Download PDF
ads:
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
ANDRÉ FELIPE SAIDE MARTINS
A PROVA DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO
DOUTORADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
ANDRÉ FELIPE SAIDE MARTINS
A PROVA DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO
DOUTORADO EM DIREITO
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para a obtenção do
título de DOUTOR em Direito (Direito
Tributário), sob a orientação do Professor
Doutor Donaldo Armelin.
SÃO PAULO
2007
ads:
Banca Examinadora
Dedicatória:
Aos meus filhos, Gervásio e Malu, incentivos
permanentes;
Ao meu avô, Felipe Saide Netto (in memoriam),
com muita saudade;
Ao meu pai, Gilberto Martins Filho, e à minha
mãe, Cassinha Martins, pelo suporte, pela força,
e pela companhia no momento mais difícil da
minha vida;
A Deus, sine Quo non...
Agradecimentos:
A todos os meus colegas da graduação, que
dividiram comigo o sonho de, um dia, servir à
sociedade com caráter e dignidade;
Aos meus colegas do curso de Pós-Graduação
lato sensu, da Faculdade de Direito de Vitória
(FDV), que me fizeram enxergar o Direito como
Ciência;
Aos meus colegas do Mestrado da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP),
com quem aprendi valiosas lições de Direito,
especialmente ao Dr. Fábio Araújo, amigo
querido, jurista de escol e magistrado dinâmico;
Aos meus colegas do L.L.M., da Faculdade de
Direito da Universidade de Miami (Florida),
especialmente ao Dr. Leonardo Maniglia, amigo
fraterno e aluno exemplar;
Ao Professor Nicolò Trocker, de quem tive o
orgulho de ter sido aluno;
Aos colegas e aos professores do Curso de
Direito (Juris Doctor Program) da Nova
Southeastern University, especialmente ao Sr.
Ethan Hall e ao Professor Michael Flynn, que
me ensinaram a ouvir críticas;
Ao Professor Doutor Nelson Nery Júnior, meu
orientador do Mestrado, pela atenção
permanente e pela orientação segura e
competente;
Ao Professor Doutor Donaldo Armelin,
verdadeiro cientista do Direito, que, pelas suas
orientações e pelos seus conselhos, me faz sentir
orgulho de ser seu contemporâneo;
Ao Professor Doutor José Augusto Carvalho,
pela revisão do texto e pelas lições de
lingüística;
Ao meu irmão “Xaxá” e ao meu primo-irmão
Vitor Saide, pelo incentivo e pela força.
RESUMO
Este trabalho versa sobre a prova do fato jurídico tributário. A esse
respeito, foram estudadas, no primeiro capítulo, as características do fato
jurídico tributário como espécie de fato jurídico. Partindo do pressuposto de que
só há Direito onde houver linguagem, ou seja, de que para o Direito só existe
aquilo que é vertido em linguagem competente, por meio de provas, foi
indispensável inserir elementos de Filosofia do Direito. Em seguida, no campo
da Teoria Geral do Direito, qualificamos o fato como fato jurídico,
classificando-o. A partir daí, esclarecemos a função da norma geral e abstrata,
bem como o papel da norma individual e concreta na formação do fato jurídico
tributário. Para um tratamento adequado à análise jurídica da prova,
procuramos, no segundo capítulo, selecionar as questões diretamente
relacionadas com a prova do fato jurídico tributário. Identificamos o conceito de
prova, interpretamos o sentido do signo “verdade” para o Direito e definimos o
procedimento probatório, sem olvidar os meios de prova. Foi necessário que a
pesquisa se adentrasse na prova do fato jurídico tributário. Coerentes com as
premissas fixadas nos dois primeiros capítulos, sem as quais não poderíamos
desenvolver o terceiro, procuramos responder às questões centrais sobre o tema,
principalmente à de como provar o fato jurídico tributário, extraindo nossas
conclusões com lastro em princípios fundamentais da Constituição Federal,
conforme a jurisprudência encampada pelos órgãos administrativos e judiciais.
ABSTRACT
This paper examines the evidence of the tax legal fact. To such
purpose, the first chapter studies the characteristics of the tax legal fact as a type
of legal fact. Considering that Law only exists when language is present, i.e.,
Law only exists when it can be translated into competent language, by means of
evidence; it was indispensable to insert elements of Legal Philosophy. As a
sequence, in the field of General Law Theory, the fact is qualified as a legal fact
and then is classified. Following, the role of general and abstract rule of law is
explained, as well as the role of individual and concrete rule of law in the
formation of the tax legal fact. In order to obtain an adequate treatment for the
legal analysis of the evidence, in the second chapter matters that are directly
related to the evidence of a tax legal fact were selected. The concept of evidence
was identified, and the sense of the word “truth” for Law was interpreted, as
well as defining the evidence proceeding, without forgetting the means of
evidence. It was necessary for the researcher to study in detail the evidence of
the tax legal fact. To be coherent with the premises established in the first two
chapters, without which the third could not be developed, the researcher tried to
answer the main questions about the matter, mainly regarding how to prove the
tax legal fact, extracting conclusions based on the fundamental principles of the
Federal Constitution, in compliance to the jurisprudence adopted by
administrative and judicial entities.
RESUMÉ
Ce travail a pour sujet la preuve du “fait juridique tributaire”. À ce
respect, ont étés etudiées dans le premier chapitre, les caractéristiques du fait
juridique tributaire, comme espèce de fait juridique. Partant du présupposé que
seulement le droit existe oú se trouve le langage pour l’exprimer, autrement dit
que pour le droit seulement existe quand on peut le traduire en langage
competent, au moyen de preuves. Il est indispensable d’inserer des elements de
philosophie du droit. Ensuite, dans le champ de la theorie générale du droit,
nous qualifions le fait comme fait juridique, pour le classifier. A partir de ce
moment, nous illustrons la fonction de la norme générale et abstraite, aussi bien
que le rôle de la norme individuelle et concrête dans la formation du fait
juridique tributaire. Par traitement convenable à l’analyse juridique de la preuve,
nous procurons dans le second chapitre, selectionner les questions directement
relationnées avec la preuve du fait juridique tributaire. Nous identifions le
concept de la preuve, en interpretant le sens du signe “vérité” pour le droit, et
nous definissons le procédé probant, sans oublier les moyens de preuve. Il fut
nécéssaire que la recherche se poursuive a fond dans la preuve du fait juridique
tributaire. Cohérent avec les premisses fixées dans les deux premiers chapitres,
sans lesquelles on n’aurait pas pu developper le troisième; nous avons cherché à
repondre aux questions centrales sur le thême, principalement comment prouvé
le fait juridique tributaire, en extrayant nos conclusions basés sur les principes
fondamentaux de la constitution féderale, selon la jurisprudence approuvée par
les organes administratifs et judiciaires.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1
1 O FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO E AS PROVAS
4
1.1 A RELAÇÃO ENTRE LINGUAGEM, CONHECIMENTO, VERDADE
E PROVA JURÍDICA
1.2 EVENTO, FATO E FATO JURÍDICO
1.3 ENUNCIADO JURÍDICO-PRESCRITIVO, NORMA JURÍDICA E
RELAÇÃO JURÍDICA
1.4 CLASSIFICAÇÃO DO FATO JURÍDICO
1.5 A FUNÇÃO DAS NORMAS GERAIS E ABSTRATAS NA
CONSTITUIÇÃO DO FATO JURÍDICO
1.6 O FENÔMENO DA INCIDÊNCIA E A CARACTERIZAÇÃO DO FATO
JURÍDICO COMO TRIBUTÁRIO
1.7 O PAPEL DA NORMA INDIVIDUAL E CONCRETA NA FORMAÇÃO
DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO
1.8 FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO, RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA
E CRÉDITO TRIBUTÁRIO
1.9 A IMPORTÂNCIA DA TEORIA DAS PROVAS PARA O
RECONHECIMENTO DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO
1.10 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO E PRIMEIRAS
CONCLUSÕES
2 PROLEGÔMENOS A UMA TEORIA DA PROVA
2.1 CONCEITO DE PROVA
2.2 NATUREZA JURÍDICA DA PROVA
2.3 PROVA E VERDADE
2.4 OBJETO, FUNÇÃO E RESULTADO DA PROVA
2.5 DESTINATÁRIO DA PROVA
2.6 PROCEDIMENTO DA PROVA: PROPOSIÇÃO, ADMISSÃO
E PRODUÇÃO
4
38
42
61
67
71
77
81
97
101
103
103
108
116
127
132
134
2.7 ÔNUS DA PROVA
2.8 PROVA DOCUMENTAL, TESTEMUNHAL E PERICIAL
2.9 INDÍCIOS, PRESUNÇÕES E FICÇÕES
2.10 PROVA EMPRESTADA
2.11 PROVAS ILÍCITAS E ATÍPICAS
2.12 PROVA INFORMÁTICA
3 A PROVA DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO
3.1 PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DA ATIVIDADE TRIBUTÁRIA
3.2 O FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO E O ATO ADMINISTRATIVO
3.3 O LANÇAMENTO COMO ATO ADMINISTRATIVO:
CARACTERÍSTICAS, MOTIVAÇÃO E OUTROS REQUISITOS
3.4 O CONTRADITÓRIO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO
TRIBUTÁRIO
3.5 VERDADE, VEROSSIMILHANÇA, APARÊNCIA E PLAUSIBILIDADE
NA TELA TRIBUTÁRIA
3.6 FATO INDICIÁRIO, ENUNCIADO PRESUNTIVO, PROPOSIÇÃO
FICTÍCIA E CONSTITUIÇÃO DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO
3.7 O ÔNUS DA PROVA DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO
3.8 MEIOS DE PROVA: DEPOIMENTO PESSOAL, PROVA
TESTEMUNHAL, PERICIAL, DOCUMENTAL E DILIGÊNCIA
3.9 PROCEDIMENTO DA PROVA: PROPOSIÇÃO, PRODUÇÃO E
VALORAÇÃO DA PROVA NA TELA TRIBUTÁRIA
3.10 A PROVA EMPRESTADA PARA A CONSTITUIÇÃO DO FATO
JURÍDICO TRIBUTÁRIO
3.11 QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO
3.12 DENÚNCIA ANÔNIMA, VERDADE SABIDA
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
143
150
167
182
188
195
201
201
218
223
229
237
243
251
257
273
278
283
288
292
307
INTRODUÇÃO
Sem dúvida, dois dos temas mais discutidos no Direito Processual e
no Direito Tributário são, respectivamente, a teoria das provas e o fato jurídico
tributário, ou “fato gerador” da obrigação tributária. Da junção dos dois temas
surgiu a possibilidade de investigar a prova do fato jurídico tributário. Não se
conhece nenhum estudo detalhado acerca do tema objeto deste trabalho. Já se
escreveu sobre as provas, sobre o fato jurídico tributário e sobre a teoria das
provas no Direito Tributário, mas nada equivalente à prova do fato jurídico
tributário.
Todos os dias deparamos com fatos ou acontecimentos que são
relevantes ou irrelevantes para o Direito. O fato natural “chuva” é, a princípio,
irrelevante para o Direito. Mas imagine-se a seguinte situação: uma determinada
embarcação é orientada a permanecer no porto em função de uma forte tormenta
que atinge toda região. Não obstante, o seu comandante decide seguir viagem, a
embarcação não resiste ao mau tempo e naufraga, causando a morte dos
tripulantes e prejuízos materiais aos proprietários das cargas transportadas. Esse
fato, se for relatado em linguagem própria do Direito, será relevante para o
Direito.
Somente o fato jurídico entra no mundo jurídico, e isso se dá com a
incidência da regra jurídica sobre o suporte fático.
2
Contudo a regra jurídica não incide espontaneamente. Ao tomar
conhecimento do fato, realizado no mundo empírico, o aplicador do Direito vai
submetê-lo aos critérios de identificação do fato jurídico correlato, previstos no
antecedente de uma norma geral e abstrata (subsunção). Havendo identidade
entre o fato (ocorrido) e o fato (hipotético), o aplicador emite um comunicado
descrevendo o fato. Com a descrição do fato em linguagem jurídica, articulada
em consonância com a teoria das provas, ocorre a sua juridicização, ou a
incidência da norma jurídica sobre ele, tornando-o jurídico.
Tudo aquilo que não é vertido em linguagem competente é
irrelevante para o Direito. Ou seja: onde houver Direito, haverá sempre
linguagem. Os segmentos de linguagem indicados pelo Direito para a
constituição do fato jurídico são as provas.
Por meio das provas chega-se à verdade dos fatos. Mas qual
verdade? A verdade real, material ou possível? Seria razoável afirmar que a
Administração Pública persegue a “verdade material”?
Seria diferente na seara tributária? Se o fato ocorre, e alguém, que
tanto pode ser a Aministração quanto o contribuinte, consegue representá-lo
lingüísticamente, valendo-se dos meios probatórios disponíveis no sistema do
direito positivo, teremos o fato jurídico tributário, ainda que não seja possível
alcançar a “verdade material”?
A função da Fazenda Pública é arrecadar o tributo, mas para isso
precisa provar a ocorrência do fato jurídico gerador da obrigação tributária.
3
Então, é preciso saber como provar o fato jurídico tributário. À
primeira vista, a questão parecer ser simples, embora não o seja. Há princípios
constitucionais que preservam direitos ou garantias fundamentais do cidadão
contribuinte. Há meios de prova que são incompatíveis com esses princípios
constitucionais, assim como há meios de prova que são insuficientes para
convencer o julgador da ocorrência do fato. Mas como fica o fato jurídico
tributário diante da escassez de provas contundentes? Será que a Administração,
cujo interesse (público) se sobrepõe ao interesse (privado) do cidadão
contribuinte, ficaria impedida de exorar o crédito tributário?
Estudaremos essas e outras questões. A nossa proposta não é
colocar um ponto final no assunto e estabelecer conceitos definitivos, mas
somente expor as nossas conclusões, incentivando uma reflexão mais profunda
da doutrina sobre os pontos abordados neste trabalho.
4
1.
O FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO E AS PROVAS
1.1 A relação entre linguagem, conhecimento, verdade e prova jurídica. 1.2 Evento,
fato e fato jurídico. 1.3 Enunciado jurídico-prescritivo, norma jurídica e relação
jurídica. 1.4 Classificação do fato jurídico. 1.5 A função das normas gerais e
abstratas na constituição do fato jurídico. 1.6 O fenômeno da incidência e a
caracterização do fato jurídico como tributário. 1.7 O papel da norma individual e
concreta na formação do fato jurídico tributário. 1.8. Fato jurídico tributário,
relação jurídica tributária e crédito tributário. 1.9 A importância da teoria das
provas para o reconhecimento do fato jurídico tributário. 1.10 Delimitação do
objeto de estudo e primeiras conclusões.
1.1 A RELAÇÃO ENTRE LINGUAGEM, CONHECIMENTO, VERDADE E
PROVA JURÍDICA
É condição de toda sociedade que haja comunicação entre os
elementos que a integram. A linguagem exsurgiu, portanto, da necessidade de se
representar, por meio de sons e de gestos, o que fosse necessário comunicar, em
busca da preservação da sociedade. Não pode haver, a rigor, comunicação sem
linguagem.
O vocábulo linguagem
1
vem do latim lingua mais o sufixo -agem,
que exprime coleção (como em folhagem, criadagem
), efeito (como em
lavagem) e estado (como em aprendizagem, linguagem). Linguagem tem relação
semântica com o grego mythos
2
que significa narrativa ou linguagem. É
1
Sobre o conceito filosófico do termo linguagem cabe consignar o que Nicola Abbagnano afirma: “Em geral, o
uso de signos intersubjetivos, que são os que possibilitam a comunicação”. Dicionário de filosofia. 4.ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2003, s.v. Linguagem.
2
Explica Marilena Chaui que, para referir-se à palavra linguagem, os gregos utilizavam duas palavras: mythos e
logos. Logos, ao contrário de mythos, seria uma síntese de três idéias: fala/palavra, pensamento/idéia e
realidade/ser. Nesse aspecto, conforme palavras próprias da autora, “Logos é a palavra racional em que se
exprime o pensamento que conhece o real. É discurso (ou seja, argumento e prova), pensamento (ou seja,
raciocínio e demonstração) e realidade (ou seja, as coisas e os nexos e as ligações universais e necessárias entre
os seres)”. Convite à filosofia. 13.ed. São Paulo: Ática, 2005, p. 148-149.
5
importante frisar, seguindo o pensamento de Aristóteles,
3
que, enquanto o
homem é um animal político,
4
já que só ele é dotado de linguagem,
5
os outros
animais só conseguem comunicar-se pela voz ou phoné. Isso significa que, pelo
fato de possuir a palavra, e com ela poder expressar certos valores, como, p.ex.,
o bom e o mau, o justo e o injusto, o homem é o único ser capaz de tornar
possível a vida política. Frise-se: o homem é o único animal político, mas não é
o único animal social. As abelhas, cupins, vespas, formigas, são animais sociais;
têm organização social complexa.
Como se verifica, a linguagem não-humana se diferencia da
linguagem humana. Enquanto a primeira se limita a ruídos característicos de
espécies e subespécies de animais, emitidos em razão de fatos objetivos e
presentes, a segunda é capaz de transmitir não somente experiências concretas e
presentes mas também o que o homem está pensando, ainda que nada esteja
acontecendo.
Ao distinguir a linguagem não-humana da humana fazemos menção
aos animais para exemplificar a primeira na medida em que outros seres vivos,
como as plantas, nada podem comunicar sobre si mesmos. Todavia as diferenças
entre a linguagem humana e a comunicação animal são mais complexas. As
3
Aristóteles apud Chauí, Marilena. Ibidem, p. 147.
