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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
REGINA DE BRITO RODRIGUES
A FORMAÇÃO HUMANÍSTICA NO CURSO DE
JORNALISMO: DAS INTENÇÕES ÀS PRÁTICAS
CAMPINAS
2007
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REGINA DE BRITO RODRIGUES
A FORMAÇÃO HUMANÍSTICA NO CURSO DE
JORNALISMO: DAS INTENÇÕES ÀS PRÁTICAS
Dissertação apresentada como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Educação, ao
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Educação – Área Ensino Superior, do Centro de
Ciências Sociais Aplicadas da Pontifícia Universidade
Católica de Campinas.
Orientador: Prof. Dr. Newton Cesar Balzan
PUC - CAMPINAS
2007
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Ficha Catalográfica
Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e
Informação - SBI - PUC-Campinas
t070.07 Rodrigues, Regina de Brito.
R696f A formação humanística no curso de jornalismo: das intenções às práticas / Regina de Brito
Rodrigues. - Campinas: PUC- Campinas, 2007.
324p.
Orientador: Newton César Balzan.
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências
Sociais Aplicadas, Pós-Graduação em Educação.
Inclui anexos e bibliografia.
1. Jornalismo - Estudo e ensino. 2. Jornalistas - Formação. 3. Pontifícia Universidade
Católica de Campinas - Avaliação educacional. 4. Educação humanística. I. Balzan, Newton
César. II. Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Centro de Ciências Sociais Aplicadas.
s-Graduação em Educação. III. Título.
22.ed.CDD – t070.07
BANCA EXAMINADORA
Presidente e Orientador: Prof. Dr. Newton Cesar Balzan
1º. Examinador: Prof. Dr. Sérgio Montes Castanho
2º. Examinador: Prof. Dr. Amarildo B. Carnicel
Campinas, 18 de junho de 2007.
Em memória de minha mãe, Rita de Cássia.
Saudade é a presença da ausência.
Alceu Amoroso Lima
Agradecimentos
Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Carlos Drummond de Andrade
Ao meu pai, Francisco, companheiro de todas as horas, laço fundamental e meu porto seguro
nesta jornada, por compartilhar os bons e maus momentos do caminho.
Ao meu orientador, Prof. Newton Cesar Balzan, por tantas sábias lições e pelo estímulo constante.
Aos Professores Amarildo B. Carnicel, Sérgio Montes Castanho e Fabiana Fernandes, cujas
valiosas recomendações deram novo impulso às minhas buscas.
Aos professores e alunos do Curso de Jornalismo da PUC – Campinas, pela generosidade nas
entrevistas, dividindo comigo saberes, fazeres, sonhos e angústias do ser, do ensinar a e do
aprender a ser jornalista.
À direção a aos funcionários do Centro de Linguagem e Comunicação da PUC – Campinas que,
com atenção carinhosa, me acolheram.
Aos professores dos Programas de Pós-Graduação em Educação da PUC – Campinas e da
UNICAMP, com os quais tive a ventura de conviver nestes dois anos e meio de estudos, por me
abrirem tantos horizontes e me ajudarem a ganhar asas para este vôo.
Aos funcionários do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da PUC – Campinas, sempre prontos a
me ajudar a vencer os percalços burocráticos.
Aos meus companheiros de curso e, em especial, à inesquecível turma de 2005, pela
cumplicidade solidária que teceu laços e enredou nossos destinos. Com um particular carinho, a
Antonio Carlos, Lú, Adriana e Ana Elisa. Vocês têm cadeira cativa no meu lado esquerdo do peito.
Aos meus antigos professores, por terem enriquecido minha vida, entregando-me, com
generosidade e inteligência, caminhos novos, olhares insabidos, horizontes insuspeitos.
Caminham comigo, visíveis ou invisíveis (neste outro nível de vínculo que a memória faz), neste
caminho de aprender a ser educadora. De forma especial a Terezinha Azerêdo Rios e Carlos
Roberto Jamil Cury, presentes nas linhas – e nas entrelinhas – deste trabalho.
Aos meus amados tios Maria e Luiz (em memória), pelo carinho, apoio e zelo durante toda minha
vida.
À amiga Hellen, pela competente transcrição de tantas horas de diálogos.
Aos amigos e parceiros de ofício Celso Falaschi, Ciça Toledo e Maria Helena, que compartilharam
cada passo, desde os primeiros rascunhos deste projeto.
Aos amigos de uma vida, Ana Maria e Vinício Lázaro, presenças definitivas.
Ao Paulo Bonzanini, amigo-irmão, por tudo e sempre.
Aos meus sobrinhos René, Vitória e André e ao futuro que lhes cabe, porque inspiram meu
empenho em, de alguma forma, ajudar a melhorar o mundo.
Digo: o real não está na saída nem na
chegada: ele se dispõe para a gente é no
meio da travessia.
João Guimarães Rosa
RESUMO
RODRIGUES, Regina de Brito. A formação humanística no Curso de Jornalismo:
das intenções às práticas. Campinas, 2007. Dissertação (Mestrado). Curso de Pós-
Graduação em Educação. Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 2007
Partindo do pressuposto de que o conhecimento da realidade é condição para o exercício
da cidadania e tendo em conta que, numa sociedade em que os meios de comunicação
de massa ganham cada vez maior importância na construção/reconstrução da realidade ,
o jornalismo – nos seus diferentes formatos – é produtor deste conhecimento do mundo
contemporâneo, o presente estudo analisa a chamada formação humanística dos
jornalistas. Os conhecimentos necessários ao ofício de narrar o cotidiano são
examinados à luz desta formação. Resgatando historicamente o ensino de jornalismo no
Brasil, pesquisa-se a evolução desta formação humanística ao longo das sucessivas
transformações do país, para situar – num estudo de caso – o Curso de Jornalismo da
PUC Campinas, no interior do Estado de São Paulo. Com o exame dos documentos
(projeto pedagógico, ementas, planos de cursos e textos selecionados) e entrevistas
semi-estruturadas com os agentes educacionais envolvidos (professores das disciplinas
de formação humanística, da formação técnica e da formação para pesquisa, direção do
curso e alunos ingressantes e concluintes) problematiza-se a prática efetiva
desenvolvida. A pesquisa utiliza-se das ferramentas da análise de discurso para, num ir
e vir do discurso à realidade vivida pelos agentes envolvidos, examinar os dados de uma
perspectiva dialética, salientando as contradições entre teoria e prática; intenções e
objetivos; professores e alunos; formação técnica e formação humanística; objetivos e
resultados. Destaca ainda o papel da interdisciplinaridade para a consecução dos
objetivos propostos com a formação humanística.
Termos de indexação: formação de jornalistas – ensino de jornalismo no Brasil –
formação humanística – metodologia do ensino de jornalismo – interdisciplinaridade.
ABSTRACT
RODRIGUES, Regina de Brito. Humanistic Education in Journalism Course: From
Intent to Practice. Campinas, 2007. Dissertação (Mestrado) – Curso de Pós
Graduação em Educação – Área: Educação Superior. Pontifícia Universidade
Católica de Campinas, 2007
Starting from a presupposition that knowing reality is a condition to exercise citizenship,
and taking into account that in a society in which mass communication media become
ever more important in building/rebuilding reality, journalism – in its different forms – acts
as a producer of this knowledge of the contemporary world, the present study analyses
the so called humanistic education of journalists. The knowledge required in narrating
everyday events is examined in the light of this type of education. Historically recovering
journalism education in Brazil, this work researches the evolution of humanistic education
throughout the consecutive transformations experienced in the country in order to situate
– in a case study – the journalism course of a Pontifícia Universidade Católica in
Campinas, located inland in the State of São Paulo. With the analysis of documents
(pedagogic project, digests, course planning material and selected texts) and semi-
structured interviews with educational agents involved (professors for humanistic
education, technical education and research education disciplines, course direction and
incoming and graduating students) the practices effectively developed are problematized.
The research uses discourse analysis tools in order to examine the data from a dialectic
perspective through the process of going back and forth from discourse to the reality
experienced by the agents involved, emphasizing the contradictions that exist among
theory and practice; intentions and objectives; professors and students; technical and
humanistic education; objectives and results. It also points out the role played by
interdisciplinarity in the achievement of the objectives set forth by humanistic education.
Indexation terms: journalists' education – journalism teaching in Brazil – humanistic
education – journalism teaching methodology – interdisciplinarity.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
I. A FORMAÇÃO DO JORNALISTA: EXIGÊNCIAS E CARÊNCIAS
I.1. Perguntar para escrever
I.2. Saber para fazer
I.3. Contradições à vista
I.4. Futuro em gestação, futuro a se fazer
I.4.1 Linha do tempo: advertências
I.4.2 Significações para a referência na TV
I.4.3 Sentidos produzidos, sentidos a produzir
I.4.4 Possibilidades abertas
II. ENSINO DE JORNALISMO NO BRASIL: MUDANÇA E
PERMANÊNCIA
II.1. Demanda por mão-de-obra está na origem
II.2. Sob a sombra do CIESPAL
II.3. A busca pela construção de uma identidade
II.4. Caminhos para entrar (e viver) no século XXI
II.5. Desafios que permanecem
III. CONSTRUÇÃO DE UM TRAJETO METODOLÓGICO
. III.1. Análise documental: escolhas e olhares
III.2. Sujeitos da pesquisa.
III.3. Roteiros de entrevistas: focos e justificativas
III.4. Recursos de análise
III.5. Eixos temáticos
IV. NO PAPEL, UM PROJETO: O CAMINHO PROPOSTO PELA
PUC- CAMPINAS
IV.1. Lugar de partida: pressupostos e aspirações.
IV.2. A bagagem proposta.
IV.3. Formas de andar pelo caminho
IV.4. Lugar(es) de chegada
V
. O TRAJETO EM PROCESSO: O CURSO DE JORNALISMO DA
PUC – CAMPINAS SOB DIFERENTES OLHARES
V.1. Ser jornalista hoje: limites do campo, regras de um jogo
V.2. Jornalistas que queremos ser
V.3. Ensinar jornalismo: possibilidades e limites
V.4. Aprender jornalismo: desejos e lacunas
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V.5. Ilusões perdidas e esperanças reiteradas
V
I. SUPERAÇÕES POSSÍVEIS: CAMINHOS TRILHADOS E
ATALHOS POR CONSTRUIR
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APÊNDICES
Apêndice I – Sabores e (des)sabores de uma primavera –
A construção do sentido no discurso jornalístico
ANEXOS
Anexo I – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Anexo II – Roteiro de Entrevista – Direção do Curso de Jornalismo e
do CLC – Centro de Linguagem e Comunicação
Anexo III – Roteiro de Entrevista – Professores do eixo de formação
Humanística
Anexo IV – Roteiro de Entrevista – Professores do eixo de formação
profissional e/ou do eixo de pesquisa
Anexo V – Roteiro de Entrevista – Alunos ingressantes
Anexo VI – Roteiro de entrevista – Alunos concluintes
Anexo VII – Entrevista – Direção – Sujeito D1
Anexo VIII – Entrevista – Professor de formação humanística –
Sujeito PH3
Anexo IX – Entrevista – Professor do eixo de formação profissional
ou do eixo de pesquisa – Sujeito PT3
Anexo X – Entrevista – Aluno Ingressante – Sujeito AIN1
Anexo XI – Entrevista – Aluno Concluinte – Sujeito ACN5
Anexo XII – Relatório CLC de Atividades G8
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INTRODUÇÃO
“Ler significa reler e compreender, interpretar. Cada um
lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde
os pés pisam”.
Leonardo Boff
“Numa ciência em que o observador é da mesma
natureza que o objeto, o observador, ele mesmo, é uma
parte da observação”.
Claude Lévi-Strauss
Como ponto de partida, para situar o leitor no universo de quem fala – e o
levar à compreensão das implicações deste lugar singular que se define por uma
escolha temática e por um percurso de investigação –, há uma história. Escolher
a formação humanística no curso de jornalismo como foco deste estudo é o
resultado, antes de tudo, de uma experiência pessoal. Nesse sentido, tomemos a
reflexão de LARROSA (2004, p. 160/161):
Se escutamos em espanhol, nessa língua na qual a experiência é
lo que nos pasa”, o sujeito de experiência seria algo como um
território de passagem, algo como uma superfície de
sensibilidade na qual aquilo que passa afeta de algum modo,
produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns
vestígios, alguns efeitos (...) A experiência é, em primeiro lugar,
um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que
se prova.
O que se passou? Para ser jornalista (e uma boa jornalista), não
bastava saber escrever. Era preciso algo mais, porque escrever era só o final de
um processo que implicava, antes de tudo, saber pensar. E pensar, o que era (e
é), senão saber fazer perguntas, uma atrás da outra, até encontrar algo além do
raso das aparências, algo mais fundo que o “mundo fenomênico” dos fatos, seus
personagens, datas e lugares. Havia ali, de alguma forma, a busca pessoal por
compreender “o que se passava no meu país”. O que desejava – assistindo aos
noticiários na TV ou lendo os jornais – era entender o porquê, e o simples relato
12
dos fatos – em poucas linhas ou alguns segundos – não me assegurava essa
compreensão.
Para responder a tantas perguntas, nos debruçamos, nas décadas de
1970/1980, sobre as Ciências Sociais. E, bem depois – 1997-2000 – nos
encontraríamos de volta aos bancos escolares para um curso de jornalismo.
Porque, apesar de toda a base que a formação anterior nos propiciara, havia e há
uma especificidade em tal ofício que era e é necessário aprender. E aprender não
apenas a fazer jornalismo – o que, dizem os defensores do fim da exigência do
diploma, se faz numa redação. Sobretudo era preciso aprender a refletir sobre o
sentido desse fazer, suas implicações na construção e reconstrução de
significados para os fatos sociais do mundo contemporâneo e seus
desdobramentos para a vida de milhões de pessoas que diariamente
ouvem/assistem noticiários ou lêem jornais/revistas.
Nessa dupla formação, escolha intuitiva, algo se passou. E marcou. Já
não nos era possível negar a bagagem, o legado de anos de leitura e pesquisa
em Sociologia, Antropologia e Teoria Política (e em História, Economia e
Filosofia). As perguntas que fazíamos – desde a escolha de uma pauta
1
jornalística até aquelas que desejávamos fazer (e fazíamos) aos nossos
entrevistados – tinham um outro jeito.
“Você quer sempre ir mais fundo!”, diziam. Quem? Os colegas do curso
de jornalismo, aprendizes como nós neste ofício de contar o mundo. E com eles,
o que se passava (e a nós também, por proximidade, por tarefas em conjunto, por
espaços e tempos compartilhados em quatro longos anos)?
Neles encontrávamos dificuldades em escrever (até por conta da cada
vez mais precária formação recebida nos níveis anteriores de escolarização) e
uma assustadora limitação de pensamento, expressa em perguntas óbvias,
fontes
2
previsíveis, pautas pobres – apenas aquelas previamente agendadas - e
um olhar o mundo sem indagações. A isso se somava, com raras exceções, uma
insatisfação crescente com o curso que compartilhávamos. “Por que tanta “ia”?”
1
Tema ou assunto de uma notícia ou reportagem. Roteiro mínimo fornecido ao repórter. Situa o jornalista no
contexto, fornece-lhe indicações de pessoas a entrevistar, locais a visitar, etc.
2
Qualquer pessoa que forneça informações a um jornalista sobre um determinado fato, que venha ou não a
ser objeto de notícia.
13
Sociologia, Antropologia, Filosofia, Metodologia de Pesquisa, Teoria Política,
Psicologia? “O que a gente quer é ser jornalista! Queremos aprender a escrever,
só isso”. Sem compartilhar com eles a maioria das aulas das “ias”, pela dispensa
propiciada pela antiga formação, apenas os escutávamos (e dávamos alguma
ajuda, que sempre pediam).
Mas aquilo que se passava, meio à distância de nossa própria carne,
deixava vestígios. Como é que eles não conseguem entender que, antes de saber
escrever, é preciso saber pensar e todas essas teorias são para isso? Será que
estão ruins as aulas? Será que é o conteúdo que não lhes faz sentido?
O que para nós, como resultado do longo trajeto de nossa formação,
estava claro, parecia não fazer sentido para os colegas angustiados. Se os anos
de Ciências Sociais nos haviam propiciado um instrumental crítico e reflexivo, que
entendíamos fundamental para o exercício da profissão de jornalista, por que
essa experiência não se repetia com os iguais a nós, aprendizes do ofício? Por
que esta parte da formação que nos era propiciada – o chamado eixo de
formação humanística era assim percebida e assim vivida por aquela turma de
jovens?
Foi com essas marcas que uma pergunta inicial se pôs – e repôs – de
1997 até 2005, ano de nosso ingresso no Programa de Pós-Graduação em
Educação: “A formação humanística, na forma como ela ocorre no curso de
jornalismo, contribui para assegurar o instrumental analítico e reflexivo necessário
ao profissional de imprensa?”. Ao fazê-la, tínhamos (e temos) a consciência de
que ela apenas se colocava a partir da experiência singular que nos foi dada
como privilégio viver e de toda uma concepção de mundo (e do jornalismo) que ali
e assim se formara. Situar a gênese deste estudo, assumindo-o como parte da
vida vivida é, nesse sentido, nos percebermos também como objeto de estudo.
Uma circunstância que, entendemos, não se pode omitir, pois
o início da elaboração crítica é a consciência daquilo que somos
realmente, isto é, um “conhece-te a ti mesmo” como produto do
processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma
infinidade de traços recebidos sem benefício no inventário. Deve-
se inicialmente, fazer este inventário (GRAMSCI, apud CURY,
1995, p. 91).
14
Isso posto, o objetivo deste trabalho é estudar a formação humanística
de futuros profissionais de imprensa. Como recurso metodológico, utilizaremos
um estudo de caso, com foco centrado no Curso de Jornalismo da PUC –
Campinas. Partimos da premissa de que, para o exercício socialmente
responsável do jornalismo e presente o papel da mídia no desenvolvimento da
cidadania, a formação humanística é fundamental. Enquanto leitura do mundo, o
jornalismo supõe sempre interpretação da realidade e, no processo de interpretar,
o conjunto de saberes humanísticos constitui-se em base orientadora de todo o
processo de seleção, coleta e reprodução/reconstrução de dados e informações.
Ao ressaltarmos a importância da chamada formação humanística para
o exercício do jornalismo há, para além da experiência vivida e das marcas e
efeitos que dela em nós se produziram, outros aspectos a se destacar e que, no
nosso entender, justificam a empreitada deste estudo.
Estes aspectos implicam, é certo, determinadas concepções quanto ao
que é o ser humano, à vida em sociedade, ao papel do jornalismo, à qualidade da
informação jornalística. Dessas todas concepções é que resulta aquela que
ressalta a importância da dita formação humanística.
A reflexão que a seguir faremos sobre tais aspectos não pretende
esgotar temas tão amplos e, por si só, passíveis de se tornarem novos objetos de
pesquisa. Assinala apenas, como balizas, a orientação que norteou nosso olhar
sobre o Curso de Jornalismo da PUC – Campinas, eleito objeto de estudo.
Para delimitar a importância do jornalismo na sociedade
contemporânea e de seu caráter eminentemente formador (DINES, 1986, p. 118),
é necessário que compreendamos o papel da linguagem na lenta e longínqua
história da formação da espécie humana como hoje a conhecemos. A esse
respeito, a comunicação humana, mediada pela linguagem, tem papel
fundamental no processo de humanização, entendido aqui como o processo
através do qual fomos progressivamente somando ao mundo natural aquele que
nos é específico, o da história, o da cultura.
15
É neste processo que a palavra – enquanto suporte da comunicação –
ganha importância. É através da comunicação que surge o mundo da cultura. Por
isso,
pode-se afirmar então que são esses processos comunicativos,
instauradores da cultura, que “instauram” a própria humanidade.
Com efeito, a prática cultural, em todos os aspectos pelos quais
possa ser considerada, é sempre a expressão articulada de uma
intenção comunicativa (SEVERINO, 2001, p. 73).
Se a comunicação possibilitou-nos o desenvolvimento da cultura,
constitui-nos também fazedores da história. E, no correr da história, encontra-se o
humano, que apenas se afirma como tal quando pode – a partir de sua
consciência de si e do mundo (ela também, como veremos, feita de palavras) –
ser livre. A liberdade, enquanto valor e possibilidade de vir-a-ser – construindo o
futuro – é aqui entendida como resultado deste exercício de consciência mediado
pela linguagem.
O sujeito, ao se vivenciar como parte integrante de um mundo,
simultaneamente natural e social, precisa, para continuar sujeito,
desvelar o sentido desse mundo, pois o sentido é o alimento
de sua especificidade humana como sujeito. E esse processo
se dá por meio do conhecimento, que é a apreensão dos sentidos,
dos significados, das significações. Mas esses sentidos,
relacionados ao mundo e a seus objetos, não se revelam
diretamente à percepção físico-fisiológica e espontânea do sujeito
– eles só chegam a eles graças à mediação de símbolos, cujo
maior e mais eficaz sistema é o da linguagem. Só a linguagem
pode dar aos homens o acesso aos sentidos, tanto ao sujeito
individual, como ao sujeito coletivo (SEVERINO, 2001, p. 75).
(Grifo nosso
)
Refletir sobre essa condição nos leva a destacar o papel do
conhecimento – e da criticidade possível a partir dele – na constituição da
liberdade. Conhecimento que podemos adquirir de modo formal – nas escolas,
colégios e universidades – e de modo informal – no que incluímos o
conhecimento possível de ser adquirido a partir da imprensa. O jornalismo é,
nesse sentido, também uma forma de conhecimento do mundo, mais uma
16
linguagem através da qual podemos atribuir sentido ao que vivemos e, a partir
daí, direcionarmos nossas ações.
Quando situamos o ser humano na perspectiva da consciência de si e
do mundo no horizonte contemporâneo, quando o avanço da tecnologia propiciou
um desenvolvimento ímpar da comunicação midiática, a questão do
conhecimento possível através da imprensa ganha relevância ainda maior. Trata-
se, em última instância, de mergulhar num território em que, na velocidade cada
vez mais acelerada das mudanças sociais, econômicas e políticas, a
inteligibilidade possível do mundo passa, a cada segundo, pelo filtro de uma
notícia produzida por um(a) jornalista, este(a) narrador(a) da contemporaneidade,
sob o comando de um(a) determinado(a) editor(a) num veículo de comunicação,
estruturado em moldes de uma empresa capitalista e que tem, na informação, a
sua mercadoria.
Nesse contexto, não há tranqüilidade. O jornalismo, como produto
eminentemente social, não está à margem das disputas de poder. Pelo contrário,
se acha ele mesmo instrumentalizado pelo poder e é, quando exerce seu histórico
papel de vigilância responsável, o chamado “quarto poder”. Assim, o que está em
jogo – na leitura do mundo que a imprensa viabiliza (e autoriza e legitima com seu
poder de atribuir “realidade” ao que ocorrido, na medida em que, para muitos, “se
não deu no Jornal Nacional, não aconteceu”) – é bem mais do que informação. As
palavras – ferramenta de construção/reconstrução da realidade humana – são
armas.
Na quase poesia de Jorge LARROSA (2004, p. 153):
Quando fazemos coisas com as palavras, do que se trata é de
como damos sentido ao que somos e ao que nos aconteceu, de
como juntamos as palavras e as coisas, de como nomeamos o
que vemos ou o que sentimos e de como vemos ou sentimos o
que nomeamos. (...) As palavras com que nomeamos o que
somos, o que fazemos, o que pensamos, o que percebemos ou o
que sentimos são mais do que simplesmente palavras. E por isso
as lutas pelas palavras, pelo significado e pelo controle das
palavras, pela imposição de certas palavras e pelo silenciamento
ou desativação de outras, são lutas em que se joga algo mais que
simplesmente palavras, algo mais que somente palavras.
17
Neste cenário que brevemente desenhamos, não há – para muitos –
saída. O jornalismo estaria fadado a ser instrumentalizado, e a notícia – refém da
sua condição de mercadoria – não poderia cumprir aquele seu papel primeiro – na
origem libertária da Revolução Francesa no século XVIII – de contribuir para
formar cidadãos livres. Para muitos, reduzido o jornalismo à mera função de
reproduzir os fatos de interesse do(s) grupo(s) no poder, ao jornalista não caberia
pensar. Afinal, as pautas chegam prontas à redação, vindas das assessorias de
imprensa; seu editor já tem a lista das fontes ditas confiáveis para todos os
assuntos da sua área de cobertura. Pensar para quê?
Para tais pessoas, o jornalismo é simplesmente uma técnica que se
aprende rapidamente nas redações dos veículos, quase todos detentores de seus
manuais de redação determinando as fórmulas a serem utilizadas para abrir,
desenvolver e fechar a matéria. Em textos, de preferência, concisos, já que o
leitor não tem tempo e os segundos na televisão custam muito dinheiro. As cartas
estão marcadas e o jogo já tem um vencedor: o capital. E a história, dizem
sarcasticamente, acabou. Acreditam que nada pode ser alterado, transformado.
Os que assim pensam acomodaram-se. Abriram mão do futuro-a-se-fazer no seu
cinismo. E, para citar Ryszard KAPUSCINSKI (2003, p. 53), jornalista polonês e
um dos maiores repórteres do século XX:
El cinismo es uma actitud inhumana, que nos aleja
automaticamente de nuestro ofício, al menos si uno lo concibe de
uma forma seria. Naturalmente, aqui estamos hablando solo del
grande periodismo, que es el único de que vale la pena ocuparse,
y no de esa forma detestable de interpretarlo que con frecuencia
encontramos
.
A história, no entanto, não tem a simplificação de tais posições cínicas.
Não há absolutos coerentes. O que sobram são as contradições. Para entender o
que se passa no jornalismo, tomemos o texto a seguir, que trata da educação.
É importante não exagerar o papel reprodutor da escola. A
reprodução não se dá sem alguma forma de contradição. Se a
escola auxilia na preparação de gerações segundo os padrões
dominantes, ela guarda a possibilidade de uma crítica à
falsificação do saber. A insistência no lado reprodutor da escola
acabou por obnubilar o lado transformador que, pela ação
18
recíproca, se dá ao mesmo tempo que o primeiro. A escola inculca
e desarticula, mas fornece uma organização preferível a nada,
que acompanha a função civilizadora do capital. Embora
mecanicamente ela não possa dar saltos qualitativos, as
possibilidades imanentes da escola existente são um germe do
futuro instalado no contexto das lutas sociais (CURY, 1995, p.
104).
Para os nossos propósitos, é possível lê-lo substituindo escola por
jornal/televisão/imprensa. E é nessa potencialidade crítica e transformadora que a
chamada formação humanística ganha seu espaço, como processo através do
qual se ensine a pensar, para formar profissionais capazes de olhares ampliados
(e textos instigantes, desafiadores, esclarecedores) sobre a realidade
contemporânea. Além disso, o próprio avanço tecnológico – com o advento da
rede mundial dos computadores – acabou por impor, aos veículos impressos
principalmente, o desafio de se diferenciarem do imediatismo possível com as
mídias eletrônicas. E a diferença só se pode produzir pelo aprofundamento da
matéria jornalística, espaço para a reportagem de fôlego, investigativa, que
desdobra o fato em seus antecedentes, seus múltiplos atores sociais, suas
implicações na vida de cada cidadão. Para fazê-las, há que se formar jornalistas
capazes da indagação, da busca, do pensar que quer ir além das aparências.
É nesse cenário que as “ias”, que tanto incomodaram nossos colegas
estudantes de jornalismo, ganham espaço. Elas que formam o núcleo do eixo
denominado formação humanística. A reflexão a seguir, feita sobre a
necessidade/utilidade da Filosofia, pode, nesse sentido, se aplicar também à
Economia, à Teoria Política, à Sociologia, à Antropologia Cultural, à Psicologia, à
Metodologia de Pesquisa.
Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum
for útil; se não se deixar levar pela submissão às idéias
dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar
compreender a significação do mundo, da cultura, da história for
útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas
ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa
sociedade meios para serem conscientes de si e de suas ações
numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for
útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os
saberes de que os seres humanos são capazes (CHAUÍ, apud
RIOS, 2001, p. 32).
19
E ainda que o mercado de trabalho destinado a esses profissionais
encarregados da grande reportagem não seja capaz de absorver os milhares de
jovens que as faculdades de jornalismo lançam todos os anos à procura de um
emprego, há um outro – e sempre importante – sentido para a formação
humanística. Trata-se do fato de que é apenas através da reflexão – mediada
pelo conhecimento científico que as disciplinas reunidas no eixo de formação
humanística propiciam – que se pode compreender a dimensão política do fazer
jornalístico.
Toda competência profissional tem uma dimensão técnica que diz
respeito aos conhecimentos que os indivíduos devem possuir, aos
métodos que devem estar proporcionando uma articulação desses
conhecimentos ao contexto no qual se exerce a prática. E tem
também uma dimensão política que diz respeito exatamente à
visão crítica do profissional em relação ao seu papel (RIOS,
1997,129).
Abdicar, na formação de nível superior, do exame reflexivo dessa
dimensão equivaleria a renunciar de vez ao fundamental papel crítico que o
ensino superior deve exercer. Papel que, malgrado todas as crises, tem
permanecido como um horizonte norteador do que há de mais fecundo na
educação. Pois,
por mais que a educação se transforme, ao longo dos tempos tem
sobrevivido uma visão que centra o foco principal no
desenvolvimento das capacidades humanas, em sentido forte e
amplo, ou seja, na construção da humanidade na perspectiva de
seus valores fundamentais e universais. Nesse sentido, a
educação, direito social, é entendida como bem público a serviço
da edificação e elevação do mundo humano (DIAS SOBRINHO,
2005, p. 104).
Quando se trata de educar profissionais que atuam numa área de
atividade de tão grandes implicações sociais – lembrando sempre o poder
formador/deformador que a imprensa exerce e as conseqüências desta
formação/formatação/deformação nos caminhos (e descaminhos) da história – é
necessário assinalar que a almejada (e justa) profissionalização não pode se
20
reduzir apenas à instrução, mera repetição de técnicas consolidadas. A esse
respeito, a reflexão a seguir é um alerta contundente.
Coloca-se, aqui, no plano da educação, o problema da
profissionalização. Tanto os professores quanto os alunos podem
subordinar seu ensino e sua aprendizagem às palavras de ordem
das necessidades do mundo econômico. Este nome pomposo
“profissionalização” nada mais significa que uma interdição
dirigida a todos de se interessar por outra coisa diferente do que
poderia almejar um empregador possível. Profissionalizar
consiste, antes de tudo, em reduzir o campo dos conhecimentos,
a pretexto de especialização necessária à eficácia, à rentabilidade
(da formação, do formado e do formador). Neste sentido, é
altamente castradora da liberdade, pois faz demasiadamente
concessão ao saber, só levando o indivíduo a aprender o que é
útil. Se o especialista é alguém que possui grandes lacunas em
sua ignorância, profissionalizar significa aumentar essas lacunas
(JAPIASSU, 1997, p. 85).
Com tais concepções a respeito da sociedade, do papel do jornalismo
e das exigências/urgências que o século XXI nos formula – como jornalista e
como aprendiz de educador é que orientamos nosso olhar, dirigimos nossas
indagações e carregamos de intencionalidade este projeto. Não há neutralidade
possível no exame que fizemos. Nosso foco imbricou-se de vida, na intrincada
trama de uma trajetória pessoal e na percepção que tivemos do caminho que se
fez, a partir de leituras/escolhas que também são conformadoras dessa não
neutralidade.
Para apresentar o resultado da pesquisa empreendida, refletimos
inicialmente sobre as carências e exigências na formação do jornalista, tendo
sempre como pressuposto o papel formador do jornalismo. O capítulo I é a
síntese de olhares críticos de profissionais/estudiosos da imprensa para este
ofício de narrar o contemporâneo, com especial atenção para o “caráter
energicamente ferramental do conhecimento científico” (CORTELLA, 2003, p.
126), propiciado pela chamada formação humanística, para o exercício
socialmente responsável da profissão. Mas, para não nos limitarmos àquilo que
os autores lidos apontam como desejável, vale fazermos uma breve incursão pelo
modelo de jornalismo praticado no Brasil e suas implicações para o ensino. Na
fronteira entre o desejável e o que se realiza no cotidiano das redações, situa-se o
21
papel do ensino superior. Em meio às contradições constatadas, universidades –
públicas ou privadas – fazem a sua opção por um determinado modelo.
Ainda que tenhamos escolhido o Curso de Jornalismo da Pontifícia
Universidade Católica de Campinas – PUC – Campinas como objeto de estudo,
fizemos – conforme Capítulo II – um breve resgate histórico da evolução do
ensino de jornalismo no Brasil, pontuando a questão do eixo de formação
humanística desde a instalação, em 1947, do primeiro curso superior de
jornalismo no país (Fundação Cásper Líbero – São Paulo), para situar as
mudanças ocorridas, correlacionando-as às transformações sociais, políticas
econômicas pelas quais passaram o Brasil e o mundo. O Curso de Jornalismo da
PUC – Campinas é abordado então nas entrelinhas desta história de 60 anos de
ensino de jornalismo no país. Essa abordagem nos permite reafirmar que
a universidade é uma instituição histórica e, portanto, enraizada
em situações concretas que marcam os tempos. Suas relações
com o contexto histórico mais amplo sempre estiveram
atravessadas por contradições (DIAS SOBRINHO, 2005, p. 64).
e que, no cerne destas contradições, encontramos o fato de que, malgrado todas
as tentativas de reduzir o ensino de jornalismo a uma técnica, a permanência do
eixo de formação humanística soa-nos como indicador da existência de um
espaço no qual, como jornalistas e como educadores, poderemos ousar
transformações.
As reflexões do Capítulo I e a retomada histórica do Capítulo II são,
neste estudo, o cenário no qual a especificidade de nosso objeto – o Curso de
Jornalismo da PUC – Campinas – ganhou seus contornos e se explicitou em
desdobramentos ao problema inicialmente proposto.
Ao iniciarmos uma pesquisa, dificilmente temos um problema, mas
uma problemática. O recorte que se vai fazer para investigar se
situa dentro de uma totalidade mais ampla.... partimos de
condições já dadas, existentes, e de uma prática anterior, nossa e
de outros, que gerou a necessidade da pesquisa ao
problematizar-se (FRIGOTTO, 2001, p. 87).
22
O capítulo III trata dos caminhos de ordem metodológica que optamos
por seguir. A escolha da PUC – Campinas como objeto se justifica pelo fato de
que ali nos formamos em jornalismo e ali se deu a percepção que alimentou as
nossas primeiras indagações. Isso posto, o presente estudo se configura um
estudo de caso, em que buscamos olhar, com a profundidade que nos foi
possível, a formação humanística propiciada pela instituição, do ponto de vista do
desenvolvimento de uma consciência crítica e reflexiva que entendemos,
conforme já exposto, essencial ao exercício do jornalismo.
Se o objeto singular é a formação humanística, não a compreendemos
de forma isolada. Assim, buscamos trabalhar em diferentes níveis. Num primeiro
momento, centrado na análise documental (do projeto pedagógico, às ementas e
aos planos de curso das disciplinas componentes do eixo sob análise), tratamos
dos fins a que se propõem a instituição, a direção da faculdade, vinculada ao
Centro de Linguagem e Comunicação – CLC, e os docentes envolvidos. Tais
intenções se traduziram em determinada organização curricular, atividades,
escolha de conteúdos e metodologias de ensino. A análise desse material
compõe o Capítulo IV.
Partimos, em seguida, para ouvir os docentes e a direção da
instituição. Aqui incluímos também aqueles que ministram as chamadas
disciplinas específicas (ou técnicas), por entendermos que a formação do
jornalista é obra interdisciplinar e o alcance dos objetivos propostos pela própria
PUC – Campinas passa pela integração entre os diferentes eixos. Nesse
momento nos aproximamos também da prática – aquela que, no cotidiano,
viabiliza (ou não) os fins almejados. As visões dos docentes e da direção da
faculdade – seus embates, suas concordâncias, suas dificuldades e suas
contradições, expressos nas entrevistas que realizamos são objeto de análise.
É na ação desses sujeitos – nas circunstâncias que as determinações internas à
universidade os impõem e no cenário do exercício do jornalismo que se pratica –
que o projeto pedagógico se realiza.
No entanto, educação é sempre processo envolvendo ensino e
aprendizagem numa teia complexa. Seus objetivos se concretizam na relação
professor/aluno, mediada pelo contexto histórico e vivida na singularidade de
23
histórias de vida, na qual se entrelaçam passado, presente e futuro. Por isso,
ouvimos alunos ingressantes e alunos concluintes. Para que esses sujeitos
pudessem também expressar suas expectativas quanto ao curso que iniciam ou
concluem; contar-nos sobre suas experiências de formação e expressar suas
visões do jornalismo, entre outros aspectos. Ao dar voz aos discentes, temos
também o contraponto – no nível discursivo – que nos permite perceber as
contradições entre docentes e alunos no que se refere à formação humanística,
seu impacto, suas marcas e sua importância.
É do diálogo entre esses agentes educacionais – presente o contexto
em que se imbricam visões do jornalismo que se quer e práticas do jornalismo
que se faz, território de múltiplas contradições – que se compõe o capítulo V.
No Capítulo VI – “Superações possíveis: caminhos trilhados e atalhos
por construir”, procuramos resgatar, do material colhido nas entrevistas, as
narrativas que se fizeram emblemáticas das possibilidades e das dificuldades
encontradas por docentes e alunos na prática do ensino das disciplinas
componentes do eixo de formação humanística, no sentido de desenvolver a
consciência crítica e reflexiva que se almeja enquanto proposta pedagógica
assumida pela PUC – Campinas.
Finalmente, as “Conclusões” levantam rumos para pesquisa futura e
problematizam, à luz das concepções que orientaram este estudo, os dados/fatos
observados, a síntese que nosso olhar pode alcançar, presentes as condições em
que a pesquisa se fez e o caráter sempre provisório de todo o conhecimento.
Gosto sempre de repetir que nada do que é humano é plano, mas
necessariamente volumétrico. A superfície é o domínio do olhar
imediato, e por isso falamos de realidades superficiais; as coisas
do homem são, no mínimo, tridimensionais, o que nos impõe a
limitação de nunca as enxergarmos totalmente, a ponto de
dispensarmos ilações e outras conjecturas, nas quais poderemos
estar certos ou não. É, portanto, a nossa própria inserção no
mundo que nos impõe a humildade como condição de lucidez
necessária (MORAIS, 2.000, p. 66).
Assumir o caráter provisório do conhecimento produzido não significa,
no entanto, deixar de ter algumas certezas, que se colocam aqui como valores,
nosso credo de fé na capacidade que temos – como jornalistas e educadores – de
24
encontrar caminhos para um saber e um fazer diferentes. Lidamos com as
palavras, com seu poder de construir e reconstruir a realidade. A consciência de
nossas limitações – ontológicas, na dimensão da história que fazemos a partir das
condições que nos são dadas – não deve resultar num desistir, num entregar-se à
mesmice, escolha fácil dos cínicos de plantão.
Não.
Nosso tempo, o dos educadores, é este hoje em que já se
encontra, em gestação, o amanhã. Não um qualquer, mas um
amanhã intencional, planejado, provocado agora. Uma amanhã
sobre o qual não possuímos certezas, mas que sabemos
possibilidade.
Pode parecer romântico (até piegas); no entanto, é dessa utopia
que não nos podemos apartar, sob a pena de perdermos o sentido
de humanidade.
É nessa paixão pelo humano que habita, de forma convulsiva, a
tensão articulada entre o epistemológico e o político, onde se dá o
encontro do sonho de um Conhecimento como ferramenta da
Liberdade e de um Poder como amálgama da convivência
igualitária (CORTELLA, 2003, p. 159).
O sentido deste estudo esteve, desde sempre, dado pela crença nas
possibilidades da educação e do jornalismo como agentes – não únicos, é certo –
de transformação. E o sentido do conhecimento – do esforço individual e coletivo
de compreensão do mundo em que vivemos – não se encontra para nós senão na
possibilidade de – por compreendermos – agirmos de forma consciente em
direção àquilo em que acreditamos, nossa necessária e fundamental utopia.
Ela está no horizonte (...) Me aproximo dois passos, ela se afasta
dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.
Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a
utopia? Serve para isso: para caminhar (GALEANO, apud RIOS,
2001, p. 138/139).
Por assim ser, o ser humano – individual e coletivamente – se faz
cultura, na medida em que é apenas com o vislumbre do que não há que nos
tornamos capazes de um projeto, do que se lança à frente como futuro. Este é
25
terreno da história e suas possibilidades. Se as circunstâncias por vezes nos
assustam, se elas – inevitavelmente – nos impõem limites e se, no processo de
viver (e aprender), a consciência é, muitas vezes, a dolorosa experiência de
reconhecimento do que cerceia, mutila, limita nossos caminhos e nossos seres, “é
bom lembrar que no fundo da terrível caixa de Pandora estava gravada a palavra
Esperança” (DIAS SOBRINHO, 2005, p. 247). E ela será tão mais forte quanto for
nossa capacidade – individual e coletiva de traduzir nosso conhecimento em
prática efetiva. Esse é, para nós, o sentido desta pesquisa.
26
I – A FORMAÇÃO DO JORNALISTA: EXIGÊNCIAS E
CARÊNCIAS
“Repórteres, meu senhor, são pessoas que perguntam”.
Acácio Ramos. apud DANTAS, 1998.p.9
Para compreender o lugar da formação humanística no curso de
jornalismo, necessitamos previamente analisar a especificidade os saberes
necessários ao exercício socialmente responsável dessa importante profissão. No
mundo das aparências, jornalistas são seres que escrevem, falam, portam
microfones. E contam do mundo, do Brasil e do Iraque, de tsunamis e da festa do
Oscar. Diariamente, sem pedir licença, sentam-se à sala de visitas, debruçam-se
sobre mesas em jornais e revistas de leitura obrigatória, e interrompem a música
para trazer, a cada um e a todos, notícias, sem as quais cada um e todos se
sentem mal, já que a informação é um bem precioso em qualquer esfera da
atuação humana.
Dessa constatação, nascem algumas indagações. Se jornalistas
escrevem e falam, como é que produzem o texto que é lido, ouvido e visto? E se
o que escrevem e falam ganha tanta importância na vida das pessoas, como
assegurar às notícias o status de um conhecimento da realidade?
Nesta reflexão, a epígrafe acima lança uma luz. Previamente ao
escrever – que gera o texto lido, ouvido ou visto, não importa – há perguntas. E
elas não são privilégio de repórteres. São definidoras de uma profissão: “o
jornalista é o profissional da indagação, do questionamento” (DINES, 1986, p.
120).
Entender a natureza destas perguntas que alimentam o produto final do
jornalista – o texto – foi um dos objetivos perseguidos nas leituras que
fundamentam esta análise. A partir das exigências que se formulam no exercício
desta etapa do processo de produção da notícia, é possível pensar nas carências
27
de tais profissionais e apontar, do ponto de vista da formação universitária do
jornalista, novas exigências, agora no campo da educação.
Resta, do questionamento inicialmente proposto, a indagação sobre o
status destas notícias produzidas. Estariam elas, nos formatos e com os
conteúdos veiculados nas diferentes mídias, oferecendo ao público – cidadãos –
um conhecimento da realidade? A pergunta feita encerra alguns desdobramentos.
Em primeiro lugar, ela supõe uma determinada visão, que se explicitará
ao longo deste texto, do que sejam notícia e jornalismo de qualidade. As
exigências que se formulam e que explicitam as carências na formação de futuros
profissionais se alimentam desta visão. A ela corresponde uma outra, relativa ao
papel do conhecimento da realidade para a constituição da cidadania – não mera
retórica, mas cidadania substantiva, exercida com consciência e escolhas
fundamentadas, que liberta os seres humanos de velhos e novos grilhões. No
mundo economicamente globalizado, no qual as relações humanas e as decisões
políticas acham-se mediadas pela lógica do mercado e pela expansão da
tecnologia da informação (panacéia para todos os males, para alguns), vale
destacar o papel do jornalista, na defesa apaixonada (e apaixonante), mas rica
em significados, que se lê a seguir.
Os jornalistas são necessários como são necessários os
especialistas, os pesquisadores, os críticos, os escritores, os
professores. Eles são o que sobra de vivo nessa maquinaria toda,
o que sobra de humano – talvez demasiado humano – na
tecnificação total das existências que nos oferece sedutoramente
a indústria do virtual, do interativo, e do tempo real... As
tecnologias pretendem ser consistentes e completas... Mas não
podem, porque nada é completo e consistente ao mesmo tempo.
Já o homem – o jornalista, o filósofo, o médico, o professor – não
é e nem deseja ser completo, pois a falha, a imprecisão, a dúvida
fazem parte dele. E é dessa falha estrutural que advém sua
grande vantagem e sua grande superioridade, pois, como dizia o
velho filósofo, todos os caminhos são curvos, toda verdade é torta
(MARCONDES FILHO, 2002, p. 150).
Ao colocar no mesmo patamar professores e jornalistas, MARCONDES
FILHO se junta a DINES (1986, p. 118), quando este afirma que “o processo de
informar é um processo formador, portanto, o jornalista, em última análise, é um
28
educador”. Essa visão da profissão é a resposta do próprio DINES (op.cit., p. 118)
às perguntas que a si mesmo formula: “Existem profissões especiais? Até que
ponto o jornalismo é diferente de outras atividades da sociedade moderna? O
jornalismo é mesmo uma profissão ou um estado de espírito?”. Sim, é uma
profissão especial, diferente das outras – assim como é especial e diferente das
outras a profissão de professor. Ambos são agentes formadores, responde-nos o
próprio DINES. Ambos, no exercício de seu ofício, lançam - no espaço e no solo e
nas mentes e corações - sementes. Que sementes são essas, que frutos darão, a
que necessidades sociais responderão e de que forma, vai depender também –
entre tantos outros fatores – da formação – técnica e humana – que lhes for
proporcionada.
Para responder a tantas indagações, a leitura de alguns livros se deu
de forma orientada. Neles o tema é abordado, ainda que não de forma exclusiva,
uma vez que não localizamos títulos publicados e exclusivamente dirigidos à
questão da formação do jornalista, objeto maior de nossa pesquisa. Claúdio
Abramo e Alberto Dines são nomes conhecidos, exerceram (ou exercem) a
profissão com destaque no jornalismo impresso brasileiro. Cremilda Medina e Ciro
Marcondes Filho são estudiosos do jornalismo, pesquisadores da Universidade de
São Paulo, ambos com inúmeros títulos publicados.
No entanto, ainda que legítimas todas as ponderações apresentadas
pelos autores lidos (e relidos), o jornalismo praticado – aquele com o qual
tomamos contato lendo nosso jornal predileto, assistindo a noticiários ou
“navegando” na Internet – apresenta-se como uma outra e contraditória
concepção. No universo da prática jornalística – a qual se destinam os novos
profissionais e a qual também respondem os cursos de jornalismo, na sua missão
formadora – outros argumentos e outras lógicas, alimentados ambos pela
condição de mercadoria que a notícia adquire na sociedade contemporânea, se
expressam.
Refletir sobre este jornalismo “real”, seus caminhos, suas crises e suas
implicações – tanto do ponto de vista da formação do profissional quanto do
sentido que adquire a informação (mercadoria) para a sociedade, agora reduzida
à condição de “consumidora” de notícias – apresenta-se como um desafio
29
adicional para nós. Pois é no fio da navalha, entre aquilo a que aspira ser o
jornalismo – com sua ontológica missão de informar, e aquilo que a prática
empresarial gerou historicamente – formatando modelos e impondo limites, que
se situa a universidade. Não pode virar as costas à realidade – o mercado – e
ignorá-lo. Mas, se quiser manter o status de ensino superior e seu também
ontológico espírito crítico e reflexivo, território livre de pesquisa e indagação, não
poderá jamais abrir mão daquilo que se apresenta como ideal.
A questão da formação humanística no curso de jornalismo situa-se
assim, neste cenário de contradições, em meio a uma crise. E ainda que, como
reafirmação dos princípios já apresentados no texto introdutório a esse trabalho,
estejamos convencidos da sua importância, resta-nos – ao mergulhar nos limites
da realidade da prática jornalística – o exercício da criticidade e da criatividade.
A reflexão a seguir dá-nos a pista:
...seria possível pensar que duas das principais características da
universidade – criticidade e criatividade – [...] referem-se
precisamente a seu núcleo de crise. De fato, criticidade, até
etimologicamente, é a capacidade de pensar a crise. E
criatividade não é senão a capacidade de inventar soluções para
as crises (CASTANHO, 2000, 15).
Dessa forma, o que se busca, neste olhar que vai do ideal ao real (e do
real ao ideal), é encontrar – nas entrelinhas, nas fissuras, na própria crise que
visões tão antagônicas nos impõem – outros caminhos.
I.1 - Perguntar para escrever
Muito além dos roteiros técnicos e das regras gramaticais e estilísticas
do bom texto, Otto Lara Resende, cronista do jornal Folha de S. Paulo, entre
outros, vai mais fundo ao afirmar que “escrever bem é pensar bem” (apud DINES,
1986, p. 122) e lança, como pauta de investigação, novos caminhos. Nesse ir
30
mais fundo, Otto Lara Rezende penetra no cerne do processo de produção da
notícia e, de resto, de qualquer texto.
Não basta, nesse sentido, dominar a técnica e a regra. É necessário
saber o que dizer e, para saber, há que pensar e, de novo, perguntar. Porém,
antes das perguntas, é preciso saber o que perguntar, ter referências
orientadoras, conhecer assuntos. Qualquer que seja o texto a ser escrito, essa
exigência se põe e repõe, como um chamado a conteúdo, a conhecimento
organizado.
Onde buscar o saber que oriente as perguntas, que crie as trilhas do
pensamento? Para isso,
O jornalista deve ter uma formação cultural sólida e tem que saber
muito bem algumas coisas. Ele deve saber história, saber como
funciona seu país, a máquina do país, as relações na sociedade...
O jornalista tem ainda que conhecer bem a língua, para saber
manejá-la com a proficiência necessária (ABRAMO, 1993, p. 249).
Está pressuposto, do ponto de vista da formação do jornalista, a
combinação do saber técnico (da escrita, do manejo da língua) com o saber
pensar, a partir de conhecimentos que não são específicos do jornalismo, mas
estão na base de sua realização. E isso não porque os profissionais da imprensa
desejem. Trata-se de um imperativo social, uma exigência dos que buscam
informação que lhes permita se situar no mundo. “O leitor de hoje não quer
apenas saber o que acontece à sua volta, mas assegurar-se da sua situação
dentro dos acontecimentos. Isto só se consegue com o engrandecimento da
informação” (DINES, 1986, p. 90).
Como atingir tal qualidade da informação? Diante de fatos a noticiar,
como realizar o recorte e o enfoque que contemple este salto? Quais aspectos
devem ser abordados na notícia para que, de fato,
leitores/ouvintes/telespectadores consigam, a partir das informações recebidas,
orientar decisões? Ainda que estejamos tratando de suportes técnicos diversos –
papel, televisão, rádio, computador – algumas ponderações devem ser feitas.
31
Se é certo que leitor habitual de um jornal não possui as mesmas
características sócio-econômicas e culturais de um cidadão que se informa
apenas através do Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão, é certo também
que – para além dos limites de tempo, muito além das diferenças de linguagem
(escrita/audiovisual) – qualquer profissional de imprensa trabalha com recortes da
realidade. Se ele terá duas páginas, 15 linhas, 30 segundos, 5 minutos parece-
nos questão secundária diante do fato de que, em qualquer das circunstâncias,
uma leitura do mundo se fará. E é justamente uma leitura mais aprofundada da
realidade que permitirá selecionar, para os 30 segundos ou as 15 linhas, as
informações de fato relevantes. Qualquer que seja o público. Há outros
interesses em jogo, quando se trata de televisão, por exemplo? Certamente. E há
também limitações e implicações que a hegemonia do modelo televisivo traz para
a sociedade, como veremos no item I.3 deste capítulo. Limitações e implicações
que, do nosso ponto de vista, apenas vêm reforçar a necessidade da formação
humanística para o profissional que irá trabalhar em qualquer veículo de
comunicação.
A respeito da formação do profissional que irá trabalhar na televisão,
uma reflexão nos orienta:
Para executar essas funções diárias, o telejornalista precisa, sem
dúvida, dominar todas as técnicas existentes no veículo, a
linguagem televisiva e os avanços tecnológicos. Mas antes ele
precisa dominar as técnicas e regras gerais do jornalismo. E antes
ainda, precisa ter uma formação ampla que lhe permita uma visão
geral do mundo e uma reflexão da função desse seu saber e das
informações que transmite diariamente, como afirma Paulo Freire
(1994, p.80): “Se eu quero ser um bom cozinheiro, preciso
conhecer muito bem as modernas técnicas da arte de cozinhar.
Mas eu preciso sobretudo saber para quem cozinho, por que
cozinho, em que sociedade cozinho, contra quem cozinho, a favor
de quem cozinho.” (ROLDÃO, 1997, p. 101).
Segundo DINES (1986, p. 90), a informação deve conter os seguintes
elementos: “a dimensão comparada, a remissão ao passado, a interligação com
outros fatos, a incorporação do fato a uma tendência e a sua projeção para o
futuro”. Com esse enfoque, a formação cultural necessária ao desempenho
profissional ganha contornos. O conhecimento da história, dos fatos
32
contemporâneos; o raciocínio capaz de relacionar eventos – o que nos remete às
Ciências Humanas em geral ; a análise política e econômica que identifica
tendências, entre outras áreas do saber, passam a fazer parte do horizonte do
jornalista.
Isso supõe, como atividade prévia ao escrever, “investigar, referenciar,
distinguir circunstâncias” (DINES, 1986, p. 18), o que novamente reforça a
necessidade de conhecimento prévio. O que investigar? Quais são as perguntas?
A que atores sociais? Esses mesmos atores, que forças sociais, políticas ou
econômicas representam? Como referenciar seus discursos, para lê-los em seus
sentidos e possibilitar o exame contextualizado de informações?
E é ainda DINES (1986, p. 19) quem insiste na notícia que ultrapassa o
mero relato dos fatos, para fazer um jornalismo de qualidade, o que só se
conseguirá “se a seleção de circunstâncias for apropriada, se a relação entre elas
for conseqüente, se o seu encadeamento for lógico, se a sua exposição for
inequívoca”.
No exercício de indagar, as perguntas levam a relações, conexões,
conflitos e alternativas. O fato desenha-se, assim, contexto. Referenciado,
localizado no tempo e no espaço, problematizado em suas causas e
conseqüências, adquire sentido e é conhecimento do mundo. Conhecimento que
só se consegue aprofundando, neste corte que, em jornalismo, se diz vertical,
mergulho na realidade (ABRAMO, 1993, p. 111). Um mergulho que será tanto
mais fundo quanto maior for a capacidade do jornalista de indagar, questionar. As
perguntas são o oxigênio que alimenta esse estar em águas – por vezes
turbulentas e escuras – da realidade, onde agem interesses, forças e lógicas.
Revelar o que está oculto é, neste jornalismo substantivo e artífice de cidadania
plena, tarefa de investigação, profissão de risco e compromisso público. Mas as
mesmas águas escondem facetas novas, novos temas, novos ângulos de análise
e abrigam a riqueza de outros atores sociais, em seus movimentos na história que
cotidianamente se faz e aos quais o jornalista deve estar aberto (DINES, 1986,
p.62).
33
No entanto, esses cortes e recortes na realidade, orientados por
perguntas e mais perguntas, subsidiados por uma cultura que assegure
questionamentos reveladores, não se dão de forma isolada das mesmas forças,
lógicas e interesses que se localizam e se realizam na sociedade, território de
conflitos. A imprensa é instrumentalizada e manipulada, coloca-se muitas vezes a
serviço de interesses privados, políticos e econômicos e, neste processo,
distancia-se de seu compromisso fundamental: possibilitar um conhecimento do
mundo de tal forma que alargue consciências.
Para minimizar os efeitos dessa manipulação – conscientes de que a
busca do profissional de imprensa pela neutralidade será sempre o empenho pela
revelação das diferentes visões possíveis para um mesmo fato – novas
exigências são formuladas.
Alinham-se agora alguns traços fundamentais para o perfil de um
produtor de informação na democracia:... Capacidade
interpretativa do fato social nas suas múltiplas forças... Saber
trabalhar com a observação, através de técnicas aprendidas,
saber acumulado. Seu olhar-câmara e o desarmamento da
percepção, pesquisados conscientemente, ajudarão a atenuar os
véus ideológicos que nos impedem um debruçar atento sobre a
realidade fora de nós (MEDINA, 1988: 147).
Nesse sentido, o conhecimento aprofundado do real, além de ser a
condição para que se produza um jornalismo de qualidade, é necessário para que
o jornalista possa se contrapor à lógica instrumentalizadora, que designa fontes,
credencia e descredencia atores sociais, obscurece fatos e descontextualiza
acontecimentos, produzindo a superficialidade do que é oferecido a
leitores/ouvintes/telespectadores.
I. 2 - Saber para fazer
Presentes todos os aspectos destacados, fica claro que o fazer
jornalismo exige bem mais que escrever. Um saber escrever que se configura
34
num processo do qual resulta uma história do cotidiano. Para isso “é preciso ter
referenciais sobre o universo em que se vive” (ABRAMO, 1993, p. 113).
Onde aprendê-los passa a ser questão central. Para DINES (1986, p.
155), “nas redações, no máximo, aprende-se a prática, empiricamente, sem o
necessário substrato conceitual que lhe dá consistência, conteúdo e validade”. O
conjunto de conhecimentos capazes de se transformarem em referências para
perguntas que aprofundem a visão formula exigências para a formação dos
jornalistas.
Por essa razão, os cursos de jornalismo possuem – na sua estrutura
curricular – um elenco de disciplinas destinadas à chamada formação humanística
dos futuros profissionais. Mas estarão elas dando conta das necessidades atuais?
No mundo moderno, o jornalismo
é uma profissão que exige cada vez mais competências e em
cada vez mais domínios, porque o real é cada vez mais complexo.
Cada vez mais se é bombardeado com informações. É preciso
decodificá-las, decriptá-las, mesmo invertê-las, e é certo que
quanto mais os jornalistas forem preparados, mais terão o sentido
da espessura histórica das coisas, mais estarão ao abrigo dos
erros (Claude Guillaumin, 1994, apud MARCONDES FILHO,
2002, p. 63). (Grifo nosso)
Diante de tal complexidade, MARCONDES FILHO (2002, p. 64) detecta
um descompasso entre a formação dos jornalistas e a realidade. Para ele, sem o
conhecimento das estruturas, dos sistemas, dos processos não é possível
entender relações, identificar desdobramentos, compreender a história e a lógica
que alinhava múltiplos fatos. Para isso, o conhecimento – base para os
questionamentos que permitem entender e revelar o mundo – não pode ser
reduzido a um almanaque de informações desconexas, oriundas das mais
diversas disciplinas, sob a forma de conceitos ou escolas de pensamento.
Insistir no caráter multidisciplinar do jornalismo (DINES, 1986, p. 10) é
um caminho para superação dessas dificuldades. No entanto, apenas a
justaposição de disciplinas e o caráter fragmentário do conhecimento transmitido
não serão suficientes. Na exigência do saber pensar que o ofício de
35
escrever/relatar o mundo coloca, a capacitação profissional, tão destacada ao
longo do texto, ganha outros contornos.
De nada adianta insistir sobre a formação intelectual se esta não é
acompanhada de uma prática no saber pensar. É a grande falta
que fazem hoje em dia os cursos de filosofia, mas de uma filosofia
específica: aquela que ensina as formas de discernimento, a
habilidade de filiar idéias a correntes de pensamento (e, portanto,
visões de mundo), a que torna o profissional um especialista no
saber filtrar, no “não-se-deixar-levar”, alguém que está acima das
retóricas e das manobras manipulativas. Uma filosofia viva, não o
eterno e monótono repassar passivo de conceitos e de escolas,
mas uma agilidade na aplicação cotidiana desse saber
(MARCONDES, 2002, p. 65/66). (Grifo nosso)
Como realizar esse salto, que exigiria o repensar de uma estrutura
curricular feita de compartimentos estanques, nos quais se encaixam
conhecimentos que não se relacionam entre si? Como promover, ao longo dos
quatro anos de graduação, o ganho de agilidade na aplicação desse saber como
instrumental para ver e compreender o mundo? Como transformar as disciplinas
que compõem a grade de formação humanística na lente privilegiada que
permitirá o saber pensar que um jornalismo de qualidade – para cidadãos que
queremos livres – exige?
Para educadores (e jornalistas que também são educadores), rever as
práticas pedagógicas, em busca de alternativas que possibilitem esse saber
pensar, é o desafio que tantos olhares sobre o jornalismo colocam. Um desafio
que não se relaciona apenas à capacitação profissional, a um novo equilíbrio
entre as dimensões técnica e humanística da formação, mas diz respeito à
sociedade – ao seu presente e ao seu futuro –, já que “a democracia será
reforçada se as instituições educacionais fizerem seu trabalho ensinando futuros
jornalistas a se tornarem hábeis em pensamento crítico, interpretação, análise e
síntese” (Maury M. Breecher, 1998, apud MARCONDES, 2002, p. 162). Ao
escreverem a história do cotidiano assim pautados, exercendo seu ofício com a
marca do saber pensar, os jornalistas poderão se contrapor à lógica da
mercantilização da notícia e à superficialidade da informação.
36
I. 3 – Contradições à vista
“Se quisermos progredir, não devemos
repetir a história, mas fazer uma história nova”.
Gandhi
“Quando todos pensam igual, é porque
ninguém está pensando”.
Walter Lippman
Considera-se, e cremos que isto é um consenso, a informação como
uma necessidade do ser humano. Informação que permite escolhas, decisões.
Um bem através do qual nos relacionamos com a realidade, ordenamos o caos
aparente da vida, nomeando os objetos e buscando entender a lógica dos fatos.
Por isso, existe o jornalismo. A partir da expansão da imprensa periódica,
marcada pelo clamor (e o calor) das transformações da Revolução Francesa, o
mundo mudou. As necessidades de informação se transformaram e este bem
intangível e fundamental foi ganhando novas características.
Do velho folhetim distribuído em praças públicas, nas pequenas vilas
de uma Europa em profunda transformação, às redes internacionais de notícias, à
informação em tempo real, com todos os recursos que o avanço tecnológico
conquistado no século XX propiciou, o que restou? Novos suportes – o rádio, a
televisão e, mais recentemente, a rede mundial de computadores – passaram a
disputar o espaço com o velho (e ultrapassado, para alguns) papel. O volume de
informação disponível na sociedade contemporânea cunhou a expressão
“sociedade da informação”. E, de forma hegemônica, a informação circula como
mercadoria – notícia, um produto à venda, na feliz expressão de Cremilda Medina
(1988).
Haveria, em tempos de mercado globalizado, lugar para os princípios
que jornalistas e estudiosos do jornalismo reafirmaram ao longo dos quase 350
anos de existência da imprensa periódica? Que limitações e que potencialidades
se revelam quando observamos mais de perto o jornalismo real? E quais são as
implicações deste modelo do fazer jornalístico para a sociedade, para os
37
jornalistas e para os que, nas inúmeras universidades e faculdades, estão em
busca da formação profissional em jornalismo?
Há, do nosso ponto de vista, duas questões de fundo que devem
permear a análise do modelo de jornalismo praticado. Uma diz respeito ao papel
da informação em qualquer sociedade. E, daí, o caráter singular dessa
mercadoria em circulação no mercado.
Diante da crise dos jornais impressos – para muitos, fadados ao
desaparecimento – vozes se levantam.
Os jornais de qualidade produzem informação e
“significado”, valores, que refletem os valores da sociedade e
nos quais a sociedade se vê... Editar um diário significa
endereçar todos os dias uma mesma mensagem aos leitores, à
sociedade. Esse gesto dá origem àquilo a que se chama de
comunicação social, que é mais que uma técnica jornalística, é o
prolongamento da informação no corpo social, contribuindo para
estabelecer a sua agenda. O jornal de qualidade é insubstituível
(SOUZA, 2003). (Grifo nosso)
E ainda que a afirmativa acima se refira aos jornais impressos, é
importante refletir sobre os noticiários produzidos em outros suportes, tendo em
conta o caráter de produção de significado que todos, para o bem ou para o mal,
compartilham. O que, do nosso ponto de vista e como já levantamos
anteriormente (p.31), impõe a qualquer jornalista – não importando em que tipo de
mídia trabalhe – algumas exigências de formação.
Uma outra dimensão da chamada “sociedade da informação” deve
nortear nosso exame. Ela diz respeito ao caráter “espetacular” que a notícia
adquire com a hegemonia de um modelo que, como veremos, tem na televisão a
sua referência. E que faz do nosso mundo “a sociedade do espetáculo”, na
expressão cunhada ainda em 1967 pelo visionário pensador francês Guy Debord.
Nos últimos 40 anos, com a sofisticação tecnológica crescente e a
concentração da atividade em poucas e poderosas empresas de mídia, a
espetacularização da notícia ganhou contornos ainda mais graves.
E uma questão paira no ar.
38
El grande problema se presenta cuando, com el tiempo, esta
acumulación de los médios nos hace vivir cada vez menos em la
historia real y cada vez más em la fictícia. Es la primera vez que
algo así ocurre a la humanidad. Enfrentamos um fenômeno
cultural del que no sabemos cuáles podrán ser sus consecuencias
(KAPUSCINSKI, 2003b, p. 15).
Trata-se, em suma, de nos indagarmos sobre os desdobramentos da
mediação espetacularizada, que descontextualiza fatos e atribui importância e
significado ao mundo vivido com critérios ditados pela linguagem imagética
(preponderantemente), o apelo emocional e a fragmentação. Tudo isso orientado
pelo lucro. Uma questão que extrapola o âmbito da atividade jornalística, da
formação do profissional de imprensa e se apresenta como um dilema para todos
quantos pensem, em algum momento, sobre o futuro da humanidade. Por isso,
não se pode esgotar nas páginas que seguem e foge aos propósitos do nosso
trabalho. Mas nem por isso podemos deixá-la passar.
Voltemos ao jornalismo real.
No grande esquema industrial concebido pelos donos das
empresas de lazer, cada um constata que a informação é antes de
tudo considerada como uma mercadoria, e que este caráter
prevalece, de longe, sobre a missão fundamental da mídia:
esclarecer e enriquecer o debate democrático (RAMONET, 1999,
p. 8).
Destacamos, a partir da afirmação acima, dois aspectos. O primeiro é
que organizar a produção e a distribuição da informação como mercadoria implica
tratá-la no âmbito das leis do mercado. Dessa forma,
leitores/telespectadores/ouvintes/internautas são consumidores. O segundo
aspecto, diretamente ligado à questão da espetacularização, é que o autor
denomina os agentes econômicos responsáveis pela produção de informações
como “empresas de lazer”.
E é nesse contexto, de uma simbiose (perigosa) entre informação e
entretenimento, que devemos considerar o desenvolvimento de um modelo
hegemônico para a produção das notícias. É o mesmo autor quem sinaliza:
39
Sob a influência da televisão, que ocupa, atualmente, na
hierarquia da mídia, um lugar dominante e expande seu modelo,
isto mudou... Restabelece-se assim, pouco a pouco, a ilusão de
que ver é compreender. E que todo acontecimento, por mais
abstrato que seja, deve imperativamente apresentar uma face
visível, mostravél, televisável (sic) (RAMONET, 1999, p. 132/133).
Isso significa que a informação deixa de ser tratada como
conhecimento, reflexão, compreensão. A leitura – que implica um debruçar-se
sobre o texto, processo reflexivo – dá lugar à assistência – milhões de imagens,
passando rápido, sem tempo para pensar.
Mas ainda antes da adoção do modelo “televisivo” para o tratamento da
informação, uma outra mudança já se instalara no jornalismo brasileiro, desde os
anos de 1950. Referenciada no modelo adotado pelas agências internacionais de
notícias, a imprensa escrita adota um padrão para a redação das notícias: a
abertura da matéria através de um lead
3
. Ainda que surgido para facilitar o
trabalho dos jornalistas, às voltas com centenas de informações remetidas pelas
agências internacionais de notícias, o padrão marca também a preocupação com
uma escala de produção industrial – que exige modelos e não poderia ficar à
mercê de “estilos” de redatores, repórteres, etc.
Além disso, na base de tal formato inclui-se a preocupação com o
leitor: as primeiras linhas assegurariam, a quem estivesse lendo o jornal, o tal
resumo da informação. Sinalizaria um horizonte para possibilitar uma decisão:
continuar ou não a ler a notícia.
Há, no entanto, um outro aspecto nessa formatação que vale a pena
destacar para os propósitos de nosso trabalho. Ao estabelecer a regra, os jornais
reafirmavam a predominância de uma categoria jornalística
4
: a informativa. Se os
primórdios da imprensa periódica foram marcados pelo jornalismo militante,
defensor de causas, e de caráter predominantemente opinativo, a adoção de um
3
Abertura da matéria. Inclui, em duas ou três frases, as informações essenciais que transmitem ao leitor um
resumo completo do fato. Precisa sempre responder às questões fundamentais: o que, quem, quando, onde,
como e por quê.
4
O jornalismo pode ser dividido em quatro categorias: informativo, interpretativo, opinativo e diversional. A
cada categoria correspondem gêneros, por exemplo: noticia, nota (informativo); reportagem (interpretativo),
editorial, artigo (opinativo); crônica (diversional) (ERBOLATO, 1985, p. 30).
40
modelo de produção e circulação de informação com bases empresariais exigia –
do ponto de vista da legitimidade perante o público consumidor – a adoção de um
viés de neutralidade.
Esse viés – chamado de neutralidade/imparcialidade no jargão
jornalístico – se alinhava também com uma concepção positivista da ciência e do
conhecimento, privilegiando enfoques que reforçassem a separação entre o
repórter e o fato, de modo a garantir ao leitor o acesso à verdade. De tal
perspectiva, responder às questões propostas pelo lead era propor um “trajeto” de
observação da realidade.
Entretanto, a neutralidade/imparcialidade, na prática, é um mito. A
notícia não é o fato, mas a versão do fato (LUSTOSA, 1996, p. 21). A versão é
construída com a intervenção de inúmeras visões: a do jornalista designado para
relatar o fato; a da(s) fonte(s) ouvidas; do editor responsável, da empresa
jornalística e da própria linguagem.
A esse respeito, vale destacar duas observações:
Afinal, entre o fato e a versão que dele publica qualquer veículo de
comunicação de massa há a mediação de um jornalista (não raro,
de vários jornalistas), que carrega consigo toda uma formação
cultural, todo um background pessoal, eventualmente opiniões
muito firmes a respeito do próprio fato que está testemunhando, o
que o leva a ver o fato de maneira distinta de outro companheiro
com formação, background e opiniões diversas (ROSSI, 1980, p.
10/11).
Esta distância entre a linguagem (símbolo) e o fato jornalístico é
marcada por uma “falta”. Essa falta advém de uma impotência
intrínseca à codificação. Entendida como a impossibilidade, para
o simbólico, de abordar o real, a falta se coloca como obstáculo
intransponível para a objetividade pura de qualquer atividade
codificadora, falseia a metáfora do espelho informativo e institui o
espaço da comunicação no campo do simbólico, do não-real
(BARROS FILHO, 2000).
Ainda que com todas estas limitações, o lead se firmou como um
padrão para o jornalismo informativo. No mundo contemporâneo, no qual a
41
velocidade dos acontecimentos se acelera e o ritmo do cotidiano – sobretudo nos
grandes centros urbanos – muda radicalmente, a proposta de facilitar a vida do
leitor tem sua lógica, quando o tempo é curto e o volume de informações a ser
absorvido é cada vez maior.
E a essa tendência – a que, dizem, os leitores agradecem – os
suportes eletrônicos – rádio, televisão e Internet – vêm responder sob medida. E
os jornais impressos acabam por reagir.
As mudanças iniciadas com a adoção do lead e seu correlato - a
pirâmide invertida
5
- não garantiam mais aos jornais impressos a hegemonia. Nos
anos de 1980, os resultados de um estudo desenvolvido por Ruth Clark, vice-
presidenta de mídia de um instituto de pesquisa norte-americano, seriam
decisivos.
A partir de discussões dirigidas de grupos, realizadas em 12 cidades
norte-americanas, Ruth Clark propôs um “novo contrato social entre editores de
jornais e leitores” (MILLER, 1987). O resultado do novo contrato seria:
O estudo estimulou muito mais do que uma onda de matérias
sobre comportamento. Ele também reforçou outras tendências em
formação: boxes com correções, páginas OP-ED
6
(como as
páginas A-2 e A-3 da Folha), maior responsabilidade perante o
leitor e reconhecimento dos erros, mais interpretação e análises
de longo fôlego e mais explicações do tipo “por que você está
lendo essa matéria”, colocando o assunto em perspectiva e
contexto. O relatório também enfatizava a necessidade geral de
se melhorar a organização do noticiário e de uma apresentação
eficiente em termos de uso do tempo do leitor. Outra sugestão era
que se usassem mais sumários e notas, índices, matérias frias
vinculadas ao resto da página, legendas e gráficos (MILLER,
1987).
O jornal norte-americano USA Today tornou-se emblemático das
mudanças propostas pelo Projeto Ruth Clark. Em setembro de 1982 passa a
circular com muita cor, fotos, gráficos informativos, boxes explicativos matérias
5
Ao contrário dos textos argumentativos e literários, a informação principal é colocada no topo. Adquire o
formato de um funil, no qual as informações que se seguem à principal vão perdendo importância
(ZANOTTI, 1998, p. 18).
6
Cadernos de Opinião (Tendências e Debates) e Editoriais, no jornal Folha de S.Paulo.
42
curtas (hard news
7
). No Brasil, o jornal Folha de S. Paulo caminharia na mesma
direção ainda na década de 1980. Além das mudanças visuais, a adoção do
slogan “De rabo preso com o leitor” reafirma o alinhamento de um dos jornais
mais importantes do Brasil com as bases do Projeto Ruth Clark. Os demais
periódicos seguiriam o mesmo caminho.
As mudanças implicaram um design mais leve para os jornais,
tornando-os mais atrativos, fáceis de ler, adicionando recursos visuais
anteriormente não utilizados, dados que consideramos positivos.
No entanto, as mudanças não pararam na forma. Elas atingiram o
conteúdo. Na busca por maiores tiragens, perdendo a publicidade para a
televisão, o que assistimos em seguida é a ênfase num jornalismo audiovisual em
todo o mundo. O USA Today faz escola, jocosamente chamado de “a televisão
impressa” (MARCONDES FILHO, 1993, p. 101).
Ao tomar a televisão como modelo, um novo fenômeno caracteriza a
produção e a circulação de informações, o qual RAMONET denomina mimetismo.
O mimetismo é aquela febre que se apodera repentinamente da
mídia (confundindo todos os suportes), impelindo-a na mais
absoluta urgência, a precipitar-se para cobrir um acontecimento
(seja qual for) sob pretexto de que os outros meios de
comunicação – e principalmente a mídia de referência – lhe
atribuam uma grande importância.... Assim os diferentes meios de
comunicação se auto-estimulam, superexcitam uns aos outros,
multiplicam cada vez mais as ofertas e se deixam arrastar para a
superinformação numa espécie de espiral vertiginosa, inebriante,
até a náusea (RAMONET, 1999, p. 21).
É nesse cenário que acaba ganhando relevância a chamada Agenda-
Setting
8
. Quando todos falam/escrevem sobre os mesmos assuntos, obedecendo
à lógica da concorrência pautada pela cópia da televisão, os temas são impostos.
7
Relato objetivo de fatos relevantes para a vida política, econômica e cotidiana. Opõe-se ao “feature”, que
buscaria aprofundar o assunto, numa dimensão mais atemporal (ZANOTTI, op. cit., p. 21).
8
Agenda-setting: em conseqüência da ação dos jornais, da televisão e dos outros meios de informação, o
público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou negligencia elementos específicos dos cenários
públicos. As pessoas têm tendência para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que os
mass media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a atribuir àquilo que
esse conteúdo inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos mass media aos
acontecimentos, aos problemas, às pessoas. (SHAW, 1979, apud WOLF, 1999, p. 144).
43
Nesse quadro, cabe aos meios de comunicação de massa “dizer o que é
importante e o que não é...é colocar em relevo um assunto, é fixar não só o que
vai ser discutido, mas como e por quem” (BARROS FILHO, 1994, p.3). As
implicações desse mimetismo (mesmice) se desdobram, em tempos de
“pensamento único”, “fim da história” e globalização econômica, quando o debate
sobre alternativas, construção do futuro e responsabilidade histórica acaba sendo
classificado como tema ultrapassado, árido e, por fim, inútil.
No entanto, alegam os empresários e jornalistas que o leitor quer isso,
que o telespectador quer a mesma coisa, um ser reduzido de cidadão a
consumidor. Até mesmo do ponto de vista da análise teórica, na perspectiva da
Escola de Frankfurt, não haveria saída, na medida em que “a indústria cultural
passa prioritariamente a pasteurizar e embalar as notícias, adaptando-as ao gosto
dos consumidores” (MARSHALL, 2003, p. 36).
Mas como se forma o gosto dos consumidores, senão pela própria
mídia? Justificar o mimetismo (a mesmice), colocando com pesos iguais a mídia e
os consumidores, parece-nos simplificar a questão, isentando as empresas (e os
jornalistas e as escolas de jornalismo) de uma responsabilidade que lhes
pertence. Como bem lembra Ciro Marcondes Filho:
Os media atuam pela estimulação e o público adquire revistas,
assiste a programas por um mecanismo de sedução. Maior a
incitação, maior a sedução, mas nada permite afirmar que o
público dirige ou mesmo colabora em igualdade de condições com
a imprensa sensacionalista. Além do mais, a ação da imprensa é
intencional e dirigida, enquanto que a do público é aleatória, difusa
e muitas vezes clandestina (MARCONDES FILHO, 2002, p. 133).
No entanto, do ponto de vista da lógica empresarial, o que legitimaria
um modelo e não outro é apenas o mercado, a demanda dos consumidores.
Nessa perspectiva:
O mercado é, em qualquer hipótese, a melhor e mais adequada
instância para julgar aquilo que a mídia produz e divulga. A
“sanção do mercado”, agora teorizada como “mandato do leitor”, é
o filtro pelo qual devem passar os artigos, as reportagens, o
próprio jornal como produto final (ARBEX JR., 2001, p. 146).
44
E é nesta “sanção do mercado”, que justificaria as mudanças que
impregnaram todos os veículos, que encontramos a grande contradição. Pois,
apesar de todas as alterações feitas nos jornais diários, a imprensa escrita
continua a perder terreno, no Brasil e no mundo. A crise dos jornais é objeto de
estudos, análises de consultores, é tema de congressos e capa de revista. O que
teria acontecido? Qual a saída, já que copiar a televisão não bastou para
conquistar (e reconquistar) leitores?
Ao buscarmos uma resposta para tais questionamentos, procuramos
fugir da lógica do mercado. No seu reiterado subestimar a inteligência dos seus
“consumidores”, as empresas jornalísticas apelam para a criação dos diários ditos
populares (a exemplo de O Dia (RJ), Agora (SP), e o recém-lançado
(Campinas-SP), para citar só alguns) e segue reproduzindo a espetacularização,
a simplificação, o “nivelar por baixo”.
Mas não se trata de ficarmos simplesmente na acusação das mazelas
do jornalismo.
Porque también es cierto que a veces acusamos a los medios
para justificar el letargo em que se encuentran sumidas nuestras
propias conciencias, nuestra falta de sensibilidad e imaginación,
nuestra pasividad (KAPUSCINSKI, 2003b, p. 34).
Há que se olhar com outros olhos para desvelar, no interior da própria
crise, as oportunidades. Exercendo, como já salientamos (p.29), o que compete à
reflexão aqui empreendida: criticidade e criatividade.
Crítica que se fundamenta no fato de que:
Para cumprir o papel que lhe cabe, o jornal não pode abdicar de
tais valores – mesmo que isso implique colidir com as chamadas
leis do mercado. Que podem ser resumidas numa só: oferecer ao
leitor apenas o que ele quer. Ou pensa que quer (NOBLAT, 2007,
p. 26).
45
E criatividade sim, assumindo o ponto de vista expresso na lúcida
análise a seguir:
Que um jornal inteiro esteja concebido em forma de pílulas
informativas é não só aceitável como também admirável, porque
põe em jogo, do princípio ao fim, um valor muito claro: é um jornal
feito para leitores de passagem, para gente que não tem tempo
sequer de ver televisão. Mas o preconceito de que todos os
leitores nunca têm tempo não me parece nada razoável. Os seres
humanos nunca têm tempo, ou têm demasiado tempo. Sempre,
todavia, têm tempo para inteirar-se do que lhes interessa
(MARTINEZ, 1997).
Com isso não estamos desconsiderando a realidade do mercado, a
existência do tal “nivelamento por baixo” (pelo qual não podemos responsabilizar
unicamente os meios de comunicação de massa, já que a escola – em todos os
níveis – tem a sua parcela de responsabilidade neste processo), nem a
velocidade da vida contemporânea, roubando-nos o tempo, dirigindo-nos pela
perversa lógica da competitividade, do sobre-trabalho não remunerado.
Não. É até dentro da lógica do mercado que a questão de buscar
outros caminhos se coloca. Lembrando que, quando todos fazem da mesma
maneira (moldados por um modelo hegemônico), fazer diferente pode ser a
alternativa. E, se não podemos fugir ao fato de que o jornalismo é exercido por
empresas, a diferença a ser buscada deve ser aquela que resgate, de alguma
forma, o ideário que inspirou (e inspira) os melhores jornalistas, os que deixaram
(e deixam) sua marca ao contribuírem, com suas palavras, para o desvelamento
do mundo.
E neste cenário, as exigências para formação dos novos jornalistas -
àqueles a quem caberá a gestação e a implementação dessas alternativas – se
recolocam.
Voltemos ao USA Today. Nas cáusticas palavras de dois dos maiores
jornalistas brasileiros:
Aquela “coisa” chamada USA Today (que tanto empolgou os
futuristas tupiniquins no início dos anos 1980) era uma
mistificação. Fazer televisão em papel impresso só cabe na
cabeça daqueles que na busca insana de novas tendências e
46
segmentações são capazes de matar a galinha de ovos de ouro
simplesmente para descobrir o que há em suas entranhas
(DINES, 2007).
Considero condenados à morte precoce os jornais que teimem em
encarar a concorrência com a televisão assimilando seu ideário e
pautando-se pelos paradigmas que ela estabelece. Poderão até
ganhar uma sobrevida sujeita a alguns momentos de ilusório
sucesso. Por fim, desaparecerão (NOBLAT, 2007,p. 26).
A evidência que legitima a crítica que Alberto Dines e Ricardo Noblat
fazem à adoção do modelo é a crise dos jornais impressos – sempre reposta – e
que não deixa de lembrar que algo não funcionou. Os jornais impressos
continuaram a perder leitores, não conquistam os jovens e, por conta da crise,
demitem, “enxugam” redações, vão se aproximando cada vez mais de uma
fábrica, cuja matéria-prima – os fatos sociais relevantes – deixam de estar na rua
(onde, invariavelmente, a vida acontece), para se apresentarem via Internet, pelo
telefone celular, por fontes previamente definidas. Mas isso também tem (ou terá)
um preço:
Para reconquistar leitores os jornais têm de se afastar do modelo
Internet, da informação bruta, da informação que entra pelos
poros. A política de cortes para os transformar em “empresas sãs”
é uma variante da velha piada do cavalo do inglês, que, quando
finalmente se havia habituado a não comer, morreu (SOUZA,
2003).
E não se trata de defender uma alternativa apenas por conta de um
ideal, uma utopia – aquela do jornalismo de qualidade que buscamos e que
julgamos fundamental como parte de um projeto da sociedade mais justa a que
todos aspiram. Ainda dentro da lógica da notícia como produto à venda, a
exigência se impõe:
O essencial na mudança ocorrida no exercício do jornalismo foi
exatamente a questão da embalagem. À medida que, em
princípio, todo mundo tem as mesmas informações, o que
diferencia um veículo de outro é o tratamento, em termo de
discurso, dos fatos que ele captou. O leitor escolhe o veículo que
vai comprar a partir da certeza de ele tratará, com uma
perspectiva especial, os fatos que ele captou (LUSTOSA, 1996, p.
177).
47
No mundo contemporâneo, em que a vida – em todos os níveis - se
torna mais complexa, Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique,
sinaliza:
Este desvio entre o simplismo da imprensa e as novas
complicações da vida política extravia muitos cidadãos que não
encontram mais, nas páginas de seu jornal, uma análise diferente,
mais profunda, mais exigente do que aquela que o telejornal
apresenta. Esta simplificação é mais paradoxal ainda, porque o
nível de educação global de nossas sociedades não deixou de
crescer (RAMONET, op. cit. , p. 137).
Poderão argumentar alguns que se trata da ponderação de um
jornalista que trabalha na Europa, onde o nível cultural é outro e que, portanto, o
paradoxo destacado não valeria para a realidade brasileira. Do nosso ponto de
vista, tal linha de raciocínio apenas recolocaria, em outras palavras, o argumento
de que “se os jornais estão ruins, a culpa é do leitor, pois é isto que ele quer ler”,
omitindo o papel ativo e fundamental dos meios de comunicação de massa na
construção de uma demanda por um determinado tipo de informação
(espetáculo/entretenimento). Pois, nas palavras de Ricardo Noblat:
Um jornal é ou deveria ser um espelho da consciência crítica de
uma comunidade em determinado espaço de tempo. Um espelho
que reflita com nitidez a dimensão aproximada ou real dessa
consciência. E que não tema jamais ampliá-la. Pois se não lhe
faltarem talento e coragem, refletirá tão-somente uma
consciência que de todo ainda não amanheceu. Mas que
acabará por amanhecer (NOBLAT, 2007, p. 21). (Grifo nosso)
Não se trata de um caminho fácil. Ricardo Noblat nos fala em coragem.
