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1998.
167
SILVA, op. cit., p. 96, nota de rodapé.
168
GRAU, Eros Roberto. A Constituição Brasileira e as Normas Programáticas. RevDCeCP, Rio de
Janeiro: Forense, nº 4, 1985.
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120
imediato das normas constantes da Constituição, especialmente aquelas do art. 5º deste
Diploma Político, sobre as quais o comando objetivo de aplicabilidade imediata é expresso no
texto constitucional mesmo.
169
Vale dizer que é a própria Constituição a autorizar que as
normas que trazem em seu conteúdo os direitos e garantias fundamentais possuem aplicação
imediata.
Parece-me que a programaticidade das normas ou a noção de que são programáticas
serve ainda que não intencionalmente, deixo aqui bem claro ao positivismo. É que a
norma aberta causaria uma situação de incerteza e, por isso, não poderia ser aplicada até o
momento em que uma outra norma posterior, específica, infraconstitucional lhe viesse atribuir
sentido, vale dizer, viesse conceder a certeza tão querida do juspositivismo.
Os positivistas tentamde alguma forma buscar como conter esse movimento, dizendo
que a norma, daquele modo aberto que se encontra, não pode ser aplicável, senão após uma
delimitação de seu alcance por outra, mais detalhada, dotada de maior certeza e segurança. E
aqui vale uma pequena explicação: a certeza e a segurança são atributos dos mais importantes
do Direito, só não podemos tê-los como merecedores de maior respeito do que dois outros: a
justiça e a equidade. Parecendo indignado, Bobbio escreveu:
[...] na Constituição italiana, as normas que se referem a direitos sociais foram
chamadas puramente de programáticas. Será que já nos perguntamos alguma vez
que gênero de normas são essas que não ordenam, proíbem e permitem num futuro
indefinido e sem prazo de carência claramente delimitado? E, sobretudo, já nos
perguntamos alguma vez que gênero de direitos são esses que tais normas definem?
Um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva protão são adiados sine die, além
de confiados à vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o programa é
apenas uma obrigação moral ou, no máximo, política, pode ainda ser chamado
corretamente de ‘direito?.
170
Não me parece pairar dúvidas a respeito da inexistência de normas programáticas e a
construção de seu conceito visando a não efetivação dos direitos sociais. Essa posição parece
mais plausível se levarmos em conta algumas colocações.
Primeiro tenho que dizer que a separação procedida pela doutrina entre direitos da
liberdade e direitos sociais, concedendo àquele aplicabilidade imediata e retirando essa desses
169
LIMA, Martonio MontAlverne Barreto. Jurisdição Constitucional: Um problema da Teoria da
Democracia Política. In: SOUZA NETO, op. cit., p. 220.
170
BOBBIO, op. cit., p. 72.
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121
últimos, não merece permanecer de pé. É que no ordenamento constitucional brasileiro não há
diferenciação de regimes para um e para outro, havendo, ainda, a disposição do artigo 5º, § 1º
de nossa Carta Constitucional a determinar a aplicabilidade imediata dos direitos
fundamentais, conceito este abrangedor do de direitos da liberdade e direitos sociais.
Nos ordenamentos constitucionais da Espanha e de Portugal há discussão mais
acalentada sobre o tema, justificadamente. É que seus Documentos Políticos trazem
disposições expressas em torno da diferenciação de regimes e de tratamento entre as duas
espécies de direito os de primeira e os de segunda geração.
No caso português, aqueles chamados direitos, liberdades e garantias abrangedores
dos direitos de defesa, gozam de imediata aplicabilidade e plena eficácia e ainda vêm a
integrar o seletíssimo rol das cláusulas pétreas. Ao contrário dos direitos econômicos, sociais
e culturais que não são aplicáveis de modo imediato e não compõem as petrificadas
cláusulas da Carta Política de Portugal de 1976.
171
5.4.3.7 Faceta Positiva do Positivismo
O positivismo jurídico não poderia deixar de ter exercido e de ainda exercer um
papel importantíssimo para a sociedade moderna. Todo o nascimento do Estado Moderno
pressupunha um estabelecimento, ainda que num plano além da normatividade, de regras que
hoje teríamos como materialmente constitucionais, de modo a delimitar o Estado quanto a sua
forma, organização e exercício de seu poder governativo. Cada vez mais vai se mostrando
necessário a existência de regras claras e certas para reger a sociedade e sua dinamicidade, o
que desembocaria numa maior segurança das relações sócio-políticas e também econômicas.