4
Significa dizer que o homem é um ser destinado a viver em sociedade organizada.
5
Não faria sentido o homem adquirir conhecimentos e ser incapaz de transmití-los àqueles com quem convive
em sociedade. Daí surge a necessidade de se criar um conjunto de sinais que constituam a linguagem e que
representem simbolicamente as idéias dos homens. Cf. TELLES JÚNIOR, Goffredo. Tratado da conseqüência.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1949, p. 75.
6
abelhas exploradoras comunicam às abelhas operárias o local exato onde se
encontra o alimento com o vôo em oito ou circular.
Nesse comenos, acrescenta Telles Júnior:
“A linguagem humana, porém, é capaz de transmitir notícia de experiências que não
são comuns, nem concretas, nem presentes, experiências individuais do próprio
cérebro, atuais ou pretéritas, resultantes da associação de sensações, imagens, idéias, e
desligadas, muitas vezes, do que se está efetivamente verificando, no mundo externo
dos fatos objetivos. Experiências chamadas reflexão.”
6
Sem o intuito de aprofundar a questão da origem e das causas da
linguagem que, durante muito tempo, foi alvo de debates entre muitos filósofos,
e lingüistas, lembremos que a linguagem passou por um longo processo, no qual
se destaca a corrente do Neopositivismo Lógico ou, simplesmente, do
Positivismo Lógico.
7
Para os neopositivistas lógicos construir uma ciência dependeria de
uma tradução, em linguagem rigorosa ou, pelo menos, mais rigorosa do que a
linguagem natural, dos acontecimentos do mundo.
Houve época em que o estudo da linguagem esteve focalizado na
origem da linguagem e das línguas. Isso não significa que as várias teorias sobre
6
TELLES JÚNIOR, Goffredo. O direito quântico. São Paulo: Max Limonad, [19-], p. 249.
7
A criação do Neopositivismo Lógico é atribuída a um grupo que surgiu na década de 20 do século XX,
denominado Círculo de Viena. Esse movimento, do qual se destaca, principalmente, a participação de Schlick,
Neurath, Nagel e Carnap, recebeu outras denominações, tais como “Empirismo Lógico”, “Filosofia Analítica”
etc. Para os neopositivistas lógicos, uma oração só teria sentido quando se pudesse determinar a sua verdade, ou
seja, quando as proposições tivessem correspondência direta com os fatos que descrevessem. Assim, orações não
verificáveis eram relegadas ao campo da metafísica e excluídas da linguagem das ciências. Como bem
exemplificam Luiz Alberto Warat e Albano Marcos Bastos Pêpe, orações como “a outra face da lua é de cor
verde” ou “eu sei que vou te amar” não teriam sentido porque nelas a verdade não pode ser constatada.
(WARAT, L. A; PÊPE, A. M. B. Filosofia do Direito: uma introdução crítica. São Paulo: Moderna, 1996, p. 34-
35.)
7
a origem da linguagem (como a da revelação divina, a teoria onomatopaica,
entre outras) foram objetivo maior dos lingüistas e filósofos.
Distinguia-se a linguagem natural da linguagem formal, ao mesmo
tempo em que se acreditava que as transformações por que passavam as línguas
eram causadas por fatores externos, como, por exemplo, as migrações, as
guerras, as invasões etc.
Foi-se percebendo que essas concepções não eram absolutas.
Começaram a surgir problemas em relação a essa forma de estudo da linguagem,
entre os quais o aparecimento do estudo das flexões, o que acabou comprovando
que as línguas mudavam por razões internas e não por fatores extralingüísticos.
Dentro dessa linha de raciocínio, o ser humano só conseguiria
conhecer e transmitir o conhecimento pela linguagem. Se o Direito se propunha
ordenar condutas, ele teria que se expressar por meio de linguagem.
8
A partir do estudo científico da fala e da língua, desenvolvem-se,
então, os sistemas sígnicos das linguagens naturais, entre os quais se destaca a
Semiótica ou Teoria Geral dos Signos.
9
A Semiótica é a disciplina que estuda os
elementos representativos no processo de comunicação.
8
QUEIROZ, Luís César Souza de. Sujeição passiva tributária. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 9.
9
A Semiótica, que estuda os elementos representativos do processo de comunicação, nasceu com os trabalhos de
Charles Peirce (1839 – 1914) e desenvolveu-se com os trabalhos Ferdinand de Saussure (1857 – 1913), que é
considerado o pai da atual lingüística. Convém lembrar que a criação da Semiótica por Pierce ocorreu quase
simultaneamente à Semiologia de Sausurre, razão pela qual a maioria dos filósofos empregam os dois nomes
como sinônimos para designar a teoria geral dos signos. Para Saussure – ensina Maria do Rosário Esteves – “[...]
a lingüística – disciplina que estuda as linguagens naturais sob todas as suas formas de expressão – devia ser
parte de uma ciência mais ampla que estuda a vida dos signos no seio da vida social. Assim, considerou a
lingüística como parte da Semiótica. E, estando a primeira mais desenvolvida quando da origem da segunda, a
esta aplicou algumas das teorias lingüísticas”. (ESTEVES, Maria do Rosário. Normas gerais do direito
tributário. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 19.)
8
Enquanto a língua é o aspecto social, o acervo lingüístico de uma
comunidade, a fala
10
é a manifestação individual da língua.
11
A fala só adquire
objetividade a partir da língua.
Consoante Marilena Chauí, “A língua é um código (conjunto de
regras que permitem produzir informação e comunicação) e se realiza por meio
de mensagens, isto é, pela fala/palavra dos sujeitos que veiculam informações e
se comunicam de modo específico e particular (a mensagem possui um emissor,
aquele que emite ou envia a mensagem, e um receptor, aquele que recebe e
decodifica a mensagem, isto é, entende o que foi emitido)”.
12
Devemos advertir
que é preciso mais do que um emissor, um receptor e a mensagem para haver
comunicação. Há, por exemplo, o contato ou o canal, o código, o contexto.
Outro aspecto interessante é que a língua é caracterizada como um
sistema de signos. O signo é a unidade de análise de qualquer sistema
lingüístico. No interior do signo encontramos dois elementos:
13
o significante
(imagem acústica ou som), e o significado (conceito), que é constituído pela
situação significativa – fenômeno, fato, situação do mundo.
14
10
Tércio Sampaio Ferraz Jr., ensina que “[...] falar é dar a entender alguma coisa a alguém mediante símbolos
lingüísticos... Exige um emissor, um receptor e a troca de mensagens... Sem o receptor, portanto, não há fala”.
(FERRAZ JÚNIOR, T. S. Introdução ao estudo do direito. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 260.)
11
Como dizem Guibourg, Ghigliani e Guarinoni, a fala “[...] es el acto individual a través del cual la lengua se
manifesta, el acto que la pone en acción”. (GUIBOURG, Ricardo A.; GHIGLIANI, Alejandro; GUARINONI,
Ricardo V. Introducción al conocimiento cientifico. Buenos Aires: Eudeba, 1985, p. 24.)
12
CHAUÍ, M. Convite à filosofia, p. 154.
13
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Língua e linguagem – signos lingüísticos – funções, formas e tipos de
linguagem – hierarquia de linguagens. Apostila de filosofia do direito I (Lógica Jurídica). São Paulo: PUC-SP,
1999, p. 12.
14
Cf. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 1995, p. 16.
9
Segundo Paulo de Barros Carvalho, haveria uma relação triádica
entre significante, significado e significação. Para esse autor, a significação
seria o conceito que o signo provoca em nosso intelecto.
Discordamos. O significante são os sons, a imagem acústica. O
significado, o conteúdo semântico inerente ao signo. O sentido diz respeito à
retórica; e a significação, ao componente lingüístico. Por exemplo, loura
deliciosa tem um sentido quando se está numa mesa de bar diante de uma
cerveja gelada e outro sentido quando se vê uma bela mulher loura passar. A
significação do enunciado não muda. Em termos esquemáticos:
15
ENUNCIADO
SITUAÇÃO SINTAXE FONÉTICA ENTOAÇÃO
COMPONENTE
LINGUÍSTICO
SIGNIFICAÇÃO
DO ENUNCIADO
COMPONENTE
RETÓRICO
SENTIDO DO
ENUNCIADO
15
Esquema proposto por Eduardo Roberto Junqueira Guimarães, no artigo “Foco e Pressuposição”, p. 25,
incluído no fascículo foco e pressuposição, publicado do Instituto de Letras das Faculdades Integradas Santo
Tomás de Aquino – Uberaba – Minas Gerais, Série Estudos, nº 4, 1978.
10
Ressalta-se, porém, que é impossível estabelecer qualquer relação
entre significante e significado
16
sem uma linguagem pré-existente, na medida
em que não se poderiam transformar elementos empíricos em signos
lingüísticos.
Ao discorrer sobre a teoria dos signos, Luiz Alberto Warat
argumenta que:
“[...] se investigarmos reflexivamente o caráter da linguagem, perceberemos que ela se
constitui em um sistema de múltiplos signos articulados, onde a significação depende
não apenas de uma relação interna do próprio signo [significante/significado], mas
também da relação de um signo com os outros. Pensemos, por exemplo, na palavra
‘morno’ da língua portuguesa. A simples relação de seu conceito com o material
fonético convencionado para a transmissão do termo não explica a sua significação em
nossa língua. É a oposição a palavras
como ‘frio’ e ‘quente’ que lhe precisa a
significação.”
17
Já dissemos anteriormente que a Semiótica é a disciplina que estuda
os elementos representativos no processo de comunicação. Essa definição,
porém, esboça considerável vagueza, principalmente aos olhos daqueles que não
são habituados aos pormenores da lingüística. Isso ocorre – segundo Guibourg,
Guigliani e Guarinoni
18
– porque são tantos os aspectos de um processo de
comunicação que a ciência precisa defini-los de forma mais ampla, escolhendo
cuidadosamente as palavras empregadas para que não fiquem de fora as
reflexões que se espera ver incluídas em seu campo de ação.
16
Significante e significado são termos utilizados por Saussure, enquanto que Rudolf Carnap se valia de
indicador e indicado para manifestar-se sobre os mesmos conceitos. Cf. CARNAP, Rudolf. Introduccción a la
semántica. Faculdad de Filosofia y Letras. Universidad de Buenos Aires. Cuadernos de Epistemologia, 1956.
17
WARAT, Luiz Alberto. O direito e sua linguagem. 2.ed. Porto Alegre: SAFE, 1995, p. 25-26. A Semiótica, ou
Teoria dos Signos, proporciona ao cientista do Direito um conjunto de instrumentos que facilita a compreensão
do Direito Positivo.
11
Ajeita-se aqui uma advertência sutil, mas de capitular relevo para o
aclaramento da questão. Os signos podem ser estudados pela Semiótica
19
em
seus três planos de linguagem: sintático, semântico e pragmático.
Antes de tudo, cumpre acentuar que esses três planos jamais se
isolam uns dos outros, já que um é perfeitamente capaz de interferir
decisivamente no outro. Isso ocorre, principalmente, entre os planos pragmático
e semântico que têm como condição necessária o plano sintático.
20
A sintaxe é a relação dos signos com outros signos. Situada num
plano meramente formal, a sintaxe se ocupa com a maneira pela qual os
símbolos se combinam, sem nada dizer sobre os significados.
Por sua vez, a semântica é a relação dos signos com os significados
das expressões lingüísticas. Na dimensão da semântica, a verdade é critério
essencial, ou seja, um enunciado jamais terá qualquer significado se não for
verificável no mundo real. Por exemplo, faria sentido dizer que uma caneta é
preta, ao mesmo tempo em que seria semanticamente sem sentido, se bem que
aceitável num nível ficcional, a seqüência de signos os marcianos visitam o
planeta Terra todo ano.
21
18
Cf. GUIBOURG, Ricardo A.; GHIGLIANI, Alejandro; GUARINONI, Ricardo V. Introducción al
conocimiento cientifico, p. 30.
19
Ciência geral de todos os sistemas de signos. Como já se disse amiúde, tanto a Semiótica quanto a Semiologia
são vocábulos empregados como sinônimos pela grande maioria dos autores para representar a teoria geral dos
signos.
20
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros apud LINS, Robson Maia. Controle abstrato de constitucionalidade da
norma tributária. 2000, 10. 2003. Tese de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2003.
21
Essa é uma verdade possível. Há a verdade possível, a verdade real e a verdade lógica.
12
O terceiro nível de linguagem, a pragmática, é a relação dos signos
com os sujeitos que deles se utilizam. Na realidade, ao contrário da semântica,
que se preocupa com o significado da sentença, a pragmática dedica-se ao
estudo dos efeitos da linguagem na comunicação, já que determinados modos de
significar podem não ser entendidos pelos receptores da mensagem.
Não obstante o Neopositivismo Lógico ter classificado a linguagem
em natural, lógica e formalizada,
22
há, por exemplo, outros tipos de linguagem,
como a linguagem científica,
23
a linguagem artística,
24
a linguagem filosófica
25
e
a linguagem jurídica
26
– que é vista por seus produtores como uma linguagem
técnica, e ideologicamente formal, ou seja, a linguagem da lei. O termo
linguagem aí é uma impropriedade generalizada. A linguagem é a capacidade
humana de comunicação; a língua é a atualização dessa capacidade. O termo
linguagem para significar tipos especiais de comunicação é inadequado, embora
comum.
22
A linguagem natural é aquela que usamos diariamente e que é aparentemente confusa, imprecisa, cujo sentido
depende do contexto situacional em que ela se produz. No teatro, a situação é produzida pela linguagem; no
diálogo da vida real, a situação é que provoca a linguagem (não a produz). Já a linguagem lógica, inspirada na
matemática e na física, foi definida como uma linguagem mais pura, concretizada a partir da necessidade de
eliminar as incertezas comunicacionais peculiares à linguagem natural. A linguagem formalizada – ressalva
Paulo de Barros Carvalho – “advém da necessidade de abandonarmos os conteúdos de significação das
linguagens idiomáticas, em ordem a surpreender as relações entre classes de indivíduos ou de elementos”.
(CARVALHO, Paulo de Barros. Apostila de filosofia do direito I (Lógica Jurídica), p. 37.)
23
A linguagem científica submete-se a um processo de eliminação de leituras diferentes, para tornar a frase ou o
enunciado unívoco.
24
A linguagem artística é aquela que se preocupa com valores estéticos. Ex: literatura (em verso ou prosa), relato
histórico, parecer do jurista ecpecializado etc.
25
É um tipo especial de discurso que incide sobre todas as regiões ônticas: física, metafísica, ideal e cultural, o
que faz com que o seu objeto seja tanto lingüístico quanto extralingüístico.
26
Como afirma Paulo de Barros Carvalho: “Dito de outra maneira, da mesma forma que a linguagem natural
constitui nosso mundo circundante, a que chamamos de realidade, a linguagem do direito estabelece o domínio
jurídico, isto é, o campo material das condutas intersubjetivas, dentro do qual nascem, vivem e morrem as
relações disciplinadas pelo direito”. (CARVALHO, Paulo de B. Sujeição passiva e responsáveis tributários.
Programa de pós-graduação em direito. São Paulo: PUC-SP, 1995, n. 2, p. 262-263.)
13
A linguagem do direito positivo é a linguagem técnica, constituída
pelo ato e sua significação dada pela norma,
27
os quais são sempre identificados
no interior das normas jurídicas que formam o objeto da ciência do direito.
28
Assinala Christiano de Andrade que
“[...] O direito só se exterioriza através da linguagem. Daí a dimensão lingüística do
direito, de modo que o elemento lingüístico possa servir como instrumento de
interpretação.”
29
Todavia, para que as regras jurídicas sejam compreendidas pelo
maior número possível de pessoas, o legislador pode abrir mão de uma
linguagem técnica (formal) e adotar uma linguagem natural ou ordinária,
30
ainda
27
Norma significa um mandamento, uma prescrição, uma ordem. No entanto, nem sempre o mandamento
poderá ser considerado como única função da norma, já que esta exerce outras funções como, por exemplo, a de
conferir poderes, permitir, derrogar funções etc. Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Porto Alegre:
SAFE, 1986, p. 1.
28
É preciso esclarecer que a proposta de Hans Kelsen (como se poderá observar melhor na nota de rodapé n.º
25), no sentido de que o objeto central da Ciência do Direito é o conjunto de normas válidas num dado sistema, é
bastante criticada por não considerar a questão do comportamento humano e suas implicações na elaboração e
aplicação do Direito. Como assinala Tércio Sampaio Ferraz Jr., para os críticos mais recentes da Teoria Pura do
Direito, o objeto da Ciência do Direito “[...] não seria nem a positivação nem o conjunto das normas positivas,
mas o homem que, do interior da positividade jurídica que o envolve, se representa, discursivamente, o sentido
das normas ou proposições prescritivas que ele próprio estabelece, obtendo, afinal, uma representação da própria
positivação”. (FERRAZ JÚNIOR, T. S. A ciência do direito. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 42.) Também é
questionada a teoria de Kelsen sobre a norma fundamental. Segundo ele, todo sistema jurídico é formado por
uma estrutura hierárquica de normas, em forma de pirâmide, onde uma norma inferior encontra validade numa
norma imediatamente superior, e assim sucessivamente, até se atingir a Constituição (lei máxima), cuja validade
é derivada da chamada norma hipotética fundamental. Entre os opositores de Kelsen está Alf Ross, para quem a
doutrina da norma fundamental é demasiadamente supérflua. Ao traçar um paralelo entre o sistema de direito
positivo e o jogo de xadrez, Ross chegou a afirmar que: “It is quite unnecessary to think that there is some Basic
Norm of chess that either we or the players presuppose in order to give a representation of the valid rules of
chess... If no one ever opens with a rook’s pawn, that would not show that there is a rule that forbids it”. (ROSS
apud Makdisi, John. Introduction to the study of law: cases and materials. 2.ed. Cincinnati: Anderson Publishing
Co., 2001, p. 109-110.)