“A imprensa vive o paradoxo de ser um elemento-chave do processo industrial
capitalista e ter de desempenhar sua missão de apresentar a verdade e defender
o interesse público” (MARSHALL, 2003, p. 47). E é vivendo tal paradoxo que
somos jornalistas (e educadores) e temos de caminhar. Fazendo escolhas,
sempre.
48
Até aqui nos debruçamos sobre o real e aí identificamos o
estabelecimento de um modelo hegemônico. No entanto, isso não se fez sem
instalar, no próprio mercado, crises e contradições. Juntas e imbricadas, a
herança de um ideário (que justifica e legitima o próprio existir da imprensa); a
prática empresarial que descaracteriza aquele ideal (reduzindo a informação ao
espetáculo); a inteligibilidade do mundo dependendo cada vez mais – por sua
crescente complexidade – de informação contextualizada; e, finalmente, uma
crise do jornalismo impresso pedindo respostas. Nesta trama, cabe refletir sobre
possibilidades, outras exigências e carências que se colocam para a formação
dos jornalistas.
O inacabamento da realidade faz com que a contradição implique
a descoberta das tendências latentes na realidade e que
constituem a mediação entre o possível e sua realização (CURY,
1995, p. 31)
I.4 – Futuro em gestação, futuro a se fazer
“O tempo presente e o tempo passado
Talvez ambos estejam presentes no tempo futuro,
E o tempo futuro contido no tempo passado.
T. S. Eliot
“Pergunta ao que, não sendo, resta
perfilado à porta do tempo,
aguardando vez de possível”
Carlos Drummond de Andrade
Ao examinarmos o presente, indagamos agora sobre o futuro.
Buscaremos, com tal intento e numa linha do tempo, destacar as advertências
que, desde a década de 1980, jornalistas e estudiosos do jornalismo vêm fazendo
sobre a adoção do modelo televisivo como referência para os demais veículos.
A hegemonia da TV não se faz sem conseqüências. Essa perda da
auto-referência, do ponto de vista dos jornais impressos, que se agrava com o
surgimento da Internet, engendra um ciclo vicioso, em que a forma predomina
49
sobre o conteúdo e em que o mundo – e o outro – se tornam objetos, soltos no
mar dos acontecimentos fragmentados.
No entanto, ainda nos limites do discurso jornalístico, possibilidades
surgem. Diferentes olhares sobre um mesmo fato – construídos a partir das
mesmas técnicas de apuração (observação, entrevistas, etc.) – são possíveis. O
que de novo essas possibilidades trazem e como podem cumprir um papel
decisivo na superação da informação espetacularizada (viciada), para inaugurar
novas formas de compreensão da realidade?
Em tal direção, jornalistas e analistas da imprensa vislumbram
alternativas – gestadas a partir das próprias fissuras que o sistema empresarial de
produção de notícias gerou na sua mesmificação a que alude RAMONET (1999),
conforme já destacamos. Queremos explorá-las e perceber aí os contornos e
sinais de um ainda-não que integra o real contraditório. Que, nas palavras de
Drummond à epígrafe desse item, aguarda a vez de possível e nos abre caminho
para outros saberes e fazeres. Esse olhar constitui-se como um ponto de vista (e
a vista de um ponto) que absorve, ao mesmo tempo, as limitações do real e as
oportunidades ali existentes. E, no que se refere à formação dos jornalistas,
reafirma antigas e novas carências e exigências.
I.4.1 - Linha do tempo: advertências
Ainda em 1980, Clóvis Rossi, advertia:
O porquê de um determinado fato envolve uma investigação
profunda sobre seus antecedentes e conseqüências e uma
razoável soma de conhecimentos sobre o tema que está sendo
tratado. E é imperioso que a imprensa escrita se debruce sobre os
porquês, na medida em que rádio e televisão têm limitações
congênitas para invadir esse terreno (ROSSI, 1980, p. 24).
Na mesma direção, o Prof. Mário Erbolato – um dos responsáveis pela
consolidação do Curso de Jornalismo da PUC – Campinas – salientava que “se a
50
televisão dá a notícia e mostra as fotos do fato, a imprensa precisa ir além e
publicar muito mais, em linguagem fácil e sem cansar (ERBOLATO, 1985, p. 22).
O crescimento do jornalismo no rádio e na TV já haviam retirado da imprensa, há
muito, o privilégio do “furo”
9
. E acabara também com as antológicas edições
extras, produzidas no calor dos acontecimentos, para contar de fatos inesperados
e tão importantes que não poderiam esperar pela manhã seguinte.
O mesmo autor reiterava a importância do jornalismo interpretativo
para a modalidade impressa (ERBOLATO, 1985, p. 22). Ao mostrar os
antecedentes e as conseqüências dos fatos, buscando contextualizá-los, o
jornalismo impresso ganharia, produzindo a interpretação – um passo além de
outra categoria, a informativa (hard news) a sua especificidade e garantiria o
seu espaço no mercado.
No entanto, tais ponderações não foram ouvidas. Além do fato de
seguirem buscando um padrão semelhante ao da TV (Projeto Ruth Clark – USA
Today), um outro fenômeno – aquele do mimetismo a que se referiu RAMONET
(1999) – cobrou seu preço.
A maioria dos jornais e dos jornalistas sucumbiu há muito tempo
ao mecanismo perverso da pauta comum de assuntos. Parece
haver entre eles um entendimento tácito: se fizerem jornais iguais
ou pelo menos parecidos, irão juntos para o céu. Ou descerão
juntos para o inferno na pior das hipóteses... Os que mais ganham
com isso são todos os que dispõem de bem montadas
assessorias de imprensa - governos, partidos, associações de
classe, sindicatos, bancos, empresas de médio e de grande porte.
Os que mais perdem são os leitores. No fim, perdem os jornais.
Porque acabam perdendo leitores (NOBLAT, 2007, p. 42).
Neste cenário, que CHEIDA (1998) tão bem esclarece em estudo, com
crescente “enxugamento” das redações (por conta da necessária redução de
custos diante da perda da verba publicitária), o jornalismo impresso encontrou na
atividade desenvolvida pelas assessorias de imprensa (com cada vez maior
qualidade) a saída. Isso implicou, porém, uma crescente perda da dimensão do
real, da vida pulsante nas ruas, das pautas diferenciadas. A partir do momento em
que as assessorias de imprensa remetem a todos os veículos de comunicação as
9
Informe dado em primeira mão (ERBOLATO, 1985, p. 28).
51
mesmas sugestões de pauta, bem elaboradas e com inegável interesse do ponto
de vista do cidadão, cada vez mais tudo vai ficando mais parecido e previsível.
E se todos os veículos divulgam as mesmas notícias – e a televisão e a
Internet ainda o fazem com mais agilidade e a atração adicional dos recursos
audiovisuais – como superar o impasse? Acabar com as assessorias de
imprensa? Impossível.
Nas palavras do jornalista Carlos Chagas:
Vivemos uma dessas épocas exageradas, mas nem por isso a
circulação dos jornais tem aumentado. Eles enfrentam a mais
fascinante das batalhas, contra a imprensa eletrônica. Televisão e
rádio dão, na véspera, as notícias que nem todos os jornais darão
no dia seguinte.... Qual a saída para a imprensa escrita? Aquela
que já vigora nos países culturalmente mais evoluídos: o papel do
jornal passou a ser o da análise, da interpretação, da prospecção
e do algo mais que vídeos e alto-falantes não puderam dar. Como
isso custa caro, ainda vai demorar um pouco, mas acabará
vindo (prefácio de LUSTOSA, 1996, p. 12). (Grifo nosso)
Se isso implica uma mudança no conteúdo dos jornais impressos, para
se diferenciarem dos veículos mais ágeis, jornalistas também apontam uma
preocupação com a forma – a qualidade do texto.
Quando um jornal vende menos não é porque a televisão e a
Internet lhe venceram, mas sim porque o modo como os jornais
dão a notícia é menos atraente. E não tem por que ser assim. A
imprensa escrita, que investe fortunas em estar atualizada com as
aceleradas mudanças da cibernética e da técnica, presta muito
menos atenção – me parece – às mais sutis e igualmente
aceleradas mudanças das linguagens que o seu leitor prefere.
Quase todos os jornalistas estão melhor formados que antes, mas
têm – e seria preciso averiguar por que – menos paixão;
conhecem melhor os teóricos da comunicação mas lêem muito
menos os grandes romancistas de sua época. (MARTINEZ, 1997).
Se de um lado, Carlos Chagas, com suas ponderações, nos remete à
ênfase no jornalismo interpretativo como uma saída para a crise, Tomás Eloy
Martinez aponta para uma outra das categorias: o jornalismo diversional (ou
literário)
10
como um outro caminho. Um e outro gênero não são, entretanto,
10
Categoria jornalística que faz uso das técnicas da narrativa literária, baseando-se sempre em fatos reais.
Implica um mergulho na realidade, a vivência do ambiente, observação acurada, entrevistas em
profundidade, além de maiores recursos no que se refere ao domínio da língua.
52
incompatíveis. É possível fazer jornalismo interpretativo utilizando ou não as
técnicas da narrativa literária. Ao mesmo tempo, as características do jornalismo
interpretativo podem ou não estar presentes numa narrativa de não-ficção (o outro
nome pelo qual é conhecido o jornalismo literário ou diversional, principalmente
nos EUA), embora – historicamente
11
– os dois gêneros tenham se aproximado.
Para os propósitos do presente estudo, vale destacar que tais
advertências apontam para uma superação do jornalismo “mero relato dos fatos”,
padrão dominante no formato hard news e herdeiro direto do modelo
desenvolvido a partir do Projeto Ruth Clark.
Se as ponderações até aqui apresentadas são a crítica do jornalismo
do ponto de vista de forma e conteúdo, há um outro aspecto a se destacar a partir
da estrutura empresarial que rege a organização do trabalho nos diferentes
veículos. Cada vez mais, com o “enxugamento” das redações e com a
organização de editorias
12
, a atividade jornalística se compartimentaliza, tal qual
uma linha de produção. A especialização se espalha, seja por tema a ser tratado
nas diferentes editorias, seja pela especificidade das diferentes etapas da
produção da notícia (pauta, coleta de dados, fotografia, redação, diagramação,
edição). Na “fábrica de notícias”, a visão do todo se esgarça, dilui-se. Aliena-se o
jornalista.
I.4.2 – Significações para a referência na TV
Quando os jornais impressos têm na televisão o seu modelo, alguns
processos singulares têm seu curso acelerado: A espetacularização da notícia, a
descontextualização da informação, a simplificação do jornalismo informativo, o
privilégio da forma e a perda de uma identidade.
11
A afirmação pode ser constatada observando-se, por exemplo, a série jornalismo Literário – Companhia
das Letras, cuja publicação iniciou-se em 2002, com o livro Hiroshima, de John Hersey, originalmente
publicado na revista The New Yorker em 1946.
12
Divisão interna das redações, em que cada setor se responsabiliza por um assunto, permanente ou
transitório. Reflete-se, nos jornais impressos, nos “Cadernos” (Política, Cidades, Esportes, Cultura, etc.).
53
Cada um desses processos produz conseqüências e, mais que isso,
produz significação para os fatos e, assim, constitui-se como um construtor de
uma determinada visão de mundo, diariamente reposta/reiterada pelos veículos
de comunicação de massa.
O que implica espetacularizar a notícia?
Mais do que outros discursos, o texto jornalístico é portador de
muitas vozes. Contudo, a presença do “outro” no discurso
jornalístico é, muitas vezes, menos como sujeito e muito mais
como um objeto, “uma coisa” (reificação) – quase sempre de
expiação, de “atração” pública ou de consumo (GOMES, 2005).
Espetáculo é império da forma, do exótico, do estranho, do bizarro, do
extraordinário. Os outros – atores sociais, dos mais diversos segmentos – são
retirados de uma história singular para se transformarem em miragens do
humano.
Mas espetacularizar também é romper a fronteira entre informação e
entretenimento. O que acontece quando tal fronteira se rompe? Instala-se um
simplismo redutor, diante da complexidade dos fatos – que só se podem
compreender em sua significação e nos seus desdobramentos para a vida de
cada um quando tratados de forma contextualizada. O contexto não cabe no
espetáculo.
Mas nos lembra RAMONET (op. cit., , p.138) que “a informação não é
um dos aspectos da distração moderna, nem constitui um dos planetas da galáxia
divertimento; é uma disciplina cívica cujo objetivo é formar cidadãos”. E é o
mesmo autor quem chama a imprensa escrita a recuperar esta dimensão do ato
de se informar, na necessária interrupção do processo de mimetismo que se
instalou entre os veículos, ordenado pela hegemonia do modelo espetáculo.
Por trás do espetáculo está o fato, quem fez o que, quando, onde e
como. O porquê vai ficando à margem. A Internet (e também os outros veículos
eletrônicos – e, até aqui, referência para grande parte dos jornais impressos) “são
o reino da informação pura e dura, uma mídia fragmentada e individualista”
(SOUZA, 2003). E, com ironia, se pergunta o mesmo jornalista, radicado na
54
França: “O que tenho eu de comum com meu vizinho norueguês que todas as
manhãs se delicia com as fofocas dos fiordes?”
“Fora do contexto, um fato pode não ter importância. Ou pode ganhar
uma importância que não tem” (NOBLAT, 2007, p. 72). Assim, se desvia a
atenção daquilo que, de fato, tem importância para o cidadão, porque vai afetar
sua vida, a de sua família, da cidade onde vive, do país que é seu. Ressaltam-se
os aspectos sem importância social, econômica, cultural e política.
E nos lembra, ainda o mesmo autor:
Se o que é sólido se desmancha no ar, nada é menos sólido do
que a maioria das notícias que os jornais publicam. O fato que
provoca barulho não é necessariamente o fato importante. Importa
o fato destinado a produzir mudanças na vida das pessoas
(NOBLAT, op. cit., p. 30).
No ciclo vicioso, os jornais impressos – ao adotarem como referência o
padrão hard news – dão a sua contribuição ao re-inventarem o lead.
Ocorre que, com o tempo, passou-se a exigir (não explicitamente,
mas indiretamente) que todos esses seis elementos figurassem na
abertura da reportagem – tecnicamente chamada de lead, o que é
outra cópia do inglês. E com isso, desvirtuou-se até
semanticamente a palavra lead. Em inglês, ela significa “conduzir”
– ou seja, o início de qualquer trabalho jornalístico deveria ser
suficientemente atraente para conduzir o leitor ao restante do
material. Da forma como o lead é encarado hoje, ele se
transformou muito mais num resumo de toda a matéria, como se o
leitor estivesse interessado apenas no início de cada notícia e não
no seu conjunto (ROSSI, op. cit., p. 19).
Instala-se assim um paradoxo. Ao mesmo tempo em que o lead serviria
para atrair o leitor para a matéria, acaba afastando-o, na medida em que traz
todos os elementos julgados importantes nas primeiras linhas (ZANOTTI, 1998, p.
22). Ao reforçarem a tendência, perdem leitores, pois o que se publica na versão
impressa é o que o telejornal já mostrou, a rádio já anunciou e, na Internet, se
pode ler sem pagar nada (ou muito pouco).
55
No quadro de hegemonia do modelo televisivo, um outro aspecto
merece destaque em suas implicações. Concomitantemente à busca de uma
“linguagem” mais próxima do público consumidor, os avanços tecnológicos
chegam às redações, com informatização crescente e sofisticação das técnicas
gráficas. Nesse cenário, e enquanto olham uns para os outros, pautando-se pelo
que os demais veículos já noticiaram ou estão noticiando, um outro desvio de
caminho se instala.
De manera adicional, quando los médios se cierran sobre si
mismos y remplazan el problema de la sustancia por el de la
forma, sustituyen la filosofía por la técnica. Los debates se
reducem a cómo editar, cómo relatar y cómo imprimir; se discute
sobre técnicas de edición, sobre bases de datos y la capacidade
de los discos duros. No se habla, sin embargo, del meollo de
aquello que quieren editar e imprimir (KAPUSCINSKI, 2003b, p.
29).
Assim, e cada vez mais, o jornal impresso perde a identidade. Em uma
nova e instigante contradição, o mercado das notícias – produto à venda – parece
adquirir uma lógica diversa daquela que, para os demais produtos, tem sido
válida. No lugar da diferença que vende (o carro diferente, a roupa diferente, o
cabelo diferente), o mercado da informação se conduz pela lógica da semelhança
e, com isso, se satura.
Mas há outra possibilidade. “A competição deve dar-se mediante a
busca de uma identidade própria, elemento fundamental para se fazer reconhecer
pelo consumidor e conquistar sua preferência” (DINES, 1994, p. 6).
Enquanto
o jornalismo (impresso) abre mão daquilo que se chamava de sua
identidade, que era exatamente o fato de escrever as notícias,
desenvolvê-las dando um tratamento específico e mais amplo aos
temas, ou seja, jogando com o elemento espaço (das páginas,
cadernos e suplementos especiais), para ser cada vez mais
reprodução de outro meio de comunicação que é a televisão, meio
visual por excelência, que trabalha com imagens e movimento
(MARCONDES FILHO, 1993, p. 101),
o número de leitores continua a cair.
56
I.4.3. Sentidos produzidos, sentidos a produzir
Até aqui tratamos das contradições geradas pela hegemonia de um
modelo de jornalismo, e que acabam impondo aos jornais impressos um
questionamento sobre que caminhos seguir. Mas, a partir da própria construção
do discurso jornalístico – de suas características internas e comuns a todos os
suportes –, outras possibilidades se abrem.
Na cobertura dos fatos de interesse público, o jornalismo se ocupa –
cotidianamente – de eventos em que estão em jogo posições conflitantes,
disputas, o que repercute no interior do discurso, sob a forma de vozes,
expressão dos lados envolvidos.
Enquanto produção social, o jornal – o discurso jornalístico – é
também lugar de disputas, conflitos, lugar de memória, espaço de
resistência, por onde vazam vozes discordantes, contradições do
próprio poder, visões rebeldes, minorias que conseguem
atravessar a ordem do discurso, atropelando as normas e as
pautas (GOMES, 2005, p.6).
Assim, o caráter da sociedade – objeto de cobertura jornalística – se
reflete nas entrelinhas dos discursos produzidos. E mesmo quando, por
disposições políticas e ideológicas, se pretende ignorar os conflitos, eles acabam
por se impor – sob pena, inclusive, da perda da credibilidade para o veículo de
comunicação. Credibilidade que se sustenta pelo duplo caráter dessa mercadoria
singular que é a informação: é um bem de consumo, sim; com valor econômico.
Mas seu consumo só se justifica enquanto o consumidor vê nela uma utilidade:
referenciar-se perante o mundo, compreendendo-o para poder agir.
A presença de posições conflitantes surge até mesmo quando se trata
de formatações rígidas como, por exemplo, a televisão. Basta lembrar do preço
pago pela Rede Globo de Televisão quando, em 1984, ignorou o caráter político
da manifestação pública na Praça da Sé em São Paulo, em 25 de janeiro, e a
tratou com uma celebração do aniversário da capital paulista. Tratava-se do
primeiro comício de grande porte pleiteando a volta das eleições diretas para a
57
Presidência da República, suspensas desde o Golpe de 31 de março de 1964 e
abria a campanha Diretas Já, que levou milhões de brasileiros às ruas. A omissão
– politicamente alinhada à Ditadura Militar, da qual a própria TV Globo foi um dos
sustentáculos – não pôde permanecer. O “fora Rede Globo, o povo não é bobo”,
feito slogan e ecoando na massa, falou mais forte.
A presença dos conflitos, retrato de uma sociedade ordenada com
base na desigualdade, mas que se sustenta sob o manto de uma democracia
política, desenha um outro horizonte.
Conflitos, mas também resistências, rebeldias, contradições que
estão presentes no meio social em que esse discurso é produzido,
reproduzido e divulgado, e que lhe perpassa como frases
transversais que também podem ser lidas pelo público leitor.
Foucault assinala que “A relação de poder e a insubmissão da
liberdade não podem ser separadas”. Ou seja, onde há poder há
resistência; e são possíveis outras leituras de um mesmo
discurso, ou dentro dele, através dele ou mesmo fora dele, à
medida que a omissão também significa. (GOMES, 2005, p.4)
Trata-se – enquanto processo de ocupação da brecha instalada pela
contradição acima – de observar o mundo com outros olhos, atentos às diferentes
dimensões (muito mais que os “dois lados”, numa realidade complexa como a do
mundo contemporâneo) e buscar dar conta delas nas notícias produzidas,
qualquer que seja o veículo. Porque, novamente, não se trata do tempo disponível
na televisão e nem da quantidade de linhas reservada para a matéria.
Podemos publicar centenas de páginas sobre a Nicarágua sem
nada informar de realmente significativo; ou pode-se publicar
poucos parágrafos, descrever uma pequena cena do cotidiano
que abra a possibilidade de múltiplas indagações e interpretações.
O problema, novamente, é desmontar, colocar em crise as
narrativas, assim permitindo o surgimento de vozes que, de outra
forma, permaneceriam ocultas e esquecidas (ARBEX JR. 2001, p.
205).
Para produzir este relato capaz de legar ao
leitor/telespectador/ouvinte/internauta um outro olhar, reitera-se a necessidade de
um “saber olhar”, um “saber pensar” o cotidiano dos fatos de uma outra maneira.
E, a partir daí, produzir um texto ou uma imagem que solapa a mesmice dos
58
repetidos ângulos, das idênticas e previsíveis fontes, dos esgotados assuntos que
saturam o cidadão, numa overdose de informação que nada lhe acrescenta.
Como exemplo dessa possibilidade, incluímos – Apêndice I – uma
análise desenvolvida a partir de duas matérias sobre um mesmo (e banal)
assunto em dois dos grandes jornais brasileiros (O Estado de S. Paulo e Folha de
S.Paulo), a chegada da primavera. Trata-se de um trabalho acadêmico (artigo),
desenvolvido por nós num curso de especialização em Jornalismo Literário.
Nas duas publicações (reproduzidas no artigo anexo), é possível
perceber a diferença do olhar do repórter, que resulta em textos com estilos
diversos. O conteúdo – a realidade a ser contada – determina a forma. E a
superação da fórmula fechada do jornalismo tradicional (praticado pela Folha de
S. Paulo) só se obtém, enquanto expressão de uma experiência nova do próprio
fazer (da obra, do texto), a partir de um mergulho. Um mergulho na realidade que
– deixando de ser orientado pela obsessão da pretensa síntese de um lead
permite-se ser multiorientado, porque multifacetada é a realidade.
É dessa perspectiva – das possibilidades do olhar e ver – que
retomamos uma idéia desenvolvida pelo antropólogo visual e professor da
UNICAMP, Etienne SAMAIN (1998). Ainda que se relate a experiência a partir da
“leitura” de fotografias, ele sugere possibilidades para a “leitura” e a “escritura” do
mundo, atividades que competem a um jornalista, em qualquer veículo.
Diante de SAMAIN, dois conjuntos de fotografias, sobre uma mesma
realidade. No primeiro deles, as fotografias são dispostas em blocos isolados,
página a página e num total de seis séries, e permitem ao observador uma
Leitura vertical, na profundidade, como se se tratasse do lento
afundamento de um arqueólogo, passando pelas sucessivas
camadas do terreno de sua exploração. Dentro deste campo e
deste modo de observação, as informações visuais pareciam se
sobrepor, se acumular e, ao mesmo tempo, adensar-se e se
sedimentar, afunilar-se num feixe de significações que falava à
minha memória e interpelava meu imaginário (SAMAIN, op.cit., p.
110).
59
No segundo conjunto, cada uma das seis séries é apresentada em uma
única prancha, reunindo os fotogramas que as compõem, propondo um exame no
sentido horizontal, já que – em seqüência – assemelhavam-se a um filme. Como
nosso atento observador encarou este outro olhar?
O segundo, dirigido na sua horizontalidade, espalha, distende e
alarga o campo da observação. Num movimento centrífugo e um
tanto convulsivo, organiza mentalmente pacotes de relações
visuais que ultrapassam e debordam, muitas vezes, os limites dos
próprios registros. A meio caminho entre a fotografia e o cinema,
este segundo itinerário faz mais diretamente apelo à necessidade
do entendimento e de uma compreensão crítica por parte do
observador (SAMAIN, op. cit., p. 111).
Fazendo um paralelo entre a experiência relatada e o fazer jornalístico,
vislumbramos duas possibilidades. Uma – a do relato que aprofunda uma
realidade, restrita, singular e, no entanto, emblemática. A pequena história sobre
a Nicarágua a que aludiu ARBEX JR. (ver p. 57). Outra – da profusão de relatos,
dispostos sem conexão aparente – cuja lógica fica para ser construída pelo
leitor/telespectador/ouvinte/internauta, num esforço de entendimento e
contextualização.
Na sociedade contemporânea, à mercê de uma sobrecarga de dados
que chega a provocar uma nova doença (o stress da informação), o entendimento
do mundo fica cada vez mais difícil. Os fatos fluem, sobrepostos e desconectados
na aparência que ganham nos relatos pretensamente objetivos do hard news.
Assinala ainda SAMAIN (1998),
Diante da tela, somos viajantes e navegadores; diante da
fotografia, tornamo-nos analistas e arqueólogos. Posturas
diferentes do olhar, sobretudo maneiras diferentes de ver e de
pensar o mundo. No primeiro caso, pensa-se o mundo na sua
continuidade, no seu fluxo, na sua dinâmica, na sua aparente
normalidade; no outro, pensa-o na sua descontinuidade, na sua
fragmentação, no seu recorte, na sua extraordinária singularidade
(SAMAIN, 1998, p. 113/114).
60
Entre moldar-se pelo navegar – o que fazemos na Internet, folheando
jornais, “zapeando” pela televisão – e ter como horizonte o analisar, há duas
possibilidades do fazer jornalístico. E mesmo quando o suporte eletrônico impõe a
navegação – neste fluir de imagens e pequenos boxes e links –, o entendimento
do mundo propiciado por esse fluxo dependerá ainda da habilidade do jornalista
em selecionar, num universo incomensurável de possibilidades de recortes da
realidade, ângulos para observação e relato dos fatos. O que reitera a importância
de sua formação, para além da técnica de justapor narrativas, imagens e fundir
planos em sofisticados equipamentos de edição.
I.4.4. Possibilidades abertas
Por entre as brechas abertas pelas contradições geradas no
desenvolvimento do mercado e entre aquelas vislumbradas no interior do próprio
exercício do jornalismo enquanto técnica que produz conhecimento do mundo,
possibilidades se abrem para superar a crise dos jornais diários. E também para
justificar – ainda uma vez e sempre – a necessária formação humanística do
jornalista.
Intrinsecamente, o jornalismo, como realidade refletida, se obriga a
abrigar a diversidade, o conflito e a diferença. E obriga jornalistas e empresários
do setor a repensarem o mimetismo (e a mesmice).
O discurso jornalístico (...) está inscrito de tal forma no meio social
que termina sendo impossível não incorporar o meio e o ambiente
social nas próprias entranhas do discurso. O aparecimento de
outras vozes, a abertura de espaços para as diferenças,
diversidades, discordâncias e polêmicas são, inclusive, a forma de
um jornal se legitimar entre os leitores e o meio em que atua
(GOMES, 2005, p. 3).
61
Na sociedade contemporânea, em que o desenvolvimento tecnológico
faz surgir, a cada instante, novas possibilidades de produção e difusão de
informações, mais uma vez se reafirma o papel dos jornalistas como
intermediários entre fatos/dados e o cidadão que necessita se informar para
seguir vivendo. O sociólogo francês Dominique Wolton afirma:
Reintroduzir os intermediários torna-se agora uma necessidade,
pois, quanto mais uma sociedade é complexa, interativa, aberta,
tanto mais eles (os intermediários) são indispensáveis: os
responsáveis políticos, os jornalistas, os professores, os médicos,
os comerciantes, etc (apud MARCONDES, 2002, p. 162).
Intermediários capazes de analisar, ordenar e contextualizar um
enorme conjunto de informações, para transformá-las em entendimento.
Mas também fica cada dia mais claro que cabe aos profissionais
analisar e principalmente contextualizar as centenas de novas
fontes informativas, da mesma forma que os repórteres checam
dados e notícias numa redação. O que está havendo é um
deslocamento de prioridades. Antes o jornalista ia para a rua para
informar sobre o incêndio. Hoje ele tem à disposição dezenas de
versões do evento fornecidas por informantes, amadores e
jornalistas cidadãos. Cabe ao profissional listar estas informações,
compará-las e hierarquizá-las pela reputação do autor. O jornalista
tende a ser, nestes casos, uma espécie de analista da informação
(CASTILHO, 2007).
Diante da superabundância de canais de informação e da conseqüente
overdose de dados, a estratégia da diferenciação dos veículos, fazendo-os
capazes de oferecer um entendimento do caos, reitera a necessidade, no nosso
entendimento, da formação humanística do profissional de imprensa. Porque é
dela que virá a criticidade para operar a seleção entre tantos dados, e o
arcabouço que permita contextualizar, buscar antecedentes, explicar o porquê
dos fatos. O porquê cada vez mais esquecido no lead chama de volta o jornalismo
interpretativo, como uma necessidade para o entendimento deste mundo
complexo.
Mas, no universo informativo atual, uma dessas seis perguntas
deveria merecer prioridade sobre as outras: por quê. O porquê de
um determinado fato envolve uma investigação profunda sobre
seus antecedentes e conseqüências e uma razoável soma de
62
conhecimentos sobre o tema que está sendo tratado. E é
imperioso que a imprensa escrita se debruce sobre os porquês, na
medida em que o rádio e televisão têm limitações congênitas para
invadir esse terreno (ROSSI, 1980, p. 24).
Do ponto de vista tecnológico, o desenvolvimento da Web 2.0, da TV a
cabo e da TV digital abre novos suportes, capazes de abrigar conteúdos
diferenciados, para os quais, necessariamente, há que se ter profissionais aptos a
ir além do simples relatar dos fatos, ouvindo os “dois lados” e repetindo, entre
aspas, as informações. Nesse mercado que se amplia, e não obstante o caráter
de mercadoria da notícia, outros espaços – para um jornalismo fora das grandes
redes de comunicação, com jornais e rádios comunitárias, TV educativas e até
mesmo em assessorias de imprensa – podem ser ocupados, com um outro
modelo do fazer jornalístico.
Até mesmo quando se fala – para reduzir custos – na integração de
vários suportes em uma única empresa ou redação – incluindo jornal impresso,
rádio, televisão e Internet – é preciso pensar na formação deste profissional
(multimídia, conforme a Síntese do Projeto Acadêmico do Curso de Jornalismo da
PUC Campinas, 2004) capaz de trabalhar simultaneamente com diferentes
linguagens. Traduzir, em diversos suportes e para públicos heterogêneos, exige
também mais conhecimento, porque a tradução implicará angulações diversas,
contextualização em alguns casos, entre outros aspectos.
De qualquer forma, a exigência do saber olhar se mantém, ampliada
agora pela sofisticação tecnológica. Porque o mimetismo – como já vimos – não
representou a saída. Pelo contrário, trouxe novos desafios.
Na “sociedade da informação”, para os novos (e os velhos) jornalistas é
bom lembrar que “mais do que informações e conhecimentos, o jornal deve
transmitir entendimento. Porque é do entendimento que deriva o poder. E em uma
democracia, o poder é dos cidadãos” (NOBLAT, op. cit., p. 22).
Essa exigência, ontológica ao fazer jornalístico, amplia – na exata
medida da velocidade das mudanças sociais, políticas e econômicas do nosso
tempo – as necessidades do saber pensar. E, para os que preferem argumentos
63
mais “realistas”, a crise gerada pela hegemonia de um modelo, pede
diferenciação – e acaba por sinalizar, como opção, o mesmo caminho.
Contraditoriamente, o próprio sistema capitalista deixa aberta a fresta que nos
compete – como jornalistas e como educadores – ocupar e ampliar.
Bem-aventurados serão aqueles que repensarem seu conteúdo
para acompanhar as transformações do mundo onde operam e
capturar novos leitores - sem abdicar, contudo, dos princípios que
justificam a existência dos jornais desde que eles foram
inventados (NOBLAT, 2007, p. 26).
64
II – ENSINO DE JORNALISMO NO BRASIL: MUDANÇA E
PERMANÊNCIA
“Começo a ver o visto e me incluo no muro.”
Carlos Drummond de Andrade
Se as reflexões feitas até aqui a respeito da prática do jornalismo nos
apontaram para a necessária formação humanística e ressaltaram o papel deste
conjunto de saberes para o desenvolvimento de um jornalismo de qualidade,
cabe-nos – ampliando o olhar sobre o nosso objeto de estudo - compreender
como, historicamente, se constituíram os cursos para formação de jornalistas,
delinear as transformações ocorridas, situando assim os dilemas e as alternativas
no contexto.
Com esse propósito, o ensino de jornalismo no Brasil e, mais
especificamente, na PUC – Campinas, é aqui examinado presentes alguns eixos
de análise. Em primeiro lugar, destaca-se o fato de que este ensino encontra-se,
desde a sua origem – tanto no Brasil quanto no exterior – a reboque de
transformações econômicas e sociais que tiveram seu tempo no século XX e que
alteraram a configuração da imprensa. Isso implica que “o ensino de comunicação
nasce sempre, como uma conseqüência, está intimamente relacionado com as
demandas que vêm do sistema produtivo” (MELO, 1992, p. 60).
Além disso, é preciso ressaltar que o exercício do jornalismo – nos
seus diferentes suportes e linguagens – é, em si, um processo social. Nesse
sentido, ao mesmo tempo em que se organiza a partir da lógica da sociedade no
qual se exerce é, ele mesmo, construtor dessa mesma sociedade, enquanto
mediador – por excelência – e também produtor de cultura. Por isso, “o campo da
comunicação foi sendo definido segundo o ritmo e as exigências próprias da
indústria cultural, do mercado, do desenvolvimento político e dos movimentos
sociais de cada país” (QUIROZ, 1992, p. 70).
65
O ensino do jornalismo não foge a este contexto. Ele se transforma ao
sabor das mudanças sociais mais amplas. As exigências de qualificação do futuro
profissional se alteram ao longo de todo o século XX e a escola (universidade ou
faculdade isolada) responde (ou não, como veremos) a essas transformações. “O
que habilita o jornalista é um conjunto de exigências que muda de acordo com a
época” (BAHIA, 1990, p. 32).
Por isso, a história brasileira do ensino de jornalismo se confunde com
a própria história da imprensa (exercida, no século XX, em empresas e, portanto,
tendo a informação como mercadoria), a qual, por sua vez, só se pode
compreender quando referida às transformações do país desde 1947, ano da
instalação do primeiro curso de jornalismo no Brasil.
Nestes 60 anos, alguns períodos – marcados por diferentes exigências
do mercado e por diferentes concepções do próprio perfil do profissional desejado
– podem ser identificados. Optamos, neste estudo, pela divisão proposta por
MELO (1992, p. 62), a qual acrescentamos um último período, de modo a
contemplar o estágio atual do ensino de jornalismo no país, dentro do qual se
insere a ampla reforma realizada pela PUC – Campinas, a partir do fim da anterior
exigência de currículo mínimo.
Procuramos pesquisar as características gerais desses períodos, suas
relações com a história do país e as mudanças ao longo do tempo. No entanto,
entre tantas transformações, um eixo na formação do jornalista permaneceu
sempre presente, embora com dimensões e enfoques diferentes. Por conta
inclusive de sucessivas revoluções tecnológicas a que assistimos no Século XX,
os perfis profissionais pretendidos se alteraram, acrescendo novas disciplinas e
conformando a organização do ensino às exigências do mercado de trabalho. No
entanto, as disciplinas da chamada formação humanística sempre se mantiveram.
Assim, e presente o foco deste trabalho, nosso olhar foi direcionado a
tal permanência em meio a tantas mudanças. Aqui, o pesquisador, com sua
história de vida, suas preocupações e suas concepções do próprio fazer
jornalístico, encontra-se com seu objeto, dirigindo sua análise e colocando os
limites deste trabalho.
66
II. 1 - Demanda por mão-de-obra está na origem
Ainda que tardia em relação aos próprios irmãos latino-americanos, a
imprensa periódica brasileira existe desde 1º de junho de 1808.
Hipólito José da Costa fundou, dirigiu e redigiu o Correio
Brasiliense, em Londres, durante todo o tempo de vida do jornal.
O número inaugural deste apareceu em 1º de junho de 1808, três
meses antes, portanto, da data em que surgiu a Gazeta do Rio de
Janeiro na Corte. Aceitando o jornal de Hipólito como integrado na
imprensa brasileira, seria, conseqüentemente, a data de
aparecimento de seu primeiro número o marco inicial,
naturalmente, do nosso periodismo (SODRÉ, 1999, p.21/22).
A questão da data é, no entanto, objeto de controvérsia segundo
SODRÉ (1999, p.21/23). O Correio Brasiliense de Hipólito José da Costa era,
segundo o mesmo autor, doutrinário, mensal e tinha, em geral, 140 páginas. Três
meses depois do seu lançamento, um outro jornal, patrocinado pela Imprensa
Régia – fundada por conta da vinda da família real portuguesa para o Brasil – a
Gazeta do Rio de Janeiro, de caráter oficial, surge em 10 de setembro. Enquanto
o Correio tinha características de jornalismo opinativo, a Gazeta – “com
periodicidade curta, intenção informativa mais do que doutrinária, formato peculiar
aos órgãos impressos do tempo, poucas folhas e preço baixo” (SODRÉ, 1999, p.
22) – se aproximava mais do modelo informativo. Para os nossos propósitos,
interessa ressaltar o atraso desse surgimento em relação a outros países do
mundo, bastando lembrar que o jornal periódico já existia desde 1660
13
.
Ao longo da fase imperial e até 1947 não havia, entretanto, a formação
escolar dos profissionais que trabalhavam nos inúmeros jornais existentes. O que
existia era o aprendizado na prática diária, vendo e fazendo. Trata-se da
aprendizagem de tipo corporativo que, historicamente, antecede o ensino de tipo
escolar para o exercício profissional não só no jornalismo, mas também nas
demais áreas.
13
O primeiro jornal do mundo foi impresso na Alemanha, em 1609. O primeiro jornal diário também é
alemão, da cidade de Leipzig, e data de 1660. (HANITZCH, Thomas, 2005).
67
A imprensa brasileira refletia, nesta época, o modelo de jornalismo
europeu, de caráter marcadamente opinativo, com campanhas públicas em torno
de causas políticas e sociais. Trata-se de uma herança do próprio contexto
histórico da expansão maior dos jornais no século XVIII, fortemente influenciados
pelo espírito da Revolução Francesa.
No Brasil, ao entrarmos no século XX, a imprensa de natureza
opinativa tem o seu espaço. A esse respeito, assinala MELO (1985, p.123):
Nas primeiras décadas do século XX, há um fato novo no quadro
da imprensa brasileira. A imprensa não é mais um canal de
comunicação utilizado exclusivamente pela classe dominante.
Começa a ser intensamente usado pelas classes trabalhadoras.
Em São Paulo e no Rio de Janeiro, multiplicam-se os jornais e
publicações avulsas editadas pelos sindicatos operários ou pelas
associações profissionais, defendendo os interesses das classes
subalternas.
É no contexto de começo do processo de industrialização do país –
que na Europa e nos EUA já se encontra consolidado – que crescem os centros
urbanos e a atividade jornalística se transforma, organizada nos moldes de
empresas capitalistas que colocam a notícia como um produto à venda. “Essa
“indústria”, se bem que nascida na década de 1930, expande-se mais plenamente
no após-guerra” (MARCONDES FILHO, 2002, p 29). A respeito do Brasil,
assinala MELO (1985, p. 124):
A modernização do parque gráfico brasileiro constitui uma
indicação clara do florescimento que experimentam as nossas
empresas jornalísticas, sobretudo a partir da década de 20. Trata-
se de um reflexo do próprio ritmo de industrialização do país
.
É exatamente no período imediatamente após a II Grande Guerra que
surge, em 1947, o primeiro curso de jornalismo no país, instalado em São Paulo
por Cásper Líbero, jornalista e empresário. Com a primeira escola, começa a
história do ensino superior de jornalismo no Brasil. É a etapa inicial, marcada pela
hegemonia do modelo europeu e se estende, na periodização proposta por MELO
(1992), até 1964.
68
No entanto, é preciso destacar, a luta pela implantação do ensino de
jornalismo no Brasil começou em 1908, através dos jornalistas organizados em
torno da ABI – Associação Brasileira de Imprensa (à época, Associação de
Imprensa). Diversas campanhas foram conduzidas nesse sentido pelos
profissionais que já “militavam” na área e, em 1918, o 1
º
Congresso Brasileiro de
Jornalistas formulou uma primeira proposta de curso.
Vale ressaltar ainda que, não obstante o “atraso” da imprensa brasileira
em relação àquela existente na Europa e nos EUA, a proposta de criação de um
curso de jornalismo no Brasil é praticamente simultânea à instituição do primeiro
curso de jornalismo nos EUA (Missouri University, 1908), a partir de intensos
debates provocados por um artigo do jornalista e empresário Joseph Pulitzer,
publicado em 1904, e que defendia a formação em nível superior dos jornalistas.
O próprio Pulitzer viabilizou, alguns anos mais tarde e por meio de doação, o
curso de jornalismo na Columbia University (1912) e, com o prêmio instituído pela
fundação que leva o seu nome, transformou-se num dos grandes incentivadores
do jornalismo.
Ainda antes de 1947, Anísio Teixeira, ao projetar a Universidade do
Distrito Federal, incluía a criação de um curso de jornalismo, que chegou a
funcionar entre 1936 e 1937, mas foi fechado graças ao golpe que instituiu o
Estado Novo no país. O próprio projeto de universidade desenhado por Anísio
Teixeira foi, à época, completamente abandonado.
Dessa forma, podemos dizer que, no Brasil, a luta pela implantação do
ensino de jornalismo, no começo do século XX, não partiu das universidades, mas
sempre foi uma reivindicação dos que trabalhavam na imprensa (NUCCI, 1992, p.
21).
Nascido sob tais circunstâncias, o ensino do jornalismo, numa primeira
etapa e do ponto de vista técnico, reflete o estágio de desenvolvimento da
indústria de comunicação existente no país. A ênfase será no ensino de prática
para os veículos impressos e o rádio (a partir de 1949). Sem uma legislação
educacional centralizada que unificasse os currículos, estes eram definidos ao
sabor das direções de cada escola (DIMAS FILHO, 1992, p. 98).
69
No entanto, em que pesem as diferenças originadas pela inexistência
de norma determinando grade curricular, o período que vai de 1947 a 1964,
chamado de fase ético-social, possui algumas características. A hegemonia do
modelo europeu de ensino (MELO, 1985) sustenta uma ênfase na formação
humanística do futuro profissional. Conforme BAHIA (1990, p. 418/419):
O ensino da comunicação social no Brasil compreende várias
fases desde 1946. Deste ano até a década de 60 prevalece um
caráter humanístico (formação humanística clássica, como no
modelo europeu, dando preferência à filosofia, história e literatura
do jornalismo, além de cultura geral).
A adoção desse modelo corresponde também ao contexto político e
social do Brasil a partir do fim do Estado Novo em 1945. O país vivia então um
processo de redemocratização e alinhava-se ao bloco antifacista, vitorioso na II
Grande Guerra. O terreno ideológico era, portanto, favorável a uma ênfase ao
debate, à livre expressão e a toda uma concepção de jornalismo em moldes
liberais.
A ênfase humanística pode ser percebida, por exemplo, no currículo do
Curso de Jornalismo da Fundação Cásper Líbero, o pioneiro. De um total de 18
disciplinas, apenas seis são específicas à área profissional. Para MEDINA (1988,
p. 143), a acentuada presença das disciplinas não técnicas correspondia também
a uma demanda dos próprios ingressantes. Na maioria dos casos, os alunos já
trabalhavam em jornais – conheciam a técnica. Careciam justamente desta outra
dimensão. “A intenção era positiva e a oferta da universidade não frustrou essas
primeiras gerações que estudavam então História, Literatura, Filologia, Sociologia,
Ciência Política, Estética, Filosofia”, destaca a autora.
Se havia destaque no aspecto humanístico da formação, a dimensão
técnica encontrava-se diretamente atrelada àquilo que se fazia. Os próprios
professores das disciplinas técnicas eram contratados em empresas jornalísticas.
Não é sem razão que os cursos pioneiros atuam como instâncias
de formação profissional, de certo modo reproduzindo os
paradigmas vigentes na indústria. São modelos que haviam sido
codificados ou normatizados pelas corporações midiáticas. O
70
corpo docente que os difundia fora recrutado segundo critérios de
competência ocupacional (MELO, 1998, p. 136).
O vínculo com a prática desenvolvida nas empresas jornalísticas, sem
que houvesse então uma reflexão teórica sobre ela, criou um vácuo. De um lado,
os profissionais se notabilizavam pela sua cultura geral e formação humanística.
De outro lado, a escola apenas se encarregava de reproduzir, do ponto de vista
prático, aquilo que já se fazia, sem o exercício de examinar teoricamente o seu
fazer.
Nesse sentido, cria-se – e esta será uma constante na história do
ensino de jornalismo – a primeira versão da dicotomia entre formação profissional
e formação humanística. Elas funcionam, nessa primeira etapa, como
compartimentos estanques, sem vínculos que permitissem o pensar a própria
profissão e os modelos de jornalismo praticados cotidianamente.
II.2 - Sob a sombra do CIESPAL
A fase pioneira do ensino de jornalismo no Brasil termina, com o
marco definido por MELO (1992) em 1964, com o Golpe Militar. No entanto, as
condições para emergência de uma nova fase, denominada técnico-editorial,
encontram-se já no início dos anos de 1960.
O país, impulsionado pelos planos e ideologias desenvolvimentistas,
ganha forte impulso urbanizador e industrial. E é em meio à expansão da
população urbana que acaba se constituindo o público consumidor de bens
culturais. A esse respeito, afirma BOURDIEU (1982, p. 102):
O desenvolvimento do sistema de produção de bens simbólicos
(em particular, do jornalismo, área de atração para os intelectuais
marginais que não encontram lugar na política ou nas profissões
liberais), é paralelo a um processo de diferenciação cujo princípio
reside na diversidade dos públicos aos quais as diferentes
categorias de produtores destinam seus produtos, e cujas
condições de possibilidade residem na própria natureza dos bens
71
simbólicos. Estes constituem realidades com dupla face –
mercadorias e significações -, cujo valor propriamente cultural e
cujo valor mercantil subsistem relativamente independentes,
mesmo nos casos em que a sanção econômica reafirma a
consagração cultural.
Do ponto de vista do jornalismo, a dupla face da mercadoria em
circulação – com produtores (jornalistas sob o comando de um empresário) em
busca de ampliar o público consumidor (leitores) – resulta em contradições,
conforme o refletido ao longo do Capítulo I.
De uma perspectiva histórica, e tendo em vista a formação do
jornalista, é importante destacar que o desenvolvimento da indústria cultural
propiciou modernizações. Desde históricas mudanças gráficas em jornais
importantes como o Jornal do Brasil (que inspiram transformações em toda a
imprensa diária), até o surgimento de um novo e poderoso suporte, a televisão.
Para o novo (e amplo) mercado, um novo público ingressa no ensino
superior em busca de formação como profissional. Não se trata mais do jornalista
que já trabalha e sai em busca de complementar sua formação. Agora são jovens
secundaristas.
O ingresso destes jovens na virada da década de 50 exigiu o
debate sobre a dosagem de disciplinas humanísticas e disciplinas
técnicas. Estes mesmos rebeldes jovens bateram pé por exercício
prático dentro da universidade, em laboratórios (MEDINA, 1988, p.
144).
A própria dinâmica do mercado de trabalho – que já incorpora as
inovações tecnológicas que caracterizam a segunda metade do Século XX –
aponta também para a necessidade de revisão curricular. É importante destacar
também que
desde 1962, a montagem dos currículos dos cursos se faz a partir
dos currículos mínimos determinados pelo CFE – Conselho
Federal de Educação e expressa os interesses e os jogos políticos
diversificados e não se dissocia do momento político (OLIVEIRA,
1992, p. 182).
72
O momento político é o da Ditadura Militar, repressão e censura,
desmonte das universidades públicas e adoção de um modelo de
desenvolvimento que favorece a iniciativa privada, tanto no campo dos
investimentos em veículos de comunicação (basta lembrar da política de
concessões de direito a canais de televisão), quanto da participação do capital
privado no “negócio” do ensino. Relativamente à expansão dos veículos de
comunicação, vale ressaltar que ela se fez acompanhar de importação de
tecnologia, colocando a questão da formação técnica no centro do debate para a
profissionalização do jornalista.
Para reforçar ainda mais as condições dadas – que favoreciam um viés
tecnicista e não crítico do ensino – entra em cena o CIESPAL - Centro
Internacional de Estúdios Superiores de Comunicación para América Latina,
criado em 1959 e instalado em 1960. Mas o caráter do trabalho que desenvolveu
se definiu antes.
Em 1948, uma conferência da UNESCO realizada em Paris
recomendou maior atenção com a formação dos jornalistas no
Terceiro Mundo. A entidade, na época amplamente dominada
pelos Estados Unidos e pelo espírito da guerra fria, advertia que o
jornalismo podia “agravar, se mal inspirado, os desajustamentos
entre grupos, classes e partidos ou atenuá-los até o ponto de
extingui-los, se baseado na boa compreensão dos fatos e na
lúcida revelação dos mesmos” (MEDITSCH, 1992, p. 199).
A partir de tal matriz ideológica, o CIESPAL pautou sua ação no
continente latino-americano com duas orientações teóricas: a tecnificação e a
despolitização do ensino de humanidades e ciências sociais, pilares da
“modernização” proposta pelos EUA para os sistemas educacionais dos países-
foco da ação ciespalina e um dos sustentáculos da estratégia norte-americana
para evitar a qualquer custo a “cubanização” do continente (MEDITSCH, 1992).
O cenário dos anos de 1960 guardava assim todos os elementos que
favoreciam uma mudança – de orientação tecnicista - nos cursos de jornalismo. A
conjuntura política alinhava os governos militares à postura adotada pelo
CIESPAL e aos EUA, de maneira geral (tanto política quanto econômica e
73
cultural). O crescimento da indústria cultural implicava importação tecnológica e a
conseqüente necessidade de “treinar” novos quadros para a área de
comunicações. Ao mesmo tempo, ocorria um desmonte das universidades
públicas – seja pela repressão aos docentes e instituições que adotavam uma
postura mais crítica, seja pelo incentivo à presença da iniciativa privada à frente
das novas escolas. E alguns professores, descontentes com o baixo nível técnico
dos cursos (herança da primeira fase do ensino), acabaram por aderir ao projeto
ciespalino.
Numa síntese,
Ao ingressarmos no período autoritário, em 1964, a situação se
agravou em várias frentes: a repressão foi afastando da
universidade os conteúdos humanísticos críticos, num processo
de várias etapas, mas irreversível... em contrapartida, a política do
“milagre”, já nos anos 70, estimulou a criação de escolas privadas
e da indústria do diploma, no plano econômico, a indústria cultural
explode e se diversifica, exigindo mão-de-obra também (MEDINA,
1988, p.144).
Para legitimar ainda mais a mudança de rumo, uma pesquisa feita pela
Fundação Cásper Líbero sobre os vinte anos do ensino de jornalismo, realizada
em 1967, constata a demanda existente por matérias técnicas e recomenda a
adequação dos cursos a este novo cenário (FREITAS, 2002).
A reorientação dos rumos chega em 1969, através do Ministério da
Educação – Resolução no. 11 do CFE – Conselho Federal de Educação, ao
estipular o currículo mínimo e ao instituir a formação do comunicador polivalente.
A proposta foi elaborada por Celso Kelly, jornalista membro da ABI – Associação
Brasileira de Imprensa e treinado pelo próprio CIESPAL (MEDITSCH, 1992, p.
201). É importante ressaltar também que tal mudança se dá no palco da primeira
campanha pública ocorrida no Brasil pelo fim da exigência do diploma para o
exercício da profissão de jornalista. Para o professor José Marques de MELO
(1993, p. 39),
O regime político pós-1964 constrange as universidades,
transformando-as em bastiões de resistência. Os cursos de
jornalismo tornam-se focos de contestação, disseminando
informações/opiniões contrárias ao governo. Por isso, os donos do
74
poder não hesitam em cortar o mal pela raiz, tentando até mesmo
a extinção de tais cursos. O palco dessa batalha foi o antigo CFE
– Conselho Federal de Educação. Se não logram êxito imediato,
os adversários dos jornalistas formados pelas universidades
conseguem resultados indiretos. Minaram na base a auto-estima
corporativa dos jovens estudantes, através de uma manobra
pouco sutil. Suprimiram a autonomia dos cursos de jornalismo,
transformando-os em apêndices do megacurso de comunicação
social.
Vejamos agora no que as mudanças promovidas pelo Ministério da
Educação alteraram a estrutura dos cursos para a formação dos jornalistas.
Destaca-se, neste quadro, a instituição do comunicador polivalente que as
escolas – que passam a se denominar Faculdade de Comunicação Social –
devem formar. O novo profissional é aquele pronto para atuar nos mais diferentes
campos da indústria cultural que “explodia” na época e a responder aos desafios
de levar a comunicação social a todos os rincões do país. Tal desafio integra a
própria política adotada pelo CIESPAL, orientada pelo viés ideológico de coibir
mudanças sociais inspiradas na experiência cubana. Nesse sentido, basta
relembrar, no caso brasileiro, o papel da Rede Globo de Televisão – que se torna
hegemônica no país justamente na época dos governos militares – na difusão de
todo o ideário orientador do regime.
O currículo mínimo propõe um conjunto de nove disciplinas
obrigatórias, das quais apenas três – Sociologia, Problemas Sociais e
Econômicos Contemporâneos e Cultura Brasileira – não são relacionadas à
formação específica. No conjunto de treze disciplinas opcionais – das quais duas
devem compor o currículo mínimo estabelecido – “apenas cinco não possuem
enfoque funcionalista: direito usual, economia, idiomas estrangeiros, filosofia e
psicologia social” (DIMAS FILHO, op.cit., p. 99).
Esse modelo de currículo, inspirado nas teses ciespalinas, supunha
que o chamado ciclo básico – comum a todas as especializações (Jornalismo
Especializado, Jornalismo Polivalente, Publicidade e Propaganda, Relações
Públicas e Editoração) – fosse o eixo organizador da formação. No entanto,
MELO (1992, p. 64) destaca que a ausência de uma cultura universitária no país
agrava os resultados desta transposição, limitando ainda mais a formação do
75
profissional. Em um outro estudo (1998, p. 136/137), o mesmo autor assinala que
“a ausência de tradição interdisciplinar nas nossas universidades, estruturadas
como “conglomerados de faculdades”... inviabilizou a circulação de estudantes
pelas áreas conexas, estreitando a grade curricular”.
É neste contexto, marcado pela filosofia tecnicista impingida pelo
acordo MEC – USAID – United States Agency for International Development, no
seio do qual se consolida a influência ciespalina (FALASCHI, 1996, p. 13 e
VIEIRA, 2000, p. 27), traduzida na orientação acima descrita, que nasce o Curso
de Jornalismo da PUC – Campinas, iniciado em 1970 e reconhecido em 1974. Um
elenco de 38 disciplinas era oferecido, das quais onze corresponderiam ao
chamado eixo de formação humanística. Vale lembrar que, entre as onze, três
correspondem às obrigatórias edições trianuais de Antropologia Teológica. Em
suma, da formação humanística, central no primeiro período da história do ensino
de jornalismo no Brasil, passamos a um quadro em que apenas 21% dos estudos
se vinculam a tal eixo. A ênfase tecnicista salta aos olhos.
É importante destacar que, embora a legislação brasileira inspirada na
orientação ciespalina estipulasse a figura do “comunicador polivalente”, a idéia
encontrou resistências nas escolas. No caso da PUC – Campinas, desde a
instalação do curso, tratava-se de habilitação em jornalismo, sem qualquer
adjetivação. A esse movimento contrário às propostas do CIESPAL correspondeu,
já em 1978, uma nova determinação legal. A Resolução no. 3 do CFE extinguiu
as denominações “especializado” e “polivalente” embora tivesse mantido um
núcleo de fundamentação comum às áreas afins, agora denominadas Jornalismo,
Relações Públicas, Rádio e Televisão e Cinema, sob o “guarda-chuva” das
faculdades de Comunicação Social. Destaca-se ainda, no modelo de 1978, a
introdução da disciplina de Projeto Experimental de Conclusão do Curso, “à qual
se reservou 10% da carga horária total prevista” (VIEIRA, 2000, p. 28).
A nova legislação buscava responder às resistências encontradas ao
modelo original do CIESPAL no que diz respeito à denominação dos cursos. No
entanto, a ênfase permanece tecnicista, o que se pode constatar até pelo fato de
que se criam novas habilitações (Rádio e Televisão e Cinema). Tratava-se, mais
76
uma vez, de dar a resposta ao mercado de trabalho existente, à sua expansão e à
sua crescente especialização por conta das novas tecnologias.
No Curso de Jornalismo da PUC – Campinas, a reorientação
promovida pela Resolução no. 3 do CFE (1978) resultou na ampliação do
currículo, de 38 para 46 disciplinas, embora a carga horária tenha sido reduzida
(de 2.700 horas-aula para 2.670, das quais 10% se destinaram ao Projeto
Experimental em Jornalismo). Do total de 46 disciplinas, 12 têm seu vínculo com o
eixo de formação humanística (26% do total). A explosão tecnológica dos anos de
1970 já se faz sentir, com a diversificação das disciplinas de formação específica
e profissional. Incluem-se estudos sobre informática, fotografia, videotexto
(tecnologia prévia ao editor de textos em computador, logo superada), além da
ênfase nos suportes rádio e televisão, que ganham disciplinas teóricas e
laboratoriais específicas.
II.3 - A busca pela construção de uma identidade
A segunda metade dos anos de 1970 lança as bases para que o
ensino de jornalismo chegue à sua terceira fase, denominada por José Marques
de Melo de crítico-profissional. Ainda durante esta década, surgem no país os
primeiros cursos de pós-graduação na área de Comunicação. O desenvolvimento
da pesquisa e a discussão sistemática da atuação dos veículos de comunicação,
suas práticas e conteúdos, acabarão repercutindo no próprio ensino de
jornalismo, abrindo novas vertentes e outros caminhos.
Além disso, ao entrarmos na segunda década do Regime Militar no
Brasil, inicia-se um lento processo de abertura política, também favorável à
revisão dos critérios orientadores das práticas educacionais.
A esse contexto corresponde também uma mudança na orientação
do CIESPAL, que permanece influente nos rumos dados ao ensino de jornalismo
no país. Para MELO (1992, p. 63):
77
O CIESPAL tem duas fases. Uma primeira fase em que ele
funciona como uma espécie de agência de difusão dos modelos
norte-americanos de ensino e pesquisa de comunicação; e uma
segunda fase em que ele procura fazer uma adaptação desses
modelos para o próprio continente.
Em que pese o avanço que tal tentativa de adaptação implica, suas
características não são vistas de forma unânime pelos estudiosos do ensino de
jornalismo. O mesmo José Marques de Melo afirma que, ao procurar adaptar o
modelo americano, desconsiderou-se a tendência de internacionalização dos
processos de comunicação, que repercutem no continente latino-americano,
sobretudo nos grandes centros urbanos (1992).
Na década de 1980 o país começa a mudar. A conjuntura política
mostra-se mais favorável ao debate e, de certa forma, exige que esse debate se
faça base para a sustentação de movimentos sociais que, de forma gradativa,
mas crescente, avançam em suas lutas em prol da redemocratização do Brasil.
Neste cenário – e considerada a própria reorientação do CIESPAL – o ensino de
jornalismo ganha, a partir dos anos 1980, um caráter mais crítico.
A década que se inicia terá essa marca.
No começo dos anos 80, uma nova fase amplia o debate crítico à
eficiência dos cursos de comunicação e reúne objeções das
empresas, dos estudantes, dos professores e até de órgãos
oficiais. A exigência de diploma – símbolo de reserva de mercado
– é fortemente contestada. Exige-se maior espaço para aspectos
políticos, culturais, econômicos, científicos que reflitam maior
identidade com a realidade do país e da América Latina, numa
perspectiva de inserção que não exclua, é claro, a visão universal
(BAHIA, op.cit., p. 417/418).
É o período em que se procura desvendar o que há por trás da
indústria cultural. A ênfase recai sobre o estudo das engrenagens político-
ideológicas que, em cada sociedade, estão na base da produção e difusão das
notícias. No ensino do jornalismo que, nos anos 1940/50, se fazia na prática e
sem qualquer reflexão sobre a sua natureza, chegamos a um estágio em que a
criticidade torna-se imperiosa. Aquela antiga forma de aprendizagem, de ênfase
78
tecnicista, já não serve mais, uma vez que “ela representa uma absorção acrítica
(porque instrumentalizada) dos padrões de produção da notícia. Deixa de oferecer
os pressupostos históricos, filosóficos, sociais e econômicos do fazer jornalístico”
(MELO, 1985, p. 143).
A ênfase no estudo crítico tem, no entanto, suas mazelas. Ocorre um
processo de “demonização” da indústria cultural (FREITAS, 2002). E os cursos se
distanciam da realidade do mundo do trabalho, cada vez mais dinâmico e
exigindo novos saberes e outras habilidades. A contradição se repunha. De um
lado, uma tendência teoricista que se afirmava. De outro, a necessidade do
aprendizado prático. A conciliação entre as duas frentes da formação se
recolocava, já que não era possível ignorar a dinâmica do mercado de trabalho –
para o qual, queiramos ou não, as escolas preparam profissionais – nem,
tampouco, reduzir o ensino ao mero treinamento acrítico destes jovens
estudantes.
Na década de 80, pressionados pelo mercado de trabalho,
fatigados pelos excessos teóricos e perspectivas pessoais
contrariadas, parte dos docentes e boa parte dos discentes abrem
caminho para hegemonia do ensino profissionalizante,
privilegiando a sua versão instrumental e pragmática (Valdir de
Oliveira, apud OLIVEIRA, 1992, p. 185).
O debate sobre as limitações da ênfase teórica, refletindo tais
contradições, logo se fez sentir. A Resolução 2/84 do CFE – Conselho Federal de
Educação chega para reafirmar a necessidade de recursos laboratoriais que
permitissem aos estudantes o treino na futura profissão. E estabelece um
currículo mínimo para os cursos de Comunicação Social, nas diferentes
habilitações.
A orientação da nova norma legal repõe a idéia de um núcleo comum
às seis habilitações abrigadas sob a denominação de Comunicação Social:
Jornalismo, Relações Públicas, Publicidade e Propaganda, Radialismo, Rádio e
Televisão, Cinema e Produção Editorial. Se já não se falava mais em
comunicador polivalente, na prática, a orientação teórica do CIESPAL continuou
presente na idéia de um tronco comum.
79
No novo currículo mínimo, seis matérias são obrigatórias: Filosofia,
Sociologia Geral e da Comunicação, Língua Portuguesa, Realidade Sócio-
Econômica e Política Brasileira, Comunicação Comparada e Teoria da
Comunicação. Na parte específica, a fixação das disciplinas – uma camisa-de-
força, conforme FALASCHI (1996) – acabou por criar novos problemas.
Além da defasagem de conteúdo das disciplinas, estava em curso
nas empresas de comunicação a grande reforma tecnológica, que
tornou obsoletas várias disciplinas do currículo oficial, que,
entretanto, não podiam ser alteradas, sob pena de tornar inválidos
os diplomas de conclusão de curso ( FALASCHI, 2003, p. 18).
A essa nova orientação, e em sucessivas adaptações desde 1984, a
PUC – Campinas respondeu com um currículo com 42 disciplinas, das quais onze
compunham o eixo de formação humanística: Antropologia Cultural, Antropologia
Teológica (nos três primeiros anos do curso), Filosofia, História Contemporânea
do Brasil, Sociologia Geral, Teoria Política, Realidade Sócio-Política e Econômica
Brasileira e Psicologia Social. Permanece, em termos percentuais, a mesma
relação existente na fase anterior.
Para a organização do ensino, o maior problema de tal fase era a
distribuição dessas disciplinas ao longo do curso. Metade delas se concentrava
no primeiro ano. “Os alunos chegavam à faculdade ávidos para desvendar os
segredos da comunicação, mas, despreparados desde o ensino fundamental, não
conseguiam acompanhar o ritmo dessas aulas. O resultado era uma evasão
acentuada” (FALASCHI, 2003, p. 23).
O cenário da PUC – Campinas, descrito por Celso Falaschi, se repetia
no país e refletia o contexto histórico desenhado por um período de intensas
mudanças sócio-econômicas, com forte impacto na indústria cultural e na própria
educação. A partir da adoção de um modelo neoliberal, com o efetivo desmonte
do papel do Estado enquanto provedor de ensino, as conseqüências, para a
formação profissional – em qualquer carreira – se fazem sentir.
No ensino superior, as escolas se encontram diante da necessidade de
suprir deficiências historicamente acumuladas nos níveis do Ensino Fundamental
80
e Médio. Ao mesmo tempo, a já mencionada carência de uma tradição
universitária, que assegurasse o trânsito dos estudantes pelas diferentes áreas,
contribuindo para uma formação de caráter geral, agrava o problema.
A mesma carência se acha refletida na ausência de uma formação
interdisciplinar efetiva, que a própria estrutura que sustenta a Res. 2/84 só vem
agravar, na medida em que, estabelecido o tronco comum, as disciplinas da
fundamentação humanística são ministradas com os mesmos conteúdos em
cursos tão díspares – em termos de necessidades de reflexão e prática
profissional posterior, considerada a dinâmica da comunicação social – quanto
são, por exemplo, os cursos de Relações Públicas, Publicidade e Propaganda e
Jjornalismo.
Para responder a esses e outros tantos desafios, historicamente
consolidados na prática do ensino de jornalismo – por conta da especificidade da
(no mínimo) dupla formação requerida (prática e teórico-reflexiva) – os últimos
anos foram marcados por críticas à camisa-de-força imposta pela Res.2/84 e pela
procura de caminhos alternativos que, sem desconsiderar as exigências do
mercado de trabalho – dado que o atual estágio das relações de produção não
permite ignorar ou rejeitar, o que equivaleria, no nosso entender, ao auge de uma
postura esquizofrênica , levasse em conta projetos pedagógicos orientados pela
busca de uma formação integral dos jovens, habilitando-os técnica e criticamente
ao exercício profissional.
II.4 - Caminhos para entrar (e viver) no Século XXI
Os anos 1990 inauguram uma nova fase, pontuada por outros desafios.
Os avanços tecnológicos permanecem, mas com uma velocidade cada vez mais
acelerada. Neste contexto, as instituições de ensino superior públicas e
particulares – se vêem diante do desafio de se atualizarem permanentemente,
seja para dotar suas escolas da estrutura laboratorial condizente, seja para
81
responder com um ensino que – tendo como eixo ainda a visão crítica sobre a
prática desenvolvida nos veículos de comunicação – alcance esta velocidade.
A estrutura proposta pela Resolução 2/84 era, como já vimos, um
entrave à necessária capacidade de renovação que os novos tempos pediam. É
por isso que, neste cenário, a abertura propiciada pela nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – LDB –, que seria aprovada em 1996, permitindo
relativa autonomia às instituições, é bem recebida entre professores e gestores
das escolas de jornalismo no país. Ainda durante a fase dos debates que
antecederam à aprovação da LDB, MELO (1993, p. 39) assinalava:
No terreno universitário, as perspectivas são favoráveis. A
vigência da nova LDB – Lei de Diretrizes e Bases – enseja
reformas pedagógicas que apontam na direção da autonomia
universitária e de liberdade curricular. É hora de reconquistarmos
a identidade dos cursos de jornalismo, superando a condição
subalterna de “habilitação” profissional no âmbito comunicológico.
Se o contexto é favorável, os desafios são imensos. Trata-se, em
primeiro lugar, de buscar um equilíbrio, a partir do aprendizado que as diferentes
ênfases na organização do currículo ensinaram. Não é possível, no atual
contexto, isolar-se do mercado. No entanto, não se trata de simplesmente
reproduzir o que ele quer. Também não se trata de priorizar apenas a dimensão
teórica ou reflexiva, sob pena de isolar os jornalistas da prática que terão que
desempenhar.
Para acompanhar o mercado, novas tarefas se impõem, inclusive
aquela de promover uma aproximação maior com as empresas, uma vez que –
com a velocidade das mudanças tecnológicas – nenhuma escola tem condições
de acompanhá-las. São nesse sentido as ponderações abaixo:
O mercado de trabalho para os jornalistas adquire cada dia maior
complexidade. A globalização exige novas habilidades –
lingüísticas, culturais, tecnológicas – que as atuais gerações não
possuem. A virtualização ensejada pela telemática configura
novos segmentos ocupacionais que não estão sendo preenchidos
pelos jornalistas em exercício por que lhes falta competência
tecnológica. As universidades não estão preparadas para
enfrentar o problema isoladamente. Faltam-lhes recursos
82
financeiros e humanos capazes de encontrar soluções imediatas
(MELO, 1993, p. 39).
Não se pretende, no entanto, se submeter à lógica do mercado. As
lições da reprodução pura e simples da prática profissional parecem ter sido
aprendidas, na medida em que a pesquisa e a reflexão permanecem como
centrais nas propostas de curso desenvolvidas. Enquanto um fazer, o jornalismo
requer – até pelo seu inegável papel de co-construtor da realidade social – uma
reflexão simultânea. “Aprendizado, reflexão e prática profissional. Olhar o mundo,
observar o mundo a partir do conhecimento, da reflexão é o pressuposto do
trabalho jornalístico. Entretanto, só se aprende jornalismo fazendo” (CALDAS,
2002, p. 180).
Se a necessidade da prática como condição de aprendizagem está
dada, tanto do ponto de vista do mercado de trabalho quanto da própria natureza
da atividade jornalística (sempre práxis), o papel crítico das escolas permanece.
Ao fazer a crítica do ensino de jornalismo, Alberto Dines – um dos grandes
jornalistas brasileiros e um permanente questionador da sua prática, com seu já
clássico “Observatório da Imprensa” – sentenciava, já em 1994:
As nossas escolas não perceberam que falharam, perderam uma
oportunidade histórica de fornecer o contraponto reflexivo, crítico e
cultural às forças deformadoras do mercado. Secundarizaram-se
perante a instituição jornalística, porque se contentaram apenas
em reforçar as leis de mercado, quando deveriam esforçar-se para
mudá-las ou, pelo menos, saneá-las.
Trata-se, nesta fase, de buscar novos paradigmas, depois de tantas
“curvaturas da vara” à esquerda (com o teoricismo) e à direita (com o tecnicismo).
E, com tamanha herança – que forma profissionais e, em muitos casos, formata
os espíritos, no sentido de que informa e conforma a maneira de pensar – não é
tarefa fácil aquela que o Século XXI nos impõe. A pressão mercadológica existe
e, muitas vezes, é o argumento que justifica a adoção de propostas
simplificadoras do ensino de jornalismo, reduzindo-o à reprodução de uma
técnica.
83
É nesse cenário que a PUC – Campinas, a exemplo de outras escolas
de jornalismo no país, aproveita as brechas da nova LDBEN – Lei de Diretrizes e
Bases do Ensino Nacional e propõe uma nova estrutura para o curso de
jornalismo.
As mudanças não ficaram apenas no plano da semestralização,
mas incluíram uma ampla reestruturação da grade curricular, a
redefinição de ementas e conteúdos programáticos, a diminuição
do número de alunos por turma e um novo sistema de modulação,
para atender às especificidades de todas as disciplinas do curso,
sejam elas de fundamentação teórico-humanística, teórico-prática
ou profissionalizante (FALASCHI, 2003, p. 30).
Na nova estrutura, composta por 58 disciplinas, 24 correspondem ao
eixo de formação teórico-humanística. Entretanto, para o cálculo de participação
deste eixo no total do curso, a carga horária a ele destinada (714 horas-aula, de
um total de 2.720) revela-se um parâmetro mais próximo da realidade e dá conta
de que 26% do tempo de formação são de caráter teórico-humanístico. Um índice
um pouco superior àquele que encontramos nas duas fases imediatamente
anteriores do ensino de jornalismo no Brasil.
Além disso, na inclusão de novas disciplinas, a PUC – Campinas
inovou com alternativas inéditas. Criatividade em Jornalismo, Jornalismo Literário,
História das Artes, História do Pensamento Científico e Pesquisa em Jornalismo,
entre outros títulos, mostram uma preocupação em alargar o horizonte de
aprendizado dos estudantes e de propiciar – seja na prática laboratorial, seja no
exercício da pesquisa em torno de temas relacionados à atividade jornalística a
possibilidade de desenvolvimento de outras opções em termos de linguagem,
técnica de apuração dos fatos, uso dos diferentes suportes, entre outros
aspectos.
Para preparar este profissional, que a PUC – Campinas entende que
deva ser educado não apenas para o mundo do trabalho, mas também formado
para a emancipação, no sentido de que ele seja co-construtor de uma sociedade
mais igualitária e justa (PUC – Campinas, 2004, Síntese do Projeto Acadêmico,
84
p. 13 a 21), a formação humanística continua presente como suporte
indispensável da reflexão.
O desafio maior da atual proposta de curso de jornalismo da PUC –
Campinas é, no nosso entendimento, a tarefa de integrar os diferentes eixos da
formação. A própria instituição o reconhece.
Não se trata de acumular conhecimentos e adquirir habilidades
profissionais de um lado e juntar-lhes, de outro, uma formação
preocupada com o social: são impulsos que devem nascer e se
desenvolver juntos, como duas faces de uma mesma moeda:
ciência e profissão devem estar imbuídas de um sentido
social/emancipatório (PUC – Campinas, op. cit, p. 14)
Ou ainda:
Este primeiro eixo, que aqui se chamará de “formação
humanística” não poderá, contudo, estar dissociado do restante do
currículo, com o qual deverá relacionar-se em via de mão dupla –
oferecendo e buscando subsídios para sua permanente
integração com a prática profissional e junto aos projetos de
pesquisa com os quais aqui se trabalhará (PUC – Campinas, op.
cit., p. 17).
Os caminhos, os entraves e as possibilidades desta integração – que
entendemos essencial para formação do pretendido profissional crítico, reflexivo,
tecnicamente capacitado e criativo – constituem-se eixos norteadores deste
estudo.
II.5 – Desafios que permanecem
Ao longo da história do ensino de jornalismo no Brasil e tendo como
exemplo as próprias mudanças ocorridas no âmbito da PUC – Campinas, alguns
aspectos se destacam. O ensino de jornalismo é sempre, de alguma forma,
pautado pelas necessidades do mercado de trabalho. Enquanto prática (Ciência
85
Social Aplicada), ele é, até certo ponto, refém da história e o seu ensino reflete
esta condição primeira.
No entanto, em que pesem todas as limitações que rondam a
instituição do ensino superior no Brasil (seu caráter tardio e sua vocação
fragmentada), as escolas de jornalismo são também o lugar em que, com o
conhecimento acumulado, se desenvolvem a pesquisa e o aprimoramento da
própria prática. Nesse sentido, “todas as profissões se institucionalizam através
de uma prática e de um acúmulo de saber que proporcionam a pesquisa contínua
e a permanente recriação dos instrumentos de trabalho” (MEDINA, 1988, p. 143).
Percebemos ainda que, na medida em que também as escolas de
jornalismo – através de seus programas de pesquisa e pós-graduação –
aprofundam sua reflexão sobre a prática jornalística, o ensino se revê.
Congressos patrocinados por entidades como a Intercom, a Federação Nacional
dos Jornalistas e por universidades que possuem programas de pós-graduação
na área de Comunicação Social acabam aprofundado o debate e permitem o
desenvolvimento de uma pesquisa sistemática que possibilita olhar criticamente a
prática jornalística e encontrar caminhos para transformá-la, com impactos sobre
a própria formação dos jornalistas.
Na circunstância da história em que nos inserimos, há momentos em
que a mudança se possibilita. Em outros – e, no Brasil, foram muitos, desde 1947
– as estruturas de poder não permitem avanços e a formação dos jornalistas
permanece estagnada, refém das práticas – nem sempre ética ou socialmente
responsáveis – desenvolvidas na imprensa organizada como empresa capitalista.
Neste cenário, a história foi condicionando tanto os fazeres que
aprendemos a fazer no âmbito da formação, quanto as possibilidades de refletir
sobre tais fazeres. No entanto, em que pesem as mudanças, aquele eixo da
formação humanística – que reiteramos aqui, é ontológico ao próprio ser do
jornalismo – permaneceu, entre ampliações e recuos ao sabor das ideologias de
plantão, como um marco.
Entendemos que essa permanência é ontológica na medida em que,
enquanto mediador entre a sociedade e os acontecimentos históricos, é
86
prioritário, para o jornalista, o conhecimento “da própria realidade, de suas
tensões políticas, conflitos culturais, movimentos sociais” (QUIROZ, op. cit., p.
76). E o saber humanístico constitui-se, nessa condição do jornalismo, no
“patamar de onde o homem alça vôo para influenciar e dominar o meio que o
circunda” (DIMAS FILHO, 1992, p. 100).
Perguntaríamos então: qual o lugar do saber humanístico numa
sociedade marcada pela técnica e pela instrumentalização da ciência? Como
resgatar a importância fundante do saber olhar – da plataforma para outros e mais
altos vôos, sempre necessários no projeto de construção de uma outra sociedade,
mais justa e igualitária, a que tantos aspiram? Como se contrapor a uma
tendência em que “neoliberalismo, novas tecnologias, globalização: todos
compõem o mesmo quadro, cuja contrapartida é a desmontagem dos projetos
políticos, dos programas sociais, das intenções de melhora conjunta do sistema
(MARCONDES FILHO, 2002, p. 146/147)”?
Se esse saber é, como vimos, ontológico ao ser do jornalismo (o que
acabou se revelando também na sua permanência ao longo da história do seu
ensino no país), como torná-lo reviver, quando sabemos que, na sua acepção
clássica, ele sofre todo o tipo de pressão, como bem salienta o trecho abaixo?
Com o tempo, mas principalmente com a evolução da ciência
moderna e das tecnologias do século 20, também o saber
clássico, que aureolava o catedrático e o sábio, vai se tornando
mercadoria: ele cede espaço para o saber puramente operatório,
destituído de poder, sem necessariamente aplicação direta na
sociedade e incorporado às atividades econômico-industriais... No
final do século, o ensino tende ao aprendizado técnico-prático e as
universidades vão passar a formar cada vez mais competências
para repassar saberes específicos e formados à la carte, tornando
os professores meros instrutores da operacionalidade técnica
(MARCONDES FILHO, 2002, p. 19).
Se, de um lado, há a necessidade de reforçar tais conhecimentos, a
forma de olhar o mundo que amplia horizontes e coloca o homem na centralidade
da história (e do fato/acontecimento, objeto do relato do jornalista), há todos os
limites que destacamos. Na fronteira entre eles – um fio da navalha, com todos os
riscos que as opções à esquerda ou à direita implicaram, como vimos nas
87
sucessivas “curvaturas da vara” ao longo dos 60 anos de ensino do jornalismo no
Brasil – ficam os projetos pedagógicos, as propostas curriculares. É na concepção
de mundo e do humano a que respondem; visão do exercício dessa profissão –
que, malgrado todos os equívocos e desvios, ainda exerce papel fundamental na
preservação de mínimas condições democráticas, quando assume a vigilância
séria e investigativa dos desmandos do poder – e do profissional de imprensa que
defendem – e que realizam, na prática pedagógica de todos os dias – que se fará
parte da diferença.
Sem a ilusão de que, mudando o ensino do jornalismo, salvaremos a
profissão dos desvios que a adoção de uma prática empresarial (notícia como
mercadoria) implica. Mas lembrando que ainda nos resta, no ambiente
universitário da pesquisa e da reflexão, o espaço da crítica, da análise e, porque
não dizer, da sinalização de outros caminhos. Acima das exigências de formar
profissionais para o mercado de trabalho, compete aos docentes do ensino
superior ir além da reprodução da prática, tomando-a como objeto de estudo, para
indagar sobre seus efeitos numa sociedade da qual somos todos construtores e
na qual, como já se disse, o jornalismo tem ainda um importante papel a
desempenhar. Pois, como lembra SODRÉ (2003), a imprensa é “obra ético-
político-literária do espírito liberal e implica uma civilidade e uma transcendência
radicalmente opostas a qualquer tentativa de reduzi-la a um plano meramente
técnico.”
88
III – CONSTRUÇÃO DE UM TRAJETO METODOLÓGICO
“Cada objeto percebido, observado ou elaborado pelo
homem é parte de um todo, e precisamente este todo não
percebido explicitamente é a luz que ilumina e revela o objeto
singular, observado em sua singularidade e no seu significado.”
Karel Kosik
Até aqui refletimos sobre as capacidades reflexivas e críticas
necessárias ao exercício de um ideal de jornalismo. Examinamos – ainda que de
forma limitada, dada inclusive a abrangência do tema – o jornalismo real, naquilo
que lhe é característico – a produção da notícia como mercadoria à venda e os
limites impostos em função dessa organização. Nos detivemos sobre o modelo
hegemônico de jornalismo no início de Século XXI e identificamos, no interior da
crise dos jornais impressos, as contradições geradas em função de tal
hegemonia. Contradições que, no nosso entendimento, apenas reforçam a
necessidade da base humanística nos cursos de jornalismo.
Examinamos, em seguida, as sucessivas fases do ensino de jornalismo
no país, destacando a permanência da formação humanística – com ênfases e
recuos ditados pela dinâmica da história do próprio desenvolvimento da imprensa
no país.
É hora de voltarmos ao nosso problema de pesquisa, repensando-o a
partir de todos esses fatos.
À pergunta inicial “A formação humanística, na forma como ela ocorre
no curso de jornalismo, contribui para assegurar o instrumental analítico e
reflexivo necessário ao profissional de imprensa?”, outras se somam. Qual o lugar
das disciplinas humanísticas na formação do jornalista, do ponto de vista do
projeto pedagógico, da direção da faculdade, dos professores e dos alunos? A
organização didático-pedagógica e metodológica do currículo de jornalismo
viabiliza a integração dos conteúdos humanísticos à formação do jornalista?
Especificamente com relação às disciplinas que compõem o eixo de formação
89
humanística, há clareza quanto à necessidade dessa integração? De que forma
ela é buscada pelos professores de tais disciplinas? Como os alunos
recebem/percebem as disciplinas do eixo de formação humanística em sua
formação? É possível identificar a incorporação dos conteúdos humanísticos nas
concepções dos alunos quanto ao mundo, o papel do jornalismo e o exercício da
profissão? De que forma as contradições observadas na prática do jornalismo real
e na própria estrutura dos cursos de jornalismo – nesse ir e vir da ênfase
tecnicista – repercutem no interior da própria organização didático-pedagógica?
Para responder a tais questões, foi necessário optarmos por um
caminho. Circunscrevemos o nosso estudo ao curso de jornalismo oferecido pela
PUC – Campinas. Assim, o presente trabalho resulta de um estudo de caso. Por
que essa opção e não outras, como aquela da comparação entre diferentes
grades curriculares, em diferentes escolas de formação desses profissionais?
Em primeiro lugar, a escolha deriva de uma concepção do processo
educativo. Enquanto realidade concreta, síntese de múltiplas determinações, o
fenômeno educação só pode ser entendido a partir do conjunto de seus
elementos, que relacionados nem sempre de forma harmônica lhe dão a
dinâmica. Essa compreensão, que tem suas raízes na abordagem histórico-
dialética da educação, pode ser resumida na afirmação a seguir:
O momento propriamente educativo, nesse contexto, fica mais
claro caso seja descrito em seus elementos dialeticamente
complementares e contraditórios. Esses elementos são: as idéias
pedagógicas, as instituições pedagógicas, os agentes
pedagógicos, o material pedagógico e o ritual pedagógico (CURY,
1995, p. 87).
Com tal concepção – e presente o alerta de Karel Kosik na epígrafe
que abre este Capítulo – a escolha de um estudo de caso parece-nos mais
consistente na medida em que possibilita, em princípio, um olhar mais
aprofundado, dando conta das “variáveis” (elementos contraditórios e
complementares que constituem o fenômeno e dão dinâmica ao processo
educacional) envolvidas. O aprofundamento se dá na medida em que, no decorrer
da pesquisa, se busque ampliar o olhar, ultrapassando nível do “caso” estudado,
90
para inseri-lo no processo histórico (nível macro que o contém e que lhe
conforma).
Como dar conta desses elementos sem operar um necessário recorte
que – dirigindo o olhar – pudesse “aprofundar a descrição de uma determinada
realidade” (TRIVIÑOS, 1987, p. 110).? Ora, isto é o que faz um estudo de caso.
Do ponto de vista do materialismo histórico, isso não significa isolar a
“realidade” selecionada. No processo de análise, através de um contínuo ir e vir, a
parte selecionada se relaciona ao todo – o fluxo da história que nos envolve e da
sociedade em que o processo educação se dá – para, de um lado, explicitar a
própria historicidade de um determinado curso de jornalismo, num país como o
Brasil, no século XXI, presentes todas as circunstâncias, de ordem econômica,
cultural, social e política que constituem o modo de produção capitalista.
Ao mesmo tempo, refletindo o singular, o particular, o todo se explicita,
se revela, se dá. Porque está presente na singularidade, na qual se imbricam
processos que são constitutivos da própria realidade, entendidos aqui como
categorias.
Um fenômeno social é um fato histórico na medida em que é
examinado como momento de um determinado todo;
desempenha, portanto, uma função dupla, a única capaz de dele
fazer efetivamente um fato histórico: de um lado, definir a si
mesmo, e de outro, definir o todo; ser ao mesmo tempo produtor e
produto; ser revelador e ao mesmo tempo decifrar a si mesmo;
conquistar o próprio significado, autêntico e ao mesmo tempo
conferir um sentido a algo mais. Esta recíproca conexão e
mediação da parte e do todo significam a um só tempo: os fatos
isolados são abstrações, são momentos artificiosamente
separados do todo, os quais só quando inseridos no todo
correspondente adquirem verdade e concreticidade. Do mesmo
modo, o todo de que não foram diferenciados e determinados os
momentos é um todo abstrato e vazio (KOSIK, op. cit., p. 40/41)
A adoção de tal perspectiva implica ainda saber que o estudo da
realidade selecionada só se completa – de maneira provisória, porque
historicamente datado – tendo em conta o contexto, o real maior do qual faz parte
e, por isso, reflete. “Esta compreensão mais profunda da unidade do real
91
representa uma compreensão também mais profunda da especificidade de cada
campo do real e de cada fenômeno” (KOSIK, op. cit, p. 37).