O meio mesmo que não tivesse, ainda, corpo doutrinário formado à época sobre o
assunto capaz de conceder tais atributos aos ordenamentos normativos, à Constituição
Material dos Estados, seriam as normas escritas, fascínio do positivismo. O Estado
Absolutista cada vez mais expandia seus tentáculos por toda a comunidade política,
sufocando-a, provocando seu instinto revolucionário todas elas, as comunidades políticas,
têm um destes instintos esperando por provocação. O Poder precisava ser controlado e com as
171
ANDRADE, J. C. Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituão Portuguesa de 1976.
Coimbra: Almedina, 2004, p. 78 e ss.
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122
Revoluções Liberais castraram-se, passo a passo, os poderes estatais, controlando-os,
restringindo-os ao mesmo tempo em que se expandia o dos cidadãos. E nesses momentos a
norma escrita exerceu grande papel, o positivismo mostrou-se, pela primeira vez,
extremamente necessário à construção de uma sociedade livre de tiranos.
O positivismo facilitava a mantença, dentro dos limites circunscritos pelas leis, dos
governantes, estatuindo normas claras e precisas a que todos, indistintamente, haveriam de
obedecer. A facilitação do controle estatal foi, pois, uma das grandes contribuições do
positivismo.
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123
5 LIMITES DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E MEDIDA
PROVISÓRIA
É nesse tópico que a questão posta em debate afunila para uma confrontação de
conclusões parciais com vista a apli-las na resolução do problema que, originariamente, foi
o grande motor responsável pelo impulso que culminaria com esta pesquisa.
5.1 Controle Jurisdicional de Constitucionalidade dos Pressupostos de Habilitação das
Medidas Provisórias no atual Contexto Teórico da Separação dos Poderes
Aqueles que se posicionam contrariamente à possibilidade de se controlar os
pressupostos constitucionais das medidas provisórias costumam argumentar que se o Poder
Judiciário desse modo viesse a agir estaria a adentrar em esfera própria do Poder Executivo,
ferindo, assim, o dogma da separação dos poderes. Ainda que se tenha como a melhor
modelagem da teoria da separação das funções orgânicas do Estado a clássica de
Montesquieu, admite-se que o cerne dessa teorização é justamente impedir que um poder
venha a perpetrar atos abusivos. E para conter tais atos abusivos institui-se mecanismos de
controle mútuo entre os três poderes. Ora, ao controlar escancarados atos abusivos
perpetrados pelo Presidente da República quando da edição de medida provisória, está o
Judiciário não a violar o princípio da separação dos poderes, mas, ao contrário, está a garantir
a sua integridade. Pensa do mesmo modo o Min. Celso de Mello que decidiu sobre a questão
da seguinte forma:
UTILIZAÇÃO ABUSIVA DE MEDIDAS PROVISÓRIAS -
INADMISSIBILIDADE - PRINPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES -
COMPETÊNCIA EXTRAORDINÁRIA DO PRESIDENTE DA REBLICA. -
A crescente apropriação institucional do poder de legislar, por parte dos sucessivos
Presidentes da Reblica, tem despertado graves preocupações de ordem jurídica,
em razão do fato de a utilização excessiva das medidas provisórias causar
profundas distorções que se projetam no plano das relações políticas entre os
Poderes Executivo e Legislativo. - Nada pode justificar a utilização abusiva de
medidas provisórias, sob pena de o Executivo - quando ausentes razões
constitucionais de urgência, necessidade e relevância material -, investir-se,
ilegitimamente, na mais relevante função institucional que pertence ao Congresso
Nacional, vindo a converter-se, no âmbito da comunidade estatal, em instância
hegemônica de poder, afetando, desse modo, com grave prejuízo para o regime das
liberdades blicas e sérios reflexos sobre o sistema de checks and balances, a
relação de equilíbrio que necessariamente deve existir entre os Poderes da
República. - Cabe, ao Poder Judiciário, no desempenho das funções que lhe são
inerentes, impedir que o exercício compulsivo da competência extraordinária de
editar medida provisória culmine por introduzir, no processo institucional
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124
brasileiro, em matéria legislativa, verdadeiro cesarismo governamental,
provocando, assim, graves distorções no modelo político e gerando sérias
disfunções comprometedoras da integridade do prinpio constitucional da
separação de poderes. - Configuração, na espécie, dos pressupostos constitucionais
legitimadores das medidas provisórias ora impugnadas. Conseente
reconhecimento da constitucionalidade formal dos atos presidenciais em queso.