29
ANDRADE, Christiano José de. O problema dos métodos da interpretação jurídica. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1992, p. 103.
30
Nesse sentido é a lição de José Maria Arruda de Andrade, em sua Interpretação da norma tributária, p. 151:
“Conforme visto, a linguagem jurídica não está apartada da linguagem natural (ou ordinária). O legislador se
utiliza da linguagem ordinária e de conceitos jurídicos para compor o texto normativo.” Mas isso não significa
que o relato de um evento em linguagem natural seja suficiente para provocar repercussão jurídica. “Caso haja o
relato do evento por uma linguagem natural...” – adverte Joana Lins e Silva – “poderá falar-se em fato social,
revelando para o mundo as características daquele acontecimento. Mas, ainda assim, tal relato não trará nenhuma
repercussão para o mundo jurídico. A linguagem natural não se mostra suficiente para fazer ingressar no mundo
jurídico algum dado novo, nem muito menos para desencadear conseqüências jurídicas”. (SILVA, Joana Lins e.
Fundamentos da norma tributária. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 56.)
14
que correndo o risco de propiciar o aparecimento de vagueza e ambigüidade no
texto da lei.
31
Como as demais expressões de linguagem, a linguagem das regras
jurídicas
32
é, na maioria das vezes, insuficiente perante a idéia que procura
transmitir, razão pela qual acaba recaindo sobre o intérprete a tarefa de
completar essa idéia.
33
Outra não é a lição de Paulo de Barros Carvalho:
“[...] Insere-se precisamente aí uma importante função da Dogmática Jurídica (Tercio
Sampaio Ferraz Jr.). Ao descrever o direito positivo, o cientista percebe certas
distorções entre a realidade social e a realidade jurídica, ambas constituídas pelas
respectivas linguagens. Ao circunscrever esses desvios e consigná-los na sua obra, ele
abre espaço para que o aplicador da lei desempenhe sua tarefa com uma visão mais
larga e abrangente do sistema de que é órgão e também do meio social sobre o qual
vão incidir suas providências normativas.”
34
Daí a razão de dizer-se que o intérprete não se sujeita, apenas, ao
significado de uma única norma jurídica. Muitas vezes, o significado de uma
norma jurídica dependerá da análise que o intérprete fará de outras regras ou, até
mesmo, de outros enunciados prescritivos.
35
Al Ross faz uma alusão a essa assertiva:
31
Explica Warat que a vagueza surge quando, a partir das regras de uso, não se consegue definir com exatidão os
critérios de aplicabilidade denotativa, devendo-se recorrer a decisões auxiliares. A ambigüidade, por sua vez,
seria um caso de incerteza designativa, ou seja, quando um termo possui mais de um conjunto de propriedades
designativas. “Assim, por exemplo, o termo ‘manga’, é ambíguo, porque designa uma fruta ou uma parte do
vestuário.” (WARAT, Luis Alberto. O direito e sua linguagem, p. 76-78).
32
Deve-se ressalvar que a expressão “linguagem jurídica” é ambígua, ou seja, tanto pode ser utilizada para
significar a linguagem do direito positivo quanto para referir-se à linguagem da ciência do direito que, nas
palavras de Lourival Vilanova, “[...] tem o direito positivo como objeto de conhecimento (dogmático)”.
(VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Max Limonad, 1997, p.
65.) Aqui, referimo-nos à linguagem do direito positivo (dogmática).
33
Cf. BECKER, Alfredo A. Teoria geral do direito tributário. 3.ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 119.
34
CARVALHO, Paulo de Barros. Programa de pós-graduação em direito, p. 264.
35
Cf. item 1.3., sobre enunciado prescritivo.
15
“En el campo jurídico es frecuente considerar que las expressiones que aparecen en
una misma ley (decreto, contrato, etc.), forman parte del mismo contexto. Si se toman
en consideración provisiones legales antiguas junto con otras más recientes, es
menester hacer las mismas reservas. La situación abarca todos los hechos y
circunstancias que pueden indicar cuál era la intención del autor.”
36
Sendo o direito uma ciência social, é inevitável o surgimento de
transformações sociais decorrentes de fatos novos e novos valores, tornando
insuficiente o acervo terminológico dos juristas.
37
Como explica Christiano de
Andrade, o significado das palavras e expressões jurídicas não são precisos
como as palavras que usa a Geometria para aludir aos seus objetos construídos.
38
Por isso é que se diz que o direito positivo não é um sistema fechado ou finito,
mas um sistema aberto.
Não é demais relembrar que o direito positivo – sistema formado
pelo conjunto de normas jurídicas (válidas)
39
num determinado país, que
informam e regulam, com caráter obrigatório, a vida de um povo – só se
36
ROSS, Alf. Sobre el derecho y la justicia. 4.ed. Buenos Aires: EUBA, 1977, p. 113.
37
Anote-se, nesse sentido, o que diz Heinrich Ewald Hörster: “O direito apenas consegue desempenhar as suas
funções se o conteúdo, a mensagem, das suas normas for acessível a quem ele se dirige, ou seja, uma lei, para
poder ser observada, necessita ser entendida pelos seus destinatários; a sua formulação tem que ser tão precisa
que estes entendam o seu sentido e se possam orientar nela. Serve de meio de comunicação a língua. Deste
modo, a língua tem de traduzir um entendimento comum e uniforme que é partilhado tanto pelo legislador como
pelo destinatário ou o aplicador da norma. Acontece, no entanto, que não há – nem pode haver – estabilidade no
uso lingüístico. Diariamente se empregam palavras, conceitos, formulações e frases cujo sentido perdeu o seu
significado original ou a sua antiga clareza, mas com a mesma freqüência se utilizam também outras que
começam a ser introduzidas de novo. O fenómeno é perfeitamente normal, visto que a língua evolui e que, em
virtude disso, as palavras ou os conceitos podem alterar o seu significado comum ou o seu sentido corrente
conforme a evolução do contexto em que são empregues”. (HÖRSTER, H. E. A parte geral do código civil
português: teoria geral do direito civil. Lisboa: Almedina, 2000, p. 21-22.)
38
ANDRADE, Cristiano de. O problema dos métodos da interpretação jurídica, p. 107.
39
Isso porque a norma jurídica é instrumento de controle social, sem a qual o direito não se realiza. Sem a
pretensão de esmiuçar a questão, cabe-nos observar que a proposta de redução de todos os fenômenos jurídicos a
uma única dimensão, isto é, a normativa, deve ser atribuída a Hans Kelsen. Para esse autor, a norma jurídica
seria o sentido objetivo de um ato de vontade, ou seja, aquilo que dá a entender a alguém que alguma coisa deve
ser ou acontecer. Sua expressão lingüística é um juízo hipotético de “dever- ser”. Este “dever-ser” (a norma), por
sua vez, é o significado de um ato direcionado à conduta de alguém, ou seja, de um ato capaz de determinar a
maneira com que uma outra pessoa (ou várias) deve (m) conduzir-se, sem que isso implique que alguém
16
transmite com o auxílio da linguagem. Cimentando essa assertiva sentencia
Tárek Moussallem:
“O homem só consegue (re) construir ditos eventos por meio da linguagem. Os
eventos não provam nada, simplesmente porque não se expressam no mundo da
linguagem. Sempre uma linguagem deverá resgatá-los para que eles efetivamente
existam no universo humano.”
40
Ou seja, ocorrido o fato,
41
no mundo natural, ele só será admitido
como jurídico no momento em que for vertido em linguagem própria (jurídica).
Exemplificando: A comete homicídio contra B no deserto do
Sahara. Esse homicídio, per se, é um evento desprovido de qualquer
juridicidade, ou seja, absolutamente desconhecido e inexistente para o direito.
Mas, se for possível reportá-lo em linguagem própria, isto é, em linguagem
aceita pelo direito, e descrevê-lo conforme as provas legalmente admitidas, esse
simples fato passa a ser capaz de desencadear efeitos jurídicos e de converter-se
em fato jurídico. Obviamente, no processo de juridicização, o fato deverá ser
subsumido à norma penal correspondente prevendo que matar alguém seja
crime.
Para Hans Kelsen, tem-se que:
“O que transforma esse fato num ato jurídico (licito ou ilícito) não é a sua facticidade,
não é o seu ser natural, isto é, o seu ser tal como determinado pela lei da causalidade e
realmente “queira” que a (s) pessoa (s) aja (m) dessa maneira. (Cf. KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do
estado. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 50.)
40
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2006, p. 3.
41
Fato ou evento é o acontecimento que ainda não foi vertido em linguagem própria que o direito impõe. Como
se pode observar, abonamos a distinção, para a dogmática jurídica, entre fato e evento. Em sentido contrário,
entendendo ser necessária a diferenciação entre fato e evento, argumenta Tércio Sampaio Ferraz Júnior: “‘César
atravessou o Rubicão’ é um fato. Quando, pois, dizemos que ‘é um fato que César atravessou o Rubicão’,
conferimos realidade ao evento. ‘Fato’ não é pois algo concreto, sensível, mas um elemento lingüístico capaz de
17
encerrado no sistema da natureza, mas o sentido objetivo que está ligado a esse ato, a
significação que ele possui. O sentido jurídico específico, a sua particular significação
jurídica, recebe-a o fato em questão por intermédio de uma norma que a ela se refere
com o seu conteúdo, que lhe empresta a significação jurídica, por forma que o ato
pode ser interpretado segundo essa norma. A norma funciona como esquema de
interpretação.”
42
Ainda com relação à hipótese acima suscitada, é bem possível que o
crime nem sequer tenha ocorrido. Mesmo assim, se as provas requeridas o
indicarem, para o direito ele estará constituído, porque para o reconhecimento
jurídico basta que a linguagem certifique o evento.
43
Percepções desse jaez nos permitem concluir que a linguagem é
essencial tanto para reportar o objeto da ciência júridica (conteúdo de normas
jurídicas válidas) quanto para juridicizar um fato qualquer fazendo-o existir para
o direito.
44
Igualmente, é interessante observar que por meio da linguagem se
definem as significações conceptuais e se comunica o conhecimento.
45
Podemos dizer que não há comunicação sem linguagem, porém a
recíproca não é verdadeira, ou seja, pode haver linguagem sem comunicação.
Em razão disso, ousamos dizer que há dois modos de uso da linguagem, embora
apenas um esteja internamente ligado às condições de comunicação. É que toda
organizar uma situação existencial como realidade.” (FERRAZ JÚNIOR, T. S. Introdução ao estudo do direito,
p. 278.)
42
KELSEN, H. Teoria pura do direito, p. 4.
43
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo:
Saraiva, 1998, p. 11.
44
Apenas para fundamentar o que escrevemos, transcreveremos um trecho de P. Roubier: “Le langage intervient,
comme instrument technique essentiel, dans la mise en oeuvre du droit positif, par cette raison que celui-ci,
tendant, avant tout, à faire passer certaines règles de conduite extérieure dans la vie pratique de l’humanité, doit
avoir prise sur les volontés, par le moyen de l’intelligence, seule capable de diriger les mouvements de celles-ci,
en suggérant les motifs qui puissent les déterminer. Or, ces motifs eux-mêmes se traduisent nécessairement en
concepts; et les concepts se communiquent normalement d’esprit à esprit, par le moyen des mots et des phrases,
18
expressão dotada de sentido pode ser identificada tanto como uma ocorrência
meramente verificável, p. ex., limitar-se a dizer como as coisas se comportam,
quanto como a observação compreensível de um real significado.
Ocorre que, para entender (ou formular) o significado de um
proferimento (verbal ou não verbal), isto é, para compreender o que é dito a
alguém, são necessárias determinadas ações comunicativas
46
(reais ou
imaginadas), por meio das quais um falante, ao comunicar-se com um ouvinte
sobre algo, dá expressão àquilo que ele tem em mente. Neste caso, como
assevera Habermas, “tem que haver uma situação de fala ou, pelo menos, ela
deve ser imaginada”.
47
Toda ciência é, de um modo geral, um sistema de conhecimentos
verificáveis e falíveis, definida a partir de critérios ou fatos.
48
Como já dissemos,
o conhecimento só é possível por meio da linguagem, isto é, pressupõe a
existência desta.
49
A relação de direito, ou seja, a relação que, sob a garantia da
ordem jurídica, submete o objeto ao sujeito, é o ponto central da teoria do
qui les incorporent et les rendent assimilables suivant les lois naturelles de la langue”. (ROUBIER, P. Théorie
générale du droit. 2.ed. Paris, 1951, p. 113.)
45
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 37-38.
46
Até porque, como é sabido, uma simples palavra pode ser utilizada por diversas teorias embora inexista
qualquer garantia de que seu significado seja o mesmo para todas elas. Foi o que ocorreu, por exemplo, com as
teorias de Newton e Einstein para explicar, respectivamente, os conceitos de “força” e “massa”. Ensina Gregorio
Klimovsky que, “En el transcurso de ciertas investigaciones científicas y en particular cuando se introducen
nuevas teorias revolucionarias, se emplean ideas que no tienen precedente histórico al momento en que surgen, y
para ello es necessario introducir un vocabulario especial específico (dicho vocabulario no puede ser trasladado
al lenguaje vulgar o a outras ciencias)”. (KLIMOVSKY, G. Las desventuras del conocimiento científico. Buenos
Aires: AZ, 1994.)
47
HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. 2.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003,
p. 39-40.
48
Cf. BUNGE, Mario. La ciencia, su método y su filosofía. México: Siglo XXI, 1978, p. 9.
49
Com muita propriedade explica Susy Gomes Hoffmann que o conhecimento surge de uma relação [a relação
do objeto com o sujeito], sendo que, para essa relação ser fomentada, deve haver comunicação. Havendo
comunicação, pressupõe-se a existência da linguagem que o sujeito aplica sobre determinado objeto e, assim,
19
conhecimento.
50
Como informa Miguel Reale, o conhecimento será sempre uma
relação ou um laço entre o sujeito que conhece e algo conhecido a que nos
referimos como objeto. Segundo esse autor, “para que haja conhecimento, é
necessário que o sujeito esteja em intencionalidade de conhecer, assim como é
necessário que algo exista que possa ser apreendido pelo sujeito”.
51
Para Tárek Moussallem, o conhecimento não é a relação entre o
termo-sujeito e o termo-objeto. Discordando das lições de Pontes de Miranda,
aduz: “Pensamos que a linguagem, ao constituir a realidade, passa a ocupar
lugar essencial na relação de conhecimento. O conhecimento é a relação entre
linguagens-significações”.
52
No nosso modo de ver, no entanto, de um lado está a relação entre
o sujeito cognoscente e algo passível de conhecimento (o objeto) – elemento
essencial do conhecer – e, de outro, o processo de difusão (transmissão) do
conhecimento entre seres humanos, que se inicia com o significado que a nossa
consciência confere ao conhecido, a partir da percepção (idéia) que o eu
(sujeito) obtém do ele (objeto). É neste segundo momento que identificamos a
relação linguagem-significação.
Reduzir o conhecimento à relação linguagem-significação é
desprezar a fase inicial do ato de conhecer, ou seja, a “percepção” a que
transmite a sua percepção a outro sujeito e assim sucessivamente. (Cf. HOFFMANN, S. G. Prova no direito
tributário. Campinas: Copola, 1999, p. 44.)
50
A teoria do conhecimento pode ser estudada de três formas: a partir do sujeito (gnoseologia); a partir do objeto
(ontologia); e a partir da relação entre sujeito e objeto (fenomenologia).
51
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 115.
52
MOUSSALLEM, T. M. Fontes do direito tributário, p. 5-6.
20
acabamos de nos referir, a qual prescinde da existência de um sujeito perante
um determinado objeto. Por isso é que, ao tratar do tema, Pontes de Miranda
afirmou que “[...] quem conhece, no sentido de poder afirmar que existe, que é,
o conhecido, está apto a manifestar”.
53
Como quer que seja, há duas formas de conhecimento: o vulgar e o
científico. A maior parte dos conceitos que formamos em nossa existência
surgem do conhecimento vulgar. Diferentemente do conhecimento científico, o
conhecimento vulgar não é dotado de certeza, ou melhor, não está subordinado a
nenhuma verificação metódica ou racional.
O conhecimento científico, por sua vez, é ordenado, ou seja, não se
contenta, apenas, com os fatos em si próprios analisados; procura estabelecer
relações de semelhança entre eles.
54
Questão que se coloca, em primeira análise, é o que se conhece do
mundo real, ou seja, como se identifica a essência do conhecimento. Nesse
aspecto, são três as correntes sobre a essência do conhecimento: o realismo, o
idealismo e o fenomenalismo.
Para os realistas, os objetos existem independentemente da sua
percepção pelo sujeito. Segundo essa corrente, considerando que cada indivíduo
53
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. O problema fundamental do conhecimento. 2.ed. Campinas:
Bookseller, 2005, p. 27. O autor vai além ao afirmar: “Há no conhecer uma relação entre seres, na qual um se faz
sujeito e ao outro objeto, de modo que o método de investigação gnosiológica rigorosamente científica exige que
se desça à relação entre os dois seres (cognoscente, conhecido) sem a prefixação (sub-, obiectus) que um dos
termos juntou a si e ao outro. Difícil, a missão é, todavia, indispensável, porque só assim se poderá saber como o
termo prefixante conseguiu afastar-se dos outros seres e chegar à consciência do outro ser. Outro, dissemos;
outro, que será, mais tarde, ele mesmo, como ser conhecido.” (Ibidem, p. 29.)
