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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
A APRENDIZAGEM COM REFERÊNCIAS NO LUGAR: REFLEXÕES SOBRE A
PRÁTICA PEDAGÓGICA NAS ESCOLAS DO MEIO RURAL
DE SÃO SEBASTIÃO DO CAÍ
CRISTIANE VIEIRA MEDEIROS
ORIENTADOR: PROF. DR. NELSON REGO
PORTO ALEGRE, DEZEMBRO DE 2006.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
A APRENDIZAGEM COM REFERÊNCIAS NO LUGAR: REFLEXÕES SOBRE A
PRÁTICA PEDAGÓGICA NAS ESCOLAS DO MEIO RURAL
DE SÃO SEBASTIÃO DO CAÍ
CRISTIANE VIEIRA MEDEIROS
Orientador: Prof. Dr. Nelson Rego
Banca Examinadora:
Dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Geografia
como requisito para obtenção ao
Título de Mestre em Geografia
Porto Alegre, dezembro 2006.
Álvaro Heidrich
PosGea, UFRGS.
Júlio César Suzuki – Dep. Geografia, USP.
Nestor Kaercher – PosGea, UFRGS.
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3
Dedico este trabalho a
Raphaela e Rebeca minhas amadas
filhas que tão insistentemente
perguntavam: “Mami terminou a
dissertação?”; Minhas fontes de
amor e carinho.
A minha mãe Rosa que
colocou a Geografia na minha vida
desde muito pequena, que cobrou,
que incentivou, que vibrou; ao meu
pai Antônio que esteve sempre
presente, incentivando, apoiando e
participando (principalmente durante
o 2º campo deste trabalho).
4
AGRADECIMENTOS
Terminar esta dissertação sem agradecer a Deus é quase impossível, pois foi
com Ele no coração que tive forças, amor, saúde e esperança para realizar este
trabalho.
Não posso ficar sem dizer MUITO OBRIGADA as minhas princesas/caturritas
Raphaela e Rebeca que mesmo “barulhentas” contribuíram e tiveram paciência para
que eu finalizasse essa etapa de profundas reflexões profissionais. EU AMO MUITO
VOCÊS!
Aos meus pais Rosa e Antônio, que me deram incentivos e apoios
incondicionais, meus exemplos de vida, perseverança e amor. Aos meus queridos
irmãos Raphael e Aline que sempre estiveram juntos, fosse na calmaria ou no meio
da tempestade. O carinho, dedicação, companheirismo de vocês comigo e com as
“gurias” são incapazes de serem retribuídos com um OBRIGADA. A minha “família
firimfimfim muito obrigada!
Ao Zeca que apaixonado pela Geografia me encantou com verdadeiras aulas
sobre muitos assuntos que esta ciência estuda. Obrigada por me aproximar mais da
geografia e pelo apoio técnico.
5
Aos grandes amigos geógrafos que encontrei durante esse tempo de
mestrado, em especial ao Denir, ao Jaime e ao Tiago que me deram dicas, me
incentivaram, me ensinaram geografia através de “papos geográficos bem
informais, mas muito construtivos. Obrigada “guris”.
Á Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS e ao Programa de Pós-
Graduação em Geografia, por possibilitarem meu acesso à educação pública,
gratuita e com qualidade. Um obrigada especial aos professores deste Programa
que contribuíram teoricamente para a construção desta dissertação.
Á CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior
- que por um determinado período garantiu recursos e suporte financeiro para a
realização deste trabalho.
Um agradecimento especialíssimo ao Prof. Dr. Nelson Rego, meu orientador,
que acreditou na proposta de unir a Geografia com a Pedagogia, pelo incentivo, pela
indicação de qual rumo seguir. A ti Nelson meu respeito e profunda admiração.
Meus profundos agradecimentos ao Professores Rurais e as demais
personagens do meio rural que tão significativamente contribuíram para a
construção deste trabalho, em especial muito obrigada ao Tio Miguel e Tia Marlene,
que abriram sua casa, seus corações e suas memórias para auxiliarem tão
prestativamente na concretização das minhas “teorias sobre a educação rural”.
Agradeço também a Secretaria Municipal de Educação, a Administração
Municipal e aos professores da rede municipal que auxiliaram, acreditaram e
permitiram o plantio de uma semente na terrartil da educação rural.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1:
40
Figura 2: Localizão das Escolas ..........................
.....................................
87
Figura 3:
90
Figura 4: Declaraç
ão de função da 2ª educadora rural ................................
92
Figura 5: Livro utilizado tanto em casa quanto na escola pelo educador .....
122
Figura 6: Caderno Temático 1 .......................................................................
155
Figura 7: Caderno Temático 2 .......................................................................
156
Figura 8: Caderno Temático 3 ......................................................................
157
FOTOS
Foto 1: Carregamento de alfafa para embarcar no porto ...........................
41
Foto 2: Cais do Porto dos Guimarães em 1910..........................................
42
Foto 3: Carregamento de madeira .............................................................
43
Foto 4: Tráfego de carretas no Porto em 1922 ..........................................
43
Foto 5: Prédio atual da Escola Luiz Muller .................................................
88
Foto 6: O prédio da escola Santo Inácio continua o mesmo, salvo a
pintura e alguns reparos. ...............................................................
89
7
Foto 7: Escola Gabriel da Silva Pereira na década de 70 ......................... 91
Foto 8: Educandos cuidando da horta orgânica. ........................................
98
Foto 9: Horta de fitoterápicos, plantada a partir do caderno temático 3 ....
98
Foto 10: Minhocário construído na escola por pais, educadora e
educandos, daqui sai o adubo orgânico utilizado nas hortas da
escola e da comunidade ................................................................
99
Foto 11:
cotidiano vivido com a escola. Década de 70 ................................
100
Foto 12: Educadora, educandos e comunidade escolar numa das
atividades integradoras realizadas na década de 80 .....................
100
Foto 13: Atividade integradora comunidade e escola a partir de 1995 ........
101
Foto 14: Educandos durante trabalho de campo sobre o resgate cultural
da comunidade de Pareci Velho ..................................................
102
Foto 15: Educando cuidando da horta ecológica .........................................
102
Foto 16: ster sobre o Projeto de Resgate da Identidade e Cultura ..........
103
Foto 17: Horta do filho da D. Iraci ............................................................... 109
Foto 18:
Educador rural Benno Seidel, era tamm catequista –
Vigia
década de 70. ................................................................................
111
Foto 19:
carreta de bois para o seu transporte. .....................................
162
Foto 20:
valorizão do cotidiano vivido. .....................................................
163
Foto 21:
inverso ao escolar. ........................................................................
163
8
TABELA
Tabela 1: Produção olerícula da localidade de Vigia, São Sebastião do
Caí ...............................................................................................
95
QUADROS
Quadro 1: Estrutura e Funcionamento das Escolas Rurais ........................
97
Quadro 2: Escolas Rurais de São Sebastião do Caí no período de 1920
2006 ...........................................................................................
104
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .........................................................................................
14
UNIDADE I - Conceitos e Histórias .......................................................
19
1 APRESENTANDO O TRABALHO E OS PRINCIPAIS CONCEITOS
UTILIZADOS ............................................................................................
20
2 RAÍZES RURAIS E CAMPESINAS .........................................................
23
2.1 Rural e urbano ........................................................................................
26
2.2 O Camponês ...........................................................................................
32
3
CONTEXTUALIZANDO PARA COMPREENDER AS RAÍZES RURAIS
E CAMPESINAS DE SÃO SEBASTIÃO DO CAÍ.....................................
34
3.1 São Sebastião do Caí: terras devolutas que precisavam ser
colonizadas .............................................................................................
39
3.2 A identidade campesina construída em São Sebastião do Caí .........
44
3.3 A colonização alemã como formadora da identidade cultural de
São Sebastião do Caí .............................................................................
46
4 O LUGAR – UMA DIMENSÃO QUE NÃO PODE SER IGNORADA
PELA EDUCAÇÃO ..................................................................................
50
5 A EDU
CAÇÃO NO CAMPO REFERENDADA NA PEDAGOGIA
FREIREANA .............................................................................................
53
6
AS RAÍZES DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA COMO PANO DE FUNDO
PARA A COMPREENSÃO DA EDUCAÇÃO NO CAMPO......................
56
6.1 A educação no campo hoje ...................................................................
65
6.2 O educador do campo e os desafios de trabalhar numa perspectiva
educacional que valorize o saber cotidiano do educando ................
68
7
UMA PROPOSTA PARA TORNAR POSSÍVEL A MEDIATIZAÇÃO DO
MUNDO, DO LUGAR, DO SABER HISTÓRICO DE CADA
10
EDUCANDO DENTRO DO ESPAÇO SALA DE AULA .........................
71
7.1 Integrando a Geografia e a Pedagogia freireana numa perspectiva
de valorização do lugar e do mundo vivido .........................................
73
UNIDADE II -CONTEXTO, RESGATE E VALORIZAÇÃO ......................
82
8 CONTEXTUALIZANDO O LUGAR - AS ESCOLAS RURAIS DO
MUNICÍPIO ...............................................................................................
83
9
RESGATANDO A MEMÓRIA DAS ESCOLAS E DAS COMUNIDADES
RURAIS ....................................................................................................
103
9.1 Primeira Fase ..........................................................................................
105
9.1.1
Síntese .....................................................................................................
112
9.2
Segunda Fase .........................................................................................
113
9.2.1
Síntese .................................................................................................... 125
9.3 Terceira Fase ..........................................................................................
126
9.3.1
Síntese .....................................................................................................
137
9.4 Quarta fase ..............................................................................................
137
9.4.1
Síntese .....................................................................................................
140
10
É NECESSÁRIA UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA DE
VALORIZAÇÃO DO RURAL ...................................................................
141
UNIDADE III REFLEXÃO NA AÇÃO .......................................................
147
11 RELATOS E REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA ....................................
148
REFLEXÕES FINAIS................................................................................
169
OBRAS CONSULTADAS ........................................................................
179
APÊNDICES .............................................................................................
184
APÊNDICE A- ENTREVISTA 1ª FASE ...................................................
185
APÊNDICE B- ENTREVISTA 2ª FASE ...................................................
186
APÊNDICE C- ENTREVISTA 3ª FASE....................................................
187
APÊNDICE D- ENTREVISTA 4ª FASE ...................................................
188
ANEXOS ..................................................................................................
189
ANEXO A – ATA DE CRIAÇÃO DO CPM DA ESCOLA GABRIEL
PEREIRA DA SILVA ................................................................................
190
ANEXO B - CADERNO TEMÁTICO I ......................................................
191
ANEXO C – UMA AGRICULTURA DIFERENTE ....................................
192
ANEXO D – COMUNIDADE VIVA ...........................................................
193
11
ANEXO E – HORTA ECOLÓGICA ..........................................................
194
ANEXO F – DIPLOMA DE PARTICIPAÇÃO NA SEMANA DA PÁTRIA
1943 ..........................................................................................................
195
12
RESUMO
Esta dissertação entrelaça conceitos da Geografia com a Pedagogia
Freireana o que permite refletir a respeito da prática pedagógica adotada nas
escolas localizadas na zona rural em São Sebastião do Caí-RS. Resgata a memória
das comunidades escolares e de antigos educadores rurais e investiga uma possível
ruptura entre o rural e a sala de aula. Tais temas são abordados com um enfoque
pedagógico que se baseia numa metodologia que enfatiza a ação-reflexão-ação e
também na metodologia de histórias de vida e histórias orais. Esta pesquisa
construída através de uma prática reflexiva, participativa e integradora busca a
valorização da vida cotidiana, do lugar, da cultura e da identidade das comunidades
rurais, possibilitando a significação do espaço vivido, a valorizão dos saberes e a
construção de uma prática pedagógica pautada no diálogo com o mundo real; ainda
visa promover junto aos verdadeiros agentes transformadores da educação
(educandos, educadores e comunidade escolar) um ato de conscientizão o que
implica na valorização e na mudança do cotidiano vivido.
Palavras-chave: Prática pedagógica, vida cotidiana, cultura, identidade,
valorização do rural.
13
RESUMÉ
Ce travail entremele des concepts de la géographie avec la pédagogie de
Paulo Freire. Cela permet de réflechir sur la pratique pédagogique adoptée dans les
écoles situées dans la campagne de la municipalité de São Sebastião do Caí RS.
Reprend la mémoire des communautés scolaire et celle des anciens éducateurs
ruraux. Recherche la possibilité de rupture entre le rural et l’enseignement en classe.
Tels sujets sont abordés avec un regard pédagogique selon la thodologie de
l’action-refléxion-action et aussi selon les histoires de vie et oral. Cette recherche,
elaborée parmi une pratique qui a la réfléxion, la participation et l’intégration, vise la
valorization de la vie quotidienne, de lieu, de la culture et de l’identité des
communautés ruraux. Tout cela a permis la singnification de l’espace vécu, la
valorization des savoirs et la construction d’une pratique dagogique réglé par le
dialogue avec la réalité. Cet étude vise promouvoir avec les vrais agents changeants
de l’éducation (élèves, éducateurs et communauté scolaire) un acte de prise de
conscience dont la conséquence est la valorization et le changements de la vie
quotidienne.
Mots clés: pratique pédagogique, vie quotidienne, culture, identité, valorization
du rural.
14
INTRODUÇÃO
Para iniciar este trabalho penso ser necessário contar um pouco da trajetória
que percorri até este momento.
Minha formação pedagógica teve como marco fundamental um
encantamento, vou explicar...
Ainda cursava o magistério quando fui participar de um Encontro sobre
Educação Popular, realizado em Porto Alegre no fim da década de 80. Chegando no
local do encontro percebi a importância deste devido ao grande mero de
participantes.
Ouvi atentamente a um discurso inflamado, repleto de verdades e reflexões
sobre o respeito ao saber do educando e sobre a valorização da sua bagagem
cultural. O encantador e sábio palestrante era Paulo Freire.
Desde então minha prática pedagógica passou a ser pautada na Pedagogia
de Paulo Freire.
Quando trabalhei como educadora numa escola periférica no município de
São Sebastião do Caí pude colocar em prática alguns conhecimentos e saberes que
foram construídos ao longo da minha graduação em Pedagogia e depois no mesmo
município quando assumi a coordenação pedagógica da Secretaria Municipal de
Educação.
15
Enquanto coordenadora pedagógica deparei-me com uma realidade: existiam
escolas em localidades rurais que não trabalhavam a riqueza do cotidiano
imediatamente vivido pelos educandos.
Logo me lembrei da palestra que o profundamente marcou minha prática
pedagógica: o que estava acontecendo? Por que era tão difícil aos educadores
trabalhar questões vinculadas a realidade do lugar, ao cotidiano vivido?
Busquei respostas a essas reflexões unindo a Geografia com a Pedagogia
Freireana.
Para tanto iniciei um processo de pesquisa refletindo sobre a forma como a
população do campo “vem sendo educada” perpassa a idéia de que estão atrasados
e fora do processo de modernização da sociedade. Desta maneira, educandos do
meio rural aprendem a partir de uma geografia muito distante, que o condiz com
aquilo que é bem próximo e peculiar à produção familiar, aos problemas que afetam
essa produção, enfim a sua realidade.
Filhos de agricultores “recebem” uma educação que valoriza e enfatiza
atividades econômicas e sociais exercidas no meio urbano, deixando para segundo
plano o trabalho, as relações estabelecidas com o meio (econômicas e sociais), a
cultura que se configuram na zona rural.
O privilégio de determinadas formas de produção em detrimento de outros,
faz com que um território seja mais valorizado do que outro. A sociedade institui que
quem o faz parte do meio urbano ou exerce atividades urbanas é “diferente” e
secundário. E esse papel secundário, muitas vezes, é transferido ao aluno do meio
rural.
16
Esse determinismo geográfico de que a escola urbana é melhor, é superior a
rural, constitui-se numa falsa idéia e propicia uma política de investimentos voltados
apenas para a qualificação da educação urbana, estimulando assim, a concepção
do moderno, portanto mais atraente e conseqüentemente ocorre o abandono da
escola rural, pelos educandos do próprio lugar.
Conhecimentos, valores, cultura e identidade dos educandos e do lugar estão
desconectados do trabalho desenvolvido na sala de aula. Currículo e calendário são
pensados de maneira geral, as peculiaridades do lugar não são pensadas, muito
menos abordadas durante as aulas.
Alguns conceitos geográficos e pedagógicos, sob a forma de reflexão,
comem esta dissertação, por que assim fica mais fácil construir uma educação
pautada no diálogo com o mundo real, ou seja, uma educação que relaciona a
escola com o mundo, com a vida, com a política, com o lugar onde os educandos
vivem.
O enfoque deste trabalho está no entrelaçamento de conceitos da geografia e
da pedagogia. Esta união permite reflexões sobre a prática pedagógica desenvolvida
nas escolas rurais e tamm proporciona à geografia do lugar ficar mais significativa
tanto para os educandos quanto para os educadores.
O trabalho de pesquisa foi sendo desenvolvido em etapas e foi desta forma
que optei por escrever a dissertação.
Num primeiro momento construí o referencial teórico, que me daria base e
confiança para desenvolver o segundo momento. Este foi, sem dúvida, a parte mais
significativa da dissertação, pois os conceitos trabalhados na primeira fase, serviram
17
realmente de alicerce para as estratégias de ação-reflexão que utilizara durante os
trabalhos com os educadores, educandos e a comunidade escolar; com os sujeitos
entrevistados; com os limites que teria tanto de aceitação quanto de continuação da
proposta. Na terceira etapa chegou a hora de relatar como tudo aconteceu, como foi
o planejamento e o desenvolvimento de cada etapa, quais foram os sujeitos
envolvidos e quais foram as resultados, e, também, era a hora de escrever a que
reflexões conclusivas cheguei.
Chamo essas etapas de Unidades e dentro de cada uma delas construí
pequenos capítulos. Esta foi a maneira de dissertar sobre os conhecimentos que fui
construindo ao longo da presente pesquisa.
Na Unidade I todos os capítulos trazem a parte teórica que embasa o
trabalho. Nos primeiros capítulos trouxe as reflexões sobre os conceitos teóricos que
permitiram entrelaçar a Geografia com a Pedagogia; nos capítulos seguintes inicio
um processo de contextualizão do lugar para melhor compreender as origens da
cultura e da identidade que tão significativamente marcam as comunidades
pesquisadas. Apresento a pedagogia freireana como uma proposta de trabalho que
valoriza o conhecimento e a cultura de cada educando, em seguida conto um pouco
da história da educação brasileira e o seu olhar específico sobre a educação rural.
Então, sugeri algumas propostas necessárias a uma educação referendada na
bagagem cultural, na identidade e no saber dos educandos do meio rural.
A Unidade II traz a atual estrutura educacional de o Sebastião do Caí.
Entrei nas salas de aula das escolas rurais para verificar que práticas são
desenvolvidas, propus reflexões e participão na hora de planejar, tendo a
sensibilidade e a consciência de que o educando vive num meio que precisa ser
18
valorizado e trazido para as aulas; resgatei a memória das comunidades, dos
antigos educadores rurais; investiguei sobre uma possível ruptura entre o rural e a
sala de aula e ainda, se existem políticas públicas para resgatar a valorizão do
lugar e do rural dentro das escolas;
Dentro da Unidade III relatei as práticas desenvolvidas durante toda pesquisa,
o processo de reflexão que desenvolvi para trabalhar mais próximo do educador, dos
educandos e das comunidades, pois não podia fugir da idéia de interagir com a
realidade escolar.
As ações e a sistematização de como tudo aconteceu, desde o diagnóstico
até a metodologia utilizada para realizar essa proposta de interação com o universo
da sala de aula, do lugar, dos educandos e das comunidades, foram relatadas, mas
cada etapa descrita é acompanhada sempre de uma reflexão.
E para finalizar a dissertação, trouxe as reflexões sobre os conhecimentos
que aprofundei e construí ao longo do trabalho que realizei, que signifiquei, que
valorizei em conjunto com sujeitos importantíssimos para a realização de uma
educação rural consciente e transformadora: educandos, educadores e comunidade
escolar.
19
UNIDADE I - CONCEITOS E HISTÓRIAS
20
1 - APRESENTANDO O TRABALHO E OS PRINCIPAIS CONCEITOS
UTILIZADOS
A presente dissertação enfoca alguns conceitos fundamentais para
compreender como é possível construir uma educação no campo pautada no
diálogo com o mundo real, na valorização da cultura e da identidade, nas relações
que a geografia faz com a vida, com a política, com a natureza e com o lugar.
Os conceitos utilizados para desenvolver e embasar a pesquisa foram
terririo, identidade e cultura, lugar, campesinato e educação.
Território porque é a ocupação do lugar e do espaço, é uma necessidade
criada pela sociedade para estabelecer suas relações (CLAVAL, 1999). E também
segundo Milton Santos (2002), território é o somatório da população e do chão, é a
base do trabalho, da moradia, das trocas materiais e espirituais, da vida em si. Por
isso quando me refiro ao conceito território estou me referindo ao território usado,
aquele utilizado por uma determinada população.
Identidade porque no decorrer da dissertação é possível perceber que existe
um processo de construção da identidade baseado em atributos culturais que
prevalecem sobre outras fontes de significados (MEDEIROS, 2006).
No que se refere à colonização de São Sebastião do Caí, quando os
camponeses chegaram, iniciaram um processo de resgate do seu saber
acumulado historicamente. Na verdade é o conceito de identidade campesina que é
utilizado uma vez que me remete à queso da relação que os primeiros colonos
camponeses tiveram com as terras então devolutas de São Sebastião do Caí.
21
Também nesta questão, trago a referência que Margarida Maria Moura faz do
conhecimento deste trabalhador em relação ao tempo e ao espaço, e
principalmente, as relações que ele estabelece com a sua localidade e com a
população da cidade.
Cultura porque, como nos fala CLAVAL (1999), ela é a “soma dos
comportamentos, dos saberes, das cnicas, dos conhecimentos e dos valores
acumulados pelos indivíduos durante suas vidas” (p.63). E, também é considerada
como elemento fundamental para a constituição do espaço. O homem através da
cultura o mundo, por isso, considerei importante trazer este conceito para esta
pesquisa, pois me parece fundamental perceber e compreender a cultura que o
educando vivencia no seu cotidiano familiar. São crenças e valores acumulados por
toda sua história de vida e de seus antepassados. Negar esse processo de vida,
essa bagagem cultural certamente desmotiva o educando.
Segundo MEDEIROS (2006) a cultura tem um peso decisivo nos domínios
político, econômico, social e cultural, trata-se de representações que são
transmitidas de uma geração a outra.
A questão é valorizar, compreender o modo como os educandos vêem o
mundo e, então, desenvolver uma prática que alie a cultura e a identidade ao mundo
global, sem impor que este ou aquele é mais importante. Proporcionar que se
estabeleçam relações entre os acontecimentos próximos e distantes, entre os
valores e as diferentes culturas para que desta forma tornemos o ato educativo
formal um meio de viver o mundo sem esquecer ou abolir o cotidiano, o lugar, seu
mundo vivido.
22
Lugar, de acordo com Milton Santos, porque ele difunde a idéia de que a
consciência de mundo é obtida através do lugar. Também reforça que no lugar
existe a possibilidade de construção e produção da história de cada ator que vive
nele; ainda traz junto a este conceito toda a questão de que por meio do mesmo
temos a oportunidade de conhecer o mundo e até transformá-lo. Isto porque ao
mesmo tempo em que o lugar permite o acontecimento dos eventos mundiais, ele
não perde sua origem histórica nem suas especificidades. Ao contrário, elas se
reforçam em características locais, o que possibilita a realização de utopias, de
construção de uma consciência ampla de um mundo vivido.
Enfim me referendo em Milton Santos por entender que o lugar possibilita
vivenciar o mundo (SANTOS, 2002),
Educação, com enfoque na pedagogia freireana onde o educando é o sujeito
que pensa e vive, onde a educação é vista como prática de liberdade. E, ainda
porque, Paulo Freire traz em suas obras uma contribuição relevante que permite
construir uma educação e uma escola do campo condizente com suas
necessidades, com as histórias do educando e do lugar, enfim com suas
peculiaridades. Portanto, as referências educacionais com as quais esta dissertação
compactua estão pautadas na Pedagogia Freireana.
23
2 - RAÍZES RURAIS E CAMPESINAS
O campesinato teve sua origem ainda no período da colonização e do
império. Segundo SPEYER (1993), era uma classe que orbitava em torno da classe
senhorial e se sobrepunha aos escravos.
Eram os homens livres, não assalariados, nem escravos e muito menos
senhores de grandes propriedades; se estabeleciam pela posse em terras devolutas
ou em pequenos lotes de terras próprias que visavam à subsistência e o
abastecimento das povoações dos arredores. Ou, ainda sobreviviam do trabalho
rural que exerciam nas propriedades dos grandes senhores, cedidas em troca da
prestação de serviços, ou seja, o camponês produzia na terra os alimentos para sua
subsistência e para o consumo da casa grande.
Esses camponeses eram agricultores que com o auxílio da mão-de-obra
familiar produziam seus pprios alimentos e desenvolviam a policultura, a criação
de pequenos animais e até atividades artesanais. Tudo isso sem o apoio do
governo, apenas com suas próprias forças e seus próprios meios, que eram
tecnologias extremamente simples, baseadas no trabalho braçal, na rotação de
culturas, no descanso da terra.
Eram agricultores que sofriam um descaso completo por parte do governo e
da sociedade, pois não possuíam escolas, nem dispunham de qualquer infra-
estrutura básica e os problemas de saúde eram solucionados com chás caseiros,
fitoterapia, medicina popular baseada nos saberes construídos ao longo das
gerações passadas.
24
Mas, ainda assim esses bravos camponeses resistiam desbravando terras e
tornando-as “boa” para a agricultura. As características principais que os diferenciam
dos grandes latifundiários da época eram: a produção de subsistência em pequenas
áreas de terra, uma produção diversificada, o trabalho familiar, a produção do
excedente para o mercado interno, o conhecimento histórico sobre ciclos agrícolas,
seleção e controle de sementes, controle de pragas, tecnologias caseiras adquirido
através do saber historicamente construído por seus antepassados. E, além destas,
a maior das diferenças: o uso da terra e não somente sua posse. Daí a relevância
que tem a terra na vida do camponês.
Segundo MEDEIROS (2006), a importância do campesinato no Rio Grande
do Sul cresceu com a criação das colônias para pequenos proprietários alemães,
trazidos pelo governo português para colonizar o país, mesmo aqueles
colonos/imigrantes que vinham na condição de mão-de-obra, em substituição ao
escravo, contribram para a formação dessa nova classe social.
A criação dessas colônias, pelo governo imperial, é marcante na construção
da identidade camponesa no estado. É importante ressaltar que para essas colônias
foram trazidos agricultores, principalmente alemães, na condição de proprietários de
terra, o que fechava muito bem com o objetivo do governo, que era a ocupação do
espaço.
Esses espaços, considerados vazios pelo Governo, eram cobertos por mata
nativa e bastante distantes dos centros citadinos da época. Essa distância causava
isolamento entre as colônias e reforçava o fechamento dessas comunidades além de
compactuar para que seus hábitos culturais se fortalecessem principalmente através
do uso quase que exclusivo da língua materna.
25
Por esta razão os projetos de colonização posteriores tinham como objetivo
serem mistos para assim impossibilitar a criação de “quistos étnicos”.
1
O fechamento destas comunidades permaneceu por um período bem
significativo que inclusive foi acentuado pelo direito que esses camponeses tinham
de criar suas próprias escolas com educadores vindos da Alemanha. A cultura e a
identidade germânica, conseqüentemente, se fortaleceram e criaram uma barreira
impeditiva de absoão dos elementos culturais locais.
A identidade dos colonos/camponeses foi sendo construída tendo por base
essa transposição de culturas entre a terra natal e o novo espaço, que exigia dos
colonos um grande esforço.
Erros e acertos auxiliavam na construção de uma nova territorialidade. As
marcas da história de cada camponês iam se fixando nesse novo território e
iniciavam um processo de construção da identidade.
O território foi sendo construído com os símbolos e identidades próprios dos
colonos/camponeses, com isso a cultura de cada indivíduo foi contribuindo para a
formação de uma nova territorialidade.
Para CLAVAL (2001), a cultura exerce grande influência na construção do
espaço e as relações que se estabelecem neste espaço acabam por demarcar o
lugar e a cultura. O território passa a ser a ocupação do lugar, do espaço.
Quando falo em território preciso levar em conta o que ele significa, e nesta
pesquisa compactuo com o que SANTOS (1996) diz sobre território, que é um
1
WEIBEL, Leo. A colonização no Rio Grande do Sul. In Apud MEDEIROS, Rosa Maria Vieira Camponeses
Cultura e Inovações – 2006.
26
espaço vivido, usado por uma dada população. É uma questão de identidade, de
sentimento por pertencer a um determinado lugar.
E em relação à cultura que se estabelece no lugar é importante trazer o
conceito utilizado por CLAVAL (1999) quando diz que:
A cultura é a soma dos comportamentos, dos saberes, das técnicas,
dos conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante
suas vidas[...] é herança transmitida de uma geração a outra. Ela tem suas
raízes num passado longínquo, que mergulha no território onde seus mortos
são enterrados e onde seus deuses se manifestam”.(CLAVAL, 1999, p.63).
Embasado nesses sentimentos e representações o território foi sendo
construído pelos colonos/camponeses.
A cultura desses camponeses serviu de base para a construção de uma nova
identidade, no novo espaço, mesmo que novas experiências de vida o fizessem
avaliar antigos saberes e acrescentar outros devido às diferenças ambientais, aos
inúmeros obstáculos que precisavam ser transpostos a fim de estabelecer vínculos
com essa terra nova. Mesmo passando por estas transformações o camponês não
negava seus saberes historicamente acumulados, pois eles seriam o alicerce para a
nova vida.
2.1 - Rural e Urbano
Ainda hoje é possível observar essa forma de agricultura familiar, referendada
no campesinato, integrada ao mundo moderno, tanto na forma de produção quanto
em sua vida social, que não se resume apenas no modo de produzir no campo, mas
principalmente no modo de viver, de relacionar-se com a natureza, de viver em
27
comunidade. É o meio rural que se integra à sociedade global conservando sua
autonomia e originalidade.
Desde o início do século, esse meio rural vem sofrendo algumas mudaas
ligadas principalmente às relações complexas que se estabelecem neste cenário.
Entre elas se encontram as territorialidades, a nova relação campo-cidade, a
construção de identidades, mas também as transformações econômicas, políticas e,
principalmente, a questão cultural, ocorridas em todos os veis na sociedade
contemporânea que se totalizam sobre o meio rural influenciando e interferindo no
cotidiano vivido.
À medida que o rural brasileiro se transforma, que a agricultura familiar se
firma como uma possibilidade de valorização desse espaço, novas concepções são
formuladas e novos significados o sendo construídos e atribdos ao campo, ao
novo rural.
Essas novas concepções nada têm a ver com a associação que é feita ao
meio físico, onde o meio rural é visto como um espaço mais próximo da natureza
que serve de suporte para a produção alimentar, ou ainda um lugar em atraso que
es à espera da urbanizão para se modernizar.
Segundo QUEIROZ (1972), essa idéia de urbanização do espaço rural se
fundamenta ainda no Brasil onde à medida que as cidades iam crescendo e,
portanto, exigindo um outro tipo de abastecimento, os colonos/camponeses
acabavam se isolando e aos poucos sendo eliminados do comércio local.
Esses camponeses vendiam suas terras aos citadinos e se tornavam
assalariados destes, mas ainda permaneciam no seu local de origem que aos
28
poucos ia decaindo ase tornarem subúrbios das cidades, que as atividades
exercidas no local passaram da agricultura para a prestação de serviços.
O modo de vida urbana se difunde e a visão estereotipada do rural também, a
partir de um gênero cultural europeu burguês que incutia na população a idéia de
que os moradores das cidades possuíam boas maneiras, uma visão ampliada, um
certo vel cultural enquanto os habitantes dos meios rurais eram rudes e
embrutecidos devido ao seu trabalho direto com a terra. Essa afirmação, baseada
ainda em QUEIROZ (1972), se deu em diferentes épocas das cidades brasileiras,
conforme suas características específicas e principalmente conforme sua ligação ao
meio rural.