(ADI-MC 2213, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23.04.04).
Quando o Poder Judiciário intervém ao controlar os pressupostos constitucionais da
relevância e urgência na edição de medidas provisórias ele antes de invadir competência
que seria do Poder Executivo protege o Poder Legislativo da invasão de suas competências
por parte do Chefe do Executivo.
5.2 O Controle de Constitucionalidade dos Pressupostos Constitucionais das Medidas
Provisórias
Conforme se teve oportunidade de demonstrar, a jurisdição constitucional não é
ilegítima para controlar a constitucionalidade das leis e atos normativos de onde quer que
tenham emanado. Ocorre que a sua legitimidade não implica em inexistência de limites, pelo
contrário. Sua legitimidade decorre, exatamente, do estabelecimento de marcos dentro dos
quais pode atuar a justiça constitucional. Deixa ela de ser legítima no momento em que
ultrapassa essa marca de giz” estabelecida pela Carta Política Fundamental.
Como ato normativo que é, as medidas provisórias não escapam do controle de
constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal. A grande questão que se coloca,
pois, é a seguinte: tal controle jurisdicional de sua constitucionalidade pode ser exercido
quando o objeto de questionamento da ação constitucional, provocadora da instância
competente, é a existência ou não dos pressupostos constitucionais da relevância e da
urgência?
A resposta passa necessariamente pelo aferimento da legitimidade originária da justiça
constitucional. Esta etapa já foi ultrapassada. Passa, do mesmo modo, pela classificação dos
pressupostos constitucionais como conceitos jurídicos indeterminados, o que, igualmente, já
foi feito. Passa, ainda, pela análise da natureza jurídica das medidas provisórias, tema sobre o
qual também já se debruçou.
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125
5.3 A Questão em Tribunais Constitucionais europeus
A Espanha e a Itália adotam sistemas de decretação de urgência muito semelhante ao
brasileiro, daí porque se optou por analisar a situação dos ordenamentos constitucionais de
tais países e a posição de suas Cortes Supremas no que pertine à problemática do controle
jurisdicional de constitucionalidade dos pressupostos ensejadores da edição dos instrumentos
cujo gênero é a decretão de urgência. Na Itália tem-se pendido para a possibilidade do
controlo judicial. Mas, como por aqui, essa possibilidade não é absoluta e muito menos
ilimitada, ao contrário, como , constitui-se em exceção à regra.
5.3.1 Tribunal Constitucional Italiano
A sentença nº 29 de 27 de janeiro de 1995 é considerada um leading case na Itália.
Dispõe o principal trecho da decisão:
A inadmissibilidade das questões deduzidas não pode ser baseada em argumentos
segundo os quais afasta-se dos poderes desta Corte verificar em concreto a
presença dos pressupostos de necessidade e urgência previstos no artigo 77 da
Constituição para a adoção dos decretos-lei, sendo reservada a verificação à
valoração política do Parlamento. Esta posição, partilhada no passado, ignora que a
norma do citado artigo 77 a preexistência de uma situação de fato que comporte a
necessidade e urgência na utilização de um instrumento excepcional, como o
decreto-lei, constitui um requisito de validade constitucional da ação deste ato, de
modo que a eventual evidente ausência daquele pressuposto configura tanto um
vício de legitimidade constitucional do decreto-lei, na hitese adotado fora do
âmbito de possibilidades de aplicação constitucionalmente previstas, quanto um
vício in procedendo da própria lei de conversão, tendo esta última, no caso
hipotetizado, valorado erroneamente a existência de pressupostos de validade, na
realidade insubsistentes, convertendo em lei um ato que não podia ser legítimo
objeto de conversão. Portanto, não existe nenhuma preclusão a fim de que a Corte
Constitucional proceda ao exame do decreto-lei ou da lei de conversão sob o perfil
do respeito dos requisitos de validade constitucional relativos à preexistência dos
pressupostos de necessidade e urgência, na medida em que o correlato exame das
Câmaras em sede de conversão comporta uma valoração de tipo diverso e,
precisamente, de tipo nitidamente político seja com relação ao conteúdo da decisão,
seja com relação aos efeitos da mesma.