54
Cf. REALE, M. Filosofia do direito, p. 53-56.
21
cria a sua própria percepção das coisas, se o sujeito fosse fator determinante
daquilo que se conhece não seria possível haver ciência, nem tampouco como
comunicá-la.
55
Os que adotam uma atitude idealista partem da idéia central de que
as coisas não existem por si mesmas, ou seja, os objetos da percepção só
existem na consciência humana. Para o realismo, o real não pode ser reduzido
ao pensamento, ou à idéia, porque, se assim fosse, não haveria como explicar o
erro; para o idealismo, nós só conhecemos aquilo que pensamos.
56
Outra tese filosófica que estuda a essência do conhecimento é o
fenomenalismo. Para essa corrente, o sujeito não pode conhecer as coisas em si,
apenas os fenômenos (as aparências).
Não podemos deixar de mencionar que o fenomenalismo estuda a
manifestação do objeto sem se importar com os fatos ou com as relações entre
eles. Portanto, se o fenomenalismo defende a idéia de que as coisas são como
nós as conhecemos – a partir do significado que a nossa consciência dá a elas –
e não como elas são em si mesmas, essa é a corrente com a qual nos
identificamos.
Isso porque, conforme já foi antecipado nas digressões anteriores,
para o Direito não interessa saber se o fato (jurídico) existiu ou não, mas se,
mesmo não existindo, existem provas que o indicam, ou melhor, se o intérprete
55
Cf. REALE, M., Filosofia do direito, p. 118.
56
Cf. REALE, M. Filosofia do direito, p. 118-121.
22
é capaz de reconhecer esse fato como jurídico, conforme o significado que o
fenômeno (manifestação das coisas) produziu em sua consciência.
Divergimos de Cristiano Carvalho quando ele diz que “[...] esse
processamento funciona através da linguagem, que é a capacidade de articular
em conceitos os perceptos apreendidos pelos sentidos. Não existe pensamento
sem palavra”.
57
Explicamos: não é possível pensar sem algum tipo de
linguagem, mas é possível pensar sem palavras. Um músico pode pensar em
sons, em notas musicais, em partituras; um pintor pode pensar em imagens a
retratar; um cineasta pode pensar em imagens; etc.
Em síntese, temos o seguinte:
Realismo: eliminando-se o sujeito ou a consciência, sobram as coisas em si mesmas,
ou seja, a realidade verdadeira.
58
Idealismo: eliminando-se as coisas ou o fenômeno, resta a consciência ou o sujeito
que, por meio das operações do conhecimento, revela a realidade, o objeto.
59
Fenomenalismo
60
: eliminando-se as coisas, resta o fenômeno, ou seja, o conhecimento
que a consciência tem de si mesma.
É válido concluir-se que os realistas acreditam que as coisas
existem independentemente do sujeito e que nosso espírito é capaz de conhecê-
las exatamente como elas são; os idealistas defendem que a consciência é tudo,
ou seja, nós só conhecemos o que se converte em pensamento; e os
57
CARVALHO, Cristiano. Teoria do sistema jurídico: direito, economia, tributação. São Paulo: Quartier Latin,
2005, p. 28.
58
Cf. CHAUI, Marilena. Convite à filosofia, p. 206.
59
Idem, Ibidem.
60
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich apud CHAUI, Marilena. Convite à filosofia, p. 203.
23
fenomenalistas entendem que o sujeito só seria capaz de conhecer as coisas pela
sua aparência, pois a coisa em si seria impenetrável na percepção humana.
61
Não há dúvidas de que o âmago da gnoseologia
62
é o estudo do
conhecimento quanto à sua essência. Entretanto, é por intermédio das formas do
conhecimento que identificamos os métodos para atingir a verdade.
Quando se fala em método, pensa-se logo em sua acepção geral, ou
seja, o caminho ou a via percorrida pelo pensamento humano em busca da
verdade.
63
Mas, conforme explica Giorgio Del Vecchio, por método também se
pode entender o “conjunto de regras a que o pensamento se deve sujeitar no seu
procedimento cognoscivo”.
64
61
Cf. NADER, Paulo. Filosofia do direito. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 144.
62
Não se pode perder de vista que a Filosofia do Direito é o ramo da filosofia que diz respeito ao Direito, cuja
finalidade é o seu estudo no seu aspecto universal. Como adverte Giorgio Del Vecchio, a filosofia também pode
ser definida como o estudo dos primeiros princípios, os quais se referem ao ser, ao conhecer e ao atuar – razão
pela qual a filosofia poderia ser classificada em teórica e prática. Nessa ótica, sustenta o autor: “A filosofia
teorética estuda os primeiros princípios do ser e do conhecer e subdivide-se nos seguintes ramos: Ontologia ou
Metafísica (que abrange também a Filosofia da Religião e a Filosofia da História); Gnoseologia ou Teoria do
conhecimento; Lógica, Psicologia e Estética. A Filosofia prática estuda os primeiros princípios do agir e divide-
se em Filosofia da Moral e Filosofia do Direito. Freqüentemente a designam também pela palavra Ética.
Convém advertir, desde já, que, por vezes, essa designação é tomada em sentido amplo: neste caso é sinônima de
Filosofia prática (abrangendo, por isso, também a Filosofia do Direito); outras vezes, em um sentido restrito,
correspondendo neste caso apenas à Filosofia da Moral (excluída então a jurídica)”. (DEL VECCHIO, G. Lições
de filosofia do direito. 2.ed. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1951, p. 15.) No plano gnoseológico ou
científico, conforme explica José Maurício Adeodato, encontram-se descritos os fenômenos, os objetos, os fatos,
as relações (multiplicidade de percepções), incluindo o processo de estabelecer laços entre os objetos
observados, dentro de uma teoria coerente e sistematicamente transmissível. (Cf. ADEODATO, J. M. Filosofia
do direito: uma crítica à verdade e à ética na ciência. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 3.) Por outro lado,
gnoseologia é o termo freqüentemente utilizado para referir-se à teoria do conhecimento. Ensinam Hilton
Japiassú e Danilo Marcondes que o vocábulo “gnoseologia” vem do grego gnosis - conhecimento, e logos
teoria. (Cf. JAPIASSÚ, H; MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. 4.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2006, s. v. Gnoseologia.) No modo de ver de Miguel Reale, em Filosofia do direito, p. 30; 43-44, a
problemática do conhecimento resultaria numa ontognoseologia, sendo a gnoseologia a parte que cuida da
validade do conhecimento em função do sujeito cognoscente (parte subjetiva) e a ontologia a parte que trata das
questões relativas às condições de cognoscibilidade de algo, ou seja, “das condições segundo as quais algo se
torna objeto do conhecimento... (parte objetiva)”. Seja como for, o importante é saber que a gnoseologia, ou
teoria do conhecimento, tem por objetivo buscar a origem, a essência e as formas da faculdade de conhecer.
Perfilhando o propósito desta monografia, deixamos de lado a origem para focalizar a essência e as formas do
conhecimento.
63
Cf. DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito, p. 29.
64
Id. Ib.
24
Miguel Reale emprega a palavra método com um significado mais
amplo, para abranger todas as vias de acesso à realidade empírica.
65
Consubstanciado nesse critério, distingue as vias (ou processsos) de acesso ao
real em processos de conhecimento imediato e mediato.
Sempre partindo da premissa de que todo conhecimento envolve
uma relação entre o sujeito e o objeto,
66
o autor reconhece que o processo
essencial de conhecimento imediato seria a intuição sensível, por meio da qual
surge o primeiro contato do sujeito com o objeto graças às impressões captadas
pelos nossos sentidos e à nossa percepção.
E ilustra Miguel Reale:
“Abro os olhos e vejo uma rosa. Entre o sujeito, que vê, e a rosa, que é vista, nada de
estranho se interpõe, porquanto existe imediatidade no ato de conhecer, pela iniludível
‘presença do objeto’ no plano da consciência, de maneira que o real é captado em
direta objetividade, muito embora as sensações como tais não sejam o objeto mesmo
da nossa percepção e o reconhecimento do objeto como ‘rosa’ envolva uma
multiplicidade de atos.”
67
Como se pode observar, a intuição é uma forma de conhecimento
privilegiado – obtido a partir da relação sujeito/objeto – que se caracteriza pela
imediação e pela presença efetiva do objeto em relação ao sujeito.
65
Cf. REALE, M. Filosofia do direito, p. 130.
66
Isso porque a intuição é a relação direta, e sem intermediários, do sujeito com um objeto qualquer.
67
REALE, M. Filosofia do direito, p. 131.
25
Alguns autores classificam a intuição, conforme a captação do
objeto, em: intuição intelectual das essências;
68
intuição emocional dos valores
69
e intuição volitiva da existência.
70
Outros ainda, como Goffredo Telles Júnior,
71
falam em sensação
cognoscitiva e afetiva.
Em léxicos empregados por Goffredo Telles Júnior, a sensação
seria uma espécie de conhecimento obtido por meio dos órgãos dos sentidos. A
sensação cognoscitiva “[...] é sempre causada por impressão em célula sensória,
e consiste na percepção de uma qualidade sensível do objeto (uma cor, um som,
um gosto, etc.). Essa percepção é imediatamente seguida de uma das
mencionadas sensações afetivas”.
72
Utiliza-se o termo sensação afetiva para representar fenômenos
afetivos do prazer, da dor, da pena etc. A sensação afetiva é sempre precedida da
cognitiva, já que os fenômenos afetivos – segundo Telles Júnior – “[...] são
provocados por objetos que entram em contacto direto com o corpo humano.
São, portanto, incontestavelmente, legítimas sensações”.
73
68
Explica Miguel Reale, em Filosofia do Direito, p. 137-8, que para alguns pensadores o homem pode entrar em
contato direto com o mundo das idéias, ou das essências, graças a um exercício intelectual (não sensível), ou
seja, a um processo rigoroso de visão intelectiva chamado “método da redução das essências”.
69
Para essa teoria intuicionista valores como o belo, o verdadeiro, o justo, só podem ser captados por vias
emocionais.
70
Segundo essa corrente, a existência das coisas só é conhecida por intermédio da intuição volitiva. Em outras
palavras, o homem não seria apenas um portador de razão, nem tampouco um ser que só seria capaz de atingir o
conhecimento pela razão. Há certos objetos cujo conhecimento pleno só é possível por meio de elementos
fornecidos pela afetividade, vontade e intelecção pura. (Cf. REALE, M. Op. Cit, p. 148.)
71
Cf. TELLES JÚNIOR, G. O direito quântico, p. 185-187.
72
Id, p. 186.
73
TELLES JÚNIOR, G. O direito quântico, p. 186.
26
Pontes de Miranda defende o argumento de que a extração das
essências (a luz, o som, o gosto, o cheiro etc) é modo atual de uso delas, e não
de intuição. Por isso ensina que:
“[...] são os próprios sentidos, puro vital, que iniciam a particularização, a extração, a
abstração: em conjunto, porque só apanham a luz, o som, o gosto, o cheiro, o calor e o
frio, a forma tocável e pouco mais; de per si, porque eles entre si extraem – o olho só
vê, o ouvido só ouve, as narinas só cheiram, os nervos táteis só transmitem as
impressões das superfícies, do calor, do frio. O processo qualitativo vem, pois, do
orgânico sensível, e não posteriormente.”
74
Há, também, aqueles que classificam a intuição em sensível e
intelectual, entre os quais Immanuel Kant, para quem sensível seria a intuição
“[...] de todo ser pensante finito, ao qual o objeto é dado: ela é, portanto,
passividade, afeição...”;
75
e intelectual, seria a intuição originária e criativa, já
que “[...] nela o objeto é posto ou criado, portanto só se encontra no Ser criador,
de Deus...”
76
Apesar do brilhantismo com que Hilton Japiassú e Danilo
Marcondes tratam do tema, parece-nos contraditória a classificação por eles
adotada a respeito da intuição. Segundo esses autores, haveria duas espécies de
intuição: a intuição empírica e a intuição racional. Vejamos:
“[...] 2. Intuição empírica: conhecimento imediato da experiência, seja externa
(intuição sensível: dados dos sentidos como cores, odores, sabores etc.); seja interna
(intuição psicológica: dados psíquicos como imagens, desejos, emoções, paixões,
sentimentos etc.). 3. Intuição racional: percepção de relações e apreensão dos
primeiros princípios (identidade, não-contradição, terceiro excluído). É considerada a
74
PONTES DE MIRANDA, F. C. O problema fundamental do conhecimento, p. 192.
75
KANT, Immanuel apud ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003,
s.v. Intuição.
76
Ibid.
27
base do conhecimento discursivo, já que este pressuporia sempre um ponto de partida
não-discursivo para não ser circular.”
77
Pensamos que a habilidade de compreender ou produzir novas
idéias é instantânea e não precede de elaboração racional. Ou seja, intuição é o
oposto de racionalidade, em particular ao exato e ao formal.
78
Seja como for, é relevante frisar que a filosofia contemporânea
passa por uma fase de revalorização dos processos intuicionais, chamando a
nossa atenção para o fato de que o homem não é um ser apenas dotado de razão,
ou seja: é perfeitamente possível conhecermos certas coisas por meio de outros
elementos como, por exemplo, a afetividade e a vontade.
Não obstante, não se justifica um estudo mais aprofundado da
intuição, sendo necessário, para o propósito deste trabalho, ter-se em mente que
ela (i) marca o contato do sujeito com o objeto e (ii) é uma das vias de acesso ao
mundo dos valores.
79
Todavia só a intuição não basta, já que não resolve todos
os problemas que surgem no plano estimativo, por exemplo.
Até aqui analisamos o método de conhecimento imediato
(intuição). Passemos agora aos métodos de cognição mediata, quais sejam a
indução e a dedução.
80
77
JAPIASSÚ & MARCONDES. Dicionário básico de filosofia, s. v. Intuição.
78
Cf. BUNGE, Mario. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Perspectiva, 1999, s. v. Intuição.
79
Como, por exemplo, o justo, o útil, a liberdade, a igualdade etc.
80
Miguel Reale inclui, entre os métodos de cognição mediata, a analogia. Vejamos: “[...] A analogia – abstração
feita aqui de suas acepções de natureza ôntica ou ontológica, por impertinentes – consiste em estender a um caso
particular semelhante as conclusões postas pela observação de um caso correlato ou afim, em um raciocínio por
similitude. Se verifico que um fato ou um objeto possui as características A + B + C + D, sou levado,
naturalmente, a estender suas leis ou qualidades a outro fato ou objeto que apresente as características A + B + C
+ D + F”. (REALE, M. Filosofia do direito, p. 141.) De outra parte, entende Vicente Ráo que os métodos
indutivo e dedutivo são etapas do processo analógico. “Duas fases assinalam o processo analógico: a) do
28
A indução é o processo segundo o qual uma regra geral é
estabelecida a partir da observação de fatos particulares. Não se trata, como
afirma Miguel Reale, “[...] de simples conhecimento que proceda do particular
até o geral, porque é essencial que a passagem do particular ao geral se funde na
experiência, realizando como que o ‘retrato sintético’ dos fatos observados”.
81
Costuma-se dizer que a indução é probabilística, pois por meio dela
não logramos construir a verdade de uma conclusão em caráter definitivo.
Entretanto o método indutivo fornece razões para a aceitação dessa conclusão,
as quais se tornam cada vez mais seguras, dependendo do número de
observações que são realizadas.
Giorgio Del Vecchio nos traz um exemplo que nos ajudará a
compreender a explicação:
“Assim, observando que o planeta Marte, por exemplo, descreve órbita elíptica em
torno do Sol, e que Júpiter executa algo semelhante, e assim sucessivamente,
chegamos ao momento em que, por via de generalização conclusiva, podemos
afirmar: os planetas descrevem órbitas elípticas em torno do Sol.”
82
Classifica-se a indução em duas formas distintas: completa ou
formal e incompleta ou amplificadora.
83
Fala-se em indução completa quando
todos os fatos observados são considerados para alcançar-se a conclusão;
incompleta, quando a conclusão obtida é estendida a casos não analisados de
emprego do método indutivo por via do qual se remonta das disposições confrontadas ao princípio, ou ratio, que
as anima; b) do emprego do método dedutivo, por via do qual se desce do princípio assim apurado ao caso não
contemplado expressamente pela norma jurídica...” (RÁO, V. O direito e a vida dos direitos. 6.ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p. 534-535).
81
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27.ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 83.
82
DEL VECCHIO, G. Lições de filosofia do direito, p. 29.
83
O epíteto “indução amplificadora” deve ser creditado a Miguel Reale. Filosofia do direito, p. 145.
29
uma mesma espécie. Ou seja, tendo observado determinado fato (F) nas
situações S1, S2, S3, S4, estendemos a conclusão obtida (C) às situações S5, S6,
S7, S8, e assim sucessivamente.
84
Por ora, o que importa é compreender que na indução se parte do
particular em direção ao geral.
No método dedutivo, cujo modelo é o silogismo, ocorre exatamente
o oposto, isto é, parte-se do conhecimento geral para chegar ao conhecimento do
particular. A dedução é uma operação lógica que nos permite concluir a partir de
uma ou várias proposições, admitidas como verdadeiras, uma ou várias
proposições que se seguem necessariamente, pela simples colocação das
anteriores.
85
Na teoria de Miguel Reale são duas as espécies de dedução, a
silogística e a amplificadora:
“A primeira, a do silogismo, se distingue porque, postas duas proposições, chamadas
premissa maior e premissa menor, delas resulta necessariamente uma conclusão, a
qual, se esclarece ou particulariza um ponto, nada acresce substancialmente ao já
sabido. Na dedução amplificadora, que muitos erroneamente atribuem somente às
Matemáticas, do cotejo lógico de duas ou mais proposições podemos elevar-nos a uma
verdade nova, que não se reduz, ponto por ponto, às proposições antecedentes.”
