Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
PROPPEC
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS
CEJURPS
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP
ESTATUTO DA CIDADE: POTENCIAL DE IMPLEMENTAÇÃO NOS MUNICÍPIOS
INTEGRANTES DA REGIÃO DA FOZ DO RIO ITAJAÍ
Adriana Clara Bogo dos Santos
Itajaí [SC], 2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
PROPPEC
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS
CEJURPS
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP
ESTATUTO DA CIDADE: POTENCIAL DE IMPLEMENTAÇÃO NOS MUNICÍPIOS
INTEGRANTES DA REGIÃO DA FOZ DO RIO ITAJAÍ
Adriana Clara Bogo dos Santos
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
no Mestrado Profissionalizante em Gestão de
Políticas Públicas da Universidade do Vale do
Itajaí UNIVALI, sob a orientação do Prof. Dr.
Sérgio Luís Boeira, como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre Profissionalizante
em Gestão de Políticas Públicas.
Itajaí [SC], 2007
ads:
2
DEDICATÓRIA
Ao meu companheiro, amigo e esposo Sérgio, dedico esta dissertação, pelo apoio
incondicional e por acreditar em todos os momentos, especialmente nos mais críticos, que eu
pudesse concretizá-la, o que foi imprescindível para a sua finalização.
3
AGRADECIMENTOS
A finalização deste trabalho não seria possível sem o auxílio de várias pessoas,
que direta ou indiretamente, auxiliaram-me na sua criação e conclusão. Por isto, reconheço a
colaboração e agradeço:
Primeiramente, ao meu Orientador, Professor Dr. Sérgio Luís Boeira, por toda
compreensão, paciência e dedicação que teve comigo durante minha orientação e,
especialmente, pelas palavras de ânimo, coragem e incentivo nos vários momentos de “crise”;
pelos conselhos, críticas e sugestões, por me mostrar um novo olhar sobre a ciência e sobre o
direito, os meus mais sinceros e profundos agradecimentos, pois sem o seu apoio eu não teria
chegado ao fim;
Ao meu esposo Sérgio, pelo amor, pela dedicação, pela paciência nos momentos
difíceis e por acreditar que eu conseguiria;
Ao Professor Dr. Carlos Eduardo Sell, pela oportunidade de conhecê-lo, pelo
carinho e compreensão sempre dispensados;
À Professora e agora Coordenadora Dra. Adriana Marques Rossetto, pela
disponibilidade em ajudar, pelas palavras animadoras e pelas aulas que foram imprescindíveis
para o trabalho;
Ao Prof. Dr. V. Igor P. Victorino, porque foi quem despertou em mim o interesse
pelo tema Estatuto da Cidade;
Aos meus Pais, porque me ensinaram os valores mais preciosos da vida e, porque,
da sua maneira, sempre torcem por mim;
Ao meu amigo Ricardo Luis Dell’Agnolo, porque sempre acreditou que eu fosse
capaz;
À Lisa, que sempre procurou me acalmar nas horas de “desespero”;
Aos meus entrevistados nas prefeituras municipais, porque suas contribuições
foram indispensáveis para as conclusões da pesquisa;
A todos aqueles que de uma forma ou de outra me auxiliaram nesta pesquisa.
4
“Vê-se todos os dias a sociedade reformar a lei; nunca se viu a lei reformar a sociedade”
Jean Cruel
“Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”
Cora Coralina
5
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS .............................................................................................................. 7
LISTA DE ILUSTRAÇÕES .................................................................................................... 8
LISTA DE QUADROS ............................................................................................................. 9
LISTA DE SIGLAS ................................................................................................................ 10
RESUMO ............................................................................................................................... 11
ABSTRACT ............................................................................................................................ 12
INTRODUÇÃO E ASPECTOS METODOLÓGICOS ....................................................... 13
CAPÍTULO I .......................................................................................................................... 21
RELEVÂNCIA DAS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS E A PROBLEMÁTICA
DA URBANIZAÇÃO NO BRASIL ...................................................................................... 21
1.1 AS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS SETORIAIS ......... 21
1.2 COMPLEXIDADE E TERCEIRA VIA ............................................................................ 28
1.3 URBANIZAÇÃO NO BRASIL ......................................................................................... 41
CAPÍTULO II ......................................................................................................................... 49
O ESTATUTO DA CIDADE E SEUS ASPECTOS CONTROVERSOS ......................... 49
2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO MOVIMENTO PELA REFORMA URBANA .............. 49
2.2 SURGIMENTO DO ESTATUTO DA CIDADE ............................................................... 52
2.3 ASPECTOS CONTROVERSOS: CONFRONTO ENTRE ESPECIALISTAS ................ 56
2.3.1 Abordagem Sociopolítica do Estatuto da Cidade ............................................................ 62
CAPÍTULO III ....................................................................................................................... 68
MUNICÍPIOS QUE COMPÕEM A AMFRI - PERFIL HISTÓRICO
E SOCIOECONÔMICO ....................................................................................................... 68
3.1. ASPECTOS HISTÓRICOS E TERRITORIAIS DA AMFRI .......................................... 68
3.2. MUNICÍPIOS QUE COMPÕEM A REGIÃO ESTUDADA ........................................... 74
3.2.1 Município de Itajaí .......................................................................................................... 74
3.2.2 Município de Balneário Camboriú .................................................................................. 76
3.2.3 Município de Balneário Piçarras ..................................................................................... 77
3.2.4 Município de Bombinhas ................................................................................................ 78
3.2.5 Município de Camboriú ................................................................................................... 79
6
3.2.6 Município de Ilhota ......................................................................................................... 80
3.2.7 Município de Itapema ...................................................................................................... 80
3.2.8 Município de Luís Alves ................................................................................................. 81
3.2.9 Município de Navegantes ................................................................................................ 82
3.2.10 Município de Penha ....................................................................................................... 82
3.2.11 Município de Porto Belo ............................................................................................... 83
CAPÍTULO IV ........................................................................................................................ 92
INDICADORES QUANTITATIVOS E QUALITATIVOS ............................................... 92
4.1 INDICADORES QUANTITATIVOS ................................................................................ 92
4.2 INDICADORES QUALITATIVOS................................................................................. 100
4.3 POTENCIAL DE IMPLEMENTAÇÃO DO ESTATUTO DA CIDADE NOS
MUNICÍPIOS PESQUISADOS ............................................................................................. 126
CONCLUSÕES ..................................................................................................................... 136
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 140
APÊNDICES ......................................................................................................................... 149
ANEXOS ............................................................................................................................. 151
7
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – CRESCIMENTO POPULACIONAL DO BRASIL PERÍODO DE
1970 A 2000 ............................................................................................................................. 42
TABELA 2 – DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO NA REGIÃO DA AMFRI .................... 69
TABELA 3 – DADOS GERAIS DA POPULAÇÃO ............................................................. 70
TABELA 4 – DENSIDADE DEMOGRÁFICA DA REGIÃO DA REGIÃO DA 17ª
SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL ..................................................... 71
TABELA 5 – CRESCIMENTO POPULACIONAL DE ITAJAÍ, REFERENTE AO
PERÍODO DE 1970 A 2000 .................................................................................................... 76
TABELA 6 – IDH-M DOS MUNICÍPIOS ESTUDADOS DE 1991 E 2000 ....................... 95
TABELA 7 – INDICADORES QUALITATIVOS DE MUNICÍPIOS DA AMFRI
RELACIONADOS AO ESTATUTO DA CIDADE .............................................................. 107
TABELA 8 – COLETA SELETIVA DE LIXO E USO DA INTERNET ............................. 108
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
GRÁFICO 1 – POPULAÇÃO - NÚMERO TOTAL DE HABITANTES .............................. 70
GRÁFICO 2 – ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO MUNICIPAL ................... 88
MAPA 1 – REGIONALIZAÇÃO DE SANTA CATARINA .................................................. 73
MAPA 2 – MUNICÍPIOS DA AMFRI .................................................................................... 73
MAPA 3 – ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO – 2000 .................................... 97
MAPA 4 – ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL – 2000 ........................................ 98
9
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DAS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS .. 27
QUADRO 2 - TIPOS DE CLIVAGENS ................................................................................. 34
QUADRO 3 - MODELOS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ............................................ 38
QUADRO 4, 5 e 6 - COMPARAÇÃO ENTRE OBRAS ESPECIALIZADAS SOBRE
O EC ............................................................................................................................... 57
QUADRO 7 - MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ ................................................. 84
QUADRO 8 - MUNICÍPIO DE BOMBINHAS ...................................................................... 85
QUADRO 9 - MUNICÍPIO DE CAMBORIÚ ......................................................................... 85
QUADRO 10 - MUNICÍPIO DE ILHOTA ............................................................................. 85
QUADRO 11 - MUNICÍPIO DE ITAJAÍ ............................................................................... 86
QUADRO 12 - MUNICÍPIO DE ITAPEMA ......................................................................... 86
QUADRO 13 - MUNICÍPIO DE LUÍS ALVES .................................................................... 86
QUADRO 14 - MUNICÍPIO DE NAVEGANTES ................................................................ 87
QUADRO 15 - MUNICÍPIO DE PENHA .............................................................................. 87
QUADRO 16 - MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO PIÇARRAS ................................................ 87
QUADRO 17 - MUNICÍPIO DE PORTO BELO ................................................................... 88
QUADRO 18 - IDH, IDH-M E IDS ........................................................................................ 99
QUADRO 19 - CATEGORIAS DE INOVAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA
MUNICIPAL ......................................................................................................................... 135
10
LISTA DE SIGLAS
AMFRI - Associação dos Municípios da Foz do Rio Itajaí
CONDEMA - Conselho de Meio Ambiente do Município
CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil
EC - Estatuto da Cidade
FAMAI - Fundação do Meio Ambiente de Itajaí
FNRU - Fórum Nacional da Reforma Urbana
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MNRU - Movimento Nacional pela Reforma Urbana
OCDE - Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico
ONGs - Organizações Não Governamentais
ONU - Organizações das Nações Unidas
PNDU - Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano
RJ - Rio de Janeiro
SC - Santa Catarina
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
UNIVALI - Universidade do Vale do Itajaí
PNDU - Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano
PRODETUR - Programa de Desenvolvimento do Turismo
11
RESUMO
O presente trabalho tem como tema central a análise dos onze municípios que integram a
Associação dos Municípios da Região da Foz do Rio Itajaí (AMFRI), buscando discutir e
compreender o potencial de implementação do Estatuto da Cidade (EC). A análise se apóia no
no paradigma da complexidade (Morin), complementada pela tese da terceira via (Giddens) e
pelo conceito de capital social. A presente pesquisa empreendida é de caráter qualitativo,
realizada com indicadores elaborados e/ou escolhidos especificamente para a pesquisa, com a
complementação de indicadores quantitativos oficiais. Faz-se também uma breve abordagem
sobre a urbanização no Brasil, sobre o surgimento do EC, suas diretrizes e instrumentos,
destacando-se a importância da gestão democrática por ele introduzida, além da elaboração de
um quadro comparativo entre enfoques de especialistas sobre todos os artigos que compõem
essa lei, identificando os principais pontos controversos. Neste contexto, entende-se que o
potencial de implementação do EC por parte dos municípios pesquisados, à luz do paradigma
da complexidade, da terceira via e do capital social envolve diversos fatores e desafios, que
não a simples edição da lei. Por exemplo: presença de grupos mobilizados em processos como
os da Agenda 21 Local, Conselhos Municipais, Plano Diretor e Audiências Públicas. Conclui-
se que a implementação do EC requer: a) uma abordagem crítica dos limites do paradigma
disjuntor-redutor expressos nos indicadores quantitativos oficiais e nos enfoques
especializados sobre o EC; b) uma abordagem complexa a partir da complementaridade entre
indicadores qualitativos e quantitativos, além de uma abordagem sociopolítica e
socioambiental, visando reduzir a distância entre democracia e sustentabilidade.
Palavras-chave: Estatuto da Cidade, complexidade, sustentabilidade e gestão democrática.
12
ABSTRACT
The central theme of this work is an analysis of the eleven municipal districts that form part of
the Associação dos Municípios da Região da Foz do Rio Itajaí (Association of Municipal
Districts of the Foz do Rio Itajaí - AMFRI), seeking to discuss and understand the potential
for the implementation of the Estatuto da Cidade EC (Town Statute). The analysis is based
on Morin’s complexity paradigm, complemented by Gidden’s third way theory and the
concept of social capital. This research takes the form of a qualitative study, using indicators
elaborated and/or chosen specifically for the research, compleented by official quantitative
indicators. It briefly addresses urbanization in Brazil and the emergence of the EC, its
guidelines and instruments, highlighting the importance of democratic management
introduced by it. It also brings a comparative table with specialist perspectives on all the
articles that comprise this law, identifying the main points of controversy. In this context, it is
understood that the potential for implementation of the EC, by the municipal districts
investigated, in the light of the complexity paradigm, the third way theory, and social capital,
involves many factors and challenges besides the simple publication of the law. For
example: presence of mobilized groups in processes like the Local Agenda 21, Municipal
Councils, Urban Master Plan and Public Hearings. It is concluded that the implementation of
the EC requires: a) a critical approach to the limits of the paradigm expressed in the official
quantitative indicators and in the specialized perspectives on the EC; b) a complex approach
based on the complementarity between the qualitative and quantitative indicators, and a
sociopolitical and socio-environmental approach aimed at reducing the distance between
democracy and sustainability.
Key-words: Town Statute, complexity, sustainability and democratic management.
13
INTRODUÇÃO E ASPECTOS METODOLÓGICOS
A presente pesquisa teve como ponto de partida a análise da Lei Federal nº
10.257, de 10 de julho de 2001
1
, denominada Estatuto da Cidade (EC), a qual, depois de mais
de uma década de discussões e controvérsias, dentro e fora do Congresso Nacional Brasileiro,
foi finalmente aprovada, passando a regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição da
República Federativa do Brasil (CRFB)
2
e a estabelecer diretrizes gerais da política urbana,
propondo uma compatibilização entre a “agenda verde”, a “agenda azul” e a “agenda
marrom”
3
das cidades.
Reconhecido internacionalmente, o Estatuto da Cidade, como se autodenominou,
oferece um suporte jurídico aparentemente consistente e inequívoco para a questão urbana no
país, que durante muito tempo foi objeto de uma gestão tecnocrática que fez aumentar o
quadro excludente e segregador que marcou e ainda marca a urbanização no Brasil,
promovendo de forma explícita a integração entre o Direito Urbanístico e o Direito Ambiental
e buscando subsidiar a ação daqueles governantes municipais que têm se empenhado no
enfrentamento das graves questões urbanas, sociais e ambientais que diretamente afetam a
vida da enorme parcela da população que vive nas cidades.
Objeto de luta de vários movimentos sociais urbanos integrados e entidades
representativas de certas categorias profissionais, tendo assim um caráter multissetorial, que
ficou conhecido como o MNRU (Movimento Nacional pela Reforma Urbana), o Estatuto da
Cidade, juntamente com o capítulo constitucional sobre política urbana e a legislação federal
sobre o parcelamento do solo urbano, constitui-se no novo marco jurídico-urbanístico no país.
Essa lei, centrada no princípio da função social e ambiental da propriedade e da cidade, e
1
BRASIL. Lei n.10.257, de 10 de jul. 2001. Regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal,
estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Doravante, passa-se a denominar esta lei
simplesmente de Estatuto da Cidade.
2
Doravante passa a denominar-se CRFB/88.
3
Por “Agenda Verdeentende-se a preservação e o manejo sustentável das matas e florestas, a criação e a
manutenção de parques e unidades de conservação, o controle do desmatamento, a proteção da biodiversidade,
as questões da fauna e da flora ameaçadas de extinção; a “Agenda Azul” trata dos temas relacionados com a
gestão do ciclo da água e das bacias hidrográficas, a proteção de mananciais de abastecimento, o uso dos
recursos hídricos para finalidades múltiplas, drenagem, a conservação da água e do solo, as secas e enchentes,
regularização dos usos e aplicação dos instrumentos de gestão, as redes de monitoramento hidrometeorológico, a
qualidade da água, a geração de conhecimento e as estratégias para hidratar as políticas setoriais; a “Agenda
Marrom” cuida da prevenção e correção dos problemas de poluição e degradação ambiental causados pelas ações
humanas, procurando reduzir e minimizar os efeitos negativos e de garantir que a transformação do ambiente se
faça com o mínimo de danos e perdas para a qualidade de vida (RIBEIRO, 2005, p. 203).
14
adotando o princípio da gestão democrática das cidades, substitui o enfoque liberal instituído
pelo Código Civil de 1916, relativizando a propriedade individual, para garantir o acesso de
todos os moradores a tudo o que a cidade deve oferecer: bens, serviços, lazer, moradia digna,
infra-estrutura e equipamentos de serviços blicos essenciais, além de um ambiente
saudável. Essa relativização da propriedade individual, que sempre vigorou na ordem jurídica
positiva, está expressa no Estatuto, especialmente nos artigos que reconhecem o direito da
usucapião urbana e, assim, indicam limites à especulação imobiliária.
Segundo Fernandes (2002, p. 365):
[...] culminando um processo de reforma jurídica que começou nacada de 1930, o
que a Constituição de 1988 e o Estatuto da Cidade propõem é exatamente essa
mudança de “olhar”, isto é, de paradigma conceitual de compreensão e
interpretação, substituindo o princípio individualista do digo Civil pelo princípio
da função social da propriedade que, diga-se de passagem, se encontra presente de
maneira central nas ordens jurídicas de muitos países capitalistas mais avançados.
De acordo com os artigos e 2º, essa lei estabelece normas de ordem pública e
interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da
segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental, tendo por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana,
mediante várias diretrizes, dentre elas a garantia do direito a cidades sustentáveis e introdução
da gestão democrática na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e
projetos de desenvolvimento urbano. Esse conjunto de princípios, juntamente com os
instrumentos previstos para atingir as finalidades desejadas, funciona como uma verdadeira
“caixa de ferramentas”, colocada à disposição dos gestores municipais que realmente desejam
mudar o atual quadro das cidades no Brasil.
Rolnik (2001, p. 7) destaca que a importância do Estatuto da Cidade o reside
apenas na regulamentação do conjunto de instrumentos. Enfatiza ela que
[...] Na verdade, pela primeira vez em nossa história, temos uma regulação federal
para a política urbana que se pratica no país, definindo uma concepção de
intervenção no território que se afasta da ficção tecnocrática dos velhos Planos
Diretores de Desenvolvimento Integrado, que tudo prometiam (e nenhum
instrumento possuíam para induzir a implementação do modelo idealizado
proposto!).
É justamente em razão das diretrizes expressas no Estatuto, que prevêem a
participação da população e de associações representativas de vários segmentos sociais e
econômicos, na votação, gestão e decisões do Plano Diretor, que fazem com que essa lei
15
possa ser um instrumento de mudança de paradigma na gestão urbana que ainda vigora no
país.
Mas, mesmo estando em vigor desde 10 de outubro de 2001, até meados do ano
passado (2005), quando foi elaborada a primeira proposta de pesquisa sobre este tema, nada
parecia ocorrer com relação à implementação dessa lei pelos municípios da região,
especialmente na cidade de Balneário Camboriú, que é exemplo de urbanização acelerada nos
seus poucos anos de emancipação política.
A idéia inicial remetia ao estudo isolado desse município, mas as características
da região em que o município está inserido (considerando as peculiaridades ecossistêmicas,
econômicas, sociais e político-institucionais) fizeram ampliar o foco da pesquisa para todos os
municípios que compõem a região da Associação dos Municípios da Foz do Rio Itajaí
(AMFRI), que é composta por onze municípios da região litorânea do Estado de Santa
Catarina, a saber: Balneário Camboriú, Bombinhas, Camboriú, Ilhota, Itajaí, Itapema, Luís
Alves, Navegantes, Penha, Balneário Piçarras e Porto Belo.
A constatação desta “paralisia” por parte dos governos municipais em
implementar o Estatuto da Cidade foi a motivação desta pesquisa, assim como o fato de que,
embora pareça haver um consenso entre os especialistas de que o Estatuto se configura num
verdadeiro instrumento para modificar o atual caos urbano que se instalou nas cidades,
propondo uma mudança para o progresso urbano, ainda existem controvérsias sobre vários
artigos que o compõem, mesmo depois de anos de discussão até a aprovação do seu texto
final.
A noção de planejamento urbano, gestão participativa e sustentabilidade
introduzidas pelo Estatuto indicam a necessidade de um enfoque integrado e transdisciplinar,
para além da mera especialização. Frente a tal necessidade, e partindo da constatação de que o
Estatuto da Cidade é mais do que a simples regulamentação do capítulo da política urbana
previsto na CRFB/88, este estudo foi redirecionado no sentido de repensar o papel do direito
na ciência moderna, o qual, assim como outras áreas do conhecimento, continua reforçando a
especialização sem a devida contrapartida da interação inter e transdisciplinar do
conhecimento.
Parte-se do pressuposto de que a implementação do Estatuto da Cidade envolve
diversos fatores e desafios que não a sua simples edição. A história nos ensina, que uma lei,
por si só, pouco representa, sendo necessário que os seus conteúdos ganhem efetividade
16
prática e que seus instrumentos sejam demandados e utilizados pela sociedade, pois a adoção
de políticas públicas em nível de Estado não se resume à criação de leis.
A relevância da pesquisa repousa em entender porque a mera edição do Estatuto
da Cidade não produziria as mudanças necessárias para uma nova concepção de planejamento
urbano, sendo necessário identificar a potencialidade de cada município para implementação
dessa lei, considerando-se a complexidade que o tema envolve e levando-se em consideração
que o EC busca enfrentar a questão urbana, disponibilizando instrumentos para intervir na
realidade a fim de transformá-la.
O referencial teórico no qual se assenta a pesquisa parte do pressuposto da
existência da chamada crise de paradigmas, ou crise epistemológica da ciência moderna,
apontada especialmente nas perspectivas de Edgar Morin e Boaventura de Sousa Santos. Há,
segundo estes autores, uma crise entre o paradigma dominante ou disjuntor-redutor (da
simplificação, como denomina Morin), e um paradigma emergente, conforme Boaventura de
Sousa Santos. Denominando esse novo paradigma como da complexidade, Morin propõe uma
reforma do pensamento por meio do ensino transdisciplinar, capaz de formar cidadãos
planetários, solidários e éticos, aptos a enfrentar os desafios dos tempos atuais; o autor faz
uma crítica à fragmentação do conhecimento, defendendo a superação do pensamento
reducionista e simplificador de causa e efeito.
Assim, buscando dar à pesquisa um enfoque inter e transdisciplinar, o texto se
apóia nos fundamentos teóricos de Edgar Morin, Boaventura de Sousa Santos e Anthony
Giddens, no sentido de analisar o potencial de implementação do Estatuto da Cidade nos
municípios da AMFRI sob um olhar crítico, na visão destes autores, buscando revelar
aspectos não percebidos pelo paradigma dominante, além de encontrar suporte em diversos
autores que tratam da questão urbana no Brasil, como Ermínia Maricato, Raquel Rolnik,
Marcelo Lopes de Souza, Edésio Fernandes, e do Estatuto da Cidade, como Elida Séguin,
José Roberto Bassul, Nelson Saule Junior, Diógenes Gasparini, Toshio Mukai, Odete
Medauar, entre outros.
A relevância histórica do Estatuto da Cidade demanda reflexão teórica na medida
em que este documento, ao colocar em pé de igualdade a questão urbana e ambiental,
apresenta um desafio inter e transdiciplinar, apontando para uma mudança de paradigma. Daí
porque o paradigma da complexidade, a terceira via (utilizada como referência para fortalecer
o pensamento) e o capital social, são termos que introduziremos na pesquisa como diretrizes
17
para superar enfoques meramente especializados, monodisciplinares, setoriais ou
burocráticos.
Quanto à metodologia, a pesquisa fundamentou-se em revisão bibliográfica, em
pesquisa documental (inclusive junto a documentos produzidos por entidades e organizações
sociais vinculadas ao tema e disponíveis na Internet), além de pesquisa qualitativa por meio
de indicadores que foram escolhidos especificamente para a pesquisa (coletados no período de
novembro de 2005 a maio de 2006) e por entrevistas abertas e semi-estruturadas com atores
sociais considerados relevantes em cada município objeto da pesquisa. Salienta-se que,
buscando obter das entrevistas informações mais precisas e que não tivessem cunho
meramente retórico, optou-se por entrevistar técnicos da área com mais afinidade na temática
em cada município – ao invés de entrevistar prefeitos.
Os dados quantitativos utilizados na pesquisa referem-se a indicadores sociais já
disponíveis, como o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), IDH-M (Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal) e IDS (Índice de Desenvolvimento Social), mas outros
foram coletados junto aos municípios e organizados durante a pesquisa, no período de
novembro de 2005 a fevereiro de 2006.
A presente pesquisa caracterizou-se, assim, por uma abordagem qualitativa,
complementada pela quantitativa, buscando-se superar a visão unilateral e isolada dos
indicadores, mas sem desprezá-la.
Segundo a reflexão metodológica de Demo (2001), a pesquisa de informação
qualitativa, além de formalizar, procura preservar a realidade acima do método. Informação
qualitativa no sentido de buscar na realidade informação, dados sobre ela, para que se possa
manipulá-la cientificamente, permitindo sua compreensão e também intervenções e mudança.
Em vez da informação pretensamente objetiva, da qual não se poderia duvidar, privilegia-se a
informação interpretativa, da qual é sempre necessário duvidar e que precisa ser refeita,
considerando-se o ‘dadocomo algo ‘construído’, não apenas colhido’. Parte-se da idéia de
pesquisa como “diálogo inteligente e crítico com a realidade, tomando como referência que o
sujeito nunca conta da realidade e que o objeto é sempre também um objeto-sujeito. A
realidade tanto se mostra como se esconde.” (DEMO, 2001, p. 10).
Essa reflexão está em sintonia com o paradigma da complexidade, evitando-se
enfoques unilaterais ou reducionistas. Ainda segundo Demo (2001a, p. 33), na pesquisa de
informação qualitativa, o dado empírico é um “construto, resultado de múltiplas
determinações teóricas e ideológicas”, acrescentando em seguida que
18
A informação qualitativa, além de nunca negar isso, trata de fazer disso uma
vantagem em termos de captação mais flexível da realidade. Não se trata de evitar o
efeito reconstrutivo de toda análise, mas de fazê-lo criticamente, de modo que possa
ser sempre questionado abertamente, refeito e rediscutido. Científico não é o que foi
“verificado” nem os positivistas de orientação popperiana acreditam nisso -, mas o
que se mantém “discutível”. A rota qualitativa, sem desprezar a quantitativa, aposta
em consensos possíveis e provisórios em torno da informação, tomando a sério o
processo de reconstrução. Toda análise qualifica, não desfaz o mistério da
comunicação e da consciência humanas. A possibilidade do entendimento vem da
variação interpretativa, não de padronização únicas [...]
DEMO (2001a, p. 33).
Diante do exposto acima, as questões centrais da investigação foram assim
formuladas: O que está em disputa no debate sobre o Estatuto da Cidade, considerando-se
aspectos teórico-epistemológicos?Como conceber o potencial de implementação dessa lei,
tomando como foco de atenção os municípios que compõem a região da Foz do Rio Itajaí?
A partir disso, o objetivo geral da pesquisa foi analisar as condições (potencial) de
implementação do Estatuto da Cidade pelos municípios que compõem a região da Foz do Rio
Itajaí, considerando-se aspectos teórico-paradigmáticos e indicadores qualitativos levantados
em cada município, os quais foram complementados por indicadores quantitativos já
publicados, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal (IDH-M) e Índice de Desenvolvimento Social (IDS).
Os objetivos específicos da pesquisa, por sua vez, foram assim formulados:
1) Identificar e explicitar as principais controvérsias sobre os artigos que compõem a Lei
Federal 10.257/2001, denominada de Estatuto da Cidade, necessárias para a compreensão
do próprio Estatuto e para sua efetiva implementação, a partir da comparação de enfoques
especializados sobre o assunto;
2) Apresentar indicadores quantitativos oficiais de cada município objeto da pesquisa,
especificamente IDH, IDH-M e IDS;
3) Analisar a realidade dos municípios da região com base nos indicadores qualitativos
propostos neste estudo, como instrumentos de participação democrática que possam auxiliar
na implementação do Estatuto da Cidade (Agenda 21, Conselhos Municipais, audiências
públicas para discussão do Plano Diretor, existência ou não de Plano Diretor, entre outros),
complementados por entrevistas com atores sociais considerados relevantes em cada
município;
4) Compreender, com base no aporte teórico escolhido, o significado, aspectos críticos e
desafios de cada município integrante da pesquisa na implementação do Estatuto da Cidade,
19
considerando-se os indicadores qualitativos levantados, complementados pelos quantitativos
já existentes .
O resultado do trabalho de pesquisa é, assim, apresentado em quatro capítulos, ao
longo dos quais é feita a revisão bibliográfica do tema abordado.
No capítulo 1 destaca-se, de maneira sintética, a relevância que a primeira
revolução científica moderna teve na separação das ciências e entre estas e a filosofia
(humanidades) efeito que nem mesmo a segunda revolução científica (a partir da física
quântica) conseguiu superar; aponta-se, entretanto, a perspectiva de uma terceira revolução,
ainda em curso, que busca modificar o paradigma dominante. Procurou-se também introduzir
algumas idéias e conceitos relativamente aos termos paradigma, teoria e método, cuja reflexão
é guiada pelo pensamento de Edgar Morin. A tese de Morin, sobre o conflito de paradigmas
científicos, assim como de Anthony Giddens, ao relançar o tema da terceira via são as
referências teóricas mencionadas neste capítulo.
Também no capítulo 1 faz-se uma breve abordagem do capital social e
apresentam-se os dois modelos de administração pública: o gerencial e o societal. Destacam-
se algumas características do modelo societal, defendido por Ana Paula Paes de Paula, para
compará-lo com algumas das inovações do Estatuto da Cidade, especificamente quanto à
gestão democrática das cidades. Ainda neste capítulo faz-se um breve relato do processo de
urbanização no Brasil, destacando-se o fato de que o Estatuto da Cidade, embora se configure
num valioso instrumento para atenuar o caos urbano, não define o conceito de cidade. De
acordo com José Eli da Veiga, a idéia de que 80% da população brasileira viva em cidades é
discutível e leva as distorções na proposição de políticas públicas (VEIGA, 2002).
No capítulo 2, faz-se um relato histórico do movimento pela Reforma Urbana
(MNRU) e do surgimento do EC, suas diretrizes gerais e instrumentos, importância
legislativa, histórica e sociopolítica no que diz respeito ao planejamento e gestão urbanos no
Brasil.
A seguir abordam-se aspectos controversos do EC, sobre todos os artigos que o
compõem, por meio de um quadro comparativo entre três obras de especialistas. Procura-se
demonstrar que ainda existem controvérsias entre eles, levando a uma reflexão sobre se tais
divergências podem ser produto da superespecialização e setorialização, predominante no
paradigma dominante nas ciências.
20
No capítulo 3 é traçado o perfil histórico e socioeconômico dos onze municípios
que compõem a região da Associação dos Municípios da Foz do Rio Itajaí (AMFRI) e
apresentados alguns indicadores quantitativos oficiais de cada município.
No capítulo 4 apresenta-se um quadro classificatório dos municípios pesquisados
referente a alguns indicadores quantitativos utilizados como complementares nesta pesquisa,
apontando suas limitações e procurando demonstrar que essa hierarquização não é rígida, pois
depende de outros fatores que esses indicadores não conseguem mensurar. Apresenta-se
também os indicadores qualitativos e, com base, principalmente, na idéia de complexidade de
Morin, faz-se análise dos dados apurados, demonstrando-se que a compreensão do potencial
de implementação do EC é mais complexa e abrangente do que os indicadores quantitativos
podem sugerir, indicando que qualquer análise do Estatuto da Cidade não pode prescindir do
todo, do complexo que o próprio tema envolve.
Ao final, apresentam-se algumas conclusões deste estudo, revelando o estágio de
compreensão do tema que foi possível alcançar com base nos dados coletados mediante
entrevistas, análise documental e bibliográfica.
21
CAPÍTULO I
RELEVÂNCIA DAS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS E A PROBLEMÁTICA DA
URBANIZAÇÃO NO BRASIL
1.1 AS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS SETORIAIS
O objetivo deste primeiro capítulo é destacar a relevância do papel da primeira
revolução da ciência moderna no contexto das revoluções científicas e fazer uma abordagem
sobre a idéia de complexidade de Morin, bem como do paradigma emergente de Santos e a
proposta de uma terceira via de Giddens. O conceito de capital social também é abordado,
embora seja a teoria da complexidade de Morin que servirá como marco teórico principal pelo
qual faremos nossa análise. Além disso, aborda-se a problemática da urbanização no Brasil,
buscando demonstrar, com base numa teoria abrangente e contextualizadora, que o Estatuto
da Cidade, por representar um novo enfoque no debate público sobre questões urbanas e
ambientais, não pode ser analisado de forma isolada ou como mera especialidade do Direito
Urbanístico, sem graves conseqüências.
Segundo Santos (2005), o modelo de racionalidade que guia a ciência moderna
constituiu-se a partir da revolução científica do século XVII e foi desenvolvido nos séculos
seguintes basicamente no domínio das ciências naturais, persistindo até hoje uma distinção
entre as ciências naturais e as ciências sociais.
Revolução científica é o nome dado pelos historiadores da ciência ao período da
história européia em que os fundamentos conceituais, metodológicos e institucionais da
ciência moderna foram assentados pela primeira vez (HENRY, 1998).
Segundo Francelin (2004, p. 32):
Com as revoluções científicas, os paradigmas se renovam e os “velhos” paradigmas
são substituídos depois de um período de crise dentro da própria ciência. As crises se
manifestam a partir de controvérsias ao redor de metodologias, teorias, valores e
conceitos no campo científico. Quando surgem novas concepções paradigmáticas,
dá-se início a um período de transição. [...] Conseqüentemente, as grandes
revoluções científicas passaram por períodos de transição variados, e, dessa maneira,
seguiram seus respectivos períodos de vigência enquanto paradigmas. Pode-se citar
como alguns dos representantes dessas revoluções científicas: Nicolau Copérnico,
Galileu Galilei, Isaac Newton, Charles Darwin e Albert Einstein.
22
A primeira revolução científica na Idade Moderna tem seu foco principal no
século XVII, mas teve seu início no século XVI, consolidando-se no século XVIII,
perdurando até o século XX. Foi a partir do século XVII que se deu o desenvolvimento das
ciências da natureza (física, química, biologia), com a aplicação do método experimental. É
nessa época que se a substituição da teoria geocêntrica, aceita por mais de vinte séculos,
pela teoria heliocêntrica. Começou-se a desenvolver uma nova forma de olhar a natureza
através de trabalhos de filósofos como Galileu, Descartes, Newton, Kepler, pensadores
praticantes das matemáticas, estudiosos da vida, os quais sintetizaram várias correntes de
pensamento e iniciaram uma nova descrição dos fenômenos naturais, em oposição à bem
estabelecida e sólida interpretação medieval baseada em uma cosmologia aristotélica.
Galileu desfaz a imagem mítica do Cosmos para substituí-la pelo esquema de um
Universo físico unitário, doravante submetido à disciplina rigorosa da física matemática.
uma reavaliação dos valores, que não gravitam mais em torno da vontade divina, passando a
se ordenar em torno e em função da inteligência humana e segundo as normas do
conhecimento racional.
A ciência moderna opõe-se a uma ciência anterior, oficialmente em vigor.
Enquanto o pensamento medieval é predominantemente teocêntrico, o homem moderno
coloca a si próprio no centro dos interesses e decisões (antropocentrismo).
Essa nova concepção de mundo, oriunda da primeira revolução científica
moderna, começa a desenvolver-se graças ao emprego do método dedutivo, ou seja, “[...] de
um plano de pesquisa definido a partir da lei geral para a aplicação mecânica. [...]”
(JAPIASSU, 1985, p. 47), se contrapondo ao método aristotélico (especulativo). Mas foi o
método indutivo que criou as condições necessárias à aplicação dessa nova concepção de
mundo. Foi graças a Galileu que o método indutivo começou a impor-se na pesquisa
científica, sendo a experimentação o elemento essencial de todo o estudo da física,
substituindo o método especulativo aristotélico (JAPIASSU, 1985).
A contribuição de Galileu Galilei consistiu em elaborar um conceito de
experiência e de teoria fundado no recurso inédito à matemática, instaurando-se um modelo
baseado no saber racional. Segundo Japiassu
[...] o essencial de sua epistemologia reside na natureza de seus métodos e na
novidade de seus conceitos. Galileu realizou a unidade da experiência e da
matemática. Sua revolução consiste no momento em que propõe que a matemática
deve definir, no cerne da natureza, os sistemas acessíveis de fenômenos
observacionais (1985, p. 57).
23
Para este autor, foi Galileu e não Copérnico quem inaugurou a revolução
científica moderna, ou seja, a revolução que veio resolver os problemas centrais da mecânica
e da astronomia mediante a elaboração do novo método experimental e matemático.
Trata-se assim de uma revolução que substitui a física qualitativa por uma física
quantitativa, que substitui uma natureza por outra, uma concepção de ciência por outra, o
recurso à autoridade pelo recurso à razão e à experiência (JAPIASSU, 1985).
Morin (2002b, p. 283-284) destaca que
A revolução copernicana é exemplar como revolução paradigmática. Naturalmente,
o sistema geocêntrico do mundo, estabelecido milernamente, não constituía um
paradigma: era uma doutrina. Mas, essa doutrina escondia um paradigma de
centralidade/hierarquia que privilegiava o homem e o seu habitat colocando-os no
centro do mundo; este foi o paradigma atingido. A revolução copernicana não afetou
nenhum dos componentes planetários do sistema anterior; realizou somente uma
permutação hierárquica entre a Terra e o Sol, imobilizou o Sol e pôs a Terra em
movimento, o que bastou para mudar, simultaneamente, o mundo e o lugar do
homem no mundo. As verdades antropocêntricas foram abaladas. As verdades
religiosas, atingidas. A autoridade e a infalibilidade do poder espiritual, alteradas.
Assim, a concepção organicista da natureza, predominante na pré-modernidade,
cede espaço a uma concepção mecanicista, segundo a qual todos os fenômenos naturais
devem ser explicados por referência à matéria em movimento. O mundo apresenta-se como
uma espécie de sistema mecânico. A metáfora da máquina constitui o símbolo dessa filosofia:
o sistema do mundo funciona como o sistema de um relógio, sendo necessário para
compreendê-lo decifrar as engrenagens de seu funcionamento (MORIN, 2002b).
Segundo Aranha e Martins (1993, p. 152):
A ciência moderna compara a natureza e o próprio homem a uma máquina, um
conjunto de mecanismos cujas leis precisam ser descobertas. As explicações são
baseadas em um esquema mecânico cujo modelo preferido é o relógio. Ficam
excluídas da ciência todas as considerações a respeito do valor, da perfeição, do
sentido e do fim. Isto é, as causas formais e finais tão caras à filosofia antiga, não
servem para explicar: apenas as causas eficientes são utilizadas nas explicações
científicas.
Para Santos (2005), do lugar central ocupado pela matemática na ciência moderna
derivam duas conseqüências principais. Em primeiro lugar, conhecer significa quantificar.
Assim, o rigor científico afere-se pelo rigor das medições. As qualidades intrínsecas do objeto
são desqualificadas e em seu lugar passam a imperar as quantidades em que eventualmente se
podem traduzir. O que não é quantificável é cientificamente irrelevante. O método científico
se assenta na redução da complexidade. A versão dominante da ciência moderna, assim,
24
procura descrever ou explicar fenômenos observáveis, direta ou indiretamente por meio da
linguagem da matemática.
A chamada revolução científica (a primeira) provocou assim o nascimento das
ciências particulares, desligadas da filosofia. A ciência moderna nasce ao determinar um
objeto específico de investigação e ao criar um método pelo qual se fará o controle desse
conhecimento. A utilização de métodos rigorosos permite que a ciência atinja um tipo de
conhecimento sistemático, pretensamente preciso e objetivo. Cada ciência se torna então uma
ciência particular, no sentido de ter um campo delimitado de pesquisa e um método próprio,
privilegiando setores distintos da realidade: a física trata do movimento dos corpos; a
química, da sua transformação; a biologia, do ser vivo, etc. (ARANHA; MARTINS, 1993).
Segundo Morin (2002b, p. 274):
A ciência separa-se da filosofia no decorrer do século XVII, não apenas porque
introduz em si a medida e a precisão, a observação sistemática e a experimentação,
mas também, porque se baseia no paradigma disjuntivo afastando todo juízo de valor
dos seus juízos de fato e das suas teorias.
Em sua obra
La Méthode (em seis volumes), Morin coloca que a revolução
científica moderna separa objeto e sujeito, qualidade e quantidade, estabelecendo polaridades
no pensamento das sociedades urbano-industriais, com raízes históricas no século XVI, e
favorecendo a emergência das chamadas ciências particulares, as disciplinas, assim, como o
afastamento da filosofia em relação às ciências em geral. A cultura dita científica é separada
das chamadas humanidades, pelo menos desde o cartesianismo, o que é reforçado pelo
mecanicismo, pelo positivismo e mais recentemente pelo funcionalismo. A esse paradigma
Morin denomina de paradigma disjuntor-redutor, conforme se verá mais detalhadamente no
segundo tópico deste capítulo.
A revolução científica moderna provocou especialmente o nascimento das
ciências que lidam com fenômenos naturais. No contexto da gênese da ciência, a matemática
e a lógica são entendidas como ciências formais, porque seus objetos não são coisas ou
processos, mas entes formais, que viabilizam a construção de raciocínios válidos,
prescindindo do critério de objetividade. A física, a química, a biologia, a economia e suas
ramificações, por sua vez, são chamadas de ciências factuais, adequando-se ao postulado de
objetividade (BOEIRA; VIEIRA, 2006). Os autores citados acrescentam:
[...] Quando os fatos investigados dizem respeito à estrutura e à dinâmica do mundo
natural, constituem o objeto das ciências naturais ou físicas; quando envolvem o ser
25
humano ou a sociedade, constituem o objeto das ciências humanas ou sociais. A
física, a química e a biologia são tidas como protótipos das ciências naturais,
enquanto a história, a antropologia, a sociologia e o direito fazem parte do campo
das ciências humanas e sociais [...] (BOEIRA; VIEIRA, 2006, p. 4).