Nota-se, assim, que a Corte Constitucional da Itália tem ampliado as possibilidades de
controlo jurisdicional para uma esfera que transcende os casos em que se configure o excesso
do poder legislativo.
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126
5.3.2 Tribunal Constitucional Espanhol
No caso espanhol, o que ocorre é que a Corte Constitucional desse país não se nega a
promover referido controle. Entende a Corte que os pressupostos de habilitação constituem
um conjunto de autênticos limites jurídico-constitucionais da atividade governamental e,
como tais, controláveis. A seguir transcreve-se decisão de 31.05.1982 da Corte
Constitucional espanhola: [...] em princípio e com razoável margem de discricionariedade, é
competência dos órgãos políticos determinar quando a situação, por considerões de
extraordinária e urgente necessidade, requer o estabelecimento de uma norma por via de
decreto-lei”.
172
O Tribunal Constitucional delimita sua competência para
[...] em hipótese de uso abusivo ou arbitrário, rejeitar a definição que os órgãos
políticos façam de uma situação determinada como caso de extraordinária e urgente
necessidade, de tal natureza que não possa, ser atendida pela via de procedimento
legislativo de urgência [...] as razões de extraordinária e urgente necessidade
[...].
173
Devemos continuar a análise do caso espanhol apresentando a doutrina elaborada
pelo Tribunal Constitucional da Espanha sobre a extraordinaria y urgente necesidad como
pressupostos habilitantes exigidos do Governo pelo artigo 86.1 da Constituição daquele país
quando pretende fazer uso da decretação de urgência. Tal doutrina foi muito bem sintetizada
pela Sentença do Tribunal Constitucional (STC) 189/2005. Textualmente consta do
documento:
En ellas, tras reconocer el peso que en la apreciación de la extraordinaria y urgente
necesidad ha de concederse ''al juicio puramente político de los órganos a los que
incumbe la dirección del Estado'', declaramos que ''la necesaria conexión entre la
facultad legislativa excepcional y la existencia del presupuesto habilitante'' conduce
a que el concepto de extraordinaria y urgente necesidad que se contiene en la
Constitución no sea, en modo alguno, ''una cusula o expresión vacía de
significado dentro de la cual el lógico margen de apreciación política del Gobierno
se mueva libremente sin restricción alguna, sino, por el contrario, la constatación
de un límite jurídico a la actuación mediante decretos-leyes''. Por ello mismo
dijimos que es función propia de este Tribunal ''el aseguramiento de estos límites,
la garantía de que en el ejercicio de esta facultad, como de cualquier otra, los
poderes se mueven dentro del marco trazado por la Constitución'', de forma que ''el
Tribunal Constitucional podrá, en supuestos de uso abusivo o arbitrario, rechazar la
definición que los órganos políticos hagan de una situación determinada'' y, en
consecuencia, declarar la inconstitucionalidad de un Decreto-ley por inexistencia
del presupuesto habilitante por invasión de las facultades reservadas a las Cortes
Generales por la Constitución.
174
172
Idem, p. 202.
173
Idem, p. 203.
174
STC 189/2005, de 7 de julho, FJ 3.
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127
O Tribunal Constitucional espanhol entende que as chamadas coyunturas
económicas problemáticas fazem com que o Decreto-ley represente um instituto
constitucionalmente lícito, conquanto pertinente para a consecução do fim que justifica a
legislação de urgência, que não é outro, senão o de servir de subsídio à situões concretas
relativas aos objetivos governamentais que, por razões difíceis de prever requeiram uma ação
normativa imediata em um prazo mais breve que o requerido pela via normal ou pelo
procedimento de urgência de tramitação nas Casas Legislativas. Como tem dito o Tribunal
es claro que el ejercicio de la potestad de control que compete a este Tribunal
implica que la definición por los órganos políticos de una situación de
'extraordinaria y urgente necesidad' sea expcita y razonada, y que exista una
conexión de sentido o relación de adecuación entre la situación definida que
constituye el presupuesto habilitante y las medidas que en el Decreto-ley se
adoptan (STC 29/1982, de 31 de mayo, FJ 3), de manera que estas últimas guarden
una relación directa o de congruencia con la situación que se trata de afrontar.