86
84
Tércio Sampaio Ferraz Jr., em sua Introdução ao estudo do Direito, p. 303, traz outro exemplo bastante
esclarecedor: “[...] constatamos que os estatutos sociais de quatro diferentes sociedades prevêem o princípio da
maioria para suas deliberações. No entanto, num contrato que as une para a consecução de uma tarefa comum,
não foi prevista essa regra. O contrato é omisso. Por indução amplificadora, construímos, então, o seguinte
raciocínio: se os estatutos, isoladamente tomados, prevêem o princípio da maioria, é possível generalizar a regra
geral segundo a qual, com base na lealdade negocial, todas as partes certamente admitem aquele princípio
mormente quando nenhuma delas o exclui para as deliberações internas. Generalizado o princípio, este é, então,
aplicado ao caso omisso. Sentimos que, na indução amplificadora, cresce a liberdade do intérprete.”
85
Cf. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia, s. v. Dedução.
86
REALE, M. Lições preliminares de direito. 27.ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 83-84.
30
Giorgio Del Vecchio sedimenta esse entendimento ao asseverar
que: “A argumentação silogística é, pois, formada por duas premissas, das quais
uma é genérica – premissa maior – a outra, particular – premissa menor; às
premissas segue-se uma conclusão ou ilação, obtida mediante a aplicação da
primeira premissa à segunda”.
87
Ocorre que a premissa maior não é a que é genérica, nem premissa
menor é a que é particular. Uma premissa é chamada MAIOR quando tem o
predicado da conclusão e é MENOR, quando tem o sujeito da conclusão.
Exemplificamos:
Todos os animais são mortais.
Todos os mamíferos são animais.
Portanto todos os mamíferos são mortais.
Repare que, no nosso exemplo, não existe afirmação particular, mas
a primeira premissa é a maior porque tem o predicado da conclusão.
Seja como for, podemos concluir que a diferença essencial entre os
dois institutos é que, enquanto a indução é um raciocínio calcado na experiência
ou na observação externa, sem a qual não atingiríamos resultados válidos, a
dedução é um processo obtido diretamente do nosso intelecto, que se desenvolve
conforme leis atinentes ao próprio pensamento, a partir de elementos recebidos
como evidentes ou captados pela indução.
87
DEL VECCHIO, G. Lições de filosofia do direito, p. 30.
31
Por isso é que a grande maioria dos autores defende o argumento de
que o Direito é uma ciência que aplica preferencialmente o método dedutivo,
88
a
despeito de qualquer outro, pois, segundo Reale, “[...] tem por objeto normas
que, apreciadas em sua estrutura, são objetos ideais, embora não possam ser
consideradas meras entidades lógicas”.
89
Para eles, não haveria nenhuma
possibilidade de se passar do fato para a regra ou para a norma jurídica a partir
do processo indutivo.
Então, se considerarmos a existência de duas espécies de
conhecimento (racional e empírico), sendo a dedução um conhecimento
racional, e a indução um conhecimento empírico, calcado na experiência, logo
se explica a maior incidência e aplicação da dedução, porquanto a verdade
racional – raciocínio dedutivo – jamais é desmentida pela verdade empírica –
obtida pela via indutiva.
Certifica Miguel Reale que, “na indução, ao contrário [da dedução],
há sempre o pressuposto de uma realidade, em função de cuja regularidade é
posta a conclusão probabilística”.
90
Outra razão pela qual a lógica contemporânea considera o método
dedutivo como ideal é que nele o argumento é sempre legítimo, ou seja, se
88
O ideal de ciência – perceberam Luiz Alberto Cerqueira e Alberto Oliva – “[...] não pode ser um sistema em
que cada enunciado seja provado e cada termo definido, mas aquele em que um número mínimo de enunciados
seja suficiente para a dedução de todos os outros, e no qual um número mínimo de termos seja suficiente para a
definição de todos os demais. A esse ideal de conhecer chama-se sistema dedutivo”. (CERQUEIRA, Luiz
Alberto; OLIVA, Alberto. Introdução à lógica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p. 26.)
89
REALE, M. Filosofia do direito, p. 150. Nesse mesmo sentido, conferir DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de
filosofia do direito, p. 32-33.
90
REALE, M. Filosofia do direito, p. 150.
32
partimos de premissas verdadeiras a conclusão jamais pode ser falsa. No que se
refere aos argumentos indutivos, não se exige que a conclusão seja verdadeira
caso as premissas sejam, mas apenas que ela seja provavelmente verdadeira.
91
Todavia, nada impede que tanto a indução quanto a dedução tirem
partido uma da outra, ou seja, se complementem. Isso pode vir a ocorrer por se
tratar de processos cognoscitivos que não se contradizem e não se excluem
reciprocamente, porque distintos um do outro. Foi o que ocorreu na astrologia
quando a Lei da Gravitação Universal, de Isaac Newton, se transformou em
princípio (verdade genérica – origem indutiva), assumindo daí em diante
comportamento dedutivo.
92
Lembrados os principais meios de captação da realidade, resta-nos,
agora, definir o conceito de verdade.
No dizer de Marilena Chauí, a primeira verdade inquestionável é a
consciência do pensamento que constitui alicerce para todos os conhecimentos
futuros.
93
Segundo a autora, com a qual concordamos, “[...] verdade e realidade
parecem ser idênticas e, quando essa identidade se desfaz ou se quebra, surge a
incerteza que busca readquirir certezas”.
94
Note-se bem que não descrevemos a realidade, apenas o nosso
modo de enxergá-la. Isso se deve ao fato de que a realidade (a nossa consciência
91
Cf. MORTARI, Cezar A. Introdução à lógica. São Paulo: UNESP, 2001, p. 24-25.
92
Cf. DEL VECCHIO, G. Lições..., p. 30.
93
Cf. CHAUÍ, M. Convite à filosofia, p. 91.
94
CHAUÍ, M. Convite à filosofia, p. 95.
33
do real) é simplesmente inerente ao nosso pensamento, apesar de o nosso
pensamento, ou seja, a nossa consciência, ser por ela determinado.
Logo, a realidade de que tomamos conhecimento é algo que
aparenta ser (ou se apresenta) para nossa consciência.
Eros Roberto Grau aduz:
“Diante de um objeto qualquer, minha consciência recebe o impacto do que ele
representa (como ele se apresenta), para mim. Posso dizer, então, que minha
consciência vê os objetos exteriores como eles são, visto que eles são (para nós), nas
suas manifestações (aparições), absolutamente indicativos de si mesmos. Como,
porém, os objetos e a realidade existem em suas manifestações (aparições) para mim,
jamais os descrevo – os objetos e a realidade; descrevo apenas o modo sob o qual eles
se manifestam (= o que representam) para mim.”
95
Ora, com o direito o procedimento é o mesmo, ou seja, não
descrevemos o direito em si, apenas aquilo que cremos deva ser ele.
Qualquer realidade pode ser objeto de conhecimento, mas o
conhecimento de uma realidade estará sempre dependente do sistema de
referência do objeto conhecedor.
96
Por isso, todo conhecimento é aludido a um sistema anterior de
conhecimento sem o qual não teria sentido.
Se o sistema de referência é condição essencial do conhecimento,
na medida em que o conhecimento só passa a ser verdadeiro quando relacionado
95
GRAU, Eros R. O direito posto e o direito pressuposto. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 17.
96
Cf. TELLES Jr., G. O direito quântico, p. 178. Por sistema de referência deve-se entender o sistema de
conhecimento que seja tradução cerebral da realidade.
34
a um sistema de referência
97
– então todo conhecimento verdadeiro é relativo
porque dependerá do sistema de referência a que se encontra associado.
98
Ocorre que nem todo conhecimento pode ser rotulado como
verdadeiro. Por exemplo, consideramos uma simples sensação como um
conhecimento e não como uma verdade, a não ser que esteja atrelada a um
determinado sistema de referência.
Esclarece Goffredo Telles Jr.:
“A simples sensação de ‘quebrada’, que uma vara nos dá, quando mergulhada nágua,
não é verdade nem erro. A verdade aparecerá quando a sensação, confrontada com um
sistema anterior de conhecimentos, produzir o pensamento ‘a vara parece quebrada’.
Quando uma pessoa tem conhecimentos, mas não os relaciona a um sistema de
referência (a um sistema de conhecimentos que sejam traduções cerebrais da
realidade), ela não está com a verdade. Tal pessoa tem sensações, imagens,
imaginações, mas está perdido com elas. Ou com elas se ilude. Comporta-se como o
selvagem que ouve o trovão, e diz que aquela é a voz de Deus. Ou como o místico, em
êxtase, que recebe misteriosas ‘mensagens’, e se convence de que entrou em
comunhão com o ‘espírito do Universo’. Ou como o arrebatado que declara conhecer
a ‘alma das coisas’, mas nada pode revelar sobre esse mistério, porque as verdades
profundas são ‘inefáveis’. Ou como o fatigado, que capitula ante as dificuldades da
ciência, e se refugia no cômodo refrão: ‘só creio no milagre’.”
99
Observe-se que o ato de relacionar um conhecimento a um sistema
de referência chama-se juízo ou julgamento. O produto desse juízo é a
proposição. Dito de outra forma, a proposição é a expressão lingüística do juízo,
podendo ser verdadeira ou falsa.
97
Isso significa que determinado conhecimento só pode ser considerado como verdade quando relacionado a um
conhecimento mais amplo.
98
Cf. TELLES Jr., G. O direito quântico, p. 176.
99
TELLES Jr., G. O direito quântico , p. 179.
35
Não há verdades descobríveis; há fatos sobre os quais se enunciam
proposições verdadeiras ou falsas. Nesse quadro, a verdade seria apenas uma
qualidade das proposições verdadeiras.
100
Derradeiramente, firmemos que o nosso estudo está voltado para o
direito positivo – conglomerado de normas jurídicas válidas. Sendo assim,
torna-se necessário um corte metodológico, por meio do qual deixamos de lado
a proposição – em sentido amplo – e passamos a analisar a proposição
normativa, enquanto elemento do ser-sistema.
101
Do ponto de vista dinâmico, o direito não se preocupa com a
verdade-em-si-mesma, mas com a validade/eficácia de suas proposições.
102
Tem-se, então, que uma proposição normativa será válida, ou não-
válida, conforme critérios-de-validade instituídos pelo próprio sistema jurídico.
Vejamos a lição de Lourival Vilanova:
“A hipótese e a conseqüência valem. O valer da hipótese e o valer da conseqüência
cortam-se com outra norma válida. Com isso, mantém-se a homogeneidade estrutural
do sistema do direito positivo, que não é sistema de proposições verdadeiras ou falsas,
100
Nesse ponto, fulguram as lições de Luiz Alberto Cerqueira e Alberto Oliva, em sua Introdução à lógica, p.
21-22: “Fatos não são verdadeiros nem falsos. Fatos ocorrem ou não. Não faz sentido dizer que um fato é falso.
Do enunciado é que afirmamos ser verdadeiro ou falso, caso o fato em questão ocorra ou não. A noção de
verdade que nos interessa coloca-se, pois, em termos de uma correspondência entre enunciados e fatos”.
101
Não seria desnecessário lembrar que a “norma” não se confunde com a “proposição”. A norma é prescritiva
enquanto a proposição é descritiva, pois descreve a norma. Perante o cientista do Direito – adverte Sacha
Calmon Navarro Coelho – “a normatividade (dever-ser) contida nos sistemas positivos se colocará numa relação
de objeto-sujeito, sendo por este último descrita através de ‘proposições jurídicas’, que são justamente os
instrumentos reveladores das normas”. (COELHO, S. C. N. Teoria geral da obrigação obrigatória. In: Heleno
Taveira Tôrres (Coord.). Teoria geral da obrigação tributária: estudos em homenagem ao Professor José Souto
Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 249.) Assim, em Kelsen (Teoria pura do direito, p. 11-113) “O
direito prescreve, permite, confere poder ou competência, não ensina nada. Na medida, porém, em que as normas
jurídicas são expressas em linguagem, isto é, em palavras e proposições, podem elas aparecer sob a forma de
enunciados do mesmo tipo daqueles através dos quais se constatam fatos”.
102
Susy Gomes Hoffmann, em Teoria da prova no direito tributário, p. 56, traduz o que buscamos transmitir nos
seguintes termos: “A validade – e não a verdade – é o que se busca, objetivamente, no direito...”
36
mas de proposições prescritivas válidas ou não-válidas, justas ou injustas, aplicáveis
ou inaplicáveis, eficazes ou ineficazes, vigentes ou não vigentes.”
103
Retomando o fio do argumento, isso quer dizer que tanto a
proposição-hipótese quanto a proposição-tese carecem de valor veritativo. Ou
seja, a norma jurídica é válida independentemente de o fato (acontecimento no
mundo natural) confirmar ou verificar o esquema descrito na hipótese, ou de a
conduta prescrita na tese ocorrer como deve ocorrer.
A par disso, Lourival Vilanova pondera: “Enfim, a não-verdade de
proposição descritiva de fatos, como o descumprimento de norma individual
fundada em norma geral, não compromete a validade da proposição normativa
universal.”
104
Daí a conclusão de que o valor de verdade de uma proposição
normativa é completamente irrelevante sob o ponto de vista do sistema jurídico.
A rigor, uma proposição falsa poderá ser tão válida e eficaz quanto uma
proposição verdadeira.
Para que um acontecimento ingresse no mundo da facticidade
jurídica é necessário que possamos contá-lo em linguagem própria do direito.
Ainda que o fato não tenha ocorrido, se pudermos demonstrá-lo legalmente –
103
VILANOVA, L. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 88. “Mas diferença entre
verdade/falsidade, e validade/não validade”, ensina o Prof. Lourival Vilanova – “reside no lado semântico: é o
modo-de-referência da proposição aos objetos que difere. Num caso, a proposição descreve como é o objeto; no
outro, ela prescreve uma alteração no objeto, preceituando como ele deve-ser. Além das diferenças sintáticas e
semânticas, há também diferença quanto ao uso que os sujeitos da comunidade social fazem. Usa-se a p-
normativa como um dos “outils humains” (P. Amselek, Méthode Phénoménologique et Théorie du Droit, pág.
269), como um dos instrumentos para canalizar o processo social da conduta humana dentro de vias
sociologicamente funcionais, ou axiologicamente valiosas. Esse o aspecto pragmático da p-normativa.” Id. Op.
Cit, p. 80-81.
104
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 107.
37
por meio de provas admitidas em direito –, ele estará juridicamente constituído.
Mas, se isso não for possível, por mais inequívoco que tenha sido o evento, não
produzirá os efeitos jurídicos necessários.
Tomemos como exemplo um acontecimento recente – o
desabamento na linha IV, do metrô de São Paulo. Se for possível demonstrar,
consoante as provas juridicamente aceitas, que o desabamento ocorreu e que as
estruturas das casas adjacentes ruíram em decorrência disso, então as empresas
responsáveis pela obra deverão ser responsabilizadas perante os respectivos
proprietários. Porém, se não pudermos fazê-lo, ou seja, se não pudermos relatar
o fato em linguagem competente, por mais evidente que tenha sido o
desabamento e a conseqüente destruição das residências vizinhas, ele não
desencadeará os efeitos jurídicos a ele atribuídos e não se poderá falar em dano
nenhum.
Propositadamente, referimo-nos à expressão linguagem competente
– proposições válidas – e não à linguagem verdadeira, pois é a validade e não a
verdade o verdadeiro critério para se legitimar determinada proposição.
Reiteramos: é por meio de linguagem competente que a realidade
jurídica se constitui.
38
Veremos que a verdade alcançada com as provas e com a
contraposição de provas satisfaz o direito.
105
Por isso é que a prova é tão
indispensável para o ordenamento jurídico.
106
Em síntese, admitimos que toda verdade no direito é mera ficção
jurídica. Como diz Celso Antônio Bandeira de Mello, o direito cria suas próprias
realidades.
107
Quer dizer: o direito reconstrói a realidade por meio da prova.
Ratifica sobremaneira essa assertiva o discrímen efetuado por Fabiana Del Padre
Tomé: “Somente se, questionado ou não, o enunciado se pautar nas provas em
direito admitidas, o fato é juridicamente verdadeiro (verdade lógica)”.
108
1.2 EVENTO, FATO E FATO JURÍDICO
O direito e o útil são a mesma coisa. De tal sorte que certas disputas
doutrinárias em relação a determinados temas têm, ultimamente, desvirtuado o
105
Leciona Maria Rita Ferragut, em Presunções no direito tributário (2.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.
78): “A prova e preferencialmente a contraposição de provas visam a demonstrar a verdade ou a falsidade do
significado de um enunciado. Por contraposição entende-se a comparação do dado que se quer provar com
outros que confirmem ou infirmem sua exatidão. A prova resultará da confirmação ou da concordância dos
dados confrontados.”
106
Nas palavras de Silvio Rodrigues: “É matéria fundamental para defesa dos direitos, pois aquele que não pode
provar seu direito, é como se o não tivesse.” (RODRIGUES, S. Direito civil. 3.ed. São Paulo: Max Limonad,
1967, vol. I, p. 299.) Pode-se dizer, como Eduardo Espínola, sem dúvida, que “prova, em acepção geral, é o
meio de fazer conhecer a verdade, de se apurar a existência de um fato jurídico”. (ESPÍNOLA, E. Sistema do
direito civil. Rio de Janeiro: Rio, 1977, p. 639.)
107
Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio apud SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Norma, evento, fato,
relação jurídica, fontes e validade no direito. In: Eurico Marcos Diniz De Santi (Coord.). Curso de
especialização em direito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 15.