Adotar tal procedimento tem também, na nossa perspectiva –
construída a partir da gênese deste estudo, que só se compreende na
singularidade de uma história de vida – um propósito que transcende a questão
rigorosamente metodológica. Trata-se de uma opção política. Escolher um estudo
de caso e optar pela PUC Campinas como objeto é adotar uma “metodologia que,
considerando também o contexto do fenômeno que estuda, privilegia a prática e o
propósito transformador do conhecimento” (TRIVIÑOS, op. cit, p. 125).
Retomando os elementos do que CURY (1995) denomina “momento
educativo”, vejamos como eles poderiam ser pesquisados no nosso caso. As
idéias pedagógicas podem ser percebidas tanto no nível do exame dos
documentos oficiais da instituição sob análise quanto nos discursos dos docentes
e da direção da Faculdade de Jornalismo. Estas mesmas idéias, que entendemos
serem a expressão das intenções educativas, ganham corpo – transformando-se
em objetivos educacionais realizados sob determinadas condições em
instituições, desenvolvidas ao longo de um processo histórico e nele circunscritas,
com seus ordenamentos administrativos, sua estrutura funcional, e através dos
docentes – em suas histórias pessoais de formação, suas experiências como
educadores e pesquisadores e suas práticas no cotidiano das salas de aula.
Essa prática supõe também outros agentes, entre os quais os alunos
que, – com suas diferentes histórias de vida, seus projetos, suas expectativas
profissionais, suas origens sociais (que lhes definem, em grande parte, o capital
cultural com que chegam à universidade) e em interação com professores –
entram em contato com determinados conteúdos, vivenciando determinadas
práticas, resultantes de diversas metodologias de ensino e de diferentes formas
de avaliação. Imbricados nesses aspectos da relação educacional, somam-se as
idéias pedagógicas, as instituições, os agentes educacionais, o material
pedagógico e o ritual pedagógico, citados por CURY (1995) como elementos do
processo pedagógico.
92
Examiná-los, de uma perspectiva que se quer dialética, supõe um
exercício de tomá-los e retomá-los em sua dinâmica, envolvendo pares de
opostos complementares e contraditórios como teoria e prática, intenções e
objetivos, professores e alunos, formação técnica e formação humanística,
objetivos e resultados.
A reflexão a seguir, sobre os objetivos educacionais, é esclarecedora
das complexas relações com que devemos nos debruçar no processo de análise.
Os objetivos, embora se presuma que tenham sido traçados
desde o início, localizam-se na ponta final do processo educativo.
Dizem respeito ao produto educacional. (...)
As intenções, uma vez estabelecidas e colocadas em curso
através da prática pedagógica, podem ser revisadas e
reformuladas à luz dos resultados que forem sendo obtidos. (...)
Mas desde agora – e numa perspectiva severamente
metodológica – podemos verificar que traçar objetivos pensando
apenas em resultados é procedimento ineficiente, porque os
meios (atividades) importam na mesma medida que os fins
(resultados). Meios ineptos fazem fracassar qualquer projeto, por
melhores que sejam os fins visados. Na outra ponta, estabelecer
objetivos com base em atividades significa exatamente o desvio
oposto: valorizar os meios sem configurá-los aos fins. No primeiro,
a primazia é dada ao produto, com esquecimento do processo
produtivo; no segundo, a prioridade vai para a produção, com
olvido do produto.
Entre os dois há o caminho dos conteúdos. Igualmente aqui, se
permanecermos colocando a questão em termos metodológicos,
veremos que o caminho é isoladamente ineficiente. Isto porque o
conteúdo, em metodologia do ensino, é o objeto de uma ação
didático-instrumental orientada para um fim pedagógico. Se o
objeto não tiver conformidade com o instrumento, não será
atingido o fim (CASTANHO e CASTANHO, 1996, p. 57, 64,
68/69).
As reflexões acima sugeriram-nos um conjunto de indagações, quando
temos como problema de pesquisa o papel da formação humanística no
desenvolvimento de um instrumental crítico e reflexivo para atuação do futuro
profissional de imprensa. As condições dadas – desde o nível de organização
administrativa, passando pela formação dos professores e a estrutura curricular
proposta, atingindo a prática cotidiana das salas de aula – propiciam a realização
93
das intenções e dos objetivos? Que distância há entre eles? É superável? De que
forma? Qual a percepção (e internalização ou não) por parte dos docentes e da
direção da faculdade daqueles princípios que se declaram ser perseguidos no
nível do projeto pedagógico quanto ao papel da formação humanística?
Conteúdos e métodos aplicados nas salas de aula são coerentes com as
intenções propostas? Quais objetivos, efetivamente, atingem?
Um estudo de caso “implica descortinar a especificidade, suas
contradições internas, em torno de seus elementos e subprocessos: conteúdo-
método, professor-aluno, planejamento-execução, fins e controle” (OLIVEIRA,
2002, p. 53). E, isso nos obriga a considerar, no exame de intenções e objetivos –
da formulação aos resultados – , as diferentes instâncias (CASTANHO e
CASTANHO, op. cit. p. 61) do sistema educacional brasileiro, passando pela
instituição PUC – Campinas, até chegarmos ao espaço da sala de aula – que
estão envolvidas na formulação e na realização de intenções e objetivos
educacionais.
Para alcançar algumas respostas – provisórias e limitadas aos
propósitos e condições deste estudo – optamos por perseguir dois caminhos. O
primeiro deles diz respeito à análise documental, a qual será detalhada a seguir
(item III.1). E, em um segundo momento, optamos por ouvir os agentes
educacionais envolvidos, a partir de entrevistas, cujos sujeitos, roteiros e seus
respectivos focos e justificativas serão retomados nos itens III.2 e III.3 deste
Capítulo.
Temos consciência de que “a complexidade da trama vital zomba de
todas as simplificações e esquematismos ralos” (MORAIS, 2000, p. 64). Desta
forma, buscamos – ao longo da elaboração dos roteiros de entrevistas e de
análise dos documentos disponíveis proceder um ir e vir da teoria à prática, do
discurso às opções concretas por metodologias, estruturas curriculares e
conteúdos.
No exame do material obtido, valendo-se dos recursos da Análise do
Discurso (AD), o mesmo propósito orientou nosso trabalho, com seus
detalhamentos expostos no item III.4 deste Capítulo. Com a AD problematizamos
94
os depoimentos dos agentes educacionais ouvidos e o teor dos documentos
examinados, aqui também considerados discursos proferidos por sujeitos que
integram instâncias na estrutura universitária.
Em tais situações, as questões do sujeito que diz, das condições em
que diz o que diz, das relações de poder que envolvem os agentes no processo
de educação são aspectos relevantes para a apreensão do sentido do que é dito.
Aqui, a proposta da Análise do Discurso se mostrou rica, na medida em que,
Nesta perspectiva, a análise busca captar conflitos, relações de
poder, constituição de identidade, etc. Sua ênfase é no processo
de construção/desconstrução do discurso, buscando seu sentido
(e não meramente o seu desvelamento) no contexto mais amplo
de uma dada realidade histórico-social (PÁDUA, 2002, p. 29).
A construção de eixos temáticos (item III.5) se deu como etapa final de
análise, após as sucessivas leituras e releituras do material recolhido e supôs
sempre o retomar dos elementos constitutivos do processo educacional e a
natureza das relações complementares e contraditórias que informam (formam) a
dinâmica do fenômeno em questão. Orientou-nos ainda a necessidade, do ponto
de vista teórico-metodológico adotado, de fazer remissão – em todas as fases da
análise – à realidade do jornalismo hoje, nos embates entre o ideal e o real.
Trata-se, num esforço de síntese, de perceber – por meio desses eixos
temáticos, que ordenaram o diálogo entre os sujeitos, o pesquisador e os autores
lidos, e que deu forma ao Capítulo V – como os elementos constitutivos da
realidade se organizam e dão vida ao processo. Busca-se, dessa forma,
compreender o que ocorre, como ocorre e com que resultados.
A compreensão dialética da totalidade significa não só que as
partes se encontram em relação de interna interação e conexão
entre si e com o todo, mas também que o todo não pode ser
petrificado na abstração situada por cima das partes, visto que o
todo se cria a si mesmo na interação das partes (KOSIK, op. cit, p.
42).
95
III.1. Análise documental: escolhas e olhares
Para análise documental, pretendíamos inicialmente examinar:
Síntese do projeto acadêmico
Ementas das disciplinas designadas como componentes do
eixo de formação humanística: Antropologia Teológica A, B e C, História
das Artes, Antropologia Cultural, Economia Contemporânea, Teoria
Política, Psicologia Aplicada e Filosofia.
Planos de aulas/cursos das referidas disciplinas
A tais escolhas corresponderam determinados objetivos (e olhares), os
quais procuraremos esclarecer em seguida. Do ponto de vista da análise do
projeto acadêmico, das ementas das disciplinas e dos planos dos cursos que
compõem o eixo de formação humanística, importava, sobretudo, perceber – no
discurso formulado em tais documentos – aquele plano das intenções (projeto
pedagógico) e dos objetivos (que se concretizam a partir da escolha de
determinados temas e de determinada metodologia).
No plano das intenções, era importante identificar as concepções
subjacentes ao modelo curricular adotado pela PUC – Campinas no que diz
respeito à visão de sociedade, da atividade jornalística (e seu impacto na
dinâmica de poder que rege a sociedade) e do próprio profissional. Em suma, até
que ponto, no nível das intenções, a formação humanística que se pretende se
acha relacionada àquela formação crítico-reflexiva que entendemos – a partir da
reflexão relatada no Capítulo I – fundamental ao exercício profissional. Aqui
lembramos que:
Toda imagem do homem é uma imagem social. Elaborando fins
educativos, opta-se por um modelo, ao mesmo tempo, do homem
e da sociedade (CHARLOT, apud ARAÚJO, 2.000, p. 110).
E que, presente o caráter histórico do processo educacional,
96
Finalidade ou intencionalidade diz respeito à meta ou às metas
que se perseguem. E sempre deve estar envolta por uma
concepção de homem, de sociedade, de mundo, de história, se
não é assim, essas mesmas concepções devem estar implícitas
na perseguição de um dado intento (ARAÚJO, 2.000, p. 96).
Isso significa que os documentos analisados, ainda que específicos a
uma determinada instituição, são sempre relacionados, no olhar que lhes
dirigimos, ao contexto histórico do seu existir aqui e agora e às condições em que
se desenvolveu o ensino de jornalismo no país. Nesse sentido, perguntamo-nos,
repõem eles – e em que medida – as contradições entre a dimensão técnica e a
dimensão humanística da formação do jornalista? Como isto se explicita na lógica
das intenções propostas nestes documentos? Mais que isso, se tomarmos os
planos de curso como um nível de realização prática de tais intenções (tradução
concreta dos objetivos), como se resolve (ou não) a contradição entre essas
dimensões? O proposto se realiza? Como? Quais são os fatores que impedem,
se for o caso, esta realização?
Na dinâmica entre intenções e objetivos, vale lembrar que:
O fim tem natureza filosófica e política, colocando-se sempre no
horizonte das aspirações humanas, ao passo que o objetivo tem
natureza administrativa e programática, situando-se em
dimensões aritmeticamente avaliáveis de tempo, espaço e
recursos envolvidos (SOUZA E SILVA, apud ARAÚJO, 2000, p.
97).
Durante a fase de coleta de dados, não nos foi possível obter os planos
de aula das referidas disciplinas. Apenas os planos de curso foram examinados.
Com tal material à disposição, um outro aspecto poderia ser objeto de reflexão.
Presente o fato de que
Não há conhecimento que possa ser apreendido e recriado se não
se mexer, inicialmente, nas preocupações que as pessoas
detêm... só se conseguirá que decorem (constrangidos e sem
interesse) os conhecimentos que deveriam ser apropriados
(tornados próprios) (CORTELLA, 2003, p. 115/116).
97
Como, a partir de tal afirmativa, os temas propostos podem ser
correlacionados à prática cotidiana do jornalismo? É possível fazer tal correlação?
Que possibilidades de interdisciplinaridade – considerando inclusive as demais
disciplinas ministradas no semestre em que tais textos estão sendo
lidos/discutidos – existem?
O ponto de partida da prática pedagógica tem sido na maioria das
vezes a seleção dos conteúdos (o quê) e os meios (como) e em
terceiro plano ficam os objetivos (por que e para quê). Nessa
pedagogia, quem define os objetivos são os conteúdos. Não há
centramento de conteúdo em função dos níveis e das
preocupações dos alunos, nem desenvolvimento da capacidade
de raciocínio próprio, nem respeito aos pré-requisitos que lhes
propiciem fazer determinadas conexões entre os conteúdos
tratados em sala, e muito menos esclarecimento quanto aos tipos
de mudanças almejadas (VIELLA, 2001, p. 113).
Por isso, o próprio projeto pedagógico do Curso de Jornalismo da PUC
– Campinas salienta que o eixo chamado de formação humanística “não poderá,
contudo, estar dissociado do restante do currículo, com o qual deverá relacionar-
se em via de mão dupla” (Síntese do Projeto Acadêmico, 2004, p. 17). Novamente
perguntamos: é possível fazer essa correlação/integração? Docentes e alunos,
envolvidos no processo, deram o seu depoimento. Nossa análise buscou dar o
contraponto entre o possível e o real em termos desse aspecto e essa reflexão
integra o Capítulo VI, no qual tratamos das possibilidades, dos caminhos e das
alternativas para a realidade observada.
III.2. Sujeitos da pesquisa
Como sujeitos da pesquisa, designados para aplicação de entrevista
semi-estruturada, cujos critérios de organização acham-se expostos no próximo
item deste Capítulo, optamos por ouvir:
98
Direção do Curso de Jornalismo e Direção do CLC – Centro
Linguagem e Comunicação, ao qual se vincula na estrutura da PUC -
Campinas
Professores das disciplinas designadas como integrantes do
eixo de formação humanística (total de 8 – oito).
Professores de disciplinas dos demais eixos de formação
(eixo de profissionalização, com núcleo laboratorial, e eixo de pesquisa).
Também, neste caso, selecionamos 8 (oito) docentes.
Alunos ingressantes no Curso de Jornalismo da PUC -
Campinas (turma de 2007), num total de 10 (dez) alunos, distribuídos
igualmente entre os do turno matutino e noturno.
Alunos concluintes do Curso de Jornalismo da PUC –
Campinas, em igual número aos ingressantes e na idêntica proporção.
Esse número acabou reduzido no processo. Seja por dificuldades de
agenda – de docentes e alunos –, seja porque, a partir de um determinado
momento, os conteúdos dos depoimentos se repetiam, convergiam, destacavam
as mesmas concordâncias e discordâncias. A qualidade das informações obtidas
– em longos depoimentos – e a profundidade das mesmas tornaram, do ponto de
vista da pesquisa qualitativa que empreendemos, ainda significativo ouvir um
número menor de sujeitos (DUARTE, 2002, p. 143/144).
Foram entrevistados 28 sujeitos, assim distribuídos: 2 (dois) gestores
(denominados D1, D2); 6 (seis) professores responsáveis por disciplinas do eixo
de formação profissional e/ou eixo de pesquisa (designados PT1, PT2...); 6 (seis)
docentes de disciplinas do eixo de formação humanística (nomeados PH1,
PH2...); 7 (sete) alunos ingressantes, sendo 5 (cinco) do período matutino – AIM1,
AIM2... - , e 2 (dois) do período noturno – AIN1, AIN2; 7 (sete) alunos concluintes,
sendo 2 (dois) do período matutino (ACM1, ACM2) e 5 (cinco) do período noturno
(ACN1, ACN2...).
Entre os docentes, e por absoluta falta de horário disponível para o
contato pessoal, quatro entrevistas foram feitas por e-mail (um PT e três PH).
99
Para os demais casos, todas as entrevistas – somando 14 (catorze) horas de
gravação – foram transcritas integralmente.
Em qualquer caso foi colhido o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, conforme normas do Comitê de Ética da PUC – Campinas, o qual
encontra-se reproduzido no Anexo I. Acham-se também, nos anexos, um
exemplar de transcrição editada (para eliminar apenas as informações que
poderiam, eventualmente, permitir a identificação dos sujeitos) de entrevista
realizada com um representante de cada sub-grupo do universo de sujeitos
designados (Anexos VII a XI).
No que se refere à escolha dos sujeitos, vale destacar ainda que
procuramos dar conta de ouvirmos todos os agentes (no sentido que CURY
(1995) dá ao termo) envolvidos no processo. A opção por ouvir alunos
ingressantes e concluintes se deve ao fato de que, em termos de expectativas em
relação ao curso de jornalismo e à própria concepção do exercício da profissão e
do papel do jornalismo na sociedade contemporânea, uma comparação entre as
respostas poderia nos fornecer indícios do impacto da formação humanística na
transformação de tais concepções. Além disso, ao selecionarmos alunos dos dois
turnos – aos quais correspondem, habitualmente, origens sociais diversas –
pretendíamos investigar se essas origens diferentes produzem impactos
significativos ou não nas respectivas visões indagadas.
Após prévia autorização de diferentes professores, entramos em
contato com os alunos ingressantes e concluintes e operamos uma seleção dos
voluntários. Com isso, contemplamos alunos bolsistas (funcionários da própria
PUC ou bolsistas do ProUni), alunos que já trabalham na área e alunos que não
trabalham, além de identificarmos estudantes que cursaram ou estão cursando
uma outra graduação. Na análise do material transcrito, esses diferenciais foram
levados em conta.
Relativamente aos docentes, em que pese nosso interesse específico
da formação humanística, entendemos que – até levando em conta as
orientações contidas no Plano Acadêmico do Curso de Jornalismo da PUC –
Campinas quanto à necessária integração entre os diferentes eixos de formação,
100
a qual já salientamos anteriormente – a interdisciplinaridade, o trabalho conjunto e
a adoção de atividades pressupostas nessa integração exigem a participação
também dos professores das demais disciplinas e se relaciona inclusive às
concepções que ambos os sub-grupos têm do jornalismo e seu papel social e das
exigências para formação dos profissionais que irão atuar na área.
Ao selecionarmos os professores, alguns critérios foram utilizados.
Para os que são responsáveis pelas disciplinas do eixo de formação humanística,
foram entrevistados todos aqueles disponíveis para contato na Faculdade de
jornalismo. A disponibilidade se liga à semestralidade adotada na PUC –
Campinas. Já para os docentes vinculados ao eixo de formação profissional e de
pesquisa, optamos por selecionar professores com diferentes tempos de
docência, contemplando aqueles com maior ou menor experiência com a
formação de jornalistas. Tal diferencial também será explorado quando da análise
dos depoimentos.
Quando se pensa uma realidade social, no seu sentido mais amplo, o
pesquisador lida com o território dos conflitos, das diferentes posições.
Contemplar essa diversidade de visões – e colocá-las num diálogo imaginário
como recurso de análise – foi uma estratégia para a confrontação e mais uma
forma que encontramos para ampliar o conhecimento da realidade selecionada
como objeto. A justificativa para tal encontra-se, em detalhes, na abertura do
Capítulo V.
III.3. Roteiros de entrevistas: focos e justificativas
Optamos pela realização de uma entrevista semi-estruturada, cujos
roteiros encontram-se nos Anexos II a VI, com cada um dos sujeitos. Os roteiros,
nas entrevistas semi-estruturadas (ou semi-abertas) indicam um caminho para o
diálogo pretendido.
101
Entrevistas semi-estruturas são o resultado não só da teoria que
alimenta a ação do investigador, mas também de toda a
informação que ele já recolheu sobre o fenômeno social que
interessa, não sendo menos importantes seus contatos, inclusive,
realizados na escolha das pessoas que serão entrevistadas
(TRIVIÑOS, op.cit, p. 146).
Ao elaborarmos o roteiro – sem que ele se constituísse numa camisa-
de-força – buscávamos um diálogo com os sujeitos, aprofundando
questionamentos e desdobrando os tópicos selecionados para abordagem em
várias questões. Fugimos, nesse sentido, do “dirigismo autoritário” (MEDINA,
1995, p. 26). Desejávamos contemplar o imprevisto, o imponderável, o
contraditório às nossas próprias referências. E encontramos, como se verá no
Capítulo V.
Havia que se considerar também que o silêncio fala e que mesmo
quando entrevistados não têm o que dizer sobre uma questão que julgamos
relevante – do ponto de vista de nossas concepções do jornalismo ideal, por
exemplo, ou da integração entre disciplinas – “esta margem de não-ditos também
significam” (ORLANDI, 2000, p. 82). Não-ditos pelo não saber e não-ditos pela
auto-censura.
Direções do discurso que são dadas também pelo lugar do pesquisador
e da relação humana estabelecida por esse contato singular, que também se
constitui em construtor de sentido para aquilo que se diz e também para o que
não se diz.
Cada pessoa tem um determinado horizonte social orientador de
sua compreensão, que lhe permite uma leitura dos
acontecimentos e do outro impregnada pelo lugar de onde fala.
Deste lugar no qual se situa, é que dirige o seu olhar para a nova
realidade. Olhar que se amplia na medida em que interage com o
sujeito. É nesse jogo dialógico que o pesquisador constrói uma
compreensão da realidade investigada transformando-a e sendo
por ela transformado (FREITAS, 2003, p.37).
Com relação aos sub-grupos direções; professores das disciplinas do
eixo de formação humanística e professores dos eixos de formação profissional e
de pesquisa, o roteiro destacou os seguintes tópicos:
102
Histórico de formação / Experiência docente
Concepções do jornalismo – O jornalismo como é, o jornalismo como
deveria ser
Papel do jornalismo na sociedade
Perfil desejado para os jornalistas para o exercício de um jornalismo de
qualidade
Concepções didático-pedagógicas
Papel das disciplinas humanísticas
Critério de escolha de textos e atividades para estas disciplinas
Práticas pedagógicas
Práticas de Integração/Interdisciplinaridade
Crítica e auto-crítica
Já para os alunos ingressantes e concluintes, os focos do roteiro de
entrevista foram:
Histórico de formação
Perfil sócio-econômico e cultural
Concepções do jornalismo – O jornalismo como é, o jornalismo como
deveria ser
Papel do jornalismo na sociedade
Expectativas prévias quanto à formação
Avaliação da formação recebida
Saberes e competências necessários ao exercício profissional para um
jornalismo de qualidade
Papel das disciplinas humanísticas
O que foi importante na formação
Sentido do conhecimento assimilado
Práticas pedagógicas
Práticas de Integração/Interdisciplinaridade
No que se refere às entrevistas com docentes e direção, o roteiro
pretendeu investigar de que maneira o histórico pessoal (formação e experiência
103
docente) influencia as concepções e as práticas docentes. As diferentes
concepções sobre o jornalismo e seu papel se revelam fundamentais no sentido
de perceber até que ponto elas são coerentes com as intenções expressas no
projeto pedagógico e de que forma elas orientam (ou não, provocando um
distanciamento entre teoria e prática) as atividades desenvolvidas. As concepções
a respeito do papel da formação humanística e os critérios quanto à escolha dos
textos e das metodologias a adotar pretenderam verificar até que ponto tais
disciplinas estão sendo vistas como o arcabouço teórico que informa/forma um
potencial crítico e reflexivo ou se reduzem a um mero rastro da “cultura geral”,
sem qualquer sentido para o exercício profissional. No que tange às práticas
desenvolvidas, buscou-se identificar as condições de realização dos objetivos que
a instituição propõe e que os próprios docentes ressaltam (ou não). O mesmo
critério valeu para definir como foco as práticas de integração/interdisciplinaridade
existentes. A esse respeito, vale destacar a incisiva observação de Dermeval
Saviani:
É o uso dos métodos adequados que irá impulsionar os conteúdos
curriculares na direção dos objetivos propostos... Na relação
dialética objetivos-currículo-métodos (,...) cada um desses
elementos é a um tempo condição e conseqüência do outro, o
que quer dizer que eles se contrapõem e se compõem num todo
único (SAVIANI, apud CURY, 1995, p. 111) (Grifo nosso).
Quanto aos alunos, ao lado do necessário contraponto às posições
declaradas e aos relatos de práticas assumidas pelos docentes e pela direção, foi
importante realizar, na medida do possível, um inventário de memória das
percepções dos alunos sobre a formação recebida (no caso dos concluintes) e
ouvi-los quanto às suas expectativas (no caso dos ingressantes). Em ambos os
casos, o legado da formação que já receberam (dado pela educação formal e pela
sua origem sócio-econômica) nos parece um elemento fundamental para precisar
até que ponto, numa sociedade que cada vez mais se deixa reger pela lógica do
mercado, esse ambiente cultural e ideológico não estaria “formatando” os
estudantes e dificultando-lhes a percepção da importância da formação
humanística. Em poucas palavras, até que ponto o modelo neoliberal (e todos os
seus desdobramentos ideológicos) não estaria retirando do horizonte dos futuros
profissionais uma visão mais crítica da própria profissão que escolheram,
104
reduzindo-a a uma mera técnica? Nesse sentido, tanto no caso dos docentes,
quanto no dos alunos,
Estamos concebendo educação em sentido amplo, isto é, como
aprendizagem de maneiras de pensar, de sentir e de agir que se
dão no interior de uma determinada sociedade. (ARAÚJO, 2000,
p. 92).
III.4. Recursos de análise
A seleção da Análise do Discurso para o exame do material obtido com
as entrevistas e com os documentos “oficiais” do curso de jornalismo da PUC –
Campinas (eles também considerados discursos) foi feita tendo em vista ser o
método uma vertente do próprio materialismo histórico-dialético, com o qual
procuramos orientar nosso percurso de estudo.
Para a Análise do Discurso
o sentido não existe em si, mas é determinado pelas posições
ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que
as palavras são produzidas. As palavras mudam de sentido
segundo as posições daqueles que as empregam. Elas tiram seu
sentido dessas posições, isto é, em relação às formações
ideológicas nas quais essas posições se inscrevem ( Eni Orlandi e
Eduardo Guimarães, 1988, apud PÁDUA, 2002, p. 27).
Com esse horizonte, é importante destacar alguns aspectos.
Primeiramente não podemos nos esquecer que “as situações nas quais se
verificam os contatos entre pesquisador e sujeitos da pesquisa configuram-se
como parte integrante do material de análise” (DUARTE, 2002, p. 145).
O esclarecimento “livre e consentido” dos entrevistados estabelece
entre o pesquisador e os sujeitos uma formação imaginária (ORLANDI, 2000,
p.40). Isso significa que entra em jogo, na produção do sentido, um conjunto de
imagens; “a imagem que o locutor faz da imagem que seu interlocutor faz dele, a
imagem que o interlocutor faz da imagem que ele faz do objeto do discurso e
assim por diante”. Isso posto, o discurso não se torna absoluto, fechado em si,
105
como um sentido para sempre determinado. Ele se dá no contexto de jogo de
imagens, produzido pela situação dada de investigação, mas também pelas
possíveis futuras leituras das quais serão objeto os mesmos discursos. Porque –
enquanto pesquisa acadêmica – o discurso dos entrevistados também supôs
estes interlocutores potenciais.
É precisamente o entendimento de que o pesquisador, em um
dado campo de análise, é co-construtor dos sentidos produzidos
que se alteram a partir do lugar em que ele se situa e de sua
postura de interlocutor em uma determinada situação de pesquisa
(ROCHA, 2005).
É importante lembrar ainda que “na superfície dos enunciados são
materializadas contradições, latejam litígios e disputas, que, pelo artesanato da
ideologia, são ou estão permitidos de circular ou indesejáveis de serem ditos”
(SOUSA ROMÃO, 2005), fatos que o analista deve considerar no seu trajeto.
Por isso, às vezes podemos dizer uma coisa em um lugar, para
uma pessoa, e não podemos dizer a mesma coisa em outro lugar,
para outra. Porque sob uma determinada configuração ideológica,
que diz respeito ao lugar que ocupamos e ao papel que
representamos, nos é permitido dizer isto, mas não aquilo
(MACHADO, 2001, p.2).
Do ponto de vista operacional, o percurso da Análise do Discurso
supõe um caminho que vai do texto para a formação discursiva (aquilo que pode
ou não ser dito) e daí para a formação ideológica mais ampla, que é dada pelo
caráter sócio-histórico do contexto.
No entanto, a leitura dos discursos deve levar em conta também aquilo
que, não-dito, se encontra, de alguma forma subentendido ou pressuposto. Vale
distinguir pressupostos (que são semânticos, derivando diretamente da
linguagem) e os subentendidos, que dependem do contexto, no que se incluem
desde as relações de poder (e de não-poder) que são expressas ou não, até as
dimensões ideológicas que, no caso da educação e do jornalismo, têm
importantes desdobramentos. É nesse sentido que é preciso atentar para as
premissas subjacentes, entendidas como “idéias necessárias para
106
compreendermos adequadamente o significado do que é dito” (CARRAHER,
2003, p. 81).
Consideradas tais dimensões presentes nos discursos, é importante
salientar que o sentido é algo que se constrói em processo – comportando, como
já assinalamos, inclusive o diálogo estabelecido com os entrevistados. No limite, a
leitura que fazemos – e o sentido que nela se constrói – é uma entre as muitas
possíveis, tendo em conta todos os lugares discursivos que podemos ocupar.
Indivíduo e sujeito não são a mesma coisa. Um indivíduo se
fragmenta em muitos sujeitos, e é o sujeito que fala – e fala de um
lugar determinado. O mesmo indivíduo é cindido em diversos
sujeitos, que se formam no interior do processo discursivo e que
podem se movimentar de acordo com a maré (MACHADO, op.cit.,
p.2)
Finalmente destacamos que – presente a natureza deste trabalho, uma
dissertação de Mestrado em Educação – a Análise do Discurso é, aqui, um
caminho que se utiliza não de forma exaustiva, o que se exigiria se tivéssemos
como foco exclusivo o discurso pedagógico, por exemplo. Além disso, fazer tal
análise, quando se reuniram tantos documentos e tantas entrevistas é, do nosso
ponto de vista, impossível nas condições dadas pela própria organização dos
programas de pós-graduação no país, ao estabelecerem o prazo máximo de 30
(trinta) meses para conclusão de créditos e defesa no nível de Mestrado.
Com isso, pretendemos ressaltar que a AD, enquanto recurso
escolhido, é a sinalização dos aspectos a que devemos referir as palavras
ditas/lidas, no sentido de relacioná-las sempre a um contexto histórico que já
delineamos, com todas as contradições exploradas nos dois primeiros capítulos
desse trabalho. A Análise do Discurso nos permite ouvir e ler tais palavras como
uma dimensão a mais no recorte que fizemos da realidade e tendo sempre
presente o problema de pesquisa destacado: a formação humanística no Curso
de Jornalismo.
É na contínua referência à prática jornalística – e suas diferentes
facetas e implicações – e à prática educacional desenvolvida na formação dos
jornalistas – tendo como direção do olhar a formação humanística de tais
107
profissionais – que os sentidos do dito/relido se constroem. Outros sentidos
seriam construídos, por exemplo, se fossem outras as referências e se fosse
outra a direção do nosso olhar.
III.5. Eixos temáticos
A partir das sucessivas leituras do material coletado – entrevistas e
documentos – optamos pela constituição de eixos temáticos. Pesquisar é uma
ação orientada, um ir ao encontro do mundo. Eles se constituem, nesta etapa de
análise, “num ato de decifração possível perante a complexa rede de forças que
atua sobre o fato” (MEDINA, 1995, p. 33).
Esses eixos temáticos, que ordenaram a análise exposta no Capítulo
V, apenas se justificam como categorias de conteúdo: “recortes particulares que
são sempre definidos a partir do objeto e da finalidade da investigação”
(KUENZER, 1998). Estabeleceram-se não pelo conteúdo em si dos depoimentos,
mas pelo sentido que vem orientando nosso olhar sobre o problema da formação
humanística no curso de jornalismo. O material transcrito é, pela sua riqueza,
fonte para diversas outras análises.
Enquanto operamos nosso ir e vir do ideal de jornalismo para o
jornalismo real, algumas dimensões foram se destacando, sob a forma de
perguntas que não querem calar. Afinal, o que é ser jornalista? Para que ser
jornalista? E que tipo de jornalistas nós queremos ser? A universidade, faz o quê?
Como se resolve a contradição entre o ideal e o real no processo de ensinar a e
aprender a ser jornalista?
Colocadas tais questões numa perspectiva que considera a educação
inserida na realidade histórica – na qual se explicitam contradições – os eixos
temáticos buscaram contemplar o real e o ideal, os limites e as brechas, a teoria e
a prática. Forneceram uma trilha para construirmos um encontro imaginário dos
diferentes interlocutores – agentes do processo.
108
Os eixos temáticos definidos foram: ser jornalista, jornalistas que
queremos ser, ensinar jornalismo, aprender jornalismo. Como senha para indagar
a materialidade dos discursos produzidos ficou a questão da formação
humanística, na qual, do nosso ponto de vista, se expressam – no embate das
diferentes posições – os limites e as possibilidades dadas, tanto do ponto de vista
do ensino quanto da prática do jornalismo.
109
IV - NO PAPEL, UM PROJETO:
O CAMINHO PROPOSTO PELA PUC-CAMPINAS
Nosso olhar se dirige agora para o discurso oficial da PUC – Campinas.
Assim denominamos aqueles documentos que expressam o ponto de vista da
instituição – em seus diferentes níveis: Reitoria, Centro de Linguagem e
Comunicação e Faculdade de jornalismo – sobre o tema que aqui nos interessa: a
formação humanística do jornalista dentro do contexto que já expusemos nos
Capítulos anteriores.
Com tal propósito foram examinados os seguintes documentos:
a) Primeira versão do novo Projeto Acadêmico de Jornalismo da PUC –
Campinas, 2001, com 111 páginas;
b) O caderno denominado “Jornalismo 2004 - Síntese do Projeto
Acadêmico” – CLC – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, com 42
páginas;
c) as ementas das disciplinas que compõem o “eixo de formação
humanística, com práticas de formação”, conforme denominação constante da
versão 2004 do projeto acadêmico: Sociologia, Antropologia Teológica A, B e C,
História das Artes, Antropologia Cultural, Economia Contemporânea, Política
Contemporânea, Psicologia Aplicada, Filosofia.
d) Relatório CLC de Atividades G8 – Pesquisa de Avaliação e Reflexão
sem matriz curricular (parcial), janeiro 2006.
Todos os documentos foram obtidos junto à direção do CLC e da
Faculdade de Jornalismo da PUC – Campinas.
Há diferenças entre os documentos no que se refere às disciplinas
humanísticas, desde a concepção inicial do Projeto Acadêmico (PA) até o
documento mais recente, o relatório G8. Elas se explicitarão ao longo deste
Capítulo e, na dinâmica das relações de poder que se dão no interior da própria
110
universidade, ganham importância adicional. Por isso, serão retomadas também
quando, no Capítulo V, tratarmos das concepções e visões dos diferentes agentes
educacionais.
No PA formulado em 2001 se encontram, na seqüência, o histórico;
justificativas e objetivos; fundamentos: políticos-institucionais, epistemológicos e
técnico-pedagógicos; objetivos gerais e específicos: formação profissional,
exigências e expectativas; estrutura curricular: elenco de disciplinas, objetivos e
distribuição e infra-estrutura requerida. Destaque-se também que se trata do
resultado de um processo coletivo, envolvendo a realização – ainda em 1999 – de
dois seminários (externo e interno), com ampla participação de professores e
alunos. O próprio documento é escrito “a várias mãos”, figurando em sua
apresentação o nome dos “autores” dos textos, e incorpora a visão que a
Faculdade de Jornalismo tinha do curso na época dessa formulação.
Do ponto de vista do foco da pesquisa empreendida, a questão
histórica já se encontra contemplada no Capítulo II, no qual as sucessivas
mudanças curriculares foram tratadas. Não examinaremos detidamente também a
questão de infra-estrutura, no que se refere ao aparato tecnológico exigido para o
desenvolvimento do ensino de jornalismo (estúdios, computadores, ilhas de
edição, etc.).
A síntese do PA (2004) é documento já validado em instâncias
superiores à Faculdade de Jornalismo e ao CLC e, como poderemos observar,
restringe o alcance das transformações pretendidas em 2001. As ementas, de
responsabilidade dos professores das disciplinas do eixo de formação
humanística, são aquelas aprovadas pela direção da Faculdade e do Centro a
que ela que se vincula.
Já o Relatório G8 aparece como responsabilidade de um grupo de
docentes/gestores e incorpora orientações da Pró-Reitoria de Graduação
(PROGRAD), além de incluir os resultados de uma pesquisa feita junto aos alunos
concluintes de 2005 (a primeira turma a graduar-se com o curso no novo formato).
111
Do ponto de vista do nosso exame, embora os documentos (a) e (b)
sejam denominados “Projeto Acadêmico”, consideramos que se trata de Projeto
Político-Pedagógico, conceito que – para nós – abrange melhor o seu significado.
O projeto político-pedagógico de um curso (qualquer que seja)
terá de fazer opções, definir intencionalidades e perfis
profissionais, decidir sobre os focos decisórios no currículo
(objetivos, conteúdo, metodologia, recursos didáticos e avaliação),
analisar as condições reais e objetivas de trabalho, otimizar
recursos humanos, físicos e financeiros (VEIGA, 2000, p. 183).
Na análise empreendida foram considerados os pressupostos e
aspirações assumidas no PA (PPP) e o lugar que ali ocupa a formação
humanística. Examinamos também formas de realização das intenções
expressas, uma vez que entendemos as ementas/planos de curso como um nível
de realização de objetivos, elaborados e realizados em uma outra instância do
processo educacional, conforme conceituação proposta por CASTANHO e
CASTANHO (1996), sobre a qual já nos referimos. Finalmente e tendo em conta o
conteúdo específico do Relatório G8 – o qual dá conta de um outro momento na
história do Curso de Jornalismo da PUC Campinas –, nos perguntamos sobre as
condições atuais, lugares de chegada nesta trajetória iniciada em 1999, quando
começaram os encontros para discutir a mudança curricular.
Este exame procurou – lendo as entrelinhas dos discursos e sempre
tendo em conta o lugar ocupado por quem “fala” (escreve) – identificar as
contradições entre teoria e prática já neste nível documental; entre intenções e
objetivos; entre ênfase tecnicista e humanística. Contradições que observamos ao
longo do desenvolvimento da prática jornalística e do ensino de jornalismo no
Brasil e que se repõem – neste nível específico da realidade.
Ainda com relação à formação humanística, expusemos entraves e
possibilidades que o PA (PPP) oferece. Esse tema será retomado – somando-se
as contribuições observadas e/ou oferecidas pelos entrevistados – no Capítulo VI.
112
IV.1 Lugar de partida: pressuspostos e aspirações
“Tudo está em relação com tudo.
Nada está isolado, existindo solitário,
de si para si. Tudo co-existe e inter-existe com
todos os outros seres do universo”
Leonardo Boff
Incluídas nas entrelinhas de qualquer PA (PPP), estão presentes
realidades que extrapolam a sua localização, no tempo e no espaço. Isso porque
“ele é parte de um projeto institucional, que é parte de uma universidade, que é
parte de um sistema de educação, que é parte de um projeto de sociedade”
(VEIGA, 2000, p. 188).
Assim, nossa exposição irá percorrer tal trajeto, indo do local para o
global e do global para o local. Quando falamos em projeto institucional é preciso
salientar o significado do adjetivo “católica” na denominação da PUC Campinas,
porque ele tem implicações.
Afirma o Estatuto da PUC (apud PA, 2001):
Como universidade católica, é um centro de construção e
transmissão do conhecimento, consagrando-se sem reservas à
causa da verdade, a serviço da vida e da dignidade da pessoa
humana, buscando, de modo permanente, o diálogo entre a ética,
a ciência e a técnica.
O mesmo documento destaca:
A PUC Campinas, na condição de Instituição de Ensino Superior
Católica, requer uma formação para o aluno que seja sustentada
não somente no aspecto técnico-profissional, mas também numa
sólida formação humanístico-cristã. Neste sentido, o curso de
jornalismo tem atendido a esta solicitação com seu projeto
pedagógico, por meio da formação do aluno sustentada em três
eixos básicos, a saber, a formação humanístico-cristã, ética e
profissional de qualidade (PA, 2001, p.40).
113
Diz ainda o documento da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil, “Educação, Igreja e Sociedade”, de 1992, que “os educadores são
desafiados a descobrirem caminhos novos para o uso alternativo dos meios de
comunicação social” (apud PA 2001, p. 36). Na mesma versão do PA, destaca-se
nos objetivos (p. 42): “colaborar para o desenvolvimento da solidariedade, à luz
do Evangelho, especialmente no campo sócio-cultural”.
“As instituições pedagógicas são organizações elaboradoras e
difusoras das concepções de mundo, por meio das idéias pedagógicas (CURY,
op. cit., p. 94). Ao fazer a crítica à sociedade contemporânea, a Igreja Católica
ressalta a questão da injustiça, mas não ousa – pelo menos em sua visão oficial –
pedir transformações profundas na estrutura social. Ao desejar contribuir na
construção de um “mundo mais justo, fraterno e livre” (PA, 2004, p. 3) – no qual o
jornalista terá um papel – o fará com tais limitações. O próprio adjetivo “católica”
significa “que tem vocação de universalidade”, sem distinção de raça, cor e classe
social. Isso implicou historicamente (e implica) – no sentido que aqui nos
interessa – uma concepção “conciliadora” do conflito (contradição) entre capital e
trabalho. Concepção que se traduziu na Doutrina Social da Igreja, formatada a
partir do pontificado de Leão XIII, com a Encíclica Rerum Novarum, publicada em
15 de maio de 1891.
Não obstante tais limites (ontológicos à Igreja Católica), há uma
dimensão utópica em relação à sociedade e que se acha presente também no
próprio desafio que a CNBB lança aos educadores. Há, portanto, uma crítica à
forma como os meios de comunicação estão formatados e aos conteúdos que
divulgam (ainda que tal crítica possa, muitas vezes, reduzir-se apenas ao sentido
moralizante). Nesta visão da PUC – Campinas está também implícita a idéia de
que a educação tem um determinado horizonte a perseguir, com implicações que
atingem o Curso de Jornalismo ou qualquer outro curso.
Implicações traduzidas na pretensão de uma formação que extrapole o
âmbito meramente técnico-profissionalizante.
A formação técnica por si só não pode ser eficaz senão for
acompanhada se sólida formação política; o aluno deve ter
suporte humanístico que o conscientize de seu compromisso
social e de seu papel como sujeito no processo de conhecimento.
114
Precisa ser crítico, capaz de reconhecer, julgar e responsabilizar-
se pelas suas atitudes. Também precisa ser consciente da
realidade que o cerca, conhecer o seu contexto. Só assim ele será
capaz de agir como sujeito que é. A formação política deve ser
acrescida da formação filosófica, na qual se completará a
formação do sujeito capaz de refletir seus atos e sua realidade,
dando-lhes um sentido e significado para sua existência (PA,
2001, p. 40/41).
Com essa base tríplice, qual é o perfil do profissional que se pretende
formar no Curso de Jornalismo da PUC – Campinas? Fala o PA:
Formação de um profissional que atue positivamente na
transformação do mundo em que vive, buscando a redução do
grau de desigualdades sociais e o estabelecimento de uma
sociedade mais justa, fraterna e livre (PA, 2004, p. 16).
Aqui se pretende um agente crítico dotado de ampla capacidade
reflexiva acerca dos temas que se inserem ao seu redor (PA,
2004, p. 19).
Estes perfis reiteram a dimensão “transformadora” – ainda que guiada
pelo discurso da Igreja Católica – e renovam a necessidade de uma formação
humanística como condição para sua realização.
Até aqui falamos de princípios gerais. Quando o PA (PPP) aproxima-se
da realidade do jornalismo – e da necessidade de preparar alunos para atuarem
no mercado de trabalho – as contradições afloram e revelam o contexto mais
amplo, do modo de produção capitalista, do jornalismo nesta sociedade e do
jornalista que nela trabalha. E se repõem os mesmos impasses que observamos
no cotidiano dos jornalistas (Capítulo I) e na formação de tais profissionais no
Brasil (Capítulo II).
Ao apresentar o “perfil multimídia e generalista” que pretende, o PA
(2004, p. 5) faz uma crítica ao documento formulado pela Comissão de
Especialistas em Comunicação Social montada pelo Ministério da Educação e
que dá as diretrizes para a reforma curricular empreendida pela PUC. Afirma a
síntese do PA: “o documento faz pouca ou quase nenhuma referência sobre a
115
adequação deste profissional a um modelo de sociedade, organizado em torno do
mercado, do consumo e da tecnologia“. E passa então a descrever o que
chamaremos aqui de “mercado de trabalho”, no qual se explicitam algumas visões
da atividade jornalística e das habilidades necessárias ao profissional.
A concepção de jornalismo defendida pelo PP (2001, p. 49-51) destaca
a especificidade do campo jornalístico, contrapondo-se à tendência ainda
presente na Comissão de Especialistas de um “comunicador social” (conceito
que, como vimos, tem sua origem no CIESPAL).
Afirma o Projeto Acadêmico:
O jornalismo não visa, por princípio de ação, a venda de
mercadorias, nem o convencimento de seus públicos, jamais
procurando – por razões éticas – apelar aos fatores inconscientes
de seus leitores, ouvintes ou espectadores.
O jornalismo, por seus propósitos e características fundantes, tem
plenas condições de sustentar seus compromissos básicos nos
mais diferenciados modelos de sociedade. Ou seja, sua
identidade sobrevive dentro e fora da sociedade de consumo, tal
qual o concebemos no caso brasileiro.
Sua função (do jornalismo) seria “a difusão objetiva de fatos
através da informação e da interpretação dos acontecimentos que
são notícia” (conforme definição proposta por José Luiz Martinez
Albertos, teórico espanhol, em 1977).
Para o jornalismo, não há clientes; o que há é a notícia, ou a
informação de interesse público.
Todas essas distinções visam identificar a especificidade do Jornalismo
em relação à Publicidade, abrigada sob o mesmo “guarda-chuva” da
Comunicação Social. Mas o documento vai ainda mais longe:
O jornalismo é uma maneira própria de produzir conhecimento,
que possui igualmente uma maneira diferenciada de o reproduzir,
vinculada à função de comunicação que lhe é inerente. “O
jornalismo não apenas reproduz o conhecimento que ele próprio
produz, reproduz também o conhecimento produzido por outras
instituições sociais (Meditsch, 1998)” (PA, 2001, p. 37).
E continua, ainda na mesma página:
116
O jornalismo, capaz de revelar aspectos da realidade que
escapam à metodologia das ciências, “por outro lado, é incapaz
de explicar por si mesmo a realidade que se propõe a revelar”
(Meditsch, 1998). Assim, não se deve em absoluto abandonar a
perspectiva humanista, e de formação teórica geral do profissional
jornalista, sob pena de se privilegiar apenas os aspectos técnicos
descritivos de uma determinada realidade, sem levar em conta a
formação básica interdisciplinar que permite ao aluno o
desenvolvimento de um corpo de conhecimento de outras áreas
do conhecimento (sic), que formam o substrato científico do
jornalismo (PA, 2001). (Grifo nosso)
E, para finalizar, o PA (2001, p. 38), recorre outra vez a Meditsch
(1998):
Considerar o jornalismo como modo de conhecimento implica
também em aumentar a exigência sobre a formação profissional
dos jornalistas, que deixam de ser meros comunicadores para se
transformarem em produtores e reprodutores de conhecimento.
Tendo tal definição de jornalismo como base (PA 2001), chegamos à
síntese (PA 2004) da qual consta a denominação “perfil multimídia e generalista”
para o profissional pretendido (p. 5). O mesmo documento se volta então à tarefa
de caracterizar o mercado de trabalho para o qual a PUC – Campinas deve
formar este profissional.
Nos termos do documento (páginas 5 a 10), o mercado impõe a lógica
da produção e da recepção das notícias e encontra-se marcado por alguns
fenômenos: revolução tecnológica; globalização e, ao mesmo tempo, o
surgimento de “tribos” com demandas específicas; crescente desregulamentação
das relações de trabalho com predominância de atividades “free-lancer”, nas
quais não há vínculo legal entre o jornalista e o empregador; constituição de um
mercado de informação e a segmentação dos veículos de comunicação.
Nesse contexto, no qual o jornalista passa a figurar na condição de
mediador entre a informação (disponível em abundância) e o público – e aqui se
omite a dimensão de produtor de conhecimento, já referida –, a PUC se impõe
alguns desafios (PA, 2004, p.9):
117
Ensinar o “velho e bom jornalismo” – entendido como
domínio do processo de apuração, redação e edição
Domínio das ferramentas e recursos da informática
Acompanhar as tendências do mercado
Ser e criar um laboratório de práticas jornalísticas
Tal conjunto de desafios, no seu conjunto e na sua dinâmica, apresenta
possibilidades e riscos, a depender do viés orientador das ações, principalmente
no campo das realizações, o plano concreto dos objetivos, nas diferentes
instâncias da universidade. Reflitamos sobre algumas das implicações.
Em primeiro lugar, “acompanhar as tendências do mercado” pode se
desenvolver de duas maneiras. Pode ser a crítica a essa tendência, mas pode
eliminar toda a intenção transformadora, quando acompanhar equivaler a seguir.
Da mesma maneira, ao buscar “superar a separação entre teoria e
prática profissional” (PA, 2004, p.15), se pode – a depender da concretização que
se dê a tal intenção – fazer o contraponto com a pressão mercadológica ou se
reduzir a crítica àquilo que seria errado do ponto de vista estritamente
mercadológico.
Do mesmo modo, o PA, ao destacar o espaço para os profissionais
empreendedores – dado pela diversidade de “tribos” e pela própria necessidade,
diante da escassez de vagas de emprego formal –, o documento ressalta que as
“pequenas corporações” (p.9) teriam mais agilidade para “atender a diferentes
demandas”. Estabelece, na leitura que fazemos, uma perigosa sinonímia entre
cidadão e consumidor. Atente-se, nesse sentido, para o trecho a seguir:
Trata-se de um cidadão que, cada vez mais, tende a querer
ampliar o seu horizonte de liberdade, aumentar suas áreas de
circulação física e ter uma maior oferta de bens e serviços à sua
escolha. Escolha esta que se fará, quer se queira ou não, com o
auxílio da comunicação, seja de caráter jornalístico utilitário ou de
divulgação institucional (PA, 2004, p. 8).
Ainda que o documento ressalte que o sentido de empreender deva ser
o de abrir campos, fomentar iniciativas, atender a anseios da comunidade e usar
118
a comunicação para reunir as pessoas em torno da construção de um mundo
melhor – pregando, nesse sentido, o exercício de um jornalismo comprometido
socialmente – o risco existe ao se confundirem necessidades de cidadania com
apelos gerados numa sociedade regida pelas leis do mercado, na qual liberdade
tornou-se sinônimo de possibilidade de escolher entre vários produtos o que mais
lhe agrade ou satisfaça. Afinal, somos todos livres. “Livres para consumir, desde
que consumamos”.
Especificamente com relação à formação humanística, destacamos
que ao assinalar o desafio de ensinar “o velho e bom jornalismo” , ressaltou-se
apenas a sua dimensão técnica, sem qualquer ênfase àqueles princípios que
exaustivamente debatemos no Capítulo I e nem àqueles que o próprio PA, na sua
versão primeira, destacou, ao qualificar o jornalismo como uma forma de
conhecimento do mundo que não pode prescindir da formação humanística.
Ainda com relação ao perfil pretendido para o jornalista formado pela
PUC - Campinas, um último aspecto deve ser destacado da leitura que fizemos
do Projeto Acadêmico. Trata-se de “princípios a serem abraçados pelo
profissional”, conforme descritos nas páginas 10 e 11 (PA, 2004):
Agregar leitores
Melhorar a comunicação com o público
Consolidar o compromisso básico de preservar a liberdade
e aumentar esta liberdade
Ser um agente cultural para agir – pro-ativamente – para
superar as contradições da sociedade brasileira.
Todos princípios positivos, apontando para a responsabilidade do
profissional. Mas há alguns problemas. Ao buscar melhorar a comunicação com o
público – se nos ativermos a “acompanhar as tendências do mercado” – que
novos leitores formaremos? E se queremos consolidar e ampliar a liberdade –
inclusive “nas práticas empresariais, visto que a comunicação social, no mundo
contemporâneo – é fruto de uma prática empresarial (PA, 2004, p. 11)” –, como
superaremos as contradições da sociedade brasileira?
119
Completando o quadro de riscos presentes nas concepções
apresentadas no novo projeto de curso, – a depender do encaminhamento
concreto que se dê às atividades didático-pedagógicas e, como veremos, ao lugar
que, de fato, ocupará a formação humanística –, o PA (2004, p. 16) destaca uma
iniciativa que considera “determinante para sua atualização permanente segundo
as demandas circunstanciais”: o Núcleo de Disciplinas Laboratoriais e de Práticas
Profissionais, “que pretende levar a pesquisa à área laboratorial e estender uma
inédita conexão com o mercado de trabalho, firmando parcerias com instituições
externas à Universidade, sob supervisão docente”.
Tal iniciativa guarda, do nosso ponto de vista, uma contradição de alto
risco: ele é orientado de fora (da demanda circunstancial formulada por
empresas) para dentro e não de dentro para fora. Ela se coloca, pelo menos
potencialmente, a serviço da reprodução da lógica do mercado e não de um
jornalismo como forma de conhecimento, capaz de agregar novos leitores e de
formar cidadãos.
Ressalte-se que este núcleo, vinculado ao eixo profissionalizante, tem
a propriedade de ser “a convergência prático-profissional dos três eixos
curriculares” (PA, 2004, p. 20). A proposta é fazer “um laboratório reflexivo, que
seja a síntese do modelo de jornalismo que se deseja ver consolidar-se no curso
e se propagar na sociedade.”
Ocorre que, conforme relatado no próprio PA (2001, p, 39), o
direcionamento do Projeto Experimental (que integra o núcleo, equivale ao
trabalho de conclusão do curso – TCC e dispõe de 306 horas-aula na distribuição
proposta pelo projeto) para a modalidade vídeo “ocorre pelas perspectivas de um
mercado promissor”. O texto refere-se à TV a cabo, com número crescente de
assinantes e canais. Ora, vimos até aqui que o modelo hegemônico – a televisão
– tem sido um dos responsáveis pela perda da dimensão “conhecimento do
mundo” na informação. Deixar-se levar pela “onda” é, do nosso ponto de vista,
assumir a possibilidade da reprodução pura e simples do que está dominando na
lógica do mercado.
120
Ao reconhecermos, no projeto sob exame, uma dimensão utópica –
delineada pela intenção de se produzir um jornalismo diferenciado, comprometido
com uma sociedade melhor – e os riscos da reprodução dos modelos vigentes no
mercado da informação, impostos por vínculos – teias que o cercam,
determinações estruturais da educação superior na sociedade capitalista – a
reflexão a seguir fica como um caminho e um alerta.
A educação superior, como manifestação do social mais amplo,
vive as tensões entre o conhecimento como forma de realização e
enriquecimento do espírito humano e o conhecimento rentável,
utilizável, finalizável, aquele que é produzido em vista de algum
interesse definido pelo mercado; entre a preservação de si mesma
e as demandas externas; entre o local, nacional, singular e, de
outro lado, o mundial, inter ou transnacional, as relações globais;
entre as urgências imediatas e as demandas de longo prazo; entre
emancipação e controle, ou seja, entre, de um lado, a prerrogativa
de se afirmar segundo valores que concebe a partir de sua
autonomia, e, de outro, as pressões heterônomas (DIAS
SOBRINHO, 2005, p. 132).
IV.2 A bagagem proposta
Examinemos agora as implicações da proposta contida no PA (PPP),
no que se refere aos conhecimentos considerados relevantes para a formação do
profissional cujo perfil detalhamos anteriormente. Os eixos de formação, conforme
PA (2004, p. 16), são denominados: eixo de fundamentação humanística, com
práticas de formação; eixo de pesquisa e eixo de profissionalização com núcleo
laboratorial.
Subjacente a tal organização está um princípio epistemológico, uma
concepção de ciência que se quer ver estudada/produzida, uma escolha por um
determinado modelo de currículo. E de tais aspectos resulta um “lugar” para a
formação humanística – entre outras dimensões (fora dos objetivos de nosso
estudo).
121
Para a PUC – Campinas (PA, 2001, p. 42),
O conhecimento é uma atitude (prática), resultante de uma
produção que se constrói num processo no qual se estabelece o
conhecimento, transmitido por meio da relação entre educador e
educando que é permeada pela realidade de ambos.
Tal definição funda-se
na perspectiva epistemológica dialética que defende o
conhecimento como uma contínua construção social que é
estabelecida e estabelece relações de poder na sociedade, o que
confere ao conhecimento um determinado papel e função sociais
(PA, 2001, p. 42).
Aceitar tal definição implica também reconhecer, no terreno da
definição das prioridades, dos enfoques e da relação entre os diferentes eixos da
formação do jornalista, uma região de conflito.
A dificuldade da questão consiste exatamente no fato de ser a
educação uma das mais importantes mediações das relações
sociais conflitivas. Conseqüentemente, a formulação de seus
objetivos integra essa área de turbulência que é a arena da luta
social e tudo quanto lhe diz respeito deve ser entendido à luz da
categoria básica da contradição (CASTANHO e CASTANHO,
2001, p. 54).
A PUC - Campinas não foge à regra, como veremos.
Do ponto de vista da concepção de ciência, a adoção de tal princípio
epistemológico implica recusar uma visão positivista, marcada pela idéia de
neutralidade do saber, pela separação entre sujeito e objeto, e pela crescente
especialização em áreas de conhecimento que não se conectam.
Presentes essas visões, a PUC – Campinas afirma adotar um
determinado modelo curricular, o qual se alinharia às exigências formuladas pela
concepção dialética do conhecimento e por uma postura não-positivista. Opta-se
pelo paradigma curricular dinâmico-dialógico (PA, 2004, p. 13).
122
Citando Pedro Goergen: Universidade, a busca de uma nova
identidade, Apropuc, 1999, o documento destaca:
Os estudos devem ser, de certa forma, “desobjetivados” para
tornarem-se, também, um lugar de reflexão crítica sobre o mundo
e a vida bem como sobre a inserção dos conteúdos do
aprendizado no “mundo da vida”.
Não se trata de acumular conhecimentos e adquirir habilidades
profissionais de um lado e juntar-lhes, de outro, uma formação
preocupada com o social. São impulsos que devem nascer e
desenvolver-se juntos, como duas faces de uma mesma moeda:
ciência e profissão devem estar imbuídas de um sentido social
emancipatório. Os currículos precisam conectar-se com a vida
num sentido mais amplo.
Essa concepção supõe, em primeiro lugar, que a prática seja uma
prática refletida – o que exige, no nosso entendimento, a integração entre os
eixos de formação, por meio de práticas interdisciplinares. Nesse sentido, o
modelo de currículo proposto reafirma as múltiplas dimensões que estão
implícitas no fazer jornalismo: técnica sim, mas que se fundamenta numa leitura
do mundo.
Ao adotar o paradigma curricular dinâmico-dialógico-crítico, o PA
afirma descartar o modelo técnico-linear e o modelo circular-consensual (versão
2004, p. 13). O primeiro modelo é rejeitado porque proporia a reprodução do
conhecimento pura e simples, com ênfase tecnicista. Enfatiza para isso o fato de
que a fundamentação humanística, destacada no currículo, se constitui numa
“formação emancipatória” (que buscaria a transformação da sociedade, no
sentido mais amplo da superação das contradições impostas pelo sistema
capitalista). Ora, em primeiro lugar, e considerada a visão de jornalismo que o
próprio PA (PPP) apresenta – conforme já salientamos no item IV.1 –, a
formação humanística é também formação técnica, no sentido de que é condição
para leitura do mundo. E, se assim é, como separar? Como realizar esta vocação
emancipatória senão nos limites da realidade – incluído aí o mundo do trabalho,
atravessado pelas contradições fundamentais do modo de produção capitalista?
Mais ainda, como realizar a emancipação, separando formação
técnica e formação humanística – ainda que com a proposta de integração –
123
quando sabemos – por tudo que já foi exposto até aqui – que o conhecimento do
mundo – também propiciado pelo jornalismo – é condição para o exercício da
liberdade? Podemos, tecnicamente, continuar a fazer o jornalismo para o
mercado e, como cidadãos, nos deixarmos arrebatar pelo desejo de mudarmos a
história? Como se fôssemos partidos em muitos – um sujeito na redação; outro
em casa; outro no partido político de nossa preferência? Recolocando a
fragmentação em outro (e perigoso) nível?
Relativamente ao modelo circular-consensual, o Projeto Acadêmico
afirma que não pode, consoante tal paradigma, permanecer o ensino circunscrito
às experiências dos alunos, suas necessidades latentes ou manifestas. Isso
equivaleria a perder a capacidade de crítica, fundamental ao exercício do
jornalismo. Por isso há ênfase no “aprendizado da vida em sua imprevisível
sociedade de contrastes, para que possa exercer adequadamente seu papel de
vigilante atento dos fenômenos sociais” (PA, 2004, p. 13). E nesse sentido, a
capacidade reflexiva e crítica que se constituiria a partir da formação humanística
não é mais cultura geral, e sim condição para este exercício de vigiar.
Mas qual é, afinal, para o Curso de Jornalismo da PUC – Campinas, o
lugar da formação humanística. Vejamos algumas afirmativas constantes dos
documentos sob análise.
O aluno de jornalismo precisa conhecer, além da tecnologia, um
leque bastante aberto de saberes em vários campos... É
exatamente por este motivo que os currículos de jornalismo
sempre agregaram uma série de disciplinas vindas de outros
campos da área de Humanas... que oferecessem a ele uma assim
chamada “cultura geral” (PA, 2004, P. 11).
No seu dia-a-dia ele (o aluno de jornalismo)... irá conviver com
uma série de acontecimentos, que o levam a entrar em contato
com assuntos tão díspares quanto futebol, política nuclear, erro
médico ou decadência do ensino público (PA, 2004, p. 11)
E mais à frente, ao caracterizar o eixo de fundamentação humanística
com práticas de formação, o PA afirma que parte do currículo deve ter como
conteúdo a “formação humanística do aluno, na qual valores como ética e senso
124
de justiça sejam muito mais que palavras a enfeitar longos textos argumentativos”
(p. 16/17).
Lembra-nos CURY (op.cit, p. 111): “O currículo é um instrumento que
responde ao que fazer para se atingir determinado objetivo”. Ora, cultura geral e
formação ética são objetivos diversos. Um aluno pode ter uma vastíssima cultura
geral e ser eticamente um irresponsável quando for futuro profissional.
Na caracterização do lugar da formação humanística, o Projeto
Acadêmico destaca seu papel na formação ética e do cidadão. Isto terá
implicações, como veremos – em especial no item IV.4 desse capítulo. Ainda que
afirme que o jornalista precisa conhecer estas áreas também como “questão de
sobrevivência” – nas redações “enxutas” em que, num mesmo dia, o profissional
faz matérias sobre crimes hediondos, a final do campeonato mundial de futebol, a
crise na bolsa de valores e o mais novo escândalo na capital federal.
Entendemos que outra dimensão adquire a formação humanística
quando ela é vista como constitutiva do saber olhar, filtrar, interpretar e
contextualizar informações. Tendo em conta o que – para o futuro – o próprio PA
(2004, p. 10) aponta como tendência para o trabalho do jornalista: um
intermediário que possa “usar seu discernimento para separar pérolas no meio da
pilha de lixo” da sociedade da informação.
É uma ingenuidade profissionalista supor que os acontecimentos
do mundo se ofereçam de modo transparente e neutro à
mediação jornalística – a mediação implica sempre um parti pris
14
.
O indivíduo não vai a academia para o mero aprendizado de
técnicas jornalísticas (repetindo a concepção do protestantismo
calvinista sobre o saber, que valeria apenas enquanto associado à
profissão), mas para, junto, com a absorção dessas técnicas,
preparar-se culturalmente (com o estudo de História, Política,
Economia, Filosofia, Teoria da Comunicação) para lidar
interpretativamente com a moderna sociedade da informação
e investir-se da condição de guardião da língua, da escrita e da
credibilidade histórica (SODRÉ, 2003). (Grifo nosso)
Cabe-nos agora indagar como essa ambigüidade com relação ao papel
das disciplinas que constituem o eixo de formação humanística repercute na
14
Posição, atitude, opinião ou opção decidida ou assumida antecipada ou preconcebidamente; prevenção.
125
elaboração das ementas, nos planos de curso, na relação de integração ou não
que se estabelece entre este eixo e os demais. É o que faremos a seguir.
IV.3 Formas de andar pelo caminho
Os apontamentos feitos resultam de um olhar para os planos de curso
que encontramos disponíveis durante a pesquisa
15
. Eles contêm limitações, já que
nem todos são detalhados, omitindo-se, em alguns, dados relevantes para o que
pretendíamos, principalmente no que diz respeito à metodologia para tratamento
dos temas inscritos nos programas das disciplinas.
Não nos detivemos nas Práticas de Formação – que também integram,
segundo o Projeto Acadêmico, o eixo de formação humanística. Uma análise
desse porte pediria, no nosso entendimento, uma outra pesquisa e fica, nesse
sentido, como sugestão, a ser retomada nas nossas Conclusões.
Para facilitar, fizemos nossas observações pontuando, semestre a
semestre, as disciplinas previstas e ressaltando aquilo que nos pareceu mais
significativo do ponto de vista dos objetivos propostos pelo PA (PPP) e também
daqueles que se fariam importantes se considerarmos a formação humanística
como parte dos conhecimentos necessários ao jornalismo, do ponto de vista da
construção do relato e interpretação dos fatos, como já explorado no Capítulo I e
conforme admitido pelo próprio PA, na sua versão primeira, ao considerar o
jornalismo como uma forma de conhecimento do mundo, o que já destacamos
nas páginas 115 e 116.
Os apontamentos têm ainda um sentido exploratório, uma vez que, no
nosso entendimento, não esgotam o tema. Outra dimensão do Curso de
Jornalismo e da formação humanística que mereceria, no nosso entendimento,
uma pesquisa mais aprofundada, mas que implicaria, para revelar-se significativa,
no acompanhamento cotidiano do desenrolar dos cursos, com observação das
15
Entre os planos, obtidos junto à Secretaria Acadêmica do Curso de Jornalismo da PUC – Campinas, três
não são de autoria dos docentes que atualmente ministram as disciplinas e que se constituíram em sujeitos da
pesquisa.
126
práticas pedagógicas adotadas e seus desdobramentos no tratamento dos temas
sugeridos.
Mesmo que limitados, eles têm – no entanto – o sentido de revelar
como, na prática, as contradições até aqui identificadas ganham um rosto,
expressam-se em limitações, desvelam-se em ausências de integração com as
demais disciplinas do Curso de Jornalismo sob exame. Estas dimensões, que
foram exploradas nas entrevistas, têm – aqui – uma primeira e breve leitura. No
Capítulo V elas serão retomadas.
Antropologia Teológica A – 1º semestre – Carga Horária: 34
Ementa: estudar a cultura humana, com destaque à religiosidade,
numa perspectiva antropológica. Trata do significado das relações sociais e de
como as religiões oferecem um modelo para interpretação do real
16
.
Dimensão de atualidade: trata-se de tema atual, presente a realidade
da cultura brasileira e o forte impacto do fundamentalismo religioso no cenário
internacional.
Metodologia: aula expositiva, debates, leituras, análise de conceitos,
seminários, trabalho individual e em grupo.
Interdisciplinaridade: não há qualquer indicação. O PA se refere a esta
disciplina como o início da formação humanística, mas não estabelece relação
com as demais disciplinas do 1º semestre.
Sociologia – 1º semestre – Carga Horária: 34
Ementa: Formação do pensamento sociológico em suas coordenadas
histórico-sociais. Legado dos fundadores. Paradigmas da Sociologia na
Contemporaneidade. Modernidade e Globalização. Estrutura Social. Observamos
que há uma diferença entre a ementa proposta pelo PA (2001) e a acima
transcrita. O projeto original previa: contexto que determinou o surgimento da
16
Para cada uma das disciplinas, os trechos que correspondem a transcrições das ementas e sucessivas
versões do PA examinadas serão grafados em itálico. Para nossos comentários será mantido o formato
original.
127
Sociologia e suas implicações para a construção da sociedade moderna. Modelos
Teóricos que possibilitam análise dos fenômenos sociais. A estrutura social.
Neste deslocamento, entendemos que se dá maior ênfase à história do
pensamento sociológico do que à reflexão sobre o alcance dos modelos teóricos
na interpretação da realidade.
Dimensão de atualidade: temas como classe, gênero e raça,
desigualdades sociais, globalização e violência no Brasil e no mundo constam do
programa proposto e podem constituir-se em instrumentos de reflexão para o
jornalista.
Metodologia: aula expositiva interativa, exercícios em grupos sobre
textos. Vídeos e artigos de jornal em debates.
Interdisciplinaridade: não há qualquer indicação. O PA reporta-se à
Sociologia da mesma forma que faz com relação à Antropologia Teológica A
Antropologia Teológica B – 2º semestre
17
– Carga Horária: 34
Ementa: analisar as rupturas sociais deflagradas pelo processo de
industrialização, apontando os dilemas vivenciados pelo Cristianismo para
responder aos desafios de um mundo em constante transformação. Do ponto de
vista de conteúdo proposto, a disciplina retoma a história da Igreja no Brasil,
mostrando os diferentes papéis que assumiu, de acordo com o momento
histórico.
Dimensão de atualidade: resgate histórico; permite situar a Igreja
Católica no atual contexto, retoma o tema do fundamentalismo religioso.
Metodologia: omitida na ementa examinada.
Interdisciplinaridade: não há qualquer indicação. O PA se refere à
formação humanística no 2º semestre como continuidade.
17
Na versão 2001 do PA, a disciplina estava alocada no 3º semestre.
128
História das Artes – 2º semestre – Carga Horária: 34
Ementa: Reconhecimento do campo das artes como forma de
expressão do pensamento e do sentimento. Diversos movimentos artísticos no
Ocidente e Oriente ao longo da história; Renascimento e Escolas decorrentes.
Semana de 22, Contra-cultura EUA e Tropicalismo no Brasil. Há ênfase em artes
visuais.
Dimensão de atualidade: Recorte histórico. Retoma Antiguidade,
Renascimento, Classicismo, Barroco Mineiro, por exemplo. Não discute a questão
do papel do jornalismo na legitimação de manifestações artísticas. Não inclui
música, teatro e cinema, importantes manifestações artísticas da atualidade,
como foco.
Metodologia: omitida no Plano de Curso examinado.
Interdisciplinaridade: não há qualquer indicação. O PA se refere à
formação humanística no 2º semestre como continuidade.
Antropologia Cultural – 3º semestre
18
– Carga Horária: 68
Ementa: Introdução a uma análise antropológica da alteridade e da
diversidade cultural, enfatizando a importância da cultura enquanto instância de
expressão e de ordenação do real. Dimensionar o lugar do simbólico e dos
processos culturais na dinâmica social, particularmente a dinâmica decorrente dos
meios de comunicação. O processo de formação da cultura brasileira e do
pluralismo cultural e seus desdobramentos na formação dos sujeitos sociais.
Estudo de representações e temas exemplares. Análise do poder simbólico e
suas relações com os meios de comunicação.
Relativamente à proposta original (2001) e no campo da Antropologia
Cultural, a nova ementa deixa de destacar os seguintes aspectos: críticas às
visões estereotipadas e preconceituosas do senso comum (retomadas na
descrição dos objetivos específicos) e, no dimensionamento do poder simbólico,
elimina-se a expressão “particularmente legitimado nos meios de comunicação”.
18
No projeto original (2001) a disciplina Antropologia Cultural (carga horária: 34) seria ministrada no 2º
semestre e para o 4º semestre estava prevista a disciplina Cultura Brasileira (carga horária: 34). O projeto
implantado unificou as duas disciplinas.
129
Relativamente ao último aspecto não salientado, cabe ressaltar que a
compreensão da legitimação feita nos meios de comunicação é fundamental para
que o futuro jornalista compreenda o alcance do que a imprensa produz.
Dimensão de atualidade: Reflexão atual, salienta o papel da mídia na
construção de estereótipos. Destaque-se a orientação de “oferecer instrumental
para a percepção” dos fenômenos culturais.
Metodologia: aula expositiva, trabalhos em duplas ou grupos em sala
de aula sobre textos indicados. Utilização de matérias midiáticas, músicas e vídeo
como recursos.
Interdisciplinaridade: O PA (2004) observa que a disciplina agregará
elementos aplicados ao jornalismo para que o aluno prossiga em sua formação
humanística e possa ir ampliando a formulação do problema de pesquisa (p. 24).
Não há menção à integração com o eixo profissionalizante.
Economia – 3º semestre
19
– Carga Horária: 68
Ementa: Apresentar e discutir os principais conceitos da Economia
Política de forma a permitir a compreensão da conjuntura econômica atual.
Analisa as transformações e perspectivas para a economia brasileira e mundial a
partir das diversas escolas de pensamento econômico.
Em relação à ementa original, foram excluídos – entre outros – os
seguintes temas: a) visão geral das principais escolas que vão influenciar as
relações no mundo moderno; b) Economia no mundo intensamente globalizado,
influência no campo político; c) relações internacionais influenciando no
local/regional, na formação de mercado, de preços, de consumidores e na reserva
estratégia de mão-de-obra para a construção de um projeto determinado pelo
capital. Na exclusão, do nosso ponto de vista, estão contemplados os aspectos
mais críticos da abordagem que pode ser oferecida pela Economia.
Dimensão de atualidade: A partir dos objetivos definidos na ementa
percebe-se a preocupação com aa capacitação do estudante no domínio de
conceitos para habilitar-se à leitura crítica de textos sobre economia e a
19
O projeto original (2001) previa, para o 3º semestre a disciplina Teorias Econômicas e para o 5º semestre a
disciplina Economia Contemporânea, ambas com 34 H.A.
130
compreender a realidade brasileira, sua conjuntura econômica. Há ainda
retomada do tema globalização e suas complexas relações.
Metodologia: leitura e discussão dos jornais (noticiário econômico).
Privilegia a conjuntura, com um programa adaptável que permite partir do patamar
de compreensão dos alunos para propor estudo de conceitos.
Interdisciplinaridade: O PA (2004) observa que a disciplina agregará
elementos aplicados ao jornalismo para que o aluno prossiga em sua formação
humanística e possa ir ampliando a formulação do problema de pesquisa (p. 24).
Não há menção à integração com o eixo profissionalizante.
Psicologia Aplicada – 3º. Semestre
20
– Carga horária: 34
Ementa: A relação entre indivíduos e sociedade, com particular
enfoque para as ligações entre estes e a Comunicação Social, em especial o
jornalismo. Os conflitos humanos e a produção da agenda noticiosa; a Psicologia
e o público da imprensa. Na concepção original o foco era “a construção
simbólica do homem, este ser que é objeto e sujeito, simultaneamente, dos meios
de comunicação.”
Dimensão de atualidade: De acordo com o programa, os focos de
estudo são as categorias da Psicologia Social: identidade, consciência e
atividade. Trabalha-se a questão da consciência e da alienação e da ideologia e a
indústria cultural. Registre-se que, para o último par, a bibliografia é oriunda da
Sociologia (Escola de Frankfurt, Adorno). Os temas são, todos, de inegável
atualidade.
Metodologia: Aula expositiva, discussões em grupo, filmes e
seminários.
Interdisciplinaridade: O PA (2004) observa que a disciplina agregará
elementos aplicados ao jornalismo para que o aluno prossiga em sua formação
humanística e possa ir ampliando a formulação do problema de pesquisa (p. 24).
Não há menção à integração com o eixo profissionalizante.
20
Originalmente (2001) a disciplina denominava-se Psicologia Social e estava alocada no 2º semestre, com
idêntica carga horária.
131
Filosofia - 4º semestre
21
– Carga Horária: 68
Ementa: Base do conhecimento lógico-racional ocidental. Análise
crítica e reflexiva acerca da produção e comunicação do conhecimento, com
ênfase nas principais correntes do mundo contemporâneo. As teorias filosóficas
da pós-modernidade e a produção do conhecimento na sociedade global e
informatizada.
O projeto original previa, para Filosofia: análise dos grandes sistemas
de idéias, com ênfase nas principais correntes de pensamento contemporâneo e
sua pertinência na construção de sistemas político-econômicos e sua influência
na construção de sistemas de comunicação. Com relação ao bloco Filosofia
Contemporânea, projetava-se a análise de uma possível teoria para a pós-
modernidade e o desenvolvimento de uma visão crítica para os rumos da
sociedade moderna alicerçada nos valores do consumo e da individualidade e do
individualismo. Em resumo, os aspectos mais críticos e mais instigantes foram
substituídos pela retomada da história da Filosofia.
Dimensão de atualidade: A abordagem é histórica e, a partir do
conteúdo programático, o pensamento contemporâneo é abordado apenas em
uma das seis unidades propostas. Não há ênfase aos aspectos destacados na
ementa original.
Metodologia: Não é mencionada na ementa disponível.
Interdisciplinaridade
: O PA (2004) observa que a disciplina será auxiliar
do eixo de pesquisa (Pesquisa em jornalismo) “visto que qualquer problema de
comunicação está invariavelmente inserido na organização política da sociedade”
(p. 25). Com relação ao eixo profissionalizante, o mesmo documento assinala que
o “aparato de disciplinas humanísticas concomitantes deverá garantir uma melhor
formação crítico-reflexiva deste profissional” (p. 25).
21
O PA original (2001) previa duas disciplinas, ambas com 34 H.A.: Filosofia no 3º semestre e Filosofia
Contemporânea no 4º semestre.
132
Teorias Políticas – 4º semestre
22
– Carga Horária: 68
Ementa: O Estado Moderno, o Liberalismo e o Contratualismo, as
revoluções burguesa e proletária. O idealismo socialista. O Marxismo e o Estado
Socialista. Cidadania, conceitos moderno e contemporâneo. Regimes ditatoriais,
totalitários e autoritários. O pluralismo político. Políticas Públicas.
As ementas originais (2001) tinham como foco: teorias políticas
contemporâneas, elementos para a análise política: Estado, estruturas de poder e
sistemas de governo; macro-organização política internacional (Teorias Políticas)
e, para o módulo “Política Brasileira Contemporânea” o objetivo era o estudo da
organização política e partidária no Brasil recente; o papel dos movimentos
populares no quadro atual; os partidos brasileiros na ordem internacional; meios
de comunicação e quadro partidário.
Dimensão de atualidade: Examinando o conteúdo programático, há
uma ênfase nas diferentes leituras do processo político (Maquiavel, Liberalismo,
Marxismo, Weber, etc.). O enfoque da história das teorias políticas prevalece,
com prejuízo da dimensão analítica e de atualidade prevista no Projeto
Acadêmico originalmente formulado (2001).
Metodologia: não consta da ementa disponível.
Interdisciplinaridade: O PA (2004) faz, para a disciplina, as mesmas
observações anteriormente citadas para Filosofia, ministrada no mesmo
semestre.
Antropologia Teológica C – 5º semestre – Carga Horária: 34
Ementa: Reflete sobre problemas e desafios atuais, na respectiva área
de produção do saber, colocando-os em confronto com a Antropologia Teológica,
em sua abordagem ético-humanista.
As ementas de 2001 e 2004 são diferentes, de acordo com o
apresentado nas versões já citadas do PA. Em 2001 incluía-se, além do previsto
na ementa disponível, a explosão das religiões; o espetáculo da fé. Já em 2004 o
22
A proposta de 2001 previa o desdobramento em duas disciplinas, cada uma com carga horária de 34 H.A.:
Teorias Políticas no 4º semestre e Política Brasileira Contemporânea no 6º semestre.
133
priorizado era: Encíclicas Papais; os grandes documentos religiosos e a Teologia
da Libertação. O Ecumenismo. Os modelos de estados-religiosos. A Igreja nos
meios de comunicação. Alguns desses temas estão contemplados nas versões
anteriores da disciplina.
Dimensão de atualidade: Os objetivos listados na ementa e o conteúdo
programático promovem a discussão de temas da atualidade (diálogo
interreligioso, o mundo do trabalho e a pessoa humana, o marketing das
religiões).
Metodologia: Aulas expositivas, debates em classe, leitura dirigida,
análise de conceitos, seminários. Utilização de recursos audio-visuais.
Interdisciplinaridade: O PA (2004) não destaca práticas ou eixos
integradores para a disciplina.
As ementas representam, do ponto de vista que adotamos, uma
instância de realização das intenções formuladas no Projeto Político-Pedagógico
(PA/PPP) e são, nesse sentido, formas de andar pelo caminho sinalizado pela
PUC – Campinas. Mas quem caminha? Quem define tais percursos – escolha de
conteúdos e metodologias, jeitos de caminhar? O professor, detentor da
responsabilidade de traduzir, para o conjunto de seus alunos e na relação
cotidiana que com eles estabelece, aquilo que se registrou como um intento,
expressão de uma vontade, alimentada sempre no contexto de uma visão de
mundo, de jornalismo, de educação.
Para a PUC – Campinas, quem deve ser esse fundamental agente do
processo educacional? Tomemos as palavras do PA (2004, p. 14):
O Curso de Jornalismo procurará contar com um corpo docente
atualizado, imbuído deste propósito único, para que se possa
extrapolar o modelo tradicional de ensino, positivista, calcado na
reprodução do conhecimento através dos livros, da saliva, do giz e
do quadro. Pretende-se professores que aceitem o desafio de
buscar outras formas de trabalho em sala de aula, como o
incentivo a pesquisas, a palestras e debates. Hoje, mais do que
nunca, é preciso trabalhar o modelo dialógico – de mão dupla –,
com a utilização dos recursos tecnológicos disponíveis, mas
acima de tudo propulsor do consenso entre as partes envolvidas e
que passa, necessariamente, pelo respeito ao público a que se
destina.
134
Numa rápida análise, um professor que inove, que motive seus
alunos, que os leve a envolver-se com a disciplina que ministram. Que saliente o
debate, a exposição de idéias (embora a proposta de que ele aja como um
propulsor de consensos seja, num modelo curricular dinâmico-dialógico-crítico,
um contra-senso, na medida em que a divergência – livremente manifesta e
sustentada sem constrangimentos ou concessões – é o coração do debate, mais
do que nunca necessário para a crítica à mesmice do pós-moderno, pós-
industrial, pós-TV, pós-tudo).
Diz ainda o mesmo documento que o professor deve “organizar o
trabalho de modo que seu aspecto seqüencial e cumulativo seja aparente e
compreensível para o estudante, articulado dentro de uma lógica que faça sentido
ao conjunto da sala” (p. 30).
Como fazer isto com salas que comportam, em geral, 90 alunos? Os
professores – como veremos em seus depoimentos, no Capítulo V – são, nesse
sentido, limitados por uma condição de trabalho que inviabiliza muitas das
possibilidades de inovação que o PA lhes solicita/ordena.
Cabe aqui questionar: “Quantas vezes afirmamos que “já não se fazem
alunos como antigamente” e insistimos em ser professores “de antigamente”
(RIOS, 2001, p. 57)?”
Entendemos que sim, pois apesar de todos os limites –
comuns a todas as disciplinas do eixo de formação humanística – podemos
identificar, no contido nas ementas, uma experiência singular.
Quando, na aula de Economia, o(a) docente opta por partir da leitura
dos cadernos de Economia dos jornais e, presente o nível de entendimento dos
alunos, organiza a aula, detalha conceitos, explicita formas de entender o
noticiário (relato do mundo), algo acontece.
Nas sábias palavras de uma grande educadora:
Por intermédio do gesto de ensinar, o professor, na relação com
os alunos, proporciona a eles, num exercício de mediação, o
encontro com a realidade, considerando o saber que já possuem e
procurando articulá-lo a novos saberes e práticas (RIOS, 2001, p.
52).
135
O resultado, como veremos ao analisarmos os dados da pesquisa
realizada em 2005 junto aos alunos concluintes (Relatório CLC de Atividades G8),
surge, revela-se cristalino. Pois, lembrando CASTANHO e CASTANHO (1996),
realizar os objetivos depende de uma articulação entre conteúdos, métodos e
resultados. Presente tal exigência do processo educacional, retomaremos a
seguir algumas das observações feitas quando da leitura das ementas,
relacionando-as às intenções expressas pelo PA/PPP e que já detalhamos
anteriormente.
Assinalam os mesmos autores:
Para formular e concretizar as intenções educativas deve-se
selecionar cuidadosamente conteúdos relevantes e pertinentes ao
lado da definição dos resultados esperados de aprendizagem (das
capacidades que se pretende instalar ou aperfeiçoar).
...
Resultados, entendendo estes como destrezas cognitivas.
...
O conteúdo, em metodologia do ensino, é o objeto de uma ação
didático-instrumental orientada para um fim pedagógico. Se o
objetivo não tiver conformidade com o instrumento, não será
atingido o fim (CASTANHO e CASTANHO, op. cit., p. 66 a 68).
Ao definir o papel da formação humanística o PA/PPP da instituição
que analisamos assinala – em momentos diversos – três dimensões, as quais já
exploramos. Trata-se de, com os conhecimentos pertinentes às disciplinas que
constituem o eixo de formação humanística, assegurar uma formação ética (vide
p.123/124), uma cultura geral que o futuro jornalista utilizará na cobertura de
diferentes temas/eventos (vide p. 123) e de fornecer o “conhecimento de outras
áreas, que formam o substrato científico do jornalismo” (vide p. 115/116) já que o
jornalismo é “incapaz de explicar por si mesmo a realidade que se propõe a
revelar” (MEDITSCH, 1998, apud PA, 2001, p. 37).