Essa compartimentação da ciência, ou fragmentação do saber é criticada por
Morin (1986, p. 78). Segundo ele:
[...] o desenvolvimento do conhecimento científico traz não só a incerteza, mas
também regressões de conhecimento. Por um lado, a superespecialização disciplinar
desarticula o mundo num quebra cabeça de peças oriundas de jogos diversos; com
isso, o próprio mundo, a vida, a existência, o sujeito caem nos interstícios que
separam as disciplinas, assim como na grande fenda que separa as ciências naturais e
as ciências humanas; e isso acontece ainda mais porque o privilégio absoluto
concedido à redução, à quantificação, à formalização, age como um triturador que
destrói as formas, rejeita os sucos e retém a fibra. Por outro lado, o conhecimento
fragmentado produzido pela ciência é cada vez mais destinado não a ser meditado,
refletido e discutido por espíritos humanos, mas a ser usado pelas instâncias
anônimas das empresas e dos Governos [...].
Morin (2002c) destaca também que é evidente que o conhecimento científico
determinou progressos técnicos inéditos, como a domesticação da energia nuclear e os
princípios da engenharia genética. No entanto, apesar da ciência tornar-se enriquecedora,
elucidativa, conquistadora e triunfante, essa mesma ciência apresenta-nos cada vez mais
problemas graves que se referem ao conhecimento que produz à ação que determina, à
sociedade que transforma, sendo libertadora e, ao mesmo tempo, trazendo possibilidades de
subjugação. E acrescenta que o desenvolvimento disciplinar das ciências não traz unicamente
vantagens da divisão do trabalho, mas também os inconvenientes da superespecialização:
enclausuramento ou fragmentação do saber.
Essa tendência para a fragmentação do saber, para a disjunção, que vigora desde a
primeira revolução científica, Morin (2002c) denomina de princípio da simplificação, o qual
animou as ciências naturais e, embora tenha conduzido às mais admiráveis descobertas,
também implica em visão unilateral da natureza humana e das interações entre indivíduo,
sociedade e espécie humana.
Morin ressalta que de Galileu a Einstein, de Laplace a Hubble, de Newton a Bohr,
perdemos a segurança, que nos colocava como centro de universo, para sermos suburbanos de
um Sol periférico, ele próprio exilado no entorno de uma galáxia também periférica de um
universo mais misterioso do que se poderia imaginar um século. O progresso da certeza
das ciências produz o progresso da incerteza (MORIN, 2002c).
26
Diante disso, vivemos desde o começo do século XX uma renovação do
conhecimento científico. Os princípios da explicação clássica não são mais suficientes para
dar conta das transformações que ocorrem no mundo e na própria ciência. necessidade de
um princípio de explicação mais rico do que o princípio da simplificação (separação/redução),
que Morin denomina de princípio da complexidade, como veremos adiante.
Para Morin (2000, p. 89-90), foram duas as revoluções científicas responsáveis
pela preparação da reforma do pensamento:
A primeira começou com a física quântica e, [...] desencadeia o colapso do Universo
de Laplace, a queda do dogma determinista; o esboroamento de toda idéia de que
haveria uma unidade simples na base do universo; e a introdução da incerteza no
conhecimento científico. [...]. A segunda revolução, realizada com a constituição de
grandes ligações científicas, faz com que se levem em consideração os conjuntos
organizados, ou sistemas, em detrimento do dogma reducionista que imperara
durante o século XIX. [...] há uma ressurreição das entidades globais, como o
cosmo, a natureza, o homem, que foram picadas como salsichas, finalmente
desintegradas, supostamente porque provém do senso primitivo pré-científico, na
verdade porque contém, no âmago, uma complexidade insuportável para o
pensamento disjuntivo/redutor
4
.
a segunda revolução científica ocorre com a emergência da física quântica e
subatômica na primeira metade do século XX.
Uma terceira revolução científica, afirma o mesmo autor, se expressa pelos
diálogos multi, inter e transdicisplinares, na busca de respostas a problemas crescentemente
complexos e interligados pela própria dinâmica histórica.
Morin coloca, então, que basicamente dois grandes paradigmas em disputa no
meio acadêmico contemporâneo: o disjuntor-redutor e o da complexidade, que serão
abordados no item seguinte deste capítulo.
No quadro 1 a seguir, faz-se uma sintetização das três revoluções científicas
mencionadas neste item:
4
A referência que Morin faz nesta citação à primeira revolução científica, na verdade refere-se à segunda
revolução.
27
Revoluções
Científicas
Algumas Características Relevantes Periodização
Primeira
Disjunção entre senso comum e ciência, além de
disjunção entre ciência e filosofia/humanidades;
Emergência da ciência moderna e suas
ramificações disciplinares; método das ciências
naturais e exatas, com a física em primeiro lugar,
assume a condição de paradigma para o conjunto
das ciências. Redução da complexidade à
simplicidade, em fórmulas matemáticas ou leis
como a da oferta e da procura (economia), da
gravidade (astronomia).
Entre séculos XVI e
XX
Segunda
Irrupção da incerteza no âmago das ciências exatas
e naturais, especialmente com a emergência da
física subatômica e quântica, na contracorrente da
física clássica (newtoniana-cartesiana). Incerteza
esta que conduz ao questionamento filosófico das
ciências (nova epistemologia). Reaproximação
entre filosofia e ciência, incluindo aspectos
fenomenológicos no debate sobre o positivismo.
Primeira metade do
século XX
Terceira
Emergência de um novo paradigma científico-
filosófico, com base na ecologia, na retomada da
visão sistêmica e em diversos diálogos inter e
trandisciplinares; reaproximação entre ciência e
senso comum, ainda que sob uma leitura crítica e
analítica. A transição paradigmática se resume no
confronto entre um paradigma disjuntor-redutor e
um paradigma da complexidade, cujo eixo seria a
busca de associação sem fusão e distinção sem
disjunção/separação entre os saberes. Este novo
paradigma permite o questionamento da
setorialidade institucional (burocratização) e
favorece o diálogo intersetorial, assim como o
diálogo entre Estado, sociedade civil e mercado.
Não há uma ruptura entre a segunda e a terceira,
mas uma complementaridade entre as duas últimas
no confronto com a primeira revolução.
Segunda metade do
século XX até os dias
atuais
QUADRO 1: CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DAS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS
FONTE: Adaptação de Santos (2005); Morin e Le Moigne (2000); Vasconcellos (2002)
Este quadro não pretende mais do que sintetizar um processo que ainda se encontra
em curso, que é dependente de transformações políticas, sociais e econômicas, tanto dentro
quanto fora dos centros de pesquisa, e sobre o qual não um consenso a respeito entre os
pesquisadores.
28
1.2 COMPLEXIDADE E TERCEIRA VIA
No item anterior, mencionou-se um paradigma da simplificação (disjuntor-
redutor), que vigora desde a primeira revolução científica. Antes de abordarmos o paradigma
da complexidade, assim denominado por Morin, que emerge principalmente nas últimas três
décadas do século XX, faz-se necessário introduzir algumas idéias e conceitos que serão
desenvolvidos ao longo desse capítulo, guiados pelo pensamento moriniano.
Os conceitos de paradigma, teoria e método (ou metodologia) são muitas vezes
tomados como separados entre si, mas no paradigma da complexidade cabe apenas distingui-
los, em vez de separá-los.
O termo paradigma deriva do grego paradeigma (modelo ou regra), para
significar exatamente um sistema de idéias, que molda a realidade. Este termo tornou-se
mundialmente debatido entre os cientistas depois da publicação de The Structure of Scientific
Revolution, do físico e historiador da ciência Thomas Kuhn, em 1962.
Segundo o sociólogo e filósofo Edgar Morin, no vocabulário das idéias e debates
científicos anglo-saxões, a palavra paradigma designou o princípio, o modelo ou a regra geral,
seja o conjunto das representações, crenças, idéias que se ilustram de maneira exemplar ou
que ilustram casos exemplares (MORIN, 2002b).
Segundo este autor (2002b, p. 264):
O paradigma desempenha um papel subterrâneo/soberano em toda teoria, doutrina
ou ideologia. [...] O paradigma é inconsciente, mas irriga o pensamento consciente,
controla-o e, neste sentido, é também supraconsciente.
Para Morin, a ciência clássica baseou-se num paradigma de simplificação que leva
a privilegiar os procedimentos de redução, de exclusão e de disjunção, e a considerar a
complexidade como aparência superficial e confusão a eliminar (MORIN, 2002a). Ele
denominou de paradigma de disjunção-redução, ou da simplificação, ao conjunto dos
princípios de inteligibilidade próprios da cientificidade clássica, e que, ligados uns aos outros,
produzem uma concepção simplificadora do universo (físico, biológico, antropossocial)
(MORIN, 2002c).
Morin retomou, criticou e revisou o conceito de paradigma de Thomas Kuhn,
definindo-o como que
29
Um paradigma contém, para todos os discursos que se realizam sob o seu domínio,
os conceitos fundamentais ou as categorias mestras de inteligibilidade, ao mesmo
tempo que o tipo de relações lógicas de atração/repulsão (conjunção, disjunção,
implicação ou outras) entre esses conceitos e categorias. Assim, os indivíduos
conhecem, pensam e agem conforme os paradigmas neles inscritos culturalmente.
Os sistemas de idéias são radicalmente organizados em virtude dos paradigmas
(MORIN, 2002b, p. 261).
Este autor desenvolveu assim o que chamou de paradigma da complexidade:
conjunto dos princípios de inteligibilidade que, ligados uns aos outros, poderiam determinar
as condições de uma visão complexa do universo (físico, biológico, antropossocial). Mas
Morin adverte que o paradigma da complexidade, como denominou, não produz nem
determina a inteligibilidade pode apenas incitar a estratégia e inteligência do sujeito
pesquisador a considerar a complexidade da questão estudada, buscando distinguir e fazer
comunicar em vez de isolar e de separar, a reconhecer traços singulares, originais, históricos
do fenômeno em vez de simplesmente ligá-los a determinações ou leis gerais, a conceber a
unidade/multiplicidade de toda entidade em vez de a heterogeneizar em categorias separadas
ou de homogeneizar em indistinta totalidade (MORIN, 2002c).
A teoria, por sua vez, segundo Morin (1986, p.74),
[...] é um sistema de idéias que estrutura, hierarquiza, verifica o saber para descrever
a ordem e a organização dos fenômenos que aborda. A teoria, é em seu princípio,
aberta para o universo que descreve: colhe nele confirmação, e se surgem certos
dados que a contrariam, passa a fazer verificações (sobre os dados), revisões (sobre
sue próprio fundamento) e modificações (sobre si mesma). Por isso, uma teoria é
simultaneamente viva (ela faz trocas) e mortal (o real pode inflingir-lhe um
desmentido fatal)
A teoria não é conhecimento; ela permite o conhecimento; não é uma chegada; é a
possibilidade de uma partida; não é uma solução; é a possibilidade de tratar de um problema.
A teoria, assim, realiza seu papel cognitivo com o pleno emprego da atividade mental do
sujeito (MORIN, 2002c).
Morin ainda destaca que a teoria não deve ser nem pura e simplesmente
instrumentalizada, nem impor seus veredictos de maneira autoritária. Ela deve ser relativizada
e domesticada, deve ajudar e orientar as estratégias cognitivas conduzidas por sujeitos
humanos (MORIN, 2002b).
Dentro da concepção moriniana, justifica-se a necessidade de que se tenha um
método capaz de articular aquilo que está separado e unir aquilo que está dissociado, capaz de
detectar e não ocultar as ligações, as solidariedades, as implicações, as interdependências e as
30
complexidades, recusando o discurso linear como ponto de partida e fim, e a simplificação
abstrata, que a noção de metodologia degradou-se em conjunto de técnicas, de acordo com
a influência do paradigma disjuntor-redutor.
Assim, de acordo com Morin (2002c, p. 335):
A palavra método deve ser concebida fielmente em seu sentido original, e não em
seu sentido derivado, degradado, na ciência clássica; com efeito, na perspectiva
clássica, o método não é mais que um corpus de receitas, de aplicações quase
mecânicas, que visa a excluir todo sujeito de seu exercício. O método degrada-se em
técnica porque a teoria se tornou um programa. Pelo contrário, na perspectiva
complexa, a teoria é engrama, e o método, para ser estabelecido precisa de
estratégia, iniciativa, invenção e arte. O método, gerado pela teoria, regenera-a. O
método é a práxis fenomenal, subjetiva, concreta, que precisa da geratividade
paradigmática/teórica, mas que, por sua vez, regenera esta geratividade. Assim, a
teoria não é o fim do conhecimento, mas um meio-fim inscrito em permanente
recorrência.
A noção de método, segundo Morin, é de caminho estratégico, não linear, que está
associado à forma de conhecer do paradigma da complexidade: movimento incerto, dialógico,
dialético, que precisa tanto do auto-exame quanto do olhar sobre o contexto, sobre o que lhe é
estranho e exterior.
Assim, teoria e método na concepção de Morin deixam de aprisionar o pensador.
O método e a teoria são os dois componentes indispensáveis do conhecimento complexo,
sendo o método a atividade pensante do sujeito. Esse se torna central e vital, segundo Morin
(2002c), quando reconhecimento e presença de um sujeito pensante, procurante,
conhecente; quando a experiência não é uma fonte clara; quando se sabe que o conhecimento
não é a acumulação dos dados ou informações, mas sua organização; quando a lógica perde
seu valor perfeito e absoluto; quando a sociedade e a cultura permitem duvidar da ciência em
vez de fundar o tabu da crença; quando se sabe que a teoria é sempre aberta e inacabada;
quando incerteza e tensão no conhecimento, quando o próprio conhecimento faz renascer
ignorâncias e interrogações.
Morin ainda destaca que a teoria não é objetiva; ela não é o reflexo da realidade; é
uma construção da mente que permite responder a certas perguntas que fazemos ao mundo, à
realidade. “Uma teoria se fundamenta em dados objetivos, mas não é objetiva em si mesma”
(MORIN, 2002, p. 40).
Com base nisso, Morin alerta que uma teoria que se fecha para o real torna-se
doutrina. Segundo ele: [...]
A doutrina é a teoria que afirma que sua verdade está definitivamente
31
provada e refuta todos os desmentidos do real. [...] Uma doutrina é, em princípio, inexpugnável”
(MORIN, 1986, p. 74).
O próprio autor trata, também, de distinguir teoria, ideologia e doutrina:
Uma teoria permite ao teórico reconhecer, fora da teoria, a realidade que ela não
pode conceber. Uma doutrina impede o doutrinado de ver a realidade que ela oculta.
Entretanto, a evidência de um fato que aceitamos, mas que não podemos inserir em
nossa ideologia, perde rapidamente sua força. Sua própria existência acaba se
dissolvendo depois de certo tempo por falta de apoio ideológico. Assim, tudo o que
a ideologia não pode conceber ou racionalizar, fenece, esfacela-se, vai para o lixo...
É por isso que a ideologia nos torna tão insensíveis, cegos, surdos, esquecidos,
imbecis (MORIN, 1986, p. 103).
Do ponto de vista informacional, a ideologia é um sistema de idéias feito para
controlar, acolher, rejeitar a informação, ou seja, se a ideologia é teoria, ela é, em princípio,
aberta à informação que não é conforme a ela, que a pode questionar. “Se, é doutrina, ela é,
em princípio, fechada a toda informação não-conforme” (MORIN, 1986, p. 45).
Assim, acreditamos que a adequação destes três conceitos (teoria, método e
paradigma) é que permitirá novos processos de conhecimento teóricos complexos, e que a
adoção do paradigma da complexidade é o que melhor se adapta para compreender o novo
modelo de gestão urbano-ambiental sugerido pelo Estatuto da Cidade. Isto porque a noção de
planejamento urbano e as noções associadas nesse documento, de gestão participativa e de
sustentabilidade, indicam a necessidade de um enfoque integrador das políticas públicas
(aberto, dinâmico, dialógico) e transdisciplinar, que busque esclarecer a problemática em
questão e as possíveis alternativas.
Enquanto o primeiro paradigma separa sujeito e objeto, além das formas de
conhecimento, desde a revolução da ciência no século XVII, gerando um divórcio entre as
culturas científica e humanista, o segundo associa sem fundir, distinguindo sem separar
sujeito e objeto, formas de conhecimento e as culturas científica e humanista.
Nesse sentido, Morin destaca que:
[...] Um grande paradigma de disjunção, opondo ciência e filosofia, materialismo e
idealismo/espiritualismo, fato e valor, tem reinado desde o século XVIII, e seu
domínio somente agora começa a declinar.
E dentro das ciências, o paradigma dominante provocou a redução do complexo ao
simples, do global ao elementar, da organização à ordem, da qualidade à quantidade,
do multidimensional ao formal, destacando fenômenos como objetos isolados de seu
contexto e separados do sujeito que os percebe/concebe (MORIN, 1986, p. 77).
32
Segundo Morin, de toda parte surge a necessidade de um princípio de explicação
mais rico do que o princípio da simplificação (separação/redução), que ele denomina de
princípio da complexidade. [...] “É preciso encontrar o caminho de um pensamento
multidimensional que, é lógico, integre e desenvolva formalização e quantificação, mas não se
restrinja a isso” (MORIN, 2002c, p. 189).
O princípio da complexidade se esforça por abrir e desenvolver amplamente o
diálogo entre ordem, desordem e organização, para conceber, na sua especificidade, em cada
um de seus níveis, os fenômenos físicos, biológicos e humanos. Esforça-se por comunicar as
dimensões físicas, biológicas, espirituais, culturais, sociológicas e históricas daquilo que é
humano (MORIN, 2002c).
Assim, os processos de transformações sociais por que passam as sociedades
contemporâneas e o sistema mundial em geral, põem fortemente em causa as teorias e os
conceitos, os paradigmas científicos e as soluções anteriormente consideradas eficazes para
diagnosticar e resolver as crises sociais, não sendo mais suficientes os princípios da
explicação clássica. Hoje, necessidade de um conhecimento que possa servir à reflexão,
meditação, discussão, incorporação por todos, cada um no seu saber, na sua experiência, na
sua vida (MORIN, 2002c).
A perspectiva de Edgar Morin é assim, ousada, no sentido de apontar uma crise
ampla do paradigma de toda a ciência clássica, incluindo nela as teorias sociais e as chamadas
ciências naturais.
Uma abordagem semelhante à de Edgar Morin é encontrada na obra de
Boaventura de Sousa Santos (2000, p. 61), para quem o paradigma dominante tem um caráter
totalitário, na medida em que nega a racionalidade de todas as formas de conhecimento que
não se pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas.
Santos expõe a crise ou as crises dos paradigmas da ciência moderna e reflete
sobre uma nova estrutura científica pós-moderna. Nesse sentido, o autor diz que a ciência
moderna construiu-se contra o senso comum que considerou superficial, ilusório e falso,
enquanto a ciência pós-moderna não vem ao caso discutir aqui sua concepção de pós-
modernidade vem para reconhecer os valores (virtualidades) do senso comum que
enriquecem a nossa relação com o mundo, ou seja, o senso comum também produz
conhecimento, mesmo que ela seja um conhecimento mistificado e mistificador (SANTOS,
2005).
33
Este autor destaca que na ciência moderna o conhecimento avança pela
especialização. O conhecimento é tanto mais rigoroso quanto mais restrito é o objeto sobre o
qual incide. Esse, aliás, segundo ele, é o dilema básico da ciência moderna:
[...] o seu rigor aumenta na proporção direta da arbitrariedade com que espartilha o
real. Sendo um conhecimento disciplinar, tende a ser um conhecimento disciplinado,
isto é, segrega uma organização do saber orientada para policiar as fronteiras entre
as disciplinas e reprimir os que a quiserem transpor. É hoje reconhecido que a
excessiva parcelização e disciplinarização do saber científico faz do cientista um
ignorante especializado e que só acarreta efeitos negativos. [...] Os males desta
parcelização do conhecimento e do reducionismo arbitrário que transporta consigo
são hoje reconhecidos, mas as medidas propostas para os corrigir acabam em geral
por os reproduzir sob outra forma. Criam-se novas disciplinas para resolver os
problemas produzidos pelas antigas e por essa via reproduz-se o mesmo modelo de
cientificidade. [...] Este efeito perverso revela que não há solução para este problema
no seio do paradigma dominante e precisamente porque este último é que constitui o
verdadeiro problema de que decorrem todos os outros (SANTOS, 2005, p. 74-76).
Santos (2005) identifica assim um novo paradigma, que designa como emergente,
no qual o conhecimento é total; ele avança à medida que o seu objeto se amplia. “No
paradigma emergente, o caráter auto-biográfico e auto-referenciável da ciência é plenamente
assumido” (SANTOS, 2005, p. 85). Segundo ele, a ciência moderna legou-nos um
conhecimento funcional que promoveu de forma extraordinária nossas perspectivas de
sobrevivência. Mas hoje não se trata tanto de sobreviver, mas de saber viver. “Para isso é
necessária outra forma de conhecimento, um conhecimento compreensivo e íntimo que não
nos separe e antes nos una pessoalmente ao que estudamos” (SANTOS, 2005, p. 85).
O paradigma da complexidade, de Morin, ou emergente, segundo Santos, requer
para o seu desenvolvimento coletivo e institucional profundas transformações sociopolíticas e
uma verdadeira revolução científica, que acabam esbarrando nos interesses corporativos dos
líderes acadêmicos e das forças políticas conservadoras ou neoliberais, por um lado e, por
outro, na crise teórica dos setores de esquerda e centro-esquerda, no plano sociopolítico.
Ganha relevo, assim, a alternativa representada pela terceira via, de Anthony
Giddens (2001). Pode-se afirmar que no interior da sociedade contemporânea há diversas
clivagens em relação aos quais os termos complexidade, terceira via e capital social se
contrapõem. Pode-se apontar dois diferentes tipos de clivagens:
34
Clivagem Epistemológica Clivagem Político-Institucional
Paradigma Disjuntor-Redutor
X
Paradigma da Complexidade
Estado X Mercado X Sociedade Civil
X
Terceira Via e Capital Social
QUADRO 2: TIPOS DE CLIVAGENS
Além da primeira clivagem (epistemológica), comentada acima, temos a segunda,
que é político-institucional. Na modernidade percebe-se, em diferentes sociedades, conforme
a correlação de forças de cada conjuntura, uma série de conflitos entre Estado, mercado e
sociedade civil.
No século XX, após duas guerras mundiais e a experiência traumática de
totalitarismos de direita e de esquerda (HOBSBAWN, 1995), emergem forças da
sociedade civil que acentuam a necessidade de uma ampliação da cidadania. A
década de 1960 é emblemática nesse sentido. Na terminologia de Giddens, passa-se
da modernidade simples para a modernidade reflexiva, ou seja, da fase na qual a
identidade social dos cidadãos era marcada pelas instituições e tradições de classes
antagônicas (burguesia e proletariado), no âmbito dos Estados-nações, para uma fase
na qual a identidade social dos cidadãos torna-se mais reflexiva, mais plástica,
dialógica, destradicionalizadora, em que as normas tradicionais de conduta perdem
eficácia (com diversas conseqüências contraditórias). Dos riscos e ameaças da
natureza à sociedade humana passa-se aos riscos e ameaças socialmente produzidos
à natureza, aos ecossistemas. O processo de globalização é impulsionado pelas
novas tecnologias de comunicação e as sociedades nacionais interagem de forma
crescentemente complexa, com inúmeras conseqüências impremeditadas e/ou
imprevisíveis (SANTOS; BOEIRA, 2005, p. 485).
Para Giddens (1996), a modernização reflexiva reage a diferentes circunstâncias.
Ela tem suas origens nas profundas mudanças sociais que vêm ocorrendo: o impacto da
globalização, as mudanças que ocorrem na vida cotidiana e pessoal e o surgimento de uma
sociedade pós-tradicional. Essas influências decorrem da modernidade ocidental, mas agora
afetam o mundo como um todo e se revertem para começar a remodelar a modernização em
seu ponto de origem.
Em síntese, à emergência do paradigma da complexidade (MORIN E KERN,
1995) e dos debates sobre multi, inter e transdisciplinaridade, no âmbito das instituições de
pesquisa, acrescenta-se a emergência da modernização reflexiva (GIDDENS, BECK e LASH,
1997). Enquanto a ciência e a tecnologia se disseminam pelas instituições sociais, Estado,
mercado e organizações da sociedade civil interagem de forma crescentemente complexa, em
redes sociotécnicas.
35
Quanto ao capital social, Giddens afirma que seu cultivo é essencial para a
economia do conhecimento. O “novo individualismo” que acompanha a globalização “não é
refratário à cooperação e à colaboração – a cooperação (em vez da hierarquia) é positivamente
estimulada por ele” (GIDDENS, 2001, p. 82). Para o autor, a confiança ativa, abertamente
negociada, em vez de regida pela tradição e pelo hábito, é parte da política da terceira via. A
própria tecnologia da informação é um fator de promoção da cultura de parceria e
colaboração, dado que uma mesma base tecnológica pode ser formada por diferentes
especialistas. Esta colaboração entre especialistas de diferentes organizações tem viabilizado
alianças entre universidades e empresas, entre organizações do chamado terceiro setor e
órgãos governamentais, ampliando o capital social.
O conceito de capital social ganhou notoriedade a partir do livro de Robert
Putnam publicado em 1993 (no Brasil, em 1996), Comunidade e Democracia: a experiência
da Itália moderna. Esta obra foi produto de uma pesquisa multidisciplinar de vinte anos,
iniciada em 1970 e que teve como objetivo acompanhar o processo de implantação pioneira
da descentralização administrativa daquele país. Segundo ele: “o capital social diz respeito a
características da organização social, como confiança, norma e sistemas, que contribuam para
aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas” (PUTNAM, 1996, p.
177).
Para Born (2003), o capital social pode ser entendido como o conjunto de redes e
relações sociais, normas de conduta, confiança e respeito que permitem aos integrantes
identificar valores e interesses comuns e diversos, públicos ou corporativos, na busca de
soluções para problemas coletivos. Capital social, assim, é rede social. Ele aparece como uma
ferramenta útil para auxiliar a comunidade e governo a resolverem problemas socialmente
relevantes.
Rattner (2003, p. 2) explica que
Enquanto o capital humano é produto de ações individuais em busca de aprendizado
e aperfeiçoamento, o capital social se fundamenta nas relações entre os atores sociais
que estabelecem obrigações e expectativas mútuas, estimulam a confiabilidade nas
relações sociais e agilizam o fluxo de informações internas e externas.
Com base nisso, podemos perceber o movimento ambientalista, o movimento pela
reforma urbana e as próprias Agenda 21 locais, entre outras forças sociais, como formadores e
portadores de um poderoso capital social. Assim, capital social não é um conceito econômico,
36
nem sociológico, mas um conceito político, que tem a ver com os padrões de organização e
com os modos de regulação praticados por uma sociedade.
As duas clivagens antes destacadas têm no capital social, na terceira via e no
paradigma da complexidade algumas respostas abrangentes e consistentes, embora apareçam
freqüentemente dissociadas na literatura das ciências sociais e humanas. A concepção, aqui
proposta, de uma complementaridade entre a alternativa à clivagem epistemológica e a
alternativa à clivagem político-institucional, parece contribuir (pelo menos isto é um
pressuposto deste estudo) com a compreensão dos desafios enfrentados pelos atores sociais
que têm, no Brasil, lutado por uma reforma urbana e pela sustentabilidade ambiental do
modelo de desenvolvimento socioeconômico.
Assim, o paradigma da complexidade, a terceira via e o capital social são os três
termos que podem ser introduzidos no debate como diretrizes para superar enfoques
meramente especializados, monodisciplinares, setoriais ou burocráticos acerca do Estatuto da
Cidade. Está fora do propósito deste estudo uma discussão mais especificamente teórica e
epistemológica sobre até que ponto compatibilidade, ou incompatibilidade, entre os
enfoques subjacentes às obras de Morin e Giddens. Isto porque um esforço neste sentido
exigiria uma atenta análise comparativa de obras densas produzidas por estes autores nas
últimas quatro décadas algo que poderia ser objeto de uma dissertação ou tese
assumidamente teórico-epistemológica.
Portanto, com uma perspectiva de aproximação flexível, pluralista e dialógica,
propõe-se aqui uma abordagem da terceira via e do paradigma da complexidade como
enfoques complementares no sentido de interpretar e conceber o potencial de implementação
do Estatuto da Cidade nos municípios da região em estudo.
Conforme será visto no capítulo seguinte, uma das inovações trazidas pelo
Estatuto da Cidade diz respeito a uma nova forma de gestão urbana, em que a participação da
sociedade passa a ser essencial na formulação, execução e acompanhamento de planos,
programas e projetos de desenvolvimento urbano (art. 2º, inciso II, do Estatuto da Cidade).
Na gestão democrática das cidades, deve ser assumido politicamente que existem
diversos atores sociais com concepções conflitantes de vida e de cidade. O Estatuto da Cidade
configura-se, assim, num instrumento legal que visa combinar a gestão participativa com as
premissas da sustentabilidade ecológica e econômica, sendo de vital importância para os
municípios gerenciarem de forma adequada seu espaço urbano sem degradação ambiental
com a articulação das várias áreas envolvidas.
37
Esse novo modelo de gestão introduzido pelo Estatuto da Cidade assemelha-se ao
que Ana Paula Paes de Paula designa como administração pública societal.
Nas últimas três décadas do século XX e especialmente nos anos 90, a ideologia
neoliberal acentuou a centralização das sociedades na dinâmica e nos valores do mercado,
enquanto contribuía decisivamente para a crise do papel do Estado-Nação. Ana Paula Paes de
Paula (2005), debatendo com o ex-ministro Bresser Pereira (1998)que introduziu a reforma
gerencial no Brasil desde 1995 compara a new public management ou gerencialismo (desde
os governos de Reagan e de Tatcher) com o que ela chama de “administração pública
societal”.
As características do modelo gerencialista, em síntese, são as seguintes:
a) descentralização do aparelho de Estado, que separa as atividades de planejamento
e execução do governo e transforma as políticas públicas em monopólio dos
ministérios; b) privatização das estatais; c) terceirização dos serviços públicos; d)
regulação estatal das atividades públicas conduzidas pelo setor privado; e) uso de
idéias e ferramentas gerenciais advindas do setor privado (PAULA, 2005, p. 47).
Por outro lado, a chamada “administração pública societal” é caracterizada como
produto de uma “tradição mobilizadora” que alcançou seu auge na década de 1960, foi
retomada sob a ditadura militar no final dos anos 70 e emergiu como vertente alternativa de
reforma e gestão do Estado durante as mobilizações dos anos 80. No seu cerne estão as
experiências locais de criação de formatos institucionais para facilitar a inserção popular no
processo de democratização da sociedade e do Estado. Paula (2005) destaca algumas
experiências participativas que, segundo ela, podem ser enquadradas na vertente societal, tais
como fóruns temáticos, conselhos gestores de políticas públicas e o orçamento participativo.
Para a autora
Uma análise da literatura pertinente demonstra que essas experiências se
diferenciam porque procuram contribuir para a construção de uma cultura política
democrática nas relações entre o Estado e a sociedade, combinando ação e estrutura,
política e técnica. Mas também verificamos que essas manifestações apresentam
limites, pois são locais, fragmentárias e desarticuladas de um projeto global para a
reforma do Estado. Depreende-se da análise realizada que um aparelho de Estado
com características participativas deve permitir a infiltração do tecido mobilizatório
e para isso devem ser criados arranjos institucionais que viabilizem e legitimem a
participação popular nas diferentes esferas de governo (PAULA, 2005, p. 176).
Veja-se o quadro abaixo, que traz um panorama com as principais características
desses dois modelos:
38
Variável Administração Pública
Gerencial
Administração Pública
Societal
Origem
Projeto Político
Dimensões estruturais
enfatizadas na gestão
Movimento internacional pela
reforma do Estado, que se iniciou
nos anos 1980 e se baseia
principalmente nos modelos inglês
e estadunidense.
Enfatiza a eficiência administrativa
e se baseia no ajuste estrutural, nas
recomendações dos organismos
multilaterais internacionais e no
movimento gerencialista.
Dimensão econômico-financeira e
institucional-administrativa.
Movimentos sociais brasileiros,
que tiveram início nos anos 1960 e
desdobramentos nas três décadas
seguintes.
Enfatiza a participação social e
procura estruturar um projeto
político que repense o modelo de
desenvolvimento brasileiro, a
estrutura do aparelho de Estado e o
paradigma de gestão.
Dimensão sociopolítica.
Variável Administração Pública
Gerencial
Administração Pública
Societal
Organização administrativa do
aparelho do Estado
Abertura das instituições
políticas à participação social.
Abordagem de gestão
Separação entre as atividades
exclusivas e não exclusivas do
Estado nos três níveis
governamentais.
Participativo no nível do discurso,
mas centralizador no que se refere
ao processo decisório, à
organização das instituições
políticas e à construção de canais de
participação popular.
Gerencialismo: enfatiza a adaptação
das recomendações gerencialistas
para o setor público.
Não tem uma proposta para a
organização do aparelho de Estado
e enfatiza iniciativas locais de
organização e gestão pública.
Participativo no nível das
instituições, enfatizando a
elaboração de estruturas e canais
que viabilizem a participação
popular.
Gestão social: enfatiza a
elaboração de experiências de
gestão participativas.
QUADRO 3 – MODELOS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
FONTE: PAULA (2005, p. 175)
Conforme se observa, a problemática ambiental não é explicitamente abordada em
nenhum dos dois modelos do quadro 3. Porém, na medida em que o segundo modelo
pressupõe a democracia participativa, uma abordagem socioambiental terá maior
possibilidade de ser implementada.
Giddens (2001), ao relançar o tema da terceira via, afirma que uma sociedade que
permite a infiltração demasiada do mercado em outras instituições experimentará o declínio
da vida pública. Aquela que não encontra espaço suficiente para os mercados, contudo, não
será capaz de gerar prosperidade econômica. Da mesma forma, onde as comunidades na
sociedade civil se tornam fortes demais, a democracia e o desenvolvimento econômico podem
39
ser ameaçados. Todavia, se a ordem civil é demasiado fraca, um governo eficaz e o
crescimento econômico são postos em risco. Por isso o autor propõe um novo contrato social,
baseado no teorema segundo o qual “não direitos sem responsabilidades” (GIDDENS,
2001, p. 58).
Conforme Boeira (2004, p.16-17) a teoria da terceira via, na atualidade, pode ser
resumida pelas seguintes idéias:
a) constata que a fé no livre mercado (neoliberalismo) é destrutiva e está em crise ou
já esgotada; b) programas e políticas da esquerda não se revelaram eficazes na
medida em que acentuaram o estatismo; c) programas alternativos a estes dois
caminhos implicam desenvolvimento de novas teorias e políticas inovadoras para
confrontar as grandes transformações sociais e econômicas do presente; d) a terceira
via representa a renovação da socialdemocracia, especialmente a partir de políticas
que associam liberdade e responsabilidade dos cidadãos, do Estado e das forças
econômicas; e) o governo e o Estado estão na origem da maior parte dos problemas
sociais tanto quanto o mercado; f) uma forte sociedade civil é necessária tanto para
um governo democrático quanto para um sistema de mercado que funcione
adequadamente; g) os programas de responsabilidade social das empresas ganham
especial interesse tanto para o terceiro setor (público não-estatal) quanto para o
Estado e potencialmente para o conjunto do empresariado; h) a terceira via
proporciona os meios de reconstruir e renovar as instituições públicas a partir de
políticas de responsabilidade socioambiental global, complexa, que envolvem
mudanças estruturais na distribuição do poder mundial; i) em vez de tratar as
questões ambientais como secundárias, conforme a tradição comunista e socialista, a
terceira via as como fundamentais inclusive para a renovação do sentido da ação
e do pensamento políticos.
Giddens assim, sugere, com a política da terceira via, políticas de
responsabilidade socioambiental global, sintonizadas com os desafios da complexidade,
que o debate sobre a globalização está profundamente ligado a questões e problemas
ecológicos (GIDDENS, 2001).
No entanto, diferentemente da proposta de Giddens, as políticas públicas que
orientaram o planejamento urbano no Brasil não incluíram a temática ambiental, ficando
reduzidas ao chamado planejamento físico-territorial, que “consiste na concepção do
planejamento como a atividade de elaboração de planos de ordenamento espacial para a
cidade ideal” (SOUZA, 2002, p. 123).
Assim, as políticas públicas que demarcaram e caracterizaram o território urbano
brasileiro eram reduzidas a um planejamento da organização espacial, preocupado
essencialmente com o traçado urbanístico, com as densidades de ocupação e com o uso do
solo (BASSUL, 2005).
Esse modelo de planejamento regulatório ou tecnocrático (porquanto baseado na
formulação de leis que expressam decisões técnicas e são aplicadas por um Estado com
40
acentuado poder de controle e disciplinamento, que tende a projetar a imagem idealizada de
cidade para um futuro medianamente distante (BASSUL, 2005), gerou efeitos que podem
hoje ser facilmente percebidos. Na visão de Bassul (2005, p. 25)
Grande parte dos brasileiros que vivem (ou sobrevivem) em cidades enfrenta
problemas relativos à escassez de moradias, à precariedade dos sistemas de
educação, de saúde e de transportes, à insuficiência dos serviços de saneamento, ao
crescimento dos índices de desemprego e dos níveis de violência, ao lado de muitos
outros fatores de desqualificação da vida urbana.
Ainda segundo este autor, a formulação da política urbana basicamente realizada
no âmbito de uma esfera eminentemente técnica da administração, ao contrário de reverter o
quadro acima, acabou por acentuá-lo. Para ele,
Voluntária ou involuntariamente, a gestão tecnocrática alimentou um processo
caracterizado, de um lado, pela apropriação privada dos investimentos públicos e, de
outro, pela segregação de grandes massas populacionais, em favelas, cortiços e
loteamentos periféricos, excluídas de acessos a bens, e equipamentos urbanos
essenciais (BASSUL, 2005, p. 25-26).
Dentro desse contexto, é importante traçarmos uma idéia de política pública.
Política pública pode ser definida como o processo de estabelecimento de princípios,
prioridades e diretrizes que organizam o conjunto de programas e serviços para uma
população.
Segundo Laurell (1997, p. 153), pode-se entender por políticas públicas:
[...] o conjunto de medidas e instituições que têm por objeto o bem-estar e os
serviços sociais [...]. A análise das políticas sociais remete ao âmbito estatal, onde
elas se articulam e constituem a substância do Estado que desempenha um papel
fundamental na formulação e efetivação das políticas públicas apesar de não ser
exclusividade da prestação do serviço.
Rua (1998) destaca a diferença de política pública de decisão política. Política
pública geralmente envolve mais do que uma decisão e exige diversas ações estrategicamente
selecionadas para implementar as decisões tomadas. A decisão política, por sua vez,
corresponde a uma escolha dentre várias alternativas, seguindo uma hierarquia elaborada
pelos atores envolvidos, expressando em maior ou menor grau, uma certa adequação entre os
fins pretendidos e os meios disponíveis.
Com base na opção teórica que foi feita, entendemos que o conceito de política
pública não se restringe à política governamental. Conforme citado por Vieira e Bredariol:
41
Políticas Públicas são mediações político-institucionais das inter-relações entre os
diversos atores presentes no processo histórico-social em suas múltiplas dimensões
(economia, política, cultura etc.).
São implementadas por atores políticos através de instituições públicas, em geral
agências estatais. Podem ser de iniciativa de governantes ou governados,
conjunturais ou estruturais, universais ou segmentares (ABREU, 1993 citado por
VIEIRA e BREDARIOL, 1998, p. 97-98).
Mais adiante, Vieira e Bredariol (1998) ressaltam a diferença da política pública
em relação à política governamental, muitas vezes tidas como sinônimas. A gestão de
políticas públicas compreende pactos entres atores sociais relevantes; espaços institucionais;
suporte técnico-operacional; captação de recursos financeiros; acompanhamento e controle
pela sociedade.
Feita esta abordagem sobre aspectos paradigmáticos e político-institucionais,
passamos a uma breve exposição sobre a questão da urbanização no Brasil, necessária para
compreender-se o contexto em que o Estatuto da Cidade surgiu.
1.3 URBANIZAÇÃO NO BRASIL
Ao tratarmos do Estatuto da Cidade, torna-se imprescindível também
recuperarmos aspectos da história da urbanização no Brasil.
O processo de urbanização está historicamente associado de forma especial à
industrialização, embora o tenha precedido em séculos, porque as revoluções industriais e
tecnológicas, desde o culo XVIII, acentuaram fortemente a concentração demográfica nas
cidades, tendo sido dominados os campos e a vida rural pelos valores e técnicas gerados no
meio urbano-industrial.
Segundo Moura-Fujimoto (2000, p. 47),
A industrialização é um processo que marca a chamada Idade Contemporânea e que
se caracteriza pelo predomínio da atividade industrial sobre as outras atividades
econômicas. Devido ao caráter urbano da produção industrial as cidades se tornaram
sua base territorial, pois nela se concentram capital e força de trabalho.
No Brasil, a lógica capitalista do “desenvolvimento” (ou seja, o progresso
socioeconômico, freqüentemente confundido com mero crescimento material) também se
aplicou no que diz respeito à ocupação do espaço urbano, que passou a ser tratado como
42
mercadoria, forma de concentração de poder e de produção de desigualdades (marginalização
territorial, social, econômica).
A imensa e rápida urbanização pela qual passou a sociedade brasileira foi
certamente uma das principais questões sociais experimentadas no país no século XX. No
entanto, essa urbanização vertiginosa, mais do que evocar progresso ou desenvolvimento,
passou a retratar e reproduzir, nas cidades, de forma paradigmática, as injustiças e
desigualdades da sociedade.
Segundo dados do IBGE, no ano de 2000, praticamente 80% da população
brasileira vivem em cidades. Na tabela abaixo, pode-se visualizar o crescimento populacional
do Brasil nas últimas décadas:
TABELA 1 - CRESCIMENTO POPULACIONAL DO BRASIL PERÍODO DE 1970 A 2000
Ano População
Rural
População
Urbana
População
Total
% Rural % Urbana
1970 41.037.586 52.097.260 93.134.846 44,06 55,94
1980 38.573.725 80.437.327 119.011.052 32,41 67,59
1991 35.834.485 110.990.990 146.825.475 24,41 75,59
2000 31.947.618 137.925.238 169.872.856 18,81 81,19
FONTE: IBGE. Censos demográficos de 1970, 1980, 1991 e 2000.