108
TOMÉ, Fabiana del Padre. A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2005, p. 35. Em sentido
semelhante, Eurico Santi diz: “A prova não é a realidade, é a articulação jurídica dessa realidade.” E mais
adiante acrescenta: “Assim como o silêncio, o ônus da prova é essencial na técnica impositiva para determinação
jurídica dos fatos. Regra geral do contraditório, o ônus da prova é daquele que alega o fato, permitindo que o
direito presuma e determine o significado do silêncio. O silêncio configura um fato sobre o qual o direito atribui
outro fato, de tal forma que o silêncio daquele que alega passa a significar, normativamente, que o fato não
ocorreu ou que o alegante não pode prová-lo (o que para o direito é o mesmo).” (SANTI, E. M. D. Op. Cit, p.
15-17.)
39
debate em torno das grandes questões jurídicas. Uma dessas arengas
desnecessárias, a nosso ver, cinge-se à distinção entre fato e evento.
Autores de prestígio no cenário jurídico nacional já se debruçaram
sobre o tema na tentativa de explicar a diferença, ou melhor, a relevância da
diferença entre os conceitos de fato e de evento. A propósito, convém examinar
as obras clássicas de Paulo de Barros Carvalho,
109
Lourival Vilanova,
110
Tércio
Sampaio Ferraz Júnior,
111
Eurico Marcos Diniz de Santi,
112
Joana Lins e
Silva,
113
etc.
A realidade inerte, conforme apontou José de Oliveira Ascensão,
114
só se transforma por meio de fatos. Há, no entanto, fatos importantes e fatos
indiferentes ao Direito. Os primeiros são chamados de fatos jurídicos, e os
segundos de fatos simples.
115
Fatos simples
116
são aqueles dos quais a constatação não produz
nenhuma conseqüência relevante para o Direito, p. ex: o convite para um
109
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência.
110
VILANOVA, L. Causalidade e relação no direito. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
111
FERRAZ Jr., T. S. Introdução ao estudo do direito, p. 278.
112
SANTI, E. M. D. Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max limonad, 2000.
113
SILVA, Joana Lins e. Fundamentos da norma tributária.
114
Cf. ASCENSÃO, José de Oliveira. Teoria geral do direito civil. Lisboa: [s.n]. 1992, vol. 3, p. 4.
115
Essa classificação, a nosso ver a mais acertada, deve ser creditada a Giorgio Del Vecchio. Lições de filosofia
do direito, p. 325.
116
Com a devida vênia a Serpa Lopes, parece-nos confusa a sua classificação de fato jurídico: “O fato jurídico
pode apresentar-se quer como um acontecimento simples, unitemporal, quer sob forma complexa através de
etapas sucessivas, bitemporal ou multitemporal. Exemplo de um fato jurídico simples, temo-lo no nascimento ou
na morte. Um fato jurídico complexo, dependendo de tempo, encontra-se na posse, cuja eficácia, para efeito de
usucapião, exige que se prolongue por um determinado lapso de tempo, além de uma série de atos sucessivos de
apropriação.” E mais: “H. Capitant categoriza os fatos jurídicos em dois grupos: 1.º) os fatos independentes da
vontade do homem; 2.º) os fatos voluntários. J. Bonnecase prefere distribuí-los em duas categorias, porém
compreendendo um conteúdo diverso, isto é, na primeira, fatos jurídicos em sentido especial; na segunda, os atos
jurídicos. Preferimos, porém, a classificação proposta por Capitant. Em relação à 1.ª categoria – fatos
independentes – nela estão compreendidos todos aqueles acontecimentos naturais ou acidentais que implicam
conseqüências jurídicas. São de várias espécies, como o nascimento, o óbito, a idade, o lapso de tempo, a
contigüidade de imóveis, um acidente no trabalho.” (SERPA LOPES, M. M de. Curso de direito civil. 3.ed. Rio
40
passeio; uma visita de cortesia; o uso de calça de certa cor etc. Aponta Joana
Lins e Silva o seguinte:
“Sem a linguagem, que confere realidade aos eventos, um acontecimento não relatado
não traz nenhuma conseqüência para o mundo. Caso haja o relato do evento por uma
linguagem natural, poderá falar-se em fato social, revelando para o mundo as
características daquele acontecimento. Mas, ainda assim, tal relato não trará nenhuma
repercussão para o mundo jurídico. A linguagem natural não se mostra suficiente para
fazer ingressar no mundo jurídico algum dado novo, nem muito menos para
desencadear conseqüências jurídicas.”
117
Fato jurídico, assim definido, compreende o ato humano ou o
acontecimento natural juridicamente relevante.
118
Essa relevância jurídica, no
alvitre de Carlos Alberto da Mota Pinto, significa produção de efeitos ou de
conseqüências jurídicas.
119
Não é por demais lembrar, como reforço à proposição grassada, a
lição de Lourival Vilanova, vazada nos seguintes termos:
“Uma tormenta em alto-mar, que não atinja coisa (um navio) ou pessoa, é fato natural
juridicamente irrelevante, quer dizer, nenhuma relação mediata ou imediata tem com
condutas humanas, e, por isso, nenhuma conseqüência jurídica traz. Mas, se atinge
navio, com carga e pessoas, e o fato foi tido, em contrato de seguro, como sinistro,
como evento futuro e incerto, a mesma tormenta reveste-se da qualidade de fato
jurídico, trazendo conseqüências, como a indenização de vidas e cargas pelo
segurador em favor do segurado.”
120
de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, Vol. I, p. 386.) Ao que tudo indica, o tratadista confunde fato simples com fato
jurídico involuntário, sendo este último uma das hipóteses de fato jurídico. A classificação dos fatos jurídicos
será adiante analisada no item 1.4.
117
SILVA, Joana Lins e. Fundamentos da norma tributária, p. 56.
118
A questão será mais bem compreendida no item 1.4, quando expusermos a “distinção” entre ato e fato
jurídico.
119
Cf. PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria geral do direito civil. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1989, p.
353. No mesmo sentido: Heinrich Ewald Hörster. A parte geral do código civil português: teoria geral do direito
civil, p. 202-203; Renan Lotufo. Código civil comentado. 2ed. São Paulo: Saraiva, 2004, vol. I, p. 261-262; José
Abreu Filho. O negócio jurídico e sua teoria geral. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 4, entre tantos outros.
120
VILANOVA, L. Causalidade e relação no direito, p. 135.
41
Esse liame entre fato e produção de efeitos jurídicos, com o escopo
de qualificar o fato como jurídico e, assim, distanciá-lo da idéia de fato social
(ou material
121
), não é absoluta, ou seja, é regra que comporta exceções.
Tenhamos em conta que há fatos jurídicos que existem
(validamente) e deixam de existir sem ter sequer produzido efeitos jurídicos.
Marcos Bernardes de Mello cogita a hipótese de um testamento revogado pelo
próprio testador.
122
Isso, contudo, é exceção. O predomínio será sempre a
prevalência daquela feição peculiar ao fato jurídico de produzir efeitos jurídicos.
Sem nos oferecer nenhuma justificativa plausível, Marcel Planiol
defende a tese de que o inverso também é admissível: “Les états de fait et les
actes matériels sont susceptibles d’entraîner des conséquences juridiques, mais il
est relativement rare qu’il en soit ainsi.”
123
Não obstante as inúmeras e bem elaboradas definições de fato
jurídico, entre as quais destacamos a proferida por A. Colin e H. Capitant: em
121
O adjetivo “material” é utilizado por José Abreu Filho para distinguir fato jurídico de fato social (não
jurídico). Um mesmo acontecimento – assinala o autor – “[...] poderia ser jurídico ou material, diferenciando-se
um do outro pela produtividade de efeitos jurídicos, peculiar ao primeiro e inexistente no segundo”. (ABREU
FILHO, J. O negócio jurídico e sua teoria geral, p. 4.) Observou-se, no entanto, que essa regra comporta
exceções.
122
Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 9.ed. São Paulo: Saraiva,
1999, p. 90. Ressalte-se o alerta do autor: “É verdade indiscutível que a finalidade precípua do fato jurídico
reside na produção de efeitos jurídicos, porque seria até sem sentido, mesmo ilógico, que se imaginassem fatos
jurídicos sem nenhuma utilidade para a realidade da vida humana no plano de suas relações interpessoais e que
constituíssem meras entidades formais, puramente abstratas. Mas a constatação dessa verdade não pode eliminar
a outra de que há fato que, embora concebido para gerar efeitos jurídicos, em certas circunstâncias podem não
gerá-los, sem que se descaracterizem, todavia.” Nesta dimensão posiciona-se Pontes de Miranda: “Fato jurídico
é, pois, o fato ou complexo de fatos sobre o qual incidiu a regra jurídica; portanto, o fato de que dimana, agora,
ou mais tarde, talvez condicionalmente, ou talvez não dimane, eficácia jurídica.” (PONTES DE MIRANDA, F.
C. Tratado de direito privado. 3.ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, Tomo I, p. 77.)
123
PLANIOL, M. Traité élémentaire de droit civil. 5.ed. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence,
1950, T. 1, p. 129.
42
termos operacionais o que faz jurídico o fato é a incidência da regra jurídica
sobre ele.
124
Ora, separar, no mundo dos fatos, os fatos desinteressantes dos
fatos jurídicos é função essencial do Direito. Somente os fatos jurídicos entram
no mundo jurídico, e isso se dá com a incidência da regra jurídica sobre o
suporte fático.
Essa também é a perspectiva de Alberto Trabucchi com relação ao
conceito de fato jurídico:
“Essenziale è la osservanza del diritto: secondo un giudizio che, dapprima i soggetti, e
poi eventualmente il giudice, fanno circa la corrispondenza al diritto del contegno da
tenere o dell’azione compiuta, sempre per l’applicazione della norma al caso
pratico.”
125
Fiquemos, por enquanto, com essas breves noções, que serão
reprisadas nos próximos subcapítulos destinados à caracterização do fato
jurídico tributário.
1.3 ENUNCIADO JURÍDICO-PRESCRITIVO, NORMA JURÍDICA E
RELAÇÃO JURÍDICA
124
Dizem COLIN e CAPITANT: “Tous les évènements qui ont pour effect de donner naissance à des droits de
les transmettre d’une personne à une autre, d’en entraîner l’extinction, sont des faits juridiques.” (COLIN, A;
CAPITANT, H. Cours élémentaire de droit civil français. 4.ed. Paris: Dalloz, 1923, T. 1, p. 60.) Conforme se
verifica, para esses juristas franceses denominam-se fatos jurídicos todos os acontecimentos de que decorrem o
nascimento, a subsistência e a perda de direitos previstos em lei. No cenário nacional, destaca-se a lição de
Arnoldo Wald: “Os fatos jurídicos são aqueles que repercutem no direito, provocando a aquisição, a modificação
ou a extinção de direitos subjetivos.” (WALD, A. Curso de direito civil brasileiro: introdução e parte geral. 8.ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 165.)
125
TRABUCCHI, A. Istituzioni di diritto civile. 16. ed. Padova: Cedam, 1968, p. 124.
43
Enunciação é o ato constitutivo do enunciado. Sem enunciação não
há enunciado. Enunciação e enunciado são estágios do processo de produção do
direito positivo, sendo o enunciado o ponto de partida dessa produção.
Iniciemos por observar que o uso freqüente da linguagem atribui a
certos vocábulos, como oração, sentença, asserção, a condição de sinônimos de
enunciado.
126
Até aí não há problema. O que não se pode conceber é a utilização
do termo proposição como equivalente nomimal de enunciado. A razão,
segundo Paulo de Barros Carvalho, é simples: “[...] o vocábulo proposição
convém seja tomado com a carga semântica de conteúdo significativo que o
enunciado, sentença, oração ou asserção exprimem”.
127
Quando falamos, expressamo-nos por meio de enunciados. Por
exemplo, orações como a caneta é preta, a terra é redonda, são enunciados.
126
Devido à existência de muitos tipos de sentenças – declarativas, interrogativas, imperativas etc. –, alguns
autores, como Luiz Alberto Cerqueira e Alberto Oliva (Introdução à lógica, p. 17), procuram estabelecer o
conceito de “enunciado” a partir do critério verdade/falsidade. Para eles, “enunciados” são todas as sentenças às
quais se pode atribuir um valor de verdade. Conseqüentemente, frases como “A neve é branca” e “Salvador fica
ao norte de Vitória” são enunciados, ao passo que outras, como “Você mora aqui?” e “Faça isto” não o são, pois
não faz sentido assinalar um valor de verdade a perguntas e ordens – que não são verdadeiras nem falsas.
Importante observação sobre o critério verdade/falsidade deve ser creditada a esses doutrinadores: “Não faz
sentido dizer que um fato é falso. Do enunciado é que afirmamos ser verdadeiro ou falso, caso o fato em questão
ocorra ou não. A noção de verdade que nos interessa coloca-se, pois, em termos de uma correspondência entre
enunciados e fatos. Para se admitir uma definição dessa correspondência é preciso que ela especifique, para cada
enunciado (existente ou possível), o fato (ou as condições) do domínio que o torna (m) verdadeiro.” Do ponto de
vista jurídico, esse dilema verdade/falsidade dependerá exclusivamente das provas apresentadas (admitidas em
direito).
127
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 20. Também L.
Susan Stebbing, afirma que não se pode confundir uma proposição com uma oração, pois nem todas orações
expressam proposições: “Cuando el rey Lear exclama: ¿ Por qué han de tener vida un perro, un caballo, una rata,
cuando tú careces de todo aliento? está haciendo una pregunta y no está afirmando nada verdadero o falso,
aunque ciertamente presuponía la verdad de una proposición relativa al valor comparativo de la vida de ‘su
bufon’.” (STEBBING, L. S. Introducción moderna a la lógica. Tradução de Robert S. Hartmann e José Luiz
González. México: UNAM, 1965, p. 30.)
44
Para Delia Echave, Maria Urquijo e Ricardo Guibourg,
128
esses
conjuntos de palavras são orações porque cumprem com o requisito de serem
significativas, ou melhor, de expressarem cabalmente uma idéia.
129
Não é bem assim. A expressão de uma idéia se faz por frases (ou
sentenças), que sempre têm sentido completo. A oração não precisa ter sentido
completo; basta-lhe ter estrutura sintática. Exemplifiquemos:
Socorro! (Frase, não é oração)
Eta vida besta, meu Deus! (Frase, não é oração)
Hoje sairei cedo. (Frase, oração, período simples)
Quero que você saia. (Uma frase, duas orações, período composto)
O que você quer é o que eu quero. (Uma frase, três orações, todas sem sentido
completo isoladamente)
Ainda segundo Echave, Urquijo e Guibourg, expressões do tipo
verde o é campo, cigarro cinzeiro o no está, são desprovidas de qualquer
significado, não podendo formar enunciados ou orações, já que, embora
compostas por palavras conhecidas, se encontram internamente desorganizadas
em relação a regras gramaticais específicas da nossa língua.
130
Verde o é campo é frase agramatical, mas não é desprovida de
significado. Cigarro cinzeiro o no está é frase perfeitamente compreensível,
embora agramatical. Vê-se que Echave, Urquijo e Guibourg confundem
agramaticalidade/aceitabilidade com conteúdo semântico/significado/sentido.
128
ECHAVE, D; URQUIJO, M. & GUIBOURG, R. Lógica, proposición y norma. Buenos Aires: Astrea, 1995,
p. 35-36.
129
Sintaticamente, uma oração não precisa ter sentido completo. Basta que tenha estrutura sintática
(sujeito/predicado). A frase é que tem sentido completo, mesmo que não tenha estrutura sintática. “Cada macaco
no seu galho” é uma frase mas não é uma oração. “Quem cala consente” é uma frase constituída de duas orações.
130
Cf. ECHAVE, D; URQUIJO, M. & GUIBOURG, R. Lógica, proposición y norma, p. 36.
45
Enunciado e proposição são conceitos que não se confundem. O
enunciado é a forma gramatical por meio da qual um determinado significado se
expressa.
131
A proposição é o que o enunciado significa.
132
Pode-se dizer, para
marcar essa diferença, que um simples enunciado pode exprimir duas ou mais
proposições, enquanto uma mesma proposição pode ter enunciados diversos.
Norberto Bobbio nos traz um exemplo que, apesar de longo, nos ajudará a
compreender a explicação:
“Uma mesma proposição pode ser expressa com enunciados diversos quando muda a
forma gramatical. Por exemplo: ‘Mário ama Maria’ e ‘Maria é amada por Mário’, em
que o significado é idêntico e o que muda é apenas a expressão; ou na passagem do
mesmo significado de uma expressão de uma língua para a expressão equivalente de
uma outra língua. Por exemplo: ‘Chove’; ‘Il pleut’; ‘It is raining’; ‘Es regnet’ são
enunciados diferentes da mesma proposição. De maneira diversa, com o mesmo
enunciado é possível exprimir, em contextos e em circunstâncias diferentes,
proposições diversas. Por exemplo, quando digo, dirigindo-me a um amigo com o qual
estou dando uma volta: ‘Eu gostaria de beber uma limonada’, pretendo exprimir meu
desejo e quando muito dar ao meu amigo uma informação sobre o meu estado de
espírito; ao dirigir as mesmas palavras a uma pessoa que está atrás do balcão de um
bar, não pretendo exprimir um desejo nem dar a ela uma informação, mas impor-lhe
uma determinada conduta. (Enquanto, no primeiro uso da expressão, é previsível, por
parte do amigo, a resposta: ‘Eu também’, a mesma resposta por parte do segundo
interlocutor seria quase uma ofensa.).”
133
131
Cf. BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 3.ed. São Paulo: EDIPRO, 2005, p. 73.