Ora, entendemos que tais dimensões podem ser contempladas com a
adoção, no âmbito de cada disciplina, de textos e metodologias diferentes, pois
trata-se de desenvolver, no aluno, “destrezas cognitivas” (e posturas perante a
vida e o exercício profissional, no caso da ética) diversas.
136
Um resultado almejado é ter uma vasta cultura geral e, sob esse
aspecto, aulas de história das Ciências Humanas (foco em algumas das ementas,
como já vimos) são adequadas. A própria dimensão ética pode ser trabalhada sob
o mesmo conteúdo/metodologia. Ao constatarmos que, na retrospectiva histórica
de tais disciplinas – diferentes olhares para a realidade humana e histórica –,
determinados valores e dimensões do humano são reafirmados, implicações são
reiteradas e um desenho do existir em sociedade se faz, possibilitaremos a
reflexão sobre temas éticos e seus desdobramentos neste ofício de contar o
mundo que cabe ao jornalista.
Desenvolver a capacidade de tomar o conhecimento científico como
um instrumento para examinar o mundo contemporâneo e produzir um outro e
singular saber – o jornalismo – exige outras destrezas, do nosso ponto de vista. E
pede, para tanto, um outro conjunto de conteúdos/metodologias.
Sob tal aspecto entendemos as diferentes disciplinas como modelos
teóricos para interpretar o mundo, são “discursos” sobre a realidade, construídos
a partir de lugares singulares e de perspectivas únicas. Refletir sobre esta
dimensão da ciência nos leva a ver na formação humanística um caráter
energicamente ferramental, para retomar a proposição de CORTELLA (vide p.
20).
Não se trata de instrumentalizar o saber, de reduzir a formação
humanística apenas àquilo que ela agrega ao jornalista do ponto de vista de um
fazer (que é técnico, mas que é, antes de tudo, uma reflexão sobre a realidade).
Reconhecemos as dimensões ética e de cultura geral como fundamentais
também para a formação do futuro jornalista. No entanto, ao analisarmos as
ementas percebemos que este caráter instrumental/analítico perde seu espaço
para as outras dimensões envolvidas na formação humanística, conforme a quer
a PUC – Campinas.
É preciso salientar também que, ao se constituírem em formas de
examinar o humano e a história de uma determinada perspectiva, os
conhecimentos oriundos das Humanidades são também transformados, no
processo social que lhes envolve, em visões de mundo socialmente
137
compartilhadas, em ideologias adotadas por determinados grupos. Visões de
mundo e ideologias que constituem também a realidade com a qual o jornalista
terá de lidar, no processo de construir o “conhecimento” do que é a realidade
atual, já que é o narrador da contemporaneidade.
Mais que isso, tais “discursos” científicos e ideologizados/naturalizados
estão presentes nas entrelinhas dos discursos proferidos por diferentes atores
sociais, ocupando posições conflitantes no cenário do mundo. Cabe ao jornalista,
no seu trabalho de narrar a contemporaneidade, estar habilitado a tal leitura das
entrelinhas, quando se pretende que ele seja um profissional crítico e socialmente
comprometido com a construção de um mundo melhor.
É nesse sentido que ganha importância a dimensão de atualidade, a
retomada dos conceitos teóricos em leituras do que ocorre ao nosso redor, nos
diferentes territórios pelos quais o futuro profissional irá trabalhar. Tal retorno,
num ir-e-vir da teoria (o conteúdo das diferentes disciplinas humanísticas) para o
aqui e agora não é, do ponto de vista das ementas analisadas, uma preocupação
constante.
Sob tal aspecto ressaltamos a singularidade observada nas ementas
das três versões de Antropologia Teológica que integram o eixo de formação
humanística. Em todas elas, há uma preocupação em correlacionar o
conhecimento à atualidade na escolha dos temas. O resultado chama a nossa
atenção também porque evidencia o resultado de um projeto desenvolvido na
Faculdade de Teologia (responsável pela disciplina) e que será objeto de análise
quando examinarmos as superações possíveis no ensino de jornalismo, no
Capítulo VI. Da mesma maneira, essa retomada do aqui e do agora, que
observamos também na disciplina de Economia, e a qual já nos referimos, ganha
significado.
O ingrediente da atualidade, na difícil tarefa de, no mundo da
racionalidade técnica que privilegia o saber fazer, a profissionalização, a eficácia
das fórmulas, as certezas dos cálculos exatos, motivar alunos culturalmente mal
formados ao saber das Ciências Humanas – com a densidade que têm e a
reflexão que propõem – é, do nosso ponto de vista, um caminho a ser perseguido.
138
Pois
o mundo é do tamanho do conhecimento que temos dele. Alargar
o conhecimento, para fazer o mundo crescer, e apurar seu sabor,
é tarefa de seres humanos. É tarefa, por excelência, de
educadores (RIOS, 2001, p. 24). (Grifo nosso)
Com isso não estamos anulando ou desqualificando os esforços das
demais disciplinas nessa direção, apenas salientamos que – do ponto de vista do
exame que nos foi possível com o material disponível – esta preocupação não se
revela de forma tão incisiva e produtiva quanto nas citadas experiências.
Destacamos ainda que esta “destreza cognitiva” mal explorada – no nosso
entendimento – deve-se inclusive (mas não exclusivamente) ao fato de que, no
próprio PA/PPP, as intenções se confundirem, se adicionarem. O resultado, no
plano dos objetivos, apenas revela a face da contradição primeira e não resolvida,
como destacaremos ao analisarmos, no próximo item, o Relatório CLC de
Atividades G8.
Ainda com relação ao teor das ementas e dos demais documentos até
aqui analisados, um outro aspecto deve ser ressaltado. A integração entre os três
diferentes eixos que sustentam a formação do jornalista, conforme proposto pela
PUC – Campinas, é pouco explorada, conforme assinalamos. Não há, em
qualquer ementa, sinalização de atividade conjunta com outra disciplina,
interligação de conteúdos, realização de projetos envolvendo duas ou mais
disciplinas.
Além disso o PA (2001/2004) é pouco enfático quanto a isto e as
informações que faz, em alguns semestres, são de caráter genérico e pouco
acrescentam em termos de conhecimento da realidade. Mas sugerem, no nosso
entendimento, que continua a existir, em 2007, o problema já observado há 10
(dez) anos.
Os problemas existentes nos cursos de jornalismo da PUC –
Campinas, UNESP e UNIMEP:....4) a falta de interdisciplinaridade
139
entre as disciplinas técnicas de TV com as disciplinas do tronco
humanístico (ROLDÃO, 1997, p. 82).
Ainda que o PA/PPP (2001, p. 34) assinalasse que “a transmissão do
conhecimento técnico em estreito diálogo com a formação teórico-humanística”
era um dos alvos da reforma empreendida, a tradução prática de tal intento
encontra, do ponto de vista dos documentos até aqui analisados, limitações.
E é no fio da história vivida de 1999 – quando seminários internos e
externos realizados na PUC – Campinas começaram a dar forma ao novo
PA/PPP – até chegarmos ao final de 2005, quando a primeira turma se formava
com o curso projetado seis anos antes, que tais limitações se explicitarão,
revelando conflitos de posições nas diferentes instâncias envolvidas no projeto
educacional em curso e recolocando, na prática, contradições. Contradições que
são, do nosso ponto de vista, a dimensão revelada na educação do que, como já
vimos, ocorre na prática jornalística.
IV.4 Lugar(es) de chegada
“As divergências e contradições impõem-se-nos como
dados objetivos. Não somos nós que as inventamos.”
Raymond Quivy e LucVan Campenhoudt
No desenrolar do fio que nos conduziu durante o processo de
pesquisa, chegamos, com as entrevistas, ao exame do Relatório CLC de
Atividades G8 – Pesquisa de Avaliação e Reflexão sem matriz curricular (parcial),
formulado em janeiro de 2006, e cuja íntegra reproduzimos no Anexo XII. Nele,
novas revelações, que nos obrigam a retomar – agora com um olhar para as
transformações ocorridas – o trajeto de oito anos que se esconde nas entrelinhas
dos documentos analisados até aqui.
E é neste exame que as contradições – colocadas no nível discursivo e
naquela dimensão da efetividade de algumas realizações (que os próprios
140
documentos revelam) – que podemos identificar novas facetas para o problema
da formação humanística no Curso de Jornalismo da PUC – Campinas.
Destacamos que as contradições apuradas não são uma exclusividade
do curso sob análise. No cenário em que se pede à Educação Superior que, ao
mesmo tempo, prepare mão-de-obra especializada para um mercado em
constante transformação, forme cidadãos conscientes e continue a fazer avançar
o conhecimento científico, pela prática da pesquisa, algo ocorre quando se trata
de traduzir, na prática efetiva, aquele plano das intenções que Projetos
Acadêmicos/Projetos Político-Pedagógicos expressam, em qualquer instituição
educacional. É o que nos lembra a reflexão a seguir.
Alargam-se os papéis da educação superior, porém, isso tem um
preço a pagar. Impossível responder com qualidade a tudo, difícil
fazer as escolhas no calor das pressões... Essa dificuldade de
resposta se agrava diante de uma contradição bastante
importante: a distância entre o discurso e as realizações ou
cumprimento das promessas (DIAS SOBRINHO, op cit, p.
107/108).
E ainda que estejamos, até aqui, trabalhando no nível da análise dos
documentos, é preciso assinalar, novamente, que se trata de discursos. E
expressam as visões de diferentes instâncias co-responsáveis pelo processo
educacional. Nesse sentido, vale salientar que o PA, na sua versão 2001, é o
resultado de um processo que envolveu, basicamente, os docentes, alunos e
direção da Faculdade de Jornalismo da PUC – Campinas. Já a edição de 2004
(Síntese do Projeto Acadêmico), sob a qual também nos debruçamos, é a versão
assinada pela Universidade, supondo, por isso, uma outra instância, na qual a
proposta construída em 2001 já foi, com alterações, aprovada pelos órgãos
internos da PUC – Campinas. O curso ali caracterizado é aquele que ganhou
concretude nas salas de aula, na qual uma nova instância deu a sua contribuição,
a qual se expressa nas ementas das disciplinas.
Os diferentes documentos são, dessa maneira, sucessivas traduções
de uma intenção que se faz objetivo/resultado alcançado e, no processo de
concretização, teoria e prática, intenções e objetivos, entraves e potencialidades –
141
em diferentes faces e, para o que aqui nos interessa, sempre da perspectiva da
formação humanística no Curso de Jornalismo – se revelam. São os lugares de
chegada.
Para a análise de tais dimensões, retomaremos os aspectos
contraditórios nas diferentes etapas – na forma como se expressam em 2001,
2004 e, com o Relatório G8, em 2005. Aqui vale destacar que o último documento
comporta diferentes discursos. Ele é, em primeiro lugar, a visão dos professores
que o assinam e inclui, ao trazer o resultado da pesquisa feita em 2005 junto aos
concluintes, o discurso dos alunos. Mas, ao responder a uma exigência de uma
instância superior – a Pró-Reitoria de Graduação –, ele nos deixa ler, nas
entrelinhas, o discurso oficial da Universidade.
Nos três momentos, um primeiro aspecto se destaca. Com
denominações diferentes – o que exploraremos a seguir – a formação do
jornalista é vista como algo que se dá em três dimensões. São os eixos (versões
2001 e 2004) ou núcleos de concentração (versão 2005). Ao examinarmos as
ementas já salientamos o sentido que adquire, na prática do ensino das
disciplinas que integram o eixo de formação humanística, esta tríplice dimensão.
Quando as disciplinas desse eixo se destinam, no plano das intenções, a oferecer
um rastro de cultura geral, a desenvolver um determinado perfil ético-profissional
e a dar sustentação epistemológica ao exercício do jornalismo (entendido aqui e
nos termos do PA – versão 2001 – como produção de um determinado
conhecimento que não pode prescindir do saber de outras áreas), algumas
contradições foram assinaladas, do ponto de vista dos conteúdos propostos e das
metodologias adotadas para o alcance de objetivos/resultados/destrezas
cognitivas/atitudes e comportamentos diversos, ainda que não contraditórios entre
si, por princípio.
Aqui nos interessa destacar a contradição em um outro nível. Em 2001,
o PA/PPP previa, como integrantes do eixo de formação teórico-humanística as
seguintes disciplinas: Antropologia Cultural, Antropologia Teológica (nas suas três
versões), Cultura Brasileira, Economia Contemporânea, Filosofia, Filosofia
Contemporânea, História das Artes, História do Pensamento Científico, Língua
Portuguesa (em duas versões), Metodologia do Trabalho Científico, Política
142
Brasileira Contemporânea, Psicologia Social, Teoria da Opinião Pública,
Realidade Contemporânea Regional, Sociologia, Mídia e Sociedade, Teoria
Política e Teorias Econômicas. Este conjunto equivalia, no plano original, a 714
horas-aula, representando 26,25% da carga horária total do curso (2.720 horas-
aula).
No curso atualmente ministrado, cujo espelho encontramos na Síntese
do PA – versão 2004, as disciplinas foram reduzidas para o eixo em questão,
agora denominado Eixo de Fundamentação Humanística, com Práticas de
Formação. De um lado ocorreu fusão entre disciplinas (Filosofia e Filosofia
Contemporânea, Antropologia Cultural e Cultura Brasileira, Teorias Econômicas e
Economia Contemporânea, Teoria Política e Política Brasileira Contemporânea),
fato que já exploramos no item anterior deste Capítulo. Não houve, por conta das
fusões realizadas, redução na carga horária total.
Mas algumas disciplinas “migraram” para outros eixos. Assim, Língua
Portuguesa (A e B), Realidade Contemporânea e Regional e Mídia e Sociedade
foram fazer parte do Eixo de Profissionalização. História do Pensamento
Científico, Metodologia do Trabalho Científico e Teoria da Opinião Pública
passaram a integrar o Eixo de Pesquisa. Como resultado, a carga horária passou
a 476 H.A (horas-aula), correspondentes a 16,66% do total previsto para o curso,
agora de 2856 H.A.
Se há uma redução (10%) na carga horária para a chamada formação
humanística, o fato – em si – não revela muito, já que, no total, o tempo destinado
ao ensino/aprendizagem foi aumentado. O que nos interessa aqui é que, na fusão
de disciplinas, as ementas originais (2001) foram substituídas por versões que
deixaram de lado aspectos que entendemos fundamentais, cujo destaque já
fizemos anteriormente (item IV.3, quando da análise das ementas de Teorias
Políticas, Filosofia e Economia).
Mas vamos adiante, no desenrolar do fio do tempo. Em 2005, o
Relatório G8, entre outros itens, faz uma nova redistribuição das disciplinas
ministradas no Curso de Jornalismo. Elas estão classificadas em três tipos:
disciplinas básicas, disciplinas específicas e disciplinas complementares. Numa
143
nova denominação, destaca-se – do ponto de vista do discurso oficial – o adjetivo
complementar. Se é complemento, não é específico, nem básico (no sentido de
imprescindível). Nesse contexto, complementar sugere-nos algo que, se retirado,
não implicaria grandes perdas.
Ainda que o mesmo documento seja enfático ao destacar que “é de
entendimento da Faculdade que não há qualquer hierarquia entre os conjuntos e
que nenhuma disciplina pode ser descaracterizada ou descartada”, a
denominação “complementar” permanece no horizonte de nossas preocupações
com a formação do jornalista.
Além da distribuição das disciplinas pelos três tipos, o Relatório G8 faz
uma outra distribuição, relacionando então o perfil específico, habilidades e
competências incluídas em cada perfil e destaca as disciplinas que, para cada
conjunto de habilidades/competências, dariam a sua contribuição.
São três os perfis: a) formação humanística, crítica e generalista; b)
domínio otimizado das técnicas e das tecnologias disponíveis no mercado de
trabalho, relacionadas diretamente ao campo profissional do Jornalista; e c)
domínio metodológico da investigação e pesquisa. Na distribuição, que consta do
citado documento (Anexo XII), as disciplinas do eixo anteriormente denominado
Formação Humanística com Práticas de Formação, estão relacionadas ao
desenvolvimento do primeiro e do terceiro dos perfis acima citados.
Na forma como expresso no Relatório G8, alguns aspectos se revelam.
Em primeiro lugar, não há uma vinculação da denominada formação humanística
(na forma como a estamos tratando desde o início desse trabalho) com as
denominadas “habilidades e competências” especificamente profissionais.
A seguir encontra-se reproduzido o quadro de habilidades e
competências diretamente relacionadas ao perfil profissional. Nele destacamos
(negrito e grifo) aquelas que, do nosso ponto de vista e considerado tudo que até
aqui foi exposto, não poderiam prescindir do saber oriundo das disciplinas
humanísticas.
144
HABILIDADES E COMPETÊNCIAS
1.Registrar fatos jornalísticos, apurando, interpretando, editando e transformando-os em notícias e reportagens;
2. Interpretar, explicar e contextualizar informações
;
3. Investigar informações, produzir textos e mensagens jornalísticas com clareza e correção e editá-los em espaço e período de
tempo limitados;
4. Formular pautas e planejar coberturas jornalísticas
;
5. Formular questões e conduzir entrevistas
;
6. Relacionar-se com fontes de informação de qualquer natureza;
7. Trabalhar em equipe com profissionais da área;
8. Compreender e saber sistematizar e organizar os processos de produção jornalística;
9. Desenvolver, planejar, propor, executar e avaliar projetos na área de comunicação jornalística;
10. Avaliar criticamente produtos, práticas e empreendimentos jornalísticos
;
11.Compreender os processos envolvidos na recepção de mensagens jornalísticas e seus impactos sobre os diversos setores
da sociedade;
12. Buscar a verdade jornalística, com postura ética e compromisso com a cidadania
;
13. Dominar a língua nacional e as estruturas narrativas e expositivas aplicáveis às mensagens jornalísticas, abrangendo-se leitura,
compreensão, interpretação e redação;
14. Dominar a linguagem jornalística apropriada aos diferentes meios e modalidades tecnológicas de comunicação.
O mesmo documento relaciona as habilidades e competências
vinculadas ao perfil denominado “formação humanista, crítica e generalista”. O
destaque assinala, também do ponto de vista até aqui adotado, o que resulta,
especificamente, do estudo das disciplinas humanísticas.
HABILIDADES E COMPETÊNCIAS
1. Identificar e analisar as mudanças sociais, econômicas e culturais em escala regional e global que interferem na
sociedade;
2. Ter conhecimento das diversas atividades do mundo da comunicação, em especial da área jornalística e ser capaz de
correlacionar sua profissão com todas as demais, dentro de uma visão regional e global da sociedade;
3. Assimilar criticamente conceitos que permitam a compreensão das práticas e teorias referentes ao jornalismo,
repercurtindo-os sobre sua prática profissional.
Exploremos a contradição. Se o PA/PPP (2001) considerava que o
jornalismo não poderia deixar de se valer dos conhecimentos vindos de outras
áreas do saber, como aulas de Sociologia, Economia, Filosofia, Antropologia
Cultural, entre outras, como afirmar, em 2005, que tais disciplinas não contribuem
para interpretar fatos, contextualizar informações, formular questões a
entrevistados potenciais, avaliar criticamente práticas jornalistas? Se tais
disciplinas podem identificar e analisar as mudanças sociais, econômicas e
culturais que interferem na sociedade, temas que são por excelência integrantes
145
da pauta jornalística, porque tal habilidade não está correlacionada ao perfil
específico das técnicas do campo profissional sob análise?
E se tais disciplinas integram o núcleo denominado complementar (no
sentido problematizado que já demos ao termo), então o jornalista poderia ter
“domínio otimizado das técnicas e tecnologias disponíveis no mercado de
trabalho” sem necessitar, para isso, dessa formação humanista, crítica e
generalista?
Nas entrelinhas do discurso dos signatários do documento – e da
lógica da instituição que o informa/conforma – identificamos a hegemonia de um
determinado modelo de jornalismo, cujos contornos exploramos no Capítulo I.
Somemos agora à desvinculação da dimensão técnica em relação à dimensão
humanística, na forma como se acha expressa nos quadros constantes do
Relatório G8, a evidência da carga horária destinada a cada uma. Para as
disciplinas complementares estão reservadas 782 H.A., que correspondem a
27,38% do total. As disciplinas específicas, nas quais se concentram aquelas de
teor prático e teórico profissionalizante, contam com 52,38% da carga horária
total, o que equivale a 1.496 H.A. Do ponto de vista numérico, a ênfase tecnicista
volta, e de forma ainda mais forte do que aquela que encontrávamos na PUC –
Campinas na fase que antecede à atual estrutura curricular, já que o núcleo
complementar comporta disciplinas não vinculadas àquelas que caracterizamos,
ao longo de nosso trabalho, como de formação humanística. Para estas, a carga
horária se reduz a 476 H.A, (16,66%). Na grade curricular anterior, à formação
humanística eram destinadas 600 horas, representativas de 21,05% do total
previsto.
Mas, do ponto de vista que nos interessa, o mais importante no quadro
que o Relatório G8 revela, é a desvinculação da formação humanística da
competência técnica do jornalista. Para auxiliar nossa reflexão, tomemos como
guia as duas afirmativas a seguir:
Poderá diante desses desafios permanecer a formação superior
vítima deste maniqueísmo que sugere a impossibilidade de
articulação da formação geral e específica, da
complementaridade de sua função técnica (do ponto de vista
das competências e habilidades que deve garantir para a inserção
146
no mundo do trabalho) e de sua inescapável função social (no
sentido de reafirmação dos valores que são intransigíveis para a
construção de uma cidadania coletiva)? (DE SORDI, 1996, p. 6)
(Grifo nosso)
Chamamos a dimensão técnica de suporte da competência, uma
vez que esta se revela na ação dos profissionais. A técnica tem,
por isso, um significado específico no trabalho, nas relações. Este
significado é empobrecido, quando se considera a técnica
desvinculada de outras dimensões. É assim que se cria uma
visão tecnicista, na qual se supervaloriza a técnica, ignorando
sua inserção num contexto social e político e atribuindo-lhe um
caráter de neutralidade, impossível justamente por causa daquela
inserção (RIOS, 2001, p. 94). (Grifo nosso)
No caso da atividade jornalística, temos ressaltado, ao longo de nosso
estudo, a estreita e ontológica imbricação das duas dimensões no fazer cotidiano
do jornalismo. E, ao examinarmos os modelos de jornalismo praticado, destacou-
se o que ocorre quando – à mercê da hegemonia do padrão televisivo – se
reafirma a dominância do técnico, do formato, da estética (de péssimo gosto,
muitas vezes), em detrimento do conteúdo e da ética. Operações que deixam
suas marcas/cicatrizes na informação reduzida à condição de mercadoria.
Nesse sentido, a distribuição proposta no Relatório G8 faz surgir o
alerta. Não estaria a PUC – Campinas, não obstante todas as intenções
propostas no PA/PPP (2001 e 2004), deixando-se levar pela pressão
mercadológica? Se a formação do jornalista se reduz – no olhar que fazemos
para a grade curricular organizada e nomeada na forma do citado Relatório – a
uma perspectiva técnica, o que fazer com a definição de jornalismo como forma
de conhecimento (que não pode prescindir do saber de outras áreas, para repetir
a formulação adotada no PA, na sua versão de 2001)?
Se o alerta fica – como um outro horizonte a orientar também a leitura
que faremos das entrevistas realizadas com os agentes educacionais envolvidos
– é importante destacar outras dimensões imbricadas nos documentos
examinados. Como já sinalizamos, os lemos como discursos, proferidos de
lugares (instâncias) diversas dentro da instituição de ensino que estudamos.
147
Lugares que correspondem a posições diferentes, numa teia de relações de
poder.
Tendo tal perspectiva, consideremos a formulação original do novo
formato para o Curso de Jornalismo da PUC – Campinas, expressa no documento
de 2001. Projetado e assumido por uma equipe que incluiu gestores, docentes e
então alunos de jornalismo entre 1999 e 2001. Um documento que, como vimos,
traduz o ideal de jornalismo – conhecimento do mundo, produzido de forma
eticamente responsável, artífice de cidadania plena. Inspirado numa reflexão
coletiva que buscava superar deficiências e apontar caminhos, norteado por uma
visão de mundo, do papel do jornalismo e dos jornalistas no século XXI e
orientado por uma perspectiva para a educação que incluía a sua dimensão
transformadora.
Com esses elementos, o documento reiterava a importância da
formação humanística. Nesse sentido, repercutia – presente até a composição da
equipe que o formulou – o pensamento de uma categoria de trabalhadores,
jornalistas, conhecedores dos meandros do ofício, dos seus riscos e de suas
possibilidades, dos seus vícios e de suas virtudes. Categoria que, já em 1997,
assinalava, em documento da FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas), os
requisitos da formação teórica que deveria ser propiciada aos futuros
profissionais:
O Conhecimento teórico deverá possibilitar:
a) a interpretação da realidade social na qual o profissional se
insere, com instrumental da filosofia que dê conta das etapas
anteriores da história humana e possibilitem o pensamento
especulativo sobre as possibilidades de futuro;
b) o conhecimento, em perspectiva, das diversas etapas da
história universal e, em particular, da história do país, com o
instrumental científico da história e das ciências sociais;
c) o entendimento do papel dos sistemas e processos de
comunicação na contemporaneidade, bem como da evolução
histórica destes sistemas e suas relações com a cultura, a política
e a economia (FENAJ, 1997, P. 7).
Em 2001, um projeto se fazia tendo tal perspectiva no horizonte, como
vimos. E supunha, para sua concretização, algumas condições. Em primeiro
lugar, turmas com no máximo 60 alunos nas disciplinas teóricas (entre as quais se
148
encontram as denominadas humanísticas). Em segundo lugar, integração entre
os então denominados eixos de formação humanística, para a pesquisa e
profissional.
Na tradução das intenções em objetivos, que se faz sempre nos limites
dados, algumas constatações já são possíveis. No lugar dos pretendidos 60
estudantes por sala, professores se vêem às voltas com 90 (ou mais) estudantes
nos primeiros anos – justamente os que concentram a formação humanística. Tal
fato inviabiliza, muitas vezes, a adoção de metodologias inovadoras,
acompanhamento sistemático do aluno, práticas que a própria PUC – Campinas
exige de seus docentes, como já relatamos. Além disso, trabalham, responsáveis
por essas disciplinas, docentes “importados” (para usar o termo que os próprios
professores utilizam) de outros Centros e, portanto, não vinculados ao CLC –
Centro de Linguagem e Comunicação, que abriga a Faculdade de Jornalismo.
Ministram tais disciplinas em diferentes cursos da Universidade e, não raras
vezes, em diversos campi, deslocando-se apressadamente para cumprir seus
horários, numa jornada que parece não acabar nunca.
Como promover a integração do eixo de formação humanística com os
demais em tais condições? O que podem fazer a direção da faculdade, a
coordenação pedagógica do centro, os próprios professores para reverter tal
quadro e encontrar – apesar dos entraves todos – espaços para que se realizem
aquelas intenções primeiras? Elas permanecem orientando o trabalho cotidiano
dos envolvidos com a tarefa de dar vida àquilo que, num determinado momento
da história, se fez vontade, projeto, intenção?
Acreditamos que sim. A despeito de todas as dificuldades, vimos – ao
analisarmos as ementas e as práticas adotadas por determinados professores – a
preocupação em realizar a diferença. Na riqueza dos temas tratados, na busca de
novas formas de conquistar/seduzir jovens – muitos mal saídos da adolescência,
formados/deformados/formatados no interior de uma sociedade que cada vez
mais desvaloriza o saber pensar – para o universo do pensamento das Ciências
Humanas, da Arte, da Filosofia.
149
E, ao analisarmos – num rápido exame – os resultados da pesquisa
feita junto aos alunos concluintes do Curso de Jornalismo em 2005 e que integra
o Relatório G8, percebemos que testemunham a validade desse empenho, ao
mesmo tempo ressaltam os desdobramentos das contradições que apontamos,
das perdas que sofreram as disciplinas do eixo de formação humanística, desde a
sua concepção em 2001 até as ementas analisadas.
A pesquisa, entre outras questões, solicitou que os alunos concluintes
avaliassem todas as disciplinas do curso ao longo dos quatro anos de formação.
A avaliação tinha como foco três aspectos, diretamente intricados e que
correspondem às dimensões envolvidas na concretização dos objetivos
educacionais, conforme conceituação proposta por CASTANHO e CASTANHO
(1996), a qual exploramos nas página 135 e 136.
Solicitava o questionário utilizado como instrumento que os alunos
julgassem, para cada disciplina:
a) conteúdo
b) metodologia de ensino (didática)
c) coerência em relação à formação de jornalista
Como alternativas, os alunos poderiam escolher entre:
a) bom, aprovado sem restrições, elevada contribuição para
formação profissional e pessoal do aluno
b) regular, aprovado com restrições (exigência de mudanças),
média contribuição para formação profissional e pessoal do aluno
c) ruim, não aprovado (exigência radical de mudanças), nenhuma
contribuição para a formação profissional e pessoal do aluno
.
Vejamos alguns dados. Entre as disciplinas do eixo de formação
humanística, a melhor avaliada foi a de Economia (na média, 50,9% de conceito
Bom para as três dimensões). Lembremos que nessa disciplina há uma
preocupação de partir do horizonte profissional do aluno (leitura de jornais), do
conhecimento que demonstra já ter, para o desenvolvimento de conceitos que lhe
possibilitem ler o mundo do ponto de vista econômico.
150
Em seguida, considerada sempre a média entre os três aspectos
avaliados, aparece a disciplina de Antropologia Cultural, com 44% de conceito
Bom. Assinalamos que, entre as disciplinas vinculadas, foi a única que, na
ementa, se propôs a “oferecer instrumental para a percepção de fenômenos
sociais”, o que já ressaltamos quando da análise do plano de curso. Tal
disposição é, no nosso entendimento, fator motivador de envolvimento do aluno,
apontando-lhe um horizonte de leitura ampliada da realidade.
Já entre as disciplinas com as piores avaliações, os destaques ficam
com Sociologia (23,9% de conceito Bom) e Filosofia (27,3% de conceito Bom). É
importante aqui destacar que tais disciplinas são, da perspectiva que assumimos
para o jornalismo, fundamentais para o futuro profissional. Mas são também
aquelas em que, presentes as sucessivas mudanças nas ementas, passaram a
oferecer, conforme já assinalamos, um conteúdo de “história da ciência”,
perdendo, nesse sentido, a dimensão instrumental/ferramental para a análise do
mundo contemporâneo que deveriam, de acordo com o projeto original (2001),
oferecer ao futuro profissional.
Tais dados – e outros, que retomaremos quando da análise das
entrevistas de docentes e alunos – revelam-nos um horizonte de possibilidades,
que podem ser – quando explorado pelos agentes educacionais – um contraponto
à tendência verificada no “discurso oficial” da PUC – Campinas de separar a
dimensão humanística da dimensão técnica. Principalmente quando
consideramos que o efetivo realizar dos objetivos educacionais encontrará na sala
de aula, espaço de diálogo e construção coletiva do saber, o lugar privilegiado em
que educadores e estudantes superam limites, reafirmando a vocação
transformadora – apesar de toda a pressão mercadológica – da educação.
É para esse espaço – em que se encontram as condições da história e
a singularidade de homens e mulheres – que devemos agora voltar o nosso olhar.
Porque é ali, lugar da prática – e do pensar a prática – que a integração da
formação humanística à formação técnica ganhará seus contornos mais nítidos,
mais próximos da realidade. Na relação estabelecida entre os agentes e nas
escolhas/leituras do mundo que se tornam possíveis no processo de
151
ensino/aprendizagem é que poderemos superar o maniqueísmo que separa
formação profissional da formação humana e pessoal.
Uma superação que entendemos urgente e necessária, fazendo
nossas as palavras a seguir:
Ao lado do investimento na transmissão aos educandos dos
conhecimentos científicos e técnicos, impõe-se garantir que a
educação seja mediação da percepção das relações situacionais,
que ela lhes possibilite a apreensão das intricadas redes políticas
da realidade social, pois só a partir daí poderão se dar conta,
também, do significado de suas atividades técnicas e culturais
(SEVERINO, 1998, p.37).
Tal exigência se impõe ao Ensino Superior para que ele supere as
pressões de ordem mercadológica. Tais forças apenas apontam a redução da
formação universitária ao mero treinamento técnico de futuros profissionais, de
preferência comprometidos com os ideais de competitividade e individualismo que
regem o mundo neoliberal. E que sejam assim, submissos à lógica perversa do
mercado, sem qualquer referência – ética ou intelectual – para fazer qualquer
crítica, em qualquer nível, às práticas em curso nos mais diferentes ramos da
atividade humana.
Se há, para todas as áreas, esta exigência, mais ainda para jornalistas.
Reduzir a sua formação à dimensão técnica ou, sob um verniz mais aceitável,
incluir a formação humanística em uma grade curricular, mas sem vinculá-la ao
fazer que caberá aos futuros profissionais, é tornar-se refém das práticas do
mercado, formatando jovens para que atuem conforme as regras do jogo. Jovens
acomodados que não vêem saída e se conformaram a jogar o jogo. E que
produzem, dia após dia, um jornalismo que pouco (ou nada) acrescenta à
sociedade, contribuindo para agravar ainda mais todas as suas mazelas.
Mas e apesar das regras do jogo, já identificamos as contradições em
que, à mercê dos caminhos (e descaminhos) do mercado, o jornalismo se
enredou e nelas vislumbramos perspectivas de superação, na dinâmica do real
nunca terminado (apesar dos decretos de “fim da história”).
152
Enxergar as fissuras é, no entanto, tarefa para quem consegue vendo o
mundo, enxergá-lo nas suas múltiplas dimensões. E esta tarefa, mais uma vez,
cabe ao saber humanístico. É dele que vem a possibilidade de sondar o
impossível, vislumbrando alternativas. É o saber que, retomando Terezinha Rios,
alarga o tamanho do mundo, que é tão grande quanto o conhecimento que temos
dele. Para educadores, e também para jornalistas, alargar a visão do mundo é
nossa missão.
Ampliar o horizonte não se faz sem uma capacidade que Ricardo
Noblat chama de “imaginação”, mas que significa justamente a capacidade de, ao
olhar o mundo, estabelecer conexões, interligações, exercendo o saber pensar,
para produzir novos saberes (e novas notícias).
Imaginação é a palavra-chave. Sem ela, o jornalista não enxerga
além do fato. Por vezes, não enxerga o próprio fato. Não percebe
o que ele esconde ou o que se esconde por trás dele. Não
advinha o que ele anuncia, o que está por vir, o que virá. Porque
uma notícia não é apenas uma notícia. Ela não existe
isoladamente: conecta-se com o passado e o presente. É parente
próxima ou distante de outras que a antecederam. E será pai e
mãe de novas notícias (NOBLAT, 2007, p. 82).
Parafraseando....
Imaginação é a palavra-chave. Sem ela, o aluno e o professor não
aprendem e ensinam além do conhecimento dado. Por vezes, não aprendem e
nem ensinam nem o próprio conhecimento dado. Não percebem o que ele
esconde ou o que se esconde por trás dele. Não adivinham o que ele anuncia, o
que está por vir, o que virá. Porque um conhecimento não é apenas um saber
(enciclopédico, cumulativo, desprovido de sentido) ou uma técnica para um fazer
(descolada da realidade, numa pretensa neutralidade). Um conhecimento é
sempre um saber datado, conectado a outros saberes, socialmente construído. E
uma técnica é sempre um resultado de um saber determinado, também ela
socialmente construída. São faces de um mesmo processo, a práxis humana”.
Na formação dos jornalistas (e educadores) fica sempre reposta a
tarefa de construir alternativas para que o saber e o fazer não se desconectem.
No ideal e na prática do jornalismo (e da educação), a mesma exigência se põe e
153
repõe, com novas e cada vez mais complexas dimensões. E sempre com
implicações profundas para a sociedade.
Um desafio que, para jornalistas e educadores, profissionais formados
ou aprendizes do ofício, se coloca a cada dia. Vamos, por isso, lançar nosso olhar
para a percepção de homens e mulheres, jovens ou maduros, vivendo envolvidos
no construir a formação do jornalista na PUC – Campinas, Porque é ali, no tempo
de viver, conviver, aprender e ensinar, que nosso saber se amplia e aponta outros
horizontes (e novas necessidades de busca), pois “vivendo se aprende, mas o
que se aprende mais é só a fazer outras maiores perguntas” (Guimarães Rosa).
154
V – O TRAJETO EM PROCESSO: O CURSO DE
JORNALISMO DA PUC – CAMPINAS SOB DIFERENTES
OLHARES
“O testamento das palavras é infinito”.
José Saramago
“Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra.”
Carlos Drummond de Andrade
Chegamos agora àquele momento em que, a partir das percepções
expressas nos discursos dos sujeitos entrevistados, nos aproximamos do palco
onde, no processo de ensino/aprendizagem, o Curso de Jornalismo da PUC –
Campinas adquire a sua forma, realiza-se como processo. Aqui entramos em
outra instância, aquela do fazer e do refletir sobre o fazer que se realizam na e
mediada por uma relação singular entre alunos, docentes e direção do curso.
Nesse palco se fundem as diferentes dimensões de nosso objeto de
pesquisa, a formação humanística no ensino de jornalismo. Amálgama de muitas
cores/texturas/densidades. Aqui e agora, na circunstância da qual não podemos
escapar, se encontram a história e os modelos de jornalismo praticado, suas
limitações e suas potencialidades. Mas, parte também dessa mesma história,
identificamos referências éticas e profissionais apontando um ideal sempre
perseguido – apesar de tudo. E, ainda integrando o mesmo dinâmico movimento
histórico, no desafio de formar novos jornalistas, a educação, também ela inscrita
no tempo, mas abraçando – por meio de um projeto político-pedagógico que
aponta direções – o futuro. E o futuro também, inscrito no movimento, como um
vir-a-ser que se desenha possibilidade.
Passado, presente e futuro entrelaçados, deixando suas marcas nas
percepções e nas ações de cada um dos sujeitos. Orientando caminhos (e
descaminhos) no contraditório território que, como vimos, constitui-se o cenário do
jornalismo e da educação que forma novos jornalistas. Lugar em que a formação
humanística segue ganhando novos e fundamentais significados. Mas também, e
155
sobretudo (na nossa insistente e necessária esperança), lugar da práxis, ação
reflexiva que constrói o futuro.
Por assim entendermos o real, sempre movimento e sempre obra
humana no processo de fazer a história, entrevistamos professores, alunos e a
direção do Curso de Jornalismo da PUC – Campinas. As 28 (vinte e oito)
entrevistas realizadas (das quais apenas quatro não foram gravadas e
transcritas, tendo sido realizadas por correio eletrônico, conforme já expusemos
no Capítulo III) somaram 97 068 palavras. Horas e horas de diálogos, lidos e
relidos.
Como refletir sobre tamanha riqueza, sem perder o foco de nossas
preocupações – a formação humanística? Aqui algumas escolhas se fizeram.
Presente a utilização da Análise do Discurso como instrumento, não vemos, no
âmbito desse estudo, a necessidade de estabelecer uma média das visões dos
sujeitos. Interessou-nos mais destacar as diferenças, as complementaridades, as
contradições, as diversas leituras do mundo a partir de experiências vividas e de
lugares diferentes – na estrutura de relações que dá base ao processo educativo
– dos quais são proferidos os discursos.
Como construir isso? A partir de um caminho de leitura e análise que
se explicitará a seguir, optamos por apresentar seu resultado sob a forma de um
“diálogo imaginário”. Imaginário porque os sujeitos, embora muitos se conheçam,
não conversaram entre si sobre os temas tratados nas entrevistas. Mas real, na
medida em que as falas são recortes das entrevistas gravadas em sua íntegra,
Recortes, vale ressaltar, orientados pelo olhar que fazemos nesse estudo.
Portanto, muitas outras leituras poderiam ser realizadas e muitos outros diálogos,
construídos a partir do mesmo (e rico) material obtido.
Desse “diálogo imaginário” faz parte o pesquisador. Nossa reflexão o
integra, refletindo sobre o sentido do que é dito/escrito, propondo
questionamentos que poderão ser respondidos pelos diferentes sujeitos e que,
em determinados momentos, ficarão sem resposta. Uma clara indicação para
novos estudos e novos – e sempre necessários – diálogos reais com os homens e
as mulheres que, efetivamente, fazem a educação.
156
Tal caminho tem, para nós, um duplo sentido. Ele nos assegura tratar o
“outro” – sujeito da pesquisa – com sua identidade própria, sua história de vida,
seu perfil cultural, sua formação acadêmica – dimensões que constroem o sentido
do que diz, que só se explicita no imbricado de todas as facetas do
humano/histórico. Trata-se de uma exigência que nos colocamos, ao optarmos
por uma pesquisa qualitativa.
Mas há, do nosso ponto de vista, um outro aspecto envolvido nessa
escolha. Na pesquisa, um prazer se renova. Aquele do encontro com o mundo, da
descoberta do outro, do novo que se dá ao olhar que se dispõe a ver. Nessa
busca do saber, que aqui se entende ontológica, o humano se faz mais humano,
não pela pretensão de domar a realidade, mas pela compreensão (sempre
provisória) da mesma, o que lhe concede muitas e instigantes possibilidades.
Esse saber que se amplia, no entanto, só tem sentido, para nós, se ele puder ser
uma aventura cada vez mais compartilhada, para além dos muros (às vezes tão
altos) que o discurso científico – com a rigidez de seus formatos – ergue.
Compartilhar o saber a partir de um diálogo é, aqui, buscar uma forma de
“seduzir” novos leitores, para além dos poucos que – num país como Brasil –
alcançam o patamar de uma pós-graduação. Acreditamos que, no diálogo,
acrescentamos sabor (para relembrar Terezinha Rios) ao saber, tarefa que
entendemos, compete a todos educadores e jornalistas.
Isso não significa reduzir o conteúdo desse Capítulo a uma mera
repetição do que disseram nossos sujeitos de pesquisa. Não. O pesquisador está
aqui presente, refletindo, questionando, retomando os temas até aqui tratados,
“convidando” autores a “entrarem na conversa” que se instaura.
Mas, com 28 sujeitos, mais o pesquisador e mais todos os autores que
podem ter algo a dizer sobre o que é dito, é preciso colocar alguma organização
no processo. Esta organização se deu, presente o objetivo de nosso estudo, a
partir de quatro eixos temáticos, definidos nas sucessivas leituras das entrevistas.
Os quatro eixos são: a) Ser jornalista hoje: limites de um campo, regras
de um jogo; b) Jornalistas que queremos ser; c) Ensinar jornalismo: possibilidades
e limites; d) Aprender jornalismo: desejos e lacunas. Em todos, que compõem os
157
quatro primeiros itens deste Capítulo, o diálogo procurou explicitar contrapontos
entre relatos; impacto da origem social e da formação acadêmica nas visões de
mundo, de jornalismo e do papel das disciplinas humanísticas. Destacamos
também aquilo que se relaciona explicitamente ao projeto político-pedagógico em
realização e à dinâmica do fazer jornalismo, na forma como o tratamos no
Capítulo I. E assinalamos, sempre que significativas, as diferenças entre as
percepções de alunos ingressantes X alunos concluintes e entre professores das
disciplinas técnicas X professores das disciplinas humanísticas.
No primeiro eixo (Ser jornalista hoje: limites de um campo, regras de
um jogo), observamos os limites destacados e como se relacionam com a leitura
que fizemos do jornalismo (Capítulo I). O que se percebe e o que não se percebe
em relação a tais limites/regras do jogo. Quem é responsável por tais limites?
Qual o papel do jornalista nisso? A formação humanística tem lugar nessa prática
real do jornalismo? Essa prática está condicionando a visão do ensino de
jornalismo que têm os sujeitos?
Em seguida, fazemos uma incursão sobre as visões do jornalismo ideal
(item V.2 – Jornalistas que queremos ser). Sujeitos diferentes, de diferentes
lugares no processo educacional, percebem o ideal de forma diversa? Qual é ela?
Que distância há a percorrer entre o real e o ideal e como ultrapassá-la? A
formação humanística pode contribuir nessa travessia, nesse construir cotidiano
de um outro jornalismo? Os sujeitos conseguem relacionar a formação
humanística a um jornalismo de melhor qualidade?
Considerando a perspectiva dos diferentes sujeitos, o item V.3 indaga
sobre o terceiro eixo (Ensinar jornalismo: possibilidades e limites) e se propõe a
apresentar os limites apontados; natureza (epistemológica, estrutural, didático-
pedagógica) dos mesmos; as contradições do projeto e da própria realidade da
prática jornalista que eles refletem. Os sujeitos percebem relação entre o ensino
de jornalismo e o ocupar as brechas existentes no campo do jornalismo, como
salientamos no Capítulo I? Qual a visão que os sujeitos têm do papel da
interdisciplinaridade na formação do jornalista?
158
Ainda de uma perspectiva que inclui todos os sujeitos, fazemos, no
item V.4 (Aprender jornalismo: desejos e lacunas) uma reflexão sobre a
experiência de aprender. O que fica para os alunos, o que buscam, o que
buscavam e o que encontraram? Como isso se relaciona com o jornalismo real e
com o jornalismo ideal? Percebe-se a pressão do mercado nas demandas
expressas por alunos? Quais os caminhos para aprender que trilharam, e que
caminhos deixaram de caminhar? Mudaram suas concepções no trajeto,
incorporando – para voltarmos sempre ao nosso problema de pesquisa – o saber
humanístico?
Para fechar o nosso diálogo, incluímos um quinto item neste Capítulo.
Em “Ilusões perdidas e esperanças reiteradas: faces de algumas trajetórias”,
procuramos – com os elementos de reflexão que os sujeitos propuseram –
construir uma conversa final, que fosse um indicativo, a partir de tudo que se
compartilhou – experiência e percepção – do lugar da formação humanística.
Permanece no horizonte? Que lugar ocupa? Orienta o olhar o mundo e o fazer
que pretendem?
Antes que entremos na “roda de conversa”, é importante destacar que,
entre os sujeitos entrevistados, três conhecem a pesquisadora há mais de dez
anos, tendo sido seus professores. Ao mesmo tempo, demos conhecimento a
todos os sujeitos, inclusive por meio do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, do teor do presente estudo. Nesse sentido, todos sabem (e sabiam,
quando foram entrevistados) do centro de nossas preocupações: a formação
humanística no Curso de Jornalismo da PUC - Campinas.
Assim, no diálogo real, há toda uma não neutralidade, seja nas
questões propostas (conforme roteiros de entrevistas anexos), seja nas
respostas. Mediando as entrevistas encontrava-se todo um ideal de jornalismo
que, para profissionais/educadores ou aprendizes do ofício, permanece vivo. E
que se faz presente como um “terceiro” que se inclui na conversa, a informar aos
sujeitos da pesquisa o que “pode ou não pode ser dito, neste lugar em que estou,
na posição que ocupo (professor/direção/aluno), o que deve ou não ser dito a
esse respeito”. Tal personagem (formação imaginária, conforme destacamos no
159
Capítulo III – v. página 105) opera como autocensura e deve ser levado em conta
na leitura dos diálogos estabelecidos.
Vale ainda ressaltar que, presente o conjunto de critérios que
utilizamos para selecionar os sujeitos (conforme explicitado no Capítulo III),
destacaremos, ao longo dos “diálogos imaginários”, detalhes sobre a origem
social, atuação ou não no mercado de trabalho, formação acadêmica e outros
dados dos sujeitos que se revelem como significativos para a compreensão do
sentido do que dizem e das diferentes concepções que têm.
Ainda como elemento de reflexão, incluímos, ao final de cada item
deste Capítulo, um personagem imaginário, Jano
23
. Jano fecha cada etapa do
diálogo. Destaca aspectos relevantes, sugere outros caminhos para reflexão,
aponta temas que permanecem. Jano retoma – como um auxiliar invisível – os
fios que tecem a narrativa, unindo-a a partir da perspectiva da formação
humanística do jornalista. Ele é – nesse momento – o personagem que encarna,
ao mesmo tempo, a teoria que informou/conformou nosso olhar e tudo o que, em
cada etapa do caminho – os Capítulos – foi desenhando os contornos do palco. É
o guia e, ainda que não nos faça, muitas vezes, sair do labirinto, sinaliza portas,
convida-nos às passagens – outros níveis da realidade. Leva-nos a transições,
outras formas de olhar a mesma paisagem, o mesmo cenário.
Atento ao passado – aqui entendido como circunstância dada – e ao
futuro – possibilidades e necessidades que se interligam –, pode nos ajudar a
compreender o presente, o real – síntese de múltiplas determinações
24
.
23
Mitologia romana: deus das portas, deus das transições e passagens (Jano, Janua, Januaris – Janeiro – porta
do ano). Além disso tinha a “rara prudência que tornava o passado e o futuro sempre presentes a seus olhos, o
que foi expresso representado-o com dois rostos voltados em sentidos contrários” (COMMELIN, 2000, p.
165)
24
As reflexões de Jano serão mostradas entre colchetes [ ].
160
V.1 Ser jornalista hoje: limites do campo, regras de um jogo
Para iniciar uma conversa sobre o papel da formação humanística no
curso de jornalismo da PUC – Campinas é que estamos aqui reunidos.
Professores, alunos – ingressantes e concluintes – e a direção do curso. Todos
podem se manifestar. Mas, para organizar esta conversa, temos que estabelecer
um início. Pensamos em começar avaliando o que é ser jornalista hoje e, para
isso, é preciso primeiro saber o que é o jornalismo.
Olhar do jornalismo pede, imagino, duas visões. Uma na perspectiva na
análise normativa, no sentido daquilo que ele deveria ser, e outra, uma análise descritiva,
daquilo que ele é. E me parece que a distância é muito grande. ( PH1)
25
Esse é um bom caminho...
Acima de tudo o jornalismo é um negócio, acima de tudo. Nós vivemos
numa sociedade regida pela lógica da mercadoria, pela lógica do mercado. Tudo aquilo
que circula nesta sociedade tem vinculação com o mercado. Mas o jornalismo não é um
negócio qualquer, ele é um negócio muito mais complexo porque a partir da informação
que você recebe do jornalista é que você enxerga o mundo, enxerga a sociedade,
enxerga as coisas da vida. Portanto, trabalhar no jornalismo não é equivalente a produzir
uma mercadoria, um sabonete, um parafuso, um automóvel, uma vacina. Você produz
uma informação, informação que é vital para as pessoas que vivem num mundo cada vez
mais complexo, cada vez mais cheio de segredos, cada vez mais repleto de “meios
tons”(PT1).
E sem que tivéssemos pedido, todos se levantam para aplaudir a
definição tão clara que nos propõe PT1.
Se todos concordam, vamos então pensar um pouco nas
conseqüências do fato do jornalismo ser do jeito que é. Como isso se revela, na
prática? Para organizar mais, vamos nos dividir, daqui para frente. Alunos
ingressantes, alunos concluintes, professores das disciplinas humanísticas,
professores das disciplinas técnicas e diretores formarão grupos separados e
vamos, a cada questão, procurar responder coletivamente. É claro que nem
25
Ao longo dos diálogos, as falas dos sujeitos entrevistados (identificados apenas com a denominação que
lhes atribuímos conforme Capítulo III) serão apresentadas em itálico e espaçamento simples. Para as nossas
intervenções/reflexões manteremos a formatação original do texto. Idem para as eventuais citações de autores
que venham contribuir com suas reflexões.
161
sempre isso será possível. Haverá vozes discordantes, diferentes pontos de
vista...
Fala a direção:
O mercado cada vez mais regulamenta a profissão, regulamenta a
atividade, regulamenta, enfim, a dinâmica do jornalismo(D1). Tem o princípio óbvio que é
o do lucro (D2.)
Mas como isso repercute na prática? Os professores que são
jornalistas por formação podem acrescentar muita informação.
Basicamente todas as empresas jornalísticas têm uma linha editorial muito
demarcada por suas convicções políticas e econômicas, não tem como fugir disso
hoje(PT5). Muito parecido entre si. O jornalismo brasileiro acompanha as tendências
mundiais(PT6). O mercantilismo fez o jornalismo ocupar o espaço de formas bastante
complicadas. Às vezes, o jornalismo é utilizado como uma espécie de uma extensão dos
discursos dominante. Em países como o Brasil, que ainda não se libertou dos
conglomerados econômicos e financeiros que têm todas as suas ligações implícitas ou
não com outras estruturas que determinam o poder, acaba formando um paradigma de
se enxergar a realidade, sem um distanciamento (PT4).
E ela faz isso com uma linguagem que, via de regra, se utiliza de uma
estrutura científica de produção de conhecimento, apresenta-se com um aparente aval
de cientificidade, ou seja, de verdade. Aí é que reside um problema central, já que,
normalmente, as pessoas não refletem sobre a parcialidade da mídia e, por isso, acabam
tomando isso como verdade, muitas vezes, inquestionável (PH6).
São observações muito importantes. Porque a questão da
legitimação do discurso jornalístico é um dos aspectos que mais dependem da
formação humanística para serem refletidos. Sem uma visão crítica – alicerçada
em conhecimentos de Filosofia e Sociologia, por exemplo, – o próprio profissional
não percebe essa dimensão e acaba por reproduzir, sem questionar, os discursos
dominantes (conforme levantou PT4) com o ar de verdade. Mas vamos ouvir
outros professores das disciplinas humanísticas a respeito do jornalismo real. O
que eles observam?
Eu acredito que estabelece regras e caminhos. Você trabalha a partir de
uma perspectiva que não é a sua, é a do dono do meio de comunicação (PH2). Os
jornais estão nas mãos de grandes empresas. Assim, vão refletir ideologia e políticas das
mesmas. As coisas estarão sempre vinculadas à economia (PH 4). Os interesses das
empresas de comunicação normalmente se sobressaem, quando eles andam na contra-
mão do que é o interesse, o direito à informação. As empresas impedem ou dificultam,
impedem não, mas dificultam a prática de um jornalismo comprometido com alguns
critérios. Não vou nem dizer com a verdade absoluta, mas com o critério da verdade
factual, por exemplo, o direito à informação(PH1).
162
Dois professores (PT1 e PT2) se levantam para solicitar direito a
intervir no debate.
Às vezes, quando a gente fala assim, o jornalismo a serviço do capital,
sinceramente. Isso é o menor problema que a sociedade brasileira tem. Não só a
brasileira, que o mundo tem. Claro que a temos que ficar atentos, mas é um problema
muito pequeno (PT1).
Eu concordo com você, PT1. Eu trabalhei nisso mais de 20 anos e percebi
que existe obviamente o interesse financeiro, você tem que sobreviver. Mas todas
empresas com as quais eu me relacionei me deram liberdade pra produzir informação
sem censura. Isto depois do fim do Regime Militar, é claro. Isto nunca interferiu. Nós
sempre pudemos ouvir os dois lados (PT2).
São ponderações interessantes, que – do nosso ponto de vista –
devolvem uma parcela da responsabilidade aos profissionais e nos permitem
enxergar algumas brechas. Mas vamos ouvir nossos alunos.
Há sim os interesses das empresas. Mas se você tiver várias atuando,
pode ser bom (ACM2). E aí eu vejo um problema, que é o baixo número de jornais
diários, em Campinas, por exemplo. E ainda são três do mesmo dono (ACM1). É um
jornalismo aliado à propaganda (AIM1). Os jornalistas perderam o espírito investigativo.
Não aprofundam nada, só noticiam o básico (AIM 3). E, para complicar, o discernimento
da população é muito pequeno. A maioria acredita que é tudo verdade, como o PH6
falou. Quando não é. (AIN1). E eu acho que as pessoas vão perdendo a confiança no
jornalismo, em função da distorção por interesses da informação (AIN2).
Parece-nos que todos têm consciência de que o fato do jornalismo
ser exercido em moldes empresariais impõe limites à atuação do profissional. Mas
há alguns aspectos relevantes a destacar em tais intervenções. Porque quando
nos limitamos a pensar apenas nos limites do ponto de vista do sistema
capitalista, nós podemos cair na armadilha de a tudo justificar, já que não
podemos – nós sozinhos – alterar essa regra do jogo.
No entanto, algumas colocações apontaram que as limitações desse
modelo não excluem possibilidades. E é nelas que devemos nos ancorar,
procurando descobri-las e ocupá-las. Afinal, vocês enxergam possibilidades para
esse jornalismo que está aqui, no Brasil e no mundo, como já foi destacado?
Eu não tenho ilusões. O que existe é um revestimento bastante ideológico
de que o jornalismo teria condições de contribuir, informar a sociedade. Mas não creio
que isso ocorra no Brasil, porque temos uma hegemonia de uma mídia, a televisiva, com
distribuição de concessão de canal extremamente autoritária, anti-democrática e o
jornalismo não tem como escapar disso (D2).
163
Eu discordo. Essa gaiola que a gente está chamando de mercado, ela tem
fissuras, ela tem possibilidades. Espaços que o jornalismo tem encontrado. Nas
organizações não-governamentais, por exemplo, você tem um jornalismo que vai atrás de
causas mais nobres, sérias. Mais importantes do que o escândalo que aconteceu na
esquina. Mas eu entendo que o jornalismo tem que romper um pouco com essa lógica
tão poderosa que é a lógica de mercado das grandes instituições (D2).Existe uma infinita
gama de jornais alternativos na rede que tentam viver de forma autônoma (PH5).
Eu acredito muito na contribuição pessoal, pequenas contribuições acabam
numa grande melhoria. Isto se faz nas pequenas ações. Por exemplo, no relacionamento
do repórter com sua fonte, na visão que ele tem da informação, como é que ele a trata. O
jornalista precisa ter muito clara a sua importância dentro dessa tal responsabilidade de
informar que cabe ao jornalismo. É a consciência ética e a consciência profissional que
fazem a diferença (PT5).
O bom jornalismo não depende só do jornalista, porque o jornalista não tem
toda autonomia no processo de produção jornalística. Ele se submete aos processos da
empresa, da indústria de comunicação que, de uma maneira ou de outra, interferem
nessas questões todas (PH1)
Eu já tinha percebido isso... Há contradições entre as visões dos
professores quanto a haver ou não espaço no mercado (ACN3).
Você coloca o pé em uma empresa, não é um jornal. Os conceitos que
você aprendeu aqui caem. O que manda é o poder econômico (ACN1
).
Temos muita discordância aqui, mas gostaria de ouvir os alunos
ingressantes. Eles também concordam com o ACN1?
Perdeu o sonho... aspectos financeiros e políticos é que dominam (AIM2).
Não dá para fazer nada. Perdeu o caráter de quarto poder, mudar opiniões, mudar
governo. Antes tinha... Agora tudo se perdeu por interesses comerciais, financeiros
(AIM1). Você vai ter que se enquadrar para sobreviver... O próprio leitor não aceitaria
uma abordagem diferente porque ele tem a mesma ideologia do seu patrão no jornal
(AIM3). Mas você tem que querer continuar sendo um bom jornalista (AIM5).
As posições são conflitantes. De um lado, os céticos que não
enxergam saídas. Experimentados profissionais que perderam as ilusões? E, do
outro lado – mas junto deles, alunos que são - jovens que acabaram de chegar e
já se encontram “derrotados” pelos limites da profissão? Por que será que
pensam assim? Refletem, do nosso ponto de vista, a perda do sentido da utopia,
decretada pela ideologia neoliberal, assumindo para si mesmos o fim da história e
da esperança. Pensam apenas em sobreviver no mercado de trabalho, seguindo
a pauta, como sentenciou o veterano ACN1.
O que fazer, ao longo dos próximos quatro anos, para devolver-lhes um
rumo que aponte para a transformação? As disciplinas humanísticas podem
164
ajudar nesse processo? Por que ACN1, bolsista do ProUni, chega ao quarto ano
com tal visão? Ele(a) que já fez estágio em TV, jornal impresso, assessoria de
imprensa e agora estagia em rádio, não encontrou em tais oportunidades
qualquer brecha a ocupar?
Vimos, no Capítulo I, as contradições do próprio mercado da
informação jornalística. A partir da hegemonia do modelo televisivo (o qual D2
destacou em sua intervenção) constatamos que se instala uma crise no
jornalismo e, no interior de tal crise, vislumbramos possibilidades. O que teria
levado nossos debatedores a passarem ao largo de tais constatações? Falta-lhes
visão de tal realidade? Chegaram a pensar no assunto?
Como jornalistas que se fizeram professores, atentar para a realidade –
com olhos mais abertos e alimentados pela perspectiva de ação transformadora
que a educação carrega ontologicamente – parece-nos ser uma obrigação dos
docentes.
Se entendemos esse espaço do jornalismo como algo fechado e
monolítico, impedimos mesmo nossa capacidade de diálogo, de interferência nesse
espaço. Mas temos que olhar de outra forma... Vamos pegar, desses grupos que estão
dominando hoje, o que eles fizeram para estar aí, que qualidades eles têm para daí
construirmos uma nova mídia, uma nova utopia. Porque se eles são ruins politicamente, a
estratégia deles de comunicação funcionou. Essa é a discussão que temos que fazer e aí
você tem que descobrir, tentar entender esses mecanismos para você fazer uma
comunicação transformadora e ao mesmo tempo viável economicamente (PT3).
E eu acho que tem mais. O jornalista não precisa se prender nesses
grandes veículos de comunicação. Existem segmentos no mercado que abrem espaço
para o jornalista se manifestar e trazer um tipo de contribuição para a transformação
social(ACN5.)
Temos aqui novos olhares. Olhares de quem assume o futuro do
jornalismo como algo que será construído – por jornalistas e por professores de
jornalismo – a partir da realidade dada. Um desafio e tanto, mas que deve nortear
o ensino do jornalismo e nele – para voltarmos aos nossos propósitos – o ensino
das disciplinas humanísticas. Até porque, para ampliar esses espaços que o
ACN5 enxerga, a atenção aos meios de comunicação que “dão certo”, como
salientou o PT3, uma reflexão aprofundada sobre sua forma de atuação pode
acrescentar contribuições importantes.
165
E olha, há mais ainda. Eu vejo muitos avanços, vejo muitas coisas
importantes. Acho que essa difusão que a TV digital vai representar no sentido de ampliar
canais, vai poder oferecer uma alternativa de novos conteúdos... O Jornalismo
Comunitário é um passo importante, porque você tem os próprios integrantes das
comunidades produzindo informações e sendo protagonistas delas também, num tipo de
discurso que foge a dogmas, conceitos estritamente técnicos com os quais o jornalismo é
pautado pelas grandes instituições. Então penso também que o conceito de jornalismo se
expande para áreas muito interessantes no Jornalismo Literário, por exemplo. Quebra-se
aquele monismo das categorias jornalísticas de informação, da interpretação e da
opinião. Junta tudo isso num único relato. Então vejo que é extremamente mais completo
e mais complexo também o jornalista falar de uma realidade, usando todas as suas
faculdades de percepção, todo o seu talento, para produzir um texto que fuja um pouco
daquela técnica rígida de reduzir um fenômeno social complexo para linhas de lead e
sub-lead (PT4.).
O PT4 ampliou o olhar. Ele está olhando dentro daquilo que já se faz
– ainda que não de forma absoluta – no próprio mercado. Encontramos exemplos
de superação do formato rígido do jornalismo convencional até em grandes
jornais diários no Brasil. É claro que são exemplos ainda não muito comuns, mas
existem. E mostram um contraponto interessante para a lógica do modelo
hegemônico estabelecido pela televisão, como já vimos. Mas eu estou vendo que
nem todos concordam com as posições colocadas pelos dois professores que
acabaram de se manifestar. Vamos ouvi-los.
Eu acho que existem saídas sim, acho que não é uma causa perdida não,
mas eu entendo que o jornalismo tem que romper um pouco com essa lógica tão
poderosa que é a lógica de mercado das grandes instituições (D1).
E será que é possível fazer isto nas grandes instituições? O que
vocês acham? Ou as empresas estão totalmente comprometidas como o modelo
hegemônico, do hard news, por exemplo?
Há um comprometimento em função da questão da indústria? Muito
provavelmente sim, é difícil você separar a produção do texto de um aparato ideológico.
É muito difícil. Mas também eu vejo assim, não há muita alternativa que é dada( PT1). Os
limites são claros. Está limitado por um trabalho que se coloca majoritariamente na
empresa e essa empresa está integrada na lógica da corrente neoliberal e o jornalista
tem que dar a vida para aquela empresa (D2).
A grande mídia divulga o que quer, quando quer, quantas vezes desejar. A
globalização/neoliberalismo apenas intensificou um processo que já ocorria em
dimensões menos amplas, graças às novas tecnologias( PH5) No Brasil,
lamentavelmente, por não existir uma grande mídia de oposição, não temos muitas
chances de olhar e pensar a realidade sob uma ótica distinta das grandes agências de
notícias americanas, principais fontes de produção de informação no mundo. Cabe ao
Estado ordenar esse campo de relações, de forma a impedir que a lógica vigente no
processo de produção de conhecimento jornalístico responda apenas a interesses
166
econômicos, incluindo aí os atravessados por teor religioso, como é o caso de algumas
TVs e jornais ( PH6).
PH6 abordou o problema de uma perspectiva nova e interessante,
mas – para o nosso debate – não poderemos aprofundar isso. A questão do
domínio das grandes agências de notícias é tema para uma pesquisa. Além disso,
a fiscalização da atividade jornalística é um assunto polêmico e nós não vamos
poder entrar nele, não nesse momento. Mas há novas posições e nós ainda
gostaríamos de ouvir os alunos sobre esse assunto.
Na sociedade pós-industrial há uma grande variação de jornalismos
possíveis. Desde os mais tradicionais, comprometidos com o grande capital, enquanto
existe uma infinita gama de jornais alternativos na rede que tentam viver de forma
autônoma. O jornalismo brasileiro atual é muito bem discutido pelo Observatório da
Imprensa, por exemplo, concordo com a visão crítica contra o jornalismo brasileiro
dominante ( PH5).
Notícia virando produto, mas se o jornalista se empenhar ele consegue ter
no jornalismo uma ferramenta para a conscientização da população (ACN 5). As grandes
empresas podem acabar limitando o que a pessoa pode estar escrevendo. Se você não
puder falar no veículo que você trabalha, você pode ligar para um colega seu que
trabalha noutro veículo e contar a notícia porque você tem espírito de jornalista, você
quer que a informação seja passada para o maior número de pessoas (AIM 4).
PH5 lembrou-nos de Alberto Dines, que tem sempre muito a
acrescentar ao nosso tema e já foi citado inúmeras vezes no nosso trabalho, pois
“encarna” o espírito jornalístico, sempre problematizando a prática. Nossos
alunos, por outro lado, só vêem saídas individuais e nós ficamos nos perguntando
se vocês ainda identificam no jornalismo um papel transformador da sociedade,
que alimentou – e ainda alimenta – o ideal de muitos que trabalham na área?
Alguém gostaria de fazer alguma colocação a respeito?
O jornal ele é filho legítimo da economia de mercado, do capitalismo e
como bom filho ele não há de querer excluir quem o criou, que lhe deu a vida que ele tem
hoje... Então eu diria que não há muita alternativa (PT1).
Esse termo tem que ser muito ponderado. Esse jornalismo de mercado – a
Rede Globo, para usar um exemplo concreto -, é muito consciente do seu potencial.
Queiramos ou não é um jornalismo que depõe presidente, é um jornalismo que instaura
costumes, é um jornalismo que muda conceitos, é um jornalismo que modifica valores.
Eu penso que o ideal é o jornalismo caminhar junto com a sociedade, que os fatores de
transformação não sejam exclusivamente jornalísticos e o jornalismo possa participar
desta situação. E eu penso que aí sim o jornalismo pode ser transformador, mas muito
consciente que ele não pode ser esse puxador da sociedade, como se ele tivesse a
verdade, a meta, o objetivo, o caminho e seja lá o que fosse. Transformar na medida em
que ele fizesse que os cidadãos fossem mais cidadãos. Eu acho que a participação é a
transformação maior (D1).
167
D1 deu um norte para a nossa abordagem. Os alunos gostariam de
acrescentar algo mais. Dá para fazer algo pela transformação social no
jornalismo?
Muito difícil essa pergunta porque, ao mesmo tempo, acho que sim, eu
penso também que se você é contratado por uma emissora e essa emissora tem uma
crença, você acaba ficando muito limitado. Talvez seja mais fácil você transmitir no
ambiente público do que através da mídia (AIN2). Quem tem acesso à informação é o
jornalista. Ele tem totalmente o poder da comunicação, do acesso à comunicação. E ele
tem a capacidade de transmitir da melhor forma possível. E através dessa transmissão
dele, ele pode mudar a consciência de cada um (ACN3).
Há mais alguém querendo dizer algo. Por favor...
O jornalismo tem um potencial enorme, em vista da população que atinge.
Mas isso vai depender da qualidade e da formação dos profissionais. Da consciência que
têm de seu papel transformador (PH 4).
Muito bem lembrado, PH4. E é justamente aqui que vamos voltar
para o tema central de nossa conversa, a formação humanística no Curso de
Jornalismo da PUC – Campinas. Com todo esse cenário de dificuldades – todas
as limitações do exercício do jornalismo em moldes empresarias que, como bem
lembrou PH1, limitam mas não impedem o alcance transformador do jornalismo –
há ainda um lugar para esta formação humanística? O que pensam os alunos que
estão chegando agora?
Jornalismo não é só escrever 15 linhas e pronto. Se fosse para escrever 15
linhas, colocava um robô e ele escreveria do melhor jeito. Jornalismo é mais que isso. E
embora role um preconceito contra essas disciplinas, elas mostram aspectos importantes
para todos os cursos, não só para jornalismo (AIM 1). Para ser jornalista é preciso um
conhecimento profundo desses assuntos (História, Geografia, Política). Não dá para ficar
só com o conteúdo da aula. Tem que ir atrás e pesquisar. Você tem que saber um pouco
de cada tema para na hora de escrever não ficar falando só o básico, se aprofundar um
pouco (AIM3).
Vocês colocam dois aspectos para a formação humanística. Um diz
respeito à cultura geral, importante para todos os cursos. E outro, mais específico
para o exercício da profissão de jornalismo. Um conhecimento que se relaciona
com o nosso ofício de narrar o mundo contemporâneo. E, para você AIM3, não
está muito claro se tais conhecimentos devem ser profundos ou não. Pois você
primeiro diz que tem que “ir atrás e pesquisar”, e depois você diz que o jornalista
tem que saber um pouco de cada tema para escrever notícias.
168
Esta é uma confusão que não é só sua. Não está claro, para muitas
pessoas, e até para o próprio Projeto Acadêmico do Curso de Jornalismo da PUC
– Campinas, qual é – de fato – o lugar da formação humanística. Algum outro
aluno ingressante gostaria de colocar a sua visão?
É importante e pouco valorizado. É a base da gente. É o aprender a pensar
sempre. Se você não tem história, se você não sabe como o pensamento foi delineado
ao longo do tempo, você não pode desenvolver o seu pensamento. E o jornalista precisa
pensar porque ele vai repassar aquilo que ele pensa e porque muita gente vai depender
do que ele pensa para formar a opinião, como dizem, para cristalizar a opinião, qualquer
coisa do tipo(AIM 2).
Importante ponderação, AIM2. E muito interessante o fato de você ter
conseguido, já no primeiro ano, conseguir relacionar o saber pensar com a
formação humanística. Mas eu gostaria de ouvir dois alunos que, paralelamente
ao Curso de Jornalismo estão também na UNICAMP, estudando Ciências Sociais.
AIM1 e AIN1, vocês poderiam falar sobre o que estão fazendo lá?
Você está ali única e exclusivamente para pensar. Então eu acho que é um
estímulo muito legal, é um complemento para a atividade do jornalista, principalmente
para você entender a sociedade, têm aspectos históricos, etc. (AIM1)
A carga de Ciências Humanas para o jornalista é muito pequena no curso
de jornalismo para formar. O curso é muito operacional mesmo. Por isso, estou fazendo
Ciências Sociais. Acho que quem não faz um outro curso na área de Humanas, tem que
fazem uma pós-graduação bem feita (AIN1).
Os dois estão convencidos de que acertaram na escolha de uma
dupla graduação. Vale a pena destacar que AIM1 está no primeiro ano na
UNICAMP e AIN1 está já no terceiro ano. Mas, e os alunos concluintes, depois de
quatro anos na PUC - Campinas, o que pensam sobre a formação humanística?
Ela é importante? Por que?
Para o jornalista aprender a pensar, além de ter feito a sua faculdade, ele
tem que usar o lado humanístico da universidade, que é onde você aprende a pensar
realmente e tem que estar com quem sabe pensar também. Ele tem que aprender com
quem sabe pensar. Começa na universidade e ali ele vai começar a olhar o mundo de
uma forma diferente, não olhar o mundo só a sua volta, aprender com todo mundo e
passar pra todo mundo o que ele sabe. Aí é onde ele aprende a pensar realmente... Se
não existisse esse eixo humanístico seria um... não conseguiríamos entender o mundo
(ACN3).
Muita gente reclama de coisas que não tem nada a ver com jornalismo,
mas que para mim tem tudo a ver. Que nem Sociologia, Psicologia, Filosofia... Dizem que
jornalista é especialista em generalidades e como você quer escrever de algo, sobre
algo, como você quer escrever sobre seres humanos sem ter aula de Antropologia? Você
169
vai estar sendo etnocêntrico, vai estar falando do ser humano sem saber como vive a
comunidade (ACM 1).
Eu acho que ele tem que saber pensar, e conhecer o mínimo do assunto,
porque caso contrário ele vai virar um papagaio daquela fonte. Ele pode ser usado,
porque não consegue opor alguma coisa crítica a tal fonte ( ACM 2).
Aprender além de escrever é você aprender realmente o lado humano,
você aprender o lado sociológico da vida, do mundo contemporâneo hoje, como as
coisas funcionam e o porquê das coisas, o mais importante que eu queria aprender (ACN
3).
Eu espero que vocês não tenham ficado constrangidos ao
formularem tais opiniões pelo fato de saberem que estamos estudando
justamente a formação humanística no Curso de Jornalismo. Digo isso porque,
depois de circular por esse debate, ouvindo professores, gestores e alunos, não
houve quem discordasse da importância da formação humanística. É claro que
cada um a vê de uma forma, o que não é novidade, como já dissemos antes. A
própria PUC – Campinas tem lá suas dúvidas sobre o papel desse eixo de
formação. Mas vamos ouvir os professores das disciplinas técnicas. Afinal, eles
conhecem o mercado de trabalho, sabem bem como é a prática do jornalismo no
dia-a-dia? Será que eles dão valor às teorias que aprendemos nas disciplinas
humanísticas?
Está certo que um jornal, enquanto negócio, também busca entretenimento,
mas acima de tudo ele busca desvendamentos. O jornal é um negócio muito complexo
que exige um comprometimento moral, ético, cidadão de outra ordem, de outra natureza.
Porque já que o mundo está tão cinzento, tão cheio de meios tons como eu já coloquei, o
jornalista tem até por obrigação abanar essa fumaça, tirar essa fumaça que de alguma
maneira acaba ocultando determinadas coisas( PT1).
Complementando o que o PT1 disse, eu acho que o jornalista tem o papel
de organizador das coisas, das informações, das crises que se estabelecem no meio
social. Acho que ele tem esse papel de destrinchar esse emaranhado que é a coisa da
sociedade e suas diversas organizações e que invariavelmente está em crise, em algum
tipo de crise. E acho que o papel do jornalista é acima de tudo tentar entender essa crise
e transformar essa crise numa coisa que as outras pessoas possam entender e tomar
decisões (PT 2).
E eu ainda acrescentaria mais ainda. O papel da formação humanística é
reavivar no inconsciente de cada educando toda uma herança de pensamentos
revolucionários com que a civilização contou para se estruturar. Não para aceitar como
preceitos absolutamente irretocáveis, mas para que se possa compreender como foi a
criação das convicções que chegaram a esse mundo contemporâneo. Então, o eixo
humanístico reaviva essa herança da civilização mesmo, para que a gente possa se
sentir herdeiro dela e saber o que fazer com isso em momentos em que o jornalista
170
possa ativar referenciais importantes até para compreender melhor determinados
processos que às vezes nos parecem inusitados (PT4).
Vamos complicar um pouco mais a questão. Do ponto de vista do
exercício do jornalismo – no dia-a-dia – a formação humanística ajuda como?
Falando em termos bem práticos, como é que esses saberes se acham
implicados nos nossos fazeres diários (e desafiadores)?
Acho que é pré-requisito necessário para você falar do mundo, pelo menos
tentar entendê-lo um pouco mais, até para tirar uma fotografia. Porque quando você
fotografa está o contexto, não está só texto, está o contexto de toda aquela informação
(PT2).
Porque é impossível você fazer um bom técnico em jornalismo se ele não é
capaz de refletir o jornalismo, e de pensar e de refletir. Porque a reflexão se dá através
da linguagem, pela habilidade da linguagem. Então você vê que aquele estudante que
tem uma maior capacidade, um maior entendimento humanístico, uma melhor leitura,
uma maior reflexão, melhor crítica sobre a sociedade, é o que melhor escreve ( PT3).
Os nossos bons alunos ficam extremamente seduzidos com o discurso
sociológico, antropológico, filosófico (D2).
Para os nossos professores das disciplinas humanísticas, o
consenso já existe. E para resumi-lo algumas palavras dão a síntese.
O mercado não deve ser o único critério para formação profissional. Temos
que ter jornalistas bem preparados tecnicamente, temos que ter jornalistas bem
preparados no sentido do saber fazer, do saber exercer o jornalismo, mas tão importante
quanto é formar alunos que sejam críticos e alunos que tenham uma formação humana
(humanística) que faça com que eles sejam capazes de refletir criticamente e apontar
essas contradições do mercado, contradições da própria prática jornalística (PH1).
Mas eu penso que é bom lembrar o que já foi dito aqui por professores das
disciplinas específicas para salientar uma discussão que precisa ser resgatada na
universidade: através de uma formação humanística você resolve o problema técnico no
jornalismo (PH 2).
Eu gostaria de acrescentar uma coisa que não foi dita até agora: este eixo
humanístico é aquilo que dá o norte para o jornalista entender o mundo em que ele vive e
é fundamental também para que o futuro profissional tenha uma visão do ideal (PT5).
PT5, muito bem lembrado Porque até agora só falamos do jornalismo
como ele é. Discutimos as regras do jogo, todos os limites. Cremos até que
ficamos angustiados com tudo isso. Mas nós sabemos – como educadores que
somos – que o Ensino Superior não pode se pautar apenas pela demanda do
mercado. Há, no horizonte da própria PUC – Campinas, um ideal de jornalismo a
ser perseguido. Nossa próxima etapa será então dedicada a pensar sobre quais
jornalistas gostaríamos de ser; gostaríamos de aprender a ser e gostaríamos,
171
como professores, de ensinar. Mas antes que continuemos nossa jornada, Jano
precisa pensar um pouco. Deixemo-lo.
[Depois de tudo que vimos até aqui, algumas passagens no debate que
se encerrou não me assustam. Outras prometem tirar o sono de quem quer que
pense na formação humanística no Curso de Jornalismo. Para não assustá-los,
vamos primeiramente ao que já era esperado.
Que há limites no jogo, e o jogo é difícil, já sabíamos. E sabíamos
também que, dada a natureza da conversa, ninguém haveria de negar que a
formação humanística é importante. Afinal, admitir que não é equivaleria a assinar
a confissão de que o Ensino Superior rendeu-se, irremediavelmente, às pressões
do mercado e a sua lógica da muita informação e nenhum entendimento.
Conforme havíamos observado também no PA, o papel da formação
humanística permanece indefinido, com diferentes matizes. Ora é cultura geral,
ora é condição de crítica ao próprio jornalismo, ora é base para a formação de um
compromisso ético (com uma visão de jornalismo ideal que se alimentaria a partir
da formação humanística). Outras vezes ajuda a resolver problemas no trabalho
cotidiano (não se deixar manobrar pelas fontes). E para alguns ainda – e, com
grata surpresa, entre os professores das disciplinas técnicas – a formação
humanística surge como condição para a técnica, requisito para enxergar as
brechas nas contradições da própria organização empresarial do jornalismo. E se
transforma em pré-condição para a formação de profissionais tecnicamente
melhores.
Vale destacar que desses professores, dois têm formação não
estritamente técnica. Um deles é mestre em Educação e especialista em Filosofia
Social. O outro é doutor em Sociologia. O primeiro tem vinte anos de docência e o
segundo, dez anos.
Mas nos preocupa ver, entre os docentes das disciplinas que integram
o eixo da formação humanística, um enfoque que não dá conta de todas as
dimensões que a mesma pode ter. Restringem-se ao aspecto consciência crítica
e cultura geral, sem entrar no âmbito da ética e da atividade prática e cotidiana do
jornalismo.
172
Igualmente sintomático é o fato de que, em nenhum momento, a crise
dos jornais impressos foi levantada, nem em suas conseqüências, nem em suas
causas. Quando o tema em discussão era o jornalismo real e seus limites,
esperávamos mais, principalmente considerado um conjunto de quatorze
docentes (incluída a direção) no qual, à exceção de dois, todos são mestres e há,
entre eles, sete doutores.
Mas o que mais nos angustia é saber que há quem considere que não
há saída para além do esforço das iniciativas isoladas e individuais. E que vê na
idéia do jornalismo contribuir de alguma forma para a transformação da sociedade
apenas um revestimento ideológico (e, nesse sentido, consciência ingênua a
respeito da realidade). Como pensar a educação se não se vê, no horizonte,
qualquer perspectiva de mudança, se não se enxerga a fissura, o espaço a ser
ocupado no presente e no futuro por jovens jornalistas? Como fazê-los ver que há
sim um ideal de jornalismo, quando se acredita que não há caminhos? ]
V.2 Jornalistas que queremos ser
Retomemos nosso caminho. Vamos conversar um pouco sobre o
nosso ideal de jornalismo, ou sobre o jornalismo que consideramos ideal, de
maior qualidade e, por isso, capaz de responder positivamente à demanda por
transformações na sociedade contemporânea. Ouviremos primeiro os alunos que
estão chegando.
Acho que o jornalismo é uma ciência, é uma arte de mostrar os bastidores
da sociedade para aqueles que não têm o poder de ver ou a condição de ver a sociedade
como os jornalista vêem. Não é uma técnica, é um processo (AIM1). O jornalismo pra
mim é o jeito de atuar pela cidadania de um jeito forte, presente, de não ter que ficar
escondido na sociedade, tentando fazer coisas pequenas. Acho que o jornalismo é um
momento que você tem de exercer o seu direito de cidadão, lutar por ele, ser
representante de uma classe toda (AIM2) .
Pra mim o jornalismo é um grande meio de você mexer na sociedade. Acho
que você pode ajudar muito ou destruir muito uma sociedade através do jornalismo,
através da divulgação de informações. Mexe muito, as pessoas confiam nos jornalistas
(AIN1).
173
Eu já sou mais prático. É trazer para o público coisas que acontecem na
sociedade da maneira mais clara e objetiva, sem ficar enrolando (AIM5.)
Percebemos que, entre os alunos ingressantes, há uma
preocupação com a transformação social, e – nesse sentido – não enxergam o
jornalismo como uma profissão qualquer. Mas é importante destacar que dois dos
alunos(as) (AIM1 e AIN1) que se manifestaram cursam Ciências Sociais na
UNICAMP, o que pode ter influenciado suas visões. Já o AIM5 é cinegrafista,
trabalha na área e seu discurso revela bem os condicionamentos de quem está
convivendo com o dia-a-dia da profissão. É importante ouvirmos agora a opinião
que têm os estudantes que estão acabando o curso neste ano de 2007. Eles
discutiram e estudaram jornalismo nos últimos anos e, muitos, já trabalham na
área. Será que têm a mesma opinião dos que acabaram de chegar? Ou se
encaminham para a posição mais prática do AIM5?
Jornalismo? A gente está procurando... Talvez se restrinja a descobrir
notícias, a divulgar notícias que são fatos, contrapondo o discurso e opiniões. Eu
concordo com a opinião do Eugênio Bucci, que diz que o jornalismo mostra a verdade
factual de algum acontecimento. Nós vamos atrás de diferentes fontes para tentar
construir não a verdade, mas uma verdade dos fatos, relativa. E quando fazemos isso, a
sociedade conhece o que está acontecendo. A mídia seria assim um espaço de debate,
onde a própria sociedade se reconhece (ACM2).
O jornalismo deveria ser uma história imparcial, a história dos outros
contada com imparcialidade, mas a gente sabe que não tem como isso acontecer porque
desde o momento que você escolhe tal palavra, você está empregando o seu valor na
construção do texto (ACM1).
Eu acredito no jornalismo, aquele com isenção total, que te mostra a
verdade pra te informar. Eu acredito nisso, apesar de saber que o jornalismo de hoje em
dia ... E já falamos tanto sobre isso...( ACN2).
O jornalista é a grande ponte entre o que está acontecendo e o
telespectador, o ouvinte seja ele quem for. Você é fundamental pra poder informar, para
fazer uma leitura do mundo para quem vai te ler, te ver, te escutar. Nós fazemos com que
as pessoas entendam o mundo (ACN1).
Grandes mudanças. Os alunos concluintes, ao longo de quase quatro
anos, incorporam o discurso técnico e, de alguma forma, sugerem um abandonar
de certos sonhos, muito presentes nas definições de jornalismo ideal que os
estudantes que estão iniciando o curso expressaram. Nós vamos voltar a esse
aspecto das ilusões perdidas no final de nossa conversa. Outro aspecto que
chama à atenção é o fato de se insistir numa busca de imparcialidade, de
neutralidade, que – sabemos – não se pode alcançar. O jornalismo sempre será
174
um recorte da realidade, mesmo quando tenhamos ouvido diferentes versões.
Porque ele faz, antes de ouvir as fontes, um escolha entre o que noticiar e o que
não noticiar, e os critérios de interesse público e atualidade, por exemplo,
permitem inúmeras leituras da realidade.
Mas destacaríamos a intervenção do(a) ACN1. Porque há pouco (v. p.