A expansão das áreas urbanas e principalmente do modo de vida urbano se
faz presente e com muita força em função do mundo globalizado, especialmente nas
últimas décadas.
E realmente, o modo de vida urbano influenciou as relações no meio rural,
principalmente no que se refere à cultura onde o modelo de homem faber foi
incorporado às áreas de produção do meio rural. Isso acabou por transformar as
relações de trabalho e a própria relação do homem com a natureza, com ele mesmo.
O uso de tecnologias avançadas, da informação e de estatísticas é uma
realidade nas áreas rurais, mas, todavia dizer que o espaço rural está perdendo
espaço para o espaço urbano é insuficiente, pois está crescendo uma nova
concepção e uma valorização do rural.
Exatamente neste momento de re-valorização e de construção de novas
concepções surge um novo personagem distinto do ancestral camponês, gestado a
29
partir dos interesses e iniciativas do Estado. Mas mesmo esses “novosagricultores
familiares modernos enfrentam os novos desafios com as armas que possuem e que
aprenderam a usar ao longo do tempo (saberes tradicionais passados por seus pais,
avós, etc).
Outras formas de agricultura familiar se multiplicaram nas sociedades
modernas conforme a importância da cidade e da cultura urbana; da centralidade do
mercado; da globalizão da economia. Os camponeses, agora chamados de
agricultores familiares, acabaram incorporando essas transformões.
As grandes propriedades ofereciam empregos temporários aos camponeses
cujo tempo de o-trabalho coincidia com as safras das grandes culturas. Esse
trabalho externo mostrava a necessidade que tem o camponês em tornar-se um
trabalhador assalariado, a fim de obter uma fonte de renda que suplementasse o
rendimento da sua produção (precariedade e instabilidade que sofre o
estabelecimento camponês).
Mas a agricultura familiar resiste, se adapta às exigências da agricultura
moderna guardando traços camponeses, enfrentando “velhos” problemas contando
com suas próprias forças.
O início da década de 70 foi marcado pela “evolução da agricultura”, através
da Revolução Verde. Esta “evolução” se baseou na industrialização do campo, na
modificação da tecnologia empregada na produção e também na modificação
gradual na forma de tratar o ambiente. Esta evolão trouxe profundas
transformões na forma de produzir no campo e isto seria positivo se o fossem
30
seguidas por aquelas que dizem respeito à aceleração das migrações do campo
para a cidade e à diminuição do trabalho humano no campo.
É importante ressaltar que a modernização do campo não se deu somente
com o aumento da utilização de máquinas, junto vieram sementes melhoradas,
insumos químicos e biológicos modernos, uma política de crédito rural (que
beneficiou os grandes proprietários de terra) e ainda as exportações de diferentes
culturas.
Conforme MARTINE essa tecnificação da agricultura produziu efeitos
positivos na industrialização do país, mas não trouxe ao agricultor familiar o
progresso prometido. Aparentemente o número de postos de trabalho no campo
aumentou, mas a remuneração e a estabilidade eram ínfimas. Com a
industrialização e a eletrificação do campo inicia o seu processo de urbanização
concomitantemente se multiplica o êxodo rural, o que acaba provocando um inchaço
nas cidades.
Era uma promessa de modernizar rapidamente o país, mas que trouxe como
resultados custos sociais bastante sérios como o difícil acesso a terra e a sua
especulação; a migração para as cidades na busca de outra fonte de renda familiar;
os efeitos nocivos do uso indiscriminado dos agroxicos.
A Revolução Verde adotou algumas estratégias para forçar o uso das novas
tecnologias pelos agricultores camponeses. Uma delas foi associar a produção
camponesa ao atraso, o que repercutiu não somente na questão da produção, mas
principalmente na vida social destes indivíduos que passaram a assimilar sua
31
cultura, suas tradições e seus costumes como ultrapassados. Passaram a negar seu
passado e foram forçados a ingressar nummundo moderno”.
Após esse pacote de modernizão que marcou e transformou a vida dos
camponeses, uma nova etapa vai colocá-los num circuito mais mundializado. Esses
camponeses/agricultores familiares deparam-se com a globalização. Os avanços
tecnológicos são rápidos e para se manterem no mercado ou se integrarem ao
mesmo buscam informações e correm atrás de um aprendizado que lhes permitam
fazer parte desse mundo globalizado.
As relações se complexificam, pois, a globalização inclui o mundo rural numa
nova lógica onde competitividade, produtividade e rentabilidade são agora fatores
que devem ser previstos. Essa gama de inovações traz como conseqüência um
calendário agrícola baseado nas novas técnicas, nos novos conhecimentos
adquiridos através da ciência. O saber tradicional sobre as leis naturais cede lugar
ao consumo, à produção, ao tempo do mercado mundial. Na maioria das vezes, as
condições naturais o precisam mais ser respeitadas em decorrência do uso de
novas tecnologias que chegaram e contagiaram o mundo rural/local.
As técnicas, antes passadas através das gerações, o agora referendadas
num modelo mundial, com objetivos extremamente pragmáticos. Neste momento os
vínculos com o lugar, a identidade de colono/camponês são sufocados e os
camponeses se tornam estranhos ao local em função de uma inovação tecnológica
e de um conhecimento científico adotado de forma rápida e impensada.
32
2.2 - O Camponês
Novos usos, novas técnicas, novos costumes invadem o meio rural. No lugar
que antes era de vida, de trabalho, que guardava a memória das gerações passadas
e que reproduzia a identidade da família, agora se concretizam eventos mundiais.
Aquele território que foi constrdo pelos colonos/camponeses para suprir
suas necessidades, garantir a sobrevincia da sua família ao se transformar trouxe
consigo necessidades que não o mais locais e sim, globais.
O camponês sente necessidade de se inserir no mercado. O desenvolvimento
de tecnologias, em especial da comunicão, traz informões até ele sobre
diferentes produtos comercializados na zona urbana e isto o leva ao desejo de
diversificar seu consumo. Para a aquisição destes novos produtos é necessário que
o camponês expanda sua produção destinando-a à comercializão e não apenas
ao autoconsumo.
As novas necessidades de consumo e de integração ao mercado, acarretam
também a procura de trabalho nas entressafras, seja nas cidades mais próximas ou
em outras propriedades. Quando sua mão-de-obra é utilizada numa outra
propriedade rural, ele ainda es fazendo uso de sua herança campesina, pois utiliza
seus saberes historicamente construídos para este trabalho e mantém suas crenças
e costumes. Contudo, quando vai trabalhar na cidade deixa “adormecidos” seus
saberes e ainda, por influência deste novo lugar de trabalho, modifica alguns valores
mantendo apenas resquícios destas influências. Por outro lado, a incorporação de
novos valores urbanos por parte desses camponeses acaba provocando uma
33
aproximão crescente entre o rural e o urbano, pelo menos em termos de hábitos e
costumes.
Outra possibilidade é quando o camponês migra para a cidade para buscar
trabalho. Ocorre aqui sua desruralizão, quando seus valores tradicionais vão
sendo abandonados ao mesmo tempo em ele não consegue incorporar os bitos
do trabalhador urbano e acaba por se transformar em um trabalhador marginalizado
que sobrevive de trabalhos espodicos.
Segundo ANDRADE (1995) o camponês brasileiro vivencia um processo de
empobrecimento, de desruralização e de desaculturação e somente com uma
reformulão séria nas políticas públicas agrárias será possível encaminhar o
campesinato, em condições de competitividade, para o mercado e, o camponês,
para participar desta vida, dita, moderna, mas com sua cultura sendo respeitada e
por que não valorizada.
Mesmo com todas essas dificuldades a agricultura camponesa resistiu e
cresceu, integrando-se à população pobre do país, exatamente por ser um símbolo
de resistência e força participante das transformões que estão ocorrendo na
sociedade, não como mero objeto e sim como sujeito, agente transformador e
consciente do seu valor. É ainda a agricultura camponesa, o trabalho braçal e
familiar do agricultor que produz os alimentos básicos que vão a mesa do brasileiro.
34
3 - CONTEXTUALIZANDO PARA COMPREENDER AS RAÍZES RURAIS E
CAMPESINAS DE SÃO SEBASTIÃO DO CAÍ
Alguns elementos históricos da constituição do território brasileiro, mas
principalmente do território do Rio Grande do Sul, serão abordados de maneira
breve com o intuito de contextualizar o panorama Brasil Rio Grande do Sul São
Sebastião do Caí.
Segundo DIEGUES JÚNIOR (1979) a organização social do território
brasileiro teve como base o meio rural. É neste meio que se estruturam os valores
culturais da população brasileira, portanto é com referência nesses valores que
devemos construir os parâmetros para a educação rural. Somente quando
internalizamos esse preceito, de que nossas raízes se encontram no meio rural, é
que poderemos compreender os valores que se instauram e são transmitidos
através das gerações para, então, valorizá-los e conseqüentemente torná-los como
referência para uma ptica educacional que tenha significado para os atores e
sujeitos deste meio.
A ocupação do território brasileiro esrelacionada com as idéias de domínio
e poder e ocorreu através da posse de grandes extensões de terras, divididas em
grandes lotes e doadas a quem possuísse condições de explorá-las, com a
finalidade de sustentar o mercado europeu. Ao mesmo tempo em que garantia a
posse desse novo território, este sistema de sesmarias foi o que gerou a formação
dos grandes latifúndios no Brasil, enquanto que a pequena propriedade se constituía
de forma ilegal, já que não era possível legalizar a posse da terra.
35
As alternativas para sobrevivência dos camponeses eram poucas, desde
formas ilícitas (roubo de alimentos) passando pela associação aos senhores de
engenho, até a ocupação das terras que ainda não tinham donos, para nelas
produzir o próprio sustento.
Esses colonos que se apossaram das terras com intuito de produzir
alimentos para sua sobrevivência e de sua família, deram origem aos primeiros
pequenos agricultores do Brasil que desde essa época foram marginalizados pelo
sistema por não participarem ativamente da cultura de exportação na qual vivia o
país.
A iniciativa de enviar imigrantes ao Sul do país vinha sendo cogitada desde o
início do século XVIII, pois esta era uma região que praticamente vivia sob o domínio
dos espanhóis, em função do Tratado de Tordesilhas fixar o domínio português
somente até Laguna.
Na primeira cada do século XIX, os campos gaúchos estavam todos
ocupados com as estâncias de criação que se distribuíam de uma forma bastante
irregular, tanto na região da Campanha quanto na dos Campos do Planalto. Mas as
zonas florestais continuavam ainda sem serem ocupadas, apenas em seus limites
com os campos poderiam ser encontrados alguns roçados, além da regular
penetração através de picadas em busca da erva-mate. Os povoados e as cidades
localizavam-se em campo aberto ou quando muito na borda da mata. A agricultura
desenvolvida era rudimentar, uma vez que o estancieiro considerava essa atividade
como algo que não era em nada compatível com a dignidade de um homem livre,
pois para ele esse era um trabalho a ser feito pelo escravo (MEDEIROS, 1998)
36
O povoamento luso-brasileiro, então, esmoreceu na fímbria da mata, até
aonde ia o espaço livre para rodar o laço ou atirar as boleadeiras; daí para diante
seria necessário alguém que soubesse manejar o machado e com ele abrir as
clareiras para tornar possível o uso da enxada e assim cultivar entre os troncos
abatidos
2
.
O poder público diante dessa situação, saiu em busca de novas alternativas
para o povoamento do sul. Buscava ele pequenos proprietários que se propusessem
a cultivar a terra juntamente com sua família sem que tivesse qualquer interesse na
criação de gado e no trabalho escravo. Foi na Europa então, que o governo
encontrou pessoas dispostas a emigrar dentro dessas condições. Para alcançar tal
fim o governo incumbiu-se de uma parcela desses imigrantes ficando o restante aos
encargos das províncias e de empresas particulares.
Foram os alemães que primeiro emigraram e constituíram as três primeiras
colônias européias organizadas no sul do Brasil pelo governo imperial. Uma delas
localizou-se no Rio Grande do Sul, a de São Leopoldo (1824); e duas em Santa
Catarina, a de São Pedro de Alcântara (1829) e a do Rio Negro (1829). Essa
escolha foi estratégica, pois visava ocupar pontos extremos de parte da estrada que
ligava o sul com o centro do ps, coberta por uma densa floresta virgem e que era
um local de constantes ataques de índios.
Este processo de colonização do Rio Grande do Sul ocorreu de forma
diferenciada do restante do País, entre outras razões, em virtude desta condição
fronteiriça que passava a idéia de que no sul a população estava acostumada a
guerrear, que por um período muito longo houve lutas entre castelhanos e
2 Nilo BERNARDES - Bases Geográficas do Povoamento do Estado do Rio Grande do Sul. IBGE, Rio
de Janeiro, 1963, p.30.
37
portugueses pela posse do território. Além desse, outros fatores de diferenciação
o evidenciados: a distância das terras do eixo polítco-econômico e da zona de
exportação; e a sua inadequação para a produção dos produtos tropicais como café
e açúcar. No entanto, estas mesmas terras eram necessárias e próprias para a
produção de alimentos que abasteceriam os centros urbanos do restante do país.
A fronteira, era uma preocupação constante do governo português pois era
necessário protegeresse ponto estratégico da costa sul; a distância contribuía
para consolidar um caráter diferenciado na formação social, econômica e política da
região; a produção de alimentos contribuía para este diferencial na colonização, pois
os imigrantes que chegavam aqui para colonizar a terra, enraizavam-se, fixavam-se
nela como proprietários e como produtores de alimentos, não só para subsistência, o
que facilitou a formação de núcleos coloniais.
Vieram assim, para o Rio Grande do Sul imigrantes-camponeses alemães em
busca de uma vida melhor, que no seu país, essencialmente rural, findava a
estrutura feudal e as cidades não tinham condições de absorver a mão-de-obra
sobrante desta transformação. Os filhos dos camponeses alemães viram na
imigração uma alternativa de vida, de sobrevivência.
Esses camponeses alemães chegaram ao Sul do Brasil e ao se instalarem
nas colônias marcavam de modo relevante o lugar, pois traziam consigo suas
aspirações, sua cultura, sua vontade e necessidade de sobreviver.
Possuíam, além disso, uma missão estratégica de guardar e colonizar o Sul
do ps, para isso receberam o pagamento de passagens, subsídio para sustentar
suas famílias, um mero de animais para iniciar a criação e ainda materiais
38
necessários para a produção nas terras. È importante ressaltar que essas vantagens
foram concedidas aos primeiros imigrantes, aqueles que vieram mais tarde
passaram por grandes dificuldades tal qual se passou com os açorianos.
As áreas que lhes foram concedidas eram as matas, as várzeas e as terras às
margens dos rios que necessitavam ser povoadas, onde esses imigrantes
camponeses passaram a desenvolver a agricultura, através do trabalho familiar.
Segundo BRUM (1988) até 1850, os “lotes rurais” eram doados aos
imigrantes camponeses, pelo governo. A partir desta data passou a vigorar a lei de
Terras, onde as terras eram vendidas e poderiam ser pagas utilizando-se do valor da
colheita. Estas ocupações dos imigrantes deram origem às pequenas propriedades;
à policultura, onde uma variedade de produtos era cultivada e o excedente vendido
no comércio local; à criação de outros animais (suínos, aves e bovinos), que serviam
tanto para o consumo familiar quanto para a comercializão; e ainda ao uso
intensivo da mão-de-obra familiar e à utilização extensiva dos recursos naturais.
Segundo MEDEIROS (1998) na ocupação do Rio Grande do Sul sempre ficou
evidente a existência de duas sociedades distintas, os agricultores na região de
colonização, ou seja, na metade norte do estado; e os estancieiros, moradores da
campanha. No norte prevalecia o regime agrícola enquanto na campanha o regime
era pastoril. Essa diferença se fez ainda mais evidente quando se acentua o
desenvolvimento das estâncias o que ocasiona a dominação do regime pastoril na
política, na economia e na sociedade no Sul do país.
Através da lei o governo institucionalizou a formão e consolidação da
pequena propriedade rural e configurou a política oficial deliberada de colonização,
39
institucionalizando a propriedade camponesa, mas fundamentalmente
“acomodando” essa população que poderia ameaçar o poderio econômico e político
do latifundiário.
Enfim a colonização no Sul foi fruto de uma política agrária, que ao visar,
ocupar e proteger as terras de possíveis invasões espanholas, conciliou os
interesses dos grandes latifundiários e daqueles que tentavam de alguma forma ter
acesso à terra. A luta de classes, entre camponeses e latifundiários se evidenciou
mais ainda e esta é uma luta travada com extrema desigualdade desde sua origem.
3.1 - São Sebastião do Caí – terras devolutas que precisavam ser colonizadas
A partir dessa breve consideração sobre a colonização do Rio Grande do Sul
é possível perceber a formão da estrutura social gaúcha e por conseqüência a
formação do território de São Sebastião do Caí.
A imigração alemã chega às terras devolutas do vale do Rio Caí, por volta de
1828, onde acaba se estruturando um comércio intermediário entre as colônias
centrais através do transporte fluvial.
São Sebastião do Caí foi uma das colônias centrais que, com seu comércio
intermediário, atendia tanto as colônias alemãs quanto às colônias italianas da serra
gaúcha, devido à navegação no Rio Caí que proporcionou um escoadouro das
riquezas dessas colônias.
40
Elaborado por José Carlos Ribeiro
Figura 1: Localização do município de São Sebastião do Caí.
41
Sendo uma das áreas de mata que precisava ser colonizada, cortada por um
rio, que no futuro proporcionaria um desenvolvimento significativo ao município, o
Sebastião do Caí foi doada a portugueses, através do sistema de sesmarias, que
deveriam desenvolver a agricultura com a finalidade de abastecer a região. Os
agricultores familiares produziam nestas terras cana-de-açúcar, alfafa, mandioca,
milho e cultivavam laranjeiras e bergamoteiras.
A produção colonial, em determinado momento, tornou-se o importante que
realmente atingiu os objetivos de abastecimento da capital. Entre as produções
agrícolas do município, nesta época (1930), podem ser destacadas as produções de
alfafa que por muito tempo abasteceram a cavalaria do exército e que também era
escoada pelo rio Caí através das barcas (Foto 1). Mas, quando mais tarde, ocorreu a
motorização do exército, esta produção diminui e passou a ser vendida em menor
escala para o Jóquei Clube de Porto Alegre. (Caderno Temático Agricultura e
Ambiente 2).
Fonte: Museu Municipal Vale do Cahy
Foto 1: Carregamento de alfafa para embarcar no porto. Início da década de 30
42
Nessas terras, pertencentes ao sesmeiro sr. Bernardo Mateus, existia um
ancoradouro que promoveu o desenvolvimento tanto do comércio local quanto do
povoamento do lugar. Através deste ancoradouro, mais tarde transformado em porto
e denominado Porto dos Guimarães (Foto 2), eram transportadas mercadorias e
distribuídas as riquezas produzidas na região, numa época em que as vias de
comunicação, principalmente a terrestre eram difíceis ou até inexistentes em certos
pontos do estado.
O rio era o elo de ligação entre o grande comércio de Porto Alegre e a Serra,
seu significado foi tanto que, através dele, se iniciou e se intensificou a economia de
toda região, fazendo com que o município se desenvolvesse e fundamentasse sua
economia não só na produção agrícola que possuía, mas também no comércio que
crescia em fuão da sua condição portuária que unia, através do porto, as
economias das regiões que circundavam São Sebastião do Caí.(figuras 3 e 4)
Foto 2: Cais do Porto dos Guimarães em 1910
Fonte: Muse
u Municipal
Vale do Cahy
43
Foto 3: Carregamento de madeira com destino a Capital 1920
F
onte: Museu Vale do Cahy
Fonte: Museu Vale do Cahy
Foto 4: Tráfego de carretas no Porto em 1922
44
Os vapores cruzavam o rio Caí levando a produção até Porto Alegre. Foi uma
época de crescimento na economia e de intensa produção agrícola no município.
Entretanto, quando foi construída a primeira estrada de ferro, que ligava
Caxias do Sul a Montenegro, o rio Caí e conseqüentemente o município de São
Sebastião do Caí, deixou de exercer seu papel fundamental, ou seja, a ligação
comercial entre a Serra Gaúcha e Porto Alegre. Como conseqüência a economia de
São Sebastião do Caí entrou numa fase de estagnação e de decadência.
3.2 - A identidade campesina construída em São Sebastião do Caí
A proximidade com o rio Caí possibilitou aos colonos/camponeses
desenvolverem a produção de hortifrutigranjeiros e de cítricos dando assim um novo
significado à economia local, sempre embasada no trabalho familiar.
A partir de então aconteceu uma nova dinâmica na agricultura familiar
reforçando a associação dos elementos que a constituem: família, trabalho e
produção. Esta estrutura acaba por refletir-se na economia e na sociedade como um
todo. A família passa a ser proprietária dos meios de produção trabalhando no seu
próprio estabelecimento (TEDESCO, 1999).
Aqui coma a construção de uma nova identidade com o lugar criada a partir
da transferência desta tradição camponesa. Neste momento o agricultor camponês
recorre ao passado, aos seus saberes socialmente construídos no seu distante país
para enfrentar o presente e garantir o futuro das suas gerações.
45
O saber tradicional torna-se uma estratégia para assegurar a sobrevivência
imediata e a garantia para as gerações subseqüentes. Com referências no saber
anteriormente transmitido por antigas gerões, o camponês transmite cada
aprendizado para projetar um futuro a sua família garantindo sua sobrevivência
imediata.
Para esses agricultores familiares a terra era o lugar de vida e de trabalho,
lugar que guardava e que permitia dar continuidade à memória, era o lugar capaz de
manter e reproduzir a identidade da família.
Segundo MEDEIROS (2006) a identidade se constrói e é um processo
contínuo que busca sempre a sua plenitude. A identidade dos camponeses em São
Sebastião do Caí foi sendo construída ao mesmo tempo em que se formava o
terririo. Isso por que esses indivíduos passaram a perceber sua importância como
atores participativos do processo de formação desse novo território, o que provocava
em cada um uma consciência de confraternizão, de solidariedade, portanto de
territorialidade.
O colono aqui foi considerado como camponês em função da identidade que
assume e da relevância que a terra tem para o seu sustento e para a sua vida. Para
os camponeses o uso da terra se sobrepõe a posse da terra.
Os colonos/camponeses construíram um processo de identificação com o
lugar. Cresceu entre eles um sentimento de pertencimento, de coesão, de partilha.
Era um espaço comum a todos e precisava ser partilhado. Constituíram redes de
sociabilidade e de coletividade e dessa forma deram sentido ao lugar e firmaram sua
identidade.
46
A partir do momento que o lugar passou a ter um sentido/significado nas vidas
dos colonos/camponeses iniciou-se a construção da identidade dessas pessoas
neste novo espaço, o lugar passa a ser considerado um ponto firme, onde se criam
vínculos familiares, culturais, sociais, políticos, etc.
Construir a identidade considerando a herança e preservando a memória
sócio-histórica era primordial para esses indivíduos que ainda procuravam firmar
suas raízes neste novo lugar. Os colonos/camponeses que se estabeleceram em
São Sebastião do Caí utilizaram a capacidade de preservar suas origens para
constituírem um território que lhes permitisse afirmar e viver suas identidades. Na
verdade, foi a relação com o lugar que trouxe esse sentimento de pertencimento e
consolidou uma cultura local, uma identidade no novo território.
Essa estrutura de comportamento camponesa, característica das sociedades
rurais, baseia suas vidas no interconhecimento, na solidariedade, na cultura própria
provinda de costumes específicos.
3.3 - A colonização alemã como formadora da identidade cultural de São
Sebastião do Caí
Apesar de ter sido colonizada por portugueses, no primeiro momento da
colonização, foi com a imigração dos colonos alemães que São Sebastião do Caí
construiu sua identidade.
47
A partir de 1824, os primeiros colonos, na sua maioria agricultores, chegaram
ao Rio Grande do Sul com uma intenção, por parte do governo, de constituírem
núcleos coloniais que se voltassem basicamente para a ocupação e fixação nas
terras.
A mata nativa foi sendo desbravada e os imigrantes/colonos foram se
instalando em lugares de difícil acesso. Estes espaços ficavam distantes dos centros
e essa distância acabava reforçando hábitos culturais, inclusive ocasionando uma
certa resistência de absorção aos novos hábitos culturais locais, provocando um
isolamento dessas comunidades e conseqüentemente fazendo com que se
tornassem fechadas. Como anteriormente falei, esta foi uma das razões pelas quais
o governo, no final da colonização, tomou como critério para os novos projetos de
colonização, que estes deveriam ser mistos para evitarem o que Leo Waibel
denominou de “quistos étnicos”.
Devido a esse isolamento, proporcionado pela localização geográfica das
colônias alemãs e em função da atividade agrícola que se baseava na pequena
propriedade rural, na agricultura familiar, na policultura e na economia de
subsistência, houve um fechamento em relação à difusão da cultura brasileira nestes
núcleos. Era um isolamento não geográfico como também social, pois os colonos
não participavam nem da vida econômica e muito menos da política. Somente
quando adquirem uma certa importância frente à economia estadual é que se inicia
um processo de integração.
Em função desse isolamento, os colonos alemães criaram escolas que
supriam e atendiam as necessidades internas do local, da comunidade, apesar da
educação não ser pré-requisito para o ingresso na atividade exercida pela família,
48
pois o conhecimento para pôr em prática as técnicas, eram ensinados pelos próprios
pais, já que os filhos ingressavam no trabalho muito cedo e desta forma contribuírem
com o rendimento familiar.
Segundo Aldair e Eliane no livro A colonização alemã no Rio Grande do Sul”
a educação como uma forma de integração social dos imigrantes à cultura, à vida,
no novo país não era inicialmente um dos objetivos do governo, nem tampouco dos
próprios imigrantes alemães. Tanto é que estas escolas, quando foram criadas pelos
próprios colonos, tinham como idéia inicial proporcionar um mínimo de instrução
para seus filhos o que era uma maneira de mantê-los integrados à cultura alemã.
A educação formal não era encarada como uma forma de ascensão social,
uma vez que os filhos dos colonos/camponeses desde muito cedo auxiliavam na
agricultura e para tanto não necessitavam de instrução formal. A escola servia
mesmo como fator de integração e perpetuação da cultura germânica.
A criação das escolas nestas comunidades alemãs contribuía para a
integração intra-local, mas refoava mais ainda o isolamento da vida em relação à
Província, pois se constituía num fator impeditivo de sua integração com as
comunidades locais, fortalecendo ainda mais a cultura da sua terra natal. Na
verdade, os colonos tentavam construir uma identidade neste novo espaço só que
através da transposição dos hábitos e dos valores de sua cultura sendo que até
mesmo os educadores destas escolas vinham da Alemanha. Esses educadores
além de exercer seu papel docente ainda se encarregavam das atividades
recreativas e festivas da colônia e atuavam como diretores de corais e de
celebrações religiosas.
49
Mesmo quando o governo tomou para si a responsabilidade com a educação
nas colônias, os educadores continuavam a ser parte da própria colônia e deveriam
falar a língua dos colonos, ainda que o ensino da língua nacional fosse obrigatório
por pelo menos duas horas diárias. Esta foi uma das tentativas do governo para
diminuir a distância entre as duas “sociedades”.
O governo rio-grandense, em 1920, quando assumiu a questão educacional,
encontrou um sistema próprio que atendia as necessidades educacionais dos
imigrantes e, portanto aos poucos foi introduzindo nas colônias as escolas públicas.
Como estas escolas eram gratuitas, desde o livro até o material didático,
exerceram vantagens sobre as escolas alemãs, que eram mantidas com os recursos
dos pais dos educandos. O colono como tinha dificuldades para pagar mensalidades
para os filhos, optou pela escola pública nacional.
Mas esta opção era seguida, pela família, somente quando esta já havia
adquirido uma melhoria de vida, um certo status econômico. Portanto os filhos dos
camponeses iam para as escolas nacionais na busca de um certo nível de instrução
num momento que não provocasse qualquer redução na produção agrícola familiar.
Enquanto se faziam necessários como mão-de-obra não eram liberados para a
escola nacional.
A educação atingiu seu objetivo de integração entre os colonos alemães e
a cultura nacional quando houve a integração da colônia na economia do Estado.
Até então, tanto as escolas alemãs quanto as escolas públicas nacionais
contribuíam no sentido de intensificar o distanciamento entre as culturas, pois
nenhuma delas conseguia realmente trabalhar com a realidade social na qual
50
estavam inseridas. A escola alemã só trabalhava a importância de manter sua
cultura e a escola brasileira não levava em consideração os saberes historicamente
acumulados pelos educandos, filhos de imigrantes alemães.
Este fato traz o seguinte questionamento: Será que, a partir de então, os
conhecimentos constrdos nas escolas passaram a ser tão genéricos que não
enfocaram mais as características locais, a cultura e a identidade que se construiu
ao longo dos anos nessas comunidades?
4 - O LUGAR: UMA DIMENSÃO QUE NÃO PODE SER IGNORADA PELA
EDUCAÇÃO
A real dimensão do significado do lugar na vida desses camponeses não
pode ser simplesmente ignorada quando eles entram para a escola, pois o lugar
acaba sendo o intermediário entre o mundo e o sujeito. A lógica trazida pelos
primeiros camponeses ainda se faz presente no modo de vida de cada sujeito que
habita aquela comunidade e por isso é fundamental entender a bagagem cultural
que esse novo lugar traz de um velho lugar, de uma cultura que sofreu influências
nacionais, mas que ainda é extremamente arraigada dentro de cada sujeito, dentro
das famílias, das relações sociais e políticas que são o reflexo de uma cultura que
teima em manter-se viva.
O lugar é o local da esperança, da cooperação, do fazer solidário, da
possibilidade de novas alternativas, da união de forças que possibilitam impor a
51
verdade e contrariar as influências que teimam em modificar a cultura, a identidade
construída, o espaço vivido, etc.
Atualmente vivemos o fenômeno da globalização onde o todo se reflete nas
partes e as partes também influenciam este todo, por isso a função do lugar se torna
primordial. Ele passa a unir a partir da cultura, da identidade, do equilíbrio, da
solidariedade entre os sujeitos que o construíram e estes sentimentos e ações vêm
contrapor a intensidade da globalização, que quer o domínio, a competição sem
limites.
É através do lugar que podemos ver o mundo e interpretá-lo conforme nossa
percepção “pois, nele, o recôndito, o permanente, o real triunfam, afinal sobre o
movimento, o passageiro, o imposto de fora” (SANTOS, 1994). As redes mundiais,
que chegam ao lugar, com uma força mais ou menos intensa, tentam condicionar o
lugar, mas exatamente por causa da força do lugar, ele absorve o que lhe é mais
significativo as suas peculiaridades. Por isso a necessidade de trabalhar tendo como
referência o lugar, sua cultura, a identidade que se construiu ali com o passar dos
tempos e que se consolida à medida que o fazer solidário se intensifica no mesmo.
Os lugares são um reflexo do mundo em função das influências e
interferências determinadas pelas relações globais, mas ao mesmo tempo em que
isso o torna semelhante aos demais também o diferencia exatamente por que o
lugar tem a qualidade de recolher dessas relações globais somente o que lhe
permite fortificar sua existência.
A inserção do sujeito no mundo acontece através do lugar desde que
estabeleçamos relações locais com fatos mundiais. Desta forma, possibilita a
52
compreensão do por quê esses fatores globais interferem o diretamente no local.
Esta contextualização permite o entendimento de que o lugar não é apenas aquilo
que podemos enxergar, tem por trás toda uma gama de relações sociais, de
trabalho, de poder que são estabelecidas em âmbito global e postas em prática a
partir de uma adaptação às peculiaridades locais.