No entanto, esta realidade é contestada por José Eli da Veiga (2002), em sua obra
intitulada Cidades Imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se calcula. Veiga provoca
uma discussão quanto à delimitação do urbano e do rural, afirmando que a metodologia oficial
do cálculo do “grau de urbanização” do Brasil é anacrônica e obsoleta.
A vigente definição de cidade no Brasil, que é oriunda do Estado Novo de Getúlio
Vargas (Decreto-Lei 311, de 1938), transformou em cidades todas as sedes municipais
existentes, independentemente de suas características estruturais e funcionais. Segundo o
autor, da noite para o dia, pequenos povoados ou mesmo simples vilarejos viraram cidades
pela referida norma, que continua em vigor, apesar de todas as posteriores evoluções
institucionais. A distinção brasileira entre população rural e urbana é arbitrária e dela resultam
profundas distorções na visão da realidade socioeconômica, com inadequação de políticas
públicas. Nem mesmo o Estatuto da Cidade mudou esta situação, embora essa lei contenha
43
uma série de instrumentos que podem atenuar o caos urbano instalado no Brasil (VEIGA,
2002).
Segundo visto na tabela 1, as últimas estatísticas oficiais indicam que 80% da
população no Brasil seria urbana, sendo o rural visto como mero resíduo. Veiga desfaz esta
imagem, mostrando que é fictícia. Destaca o autor que
É verdade que a partir de 1991 o IBGE definiu três categorias de áreas urbanas
(urbanizadas, não-urbanizadas e urbanas-isoladas) e quatro tipos de aglomerados
rurais (extensão urbana, povoado, núcleo e outros). Todavia, em vez de abolida ou
amenizada, acabou sendo fortalecida pela nova nomenclatura essa rígida e vetusta
convenção de que toda sede de município é necessariamente espaço urbano, seja
qual for sua função, dimensão ou situação (VEIGA, 2002, p. 64-65).
Isso não teria muita importância, diz o autor, se fossem poucos os casos de sedes
municipais que exercem irrisória pressão antrópica sobre ecossistemas pouco artificializados,
às vezes quase intocados. Mas o que se percebe é que a grande maioria dos municípios
brasileiros tem estas características. Basta dizer que em 70% deles as densidades
demográficas são inferiores a 40hab/km
2
, enquanto o parâmetro da Organização de
Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) para que uma localidade seja
considerada urbana é de 150 hab/km
2
. “Por esse critério, apenas 411 dos 5.507 municípios
brasileiros existentes em 2000 seriam considerados urbanos” (VEIGA, 2002, p. 65). Essa
delimitação territorial do Brasil é adotada por alguns poucos países, como El Salvador,
Equador, Guatemala e República Dominicana.
Segundo o autor, se fizermos o cálculo do grau de urbanização com critérios mais
adequados à realidade brasileira, apenas 57% da população brasileira faz parte da rede urbana:
34% em 12 aglomerações metropolitanas, 13% em 37 aglomerações não-metropolitanas e
10% em 77 centros urbanos que não pertencem a aglomerações. Fora dessa hierarquia de
cidades que abrange 455 municípios, outros 567 (com 13% da população), cuja situação é
dúbia. Mas nenhum critério razoável permite classificar como dúbia a situação dos demais
4.485 municípios, nos quais vivem 30% da população brasileira.
A distorção conceitual tem como resultante, por exemplo, o fato de que um
crescente número de agricultores, pecuaristas, extrativistas, pescadores (e até populações
indígenas ou quilombolas) têm perdido o direito aos parcos benefícios dirigidos às populações
rurais, já que vivem em sedes de pequenos municípios (VEIGA, 2002).
Para corrigir esta distorção na divisão territorial brasileira, Veiga propõe
44
Para que a configuração territorial brasileira não permaneça tão obscura, é
imprescindível construir tipologias alternativas, capazes de captar a imensa
diversidade dos municípios, um desafio que começou a ser enfrentado com muito
sucesso no estudo Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil
(Ipea/IBGE/Nesur-IE/Unicamp, 1999). Atualizando-se os resultados desse trabalho,
percebe-se que está efetivamente na rede urbana menos de 60% da população
brasileira [...]. E não mais de 80%, como impõe a linha estadonovista que baliza a
metodologia oficial (VEIGA, 2002, p. 66).
Fixar o conceito de cidade não é tarefa muito fácil, que pode se tomar por base
uma série de abordagens. A cidade, segundo, Julio César de Sá Rocha (1999, p. 4-5):
pode ser compreendida com fundamento no conceito da sociologia urbana (cidade
como “situação humana”, “uma organização geral da sociedade”, “centro de
consumo de massa” ou “fábrica social”; no conceito demográfico e quantitativo
(baseado no número de habitantes do núcleo urbano); no sentido econômico
(conjunto de subsistemas administrativos, comerciais, industriais e sócio-culturais
no sistema nacional geral; no conceito jurídico político (a cidade consiste em um
núcleo urbano, sede do governo municipal).
Rolnik (1995) compara a cidade a um ímã, um campo magnético que atrai, reúne
e concentra homens. Para ela, a cidade é também fruto do trabalho coletivo de uma sociedade
e é onde se manifestam, de forma concentrada, as realidades sociais, econômicas, políticas,
religiosas e demográficas de um povo. Nela está materializada a sua história. Sua existência
ao longo do tempo é determinada pela necessidade humana de se agregar, de se inter-
relacionar, de se organizar em torno do bem estar comum; de produzir e trocar bens e
serviços; de criar cultura e arte; de manifestar sentimentos e anseios que se concretizam na
diversidade que a vida urbana proporciona (ROLNIK, 2001).
Frangetto (2004, p. 118) coloca a dificuldade de se conceituar cidade no contexto
atual, que estamos habituados a cidades confusas, mal ordenadas, quase ou explodindo.
Para ela
O estritamente exato seria purificarmos a idéia de cidade tão viciada que temos na
grande maioria dos populosos centros urbanos brasileiros, onde o espaço urbano
paulistano é amostra de imperfeição. Trataríamos, nessa hipótese, da cidade digna,
quase de um paraíso... O fato é que essa cidade completa deve o direito almejar e,
portanto, necessita -la idealmente concebida e praticamente considerada. Em
outras palavras, conceituar cidade implica enxergar à frente no futuro (que queremos
próximo) a cidade ideal; no instante passado, a cidade perturbada; e, no presente, a
feitura de uma cidade efetivamente calma e dinamicamente funcional
(FRANGETTO, 2004, p. 118).
Assim, caberia à cidade ideal, dinamicamente funcional, proporcionar à todos o
acesso aos bens e serviços para satisfação de suas necessidades básicas: acesso aos serviços
45
públicos de qualidade, segurança, saúde, educação, lazer, transporte, saneamento básico,
habitação, incluindo-se o acesso ao espaço urbano, adequado e democraticamente distribuído.
Ainda que o EC não tenha trazido um conceito de cidade (o mesmo ocorre em
outros diplomas legais urbanísticos e ambientais), tanto a cidade que intentamos como cidade
real, quanto à deturpação daquilo que faz de conta ser cidade, são objeto dessa lei
(FRANGETTO, 2004).
No Brasil, pode-se afirmar que as cidades nunca corresponderam ao modelo de
cidade que se sonhou, pois elas retratam e reproduzem as injustiças e desigualdades da
sociedade. A história das cidades brasileiras inscreve-se sob um movimento de colonização e
desenvolvimento capitalistas e, sendo elas reflexo das pessoas que as ocupam, “[...] não
tratamos de um espaço abstrato, mas da cidade que é fruto do processo de desenvolvimento
capitalista que, em essência, é desigual e demonstra essa desigualdade na contraposição entre
“ilhas” de riqueza, e áreas urbanas miseráveis, desprovidas de qualquer benefício”
(PEREIRA, 2001).
O planejamento urbano tradicional não dialoga com essa contradição, à medida
que estabelece uma cidade virtual, ou seja, uma cidade que ignora os assentamentos precários
que existem. No Brasil, a proposta que sempre dirigiu o planejamento urbano foi a
tecnocrática, que acabou por conduzir nossas cidades ao caos urbano que verificamos hoje.
Na verdade, em um contexto de alta pressão demográfica e competição pelo solo urbano, o
planejamento e, especificamente, o zoneamento foi bastante utilizado como um instrumento
para assegurar segregação e demarcação de segmentos de mercado (ROLNIK, 1999).
Segundo Maricato (2001), a dimensão da tragédia urbana que se instalou no Brasil
exige o desenvolvimento de respostas que devem partir do conhecimento da realidade
empírica, respaldado pelas informações científicas sobre o ambiente construído, para evitar a
formulação de “idéias fora do lugar”, tão comum na gestão urbana no Brasil.
Esse processo de urbanização acelerado e desigual também não foi diferente nos
municípios objetos da pesquisa.
O esgotamento desse modelo de planejamento urbano (tecnocrático) passou a ser
alvo dos discursos dos movimentos sociais que se intensificaram no Brasil entre os anos 50 e
60 em favor das reformas de base, dentre elas a reforma urbana. naquela época as capitais
davam amostras do que viria a ser o processo de urbanização no Brasil, caso não houvesse
uma mudança na rota do crescimento com desigualdade.
46
Esses movimentos de reforma perderam força durante o regime militar, o qual
acabou por contribuir para aprofundar o fosso que separa o mercado imobiliário daqueles que
não tem acesso a ele. Em meados dos anos 70 esses movimentos voltaram a ter força e foram
atuantes no período pré-constituinte de 1988, e conseguiram, na íntegra ou em partes, inserir
na Constituição suas reivindicações. Este assunto será retomado no capítulo seguinte.
De acordo com o que prevê o artigo 182 da CRFB, inserido por força desses
movimentos sociais, a política de desenvolvimento urbano no Brasil, hoje, deve ter por
objetivo o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos
cidadãos.
A população mundial vem crescendo intensamente e desde a Revolução Industrial
esse crescimento passou a concentrar-se nas cidades. Esse processo de urbanização acelerada
vêm suscitando grande preocupação para as autoridades políticas e científicas, técnicos,
administradores e planejadores, na medida em que o crescimento populacional desordenado
traz implicações de várias ordens, principalmente no que tange à qualidade de vida das
pessoas, que vem decaindo gradativamente nas cidades, ao invés do que inicialmente se
imaginava.
A urbanização vertiginosa no Brasil introduziu no território das cidades um novo
e dramático significado: mais do que evocar progresso ou desenvolvimento, elas passam a
retratar e reproduzir de forma paradigmática as injustiças e desigualdades da sociedade
(ROLNIK, 2001).
Diante dessa influência da urbanização sobre o meio ambiente natural, surge o
conceito de meio ambiente urbano, que segundo Rodrigues (1998 apud PEREIRA 2001, p.
34), pode ser definido como o “conjunto das edificações, com suas características
construtivas, sua história e memória, seus espaços segregados, a infra-estrutura e os
equipamentos de consumo coletivo”. Refere-se, pois, ao ambiente construído, ao conjunto de
atividades exercidas na cidade, já que o natural está desaparecendo das cidades.
Assim, a idéia de meio ambiente não se restringe apenas à natureza, como à
primeira vista poderia parecer. A natureza pode ser definida como meio ambiente natural ou
físico que engloba ar, água, solo, subsolo, flora e fauna. Mas também o meio ambiente
construído, artificial, aquele produzido pelo homem ao transformar a natureza, como as
cidades. Também o patrimônio cultural de um povo constitui meio ambiente. E podemos
acrescer também o meio ambiente do trabalho, o local onde as pessoas exercem suas
atividades laborais.
47
Sob a ótica moderna, no conceito de meio ambiente identificamos algo que vai
além da ecologia, “[...] eis que abrangido não apenas o ‘natural’, mas, igualmente, e com
grande ênfase, o ‘artificial’, decorrente do atuar humano” (MILARÉ, 1987, p. 32, apud
PINTO, 1998, p. 12).
Destarte, a questão ambiental não pode ficar restrita aos aspectos relativos ao
meio ambiente natural, pois como visto acima, a concepção de meio ambiente é ampla e
abriga o artificial e o cultural, este último entendido como as diversas formas de expressão de
um povo, elo formador e determinante dos sentimentos de nação e cidadania (PINTO, 1998).
E, ao considerarmos o meio ambiente urbano como o conjunto de atividades
exercidas na cidade, a produção do espaço pelo homem, que necessita deste para sua
sobrevivência, é preciso rever a compreensão da questão ambiental, que engloba não somente
a relação deste com a natureza, mas também as relações entre os homens.
Assim:
A compreensão da questão ambiental passa, portanto, pela compreensão da
complexidade do processo de apropriação, produção e consumo do espaço, que é um
processo “no qual se produzem e/ou reproduzem relações sócio-espaciais e se
reproduzem relações dominantes de produção e reprodução como parte integrante
das relações societária com a natureza” (PEREIRA, 2001, p. 35).
A lógica capitalista do desenvolvimento no Brasil também se aplicou no que diz
respeito à ocupação do espaço urbano, que passou a ser tratado como mercadoria e forma de
concentração de poder e de produção de desigualdades e, por conseqüência, de exclusão
territorial.
Os contrastes existentes nas cidades brasileiras não surgiram por acaso, mas em
razão dessa lógica capitalista que transformou o solo em valor de troca, e na busca do máximo
benefício e do lucro,
[...] pode-se concluir que a produção do espaço é, na verdade, a produção de
localizações. As diferentes localizações apresentam diferentes valores, associados
não somente ao valor dos elementos urbanos existentes, mas também a maior ou
menor acessibilidade aos bens e serviços existentes na cidade. Essa diferenciação
entre valores das localizações explica a diferença de valor das áreas urbanas.
(PEREIRA, 2001, p. 38).
Assim é que os diferentes valores assumidos pelas áreas urbanas são distribuídos
de acordo com a capacidade econômica da população. As áreas com maior valor são ocupadas
pela população de maior renda, restando àquelas de menor poder aquisitivo a ocupação das
48
áreas de menor valor, com restrita acessibilidade a bens e serviços urbanos, configurando-se
assim, a segregação social do espaço.
Além disso, o modelo de planejamento adotado até agora criou mecanismos
perversos para manter a pobreza longe das áreas mais bem urbanizadas, definindo padrões
urbanísticos impossíveis de serem adotados pela população de baixa renda, que acaba ficando
à margem das regiões mais bem qualificadas (com boa infra-estrutura de bens e serviços
privados e públicos) e obrigadas a ocupar locais de alto risco, ou mesmo ligados à
preservação ambiental.
A especulação urbana produz graves distorções, na medida em que o especulador
é beneficiado pelo elevado do preço dos seus imóveis, resultante do desenvolvimento da
região em que eles estão localizados graças aos investimentos públicos e da população que ali
reside, enquanto que as áreas ocupadas pelas populações de baixa renda são simplesmente
esquecidas pelo planejamento urbano. Dá-se, então, a exclusão territorial.
O conceito de exclusão territorial relaciona a acumulação de deficiências de várias
ordens à vulnerabilidade e pode ser entendido como a negação ou o desrespeito aos direitos
que garantem ao cidadão um padrão mínimo de vida, assim como a participação em redes de
instituições sociais e profissionais (ROLNIK, 1999).
O fato é que a tecnização do planejamento urbano é fruto de uma ideologia
capitalista que manteve e ainda mantém o modelo estrutural de mercantilização do espaço e
dos serviços urbanos, centrados na idéia da apropriação privada da cidade, que agora pode ter
novo rumo com a edição do Estatuto da Cidade.
Não se pode esquecer que a exclusão territorial esassociada à exclusão social e,
ambas produzem uma vida diária insegura e arriscada, bloqueando acesso a empregos, a
oportunidades educacionais e culturais, que estão concentradas em enclaves pequenos, e
protegidos dentro das cidades (ROLNIK, 1999). Tais fatos levam à violência e ao caos
urbano, daí a importância de reverter o dramático rumo que tomou o processo de urbanização
no Brasil.
Fruto de uma década de lutas pela reforma urbana no Brasil, o Estatuto da Cidade
é importante instrumento para a nova proposta de planejamento urbano que se pretende
construir, objetivando-se um desenvolvimento sustentável e a democratização da produção do
espaço em nosso país, fazendo valer na prática a função social da propriedade, prevista
constitucionalmente. O contexto deste cenário será aprofundado no próximo capítulo.
49
CAPÍTULO II
O ESTATUTO DA CIDADE E SEUS ASPECTOS CONTROVERSOS
Depois de destacarmos a relevância da revolução da ciência moderna no contexto
das revoluções científicas, apresentando principalmente a tese de Morin sobre a teoria da
complexidade, a proposta da terceira via de Giddens e o conceito de capital social, abordou-se
a problemática da urbanização no Brasil, necessária para compreender o contexto em que o
EC surgiu.
Neste capítulo, objetiva-se fazer uma breve retrospectiva histórica do Movimento
pela Reforma Urbana e da importância dele para a política urbana no Brasil, uma vez que a
inserção dos artigos 182 e 183 na CRFB de 1988 é fruto da luta desse movimento. No
decorrer do mesmo, faz-se um breve relato sobre o surgimento do EC, suas diretrizes gerais e
instrumentos, importância legislativa, histórica e sociopolítica.
Apresentam-se, também, algumas controvérsias acerca do EC, por meio de um
quadro comparativo entre Santos (2004), Mukai (2001) e Medauar; Almeida (2004), autores
especialistas no assunto, demonstrando que persistem divergências entre estes sobre diversos
dispositivos que compõem essa lei. Por último, destaca-se a importância da vigilância
constante por parte dos movimentos descendentes do MNRU para o cumprimento das
diretrizes fixadas pelo Estatuto e aplicação dos seus instrumentos, e como o EC pode ser um
fomentador de capital social.
2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO MOVIMENTO PELA REFORMA URBANA
As origens da idéia de reforma urbana no Brasil remontam à década de 1960, mas
as discussões que ocorriam no país não foram isoladas, pois outros países da América Latina
também travavam esse debate, embora no Brasil ele tenha adquirido maior visibilidade. No
governo do presidente João Goulart (1961-1964) foi elaborado um Projeto de Reforma
Urbana, considerado como um importante marco histórico a respeito do assunto. Em 1963,
um evento em Petrópolis-RJ, do qual participaram políticos, técnicos e intelectuais é outro
marco do movimento, mas, em que pese a temática da moradia ter sido enfatizada naquele
50
momento, ainda não tinha a repercussão que a reforma agrária comparativamente tomava nos
meios de comunicação.
Nessa época, entre os anos 50 e 60, o Brasil vivenciava uma rie de movimentos
sociais em favor das “reformas de base” (reforma sanitária, da educação, da assistência
social), mas os que mais tiveram visibilidade foram os que tratavam da reforma agrária e da
reforma urbana. Com a urbanização do Brasil e o crescimento dos problemas e conflitos
urbanos, o movimento da reforma urbana ganhou maior força, especialmente porque
naquela época as capitais davam mostras do que viria a ser o processo de urbanização no país,
caso não houvesse uma mudança na rota do crescimento com desigualdade.
No entanto, em decorrência do regime militar que se instaurou no país após o
golpe de 1964, esses movimentos de “reforma” perderam força, o que acabou por fazer com
que o de reforma urbana ficasse adormecido por cerca de duas cadas, contribuindo também
para aprofundar o fosso que separa o mercado imobiliário daqueles que não têm acesso a ele.
Em meados dos anos 70, as manifestações sociais voltaram a ter força,
especialmente os movimentos sociais urbanos, impulsionados por setores da Igreja católica,
que se inspiravam na “Teologia da Libertação”, reascendendo a questão urbana e
reivindicando a função social da propriedade. Na década de 80, a bandeira da reforma urbana
se diversifica e outras temáticas além da moradia passam a fazer parte desse movimento,
que o Brasil se apresentava muito mais urbanizado e complexo do que quando do início do
movimento. A mobilização pela reforma urbana acabou desembocando na constituição do
Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU), em 1987.
Assim, foi entre meados e o fim da década de 80 que o movimento pela reforma
urbana passou a ter uma concepção progressista. De acordo com o sociólogo e geógrafo
Marcelo Lopes de Souza, essa concepção pode ser caracterizada como um conjunto articulado
de políticas públicas, de caráter redistributivista e universalista voltado para o atendimento do
seguinte objetivo primário: reduzir os níveis de injustiça social no meio urbano e promover
uma maior democratização do planejamento e da gestão das cidades (SOUZA, 2002).
Segundo o autor, o MNRU diferencia suas propostas das que se limitam a simples
intervenções urbanísticas, mais preocupadas com a funcionalidade, estética e ordem do que
com a justiça social. Cabe observar, também, que este autor reconhece a necessidade de uma
abordagem interdisciplinar no que se refere ao planejamento urbano, um diálogo entre
múltiplos especialistas sob um enfoque crítico e democrático-participativo.
51
Para ele, o planejamento urbano, em seu sentido mais amplo, reúne profissionais
com formações diferentes: além de geógrafos e arquitetos, para os quais a preocupação com o
espaço é definidora de sua identidade profissional, também sociólogos, economistas e juristas,
especializados em direito urbano, são chamados a contribuir.
Os diversos movimentos sociais existentes no Brasil, e especialmente o MNRU,
ganharam nova visibilidade pública no período pré-constituinte e todos conseguiram, na
íntegra ou parcialmente, inserir suas propostas e reivindicações na CRFB de 1988. Uma das
maiores conquistas da mobilização social daquele período foi a inserção dos artigos 182 e
183, no capítulo II (Política Urbana), do título VII (Ordem Econômica e Financeira).
No entanto, como ressalta Souza (2002), o MNRU, apesar de conseguir elaborar
uma emenda popular subscrita por quase 130.000 eleitores, constatou que, ao longo dos
debates e votações no Congresso, a emenda teve supressões relevantes como, por exemplo, as
referentes aos transportes coletivos e serviços públicos, além da que se referia à aplicação do
instrumento “usucapião” em terrenos públicos.
Nelson Saule Junior, citado por Maricato (2001, p. 101), observa que:
A proposta vencedora do bloco conservador de parlamentares denominado
“Centrão”, na Assembléia Nacional Constituinte, de condicionar, nos termos do §
do artigo 182 da Constituição Brasileira, a aplicação dos instrumentos destinados a
conferir uma função social à propriedade urbana à existência de uma lei federal e do
plano diretor, continua produzindo efeitos favoráveis para os interesses dos agentes
responsáveis pela especulação imobiliária e efeitos negativos para a promoção de
uma reforma urbana nas cidades.
Para Grazia (2003), o papel do Estado é fundamental para a aplicação dos
princípios do Movimento pela Reforma Urbana. Segundo ela:
[...] os princípios elaborados pelo Movimento da Reforma Urbana, por demandarem
medidas que podem atingir lógicas estruturais como a da justiça social, exigem, por
coerência, que o Estado retome sua função social e assegure os direitos urbanos e o
acesso igualitário aos bens e serviços, isto é, que assegure o direito à cidade para
todos, através da elaboração e implantação de instrumentos e mecanismos
distributivos (GRAZIA, 2003, p. 55).
Mas, apesar da inserção destes dois artigos na CRFB de 1988, eles ainda careciam de
regulamentação. Foi somente em 2001, com a edição da Lei 10.257, auto-denominada
Estatuto da Cidade, que estes artigos constitucionais foram regulamentados. Essa lei, como
veremos no item seguinte, ao regulamentar os principais instrumentos jurídicos e políticos de
intervenção urbana, combinou uma nova forma de apropriação do espaço com uma
distribuição mais justa dos benefícios e vantagens do processo de urbanização.
52
2.2 SURGIMENTO DO ESTATUTO DA CIDADE
Todavia, em que pese a inserção dos artigos 182 e 183 na Constituição Federal, da
sua previsão constitucional até a edição da lei regulamentadora da “política urbana”
passaram-se treze anos. Somente em 2001 foi aprovado o Estatuto da Cidade – Lei 10.257, de
10 de julho –, que regulamentou os principais instrumentos jurídicos e políticos de
intervenção urbana (arts. 182 e 183 da CF), estabelecendo “normas de ordem pública e
interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da
segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental” (art. 1º). É um
instrumento legal que visa combinar a gestão participativa com as premissas da
sustentabilidade ecológica e econômica, além de introduzir um novo conceito de gestão
urbana.
O Estatuto da Cidade mantém os princípios básicos estabelecidos na Constituição
Federal, preservando o caráter municipalista, a centralidade do Plano Diretor e a ênfase na
gestão democrática, fortalecendo a necessidade de um planejamento sistemático e integrado,
construído a partir de um modelo participativo de gestão urbana em todas as decisões de
interesse público.
Além disso, o Estatuto da Cidade articula política urbana e ambiental, até então
tratadas de forma dissociada, tornando-se também um importante instrumento de gestão
ambiental, haja vista que a urbanização tem se configurado num dos processos mais
impactantes do meio ambiente.
Conforme esclarece Cavedon et al., (2003, p. 180), “[...] o Estatuto da Cidade
consubstancia-se em norma de grande atualidade, adequada à conflituosidade e problemática
das sociedades urbanas contemporâneas, e comprometida com os dilemas sociais e ambientais
típicos das sociedades de risco [...]”.
A relevância da temática socioambiental é destacada especialmente nos dois
primeiros anos da década de 1990, durante os preparativos para a Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, que incorporou a necessidade da
conciliação entre proteção ambiental com desenvolvimento econômico. Nesta conferência
foram celebradas importantes convenções internacionais (da Diversidade Biológica e a que
trata de Mudanças Climáticas, além de uma Declaração sobre Florestas). A Rio-92 aprovou,
igualmente, documentos de objetivos mais abrangentes e de natureza política, como a
Declaração do Rio e a Agenda 21 (que estabelece objetivos concretos de sustentabilidade em
53
diversas áreas). O capítulo 28 deste documento estratégico para o século XXI trata das
“Iniciativas das autoridades locais em apoio à Agenda 21”. As metas definidas, como da
realização de um processo de consultas às populações para alcançar um consenso sobre uma
Agenda 21 Local até 1996, não foram atingidas, a não ser tardiamente e em poucos
municípios. As causas estimáveis deste fato são múltiplas: a) desinformação da própria
imprensa sobre a Agenda 21, editada no Brasil somente em 1995 pela Câmara dos Deputados
(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1995); b) inércia dos poderes públicos municipais,
predominantemente conservadores e comprometidos com as forças predatórias em âmbito
local; c) insensibilidade socioambiental de grande parte do público politizado sob as vertentes
do liberalismo, do conservadorismo e mesmo da esquerda partidária. (SANTOS; BOEIRA,
2005).
Apesar destes fatores, as questões ambientais e sociais, debatidas em diferentes
espaços e por movimentos sociais inicialmente distantes, passaram a ter um foco de
convergência nas cidades, após a realização da Conferência da ONU. Os urbanistas e demais
ativistas do MNRU passaram a considerar a relevância e a complexidade do conceito de
desenvolvimento sustentável, apesar das inúmeras interpretações divergentes (SANTOS;
BOEIRA, 2005).
Segundo Bassul (2005),
No discurso mais estabelecido dos projetos urbanos a temática ambiental esteve
longe de ser o centro das preocupações. O EC, nesse sentido, ao articular a política
urbana e a política ambiental, aponta para uma mudança do paradigma do
planejamento urbano no Brasil, que durante muito tempo esteve subordinado às
exigências da racionalidade econômica (BASSUL, 2005, p. 37).
No dizer de Ribeiro (2003), o texto final do Estatuto incorpora as principais
propostas defendidas pelo movimento da reforma urbana. O mais importante, segundo ele, é
que esta nova lei, ao regulamentar o artigo 182 da Constituição Federal, legitima os princípios
e concepções que norteiam a plataforma de reforma urbana em gestação na sociedade
brasileira desde os anos 60, dentro do ideário das reformas de base. As Prefeituras passam a
ter, com a edição do Estatuto da Cidade, à sua disposição, um conjunto de instrumentos
legais, urbanísticos e fiscais-financeiros necessários à adoção de políticas regulatórias do uso
do solo urbano que, se aplicadas, permitirão que as nossas cidades deixem de ser, não apenas
a expressão das desigualdades de riqueza, renda e poder da sociedade brasileira, mas também
instrumentos de manutenção e aprofundamento destas desigualdades, como ocorria até então.
54
A presente pesquisa objetiva também evidenciar aspectos controversos do
Estatuto da Cidade, além de sugerir que a compreensão destes está vinculada, direta ou
indiretamente, às clivagens epistemológica e político-institucionais da modernidade,
sintetizadas no quadro 1. Com efeito, o Estatuto da Cidade é uma lei que está marcada por
uma história de mobilização social, simbolizada pelo MNRU e pelo movimento ambientalista,
pelos conceitos de sustentabilidade e de democracia participativa.
Parte-se da idéia de que os desafios enfrentados nas tentativas de implementação
do Estatuto da Cidade renovam os desafios relacionados à elaboração e implementação das
Agendas 21 Locais e que, subjacente a estas, estão as clivagens da modernidade, que
dificultam o diálogo e a mobilização social, por intermédio das forças dominantes, seja quanto
à concepção de ciência (ou saber confiável), seja quanto à concepção de cidade sustentável.
Para os que defendem o paradigma da complexidade, da terceira via e da geração de capital
social, o enfoque monodisciplinar, especializado, atomista e individualista constitui-se como
grande obstáculo, muitas vezes mal diagnosticado nas contribuições setorialistas, nas diversas
áreas segmentadas das políticas públicas.
O chamado direito a cidades sustentáveis, inscrito no Estatuto da Cidade, remete
para uma utopia na sociedade brasileira contemporânea, já que a sustentabilidade não pode ser
concebida de forma isolada em cada localidade. Os desafios intermunicipais não são passíveis
de compreensão sem uma abordagem da própria globalização. Entretanto, trata-se de recurso
indispensável à ação que visa uma resistência à insustentabilidade hegemônica, ou à conquista
gradual da sustentabilidade socioambiental.
A edição do Estatuto por si não acarreta automaticamente os resultados
pretendidos por ele. A possibilidade de sua real implementação depende totalmente da
continuidade dos processos que o desenharam e o conquistaram. Trata-se de um conjunto de
figuras jurídicas, de um instrumental a ser operacionalizado em nível municipal, adaptado à
realidade de cada cidade. Em todo município serão tomadas as decisões para efetivar as
diretrizes fixadas no Estatuto da Cidade, com a participação da coletividade, segundo a
própria lei prevê (MEDAUAR; ALMEIDA, 2004).
Mas, para que essa lei não permaneça apenas em nível normativo, como muitas
outras em nosso país, é imprescindível a disseminação de campanhas públicas, produção de
materiais de fácil entendimento, seminários e cursos para técnicos, professores e lideranças de
movimentos sociais, para que se possa implementar de fato o Estatuto. Caso contrário, o
55
conjunto de instrumentos postos à disposição pelo EC poderá ser usado para atender
interesses diversos dos que estão inseridos nas diretrizes e objetivos dessa lei.
Medauar e Almeida (2004) destacam que, de acordo com o art. do Estatuto, na
execução da política urbana, deverão ser aplicados os preceitos previstos nessa lei, dentre eles
o de que o uso da propriedade urbana não mais se direciona somente ao interesse do
proprietário, que agora deve conciliar-se com o interesse geral, ou seja, o direito individual de
propriedade não é mais absoluto, pois está permeado pela função social da propriedade
prevista no art. 5º, inciso XXIII da CF, o que implica em uma substancial mudança de
paradigma que deve orientar a execução das políticas previstas no EC.
Assim, pode-se afirmar que o EC, ao ser um instrumento legal que visa combinar
a gestão participativa com as premissas da sustentabilidade ecológica e econômica, sinaliza a
possibilidade de uma ruptura, com o surgimento de um novo paradigma no que diz respeito ao
tratamento dispensado ao direito de propriedade e à gestão das cidades.
O Estatuto da Cidade também inova ao conter um conjunto de instrumentos, os
quais servirão para dar efetividade às exigências do art. 182 da Constituição Federal,
propiciando aos municípios a intervenção em seus territórios e uma nova concepção de
planejamento e gestão urbanos. Estes instrumentos situam-se em três campos: a)
instrumentos voltados à indução do desenvolvimento urbano; b) instrumentos voltados à
ampliação das possibilidades de regularização fundiária e; c) instrumentos de democratização
da gestão urbana. No primeiro grupo temos os seguintes instrumentos: parcelamento,
edificação ou utilização compulsórios (arts. e do EC); IPTU progressivo no tempo (art.
7º); desapropriação com pagamento em tulos (art. 46); outorga onerosa do direito de
construir (arts. 28 a 31), direito de superfície (arts. 21 a 24), transferência do direito de
construir (art. 35), operações urbanas consorciadas (art. 32 a 34), direito de preempção (arts.
25 a 27). No segundo grupo temos: usucapião (arts. 9º ao 14º), concessão especial para fins de
moradia (Arts. 15 a 20). No último grupo, que busca incorporar a idéia de participação direta
do cidadão em processos decisórios sobre o destino da cidade, temos: órgãos colegiados de
política urbana; debates, audiências e consultas públicas; conferências sobre assuntos de
interesse urbano (arts. 43 a 45) e o estudo de impacto de vizinhança (arts. 36 a 38). Tais
instrumentos devem estar previstos no Plano Diretor de cada município e constituem
56
verdadeira inovação, sendo grande relevância para a construção de uma política nacional para
o desenvolvimento urbano no Brasil.
5
2.3 ASPECTOS CONTROVERSOS: CONFRONTO ENTRE ESPECIALISTAS
O Estatuto da Cidade, conforme visto anteriormente, pretende estabelecer as
diretrizes gerais da política urbana e normas de ordem pública e interesse social que regulam
o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos
cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
Como o objetivo de ampliar a compreensão do Estatuto da Cidade, buscou-se
comparar três enfoques de obras especializadas, selecionadas (semi-aleatoriamente) entre as
trinta e três disponíveis no mercado editorial, em levantamento realizado pela Internet em
diversos sites, em 11.04.2005 e 12.04.2005. Não foram determinados, a priori, critérios de
seleção entre todas as obras, o que por si só demandaria um longo trabalho de comparação.
Examinando-se as três obras selecionadas, constata-se que, ao contrário do que se
supõe à primeira vista, não existe consenso em torno do Estatuto depois de mais de uma
década de discussão no Congresso. Se é certo que sua edição veio preencher uma lacuna
existente desde a Constituição Federal de 88, diversos dispositivos que têm gerado
questionamentos quanto à sua constitucionalidade, fazendo emergir opiniões diversas entre os
especialistas, conforme se infere dos quadros 4, 5 e 6, comparados abaixo.
A seleção compreende as obras: Estatuto da Cidade: uma arma contra os inimigos,
de Santos (2004), O Estatuto da Cidade: anotações à Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, de
Mukai (2001), e Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001, comentários, de Medauar e
Almeida (2004).
5
O estudo individual de cada um destes instrumentos não foi objeto da presente pesquisa, mas será trabalhado
pela pesquisadora em outro trabalho ainda em fase de elaboração.
60
Podemos observar nos referidos quadros importantes divergências acerca de
alguns instrumentos previstos no Estatuto da Cidade. Primeiramente, destacamos os artigos
5º, 6º, 7º, que tratam, respectivamente, do parcelamento, edificação ou utilização
compulsórios, transferência de obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas
no art. 5º, em caso de transmissão do imóvel e IPTU progressivo no tempo. Santos (2004)
considera inconstitucionais tais dispositivos. Com relação ao artigo 5º, o autor ressalta que, ao
outorgar ao poder municipal o direito de impor obrigações sobre a propriedade de particular,
determinando parcelamento, edificação ou utilização compulsória, fere um direito
fundamental do indivíduo, qual seja, o direito de uso e gozo da propriedade, previsto no artigo
5º, inciso XXII da Constituição Federal. Por conseqüência, entende que o artigo reflete a
inconstitucionalidade do artigo 5º, pois ao prever que a transmissão do imóvel posterior à data
da notificação transfere também as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização
previstas no artigo 5º, sem qualquer prorrogação de prazo para que o novo proprietário utilize
seu imóvel, denota a vontade soberana do Estado, autoritária, e não o desenvolvimento
urbano, o que entende ser inconstitucional.
Com relação ao artigo 7º, que trata do IPTU progressivo no tempo, o mesmo autor
destaca também sua inconstitucionalidade, que a progressividade aludida possui, diz ele,
caráter de confisco, o que seria ilegal e inconstitucional. Destaca ainda que alguns municípios
que adotaram a progressividade do IPTU tiveram suas leis, na maioria, julgadas
inconstitucionais.
Por sua vez, Mukai (2001) entende que os artigos e concretizam a exigência
do § do artigo 182 da Constituição Federal, destacando que o artigo pode ser
solucionado, em caso de dificuldade do seu cumprimento por parte dos herdeiros, da
utilização do instituto jurídico da operação urbana consorciada, prevista nos artigos 32 a 34 da
lei. Já com relação ao artigo 7º, esse autor diverge de Maurício Santos, pois entende que se
trata de tributação extrafiscal de finalidade punitiva, com progressividade no tempo, para
assegurar o cumprimento da função social da propriedade, obedecidos os requisitos previstos
nos §§ e do artigo 182 da Constituição Federal. Acrescenta, ainda, que o IPTU
progressivo normal, para fins urbanísticos e sociais, está contemplado no § 1º do artigo 156 da
Constituição Federal e também no § 4º do artigo 182 da mesma Carta Magna.
Medauar e Almeida (2004), sobre os artigos 5º, 6º, e 8º, ressaltam que todos
guardam direta relação com a definição constitucional da função social da propriedade
urbana, por isso, plenamente constitucionais, que no direito positivo brasileiro a função
61
social da propriedade urbana é definida pela Constituição (art. 182, §2º). Mas salienta que é o
Plano Diretor municipal que irá fornecer em cada caso a definição material da função social
da propriedade, daí a necessidade de legislação específica.
Quanto ao artigo 7º, que muita polêmica têm causado, os autores do quadro 6
defendem sua constitucionalidade com fundamento no art. 182, § 4º, II, da Constituição
Federal, havendo, no entanto, a necessidade de ser regulamentado por lei municipal. O
impedimento que faltava para a cobrança do IPTU progressivo tornar-se aplicável era a edição
da lei federal, agora suprida pela edição do Estatuto da Cidade.
De outro lado, o artigo referente à desapropriação com pagamento em títulos,
para os autores dos quadros 4 e 5, têm natureza inconstitucional; para Santos (2004) tal
dispositivo conflita com a norma constitucional do artigo 5º, inciso XXIV, que determina os
pressupostos da desapropriação e a forma de pagamento, a qual deverá ser em dinheiro e não
em título público. Da mesma forma pensa Mukai (2001), pois tal dispositivo não leva em
conta a justa indenização prevista no artigo 5º, inciso XXIV da Constituição Federal.
O artigo 10 é outro ponto que merece destaque. Trata-se do instrumento da
usucapião, já previsto na lei civil, mas que foi ampliado com o Estatuto da Cidade, que previu
também a usucapião coletiva. Santos nada questiona acerca da sua constitucionalidade,
enquanto que Mukai (2001) argumenta que a nova figura, com requisitos próprios, é de
duvidosa constitucionalidade, pois pode ofender o direito de propriedade de alguém.
Uma outra controvérsia pode ser verificada com relação ao artigo 25, que diz
respeito ao direito de preempção, o qual confere ao Poder Público municipal preferência na
aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares. Para Santos (2004)
tal dispositivo esbarra mais uma vez no direito de propriedade, e também no fato de que,
havendo interesse do poder público na aquisição de imóvel, este interesse deve basear-se em
necessidade, utilidade pública ou interesse social, e para tanto haverá a desapropriação.
Portanto, entende ser inconstitucional tal dispositivo. Mukai (2001), por sua vez, não se
manifesta contrário a tal instrumento.
Outra divergência diz respeito ao chamado Estudo de Impacto de Vizinhança
(EIV), previsto no artigo 36. Para Santos (2004), novamente o dispositivo fere o direito de
propriedade, bem como sua utilidade, pois restringe o direito à construção frente aos
interesses do vizinho. Todavia, acrescenta que pode ser um instrumento de grande valia nas
cidades em rápido crescimento.
62
Mukai (2001), no entanto, ressalta que a matéria do EIV seria administrativa,
sendo inclusive desnecessária sua regulação em lei federal, mas nada questiona acerca da sua
constitucionalidade.
De forma geral, percebe-se que os questionamentos quanto à constitucionalidade
de muitos dos dispositivos ainda se prende ao fato de que ditos instrumentos violam o direito
de propriedade do indivíduo, até então considerado como um direito intocável, mas que, com
o advento da Constituição Federal de 1988 e com o Novo Código Civil, passou a ser
relativizado. A propriedade, vista como absoluta e ilimitada, deve estar agora vinculada à sua
função social prevista na Constituição, que remete ao plano diretor a fixação de parâmetros
para o atendimento dessa condição. A função social da propriedade e a proteção ao meio
ambiente, fazem parte, dentre outros, da nova geração de direitos difusos e coletivos, que
vieram incorporados no novo texto constitucional e também no Estatuto da Cidade.
Séguin destaca que com o advento do EC, a função social ganha nova roupagem e
passa a estar atrelada ao aproveitamento e à destinação que o Plano Diretor lhe atribuir.
Novamente o direito do proprietário receberá novo contorno no plano municipal (SÉGUIN,
2002).
Sobre a necessidade de um novo olhar sobre direito de propriedade Fernandes
destaca que
Culminando um processo de reforma jurídica que começou na década de 1930, o
que a Constituição de 1988 e o Estatuto da Cidade propõem é exatamente essa
mudança de “olhar”, isto é, de paradigma conceitual de compreensão e
interpretação, substituindo o princípio individualista do digo Civil pelo princípio
da função social da propriedade que, diga-se de passagem, se encontra presente de
maneira central nas ordens jurídicas de muitos dos países capitalistas mais
avançados (FERNANDES, 2002, p. 365).
Com a comparação dos enfoques destes especialistas, procura-se demonstrar que
uma compreensão consistente do EC requer a consideração de diversos aspectos que
contribuíram para a sua edição e que apontam para uma gestão urbana democrático-
participativa.