163), ele(a) disse que, no mercado, vale o poder econômico e todos os conceitos
que aprendemos na Universidade caem. Não deve ser fácil ter tal visão bastante
pessimista quanto às possibilidades do jornalismo real e enxergar, com tanta
clareza, as implicações deste ser ponte entre a informação e o cidadão. E, no ser
ponte, estar moldando o entendimento do mundo. É a grande contradição do
jornalismo, produzindo em escala industrial notícias para consumo. Quando, e ao
mesmo tempo, tal produto guarda esta especificidade de ser “compreensão da
realidade” para muitos. Por isso, a perspectiva do ideal não deve, apesar de tudo,
ser abandonada. Ela fica como um horizonte... Vamos ouvir os professores das
disciplinas humanísticas?
O jornalismo investiga, agora o jornalismo investiga sempre? Claro que
não. É uma contradição. Eu ainda acho que se o jornalismo fosse mais plural, no sentido
de que os canais de comunicação estivessem também tão plurais, a posse desses canais
fossem tão plurais quanto é a liberdade de opinião, liberdade de expressão, seria uma
contribuição importante pra consolidação de um projeto de democracia ( PH1). O que é
um “jornalismo ideal” vai variar conforme a heterogeneidade destas visões sobre a
sociedade. O profissional deveria ser formado para fazer um jornalismo investigativo,
plural e democrático, mas a grande mídia não deseja isto ( PH5).
Idealmente, o jornalismo deveria instigar um saber crítico sobre a realidade,
apresentando questionamentos e problematizando enfoques distintos. De fato, isso
acontece apenas com alguns veículos, como é o caso da TV Cultura, com sua proposta
educativa, que aponta para a diversidade de formas de pensar a sociedade, sem operar
exclusões (PH6).
Importantes colocações. E há um eixo que as une: a demanda por
visões novas da realidade, que permitam sair do “discurso único” do
neoliberalismo e alarguem a compreensão da realidade, com enfoques diversos,
de diferentes pontos de vista. O mais interessante é que elas, de alguma forma,
recolocam, como já vimos no Capítulo I, a dimensão que adquire – na prática
jornalística - uma contradição fundamental do sistema capitalista. Com o
desenvolvimento empresarial do jornalismo, acabou se criando um modelo
hegemônico – e um olhar muito dirigido para a realidade, com a
175
espetacularização da notícia e a superficialização da informação. Só que a
necessidade de compreensão do mundo só se amplia na sociedade
contemporânea e fica a pedir novos olhares. Abrem-se, assim, novos espaços.
Ter isso como perspectiva quando pensamos a formação humanística dos
futuros jornalistas é fundamental, já que aponta para o futuro, que – em larga
medida – pertence aos jovens estudantes. O que educadores e veteranos
jornalistas podem fazer é apontar a contradição. Até para ajudar Jano a se
angustiar menos (vide p. 171). Vamos ouvir, então, o que têm a dizer os
professores das disciplinas técnicas, todos jornalistas com larga experiência.
É a arte de bem informar o público leitor. Numa expressão bem rápida é
isso. Uma arte que se desenvolve com técnicas pelas quais se chega à informação, se
capta essa informação e se codifica essa informação para que chegue até o público de
forma agradável e, particularmente, cumpra o dever de informar ( PT2).
Eu gostaria de retomara intervenção do ACM2
26
. O jornalismo é uma
técnica de recolher versões. O que se publica, nos diferentes suportes, são versões. E
versões no plural porque o leitor/ouvinte/espectador precisa conhecer as versões. Quem
busca uma notícia está buscando um dado pra ele refletir acerca daquilo. O jornalismo
não é, não usa uma fonte única, até por conta disso. Você sempre trabalha com as
versões. O jornalismo é o único, é a única forma de escritura que tem esses
compromissos inerentes a ele. Muito específicos, muito exclusivos dele, que nenhuma
outra atividade tem. Mas o jornalismo também é cenário, no qual os atores sociais vão
digladiar suas idéias, suas propostas para as alterações que a sociedade cotidianamente
vai exigindo da gente ( PT1).
Uma colocação instigante. Para um futuro debate, ou um futuro
estudo, as palavras de PT1 colocam um bom problema de pesquisa: na medida
em que a técnica jornalística é a resposta “operacional” para a construção de um
discurso que possibilite a compreensão do mundo, não deveria ser repensada
continuamente, por conta de todas as aceleradas mudanças sociais que tiveram
lugar no século XX? E se são versões, como definir – em fatos sociais de
crescente complexidade – quais são os lados envolvidos num fato? Quem ouvir e
por que ouvir? Quando RAMONET faz a crítica da comunicação de massa, ele
critica justamente a fixação do jornalismo num modelo, conforme vimos no
Capítulo I, e que é herdeiro da concepção do jornalismo como uma técnica de
recolher versões sobre acontecimentos de interesse público.
26
Ver página 173.
176
Mas há um aspecto na intervenção do PT1 que, parece, encontrou eco
entre os demais professores das disciplinas técnicas. Fale PT3.
Acho que é uma forma de pensar e discutir a sociedade. E ao mesmo
tempo, com todo o desenvolvimento que teve o jornalismo, com toda a estrutura de
mídia, de comunicação que existe na sociedade, vejo hoje o jornalismo, a comunicação e
a mídia como um todo, é o grande espaço de diálogo de construção e reconstrução da
própria sociedade (PT3).
Então demos um salto. Não se trata mais apenas de ser um palco. É
uma forma de pensar – e entender – a sociedade contemporânea, pensar e
entender o que acontece no palco dos conflitos que PT1 assinalou.
E não podemos esquecer também que, por outro lado, o jornalismo é
socialmente responsável pela memória, pela história. Ele faz memória, ele faz história da
sociedade contemporânea basicamente (PT5).
Agora nos aproximamos da idéia do jornalismo como narrativa da
contemporaneidade. Penso que é o momento de ouvirmos PT4, que tem toda
uma reflexão desenvolvida sobre essa dimensão histórica e contemporânea ao
mesmo tempo. A palavra é sua, professor.
Acho que jornalismo é uma maneira, é uma atitude que você tem diante da
realidade, no sentido de perceber nuances e aspectos além do que a aparência das
coisas, dos discursos, te dá. No sentido de extrair daí toda uma conjuntura e daí, com
muita sorte, um pedacinho de determinas estruturas que acabam moldando o cotidiano
das pessoas e que transformam o jornalista numa espécie de um ego-histórico de seu
tempo Ele tem a responsabilidade de escrever sobre este cotidiano, estando inserido nele
e sendo afetado por ele sob por vários aspectos. Isso nos dá uma diferença muito grande
do historiador, do sociólogo, do antropólogo, que têm um olhar desenvolvido para o
fenômeno social, normalmente depois que ele acontece, que podem captar essas
extensões a partir do que impregnou a vida social. O jornalista não, ele trabalha com
aquela visão do impacto, ele trabalha teoricamente usando um racionalismo que, na
maioria das vezes, não se define. A sua ligação com o mundo é muito mais por um
repertório cultural que o faz sentir determinadas sensações e intuições com estes fatos
(PT4).
Quando ouvimos alguém que, além de jornalista, se dedicou à
Filosofia e à Educação, novos ângulos são colocados. O que nos propõe PT4 é
que o jornalismo vai muito além do relato dos fatos, a partir de diferentes versões.
Sua proposta amplia a idéia e, ao mesmo tempo, a complica. Supõe que o
jornalista seja capaz de compreender o mundo – partindo do raso das aparências,
para ler os fatos e os discursos sobre os fatos com um olhar crítico. E tudo isso na
corrida do cotidiano, no calor dos acontecimentos. Uma compreensão que, por
conta de tais limitações, não pode ser completa. Mas é uma compreensão. E que
177
tem, como já salientaram vários professores e alunos, grandes implicações para a
sociedade.
Esta intervenção nos leva ao retorno a um conceito de jornalismo que
até aqui, ao longo deste debate, andou esquecido. E que está colocado no próprio
Projeto Acadêmico do Curso de Jornalismo da PUC – Campinas, 2001, p. 38.
Dele nos ocupamos no Capítulo IV, p. 116, quando apresentamos a concepção
que – no plano das intenções – orienta o PA/PPP do curso. jornalismo, na visão
adotada, é uma forma de conhecimento do mundo, um conceito elaborado por
Eduardo Meditsch, professor e estudioso do jornalismo.
Ao nos trazer de volta ao PA/PPP, nos reaproximamos novamente do
objetivo desta conversa: discutir a formação humanística do jornalista, na forma
como ela ocorre na PUC – Campinas. Do ponto de vista do jornalismo ideal – e
daqueles jornalistas que desejamos ser e que desejamos formar – qual é o lugar
da formação humanística? As intervenções de alunos e professores já sinalizaram
que, para além da técnica, precisamos de algo mais. Por que?
O jornalista está no meio termo entre o compreender e o explicar.
Compreender implica desenvolver um repertório cultural que o deixe disponibilizado para
compreender o outro na autenticidade do outro, e não trazendo para o seu quadro de
interpretação, às vezes formado por dogmas, uma série de erros até de educação, etc. E
o explicar é ele ter o talento de transformar aquilo que ele aprendeu num tipo de discurso
acessível a demandas segmentadas de público ( PT4).
Retomamos aqui um outro fio de nosso pensamento ao longo de
todos os capítulos anteriores. Há, intrínseca ao jornalismo, uma dupla demanda:
reflexão e prática. Pensar e escrever. Pensar bem para escrever bem. É nesse
duplo caráter da atividade que vimos encontrando, até aqui, o lugar da formação
humanística. Mas será que os alunos têm clareza disso? Não vamos, por ora,
discutir as experiências concretas que cada um teve ou tem com as disciplinas
integrantes desse eixo de formação. Mas é importante saber o que pensam sobre
a necessidade do estudo das chamadas Humanidades.
A partir do momento em que você se propõe a ser jornalista você precisa
conhecer o mundo a fundo, conhecer as políticas do mundo, entender mesmo como as
coisas funcionam. Para isso estudamos Sociologia, Antropologia, Psicologia, Economia,
etc. e tal (ACN3).
178
E, novamente, a unanimidade se fez. Todos acreditam ser fundamental
a formação humanística. Por quê? E em que dimensão?
Para retomarmos as contradições que observamos nos objetivos da
formação humanística no PA/PPP do Curso de Jornalismo da PUC – Campinas,
vejamos algumas opiniões dos alunos.
Muito mais do que técnica, deveria ser mais aprofundada essa parte
humana pra gente ter base naquilo que vai escrever depois, daquilo que vai vir a se
tornar um assunto público mais tarde, então acho que deveria haver mais ênfase nessa
parte, que é pouco valorizada ainda dentro do curso em si (AIM2).
Eu acho que um jornalista, em primeiro lugar, tem que ser aberto a tudo.
Não se restringir, por exemplo, eu quero ser jornalista de economia e só vou estudar
Economia, só quero aprender algo relacionado a Economia. Penso que tem que ser
diversificado (ACM1).
Um jornalista deve ser humilde. Evidente, tem que se informar sobre as
coisas que estão acontecendo pra poder exercer sua função, passar informação para o
seu leitor, seu telespectador ou ouvinte, seja ele quem for (ACN1).
O que se destaca em tais afirmações? O caráter de cultura geral da
formação humanística, necessário para trabalhar diversos temas, diversos fatos.
Saber um pouco de tudo, estar informado sobre tudo que acontece. Não há uma
ênfase sobre o caráter instrumental do saber – enquanto ferramenta para
enxergar o mundo, compreendê-lo primeiro, para depois explicá-lo –, como
sugeriu a definição do ofício proposta por PT4.
Mas vamos ouvir os professores das disciplinas humanísticas? O que
eles pensam que deva ser a contribuição de tais saberes para a formação do
jornalista?
Eu penso que tudo se explica a partir do momento em que você pensa nas
competências e habilidades que deve ter um jornalista. Eu penso que ele tem que ter
capacidade de discernimento. O bom jornalista não é só aquele que retrata em 15 linhas
o que acontece, mas aquele que também antecipa tendências, capaz de mostrar, capaz
de analisar. Então pra fazer isso tem que ter uma formação maior do que um simples
manual de redação dos jornais. Precisa ter uma boa formação ampla para entrevistar.
Como é que o jornalista vai fazer uma pergunta se ele não consegue discernir esse
mundo (PH2)?
Vamos complementar. Eu acho que além de abrir o espectro desses
profissionais que acho de extrema importância para os jornalistas, quer dizer, faz com
que ele tenha um conhecimento melhor de algumas questões que na sua vida
educacional ele não teve (PH3). O trabalho do jornalista visa pessoas e grupos de
pessoas. Impossível pensar que conhecimentos de Sociologia, Antropologia e Psicologia
179
não são importantes, pois darão a base para a atuação dele e mostrarão a relevância da
“cultura geral” e da constante necessidade de atualização. O resto é técnica (PH4). O
jornalista deve discutir e problematizar as mudanças da história, da sociedade em que
vive e aprender a buscar, pesquisar e discutir conhecimentos críticos e democráticos,
plurais ( PH5).
PH2 está colocando a necessidade da formação humanística numa
perspectiva diferente, do nosso ponto de vista. Da maneira como foi expresso,
entendemos que aqui se vê a necessidade prática desta formação, como suporte
para o exercício prático mesmo da profissão e não apenas como uma cultura
geral. Um outro aspecto, salientado por PH5, é o fato de que é nesta formação
humanística que se aprende também a pesquisar, uma atividade que qualquer
jornalista, no cotidiano, desempenha. É claro que não se trata de pesquisa
cientificamente válida, mas é pesquisa, pois você passa o tempo todo em busca
de dados. O que a formação humanística propicia é um instrumental para analisar
esses dados, examinando-os com olhos mais abertos, tendo outras referências,
como já foi salientado aqui.
Olhos mais abertos sim, uma visão mais ampliada e crítica sobre a
realidade. Tentamos abrir fendas para que, no meio à pasteurização das formas de
pensar, cada aluno possa olhar para o mundo com uma postura menos
preconceituosa, menos etnocêntrica. A educação tem que servir para a vida, para
melhorar o ser humano, para que ele seja mais lúcido, mais crítico, mais resolvido como
pessoa. Esse é o nosso papel (PH6).
Sob esse aspecto, eu diria que jornalista tem que ter radar, sabe aquele
radar que você vê coisa onde não tem. Ele tem que estar muito preparado, preparado
não só no sentido cognitivo, do conhecimento. Eu acho que o conhecimento é
importantíssimo, eu acho que ele precisa conhecer muito, só que ele precisa ter
sensibilidade. Então acho que o equilíbrio entre uma coisa e outra traz um profissional
mais interessante (PH3).
Esta é uma metáfora interessante, PH3. Porque se soma à
intervenção de PT4 quando ele diz que o jornalista tem que compreender e
depois explicar. Só que há tantos fatos no mundo, e é nesta hora que o radar que
você coloca, PH3, nos parece muito importante. O que pensam os professores
das disciplinas técnicas sobre o que foi colocado até aqui? É possível ligar a
formação humanística ao exercício de um jornalismo de melhor qualidade, aquele
que gostaríamos de ver disseminado pelo mundo?
180
Um bom jornalista precisa ter uma percepção das coisas do mundo atual,
ele precisa saber como é o mundo e o que está em processo de transformação no
mundo. Eu diria, em todos os campos, todos os campos do nosso cotidiano. Do nosso
cotidiano faz parte, como diz o Professor Chaparro, da USP, “as coisas que o mundo tem
e as coisas que faltam ao mundo”. Porque as coisas que faltam ao mundo também são
objeto da nossa preocupação. Então eu diria que ele tem que ter essa percepção de
mundo, que é o mundo com o que ele tem e com o que falta. Eu diria que ele é também
um cientista do cotidiano, ele tem de, enquanto cientista do cotidiano, observar os
fenômenos que se transformam. A sociedade é plenamente dinâmica, ela se transforma
no seu cotidiano. Ás vezes lentamente, às vezes, mais abruptamente. Ao jornalista cabe
a habilidade, a competência de perceber essas transformações e julgar essas
transformações. Essa transformação, esse fenômeno é digno de registro, esse fenômeno
não é digno de registro. O que é um fato noticioso, diferentemente, daquilo que não seja
um fato noticioso. Ele tem que ter a condição de perceber, distinguir uma coisa da outra
(PT1).
E dá para perceber que esta percepção pode ser ampliada com os
saberes propiciados pela formação humanística? Quem gostaria de se
manifestar?
Eu acho impossível pensar criticamente se você não tem uma visão
humanística. A Sociologia, para mim, foi um diferencial fundamental porque me permitia
observar a sociedade de uma forma que nem todos os meus colegas tinham essa
possibilidade. É um saber que lhe dá suporte para um jornalismo crítico, analítico, mais
amplo, que se consolida muito na área cultural, por exemplo (D1).
Nós temos que exercitar um olhar que vai muito além da técnica, porque a
técnica se apreende por princípios muito primários de instrução, pela repetição etc. Isso
pode se conseguir em muito menos tempo e com um custo muito menor fora do âmbito
universitário. Acho que o principal é esse repertório, que entra na formação paralela, mas
que não é paralela pro jornalista. É nela que o jornalista pode se apoiar pra aceitar o
desafio de desvendar esses emaranhados dos discursos que formam o mundo ( PT 4).
Estamos nos convencendo de que, para vocês também, a formação
humanística não é um mero adereço no curso de jornalismo. Ela está diretamente
relacionada com o fazer jornalismo, porque é o que dá a base para aquele pensar
bem que vem antes do escrever bem, como dizia o Otto Lara Rezende. Mas
parece que PH1 quer falar, e vejo que ele está um pouco irritado com os rumos
da nossa conversa. Diga, PH1.
Eu gostaria de ponderar um pouco esta ênfase que está sendo dada à
formação humanística como um requisito para a atuação profissional. Concordamos que,
o profissional de jornalismo tem que ter uma visão humanística na área da Historia, da
Sociologia, da Antropologia ou até da Filosofia enfim, porque isso vai ser importante para
sua formação, sua atuação profissional. Eu acho que objetivamente, um jornalista que
estuda Sociologia, que estuda Teoria Política pode ser que ele tenha elementos, tenha
condições de ser um profissional um pouco mais competente. Agora, não parece muito
adequado o argumento de que as Humanidades servem apenas para capacitar o
181
profissional para atuação. Parece que por trás deste discurso, de maneira subjacente a
ele, há uma certa instrumentalização das Humanidades ou da formação humanística.
Então, se ele fosse um engenheiro ele não precisaria ou se ele tivesse um curso de
química ele não precisaria? Eu reconheço que uma boa formação na área humanística
pode sim deixar o aluno mais competente pro mercado de trabalho, mas eu fico
preocupado quando o critério é o mercado de trabalho apenas. Parece que uma boa
formação humanística deve apontar para aquele aluno que vai ser jornalista, mas antes
de ser jornalista ele é gente, é pessoa, é cidadão e tem que ser convidado a ler o mundo,
a realidade como cidadão, não como espectador. Tenho certeza que uma boa formação
humanística é importante para o profissional de jornalismo, mas é mais importante para o
ser humano que está sendo capacitado e treinado para exercer o jornalismo. A mim me
assusta, esse certo discurso de instrumentalização da formação humanística, desculpa.
Estudar Teoria Política só porque vai ser importante para atuação profissional. E às
vezes a intenção é boa, mas acho que ela peca no argumento, na raiz (PH1).
Vamos esclarecer alguns pontos. Não se trata, PH1, na perspectiva
deste nosso trabalho – do qual este debate faz parte –, de reduzir a importância
da formação humanística, trazendo-a exclusivamente para a dimensão do fazer
jornalismo. O que estamos problematizando é justamente o fato de colocar a
formação humanística no Núcleo Complementar do Curso, conforme vimos no
Capítulo IV. Porque a partir do momento que você desloca este conjunto de
saberes para o eixo complementar, aí sim é que você estará abrindo a guarda
para as pressões do mercado. Quando sustentamos sua importância, é para
preservá-lo dos riscos dela ser excluída, e deixar a Universidade apenas
destinada à formação de técnicos, sem qualquer perspectiva crítica ou analítica e,
dessa forma, muito mais sujeitos às pressões do mercado, porque desconhecerão
inclusive a dimensão social e política que tem a informação.
Creio também que é consenso que a formação humanística deveria ser
algo propiciado a todos os seres humanos, e não só apenas na Universidade,
porque se trata, como já salientou PT4, de um legado da civilização, ao qual
todos deveriam ter acesso como condição para o exercício de uma plena
cidadania. Sabemos que uma das maiores deficiências de nosso Ensino Médio,
por exemplo, é o fato de não iniciar o aluno nestes conhecimentos, restringindo-se
a prepará-lo para o vestibular ou para uma carreira de nível técnico. Então, que
fique claro, a formação humanística é sempre fundamental. Apenas destacamos
que no caso do jornalismo ela é um pré-requisito intrínseco ao desempenho da
atividade, além de ser um sustentáculo na formação do cidadão que,
eventualmente, será um jornalista.
182
Quanto melhor o ser humano, melhor o profissional (PT6).
Eu penso que dar a formação humanística é dar um norte para esse
jornalista entender o mundo em que ele vive. Ele vai trabalhar com esse mundo, ele tem
que ter uma consciência crítica plena pela Filosofia, Antropologia e Sociologia, por
exemplo, do que ser que a gente é e que convive com ele. O jornalismo transita por isso.
Esse jornalista tem que estar preparado para vislumbrar o ideal e tentar se aproximar o
máximo possível disso, mesmo que a realidade não seja a ideal obviamente. Então tem
que ter a cosmovisão da profissão, o que é ideal, o que eu gostaria de ser e como eu
posso adentrar no meio, no mercado de trabalho e contribuir de forma melhor (PT5).
Neste ponto de nosso debate, gostaria de convidar alguém para dizer
algo que, parece-nos, sintetiza a importância da formação humanística no
jornalismo real.
A prática jornalística nunca dependeu tanto da reflexão e do
estudo como agora. Uma redação não é um balcão onde notícias
são empacotadas. Uma redação é um núcleo encarregado de
pensar. Ela é tanto melhor quanto melhor for a sua capacidade de
elaboração coletiva. A qualidade do que ela apura, escreve, narra,
edita, fotografa e desenha é conseqüência do modo como ela
pensa – ou do modo como ela não pensa. Jornalistas não são
“mineradores” de informação exclusiva que ocasionalmente são
instados a pensar, mas precisam ser pensadores com grande
capacidade executiva. O jornalismo é uma atividade intelectual –
ou é inconseqüente e tolo (BUCCI, 2000, p.199).
E este pensar é o que nos vai permitir fazer escolhas, diante de todas
as pressões do mercado, tendo como norte o jornalismo ideal de que falamos até
aqui e que está no nosso horizonte, como alunos e como professores.
Eu destacaria que nós sempre precisamos lembrar que a produção de
informação jornalística realiza-se – sempre - com um recorte que responde a
interesses específicos: educar, desenvolver um saber critico, manter velhos paradigmas,
sugerir e defender outros, fazer sensacionalismo, escamotear determinados fatos,
proteger grupos, assegurar estruturas de poder, defender interesses de grupos
específicos, etc. (PH 6).
E vai depender dos jornalistas, e aí entra o papel das universidades (PH4).
Porque temos escolhas e porque a educação exerce, no ampliar o
leque de possibilidades para os estudantes, um papel fundamental. Por isso
vamos falar, na próxima etapa do nosso debate, sobre ensinar jornalismo. Quais
limites e quais possibilidades existem, no cotidiano da PUC – Campinas, para o
Curso de Jornalismo? O que a Universidade deve ensinar, neste quadro em que
há uma realidade que nos limita e um ideal que perseguimos?
183
Jano reflete:
[Continuamos a identificar, nas falas de nossos debatedores, todas as
ambigüidades que vimos expostas quando examinamos o PA/PPP do Curso de
Jornalismo da PUC – Campinas. De um lado, alguns professores das disciplinas
técnicas conseguem perceber que a formação humanística, além de ter uma
dimensão formadora da consciência crítica e ética do cidadão, é também parte
fundamental da formação profissional (é, como disse PT4, uma formação paralela
que não é paralela no caso do jornalismo).
Mas a maioria, entre alunos e professores, não percebe isso.
Pensamos que a consciência da dimensão da base humanística acaba por legar,
aos professores das disciplinas técnicas, um papel fundamental na organização
do curso. Porque, se eles fazem esta correlação, cabe-lhes, perante os
professores das demais disciplinas técnicas e, principalmente, frente aos
professores das disciplinas humanísticas (que, na sua maioria, não têm formação
em jornalismo), fazê-los ver a ligação. Mas haverá fóruns para este debate? No
próximo Capítulo nos ocuparemos de tais alternativas, das formas viáveis –
considerada a própria estrutura do curso que examinamos – de promover um
salto no ensino das disciplinas humanísticas.
Mas algumas coisas nos chamaram a atenção. A primeira delas é o
fato de apenas os alunos ingressantes haverem destacado, na visão ideal de
jornalismo, o aspecto do compromisso com a transformação social, da dimensão
política – no sentido mais amplo – que têm os profissionais que atuam na área.
Quando chegamos aos estudantes que se formam neste ano de 2007, a visão
muda. Há uma insistência num caráter de neutralidade que não esperávamos.
Afinal, parece ser consenso que não é possível ser neutro. Após quase quatro
anos de estudo, ainda permanece esta visão? Será que, nas disciplinas teóricas
específicas e nas disciplinas técnicas, o assunto não foi discutido? Mais que isso,
depois de todas as aulas das disciplinas humanísticas não foi possível perceber o
quanto as visões de mundo (da empresa em que trabalha e do próprio jornalista)
repercutem e estão presentes em todas as etapas do seu desempenho
profissional?
184
Mas não sejamos tão pessimistas, Jano. O fato de não haver consenso
em alguns pontos não nos deve preocupar. São sinais do próprio caráter
contraditório da educação, que não deixa de ser um instrumento de reprodução
da ideologia dominante. Falar em neutralidade no jornalismo é bem sintomático
desse aspecto.
Mas há espaços. Sempre há. Retomando as falas de PT1 e PH3,
gostaríamos de destacar alguns pontos. PT1 ressaltou algumas competências
que um bom jornalista deve ter: percepção do mundo e do que falta ao mundo;
habilidade de identificar transformações, distinguir o que é importante e o que não
é. Tudo isso requer saber pensar. Usar referenciais para ler a realidade.
Por isso, gostaria de fechar esta reflexão com a imagem que PH3
utilizou-se: ter um radar. É uma imagem preciosa. Radar para captar e para
depois, irradiar no narrar estas muitas dimensões. É claro que resta o problema
de romper com um determinado modelo de jornalismo que reduz as dimensões
possíveis quando se prende a um lead. Mas nós já vimos que há outras maneiras
de narrar os fatos. E, sobretudo, vimos que a crise nos jornais impressos e o
cenário da hiper-informação acabam por demandar justamente a capacidade de
ser radar, de estar ligado a tudo e, correlacionando fatos e falas (discursos que
compõem a realidade), produzir um entendimento novo.
E é por aí que, entendemos, deva caminhar a universidade. A partir da
análise do próprio fazer e das potencialidades dadas, organizar o ensino de forma
a não fechar possibilidades. Para não deixar, inclusive, que – ao final de quatro
anos de curso – os alunos tenham perdido qualquer esperança.]
V.3 Ensinar jornalismo: possibilidades e limites
Já falamos do jornalismo real e do ideal que alimentamos. Também
já estamos convencidos de que a formação humanística é importante. Agora
queremos saber como isso está acontecendo na prática. Queremos ouvir primeiro
a direção do curso.
185
Na prática, você encontra uma série de problemas, número de alunos na
sala, o tempo que o professor tem pra conversar, o fato eventualmente do professor não
ser da área de jornalismo. Esses problemas talvez tornem a formação humanística,
menos humanística do que a gente gostaria que ela fosse (D1). O problema é que
professor que vem dar as disciplinas de formação humanística interage muito pouco com
a faculdade porque também vem correndo, tem que sair daqui e dar aula, trabalha em
vários cursos e aí acaba ocorrendo uma padronização da forma de trabalhar (D2.)
Nós temos que trabalhar com os alunos a partir de um ponto. E a
observação tem mostrado que esse ponto é cada vez mais atrás em vez de ser cada vez
mais à frente. A expectativa é que nós teríamos um pós-vestibulando, ou seja, um
ingressante capaz de organizar um texto. E nem sempre isso se encontra na
universidade. E aí nós vamos ter que primeiro ensinar a capacidade de expressar pra
depois a gente trabalhar sobre aquilo que está expressando (D1).
Então, apesar do que se planejou no nível do PA/PPP, há
dificuldades. Elas dizem respeito à estrutura do curso – com a não redução das
turmas (a chamada modulação) quando se trata de disciplinas teóricas. Mas
também incluem as dificuldades que os alunos trazem. O que pensam os
professores das disciplinas humanísticas?
Dar aula para 90 é muito mais desafiador para o professor do que dar aula
para 30. Evidente que eu acho que é uma questão que não inviabiliza o processo
pedagógico, mas interfere. Eu tenho trabalhado e acho que outros colegas têm
trabalhado com aulas, praticamente, aulas conferências em tais disciplinas (PH1).
A formação humanística do aluno é muito frágil em todos os cursos,
problemas advindos do ensino médio, público ou privado, cuja ênfase é uma visão para o
mercado. Na Universidade, estas disciplinas estão alocadas todas no primeiro ou
segundo semestre, momento em que o aluno está muito imaturo e querendo ir para a
“prática” da profissão. Então a formação humanística pode até ser valorizada pelos
alunos, mas poderia ser mais bem compreendida em anos subseqüentes (PH5).
PH 5, você está levantando um outro problema da estrutura do curso.
A questão da distribuição das disciplinas durante os quatro anos parece ter sido
sempre um nó, em sucessivas versões do Projeto Acadêmico, conforme
destacamos no Capítulo II deste estudo. E, como veremos quando ouvirmos os
alunos a respeito de como aprendem e o que aprendem, tem impactos mesmo.
Vamos retomar o assunto no próximo momento do debate.
O que está ficando claro é que há dificuldades. O fato dos professores
das disciplinas humanísticas não serem vinculados à Faculdade de Jornalismo
tem sido destacado. Mas, e os professores das disciplinas técnicas, que – em
geral – trabalham numa situação mais favorável (com turmas até de 15 alunos) –
eles não poderiam ajudar a motivar os estudantes, até levando em conta a
186
imaturidade com que chegam à Universidade e com pouco ou nenhum contato
com as chamadas Humanidades?
Todas as disciplinas são teórico-práticas, deveria ser assim. Mas dentro
das que estão com enfoque mais prático dá para fazer alguma coisa. Aí vai de uma
questão também da formação do professor, da formação intelectual do professor. Hoje
eu posso estar dando uma aula que é essencialmente prática. Mas nós temos aulas
expositivas na disciplina. E nessa aula expositiva os exemplos são dados a partir da
relação teórico-prática e da indagação : quem é um bom jornalista? Bom, você quer ser
um bom jornalista, você vai ter que escrever um texto assim, com essas técnicas e estas
técnicas. Mas quem é um bom jornalista? Pergunto para os alunos. Clóvis Rossi, Gilberto
Dimenstein. Ah, ele só aprendeu técnica?. Não, tem toda uma outra formação. Então
você começa ver e mostrar com exemplos da realidade como que o grande jornalista e o
jornalista muito capaz que é referência está ligado a uma formação maior. Então eu
procuro, pedagogicamente falando, procuro relacionar através de exemplos, através de
histórias, como a formação humanística, cultural e ética está relacionada com a
capacidade intelectual e técnica do aluno. Agora, claro que se houvesse algum projeto
dentro da universidade seria importante. Penso que esse é um problema realmente de
todos os cursos, é uma questão cultural da sociedade ( PT3).
Eu acho que a formação humanística deveria permear todas as disciplinas,
até as disciplinas técnicas, e, às vezes, a gente faz um pouco de distinção. Eu não gosto
muito dessa distinção. Olha, Sociologia é dessa área humanística, agora Jornalismo
Impresso não é. Eu acho que todas são. Acho que esse Humanismo deve estar presente
em todas as disciplinas, deve romper essa barreira e desfazer esses compartimentos. De
certa forma, o currículo de jornalismo da PUC permite isso, claro que com limitações
(D1).
Realmente, o PA prevê a integração. Mas estamos vendo que ela
não ocorre na prática. As dificuldades são de vários tipos, mas PT3 lembrou bem
que deve haver um empenho no próprio curso para que a integração e a
interdisciplinaridade se tornem uma prática efetiva e saiam do âmbito das
intenções. O que não podemos é deixar que tudo dependa exclusivamente dos
docentes. Há uma responsabilidade de coordenação pedagógica que deve ser
assumida. Mas nós ainda vamos conversar sobre isso.
A esse respeito, vale ter em conta o que nos diz o Antonio Joaquim
Severino:
A superação da fragmentação da prática da escola só se tornará
possível se ela se tornar o lugar de um projeto educacional,
entendido este como o conjunto articulado de propostas e
planos de ação em função de finalidades baseadas em valores,
previamente explicitados e assumidos, ou seja, de propostas e
planos fundados numa intencionalidade (SEVERINO, 1995, p.
170).
187
E vale salientar: o que se precisa é de um “conjunto articulado de
propostas e planos de ação”. É por isso que dedicaremos o Capítulo VI de nosso
estudo a pensar nas superações possíveis. Naquilo que já foi conquistado e no
que está por ser construído, sempre coletivamente, porque todos – professores,
direção e alunos – são agentes efetivos neste processo.
Mas vamos tentar resumir, na visão dos professores das disciplinas
humanísticas, o quê e como deve ser ensinado.
Não se trata de preparar para fazer, se trata de preparar o aluno ou ajudá-lo
a se preparar para que ele consiga se colocar de maneira crítica, inclusive diante das
contradições dos processos, do processo do jornalismo, enfim. Tão importante quanto
aprender escrever, para o profissional de jornalismo, escrever bem, editar bem, falar no
rádio, na televisão, editar textos para Internet,é ser capaz de olhar criticamente a sua
própria profissão. A mídia critica todo mundo, mas quem faz a crítica da mídia? O aluno
tem que aprender a pensar. Tem que ser convidado a continuar pensando de maneira
crítica. PH1
Temos que trazer o máximo nossos saberes para o momento atual (PH2).
Tento trazer o máximo para o momento (PH2).
Complementando o que PH1 disse, eu penso que formar profissionais não
é só prover de conhecimentos, mas fazer refletir sobre tudo ( PH4).
E não apenas a Universidade, mas todos os níveis da educação formal
deveriam ter como objetivo formar cidadãos críticos, o que pressupõe conhecer o
passado e compreender a dinâmica das sociedades atuais ( PH6).
O PT1 está querendo dar a sua opinião. E nós entendemos que é
importante conhecer a visão de quem é um experiente jornalista e professor há 25
anos. Fala, PT1.
Eu penso que temos que lembrar que, no caso do jornalismo é
Humanidades, mas com um viés que se chama atualidade. Às vezes, um texto que você
prepara para tua aula, ele não funciona naquele dia, porque aquele dia é outra coisa que
acabou sendo objeto de preocupação das pessoas, e talvez um outro texto .. Então esse
professor precisa ter a clareza, estar antenado. Quando ele trouxer um trabalho pra
discutir em sala da aula, tem que ser a coisa mais própria possível, mais fresca possível,
mais do dia possível. Não precisa ser o jornal recortado no dia, mas pode ser o jornal
recortado no mês, cujo tema tenha conexão íntima com aquilo que está sendo discutido
ali (PT1).
Esta seria uma estratégia de aproximação, para romper com o
desinteresse dos alunos. PH1 também quer falar a respeito.
O mundo da técnica é muito sedutor, a gente recebe alunos que já sabem
dominar o Page Maker, o Corel Draw, ele já sabe fazer edição de vídeos pela Internet. E
188
muitas vezes ele chega achando que ele vai ser um profissional de comunicação porque
ele se dá bem com a técnica. Nós temos que mostrar e levar o aluno a perceber que a
comunicação não é só o saber fazer (PH1).
Vou polemizar. O ideal para mim é que o Curso de Jornalismo fosse um
curso menor, mas que tivesse um pré-requisito. No mínimo, ele teria que ter pelo menos
uns dois anos de uma boa formação em Ciências Sociais. Ele precisa ter uma formação
mais sólida, porque o tempo que temos para dar Humanidades é muito pequeno. E este
conhecimento, para mim, só mesmo com uma faculdade de Ciências Sociais (PT2).
PT2, de fato você quer polemizar. Esta questão que você levanta
foge um pouco àquilo que estamos nos propondo a discutir agora, porque implica
uma mudança de legislação. Mas, só para destacar, eu gostaria de ler para vocês
um trecho de um estudo muito interessante feito pela Universidade Metodista de
São Bernardo do Campo (SP). Foi um exercício de futurologia sobre o que vai ser
o jornalismo em 2010. Ouçam:
Haverá jornalistas que tratarão de assuntos específicos, como
política. Entretanto, ele deverá ter uma formação mais forte em
áreas como Sociologia, Filosofia, Economia e Antropologia. Um
profissional que se dedique a assuntos de esportes, deverá ter um
embasamento em Educação Física, História, Sociologia (voltada
ao esporte), enfim, a cada “setor” de atividade, uma formação
diferente.
O curso de Comunicação Social, Habilitação em Jornalismo, será
ministrado em dois ou três anos, porém, como especialização a
profissionais formados em outras áreas e que desejam trabalhar
como jornalistas. Dessa forma, teremos em uma mesma “classe”
economistas, sociólogos, médicos cientistas, físicos, químicos,
entre outros (GIACOMINI FILHO et al, 1996, p. 11).
No entanto, muitos são contra. Vejam o que disse a esse respeito o
Clóvis Rossi, no já clássico “O que é jornalismo”:
A fórmula correta para a boa informação jornalística deveria ser a
especialização dos jornalistas e não especialistas praticando
jornalismo. Mas é uma fórmula complexa, como já se viu, porque
envolve investimentos que as empresas estão pouco dispostas a
fazer e que os salários dos jornalistas não permitem que eles
próprios façam (ROSSI, 1980, p. 49)
Agora vamos voltar ao que é o centro de nossas preocupações. Já
vimos que a formação humanística é importante e as dificuldades que ela
enfrenta, em diversos níveis. Mas eu queria focar um aspecto que não discutimos
muito e que está, repetidas vezes, mencionado no PA/PPP, o que foi explorado
189
no Capítulo anterior desse estudo: a interdisciplinaridade. Vejamos o que dizem
os professores.
Acho que essa questão da interdisciplinaridade numa universidade
particular como a nossa, ela esbarra numa série de problemas. Os alunos não têm
disciplinas eletivas, os professores vêm de muitas origens, etc. (PT4).
Existem fronteiras institucionais, principalmente quanto ao regime de
trabalho, mas existem limites epistemológicos. Inclusive do conceito do que é
interdisciplinaridade. Como a gente entende interdisciplinaridade ( PH3).
Eu concordo. Os professores das disciplinas humanísticas têm que praticar
a interdisciplinaridade, que é uma ponte entre áreas. Só que essa ponte não é recortar
jornal e trazer para a sala de aula (D2).
Poderíamos, novamente, ficar horas e horas (e páginas e mais
páginas) discutindo sobre interdisciplinaridade. Não é esse nosso objetivo. O
tema é importante, vamos voltar a ele no próximo Capítulo. Mas andamos
conversando com alguns alunos ao longo dessa jornada e gostaríamos de pedir
que o AIM1 colocasse a posição dele, para que tivéssemos mais uma provocação
para os professores e gestores do Curso de Jornalismo da PUC – Campinas.
Você não pode ter um conceito só e depois você desliga o chip da sua
cabeça pra História do Jornalismo e vai pro chip de Jornalismo Impresso. Eles têm que
ter ligação, ligação com a Sociologia, com a História do Pensamento Científico. Eu acho
que o humano não é robô, a gente não liga e desliga o chip. Tem que ter essa relação,
principalmente pra gente entender melhor o que significam todos esses conceitos e essas
matérias (AIM1).
Alguns poderão alegar que se trata de um aluno do primeiro ano e
que, ao longo do curso, ele vai conseguir construir a integração entre as
disciplinas na sua própria cabeça. Nós discordamos de tal posição. Em primeiro
lugar, porque esse aluno, como já salientaram aqui, é muito imaturo, vem para a
Universidade querendo aprender a ser jornalista. E ele, sozinho, não consegue
estabelecer a ponte entre as disciplinas porque foi formado (e formatado) no
Ensino Fundamental e no Ensino Médio que não trabalham a integração. Ele se
preparou para o vestibular, apenas. Não para pensar em integrar, com 17 ou 18
anos (em geral), o conteúdo de Sociologia com a prática de jornalismo. A tarefa
continua com os professores e com a própria Universidade, no sentido de que
sejam criados canais, práticas e fóruns para integração. E agora, Jano quer
preparar o seu recado antes que passemos à próxima etapa.
190
[Não vou pensar muito agora. Só quero lembrar um dito do Guimarães
Rosa. Dizia o escritor: “Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente
aprende.” E quando se tem o desafio de formar jornalistas, por tudo que vimos
até aqui, o aprendizado dos docentes (e gestores, que também são docentes) não
termina nunca.
Esse eterno aprender – que pede o ofício de ensinar (e também o
ofício de ser jornalista, como já destacamos) – tem que ter horizontes. Ele precisa
se pautar pelo Projeto Político-Pedagógico que foi construído coletivamente, que
supõe uma visão de mundo, um ideal de jornalismo e uma determinada prática.
E ele tem que levar em conta também a outra ponta da relação educacional: os
alunos. Ensinar é apenas a contra-face (e eu, Jano, entendo muito disso, já que
olho sempre para os dois lados) do aprender. Por isso, vamos ouvir nossos
alunos (e também nossos professores) sobre o que é aprender jornalismo, como
se aprende jornalismo. Porque, como nos disse D2 há pouco, “o grande desafio
do curso hoje é aprender o caminho para lidar com o aluno”. ]
V.4 Aprender jornalismo: desejos e lacunas
A profissão é tão-somente um aspecto do ser humano. Ajuda a completá-lo e é,
por isso mesmo, necessária. Confundir a profissão com o ser humano, entretanto, é
como achar que o soldado nada mais é do que a farda, o dentista nada mais é do que
a broca, o químico nada mais do que um tubo de ensaio, o matemático nada mais do
que uma equação, o professor nada mais do que uma lição.
Dilvo Ristoff
Nossa proposta agora é ouvir os alunos sobre suas expectativas em
relação ao curso. Vamos ouvir os alunos ingressantes sobre este tema.
Eu acho que o jornalismo, a faculdade não vai ensinar a ser jornalista,
principalmente porque o jornalismo não é uma ciência exata. Não é uma coisa que você
vai aprender, não é uma teoria muito mecânica. É muito prática, jornalista é muito
curioso, jornalista é o cara que vai até o fundo para desvendar os mistérios da sociedade
e depois expor pro público. Eu acho que isso a faculdade não pode te ensinar, eu acho
que isso é sua característica, você tem que ter essa vontade, como uma Ciência Humana
depende muito mais da pessoa do que da faculdade. Você não vai ter nada na mão, nós
temos que correr atrás (AIM1).
191
Espero aprender um pouco da prática, que eu acho é importante. Um
pouco mais de mundo, História do Jornalismo, Sociologia. Espero me sintonizar porque
eu acho o Ensino Médio muito fraco, não tenho uma boa base. Então eu espero assim
que me deixe dentro do meio, que me faça assim ver as importâncias das leituras, de
você saber o conteúdo (AIN2)
Eu vim esperando me aprofundar porque muita coisa eu já sei, mas sei
muito artificialmente. Estava esperando me aprofundar mais e isto eu acho que tem que
ter uns professores bons, com uma boa didática. Acho que o que mais está faltando é
isso (AIM3).
Caros professores, há corações e mentes a serem conquistados.
Porque muitos alunos não acreditam muito que jornalismo se possa aprender. E,
logo no primeiro ano, já estão reclamando dos professores. Mas vamos ouvir os
que estão acabando o curso. O que ficou para vocês? O que foi importante?
Profissionalmente fica o ideal do jornalismo, acho que os professores
passam bastante, apesar de terem diferenças entre eles (ACM2).
Acho que o que foi importante é a vivência mesmo que você tem com
professores. Aqui na PUC eu acho, não conheço outras universidades, têm professores
muito bons, que eu aproveitei muito. Sei que o jornalismo só se aprende na prática,
porque quando eles contam qualquer história, são histórias que eles vivenciaram, quando
eu fui fazer aquilo. Nem todos os professores foram bons. Mas há alguns que são marca
registrada e o que eles puderam passar é que a teoria só aqui que acontece. Você tem
que ir atrás (ACN4).
Somente dois alunos se manifestaram? O que houve? Ah, vocês
querem falar do que poderia ser melhor, do que vocês não gostaram? Falem.
Estamos aqui também para aprender com vocês.
Todas as disciplinas são importantes. Mas tem que ser pensado um jeito
melhor de ministrar. Faltou o professor tipo traduzir a linguagem dele pro jornalista. Ele
está acostumado a dar aula para aluno do curso da área dele e já fala naquela
linguagem. Acho que Economia, História das Artes, Antropologia Teológica traduziu, foi
até bem (ACM2).É tipo assim, o Prefeito Toninho assassinado, alguma coisa assim, e o
professor na sala de aula falando de uma teoria de 1800. Ele poderia ter trazido a teoria
para aquele acontecimento... E, no fundo, ficou tudo numa pincelada, o que a gente até
entende e sabe que tem que ir atrás depois (ACN4).
Pra mim é inútil de verdade. História das Artes, não aprendi nada.
Economia não me lembro de nada. Eu acho que se fosse pra ter Economia, História das
Artes teria que ser voltado para o jornalismo, por exemplo, agora estou tendo Jornalismo
Especializado. Por que não faz Jornalismo Especializado em Cultura? A gente tem só
duas semanas de Jornalismo Cultural, por que não dá uma História das Artes ligado a
isso? Economia a mesma coisa, vamos fazer uma aula de Economia voltada para o
jornalismo. Os professores até tentam, mas pra chamar nossa atenção mesmo. Na
192
verdade, não é aplicado e dava pra fazer já que é obrigatório, mas tinha que fazer ligado
ao curso (ACN2).
É um cenário complicado. A tal da integração da formação
humanística no Curso de Jornalismo não parece estar acontecendo, na visão
destes alunos. E há um complicador a mais, uma vez que alunos concluintes
estão alegando inutilidade das aulas. Vamos pensar um pouco a respeito do
assunto... Uma coisa é faltar didática, outra é não fazer relação com o exercício
da profissão. E aqui teremos que ter cuidado para não reduzir, como tão bem
lembrou PH1, as disciplinas da formação humanística a uma simples
instrumentalização. No entanto, esta ligação com o ofício é importante,
principalmente quando você tem estas disciplinas nos primeiros anos do Curso,
quando o estudante está com sede de aprender a ser jornalista. Qualquer decisão
nesta área terá que ser muito bem pensada, levando em conta não só as
aspirações dos estudantes – muitos deles já pré-formatados pela lógica do
mercado –, mas também o horizonte que o PA/PPP coloca para a formação
humanística. Não é um problema de fácil solução. Mas nós veremos, no próximo
Capítulo, que muita coisa pode ser feita em relação à integração. Mas parece que
há mais alunos concluintes querendo se manifestar. Diga, ACN4.
Olha, eu queria dizer que tudo faz sentido. Pelo menos agora, para mim,
chegando no quarto ano. Agora eu vejo que tem sentido. Lógico que no primeiro ano
você olha pra algumas matérias e fala nunca vou usar isso na minha vida. Hoje você vê
que tudo tem sentido. Acho só que foi dispensável a forma como algumas disciplinas
foram levadas, não só por parte dos alunos, mas por parte de quem a conduziu (ACN4).
Eu achava que eu deveria aprender as técnicas de jornalismo. As técnicas
de jornalismo a gente aprende em seis meses, porém a faculdade te dá quatro anos pra
isso. A mentalidade que você tem no primeiro ano, não é a que você tem no quarto. No
quarto você sabe que em seis meses você aprende, mas no primeiro ano você não sabe.
Mas para isso é preciso formar o intelecto da pessoa. Você tem que crescer na
faculdade, abrir a sua cabeça. E, para isso, a formação humanística é fundamental. Só
que é aí que a faculdade peca. Ela contrata o melhor profissional da região para te
ensinar técnicas de lead, e na formação humana não faz a mesma coisa. Eu sei que
depende do interesse do aluno. Mas a faculdade também tem que investir (ACN1).
Muito interessante esta mudança de percepção ao longo do curso.
Coloca-se aí uma alternativa para quem anda pensando no assunto. De repente,
uma melhor distribuição na grade curricular pode ajudar. E o PT4 quer falar a
193
respeito. Como dissemos no início desta etapa, professores e direção também
podem se manifestar. Fale, PT4.
Existe uma comissão pensando o currículo, e uma das preocupações tem
sido pensar como seriar de uma maneira que dê um equilíbrio maior, porque a idéia
tradicional desse projeto em vigor é que o aluno comece com disciplinas humanísticas e
a medida que ele vai avançando no curso, elas vão reduzindo no número e vão entrando
as disciplinas de jornalismo, até que termina com as disciplinas de especialização em
jornalismo, que é o Jornalismo Especializado. Só que essa odisséia, essa navegação,
nem sempre é satisfatória do ponto de vista de ser prazerosa para o aluno. Não
consegue, muitas vezes, seduzir o estudante (PT4).
Nós vamos nos ocupar das alternativas no próximo Capítulo deste
trabalho e aí essa idéia será, certamente, retomada. Agora a direção quer falar.
Sentimos os alunos distantes. Os alunos estão afastados, eles não são
cúmplices, os alunos parece que estão muito longe. É uma preocupação muito infantil
com nota, um comportamento muito primário. Há uma fuga tremenda do trabalho. É
impossível conseguir o conhecimento sem suor, não tem o caminho fácil. Eu vejo, às
vezes, que os nossos alunos, talvez, tenham perdido um pouco essa noção do fazer pelo
esforço próprio. Por exemplo, aversão dos alunos cada vez maior ao professor exigente.
Eu vejo uma resistência tão grande, tão articulada, tão forte nos alunos, que mesmo os
exigentes estão cedendo. E acho que esse não é o bom caminho, que os professores
mais brandos, principalmente os novatos, é que deveriam seguir esse caminho da
exigência (D1).
Eu discordo. Tenho História do jornalismo, com um professor muito
exigente, mas é o melhor até agora (AIN1). Isso mesmo! Fizemos duas provas. São
provas muito boas, provas de reflexão e não de “decoreba”. São provas em que você lê a
pergunta e tem que pensar naquilo e responder. Por mais que seja História do
Jornalismo, tem data, mesmo assim ele consegue fazer disso uma reflexão (AIN2).
É o mesmo professor de Ética. Ele não separa jornalismo da ética. Naquela
matéria você aprende todo um ideal do jornalista, não é só sobre ética, uma coisa
moralista. A gente vê que a gente tem uma função com a sociedade e dá vontade de
estudar mais também. Eu até estou lendo o Eugênio Bucci (“Sobre Ética e Imprensa” )
(ACM2)..
Teremos que tomar partido aqui. Se olharmos a pesquisa de
avaliação que consta do Relatório de Atividades G8, veremos que as disciplinas
que os alunos citaram estão entre as melhor avaliadas pelos alunos que
concluíram Curso de Jornalismo em 2005. E, agora, os alunos que se manifestam
têm a mesma opinião, que inclui também uma avaliação positiva do docente.
Esta pequena divergência é, no entanto, sintomática. Sempre que algo
não vai bem, procura-se um culpado. E cada um, do lugar em que está e com o
194
poder que tem, olha a realidade do seu ponto de vista muito particular. E nem
sempre conseguimos enxergar a complexidade do que está a nossa frente.
De qualquer forma, esta etapa da nossa conversa foi muito rica.
Mostrou aspectos importantes quando pensamos na importância da formação
humanística e a necessidade de rever a organização curricular, a formação dos
professores, a articulação entre as disciplinas.
Um outro aspecto que foi bem destacado foi que o aprendizado prático
da profissão não se dá, de forma completa, na Universidade. Até porque ela tem
um ritmo muito diferente do que aquele que é praticado no mercado. Aqui
estamos para aprender o básico e o desenvolvimento virá, sim, com a prática. O
mais importante é saber que só a técnica não forma um bom profissional. E, de
uma forma geral, todos concordam com isso. A respeito desse tema, vou pedir
licença para convidar Eugênio Bucci a se manifestar:
No campo do jornalismo, a universidade não existe para entregar
ao mercado profissionais treinados – esse é o engano mais
freqüente sobre o papel da universidade. As empresas de
comunicação não apenas adotam cursos para os iniciantes, com o
objetivo de familiarizá-los com as técnicas próprias de seu ramo
de atividade, mas também complementam a formação dos
novatos que ingressam no ofício. É nas redações que a profissão
é de fato aprendida. A universidade, por mais que tenha em vista
o mercado de trabalho, tem sua vocação mais fundada no cultivo
da reflexão – e da reflexão independente do mercado. Ela pensa a
sociedade. Sua melhor contribuição está em formar profissionais
não tecnicamente prontos, mas críticos, capazes de pensar por si
mesmos (o que Cláudio Abramo chamava de “autonomia
intelectual”). Isso, o mercado, sozinho, não faz. A universidade é o
celeiro da pesquisa e do questionamento intelectual, ela opera
num tempo distinto do tempo do mercado, mais lento e mais
aberto ao aprofundamento. O que ela tem de melhor a dar aos
jornalistas em formação é o convívio com as Ciências Humanas
aplicadas aos temas da imprensa. É aí que os jovens devem
tomar contato com as correntes filosóficas pelas quais a ética
pode ser estudada e aplicada. A universidade pode ensiná-los a
seguir aprendendo pelo resto da vida. Nisso, ela é insubstituível
(BUCCI, 200, p. 204).
Enquanto vocês refletem sobre as ponderações de Eugênio Bucci,
Jano se recolherá aos seus pensamentos.
195
[Muitas coisas que gostaríamos de saber, não conseguimos. É muito
difícil medir, por exemplo, se os alunos mudaram suas concepções de mundo, de
vida, da profissão. Algo se percebe, mas não de forma conclusiva. As palavras
são dúbias.
Mas gostaríamos de destacar a mudança que se opera entre alunos
ingressantes e concluintes quando se trata de avaliar o sentido do que se
aprende. De alguma forma identificamos aí uma centelha de luz. Pois, à medida
que o horizonte de conhecimento se amplia, aquilo que foi sendo vivido começa a
ter outra significação.
Às vezes, a significação fica reduzida, como ocorreu com ACN2. Para
ele(a), a única maneira de encontrar sentido para o aprendizado das disciplinas
de formação humanística é estabelecendo relação imediata com a prática. Dessa
perspectiva, o exercício profissional (ACN2 já trabalha na área) parece ser a única
fonte de interesse do aluno.
Mas para outros, de fato, o mundo se abriu. E aqui encontramos uma
das dimensões da formação humanística. Fazer o mundo ficar maior,
compreendendo o presente com os saberes que nos foram legados. A partir de
um ponto de vista limitado – como é o do simples exercício profissional – a
realidade se torna menor. A esse respeito, atentemos para a reflexão a seguir:
O homem descobre o sentido das coisas porque ele se cria um
sentido humano para as coisas. Portanto, um homem com
sentidos desenvolvidos possui um sentido também para tudo
quanto é humano, ao passo que um homem com sentidos não
desenvolvidos é fechado diante do mundo e o “percebe” não
universal e totalmente, com sensibilidade e intensidade, mas de
modo unilateral e superficial, apenas do ponto de vista do seu
“próprio mundo”, que é uma fatia unilateral e fetichizada da
realidade (KOSIK, 1976, p. 120/121).
Ter isso como alerta é fundamental quando queremos repensar o lugar
da formação humanística, para não corrermos o risco da mera instrumentalização.
Vale salientar sempre: as Humanidades têm um valor em si, para qualquer ser
humano. E, no caso do ser humano que será jornalista, têm um valor adicional.
Mas o valor principal da formação humanística permanece sendo o de alargar os
196
horizontes, ampliando os contornos do mundo, permitindo-nos ser conscientes do
presente e da história da qual somos sujeitos.
Para fechar este momento, lembremo-nos de uma frase do filósofo e
educador espanhol José Ortega y Gasset: “Tudo no mundo é estranho e
maravilhoso para pupilas bem abertas”.]
V.5 Ilusões perdidas e esperanças reiteradas
Os sentidos não estão nas palavras elas mesmas.
Estão aquém e além delas.
Eni Orlandi
Aqui, não mais conversamos. Ao longo de 28 (vinte e oito) entrevistas,
fomos recolhendo sinais de ilusões perdidas e de esperanças que se reiteram.
Entre elas educadores e jornalistas devem construir o futuro. O que faremos a
seguir é passar em revista o que se perdeu, o que se reencontrou e aquilo que
fica como desafio para o Curso de Jornalismo da PUC – Campinas, de forma
singular, e para o Ensino Superior como um todo. Isso porque a unidade
escolhida apenas revela o contexto mais amplo em que se insere a educação
neste início de século XXI.
Primeiro desafio:
Acho que a universidade vive hoje uma situação muito importante e ao
mesmo tempo desconfortável, porque ela tem que se manifestar entre essas duas
vertentes, esses dois caminhos, que são, às vezes, diametralmente opostos ( D1).
Se ela adere totalmente à formação do profissional, ela se descaracteriza
como escola, no sentido grego, helênico, ela se descaracteriza como ponto de formação.
Ela rompe com o compromisso social que ela tem, que nós conversamos de transformar,
de criticar. Por outro lado, a universidade tem uma questão séria de sobrevivência, de
viabilidade, não só de viabilidade econômica, mas até de viabilidade política (D1).
Este desafio, como temos visto até aqui, não é privilégio da educação.
Ele se encontra também no jornalismo. E, em um e no outro caso, opções
necessitam ser feitas. A pressão, no entanto, é grande. É ainda D1 quem coloca o
197
nível dessa pressão, do ponto de vista da formação humanística do futuro
jornalista.
A gente sabe que profissional e crítica não combinam muito, principalmente
na visão do patrão. Tudo que o patrão quer é um funcionário e não um profissional, muito
habilitado tecnicamente, muito preparado, até alguém que intervenha no trabalho com
idéias, que é aquele chamado funcionário participativo, mas pelo amor de Deus não seja
crítico que a cama já está montada (D1).
Uma expectativa que já é, de antemão, assumida por alguns alunos.
Chegam à Universidade já tendo apenas o mercado como perspectiva. Vejamos
alguns exemplos.
Isso pode até ferir um pouco aquele espírito de jornalista que você tem, mas
de qualquer forma a gente vive no mercado, a gente compra coisas, tem que morar, tem
que viver. Então você tem que se adequar à empresa que você está trabalhando,
buscando não a estagnação, mas você tem que progredir. Mas eu não vejo saída. As
grandes empresas são todas iguais (AIM 4).
Ou neste diálogo:
O jornalista não pode se ater ao fato de ter que ter uma rotina, tem que entrar
na redação e esperar a pauta, sempre você pode ter uma pauta em mente ou você ter
um feeling, você ler um jornal e saber que por trás daquela notícia pode surgir outra. E aí
você fazer a sua pauta. Você precisa pensar como qualquer pessoa precisa pensar,
lixeiro precisa pensar, a tia que traz um copo de água tem que pensar. Você tem sempre
que se antecipar, nunca esperar receber a ordem, você poder surpreender o seu
supervisor, o seu chefe, não sei como se chama (AIM4).
E nós esclarecemos: o editor ou chefe de reportagem.
E ele responde
: Que seja. Você sempre estar um passo a frente (AIM4).
A ideologia neoliberal, a ênfase na competitividade, no individualismo,
na filosofia do “levar vantagem em tudo” já se encontra assumida de antemão. E
repercute no interesse do aluno pelo curso, pelo eixo de formação humanística, o
fazendo vivenciá-lo de forma superficial e “mercadologicamente” orientada.
Temos que formar um jornalista tecnicamente capaz? Temos, a sociedade
espera isso. Mas não é a função única, talvez, nem a mais importante. E essa formação
humanística, essa formação complementar, essa formação crítica, ela, às vezes, se
perde, o aluno se pauta também ele pelo mercado. Tenho que me realizar nesse
esquema do mercado, tenho que ganhar bem. E aí que eu acho que cria esse
desinteresse, essa permissividade. Ora, o objetivo imediato é um emprego, é a posição,
então tudo o mais, estou perdendo tempo. Deixa-me aproveitar coisas melhores ( D1).
198
Sinais dos tempos, nas cáusticas palavras abaixo:
A nova era, da pura técnica desprovida de valor cultural ou
histórico, sem teleologia (meta a ser alcançada), não precisa do
sábio. Cada um pode se orientar por conta própria. A dimensão
histórico-antropológica do conhecimento dá lugar à dimensão
imediato-pessoal, o investimento social é substituído pelo
microcosmo de cada um, o devir perde importância.
A perda do prestígio do humanismo, a hegemonia dos
equipamentos técnicos sobre as capacidades do homem, uma
certa resignação e indiferença em relação aos destinos da
sociedade (com uma postura leve, mais ou menos indiferente,
mais ou menos cínica do novo século), marcam uma virada no
status do homem em relação ao resto da humanidade, ao seu
ambiente natural, ao seu destino enquanto espécie.
(MARCONDES FILHO, 2002, p. 153)
Nas sutis mudanças de denominação para aqueles saberes das
Humanidades – de eixo de formação humanística para Núcleo Complementar -, e
nas nada sutis turmas com 90 alunos e ausência de práticas efetivas de
integração entre as áreas técnica e humanística que temos observado desde o
Capítulo IV, outros sinais dos tempos.
A gente está num caminho oposto e cada vez vai complicar mais para as
disciplinas básicas porque cada vez mais há uma pressão pra se formar um jornalista
voltado para o mercado de trabalho. E cada vez mais vai pressionando as disciplinas
humanísticas e não valorando mais. Aí elas vão ficando cada vez piores, porque elas vão
sendo relegadas cada vez mais... O curso se volta, faz uma mudança curricular, se volta
ainda mais pro mercado, aí você prejudica ainda mais. Dizem que não estão, mas estão
(PT3).
Enquanto alguns alunos já chegam “formatados” pelos ideólogos do
neoliberalismo, a não percepção das contradições do sistema capitalista que
exploramos no Capítulo I – alimenta visões fatalistas.
É um jornalismo produzido por empresas e nesse sentido ele tem uma
relação com sua finalidade, que é uma finalidade de sobrevivência no sistema capitalista
que visa lucro, capital de giro pra continuar existindo. Então o jornalismo não escapa
dessa lógica. O que existe é um revestimento bastante ideológico de que o jornalismo
teria condição de atribuir, informar a sociedade e não ocorre muito no caso brasileiro
porque a gente tem uma hegemonia de uma mídia no Brasil, principalmente televisiva,
com distribuição de concessão de canal extremamente autoritária, anti-democrática, a
gente tem cultura extremamente centralizada, patriarcal e o jornalismo não tem como
escapar disso (D2).
Lições que logo os alunos assumem para si, convivendo durante quatro
anos com um padrão de crítica que anula possibilidades e amarra os espíritos.
199
O que acontece com o jornalismo? Eu vejo que é tudo muito rápido. Você
vem na faculdade, então o professor passou, tudo o que você tem que fazer é muito
rápido, porque o mundo é muito rápido. Então as coisas não são feitas tão
profundamente. Eu só vou pesquisar quilombola, eu só vou pesquisar alguma coisa que
eu precise o dia que tiver... No dia em que for obrigada a fazer um trabalho de maior
fôlego sobre isso aí. Fora isso eu vou levando, vou coçando (ACN4).
Eu aprendi muito a ser pé no chão. Lógico que a utopia faz bem, mas até
certo ponto... Em relação às disciplinas, as disciplinas técnicas do jornalismo vou levar
para o resto da vida (ACN1).
O que se percebe também no emblemático diálogo a seguir:
Aqui na PUC o curso de jornalismo é tudo muito prático. Você precisa fazer
uma entrevista, você liga pro cara e ele vem na hora aqui. Lá na USP era bem diferente.
Era muita pesquisa, você tinha que recorrer muito aos livros. Lá não tinha como você
inventar, não que aqui dê pra inventar, mas aqui é tudo mais prático (ACN2).
Quando perguntamos: dá pra você entrevistar um Ministro da
Agricultura, por exemplo, sem ler e pesquisar antes?
Não, de maneira alguma(ACN2).
E continuamos: É que as pautas aqui não são tão ...
Por enquanto nada muito complicado (ACN2)
E o mesmo entrevistado continua:
Aqui eles mostram os dois lados. No segundo ano eles mostram o jornalismo
ideal, depois eles começam a te mostrar o real. Ainda depois que você entrou no
mercado de trabalho, você observa como é. Muitas pessoas se decepcionam e aí
desistem. Ou então entram direto e vão fazer o que todo mundo faz (ACN2).
E um(a) bolsista do ProUni que afirma:
Nós saímos da faculdade com a ilusão de que a gente vai mudar o mundo.
Dói falar que isso é uma ilusão, porque eu passei quatro anos acreditando nisso. A gente
fala que dói crescer, mas porque não alimentar essa esperança? Acho que é uma
questão de saber separar as coisas. Eu não vou, não é o meu objetivo uma Folha de S.
Paulo, querendo mudar a Folha de S. Paulo, uma empresa que a gente conhece,
gigantesca, que abrange diversos setores, enfim. Agora se existe espaço pra isso, você
vai ter que lutar contra muita coisa e além disso você vai ter que ter um capital gigantesco
porque você vai ter montar uma coisa sua. Acho que existem, mas eu desconheço,
pequenas empresas que dão espaço a esse jornalismo. Mas dentro das empresas
grandes e diárias, daqueles três minutos, dois minutos e meio de reportagem no jornal
nacional é meio complicado (ACN1).
No entanto e retomando a citação que concluiu a nossa Introdução a
este estudo, “é bom lembrar que no fundo da terrível caixa de Pandora estava
gravada a palavra Esperança”. No cenário das contradições, muita coisa ainda
não se percebeu. Ao longo das quinze horas de diálogos que mantivemos com
200
nossos entrevistados, a saturação do modelo hegemônico e a crise dos jornais
impressos – e os desdobramentos de tais fatos, que examinamos no Capítulo I –
não foram mencionados sequer uma vez. Aspectos da realidade do jornalismo
que, do nosso ponto de vista, mereceriam ser explorados, sobremaneira por
gestores e professores.
Mas a Esperança é uma plantinha teimosa, furando o asfalto, para
lembrar Drummond. Ela se insinua. Até mesmo para os mais céticos:
Mas o jornalismo escapa das amarras do sistema, apesar disso tudo e abre
... com pessoas que fazem um outro tipo de socialização da informação, que tenta de
certa forma contrapor esse olhar hegemônico com um outro olhar da sociedade. Isso
também faz com que esse olhar acabe sendo confirmado pelo outro, aceito pelo poder
hegemônico. Mas ele é importante porque tem um papel essencial pra que a gente
continue existindo dentro da universidade. A partir do momento que ele desaparecer não
faz sentido você aprender jornalismo na universidade (D2.)
E se manifesta como um convite à resistência.
A universidade tem que resistir a essa pressão, mesmo porque o mercado
quer que as universidades acabem. Então ela tem que resistir a isso e manter a formação
humanística, ética e cultural dos alunos. Essa formação vai dar uma bagagem melhor
para eles desenvolverem a técnica, seja no mercado de trabalho, seja em função da sua
própria vida, como indivíduo, em qualquer outra área (PT3).
Resistir? Por quê? Para quem? Como vocês esperam derrotar a
pressão? Perguntas que alguns farão preocupados, outros, com segundas e
terceiras intenções, apenas para desqualificar uma busca. São os cínicos, e eles
continuam de plantão.
A eles, só podemos responder com as expectativas dos jovens – muito
jovens – que acabaram de chegar:
Vai ser tudo diferente, é tudo muito maior, as proporções são maiores.
Realmente são e quando você sabe aproveitar isso, busca esses universos que a
universidade te propõe, você se vislumbra com um mundo do qual jamais esperava eu
fosse parte um dia (AIM2).
Eu acho que o grande ensinamento que o professor tem a ensinar não é lead,
sub-lead, encerramento. É realmente falar o que ele passou pela carreira e mostrar que
existe luz no fim do túnel deste jornalismo (AIM1).
Ou com a disposição do mais maduro dos alunos ingressantes:
201
Primeiramente está sendo formação pessoal minha. Minha profissão não é
uma profissão que ainda exige, mas sei que é bom ter curso superior. Eu estou fazendo
por formação pessoal, cultural e vou tentar partir para outra área também. Vou ver o que
acontece, a oportunidade que vida me dá (AIM5).
Não nos cabe – como educadores (e jornalistas que são professores) –
frustrar estas expectativas. Se elas serão frustradas pela dinâmica do mercado, é
uma outra história. O nosso horizonte não pode ser o mesmo.
E, aos mesmos cínicos, as palavras de alguns dos alunos concluintes
também são uma resposta, ainda plena de esperança.
Eu só acho que a minha geração, vendo as gerações passadas, deveria ser
mais crítica em relação àquilo que ela recebe. Por exemplo, eu posso ler a Folha de S.
Paulo e o Correio Popular sabendo dos interesses que estão por trás. E, a partir daí,
saber o que estou lendo (ACM1).
Minhas matérias foram sempre ligadas à gente da periferia da cidade. Há
coisas que a grande mídia não mostra, coisas que estão acontecendo, que acontecem
dia-a-dia e ninguém mostra. Então o jornalista tem que ter isso, tem que ter essa
disposição de pegar ônibus lotado, e gastar a sola do sapato... Eu vejo que muita gente
não tem, porque vive num mundinho fechado, porque tem tudo que precisa. Mas um dia
vão descobrir. Pode ser que seja tarde demais...(ACN4).
O que a gente aprende na faculdade? A gente aprende a investigar, a nunca
dizer sim para primeira informação que a gente tem. Esse é o diferencial de qualquer
outra pessoa que não seja jornalista. Você tem que investigar (ACN5).
Num dos diálogos que tivemos o privilégio de manter, a transformação
de um menino que chegou à PUC com 17 anos.
Parece que graças à faculdade eu amadureci da criança que eu seria se eu
não tivesse ingressado na faculdade. Por isso pra mim são dois pesos, duas medidas.
Entrei muito menino, mas se não fosse a faculdade eu não seria mais maduro do que eu
era quando era pequeno. E realmente tinha aula que eu não via hora de vir pra faculdade
ver, Psicologia, por exemplo. E de Filosofia. Mas isso, aulas de Humanas, não
relacionadas ao jornalismo (ACM1).
Pergunta: E a tua visão de mundo?
Abriu a cabeça de uma maneira tão grande que ... (ACM1)
Pergunta: Me dê um exemplo de uma coisa que você pensava e que
de repente a aula.. Você consegue se lembrar de alguma coisa que lhe
surpreendeu?
202
Eu não consigo lembrar agora de um fato que me ocorreu, mas o que eu
consigo pensar no momento é que eu descobri que tudo é mais profundo do que a gente
pensa. Então, por exemplo, a vida em sociedade que a gente acha que é simples ou às
vezes é complicada, a gente começa a estudar desde os primórdios você acaba vendo
que é bem mais complexo do que você acha (ACM1).
E, para finalizar, a resposta de um dos entrevistados, bolsista -
funcionário da PUC – Campinas (auxiliar de serviços gerais), quando lhe
perguntamos se ele queria continuar estudando:
Pretendo. Não pretendo parar nunca mais. Realmente aprendi que estudar
é uma libertação, você conhece o mundo realmente. E pretendo seguir carreira em
pós, estar adquirindo cada vez mais conhecimento. Esses anos aqui foram maravilhosos.
Eu sinto muito por não ter me dedicado tanto, devido à minha vida. Mas eu estou fazendo
o que eu gosto, me dedicando o máximo possível (ACN3). (Grifo nosso)
Em meio a tantas contradições, nós ainda optamos pela Esperança.
Aquela, que está no fundo da caixa de Pandora.
203
VI – SUPERAÇÕES POSSÍVEIS: CAMINHOS
TRILHADOS E ATALHOS POR CONSTRUIR
“As dicotomias, as ambigüidades, até mesmo as aporias se
colocam à educação superior como encruzilhadas diante das
quais é preciso escolher os caminhos. Não só pelos caminhos
já existentes se fazem os destinos da educação superior.
Outros podem ser construídos, caminho se fazendo ao
caminhar – como sugere o verso de Antonio Machado.”
José Dias Sobrinho
Iniciamos nosso olhar para o Curso de Jornalismo da PUC – Campinas
fazendo, ainda no Capítulo II, um resgate histórico da evolução do ensino de
jornalismo que ali se propõe. Ao longo da trajetória vimos que, em todos os
momentos, a questão da formação humanística permaneceu como algo que, sob
muitos aspectos, não se conseguia realizar da forma pretendida. Seja porque os
conteúdos propostos não estavam adequados, seja porque a grade curricular
concentrava em demasia tais disciplinas (e resultando em desinteresse por parte
dos alunos), seja porque a “importação” de professores vinculados a outros
Centros e/ou Faculdades/Departamentos resultava na não integração.
Chegamos à versão de 2001 do PA/PPP e acompanhando seus
desdobramentos, ainda no nível documental, vimos que a realização das
intenções continua problemática. Os desafios, numa síntese, permanecem os
mesmos.
Ainda no âmbito documental, percebemos em 2006, com o Relatório de
Atividades G8, uma perigosa tendência à desvalorização da formação
humanística, agora claramente desvinculada dos propósitos de formação
profissional, ao não estabelecer relação de contribuição entre os conteúdos das
Humanidades e as “competências e habilidades” específicas do jornalista.
Todos estes aspectos estão, no nosso entendimento, diretamente
relacionados às próprias contradições da prática jornalística em moldes
empresariais. Já destacamos que, na condição de produto à venda, a informação
204
se reveste de um duplo valor: é valor de troca (com preço definido nas regras do
mercado) e é valor de uso, e – no caso do jornalismo – um valor específico, cujo
alcance supera o atendimento a necessidades materiais, já que diz respeito à
própria condição de liberdade e cidadania plena. A informação não é uma
mercadoria qualquer e exige uma formação específica daquele que é responsável
pela sua produção, o jornalista. Uma formação que é humanística, ética e técnica
e que, em seu formato ideal, integra essas três dimensões.
Quando, no âmbito da PUC – Campinas, as contradições entre o plano
das intenções e aquele dos objetivos concretamente realizados se coloca, elas
apenas refletem esta dupla dimensão da informação.
No entanto, a educação permanece, ontologicamente, vinculada à idéia
de projeto e, portanto, não pode abrir mão de uma idéia de futuro. Por isso,
retornamos ao ideal do jornalismo, aos compromissos que a produção e
circulação da informação na sociedade implica. É sempre a partir de tal
perspectiva que a crítica se faz. Sabemos, no entanto, das pressões de uma
sociedade cuja lógica de organização se encontra, neste século XXI, ditada pelas
regras do mercado, são poderosas. Em todos os campos de atuação humana ela
se faz presente.
Identificamos, assim, que as dificuldades enfrentadas pelo Curso de
Jornalismo da PUC – Campinas, no sentido de colocar em prática as suas
intenções, têm origens profundas, diretamente relacionadas ao contexto histórico,
econômico, político e ideológico que vivemos.
Ao longo de todo o Capítulo V – quando, no “diálogo imaginário”, nos
deparamos com os depoimentos dos agentes educacionais envolvidos – as
dificuldades ganharam contornos mais nítidos, se desdobraram. Mas ali também
identificamos iniciativas – coletivas ou individuais – que se encaminham para a
superação dos problemas existentes. Sabemos também que – no nível do
discurso – há um consenso em torno da importância da formação humanística.
Parte do caminho já foi trilhado ou está sendo. Sob outros aspectos, entretanto,
ainda há resistências, vazios a preencher, responsabilidades a assumir.
205
Nosso propósito, nesta reflexão que antecede nossas (sempre
provisórias) conclusões, é mapear o que, de acordo com os depoimentos
colhidos, está sendo feito e apontar, ainda de acordo com os testemunhos de
professores e alunos, o que pode (e deve) ser feito. Ainda que as iniciativas
promissoras tenham, por vezes, alcances restritos a determinadas disciplinas ou
áreas (técnicas/humanísticas), entendemos que são sugestões valiosas para
todos os envolvidos.
Assim, destacamos aqui a iniciativa do Departamento de Teologia de
buscar, de acordo com PH1, alocar os professores a ele vinculados e que
ministram a disciplina de Antropologia Teológica (versões A, B e C) em um
determinado Centro dentro da estrutura da Universidade, já que se trata de
disciplina obrigatória em todos os cursos disponíveis. Por que entendemos que se
trata de uma iniciativa promissora? Porque ela possibilita maior vínculo e maior
relacionamento dos professores com uma determinada área de atividade
profissional, permitindo a formatação de cursos de acordo com o horizonte de
preocupações dos alunos.
Disso é testemunha o próprio PH1 e os dados revelados pela pesquisa
de avaliação feita junto aos alunos concluintes em 2005 já mostram os resultados
dessa aproximação de docentes e de programas de curso. Frente às avaliações
negativas das versões A e B (anteriores à adoção da sistemática de
aprimoramento dos programas de curso), a Antropologia Teológica C, já no novo
formato, dá um salto significativo. Um exemplo do que poderá ser realizado por
outras Faculdades e/ou Departamentos que também “exportam” professores para
que ministrem as disciplinas integrantes da base de formação humanística.
A iniciativa também responderia a uma queixa freqüente entre os
professores “importados”, que diz respeito à falta de condições de convívio, os
constantes deslocamentos entre as diversas unidades da PUC – Campinas. E
abriria espaço para que canais existentes de participação – reuniões de
planejamento pedagógico, por exemplo – fossem efetivamente ocupados,
constituindo-se em fóruns apropriados ao desenvolvimento de práticas
integradoras.
206
E vem do mesmo entrevistado PH1, um exemplo bem sucedido de
interdisciplinaridade. O fato ocorreu em 2006 e levou à integração das disciplinas
de Antropologia Teológica C e Planejamento Gráfico B. Lançada numa reunião de
planejamento, com uma simples idéia de utilização dos conhecimentos técnicos
na diagramação de uma reportagem que os alunos desenvolveriam com tema
vinculado à disciplina humanística, a idéia evoluiu.
Constituiu-se num projeto de desenvolvimento de um informativo
institucional – vinculado à pesquisa que os alunos realizaram na disciplina
humanística sobre diferentes religiões/seitas na cidade de Campinas (SP). O eixo
agregador foi o projeto e dele participaram, com contribuições específicas, as
duas disciplinas envolvidas.
Quando indagamos os alunos concluintes sobre a vivência de uma
experiência de integração, todos invariavelmente se reportaram ao episódio acima
como “estimulante, válido, interessante, deveria ser repetido mais vezes”. Não se
trata aqui de afirmar que sempre será possível fazer a integração, nem de
artificialmente induzi-la. A interdisciplinaridade não tem uma receita pronta. “O
que orienta a interdisciplinaridade, além da materialidade, é a natureza dos
projetos (objetos/problemas). Mais uma vez cai a possibilidade de padronização”
(JANISCH, 1995, p. 201).
Estamos, no entanto, convencidos de que o jornalismo é, por sua
natureza, interdisciplinar, já que – enquanto forma de conhecimento do mundo –
não pode prescindir de outras áreas de saber. Com isto concorda o PA/PPP,
conforme já destacamos. A experiência destacada constitui-se assim num desafio
às demais disciplinas – tanto humanísticas quanto técnicas – no sentido de ter
presente, ao realizarem o planejamento das aulas, esta possibilidade.
A integração se torna possível não apenas com projetos determinados,
mas também no âmbito dos conteúdos. Assim, tanto da parte dos professores
responsáveis pela área humanística, quanto daqueles que se vinculam à
Faculdade de jornalismo, o conhecimento da grade de disciplinas de cada
semestre e do curso como um todo é fundamental para que se estabeleçam as
pontes de que carecem os alunos para encontrarem novos e instigantes sentidos
207
para saberes com os quais, por conta da precária formação que receberam
anteriormente e por conta também de todo um desestímulo cultural e ideológico
nesse sentido, estão pouco familiarizados.
Ressaltamos também, por sua capacidade de articulação, o
direcionamento metodológico adotado pela disciplina de Economia, ao partir do
noticiário econômico nos jornais para, considerando o nível de entendimento dos
alunos, estruturar as aulas. Os resultados, em termos de avaliação da disciplina,
já foram destacados por nós no Capítulo IV.
Com idêntica perspectiva, salientamos a preocupação demonstrada por
PH6 no sentido de que a metodologia deve ter como foco a instrumentação
teórica do aluno, de modo a possibilitar-lhe leituras do cotidiano. Com matérias
jornalísticas ou simples relatos, trata-se de mais uma forma de unir
conhecimentos, trazendo-os para a realidade contemporânea, a qual
necessitamos todos compreender em sua complexidade e, mais ainda, o futuro
jornalista. Ainda que, no âmbito da pesquisa que realizamos, não tivéssemos
condições de verificar a eficácia e a prática efetiva de tal metodologia, ela nos
parece vir ao encontro das necessidades apontadas por professores, gestores e
alunos e corresponder à intenção integradora que o PA/PPP defende.
Elevado potencial integrador revelam-se também, conforme relatos de
PT1 e PT5, as disciplinas laboratoriais. Por meio da retomada crítica de cada
produção, o aluno resgata conhecimentos vindos de outras disciplinas e
semestres. Aqui a correlação com as disciplinas do eixo de formação humanística
(Núcleo Complementar) se dá em inúmeras fases. Tomemos, a esse respeito, o
que nos ensina a Professora Graças Caldas, ex-docente no Curso de Jornalismo
da PUC - Campinas.
Ao pautar a matéria, ao escolher as fontes, ao decidir sobre a
abordagem, fazer as entrevistas, fotografar, diagramar, proceder à
revisão e edição do texto; produz-se a síntese do processo de
formação do jornalista. Une-se a prática à teoria. É o momento
da simbiose. Momento em que se verifica o amálgama dos
ensinamentos teóricos... Essa prática indispensável na
formação do aluno não confere ao curso uma tendência
meramente profissionalizante. Ao contrário, é a possibilidade real
de sair da retórica e entrar na práxis na profissão, numa
208
perspectiva crítica e analítica (CALDAS, 2002, p. 181). (Grifo
nosso).
Instigante possibilidade também é aquela defendida por BODSTEIN
(1999), em sua dissertação de Mestrado em Educação, que teve como título
“Ética, jornalismo e Educação”. Afirma o professor da PUC e um dos nossos
entrevistados, com relação ao papel da ética em uma proposta de
transversalidade:
Um elo de ligação entre os saberes fragmentados nas inúmeras
disciplinas do curso, e não apenas situada na grade curricular
como outro desses sabres. Penso tal ética como um lastro que é
também um leme, pois conduz o profissional a indicativos morais
personalizados (processo) e justificáveis (no produto). Um
conceito que ninguém jamais conseguirá finalizar e que será
eternamente construído e aperfeiçoado pelos perceptos do
jornalista-sujeito, em contato com as peculiaridades de cada
circunstância de si em fusão com os contextos de seu ofício
(BODSTEIN, 1999, p. 56).
E ainda:
A tarefa é de inclusão: as disciplinas técnicas ou
profissionalizantes instrumentalizando o aluno para uma práxis da
profissão que é também a atmosfera crítica de sua
metalinguagem; as disciplinas de base humanística com a tarefa
de sofisticar métodos de investigações da estrutura e imaginários
sociais. Ambas moralmente subordinadas à relativização das
promessas assumidas pela extensão de seus supostos saberes
(ibidem, p. 68).
Para desenvolver a transversalidade proposta, o autor vê na Pedagogia
do Conflito (SANTOS, 1996) a metodologia capaz de construir a criticidade que o
exercício do jornalismo pressupõe. Afirma BODSTEIN que
Sem esse compromisso ético de incitar conflitos, a escola estará
também decretando, como consta do desejo neoliberal, o temido
fim da história, pois terá antes disso decretado, subjugada e
reduzida aos vícios tecnicistas, o fim da utopia (ibidem, p. 66).
209
Trata-se de uma proposta teórica, mas ela inclui elementos
problematizadores da desarticulação entre as áreas técnica e humanística. Pode,
por isso, se constituir, juntamente com outras práticas já relatadas – sobremaneira
aquela referente às disciplinas laboratoriais – em excelente oportunidade de
aprofundamento da integração, potencializando o viés crítico e analítico que a
fundamentação humanística busca legar ao estudante.
Principalmente quando considerada a adoção da Pedagogia do
Conflito, uma vez que a crítica ao modelo hegemônico do jornalismo real passa
necessariamente pela crítica ao modelo positivista, do qual o formato dominante é
legítimo herdeiro, conforme já salientamos. Tome-se, a esse respeito, a
observação abaixo:
Estes conflitos devem ocupar o centro de toda a experiência
pedagógica emancipatória. O conflito serve, antes de mais, para
vulnerabilizar e desestabilizar os modelos epistemológicos
dominantes (SANTOS, 1996, p. 33). (Grifo nosso)
Ainda no plano das iniciativas já adotadas, caminhos trilhados e que
podem resultar em avanços, destaca-se a atuação da Equipe de Apoio ao Projeto
Pedagógico, EAPP. Conforme relato do PT4:
“É uma comissão de apoio pedagógico e visa fazer adequações de currículo,
pensar o curso conceitualmente, ligar o curso a um contemporaneidade do exercício da
profissão, etc. E um dos desafios é exatamente rever as ementas das disciplinas
humanísticas, para torná-las eficazes para esse repertório que assegura ao jornalista
uma leitura crítica da realidade. Nós estamos construindo uma proposta. Mas, mais que
isso, o grupo já começou um processo de chamar os professores. A adesão ainda é
pequena, os professores têm lá seus compromissos, mas tenho a impressão de que
quando a gente começar a apresentar algumas propostas, aí a adesão é maior e tal. Mas
a idéia é mexer com os anacronismos do currículo, quando não tiver jeito propor a
substituição de uma disciplina por outra, integrar conteúdos, atualizar ementas, mexer em
seriação, mexer em carga horária, mexer em algumas modulações, por exemplo. As
disciplinas principalmente nesta área humanística têm 90 alunos. Isso em lugar nenhum
do mundo funciona; nenhuma pedagogia dá conta disso, vira conferência, não vira aula”
Percebe-se então que a própria Faculdade de jornalismo busca
soluções. E tendo em conta que a transformação da realidade é também
210
propósito deste nosso estudo – assumido já nas primeiras linhas da Introdução –
entendemos que, ao lado das iniciativas positivas devemos dar voz às demandas
formuladas por professores, alunos e direção e que, do nosso ponto de vista,
ainda não se acham contempladas com as atividades em andamento. Aqui elas
têm um sentido sinalizador e não nos cabe julgar o mérito das afirmativas
recolhidas nem a veracidade de determinadas informações.