175
A este respeito, convém recordar que o exame da ocorrência do citado pressuposto
habilitante da relevância e urgência” sempre se tem de levar a cabo mediante a valoração
conjunta de todos aqueles fatores que legitimarão a adoção pelo Executivo das disposições
legislativas excepcionais, especialmente ''los que quedan reflejados en la exposición de
motivos de la norma, a lo largo del debate parlamentario de convalidación, y en el propio
expediente de elaboración de la misma''
176
, devendo sempre ter-se presentes as situões
concretas e os objetivos governamentais que tenham dado lugar a aprovação de cada uma das
decretações de urgência editadas.
Assim, o Tribunal Constitucional poderá, em casos de uso abusivo e arbitrário,
controlar o preenchimento ou não dos pressupostos legitimadores da edição das decretações
de urgência.
5.4 O Posicionamento do Supremo Tribunal Federal
A controvérsia relativa à possibilidade do controle jurisdicional dos pressupostos
ensejadores à edição de decretação de urgência não se restringe, temporalmente, ao período
pós-1988. É que antes mesmo da vigência da Constituição Cidadã havia no ordenamento
constitucional brasileiro o instituto do decreto-lei que tinha como critérios para edição a
urgência e relevante interesse público. Disso tudo decorre a importância da análise de
decisões da Corte Suprema no período pré-1988, de modo a se deixar claro de que modo vem
evoluindo o pensamento do STF relativamente à problemática.
175
STC 182/1997, de 28 de outubro, FJ 3.
176
SSTC 29/1982, de 31 de maio, FJ 4.
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128
Sob a égide da Constituição brasileira de 1967, a orientação dominante do Supremo
Tribunal Federal foi no sentido de não vislumbrar a possibilidade do controle jurisdicional
dos pressupostos da relevância e urgência. Entendia o STF que tais pressupostos
constitucionais escapariam ao controle do Poder Judiciário por se tratarem de uma questão
eminentemente política.
177
Esse posicionamento não se restringiu ao período republicano anterior à Carta Política
hoje em vigência. E a demonstrar muito bem o alegado vem a decisão do Ministro Ilmar
Galvão na ADI/DF nº 1667 quando ele diz que Contrariamente ao sustentado na inicial, não
cabe ao Poder Judiciário aquilatar a presença, ou não, dos critérios de relevância e urgência
exigidos pela Constituição para a edição de medida provisória (cf. ADIs 162, 526, 1.397 e
1.417).
Mas antes mesmo desta decisão do Ministro Galvão mais especificamente em 1989 o
Supremo veio a admitir o controle dos pressupostos constitucionais das medidas provisórias
caso se viesse a constatar a presença de excesso do poder de legislar, diante de abuso
explícito do subjetivo juízo de oportunidade e de valor que é limitadamente discricionário
do Presidente da República. Note-se que se passa a admitir o controle jurisdicional, mas como
uma exceção à regra, vale dizer, não pode o STF controlar a presença dos pressupostos
constitucionais da medida provisória, a não ser que haja um manifesto excesso do poder de
legislar por parte do Presidente quando do uso de seu discricionário juízo.
A maioria da doutrina pátria é nesse sentido, isto é, pela aceitação do controle
jurisdicional.
178
Conforme citado por Merlin Clève, o 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo (hoje
extinto) em decisão de agosto de 1991 entendeu que os pressupostos deflagradores da medida
177
O posicionamento de eno do STF fica claro quando da análise dos seguintes julgados: RTJ 44:54,
62:819 e RDA 125:89.
178
Conferir posição a favor do controlo jurisdicional em MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Perfil
constitucional das medidas provisórias, RDP 95-32; GRAU, Eros. Medidas Provisórias na Constituição
de 1988. São Paulo: RT 658:242; FIGUEIREDO, Marcelo. A medida provisória na Constituição. São
Paulo: Atlas, 1991, p. 50-60; SLAIBI FILHO, Nagib. Anotações à Constituição de 1988. Aspectos
Fundamentais, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 347-349; GRECO, Marco Aurélio. Medidas Provisórias.