132
Em Lógica, o vocábulo proposição significa a expressão verbal de um juízo. Daí a restrição quanto ao uso do
termo proposição para significar outros juízos que não os descritivos de situações, condicionados aos critérios de
verdade/falsidade. Conforme Riccardo Guastini, em Dalle fonti alle norme (2.ed. Torino: Giappichelli, 1992, p.
17), “Una proposizione in senso logico è un enunciato (interpretato) al quale convengano i valori di verità (i.e.
‘vero’e ‘falso’)”. Paulo de Barros Carvalho, em percuciente trabalho sobre a matéria, ensina que essa redução
(ou limitação) do termo proposição se explica por motivos históricos, já que a linguagem descritiva de situações
foi a pioneira e intensamente estudada. (Cf. CARVALHO, Paulo de B. Apostila de filosofia do direito I (Lógica
Jurídica). São Paulo: PUC/SP, 1999, p. 19.)
133
BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 53. Ver nosso esquema da
página 9. Nas duas situações, a frase “Eu gostaria de beber uma limonada” tem a mesma significação
(constituintes gramaticais), mas tem sentido diferente em cada situação (componente retórico). “Está quente
aqui” pode ter vários sentidos, dependendo da situação: pode querer dizer “abra a janela”, ou “ligue o
ventilador”, ou “desligue o aquecedor”, etc. Mas a siginificação é uma só; “estou sentindo calor neste ambiente”.
46
Contudo o que nos interessa é definir o conceito de enunciado
prescritivo.
A positivação do direito ocorre por meio de sua aplicação. Essa
aplicação estabelece um processo de produção, na medida em que aplicar uma
norma é, ao mesmo tempo, criar uma outra norma. E, dessa forma, já que o
processo de produção consiste na enunciação do direito, e a enunciação é o ato
constitutivo do enunciado, o produto desse processo são os enunciados
prescritivos.
134
Conquanto se apresente como frase solta e carregada de sentido, o
enunciado prescritivo não consegue formar uma unidade completa de sentido
deôntico enquanto não conectado a outro (s) enunciado (s). Em outras palavras,
para formar normas jurídicas – unidades mínimas e irredutíveis de manifestação
do deôntico – estruturadas na forma condicional (pq), um enunciado precisa
juntar-se a outro (s) enunciado (s) da mesma natureza.
135
Em linhas anteriores, demarcamos que a enunciação é o ato
constitutivo do enunciado, que o produto da enunciação é o texto, e que o texto
jurídico-positivo constrói um conjunto finito de enunciados prescritivos,
organizados na forma do sistema.
134
Cf. IVO, Gabriel. Norma jurídica: produção e controle. São Paulo: Noeses, 2006, p. 1-2.
135
CARVALHO, Paulo de Barros. Semiótica e textos jurídicos positivos. Apostila de filosofia do direito I
(Lógica Jurídica). Conforme Tárek Moussallem, em sua Revogação em matéria tributária (São Paulo: Noeses,
2005, p. 105), “Em síntese – o enunciado prescritivo é a estrutura sintático-gramatical, enquanto a norma
jurídica é a estrutura lógico-sintática de significação”.
47
Ao travar o primeiro contato com o texto júridico, o intérprete vai
colher as significações decorrentes da leitura dos enunciados prescritivos, para
só depois confrontá-los com outros enunciados, de superior ou igual status,
buscando sua integração na totalidade do conjunto.
136
Nesse instante em que agrega enunciados prescritivos, abstraindo
suas significações,
137
o intérprete penetra no mundo das proposições
prescritivas, ou simplesmente das normas jurídicas.
138
Reponta, de imediato, a indagação: o que é norma jurídica?
Para Aristóteles, a palavra “norma”, ou o seu equivalente em grego,
continha o elemento da generalidade, ou seja, toda norma era geral.
139
Não
obstante, acreditamos que a melhor forma de alcançar a acepção do vocábulo
seria entendê-lo como um mandamento, uma prescrição, uma ordem. Além do
mandamento, também são funções da norma atribuir poderes, permitir, derrogar
etc.
140
Entre as diferentes espécies de normas, i.e, normas de Moral
descritas pela Ciência da Ética; normas de Lógica – descritas pela Lógica etc,
136
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 66.
137
É peremptória a posição de Eros Roberto Grau no sentido de que “a interpretação [é] uma atividade que se
presta a transformar disposições (textos, enunciados) em normas”. (GRAU, E. R. Ensaio e discurso sobre a
interpretação/aplicação do direito. 4.ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 83.)
138
Sob o olhar de Marcelo Fortes de Cerqueira, em Repetição do indébito tributário (São Paulo: Max Limonad,
2000, p. 97-98), “a regra jurídica apresenta-se como estrutura categorial construída, epistemologicamente, pelo
intéprete, a partir das significações que a leitura do texto jurídico-positivo desperta em seu espírito”.
139
Norma é empréstimo latino do grego γυωµωυ, por intermédio do etrusco. (ERNOUT, A; MEILLET, A.
Dictionnaire étymologique de la langue latine – Histoire des mots. 4.ed. Paris: Klincksieck, 1967, s.v. Norma,
nomen.) Norma em latin designava a régua de carpinteiro. A palavra regra também designava régua (latin
imperial).
140
Cf. KELSEN, HANS. Teoria geral das normas. Porto Alegre: SAFE, 1986, p. 1. Cedamos-lhe a palavra, para
que ele mesmo explique sua posição: “En mi Reine Rechtslehre afirmé: ‘Las normas jurídicas no son juicios, es
decir, enunciados acerca de un objeto de conocimiento. Las normas jurídicas son, por su sentido, prescripciones,
48
trataremos exclusivamente das normas jurídicas – descritas pela Ciência do
Direito.
Antes de tudo, é preciso reconhecer que a norma jurídica é uma
proposição. Vimos que a proposição é o significado de um ou de vários
enunciados. Se a norma jurídica é um conjunto de palavras que têm um
significado, logo é uma proposição. Conseqüentemente, um Código, uma
Constituição são um conjunto de proposições.
O nosso problema passa a ser o de nos perguntar qual é o status
dessas proposições que compõem um Código ou uma Constituição.
O momento exige o retorno à lição de Norberto Bobbio, que diz:
“Podem-se resumir as características diferenciais das proposições prescritivas e
descritivas em três pontos: a) em relação à função; b) em relação ao
comportamento do destinatário; c) em relação ao critério de valoração”.
141
Quanto à função, a proposição é descritiva quando pretendemos
informar alguém, e prescritiva quando procuramos modificar o seu
comportamento. Quanto ao destinatário, se ele aceita a proposição apenas por
acreditar em sua veracidade, a proposição é descritiva, ao passo que, se o seu
consentimento se manifesta com a execução da proposição, ou melhor, do que
nela está determinado (ou prescrito), então a proposição é prescritiva. Quanto ao
critério de valoração, a proposição será descritiva quando estiver sujeita à
y, como tales, órdenes, pero también son permisiones y autorizaciones”. Id. Contribuciones a la teoría pura del
derecho (tradutores diversos). Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1969, p. 59.
141
BOBBIO, N. Teoria da norma jurídica, p. 80-83.
49
valoração de verdade ou falsidade, e prescritiva quando os critérios de valoração
forem a validade ou a invalidade.
142
Voltando, porém, ao estudo das normas jurídicas, entendemos que
uma sociedade não pode existir sem um conjunto de normas obrigatórias. Essas
normas, ditas jurídicas, são criadas pelo Estado, por meio dos órgãos do
governo, e impostas pela autoridade pública com o fito de estabelecer a ordem
na sociedade. E o conjunto dessas regras jurídicas (válidas) num dado sistema é
denominado direito positivo.
143
Pelo que se espreita, a função primordial da norma jurídica é
realizar o Direito, porquanto só há Direito a partir de uma norma que o preveja.
Por isso Arnaldo Vasconcelos ensina: “O Direito é, pois, uma ordem normativa.
Um sistema hierárquico de normas, para empregar a expressão de Kelsen.
144
142
No ponto exato tocou Kelsen, em Teoria geral das normas, p. 214-215, ao anunciar “que de forma errada se
confere um ‘querer’ ao enunciado e à norma, que se aceita que ambos ‘querem’ alguma coisa, é em grande parte
responsável pelo gravíssimo erro que existe na circunstância de que se acredita ver um paralelo entre enunciado
e norma: assim como o enunciado quer ser verdadeiro, a norma quer ser cumprida. Que a norma deve ser
cumprida é sua validade”.
143
Assim, escreve Angel Latorre: “Las reglas jurídicas son tales, no porque gocen de ninguna cualidad intrínseca
y especial que les dé ese caracter, sino simplesmente porque son respaldadas en su cumplimiento por el poder
coercitivo del Estado, y es evidente que es el mismo Estado el que ha de determinar qué reglas han de gozar de
esa protección, es decir, qué reglas son jurídicas.” (LATORRE, A. Introducción al derecho. Barcelona:
Ediciones Ariel, 1968, p. 14.)
144
Kelsen, em Teoria geral das normas, p. 329-332, afirma “que a validade de uma norma fundamenta a
validade de uma outra norma, de um modo ou de outro, constitui a revelação entre uma norma superior e uma
inferior. Uma norma está em relação com uma outra norma; a superior em relação com uma inferior, se a
validade desta é fundamentada pela validade daquela. A validade da norma inferior é fundamentada pela
validade da norma superior pela circunstância de que a norma inferior foi produzida como prescreve a norma
superior, pois a norma superior, em relação com a inferior, tem o caráter de Constituição, pois que a natureza da
Constituição existe na regulação da produção de normas”. Logo conclui Kelsen: “Para todas as hipóteses, um
ordenamento da Moral ou do Direito positivo não representa um sistema de normas de igual ordem, senão de
sobre-e-sob-normas, isto significa uma estrutura de normas, cujo escalão superior é a Constituição fundamentada
pela pressuposta norma fundamental e cujo escalão inferior são as normas individuais que fixam como devida
uma conduta determinada, concreta.” Tomando o a priori kelseniano por base, Tércio Sampaio Ferraz Júnior,
em Teoria da norma jurídica (3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 97), ratifica todo o acima dito, pois aduz
que “A norma só é válida, se promulgada por um ato legítimo de autoridade, não tendo sido revogada. Mas a
qualidade válida da norma não depende desse ato da autoridade, que é apenas sua condição, mas não
fundamento de existência. O fundamento da validade da norma está sempre em outra norma, o que o leva até à
hipótese complicada da norma fundamental. Podemos extrair, desta teoria, que a validade é uma qualidade
50
Suas partes se integram na formação de um todo harmônico, com
interdependência de funções. Cada norma ocupa posição intersistemática, única
para a espécie. A essa ordem, assim estruturada, denomina-se ordenamento
jurídico.”
145
E conclui o autor: “O campo de incidência das normas jurídicas
constitui o mundo do Direito. Entretanto, sempre haverá normas para todas as
hipóteses possíveis. Se não se encontram explícitas no ordenamento, com
certeza nele estão implícitas.”
146
Adotaremos neste trabalho o conceito de norma jurídica de Paulo de
Barros Carvalho: “A norma jurídica é a significação que colhemos dos textos do
direito positivo. Trata-se de algo que se produz em nossa mente, como resultado
da percepção do mundo exterior, captado pelos sentidos”.
147
Ou seja, quando
abrimos os textos do direito positivo não encontramos normas, mas enunciados
prescritivos.
É perfeitamente possível que a significação de um único enunciado
prescritivo seja bastante para compor uma ou várias normas jurídicas. Ocorre
que, na maioria das vezes, o intérprete terá que circular por um aglomerado de
enunciados prescritivos à procura de significações suficientes para construir uma
sintática da norma, pois com ela designamos uma propriedade das relações entre normas, independentemente do
seu usuário ou da sua relação a um comportamento, que a norma exige. Isto é, a norma é válida, ainda que não
tenha sido aplicada ou ainda que o seu editor não mais exista. Ela é válida no sistema das normas, sendo validade
justamente o nome da relação que entre as normas do sistema é estabelecida”.
145
VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria geral do direito: teoria da norma jurídica. 3.ed. São Paulo: Malheiros,
1993, p. 12.
146
Id. p. 26.
147
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17.ed., São Paulo: Saraiva, p. 8. Outra não é a
lição de Heleno Tôrres, em Direito tributário e direito privado: autonomia privada, simulação, elusão tributária
(São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 116-117): “A partir dos textos são construídos os sentidos jurídicos,
i.e., os enunciados jurídicos. Da leitura destes, surgem os significados descritores da conduta projetada, num
51
só norma jurídica. Também poderá ter que percorrer outros diplomas
legislativos para executar a mesma tarefa.
Vamos aos exemplos, que sempre foram ponto de apoio
fundamental para o esclarecimento. Quem soabrir os Códigos Civil e Penal
encontrará nos seus artigos 188, I, e 1210, §1.º, e 25, simultaneamente, as
seguintes informações:
“Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito
reconhecido”.
“Art. 1210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação,
restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser
molestado.
§1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua
própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem
ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.”
148
“Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios
necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”
Temos, então, que a fixação do conceito de legítima defesa só teria
sentido se conjugado ao esclarecimento de que a conduta por ela exigida não é
ilícita nem punível.
Aspecto interessante a considerar diz respeito à natureza da norma
júridica. Derradeiramente, não podemos deixar de recomendar a leitura de Reine
Rechtslehre, de Hans Kelsen.
processo hermenêutico construtivo de significação, estruturado com proposições prescritivas condicionais
relacionadas pelo princípio da implicação, com sentido deôntico completo”.
148
Veja-se, com Nelson e Rosa Maria de Andrade Nery, em Código Civil Comentado (4.ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, p. 299), que os elementos constitutivos da legítima defesa estão nesse dispositivo: injusta
52
De fato, a grande contribuição desse autor foi a distinção entre o
mundo do dever-ser, formado por regras ou leis de liberdade, e o do ser, regido
por leis de causalidade. Pertence ao ser tudo quanto é natureza e ao dever-ser
tudo quanto é idealidade (norma).
Diferentemente do juízo categórico, pertinente à lógica do ser, o
dever-ser se apresenta como ato intelectual, ou seja, revestido na forma de um
juízo hipotético condicional.
149
Embora longa, a lição de Maria Helena Diniz é importante para que
fique evidente o que pretendemos deixar claro: “Para este jusfilósofo [Kelsen] a
norma estabeleceria uma vinculação entre os fatos na norma do dever-ser. Um
imperativo é o fato de que uma vontade psicológica expressou seu querer: mas
essa vontade é um fato da natureza, do ser, a manifestação da vontade é um fato
natural que é inadequado para fundamentar um dever-ser. Em razão dessa
colocação, a norma não é nem poderia ser um imperativo, mas um juízo
agressão; possuidor esbulhado; atual ou iminente; contanto que o faça logo; atos não podem ir além do
indispensável: meios moderados.
149
Diz Hans Kelsen: “A lei da natureza estabelece que, se A é, B é (ou será). A regra de Direito diz: se A é, B
deve ser. A regra de Direito é uma norma (no sentido descritivo do termo). O significado da conexão
estabelecida pela lei da natureza entre dois elementos é o ‘é’, ao passo que o significado da conexão estabelecida
entre dois elementos pela regra do Direito é o ‘deve ser’. O princípio segundo o qual a ciência natural descreve
seus objetos é o da causalidade; o princípio segundo o qual a ciência jurídica descreve seu objeto é o da
normatividade”. (KELSEN, H. Teoria geral do direito e do estado, p. 64.) Sílvio de Salvo Venosa, em Direito
civil: parte geral (6.ed. São Paulo: Atlas, 2006, vol. I, p. 5), esclarece a diferença entre o mundo do ser e do dever
ser: “Pelo que até aqui se expôs, há de se perceber a diferença marcante entre o ‘ser’ do mundo da natureza e o
‘dever ser’ do mundo jurídico: um metal aquecido a determinada temperatura muda do estado sólido para o
líquido. Essa disposição da natureza é imutável. O homem que comete delito de homicídio ‘deve ser’ punido.
Pode ocorrer que essa punição não se concretize pelos mais variados motivos: o criminoso não foi identificado,
ou agiu em legítima defesa, ou o fato ocorreu sem que houvesse a menor culpa do indivíduo. Está aí a diferença
do ‘ser’ e do ‘dever ser’. Nada é, tudo pode ser. Este último se caracteriza pela liberdade na escolha da conduta.
O mundo do ‘ser’ é do conhecimento, enquanto o mundo do ‘dever ser’é objeto da ação”.
53
hipotético que estabelece como devida certa conduta e vincula ao fato de
produzir essa conduta uma determinada conseqüência também devida.”
150
Ou, estruturalmente, com os seguintes desdobramentos:
DADA A NÃO PRESTAÇÃO, DEVE SER A SANÇÃO;
DADO O FATO TEMPORAL, DEVE SER A PRESTAÇÃO.
Invertendo os termos naturais da realidade jurídica, ou seja, dando
ênfase ao ato coativo, Kelsen chamou de primária a norma sancionadora (dada a
não prestação, deve ser a sanção), e de secundária a norma que se refere à
conduta lícita (dado o fato temporal, deve ser a prestação).
151
Um dos maiores críticos à antiga distinção de Kelsen entre norma
primária e norma secundária foi Carlos Cossio. Para esse autor ambas as
normas estão em pé de igualdade, uma vez que tanto na violação e na aplicação
da sanção, quanto no cumprimento espontâneo da prestação, há conduta em
interferência intersubjetiva. Ensina Cossio que a norma jurídica se encontra
formalizada como um juízo disjuntivo, ou melhor, como dois juízos hipotéticos
ligados entre si pelo conectivo disjuntivo ou.