2.3.1 Abordagem Sociopolítica do Estatuto da Cidade
Em que pese as divergências acima apontadas, parece haver consenso entre os
especialistas que escrevem sobre o Estatuto da Cidade sobre o fato de que a edição desta lei
63
representa um importante avanço em matéria urbanística no Brasil, que durante muito tempo
foi relegada ao segundo plano, o que acabou por gerar conseqüências desastrosas para as
cidades brasileiras, hoje marcadas pela fragmentação, segregação, ineficiência, poluição e
violência. O modelo de urbanização no Brasil marcadamente desigual, fruto de um
planejamento urbano tecnocrático, acabou por produzir cidades caracterizadas pela
fragmentação do espaço e pela exclusão social e territorial.
Esta situação é retratada por Fernandes
Conduzido principalmente por forças de mercado e por uma ação elitista e
excludente do Estado, particularmente no que concerne às condições de acesso à
terra urbana e de produção da moradia, a urbanização no Brasil resultou em cidades
fragmentadas, onde, por razões de especulação, a vasta maioria dos grupos pobres
têm sido segregada para viver em favelas, cortiços, loteamentos irregulares e
loteamentos clandestinos, em condições habitacionais precárias, em assentamentos
informais inadequados do ponto de vista das condições ambientais. A combinação
desse processo de segregação territorial com o processo de exclusão socioeconômica
provocado pelas desigualdades extremas na distribuição da riqueza e da renda
tanto existentes no país resultou em um ciclo explosivo, e crescente, de pobreza e
violência (FERNANDES, 2002, p. 353).
Mas, embora haja consenso de que o EC passou a ser o novo marco institucional
da tão apregoada reforma urbana, a sua edição, por si não trará os resultados desejados.
Fernandes destaca que é importante questionar o mito de que os problemas ambientais
brasileiros se devem à falta de legislações adequadas. Isto porque, embora existam muitas
imperfeições e lacunas, o país tem uma boa ordem jurídica para dar suporte à ação e
proteção ambientais (FERNANDES, 2002).
Nesse sentido, o EC é “[...] um conjunto de figuras jurídicas, de um instrumental a
ser operacionalizado em nível municipal, adaptado à realidade de cada cidade. [...]”
(MEDAUAR; ALMEIDA, 2004, p. 17). O EC fornece os parâmetros aos executivos e
legislativos municipais para a elaboração de suas leis e planos urbanísticos, que devem seguir
as diretrizes fixadas na lei, com a participação da coletividade.
Se a mera edição de lei não acarreta necessariamente na sua aplicação, como
ocorre com freqüência no Brasil, como o movimento sociopolítico da reforma urbana que deu
origem a edição do EC vê a questão da sua efetiva implementação pelos municípios?
A questão não é enfrentada nas obras comparadas no item anterior e que serviram
de referência para a indicação das controvérsias verificadas acerca do debate sobre o Estatuto
da Cidade. Para a resposta da questão acima, diversos sites foram utilizados como fonte de
64
pesquisa, especialmente o do Fórum Nacional da Reforma Urbana e o do Instituto Pólis
(Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais).
Como mencionado, as organizações populares deram origem ao Movimento
Nacional pela Reforma Urbana. O MNRU constituiu-se de uma série de movimentos sociais
urbanos, como entidades representativas de certas categorias profissionais, como arquitetos,
engenheiros, geógrafos, assistentes sociais e até de certos setores da igreja.
Atualmente, esse movimento é representado pelo Fórum Nacional da Reforma
Urbana, nascido em 1987, sendo resultado da articulação de entidades dos movimentos
populares, associações de classe, ONGs e instituições de pesquisa sobre questões urbanas,
acadêmicos e técnicos do poder público que têm o objetivo de desenvolver políticas públicas
voltadas a promover a reforma urbana nas cidades brasileiras.
O Fórum tem participação ativa no âmbito do Ministério das Cidades através do
Conselho Nacional das Cidades, no qual possui cadeira no ComiTécnico da Habitação,
além de abranger outros comitês representados por coordenadores do Fórum. Nesse ponto,
vale ressaltar também o ressurgimento do interesse por parte do poder público na questão
urbana, impulsionado pela pressão do MNRU, que se traduziu na criação do Ministério das
Cidades em 2003, até então inexistente.
O papel desempenhado pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana foi decisivo nas
várias negociações que se travaram no Congresso Nacional nos projetos de lei que tratavam
de temas do seu interesse, como a reforma urbana, especialmente na aprovação do Estatuto da
Cidade.
Pelo que se verificou em diversos textos e artigos encontrados no site, constata-se,
ainda que implicitamente, que esse Fórum parece avaliar de forma positiva a atuação do
Ministério das Cidades na condução do projeto de desenvolvimento urbano proposto,
denominado de Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), e também na condução
e implementação do Estatuto da Cidade pelos municípios, através das Conferências das
Cidades.
No entanto, ficou claro, em alguns documentos, como na Síntese do Encontro
Nacional do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), realizado nos dias 15 e 16 de julho
de 2005, que a atuação do Ministério das Cidades, ainda que positiva na questão urbana, não
pode deixar de ser constantemente acompanhada pelo Movimento, de sorte que somente com
uma contínua pressão, divulgação e acompanhamento, além de suporte técnico e científico, é
que o processo de democratização do espaço urbano poderá se tornar realidade.
65
No referido documento, disponível no site do Fórum, encontramos várias
propostas do FNRU para sua atuação nesse processo. Dentre elas, podemos destacar: conduzir
os processos de elaboração dos Planos Diretores de forma articulada; discutir os instrumentos
prioritários para a Política do FNRU; montar um banco de experiências independente do
Ministério das Cidades; produzir materiais didáticos e pedagógicos; conduzir um processo de
monitoramento após a elaboração dos Planos Diretores; sistematização e divulgação do
impedimento de Planos Diretores que foram elaborados sem participação popular;
mobilização dos movimentos populares para participar do processo de elaboração dos Planos
Diretores.
Na mudança ocorrida no comando do Ministério das Cidades, o FNRU (do qual o
Instituto Pólis também faz parte, integrando sua coordenação), emitiu carta ao presidente da
república, manifestando repúdio à troca do Ministro Olívio Dutra, ressaltando que a troca de
comando sobre o Ministério das Cidades seria um retrocesso no pacto com avanço das
políticas setoriais de habitação, saneamento, regularização fundiária e mobilidade e
transporte.
A Marcha Nacional da Reforma Urbana e pelo Direito à Cidade, realizada nos
dias 15 e 16 de agosto de 2005, integrada por uma série de movimentos sociais, pode se
constituir numa forma de vigilância por parte desses movimentos quanto ao papel
desempenhado pelo governo. A cobrança para que as diretrizes fixadas no EC sejam
compromissos assumidos pelo governo, partindo desses Movimentos, como o FNRU, é
fundamental para rever o processo de urbanização desigual, injusto e insustentável ainda
existente no País.
Bassul (2005, p. 163), sobre a importância do MNRU conclui: “Pode-se afirmar
que o MNRU foi notoriamente vitorioso numa das vertentes da luta pela reforma urbana: a da
constituição de um marco legislativo que incorporasse seus preceitos ao ordenamento legal
brasileiro”. Mas, adverte ele que a efetividade desse novo instrumental jurídico dependerá de
muitos fatores, como a capacidade do poder público e do movimento popular em obter
acordos que resultem em eqüidade, a superação da representação ideológica da cidade
6
(MARICATO, 2000), a disseminação dos novos conceitos nos cursos de formação de
6
Para Ermínia Maricato (2000, p. 165), “a representação da ‘cidade’ é uma ardilosa construção ideológica que
torna a condição da cidadania um privilégio e não um direito universal”. A parcela da cidade ocupada pela elite
passa a representar a própria idéia de cidade, encobrindo grandes extensões territoriais e, sobretudo sociais da
cidade real. Numa espécie de metonímia da gramática urbana, parte da cidade toma o lugar do todo.
66
planejadores e operadores do direito, a assimilação pela opinião pública do novo modelo de
gestão urbana.
Maricato (2001, p. 92) reconhece a importância do FNRU para aprovação do EC.
Mas enfatiza que
É evidente a importância da luta do Fórum de Reforma Urbana e dos parlamentares
que se dedicaram com persistência à aprovação do Estatuto da Cidade. É evidente
ainda a importância do aperfeiçoamento de toda a legislação urbanística. A
experiência brasileira mostra, no entanto, que conquistas formais legais nunca serão
suficientes.
Para que o Estatuto da Cidade não seja apenas mais uma lei avançada, com uma
aplicação retardada, é preciso mais que sua simples edição. Fernandes enfatiza que em termos
jurídicos, a aplicação das leis vai depender da criação de melhores mecanismos de
administração pública e de um sistema judicial mais eficiente, o que exige uma ampla reforma
do poder judiciário (FERNANDES, 2002).
Segundo Maricato (2001), não interessa um plano normativo apenas, que se
esgota na aprovação de uma lei, mas sim que ele seja comprometido com um processo, uma
esfera de gestão democrática para corrigir seus rumos, uma esfera operativa, com
investimentos definidos, com ações definidas e com fiscalização. Ela defende um
planejamento includente, no qual a política de inclusão urbanística tem em seu eixo a defesa
do direito à moradia e à cidade, sendo que o direito à moradia deve estar vinculado ao direito
à cidade. A produção de moradia exige um “pedaço de cidade” e “não um pedaço de terra
nua”, o que significa que por terra urbana entende-se aquela servida por infra-estrutura e
serviços (rede de água, rede de esgoto, rede de drenagem, transporte, coleta de lixo,
iluminação pública, além dos equipamentos de educação, saúde e outros).
A Autora ressalta ainda que entre a lei e sua aplicação há um abismo que é
mediado pelas relações de poder na sociedade. É por demais conhecido, inclusive
popularmente, no Brasil, o fato de que a aplicação da lei depende de a quem ela (a aplicação)
se refere. Essa “flexibilidade” que inspirou também o “jeitinho brasileiro” ajuda a adaptar
uma legislação positivista, moldada sempre a partir de modelos estrangeiros, a uma sociedade
onde o exercício do poder se adapta às circunstâncias. O que antes justificava um Estado
forte, pode, em seguida, justificar seu contrário. È profundo o distanciamento entre a retórica
e o real (MARICATO, 2001, p. 42).
67
O FNRU é, portanto, importante instrumento para a sociedade civil acompanhar a
implementação do EC. No entanto, as propostas disponibilizadas pelo FNRU em seu site para
que os Planos Diretores sejam realmente participativos e também um meio de avanço na
reforma urbana, apesar de serem importantes subsídios para a sociedade civil, têm limitações,
que os conflitos apontados por esse Fórum, como por exemplo, entre os Planos
tecnocráticos e aqueles que se deseja, não são objeto de uma análise mais profunda por parte
desse movimento.
No entanto, o FNRU e o EC podem se configurar num grande fomentador de
capital social, com o intuito de melhorar a iniciativa comunitária, agora indispensável para a
concretização da gestão democrática na cidade, conforme preconizado pelo EC.
68
CAPÍTULO III
MUNICÍPIOS QUE COMPÕEM A AMFRI - PERFIL HISTÓRICO E
SOCIOECONÔMICO
O objetivo deste capítulo é traçar um breve histórico sobre a Associação dos
Municípios da Foz do Rio Itajaí (AMFRI) e apresentar o perfil histórico e socioeconômico de
cada município que a compõe, pois para introduzir a análise da pesquisa é importante
iniciarmos os relatos históricos. Objetiva-se, ainda, apontar os indicadores quantitativos
oficiais destes municípios, identificando seus limites e contradições para compreender e
conceber o potencial de implementação do Estatuto da Cidade por parte dos mesmos, visto
que tais indicadores não incluem a dimensão ambiental, relevante para a efetividade dessa lei.
3.1 ASPECTOS HISTÓRICOS E TERRITORIAIS DA AMFRI
A AMFRI conta hoje com onze municípios do Estado de Santa Catarina, a saber:
Balneário Camboriú, Bombinhas, Camboriú, Itajaí, Itapema, Ilhota, Luís Alves, Navegantes,
Penha, Balneário Piçarras e Porto Belo. Foi criada em 28 de setembro de 1971, através do
Decreto Estadual nº 844/71, que criou as Regiões Polarizadas do Estado.
Institucionalmente, todos os assuntos que dizem respeito e são de interesse do
conjunto dos municípios que compõem a AMFRI são por ela discutidos, por meio de suas
assembléias gerais, que acontecem mensalmente, com os prefeitos dos onze municípios. Cada
prefeito ou representante debate os assuntos colocados em pauta e as decisões aprovadas são
levadas às Prefeituras para serem colocadas em prática. A AMFRI também oferece suporte
técnico aos municípios em várias áreas, através de suas assessorias.
Inicialmente a Associação era composta pelos municípios de Balneário Camboriú,
Camboriú, Itajaí, Itapema, Ilhota, Navegantes e Porto Belo, mas veio a sofrer alterações
através do Decreto 1.190/73, o qual incorporou os municípios de Penha, Balneário Piçarras
e Luís Alves e, em 1992, a AMFRI passou a contar também com o município de Bombinhas,
emancipado naquele ano (até então era distrito de Porto Belo).
Os onze municípios da Região da AMFRI originaram-se basicamente de
desmembramentos dos municípios de Porto Belo e São Francisco do Sul. Porto Belo
69
emancipou-se de São Francisco em 1832, quando passou a denominar-se Vila de Porto Belo,
no lugar de Enseada das Garoupas. Por sua vez, Porto Belo deu origem aos municípios de
Camboriú, que em 1849 foi elevado à categoria de freguesia, de Itajaí em 1859, de Itapema
em 1962, e ao município de Bombinhas em 1992. De Itajaí emanciparam-se em 1958 os
municípios de Penha, Luís Alves e Ilhota, e o município de Navegantes em 1962. De Penha
emancipou-se o município de Piçarras, hoje Balneário Piçarras, em 1963.
A Associação é caracteristicamente litorânea, tendo como seu principal acesso a
BR-101, que se estende no sentido norte/sul, além de outras como BR-470 no sentido
leste/oeste e por outras rodovias, como a BR-466 e SC-470. A região que compõe a AMFRI
possui uma área total de 1.531 Km², o que corresponde a 1,6% da área do estado.
A região da AMFRI conta com um dos maiores aeródromos do estado, localizado
no município de Navegantes. O município de Itajaí/SC destaca-se como centro regional,
principalmente pela função específica de mais importante centro portuário do Estado.
Balneário Camboriú, Itapema, Balneário Piçarras, Penha, Porto Belo e Bombinhas,
importantes balneários, foram instituídos como locais de interesse turístico nacional na orla
marítima pela Lei 6.513/77 (PLANO..., 1999).
A distribuição populacional da região da AMFRI apresentava, em 2004, uma
amostragem total estimada de 457.722 mil habitantes, cerca de 7,36% da população estadual.
No ano de 2000 o quadro populacional era de 394.137 mil habitantes, sendo que 368.129
habitantes encontravam-se na área urbana e 26.008 habitantes na área rural (PLANO...,2005).
De acordo com o Censo de 2000, temos a seguinte distribuição da população na
região estudada:
TABELA 2 – DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO NA REGIÃO DA AMFRI
MUNICÍPIOS
POPULAÇÃO
TOTAL
URBANA RURAL
Balneário Camboriú
73.455
73.455
Balneário Piçarras 10.911
8.615
2.296
Bombinhas 8.716
8.716
0
Camboriú 41.455
39.427
2.018
Ilhota 10.574
6.445
4.129
Itajaí 147.494
141.950
5.544
Itapema 25.869
Não informado
Não informado
Luís Alves 7.974
2.124
5.850
Navegantes 39.317
36.650
2.667
70
MUNICÍPIOS
POPULAÇÃO
TOTAL
URBANA RURAL
Penha 17678
15.993
1.685
Porto Belo 10.704
9.973
731
FONTE: IBGE. Censo Demográfico 2000
.
GRÁFICO 1 - POPULAÇÃO - NÚMERO TOTAL DE HABITANTES
FONTE: PLANO..., 2005
De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Regional de Itajaí (SDR-
ITAJAÍ, 2006), da população total da região, 93% vivem na área urbana e 7% na área rural,
conforme se infere pela tabela abaixo:
TABELA 3 – DADOS GERAIS DA POPULAÇÃO
ESPECIFICAÇÃO UNIDADE ANO QUANTIDADE
Municípios 2004 11
Superfície Km² 2004 1.520,0
População Total* Hab. 2003 457.722
População Urbana Hab. 2000 368.129
População Rural Hab. 2000 26.008
Renda urbana média**
R$/mês 2000 409.71
Renda rural média** R$/mês 2000 280.85
FONTE: SDR-ITAJAÍ, 2006.
*Estimativa.
**Renda per capita.
71
A população total da área da Gerência Regional de Itajaí cresceu, nos últimos
anos, a taxas anuais superiores às do Estado como um todo. A análise da evolução da
população nos municípios de abrangência da região mostra uma tendência de decréscimo
acentuado da população rural, tendência esta aparentemente freada, na última década, em
decorrência da recuperação ocorrida no meio rural pelo enriquecimento das comunidades,
decorrente da exploração da bananicultura, como no caso do município de Luís Alves, da
olericultura, da reorganização da cultura do arroz irrigado e também pela ocupação do espaço
rural como moradia ou local de outros empreendimentos não agrícolas (PLANO..., 1999).
Conforme Censos Demográficos de 1991 e 2000 IBGE, a população urbana se
manteve crescente em todos os municípios da região, havendo um decréscimo da população
rural. Somente os municípios de Balneário Piçarras, Ilhota e Luís Alves ainda mantêm parte
de sua população na área rural.
Relativamente à densidade demográfica na região da 17ª Secretaria de
Desenvolvimento Regional, localizada em Itajaí, da qual a região estudada faz parte,
Balneário Camboriú é o município mais denso, com 1.596,8 hab/Km², segundo o censo de
2000. O segundo município em densidade é Itajaí, que é o primeiro da região em população.
Luís Alves e Ilhota são os menos densos, como se vê:
TABELA 4 – DENSIDADE DEMOGRÁFICA DA REGIÃO DA 17ª
SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL
Município Hab/Km² Área Total Km²
Balneário Camboriú 1.596,80 46
Balneário Piçarras 126,90 86
Bombinhas 235,60 37
Camboriú 195,50 212
Ilhota 43,20 245
Itajaí 485,10 304
Itapema 438,40 59
Luís Alves 30,70 260
Navegantes 333,70 119
Penha 294,60 60
Porto Belo 115,10 93
FONTE: IBGE. Censo Demográfico 2000.
72
Itajaí é a cidade pólo da região, sendo o município que abriga a maior parte da
população da AMFRI, com população estimada em 2005, segundo o IBGE, de 164.950
habitantes, seguida de Balneário Camboriú com 94.222, Camboriú com 51.243 e Navegantes
com 49.125, que juntos e próximos concentram 76,45% do total de habitantes da região,
conforme dados do Censo de 2000.
Observa-se que os municípios que compõem a AMFRI, por estarem localizados
nas proximidades do forte eixo indutor de desenvolvimento que á e BR-101, no litoral,
confirmam uma tendência verificada nacionalmente - a de que os municípios ao longo da
costa apresentam maior concentração populacional.
Pereira (2003, p. 110) enfatiza que o litoral de Santa Catarina, em razão da
diversidade do ambiente natural e do mosaico sociocultural representado pelos diferentes
fluxos colonizadores, e por suas praias arenosas, baías, enseadas e lagunas costeiras, é dotado
de amplas opções turísticas, com acentuado turismo de massa voltado a sua orla marítima.
Mas adverte:
Atualmente é visível a desigualdade territorial na orla catarinense, provocada não
apenas pelo volume da movimentação turística, mas também pela diversidade dos
estágios alcançados pelas várias localidades em razão das diferentes temporalidades
em que se intensifica a demanda turística e, até mesmo, pela origem dos fluxos. O
adensamento dos fluxos turísticos promoveu o surgimento e a consolidação de um
aparato receptivo e deu a Santa Catarina uma posição de destaque no âmbito do
turismo brasileiro. Os locais mais procurados tendem a repetir o mesmo “modelo”
turístico caracterizado por um intenso processo de urbanização e por grandes
impactos ambientais (PEREIRA, 2003, p. 118).
Feitas estas considerações iniciais, apresenta-se a seguir o mapa 1, referente à
regionalização de Santa Catarina, com as regiões político-administrativas do governo do
Estado, onde apontamos a 17ª Secretaria de Desenvolvimento Regional (SDR) que representa
a Regional de Itajaí, e o mapa 2 com a localização dos municípios integrantes da AMFRI.
73
MAPA 1 - REGIONALIZAÇÃO DE SANTA CATARINA
FONTE: Borchardt, 2003
MAPA 2 - MUNICÍPIOS DA AMFRI
FONTE: Borchardt, 2003
74
Passamos agora ao perfil histórico e socioeconômico de cada um dos municípios
integrantes da região objeto da pesquisa.
3.2 MUNICÍPIOS QUE COMPÕEM A REGIÃO ESTUDADA
3.2.1 Município de Itajaí
A cidade de Itajaí está localizada à margem direita do Rio Itajaí-Açu, junto à sua
foz. O distrito de Itajaí foi criado em 1833, e no ano anterior passara da jurisdição de São
Francisco para a de Porto Belo. O município de Itajaí foi criado pela lei 164, de 04 de abril
de 1859, mas sua instalação somente aconteceu em 15 de junho de 1860. Em de maio de
1876, a Vila do Santíssimo Sacramento de Itajaí foi transformada em cidade. Para o
historiador Oswaldo Cabral (1968), Itajaí é situada magnificamente à entrada do vale do Itajaí
e possui um porto “praticável”
7
, o que fez nascer um núcleo urbano.
Com três acessos a partir da BR-101, Itajaí apresenta casas antigas no estilo
açoriano pertencentes às famílias mais tradicionais. Foi a partir de 1777 que a região começou
a ser ocupada por agricultores que fugiam de Florianópolis. Em seguida chegaram colonos da
região de São Francisco do Sul.
As bases econômicas, desde muito cedo, apoiaram-se na pesca, através da captura
de espécies oriundas das regiões tropical e subtropical, como tainhas, sardinhas, anchovas,
camarões, lulas, corvinas, entre outras. Por outro lado, sua localização junto à foz do rio
permitiu a instalação de trapiches, propiciados pelo bom calado de suas margens, ao longo do
rio Itajaí-Açu, onde os meandros favoreciam a navegação de diferentes embarcações,
tornando-se abrigo seguro, além de sua navegabilidade em grande extensão.
Segundo Cruz (2002), a cidade tendeu a se desenvolver, desde o seu início, ao
longo da margem do rio Itajaí-Açu e da Praia da Fazenda. Apenas a partir de 1850 é que o
norte do município foi sendo ocupado. Um dos motivos se deve à construção, por Hermann
Blumenau, do galpão que recebia os imigrantes recém chegados da Europa. O local passou a
ser denominado de Barra do Rio, o que deu à cidade, precocemente, um importante destaque
7
Praticável é aquele onde se podem conduzir embarcações através de áreas restritas, com base no conhecimento
minucioso dos acidentes hidrográficos de tais áreas (AURÉLIO, 1988).
75
no cenário estadual, como principal porta de entrada para os imigrantes europeus,
principalmente alemães e italianos. Somente mais tarde destacou-se como porto exportador.
Itajaí é uma das cidades portuárias mais importantes do país, e foi em torno do
porto que ela cresceu e desenvolveu seu parque industrial, junto com o comércio; o setor
secundário é a fonte de renda de 95% da população, que se concentra na zona urbana. A
atividade pesqueira, destaque na economia, emprega mão-de-obra não na pesca como
também na construção naval e indústria alimentícia, a partir do processamento do pescado.
Além da indústria do pescado, que representa 30% do total do parque industrial,
destacam-se o setor de beneficiamento de madeiras e mobiliário, transformação de materiais
não metálicos (areia, tijolo, pedras ornamentais e cimento), metalúrgico, têxtil (malharias),
além da construção naval. A agricultura emprega apenas 5% da população, e os principais
produtos são cana-de-açúcar, arroz irrigado, abacaxi, feijão e milho. Desenvolvem-se também
atividades como criações de gado leiteiro e aves.
A praia mais movimentada da região durante o verão é a de Cabeçudas, entre
outras que se avizinham ao longo do litoral da cidade, inclusive a Praia Brava, hoje alvo de
proteção por parte de várias ONG´s locais, que buscam impedir a depredação desse
patrimônio ecológico.
O porto de Itajaí é o maior de Santa Catarina e um dos maiores do país atualmente
em movimentação de cargas e mercadorias. Ao longo das décadas, o município foi cada vez
mais se interligando ao porto, o que, aliado a sua localização litorânea, seu potencial turístico
e sua intensa atividade econômica baseada na pesca e atividade portuária, têm atraído um
grande número de migrantes, especialmente nas últimas décadas.
Um aumento populacional expressivo no município de Itajaí registra-se na década
de 1970. Conforme se infere pelo quadro abaixo, da década de 1970 para a década seguinte, a
de 1980, a população urbana cresceu 45,70% e, de 1980 para 1991, mais 45,46%. A década
de 1980 foi a de maior crescimento populacional. O censo do IBGE realizado em 1991 aponta
um crescimento de 38,37%, o que em números absolutos significa um aumento de 33.175
habitantes. A tabela abaixo demonstra o crescimento populacional de Itajaí, onde se percebe
também a diminuição da população rural nos últimos trinta anos.
76
TABELA 5 – POPULACÃO DE ITAJAÍ PERÍODO DE 1970 A 2000
Ano Pop.
Rural
Pop.
Urbana
Pop.
Total
%
Rural
%
Urbana
1970 9.085 54.054 63.139 14,39 85,61
1980 7.703 78.753 86.456 8,91 91,09
1991 5.076 114.555 119.631 4,24 95,76
2000 5.544 141.950 147.494 3,76 96,24
FONTE: IBGE. Censos Demográficos 1970, 1980, 1991 e 2000.
3.2.2 Município de Balneário Camboriú
O município de Balneário Camboriú localiza-se na região litoral do Estado de
Santa Catarina, assim como os demais municípios da região objeto da pesquisa. Como
ocorreu em todo o litoral brasileiro, o povoamento da região deu-se por índios que, neste caso,
encontraram na praia de Laranjeiras um lugar ideal, já que a pesca era farta, clima agradável e
no rio a água doce. A colonização teve início em 1758 com algumas famílias que já moravam
na margem esquerda do rio, mas somente em 1826 o colono Baltazar Pinto Corrêa recebeu do
Governo da Província de Santa Catarina uma área de terra para cultivo e moradia. Por volta de
1840 foi autorizada pela Arquidiocese de Florianópolis a construção de uma Igreja, e assim
criou-se o Arraial do Bom Sucesso. Paralelamente o Governo elevou o local a Distrito de
Arraial do Bom Sucesso na localidade da Barra do Rio Camboriú, e em 1884 criou-se o
município de Camboriú (HISTÓRICO..., 2006).
A forte economia cafeeira encontrou no então chamado Camboriú o lugar ideal,
que por muito tempo foi o principal produtor de café do estado. A exploração de jazidas de
mármore, granito e calcário também se destacaram na atividade econômica. Foi assim que a
sede do município transferiu-se para o Arraial dos Garcias e a antiga sede na Barra como
Distrito de Paz. Nessa época, a agricultura era valorizada e a faixa litorânea desprezada.
No final da década de 1920 tem início o processo de desenvolvimento. Em 1926
começam a surgir as primeiras casas de veraneio, no centro da praia, pertencentes a
moradores de Blumenau. Em 1928 foi construído o primeiro hotel e seis anos após o segundo
empreendimento hoteleiro, e a partir daí desenvolveu-se uma excelente infra-estrutura
turística e comercial na cidade e na região. Mas foi na década de 60 que a atividade turística
77
do município tomou impulso, colocando a cidade como grande centro turístico brasileiro. Em
1959 foi elevada a Distrito e, em 20 de julho de 1964, o então Distrito de Arraial do Bom
Sucesso, pertencente a Camboriú, emancipou-se e adotou o nome atual.
Segundo fontes populares, o nome Camboriú surgiu porque sobre a acentuada
curva do rio, próximo à foz, os pescadores davam informações aos que passavam por ali,
dizendo: “camba o rio”, ou seja, “faça a curva”. As duas palavras através da lei do menor
esforço se aglutinaram formando Camboriú. Mas a palavra também pode ter origem na língua
tupi-guarani, onde cambori é o nome do peixe robalo, e o sufixo “U” significa criadouro desta
espécie.
Com área de aproximadamente 50 Km², em que predominam a Mata Atlântica e a
vegetação rasteira, Balneário Camboriú está dividido politicamente em 14 áreas, sendo o
centro da cidade, 12 bairros e a região das praias agrestes, quais sejam: Laranjeiras,
Taquarinhas, Taquaras, Pinho, Estaleiro e Estaleirinho e Mato Camboriú.
Atualmente, o município é considerado o principal balneário do sul do Brasil,
tendo no turismo sua principal fonte de renda. No setor industrial destaca-se o ramo da
construção civil. Durante o verão, sua população sobe consideravelmente, em razão do grande
fluxo de turistas que visitam a cidade, chegando a atingir mais de oitocentas mil pessoas.
Toda a área do município é urbana. Nos últimos anos, o número de visitantes da terceira idade
aumentou muito e passou a movimentar a economia local durante sete meses do ano, de abril
e outubro, principalmente (PLANO..., 1999).
Mas o intenso fluxo de turistas tem gerado problemas na infra-estrutura básica do
balneário. A capacidade de abastecimento de água fica bastante reduzida com as estiagens,
comuns nesta época, e com a extensão da rede para o atendimento de uma população dez
vezes maior que o seu normal. Os esgotos clandestinos continuam a ser depositados nas areais
da praia e o tratamento do mesmo fica dificultado pelo aumento do volume (PLANO..., 1999).
No extremo sul do balneário, um rio sinuoso que deságua no mar, onde ficam
atracadas várias embarcações que realizam passeios turísticos na região.
3.2.3 Município de Balneário Piçarras
O Balneário de Piçarras está localizado numa região geográfica diferente das
demais praias do litoral catarinense. Cresceu em um estreito banco de terra localizado entre o
78
rio e o mar. O nome da cidade deriva das rochas argilosas encontradas no subsolo: o piçarro.
Piçarras pertenceu a São Francisco do Sul e a Penha e tornou-se município em 1963
(SANTA..., 2006).
O município mantém viva algumas tradições açorianas trazidas pelos
colonizadores, sobreviventes de um naufrágio. Antônio Figueiredo, português, e sua
tripulação iniciaram o povoado em 1870. Muito próximo dali, na praia de Armação, em
Penha, começaram a caçar baleias, cuja prática fornecia óleo para as lamparinas (PLANO...,
1999).
A combinação do mar com as belezas naturais e a boa infra-estrutura atrai muitos
turistas no verão, a maioria brasileiros e argentinos, o que representa 90% do capital gerado
no município (PLANO..., 1999).
A principal atividade econômica concentra-se no turismo, embora a pesca e a
agricultura também sejam importantes para o desenvolvimento do município. A população
fixa é de 11.000, chegando no verão a alcançar 100.000 habitantes (SANTA..., 2006).
3.2.4 Município de Bombinhas
O município localiza-se na região litoral norte do estado de Santa Catarina e está
situado em uma península cercada de belas praias. Bombinhas possui uma área territorial de
36,6 km² e foi desmembrada de Porto Belo em 1992 (SANTA..., 2006).
Os portugueses açorianos, fugindo das invasões de piratas no Arquipélago de
Açores, chegaram à região no início do século XVIII e fundaram o povoado de Vila Nova
Iriceira, hoje Porto Belo. Os imigrantes espantaram-se com o barulho das ondas quebrando na
praia – daí a origem do nome atual Bombinhas (SANTA..., 2006).
A economia do município baseia-se no comércio, absorvendo grande parte da
mão-de-obra da população. Existem duas comunidades de pescadores artesanais, na vila de
Zimbros e do Canto Grande, que sobrevivem da pesca de camarões, corvinas e anchovas. O
município incentiva esses trabalhadores do mar no cultivo de mariscos e outros moluscos
oferecendo especialização da atividade, que as condições geográficas são propícias
(PLANO..., 1999).
As manifestações culturais são realizadas em duas grandes festividades, a Festa do
Pescado e a Festa do Marisco. Também são tradicionais a Farra do Boi na época da Páscoa e
as festas juninas (PLANO..., 1999).
79
Além da beleza das 19 praias, o município oferece várias opções de lazer. É
conhecida pelos cursos de mergulho ecológico e pela Reserva Biológica Marinha do
Arvoredo (SANTA..., 2006).
3.2.5 Município de Camboriú
O município localiza-se na região do litoral norte do Estado de Santa Catarina.
Camboriú possui uma área territorial de 211,6 km². (SANTA..., 2006).
Foi fundado por imigrantes açorianos, que subiram o rio Camboriú em busca de
terras férteis. Entre os pioneiros, destacam-se Baltazar Pinto Corrêa e Antônio Rosa, que
chamaram a nova localidade primeiramente de Nossa Senhora do Bonsucesso e mais tarde de
Barra. Mais tarde chega o colonizador Tomaz Francisco Garcia, o primeiro acompanhado pela
família e por escravos, na cidade, a qual chamou de Garcia por muitos anos, em homenagem
ao seu fundador (CAMBORIÚ, 2006).
Pertencente a princípio a Porto Belo, mais tarde integrou o território de Itajaí, até
a data de sua emancipação, estabelecida através da Lei 1.076, de 05 de abril de 1884. O
município foi instalado em 15 de janeiro de 1885. O significado do nome Camboriú é de
origem Tupi-guarani e, dessa forma, a grafia deveria ser Camburiú (CAMBORIÚ, 2006).
Existem mais de duzentas pequenas e médias propriedades rurais, que além da
plantação de arroz irrigado, produzem uvas e hortigranjeiros, diversificando as atividades do
campo. O município explora as reservas de mármore e granito de seus morros,
comercializadas em toda a região. Na indústria destaca-se a fabricação de caixaria,
embalagens e a produção de concreto pela Concrebrás (PLANO..., 1999).
O turismo ecológico rural encontra-se em desenvolvimento, com investimento em
hotéis-fazenda, explorando as belezas naturais. As atrações culturais de Camboriú mesclam
manifestações gauchescas, por meio de atividades em CTG’s e rodeios crioulos, com
atividades típicas açorianas, nas quais se destacam o boi-de-mamão, terno de reis e festas
juninas (PLANO..., 1999).
80
3.2.6 Município de Ilhota
O município localiza-se na região do Vale do Itajaí, possui uma área territorial de
245 Km². Segundo dados do Censo Populacional do IBGE no ano de 2000, a população era de
10,5 mil habitantes. A densidade demográfica do município é igual a 43,2 habitantes para
cada Km².
Segundo dados do SEBRAE-SC, a população estimada do município no final de
2004 deve ser de 11.121 habitantes. Ilhota recebeu 1.673 habitantes entre os anos de 1991 e
2004, apresentando um crescimento de 17,7% nesse período.
Situada às margens da Rodovia Jorge Lacerda, o município de Ilhota tem uma
história marcada por altos e baixos e seu desenvolvimento comprometido pela precária
ligação entre as duas margens do rio que separa seu território. Cerca de 70% da área territorial
de Ilhota, onde se localizam as terras mais produtivas e que movimentam toda a produção
agrícola, ficam na margem esquerda do rio. A conclusão da BR-470 deu um novo impulso ao
município facilitando sua ligação e escoamento para os principais centros (PLANO..., 1999).
Com a economia baseada na exploração da terra, Ilhota compreende 57% de seu
território ocupado pela agricultura, especialmente na produção de arroz e banana, e também
no plantio da laranja, tomate e cana-de-açúcar. O setor de confecções também vem ganhando
impulso nos últimos anos, principalmente para a moda de praia (PLANO..., 1999).
Ilhota tem um dos picos mais altos da região, o denominado Morro do Baú, com
819m. Possui um horto botânico que também funciona como estação de preservação e
pesquisa, além de ter uma das mais belas cachoeiras do Vale do Itajaí.
3.2.7 Município de Itapema
O povoamento de Itapema iniciou-se em 1748, com a vinda de imigrantes
açorianos, dos quais herdou o linguajar, as crenças, o gosto pela música e o folclore. Itapema
pertenceu a Camboriú e a Porto Belo até ser emancipada em 1962.
O município localiza-se na região litoral do Estado de Santa Catarina e possui
uma área territorial de 586 km². O município está distante 74 km da capital do Estado e 25 km
do Porto de Itajaí.
81
A praia de Itapema possui águas esverdeadas que atraem muitos turistas
argentinos, paulistas e gaúchos. No verão passam pelo município cerca de duzentas e
cinqüenta mil pessoas. Existe uma única praia em Itapema, considerando apenas a costa,
porém dividindo-se em quatro locais, ou seja, a própria Itapema, Meia Praia, Ilhota e Cabeço.
Paralela ao município fica a BR-101, cruzando toda a extensão Norte-Sul e dividindo a área
urbana, onde vivem 80% da população (PLANO..., 1999).
A atividade da construção civil atrai mão-de-obra do Oeste do Estado, do Rio
Grande do Sul e do Paraná, ocasionando, com a falta de infra-estrutura, o surgimento de
favelas que são inclusive montadas com as sobras dos materiais das obras. Os nativos que
vivem no meio rural migram para a cidade no verão em busca de oportunidades de trabalho
provisório no comércio e também com negócios ambulantes. Dessa forma, deixam de semear
a terra, aumentando as dificuldades na baixa temporada (PLANO..., 1999).
3.2.8 Município de Luís Alves
O município localiza-se na região do Vale do Itajaí e possui uma área territorial de
260,3 Km². Conforme dados do Censo Populacional do IBGE, no ano de 2000 a população
era de 7,9 mil habitantes.
Segundo dados do SEBRAE-SC, a população estimada do município no final de
2004 era de 8.776 habitantes. Luís Alves ganhou 2.336 habitantes entre os anos de 1991 e
2004 e cresceu 36,3% nesse período.
Luís Alves é conhecida nacionalmente como a capital da cachaça, que sua
produção tem qualidade reconhecida em todo o país. O nome surgiu em homenagem ao
pioneiro que chegou ao local através da Barra do Rio Itajaí. Depois vieram os imigrantes
alemães, que predominam na região, seguidos pelos austríacos, poloneses e italianos que até
hoje vivem em comunidades próprias (PLANO..., 1999).
Além da cachaça, a economia local está voltada para outros produtos agrícolas
como a banana, arroz, fumo e também legumes. Entre as décadas de 50 e 70 surgiram mais de
cem alambiques artesanais, mas a ausência de um parque industrial, na época, provocou um
forte êxodo rural (PLANO..., 1999).
Mais da metade da população vive no meio rural, em terrenos acidentados, com
grandes plantações de banana. Existem ainda criações de gado, porcos, aves, abelhas e bicho-
82
da-seda. O setor fabril também tem uma importância crescente na arrecadação municipal em
diversas atividades (PLANO..., 1999).
3.2.9 Município de Navegantes
Navegantes foi povoada a partir do ano de 1700 por mais de 40 famílias de
pescadores e agricultores de origem açoriana. O primeiro morador teria sido João Dias
D’Arzão, chegado de São Francisco do Sul em busca de minerais preciosos. A cidade fez
parte de Itajaí por muitos anos, tornando-se independente em maio de 1962 (SANTA...,
2006).
Na história de colonização do município, muita gente percorreu a região atrás de
ouro e pedras preciosas, mas nada encontraram além de ferro (PLANO..., 1999).
A cidade é sede de uma das maiores festas do Estado, comemorada no dia 2 de
fevereiro, a de Nossa Senhora dos Navegantes, padroeira dos pescadores do sul do Brasil
(SANTA..., 2006).
A economia está voltada para o mar, com destaque para as indústrias de pescado.
Navegantes é o terceiro maior centro pesqueiro da América Latina, o primeiro do país; além
disso, é sede da maior empresa brasileira de pescado, a FEMEPE. O município conta com 40
estaleiros grandes e pequenos e foi o segundo maior parque de construção naval do Brasil.
Grande parte da população trabalha em Itajaí, deslocando-se para através do ferry boat
diariamente. Também é importante para a região por possuir o segundo maior aeroporto do
Estado, de onde decolam mais de 20 vôos diários, possibilitando conexões para todo o país e
o exterior (SANTA..., 2006).
3.2.10 Município de Penha
Em seus mais de 31 km de orla marítima, Penha possui 19 praias, apresentando
areias claras e um mar de águas límpidas, baías recortadas e lindas enseadas. Reconhecido
oficialmente a partir de 1958, o município de Penha, com cultura portuguesa, uma influência
de seus colonizadores que, nesta terra, aportaram em meados do século XVIII. A cultura
açoriana está presente na arquitetura, no apego às crenças e religiosidade, na culinária de
frutos do mar ou no jeito simples e acolhedor de seu povo (SANTA..., 2006).
83
O povoado de Penha surgiu a partir de 1777, com imigrantes açorianos fugidos da
Ilha de Santa Catarina (Florianópolis), na ocasião invadida pelos espanhóis. Essas famílias
fundaram então a freguesia de Nossa Senhora da Penha, e na Armação do Itapocorói criaram
a sede, na época, de uma das maiores armações baleeiras do sul do Brasil, sendo o óleo
aproveitado para a iluminação pública de várias cidades e a carne utilizada como comida para
os escravos dos portugueses (PLANO..., 1999).
A partir de 1825 o número de baleias foi diminuindo e houve a necessidade de
buscar outras formas de subsistência. A procura de terras cultiváveis foi a solução encontrada,
todavia, acabou com os índios carijós que habitavam a área. Até hoje são plantadas mandioca
e banana no município, no entanto, o forte da economia está no turismo, além da pesca
artesanal (PLANO..., 1999).
Seu desenvolvimento turístico teve início na década de 70 e hoje sua população
gira em torno de 15 mil habitantes, chegando a passar dos 100 mil durante a temporada de
verão. A instalação do Beto Carrero World maior parque temático da América Latina,
proporcionou muitos empregos, além de aumentar a infra-estrutura na parte hoteleira e de
restaurantes.
3.2.11 Município de Porto Belo
O município localiza-se na região litoral norte do Estado de Santa Catarina. Porto
Belo possui uma área territorial de 95 km². O município possuía em 1970 uma população de
7,2 mil habitantes e segundo dados do Censo Populacional do IBGE no ano de 2000 a
população era de 10,7 mil habitantes.