O que acontece no lugar está articulado a complexas relações que acontecem
em outros lugares. A explicação para esses fenômenos que se concretizam no lugar,
não pode ser retirada somente do próprio lugar. Levar em conta o mundo e as
relações que ele constitui com o local é fundamental, por isso é tão importante que
se estabeleçam essas ligações/relações em outros níveis (regional, nacional e
internacional) e que estas sejam trabalhadas nas escolas.
O lugar é o quadro de uma referência pragmática ao
mundo, do qual lhe vêm solicitações e ordens precisas de ações
condicionadas, mas é também teatro insubstituível das paixões
humanas, responsáveis, através da ão comunicativa, pelas mais
diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade
(SANTOS, 1996 p.211).
No lugar convivem ao mesmo tempo duas razões, àquela que vem do mundo
e àquela que se cria no local e através delas podemos refletir sobre a nossa relação
com o mundo. Por isso é importante que o educando possa construir hipóteses,
representar, observar através desse todo articulado que é o lugar. Na verdade o
espaço mundo se concretiza no lugar e no momento que o educador percebe isso e
leva para a sala de aula a coexistência dos fatos globais e locais, ele trabalha com a
vida do aluno, com seu cotidiano, com sua realidade sem se prender a conteúdos
limitantes como casa, rua, bairro, escola, município, etc. Ao mesmo tempo em que a
geografia mais próxima é trabalhada e valorizada também os acontecimentos
53
externos ao lugar são compreendidos; outros lugares são contatados e isso permite
trabalhar o mundo de forma contextualizada e construtiva.
A identidade cultural que se constrói neste lugar também precisa ser
valorizada e trazida para a escola, afinal são valores que perpassam muitas histórias
de vida e que firmam a identidade das famílias nos lugares.
Essa identidade que lhes permite diferentes formas de se relacionar com o
meio, com o tempo e o espaço e que inclusive caracteriza as relões familiares,
comunitárias e sociais não pode ser esquecida quando o educando entra na escola,
afinal é sobre a sua exisncia que estamos falando, sobre seu modo de pensar e
agir, sobre sua história e de sua família.
5 - A EDUCAÇÃO NO CAMPO REFERENDADA NA PEDAGOGIA FREIREANA
Há um problema que precisa ser discutido e analisado, mas, sobretudo,
precisa ser refletido profundamente, pois sua origem esno início da colonização
do território brasileiro e ainda se sustenta na atual educação brasileira que tem
arraigada uma concepção muito tradicional de educação como perpetuação da
situação, das idéias e valores autoritárias da elite brasileira.
Perceber que concepção de educação essendo oferecida ao meio rural,
aos atores do campo, é um desafio e, portanto precisamos refletir sobre esta
questão. A educação do campo, do meio rural, necessita ser entendida no seu
54
sentido amplo de formão do ser humano, sempre tendo por referência a cultura, a
identidade e o saber do educando.
Educação e escola são pensadas para o campo, mas o modelo implantado e
tido como verdadeiro é sempre aquele que vem do urbano, da cidade. Poucosem
uma perspectiva de construir e pensar uma escola do campo em harmonia com suas
peculiaridades e problemas. A obra freireana traz uma contribuição relevante para
que se concretize essa nova perspectiva: partir dos saberes do educando, de sua
cultura, de sua identidade, para com ele construir um conhecimento significativo.
Sugerimos, com a reflexão que será feita sobre a educação do campo, uma
“interpretação rural” da obra de Paulo Freire, uma releitura de sua pedagogia.
Paulo Freire nos propõe uma leitura crítica do mundo através da leitura da
palavra. Acrescentamos que uma leitura crítica do mundo rural pode ser feita através
da análise do lugar, das relações estabelecidas no cotidiano, da história, carregada
de conhecimentos populares, construídos no decorrer do tempo e da existência dos
homens do campo.
A reflexão sobre a Educação no Brasil está referendada na Pedagogia
Freireana, nesta proposta educacional que o desloca a realidade da vida, nem é
imposta, mas sim, preserva os valores culturais e a identidade de cada educando,
através de uma visão articulada entre o mundo global e o lugar onde este mundo se
concretiza, onde o espaço do educando é vivido.
É uma visão pedagógica e talvez um método de aprendizagem que integrem
a geografia com a pedagogia nessa perspectiva que estou propondo, desde o icio
do trabalho, de valorização do lugar, da cultura local, do cotidiano dos educandos.
55
Dessa forma deverá fomentar, na comunidade do campo, a leitura do mundo tendo
por referência o seu mundo e as relações que ele estabelece com o mundo global.
Paulo Freire nos mostrou que a educação tem como princípio à
conscientização e, não é através de uma educação massificadora, que isola o
educando do mundo ou o aprisiona a valores que não são peculiares a sua história
de vida e da sua família, que conquistaremos uma educação realmente construtiva e
com significados valorativos ao homem do campo.
O homem do campo es no mundo e por isso precisa conquistar seu espaço,
reforçar sua identidade e sua cultura, para então ser e atuar nesse mundo
globalizado, não mais como um ator coadjuvante ou mero espectador e sim como
um sujeito que luta por seus direitos, partilha seus saberes e sua cultura porque vê
na educação, que ajuda a construir, uma ponte que o liga ao mundo, sem negar ou
esquecer seus conhecimentos e experiências acumulados durante sua história de
vida.
A gravidade dos problemas agrários no Brasil e no mundo, a urgência em
construir uma educação do campo que não seja um transplante de um modelo
urbano, me permite ousar, a partir dessa releitura da obra de Paulo Freire na ótica
do campo, refletir sobre educação e a possibilidade de construir coletivamente com
os sujeitos camponeses uma educação do campo, que valorize seus saberes, sua
cultura, sua identidade e todo processo hisrico que envolve a construção do lugar
onde ele vive.
56
6 - AS RAÍZES DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA COMO PANO DE FUNDO
PARA A COMPREENSÃO DA EDUCACÃO NO CAMPO
Contextualizarei, então, a educação brasileira a fim de permitir um
entendimento sobre as raízes dessa educação e, talvez assim melhor compreender
e refletir sobre a educação no campo. Por que ela foi deixada em segundo plano por
tanto tempo ou ainda por que, mesmo hoje tendo uma lei que a valorize, continua
sendo tão difícil fazer com que se construa uma educação baseada na prática e no
saber do homem do campo.
A educação no Brasil tem um processo histórico que está intimamente ligado
ao desenvolvimento da sociedade brasileira desde a época da colonização até os
dias atuais. A cada fato novo alguns poucos educadores da época reinventavam a
pedagogia nas escolas e, ao assumirem esta postura ganhavam consciência das
possibilidades de ver velhos temas com uma nova visão, muito mais crítica, ou seja,
sem otimismo ingênuo, nem idealismo utópico. Na medida que interpretavam de
forma diferente e mais consciente o mundo cotidiano, com seu tempo e seu espaço,
percebiam-se capazes de projetar uma nova Educação, com perspectivas mais
integradoras do homem com a sociedade na qual estava inserido.
Entretanto esta tomada de consciência do poder que tem nas mãos como
educador, que permite ao educando interpretar e compreender seu mundo a partir
dele mesmo, não foi uma tarefa cil e nem teve início nos primórdios da
colonização. Muitos séculos se passaram até que essa perspectiva conscientizadora
57
e transformadora da educação tivesse seu reconhecimento junto às elites e a
sociedade como um todo.
Cabe ressaltar que até os dias atuais essa nova perspectiva educacional nem
sempre é bem aceita, pois, ela conscientiza o educando e o faz pensar e agir sobre
o mundo vivido.
Essa postura que se assume com educador que não massifica, mas sim
conscientiza, faz parte de uma longa caminhada que está no início e, que na
verdade, não tem um fim determinado, pois sempre estará aberta a novas
possibilidades, desde que estas representem a inserção do homem no seu mundo
de uma maneira criativa, dinâmica e decisória.
Trarei, a partir de então, um pouco desse processo histórico no qual estão
enraizadas as questões educacionais do nosso tempo...
A característica principal da formão do educando brasileiro, do povo como
um todo, foi associada a questão do poder aliado a submissão, cuja procedência
es relacionada a acomodão e não integração (FREIRE, 1999).
A Educação Brasileira teve seu início com a chegada dos Jesuítas ao Brasil
que desde então foi marcada por direcionar-se à elite e não ao homem comum.
Os Jesuítas ao assumirem a educação formal, no início do período colonial,
estavam preocupados com a aprendizagem e o ensino da língua indígena, mas,
sobretudo, com a catequização. Esta preocupação com a difusão da entre os
habitantes do Brasil colonial fez com que fosse criado um sistema educacional
voltado aos interesses dos senhores de terras e da Igreja, onde o ideal europeu era
58
propagado. Era uma educação que se caracterizava pela superposição à realidade
brasileira.
Esse sistema perdurou por aproximadamente duzentos anos, se dirigia à
catequização, mas também à formão de sacerdotes e à preparação de jovens
para estudos superiores na Europa. Era um poder que estava nas mãos dos jesuítas
e que trabalhava em prol da exploração e do enriquecimento da elite.
Esse sistema foi destruído por Marquês de Pombal com o intuito de colocar a
educação a serviço da Coroa Portuguesa e não mais a serviço da Igreja. Essa
atitude foi catastrófica para a educação no Brasil por que se tratava apenas de um
plano político e a questão pedagógica não havia sido sequer cogitada.
Os Jesuítas foram expulsos e as atividades de catequização/educação que
eram desenvolvidas por eles foram reduzidas a “aulas régias”, isso porque o sistema
educacional não possuía infra-estrutura nem educadores especializados para
prosseguirem com os ensinamentos segundo as ordens do Governo.
As aulas régias eram autônomas, avulsas e isoladas, ou seja, o havia
qualquer articulação de uma disciplina com a outra e ainda eram lecionadas por um
único educador. Elas deveriam continuar suprindo a reduzida camada social que se
preparava para estudar na Europa e serem, ainda, ministradas exclusivamente em
língua portuguesa, maneira pela qual a Coroa portuguesa tentava firmar sua
dominação.
Os senhores de terras, os governo-gerais, vice-reis, etc continuavam
determinando como devia pensar e agir o povo. A pressão e as proibições a que
59
fomos submetidos durante todo o período colonial nos fez construir uma imagem e
identidade de silêncio, o povo era proibido de pensar, de falar, de crescer.
Quando a família real instalou sua sede do governo português no Rio de
Janeiro aconteceram algumas alterações na vida dos brasileiros que vieram reforçar
o poder das cidades em detrimento do campo.
As atividades urbanas estavam em evidência, surgem as escolas, as
bibliotecas, a imprensa e o ensino cnico.
Estas atividades marcam o início do declínio do patriciado rural. O poder dos
senhores de engenho e de terras, consolidado nos tempos coloniais, se transfere
para as cidades onde a burguesia enriquecia no comércio. Inclusive, os filhos destes
senhores que eram mandados para Europa voltavam com ideais citadinos muito
fortes, o que reforçava a idéia dos centros urbanos serem superiores aos rurais. Na
cidade se discutiam ideais como se fosse nos próprios centros europeus e a
realidade, o cotidiano, as identidades construídas até então eram desprezadas e
desvalorizadas. Só o que vinha da Europa era valorizado e tido como verdade.
Promover a Educação Pública foi uma preocupação que teve início na época
da Independência, mas somente pelo ano de 1827 é que houve o sancionamento da
primeira lei sobre Educação no Brasil. Contudo, esta Lei não passou de discurso, foi
muito bem escrita a fim de mostrar o quanto o governo da época se preocupava com
a educação popular, mas não saiu do papel.
Tudo isso ocorreu porque, como anteriormente foi dito, não havia interesse
das classes dominantes em proporcionar educação básica para a população, apesar
de que, ao final do império, a falta de instrução do povo brasileiro trazia certa
60
preocupação, pois desde esta época a idéia de progresso perpassa pela questão da
educação/instrução da população comum.
Diagnósticos da realidade educacional brasileira foram construídos nesta
época, como por exemplo, o parecer de Rui Barbosa em 1882. O mais interessante
ao pesquisar sobre isso foi perceber que este parecer refletia as necessidades
daquela época, mas, também mostra o quanto ainda hoje se faz necessário
constituir políticas educacionais públicas sérias e comprometidas com a educão
popular, ou melhor, com a educação brasileira no seu geral.
Enquanto se discutia educação popular se deixava de lado à educação no
meio rural, pois, esta se distanciava cada vez mais do sistema educacional vigente.
Era um sistema paralelo que atendia apenas as necessidades do meio.
A consolidação desse sistema paralelo ocorreu na Primeira República, onde
claramente se constituíam dois tipos de educação: as escolas secundárias
acadêmicas e as superiores para a classe dominante; e as escolas primárias e
profissionalizantes para o povo. Como o havia interferência do Governo Federal
nas leis que regiam a educação, cada Estado moldava a seu modo, a partir de suas
convicções e valores, o sistema educacional. Essa autonomia não significaria um
grande problema se, o governo Federal não tivesse beneficiado através de dotações
orçamentárias os Estados nos quais ele estivesse instalado.
Imeras discussões foram surgindo ao passar das décadas e em nenhuma
delas se levava em conta às necessidades da clientela escolar do meio rural. As
escolas desse meio eram isoladas, com apenas uma classe (hoje chamamos de
classes multisseriadas) e as aulas eram dadas por educadores improvisados. Hoje,
61
muitas escolas rurais ainda possuem essa característica como será visto mais
adiante no relato sobre o ensino educacional emo Sebastião do Caí.
A migração do homem do campo para a cidade provocou na classe
dominante uma “preocupação” em melhorar as condições de vida no meio rural para
dessa forma fixar a população camponesa na terra.
Iniciou-se, então, um processo de modernização tanto da vida social quanto
econômica do meio rural. Inclusive surgiu um movimento educacional chamado de
“ruralismo pedagógico” que visava fixar o homem no campo e desta forma esvaziar
as correntes migratórias que cada vez aumentavam mais (SPEYER, 1983).
nesta época existia uma disparidade muito grande entre o que se ensinava
nas escolas do meio rural e nas escolas dentro do meio urbano. Tal afirmação é
possível fazer se for considerado o crescimento do setor industrial e os constantes
investimentos financeiros neste setor, o que se refletia diretamente no setor
educacional, ou seja, as escolas se concentravam em centros com maior densidade
populacional e, portanto recebiam maior atenção política.
Mas em 1946, a partir de uma iniciativa do Ministério da Agricultura, foram
organizadas redes de escolas agrícolas com vel médio e superior. O Ministério da
Educação somente vai assumir esta função alguns anos depois e passa a promover
a expansão das escolas primárias rurais e a incentivar os cursos de Normal Rural.
Sua regulamentação se dá a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional n. 4.024/61; era uma capacitação que restringia a atuação das educadoras
apenas às escolas rurais.
62
Estes cursos exigiam apenas o primário (cinco anos) como pré-requisito para
a formação das educadoras rurais”. Enquanto isso, na zona urbana as escolas
normais exigiam como pré-requisito para ingresso o curso ginasial (quatro anos após
a conclusão do primário).
Aqui, pode-se observar e constatar que existia uma diferenciação de
tratamento e de qualificação entre as escolas rurais e urbanas. Além da capacitação
dos educadores, outro ponto que evidencia essa diferença, são os livros didáticos
que reforçavam a ideologia urbano-industrial como dominante e moderna. A
organização curricular também fazia questão de anular os saberes dos camponeses,
sua cultura e sua identidade e ainda impor uma cultura de modernização da
agricultura que se baseava na utilizão de venenos, de adubos, sementes e
créditos vindos a partir de um pacote norte-americano.
O ensino primário era a única possibilidade de educação do homem do
campo, isto quando este, normalmente criança, ainda podia ausentar-se do trabalho
na roça para dedicar algum tempo à sua formão.
A escola primária teve um papel decisivo na aculturação do homem do
campo, na negação de sua identidade em prol de uma ilusão de superioridade do
urbano sobre o rural. O conhecimento científico transmitido trazia embutido a falsa
idéia de desenvolvimento para o país e uma possibilidade de aumentar a produção
nas lavouras.
Os programas educacionais montados estrategicamente nessa época
fortaleciam o mito do agricultor atrasado, que não gostava de mudanças e
63
colaboravam com a desestruturação da agricultura familiar, dos seus costumes, seus
saberes, sua identidade, sua cultura.
Os educandos eram tratados como caixinhas vazias que precisavam ser
preenchidas com um novo e verdadeiro conhecimento moderno. Pior ainda, eram
“obrigados” a esquecerem seus saberes porque eles eram tidos como arcaicos.
Esse tipo de educação era o que Paulo Freire denunciava como uma educação
bancária onde o educando recebe os depósitos que se transformam em conteúdos,
falsos saberes. (FREIRE, 1987).
A formão do homem do campo, o tempo escolar que ele podia freqüentar já
era diferenciado e curto em virtude da necessidade que ele tinha de auxiliar na roça.
Portanto quando esse educando encontrava na escola uma aniquilação da sua
cultura, uma gama de conteúdos que não tinham significado algum na sua vida, ele
acabava por desistir de sua educação formal. Os poucos que permaneciam
vislumbravam um mundo que era muito diferente do seu cotidiano, mas que lhes
parecia (pois isso estava sendo incutido nele) muito mais atraente, pois trazia a
modernidade para a lavoura e propiciava o desenvolvimento do país.
No ensino secundário se oferecia também o ensino agropecuário, mas
certamente não se destinava a camada rural da população, pois era a nível médio e
como já dissemos o ensino primário era na verdade a prioridade do ensino formal
nas zonas rurais.
Com a lei n. 5.692/71, vieram as reformas na educação mas que não
trouxeram mudanças significativas para a Educação Rural.
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As experiências mais marcantes, a partir desta legislação, referem-se a
práticas realizadas com a educação de adultos, mais precisamente podemos citar
como exemplo dessas práticas inovadoras a Pedagogia desenvolvida por Paulo
Freire.
Ao longo dos anos, pareceres e resoluções foram surgindo na tentativa de
legislar efetivamente a educação no campo. Alguns pareceres, como por exemplo, o
Parecer 339/72, enfatiza a criatividade do educador no que diz respeito a adequar o
ensino a realidade onde estão inseridas as escolas:
A comunidade é rica de recursos com que pode a
escola contar para a complementação de seu esforço educacional. O
que não é o hábito dos educadores de abrirem-se para o mundo
exterior, cristalizados, como quase sempre estão, nos hábitos de um
trabalho formal que sabe valer dos instrumentos ditos didáticos e
presentes no intramuros do estabelecimento.(BRASIL, 1972).
Este artigo claramente se refere aos educadores formados e diplomados; os
legisladores “esquecem” que os educadores que atuavam no campo, na sua maioria
leigos, careciam efetivamente de capacitação e formão integral.
O meio rural explicitamente é lembrado no artigo 11, S 2 da Lei 5.692/71
quando se refere ao calendário escolar:
na zona rural, o estabelecimento poderá organizar os
períodos letivos, com prescrição de férias nas épocas de plantio e
colheita de safras, conforme plano aprovado pela competente
autoridade de ensino. (BRASIL, 1971)
Mas este artigo não chegou a ser executado pelas autoridades competentes.
Acreditamos que hoje, muito raramente, seja colocado em prática. Apesar da
educação no campo estar melhor embasada em leis e pareceres específicos, ainda
65
é necessário que os educadores que atuam no campo pressionem para que
efetivamente a lei seja cumprida.
Os legisladores nitidamente citadinos se preocupavam com uma educação
profissionalizante para o mercado e pouco pensavam nas possibilidades de
realização plena do homem do meio rural como cidadão, parte integrante e
fundamental da sociedade. É interessante ressaltar que ainda hoje os legisladores
o de origem citadina, salvo algumas exceções.
6.1 - A educação no campo hoje
Com a atual Lei de Diretrizes e Bases n 9.394/96 é que se reconheceu a
importância do modo de vida rural para a sociedade como um todo, além de
reconhecer que o espaço do campo e toda diversidade que nele existe são
fundamentais para a construção de uma educação que valorize a identidade do
homem do campo, seus saberes, sua cultura.
Esta nova Lei dispõe mais sobre a educação no campo principalmente no
artigo 28:
Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas
de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às
peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
l - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais
necessidades e interesses dos educandos da zona rural;
ll organização escolar própria, incluindo adequação do calendário
às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
66
lll – adequação à natureza do trabalho na zona rural.”(BRASIL, 1996
P. 21).
Nesta mesma Lei, o art. 23 S 2 ressalta, ainda, a questão do calendário
escolar adequar-se às peculiaridades locais e enfatiza que isto não deve reduzir o
número de dias letivos já previstos na Lei. Tamm o art. 26 dise sobre o currículo
com a base nacional comum e a necessidade de complementá-lo com referências
nas especificidades locais, regionais, culturais etc.
São artigos que contemplam alguns aspectos da educação no campo dentro
da LDB 9.394/96.
Mas, mais especificamente, sobre a Educão Básica nas Escolas do Campo
temos a Resolução do Conselho Nacional de Educação – Resolução CNE/CEB 1, de
3 de abril de 2002, que institui as diretrizes operacionais para a educação no campo.
Na verdade se percebe que se inicia um processo de reconhecimento da
importância do modo de vida rural para a sociedade.
Essa resolução chega ao público com o intuito de adequar as escolas do
campo as Diretrizes Curriculares Nacionais e refoa a necessidade de valorização
da identidade dos homens do campo, dos saberes e tempos que cada um traz,
como uma bagagem de vida, para a escola. A idéia principal é inserir o homem do
campo na sociedade através da educação escolar que
constituir-se-á num espaço público de investigação e
articulação de experiências e estudos direcionados para o mundo do
trabalho, bem como para o desenvolvimento social, economicamente
justo e ecologicamente sustentável. (BRASIL, 2002 p. 1).
67
Segundo esta resolução os educadores devem receber formão inicial e
continuada, e, ainda capacitação permanente. Durante a formação desses
educadores alguns componentes devem ser observados, tais como:
estudos a respeito da diversidade e o efetivo protagonismo
das crianças, dos jovens e dos adultos do campo na construção da
qualidade social da vida individual e coletiva, da região, do país e do
mundo; (BRASIL, 2002 p. 3)
Esta Resolução propõe a efetiva participação da comunidade camponesa no
que diz respeito às propostas pedagógicas que estão sendo desenvolvidas nas
escolas rurais, é uma tentativa de aproximação dos saberes tecnico-científicos e
culturais talvez uma valorização de uma população que por muito tempo foi
esquecida e relegada a um segundo plano na sociedade brasileira.
Voltando a questão de que as leis são idealizadas por homens citadinos,
acredito ser necessário explicar que, ao afirmar esta idéia, estou me referindo a um
legado que nos foi deixado desde a época da colônia, onde os ideais europeus eram
os verdadeiros e a escola se destinava à elite. Os legisladores têm como modelo de
vida os centros urbanos e a partir daí constroem as regras e as leis que irão reger o
ensino no campo.
São ideologias enraizadas e que ainda afetam nosso sistema escolar, a
formação de nossos educadores, por exemplo. Na verdade apesar da legislação
estar valorizando a educação no campo, efetivamente as pessoas que estão
trabalhando com os educandos do meio rural ainda não internalizaram e não foram
capacitadas no sentido de compreender a importância e de considerar na sua
plenitude os valores culturais e étnicos desses educandos.
68
6.2 - O educador do campo e os desafios de trabalhar numa perspectiva
educacional que valorize o saber cotidiano do educando
O educador ainda traz na sua formação uma idéia citadina de educação. Os
desafios do campo, de uma agricultura agroecológica, de uma valorização dos
saberes, ainda não compõe sua capacitação, sua formação.
É preciso mudar o modo de ver o mundo interno e o mundo
externo dando espaço para o surgimento de novos valores que lhe
orientarão e lhe permitirão organizar-se para esse novo
ambiente(MEDEIROS 2006 p. 44).
Questões fundamentais são deixadas de lado, a ênfase dos currículos está na
produção para ter, enquanto o homem do campo ainda acredita na produção para
ser, isto não significa que viva num mundo isolado e o pense naquilo que precisa
produzir.
Os livros didáticos distribuídos pelo Governo Federal ainda carregam uma
linguagem diferenciada/elitizada e os textos utilizados estão direcionados aos
interesses citadinos. Os enfoques dos livros didáticos partem dos centros urbanos
enquanto no meio rural, os interesses do homem do campo estão na terra, na
natureza, na diversificação de sua produção, no resultado se sua safra, enfim suas
expectativas estão voltadas para seu mundo, o rural, e, cabe ao educador perceber
estas necessidades para explorá-las e embasar sua prática pedagógica nesses
referenciais.
69
Não significa que os textos e todo material didático, referendados no meio
onde estão situados as escolas devam ficar restritos ao mundo rural, é necessário
criar relações globais e locais todo o tempo para que não se aliene o educando do
campo. Na verdade, quando falamos em referências no lugar estamos conjeturando
que a educação tenha um significado para o homem do campo, que reflita sua
realidade e possibilite a construção de novas estratégias para esta realidade, e
também, permita a ele ser um cidadão do seu lugar e do mundo onde este lugar está
inserido: Todo aprendizado deve encontrar-se intimamente associado à tomada de
consciência da situação real vivida pelo educando” (FREIRE, 1999 p.14).
Ler e compreender o mundo cotidiano é fundamental para participar dele e
agir nele. À medida que o homem amplia sua visão/consciência sobre si e o mundo
percebe relações antes “desconhecidas”, ou que pouco se destacavam na sua
visão, a partir deste momento o homem/educando percebe o que antes lhe parecia
despercebido, então, passa a desenvolver seu potencial de captação e de
compreensão deste “novo mundo”, que o é mais uma realidade distante e sim
uma realidade em constante transformação, em processo e extremamente inter-
relacionado com outros lugares, com outros acontecimentos.
Significar o conhecimento, para o educando do campo, tem a ver com a
questão de fazê-lo compreender o sentido das aulas, dos acontecimentos mundiais
e locais, e, à medida que isso ganha sentido ele passa a entender-se como sujeito
do lugar, responsável pelas ações que transformam ou não o local. Sentir-se como
sujeito do lugar em que vive para então atuar nele, isto é significar o conhecimento.
Se sentir sujeito e estar mediatizado com o mundo traz para o educando do
campo a percepção de como essendo construído o lugar onde ele vive, quais as
70
influências que estão sendo recebidas e principalmente como utilizar de forma
positiva essas influências mundiais no seu cotidiano seja escolar, seja do lugar.
Significar a educação no campo tem por pano de fundo fazer com que o
educando do campo perceba, de forma crítica, como ele está sendo no mundo com
que e em que se acha (FREIRE, 1987). É necessário que o educando ao entrar na
escola perceba que ela faz parte da sua vida cotidiana e que além de auxiliá-lo a
compreender, interpretar e perceber o mundo ela tamm valoriza o seu mundo, a
sua vida cotidiana, a cultura que ele traz todo dia para sala de aula.
Desencadear no sujeito a curiosidade pela leitura do lugar relacionando-a
constantemente com a leitura do mundo é uma proposta que permite compreender o
mundo e o lugar concomitantemente.
O educador do campo não pode entender a educação como um mero meio de
transferir conhecimentos, é necessário ter muito claro que em conjunto, com os
educandos e a comunidade escolar, será possível construir um conhecimento
significativo do lugar e do mundo.
E o educando precisa ser consciente e crítico para compreender e poder
escolher uma educação que o deixe em contato com a sociedade globalizada, mas
que de forma alguma negue sua origem, seu lugar.
Não adianta construir escolas nos meios rurais sem antes mostrar a
comunidade o quanto elas serão importantes para suas vidas. O homem do campo
tem que compreender a escola como um elo que o une ao mundo global, mas que
reforça sua identidade local, que valoriza seu saber e sua cultura.
71
Neste sentido apresentarei possíveis ações nas escolas rurais que iniciarão
esse processo de valorizão da cultura, da identidade, do lugar e do mundo global.
É um processo de pensar o homem/educando como sujeito, o mundo como
algo real e próximo e o lugar como o mediatizador da educação, tudo isso de forma
simultânea, até que conscientização e transformação não sejam falsas palavras e
sim uma prática pedagógica no meio rural.
7 - UMA PROPOSTA PARA TORNAR POSSÍVEL A MEDIATIZAÇÃO DO
MUNDO, DO LUGAR, DO SABER HISTÓRICO DE CADA EDUCANDO
DENTRO DO ESPAÇO SALA DE AULA.
A mediatização do mundo e do lugar, com o educando do campo traz
significão para a aprendizagem além de tornar mais concreta a percepção de
como o lugar es sendo construído, quais as influências que ele está recebendo e
como é possível utilizar essas influências globais de forma positiva no cotidiano.
Essa proposta de trabalho, de valorização do lugar e compreensão do mundo
vivido, pode ser realizada através de temas geradores, que são formulados sempre
tendo como referência o cotidiano, mas nunca deixando de relacionar o local com o
global.
A identidade com o lugar, o sentimento de pertencimento ao lugar e essa
responsabilidade de agir no local são fatores fundamentais para que o educando
torne-se um ser social, atuante, crítico e transformador.
72
A compreensão de que o lugar faz diferença no mundo, que o mundo interfere
no local e que o local também influencia no global são questões que devem ser
trabalhadas, pois assim constrói-se a idéia da força que o lugar tem no mundo. A
partir do momento que são problematizadas as questões locais e estas são
relacionadas às questões globais, o mundo, que tanto influencia no local, não fica
mais tão distante e inacessível e o educando se re-descobre sujeito instaurador do
processo de construção do lugar que vive e onde está inserida a escola.
Não existe uma pedagogia que se fundamente num trabalho isolado ou no
individualismo, mas sim na contextualização, na solidariedade dos existires e na
comunhão de uma crença de que educador, educando e comunidade devem ser
sujeitos do processo de educação, buscando sempre a superação do alienante e
principalmente construindo a conscncia de mundo.
É no lugar que se concretizam todas as relações, sejam elas locais,
nacionais, mundiais, econômicas ou informacionais, através do lugar adquirimos a
consciência do mundo, por isso estudar o local, o lugar, o particular é tão importante.
Partindo da concepção de educação baseada na conscientização e na
transformão do meio em que vivemos, ensinar o educando do meio rural
respeitando sua identidade, sua cultura, seu lugar passa a ser um desafio a qualquer
educador comprometido e engajado numa luta por uma educação não
massificadora.
O homem não pode participar ativamente na história, na
sociedade, na transformação da realidade, se não é auxiliado a
tomar consciência da realidade e de sua própria capacidade para
transformá-la, pois ninguém luta contra as forças que não
compreende. A realidade não pode ser modificada, senão quando o
homem descobre que é modificável e que ele pode fazê-lo. É
preciso, portanto, fazer desta conscientização o primeiro objetivo de
73
toda educação: antes de tudo provocar uma atitude crítica, de
reflexão, que comprometa a ação (FREIRE, 1980 p. 40).
7.1 - Integrando a Geografia e a Pedagogia freireana numa perspectiva de
valorização do lugar e do mundo vivido
Através da geografia é possível entender as condições de vida da
humanidade nos outros lugares e tempo, o indivíduo consegue entender-se no seu
tempo e lugar como sujeito das suas ações. Interpretar a realidade a partir de sua
dimensão sócio-espacial, propiciar a leitura do real pela mediação de conceitos
como espaço, lugar, paisagem, território é uma das finalidades desta área do
conhecimento.
Essa leitura a que se propõe a geografia traz para o indivíduo a compreensão
do seu lugar no mundo, que nos dias de hoje está altamente globalizado pelas
técnicas e pelas comunicações.
O lugar, referendando essa prática pedagógica, permite ao educando do
campo compreender porque os acontecimentos distantes exercem tanta influência
no local. A geografia do lugar não é apenas o que se enxerga, é na verdade uma
gama de objetos, relações sociais, ações que acontecem e determinam outras, é
uma análise que possibilita a contextualização do indivíduo com o lugar onde vive e
com o mundo que influencia muitas questões locais.
Segundo Helena Callai (2000), a contextualização do indivíduo com seu meio
traz indagações pertinentes ao passado e ao futuro, ampliando assim a noção de
que o cotidiano do espaço vivido é fundamental para o entendimento do mundo.