Mas antes que passemos a assinalar tais atalhos ainda por construir,
destacaríamos, no âmbito de nosso estudo, as resistências que vimos expressas
quanto à interdisciplinaridade. Sob o argumento de que a ausência de disciplinas
eletivas a inviabilizaria, entendemos que há sim um não comprometimento, em
algumas instâncias, com a dimensão integradora que se pretendia inicialmente, a
julgar pelo teor do PA/PPP que examinamos no Capítulo IV.
Já vimos, pelos relatos que fizemos nesse Capítulo VI que há sim, a
despeito das limitações existentes (se comparadas, por exemplo, à estrutura dos
cursos da UNICAMP – SP), possibilidades. Nesse sentido, o que se sugere é que
se criem canais efetivos para potencializar as possibilidades de
interdisciplinaridade/integração dentro do Curso de Jornalismo (PH2). E é ainda
nesse âmbito que PH4 relata ter sido convidada, em 2006, para um projeto
interdisciplinar que, posteriormente, foi suspenso. Alega o(a) entrevistado(a) que
sem qualquer justificativa. Isso demonstraria, para PH4, que não há uma
preocupação efetiva com a interdisciplinaridade.
Em idêntica direção sinalizou AIM2 ao afirmar que percebia a falta de
orientação para os professores. “Eles falam, mas não sabem bem o que é
interdisciplinaridade”. Nesse sentido, a existência do Conselho do Curso de
Jornalismo (do qual participa também um professor vinculado ao eixo de
formação humanística) não está obtendo êxito na sua função de assessoramento
pedagógico.
Nas palavras de um dos gestores:
“O Conselho de Jornalismo ele tem uma função pedagógica fundamental. O
conselho de faculdade é um órgão de assessoramento pedagógico, ele tem alguma
função operacional, muito mais do que deveria ter, aliás. Mas ele está ali para pensar
211
pedagogicamente, apoiar pedagogicamente, resolver pedagogicamente, auxiliar
pedagogicamente”( D1).
O desvio da função não nos parece dado isolado, mas sim um sintoma
das ambigüidades e contradições que vimos salientando desde o início deste
estudo. Na mesma medida, um outro desvio – aquele referente ao próprio papel
de gestor – surge como sinalizador da mesma tendência. Nas palavras de D1:
“Eu acho que o gestor universitário tem que ser pedagogo, ele não pode se
desvincular do pedagogo, por mais que ele seja chamado a administrar e assinar papel, o
que eu estava fazendo até agora. A expectativa em cima do gestor é que ele libera verba,
contrata funcionário, despeça alguém, determine os horários. Mas além dessas
atividades, acredito que o gestor só pode contribuir à medida que ele tiver um olhar
pedagógico ou, no mínimo, souber chamar pra si, pra sua equipe, pessoas”.
Recordemos a esse respeito que os objetivos educacionais só são
alcançados quando há o comprometimento de toda a estrutura – desde a parte
administrativa até docentes – com o que se pretende. Quando as dimensões
administrativas e didático-pedagógicas funcionam em instâncias separadas e/ou
não estreitamente vinculadas, pode ocorrer a incapacidade da instituição realizar,
no plano concreto, suas intenções (formuladas no nível do PA/PPP).
Proposta instigante foi formulada por PH6 no sentido de utilizar os
canais de intervenção do Programa de Extensão da PUC – Campinas para o
desenvolvimento de projetos. Estes, dada sua natureza mais ampla, têm caráter
marcadamente interdisciplinar
Além disso, vale lembrar que o próprio PA/PPP (2004) coloca como
um dos compromissos que devem ser assumidos pelos futuros profissionais é
com um jornalismo de qualidade, que a PUC – Campinas gostaria de ver gestado
e propagado a partir do Curso.
Ora, a Extensão pode ser um canal também para transformar a
intenção em realidade, na medida em que oferece a oportunidade de
desenvolvimento de produtos jornalísticos para diferentes comunidades –
considerada inclusive a diversidade que a Região Metropolitana de Campinas
oferece. Ali – em projetos que certamente não poderiam prescindir da
212
contribuição das disciplinas do eixo de formação humanística – muito se poderia
fazer.
Ainda no âmbito dos relatos ouvidos, PT1 destacou a importante
contribuição de uma Prática de Formação denominada “Acompanhamento
Acadêmico do Aluno”. Com grupos pequenos foi possível com a iniciativa
desenvolver uma relação mais próxima e orientar bem o aluno quanto à própria
estrutura do Curso de Jornalismo, o sentido dos eixos de formação, entre outros
aspectos. Um momento de convivência, menos atrelado a conteúdos fixos e que,
segundo PT1, é um espaço que – com a reforma do Campus I – se perdeu (até
por conta da uniformização dos horários e da criação da Praça de Alimentação,
segundo o entrevistado).
Nesse sentido, indagamo-nos sobre o que mais poderia ser feito para,
principalmente para os alunos ingressantes, fornecer orientação e destacar a
importância da formação humanística. Semanas de abertura do Curso a cada
ano, com debates e a presença de profissionais que são referência para tais
jovens poderiam acrescentar muito. Vimos como são fortes as impressões que os
próprios professores causam nos estudantes, com suas histórias de vida, seus
episódios marcantes na carreira profissional. Entendemos que, para esses jovens
– massacrados com toda a ideologia neoliberal e direcionados para uma atuação
voltada exclusivamente à garantia de um (cada vez mais) incerto lugar no
mercado de trabalho – faltam referenciais. Os próprios ex-alunos podem contribuir
com sua experiência vivida.
A esse respeito, tivemos a oportunidade, ao longo das entrevistas, de
compartilhar nossa experiência com alunos e a receptividade foi muito grande.
Registramos que, num determinado momento, fizemos contato com a turma de
alunos concluintes do período noturno. A aula em curso era “Introdução ao
Projeto Experimental”, que visa fornecer ao aluno alguns subsídios para que, no
semestre seguinte, ele realize o seu trabalho de conclusão de curso, sob a forma
de um Projeto.
Relatava-nos a professora responsável a dificuldade de fazê-los
entender que necessitavam conhecer mais sobre o “suporte” ou a “linguagem
213
jornalística” que pretendiam utilizar em seus projetos. Por conta de tal informação
e espontaneamente acabamos por intervir no processo. Como nos dirigimos à
turma à procura de voluntários para a nossa pesquisa, acabamos por destacar o
assunto – relatando a nossa experiência com um livro-reportagem (nosso projeto
experimental de conclusão do Curso de Jornalismo, em 2000). À época não havia
a disciplina de Introdução ao Projeto Experimental, e tínhamos, nós alunos, que
“nos virarmos”. Dar conta de todas as leituras, buscar bibliografia de apoio, etc. e
tal. E destacamos – no nosso caso – como foi importante a leitura de material
sociológico e antropológico sobre os caiçaras de São Paulo, já que o livro-
reportagem era sobre pescadores no Litoral Norte do Estado. Salientamos o
quanto isso nos ajudara a ir a campo com algumas referências – inclusive de
contatos – extremamente úteis no processo de coleta de dados para o livro.
Alguns dias depois, a professora responsável nos procurou para dizer
que havia sido extremamente positiva nossa intervenção, contribuindo para uma
outra disposição dos alunos. Trata-se de um pequeno gesto, diante de uma
situação determinada. Mas não nos deixa de fazer pensar em quanto a
experiência compartilhada pode acrescentar.
Ao longo de todas as entrevistas, percebemos receptividade de alunos
e professores ao projeto que desenvolvemos, e uma inesgotável disponibilidade
em compartilhar. Há, portanto um vasto território de compromissos potenciais a
explorar no sentido de desenvolver alternativas para os desafios que se impõem
ao Curso de Jornalismo da PUC – Campinas e, mais especificamente, à questão
da formação humanística.
Como bem salientou PT1 em seu diálogo conosco, um curso é muito
mais que uma grade curricular. Um curso é um espaço de convivência e ele será
tão melhor quanto maior for o engajamento e a paixão dos agentes educacionais.
Nos nossos “diálogos imaginários”, apesar de todas as ilusões perdidas, foi
possível perceber que não falta paixão. Paixão por educar e paixão pelo
jornalismo.
Cabe, em cada instância – da sala de aula, às reuniões de
planejamento, passando pelos encontros informais entre professores e alunos e
214
entre professores do eixo de formação humanística e do eixo de formação
profissional – incentivar o engajamento, abrindo espaço para concretização de
novas idéias e propostas. Porque, ao final de tudo, o futuro será aquele que
formos capazes de inventar. Nesse território – que às vezes subestimamos,
apontando apenas as “dificuldades estruturais” e os “limites do sistema capitalista”
- há todo um espaço em que novos caminhos podem ser construídos. E, se nos
limites que - não vamos negar, existem - , nos sentimos frágeis, desprotegidos e
oprimidos, o engajamento forma elos, faz correntes, vira o jogo. Reescreve a
história.
215
CONCLUSÕES
“A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.”
Fernando Pessoa
Ao chegarmos ao final dessa jornada – que se iniciou, como afirmamos
na Introdução, muito antes dos limites de tempo da realização de um Mestrado
em Educação – o mundo se torna maior. No esforço de nos aproximarmos de
nosso objeto – com olhos de quem quer ver – alguns aspectos se destacam.
Nestas palavras finais, trataremos primeiro daquilo que – nas muitas
trilhas que percorremos – ficou para trás. Caminhos que não andamos, que se
apresentaram – pedindo empenho, pesquisa e esforço – e que sinalizam a
provisoriedade de nosso estudo e de qualquer saber. O que não pudemos
fazer/saber fica, no entanto, como indicativo para pesquisas futuras.
Para entender o lugar do qual falamos agora, esse mundo maior que
se ampliou pelo caminho do conhecimento, é preciso destacar o que foi o
processo. O saber não é apenas um produto, é uma forma de caminhar, que
também se faz aprendizado. Falar do processo implica falar de possibilidades que
não exploramos, em função de escolhas metodológicas e de outras tantas
circunstâncias que limitaram os trajetos possíveis.
Mas, se escolhemos um caminho – justificado desde as primeiras
linhas desse estudo e detalhado no Capítulo III – é preciso agora retomar o
trajeto, passar em revista as trilhas percorridas e o sentido de as percorrer. Ali
encontramos, como ecos de nossa passagem, o que foi se revelando, “real que
não está na saída nem na chegada, mas se dispõe para a gente é no meio da
travessia”, como dizia Guimarães Rosa e reafirmando a epígrafe de nosso
trabalho.
Ao final de tanto caminhar, outros pontos de chegada. Que se fazem
novos pontos de partida, sob a forma de desafios que, para a jornalista que quer
216
ser educadora, sempre hão de permanecer. Como chamados a novas e
instigantes descobertas. Mas, e sobretudo, como convites à ação.
Toda pesquisa tem uma intencionalidade que é a de elaborar
conhecimentos que possibilitem compreender e transformar
a realidade; como atividade, está inserida em determinado
contexto histórico-sociológico, estando, portanto, ligada a todo um
conjunto de valores, ideologia, concepções de homem e de
mundo que constituem este contexto e que fazem parte também
daquele que exerce esta atividade, ou seja, o pesquisador
(PÁDUA, 2004, p, 32).(Grifo nosso)
E foi pela possibilidade do conhecimento que busca transformar que
elegemos uma única faculdade de jornalismo para estudarmos a formação
humanística do jornalista. Ao escolhermos a PUC-Campinas neste estudo de
caso deixamos de lado muitas outras possibilidades.
Nesse sentido, um comparativo entre diferentes escolas de jornalismo
existentes no país e no exterior, tendo ainda como foco a formação humanística
do futuro profissional de Imprensa, se constitui numa possibilidade de pesquisa.
Por meio da comparação seria possível correlacionar, por exemplo, realidades
distintas em termos de jornalismo praticado (considerando, para isso,
principalmente os países europeus, com larga tradição de um jornalismo
comprometido com determinadas concepções político-ideológicas e partidárias,
como a França, por exemplo) e a formação que é oferecida aos profissionais.
Ainda com foco na PUC – Campinas, um outro enfoque seria aquele de
uma pesquisa etnográfica de longo percurso, acompanhando um grupo de alunos
desde os primeiros dias no curso até a sua conclusão. A experiência do mergulho
na realidade dos sujeitos, compartilhando as aulas das disciplinas de formação
humanística ofereceria, sem dúvida, um novo patamar de observação, que não
aquele mediado por documentos e entrevistas, sempre discursos localizados em
um determinado lugar de uma estrutura de relações de poder e nos quais se
acham presentes todos os jogos que as entrevistas implicam, como salientamos
ao longo do “diálogo imaginário” que deu forma ao Capítulo V.
Um outro aspecto não estudado foram as Práticas de Formação, uma
característica da PUC – Campinas e uma das dimensões do antigo eixo de
217
formação humanística, agora chamado de Núcleo Complementar, como já
destacamos no Capítulo IV. A análise das Práticas de Formação disponíveis e um
mapeamento das escolhas dos alunos de jornalismo nos permitiria verificar até
que ponto elas atendem às características da formação humanística, conforme a
vimos tratando ao longo deste trabalho, ou se constituem em reforços para a
formação técnica ou suprimento de deficiências estruturais de conhecimento,
vindas dos níveis anteriores de formação dos estudantes.
Do mesmo modo não examinamos a curva de evasão de alunos do
Curso de Jornalismo da PUC – Campinas, para relacioná-la à distribuição
concentrada de disciplinas do eixo de formação humanística (Núcleo
Complementar) nos dois primeiros anos de formação.
Entres os objetivos a que se propõe a universidade estudada em seu
PA/PPP para o Curso de Jornalismo, o aspecto ético da formação humanística foi
repetidas vezes salientado. Uma possibilidade de pesquisa que levantamos são
entrevistas e/ou histórias de vida que resgatassem a atuação dos profissionais
egressos da PUC – Campinas no mercado de trabalho. A proposta seria, fazendo
perfis de atuação – inclusive com o exercício de refazer a trajetória do perfilado
em determinadas matérias/reportagens realizadas –verificar o legado, na prática,
dos anos de formação humanística com forte ênfase na ética e no
comprometimento do profissional de Imprensa. Trata-se de ampliar a visão do
alcance dos objetivos a que se propôs a Universidade ao definir um determinado
perfil profissional, sobre o qual nos debruçamos no Capítulo IV.
Ainda nos limites da PUC – Campinas, um campo não explorado é o
das atividades de Extensão da Universidade. De que forma o Curso de
Jornalismo participa de tais iniciativas e como, por meio delas, é possível ampliar
o espaço para a prática de um jornalismo ideal, presente nos discursos de
docentes e alunos. E, nesse sentido, dilatar o alcance do Núcleo de Disciplinas
Laboratoriais e Práticas Profissionais que passaria também a atender às
demandas da comunidade, produzindo o jornalismo que “se deseja ver
consolidar-se no curso e se propagar na sociedade” (PA, 2004, p. 20).
218
Com relação à visão do mercado de trabalho em relação à formação
dos jornalistas, um caminho promissor e não trilhado é o de resgatar a pesquisa
feita por FALASCHI (1996) com editores de grandes veículos e retomar as
indagações sobre as expectativas de formação que foram feitas à época.
Incluiríamos, nesta nova pesquisa, os novos editores – formados em tempos mais
recentes, quando se agravam as tendências de espetacularização da notícia,
superficialidade da informação e quando, no jornalismo impresso, a crise se
acelera. Houve mudanças significativas na percepção do profissional ideal para o
mercado? Qual o discurso dos editores e qual a prática de contratação nas
grandes redações? O que dizem os jornalistas empregados nas empresas a que
se vinculam tais editores? Mais uma pesquisa de longo percurso, que foge aos
limites do tempo destinado a um Curso de Mestrado.
Um dos aspectos salientados no PA do Curso de Jornalismo da PUC –
Campinas (2004, p. 1011) são os compromissos que devem ser abraçados pelo
futuro profissional. Entre tais compromissos destacamos o de “agregar um
número cada vez maior de leitores na sociedade”. Tal afirmativa nos leva a
indagar se os projetos mantidos por inúmeros jornais do país, intitulados “Jornal
na Escola”, vêm contribuindo nesse sentido. A proposta é pesquisar, para além do
fato do jornal se transformar em “instrumento didático-pedagógico auxiliar do
professor”, sobre o impacto da leitura na vida dos alunos, passando por seu
desempenho escolar (principalmente em redação e disciplinas da área de
Ciências Humanas), até chegar ao nível de consciência do mundo que vão
desenvolvendo a partir do contato com o material produzido em jornais impressos.
No campo específico do jornalismo, alguns caminhos também se
revelaram. Quando, ao longo do Capítulo I, nos debruçamos sobre o jornalismo
real e sua crise, não encontramos, na pesquisa bibliográfica empreendida, títulos
que tratassem com profundidade da crise dos jornais impressos no Brasil, suas
características, seus desdobramentos. Pensamos que se trata de um tema sobre
o qual os estudiosos devem se debruçar, até para entender a opção, para sair da
crise, pela “popularização” dos jornais. Em idêntica direção, uma pesquisa junto a
leitores dos chamados “jornais populares” pode levar-nos a compreender melhor
as razões do sucesso e a idetnficar eventuais alternativas para o mesmo público,
numa perspectiva que não subestime a inteligência dos leitores.
219
Por fim pensamos em ouvir jornalistas premiados (Prêmio Esso de
jornalismo, por exemplo) para pesquisar a maneira como tais profissionais
chegam à construção de reportagens (nos mais diferentes suportes) que se
destacam. Quais são os conhecimentos que mobilizam, por meio de quais
técnicas jornalísticas? Como tais conhecimentos se relacionam ao horizonte da
formação humanística que tiveram? Que importância atribuem à formação
humanística para sua atuação profissional? O que lêem tais jornalistas
premiados? Carecemos de exemplos de como fazer jornalismo, o “velho e bom
jornalismo”. Quando indagamos aos alunos sobre um(a) jornalista que admiram,
percebemos que – em geral – são os com grande visibilidade (colunistas,
apresentadores de telejornais (âncoras), autores de livros). Mas sabemos que, em
jornais menores, em redes de televisão e rádio de alcance local, muito se faz em
direção a um jornalismo de qualidade, com impactos positivos para a vida de
milhares de brasileiros. Cabe aos pesquisadores dar espaço a tais iniciativas,
promovendo sua divulgação. A formação dos jornalistas, certamente, agradecerá.
Todas são possibilidades de caminhar que optamos por excluir no
momento em que fizemos uma determinada escolha metodológica e operamos o
necessário recorte, para delimitar um objeto que fosse, no tempo máximo de 30
(trinta) meses que nos impõem as regras dos Programas de Pós-Graduação no
país, passível de ser estudado. Obedecendo a uma – no nosso entendimento -
perversa lógica de produtividade, o Ensino Superior perde em qualidade. Muitas
das trilhas não percorridas teriam dado à abordagem de nosso problema de
pesquisa – a formação humanística no Curso de Jornalismo – uma profundidade
maior. A mesma lógica impõe, a pesquisadores comprometidos, a insatisfação de
projetos parciais, nos quais o sabor do saber se perde em estudos com prazos
restritos, em que dados e mais dados não são “digeridos” com o vagar que
pedem, por sua complexidade e por sua importância.
Se a escolha se impôs, vale, no entanto e num esforço de síntese,
rever o trajeto percorrido. Ele vale por si, independentemente do resultado que
tenhamos ou não alcançado aqui. Desse trajeto, destaca-se – para nós – a
escolha de entrevistas com os sujeitos. Há uma riqueza nos depoimentos
gravados - material para futuras análises – que ressalta o valor do instrumento
escolhido. Mas, mais que isso, foram encontros entre sujeitos e o pesquisador em
220
que vidas se compartilharam, de uma maneira emocionada, generosa e
gratificante. E inspiraram – como já expusemos – a opção pelo “diálogo
imaginário” no Capítulo V. Quantificar e categorizar tantas palavras seria, do
nosso ponto de vista, mutilar o saber que nos foi dado por intervenções tão ricas.
Do ponto de vista jornalístico, inúmeros perfis poderiam ser construídos, com
histórias de vida – sobretudo de alunos bolsistas – que inspiram transformações
na nossa forma de ver os estudantes. Um aprendizado para nós, aprendizes no
ofício de educar.
Quando, face a face, nos vemos (e vemos o outro) com lágrimas nos
olhos não há como reduzir aos rigores de um certo (incerto) discurso científico a
emoção da vida vivida. Havia (e há) tanta busca de saber naqueles alunos que a
pesquisa colocou em nosso caminho, tanto empenho em superar limites
estruturais da educação no Brasil e tamanha consciência dos limites do mercado
de trabalho que vão enfrentar (ou já enfrentam) que só nos lançam novos
desafios, atravessados pela angústia que a urgência e a profundidade de
mudanças que pede a educação nos deixam.
Ao longo de todo o estudo, desde as primeiras leituras até a análise de
todo o material obtido, um parágrafo orientou nosso caminho.
O fundamental é compreender a realidade em seus múltiplos
aspectos e, para tanto, essa compreensão vai requerer, e talvez
admitir, diferentes enfoques, diferentes níveis de aprofundamento,
diferentes recursos, dependendo dos objetivos a serem
alcançados e as possibilidades do próprio pesquisador para
desenvolvê-los (PÁDUA, 2004, p. 37).
Ao optarmos por uma abordagem histórico-dialética, certos fios foram
lançados para que pudéssemos, com eles, tecer a trama. Em primeiro lugar
tratava-se de abordar o processo particular – a formação humanística no Curso
de Jornalismo da PUC – Campinas – como parte de uma realidade mais ampla.
Para isso, nos debruçamos sobre o caráter do jornalismo. Chegamos então a uma
visão – ainda ideal – desse ofício. Técnica de relatar os fatos contemporâneos a
partir de uma determinada leitura da realidade, cujo produto
informa/conforma/orienta ações humanas, na medida em que fornece um
conhecimento do mundo. E nesta dupla tarefa de, a partir do compreender,
explicar ao cidadão comum o que ocorre (e porque ocorre), havia e há um lugar
221
para formação humanística do jornalista. Como suporte para o pensar bem. Como
sustentação da linguagem com a qual traduzimos os fatos e pensamos a
realidade que nos inclui.
No entanto, outros fios necessitavam ser entrelaçados. O jornalismo e
o ensino de jornalismo não se fazem apenas de um ideal, de uma visão apenas
teórico-filosófica, que trata do ofício de narrar o mundo na sua dimensão
ontológica, que destacamos no Capítulo I. No mesmo Capítulo era preciso entrar
no mundo real. Na prática cotidiana do jornalismo, há lugar para essa formação
humanística? Quais dimensões ela adquire?
No mundo da economia globalizada, o jornalismo real enreda mais um
fio à nossa trama. Transformada em mercadoria, a notícia/informação adquire, no
modo de produção capitalista, as características de um produto à venda. No
entanto, um produto que – como vimos – possui características singulares, na
medida em que continua, para muitos e num país como o Brasil, como a única
fonte de conhecimento a que podem ter acesso, sobretudo por meio do mais
poderoso de todos os meios de comunicação, a TV. E vimos também que, por
conta desse poder, um modelo de jornalismo tornou-se hegemônico, adicionando
à informação/notícia transformada em produto à venda, novos complicadores.
Com a simplificação que operam na espetacularização da notícia e no
não aprofundamento dos fatos, a formação humanística parecia ser, do ponto de
vista do jornalismo real, absolutamente dispensável ao desempenho de
profissionais que, numa escala industrial, são convidados cada vez mais a pensar
menos.
No entanto, na lógica do sistema, há contradições. E foi esse o fio que
retomamos, ainda no Capítulo I, para reafirmar – no mundo da hiper-informação
(e do quase nenhum entendimento) e da crise dos jornais impressos – a
necessidade da formação humanística. Seja para dar um outro rumo ao que
vimos se consolidando como modelo hegemônico, seja para responder – com a
diferenciação entre os diferentes veículos – à própria crise que o modelo
hegemônico engendrou.
222
Assim, aquela formação humanística que, para muitos, parecia um
vestígio ultrapassado de antigos ideais há muito esquecidos pelos cínicos de
plantão, se fez presente. Se na prática a necessidade de conhecimentos da área
de Ciências Humanas se recolocava – agora em outro nível da realidade – era
preciso mudar um pouco a direção do olhar, para encontrar a outra dimensão da
realidade que se imbricava no nosso problema de pesquisa.
Agora, os fios a serem tomados como guias eram aqueles que nos
ligavam à Educação. Fios de Ariadne, na feliz metáfora a seguir:
Aqui, como em todas as etapas de pesquisa, é preciso ter olhar e
sensibilidade armados pela teoria, operando com conceitos e
constructos do referencial teórico como se fossem um fio de
Ariadne, que orienta a entrada no labirinto e a saída dele,
constituído pelos documentos gerados no trabalho de campo
(DUARTE, 2002, p. 152).
Aqui também nos recomendava a abordagem histórico-dialética que
fizéssemos um duplo movimento, indo do geral ao particular, e do particular para
o geral. Partindo do jornalismo ideal e do jornalismo real fomos então, orientados
por um novo fio, examinar a formação do jornalista no Brasil. As razões de seu
surgimento, os contextos histórico, econômico, político e ideológico que, desde
1947 – ano da instalação do primeiro Curso de Jornalismo no país (Fundação
Cásper Líbero, São Paulo) – foram dando enfoques diversos ao ensino de
jornalismo.
Nascidas na condição de resposta ao desenvolvimento do jornalismo
no país, que gerou a necessidade de formação de mão-de-obra, as escolas de
jornalismo viveram, ao longo dos sessenta anos de sua história, sucessivas
transformações. Ora se enfatizava a formação humanística, ora a formação
técnica. Como dimensão da realidade, refletiram as mudanças no mercado de
trabalho, ampliado com o desenvolvimento de novas tecnologias na área das
comunicações, que resultaram em novos e poderosos suportes.
No entanto, apesar de toda a distância que separa hoje a informação
em tempo real na Internet do antigo jornal, ainda cheirando a chumbo e tinta da
gráfica, que encontrávamos na banca da esquina mais próxima, o eixo de
formação humanística permaneceu no ensino de jornalismo.
223
Para entender essa permanência era preciso tomar um outro fio, para
além daquele que, na visão ideal do jornalismo, entendia (e entende) a formação
humanística como necessidade intrínseca ao fazer jornalístico. No caráter
contraditório da educação, a abordagem histórico-dialética nos dava a pista para
compreender a reiterada presença das Ciências Humanas nos cursos de
jornalismo, apesar de todas as transformações técnicas.
O caráter contraditório se espelhava, de um lado, na necessidade do
Ensino Superior de prover o mercado de trabalho de mão-de-obra treinada para o
exercício da profissão de jornalista. Ao mesmo tempo, as práticas do ensino e da
pesquisa – constituintes da própria dinâmica do Ensino Superior - levavam as
escolas a compreenderem a dimensão social e política do jornalismo e as
implicações da consolidação de um do modelo hegemônico de informação,
pautado – como vimos – pela linguagem televisiva.
Dessa forma, ao mesmo tempo em que a Educação contribui para a
manutenção das regras estabelecidas pela prática empresarial do jornalismo, ela
produz conhecimentos de tal ordem que se constituem na crítica – e na possível
gestação de uma superação prática – de tais regras. Do ponto de vista de nosso
estudo, essa contradição fundamental ao processo de educar nos pedia o exame
do Projeto Político-Pedagógico do Curso de Jornalismo da PUC – Campinas.
Nas sucessivas versões do PPP (2001 e 2004), que deram ao curso a
forma como está estruturado em 2007, novos fios para a trama que pretendíamos
tecer. Como olhar tais documentos, entendidos aqui como discursos? Para nos
guiar na leitura tomamos um atalho. A leitura – partindo da abordagem oferecida
por CASTANHO e CASTANHO (1996) – tratou o documento a partir dos
conceitos de intenções e objetivos educacionais.
Como discursos, representavam a palavra das diferentes instâncias
educacionais, que vão dando forma ao ensino de jornalismo – e, mais
especificamente, à formação humanística dos futuros jornalistas. Expressam
posições diferentes e estão atravessadas por um conjunto de representações do
mundo, do jornalismo e da própria educação que nos cumpria examinar e
destacar, pontuando as relações que se estabelecem entre tais
224
documentos/discursos e contexto mais amplo – do exercício do jornalismo (no
qual prática e ideal se imbricam) e da práxis educativa que forma os profissionais
que atuam na área.
O capítulo IV nos dá uma nova dimensão para o problema de
pesquisa, agora nos limites dos muros da instituição que escolhemos como objeto
deste estudo de caso. Aqui também, como a repetir sempre a mesma canção
(como um disco riscado, talvez), as mesmas contradições que atravessam a
prática jornalística e a educação se repõem, traduzidas em aspectos da grade
curricular e das ementas das disciplinas do eixo de formação humanística, numa
nova e singular configuração.
Nesse nível da realidade, o lugar da formação humanística permanece
indefinido. Ora é um recurso para dar aos alunos um arcabouço de cultura geral,
a qual se pede para qualquer profissional formado no Ensino Superior. Em outros
momentos, é fundamental para desenvolver um espírito crítico no futuro
profissional, a fim de sustentar uma opção ética que oriente o fazer em direção a
um jornalismo socialmente comprometido com a construção de um “mundo mais
justo, fraterno e livre” (PA, 2004, p. 3). E, em alguns outros (poucos) momentos, é
visto como formação essencial ao exercício do jornalismo, na medida em que
este, entendido como forma de conhecimento, não possui todos os recursos
necessários à leitura do mundo que lhe compete fazer.
Tais indefinições repercutem, ecoam e trazem, no nível da realização
dos objetivos educacionais, outros desdobramentos. Por isso, as ementas e os
planos de curso – documentos que expressam uma nova instância de realização
das intenções expressas no PA/PPP – foram incluídos no olhar, como outros
pequenos fios. Neles se buscou a coerência ou não com a visão do ensino de
jornalismo que o Projeto Acadêmico (Projeto Político-Pedagógico) do Curso de
Jornalismo da PUC – Campinas expressou.
Para orientar os rumos da leitura, retomamos os fios das indefinições
quanto ao lugar da formação humanística. Aqui, novas descobertas. A
interdisciplinaridade – que entendíamos, em consonância com o próprio estatuto
do jornalismo e de acordo com o próprio PA/PPP, ser fundamental – não é prática
225
efetiva. Os objetivos de cada disciplina mudam ao longo do tempo, dimensões se
perdem. A ênfase acaba ficando com o caminho da “cultura geral”.
Entender esses desdobramentos só se tornou possível quando
examinamos um documento originalmente não previsto neste estudo, o Relatório
de Atividades G8, que expressa a situação atual da organização curricular e
didático-pedagógica do Curso de Jornalismo da PUC – Campinas. Aqui
destacamos a importância de não fecharmos nosso olhar àquilo que, sem que
esperássemos, atravessa o caminho do pesquisador, sempre que as condições
sob as quais se desenvolvem projetos de pesquisa o permitirem.
Na análise desse conjunto de documentos, desenvolvida ao longo do
Capítulo IV, percebemos as posições contraditórias entre os diferentes níveis de
poder dentro da estrutura da PUC- Campinas. O projeto primeiro (2001),
expressão da visão dos professores e da direção do Curso de Jornalismo, ganha
uma outra dimensão em 2004, após ter sido validado em instâncias superiores da
instituição. Pré-requisitos fundamentais, como o tamanho das turmas e os
conteúdos ministrados nas disciplinas que compõem o eixo de formação
humanística, são alterados.
Chegando em 2006, o Relatório de Atividades G8, último documento
numa linha do tempo, traz novas e instigantes revelações. As disciplinas do eixo
de formação humanística estão agora no chamado Núcleo Complementar. Na
correlação entre habilidades e competências específicas do perfil profissional
pretendido pela PUC – Campinas, não se relacionam tais saberes oriundos das
Ciências Humanas como necessários às tarefas que cada jornalista desempenha,
no cotidiano de seu ofício.
O desenho da realidade assim feito parecia nos dizer que, à mercê de
todas as pressões, a Universidade teria, irremediavelmente, cedido ao ímpeto de
se reduzir à mera reprodução de mão-de-obra tecnicamente preparada para
trabalhar na “indústria da informação”.
No entanto, era preciso, para chegarmos num ponto em que nos fosse
possível compreender melhor o que ocorre, tomar outros fios. Aqui, as entrevistas
com os agentes educacionais fornecem, a partir de perspectivas singulares – mas
226
sempre inseridas na história – novos olhares. É no discurso da direção do Curso
de Jornalismo e do Centro de Linguagem e Comunicação, dos professores que
ministram disciplinas humanísticas e disciplinas técnicas e dos alunos
ingressantes e concluintes do Curso de Jornalismo da PUC – Campinas que
encontramos os contornos mais próximos da dinâmica da realidade.
No tecer o “diálogo imaginário” que constitui o Capítulo V, trouxemos
para o nível da vida vivida de sujeitos reais que conosco compartilharam saberes,
sonhos, fazeres e angústias, uma nova e rica dimensão para o amálgama de
muitas cores/texturas/densidades que constitui a realidade até aqui pensada.
Nesse nível, uma nova e instigante tradução de todas as contradições que vimos
expressas até aqui.
Visões do jornalismo e do ensino de jornalismo se confrontaram.
Expectativas e realizações revelaram faces da Educação e do jornalismo. E
recolocaram, apesar de todos os limites, alternativas a perseguir. Novas formas
do fazer jornalismo e do ensinar jornalismo se insinuaram. Caminhos que já foram
trilhados e atalhos que ainda cabe – a todos e a cada um daqueles que, em
alguma instância, estão envolvidos com a realização do projeto educacional em
curso – caminhar.
Na trama que construímos, a partir de um processo orientado por
tantos fios tomados e retomados, nosso caminho buscou dar conta das múltiplas
determinações que constituem o real. Determinações que só podemos perceber
quando correlacionamos diferentes dimensões da realidade, em diferentes níveis
e a partir de diferentes pontos de vista. Nesse sentido,
O conhecimento das propriedades de um objeto não significa que
conhecemos o objeto... Desta forma, a qualidade não é a simples
soma das propriedades: a estrutura que tomam as propriedades é
determinante para definir a qualidade de um objeto, isto é, o que
“uma coisa é”. Mas o conjunto de propriedades, a estrutura das
mesmas não nos dão uma visão exata da qualidade do objeto.
Para atingir esta é preciso conhecer as funções, a finalidade do
objeto em relação a outros objetos [...] de maneira que a
qualidade de um objeto só é conhecida quando indicamos suas
propriedades, a estrutura destas, a função e a finalidade do objeto
(TRIVIÑOS, op. cit., p. 66).
227
Indagar, nos diferentes níveis da realidade, este intricando conjunto de
dimensões foi o nosso propósito. Ele tem, inevitavelmente, o caráter provisório de
todo o conhecimento. Olhamos e falamos de um lugar muito particular, mediados
por um arcabouço teórico que não é o único possível, e vivemos o presente que
nos cabe viver. Tudo somado, contornos se fazem em torno daquilo que
conseguimos obter e delimitam o alcance de nossas observações e de tantas
reflexões adicionadas.
Temos, para retomar as palavras de Régis de Morais, que já usamos
na página 93, consciência de que “a complexidade da trama vital zomba de todas
as simplificações e esquematismos ralos”. Muito há ainda que se observar e se
retomar neste pequeno recorte da realidade que fizemos. Alguns deles
salientamos ao abrirmos nossas conclusões. São indicativos de pesquisas
futuras que trarão novas dimensões ao objeto estudado.
Cabe-nos ainda destacar que, em tantas e tantas leituras e releituras
das transcrições das entrevistas, algo se destacou. Com tamanha riqueza, muitos
das conversas que tivemos com os sujeitos da pesquisa mereciam ser retomadas.
Nesse sentido, assinalamos que, sempre que possível e em futuros estudos, os
primeiros contatos devem ser tomados como um patamar para outros encontros,
novas entrevistas com os mesmos sujeitos e, no nosso caso, levar em
consideração a alternativa de um grupo-foco, que reunisse os agentes do
processo educacional em uma situação de debate real. Com certeza, outros
enfoques e aprofundamentos seriam possíveis. Neste estudo, a quantidade
escolhida foi, nesse sentido, um erro metodológico no qual enxergamos um
bocado daquela herança positivista que ainda permeia nossa forma de observar a
realidade e de validar estas observações, dando-lhes a marca de conhecimento
científico. Dessa perspectiva, nos desviamos por um atalho, caindo na armadilha
da “amostra significativa”.
No entanto, ainda conscientes de todos os limites que já identificamos
neste estudo (e todos os outros que serão apontados), o resultado obtido nos
permite traçar algumas considerações, retomando nosso objeto de estudo para
uma reflexão última.
228
Estamos convencidos de que a formação humanística é sempre
necessária. Em muitos sentidos e de muitos pontos de vista. Ela é a fonte de uma
saber pensar que deveria ser potencializado em cada homem e em cada mulher.
Um saber pensar que nos confirma humanos, mediado pela linguagem que nos
fez humanos e nos legou as possibilidade de refletirmos, comunicarmo-nos,
recontarmos histórias, registrarmos nossos sonhos e nossas vitórias e derrotas.
Um saber pensar que é constitutivo da cidadania plena a que aspiramos e cuja
concretização, como vimos afirmando ao longo deste estudo, se vincula – de
forma ontológica – ao fazer jornalismo e ao fazer educação.
A mesma formação humanística – pelo resgate de “toda uma herança
de pensamentos revolucionários com que a civilização contou para se estruturar”
para usar a feliz expressão de um de nossos entrevistados – é o alicerce sobre o
qual pode se constituir uma nova ética. Uma ética que, considerando o vivido pelo
ser humano, compreenda a singularidade (e a gravidade) do hoje. E, a partir de
tal compreensão, possa fazer escolhas que rompam com a lógica servil que nos
impõe o Deus ex machina em que se transformou o mercado. Ele que determina,
com seus poderosos tentáculos que alcançaram todas as áreas da atividade
humana com o fenômeno da globalização econômica, a vida do ser humano na
contemporaneidade e lança o “decreto do fim da história” para assegurar a
permanência do sistema capitalista e seduz, com seus sonhos embalados de
consumo, tantos homens e mulheres.
Se essas dimensões, apenas por si, já justificam um lugar – e um lugar
fundamental – para o saber humanístico em nossas escolas (de qualquer nível,
no nosso entendimento), mais ainda quando se trata de formar profissionais que,
por dever de ofício, produzem um conhecimento da realidade e interferem, pelo
poder dos meios de comunicação e pela legitimidade que historicamente se
construiu para o discurso que proferem, na vida social. E assim é o jornalismo,
ainda que exercido em moldes empresariais. O poder de interferência apenas se
amplia e, nessa dilatação, a formação humanística se reclama como condição de
liberdade. Condição de liberdade porque apenas quando nos tornamos
conscientes de que somos, malgrado todas as circunstâncias, sujeitos na história,
capazes de, individual e coletivamente, construirmos um outro horizonte para a
229
humanidade é que ser livre não é apenas uma expressão vazia (ou agregada
somente à imagem reiterada dos sonhos de consumo possíveis).
A formação humanística guarda, nestas dimensões que destacamos,
um valor maior que é o de nos permitir, pelo conhecimento que propiciam, a
ousadia. Nas sábias palavras de Tomas Eloy Martinez, jornalista e escritor
argentino:
Em este fin de siglo neoliberal tan orgulloso de sus certezas, tan
convencido de que ya llegado al “fin de la historia”, la cultura tiene
la misión de ver la realidade como una enorme interrogación,
como una perpetua duda, y de imaginar el futuro como una
incesante utopía. El hombre se há movido em las oscuridades de
la historia a golpes de utopía, y la utopía es lo que há permitido al
hombre seguir teniendo fe em la historia (MARTINEZ, 1992).
Ao mesmo tempo em que estamos certos do valor e da importância
contemporânea das Humanidades, vimos – ao longo deste estudo – se
destacarem ambigüidades na realização concreta das intenções que permearam
as propostas de oferecer aos futuros jornalistas uma formação humanística. Do
ponto de vista que adotamos aqui, tais ambigüidades apenas refletem a realidade
contraditória que permeia o fazer jornalismo e o fazer educação. E, no nosso
objeto de pesquisa, as duas dimensões se imbricaram. E se entrelaçaram de uma
forma ainda mais intensa quando consideramos que jornalistas também são
educadores, como afirmamos, usando as palavras de Alberto Dines, na
Introdução desse trabalho. Educadores e jornalistas não exercem ofícios comuns.
Lidam com a preciosidade da formação humana, do ampliar saberes, do limitar ou
alargar os contornos do mundo.
No jornalismo, vimos que “ao contrário do que os ideólogos do método
conservador defendem, o ponto de partida para o jornalismo não é a imediatez do
fato, mas a compreensão do fato” (MILMAN, 1998, p. 30). A pretensa neutralidade
do conhecimento produzido pelo jornalismo, que debatemos no Capítulo I deste
trabalho, desmonta-se rapidamente, revelando a visão cartesiana e positivista que
sustenta a legitimação do modelo hegemônico do fazer jornalismo.
230
No entanto, sabemos também que a crise desse modelo atinge hoje
dimensões nunca vistas. Seja do ponto de vista do não-entendimento do mundo
que propiciam, seja porque o modelo se esgota, na medida em que, dentro da
própria lógica do sistema capitalista, resulta em busca de novos caminhos. Em
busca de preservarmos as próprias condições de compreensão da realidade que
entendemos, conforme já exposto, condição de liberdade, o cenário nos pede
indagar sobre as alternativas que se colocam.
Não podemos, como jornalistas e educadores, aceitarmos que há
apenas a formulação rasa de um lead como alternativa. Nem vislumbramos como
único caminho a “popularização” dos jornais impressos. Ao longo do capítulo I
detalhamos que, apesar de tudo, há outras possibilidades. Alternativas que os
professores/jornalistas que entrevistamos também vislumbram. Com tais
horizontes é que devemos olhar a urgência da formação humanística para os
jovens profissionais já que o futuro será aquilo que, a partir de agora, lançarmos
como semente a germinar.
Em tal cenário, vale ressaltar mais uma vez, o saber das Ciências
Humanas é condição para ampliar o enfoque do mundo que o jornalismo tem,
com seu modelo hegemônico, nos propiciado. Nesse sentido, tomemos as
palavras abaixo.
O tratamento jornalístico convencional está voltado para a
produção de instantâneos, que são reunidos em coletâneas
diárias e articulados segundo critérios de consumo. A forma pela
qual a coletânea é produzida e organizada expressa,
inegavelmente, os vícios e os compromissos característicos de um
ordenamento apressado, linear e, por isso, precário da realidade.
Lembremos alguns deles: a simetrização da diversidade inerente
à vida social, o incentivo ao personalismo, as concessões à
estética do mau gosto, a exploração do bizarro, a
espetacularização do cotidiano, a mistificação da natureza da
política e dos conflitos sociais, a subordinação às demandas
publicitárias, entre outros. Mais ainda: essa formatação tende a
encobrir o background da vida social, a trama de nexos
causais e os condicionamentos que circunstanciam os fatos
(MILMAN, 1998, p. 32). (Grifo nosso)
Para alterar esta lógica – ocupando as fissuras que se encontram por
entre os limites do jornalismo real – “as Ciências Humanas desfraldam uma
231
pluralidade de aproximações e nos dirigem para múltiplas redes de significação,
para a verdade objetiva do subjetivo e do homem” (COGGIOLA, 2002, p. 16).
No entanto, reconhecer as possibilidades de alteração é também abrir
mão de um certo fatalismo que vimos reafirmado por alguns dos sujeitos de nossa
pesquisa, expresso em discursos que salientam os limites e não vislumbram
saídas para o exercício do jornalismo. Para eles lembramos que o pensamento
crítico não pode se restringir à rejeição a determinados modelos e/ou a simples
negação do que há. A criticidade exige, para se tornar instrumento efetivo do
saber, compreender a provisoriedade de todas as estruturas de dominação, na
medida em que são – sempre – construções humanas e, por isso mesmo,
passíveis de transformação. Ceder ao fatalismo é se imobilizar, sob a justificativa
do poder de um sistema que nos limita sim, mas não é, relembrando um de
nossos entrevistados, “uma realidade monolítica”, auto-imune e fadada à
eternidade. A história, apesar de tudo, continua.
Em todo caso, como observa Ernst Bloch, os que não acreditam
na possibilidade de um happy end acabam por entravar o
processo de transformação do mundo tanto quanto os
mistificadores que propagam a idéia de uma grande apoteose final
inevitavelmente feliz. Encontrar o caminho e o passo certo nesse
fio da navalha é tarefa tão árdua quanto, parece, necessária
(TEIXEIRA COELHO, 1996, p. 97).
E é do mesmo ponto de vista que retomamos, agora no âmbito da
educação, o problema da formação humanística no Curso de Jornalismo. Ao
longo de nosso trajeto percorremos as diferentes instâncias que, no cotidiano,
traduzem intenções em objetivos. Vimos, ao analisarmos documentos e
depoimentos que, também para a educação, o século XXI coloca encruzilhadas.
De um lado, toda a pressão do mercado – sempre ele – a delimitar horizontes
para a formação dos jornalistas, pautando ações que se orientam para um viés
tecnicista, desvalorizando – no plano das intenções e dos objetivos
concretamente realizados – a formação humanística. Seja porque não se trabalha
adequadamente a integração dos saberes oriundos das Ciências Humanas aos
demais aspectos do currículo, seja porque, em salas de aula com 90 alunos, o
trabalho do professor se limita.
232
Da mesma forma, toda uma herança da estrutura departamentalizada
das universidades – oriunda, como sabemos, de uma concepção positivista do
saber – permeia as dificuldades que a estrutura da instituição impõe, informa
“guetos” de saber e conforma uma arbitrária divisão entre formação técnica e
formação humanística, como se a técnica não fosse, desde sempre, imbricada de
história e, por isso, correlacionada a determinadas visões de mundo, de saber e
de fazer.
Mas, ao se destacarem tais contradições – expressas em diferentes
níveis da realidade que examinamos –, constatamos também aqui, no território da
Educação, a existência de espaços a ocupar. Alternativas e caminhos foram e
estão sendo trilhados em tal direção pelos agentes educacionais envolvidos com
o ensinar e o aprender jornalismo na PUC – Campinas. O que buscamos, nos
limites de nossa contribuição possível, foi mapear iniciativas que – por serem
isoladas – não significam que as brechas não existam. No espaço da sala de
aula, nas reuniões de planejamento pedagógico, na atuação de grupos de
assessoria, muito se pode fazer.
Mas só se fará se também na educação rompermos com uma certa
visão fatalista que também justifica, tantas vezes, o “não tentar”, deixando que –
em instâncias superiores e, muitas vezes, muito mais comprometidas com a
lógica do mercado (também ela conformando as visões do processo educativo) –
se consolidem estruturas e práticas curriculares e pedagógicas que abandonam a
perspectiva de transformação que é ontológica à Educação. Tomemos, nesse
sentido, a reflexão abaixo:
Lucien Goldmann destaca que a sociedade tecnocrática não pode
e não quer imbecilizar completamente os indivíduos, por maior
que seja o número dos diplomados analfabetos. Essa sociedade
só existe enquanto houver a promoção de um saber, de algum
saber; ela tem portanto brechas, e essas brechas têm de ser
aproveitadas (TEIXEIRA COELHO, 1996, p. 93).
Em qualquer instância do processo educativo um caminho de auto-
avaliação se faz necessário. Para além das regras do SINAES e de todos os
propósitos dos órgãos governamentais – questionáveis ou não em seus critérios –
233
de estabelecer um padrão de qualidade para o Ensino Superior no país, uma
outra tarefa se impõe. Trata-se de, ao fazer a auto-avaliação, ter como eixo
orientador o Projeto Político-Pedagógico que, no nível das intenções, se propôs a
alcançar um determinado horizonte. Horizonte que é a marca distintiva da
instituição, que lhe confere identidade própria e a singulariza. Ao tomarmos o
PA/PPP do Curso de Jornalismo da PUC – Campinas, trilhamos um caminho em
tal direção e vimos como, na distância que separa intenções de objetivos, as
contradições se colocaram. Como um alerta, identificamos uma tendência
“estrutural” à desvalorização da formação humanística, apesar de todas as
intenções em contrário.
Observa-se a imperiosidade de se explicitar a serviço de que e de
quem construímos nossos objetivos de formação e,
imediatamente, de revisitarmos nossa forma de organização do
trabalho docente em busca de sua lógica e consonância com os
pressupostos do projeto de formação com que nos identificamos
(DE SORDI, 1996, p. 5).
O sentido deste trabalho foi acrescentar ao alerta de Mara De Sordi um
estudo de caso que reafirmasse a importância desse ir e vir do ideal ao real, seja
no plano do jornalismo, seja no horizonte da educação. Aqui a pesquisa
cientificamente orientada encontra sua intencionalidade e sua razão de ser.
Sendo um saber sobre o mundo que nos oriente, que nos dê caminhos para
caminhar.
Alguns alegarão ainda que tudo isso é sonho, que isso não existe,
quimera, utopia. Mas existe, ainda que em falta, existe – embrionária e
timidamente, muitas vezes - e também faz parte do real, como uma das suas
dimensões, a do vir-a-ser que se guarda no presente como possibilidade.
Utópico é, assim, aquilo que ainda não teve lugar, e não aquilo
que não teve, não tem e nem nunca terá lugar. Eis porque o
pensamento utópico afirma estar o futuro cheio de possíveis
concretos – não apenas fantasias irrealizáveis. Diz o utopismo que
o real não se reduz ao imediatamente dado e que o importante
não é aquilatar-se o grau de realismo de um pensamento, mas,
sim, o seu grau de negação dessa acanhada realidade que já
conhecemos (MORAIS, op. cit., p. 64).
Mas, para abraçar a utopia, trazendo-a como bússola, norte para os
ofícios que nos cabem, é preciso ousadia e paixão. Que não nos faltem, nem
234
como educadores, nem como jornalistas (que também são educadores). Para que
possamos, nas salas de aula e nas redações em que trabalhamos nossas notícias
e reportagens, reafirmar – repetida e insistentemente – “nuestro derecho a
reclamar um mundo que no se parezca a ningún outro, y que pongamos nuestra
palabra de pie para ayudar a crearlo” (MARTINEZ, 1992).
235
“A educação sempre permaneceu – e sempre
permanecerá – tributária das idéias utópicas. Sempre
será motivada pelo que é possível imaginar e não
apenas pelo que é possível imaginar como possível;
nunca poderá resumir-se apenas a utopias, mas jamais
poderá prescindir delas”.
Nilson José Machado
236
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1, p. 15-24
243
APÊNDICES
244
APÊNDICE I
SABORES E (DES)SABORES DE UMA PRIMAVERA
A construção do sentido no discurso jornalístico
Regina de Brito Rodrigues
Orientador: Prof. Dr. Celso P. Falaschi
245
RESUMO
O presente artigo examina, valendo-se da Análise do Discurso enquanto suporte teórico-
metodológico, duas matérias, com idêntica temática (a chegada da primavera na cidade
de São Paulo), publicadas nos jornais “O Estado de São Paulo” e “Folha de São Paulo”
em 23 de setembro de 2004. A partir das especificidades do discurso jornalístico –
consideradas as condições de sua produção e de sua leitura – as duas matérias são
comparadas. Destacam-se as diferenças, tanto no que diz respeito aos métodos que
orientaram a coleta prévia de informações nos dois jornais, quanto ao que se refere à
construção dos textos. Revelam-se, no decorrer da análise, os sentidos construídos a
partir do de uma abordagem tradicional dos fatos, pautada pelas regras do jornalismo
convencional, e aqueles oriundos de um tratamento diferenciado – nas fases de produção
e escrita – quando orientadas pelos princípios do jornalismo literário. Problematizando
estas diferenças, este estudo reflete sobre as possibilidades do jornalismo literário como
instrumento para leituras multidimensionadas dos fatos e suas implicações na construção
de um modelo de realidade para os leitores.
PALAVRAS-CHAVE: jornalismo, análise do discurso, jornalismo literário
246
SABORES E (DES)SABORES DE UMA PRIMAVERA:
A construção do sentido no discurso jornalístico
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra.”
Carlos Drummond de Andrade
O calendário marcava a data: 23 de setembro de 2004. Na redação dos
jornais, dias antes, editores decidiam: “Isto vale uma matéria”. A campo,
designadas duas repórteres, Rosa Bastos, de “O Estado de S. Paulo” (OESP), e
Amarílis Lage, do concorrente “Folha de S.Paulo” (FSP). O cenário, idêntico: a
capital paulista. Na data assinalada, duas matérias são publicadas: “Aberta a
temporada de caça às amoras” (OESP) e “Parques e praças viram pomar de
paulistanos” (FSP). Se o ponto de partida foi o mesmo, sinal de que ambos os
veículos de comunicação compartilham de determinadas regras para designar o
que será objeto de divulgação, o resultado não poderia ser mais diferente.
Tendo como objeto estas duas matérias, as quais encontram-se
anexas, este estudo foi realizado. Como olhar para estas duas produções? De um
lado, a sua materialidade – texto, feito de palavras e imagens – revela as práticas
diferenciadas que orientaram o trabalho das duas jornalistas. Neste sentido, é
possível identificar, nas linhas e entrelinhas, os procedimentos diversos no
trabalho de coleta de informações, entrevistas, observação da realidade, base
para a elaboração do texto final publicado. Nas matérias publicadas encontramos
um mapa que nos permite identificar tendências na prática jornalística. As duas
matérias são, neste sentido, emblemáticas do que se caracteriza como jornalismo
convencional (FSP) e do que se intitula jornalismo literário (OESP).
Mas é possível também um olhar do ponto de vista da produção de
sentido. O que estes textos significam e como o fazem para significar. A leitura do
mundo que oferecem, num determinado contexto sociocultural, qual é? Para isto,
o exame se dirige à forma e ao conteúdo que, referidos à realidade, recontam o
247
mundo, guardam marcos (e marcas) que constroem uma determinada visão da
primavera, revelando-lhe sabores e (des)sabores. Para esta análise, valemo-nos
dos marcos teóricos da Análise do Discurso (AD).
Fazemos inicialmente uma breve caracterização do discurso
jornalístico, cuja especificidade enquanto prática institucionalizada é um dos
elementos desta construção de sentido. E sinalizamos as possibilidades que se
abrem, do ponto de vista desta caracterização, com a prática do jornalismo
literário. Destacamos, em seguida, os aspectos mais relevantes para o exame das
duas matérias, entendidos aqui como mecanismos de produção e de expressão
que produzem sentido.
A análise busca identificar então as diferenças. Do plano da produção
(prática jornalística) ao plano da expressão (construção de sentido), a distância
mostra que, a despeito das limitações do fazer jornalístico, há um campo em que,
por meio de uma prática que alimenta a expressão diferenciada, possibilidades se
abrem. Se a realidade é o ponto de partida do jornalismo, é no plano da
linguagem (ou das linguagens) – o universo do simbólico – que ele ganha
concretude, se expressa e se realiza como leitura do mundo. E é neste campo
que mora a fresta por onde antevemos o horizonte.
Não podemos criar fonemas, mas podemos jogar com a criação
de palavras e de sentidos... Assim, temos um campo, lugar das
palavras, ao qual se aplicam nossas escolhas, sobre léxico e
regras, e um outro que diz respeito à realização, ao arranjo
dessas escolhas numa série pela qual se constitui a cadeia falada:
um campo virtual e um atual (GOMES, 2000: 35).
248
O DISCURSO JORNALÍSTICO
“Nosso acesso ao real é sempre mediado, dado
numa outra dimensão que não a dele, dado na ordem
simbólica”.
Mayra Gomes
Os discursos são, de forma genérica, construção de sentido. São a
expressão do mundo simbólico, a partir do qual a realidade se significa e é a partir
dessa significação que a vida social se torna possível. Não existimos como
humanos, sem a mediação da linguagem, com a qual nomeamos e ordenamos o
caos da realidade, atribuindo-lhe significação.
Entretanto, esse processo não se dá individual e isoladamente. Os
discursos são produzidos no terreno da história, guardam as marcas do tempo, as
condições de sua produção e da sua leitura. Nesta trajetória, alguns discursos se
institucionalizam. Entre eles, o discurso jornalístico.
Ao se institucionalizar, o discurso jornalístico – produto social por
excelência – se estrutura a partir de um conjunto de regras e procedimentos e se
legitima a partir de alguns princípios.
Como se organiza este discurso? Operando com a seleção dos fatos a
noticiar e com a forma de os noticiar. Neste sentido, “o jornalismo vai fazendo o
desenho do espaço social... Esse desenho hierarquiza, dando uma ordem de
importância, colocando valores, pela escolha e priorização das temáticas”
(GOMES, 2000: 23).
A prática jornalística é, assim, um recorte da realidade, embora, aos
olhos do leitor (ouvinte/telespectador) confundirem-se fato e relato (notícia). Há,
no âmago desta ilusão, a crença na possibilidade do conhecimento do real na sua
totalidade, herança de uma visão positivista do mundo. Esta aparente fusão entre
fato e notícia sustenta-se sob o mito do relato referenciado no real pelos marcos
249
do quem, quando, onde, como. Esta referencialidade se evidencia nas citações,
nas entrevistas, em sinais de marcação da remetência ao real (GOMES, 2000:
24).
Ao operar o recorte da realidade, o jornalismo vai, com a força de um
discurso legitimado pela sociedade, organizando discursivamente (GOMES, 2000:
19) o mundo e informa (forma/deforma) modelos da realidade e dos
acontecimentos. E não o faz no vazio – ou no isolamento de uma redação. Toda
esta organização é marcada pelas visões de mundo de uma determinada
sociedade, seus conflitos e suas disputas de poder. Há, assim, no discurso
jornalístico uma seleção que arbitra vozes que podem ou não podem falar, ditos
que se podem ou não se podem dizer e silêncios que também significam.
Na seleção feita dos acontecimentos a narrar, relatos consentidos para
a significação do mundo, opera-se a exclusão. “A seleção feita deixa de lado não
só acontecimentos, aos quais não se deu atenção (que, portanto, não existiram
para a mídia), mas também os enfoques possíveis” (GOMES, 2000: 83).
E é a partir desta escolha/exclusão que, radicalizando, afirma
DELEUZE (apud GOMES, 2000:55):
Ora, o que é uma informação? Não é nada complicado, todos o
sabem: uma informação é um conjunto de palavras de ordem.
Quando nos informam, nos dizem o que julgam que devemos crer.
Em outros termos, informar é fazer circular uma palavra de
ordem... O que equivale a dizer que a informação é exatamente o
sistema de controle
.
Produzido a partir destas limitações e nelas construindo sentido para o
mundo, parece não haver saída para o discurso jornalístico, presa fácil no
emaranhado de tantas e múltiplas determinações. A esta visão, que alimenta uma
abordagem sempre negativa da potencialidade do discurso jornalístico enquanto
capaz de produzir outros sentidos que não aqueles socialmente consentidos pelas
visões dominantes do mundo, outra é possível e nela nos referenciamos. Se o
discurso jornalístico é representação simbólica, social e historicamente
250
construída, nele também, aquilo que não cabe “escapa, e a falta mostra sua face”
(GOMES, 2000: 24).
No movimento da história, os sentidos produzidos pelos discursos
estão abertos, em contínua transformação. Outras leituras (e escrituras) se fazem
presentes. Na estrada aberta pelo jornalismo literário – como prática e forma
diferenciadas –, o discurso jornalístico encontra-se com o que falta na fórmula do
jornalismo convencional, naquilo que ficara de fora – enquanto fato e enquanto
enfoque dos fatos – do espelho do mundo que as notícias constroem.
Se é pela linguagem – matéria-prima do fazer jornalístico, qualquer que
seja o seu suporte – que nomeamos o mundo e o mundo é movimento e vir-a-ser,
os sentidos não se fecham em si, nem como possibilidades de leituras
diferenciadas a partir de novos contextos, nem como alternativas de construção
(na prática e na forma). Nesse movimento, há resistência.
E o que é a resistência, em termos discursivos? É, conforme
Pêcheux (1988), a possibilidade de, ao se dizer outras palavras no
lugar daquelas prováveis ou previsíveis, deslocar sentidos já
esperados. É ressignificar rituais enunciativos, deslocando
processos interpretativos existentes ( apud GOMES, 2005).
PERCURSOS ANALÍTICOS
“Por trás do texto, escrito, há outro,
inscrito”.
Juremir Machado da Silva
A escolha do corpus para análise considerou o fato de que, ao tratarem
de um mesmo fato (a chegada da primavera na capital paulistana), os textos
permitiriam precisar as diferenças entre o jornalismo convencional e o jornalismo
literário. Deste ponto de vista e segundo a AD, a análise considera sempre que “o
texto é a unidade de análise afetada pelas condições de produção” (ORLANDI,
2000: 72).
251
Mas, estes mesmos textos são lugares de representação pela
linguagem. Neles se encontram mecanismos de significação, formas através das
quais o texto diz o que diz. Não se trata, assim, de restringir-se ao conteúdo dos
textos, mas de compreender como, dizendo o que se diz, se produz sentido,
consideradas as condições em que se lê o dito, sempre referenciadas a um
universo de experiência que compartilhamos, dado pela história, na qual se
inscreve o texto e o leitor.
Para isso, alguns aspectos foram selecionados, sempre levando em
conta a especificidade do discurso jornalístico que, sucintamente, caracterizamos.
Eles buscam penetrar naquilo que, para além do escrito, está inscrito no texto,
“lugar de jogo de sentidos, de trabalho da linguagem, de funcionamento da
discursividade” (ORLANDI, 2000: 72).
O primeiro deles diz respeito à referencialidade no real, pressuposto,
por excelência, do discurso jornalístico. Aqui interessa-nos identificar o mundo
relatado, seus contornos, seus agentes, a direção de suas ações e a imagem que
se constrói do fato, sempre mediado pelos artifícios da linguagem. Neste sentido,
é também quando analisamos a referencialidade que podemos desvelar as
condições de produção do próprio trabalho do jornalista, o seu mergulho na
realidade.
Ainda com relação à referencialidade, é importante destacar que a
mesma, “eixo da reprodução discursiva, vem sempre encobrir essa criação de
sentido nos discursos, vem encobrir essa propriedade da palavra de descortinar
um mundo” (GOMES, 2000: 43). Do ponto de vista da análise comparativa que
empreendemos, cabe perguntar que mundo se descortina (ou não) em cada um
dos relatos selecionados.
Outro percurso de análise diz respeito à presença de vozes no texto. O
discurso jornalístico é – na sua busca por referencialidade no real – pleno de
citações, entrevistas, declarações. A análise deve procurar a forma com que estas
vozes se expressam e produzem significação. São sempre vozes que, se
reportando à realidade relatada, o fazem de um determinado lugar nesta mesma
252
realidade. São portadoras de uma posição social, o que atribui ao próprio dito
novos sentidos.
Ainda com relação às vozes presentes nos textos, é necessário
lembrar que, na seleção arbitrada pela produção jornalística, vozes são
silenciadas ou reforçadas. A presença destas vozes confere, apesar da pretensa
neutralidade de que se quer revestir o discurso jornalístico (fator imprescindível
para a sua legitimação), o tom a cada matéria, dado pela hierarquização destas
vozes. Lembra-nos GOMES (2000:47): “os rituais de comunicação,
hierarquizando [...], constroem o mesmo sistema de interdição em que se firma
(legitima) o lugar de verdade pela proibição de outras vozes”. Esta “proibição” não
é, entretanto, sempre expressa sob a forma de um simples silenciamento de
outros. Manipular e desqualificar estas vozes são estratégias presentes nos
discursos e produzem também significado neste jogo de criação/recriação do
mundo.
A presença de vozes nos textos nos remete também à questão da
interdiscursividade. Se os discursos não ocorrem no vazio, sempre gestados e
significando a partir do mundo em que se dão, podemos afirmar que todos são
“conversas” com outros discursos. De forma explícita ou implícita, há um diálogo –
constituído no corpo do texto e também na sua leitura, na medida em que todo o
dispositivo da memória é acionado no processo de construção de sentido – que
cabe investigar.
Do ponto de vista do texto, há ainda que destacar a presença de
conteúdos implícitos como produtores de sentido. Entre eles se distinguem os
pressupostos e os subentendidos. Enquanto os primeiros derivam da instância da
linguagem, os subentendidos têm seu sentido a partir do contexto (ORLANDI,
2000:82, a partir da distinção proposta por Ducrot).
Estes conteúdos implícitos ganham maior relevância pela própria
estratégia de referencialidade que é fundamento do discurso jornalístico. A
referência revela a existência de conhecimento e experiência compartilhados e
remete o texto ao contexto sociocultural. É nesta imbricação que o sentido se
produz. Não há sentido no texto em si, mas sempre no texto em contexto. É na
253
relação entre texto e mundo, que se estabelece como condição de produção do
escrito/falado (enquanto nomear e ordenar a realidade) e que se retoma no gesto
de leitura – que aciona a memória e a experiência do vivido – que a significação
existe.
LUGARES DA DIFERENÇA
“O jornalismo é seleção, ordenação, atribuição,
ou negação de importância aos acontecimentos dos mais
diversos, que passam a funcionar como se fossem um
espelho do mundo”.
Ciro Marcondes Filho
“Uma linguagem diferente é uma visão da
vida diferente”.
Frederico Fellini
Se a agenda que anunciava a chegada da primavera era a mesma e ao
mesmo universo da capital paulista enviou duas repórteres à cata de elementos
para elaborar a notícia, a semelhança fica no ponto de partida. A chegada – onde
encontramos os sabores e (des)sabores da primavera – revela, em primeiro lugar,
os diferentes percursos de Rosa Bastos (OESP) e Amarílis Lage (FSP) pelo
cenário que se oferecia ao olhar/recorte/enquadramento, inevitável à condição do
próprio discurso jornalístico, como vimos.
O que fez Amarílis Lage (FSP)? Identificou “em vários parques,
árvores carregadas de frutas
1
e elegeu a praça Buenos Aires como seu foco de
interesse. Ali “entrevistou” quatro usuários e a administradora do local público.
Além disso, ouviu um especialista, o engenheiro agrônomo. “Entrevistas” rápidas:
o nome, a idade (segundo o próprio manual de redação da FSP),
profissão/ocupação e declarações. De volta à redação, selecionou uma
declaração de cada “entrevistado” e escreveu seu texto (48 linhas, 13 parágrafos,
405 palavras).
1
Todas as citações em itálico, a partir deste momento do presente artigo e quando não indicada outra fonte,
foram extraídas das duas matérias sob exame.
254
Rosa Bastos (OESP) também sabia que “em vários pontos da cidade...
árvores carregadas” pediam uma matéria. E foi andar... Da Vila Madalena, passou
para a zona leste, voltou para as Perdizes, andou pela Pompéia, pela avenida
Sumaré (até virar D. João VI), pelo Ibirapuera, e pelo Vale do Anhangabaú.
Andou, parou e observou a vida em movimento, os risos, os gestos, as esperas e
as glórias, os fracassos e os encantos e desencantos da primavera. Viu crianças,
adultos, adolescentes. Ao todo, viu e ouviu 14 pessoas, das quais duas
consideramos especialistas em flores e frutos (outro engenheiro agrônomo e o
administrador de um viveiro de plantas). Da mesma forma que Amarílis, Rosa
voltou para a redação e escreveu sua matéria (119 linhas, 22 parágrafos, 1.194
palavras).
No corpo do texto, as primeiras evidências da diferença. De um lado, a
matéria da FSP resulta de declarações colhidas num só local, “costuradas” numa
seqüência típica (voltaremos a isso). Do outro, no OESP, vários locais, várias
ações, inúmeros personagens. Se Amarílis preferiu (ou foi orientada a) o caminho
mais curto, mais rápido, Rosa mergulhou na realidade, embora sabendo que não
poderia abarcá-la toda com seu olhar. Permitiu-se ver – e relatar o que viu, sem
descartar o agir dos personagens.
Neste olhar sobre o ponto de partida e sobre os percursos de cada
repórter, identificamos vários aspectos que tornam o texto de Rosa Bastos um
exemplar da prática do jornalismo literário. Liberdade de angulação, liberdade de
fontes, liberdade de eixo de abordagem, observação participante, visão
pluridimensional, entre outros (LIMA, 2004). Enquanto Amarílis colhe as
impressões de quatro usuários, cujas declarações separa num “pró” e “contra”,
Rosa vislumbra afetos, percorre memórias e oferece um painel multifacetado da
experiência da primavera. Não se trata de reproduzir declarações, como faz a
FSP, mas de deixar que os personagens se revelem, pela ação que o texto
reproduz, pelos sentimentos que a repórter captura no seu flanar pelos lugares.
Flanar fragmentado, contraditório muitas vezes, como é uma cidade com milhões
de habitantes – com suas vivências e suas memórias - e milhares de árvores
numa dezena de parques.
255
Há, assim, na origem destes lugares de diferença que identificamos a
partir da materialidade do texto, a diversidade dos métodos. De um lado, a
superfície das declarações, o olhar impessoal e generalizante (“em vários
parques, árvores carregadas de frutas colorem a nova estação (FSP)”) e posições
dicotômicas (quem é contra e quem é a favor de “catar” as amoras das árvores
em locais públicos). De outro, a pluralidade de percepções que resulta da
multiplicidade (fruto do mergulho na realidade empreendido pela repórter do
OESP). “Como abertura de espaços para mais que uma possibilidade de
interpretação, como oportunidade de divulgação dos múltiplos pontos de vista
sobre a mesma questão” (PEIXOTO, 2002: 131), sem enquadramentos lineares
que reproduzem uma visão maniqueísta da realidade.
Se a estratégia de produção das matérias nos leva a estes dois lugares
de diferença, os resultados obtidos em termos de texto vêm ampliá-los. No arranjo
das declarações (FSP) ou no fruir do texto literário (OESP) novas descobertas (e
novos sabores) nesta primavera anunciada.
Numa outra saída, ponto de partida, os títulos já inscrevem leituras
(sentidos) diferentes. Na FSP, “Parques e praças viram pomar de paulistanos
anunciam uma constatação, impessoal (paulistanos). Do outro lado, o OESP
informa que está “Aberta a temporada de caça às amoras”. Trata-se também de
uma constatação, mas traz implícito um convite (aberta a temporada), dirigido a
todos (paulistanos ou não). Diretamente do manual do jornalismo convencional, a
ênfase no genérico e impessoal, supostamente sem conotações outras, texto
direto com a função de “utilidade pública”. No jornalismo literário, a sedução pelas
palavras, para levar o leitor a uma viagem pelos lugares da aventura.
Se a referência no real era a mesma (a primavera na agenda do
editor), o tratamento ao fato logo se diferencia. Amarílis diz que “a primavera, que
oficialmente começou ontem, chegou a São Paulo trazendo mais do que flores
(FSP)”. Já Rosa insinua: “estão prestes (Rafael, Felipe e Jaqueline, três crianças)
a viver o momento mais gostoso do dia desde que entrou setembro, e citando
Beto Guedes, a boa nova se espalhou nos campos”. De um lado, o óbvio do
calendário, reiteração do mesmo. De outro, a utilização de um outro discurso
(músico/poético) para acrescentar algo mais ao relato. Algo da memória literária
256
do leitor, para além do calendário que risca os dias. Em outro momento do texto,
Rosa Bastos conta de uma amoreira que “brotou há três anos, numa fenda na
calçada”, lá na Rua Raul Pompéia. Como não lembrar Drummond e “uma flor
furou o asfalto. Parem, rios de tráfego...”?
De um lado, a linguagem em função utilitária, puramente denotativa. De
outro, a linguagem na modalização expressiva, “sempre marcada pela escolha do
léxico. Substantivos, adjetivos, verbos e advérbios que possam ter função
avaliativa ou afetiva” (PINTO, 1999: 64). De um lado, o leitor é subestimado
(informar-lhe que ontem começou a primavera??), de outro, é convidado a, pela
sua memória, percorrer outros trajetos, abertos pelo diálogo que Rosa Bastos
estabelece com outras vozes, outros tempos, como um convite a ouvir de novo
Beto Guedes e a reler Drummond que o fruir do texto traz, mesmo quando se
pretende a análise. Aqui, os sentidos se ampliam (e se ampliam para tantos
quantos possam – no limite de seu conhecimento e experiência do mundo –
deixar-se levar pela fresta aberta pela matéria), já que, “na realidade, não há
percepção que não esteja impregnada de lembranças” (BERGSON,1959, apud
BOSI, 2003:36).
Ao inserir estas vozes, o texto de OESP reafirma-se portador de muitas
vozes e abre-se em sentidos e sabores que se possam perceber e sentir no
chegar da primavera, ao passo que a matéria da FSP “ resume-se, muitas vezes,
a reiterar o que já é visto – porque é real – e forçosamente apreendido, o mau é
mau e o bem é o bem” (REZENDE, 2004).
Esta visão dicotômica da realidade a que alerta o autor citado assume,
no texto de Amarílis Lage, um caráter ainda mais fundamental quando analisamos
as declarações das fontes escolhidas como base referencial da matéria. A favor
da “cata” das amoras estão um cozinheiro e um copeiro ( “numa cidade como São
Paulo, quando a gente tem a chance de pegar uma fruta direto do galho, dá mais
prazer”, “ Isso me traz lembranças da infância.” ). Contra, estão uma adestradora
de cães (“é ruim destruir as árvores para pegar frutas. Uma delas quase foi
derrubada), uma engenheira (“o perigo é quebrarem os galhos...”), além da
administradora da praça Buenos Aires e do engenheiro agrônomo ouvido.
257
Ora, o que se revela nesta seleção de vozes feita, em termos de
sentido? A favor de “catar” as amoras estão dois representantes dos extratos
sociais mais baixos, “gente simples” (sem instrução). Do outro, graduados, “gente
estudada”, autoridades. O prazer da nova estação aparece associado à
ignorância, e é, neste sentido, desqualificado, coisa de nostalgia e da raia miúda.
Por outro lado, os perigos, os riscos de quebra de árvores e de acidentes surgem
como alertas credenciados socialmente, expressos em discursos culturalmente
valorizados e legitimados. Há aqui, no nosso entendimento, “a (re) afirmação de
hegemonias, versões, interpretações e de legitimação de discursos e
compreensões” (GOMES, 2005).
O que há de implícito nestas declarações é monossemia do
maniqueísmo. Prazer significa perigo, prazer significa ameaça de danos, prazer é
coisa de gente “ignorante”. A autoridade dos credenciados socialmente “reclama”,
“alerta”, “se preocupa”. Reafirma-se a informação como uma palavra de ordem
(DELEUZE), criando interdições, recomendando cautela, bom comportamento e
respeito à ordem. Sem o recurso da ação – uma vez que o todo o texto da FSP é
construído com base na descrição genérica (sobre os parques da cidade) e nas
declarações – a realidade se apresenta com base em posições estereotipadas
(SATO, 2002: 32). Note-se que, iniciando-se com as declarações do cozinheiro e
do copeiro, o texto ganha um “mas” (4º parágrafo) a partir do qual todas as outras
declarações são alertas soando repetidos contra a “cata” às amoras. Tal qual um
discurso autoritário, “ o signo se fecha e irrompe a voz da “autoridade” sobre o
assunto, aquele que irá ditar as verdades como num ritual entre a glória e a
catequese” (CITELLI, 2000: 39). Nesta construção linear, cabe ao engenheiro
agrônomo a última palavra.
Se “praças e parques viram pomar de paulistanos”, o discurso da FSP
assim construído acaba por mostrar que o pomar é só para ver: o prazer de
“catar” as frutas foi desqualificado, há o perigo de acidentes, os frutos podem
estar contaminados e não é bom correr o risco de destruir as árvores. Do sabor
da primavera, que o título prometia com seu pomar, ficou um (des)sabor, feito de
interdições e ameaças, entre aspas e mais aspas.
258
Do outro lado, ainda que na mesma primavera que se abria, Rosa
Bastos encontra (e nos conta) de uma-quase-outra estação. O convite à
temporada de cata às amoras se estende, nos seus 22 parágrafos, por uma série
de descrições e narrações envolvendo histórias de seus doze personagens. Há
crianças, adolescente, advogado, dentista, dona da banca de jornal, mãe e filha,
mãe e filho.
Nestas histórias que se entrelaçam, reunidas em torno das amoras e
suas árvores, a fala dos personagens é preservada e perde, neste sentido, o tom
declaratório do “afirma”, “diz”, “reclama”. Surgem no diálogo das cenas, em meio
a olhares, gestos, arranjos estratégicos no desafio de “caça” às amoras. O prazer,
que ficara circunscrito à raia miúda no texto da FSP, ganha ares mais
democráticos (“que enchem os olhos e fazem marmanjos virar meninos”,
molecada e adultos pulam a grade de ferro e chegam ao parapeito”). Há os sinais
da passagem do tempo que ensina (domestica) os mais travessos (a adolescente
na Avenida Sumaré com vergonha de subir na árvore), há o prazer e os riscos
(mãe e filho, a roupa mancha; o advogado e a poda da árvore para não danificar
os carros). Mas sem alertas de perigo de acidente (afinal, nem mesmo na grande
amoreira no Vale do Anhangabaú, acessível só pelo parapeito, “até hoje, ninguém
caiu nessa aventura com sabor de infância”).
Sem uma linearidade, esta referência ao real como um painel
multifacetado de inúmeros personagens, de idades e perfis diferentes,
encontramos o movimento da vida em suas muitas dimensões. O tempo passa,
as crianças, uma poda a contragosto, a razão e a decepção, o prazer e o cuidado,
o gosto bom e a frustração. Neste cenário, não há uma tese a provar, um ponto
de vista a defender. No relato multifacetado da cidade e suas amoreiras, o
contraditório resiste até a última linha do texto e não há um enquadramento prévio
dos personagens no sentido de habilitá-los ou não ao prazer da primavera e ao
sabor das amoras.
Nesta narrativa com gosto de literatura – diálogos, expressões, figuras
de linguagem, vidas imbricadas, encontros e desencontros – o prazer não tem
idade, não está imune a riscos (embora não os signifique necessária e
compulsoriamente) e o mundo real é feito de pessoas: “franzindo a cara”, “se
259
apressam”, “namorando as amoras”. E de falas que tecem o enredo: “Ai, comi
uma azeda”, “Vai sujar a roupa, menino”, “Nem os turistas resistem”. O universo
do texto literário – com seus muitos sentidos – ganha força nas metáforas -
“marcham decididos”, “pé de criança”, “ enchem os olhos” - e na não disfarçada
presença da autora em expressões como “ olha eles aí” e “ dá para ver – e
cobiçar”. E assim o convite-sedução se sustenta ao longo do texto, sem cartas
marcadas, mas como janela que abrimos para contemplar uma paisagem.
Vale notar ainda que, a exemplo da FSP, a matéria de Rosa Bastos
(OESP) também recorre ao depoimento/entrevistas com autoridades no assunto.
Um engenheiro agrônomo e um administrador de um viveiro de plantas são
ouvidos. No entanto, ressalta-se uma diferença singular entre o tratamento que se
dá a este recurso. Enquanto na FSP o argumento de autoridade surge como um
reforço às posições contrárias à “cata” às amoras, expressa pelos personagens
de extratos socioculturais mais elevados, o texto de Rosa Bastos trabalha a
informação fornecida pelos profissionais entrevistados com o explícito propósito
de acrescentar conhecimentos sobre a amoreira, “da família da Moraceae”. Os
nomes com que é conhecida nas diferentes regiões do país, a abundância de
frutos por conta das chuvas de inverno, o cultivo fácil. E ainda pontuam-se outros
aspectos desta primavera de muitas faces: “chuvas de pétalas de flor” e
“sementes no formato de uma pá de hélice e com o peso de uma bola de gude...
descem girando”, como quem mostra outros tantos sabores (e cores) daquele
setembro de 2004.
Vimos que esta multiplicidade de aspectos só foi possível com uma
opção prévia: um mergulho na realidade. No entanto, a imersão nos lugares vistos
se transforma em fragmento de vida compartilhado através do texto. É neste fluir
da narrativa que o jornalismo, utilizando-se das dimensões técnicas da literatura,
alcança seu leitor/espectador. Cenas, diálogos, descrições que recriam ambientes
e personagens, falas que desenham personalidades. Sem modelos/regras pré-
concebidos (que orientaram o jornalismo convencional praticado na matéria da
FSP), o texto de Rosa Bastos parte da imersão na realidade para se perguntar
“como aquele fato pode ser melhor narrado” (RESENDE, 2004), ao invés de impor
ao fato uma lógica de texto pré-definida que, via de regra, resulta na antecipação
260
de uma tese ao leitor (mesmo quando se pretende ser apenas uma matéria
informativa, sem opinião).
Há, neste sentido, no texto de jornalismo literário um jogo entre
autor/repórter, o real relatado e o leitor. Eu, autor/repórter, vi um pouco do que há
nesta cidade de milhões de habitantes neste anunciar-se da primavera de 2004.
Não dá para ver tudo, mas o que vi, leitor, eu conto, neste quase conto. Eu,
autor/repórter, não escondo: fiquei morrendo de inveja de quem vi comendo
aquelas “bitelonas”, umas amoras lindas e grandes. Por isso, lhe fiz este convite
para sair “catando amoras” pela cidade. Nem todo mundo gosta, nem todo mundo
aprova. Mas isto é melhor você ver. Aí, depois de ter lido, de ter lembrado do
gosto da amora (ou de ficar curioso para sentir o seu sabor), você escolhe o que
quer fazer. O meu convite está feito. Mas o que importa mesmo é que você saiba
que na capital paulista a vida reserva muitas belezas e sabores (e também alguns
(des)sabores, não há porquê negar).
No discurso do jornalismo literário, um jogo de interlocuções.
O movimento dialógico eu-tu-eu se dinamiza e passa a conviver
com signos mais abertos: há menos verdade de um, logo, menos
desejo de convencer. Nesse caso, o signo ganha uma dimensão
múltipla, plural, de forte polissemia: os sentidos se estilhaçam,
expondo as riquezas de novos sentidos (CITELLI, 2000: 38).
Neste exercício de mergulhar na realidade e de narrá-la com a leveza
do múltiplo, uma outra visão – espelho do mundo – se fez. Resultado de um
processo técnico – enquanto captura diferenciada de informações -, e de uma
opção estética – enquanto construção textual aprimorada -, a matéria de Rosa
Bastos é um convite também à reflexão sobre as implicações éticas do discurso
jornalístico enquanto formador(deformador) de consciências, neste começo de
século XXI, marcado por fundamentalismos de toda a ordem, cuja origem
vislumbramos nas posições estereotipadas e maniqueístas que os alimentam.
Vale, neste sentido, perguntarmo-nos a respeito da linguagem,
instrumento por meio do qual o relato jornalístico ganha forma:
261
Ou nós a vemos como um instrumento para transmitir idéias e
ditar preceitos, ou como instância promotora de saber; nesse
caso, um convite para, na aventura da linguagem, sentirmos o
prazer de descobrir o mundo (CITELLI, 2000: 68).
FRESTAS
“Os limites de minha linguagem são os limites do
meu mundo”.
Ludwig Wittgenstein
Na linguagem e pela linguagem percorremos até aqui os sentidos
inscritos nas duas matérias selecionadas. Vislumbramos trajetos e encontramos
(ou não) os sabores e os (des) sabores da primavera paulistana em 2004. Nos
limites da produção do discurso jornalístico, identificamos um momento de
superação de sua forma convencional. Uma alternativa.
Para além do caminho do pesquisador, vale refletir, a título de
conclusão, sobre o significado destas duas opções do ponto de vista do leitor e do
profissional de imprensa.
Vimos que, pelo discurso jornalístico, um relato do mundo nos é dado e
por ele, presente o peso institucional da mídia enquanto formadora (deformadora)
das visões da realidade, de alguma forma, o leitor/espectador se orienta, se
constitui cidadão, pela consciência (ou inconsciência) do que ocorre à sua volta.
Faz-se sujeito (ou não-sujeito) neste saber e, neste saber, vislumbra-se agindo.
A linguagem, matéria-prima do relato jornalístico, faculta ao sujeito
a criação, mas também atualiza no sujeito o meio sociocultural em
que está inserido, todos os múltiplos discursos que definem, em
permanência, sua subjetividade (BARROS FILHO, 2000).
Preso ao discurso do jornalismo convencional, este leitor/espectador
apreende (e significa) um mundo pequeno. Clivado em dicotomias, feito de aspas
262
e de sujeitos-feito-objetos, na simplificação de vidas e significões. Ao arbítrio
das fórmulas consagradas do jornalismo convencional, vozes se silenciam ou são,
no jogo dos enquadramentos e enfoques, desqualificadas. Pouco sobra da vida –
aquela que se vive, cada um, com sombra e luz, sonho e memória, salto e queda,
vida inteira dividida e multiplicada no cotidiano – nas linhas da primavera da FSP.
E o que faz o leitor desta pseudo-primavera sem flores, de frutos proibidos e
prazeres desqualificados? Não se vê nesta história (há alguma?) e nem se
reconhece entre as aspas que declaram? Sem se ver, ler para quê? Se o mundo
relatado é tão pequeno – ou é isto ou é aquilo – não saiu do lugar, não apreendeu
nada, experiência alguma. Apenas um pouco mais de medo, se – de repente – for
pego com a mão numa amora qualquer. E lá se vai o humano, com a liberdade de
sonhar (e buscar) sabores outros. E a vida? Cabe no jornal, na televisão?