Localizada em uma península, Porto Belo serviu de local seguro para a atracação
de navios portugueses. Por outro lado, também foi tomada por invasores espanhóis no início
do século XVIII (PLANO..., 1999).
A partir de 1800 intensificou-se a colonização açoriana na região, sendo a maioria
da população de pescadores. Atualmente a população do município ainda desempenha essa
atividade econômica, além de grande desenvolvimento na área turística. Junto às praias estão
preservados trechos de Mata Atlântica, com árvores e aves típicas da região. No litoral,
também podem ser encontrados sítios arqueológicos (PLANO..., 1999).
84
Menos de 30% da população vive no meio rural, em pequenas propriedades,
plantando arroz, banana, batata-inglesa, cana-de-açúcar, feijão, fumo, laranja, mandioca e
milho. O folclore açoriano, como o boi-de-mamão, é comum entre os moradores, além da
Farra do Boi (PLANO..., 1999).
Feito este esboço histórico e socioeconômico de cada município integrante da
região da pesquisa, apresenta-se a seguir alguns indicadores quantitativos oficiais de cada um,
em especial o IDH-M. Os quadros são apresentados em seqüência para facilitar a comparação
entre os dados.
O IDH, Índice de Desenvolvimento Humano (ONU; PNUD), é um indicador
construído a partir da aglutinação de indicadores representativos das três dimensões básicas
do desenvolvimento humano, ou seja, a renda
8
, a educação (alfabetização e freqüência
escolar) e a expectativa de vida (longevidade), como parâmetros para a medição do bem-estar
social. O IDH-M, Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, por sua vez, é um
indicador que considera as mesmas dimensões básicas citadas acima, mas em nível municipal.
População
73.455
Renda per capita
mensal (R$)
670,28
Pessoas com renda
insuficiente
5.769= 7,9%
Pessoas pobres
14.451=19,7%
Famílias com renda
Insuficiente
1.586=6,8%
Esperança de
vida ao nascer
73,3 anos
IDH-M
0,868
Posição em SC
2
Taxa bruta de freqüência escolar
88,1%
Domicílios
23.393
Acesso a água
(rede pública)
94%
Esgoto
83%
Coleta de lixo
100%
Telefone
58%
QUADRO 7: MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ
FONTE: Borchardt, 2003
8
Renda insuficiente – menos de ½ salário mínimo.
Pessoas pobres – cujas rendas não ultrapassem R$180,00 mensais.
85
População
8.716
Renda per capita
mensal (R$)
311,56
Pessoas com renda
insuficiente
1.126=12,9%
Pessoas pobres
3.372=38,7%
Famílias com renda
insuficiente
294=11,9%
Esperança de
vida ao nascer
73,5 anos
IDH-M
0,810
Posição em SC
92
Taxa bruta de freqüência escolar
78,8%
Domicílios
2,470
Acesso a água
(rede pública)
60%
Esgoto
0%
Coleta de lixo
99%
Telefone
27%
QUADRO 8: MUNICÍPIO DE BOMBINHAS
FONTE: Borchardt, 2003
População
Total 41.445
Rural 2.018
Urbana 39427
Renda per capita
mensal (R$)
237,33
213,83
237,50
Pessoas com renda
insuficiente
5.618=13,6
222=11,0%
5.396=13,7%
Pessoas pobres
16.304=39,3%
864=42,8%
15.440=39,2%
Famílias com renda
insuficiente
1.302=11,9%
61=10,4%
1.241=12,0%
Esperança de
vida ao nascer
71,0 anos
IDH-M
0,764
Posição em SC
230
Taxa bruta de freqüência escolar
69,3%
Domicílios
Total 10.930
Rural 585
Urbano 10.345
Acesso a água
(rede pública)
75%
8%
79%
Esgoto
35%
1%
37%
Coleta de lixo
94%
11%
98%
Telefone
31%
12%
32%
QUADRO 9: MUNICÍPIO DE CAMBORIÚ
FONTE: Borchardt, 2003
População
Total 10.574
Rural 4.129
Urbana 6.445
Renda per capita
mensal (R$)
251,71
211,37
271,33
Pessoas com renda
insuficiente
756=7,1%
180=4,4%
576=8,9%
Pessoas pobres
3.083=29,2%
1.048=25,4%
2.035=31,6%
Famílias com renda
Insuficiente
181=6,1%
40=3,4%
141=7,9%
Esperança de
vida ao nascer
74 anos
IDH-M
0,795
Posição em SC
145
Taxa bruta de freqüência escolar
76,1%
Domicílios
Total 2.957
Rural 1.161
Urbano 1.796
Acesso a água
(rede pública)
56%
17%
82%
Esgoto
13%
3%
20%
Coleta de lixo
86%
65%
100%
Telefone
11%
7%
14%
QUADRO 10: MUNICÍPIO DE ILHOTA
FONTE: Borchardt, 2003
Famílias com renda insuficiente cuja renda familiar não atinge R$90,00 per capita mensal (BORCHARDT,
2003).
86
População
Total 147.494
Rural 5.544
Urbana 141.950
Renda per capita
mensal (R$)
387,00
274,34
388,56
Pessoas com renda
insuficiente
14.629=9,9%
209=3,8%
14.420=10,2%
Pessoas pobres
41.662=28,2%
984=17,7%
40.678=28,7%
Famílias com renda
Insuficiente
3.858=9,3%
75=4,9%
3.783=9,5%
Esperança de
vida ao nascer
69,1 anos
IDH-M
0,803
Posição em SC
117
Taxa bruta de freqüência escolar
81,7%
Domicílios
Total 41.396
Rural 1.519
Urbano 39.877
Acesso a água
(rede pública)
94%
22%
96%
Esgoto
35%
15%
36%
Coleta de lixo
98%
81%
99%
Telefone
54%
28%
55%
QUADRO 11: MUNICÍPIO DE ITAJAÍ
FONTE: Borchardt, 2003
População
Total 25.869
Rural 1.088
Urbana 24.781
Renda per capita
mensal (R$)
486,66
183,81
499,89
Pessoas com renda
insuficiente
3.060=11,8%
254=23,3%
2.806=11,3%
Pessoas pobres
8.583=33,2%
533=49,0%
8.050=32,5%
Famílias com renda
Insuficiente
749=9,9%
42=14,1%
707=9,8%
Esperança de
vida ao nascer
72,7 anos
IDH-M
0,836
Posição em SC
26
Taxa bruta de freqüência escolar
81,6%
Domicílios
Total 7.533
Rural 297
Urbano 7.236
Acesso a água
(rede pública)
89%
0%
92%
Esgoto
3%
0%
3%
Coleta de lixo
98%
91%
99%
Telefone
22%
4%
22%
QUADRO 12: MUNICÍPIO DE ITAPEMA
FONTE: Borchardt, 2003
População
Total 7.974
Rural 5850
Urbana 2.124
Renda per capita
mensal (R$)
507,63
513,16
327,28
Pessoas com renda
insuficiente
294=3,7%
226=3,9%
68=3,2%
Pessoas pobres
1.365=17,1%
1.000=17,1%
365=17,2%
Famílias com renda
Insuficiente
73=3,5%
52=3,4%
21=3,7%
Esperança de
vida ao nascer
74,5 anos
IDH-M
0,841
Posição em SC
22
Taxa bruta de freqüência escolar
94,5%
Domicílios
Total 2.114
Rural 1.539
Urbano 575
Acesso a água
(rede pública)
18%
9%
64%
Esgoto
3%
0%
12%
Coleta de lixo
56%
40%
96%
Telefone
20%
15%
33%
QUADRO 13: MUNICÍPIO DE LUÍS ALVES
FONTE: Borchardt, 2003
87
População
Total 39.317
Rural 2.667
Urbana 36.650
Renda per capita
mensal (R$)
236,51
159,51
241,39
Pessoas com renda
insuficiente
5.731=14,6%
245=9,2%
5.486=15,0%
Pessoas pobres
16.110=41,0%
1.261=47,3%
14.849=40,5%
Famílias com renda
Insuficiente
1.466=13,4%
69=9,6%
1.397=13,7%
Esperança de
vida ao nascer
71,3 anos
IDH-M
0,773
Posição em SC
213
Taxa bruta de freqüência escolar
73,8%
Domicílios
Total 10.900
Rural 721
Urbano 10.179
Acesso a água
(rede pública)
89%
17%
94%
Esgoto
18%
23%
18%
Coleta de lixo
96%
71%
98%
Telefone
26%
5%
27%
QUADRO 14: MUNICÍPIO DE NAVEGANTES
FONTE: Borchardt, 2003
População
Total 17.678
Rural 1.685
Urbana 15.993
Renda per capita
mensal (R$)
262,96
180,23
266,59
Pessoas com renda
insuficiente
2.388=13,5%
261=15,5%
2.127=13,3%
Pessoas pobres
5.930=33,5%
472=28,0%
5.458=34,1%
Famílias com renda
Insuficiente
564=11,1%
59=12,9%
505=10,9%
Esperança de
vida ao nascer
73,5 anos
IDH-M
0,791
Posição em SC
169
Taxa bruta de freqüência escolar
73,7%
Domicílios
Total 5.077
Rural 456
Urbano 4.621
Acesso a água
(rede pública)
75%
42%
78%
Esgoto
99%
100%
99%
Coleta de lixo
95%
79%
96%
Telefone
33%
5%
36%
QUADRO 15: MUNICÍPIO DE PENHA
FONTE: Borchardt, 2003
População
Total 10.911
Rural 2.296
Urbana 8.615
Renda per capita
mensal (R$)
323,51
169,10
366,45
Pessoas com renda
insuficiente
1.638=15,0%
393=17,1%
1.245=14,5%
Pessoas pobres
4.047=37,1%
1.056=46,0%
2.991=34,7%
Famílias com renda
Insuficiente
394=12,9%
92=15,6%
302=12,2%
Esperança de
vida ao nascer
71,3 anos
IDH-M
0,798
Posição em SC
132
Taxa bruta de freqüência escolar
79,0%
Domicílios
Total 3.065
Rural 588
Urbano 2.477
Acesso a água
(rede pública)
76%
37%
85%
Esgoto
23%
1%
28%
Coleta de lixo
90%
57%
98%
Telefone
53%
17%
61%
QUADRO 16: MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO PIÇARRAS
FONTE: Borchardt, 2003
88
População
Total 10.704
Rural 731
Urbano 9.973
Renda per capita
mensal (R$)
316,02
218,44
326,39
Pessoas com renda
insuficiente
1.005 = 9,4%
48 = 6,6%
957 = 9,6%
Pessoas pobres
3.531=33,0%
283=38,7%
3.248=32,6%
Famílias com renda
Insuficiente
219=7,1%
11=5,3%
208=7,2%
Esperança de
vida ao nascer
74,0 anos
IDH-M
0,803
Posição em SC
114
Taxa bruta de freqüência escolar
73,7%
Domicílios
Total 3.096
Rural 207
Urbano 2.889
Acesso a água
(rede pública)
79%
5%
84%
Esgoto
2%
0%
2%
Coleta de lixo
97%
77%
98%
Telefone
28%
4%
30%
QUADRO 17: MUNICÍPIO DE PORTO BELO
FONTE: Borchardt, 2003
Um indicador comum nos quadros acima é que o IDH-M de todos os municípios
da região é classificado entre alto, médio alto e médio, conforme se verá no capítulo seguinte.
O município de Balneário Camboriú se destaca em primeiro lugar, ficando em segundo o
município de Luís Alves, em terceiro Itapema, em quarto Bombinhas, em quinto Itajaí, em
sexto Porto Belo, em sétimo Balneário Piçarras, em oitavo lugar o município de Ilhota, em
nono Penha, em décimo Navegantes e, em último lugar nessa classificação, está o município
de Camboriú. No gráfico 2, conforme dados do SEBRAE de 2000, temos um panorama dos
municípios, com seus respectivos índices de IDH-M, para uma melhor visualização.
IDH-M - Índice de Desenvolvimento
Humano
0,867
0,809
0,764
0,795
0,805
0,835
0,84
0,716
0,791
0,799
0,803
Bal. Camboriú
Bombinhas
Camboriú
Ilhota
Itaj
Itapema
Luiz alves
Navegantes
Penha
Piçarras
Porto Belo
GRÁFICO 2 - ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO MUNICIPAL
FONTE: SEBRAE ,2005
89
Cabe observar que o município de Balneário Camboriú, em relação aos demais
municípios do estado (num universo de 293 municípios), ocupa a segunda posição, com um
alto índice de IDH-M, bem como o município de Luís Alves, que ocupa a 22ª posição. O
município de Camboriú, por sua vez, ocupa a 230ª posição e Navegantes a 213ª posição, bem
distantes dos outros municípios da região estudada. Os demais municípios oscilam entre 92ª e
a 169ª posição.
Essa disparidade de posições de indicadores sociais entre municípios limítrofes,
como no caso de Balneário Camboriú e Camboriú, revela a diversidade e a complexidade do
desafio público na busca de políticas públicas sustentáveis.
Percebe-se, assim, que qualquer análise desses municípios deve superar a
simplificação que predomina no paradigma dominante ou disjuntor-redutor, assim
denominado por Morin. Como se ve no capítulo seguinte, os indicadores oficiais são
insuficientes para compreender e conceber o potencial de implementação do Estatuto da
Cidade por parte de cada município estudado, que os indicadores qualitativos levantados
revelam uma outra realidade.
Dentro dessa concepção, a idéia de complexidade de Morin ganha relevo, pois
segundo ele, cada vez mais emerge a necessidade de um paradigma complexo, superior ao
paradigma disjuntor-redutor. O pensamento complexo procura estabelecer a comunicação
entre o objeto e o ambiente, a coisa observada e o seu observador, buscando não sacrificar o
todo à parte ou esta àquele (MORIN, 2002c). Permite ligar o conhecimento das partes ao
conhecimento do todo, opondo-se à idéia reducionista (MORIN, 2000b).
Dessa forma, procura-se demonstrar que os indicadores sociais não podem ser
analisados isoladamente, dadas as suas limitações, o que leva a uma simplificação e redução
que o paradigma da complexidade procurar superar.
Dito isto, é importante destacar que o IDH-M, como qualquer outro indicador, tem
suas limitações. O IDH-M exclui a dimensão ambiental, que no presente estudo tem papel de
destaque, que, para compreender e conceber o potencial de implementação do Estatuto da
Cidade por parte de cada município, determinados indicadores socioambientais são
imprescindíveis.
Sobre as limitações do uso de indicadores, Jannuzzi (2002a) adverte que parece
estar se consolidando como uma prática corrente à substituição do conceito indicado pela
medida supostamente criada para operacionalizá-lo, especialmente no caso de conceitos
90
abstratos complexos como desenvolvimento humano, condições de vida, qualidade de vida ou
responsabilidade social. E acrescenta:
Embora definidos muitas vezes de forma bastante abrangente, os conceitos são
operacionalmente banalizados, como se os indicadores e índices criados fossem a
expressão exata, mais válida ou ideal dos conceitos indicados. Assim, por exemplo,
a avaliação da melhoria das condições de vida ou desenvolvimento humano em
países, regiões e municípios reduz-se a uma apreciação da variação do indicador
construído. Não tendo havido modificação no indicador, não haveria eventuais
avanços ou retrocessos das condições de vida ou desenvolvimento humano, ainda
que fossem realizados (ou não) esforços de políticas para mudança social em uma
dimensão não-contemplada pela medida (JANNUZZI, 2002a,
p.
55-56).
Com base nisso, podemos concluir que os indicadores sociais oficiais são
insuficientes para compreender e conceber o potencial de implementação do Estatuto da
Cidade pelos municípios dessa região, razão pela qual fica clara a necessidade de uma
abordagem mais abrangente e contextualizadora, o que será retomado no capítulo seguinte.
Outro denominador comum nos quadros apresentados é a predominância, em
todos os municípios, da população urbana sobre a rural, sendo que os municípios de Balneário
Camboriú e Bombinhas destacam-se por não terem população rural, e Luís Alves por ser o
município com o maior número de habitantes na zona rural.
Sobre a distribuição da população no território brasileiro, Ribeiro destaca:
A distribuição da população no território brasileiro caracteriza-se, por um lado, pela
dispersão da população em vastas áreas rurais, que lhes dificulta o acesso à infra-
estrutura e serviços de educação e saúde e muitas vezes é fator de expulsão dessa
população para áreas urbanas. Por outro lado, hiperconcentração demográfica em
áreas urbanas e metrópoles, com problemas ambientais devido ao congestionamento,
incapacidade de atendimento às necessidades básicas de habitação, carências de
saúde e transporte (RIBEIRO, 2005, p. 286).
Cabe destacar também nos quadros acima os “altos percentuais” de coleta de lixo
nos municípios. No entanto, como se verá no capítulo seguinte, apenas dois deles possuem
coleta seletiva, o que implica em dizer que a coleta realizada pela maioria deles esconde a
realidade do desperdício sistemático de material reciclável.
Ribeiro (2005) destaca que o problema do lixo na sociedade contemporânea está
associado ao acesso, cada vez maior, de bens materiais que ampliam o conforto e o bem-estar.
E acrescenta:
Entretanto, quando se instala o apego àquilo que proporciona o prazer, o desejo
compulsivo de consumir e acumular, estimulado pela propaganda e pela publicidade,
91
advém a produção de lixo em grande escala. O lixo resulta do consumo de bens e
serviços que caracteriza as sociedades contemporâneas ditas desenvolvidas e os
segmentos consumidores da população dos países em desenvolvimento. [...]
A compreensão do encadeamento “recursos naturais-bens de consumo-rejeitos-
reciclagem” é necessária para ecologizar a cultura e mudar comportamentos,
evoluindo-se para uma sociedade mais bem integrada à natureza (RIBEIRO, 2005,
p. 128-129).
Portanto, a questão da reciclagem do lixo é de fundamental importância para a
sustentabilidade das cidades, uma das diretrizes do Estatuto da Cidade.
No capítulo seguinte, apresentam-se os indicadores quantitativos oficiais de cada
município, representados pelo IDH, IDH-M e IDS, e os indicadores qualitativos levantados,
diretamente relacionados ao EC para, com base principalmente no paradigma da
complexidade, mostrar que a hierarquização simplificadora é uma ilusão e insuficiente para
compreender e conceber o potencial de implementação dessa lei por parte dos municípios
estudados.
92
CAPÍTULO IV
INDICADORES QUANTITATIVOS E QUALITATIVOS
Feito um breve histórico da AMFRI e dos municípios, bem como uma introdução
aos indicadores quantitativos utilizados para complementar essa pesquisa, passamos agora a
apresentar, de forma mais completa, esses indicadores oficiais, ou seja, o IDH, IDH-M e IDS,
assim como os indicadores qualitativos escolhidos para a presente pesquisa, diretamente
relacionados ao EC, representados pela tabela 7 e por entrevistas com atores sociais de cada
município afetos a temática. Objetiva-se, neste capítulo, destacar a limitação dos indicadores
quantitativos, buscando demonstrar, com base na opção teórica que foi feita, que a
identificação do potencial de implementação de EC por parte dos municípios objeto da
pesquisa exige uma interpretação combinada dos indicadores e de uma série de fatos técnicos,
científicos, sociais, econômicos, geográficos e político-institucionais.
4.1 INDICADORES QUANTITATIVOS
Conforme mencionado na introdução, a metodologia da presente pesquisa
caracterizou-se por uma abordagem qualitativa, mas foi complementada por indicadores
quantitativos oficiais. Isto porque, a pesquisa quantitativa não deve ser desprezada, mas
considerada conjuntamente com a qualitativa.
O método quantitativo, segundo Richardson (1999, p. 70), "caracteriza-se pelo
emprego de quantificação tanto das modalidades de coleta de informações, quanto no
tratamento delas por meio de técnicas estatísticas [...]". Muito utilizado, denota "a intenção de
garantir a precisão dos resultados, evitar distorções de análise e interpretação" tornando
possível uma margem de segurança quanto às conclusões.
Considerando-se que um dos objetivos deste estudo é mostrar que uma análise do
Estatuto da Cidade requer uma visão abrangente e contextualizadora, ou seja, conceber e
compreender o potencial ou as condições emergentes de implementação do EC na região, faz-
se uso de uma série de indicadores quantitativos oficiais de cada município. Estes indicadores
destacam aspectos sociais e, embora sejam muito relevantes, não viabilizam a compreensão
do potencial de implementação do Estatuto da Cidade por parte de cada município.
93
Em razão disso, tais indicadores sociais oficiais são complementados por
indicadores qualitativos elaborados e propostos especificamente para a presente pesquisa, e
que serão examinados neste capítulo.
O nível de qualidade de vida de uma sociedade é difícil de ser mensurado em sua
plenitude. Contudo, pode ser avaliado por meio de indicadores em determinadas áreas,
consideradas como componentes essenciais para delinear um quadro de bem-estar social de
uma população.
Conforme Jannuzzi (2002b, p. 92)
A informação estatística é um insumo fundamental para planejamento e formulação
de políticas e estratégias no mundo contemporâneo. No ambiente de incertezas e de
rápidas transformações que caracterizam o momento atual, não como uma
organização privada ou pública antecipar de modo consistente os cenários futuros,
estabelecer metas realistas, definir planos de contingência, ou, enfim, tomar decisões
em bases mais técnicas, em qualquer escala, sem o emprego e a análise das
estatísticas econômicas, sociais e demográficas disponíveis para os domínios
geográficos de atuação da organização.
O PIB (Produto Interno Bruto) tem sido usado como principal indicador de
riqueza das nações, mas sua limitação aos aspectos mercantis têm sido criticadas (DALY;
COBB Jr. 1993; ALIER; JUSMET, 2001). Verificou-se com o passar do tempo que, a
despeito do crescimento do PIB, persistiam os altos níveis de pobreza e acentuavam-se as
desigualdades sociais em vários países. Assim, constatada a limitação desse indicador,
instituições multilaterais e organismos internacionais como a UNESCO, OIT, OMS, UNICEF
e outras, mobilizaram-se a fim de desenvolver instrumentos simultaneamente mais precisos e
mais abrangentes para a mensuração do bem-estar e da mudança social (JANNUZZI, 2002a).
Surgiram, assim, os indicadores sociais, dentre eles o IDH e o IDH-M, já tratados
no capítulo anterior. O Índice de Desenvolvimento Social (IDS) é outro indicador relevante.
Trata-se de uma combinação de dezessete (17) indicadores Saúde (mortalidade infantil,
recém-nascidos de mães que realizaram 4 ou mais consultas pré-natal, cobertura vacinal de
rotina por DPT em menores de 1 ano, cobertura vacinal contra poliomielite, cobertura vacinal
contra o sarampo); Educação (atendimento da educação infantil 0 a 6 anos -, atendimento
no ensino fundamental - 7 a 14 anos -, permanência na escola no ensino fundamental,
aprovação no ensino fundamental, repetência no ensino fundamental, distorção série/idade no
ensino fundamental, atendimento no ensino médio - 15 a 17 anos -, distorção série/idade no
ensino médio, alfabetismo dos eleitores de 16 anos e mais de idade); Econômico (PIB
94
municipal per capita, consumo médio de energia elétrica residencial e consumo médio de
energia elétrica comercial).
A necessidade de instrumentos que justificassem a adoção de determinadas
políticas públicas, especialmente pelos municípios, exigiu o esforço de diversos setores para a
construção e aprimoramento desses indicadores.
Segundo Jannuzzi (2002a, p. 55):
[...]
Universidades
,
sindicatos, centros de pesquisa e agências vinculadas ao
sistema de planejamento público cada um a seu tempo e modo passaram a
desenvolver esforços para o aprimoramento conceitual e metodológico de
instrumentos mais específicos de quantificação e qualificação das condições de
vida, da pobreza estrutural e de outras dimensões da realidade social, dando origem
aos sistemas de indicadores sociais, isto é, ao conjunto de indicadores sociais
referidos a uma temática social específica, para análise e acompanhamento de
políticas ou da mudança social.
Assim, um indicador social pode ser assim definido:
Um indicador social é uma medida em geral quantitativa dotada de significado
social substantivo, usado para substituir, quantificar ou operacionalizar um conceito
social abstrato, de interesse teórico (para pesquisa acadêmica) ou programático (para
formação de políticas). É um recurso metodológico, empiricamente referido, que
informa algo sobre um aspecto da realidade social ou sobre mudanças que estão
ocorrendo na mesma (JANNUZZI, 2002a, p. 55).
Este autor ressalta que os indicadores passaram a ter um papel relevante para a
formulação de políticas públicas em nível municipal, em face da institucionalização do
planejamento público em nível local, determinado pela Constituição Federal de 1988.
Segundo Moraes (2002), diferentemente do que ocorria na vigência da
Constituição anterior, a Constituição de 1988 conferiu ao município a primordial e essencial
competência legislativa de auto-organizar-se, por intermédio da Lei Orgânica Municipal, que
representa um dos aspectos de maior relevância da busca de auto-organização. Ele destaca
que a competência legislativa do município caracteriza-se, agora, pelo princípio da
predominância do interesse local.
Por conseqüência, segundo Jannuzzi (2002a), os municípios passaram a
necessitar, cada vez mais, de indicadores, especialmente para subsidiar a elaboração de planos
diretores de desenvolvimento urbano e planos plurianuais de investimentos; avaliar impactos
ambientais decorrentes da implantação de grandes projetos; justificar o repasse de verbas
federais para a implementação de programas sociais; atender à necessidade de disponibilizar
95
equipamentos ou serviços sociais para públicos específicos, por exigência legal ou por pressão
política da sociedade local.
Conforme já explicitado no capítulo anterior, em que pese a necessidade de
indicadores quantitativos para a medição do bem-estar da população, estes apresentam
limitações. Daí porque o presente estudo inclui também a pesquisa qualitativa.
Jannuzzi (2002a, p. 57) sobre isso salienta:
Limitações na validade de vários indicadores sociais
parecem estar na raiz de alguns
achados incongruentes na pesquisa social quantitativa. Trabalhos desta natureza são
pródigos em apontar, por exemplo, que não há associação entre desemprego e
pobreza, violência e condições de vida, sem questionar se, na realidade, a falta de
significância estatística na correlação (linear, vale lembrar) entre os indicadores
empregados deriva de falta de validade da medida em representar as dimensões
sociais referidas. Invariavelmente, pouca reflexão sobre a validade dos
indicadores e menos ainda da estrutura de causalidade entre as dimensões sociais
estudadas, outro aspecto que pode afetar a inferência sobre a associação entre
variáveis.
A seguir, apresenta-se um quadro comparativo dos índices de IDH-M dos anos de
1991 e 2000 relativos aos municípios estudados. Percebe-se que em todos eles houve um
avanço destes indicadores. Os resultados, se considerados isoladamente, revelam um
crescimento de todos os municípios nas áreas de renda, longevidade e educação.
TABELA 6 - IDH-M DOS MUNICÍPIOS ESTUDADOS - 1991 E 2000
FONTE: DADOS REGIONAIS IPEA, 2006
MUNICÍPIOS IDH-M
1991
IDH-M
2000
Balneário Camboriú 0,797 0,867
Balneário Piçarras 0,709 0,799
Bombinhas 0,733 0,809
Camboriú 0,705 0,764
Ilhota 0,736 0,795
Itajaí 0,755 0,825
Itapema 0,725 0,835
Luís Alves 0,742 0,840
Navegantes 0,718 0,774
Penha 0,716 0,791
Porto Belo 0,716 0,803
96
Comparativamente às demais regiões do Estado, veremos a seguir o IDH-M e o
IDS de cada município, representados por dois mapas.
Observa-se que todos os municípios integrantes da região estudada possuem um
IDH considerado alto, com um nível de eficiência entre 0,800-1,000. com relação ao IDH-
M, o município de Balneário Camboriú se destaca em primeiro lugar, ficando em segundo o
município de Luís Alves, em terceiro Itapema, em quarto Bombinhas, em quinto Itajaí, em
sexto Porto Belo, em sétimo Balneário Piçarras, em oitavo lugar o município de Ilhota, em
nono Penha, em décimo Navegantes e em último lugar nessa classificação está o município de
Camboriú.
Ressalta-se que o município de Balneário Camboriú, de acordo com o IPEA e o
Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, está classificado entre os dez municípios do
Brasil com os maiores índices de IDH.
97
ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO – 2000
PADRÕES ÍNDICE NÍVEL EFICIÊNCIA
0,800 – 1,000 ALTO
0,650 – 0,799 MÉDIO ALTO
0,500 – 0,649 MÉDIO
0,300 – 0,499 MÉDIO BAIXO
0,000 – 0,299 BAIXO
FONTE: IBGE e PNUD/ONU
ELABORAÇÃO: SECRETARIA DE ESTADO DO DESENVOLVIMENTO
URBANO E MEIO AMBIENTE
OBS: SC É CONSTITUÍDO POR 293 MUNICÍPIOS
MAPA 3: ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO - 2000
Abdon Batista
Abelardo Luz
Agrolândia
Agronômica
Água Doce
Águas de Chapecó
Águas Frias
Águas Mornas
Alfredo Wagner
Alto Bela Vista
Anchieta
Angelina
Anita Garibaldi
Anitápolis
Antônio Carlos
Apiúna
Arabutã
Araquari
Araranguá
Armazém
Arroio Trinta
Arvoredo
Ascurra
Atalanta
Aurora
Balneário Arroio do Silva
Balneário Barra do Sul
Balneário Cam boriú
Balneário Gaivota
Bandeirante
Barra Bonita
Barra Velha
Bela Vista do Toldo
Belmonte
Benedito Novo
Biguaçu
Blumenau
Bocaina do Sul
Bom Jardim da Serra
Bom Jesus
Bom Jesus do Oeste
Bom Retiro
Bombinha s
Botuverá
Braço do Norte
Braço do Trombudo
Brunópolis
Brusque
Caçador
Caibi
Calmon
Camboriú
Campo Alegre
Campo Belo do Sul
Campo Erê
Campos Novos
Canelinha
Canoinhas
Capão Alto
Capinzal
Capivari de Baixo
Catanduvas
Caxambu do Sul
Celso Ram os
Cerro Negro
Chapadão do Lag eado
Chapecó
Cocal do Sul
Concórdia
Cordilheira Alta
Coronel Freitas
Coronel Martins
Correia Pinto
Corupá
Criciúma
Cunha Porã
Cunhataí
Curitibanos
Descans o
Dionísio Cerq ueira
Dona Emma
Doutor Pedrinho
Entre Rios
Ermo
Erval Velho
Faxinal dos Guedes
Flor do Sertão
Florianópolis
Formosa do Sul
Forquilhinha
Fraiburgo
Frei Rogério
Galvão
Garopaba
Garuva
Gaspar
Governador Celso Ramo s
Grão Pará
Gravatal
Guabiruba
Guaraciaba
Guaramirim
Guarujá do Sul
Guatambú
Herval d'Oeste
Ibiam
Ibicaré
Ibirama
Içara
Ilhota
Imaruí
Imbituba
Imbuia
IndaialIomerê
Ipira
Iporã do Oeste
Ipuaçu
Ipumirim
Iraceminha
Irani
Irati
Irineópolis
Itá
Itaiópolis
Itajaí
Itapema
Itapiranga
Itapoá
Ituporanga
Jaborá
Jacinto Machado
Jaguaruna
Jaraguá do Sul
Jardinópoli s
Joaçaba
Joinville
José Boiteux
Jupiá
Lacerdópolis
Lages
Laguna
Lajeado Grande
Laurentino
Lauro Muller
Lebon Régis
Leoberto Leal
Lindóia do Sul
Lontras
Luiz Alves
Luzerna
Macieira
Mafra
Major Gercino
Major Vieira
Maracajá
Maravilha
Marema
Massarandub a
Matos Costa
Meleiro
Mirim Doce
Modelo
Mondaí
Monte Carlo
Monte Castelo
Morro da Fumaça
Morro Grande
Navegantes
Nova Erechim
Nova Itaberaba
Nova Trento
Nova Veneza
Novo Horizonte
Orleans
Otacílio Costa
Ouro
Ouro Verde
Paial
Painel
Palhoça
Palma Sola
Palmeira
Palmitos
Papanduva
Paraíso
Passo de Torres
Passo s Maia
Paulo Lopes
Pedras Grandes
Penha
Peritiba
Petrolândia
Piçarras
Pinhalzinho
Pinheiro Preto
Piratuba
Planalto Alegre
Pomerode
Ponte Alta
Ponte Alta do Norte
Ponte Serrada
Porto Belo
Porto União
Pouso Redon do
Praia Grande
Presidente Cas telo Branco
Presidente Getúlio
Presidente Nereu
Princesa
Quilombo
Rancho Queimad o
Rio das Antas
Rio do Campo
Rio do Oeste
Rio do Sul
Rio dos Cedro s
Rio Fortuna
Rio Negrinho
Rio Rufino
Riqueza
Rodeio
Romelân dia
Salete
Saltinho
Salto Veloso
Sangão
Santa Cecília
Santa Helena
Santa Rosa de Lim a
Santa Rosa do Sul
Santa Terezinha
Santa Terezinha do Progresso
Santiago do Sul
Santo Amaro da Imperatriz
São Bento do Sul
São Bernardino
São Bonifácio
São Carlos
São Cristovão do Sul
São Domingo s
São Francisco do Sul
São João Batista
São João do Itaperiú
São João do Oeste
São João do Sul
São Joaquim
São José
São José do Cedro
São José do Cerrito
São Lourenço do Oeste
São Ludgero
São Martinho
São Miguel da Boa Vista
São Miguel D'Oeste
São Pedro de Alcântara
Saudades
Schroeder
Seara
Serra Alta
Siderópolis
Sombrio
Sul Brasil
Taió
Tangará
Tigrinhos
Tijucas
Timbé do Sul
Timbó
Timbó Grande
Três Barras
Treviso
Treze de Maio
Treze Tílias
Trombudo Central
Tubarão
Tunápolis
Turvo
União do Oeste
Urubici
Urupema
Uruss anga
Vargeão
Vargem
Vargem Bonita
Vidal Ramos
Videira
Vitor Meireles
Witmarsum
Xanxerê
Xavantina
Xaxim
Zortéa
ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO - 2000
98
ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO – 2000
PADRÕES ÍNDICE NÍVEL EFICIÊNCIA
0,80 – 1,00 ALTO
0,65 – 0,79 MÉDIO ALTO
0,50 – 0,64 MÉDIO
0,30 – 0,49 MÉDIO BAIXO
0,00 – 0,29 BAIXO
MAPA 4: ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL - 2000
FONTE: SECRETARIA DE ESTADO DO DESENVOLVIMENTO
URBANO E MEIO AMBIENTE – SDM/SC
OBS: PADRÕES/ÍNDICE/NÍVEL EFICIÊNCIA SEGUEM NORMAS DO PNUD/ONU
Adotando-se o paradigma disjuntor-redutor ou dominante para a presente análise, os
municípios poderiam ser classificados seguindo a ordem representada na tabela abaixo, tendo-
se por base unicamente os indicadores quantitativos disponíveis:
Abdon Batista
Abelardo Luz
Agrolândia
Agronômica
Água Doce
Águas de Chapecó
Águas Frias
Águas Mornas
Alfredo Wagner
Alto Bela Vista
Anchieta
Angelina
Anita Garibaldi
Anitápolis
Antônio Carlos
Apiúna
Arabutã
Araquari
Araranguá
Armazém
Arroio Trinta
Arvoredo
Ascurra
Atalanta
Aurora
Balneário Arroio do Silva
Balneário Barra do Sul
Balneário Camboriú
Balneário Gaivota
Bandeirante
Barra Bonita
Barra Velha
Bela Vista do Toldo
Belmonte
Benedito Novo
Biguaçu
Blumenau
Bocaina do Sul
Bom Jardim da Serra
Bom Jesus
Bom Jesus do Oeste
Bom Retiro
Bombinhas
Botuverá
Braço do Norte
Braço do Trombudo
Brunópolis
Brusque
Caçador
Caibi
Calmon
Camboriú
Campo Alegre
Campo Belo do Sul
Campo Erê
Campos Novos
Canelinha
Canoinhas
Capão Alto
Capinzal
Capivari de Baixo
Catanduvas
Caxambu do Sul
Celso Ramos
Cerro Negro
Chapadão do Lageado
Chapecó
Cocal do Sul
Concórdia
Cordilheira Alta
Coronel Freitas
Coronel Martins
Correia Pinto
Corupá
Criciúma
Cunha Porã
Cunhataí
Curitibanos
Descanso
Dionísio Cerqueira
Dona Emma
Doutor Pedrinho
Entre Rios
Ermo
Erval Velho
Faxinal dos Guedes
Flor do Sertão
Florianópolis
Formosa do Sul
Forquilhinha
Fraiburgo
Frei Rogério
Galvão
Garopaba
Garuva
Gaspar
Governador Celso Ramos
Grão Pará
Gravatal
Guabiruba
Guaraciaba
Guaramirim
Guarujá do Sul
Guatambú
Herval d'Oeste
Ibiam
Ibicaré
Ibirama
Içara
Ilhota
Imaruí
Imbituba
Imbuia
IndaialIomerê
Ipira
Iporã do Oeste
Ipuaçu
Ipumirim
Iraceminha
Irani
Irati
Irineópolis
Itá
Itaiópolis
Itajaí
Itapema
Itapiranga
Itapoá
Ituporanga
Jaborá
Jacinto Machado
Jaguaruna
Jaraguá do Sul
Jardinópolis
Joaçaba
Joinville
José Boiteux
Jupiá
Lacerdópolis
Lages
Laguna
Lajeado Grande
Laurentino
Lauro Muller
Lebon Régis
Leoberto Leal
Lindóia do Sul
Lontras
Luiz Alves
Luzerna
Macieira
Mafra
Major Gercino
Major Vieira
Maracajá
Maravilha
Marema
Massaranduba
Matos Costa
Meleiro
Mirim Doce
Modelo
Mondaí
Monte Carlo
Monte Castelo
Morro da Fumaça
Morro Grande
Navegantes
Nova Erechim
Nova Itaberaba
Nova Trento
Nova Veneza
Novo Horizonte
Orleans
Otacílio Costa
Ouro
Ouro Verde
Paial
Painel
Palhoça
Palma Sola
Palmeira
Palmitos
Papanduva
Paraíso
Passo de Torres
Passos Maia
Paulo Lopes
Pedras Grandes
Penha
Peritiba
Petrolândia
Piçarras
Pinhalzinho
Pinheiro Preto
Piratuba
Planalto Alegre
Pomerode
Ponte Alta
Ponte Alta do Norte
Ponte Serrada
Porto Belo
Porto União
Pouso Redondo
Praia Grande
Presidente Castelo Branco
Presidente Getúlio
Presidente Nereu
Princesa
Quilombo
Rancho Queimado
Rio das Antas
Rio do Campo
Rio do Oeste
Rio do Sul
Rio dos Cedros
Rio Fortuna
Rio Negrinho
Rio Rufino
Riqueza
Rodeio
Romelândia
Salete
Saltinho
Salto Veloso
Sangão
Santa Cecília
Santa Helena
Santa Rosa de Lima
Santa Rosa do Sul
Santa Terezinha
Santa Terezinha do Progresso
Santiago do Sul
Santo Amaro da Imperatriz
São Bento do Sul
São Bernardino
São Bonifácio
São Carlos
São Cristovão do Sul
São Domingos
São Francisco do Sul
São João Batista
São João do Itaperiú
São João do Oeste
São João do Sul
São Joaquim
São José
São José do Cedro
São José do Cerrito
São Lourenço do Oeste
São Ludgero
São Martinho
São Miguel da Boa Vista
São Miguel D'Oeste
São Pedro de Alcântara
Saudades
Schroeder
Seara
Serra Alta
Siderópolis
Sombrio
Sul Brasil
Taió
Tangará
Tigrinhos
Tijucas
Timbé do Sul
Timbó
Timbó Grande
Três Barras
Treviso
Treze de Maio
Treze Tílias
Trombudo Central
Tubarão
Tunápolis
Turvo
União do Oeste
Urubici
Urupema
Urussanga
Vargeão
Vargem
Vargem Bonita
Vidal Ramos
Videira
Vitor Meireles
Witmarsum
Xanxerê
Xavantina
Xaxim
Zortéa
ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL - 2000
99
CLASSIFICAÇÃO
IDH*
Nível de
Eficiência
(0,800 – 1,000)
IDH –M** CLASSIFICAÇÃO
Nível de Eficiência
IDS ***
Primeiro (1º) Alto
Balneário Camboriú
(0,868)
Alto ( 0,80-1,00)
Balneário Camboriú
Itajaí
Segundo (2º) Alto Luís Alves (0,841)
Terceiro (3º) Alto Itapema (0,836)
Médio Alto
(0,65 - 0,79)
Bombinhas
Ilhota
Itapema
Luís Alves
Quarto (4º) Alto Bombinhas (0,810)
Quinto (5º) Alto Itajaí (0,803)
Sexto (6º) Alto Porto Belo (0,803)
Sétimo (7º) Alto Balneário Piçarras
(0,798)
Médio (0,50 - 0,64)
Porto Belo
Balneário Piçarras
Penha
Navegantes
Camboriú
Oitavo (8º) Alto Ilhota (0,795)
Nono (9º) Alto Penha (0,791)
Décimo (10º) Alto Navegantes (0,773)
Décimo Primeiro
(11º)
Alto Camboriú (0,764)
QUADRO 18 – IDH, IDH-M e IDS
FONTE: Adaptação de Borchardt, 2003; IBGE e PNUD/ONU
Quanto ao nível de eficiência do IDS, observa-se que os municípios de Balneário
Camboriú e Itajaí se destacam com alto nível, enquanto que os municípios de Bombinhas,
Ilhota, Itapema e Luís Alves são classificados com nível médio alto. Por sua vez, os
municípios de Porto Belo, Balneário Piçarras, Penha, Navegantes e Camboriú foram
classificados com nível médio.
Conforme mencionado no capítulo anterior, nota-se que alguns aspectos são
ignorados por estes indicadores sociais convencionais, dentre eles a questão ambiental. Ao
contrário do que se deduziria com base no paradigma disjuntor-redutor, a perspectiva da
complexidade nos leva a superar uma visão determinista, segundo a qual o potencial de
implementação do EC poderia ser concebido e compreendido a partir dos indicadores
quantitativos oficiais. Uma perspectiva unilateral, desta forma, poderia servir como base
epistemológica e ideológica para promover a manutenção das desigualdades sociais e do
processo de degradação ambiental. Afinal, o EC, sob a perspectiva unilateral de indicadores
quantitativos, não representaria um grande desafio para as políticas públicas na região, que
a classificação dos municípios está entre os níveis médio e alto.