74
A concepção de lugar não se restringe a limites, paisagem, relevo, mas sim
tem a ver com os reflexos que o mundo produz neste lugar. As manifestações
globais totalizam-se no local com maior ou menor intensidade e são essas
manifestações que influenciam e interferem no cotidiano vivido.
O lugar é o ponto de encontro de questões locais e globais, é o resultado de
histórias de vida, é uma combinação de fatores econômicos, sociais, culturais.
Para estudar o lugar é preciso desenvolver capacidades de observação,
análise, interpretação e compreensão, ou seja, um olhar espacial que estude a
realidade social e as marcas inscritas neste espaço. A partir dessas capacidades se
compreende as relações coexistentes e configurativas do lugar.
Ao estudar uma determinada realidade, a geografia considera o espaço
construído a partir dos fenômenos sociais e da relação que a sociedade estabelece
com a natureza (CALLAI, 1998).
Segundo a mesma autora, a sociedade deixa suas marcas no espaço, estas
marcas caracterizam os lugares criando paisagens, resultantes da reação das forças
internas face a ação das externas(CALLAI, 1988).
A geografia estuda a realidade e lê o mundo através da paisagem, portanto, é
necessário ultrapassar a simples visualização da paisagem para que se possa
encontrar o seu real significado, as histórias que eso inscritas nela, pois na
paisagem é possível ver o resultado da vida dos homens e os processos de
produção que ali se estabeleceram. A percepção que temos do lugar está carregada
de histórias de vida, certas modificações não são naturais ou espontâneas, as
75
pessoas que viveram ali, os saberes que reinaram ali, as identidades que ali se
constrram e se fortificaram devem ser consideradas.
Não acaso nos lugares, uma hisria, um processo de
territorialização, existem razões, próximas ou distantes, que influenciaram essas
materializações, e estes são fatores fundamentais que merecem ser considerados a
fim de que exista uma real compreensão do significado do lugar.
Uma das coisas que deve ser levada em conta no ensino da geografia é a
importância e o sentido que a realidade tem, e que ela deve ser estudada de forma
contextualizada para que haja uma real significação.
A Geografia tem como uma das suas especificidades proporcionar ao aluno
uma forma mais consciente de entender o mundo, a sociedade na qual vive, através
da relação mundo-sua cidade-sociedade.
A contribuição da Geografia é mostrar ao aluno, através de análises, e não
somente descrevendo fatos e coisas, que o espaço onde ele vive é uma construção
que as pessoas, as sociedades fazem/deixam ao longo das suas vidas.
A questão da identidade cultural, de que fazem parte à
dimensão individual e a de classe dos educandos cujo respeito é
absolutamente fundamental na prática educativa progressista, é
problema que não pode ser desprezado (FREIRE, 2000 p. 46).
O educador que não propicia ao seu aluno uma experiência para pensar seu
próprio espaço, assumir seu papel de sujeito transformador na comunidade em que
vive, apenas treina esse aluno e torna muito pragmático o processo educativo
enquanto poderia promover discussões, análises, críticas sobre as relações que se
estabelecem.
76
Trabalhar conteúdos que não sejam alheios à vida cotidiana do aluno,
possibilitar o estudo da realidade onde esinserido, não de uma forma linear, mas
de um modo em que questões do mundo interliguem-se às questões locais permite
um maior entendimento sobre as transformões que ocorrem ao seu redor.
Construir essa noção de que os acontecimentos locais têm relação com os
acontecimentos mundiais é uma questão complexa, contudo, se o educador tiver
clareza e conhecimento sobre a vida do educando, sobre o local com o qual i
interagir fa crescer nele uma curiosidade e motivação para aprender, para
entender.
Esta é a forma com a qual o educador permitirá ao educando não ser um
mero espectador dentro da sua comunidade e como educador “devo saber que sem
a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo
nem ensino” (FREIRE, 2000, p.95).
Perceber que o lugar
não é apenas um quadro de vida, mas um espaço vivido, isto
é, de experiência sempre renovada, o que permite, ao mesmo
tempo, a reavaliação das heranças e a indagação sobre o presente e
o futuro. A existência naquele espaço exerce um papel revelador
sobre o mundo (Santos, 2001 p.114)
Isto possibilitará ao educador dar um sentido ao trabalho desenvolvido com o
educando do meio rural.
que se ter muita clareza de que o lugar não é apenas aquilo que todos os
dias enxergamos, seja do ponto de vista físico ou do complexo de relações, ações e
ligações que ali se estabelecem, e sim a concretizão das ações do mundo é que
configuram o lugar. Segundo Milton Santos (2000), Os lugares reproduzem o mundo,
77
de modos específicos, individuais e diversos. Eles são singulares, mas ao mesmo
tempo são globais e refletem as manifestações da totalidade-mundo.
Estudar o espaço é olhar o entorno, perceber o que existe, analisar o que
acontece. Esta é uma forma de ler a vida concretamente e que propicia a construção
de novos conceitos do espaço que vivemos e que aprendemos a pensar.
O espaço é construído a partir da história de vida de cada um que vive nele,
Segundo Santos (1988), os lugares combinam variáveis de tempos diferentes. Não
um lugar onde tudo seja novo ou tudo seja velho, pois a situação é uma
combinação de elementos com idades diferentes.
O lugar aproxima interesses locais e globais, na verdade é o ponto de
convergência destes, por isso o educador do campo tem como desafio fazer com
que o educando compreenda o mundo tendo por referência o seu lugar, pois como
já vimos, o lugar é um reflexo do mundo, é o mundo vivido.
É na realidade mediatizadora, na consciência que dela tenhamos, educadores
e povo, que iremos buscar o conteúdo programático da educação (FREIRE, 1987).
A prática de um método pedagógico que procura dar ao homem a
oportunidade de re-descobrir-se através da retomada reflexiva do próprio processo
em que vai ele descobrindo, manifestando e configurando(FREIRE, 1987 p.15) é o
que entendemos por conscientização.
Entretanto essa conscientização precisa fundamentar-se em transformações
muito coerentes com a proposta que se quer assumir, como base para essa
transformão saliento a importância do que foi proposto na obra Por uma educação
78
básica do campo, em 1999, e compactuo com ela para realizar as necessárias
transformões nos currículos, nas escolas, em nós educadores engajados e
comprometidos com uma proposta contextualizadora, indagativa, conscientizadora,
progressista e transformadora.
É fundamental que o papel da escola seja re-pensado e re-significado,
portanto assumindo-se compromissos ético/moral com os educandos que a
freqüentam, levando em conta que são pessoas singulares merecem respeito,
disponibilidade e seriedade por parte dos educadores (KOLLING, MOLINA,
CASTAGNA, 1999).
A escola tamm tem que assumir o compromisso de resgatar, conservar e
valorizar a cultura que ali se apresenta, no sentido de que cada educando sinta-se
parte de um processo com raízes no passado e perspectivas para o futuro.
A gestão da escola deve ampliar seu acesso para a comunidade, permitir
maior participação da comunidade escolar nas decisões e propostas, seja de cunho
pedagógico ou administrativo.
A escola precisa refletir sobre o modo como os educandos construirão seu
conhecimento, quais aprendizados mais significativos devem ser oportunizados,
voltando-se para a conscientização e transformão da realidade.
O currículo dessa nova escola tamm deve ser repensado, pois ele
processará os conteúdos da realidade que serão desenvolvidos, trabalhados,
questionados. Não há como imaginar aulas engessadas como principais meios
pedagógicos é necessário pensar um ambiente que realmente propicie a real
formação do educando (KOLLING, MOLINA, CASTAGNA, 1999).
79
Também é importante salientar que o currículo a ser desenvolvido na escola,
fundamentalmente, deve embasar-se na valorização do trabalho e na identidade
com a terra/lugar, mas não se pode deixar para segundo plano o trabalho com a
cultura, onde a valorização, o reconhecimento e a produção local serão aproveitados
e apresentados.
A qualificação e a formão continuada do educador que trabalha com
educandos do meio rural deve ser incluída num programa articulador que fortaleça a
comunicação e o pedagógico entre escolas e educadores com realidades
semelhantes.
Quando falo no educador como agente principal destas transformões estou
me referindo ao papel que ele tem em assumir-se como um ser comprometido com
uma educação transformadora e conscientizadora, reflexivo e pesquisador das
diferentes alternativas pedagógicas que vem sendo discutidas e apresentadas no
Brasil e no mundo. Principalmente me refiro ao fato de que é preciso ter consciência
de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a
sua própria produção ou a sua construção”.(FREIRE, 2000 p.25).
Esse comprometimento do educador a que tanto me atenho nada tem a ver
com uma idéia missionária, nem tampouco com uma perspectiva ingênua de propor
um manual do tipo como ser um bom educador
3
. Chamo a atenção para esta
questão por ela se tratar de um comprometimento político, de assumir uma postura
mais crítica, mais reflexiva, com envolvimento, entregas, paixões e brigas (FREIRE,
2000).
3
Grifos da autora.
80
“A educação é uma forma de intervenção no mundo” (Freire, 2000 p.110),
portanto é através do educador comprometido com uma educação progressista que
o educando aprende a pensar e reconhecer o espaço no qual vive.
A compreensão e o reconhecimento da força que a cultura e a identidade do
lugar exercem no educando do campo permitirão uma prática educativa realmente
construtiva, pois este educando aprenderá a apropriar-se do seu mundo para poder
transformá-lo, assumindo-se como sujeito do lugar, agente na construção do espaço
que vive.
Compreendendo o lugar em que está, é uma maneira de ampliar
significativamente o conhecimento de outros lugares, que estão distantes da
cotidianidade, mas que interferem na dinâmica da sua vida, do seu grupo, da sua
comunidade.
Para transformar profundamente a escola, o ensino, a aprendizagem no meio
rural é necessário um
conhecimento que vai se ampliando de maneira articulada a partir
daquela perspectiva acontecimental decorrente da perspectiva local, relativa
tanto ao espaço quanto ao encadeamento de acontecimentos que, naquele
momento, se apresentavam como portadores de necessidades de
compreensão e de ação por parte dos educadores e educandos envolvidos
naquele lugar.(REGO, 2003 p.286)
A “base geográfica dessa construção será o lugar, considerado como espaço
de exercício da existência plena”.(SANTOS, 2001 p.114).
Valorizar a educação rural dentro de um município não impede que as
crianças e jovens deixem de sonhar e buscar novas possibilidades de vida até
mesmo na cidade. Entretanto, esses educandos que participaram de uma educação
progressista e de valorização do mundo rural, certamente serão os adultos que terão
81
respeito por essa identidade, pela cultura, pelo lugar que guarda tão carinhosamente
suas raízes.
Mas essencialmente, trabalhar nas escolas das zonas rurais, sob uma
perspectiva de valorização do lugar quer mostrar e conscientizar educandos,
educadores e comunidade sobre a importância que a cultura, construída no lugar
pelos antepassados e a identidade camponesa tem para a sociedade caiense.
Nessa perspectiva de trazer para sala de aula o lugar, a identidade e a
cultura, inicio a próxima unidade, que trará a realidade de um município e as
possibilidades de trabalhar com essa educação progressista de valorização e
significão do conhecimento e saberes rurais.
82
UNIDADE II - CONTEXTO, RESGATE E VALORIZAÇÃO
83
Nesta unidade procuro mostrar a estrutura do sistema de ensino de São
Sebastião do Caí, ou seja, como funcionam as escolas neste município, em qual
realidade cada uma está inserida.
Ainda trago a questão principal da dissertação que são as escolas rurais e as
práticas desenvolvidas a então em cada escola, a desvalorização da realidade
rural, o desconhecimento das educadoras em relação a contextualização do
conhecimento, entre outros assuntos que no decorrer desta unidade serão
abordados.
Nesta unidade, principalmente, trabalho com a história de cada escola, com a
história dos educandos que iniciaram o processo educativo nas comunidades,
resgato a memória das escolas, a memória dos antigos educandos e educadores.
Nesta contextualizão retomo as memórias de cada comunidade, investigo em qual
momento houve uma ruptura entre o rural e a sala de aula, busco a re-valorizão
do lugar.
8 - CONTEXTUALIZANDO O LUGAR - AS ESCOLAS RURAIS DO MUNICÍPIO
A rede municipal de ensino em São Sebastião do Caí, no ano de 2001,
possuía vinte e duas escolas que atendiam nos níveis da educão infantil, da
educação especial e do ensino fundamental, dentre essas escolas onze se localizam
na zona rural do município. Foram escolas que o receberam atenção suficiente
por parte das autoridades municipais, exatamente por estarem situadas longe da
sede, nas zonas rurais. Eram chamadas de escolas do interior” e até mesmo os
educadores que trabalhavam nestas localidades não percebiam a importância da
84
geografia mais próxima do educando, a base educativa estava nos conteúdos,
valores, atitudes e habilidades da zona urbana.
A realidade rural parecia distante da escola, desde o calendário até o
currículo são pensados genericamente para toda rede municipal de ensino, ou seja,
as especificidades locais são ignoradas, a cultura e identidade construídas no lugar
o deixadas de lado a fim de que sejam cumpridos a listagem de conteúdos gerais
nos 200 dias letivos com as 800 horas aulas.
Cria-se uma desconexão do lugar, da identidade do educando com a
educação...
No início desta pesquisa o município de São Sebastião do Caí possuía 11
escolas nas zonas rurais, na sua maioria escolas com classes multisseriadas até a
rie do ensino fundamental, com exceção da Escola Municipal Pe Luiz Muller,
onde foi implantado o ensino fundamental completo, numa tentativa da Prefeitura de
criar uma escola pólo rural.
No decorrer da pesquisa foram fechadas algumas escolas rurais tais como:
E.M.E.F Gabriel da Silva Pereira localizada na comunidade de Campestre
Conceição (Escola Rural) e E.M.E.F. São Miguel, na localidade de Monjolo (esta
escola demonstra muito bem o quanto era o centro irradiador de cultura da
comunidade, pois quem participava das festividades, reuniões, etc eram as pessoas
da comunidade apesar de não terem mais seus filhos estudando na escola, por ela
oferecer apenas aa quarta série do ensino fundamental).
As demais escolas ficaram funcionando apenas com turmas de alfabetização
a fim de aumentar o número de educandos nas escolas lose economizar com
85
pessoal nas outras escolas que tinham poucos educandos matriculados, mas,
mesmo assim, necessitavam de uma estrutura completa (servente, educadora,
diretora, além da manutenção mensal tanto de materiais didáticos quanto com
relação ao prédio e a área da escola).
O sentimento de perda fica principalmente nas comunidades que se
empenharam e se esforçaram para em conjunto com a Prefeitura construir a escola,
me refiro aqui às escolas rurais do Município.
Para criar uma escola rural eram necessários 4 ha de terras que os
moradores das comunidades se empenhavam em vender mais barato, se
comprometiam em auxiliar à prefeitura na construção do prédio, colocavam todo seu
esfoo e sua esperança na escola que seria o elemento que iria promover e integrar
a comunidade. Nada era fácil, sempre houve sacrifício por parte da comunidade para
conquistar a sua escola.
Então, a medida econômica tomada pela administração municipal de fechar
as escolas com poucos educandos, provocou revolta em muitas comunidades e
estes movimentos reforçaram a certeza de que as escolas nos meios rurais, mesmo
não estando trabalhando com uma proposta de valorização do lugar, ainda
constituíam-se como parte da comunidade, muitas vezes sendo o seu centro
cultural. Mostrou também, que mais uma vez a identidade e a cultura que foram
sendo construídas e reforçadas no lugar pelos primeiros ocupantes das localidades
não têm valor para pessoas que tiveram uma educação baseada nos valores
citadinos.
86
As escolas rurais inseridas nas comunidades formam um centro de
fortalecimento da cultura do lugar, da valorização da identidade e quando são
substituídas por escolas-pólo negam aos educandos todo potencial que o lugar do
seu cotidiano possa vir a oferecer.
A escolha das escolas e das comunidades para a realização desta pesquisa
se justifica pelo fato de que nestas comunidades os pais dos educandos vivem
essencialmente da agricultura, seja através da produção de moranguinhos, da
produção de mudas cítricas ou da produção de rosas e crisântemos
4
. Mas durante o
trabalho de campo percebi a importância de acrescentar à pesquisa, a Escola do
Campestre Conceição que é uma das escolas rurais constituídas no município com o
empenho da comunidade e com uma história muito bonita, mas que por possuir um
número muito pequeno de educandos foi fechada.
Na figura 2 é possível visualizar as localidades rurais onde estão inseridas as
escolas municipais Pe. Luiz Muller na Vigia, Santo Inácio no Pareci Velho e Gabriel
da Silva Pereira no campestre Conceição:
4
Uma alternativa em função das pragas que afetam as safras especialmente dos viveiristas (mudas cítricas).
87
Figura 2: Localização das Escolas
Elaborado por José Carlos Ribeiro
88
Antes do relato das características de cada escola, vou contar a história delas
através do olhar e da fala de seus educadores:
A primeira escola da Vigia foi criada em 1890, foram famílias
católicas e evangélicas que se reuniram e construíram um pequeno prédio
nas terras doadas por Johanes Klein. Os educadores daquela época foram
Raimundo Rauber, Heinrich Knapp e Jacob Bender. Teve uma disputa
religiosa que acabou fechando a escola, os católicos queriam usar o prédio
pras missas, os evangélicos não gostaram da idéia, então resolveram os
dois grupos de fechar a escola. Os católicos foram rezar as missas na cada
de um morador e então os ânimos foram se acalmando e em 1.895 a escola
foi reaberta, muitos educadores passaram por aqui, mas a história da
escola como centro de cultura e identidade da comunidade aconteceu
quando em 1955 o educador Benno Seidel assumiu e ficou por 29 anos
como educador, diretor, agente da comunidade, confessor, amigo de todos.
Em 1970 foi construído um novo prédio com o auxílio da prefeitura este
funcionou até 1993(foto 5), então aumentamos a escola com o tempo até
hoje porque ela é escola. pólo. Marielena Bacedoni, diretora e educadora da
EMEF Pe. Luiz Muller.
Fonte: Cristiane Medeiros
Foto 5: Prédio atual da Escola Luiz Müller
89
No Pareci Velho, havia uma escolinha particular que era regida pelo
meu irmão Egídio, quando ele entregou a escola, por causa da idade dele,
eu assumi a escola, a escola era particular, mas subsidiada pela
prefeitura, os pais pagavam uma pequena quantia e a prefeitura
subvencionava o educador e quando eu assumi a escola eu achei pouco a
ajuda então eu movimentar a comunidade pra nós criar uma escola rural. E
não foi tão fácil assim, primeiro me informei em POA na secretaria quais
eram as condições necessárias pra fundação da escola. O nimo exigido
era 4 ha de terra, era na época do Brizola, havia uma família muito
interessada em participar na construção da escola ela ofereceu a terra por
um preço bastante razoável, mas e agora conseguir pagar... Então fizemos
uma pequena promoção entre a comunidade, umas festinhas, mas faltou
muito dinheiro, apelei pra prefeitura, o prefeito disse, eu tenho muito boa
vontade pra colaborar pra nós criarmos essa escola rural que no
momento a prefeitura não tem um centavo em caixa pra nós adquirirmos o
terreno, a área de terra. É impossível só se vocês dão um jeito de adquirir a
verba daí eu participo, eu disse então tem uma possibilidade porque eu
tenho umas economias eu posso fazer um empréstimo para prefeitura, ele
gostou, daí fizemos uma condição de 8 prestações para prefeitura resgatar
comigo e eu então comprei a área de terra e entreguei para prefeitura,
assim conseguimos a área de terra e a partir daí a prefeitura movimentou a
secretaria para construção da escola, então surgiu a escola. O material da
escola veio do estado a prefeitura administrou, assim surgiu o prédio
escolar da comunidade(Foto 6).Jo Finkler, 82 anos, professor rural
aposentado
Fonte: Cristiane Medeiros
Foto 6: O prédio da escola Santo Inácio continua
o mesmo,
salvo a pintura e alguns reparos.
90
Figura 3: Ata de abertura das atividades na escola Santo Inácio - Pareci Velho, 1955
91
Foi feito um abaixo assinado, juntaram os pais pra conseguir
dinheiro pra comprar os 4 ha de terras necessários e um vizinho vendeu as
terras com 20% de desconto e o prefeito se comprometeu de construir um
prédio provisório pra escola rural, até aí tudo foi fácil. Daí em diante o
trabalho ficou mais dicil porque começou a criação da escola rural, tinha
que fazer um dossiê na prefeitura, um documento com todas propostas e
então a escola foi criada em abril de 1957(foto 7).Miguel Azevedo, 74 anos,
professor rural aposentado.
Foto
7: Escola Gabriel da Silva Pereira na década de 70
Fonte: Maria anízia de Paula
92
Figura 4: Declaração de função da 2ª educadora rural da Escola Rural Isolda de
Campestre, atualmente Escola Gabriel Pereira da Silva.
Fonte: Arquivos da Escola Gabriel da Silva Pereira
93
Num universo de 11 escolas em localidades rurais, três foram pesquisadas
por apresentarem as características referentes à colonização, ao campesinato e por
se localizarem dentro da área agrícola, no centro das produções citadas. Reforço
que ao redor destas escolas estão as roças onde trabalham os educandos e seus
pais.
A Escola localizada no Campestre Conceição entrou na pesquisa, apenas no
que se refere aos antigos educadores rurais que atuaram em São Sebastião do Caí,
pois esta foi uma das escolas que fechou poro possuir um mero de educandos
mínimo.
As demais escolas objetos desta pesquisa são a Escola Municipal de Ensino
Fundamental Padre Luiz Muller (atualmente transformada em Escola Pólo) e Escola
Municipal de Ensino Fundamental Santo Inácio (atualmente trabalha apenas com
classes de alfabetização).
Estas escolas possuem características semelhantes, como relatado, tais
como: o corpo discente que na sua grande maioria é composto por filhos de
agricultores e produtores rurais; e as diretoras/educadoras que são pessoas
engajadas com a comunidade e estão abertas a novas práticas pedagógicas, mais
reflexivas e contextualizadas.
Na escola Padre Luiz Muller (Fotos 8,9 e 10) localizada na localidade Vigia, o
trabalho é realizado por onze educadoras; a diretora é a educadora mais
entusiasmada e de uma certa forma contagia suas colegas com sua vontade de
desenvolver projetos novos.
94
A segunda escola localizada em Pareci Velho, denominada Santo Inácio,
conta com duas educadoras cujo entrosamento é perfeito. A diretora, tamm
educadora, é muito ativa e juntas desenvolvem projetos que resgatam a cultura e a
identidade do lugar.
As diferenças entre estas escolas eso basicamente na localizão, uma vez
que se situam em localidades bem distantes (Figura 2), e na produção agrícola
desenvolvida no entorno de cada uma.
Na Escola Gabriel Pereira, situada no Campestre Conceição, apenas uma
educadora trabalhava com as crianças de 1ª a 4ª série. Não existiam projetos
relacionados ao cotidiano dos educandos, apenas trabalhos referentes a datas
comemorativas.
Com relação à produção no entorno das escolas podemos dizer que na
localidade da Vigia as propriedades possuem, em média, de 7 a 17 ha e, tem como
principal atividade econômica à olericultura
5
. São cultivados morangos, pepinos,
pimentões, tomates, melões, alface e brócolis, conforme tabela 1.
São cerca de 80 produtores que vivem nessa localidade e em dia cada um
deles produz o equivalente a 26 toneladas de olerícolas ao ano.
5
Ramo da horticultura que explora a produção de hortaliças, raízes, bulbos e frutos – Secretaria Estadual de
Agricultura do Rio Grande do Sul.
95
Tabela 1
Produção olerícula da localidade de Vigia, São Sebastião do Caí –
janeiro de 2006
Fonte: Secretaria Municipal da Agricultura de São Sebastião do Caí.
na localidade de Pareci Velho, o que caracteriza a produção agrícola são
as flores e as mudas cítricas. São produzidas cerca de 200.000 mudas de citrus ao
ano, entre bergamotas, laranjas, limões e limas. Ainda nesta localidade são
produzidas em torno de 593.000zias ao ano de rosas de corte.
As propriedades nesta localidade variam entre 4 e 8 ha. São noventa
produtores, sendo que 30 deles estão envolvidos com o cultivo de mudas cítricas e
60 com o cultivo de flores.
Na localidade de Campestre Conceição concentram-se 65 propriedades e
nestas se destaca o plantio de acácia e de eucalipto. São plantados 800 ha no total
sendo que em 59 propriedades somente plantam acácia e 6 propriedades trabalham
com o plantio de eucalipto. As propriedades desta localidade medem de 7 a 12 ha e
a maioria também trabalha com o cultivo de mudas de acácia e de eucalipto. Cada
Olerículas Quantidades
Morango 510 toneladas
Pepino 1.000 toneladas
Pimentão 420 toneladas
Tomate 150 toneladas
Melão 25 toneladas
Alface 2.800 dúzias
Brócolis 40.000 dúzias
96
produtor, no entanto, tem sua horta para consumo familiar e vende o excedente para
osvizinhos de final de semana”
6
.
O plantio de eucaliptos e principalmente de acácia teve início, nesta
localidade, na década de 40 em substituição da agricultura diversificada que se
desenvolvia na região, principalmente voltada para a produção de alimentos. É
importante ressaltar que o corte da acácia se faz sete anos após o plantio e os
colonos/camponeses viram nesta atividade a possibilidade de enriquecimento, sem
que fosse necessário muito trabalho, a partir da venda da casca para a extração de
tanino às indústrias de calçados, e da madeira para lenha.
No que se refere ao funcionamento docente das escolas, destaco que o
comprometimento dos educadores e a contextualização do lugar, da realidade rural
ocorre muito mais na escola Santo Inácio do que na escola Pe. Luiz Muller. Talvez
isso ocorra porque o número, tanto de educadoras quanto de educandos, seja bem
menor na primeira escola. Ou ainda, por uma questão de consciência sobre uma
prática pedagógica mais voltada para o cotidiano do educando, planejada em
conjunto, diferente da outra escola que ainda precisa ter esta prática desenvolvida,
trabalhada e refletida com o grupo de educadoras. Mesmo considerando que a
diretora da escola é educadora das primeiras séries do ensino fundamental e é a
pessoa que empreende, que mobiliza a comunidade, que leva adiante os projetos
pedagógicos embasados no cotidiano vivido dos educandos.
Para melhor identificar e compreender as estruturas e funcionamentos das
escolas foram levantados dados através de uma atividade de campo
7
.
6
São os novos vizinhos proprietários de sítios de lazer para finais de semana.
97
QUADRO 1 – ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DAS ESCOLAS
Estes dados foram organizados num quadro que melhor sintetiza e permite
comparar as informações sobre as Escolas Pe. Luiz Muller (Vigia), Santo Inácio
(Pareci Velho) e tamm Gabriel Pereira
8
(Campestre).
A análise deste quadro, portanto, me possibilita visualizar a estrutura das
três escolas, a sua clientela, a sua relação com a comunidade e os seus projetos em
andamento, comparando-as e percebendo sua inserção no lugar e na comunidade.
A maior escola em mero de educadoras e educandos é a EMEF Pe. Luiz
Muller além de ser a única nas comunidades rurais que possui o ensino fundamental
completo e que por isso foi designada escola pólo da região. Todos os alunos são
filhos de agricultores e de uma maneira geral estas comunidades participam
ativamente nas atividades propostas pela escola tais como a horta ecológica (foto 8),
plantas medicinais(foto 9) e minhocário(foto 10).
7
Atividade de campo realizada em 2002 para diagnosticar a realidade das escolas rurais do município. Foram
visitadas as 15 escolas municipais (11 rurais e 4 urbanas) para a realização do diagnóstico que serviu de base
para a elaboração dos Cadernos Temáticos dentro do Projeto de Extensão Consciência e Transformação, da
UFRGS em parceria com a prefeitura de São Sebastião do Caí.
8
Escola desativada antes do término desta dissertação.
Escola Santo Inácio Gabriel da Silva Pereira Padre Luiz Muller
Diretora Mariléia Vargas Jaqueline do Nascimento Marielena Bacedoni
Localidade Pareci Velho Campestre Conceição Vigia
Número de
educadores e
funcionários
2 educadores
1 merendeira
1 educadora
1 merendeira
11 educadores
1 merendeira
Números de
educandos
20 educandos 12 educandos 75 educandos
Número de
famílias
15 famílias 10 famílias 45 famílias
Profissão dos
pais dos
educandos
Agricultores Agricultores Agricultores
Produção
agrícola
desenvolvida
no entorno da
escola
Mudas de cítricos e rosas Acácia, eucalipto e subsistência Olerícolas
Séries/ tipo 1ª a 4ª série/multisseriada 1ª a 4ª série/multisseriada a 4ª série/multisseriada
a 8ª seriada
Projetos
desenvolvidos
Horta ecológica, História da
Comunidade, Fitoterápicos
Projetos pontuais: higiene pessoal,
prevenção de doenças, etc
Horta ecológica,
Minhocário, Fitoterápicos
Pontos
positivos
Comunidade participativa,
CPM atuante, integração
de planejamento,
entrosamento entre as
educadoras e entre a
escola e a comunidade.
Comunidade participativa com
disposição a auxiliar no que for preciso
para manter a escola.
Comunidade participativa,
direção escolar ativa.
Pontos
negativos
Não foram identificados. O cotidiano dos educandos não é
trabalhado como um projeto único, a
escola tem 4 ha de terra com pomar
que está praticamente abandonado.
Falta de planejamento
integrado entre as
educadoras que atuam de
forma moderada, não se
envolvendo ativamente na
proposta pedagógica
diferenciada da escola.
Outros
Educadora e pessoas da
comunidade com
problemas de câncer
Esta escola foi fechada por motivos
econômicos e causou um profundo
pesar na comunidade que via nela a
expressão de sua identidade, cultura e
educação. Era o centro comunitário,
tudo girava em torno da escola
Fon
te: Diagnóstico
98
Fonte: Cristiane Medeiros
Fonte: Cristiane Medeiros
Foto 8:
Educandos cuidando da horta
orgânica.
Foto 9:Horta de fitoterápicos, plantada a partir do caderno temático 3.
99
No caso da escola Gabriel da Silva Pereira a comunidade teve uma
mobilização significativa junto a diferentes instâncias governamentais no sentido de
impedir sua desativação. Percebeu-se neste caso que a educadora não respondia
as demandas da comunidade colocando-se à parte da problemática. Reflexo disso é
a ausência de projetos que envolvessem o cotidiano dos educandos e um certo
descaso à história daquela comunidade na conquista de uma escola em uma área
de 4 hectares de terra cujo objetivo era exatamente aprofundar o saber ligado à
terra. Esta escola, na época das escolas rurais, foi o centro cultural (fotos 11 e 12) e
recreativo da comunidade e continuou trabalhando desta forma, através de seu
CPM, organizando almoços(foto 13), cs e outras atividades de cunho festivo.
Fonte: Cristiane Medeiros
Foto 10: Minhocário constru
ído na escola por pais, educadora e educandos,
daqui sai o adubo orgânico utilizado nas hortas da escola e da comunidade.
100
Fonte: Maria anízia de Paula
Fonte: Maria anízia de Paula
Foto 11: Educadora e educandos numa prática de contextualização do cotidiano
vivido com a escola. Década de 70
Foto12:Educadora, educandos e comunidade escolar numa das atividades
integradoras realizadas na década de 80
101
Escola Santo Inácio traz para o cotidiano da sala de aula uma nova
preocupação: doenças decorrentes das atividades ligadas ao cultivo de flores, mais
especificadamente a incidência de câncer na comunidade. Esta constatação levou a
educadora a desenvolver o projeto de educação ambiental associado ao resgate da
cultura local e da identidade (foto14 e 16), da auto-estima e da valorizão da vida
(foto15).