São Paulo: RT, 1991, p. 46.
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129
provisória são passíveis de análise pelo Judiciário, uma vez que se encontram
sistematicamente descritos e regrados na Constituição Federal.
179
A posição atual da Corte Máxima brasileira parece ser acertada e segue justamente
aquela estrada que leva à aceitação do controle jurisdicional dos pressupostos de relevância e
urgência das medidas provisórias diante de situões excepcionais. Decisão relativamente
recente do Min. Celso de Mello (Relator) materializa bem o pensamento dominante na Corte
em dias atuais. Literalmente, o que se decidiu na ADI 2.213-MC:
A edição de medidas provisórias, pelo Presidente da Reblica, para legitimar-se
juridicamente, depende, dentre outros requisitos, da estrita observância dos
pressupostos constitucionais da urgência e da relevância (CF, art. 62, "caput"). - Os
pressupostos da urgência e da relevância, embora conceitos jurídicos relativamente
indeterminados e fluidos, mesmo expondo-se, inicialmente, à avaliação
discricionária do Presidente da Reblica, eso sujeitos, ainda que
excepcionalmente, ao controle do Poder Judiciário, porque compõem a própria
estrutura constitucional que disciplina as medidas provisórias, qualificando-se
como requisitos legitimadores e juridicamente condicionantes do exercício, pelo
Chefe do Poder Executivo, da competência normativa priria que lhe foi
outorgada, extraordinariamente, pela Constituição da República. Doutrina.
Precedentes. - A possibilidade de controle jurisdicional, mesmo sendo excepcional,
apóia-se na necessidade de impedir que o Presidente da República, ao editar
medidas provisórias, incida em excesso de poder ou em situação de manifesto
abuso institucional, pois o sistema de limitação de poderes não permite que práticas
governamentais abusivas venham a prevalecer sobre os postulados constitucionais
que informam a concepção democrática de Poder e de Estado, especialmente
naquelas hipóteses em que se registrar o exercício anômalo e arbitrário das funções
estatais.
180
Posição que não contrasta em sua totalidade com a anteriormente exposada é a
manifestada pelo Min. Sydney Sanches, embora seja ela mais restritiva do que a posição
supra citada. Ei-la:
No que concerne à alegada falta dos requisitos da relevância e da urgência da
Medida Provisória (que deu origem à Lei em queso), exigidos no art. 62 da
Constituição, o Supremo Tribunal Federal somente a tem por caracterizada quando
179
RT 672:163, AI 324.366.0/00, 7ª C., j, 30.08.1991, Rel. Juiz Guerrieri Rezende. In: CLÉVE,
Clemerson Merlin, op. cit.
180
No mesmo sentido é a decisão do Min. Selveda Pertence: [...]1. Medida provisória:
excepcionalidade da censura jurisdicional da ausência dos pressupostos de relevância e urgência à sua
edição: raia, no entanto, pela irrisão a afirmação de urgência para as alterações questionadas à disciplina
legal da ação rescisória, quando, segundo a doutrina e a jurisprudência, sua aplicação à rescisão de
sentenças já transitadas em julgado, quanto a uma delas - a criação de novo caso de rescindibilidade - é
pacificamente inadmissível e quanto à outra - a ampliação do prazo de decadência - é pelo menos
duvidosa: razões da medida cautelar na ADIn 1753, que persistem na presente. 2. Plausibilidade, ademais,
da impugnação da utilização de medidas provisórias para alterar a disciplina legal do processo, à vista da
definitividade dos atos nele praticados, em particular, de sentença coberta pela coisa julgada [...] (ADI
1910-MC, Rel. Min Selveda Pertence, DJ 27.02.04).
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130
neste objetivamente evidenciada. E não quando dependa de uma avaliação
subjetiva, estritamente política, mediante critérios de oportunidade e conveniência,
esta confiada aos Poderes Executivo e Legislativo, que têm melhores condições
que o Judiciário para uma conclusão a respeito.