100
Numa perspectiva que combina o paradigma da complexidade e a tese da terceira
via, o Estatuto da Cidade e a Agenda 21 representam um grande desafio para as políticas
públicas na região, ainda que os indicadores quantitativos não permitam vislumbrá-lo. Por ser
um tema transversal, o meio ambiente perpassa diversos setores sociais e áreas da
administração pública, induzindo da cidadania uma abordagem que associe sem fundir,
distinguindo sem isolar tais setores e áreas. A concepção e a compreensão do potencial de
implementação do Estatuto da Cidade torna-se, então, dependente de indicadores qualitativos,
mais do que quantitativos – mas preferencialmente combinados entre si. É a respeito disto que
trata o próximo item.
4.2 INDICADORES QUALITATIVOS
Buscando complementar os indicadores quantitativos oficiais de cada município,
elaborou-se, para esta pesquisa, indicadores qualitativos específicos. Tais instrumentos
permitem direcionar a aplicação de questionário e a realização de entrevistas em cada
município. A compreensão, ainda que parcial, do potencial de implementação democrática do
EC, é possível à medida que se concebe a realidade da participação civil e a iniciativa
institucional de cada prefeitura sob o enfoque complementar, ainda que também antagônico e
concorrente – portanto, em relação complexa – dos indicadores qualitativos e quantitativos.
Parte dos dados foi obtida via questionário (ver apêndice A) enviado às onze
prefeituras municipais dos onze municípios, encaminhados aos setores que tinham maior
ligação com o tema, como por exemplo, secretaria do meio ambiente, secretaria de
planejamento urbano, secretaria de obras e secretaria da agricultura. Ressalta-se que a coleta
dos dados, na maioria dos municípios, foi retardada pelo fato de que muitos municípios
desconheciam o tema em questão e não dispunham de profissionais capacitados para fornecer
as informações solicitadas.
Os dados da tabela 7, a seguir, foram coletados junto aos municípios no período
de novembro de 2005 a fevereiro de 2006. Destaca-se que, após a coleta dos dados, em
virtude do prazo estabelecido no Estatuto da Cidade para que os municípios elaborassem seu
101
Plano Diretor, alguns indicadores sofreram alteração, mas em razão da necessidade de
delimitação do tempo para coleta, não foram inseridos na tabulação final aqui apresentada.
9
Sobre a pesquisa qualitativa, Richardson (1999, p. 90) esclarece que "pode ser
caracterizada como a tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e
características situacionais apresentadas pelos entrevistados..." Conforme o autor (1999, p.
79), "o método qualitativo difere, em princípio, do quantitativo à medida que não emprega um
instrumental estatístico como base do processo de análise de um problema. Não pretende
numerar ou medir unidades ou categorias homogêneas".
Objetivou-se com a pesquisa qualitativa desfazer a aparência visível, observável,
dos indicadores quantitativos oficiais/convencionais, para compreender a realidade. Isto
porque, segundo Demo (2001b, p. 20) “o pesquisador não somente é quem sabe acumular
dados mensurados mas sobretudo quem nunca desiste de questionar a realidade, sabendo que
qualquer conhecimento é apenas recorte”.
Entendemos que, dadas as características de cada município e da complexidade da
região, a pesquisa qualitativa foi de fundamental importância para a compreensão, ainda que
parcial, da complexidade das questões socioambientais e institucionais, que os indicadores
quantitativos mostram apenas em fragmentos isolados, ou mesmo ignoram.
Os indicadores qualitativos da tabela 7 foram escolhidos considerando-se sua
importância para o exercício da gestão democrática nas cidades, preconizada pelo Estatuto e,
também, supondo-se que a governança nos municípios da região é fortalecida por esses
indicadores, assim como o capital social.
Sobre governança, Kissler e Heidemann (2006, p. 482) esclarecem que:
Sob a ótica da ciência política, a governança pública está associada a uma mudança
na gestão política. Trata-se de uma tendência para se recorrer cada vez mais à
autogestão nos campos social, econômico e político e uma nova composição de
formas de gestão d decorrentes. Paralelamente à hierarquia e ao mercado, com
suas formas de gestão à base de “poder e dinheiro” ao novo modelo somam-se a
negociação, a comunicação e a confiança. Aqui a governança é entendida como uma
alternativa para a gestão baseada na hierarquia. Em relação à esfera local, ela
significa que as cidades fortalecem cada vez mais a cooperação com os cidadãos, as
empresas e as entidades sem fins lucrativos na condução de suas ações.
9
No município de Balneário Camboriú, o Plano Diretor está em vias de ser votado junto à Câmara Legislativa
Municipal. Depois da coleta dos dados e das entrevistas realizadas, foram realizadas audiências públicas para a
revisão e elaboração do novo plano. No caso do Município de Navegantes, conforme informação repassada à
esta pesquisadora via e-mail por um dos entrevistados, no mês de dezembro de 2006, o município deu início a
uma série de audiências públicas para a revisão do seu plano diretor.
102
Assim, a noção de governança compreende não a capacidade de o governo
tomar decisões com presteza, mas também sua habilidade de sustentar suas políticas, gerando
decisões e condições para o desenvolvimento de práticas cooperativas, o que implica romper
com a rigidez do padrão tecnocrático de gestão pública. Na questão urbana isso se torna
imprescindível, pois segundo Frey (2004, p. 118):
[...] O dilema enfrentado pelo gestor urbano entre precisar criar condições favoráveis
para uma inserção progressiva dos setores mais modernos e dinâmicos da cidade no
mundo da economia globalizada, e procurar medidas e políticas capazes de mitigar
os crescentes problemas sociais, econômicos e ambientais que afetam os setores
sociais mais empobrecidos revela o estado precário e delicado da gestão pública nas
sociedades em desenvolvimento.
Dentro deste contexto, apresentaremos alguns conceitos determinantes para a
compreensão dos indicadores propostos:
Agenda 21: é uma carta de princípios e um programa de ação voltado para o futuro,
fruto de negociação exaustiva entre os países presentes na Conferência sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento, a chamada Rio-92, convocada pela ONU e realizada no Rio de Janeiro
em junho de 1992. Pode-se dizer que a Agenda 21 é um compromisso político de alto nível.
Segundo Camargo, a Agenda 21 é (2003, p. 119):
Dividida em 40 capítulos que definem metas e ações, a Agenda 21 é a bíblia do
desenvolvimento sustentável e também a carta de alforria das cidades do mundo
inteiro em sua busca do desenvolvimento em patamares mais elevados, com
equilíbrio ambiental, justiça social e qualidade de vida para todos os seus cidadãos.
Além de recomendação e metas, a agenda baseia-se em princípios gerais, valores e
uma nova cultura: uma nova maneira de ver e de fazer políticas públicas.
Ribeiro (2005), por sua vez, assim define Agenda 21: é um instrumento para
negociação de conflitos; o principal documento assinados na Rio-92; movimento pelo
desenvolvimento sustentável; instrumento para consolidar democratização e cidadania;
instrumento para competir na captação de recursos para o desenvolvimento; instrumento de
transformação cultural e cívica; carta de intenções e recomendações; documento contendo
princípios, diretrizes, norte e orientações; pacto entre atores para ética de responsabilidade;
elenco de estratégias e proposições para o desenvolvimento sustentável; e compromisso com a
sustentabilidade.
Este documento estabelece uma base sólida para a promoção do desenvolvimento
sustentável em matéria de progresso social, econômico e ambiental, dividindo-se em quatro
103
áreas principais: dimensões sociais e econômicas, conservação e gestão dos recursos para o
desenvolvimento, fortalecimento do papel de grupos principais e meios de implementação.
A importância da adoção desse documento em nível local, como referência para
ecologizar a administração municipal, é fundamental para enfatizar a necessidade da ação
local, da participação comunitária e da gestão participativa. Nesse contexto, a existência de
uma Agenda 21 local nos municípios estudados se configura como um importante indicador
do potencial de implementação do Estatuto da Cidade.
Ribeiro (2005, p. 147) ressalta que “a Agenda 21 é instrumento para criar e
manter campo de força que influencie políticas públicas, que exerça atração sobre vontades
individuais e coletivas, infletindo processos de degradação social e de empobrecimento
econômico”.
Conselhos municipais: com a Constituição Federal de 1988, estabeleceram-se os
conselhos de gestão setoriais nas políticas públicas. Com isso, a nova Carta Constitucional
criou o desenho de uma nova institucionalidade abarcando diferentes sujeitos sociopolíticos e
culturais nos âmbitos estatal e societal (SANTOS Jr et al., 2004). “Os conselhos gestores
setoriais são uma das principais inovações democráticas no campo das políticas públicas ao
estabelecerem espaços de interlocução permanente entre a sociedade política e a sociedade
civil organizada” (SANTOS JR et al., 2004, p. 66).
Conforme Lüchmann (2002) a implementação de conselhos em diferentes áreas
de atuação governamental é resultante de uma soma de esforços de distintos segmentos
políticos e sociais, com o objetivo de reconduzir a atuação governamental em direção à
promoção de maiores condições de igualdade social. “A participação da sociedade civil junto
a esses espaços de discussão e deliberação de políticas públicas é o marco central de
diferenciação em relação aos modelos tradicionais de gestão” (LÜCHMANN, 2002, p. 60).
Para a autora:
Os Conselhos Gestores de Políticas são espaços de articulação entre a sociedade
civil e o Estado que discutem, definem e/ou deliberam acerca das políticas públicas,
e que passam efetivamente a tomar corpo e se generalizar por todo o país a partir da
Constituição de 1988, em grande parte como resultado das lutas de significativos
setores organizados da sociedade civil (LÜCHMANN, 2002, p. 53).
Plano Diretor: os artigos 39 a 42 do Estatuto da Cidade tratam do Plano Diretor.
O artigo 39 prescreve que a propriedade urbana cumpre sua função social quando cumpre as
exigências fundamentais de ordenação da cidade manifestas no Plano Diretor, garantindo o
104
atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao
desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no artigo 2.º
desse diploma legal. O Plano Diretor é um instrumento básico da política de desenvolvimento
e expansão urbana e parte integrante do processo de planejamento. Além de determinar a
função social da propriedade urbana, ele engloba o território municipal por inteiro
(GASPARINI, 2002).
Com relação ao Plano Diretor, Moraes (2002, p. 1865) destaca que:
O legislador constituinte previu uma competência legislativa especial aos
municípios, relacionada à política de desenvolvimento urbano, que será executada
pelo Poder Público municipal. Conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tendo por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o
bem-estar de seus habitantes, possibilitando verdadeira reforma urbana.
A competência para elaborar o Plano Diretor é do Município, no qual a
responsabilidade pela consecução do mesmo cabe ao Executivo que, em princípio, é mais
capacitado tecnicamente, mais conhecedor da realidade local e mais próximo dos desejos da
comunidade (GASPARINI, 2002). “Embora deva ser uno e único, sua atualização, quando
necessária ao atendimento das reivindicações da comunidade, é imprescindível. O Plano
Diretor não é estático, exigindo, assim, constantes atualizações pontuais”. (GASPARINI,
2002, p. 201).
De acordo com Bassul (2005, p. 130) o Plano Diretor é
Obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes e referência
constitucional para o cumprimento da função social da propriedade, passa a ser
exibido também para as cidades integrantes de áreas de especial interesse turístico,
para aquelas influenciadas por empreendimentos com impacto ambiental
significativo e para as que pretendam utilizar os instrumentos do Estatuto. Deve ser
elaborado e implementado democraticamente e seu conteúdo incorporado pela
legislação orçamentária.
Gestão Democrática da Cidade: realizada através de vários instrumentos, como
órgãos colegiados de política urbana, nos vários níveis, debates, audiências e consultas
públicas, conferências sobre assuntos de interesse urbano, iniciativa popular de projeto de lei
e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (Art.43 do EC).
A gestão democrática segundo Bassul (2005, p. 130) se estabelece por meio da
“ação de conselhos de política urbana, da iniciativa popular de leis e da realização de debates,
audiências, conferências e consultas públicas.”
105
Citado por Bassul, Cardoso declara que a gestão democrática da cidade,
Significando aqui a ampliação do direito de cidadania através da institucionalização
da participação direta da sociedade nos processos de gestão, como forma
complementar à democracia representativa. A concretização deste princípio se
traduziria na proposição de leis e nos processos de elaboração e implantação de
políticas urbanas, dando ênfase à representação das entidades comunitárias
(CARDOSO, 2003, p. 30 citado por BASSUL, 2005, p. 143-144).
Para Dexheimer (2006) é esta relação salutar entre o espaço da representação e o
espaço da participação que se pretende manifestar. Construir uma democracia participativa
não significa que toda decisão política ocorra por mediação de assembléias populares, mas
sim, combinados entre momentos democráticos de representação com participação direta.
Ampliar os instrumentos de participação por meio de lei é importante, pois
viabiliza o exercício da garantia constitucional democrática. No entanto, em que pese a
Constituição de 1988 determinarmos que o Estado seja constitucional e democrático de
direito, cujo fundamento basilar é a democracia por excelência, a prática tem demonstrado
que a democracia tem sido um mero regime de exercício do poder, uma mera opção política
dos nacionais por um modelo que garanta ótimas decisões políticas com o menor investimento
possível de recursos públicos” (APPIO, 2005, p. 27) ou, em outros termos, “uma luta
competitiva pelo voto” (LÜCHMANN, 2003, p. 167).
Isso contraria a essência constituinte no sentido de que os nacionais devem
participar não somente da escolha dos governantes, mas também da escolha do conteúdo e da
forma de execução das políticas públicas, que a democracia substancial promove a
“conjugação dos valores de cidadania e dignidade da pessoa humana” (APPIO, 2005, p. 27).
As tensões entre a democracia representativa e a direta não se reproduzem de
modo passivo. Bobbio esclarece que “democracia representativa e democracia direta não são
dois sistemas alternativos, mas sistemas que podem se integrar reciprocamente” (2004, p. 65).
A democracia deliberativa tem “uma natureza mais ética que política [ao contrário da
representativa, que é mais política]: o poder é um dado sistêmico ineliminável, mas é possível
minimizar seus efeitos deletérios mediante a expansão” de focos deliberativos ampliados,
“nos quais prevaleçam uma racionalidade comunicativa, uma idéia forte de bem comum e
uma disposição para interagir e dialogar” (NOGUEIRA, 2004, p. 138), e que pensa o Estado
como “um dado da vida dificilmente controlável ou modelável e concebe a sociedade civil
como palco em que se pode organizar o entendimento dialógico de atores dispostos à
deliberação cívica.” (NOGUEIRA, 2004, p. 138).
106
Mecanismos como os Conselhos Gestores de Políticas Públicas (no campo da
saúde, da assistência social, dos direitos da criança e do adolescente e agora no campo da
política urbana, como previsto no EC), bem com o orçamento participativo, são exemplos de
novos espaços de cooperação entre a sociedade e o Estado, que assumem condição relevante
para alcançar-se os objetivos da democracia participativa.
De acordo com Saule Júnior e Rolnik (2001, p. 7):
O desafio lançado pelo Estatuto incorpora o que existe de mais vivo e vibrante no
desenvolvimento de nossa democracia – a participação direta (e universal) dos
cidadãos nos processos decisórios. Audiências públicas, plebiscitos, referendos,
além da obrigatoriedade de implementação de orçamentos participativos são assim
mencionados como instrumentos que os municípios devem utilizar para ouvir,
diretamente, os cidadãos em momentos de tomada de decisão sobre sua intervenção
sobre o território.
Assim, o EC, ao introduzir a gestão democrática da cidade por meio da
participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da
comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de
desenvolvimento urbano passa a ser um instrumento a serviço do Estado para garantir o
direito dos cidadãos a uma nova política urbana e também um instrumento que direcione para
a perspectiva da democracia participativa.
A estes quatro grandes indicadores – existência de Agenda 21, de Conselhos
Gestores Municipais, de Plano Diretor e Gestão Democrática da Cidade, representada por
vários instrumentos, como audiências públicas, foram acrescentados outros, complementares,
como participação nas Conferências Regional e Estadual das Cidades, projetos encaminhados
à Câmara referentes ao EC, grupo de discussão sobre o EC, como se vê na tabela a seguir:
108
A tabela 8, a seguir, foi elaborada com o propósito de complementar a tabela 7,
em levantamento posterior, feito por telefone e Internet. Entendemos que a existência de
programa de coleta seletiva é um indicador de tendência à busca de sustentabilidade
ambiental, enquanto o uso da Internet para divulgação de informações sobre o município
revela uma tendência à busca de transparência democrática. Estes dois indicadores são
pertinentes do ponto de vista de uma política sustentável e dialógica, como a da terceira via
proposta por Giddens. Observa-se que a tecnologia de comunicação está mais avançada do
que a de saneamento ambiental: apenas dois municípios dispõem de programa de coleta
seletiva, enquanto todos dispõem de website próprio (ainda que com muita disparidade
entre eles, no que se refere à transparência das informações).
TABELA 8 – COLETA SELETIVA DE LIXO E USO DE INTERNET
MUNICÍPIO
S
Coleta Seletiva
de Lixo
website próprio para divulgação de
informações e dados do município
Balneário
Camboriú
Sim
http://www.camboriu.sc.gov.br
Bombinhas
Não
http://www.bombinhas.sc.gov.br
Camboriú
Não
http://www.camboriunet.hpg.ig.com.br/
Ilhota
Não
http://www.ilhota.sc.gov.br
Itajaí
Sim
http://www.itajai.sc.gov.br/
Itapema *
Não
http://itapema.sc.gov.br/home/
Luis Alves
Não
http://www.luisalves.sc.gov.br/home/
Navegantes
Não
http://www.navegantes.sc.gov.br
Penha
Não
http://www.penha.sc.gov.br
Balneário
Piçarras
Não
www.picarras.sc.gov.br
Porto Belo
Não
http://www.portobelo.sc.gov.br
FONTE: Elaboração própria, a partir de dados de Prefeituras e Engepasa.
Segundo informações coletadas, o município de Itapema em breve estará
implantando o sistema de coleta seletiva, em acordo com a empresa Engepasa Ambiental
Ltda. No município de Luís Alves uma empresa, sem vínculo com a prefeitura, que recicla
109
o lixo recolhido pelo município, através da coleta convencional. Já no município de Penha,
não existe a coleta seletiva instituída, mas existe uma empresa particular, também sem vínculo
com a prefeitura, que recolhe o material pelos moradores que fazem a separação, para
posterior reciclagem.
A seguir, apresentam-se outros indicadores qualitativos, complementares aos
anteriores, representados pelo conteúdo das entrevistas abertas e semi-estruturadas realizadas
no período de novembro de 2005 a maio de 2006, com atores considerados relevantes em
cada município por estarem ligados ao tema em questão. Salienta-se que buscando obter das
entrevistas informações mais precisas e que não tivessem cunho ‘populista’, optou-se por
entrevistar técnicos da área com mais afinidade na questão em cada município, e não os
próprios gestores públicos.
É importante salientar que as entrevistas não foram gravadas em razão da falta de
privacidade no ambiente de trabalho dos entrevistados. A presença de outros profissionais no
mesmo ambiente, além da circulação de várias pessoas, conduziu ao modelo de entrevista
escolhido, ou seja, entrevista aberta e semi-estruturada.
Na entrevista semi-estruturada, segundo Minayo (2000), o entrevistado tem a
possibilidade de discorrer o tema proposto sem respostas ou condições pré-fixadas de modo
rígido pelo entrevistador. A entrevista pode ser considerada, assim, um guia “facilitador de
abertura, de ampliação e de aprofundamento da comunicação” (MINAYO, 2000, p. 99).
Apresenta-se a seguir, o conteúdo das entrevistas realizadas.
Município de Itajaí
Entrevistado 01 - Entrevista realizada em 17/11/2005 LOCAL: FAMAI
Fundação Municipal do Meio Ambiente de Itajaí.
Inicialmente, a entrevistada salientou que a Agenda 21 de Itajaí é um documento
que se encontra em processo de construção, mas que funciona com várias ações junto à
comunidade, fortalecendo, inclusive, as Associações de Moradores. Foi criado um Fórum
Permanente da Agenda 21 do município de Itajaí, através do Decreto Municipal nº 6.459 de
13 de março de 2002. É composto por 18 (dezoito) entidades, sendo 9 (nove) governamentais
e 9 (nove) não governamentais.
Tem funcionado (e esse é um dos seus objetivos, segundo a entrevistada) como
multiplicadora para maior participação da comunidade, como, por exemplo, promovendo
palestras para os professores da rede pública municipal sobre o que é o Plano Diretor. As
110
reuniões da Agenda 21, segundo a entrevistada, são marcadas preferencialmente fora do
horário comercial, mensalmente, objetivando uma maior participação da comunidade.
Atualmente, a educação ambiental foi incluída no currículo formal das escolas municipais.
Sobre o Conselho de Meio Ambiente, a entrevistada salientou que, apesar do
mesmo existir algum tempo, está desativado, sendo que em 1999 o mesmo sofreu uma
grande “derrota”, pois perdeu seu caráter deliberativo para transformar-se em um órgão de
caráter apenas consultivo.
Na atual administração, a Agenda 21 solicitou ao Prefeito um projeto de lei para
alterar o caráter consultivo do denominado Conselho de Meio Ambiente do Município
(CONDEMA), que passaria a ter novamente caráter deliberativo, o que foi aprovado pelo
Executivo. Agora, o Conselho está sendo reativado e sua composição também foi alterada,
passando a ser composto por 26 (vinte e seis) entidades, sendo 13 (treze) governamentais e 13
(treze) não governamentais, sendo convidadas aquelas mais atuantes no município nos
últimos anos.
Quanto às audiências públicas e palestras acerca do Plano Diretor, a entrevistada
afirmou estarem acontecendo, mas a metodologia de participação proposta pelo Núcleo
Gestor do Plano Diretor, que vem conduzindo essas reuniões, vem sendo questionada pela
Agenda 21.
Salientou que o atual Secretário da Fundação do Meio Ambiente de Itajaí
(FAMAI) tem contribuído para que a gestão democrático-participativa, em torno da matéria
ambiental, apresentando progressos no município atualmente, assim como ressalta também a
importância da participação da comunidade na construção da Agenda 21 do município e na
implementação do Estatuto da Cidade.
Entrevistado 02 - Entrevista realizada em 08/12/2005 LOCAL: Prefeitura
Municipal de Itajaí – Secretaria do Planejamento.
Funcionário de carreira, 20 anos na Prefeitura, o entrevistado considera que a
mera edição do Estatuto da Cidade não trará resultados satisfatórios, pois isso não basta para
sua efetiva implementação pelos municípios.
Sobre o papel da administração atual acerca da implementação do Estatuto da
Cidade no município de Itajaí/SC, o entrevistado disse que inicialmente foi difícil para a
administração, como Poder Executivo, entender que o novo Plano Diretor tinha que ter uma
ampla discussão, mas, como o setor técnico está bastante envolvido, foi possível implementar
111
alguns instrumentos que puderam contribuir para uma gestão participativa na elaboração do
novo Plano Diretor.
O entrevistado citou, assim, os instrumentos utilizados pelo município: o próprio
Orçamento Participativo, a Conferência da Cidade, realizada pelo município e o Núcleo
Gestor do Plano Diretor, formado por 52 membros, sendo 26 de entidades governamentais e
26 de entidades não governamentais, os quais funcionam como instrumentos para captação de
dados para a revisão do Plano Diretor. Destacou o entrevistado que a discussão do Plano
Diretor está relacionada diretamente com a questão do Orçamento Participativo.
Sobre a gestão democrática da cidade, o entrevistado ressaltou que o processo de
discussão é importante e que é preciso criar mecanismos para a gestão democrática, como o
Conselho da Cidade, e não simplesmente elaborar um Plano Diretor participativo.
A vontade política, embora existente na atual administração, não era suficiente
para saber o que fazer, que durante praticamente oito anos o planejamento urbano em Itajaí
foi tecnocrático.
Por meio do Núcleo Gestor, órgão criado por Decreto e que tem como proposta
transformar-se no Conselho da Cidade, enfocou-se o que a comunidade espera da cidade onde
vive e o que fazer para melhorar essa cidade. Quanto aos instrumentos previstos no Estatuto
da Cidade, o entrevistado destacou que os mesmos serão analisados pelo Núcleo Gestor, com
a ajuda de uma equipe técnica de fora.
Sobre a troca de informações entre as Secretarias de Governo, o entrevistado
destacou que infelizmente isso não funciona da maneira como deveria e ressaltou que a
Procuradoria do Município, por exemplo, tem exercido apenas o papel de observadora do
Núcleo Gestor.
Ressaltou também que embora o tempo para discussão do Plano Diretor seja
reduzido, preferiu-se dar ênfase no ano de 2005, pois em 2006 as críticas e sugestões
poderiam ter cunho populista, em face de ser ano eleitoral.
Entrevistado 03 - Entrevista realizada em 22/03/2006 LOCAL: Universidade
do Vale do Itajaí (UNIVALI).
Perguntado acerca da construção da Agenda 21 do município de Itajaí, o
entrevistado respondeu que o município se destaca entre os demais, por ter criado alguns
instrumentos de participação, embora ressalte que não tem havido uma integração adequada
112
entre esses instrumentos, como entre o Núcleo Gestor do Plano Diretor, o Orçamento
Participativo e a própria Agenda 21.
Isso porque, segundo ele, há, no governo atual, uma necessidade de
“protagonismo” nas suas ações, quando, na verdade, todas as iniciativas, tanto da parte do
governo, como por parte de outras instituições, deveriam estar integradas.
Defendeu a idéia de que a Agenda 21 deveria ser vista não como instituição, mas
como espaço, que deveria abranger todas as demais ações, como no caso do Núcleo Gestor do
Plano Diretor, que foi criado para discussão da revisão do Plano Diretor do município, o qual,
na opinião do entrevistado, foi mal conduzido e teve pouco tempo para as discussões a que se
destinava, além do fato de que os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade não foram
discutidos.
Destacou ainda que o objetivo da Agenda 21 não pode ser apenas ter o documento
pronto, pois ela deve ser um instrumento de participação, tanto que existe um programa de
Agentes 21 em desenvolvimento, objetivando fortalecer espaços de participação na
comunidade.
Na visão do entrevistado, muito que fazer, pois instrumentos como o
Orçamento Participativo, por exemplo, ainda se limitam a prioridades orçamentárias, faltando
a integração de ações, o que acaba por gerar um falso processo participativo.
Município de Balneário Camboriú
Entrevistado 04 - Entrevista realizada dia 13/02/2006 Local: Secretaria do
Meio Ambiente do Município.
Perguntado acerca da agenda 21 no município, o entrevistado respondeu que o
documento está em elaboração e que o processo começou em 1998. Houve a edição do
Decreto Municipal criando o Fórum de discussão para a elaboração da Agenda 21, mas na
verdade durante muito tempo esse Fórum permaneceu apenas no papel. Não havia, de fato, um
grupo de discussão que desse andamento aos trabalhos. Somente em setembro de 2003 é que
se iniciaram os trabalhos, com a divulgação do próprio Documento (Agenda 21) junto à
comunidade.
Em 2004 iniciaram-se as reuniões com a comunidade e em 2005 novas reuniões
foram marcadas, mas a partir desse ano as mesmas, na visão do entrevistado, passaram a ter
um perfil “autoritário”. A explicação é a de que, segundo o entrevistado, muitos problemas
113
de articulação e de participação, pois a visão atual é que a Agenda 21 encaminhe as sugestões
prontas para a comunidade, sem uma discussão com esta ou coleta de informações.
Atualmente, as reuniões sequer estão sendo feitas, prejudicando o trabalho inicial realizado.
O município acabou não sendo contemplado com uma verba federal para a implementação da
Agenda 21, ao contrário do Município de Itajaí, que recebeu tal verba.
Ainda assim, na visão do entrevistado, o município avançou na Agenda 21. O
resultado mais visível é nas escolas, onde a educação ambiental, trabalhada de forma
interdisciplinar, tem produzido bons resultados.
Sobre a existência de Conselho de Meio Ambiente no Município, o entrevistado
afirmou que o mesmo não está funcionando atualmente. Está sendo reativado, inclusive com a
reformulação do Decreto que o criou, pois não paridade nos órgãos que o compõem; a
sociedade não está devidamente representada. A proposta atual é para que o mesmo passe a ser
deliberativo, mas isso somente trará benefícios se houver uma composição que realmente
represente adequadamente a sociedade, o que não existe com a atual composição. Ainda existe
uma visão do gestor de que a secretaria do meio ambiente deveria, sim, criar mecanismos para
se defender do Ministério Público e das ONGs. Atualmente, o Coordenador da Agenda 21 é o
próprio Secretário, o que na visão do entrevistado prejudica os trabalhos, que não um
rodízio para essa coordenação. Segundo o entrevistado, na gestão passada havia uma maior
abertura na condução dos trabalhos da secretaria e da própria Agenda 21.
Entrevistado 05 Entrevista realizada dia 10/03/2006 Local: Prefeitura
Municipal.
um ano prestando serviços junto à Prefeitura Municipal, perguntado acerca do
Estatuto da Cidade, o entrevistado respondeu que existe uma Comissão de Projetos Especiais
(relacionadas à habitação popular, revisão de planta de valores e do cadastro, que servirão para
a revisão do Plano Diretor), mas que no momento não qualquer comissão específica para
tratar da questão da implementação do Estatuto da Cidade no município. Entretanto, ressaltou
que o município, em breve, criará uma comissão para tratar especificamente da revisão do
Plano Diretor e que inclusive, será contratada, por meio de processo licitatório, uma empresa
que fará a revisão do plano e promoverá as audiências públicas.
Questionado mais especificamente sobre o Estatuto, o entrevistado declarou
desconhecer maiores detalhes a respeito, apenas ressaltou que o município, utilizando a verba
obtida com o instrumento do solo criado, previsto no atual Plano Diretor, promoveu o
114
desassoramento do Rio Peroba, que corta o município, reassentando as famílias que estavam
nas margens, contribuindo para obstar a degradação ambiental dessa região.
Registrou também a existência no Município do CUIDA (Comissão Urbana de
Contenção da Ocupação Irregular e Degradação Ambiental de Balneário Camboriú). Demais
questões formuladas não foram respondidas pelo entrevistado, já que este mencionou não estar
diretamente ligado às questões do Estatuto da Cidade.
Em 17/05/2006, essa pesquisadora esteve novamente na Prefeitura Municipal
coletando mais informações acerca do Estatuto da Cidade, quando foi informada de que a
licitação para a contratação da empresa responsável pela revisão do Plano Diretor já havia sido
concluída e que, apesar dos trabalhos não terem iniciado, o município aguardava a orientação
da empresa para a capacitação das pessoas que fazem parte das Comissões criadas pelo
Decreto 4369/2006 (Conselho Municipal de Política Urbana e Comitê Executivo do Plano
Diretor) para dar início à realização das audiências públicas. Não há atualmente qualquer troca
de informações com a Agenda 21 do município quanto às questões relacionadas à revisão do
Plano Diretor e Estatuto da Cidade, segundo informações colhidas.
Entrevistado 06 - Entrevista realizada dia 08/05/2006 Local: Fórum da
Comarca de Balneário Camboriú.
Questionado acerca da revisão do Plano Diretor do município, o entrevistado
respondeu que o Plano Diretor do município, Lei 1677/97, modificado pela Lei 2195/2002,
tem sua constitucionalidade questionada judicialmente, por meio de uma Ação Direta de
Constitucionalidade, proposta pelo Ministério Público. Tal ação atualmente encontra-se no
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina e aguarda julgamento, por possibilitar uma
utilização mais ampla do solo urbano, em afronta ao art. 25 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias da Constituição Estadual de Santa Catarina.
Explicou também que, recentemente, referido Plano Diretor municipal foi
novamente alterado pela Lei municipal 2.555, de 24 de janeiro de 2006, a qual altera e
acrescenta dispositivos que mudam substancialmente o Plano Diretor da Cidade,
possibilitando outra vez e, ainda mais, maior ocupação do solo, isso sem qualquer participação
da sociedade civil. Esta recente lei trata do índice de aproveitamento do terreno nas áreas mais
nobres da cidade. Segundo o entrevistado, a nova legislação, além de permitir maior uso do
solo urbano, por simples projeto de lei, sem qualquer consulta ou discussão com a sociedade,
115
ainda gera benesses aos construtores que desobedeceram ao Plano Diretor, impondo multa
compensatória aquém da prevista.
Esta última lei municipal acima referida também foi objeto de ação civil pública
pelo Ministério Público. Por meio desta obteve-se liminar para suspender a validade das
aprovações de projetos de construção procedidos e proibir o município de aprovar novos
projetos de construção com base na mesma.
O entrevistado ressaltou também que o processo legislativo para a edição da lei
2.555/2006 não observou a realização de audiências públicas e que, inclusive, pode-se afirmar
que a mesma foi redigida pelos próprios construtores da cidade. Salientou que a pretendida
participação da sociedade, conforme exige o Estatuto da Cidade, não vem sendo observada
pelo município. Destacou que no município todas as associações de moradores estão
atualmente constituídas legalmente, sendo imprescindível para a validade do novo plano
diretor a participação de todas essas associações, conforme exigido pelo Estatuto da Cidade.
Município de Itapema
Entrevistado 07 Entrevista realizada dia 24/04/2006 Local: Prefeitura
Municipal de Itapema.
Questionada acerca da existência de Agenda 21 no município, a entrevistada
respondeu que na verdade não existe nem o Decreto criando o Fórum, e um dos motivos disso
é a falta de recursos para implementação dessa Agenda. Informou que não existe uma
Secretaria específica do Meio Ambiente, mas existe a Fundação do Meio Ambiente. Sobre a
existência de Conselho do Meio Ambiente, ele existe e vem atuando no município, com
reuniões mensais.
Sobre o Plano Diretor do município e implementação do Estatuto da Cidade a
entrevistada respondeu que o município, no ano de 2002, aprovou a Lei Complementar 7
,de 06 de fevereiro de 2002, a qual instituiu o novo Plano Diretor do município que, segundo
ela, não precisará ser revisto, haja vista ter sido elaborado de acordo com as diretrizes do
Estatuto da Cidade, tendo sido precedido de várias reuniões com empresários e presidentes de
Associações de Moradores do município. Em razão disso, nada se comenta sobre o Estatuto da
Cidade e tampouco estão sendo realizadas discussões sobre o Plano Diretor, até porque o atual
quadro de engenheiros e arquitetos da prefeitura é insuficiente para dar conta da demanda dos
serviços da Secretaria de Planejamento.
116
Sobre o Conselho de Planejamento Urbano existente no Município, a entrevistada
informou que o mesmo não está funcionando, apesar de existir desde 2002, isso porque a Lei
Complementar 011/2002, que trata do zoneamento e uso do solo e que criou o Conselho acima
referido, foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) pelo Ministério
Público da Comarca de Itapema.
Conforme informações obtidas junto à Promotoria de Justiça desta Comarca,
houve o deferimento de liminar na mencionada ação, que suspendeu a eficácia da Lei
011/2002. Segundo a entrevistada essa ação judicial teria sido desencadeada por algumas
associações de moradores que questionam as mudanças trazidas com a referida lei, no que diz
respeito ao número de pavimentos permitidos para construção, fato que produzirá sérios
prejuízos para a orla.
Município de Bombinhas
Entrevistado 08 Entrevista realizada dia 25/01/2006 Local: Secretaria de
Obras de Bombinhas.
Sobre a Agenda 21 no Município, a entrevistada respondeu que existe uma Lei
Ordinária Municipal de 2005, Lei nº 855/2005, que criou o Programa da Agenda 21 local, mas
que, na verdade, o processo de construção dessa agenda iniciou-se em 2002, apesar do
documento ainda não estar concluído. Informou também que não no município uma
secretaria específica do meio ambiente, mas que existe um departamento do meio ambiente
vinculado à secretaria de planejamento. Ressaltou que no município sempre houve a
participação da sociedade civil no processo de construção dessa Agenda 21, através de
diversas entidades e pessoas da comunidade, sendo que desde agosto de 2005 estão se
realizando audiências e fóruns mensais na Câmara de Vereadores do Município.
Sobre o Plano Diretor, que é de 1997, criado através da Lei Ordinária 326/97 a
entrevistada informou que o município está preparando um edital para licitar uma empresa que
fará a revisão desse Plano Diretor. Segundo a entrevistada, no governo atual percebe-se que há
um certo receio da participação da sociedade civil nas questões que são colocadas em pauta
pela Agenda 21, mas que durante a revisão do Plano Diretor a coordenação da Agenda 21 vai
reivindicar seu direito de participar ativamente das discussões. Inclusive está preparando uma
proposta relativa ao tratamento de efluentes e desperdício de água no município para ser
incluída no novo Plano Diretor.
117
Destacou também a entrevistada que está em desenvolvimento nas escolas do
município a educação ambiental e que está sendo elaborada uma Agenda 21 escolar.
O Município de Bombinhas, segundo informações coletadas por essa pesquisadora
depois da entrevista, elaborará seu Plano Diretor em parceria com a AMFRI e UNIVALI.
Município de Camboriú
Entrevistado 09 Entrevista realizada dia 14/12/2005 Local: Secretaria da
Agricultura e Meio Ambiente do Município.
Questionada acerca da Agenda 21 no município de Camboriú, a entrevistada
esclareceu que, embora exista no município um Decreto Municipal criando o Fórum de
discussão para a elaboração do documento (Decreto 150/2004), que tem como integrante as
Secretarias municipais, ONGs sociais e ambientais, Associações de Moradores, Setores
econômicos do Município, Colégio Agrícola de Camboriú e empresas e instituições
interessadas, de fato o processo de elaboração está paralisado, à exceção das escolas do
município, que vêm adotando várias iniciativas propostas por pessoas que anteriormente
coordenavam o projeto.
Sobre o Conselho de Meio Ambiente, a entrevistada informou que o mesmo está
funcionando desde julho de 2005 e que foi criado em razão da exigência da FATMA
(Fundação do Meio Ambiente) para a realização de convênios do Município junto a esse
órgão. Referido Conselho, denominado Conselho Municipal do Desenvolvimento Rural e do
Meio Ambiente de Camboriú, foi criado pela Lei 1643/2005, sendo assim composto:
Dos órgãos públicos, empresas e instituições:
- 01 (um) representante do Poder Legislativo do município de Camboriú/SC;
- 01 (um) representante do Colégio Agrícola de Camboriú/SC;
- 01 (um) representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Camboriú/SC;
- 01 (um) representante da Secretaria de Planejamento, Indústria, Comércio e Turismo do
município de Camboriú/SC;
- 02 (dois) representantes da Secretaria da Agricultura e do Meio Ambiente do município de
Camboriú/SC;
- 01 (um) representante da Empresa de Pesquisa Agro-pecuária e Extensão Rural de Santa
Catarina (EPAGRI);
- 01 (um) representante da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa
Catarina (CIDASC);
- 01 (um) representante de uma Instituição Financeira;
118
- 01 (um) representante da Associação Municipal de Agricultoras de Camboriú/SC (AMAC).
b) Dos representantes das áreas rurais agrícolas (localidades):
- 01 (um) representante do Braço, Lajeado, Encantada;
- 01 (um) representante dos Macacos, Vila da Pedra;
- 01 (um) representante da Vila Conceição;
- 01 (um) representante do Rio Canoas;
- 01 (um) representante do Morretes;
- 01 (um) representante do Rio do Meio, João da Costa;
- 01 (um) representante da Limeira;
- 01 (um) representante do Rio Pequeno;
- 01 (um) representante do Cerro, Santa Luzia, Alemães;
- 01 (um) representante dos Caetés.
Conforme previsto na mencionada lei, referido Conselho é órgão de deliberação e
funcionamento permanente, tendo como objetivo tratar dos assuntos pertinentes à agricultura
e pecuária, meio ambiente e recursos naturais do município. As reuniões devem ser trimestrais
e extraordinárias sempre que for julgado conveniente. A coordenação geral deste Conselho é
exercida por um representante do executivo municipal.
A entrevistada destacou que, como o município é carente de recursos, existe uma
grande dificuldade de o mesmo “estar por dentro das coisas novas”. Ressaltou que o
município possui um grande potencial ambiental, mas somente com a nova gestão municipal é
que recentemente essa área passou a ter maior atenção, especialmente por parte dos técnicos
que tomaram várias iniciativas nesse sentido. Quanto à integração da Secretaria do Meio
Ambiente com as demais, especificamente no que diz respeito ao Plano Diretor do município,
a entrevistada respondeu que por enquanto isso não vem acontecendo. Não
intersetorialidade entre a Secretaria do Meio Ambiente e a Secretaria do Planejamento sobre a
questão do Plano Diretor.
Posteriormente à entrevista, essa pesquisadora esteve buscando novas informações
acerca de iniciativas do município no tocante ao Estatuto da Cidade e ao Plano Diretor. Foi
editado em 31/03/2006 o Decreto 236, que institui o Conselho Gestor Municipal do Plano
Diretor de Desenvolvimento Territorial de Camboriú, que terá atuação paralela às equipes
técnica e de apoio, no sentido de monitorar a elaboração do "Plano Diretor de
Desenvolvimento Territorial de Camboriú”. Esse Conselho será constituído, conforme
definido pelo art. 2º do referido Decreto por:
a) 04 (quatro) Conselheiros representantes do Poder Executivo Municipal;
b) 03 (três) Conselheiros representantes do Poder Legislativo Municipal;
119
c) 01 (um) Conselheiro representante do Poder Judiciário;
d) 05 (cinco) Conselheiros representantes dos Movimentos Sociais e Populares;
e) 02 (dois) Conselheiros representantes de entidades sindicais;
f) 02 Conselheiros representantes de empresários, relacionados ao desenvolvimento urbano;
g) 02 (dois) Conselheiros representantes de entidade acadêmica e de pesquisa;
h) 01 (um) Conselheiro representante de ONG com atuação na área.
Esse Conselho, segundo o Decreto, tem período determinado para seu
funcionamento, estipulado entre o dia 31/03/2006 e 31/10/2006.
Município de Navegantes
Entrevistado 10 Entrevista realizada em data de 02/03/2006 Local:
Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Prefeitura Municipal de Navegantes.