A vida e o mundo não se cansam de mostrar que não cabem em,
nem suportam, uma pirâmide invertida. Inútil arrochar o cinto do
presente imediato para tentar fazê-lo entrar, aos tapas e
empurrões, na cela-forte do pensamento monocausal, redutor,
determinista, e das técnicas e vícios que nele se sustentam
(KÜNSCH, 2000: 294).
Neste ordenamento do mundo, está aqui/aí um leitor/telespectador
privado do saber com sabor, este saber que olha para todo lado, com olhos de ver
que queria Fernando Pessoa. Em nome da informação acessível a todos –
simples e rápida, contendo só o essencial, não é isto que pontificam os manuais
de redação do jornalismo convencional? – a vida ficou pequena, sem
possibilidades – até mesmo a possibilidade de levar um tombo ao subir num pé
de amora, à cata de uma das grandes, as mais saborosas. O prazer das amoras
fez-se fruto proibido e, nos dias depois dos outros que se inscrevem nos jornais, o
prazer do texto também. Subestimando inteligência e sensibilidade de leitores e
espectadores.
No outro caminho, fruímos pela cidade, ela feita de retalhos/fragmentos
de cenas cotidianas, gente em que esbarramos, com a camisa suja de amora,
sem saber. Na costura destes fragmentos, “a instituição estética levanta o véu
espesso que a rotina interpõe entre nós e as coisas” (BOSI, 2003: 44). A despeito
do sem sabor do concorrente, o OESP (ou, melhor, Rosa Bastos) conta ao leitor
263
que ali na Av. Sumaré, só com escada, mas ainda tem amora para quem quiser.
E se levar um tombo, levou... Não é proibido. É risco, escolha e jogo. Pegar ou
largar, fica com você a opção, leitor.
No imbricar-se do real com a arte, o jornalismo literário tece sua trama,
amplia olhares e multiplica os sentidos. Num fazer-se diferente – que descarta a
simplificação de “ouça uma ou duas pessoas, depois pegue outras duas com
posições diferentes. Ah, não se esqueça de ouvir um especialista! Pronto. Bem
simples, não precisa complicar...” – alimenta-se o olhar multidirecionado, que não
exclui, nem nomeia previamente (qualificando ou desqualificando) fazeres e
saberes. E a vida, assim observada, sentida, pulsante e contraditória, só pode
caber num texto que se avizinha da arte. Textos que são transgressores em si, e
não poderia ser de outra forma.
Textos artísticos que, pela sua vocação plurissignificativa, pela
ambigüidade que promovem, por romperem com normas
preestabelecidas, tendem a uma expressão mais livre, menos
preocupada com o convencimento, com o fechamento da
mensagem. O plano da representação simbólica, que está
presente em todo grande texto artístico, possibilita o rompimento
com as conclusões fechadas, com o signo unidirecional: o convite
para a aventura da descoberta não respeita as normas
consagradas (CITELLI, 2000: 68). Grifo nosso
A norma, para leitores e para jornalistas, só faz ficar menor o humano.
Nas cinco linhas de um lead, nas aspas previstas/redutoras/ordenadas, a vida
escapou, o sabor se perdeu e a primavera, com todos os seus tantos significados
no ciclo de nascimentos e renascimentos de que se faz o mundo, ficou mesmo só
um dia no calendário.
Nas frestas do jornalismo literário, pautado pelo compromisso com o
múltiplo e com o “amassar o barro”, no chão da ruas e com os cinco sentidos
abertos, para encontrar o gosto, a cor, o som, a textura e o cheiro da vida que
pulsa,
a narrativa viva e iluminada, que observa, atenta e solidariamente,
e vibra com a vida, os contextos e histórias humanos, reconstrói e
264
reencena simbolicamente para o leitor o acontecimento-gente – o
mais importante de todos -, permitindo a partilha e comunhão de
identificações e não-identificações” (KÜNSCH, 2000: 273).
265
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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possíveis, 2000. Disponível em: http://www.tognolli.com/html;mid_info_jornalismo.htm
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Acessado em 4 de março de 2006.
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Editorial, 2003, 2ª edição.
CITELLI, Adilson. Linguagem e Persuasão. São Paulo: Editora Ática. 2000, 15ª edição.
GOMES, Mayra Rodrigues. Jornalismo e ciências da linguagem. São Paulo: Hacker
Editores/Edusp. 2000.
GOMES, Nilo Sérgio. O texto jornalístico: tecnologia de discurso ou ocultação de
sentidos. In: Revista Eletrônica em Ciências Humanas
, Ano 3, Nr. 7, 2005, disponível em
http://www.uniriobr/morpheusonline.
Acessado em 3 de março de 2006.
KUNSCH, Dimas Antônio. Maus pensamentos: os mistérios do mundo e a reportagem
jornalística. São Paulo: Annablume: FAPESP, 2000.
LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas: o livro-reportagem como extensão do
jornalismo e da literatura – edição revista e atualizada. Barueri (SP): Manoele, 2004. 3ª
edição.
MARCONDES FILHO, Ciro. Jornalismo Fin-de-siècle. São Paulo: Editora Página Aberta,
1993.
ORLANDI, Eni. P. Análise de Discurso: Princípios & Procedimentos. Campinas (SP):
Pontes, 2000, 2ª. edição.
PEIXOTO, Carlos. Seis propostas para o próximo jornalismo. In: CASTRO, Gustavo e
GALENO, Alex (orgs.). Jornalismo e Literatura – A sedução da palavra
. São Paulo:
Escrituras Editora, 2002. (Coleção Ensaios Transversais), p. 121-132.
PINTO, Milton José. Comunicação e Discurso: Introdução à análise de discursos. São
Paulo: Hacker Editores, 1999.
RESENDE, Fernando. O olhar às avessas - a lógica do texto jornalístico. 2004. Extrato de
tese de doutoramento, defendida em 2002 na ECA-USP, orientação de Cremilda Medina.
Disponível em http://ufrgs.br/gtjornalismocompos/doc.2004/resende2004.doc
. Acessado
em 3 de março de 2006.
SATO, Namami. Jornalismo, literatura e representação. In: CASTRO, Gustavo e
GALENO, Alex (orgs.). Jornalismo e Literatura – A sedução da palavra
. São Paulo:
Escrituras Editora, 2002. (Coleção Ensaios Transversais), p. 29-46.
266
ANEXO 1 – “Parques e praças viram pomar de paulistanos” – Amarílis Lage, Folha
de São Paulo, 23 de setembro de 2004.
PRIMAVERA Na chegada da primavera, amoreiras estão carregadas nos parques da Luz,
Ibirapuera e Aclimação e em Higienópolis
Parques e praças viram pomar de paulistanos
DA REPORTAGEM LOCAL
A primavera, que oficialmente começou ontem, chegou a São Paulo trazendo mais do que flores:
em vários parques, árvores carregadas de frutas colorem a nova estação. A novidade não passou
despercebida a usuários da praça Buenos Aires, em Higienópolis (centro), que têm aproveitado as
amoreiras carregadas.
“Sempre pego umas na árvore. Numa cidade como São Paulo, quando a gente tem a chance de
pegar uma fruta direto do galho, dá mais prazer”. Afirma o cozinheiro Eder Meira de Santana, 20.
Para o copeiro Francis Marques, 28, as frutas colhidas na hora têm um sabor de nostalgia. “Quando
eu era pequeno, no interior de Minas Gerais, vivia pulando o muro do vizinho para pegar essas
frutinhas silvestres. Isso me traz lembranças da infância”.
Mas nem todos aprovam a “coleta” – a preocupação é que a atividade prejudique as árvores da
praça. “As frutas mais maduras estão nas partes mais altas, e é ruim destruir as árvores para pegar
frutas. Uma delas quase foi derrubada”, reclama a adestradora de cães Gisele Razzouk, 40. “O
perigo é quebrarem os galhos em busca das que ficam no alto”, afirma a engenheira Eliane Vaz, 50.
Uma das amoreiras precisou ser podada na última sexta-feira devido aos puxões nos galhos,
segundo a administradora da praça Buenos Aires, Jucilene Bussi. “Muita gente fica puxando a
árvore para colher frutas aqui. As crianças, principalmente, vêm e adoram. Quando as árvores estão
carreadas não tem jeito mesmo”.
267
No parque da Aclimação, zona sul, grande parte das frutas também já foi colhida pelos
freqüentadores do local.
Além de comprometer o estado das árvores, forçar os galhos das amoreiras pode até resultar em
acidentes.
Segundo o engenheiro agrônomo João Chaddad Jr., professor da USP (Universidade de São Paulo),
elas têm estrutura frágil e podem quebrar facilmente.
Ainda segundo Chaddad, as pessoas devem evitar as frutas de árvores à margem de avenidas
movimentadas, pois a fuligem emitida pelos veículos pode contaminá-las. Mas as que crescem em
parques não têm problemas.
Além das amoras, presentes também nos parques do Ibirapuera e da Luz, a época também é de
pitangas e de uvaias – as últimas encontradas no parque Trianon. No da Luz, há até jacas e mangas,
ainda amadurecendo. No Ibirapuera, jabuticabeiras em flor prometem frutos para as próximas
semanas (AMARILIS LAGE).
268
ANEXO 2 – “Aberta a temporada de caça às amoras” – Rosa Bastos, O Estado de
S.Paulo, 23 de setembro de 2004.
AMBIENTE
Aberta a temporada de caça às amoras
Em vários pontos da cidade há árvores carregadas, para a alegria de crianças e adultos
Rosa Bastos
Os três marcham, decididos em direção ao pé da amora. Jaqueline, de 10 anos, o irmão, Rafael, e o
primo, Felipe, de 7, acabaram de sair da escola municipal Olavo Pezzoti, na Vila Madalena, e estão
prestes a viver o momento mais gostoso do dia desde que entrou setembro e, citando Beto Guedes,
a boa nova se espalhou nos campos. Penduram as mochilas em um galho da árvore, esgueiram-se
pelo tronco e logo têm os frutinhos ao alcance da mão e da boca. “Ai, comi uma azeda!”, diz
Rafael, o de óculos, franzindo a cara.
Já passa das 17 horas e eles se apressam em pegar várias boas de chupar porque daqui a pouco a
quadra de futebol em peso estará sob as amoreiras carregas da Praça Charles Burlet. Foi só falar e...
olha eles ali.
Logo, o pé de amora mais parece pé de criança, com tantas penduradas em seus galhos, alguns
quebrados. Os frutos dessa árvore são miúdos. Em compensação, “tem de monte”, como diz Felipe,
e nela se sobe fácil, o que não acontece com as outras duas, cheias de frutos inacessíveis.
Está assim na cidade toda. Do centro à zona leste. Nas calçadas, parques e quintais: amoreiras
carregadas, pitangas começando a vermelhar. Só que as amoras graúdas, as “bitelonas”, que
enchem os olhos e fazem marmanjos virar meninos, e estavam ao alcance da mão ou de pulos, já
eram. Ou estão nos galhos mais altos que se entrelaçam com os fios de luz e telefone. Perto, só as
que ainda precisam de tempo para amadurecer.
269
Anteontem, a estudante Flor Pacheco, de 14 anos, que mora na Rua Dr. Franco da Rocha, em
Perdizes, foi à farmácia, na Avenida Sumaré. Na volta, tentou alcançar alguns frutos de um pé, no
canteiro central. Como não conseguiu, ficou um tempo ali, “namorando as amoras”. “Agora, só
com escada.” Flor, aparelho nos dentes, mãos ocupadas com o pacote, ficou morrendo de vontade
de subir na árvore, coisa que fazia quando era “pequena” mas que agora, mocinha, sente vergonha
de fazer. Ainda mais ali, com todos aqueles carros passando.
Alex, de 5 anos, já estava com meio corpo na árvore quando a mãe o parou: “Não inventa moda.
Vai sujar a roupa, menino!” Pior é que suja mesmo. E a mancha não sai.
Contrafeito, o advogado Paulo Porto, de 40 anos, mandou podar a amoreira que fica quase em
frente do seu escritório. Na Rua Raul Pompéia. Ela brotou há três anos, numa fenda na calçada.
Cresceu e os moradores foram quebrando em volta, até virar um canteiro. Só que, neste ano, a copa
se esparramou até o chão. A molecada subia nos carros para alcançar as “gordonas” e já viu. Fora
isso, tinha gente fazendo o “matinho” de banheiro. Sem falar na sujeira na calçada. Daí a poda fora
de época, que Porto lamenta. “De madrugada e à tarde os passarinhos vêm comer, cantam, é muito
bom.”
Para Maria Vitória Gurgel, de 7 anos, que passou lá com a mãe, Cacilda, de 44, para a colheita
diária, não volta da escola, foi decepcionante encontrar metade da árvore no chão. Mas a mãe deu
razão ao advogado. “Para quem passa e só come é ótimo. Mas olha só a trabalheira que dá”, disse,
mostrando a calçada preta das frutinhas pisadas.
“O piso fica que nem lama”, contou a dentista Neiva Batista Cortez, às voltas com as amoras dela,
na Rua Faisão, na Vila Madalena. Por esse motivo, ela também teve de podar os pés de amora,
goiaba e abacate. De baixo da amoreira dá para ver – e cobiçar – as grandonas, no topo. Neiva nem
se abala. “Caem tantas que dá para fazer geléia”.
Roteiro – Para quem gosta de amoras, eis o mapa da mina: tem no Parque da Luz (lá atem até
jaca!), no Ibirapuera (vários e um pé imenso, no estacionamento), no Carmo, Aclimação. No final
da Avenida Sumaré, quando vira D. João VI. Até no Viaduto do Chá. As árvores plantadas no Vale
do Anhangabaú cresceram tanto que chegaram à altura do viaduto, por trás da banca de jornais do
mesmo nome. “Todo ano é isso”, diz Rosália Amaral Fernandes,de 72, dona da banca de 60 anos.
Para colher as amoras, molecada e adultos pulam a grade de ferro e chegam ao parapeito. “Nem os
turistas resistem”, conta Rosália. Até hoje, ninguém caiu nessa aventura com sabor de infância.
270
Árvore dá frutos de setembro até dezembro
Conhecida como taiuva em SC e amarelinho e Minas, amora só não vinga em lugares frios
No inverno, as folhas amarelam e caem. É só setembro chegar e as amoreiras se enchem de frutos.
Como a floração não é uniforme – depende do solo, do clima, do sol – e muitas se atrasam, até
dezembro se encontra amora. Da família da Moraceae, ela ocorre em todo o País, embora com
nomes diferentes. Em Minas, por exemplo, se chama amarelinho. E taiuva, em Santa Catarina. Só
não cresce nas florestas de pinhais e outros lugares muito frios.
O fruto sai bem branquinho, depois fica rosa, vermelho e cor de vinho até roxo, quase preto. Esse é
o ponto ideal para comer ou fazer geléia, ensina o engenheiro agrônomo. Temístocles Cardoso
Cristofaro, coordenador do Núcleo Pró-Legislação, Proteção e Formato da Vegetação da Secretaria
Municipal do Verde e Meio Ambiente, “quando as amoras estão no ponto máximo de maturação,
com alto teor de açúcar, é que dá liga, o ponto. Antes, a geléia fica um pouco azeda”.
Planta nativa, ela se reproduz por conta própria ou do vento que leva suas sementes. E dos
passarinhos que se encarregam da sua disseminação e polinização. Um simples galho plantado com
mão boa e em pouco tempo se tem um arbusto que frutifica logo no primeiro ano. E cada vez mais,
à medida que o tempo passa. Em São Paulo, tem pés de amora da zona norte à zona sul. “Dá em
toda parte, é democrática”, diz Cristofaro.
Normalmente, as pessoas querem pegar os frutos graúdos, que nem sempre são os melhores. “Os
miudinhos são bem doces”, diz o administrador de empresas Ney Forghieri, que trabalha no viveiro
Manequinho Lopes. “As grandes chamam a atenção porque são mais fáceis de apanhar e rendem
bem para fazer geléia”.
São tantas este ano que se tem a impressão de uma safra excepcional. “Está boa mesmo”, diz
Cristofaro. Segundo ele, isso se deve às chuvas do inverno que beneficiaram não só as amoreiras,
mas todas as árvores de flores, frutas e sementes. “O que as patas de vaca floresceram não foi
brincadeira. Também os ipês, sibipirunas, tipuanas, jacarandás. Foi uma explosão”.
E manda que se repare nas chuvas de pétalas de flor quando venta nas avenidas. Na 23 de Maio há
vários pés de uma árvore, conhecida como amendoim, que dá sementes no formato de uma pá de
hélice e com o peso de uma boa de gude. Caíram as folhas e agora dá para ver bem as sementes. “A
gente joga para cima e elas descem girando. Têm muitas, é impressionante”. (R.B.)
271
ANEXOS
272
ANEXO I
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, ___________________________________________________________________,
RG n
o
_________________________, abaixo assinado(a), AUTORIZO Regina de Brito
Rodrigues, RG n
o
8.207.156-1 a utilizar os resultados da entrevista por mim concedida,
referente à pesquisa que está desenvolvendo no Programa de Pós-Graduação em
Educação da PUC-Campinas intitulada “A formação humanística no curso de Jornalismo:
das intenções às práticas”, para fins acadêmicos e estou ciente de que:
1. Obtive todas as informações necessárias para poder decidir conscientemente sobre a
minha aceitação em conceder a entrevista;
2. Meus dados pessoais e identidade serão mantidos em sigilo;
3. A cooperação com a pesquisa é voluntária, sendo os dados utilizados exclusivamente
para fins da pesquisa.
4. Os resultados poderão ser apresentados em eventos de natureza acadêmico-
científica e/ou publicados, sem expor minha identidade. Nestes casos, abro mão de
meus direitos autorais e de meus descendentes.
5. Não terei ônus financeiro ou profissional;
6. Não receberei benefício financeiro ou profissional.
7. Poderei entrar em contato com o pesquisador responsável, Regina de Brito
Rodrigues, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-
Campinas, sempre que julgar necessário pelo e-mail [email protected]
, telefone
(19)3867-2899; pela própria Secretaria do Programa pelo e-mail pos.educ@puc-
campinas.edu.br, telefone (19)3735-5841 ou pelo seu orientador Prof. Dr. Newton
Cesar Balzan, e-mail [email protected]
, telefone (19) 3735-5839.
8. Tenho a liberdade de recusar-me a participar ou retirar meu consentimento em
qualquer fase da pesquisa;
9. Tenho a garantia de tomar conhecimento, pessoalmente, do(s) resultado(s) parcial(is)
e final(is) desta pesquisa.
10. Tenho ciência de que o projeto foi analisado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
PUC-Campinas e o telefone de contato é (19) 3735-5910.
11. Esta carta de cessão é feita em duas vias, sendo que uma permanecerá em meu
poder e outra com o pesquisador responsável.
_____/______/________
Data
Pesquisador responsável pelo Projeto Sujeito da pesquisa
273
ANEXO II
ROTEIRO DE ENTREVISTA – DIREÇÃO DO CURSO DE JORNALISMO E DIREÇÃO
DO CLC
Histórico de formação / Experiência docente – Formação em graduação e pós-
graduação; disciplinas ministradas; tempo de docência/ direção.
Concepções do Jornalismo – O Jornalismo como é, o Jornalismo como deveria ser
– concepção ideal de Jornalismo, avaliação do Jornalismo brasileiro na atualidade,
missão da Universidade na formação profissional.
Papel do Jornalismo na sociedade – limites e possibilidades do Jornalismo no
mundo neoliberal; potencial transformador do Jornalismo.
Perfil desejado para os jornalistas para o exercício de um Jornalismo de
qualidade – Competências e habilidades necessárias; limites e potencialidades da
formação universitária.
Concepções didático-pedagógicas – finalidade da educação; metodologias mais
adequadas; papel da direção; papel do aluno; papel do professor.
Papel das disciplinas humanísticas – finalidade (s) do eixo de formação
humanística; importância para o Jornalismo atual, a prática concreta (avaliação).
Critério de escolha de textos e atividades para estas disciplinas – intervenção da
direção nesta escolha; critérios recomendados.
Práticas pedagógicas – opções adotadas no cotidiano; validade das mesmas.
Práticas de Integração/Interdisciplinaridade – existência de canais de
integração/interdisciplinaridade; limites/entraves (institucionais e epistemológicos);
possibilidades.
Crítica e auto-crítica
274
ANEXO III
ROTEIRO DE ENTREVISTA - PROFESSORES DAS DISCIPLINAS DO EIXO DE
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Histórico de formação / Experiência docente – Formação em graduação e pós-
graduação; disciplinas ministradas; tempo de docência.
Concepções do Jornalismo – O Jornalismo como é, o Jornalismo como deveria ser
– concepção ideal de Jornalismo, avaliação do Jornalismo brasileiro na atualidade,
missão da Universidade na formação profissional.
Papel do Jornalismo na sociedade – limites e possibilidades do Jornalismo no
mundo neoliberal; potencial transformador do Jornalismo.
Perfil desejado para os jornalistas para o exercício de um Jornalismo de
qualidade – Competências e habilidades necessárias; limites e potencialidades da
formação universitária.
Concepções didático-pedagógicas – finalidade da educação; metodologias mais
adequadas; papel da direção/coordenação pedagógica; papel do aluno; papel do
professor.
Papel das disciplinas humanísticas – finalidade (s) do eixo de formação
humanística; importância para o Jornalismo atual; a importância da sua disciplina
específica; a prática concreta (avaliação).
Critério de escolha de textos e atividades para estas disciplinas – intervenção da
direção nesta escolha; critérios recomendados; diferenças entre o conteúdo das
disciplinas nos diferentes cursos em que é ministrada; critérios utilizados;
receptividade do aluno em relação à disciplina que ministra e em relação às demais.
Práticas pedagógicas – opções adotadas no cotidiano; validade das mesmas.
Práticas de Integração/Interdisciplinaridade – existência de canais de
integração/interdisciplinaridade; limites/entraves (institucionais e epistemológicos);
possibilidades.
Crítica e auto-crítica
275
ANEXO IV
ROTEIRO DE ENTREVISTA – PROFESSORES DAS DISCIPLINAS DO EIXO DE
FORMAÇÃO PROFISSIONAL E DO EIXO DE PESQUISA
Histórico de formação / Experiência docente – Formação em graduação e pós-
graduação; disciplinas ministradas; tempo de docência.
Concepções do Jornalismo – O Jornalismo como é, o Jornalismo como deveria ser
– concepção ideal de Jornalismo, avaliação do Jornalismo brasileiro na atualidade,
missão da Universidade na formação profissional.
Papel do Jornalismo na sociedade – limites e possibilidades do Jornalismo no
mundo neoliberal; potencial transformador do Jornalismo.
Perfil desejado para os jornalistas para o exercício de um Jornalismo de
qualidade – Competências e habilidades necessárias; limites e potencialidades da
formação universitária.
Concepções didático-pedagógicas – finalidade da educação; metodologias mais
adequadas; papel da direção/coordenação pedagógica; papel do aluno; papel do
professor.
Papel das disciplinas humanísticas – finalidade (s) do eixo de formação
humanística; importância para o Jornalismo atual; a prática concreta (avaliação).
Critério de escolha de textos e atividades para estas disciplinas – intervenção da
direção nesta escolha; critérios recomendados; critérios utilizados; receptividade do
aluno em relação a estas disciplinas.
Práticas pedagógicas – opções adotadas no cotidiano; validade das mesmas.
Práticas de Integração/Interdisciplinaridade – existência de canais de
integração/interdisciplinaridade; limites/entraves (institucionais e epistemológicos);
possibilidades.
Crítica e auto-crítica
276
ANEXO V
ROTEIRO DE ENTREVISTA – ALUNOS INGRESSANTES
Histórico de formação – Ensino fundamental e médio, idiomas, outros cursos, outra
graduação
Perfil sócio-econômico e cultural – idade, profissão pai/mãe, trabalho, hábitos de
leitura de jornais e revistas, hábito de leitura de livros.
Concepções do Jornalismo – O Jornalismo como é, o Jornalismo como deveria ser
– concepção ideal de Jornalismo, avaliação do Jornalismo brasileiro na atualidade,
missão da Universidade na formação profissional.
Papel do Jornalismo na sociedade – limites e possibilidades do Jornalismo no
mundo neoliberal; potencial transformador do Jornalismo
Expectativas prévias quanto à formação – necessidades de saber; necessidades
de competências; papel da universidade na formação
Saberes e competências necessários ao exercício profissional para um
Jornalismo de qualidade – perfil de um bom jornalista, em termos de habilidades e
competências; importância do saber escrever; importância do saber pensar
Papel das disciplinas humanísticas - Papel das disciplinas humanísticas –
finalidade (s) do eixo de formação humanística; importância para o Jornalismo atual;
Práticas pedagógicas – expectativas quanto à dinâmica das aulas e atividades
propostas.
Práticas de Integração/Interdisciplinaridade - expectativas quanto às dinâmica das
aulas e atividades propostas.
277
ANEXO VI
ROTEIRO DE ENTREVISTA – ALUNOS CONCLUINTES
Histórico de formação – Ensino fundamental e médio, idiomas, outros cursos, outra
graduação
Perfil sócio-econômico e cultural – idade, profissão pai/mãe, trabalho, hábitos de
leitura de jornais e revistas, hábito de leitura de livros.
Concepções do Jornalismo – O Jornalismo como é, o Jornalismo como deveria ser
– concepção ideal de Jornalismo, avaliação do Jornalismo brasileiro na atualidade,
missão da Universidade na formação profissional, mudanças nas concepções a partir
da experiência universitária.
Papel do Jornalismo na sociedade – limites e possibilidades do Jornalismo no
mundo neoliberal; potencial transformador do Jornalismo.
Expectativas prévias quanto à formação – necessidades de saber; necessidades
de competências; papel da universidade na formação.
Avaliação da formação recebida – necessidades atingidas, carências que
permanecem, razões para o cumprimento ou não das expectativas prévias.
Saberes e competências necessários ao exercício profissional para um
Jornalismo de qualidade – perfil de um bom jornalista, em termos de habilidades e
competências; importância do saber escrever; importância do saber pensar;
mudanças nas concepções a partir da experiência universitária.
Papel das disciplinas humanísticas - Papel das disciplinas humanísticas –
finalidade (s) do eixo de formação humanística; importância para o Jornalismo atual;
O que foi importante na formação – aprendizados mais significativos; aprendizados
menos significativos, razões da significação ou não-significação
Sentido do conhecimento assimilado - sentido da experiência de aprender;
perspectivas (outros cursos, pós, etc.), carências que permanecem, utilidade dos
conhecimentos adquiridos.
Práticas pedagógicas – expectativas prévias quanto às dinâmicas das aulas e
atividades propostas; razões do cumprimento ou não dessas expectativas.
Práticas de Integração/Interdisciplinaridade - expectativas quanto à dinâmica das
aulas e atividades propostas; experiências concretas de integração e
278
interdisciplinaridade no curso (exemplos); razões do cumprimento ou não dessas
expectativas.
279
ANEXO VII
ENTREVISTA – DIREÇÃO – SUJEITO D1
P.Como é que é na tua visão jornalismo hoje e como ele deveria ser?
D1. Olha, vamos ser críticos aqui, infelizmente. Eu acho que, sigo muito as propostas da
indústria cultural, talvez um pouquinho “démodé”, existem outras concepções teóricas
mais novas, mas eu ainda me filio muito a esta corrente. E eu acho que essa
instrumentalização do jornalismo, essa transformação do jornalismo em produto, o fato do
jornalismo ser hoje praticamente exercido pela empresa e pelo empresariamento, eu
acho isso muito ruim, muito ruim. A medida que os organismos governamentais foram
alijados da prática do jornalismo e que o mercado cada vez mais regulamenta a
profissão, regulamenta a atividade, regulamenta, enfim, a dinâmica do jornalismo, eu
acho que nós temos um jornalismo hoje talvez muito informativo, mas muito pouco
formativo.
P. E o que ele deveria ser?
D1. Exatamente esse inverso. Eu penso que a sociedade, e isso teria que ser feito
através do governo, deveria intervir mais, o mercado não pode ser o regulador primeiro e
último do jornalismo. Sou muito a favor de agências governamentais que pratiquem
jornalismo, sou muito a favor do jornalismo ser obrigado a responder perante a sociedade
aquilo que ele faz, aquilo que ele, como ele conduz. Sou visceralmente contra a censura,
não é essa a idéia, não acho que o governa deva regulamentar o exercício do jornalismo,
mas acho que ele deve fazer o bom jornalismo, hoje que infelizmente o empreendimento
privado não faz.
P. Você sabe que compartilho com esta crítica, com as suas posições. Como é que
fica nesse quadro em que você teve de um lado, o jornalismo na prática sendo
regulado e praticado e determinado nos seus fins e nos seus meios pelas regras de
mercado e ao mesmo tempo uma demanda social que existe de um jornalismo,
demanda social no sentido mais amplo, de um jornalismo que forme mais pra que a
gente possa ter uma sociedade melhor do que essa que nós vivemos. Como é que
fica o papel da universidade, que de um lado forma profissionais que vão atuar
neste mercado, de outro, não pode se furtar a sua histórica missão de ser crítica,
ela não pode ser mera reprodutora da prática que está aí. Que jornalista, a
universidade, no teu ponto de vista, aquilo que você deseja porque a gente não vai
falar aquilo que ela está fazendo. Que jornalista a universidade tem que formar?
D1. Eu acho que a visão que você coloca, dessa possibilidade da universidade formar um
jornalista crítico, eu acho fundamental. Mas hoje me parece que a universidade, e eu
estou falando muito por esta universidade que eu trabalho. E a minha experiência foi com
outras duas instituições de ensino muito menores e mais novas do que essa, então na
verdade, não circulei por muitas escolas, mas aquelas que eu tive oportunidade de
circular, o que observei é que talvez a universidade de um modo geral esteja deixando
um pouquinho pra trás uma das suas funções fundamentais que além de ensinar é
pesquisar. Eu acho que a pesquisa é um caminho interessante pro repensar o jornalismo,
eu acho que esta crítica que a gente conversou, que você mesmo citou, talvez ela seja
um pouco mais difícil de ser implantada na sala de aula e um pouco mais fácil de ser
visualizada e estruturada no campo da pesquisa. A medida que a pesquisa deixa de ser
uma pesquisa puramente funcionalista, e passa a pensar nestes termos de como é, por
exemplo, o jornalismo escravizado pelo mercado, de como um sistema capitalista
trabalha com o jornalismo, então eu acho que aí essa visão crítica, ela nasce quase que
muito entre aspas na naturalmente com a pesquisa. Eu diria que o ideal da escola do
jornalismo hoje é fazer uma junção muito irmanada de esforços, de dedicação de tempo,
de formação dos professores e dos próprios alunos é através da pesquisa, mas uma
280
pesquisa muito ampla, uma pesquisa muito de cunho social e não uma pesquisa
puramente instrumentalista, como se faz hoje.
P. De repente você pode fazer pesquisa e fazer pesquisa apenas de opinião pra
saber o que o leitor médio está querendo e aí você vai piorar ainda mais o que está
aí?
D1. Isso. Confesso que conheço muito pouco mas, em princípio, sou um pouquinho
resistente às propostas das pesquisas de recepção. Porque eu acho que as pesquisas de
recepção abandonam um pouco esse universo da visão mais antropológica, mais
sociológica que leva a essa visão crítica.
P. Acaba apontando na direção que é de nivelar por baixo.
D1. Exatamente.
P. Você pega alguns fatores intervenientes na recepção, que é a questão da baixa
qualidade no nosso ensino básico e fundamental e aí você vai sempre indo pra
trás.
D1. Indo pra trás, exatamente. E quando eu falo na pesquisa, eu penso muito, é claro, a
pesquisa de caso, a pesquisa tem que acontecer, ela faz parte. Mas eu penso mais na
pesquisa teórica mesmo, a pesquisa de reflexão, na pesquisa crítica que criou as
grandes linhas críticas do jornalismo e que eu acho ainda, por exemplo, a indústria
cultural não foi ultrapassada exatamente por isso, não que ela não tenha defeitos e
limitações, mas eu acho que nós pesquisamos pouco nesse campo, nesse campo da
pesquisa mais ampla.
P. Então vamos passar pro outro ponto. A gente está falando o tempo inteiro do
jornalismo que se faz hoje, do jornalismo que deveria ser. Retomando um pouco do
que você já disse, mas como você vê neste mundo neoliberal, os limites e as
possibilidades do jornalismo? Tem alguma possibilidade se ele continuar restrito a
essa lógica do mercado? Existe algum espaço para contradição nessa lógica do
mercado que de repente obrigue o jornalismo dentro da lógica do mercado a dar
um salto de qualidade pra superar, por exemplo, a queda de leitores?
D1. Eu acredito que sim, se ele fugir da lógica, quer dizer, o que eu entendo é que essa
gaiola que a gente está chamando de mercado, ela tem fissuras e ela tem possibilidades.
Eu não acho uma causa perdida não. Acho que é até uma tendência à superação. A
gente vê alguns exemplos que agindo dentro desse ambiente, mesmo dentro desse
ambiente, o jornalismo encontre saídas, encontre posições. Hoje, por exemplo, existe
uma, pra tocar num ponto mais focado, me parece uma contribuição muito grande das
chamadas organizações não-governamentais, no sentido mais amplo do termo, preciso
também tomar um pouco mais de cuidado com este termo, hoje infelizmente, mas nesse
âmbito do chamado não-governamentais, ou até governamentais e semigovernamentais
espaços que o jornalismo tem encontrado e que consegue furar um pouquinho essa
lógica do mercado. É um jornalismo que não se oferece como produto, pelo menos de
saída. É um jornalismo que vai atrás de causas um pouco mais nobres, sérias,
importantes do que o escândalo que aconteceu na esquina ou a violência tal como ela é
vendida. Eu acho que existem saídas sim, acho que não é uma causa perdida não, mas
eu entendo que o jornalismo tem que romper um pouco com essa lógica tão poderosa
que é a lógica de mercado das grandes instituições.
P. E aí com tanta lógica, seria alterar um pouco de um potencial transformador do
jornalismo? Quando você fala dessa brecha das ONGs que, às vezes, eu ouço
chamar de jornalismo afirmativo, pra não ficar só naquela coisa de good news, are
the bad news. Falar das coisas que estão sendo feitas, acontecendo num país de
tamanha distorção como o nosso, um jornalismo que afirma possibilidades, que
resgata histórias de transformação e coisas do gênero. E que eu veja nisso para o
leitor, quer dizer quando o leitor se depara com uma matéria positiva, primeiro que
é uma coisa nova pra ele, porque está acostumado só com a coisa ruim: escândalo,
batida, acidente, terremoto, tsunami. Aí de repente ele pega uma exceção à
normalidade que é uma história de vida de um agrupamento, de um indivíduo que
está superando seus limites, ou uma organização que está transformando uma
281
realidade lá no meio da selva amazônica, com plantação, catando caju. Eu vejo
nisso um papel transformador da consciência social muito grande de perceber que
a história é obra de pessoas que fazem a história, de instituições que fazem a
história. Nesse sentido eu acho transformador, não é que ele tem uma bandeira de
luta, ele mostra uma história concreta em que as pessoas estão mudando a sua
própria realidade. E esse é o seu papel transformador, ele não está levantando
bandeira nenhuma, não é fazer um panfleto, não é um belo movimento, como o
Jornal Opinião, por exemplo que nós conhecemos na década de 80, mas é um jeito
de estar contando a realidade, contando uma dimensão da realidade que por si só
tem um potencial transformador.
D1. Esse termo, potencial transformador do jornalismo, eu acho que ele tem que ser
muito ponderado, exatamente pelo que você disse. A impressão que eu tenho é que esse
jornalismo de mercado, esse jornalismo, pra usar um exemplo concreto, a Rede Globo, é
muito consciente do seu potencial. Queiramos ou não é um jornalismo que depõe
presidente, é um jornalismo que instaura costumes, é um jornalismo que muda conceitos,
é um jornalismo que modifica valores. Eu acho, quando o jornalismo pensa assim a sua
capacidade de transformar a sociedade, eu fico um pouco assustado, eu acho que o ideal
seria o jornalismo poder caminhar junto com a sociedade, que os fatores de
transformação não são exclusivamente jornalísticos e o jornalismo pode participar desta
situação. Eu fico perguntando assim, foi o panfleto que puxou a Revolução Francesa, ou
foi a Revolução Francesa que gerou a necessidade do panfleto. O racional me parece
que a articulação é o mais indicado. Há um peso ponderado entre essas duas instâncias.
E eu penso que aí sim o jornalismo pode ser transformador, mas muito consciente que
ele não pode ser esse puxador da sociedade, como se ele tivesse a verdade, a meta, o
objetivo, o caminho e lá ele fosse. Transformar na medida em que ele fizesse que os
cidadãos fossem cada vez mais cidadãos, eu acho que a participação é a transformação
maior.
P. Aí não é voltar para universidade? Pra que esse jornalismo que o mercado está
pedindo, está traficando, não está pedindo? E pra esse jornalismo de mais
qualidade que alguns condicionam enquanto profissional, enquanto docente,
enquanto direção de uma universidade. Nos dois casos eu queria que você falasse
um pouco assim, quais são as competências e habilidades que o mercado exige e
que esse jornalismo de qualidade exigiria e como é que a universidade está dando
conta dessa programação, ela está conseguindo atender essa demanda, tanto do
ponto de vista da lógica do jornalismo que se pratica no mercado e quanto técnica
desse caminho diferente que ele pode e que a gente gostaria que ele tomasse?
D1. Acho que a universidade vive hoje uma situação muito importante e ao mesmo tempo
desconfortável porque ela tem que se manifestar entre essas duas, esses dois caminhos,
esses dois “cendeiros”, que são, às vezes, diametralmente opostos, e a universidade de
um lado ela tem esse compromisso de abastecer a sociedade de profissional, enfim
querendo ou não a sociedade vem até a universidade buscar uma formação profissional
e essa expectativa tanto daquele que se faz profissional quanto da sociedade em geral e
ao mesmo tempo fazer com que esse profissional tenha essa tal visão crítica. A gente
sabe que profissional e crítica não combinam muito, principalmente na visão do patrão.
Tudo que o patrão quer é um funcionário e não um profissional, muito habilitado
tecnicamente, muito preparado, até alguém que intervenha no trabalho com idéias, que é
aquele chamado funcionário participativo, mas pelo amor de Deus não seja crítico que a
cama há está montada. E a forma é essa, nós vamos buscar lucro, nós somos um
empreendimento jornalístico, isso aqui é produto. E quando a universidade se coloca
nessa divisão, ela sofre um problema seríssimo, pelos quais, Regina, sinceramente, eu
acho que algumas respostas estão ainda para ser encontradas. Eu penso, por exemplo,
se ela aderi totalmente a formação do profissional, ela se descaracteriza como escola, no
sentido grego, helênico, ela se descaracteriza como ponto de formação. Ela rompe com
o compromisso social que ela tem, que nós conversamos de transformar, de criticar. Por
outro lado, a universidade tem uma questão séria de sobrevivência, de viabilidade, não
282
só de viabilidade econômica mas até de viabilidade política. Até que ponto a sociedade,
ou pelo menos a elite que domina a sociedade, que traça as regras desta sociedade vai
permitir que a universidade seja essencialmente crítica. E eu penso até nas públicas, que
enfrentam esse problema, não é só uma questão de dinheiro, de sustentabilidade
econômica das universidades particulares, mas até uma questão de sustentabilidade
social e política. Conclusão, eu vejo que hoje o dirigente universitário, aquilo que nós
chamamos de gestor, e o professor tem uma responsabilidade muito grande de caminhar
neste fio da navalha.
P. Sinuca de bico, não é?
D1. Jamais, jamais. Deixar, aceitar que um dos pontos é o fundamental, porque acho que
ele corre um grave erro de não garantir a sustentabilidade e a universidade acaba
fechando ou aderindo de mala e cuia nesse lado. Então penso que hoje ela pede muito
pessoas com esse senso e volto, tanto maior na minha maneira de ver é a pesquisa,
maior eu entendo são as chances de resposta porque aí sim esse gênero de pesquisa
ajuda muito a clarear, ajuda muito a enxergar.
P. A gente já falou um pouquinho disso, mas só pra retomar. Você comentou que
se a universidade simplesmente está quase reproduzindo só que o mercado está
fazendo, ela deixaria de ser educação, então, só pra deixar claro, só pra finalizar da
educação. Como você professor, gestor e jornalista vê? Qual a sua opinião?
D1. Então eu acho que primeiro é integrar socialmente, o primeiro caminho da educação
e aí é o conceito um pouco talvez tradicional, mas eu acho que a educação integra
socialmente. A sociedade tem modelos, a sociedade tem valores, são mutáveis, existe
uma dinâmica social e é muito bom que isso aconteça assim porque parte do princípio
talvez um pouco contra a utopia, não utópico, mas a sociedade nunca está bem, ela
sempre pode melhorar. Esse é o grande, grande qualidade enfim, eu acho que é a coisa
mais bonita que existe na sociedade, é essa capacidade de fazer esse melhor no
momento seguinte.
P. De ser sempre uma construção provisória.
D1. Isso sempre uma construção provisória, perfeitamente. Eu acho que a educação,
num primeiro momento, é trazer as pessoas para essa dinâmica, integrá-las socialmente,
e depois disso feito, é estimular essa mudança. É o que se chama de educação de
transformação do indivíduo, da sociedade.
P. Do ponto de vista didático-pedagógico, você acredita que existam metodologias
mais adequadas para pluralizar essa construção didática? Tipo assim, aquela idéia
da metodologia tradicional, das novas práticas, do professor que anda que ensina
pensar, só tem o ensino profissional como sendo mera reprodução. Integra mas
impede que ele tenha visão crítica para ver o potencial transformador. Do ponto de
vista didático-pedagógico, há uma preferência? Você acha que algum tipo de
metodologia é mais adequada? Ou mistura, tem momentos que você precisa de
uma metodologia tradicional?
D1. Na licenciatura e depois por está fazendo doutorado numa universidade, numa
faculdade de educação, de pedagogia e um pouquinho por conta do meu mestrado que
foi também nessa área a gente vai tendo contato um pouco com propostas. Não é a
minha área, eu não sou especialista nisso, mas a gente vai tomando contato com
algumas propostas, educação pela problematização, ora educação que tudo permite, ora
educação que tudo reprime, ora educação que tenta buscar um meio termo entre esses
itens. Mas eu acredito que, talvez, possa parecer um sacrilégio vindo de um professor,
que a metodologia é secundária e acho que a filosofia é primordial. Se hoje o exercício do
jornalismo cobra um conhecimento técnico, tecnológico tão forte do profissional, penso
que a universidade precisa oferecer isso, de dominar essas técnicas, enfim elas estão aí,
a Internet, o celular, a realidade. Aquilo que eu pratiquei no jornalismo, certamente o meu
aluno não vai praticar e ele está integrado a sociedade. Pra essa formação, a
metodologia é uma metodologia de resultado, é uma metodologia da prática, é uma
metodologia dos grupos pequenos e do professor que faz o acompanhamento
sistematizado. Acho que existe uma metodologia muito adequada que está um pouquinho
283
mais alinhada com estas propostas mais recentes desse pessoal todo aí. Agora, o crítico,
eu sou muito tradicionalista. Eu acho que o que os gregos ensinaram a respeito de
ensinar e aprender, vale até hoje. É um contato pessoal muito apaixonado, tanto da parte
dos alunos quanto dos professores. Se eles tiverem numa sala confortável, com ar
condicionado, com um bom recurso pra você ver um filme, ele tem um resultado. Mas
também se ele acontecer no pátio, vai ser peripatético e na minha opinião vai ter o
mesmo resultado. Então eu penso que a metodologia ela tem um sentido muito grande
no operacional, podemos dizer assim, na formação operacional do jornalista, e aí sim as
metodologias são significativas, importantes e tal. Mas nesta formação humanística, eu
acho que não sei, acho que a metodologia é secundária. Cada professor acaba
encontrando um pouco o seu caminho, normalmente as universidades não adotam
métodos. Aqui a gente algumas coisas, como por exemplo, avaliação continuada, é uma
definição, um caminho que a universidade inteira adotou. É interessante, tem lá um
sentido, mas pra reflexão e pro debate humanístico essencialmente, não vai fazer muita
diferença avaliar o aluno continuamente ou avaliar o aluno definitivamente, até porque
não é a avaliação que é o âmago do coração da coisa. Não sei se me fiz entender, mais
ou menos é essa a visão.
P. Você destacou na tua fala o aspecto contratual. Eu colocaria mais um agente
neste contrato que assim, no processo da educação, você tem uma direção, você
tem alunos, você tem professores. Você falou da necessidade dessa relação ser
apaixonada, mas o apaixonado, eu gosto desse termo, eu acho que nenhuma coisa
se faz humanamente bem feita sem essa paixão, mas a gente tem competência, eu
diria habilidades que também precisam ser desenvolvidas. Como é que você vê
agora que você na verdade você já foi aluno, você continua como professor e
direção, o papel um pouco dessas três instâncias. Dá pra construir um ensino de
qualidade com uma direção falha, dá pra construir um ensino de qualidade com um
aluno que vem mal formado, por exemplo? Fala um pouquinho disso.
D1. Olha, sobre essas competências e essas habilidades. Primeiro, eu acho que a
universidade deve ter um olhar muito crítico sobre si mesmo para o tempo todo avaliar se
o que ela tem feito, que ela faz, é o mais adequado, é o mais indicado, enfim é o melhor.
Essa primeira qualidade do aluno, do professor e do gestor, e até do funcionário é essa
auto-avaliação contínua, essa autocrítica. E acho que a paixão leva um pouco a isso
porque os apaixonados são ???. Agora a realidade, a formação, a realidade traz
problemas ?? no ensino universitário complicado. Um deles é o que você citou, nós
temos que começar com nossos alunos a partir de um ponto. E a observação tem
mostrado que esse ponto é cada vez mais atrás em vez de ser cada vez mais a frente.
OK, a gente vai lá resgatar, onde for necessário voltar, mas existem alguns elementos
fundamentais, por exemplo, domínio do idioma. Eu digo domínio do idioma, domínio da
gramática e acima de tudo domínio da coerência, da coesão. A expectativa é que nós
teríamos um pós-vestibulando, ou seja, um ingressante capaz de organizar um texto. E
nem sempre isso se encontra na universidade. E aí nós vamos ter que primeiro ter a
capacidade de expressar pra depois a gente trabalhar sobre aquilo que está
expressando. Isso é problemático, assim como hoje nós temos uma dificuldade grande
do professor que teve um grande tempo de experiência profissional. Então a gente tem
um caminho que leva o professor quase que exclusivamente para a vida acadêmica.
Então ele se forma, ele já vai fazer um mestrado. Tecnicamente ele está apto para dar
aula na universidade e a pergunta é se nós estamos sabendo trabalhar com isso. Não
vejo isso como um defeito, não sei se o melhor professor é aquele que viveu a
experiência da redação, não tenho segurança de dizer que um professor teórico seja pior.
Mas é que a universidade ainda não pensou um pouco nisso, se é possível ponderar, se
é possível fazer uma exigência. Afinal, um professor que nunca teve numa redação
ensina jornalismo? Mas ele pesquisou, é um doutor. Ou aquele que tem a titulação
mínima de graduação, mas tem uma vasta experiência. Nós temos que pensar um
pouquinho e aí vem a função do gestor. Eu acho que o gestor universitário, ele tem que
ser pedagogo, ele não pode se desvincular do pedagogo, por mais que ele seja chamado
284
a administrar e assinar papel, o que eu tava fazendo até agora, e expectativa de gestor é
que ele libera verba, contrata funcionário, despeça alguém, determine os horários, além
dessas atividades, acredito que o gestor só pode contribuir a medida que ele tiver um
olhar pedagógico, ou no mínimo souber chamar pra si, pra sua equipe pessoas ...
P. ... Na tua cabeça, qual é a finalidade da formação humanista no curso de
jornalismo?
D1. Bom, tem a ver com tudo que a gente disse aí. Eu acho impossível pensar
criticamente se você não tem uma visão humanística. E essa visão humanística eu levo
muito mais pro lado filosófico, se é assim que pode chamar, do que propriamente técnico.
Humanístico é aquela área da ciência que estuda as relações sociais, eu acho que
humanístico é sentir-se humano e é acreditar que o governo é o cérebro de todos nós,
das pessoas, da sociedade, é lógico, é a busca desse conhecimento contínuo de si
mesmo e se o jornalismo, como a gente disse no começo, tem essa função de agregar e
trazer as pessoas, de socializar as pessoas, essa formação humanística é fundamental.
E acho que ela deveria permear todas as disciplinas, até as disciplinas técnicas, e, às
vezes, a gente faz um pouco de distinção. Eu não gosto muito dessa distinção. Olha,
sociologia é dessa área humanística, agora JI não é. Eu acho que todas são.
P. Bom, a importância da formação humanista para o jornalismo atual acho que
nossa discussão já ponderou isso bastante. Na tua avaliação, da prática desse
ensino das disciplinas humanistas aqui na PUC, qual a avaliação você faz?
D1. Bom, eu acho a prática do ensino como um todo, não só no campo das disciplinas da
formação humanística, como do eixo humanístico aí. Eu o acho falho porque ainda isso é
utópico, muito utópico. E eu entendo que a universidade deveria ser período integral, que
a universidade precisa de mais tempo pro aluno estudar. E o tempo de dedicação da
universidade, dos professores, dos alunos, na minha opinião, deveria ser maior, muito
maior do que é. Uma convivência, eu acho que as aulas deveriam ser mais longas, a
conversa deveria ser mais longa. Nós temos um formato muito escolar, muito ginasial, ou
primário, no sentido educacional do termo. Você chega aqui às oito, estudo até... eu acho
que isso já sacrifica demais. Deveria ser um ambiente mais, ao mesmo tempo mais
aberto, mais espaçado no tempo de relacionamento. A partir desta imposição que
praticamente um tempo de período integral hoje, raros candidatos, pouquíssimos, não é.
Você estaria elitizando tremendamente, porque as pessoas têm que sobreviver,
trabalhando. Aí a ponderação que se faz, e aí eu tenho que falar um pouco por esta
universidade, a outra que eu conheço foi feito muito a luz daqui também, não são
diferentes. Eu acho a ponderação razoável na prática. Essa ponderação ela é boa na sua
distribuição e até na maneira como foi organizada, especificamente o currículo do curso
de jornalismo da PUC Campinas. Sou fã incondicional deste projeto, participei dele, fui
voto vencido em alguns pontos, mas acho que ele foi muito inteligente porque soube se
adaptar essas limitações, por exemplo, de tempo, de recursos que a gente tem. E soube
valorizar bastante esse aspecto humanístico.
P. Na prática, ... uma coisa é aquilo que nos dispomos a fazer enquanto projeto
pedagógico, que são as nossas intenções, os nossos princípios, aquilo que
orienta, nossa filosofia, aquilo que orienta a nossa fala. Na prática você tem um
conjunto de professores dessas disciplinas que não estão agregados a um
departamento de jornalismo, não estão diretamente vinculados a escola de
jornalismo, eles pertencem a outros centros, vêm pra cá ... Na minha cabeça, isto
impõe alguns limites pra prática cotidiana da sala de aula destas disciplinas e
amarram um pouco as possibilidades, essa é uma das questões que está aqui,
essas possibilidades de integração pra que não fique assim tão "blocado", sabe. O
eixo da técnica, o eixo da pesquisa ... Nessa prática aquilo que se coloca, eu
concordo com você, que o projeto pedagógico da PUC é maravilhoso, no sentido
de tentar dar conta dessas duas demandas e de conseguir trilhar o seu caminho no
fio da navalha, mas na prática, um olhar bem crítico assim, nós estamos dando
conta de fazer isso?
285
D1. Não. Não. Como eu disse, na minha opinião, o grande valor do projeto é exatamente
tentar superar essa dificuldade e ele faz em parte, infelizmente. Na prática não. Ela
começa com isso, até que ponto é interessante você ter alguns professores das
chamadas disciplinas humanísticas, mais focadas com jornalismo. Nós temos vários,
mesmo professores que não são da área, eles tentam trabalhar à luz do jornalismo,
usando o jornalismo e, às vezes, até acabam se interessando, se apaixonando pela
prática do jornalismo, o que não é muito difícil, porque tem todo um glamour, enfim a
sociedade faz também toda uma valorização do jornalismo, mas ela não é ideal não. (Há
um corte na gravação) Retomando então a questão da prática, ela encontra uma série de
problemas, número de alunos na sala, o tempo que o professor tem pra conversar, o fato
eventualmente do professor não ser da área de jornalismo. Esses problemas talvez
tornem a formação humanística, menos humanística do que a gente gostaria que ela
fosse. Agora, ela acho que deve também permear. Acho que esse humanismo deve estar
presente em todas as disciplinas, deve romper essa barreira e fazer esses
compartimentos. De certa forma, o currículo de jornalismo da PUC permite isso, claro que
com limitações.
P. Falando mais especificamente sobre as disciplinas humanistas, tem algum
critério, alguma recomendação da direção da PUC em relação à escolha dos textos
que são destinados aos alunos nessas disciplinas ou fica a critério do professor?
Ele elabora a ementa, submete a vocês ou tem algum tipo de sugestão, em termos
de texto e até em termos de atividades para esses professores?
D1. Tem. Não é uma atividade isolada, não. Primeiro porque as ementas e uma parte dos
conteúdos estão no projeto pedagógico. Então isso já é um elo de amarração. Todos os
professores que ministram disciplinas no curso de jornalismo, eles passam por concurso.
E o concurso é um outro momento em que três professores do curso, pelo menos um
deles doutor, vão analisar a proposta de disciplina do professor. Então essa proposta, ela
é avaliada tanto em si mesmo como no coeficiente de ligação que ela tem com o
momento que o curso vive. Portanto, temos o projeto pedagógico como um momento em
que o curso vive, não é? O concurso é até um momento em que são feitas as sugestões
de mudanças. Depois você tem um terceiro elemento que tenta amarrar isso que é o
planejamento pedagógico que é feito. Aí essa questão dos textos, por exemplo, tentam
ser utilizados, que os alunos possam trabalhar o mesmo texto em aulas diferentes ou
intercambiar, trabalhar textos que se completem de alguma forma, não obrigatoriamente
que se ajustem, mas que se completem de alguma forma, isso tudo é feito no
planejamento pedagógico. Então há sim um grau de interação entre os professores, entre
as disciplinas, entre os planos de disciplinas, que a gente chama. É ideal? Talvez, não.
Talvez ele pudesse ser muito maior, mas eu acho que esse isolacionismo não é um
problema grave, felizmente aqui eu acho que não.
P. E aí pra falar um pouco, tem muito a ver com esta questão. Você acha assim que
na verdade, você não deveria ter assim esses textos separados. Esse olhar
humanístico ele deveria permear todas as disciplinas e aí entra numa questão que
é presente, pedagogicamente, na minha pesquisa que é a questão da
interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade de como viabilizar isso, porque eu
entendo o jornalismo como um ponto precisamente transdisciplinar. Embora ele
seja uma técnica, ele padece da carência, adorável carência de não poder
prescindir de outro saber. E ao mesmo tempo, a gente tem toda uma história de
formação intelectual nossa que é de caixinha porque eu sou isso, você é aquilo ...
Você tem uma estrutura na universidade que padece desse problema da caixinha e
ao mesmo tempo um demanda real, concreta de formação de um profissional que,
vai usar uma técnica, sim, jornalismo é uma técnica, mas uma técnica que não se
basta a si mesmo, que não pode prescindir outro saber. Porque não adianta saber
escrever, não adianta saber o formato de uma notícia. Se não souber olhar o
mundo que nos cerca, eu não vou saber me pautar. E esse é o começo de tudo.
Você falou por exemplo das reuniões interdepartamentais em que essa coisa da
integração dos programas, das ementas dos cursos e planos de cursos. Existem
286
outros canais, como é que fica tudo isso, por exemplo, se a maioria dos
professores é horista e não tem dedicação exclusiva. Pra planejar tudo isso precisa
de tempo, até que ponto a estrutura do regime de trabalho dos professores é um
impedimento? Eu queria que você falasse um pouco disso, que dizer, se é que
você concorda com o meu raciocínio de que esse campo de jornalismo, esse
ensino de jornalismo ele é por essência um espaço para transdiciplinaridade que
depende disso para ser eficaz. Queria que você falasse um pouquinho disso.
D1. É a questão da inter e da transdisciplinaridade, ela começa até na definição, ou pelo
menos no entendimento dos termos. A interdisciplinaridade são disciplinas que se
completam, a transdisciplinaridade são disciplinas que se entre cruzam, que se
atravessam. Eu acho que o trans e melhor que o inter, nesse sentido. Mas quando
ocorre, ocorre um índice muito inferior aquilo que deveria ocorrer. Voltando ao projeto
pedagógico, eu sei que você quer falar mais da prática, mas só pra gente caminhar um
pouquinho. O próprio projeto pedagógico prevê um pouco essa inter e essa
transdisciplinaridade, é como se ele fosse caminhando pra isso, levasse isso por causa
dos eixos transversais, mas só isso não resolve, é preciso que os professores se
envolvam um pouco mais nesse trabalho. O planejamento pedagógico tenta dar conta em
parte, e como professor tem uma dificuldade de tempo, quem faz um gerenciamento um
pouco mais apurado disso e cobra um pouco mais os professores são os conselhos de
faculdade. No caso do jornalismo, o conselho de jornalismo ele tem uma função
pedagógica fundamental. O conselho de faculdade é um órgão de assessoramento
pedagógico, ele tem alguma função operacional, muito mais do que deveria ter, aliás.
Mas ele está ali para pensar pedagogicamente, apoiar pedagogicamente, resolver
pedagogicamente, auxiliar pedagogicamente.
P. Só pra eu anotar aqui, o conselho são professores?
D1. O conselho é feito por professores, ele tem só um membro nato que é o diretor da
faculdade e quatro membros eleitos. São três professores do curso e um professor, esse
que você lembrou, que é o professor que nós chamamos de importado, que é um
professor que ministra aula no curso, mas não é do curso.
...... Então esse conselho que tenta buscar um pouquinho dessa inter e dessa
transdisciplinaridade, mas ela ocorre muito mais lá na base, a medida que quando é
cobrada a disciplina, o plano de disciplina do professor, ele já busca contemplar um texto
... do que no cotidiano. No cotidiano, ela é realmente pequena, muito menor do que a
gente gostaria que fosse. E aí algumas disciplinas, por afinidade dos professores, pela
ocorrência do horário, por uma série de fatores, alguns nem tão pedagógicos assim, elas
se inter relacionam mais. Nós não temos uma prática ideal, consolidada de trans e
interdisciplinaridade. Tem, se é que vale apesar de dizer que o caminho do inferno está
cheio delas, muita intenção. Em 2004, 2005 foi feito um trabalho muito intenso por parte
da pró-reitoria de graduação nesse sentido, de pelo menos fazer um diagnóstico, de
tentar sugerir caminhos, que foi chamado G8. Não coincidentemente, vários professores
que foram chamados para atividade de gestão nas faculdades, nos centros, participaram
desse G8. Pelo menos pra esses professores veio uma visão muito ampla, sólida.
P. A pró-reitoria de graduação?
D1. É um projeto ligado a pro reitoria de graduação.
P. Talvez fosse um documento interessante de ler o resultado.
D1. Os G8 foram feitos em todos os 40 cursos, em todas as faculdades. Eles geraram
relatórios que eu não sei se foram integralizados.
P. E só pra finalizar, você valorizou bem este aspecto da necessidade crítica e
autocrítica. Você quer acrescentar mais alguma coisa pra falar da vivência nesse
curso. Você faz parte da história desse curso, ninguém fica 13 anos dando aula
num lugar impunemente. Já se torna patrimônio. Como palavra final mesmo e até
como dica de outros aspectos que não foram contemplados nessa nossa longa
conversa. O que você acha, conhecendo o meu projeto como você conhece, seria
interessante deu investigar, deu ponderar?
287
D1. Então eu tenho impressão que primeiro, eu gostaria de reforçar, que este curso só se
legitima, só se consolida como um bom curso de jornalismo na medida que ele continuar
aberto a critica a transformação. A partir do momento que a gente afirmar, temos um bom
curso de jornalismo, acho que ele começa a deixar de ser um bom curso. Prefiro dizer
que nós queremos ter um bom curso de jornalismo. Esse é o primeiro ponto e é preciso
estar pensando continuamente e sistematicamente. Por outro lado, as instituições, todas,
não são muito voltadas pra isso. Não quero ser muito primário. Você é socióloga também,
sabe disso, do organismo social que tende a acomodação, mas é uma realidade. As
instituições tendem a se defender, a se acomodar. Então mudanças são difíceis de fazer,
há uma resistência. Vamos repensar o currículo, vamos repensar a disciplina? Mas acho
que isso tem que ser mantido. Cabe ao gestor, cabe ao professor e cabe aos alunos
exigir isso, essa mudança. Num outro ponto, não sei se você vai voltar nisso, mas eu não
sei e não quero culpá-los por isso, mas eu sinto os alunos tão distantes. Os alunos estão
afastados, eles não são cúmplices, os alunos parece que estão muito longe. É uma
preocupação muito infantil com nota, um comportamento muito primário e depois são ???
tremendamente, bate ???, não tem aula, uma fuga tremenda do trabalho. É impossível
conseguir o conhecimento, não se pelo suor, não tem o caminho fácil. Eu vejo, às vezes,
que os nossos alunos, talvez, tenham perdido um pouco essa noção do fazer pelo
esforço próprio. Infelizmente, não tem nenhuma escola que faça jornalista, são os
jornalistas que se fazem. A escola no máximo ajuda um pouco, empurra, dá umas
balizas, mas são eles que se fazem, como pessoas, como profissionais, como técnicos.
P. Não entrevistei ainda nenhum aluno. O Amarildo Carnicel foi banca no meu
projeto, e vendo o roteiro da entrevista que quero fazer com os alunos
ingressantes ele assinalou que eles não teriam essa dimensão. Mas esse é um
dado que eu preciso verificar concretamente. Se eles não têm nenhuma resposta
pra isso, se não têm nenhuma expectativa nem quando entra, nem quando sai, aí
nós temos que repensar de novo. Se eles não têm nenhuma visão quando entram,
pelo menos quando saem, já estão aí com alguma concepção mais elaborada, do
que é o jornalismo, do papel que ele tem, das implicações do fazer jornalismo.
Então a minha idéia é entrevistar cinco alunos ingressantes do matutino, cinco do
noturno e depois cinco concluintes pra tentar verificar até que ponto o legado
dessa formação humanista se incorporou à visão de mundo que eles ...
D1. Algo que eu tenho enxergado mais como gestor, mas já vislumbrava um pouco lá
quando fiz parte do G8, do conselho, é, por exemplo, aversão dos alunos cada vez maior
ao professor exigente. Até um ponto em que a exigência do professor, é uma exigência
nobre, é uma exigência válida, é uma exigência muito lúcida. Não é um professor
carrasco, que persegue, é um professor exigente que chama o aluno e que cobra do
aluno um passo a frente. Eu vejo uma resistência tão grande, tão articulada, tão forte nos
alunos, que mesmo os exigentes estão cedendo. E acho que esse não é o bom caminho,
que os professores mais brandos, principalmente os novatos é que deveriam seguir esse
caminho da exigência. Exigir que os alunos se superassem e, às vezes, parece que
tendência é um pouco o inverso disso. Eu fico muito preocupado porque ...
P. É um pacto???? Fingem que ensinam, fingem que aprendem e fico por isso
mesmo?
D1. Eu acho que não. Nós não vivemos isso ainda, mas corremos o risco. Tenho a
impressão que a instituição compete garantir esses professores, chamar os alunos a
entender que esse professor é o formador. Eles são reconhecidos, às vezes, tarde de
mais porque na experiência mostra quase sempre são esses professores que estão lá na
mesa dos homenageados durante a formatura.
P. Talvez eles sintam isso quando vão fazer o projeto experimental porque aí eles ...
D1. Exatamente, mas aí é um pouco tarde, às vezes. Então eu acho que essa questão da
exigência, do professor mais rígido, enfim, mais exigente, eu acho bom. Não quero ser
tradicionalista, acho que ambiente de aula deve ser um ambiente muito descontraído,
mas ele tem que ser sério. Não se faz uma universidade sem seriedade.
288
P. Isso aí eu percebi também quando fazia minha graduação. Uma coisa que me
pergunto assim, até que ponto esses alunos, eles chegam aqui depois de no
mínimo onze anos de escola, no mínimo. E chegam aqui depois de 17, 18 anos de
vida, numa sociedade que está sendo cada vez mais permissiva no que diz respeito
às responsabilidades do sujeito, enquanto responsável pela sua própria formação.
Então é uma combinação pra mim catastrófica. O ensino fundamental e médio
ruim, nivelado por baixo, numa sociedade onde há uma degradação muito grande.
Então eu fico me preocupando assim, será que dá tempo de mudar alguma coisa
ainda depois destes onze anos, vivendo na escola, mas as escolas que eles estão
vivendo e convivendo numa sociedade do vale tudo? É como se a gente tivesse
que dar um choque cultural ...
D1. Me parece que é um campo velho um pouquinho, o horizonte e a função efetiva da
própria universidade. Aquilo que a gente conversou. Temos que formar um jornalista
tecnicamente capaz? Temos, a sociedade espera isso. Mas não é a função única, talvez,
nem a mais importante. E essa formação humanística, essa formação complementar,
essa formação crítica, ela, às vezes, se perde, o aluno se pauta também ele pelo
mercado. Tenho que me realizar nesse esquema do mercado, tenho que ganhar bem. E
aí que eu acho que cria esse desinteresse, essa permissividade. Ora, o objetivo imediato
é um emprego, é a posição, então tudo o mais, estou perdendo tempo. Deixa eu
aproveitar coisas melhores....
289
ANEXO VIII
ENTREVISTA – PROFESSOR DO EIXO DE FORMAÇÃO HUMANÍSTICA –
SUJEITO PH3
P. O que é o jornalismo pra você?
PH3. Pra mim jornalismo é uma área na verdade que lida com uma preciosidade que é a
comunicação. Eu digo preciosidade porque a gente pode tanto ser precioso como a gente
pode estar anulando qualquer parte dessa preciosidade. Eu acho que o jornalismo lida e
tem que saber lidar com essa comunicação.
P. Vendo a imprensa brasileira, como você avalia, ela está mais próxima da
preciosidade ou da não preciosidade?
PH3. Eu consigo perceber assim, eu acho que nós temos duas frentes. Aquela imprensa
que tenta exercer o seu ideal que é o respeito, um outro olhar, e a imprensa que é
manipulada. Isso a gente não tem como não enxergar. Agora, qual delas é que
prevalece? Eu acho que a gente ainda está muito a mercê, esse povo, exatamente desse
domínio. Eu ainda acredito que a gente precisa de um povo mais educado, mais crítico
para poder reverter a situação.
P. E a universidade, a faculdade de jornalismo, qual deve ser preocupação dela ao
ensinar esse tão importante ofício.
PH3. Eu acho que a faculdade de jornalismo tem essa preocupação. Eu tive contato com
o curso, a mudança do curso, o novo currículo. O curso de jornalismo tem algumas
características muito boas.
P. Dá pra pensar num potencial transformador do jornalismo quando ele atinge
esse nível de preciosidade?
PH3. Sim, sem dúvida. Ele não só transforma como ele consegue transformar e ditar os
valores, as regras, os costumes. Ele transforma e muda.
P. Como cidadã que competências e habilidades você acha que um bom jornalista
deve ter?
PH3. Eu acho que ele tem que ter um olhar aberto, um olhar mais aguçado. Eu digo que
jornalista tem que ter radar, sabe aquele radar que você vê coisa onde não tem. Ele tem
que estar muito preparado, preparado não só no sentido cognitivo, do conhecimento. Eu
acho que o conhecimento é importantíssimo, eu acho que ele precisa conhecer muito só
que ele precisa ter sensibilidade. Então acho que o equilíbrio entre uma coisa e outra traz
um profissional mais interessante. Ele tem que ser criativo, ele tem que saber das
situações, ele tem que ser hábil no sentido de dar aquele op na hora certa. E só isso
acontece quando você tem sensibilidade aguçada, quando seu poder criativo está mais
antenado.
P.O que a faculdade pode fazer? Ela consegue dar conta no sentido de aguçar esse
olhar sensível e crítico, rápido e ao mesmo tempo não superficial? O que a
faculdade pode fazer, e o que ela encontra limites e quais seriam pra você esses
limites?
PH3. Eu acho que a faculdade tem no seu currículo, no seu projeto pedagógico isso
muito claro. Tanto é que as disciplinas, pra você ver História das Artes, disciplina do
jornalismo, a gente tem Criatividade, disciplina do curso jornalismo. Então veja bem, eu
acho que a PUC faz o seu papel, o problema está fora disso, porque a gente navega
contra maré porque o mundo não está assim e aí a gente acaba tendo que se defrontar
com o jovem que não tem essa formação. E aí aqui ele vem e tem que ter essa formação
equilibrada, e aí eu acho que é uma grande dificuldade que a gente tem. Mas eu acho
que é uma missão que nós temos, não dá pra dizer assim, eles estão chegando de outra
maneira e nós vamos ter que mudar nossa concepção. Acho que não. Acho que nós
temos esse papel e é um papel importante dentro dessa formação desse profissional.
290
P. Então nesse sentido, posso dizer que pra você a finalidade da educação
superior não é só formar profissionais, é formar pessoas.
PH3. Pessoas.
P. Do seu ponto de vista, que práticas didático pedagógicas chegam mais perto
dessa coisa de tocar o aluno não apenas do ponto de vista cognitivo, mas do ponto
de vista espiritual, artístico e da sensibilidade, do compromisso com o mundo no
sentido de despertar a verdadeira humanidade do ser. Que práticas você acha que
chegam mais perto.
PH3. Eu acho que arte, se eu não falar dela, não tem como. Acho que ela é um caminho.
Só que tenho percebido nesses anos todos, e eu tenho mudado a minha concepção até
do que é educação. O que é formar essas pessoas? E como didaticamente nós
conseguimos nos aproximar dessas pessoas que estão chegando, que não pessoas de
23 anos atrás, esquece. São pessoas bem diferentes. E eu tenho percebido que a
relação que gente estabelece dentro da sala de aula não é só do conhecimento, eu acho
que falar e demonstrar que você é conhecedora daquilo dá uma certa firmeza, uma certa
confiança, mas isso não basta mais. Eu acho que você precisa conhecer muita coisa,
precisa estar muito articulada com as outras áreas e mais do que isso, eu acho que gente
precisa tocar nas pessoas no seu sensível e aí é a relação humana que extrapola
qualquer tipo de teoria. Tenho percebido que quanto mais eu acredito naquilo que eu
faço, gosto do que eu faço e estendo isso pra eles, ou seja, está nos meus poros,
transpirando que eu faço aquilo com prazer, isso parece que dá um retorno. É subjetivo o
que eu estou falando, não é nada concreto, mas eu tenho percebido que é uma coisa de
relação mesmo. Eles acreditam naquilo que a gente faz porque a gente faz com o
coração. Parece meio romântico, mas se a gente não começar a perceber isso, nós
vamos ter problemas sérios no futuro. Nós estamos com o índice, pra você ter uma idéia,
de alunos jovens em depressão assustador. O problema era a droga que a gente tinha e
temos até hoje. Agora em nível de depressão pra mim isso é novidade.
P. Pessoas que em tese estão com todos os horizontes abertos e de repente não
saber o que fazer.
PH3. Exatamente. Quer dizer, hoje o jovem ter depressão, quer dizer é tudo a ver.
P. Vamos voltar pro meu foco de pesquisa. Tem mais uma coisinha que eu queria
perguntar pra ti. Você falou que os alunos são diferentes de 23 anos atrás, eu
entendo o que você quer dizer, e isso acaba dificultando o trabalho de professores,
o trabalho de uma direção no sentido de motivá-los a estudar. O que é essa
diferença que você percebe? É uma diferença só de formação ou é uma diferença
ética, de empenho em relação à vida, de querer aprender mais, aprender menos.
PH3. Tudo isso junto. São muitas diferenças. Não é só o perfil que mudou, não é só a
postura que mudou. São os valores, os costumes, os ideais. E é uma coisa interessante
porque hoje quando você fala em relação da questão do conhecimento com o
aprendizado, se a gente for ver bem Regina, antes que detinha o conhecimento era algo
seu, próprio. Então você conhecia sobre aquele assunto, sabia sobre aquilo, era seu,
você era identificado por isso. Com a globalização não existe mais isso porque a difusão
desse conhecimento é rapidíssima. O que te difere agora? São as suas experiências que
diz que você é a Regina. Você percebe? Então eu acho que a fusão entre o
conhecimento e experiência é o que está fazendo a diferença hoje dentro da sala de aula
e do aprendizado.
P. Agora vamos falar mais do que é meu foco de pesquisa, você sabe que estou
preocupada com a formação humanística do jornalista, e a disciplina que você
ministra integra esse eixo. Queira que você falasse um pouco da importância para
o jornalismo e da importância da sua disciplina especificamente para o jornalismo.
Você já deu uma pincelada quando você fala de aguçar a sensibilidade, mas de
uma forma mais sintética, qual a importância de ter essa formação humanística.
Por que? Disciplinas que você conhece, vão desde História das Artes até
Economia, Filosofia, Sociologia, Psicologia...
291
PH3. Bom, eu acho que além de abrir o espectro desses profissionais que acho de
extrema importância para os jornalistas, quer dizer, faz com que ele tenha um
conhecimento melhor de algumas questões que pra ele na sua vida educacional ele não
teve, isso a gente sabe e consegue detectar quando entram no primeiro ano. Eu pergunto
pra eles quem aqui teve aula de artes, todo mundo teve. Quem se lembra de uma coisa
boa que vocês fizeram numa aula de artes? Se cinco levantam a mão é muito. Porque
passa, porque a qualidade dessa formação não é uma formação legal. Então, outra, o
nosso país também não é um país que respira cultura, não respira. E não respira arte
também. É diferente dos países europeus que a criança além de ir para o campo de
futebol ela vai ao museu. É algo cotidiano.
P. Eu vi uma vez , menininha de oito anos no Louvre, passeando com a professora,
com aula...
PH3. Exatamente. É diferente, é muito diferente. Então Regina, é o seguinte, a nossa
própria educação, a nossa própria cultura no Brasil não dá condições para essa formação
também. Então acho que uma das funções desta disciplina é estar abrindo essa
possibilidade. E a outra, que eu acho muito legal, que disciplina trabalha é a questão de
que antes de falarmos desse conhecimento, dessa história, de como a arte funciona, o
que é a arte, como ela lida, transita na sociedade, qual é a função da arte na sociedade.
A gente abre olhar deles pra isso. O olhar visual pra isso. O ideal seria a gente ter tempo
pra abrir o nosso ouvido para poder ouvir, o nosso corpo pra poder ... as linguagens
todas, mas com a gente está quase que o tempo inteiro visual, a gente enfoca no
estímulo visual. Então a gente está abrindo esse olhar deles,então eles saem dessa
disciplina, por exemplo, com mais interesse, sem dúvida nenhuma. Nunca entrei no
MACC, depois eu estou entrando, tem a vontade de entrar porque eles começaram a
abrir esse olhar. E uma outra coisa que também acho legal nessa disciplina é que a
imagem é algo que entra diretamente no trabalho deles, profissional. Então eu digo pra
eles que linguagem não verbal, imagética, fala mais que a linguagem verbal e aí a gente
discute muito isso porque quando eles analisam uma obra de arte eles acabam vendo
que a imagem fala sim, só que nem sempre ela é interpretada da maneira que realmente
deve. E aí a gente entra numa discussão muito legal da questão de como essa
comunicação se faz. Então acho que essa disciplina além de aguçar, ensinar o que falta
na nossa educação, ela vem também mostrar pra esses futuros profissionais uma outra
linguagem que também pode ser trabalhada na área da comunicação sem dúvida
nenhuma. Uma linguagem que é muito ...
P. Uma imagem fala mais do que mil palavras. E eles podem fazer vídeos, eles
podem fazer documentários, fotojornalismo.
PH3. E outra eu falo pra eles, abre o jornal, vê o que chama mais a atenção. É a
manchete em letras garrafais ou a fotografia que está ali bem feita, articulada, bem
trabalhada? Com certeza é a foto.
P. A sua disciplina não é privilégio só do curso de jornalismo?
PH3. Não.
P. Você tem alguma diferença de critério pra utilizar materiais, utilizar textos em função
do fato de você estar trabalhando com aluno de design, com aluno de jornalismo ou de
publicidade, por exemplo.
PH3. Sem dúvida. Embora a gente tenha um espinha dorsal e não tem como sair dela,
mas de qualquer maneira o enfoque é completamente diferente. RP que por exemplo é
do mesmo curso de Comunicação Social, o trabalho é outro completamente. Eu utilizo a
obra de arte pra trabalhar a comunicação mas não como eu faço em jornalismo porque lá
gente a gente trabalha a conexão entre o nosso objeto e a história, o contexto social. A
gente linka com aquilo que o jornalista realmente vai ter que abrir o seu olhar.
P. Você tem uma larga experiência no magistério. E eu particularmente trabalho
nessa pesquisa com a idéia que o ensino de jornalismo é por excelência
multidisciplinar, mas ele será tão mais rico quanto maior for a interdisciplinaridade,
a transdisciplinaridade. Você vê na PUC a existência de canais para que isso se
292
transforme numa prática de atividades conjuntas, de projetos desenvolvidos com
duas, três, quatro disciplinas. Como você vê este aspecto?
PH3. Acho que a interdisciplinaridade na PUC, transdiciplinaridade eu nem cogito porque
é um passo maior, mas a interdisciplinaridade é um objetivo sem dúvida nenhuma, a
gente tem isso não só no curso de jornalismo e em outros cursos também. Só que eu
acho complicado, não é simples. Não é você juntar uma disciplina com a outra e dizer
assim a gente está fazendo um trabalho interdisciplinar. Acho que interdisciplinaridade
merece e precisa, ela exige na verdade, algo a mais. E que tem que ter tempo pra isso,
então o professor precisa estar na universidade, acho que agora com a carreira docente
isso vai ficar mais tranqüilo porque o professor tem que estar na universidade o tempo
integral, dedicação integral à universidade, e aí sim ter tempo de vir a reunião, sentar um
professor com o outro. Porque veja bem, a interdisciplinaridade não é falar, você entra
com isso, você entra com aquilo. Não é nada disso. É de repente o meu conteúdo é
específico ao meu, só que o conteúdo do fulano de tal também é específico ao dele. Só
que eu preciso interagir com o dele e ele com o meu pra construir um novo
conhecimento. Senão não estou fazendo interdisciplinaridade nenhuma. É a articulação e
a relação entre esses conhecimentos que a gente constrói um outro. Isso precisa de
articulação, de trabalho, de eu entender o que o outro faz. Eu entrar... lógico que eu não
vou saber do jornalismo aplicado, não é nada disso. Mas eu preciso saber a
especificidade dele para saber que a minha pode estar se relacionando com a dele pra
poder construir ... Então não é simplesmente sentar e conversar, então vamos fazer um
trabalhinho, não é isso. Eu acredito que a interdisciplinaridade é muito mais do que isso.
P. Tem fronteiras institucionais em questão de regime trabalho e existem fronteiras
epistemológicas.
PH3. Sem dúvida. Inclusive do conceito do que é interdisciplinaridade. O que a gente
entende por interdisciplinaridade. Então veja bem, esse exemplo eu falo sempre. A
professora de português faz os textos tudo bonitinho, faz o conteúdo dela lá, aí vai fazer
um trabalho interdisciplinar com a professora de artes, a professora de artes vai ilustrar o
texto. Isso não é interdisciplinaridade. Esquece.
P. E por último que eu brinco, chamo de considerações finais, uma crítica do que
você acha que poderia melhorar neste núcleo complementar de jornalismo,
complementar não quer dizer que é menos importante, pelo contrário. Alguma
sugestão, até em cima da minha pesquisa, você sabe mais ou menos por onde
estou querendo andar, mas ... tudo será bem-vindo. Eu estou aprendendo muito
com estas entrevistas, conversando com gente com muitas experiências, muitos
professores com mais de vinte anos de magistério, tanto na área da formação
humanística, quanto na área de formação técnica.
PH3. Então Regina, quando você fala da formação humanística, você está falando do ser
humano, não está? O foco tem que ser ele, não tem outro jeito. E eu posso estar
viajando, mas acho assim, o ser humano é ser humano. Ele é humano, então a razão e a
emoção estão juntas, não dá para descaracterizar. Então acho que tem que começar do
zero, no sentido assim dos professores, não só no curso de jornalismo, eles têm que,
desta área por exemplo das disciplinas vamos dizer importadas, disciplinas... fazem parte
deste curso, integralmente. Quer dizer o professor está no curso e não é jornalista, mas
ele faz parte da formação deste profissional. Então acho que a gente precisa ser mais
humano, a verdade é essa.
P. Conversar mais, trocar mais.
PH3. A gente não está tendo tempo pra falar um oi. E o mundo é esse. Não estou falando
só de nós, nós estamos falando do mundo inteiro, a tendência é desumanizar. A
tecnologia vem pra isso também, pode ver. Ela vem pra trazer muita coisa boa, mas ela
também se a gente não bobear ... A gente precisa estar alerta o tempo inteiro porque a
gente não deixar de ser humano. Então essa coisa de se confraternizar, de sair pra tomar
cerveja, o curso de jornalismo tem um grupo que se encontra também. Acho que isso é
importante.
P. Porque a universidade não é só sala de aula.
293
PH3. Exatamente. É ir às reuniões. Quer dizer como essas coisas acontecem,
burocraticamente, não é ... A gente precisava mudar um pouco, olhar mais pras pessoas,
entender mais as coisas. Eu estou numa fase, mudando meus referenciais. Então se a
gente vem aqui dá aula, vai embora, como é que você vai conseguir esse humano?
Formar esse aluno humano. Se você não tem essa .... não estou dizendo que a gente
tem que ficar 24 horas aqui. Não é isso, mas a gente precisa ter atividades mais culturais,
mais integralizadoras, uma coisa que os próprios alunos podem se integrar mais. Acho
que nós perdemos um pouco a questão da ... hoje a gente não tem mais aquela liderança
de DA, que a gente tinha há um tempo atrás, não essa coisa que é feita por fazer, tinha
um ideal atrás de tudo isso. Acho que a PUC também nós temos isso, os professores
gostam da universidade, quem está aqui na PUC é porque gosta da universidade, é
gente que está aqui há muitos anos, que vestiu a camisa da universidade e quer essa
universidade pra frente. Então eu acho que é bem isso, a gente precisa pensar um pouco
nesse humano. O professor é humano também, ele erra, ele acerta, ele tem sentimentos,
ele aprende....
294
ANEXO IX
ENTREVISTA – PROFESSOR DO EIXO DE FORMAÇÃO TÉCNICA OU DO
EIXO DE PESQUISA – SUJEITO PT3
P. O que é jornalismo pra você?
PT3. Nossa! Jornalismo é muita coisa. Mas eu acho que o jornalismo hoje ... pra mim tem
várias formas de responder essa pergunta. Pessoalmente é uma coisa muito importante
pra mim porque acho que é uma forma de pensar e discutir a sociedade. E ao mesmo
tempo com todo o desenvolvimento que teve o jornalismo hoje, com toda a estrutura de
mídia, de comunicação que existe na sociedade, hoje ele é um espaço de diálogo e de
construção dessa própria sociedade. É o espaço de diálogo, e a partir dessa minha
pesquisa é isso que eu defino. Hoje o jornalismo e comunicação e a mídia como um todo
é o grande espaço de diálogo de construção e reconstrução da própria sociedade.
P. Você faria alguma distinção daquilo que seria o ideal do jornalismo e aquilo que
de fato é possível fazer com essa estrutura de organização do próprio fazer
jornalístico em moldes empresariais?
PT3. Acho que o ideal do jornalismo é sempre buscado, mesmo pelas empresas. As
empresas têm um projeto ideal de jornalismo e fazem esse jornalismo dentro do projeto
ideal delas. Agora, eu vou acabar te respondendo muito em cima do que estou
pesquisando atualmente, porque além da pesquisa do doutorado que acabei
recentemente, eu estou desenvolvendo ela aqui como professor pesquisador aqui da
PUC Campinas, entrei na carreira para desenvolver. Então essa discussão é importante
porque esse ideal de comunicação eu tento mudar, exatamente discutir um pouco isso
dentro do meu trabalho. Porque se a gente pensa numa comunicação pura, num
jornalismo puro que vai contra o mercado, por exemplo, a idéia de mercado, acho que a
gente nunca vai conseguir fazer o jornalismo. Porque dentro do espaço de comunicação,
e eu vou buscar isso historicamente na idade média e na antiguidade, o comércio sempre
existiu. Por exemplo, eu vou considerar qual o grande espaço de comunicação da
antiguidade? E aí eu vou pensar, como não tinha o desenvolvimento da indústria, do
papel efetivamente, era um espaço realmente físico Ágora. Ágora nas cidades, em
Atenas, por exemplo, era um espaço importante de comunicação. E este espaço de
comunicação não estava livre do comércio, das influências e do poder, inclusive da
política. Então os grupos utópicos, os grupos que sonham com comunicação mais pura,
eles erram no momento em que pensam que acham possível uma comunicação mais
pura, livre de qualquer comércio, de qualquer ação política, livre de ideologia. Não existe
isso. A comunicação sempre ela vai estar presente. Agora, você tem que entender esse
processo de comunicação pra você atuar de uma forma mais efetiva na sociedade. O que
chega mais próximo é a indústria da utopia, porque eles conseguem a utopia deles, que é
a utopia de abarcar um grande número de pessoas dentro dessa indústria toda que eles
constroem.