Fonte: Jaqueline Nascimento
Foto 13: Atividade integradora comunidade e escola a partir de 1995
102
Foto 14: Educandos durante trabalho de campo sobre o resgate cultural da comunidade
de Pareci Velho
Foto 15: Educando cuidando da horta ecológica
Fonte: Mariléia Vargas
Fonte: Cristiane Medeiros
103
9 - RESGATANDO A MEMÓRIA DAS ESCOLAS E DAS COMUNIDADES RURAIS
Para realizar este resgate da origem das escolas foram entrevistados os
sujeitos que iniciaram o processo educativo nessas comunidades os antigos
educadores e antigos moradores. Tamm foram aplicadas entrevistas junto à
comunidade escolar com o objetivo de compreender como esta comunidade
percebia e percebe hoje a escola. Aos atuais educadores foi perguntado como
desenvolvem sua prática e quais suas concepções pedagógicas.
Além destas pessoas, inclnas entrevistas os profissionais da Secretaria de
Educação para tentar entender que concepção eles estão transmitindo à
comunidade educativa e se existe por parte do poder público municipal o interesse
em buscar a re-valorização do rural.
Foto 16: Poster sobre o Projeto de Resgate da Identidade e Cultura
Fonte: Mariléia Vargas
104
Elaborei um quadro a fim de organizar as fases que gostaria de abordar e
compreender:(Quadro 2)
Neste quadro foram relacionados os anos que marcaram a educação rural,
associados às políticas públicas que ocorreram para cada período. São estas as
Leis de Diretrizes e Base da Educação. Estes períodos possibilitaram uma divisão
em quatro fases e é a partir destas que foram organizadas as entrevistas. Foram
estabelecidas diferentes categorias de entrevistados que me permitiriam associar a
cada fase as minhas indagações com relação à educão rural. Na próxima Unidade
é que serão explicitadas cada uma das questões propostas e verificado se as
inquietações apontadas no quadro foram esclarecidas ou se aumentaram asvidas
pertinentes a elas.
Quadro 2 - Escolas Rurais de São Sebastião do Caí no período de 1920 a
2006
1920 1947 1961
1971
1996
2006
Escolas
Paroquiais
Escolas
Rurais
Extinção
das escolas
rurais e
unificação
do ensino
Autonomia
para as
escolas
LDB
4.024/61
LDB
5.692/71
LDBEN
9.394/96
1ª fase 2ª fase 3ª fase fase
Moradores
antigos das
comunidades
Comunidade
Escolar
Educadores
antigos
Secretaria
de Educação
Educadores
antigos
Educadores
atuais
Trabalho
com a memória
Histórias
de vida
Verificar o
rompimento do rural
na sala de aula
Revalorização
do rural (?)
Verificar
se existem
políticas públicas
para a
valorização do
rural nas escolas
Fonte: Organizado pelo autor
105
Com relação às entrevistas foram aqui transcritas apenas as respostas que
me pareceram mais relevantes e que me permitiram legitimar ou refletir sobre o
enfoque principal dessa dissertação, que é o entrelaçamento da Geografia com a
Pedagogia Freireana. Ao final de cada fase foram comentadas as relações
estabelecidas entre a fala dos entrevistados e os conceitos geogficos e
pedagógicos nos quais embasei toda pesquisa.
9.1 - Primeira fase
Na primeira fase foram entrevistados os moradores antigos das comunidades
e através destas entrevistas foi possível perceber que a escola, o estudo, era muito
valorizado pelos educandos, mas, o trabalho com a agricultura desde cedo os fazia
tomar decisões que influenciariam suas vidas:
[...] fizeram uma reunião da família, pra ver quem ia continuar
estudando, alguém tinha que ficar em casa pra fazer o serviço da casa, pois
a mãe trabalhava de sol a sol junto com o pai, eu era a irmã mais velha...
fiquei em casa cuidando dos irmãos e da casa. Não tinha infância pra
brincar a vontade, eu arrumava a casa, fazia o almoço e de tarde ajudava
na roça. Irene Christ, 62 anos – dona de casa e agricultora.
Na escola existia um certo respeito pela cultura trazida de casa, ou pelo
menoso se ignorava por completo que praticamente todos educandos eram filhos
de agricultores e que dividiam seu tempo entre a escola e a roça. Esta era a
realidade, o cotidiano desses educandos e do próprio educador.
Com relação à língua alemã, existia um pouco de medo “poispouco tempo
não se podia falar alemão, mas na hora do recreio era uma farra, as primas se
juntavam, e a gente falava alemão Irene Christ, 62 anos dona de casa e
106
agricultora. Os educandos eram obrigados a falar português e quando esqueciam,
eram repreendidos pelo educador, que por sua vez também era de origem alemã.
Em casa sempre falava alemão, depois na escola tinha que falar
português. Meu pai entendia um pouquinho português, minha mãe quase
nada [...] era uma época que foi proibido de falar o alemão, isso foi em
1943/44, foi por causa da guerra. Até o pessoal falava tudo mais alemão
a partir dali eles optaram mais nas escolas de falar o brasileiro. Maria Anízia
de Paula, 72 anos – educadora rural aposentada.
Uma das piores coisas que aconteceu na escola é que eu só falava
em alemão e no tempo da guerra foi tudo proibido, não podia mais
nenhuma palavra em alemão, em poucos dia nós mudemo o idioma e como
eu entrei com 7 anos só sabendo falá em alemão a educadora proibia. Paul
Molter, 72 anos - agricultor.
A proibição para falar em alemão, durante a 2ª Guerra Mundial, foi muito
marcante na vida dessas pessoas, pois esta era a língua falada na família e na
comunidade onde viviam. Ao ingressar na escola eles se deparavam com esse
obstáculo lingüístico. No entanto, mesmo sendo proibido falar alemão, os antigos
moradores das localidades preservavam a língua mãe em casa, nos encontros
familiares e em alguns acontecimentos sociais. Ainda hoje é possível verificar essa
questão cultural e de identidade noscleos mais afastados do centro da cidade.
Entretanto para alguns “na hora do recreio era mais difícil ainda a gente tinha
que ficar quieto. Os primeiros dias só se chamava pelo nome, aí foi se aprendendo
brincar, água e assim por diante. Em poucos dias a gente aprendeu”.Paul Molter, 72
anos - agricultor.
Mas para as gerações seguintes foi mais tranqüilo como representado na fala
a seguir:
Quando minhas irmãs entraram na escola foi mais dicil por que elas
pediam água e a educadora nem sabia o que era. Eu entrei e já falava
brasileiro porque a mãe foi morar num lugar onde os vizinho eram brasileiro
e quando a gente se esquecia e falava alemão os vizinho ajudavam a gente.
Iraci Berger Molter, 46 anos - dona de casa e agricultora.
107
Esta entrevista já mostrou uma outra fase da educação nas localidades
rurais, onde os educadores eram brasileiros e não precisavam obrigatoriamente falar
em alemão. Também aparece a integração entre os vizinhos, fossem eles de
origem alemã ou não.
A questão da origem alemã é muito forte e presente nos entrevistados, que
em nenhum momento se identificam como brasileiros e sim como “de origem alemã”,
mesmo que esta origem esteja bastante distante, ou seja, através de tataravôs e
bisavós.
Existem outros aspectos importantes nas entrevistas da fase, como por
exemplo, a relação que os entrevistados mantêm com a terra.
Todos entrevistados têm uma relação com a terra seja através dos familiares
mais antigos, seja através do sustento da própria família. Entretanto, com o passar
dos anos, muitos foram acrescentando outras atividades paralelas à agricultura a fim
de continuar o sustento da família, tanto que a geração mais nova o vive
exclusivamente do trabalho na terra, procuram outras formas de trabalho, como
operário de fábricas, proprietário de confecções, educador municipal, etc. Isso
demonstra que fica cada vez mais complexo para um pequeno agricultor trabalhar
na terra e tirar dela seu próprio sustento. Geralmente os filhos buscam novos
horizontes, mas, sem sair de casa.
“Meus pais sempre moraram na terra do cunhado, depois compraram a terra
deles, sempre trabalharam na terra, antes de terem a sua trabalhavam nos
vizinhos”.Irene Christ, 62 anos - dona de casa e agricultora.
O trabalho na agricultura não deu pra toda família. São 4 pessoas
adultas e o deu pra todos sobreviverem, quando jovens ajudaram na
108
agricultura, mas depois que o rapaz casou e a filha atingiu a maioridade,
cada um foi buscar seu sustento. Irene Christ, 62 anos-dona de casa e
agricultora.
Esta família continua vivendo da agricultura apesar de ter outras atividades: a
filha possui uma confecção e o filho trabalha com transporte escolar. Mas ainda
assim o dinheiro que mantém a casa é aquele que vem do trabalho na terra.
Morávamos na propriedade que era nossa mesma e dali saia o
sustento da família. Trabalhava com plantação de acácia, frutas, laranja e
bergamota. Essas coisas meu pai cultivava pra renda da família. [...] O
trabalho na roça mantém muito a família unida. [...] Da roça chegava todo
mundo junto, jantava junto, existe a união ali, é pai, é mãe, é filho, todos
chegam do serviço da roça juntos. O trabalho na terra tem isso de bom,
eles trabalham juntos, lutam por um ideal juntos, chegam em casa juntos.
Isso é muito bom. Neusa Maria Vieira 57 anos-dona de casa e vendedora
autônoma.
Esta entrevistada trabalhou com a terra a a adolescência; após o
casamento ficou mais ligada às lidas da casa e a educação dos filhos. Seus irmãos
também não continuaram trabalhando com a terra, cada um seguiu outra profissão,
principalmente na indústria.
Neste momento é importante salientar o quanto era atrativa a cidade, o
emprego na cidade, a participação na vida moderna
9
que a cidade proporcionava.
Naquela época os irmão preparavam e formavam os rapazes,
davam aula de consertar, trabalhar na terra, de trator, de tudo, mas pouco
resolveu... a cidade chamou mais a atenção os jovens abandonavam tudo
pra ir trabalhar nas fábricas. Paulo Pereira, 78 anos-agricultor.
Meu guri mais novo estuda de manhã, e de tarde trabalha na roça,
vende o que planta pros vizinho, de bicicleta. Eu quero que ele estude mais,
ele é bem inteligente, mas ele não quer, quer arruma outro serviço. Então
eu pago um curso de Internet pra ele, é que hoje em dia é preciso saber
lidar com isso. Iraci Berger Molter, 46 anos - dona de casa e agricultora.
Esta entrevistada ao mesmo tempo em que valoriza a produção do filho na
terra (Foto 17), como mãe quer que ele siga outros caminhos. Acha muito
9
Grifos da autora.
109
gratificante o trabalho na roça, mas como seu filho “é inteligente”, pode trabalhar em
outras coisas que não seja na terra.
A desvalorizão do camponês é tamanha e estão difundida na sociedade
que os próprios agricultores pensam para os filhos uma vida diferente daquela que
eles vêm construindo ao longo dos anos. A terra que antes permitia sustentar e
continuar a história da família hoje não é mais vista desta forma. O
camponês/agricultor se sente tão desvalorizado e seu trabalho tão sem importância
para a sociedade que ele o acredita mais que pode haver uma re-valorização do
trabalho na agricultura. Não pensa em mudar de vida, mas o consegue fazer com
que seus filhos permaneçam trabalhando na terra.
Eu sustento a família com o trabalho diverso, vendemo leite, fruta,
mas, eu tenho casa de aluguel, tenho acácia e eucalipto, minha mulher tem
criação de galinha, meus guri cada um tem sua horta, mas eles querem
trabalhar na cidade, fazê o que né? Paul Molter, 72 anos agricultor.
Durante estas entrevistas a percepção que cada entrevistado tinha e tem da
escola, da educação, dos educadores, merece uma atenção especial.
Nós caminhava mais de uma hora pra ir pra escola, era uma escola
bem boa, eles perguntavam sobre a nossa vida, a educadora fazia uma
Fonte: Zeca Ribeiro
Foto 17: Horta do
filho da D. Iraci
110
aula boa. A educadora era muito legal, se preocupava com a gente,
inventava umas coisa diferente no dia das crianças. Cada série tinha uma
educadora, é que eu estudava na Roseira, perto da fábrica de corda. A
escola era bem grande. Iraci Berger Molter, 46 anos dona de casa e
agricultora.
A gente achava boa, legal, a gente não conhecia outra escola e o
era muito bom educador. Ele conseguia dar aula pra todos anos juntos. [...]
Eu achava um pouco difícil todo mundo junto, nem sempre ele dava
atenção, não tenho queixa dele, era boa pessoa, boa família alemã. Ele era
muito durão, quando um não sabia o exercício ele dava bronca, todos
ficavam juntos na sala, aquilo deixava os outros meio tímidos, chateado,
uns nem queriam mais estudar. Irene Christ, 62 anos - dona de casa e
agricultora.
Eu ia a cavalo pra escola e a maior parte ia a pé, atalhando pelo
mato, caminhava por aqui tudo. Eu gostava, não queria falta nenhum dia.
Tenho até os deploma e as avaliação. [...] Naquela época a gente aprendia
o ABC, eu aprendi as consoantes, as vogais e juntava depois. [...] tinha
uniforme, a LBA dava guarda pra distribuir pros educandos mais pobres.
Os educadores nem sempre perguntavam da vida da gente, a gente ia pra
aprende a lê e escrevê e fazê matemática. Paul Molter, 72 anos agricultor.
O colégio era muito bom, era difícil chegar, tínhamos que caminhar
muito, isso dificultava muito por isso que muitos não estudavam até o fim,
no meu caso fui terminar o grau depois de casada, mãe, a já, por
causa dessa dificuldade, da distância, tudo era difícil, então a gente
acabava desistindo. [...] Estudei ao primário, os educadores eram mais
exigentes, faziam a gente estudar, nem sempre perguntavam sobre a
história das famílias, mas é que eles já nos conheciam. Neusa Maria Vieira,
57 anos – dona de casa e vendedora autônoma.
A escola tinha como objetivo ensinar a ler, a escrever e a fazer contas. O
planejamento do educador não contemplava os elementos do cotidiano daquela
comunidade embora fosse ele um elemento integrante da mesma. Sua vivência se
dava no mesmo lugar dos seus alunos, logo ele era um conhecedor das histórias de
vida de cada um deles, o que de certa forma constituía um dos eixos do seu
planejamento. Isto não acontecia de forma explícita, seu objetivo era outro,
entretanto, em momento algum, este educador deixou seus ensinamentos distantes
do espaço vivido de seus educandos.
111
Estes educadores eram profissionais comprometidos com a comunidade,
empenhados em ajudar os educandos e seus familiares.
De certa forma, era através da escola, no papel do educador, que ocorria a
integração das famílias e, realmente ele se encarregava de muitas outras atividades
além de ensinar a ler e escrever. Era o elo de ligação entre escola, comunidade e
igreja (foto 18).
O quadro atual não mostra esse comprometimento que os educadores mais
antigos tinham com a comunidade. Atualmente existe um abismo entre o educador e
o cotidiano dos educandos. Hoje o educador vai para a escola, ministra sua aula,
conversa qualquer coisa na hora do recreio, olha insistentemente o relógio para
saber o horário da saída. Essas atitudes não podem ser generalizadas, mas durante
o primeiro trabalho de campo quando participava das atividades escolares, das
Foto 18: Educador rural Benno Seidel, era também catequista – Vigia década de 70.
Fonte: Arquivo da Escola Pe. Luiz Muller
112
reuniões, das aulas, elas foram facilmente percebidas em todas as escolas
analisadas.
9.1.1 - Síntese
Nesta primeira fase é possível identificar o significado da identidade, da
cultura e do lugar para essas comunidades tradicionais. A identidade associada à
cultura alemã se expressa quando forte referência à alegria de estarem juntas e
falarem a mesma língua, mas na hora do recreio era uma farra, as primas se
juntavam, e aí a gente falava alemão”.
A identidade associada à terra, ao trabalho familiar, pode ser percebida
através desta fala:
Da roça chegava todo mundo junto, jantava junto, existe a união ali,
é pai, é mãe, é filho, todos chegam do serviço da roça juntos. O trabalho na
terra tem isso de bom, eles trabalham juntos, lutam por um ideal juntos,
chegam em casa juntos. Isso é muito bom. Neusa Vieira.
O conceito de lugar pode ser percebido, através da forte identidade da
relação com a terra, mais precisamente com “aquela terraou seja, o lugar. “Meus
pais sempre moraram na terra do cunhado, depois compraram a terra deles,
sempre trabalharam na terra, antes de terem a sua trabalhavam nos vizinhos”.
A cultura camponesa onde estava estabelecido que o irmão mais velho
tomaria conta da casa e dos irmãos mais novos pode ser percebida nesta fala:
[...] fizeram uma reunião da família, pra ver quem ia continuar
estudando, alguém tinha que ficar em casa pra fazer o serviço da casa, pois
113
a mãe trabalhava de sol a sol junto com o pai, eu era a irmã mais velha [...]
fiquei em casa cuidando dos irmãos e da casa. Irene Christ.
A escola era parte integrante da comunidade, assim como o educador era a
pessoa que interagia com todos. Essa relação estabelecida entre educandos,
educadores e a comunidade fazia com que o cotidiano fosse parte da sala de aula
sem necessariamente estar listado entre os conteúdos e as atividades que o
educador iria desenvolver, como bem expressa esta fala: “Estudei até o primário, os
educadores eram mais exigentes, faziam a gente estudar, nem sempre
perguntavam sobre a história das famílias, mas é que eles nos
conheciam!
10
9.2 - Segunda fase
Na segunda fase a comunidade escolar foi entrevistada juntamente com os
educadores mais antigos, nesta fase a idéia principal era verificar o rompimento
efetivo do rural com a escola, com a sala de aula e se realmente houve essa ruptura.
Procurei perceber durante a fala de cada entrevistado se: viviam da agricultura; o
que aprendiam sobre a história da família e por fim como eram as escolas (o acesso,
a questão da valorização da cultura, como é percebida a escola hoje, o que é
necessário mudar, se o lugar é valorizado em sala de aula e também foi questionado
sobre as classes multisseriadas –realidade no município até hoje).
As respostas dos educadores antigos com a comunidade escolar foram
mescladas, e conforme a profissão exercida pelo entrevistado foi dada uma certa
ênfase à pergunta, certo ou não foi uma forma de melhor entender e tentar confirmar
a questão do rompimento da escola com a realidade rural.
10
Os grifos desta síntese são da autora.
114
A maioria dos entrevistados sempre morou na colônia, a colônia é o seu
terririo, os pais eram agricultores e sustentavam a família com o trabalho na roça,
conforme indicamos no referencial teórico, como eram camponeses, a produção,
basicamente, era para sustentar a família “... era de tudo: milho, batata, feijão,
mudas (árvores frutíferas) e ainda criávamos gado, galinha, porco”.Irena Koch 72
anos.. Interessante perceber que mesmo com produções maiores, como no caso
das mudas frutíferas (Pareci Velho) e das hortaliças e moranguinho (Vigia) ainda é
possível ver entre essas plantações as hortas para o sustento próprio e o excedente
vendido para o comércio local ou para alguns vizinhos.
Meus avós tinham 10ha de terra, criavam gado e outros animais,
plantavam para manter a família e vendiam o excesso de leite na
vizinhança. A família vivia da agricultura, meu pai só foi mudar de ramo
quando eu e meus irmãos éramos jovens. Renato Klein, 66 anos
comerciante.
“Meu avô paterno e meu pai eram educadores, assim como minha madrasta,
mas sempre tínhamos uma plantação nas nossas terras, era mais pro consumo da
família”.Miguel Azevedo, 74 anos, educador rural aposentado.
Meu pai era educador particular, tamm se praticava a agricultura,
[...] o sustento da casa vinha da agricultura porque na época os pais
pagavam R$ 1,00 por mês para cada aluno e a maioria não pagava e ficava
devendo, então o pai tinha que tirar o sustento da família praticamente da
agricultura – José Finkler, 82 anos -educador rural aposentado.
A agricultura em grande parte das comunidades ainda é a maior renda da
casa, entretanto os filhos procuram outras atividades fora da agricultura:
[...] o trabalho na agricultura não deu pra toda família. São 4
pessoas adultas e não deu pra todos sobreviverem, quando jovens
ajudaram na agricultura, mas depois que o rapaz casou e a filha atingiu a
maioridade cada um foi buscar seu sustento. A terra era pouca, a safra é
muito variada, 1 ano se vende bem, outro muito pouco. Marcos Christ. - 64
anos.
115
Com relação ao sustento próprio dos filhos percebi que é uma idéia de
independência econômica, pois ainda moram com os pais e não participam
ativamente do orçamento familiar, do sustenta da casa.
A herança cultural, com relação ao sustento que a terra dá é tão forte e
presente nos entrevistados que mesmo tendo passado uma certa época da
juventude trabalhando na cidade de Porto Alegre Marcos Christ, após passar por
algumas dificuldades, resolveu voltar para São Sebastião do Caí, mais precisamente
ao lugar de sua origem, e investir novamente na agricultura e na plantação de
mudas frutíferas, como forma de sustentar sua família.
Com relação à história de cada família percebe-se que através das gerações
ela foi sendo contada como uma forma de valorizar as conquistas, o trabalho, as
dificuldades, as tradições, etc. Não foi possível perceber se hoje as histórias
continuam sendo relatadas para os netos e bisnetos.
A gente aprendeu mais coisas da família do meu pai. As histórias
dele nos ajudou no crescimento, meu pai sempre mencionou com muita
honra o trabalho que tinha desde criança [...] meu pai era o contador de
histórias. Renato Klein, 66 anos comerciante.
“Meu pai narrava as histórias sobre nossa descendência, ele tinha boa
formação histórica, quase foi padre jesuíta. Sempre contou esse lado religioso e da
educação que tinha na família”.Miguel Azevedo, 74 anos, educador rural
aposentado.
Sempre ouvimos nossos avós contando que somos família
tradicional, exemplares, que trabalhavam, lutavam, educavam bem os
filhos, que passaram por dificuldades, mas que o trabalho e a união da
família ajudou. [...] Meu bisavô paterno sempre contava que veio pro Brasil
com 4 anos e que estudou pra ser médico, mas não conseguiu, então se
formou farmacêutico, e minha bisa materna dizia que vieram ainda jovens
pra cá, e que vieram pra trabalhar na agricultura, pois sempre fizeram isso,
mesmo na Alemanha. Irene Christ, 62 anos – dona de casa e agricultora.
116
Mais uma vez é possível perceber com este relato que a origem dos
imigrantes que chegaram em São Sebastião do Caí eram camponeses e que vieram
pra com o intuito de continuar a vida do mesmo modo. Sua cultura se expressa
nas falas dos entrevistados.
Sempre tive uma educação em casa que buscou lembrar minhas
origens, a gente é de origem alemã, meus bisavós vieram da Alemanha,
não sei direito quais vieram, a gente tem a tradição da família alemã. Meus
pais e avós sempre contam essas histórias. Juliana Christ.
É possível perceber a forte influência que a origem alemã exerce nesta família
e, como esta, tantas outras famílias entrevistadas ressaltaram que a origem sempre
foi passada de vu para neto e que era necessário preservar esta origem.
Na escola o aprendizado sobre a família e seus costumes não eram
trabalhados. Como foi descrita anteriormente a finalidade das escolas estava em
ensinar a ler, escrever e fazer contas (introduzir novos conteúdos na vida dos
educandos) o cotidiano estava presente nas relações que os educadores
estabeleciam com os educandos e suas famílias.
“Era mais conteúdo, o era valorizada a história, vamos supor da família”.
Maria Anízia de Paula, 73 anos, educadora rural aposentada.
“Na escola o falávamos muito sobre nossas histórias, estudávamos numa
escola luterana que valorizava somente a cultura religiosa”.Renato Klein, 66 anos,
comerciário.
As escolas eram pequenas, quem sabia ler e escrever ensinava,
isto na época dos meus pais. Quando eu estudei confinava-se os
educandos das cinco séries primárias em uma sala, com um só educador.
Basicamente se aprendia ler, escrever e fazer cálculos, não respeitava a
cultura trazida de casa.– Marielena Bacedoni, 44 anos educadora de
séries iniciais e diretora.
117
A percepção que este educador rural tem da escola, na época em que era
aluno, se diferencia das outras pela riqueza de detalhes e devido a isso achamos
importante escrever na íntegra a sua resposta:
As escolas normalmente eram salas de aula em casas de família,
não tinham prédios, a não ser nos núcleos maiores, mas nas localidades do
interior muitas escolas eram na casa de família, por exemplo, meu avô deu
aula na casa do João Pereira, eram poucos os educandos. Miguel Azevedo,
74 anos –educador rural aposentado.
Também foi possível perceber que quanto mais recente a escolarização do
entrevistado menos ligação com o mundo rural existe na escola: “o que aprendi na
escola o tinha nada a ver com a o que vivia em casa. Até era estranho porque os
educadores todos eram de origem alemã e da agricultura, mas nenhum nunca puxou
por isso, eles poderiam ter feito alguma coisa pra buscar essa origem...”.Juliana
Christ – 28 anos. Nesta entrevista ficou bem claro a forte questão da origem alemã,
a entrevistada em momento algum falou que era brasileira, sempre fez questão de
salientar sua origem alemã, apesar de ser bem jovem. Na verdade a maioria dos
entrevistados e a maioria dos moradores do município têm essa concepção, mesmo
aqueles que não são de origem percebem como foi e é forte a questão da
colonização alemã para a formação do município e para a cultura em geral vivida
nas famílias.
O interesse maior dos educandos era aprender matemática, ler e
escrever bem, o resto, geografia, história eles o davam muito valor, mas
queriam principalmente ler e escrever e uma boa matemática e os
educadores puxavam com bastante severidade. A disciplina era muito
básica numa escola, quanto mais disciplinador o educador, melhor ele era,
né, [...] a repetência não era tão grande, também naquela época apela
severidade dos educadores os educandos se viam obrigados a estudar
mais, fazer os temas, então o havia tanta repetência como havia hoje.
Miguel Azevedo, 74 anos – educador rural aposentado.
Em poucas palavras a agente aprendia a ler, escrever e fazer
cálculos, as 4 operações, leituras e alguns conhecimentos sobre o
município, o estado e o Brasil, mas principalmente alfabetização, leitura e
os cálculos matemáticos. Falávamos sobre as histórias da família, mas era
muito pouco [...] .José Finkler – 82 anos educador rural aposentado.
118
As respostas anteriores se referem à percepção da escola enquanto
educandos, a seguir como eles vêem a escola hoje:
A escola onde trabalho prioriza a realidade dos educandos que são
na maioria filhos de pais agricultores, procuramos valorizar o que eles
trazem de conhecimento e reformular, reconstruir algumas práticas que
prejudicam o meio ambiente, o uso abusivo de agrotóxicos, fertilizantes e
adubos químicos. Hoje a escola tem que se preocupar menos com os
conteúdos e dar mais ouvidos ao aluno, o que ele quer, sabe, o que ele
deseja ou precisa aprender.– Marielena Bacedoni.
“A escola hoje escompletamente voltada pro individualismo, não valoriza o
conhecimento que o aluno traz de casa, ainda mais quando é um aluno que vem do
interior para o centro, nada se aproveita dele, sabe parece que nada tem valor”.
Darlete Teixeira 33 anos, funcionária pública.
“Hoje em dia as escolas estão mais dinâmicas do que quando eu era
educadora, algumas valorizam o que o aluno traz de casa, mas na verdade isso
depende muito do educador”.Marlene de Azevedo, 66 anos educadora regional
aposentada.
Uma das inquietações durante o trabalho refere-se à questão da criação das
escolas blicas em 1920, a reflexão feita sobre esse fato é: se que neste
momento a valorizão do lugar/realidade rural não ficou deixada de lado? Através
das entrevistas percebemos que para alguns houve o rompimento para outros este
fato, mais tarde, trouxe uma certa valorizão da realidade rural. Na verdade a
realidade rural era um fato e os educadores e educandos viviam num mundo rural,
não necessariamente refletiam sobre esse mundo, ou embasavam suas expectativas
escolares nesta realidade.
O fato do poder público estadual assumir e criar as escolas públicas não
interferiu na valorizão ou não da realidade rural, como vimos anteriormente, pais e
119
educandos tinham apenas um objetivo ao entrar na escola aprender a ler, escrever e
realizar cálculos, conseqüentemente, os educadores tinham o propósito de ensinar
exatamente isso, o cotidiano o precisava entrar para sala de aula, inclusive os
pais não admitiam que os filhos fossem trabalhar com o mundo da agricultura, isso
eles ensinavam em casa.
Quando as escolas se tornaram blicas os pais foram liberados de pagar
para que os filhos fossem instruídos, mas ao mesmo tempo os filhos comaram a
aprender somente o que o governo achava necessário:
“O estado esqueceu dessa parte, eles não tiveram interesse [...] não existe
interesse nesse lado de valorizão do lugar, da cultura, da realidade do
aluno”.Juliana Christ.
“Vieram às cartilhas elaboradas pelo governo, iguais para todo país, onde
ficava a realidade de cada município? Do aluno eno nem se fala! Tudo vinha de
cima, imposto, pronto pra ser colocado na cabeça da criança” – Marielena Bacedoni.
Por outro lado, a valorizão da realidade rural estava vinculada à formação
pedagógica dos educadores (ainda está!), mas, acreditamos que valorizar o saber
do aluno, o cotidiano vivido por ele e por sua família vai além da formação que os
educadores tinham e hoje m. Para respeitar a bagagem cultural de um aluno, de
uma comunidade é preciso que, tanto educador quanto governantes, tenham a
consciência que valorizar e educar tem a ver com escolhas, utopias, palavras,
ouvidos, paixões e esperanças que são guardadas dentro de cada um que escolhe
ensinar e aprender.
[...] É possível que em grandes centros ou em escolas onde os
educadores tinham formação pedagógica, o normal rural, houvesse uma
120
valorização do lugar e da realidade onde o aluno vivia [...] existiam as duas
possibilidades valorização e não valorizão da realidade rural. Alceu de
Paula 66 anos educador rural aposentado e atualmente educador
universitário.
Eu acho que não houve rompimento [...] porque a escola rural
começou a existir mais tarde [...] o que existiam no interior eram as escolas
paroquiais (particulares) ministradas por evangélicos e católicos e aquele
educador ligado naquele ambiente, aquele meio ali ele ensinava. com a
criação da escola blica essas escolas foram sendo desativadas por que
os pais tinham que pagar e nem todos tinham disponibilidade de pagar. [...]
o ensino rural foi incentivado bem mais depois. Por que quando estudei em
1942 até 1948, era escola primária, chamada escola isolada porque era
uma escola, mas com um só educador e depois passou a ser munida com 1
ou 2 educadores, mas não tinha essa distinção, o ensino rural veio mais
tarde à separação. Quando eu fui estudar na escola normal rural pra ser
educador rural, acho que é ali que houve o incentivo do ensino rural, por 48,
49, nessa faixa, mais ou menos, foram criadas as escolas rurais. Miguel
Azevedo.
Reflexão constante está também em como a escola traz para a sala de aula a
realidade rural, o lugar onde o aluno vive seu cotidiano? A maioria dos entrevistados
concorda com a importância da valorização do lugar na aprendizagem escolar.
Mas essa prática está muito vinculada somente ao educador, os entrevistados
não tem a percepção de que um programa político pedagico do município seria
muito importante, por que ele referendaria a prática desses educadores “diferentes”
e proporcionaria aos demais uma outra visão da aprendizagem construída por todos
e com uma significação maior para os educandos e a comunidade escolar.
“Depende da proposta pedagica da escola. [...] Atualmente muitas
instituições se preocupam com esta questão, outras não, ainda estão presas a
programas de conteúdos muitas vezes sem significado algum para o aluno”.
Marielena Bacedoni
Acredito que tem um discurso por de valorização da realidade
onde vive o aluno, mas as educadoras não fazem isso, elas estão mais
preocupadas com os conteúdos do que com a realidade dos educandos.
Muitos educadores estão pelo salário e poucos têm o ideal. Renato Klein.
121
Mas os educadores rurais têm uma outra percepção sobre a prática de
ensinar fundamentando-se na realidade cotidiana e no mundo:
Quando nós trabalhávamos como educador havia essa interação,
até, por exemplo, rádio, poucas famílias tinham, a 1ª TV no lugar foi a
nossa, nós reuníamos um grupo para ver TV e o resultado era levado
para casa, os jovens comentavam [...] eles sempre tinham uma história ou
outra pra trazer ou levavam da escola pra casa [...] alguns pais tinham
objeção – meu filho veio aqui pra aprender contigo e pronto, vem na escola
pra aprender a ler e escrever e o para trabalhar na roça ou na horta, não
pra aprender agricultura, isso eu ensino em casa. Mas a gente foi
devagarzinho levando coisas novas, eles então viam pela conversa e pelo
ensinamento diferente que os educandos levavam pra casa. [...] A gente
conseguiu incutir essas novidades. Miguel Azevedo.
A escola que possui educadores comprometidos e preparados traz
para a sala de aula o lugar, o país, o mundo e os diferentes mundos das
crianças. Isto tem que acontecer porque a escola poderá acabar sozinha e
vazia, pois a tecnologia e a modernidade caminham velozmente e estão
amparadas pela realidade, pelo contexto e os saberes que a escola pensou
ser de sua exclusividade, os quais estão disponíveis nos diversos
ambientes da Internet. A educação deve correr numa velocidade muito
grande, para tentar aproximar-se dos avanços tecnológicos e, porque não,
aproveitar os saberes dos educandos. Alceu de Paula
A vida rural fez parte da sala de aula, inclusive a maior vantagem foi
quando os educandos desenvolviam pequenos projetos agrícolas e levavam
pra casa estas técnicas, como preparar um canteiro, adubação, saúde
(figura 5). Tudo foi proveitoso e aproveitado da casa pra sala de aula, da
sala de aula pra casa.José Finkler.
122
Outra realidade nas escolas rurais do município são as classes
multisseriadas, desde um tempo longínquo (como pudemos perceber nas entrevistas
anteriores) até os dias de hoje, educandos de várias séries ficam na mesma sala
com apenas 1 educador, se o número de educandos de 1ª série ultrapassar 10
educandos, então, a escola tem direito a mais um educador que provavelmente se
encarrega da alfabetizão ( e séries). Achamos interessante perguntar aos
educadores mais antigos e a comunidade escolar o que eles pensavam sobre essa
prática:
Figura 5: Livro utilizado tanto em casa quanto na escola
pelo educador
Fonte: Arquivo da Escola Santo Inácio
123
Hoje considero que trabalhar com classes multisseriadas uma
grande oportunidade do educador se tornar multicompetente, pois tinha que
buscar alternativas para desenvolver sua ação pedagógica. [...] Os
educadores ou se tornavam bons profissionais ou repetidores e
transmissores dos conhecimentos. Alceu de Paula.
Nós podíamos dizer assim, tem duas situações, o índice de
aprendizagem e os problemas. No índice de aprendizagem até que
funcionava bem, os educandos maiores[...] ajudavam a corrigir o tema dos
menores, eu fazia isso, porque quando trabalhei no meu ano de
educador eu tinha 31 educandos e os de origem ale que vinham pra
escola não falavam nada em português, era uma briga[...] Depois numa
outra escola tive 68 educandos na sala de aula, do 1º ao primário,
sozinho, eram duas salas [...] eu separava e numa sala, 3ª, 4ª e na
outra, eu tava lá de uma sala pra outra ensinando os educandos. [...] os
problemas: era manter a disciplina [...], mas eu tinha esses educandos
maiores ( 17 ou 18 anos) e eles me deram uma mão muito grande pra
atender, corrigiam os trabalhos dos pequenos. Miguel Azevedo.
Foi uma dificuldade pra mim e pras crianças que tinha que ta tudo
bem preparado e ao mesmo tempo tu não conseguia passar o que deverias
passar para as crianças. [...] De primeiro eu fiquei com 1ª e 2ª séries, depois
fiquei com todas e quando eu saí, eu tinha um educador auxiliar, mas já era
menos educandos, de 68 foi pra 35.Maria Anízia de Paula.
A minha dia de educandos era de 50 a 70 educandos, hoje no
Pareci Velho tem menos da metade. Cada educador tem que estudar a sua
pedagogia, eu entrava na sala de aula, ocupava a rie, ia pra a 4ª,
depois pra e depois pra alfabetização. Era tudo numa sala , os mais
velhos até que ajudavam corrigindo os trabalhos dos menores. Era um
grande trabalho, mas muito gratificante. José Finkler.
Era uma grande dificuldade para os educadores e para os
educandos, eu lembro quando meu marido tinha quase 70 educandos em
aula, era uma loucura, mas ele conseguia trabalhar e os educandos
aprender. Hoje acho que é mais difícil, tem muita informação e os
educandos não respeitam tanto o educador. Marlene Azevedo.
Os educadores que estão atuando no magistério percebem as classes
multisseriadas desta forma:
“[...] Deixa um pouco a desejar e acredito que dependendo do educador pode
deixar muito a desejar”.Marilda Schubert, 38 anos educadora da rede municipal de
ensino.
Não podemos esquecer que o estudo deve ser contextualizado em
todos os sentidos, [...] a escola tem a riqueza nas suas mãos que são os
múltiplos saberes, mas os educadores vem esquecendo que a escola é um
dos lugares em que todos deveriam aprender compartilhando saberes e
experiências. O educador tem um poder nas mãos de trabalhar de forma
contextualizada e conjunta nas classes multisseriadas, mas acredito que ele
124
ainda não percebeu isso. Ilsse Santina da Silva, 52 anos educadora da rede
municipal de ensino.
“Essa forma de ensinar é muito precária, os educadores o sabem trabalhar
e não conseguem com todas turmas juntas”.Carina Martins Pinheiro, 27 anos
educadora da rede municipal de ensino.
A comunidade escolar tem uma opinião bem diferente, não faz como os
educadores que tentam enxergar os s e contras, relembram as dificuldades, mas
não se dizem contra, entretanto é necessário entender que o comprometimento
desses educadores era outro.
Na verdade a comunidade o aceita e não compreende como crianças com
diferentes níveis escolares fiquem na mesma sala, com apenas 1 educador, existe
um pré-conceito sobre a aprendizagem desta forma nas escolas, os pais pensam
que todos educandos juntos o vão aprender direito, que a escola do centro é
melhor porque tem 1 educador pra cada série por isso o ensino é mais forte, etc.
Existe escolinha com classe multisseriada bem aqui pertinho. Eu não
sou muito a favor porque mistura muito, porque a educadora tem um
quadro daí num momento ela vai passa para 1ª, num segundo momento
para a 2ª. Cada série tinha que ter atenção do seu educador. Juliana Christ.
Sou contra, mas tem comunidades com pouquíssimos educandos
então o jeito é juntar numa turma só, mas acho que não é a melhor forma de
aprender. Aqui a prefeitura fez as escolas núcleo está sendo bom pra
prefeitura, mas se falarmos em relação à história do local, as raízes, as
pequenas comunidades são prejudicadas.Renato Klein.
“Ela prejudica educador e aluno, pois nossos educandos estão cada vez mais
exigentes e para o educador é muito difícil dar conta dessa diversidade. [...] é
impossível fazer um bom trabalho”.Marielena Bacedoni.
Entretanto “eu estudei assim e tenho a dizer que foi a melhor escola que
tive, inclusive pra minha vida”.Darlete Maria Teixeira, 33 anosfuncionária pública
125
9.2.1 - Síntese
Nesta fase os conceitos que mais aparecem durante a fala dos entrevistados
o aqueles relacionados a cultura e a identidade campesina, assim como a
questão pedagica.
Mas também aparece a questão do território quando os entrevistados se
referem a colônia, lugar de conquistas e vida dos seus antepassados.
A identidade campesina pode ser percebida quando este entrevistado relata
que: “Meus avós tinham 10ha de terra, criavam gado e outros animais, plantavam
para manter a família e vendiam o excesso de leite na vizinhança.”
O lugar como local das vivências, da força e da garantia de um futuro para a
família também foi expresso quando um dos entrevistados após passar por
dificuldades na cidade retorna ao lugar de sua origem e volta a trabalhar com a terra,
utilizando os saberes que foram transmitidos através das gerações.
A cultura está presente quando a entrevistada relata que: “Sempre tive uma
educação em casa que buscou lembrar minhas origens, a gente é de origem
alemã, meus bisavós vieram da Alemanha, não sei direito quais vieram, a gente tem
a tradição da família alemã.”
A questão educacional, tanto em relação ao educador quanto em relação à
escola em si, a qual foi dada maior ênfase, durante as entrevistas aparece quando
os entrevistados se referem “as escolas estão mais dinâmicas do que quando eu
126
era educadora, algumas valorizam o que o aluno traz de casa, mas na verdade
isso depende muito do educador
11
”.
Também a prática pedagógica, de classes multisseriadas, adotada nas
escolas das localidades rurais é re-visitada quando os entrevistados colocam: “eu
estudei assim e tenho a dizer que foi a melhor escola que tive, inclusive pra
minha vida”. Entretanto: Sou contra, mas tem comunidades com pouquíssimos
educandos então o jeito é juntar numa turma só, mas acho que não é a melhor
forma de aprender”.
São as diversidades, mas estas fazem parte da construção de uma educação
pautada no diálogo e na libertação do sujeito.
9.3 - Terceira fase
A terceira fase tinha a intenção de verificar se estava havendo uma re-
valorização do rural, na sala de aula, no cenário educacional do município, então
foram entrevistados educadores antigos e atuais da rede escolar do município.
Essas foram às entrevistas mais ricas, deram um significado especial ao trabalho
desenvolvido. A história dos educadores, da educação rural, de como tudo comou
e se desenvolveu até os dias atuais, permitiu compreender com muito mais clareza o
que aconteceu com a educação rural, não apenas a vel municipal, mas também no
estado.
As escolas normais rurais, mais tarde regionais, fazem parte da hisria da
educação rural e principalmente da história educacional de São Sebastião do Caí,
criadas por volta de 1947 formaram muitos educadores caienses, se diferenciava da
11
Os grifos desta síntese são da autora.
127
escola normal principalmente por que era ao nível de ensino primário, hoje ensino
fundamental, enquanto as escolas normais equivalem ao ensino médio nos dias
atuais.
Entrevistei os educadores rurais que iniciaram o trabalho de educação rural
em São Sebastião do Caí, queríamos entender quais eram os pré-requisitos para
ingressar neste curso e o que realmente aprendiam nele que tornava o ensino
diferenciado e especializado para a educação rural:
[...] O governo tentando abranger o ensino na zona rural criou as
escolas rurais e aí pra trabalhar na escola rural precisava de uma formação
específica. [...] E essa escola normal rural ensinava as mesmas disciplinas
do ensino normal, [...], além disso, tínhamos as disciplinas técnicas, por
exemplo, agricultura, zootecnia, apicultura, bovinocultura, uma série de
disciplinas técnicas que a gente poderia ministrar no ensino rural, por que
as pessoas do interior tratavam, tinham animais, criavam animais, então, o
educador tinha que ter noção daquilo, como também aprendíamos técnicas
domésticas, certos tipos de alimentação, [...] até atendimento ao recém-
nascido nós tínhamos que aprender (mudança de fralda e tudo mais).
Agricultura em geral depois as especificações por cultura, por exemplo, soja
(que na época era a coqueluche do momento, foi quando começaram as
grandes plantações de soja no Rio Grande do Sul) e depois na zootecnia a
gente tinha especificações conforme o animal. Miguel Azevedo.
O pré-requisito para cursar o normal rural era prestar o exame de
admissão e tentar se classificar pra uma das 25 vagas que eram oferecidas.
[...] Aprendemos a produzir mel, fazer vinho de mel, sofrer picadas de
abelhas, plantar, colher hortaliças, lidar com bois, muita teoria de
Agricultura, Química, Física, Biologia, Horticultura, Puericultura, Zootecnia
[...] aprendemos a dançar, danças gaúchas, a cantar e declamar num
programa de rádio, fazer serenata pras colegas e namoradas e ainda
podíamos aos domingos a tarde ir à reunião dançante. .Alceu de Paula
Eu comecei a lecionar com o 5º ano que tirei na vila de Bom
Princípio, eu lecionei 5 anos com o ano deu fiz o normal regional [...]
eu vi a necessidade de ter mais estudo, o Heitor Selbach, o prefeito, ele
se informou [...] onde tinha as escolas regionais onde se formavam
educadoras [...] eu fiquei no internato 1 ou 2 anos o pai pagava depois fui
morar numa casa de família particular, daí era mais barato morar assim
numa família do que no colégio. Pra fazer o normal à gente tinha que ter o
5ºano primário e vontade de ser educadora e morar nas localidades rurais.
Anízia de Paula
[...] Os educandos aprovados iam estudar nas escolas que
geralmente eram particulares de congregações religiosas, mas tinham
convênio com o estado, mas o aluno ia pra como bolsista, ele tinha o
regime de internato totalmente pago pelo estado, a obrigação do aluno era
comprar os livros e a roupa, o restante o estado dava tudo. Nós saíamos da
escola normal rural, depois de formados, com a obrigação de trabalhar 2
anos para o estado pra pagar os 4 anos de estudo. [...] Claro a gente fazia 1
128
exame, 1 concurso e pela classificação o aluno escolhia onde trabalhar.
Miguel Azevedo
Questão, também, necessária ao trabalho era saber se efetivamente houve a
adequação do ensino conforme a realidade onde as escolas estavam inseridas, os
educadores que ainda atuam no magistério responderam que ou não tinham
conhecimento sobre a lei ou que poucas escolas colocaram em prática essa
decisão, entretanto os educadores mais antigos responderam: “Justamente as
escolas rurais foram criadas com esse objetivo, para que fossem trabalhadas dentro
da sala de aula atividades próprias da comunidade”.José Finkler
“[...] pra promover adequação do ensino não precisávamos de legislão e
sim de política educacional para a educação [...]” Alceu de Paula.
“[...] pela experiência que nós temos o objetivo seria mesmo de alterar para
melhor, porque o ensino rural era bem distinto do ensino fundamental”.Miguel
Azevedo
Após coletar as respostas para tal questionamento refleti quanto à relevância
que as leis, os pareceres, têm na prática das escolas, na prática dos educadores,
percebi que os educadores “sabem da existência das leis que regem a educação,
mas não existe um estudo mais aprofundado sobre elas, a fim de construírem um
maior entendimento sobre o que a LDB, por exemplo, pode proporcionar às práticas
educacionais de cada um.
As leis estabelecem diretrizes para que cada município construa suas práticas
pedagógicas de forma mais peculiar, muito mais próxima da realidade dos
educandos, entretanto o que realmente se concretiza dentro da sala de aula e das
escolas não é isso. Vimos que a realidade rural, o lugar, não estão presentes na
129
prática escolar, mas por quê? Que transformações seriam necessárias para que isso
acontecesse?
“Em primeiro lugar os educadores deveriam deixar de se preocupar tanto com
os ditos conteúdos mínimos e em segundo lugar o educador teria que se dedicar
mais para resgatar a cultura local”.Marilda Schubert
“[...] os governos e os gestores da educação foram levianos ao impor reforma
de ensino unilateralmente. A escola, o ensino rural deveriam ter recebido um
tratamento diferenciado e que atendesse a realidade da zona rural”.Alceu de Paula
“[...] pra transformar.... os educadores deveriam estar mais
preparados”.Carina Pinheiro
“A vida rural fez parte da sala de aula, inclusive a maior vantagem foi quando
os educandos desenvolviam pequenos projetos agrícolas e levavam pra casa estas
técnicas. Tudo foi proveitoso”. José Finkler
“[...] o currículo fosse programado a partir da realidade, com base na vincia
e experiência da localidade”.Marlene Azevedo
Mas, em função do número reduzido de educandos nas zonas rurais as
escolas foram sendo fechadas, “o que o Estado poderia fazer nas escolas, nesses
núcleos maiores era ter 1 educador na área rural que fosse ministrar esses
conhecimentos tentando fixar aqueles educandos que vem do interior estudar na
cidade ou numa vila maior, mas que ao voltar pra casa levam os conhecimentos
rurais pros seus pais. Isso deveria ser”.Miguel Azevedo
130
[...] Em 1960 fizemos um projeto de reforma do ensino rural. [...]
se previa, se sentia essa redução de educandos na escola rural, eu
comecei com 68 educandos, nesta época tinha 30 e em outras
localidades a zona rural tinha se tornado urbana, mas continuava sendo
rural [...] então começamos a conversa entre 5 e 6 educadores e bolamos
um plano de que acabasse com a distinção de escola rural e urbana. Que
fosse tudo escola e que em cada escola tivesse 1 educador de formação
rural para ministrar essas disciplinas rurais. [...] Bombardearam nosso
projeto, era inviável, antieconômico, nós estávamos tirando a finalidade do
ensino rural, eles nos diziam isso e nós dizíamos o contrário. [...] passado
um tempo veio a Lei 6671, do tempo do ensino primário, quando
transformou mais para o educador do que para o ensino, ali se falava no
aproveitamento racional do educador, às vezes, um exemplo, um educador
rural estava bem no interior atendendo 10, 12 educandos e podia levar os
conhecimentos que tinha a uma escola maior e de forma paralela ao ensino
fundamental. Miguel Azevedo
Esta proposta idealizada por esses educadores propunha a valorização do
mundo rural, a preservação dos valores e das tradições construídas ao longo da
existência das famílias. No entanto a proposta foi deixada de lado e isto trouxe uma
certa desilusão aos educadores:
[...] um aluno rural vai pra cidade, ele tem um meio de vida, ele tem
uma maneira de agir bem diferente do aluno da cidade, então ele até se
sente meio deslocado ali, aele se adaptar aquilo ele ta perdendo tempo.
É barato, é prático pagar uma condução, só que o objetivo da educação fica
prejudicado.Miguel Azevedo
A questão da valorizão do saber rural que o aluno traz consigo para a sala
de aula foi apontada em algumas entrevistas:
“Em algumas escolas a valorizão do mundo rural existe sim. o feitas
hortas escolares, cultivos de chás,...” Marilda Schubert.
“[...] estou aposentado no estado há 25 anos, mas o que vejo são as antigas e
as atuais escolas rurais não sendo rurais, além de fecharem por medida de
economia [...] não vejo a valorização do mundo rural”.Alceu de Paula
Estou fazendo esta fala me referindo a nossa realidade, quando
muito fazem alguns projetos, o que na maioria das vezes são desvirtuados
no decorrer de suas exigências para aplicação de recursos financeiros e na
capacitação dos profissionais .Ilsse Santina da Silva
131
Em 18 anos o que houve de mudança não é pouca coisa, porque,
inclusive, a maioria das comunidades rurais se aproximou muito da cidade,
eu conheço comunidades que eram grotas e hoje são vilas, por isso fica
difícil que o rural seja valorizado .José Finkler
Nas escolas situadas nas zonas rurais em certas épocas do ano as
educadoras percebem que a freqüência dos educandos cai muito, têm conhecimento
que essas faltas acontecem devido ao período das safras e as justificam em função
do trabalho que a família do aluno exerce. E, se houvesse um calendário
diferenciado em função das safras, conforme a LDB 9.394/96 prevê?
“Na prática não funciona assim, a escola recebe instruções superiores, iguais
pra todas diretoras”.Marlene Azevedo
“Deveria existir, mas na nossa realidade isso não acontece, a obediência é
para um calendário único e desenvolvido da mesma forma”.Ilsse Santina da Silva
“Sei que as LDBs permitiam a organização flexível dos calendários, tenho
conhecimento que só as escolas rurais das zonas de grande produção elaboravam
calendário considerando as safras”.Alceu de Paula
“Observar os períodos de plantação e, quando é fora de safra a criança irem
pro colégio, isso foi falado há muitos anos, sempre se foi projetando, projetando...
ao menos na nossa regional não se realizou, ficou na conversa, só no
papel”.Maria Anízia de Paula
A questão do livro didático e do planejamento, como fazer para contemplar as
questões do lugar? Como contextualizar o conhecimento?
Eu usava livros didáticos, mas eu comprava pra pesquisar, não é o
suficiente ficar no livro, pode partir do livro pra outras atividades [...]
aprofundar mais, observar, olhar, manusear [...], na hora de planejar eu era
muito fiel, eu me preocupava muito, eu pegava um livro que as crianças
tinham, mas eu pegava um outro pra pesquisar [...] pra dizer que
132
anualmente fui crescendo mais, as minhas crianças [...] elas fizeram
magistério e faculdade. [...] A preocupação sempre foi além do livro, dar pra
criança conhecimento pra ela crescer, que ela não ficasse só ali... Maria
Anízia de Paula.
Meus planos de aula eram todos vinculados à agricultura, eu
vinculava tudo com madeira, tudo baseado nas coisas práticas da
comunidade e eles gostavam. Era fácil ensinar ciências porque era dar
uma volta e ver as plantas, era fácil ensinar figuras geométricas porque eles
construíam na prática os canteiros. Hoje os livros tem isso, mas se o aluno
trabalha na prática é muito mais vantajoso pra eles, o aluno fixa melhor
quando ele tem na prática, faz falta resgatar no educador isso de trabalhar
também na prática .José Finkler
Eu pessoalmente utilizo muito pouco, apenas para algumas leituras
[...] quando planejo procuro englobar atividades exercidas na localidade
faço visitas às casas e deixo que os educandos me mostrem e expliquem
algumas coisas que eu não sei ou não entendo. Inclusive em certa ocasião,
lendo um livro na biblioteca, não entendi o que queria dizer a palavra indês
e os educandos muito satisfeitos me explicaram que era o ovo que se
deixava no ninho pra que a galinha não mudasse o seu lugar de colocar
ovos Marilda Schubert.
“Sempre busquei os saberes da cultura local”.Alceu de Paula.
A prática de sala de aula do educador do meio rural deve ser orientada de
uma maneira diferenciada, seja através de reuniões, palestras, oficinas ou pequenos
cursos, de qualquer forma, acreditamos que o educador, além de se propor a uma
prática diferenciada, contextualizadora e de valorização do saber acumulado dos
educandos necessariamente precisa ser incentivado, instigado e principalmente
auxiliado pedagogicamente, através de um “suporte” teórico-didático que lhe dê
estrutura para construir tal prática. Será que no município existem esses incentivos e
uma formação continuada para os educadores das zonas rurais? Como poderia ser
essa formação?
“Não recebemos orientações, talvez se participássemos de cursos diversos,
relatos de experiências exitosas, projetos pilotos”.Ilsse Santina da Silva
“As escolas normais regionais ou rurais trabalhavam conteúdos orientando
atividades ao meio rural, [...] se os governos tivessem uma política para a educão
133
fariam um acompanhamento e aperfeiçoamento aos educadores rurais”.Alceu de
Paula
“Não, penso que pra trabalhar com esses educadores a pessoa deveria ter
conhecimentos e vivências sobre o meio rural, talvez palestras e demonstrações,
utilizando os pais da comunidade seria uma boa idéia”.Marilda Schubert
Na formação do educador, na escola onde ele é preparado para ser
educador que fosse incluída uma disciplina rural, de técnicas rurais. Isso
seria muito importante que houvesse, digamos, que ele aprendesse além
das didáticas as técnicas rurais, uma ou outra. [...] Isso não seria difícil para
uma escola normal, tem tantas disciplinas aí, né? [...] Nos núcleos de
supervisão deveriam fazer reuniões periódicas, em lugar de observação
e acompanhamento e o educador que ta na zona rural traria as
observações dele e as sugestões para essa reunião de supervisão e daí
leva novos subsídios e sempre esta tentativa de fixar o aluno, porque a
gente a crianças com 12, 13 anos que querem ir prum núcleo maior. [...]
Se o núcleo de supervisão fosse preparar os educadores que ainda
trabalham no rural, que são poucos e que o trabalham mais com o nome
de educador rural, mas poderia ter esse intercâmbio de educadores, essa
troca de experiências, mas que o educador fosse levar mais informações
pra zona rural ”Miguel Azevedo
Deve ser um educador que veio da zona rural e também ter amor da
agricultura pra passar pra criança, no caso não explorar a terra, aproveitar o
lixo para adubo. Porque a terra é o principal alimento pra nós, na hora que
não tem mais terra, não pode mais plantar. Tem que dar incentivo, mas o
ideal seria uma pessoa da comunidade e com amor ao rural .Maria Anízia
de Paula
Um fato importante que descobrimos nas entrevistas aos educadores rurais
(antigos) é que aqueles que se sobressaíam no trabalho com a comunidade eram
convidados pela delegacia regional de educação a se tornarem orientadores rurais,
ou seja, com base na sua prática inovadora e compromissada eles passavam a
auxiliar as demais escolas rurais:
Daí eu fiquei trabalhando 23 anos como orientador das escolas
rurais [...] como orientador rural à gente era destacado e nomeado pela
Delegacia de Ensino, escolhiam os educadores em melhores condições pra
assumir essa função, a gente teve sob nossas responsabilidades as escolas
da nossa região, eu sozinho tive que atender 103 escolas rurais, eu me virei
de baixo pa cima par visitar pelo menos uma vez por ano cada escola. Em
primeiro lugar a gente assistia à aula pra ver o método que o educador
administrava, depois verificava o livro de presenças, de atas, lançava visto
pra ver se tava tudo em dia.José Finkler
134
Depois fui trabalhar como orientador rural na Delegacia de Ensino,
hoje é supervisor, trabalhei pouco ali, o consegui implantar as novas
idéias, até por que havia muita barreira entre os educadores primários
contra os rurais. [...] O bom era o contato que eu tinha com os educadores,
com os prefeitos, foi um dos melhores anos na minha vida profissional
esses anos na DE, por trabalhar com os educadores, transmitir idéias,
ajudar a até desenvolvi um serviço importante, de coordenador da opção
dos educadores ao quadro de carreira; era uma distinção e a delegada me
deu essa distinção grande. Ajudei bastante .Miguel Azevedo
Durante as entrevistas os educadores mais antigos fizeram questão de
ressaltar que, para o rural ter uma significação especial na sala de aula é necessário
que o educador se fixe na comunidade, eles defendem essa idéia porque na época
em que trabalharam nas escolas lhes era oferecida moradia e segundo eles morar
na comunidade é algo muito importante, ele se torna referência para toda
comunidade, participa ativamente da comunidade, é fator de integração!” Miguel
Azevedo.
“O certo seria o educador morar na comunidade, porque ele se torna um líder
natural da comunidade, porque ele é muito procurado e precisa informar muita coisa
pra comunidade, isto se ele tem vocação pra ser educador”.José Finkler
“Deve ser um educador que veio da zona rural e também ter amor da
agricultura pra passar pras crianças. [...] Tem que dar incentivo, mas o ideal seria a
pessoa da comunidade e com amor ao rural”.Maria Anízia de Paula
Como esses educadores optaram por trabalhar nas escolas rurais? Qual sua
história pessoal? Optei por transcrever a fala dos entrevistados na íntegra, por
acreditar que desta forma não perdería nenhum detalhe da história que cada um
relatou tão emocionadamente.
Me tornei educador por influência do meu irmão, apesar de meu pai
ter sido educador nas escolas paroquiais. [...] Tenho 8 filhos, 3 são
educadores, esses seguiram o pai [...] é importante que os filhos estudem,
estão melhor que o pai, eu influenciei eles, basta dizer que fui fazer
faculdade depois dos 43 anos. Sou licenciado em Geografia. [...] Trabalhei
135
37 anos pra me aposentar, sempre mandei contar a licença prêmio em
dobro, me aposentei com 64 anos e pro particular com 65 anos, estou
aposentado no mais alto grau no plano de carreira [...] Comecei a lecionar
em 1953, 18 de março de 53, eu iniciei minha atividades lá [...] Eu lecionava
meio turno e no outro meio turno a gente trabalhava na parte agrícola com
os educandos, fazia projetinhos e eu fazia outros serviços na comunidade,
eu fazia cadastramento dos agricultores, fazia censo demográfico, isso tudo
fazia parte da profissão como educador rural [...] inclusive a festa da
bergamota eu fiz na comunidade do Pareci Velho, hoje é a grande festa da
Bergamota do município.[...] Eu tinha o meu diploma de educador rural e
tive que fazer o 2º grau, eu tive que fazer as pedagógicas e as matérias que
não tinham no segundo grau. Eu fiz supletivo de grau também, [...]
porque eu queria entrar na faculdade antes de terminar o normal.[...]
Durante a escola da minha época eu tinha até série, [...] eu era
secretário, diretor, educador e a minha mulher faxineira, pra ganhar nada no
início, a gente subsistiu porque a gente fundou o clube agrícola [...] uma
boa parte de terra a gente ocupou com os educandos pra eles praticarem
atividades técnicas então aquilo deu um rendimento pra escola, 40% era
pro educador, 40% pra escola e 20% os educandos participavam pra eles.
Eu me desliguei da educação, hoje tenho uma chácara onde me
movimento, faço meu exercício físico. Não parei total do rural, me
desliguei da educação....mas tudo foi proveitoso! José Finkler.
Eu sou filho de educador, neto de educador, tanto avô paterno
quanto materno eram educadores, tia educadora, minha madrasta era
educadora [...] e eu com 14 anos comecei a trabalhar fora, faz isso, faz
aquilo, meu pai era educador tinha dificuldade financeira, ganhava pouco
[...]um dia eu tava cortando mato no morro, fazendo lenha de acácia [...]
numa tardinha chegou à vovó China em casa com um recorte de jornal e
disse assim pro meu pai Olha aqui Thomé o que eu tenho por Miguel,
meu pai leu e disse é, mas eu não posso pagar colégio. É muito caro! Ela
disse Não precisa pagar nada, ele vai fazer um concurso e se ele passa
ele ganha uma bolsa de estudos, essa bolsa é pra uma escola normal rural,
onde ele vai ganhar estudo, o que a família tem que comprar é livro e roupa,
o resto o Estado dá. [...] O estado oferecia pros educadores escola na zona
rural com 4 ha de terra e residência para o educador. Meu pai se interessou
e eu me inscrevi pro concurso, mas na primeira vez não passei. Aí voltei pro
meu mato de acácia e um dia eu tinha que ir a Porto Alegre e eu disse pro
meu pai vou passar no ensino rural. Minha madrasta era muito
incentivadora passa lê e se consegue. Conversei com o
superintendente do ensino rural e ele me disse que rodei em português [...]
fiz a prova de novo, na hora corrigiram e eu passei.[...] Eu cheguei em
Anahech em 21 de abril e as aulas já funcionavam normalmente. Daí eu fui
estudar pra educador aquela disciplina totalmente diferente do que eu
estava acostumado [...] uma linha disciplinar muito grande e também o
ensino era bastante evoluído e aí fui aprendendo, estudando, fiz o concurso
e fui nomeado pra Guapo, mas era muito longe e não quis assumir [...]
como morava no Caí, vários amigos me falaram da possibilidade de criarem
uma escola rural, então fizeram um abaixo assinado, juntaram os pais pra
conseguir dinheiro pra comprar os 4 ha de terra necessários pra escola rural
[...] A escola foi criada em abril de 1957 e imediatamente comecei a
trabalhar com 68 educandos em duas salas, sempre ensinando tudo o que
se aprendeu e obrigatoriamente as aulas de técnicas rurais. Muitas vezes
os pais vinham e diziam meu filho veio pra aprender a ler e escrever e
matemática nada de rural. Mas fui ensinando, tive uma ajuda muito grande
da Missão Rural [...] uma vez por semana eles davam assistência nas
escolas rurais, is a equipe de supervisores e técnicos e não trabalhavam só
com educandos, o fato mais importante é que no meio rural a gente tem que
fixar também os pais e a missão rural fazia isso, levando cursos pras mães.
[...] em 1 ha plantamos tudo que foi muda pra mostrar aos educandos que
136
não existia laranjeira e bergamoteira, tinha pêra, marmelo, maça, nozes,
uma variedade de mudas diferentes que a estação experimental cedeu e
nós plantamos com os educandos.[...] Fiquei 9 anos ali e [...] muitos pais
vieram buscar as técnicas conosco. [...] Pulei um pouco de escolas rurais,
trabalhei no Caí, em Portão, em Taquara, depois fui convidado pra ser
orientador rural.[...] Voltei pra direção de escola urbana e não me achei ali,
não era o que eu queria, daí criaram as escolas integradas [...] eram 6
escolas subordinadas a minha direção, em cada escola eu tinha um vice-
diretor, então toda orientação era a partir da escola integrada.[...] Fui
trabalhar na Delegacia de Ensino até que fui ser convidado pra ser diretor
de museu [...] fiquei um peixe fora d’água acostumado com educação rural
e ir pro museu. [...] depois de 30 anos me aposentei e nunca mais trabalhei
com educação, tenho minha horta, meu pomar, trabalho com a Igreja, mas
com educação não mais Miguel Azevedo
Primeiro estudei em Bom Princípio só até 5ª série, daí peguei
escola particular, trabalhei 5 anos, daí eu vi que isso não era suficiente para
trabalhar, é que cada vez evoluía mais, daí optei de ir pra Estrela e tirei o
normal regional e depois com o passar do tempo fui pra Taquara fazer o
normal, período de férias, intensivo. [...] Tive de 25 de maio de 1964 até
1987 na escola do estado, fiquei 23 anos na escola, mas não morei todo
tempo, pra dar estudo pra minha filha, pra ser mais fácil, que não tinha
ônibus, a única maneira era a os 5Km, então se optou de vir pro centro
[...] daí eu viajei daqui até a escola diariamente por muitos anos o Pedro me
levava a na Vila Rica onde eu pegava o ônibus. [...] Em 1987 eu me
aposentei, mas era bom, super bom. Tudo o que eu tenho da escola do
meu trabalho ta guardado, é a minha história .Maria Anízia de Paula
Trabalhei com classes multisseriadas durante muitos anos, aprendi
muito durante minha carreira [...] meu maior projeto ou maior realização foi
ter conseguido com a comunidade construir um prédio e instalar o Primeiro
Grau na Escola do Lajeadinho, foi a primeira escola de grau no interior
em São Sebastião do Caí, fizemos horta, plantamos laranjeiras,
bergamoteiras, ameixeiras, melancia[...] alimentamos os educandos e
vendemos verduras pro restaurante Variani que estava iniciando no Caí. [...]
Concl o curso de Pedagogia e Administração Escolar na FEEVALE,
[...]organizei o Círculo de Pais e Mestres e as reuniões tinha 90% de
presenças das famílias, sempre tivemos muita interação com a
Comunidade. Hoje sou Orientador Acadêmico do curso de Pedagogia na
UCS/Vale do Caí. Fui educador e diretor de escola por mais de 20 anos.
Essa é a minha história baseada na minha memória. Alceu de Paula.
Destaco um pouco da emoção dos educadores antigos quando falavam sobre
a sua história:
[..] eu era desesperada porque o queria perder um dia de aula,
para mim era a pior coisa, quer dizer que eu não falhei nem um dia, a não
ser no tempo de licença quando minha filha tava pequena. [...] Mas era bom
super bom, ao menos história se tem, [...] eu sempre tava muito ligada à
comunidade. [...] Nessa idade a gente tem o que passou guardado aqui
(mostrou o coração e a cabeça)! Maria Anízia de Paula.
Trabalhei 37 anos pro estado, pra me aposentar [...] como educador
foi gratificante, eu gostei da minha comunidade, porque eu tive todo apoio
da comunidade [...] fazia parte da profissão [...] o educador era o der da
comunidade.José Finkler
137
[...] granjeamos a admiração da comunidade pelo trabalho que a
gente fez no ensino rural.Miguel Azevedo
9.3.1 - Síntese
Esta fase traz principalmente a questão da formação dos educadores rurais
que está diretamente relacionada a valorizão do lugar, do território vivido.
As leis que regiam o ensino rural traziam consigo um aprimoramento do saber
fazer, na medida em que instrumentalizavam os educandos com novos
conhecimentos cnicos buscando dessa forma fixar o homem no campo.Traz
embutida a idéia de re-valorização do território.
9.4 - Quarta fase
E, por fim, a quarta fase teve a clara e objetiva intenção de verificar se
existem políticas públicas para a valorização do rural nas escolas do município.
Nesta fase foram entrevistados os profissionais que trabalham na Secretaria
Municipal de Educação de São Sebastião do Caí, considerados como os principais
incentivadores e instigadores de uma conscientização sobre a importância do mundo
rural num município onde a maioria das escolas situa-se na zona rural e que tem
como educandos, principalmente, filhos de agricultores de origem camponesa,
colonos que iniciaram a colonização do município.
A cada entrevista foi possível perceber que o Poder Público Municipal não
valoriza o rural, entende que os educadores precisam ser capacitados para trabalhar
138
de forma diferenciada e percebe que alguns educadores se empenham para realizar
esta prática diferenciada, mas não contribuem efetivamente para que isso se
concretize e não faz parte do plano político pedagógico incentivar tal proposta.
Enfim, não existem políticas blicas para o trabalho educacional nas escolas rurais
do Município, o que existe é um distanciamento entre aqueles que deveriam exercer
uma função pedagógica conscientizadora, crítica e transformadora e os reais atores
da educação municipal.
Foi possível perceber que existe um discurso político, mas nada mais que
isso: “A forma para valorizar a realidade rural é com muito planejamento. Reunir a
comunidade, levantar os problemas do lugar e resolvê-los no lugar”. – Administrador
do Município
Com relação à capacitação dos educadores:
[..] Os educadores receberam por um certo tempo essa capacitação, mas
quando a educadora responsável pela coordenação pedagógica geral saiu
do quadro municipal, os cursos e reuniões foram ficando muitos escassos,
mas sempre tem umas duas ou três palestras no ano. Administrador do
Município.
Faz-se pertinente esclarecer que as palestras oferecidas aos educadores
ocorrem no início, meio e término do ano letivo e que seu cunho pedagógico es
desviado para palestras de auto-ajuda. Não são abordados temas pertinentes e
necessários para a construção de uma educação crítica, conscientizadora e
transformadora (slogan da SMEC), como por exemplo: avaliação, planejamento
reflexivo e participativo, escola rural, curculo, evasão e repetência, etc.
“A capacitação para os educadores é igual em todo município”. Secretária de
Educação.
139
O trabalho rural que existe no entorno das 11 escolas situadas no meio rural
não é valorizado, apesar dos educandos serem filhos de agricultores:
Existem escolas localizadas nas comunidades do interior, porém
nenhuma desenvolve a proposta de ensino rural. Algumas desenvolvem
atividades relacionadas como horta escolar, minhocário e plantio de ervas
medicinais. Supervisora escolar.
Em relação às classes multisseriadas, foi percebido que a Secretaria de
Educação não tem um trabalho orientado para essas classes, que fazem parte da
realidade escolar do município desde a época das antigas escolas rurais isoladas.
um certo distanciamento entre a administração e os educadores cujo esforço é
reconhecido, mas carece de estímulos maiores na capacitação dos mesmos: “o que
tenho acompanhado é um desempenho muito grande por parte dos
educadores”.Secretária de Educação.
A consciência da necessidade da escola como uma extensão do lugar é
evidente, no entanto as aparentes dificuldades impedem que na prática estes
valores sejam considerados.
Eu acho muito difícil, além de todo planejamento, muitas vezes
numa única turma temos vários níveis. Pode-se facilitar a aprendizagem
quando o educador é comprometido, valoriza a vivência e experiências do
aluno e procura construir o conhecimento ao invés de despejar conteúdos.
Supervisora Educacional. –Supervisora Educacional
Quando questionados em relação às transformações necessárias para que as
escolas rurais vivenciassem e aprendessem sobre o mundo tendo por referência o
lugar, as respostas foram vagas demonstrando uma certa resistência em inovar e
uma dificuldade nos trâmites burocticos: “Reforma em todos os sentidos, no
Projeto Político Pedagógico, no Regimento Escolar, na capacitação dos
profissionais, ensino em tempo integral e profissionais com dedicação exclusiva no
estabelecimento”. Supervisora Educacional
140
As contradições no entender do rural e do seu significado para as
comunidades que nele vivem se expressam nessa fala: “Nosso meio rural não difere
muito um do outro, um livro mostrando o nosso lugar, a partir de um diagnóstico da
própria comunidade seria uma revolão na agricultura, inclusive dando orientações
para a diversificação de produção para vender e sobreviver por meios próprios”.
Administrador do Município . Se o rural de São Sebastião do Caí não difere de
qualquer outro rural não seria a elaboração de um livro enfatizando as
características do local que provocaria mudanças, ao contrário, as mudanças
aconteceriam a partir da valorização do lugar, da escola como centro de cultura, da
integração escola-comunidade.
“A transformação a partir do próprio educador que deveria ser preparado para
tal, talvez um livro didático de acordo, essas coisas”. Secretária de Educação.
Novamente aqui se expressa a busca por uma receita que não demandasse esforço,
nem trabalho e que desconsidera a participação da comunidade, do educador, do
educando enquanto sujeitos da construção do saber.
9.4.1 - Síntese
O educador é capaz de provocar mudanças, ele é um agente transformador.
No entanto a participação do poder público através das políticas públicas se faz
necessária, pois são elas que irão dar a base para que educadores e educandos em
comunhão com a comunidade escolar possam re-valorizar seus lugares através das
novas práticas.
As dificuldades e a homogeneização do planejamento se expressam nas
diferentes entrevistas: “Eu acho muito difícil...”, “A capacitação para os educadores
141
é igual em todo município”, nenhuma (escola) desenvolve a proposta de ensino
rural, “A forma para valorizar a realidade rural é com muito planejamento
12
.
10 - É NECESSÁRIA UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA DE VALORIZAÇÃO DO
RURAL
A importância da valorização do lugar, da preservação da identidade e da
cultura é fundamental para a realização de um trabalho educacional consciente onde
educandos, educadores e comunidade constituam a base do processo
transformador.
No caso de São Sebastião do Caí busquei identificar uma proposta
pedagógica voltada para o rural através de entrevistas com diferentes atores. Uma
proposta que integre as ações construtivas e isoladas que acontecem no município.
Foi após a realização da última fase de entrevistas que para mim ficou
evidente a necessidade de uma proposta pedagógica diferenciada, que contemple e
integre as diferentes atividades desenvolvidas pelos educadores da rede municipal
rural.
Os educadores mais antigos ainda permitiram a visualização simbólica do que
era antes e do que é hoje a educação emo Sebastião do Caí. O compromisso e o
comprometimento que os educadores tinham com a educação, eram prioridades
dentro da profissão. Hoje se percebe que alguns educadores ainda não
compreenderam o papel importante que exercem dentro do cenário da educação
caiense.
12
Grifos da autora
142
A forma como as aulas eram ministradas permitiam que a vida cotidiana
entrasse para a sala de aula, mesmo que de uma forma muito técnica, mas ainda
assim eram os valores da comunidade, os saberes familiares, a bagagem cultural. A
realidade cotidianamente vivida podia invadir” a escola, ela fazia parte do
planejamento das aulas.
Quando em 1961 foram extintas as escolas rurais houve uma ruptura entre o
ensino e a realidade rural. A nova Lei de Diretrizes da Educação unificou o ensino e
as escolas rurais passaram a ser administradas pela Secretaria de Educação.
Até então isto não ocorria, pois, o ensino rural tinha sua própria
superintendência, assim como o ensino normal, o ensino profissional, o ensino
técnico comercial. Entretanto com a unificação do ensino se passou uma régua para
aplainar todas as escolas e formas de ensinar dentro da sala de aula, não foram
pensadas as diferentes culturas, as peculiaridades de cada lugar, a formão dos
educadores.
Outro fato esquecido por ocasião da unificação do ensino foi que os
educadores rurais eram formados apenas com o ensino fundamental, ou seja,
apesar de receberem uma formação mais específica sobre matérias rurais e de
aprenderem algumas didáticas, seu nível de ensino equivalia ao ensino fundamental.
Enquanto isso quem seguia a carreira de normalista precisava concluir o ginásio e
ainda cursar os três anos de curso normal.
Então, além do ensino rural ter sido esquecido, os educadores rurais foram
deixados de lado, pois, com o novo plano de carreira que estava sendo construído, a
143
maioria dos educadores rurais estavam excluídos, a não ser que cursassem o
normal.
O município de São Sebastião do Caí se preocupou com a capacitação dos
educadores leigos (como eram chamados) e facilitou o ingresso deles no curso de
magistério, que era oferecido no período de férias. Promoveu concurso público para
legalizar a situação profissional dos educadores, mas esqueceu de preparar os
novos educadores para trabalharem de forma contextualizada com o rural e mais do
que isso, não incentivou os antigos educadores rurais para que continuassem
trabalhando com a realidade.
Acredito que o erro não está na unificação do ensino, mas na forma como
simplesmente foi ignorada a realidade das escolas que continuaram localizadas no
meio rural, com educandos filhos de agricultores, com valores, cultura e identidade
muito peculiares do lugar.
A ruptura do rural com a sala de aula, o está, portanto, na unificação do
ensino nem no fato do município assumir o ensino fundamental, mas principalmente
na formação dos educadores, na falta de incentivo a um trabalho contextualizado,
que valorize as raízes culturais de cada aluno, de cada lugar.
Segundo MEDEIROS (2006),
uma diferença cada vez mais tênue entre o espaço urbano e o
rural cujos limites são mais e mais indefinidos, onde as mobilidades
individuais comportam a idéia de um continuum urbano-rural levando à idéia
de uma permanente fixação dos ares urbanos.
Estes ares urbanos constituem um problema na medida em que configuram
uma forte influência do “viver urbano” sobre o “saber rural”. As informões, as
novas tecnologias incorporadas são tamm responsáveis por esse desligamento da
144
realidade rural com a sala de aula. No entanto, isso não justifica a ausência do modo
de vida dos educandos, do seu cotidiano vivido junto aos seus familiares, dos
projetos pedagicos orientados pela Secretaria Municipal de Educação.
Nas entrelinhas das falas dos entrevistados foram identificados alguns
problemas que trago de forma pontual para uma futura reflexão. O primeiro deles e
mais marcante é a desvalorização do lugar e a conseqüente desconsideração pela
cultura local, pela identidade e pela constituão de um território colono/camponês
alicerces de um projeto pedagógico inspirado na Pedagogia Freireana.
O segundo se refere à formação e capacitação do educador enquanto sujeito
de um processo que busca a construção do conhecimento que é pautada nos
valores da cidade, nos “ares urbanos”.
O terceiro e último problema é o distanciamento das políticas públicas
municipais em relação às “escolas do interior”. Esta categoria criada pelo município
é excludente, pois mascara e ignora a realidade rural local.
Entretanto, como falei anteriormente, existem algumas práticas isoladas de
resgate cultural, de valorização do lugar, de re-valorização das práticas cotidianas
rurais e, estas devem ser valorizadas e incentivadas.
Algumas educadoras perceberam a importância de unir a comunidade, a vida
cotidiana, à cultura, à identidade com a sala de aula. São pequenas ações, são
projetos construídos e elaborados em conjunto com os educandos e a comunidade
escolar que significam a educação, o “saber rural” da escola.
145
A re-valorização do mundo rural, do lugar está vinculada à permanência dos
educandos e de seus pais na zona rural e esse é um problema muito rio em todo
Brasil, e também no município de São Sebastião do Caí, onde nas pequenas
localidades podemos perceber nitidamente o êxodo rural. A falta de políticas
públicas, os descaso de sua vida cotidiana, as fracas safras fazem com que os
educandos vislumbrem nas cidades a ilusão de uma vida melhor bem diferente da
vida que levam no campo.
Cabe ao educador mostrar que uma vida melhor pode ser conquistada no
lugar em que o educando vive. Importante é tornar o educando e a comunidade
sujeitos responsáveis e comprometidos com o seu lugar, através de ações nas quais
eles se sintam sujeitos tanto na elaboração quanto na execução, pois desta forma
educandos se formam cidadãos conscientes, que não desistem, que lutam e
batalham em busca de oportunidades e espaços para todos.
Reverter uma situação de comodidade, de despreparo para o trabalho com a
realidade rural implica necessariamente na inovação das práticas pedagógicas nas
escolas das zonas rurais, na construção de projetos que integrem aspectos
cognitivos com saberes práticos e culturais das comunidades, no resgate do
comprometimento e na reflexão cotidiana do educador sobre sua prática.
As práticas não podem ser isoladas. É fato que o poder público municipal
deve unir as ões inovadoras e construir um projeto único de valorização do meio
rural, obedecendo as peculiaridades de cada localidade, mas reforçando no grande
grupo, na comunidade educacional como um todo, um comprometimento com uma
educação reflexiva e participativa onde sonhos, anseios e necessidades sejam
respeitados e contemplados. Uma prática assim é possível basta comprometimento,
146
pré-disposição à inovação, muito estudo, pesquisa, reflexão e engajamento com a
educação para permitir a construção do conhecimento embasado na bagagem
cultural que cada ser humano traz.
147
UNIDADE III - REFLEXÃO NA AÇÃO
148
Na Unidade anterior foram relatadas as práticas utilizadas para desenvolver
esta pesquisa e a proposição de uma pedagogia voltada para a valorização do meio
rural, neste momento inicio o relato de como foi pensada cada umas das práticas
anteriormente descritas e a partir da ação trago as reflexões que se fizeram
necessárias no desenvolvimento de cada etapa.
11 - RELATOS E REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA
As práticas desenvolvidas durante os campos realizados em 2005, nas
escolas localizadas nas áreas rurais de São Sebastião do Caí, e, em 2006 com as
entrevistas aos educadores antigos e atuais do município, a comunidade escolar e a
comunidade mais antiga e finalmente a Secretaria de Educação, ocorreram em
etapas, na primeira etapa o trabalho foi todo desenvolvido com base na interação
entre a pesquisadora e a realidade escolar, ou seja, educandos e educadoras. Para
tal prática o embasamento teórico esteve na pesquisa-ação, pois unir a análise do
problema e as possíveis soluções é uma intenção da pesquisadora.
Antes de iniciar a ação realizei um diagnóstico da realidade escolar através de
visitas a todas às escolas e de entrevistas abertas com as educadoras/diretoras;
neste diagnóstico consegui perceber em quais condições iría encontrar as escolas e
que tipo de prática elas estavam desenvolvendo na sala de aula,
149
Após o diagnóstico da realidade escolar caiense, realizado através de
entrevistas semi-estruturadas com questões previamente formuladas que
possibilitaram a construção do Quadro 1, inicio outra etapa que era a de planejar as
ões em escolas da zona rural que possuíam o maior número de famílias
agricultoras e que tinham uma prática diferenciada desenvolvida para o cotidiano
dos educandos.
Relaciono as primeiras idéias, que constavam no projeto inicial da
dissertação, com os fatos concretos já identificados e como um processo de
reflexão sobre como desenvolver com os educadores e comunidades um trabalho de
conscientização, valorização e transformação de uma educação calcada na cultura,
na identidade, no cotidiano imediatamente vivido pelo educando.
Foram preparadas reuniões com as educadoras onde o desenvolvimento do
trabalho seria sistematizado e como a proposta era de planejamento reflexivo e
participativo todas as educadoras foram convidadas para participarem da
sistematização do trabalho.
Acredito que a melhor forma de trabalhar com as educadoras era através de
encontros de estudos, que foram bastante flexíveis e se constituíram como um
espaço de trocas onde a pesquisadora e as educadoras comentavam sobre as
práticas desenvolvidas, avaliavam cada parte do novo processo para então
planejarmos as ações seguintes.
Os encontros potencializaram o processo de conscientizão das
educadoras, o que resultou na participação efetiva dos educandos nas produções
em sala de aula.
150
Essas produções foram os textos e as atividades que constituíram os
cadernos temáticos, resultado da proposta de desenvolver na sala de aula um
conhecimento e um aprendizado que tivesse por referência o lugar, a vida cotidiana
dos educandos e da comunidade onde eles estavam inseridos, mas essa etapa será
relatada depois das reuniões pedagógicas.
Durante os primeiros seis meses do ano de 2005 foi efetiva a participação nas
escolas, através de reuniões com as educadoras. Essas reuniões aconteciam no
tempo escolar e quinzenalmente, o que era incentivado pela Secretaria de Educação
do Município e compactuava com o objetivo da pesquisadora de trazer, para o
cotidiano docente, os conceitos que embasaram a presente pesquisa e, ainda,
proporcionar um tempo de reflexão-ação-reflexão no planejamento e na prática das
educadoras.
Essas reuniões, que na verdade eram encontros para reflexão e planejamento
dos educadores, haviam sido planejadas para trabalharem com as necessidades
apontadas pela pesquisadora (enquanto coordenadora pedagogia da secretaria de
educação) em conjunto com a Secretaria de Educação e a Direção das escolas. Os
temas escolhidos para as reuniões foram Valorização da disciplina, Grupos de
estudo, Planejamento, Aulas e Educador.
13
no primeiro encontro era necessário fazer com que o educador refletisse
sobre a sua forma de planejar as aulas, para isso as questões levantadas eram:
Meu aluno está envolvido com minhas aulas?
13
Grifo da autora
151
Estou facilitando e tornando interessante a minha aula, de
que forma?
No segundo encontro minha intenção era que as educadoras percebessem a
importância das reuniões, dos encontros quinzenais com as colegas, para que eles
realmente se tornassem encontros de estudo e reflexão então lancei as seguintes
questões:
Junto com meus colegas repenso minha prática?
Quando nos reunimos quais são as discussões mais
freqüentes?
A terceira reunião tinha a clara intenção de mostrar o quanto é importante o
planejamento integrado entre as disciplinas e a integração do conhecimento
científico escolar com o cotidiano vivido pelo aluno, para uma prática mais
significativa e um planejamento muito mais contextualizado. As três questões
abordadas foram:
Consigo criar atividades em conjunto com minhas
colegas?
Nosso planejamento é integrado?
Utilizo como referência o lugar onde a escola e os
educandos estão inseridos na hora de planejar?
A quarta reunião trouxe a pauta sobre como o cotidiano dos educandos era
trabalhado durante as aulas, se as aulas incentivavam a reflexão dos educandos
sobre a realidade vivida e os fatos mundiais, para iniciar a reflexão as questões
norteadoras foram:
152
O cotidiano do meu aluno é trabalhado nas minhas aulas,
de que forma?
Proponho momentos de investigação?
Quando a aula tem participação mais efetiva do meu
aluno?
Levo meu aluno a refletir sobre as relações que ele
estabelece com a comunidade/sociedade/política/mundo?
E por fim o último encontro programado trouxe a discussão com relação ao
papel do educador na escola, na comunidade e na vida do educando, a questão foi:
Qual o meu papel na escola, comunidade e vida do meu
aluno?
Na Escola Pe. Luiz Muller, localizada na Vigia, enquanto os educandos
tinham o tempo trabalho na horta, com o auxílio de alguns pais e técnicos da
EMATER, junto com as educadoras realizava as reuniões para refletir sobre o que
elas estavam “ensinando” para as crianças.
Quando realizei o diagnóstico dos pontos negativos” de cada escola, nessa
ficou muito claro que, a direção da escola tinha uma proposta, em consonância com
a coordenação pedagógica da SMECD, de realizar as aulas tendo por refencia a
vida cotidiana do educando, entretanto, as educadoras não estavam sabendo
planejar suas aulas dentro dessa proposta.
Nas duas primeiras reuniões foi difícil fazer com que as educadoras fizessem
uma avaliação das suas práticas, para elas era difícil expressar o que pensavam e
as educadoras estavam um pouco reticentes para falar no grupo, não estavam
153
acostumadas a utilizar as reuniões ou os encontros pedagógicos para estudar, para
planejar em conjunto, eram sempre reuniões administrativas, apenas com avisos e
um ou outro projeto já pensado pela direção da escola. A elas cabia pôr em prática o
que a direção determinava, talvez por isso o se comprometiam com os projetos
que valorizavam a vida rural dos educandos. As reuniões proporcionaram o
planejamento participativo, integrado e contextualizado. Tanto as educadoras quanto
os educandos passaram a ser ouvidos na hora de planejar e de executar o projeto.
As três últimas reuniões foram melhor aproveitadas, sem medo de falar, as
educadoras organizaram os encontros pedagógicos seguintes, planejavam em
conjunto, começaram a refletir sobre a nova prática assumida e perceberam como
os educandos se envolveram mais nas aulas.
Além do planejamento reflexivo e participativo esses encontros tornaram-se
momentos transdisciplinares onde uma disciplina tinha sentido no desenvolvimento
da outra e principalmente por que possibilitavam a significação dos conteúdos, as
educadoras estavam se referendando no lugar e na vida cotidiana dos educandos
para transformarem sua prática.
Na Escola Santo Inácio fazia parte da prática das educadoras o
planejamento participativo, apenas acrescentamos aos encontros a reflexão sobre a
prática já adotada.
As aulas eram criativas e incentivavam a participação do educando, este era
sujeito fundamental na elaboração e execução dos “planos de aula”, a participação
também se fazia na hora do planejamento, ou seja, após a aula, educandos e
154
educadora decidiam como seriam trabalhados os assuntos no dia seguinte e quais
as melhores estratégias para levar esses assuntos para a casa.
Quanto às reuniões para estudo, esses momentos eram bem aproveitadas, as
educadoras utilizavam o tempo e o tornavam precioso, tanto nas discussões de
planejamento quanto na hora de torná-lo contextualizado ao cotidiano do educando.
Os demais encontros continuaram sendo proveitosos porque como já existia a
prática do planejamento participativo aproveitava para refletir sobre a prática já
utilizada e descobria em conjunto, que o educador precisa estar pré-disposto a
trabalhar de modo diferenciado nas escolas situadas na zona rural e principalmente
integrar a comunidade escolar neste trabalho, porque desta forma todos se sentem
autores do ato de educar e este realmente torna-se significativo.
Paralelamente ao trabalho com o educador iniciei um trabalho com os
educandos e a comunidade, este trabalho foi a elaboração e a construção coletiva
de cadernos temáticos, pequenos livros que traziam assuntos relacionados a origem
do município, os principais problemas diagnosticados pela comunidade, enfim
cadernos que passaram a contemplar o cotidiano do município, numa perspectiva de
valorizar o ser humano, a sde, o mundo no qual estamos inseridos.
Foram três cadernos temáticos construídos a partir do entendimento que
educadores e educandos tinham do seu espaço vivido, do seu lugar, o cotidiano era
a referência principal para a construção coletiva desses cadernos.
O Caderno Temático I Lixo(figura 6) trazia como foco principal de discussão a
questão do lixo produzido na escola, na casa de cada educando e na comunidade
em geral.
155
A partir desse caderno conseguimos implantar a coleta seletiva no município,
primeiro iniciamos pelas escolas e gradativamente fomos conquistando a
comunidade em geral; conscientizamos os agricultores sobre a importância de uma
lixeira para dejetos dos produtos tóxicos, utilizados na lavoura; colocamos em
atividade o galpão de reciclagem do lixo, enfim esse primeiro caderno teve
excelentes resultados tanto para aqueles que o elaboraram quanto para toda a
sociedade do município.
Figura 6 Caderno Temático 1 organizado em conjunto com a UFRGS, Prefeitura
Municipal, educandos, educadores das comunidades.
Fonte: Cristiane Medeiros
156
O Caderno Temático II Agricultura e Ambiente (figura 5) tratava do
desenvolvimento da agricultura brasileira, da colonização do RS até chegar a São
Sebastião do Caí, trazia, tamm, assuntos como a revolução verde, o uso
indiscriminado de agrotóxicos. Este trabalho proporcionou profundas reflexões e
algumas mudanças nos hábitos referentes as plantações de hortifruti, a partir deste
caderno algumas escolas iniciaram a plantação de hortas que serviram para o
consumo escolar e dos educandos, e as hortas desencadearam a construção de
minhocários para a fabricação de húmus, etc, até uma feira de produtos
agroecológicos foi incrementada a partir deste trabalho nas escolas.
Figura 7:Caderno Temático 2 organizado em conjunto com UFRGS,
Prefeitura Municipal, educandos, educadores das comunidades
Fonte: Cristiane Medeiros
157
O terceiro caderno tratou sobre os Fitoterápicos (figura 6), nesta produção
iniciamos o resgate cultural local e da identidade dos moradores das comunidades,
precisamos de muitas horas, dias e meses de pesquisas, por que a intenção era
trazer à comunidade uma possibilidade de vida mais saudável que tivesse o objetivo
de prevenir as doenças ao invés de ter que tratá-las com medicamentos alopáticos.
Figura 8:Caderno Temático 3 organizado em conjunto com a UFRGS,
Prefeitura Municipal, educandos, educadores das comunidades
Fonte: Cristiane Medeiro
s
158
Era uma proposta de resgate cultural, dos valores e da identidade dos sujeitos
que constituíam o município, mas fundamentalmente uma proposta de uma
educação progressista onde o educando compreende e reconhece o lugar onde vive
e faz questão de preservar a história, além de melhorar as condições de vida de
cada sujeito, mas, além disso, a intenção mais profunda era mostrar ao educador
que existe a possibilidade de educar, de ensinar tendo por referência o lugar do
educando, sua bagagem cultural e o seu cotidiano.
Cada caderno temático trazia como pano de fundo a idéia de transformar a
escola, o ensino e a aprendizagem através da valorização do trabalho coletivo,
participativo e reflexivo tanto dos educandos, quanto dos educadores, da
comunidade e da secretaria de educação.
Esses cadernos foram confeccionados para serem trabalhados em sala de
aula, mas a aplicação das idéias contidas neles era para ser posta em prática pelos
verdadeiros agentes multiplicadores e transformadores da educação, as educadoras
e os educandos.
Os cadernos romperam as barreiras das salas de aula e chegaram nas
comunidades. Essa foi a principal realizão....transformar a prática educativa na
escola para transformar a vida!
Quando chegou na distribuição dos cadernos temáticos à comunidade,
iniciou-se um processo de reflexão das práticas a então estabelecidas, parecia que
os objetivos iniciais estavam sendo atingidos, pois nas escolas as educadoras
estavam trabalhando de forma participativa e reflexiva, os educandos percebiam a
importância do seu cotidiano dentro da sala de aula, o lugar estava sendo
159
compreendido não de forma isolada, mas como parte integrante de um todo muito
maior e complexo, uma nova ptica social estava sendo construída, de forma
coletiva, pelas comunidades.
Mas ainda havia algo que precisava ser trabalhado, desvendado através
desta dissertação, então, unindo a questão da valorizão da vida cotidiana, do
lugar, da cultura e da identidade das comunidades iniciados pelo trabalho
desenvolvido nas escolas rurais, busquei resgatar a história de quem iniciou o
processo educativo em São Sebasto do Caí, de como tudo começou por três
escolas rurais do município.
Elaborei mais um plano de ação, desta vez fora do palco da Secretaria de
Educação, pois o enfoque agora era entender o que havia acontecido entre a
realidade rural e a sala de aula, queria descobrir se algo tinha causado a
desconexão do cotidiano rural vivido pelos educandos com as escolas e as
educadoras, queria compreender porque a educação rural em São Sebastião do Caí
havia sido ignorada e se as comunidades tradicionais (no sentido de mais antigas)
haviam percebido esse distanciamento.
Depois de realizado o campo no ano de 2005, e efetivamente escrito o
embasamento teórico para a dissertação, como foi descrito anteriormente, senti a
necessidade de aprofundar a questão sobre a importância da história de vida dos
moradores mais antigos das comunidades pesquisadas, assim como o trabalho
realizado pelos educadores durante sua participação efetiva no projeto educacional
do município.
160
Além de permitir uma construção temporal dos fatos ocorridos desde a
colonização do município (através da memória desses moradores mais antigos) até
os dias atuais, este segundo campo permitiu uma compreensão maior sobre o que
efetivamente aconteceu com a educação rural na sala de aula de um município que
possui a maioria das escolas situadas na roça, com a clientela significativamente de
origem agricultora.
Nesse momento acredito ser importante destacar a linha de tempo construída
e a sua importância na elaboração das entrevistas e na indicação de reflexões a
cerca dos temas apresentados (história de vidas, o rompimento do rural com a sala
de aula, a re-valorizão do rural e a existência de políticas públicas) além de
relacioná-la com a prática pedagógica sugerida até agora.
Esses quatro temas embasaram a elaboração das perguntas e a idéia era
legitimá-los através da fala dos entrevistados. Mas também era preciso questionar:
será que de fato a época, as fases e os questionamentos tinham sentido no
agrupamento realizado?
De fato quando os moradores antigos foram entrevistados a memória e as
histórias de vida foram resgatadas e ficou mais fácil compreender e “visualizar” o
panorama da época, tanto educacional quanto social e cultural.
A valorização do lugar, do saber cultural era muito importante, mas não
acontecia dentro da escola, pois ela tinha a função de integrar as comunidades com
a sociedade mais citadina. Os educandos aprendiam a ler, escrever e por um bom
tempo, muitos aprendiam a falar português.
161
A escola era o centro cultural da comunidade, neste local aconteciam as
festas comunitárias, as reuniões religiosas, etc. Era um elo da comunidade era um
espaço onde a cultura e a identidade eram perpetuadas, festejadas, respeitadas e
valorizadas.
Pensava eu que quando o governo assumiu o ensino, em 1920, uma ruptura
do rural coma sala de aula havia acontecido, mas na verdade isso não ocorreu pois
o objetivo principal, comofoi dito, era de integrar e o cotidiano continuava a entrar
na escola por meio das festas, reuniões e através do conhecimento que o educador
tinha sobre a vida dos seus educandos, já que ela também era integrante da
comunidade.
Quando então foram criadas as escolas rurais em São Sebastião do Caí, por
volta de 1947, a vida fora e dentro da escola estavam sintonizadas, os educandos
trabalhavam nas aulas com os elementos que lhes seriam úteis para o cotidiano.
O rompimento rural – sala de aula só foi acontecer quando em 1961, após 13
anos de discussões, foi constituída a Lei de Diretrizes e Bases nº 4.024/61, que
unificou o ensino e desvalorizou tanto educadores rurais quanto educandos e o meio
rural, através da extinção das escolas rurais.
Existia a questão do plano de carreira dos educadores rurais, pois sua
formação era diferenciada em nível de ensino e isto acarretou por um bom tempo a
desvalorização deste profissional.
Junto a estes fatos foi crescendo o fascínio que a cidade exercia nos jovens
das comunidades rurais, associado à modernização da agricultura, ao abandono do
rural.
162
A possibilidade de re-valorizão do rural só foi acontecer com a nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96, que instituiu a adequação das
escolas a realidade onde estão inseridas, a autonomia para construir projetos
voltados ao saber dos educandos, entre outros.
As políticas públicas municipais existentes em nada contribuem para impedir
a ruptura entre o rural e a sala de aula. Se limitam a implantação exclusiva de
projeto piloto em escola pólo
14
e ao transporte dos educandos de comunidades
distantes para as mais centrais(foto 19).
Com base nas entrevistas percebo que algumas práticas isoladas de
valorização do rural são reconhecidas e construídas referendadas no
14
Esse projeto denominado “Consciência e Transformação” foi implantado apenas na Escola Pólo Pe. Luiz
Muller, o se irradiando para as demais “escolas do interior”.
Fonte: Cristiane Medeiros
Foto 19: Ônibus da prefeitura transportando os educandos para a escola
pólo Conceição, enquanto a população local ainda faz uso de carreta de
bois para o seu transporte.
163
comprometimento e no engajamento da educadora com a comunidade e os
educandos(fotos 20 e 21).
Foto 20: Educandos da Escola Luiz Muller durante uma das práticas de
valorização do cotidiano vivido
Fonte: Cristiane Medeiros
Fonte: Cristiane Medeiros
Foto 21: Educandos da Escola
Santo Inácio cuidando da horta no
turno inverso ao escolar
164
Então, a linha de tempo trouxe o entendimento necessário para a proposição
de uma prática pedagógica que permite ao educando entender que o que ele
aprende na escola em comunhão com sua educadora e seus colegas têm sentido e
significado para seu cotidiano vivido.
A contextualização do ensino é o que de melhor pode haver nas escolas
localizadas nas zonas rurais. Porque por trás dessa contextualizão tem a
valorização do ser humano (colono/camponês) que construiu há muito tempo sua
identidade e reforçou sua cultura neste território.
Durante essa dissertação significar tem sido um verbo bastante utilizado e
para minha surpresa o campo realizado com base nessa linha de tempo reforça o
sentido do verbo significar
15
o estudo, a pesquisa e a aprendizagem construída até
então.
O entendimento e a compreensão de como tudo aconteceu e se constituiu em
São Sebastião do Caí, foram adquiridos a partir das entrevistas, que ainda
confirmaram a necessidade em tornar as aulas mais próximas do cotidiano vivido,
para realmente trazer o “saber rural” para a sala de aula.
Entretanto, nada está completo e acabado, sempre existe a necessidade de
refletir sobre a prática que se esutilizando, de construir para ver se é possível
ampliar o leque de conhecimentos adquiridos e construídos a cada etapa vivida.
Durante a construção desta prática pedagógica “dar uma paradinha” para identificar
e talvez mudar o que estava acontecendo é obrigatório, pois desta forma foi possível
15
Grifo da autora
165
ver conscientemente se o caminho tomado e a forma como estava sendo trilhado é
àquele que permite a todos se tornarem sujeitos do processo.
Nesta etapa os educadores antigos se sentiram homenageados ao serem
entrevistados, pois um pouco da hisria deles é revivida nesta dissertação. Tamm
os moradores das comunidades tiveram tal sentimento.
Educadores atuais sempre vislumbram, através de um trabalho como este,
uma oportunidade de modificar as práticas, de valorizar seu trabalho, somente o
poder público fica incomodado porque mudanças são necessárias, mas nem todas
o colocadas em prática. Fica aqui um outro desabafo...comprometimento e
engajamento com uma pedagogia transformadora são fundamentais para
construirmos alicerces fortes que perpassem gerações e marquem profundamente o
espaço que ocupamos por um tempo determinado.
A reflexão-ação foi a base para toda dissertão, para cada etapa escrita e
vivenciada. Então precisava encontrar uma metodologia que complementasse a
pesquisa-ação do primeiro campo, decidi que trabalhar com as histórias de vida dos
sujeitos envolvidos direta ou indiretamente na construção da educação do município
seria a mais adequada, mais empírica, menos teórica, mas com certeza mais
próxima e significativa para a realidade rural estudada.
A história de vida está inserida no amplo quadro da metodologia de História
Oral que também é um método que privilegia a
realização de entrevistas com pessoas que participam de ou
testemunharam, acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, como forma
de se aproximar do objeto de estudo. Trata-se de procurar compreender a
sociedade através do indivíduo que nela viveu; de estabelecer relações entre
o geral e o particular através da análise comparativa de diferentes versões e
testemunhos.(ALBERTI, 1989:p.1-3).
166
Segundo Maria Isaura Pereira de Queiroz a história de vida
se define como o relato de um narrador sobre sua existência através
do tempo, tentando reconstituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir
a experiência que adquiriu. Narrativa linear e individual dos acontecimentos
que nele considera significativo, através dela se delineiam as relações com
os membros de seu grupo, de sua sociedade global, que cabe ao
pesquisador desvendar. Desta forma, o interesse deste último está em
captar algo que ultrapassa o caráter individual do que é transmitido e que se
insere nas coletividades a que o narrador pertence.(OUEIROZ, 1988.p. 20-
21).
Através da metodologia histórias de vida foi possível perceber as trajetórias,
os valores, concepções e saberes dos entrevistados, principalmente aqueles que
fizeram parte da 1ª fase. Sempre com a idéia de refletir sobre a prática e sobre os
saberes construídos e acumulados durante a vida de cada entrevistado, este método
permitiu que os indivíduos contassem, através da sua cotidianidade, como foi
caminhar lado a lado com a evolução do processo social de desvalorização e depois
re-valorizão do rural na sala de aula da época em que atuava e sua percepção
quanto à época atual.
Segundo Alberti a história de vida “tem como centro de interesse o próprio
indivíduo na História, incluindo sua trajetória [...] passando pelos diversos
acontecimentos e conjunturas que presenciou, vivenciou ou inteirou”. (ALBERTI,
1989.p.18-19).
Ao utilizar esta metodologia é necessário considerar “sempre as estruturas
sociais e os momentos históricos nos quais se inseriu a trajetória do sujeito dentro
da história”.(ALBERTI, 1989.p.68).
A narrativa das histórias de vida possibilita a reflexão sobre os
comportamentos, posturas, padrões de cada época e ainda permitem a
167
compreensão de como foi construída, em cada época, a prática educacional
relacionada ao mundo rural.
Os saberes dos entrevistados são fundamentais tanto para a recuperação de
uma trajetória educacional quanto para a compreensão do tempo vivido atualmente.
Para desvendar o atual cenário educacional rural, se faz necessário dar a palavra
àqueles que o construíram, é a forma de criar elos entre o passado, o presente e o
futuro.
Ainda a história de vida permite ao investigador descobrir, através do que foi
vivido, como as ações de cada indivíduo contribuíram para a construção da
educação rural até os dias atuais.
As intenções não foram pesquisar a vida de cada indivíduo e sim perceber nos
diferentes espaços temporais como e o que esses educadores antigos e atuais,
moradores antigos e atuais representaram e representam para a educação rural do
município; Como eles percebem a educação rural hoje e o que projetam para ela. O
trabalho com a memória proporciona essa leitura do passado no presente e a
construção deste de uma forma diferente, mais consciente.
O imaginário social dos pesquisados foi investigado, as significações dadas
aos acontecimentos históricos, as práticas, os sonhos, os conhecimentos, os valores,
tudo isso foi percorrido com o método de histórias de vida que fundamentalmente
possibilitou o entendimento do rumo atual que vivenciamos na educação rural.
Colhida por meio de entrevistas de variadas formas, ela registra a
experiência de um indivíduo ou de diversos indivíduos de uma mesma
coletividade. Neste último caso, busca-se uma convergência de relatos
sobre um mesmo acontecimento ou sobre um período de tempo. A História
oral pode captar a experiência efetiva dos narradores, mas também recolhe
168
destas tradições, mitos, narrativas de ficção, crenças existentes no
grupo[...](QUEIROZ, 1988, p.19).
A fala de cada entrevistado referendou as reflexões sobre a ruptura do rural
com a sala de aula, mostrou a importância que o lugar e a comunidade têm em
relação a construção de suas identidades e ainda reforçou que a cultura passada
através das gerações é muito valorizada por cada sujeito que vive o cotidiano rural e
compreende que assim como existe um passado a ser apreciado, discutido e
respeitado existe um presente que precisa ser re-pensado e um futuro que deverá
ser diferente após a tomada de consciência do momento atual vivido.
169
REFLEXÕES FINAIS
170
“Se não temos poder de alterar nada em nossa forma de ser e fazer, por
que refletir?” (PERRENAUD, p 156).
Refletir significa tomar consciência e, tomar conscncia significa transformar
o cotidiano embasado numa nova perspectiva. A proposta dessa dissertação era
unir a Geografia e a Pedagogia transitando entre os conceitos específicos que cada
uma dispõe.
Embasada nos pressupostos teóricos, primeiramente da Geografia, tentei
identificar as tendências referentes às questões territoriais, no sentido das relações
que a população de um lugar estabelece com seus pares e com o próprio território
enquanto espaço vivido; à identidade campesina a fim de perceber se realmente a
população rural de o Sebastião do Caí construiu sua identidade referendada nos
atributos culturais e valorativos do saber historicamente construídos e preservados
por gerações passadas; à questão cultural como conjunto de representações,
valores, crenças e saberes se constitui como elemento fundamental para a
compreensão do mundo sob sua ótica; por fim ao lugar, ou seja, se através dele é
possível construir e produzir um conhecimento global referendado no cotidiano
imediatamente vivido.
Nas entrevistas a cultura e a identidade campesina são facilmente
identificadas, principalmente no que diz respeito à origem alemã, à posse das terras
e à relação que estabelecem com ela.
171
A identidade de cada entrevistado tem referência nos seus antepassados, nos
colonos/camponeses que iniciaram a constituição do território de São Sebastião do
Caí.
A cultura é transmitida através das gerações e é muito valorizada na
comunidade, nas relações de vizinhança que se estabelecem no lugar onde eles
vivem e criam seus filhos e netos.
A comunidade e as pessoas que a integram têm muita importância para as
pessoas que foram entrevistadas, de modo generalizado. Todos se conhecem,
respeitam as histórias de vida de cada família, valorizam o trabalho dos “vizinhos” e
em certos momentos das safras unem seus esforços para auxiliar uns aos outros.
Estabelecem uma relação de vizinhança familiar.
As raízes que criaram nas suas terras e comunidades chega a ser visível
através da fala de cada um. Valorizam o lugar como fonte de seus saberes, de suas
histórias e de seus valores.
O território onde vivem e estabelecem suas relações de trabalho, de moradia
e de trocas, tamm é identificado durante as entrevistas, mas de uma forma menos
explícita do que a relação que criaram e estabelecem com o lugar.
Constatei que não a Geografia e a Pedagogia podem ser entrelaçadas
com seus pressupostos e suas opções políticas, mas tamm os conceitos próprios
da geografia, os quais utilizei para referendar todo trabalho de pesquisa, se
entrelaçam e permitem fazer com que a vida, a política, as questões da cultura, de
identidade e do território dialoguem numa mesma esfera que é o lugar, o ponto de
172
encontro das lógicas globais e locais, o ponto de encontro dos sentimentos, dos
saberes, da consciência crítica e transformadora.
Quanto as questões educacionais percebi que propostas de expansão da
realidade rural foram construídas (por um grupo de educadores comprometidos e
engajados na valorização do mundo rural na década de 50) e o Estado não soube
valorizar essa idéia, que no fundo, tinha como intenção fixar o educando no meio
rural, valorizando seus conhecimentos e sua cultura.
Além do entrelaçamento de conceitos geográficos com a pedagogia freireana
essa dissertação tinha uma proposição que era transformar as práticas educativas
nas escolas rurais, mudar; possibilitar ao educador, através dos encontros
pedagógicos/reflexivos, a tomada de consciência de que dentro da sala de aula
pode haver um conhecimento pautado e integrado com o cotidiano vivido pelo
educando; que a escola pode ser palco de uma educação que valoriza o homem
rural, a história de cada um, a cultura que cada um manifesta em casa, a identidade
que cada um traz guardada dentro da memória.
Mostrar aos educadores que sua prática fica mais significativa quando é
planejada em conjunto com seus colegas, com seus educandos, com a bagagem
cultural do lugar, mesmo que ao adotar esta prática tenha que fazer mais esforço, se
comprometer mais, se envolver muito mais com o processo educativo.
Quando em encontro quinzenais com educadores trouxe questões para
refletir sabia o que isto causaria na prática escolar e, essa era a real intenção que
pretendia, a de transformar o trabalho nas escolas rurais em um trabalho
173
interdisciplinar, teórico, reflexivo, pautado no saber do educando e da comunidade,
referendado no lugar onde o cotidiano escolar e o da comunidade se concretizam.
A partir desses encontros tive a certeza de que quando dispostos e
comprometidos os educadores podem muito, e, de que tudo coma pela escola.
Foram elaborados cadernos temáticos e esta ação mostrou o quanto é
verdadeiro e possível o trabalho construído em conjunto com os educandos e a
comunidade, esses cadernos reforçaram a proposta de uma educação voltada à
realidade do cidadão que vive no meio rural.
Os cadernos traziam questões ligadas a saúde, história, valorizão do
homem rural, entre outros assuntos. Propomos despertar nos educandos, nas
educadoras e nas comunidades o questionamento sobre o cotidiano vivido por eles
através do uso de conceitos que não necessitam de re-significações, ou seja, foram
textos que abordavam o cotidiano, com a fala do cotidiano e o conceito utilizado no
cotidiano.
Em suma os cadernos temáticos foram elaborados e confeccionados com os
principais agentes de transformão e para esses agentes, eles materializaram o
trabalho participativo e reflexivo desenvolvido nas reuniões pedagógicas das escolas
rurais, através deles buscamos a qualificação da educação voltada para o meio rural
e conquistamos inúmeras outras realizões que a princípio não haviam sido
pensadas, como, por exemplo, coleta seletiva em todo município, funcionamento do
galpão de reciclagem do lixo, feirinha agro-ecológica, etc.
Mas um destaque especial tem que ser remetido às entrevistas realizadas
com os “educadores rurais das antigas escolas rurais isoladas”. Nesta etapa da
174
dissertação houve uma significação toda especial do trabalho até então
desenvolvido: a valorizão destes educadores, do trabalho que desenvolveram por
anos no município foi resgatado através desta pesquisa.
Questões fundamentais referentes ao que significava “ser educador” numa
comunidade rural, que fundamentalmente as escolas rurais deviam fixar o homem no
campo, capacitando-o e qualificando-o para isso foram compreendidas.
Surpreendentemente descobri nos educadores rurais, profissionais que com base na
intuição, resolveram trabalhar um pouco além do que deviam, traziam para sala de
aula a realidade porque isso era uma regra que devia ser seguida, mas traziam
também a identidade, a cultura, a valorizão dos saberes dos pais destes
educandos.
Estes educadores eram responsáveis por um projeto pedagógico que trazia a
comunidade para dentro da escola, com eles iniciaram uma das principais funções
da escola: ser um centro de cultura, de lazer, de educação formal e informal, mas,
sobretudo um espaço de ação-reflexão.
Outra reflexão importante que estas entrevistas trouxeram foi que, na
verdade, a ruptura entre o rural e a sala de aula ocorreu por causa da
desvalorização dos profissionais que trabalhavam com o rural, não com o meio, na
verdade tudo foi conseqüência: término das escolas, unificação do ensino,
desvalorização dos educadores devido à qualificação que possuíam, etc.
As entrevistas com estes profissionais foram verdadeiras aulas, repletas de
vida, de contextualizações, de experiências práticas, de incentivo, de um bem querer
175
a profissão, aos educandos, as comunidades. Quando transcrevendo as falas de
cada um dos entrevistados lembrei-me de Rubem Alves (1991) quando diz:
Educadores, onde estarão? Em que covas terão se escondido?
Professores aos milhares. Mas professor é profissão, não é algo que se
define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, o é profissão; é
vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande
esperança. (p.12)
Um tanto poético, mas o encontro outras palavras para descrever o
aprendizado que estas entrevistas proporcionaram.
Durante toda dissertação teci comentários, opiniões, reflexões sobre cada
assunto trabalhado, e como a reflexão é um ato que o pode parar o custa
refletir um pouco mais....
Ficou muito claro que a formação dos educadores é fator fundamental para
uma prática que prioriza a reflexão, a valorização dos saberes, etc, mas se estes
profissionais se encontram atuando nas escolas como é possível fazer?
Trabalhando a partir de encontros de estudos e reflexão que reforcem e contribuam
para o desenvolvimento desta nova prática; trazendo para as reuniões pedagógicas
algo mais que avisos administrativos; incentivando e instigando os educadores a
pensar, a estudar, a planejar, a observar, a valorizar;
Evidentemente que esta proposta não surgirá do nada (apesar do relato
anterior de que já existiam algumas práticas isoladas), a Secretaria de Educação do
Município precisa ter um olhar diferente sobre a educação, um olhar que possibilita
ver além, ousar transformar o que vê, por que se os órgãos que “cuidam” das
escolas, dos educandos e dos educadores são órgãos que não priorizam uma
educação conscientizadora e transformadora, então o trabalho fica correndo pelas
beiradas” de forma isolada contando apenas com o “dom de ser do educador”
176
(Rubem Alves). Bem, dentro desta perspectiva o município teve “sorte” pois a
administração municipal estava aberta a novas propostas pedagógicas, mesmo não
as conhecendo profundamente, permitiu que um projeto pedagógico reflexivo e
participativo fosse desenvolvido;
Em relação ao Projeto Pedagógico, este deve ser único para todo município,
mas sempre respeitando e valorizando os saberes peculiares de cada comunidade
escolar, enfim, único no sentido de que se uma proposta de valorização dos
saberes, do lugar, da identidade e da cultura de cada localidade, então a proposta
que fizemos nesta dissertação pode ser desenvolvida tanto no espaço rural quanto
no espaço urbano, basta que estejamos abertos para novos saberes, mas
principalmente dispostos a se engajar numa pedagogia que acredita que:
“não há docência sem discência, as duas se explicam
e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não
se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina
aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprender”.(FREIRE, 2000, p. 25).
Tenho clareza de que a transformação das práticas nas escolas rurais
acontecerá realmente quando:
- as administrações municipais perceberem que projetos educacionais
perpassam mandatos;
- os educadores compreenderem o poder que têm nas suas mãos e o usarem
para refletir e agir embasados numa prática construtiva onde todos são sujeitos das
ões, reflexões e concretizações.
- perceberem que o essencial é a relação que se cria com o saber, com a
história, com o cotidiano imediatamente vivido pelo educando e pela comunidade.
177
Na verdade a transformação só acontece quando todos compreendem a sua
importância na luta por uma educação digna, de valorização dos saberes e de
respeito a cultura e identidade que cada um traz consigo através do histórico
familiar.
Pode parecer pura utopia ou apalavras ufanistas de uma normalista”, mas
a prática pedagógica referendada na reflexão e participação reforça o quão
importante é o comprometimento e engajamento dos profissionais quando estes
adotam uma postura e uma prática reflexivas em conjunto com uma proposta
educacional libertadora.
Certamente que desenvolver uma pedagogia voltada para os valores, cultura
e identidade dos educandos do meio rural corre alguns ricos de enraizamento
somente na realidade, por isso volto a repetir, uma proposta pedagógica de
valorização do lugar como referência na aprendizagem só será séria e efetiva se a
realidade rural e do lugar forem integradas ao meio global, se os educadores
conseguirem planejar aulas que relacionem o global e o local na tentativa de realizar
uma educação libertadora, construtiva e sobretudo que insere e valoriza o educando
dentro de um contexto social local que também é global.
A prática reflexiva na ação que assumi enquanto planejava cada unidade,
cada questionamento, cada entrevista não serão encerradas nunca, pois sempre
terei uma reflexão a mais para fazer quando olhar de novo a proposta de trabalho,
os objetivos iniciais, as próprias considerações finais....a reflexão gera a ação, que
178
gera a reflexão, que gera um processo interminável de tomada de consciência e de
mudanças.
Abordei um enfoque educativo baseado numa prática reflexiva e participativa,
integradora e conscientizadora e por fim transformadora, sempre com a certeza de
que a reflexão na ação traz a tona a consciência e que o ato de conscientizar-se
implica em mudar o cotidiano vivido.
Acredito que para início de conversa ou de mais trabalho, o enfoque
pedagógico assumido é o mais coerente com as propostas de unir, integrar e
entrelaçar a Geografia com a Pedagogia Freireana.
Estas foram reflexões para encerrar uma dissertação que trouxe
encantamento, angústias, desilusões, conquistas, orgulho, na verdade esse
“encerrando” tem um significado especial e esperançoso de.... início de uma nova
etapa!
179
OBRAS CONSULTADAS
ALBERTI, Verena. História oral: a experiência do CPDOC. Rio de
Janeiro:Contemporânea do Brasil, 1989.
ALBERTI, Verena. Manual de história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
ANDRADE, Manoel Correia de. A questão do território no Brasil.São
Paulo:HUCITEC, 1995.
______. Globalização & Geografia.Recife:Ed. Universitária da UFPE,1995.
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Grande do Sul. IBGE, Rio de Janeiro, 1963,
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional
n. 5.692/71. 1971 Disponível em:http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L5692.htm.
Acesso em fev 2006.
______. ______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação n. 9.394/96. Cachoeira
do Sul: Livraria São Paulo, 1996.
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______. ______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 4.024/61
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CALLAI, Helena Copetti O Ensino da Geografia e A Nova Realidade. Boletim
Gaúcho de Geografia, v. 24, p. 67-72, 1998
______. Aprendendo a ler o mundo. Mimeo, 2003.
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1999.
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pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Moraes, 1980.
______. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
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básica do campo. V.1. Brasília: Articulação Nacional por uma Educação no Campo
1999.
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MEDEIROS, Cristiane Vieira; MEDEIROS, Rosa Maria Vieira; JUNIOR, Denir de
Oliveira Sosa.- Projeto Consciência e Transformação Caderno Temático 2:
Agricultura e Ambiente São Sebastião do Caí: Secretaria de Educação Cultura e
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Educação o local e o global. Porto Alegre, RS: Editora da UFRGS, 2003.
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e Fragmentação. São Paulo, SP: Editora HUCITEC, 2002.
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universal. Rio de Janeiro: Record, 2001.
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TEDESCO, João Carlos (org.). Agricultura Familiar: realidades e perspectivas.
Passo Fundo: EDIUPF, 1999.
184
APÊNDICES
185
APÊNDICE A- ENTREVISTA 1ª FASE
Nome:
Idade:
Escolaridade:
Estado civil:
Número de filhos e idades:
1-Todos estudam?
Em que escola? Por quê?
2-Sempre moraram no Caí? Quantos anos?
Em que ano seus familiares chegaram aqui?
3-A propriedade onde moram e trabalham é a mesma?
O que cultivam nela?
Tem outra atividade na família além da agricultura?
4-Essa propriedade foi comparada ou é herança de família?
Se herança, de que tipo?
Então, seus pais e avós tamm plantavam para sustentar a família?
5-Esse trabalho mantém a família unida? Por quê?
6-A comunidade onde moram mudou muito?
Qual foi a principal mudança? Ela foi boa ou ruim?
7-Como é a relação de com os vizinhos?
Sempre foi assim? Por quê?
8-O que aprendiam sobre a hisria da família de ?
Quem falava dessas histórias?
Na escola se aprendia alguma coisa sobre esse assunto?
9-Como eram as escolas?
Todos podiam estudar?
Qual a língua falada na escola? E em casa?
10-A escola respeitava e valorizava a cultura trazida de casa?
O que se aprendia na escola?
11-E agora como percebem a escola?
Ela valoriza o conhecimento que o aluno traz de casa?
12-
O que deve mudar na escola para que ela valorize mais o saber dos
pais e dos avós?
186
APÊNDICE B- ENTREVISTA 2ª FASE
Entrevista – 2ª Fase
Nome:
Idade:
Escolaridade:
Estado civil:
Número de filhos e idades:
1-Todos estudam?
Em que escola? Por quê?
2-Sempre moraram no Caí? Quantos anos?
Em que ano seus familiares chegaram aqui?
3-Seus pais e avós viviam da agricultura?
A terra onde trabalhavam era deles?
8-O que aprendiam sobre a hisria da família de ?
Quem falava dessas histórias?
Na escola se aprendia alguma coisa sobre esse assunto?
9-Como eram as escolas?
Todos podiam estudar?
10-A escola respeitava e valorizava a cultura trazida de casa?
O que se aprendia na escola?
11-E agora como percebem a escola?
Ela valoriza o conhecimento que o aluno traz de casa?
12-O que deve mudar na escola para que ela valorize mais o saber dos
pais e dos avós?
13- A partir de 1920 o Governo do Rio Grande do Sul assumiu a
educação através da criação de escolas públicas. Será que nesse
momento a valorização do lugar/realidade rural não ficou deixada de
lado?
14- Através do lugar podemos ver e ler o mundo, será que a escola traz
para sala de aula o lugar/realidade que o aluno vive?PQ?
15-As classes multisseriadas vem de uma época bem longícua, como
você percebe essa forma de ensinar?
16-Você cursou o normal rural?
Quais eram os pré-requisitos para fazer esse curso?
O que aprendiam nele?
187
APÊNDICE C- ENTREVISTA 3ª FASE
Nome:
Idade:
Escolaridade:
Estado civil:
Número de filhos e idades:
1-Todos estudam?
Em que escola? Por quê?
2-Sempre moraram no Caí? Quantos anos?
Em que ano seus familiares chegaram aqui?
3-Seus pais e avós viviam da agricultura?
A terra onde trabalhavam era deles?
8-O que aprendiam sobre a hisria da família de ?
Quem falava dessas histórias?
Na escola se aprendia alguma coisa sobre esse assunto?
9-Como eram as escolas?
Havia uma valorizão da cultura trazida de casa?
13- A partir de 1920 o Governo do Rio Grande do Sul assumiu a
educação através da criação de escolas públicas. Será que nesse
momento a valorizão do lugar/realidade rural o ficou deixada de
lado?
14- Através do lugar podemos ver e ler o mundo, será que a escola traz
para sala de aula o lugar/realidade que o aluno vive?PQ?
15-As classes multisseriadas vem de uma época bem longícua, como
você percebe essa forma de ensinar?
16- Em 1972 foi criado o parecer 339/72 com a finalidade de promover a
adequação do ensino, conforme a realidade onde as escolas estavam
inseridas?
Será que esta lei chegou a ser colocada em prática? De que forma?
17- Quais seriam as transformões necessárias para que as escolas
rurais realmente estudasse, vivenciassem o lugar?
18- São colocadas em prática as questões de valorização do trabalho
rural? De que forma essa valorização é trabalhada na escola?
19- A LDB permite que o calendário das escolas rurais seja organizado
de forma mais flexível, considerando as safras, os plantios. Como é
elaborado o calendário escolar?
20- utilizam livro didático? De que forma ele é trabalhado? Será
que ele contempla as questões locais vivenciadas pelos educandos?
21-No planejamento das aulas procuram valorizar a bagagem
cultural que o aluno traz de casa? De que forma?
22- recebem alguma formação diferenciada para trabalhar com os
educandos do meio rural?
23
-
Como deveria ser essa formão continuada?
18
8
APÊNDICE D- ENTREVISTA 4ª FASE
Nome:
Idade:
Escolaridade:
Estado civil:
Número de filhos e idades:
1-Todos estudam?
Em que escola? Por quê?
2-Sempre moraram no Caí? Quantos anos?
Em que ano seus familiares chegaram aqui?
3-Seus pais e avós viviam da agricultura?
A terra onde trabalhavam era deles?
8-O que aprendiam sobre a hisria da família de ?
Quem falava dessas histórias?
Na escola se aprendia alguma coisa sobre esse assunto?
9-Como eram as escolas?
Havia uma valorizão da cultura trazida de casa?
13- A partir de 1920 o Governo do Rio Grande do Sul assumiu a
educação através da criação de escolas públicas. Será que nesse
momento a valorização do lugar/realidade rural não ficou deixada de
lado?
14- Através do lugar podemos ver e ler o mundo, será que a escola traz p/
sala de aula o lugar/realidade que o aluno vive?como?
15-As classes multisseriadas vem de uma época bem longícua, como
você percebe essa forma de ensinar?
16- Em 1972 foi criado o parecer 339/72 com a finalidade de promover a
adequação do ensino, conforme a realidade onde as escolas estavam
inseridas?
Será que esta lei chegou a ser colocada em prática? De que forma?
17- Quais seriam as transformações necessárias para que as escolas
rurais realmente estudassem, vivenciassem o lugar?
18- São colocadas em prática as questões de valorização do trabalho
rural? De que forma essa valorização é trabalhada na escola?
19- A LDB permite que o calendário das escolas rurais seja organizado de
forma mais flexível, considerando as safras, os plantios. Como é
elaborado o calendário escolar?
20- Os educadores que trabalham nas escolas rurais recebem formação
continuada? De que forma?
21-O livro didático é utilizado nas salas de aulas. Pq não construir pelos
próprios educadores, secretaria de educação e educandos 1 livro que
valorize as questões locais?
22-Quais seriam as transformações necessárias para que as escolas
rurais realmente vivenciassem e aprendessem sobre o mundo tendo por
referência o lugar onde elas estão situadas?
23-Quantas escolas rurais existem no município?
189
ANEXOS
190
ANEXO A – ATA DE CRIAÇÃO DO CPM DA
ESCOLA GABRIEL PEREIRA DA SILVA
191
ANEXO B - CADERNO TEMÁTICO I
192
ANEXO C – UMA AGRICULTURA DIFERENTE
193
ANEXO D – COMUNIDADE VIVA
194
ANEXO E –HORTA ECOLÓGICA
195
ANEXO F – DIPLOMA DE PARTICIPAÇÃO NA SEMANA DA PÁTRIA 1943
196
Livros Grátis
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Milhares de Livros para Download:
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