Sobre a existência de Agenda 21 no Município, o entrevistado respondeu que a
mesma ainda não existe, embora a secretaria da educação esteja preparando algo nesse sentido.
Mas o município tem instituído, desde 2001, através da Lei Ordinária 1.461, a Fundação do
Meio Ambiente de Navegantes (FUMAN). Já sobre o Conselho Municipal de Defesa do Meio
Ambiente (CONDEMA), foi criado em 1997, pela Lei Ordinária 1.197, mas na prática
ele não funciona, segundo o entrevistado. Em 2004 ele sofreu uma alteração no que diz
respeito a sua composição, que, segundo o Conselho Estadual do Meio Ambiente
(CONSEMA), a sua composição não era paritária. A alteração se deu através da Lei 1.856
daquele ano, que passou a especificar a composição do Conselho, o que antes não existia.
No que diz respeito ao Plano Diretor, o entrevistado informou que, atualmente,
embora seja necessária a sua revisão, o município não detém recursos para isso. Mas está se
mobilizando para editar processo licitatório para contratação da empresa que será responsável
pela revisão. Salientou que por parte da Prefeitura não houve até o momento qualquer
movimentação no sentido de chamar a população em audiências públicas para participar do
processo de revisão do plano. Na verdade, o corpo técnico está preocupado com a participação
da comunidade, mas o Executivo não. Não há muitas perspectivas no sentido de que a
participação, se houver, seja efetiva. Segundo o entrevistado, existe a preocupação da revisão
do Plano Diretor para o Executivo, mas isso se dá mais pelas possíveis verbas que poderão ser
destinadas e problemas administrativos que podem advir pela não feitura dessa revisão, do que
pela necessidade de uma nova gestão urbana, verdadeiramente democrática. Apesar do
município ter uma lei que institui a Política Municipal do Meio ambiente (LC nº 13/2003), não
120
há, entre as Secretarias do Município, articulação ou troca de informações, o que muitas vezes
dificulta o trabalho.
Após a entrevista, mais especificamente em junho de 2006, esta pesquisadora
tomou conhecimento de que o município de Navegantes, em parceria com a AMFRI e a
UNIVALI, divulgou a elaboração do seu novo Plano Diretor participativo. O projeto será
realizado por técnicos da UNIVALI, de acordo com as diretrizes gerais de política urbana
exigidas pela Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades. (Fonte:
www.amfri.org.br).
Município de Ilhota
Entrevistado 11 Entrevista realizada dia 15/03/2006 Local: residência da
entrevistada
Perguntada acerca da questão do Plano Diretor no município, a entrevistada
respondeu que o município ainda não possui, mas que em 2005 houve uma reunião na Câmara
de Vereadores para divulgação da necessidade e importância do município criar seu Plano
Diretor, embora não possua mais que vinte mil habitantes.
Segundo ela, o município sequer tem um setor de planejamento, específico para
tratar dos assuntos relativos ao uso e ocupação do solo ou crescimento da cidade. Não
corpo técnico responsável por isso. Existe uma dificuldade do município em atrair pessoal
com qualificação técnica, pois, como faltam recursos, os salários não são atrativos e isso acaba
por refletir na deficiência dos serviços e na própria estrutura da Prefeitura. Mas a entrevistada
destacou que existe uma movimentação por parte de algumas pessoas para que o município
crie o seu Plano Diretor, que no seu entender deve ser participativo, embora não veja como
ativas as associações de moradores existentes no município, com exceção de uma denominada
Associação de Moradores Ilha Bela.
Sobre a existência de Agenda 21 no município, a entrevistada desconhece se
existe ou não. Destacou que muitas das ações realizadas no município dependem de quem está
à frente das Secretarias, pois não existe sequer pessoal para assessorar os secretários, além da
falta de articulação entre as secretarias do município, prejudicando ações integradas que
poderiam ser realizadas. Ressaltou a entrevistada que, até o momento, não se uma
participação efetiva do Poder Legislativo do Município na temática do Plano Diretor e do
Estatuto da Cidade, já que a grande maioria desconhece o assunto.
121
Entrevistado 12 Entrevista realizada dia 21/03/2006 Local: Secretaria de
Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente de Ilhota.
Questionado sobre a existência da Agenda 21 no município e sobre a questão do
Plano Diretor, o entrevistado respondeu que não há no município processo de criação da
Agenda 21 local. O que existe é o Conselho de Meio Ambiente, que possui uma composição
mista, sendo formado por entidades governamentais e não governamentais. Mas suas reuniões
são semestrais, quando não anuais. Não há reuniões periódicas para tratar dos assuntos
relacionados ao Conselho.
O entrevistado destacou que o município não tem sequer um órgão de
planejamento urbano e uma ausência total de técnicos nessa área. Há, segundo ele, uma
resistência do Executivo na formação de um corpo técnico mínimo. Por conta disso, o
município não tem qualquer regra para o seu zoneamento, porque simplesmente ele não existe.
O perímetro urbano e rural não está delimitado, não sequer a divisão do município em
bairros. Destacou que os poucos técnicos que trabalham, muitos como prestadores de serviço,
os quais não dão conta de suprir as necessidades, têm manifestado junto ao Executivo a
importância da elaboração de um Plano Diretor para o município, que, de acordo com o
Estatuto da Cidade, a criação desse plano não é mais uma faculdade dos gestores, mas uma
obrigatoriedade. Segundo ele, no município de Ilhota parece não haver uma preocupação nesse
sentido.
Destacou também o entrevistado que no município existem várias associações de
moradores que possuem força e que poderiam auxiliar em tornar a elaboração do Plano Diretor
um processo participativo, mas que para isso o município deve se mobilizar. Por fim, ressaltou
o entrevistado que o município, através de um Convênio de Cooperação cnica e
Institucional entre a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável, FATMA e o próprio
Município (Convênio nº 38/2006-8), instituiu o licenciamento para o corte de vegetação,
contribuindo para que o município, na ausência de legislação específica, possa de alguma
forma limitar a degradação ambiental nas suas áreas.
Posteriormente à entrevista, esta pesquisadora obteve a informação de que o
município de Ilhota também fará seu Plano Diretor em parceria com a AMFRI e a UNIVALI.
122
Município de Luís Alves
Entrevistado 13 Entrevista realizada dia 16/03/2006 Local: Prefeitura
Municipal.
Perguntado acerca do Plano Diretor e Agenda 21, o entrevistado respondeu que
não existe ainda o Decreto criando o Fórum da Agenda 21 e tampouco o município possui
Plano Diretor, até porque é um município pequeno, com poucos recursos, o que acaba por
dificultar a implementação de políticas públicas nesse sentido. Destacou, no entanto, que
existe uma Secretaria da Agricultura e Meio Ambiente e um Conselho de Meio Ambiente,
formado por entidades governamentais e não governamentais, mas que esse Conselho não
realiza reuniões periódicas, apenas em caráter extraordinário, para situações que exijam a
participação específica do Conselho.
Ressaltou o entrevistado que o município, por dispor de poucos recursos, tem
dificuldades de contratação e formação de um corpo técnico para a condução das diversas
secretarias. Destacou que, mesmo assim, o município possui em seu quadro um engenheiro
civil, trabalhando junto à Secretaria de obras. Até a data da entrevista, entretanto, nada havia
sido feito com relação à elaboração do Plano Diretor do município, apesar de o técnico ter
participado da Conferência Regional das Cidades, realizada pela AMFRI. Tampouco houve a
realização de audiências públicas nesse sentido, mas o município já realizou algumas reuniões
na Câmara de Vereadores da cidade para divulgar a necessidade de o município ter seu Plano
Diretor. O município, segundo ele, está aguardando um posicionamento da AMFRI quanto à
possibilidade de elaborar seu Plano Diretor através de uma parceria com essa Associação e a
UNIVALI.
Sobre a participação da comunidade na elaboração do Plano Diretor, o
entrevistado informou que serão chamadas as associações de moradores existentes, embora
tenha destacado que a população do município ainda tem uma cultura política individualista e
passiva, à espera da resolução dos problemas pela Prefeitura, sem pensar no coletivo. Atribui
a isso o fato do município ser uma cidade pequena, onde todos se conhecem, o que
normalmente faz com que muitas das soluções tomadas pela administração sejam pontuais.
O município de Luís Alves também fará seu Plano Diretor em parceria com a
AMFRI e a UNIVALI, segundo informações colhidas por esta pesquisadora depois da
entrevista.
123
Município de Penha
Entrevistado 14 Entrevista realizada dia 12/12/2005 Local: Prefeitura
Municipal.
Funcionário efetivo da Prefeitura, o entrevistado, perguntado acerca da existência
da Agenda 21 no município, respondeu que não existe e que, por enquanto, não se comenta
sobre a sua criação. Mas existe o Conselho de Meio Ambiente, criado pela lei municipal
nº1804/2001, composto por entidades governamentais e não governamentais. Embora seja de
2001, somente a partir desse ano (2005) é que o Conselho tem se reunido periodicamente.
Sobre o Plano Diretor da cidade, o entrevistado respondeu que o mesmo existe
desde 1986 e que agora será revisado. O município conseguiu recursos junto ao Ministério das
Cidades. Destacou o entrevistado que no momento o município está preparando um edital
para licitação da empresa que fará essa revisão e que vai dar o suporte técnico. Até o
momento não houve nenhum tipo de audiência pública, porque se aguarda a empresa
vencedora para coordenar essas audiências, pois o município não tem equipe para isso.
Destacou o entrevistado que o escasso corpo técnico tem tentado mostrar ao
executivo a importância dessa revisão, pois o Plano Diretor existente data de 1986 e se
restringe às áreas residenciais, bloqueando, basicamente, o crescimento vertical junto à orla, o
que sem dúvida é positivo, mas não suficiente para os dias atuais. Na época o Plano Diretor
foi impulsionado e feito por pressão de grandes empresários que “tinham suas mansões na
praia”, sem qualquer participação da comunidade. Mas, agora, ressalta o entrevistado,
percebe-se que a comunidade está despertando seu interesse nessa questão e procurará
reivindicar políticas públicas nesse sentido. O entrevistado ressaltou também que a revisão é
importante, pois o município atualmente tem sua vocação turística mais acentuada, o que não
existia quando da elaboração do atual plano (1986).
Por fim, o entrevistado informou que os poucos técnicos que existem na área de
planejamento têm tentado sensibilizar o executivo para a importância dessa temática, mas,
como um desconhecimento sobre a matéria, a mesma não tem sido “prioridade política”.
Como em outros municípios, esta situação poderia mudar caso houvesse possibilidade de
atrair recursos. Na visão do entrevistado, a questão da importância do novo Plano Diretor não
foi internalizada pelos gestores, pelo menos na cidade de Penha.
124
Município de Balneário Piçarras
Entrevistado 15 Entrevista realizada dia 26 de maio de 2006 - Local:
Secretaria de Obra do Município.
Sobre a existência de Plano Diretor no município o entrevistado informou que o
município ainda não tem, mas que em 2003 foi contratada uma empresa, através de licitação,
que iria elaborar o Plano Diretor do município. Os trabalhos chegaram a se iniciar, inclusive
com a realização de algumas audiências públicas. Depois disso houve um lapso temporal sem
que a empresa nada entregasse ao Município. O plano, segundo o entrevistado, até chegou a
ser feito, mas não foi aprovado, sendo que a empresa acabou terceirizando seus serviços e até
agora nada foi concluído. Aguardam-se, inclusive, medidas judiciais por parte do Município
para resolver a questão.
Salientou o entrevistado que na época chegou a participar de uma das audiências
públicas realizadas, mas achou que a forma de “participação” não era adequada, que os
coordenadores simplesmente apresentavam o que iriam fazer. Era mais uma explicação do
que se pretendia fazer do que uma leitura da realidade local.
Hoje, o município apresenta grandes problemas com relação à ordenação, uso e
ocupação do solo. O município está, segundo o entrevistado, completamente desordenado,
pois não zoneamento. Existe apenas um Código de Obras, criado através da Lei
complementar nº 033/00 e um Código de Posturas de 1966.
A única lei restritiva no município refere-se à construção na avenida beira-mar,
que permite apenas dois andares. Em razão da ausência de um Plano Diretor, o município
cresce sem qualquer ordenamento. Considera que é justamente a ausência de um Plano
Diretor para regular o desenvolvimento e a expansão urbana que faz com que muitos alvarás
de construção atualmente indeferidos sejam restabelecidos pela Justiça. Faltam regras claras
para o uso e ocupação do solo. Salientou o entrevistado que o indeferimento de alvarás de
construção, por exemplo, acaba gerando problemas políticos, que, por se tratar de uma
cidade pequena, existe o chamado jeitinho
10
. Fica difícil, muitas vezes, manter a decisão,
especialmente porque as regras não estão definidas. Legalmente, o município tem somente
10
O clientelismo denota uma ão de troca entre os sujeitos que, por um lado, necessitam um serviço de caráter
público que não se encontra à disposição no mercado e, de outro, por aqueles que administram e têm influência
sobre as decisões em relação à concessão desse serviço. Essa intermediação se via “moeda política”, na qual
esse valor poderá ser cobrado nas próximas eleições (OLIVEIRA; SEIBEL, 2006).
125
três bairros reconhecidos, os demais não existem, pois não constam das leis que o município
tem nesse sentido.
Sobre a existência de Conselho de Meio Ambiente o entrevistado respondeu que
não existe, assim como também não existe o Conselho Urbano. Na verdade, no município não
sequer um departamento de Meio Ambiente ou mesmo uma Fundação. O que existe é um
Conselho de Desenvolvimento Rural, que no município 80% da área é rural. Mas esse
Conselho se limita a questões pontuais dos agricultores da região. Por fim, ressaltou o
entrevistado que a falta de recursos é um fator limitante, pois nem mesmo dinheiro para se
pagar profissionais para dar andamento aos projetos.
Município de Porto Belo
Entrevistado 16 Entrevista realizada dia 19/04/2006 Local: Prefeitura
Municipal.
Sobre o Plano Diretor do município, o entrevistado respondeu que o mesmo foi
criado através da Lei Ordinária 426/84, que dispõe sobre o Zoneamento Físico-Territorial
do Município de Porto Belo e criou o Conselho Municipal de Planejamento Urbano. Referida
lei sofreu algumas alterações, as mais recentes em 2003 e 2006. O entrevistado ressaltou
que o município recebeu recursos do Programa de Desenvolvimento do Turismo
(PRODETUR) para a revisão do Plano Diretor, que o município, apesar de não possuir
mais de vinte mil habitantes, situa-se em região metropolitana.
Acrescentou o entrevistado que atualmente não um grupo de discussão para a
revisão do Plano Diretor, mas várias pessoas que fazem parte de diversos segmentos da
sociedade civil já foram indicadas para compor esse grupo. Na verdade, o município aguarda
o processo licitatório para a contratação da empresa que promoverá a discussão com a
comunidade.
com relação à Agenda 21 do município, o entrevistado respondeu que o
município está com o documento na sua fase final, sendo que o programa foi criado pela Lei
Ordinária nº 1.292/2003, tendo como uma de suas atribuições fornecer subsídios à Câmara de
Vereadores e ao governo municipal sobre a formulação de políticas públicas, conforme
previsto na referida lei. O Fórum 21, conforme previsto na lei, é paritário entre os membros
do Governo Municipal e da sociedade civil, composto por 24 (vinte e quatro) representantes e
respectivos suplentes. Segundo o entrevistado, a construção da Agenda 21 local é composta
126
por uma ONG – Organização Não Governamental chamada Macaco Prego, a qual foi decisiva
para a criação do programa e que levantou recursos para seu financiamento através de um
Convênio com o FNMA- Fundo Nacional do Meio Ambiente e com o MMA Ministério do
Meio Ambiente (Convênio nº 053/04).
Com esse Convênio, o programa da Agenda 21 local foi desenvolvido, recebendo
a partir daí apoio do Executivo local. O programa sempre realizou conferências com a
comunidade, por localidade. Ressaltou o entrevistado que a proposta é que a Agenda 21 local,
mesmo após a conclusão do documento, continue funcionando com outros projetos para o
município.
Apesar disso, segundo o entrevistado, a questão do meio ambiente no município
ainda não está estruturada, embora o município tenha conseguido aprovação de projeto para
saneamento ambiental. A Secretaria de Planejamento engloba também o meio ambiente, mas
um projeto de reforma administrativa prevendo a criação de um departamento específico
para essa área. Não há Conselho de Meio Ambiente, mas de turismo.
Sobre a articulação entre as secretarias no município, o entrevistado respondeu
que a prefeitura implementou, com o apoio do SEBRAE um Plano Estratégico de Gestão
Municipal e que em breve pretende implementar um informativo interno, para tentar articular
melhor os departamentos.
Ressalta-se que esta pesquisadora, coletando informações acerca do município
acima, constatou que o mesmo tem instituído o Conselho de Planejamento Urbano, mas o
mesmo não foi comentado durante a entrevista e tampouco constou dos dados quantitativos
levantados, fazendo presumir que o mesmo não está em funcionamento.
Feita a apresentação dos indicadores quantitativos oficiais de cada município e dos
indicadores qualitativos escolhidos especificamente para a pesquisa, representados pela tabela
7 e pelas entrevistas acima reproduzidas, passamos ao potencial de implementação do EC por
parte destes municípios.
4.3 POTENCIAL DE IMPLEMENTAÇÃO DO ESTATUTO DA CIDADE NOS
MUNICÍPIOS QUE COMPÕEM A AMFRI
A concepção e compreensão do potencial de implementação do Estatuto da
Cidade, baseadas na idéia de complexidade de Morin, combinadas com a tese da terceira via e
127
o conceito de capital social, nos leva a considerar outros aspectos que o paradigma disjuntor-
redutor desprezaria.
Assim, a análise empreendida sob esse enfoque baseou-se em indicadores
qualitativos que foram escolhidos especificamente para a pesquisa, sem desprezar os
indicadores sociais oficiais disponíveis e publicados, que foram utilizados como
complementares para identificar o potencial de implementação do EC, dada a nossa proposta
complexa e não redutora.
Os parâmetros antes apresentados revelam uma certa disparidade entre os
indicadores quantitativos e os qualitativos.
É certo que é preciso conhecer a realidade para transformá-la. Nesse sentido, os
indicadores quantitativos são instrumentos que permitem a avaliação de uma situação e sua
possível evolução. Mas, como mencionado, a utilização isolada de indicadores
quantitativos pode nos levar a uma leitura equivocada da realidade. Partindo desse
pressuposto e da idéia de complexidade de Morin, podemos perceber vários aspectos que
sugerem que o potencial de implementação do EC em cada município é ainda muito baixo,
em que pese os altos índices de desenvolvimento constatados através dos indicadores
quantitativos oficiais.
Conforme se infere pelo quadro 18, em que se apresenta uma classificação dos
municípios com relação aos indicadores quantitativos oficiais
11
, verificamos que todos eles
possuem um alto nível de eficiência com relação ao IDH e IDH-M e com relação ao IDS, o
nível de eficiência oscila entre alto, médio alto e médio. Apesar de relevantes, esses
indicadores de desenvolvimento são insuficientes para conceber e compreender o potencial de
implementação do EC nos municípios, que, como qualquer indicador quantitativo, possui
limitações e, no caso da presente pesquisa, nenhum deles contempla a questão ambiental.
Dito isto, passamos, então, a apontar as contradições existentes em cada
município, detectadas pela pesquisa qualitativa. A análise seguirá a ordem decrescente de
IDH-M apresentada no quadro 18.
O município de Balneário Camboriú se destaca por ter o mais alto índice de IDH-
M da região e o segundo maior do Estado, num universo de 293 municípios. O IDS deste
município também está classificado como alto. Analisando-se isoladamente estes indicadores,
11
A classificação apresentada no quadro 17 não pretende impor uma hierarquia entre os municípios, já que nossa
proposta baseia-se numa visão abrangente e contextualizadora, que busca superar a simplificação de “rankings”,
mas tem como objetivo traçar um perfil dos municípios com relação aos indicadores quantitativos utilizados
como complementares à nossa análise.
128
sob uma ótica redutora e simplificadora, poderíamos supor que, dadas às dimensões
englobadas por estes índices, este município possui uma estrutura bastante favorável e forte à
implementação do EC. No entanto, a comparação destes indicadores quantitativos com as
informações obtidas através dos indicadores qualitativos nos revelam uma outra realidade,
bastante diversa da sugerida pelos índices oficiais.
Embora este município, segundo nos mostra a tabela 7, possua bons indicadores
qualitativos relacionados ao EC, como Agenda 21, Conselho de Meio Ambiente, Conselho
Urbano, Plano Diretor, realização de audiências públicas sobre o EC, entre outros, as
entrevistas realizadas com atores deste município desmentem esse bom desempenho. A
Agenda 21 do município, apesar de existente, não vem sendo utilizada para a promoção da
participação comunitária no processo de desenvolvimento sustentável, tampouco como
facilitadora para a aplicação da gestão democrática da cidade introduzida pelo EC. O
Conselho do Meio Ambiente, por sua vez, não funciona e não tem a participação efetiva da
sociedade civil, que, inclusive, não é paritária. Outro ponto a considerar é a visão tecnocrática
dos participantes do Comitê formado para revisão do Plano Diretor da Cidade. Vigora a idéia
de buscar planejadores “de fora” do município, quando, na verdade, a proposta do EC é
justamente o oposto, substituir o modelo tecnocrático de planejamento por uma proposta
participativa, em que a comunidade possa opinar nos rumos da cidade, evitando as chamadas
“idéias fora do lugar” (MARICATO, 2001; SCHWARZ, 1973), tão comum no planejamento
urbano que vigorou e ainda vigora no Brasil. A aprovação de lei que alterou o Plano Diretor
existente no município sem a participação da sociedade, destacada pelo entrevistado 6, retrata
o desinteresse do município para com a gestão democrática da cidade exigida pelo EC. Além
disso, o desconhecimento dos envolvidos com a temática do EC chama a atenção, bem como
a ênfase dispensada por estes na questão financeira que certos instrumentos previstos nessa lei
podem trazer ao município, ignorando a preocupação maior da lei.
Luís Alves também tem suas contradições. Com o segundo maior Índice de
Desenvolvimento Humano dentre os municípios pesquisados (Quadro 18), apresenta baixos
indicadores qualitativos relacionados ao EC (tabela 7). Note-se que a ausência de um corpo
técnico no município para tratar do planejamento urbano e os parcos recursos existentes são
entraves preocupantes que retardam as ainda tímidas iniciativas para a implementação do EC
neste município.
Itapema, em terceiro lugar no IDH-M, com uma população bem superior ao
município de Luís Alves e grande potencial turístico, não é diferente deste, apresentando um
129
baixo resultado no que diz respeito à existência de instrumentos que possam auxiliar na
implementação do EC. O município até hoje o editou o Decreto para a criação da Agenda
21. Apesar de o Plano Diretor ter sido criado depois da edição do EC e dentro de suas
diretrizes, conforme informado pelo entrevistado 7, a lei que trata do zoneamento e uso do
solo no município já foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo Ministério
Público daquela Comarca, justamente porque determinados dispositivos trazem prejuízos
socioambientais ao município, evidenciando, assim, uma desarmonia entre as legislações
criadas para regular o uso do solo. O Conselho Urbano, apesar de previsto no Plano Diretor,
tem caráter apenas normativo, configurando-se em mera conquista formal, pois não está em
funcionamento. Apesar disso, o Conselho de Meio Ambiente atua com reuniões mensais,
demonstrando um interesse para com a temática ambiental, ainda que minimamente.
Bombinhas, também com alto IDH-M, não é muito diferente no que tange aos
mencionados indicadores. No entanto, possui Agenda 21 e se destaca pelo fato de que o grupo
de discussão para revisão do Plano Diretor do município contou com a colaboração da equipe
desse documento. Entretanto, apesar de seu grande potencial ambiental, o Conselho de Meio
Ambiente e o Conselho Urbano encontram-se inativos. Os dados obtidos por meio da
entrevista acentuam que esse município mostra resistência quanto à participação da sociedade
civil na elaboração do novo Plano Diretor, especialmente na atual gestão, diferentemente do
que ocorreu no processo de construção da Agenda 21.
Itajaí, em compensação, é um dos municípios mais avançados. Com um alto nível
de eficiência de IDS e apesar de quinto em IDH-M dentre os municípios pesquisados (Quadro
18), segundo a tabela 7, este município apresenta praticamente todos os indicadores
escolhidos como instrumentos facilitadores para a implementação do EC. Informações obtidas
por meio das entrevistas acentuam um grau razoável de comprometimento da Agenda 21 com
a comunidade. Sua composição obedece à paridade entre entidades governamentais e não
governamentais. Sobre a revisão do Plano Diretor, o município criou um Núcleo Gestor onde
se realizaram as discussões, embora haja controvérsia entre os próprios atores sobre a forma
como essas discussões foram conduzidas. O conteúdo das entrevistas revela, todavia, que
embora o município detenha um alto grau de envolvimento para a implementação do EC
segundo os indicadores da tabela 7, existem contradições. De acordo com o entrevistado 3, a
visão que predomina no município com relação à Agenda 21 é limitada e insuficiente para
tornar esse espaço verdadeiramente democrático e palco de manifestações da comunidade. Ele
critica a necessidade do município ser visto sempre como protagonista das ações
130
desenvolvidas junto à comunidade, ressaltando que as discussões para a revisão do Plano
Diretor não se deram num tempo razoável para que, efetivamente, o tema pudesse ser
absorvido e aprofundado pela comunidade, fazendo presumir que a implementação do EC
neste município, embora atenda, de certa forma, aos requisitos dessa lei, não garante uma
gestão democrática da cidade, como preconizada no EC. Percebe-se, assim, uma preocupação
por parte de atores não vinculados ao município de que o processo de implementação do EC
seja apenas retórica. Itajaí, assim, embora possua mecanismos institucionais que auxiliem esse
processo, tem tarefa mais difícil do que outros, pois a sua complexidade socioambiental é
maior.
Porto Belo, com um nível de eficiência de IDS considerado médio alto e em sexto
no IDH-M (Quadro 18), possui poucos indicadores qualitativos relativos ao EC. Os
indicadores escolhidos mostram que o município tem Plano Diretor desde 1984. Ao contrário
do que mostra a tabela 7, o município tem um Conselho de Planejamento Urbano, mas não
houve até o momento discussão para revisão do Plano Diretor, revelando o aspecto
meramente formal (normativo) desse Conselho. Segundo os dados obtidos pelo entrevistado
16, prevalece no município a idéia de que a revisão do Plano Diretor deve ser feita por uma
empresa contratada para esse fim, através de processo licitatório. Tal concepção demonstra
que neste município, assim como nos demais pesquisados, prevalece uma concepção de
planejamento urbano racionalista e tecnocrático, longe de ser uma ferramenta para a
promoção da justiça social e da melhoria da qualidade de vida de quem vive nas cidades. No
entanto, a Agenda 21 neste município revela-se atuante. As informações trazidas demonstram
que esse espaço tem uma composição plural e paritária e que tem sido utilizado para
promover o diálogo entre a comunidade e o setor público, ainda que não tenha alcançado a
temática urbana. As informações concernentes a Agenda 21 neste município parecem indicar
que ela será um espaço permanente de discussões, podendo ser um elemento catalisador para
estimular o associativismo e priorizar investimentos no local.
Balneário Piçarras, possuindo um IDH-M considerado alto e um nível de
eficiência de IDS médio (Quadro 18), se analisado pelos indicadores qualitativos da tabela 7
encontra-se razoavelmente avançado no processo de implementação do EC, embora não tenha
Agenda 21 e Conselho do Meio Ambiente. O Plano Diretor está em fase de criação, existe um
Conselho Urbano e também grupos de discussão sobre o EC, tendo sido realizadas
audiências públicas para a revisão desse Plano. Contraditoriamente, a entrevista realizada
neste município expõe uma situação bastante diferente. O entrevistado 15 relata que o Plano
131
Diretor não foi concluído até a data da entrevista (maio de 2006) e que o município
providenciava medidas judiciais para resolver a questão. As audiências realizadas pela
“empresa contratada” o tiveram uma ampla participação da comunidade na formulação do
Plano Diretor, conforme determinado pelo EC, que segundo as informações coletadas, os
coordenadores dessas audiências simplesmente apresentavam o que havia sido elaborado
em “gabinete”. Os problemas relacionados à ordenação, uso e ocupação do solo descritos pelo
entrevistado revelam a gravidade da ausência do Plano Diretor, pois ainda vigora uma lei de
1966, completamente desatualizada, que não atende às necessidades da expansão urbana que
vem ocorrendo no município. O Conselho Urbano, apesar de ser citado na tabela 7, não existe.
Mais uma contradição que espelha a própria desorganização do município com suas
informações. O que existe, na verdade, é um Conselho de Desenvolvimento Rural, mas que
tem atuação pontual.
Ilhota, em oitavo lugar no IDH-M e com um IDS médio, tem baixos indicadores
qualitativos. O município é carente em recursos e pessoal técnico. Não existe Agenda 21 local
e tampouco perspectivas para sua criação. As poucas iniciativas tomadas pelo município estão
diretamente relacionadas às pessoas que estão no comando. Não existe uma preocupação por
parte do governo municipal na implementação de ações voltadas para o planejamento urbano,
pois não sequer um ordenamento físico-territorial. Apesar da existência de Conselho de
Meio Ambiente, a percepção que se tem é que o mesmo tem uma atuação restrita, insuficiente
para resolver os conflitos inerentes à diversidade dos interesses em jogo. Chama a atenção o
fato de que a preocupação com a implementação do EC no município fica limitada aos poucos
técnicos que trabalham, não havendo por parte do governo municipal, segundo os
entrevistados, iniciativas que possam transformar essa situação.
Penha, como os demais municípios, mesmo com alto índice de IDH-M e médio
nível de eficiência de IDS também possui baixos indicadores relacionados ao EC. O Plano
Diretor existente é de 1986, elaborado dentro da concepção tecnocrática que marcou o
planejamento urbano no Brasil. Não há por parte do poder público municipal uma consciência
da importância da revisão desse Plano. A necessidade da gestão democrática da cidade não foi
assimilada, segundo o entrevistado 14. Essa preocupação ainda permanece restrita ao escasso
corpo técnico. A adoção de políticas municipais no âmbito urbano parece estar ligada ao
retorno econômico e político imediato que essas ações podem gerar, o que pode retardar e até
mesmo inviabilizar a implementação do EC.
132
O caso de Navegantes, ocupando o décimo lugar em IDH-M, assemelha-se aos
demais, com baixos indicadores qualitativos, tanto pelo desinteresse do poder público
municipal com relação à participação da comunidade na revisão do seu Plano Diretor, como
pela ausência de uma Agenda 21 local e por um Conselho Municipal de Meio Ambiente que
existe apenas em nível normativo. A conscientização da necessidade de revisão do Plano
Diretor Municipal pelo Poder Executivo se mais pelo fator econômico que essa revisão
pode trazer do que pela sua importância socioambiental.
o município de Camboriú, em último lugar dentre os municípios pesquisados
(Quadro 18), apresenta alguns indicadores qualitativos melhores do que Navegantes, Ilhota,
Penha, com índices de desenvolvimento superiores. O entrevistado 9 informa que o Conselho
do Desenvolvimento Rural e de Meio Ambiente é órgão deliberativo e tem uma composição
plural e paritária. Existe um documento criando a Agenda 21, embora seu processo de
construção esteja paralisado. Em 2006 houve a criação de um Conselho Gestor para auxiliar
na elaboração do Plano Diretor, com prazo determinado de funcionamento. No entanto, apesar
dessas iniciativas, o entrevistado afirmou não existir um diálogo entre as Secretarias do
município, o que denota a necessidade de um olhar transdisciplinar para tratar das questões
urbano-ambientais.
De forma geral, observa-se que em praticamente todos os municípios, com
exceção de Itajaí, a proposta participativa do EC para a elaboração e revisão dos Planos
Diretores não está sendo atendida. Os Conselhos Municipais, quando existentes, não
funcionam como instâncias deliberativas, pouco influenciando no processo de produção de
políticas públicas. Os indicadores qualitativos sugerem, assim, que a edição do EC não é
suficiente para garantir a transformação do planejamento urbano no Brasil.
A primeira constatação que podemos extrair, tendo por base somente os
indicadores quantitativos é que os municípios pesquisados apresentam, em geral, altos índices
segundos as avaliações do IDH, IDH-M e IDS, encontrando-se, segundo estas avaliações,
entre os melhores do Brasil, o que poderia supor que estes municípios, em relação a outros,
teriam melhores condições de implementar o EC.
No entanto, o que se percebe é que os indicadores qualitativos desmentem essa
tendência. A falta de uma ação conjunta entre o poder público municipal, Conselhos e
Agendas 21 locais é bastante evidente em todos os municípios e é expressão direta do
pensamento fragmentário, disjuntor-redutor.
133
Agrava-se ainda mais a situação quando se verifica que em vários municípios os
indicadores apresentados na tabela 7 são também divergentes em relação aos dados colhidos
por meio das entrevistas, o que evidencia a necessidade de uma análise mais abrangente, de
uma pesquisa empírica, de visão transdisciplinar, de uma ciência que reconheça a
interdependência entre os indicadores quantitativos e qualitativos, assim como uma
complementaridade entre ciências sociais e ciências naturais – ainda que se respeite as
diferenças metodológicas entre elas.
A ausência de informações por parte dos entrevistados é outra fragilidade
encontrada durante a pesquisa, o que nos remete a falta de comprometimento dos atores
envolvidos na temática e, por conseqüência, na baixa internalização do EC por essas pessoas,
diretamente ligadas aos municípios.
Um denominador comum em todos os municípios, em maior ou menor grau, é a
resistência à participação da sociedade na construção desse novo modelo de planejamento e
gestão urbana propostos pelo EC.
Fica evidente, assim, a fragilidade da maioria dos municípios no que diz respeito
aos indicadores escolhidos, os quais podem, pelo menos parcialmente, possibilitar um maior
potencial de implementação do EC.
Quanto ao capital social, foi possível perceber, em todos os municípios, uma
fragilidade institucional no que se refere aos espaços adequados à transformação da cultura
política passiva, tradicional. Mais especificamente, faltam mecanismos e ações institucionais,
como por exemplo, Conselhos Municipais deliberativos, visando uma gestão democrática
compartilhada, com alto capital social.
No que diz respeito aos indicadores representados na tabela 8 (pg. 109), constata-
se que apenas dois municípios da região, Itajaí e Balneário Camboriú, possuem coleta seletiva
de lixo, o que demonstra o desinteresse da maioria com a questão ambiental, em que pese a
maioria ser centros turísticos e com altos índices de desenvolvimento social. Todos os
municípios possuem, mesmo que em fase de elaboração, websites para divulgação de suas
informações. No entanto, as informações pertinentes ao EC não estão à disposição, revelando
ainda um baixo uso dessa ferramenta para o participacionismo necessário à implementação do
EC.
A abordagem desenvolvida neste trabalho resulta numa proposta de política de
alinhamento ou harmonização dos indicadores quantitativos e qualitativos. Tal política
implicaria, primeiro, no reconhecimento das limitações do uso isolado tanto dos indicadores
134
quantitativos quanto qualitativos. Esta proposta pretende mostrar que o potencial de
implementação do Estatuto da Cidade em cada município e no conjunto da região não se
restringem, do ponto de vista da complexidade, aos limites territoriais de cada município. A
interdependência sinérgica entre estes é condicionada por fatores como:
a) interdependência dos ecossistemas (sistemas abertos);
b) mobilização de pessoas, carros, mercadorias, resíduos (turismo);
c) integração e avanço das tecnologias de transporte e comunicação;
d) ampliação da noção de cidadania (da democracia representativa à democracia
participativa);
e) ampliação da mudança cultural em favor da ecologia.
O fato de cada um dos municípios estudados possuir suas próprias características,
indica a necessidade de uma visão que inclua os indicadores qualitativos e quantitativos, pois
são complementares entre si. Percebe-se que alguns municípios apresentam deficiências em
recursos técnicos e humanos, além de frágil institucionalidade democrática, baixo nível de
capital social ou de consciência cívica. Esta é uma realidade de vários municípios pequenos.
No caso de Itajaí e Balneário Camboriú, estes aspectos estão mais estruturados, porém a
dimensão ambiental, provocada pela urbanização acelerada, representa desafios
socioambientais. A democracia mesmo nas suas formas “representativa”, “direta” ou
“participativa” não tem sido suficientemente complexa do ponto de vista da ecologia ou da
sustentabilidade ambiental.
Convém destacar que a inovação nos municípios não se resume somente a novas
tecnologias, mas resgate de valores tradicionais e pequenas iniciativas, que aproximam os
indivíduos e fortalecem o capital social. Como exemplo disso, apresenta-se a seguir um
quadro que resume as características dos municípios cujas administrações têm obtido sucesso
no Brasil, no final da década de 1990.
12
12
Revisão dos projetos inscritos no Programa Gestão Pública e Cidadania (1996 a 1999), iniciativa da EAESP
(Escola de Administração de Empresas de São Paulo), Fundação Getúlio Vargas, Fundação Ford, BNDES, com
participação de diversas instituições nacionais. Na tentativa de uma compreensão teórica da inovação na gestão
pública, analisam as 100 experiências semifinalistas em 1997 (PINHO; SANTANA, 1998; BOEIRA;
BUECKMANN; FERREIRA, 2006).
135
Gestão Democrática Gestão participativa, comunitária, sem paternalismo, com combate ao
clientelismo; a participação pode ocorrer em várias esferas: na
concepção, no planejamento, nas decisões, na operacionalização.
Descentralização e
Desburocratização
Serviços públicos são considerados um movimento no sentido de uma
maior descentralização, rompendo-se com formas centralizadas e
tradicionais de gestão pública.
Incorporação de Excluídos Categoria que resulta da percepção dos governos subnacionais da
existência de uma situação de exclusão social que precede a condição de
cidadania.
Valores Tradicionais
(para trás)
Constata-se que, apesar da modernização, uma recuperação de
valores tradicionais como zelo pelo patrimônio público, senso
comunitário, calor materno em substituição à incubadora, participação
da família no atendimento à saúde, etc.
Valores novos (para
frente)
Valores que emergem como resultado de uma nova configuração
econômica, social e política, como o da consciência ecológica (redução
do consumo de água, coleta seletiva e reciclagem de resíduos,
recuperação de matas, controle biológico de pragas, etc); são incluídos,
a atenção à terceira idade, a prevenção ao uso de drogas, despertar do
hábito de leitura em populações de baixa renda, conscientização de
problemas de trânsito, etc.
QUADRO 19- CATEGORIAS DE INOVAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL
FONTE: Adaptação por Boeira, Bueckmann e Ferreira (2006) a partir de Pinho e Santana (1998, p.
282, 283; 2002).
Feita esta análise dos municípios, tendo por base os indicadores quantitativos e os
qualitativos, passaremos, na seqüência, às conclusões.
136
CONCLUSÕES
O pensamento científico vem sendo objeto de um debate que envolve, de um lado,
a forma mecanicista e determinista de ver o conhecimento, que é decorrente da revolução
científica experimentada a partir das teorias de Galileu, Descartes, Newton, Kepler, Copérnico,
e que concebe o universo como uma máquina, determinando um tipo de pensamento que
separa o objeto de seu meio, separa o físico do biológico, separa o biológico do humano,
separa as categorias, as disciplinas, quebrando fenômenos em pedaços a fim de compreender o
comportamento do todo por meio das partes (paradigma disjuntor-redutor), e de outro, a visão
complexa, que emerge nas últimas três décadas do século XX, e que tem como um de seus
maiores expoentes Morin, o qual busca associar sem fundir, distinguir sem separar as
diferentes áreas do conhecimento. Pensar complexamente é pensar e aceitar a contradição,
confrontá-la e superá-la, sem negá-la e sem querer reduzi-la a fórmulas abstratas.
Essa idéia é compartilhada também por Santos, que igualmente reconhece a
existência de uma crise de paradigmas. O evidente colapso por que passa o paradigma
dominante, que compartimenta o saber, disciplinarizando-o e simplificando-o, abre espaço a
um novo paradigma, que ele denomina de emergente.
Dentro desse contexto, objetivou-se compreender o potencial de implementação da
Lei 10.257 de 2001, denominada de Estatuto da Cidade, pelos municípios pesquisados,
buscando demonstrar que esse potencial não é estático, mas mutável, em constante
transformação e dependente de uma série de fatores que os indicadores quantitativos isolados
não revelam. Podem, inclusive, servir para ocultar ideologicamente a complexidade da
realidade socioambiental. A pesquisa empreendida, assim, foi de caráter qualitativo.
Destacaram-se as contradições mais relevantes encontradas nestes municípios a
partir da comparação entre os indicadores quantitativos oficiais e os indicadores qualitativos,
as quais, somadas, nos levam à conclusão de que em todos os municípios pesquisados o
potencial de implementação do EC é baixo, em que pese as iniciativas tomadas por vários
deles.
Na perspectiva do paradigma da complexidade é necessário ir além dos
indicadores “oficiais” para se compreender uma dada realidade social. Nesse contexto é que
se buscou, através das entrevistas e do questionário estruturado e representado na tabela 7, um
retrato mais aproximado para possibilitar, ao final, uma visão mais acurada sobre o potencial
de implementação do Estatuto da Cidade nos municípios que compõem a região da AMFRI.
137
Uma hipótese que aparece à primeira vista, no contraste entre os dados oficiais e
aqueles que resultaram das entrevistas e questionários é que os municípios pesquisados
apresentam, em geral, altos índices segundos as avaliações do IDH, IDH-M e IDS,
encontrando-se, por estas avaliações, entre os melhores do Brasil.
Por estes índices seria possível supor, portanto, que tais municípios contariam
com uma estrutura bastante forte para possibilitar a implementação, se não total, ao menos
substancial dos diversos mecanismos/instrumentos instituídos pelo EC, no que interessa à
necessidade da preservação ambiental com os diversos interesses que permeiam as relações
urbanas.
Não é isso, entretanto, o que se pode concluir.
As entrevistas e os demais dados qualitativos levantados apresentam um quadro
que permite levantar algumas fragilidades, seja do ponto de vista ambiental, institucional, seja
do capital social ou mesmo da apreensão do paradigma da complexidade. Sob a ótica da
complexidade, emerge a necessidade de que o EC não seja visto apenas como instrumento
jurídico posto à disposição da burocracia para implementação de seus mecanismos, mas antes
um cabedal bastante complexo, que exige a aproximação dos diversos campos do saber a fim
de que tal legislação seja de fato um instrumento que permita conciliar a complexidade da
causa urbanística com a indispensável sustentabilidade socioambiental.