P. E a universidade, a faculdade de jornalismo o que deve ensinar?
PT3. A faculdade de jornalismo acho que ela tem que ter um caráter universalista. Ela
tem que ensinar não só as questões do mercado de trabalho, mas o mais importante são
as questões éticas e a questão humanística do aluno. Porque as questões técnicas do
jornalismo, se nós formos pensar bem, se a gente está aqui pra ensinar um aluno pra
fazer técnica de jornalismo, acho que é muito limitante para uma faculdade, uma
faculdade que se prende muito ao mercado de trabalho ela vai piorar a qualidade do
ensino. Isso inclusive está provado numa pesquisa recente, numa reportagem que eu li
recentemente do ensino de segundo grau. Várias escolas particulares que se voltaram
295
para o mercado pioraram a qualidade do ensino de seus alunos e a capacidade dele até
nas avaliações. Ou seja, quando você se volta para o mercado de trabalho, a
universidade atendendo as exigências e a cobrança que a própria indústria do mercado
faz, o que acontece? Piora a qualidade do ensino. Isso está comprovado em algumas
pesquisas aí. A universidade tem que resistir essa pressão mesmo porque o mercado
quer que as universidades acabem. Então ela tem que resistir a isso e manter formação
humanística, ética e cultural dos alunos. Essa formação vai dar uma bagagem melhor
para eles desenvolverem a técnica, seja no mercado trabalho, seja em função da sua
própria vida como indivíduo de qualquer outra área.
P. E você acha, por exemplo, se a universidade consegue garantir isso ao mesmo
tempo ... não é pintar o mundo de cor de rosa, quer dizer, a realidade é essa, mas a
gente tem espaços pra ocupar. Dá pra gente pensar ainda que através da ocupação
destes espaços e mesmo dentro dessa lógica da rapidez da produção industrial,
este espaço de comunicação tem um papel transformador na sociedade?
PT3. Eu acho que sim porque o que está presente aí dentro da chamada grande mídia,
indústria da comunicação é um processo que ele existe hoje de uma forma, mas a gente
não tem certeza que ele vai estar assim daqui a 10, 20 anos. Então é um processo que
também sofre transformação. Então se a gente entende esse espaço como algo fechado
e monolítico ali, a gente impede mesmo a nossa capacidade de diálogo e de interferência
nesse espaço. Claro que há toda uma estrutura muito rígida, muito presente, muito
determinada para uns objetivos. Agora, claro que existe espaço não só dentro como fora,
e existem espaços que você constrói a partir exatamente de não da dificuldade de se
construir algo dentro desse mercado dominador, dessa indústria ... mas exatamente olhar
de uma outra forma. Por que essa indústria chegou a tanto poder dentro da sociedade?
Bom, eles fizeram alguma coisa corretamente para eles conseguirem alcançar isso. O
que foi? Acho que essa é uma discussão minha e acho também que é uma discussão
dos grupos utópicos, grupos que sonham transformar. Vamos pegar, desses grupos que
estão dominando hoje, o que eles fizeram pra estar aí, que qualidade eles têm pra daí a
gente construir uma nova mídia, uma nova utopia.
P. Na verdade é superar um pouco essa visão maniqueísta de achar que porque
eles são empresários tudo que eles fazem é errado.
PT3. Isso.
P. E na verdade perceber ao longo da história quais foram as estratégias de
comunicação, que temas foram abordados, como eles se fortaleceram pra construir
talvez, por exemplo, via um canal novo que é a Internet algumas alternativas.
PT3. Isso, claro. Eu acho que a gente não pode chegar a entender uma grande empresa
de comunicação, ainda que ela seja conservadora e golpista, a gente não pode entender
ela como algo ruim. Porque a gente pode entender ela como algo ruim politicamente, mas
na estratégia de comunicação não. Se ela consegue abarcar a sociedade, ter grande
número de leitores, expectadores e interessados no seu trabalho, ora o que eles estão
fazendo, que eles estão conseguindo, mesmo sendo conservadores, mesmo sendo
golpista, como é que eles conseguem ter essa penetração social? Essa é a discussão e
aí você tem que descobrir, tentar entender esses mecanismos para você fazer uma
comunicação transformadora e ao mesmo tempo em que seja ... Ela só vai ser
transformadora a partir do momento que ela abarcar um grupo dentro da sociedade, um
grande interesse dentro da sociedade.
P. Quais são as competências e habilidades necessárias a um bom jornalista hoje,
considerando inclusive essa perspectiva de ação transformadora que está sempre
presente, que está no horizonte que acho faz parte do gene da juventude, no que a
gente não pode deixar de trabalhar quando está ocupando essa posição de
docente.
PT3. Acho que a gente tem que permitir ao aluno uma formação técnica boa, que isso ele
consegue, mas a formação técnica boa ela vai ser, se ele for só um técnico bom ele vai
ter sempre uma situação insegura no mercado de trabalho porque ele vai ser um técnico
bom, mas ele só sabe fazer aquilo, ele vai se sentir uma pessoa limitada, presa e
296
insegura dentro mercado de trabalho. Acho que a formação que a universidade tem que
dar, tem que ser uma formação humanística no sentido dele ter um conhecimento,
humanístico e crítico da sociedade para ele ter um conhecimento e capacidade para se
transformar em momento de crise. Num momento em que ele encontre uma crise, por
exemplo, no mercado de trabalho, ele volte a formação da universidade, formação que
ele teve humanística e crítica para se recompor e se reconstruir como jornalista e
importante também dentro dessa formação, isso não tem como separar é a formação
ética e cultural. Porque se ele tem uma formação ética sólida e sabe o que é correto
dentro do jornalismo, o que deve ser feito ele vai ter segurança para num momento de
crise ele se superar. E saí da faculdade, o que o aluno tem que sentir ao sair da
faculdade? Que habilidade ele tem que ter? Ele tem que ter principalmente segurança
daquilo que ele faz. Então acho que o professor tem que dar habilidade do aluno ter
capacidade de sentir segurança naquilo que ele está fazendo. Se ele tem, passar para o
aluno um conhecimento do jornalismo em que permita ele também ser um construtor do
jornalista, e não simplesmente uma peça dentro da engrenagem do jornalismo. Isso
pode trazer um pouco de dificuldade pra ele dentro de uma empresa que pede pra ele
cumprir funções? Pode, mas isso ele vai ter que se adaptar e depois ele pode se
reconstruir num outro momento.
P. Então você está destacando para além da técnica essa questão da formação
humanística.
PT3. Humanística, crítica e ética.
P. Sempre pensando que na verdade, não dá pra você compreender até a dimensão
ética, se você não compreender a dinâmica da sociedade e este espaço de
comunicação com ele se dá. Você saber que existem forças, existem conflitos. A
mídia tem um papel mediador no sentido de esclarecer só por esse fato já “n”
explicações por aí. Por exemplo, de ouvir dos dois lados, e coisas do gênero. Eu
costumo dizer o seguinte muitos alunos acham, e eu tenho conversado com eles
tanto os ingressantes quanto os concluintes precisam aprender a escrever. Tudo
bem. Aí eu pergunto pra ele se jornalista precisa saber pensar. Eles falam acho que
tem que saber pensar. Aí eles ficam meio empepinados. Aí eu devolvo a pergunta
pro professor, nós temos que saber pensar, nós jornalistas?
PT3. Sim, claro. Mas o pensamento se estrutura através da linguagem, a gente precisa
de uma linguagem pra pensar e se o aluno tem dificuldade de escrever e de ler, tem
dificuldade pra pensar. O pensamento dele vai ficar limitado, daí a importância e a
relação intrínseca que existe entre a técnica e a reflexão. Porque é impossível você fazer
um bom técnico em jornalismo se ele não é capaz de refletir o jornalismo e de pensar e
de refletir. Porque a reflexão se dá através da linguagem, da habilidade da linguagem.
Então ele só vai ser capaz de ter uma técnica boa se ele for capaz também, e geralmente
isso notável na experiência de professor e de redação com colegas de trabalho, onde
você vê que aquele profissional ou aquele estudante que tem uma maior capacidade, um
maior entendimento humanístico, uma melhor leitura, uma maior reflexão, melhor crítica
sobre a sociedade é que melhor escreve. E aquele que se limita a simplesmente saber
escrever ele não consegue, ele tem limitações claras, ele está com o pensamento que o
aprendizado técnico se basta e dissocia ele da formação.
P. Como você acha possível do ponto de vista da dinâmica da sala de aula, você
que ministra disciplinas que estão no bolo das chamadas técnicas, propiciar essa
formação que no fundo, no fundo é uma formação integral, o tempo inteiro. Quer
dizer, há uma divisão técnica humanística de pesquisa, ela é arbitrária, no fundo,
no fundo um bom jornalista é um bom pesquisador, ele é um cara capaz de refletir
sobre dados, depois ele domina algumas técnicas de redação que ele vai, nas
quais ele vai incorporar os elementos da pesquisa que ele foi capaz de realizar, dos
dados que ele foi buscar, das entrevistas que ele realizou, da capacidade inclusive
de fazer perguntas e aí ele vai construir um bom texto. Como desenvolver
atividades pedagógicas no cotidiano da universidade, em que essas coisas se
integram? Porque elas são vistas geralmente como caixinhas.
297
PT3. Uma divisão que é muito clara, você falou muito bem, é uma disciplina que o aluno
espera que seja uma disciplina técnica, vou aprender a escrever em jornalismo impresso
que disciplina especializada. Mas essa é uma disciplina, ela é chamada até teórica, todas
as disciplinas são teórico práticas, deveria ser assim. Mas ela tem um enfoque mais
prático. Dentro a gente tem a prática, a gente está dentro da redação trabalhando um
texto. Hoje é uma aula basicamente prática, durante a semana em outras aulas eu passo
questões, ainda que sejam técnicas numa aula expositiva por exemplo. E essa aula
expositiva os exemplos são dados a partir da relação teórico prática e da relação quem é
um bom jornalista? Bom você quer ser um bom jornalista, você vai ter que escrever um
texto assim, que tenhas essas técnicas e essas técnicas. Mas quem é um bom jornalista?
Pergunto pros alunos. Clóvis Rossi, Gilberto Dimenstein. Ah ele só aprendeu técnica, não
é. Não tem toda uma outra formação. Então você começa ver e mostrar com exemplos
da realidade como que o grande jornalista e o jornalista muito capaz e referência ele está
ligado dentro de uma formação maior e ao mesmo tempo essa formação técnica dele é
uma formação também pessoal. Então se ele for capaz de articular um pensamento
maior do seu entendimento sobre comunicação e jornalismo, entender porque ele está
fazendo isso, o gosto que ele faz por isso ele é muito melhor na sua capacidade técnica
também. Então acho que eu procuro pedagogicamente falando, procuro relacionar
através de exemplos, através de histórias como a formação humanística, cultural e ética
está relacionada com a capacidade intelectual e técnica do aluno.
P. Pensei nessa última questão assim de crítica e autocrítica. Como você sabe,
meu foco de estudo é em cima do jornalismo na PUC, com a estrutura que ele tem
hoje, no que as coisas das caixinhas são, que pegam um pouco ...
PT3. Caixinhas?
P. Assim os professores das humanistas não se relacionam muito com os
professores das técnicas. Eles são importados, a exceção de um, eles não têm
formação em jornalismo. Essa coisa desse saber integrado, desse saber fazer que
implica não só o domínio da técnica, uma capacidade de olhar o mundo, de
analisar o mundo, de criticar o mundo ... Eu queria que você fizesse um balanço do
que você observa aqui ao longo de toda essa tua experiência em outra
universidade. Eu conheço um pouco do currículo da São Judas, não é muito
diferente disso aqui. Queria que você fizesse esse balanço assim. O que daria pra
ser diferente no sentido de propiciar essa almejada, e pelo menos nós dois
concordamos com isso, necessária integração de saberes para um fazer que fosse
mais substantivo e inclusive mais pró-ativo no sentido de superar barreiras se
transformar?
PT3. Acho que o maior problema dos professores, não sei se ele ganha, acho que o
aluno vem de uma noção ou cria uma cultura aqui dentro de que as humanísticas não
têm muita importância que ele tem que ser jornalista, acho que isso não deve ser só do
curso de comunicação, acho que em todos os cursos têm lá medicina e o cara acha que
ética médica, por exemplo, não sei nem se existe essa disciplina, mas alguma nesse
sentido. Sociologia, filosofia, procedimento com pacientes são disciplinas menos
importantes, não é. E isso acho que é um pouco da cultura de uma própria sociedade
equivocada, uma sociedade que busca sempre uma formação técnica porque acho que
existe toda uma cultura de que você tem que ser técnico bom pra se desenvolver, pra
saber mesmo, quem sabe é quem tira nota, e a gente vem de uma cultura de que quem é
bom em matemática, em física, em química é o mais inteligente. Então toda essa cultura
técnica acho que está presente no jornalista, acho que os professores têm que mostrar a
importância disso dentro da sala de aula e criar essa condição. Isso é importante, por
exemplo, quando os alunos fazem uma música no intervalo, isso pra formação deles é
importante porque ele está trabalhando culturalmente a convivência cultural ali. Agora, os
professores de humanísticas da matéria básica têm essa dificuldade, eles têm muito mais
essa dificuldade porque, por exemplo, no caso de um professor como da área técnica
pensa e que acha importante essa formação humanística é muito mais fácil trabalhar do
que o professor de humanística que tem que mostrar isso pra eles porque eles estão com
298
um certo preconceito com isso. Ah eu não gosto de economia, ah não gosto de
sociologia, achando que isso não tem a ver com o jornalismo. Então acho que é algo que
professor de humanística tem que estar preparado para as matérias teóricas. Agora, não
sei se você questionou um pouco sobre a relação entre os dois professores, é isso?
P. É. Você vê integração nisso? Você vê integração aqui na PUC entre professores
da ...
PT3. Não,acho que não tem. A gente tentou algumas vezes, no semestre passado a
gente tentou fazer isso, a gente sentou e conversou com o professor de antropologia,
discutimos, fizemos uma reunião no ano passado, mas não é algo que, não sei se tem
que haver uma integração, se a gente tem que sacrificar as disciplinas de economia,
sociologia em nome do jornalismo assim, não é. Acho que talvez você falar, você vai
fazer um jornalzinho de religião na disciplina de religião. Talvez isso pode ser uma
estratégia, mas a gente precisa mudar o pensamento, a forma de entender a disciplina
humanística e básica. Acho que a gente tem que ver como uma coisa fundamental e
importante para formação do aluno. Geralmente o aluno mais reflexivo, mais capaz ele
entende isso. O aluno mais limitado não entende isso e é a grande dificuldade do
professor área mais básica.
P. Então nesse sentido do que você falou, de repente os professores de disciplinas
técnicas teriam assim um papel fundamental no sentido de ressaltar a importância
dessas disciplinas na formação?
PT3. Sim, acho que sim. Claro. Tem esse papel, agora não sei se fazem isso ou se
acham importante essas disciplinas. Aí vai de uma questão também da formação do
professor, da formação intelectual do professor. Agora, claro se houvesse algum projeto
dentro da universidade seria importante. Todo projeto que desenvolva isso, acho que
esse é um problema realmente da, acho que não só do curso de jornalismo, mas acho
que de todos os cursos, por isso eu acho que esse problema não é uma questão do
jornalismo, é uma questão cultural da sociedade.
P. E da forma como a educação está montada e das expectativas que a sociedade
tem da formação de técnicos e especialistas de determinadas áreas em detrimento
dessa formação mais ampla que era o ideal primeiro da universidade.
PT3. Isso. A gente está num caminho oposto e cada vez vai complicar mais para as
disciplinas básicas porque cada vez mais há uma pressão pra se formar um jornalista
voltado para o mercado de trabalho. E cada vez mais vai pressionando as disciplinas
humanísticas e não valorando mais. Aí elas vão ficando cada vez pior porque elas vão
sendo relegadas cada vez mais pela própria orientação do curso. O curso se volta, faz
uma mudança curricular, se volta ainda mais pro mercado, aí você prejudica ainda mais.
Vai falar, não, não está prejudicando mas está prejudicando ainda mais as disciplinas
básicas.
299
ANEXO X
ENTREVISTA – ALUNO INGRESSANTE – SUJEITO AIN1
P. Outra graduação?
AIN1. Entrei na Unicamp em 2005. Sempre quis fazer jornalismo. Quando prestei ciências sociais,
na verdade prestei segunda opção, primeira opção era midialogia. Eu tava prestando em todos os
outros jornalismo e como na Unicamp não tem jornalismo eu prestei midialogia. Aí eu acabei não
passando em nenhuma faculdade porque eu não prestei particular jornalismo, só prestei pública e
passei na Unicamp em Ciências Sociais que era a segunda opção. E como já tava cansada de
fazer cursinho, resolvi fazer Ciências Sociais. Estou lá desde 2005.
P. E como está sendo esse curso? Está sendo bom?
AIN1. O curso em si, a base, dele é importante pra qualquer pessoa. Porque dá uma noção de
sociedade que todo mundo devia ter e como ser humano. Mas eu acho que as pessoas meio que
acabam acabando com o curso porque eles traçam sempre como extremos. As pessoas são muito
extremistas lá. Isso me desanimou muito. Apesar de que eu nunca quis fazer Ciências Sociais,
sempre quis fazer jornalismo, só que eu gostava, eu gosto do conteúdo do curso. Só que eu fiquei
angustiada lá dentro porque as pessoas eram extremistas, eram preconceituosas com pessoas
que não têm as mesmas idéias que elas. Falavam que eram de esquerda, mas eram as pessoas
mais preconceituosas de todas. Não era todo mundo, obviamente. Fiz grandes amigos lá. Acho
que esse é o ponto. Os professores são excelentes. Mas eu resolvi fazer jornalismo porque era o
grande objetivo da minha vida era fazer jornalismo.
P. Por que você escolheu jornalismo?
AIN1. Porque é o grande objetivo da minha vida desde pequena, desde que eu tinha uns onze
anos de idade eu sempre gostei muito de escrever, desde quando era pequenininha e ler. Mas eu
lembro que um dia eu falei pra minha mãe, mãe eu sou muito elétrica pra ficar escrevendo
sentada, eu sou muito elétrica, eu gosto muito de fazer tudo. E eu não vou agüentar. Porque eu
falava que queria ser escritora, aí minha mãe falou então vai ser jornalista porque é dinâmica e
você vai escrever. Aí fiquei com esse negócio na cabeça de jornalismo e fui pesquisando e vendo
que era aquilo que realmente eu gostava e eu entrei aqui, fiquei até meio com receio. Será que vai
ser isso mesmo? Esperei tanto tempo ... mas acho que é isso mesmo que eu quero
P. E o que é jornalismo pra você? Qual é a tua concepção de jornalismo?
AIN1. Objetivo de vida.
P. Mas na prática, o que o jornalismo é?
AIN1. Pra mim o jornalismo é um grande meio de você mexer na sociedade. Acho que você pode
ajudar muito ou destruir muito uma sociedade através do jornalismo, através da divulgação de
informações. Mexe muito, as pessoas têm uma confiabilidade muito grande, por mais que nem
todos os jornalistas são confiáveis, as pessoas mesmo assim acabam criando uma carga
compensação com as informações que elas recebem dos jornalistas. Acho que essa é a
responsabilidade que faz a sociedade mover em torno da mídia.
P. Esse papel importante que você está destacando da mídia, ele tem sido cumprido bem
no Brasil? Como é que você vê a prática?
AIN1. Acho que na verdade não. Porque que o jornalismo se tornou uma grande empresa onde
valores empresariais são colocados em primeiro plano em vez do valor da informação. Então a
subjetividade não está nem no jornalista mais, está no dono da empresa. Esse é que é o
problema, acho que no Brasil e no mundo inteiro. É difícil você ver informações totalmente
confiáveis, informações que batem, você nunca sabe se ... Você, eu digo assim pessoas que têm
uma carga de discernimento do que é certo ou errado porque eu acho que a grande massa
acredita. É uma generalização mas obviamente que vão ter pessoas que não vão acreditar, mas
eu acredito que a maioria das pessoas ... A pequena parte da população que têm esse
discernimento não confia 100%, acha que é movido por interesses financeiros.
P. E nesse quadro, você desenhou um jornalismo real e um jornalismo ideal. O que a
faculdade de jornalismo tem que ensinar?
AIN1. Acho que ela tem que ensinar o ideal porque o jornalismo tem esse objetivo
P. Então você tava dizendo que os professores têm que mostrar o ...
AIN1. O jornalismo ideal.
P. Mas também não pode deixar de falar dos riscos da prática.
300
AIN1. É.
P. Você acha que mesmo com este modelo empresarial dá pra fazer alguma coisa no
jornalismo?
AIN1. Dá, acredito que sim. Como acontece nas grandes mídias, nas grandes e nas pequenas
também eu acho. Dá pra fazer, cabe a consciência do proprietário do veículo. Informações são
passadas, só que a gente não sabe até que ponto, onde que vai atender, a gente não consegue
delimitar. Eles tão colocando aquilo, mas será que é aquilo mesmo? A gente não consegue ainda
... a fronteira, onde é que está a fronteira? Eu acho que é muito misturado por isso assim dá pra
passar a informação, mas a gente não sabe até onde isso está sendo manipulado.
P. O que você espera aprender na faculdade de jornalismo?
AIN1. Sinceramente eu não espero uma parte teórica porque eu acho que você entra no
jornalismo, partindo pressuposto que você já tem uma carga teórica, infelizmente, mas acho que
não dá tempo de ter uma boa carga teórica. Por isso eu não larguei Ciências Sociais porque eu
acho uma base teoria importante e que tem tudo a ver com o jornalismo e que vai me ajudar a ser
uma jornalista melhor e vai, querendo ou não, ter uma massa de jornalistas no mercado e esse vai
ser um dos meus diferenciais. E eu acho que, eu espero uma parte teórica bem dada, técnicas,
tem uma parte também. Teórica, não. Desculpa. Parte técnica bem dada. Tem que ter uma parte
teórica, mas eu não estou esperando essa parte teórica, uma base humanística. Estou esperando
a parte teórica do jornalismo ...
P. Tem algum jornalista que você admire muito?
AIN1. Heródoto Barbeiro.
P. Âncora da Cultura e ... Por que você admira ele?
AIN1. Porque ele já foi considerado o jornalista mais confiável, que passa mais confiança para as
pessoas. E acho que essa a postura que ele passa. Ele passa seriedade, ele passa ... ele é
historiador, então já dá um crédito pra ele porque eu acho que o jornalista tem que ter duas
faculdades porque uma não é suficiente. Isso é interessante principalmente a faculdade que ele
tem pra mim tem tudo a ver com o jornalismo e ele é uma pessoa séria. Aí trabalhando na Cultura
pra mim já é um ponto fortíssimo porque a Cultura acho um jornalismo mais confiável também.
Parece que não é manipulado, se for acho que não é tanto que nem a Globo.
P. O que o Heródoto sabe fazer? Ele sabe escrever bem? Embora a gente ouça o Heródoto,
a gente não lê o Heródoto.
AIN1. Eu acho que ele escreve super bem. Tem um livro que ele fez, acho que chama Você na
Telinha. Ele escreve super bem, por essa própria formação dele. Ele foi professor, enfim ele sabe
falar, sabe escrever, é muito inteligente. Tem o Roda Viva, as pessoas que ele entrevistou foi
absolutamente fantástico. Perguntas inteligentíssimas, acho que uma das maiores proezas de
jornalista bom é saber fazer perguntas inteligentes.
P. E pra fazer perguntas inteligentes tem que saber pensar?
AIN1. Muito.
P.Como a gente aprende a pensar?
AIN1. Lendo e lendo diversas coisas. Não lendo só de um lado. Você por exemplo por mais que
eu não goste de um partido político eu tenho que ler os dois, só assim vou ter uma opinião crítica
em relação aquilo. Eu tenho que ver os dois lados da moeda. Se você ficar tendencioso pra um
lado como você vai entender o outro se você não sabe. Saber pensar é saber enxergar dos dois
lados. Ler, entender um assunto em todos os seus ângulos.
P. O papel das disciplinas humanísticas você já falou. Você está convencida de que o
jornalista tem que fazer duas faculdades?
AIN1. Eu acho. Se você não for fazer duas faculdades, faça uma pós bem feita. Mas eu acho que
essa carga de humanas pro jornalista é muito necessário. Falta um pouco na faculdade, mas eu
acho que é uma questão de tempo mesmo. Uma questão que é um pouco inviável neste aspecto.
P. Porque na verdade você vê tudo superficialmente, não é?
AIN1. É, você vê tudo superficialmente.
P. Você está tendo aproveitamento de estudos, não é? Você não vai ter que fazer essas
matérias de sociologia ....
AIN1. Então tem que eliminar, mas a PUC não deixou.
P. Não deixou?
AIN1. Não deixou. Falou que era conteúdo insuficiente. Me falaram que eu fiz um ano e meio de
Ciências Sociais e o meu conteúdo é insuficiente pra dois créditos ... Eles alegaram que o MEC ia
barrar. Não estou fazendo, deixei a cursar. Se o problema é sociologia contemporânea que eu não
tenho, eu faço na Unicamp e depois eu venho aqui trazer. Eu acho um absurdo. Não tem nexo.
301
P. Você já vem da Unicamp, você tinha alguma expectativa quando acabou o ensino médio
de mudança no padrão pedagógico, na didática dos professores. Isso mudou muito em
relação ao que você viu no ensino fundamental e médio ou é tudo a mesma coisa?
AIN1. Acho que na verdade, espero e tenho muita esperança de que o sistema educacional mude.
Eu fiz uma aula de licenciatura e é um absurdo o que fazem com a educação. Um absurdo em
todos os sentidos porque acho que só a educação vai mudar o país mesmo. Não daria aula
porque não tenho a mínima vocação. Acho que os futuros estudantes vão agradecer por isso. Eu
não nasci pra dar aula, mas eu acho uma profissão linda, maravilhosa e que devia, assim é
pouquíssimo valorizada no Brasil. É um absurdo. Acho que o Japão só saiu da onde saiu porque
teve uma educação de primeira linha e acho que só isso vai mudar o Brasil. Só com a educação
mesmo. E eu acho que por enquanto a gente está num buraco, num poço afundado e não sei
sinceramente quem vai ser o grande presidente que vai tirar isso da lama. Quem vai pensar isso
ou se é muito cômodo pra eles a sociedade não ser muito educada.
P. E você está sentindo alguma melhoria, por exemplo, do ponto de vista didático
pedagógico agora que você entrou na faculdade, Unicamp e PUC, o padrão das aulas, o
padrão dos professores. O que você está achando? Em relação ao ensino médio ou a
diferença entre as duas. Você acha que tem alguma diferença significativa de uma escola
pública com tradição em pesquisa ...
AIN1. Acho que não tem muito como comparar um ensino médio, um ensino fundamental com
uma faculdade. Por exemplo, a Unicamp é pra mim uma faculdade exemplar e tem professores
com uma carga... Didática já é uma outra questão, porque geralmente professor de faculdade não
tem muita didática porque são pesquisadores e tem que está lá pra enfim... Mas é outro conteúdo,
outra carga. Eu entrei na Unicamp, levei um choque de informação e de mundo, totalmente o
avesso do que eu tinha visto na minha até então. Acho que com todo mundo acontece isso porque
o curso de Ciências Sociais que mexe muito com a sua cabeça, com o social. Então eu acho que
esse choque foi terrível, mas acho que didática, a forma de ensino é diferente assim de ... Mesmo
a transição que eu tive do ensino fundamental para o médio, que eu saí do colégio Objetivo,
particular, aquela coisa de vestibular e fui pra um colégio técnico que nem se falava de vestibular,
falava do mundo profissional. Eu não me arrependo de ter feito, apesar de ter feito dois anos de
cursinho depois pra entender tudo que eu tinha perdido no ensino médio. Não me arrependo
porque isso me ensinou muita coisa pra vida. Lá no colégio técnico teve alguma semelhança com
faculdade, no sentido dessa questão de ver a sociedade mais porque lidava com profissional, eu
tive aula de direito, de economia, psicologia. Então era aparte disso de vestibular, nem se falava
de vestibular. Mas a diferença de PUC e Unicamp é bem gritante. Eu esperava muito mais da PUC
em relação a professor. Acho que eu vim da Unicamp tão ... professores lá absurdamente
graduados e pesquisadores. Eu cheguei aqui na PUC e não vi isso. Eu sabia que não ia ter essa
base teórica e como esse semestre eu praticamente só estou tendo base teórica. Eu tenho uma
aula prática com o Adauto. Então eu já tava meio preparada pra isso.
P. Você tem o que? História do jornalismo ...
AIN1. História do jornalismo, aula de português que sinceramente eu me sinto nem no ensino
médio, me sinto no ginásio, acho péssima a aula, podia ser dada muito melhor. Tenho história do
jornalismo que é muito bom, o Cheida é o melhor professor até agora.
P. E ele consegue controlar 90 alunos. Ninguém entra atrasado, fecha a porta.
AIN1. É inteligentíssimo, esse é padrão Unicamp.
P. Eu tive a alegria de fazer três disciplinas com o Cheida no meu curso. ITJ, Ética e
Jornalismo Empresarial. Ele é realmente uma pessoa com uma capacidade fantástica. Com
aquele tamainho dele, ele se impõe perante a turma e ele é exigente.
AIN1. E eu gosto de professor exigente, eu confio em nota de professor exigente.
302
ANEXO XI
ENTREVISTA – ALUNO CONCLUINTE – SUJEITO ACN5
P. Jornalismo como é? É a busca da notícia? *
ACN5. Isso.
P. Mas tem aquelas limitações. Fala de novo um pouco.
ACN5. Limitações daqueles padrões já pré-estabelecidos. Se você vai trabalhar naquela empresa
e a linha editorial daquela empresa, você vai ter que escrever daquela maneira, não interessa se
de repente você está querendo outra coisa, ou se você está querendo ter um compromisso social.
Por exemplo, quando eu fiz o comunitário eu gostei porque você trabalha na comunidade, você um
negócio com compromisso social mesmo. Muita coisa a gente fica sem informação. Eu vejo as
pessoas às vezes vem bater na minha porta ... e Miriam isso, aquilo como é que é. Porque as
pessoas não têm acesso a informação, mesmo como Campinas, uma cidade que ela informa, o
Correio Popular mas ele não informa a grande parte da população, tem muitas coisas que estão
acontecendo, muita gente nem sabendo está. Informa de repente o interesse do público deles, o
interesse do público mais alto.
P. A gente pode dizer então que tem diferença entre aquele ideal de compromisso social do
jornalismo e a prática do dia-a-dia.
ACN5. Isso.
P. A faculdade tem que ensinar o que?
ACN5. A faculdade precisa dar um espaço para gente. É que é uma coisa complicada, da prática.
Tudo é muito corrido, quando você está no CRAVI tudo é muito corrido, não tem horário, tem que
tentar um outro horário, um outro dia e não sei o que mais, eu não posso porque eu estou
trabalhando. Então muita coisa vai ficando passada, passou, passou. Eu acho que precisa de
prática, é isso que eu sinto falta. A prática de você vivenciar esta prática. Só o que acontece, por
exemplo, eu prestei pra EPTV há pouco tempo que teve e outros lugares que também que estão
abrindo, inglês é fundamental. Mas então espera aí. Ou eu trabalho ou eu estudo ou eu faço
inglês. Não dá pra fazer tudo, não dá, principalmente por causa das condições financeiras. Porque
tempo a gente tem que arrumar um tempo, tem que dar um jeito, mas condições financeiras não
tenho, não tem possibilidade. Eu acho que a parte mais prática é o que falta. Muitas vezes vejo
que o professor, muitas disciplinas teóricas como a do Cheida, algumas coisas são teoria, você
tem que estar ali, tem coisas que são mais práticas, eu sinto falta disso, de vivenciar, de estar ali,
você errar na prática e chegar na sala de aula e falar mas professor o senhor está falando isso,
mas hoje eu isso, isso e aquilo. Muitas vezes você fica ali sem conhecimento de causa porque o
professor fala, você concorda na hora e você não sabe porque não praticou.
P. Mesmo considerando todos estes limites do jornalismo no dia-a-dia, você acha que dá
pra fazer alguma coisa em prol da sociedade no jornalismo?
ACN5. Eu acho que dá, claro que dá. Porque o jornalista, o que acontece? O que a gente aprende
na faculdade? A gente aprende a investigar, a nunca dizer sim para primeira informação que a
gente tem. Esse é o diferencial de qualquer outra pessoa que não seja jornalista. Você tem que
investigar, você tem que ir atrás. Porque aquela pessoa te falou isso, não mas não é só essa
informação.
P. Outras fontes, vários olhares.
ACN5. Isso. Exatamente. Buscando, buscando e aí que você vai descobrir. É nessa prática, nessa
coisa de chegar, de desvendar, de você contestar a pessoa. Então com certeza dá pra fazer sim.
A partir do momento que você está fazendo isso, você está descobrindo algumas coisas que as
outras pessoas que não são jornalistas não vão descobrir. Então eu acredito que dá sim, mas é o
que eu te falei, falta oportunidade.
P. Quando você entrou na faculdade, o que você esperava aprender na faculdade de
jornalismo?
ACN5. Eu olhava o currículo, olhava nas disciplinas e eu esperava, como eu falei pra você, o
currículo é bom, tem disciplinas boas, mas sem a prática nada se aprende. Só na teoria não se
aprende, não tem como aprender só na teoria. Eu acho que o que eu esperava e espero até hoje,
mesmo no quarto ano, é uma oportunidade em algum lugar, de você poder entrar e ver, vivenciar
aquela situação, falar nossa realmente aquilo que o professor me falou é isso mesmo ou não é
isso.
303
P. Quando você fala de uma oportunidade, se a universidade por exemplo tivesse convênio
com empresas de comunicação, permitisse, que exigisse um estágio, alguma coisa assim,
por exemplo? Que durante pelo menos seis meses você participasse do cotidiano de uma
redação, ou numa rádio, ou numa TV ou num jornal ou numa revista. Esse tipo de coisa?
ACN5. Isso. É isso que eu vejo que acontece na pedagogia. Eu vejo a moça que estudou comigo,
ela tem que vivenciar, ela tem que ir dentro da sala de aula, ela faz um estágio de observação ou
talvez ela tem que ir fazer um estágio de participação.
P. E dar aula. Eu fiz licenciatura plena em ciências sociais e eu tive estágio. Durante seis meses
eu dei aula de geografia numa escola pública, noturna, em São Paulo e tentando explicar a
questão de fuso horário e era muito desafiador porque uma coisa é você saber a disciplina
na tua cabeça e a outra coisa é você tentar passar na linguagem daquele aluno noturno,
que já estava cansado da escola e gente tinha dificuldade de entender essa coisa do porque
aqui agora são seis horas da tarde e lá Austrália já são seis horas da manhã de amanhã.
Além dessa questão do estágio eu queria que você fizesse uma avaliação do que foram
esses três anos e dois meses que você passou aqui? O que foi importante, o que fica com
você, o que deixou a desejar?
ACN5. Acho que o que foi importante é a vivência mesmo que você tem com professores. Aqui na
PUC eu acho, não conheço outras universidades, têm professores muito bons, inclusive as aulas
do Saviani foram aulas assim que eu aproveitei muito. Você vê que é um cara que tem
conhecimento, mas ele deixa claro o que é jornalismo. Que o jornalismo só se aprende na prática,
porque quando ele conta qualquer história, ele fala quando eu estava na prefeitura, quando eu fui
fazer aquilo. É tudo história do que ele vivenciou. Eu acho que isso é muito bom, é uma das coisas
que fica pra mim de todos os professores que eu passei aqui, está nem todos muito bons. Mas
tem alguns aqui que são um marca registrada e que passaram o que eles puderam passar que é a
teoria só aqui que acontece, Regina, você tem que ir atrás, como eles mesmos um dia saíram
atrás. Mas eu acredito que quando eles saíram tinham mais oportunidades, existiam menos
pessoas no mercado. Hoje é muita gente, é muita coisa. Por exemplo, uma coisa que eu senti falta
aqui é na parte de TV. Eu achei que deixou um pouco a desejar pra mim que agora tem o projeto
experimental, eu estou pretendendo fazer umdeo-reportagem e eu acho que a parte de TV
deixou um pouco a desejar. Até provavelmente por causa dessa correria de CRAVI de marcar
horário, de dead line. Então é uma parte que eu acho que deixou a desejar e agora eu vou ter que
correr, perna pra quem tem, pra me atualizar nessa parte. Mas eu acho que em outras partes
acredito que foi o tempo que eu passei aqui que eu tive muito proveito, aprendi muita coisa na
teoria, mas eu acho que a prática que ia completar isso.
P. Da um exemplo pra mim de um jornalista, uma jornalista que você admira e o que essa
pessoa, esse homem, essa mulher tem de competência, de habilidade que faz dele ou dela
um grande ou uma grande jornalista?
ACN5. Eu acho até que é muito regional, eu gosto muito das coisas que eu leio, das coisas que
saem dele. Adoro o Fábio Galassi. Não sei se você conhece ele. Inclusive ele veio aqui dar uma
palestra pra gente. Eu adoro, eu gosto das matérias dele. Eu acho as matérias dele muito
humanas. Eu gosto de matéria assim, ele escreve numa linguagem que parece que está levando
você pra dentro daquilo. E todas as matérias que eu leio dele, até o dia que ele veio dar palestra
aqui pra gente, relatou o jeito que ele escreve. Eu acho ele uma pessoa muito boa na área, gosto
dele. Acho que eu gosto é dele. Gosto também de algumas coisas que eu leio do Jabor, também
gosto dele. E acho que é isso que eu estou lembrando agora.
P. Você conhece bem o currículo, você sabe que tem eixos de formação. Formação técnica,
formação para pesquisa e formação humanística. O que você achou desse eixo de
formação humanística que tem as disciplinas de filosofia, antropologia, psicologia,
economia, sociologia, história das artes ... Qual é a tua avaliação do teu aprendizado e você
acho que isso é necessário ou não e por que para o curso de jornalismo?
ACN5. Achei que essas disciplinas foram algumas coisas pinceladas. Economia, por exemplo, foi
uma complicação. Entrou uma professora de economia, professora da faculdade de economia. É
diferente você ensinar um aluno que está fazendo economia e ensinar um aluno que está fazendo
curso de comunicação e precisa aprender economia. Então teve muita dificuldade até ela se
adaptar com a sala. Se eu falar, Regina, aprendi muita coisa? Não. Até porque não tem essa. O
professor de repente mostra umas coisas e você tem que ir atrás. Mas eu acho que a maioria
dessas disciplinas serviu pra dar uma pincelada. Exemplo, antropologia teológica, algumas vezes
que eu fiz, até achei que foi legal, mas algumas eu acho que no lugar poderia ter uma disciplina de
304
inglês. Por que turismo tem inglês e jornalismo não tem? Entendeu? Língua portuguesa, por que
um semestre só de língua portuguesa para o jornalista? Então eu acho que tem algumas
incoerências aí, coisas que nós perdemos muito tempo, um semestre porque a disciplina é
semestral e que poderíamos ter outras no lugar que iriam servir muito mais. E Regina tudo
depende do professor. Você olha um currículo e fala assim tem isso, isso e aquilo. Mas tem que
ver o professor que você vai pegar. Tem professor e professor. Então isso daí depende muito do
ano, depende muito do semestre.
P. Mas de qualquer forma aprender essas coisas, que dizer, esses conteúdos foram
importante para que o jornalista seja um bom profissional? É importante saber história das
artes, filosofia etc?
ACN5. É importante. O jornalista geralmente tem que saber tudo. Mas é que eu te falei, depende
do professor. De repente não deu certo o professor e foi um semestre perdido.
P. E o outro foi um semestre legal?
ACN5. É pode ter sido assim.
P. Você falou por exemplo que deveria ter mais ênfase em língua portuguesa. Isso porque
todo mundo sabe que jornalista tem que escrever, independentemente do veículo, seja pra
rádio, televisão, mas ele tem que ter habilidade com língua seja pra escrever um off, uma
vinheta de um rádio, seja pra escrever uma grande reportagem, uma notícia de 15 linhas,
ele tem que ter domínio da língua. Jornalista precisa saber pensar?
ACN5. Precisa.
P. E como a gente faz para aprender a pensar?
ACN5. Eu acho que com a prática. Sabe porque? Porque quando você tem a prática você tem
vivência e só a vivência te faz pensar. Porque quando você vivenciou várias situações, você já tem
mais ou menos domínio porque a outra aconteceu aquilo.É aquela coisa que já volta na tua mente.
Já te faz, mas eu já conversei com uma pessoa parecida com ela. É mais ou menos do mesmo
jeito, mas ou menos a mesma linha, mas o que te faz é vivência. E muita leitura, tem que ler, tem
que estar a par de tudo. Ler é uma coisa que eu me acho meio falha. Ler de tudo, mesmo as
coisas mais formais. Eu gosto de ler mais relaxada, as coisas escritas assim mais numa
linguagem popular. Mas você precisa estar por dentro de tudo e essa prática. Uma coisa pra você
começar a fazer um dinamismo na sua mente.
P. Fazendo um balanço, o que foi importante você ter aprendido e o que não foi ta
importante?
ACN5. Eu vou lembrar um pouco das aulas do Saviani, porque assim, foram aulas, eu até fiz
jornalismo impresso com ele. O Saviani posso falar que ele às vezes palestra na sala. Acho que o
que foi mais importante foram as experiências que os professores, os jornalistas passaram pra
gente. Porque assim de repente acontecia uma situação com a gente e dali ele já encaixava uma
coisa que aconteceu com ele e daí já ficava uma aula interessante. Porque você ficava antenada
na aula, você não tava avoada, não tava pensando em outra coisa. É aquela coisa que seja eterno
enquanto dure. Você tava ali, e tava ali com ele. Então eu acho que isso. Dessa parte mais
experiência dos professores e mostrando muitas vezes, a gente leva daí o professor fala, violência
não adianta, não ensina ninguém. ... fala que está uma porcaria, isso não ensina. Professor olha é
isso, isso, aquilo. Mas numa boa conversar com você numa boa. Isso eu acho que é uma coisa
que o Saviani sempre fez com a gente.
P. Ele é uma pessoa especial.
ACN5. Exatamente, e outra pessoa que é outro jornalista que eu também admiro é o Falaschi, eu
gosto muito do Falaschi, adorava as aulas dele, até literário eu queria fazer com ele. Aí ele saiu,
você está entendendo? Então é outra pessoa também muito humana.
P. E o que foi que poderia não ter tido?
ACN5. Algumas disciplinas muito teóricas. Teoria assim na parte do que a gente fala, por
exemplo, o prefeito Toninho assassinado, alguma coisa assim e o professor na sala de aula
falando de uma teoria 1800. Que isso? Jornalismo não é isso.
P. Ele perdeu o time. Poderia até trazer aquela teoria para aquele acontecimento.
ACN5. Exatamente é o que eu falo, mas uma andorinha só não faz verão. Porque o dia que eu
falei na sala eu ainda fiquei como a errada. Então é aquela coisa, a gente tem que ir caminhando
devagar com o andor e levando do jeito que dá.
P. Você fez magistério e a gente sabe que ensino fundamental e ensino médio é uma coisa,
ensino superior é outra coisa. Do ponto de vista didático pedagógico você tinha expectativa
do que em relação a universidade? Que ia ser muito diferente do que você tinha visto no
magistério? Como foi isso? O que mudou dessa experiência do passado para sua
experiência de PUC?
305
ACN5. Quando eu entrei na faculdade eu achei que o que iria mudar era a questão da autonomia
mesmo. De você chegar dentro da sala de aula e professor chegar, te passara bibliografia, você ir
lá, ler alguma coisa, trazer pra ele e fazer essa troca com o professor. É bem o que você falou,
não ficar só aceitando o que o professor falou, o professor é o rei ali e você tem que ouvir. Não. É
fazer essa troca porque no fim todo mundo sabe tudo. É o que muitas vezes eu falo para o V.
muitas vezes as pessoas olham ele com a roupa que ele está trabalhando na limpeza e muitas
pessoas passam do lado dele e nem cumprimentam e às vezes quando ele está sem essa roupa
as pessoas cumprimentam. Então as pessoas têm outros olhos, é uma outra pessoa ali. E é o que
eu falei pra ele, V. todo mundo tem valor nessa vida, o seu trabalho tem muito mais valor que
qualquer outro. Porque se não existisse o pessoal da limpeza a faculdade não abriria. Então o que
acontece, eu acho de você poder trocar experiências com o professor do que ele vivencia na
prática porque você só vai fazer faculdade pra se profissionalizar, você vai procurar uma coisa no
mercado, se você está ali, ou você está procurando, você está lendo algumas notícias, está vendo
coisas na área, de você chegar e conversar com o professor e fazer essa troca de experiências ou
troca de conhecimento. Mas essa parte da autonomia mesmo.
P. Você vivenciou alguma prática de interdisciplinaridade na faculdade? De ter atividades
em que os conhecimentos de várias disciplinas eram utilizados pra se produzir um
determinado jornal, fazer um determinado trabalho ou apresentar um seminário.
ACN5. Eu acredito que sim.
P. Mas não coisas que tivessem sido estimuladas pelos próprios professores? Por
exemplo, dois professores combinaram e vocês fizeram um trabalho conjunto. Esse tipo de
experiência você teve? De você construir a interdisciplinaridade na tua cabeça, você pegou
aquele conhecimento que você tinha de ética e na hora de fazer uma entrevista, de pedir
para o cinegrafista pega este ângulo, você fala assim eu não posso fazer isso, estou
invadindo a privacidade. Eu tenho que ter o consentimento da pessoa pro usa dessa
imagem. Isso aí foi uma coisa que você mesma construiu na cabeça, mas alguma coisa que
os professores tivessem incentivado de alguma forma pra fazer uma determinada matéria,
jornalismo áudio-visual você usasse o que você tivesse aprendido na aula de antropologia
cultural, por exemplo.
ACN5. Agora não estou lembrando bem isso. Pode ter tido alguma situação, mas não me lembro.
P. E se teve não deve ter sido marcante.
ACN5. Não deve.
P. Mais alguma coisa que você queira falar?
ACN5. Então esse trabalho que você está fazendo é voltado a?
P. Na verdade é meu mestrado em educação. E eu tenho como foco, como campo de
pesquisa o jornalismo especificamente a formação humanística do jornalismo. O título da
pesquisa é A Formação Humanística no Curso de Jornalismo – das intenções às práticas”.
Então eu estou conversando com professores das disciplinas humanísticas, com
professores das disciplinas técnicas, com a direção do curso, com alunos ingressantes e
alunos concluintes para mapear como é esse nó górdio. Porque na minha cabeça saber
escrever necessita saber pensar antes, pra saber pensar eu preciso saber olhar o mundo e
para olhar o mundo eu preciso de vez em quando colocar uns óculos especiais pra prestar
atenção na realidade. E o que eu percebi na vivência do curso, embora eu não tenha tido
que fazer essas disciplinas porque eu tinha aproveitamento de curso, mas eu percebi assim
que os alunos não viam muito sentido em ter essas disciplinas e ao mesmo tempo quando
chegava na época de fazer um trabalho de maior fôlego, projeto experimental, eles iam ver
que todo aquele conhecimento na verdade, quando você fala eu quero fazer um vídeo sobre
quilombola. Sinto muito você perdeu um monte coisa lá na antropologia, que agora você vai
ter que recuperar para entender o que é da cultura negra no país. Ou você perdeu aulas de
história, não de história das artes, as de história mesmo. Você perdeu algumas coisas pra
entender por exemplo, embora não seja um racismo manifesto, um racismo latente na
sociedade brasileira por conta de que no fundo, no fundo a escravatura não foi abolida
ainda. Se você olhar a população mais pobre do Brasil é negra ou é mestiça de negra,
branco, com negro, com índio. Então esse é o meu foco de preocupação,além de analisar o
projeto pedagógico entre as disciplinas eu estou conversando com as pessoas para que
elas me coloquem as suas impressões. A partir disso, vou tentar desenhar um painel de
como está isso e quais são os caminhos, a forma de contribuir...
ACN5. Mas Regina, sabe o que eu penso agora ouvindo você falando isso. O que acontece com o
jornalismo? Eu vejo que é tudo muito rápido. Você vem na faculdade, então o professor passou,
tudo o que você tem que fazer é muito rápido porque o mundo é muito rápido. Então as coisas
306
não são feitas tão profundamente. Eu só vou pesquisar quilombola, eu só vou pesquisar alguma
coisa que eu precise o dia que tiver, o que você falou, que eu tiver, que eu for obrigada a fazer um
trabalho de maior fôlego sobre isso daí. Fora isso eu vou levando, vou coçando.
P. Por causa do ritmo industrial?
ACN5. Isso o ritmo industrial. Outra coisa que você falou de colocar o óculos, o que faz isso, só a
vivência. Eu vejo, às vezes, o pessoal da minha sala fazer um entrevista ou fazer uma matéria, vai
ter que entrar dentro da periferia, entrar dentro de algum lugar, o pessoal não vai, eu não ando de
ônibus. O dia que a menina da sala falou que não andava de ônibus eu não acreditei, eu falei
gente como que a pessoa fala que não anda de ônibus. Então sai dessa profissão, não é porque
você tem carro, uma hora seu carro “enguiça”, você precisa fazer aquilo.
P. Dá pra fazer uma matéria maravilhosa dentro de um ônibus na hora do rush.
ACN5. Exatamente.
P. Vai com um gravadorzinho lá e fica entrevistando...
ACN5. Exatamente.
P. Aqueles ônibus que vão lá para o Ouro Verde, sempre lotados.
ACN5. Minhas matérias foram sempre ligadas a isso. Há coisas que a grande mídia não mostra,
coisas que estão acontecendo, que acontecem dia-a-dia e ninguém mostra. Então o jornalista tem
que ter isso, eu vejo que muita gente não tem ainda. Por isso nunca vai conseguir colocar esse
óculos. Porque vive assim, é naquele mundo, só assim. Ah eu tenho tudo não preciso ...
P. Uma viseira de boi.
ACN5. Exatamente. Então é isso que eu acho que falta. Essa visão mais humana. Agora eu te falo
isso vem de família? Vem da situação social? São várias coisas, engloba muitas coisas.
P. A faculdade pode fazer alguma coisa, não pode fazer tudo.
ACN5. Exatamente. Não pode. Quem tem que fazer, quem faz a mudança é a própria pessoa. E
infelizmente a mudança só vai vir na hora da necessidade. Por isso muita gente não muda. Ou a
hora que vai mudar é tarde demais. Eu acho que falta jornalista assim, comprometido com tudo.
Não interessa, tem que ir ali vamos. Não tem que ter limitação. Jornalista que tem limitação é
pedreiro, não é jornalista. É nessa parte que eu acho que falta, por isso que é essa parte do olhar.
Eu vejo muito na minha sala que deve ter 90 alunos agora, 80 não sei, muita gente não se
conhece. Isso não acontece só no jornalismo, acontece em todos os cursos. Eu já tentei fazer
projetos sociais aqui na faculdade, eu gosto muito de samba, inclusive meu projeto experimental
vai ser sobre samba. Só preciso ver o foco, o que eu vou fazer certinho, alguma coisa bem
interessante aí, mas eu sempre fiz eu fazia, comecei a organizar umas rodas de samba aqui no
horário do intervalo, mas pra que? Não é roda de samba pra ficar tocando samba, fazendo zoeira,
nada disso. Uma roda de samba pra interagir. O que eu comecei a fazer, conhecia uma pessoa ou
outra e falava você conhece alguém que toca, que canta, que bate na palma da mão, que tem
idéia pra trazer e comecei a reunir na hora do intervalo. Aí um vinha com um instrumento, tinha
aluno de química, aluno de análise de sistema, aluno de relações públicas, aluno de jornalismo.
Trazia, a gente fazia aquele samba. E o que ? Samba tem história pra contar também e ali já ia
interagindo, fazendo novas amizades, conhecendo novas pessoas. Então comecei a fazer isso
todo, só que a correria do dia-a-dia, acabou a gente fazia as rodas de vez em quando e depois
acabou terminando porque cada um correu para um lado. Aí você já viu como é que é. Mas meu
objetivo sempre foi esse, de interagir, de trazer o pessoal, juntar. Não é porque eu faço jornalismo
que não posso conhecer alguém de química. Aí vem troca uma idéia, você conhece, dali sei lá.
Uma vez também comecei um negócio de cesta básica, pedindo pra cada um trazer alguma coisa
pra gente montar cesta básica. Essa parte social sempre andou comigo e eu acho que é uma
parte que vai sempre continuar. Já vem com a gente. A gente vai levar em qualquer lugar. Só que
....
P. Às vezes, não encontra eco.
* Em função de problemas técnicos na gravação, a entrevista foi retomada em parte, daí o
tom “confirmatório” das primeiras questões.
307
Anexo XII
Relatório CLC de Atividades G8
308
RELATÓRIO CLC DE ATIVIDADES G8
PESQUISA DE AVALIAÇÃO E REFLEXÃO SEM MATRIZ CURRICULAR
(PARCIAL)
CURSO DE JORNALISMO
COMISSÃO:
CECÍLIA HELENA TOLEDO VIEIRA
DENISE TAVARES DA SILVA
WAGNER JOSÉ GERIBELLO
JANEIRO 2006
309
Matriz Curricular - Jornalismo
SÉRIE SEMESTRE
CÓDIGO
DISCIPLINA CARGA HORÁRIA
01 01 59129 Prática de Formação A 17
01 01 28380
Antropologia Teológica A
34
01 01 72532 Sociologia 34
01 01 63011
História do Pensamento Científico
34
01 01 62952 História do Jornalismo 34
01 01 75400
Expressão na Comunicação
68
01 01 62995 Introdução ao Jornalismo Impresso 68
01 01 73776 Língua Portuguesa 68
SÉRIE SEMESTRE
CÓDIGO
DISCIPLINA CARGA HORÁRIA
01 02 59137 Prática de Formação B 17
01 02 28398
Antropologia Teológica B
34
01 02 72575 Metodologia da Pesquisa Científica 34
01 02 73784
História das Artes
34
01 02 63002 Criatividade em Jornalismo 68
01 02 73792
Teorias da Comunicação
34
01 02 50741 Planejamento da Comunicação Jornalística 68
01 02 100901 Introdução ao Jornalismo Audiovisual 68
SÉRIE SEMESTRE
CÓDIGO
DISCIPLINA CARGA HORÁRIA
02 03 59145 Prática de Formação C 17
02 03 84409
Antropologia Cultural
68
02 03 84417 Economia 68
02 03 63088
Teoria da Opinião Pública
34
02 03 62987
Psicologia Aplicada
34
02 03 63169
Telejornalismo A
68
02 03 63029 Rádiojornalismo A 34
02 03 63100 Jornalismo Sindical 34
310
SÉRIE SEMESTRE
CÓDIGO
DISCIPLINA CARGA HORÁRIA
02 04 59153 Prática de Formação D 17
02 04 63070
Pesquisa em Jornalismo
34
02 04 87190
Filosofia
68
02 04 63134
Teorias Políticas
68
02 04 63207
Fotojornalismo A
34
02 04 63151 Jornalismo Comunitário 34
02 04 63118 Telejornalismo B 34
02 04 62979
Rádiojornalismo B
68
SÉRIE SEMESTRE
CÓDIGO
DISCIPLINA CARGA HORÁRIA
03 05 59161 Prática de Formação E 17
03 05 29181
Antropologia Teológica C
34
03 05 73814 Políticas de Comunicação 34
03 05 63185
Estética da Comunicação
34
03 05 63193
Fotojornalismo B
34
03 05 63215
Jornalismo Impresso
102
03 05 63231 Planejamento Gráfico A 34
03 05 63096 Pesquisa Aplicada em Jornalismo 68
SÉRIE SEMESTRE
CÓDIGO
DISCIPLINA CARGA HORÁRIA
03 06 59170 Prática de Formação F 17
03 06 63274
Realidade Contemporânea Regional
34
03 06 63266 Mídia e Sociedade 34
03 06 63142
Ética e Legislação no Jornalismo
68
03 06 63312
Semiologia dos Meios
34
03 06 63240
Jornalismo Aplicado A
68
03 06 63282 Planejamento Gráfico B 34
03 06 63291 Jornalismo On Line 68
311
SÉRIE SEMESTRE
CÓDIGO
DISCIPLINA CARGA HORÁRIA
04 07 59188 Prática de Formação G 17
04 07 63258
Jornalismo Aplicado B
68
04 07 63339 Edição e Produção Editorial 68
04 07 63347
Jornalismo Literário
34
04 07 63355
Jornalismo Empresarial e Institucional
68
04 07 63363
Jornalismo Especializado
68
04 07 63321 Introdução ao Projeto Experimental 34
SÉRIE SEMESTRE
CÓDIGO
DISCIPLINA CARGA HORÁRIA
04 08 59196 Prática de Formação H 17
04 08 63371
Tópicos Especiais em Jornalismo
34
04 08 73822
Projeto Experimental
306
312
Quadro da distribuição das disciplinas por área,
conforme solicitado pelo PROGRAD.
DISCIPLINAS
BÁSICAS
DISCIPLINAS
ESPECÍFICAS
DISCIPLINAS
COMPLEMENTARES
História do Pensamento Científico
Metodologia da Pesquisa Científica
História do Jornalismo
Ética e Legislação do Jornalismo
Teoria da Comunicação
Teoria da Opinião Pública
Estética da Comunicação
Políticas de Comunicação
Semiologia dos Meios
Mídia e Sociedade
Criatividade em Jornalismo
Pesquisa em Jornalismo
Pesquisa Aplicada em Jornalismo
Tópicos Especiais em Jornalismo
Introdução ao Jornalismo Impresso
Introdução ao Jornalismo Audiovisual
Planejamento da Comunicação Jornalística
Telejornalismo A
Telejornalismo B
Radiojornalismo A
Radiojornalismo B
Fotojornalismo A
Fotojornalismo B
Planejamento Gráfico A
Planejamento Gráfico B
Jornalismo Impresso
Jornalismo On Line
Jornalismo Sindical
Jornalismo Comunitário
Jornalismo Especializado
Jornalismo Literário
Edição e Produção Editorial
Jornalismo Empresarial e Institucional
Jornalismo Aplicado A
Jornalismo Aplicado B
Introdução ao Projeto Experimental
Projeto Experimental
Antropologia Teológica A
Antropologia Teológica B
Antropologia Teológica C
Antropologia Cultural
Expressão na Comunicação
Língua Portuguesa
História das Artes
Sociologia
Economia
Filosofia
Psicologia Aplicada
Realidade Contemporânea Regional
Práticas de Formação
Quadros comparativos: perfil específico, habilidades e competências,
matriz curricular e núcleo de concentração
As subdivisões da matriz curricular pelos conjuntos das disciplinas básicas, complementares e
específicas/profissionalizantes encontram-se nos quadros que seguem, agrupadas de acordo com o perfil
específico e as habilidades e competências definidas na proposta curricular do Projeto Pedagógico do Curso
(Jornalismo 2001).
Cabe destacar que há disciplinas que contribuem para mais que um aspecto específico do perfil
profissional e que os quadros foram definidos pelos membros do G8 para uma posterior discussão com o
Conselho de Curso e corpo docente. Além disso, é preciso ressaltar que é de entendimento da Faculdade que
não há qualquer hierarquia entre os conjuntos e que nenhuma disciplina pode ser descaracterizada ou
descartada, enquanto se mantiver a atual proposta de grade curricular, pois forma um todo coerente e
amplamente discutido junto ao corpo docente da Faculdade.
As disciplinas básicas somam 20,7% aproximadamente do conjunto das disciplinas da matriz
curricular; as complementares, 25,6% e as específicas/profissionalizantes significam 53,7%.
Toda e qualquer mudança da matriz curricular e do corpo de disciplinas depende de ampla discussão
junto ao corpo docente e ao Conselho de Faculdade e as propostas aqui apresentadas são apenas indicativas e
referendadas exclusivamente pelos professores integrantes do G8.
313
Quadro 1 – Perfil Específico: formação humanista, crítica e generalista
PERFIL ESPECÍFICO DE
JORNALISMO
HABILIDADES E
COMPETÊNCIAS
MÁTRIZ CURRICULAR NÚCLEO DE
CONCEN-
TRAÇÃO
a) Pela leitura abrangente do mundo, do
ponto de vista técnico e humanístico,
pautada pelos princípios cristãos;
b) Pela formação de um profissional
crítico, generalista, multimídia e
socialmente atuante, com ênfase na
atuação junto à realidade regional;
c) Pelo desempenho de funções típicas do
seu segmento ocupacional, em suas
interfaces e interações com atividades
correlatas ao campo da comunicação, bem
como com outras áreas sociais, culturais e
econômicas, com as quais as atividades do
jornalismo interagem;
d) Pelo exercício de relações com outras
áreas sociais, culturais e econômicas com
as quais o jornalismo faz interface.
1. Identificar e analisar as
mudanças sociais, econômicas
e culturais em escala regional
e global que interferem na
sociedade;
2. Ter conhecimento das
diversas atividades do mundo
da comunicação, em especial
da área jornalística e ser capaz
de correlacionar sua profissão
com todas as demais, dentro
de uma visão regional e
global da sociedade;
3. Assimilar criticamente
conceitos que permitam a
compreensão das práticas e
teorias referentes ao
Jornalismo, repercurtindo-os
sobre sua prática profissional.
- Antropologia Teológica A
- Antropologia Teológica B
- Antropologia Teológica C
- Antropologia Cultural
- Expressão na Comunicação
- Língua Portuguesa
- História das Artes
- Sociologia
- Economia
- Filosofia
- Psicologia Aplicada
- Realidade Contemporânea
Regional
- Práticas de Formação
- História do Jornalismo
- Ética e Legislação do
Jornalismo
- Mídia e Sociedade
- Semiologia dos Meios
- Políticas de Comunicação
- Teorias da Comunicação
- Teorias da Opinião Pública
- Políticas de Comunicação
- Tópicos Especiais em
Jornalismo
- Planejamento da
Comunicação Jornalística
- Jornalismo Empresarial e
Institucional
- Complementar
- Básica
- Específica
314
Quadro 2 – Perfil Específico: domínio otimizado das técnicas e das tecnologias disponíveis no mercado
de trabalho, relacionadas diretamente ao campo profissional do Jornalista.
PERFIL ESPECÍFICO DE
JORNALISMO
HABILIDADES E
COMPETÊNCIAS
MÁTRIZ CURRICULAR NÚCLEO DE
CONCEN-
TRAÇÃO
a) Pelo capacidade de criar oportunidades
para si;
b) Pelo domínio otimizado das técnicas e
das tecnologias disponíveis no mercado de
trabalho, adequando-as às situações do
mercado e da realidade em que vive,
visando melhorar os mecanismos de
comunicação com e entre o público a que
se dirige;
c) Pela produção de informações
relacionadas a fatos, circunstâncias e
contextos do momento presente;
d) Pelo exercício da objetividade na
apuração, interpretação, registro e
divulgação dos fatos sociais;
e) Pelo exercício da tradução e
disseminação de informações de modo a
qualificar o senso comum;
f) Pela capacidade de planejar, criar,
produzir, difundir e gerir a comunicação
jornalística no hoje chamado “mercado da
informação”;
g) Pelo comportamento ético, crítico e
moral, de modo a contribuir
construtivamente para uma sociedade
justa, promovendo o equilíbrio entre a
busca do sucesso profissional e a
construção de valores individuais e
coletivos alicerçados na conduta e nos
princípios éticos profissionais.
1.Registrar fatos jornalísticos,
apurando, interpretando,
editando e transformando-os
em notícias e reportagens;
2. Interpretar, explicar e
contextualizar informações;
3. Investigar informações,
produzir textos e mensagens
jornalísticas com clareza e
correção e editá-los em
espaço e período de tempo
limitados;
4. Formular pautas e planejar
coberturas jornalísticas;
5. Formular questões e
conduzir entrevistas;
6. Relacionar-se com fontes
de informação de qualquer
natureza;
7. Trabalhar em equipe com
profissionais da área;
8. Compreender e saber
sistematizar e organizar os
processos de produção
jornalística;
9. Desenvolver, planejar,
propor, executar e avaliar
projetos na área de
comunicação jornalística;
10. Avaliar criticamente
produtos, práticas e
empreendimentos
jornalísticos;
11.Compreender os processos
envolvidos na recepção de
mensagens jornalísticas e seus
impactos sobre os diversos
setores da sociedade;
12. Buscar a verdade
jornalística, com postura ética
e compromisso com a
cidadania;
13. Dominar a língua nacional
e as estruturas narrativas e
expositivas aplicáveis às
mensagens jornalísticas,
abrangendo-se leitura,
compreensão, interpretação e
redação;
14. Dominar a linguagem
jornalística apropriada aos
diferentes meios e
modalidades tecnológicas de
comunicação.
-História do Jornalismo
-Ética e Legislação do
Jornalismo
-Criatividade em Jornalismo
-Tópicos Especiais em -
Jornalismo
- Língua Portuguesa
-Introdução ao Jornalismo
Impresso
-Introdução ao Jornalismo
Audiovisual
-Planejamento da
Comunicação Jornalística
-Telejornalismo A
-Telejornalismo B
-Radiojornalismo A
-Radiojornalismo B
-Fotojornalismo A
-Fotojornalismo B
-Planejamento Gráfico A
-Planejamento Gráfico B
-Jornalismo Impresso
-Jornalismo On Line
-Jornalismo Sindical
-Jornalismo Comunitário
-Jornalismo Especializado
-Jornalismo Literário
-Edição e Produção Editorial
-Jornalismo Empresarial e
Institucional
-Jornalismo Aplicado A
-Jornalismo Aplicado B
-Introdução ao Projeto
Experimental
-Projeto Experimental
- Básica
- Complementar
- Específica
315
Quadro 3 – Perfil Específico: domínio metodológico da investigação e pesquisa
PERFIL ESPECÍFICO DE
JORNALISMO
HABILIDADES E
COMPETÊNCIAS
MÁTRIZ CURRICULAR NÚCLEO DE
CONCEN-
TRAÇÃO
a) Pelo domínio metodológico da
investigação e pesquisa, contribuindo para
a construção do conhecimento na subárea
da Comunicação, com foco específico no
Jornalismo;
b)Pela capacidade de reflexão sobre o
conhecimento construído ao longo da
tradição das Ciências Sociais Aplicadas,
com destaque à subárea da Comunicação.
1.Conhecer, discutir e refletir
sobre o desenvolvimento do
conhecimento científico, em
especial a área das Ciências
Sociais Aplicada;
2. Identificar e discutir o
campo teórico da
Comunicação e do
Jornalismo;
3. Ter capacidade de analisar
e discutir criticamente a
produção jornalística e de
comunicação, com especial
atenção à realidade regional,
dentro do espírito humanístico
que rege a proposta curricular.
- História do Pensamento
Científico;
- Metodologia da Pesquisa
Científica;
- Teorias da Comunicação;
- Teoria da Opinião Pública;
- Estética da Comunicação;
- Políticas de Comunicação;
- Pesquisa em Jornalismo;
- Pesquisa Aplicada em
Jornalismo.
- Língua Portuguesa
- História das Artes
- Sociologia
- Economia
- Filosofia
- Psicologia Aplicada
- Realidade Contemporânea
Regional
- Básico
- Complementar
316
PROJETO PEDAGÓGICO – G8
PESQUISA DE AVALIAÇÃO DO CURSO – 2005
Tomando por base diretrizes definidas pela Pró-Reitoria de Graduação, no sentido
de desenvolver e aplicar processos permanentes de aperfeiçoamento dos cursos de
graduação, a Faculdade de Jornalismo, através do G8, iniciou, ao longo do 2
o
. semestre
de 2005 (agosto/dezembro), uma avaliação do Curso de Jornalismo, por meio de
consulta aos alunos (pesquisa).
Considerando que processos de mudanças, sejam eles permanentes ou pontuais,
somente têm validade e se justificam quando racionalmente orientados e norteados, a
pesquisa teve como objetivo a reunião de informações sobre o Curso que pudessem
apontar aspectos positivos, passíveis de consolidação, bem como espaços de alteração e
renovação, servindo, assim, de base para a dinâmica requerida pela ProGrad, conforme
mencionado no parágrafo anterior
Partindo desse pressuposto, os integrantes do G8 consideraram que o alunado
representa a clientela mais apropriada à avaliação pretendida, uma vez que a posição
dos professores em relação ao Curso já foi aferida com bastante profundidade, tanto no
trabalho de análise dos Planos de Curso, realizado em 2004 (pelo G8), como através das
reuniões semestrais de planejamento, nas quais os professores encontram fórum
apropriado para manifestar considerações sobre o Curso, nos mais diferentes aspectos,
incluindo aqueles de ordem didático-pedagógica, concernentes ao G8.
Uma vez definido o meio e o objeto de pesquisa, foram avaliadas e consideradas
questões de ordem técnica e operacional, que lograram por definir os contornos finais da
pesquisa. Entre esses elementos de ordem técnico-operacional destacam-se: a) o
reduzido tempo disponível para organização, aplicação e quantificação da pesquisa; b) a
disponibilidade de recursos físicos e humanos para a concepção, organização,
preparação, aplicação e quantificação; c) o conhecimento dos integrantes do G8 de
técnicas de pesquisa; d) a disponibilidade de professores especialistas em pesquisa de
opinião para auxiliar e orientar a organização, aplicação e quantificação da pesquisa.
Conformada e adequada a esses condicionantes, a condução do trabalho apontou,
como opção mais indicada, a aplicação da pesquisa exclusivamente aos alunos
formandos (turma 2005), tomados como amostragem mais representativa do Curso, uma
vez que dele têm noção integral e “fechada”, enquanto alunos concluintes. Além disso,
esses alunos foram considerados menos suscetíveis de expectativas pessoais ou
corporativas que pudessem adulterar os dados colhidos pela pesquisa, uma vez que
estão se desligando da Instituição. Por fim, a condição de formandos torna esses alunos
mais adequados ao questionamento e à reflexão sobre as reais condições oferecidas
pelo Curso para a formação do profissional e do cidadão e para a preparação para o
mercado.
Uma vez definida a amostragem, representada pela totalidade dos alunos
formandos do Curso de Jornalismo, turma 2005, de ambos os períodos, os integrantes do
G8, assistidos por professores do CLC especializados em pesquisa de opinião, definiram
o questionário com itens de múltipla escolha e abertos como a melhor forma de pesquisa,
nas condições dadas (vide modelo do questionário anexo a este relatório).
Fundamentalmente a pesquisa procurou avaliar o potencial do Curso para a
formação do profissional de jornalismo, tendo como parâmetro condições atualizadas do
mercado, focando as diferentes modalidades (meios impressos e eletrônicos) em que se
317
espraia a atividade jornalística em funções dos meios de comunicação adotados (revista,
jornal, televisão, rádio, meios informatizados). Além disso, a pesquisa também focou o
perfil dos professores e os aspectos pedagógicos e didáticos de cada disciplina dos oito
semestres formadores do Curso, incluindo itens como processos de avaliação,
metodologias/recursos didáticos, conteúdos programáticos e relacionamento
aluno/professor. A avaliação do corpo docente foi conduzida de forma individual, ou seja
cada professor na(s) matéria(s) sob sua competência.
A aplicação da pesquisa foi conduzida pelos professores orientadores de Projetos
Experimentais, considerando o relacionamento direto com seus alunos orientandos,
individualmente ou com pequenos grupos, permitindo, assim, explicações detalhadas
sobre a pesquisa, apresentação de justificativas e estímulo à participação consciente e
integral dos alunos, buscando elevar os índices de veracidade e confiabilidade das
respostas.
Após a aplicação dos questionários, os resultados foram quantificados pelos
integrantes do G8 e transpostos para tabelas de finalização que acompanham este
relatório.
Considerando que o período de atividade do G8 terminou em dezembro/2005 e
que os professores especializados em pesquisa de opinião não tinham disponibilidade de
tempo para conduzir/orientar a tabulação de dados, a avaliação final e a formalização dos
resultados, a finalização do trabalho teve que ser postergada, ainda sem definição de
data e/ou prazo definitivo, fato que não invalida o trabalho, nem destitui a pesquisa de
importância como ferramenta de avaliação do Curso e orientação de mudanças. Além
disso, a quantificação dos itens integrados à parte III dos questionários – Avaliação do
Corpo Docente não foi completada e, portanto, não integra as totalizações que
acompanham este relatório.
Assim, os dados quantificados, acompanhados de cópia deste relatório serão
entregues à nova Diretoria da Faculdade de Jornalismo (gestão 2006/2010), para que os
resultados formalizados ajudem a nortear futuros processos de aprimoramento do Curso,
sobretudo nos exercícios de planejamento e reestruturação.
Completando, quantitativamente a pesquisa teve o seguinte perfil:
1- Formandos 2005 – Total:
2- Formulários devolvidos – Total:
a) completos:
b) incompletos
c) não preenchidos/anulados
318
JORNALISMO/ CLC / PUC-Campinas - Projeto Pedagógico – Melhoramento Contínuo
(G8)
AVALIAÇÃO DE CURSO - Alunos do 8º semestre de 2005
I. Dados do Aluno: Período: (37) Matutino (28) Noturno
1. Você conclui seu curso este semestre? (53) sim (07) não
2. Se não, quantas disciplinas faltam para sua conclusão?
( 01) apenas uma (05) até três (01) mais de três
3. Estas disciplinas são:
(04) do Curso de Jornalismo ( 01) Prática de Formação (03) do Jornalismo e Prática de
Formação
4. Como você avalia sua formação para o ingresso no mercado de trabalho:
(09) muito boa (33) boa (12) regular (01) ruim
5. Esta avaliação deve-se, principalmente à (assinale apenas uma alternativa):
(27) currículo, corpo docente e infra-estrutura do CLC
(14) currículo e corpo docente
(08) corpo docente e infra-estrutura do CLC
(08) currículo e infra-estrutura do CLC
(05) currículo
(03) corpo docente
( ) infra-estrutura do CLC
(01) outros. Especifique: “meu
empenho”......................................................................................................
.......................................................................................................................................................
.
6. Você se sente melhor preparado para qual(is) área(s):
(22) Televisão (12) On Line (07) Rádio
(44) Impresso (21) Assessoria de Imprensa (05) Todas
7. Você atribui esta qualificação (assinale mais de uma alternativa, se necessário):
(15) à carga horária das disciplinas que é adequada
(30) à qualificação dos professores da área
(49) ao seu interesse pela área
(10) a cursos paralelos que você participou
(25) ao fato de ter estagiado na área durante o curso
(02) Outros
8. De modo geral, como você se avalia enquanto aluno (assinale apenas uma alternativa):
(30) Sempre participativo e interessado em todos os semestres.
(19) Participação regular em todos os semestres.
(02) No início, boa participação, mas fui perdendo o interesse ao longo do curso.
(12) No início, pouco interesse, mas fui participando mais ao longo do curso.
(02) Participação irregular ao longo do curso.
9. Faça aqui uma breve avaliação da sua formação profissional: (ainda sendo codificada para
análise e interpretação).
319
II. Avaliação do Currículo
A lista abaixo contém as disciplinas do currículo do Curso de Jornalismo. Avalie as disciplinas de
acordo com a orientação de referências/alternativas:
a) Bom, aprovado sem restrições, elevada contribuição para formação profissional e pessoal do
aluno
b) Regular, aprovado com restrições (exigência de mudanças), média contribuição para formação
profissional e pessoal do aluno
c) Ruim, não aprovado (exigência radical de mudanças), nenhuma contribuição para formação
profissional e pessoal do aluno
8
o
. Semestre
Tópicos especiais em Jornalismo
1) Conteúdo: (22) a (35) b (08) c
2) Metodologia de ensino (didática): (26) a (27) b (12) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (34) a (25) b (05) c
Projeto Experimental
1.Professores Orientadores: (45) a (14) b (04) c
2. Estrutura do Programa (org., periodização, prazos): (25) a (36) b (04) c
3. Modalidades: (41) a (21) b (04) c
4. Recursos: (22) a (34) b (08) c
5. Organização de equipes: (36) a (24) b (05) c
6. Avaliação: (27) a (35) b (03) c
PEDAGOGIA E DIDÁTICA (do curso? De projeto experimental?)
Processos de avaliação
1. Pertinência: (30) a (33) b (02) c
2. Quantidade: (23) a (34) b (08) c
3. Permite auto-avaliação do aluno: (17) a (40) b (08) c
4. Respeita diversidade: (19) a (33) b (13) c
Conteúdos programáticos
1. Clareza: (25) a (36) b (04) c
2. Pertinência: (31) a (31) b (03) c
3. Dimensão adequada: (21) a (35) b (09) c
4. Interdisciplinaridade: (21) a (33) b (12) c
Metodologias de Ensino (didática)
1. Preparação dos Professores: (24) a (37) b (04) c
2. Adequação ao Curso: (23) a (39) b (03) c
3. Emprego de recursos: (11) a (47) b (07) c
4. Adequação ao perfil do aluno: (19) a (37) b (09) c
5. Atualidade: (36) a (26) b (03) c
6. Interação aluno/professor: (39) a (26) b (09) c
7. Participação do aluno: (39) a (30) b (06) c
320
Recursos
Recursos técnicos: (14) a (45) b (06) c
Recursos bibliográficos e documentais: (16) a (41) b (09) c
Acomodações e infra-estrutura: (14) a (42) b (08) c
7
o
. Semestre
Jornalismo Aplicado B
1) Conteúdo: (17) a (34) b (14) c
2) Metodologia de ensino (didática): (19) a (26) b (18) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (29) a (30) b (05) c
Edição e Produção Editorial
1) Conteúdo: (28) a (32) b (05) c
2) Metodologia de ensino (didática): (24) a (31) b (09) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (28) a (30) b (07) c
Jornalismo Literário
1) Conteúdo: (35) a (27) b (03) c
2) Metodologia de ensino (didática): (36) a (31) b (05) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (45) a (19) b (01) c
Jornalismo Empresarial e Institucional
1) Conteúdo: (36) a (24) b (04) c
2) Metodologia de ensino (didática): (33) a (24) b (08) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (44) a (16) b (03) c
Jornalismo Especializado
1) Conteúdo: (29) a (30) b (04) c
2) Metodologia de ensino (didática): (25) a (32) b (07) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (41) a (18) b (05) c
Introdução ao Projeto Experimental
1) Conteúdo: (22) a (38) b (12) c
2) Metodologia de ensino (didática): (20) a (32) b (12) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (21) a (30) b (13) c
6
o
. Semestre
Realidade Contemporânea Regional
1) Conteúdo: (22) a (36) b (06) c
2) Metodologia de ensino (didática): (16) a (36) b (12) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (25) a (19) b (10) c
Mídia e Sociedade
1) Conteúdo: (27) a (34) b (03) c
2) Metodologia de ensino (didática): (24) a (34) b (07) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (30) a (29) b (04) c
Ética e legislação no Jornalismo
1) Conteúdo: (54) a (08) b (02) c
2) Metodologia de ensino (didática): (46) a (12) b (05) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (55) a (07) b (02) c
321
Semiologia dos Meios
1) Conteúdo: (51) a (10) b (03) c
2) Metodologia de ensino (didática): (48) a (14) b (02) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (46) a (11) b (06) c
Jornalismo Aplicado A
1) Conteúdo: (20) a (27) b (18) c
2) Metodologia de ensino (didática): (14) a (29) b (22) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (28) a (22) b (15) c
Planejamento Gráfico B
1) Conteúdo: (24) a (32) b (09) c
2) Metodologia de ensino (didática): (25) a (31) b (09) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (35) a (23) b (07) c
Jornalismo on Line
1) Conteúdo: (31) a (19) b (15) c
2) Metodologia de ensino (didática): (27) a (22) b (16) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (37) a (18) b (10) c
5
o
. Semestre
Antropologia Teológica C
1) Conteúdo: (18) a (30) b (16) c
2) Metodologia de ensino (didática): (23) a (27) b (14) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (15) a (28) b (21) c
Políticas de Comunicação
1) Conteúdo: (33) a (27) b (02) c
2) Metodologia de ensino (didática): (26) a (32) b (04) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (36) a (21) b (05) c
Estética da Comunicação
1) Conteúdo: (28) a (26) b (09) c
2) Metodologia de ensino (didática): (17) a (25) b (21) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (24) a (26) b (13) c
Fotojornalismo B
1) Conteúdo: (30) a (29) b (05) c
2) Metodologia de ensino (didática): (26) a (31) b (07) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (42) a (19) b (03) c
Jornalismo Impresso
1) Conteúdo: (43) a (21) b (00) c
2) Metodologia de ensino (didática): (44) a (18) b (02) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (48) a (14) b (02) c
Planejamento Gráfico A
1) Conteúdo: (25) a (29) b (10) c
2) Metodologia de ensino (didática): (25) a (28) b (11) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (37) a (19) b (08) c
322
Pesquisa Aplicada em Jornalismo
1) Conteúdo: (27) a (30) b (05) c
2) Metodologia de ensino (didática): (23) a (35) b (04) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (28) a (30) b (03) c
4
o
. Semestre
Pesquisa em Jornalismo
1) Conteúdo: (22) a (35) b (08) c
2) Metodologia de ensino (didática): (17) a (42) b (05) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (23) a (36) b (05) c
Filosofia
1) Conteúdo: (21) a (30) b (11) c
2) Metodologia de ensino (didática): (09) a (30) b (22) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (20) a (22) b (14) c
Teorias Políticas
1) Conteúdo: (30) a (27) b (06) c
2) Metodologia de ensino (didática): (15) a (30) b (18) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (26) a (25) b (10) c
Fotojornalismo A
1) Conteúdo: (30) a (28) b (05) c
2) Metodologia de ensino (didática): (29) a (29) b (05) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (40) a (19) b (05) c
Jornalismo Comunitário
1) Conteúdo: (25) a (30) b (08) c
2) Metodologia de ensino (didática): (19) a (32) b (12) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (29) a (29) b (06) c
Telejornalismo B
1) Conteúdo: (28) a (31) b (04) c
2) Metodologia de ensino (didática): (28) a (26) b (10) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (29) a (22) b (02) c
Rádiojornalismo B
1) Conteúdo: (34) a (22) b (07) c
2) Metodologia de ensino (didática): (28) a (23) b (11) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (45) a (14) b (04) c
3
o
. Semestre
Antropologia Cultural
1) Conteúdo: (28) a (27) b (06) c
2) Metodologia de ensino (didática): (22) a (28) b (11) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (35) a (25) b (10) c
Economia
1) Conteúdo: (33) a (22) b (07) c
2) Metodologia de ensino (didática): (31) a (22) b (09) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (29) a (19) b (04) c
323
Teoria da Opinião Pública
1) Conteúdo: (34) a (26) b (03) c
2) Metodologia de ensino (didática): (23) a (33) b (07) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (35) a (25) b (03) c
Psicologia Aplicada
1) Conteúdo: (21) a (30) b (11) c
2) Metodologia de ensino (didática): (14) a (37) b (11) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (18) a (35) b (04) c
Telejornalismo A
1) Conteúdo: (35) a (26) b (02) c
2) Metodologia de ensino (didática): (34) a (26) b (04) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (44) a (16) b (03) c
Rádiojornalismo A
1) Conteúdo: (33) a (20) b (09) c
2) Metodologia de ensino (didática): (26) a (26) b (12) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (41) a (15) b (08) c
Jornalismo Sindical
1) Conteúdo: (25) a (30) b (09) c
2) Metodologia de ensino (didática): (13) a (38) b (14) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (26) a (28) b (10) c
2
o
. Semestre
Antropologia Teológica B
1) Conteúdo: (08) a (33) b (20) c
2) Metodologia de ensino (didática): (12) a (27) b (22) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (05) a (27) b (22) c
Metodologia da Pesquisa Científica
1) Conteúdo: (18) a (34) b (12) c
2) Metodologia de ensino (didática): (09) a (31) b (24) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (18) a (35) b (11) c
História das Artes
1) Conteúdo: (26) a (27) b (11) c
2) Metodologia de ensino (didática): (21) a (29) b (14) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (25) a (29) b (08) c
Criatividade em Jornalismo
1) Conteúdo: (33) a (22) b (09) c
2) Metodologia de ensino (didática): (39) a (15) b (10) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (37) a (16) b (11) c
Teorias da Comunicação
1) Conteúdo: (45) a (17) b (01) c
2) Metodologia de ensino (didática): (45) a (16) b (02) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (49) a (11) b (03) c
Planejamento em Comunicação Jornalística
1) Conteúdo: (33) a (20) b (11) c
2) Metodologia de ensino (didática): (17) a (33) b (13) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (34) a (20) b (09) c
324
Introdução ao Jornalismo Audiovisual
1) Conteúdo: (36) a (23) b (05) c
2) Metodologia de ensino (didática): (31) a (25) b (08) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (44) a (16) b (04) c
1
o
. Semestre
Antropologia Teológica A
1) Conteúdo: (10) a (25) b (19) c
2) Metodologia de ensino (didática): (09) a (24) b (27) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (09) a (20) b (31) c
Sociologia
1) Conteúdo: (14) a (39) b (10) c
2) Metodologia de ensino (didática): (11) a (36) b (16) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (18) a (34) b (11) c
História do Pensamento Científico
1) Conteúdo: (18) a (29) b (15) c
2) Metodologia de ensino (didática): (09) a (35) b (20) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (17) a (29) b (15) c
História do Jornalismo
1) Conteúdo: (46) a (15) b (00) c
2) Metodologia de ensino (didática): (49) a (11) b (02) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (53) a (08) b (01) c
Expressão na Comunicação
1) Conteúdo: (38) a (21) b (04) c
2) Metodologia de ensino (didática): (41) a (15) b (07) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (38) a (19) b (06) c
Introdução ao Jornalismo Impresso
1) Conteúdo: (44) a (15) b (03) c
2) Metodologia de ensino (didática): (43) a (15) b (04) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (49) a (12) b (03) c
Língua Portuguesa
1) Conteúdo: (13) a (28) b (20) c
2) Metodologia de ensino (didática): (10) a (26) b (18) c
3) Coerência em ralação à formação de Jornalista: (26) a (18) b (17) c
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Práticas de Formação
1. Professores: (28) a (31) b (03) c
2. Modalidades oferecidas: (26) a (26) b (06) c
3. Metodologia de ensino (didática): (22) a (29) b (12) c
4. Recursos materiais: (21) a (31) b (11) c
5. Pertinência do Projeto de P.F. em relação ao Curso de Jornalismo:
(20) a (26) b (18) c
6. Estrutura do Projeto de P.F. (horários, organização, locais/formas de aplicação):
(13) a (36) b (13) c
Livros Grátis
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