181
Parece-nos, pois, que anda bem o Supremo Tribunal Federal ao estabelecer limites
para a sua atuação no sentido de aferir a presença dos pressupostos de habilitação das
medidas provisórias, sendo mais em tese do que na prática. É que, muito embora haja
definição das situões em que pode haver, de fato, uma atuação da Corte, diante de casos
concretos em que se merecia a efetivação da doutrina lá dominante, tem faltado aplicação.
181
ADI 1717-MC, Rel. Min Sidney Sanches, DJ 25.02.00.
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131
CONCLUSÃO
Ao longo de todo o estudo que ora se conclui procurou-se abordar questões que, de
modo isolado, talvez não tivessem o condão de formar um estudo sistemático e orgânico, mas
que, quando trazidas no bojo de um amplo trabalho onde outros temas, com as mesmas
características de inorganicidade, unem-se às outras resultando uma fusão que dá nascimento
a um corpo uno.
Como é óbvio, não se buscou, , solver todos os problemas decorrentes das temáticas
postas em debate. Mas as conclusões que da análise podem-se extrair, a elas é permitido se
referir, sinteticamente, da seguinte forma:
(i) Não se pode enxergar o presente com lentes do passado. Daí porque se deve
entender a mais que bicentenária doutrina da separação dos poderes como
algo que atravessa períodos históricos, mas não impunemente. Sofre
mutões e deve ser relida levando-se em conta tais modificações pelas
quais seu conteúdo passa.
(ii) O modelo tripartite de apartamento das funções orgânicas do Estado e que
foi apresentado, de modo mais sistematizado, por Montesquieu, não pode
mais ser entendido como uma doutrina que pretende que os poderes
exerçam apenas suas funções típicas. Caso se os entenda, os poderes, como
esferas estanques, incorrer-se-á em absurdos problemas no Estado
Democrático Constitucional do século XXI.
(iii) No Estado contemporâneo as medidas provisórias são instrumento
indispensáveis para a governabilidade talvez das maiores preocupões da
modernidade relativamente aos governos. E somente se as entenderá como
legítimas caso se proceda a uma releitura do clássico princípio
constitucional da separação das funções do Estado.
(iv) Sob o paradigma do Estado Liberal, realmente, parecia inconcebível
conceder ao Poder Executivo instrumentos como os das decretões de
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132
urgência. Mas as necessidades e preocupões dos séculos XVIII e XIX
eram bem outras. Com o surgimento, espraiamento e evolução do idrio
social de Estado torna-se cada vez mais necessário que se entregue
determinados poderes legiferantes ainda que precários aos órgãos do
Poder Executivo.
(v) Na ordem constitucional brasileira a edição de decretações de urgência cá
chamadas de medidas provisórias está condicionada à aferição, por parte
do Presidente da República, de dois critérios subjetivos, quais sejam, a
urgência e a relevância. A sistemática, em si, das medidas provisórias não é
falha. O é, pois, a práxis constitucional que tem demonstrado quão capaz
em abusar das decretões de urgência é aquele responsável por editá-las.
(vi) Diante do abuso na interpretão do que vem a ser urgente e relevante, uma
questão naturalmente decorre de toda essa situão: quem pode conter tais
abusos dentro de um sistema constitucional consagrador do sistema de
separação dos poderes e dos checks and balances? A primeira resposta que
se apresenta é aquela segundo a qual os órgãos que devem conter tais
abusos são os que fazem o Poder Legislativo, conforme determinado
expressamente pela Constituição.
(vii) Mas persiste o problema: e se o Legislativo não exercer com proficiência o
seu munus constitucional de contrabalançar o excepcional poder que a Carta
Política Fundamental concede ao Chefe do Poder Executivo? Nesse caso,
pode o Poder Judiciário controlar a constitucionalidade dos pressupostos
constitucionais da relevância e da urgência?
(viii) A resposta para a questão não passa por um simples sim ou não, mas
envolve, mesmo, no seu background ou plano de fundo, um dos mais
intrincados debates na doutrina constitucional contemporânea: os limites da
jurisdição constitucional e a sua legitimidade em controlar atos dos Poderes
estatais que têm seus membros democraticamente eleitos.