A comparação de três obras especializadas sobre o Estatuto da Cidade, realizada
no capítulo II, por sua vez, também permite concluir que o recurso à especialização, neste
caso, não é suficiente para solucionar os problemas dos gestores públicos neste aspecto.
Verificou-se pelos quadros 3, 4 e 5 apresentados, que o consenso aparente quanto ao EC
esconde um confronto existente entre especialistas no que diz respeito, principalmente, a
propriedade, pensada a partir da Constituição de 1988, do Estatuto da Cidade e do Novo
Código Civil (Lei 10.406 de 10 janeiro de 2002) segundo sua função social, opondo-se a visão
individualista que vigorou durante muito tempo. Pode-se afirmar, assim, que estamos diante
de um conflito de paradigmas, não observável sem a visão complexa de Morin.
Assim, a análise dos dados aqui expressos permite concluir que os indicadores
quantitativos e qualitativos não deveriam ser vistos isoladamente, que tais indicadores são
complementares entre si e cada um dos municípios estudados possui diferentes desafios. Isto
implica em associar sem fundir, distinguir sem separar diferentes formas de conhecimento
e, neste caso, trata-se de formas de indicadores e dos demais conhecimentos necessários ao
enfrentamento dos desafios. Alguns municípios têm grande carência de recursos técnicos e
138
humanos, além de frágil institucionalidade democrática, baixo nível de capital social ou de
consciência cívica. Isto parece ser um retrato comum à maioria dos pequenos e médios
municípios brasileiros. Outros, especialmente Itajaí e Balneário Camboriú, destacam-se por
sua maior capacidade justamente nestes aspectos, mas esbarram na dimensão ambiental, que é
mais complexa, com seus ecossistemas mais agredidos pela urbanização caótica,
representando desafios socioambientais. Para o enfrentamento de tais desafios, a democracia –
nas suas formas “representativa”, “direta” ou “participativa” não tem sido suficientemente
complexa do ponto de vista da ecologia ou da sustentabilidade ambiental. Onde menos
impacto ambiental falta institucionalidade democrática. Onde mais institucionalidade
democrática, o desafio socioambiental é complexo e as formas de democracia são ainda muito
simplificadoras dos mesmos, não servindo de modelos adequados aos municípios em que os
ecossistemas ainda estão, comparativamente, mais preservados.
O presente estudo também destacou que o EC se configura num importante marco
jurídico para a política urbana no Brasil, capaz de auxiliar a reverter o caos urbano que se
instalou em nossas cidades, especialmente porque inclui dentre suas diretrizes a temática
ambiental combinada com aspectos sociopolíticos. Neste sentido, entendemos que a
implementação do EC implica não no questionamento crítico da política e dos indicadores
convencionais, mas também na proposição de novos indicadores, proposição esta com a qual
este estudo buscou contribuir, ainda que sem uma formalização do ponto de vista
metodológico e institucional. Este último aspecto poderia ser objeto de novos estudos,
visando estimular a gestação de indicadores quali-quantitativos, democrático-participativos e
sustentáveis.
Por fim, salienta-se que a presente pesquisa não tem a pretensão de esgotar o
assunto ou de apresentar resultados definitivos, especialmente porque a problemática
apresentada é bastante abrangente e complexa, e a implementação do EC depende de uma
série de fatores técnicos, científicos, sociais, econômicos, geográficos e político-
institucionais, além do fato de que essa lei ainda precisa ser internalizada, não só pelos
gestores públicos afetos a ela, mas também pela sociedade civil, chamada a participar
ativamente do processo de implementação desse novo “paradigma da gestão urbana”.
Pretendemos que este estudo seja mais um contributo na direção da compreensão
da implementação do EC por parte dos municípios brasileiros, tendo por referência os
municípios que compõem a região da AMFRI. A constatação de contradições e dificuldades
nos municípios para sua implementação, contudo, longe de levar os defensores dessa lei a
139
uma atitude pessimista, pode contribuir para o debate público e auxiliar na sua internalização
e efetiva aplicação, que, conforme ensina Maricato: “Nenhum instrumento é adequado em
si, mas depende de sua finalidade e operação. Nenhuma virtualidade técnica substitui o
controle social sobre essa prática” (MARICATO, 2001, p. 96).
140
REFERÊNCIAS
ALIER, Joan Martinez & JUSMET, Jordi Roca. Economía ecológica y política ambiental.
2ª edición, corregida y aumentada. México: Fondo de Cultura Econômica, 2001.
APPIO, Eduardo. Controle Judicial das Políticas Públicas do Brasil. Curitiba: Juruá, 2005.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução
à filosofia. 2ª ed.. São Paulo: Moderna, 1993.
BASSUL, José Roberto. Estatuto da Cidade: Quem ganhou? Quem perdeu? Brasília:
Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2005.
BOBBIO, Norberto (Org.). Dicionário de Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
12ª ed., 2004. 2 vls.
BOEIRA, Sérgio Luís; VIEIRA, Paulo Freire. Estudos Organizacionais: Dilemas
Paradigmáticos e Abertura Interdisciplinar. Artigo integrante da coletânea GODOI, C. K.;
BANDEIRA-DE-MELO, R.; SILVA, A. B. (Orgs). Pesquisa qualitativa em estudos
organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, 2006.
BOEIRA, Sérgio Luís. Desenvolvimento Urbano e Crise de Paradigmas: o caso da região de
Florianópolis. Relatório de Iniciação Científica. UNIVALI – Universidade do Vale do
Itajaí. Itajaí, 2004.
BOEIRA, Sérgio Luís. (Coordenador). Concepções da Cidade: Uma contribuição à Pesquisa
Bibliográfica sobre Planejamento e Desenvolvimento Urbanos, com Ênfase na Região
Metropolitana de Florianópolis. Biguaçu: Centro de Ensino Biguaçu, Ciências Contábeis,
2004. 57p. UNIVALI. Projeto concluído.
BOEIRA, Sérgio Luís; BUECKMANN, Eduardo Zanetti; FERREIRA, Elaine. Governança
local e democrática na grande Florianópolis: estudo sobre conselhos municipais e políticas de
sustentabilidade (2004-2006). Artigo apresentado no Encontro Luso-Brasileiro de
Estratégia, entre 03 e 04 de novembro de 2006. Sociedade Latino-americana de Estratégia
(SLADE); Universidade do Vale do Itajaí – campus Balneário Camboriú - SC.
BORN, Rúbens Harry. Articulação do capital social pelo movimento ambientalista para a
sustentabilidade do desenvolvimento no Brasil. In: TRIGUEIRO, A. (Coord.). Meio
141
Ambiente no século 21. 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de
conhecimento. Rio de Janeiro: Sextante, 2003, 376p. pp.107-121.
BORCHARDT, Ilmar. Diagnóstico da exclusão social em Santa Catarina: mapa da fome.
Florianópolis: Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Instituto Cepa/SC, 2003,
235p.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:
Senado Federal, 2001. 407 p.
BRASIL. Lei n.10.257, de 10 de jul. 2001. Regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição
Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e outras providências. Doravante,
passa-se a denominar esta lei simplesmente de Estatuto da Cidade.
CABRAL, Osvaldo R. História de Santa Catarina. Florianópolis: PNE/SEC, 1968.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Agenda 21. Comissão de Defesa do Consumidor, Meio
Ambiente e Minorias. Brasília: Câmara dos Deputados, 1995.
CAMARGO, Aspásia B. Alcântara. Desenvolvimento sustentável: um estilo de governar. In:
VERGARA, Sylvia C. & CORREIA Vera L. Almeida. (Orgs.). Propostas para uma gestão
pública municipal efetiva. FGV Editora, Rio de Janeiro, 2003.
CAMBORIÚ. Disponível em: http://www.camboriunet.hpg.ig.com.br. Acesso em: 10 out.
2006.
CAVEDON, Fernanda; DIEHL, Francelise Pantoja; SIQUEIRA, Cristina Boccasius. &
SOUZA, Eliziane Mara de. Função Ambiental da propriedade urbana e áreas de preservação
permanente: a proteção das águas no ambiente urbano. In: ANAIS DO CONGRESSO
INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL. São Paulo: Imprensa Oficial, 2003,
p.173-95.
CRUZ, E. J. Pequena Pátria. Itajaí: Prefeitura Municipal, 2002.
DADOS REGIONAIS IPEA. Disponível em: www.ipeadata.gov.br. Acesso em: 15 dez. 2006.
142
DALY, Herman Edward & COBB, Junior. Para el bien comúm. Reorientando la economia
hacia la comunidad, el ambiente y um futuro sostenible. México: Fondo de Cultura
Econômica, 1993.
DEMO, Pedro. Pesquisa e informação qualitativa. Campinas: Papirus, 2001a.
DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2001b.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1988.
DEXHEIMER, Marcus Alexsander. Estatuto da Cidade e Democracia Participativa.
Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006.
FERNANDES, Edésio. O Direito para o Brasil Socioambiental. And Lima (Org.).
Desenvolvimento Sustentável e Política Ambiental no Brasil: Confrontando a questão
urbana. p. 351-370. Sérgio Antonio Fabris Editor. Porto Alegre, 2002.
FRANCELIN, Moacir Marivalde. Ciência, senso comum e revoluções científicas:
ressonâncias e paradoxos. Ci. Inf. (Ciência da Informação). Brasília, v. 33, n.3, p. 26-34,
set./dez.2004.
FRANGETTO, Flávia Witkowski. Do caráter simplista do direito à cidade: Constituição
Federal, cidade e meio ambiente, cidade como bem ambiental. Revista de Direito
Constitucional e Internacional. Ano 12 out/dez 2004, nº 49, p. 115-138.
FREY, Klaus. Governança interativa: uma concepção para compreender a gestão pública
participativa? Política e Sociedade. Nº 5, outubro de 2004. pp. 117-136.
FÓRUM NACIONAL DA REFORMA URBANA. Disponível em:
www.forumreformaurbana.org.br . Acesso em: 20 out. 2005.
GASPARINI, Diógenes. O Estatuto da Cidade. São Paulo: Editora NDJ, 2002.
GIDDENS, Anthony. Para além da esquerda e da direita. O futuro da política radical.
Tradução de Álvaro Hattnher. São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1996.
GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich e LASH, Scott. Modernização reflexiva. Política,
tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: UNESP, 1997.
143
GIDDENS, Anthony. A terceira via e seus críticos. Rio de Janeiro: Record, 2001.
GRAZIA. Grazia de. Reforma Urbana e Estatuto da Cidade”. In, RIBEIRO, Luiz C. de
Queiroz, CARDOSO Adauto L. (Orgs). Reforma Urbana e Gestão Democrática: promessas
e desafios do Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Revan: FASE, 2003.
HENRY, John. A revolução científica e as origens da ciência moderna. Tradução de Maria
Luiza X. de A . Borges. Rio de Janeiro, Editora Jorge Zahar, 1998.
HISTÓRIA DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ. Disponível em: www.camboriu.sc.gov.br.
Acesso em: 10 jul. 2006.
HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos. O breve século XX (1914-1991). 2ª ed. São Paulo: Cia
das Letras, 1995.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia Estatística. Disponível em: www.ibge.gov.br .
Acesso em: 20 jun. 2006.
JANNUZZI, Paulo de Martino. Considerações sobre o uso, mau uso e abuso dos indicadores
sociais na formulação e avaliação de políticas públicas municipais. Revista de
Administração Pública (RAP). Rio de Janeiro, 36 (1):51-72, jan./fev. 2002a.
JANNUZZI, Paulo de Martino. Prdução e disseminação da informação estatística: agências
estaduais no Brasil. São Paulo em Perspectiva. 16 (3) 92-103, 2002b.
JAPIASSU, Hilton. A revolução científica moderna. Rio de Janeiro: Imago, 1985.
KISSLER, Leo; HEIDMANN, Francisco G. Governança pública: novo modelo regulatório
para as relações entre Estado, mercado e sociedade? Revista de Administração Pública
(RAP). Rio de Janeiro 40(3):333-4, Maio/jun.2006.
KÖCHE, José Carlos. Fundamentos de metodologia científica: teoria da ciência e prática da
pesquisa. Petrópolis: Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
LAURELL, Asa Cristina. Estado e Políticas Sociais no Liberalismo. 2.ed. São Paulo:
Cortez, 1997.
144
LÜCHMANN, Lígia Helena Hahn. Os Conselhos Gestores de Políticas Públicas: desafios
de desenho institucional. Ciências sociais Unisinos. Vol. 38, nº 161, 2002, p. 43-79.
LÜCHMANN, Lígia Helena Hahn. Redesenhando as relações sociedade e estado: o tripé da
democracia deliberativa. Florianópolis: Revista Katálysis. v. 6, jul./dez. 2003.
MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2001.
MARICATO, Ermínia e FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação Urbana Consorciada:
diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade? In: OSÓRIO,
Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as
cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002.
MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. (Orgs.). Estatuto da Cidade:
Lei 10.257, de 10.07.2001. 2. ed. São Paulo: Editora RT, 2004.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em
saúde. 7. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abramo, 2000.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação conceitual. São
Paulo: Atlas, 2002.
MOREIRA, Daniel Augusto. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo: Pioneira,
2002.
MORIN, Edgar. Para sair do século XX. Tradução de Vera Azambuja Harvey. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira. 1986.
MORIN, Edgar e KERN, A. Terra-pátria. Porto Alegre: Sulina, 1995.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 2
a
ed. revista e modificada pelo autor. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. 350p.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar e reforma, reformar o pensamento. Tradução
Eloá Jacobina. Rio de Janeiro; Bertrand Brasil, 2000a.
145
MORIN, Edgar. Da necessidade de um pensamento complexo. In: MARTINS, F. & SILVA,
J.M. (Orgs.) Para navegar no século XXI. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina e Edipucrs, 2000b.
MORIN, Edgar. A inteligência da complexidade. Edgar Morin & Jean Louis Le Moigne;
tradução Nurimar Maria Falci. São Paulo: Peirópolis, 2000c.
MORIN, Edgar. O método 5: A humanidade da humanidade. Trad. Juremir Machado da
Silva. Porto Alegre: Sulina, 2002a.
MORIN, Edgar. O método 4. Tradução de Juremir Machado da Silva, 3 ed., Porto Alegre:
Sulina, 2002b.
MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice
Sampaio Dória. 6ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002c.
MORIN, Edgar. Em busca dos fundamentos perdidos textos sobre o marxismo. Tradução
Maria Lucia Rodrigues. Salma Tannus, 2ª edição. Porto Alegre: Sulina, 2004.
MOURA-FUJIMOTO, Nina Simone Vila Verde. A Urbanização brasileira e a qualidade
ambiental. In DIRCE MARIA ANTUNES SUERTEGARAY, LUÍS ALBERTO BASSO e
MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade: anotações à Lei 10.257, de 10 de julho de 2001.
São Paulo: Saraiva, 2001.
OLIVEIRA, Heloísa e SEIBEL, Erni José. Clientelismo e seletividade: desafios às políticas
sociais. 2006. No prelo.
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um Estado para a sociedade civil: temas éticos e políticos da
gestão democrática. São Paulo: Cortez, 2004.
OLIVEIRA, Silvio Luiz de. Tratado de Metodologia Científica: projetos de pesquisas, TGI,
TCC, monografias, dissertações e teses. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.
PAULA, Ana Paula Paes de. Por uma nova administração pública: limites e
potencialidades da experiência contemporânea. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
146
PEREIRA, Gislene Pereira. A Natureza (dos) nos fatos urbanos: produção do espaço e
degradação ambiental. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n.3; p. 33-51, jan/jun, 2001.
Editora da UFPR.
PEREIRA, Raquel Fontes do Amaral. Formação sócio-espacial do litoral de Santa
Catarina (Brasil): gênese e transformações recentes. Geosul - Revista do Departamento de
Geociências Programa de Pós-Graduação em Geografia, Florianópolis, v. 18, n.35, 99-129,
jan./jun. 2003.
PINTO, Antonio Carlos Brasil. Turismo e meio ambiente: Aspectos jurídicos. ed.
Campinas, São Paulo: Editora Papirus, 1998. p. 11-12.
PLANO BÁSICO DE DESENVOLVIMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO PBDEE.
Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. Governo do Estado de
Santa Catarina, março 1999.
PLANO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL MESORREGIÃO DE ITAJAÍ. Volume II
– Diagnóstico do Plano de Desenvolvimento Regional. Itajaí: dez. 2005.
PUTNAM, Robert D.. Comunidade e Democracia: a experiência da Itália Moderna. Rio de
Janeiro: Ed. FGV, 1996.
RIBEIRO, Luiz César de Queiroz, CARDOSO Adauto Lúcio (Orgs). Reforma Urbana e
Gestão Democrática: promessas e desafios do Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Revan:
FASE, 2003.
RIBEIRO, Maurício Andrés. Ecologizar: pensando o ambiente humano. Brasília: Universa,
2005. 535 p.
RICHARDSON, Roberto Jarry; colaboradores PERES, José Augusto de Souza (et al.). 3. ed.
São Paulo: Atlas, 1999.
ROCHA, Júlio César de da. Função ambiental da cidade: direito ao meio ambiente
urbano ecologicamente equilibrado. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, p. 04/05.
ROLNIK, Raquel. (coord). Estatuto da Cidade Guia para implementação pelos
municípios e cidadãos. Câmara dos Deputados, Centro de Documentação e Informação,
Coordenação de Publicações. Brasília, 2001.
147
ROLNIK, Raquel. Exclusão territorial e violência. In: São Paulo em perspectiva, vol. 13,
4, p. 100-111, dez. 1999.
ROLNIK, Raquel. O que é cidade. São Paulo: Brasiliense, 1995.
SANTA CATARINA. Disponível em:
http://www.sc.gov.br/conteudo/municipios/frametsetmunicipios.htm . Acesso em: 11 set.
2006.
SANTOS, Adriana Clara Bogo dos; BOEIRA, Sérgio Luís. Estatuto da Cidade: O que está em
disputa? In: Anais da I Mostra de Pesquisa, Extensão e Cultura do CEJURPS. Ana
Cláudia C. de Oliveira (et al.) Organizadores. Itajaí, SC: Universidade do Vale do Itajaí,
2005, 732 p.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da
experiência. Vol. 1. São Paulo: Cortez, 2000.
SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 3 ed., São Paulo: Cortez,
2005.
SANTOS, Maurício Barbosa dos. Estatuto das Cidades: uma arma contra os Inimigos.
ed., Leme, SP – Editora J. H. Mizuno, 2004.
SAULE JÚNIOR, Nelson; ROLNIK, Raquel. Estatuto da Cidade: novos horizontes para a
reforma urbana. São Paulo, Pólis, 2001. xxp. (Cadernos Pólis, 4).
SCHWARZ, R. As idéias fora do lugar. Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 3, jan., 1997.
SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS DE SANTA
CATARINA - SEBRAE. Disponível em: www.sebrae-sc.gov.br. Acesso em: 10 nov. 2005.
SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL DE ITAJAÍ SDR-ITAJAÍ.
Disponível em: http://www.spg.sc.gov.br . Acesso em: 10 jul. 2006.
SÉGUIN, Élida. Estatuto da Cidade: promessa de inclusão social, justiça social. Rio de
Janeiro: Forense, 2002.
148
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à
gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
VASCONCELLOS, Maria José Esteves de. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da
ciência. Campinas, SP: Papirus, 2002.
VEIGA, José Eli da. Cidades imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se calcula.
Campinas: Autores Associados, 2002.
VERDUM, Roberto. (Org.) Ambiente e lugar no urbano: a Grande Porto Alegre. Porto
Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000.
VIEIRA, Liszt; BREDARIOL, Celso. Cidadania e Política Ambiental. Rio de Janeiro:
Record, 1998.
149
APÊNDICES
150
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS
P R O G R A M A D E M E S T R A D O P R O F I S S I O N A L I Z A N T E E M GE ST ÃO
D E P O L Í T I C A S P Ú B L I C A S
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚLICAS
Mestranda: Adriana Clara Bogo dos Santos
Prezado Senhor,
O objetivo geral do presente questionário visa subsidiar minha dissertação de Mestrado a
ser submetida no Curso de Mestrado Profissionalizante em Gestão de Políticas Públicas da
Universidade do Vale do Itajaí, que terá como tema o potencial de implementação do Estatuto da
Cidade (EC) de cada Município integrante da AMFRI. Portanto, a sua contribuição é essencial para a
viabilidade da pesquisa e para o conhecimento de cada município.
Desde já agradeço a atenção dispensada.
Adriana Clara Bogo dos Santos – Mestranda
INDICADORES
SIM EM
FUNCIONAMENTO
NAO EM FASE DE ELABORAÇÃO /
CRIAÇÃO
Existência Agenda 21 Local
Existência de Conselho do Meio Ambiente
Existência de Conselho Urbano
Grupo de Discussão acerca do Estatuto da
Cidade (EC)
Audiências Públicas sobre o Estatuto Cidade
(EC)
Participação do Município nas Conferências
Regional e Estadual das Cidades
Existência de Plano Diretor
Grupo de Discussão p/Revisão do Plano
Diretor
Audiências Públicas p/Revisão do Plano
Diretor
Projetos Encaminhados à Câmara que dizem
respeito ao EC (Estatuto da Cidade).
Outro Indicador que tenha relação com o Estatuto da Cidade que Vossa Senhoria considere relevante
em seu município:
_________________________________________________________________________________
Favor remeter o questionário respondido para (47)3367-6049.
Contato:
acbogo@terra.com.br
151
ANEXOS
152
ANEXO 1: Estatuto da Cidade
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
LEI N
o
10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001.
Mensagem de Veto nº 730
Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição
Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana
e dá outras providências
.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono
a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DIRETRIZES GERAIS
Art. 1
o
Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição
Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.
Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece
normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do
bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
Art. 2
o
A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à
moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos,
ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas
dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos,
programas e projetos de desenvolvimento urbano;
III cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no
processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;
IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das
atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e
corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;
V oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados
aos interesses e necessidades da população e às características locais;
VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-
estrutura urbana;
d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores
de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;
153
e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização;
f) a deterioração das áreas urbanizadas;
g) a poluição e a degradação ambiental;
VII integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o
desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência;
VIII adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana
compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do
território sob sua área de influência;
IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização;
X adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos
públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores
de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;
XI recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de
imóveis urbanos;
XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio
cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;
XIII audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de
implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio
ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população;
XIV regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda
mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e
edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais;
XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas
edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades
habitacionais;
XVI isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de
empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social.
Art. 3
o
Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política urbana:
I – legislar sobre normas gerais de direito urbanístico;
II legislar sobre normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios em relação à política urbana, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-
estar em âmbito nacional;
III promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de
saneamento básico;
IV – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e
transportes urbanos;
V elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de
desenvolvimento econômico e social.
CAPÍTULO II
DOS INSTRUMENTOS DA POLÍTICA URBANA
154
Seção I
Dos instrumentos em geral
Art. 4
o
Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
I planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento
econômico e social;
II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;
III – planejamento municipal, em especial:
a) plano diretor;
b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;
c) zoneamento ambiental;
d) plano plurianual;
e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;
f) gestão orçamentária participativa;
g) planos, programas e projetos setoriais;
h) planos de desenvolvimento econômico e social;
IV – institutos tributários e financeiros:
a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU;
b) contribuição de melhoria;
c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros;
V – institutos jurídicos e políticos:
a) desapropriação;
b) servidão administrativa;
c) limitações administrativas;
d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;
e) instituição de unidades de conservação;
f) instituição de zonas especiais de interesse social;
g) concessão de direito real de uso;
h) concessão de uso especial para fins de moradia;
i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;
j) usucapião especial de imóvel urbano;
l) direito de superfície;
m) direito de preempção;
155
n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;
o) transferência do direito de construir;
p) operações urbanas consorciadas;
q) regularização fundiária;
r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos
favorecidos;
s) referendo popular e plebiscito;
VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).
§ 1
o
Os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela legislação que lhes é própria,
observado o disposto nesta Lei.
§ 2
o
Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social, desenvolvidos por
órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação específica nessa área, a concessão de
direito real de uso de imóveis públicos poderá ser contratada coletivamente.
§ 3
o
Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de recursos por parte do
Poder Público municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de
comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil.
Seção II
Do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios
Art. 5
o
Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o
parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou
não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.
§ 1
o
Considera-se subutilizado o imóvel:
I cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele
decorrente;
II – (VETADO)
§ 2
o
O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da
obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis.
§ 3
o
A notificação far-se-á:
I por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao proprietário do imóvel
ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administração;
II por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na forma prevista pelo
inciso I.
§ 4
o
Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a:
I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão municipal
competente;
II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do empreendimento.
§ 5
o
Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei municipal específica a
que se refere o caput poderá prever a conclusão em etapas, assegurando-se que o projeto aprovado
compreenda o empreendimento como um todo.
156
Art. 6
o
A transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou causa mortis, posterior à data da
notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5
o
desta Lei, sem interrupção de quaisquer prazos.
Seção III
Do IPTU progressivo no tempo
Art. 7
o
Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do
art. 5
o
desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5
o
do art. 5
o
desta Lei, o Município
procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo
no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.
§ 1
o
O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o
caput do art. 5
o
desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a
alíquota máxima de quinze por cento.
§ 2
o
Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o
Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação,
garantida a prerrogativa prevista no art. 8
o
.
§ 3
o
É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que
trata este artigo.
Seção IV
Da desapropriação com pagamento em títulos
Art. 8
o
Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha
cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à
desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.
§ 1
o
Os títulos da dívida pública terão prévia aprovação pelo Senado Federal e serão resgatados
no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da
indenização e os juros legais de seis por cento ao ano.
§ 2
o
O valor real da indenização:
I refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função
de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza após a notificação de que
trata o § 2
o
do art. 5
o
desta Lei;
II – não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios.
§ 3
o
Os títulos de que trata este artigo não terão poder liberatório para pagamento de tributos.
§ 4
o
O Município procederá ao adequado aproveitamento do imóvel no prazo máximo de cinco
anos, contado a partir da sua incorporação ao patrimônio público.
§ 5
o
O aproveitamento do imóvel poderá ser efetivado diretamente pelo Poder Público ou por
meio de alienação ou concessão a terceiros, observando-se, nesses casos, o devido procedimento
licitatório.
§ 6
o
Ficam mantidas para o adquirente de imóvel nos termos do § 5
o
as mesmas obrigações de
parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5
o
desta Lei.
Seção V
Da usucapião especial de imóvel urbano
Art. 9
o
Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta
metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia
157
ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou
rural.
§ 1
o
O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente
do estado civil.
§ 2
o
O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma
vez.
§ 3
o
Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu
antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.
Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por
população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde
não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem
usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano
ou rural.
§ 1
o
O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua
posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
§ 2
o
A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante
sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis.
§ 3
o
Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor,
independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito
entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
§ 4
o
O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo
deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de
urbanização posterior à constituição do condomínio.
§ 5
o
As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por
maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou
ausentes.
Art. 11. Na pendência da ação de usucapião especial urbana, ficarão sobrestadas quaisquer
outras ações, petitórias ou possessórias, que venham a ser propostas relativamente ao imóvel
usucapiendo.
Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana:
I – o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente;
II – os possuidores, em estado de composse;
III como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente
constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados.
§ 1
o
Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a intervenção do Ministério Público.
§ 2
o
O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o
cartório de registro de imóveis.
Art. 13. A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como matéria de defesa,
valendo a sentença que a reconhecer como título para registro no cartório de registro de imóveis.
Art. 14. Na ação judicial de usucapião especial de imóvel urbano, o rito processual a ser
observado é o sumário.
Seção VI
158
Da concessão de uso especial para fins de moradia
Art. 15. (VETADO)
Art. 16. (VETADO)
Art. 17. (VETADO)
Art. 18. (VETADO)
Art. 19. (VETADO)
Art. 20. (VETADO)
Seção VII
Do direito de superfície
Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno,
por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro
de imóveis.
§ 1
o
O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo
relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística.
§ 2
o
A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa.
§ 3
o
O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a
propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com
os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em
contrário do contrato respectivo.
§ 4
o
O direito de superfície pode ser transferido a terceiros, obedecidos os termos do contrato
respectivo.
§ 5
o
Por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a seus herdeiros.
Art. 22. Em caso de alienação do terreno, ou do direito de superfície, o superficiário e o
proprietário, respectivamente, terão direito de preferência, em igualdade de condições à oferta de
terceiros.
Art. 23. Extingue-se o direito de superfície:
I – pelo advento do termo;
II – pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário.
Art. 24. Extinto o direito de superfície, o proprietário recuperará o pleno domínio do terreno, bem
como das acessões e benfeitorias introduzidas no imóvel, independentemente de indenização, se as
partes não houverem estipulado o contrário no respectivo contrato.
§ 1
o
Antes do termo final do contrato, extinguir-se-á o direito de superfície se o superficiário der
ao terreno destinação diversa daquela para a qual for concedida.
§ 2
o
A extinção do direito de superfície será averbada no cartório de registro de imóveis.
Seção VIII
Do direito de preempção
Art. 25. O direito de preempção confere ao Poder Público municipal preferência para aquisição
de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares.
159
§ 1
o
Lei municipal, baseada no plano diretor, delimitará as áreas em que incidirá o direito de
preempção e fixará prazo de vigência, não superior a cinco anos, renovável a partir de um ano após o
decurso do prazo inicial de vigência.
§ 2
o
O direito de preempção fica assegurado durante o prazo de vigência fixado na forma do §
1
o
, independentemente do número de alienações referentes ao mesmo imóvel.
Art. 26. O direito de preempção será exercido sempre que o Poder Público necessitar de áreas
para:
I – regularização fundiária;
II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;
III – constituição de reserva fundiária;
IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana;
V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;
VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental;
VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico;
IX – (VETADO)
Parágrafo único. A lei municipal prevista no § 1
o
do art. 25 desta Lei deverá enquadrar cada área
em que incidirá o direito de preempção em uma ou mais das finalidades enumeradas por este artigo.
Art. 27. O proprietário deverá notificar sua intenção de alienar o imóvel, para que o Município, no
prazo máximo de trinta dias, manifeste por escrito seu interesse em comprá-lo.
§ 1
o
À notificação mencionada no caput será anexada proposta de compra assinada por terceiro
interessado na aquisição do imóvel, da qual constarão preço, condições de pagamento e prazo de
validade.
§ 2
o
O Município fará publicar, em órgão oficial e em pelo menos um jornal local ou regional de
grande circulação, edital de aviso da notificação recebida nos termos do caput e da intenção de
aquisição do imóvel nas condições da proposta apresentada.
§ 3
o
Transcorrido o prazo mencionado no caput sem manifestação, fica o proprietário autorizado
a realizar a alienação para terceiros, nas condições da proposta apresentada.
§ 4
o
Concretizada a venda a terceiro, o proprietário fica obrigado a apresentar ao Município, no
prazo de trinta dias, cópia do instrumento público de alienação do imóvel.
§ 5
o
A alienação processada em condições diversas da proposta apresentada é nula de pleno
direito.
§ 6
o
Ocorrida a hipótese prevista no § 5
o
o Município poderá adquirir o imóvel pelo valor da base
de cálculo do IPTU ou pelo valor indicado na proposta apresentada, se este for inferior àquele.
Seção IX
Da outorga onerosa do direito de construir
Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido
acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo
beneficiário.
160
§ 1
o
Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área edificável
e a área do terreno.
§ 2
o
O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único para toda a zona
urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana.
§ 3
o
O plano diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos coeficientes de
aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o aumento de
densidade esperado em cada área.
Art. 29. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitida alteração de uso do
solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.
Art. 30. Lei municipal específica estabelecerá as condições a serem observadas para a outorga
onerosa do direito de construir e de alteração de uso, determinando:
I – a fórmula de cálculo para a cobrança;
II – os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga;
III – a contrapartida do beneficiário.
Art. 31. Os recursos auferidos com a adoção da outorga onerosa do direito de construir e de
alteração de uso serão aplicados com as finalidades previstas nos incisos I a IX do art. 26 desta Lei.
Seção X
Das operações urbanas consorciadas
Art. 32. Lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá delimitar área para aplicação
de operações consorciadas.
§ 1
o
Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas
coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários
permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações
urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.
§ 2
o
Poderão ser previstas nas operações urbanas consorciadas, entre outras medidas:
I – a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e
subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas
decorrente;
II a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a
legislação vigente.
Art. 33. Da lei específica que aprovar a operação urbana consorciada constará o plano de
operação urbana consorciada, contendo, no mínimo:
I – definição da área a ser atingida;
II – programa básico de ocupação da área;
III programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada pela
operação;
IV – finalidades da operação;
V – estudo prévio de impacto de vizinhança;
VI contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados
em função da utilização dos benefícios previstos nos incisos I e II do § 2
o
do art. 32 desta Lei;
161
VII forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com representação da
sociedade civil.
§ 1
o
Os recursos obtidos pelo Poder Público municipal na forma do inciso VI deste artigo serão
aplicados exclusivamente na própria operação urbana consorciada.
§ 2
o
A partir da aprovação da lei específica de que trata o caput, são nulas as licenças e
autorizações a cargo do Poder Público municipal expedidas em desacordo com o plano de operação
urbana consorciada.
Art. 34. A lei específica que aprovar a operação urbana consorciada poderá prever a emissão
pelo Município de quantidade determinada de certificados de potencial adicional de construção, que
serão alienados em leilão ou utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria
operação.
§ 1
o
Os certificados de potencial adicional de construção serão livremente negociados, mas
conversíveis em direito de construir unicamente na área objeto da operação.
§ 2
o
Apresentado pedido de licença para construir, o certificado de potencial adicional será
utilizado no pagamento da área de construção que supere os padrões estabelecidos pela legislação
de uso e ocupação do solo, até o limite fixado pela lei específica que aprovar a operação urbana
consorciada.
Seção XI
Da transferência do direito de construir
Art. 35. Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário de imóvel
urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito
de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, quando o referido
imóvel for considerado necessário para fins de:
I – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
II – preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico,
social ou cultural;
III servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por
população de baixa renda e habitação de interesse social.
§ 1
o
A mesma faculdade poderá ser concedida ao proprietário que doar ao Poder Público seu
imóvel, ou parte dele, para os fins previstos nos incisos I a III do caput.
§ 2
o
A lei municipal referida no caput estabelecerá as condições relativas à aplicação da
transferência do direito de construir.
Seção XII
Do estudo de impacto de vizinhança
Art. 36. Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área
urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as
licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público
municipal.
Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do
empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas
proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das seguintes questões:
I – adensamento populacional;
II – equipamentos urbanos e comunitários;
162
III – uso e ocupação do solo;
IV – valorização imobiliária;
V – geração de tráfego e demanda por transporte público;
VI – ventilação e iluminação;
VII – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.
Parágrafo único. Dar-se-á publicidade aos documentos integrantes do EIV, que ficarão
disponíveis para consulta, no órgão competente do Poder Público municipal, por qualquer
interessado.
Art. 38. A elaboração do EIV não substitui a elaboração e a aprovação de estudo prévio de
impacto ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação ambiental.
CAPÍTULO III
DO PLANO DIRETOR
Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das
necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das
atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2
o
desta Lei.
Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de
desenvolvimento e expansão urbana.
§ 1
o
O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano
plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades
nele contidas.
§ 2
o
O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo.
§ 3
o
A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos.
§ 4
o
No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os
Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:
I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de
associações representativas dos vários segmentos da comunidade;
II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;
III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.
§ 5
o
(VETADO)
Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades:
I – com mais de vinte mil habitantes;
II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;
III onde o Poder blico municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4
o
do art.
182 da Constituição Federal;
IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico;
V inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto
ambiental de âmbito regional ou nacional.
163
§ 1
o
No caso da realização de empreendimentos ou atividades enquadrados no inciso V do
caput, os recursos técnicos e financeiros para a elaboração do plano diretor estarão inseridos entre
as medidas de compensação adotadas.
§ 2
o
No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado um plano
de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido.
Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo:
I a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou
utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização,
na forma do art. 5
o
desta Lei;
II – disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei;
III – sistema de acompanhamento e controle.
CAPÍTULO IV
DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE
Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os
seguintes instrumentos:
I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal;
II – debates, audiências e consultas públicas;
III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal;
IV iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento
urbano;
V – (VETADO)
Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do inciso
III do art. 4
o
desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as
propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como
condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal.
Art. 45. Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão
obrigatória e significativa participação da população e de associações representativas dos vários
segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno
exercício da cidadania.
CAPÍTULO V
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 46. O Poder Público municipal poderá facultar ao proprietário de área atingida pela
obrigação de que trata o caput do art. 5
o
desta Lei, a requerimento deste, o estabelecimento de
consórcio imobiliário como forma de viabilização financeira do aproveitamento do imóvel.
§ 1
o
Considera-se consórcio imobiliário a forma de viabilização de planos de urbanização ou
edificação por meio da qual o proprietário transfere ao Poder Público municipal seu imóvel e, após a
realização das obras, recebe, como pagamento, unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou
edificadas.
§ 2
o
O valor das unidades imobiliárias a serem entregues ao proprietário será correspondente ao
valor do imóvel antes da execução das obras, observado o disposto no § 2
o
do art. 8
o
desta Lei.
164
Art. 47. Os tributos sobre imóveis urbanos, assim como as tarifas relativas a serviços públicos
urbanos, serão diferenciados em função do interesse social.
Art. 48. Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social, desenvolvidos por
órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação específica nessa área, os contratos de
concessão de direito real de uso de imóveis públicos:
I terão, para todos os fins de direito, caráter de escritura pública, o se aplicando o disposto
no inciso II do art. 134 do Código Civil;
II – constituirão título de aceitação obrigatória em garantia de contratos de financiamentos
habitacionais.
Art. 49. Os Estados e Municípios terão o prazo de noventa dias, a partir da entrada em vigor
desta Lei, para fixar prazos, por lei, para a expedição de diretrizes de empreendimentos urbanísticos,
aprovação de projetos de parcelamento e de edificação, realização de vistorias e expedição de termo
de verificação e conclusão de obras.
Parágrafo único. Não sendo cumprida a determinação do caput, fica estabelecido o prazo de
sessenta dias para a realização de cada um dos referidos atos administrativos, que valerá até que os
Estados e Municípios disponham em lei de forma diversa.
Art. 50. Os Municípios que estejam enquadrados na obrigação prevista nos incisos I e II do art.
41 desta Lei que não tenham plano diretor aprovado na data de entrada em vigor desta Lei, deverão
aprová-lo no prazo de cinco anos.
Art. 51. Para os efeitos desta Lei, aplicam-se ao Distrito Federal e ao Governador do Distrito
Federal as disposições relativas, respectivamente, a Município e a Prefeito.
Art. 52. Sem prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e da aplicação de outras
sanções cabíveis, o Prefeito incorre em improbidade administrativa, nos termos da Lei n
o
8.429, de 2
de junho de 1992, quando:
I – (VETADO)
II deixar de proceder, no prazo de cinco anos, o adequado aproveitamento do imóvel
incorporado ao patrimônio público, conforme o disposto no § 4
o
do art. 8
o
desta Lei;
III – utilizar áreas obtidas por meio do direito de preempção em desacordo com o disposto no art.
26 desta Lei;
IV aplicar os recursos auferidos com a outorga onerosa do direito de construir e de alteração
de uso em desacordo com o previsto no art. 31 desta Lei;
V aplicar os recursos auferidos com operações consorciadas em desacordo com o previsto no
§ 1
o
do art. 33 desta Lei;
VI – impedir ou deixar de garantir os requisitos contidos nos incisos I a III do § 4
o
do art. 40 desta
Lei;
VII deixar de tomar as providências necessárias para garantir a observância do disposto no §
3
o
do art. 40 e no art. 50 desta Lei;
VIII adquirir imóvel objeto de direito de preempção, nos termos dos arts. 25 a 27 desta Lei,
pelo valor da proposta apresentada, se este for, comprovadamente, superior ao de mercado.
Art. 53. O art. 1
o
da Lei n
o
7.347, de 24 de julho de 1985, passa a vigorar acrescido de novo
inciso III, renumerando o atual inciso III e os subseqüentes: .(Revogado pela Medida Provisória
2.180-35, de 24.8.2001)
"Art. 1
o
.......................................................
165
...................................................................
III – à ordem urbanística;
.........................................................." (NR)
Art. 54. O art. 4
o
da Lei n
o
7.347, de 1985, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 4
o
Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando, inclusive, evitar o dano
ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO)." (NR)
Art. 55. O art. 167, inciso I, item 28, da Lei n
o
6.015, de 31 de dezembro de 1973, alterado pela
Lei n
o
6.216, de 30 de junho de 1975, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 167. ...................................................
I - ..............................................................
..................................................................
28) das sentenças declaratórias de usucapião, independente da regularidade do parcelamento do
solo ou da edificação;
........................................................." (NR)
Art. 56. O art. 167, inciso I, da Lei n
o
6.015, de 1973, passa a vigorar acrescido dos seguintes
itens 37, 38 e 39:
"Art. 167. ....................................................
I – ..............................................................
37) dos termos administrativos ou das sentenças declaratórias da concessão de uso especial para
fins de moradia, independente da regularidade do parcelamento do solo ou da edificação;
38) (VETADO)
39) da constituição do direito de superfície de imóvel urbano;" (NR)
Art. 57. O art. 167, inciso II, da Lei n
o
6.015, de 1973, passa a vigorar acrescido dos seguintes
itens 18, 19 e 20:
"Art. 167. ....................................................
II – ..............................................................
18) da notificação para parcelamento, edificação ou utilização compulsórios de imóvel urbano;
19) da extinção da concessão de uso especial para fins de moradia;
20) da extinção do direito de superfície do imóvel urbano." (NR)
Art. 58. Esta Lei entra em vigor após decorridos noventa dias de sua publicação.
Brasília, 10 de julho de 2001; 180
o
da Independência e 113
o
da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Paulo de Tarso Ramos Ribeiro
Geraldo Magela da Cruz Quintão
166
Pedro Malan
Benjamin Benzaquen Sicsú
Martus Tavares
José Sarney Filho
Alberto Mendes Cardoso
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 11.7.2001
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo