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ROGÉRIO CANCIAM
A PUC-CAMPINAS: AS MUDAAS INSTITUCIONAIS
NARRADAS POR SEUS DOCENTES MAIS VELHOS
PUC-CAMPINAS
2007
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ROGÉRIO CANCIAM
A PUC-CAMPINAS: AS MUDAAS INSTITUCIONAIS
NARRADAS POR SEUS DOCENTES MAIS VELHOS
Dissertação apresentada como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre
em Educação junto ao Programa de Pós-
Graduação em Educação na área de
Ensino Superior do Centro de Ciências
Sociais Aplicadas da Pontifícia
Universidade Católica de Campinas, sob a
orientação da Profa. Dra. Vera Lúcia de
Carvalho Machado.
PUC-CAMPINAS
2007
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Ficha Catalográfica
Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e
Informação - SBI - PUC-Campinas
t378.8161 Canciam, Rogério.
C215p A PUC-Campinas: as mudanças institucionais narradas por seus docentes mais velhos /
Rogério Canciam. - Campinas: PUC-Campinas, 2007.
246p.
Orientadora: Vera Lúcia de Carvalho Machado.
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências
Sociais Aplicadas, Pós-Graduação em Educação.
Inclui anexos e bibliografia.
1. Pontifícia Universidade Católica de Campinas. 2. Ensino superior - Brasil. 3. Universidades
e faculdades - Avaliação. 4. Professores universitários. I. Machado, Vera Lúcia de Carvalho.
II. Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Centro de Ciências Sociais Aplicadas.
Pós-Graduação em Educação. III. Título.
22.ed.CDD - t378.8161
3
Dedico este trabalho a Deus que
me criou, aos meus pais
Mário Domingos Cancian e Rosa
Tomazela Cancian, por serem
meus primeiros educadores.
Aos meus irmãos Roberto,
Bernadete, Judite, Lucinda,
Jurema e toda minha família.
Aos meus Mestres e Amigos.
4
AGRADECIMENTOS
À querida Profa. e orientadora Vera Lúcia de Carvalho Machado, pela
dedicação, competência e simplicidade de ensinar.
À querida e marcante professora Maria Eugênia e ao estimado professor Jairo
de Araújo, pela garra de lutar para que a Educação encontre seu espaço.
Aos professores rgio Castanho, Kátia Caiado pelas contribuições que
ofereceram a este trabalho por ocasião do exame de qualificação.
A meu querido pastor Dom Bruno Gamberini, pelo apoio e incentivo.
Ao Reitor da Puc-Campinas, Padre Wilson Denadai, pela compreensão e
motivação.
Ao amigo e companheiro Padre João Luiz Fávero, pelo carinho.
A meu amigo e professor José Antônio, que na dificuldade soube passar seus
conhecimentos com alegria e firmeza no que realmente faz.
À Congregação do Santíssimo Redentor.
A meus colegas do mestrado, pela amizade e partilha nos estudos.
À querida amiga e madrinha Thereza Bom, pelos conselhos e pela paciência.
Aos meus entrevistados: Nair Fobé, Therezinha Marques, Valdemiro Caran,
Haroldo Niero e Ersio Lensi, cuja participação tornou possível a nossa reflexão.
À minha amiga de mestrado Maria Angélica, pela dedicação e apoio no educar.
A meu amigo Adriano Amaral, que, com sua paciência, esteve ao meu lado.
A duas grandes amigas, que desde o começo ajudaram-me a partilhar o
sucesso e as dificuldades, Cleusa e Cleide, da Livraria Livro Aberto.
A Nossa Senhora que sempre atendeu meus pedidos e súplicas.
Aos funcionários da PUC: Kelly, Regina, Tuca, Cidinha, Maria Fausta e Sérgio.
5
O novo incomoda.
Por quê?
Porque desafia.
Mas, queiram ou não, o novo
sempre vem.
E, para nossa felicidade,
O novo geralmente vence,
E, quando o novo vence,
A Máquina do mundo gira
melhor.
Novos projetos deixam as
tristezas
Numa agenda que o se abre
mais.
Novas crianças surgem para nos
dar as mãos.
Novos passos exigem de nós
coragem.
O novo é belo porque nos muda,
Nos leva a novas estações.
O novo nos torna pessoas
melhores
Porque nos torna novas
pessoas.
O novo é lindo.
Assim como os sonhos,
O NOVO não envelhece.
(autor desconhecido)
adaptação Rogério Canciam
6
RESUMO
_______________________________________________________________
CANCIAM, Rogério. A PUC-Campinas: as mudanças institucionais narradas por
seus docentes mais velhos. Dissertação de Mestrado em Educação. PUC-
Campinas, 2007, p. 246. Orientadora: Profa. Dra. Vera Lúcia de Carvalho Machado.
O estudo realizado insere-se na área da Educação e articula à linha de pesquisa
Universidade, Docência e Formação de Professores. A pesquisa realizada teve como
objetivo recuperar, com base nos relatos de professores mais velhos em atividades
docente na PUC-Campinas, informações que pudessem contribuir para a história
dessa instituição educacional em tempos mais remotos. Com esse intuito, foram
adotados procedimentos metodológicos derivados da História Oral, sendo efetuadas
entrevistas com cinco docentes mais antigos. Após seleção prévia, quatro grandes
eixos foram tematizados a partir das entrevistas: mudanças nas formas de ensinar e
mudanças que ocorreram na sala de aula; a estrutura da Universidade em relação ao
ensino, pesquisa e extensão; a Relação da Universidade com o município de
Campinas e região; Movimentos dentro da Universidade. Os depoimentos produzidos
permitiram uma abordagem de natureza qualitativa consubstanciada na apresentação,
análise e interpretação das informações disponibilizadas com os relatos docentes.
Pudemos constatar com o estudo que momentos críticos e decisivos para
compreendermos com maior acuidade a história da PUC-Campinas estavam
consistentemente elaborados nos relatos dos docentes entrevistados, e que,
sobretudo, por parte deles um nível de consciência e de reflexão teórica
inegavelmente respaldada pela atuação e vivência, o que permitiu para os fins do
conhecimento a respeito dos grandes temas apreciados contar com uma lucidez
bastante profunda. Por outro lado, exatamente pela densidade das apreciações feitas,
algumas implicações e questões mais críticas puderam ser percebidas com a
interpretação possibilitada, como o problema da adequação de valores, intuitos e
propósitos presentes nas diretrizes estabelecidas com o projeto de uma instituição de
natureza confessional e comunitária como a PUC-Campinas frente aos desafios
colocados por uma organização social e culturalmente diversa na atualidade.
Palavras-chave: Educação Superior – PUC-Campinas - Universidade
7
ABSTRACT
______________________________________________________________
CANCIAM, Rogério. A PUC-Campinas: The institucional changes told by its older
professors. Dissertation for Master in Education. PUC-Campinas, 2007, p. 246.
Monitor: Profa. Dra. Vera Lúcia de Carvalho Machado
The carried through study is inserted in the Education area and is joined the University
research line, Education and Teachers Formation The carried through research had as
objective to recoup on the basis of the older teachers stories in teaching activities at
PUC-Campinas, information that could contribute for the history of this educational
institution in more remote times. With this intention methodological procedures derived
of Verbal History had been adopted and five older professors have been interviewed.
After previous selection four great axles had been determined from the interviews:
changes in the forms of teaching and changes occurred in the classroom; the
University structure in relation to education, research and extension; Campinas and
region University relation; Movements inside of the University. The produced
depositions had allowed a boarding of based qualitative nature in the presentation,
analysis and interpretation of the information available with the teaching stories. We
could evidence with the study that the critical and decisive moments to understand with
bigger accuracy PUC-Campinas history were consistently elaborated in the interviewed
University stories and over all there is a level of conscience and theoretical reflection
from their part undeniably endorsed by the performance and experience what it allowed
to count on a sufficiently deep lucidity for the ends of knowledge regarding to great
appreciated subjects. On the other hand, accurately by the density of the made
appreciations some more critical implications and questions could have been perceived
with the possible interpretation as the adequacy of values problem, intentions and
purposes presented in the direction lines established with the project of a confessional
and communitarian nature institution like PUC-Campinas front to the challenges placed
for a social and culturally diverse organization in the present time.
Key words: - Higher Education - PUC-Campinas – University.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Sala de aula em 1941. Detalhes como: cadeiras, mesa e
lousa da PUC-Campinas.................................................................10
Figura 2 - Prédio e Jardim do Barão de Itapura – Início da PUC-Campinas...42
Figura 3 - Jardim Interno da PUC- Campinas – Prédio Central........................75
Figura 4 - Primeira turma de formatura da PUC-Campinas............................131
Figura 5 – Prédio Central da PUC-Campinas – 65 anos de história...............155
Figura 6 – Nair Leme Fobé..............................................................................170
Figura 7 - Valdemiro Caran.............................................................................180
Figura 8 – Maria Therezinha Corrêa Marques.................................................191
Figura 9 - Haroldo Niero.................................................................................207
Figura 10 - Ersio Lensi..................................................................................222
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................11
CAPÍTULO I
1. Origens do Ensino Superior no Brasil.....................................................43
2. Movimento Cultural Católico no Brasil....................................................52
3. Origens da PUC-Campinas.....................................................................65
CAPÍTULO II
A PUC-Campinas no olhar dos seus professores mais velhos
ontem e hoje ...........................................................................................76
1. Relação professor/aluno – mudanças pedagógicas e didáticas.............79
2. Ensino, Pesquisa e Extensão ..............................................................102
3. O Município de Campinas e a PUC-Campinas.....................................111
4. Os Movimentos Docentes e Discentes.................................................118
CAPÍTULO III
Reflexão sobre o olhar dos docentes: a síntese possível..........................132
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................156
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................162
ANEXOS
Depoimentos de cada professor entrevistado................................169
1. Nair Leme Fobé...............................................................................171
2. Valdemiro Caran..............................................................................181
3. Maria Therezinha Corrêa Marques..................................................192
4. Haroldo Niero ..................................................................................208
5. Ersio Lensi.......................................................................................223
10
11
INTRODUÇÃO
O estudo, que aqui apresentamos como dissertação desenvolvida para
o programa de pós-graduação em Educação da PUC-Campinas, resultou de
uma pesquisa levada a efeito com professores dessa instituição, cuja atuação
docente, compreendendo um largo tempo, pôde ser tematizada de modo a
proporcionar um material significativo para assegurar a possibilidade das
reflexões que objetivávamos estabelecer.
O título de nosso trabalho, em si, indica aspectos básicos da
investigação que desenvolvemos. Nossa intenção era a de podermos recolher,
12
nas próprias palavras de nossos entrevistados, informações substanciais que,
ao mesmo tempo, desvelassem a reflexão pessoal de cada um deles e
fornecessem, a nós, elementos para podermos utilizar na construção da nossa,
de tal modo que se tornasse possível, no âmbito desta pesquisa, levantar
aspectos essenciais capazes de contribuir para uma reflexão a respeito da
história da PUC Campinas, como instituição. Ao mesmo tempo, nesse
movimento de elaboração rememorativa, emergiam temas e concepções sobre
a experiência docente que acabaram colocando-se como cleos centrais, no
sentido do confronto entre momentos passados com os atualmente
vivenciados. A esse temas valeria a pena destinar a devida atenção, em nossa
análise e interpretação, uma vez que era a própria história da Educação que
era, assim, tematizada.
A pesquisa efetuada tem, como objetivo central, verificar como os
professores mais velhos, e permanecendo durante muito anos na mesma
instituição, estão vivendo a experiência de ensinar, hoje, tendo por
contraponto a sua docência em décadas anteriores.
Assim, convém esclarecer como tal objetivo se configurou em nosso
horizonte, ao longo de nossa atuação na pós-graduação desde aí, levantava-
se como ponto de interesse a docência no ensino superior. Questões diversas
povoavam a imaginação e se punham como preocupação à qual nos
sentíamos impelidos a satisfazer: como era ser professor na universidade?,
quais requisitos básicos deveriam ser enfocados e supridos em uma formação
docente para o nível superior?, quais influências e solicitações poderiam/
deveriam e precisariam ser atendidas no seio da instituição universitária?,
assim como outras aparentadas.
13
Além disso, outra situação acrescia ao peso de nossas indagações. Por
experiência própria, corroborada por aulas e leituras, era bastante claro para
nós que o momento contemporâneo apresentava-se com algumas
peculiaridades que experimentávamos como decisivas – o ritmo, a dimensão, o
significado de tantas transformações que vinham e vêm ocorrendo,
modificando radicalmente as condições sociais em geral, com repercussão
acentuada na vida das pessoas e, sem dúvida, para a escola, para a educação,
em todos os níveis e para todos os envolvidos.
Aliando, então, tal contexto às questões anteriormente apontadas,
configurava-se um problema: como, num mundo em que as transformações
são de tal ordem, a ponto de a própria realidade, muitas vezes, parecer
insuficientemente adequada para dar suporte à construção não apenas de uma
identidade pessoal, mas, sobretudo, daquela profissional e mesmo coletiva,
como, enfim, situar e compreender a docência no nível superior?
Pareceu-nos que, dentre os possíveis encaminhamentos suscetíveis de
direcionar convenientemente as indagações, contar com a experiência de
professores que lecionassem por um tempo suficientemente longo seria a
maneira mais adequada de buscar subsídios para o esclarecimento necessário,
na medida em que, atualizando suas vozes em uma enunciação expressiva da
vivência pessoal no seio e contexto de uma instituição a que se encontrassem
vinculados, poderíamos dispor, sem a intermediação de outros tipos e registros
históricos mais distanciados, da imediaticidade de relatos mais concretos,
empíricos, colhidos no instante mesmo do agora, sem que, contudo, deixassem
de lado a racionalidade da ordem do refletido.
14
Assim, foi à base desse tipo de reflexão que escolhemos ouvir alguns
professores, procurando obter com seus relatos sinais, indícios e evidências
que pudessem proporcionar material adequado para satisfazer nossas
indagações. Aqueles vinculados bastante tempo a uma instituição, em
particular a PUC-Campinas, instituição universitária com suas pecularidades
próprias, parecia constituírem-se em fontes privilegiadas da informação
buscada, uma vez que, ainda atuando na sala de aula, em vários cursos de
nível superior, com muita probabilidade disporiam de conhecimentos,
informação, experiências e ensinamentos os mais diversos e, sobretudo,
acreditávamos, pela larga experiência, teriam já elaborado e sistematizado
suas concepções e reflexões, e estas também pareciam-nos muito relevantes.
Nesse intuito, deparamo-nos com incertezas diversas quanto ao
caminho a seguir. Conseguir ouvi-los, entrevistá-los, perguntar-lhes, solicitar-
lhes respostas e informações oralmente ou por escrito, com textos próprios,
redigidos pessoalmente, quais questões e de que tipo, se fosse o caso,
endereçar-lhes, obter a anuência, deixar-lhes bem claro do que iríamos tratar, e
várias outras, foram muitas as questões a se interporem entre o projeto e a
sua realização.
Contudo, ainda que, de início não estivessem suficientemente evidentes
o caminho e suas variantes, as possibilidades, e, dentre elas, as factíveis, as
significativas e as realizáveis adequadamente em função do que, no começo,
mais que propósitos e projeto, eram apenas anseios, tínhamos a noção de
algumas, mas substanciais, requisições, implicadas com a pesquisa (e
expostas no parágrafo subseqüente). No “colocar em ação” a obra da
pesquisa, ficou extremamente evidenciada a pertinência dos registros de
15
nossas atividades discentes e da bibliografia à qual tínhamos tido acesso, e
que voltamos então a rever, e daquela que ainda não percorrêramos, a qual
mereceu, a partir de então, atenção e todo o tempo de que dispúnhamos.
Aos poucos, mas num período relativamente curto, nos dávamos conta
do significado das noções e do terreno em que adentrávamos - fontes orais,
história oral, temática e de vida, história do tempo presente, memória,
reminiscências, subjetividades, entrevistas, depoimentos, relatos, narrativas,
narratividade, instituições educativas, análise e interpretação, construção e
reconstrução, múltiplas histórias, velhos... tratava-se de todo um arcabouço de
reflexões, polêmico, extenso, inacabado e sobre ele tínhamos de aprofundar
nosso conhecimento e dele lançar mão, pois que, à medida que íamos
penetrando e nos interiorizando mais e mais nesses territórios,
compreendíamos que não eram apenas “noções”, mas, mais propriamente,
núcleos centrais pelos quais passavam e passam as articulações que
sabíamos (e outras que nem imaginávamos) serem necessárias ao trabalho
com nosso projeto.
Sabíamos que era necessário efetuar vários recortes, desde aquele
determinado pelo perfil do mestre considerado por nós como “adequado”
àqueles implicados pelas escolhas metodológicas; relatos e narrativas,
consistentemente “tecidos” nos depoimentos e entrevistas; maior ou menor
intervenção ou respostas pontuais, correspondendo sobremaneira a perguntas
previamente estipuladas; o recurso, se necessário, a testemunhos
codificados e instrumentalizados em anais, anuários, revistas da instituição...
em suma, uma série o pequena e diversificada de características estavam
no jogo.
16
Tínhamos também claro que, além de estarmos adentrando terrenos
diversos - a História e a Educação, a História da Educação, a História de
instituições escolares, em suas distintas vertentes, com objetos, procedimentos
e métodos que lhes são próprios, igualmente era nossa percepção que o
interesse que nos movia não permitia (nem ampla, nem exclusivamente)
reforçar e qualificar metodologicamente qualquer uma delas, em particular,
quaisquer que fossem o encaminhamento e os resultados de nossa
investigação; mas que, em virtude do tipo de problema que nos era dado
entrever, era necessário instituir um percurso capaz de dar conta dos vários
fatores que, a nosso juízo, precisaríamos tratar: o docente com suas memórias
e reflexões, a sua “pertença” a uma instituição determinada, com um caráter
distinto do de outras existentes, a sua configuração como a própria memória, o
relato ou narrativa, o confronto entre passado e presente delineado a partir das
perspectivas da mudança e da permanência, a historicidade subjacente à figura
e ao papel da instituição e das concepções pedagógicas mesmas
atualizadas, dentre vários outros.
Em razão de todos esses elementos intervenientes, procuramos
problematizar, analisar e fundamentar todos os pontos nodais. Passamos,
aqui, com base nas reflexões que desenvolvemos, a apresentar, apoiados
também na bibliografia, que pareceu pertinente, os esclarecimentos que
pensamos ser de relevância.
Para os fins que nos propúnhamos, recolher dos próprios participantes
com larga vivência, sob o ponto de vista da docência no ensino superior, as
informações, ditadas pela memória e experiência, que resultam em uma
contribuição para a construção da história de uma instituição, a PUC-Campinas
17
- a história oral, entendida como metodologia de pesquisa, pareceu-nos o
caminho mais apropriado. Nesse sentido, acompanhamos o entendimento (da
história oral) tal como propõem Ferreira e Amado (2002): nem técnica, nem
disciplina, a história oral é metodologia.
“Em nosso entender, a história oral, como todas as
metodologias, apenas estabelece e ordena procedimentos de
trabalho (...) funcionando como ponte entre teoria e prática (...)
na área teórica, a história oral é capaz apenas de suscitar,
jamais de solucionar, questões; formula as perguntas, porém
não pode oferecer as respostas” (p. XVI). (grifos das autoras)
Portanto, a escolha em trabalhar com entrevistas e depoimentos
proporcionados pelos docentes participantes de nossa pesquisa decorre de
que, segundo nosso julgamento, não se trataria apenas de acumular e
apresentar dados e informações pura e simplesmente, como se eles, em si,
contivessem e delineassem um quadro histórico.
“Poucas áreas, atualmente, têm esclarecido melhor que a
história oral o quanto a pesquisa empírica de campo e a
reflexão teórico-metodológica estão indissociavelmente
interligadas, e demonstrado de maneira mais condizente que o
objeto histórico é sempre resultado de uma elaboração: em
resumo, que a história é sempre construção”. (FERREIRA e
AMADO, 2002. p. XI).
Assim, para nós, não se trataria, nem tampouco, nem exclusivamente,
de, tomando a história oral como um sucedâneo técnico, preocuparmo-nos com
preceitos arquivísticos, organizações de acervos, composição e realização de
entrevistas, e sua estrita operacionalização, depois, sob os requisitos de uma
adequada transcrição; não dúvida de que tudo isto tem sua grande
importância. E, ainda de acordo com Ferreira e Amado (2002): “Entendida
18
como metodologia, a história oral remete a uma dimensão técnica e a uma
dimensão teórica” (p. VIII).
Contudo, tal como os autores expõem, nosso juízo os acompanha:
“...A interdependência entre prática, metodologia e teoria
produz o conhecimento histórico; mas é a teoria que oferece os
meios para refletir sobre esse conhecimento, embasando e
orientando o trabalho dos historiadores, aí incluídos os que
trabalham com fontes orais” (p. VXII). “... Apenas a teoria da
história é capaz de fazê-lo, pois se dedica, entre outros
assuntos, a pensar os conceitos de história e memória, assim
como as complexas relações entre ambos” (p. XVI). (grifo das
autoras)
Para nós, um tema tal qual o que nos incitava à realização do trabalho,
merecia, e merece, um tratamento que suficientemente desse conta de colocar
em relevo traços componentes fundamentais, dentre os quais a situação de
docentes em atividade, a de com eles ouvir o testemunho; assim, tomamos a
história oral, nas dimensões possíveis para o nosso trabalho, como:
“... a história escrita com a evidência acumulada de uma
pessoa viva, de preferência àquela de um documento escrito”
(PRINS, 1992, p. 163).
Sem dúvida, conquanto não fosse nossa intenção fazer obra de
historiador, na plenitude da expressão, não deixávamos de observar a natureza
histórica do trabalho, uma vez que, por força do encaminhamento escolhido,
passado e presente da situação docente, no seio de uma instituição de ensino
superior determinada, com características próprias (confessional e
comunitária), memórias, lembranças, narrativas tornavam-se, ao longo dos
19
depoimentos realizados, mais e mais efetivos. O teor das palavras de ALBERTI
(2005) fazia-se sentir com contundência:
“ entender como pessoas e grupos experimentaram o passado
torna possível questionar interpretações generalizantes de
determinados acontecimentos e conjunturas” (p. 165).
A autora, ainda afirma,
“Uma das principais vantagens da história oral deriva
justamente do fascínio da experiência vivida pelo entrevistado,
que torna o passado mais concreto e faz da entrevista um
veículo bastante atraente na divulgação de informações sobre
o que aconteceu” (p.170).
E, como conseqüência da seriedade, cuidado e responsabilidade
perante o testemunho das memórias oferecidas, o resultado é também
advertido pela mesma autora:
“Esse método reforça a responsabilidade e o rigor de quem
colhe, interpreta e divulga entrevistas, pois é preciso ter claro
que a entrevista não é um ‘retrato’ do passado” (p. 170).
Esse tipo de observação foi também, para nós, em diversos momentos,
tema de várias reflexões, bem como de muita ansiedade. Era muito claro que
os depoimentos eram importantes; mas, qual a natureza dessa importância,
como traduzi-la nos menores gestos de tratamento para com as palavras
ouvidas e recolhidas e a dimensão do que daí poderia derivar, isso ainda agora
é matéria de muita reflexão para nós, porque construir, reconstruir, identificar e
articular no relato a narrativa que transcende àquela própria do relato mesmo
implicava um tratamento metódico que ainda agora, para nós, não é objeto
perfeito, não é assunto liquidado, não é material acabado. A esse respeito, as
observações da Alberti (2005) foram incisivas:
20
“O primeiro deles [equívocos] consiste em considerar que o
relato que resulta da História Oral é a própria ‘História’ (...)
Ou seja, a entrevista em vez de fonte para o estudo do
passado e do presente, torna-se a revelação do real (...). É
claro que a publicação de uma ou mais entrevistas não
constitui problema em si. O equívoco está em considerar que a
entrevista publicada já é ‘História’, e não apenas uma fonte
que, como todas as fontes, necessita de interpretação e
análise” (p. 163).
Em nosso caso, as fontes, orais, encobriam, também, uma dimensão
cuja tematização merece ser ainda mais aprofundada. No entanto, para o ponto
em que nos reconhecíamos como prestes a avançar, o obstante a
precariedade e a autocensura, eram fontes cujas concretude presentificava-se
nas lembranças refletidas de velhos professores ainda atuantes e, pelo menos,
destinavam-se a tornar o passado contemporâneo do presente, na voz, viva,
dos atores.
Mais uma vez, Alberti (2005) forneceu indicativas preciosas:
“A análise de um depoimento de história oral - realizada seja
pelo próprio pesquisador - seja por terceiros, deve considerar a
fonte como um todo. É preciso saber ‘ouvir’ o que a
entrevista tem a dizer tanto no que diz respeito às
condições de sua produção quanto no que diz respeito à
narrativa do entrevistado: o que nos revela sua visão dos
acontecimentos e de sua própria história de vida acerca do
tema, de sua geração, de seu grupo, das formas possíveis de
conceber o mundo...” (p.185). (grifos da autora)
21
Ao mesmo tempo, Alberti (2005) fornece sugestões precisas e valiosas
para lidar com as questões relativas à significação da narrativa estruturada nas
entrevistas:
“Esse modo de interpretar pode ser adotado na análise de
qualquer tipo de fonte e não se afasta muito da lógica do
círculo hermenêutico: o todo fornece sentido às partes, e
vice-versa (...) Em uma entrevista, compreendemos os
conceitos utilizados pelo entrevistado, as formas como se
refere a determinados acontecimentos ou situações, as
lembranças cristalizadas, os cacoetes de linguagem etc., à
medida que tomamos sua relação com o depoimento como um
todo e vice-versa. É nesse círculo que surge o sentido” (p.
185). (grifo nosso)
E ainda:
“É importante lembrar também que as palavras empregadas
pelo entrevistado são importantes para a interpretação na
narrativa...” (p.185).
Pois que elas revelam concepções de mundo desde sua escolha e
emprego e, comumente, distribuem-se segundo uma sintaxe que obedece a
alguma lógica presente no entrevistado.
Cumpre retomar algumas das observações feitas logo após o início
deste capítulo introdutório. Apesar de nos estendermos bastante a propósito de
questões metodológicas e teóricas, aqui, fazêmo-lo com o objetivo de
esclarecer já, desde o início, aspectos e elementos de nosso trabalho, em
razão da forma como está construído para a versão escrita da dissertação e da
necessidade que sentimos de nos situarmos em relação aos objetivos e objeto
por nós trabalhados, não como historiadores, mas como interessados em
questões educacionais da docência em nível superior.
22
Não julgamos que nosso trabalho tenha precisamente condições de
estabelecer-se como uma obra de História da Educação, ainda que, em nossos
movimentos investigatórios, adentremos também por esse terreno. Sem
dúvida, a pesquisa nos situou nos limites e no âmbito de uma instituão
específica, e decorre daí que nos é indispensável ainda tecer algumas
considerações sobre esse aspecto institucional, do ponto de vista da reflexão e
da teoria; não poderíamos avançar sem isso.
Da mesma forma, não poderíamos avançar sem tocarmos em outra
variável fundamental e que, desde o início de nossas considerações, perpassa
o temário discutido e subjaz às linhas traçadas - a questão da memória (e, a
mais ampla vindo a caracterizar o que se registra com o termo pluralizado) -, ou
seja, a memória enquanto ensejando a constituição dos relatos e depoimentos
e enquanto elemento articulador da narratividade instaurada nas falas a que as
entrevistas dão oportunidade.
É, pois, destes aspectos remanescentes que trataremos a seguir, e esta
nossa pausa tem exatamente a intenção de rearticular nossa reflexão,
ajustando-a com os elementos que passam agora a ser discutidos.
No caso de trabalhos como o nosso, contudo, ouvir o que dizem os
participantes é, antes de tudo, atentar tanto para o conteúdo que as memórias
pessoais levam a expor quanto para o modo pelo qual essa manifestação se
constrói e se apresenta; assim, o aspecto da expressão segundo a qual nossos
entrevistados desempenharam o seu papel constitui-se em um dos elementos
relevantes para as possíveis interpretações a serem elaboradas mais à frente;
igualmente, o trabalho, a operação, o papel, a dimensão do fenômeno da
rememoração, em nossa investigação, acabam instituindo parâmetros
23
expressivos aos quais precisamos dar atenção substancial, se pretendermos
discernir o alcance real dessas manifestações.
Reintroduzindo, pois, esse aspecto fundamental é bom recordarmos o
que propõe Werle (2001):
“Para a história das instituições escolares muito contribuem os
relatos orais, cuja base é a memória. Narrativas orais,
realizadas por meio de entrevistas, são momentos de encontro,
escuta, troca em que a memória desempenha importante
papel” (p. 26).
Werle (2001), procurando esclarecer o tema da história das instituições
escolares, campo no interior do qual também transcorre nossa investigação, de
forma simples aponta características que tocam de perto nossa pesquisa: “A
história das instituições educativas trabalha com memórias coletivas e
memórias individuais” (p. 27).
Sem querer, e, na realidade, sem contar com as condições necessárias
para aprofundarmos, em nossa situação, o quanto ambos os tipos de memória
se articulam e se interpenetram, ainda com Werle (2001) podermos exprimir,
para o momento, o que nos interessa, em geral, para a configuração do papel
da memória: “Memória é um mecanismo pelo qual se pode, no presente, inferir
algo que se situa no passado (p. 27).
Por ora, basta-nos esse tipo de conceituação. Sem dúvida, o
aprofundamento da noção nos traz, em momentos próximos, maiores
informações para podermos articular as variáveis que, conosco, estão em jogo.
Mas antes, é necessário voltarmos a atenção para o contexto dos
pronunciamentos de Werle (2001), anunciado anteriormente - a história das
instituições escolares/educativas. O aspecto institucional ganha relevo decisivo
24
em nosso trabalho; alguns traços permitem avançarmos o conceito com o qual
trabalhamos em nossa investigação: uma instituição apresenta indícios de
continuidade, organização, formalidade, estruturação, hierarquia e história; não
se trata, portanto, de situações ou eventos pontuais ocorrentes, nem tampouco
de fenômenos cuja consecução se apenas no interior de arcabouços
teóricos, reais, sem dúvida, mas de natureza abstrata. Revisitando, a esse
respeito, Werle (2001), que se apóia em Chapoulie e Briand (1994) e em
Desaulniers (1996), é imprescindível apontar a noção que se apresenta de
forma conseqüente e que nos oferece as fronteiras e o contexto dentro dos
quais procuramos permanecer em nossa obra:
“... estarei referindo instituição como uma unidade escolar,
espacialmente localizável (mesmo ocupando vários prédios
dispersos), com componentes identificáveis na memória
coletiva, tais como as aspirações coletivas fundadoras, e,
embora possa ter passado por reestruturações, por rias
mantenedoras ou formas político-administrativas, e possa ter
sido extinta, mantém, ou manteve ao longo de sua existência,
um conjunto de elementos identificáveis referentes à base
material e a base de gestão” (p. 18-19).
Contando com os depoimentos de nossos participantes, com relação a
aspectos diversos vinculados à história da PUC-Campinas, ao lado de outros
assuntos e temas pertinentes conquanto diferenciados, não nos era possível
deixar de lado a consideração pela dimensão da instituição. E foram muitas as
indicações elucidadoras que pudemos obter junto a Werle (2001), tal como a
que segue:
“... a abordagem da dimensão institucional poderá evidenciar o
conflito entre o instituído e os processos de institucionalização,
25
os momentos, fases ou períodos em que a instituição tendeu a
tornar-se em artefato, com funcionamento independente,
destacando-se das propostas fundadoras. O jogo entre o
instituído e o instituinte, a totalidade em organização, os
processos de estruturação e não apenas o estruturado, esses
são os desafios a enfrentar no empenho de compor narrativas
referentes à história das instituições escolares”. (p.19)
Embora não constituísse projeto nosso compormos por nós mesmos
narrativas com respeito à história da PUC-Campinas, não podíamos
desconsiderar as implicações contidas em afirmações como as precedentes.
Nossos entrevistados e depoentes, sem vida, inclusive em função dos
procedimentos técnicos que prevíamos utilizar para obter com maior riqueza e
liberdade expressivas os testemunhos de nossos participantes, construíram
relatos e narrativas que, muito de perto, se acercariam dos aspectos
mencionados em Werle (2001).
Não tínhamos, assim como não temos já agora, projeto de cotejar
informações fundantes e fundadoras da instituição - seu próprio projeto original,
com o acervo obtido com as declarações dos entrevistados. Tínhamos, sim, é
evidente, a preocupação de que, estruturadas de forma mais aberta as falas
dos professores participantes, pudéssemos encontrar e reconstruir as
informações a respeito de um traço essencial, qual seja, as questões
concernentes, no âmbito de uma instituição educativa, ao caráter da formação
e do tratamento e transmissão de saberes próprios a uma entidade de tal
natureza; mas, parecia-nos que tal tipo de preocupação, embora presidindo
juntamente com outras a condução, confecção e efetivação de todo o processo
de obtenção de dados, teria forçosamente de explicitar-se com mais
naturalidade e conseqüência no momento da análise e interpretação daqueles
26
elementos informacionais evocados com a pesquisa e foi assim, num jogo
prospectivo e retrospectivo, que procuramos observar tais “advertências”.
Assim é que, também alertados com a reflexão sobre o teor dos
pronunciamentos dos diversos autores que nos serviram quanto ao respaldo
bibliográfico, encontramos em Werle (2001) mais um elemento central relativo
ao trabalho, posterior, com os relatos, pronunciamentos e declarações dos
entrevistados - como lidar, desde a fase da tomada de depoimentos e do
trabalho com os dados levantados, com um material cuja organização e
reorganização teriam de ser motivo, para nós, de uma reflexão cuidadosa e
aprofundada para, com todo o direito, podermos falar de interpretação, e mais,
de sua adequação e correção. Werle (2001), bem a propósito, esclarece pontos
e momentos relevantes:
“Novamente”, afirma a autora, com o suporte de Le Goff (1990,
p.424), voltamos ao tema da narração. O ato mnemônico
fundamental, no caso das instituições escolares é o
comportamento narrativo, no qual recebe destaque a
concatenação de atos, fatos e datas, bem como os
esquecimentos e silêncios. As narrativas operam na esfera
auditiva, permitindo o reordenamento, reexame e retificação,
mas elas também dão a ver relações de poder” (p. 27).
E dando seguimento a uma idéia capital, cremos, em trabalhos de
pesquisa como o nosso, em que a oralidade e a memória são esteios bastante
peculiares e decisivos para a instalação de uma compreensão intermediada
pelos raciocínios efetuados de modo a poder também ser tomada por
explicação, Werle (2001) resguarda a atitude crítica indicada como a que
devemos observar:
27
“Impõe-se novamente a importância da crítica à narrativa oral,
tal como se propõe a crítica ao texto, ao documento” (p.27) ...
Se um risco é tomar o documento escrito na íntegra, como
prova, também o é tomar os relatos orais nessa dimensão
como se falassem por si,quando também eles assim
manejados contribuem para uma história fatual” (p. 29).
Contra, sobretudo, uma visão positivista, fatual, seriada e linear, Werle
(2001) ressalta constituintes e perspectivas bem outras, tematizando situações
que se nos tornam bastante evidenciadas no curso das próprias entrevistas e
nos momentos em que precisávamos chegar a uma compreensão mais
adequada e justa para propor interpretações legítimas.
Dando destaque à atuação dos participantes, Werle (2004) faz notar
que:
“A história dos atores educativos traz as pessoas para o retrato
narrativo da instituição escolar. É ela que contribui para a
compreensão das instituições como experiência de apropriação
individual ou coletiva ... Esta subjetividade que apropria, de
diferentes formas e em diferentes espaços,os acontecimentos
institucionais ajuda a compor a história das instituições
escolares” (p. 27-28).
Em razão das características de nossa pesquisa, em que se fazia
fundamental ouvir com atenção a todo tipo de singularidade evidenciado, o
quê e como os professores entrevistados externavam, com palavras,
reticências e silêncios sobre os temas discorridos, os elementos constatados
como da ordem da subjetividade e da identidade pessoal por diversas ocasiões
se afiguraram como “quase” obstáculos para a constituição e efetivação de
nosso propósito de reconstituir indicações, signos e discursos passíveis de
concorrer para o estabelecimento de dados conclusivos - como, se era isso
28
possível e de direito, estruturar falas em alguns momentos tão próprias e
peculiares?, como, na busca de recorrências e proximidades nos pensamentos
explicitados, escapar à solidez de argumentos tão propriamente pessoais?,
como evitar atribuir o que emergia nas falas a posturas e posições do
pesquisado preocupado em reencontrar um “fio” organizador totalizante?,
enfim, o que seria, em situações de investigação como a nossa, o “correto”, o
“apropriado”, o “legítimo”?
Também aí, as posições de Werle (2001) foram-nos decisivamente
instigantes:
“A componente experiencial pode fornecer um melhor
entendimento do modo com os alunos e os professores, a título
individual ou coletivo, interpretam e reinterpretam o seu mundo,
do modo como os atores educativos construíram as suas
identidades ao longo dos tempos, do modo como a experiência
escolar tem diferentes sentidos para diferentes pessoas”.
(NÓVOA, 1988 apud W ERLE, 2001, p.28).
E, com sua própria reflexão, a autora consegue ser suficiente
convincente:
“... quem se dedica a fazer história das instituições escolares
parte do pressuposto que muitas histórias, mesmo que de
uma instituição escolar (...) Destacar que não temos a
história das instituições escolares, mas que são muitas as
histórias, indica também que não se pretende compor uma
visão única, fixista, verdadeira” (p. 29).
Esboçando os diversos riscos presentes no percurso daqueles que
tratam da história institucional, Werle (2001) aponta:
“Um terceiro risco é o de buscar a descrição da totalidade da
história institucional como se fosse atingir a essência da
29
história institucional em toda a sua multidimensionalidade,
afastando-se do sentido plural, não unitário, da concepção das
instituições escolares...” (p. 29-30).
E sumariando de forma lapidar o que tem a nos propor com suas razões,
Werle (2001) afirma:
“É importante para o pesquisador e sua equipe assumirem que
não uma elaboração unitária do passado institucional, mas
“histórias” que traduzem processos de construção social...” (p.
30).
Novamente, aqui, sentimos a necessidade de introduzirmos um “aparte”
e colocarmo-nos em posição de esclarecer nossa atitude ao nos demorarmos,
com não poucos detalhes, e mediante a apropriação das reflexões dos autores
que compõem a bibliografia pertinente a respeito, na elucidação de pontos e
aspectos cruciais para o andamento razoável da exposição que fazemos
acerca de nossa investigação. Pensamos que tal procedimento, não apenas
era necessário com os fins de esclarecimento de temas centrais decorrentes de
nosso projeto investigativo, quanto era indispensável à exposição de nossa
argumentação e raciocínio. Desde que propusemos inquirir a respeito do
ensino de nível superior, segundo as considerações de professores com larga
experiência, numa mesma instituição educativa, vários elementos aparentes e
latentes, nessa formulação, precisaram ser melhor pensados e reconsiderados
por s. Foi, com base nesse aspecto, que reproduzimos, ao menos sobre os
momentos de articulação teórica essencial, os nossos passos.
Resta, ainda, recuperarmos um pouco mais dessa reflexão, preparatória,
introdutória e balizadora (para o nosso próprio trabalho de campo).
Retornamos, assim, a um traço anteriormente levantado, e cuja
problematização pode implicar rias considerações: tal como Werle (2004)
30
apontou a propósito da questão da construção das identidades próprias
(pessoais) e coletivas, a situação do entrevistado, depoente e testemunha,
(cujos relatos, oralizados, sobremaneira indicam a presença de perspectivas e
visões (re)construídas e não meramente ingênuas, tomando por suporte
garantias fornecidas pela memória) não deixa de corresponder a uma
subjetividade idiossincrática; ainda que, por diversas vezes, muitas
proximidades possam ser apontadas nos diferentes relatos efetuados pelos
entrevistados, bem como nos recursos expressivos utilizados, pensamos não
ser possível esquecermos e destacarmos aqueles momentos de dissonâncias;
mas, então, coloca-se para nós o problema da medida justa, adequada, com
que, em nossas análises e interpretação, é solicitada a apropriação exigida
pelo pensamento reflexivo do pesquisador que se dispõe a sobrelevar índices
da significatividade dos enunciados proferidos - como fazer para “juntar” e
“separar”, “somar” e “desprezar”, “homogeneizar” e “dar realce à divergência”?
Nossa reflexão a esse respeito respaldou-se nas considerações
recolhidas na bibliografia que nos apoiava; e utilizando de um critério de fundo
epistêmico, pareceu-nos que o problema estava sendo convenientemente
abordado em alguns autores. Assim, em Ferreira e Amado (2002) é observado:
“... a pesquisa com fontes orais apóia-se em pontos de vista
individuais, expressos nas entrevistas; estas são legitimadas
como fontes (seja por seu valor informativo, seja por seu valor
simbólico), incorporando assim elementos e perspectivas às
vezes ausentes de outras práticas históricas - porque
tradicionalmente relacionadas apenas a indivíduos, como a
subjetividade, as emoções ou o cotidiano.” (p. XIV-XV).
Com ALBERTI (2005), podemos reconhecer:
31
“Quando a pesquisa de História Oral pressupõe a realização de
entrevistas com diversas pessoas do grupo investigado, é
possível chegar a alguns padrões: experiências que se
representam, trajetórias semelhantes, usos de mesmas
palavras ou expressões, etc.” (p. 186).
E, sobretudo, quando explicita a identificação de narrativas com
representações:
“Representações e ‘fatos’ não existem em esferas isoladas. As
representações se utilizam dos fatos e alegam que são fatos;
os fatos são reconhecidos e organizados de acordo com as
representações; tanto fatos quanto representações convergem
na subjetividade dos seres humanos e são envoltos em sua
linguagem. Talvez essa interação seja o campo específico da
história oral, que é contabilizada como história com fatos
reconstruídos, mas também aprende, em sua prática de
trabalho de campo dialógico e na confrontação crítica com a
alteridade dos narradores, a entender representações.
(PORTELLI, 1996, apud ALBERTI, 2005, p. 187).
O trabalho com categorias como representação forneceu-nos pistas para
a dilucidação dos obstáculos comentados; enquanto presentificação para si
mesmo e para o “público”, tanto do que não mais é presente ou não é mais
presente conforme a perspectiva e visão do mundo do entrevistado/ narrador, a
representação se organiza não por meio de elementos externos, impostos e
sob coação heterônoma; antes, é a subjetividade mesma “da testemunha” que,
buscando organizar os dados da experiência pela mediação da memória
articuladora, constrói a si própria e ao próprio objeto sobre o qual se debruça.
Pareceu-nos, então, que pender para um lado (homogeneizar) ou outro
(buscar a dissonância), forçados pela necessidade aparente de construir uma
32
contextualização de fundo histórico para os relatos, individuais, tendo por
referência, como um dos pólos, a experiência institucional, seria atender a um
falso problema - assim como são várias as histórias, “... não uma
elaboração unitária do passado institucional, mas ‘histórias’ que traduzem
processos de construção social...”. (WERLE, 2001, p. 30)
As subjetividades mesmas mantêm-se a si próprias, ainda quando no
interior de uma experiência coletiva, tal como é possível concluir com a análise
proposta em Alberti (2005):
“... entender como pessoas e grupos experimentam o passado
torna possível questionar interpretações generalizantes de
determinados acontecimentos e conjunturas...” (p. 165).
Essa situação havia sido tematizada pela autora ao mostrar a
emergência do parâmetro qualitativo para as mudanças na própria
historiografia:
“... passou-se a valorizar também a análise qualitativa, e o
relato pessoal deixou de ser visto como exclusivo de seu autor,
tornando-se capaz de transmitir uma experiência coletiva, uma
visão de mundo tornada possível em determinada configuração
histórica e social” (p. 163).
Não obstante nosso entendimento, inicialmente, ingênuo e de senso
comum, ao longo de todo o percurso entabulado com a decisão sobre o projeto
que iríamos buscar concretizar, foram várias as ocasiões nas quais tornou-se
evidente a necessidade de sistematizar e fundamentar com propriedade mais
este fator a própria questão da memória - em razão, principalmente, da
percepção com que observávamos a sua presença na bibliografia estudada.
A memória, embora pessoal, ... não era aleatória contudo, tal como a
entendíamos e utilizávamos; tampouco se tratava de resultado de decisões e
33
volições particularizadas no indivíduo; a confluência de diversos aspectos de
natureza sociológica e antropológica levava-nos a tomá-la como fenômeno
que, conquanto atualizável na dimensão individual, não deixava de se constituir
nos inter-relacionamentos originados seja de posições ocupadas
institucionalmente, segundo papéis previamente definidos, seja de inserções
mais espontâneas, naturais mesmo, em que a própria personalidade
sobrepujava e extrapolava limites e fronteiras de antemão designados.
Em Prins (1992), pudemos encontrar algumas reflexões que nos
interessaram mais de perto por parecer articular aquilo que tínhamos em
mente. Tal como apresenta a questão das fontes orais, este autor estabelece
um recorte que julgamos apropriado às nossas intenções, quando se remete à
figura da memória como reminiscência.
“... outro tipo de fonte oral é a reminiscência pessoal. Esta é
uma evidência oral específica das experiências de vida do
informante... A reminiscência pessoal direta compõe a carga
esmagadora da evidência oral...” (p. 172-173).
E traços ainda mais distintivos são anexados pelo autor ao afirmar que,
dentre as narrativas a serem consideradas (fornecidas desde agentes externos
até tradições orais),
“...permanece um espécie de narrativa a ser considerada. Está
deliberadamente colocada em uma categoria separada, porque
se refere ao indivíduo isolado e às suas experiências. Tal
reminiscência pessoal é o principal dado utilizado pelos
historiadores, ao estudarem as sociedades dominadas pela
palavra escrita” (p. 187).
34
A caracterização que Prins (1992) faz da reminiscência pessoal é
extremamente exaustiva quanto às suas implicações:
“O que a reminiscência pessoal pode proporcionar é uma
atualidade e uma riqueza de detalhes que de outra maneira
não poderiam ser encontradas. Torna possíveis as histórias de
grupo em pequena escala (...) e as obras geograficamente em
pequenas escalas (...). Isso aos historiadores os meios para
escrever o que o antropólogo Clifford Geertz chamou de
‘descrição densa’: relatos tipicamente tecidos que têm a
profundidade e os contornos que permitem uma análise
antropológica substancial” (p. 192-3).
Assim, localizando no interior de sociedades letradas um lugar próprio
para as funções originárias da memória como atividade de reminiscência,
capaz de providenciar relatos e narrativas que representam, com riqueza,
aquilo que não mais é ou está, aquilo que preponderantemente foi em outros
tempos e épocas, e de que, contudo, ao se falar, no momento do presente e do
agora, tem-se a possibilidade de recriar na atualização elaborada, Prins não
apenas chama a atenção mas justifica também o ter chamado de “evidência
oral” a reminiscência mesma; enfim, deixa claro porque a surpresa que nos
ocorre ao entrarmos em contato com tal expressão - que conjuga,
aparentemente de forma inusitada, dois dos sentidos humanos - acaba se
desfazendo assim que compreendemos que representação/reapresentação
toma, desde uma forma oral, o estatuto reservado ao sentido mais
constantemente ajuizado como primordial - o oral implica a visão, o rever.
Em suma, as formulações de Prins (1992), particularmente no que
respeita ao problema da memória como fonte oral, trouxeram-nos elementos
que ainda não discriminávamos mas cuja presença nebulosamente
35
percebíamos; e cremos que, com esse encaminhamento, as dúvidas genéricas
que nos acometiam a esse respeito puderam encontrar um patamar em que, na
lida concreta com a pesquisa desenvolvida, puderam adequadamente ser
ressituadas frente aos testemunhos que nos iam sendo fornecidos - como
contemplar, tratar, considerar, enfim, como recurso para reconstruir narrativas
consubstanciadas nos depoimentos e nos relatos orais suscitados tal fenômeno
- a memória, como legitimamente fundante e constituído como autoridade de
modo a, não obstante a identidade própria de cada participante, as
subjetividades inerentes, as personalidades inequívocas, poder conferir a
preeminência de fonte histórica?
Uma última observação é mister expressar. Convém apresentarmos
brevemente as razões da escolha de uma terminologia determinada para
designar nossos colaboradores entrevistados. Uma vez que, para perfilar os
participantes de nossa investigação, era necessário cumprir uma condição,
qual seja , a de poder confrontar o momento da atualidade com outros mais
distantes no tempo e mais próximos da época de constituição da PUC-
Campinas, os que atendiam a tal qualificação poderiam ser docentes, ainda
em atividade, mas, também, testemunhas vivas daqueles outros momentos
passados. Resolvemos conservar o sentido originário do termo apropriado em
nossa língua, velhos, uma vez que, na língua da qual descende, os termos
vetulus e vetus possuem, ambos, a acepção que indica aquele que pode ser
testemunha, no presente, de épocas decorridas porque também esteve
presente.
Uma outra razão que presidiu tal escolha residiu também em que, com
ela, sentíamos estar devolvendo a palavra às suas acepções mais próprias,
36
retirando-a, ao mesmo tempo, do circuito depreciativo em que circula, o mais
das vezes sem qualquer motivação justificada. E, finalmente, pudemos contar
com o respaldo de pensadores reconhecidos no terreno da história oral, como
em que, artigo publicado na coletânea organizada de Park (2000), assim se
manifesta:
“Velhos assumem sua função social de portadores de memória
privilegiados...” (p: 20).
“Assumimos o termo ‘velho’ por acreditar que os atuais títulos
conferidos àqueles que envelheceram, tais como terceira idade,
a melhor idade, etc, deslocam a discussão para a questão da
longevidade, esquivando-se do enfoque na função social do
velho em nossa sociedade... a função social discutiria o papel
exercido pelo velho’ em uma sociedade produtiva onde estar
inserido significa estar produzindo” (p. 21). (grifos nossos)
“Indiscutivelmente especificidades no papel do velho e
dentre essas está a de lembrar. E lembrar dentro de um
trabalho mais amplo e sistemático pode ser construir
conhecimento, construindo e reconstruindo histórias” (p. 23).
(grifos nossos)
Agora, passamos a apresentar os passos metódicos que desenvolvemos
no sentido de operacionalizar nossa pesquisa de história oral de vida.
Procuramos identificar, inicialmente, os professores mais antigos, dentro
da Pontíficia Universidade Católica de Campinas, que até hoje estão em sala
de aula. É importante notar que, como professores velhos, que ainda estão
na Universidade, porém com cargo administrativo, não foram estes
considerados para participar de nossa pesquisa, uma vez que um requisito
essencial era ter atividade docente.
37
Seguindo as orientações de Meihy (2000), organizamos os passos
empreendidos para a efetivação da pesquisa, de modo a poder dispor de um
controle para as ações desenvolvidas e a desenvolver. Sucintamente,
apresentamos aqui uma relação com os momentos mais representativos:
Informar - dados do projeto;
Coletar - dados do depoente;
Registrar - dados dos contatos;
Organizar - dados do andamento das etapas de preparo do
documento final;
Envio das correspondências; ( anexo 1)
Os professores entrevistados, seguindo a ordem de admissão na PUC-
Campinas foram:
1951 Nair Leme Fobé Letras (dia da gravação 23/09/05 às 15h
30 min).
1953 Valdemiro Caran Direito (dia da gravação 16/09/05 às
15h30 min).
1953 - Maria Therezinha Corrêa Marques Serviço Social (dia da
gravação - 23/09/05 às 09h).
1958 – Haroldo Niero Teologia – (dia da gravação –29/09/05 às 09 h).
1962 - Ersio Lensi – História – (dia da gravação – 07/10/05 às 09 h).
Três docentes entrevistados não aceitaram ter os dados coletados na
entrevista publicados e autorizados neste trabalho. Assim sendo, esse material
não foi incluído.
38
A entrevista foi norteada por quatro eixos ou temas amplos. Para chegar
a eles, das trinta e quatro questões inicialmente projetadas, estabelecemos a
conveniência de mantermos apenas quatro, mais apropriadas para trabalhar o
objetivo da pesquisa. As perguntas foram feitas livremente pelo autor, e, com
auxílio da orientação, foram delimitadas em temas representativos.
A) Mudanças nas formas de ensinar e mudanças que ocorreram na sala
de aula;
B) A estrutura da Universidade em relação ao ensino, pesquisa e
extensão;
C) A Relação da Universidade com o município de Campinas e região;
D) Movimentos dentro da Universidade.
Foram utilizados, para a entrevista, meios como: gravação com fita e
filmagem em VHS e fotos, todas feitas pelo autor.
A conveniência da gravação em fitas VHS é apresentada por Alberti
(2004, p. 62)
“A gravação de entrevistas de história oral em vídeo
tem-se difundido bastante ultimamente. Ela permite o
registro da imagem do entrevistado e da situação de
entrevista e impede que se percam os gestos e
expressões faciais que complementam e enriquecem a
enunciação, expressando reações e, muitas vezes,
indicando a intenção do falante”.
O local de gravação da entrevista foi determinado em razão da
facilidade para os professores, e conforme a disponibilidade de datas e
horários de cada um. Foi escolhida a sala de 293, que se localiza no prédio
39
central da PUC, pois o espaço e as acomodações favoreciam a concentração e
a atenção sobre o que se estava fazendo.
Antes de começar a entrevista, procuramos deixar bem claro qual era o
nosso papel naquele momento de gravação, elucidando aspectos como:
a) tornar claro que o depoimento era de grande relevância para a pesquisa
e que haveria muita satisfação, de nossa parte, em ouvir o participante;
b) mostrar franqueza na descrição dos propósitos do trabalho e na
condução das entrevistas. (Não convém aos pesquisadores, sob pena
de prejudicar tanto esta quanto outras relações com entrevistados, forjar
uma imagem de si próprios que não corresponda à prática efetiva. Isto
porque, se a entrevista seguir os rumos adequados a trabalhos deste
gênero, haverá momentos em que se torna difícil sustentar uma imagem
impostada, podendo o entrevistado poderá sentir-se ludibriado);
c) evidenciar o respeito nutrido pelo entrevistado, enquanto sujeito produtor
de significados outros que os dos pesquisadores. Como são sua
experiência e suas interpretações que se buscam em uma entrevista de
história oral, é preciso mostrar ao entrevistado que não se tenciona
modificar ou criticar sua forma de ver o mundo, suas crenças e opiniões,
mas preservá-la em toda sua riqueza.
Depois da etapa de gravação, procedeu-se à transcrição das fitas K-7, e
depois à textualização. Procuramos preservar o estilo particular de cada
entrevistado, mais formal ou informal, a fim de não desnaturalizar a
autenticidade do discurso. Nossa opção para a textualização foi a de minimizar
as modificações, os cortes, as seqüências das falas, respeitando-as tal como
40
fluíram, isto é, sem forçá-las a caberem no padrão prévio de perguntas. As
transcrições foram encaminhadas para um professor corrigir o português e
rever a pontuação, mais adequadamente, sendo depois encaminhadas para
os entrevistados, e todos assinaram a carta cessão. ( anexo 2).
Julgamos conveniente apresentar no capítulo introdutório as questões
de ordem metodológica com que nos defrontamos após as decisões sobre a
natureza da pesquisa a ser realizada.
No capítulo I, tratamos do ensino superior brasileiro e da origens da
PUC-Campinas no seio do movimento do pensamento cultural católico
brasileiro.
No capítulo II, apresentamos a análise elaborada de acordo com os
temas comentados pelos professores entrevistados em seus relatos.
No capítulo III, procedemos à elaboração de interpretações possíveis de
serem estabelecidas sobre várias das idéias e reflexões presentes nos
depoimentos, de acordo com a análise elaborada com base nos temas.
Finalmente, nas considerações finais retomamos alguns poucos
elementos de natureza teórica e metodológica que nos afiguraram como
importantes para apresentarmos o significado do estudo efetuado e algumas de
suas implicações, para introduzir impressões mais conclusivas de natureza
geral e responsáveis por estabelecer indicações para novas investigações;
além disso, ai também apresentamos considerações sobre momentos diversos
do percurso e do trabalho que ensejaram a elaboração de reflexão sobre os
avanços e os retrocessos que pudemos perceber.
41
42
43
CAPÍTULO I
1. Origens do Ensino Superior no Brasil
“A educação universitária, para realizar
suas tarefas básicas de pesquisa, de
ensino e de extensão, precisa da leitura
e da escrita como instrumentos
fundamentais de atuação”.
Antônio Joaquim Severino
Para os fins que nos propomos nesta investigação, é de suma relevância
esclarecer o processo que leva à implantação da universidade nos quadros do
ensino superior em nosso país.
Seguimos substancialmente, neste momento, as valiosas orientações
estabelecidas com o trabalho desenvolvido por Luis Antonio Cunha em sua
44
investigação a respeito da figura da universidade desenvolvida no Brasil
(CUNHA, 1988).
Com este mister, parece-nos essencial elucidar alguns elementos de
ordem teórico-metodológica altamente significativos na elaboração da
investigação desenvolvida por esse autor, na medida em que sua
interpretação, que nos inspira, acaba também por influir na visão que aqui
adotaremos, ao menos em parte, quanto aos aspectos teóricos acerca do
conceito de universidade.
Em Cunha (1988, p.10), a universidade é concebida, seguindo Gramsci,
como aparelho de hegemonia, no interior da qual se manifestam os embates
pela hegemonia, o que explicaria diversos aspectos críticos quanto à
identidade dessa instituição.
Outro elemento de importância, aqui, diz respeito à opção assumida por
este autor, quando não descarta nem as teorias de modernização, utilizadas
pela sociologia burguesa de modo a dissimular, no período de 49 a 60, do
século XX, a conjuntura dominante, nem o que chama de “a questão do
imperialismo”, teoricamente abordada, por seu lado, por pensadores contrários
à ideologia da modernização. Para Cunha, assim proceder, além de parcial,
impede observações enriquecedoras:
“...o imperialismo, pelo menos no Brasil, é modernizador, ainda
que o capital industrial se beneficie, em sua reprodução, de
relações arcaicas, em certos momentos. No conjunto, como em
esferas específicas a universidade, por exemplo a
dominação imperialista impulsiona a extinção das relações
45
sociais arcaicas e a generalização da relações próprias do
capitalismo desenvolvido”
(1988, p.11).
Para expressar de maneira adequada o caráter da universidade
brasileira, tal como acaba sendo instituída nas legislações cuja culminância é
atingida com a Lei 5.540/68
1
, este pensador vai recuperar o processo
histórico brasileiro desde a transferência da Corte Portuguesa para o Brasil, à
época da invasão de Portugal pelos exércitos napoleônicos. Com esse
percurso, torna-se possível a ele assinalar, desde a criação dos primeiros
cursos superiores no Brasil, a versão fragmentada das instituições de nível
superior em nosso país, até a primeira metade do século XX; ao mesmo tempo,
também, fica colocada em sua pauta de investigação a reflexão a respeito da
natureza da instituição universitária.
Com relação ao aspecto fragmentário do ensino superior, Cunha (1988)
destaca que, com a presença da Corte de D. João VI no Brasil, e, logo em
seguida, com o início do I Reinado, cursos e escolas isoladas são criados,
visando à formação de profissionais, nas áreas de Medicina, Engenharia e
Ciências Jurídicas. Cunha aponta a longa permanência dessa feição, entre
nós, e insiste:
“... o ensino superior desenvolveu-se em nosso país pela
multiplicação dessas faculdades isoladas... As primeiras
universidades resultaram, na terceira década do século XX,
da mera reunião formal dessas faculdades” (CUNHA, 1988,
p.16).
1
Atualmente a educação Superior é regulamentada pela Lei L.D.B. nº 9394/96, aprovada em 17 de
dezembro de 1996.
46
É de se destacar, outrossim, o caráter profissionalizante emprestado às
instituições aqui nascentes, e já, conjuntamente com outros aspectos, presente
no território francês por obra da efetivação dos ideais revolucionários
burgueses, que, por seu turno, Bonaparte buscou atender como forma de
constituir uma suficiente base de sustentação política. Cabe não esquecer,
pontua explicitamente Cunha (1988), que o “modelo francês”, no tocante ao
ensino superior, a par da especialização profissional, objetivava aspirações,
presentes no ideário revolucionário de 1789, correspondentes à ordem
positivista que florescerá crescentemente no pensamento francês do século
XIX. O teor das informações trazidas por Luis Antonio Cunha a esse propósito
é altamente significativo para a compreensão de nossa realidade universitária
desde que fique marcada a acolhida, junto à elite dominante portuguesa, do
pensamento educacional francês:
“Já em meados do século XVIII, tal aceitação se fez sentir nas
políticas educacionais do iluminista Marquês de Pombal, que
realizou parte dos ideais revolucionários franceses”
(CUNHA,
1988, p.16).
Porém, não é apenas a vertente francesa que entre nós vai se
consubstanciar, relativamente ao ensino superior e à instalação do arcabouço
universitário. Cunha aponta, ainda, a influência da perspectiva inaugurada,
entre os alemães, também no século XIX, com o debate a respeito da
instituição universitária.
Por força da invasão e ocupação de diversas áreas do território alemão,
decidiu-se transferir a universidade de Halle para Berlim, o que ensejou um
47
profundo debate a respeito da natureza da universidade, no qual participaram
figuras expoentes do pensamento alemão de então.
“Hegel, Schelling, Fichte, Schleiermacher e Humboldt,
produziram em poucos anos o que é, talvez, a mais densa
reflexão sobre a instituição universitária, desde sua criação no
século XIII até os dias de hoje”
(CUNHA, 1988, p.14).
Importa ressaltar, sobre esse ponto, a vertente idealista do pensamento
alemão, de vez que ela, sob variados aspectos, se situa na base da
conformação da instituição universitária que se derivará (e que, entre nós,
também estará presente nos debates e discussões no processo que, em nosso
país, no século XX, desembocará na legitimação de um modelo de
universidade, ao menos parcialmente). Notemos, a propósito, o que enuncia
Castanho (2000, p.17):
“Toda a base teórica do modelo universitário alemão foi dada
pelos filósofos idealistas, a começar do seu nome mais
expressivo, Kant, que escreveu, em 1789, um trabalho sobre a
disputa das faculdades”.
Também em Castanho (2000, p.27), encontramos uma caracterização
extremamente clara a respeito desse modelo alemão:
“Os franceses tratavam de atrelar a universidade à sociedade
via Estado, ao passo que os alemães procuravam separá-la do
jugo estatal, tornando-a um reduto por excelência da liberdade.
Os primeiros queriam que ela tivesse uma finalidade precípua
de ensino profissional, que transmitisse aos alunos saberes
gerados pela própria pressão da sociedade e revertesse em
48
benefício desta, já os alemães queriam que a universidade
fosse um reduto de pesquisadores, livres da pressão social,
gerando um conhecimento elevado, inacessível à média das
pessoas,mas que acabaria revertendo em benefício da
comunidade. Qual comunidade? A nação. Por que via? Pela
formação de uma elite”
.
Entre os próprios franceses, após a vitória prussiana de 1871, verifica-se
uma valorização acentuada dos ‘padrões educacionais alemães, da
universidade, especialmente da faculdade de filosofia’ (CUNHA, 1988, p.15).
De acordo com Cunha (1988), nosso país, em relação à questão do
ensino superior e da universidade, se apresenta bastante receptivo às
influências dos dois modelos, o francês e o alemão, por longo tempo, seja
indiretamente, por via do pensamento da elite dominante portuguesa, ao tempo
de nossa condição de colônia, de Reino Unido, e no I império, seja
diretamente, com a ascensão das elites locais que passarão a dominar a cena
política nos séculos XIX e XX. Quanto, especialmente, ao “modelo alemão”,
sob o aspecto da liberdade e desinteresse para o saber, cumpre observar o
que retrata Luis Antonio Cunha (1988):
“Esta última [a Faculdade de Ciências e Letras] veio a ser a
realização deteriorada do ambicioso projeto de reproduzir em
nosso país a faculdade de filosofia da Universidade de Berlim,
no cultivo do saber livre e desinteressado, conterrâneo de outro
insucesso de transplante, a livre-docência”
(p.16).
Podemos, pois, recuperando as informações e reflexões evidenciadas
em obras de estudiosos altamente fundamentados - Castanho (2000) e Cunha
49
(1988), - perseguir e sistematizar o veio genético, nelas apresentadas, capaz
de intensamente iluminar a conformação com que, entre nós, a universidade
brasileira vai se configurando historicamente.
Vejamos, para sumariar o que até aqui foi delineado e apresentar os
momentos mais próximos de nossa contemporaneidade, o que expressa
Cunha (1988):
“Esse caráter fragmentado das instituições brasileiras de
ensino superior vinha recebendo críticas desde o tempo do
Império. Críticas que se transferiram às frágeis universidades,
tão logo surgiram. Já em 1926, Fernando de Azevedo (que veio
a ser o Humboldt da Universidade de São Paulo, em 1934)
batia-se pela integração da instituição universitária e pela
ultrapassagem da estreiteza cultural resultante da
especialização das faculdades na mera formação profissional”
(p.17).
E, logo em seguida, o mesmo autor acrescenta:
“...foi só na década de 1960 que uma doutrina sistemática
sobre a reforma administrativa tomou forma no Brasil... [ ela ]
teve suporte institucional no Conselho Federal de Educação e
suporte político no regime autoritário resultante do golpe de
Estado de 1964. Foi naqueles pensadores alemães que a
doutrina da reforma universitária buscou seus elementos”.
(p.17).
E é bastante revelador que serão os componentes do grupo de trabalho
constituído pelo Regime Militar vinculado ao programa da reforma universitária
aqueles que vão dar forma ao anteprojeto de lei que resultará na Lei
50
5.540/1968. Isso porque, conforme Cunha (1988), eles vão buscar junto “aos
filósofos da Universidade de Berlim” (p.17) a fonte ideológica. Veja-se, como
resultado dessa elaboração, o que CUNHA (1988) faz ressaltar:
“Particularmente, o messianismo universitário, a limitação da
autonomia universitária pelo Estado e os princípios de
organização da universidade, todos de Fichte, devem ter tido
um papel central na formulação da doutrina da reforma
universitária”
(p.17)
Para a compreensão do momento que nos interessará, nesta obra de
investigação, é preciso explicitar um suposto que, ainda que não o tenhamos
podido explorar com suficiência e profundidade aqui, parece-nos possível de se
extrair, com base sobretudo nas considerações de ordem metodológica feitas
por Cunha (1988) e que enunciamos no início deste capítulo: ainda que, em
momento posterior ao do âmbito de nossa investigação, a situação da
configuração da Universidade apenas se estabeleça plenamente com os anos
do movimento pretensamente revolucionário de 1964, não é descabido pensar
que mesmo as mais publicamente recentes influências derivadas do caso do
modelo alemão e, como veremos já a seguir, do modelo norte-americano
tenham passado, entre nós, por um período mais dilatado de gestação e de
interveniência entre e nos indivíduos que, de uma ou outra forma, estivessem
ligados à realidade do ensino superior, em nosso país.
Feito esse momento de pausa, para explicar e justificar o
encaminhamento que damos à revisão bibliográfica nesta etapa,
acrescentamos ainda outro elemento decisivo, ao menos para direcionar o
assunto acerca da discussão da natureza da universidade, no plano conceitual.
51
Trata-se, conforme CUNHA (1988) apresenta, do aspecto que se reservou à
Universidade, a partir da reforma de 1968, para a sua dimensão organizacional,
em seus atributos modernizadores. O referido autor destaca que, desde mais
cedo, anos 40, vinha sendo cogitado o modelo norte-americano, com
“... radical mudança de organização dos recursos materiais e
humanos da universidade. Ao invés de agrupá-los em função
dos produtos profissionais (isto é, nas faculdades), passavam a
ser agregados em função das economias de escala no uso dos
indutos (implicando a estrutura departamental). O
conhecimento a ser ensinado se fragmentava em pequenas
unidades chamadas disciplinas, já descoladas das matérias
correspondentes às cátedras”
(p.18).
Enfim, de acordo com Cunha (1988), aos modelos francês racionalista e
alemão idealista vem sobrepor-se o empiricismo anglo-saxônico.
O trajeto, neste capítulo, de partes dos elementos com que se cumpre
deitar um olhar analítico sobre as características e a gênese da figura da
universidade, entre s, tem, sem dúvida, muitas limitações, dentre as quais,
talvez, a de maior peso, seja exatamente ter efetuado o recorte que fez. No
entanto, é suposição nossa que, ao menos por ora, bastar-nos-á para, tendo
lançado alguma luz a respeito do quadro a universidade onde se
desenvolve o nosso tema A PUC-Campinas contada por professores mais
antigos que vivenciaram a história -, podermos prosseguir em nosso caminho.
52
2. Movimento Cultural Católico no Brasil
O chamado movimento cultural católico foi fruto de uma série de
circunstâncias sócio-políticas e religiosas que tiveram grande influência na
formação e fundação de diversas instituições de ensino superior, orientadas
pelos princípios propostos pela Igreja Católica.
Por volta de 1920 a 1930, a Igreja católica no Brasil reformulou as suas
atividades político-religiosas e se organizou para rebater a influência de novas
idéias, trazidas pelos imigrantes europeus – ameaças comunistas.
Devido a uma série de situações relacionadas à política, à sociedade e
também à economia, na década de 30, a Igreja Católica posicionou-se de
maneira marcante, de modo que, a partir daí, é que teve origem uma série de
empreendimentos que ficaram conhecidos e que foram comumente designados
como movimento cultural católico, iniciado na década de 30, estendendo-se à
década de 40, e mesmo ainda até outras.
“A Revolução de 30, entretanto, acaba por transformar a Igreja
em uma força social indispensável ao processo político. Afinal,
a linha da Igreja interessava a diversos grupos da classe
dominante
(CURY,1986, p.16).
Antes, contudo, de passarmos à indicação e comentários dos elementos
relevantes que configuraram o assim chamado Movimento Cultural Católico no
Brasil, cremos ser necessário contextualizar com mais detalhe as condições
econômicas, políticas e sociais dentro das quais e com as quais se dá a
atuação de tal movimento.
53
A partir da década de 30, a economia brasileira sofreu importantes e
incisivas modificações, vendo-se não mais tão atrelada ao modelo agro-
exportador, vigente desde a época da colônia.
Com a crise econômica mundial naquele momento, afirma Furtado
(1967, p. 158).
“os desencontros entre a classe cafeicultora e seus
representantes políticos aceleraram o fim do domínio da
burguesia cafeeira, não obstante a sua reação no sentido de
manter a posição hegemônica e as taxas de lucro”.
No fervor da crise econômica, oligarquias regionais que não estavam
ligadas à economia do café foram se aglutinando a setores militares, assim
como também a grupos das classes médias urbanas, promovendo acordos
entre diversos grupos notadamente um tanto heterogêneos. Isso nada mais era
que uma conseqüência natural, pois, com o avanço econômico, a política
também se via no dever de compassar-se com a economia, fato este que
gerou, entre outras coisas, o surgimento de ideais como o de “justiça e
representação”, ou ainda ideais como o de liberdade, progresso e bem-estar
social. Tais ideais se desenvolveram, em especial, a partir de grupos que não
possuíam uma participação direta no poder, e que eram marcados pelas
aspirações liberais democráticas. Nesse período, alguns grupos militares
sugeriam a moralização da sociedade, o que se daria através de uma
intervenção mais ampla do Estado.
Quando da sucessão presidencial no Brasil da cada de 30, os
referidos grupos emergentes se uniram a Getúlio Vargas apoiando-o. Com a
54
vitória do movimento e revolucionário que contestara a eleição de Júlio Prestes
com a posse de Vargas em 1930, estava aberto o caminho para que alguns
anos mais tarde se implantasse o Estado Novo. A chamada Aliança Liberal,
que promoveu a revolução, agrupava em suas fileiras representantes de todas
as classes sociais, e mesmo parte das classes derrotadas, que, um tempo mais
tarde, acabaram aderindo ao Estado Novo, passando a participar do governo.
Nesse contexto, a antiga oligarquia cafeeira, apesar de não mais estar
no poder, ainda assim possuía uma grande força econômica e política, o que
dificultava uma oposição declarada por parte dos vencedores. Não obstante a
vitória das classes emergentes, nenhum segmento foi capaz de impor-se e de
legitimar-se no poder, representando os interesses gerais. O compromisso
entre as partes era relativo, reforçando o papel do Estado.
“O governo se viu pressionado a equacionar as facções, numa
perspectiva conciliadora e instável, atendendo às
reivindicações dos vários setores, numa linha populista de
compromisso. É por isso que entre 1930 e 1938 encontramos
manifestações críticas extremas, como a revolução de 1932, o
levante comunista de 35, a implantação de uma ditadura em 37
e a Ação Integralista, em 38, que malogrou, como movimento
fascista (IANNI, 1965, p.22).
Mas, apesar da instabilidade, a burguesia industrial e financeira vinha
sendo beneficiada pelo protecionismo, ainda que indireto, proporcionado pela
Primeira Guerra mundial, a crise de 1929 e, posteriormente, pela Segunda
Guerra.
55
“A crise do café, gerada pela depressão econômica mundial em
1929, paradoxalmente, tornou oportunos os investimentos
industriais no Brasil. A redução conseqüente dos preços do
café permitiu que os capitais de investimento fossem
deslocados para outros setores produtivos” (FURTADO, 1967,
p.189).
Com avanços antes nunca imaginados num contexto dominado pela
burguesia agrária, a “nova burguesia”, ou burguesia industrial brasileira,
manipulou a classe operária, que estava em processo de formação, e também
a classe média, e, com isso, conseguiu consolidar-se no poder. A burguesia
industrial, ao postar-se no poder, percebeu, logo de início, a necessidade de
adotar técnicas de dominação a fim de manipular ideologicamente as forças
políticas da sociedade. E também percebeu a clara necessidade de uma certa
restauração das relações entre o Brasil e outros países; vendo também a
necessidade de reformas em alguns setores da economia, da sociedade e
conseqüentemente também da política, visando sempre à democracia,
elemento necessário à expansão do capitalismo. A partir dessas idéias é que
se estruturam as reformas institucionais, incluindo a da Constituição Brasileira
entre os anos de 1934 e 1937.
“As reformas institucionais se verificaram no sentido da
adaptação das relações de produção às condições e
tendências das forças produtivas, ou seja, às condições de
formação e desenvolvimento do capitalismo industrial brasileiro.
Com isso, a organização social começou a ser penetrada pela
racionalidade própria do sistema capitalista, atingindo
instituições, atividades, ações, classes sociais e indivíduos”
(IANNI, 1965, p:22).
56
É nesse quadro sócio-político-econômico que se pode compreender
com melhor proveito o papel e posição da Igreja Católica, no Brasil.
Embora seja nossa intenção situar o Movimento Cultural Católico no
Brasil para o período das décadas de 1930/1940, e, assim, podermos tratar
mais contextualizadamente a situação das origens da PUC-Campinas, convém
lembrar, em termos gerais, o caráter da posição da Igreja Católica na época
que precede aquela de que vamos tratar. Isto é, desde o final do II Reinado e
início do período republicano em nosso país, a feição mais proeminente da
atuação da Igreja Católica esteve preponderantemente conformada aos
interesses das classes dominantes, notadamente agrárias. Conforme Sá (1984,
p. 29):
“A abordagem da realidade, ainda que em seus traços
genéricos e servindo meramente como pano de fundo, é
importante para elucidar as questões sociais e o papel da
Igreja, sem o que não se pode compreender o real sentido da
cultura católica”.
Assim, baseando-nos nas informações que a mencionada autora
fornece, durante largo tempo, ou seja, desde o período colonial até o início da
Era Republicana, a Igreja Católica, no Brasil, postou-se a serviço da
divulgação da ideologia dos colonizadores (SÁ, 1984). E a força de que
dispunha, como instituição ideologicamente universal, é preservada seja no
Brasil Imperial, seja no início do Brasil Republicano (SÁ, 1984).
Importa marcar, a nosso ver, a respeito da posição de poder de que
desfruta a Igreja Católica nesse momento de início da República, a
57
configuração de classes então dominante; e, de acordo com (1984), era a
seguinte a situação:
“A estrutura brasileira na época da República Velha e da
soberania da Igreja era caracterizada por duas classes básicas:
- a dirigente, dos senhores de terra, e a dominada, constituída
pelo enorme subproletariado rural em condições de miséria.
Entre esses dois extratos, encontrava-se a classe média, de
cunho parasitário, vivendo nas cidades e apoiada
fundamentalmente no emprego público” (p.29).
As classes dominantes, latifundiárias, mantinham sob seu poder o
aparelho estatal, agenciador de empregos e também atuando a favor dessas
classes como força policial. Nessa situação, aos novos grupos presentes,
embora de modo restrito, na cena político-social da nação a burguesia
industrial e a incipiente burguesia financeira, bem como a classe média urbana
e o proletariado emergente - impedia-se as suas manifestações e proliferação
(SÁ, 1984).
Nas próprias palavras de Sá (1984):
“A Igreja, neste contexto, manteve-se afastada e contrária aos
movimentos sociais e classes subalternas, numa reação de
combate a qualquer tentativa de mudança e numa posição
rígida de apoio ao governo e à hegemonia da aristocracia
cafeeira.” (p.30)
Para a Igreja Católica, relegada a questão social para planos menos
expressivos, “o que interessava, naquele momento, era combater as
manifestações perigosas aos princípios da Igreja Católica e ao seu domínio
58
enquanto instituição social: - o anticlericalismo, o positivismo e o laicismo” (SÁ,
1984, p. 30).
Articulada à aristocracia agrária dominante, numa posição de
identificação política que a afastava dos demais setores alienados do poder,
também interessava à Igreja Católica, nesse momento de final dos anos 1920,
conseguir formar e fortalecer um movimento laico, também sob a orientação de
uma aristocracia intelectual afinada aos interesses eclesiásticos.
É no conjunto desse quadro que os acontecimentos críticos de 1929 e
1930 vão encontrar a Igreja Católica. Segundo Sá (1984):
“ Com a crise cafeeira em 1929 e a Revolução de 1930, grande
parte da classe dominante, apoiada pela Igreja, entrou em
decadência. A indefinição de um novo bloco hegemônico, a
bipolarização dos setores mais dinâmicos da pequena
burguesia, a reemergência do proletariado criaram condições
objetivas para a intervenção da Igreja na dinâmica social, de
uma maneira muito mais abrangente”. (p. 31)
É a partir desse contexto que podemos apreciar a atuação de vários
eventos e fenômenos, de cunho ideológico e político, originados e expandidos
desde o interior da Igreja Católica, quando procura firmar as suas posições
face à conjuntura que se impõe ao cenário brasileiro.
Nesse período de grandes mudanças que foi a década de 30, a Igreja
aceitou as medidas que eram favoráveis à restauração de sua ação normativa
sobre a sociedade brasileira e a legitimação de suas áreas de influência dentro
do Estado, mas evitou o comprometimento com o regime. Na época, a grande
59
instituição, dotada de uma extensa organização no Brasil, era a Igreja, que
certamente era capaz de impor-se, pois sua influência era muito grande. Prova
disso foram os grandes eventos religiosos presentes nessa época, entre os
quais cabe citar a inauguração da estátua do Cristo Redentor e a Proclamação
de Nossa Senhora Aparecida como padroeira do Brasil. Estes dois grandes
acontecimentos tiveram lugar no Rio de Janeiro, a capital federal do Brasil,
reunindo católicos de todos os cantos do país.
Com as modificações que iam ocorrendo na década de 30 e mesmo
antes, somadas a outras que ainda estavam por vir, a Igreja coloca-se em
posição singular. Conforme Sá (1984, p.36):
“Diante do novo grupo no poder, a Igreja manteve, inicialmente,
uma posição de expectativa em relação ao seu verdadeiro
significado. Após essa fase de reconhecimento, lançou-se a
uma mobilização ímpar em sua história político-social,
passando a disputar, com o novo regime, posições na
sociedade civil, procurando delimitar suas áreas de
competência, bem como o controle social e ideológico”.
De sua parte, no sentido de procurar manter-se politicamente, o Estado
adotou posições de modo a poder contar com o apoio eclesiástico.
“Por sua vez, o Estado, em sua linha de compromisso,
procurou atrair a solidariedade da Igreja iniciando-se um jogo
de interesses, com algumas concessões, que
constantemente o regime se via ameaçado por diversas
dissidências”
(IANNI, 1965, p.23).
60
A revista A Ordem publicando o artigo “O Dever Político do Católico”,
no mês de março de 1932, de suma importância, destacou a posição política
da Igreja na época, podendo ser sumariados como relevantes os seguintes
elementos:
Manter católica a nação, desenvolvendo, purificando,
intensificando a consciência desse catolicismo;
Manter o contato entre os dois extremos da cadeia a
cultura e a política;
Dar ao Estado o que este exige para sua retificação
racional e cristã.
( SÁ,1984, p.37)
No mesmo ano de 1932, no mês de maio, A Ordem transcreve trechos
de entrevista dada por Tristão de Ataíde, em que a posição da Igreja é clara:
Não se pode fugir ao dever político dos católicos;
As bases da política católica serão os princípios
morais e sociais da razão natural e da revelação cristã
e não política de partidos ou de personalidades;
A política católica será a repercussão, no campo
político, da ação cristianizadora “
( SÁ,1984, p.37).
A mobilização católica atua pela intensa atividade de entidades
eclesiásticas e civis nacionais, de onde surge, em 1933, a Liga Eleitoral
Católica, que rapidamente passa a atuar de modo a, ao mesmo tempo em que
consegue sensibilizar o eleitorado católico, intervir, com propostas de bom
número de representantes, na própria Constituinte. A Igreja acabou tomando
partido da Constituinte, passando a defendê-la, uma vez que “um Estado
Absoluto não lhe interessava” (SÁ, 1984, p: 38). A Igreja inseriu representantes
seus em todos os partidos, grupos e setores da vida política, a fim de ampliar
ainda mais sua chance de fazer presentes seus princípios na vida política.
61
Depois desse esforço em fazer-se presente no cenário político, vieram
os frutos: na Constituição de 1934, a Igreja obteve um reconhecimento
praticamente oficial, vendo serem encampados os diversos princípios por ela
defendidos ao lado da aprovação, também, de propostas escolanovistas.
É curiosa a assimilação, levada a cabo pelos católicos à época, das
concepções filosóficas burguesa e proletária, vistas por aqueles como “... frutos
de um ponto comum, de um mesmo ideal, uma relação em cadeia” (SÁ, 1984,
p. 39). Assim sendo, nada mais natural para a posição católica que lutar pela
harmonia das classes, uma vez que não eram senão a expressão conseqüente
de pensamentos aparentados: o racionalismo do século XVIII e o materialismo
do século XIX. Conforme Sá (1984, p.39)
“O proletário era considerado como o filho do burguês,
preparado por ele, ensinado por ele, não se podendo pois
acusarem reciprocamente. Representavam a mesma
mentalidade, o mesmo ideal, a mesma origem”.
Assim, seriam os mesmos valores a estar em jogo, com a diferença
apenas de que, no caso da concepção burguesa de vida eles se encontravam
subjacentes; já para a concepção materialista proletária eram explícitos:
supressão do mundo sobrenatural;
soberania absoluta do homem sobre a natureza;
predomínio absoluto dos valores econômicos;
progresso social indefinido.
Os postulados da Igreja eram os da doutrina da ordem,
baseados numa “filosofia sã de vida”.
reintegração do mundo sobrenatural;
soberania relativa do homem sobre a natureza;
62
subordinação dos valores econômicos aos valores
morais e religiosos;
progresso social ilimitado e moral indefinido”.
(SÁ,
1984, p. 40).
Apesar de vincular-se à burguesia, a Igreja passou a conceber o
capitalismo através de uma via diferente, na qual o liberalismo cedia espaço ao
comunitarismo ético-cristão, pois, na verdade, uma das grandes preocupações
da Igreja estava no fato de que uma participação política popular em maior
escala poderia tomar rumos afinados com o pensamento comunista. Sendo
assim, intelectuais católicos de peso, como Van Acker, Alceu Amoroso Lima,
Alexandre Correia e outros, nesse período, adotaram uma atitude de grande
desconfiança frente às classes populares.
Segundo (1984), por sua posição espiritualista, pela valorização das
tradições cristãs brasileiras, pelo combate ao comunismo e pela aceitação de
princípios da doutrina social da Igreja, a Ação Integralista Brasileira atraia os
católicos. Mesmo antes de sua existência, havia por parte dos católicos, fortes
simpatias para com o fascismo europeu.
O triângulo Deus, Pátria e Família constituía a defesa do integralismo, com
um maior destaque para a família e a propriedade. Apresentava-se para o
Estado a via de uma estrutura forte, corporativa e municipalista, o que traria,
em conseqüência, a supressão de partidos políticos. O escritor e jornalista
Plínio Salgado, mentor principal desse movimento, é o principal articulador das
idéias que compunham o pensamento integralista nacional.
Criou-se no Brasil dessa época o mito de que para ser bom católico a
alternativa também seria ser “fascista”, e entenda-se fascista como sendo
63
alguém que fazia parte da Ação Integralista Brasileira, que era simpática às
idéias do fascismo europeu. Tal idéia difundiu-se tanto que até mesmo padres,
bispos e religiosos se envolveram com tal movimento; um exemplo de grande
vulto que temos é Dom Hélder Câmara, que pouco tempo depois, ao
compreender o que de fato sustentava tal movimento, logo o deixou.
“A paixão que a causa (proposta pela Ação Integralista
Brasileira) despertava e a proporção do movimento tornaram-
no, no entanto, uma ameaça para os católicos, que, envolvidos
na ação política, deixariam a Ação Católica. Esse foi um dos
motivos pelos quais Pio XI condenou a” “Action Française”,
dirigida por Charles Maurras, como um movimento político
moderno ou um novo sistema religioso que desvirtuava o
dogma e moral católico, especialmente nas relações com a
política e que, segundo ele deveria estar subordinada à moral”
(MOURA, 1978, p.92).
A posição de simpatia dos intelectuais e mentores católicos pelo
integralismo contribuiu para que, entre a Igreja e o Estado, surgisse terreno
propício a campanhas antipopulares e anticomunistas.
No entanto, não interessava ao governo de Getúlio Vargas, por outro
lado, que a Ação Integralista Brasileira chegasse a ocupar lugares
preeminentes na distribuição do poder. Assim, segundo Sá (1984, p. 43)
“Ao governo Vargas interessava a luta conjunta contra um
inimigo comum, mas não a ascensão dos integralistas ao
poder. Através de sua astúcia política, acabou, finalmente,
dissolvendo o movimento, com o desbaratamento da Aliança
Integralista Brasileira, que, em 1938, tentara, com um mal
64
organizado ataque, apoderar-se do governo, em reação à
extinção dos partidos políticos brasileiros. Com isso,
interrompia-se a proximidade da Igreja com o fascismo
nacional”
É no interior desse quadro de forças políticas e posicionamentos
ideológicos, aqui relatado de forma sucinta, que ganha sentido a investigação,
mais de perto, do pensamento católico em relação à educação e às instituições
que lhe são afetas. Assim, nosso interesse próximo consiste em mostrar como
a mobilização cultural católica entende tal questão, como se posiciona e, enfim,
como atua, nessas circunstâncias.
As mudanças trazidas com a década de 1930 tiveram repercussão sobre
o panorama educacional, antes voltado a atender basicamente os interesses
das oligarquias e elites agrárias. Assumindo o Ministério da Educação e Saúde,
criado em 1930, Francisco Campos procura concretizar reformas no ensino
secundário, superior e comercial da nação.
É a partir de então que ficam configuradas institucionalmente as
condições para a implantação, concretamente, da universidade brasileira. Em
15/04/1931 são publicados no Diário Oficial três decretos relativos ao ensino
superior.
Pelo decreto 19.850 é criado o Conselho Nacional da Educação; o
decreto 19.851, tratando da organização das universidades brasileiras, indica o
sistema universitário e com o de número19.852 organiza-se a Universidade do
Rio de Janeiro, constituída pela agregação de 9 institutos de nível superior.
65
3. Origem da PUC-Campinas
É no seio do movimento cultural católico, em meio às posições e ações que
este desenvolve nas décadas de 1930 e 1940, a princípio de forma menos
organizada mas, em face dos processos constituintes e da implantação do
Estado Novo, atuante em diversas instâncias como a Ação Social Católica, a
Ação Universitária Católica, o Instituto Católico de Estudos Superiores, os
Círculos Operários, as Equipes Sociais, a Associação de Bibliotecas Católicas,
a Coligação Católica Brasileira, o Instituto Católico de Cooperação Intelectual,
que vêm a se instituir as condições sociais e intelectuais que culminarão com a
implantação da Universidade Católica.
“A consciência católica via o Brasil como filho da desordem
moderna, da monarquia pedagógica, do empirismo científico e
da incultura generalizada. O que não significou que não visse a
si mesma como uma das causadoras da situação... Este auto-
reconhecimento, segundo eles, se revela no pouco empenho
feito pelos católicos no sentido de disseminarem seus
princípios e objetivo, ficando a ação católica exercida graças à
boa vontade de uns poucos abnegados
(CURY, 1986, p.
38-39).
Em todos esses momentos e ações, o grande agente mobilizador, sob a
influência de grandes pensadores católicos, que faz vir à torna o chamado
humanismo integral de inspiração maritainiana, é o apostolado leigo, sob
controle da hierarquia eclesial. Notadamente, Amoroso Lima, divulgando o
pensamento de Jacques Maritain
2
, e Leonel Franca, reintroduzindo, também, o
2
Jacques Maritain (1882-1977), filósofo francês, reintroduziu com vigor, na renovação do pensamento
católico do século XX, a filosofia tomista; em diversas obras, compôs um quadro intelectual do homem e
66
tomismo em novas bases, são figuras centrais na ordenação e direção dos
passos que levarão à concretização da instituição universitária católica em
nosso país.
Em 1932, no sentido de atender aos anseios de uma ação em que a
cultura e o pensamento católicos pudessem ser amplamente debatidos e
divulgados, sob a direção de Alceu Amoroso Lima foi fundado no Rio de
Janeiro o Instituto Católico de Estudos Superiores, “pedra fundamental” da
criação, em 1941, da Universidade Católica, também aparecendo aí como
fundador Alceu de Amoroso Lima. Nas palavras de Amoroso Lima, a
concepção católica sobre a universidade constrói suas perspectivas à base da
formação de uma elite cultural, “uma aristocracia cuidadosamente
selecionada... no verdadeiro sentido moral, social e histórico” (SÁ, 1984, p. 64-
65).
Importa notar, segundo Sá (1984: 65):
“A análise do movimento cultural católico que culminou com a
criação da Universidade Católica nos mostra que a luta da
Igreja pela reconquista da soberania através da mobilização do
laicato e da tentativa de recristianização da sociedade
brasileira, se fez constante presente em toda a trajetória da
década de 30”.
Segundo a autora, (1984) nessa mobilização a Igreja buscou recuperar
“antigos privilégios”, no seio de uma composição política que, apesar das
severas restrições católicas ao laicato republicano, satisfazia aos interesses
do mundo denominado “humanismo integral”, o qual, entre outros aspectos, mantém a distinção entre
pessoa e indivíduo, considerada essencial por Maritain, e em torno da qual constrói uma filosofia social
67
estatais, e cujo resultado contribuiu para amenizar as lutas de classe e para a
divulgação da necessidade de instalação de um clima social harmônico, onde a
ordem e a autoridade, respeitadas e mantidas, sob a égide de uma “educação
integral”, conduziriam a um estado de restauração e regeneração em face dos
perigos do “individualismo liberal” e do “comunismo ateu” (SÁ, 1984, p. 69).
Em 1940, na capital do país, foram instaladas as “Faculdades Católicas”,
cabendo importantes papéis ao Padre Leonel Franca e a Alceu de Amoroso
Lima, bem como também, aos jesuitas, a quem foram designadas as
atividades relativas à “vida científica e didática” dos institutos recém-criados.
“A Universidade Católica surgiu justamente na capital da
República na sede do aparelho de Estado visando desenvolver
o ensino segundo padrões modernos, com estudantes que
tivessem, predominantemente, uma educação secundária
católica, capazes, portanto, de terem uma formação
homogênea(...) orientados para a direção da sociedade”
(CUNHA, 1986, p. 317).
Em maio de 1941, o Bispo da diocese de Campinas, Dom Francisco de
Campos Barreto funda a Sociedade Campineira de Educação e Instrução,
pretendendo centralizar a administração dos estabelecimentos educacionais da
cidade e da região. Como finalidades, indicava:
“Manter, administrar e dirigir os estabelecimentos de ensino
secundário existentes e de propriedade da Diocese de
Campinas, Colégio Diocesano Santa Maria, Academia de
Comércio São Luiz, com os Cursos anexos facultados pelas
que tem por eixo a dignidade da pessoa humana e a recusa do primado do indivíduo e do bem privado.
68
leis nacionais de ensino; fundar, manter, administrar e dirigir a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, o Instituto de
Educação e a Faculdade de Ciências Econômicas de
Campinas e mais as possíveis instituições culturais que
venham a integrar uma futura Universidade Católica de
Campinas”
(Prospecto da Universidade Católica de
Campinas, 1969, p. 3).
No mesmo mês, com nove cursos Filosofia, Ciências Sociais,
Geografia, História, Pedagogia, Letras Clássicas, Letras Neolatinas, Letras
Anglo-Germânicas e Matemática, Monsenhor Emílio Salim organiza a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, datando de 18 de novembro do
mesmo ano a autorização de funcionamento pelo Decreto 8.232. Em
dezembro de 1941, foi criada a Faculdade de Ciências Econômicas. Em 1942,
foram abertas as inscrições para a seleção dos candidatos discentes, e a aula
inaugural foi ministrada no Teatro Municipal de Campinas, por Alceu de
Amoroso Lima. Dela, reproduzimos o seguinte trecho:
“A ciência não é o domínio exclusivo dos que lecionam e
estabelece sua relação com aspectos de ordem social. À
‘missão intelectual’ dos que ensinam acrescenta a missão de
‘civilizador’, entendendo-a como a elevação constante do nível
de humanização da sociedade. Coloca como finalidade última
da educação do homem o próprio homem”.
3
3
Alceu Amoroso Lima. “Aula Inaugural dos Cursos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
PUC-Campinas. A reportagem é de Luciano Prestes Perroni, do curso de Filosofia, Anuário da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras, 1942, p. 31.
69
A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras passou a ocupar o prédio da
antiga residência urbana do Barão de Itapura, Joaquim Polycarpo Aranha, onde
funciona hoje o campus central da PUC-Campinas, à rua Marechal Deodoro,
1099. Nessa época, Campinas contava com cerca de 80.000 habitantes. E um
comentário, num jornal local, referindo-se à significação da instituição de
ensino superior na cidade, afirma:
“A iniciativa teve caráter vanguardista, pois iniciou o processo
de interiorização do ensino superior no Estado de São Paulo e
no Pais. Imediatamente após a fundação da PUC-Campinas,
passaram a funcionar os cursos”
( CORREIO POPULAR,
1995, p. 22 de setembro).
Dessa forma, encontrava-se concretizado o núcleo a partir do qual seria
erigida a Universidade Católica de Campinas.
Todavia, convém relembrar os quadros gerais do momento em que se
instala a Universidade Católica. Em sua dissertação, (1984) adverte que,
ainda que nascesse em uma instituição “relativamente independente como a
Igreja (...) a educação superior esteve atrelada ao Estado” (p. 84). Portanto, um
projeto com relativa autonomia, observando e se orientando por uma ideologia
própria, acaba sofrendo com diretivas mais amplas, de fundo estatal; assim, a
educação universitária católica está sujeita à conformação nos quadros
educacionais dos quais o Estado se atribui a supervisão, controle e estipulação
de natureza mais ampla, universal; distante entre o ideário e a prática, o projeto
universitário católico precisa ser encampado pela mediação exercida pelo
Estado brasileiro e, segundo Sá,
70
“a ação estatal foi muito além daquilo que a Igreja reconhecia
imediatamente como direito do Estado fiscalização e
concessão oficial de diplomas” (1984, p. 74).
É importante termos essa situação em mente para podermos
compreender, em verdade, em que poderia consistir a autonomia de uma
universidade católica.
Apesar das medidas renovadoras, ao menos em parte, trazidas com a
reforma Francisco Campos
4
- relativa autonomia administrativo-didática à
Universidade; maior flexibilização para os métodos de ensino; instituição de
cursos de especialização, aperfeiçoamento e extensão; avaliação ampliada do
ensino-aprendizagem, maior participação discente e docente com a formação
de entidades representativas; apesar do significado inovador do modelo da
nascente Universidade de São Paulo, de uma organicidade a partir de uma
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras; e apesar da experiência também
inovadora, ainda que de curta duração, da Universidade do Distrito Federal
(suprimida 3 anos logo após sua criação); enfim, apesar de diversas e
significativas alterações para o cenário de constituição de um panorama
universitário e de ensino superior apartado dos aspectos tradicionais de
escolas superiores de ensino, ao longo da década de 30 e início da de 40, o
que podemos observar como resultado é a descaracterização desses projetos
tão logo foram colocados em prática (SÁ, 1984).
4
As reformas Francisco Campos levam o nome do ministro do recém-criado, em 1930, Ministério da
Educação e Saúde. Datadas de 1831, elas criam o Conselho Nacional de Educação (decreto n. 19.850),
estabelecem disposições sobre a organização do ensino superior no Brasil, adotando o regime
universitário (decreto n. 19.851), organiza a Universidade do Rio de Janeiro ( decreto 19.852), estabelece
a organização do ensino secundário (decreto n. 19.890), organiza o ensino comercial, regulamenta a
profissão de contador e dispõe sobre outras procedências (decreto 20.158) e, com o decreto n. 21.241, de
14 de abril de 1932, consolida a organização do Ensino secundário (ROMANELLI, 2002, p. 131).
71
Conforme a mesma autora, também a ação do:
“... meio universitário exerceu pressões nesse sentido [de
descaracterização e malogro do sentido inicial], reforçado pela
tradição anti-universitária brasileira e pela legislação imposta
com o advento do Estado Novo” (SÁ, 1984, p. 76).
Apesar da insuficiência do número de escolas superiores e, em casos
diversos, da precariedade do conteúdo de ensino, impossibilitado de atender,
dentro do modelo elitista de ensino superior, as reivindicações das classes
dominantes, não interessava ao Estado autoritário perder o controle que
pudesse efetivamente manter sobre o sistema educacional.
“... não interessava a este Estado, apesar de as ter criado,
manter universidades orgânicas, integradas, com
possibilidades cada vez mais amplas de autonomia. Afinal a
justaposição de faculdades e institutos e a fragmentação do
saber eram mais convenientes e acabariam prevalecendo” (SÁ,
1984, p. 77)
Destarte, o modelo reservado ao funcionamento e natureza da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, como central geradora na
organização de uma estrutura universitária, que o pensamento católico
apoiava, acaba sendo desmontado. Em seu lugar, e com a finalidade de servir
de padrão ao ensino superior cujo fim se encontrava na preparação do
magistério secundário, o Governo cria, em 1937, a faculdade Nacional de
Filosofia, que servirá, no caso da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Campinas, cleo da futura Universidade Católica, de paradigma orientador. O
72
aspecto elitista de profissionalização, atribuído à Faculdade Nacional de
Filosofia, surge já em sua primeira finalidade:
“preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das altas
atividades culturais de ordem desinteressada ou técnica”
(NOBREGA apud SÁ, 1984, p.79).
Segundo Sá (1984, p. 80)
“sua dimensão político-ideológica será a de iniciar a ideologia e
práticas educacionais convenientes ao Estado. Como esta
tarefa só pode ser realizada pela ‘elite’, a ela se atribui a
missão de educar a massa inculta”.
Temos assim, aí brevemente exposto, o modelo que vai basear o núcleo
fundacional da Universidade Católica de Campinas, cuja proposta educacional
acaba reproduzindo aquela acima exposta (para o caso da Faculdade Nacional
de Filosofia). Ou seja, o aspecto orgânico, naquilo que ele, no funcionalismo
social, precisa ser redimido de modo a constituir com organicidade a esfera
social, fica mantido, mas não mais no seio de uma estrutura universitária
orgânica, que esta, e a criação da Faculdade Nacional de Filosofia o
patenteia, não se coaduna aos interesses governamentais.
A estrutura universitária orgânica constituía um aspecto positivo,
opondo-se à fragmentação do saber, tal como podemos entrever nas palavras
de Monsenhor Emílio J. Salim, para quem:
“... à Faculdade de Filosofia competia enquanto ‘geratriz’,
‘fulcro e miniatura da universidade’, ordenar e sintetizar os
ramos do saber” (SALIM apud SÁ, 1984, p. 89).
73
Na realidade, à Faculdade de Filosofia cabetão somente, no quadro
constituído para a época de que tratamos, isto é, o de sua instituição no curso
dos anos 30/40, um papel parcial, não como pretendiam o ideário e
pensamentos católicos, comentados, de pólo organizador para os diversos
ramos do saber, mas o de estabelecer uma hierarquia entre os diversos
saberes.
Cabe, para que tenhamos noção adequada das dimensões da situação,
refletirmos sobre as palavras da professora Jeanete L. M. de Sá, registradas
em sua dissertação de mestrado, à gina 119, quando trata da estrutura
curricular:
A questão fundamental que a análise da organização
curricular da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras nos
suscita, neste momento, refere-se à maneira com que a
instituição se submeteu à proposta oficial da Faculdade
Nacional de Filosofia sem questioná-la ou tentar superá-la
através dos programas das disciplinas do currículo pleno. Não
se observa, dentro da instituição de ensino superior, a mesma
vitalidade ou o arrojo da ação cultural católica que prevaleceu
nas décadas anteriores, ou que caracterizaram, por exemplo, o
Centro Dom Vital”.
Embora a autora nos conduza a verificar que tal “descontinuidade se
deve em muito boa parte ao espírito da epistemologia que preside à concepção
“do ensino superior adotado pela Igreja”, ela não deixa de apontar que, ainda
que pequena e restrita, uma certa margem de autonomia ainda era possível
frente ao modelo estabelecido com a criação da Faculdade Nacional de
74
Filosofia. Segundo a autora, “não foi [tal margem de autonomia] trabalhada de
maneira mais efetiva” (SÁ, 1984, p. 122).
Em 1946, foi criada, na cidade de São Paulo, a Universidade Católica de
São Paulo, como unidade livre e equiparada. A ela, os cursos de Campinas,
isto é, das então Faculdades Campineiras, são agregados. É com o decreto
38.327, de dezembro de 1955, que obtêm prerrogativas próprias de
universidade livre e equiparada. E, finalmente, em 1957 a Santa aprova-a e
eleva-a à condição de Universidade Católica de Campinas. Em 1973, recebe o
título de “Pontifícia”, concedido pelo Papa, tornando-se a quarta Universidade
Pontifícia Católica no Brasil, ao lado das do Rio de Janeiro, Porto Alegre e São
Paulo; título esse que indica o reconhecimento da boa qualidade da instituição
de ensino, em seu esforço em prol da formação integral dos alunos e no
sentido de aperfeiçoamento e progresso da instituição.
No próximo capítulo, após uma introdução que procura chamar a
atenção para as condições de construção, mediante as palavras dos
professores entrevistados, da história da PUC-Campinas sustentada pelas
rememorações e reminiscências pessoais, passamos à apresentação, com
cada docente, de elementos de análise para os temas tratados.
75
76
CAPÍTULO II
A PUC-Campinas no olhar dos seus professores mais velhos
ontem e hoje.
“...uma reflexão sobre a memória e a
lembrança, que o conhecimento científico e a
criação literária tenham então coincidido na sua
preocupação em atingir às mesmas regiões da
experiência coletiva e individual, isso não é o
indício de um avanço da expressão conceitual
estabelecida pela realidade humana?
Maurice Halbwachs
São muitos os dados relevantes que podemos estabelecer com base na
valiosa colaboração dos professores entrevistados, proporcionada por seus
depoimentos.
Não obstante a visão pessoal de cada um dos partícipes, justamente um
dos fatores importantes que fornece para o tipo de metodologia utilizado uma
configuração peculiar, uma vez que se torna possível perceber, na
77
reconstituição do passado, uma contribuição particular e única, torna-se
evidente a constituição, com relação aos diversos temas abordados nas
entrevistas e depoimentos, de um valor fundamental, básico mesmo, a ponto
de podermos verificar a emergência de um fator de natureza categórica, cuja
consciência é efetiva e presente nas falas dos professores participantes.
Referimo-nos à noção, manifesta, das mudanças
5
com que nossos
colaboradores se referem às experiências vividas e com as quais compõem,
com suas versões próprias, o curso histórico para o imbricamento de suas
atividades e a atuação da instituição em que elas se verificam. É este um ponto
central na interpretação que julgamos mais adequada para a formulação de um
trajeto tal como o que pretendíamos próximo à nossa contemporaneidade: a
história, contada por alguns de seus protagonistas mais assíduos, uma vez que
o tempo, com que se dedicaram profissional e pessoalmente, poderia, em um
momento como o do nosso presente de tantas e rápidas transformações,
auxiliar na recomposição do significado do ser histórico, participando, sofrendo
e construindo um percurso, para si e para a instituão; mas, ainda, para além
de uma situação meramente formal, esvaziada das qualificações que a
tornariam efetivamente concreta, uma história contada por aqueles que, sendo
professores, recuperam-na a partir dessa sua situação de docente, e
educadores.
5
Trata-se de um conceito lato, cujos traços semânticos essenciais derivam de acepções consagradas no
uso comum, dicionarizado, que remete para as significações de alteração, modificação, transformação,
empregadas cotidianamente. Assim, ele se define por oposição aos elementos lexicais que designam o que
é estático, o que permanece, não se altera, não mostra dinamismo. (Dicionário Contemporâneo da Língua
Portuguesa, ed. Brasileira, IV volume, 1958, ed. Delta S.A.). Assim, a acepção básica, sobre a qual, nas
entrevistas, não se impôs nenhum direcionamento prévio, corresponde à noção do senso comum, tendo
por referência as situações designadas pelos pólos “antes, depois ou agora”, envolvendo substantivamente
aspectos externos/ exteriores, preenchimento de espaços (construções e prédios), aspectos de natureza
sócio-cultural, de natureza teórico-intelectual (por ex. saberes didáticos e pedagógicos), de natureza
técnica (por ex., a disponibilidade ou não, no espaço temporal, de recursos passíveis de emprego em
situações de ensino e aprendizagem); por outro lado, é conveniente indicar que a formulação da noção de
78
Portanto, eis que aqui, ao iniciarmos o processo de análise e de
interpretação das informações recolhidas com os depoimentos, acreditamos
ser de utilidade, para o acompanhamento de nossa argumentação, enfatizar os
aspectos que ganham relevo com a escolha metodológica; em nosso caso,
especificamente, lembranças, memórias, histórias de vida, transpostas desde a
narração constituída com as falas construídas pessoalmente, que enfocam não
apenas um período, ou algumas diversas situações e circunstâncias
marcantes, ou mesmo juízos concernentes aos eventos considerados, mas,
com isso e para além disso, reconstroem a Educação, apreciada ora em sua
vertente histórica, ora em sua atualização institucional, ora nos desempenhos
pessoais relatados. Deste modo, uma instituição em particular a Puc-
Campinas, na voz rememorativa, também peculiar, daqueles educadores que
lançam para trás o seu olhar (e, ao no-lo entregar, enriquecem nossa reflexão),
é erigida historicizada em sua dimensão educativa; e, igualmente, as sendas
percorridas pelos mestres narradores revelam-nos, elas também
concretamente históricas, a constituição vital que caracteriza o ser ético
subjacente à experiência do magistério.
Não resta dúvida, para nós, em quem a finitude da condição humana
impõe fronteiras cuja intranscendência fica o patente em momentos como o
de agora, que a riqueza de todos os elementos evidenciados nos relatos e
depoimentos poderá ser devidamente apreciada após constantes
reevocações do trabalho a que nos destinamos. Contudo, é mister
apresentarmos, o quanto possível, as interpretações que nos são possíveis
elaborar com base na análise efetuada. Cabe, parece-nos, esclarecermos, com
mudanças se orienta, em nosso caso, com os depoimentos por elementos que dizem respeito ao caráter
educativo institucional e pessoal (derivadas estes da experiência pessoal de formação na docência).
79
relação a esse ponto, que foi e é nosso pensamento podermos lançar mão da
comparação, dentro dos limites adequados e razoáveis, dos diversos
depoimentos; com ela, por meio dela, seria oportunizada a evidenciação, não
apenas de elementos comuns ou daqueles divergentes, também a dos que
poderíamos chamar de centrais, em que buscaríamos identificar uma mesma
natureza e dimensão; enfim, aquilo a que, prospectivamente, com o trabalho
desenvolvido e realizado, pudéssemos retornar tomando não como temas e
eixos, utilizados enquanto tais nas condições de produção de nossa obra
monográfica, mas como elemento categorial, isto é, capaz de projetar luz para
aprofundamento subseqüentes. Parece-nos possível, nossa análise
apresentará elementos bastante indicativos, desde enunciá-lo como
mudança, tomando no sentido apontado pela nota. Não apenas considerado
em temos de categoria formal (e, portanto, aplicável a qualquer circunstância
ou fato, de natureza distinta); mas, principalmente, com as determinações que
os relatos permitem legitimar – ou seja, contra o fundo das alterações e
transformações pelas quais passa a instituição, destacar o nível de consciência
daqueles que, falando de si, como educadores, propõem-no substantivamente
de modo a fundamentar a naturalidade dessa mesma categoria naquilo em que
ela toca de perto a natureza da própria instituição – a Educação.
Tanto quanto a comparação possibilita observar o caráter comum de
vários elementos nos dados trabalhados, as diferenças, e, talvez, em alguns
momentos, divergências mais propriamente, nos propõem para a reflexão
material igualmente valioso: verificar em quais condições elas são manifestas,
produzidas, também se nos afigura relevante para uma justeza maior das
interpretações.
80
1. Relação professor/aluno - mudanças pedagógicas e
didáticas
Dentre os vários aspectos surgidos e comentados nas entrevistas e
depoimentos dados pelos professores participantes, alguns foram
extremamente recorrentes a ponto de se constituírem em temáticas relevantes,
e, assim, passaram a nortear nossa análise e interpretação.
Uma delas é a que diz respeito às transformações ocorridas em relação
à atitude e comportamento dos alunos (e, conseqüentemente, dos professores)
frente às orientações com que se defrontam com a questão do conhecimento e
do próprio relacionamento intersubjetivo e com a posição do professor; assim,
a relação professor-aluno torna-se também um ponto bastante evidenciado nos
comentários, bem como, pelas implicações imediatamente decorrentes, as
questões ligadas às alterações e mudanças na esfera do saber e da prática
pedagógicas. É interessante não deixar de observar que tais aspectos surgem,
nos depoimentos, como elaborados pelo pensamento e reflexão dos
professores, que buscam apontar causas e situações condicionadoras
presentes nas mudanças.
Segundo a professora Nair Fobé, a atividade do aluno é bastante
evidenciada nos dias correntes, caracterizada como atitude questionadora, em
contraposição a uma atitude mais “ingênua” presente nos alunos em épocas
passadas. Não obstante, fica claro que a atitude atualmente demonstrada não
supõe, pelo discente, um tratamento mais aprofundado relativo à esfera do
conhecimento.
81
“Hoje, o aluno entra e sai da aula, interage o tempo todo, mas
não muita preocupação em ir além da superfície do texto”
“... o aluno é questionador, mesmo, mesmo que não saiba,
mesmo que não tenha argumentos, ele questiona.” (Profª Nair
Fobé)
Um elemento sinalizador, de acordo com a avaliação feita pela
professora, também pode ser mais prontamente reconhecido com as atitudes
mais “liberais” dos alunos, ensejando um diagnóstico a propósito das próprias
aulas pelo professor.
“Hoje, os alunos entram e saem, fazem o que querem”. “Penso
que um lado positivo nisso... Vejo isso como um sinal de
que minha aula não está muito boa, então procuro melhorar.”
(Profª Nair Fobé)
Também é bastante perceptível o papel e o significado da autoridade
docente, tal como mencionado no relato em questão: a figura do professor, em
épocas passadas, estava bastante ou mesmo imediatamente ligada à
dimensão do conhecimento verdadeiro; e a referência a esse respeito permite
também concluir que esta situação, hoje, é diferente; poderíamos inclusive
propormos como questão pertinente se a figura do “aluno questionador” liga-se
substancialmente a algum tipo de desidentificação do professor e do
conhecimento.
“Na sala de aula, havia uma plataforma para o professor e ele
era visto como uma autoridade do conhecimento... se a gente
falasse alguma besteira, os alunos anotavam e aquilo passava
a ser parte do conteúdo.” (Profª Nair Fobé)
82
O depoimento de outra docente, professora Therezinha, faz referência a
aspectos assinalados nas observações da professora Fobé, ao ressaltar a
descaracterização daquilo que ela chama de papéis e funções do professor e
do aluno, avaliando que atualmente ocorre uma confusão quanto a isso:
“Na época em que entrei, havia uma característica mais
profunda dos papéis, das funções do professor e do aluno, que
hoje julgo estão meio descaracterizadas... havendo uma
confusão em termos dos dois papéis.” ( Profª Therezinha)
O elemento da profundidade, característica da capacidade reflexiva,
volta, em seu depoimento, a ganhar indicação no confronto com a ambiência
da época passada.
“Havia mais reflexão... a própria filosofia ajudava a uma
profundidade na reflexão de ir vendo a vida ... hoje, sinto que
não é dessa forma.” (Profª Therezinha)
Mas a professora Therezinha aponta causas básicas para essa
mudança e a atual configuração: desde o envolvimento de disciplinas com o
sentido da própria existência até condições atuais de ordem que qualifica como
estruturais.
“... o aluno também traz isso, a questão de formar-se para o
mercado de trabalho, a questão econômica a questão dos
cursos noturnos”. “... são questões estruturais que estão
influindo muito no aproveitamento do aluno na sua realização
pessoal...”. “... variáveis que você deve considerar, nas
avaliações da relação professor aluno, a relação da
profundidade do pensamento.” (Profª Therezinha)
83
É altamente interessante observar que, ao mencionar a determinação
estrutural, a formação para o mercado de trabalho, ou seja, um elemento
substantivamente revelador do tipo de organização sócio-econômica dominante
atualmente, a professora Therezinha associe as dimensões concernentes à
profundidade do pensamento, da reflexão atualmente exercitada.
Já no caso do depoimento do professor Ersio, de início, especificamente
no tocante ao aspecto aqui tematizado, apresenta concisa e distinta
caracterização, uma vez que o que ele discute, em primeiro lugar, está mais
diretamente ligado às mudanças, orientadas positivamente, no nível de
formação e de práticas pedagógicas do corpo docente.
Contudo, ao comentar outro dos aspectos tratados quanto às mudanças
verificadas (mais propriamente no terreno das alterações disponibilizadas com
a utilização de recursos novos e diferenciados), o professor Ersio retomará, em
parte, elementos pertinentes para o tema de agora.
“Dentro da sala de aula, eu acho que a gente mudou e, de uma
certa forma, acho que a gente mudou para melhor, acho que a
gente arrumou fórmulas, estudou.” ( Profº Ersio)
As observações feitas pelo professor Caran concentram-se, quanto ao
tipo de mudanças aqui comentadas, nas que avalia como sendo relativas à
diferença de atenção e de interesse por parte dos alunos.
“Naquele tempo... os alunos acompanhavam com muita
atenção e também percebia um interesse muito grande dos
alunos.” ( Profº Caran)
O Professor Caran enfatiza que, nos dias de hoje, o interesse do aluno
se deve bem mais à obtenção de uma titulação, a princípio uma exigência dos
84
tempos contemporâneos, do que à necessidade de construção de uma
formação capaz de atender e compreender os reclamos da atualidade.
“... a gente percebe que os alunos procuram muito mais ter um
diploma do que ter uma formação, digamos assim, integral,
uma formação que responda às exigências dos tempos
modernos.” (Profº Caran)
Os “atrativos” da época contemporânea têm muito a ver com as causas
e motivos desta situação.
“Naquela época não havia os atrativos que hoje a juventude
tem, o teatro, o cinema, a televisão, a Internet...; então, a gente
percebia que havia muito interesse em assimilar aquilo que era
ensinado.” (Profº Caran).
No entanto, retomando a larga experiência que o acompanha, o
Professor Caran adverte sobre a necessidade do empenho próprio, do esforço
consignado à obtenção dos resultados requisitados e desejados, o que,
intrinsecamente, implicaria também, do lado docente, uma avaliação adequada
da situação e a deliberação sobre as atitudes mais convenientes para seu
enfrentamento.
“... quando eu estudei pedagogia, aprendi o seguinte: a causa
eficiente do educando é ele mesmo; é o esforço que ele põe
em assimilar a ciência, tudo o mais é causa instrumental, a
escola é causa instrumental, o professor, a biblioteca.” ( Profº
Caran)
As observações em seu depoimento conduzem, conforme podemos
observar, à atualidade do debate da questão disciplinar, em nossa visão, um
elemento correspondente à figura da “causa eficienteutilizada pelo Professor
85
Caran. Assim, verificamos a presença desse nexo lógico em mais uma fala do
entrevistado, na qual recomenda ao docente a manutenção de uma “virtude”
essencial - a paciência.
“... hoje o professor precisa ter muita paciência com os jovens
que freqüentam as faculdades, as universidades, porque o
problema da disciplina não é fácil.” ( Profº Caran)
As respostas do professor Haroldo trazem elementos verificados com
os depoimentos dos outros participantes. De início, o seu depoimento enfoca
as mudanças ocorridas em termos da expansão da própria universidade, com
abertura de novos cursos, necessidade de construção e ampliação dos
espaços físicos a eles destinados e adequação de pessoal e recursos de
caráter técnico reclamados por tal expansão (conforme veremos mais adiante).
Mas, de modo geral, no tocante às alterações da natureza das relações, papéis
e funções, podemos reconhecer diversos elementos já mencionados.
“... parece que naquele tempo o interesse era pelo saber, pela
cultura, pela ciência; hoje, parece que o saber é, sim, também
pela cultura, pela ciência, mas enquanto ela dá ao aluno a
possibilidade de encarar uma vida profissional que seja
economicamente razoável para o seu futuro e para o seu
projeto.” (Profº Haroldo)
O professor Haroldo, em sua caracterização, encontra, tal como
verificamos em outras falas, um aspecto fortemente pragmático ligado à
motivação e ao interesse imediatistas marcando a relação com o saber e o
conhecimento na atualidade. Ele destaca a extensão da mudança e remete a
elementos de natureza estrutural a condição de causa e de explicação para o
fenômeno.
86
“A mudança é muito grande... porque a cultura estudantil
naquele tempo e a cultura estudantil atual, dada sobretudo a
situação globalizada em que nós vivemos ... a própria sala de
aula, assumiu outra configuração.” (Profº Haroldo)
Assim, numa sociedade marcada pela globalização, a configuração do
quadro educacional, quanto ao seu público e personagens, aparece fortemente
dependente da emergência de novas figuras no cenário universitário.
“... hoje, a diferença, a democracia e sobretudo as
oportunidades trouxeram, o que eu acho bom,...desejável, ...
para o centro da universidade não só a elite daqueles que
podem estudar mas também abriu as portas para a população
mais carente.” (Profº Haroldo)
Noutros termos, são os novos dados culturais que fazem transparecer
agora sua feição. O professor Haroldo chama a atenção para o pluralismo
cultural, a presença do outro, do(s) diferente(s), que a democratização do
ensino de alguma forma acarreta. Por isso, não se pode desconsiderar a
emergência e a presença de padrões culturais diversos daquele que
tradicionalmente se mantinha dominante em outros momentos passados.
“Esta é a grande diferença que eu vejo, os alunos de então
seguiam.. um padrão de educação que estava estabelecido já e
firmado pela própria tradição, pela própria cultura ... e hoje as
culturas são pluralistas, as diversidades culturais seguiram...um
caminho para dar respostas aos problemas que são muito
“diferentes.” (Profº Haroldo)
87
E a essa diferença segue-se também que socialmente os problemas
tornam-se imediatamente mais visíveis e próximos e a heterogeneidade se
manifesta em diversos níveis de atuação.
“... os problemas sociais não eram tão pungentes, agudos,
prementes como são hoje, então o corpo docente era tranqüilo,
o corpo discente também... se mostrava com uma certa
homogeneidade que hoje não se vê.” (Profº Haroldo)
Enfim, as palavras trazidas com o depoimento do professor Haroldo,
além de acrescentarem e desvelarem também outras dimensões com relação
ao fenômeno neste item tratado, e tematizado nos depoimentos até agora
analisados, acabam por revelar, ou ao menos fornecer, mais indícios
fortemente pertinentes a nossa pesquisa.
Muitas das observações feitas pelos professores em seus depoimentos
falam a respeito das mudanças ocorridas acentuando juízos e avaliações com
um cunho mais propriamente pessoal; nesse sentido, eles se posicionam
relativamente ao ensino, às concepções didático-pedagógicas, ao próprio
significado do magistério e seus compromissos de modo a fornecerem
elementos essenciais à nossa análise.
A professora Fobé, em suas falas, indica com clareza o quanto se
manifesta altamente elaborado o nível de apreciação e de consciência do
professor frente às mudanças.
“Houve várias modificações... na década de 50, não havia
espaço para o aluno criar... era repetir” “...dei aula desse
jeito, mas não gostava muito e sempre procurei inovar.”
( Profª Nair Fobé)
88
A professora expressa claramente sua preocupação constante em
buscar alternativas àquilo que considerava como entraves à aprendizagem
significativa; também vai, concomitantemente, introduzindo o cerne de suas
concepções a propósito da ocupação que abraçou, inclusive desvelando, de
certa forma, suas origens instaladas na própria formação experienciada.
“... as mudanças foram muitas... em 50 anos de magistério, a
gente registra muita mudanças, talvez não no meu
relacionamento com meus alunos, porque, tendo sido aluna de
Dom Agnelo e de Monsenhor Salim, sempre acreditei que,
antes de você se preocupar com o conteúdo, tem de se
preocupar com o aluno como pessoa.” (Profª Nair Fobé)
O aprofundamento de suas reflexões destaque para todo um
pensamento pedagógico humanista estruturando sua ação:
“...sempre procurei...fazer com que o aluno descobrisse o seu
espaço na sociedade.” (Profª Nair Fobé)
“... É importante dar um pouquinho de si aos alunos fora do
espaço da sala de aula, ficar disponível, conversar com eles no
corredor, na biblioteca.” (Profª Nair Fobé)
A dimensão profundamente humana do magistério fica patente em suas
afirmações. A consideração e o respeito ao ser humano em processo de
formação, a convicção da essencialidade do comprometimento pessoal, o
discernimento que permite afirmar a vocação como construtiva e categorizar
conhecimento e sabedoria estão claramente articulados em suas palavras,
estabelecendo a figura necessária ao educador.
“...o verdadeiro educador é aquele que vai plantando a sua
sementinha, não apenas de conhecimento ... mas uma
sementinha de sabedoria em cada um... a sabedoria é a ponte
89
para se descobrir por inteiro, descobrir minhas perfeições e
imperfeições, para assim me aceitar e aceitar os outros.” (Profª
Nair Fobé)
“... para ser professor tem que ter vocação... O que é ser
professor? É se preocupar com seu aluno de modo global,
como pessoa com sentimentos, limitações e projetos.” (Profª
Nair Fobé)
A professora Fobé distingue o nexo fundamental entre garantia de
educação e realização da sociedade humana e aponta a necessidade de um
empenho maior no que respeita a essa garantia.
“Penso... que temos de investir muito na educação... todos
esses conflitos são gerados pela falta de oportunidade de
acesso à educação e é por isso que não consegue substituir...
esse professor que realmente se envolve com o aluno.” (Profª
Nair Fobé)
Nas palavras da professora Therezinha, especificamente dirigidas à
consideração do curso em que atua, é a reflexão sobre as características
configuradoras da área e do currículo disciplinar que ganha relevo de início,
podendo, assim, a professora expressar uma visão nitidamente marcada por
uma sólida percepção da propriedade e peculiaridades do campo de saber de
que trata.
“...havia muita dificuldade para caracterizar o social, os
objetivos das disciplinas.” (Profª Therezinha)
Mas as mudanças, apesar de profundas, não se deram em curto espaço
de tempo. Após um período de afastamento, ao retornar às atividades, a
professora Therezinha se depara com um cenário praticamente inalterado. E,
90
segundo sua avaliação, as alterações básicas acabam se iniciando com a
interveniência de um pensamento novo, que transcende a esfera meramente
didática.
“Logo após, entrou Paulo Freire com o método do diálogo, aí foi
mudando.” (Profª Therezinha)
A referência ao método do diálogo exprime, na medida em que se liga
ao acontecimento da mudança, a perspectiva da dimensão sócio-política
presente nas considerações da professora Therezinha e referida
anteriormente quando falava, no início de suas atividades, da dificuldade em
fazer caracterizar o social. E também enseja a continuidade da reflexão, ao
mencionar o papel reservado à juventude, em suas considerações. A fala da
professoraTherezinha é aí bastante elucidadora:
“Então, ela [a juventude] vem para ser às vezes um “não” e
para fazer a gente pensar, principalmente em relação aos
preconceitos,etc; eu aprendi muito refletindo esses dois lados,
não consigo ser uma pessoa extremada na forma de pensar,
julgo que o mundo,hoje, precisa de um pensamento complexo
e não de um pensamento único, de donos da verdade.” (Profª
Therezinha)
A “complexidade do mundo” assinalada pela professora Therezinha
implica a exigência de uma reflexão aberta, suscetível às criticas, capaz de
fazer produzir ações oportunamente críticas e condizentes com a conformação
do momento contemporâneo. Assim, a professora Therezinha caracteriza o
binômio teoria-prática numa versão bastante sua e de extrema riqueza para o
pensamento educacional.
91
“A educação tem realizado esse objetivo de voltar-se e estar
atualizada com as questões que nos preocupam no dia-a-dia,
... é voltada muito para o momento agora, para o pensamento
complexo, para o encontro dos saberes e não o pensamento
único.” (Profª Therezinha)
Também para o professor Érsio a educação se revela como um
elemento axial em nível individual quanto coletivo. A formação, para o
professor Ersio, constitui um objetivo primordial da educação; é por meio dela
que se constitui o terreno da autonomia.
“Ensinar? Acho que é indicar caminhos para que o educando
aprenda a aprender por conta própria, que ele descubra as
possibilidades que existem para que ele continue se
aperfeiçoando... o imaginar que é aquele que vai ensinar
tudo, que vai aprender tudo ..., é formar o indivíduo para que
ele consiga se tornar independente do ponto de vista
intelectual, consiga depois continuar o trabalho.” (Profº Ersio)
E o próprio destino da comunidade nacional se encontra determinado
pelo encaminhamento reservado às soluções que a situação da educação
reclama:
“... enquanto nós não resolvemos esse problema básico, a
educação, o nosso país não vai sair disso, o resto é
perfumaria.” (Profº Ersio)
A participação do professor Caran, por seu lado, desvela um aspecto
subjacente à consideração da função magistral em uma instituição
confessional; sem cair nas armadilhas de um proselitismo ingênuo, o professor
Caran elenca elementos imprescindíveis à sua atuação docente: o tratamento
dos aspectos ético-morais constitui, em sua ação,uma implicação natural da
92
formação estipulada segundo os preceitos de uma mensagem evangélica. Bem
por isso ele não deixa de advertir sobre a peculiaridade de uma instituição de
natureza confessional:
“... dentro da sala de aula eu exerço não só o ofício de
professor mas faço questão também de exercer o meu ofício de
pastor de almas.” (Profº Caran)
“... aquilo que está em relação com a ética, com a moral, com a
formação religiosa eu tenho a oportunidade de dar a minha
mensagem.” (Profº Caran)
“... o que nós queremos é, digamos assim, transmitir a
mensagem do evangelho, porque senão a PUC não teria razão
de ser.” (Profº Caran)
Mas, com toda clareza também, adverte contra interpretações
equivocadas: sendo próprio da universidade confessional o evangelizar,
também é próprio, como instituição universitária, a preservação da liberdade de
crença e de consciência, dentre outras características.
“... não obrigamos ninguém a dizer amém aos ensinamentos
que nós damos aqui, de religião, de moral e de ética, e, por
isso mesmo, nós aceitamos gente de todas as raças, de todas
as línguas, e de todas as religiões.” (Profº Caran)
O depoimento do professor Haroldo também contempla o viés religioso
presente em sua atuação docente, contextualizando-o no interior das
possibilidades de uma formação aberta e ampliada.
“... a universidade foi... criando seus cursos para ser uma
resposta à necessidade, não só científica, mas de uma
formação do ideal humano e cristão do profissional.” (Profº
Haroldo)
93
Esse foco, nas observações feitas, também esteve presente em falas da
professora Fobé e da professora Therezinha, adequado, de acordo com cada
caso, segundo as situações pessoais peculiares.
Conforme observa a Professora Nair Fobé, as circunstâncias
contemporâneas são responsáveis, dentre outras conseqüências, pela diluição
da presença da nota confessional na universidade:
“Sinto que a PUC está perdendo sua envergadura cristã, não
por culpa dela, não é culpa de ninguém, é uma questão de
circunstâncias, de momento, de realidade.” (Profª Nair Fobé)
Na visão da professora Fobé, essa transformação fica mais evidenciada
quando observa que o comprometimento com a participação na sociedade
apresentava-se então mais solidamente no meio estudantil, e é nessa
experiência de formação alinhada com do compromisso com o social” que a
professora situa, em seu caso, a característica “compromisso” sempre
permanente em sua atuação docente.
“Naquele tempo, a gente tinha um compromisso de
participação na sociedade, e acho isso uma coisa muito
importante e que aprendi aqui na PUC. Depois que me formei,
fui trabalhar e levei para as escolas por onde passei esse
compromisso com o social... Sinto que está faltando isso, essa
espinha dorsal cristã, que a gente recebia como aluno e que
pautou toda a minha vida.” (Profª Nair Fobé)
Em seus comentários, o professor Haroldo explicita sua concepção a
respeito da educação utilizando uma analogia para iluminar a diferença entre o
plano da práxis e o da teoria. Em sua visão:
94
“... acho que a Educação principalmente se faz; é muito
diferente você pensar ensinar Teologia e fazer Teologia e,
analogamente, diria é muito diferente você pensar a
Educação.” (Profº Haroldo)
E enfatiza a necessidade de não perder de vista o contexto da ação,
uma vez que as mudanças estão sempre presentes, oferecendo situações e
condições inovadoras e diversas para o agir docente.
“... é claro que vai fazer Educação a partir... de um mundo
diferente, de um mundo novo, ... cujos paradigmas não se
comparam aos da minha adolescência ou da minha mocidade,
mas é um paradigma que está para ser trabalhado.” (Profº
Haroldo)
Os depoimentos colhidos, em momentos bastante caracterizados,
enfocaram de mais de perto a natureza das mudanças implicadas em
concepções e metodologias didático-pedagógicas e a das resultantes da
disponibilização de recursos inúmeros e altamente sofisticados promovidos
com o desenvolvimento das tecnologias hodiernas.
De acordo com a professora Nair Fobé, relembrando sua própria
formação e o início da carreira docente, a participação do aluno não constituía
um elemento central.
“O professor passava a matéria e não havia muita preocupação
com a participação imediata dos alunos como acontece hoje.”
(Profª Nair Fobé)
A inadequação de concepções e metodologias também é considerada
nas observações que traça, destacando a disparidade e a defasagem entre o
idealizado e a situação da realidade do aluno.
95
“Na década de 50, havia uma preocupação com o ensino das
estruturas, o aluno ia criando um repertório que, às vezes, não
era o repertório dele, da sua realidade... Estou falando do
ensino de inglês, que é o que eu sei.” (Profª Nair Fobé)
“... passou-se pela fase na qual o aluno tinha de falar como um
nativo, e daí, o professor começou a utilizar-se do gravador.”
(Profª Nair Fobé)
A professora Fobé assinala a presença, no momento do início de seu
percurso, de um entendimento do todo como receituário, e sua cobrança
sistemática.
“... Quanto às metodologias, às diferentes estratégias, tem
havido muita mudança. Quando comecei havia uma
preocupação com o método e uma obrigação de seguir o
método, com o modo de dar aula.” (Profª Nair Fobé)
A década de 60 do século XX marca um ponto de inflexão; é a partir de
então que as mudanças são mais freqüentes, correspondentes a um contexto
de profundas alterações de natureza sócio-política. Os questionamentos
teóricos, as atitudes discentes e as práticas docentes passam a ganhar relevo
e maior espaço no pensamento educacional, acabam resultando em situações
diferenciadas.
“A partir da década de 60 começou a haver mais flexibilidade.
Os alunos começaram a ter também uma participação mais
ativa.” (Profª Nair Fobé)
“Hoje, a abordagem para o ensino de uma língua estrangeira
espaço para o aluno criar sua própria linguagem, porque ao
fazer isso, ele está colocando sua própria expressão de
mundo.” (Profª Nair Fobé)
96
A professora Nair Fobé caracteriza, na seqüência, sua posição,
entendimento e relação com os novos recursos tecnológicos que passam a
fazer parte do cotidiano de sala-de-aula e assinala sua participação nos
diferentes momentos.
“Passei do livro e do giz para o datashow, vivenciei todas essas
mudanças. Quando a gente começou com o método
audiovisual foi muito engraçado, porque os professores
juntavam dinheiro para comprar um gravador, era moda.” (Profª
Nair Fobé)
Dimensionando a tecnologia como “instrumento de trabalho”, a
professora Fobé realça a qualidade da ação humana coletivamente para
alcançar resultados positivos, inatingíveis, em sua opinião, tão somente com o
mero uso de uma ferramenta.
“Penso que tudo é ferramenta, instrumento de trabalho... Ainda
acredito mais no professor interagindo com seus alunos, os
alunos interagindo com seus colegas, descobrindo as coisas
além da superfície, se aprofundando por trás das palavras e
isso não consigo com uma ferramenta tecnológica.” (Profª Nair
Fobé)
“... são ferramentas, interessantes, mas nada substitui a
interação pessoa-pessoa.” (Profª Nair Fobé)
Após indicar a extensão das mudanças que consegue avaliar, também a
professora Therezinha expõe a apreciação que faz acerca do uso dos novos
recursos tecnológicos.
“Poderia dar um enfoque das mudanças relacionadas a uma
avaliação que sempre fiz, e ocorreram muitas em termos de
97
abertura da relação professor-aluno, da relação mesmo ensino-
aprendizagem.” (Profª Therezinha)
Quanto aos recursos:
“Uso, uso, mas não abuso, porque o próprio aluno do noturno
fez uma avaliação... que não agüentava o barulho do
retroprojetor... chegavam cansados do trabalho, a luz apagada,
dormiam.” (Profª Therezinha)
São os próprios alunos, principalmente os que freqüentam os cursos
noturnos, aqueles a fazer notar o exagero com que são empregadas as novas
tecnologias. Apontando não apenas os inconvenientes daí decorrentes (o ruído
da “máquinas”, a penumbra das salas, face às condições dos presentes após
todo um dia de trabalho), também são relacionados aqueles, de ordem
pedagógica e cognitiva, resultantes do emprego massivo dos novos recursos: a
falta de profundidade, a não interação dos participantes.
“...aí o aluno voltou a pedir aula expositiva, recentemente eles
falaram que queriam aula expositiva, que não agüentavam
data-show e que acham que a coisa é muito superficial... não
uma profundidade, não uma reflexão, não um
intercâmbio do professor com a classe, com a sala de aula.”
(Profª Therezinha)
“... nós temos que arrumar... Ter uma estratégia de mediar isso
aí, não ir para extremos... (os alunos) começaram a cansar e a
falar que gostam de uma palestra, que gostam de
apresentação de seminários, então está havendo um exagero
muito grande no uso das tecnologias.” (Profª Therezinha)
98
Mais uma vez, as palavras da Professora revelam a necessidade de
compreensão da complexidade das situações atuais para não se recair em
comportamentos extremados. Segundo seu julgamento, o exagero acompanha
o surgimento da novidade, mas é preciso que o professor exerça sua
capacidade crítica para evitar desmedidas.
“...Julgo que há um exagero em qualquer aspecto moderno que
aparece, fica naqueles extremos, tudo vai ser data-show.”
(Profª Therezinha)
Suas observações surgem plenamente conseqüentes: a professora faz
notar que a inflação da figura da máquina, da ferramenta, reduz o professor ao
nível de elemento técnico, desvirtuando, dessa forma, o caráter crítico do papel
docente.
“... substituindo o papel do professor na relação com o aluno,
ele fica quase que uma figura, assim de um técnico, ali
passando data-show.” (Profª Therezinha)
No mesmo sentido emergem os comentários do professor Ersio, quando
relata usar tais meios conforme a necessidade sem, contudo, perder de vista
os seus limites.
“Uso algumas coisas, isso mais ou menos conforme o curso...
onde eu uso mais esses meios é no curso de Turismo...
porque... a gente vai falar de patrimônio histórico, a gente é
obrigado a recorrer a uma projeção.” (Profº Ersio)
“... a projeção ajuda... mas eu tenho a impressão de que a
gente está hoje numa situação um pouco complicada... porque,
quando surge uma novidade tecnológica, a gente tem a
99
sensação de isso vai resolver os problemas da educação.”
(Profº Ersio)
Claramente, faz notar o Professor Ersio, os problemas da educação não
serão resolvidos o apenas com a introdução de novos recursos tecnológicos.
Ao contrário, sua advertência é firme, o mau uso desse instrumental está
levando a uma situação que ele qualifica como empobrecedora. Cópias,
Internet, recursos informáticos e audiovisuais sendo mal empregados
redundam em prejuízo para as faculdades intelectivas e para o próprio inter-
relacionamento pessoal,
“,,, eu acho que isso é um empobrecimento sério, fora a
Internet que virou uma ferramenta que é muito mal usada...
acho que essa tecnologia ajuda, pode ser útil, mas ela tem que
ser usada com muito critério, com metodologia correta... com
essa tecnologia, precisa tomar muito cuidado, para a gente
não pensar: porque tem o computador, joga fora o livro, o
professor.” (Profº Ersio)
E não se trata de uma situação delimitada; é, antes, um fenômeno de
âmbito universal, cujos resultados precisam ser devidamente analisados, uma
vez que o que parece estar sendo promovido tem e trará conseqüências
danosas àquilo que concerne bem proximamente à natureza humana: é a
cultura que acaba sendo atingida e, conseqüentemente, a formação mesma,
ou seja, enfim, o próprio processo de humanização das gerações.
“... eu vejo uma invasão tecnológica em certas áreas que o
dão aquele resultado tão esperado, elas podem ajudar.” (Profº
Ersio)
“... eu tenho a impressão, e... não é nosso problema, acho
que um problema universal,... um empobrecimento cultural,
100
porque ninguém mais lê... ninguém um livro, um trechinho
que o professor indicou, vai no xérox.” (Profº Ersio)
A capacidade da leitura, índice proeminente da civilização, aparece, de
acordo com as considerações do prof. Ersio, imediatamente danificada; e,
juntamente com ela, toda uma sociedade construída com base no letramento
acaba sendo atingida.
“... o senhor vai ao Campus I, naquela biblioteca enorme que
tem lá.. eu tenho a impressão de que a biblioteca tem sido
usada bem; agora, não saberia dizer se houve um aumento
qualitativo dessa pesquisa, dessa consulta... talvez a biblioteca
pudesse fazer um trabalhinho desse tipo e mostrar para a
gente, para ver.” (Profº Ersio)
A sugestão dada pelo professor Ersio, a propósito da verificação da
qualidade das pesquisas junto às bibliotecas, compõe uma perspectiva de
avaliação extremamente necessitada, nas circunstâncias que são configuradas
com as palavras do professor. A respeito das pesquisas e das consultas, aliás,
o professor Ersio denota um juízo extremante valioso e merecedor de muita
atenção:
“... muitas consultas na biblioteca, fica complicado, a gente dá a
bibliografia, indica e raramente alguém vai e acessa o livro
inteiro, mesmo existindo o livro na biblioteca... na nossa área,
área de História, eu acho que isso é feito com maior
regularidade... os professores são mais jovens agora e eles
têm exigido que se vá na fonte, que se pesquise.” (Profº Ersio)
O Professor Caran avalia que, embora tenham sido várias as mudanças
ocorridas e ser possível hoje contar com inúmeros recursos anteriormente
indisponíveis, o um aproveitamento adequado em função da ausência de
101
respostas discentes à altura, o que ele explica como se devendo à presença
dos muitos atrativos de que dispõem hoje os alunos e que funcionam como
elementos concorrentes.
“... naquele tempo o ensino seguia, digamos assim, os métodos
clássicos, as aulas eram na maioria expositivas, não havia,
digamos assim, muito trabalho em grupo.” (Profº Caran)
“,,, os professores dispõem, hoje, de muitos outros recursos
que antigamente não tinham, mas da parte dos alunos, em
razão dos atrativos que eles têm, não uma correspondência
adequada, proporcional.” (Profº Caran)
O professor Haroldo, em seu depoimento, contextualiza, de início, o
cenário das alterações chamando a atenção, também, para o próprio quadro da
expansão da universidade.
“A expansão da universidade levou... à expansão... no seu
serviço de abertura de novos cursos; principalmente, estou me
referindo à área de Ciências da Vida... todas essas faculdades,
hoje com o estereótipo, com uma marca mais técnica, levaram
a um investimento muito grande da própria rede de Campinas
com relação aos professores, a laboratórios, sobretudo.” (Profº
Haroldo)
Particularmente, em relação ao uso que faz de todo o instrumental
tecnológico hoje presente, o professor ressalta a natureza do tipo de saber com
o qual trabalha para mostrar que, muito mais que dos recursos desta ordem,
ele tem a necessidade antes da capacidade reflexiva.
“... O estofo que uso dos meus conhecimentos em sala de aula
é muito mais filosófico... não precisa de data-show, de algo
102
mais, precisa muito mais do pensamento e do raciocínio.”
(Profº Haroldo)
Mas, o professor Haroldo emite seu julgamento quanto à situação hoje
presente. O papel da técnica, qualificado como facilitador para a aprendizagem,
introduz, contudo, sem uma “administração” conveniente, grandes prejuízos,
podendo conduzir a uma disposição intelectual empobrecida, para o aluno, com
reflexos diretos sobre as capacidades intelectivo-cognitivas.
“... eu vejo o seguinte: hoje é o mundo do espetáculo, é o
mundo da imagem, não estou fazendo nenhum juízo de valor
sobre isto... a técnica nos leva a isto, isto facilita, o computador
facilita, a internet está à disposição.. Já tenho observado que
isso causa uma grande preguiça mental ao aluno.”... salvo
melhor juízo e muito aberto a revogar a minha posição caso
seja desmentido.” (Profº Haroldo)
Tratam-se de observações de sumo relevo, merecedoras da atenção
mais detida por parte de estudiosos e pesquisadores. E podemos observar
que, de forma conseqüente, as observações anteriores relativas ao tipo de
saber com que trabalha apontaram que, de sua parte, o uso ou não dos atuais
recursos tecnológicos inovadores não torna dispensável nem a reflexão nem o
raciocínio.
2. Ensino, Pesquisa e Extensão
A questão da organização e estrutura universitária atual também
mereceu ampla atenção por parte dos professores, que indicaram, para as
esferas pertinentes ao ensino, pesquisa e extensão, características
essencialmente positivas, denotando que a situação das mudanças
103
verificadas, além de corresponder às exigências das transformações da própria
sociedade, correspondem inclusive a uma necessidade da atividade
propriamente universitária. Com isso, também aqui se mostra, da parte dos
professores, uma consciência bastante informada pela reflexão acerca do que,
essencialmente, responde por fornecer às atividades universitárias o seu
caráter peculiar.
Ao propor seus comentários sobre a estrutura da Universidade em
relação ao trinômio ensino, pesquisa e extensão, a profª. Nair Fobé relembra o
significado que, a seus olhos, representa a universidade:
“É o lugar mais privilegiado que junta todos os pensamentos.”
(Profª Nair Fobé)
Indica, assim, que a universidade deve constituir a instância em que
todos os tipos de saberes e mesmo os diferentes tipos de posicionamentos
encontram respaldo para se manifestarem e, atuantes, sinalizarem
encaminhamentos necessitados. Assim, sobre o tripé em pauta, a professora
acredita ser...
“importantíssimo para uma universidade ter um programa de
pesquisa e extensão.” (Profª Nair Fobé)
Constituindo o tipo de estruturação contemporânea adequada,
acrescenta que implica
“uma forma do professor se atualizar.” (Profª Nair Fobé)
A professora Nair Fobé aproveita o momento para fazer considerações
de relevância sobre o próprio curso em que atua:
“ nosso curso está reduzido e não por culpa de alguém, mas da
realidade do momento. A licenciatura não está sendo bem
104
recebida porque ninguém mais quer ser professor.” (Profª Nair
Fobé)
Ela aponta as condições atuais que explicariam esta situação:
Você gasta muito para se formar e, quando se forma, seu
salário é muito pequeno, o espaço e as condições de trabalho
são muito ruins.” (Profª Nair Fobé)
E não deixa de mencionar as conseqüências e de fazer um comentário
altamente esclarecedor a propósito da figura do professor:
“O professor não se valoriza porque o é valorizado, então se
estabelece um círculo vicioso, ele não se valoriza e, ao mesmo
tempo, passa a não ser valorizado. O professor é uma pessoa
perigosa porque faz as pessoas pensarem, porque muda as
coisas e talvez não seja muito bom que haja bons professores,
não sendo irônica.” (Profª Nair Fobé)
Cremos, na realidade, que a professora Nair Fobé, mais que apontar
com certa dose de ironia a situação atual que compromete a atuação do
professor, ressalta um elemento constitutivo do modo como se configuraram
na contemporaneidade as condições para o exercício do magistério; a
desvalorização da figura e do papel do professor responde muito de perto a
uma constituição social que tende a desprezar elementos determinantes para a
valorização da figura essencial à boa formação de novas gerações, com
repercussões altamente inibidoras para a emergência de cidadãos qualificados
e aptos a uma atuação necessária para a transformação de estrutura arcaicas,
inadequadas e prejudiciais.
A professora Therezinha acompanha e avalia o processo de
estruturação da universidade de forma bastante positiva:
105
“é inegável que houve muito avanço, como me referi, era
algo tão doméstico (...) hoje o crescimento é tão grande, o
progresso é tão grande que nem para você acompanhar as
mudanças que estão ocorrendo, e vejo que isso é de grande
incentivo, isso é necessário.” (Profª Therezinha)
As observações da professora Therezinha a este respeito contemplam
inclusive a repercussão da nova situação:
“... como hoje essa mudança de pró-reitorias, a pró-reitoria de
extensão, foi um grande avanço, porque o tripé ensino,
pesquisa e extensão, a extensão não era assim tão valorizada
em termos de mão-dupla para a própria Universidade; então,
vem crescendo e agora crescendo mais, o seu nome é falado
em todo lugar.” (Profª Therezinha)
Os comentários feitos não deixam de advertir para a questão da
defasagem entre aspectos materiais, técnicos e humanos em todo este
processo de desenvolvimento, expansão e reestruturação:
porém, não devemos exagerar, é a mesma questão do
pensamento extremado e também do pensamento único, ou
seja, avança muito na questão estrutural, organizacional,
econômica de crescimento, de modernização em detrimento do
relacionamento humano.” (Profª Therezinha)
A professora Terezinha insiste no aspecto de devotar-se mais atenção
às necessidades requeridas por um ambiente em que as relações humanas e
interpessoais não sejam relegadas a níveis secundários:
“Precisamos acompanhar identificados com estes dois
aspectos, não exagerar a questão do progresso em detrimento
do relacionamento humano (...) os avanços tecnológicos, até
106
que ponto vão servir ao humano? Como está acontecendo este
relacionamento?.” (Profª Therezinha)
A professora adverte que, no tipo de arrazoado que faz, trata-se da
própria identidade da instituição que está em jogo:
“(...) agora é hora de voltar-se para o relacionamento humano
aqui na PUC, dentro da PUC, não estou dizendo que seria
desumana (...) mas (...) falta esse calor, (...), que nós nos
desconhecemos, passamos a ser às vezes quase invisíveis em
relação a outros, do cuidado para não perder o aspecto de
universidade comunitária, não inibir o progresso,
absolutamente, a tecnologia entrou em nossas vidas, mas a
pergunta fica: como usá-la?.” (Profª Therezinha)
A ênfase na integração aparece indicada nas observações feitas pela
professora para encaminhar proposição para enfrentar tal situação:
“(...) a gente tem que estar sempre revendo o que está
faltando... vários alunos queixaram-se de que estão no Campus
I, mas está faltando uma relação de cursos para cursos, porque
não há mais trabalhos assim integrados está faltando trabalhos
intercursos, mestrados, continua ainda a visão mais fechada,
estática, e isso fragmenta, não ter uma visão do todo”. (Profª
Therezinha)
Assim, uma possível solução, dentre outras, parece se encontrar em
uma dimensão da Universidade que atente para inter-relações e saberes que
não permaneçam estritamente estanques, mas, ao contrário, possam ser
tecidos numa trama que propicie trocar e contribuir para minimizar uma
característica burocrática para a instituição.
107
Particularmente, com relação ao mestrado, a professora Therezinha tem
palavras de grande incentivo:
“(...) foi o mestrado que deu, assim, uma grande impulsão às
questões educacionais na PUC, trouxe uma grande
contribuição, (...) a gente conhece professores que estão e
tocando esse mestrado, que tem um significado muito profundo
em termos de observar o sentido do cotidiano, da educação.
Acho que ele foi uma volta ao aqui e agora da educação. Este
curso está conseguindo e, com os professores que eu conheço,
... trazer uma visão da educação como algo assim que não se
encerra e que é necessário para todos nós, professores e
alunos, essa visão de que você está sempre se educando,
sempre avançando, você cessa de aprender com a morte.”
(Profª Therezinha)
Também o professor Érsio aprecia positivamente a evolução da PUC, ao
fazer um retrospecto de caráter histórico:
“Depois a faculdade entrou numa fase... foi elevada à
universidade e passamos por algumas transformações, mais
assim de ordem burocrática, até chegar ao que está hoje: nós
tínhamos institutos, faculdades e depois veio a reforma, e hoje
são Centros.” (Profº Ersio)
O professor Érsio observa, quanto à reestruturação especificamente:
“Eu acho que é fundamental e acho que a gente tem
caminhado neste sentido, muita coisa para trabalhar, mas
acho que a PUC está no caminho certo, acho que essa coisa
da extensão é muito boa, ela põe a universidade em contato
com a realidade.” (Profº Ersio)
108
A avaliação do professor Érsio dimensiona inclusive o alcance das novas
áreas e cursos em sua estrutura atual como de grande relevância para o
ensino, a educação e para a própria nação:
“... É minha opinião que a educação em um nível de estudo
assim, e a nossa faculdade aqui tem, é fundamental para um
país, sem isso não vejo saída, qualquer curso que tenda a
melhorar a educação, seja ele um curso de graduação, seja
pós, seja especialização, eu acho que isso é fundamental.”
(Profº Ersio)
Para comprovar tais afirmações, o professor recorre ao tipo de
implicações contidas num programa sério de trabalho com a educação:
“(...) a saúde, através da educação, pode melhorar, porque a
pessoa educada vai reivindicar, o que não faz hoje. ... ela tem
que ser fundamental, senão eu não entendo como a gente
pode progredir. A educação é aquele centro do qual o país não
pode escapar.” (Profº Ersio)
Embora lamentando, sob um ponto de vista macroestrutural, a situação
nacional em termos de educação, o professor Érsio expressa também palavras
de ânimo e incentivo:
“infelizmente, a gente olha os anos que se passam, não muda
nada; às vezes muda nesse nível, uma instituição trabalha por
conta própria, faz um esforço, e aí realmente é muito bom, mas
eu acho fundamental, deve não parar, tem de continuar a
aperfeiçoar-se.” (Profº Ersio)
109
Os comentários elaborados pelo professor Haroldo destacam os
princípios basilares que caracterizam a instituição universitária, e é em função
deles que julga favoravelmente a estrutura atual:
“Eu não acho que contribui porque a própria definição, o
próprio sentido de universidade é o ensino, a pesquisa, o
serviço, não é?.” (Profº Haroldo)
O papel do ensino, nas observações do professor Haroldo, constitui o
cerne da atividade universitária na PUC:
“A extensão, na universidade de Campinas, a Católica da qual
estamos falando, a nossa PUC, ela é bem marcada,
nitidamente marcada pelo ensino que foi sempre o forte da
universidade, o ensino nos vários cursos, nos vários degraus.”
(Profº Haroldo)
Os esforços envidados pela cúpula da universidade não deixam de ser
notados nas palavras do profº. Haroldo:
“(...) e a pesquisa, agora, e, nesse ponto, a reitoria está
fazendo um esforço muito grande, ela começa a ter assim ares
de verdadeiro caminho aberto e que realmente beneficiará
professores e alunos.” (Profº Haroldo)
Mas o professor não deixa também de manter olhos na realidade, sendo
de importância assaz imediata a percepção acerca das condições de trabalho:
“(...) a questão da pesquisa depende da carga docente, a
questão da extensão também, nós não tivemos assim uma
tradição de pesquisa eu diria evidente, saliente, marcada como
deveríamos ter; mas, aos poucos, eu tenho por mim que a
110
universidade caminhou nessa direção, porque isto é da sua
natureza, é da sua essência.” (Profº Haroldo)
E finaliza, a esse respeito, suas considerações dando destaque para o
papel da pesquisa:
“(...) a pesquisa melhora o ensino, a pesquisa melhora o
profissional, o aperfeiçoa, o gabarita para ser mestre, para ser
doutor; então, a pesquisa é muito importante e creio que o
problema do desenvolvimento da pesquisa, ainda que recente,
é uma marca que o se pode omitir dos esforços da
universidade no momento atual.” (Profº Haroldo)
Ao expor suas convicções acerca da pós-graduação, o professor
Haroldo evidencia com realce a própria perspectiva de onde enuncia seu
pronunciamento, enfatizando a situação do mestrado:
“Eu creio que o mestrado é imprescindível hoje; ele não apenas
corrige os defeitos da graduação, mas amplia uma visão maior
da educação justamente pelo pensar (...) Fazer mestrado em
Educação, para realmente educar o homem, é um dinamismo
que deve percorrer as nossas veias, os nossos sentimentos,
para realmente plasmar o cidadão, o artífice do mundo, que
nós todos somos chamados a ser.” (Profº Haroldo)
A nosso ver, com muita propriedade, o professor Haroldo assinala a
relevância dessa questão:
“(...) mestrado em Educação é de suma importância numa
universidade, principalmente a universidade Católica, na
medida em que ele prepara novos professores capacitados
para desempenhar o ministério de educador.” (Profº Haroldo)
E o professor Haroldo demonstra a razão de ser da ênfase:
111
[O ministério da educação] “hoje é um desafio dadas as
condições, sobretudo materialistas do tempo em que a gente
vive, em que o homem, se não tomar cuidado, ele se torna
coisa, ele se torna objeto, e é preciso colocar no homem a
grandeza com que ele foi criado .” (Profº Haroldo)
3. O Município de Campinas e a PUC-Campinas
Outro dos grandes temas evocados nas entrevistas, de suma
importância para atestar a relevância com que a memória preserva, ao delinear
contextualizadamente os objetos de seu foco, a dimensão histórica nos/dos
acontecimentos, reside na indicação da articulação do papel na universidade
com o meio em que se instala e atua. Assim, nas palavras dos entrevistados,
verificamos com nitidez a contraposição de épocas, de situações, de
envolvimentos e o quadro daí resultante é inegavelmente de grande significado
para os fins de nossa pesquisa.
Em todos os depoimentos, as grandes transformações sócio
econômicas que se verificaram na cidade e região estão presentes, e são
retomadas com a finalidade tanto de indicar as mudanças ocorridas em relação
às atividades desenvolvidas junto à comunidade local e regional, antes e
atualmente, quanto para dimensionar a medida com que esse tipo de alteração
influenciou nos destinos e na própria constituição da universidade. É importante
notar que a participação da PUC-Campinas na formação de professores foi
“mencionada” com bastante ênfase, assim, como as observações, pelos
“pioneiros”, a respeito das condições de sua instalação. E também os aspectos
112
relacionados à mudança presentes nas atitudes discentes decorrentes da
feição cosmopolita que o desenvolvimento da cidade e região tomou.
Na voz da professora Nair Fobé, as relações entre a universidade, a
cidade de Campinas e a própria região consubstancializavam-se nas ações
marcadas pelo comprometimento:
“Naquele tempo, a gente tinha um compromisso de
participação na sociedade, e acho isso uma coisa muito
importante e que aprendi aqui na PUC chegava a uma escola
e fundava a JEC, atendíamos às cadeias, líamos para os
presos, íamos aos hospitais, e tudo aprendi aqui, na PUC.”
(Profª Nair Fobé)
E acrescenta, demonstrando a natureza desse comprometimento:
“Nós éramos comprometidos com todos os espaços onde
estivéssemos, na sala de aula, escola, fazendo estágio, quer
dizer, esse compromisso com o outro não era extensivo, mas
consistente.” (Profª Nair Fobé)
A professora Therezinha traz, para falar acerca
desse tópico, as recordações das épocas anteriores:
“(...) Era aquele relacionamento muito de cidade mesmo de
interior, de cidade em que o havia avanço, mencionado,
que houve da vida.” (Profª Therezinha)
E dá destaque para a situação enfrentada, como mulher:
“Do feminino, da vida então, era difícil... nós, jovens
estudantes, não tínhamos nada de barzinho... existia uma única
sorveteria, chamada Sonia, existia um Giovanetti, você podia
comprar sanduíche no guichê, mas não podia nem entrar.”
(Profª Therezinha)
113
Os padrões morais de então são ressaltados com veemência pela
professora Therezinha:
“Era uma cidade assim, ela própria influenciava esse aspecto,
uma cidadezinha de padrões culturais, morais etc., que zelava
por isso.” (Profª Therezinha)
O crescimento da cidade é caracterizado bastante curiosamente:
“Campinas é hoje uma cidade, assim, que às vezes a gente
está andando, ali no Centro de Convivência, e pergunta: ‘onde
estou?’ Porque não mais para identificar a população, tal o
crescimento, houve uma mudança muito grande e tem pontos
positivos.’’ (Profª Therezinha)
Também a professora Therezinha aponta os aspectos de
comprometimento social daqueles momentos passados:
‘’(...) na época em que me formei e em que estudava, julgo que
devo sinalizar a influência da Ação Católica, a JAC, a JEC, a
JIC, a JOC, a JUC, na universidade, colaborava muito na
formação social e política dos jovens.’’ (Profª Therezinha)
Traz, inclusive, notícias da configuração universitária daquele momento,
em que, a não ser em grandes centros, o ensino superior ocorria em entidades
e faculdades independentes e isoladas:
‘’Existia só PUC aqui... em Uberlândia, Uberaba não havia
nada, em Ribeirão Preto... e falava-se muito em PUC
Campinas e PUC São Paulo.’’ (Profª Therezinha)
114
Nas considerações que faz, a professora mostra o alcance do curso da
ação desenvolvida de que participou, assinalando um, dentre os muitos tipos
de contribuição, levado a efeito na universidade:
‘’na ocasião, também, elaborei uma pesquisa sobre os idosos
institucionalizados do Estado de São Paulo, para fortalecer os
fundamentos da nossa proposta de universidade da terceira
idade, também trabalhamos muito nas documentações
existente em relação à universidade de Toulouse, na França,
em que já havia essas experiências.’’ (Profª Therezinha)
Em seus comentários, o significado da contribuição da universidade é
sublinhado:
‘’ julgo que ela tem sua grandeza, seu significado muito grande;
então, desde a criação, desde quem passou por ela, a história
dela ela vem construindo (...) voltada para a educação.’(Profª
Therezinha)
Igualmente, no depoimento do professor Érsio, são realçadas as
mudanças registradas no crescimento da cidade e no papel exercido pela PUC-
Campinas:
‘’ nós éramos um centro estadual de importância fundamental,
a gente andava pelo interior e a maioria dos professores tinha
se formado aqui, essa era uma função de Campinas que a
PUC executava muito bem, os colégios todos tinham uma
relação muito intensa com a gente.’’ (Profº Ersio)
Assim, o professor Érsio aponta com muita lucidez o elo fundamental
existente entre a universidade e a educação regional. Ao mesmo tempo,
porém, ele destaca as implicações do crescimento de Campinas:
115
‘’... depois, a cidade cresceu, era um setor regional, hoje virou
uma metrópole vieram as outras escolas e nós perdemos isso,
em nível de licenciatura a gente caiu muito.’’ (Profº Érsio)
Enfrentando a profusão de cursos e escolas concorrentes, o professor
Érsio fez notar a capacidade da universidade em reagir às mudanças:
‘’(...) em compensação, acho que a PUC se adaptou a uma
Campinas mais moderna, diversificando as áreas tecnológicas
de Ciências Médicas, acho que a PUC abriu um leque normal.’’
(Profº Ersio)
Não obstante, o significado da mudança, anteriormente mencionada,
volta à baila com as considerações do professor Érsio a propósito do papel
formador da universidade:
‘’Mas a gente perdeu um pouco aquele papel de ser uma
escola que formava aqueles que iriam formar o futuro do país,
que o os educadores, essa é uma diferença que noto muito
séria de nosso tempo.’’ (Profº Ersio)
Fornecendo um quadro mais contextualizado a respeito das
modificações ocorridas, as respostas focalizam momentos bastante
diferenciados para a cidade:
‘’(...) na época em que comecei aqui, Campinas ainda não era
industrial, estava começando, era uma cidade comercial,
Campinas vivia em função do comércio Campinas tinha um
papel curioso... na época não havia muitas estradas, era
ferroviário e a Mogiana terminava aqui; então, a Mogiana do
Triângulo Mineiro, de perto de Ribeirão, do sul de Minas,
despejava todo mundo aqui... na década de 1960 e 1970 para
116
cá, industrializou-se e descaracterizou um bocado.’’ (Profº
Ersio)
As observações do professor Érsio chegam a dar uma nota de
jocosidade às rememorações:
‘’(...) o senhor imagina, no tempo em que eu comecei aqui,
ninguém entrava, por exemplo, para assistir uma sessão de
cinema, se não fosse de gravata, não podia entrar.’’ (Profº
Ersio)
O professor Caran também se detém na comparação com o ambiente e
as dimensões da cidade à época em que inicia suas atividades:
‘’Quando eu cheguei em Campinas, por volta de 1949, comecei
a lecionar em 1953, a cidade tinha pouco mais de 200 mil de
habitantes, hoje ela tem mais de um milhão, não é verdade?
(...) Naquele tempo, havia poucas indústrias, eram, assim,
umas 4 ou 5 no máximo, depois vieram outras mais e
passaram de dezenas... o hotel mais importante da cidade era
o Hotel Términus, não havia outro hotel naquela época, havia
pensões, havia pequenas repúblicas de estudantes.’’ (Profº
Caran)
A par do crescimento da cidade e do desenvolvimento regional, o
professor Caran estabelece também considerações que contemplam
modificações na estrutura mesma da universidade e em sua influência:
‘’(...) o crescimento da universidade foi fabuloso, foi fantástico,
porque quando eu comecei só havia as faculdades de Filosofia,
Ciências e Letras, depois vieram as outras faculdades, a
faculdade de Direito, de Odontologia, Biblioteconomia, e tantas
outras; então, ela cresceu de uma maneira admirável, e esse
117
crescimento da universidade contribuiu muito também para a
evolução social, econômica e política da cidade de Campinas.’’
(Profº Caran)
O Professor Caran atesta com ênfase o lugar primordial da universidade
no cenário educacional:
‘’(...) eu me lembro de ter ouvido dos lábios do Monsenhor
Salim, que foi a alma da universidade... à época era ministro da
Educação, Gustavo Capanema, então, o Capanema disse a
ele: - mas como Campinas, tão provinciana, pretendendo ter
uma faculdade de Filosofia, Ciências e Letras?.’’ (Profº Caran)
E acrescenta:
‘’... ela foi, Campinas, a primeira em todo Brasil, entendeu, não
pública, mas particular, foi a primeira cidade do interior do
Brasil que fundou uma faculdade, um ensino superior; fora
Campinas, só existiam faculdades, entendeu, mantidas pelo
governo, ou estadual ou federal.’’ (Profº Caran)
Já o quadro caracterizado pelo professor Haroldo conserva um tom mais
formal e comedido; nem por isso deixa de legar informações de grande relevo:
‘’Campinas era uma cidade provinciana, tinha ainda os bondes,
era uma cidade pacata de 350 mil habitantes se tanto.’’ (Profº
Haroldo)
Mas o professor Haroldo não deixa de relatar aspectos cruciais
concernentes ao panorama social:
‘’(...) era uma cidade pacífica com dez, quinze paróquias, em
que as coisas corriam com tranqüilidade sem as marcas da
miséria, da pobreza como hoje a gente vê.’’ (Profº Haroldo)
118
O professor aponta para o crescimento impressionante do grande centro
urbano que é Campinas, caracterizando uma região metropolitana próxima de
outro centro ainda maior:
‘’Campinas hoje é uma cidade grande... sua expansão que foi
uma expansão econômica, uma expansão, sobretudo em
sendo uma cidade privilegiada, porque perto de São Paulo,
perto do porto, abrigou aqui grandes indústrias, então com
grande potencial de trabalho, de produção e hoje ela é
marcada como uma cidade que segue nesse sentido de uma
evolução global.’’ (Profº Haroldo)
Grande centro produtor e consumidor, aos olhos do professor Haroldo os
reflexos dessa situação estão presentes mesmo no interior da sala de aula:
‘’ hoje é uma cidade muito grande, uma das mais importantes
do estado, do país e tudo isso reflete na sua expansão, na sua
atividade econômica, na sua atividade cultural; esse reflexo a
gente percebe dentro da sala de aula onde os alunos
apresentam realmente características marcantes de um grande
centro e pólo industrial, de uma cidade cosmopolita.’’ (Profº
Haroldo)
4. Os movimentos docentes e discentes
Outro dos grandes temas desenvolvidos nos depoimentos fornecidos
pelos participantes diz respeito ao que chamaríamos de mobilização,
movimentos de caráter tanto discente quanto docente, ocasionados por
diferentes razões, mas, sobretudo, por aquelas de natureza reivindicatória e
política. A seu modo, cada um dos entrevistados se posicionou, ressaltando,
119
em cada caso, características peculiares em função da perspectiva emprestada
ao teor do assunto.
Os movimentos internos, discentes e docentes, transcorridos no período
em questão, constituem igualmente uma recorrência bem evidente. Originadas
as mobilizações, tanto de situação mais diretamente sociais e políticas, como o
caso dos movimentos estudantis diante da implantação do regime autoritário
em nosso país, quanto de situações mais propriamente peculiares a assuntos
de âmbito interno, como questões relativas a posicionamentos, mensalidades,
salários, carreira, elas são apresentadas segundo o ponto de vista mais
particular e pessoal de cada um dos entrevistados, o que também indicação
acerca da reflexão pessoal dos participantes.
A professora Nair Fobé lapidarmente definiu suas considerações em
termos dos debates e confrontos sempre presentes nos grupos e comunidades:
‘’É lógico, estamos em uma comunidade onde as pessoas têm
opiniões diferentes e, por isso, sempre a possibilidade de
conflitos e os houve.’’ (Profª Nair Fobé)
É bastante frutífero analisar a intervenção da professora em termos de
seu posicionamento, o qual situa na raiz da possibilidade dos confrontos as
diversas opiniões particulares, ou seja, segundo a professora, é da ordem das
razões construídas e elaboradas por cada um dos membros de grupos e
comunidades que se apresenta a oportunidade do dissenso; e, obviamente,
também nesse âmbito poderíamos procurar por aqueles elementos que
conduziriam ao consenso. Parece-nos que esse tipo de colocação expressa um
nível de maturidade e consciência muito próprias em uma instituição de
natureza acadêmico-educativa, porque muito claramente caractestico do
120
plano da ação intelectual, atualizada em razões e argumentação de fundo
racional.
no relato estabelecido pela professora Therezinha, é possível
perceber uma atividade avaliativa de fundo mais pragmático e vinculada a uma
visão que contempla um cenário de evolução e desenvolvimento desde as
dimensões mais ‘’domésticas’’ de uma instituição de pequeno porte, até uma
situação mais complexa da universidade contemporânea.
‘’(...) nessa minha época não tinha greve, os alunos
trabalhavam mesmo num trabalho bem próximo da
universidade; não havia, enfim, não sei se seria uma
despolitização.’’ (Profª Therezinha)
É, segundo a professora Therezinha, com a proliferação de centros
acadêmicos que os movimentos sociais passam a marcar uma presença mais
definida:
‘’Começaram a fundar os diretórios acadêmicos, eu mesma fui
secretaria do Diretório Acadêmico 7 de Março, eu vim a
estudar o movimento social maravilhoso de Dom Helder
Câmara no desfavelamento do Rio de Janeiro. O que provocou
no curso de Serviço Social uma grande mudança; então, em
relação aos movimentos, para falar a verdade, não havia
movimento, dominava a atuação da Ação Católica.’’ (Profª
Therezinha)
É com grande proveito que podemos perceber, nas palavras da
professora Therezinha, a identificação dos momentos de mobilização com o
substrato presente nas noções relativas à ação social, independentemente da
qualidade determinante da natureza de tais movimentos. É por isso, parece-
121
nos, que a professora, ao mencionar esse assunto, o faz por meio do viés da
organização e da presença (ou não) de figuras carismáticas.
A avaliação levada a cabo pelo professor Érsio sobre este tema cola-se
muito proximamente às questões de cunho sócio-político-históricas que
marcaram a evolução nacional mais recente. Referindo-se à fase instaurada
com o movimento de 1964, que mudou radicalmente os caminhos nacionais até
então instalados, diz o professor Érsio:
‘’Veio a revolução de 1964, então a gente viveu naquela fase
tumultuada; para a História, por exemplo, foi uma fase
dificílima, porque, no conjunto da Universidade, História é uma
pedra no sapato do Governo, foi o curso que mais sofreu
interferências, junto com Geografia e Ciências Sociais.’’ (Profº
Ersio)
O professor refere-se, a seguir, à tentativa de anulação das influências
de cursos como os mencionados:
‘’(...) o Governo, na época ditadura militar, tentou de uma certa
forma descaracterizar a área com a criação por de outras
faculdades, de cursos de Estudos Sociais... nós fizemos de
uma maneira para evitar muitos prejuízos para os alunos...
conseguimos estabelecer o seguinte: os dois primeiros anos
você poderia escapar; aí, no terceiro ano, os alunos poderiam
optar ou por História, ou por Geografia, ou por Ciências Sociais
e a gente trabalhou isso; foi uma briga enorme, porque o
Governo era contra.’’ (Profº Érsio)
122
As palavras do professor Érsio mostram como as mobilizações podem
gerar e sugerir mecanismos que, atuantes sem definitivamente serem
radicalizadores, conseguem ocupar brechas existentes, sendo conseqüentes.
Ainda sob o caráter de movimentos acadêmicos, verificados no seio da
instituição e buscando alterações de condições estruturadas, o relato do
professor Érsio apresenta a situação da escolha/eleição dos dirigentes para as
unidades. Como relata em seu próprio caso:
‘’(...) na década de 80 fui eleito diretor; aliás, fui o primeiro
diretor eleito pela eleição geral da PUC... aqui era o Instituto de
Ciências Humanas: História, Ciências Sociais e Geografia e foi
uma eleição diferente: a gente estava naquela fase de sair da
ditadura e passar para uma outra fase; então a gente estudou,
discutiu, brigou muito e nós fizemos uma fórmula, nós fizemos
uma sugestão: a eleição do diretor seria feita por alunos,
professores e funcionários evidentemente cooperadores,
tem aquela história da lista tríplice, que a gente tem que
mandar para a reitoria e nós colocamos mais um adendo ali,
dizendo que quem fosse o eleito, tivesse o maior número de
votos, seria o diretor, o segundo seria o vice.’’ (Profº Ersio)
Este depoimento sinaliza quão fortemente a conjuntura e o contexto
podem ser de grande eficácia para a escolha de linhas de ação, uma vez que
sejam bem verificadas todas as implicações presentes. Mostra, também, que o
caráter das mobilizações não depende apenas das vontades puramente
particulares e lança luz, quanto ao pano de fundo histórico, sobre as
oportunidades que se configuram, bem interpretadas, nos ‘’cenários’’
montados.
123
Dentro do mesmo espírito, o professor Érsio ressalta o elemento
simbólico, índice de processos e eventos que passam a ser relembrados na
dimensão adquirida em razão do desempenho com que foram configurados
nos fenômenos de mobilização por exemplo, o ‘’Pátio dos Leões’’:
‘’(...) no começo de minha carreira aqui, a gente viveu uma
época de muita luta universitária, esse pátio aqui é uma coisa
para os professores mais antigos - é uma instituição à parte;
na época do golpe, vi Monsenhor Salim na porta do pátio, esse
pátio ‘’assim’’ de alunos, ele segurar a Polícia Militar na porta e
não deixar entrar, defendendo a autonomia da universidade e
não tinha alunos da PUC na época aqui, tinha alunos da
Unicamp.’’ (Profº Ersio)
Todavia, acerca dos movimentos estudantis na atualidade, a convicção
do professor Érsio sinaliza:
‘’Os movimentos estudantis morreram, mas não foi aqui. Eu
acho que, de uma forma geral, o Brasil inteiro não tem mais
isso, perdeu a força; por exemplo, a UNE deixou de ter força.’’
(Profº Érsio)
Para o professor Érsio, não é fácil aduzir razões que cabalmente
possam dar respostas para a situação:
‘’(...) hoje... eu não sei a que atribuir essa pasmaceira que
existe aí, os bons estudantes o se interessam, uma
dificuldade enorme de fazê-los... de fazer qualquer coisa, o
DCE aqui acabou, ninguém confia, ninguém sabe nem onde é.’’
(Profº Érsio)
Parece-nos que diversas razões poderiam ajudar a explicar e fazer
entender este panorama, de desconfiança, desânimo, desidentificação, apatia;
124
no entanto, buscá-las configura, em primeiro lugar, um problema cujo
estabelecimento seria, por si, encaminhar o trabalho para outro nível de
pesquisa. Assim, continuamos a acompanhar as observações feitas pelo
professor Érsio e, neste momento, ele aponta para traços distintivos, presentes
em diversas das mobilizações, responsáveis por conformar a natureza peculiar
de certos movimentos.
‘’(...) nós tivemos greves, alunos terríveis, nessa época, alunos,
assim, ideologicamente comprometidos com ideologias deles,
alunos profissionais.’’ (Profº Érsio)
Mas, ainda, o professor Érsio não deixa de fora a participação docente,
em muitas movimentações. Com clareza, ele pode distinguir uma série de
motivações que serviriam a fazer corresponder movimentos particularmente
identificados com o movimento discente, docente ou com ambos.
‘’Olha, envolvia todo mundo, porque a gente, mesmo como
professor, principalmente a gente que era mais jovem, a gente
estava sempre no meio da briga, a gente acabava participando,
às vezes do lado dos alunos, às vezes defendendo a
instituição, mas as greves foram terríveis; aí, de uns anos para
cá, não teve mais greve nenhuma.’’ (Profº Érsio)
Entretanto, o professor Érsio crê poder apontar nas implicações da
existência de um regime autoritário, instalado com um golpe político desferido
por instituições estruturais à própria ordenação constitucional vigente, um
elemento de forte probabilidade para explicar o que chama de ‘’despolitização’’.
Ao encerrar seu depoimento, voltando a tratar desse mesmo assunto, ele
ilustra tal apatia com o relato de uma atividade desenvolvida em curso
ministrado por ele, na qual, discutindo questões ligadas à Reforma Agrária e
125
aos movimentos a ela vinculados, atuou como ‘’advogado do diabo’’
esperando, com isso, reencontrar o clima do debate, da discussão, da
manifestação e exposição das posturas ideológicas comuns a esse tipo de
situação. Para sua satisfação, a estratégia foi altamente produtiva e o professor
pôde observar, numa turma de perto de cinqüenta alunos, a suscitação da
polêmica.
Mas, ao mesmo tempo, o professor Érsio mantém sua apreciação:
‘’(...) o golpe de 1964 foi muito longo e descaracterizou a
ideologia política; então, os estudantes se despolitizaram, hoje
é difícil a gente encontrar estudantes politizados, que têm
idéias a respeito de teorias, ideologias, sabe? a maioria se
isola, não está muito afim, não discute; é complicado. Agora, de
um modo geral, o senhor fala e não reação, quero dizer, eu
acho que a despolitização foi provocada pela instituição do
governo de ditadura, que bloqueou, prendeu eu não sei se tem
mais causa, talvez tenha sim, mas essa, para mim, é
importante, a falta de politização deles.’’ (Profº Érsio)
O Professor Caran aponta também, embora num contexto um pouco
diferenciado, a posição emblemática do ‘’ Pátio dos Leões’’, quando se
encaminha para fornecer observações a respeito das questões de mobilização.
‘’(...) o Pátio dos Leões tem, assim, um sentindo muito afetivo
é o espaço onde os alunos têm mais oportunidade de se
verem, de se encontrarem, de baterem papo, de fazerem as
suas tertúlias; ele é um símbolo, aqueles dois leões significam
também bravura, coragem, ânimo de enfrentar a luta.’’ (Profº
Caran)
126
Já em relação aos próprios movimentos, o professor Caran é mais
sucinto:
‘’(...) as greves não eram numerosas como nos últimos anos; a
faculdade de Direito, por exemplo, fez sempre muita questão
de não aderir a greves porque o problema, depois, da carga
horária, se tornava muito sofrível. Os professores fizeram
algumas greves em virtude do salário e da situação, digamos
assim, titular deles.’’ (Profº Caran)
Porém, também o professor Caran faz referência ao influxo gerado com
a ‘’Revolução de 1964’’, conferindo particularmente a essa ambiência uma nota
eminentemente política.
‘’(...) a gente percebia, principalmente na época da ditadura,
não é verdade?, uma reação bastante grande por parte dos
estudantes para não consentir naquele regime, naquele
sistema havia um desconforto muito grande, principalmente
por parte dos alunos, não tanto da parte dos professores, mas
não podia fazer outra coisa porque se vivia num estado policial,
não é?.’’ (Profº Caran)
O entrevistado, neste momento, aponta a situação de discordância,
desconforto e inclusive rebeldia, principalmente por parte dos alunos, frente ao
regime ditatorial instalado com os militares. Mas lança luzes tamm para a
compreensão da situação em virtude da vigência de um ‘’Estado Policial’’. É, tal
tipo de apreciação, bastante elucidadora a respeito das interpretações que o
depoente fornece para discriminar momentos diversos e naturezas também
diversas para os fatos, se nos voltamos para a referência à participação de
professores em movimento grevistas de caráter reivindicatório pecuniário.
127
O professor Haroldo, em suas apreciações, tal como o professor Érsio,
recorre também à contextualização dos momentos para avaliar e se manifestar
acerca de períodos de mobilização.
‘’É preciso notar os grandes momentos políticos, sociais que
nós vivemos na educação dentro desse espaço de tempo
considerado como a vida da Universidade Católica de
Campinas.’’ (Profº Haroldo)
O professor retraça o percurso dos movimentos mais significativos na
ambiência dos anos pós-64.
‘’(...) os movimentos de 68, os anos da ditadura militar e os
anos atuais, algumas marcas eu gostaria de, com calma,
restabelecer limites mais precisos; os anos de 1970 foram anos
de efervescência universitária, onde o chamado ‘’Pátio dos
Leões’’ era um pátio de agitação estudantil, de concentração
política, de discussões pedagógicas, de posições realmente a
respeito do futuro da universidade, do futuro do país, do futuro
da humanidade.’’ (Profº Haroldo)
As palavras do professor Haroldo expressam com riqueza o teor das
diversas manifestações e mobilizações de que foi palco o ‘’Pátio dos Leões’’,
novamente introduzido como marco simbólico de uma “ágora” atuante.
Discussões políticas, pedagógicas, humanistas comprometem, nos períodos
relacionados, toda uma parcela da comunidade acadêmica com projetos de
futuro.
‘’(...) os alunos eram muito engajados e brigavam para
realmente ter uma noção política abrangente dos grandes
movimentos internacionais que se percebia e das grandes
128
políticas que nós vivemos naquele tempo de 1968 a 1980, que
foi um tempo de pujança, de verdadeira fermentação política.’’
(Profº Haroldo)
Transparece notório o entusiasmo com que o professor Haroldo volta
seus olhos para tais momentos, nos quais o saber e a educação, aliados,
induzem, de questão em questão, as novas gerações a um posicionamento
crítico e consciente.
E, também o professor Haroldo, em continuidade às suas apreciações,
faz notar que os momentos que se sucedem não carregarão mais, com tal
intensidade, o alento das gerações de alunos imediatamente pós-64.
‘’(...) hoje, o corpo discente é muito sossegado, é muito
pacífico, é muito alienado, infelizmente... eu penso que hoje o
problema não é um problema social, hoje o problema é
econômico... uma grande diferença da PUC de 1970 para a
PUC de 2000, esses trinta anos, esse processo global, com a
queda das utopias, com a perda do socialismo, então nós
ficamos realmente assim, quase, diria, alienados.” (Profº
Haroldo)
É grande a acuidade com que a percepção do professor Haroldo se
debruça sobre os elementos articulados - golpe de 64, regime ditatorial,
indução à descrença em possibilidades sociais alternativas, globalização,
crenças infundadas na naturalidade do status quo, eis que o professor Haroldo
traça um quadro extremamente bem acurado para propor as condições de se
pensar a nossa atual ‘’alienação’’.
Voltando à situação específica da instituição, nesse período, o professor
faz notar que:
129
‘’(...) a universidade, depois da morte do Monsenhor Salim,
passou realmente por momentos muito difíceis, as greves
foram muitas (...) greves que os alunos faziam, o corpo docente
muitas vezes também aderia.’’ (Profº Haroldo)
Mas o entrevistado vislumbra, em meio a todo rol de dificuldades dos
momentos críticos, as condições mesmas de superação das crises.
‘’(...) a universidade sofreu, sim, greves e greves sérias, eu
creio que estes momentos de crise levaram a PUC hoje a ser
esta grandeza que ela ostenta, mediante a habilidade,
mediante o diálogo que se efetivava em todas essas greves, eu
analisaria essas greves com uma certa benignidade, ou seja,
como aqueles momentos de crise necessários apara voltar
ao interior de si própria e aí traçar caminhos novos, novos
rumos em favor sempre do conhecimento.’’ (Profº Haroldo)
Falando dessas mobilizações, as palavras do professor Haroldo não
permitem que elas sejam vistas apenas como fazendo parte de um passado
distanciado; ao contrário, os termos com que ele se dirige a seus possíveis
leitores possuem aquela qualidade de fazer despertar, mais uma vez, a
indignação que sustenta o projeto de uma sociedade humana no sentido mais
pleno com que se possa verificar:
‘’(...) não há dúvida de que a gente não pode ser ingênuo,
porque as greves eram muitas vezes conturbadas, sobretudo
pelo momento político que o país passava... momentos que
foram dilacerantes para a nossa sociedade, com prisão de
professores, prisão de alunos, aquilo foi de uma inabilidade
política tão grande que provocou o exílio de professores, o
130
afastamento na carreira docente de certas figuras.’’ (Profº.
Haroldo)
No capítulo seguinte, propomos algumas interpretações que buscam,
refletindo sobre os depoimentos elaborados, assinalar elementos considerados
relevantes e desenvolver implicações que pudemos verificar.
131
132
CAPÍTULO III
Reflexão sobre o olhar dos docentes: a síntese possível
“O professor é um artesão numa prática
pessoal, integrando as várias contribuições das
várias disciplinas, capaz de auto-observação,
auto-avaliação e auto-regulação. Ensina a
caminhar com passos firmes e também ensina
o fascínio do ousar.”
Maria Eugênia L. M. Castanho
Os depoimentos fornecidos pelos professores entrevistados introduzem
muitas possibilidades para reflexão cuja interpretação nos possibilita indicar
pontos relevantes para o estudo. As considerações que, neste capítulo,
133
elaboramos a respeito buscam lançar luz, sobretudo, para aspectos que a
orientação que norteou nossa pesquisa propõe como relevantes.
Na efetivação de nossa investigação, vários campos de saberes foram
adentrados, inclusive em razão das próprias escolhas metodológicas: a história
da Educação, a história institucional, a história oral, concepções didático-
pedagógicas, contextos cio-históricos peculiares, entre outros. Por força da
mesma orientação mencionada, não nos propomos a instituir, com as
interpretações e considerações feitas, o privilégio para uma temática exclusiva
e singular; contudo, parece-nos ser possível e adequado, sem fechar as portas
para outras interpretações cabíveis e sem exorbitar naquelas que estamos a
propor, procurar sistematizar as idéias enunciadas de acordo com os
elementos nelas verificados, o que, portanto, encontraria justificação
necessária.
Desse modo, retomando as indicações contidas nos grandes temas ou
eixos sugeridos e delimitados com os procedimentos metodológicos adotados e
com o resultado das entrevistas, procuramos reconstruir e apresentar as idéias
originais dos participantes moduladas, agora, segundo nosso viés analítico.
Assim, iniciando esta fase do percurso de nosso trabalho, voltamos ao
tema concernente às visões sobre as relações estabelecidas entre professor
aluno e concepções e posturas didático pedagógicas, julgando ser de
relevância colocar em foco o que segue.
Hoje, segundo os professores entrevistados, teríamos um perfil do aluno
bastante diferenciado em relação ao de épocas passadas, seja em relação ao
próprio conhecimento, seja no que diz respeito aos relacionamentos
intersubjetivos (entre si mesmos e entre eles e o professor); por um lado, mais
134
soltos, questionadores, interativos; por outro, menos reflexivos,
fundamentados, interessados pelo saber em si, e mais marcados pelas
requisições do mundo do trabalho – um panorama explicado, nos depoimentos,
com certa diversidade, mas com base em razões de ordem estrutural: as
condições culturais, sócio-econômicas e políticas do momento atual, sendo
muito outras, determinariam também esse outro perfil.
Assim sendo, acreditamos, julgamos ser possível encontrar elementos
cuja problematização conduziria a reflexões bastante elucidadoras e produtivas
para se pensar o alcance do ensino e da aprendizagem hoje, as funções e
papéis institucionalmente reservados à docência no momento atual, o
questionamento que os traços apontados endereçam a esse nível (aliás, a
reflexão particular dos professores deixou este aspecto bem evidenciado a
própria atitude docente passa a ocupar, nas considerações pessoais, uma
situação polêmica).
Também, ao mesmo tempo, dispomos de dados variados para se pensar
o sentido e o significado das indicações feitas a propósito de uma maior
superficialidade e descomprometimento com os aspectos vinculados ao saber
e ao conhecimento.
Ao mesmo tempo que evidenciam os aspectos anteriormente
levantados, as falas dos professores apontam ainda para, pelo menos, dois
pontos bem precisos, em especial remetendo para a situação que envolve
concepções sobre a natureza do ensino e da aprendizagem e para a que se
volta para o significado do magistério, presentes em considerações
fundamentadas sobre a experiência docente. É interessante observar que, a tal
respeito, ainda que haja uma convergência nas formulações encaminhadas
135
nas entrevistas, é possível distinguir também explicações, justificações e
posicionamentos característicos para os diversos depoimentos.
Assim, podemos notar desde a referência, explícita em um dos
depoimentos, a uma concepção educacional, em épocas passadas, em que o
professor detém, em grau excelente, aquilo que o aluno não possui o
conhecimento - e que as posições e atuações geradas por tal tipo de noção
acarretam, para o comportamento discente, uma disposição bastante próxima à
passividade e uma atitude extremamente ingênua de recepção total daquilo
que é transmitido, até comentários que põem em foco a questão da
multiculturalidade, ou, pelo menos, de um pluralismo cultural, no presente
momento, para explicar atitudes e comportamentos discentes atuais muito
diversos dos de outros tempos, momentos passados, em que a dominância de
um padrão cultural era evidente.
O que nos parece ser digno de nota, em relação a este ponto, é a
menção, em todos os depoimentos, não apenas do relato das transformações
ocorridas, em relação a concepções didáticas e educacionais, mas também a
referência, em relação às atitudes discentes, a uma superficialidade, um não-
aprofundamento, um descompromisso e o pouco envolvimento no que tange à
incursão nos territórios propriamente intelectivos e cognitivos (e também, em
alguns casos, como apontaremos mais à frente, no que respeita a
envolvimentos de natureza político-social).
Cabe considerar que, em princípio ao menos, todos os termos
levantados nas falas estão sendo, de fato, polemizados e, como tal, propostos
pelas reflexões elaboradas pelos docentes a uma maior problematização: se
foi deixada para trás uma visão do professor e da docência “totalitários”; se os
136
alunos, hoje, parecem mais ativos, questionadores, críticos mesmo; se
transparece, ao menos em algum depoimento, a identificação de tais aspectos
com a dimensão disciplinar; e se a participação discente, conforme mais outro
depoimento, hoje se manifesta, em certos casos, como vindo a desempenhar
um elemento de negação destinado a polemizar visões radicalmente
unilaterais... como explicar, ou melhor, o que significa apontar essa
“superficialidade” a propósito do conhecimento?; mais, ainda, o que isso
significaria quando se leva em conta o teor das justificativas dadas - trata-se da
decorrência de fatores como requisições do mundo do trabalho e do mercado
de interesses ditados por um pragmatismo imediatista, da oportunização de
mais atrativos e facilidades oferecidos inclusive pela própria tecnologia
contemporânea?
Não nos parece estarmos julgando equivocadamente, se apreciarmos a
situação à medida que as falas dos professores o propuseram, como um
distanciamento em relação a algo que os professores, todos, parecem valorizar
(o conhecimento, o saber). Parece-nos que é decisivo verificar a interrelação
de todos esses elementos novas e atuais concepções didáticas e
pedagógicas, conhecimento e saber, contexto diferente, recursos
disponibilizados e “superficialidade” -, investigá-los mais a fundo nas
articulações que foram estabelecidas, pois tal como a temática foi enunciada,
estão sendo indicadas relações bastante problemáticas e, pensamos, ainda
não suficientemente perquiridas. A esse propósito, é conveniente ainda não
deixar de lado observações que aparecem em pelo menos dois dos
depoimentos, quando são invocadas “variáveis” reveladoras como mudanças
de paradigmas e a necessidade de um pensamento que conta da
137
complexidade reclamada atualmente para lidar com a interdisciplinaridade dos
saberes de modo a responder aos problemas da atualidade.
Ao mesmo tempo, é preciso não nos esquecermos dos testemunhos
significativos a que o assunto em pauta conduz como derivações oportunas
para a consideração da questão pedagógica. A valorização de concepções,
métodos e recursos que mais genuinamente suscitem o envolvimento e a
participação, e proponham uma dimensão significativa para a aprendizagem
está presente em vários momentos em algumas falas e, mesmo quando
expressamente isso não ocorre, também em observações que enfatizam o
caráter eficiente da situação pedagógica. Em suma, os depoimentos apontam,
com clareza, nos diversos comentários dos docentes participantes, um
raciocínio que verifica, na mudança para concepções mais contemporâneas, a
adequação e a conveniência de posturas docentes mais responsabilizadoras
(no sentido de construir situações didáticas significativas capazes de provocar
e favorecer as respostas discentes).
Não deixa de ser menos significativa, não apenas ao nível de sugestões,
tal como se propôs em alguns depoimentos, a presença de intervenções dos
docentes a respeito das dimensões do ato de ensinar; elas revelam, como
resultado de anos de vivência, experiência e reflexão, a consciência do
significado da docência e do magistério e sublinham o caráter ínsito próprio à
atividade: os aspectos formativos, que, em alguns casos dos relatos, são
evidenciados até mesmo como recomendações.
A questão da formação, tal como evocada em trechos vários dos
depoimentos, aparece designando os mecanismos, procedimentos e
intervenções docentes favoráveis ao estabelecimento e constituição de traços
138
de caráter e personalidade alinhados a um propósito de humanização;
autonomia, capacidade crítica, sensibilização para o desempenho social
solidário, desenvolvimento de potencialidades, entre outros, são indicados
como elementos necessariamente presentes no horizonte de uma docência
legitimamente envolvida com processos de formação. Consideramos
importante, inclusive, vincular esta observação a reparos e “advertências”,
igualmente constantes em boa parte das falas referentes ao aspecto
confessional da instituição, expostos, em formulações mais explícitas, como
exigência de uma missão evangelizadora; importante, uma vez que foi também
expressa, com um dos professores entrevistados, a dimensão de uma possível
dificuldade para tanto em razão de situações postas pela própria
contemporaneidade.
Assim, em um período comumente configurado como de orientação
neoliberal, dentro de um processo de globalização com inúmeras
conseqüências, muitas das quais sequer entrevistas, em que as notas
predominantes são determinadoras de comportamentos e expectativas
conformados por individualismo crescente, interesses bastante pragmáticos e
muitas vezes imediatistas, torna-se imprescindível a verificação da adequação
de projetos e pretensões propostos com base em orientações derivadas do
caráter confessional da instituição em face das condições efetivamente dadas
com a realidade.
Outro elemento contemplado com uma série extensa de observações
feitas pelos professores, ligado às questões de mudanças que se refletem nas
condições didáticas, expõe a situação de utilização dos recursos
disponibilizados hoje pelas tecnologias mais recentes de mídia e informática.
139
Fica vivel que, praticamente para todos os professores, a condição de
instrumento e recurso de trabalho é a que se reserva para elas, a ponto de
considerações sobre sua utilização inadequada e excessiva serem efetuadas
no sentido de destacar o prejuízo intelectual e cognitivo que daí se pode
derivar.
Portanto, surge com essa rie de comentários a oportunidade para se
colocar em destaque o papel e a função com que os recursos tecnológicos
podem influir favoravelmente no exercício docente; a situação do desempenho
meramente técnico reservado para o professor, quando o emprego dos
recursos extrapola limites e ocasiões adequados, parece constituir uma
preocupação genuína para as condições e configurações da docência em
nossos dias, que vale a pena ser seriamente discutida e confrontada, uma vez
que as “ameaças” vislumbradas e apontadas dizem respeito à pouca
profundidade do conhecimento nessas condições gerado e, ainda mais, à
qualidade e efetividade dos componentes alocados para a consecução dos
projetos de formação humana.
Todos os depoimentos dos professores participantes apontaram para
uma característica tradicional presente na PUC-Campinas desde o início de
suas atividades - o ensino e a formação de docentes. As avaliações feitas
pelos professores seguem, a esse respeito, um mesmo sentido, qual seja,
constituírem o ensino e as licenciaturas um aspecto essencial do papel
universitário ao promoverem a formação, preparação e qualificação de
docentes, reclamados pela sociedade para todos os níveis de ensino. Diversas
questões implicadas foram levantadas e uma que chama muito a atenção
consiste no problema hoje enfrentado pela maioria dos cursos de licenciatura:
140
em função de condições adversas para o exercício do magistério, a atividade
docente, sobretudo na situação que depende das instâncias públicas, acaba
não sendo devidamente valorizada, contando com condições precárias; como
resultado, o interesse pelos cursos com licenciatura vem diminuindo, sendo
poucos aqueles que se inclinam a seguir essa formação; como conseqüência,
em muitas instituições, públicas e privadas, observa-se não apenas a redução
no número de alunos como, também, a própria extinção de várias licenciaturas.
Nesse tipo de comentário, dois elementos foram tematizados: de um
lado, a desvalorização do professor mostra-se inscrita num círculo vicioso - não
sendo valorizado, ele próprio acaba se desvalorizando, o que, mais uma vez,
leva a que continue sendo desvalorizado. Por outro lado, presente também nos
depoimentos, encontramos a apreciação segundo a qual a educação exerce
papel central para o encaminhamento adequado das soluções dos problemas
que atingem a comunidade ampla, inclusive nacional. E, para que isso se
converta em realidade duradoura, os esforços e orientações públicas
apropriadas para com a educação são imprescindíveis, não podendo depender
de instituições e decisões isoladas, mas necessitando configurar-se como
política pública privilegiada e seriamente conduzida.
Ao mesmo tempo, os comentários dos professores, ainda a respeito do
ensino, indicam a relevância dos cursos de pós-graduação, como os
mestrados, atuando enquanto instâncias de aprofundamento das reflexões
sobre a educação e de propulsão para o tratamento dos problemas e questões
levantados. Ao lado de tais considerações, a extensão aparece também como
situação em que o ensino, noutras proporções, marca a atuação dos
141
envolvidos; além do que, ela tenderia a tornar mais efetiva a participação da
Universidade junto à comunidade.
A pesquisa, vista pelos depoentes como uma orientação mais recente
no interior das atividades da PUC-Campinas, também é acentuada como
condição para o desenvolvimento do papel e funções da universidade, e é
qualificada como agente para o aperfeiçoamento do profissional docente;
apreciada com relação às demais orientações – ensino e extensão -, ela é vista
como decorrência natural, própria e indispensável das atividades de ensino, e,
apesar das dificuldades apontadas pelos participantes com relação à sua
implementação e estruturação, deve continuar a ser alvo dos esforços
empenhados pelos dirigentes da Universidade.
Em razão das observações elaboradas pelos professores depoentes, a
apreciação do tema “ensino, pesquisa e extensão” também desvendou a
avaliação positiva a respeito da própria reestruturação universitária, em torno
de Centros e Pró-Reitorias, como correspondendo mais proximamente às
exigências dispostas pelo caráter mesmo de universidade; ou seja, a conjunção
de institutos e faculdades em torno de pólos de saber é claramente percebida
como implicação direta da reestruturação pedagógico-administrativa da
Universidade. Portanto, os professores com seus testemunhos revelam com
clareza uma consciência bastante ampla do significado da instituição
universitária no interior do contexto contemporâneo e apontam-no, nos moldes
em que é assim estabelecido com a dinâmica resultante da reestruturação
universitária, como índice do acerto para o caminho trilhado.
Não obstante, e sobretudo com base em um dos depoimentos mais
incisivos a esse respeito, há uma preocupação em que não se restrinja o
142
percurso da reestruturação a sublinhar aspectos e questões organizacionais,
exigidos por condições de crescimento e modernização, mas que,
concomitantemente, a situação do relacionamento humano seja divisada como
fator decisivo e solicitador; e a característica comunitária, assim, seja não
preservada mas desenvolvida a contento juntamente com outras mudanças,
mantendo-se, pois, mais uma das características primordiais da PUC-
Campinas; para tanto, a indicação, nos depoimentos, da necessidade de
fomento de uma integração cada vez maior e conseqüente das diversas áreas
e cursos, promovendo interrelacionamento e organicidade para o ambiente
universitário.
Parece-nos que, indubitavelmente, os testemunhos dos professores
revelam uma noção bastante clara não apenas a propósito do papel da
instituição universitária como, entre outros, um local e meio devendo ser
abertamente propício à difusão, debate, comunhão e superação dos saberes e
posicionamentos para se indicar caminhos possíveis para o enfrentamento dos
grandes problemas propostos, mas também uma consciência lúcida da
necessidade de contextualizar este e os demais aspectos no interior de uma
atualidade e de uma contemporaneidade que trazem desafios recorrentemente
repostos, como é o caso de nossa época. Essa consciência, noção e
posicionamentos dderivados são fundadamente princípios e condições para
deliberações e atitudes cada vez mais indispensáveis ao trato do trabalho em
comum e orgânico; daí a razão de, a nosso juízo, apresentar-se aqui uma
temática cuja exploração se mostraria de grande valor para o aprofundamento
de estudos que pudessem elucidar a vinculação dos aspectos teóricos e
práticos presentes ao nível das preocupações com o aspecto da formação de
143
professores no nível superior, questão que poderíamos propor, por exemplo,
como: que contribuões poderia trazer uma investigação a respeito das
relações teóricas elaboradas pelo docente, no seio de uma instituão
universitária, hoje, para o estabelecimento de práticas pedagógicas e sociais
compreensivas?
Afigura-se, para nós, que, retomando um estilo consagrado no
pensamento filosófico da modernidade inaugurada com a crítica Kantiana,
aquilo que nos é possível elaborar em termos de conhecimento determina o
“como” podemos e devemos agir; por outras palavras, quanto mais amplo o
horizonte descerrado pela reflexão que incorpora a prática, maiores as
solicitações fundamentadas que exigem uma ação adequada. Enfim, com esse
tipo de consideração, queremos deixar claro que, em princípio, julgamos que
não tratamos apenas de elementos de ordem teorética, prática (ou mesmo
pragmática) em nossa investigação e avaliação, mas também com aqueles
fundamentais ético-morais; e o intuito com o qual nos lançamos em nossa
pesquisa - recuperar uma história da instituição contada por seus docentes
atuantes mais antigos - trazia igualmente a expectativa de reunirmos alguns
contributos para o terreno da própria eticidade. Contudo, não nos cabe adentrar
por tais sendas, ao menos no momento, mas cremos poder sugeri-las para o
estabelecimento de propósitos afins vinculados.
Podemos introduzir, agora, como derivando inclusive de algumas
observações a respeito da questão do ensino, característica tradicional das
atividades da PUC-Campinas, um outro tema de relevo nas exposições
elaboradas pelos professores depoentes - as relações estabelecidas entre a
instituição Pontifícia Universidade Católica de Campinas e o entorno, isto é, a
144
cidade mesma de Campinas e a região na qual ela se encontra; isso
apresentou-se, em determinadas formulações, como atividades que
ultrapassavam as fronteiras das tarefas e ações de ensino e aprendizagem no
interior da Universidade, atingindo o que se configurava como uma atuação sob
o signo de um compromisso com a sociedade.
Cremos, portanto, que retratar e definir o ambiente em que,
historicamente, esse compromisso foi exercido, até poder hoje encontrar-se
consubstanciado nas ações das diversas pastorais que atuam desde o meio
universitário, constitui um referencial capaz de funcionar exemplarmente para
se pensar as circunstâncias contemporâneas e as necessidades daí derivadas.
E isto significa, pois, dar uma atenção um pouco mais próxima para o entorno,
em diversos momentos - o do passado e o do presente.
Quando a Universidade Católica, em Campinas, foi criada, e durante o
seu desenvolvimento e estabelecimento nos anos iniciais, eram muito outras,
segundo os nossos participantes, as condições de vida na cidade e na região.
Descrita, inicialmente, em termos de um grupo de cursos constitutivos da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, pouco depois reorganizados e
instituídos sob uma caracterização universitária, a PUC-Campinas florescia,
nesses anos primeiros, nos quadros de um centro urbano descrito como
provinciano, pequeno, pouco industrializado, entroncamento de circuitos
ferroviários, pouco industrializado, com uma população razoavelmente reduzida
(perto de 1/5 da atual dimensão), em que os relacionamentos eram bastante
mais personalizados e distintos; nesse ambiente, a PUC-Campinas
apresentava uma feição praticamente doméstica, um meio em que alunos,
mestres e funcionários se conheciam praticamente a todos, uma extensão,
145
muitas vezes, de um ambiente mais familiar, onde também permanecia com
bastante força uma mesma tradição comum à maioria dos estudantes e
docentes. Algumas décadas depois, cerca de 40 a 50 anos, é totalmente outra
a ambiência. Uma das mais importantes cidades, senão a mais importante, de
uma região metropolitana, muito próxima, além disso, de uma outra imensa
área como a Grande São Paulo, Campinas ergue-se hoje sobre um número
impressionantemente alto de habitantes (mais de um milhão), caracterizando-
se por uma industrialização intensa e de ponta, por extensas atividades
comerciais inclusive internacionais e uma rede sumamente ampliada de
serviços, e dispondo de um orçamento anual que supera o de capitais de vários
outros estados brasileiros; nessas condições, a pluralidade cultural emergiu
com força como uma característica evidente nos quadros dos processos de
sociabilidade agora instaurados entre nós, bem como os problemas, de toda
ordem, tornaram-se maiores, mais complexos e mais globalizantes. Nessa
situação, cabe-nos apontar, a modo de interpretação, alguns traços e
elementos refletidos nos testemunhos fornecidos pelos professores.
Foi Campinas, de acordo com as palavras de um dos depoentes, a
primeira cidade do interior do país a ver criada e instalada uma Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras particular, e, desde então, o seu crescimento
tornou-se incessante; a Universidade, a partir daí, cumpriu a tarefa de ser
centro irradiador e de formação em toda uma vasta região que ultrapassava os
limites do estado paulista. Sob essa orientação, a de centro promotor do ensino
e da formação, a PUC-Campinas exerceu uma influência substantiva junto a
muitas escolas e colégios, direta e indiretamente, formando inúmeros
profissionais, professores, líderes e figuras de destaque nos diversos setores
146
das atividades regionais e nacionais. Ao mesmo tempo, sob orientação da
Igreja Católica, diversas entidades setoriais de orientação religiosa, como a
JUC, JEC e congêneres, estabeleceram relações de compromisso e
assistência religioso-social, atingindo as mais variadas camadas sociais e
instituições, desde hospitais a presídios; por outro lado, outros projetos e
programas institucionais foram desenvolvidos com vistas a um alcance que
extrapolava os limites da educação regular universitária - assim, por exemplo,
um dos mais reconhecidos, e hoje presente com bastante pujança, consiste na
Universidade da Terceira Idade, cujos fundamentos podem ser encontrados
nos estudos e pesquisas precursores desenvolvidos por professores e
estudantes da área de Serviço Social, que buscaram, inclusive
internacionalmente, propostas desenvolvidas em outros contextos.
Nesse histórico, fica evidenciado que muitas transformações e
modificações pelas quais passou a Universidade significaram respostas, muitas
delas bastante consistentes, às alterações estabelecidas com o crescimento e
desenvolvimento da cidade e região. Perdendo a pouco e pouco uma feição
mais doméstica, familiar e tradicional, a Universidade Católica defrontou-se não
apenas com a situação do grande e rápido crescimento experimentado pela
cidade mas também com as significativas alterações de natureza estrutural que
atingiram a história mais recente de nosso país. Envidando esforços e
implementando estratégicas condizentes, dentro do espectro possibilitado pela
natureza peculiar da instituição - confessional e comunitária - a Universidade
buscou manter e preservar traços que sempre estiveram presentes em sua
caracterização - ensino qualificado e ões abrangentes socialmente
reconhecidas, formação adequada à preparação e projeção de elementos
147
líderes em todos os setores, dentro do espírito solidário e humanista presente
no projeto da instituição.
As mudanças, de ordem social, econômica e cultural, são claramente
discriminadas nos relatos dos professores em nossa pesquisa, tanto quanto a
indicação das ações e encaminhamentos trilhados pela Universidade no
sentido de dar respostas aos novos desafios. A esse propósito, cumpre
observar, também nas falas averiguadas, notas por vezes nostálgicas mas
igualmente esperançosas. Se, por um lado, no contexto diverso da atualidade,
a Universidade presenciou a instalação de muitas escolas concorrentes e as
conseqüências de ter de se defrontar com a perda do papel proeminente que
desfrutava como entidade formadora interessada no desabrochar de condutas
e perfis educacionais de seus condiscípulos enquanto personalidades atuantes
nos mais diversos cenários, sobretudo o educacional, por outro lado a
Universidade mostrou-se capaz de promover ações e de estabelecer
estruturas, organização e cursos atentos às requisições mais enfáticas de
nossa época.
Portanto, dada tais observações, pensamos não ser descabido levantar
como tema de preocupações e de encaminhamento para pesquisas
subseqüentes a questão da possibilidade de atualizar, no interior das novas
estruturas sociais, em seus diversos aspectos, os fins declaradamente
constitutivos para a ação da instituição - até que ponto é possível, é compatível
a presença organicamente articulada dos interesses confessionais,
comunitários e intelectuais próprios da PUC-Campinas com as requisições,
solicitações e imposições de uma sociedade que, no momento, tem enfatizada
sua orientação para o mercado? Como determinar, impulsionar e preservar
148
objetivos humanísticos para a educação e para a sociedade em tal conjuntura?
e, também, sob o peso dos juízos acerca da propriedade da missão de uma
instituição como a PUC-Campinas, quais esforços desenvolver para contribuir
para a promoção da justiça e dignidade para a sociedade e de todos os valores
afins?
Pensamos que, mais uma vez, as respostas de nossos entrevistados
nos auxiliam na propositura de questões de tal relevo, principalmente porque
nelas podemos observar a atuação de uma consciência reflexiva que não
perde de vista, ao longo de toda a história das mudanças ocorridas e
enfrentadas, a natureza das conseqüências entabuladas pelo entrelaçamento
de elementos determinantes, como o conhecimento e a religião, a teoria e a
prática, as idéias e a ação.
Ao tratarmos, agora, do último dos grandes temas focalizados em nossa
investigação, temos a oportunidade de articular diversos elementos que, sob
uma ou outra forma, foram considerados nos relatos dos docentes que nos
acompanharam em nosso percurso. Aqui, trata-se de, asseguradas as linhas
principais da história contada por seus sujeitos e atores privilegiados, na
perspectiva de docentes mais antigos e pioneiros, marcar os momentos em
que a atuação docente e discente expressou-se distinguidamente sob a forma
de mobilizações cujas repercussões são, até hoje, essenciais para a avaliação
da história da instituição. Assim, acompanhado o teor dessas considerações
podemos revisitar observações e explicações adiantadas no capítulo
anterior; por exemplo, a respeito dos traços de desinteresse, apatia,
descompromisso e superficialidade em comportamentos discentes; ou a
propósito da adequação ou não de recursos tecnológicos e práticas didático-
149
pedagógicas em função do desenvolvimento das atitudes de participação,
crítica, posicionamento, dentre outras; ou, ainda, aquelas concernentes à
condução apropriada e condizente das políticas internas de organização da
vida acadêmica, de modo a favorecer ou não aspectos de integração e inter-
relacionamento promotores de maior significatividade para os resultados da
aprendizagem e desempenho, da teoria e da prática.
Assim, é - nos dada, no momento, a oportunidade de assinalar, frente
aos depoimentos fornecidos, aqueles elementos que nossa interpretação
contempla como decisivos para estabelecer uma hermenêutica que nos auxilie
em nossa tarefa de recolher as articulações de fundo histórico que permitam
rever o comportamento da e na instituição desde o passado, e, igualmente,
naquela de estabelecer itens de prospecção para, compreendida cada vez
melhor e mais acertadamente nossa situação presente, refletir sobre os
encaminhamentos desejáveis e possíveis, tanto em nível teórico quanto
prático.
Neste sentido, escolhemos discorrer precipuamente sobre as condições
das conseqüências do evento que, nas últimas décadas, mais marcou,
influenciou e comprometeu o desenvolvimento das gerações posteriores;
referimo-nos, sem dúvida, ao movimento que, em 1964, liquidou com o Estado
Democrático de Direito e fez instaurar, em nosso país, o domínio de uma
política autoritária e mesmo ditatorial, inaugurando um período bárbaro em que
posicionamentos críticos, contrários, e dissensões foram tratados sob a égide
da espada. Se, em diversas áreas, setores, camadas, grupos, associações, a
agudeza das medidas “disciplinares” contrárias e repressoras foi pronta e
desmedida; se, em relação às manifestações individuais e classistas, essa
150
agudeza impôs o silensiamento, a prisão, o exílio, a morte mesmo; enfim, se,
em relação à ação combativa correspondente, a repressão da política
militaresca configurou-se no desprezo aos mais fundamentais direitos de
humanidade que em nossa era consubstanciam os avanços a que chegou
nossa civilização, também é preciso notar, apreciar e investigar como, no
terreno das idéias, junto às instituições vinculadas à construção, promoção e
desenvolvimento dos conhecimentos e saberes e ao exercício desimpedido do
magistério, se derivaram grave e funestamente as conseqüências para a
posteridade.
O modo como a questão das mobilizações, dos movimentos envolvendo
professores, estudantes, foi abordado pelos nossos participantes desvela com
clareza perspectivas diversas e focos igualmente diferentes adotados para
apresentar o que de mais significativo lhes cabia comentar. É, portanto,
necessário que a ele devotemos uma cuidadosa atenção. Um dos relatos,
emblemático no que respeita ao pensamento do conflito, expôs, com
naturalidade, a convivência e o confronto de opiniões divergentes, admitindo,
no percurso da solução, o confronto das mesmas e o conflito entre elas, e
enquadrando, contudo, esse encaminhamento, sob a perspectiva da
“comunidade”, na lógica da racionalidade discursiva; ou seja, admitida como
natural, no seio de uma comunidade, a dissensão, a busca de sua solução e
superação continua a proceder do diálogo que induz ao convencimento capaz
de instaurar o consenso (enfim, um processo democrático).
Por outro lado, outro depoimento, referindo-se a um momento anterior,
situa a questão em relação à natureza e dimensão da instituição, de onde se
torna possível a conclusão da inexistência de movimentos grevistas discentes,
151
por exemplo; neste caso, a proximidade e as dimensões reduzidas do ambiente
universitário explicariam resoluções, para os conflitos, mais imediatistas e
personalistas, de modo que caberiam encaminhamentos muito mais
domésticos. Aliás, é também no interior de uma dimensão que podemos
chamar “doméstica” que a condução e solução de mobilizações de docentes,
reivindicatórias, parece ter-se processado até recentemente, segundo o que
podemos observar nos diversos relatos a esse respeito.
no que tange a movimentos discentes, diversas vezes encetados,
originados de embates em relação a problemas internos ou questões relativas
a custos e mensalidades, assim como no que toca a movimentos docentes, por
questões de carreira e salários, um dos depoimentos leva a observar a
importância da prática política e do recurso a mecanismos e procedimentos
previstos legalmente, ainda que, em alguns momentos, a situação de crise se
apresentasse bastante agudizada; ou seja, enfim, as mobilizações dessa
ordem transcorreram no interior de um clima definido por prescrições
institucionais consensualmente aceitas e adotadas. E são esses aspectos que
queremos aqui ressaltar, contrapondo-os àqueles anteriormente mencionados
relativos a enfrentamentos, discentes e docentes, originados de posições
contrárias à atuação de um regime de governo instalado à margem dos
recursos e procedimentos embasados em constituições legítimas de Estados
de Direito.
É importante que, como derivação desse tipo de fenômeno, retomemos
algumas das indicações presentes em vários dos relatos de nossos docentes;
por exemplo, uma das que mais nos chama a atenção é da ordem da
explicação que procura encontrar e vincular razões para comportamentos e
152
atitudes discentes atuais. Diversos relatos dos docentes participantes fazem
referência, diretamente ou não, àquilo que qualificam como apatia,
conformismo, alienação e desengajamento para o desempenho dos alunos e
estudantes, inclusive promovendo situações de simulação para observar a
manifestação ou não de reações e de que tipo (num dos relatos, o professor
depoente assinalou inclusive o papel que consciente e voluntariamente
desempenhou na qualidade de instigador de polêmicas).
O que nos cabe notar a esse propósito? O que é fundamental reter a
respeito da situação e dos relatos efetuados, de modo que o nos escape o
sentido, a significação e a orientação dos fenômenos assinalados?
Resumimos, aqui, o teor das orientações feitas: o que explica e faz
compreender a natureza da passividade notada pelos professores
relativamente aos alunos, hoje, cerca de 40 anos depois, poderia ser buscado
junto às condições de despolitização que o regime instaurado em 1964 acabou
promovendo; assim, a diluição dos direitos políticos e seus correspondentes
deveres, o cerceamento das liberdades e compromissos democráticos
resultariam, nos dias de hoje, para as contemporâneas gerações discentes, na
ausência de perspectivas sócio-históricas emuladoras.
E tal fenômeno aquilo a que nomeamos por passividade não estaria
restrito a atitudes e comportamentos mais diretamente políticos; estender-se-ia
também para outras instâncias e esferas; desse modo, o desinteresse pelo
saber, a indiferença ante o conhecimento, a falta de engajamento e o
descompromisso diante das exigências da comunidade e da sociedade
poderiam ser imputados a tal ausência de condições críticas, estruturalmente
permanentes ainda em nossa sociedade.
153
Ou seja, (correndo nós o risco de simplificar o que foi declarado): a
ausência ou inexistência de condições sociais, de ordem estrutural,
possibilitadoras da constituição de personalidades capazes de exercer
criteriosamente as faculdades de deliberação, seria, entre nós, de tal ordem
que, em que pese as intenções e consecuções de caráter formativo presentes
nas instituições educacionais, as novas gerações comportar-se-iam como
cegas para a apreciação e consideração de suas próprias situações e para a
significação do curso histórico que modula o nosso presente e remete para um
futuro altamente incerto.
Evidentemente, esta é uma interpretação radical e, no entanto,
possibilitada a partir do teor dos comentários efetuados pelos professores
entrevistados. É, sem dúvida alguma, uma formulação nossa, e a expressamos
quase como um exercício de reflexão. Mas, na realidade, o que mais nos
importa apontar, em função dos depoimentos elaborados, é primordialmente, a
natureza das declarações nas entrevistas: nunca parecem ser gratuitas,
desinteressadas; antes, revelam uma consciência e uma reflexão acerca do
vivido e do experienciado que demonstram um grau de consistência que é
possível àquele que conduziu tal prática reflexiva ao nível de um hábito, uma
disposição constitutiva permanente.
E é com este aspecto que finalizamos este capítulo interpretativo e de
síntese as entrevistas, os depoimentos e declarações são eminentemente
orientados por uma consciência, que os professores participantes revelam, que
trabalha constantemente as condições da prática e do exercício docente
fazendo uso do conhecimento apropriado ao longo desse mesmo exercício.
Para nós, este aspecto mostrou-se fundamental, presente em todas as
154
perspectivas desvendadas pelos professores que conosco colaboraram. E, em
absoluto, esse aspecto significa uma homogeneidade para as visões,
pensamentos e reflexões propostos por eles; podemos, claramente, verificar
momentos de divergência nos julgamentos pronunciados e para as posições
demonstradas.
Sabemos que diversas outras feições e aspectos poderiam ter sido
tematizados, analisados e interpretados com os testemunhos que nossa
investigação permitiu recolher. Há, na riqueza da história contada por nossos
docentes entrevistados, sendas variadas a serem perscrutadas; e, certamente,
esperamos que o que aqui fizemos instigue a reflexão de tantos outros
companheiros que, porventura, venham a conhecer nosso trabalho.
Nas próximas páginas, revisitamos alguns momentos do percurso
desenvolvido, procurando situar com maior precisão alguns elementos que, em
uma consideração a posteriori, permanecem centrais a nosso ver.
155
156
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“No trabalho de história oral, especialmente em
história de vida oral, o oralista deve se
comportar mais como mediador que
propriamente como o autor convencional dos
projetos tradicionais, a atenção às sugestões
dadas pelos colaboradores é fundamental”
José Carlos S. B. Meihy
Pretendemos aqui estipular alguns aspectos que nos parecem bastante
presentes, após todo o trabalho desenvolvido e relatado, ao modo de uma
visão retrospectiva que permite apontar momentos capitais no trajeto
desenrolado. Embora possam também parecer como apreciações conclusivas,
apresentam-se antes como situações axiais as quais julgamos decisivas para a
157
elaboração reflexiva que buscamos configurar ao longo da obra. Por outro lado,
diversas das possíveis conclusões por nós entrevistas, estão enunciadas em
vários momentos da dissertação.
Assim, a nossa intenção é, ao lado da exigência de sistematização que
esta fase da redação pressupõe, chamar a atenção de nossos leitores para a
tematização de determinadas implicações que acreditamos essenciais não
apenas para a reflexão sobre a nossa investigação mas também para as que
podem daí derivar.
De um lado, algumas observações proporcionadas com o caminho
escolhido; portanto, de natureza metodológica, sobretudo: as entrevistas
realizadas, os relatos recolhidos, a situação de diálogo assumida por nossos
depoentes indicam a presença e efetividade de uma cultura comunicativa e de
uma racionalidade discursiva estabelecendo uma real comunidade de
interesses e pressupostos, compartilhados e evidenciados nas atitudes e no
teor das apreciações que os docentes entrevistados nos proporcionaram. As
respostas, as observações, os relatos indicaram a existência de uma
perspectiva histórica resultante de um trabalho de elaboração e reelaboração
de componentes causais e explicativos amplamente perceptível nas diferentes
contribuições.
Em outras palavras, os entrevistados se posicionaram historicamente,
como autores e comentadores, oferecendo interpretações aprofundadas para
as narrações que “montaram” em relação aos temas por eles analisados.
Mas isto não significa, contudo, que, ao final, podemos contar, graças a
seus esforços, com uma sólida peça documental destinada a integrar mais um
acervo. Não reside aí a importância que desejamos apontar para os resultados.
158
Para nós, ela está e consiste primeiramente em que a dimensão de
historicidade que os relatos desvendaram vem confirmar que as articulações
significativas estabelecidas nos depoimentos, estórias e testemunhos
demonstram ser fruto de uma consciência histórica racionalmente estabelecida
sobre as relações entre teoria e prática para esses professores que vivenciam
aquilo que intelectualmente elaboram e que aplicam suas faculdades
intelectivas sobre e na práxis construída. Com isso, a história que seus
depoimentos permitem indicar permanece aberta para as interpretações
daqueles que a ela possam ter acesso.
Por outro lado, tal abertura não implica um relativismo exacerbado. Ela
corresponde muito mais à pressuposição, racional, de que se trata de um
discurso, um momento lógico necessário no intercâmbio de seres pensantes.
Essa característica, qual seja, a perspectiva histórica humana que possibilita a
construção e a reconstrução, parece-nos mostrar-se mais palpável nos
caminhos que a história oral pode suscitar. E é em vista disto que falamos
anteriormente de aspectos metodológicos a serem tratados em primeiro lugar.
Propor algumas questões, ouvir os relatos, reconhecer a narrativa,
refletir sobre a atitude, o comportamento, o desempenho, sobre o dito e o
silensiado, buscar e recolher o significado sugerido, aceitar o explicitado, enfim
ver o que é falado, ouvir o que é apresentado apresentam-se concretamente
nessa metodologia. Mas não se pára por aí; transforma-nos também a nós, os
que ouvem e acolhem os relatos, em parceiros, em interlocutores, em
intérpretes. Porque a nós é oferecida a oportunidade de reelaborar e
reencontrar a história cujos origens passam pelos entrevistados.
159
E não nos esqueçamos nossos entrevistados são aqueles a quem
escolhemos para fazer cumprir o objetivo pretendido; isto é, são mestres,
docentes e não o são desde agora, mas um tanto de tempo; e o o são
indefinidamente, mas exercem sua atividade no seio de uma mesma
instituição, cujas peculiaridades não deixam de se fazer sentir em sua atuação.
E, afinal, o que isso tudo significa? Para sermos breves: se antes, ao início
neles pensávamos abstratamente, durante a investigação e agora aqui
plenamente eles nos surgem concretamente seres humanos, históricos,
determinados em suas condições de existência e atividades. São sujeitos. E,
sem dúvida, o caminho percorrido tem muito a ver com a percepção dessa
dimensão.
Aqui, ao tocarmos nessa determinante, podemos passarmos para
além dos aspectos metodológicos. Podemos acercarmo-nos do próprio
“conteúdo” dessa história que fala de mudanças, também definidas de uma
época passada de relações mais próximas, “domésticas”, orientadas por um
vetor tradicional comum, para uma outra atual, de horizontes
indeterminadamente abertos, globais, plurais, onde não se pode falar com total
propriedade nem mesmo em tradições diversas, uma vez que aparentemente a
contemporaneidade concorre para diluí-las. Mudanças profundas, estruturais,
cujas dimensões impõem dificuldades grandes para se contar com a segurança
de avaliações e interpretações inequívocas, mas a propósito das quais os
relatos quase que unanimemente sugerem terem ocasionado a preponderância
do individual sobre o comunitário, o solidário, o social.
Surge então, aqui, um, dentre os vários problemas evidenciados, sobre o
qual gostaríamos de nos deter. Narrando a história dessas mudanças, são os
160
docentes que falam. Como tais, claramente apontam para as dificuldades que a
Educação enfrenta, hoje, em relação aos objetivos da formação tanto do ser
humano quanto do profissional que educação pode “dar conta” de lidar com
uma outra mentalidade, mais pragmática, imediatista, tecnicista? Porque os
relatos, em várias ocasiões, deixam visível o quanto as estruturas sociais
encaminham para lados diversos as mentalidades sobre as quais a educação
de fundo humanista e formativa cada vez mais parece perder terreno. Assim
sendo, especialmente a formação em nível superior, e mais especificamente
ainda, a formação de docentes vai tratar com o quê? Possui ela, neste
momento, outras balizas além das proporcionadas pela explosão tecnológica
das últimas décadas para poder se apoiar e se lançar ao embate? Os
depoimentos dos docentes entrevistados apontaram para dificuldades não
pequenas – a superficialidade e a falta de aprofundamento no que concerne às
dimensões cognitivas manifestadas pelos alunos, em geral.
Não resta dúvida de que, a esse respeito, apesar de serem indicadas
causas variadas, todos os docentes manifestaram-se unanimemente; os
aspectos qualificados com alguma variação – desinteresse, apatia, falta de
participação, desengajamento, e outros – para o desempenho discente na
atualidade não podem estar se referindo apenas a modulações superficiais; ao
contrário, os relatos, em trechos determinados, apontam para o
aprofundamento da superficialidade mesma.
Cremos que as observações que aqui introduzimos e as questões que
quisemos enfatizar são uma parcela pequena do muito que o tipo de trabalho
como o nosso pode suscitar. Sabemos, igualmente, que ao efetuarmos o
recorte proposto, nestas considerações finais, deixou-se de lado diversos
161
problemas e temas igualmente merecedores de atenção. Contudo, para este
momento, nossa preocupação está sustentada por aquelas observações de
ordem metodológica e as de natureza teórica que acabamos de tematizar
porque decorrem mais imediatamente do objetivo central que nos propusemos
perquirir: sob a organização estabelecida por uma metodologia de história oral
o que poderíamos encontrar sobre a história da PUC-Campinas ao darmos voz
a seus docentes mais velhos?.
Pudemos observar uma história feita de mudanças, de crescimento, de
desdobramento, de expansão; uma história da instituição que corresponde, de
algum modo, ao desenvolvimento e complexificação do meio em que se
encontra; uma história de identidade que se constrói, mas que também se
confunde, quando as solicitações e as requisições da sociedade passam a ser
conformadas com e por um modelo que não se dispõe a fortalecer valores
característicos da própria instituição educacional de que se fala, mas, muito ao
contrário, atua em sentido divergente (afinal, individualismo, mercado,
pragmatismo, imediaticidade a que ponto acompanham valores de uma
instituição confessional e comunitária?).
Pensamos que, tal como os leitores que se aproximem desta obra,
também nós teremos a oportunidade de voltar e aprofundar a nossa reflexão.
Esperamos que esses mesmos leitores possam, instigados por nossos erros e
acertos, reconstruir e aprofundar a dimensão histórica da educação que a
PUC-Campinas efetiva com as atividades desenvolvidas, e, sobretudo,
possam, como nós, reconhecer a concretude da ação docente na voz
daqueles professores que, levando-nos a refletir, levam-nos a ouvi-los sempre
mais uma vez.
162
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ANEXOS
169
DEPOIMENTOS
“O professor é um artesão numa prática
pessoal, integrando as várias contribuições
das várias disciplinas, capaz de auto-
observação, auto-avaliação e auto-
regulação. Ensina a caminhar com passos
170
firmes e também ensina o fascínio do ousar”.
Maria Eugênia L . M. Castanho
Apresentamos os depoimentos dos professores da Pontifícia
Universidade Católica de Campinas-SP, que foram entrevistados, e que
ainda estão em sala de aula.
Fizemos no início uma apresentação da vida profissional de cada
depoente.
171
Nair Leme Fobé. Professora da PUC- Campinas desde 1951,
hoje leciona 20 aulas no curso de Letras. Fez sua graduação em
Letras Anglo-Germânicas, tem especialização em Literatura e Língua
Inglesas pela USP e em Filosofia da Educação, pela Faculdade de
Educação da UNICAMP e pós-graduação em Literatura de Língua
Inglesa pela Universidade de Exeter, na Inglaterra.
A propósito das mudanças experimentadas com relação a
procedimentos didáticos, métodos de ensino, e atitudes e comportamentos
em sala de aula são bastante significativos as observações feitas pela
Professora Nair.
Bom, as mudanças foram muitas, pois, em 50 anos de magistério, a
gente registra muitas mudanças, talvez não no meu relacionamento com meus
alunos, porque, tendo sido aluna de Dom Agnelo e de Monsenhor Salim,
sempre acreditei que, antes de você se preocupar com conteúdo, tem de se
preocupar com o aluno como pessoa. Sempre vi meu aluno como pessoa e
172
sempre lhe agradeci por me deixar entrar em sua vida e poder ajudá-Io. Sou
professora de inglês mas sempre procurei, em minhas aulas, passar alguma
coisa além do conteúdo da matéria, e, assim, procurar fazer com que o aluno
descobrisse o seu espaço na sociedade. Agora, quanto às metodologias, às
diferentes estratégias, tem havido muita mudança. Quando comecei, havia
uma preocupação com o método e uma obrigação de seguir o método, com o
modo de dar aula. Naquele tempo, não havia televisão, nem computador, nem
Internet, os alunos eram preocupados em não faltar às aulas, em ir à biblioteca,
em estudar. O professor passava a matéria e não havia muita preocupação
com a participação imediata dos alunos, como acontece hoje. Hoje o aluno
entra e sai da aula, interage o tempo todo, mas não muita preocupação em
ir além da superfície do texto. Naquela época, o aluno preocupava-se em
procurar, em estudar, ir à biblioteca. Na sala de aula havia uma plataforma
para o professor e ele era visto como autoridade do conhecimento; o que dizia
era verdade incontestável, se a gente falasse alguma besteira, os alunos
anotavam e aquilo passava a ser parte do conteúdo. Hoje, não, o aluno é
questionador, mesmo que não saiba, mesmo que não tenha argumentos, ele
questiona. Então, quem saiu do magistério e voltou hoje, vai encontrar muita
diferença. Na década de 50, havia uma preocupação com o ensino das
estruturas, o aluno ia criando um repertório que, às vezes, o era o repertório
dele, da sua realidade. Estou falando do ensino de inglês, que é o que sei.
Houve várias modificações, passou'-se pela fase em qual o aluno tinha de falar
como um nativo, e daí, o professor começou a utilizar-se do gravador, não
havia espaço para o aluno criar, não havia espaço para o ensaio e erro, era
tudo bem arrumado, era só repetir. Dei aula desse jeito, mas não gostava muito
173
e sempre procurava inovar ...
Por minha própria realidade do aluno, mas isso era um pouco contra a
mão da história, porque a metodologia era outra. A partir da cada de 60
começou a haver mais flexibilidade. Os alunos começaram também a ter uma
participação mais ativa. Antes, quando o professor entrava na sala de aula, os
alunos se levantavam e a gente subia naquela plataforma, quando saía, todos
se levantavam, havia uma disciplina rigorosa. Os professores iam bem vestidos
e as alunas em seus uniformes. Hoje, os alunos entram e saem, fazem o que
querem. Penso que um lado positivo nisso, quando os alunos saem, vejo
isso corno um sinal de que minha aula não está muito boa, então, procuro
melhorar. Hoje, a abordagem para o ensino de urna língua estrangeira
espaço para o aluno criar a sua própria linguagem, porque, ao fazer isso, ele
está colocando sua própria expressão de mundo e ela vai falar o seu mundo
em outra língua. Não sei é isso que você queria ouvir ...
Olha, Rogério, passei por muitas experiências, passei do livro e do giz
para o datashow, vivenciei todas essas mudanças. Quando a gente começou
com o método áudiovisual, foi muito engraçado, porque os professores
juntavam dinheiro para comprar um gravador, era moda ... até mesmo um
relato muito engraçado sobre um professor que decidiu testar a eficácia do uso
do gravador. Resolveu fazer uma experiência: preparou a aula, gravou-a e
colocou o gravador em cima de sua mesa na sala de aula. Os alunos todos
tomaram notas. "Bom", pensou ele, "vou dar uma voltinha, vou aà cantina
tomar um cafezinho". Quando voltou, estavam todos os alunos tornando notas
e o gravador bonitinho, dando a aula que ele havia preparado em casa. Passou
urna semana e resolveu ver o que acontecia na sua sala de aula. Quando
174
chegou, viu seu gravador em cima da mesa e, em cima de todas as carteiras,
havia gravadorzinhos, todos eles gravando a aula. Penso que tudo é
ferramenta, instrumento de trabalho e hoje ternos o datashow. Ainda acredito
mais no professor interagindo com seus alunos, os alunos interagindo com
seus colegas, descobrindo as coisas além da superfície, se aprofundando por
trás das palavras e isso não consigo com uma ferramenta tecnológica. Estou
agora montando um programa de avaliação a distância, onde tudo é feito via
computador, mas, por exemplo, se o aluno me der uma resposta, não posso
perguntar-lhe por que escolheu aquela palavra, o que existe atrás dessa
palavra para ele. Acho que tudo isso são ferramentas, são interessantes, mas
nada substitui a interação pessoa-pessoa. A máquina não emociona ... Penso,
Rogério, que temos de investir muito na educação, todo a miséria humana,
toda a tragédia humana, todos esses conflitos são gerados pela falta de
oportunidade de acesso à educação e é por isso que não se consegue
substituir o professor, esse professor que realmente se envolve com o aluno,
principalmente com esses alunos que estão chegando e que apresentam uma
grande defasagem, não sabem buscar nada, nem mesmo ir ao dicionário e
encontrar a palavra adequada. Penso que, enquanto puder, vou ficar em uma
sala de aula, porque sinto-me realmente bem, fazendo aquilo que me propus
fazer.
Características distintivas da Universidade e aspectos a respeito do
relacionamento entre a instituição e a comunidade (a cidade e a região), tanto
quanto traços peculiares pessoais são levantados pela Professora Nair.
É
Rogério, sinto que a PUC está perdendo sua envergadura cristã, não
por culpa dela, não é culpa de ninguém, é uma questão de circunstâncias, de
175
momento, de realidade. Tive o privilégio de conviver com Dom Agnelo, com
Padre Vaqueiro e tínhamos um compromisso muito grande com a comunidade,
fazíamos parte da JUC, não sei se você já ouviu falar nesse movimento?
Naquele tempo, a gente tinha um compromisso de participação na
sociedade, e acho isso uma coisa muito importante e que aprendi aqui na PUC.
Depois que me formei, fui trabalhar e levei para as escolas por onde passei
esse compromisso com o social. Chegava a uma escola e fundava a JEC,
atendíamos às cadeias, líamos para os presos, íamos aos hospitais, e tudo
aprendi aqui, na PUC. Sinto que está faltando isso, essa espinha dorsal cristã,
que a gente recebia como aluno e que pautou toda a minha vida, e não faço
nada por caridade, faço porque amo meu próximo e quero que ele melhore.
Penso que é isso que está faltando, a gente saía em busca de compromissos,
a gente não saía para trabalhar e ganhar dinheiro, saía com um compromisso.
Tenho vários colegas dessa época que têm o mesmo perfil, não acho nada de
extraordinário que seja assim, sou assim porque talvez tivesse alguma aptidão,
mas essa aptidão foi muito bem alimentada na PUC, passei mais tempo dentro
da PUC do que em outros lugares, e a PUC me deu isso.
Quanto à contribuição com o social e à cidade de Campinas, a
Professora Nair é incisiva.
Contribuiu muito. Nós éramos comprometidos com todos os espaços
onde estivéssemos, na sala de aula, escola, fazendo estágio, quer dizer, esse
compromisso com o outro não era ostensivo mas consistente.
A professora Nair também fornece indicações precisas quanto à
ocorrência de mobilizações docentes.
É lógico, estamos em uma comunidade onde as pessoas têm opiniões
176
diferentes, e, por isso, há sempre a possibilidade de conflitos e os houve.
Informações vinculadas à própria trajetória, à figura do professor e a
experiências marcantes no relacionamento com mestres configuram um
panorama revelador.
Estudei neste prédio central e aqui ia me casar, na capela, mas o
Monsenhor Salim, que fez meu casamento, preferiu a Igreja do Carmo. Este
prédio tem história, e nós também fizemos nossa história aqui dentro. Cada um
começou a construir sua história aqui. Lembro-me da sala de palestras que foi
transformada em biblioteca e que, agora, felizmente, recuperaram. Lembro-me
que, quando Monsenhor Salim chamava a gente, porque nós éramos uma
faculdade pequenininha, uns 400 alunos, a gente dizia, "IhI vem sermão!"
Há muita história neste lugar, penso que temos de preservar este prédio,
preservar a história. Não sou muito de passado, sabe Rogério, se você me
perguntar sobre as coisas do passado, não sei; se me perguntar sobre o futuro,
também não sei, porque sempre vivi no presente; tenho minhas recordações,
minhas memórias construídas por pessoas maravilhosas, e este prédio
realmente é história para mim.
O professor era respeitado ou temido. Hoje, as coisas são movidas a
controle remoto, todos os alunos têm seu controle remoto, se não gostam do
que ouvem, desligam. Olha, tenho lembranças de professores que me
marcaram negativamente. É, num sentido negativo porque sempre fui muito
teimosa, sou descendente dos Lemes e os Lemes são muito teimosos. Então,
lembro-me muito de professores que me marcaram negativamente, por
exemplo, daquele que dizia, "Você não pode fazer isso ... você não é
competente ... você não sabe". Então eu falava, "Ah! Você vai ver como vou
177
aprender .. como vou ser melhor que você ... um dia vamos discutir isso ... ".
que naquela época a gente usava o monólogo interno. Alguém que deixou
marcas no meu coração? Dom Agnelo.
Eu nunca participei de formatura.
Não vou muito a festas. A minha vida
já é uma festa. Fui a uma formatura de ginásio por causa da minha mãe.
Sempre lecionei na Faculdade de Letras mas também lecionei em
escolas de grau do ensino público, nas faculdades de Amparo, de ltu, de
Jundiaí e na UNICAMP, onde me aposentei. Sou muito feliz aqui na PUC que é
o lugar onde passei mais horas da minha vida.
A Professora Nair aponta elementos que considera essenciais à atuação
de um bom professor, substancialmente resultantes de sua experiência
docente.
Primeiro, para ser professor tem que ter vocação. Fico contente ao ser
chamada de "mestra", acho que
é
o melhor nome para nós. O que
é
ser
professor?
É
se preocupar com seu aluno de modo global, como pessoa com
sentimentos, limitações e projetos. Toda classe é heterogênea, com alunos que
aprendem apesar do professor, e os que têm muita dificuldade, quer devido a
um programa educacional deficiente, quer devido a problemas familiares.
Esses alunos precisam mais do professor mas, se a gente der muita atenção a
eles na sala de aula, corremos o risco de desviar mais a atenção para esse
aluno que vai ficar cada vez inibido por se tomar o foco da classe. Daí,
é
importante dar um pouquinho de si aos alunos fora do espaço da sala de aula,
ficar disponível, conversar com eles no corredor, na biblioteca. Penso que o
professor deve ficar bem neutro na sala de aula, dar sua aula de forma
entusiasmada e fazer com que os mais talentosos se transformem em seus
178
parceiros na ajuda dos outros.
Existe o binômio ensinar-aprender. Quando digo ensino, não é o
professor ensinando, é o aluno aprendendo a estudar. Acho que a grande meta
do professor não é passar o conteúdo, mas ensinar o aluno a descobrir o
conteúdo, como descobrir a verdade. O professor é aquele que fica ao lado de
seu aluno até o momento em que vai sozinho. Acho que é aquilo que você
disse, ser professor é deixar uma marca em seu aluno.
A entrevista com a Professora Nair destaca ainda a importância das
dimensões da pesquisa e da extensão.
Penso que
é
importantíssimo para uma universidade ter um programa
de pesquisa e extensão e
é
uma forma do professor se atualizar.
Sobre a situação do curso de Letras, a resposta é altamente
esclarecedora.
É, nosso curso está reduzido e não por culpa de alguém mas da
realidade do momento. A licenciatura não está bem recebida porque ninguém
mais quer ser professor, você gasta muito para se formar e, quando se forma,
seu salário é muito pequeno, o espaço e as condições de trabalho são muito
ruins. O professor não se valoriza porque não é valorizado, então estabelece
se um círculo vicioso, ele não se valoriza e, ao mesmo tempo, passa a não ser
valorizado. O professor é uma pessoa perigosa porque faz os outros
pensarem, porque muda as coisas e talvez o seja muito bom que haja bons
professores, não sendo irônica ...
O papel da Universidades algumas considerações bastantes profundas
também ganham destaque nas respostas da Professora Nair.
É o lugar privilegiado do pensamento que junta todos os pensamentos.
179
Não sou muito de mensagens porque elas são coisas para o futuro. O que
eu acho que é importante para todos os envolvidos em educação é buscar criar
esse vínculo com as pessoas para que todos cresçam. No mundo de hoje há um
imediatismo, uma distorção de valores. As pessoas hoje precisam ter, precisam
aparecer. O verdadeiro educador é aquele que vai plantando a sua sementinha,
não apenas de conhecimento, pois o conhecimento é efêmero e pode ser
perigoso, mas uma sementinha de sabedoria em cada um. Se a gente pudesse
criar em cada um essa capacidade de saber diferenciar entre o saber e o
conhecer! Conhecer pode ser um instrumento de poder, a sabedoria é a ponte
para me descobrir por inteiro, descobrir minhas perfeições e imperfeições, para
assim me aceitar e aceitar os outros. Essa é a verdadeira sabedoria que todo
educador deve procurar encontrar e transmitir. A Faculdade de Educação presta
um grande beneficio ao abrir espaço para a pesquisa, para a busca da formação
desse professor comprometido com o saber.
180
181
Valdemiro Caran, professor da PUC-Campinas desde 1953,
principalmente no curso de Direito. Graduado em Filosofia, Teologia e
Mestrado (S.P.) em Direito Canônico, o mestrado (Roma). Hoje leciona
seis aulas.
Na entrevista realizada, o Professor Caran apontou vários aspectos no
tocante a alterações ocorridas em relação às formas de ensino e à situação em
sala de aula.
As formas de ensinar no passado eram bem diferentes das formas de
hoje, porque, naquele tempo, o ensino seguia, digamos assim, os métodos
clássicos, as aulas eram na maioria expositivas, não havia, digamos assim,
muito trabalho em grupo, os alunos acompanhavam com muita atenção e
também a gente percebia um interesse muito grande por parte dos alunos que
recebiam o conhecimento; acredito que havia mais devotamento, mais
dedicação aos estudos, porque, naquela época, não havia os atrativos que hoje
a juventude tem, o teatro, o cinema, a televisão, a internet, as boates, as
danceterias, os motéis; então a gente percebia que havia muito interesse em
assimilar aquilo que era ensinado.
182
Olha, viria contribuir sem dúvida nenhuma, porque os professores
dispõem hoje de muitos outros recursos que antigamente não tinham, mas da
parte dos alunos, em razão dos atrativos que eles têm, não há uma
correspondência adequada, proporcional; então a gente percebe que os alunos
procuram muito mais ter um diploma do que ter uma formação, digamos assim,
integral, uma formação que responda às exigências dos tempos modernos;
você veja, por exemplo, no último exame da OAB, Ordem dos Advogados,
foram reprovados 92%, é muito grande esse índice de reprovação, não é
verdade? eles, claro, põem culpa nas universidades, nas faculdades; em parte,
isso pode ser verdade, mas não deixa de ser verdade a falta de interesse, a
falta de aplicação ao estudo, em razão desses motivos que eu acabei de
declinar pouco, porque, quando eu estudei pedagogia, aprendi o seguinte:
a causa eficiente do educando é ele mesmo; é o esforço que ele põe em
assimilar a ciência, tudo mais é causa instrumental, a escola é causa
instrumental, o professor, a biblioteca e outros meios de comunicação. Então,
chego à seguinte conclusão: existem faculdades muito boas, com alunos
medíocres, e existem faculdades medíocres, com alunos muito bons. Tudo vai
depender do devotamento, da dedicação que o aluno presta à matéria que está
sendo ensinada.
Eu não digo um passeio, eu digo à procura de um título, de um status,
porque, você veja, muitos daqueles que são formados em direito, por exemplo,
não exercem a profissão, eles querem mais o título, não é?, de doutor, título
esse que merecia ser usado com defesa de alguma tese, não é verdade?
entretanto, o aluno se forma simplesmente em Direito, é chamado de doutor
183
fulano de tal, não é verdade?, porque, na realidade merece o título de
doutor, no sentido estrito do termo, aquele que defendeu uma tese.
É, em primeiro lugar daria meus parabéns, congratulações; agora, faria
votos para que eles se dedicassem de corpo e alma, com todo amor com todo
carinho e com muita paciência, porque, hoje, o professor precisa ter muita
paciência com os jovens que freqüentam as faculdades, as universidades,
porque o problema da disciplina não é fácil; eu ouço dos colegas de outras
matérias comentários relativos aos dissabores que eles têm em virtude da falta
de disciplina por parte de uma parte dos alunos; eu disse a você, no começo,
que os que se dedicam mesmo, de corpo e alma, mal chegam a 30%, os
demais estão à procura de um título, eu estou me referindo à faculdade de
Direito, porque de outras faculdades eu não poderia dizer com muita
objetividade; mas, afinal de contas, em toda parte chove do mesmo jeito, então,
eu acredito que também em outras faculdades os problemas são mais ou
menos os mesmos, porque somos todos da mesma argila, do mesmo barro.
Para o Professor Caran o significado da estrutura universitária quanto às
dimensões de ensino, pesquisa e extensão é revelado como de influência
substancial.
Eu acho que a influência é bem positiva porque, como diz o ditado
popular, "saber não ocupa lugar" e é, digamos assim, a única vaidade que não
é pecado, quanto mais saber tanto melhor; então, acredito que o talento é a
única coisa merecedora de uma santa inveja, porque tudo mais, riqueza,
honrarias, glórias, amizades, vantagens humanas, tudo isso é secundário, o
saber é uma coisa tão preciosa que nem a morte nos rouba, nem a morte,
porque o saber está situado na inteligência, e a inteligência é coisa não do
184
corpo, é coisa da alma, então nem a morte nos rouba o saber que nós
adquirimos, é, digamos assim, o tesouro mais precioso.
O contato com os alunos e o aspecto confessional da Universidade
também foram comentados na entrevista.
Não tenho contato com os alunos fora da sala de aula porque, nem bem
termino de lecionar, tenho que ir para outro encargo; então, o meu contato é
mais na sala de aula do que fora. Porque fora, digamos assim, da sala de aula,
eles se reúnem, entendeu, com os colegas, e isso é muito natural, para
comentar os assuntos que são próprios hoje da juventude, então, essa
oportunidade eu não tenho; porém, dentro da classe eu exerço não o ofício
de professor mas faço questão também de exercer o meu ofício de pastor de
almas e digo umas tantas coisas que outros professores não têm oportunidade
nem jeito para dizer; então, aquilo que está em relação com a ética, com a
moral, com a formação religiosa eu tenho oportunidade de dar a minha
mensagem, porque digo pra eles, aqui na PUC, o evangelho, o cristianismo
não entra pelas portas do fundo nem por debaixo do pano e muito menos por
contrabando, nós entramos de cabeça erguida, com naturalidade; não
obrigamos ninguém a dizer amém aos ensinamentos que nós damos aqui, de
religião, de moral e de ética, e, por isso mesmo, nós aceitamos gente de todas
as raças, de todas as línguas, e de todas as religiões; o que nós queremos é,
digamos assim, transmitir a mensagem do evangelho, porque senão a PUC
não teria razão de ser. As outras universidades também transmitem o saber
científico, a PUC, além de transmitir o saber científico, transmite também o
saber ético, moral, religioso e evangélico.
185
O papel da revelação relação Universidade e Comunidade regional
(município e região) ganhou bastante destaque nas respostas oferecidas pelo
professor Caran.
Isso mais ou menos que eu acabei de lembrar, não é? os professores
procuram se dedicar o máximo possível; porém, a contrapartida dos alunos não
corresponde, porque eu diria que uns 30% se devotam bastante, os outros
mais ou menos, não há um devotamento, assim, maior e que corresponda à
expectativa não da escola, da universidade, como também da sociedade,
não é verdade?; e depois, o crescimento da universidade foi fabuloso, foi
fantástico, porque quando eu comecei havia as faculdades de Filosofia,
Ciências e Letras; depois vieram as outras faculdades , a faculdade de Direito,
a faculdade de Odontologia, Biblioteconomia, e tantas outras; então, ela
cresceu de uma maneira admirável, e esse crescimento da universidade
contribuiu muito também para a evolução social, econômica e política da
cidade de Campinas. Quando eu cheguei em Campinas por volta de 1949,
comecei a lecionar em 1953, a cidade tinha pouco mais de 200 mil habitantes,
hoje ela tem mais de um milhão, não é verdade?; e eu atribuo essa evolução
da cidade muito, muito à Pontifícia Universidade Católica de Campinas, porque
a Unicamp veio muito tempo depois, ela também, sem dúvida nenhuma, tem
contribuído, porém a nossa Universidade contribui muito mais em virtude de
sua antigüidade e em virtude dos que cursos que foram crescendo. Eu me
lembro muito bem ter ouvido dos lábios do monsenhor Salim, que foi a alma da
Universidade, o seguinte, quando ele foi ao Rio de Janeiro para obter a
autorização para funcionar a faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, na
época era ministro da educação Gustavo Capanema e o presidente era o
186
Getúlio Vargas - então o Capanema disse a ele: - mas como, Campinas, tão
provinciana, pretendendo ter uma faculdade de Filosofia Ciências e Letras? -
porque foi a primeira cidade do interior do Brasil que fundou uma faculdade, um
ensino superior; fora Campinas, existiam faculdades, entendeu, públicas,
mantidas pelo governo, ou estadual ou federal; então, Campinas foi a pioneira,
tanto que Gustavo Capanema, não é, se expressou dessa maneira: mas
Campinas tão provinciana pretendendo ter uma faculdade, um ensino superior?
Então, ela foi, Campinas, a primeira em todo Brasil, entendeu, não pública mas
particular.
Veja, naquele tempo havia poucas indústrias, era, assim, umas 4 ou 5
no máximo; depois vieram outras mais e passaram de dezenas. Eu me lembro
que o hotel mais importante da cidade era o hotel Términus, não havia outro
hotel naquela época, havia pensões, entende, havia pequenas repúblicas de
estudantes; logo depois, o crescimento que se iniciou, por volta dos anos 50 e
de 60 em diante, então o crescimento de Campinas foi muito mais sensível, e
ela, digamos assim, despertou muito interesse não em todo o estado como
no Brasil inteiro.
Olha, a PUC de Campinas é um dos tesouros mais preciosos, mais ricos
que a cidade tem, porque passaram pela PUC de Campinas milhares e
milhares de alunos e eles estão, tenho a certeza, na sua grande parte,
concorrendo para o progresso, para a evolução em todos os ramos das
atividades humanas; isso é, digamos assim, um patrimônio preciosíssimo da
nossa cidade. Porque, como disse a você, as faculdades de Filosofia, Ciências
e Letras que foram, digamos assim, as que iniciaram e se transformaram com
187
outras faculdades na universidade, elas contribuíram muito e muito não só para
o progresso da cidade como para o progresso do estado e além fronteiras.
O professor Caran fez considerações significativas a respeito da história
da PUC-Campinas, seu crescimento e aspectos simbólicos, como também a
propósito do significado do magistério.
Sem dúvida nenhuma, dou graças a Deus pela vida, pela saúde e pelo
fato de estar ligado à PUC desde o seu nascimento, porque a PUC nasceu em
1941; quer dizer, naquele tempo não era PUC, não era Pontifícia Universidade,
mas eram as faculdades de Filosofia, Ciências e Letras; então, assisti o
nascimento da PUC e o seu crescimento também, considero isso um privilégio
pra mim.
Ele foi, digamos assim, um crescimento muito grande; muito
provavelmente esse crescimento prejudicou em parte a qualidade, porque nós
sabemos que quantidade e qualidade nem sempre andam juntas; então, houve
períodos em que o crescimento foi, digamos assim, mais rápido; em virtude
disso, a qualidade sofreu um certo declínio, mas a PUC tem feito de tudo para
que, ao lado da quantidade, do crescimento, a qualidade também seja
correspondente às expectativas dos alunos e também da sociedade.
É, o pátio dos Leões tem, assim, um sentido muito afetivo, porque é o
espaço onde os alunos têm mais oportunidade de se verem, de se
encontrarem, de baterem papo, de fazerem as suas tertúlias. Então ele é um
símbolo , aqueles dois leões significam também bravura, coragem, ânimo de
enfrentar a luta; essas razões tornam o pátio dos Leões, digamos assim, um
local de muita afetividade em razão desses encontros e em razão de um
188
símbolo que ele veio a ser a partir da fundação das faculdades e também da
universidade.
Ser professor da PUC é muita honra porque, graças a Deus, a nossa
PUC Campinas se destaca no cenário cultural como uma das melhores, não é
verdade?, nós temos a USP, nós temos a PUC do Rio de Janeiro, temos a
PUC de São Paulo, temos a PUC de Campinas, essas o as mais, digamos
assim, conhecidas, prestigiadas, valorizadas e que realmente produzem,
digamos assim, formandos que, depois, se destacam nos diferentes ramos do
saber e das profissões. Nós temos, graças a Deus, alunos nossos que são
desembargadores, que são ministro de estado e coisas semelhantes; ora, eles
não seriam tais se não tivessem aprendido suficientemente o bastante, aqui na
PUC, para poderem merecer as posições que eles ocupam e também
desenvolver os seus ofícios, os seus encargos. Eu fui, por exemplo, professor
do Quércia, fui professor do Pazianoto, que foi ministro do Trabalho, e fui
professor de alguns que ainda lecionam, por exemplo, o doutor Heitor Regina
foi meu aluno.
A entrevista realizada trouxe também informações a respeito das
mobilizações docentes e discentes ocorridas na PUC-Campinas.
Veja um pouquinho, as greves não eram numerosas como nos últimos
anos; a faculdade de Direito, por exemplo, fez sempre muita questão de não
aderir a greves porque o problema depois, da carga horária, se tornava muito
sofrível, havia então obrigação de recuperar as aulas perdidas por causa da
greve. Agora, os professores fizeram algumas greves em virtude do salário e
da situação, digamos assim, titular deles, mas a gente percebia, principalmente
na época da ditadura, não é verdade?, uma reação bastante grande por parte
189
dos estudantes para não consentir naquele regime, naquele sistema; então,
havia um desconforto muito grande principalmente da parte dos alunos, não
tanto da parte dos professores, mas o se podia fazer outra coisa porque se
vivia num estado policial, não é?. Havia, digamos assim, muitos agentes
secretos do governo para dedar, para indiciar aqueles que, de uma maneira ou
de outra, se manifestavam contrários à situação.
A trajetória pessoal, os professores marcantes e as atividades atuais
foram também tematizadas pelo Professor Caran.
Bem, não fiz Direito aqui em Campinas, na PUC de Campinas, porque
na época eu era vigário da catedral e estava sozinho, durante 27 anos; então,
não tinha muito tempo, o suficiente para, digamos assim, lecionar; mas, apesar
dessa situação, cheguei a1985, quando eu me aposentei, a ter 22 aulas
por semana, porque eu lecionava na faculdade de Direito, lecionava em Letras,
lecionava em Economia, lecionava em Canto Orfeônico, eu lecionava na
faculdade de Serviço Social várias matérias, lógica, introdução à filosofia,
psicologia racional, história da filosofia, naquele tempo, não se chamava cultura
religiosa; depois, passou a se chamar simplesmente teologia e agora
antropologia teológica .
Oh! se existia, eu, por exemplo, fiz muitos exames vestibulares de latim
e de psicologia, havia o exame escrito e havia o exame oral, eu me lembro
perfeitamente, fiz muitos exames escritos e orais de francês e de psicologia.
Estou com 52 anos de magistério, porque eu comecei em 1953, nós
estamos em 2005, então são 52 anos de magistério, acredito que sou o mais
antigo, juntamente com o professor Dr. Bento que leciona, não sei se ele ainda
leciona lá em Odontologia. Nós somos os dois mais antigos.
190
Ah! tenho, por exemplo, o doutor Judi Guimarães, que foi o primeiro
diretor na faculdade de Direito; mas, é claro, a figura máxima foi Monsenhor
Salim, que também lecionou durante algum tempo, o cardeal Dom Agnello, o
bispo Dom Vaqueiro, falecido, o bispo Dom Amauri Castanho, que ainda
vive e é emérito; foi, ultimamente, bispo em Jundiaí, e tem outros
professores leigos cujo nome, assim no momento, o me ocorre porque não
pensava, entendeu, não pensava que me fosse solicitada essa informação, de
modo que, para lembrar de outros mais, eu precisaria de alguns momentos de
recordação...
Veja, leciono em três classes diurnas e há mais outras três noturnas
em que neste ano eu não estou lecionando, em virtude da minha idade, em
virtude do pouco tempo de que eu disponho, porque, além de trabalhar na
PUC, sou juiz do tribunal eclesiástico e também ajudo em duas igrejas, na
igreja de Santa Rita de ssia, na Nova Campinas, e no santuário Maria Porta
do Céu, popularmente conhecido como de Nossa Senhora Desatadora dos
Nós, então trabalho de segunda a segunda.
Sabe, em primeiro lugar, graças a Deus, porque não fosse o
socorro que vem de Deus... Jesus diz no evangelho "sem mim nada podeis
fazer", ele é radical, ele não diz sem mim pouco podeis fazer, ele diz "sem mim
nada podeis fazer"; e, depois, também os cuidados que tenho com minha
saúde, não bebo, eu não fumo, não faço noitadas, não tenho família por
causa do meu celibato, a família também desgasta o ser humano, tanto o pai
quanto a mãe, então, em virtude desses cuidados e desses encargos dou
graças a Deus de dispor de saúde, de ânimo, de entusiasmo e de idealismo
porque sem idealismo você não realiza nada.
191
192
Maria Therezinha Corrêa Marques, professora da PUC-Campinas
desde 1953, principalmente no curso de Serviço Social. Fez
especialização em Filosofia da Educação e Metodologia do Ensino
Superior pela PUC-Campinas; Foi aluna especial do Doutorado da
Unicamp e hoje é Presidente do Conselho Municipal de Assistência Social
de Campinas – S.P. Leciona três aulas por semana.
Situando em suas respostas lembranças pessoais bastantes ricas, a
Professora Therezinha Marques, favoreceu informações altamente
significativas em relação às formas de ensino e à sala de aula, momento em
que professores marcantes foram evocados.
Poderia dar um enfoque das mudanças relacionadas a uma avaliação
que sempre fiz, e ocorreram muitas em termos de abertura da relação
professor-aluno, da relação mesmo ensino-aprendizagem; porém, na época em
que entrei havia uma característica mais profunda dos papéis, das funções do
professor e do aluno, que hoje julgo estão meio descaracterizadas, quanto ao
lugar que ocupa aluno e professor, havendo uma confusão em termos de
concepção dos dois papéis; então, o ensino avançava muito em profundidade,
193
muito não é? Por exemplo, em filosofia fui aluna de Dom Agnelo Rossi, do
cardeal, fui aluna do padre Tomás Vaqueiro, mais tarde bispo em São João da
Boa Vista, ministrava Doutrina Social da Igreja. Havia assim alguma coisa que
aprofundava mais o significado do mundo, o significado do cotidiano, pleno de
significados. Havia mais reflexão, não digo filosófica, que até o aluno talvez não
identificasse isso, mas a própria filosofia ajudava a uma profundidade na
reflexão de ir vendo a vida, e hoje sinto que não é dessa forma, há uma
característica de tornar-se muito voltada, não da própria universidade, o aluno
também traz isso, a questão de formar-se para o mercado de trabalho, a
questão econômica, a questão dos cursos noturnos, tudo isso precisa ser
avaliado em termos da busca até das profissões; tenho um exemplo claro do
econômico influindo na escolha de uma profissão e, quando você não tem
liberdade para escolher aquela profissão, você é tolhido em termos até de
crescimento pessoal. Atendi um telefonema perguntando qual era o preço da
mensalidade do Curso de Serviço Social da PUC, e respondi, e ela disse não,
eu queria saber qual é o mais barato, porque quero ser engenheira mas eu não
tenho condições de pagar então vou pelo mais barato. Essas questões, veja,
são questões estruturais que estão influindo muito no aproveitamento do aluno
na sua realização pessoal. Então, às vezes, vêm fazer um curso, o mercado
não oferece demanda, um desencanto: e não digo que precise vocação,
não é nesse caminho, mas se você esta identificado com aquilo que deseja, de
qualquer maneira está tolhendo a liberdade. Havia também um movimento,
hoje existe a pastoral universitária, que faz um excelente trabalho, mas na
época em que me formei e em que estudava, julgo que devo sinalizar a
influência da Ação Católica, a JAC, a JEC, a JIC, a JOC, a JUC, na
194
Universidade, colaborava muito na formação social e política dos jovens; eu
mesma fui da Juventude Universitária Católica, tinha a ver com a juventude
independente, agrária, estudante e operaria... essas ações traziam mais à tona
os princípios cristãos, éticos, políticos que eu considero de uma grande
influência na formação pessoal de qualquer pessoa, de qualquer cidadão
Lembro-me bem que Dom Agnelo Rossi era professor, e a característica dele
era muito próxima ao aluno, ele morava na PUC Central, aqui , dormia, não
havia essa estrutura que tem hoje, era algo assim, bem, até quase de uma
escola risonha e franca, a relação; um dia nos ele falou: - lá não tem ninguém,
ninguém limpa o meu quarto; nós não podemos limpar o seu quarto? Podem.
Nós chegamos, debaixo da cama era livro, picumã, nós limpamos o quarto
de Dom Agnelo Rossi, eu estava nesse grupo. o sei se é calor humano, se
é mesmo profundidade do pensamento, julgo mais que seja, você conseguir
que o aluno tenha uma consciência crítica, reflexiva, mas não extremada com
um pensamento único, os pensamentos extremados ou um único pensamento
nos levam a ao maniqueísmo. Nesse sentido de convivência, pela
característica vejo que diferenças na formação desse aluno, talvez pelo
curto espaço, pelas aulas, de curso noturno... nota-se a diferença, não que
sejam justificativas para dizer que está ruim, mas que são variáveis que você
deve considerar; nas avaliações da relação professor-aluno, a relação de
profundidade do pensamento, as coisas ficam muito na superfície ao invés de
ir mais profundo, não sei se respondi.
Uberlândia... Também acho que tem muita influência na forma da gente
pensar, mesmo na vida universitária, a sua formação pessoal. Sempre quis
sair para estudar, porque eu tinha um pensamento assim questionador. Estudei
195
em colégio de freira em que se tomava banho de camisola porque não era
permitido ver seu corpo; então, reforço que as mudanças, em parte e até quase
que totalmente, foram muito boas porque tiraram, mudaram essa concepção,
tão enraizada e tão extremada das coisas... indaguei, por que tomar banho de
camisola? As freias responderam não, não pode a camisola bem fininha, para...
então, abrem, molha a camisola, não dá, todos os box de banheiro estão
abertos e fica a irmã passeando, ninguém tirava a camisola , achei aquilo
uma coisa tremenda. Na aula de religião, uma professora maravilhosa, irmã
Zorilda falava da nossa criação, um corpo, um espírito, uníssono... Eu
perguntei para ela: por que então eu tenho que ter vergonha do meu corpo se
ele foi criado por Deus? Fui suspensa por três dias...
Então, acho que, sobre essa pergunta das diferenças, ocorreu muita diferença,
muitos avanços relacionados aos princípios cristãos, éticos, políticos foram
mudando e creio com a própria formação profissional . Nesse sentido, a PUC
colaborou muito e colabora, porém tem que reafirmar o aspecto do
relacionamento humano.
Assim... São vários, se enumerar vou às vezes pecar por omitir algum,
mas tinha uns mais avançados em termos de didática e outros que passavam
um conteúdo muito profundo, por exemplo, o padre Tomás Vaqueiro era de
uma profundidade tremenda, às vezes acirravam os ânimos, com perguntas
para ele, e ele, com uma resposta, ele dominava; havia, também, a irmã
Maria de Jesus, professora de Psicologia, era mais avançada em termos de
síntese, de dinâmica de gráficos; então, é uma coisa assim, julgo que todos
marcaram, não sei se é meu entusiasmo para vir fazer o Curso, mas que não
marcaram talvez seja porque a própria disciplina não interessava. O currículo
196
de Serviço Social mudou muito, você ia aprender enfermagem, ia fazer plantão
na Santa Casa, porque tinha que ser um profissional eclético, e, ao contrário,
por que eu tenho que aprender a dar injeção e ver um paciente no leito? O
currículo foi mudando muito, isso daí ajudou também a vir professores com
mais objetividade para nossa formação. Tinha professor de higiene mental, isso
nós não fazemos, você encaminha para o psicólogo, havia muita dificuldade
para caracterizar o social, os objetivos das disciplinas, mas, de uma forma
geral, todos eram muito dedicados e, também veja, a época a que me refiro os
professores não cobravam para dar aula; então a diferença é muito grande, e
tem aluno hoje quando pergunta por salário, por movimentos e tudo, como
as coisas foram mudando em termos de estrutura, em termos ideológicos,
políticos do país, mas os professores não cobravam as aulas no Serviço Social,
eram professores interessados e que nunca exigiram salário, os professores do
meu tempo.
Dados sobre a história local e a trajetória pessoal são muito elucinadores
na entrevista com a Professora Therezinha.
Ah! Era aquele relacionamento muito de cidade mesmo de interior, de
cidade em que o havia o avanço mencionado que houve da vida... Do
feminino, da vida então, era difícil, nós, jovens estudantes não tínhamos nada
de barzinho, de ir pra bar, não existia isso: existia uma única sorveteria,
chamada Sonia, existia um Giovanetti, aquele do Largo do Rosário... você
podia comprar um sanduíche no guichê, mas não podia nem entrar, via as
pessoas sentadas, os homens tomando chopp, mas você não entrava. Era
uma cidade assim, ela própria influenciava esse aspecto, uma cidade de
padrões culturais, morais, etc, que zelava por isso; aí, então vejo um avanço
197
muito grande para os próprios alunos, de quando eu vim estudar e de hoje, e
falei para os meus filhos, não é? Você vê, meia noite estão se aprontando para
sair; essa diferença assim foi grande, grande demais, Campinas, hoje é uma
cidade assim, que a gente às vezes está andando, ali no centro de
Convivência, e pergunta onde eu estou? Porque não pra mais identificar a
população, tal o crescimento, houve uma mudança muito grande e tem pontos
positivos. A juventude tem muita coisa boa que passa, mas precisamos zelar
pelo outro lado. A própria juventude se ressurgiu contra as ordens: “tem que
ser assim”, e precisa que seja assim, a verdade é que está comigo. Então, ela
vem para ser às vezes um “não” e para fazer a gente pensar, principalmente
em relação aos preconceitos, etc; eu aprendi muito refletindo sobre esses dois
lados, não consigo ser uma pessoa extremada na forma de pensar; julgo que o
mundo, hoje ,precisa de um pensamento complexo e não de pensamento
único, de donos da verdade, e sempre fui assim . Vim fazer curso superior,
para você ver a diferença, não foi com Campinas, mas o momento que
você vivia... a necessidade de viver preocupados. Por exemplo, meu pai
mandou os filhos estudar em São Paulo. Eu nasci em Uberlândia, meu pai foi
para com três filhos, era paulista e a tendência foi mandar estudar em São
Paulo, mas a mulher não era para sair de casa pra estudar, em 1950 eu saí.
Ele não queria deixar e um irmão, formado em Direito pela São Francisco,
trabalhava na antiga Vara de Menores, em São Paulo, compreendeu-o: não,
deixa ela estudar , aí o papai deixou. Dizendo: você pode ir a Roma sozinha e
eu vim estudar. Era pra estudar na PUC de São Paulo, matriculada lá, soube
que aqui havia o de serviço social, gostava de Campinas, meu pai vinha às
vezes consultar no Instituto Penido Burnier e optei por aqui. Estou contando
198
isso porque tem uma passagem interessante: meu irmão, esse que incentivou
minha vinda, era juiz de direito em Jaú, depois chegou a desembargador,
ficou muito bravo, porque foi ele que fez minha matrícula em São Paulo, ia
morar na Vila Mariana, num pensionato na rua Domingos de Moraes, e desisti.
Ele me enviou-me uma carta: e até hoje guardo está carta, dizendo “tive as
melhores informações da PUC e Campinas prima pelas notas boas do nosso
estado”. Na carta dele, a lembrança dessa passagem demonstra que marcou
minha vida em Campinas... a diferença, havia uma diferença muito grande,
mas julgo ser tudo uma questão de acompanhamento das mudanças, que é
possível você seguir se você não tem uma.. se você não pára no tempo.
Só. Existia PUC aqui... Em Uberlândia, Uberaba não havia nada, em
Ribeirão Preto, e falava-se muito em PUC Campinas e PUC São Paulo, vim
para a PUC daqui, porque tinha medo de São Paulo, e também não gostava
de lá, então, optei por Campinas.
Até 1957 eu permaneci na PUC e depois, como casei com um pediatra e
tínhamos planejamento de família numerosa, ele achou que o trabalho estava
prejudicando a educação dos filhos. Parei e fiz um trato com ele, vou parar,
mas quando a menor fizer sete anos volto para a PUC; ele até nem acreditava,
então parei em 1957. Casei em 1956, lecionei mais um ano, e parei .Quando
Letícia, minha filha caçula, fez sete anos, voltei pra PUC, ela até brinca
comigo que eu voltei antes, a PUC renovou meu contrato em 04 do 04 de
1974, o aniversário dela é 26 de abril, então diz a senhora voltou antes dos 7
anos...
199
Foi um exame como um vestibular, chegar, prestar um exame e com
questões voltadas bem pra questão social, você conhecia encíclicas,
Quadragésimo Ano voltado para o social, mas foi um vestibular.
Fui convidada, como prêmio por ter obtido a maior nota da classe.
Aceitei, embora exercesse a profissão de assistente social em uma rua de
açúcar e álcool de Sta. Bárbara D’Oeste. Viajava às segundas-feiras para
Campinas para ministrar a disciplina Serviço Social do Trabalho.
A carreira é recente 1989; em 1953 não havia, Para a carreira, entrei
através de concurso e banca examinadora com um projeto de pesquisa e
extensão: O lazer na vida da criança trabalhadora; era um projeto de extensão
e pesquisa desenvolvido que no bairro Jardim Novo Campos Elíseos, com 30
estagiárias nesse projeto; a justificativa voltava-se ao que hoje realiza o PETI-
Proposta de Erradicação do Trabalho Infantil .Na época era uma preocupação
existente, a criança tornou-se uma adulta: para trabalhar, para sobreviver,
mas faltou lazer, infância da criança trabalhadora - tivemos banca
examinadora com professores de outras universidades, na minha banca teve a
professora Frani da Unicamp... até gostou muito e sugeriu-me entrar com ele
para cursar mestrado na Unicamp, mas, naquela época, ainda estava voltada
à criação dos filhos. Foi necessário muito empenho, apresentar um currículo,
sua organização, elaborar o projeto... foram muitas exigências, obtive a
segunda nota na classificação para ingressar na carreira, em termos da
pontuação, não tive dificuldades. A seguir, a exigência de você ir crescendo,
fazer mestrado: continuei no projeto de extensão, matriculei-me no mestrado
de Filosofia, e terminei os créditos, mas não fiz a tese porque tive um problema
sério de doença na família; o curso foi caracterizado como especialização em
200
Filosofia na Educação. Foi um curso de mestrado em Filosofia, havia poucos
quando criou a carreira, nós não tínhamos muitos mestrados, creio que dois ou
três.
A relevância do ensino, pesquisa e extensão, na atual estrutura
universitária, também é indicada pela Professora Therezinha.
Eu vejo com muito avanço, é inegável que houve muito avanço; como
me referi, era algo até doméstico, hoje o crescimento é tão grande, o progresso
é tão grande que não nem para você acompanhar as mudanças que estão
ocorrendo, e vejo que isso é de grande incentivo, isso é necessário; porém,
não devemos exagerar é a mesma questão do pensamento extremado e,
também, do pensamento único, ou seja, avançar muito na questão estrutural,
organizacional, econômica de crescimento, de modernização em detrimento do
lado humano e social. Precisamos caminhar identificados com esses dois
aspectos, não exagerar a questão do progresso em detrimento do
relacionamento humano, é isso que vemos acontecer com os avanços
tecnológicos, aque ponto vão servir ao humano, como está acontecendo
esse relacionamento? Cresceu e expandiu, agora é hora de voltar-se para o
relacionamento humano aqui na PUC, dentro da PUC; não estou dizendo que
seria desumana, absolutamente, mas que falta esse calor, alguma coisa assim,
que nós nos desconhecemos, passamos a ser às vezes quase invisíveis em
relação a outros; daí o cuidado para não perder o aspecto de universidade
comunitária, não inibir o progresso, absolutamente, a tecnologia entrou nas
nossas vidas, mas a pergunta fica: como usá-la? Fica essa pergunta, quando
considero o avanço, mas permanece a comparação que fiz da quase escola
não que seja um saudosismo, absolutamente, que o é isso que estamos
201
pensando, mas sentia, talvez por ser pequena, quase doméstico o ambiente,
havia mais aproximação; mas como avançamos tecnologicamente, podemos
avançar e encontrar estratégias para um relacionamento mais próximo entre a
comunidade acadêmica nesse contexto múltiplo e rico de mudanças.
O crescimento da Universidade e as relações com a comunidade local e
regional constituem, igualmente, temas centrais nas considerações efetuadas
pela Professora Therezinha.
Não, o Serviço Social... como funciona Letras, em outros prédios... o
Serviço Social funcionava na Casa Mãe, casa que iniciou a congregação das
Missionárias de Jesus Crucificado... Benjamin Constant, esquina com rua Dr.
Quirino, e chamava-se Casa Mãe porque a fundadora da congregação das
Missionárias de Jesus Crucificado era a proprietária da casa e a família doou,
chamava-se Casa Mãe por isso, mas, com incentivo do Monsenhor Salim,
fundou-se o Serviço Social; na época, no Brasil, quase todo Brasil, a fundação
das escolas de serviço social foram fundações realizadas por Congregações
religiosas; depois, com as mudanças, algumas se tornaram federais e se
agregaram às PUCs que, na verdade, eram agregadas. Mais tarde,
conseguiram adquirir um local com empréstimo da Caixa Econômica, mudou-
se para a Rua JoPaulino, onde hoje é uma parte do tribunal de da Justiça.
funcionamos bastante tempo, como funciona Letras. Com a construção do
Campus I, foi feita a promessa de construir o prédio para o Serviço Social lá, e
nós sempre pedindo, pedindo pra construir, mas havia até uma resistência de
alunos e de professores, “ah! para que ir pra lá, aqui está tudo fácil, para que
mudar para tão longe”? Mas aí nós tivemos uma tragédia, que foi a morte do
guarda na porta da Faculdade por um garoto que, com a própria arma dele,
202
assassinou uma pessoa de grande estima e tudo e estava assim... o se
concebia uma Faculdade ali, pela deteriorização do ambiente, assaltos, o
viaduto ali Miguel Vicente Cury, alunas que desciam a da rodoviária, eram
assaltadas quase todo dia e a PUC se apressou em construir nosso prédio no
Campus I.
Nunca o Serviço Social esteve aqui. Não, para a Terceira Idade, que
funcionava aqui.
Somos, a Faculdade, até na ocasião também, elaborei uma pesquisa
sobre os idosos institucionalizados do Estado de São Paulo, para fortalecer os
fundamentos da nossa proposta de Universidade da Terceira Idade, também
trabalhamos muito nas documentações existentes em relação à Universidade
de Toulouse, na França, em que havia essa experiência; enfim, nós fomos
da equipe que trabalhou para a fundação da Universidade da Terceira Idade,
ela partiu da Faculdade de Serviço Social, de uma equipe de professores.
A respeito das mobilizações docentes na Universidade, a Professora
Therezinha acrescenta informações sobre a participação estudantil.
Não, não, nessa minha época não, não tinha greve, os alunos
trabalhavam mesmo num trabalho bem próximo da universidade... O tipo de
entendimento, de relacionamento... não tinha essa agressividade, não havia,
enfim, não sei se seria uma despolitização, não podemos falar isso, mas não
havia... Começaram a fundar os diretórios acadêmicos, eu mesma fui,
secretária do Diretório Acadêmico 7 de Março, que é o do curso de Serviço
Social da PUC. Não, não havia movimento nenhum, ao contrário, eu vim
estudar o movimento social maravilhoso de Dom Helder Câmara no
desfavelamento do Rio de Janeiro. O que provocou no curso de serviço social
203
uma grande mudança, s tivemos palestra dele aqui na Catedral. Então, em
relação aos movimentos, para falar a verdade, não havia movimento, dominava
a atuação da Ação Católica.
Então, ao ressaltar notei que no Serviço Social não ocorreram grandes
mudanças, foi ainteressante você perguntar nesse momento, para minha
memória ir se recobrando; quando eu voltei, as mudanças no ensino eram as
mesmas, a parte de bibliografia era muito fraca, continuava os mesmos livros,
3 livros da PUC do Rio Grande do Sul sobre Serviço Social, de caso, grupo e
comunidade, que atendia fragmentado, não vi muitas mudanças. Logo após,
entrou Paulo Freire com o método do diálogo, foi mudando. A PUC de São
Paulo foi logo abrindo mestrado em Serviço Social e hoje nós temos um acervo
muito grande, uma bibliografia muita boa sobre Serviço Social; com o
crescimento do curso de mestrado, doutorado e especializações ai vejo que as
mudanças vão ocorrendo, mas respondendo se houve uma grande diferença
de quando parei e voltei, no sentido de mudanças não houve uma grande
diferença, houve quase uma estagnação na expressão do pensamento.
Uso, uso, mas não abuso, porque o próprio aluno do noturno fez uma
avaliação para todos os professores que não agüentava o barulho do retro
projetor, aqueles ruídos, chegavam cansados do trabalho, a luz apagada,
dormiam; então, julgo que um exagero em qualquer aspecto moderno que
aparece; fica aqueles extremos, tudo vai ser datashow; o aluno voltou a
pedir aula expositiva, recentemente eles falaram que queriam aula expositiva,
que o agüentavam data show e que acham que a coisa é muito superficial
para data show, não uma profundidade, o uma reflexão, não um
intercâmbio do professor com a classe, com a sala de aula, não há; então,
204
precisa mudar alguma coisa e, eles mesmo, colocam: a gente liga a internet,
está achando tudo que esse datashow ta falando; eu não digo desvalorizar,
mas nós temos que arrumar... Ter estratégia de mediar isso aí, não ir para
extremos. Agora tudo é datashow, começaram a cansar e a falar que gostam
de uma palestra, que gostam de apresentação de seminários, então está
havendo um exagero muito grande no uso da tecnologia, substituindo o papel
do professor na relação com o aluno, ele fica quase que uma figura, assim,
de um técnico, ali passando data show; então dizem, há pouco tempo falaram,
teve uma palestra lá na sala 800 e aprendi muito mais com aquela palestra do
que com uma aula; então s... Vamos circular, padre Rogério, nós não
podemos exagerar, vem o lado moderno, fica aquele modernismo, vem os
"ismos", os exageros.
Ah! Estou nela até hoje... Então, sou até suspeita de dizer, acho... Eu a
vi crescer, ela é de grande valor, meus filhos abrincam a mãe e a PUC, a
mãe e a PUC... Então, até a Marieta, que é uma filha que está agora com
dificuldade doméstica de empregada, tem que deixar as duas netinhas comigo,
que almoçam, após o horário da escola e ficam; e ela indagou-me: aonde a
senhora vai sexta de manhã? Falei e ela disse assim, a senhora é a
octogenária puc-ana que ainda está lá dentro; respondi, sou, com muito
orgulho, eu sou professora da PUC, julgo que ela tem sua grandeza, seu
significado muito grande; então, desde a criação, desde quem passou por ela ,
a história dela, ela vem construindo e vem construindo mesmo, voltada para a
educação; tem as coisas que nós exigimos, os próprios professores, se ela é
comunitária voltar-se para a comunidade, como hoje essa mudança de pró-
reitorias, a pró-reitoria de extensão, foi um grande avanço, porque o tripé
205
ensino, pesquisa e extensão... a extensão não era assim tão valorizada em
termos de mão-dupla para a própria Universidade; então, vem crescendo e
agora crescendo mais, o seu nome é falado em todo lugar que a gente vai: a
questão dos campus também, achei que isso... ela se tornou grande não pelo
fato de ter muito espaço... Maior é, também, mas essa ampliação que ela teve,
principalmente, falo pelo Serviço Social porque eu tive cinco alunas, que eram
de Marília e vieram estudar, e prestaram vestibular no Campus I e acharam
lindo o campus I; de repente, freqüentar o Curso e era na José Paulino e
disseram : - ah! Nós vamos embora, eu prefiro ficar em Marília porque
também tem Serviço Social, porque eu vim fazer vestibular, achei lindo aquele
campus, aquelas gramas, ah! é aqui que eu vou ficar, vou arrumar namorado...
de repente, eu chego num colégio isolado, que tem mulher, que 99% dos
alunos é do gênero feminino no Serviço Social, e aí... Quer dizer, não tem
esse intercâmbio de colegas, essa troca, essa vivência de vida universitária
então foram embora para Malia; julgo que isso constituí uma coisa assim que
ampliou mais essa vida acadêmica, deu mais caractestica de universidade,
embora a gente tenha que estar sempre revendo o que está faltando; outro dia
mesmo, numa aula minha, vários alunos queixaram-se de que estão no
Campus I, mas está faltando uma relação de Cursos para Cursos, por que não
mais trabalhos assim integrados, faculdade de Serviço Social com Turismo,
com outros cursos? De fato, estão faltando trabalhos inter-cursos, mestrados,
continua ainda a visão mais fechada, estática, e isso fragmenta, não ter uma
visão do todo, aí ficam as gavetinhas do saber; então, eles mesmos notaram
que está faltando isso,então é essa a parte que cabe a nós, ver o que vamos
fazer, e juntos, para ter mais esse intercâmbio; e até se comparou: parece
206
que estamos numa prefeitura, então na prefeitura é secretária disso,
secretária daquilo, aqui é curso disso, curso daquilo, e a gente não tem trocas,
e é verdade, porque o Serviço Social poderia estar junto com Educação Física,
junto com Educação, porque no social estão intimamente entrosados todos
esses aspectos.
Eu gostaria de dizer que continue o mestrado de Educação, que foi o
mestrado que deu assim um grande impulso às questões educacionais na
PUC, trouxe grande contribuição, a gente conhece professores que estão e
tocando esse mestrado que tem um significado muito profundo em termos de
observar o sentido do cotidiano da educação; ele é pleno de significados,
então, foi uma volta... Acho que foi uma volta ao aqui e agora da educação.
Este curso está conseguindo e, com os professores que eu conheço, es
conseguindo trazer essa visão da educação como algo assim que não se
encerra e que é necessário para todos nós, professores e alunos, essa visão
de que você está sempre se educando, sempre avançando, você cessa de
aprender com a morte. A educação tem feito, tem realizado esse objetivo de
voltar-se e estar atualizada com as questões que nos preocupam no dia-a-dia,
nós vimos isso nos cursos de especialização que fizemos, em que vários
professores da Educação foram ministrar aula, então é voltada muito para o
momento agora, para o pensamento complexo, para o encontro dos saberes e
não o pensamento único... o mestrado em educação trouxe uma grande
contribuição e continua trazendo e deve trazer sempre, é nesse sentido a
minha mensagem.
207
208
O Professor Haroldo Niero trabalha na Puc-Campinas desde 1958
como professor e em outros cargos administrativos. Fez sua graduação
em Filosofia e Teologia. Também fez o mestrado na área em Filosofia da
Educação.
Na entrevista realizada com o professor Haroldo são recuperados
elementos de grande relevância a respeito da história da Universidade e da
própria cidade, ganhando destaque as mudanças ocorridas quanto a esse
aspecto.
A gente vai conversar a respeito de mudanças, mas no sentido familiar,
eu diria, no sentido interno, no sentido da estrutura, e não no sentido das
determinações governamentais, porque isso levaria a contemplar as leis do
MEC, etc, sobre o que agora não seria suficientemente preciso; bem, quando
eu entrei na universidade, 1958, ela estava já há alguns anos como uma
grande escola, sobretudo tendo como interesse a formação de uma faculdade
católica, e que fosse o expoente de conhecimento para todas as perguntas ou
209
para muitas perguntas, melhor falando, da nossa situação, que sempre se
preocupa em relacionar conhecimento, ciência, fé, teologia; eu entrei na
universidade a convite de monsenhor Dr. Emílio Salim, que era o reitor, ela
naquele começo era, comparando com hoje, era uma excelente... promissora,
era uma árvore que prenunciava realmente uma... um crescimento, e comparar
a universidade hoje com a de 1960, como início de conversa, era realmente
uma universidade, vamos dizer assim, doméstica, caseira, pequena, com
alguns cursos dos quais eu me lembro que... entre eles os cursos de Direito,
curso de Odontologia, de Letras, Filosofia, Ciências e Letras, abriu o curso de
Biblioteconomia, depois apareceu o curso de Ciências Econômicas, Contábeis,
Administrativas, foram desdobramentos posteriores. A Universidade era ligada
ainda... no seu início, até que ela tivesse uma proporção que lhe permitisse a
autonomia de universidade, ela era ligada à universidade de São Paulo, ela foi
instalada aqui em Campinas, fundada, vamos dizer assim, criada a partir
sobretudo dos esforços de Dom Francisco Barreto. Dom Paulo, sucessor do
bispo diocesano, deu todo seu apoio para que essa universidade fosse se
desenvolvendo até o momento atual de 2005 que nós estamos vivendo, onde
ela tem uma magnitude e se localiza, como você sabe, em três Campus, o
Campus Central, o Campus I e o Campus II; e, assim, a universidade foi
respondendo paulatinamente às exigências históricas do tempo, criando seus
cursos para ser uma resposta à necessidade, não cienfica, mas de uma
formação do ideal humano e cristão do profissional, que, no seu estatuto, ela
entende formar justamente para o desenvolvimento, para o melhor do país, da
nação, da região em que ela se encontra principalmente, tendo em vista que
ela se preocupa realmente com a sua clientela, chamemos assim, com o seu
210
corpo discente, regionalmente falando, porque as necessidades regionais elas
certamente são diferentes, as daqui e ou de lá?.
A expansão da universidade levou a universidade não a uma crise...
eu diria, vamos tirar o não só, à expansão da universidade no seu serviço de
abertura de novos cursos; principalmente, estou me referindo à área de
Ciências da Vida, hoje assim chamada, mas a área de Medicina, a faculdade
de Medicina, depois a faculdade de... tínhamos a de Odontologia, depois a
faculdade de Fisioterapia, a faculdade de Fonoaudiologia, a faculdade de
Farmácia e assim por diante... todas essa faculdades, hoje com o estereótipo,
com uma marca mais técnica, levaram a um investimento muito grande da
própria rede de Campinas com relação aos professores, a laboratórios
sobretudo; e esta expansão trouxe uma crise também econômica e financeira e
a universidade precisou passar por momentos muito agudos de crise que
parecia até insuperável, mas venceu e hoje ela está bem alicerçada. É isso,
seu Rogério, que eu mais ou menos lembro, assim, de uma vida histórica muito
fragmentada e muito quem sabe desarticulada.
Por ser comunitária? É difícil eu te responder essa pergunta; acho que o
que favoreceu o crescimento foi realmente a possibilidade que ela teve de
comprar esses terrenos e aí, por necessidade inclusive de espaço, ela foi
obrigada a construir prédios, ela foi obrigada a construir laboratórios, ela foi
obrigada a arrumar uma estrutura para os novos cursos cuja demanda se fazia
premente, cuja necessidade era imprescindível para a vida da própria PUC
Campinas, já que ela se marcava muito mais presente no setor humanista.
Considerações a propósito de seu próprio percurso pessoal e
profissional também esclarecem grandemente aspectos de ordem histórica.
211
Campinas era uma cidade provinciana, tinha ainda os bondes, era uma
cidade pacata de trezentos e cinqüenta mil habitantes se tanto; me lembro que
era professor aqui, coadjutor na universidade, coadjutor na catedral
metropolitana de Campinas, depois eu fui professor do seminário diocesano;
era uma cidade pacífica com dez, quinze paróquias, eu não me lembro, mas
mais ou menos era um número assim, em que as coisas corriam com
tranqüilidade sem as marcas da miséria, da pobreza como hoje a gente vê;
Campinas hoje é uma cidade, como você sabe, grande, e ao mesmo tempo
toda a dimensão de Campinas, apesar de estar aqui há cinqüenta anos, dada a
sua expansão que foi uma expansão econômica, que foi uma expansão
sobretudo... em sendo uma cidade privilegiada porque perto de São Paulo,
perto do porto, abrigou aqui grandes indústrias, então com grande potencial de
trabalho, grande potencial de produção e hoje ela é marcada como uma cidade
que segue nesse sentido de uma evolução global, ela marca como um grande
mercado consumidor, um grande mercado de consumo, não só, mas de
produção também, os próprios produtos... então Campinas hoje é uma cidade
muito grande, uma das mais importantes do estado, do pais e tudo isso reflete
na sua expansão da sua atividade econômica, da sua atividade cultural; esse
reflexo a gente percebe dentro da sala de aula onde os alunos apresentam
realmente características marcantes de um grande centro e pólo industrial de
uma cidade cosmopolita, eu sinto um pouco isso em sala de aula.
Bem, vamos começar com as aulas que eu dava, eu dava História da
Igreja no curso de História, eu dava Ética no curso de Economia, eu dava
Cultura Religiosa nos cursos de Pedagogia, Biblioteconomia, Letras; que eu
me recordo, é isto; tinha excelentes alunos, que depois galgaram posições até
212
muito elevadas no âmbito social, que passaram pelas minhas aulas e era muito
confortável dar essas aulas; hoje, eu tenho até no momento atual, na
universidade, professores que foram meus alunos, eu cito dois, por exemplo,
que me lembro: o professor Rui Machado, grande professor de História,
inclusive dei muitos livros de história para ele, foi meu aluno e grande aluno; o
professor Arnaldo, que hoje faz parte do Conselho Universitário, foi meu aluno,
isto para citar dois entre tantos outros. Mesmo no curso de Direito, onde
atualmente eu leciono, alguns professores em carreira docente foram meus
alunos, então é uma alegria realmente a vida docente na medida em que você
que o aluno supera o mestre, não é? E isso traz uma satisfação e um
conforto muito grande; pois é, então, no começo, era lecionar aqui neste
prédio central, onde toda a universidade se concentrava; depois ainda, quando
fui diretor da Filosofia e Teologia, é que se aventou de comprar o Campus I;
que eu fui inclusive ver aquilo como um descampado e que se tornou hoje o
gigantesco e movimentado Campus I; depois ainda eu assisti à compra do
Campus II. Quando a universidade se expandiu, não tendo ainda o Campus I e
o Campus II, por volta de 1970 se não me engano, também lecionei Cultura
Religiosa na Faculdade de Jundiaí que funcionava onde hoje é o distrito,
distrito não, o bairro da Swift, o seminário, onde funcionava a faculdade de
Arquitetura e Urbanismo e Engenharia; depois, o curso de Arquitetura se
destacou, se desligou do curso de Engenharia, mas nestes cursos todos eu
acabei lecionando, em vista da necessidade que o departamento tinha de
colocar professores aqui ou ali. Quando fiquei diretor do curso de Filosofia,
eu deixei as minhas aulas porque eu exerci o mandato por quatro anos,
porque eu exerci a direção por quatro mandatos; nos dois primeiros mandatos
213
ainda eu conciliava a administração e aulas, a docência, depois eu optei mais
para ficar na administração, ajudando a construção de pós- graduação e etc, e
deixei algumas aulas e, afinal, acabei deixando todas as aulas. Ao sair, retomei
algumas aulas, por isso antigamente eu dava muitas aulas e hoje eu dou
poucas aulas.
Não me lembro certo, de cor, foi por volta de 1971, 1972 se não me
engano; eu poderia verificar isto através das Atas do Conselho Universitário
para te dar uma resposta precisa, tivemos a aprovação de vários professores
aqui, de nomes que hoje o estão mais na casa, como, por exemplo,
Joaquim Severino, Rubem Alves, mas hoje estão presentes neste curso a
Constança Marcondes, o Nogueira, o Gabriel e outros que... porque afastado
do Instituto que eu fui, em virtude da minha opção e da Teologia, porque,
acabado o meu mandato, eu me desliguei para deixar realmente à vontade o
novo diretor, que veio engrenar, engajar no Instituto de Teologia, no curso de
Filosofia no Instituto para dar as aulas de Antropologia Teológica.
Não, eu sou anterior, estou com mais de setenta anos de idade;
então, eu fiz a minha formação em São Paulo, no Seminário Central do
Ipiranga, seminário com professores muito gabaritados, eu fiz Filosofia,
Teologia, ordenei-me, vim para cá, assumi um trabalho na Catedral; depois,
logo fui chamado para lecionar no Colégio São Luís, que ficava ao lado da
catedral; depois de lá, já fui também chamado para lecionar na PUC e a vida foi
isso.
A entrevista com o Professor Haroldo aponta as mobilizações de caráter
sócio-político, envolvendo o corpo discente e o docente, no período em
questão.
214
É preciso notar os grandes momentos políticos, sociais que nós vivemos
na educação dentro desse espaço de tempo considerado com a vida da
Universidade Católica de Campinas; da PUC de Campinas há marcas bem, é...
bem salientes, por exemplo, os movimentos de sessenta e oito, os anos da
ditadura militar e os anos atuais, algumas marcas eu gostaria de, com calma,
restabelecer limites mais precisos, mas, no improviso dessa lembrança, eu
tenho, por exemplo, na memória que os anos de 1970 foram anos de
efervescência universitária, onde o chamado Pátio dos Leões era um pátio de
agitação estudantil, de concentração política, de discussões pedagógicas, de
posições realmente a respeito do futuro da universidade, do futuro do país , do
futuro da humanidade; os alunos eram muito engajados e brigavam para
realmente ter uma noção política abrangente dos grandes movimentos
internacionais que se percebiam e das grandes políticas que nós vivemos
naquele tempo, de 1968 à 1980 mais ou menos; eu creio que foi, assim, um
tempo de pujança, de verdadeira fermentação política; depois, a
universidade, estou falando daquilo que eu chamaria a classe mais docente,
que é a pergunta sobre sala de aula, isso daí é muito importante para uma
universidade, a sua sala de aula, então estou pensando nestes termos, de
corpo discente; hoje, o corpo discente é muito sossegado, é muito pacífico, é
muito alienado, infelizmente, Eu sinto isto, tenho dito aos meus alunos isto,
porque talvez é um problema, talvez não; eu penso, hoje o problema não é um
problema social, hoje o problema é econômico, então uma grande diferença
da PUC de 1970 para a PUC de 2000 nesses trinta anos, esse processo
global, com a queda das utopias, com a perda do socialismo... então, nós
215
ficamos realmente assim, quase, diria, alienados, sinto isto, eu sinto, talvez não
seja bem interessado, na pressão para todo mundo.
O corpo docente, quando eu comecei, era de uma respeitabilidade
ímpar; monsenhor Salim pegou as melhores cabeças para dirigir os cursos,
Direito era Guimarães; havia gente muito preciosa e era assim um ponto de
referência, um espelho no qual os docentes se miravam, e os docentes eram
muitos; é claro, depois a universidade foi se democratizando, ela foi se
popularizando, de alguma maneira ela foi tendo seu amadurecimento. Hoje,
os professores com outras energias, com outras capacidades, também eu diria
veneráveis; quanto à sua pergunta, se havia greve, ou não havia greve; a
universidade, depois da morte do monsenhor Salim, ela passou realmente por
momentos muito difíceis, greves foram muitas e eram greves que os alunos
faziam, o corpo docente muitas vezes também aderia, sempre ambicionava por
certas mudanças ou até, inclusive, por questões salariais; mas a universidade
sofreu, sim, greves e greves sérias, eu creio que esses momentos de crise
levaram a PUC, hoje, levaram a PUC a ser hoje esta grandeza que ela ostenta
mediante a habilidade, mediante o diálogo que se efetivava em todas essas
greves a partir de uma universidade que era o sonho de todos nós; eu
analisaria estas greves com uma certa benignidade, ou seja, como aquele
momento de crise necessário até para voltar-se ao interior de si própria e
traçar novos caminhos, novos rumos em favor sempre do conhecimento; diria
que isso aconteceu várias vezes, não há dúvida de que a gente não pode ser
ingênuo, porque as greves muitas vezes eram conturbadas, sobretudo pelo
momento político que o país passava. Você é muito jovem para isso, então
talvez não tenha a lembrança daqueles momentos que foram dilacerantes para
216
a nossa sociedade, com prisão de professores, com prisão de alunos, aquilo foi
de uma inabilidade política tão grande que provocou o exílio de professores, o
afastamento na carreira docente de certas figuras. Aqui na PUC, nós não
tivemos casos assim, que chegaram a esta notoriedade nacional, mas nós,
com o reflexo da própria sociedade, sentimos sim o impacto de toda esta luta
ideológica, sobretudo em 1968 até, vamos dizer, 1980, pelo qual a
universidade passou.
As mudanças verificadas em relação à sala de aula, aos aspectos
didáticos e àqueles decorrentes da introdução de inovações tecnológicas
ganham comentário expressivo nas palavras do professor Haroldo.
A mudança é muito grande. É grande porque a cultura estudante
naquele tempo e a cultura estudante atual, dada sobretudo a situação
globalizada em que nós vivemos, com aspectos econômicos, políticos
diferentes educacionalmente, a universidade teve não que se adaptar, mas
a própria sala de aula assumiu outra configuração; hoje, eu creio que nós
temos mais... o desempenho, digamos, na aula, porque, naquele tempo, as
coisas se pautavam de uma forma mais tranqüila , os problemas sociais não
eram tão pungentes, agudos, prementes como são hoje; então o corpo docente
era tranqüilo, o corpo discente também, proveniente de famílias que tinham
posses para estudar, se mostrava com uma certa homogeneidade que hoje
não se vê, que hoje o se sente, que hoje não se percebe; ou seja, se
naquele tempo a gente tinha uma modulação estudantil digamos mais
homogênea, hoje a diferença, a democracia e sobretudo as oportunidades
trouxeram, o que eu acho bom, o que eu acho desejável, o que eu acho até
uma honra da própria igreja católica, trouxeram para o centro da universidade
217
não a elite daqueles que podem estudar mas também abriu as suas portas
para a população mais carente que consegue ter o seu lugar dentro da
universidade para uma educação mais digna, mais simultânea, mais de acordo
com a realidade atual que pede na tecnologia um número muito maior de
pessoas do que antigamente. E esta é a grande diferença que eu vejo, os
alunos de então seguiam quase que um padrão de educação que estava
estabelecido e firmado pela própria tradição, pela própria cultura (cultura
estou chamando aqui nesse sentido bem exato da palavra), e hoje as culturas
são pluralistas, as diversidades culturais seguiram realmente nessa cultura
pluralista um caminho para dar respostas aos problemas que são muito
diferentes, que são...não obstante eu ter o tempo de história entre assim de
cinqüenta anos, 1950 vamos dizer, mas se observa realmente nesse caminhar
da história uma diferença muito grande da sala de aula, como você perguntava,
daquele tempo e a situação dos tempos atuais, parece que naquele tempo o
interesse era pelo saber, pela cultura, pela ciência; hoje, parece que o saber é,
sim, também pela cultura, pela ciência, mas enquanto ela dá ao aluno a
possibilidade de encarar uma vida profissional que seja economicamente
razoável para o seu futuro e para o seu projeto.
Voltando ou dilatando a pergunta da sala de aula antes e da sala de aula
de agora, a gente estes reflexos do aluno, por exemplo, que trabalha, você
sente muito... eu dou aula muito durante o dia, a vida com aula à noite é
marcada de trabalho, pelo cansaço, pelo desespero de cursar sem tanto
tempo quanto o do aluno da manque é mais tranqüilo, mais sossegado...
isso a gente percebe e daí que você tem que os cursos noturnos são cursos
onde um padecimento no sentido original etimológico da palavra, um
218
padecimento maior do que nos cursos matutinos, mas nem por isso os cursos
noturnos deixam de apresentar qualidade muito boa e discentes que estão afim
realmente, não apenas de uma promoção pessoal, mas de uma construção do
seu humanismo, da sua vida profissional, da sua vida...enfim, como marcada
por um lugar dentro da sociedade.
Bem, a minha formação, digamos assim, o estofo que uso dos meus
conhecimentos em sala de aula é muito mais filosófico do que... não precisa de
datashow, de algo mais, precisa muito mais do pensamento e do raciocínio; o
que eu vejo, eu vejo o seguinte: que hoje é o mundo do espetáculo, é o mundo
das imagens; não estou fazendo nenhum juízo de valor sobre isto, é assim, a
técnica nos levou a isto, isto facilita, o computador facilita, a internet está à
disposição... e eu penso, sinto, e já tenho observado que isso causa uma
grande preguiça mental ao aluno; o aluno, hoje, ele menos pensa do que ouve,
a mim me parece, salvo melhor juízo e muito aberto a revogar a minha posição
caso seja desmentido; eu entendo que hoje o aluno pensa menos do que
antigamente, do que no meu tempo digamos, eu gosto de usar esta expressão,
não é? Por que? Porque ele tem tudo...
A entrevista com o professor Haroldo apresentou igualmente
observações essenciais a respeito da estrutura universitária.
Eu não só acho que contribui porque a própria definição de universidade,
o próprio sentido de universidade, é o ensino, a pesquisa e o serviço, não é?. A
extensão, a Universidade de Campinas, a Católica, da qual nós estamos
falando, a nossa PUC ela é bem marcada, nitidamente marcada pelo ensino
que foi sempre o forte da universidade, o ensino nos vários cursos, nos vários
degraus e a pesquisa agora, e, nesse ponto, a reitoria está fazendo um esforço
219
muito grande, ela começa a ter assim ares de um verdadeiro caminho aberto e
que realmente beneficiará professores e alunos; a questão da pesquisa
depende da carga docente, a questão da extensão também; nós não tivemos,
assim, uma tradição de pesquisa eu diria evidente, saliente, marcada como
deveríamos ter, mas, aos poucos, eu tenho por mim que a universidade
realmente caminhou nessa direção porque isto é da sua natureza, é da sua
essência, a pesquisa melhora o ensino, a pesquisa melhora o profissional, o
aperfeiçoa, o gabarita para ser mestre, para ser doutor; então, a pesquisa é
muito importante e creio que o problema do desenvolvimento da pesquisa,
ainda que recente, é uma marca que não se pode omitir dos esforços da
universidade no momento atual.
Eu creio que o mestrado é imprescindível hoje; ele não apenas corrige
os defeitos da graduação mas amplia uma visão maior da educação
justamente pelo pensar; mas a Educação não só se pensa, acho que a
Educação principalmente se faz; é muito diferente você pensar em ensinar
Teologia e fazer Teologia, e analogamente diria, é muito diferente você pensar
em Educação; creio que o desafio dos mestrandos é o desafio de fazer
Educação; é claro que você vai fazer Educação a partir de um ferramental
colocado nas suas mãos hoje, na sua inteligência e na sua vontade, todas as
possibilidades de mundo diferente, de um mundo novo, de um mundo que
é...cujos paradigmas não se comparam aos da minha adolescência ou da
minha mocidade, mas é um paradigma que está para ser trabalhado; então,
fazer mestrado em Educação, para realmente educar o homem, educar no
sentido de fazer vir à tona as suas possibilidades, as suas potências, as suas
virtudes no sentido de forças, isso é um dinamismo que deve percorrer as
220
nossas veias, os nossos sentimentos para realmente plasmar o cidadão, o
artífice do mundo, que todos nós somos chamados a ser. Essa seria a minha
mensagem; acho, portanto, que mestrado em Educação é de suma
importância numa universidade, principalmente a Universidade Católica, na
medida em que ele prepara novos professores capacitados para desempenhar
o ministério do educador, que hoje é um desafio dadas as condições sobretudo
materialistas do tempo em que a gente vive, em que o homem, se não se
tomar cuidado, ele se torna coisa, ele se torna objeto, e é preciso colocar no
homem a grandeza com que ele foi criado.
O professor Haroldo, em suas respostas, tece, também, comentários
significativos a respeito do magistério e do aspecto confessional da
Universidade.
Eu tenho tanto respeito, tanto amor, tanta devoção por ensinar, que
tenho que deixar falar o coração, acho que é um gosto humano, é tornar
aquele estudante verdadeiramente cidadão, livre, apto, capaz de viver no
mundo, principalmente; ensinar, para mim, hoje, é formar, ensinar para mim,
hoje, é dar condições sobretudo existenciais para que a vida tenha algum
sentido, para que o trabalho tenha essa perspectiva realmente humanizante de
construir o mundo, de construir o ser que nunca está acabado; creio que o
homem nunca está acabado, o grande mistério é ser trabalhado, o homem é
uma grande possibilidade de ser modelado por ele, conhecer seria toda essa
instrumentação teórica numa prática para o crescimento de cada um ser
realmente o motivo do desenvolvimento maior, que é não só do seu corpo mas,
principalmente, do seu espírito; então, ensinar é formar a inteligência, é formar
o coração, é formar o homem na sua plenitude, e daí eu vejo a possibilidade
221
das aulas de Antropologia Teológica, que apontam para um projeto maior, um
projeto existencial na solidariedade, na prática da justiça, na prática da
humanidade se elevando no projeto de Deus.
Porque em todos os cursos de graduação, como em todas as atividades
do ser humano, você pode realmente dimensionar o trabalho, a convivência, a
transcendência nesse nível realmente de solidariedade, de humanidade, de
fraternidade, de igualdade, de liberdade e ninguém melhor do que o evangelho
de Jesus Cristo, do que a própria palavra de Deus, para dar a cada um de nós
essa dimensão de igualdade, de solidariedade, de justiça, de humanidade, de
liberdade. O homem, na minha visão, ele tem que realmente se humanizar, se
construir, se acabar, para ser uma criatura plena perfeita e acabada; essa é
minha visão, que eu tenho nas minhas aulas de Antropologia Teológica, e é por
isso que eu falo muito para eles da construção do homem, da liberdade, do
sagrado, do profano, eu falo para eles do sentido da vida, do diálogo, da ética;
enfim, daquilo que parece ser o ideal de homem e, em tempo, torno a repetir
que o evangelho nos leva a essa plenitude de criatura segundo os sentimentos
de Jesus Cristo.
222
223
Ersio Lensi, professor da PUC-Campinas desde 1962, é professor
de História. É graduado em História, Geografia e Economia e fez pós-
graduação em História.
No inicio da entrevista, o Professor Ersio situou as atividades
desempenhadas por ele na PUC-Campinas, atualmente.
Economia, onde eu dou História Econômica, História, Geografia no
primeiro semestre, e também dou no segundo semestre no primeiro ano de
Turismo, sempre História, só que muda de foco.
O professor Ersio, a respeito das diversas mudanças ocorridas em
relação ao ensino, às novas tecnologias introduzidas e àquelas modificações
experimentadas em sala de aula, apresentou uma ampla contextualização e
muitos dados históricos contemplando a própria trajetória pessoal, a da
Universidade, bem como os relativos aspectos sócio-políticos do país.
Bem, a gente, neste tempo longo, a gente passou por várias fases,
várias etapas. O começo da minha carreira aqui coincide quase com a
revolução de 1964; eu era professor do estado, tinha uma carreira no estado;
224
como eu estava aqui, eu era aluno, prestei concurso, estava no quarto ano,
permitiu, eu passei, mas eu fiquei mais um ano até terminar, e, quando eu
voltei, fiquei três anos fora; aí, quando eu voltei para cá, Dom Amauri, que era
diretor da Filosofia, era sobrinho do Monsenhor Salim, na época reitor, me
convidaram para dar as primeiras aulas. Dois anos depois veio a revolução de
1964, então a gente viveu aquela fase tumultuada; para a História, por
exemplo, foi uma fase dificílima, porque, no conjunto da universidade, História
é uma pedra no sapato do governo; então, se a gente olhar para trás, foi o
curso que mais sofreu interferências, junto com Geografia e Ciências Sociais;
na verdade, o governo na época, ditadura militar, tentou de uma certa maneira
descaracterizar a área e nós sofremos aqui com a criação de outras faculdades
por do curso de Estudos Sociais e s acabamos por uma questão de
sobrevivência, durante algum tempo, criando o curso de Estudos Sociais;
que nós fizemos de uma maneira para evitar muito prejuízo para os alunos;
então, por exemplo, nós fizemos o curso de Estudos Sociais e o aluno poderia
parar no segundo ano que era lei, licenciatura curta; depois, se ele fizesse até
o terceiro ano ele teria a licenciatura plena de Estudos Sociais; mas aqui nós
jogamos e conseguimos estabelecer o seguinte: os dois primeiros anos você
poderia escapar; aí, no terceiro ano, os alunos poderiam optar ou por História,
ou por Geografia, ou por Ciências Sociais e a gente trabalhou isso, foi uma
briga enorme, porque o governo era contra. Felizmente, na época, a faculdade
nos ajudou e a gente conseguiu. Para ter uma idéia, no fim da década de 1970,
quando essa história do Estudos Sociais ainda sofria muita oposição, aquilo era
uma miscelânea, o aluno tinha uma aula de cada coisa, não aprendia a
matéria, uma tragédia, e a gente conseguiu fazer quase que como um primeiro
225
ano básico; e, depois, a gente separava os cursos, e na década de 1980 fui
eleito diretor, aliás fui o primeiro diretor eleito pela eleição geral da PUC.
Não para o curso... aqui era o Instituto de Ciências Humanas: História,
Ciências Sociais e Geografia e foi uma eleição diferente; a gente estava
naquela fase de sair da ditadura e passar para uma outra fase, então a gente
estudou, discutiu, brigou muito e nós fizemos uma rmula; o arcebispo tinha
feito uma intervenção, afastado aqui o reitor doutor Barreto e colocado na
reitoria o doutor Regina, professor de Direito, que foi assim realmente um
pedido do bispo para tentar aceitar, e a gente fez muitas reuniões e acabou
descobrindo uma fórmula, nós fizemos uma sugestão: a eleição de diretor seria
feita por alunos, professores e funcionários evidentemente cooperadores,
porque os alunos... era muito grande a diferença de número, e nós fizemos
uma eleição; aí tem aquela história da lista tríplice, que a gente tem que
mandar para a reitoria e nós colocamos mais um adendo ali, dizendo que
quem fosse o eleito, tivesse o maior número de votos, seria o diretor, o
segundo seria o vice; falamos com Regina, ele aceitou, fizemos a eleição e
um professor foi eleito primeiro diretor desse jeito, democraticamente, jogo
limpo, etc. Na época, a esquerda estava subindo na realidade, e a gente
ganhou, depois fizemos uma eleição nova e eu tornei a ganhar, e daí para a
frente a gente fez algumas eleições assim, até que acabou; uma intervenção
de Dom Gilberto liquidou com isso e passou ao sistema antigo de direção ser
nomeada; Reitor, nós chegamos até a fazer isso, eleição para reitor e
conseguimos, mas depois acabou, e ...você vê que o padre Davi, por exemplo,
é da época minha; ele era diretor de Teologia na época em que eu fui diretor
de Ciências Humanas. Depois dessa fase, a faculdade entrou numa fase... foi
226
elevada à universidade e aí passamos por algumas transformações mais assim
de ordem burocrática até chegar no que está hoje; nós tínhamos Institutos,
Faculdades e depois veio a reforma e hoje são Centros; por exemplo, na minha
área é centro de Ciências Humanas, que engloba as mesmas disciplinas do
meu tempo menos Geografia porque a Geografia hoje passou a fazer parte das
Tecnológicas, trabalha junto com a turma da Engenharia Ambiental, aquela
coisa; mas, em compensação, uma coisa que eu sei, definir desde o começo
daquelas eleições que Direito deveria fazer parte do nosso grupo e hoje faz. O
padre Paulo é diretor do centro de Humanas, que inclusive inclui Direito,
Teologia, Filosofia, que é realmente Humanas; acho que agora está bem
colocado, nem Direito existe muito não. A universidade passou por etapas,
acho que não é mais reflexos da política que o país viveu, de problemas
institucionais que o país teve, a gente... agora, eu não sei, mas é uma coisa
que ainda a semana passada eu estava discutindo com alguns alunos, a
revolução, aquele golpe de 1964, ele tem uma situação, na minha opinião,
muito curiosa, porque, no começo da minha carreira aqui, a gente viveu uma
época de muita luta universitária, esse pátio aqui é uma coisa para os
professores mais antigos, para quem se lembra da PUC...
É, Pátio dos Leões, isso aí é uma instituição a parte, eu vi pessoalmente
monsenhor Salim, que é o fundador, na época do golpe, vi monsenhor Salim
na porta do pátio, esse pátio "assim" de alunos, não cabia mais um aí, ele
segurar a polícia militar na porta e não deixar entrar, defendendo a autonomia
da universidade e não tinha só alunos da PUC na época aqui não, tinha alunos
da Unicamp.
227
Era reprimir os movimentos estudantis, que eram contra o governo
militar e depois o monsenhor morreu... e aí que veio a reitoria do doutor
Barreto; aí, o doutor Barreto era promotor público, se acertou mais com o
governo, tanto que se o senhor for para o campus I, que é o primeiro campus
fora daqui... não, o primeiro foi Letras, mas depois, quando fomos para lá, se o
senhor der uma olhada lá, aquelas ruas, aquelas avenidas, aquelas praças têm
nomes de militares ligados à revolução de 1964... que andaram roubando
todas as placas, porque elas eram de bronze de concreto e levaram embora
as placas... mas os nomes eram nomes de militares que, de uma certa forma,
ajudaram a fazer o campus, teve financiamento do governo através dessa
ligação com o reitor, que se colocava, assim, de uma certa forma, de acordo
com aquilo que estava aí no tempo da ditadura: Os estudantes eram uma força;
eu fico assustado de ver, faz mais de dez anos que os nossos estudantes
desapareceram, o senhor está aqui há quanto tempo?
Os movimentos estudantis morreram, mas não foi aqui. Eu acho
que, de uma forma geral, o Brasil inteiro não tem mais isso, perdeu a força; por
exemplo, a UNE deixou de ter força, o Aldo Ribeiro, atual presidente da
Câmara, que foi eleito agora, é um moço que eu conheci aqui, fazendo
movimento, vindo aqui incentivar, era realmente um movimento, mas era uma
certa forma de defesa de direitos da universidade, deles mesmo; e hoje... eu
não sei a que atribuir essa pasmaceira que existe aí, os bons estudantes não
se interessam, há uma dificuldade enorme de fazê-los... de fazer qualquer
coisa, o DCE aqui acabou, ninguém confia, ninguém sabe nem onde é; quer
dizer, eu acho que a PUC passou por essas fases e é uma instituição
particular, confessional, tem problemas de todo tipo; tivemos inclusive a
228
concorrência com a Unicamp, que é uma escola pública, tivemos concorrência
dessa infinidade de escolas que apareceram por aí; o senhor veja, essas
escolas que a gente brinca, cada escola numa esquina, em qualquer lugar abre
uma faculdade e logo vira uma universidade, e se a gente vai olhar a gente se
assusta. O pior, o senhor sabe, que algumas dessas escolas a gente ajudou a
fazer, a gente ajudou a fazer com uma intenção boa; por exemplo, eu participei
algumas vezes dessas coisas no começo... a faculdade de Amparo, uma
faculdade em Amparo, aquela faculdade tem uma história engraçada ligada
com a gente; um sujeito apareceu lá, enganou o prefeito, montou uma história
que deu todos os cursos e o tinha nenhum professor, recebeu para fazer
vestibular sem trapaça e, no fim, o MEC foi e fechou e deixou a prefeitura
numa situação terrível; aqui tem um padre, Narciso Vieira Eriberto , Narciso era
uma cabeça excepcional, um homem magnífico e moço na época, e Narciso
então procurou a gente aí, que ele tinha aqueles papéis regulares no MEC,
reconhecimento e tal; então, alguns professores daqui ele conseguiu que a
gente pelo menos teoricamente ficasse professor , para regularizar, e depois
me aconteceu uma boa, depois de um ano trabalhando todo sábado à tarde,
minha mulher queria me matar , todo sábado à tarde a perua me pegava aqui e
a gente ficava a cinco e meia, seis horas em Amparo... e a faculdade
engrenou graças ao grupo de professores daqui; acho que Guaxupé, também o
bispo uma vez esteve aqui e me convenceu a levar o meu nome, São José do
Rio Pardo também; depois a gente parou, porque a gente via que a coisa era
mais ou menos pró-forma, são escolas que deixavam muito a desejar, mas a
PUC acabou ajudando na boa intenção e favoreceu gente e tal, mas a gente
passou por essas fases.
229
Mais detidamente, em relação às mudanças de ordem didática e
decorrente da introdução de novas tecnologias no ensino, o Professor Ersio
apresentou dados de inegável interesse.
Agora, dentro da sala de aula, eu acho que a gente mudou e, de uma
certa forma, acho que a gente mudou para melhor, acho que a gente arrumou
fórmulas, estudou, conseguiu fazer pós-graduação com grande dificuldade, que
a gente fazia pós-graduação aqui sempre por conta da gente; eu me lembro
que eu fiz pós na USP e, se eu atrasasse para voltar de São Paulo, perdia a
aula, descontava, nessa época; aqui, por exemplo, mudou muito, do meu
tempo inicial aqui realmente a gente conseguiu evoluir bastante, as
construções dos campus ampliaram muito, estão modernizando, ainda acho
que faltam coisas e é normal, vai faltar sempre, não é? ... não acaba nunca
isso.
Uso algumas coisas, isso mais ou menos conforme o curso; por
exemplo, onde eu uso mais esses meios é no curso de Turismo, no segundo
semestre, porque, por exemplo, a gente vai falar de patrimônio histórico, a
gente é obrigado a recorrer a uma projeção para que eles possam ver... é
patrimônio europeu ou é uma região lonnqua do Brasil, não a
possibilidade de ir lá mostrar; mesmo quando a gente fala da formação do povo
brasileiro e tenta mostrar, existem algumas obras, como as de Darci Ribeiro,
que são transformadas em filme e passa algumas partes para que eles
entendam... a projeção ajuda, eu não sei, eu acho, é uma opinião que eu
tenho visto em outros lugares; mas eu tenho a impressão de que a gente está
hoje numa situação um pouco complicada, s temos um pouco no Brasil um
problema, eu não sei bem; porque, quando surge uma novidade tecnológica, a
230
gente tem a sensação de que isso vai resolver os problemas de educação.
Por exemplo, eu trabalhei na Faculdade de Educação; para você ter uma idéia,
dei aulas de Prática de Ensino durante uns trinta e cinco anos, sendo
professor da Educação; e dois anos atrás dei dois anos de aulas aqui, por
um problema fui convidado para dar aula nessa área; trabalhei uns tantos
outros trinta anos ou mais em Biblioteconomia, chegou um ponto que na
Biblioteconomia todos os outros professores tinham sido meus alunos, ficou
uma situação que ficava até engraçado; fui coordenador do curso de Cultura
Geral da Biblioteconomia; fui muitas vezes coordenador do curso de História;
fui duas vezes diretor; mas, na realidade, eu acho que essas coisas
acontecem e parece que não resolveu; então eu vejo uma invasão tecnológica
em certa áreas que não dão aquele resultado tão esperado, elas podem ajudar,
facilitar, mas eu tenho a impressão... e isso, no meu ponto de vista, não é
nosso problema, acho que é um problema universal, que aqui, para a gente
nos países mais pobres, mais simples, acho que é pior, há um empobrecimento
cultural, porque ninguém mais , eu fico assustado; eu brinco sempre e faz
anos eu falo: "gente, no meu tempo, quando estudei, não existia xerox, não
existia isso"; hoje, o senhor vai nessas coisas de xerox aí, eu fico assustado, lá
nas tecnológicas eu vejo coisa desse tipo, o aluno pede o caderno do outro
aluno e xeroca o caderno do outro aluno, ninguém um livro , lê um trechinho
que o professor indicou, vai no xerox ... e o livro mesmo ninguém lê; eu acho
isso um empobrecimento sério, fora a Internet que virou uma ferramenta que é
muito mal usada, cópias dessas coisas acontecem aí... eu, por exemplo, faz
muito tempo que eu não peço a meus alunos para fazer trabalho fora de
classe, eu me desiludi disso faz muito tempo; não adianta, porque eu fico
231
corrigindo trechos de livros, trabalhos da internet, ele não faz nada, ele copia;
até, por sinal, para o senhor ter uma idéia, acho que eu sou meio velho mesmo,
sabe?... Há uns anos atrás aconteceu um fato curioso, eu estava começando a
dar aulas em Turismo e teve uma adaptação no currículo e tive que vir dar aula
no primeiro ano e tive que dar também no segundo, mas eu não conhecia bem
a turma e eles também não me conheciam, e, quando chega a uma certa
altura, a turma estava desesperada com as notas e me convenceram a dar um
trabalho para eles. "Tá bem" ... pensei como é que ia dar duas aulas sobre o
Nordeste, o potencial turístico da região, falando do Rio São Francisco, o bispo
agora, lembrei do bispo; então eu dei um trabalho, passei um vídeo, falei:
"vamos fazer um trabalho sobre o Rio São Francisco, explorar um pouco a
história" e dei quinze dias de prazo; um dia, chego lá, tinha um pacote assim
de trabalhos, a classe tinha uns quarenta alunos, cinqüenta no máximo, "o
que significa isso?", mas era um calhamaço; carreguei, pus no meu carro e
trouxe para casa, comecei a ler aquilo e pensei " que coisa maluca, não tem
nada daquilo que nós vimos, que coisa diferente", até que, lendo um trabalho,
me interessei e comecei a ler mais; eu falei: "mas eu conheço isso aqui”,
mas achava esquisito, porque o tema que a aluna tinha colocado era "A
transposição de águas do Rio São Francisco", que o que ela escrevia não
era sobre o São Francisco; eu puxei pela minha cabeça e disse: " isso eu
conheço de algum outro lugar, não é o Rio São Francisco"; acontece que no
governo do presidente Geisel, por aí, houve um projeto de transposição de
águas do rio Tocantins para o Nordeste, e, naquela época, o Ministério do
Interior publicava uma revistinha, chamava-se Interior e eu recebia essa
revista quando diretor, até uns anos esteve aqui; depois, como coordenador,
232
continuei recebendo, depois acabou, a revista acabou e o plano estava ,
que a menina tomou cuidado, onde estava Rio Tocantins ela apagava e punha
Rio São Francisco; quer dizer, eles estão usando as coisas indevidamente,
sem critério; eu devolvi tudo aquilo e disse " se a semana que vem não vier um
trabalho que eu reconheça que é seu, vou dar zero para todo mundo, vai piorar
muito a situação"; aí reconheceram, todos copiaram da Internet. Então, eu acho
que essa tecnologia ajuda, pode ser útil, mas ela tem que ser usada com muito
critério, com metodologia correta, e quem não entende não deve mexer, o
deve usar. Para o senhor ter uma idéia, em 1964, quando saiu a revolução, na
véspera eu estava em Brasília, fazendo um curso na universidade de Brasília
mas eu era convidado do MEC, e trabalhei com o doutor Lauro de Oliveira
Lima, que era chefe do ensino secundário e ele... eu era representante do MEC
daqui de São Paulo e tinha gente do Brasil inteiro e o projeto era um projeto de
tecnologia nova; Piaget era moda na época, no MEC, então havia todo um
esforço para trabalhar em grupo, aquelas coisas, pesquisa; e, quando estava
terminando o curso, uma tarde o doutor Lauro mandou me chamar, que queria
conversar comigo e me convidou se eu não queria ir trabalhar com eles; e eu
era bem jovem, recém-casado, e eu falei, eu gostei tanto daquilo e falei: " eu
vou pensar...". Eu, sabe qual era o meu projeto? eu ia trabalhar no Rio de
Janeiro com um padre chamado Montenegro, era um pedagogo que estava
montando um projeto no Brasil inteiro para alfabetização através da tevê
(televisão), porque a tevê era novidade; bom, e aí ficou; Ele me deu um tempo
para dar a resposta, eu voltei e pensei vou trabalhar num negócio bonito;
minha mulher disse: "opa! A gente tem criança pequena, minha família mora
aqui, a sua mora ali na esquina, nós vamos morar no Rio?" O Rio naquele
233
tempo era longe, o telefone não falava, ela pôs uma série de obstáculos; Aqui,
na universidade, tinha o professor Raia, que foi diretor do MEC inclusive, era
diretor da Educação, da Pedagogia, na época; ele disse: " Ersio, mas nem
discuta, vá, fazer uma carreira nobre”, e eu estava animado, e eu tinha um
prazo aabril para dar o meu nome e eu não dei e saiu a revolução; todos
que estavam lá foram presos, só eu escapei porque o meu nome não estava, o
Lauro de Oliveira Lima foi mandado embora do serviço público, ficou cem dias
na cadeia, coitado, eles acabaram com a vida dele, com a carreira dele; mas
eu acho que com essa tecnologia precisa tomar muito cuidado, para a gente
não pensar: porque tem computador, joga fora o livro, o professor.
Olha, é relativo, é difícil fazer uma avaliação desse tipo, porque o
número de alunos cresceu muito, então o senhor vai no campus I, naquela
biblioteca enorme que tem lá, com toda aquela variedade de cursos, eu tenho a
impressão que a biblioteca tem sido usada bem; agora, não saberia dizer se
houve um aumento qualitativo dessa pesquisa, dessa consulta, não sei, talvez
a biblioteca pudesse fazer um trabalhinho desse tipo e mostrar para a gente,
para ver... eu acho que muita dificuldade naquele sentido de que o aluno
tem enorme dificuldade de ler um livro, ele quer o xerox, ele quer uma parte;
então, muitas consultas na biblioteca... fica complicado; a gente a
bibliografia, indica e raramente alguém vai e acessa o livro inteiro, mesmo o
livro existindo na biblioteca; na nossa área, área de História, eu acho que isso é
feito com maior regularidade porque os professores são mais jovens agora e
eles têm exigido que se na fonte, que se pesquise, então o trabalho da
biblioteca para que a turma vá pesquisar.
234
As observações feitas pelo professor Ersio fornecem também
informações de suam relevância para a compreensão das mobilizações
ocorridas na Universidade, com destaque para a questão da participação
política discente no momento contemporâneo.
Por muitas, muitas greves, greves terríveis, inclusive uma delas que eu
nunca vou esquecer: havia um aluno, acho que José Carlos se não me engano,
que, na época, movimentou a universidade e olha foi uma greve terrível, eu era
coordenador de curso, então vivia nesse salãozinho nobre... aí que monsenhor
Salim, na direção da universidade, sofreu aquela época... mas foi uma tragédia
e no meio dessa... o monsenhor morreu, teve um enfarte, a turma dizia: " é
tanta pressão em cima dele". Mas nós tivemos greves, tivemos alunos terríveis;
nessa época, alunos realmente assim ideologicamente comprometidos com
ideologias deles, alunos profissionais. Nós tivemos alunos, por exemplo, que
faziam o curso de História; quando você achava que ficava livre dele, no ano
seguinte ele voltava para fazer Ciências Sociais ou então o contrário, e ficavam
aqui oito, dez anos dirigindo os movimentos.
Olha, envolvia todo mundo, porque a gente, mesmo como professor,
principalmente a gente que era mais jovem, a gente estava sempre no meio da
briga, a gente acabava participando, às vezes do lado dos alunos, às vezes
defendendo a instituição, mas as greves foram terríveis; aí, de uns anos para
cá, não teve mais greve nenhuma.
Eu acho que a própria...o golpe de 1964 foi muito longo e
descaracterizou a ideologia política; então os estudantes se despolitizaram,
hoje é difícil a gente encontrar estudantes politizados, que têm idéias a respeito
de teorias, de ideologias, sabe? É uma coisa curiosa a gente perceber essa
235
falta de interesse político, ideológico; a maioria se isola, não está muito afim,
não discute muito; é complicado, raramente a gente encontra um grupo, pelo
menos tem sido assim nos cursos que eu faço, raramente a gente encontra
um grupo que tem essa postura e que discute por ela; por exemplo, o ano
passado eu achei uma delícia no primeiro semestre trabalhar com Geografia,
não foi o ano passado, foi antes, antes da eleição do Lula, naquele momento
anterior à eleição do Lula, eu tinha um... tinha um primeiro ano de Geografia
em que os alunos eram mais maduros, havia uma boa turma além dos trinta
anos, e todos muito politizados, a maioria petista; inclusive havia um rapaz que
era...no fim do curso, ele foi nomeado diretor, coordenador da AR 12 lá do São
Bernardo, um homem politizado. Havia um outro rapaz que era daquele
assentamento feito em Sumaré, aquilo está dando certo, há vinte anos está lá;
então, foi um momento diferenciado em que a gente teve condições de um
diálogo, eu fiz o papel de botar as coisas para pegar fogo mesmo, o senhor
imagina numa turma dessas, de cinqüenta alunos, tinham uns dez que não
eram muito politizados, a gente dava o curso de reforma agrária e eu fiz o
papel do diabo, do advogado do diabo; por exemplo, eu pegava tudo que era
contra a reforma agrária e levava lá, por exemplo autores, por exemplo, o
presidente do INCRA, gente assim que foi, falou, falou da reforma agrária, às
vezes contra; mas o senhor não faz idéia de como aquilo rendeu, aquilo foi
bom. Agora, de um modo geral, o senhor fala e não há reação, quero dizer, eu
acho que a despolitização foi provocada pela instituição do governo de
ditadura, que bloqueou, prendeu, fez uma série de coisas e acabou abafando
isso... é difícil, viu?, complicado; mas eu acho que falta um pouco desse
236
interesse, eu não sei se tem mais causa, talvez tenha sim, mas essa, para
mim, é importante, a falta de politização deles.
Os aspectos concernentes à atual estrutura universitária (ensino,
pesquisa e extensão) suscitaram comentários substantivos por parte do
Professor Ersio.
Eu acho que é fundamental e acho que a gente tem caminhado nesse
sentido, acho que há muita coisa a fazer, muita coisa para trabalhar, mas
acho que a PUC está no caminho certo, acho que essa coisa da extensão é
muito boa, ela põe a universidade em contato com a realidade...
Eu acho que, é minha opinião e acho que não é minha não, eu acho
que a educação num nível de estudo assim, e a nossa faculdade aqui tem,
isso muito bem, é fundamental para um país; sem isso eu não vejo saída, por
isso qualquer movimento, qualquer curso que tende a melhorar a educação,
seja ele um curso de graduação, seja pós, seja especialização, eu acho que
isso é fundamental; enquanto nós não resolvermos esse problema sico, a
educação, o nosso país não vai sair disso, o resto é perfumaria; talvez se
possa dizer: " mas, e a saúde?", eu acho que é tão importante quanto, mas eu
acho que a saúde, através da educação, pode melhorar, porque a pessoa
educada vai reivindicar, o que não faz hoje. Eu fico muito contente de ver, às
vezes tenho contato, agora perdi, faz dois anos que perdi um pouco o contato
porque desmembrou as cadeiras, perdi as aulas porque houve uma
reformulação, mas a Educação para mim é a base da universidade, ela tem
que ser fundamental, senão eu não entendo como a gente pode progredir; a
Educação é aquele centro do qual o país não pode escapar; infelizmente, a
gente olha os anos que se passam, o muda nada; às vezes muda nesse
237
nível, uma instituição trabalha por conta própria, faz um esforço, e realmente
é muito bom, mas eu acho fundamental, deve não parar, tem continuar a
aperfeiçoar-se.
A história da PUC-Campinas, da cidade e região, nas palavras do
Professor Ersio, apareceu muito imbricada.
Bem, eu acho que Campinas em relação à PUC, o senhor pensa? Bom,
é uma coisa de que eu gosto ade falar, porque, quando eu comecei aqui,
que eu fui aluno e logo depois virei professor, nós éramos um centro estadual
de importância fundamental, a gente andava pelo interior e a maioria dos
professores tinham se formado aqui, o senhor via os colegas do interior, a
grande maioria era formado na PUC de Campinas e essa era uma função de
Campinas que a PUC exercia muito bem, os colégios todos tinham uma ligação
muito intensa com a gente; depois, a cidade cresceu, era um setor regional,
hoje virou uma metrópole que aqui está, vieram as outras escolas e nós
perdemos isso, esse papel tão importante, nós formamos ainda muitos
professores; mas o senhor sabe que, em nível de licenciatura, a gente caiu
muito, os cursos ficaram todos pequenos porque uma concorrência enorme,
na própria redondeza aqui as escolas oficiais apareceram e a gente perdeu
muito; eu me lembro no começo que a gente recebia alunos de Uberlândia,
Uberaba, de outro estado, e vinham estudar em Campinas e na PUC; esse
papel um pouco a gente perdeu, mas em compensação acho que a PUC se
adaptou a uma Campinas mais moderna, diversificando as áreas tecnológicas
de Ciências Médicas e tal, acho que a PUC abriu um leque normal. Mas a
gente perdeu um pouco aquele papel de ser uma escola que formava aqueles
que iriam formar o futuro do país, que são os educadores, essa é uma
238
diferença que eu noto muito séria do nosso tempo e eu tenho saudade da
época, era muito gostoso, em todo lugar que a gente ia encontrava ex-alunos
da PUC, era uma alegria enorme; todo mundo, sabia, era formado na PUC-
Campinas, principalmente nessa área do magistério.
Não, na época em que eu comecei aqui, Campinas ainda não era
industrial, estava começando, era uma cidade comercial. Campinas vivia em
função do comércio. Por exemplo, a rua Treze de Maio era uma rua com um
comércio extraordinariamente importante, era chic, completamente diferente
do que ela é hoje, eram lojas de alto padrão, muitas lojas que estão no
shopping hoje tiveram sua sede na Treze de Maio, e Campinas tinha um papel
curioso, porque, se a gente olhar o sistema de comunicação, na época o
havia muitas estradas, era ferroviário e a Mogiana terminava aqui; então, a
Mogiana do Triângulo Mineiro, de perto de Ribeirão , do sul de Minas,
despejava todo mundo aqui. Campinas centralizava de uma maneira
extraordinária este comércio, então Campinas vivia disso, eu me lembro até
que a gente olhava na cidade assim; acho que indústria mesmo, com esse
nome, era a fábrica de chapéus Cury. Depois começaram a aparecer indústrias
fora, próximas de Campinas e aí, nas décadas de 1960 e 1970 para cá,
industrializou-se e descaracterizou um bocado. Campinas era uma outra
cidade; o senhor imagina, no tempo em que eu comecei aqui, ninguém entrava,
por exemplo, para assistir uma sessão de cinema se não fosse de gravata, não
podia entrar.
Havia muitos, havia vários cinemas na cidade, era o principal ponto de
diversão praticamente da cidade, e eles fecharam porque a televisão os
matou, com o vídeo essas coisas, realmente liquidou.
239
O campus I? Sei, agora a data, assim... professor de história com
dificuldade de data, mas é normal. Mas foi na década de 1970, o ano certo eu
não sei, inclusive eu participei muitas vezes de reuniões com a reitoria sobre
aquilo, sabe? Dei palpites, troquei idéias, muitas vezes o reitor doutor Barreto...
eu nunca me esqueço disso... uma manhã nós fomos numa reunião e ele
disse que ia começar a asfaltar e ele queria saber sobre asfalto e minha
família é uma família de italianos, eu sou neto dos quatro lados de italianos ,
meu pai e minha mãe eram primos de primeiro grau e ele sempre trabalhou
com isso, com pedras, minha família sempre fez paralelepípedos, britou
pedras, tive tios que tiveram empresas de asfalto. Um dia falei: "vamos fazer
um asfalto aqui e o senhor vai gastar uma fortuna, daqui a pouco o senhor vai
ter que fazer tudo de novo, não vão agüentar"; então, ele mudou os planos
para montar... eu ajudei, algumas vezes, participei de reuniões, de vez em
quando eu dava palpite e eles me mandavam embora; um dia, eu estava
conversando com Dom Roberto, ex-bispo de Jundiaí, velho amigo, eu gostava
muito dele, e um dia eu disse para ele: " Escuta, nós estamos construindo o
quê no campus, não é uma escola?", ele: "é", eu falei: "Por favor, nessa planta
aqui, onde é que tem uma sala de professores?", " Não tem nenhuma,
possuímos salas de aulas e campina", eu falei: " E o professor fica onde?";
começaram a improvisar, dividir salas, e virou sala de professor improvisada;
quero dizer, dessa vez... minha opinião... o Dom Roberto não gostou da
observação e durante um tempo o me chamou mais para fazer parte das
reuniões; quero dizer, foi uma época muito trabalhosa e muito boa em que a
gente pôde participar bastante, é o campus que ampliou nossas possibilidades
240
de trabalhar aqui e trabalhar lá, os velhos colegas que brincam: "É muito
melhor aqui", e um campus universitário é diferente.
A PUC sim; lógico e evidente que ela não é perfeita, que ela tem alguns
problemas, mas a PUC é a minha casa, eu me formei aqui, vivo aqui muitos
anos, como professor são quarenta e três, fora o tempo em que eu fui
aluno, mas eu acho que a PUC é a minha casa, criei nculos, vínculos
afetivos, emocionais e culturais mesmo, tenho amigos que não saberia nem
viver sem eles mais hoje, e a PUC também é a minha casa, realmente eu me
sinto muito bem. Olha, não é por questão assim de que você ficou aqui;
para você ter uma idéia, na época em que a gente era mais jovem, como
coordenador, diretor do curso e usando o doutor Odival que era professor da
USP, a gente fez um intercâmbio enorme com a USP, semanas de estudo aqui
de História; por exemplo, aqui nesse prédio, a gente conseguia trazer
professores da USP que passavam o dia inteiro aqui, onde hoje fica o salão
nobre, aqui, no fim do corredor, ali tem uma parte impedida, era um salão
enorme ali, professores, como o professor Raul de Andrade Silva, por exemplo,
vinham aqui e ficavam a tarde inteira com os alunos, faziam seminários, não
era vir fazer palestras não, havia professores que todo ano faziam questão
de vir, eu convivi muito com a USP, criei muitos amigos lá; mas, na realidade,
havia um diferencial, sempre houve esse diferencial, acho que a PUC tem esse
caráter mais humano, acho que também deve ser pela sua própria vocação
católica, eu acho que realmente tem; às vezes, a turma brinca "é muito católica
no nome e não é na ação", mas é uma instituição que depende de dinheiro, o
que não é fácil, lógico que nesse tempo era mais simples, era mais cil; eu
tenho um ex-aluno que foi meu aluno em Igarapava, quando entrei no
241
magistério, eu acabara de me formar aqui e assumi uma cadeira e dei aula
três anos, e um aluno que foi meu aluno lá, no colegial, depois eu vim
encontrar com ele aqui, anos depois, ele tinha feito Matemática e depois fez
Engenharia, na PUC, e virou professor da FACECA, na faculdade de
economia, trabalhou até o ano passado e foi dispensado e ele era de uma
família simples, hoje ficou rico, e eu lembro que ele me disse: " Olha, Ersio,
uma coisa eu nunca vou esquecer na minha vida", ele trabalhava no banco e
fazia o curso aqui e ficou devendo, não conseguia pagar, atrasou lá, ele disse:
"um belo dia tentei falar com o monsenhor Salim", o monsenhor Salim morava
aqui sabe, num desses quartinhos, e o monsenhor comia aqui; num canto
aqui tinha uma cozinha e a minha diretoria de História e a cozinha do lado de lá
e ele veio falar com o monsenhor e monsenhor ouviu toda a história que ele
contou; aí ele disse: " Olha, nunca vou esquecer na minha vida, quando
acabou a prosa, ele contou que ele devia, tudo, " A partir de amanhã você vem
jantar todo dia comigo, vai fazer economia e venha jantar, vai viver melhor e a
dívida que você tem com a PUC a partir de agora esquece, paga daqui para a
frente".
A entrevista com o Professor Ersio trouxe, igualmente, elementos
essenciais para a compreensão do magistério, do papel da carreira docente e
de suas experiências.
Ensinar? Acho que é indicar caminhos para que o educando aprenda a
aprender por conta própria, que ele descubra as possibilidades que existem
para que ele continue se aperfeiçoando, mesmo depois que sai do mestrado,
não imaginar que é aquele que vai ensinar tudo, que vai aprender tudo; acho
que esse é o grande trabalho de ensinar, é formar o indivíduo para que ele
242
consiga se tornar independente do ponto de vista intelectual, consiga depois
continuar o trabalho.
Olha, eu não sei, acho que a vocação existe, eu nunca tive vontade de
fazer outra coisa, dediquei a minha vida inteira ao magistério; mesmo na
época em que fui professor no estado, trabalhava com as crianças na rua
depois, concomitantemente com a universidade; para o senhor ter uma idéia, o
ano que vem, se Deus me der forças, vou completar cinqüenta anos de
magistério ininterruptos, são cinqüenta anos na mesma profissão e quero dizer
que para mim é um trabalho prazeroso: trabalhei muito, foram épocas de
jornadas imensas, cedo, à tarde, à noite, mas é um trabalho que me realiza, eu
gosto, o contato com a escola, com os alunos me faz muito bem, acho que isto
seria vocação, eu gosto, para mim é um prazer.
Tive, tive. Realmente, eu entrei numa situação complicada, para mim foi
muito complicado, eu era professor novo, do ensino estadual e eu recebi o
convite para vir aqui, fui entrevistado por Dom Vaqueiro?, ele me levou ao
monsenhor Salim, trocamos idéias, ele me falou o que queria fazer, eu pedi um
tempo: " o senhor dá um tempo para eu me preparar, eu não estava esperando
um coisa dessas" e ele disse: " Tudo bem"; ele me deu quinze dias, quinze
dias passaram voando e aí que eu descobri que eu estava sendo convidado
porque havia um professor, que vinha de o Paulo, e que os alunos o
queriam mais; quer dizer, eu entrei para suprir uma área que estava em
rebuliço, era uma guerra; aí eu vim mocinho para substituir um senhor e
dividiram as aulas dele: era História Moderna e Contemporânea que ele dava;
então ele ficou com a Contemporânea e eu peguei a Moderna, que estava no
segundo ano, segundo para o terceiro; então eu dei aula, mas as primeiras
243
aulas foram terríveis, medo de errar, de não fazer direito; mas eu engrenei,
pude me dedicar , estudar, trabalhar. Quando foi o ano seguinte, os alunos
daquela série da frente disseram para a reitoria que me queriam também,
não queriam mais o outro professor, e aí o professor ...mas eu tive muito medo,
acho que medo a gente tem que ter, porque é uma coisa nova, no mínimo
diferente, que é lidar com jovens, mas foi uma coisa interessantíssima; eu sou
amigo do Dom Amauri, ainda esses dias falei com ele, essa semana quero
fazer uma visita, que ele o está bem; é uma pessoa que, de uma certa
forma, ajudou a me orientar, acabou me levando para o magistério e eu fico
grato realmente a ele, ao monsenhor e aos outros professores da época que
me ajudaram, porque eu era menino. Eu me lembro... quantas vezes eu
terminava a aula e, numa das portas aqui da escola, eu encontrava o professor
Sampaio, Francisco Sampaio, era um senhor com toda aquela bagagem, um
homem famoso e um dia ele me esperava com chapéu, ele andava de chapéu,
com o chapéu na mão, ele bateu nas minhas costas, ele falou: "Menino, mais
devagar", eu disse: "Por que?" ele falou: "Eu estava ouvindo a sua aula, não
pode se entusiasmar tanto, você vai acabar com você mesmo, a sua voz..."
quero dizer, ele me dava conselho aquando a gente ia embora; quero dizer,
eu devo a essa gente muitas coisas que me acalentaram ali, que me ajudaram,
por isso sou grato a ele e quando posso sou reconhecido.
Olha, eu acho que ser hoje, participar hoje, dessa obra que é a
educação, principalmente no caso de vocês que estão fazendo mestrado nessa
área, eu acho que deve persistir, estudar, ter amor por isso porque isso é muito
importante; não sou daquela idéia que magistério é sacerdócio, o senhor sabe
que não é verdade, o senhor é e sabe que é diferente, mas acho que essa
244
função é uma função nobre, é uma função básica, que deve persistir, que,
infelizmente, nosso país não importância, mas eu acho que deve persistir,
que deve continuar e que Deus deve abençoar vocês pelo trabalho que vão
fazer daqui para a frente; nunca me esqueço de que quando dava aula de
História Contemporânea, dizia para os meus alunos que Guilherme II, um
kaiser alemão , depois da unificação, fez na época um discurso e dizia que a
grandeza da Alemanha, a unificação da Alemanha, ele devia ao mestre da
escola que preparou aquele país para ser o que era; e nós precisamos fazer
isso que está aí.
ANEXO 1
Nome: Nair Leme Fobé
Rua: Rafael Andrade Duarte nº: 90 apto
Bairro: Nova Campinas Cidade: Campinas Est: São Paulo
Telefone: 3253.0147 email: Ia[email protected]r
Casado(a) sim Nome: Luc-Antoine
Filhos(a): dois H: um M: uma Data de nascimento: 03 /09 / 1933
CEP: 13092-180
Atualmente onde trabalha? na PUC de letras Tem cargo: como professora
Data de ingresso como docente na universidade: 1951 Quantas aulas hoje:
20 aulas
Graduação: Letras Anglo-Germânicas
Titulação: Mestrado ( ) Doutorado ( ) outros ( X )
245
ANEXO 1.1.
Nome: Valdemiro Caran
Rua: Regente Feijó nº: 512 apto: 74
Bairro: Centro Cidade: Campinas Est: São Paulo
Telefone: 3231.7027 email:
Casado(a) Nome:
Filhos(a): H: M: Data de nascimento:11 /02 / 1924 CEP: 13013-051
Atualmente onde trabalha? na PUC Central Tem cargo como: professor
Data de ingresso como docente na universidade: 1953 Quantas aulas hoje:
06 aulas
Graduação: Filosofia, Teologia e Direito
Titulação: Mestrado ( X ) Doutorado ( ) outros ( X )
ANEXO 1.2
Nome: Maria Therezinha Corrêa Marques
Rua: Conceição nº: 84 apto: 52
Bairro: Cambuí Cidade: Campinas Est: São Paulo
Telefone: 3295.8801 email:
Casado(a): sim Estado civil: viúva
Filhos(a): sete H: três M: quatro Data de nascimento: 07 /10 / 1925
CEP: 13025-055
Atualmente onde trabalha? na PUC Campus I Tem cargo como: professora
Data de ingresso como docente na universidade: 1953 Quantas aulas hoje:
13 aulas
Graduação: Serviço Social
Titulação: Mestrado ( ) Doutorado ( ) outros ( X )
ANEXO 1.3
Nome: Haroldo Niero
Rua: Egberto Ferreira de Arruda Camargo
nº: 151 apto:
246
Bairro: Jardim Notre Dame Cidade: Campinas Est: São Paulo
Telefone: 3258.2594 email:
Casado(a) Nome:
Filhos(a): H: M: Data de nascimento: 14 /08 / 1927 CEP: 13092-621
Atualmente onde trabalha? na PUC Campus I Tem cargo como: professor
Data de ingresso como docente na universidade: 1951 Quantas aulas hoje:
20 aulas
Graduação: Filosofia e Letras
Titulação: Mestrado ( X ) Doutorado ( ) outros ( )
ANEXO 1.4
Nome: Ersio Lensi
Rua: Maria Monteiro nº: 841 apto: 102
Bairro: Cambuí Cidade: Campinas Est: São Paulo
Telefone: 3252.8253 email:
Casado(a): sim Nome: Beolisa Goulart Lensi
Filhos(a): dois H: um M: uma Data de nascimento: 07 /06 / 1962
CEP: 13025.151
Atualmente onde trabalha? na PUC Campus I Tem cargo como: professor
Data de ingresso como docente na universidade: 1962 Quantas aulas hoje: 6
aulas
Graduação: História e Geografia.
Titulação: Mestrado ( ) Doutorado ( ) outros ( X )
ANEXO 1.5
Campinas, 14 de junho de 2006.
Eu,______________________________________________________,
247
Declaro para os devidos fins que cedo os direitos de minha entrevista,
gravada no dia no dia __/__/__ para Rogério Canciam, para ser usada
integralmente ou em partes, sem restrições de prazos e limites de citações,
desde a presente data.
Abdicando de direitos meus e de meus descendentes, subscrevo a
presente, que terá minha firma reconhecida em cartório.
NOME _________________________________________________________
_______________________________________________________________
ASSINATURA
248
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