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133
(ix) A principal questão que se apresenta é a de que o fato de o Poder Judiciário
estar autorizado a declarar nulidade ou inconstitucionalidade dos atos
dos outros dois Poderes do Estado brasileiro ambos com seus membros
democraticamente” eleitos, viria a ferir o princípio democrático e o da
soberania popular.
(x) Em resposta a esta objeção o que se pode aduzir, em síntese, é que o
princípio democrático e o da soberania popular não se confundem com o
princípio majoritário, segundo o qual as decisões da maioria devem ser
soberanas e acatadas sem contestação. Antes de ser o governo da maioria,
simplesmente, a democracia é o governo da maioria que respeita as
minorias. Tanto a Constituição quer que a vontade dessa seja respeitada que
exige para mudanças nas suas normas a participação das minorias. E o faz
qualificando para 3/5 (três quintos) o quorum para reforma constitucional.
(xi) Um outro ponto a favor da legitimidade da jurisdição constitucional é o fato
de que o povo, no momento de maior expressão da soberania popular
aquele em que o Poder Constituinte se manifestou , optou por conceder a
ela o Poder de determinar quando uma norma infraconstitucional, ou uma
emenda constitucional, violou, respectivamente, a Constituição e as
cláusulas pétreas do texto constitucional.
(xii) A jurisdição constitucional não extrai sua legitimidade apenas dos
argumentos apresentados nos pontos anteriores. Variadas são suas fontes de
legitimidade para atuação. Apenas para sobre mais uma delas se tecer
breves comentários, reproduzindo-se, em síntese, o já exposado no corpo do
trabalho, pode-se lembrar o fato de que a Constituição é uma norma aberta
prenhe de conceitos abstratos e relativamente genéricos. E a abertura da
Constituição é algo que se faz propositalmente, conforme coloca Konrad
Hesse. E se o faz, para permitir que a Norma Fundamental não se feche para
as mudanças históricas. E a única instância que pode levar a cabo a tarefa
de atualizar o sentido das normas constitucionais é a jurisdição
constitucional. O processo de mudança de sentido não de texto ou redação
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134
pelo qual passam normas constitucionais consiste naquilo que o já citado
jurista alemão, Konrad Hesse, denomina de mutação constitucional.
(xiii) Mas toda a construção dessa argumentação é algo impossível de se fazer
sem o auxílio dos instrumentos oferecidos pela hermenêutica constitucional.
É que não há no texto da Constituição de 1988 nenhum dispositivo a,
explicitamente, determinar se pode ou não o Poder Judiciário vir a controlar
os pressupostos constitucionais da relevância e urgência das medidas
provisórias.
(xiv) É, pois, lançando-se mão de princípios, métodos, técnicas e mecanismos de
interpretação da Constituição, que se pode deixar conduzir à conclusão
segundo a qual os pressupostos constitucionais da urgência e relevância,
cujos preenchimentos são exigidos para a edição das medidas provisórias,
são passíveis de controle por parte do Poder Judiciário. Ocorre que apenas
em situões de claro e evidente desrespeito aos conceitos jurídicos que,
aliás, são caracterizados como indeterminados, decorrendo, daí, a
subjetividade quando da aferição da presença de ambos.
(xv) Os princípios hermenêuticos constitucionais que mais auxiliam na condução
do intérprete até a conclusão a que se chega neste estudo são os da, sem
prejuízo de outros mais: a) supremacia constitucional; b) unidade da
Constituição; c) força normativa da Constituição e dos princípios
constitucionais; d) proporcionalidade e razoabilidades; e) separação das
funções orgânicas do Estado; f) presunção da constitucionalidade dos atos
do poder público.
(xvi) A edição de medidas provisórias, pelo Presidente da República, para
legitimar-se juridicamente, depende, dentre outros requisitos, da estrita
observância dos pressupostos constitucionais da urgência e da relevância
que, em que pese sejam tidos como conceitos jurídicos indeterminados e
mesmo que se exponham, inicialmente, à um juízo discricionário por parte
do Presidente da República, estão, sim, sujeitos, embora em situações de
excepcionalidade, ao controle jurisdicional, pelo fato de que se qualificam
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135
como pressupostos legitimadores e juridicamente condicionantes do
exercício, pelo Chefe do Poder Executivo, da competência normativa
primária que lhe foi outorgada, de modo extraordinário, pela Carta da
República.
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