152
Expressa-se esse juízo da
seguinte forma: “Dado um fato temporal (Ft), deve ser a prestação (P) de
150
DINIZ, Maria Helena. Conceito de norma jurídica como problema de essência. 4.ed. São Paulo: Saraiva,
2003, p. 63.
151
Na segunda edição da Teoria Pura do Direito, Kelsen abandonou essa distinção, ao fazer referência às
normas autônomas e não autônomas. A conseqüência fundamental disso, conforme propaga Maria Helena Diniz,
em Conceito de norma jurídica como problema de essencia, p. 74, é que Kelsen reduziu todas as normas a um só
tipo: imperativo sancionador, que prescreve: “deve-se punir tal comportamento, se ele ocorrer, com determinada
pena”.
152
COSSIO, Carlos. La teoría egológica del derecho y le concepto jurídico de liberdad. Buenos Aires: Abeledo-
Perrot, 1964, p. 333. Deve lembrar-se que ao enunciado da prestação ou dever jurídico (“Dado Ft deve ser P”)
Cossio denominou endonorma, e ao enunciado do ilícito e sua conseqüência jurídica, a sanção (“Dado Ñp deve
ser S) chamou de perinorma.
54
alguém obrigado perante o sujeito pretensor, ou dada a não-prestação (Ñp), deve
ser a sanção (S), imposta pelo funcionário obrigado perante a sociedade
pretensora”. Em termos esquemáticos:
DADO FT, DEVE SER P, OU
DADO Ñ-P, DEVE SER S.
FT – fato jurídico
P – a prestação de alguém
SP – sujeito passivo (alguém obrigado)
SA – sujeito ativo (titular de um direito subjetivo)
OU – functor disjuntivo
ÑP – não prestação (ilícito)
S – a sanção do responsável
FO – imposta por um funcionário obrigado a isso
PS – graças à pretensão da sociedade
Em síntese, Cossio tomou emprestada a estrutura de Kelsen e a
complementou, acrescentando o conectivo ou, para que não restassem dúvidas
quanto à previsão de duas situações numa única norma: a prestação e a sanção.
Essa concepção se arrima no fato de que em toda norma jurídica há sempre a
alternativa do cumprimento da prestação ou da violação do dever correlato.
Não é difícil entrever que a fórmula disjuntiva de Cossio encerra
três características ou propriedades: a bilateralidade, a disjunção e a sanção. Se a
norma é bilateral, disjuntiva e sancionável é, sem dúvida, norma jurídica
completa.
55
É peremptório afirmar que pode haver enunciado prescritivo sem
previsão sancionatória, mas não há norma sem sanção.
153
Por exemplo, o artigo
2º da Constituição Federal (“São poderes da União, independentes e harmônicos
entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”) não é norma jurídica, mas
enunciado lingüístico prescritivo. Esse, entre outros, é o pensamento de Arnaldo
Vasconcelos,
154
para quem a sanção é nota distintiva da norma jurídica, ou seja,
a norma que dela não dispuser não será norma jurídica.
A norma jurídica é composta por duas partes fundamentais: o
antecedente e o conseqüente. Foquemos, por enquanto, na estrutura da norma
geral e abstrata.
O antecedente consiste na descrição, em termos gerais e abstratos,
de fatos de possível ocorrência no mundo fenomênico. Ocupa-se dos critérios
153
A propósito, não se pode vincular a imperatividade à sanção. Concordamos com Arnaldo Vasconcelos, que
diz, em sua Teoria geral do direito..., p. 54: “Se a imperatividade, nota discriminatória da norma jurídica, está,
entretanto, vinculada à sanção, que lhe é externa, a norma não possui distintivo intrínseco, que lhe consubstancie
a natureza. Assim acontece porque as normas jurídicas só se distinguem das normas morais, religiosas etc., por
estarem garantidas pela sanção do Estado, que as tem como imperativos que dele, e apenas dele, promanam.”
Por outro lado, não se pode sinonimizar sanção e coação. Tanto os kelsenianos quanto os relativistas, entre eles
Norberto Bobbio, crêem que a coação é representada pela sanção. Essa observação não passou despercebida a
Ângela Maria da Motta Pacheco: “Denomina-se, pois, ‘sanção’ a previsão hipotética estipulada na norma
sancionadora geral e abstrata; ‘sanção/coação’ àquela aplicada pelo órgão jurisdicional, já em face da relação
jurídica obrigacional, concreta e individualizada, cuja prestação foi descumprida pelo devedor. ‘Coação’ é ato de
força realizado pela administração na imposição de sanção e privação coercitiva de bens.” (PACHECO, Ângela
Maria da Motta. Sanções tributárias e sanções penais tributárias. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 336.)
Utilizaremos, com Goffredo Telles Júnior, os termos coatividade e coação para traduzir, respectivamente, a
possibilidade e o ato de coagir. Concordamos com esse autor quanto ao fato de que a coatividade estaria antes do
Direito, e a coação depois dele. São suas estas palavras: “A coatividade é a possibilidade de coagir. Não é a
coação em ato. É a coação em potencia.” (TELLES Jr., G. O direito quântico, p. 269.) O autor continua,
asseverando de maneira concludente: “Em verdade, a norma é anterior à coação. A coação contra o violador da
norma e a própria norma não nascem juntas. Primeiro nasce a norma; depois, a norma é violada. Não seria
mesmo possível violar o que não existe. Depois, finalmente, é que pode aparecer a coação. E a coação somente
aparecerá se o lesado pela violação quiser exercê-la. Se o lesado não o quiser, não haverá coação. Note-se, ainda,
que essa coação do lesado sobre o violador da norma pode nunca aparecer, bastando que a norma não seja nunca
violada... Logo, a coação depende de normas jurídicas que a antecedem”. (TELLES Jr., Goffredo. Op. Cit, p.
265-268.)
154
VASCONCELOS, A. Op. Cit, p. 161.
56
material, espacial e temporal da norma.
155
Pertence ao antecedente tudo aquilo
que se refere à situação a que vai conexionado o dever-ser.
156
O conseqüente prevê o nascimento de uma relação jurídica futura,
prescrevendo, antecipadamente, direitos e obrigações para os sujeitos
envolvidos no acontecimento do fato jurídico. Ocupa-se dos critérios pessoal e
prestacional da norma.
157
Pertence ao conseqüente tudo aquilo que determina o
conteúdo do dever-ser.
158
É a estrutura interna da norma jurídica que define como deve ser
que o antecedente implique o conseqüente. Como explica Marcelo Fortes de
Cerqueria, o elo entre essas duas proposições (antecedente e conseqüente) é
feito pelo operador deôntico dever-ser, na forma neutra, já que não
modalizado.
159
Assim, tanto no aspecto conotativo quanto no denotativo, podemos
deixar assentado que: o antecedente é a parte da norma jurídica que enuncia
155
LIMA, Fernando Andrade Pires de; VARELA, João de Matos Antunes. Noções fundamentais de direito civil.
6.ed. Coimbra: Coimbra Editores, 1973, vol. 1, p. 34. O critério material é aquele que relata um comportamento
humano, consistente num ser, num dar ou num fazer, condicionado por circunstâncias de espaço e de tempo. O
critério espacial é aquele que descreve o lugar do fato ou, conforme Heleno Tôrres, “indica o âmbito espacial
dentro do qual seja possível verificar a ocorrência do fato jurídico”. (TÔRRES, H. Direito tributário e direito
privado, p. 66.) E o critério temporal é aquele que fornece os elementos para se saber, com exatidão, o momento
exato em que acontece o fato descrito.
156
ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 8.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p.
55.
157
No critério pessoal encontra-se o sujeito portador de direito subjetivo e o sujeito a quem foi atribuído um
dever jurídico. No critério prestacional encontra-se a conduta modalizada (proibido, permitido ou obrigatório),
bem como objeto dessa conduta, representado por um bem da vida que o direito positivo se dispõe a proteger.
158
Cf. ENGISCH, Karl. Op. Cit, p. 55.
159
Cf. CERQUEIRA, Marcelo. Fortes. Repetição do indébito tributário, p. 102.
57
“dado um fato F” enquanto o conseqüente prescreve a relação jurídica S’ R
S’’.
160
Fixados (e superados) esses pontos, resta alertar que no direito
positivo brasileiro, entre os doutrinadores, e na jurisprudência, vemos
constantemente empregada a expressão hipótese de incidência para mencionar-
se tanto o antecedente quanto o conseqüente da norma geral e abstrata.
161
Esses
autores, entre os quais Amílcar de Araújo Falcão,
162
Dino Jarach,
163
Alfredo
Augusto Becker,
164
e Geraldo Ataliba,
165
fazem habitar nas hipóteses de
incidência todos os aspectos que as compõem, até mesmo os elementos que
definem a relação jurídica, como os sujeitos e a prestação.
A rigor, para os autores acima citados a estrutura conceitual da
hipótese de incidência abrangeria, em síntese única, dois momentos distintos: o
160
Como explica Paulo de Barros Carvalho, na fórmula S’ R S’’, “S’ é uma pessoa qualquer e S’’ é uma pessoa
qualquer, desde que não seja S’. R é o relacional deôntico, aparecendo num dos modais do dever-ser: V, P ou O,
que são irredutíveis, mas interdefiníveis, isto é, com o auxílio do conectivo negador (-), é dado definir um pelo
outro (Op = -P-p). Interpretando: dizer que uma conduta ‘p’ é obrigatória equivale a afirmar que não é permitido
omiti-la”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 28.)
161
Segundo Geraldo Ataliba, em Hipótese de incidência tributária (São Paulo: Malheiros, 2000, p. 75), hipótese
de incidência “é a expressão de uma vontade legal, que qualifica um fato qualquer, abstratamente, formulando
uma descrição antecipada (conceito legal), genérica e hipotética”. A hipótese de incidência – conclui esse autor –
“não deixa de ser una e indivisível, pelo fato de possuir diversos aspectos [material, espacial, temporal, pessoal e
prestacional], cuja consideração não implica sua decomposição em “partes” ou “elementos” [antecedente e
conseqüente]”. É precisamente esse o magistério de Alexandre Mazza, em Noções elementares de direito
tributário (São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 29), segundo o qual “A descrição legislativa do fato ou situação
se chama hipótese de incidência”. A esse respeito, acentua Paulo de Barros Carvalho: “Ao rigor desse raciocínio
e à precisão de suas inferências não entendemos possam prosperar objeções fundadas, mesmo porque é
conhecimento cediço na Teoria Geral do Direito.” Mas, logo em seguida, vem a ressalva: “Assim, na
conformidade do que foi exposto, há sobejos argumentos para aceitarmos a referida doutrina. Todavia, dúvidas
poderão surgir quanto aos nomes que se queiram atribuir às duas realidades, e esse é o campo da taxinomia,
sabidamente batido de disceptações... Em vista disso, preferimos chamar o fato acontecido no campo da
realidade física de ‘fato jurídico tributário’, reservando à descrição legal o nome de ‘hipótese tributária’ ou
‘suposto tributário’”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. São Paulo: Max Limonad,
1998, p. 118-122.)
162
Cf. FALCÃO, A. de A. O fato gerador da obrigação tributária. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1977.
163
Cf. JARACH, D. Estrutura e elementos da relação jurídico-tributária. Revista de direito público. São Paulo,
n. 16, p. 377, 1971.
164
Cf. BECKER, A. A. Teoria geral do direito tributário. 3.ed., São Paulo: LEJUS, 1998.
58
antecedente e o conseqüente da norma geral e abstrata.
166
Por ser conceito
lógico-jurídico e, acima de tudo, nomenclatura da Teoria Geral do Direito, a
expressão hipótese de incidência poderia ser aproveitada em qualquer ramo do
direito positivo, inclusive nas minudências do Direito Tributário.
167
Boa parte da doutrina tributarística brasileira, notadamente Sacha
Calmon Navarro Coelho
168
e Paulo de Barros Carvalho
169
, vem repelindo com
veemência a teoria retroexposta, no sentido de que não se pode esvaziar de
substância a conseqüência da norma geral e abstrata. Sacha Calmon Navarro
Coelho ensina:
“[...] é preciso respeitar a integridade conceitual do ente ou objeto que está em análise,
ou seja, a norma jurídica tributária, em cuja estrutura se hospedam elementos precisos,
uns na hipótese, outros na conseqüência, e não todos na hipótese... Os sujeitos da
relação jurídica, assim como a prestação, são conseqüências que promanam ou
decorrem da realização do fato jurígeno, com este não se confundindo.”
170
Quanto a nós, preferimos os termos antecedente e conseqüente à
expressão hipótese de incidência, independentemente da classificação que se dê
à norma jurídica.
165
Cf. ATALIBA, G. Hipótese de incidência tributária.
166
Afigura-se interessante a assertiva de Hugo de Brito Machado, em Curso de direito tributário (17.ed. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 102-104), a respeito da diferença entre hipótese de incidência e fato gerador (sobre o
qual discorreremos mais adiante). Diz esse autor: “É importante notar que a expressão hipótese de incidência,
embora às vezes utilizada como sinônimo de fato gerador, na verdade tem significado diverso. Basta ver-se que
uma coisa é a descrição legal de um fato, e outra coisa é o acontecimento desse fato.” E complementa: “A
expressão hipótese de incidência designa com maior propriedade a descrição, contida na lei, da situação
necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária, enquanto a expressão fato gerador diz da
ocorrência, no mundo dos fatos, daquilo que está descrito na lei. A hipótese é simples descrição, é simples
previsão, enquanto o fato é a concretização da hipótese, é o acontecimento do que fora previsto... Cuida-se, com
efeito, de dois momentos: O primeiro é aquele em que o legislador descreve a situação considerada necessária e
suficiente ao surgimento da obrigação tributária... O outro momento é o da concretização daquela situação
legalmente descrita.”
167
Cf. ATALIBA, Geraldo. Op. Cit, p. 60.
168
Cf. COELHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo, da interpretação e da exoneração tributária.
3.ed. São Paulo: Dialética, 2003.
169
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência.
59
Dito isso, passemos à relação jurídica.
Grosso modo, relação é a ação de estabelecer um elo entre uma
coisa e outra.
171
Do ponto de vista de Alfredo Augusto Becker, relação é o
gênero de uma realidade espiritual que existe no mundo do pensamento.
172
A
relação entre coisas – alerta Pontes de Miranda – não são relações jurídicas, mas
relações fáticas, “concernentes ao objeto dos direitos”.
173
Já a relação entre
pessoas pode ser de diversos tipos: de amizade, de cortesia, de religião, de
negócios etc. No entanto, somente quando a relação é regulada pela vontade da
lei é que ela é etiquetada como relação jurídica.
174
Partindo-se do pressuposto de que a norma se dirige às pessoas,
regulando suas condutas, seria apropriado afirmar que ela induz o surgimento de
um vínculo jurídico entre os seres humanos.
170
COELHO, S. C. N. Ob. Cit, p. 103.
171
Cf. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia, s.v. Relação.
172
Cf. BECKER, A. A. Teoria geral do direito tributário, p. 337.
173
Cf. PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado, Tomo I, p. 118-119.
174
Leciona Heinrich Ewald Hörster: “Num sentido amplo pode designar-se por relação jurídica toda a situação
ou relação da vida real (social) que é juridicamente relevante, de modo que é disciplinada pelo direito. A relação
jurídica não abrange, por isso, todas as relações da vida social mas apenas aquelas que, sendo suscetíveis de
regulamentação jurídica, são ordenadas pelo direito. Trata-se de um vínculo jurídico, de um vínculo normativo.
Desse modo, existem relações sociais, espaços sociais, livres de direito, não obstante a sua relevância essencial
para a convivência humana como, p.ex., a amizade, o namoro, a colegialidade no lugar de trabalho, as
actividades nos tempos de lazer (p.ex., o desporto amador), confraternizações, conselhos entre amigos, etc., onde
a liberdade originária do homem não é ordenada juridicamente, mas através de meras regras de comportamento
social.” (HÖRSTER, H. E. A parte geral do código civil português..., p. 159.) Outra não é a lição de Paulo
Ferreira da Cunha e Ricardo Dip, em Propedêutica jurídica: uma perspectiva jusnaturalista (Campinas:
Millennium, 2001, p. 209): “Num sentido muito geral, muito lato, a relação jurídica é toda relação da vida social
tutelada pelo direito, isto é, toda situação de ligação entre os homens pela qual o direito se interesse e, por isso,
regule. Mas no sentido que nos importa, restrito ou técnico, só se pode considerar relação jurídica a situação da
vida social em que o direito atribua a uma pessoa um direito subjetivo e concomitantemente imponha a outra
uma vinculação jurídica.” Em sentido idêntico, cf. MERRYMAN, John Henry. The civil law tradition: an
introduction to the legal systems of western europe and latin américa. In: MERRYMAN, John Henry; CLARK,
David S; HALEY, John O. (Coord.). The civil law tradition: Europe, Latin América, and East Asia, cases and
materials. Virginia: Lexis Publishing, 2000, p. 496. No original: “Human relations can be of various kinds: they
can be inspired by affection, by sentiment, by friendship, by interest, by conviviality, by cultural interests, etc.
Everyone instinctively grasps the difference between those relations and that which exists between me and my
debtor. This relation is regulated by the law, which attributes to me the power (subjective right) to obtain
60
Fitando o que nos interessa mais de perto, temos que a norma
jurídica coloca em relação pelo menos duas pessoas, sendo uma delas o titular
de um direito subjetivo, e a outra o suporte da obrigação correspondente.
175
Relação jurídica é, portanto, a relação da vida social disciplinada
pelo direito. É o vínculo abstrato condicionado à concretização de um fato
jurídico idôneo – em que uma determinada pessoa, chamada sujeito ativo, passa
a ter o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito passivo, o
cumprimento de um dever jurídico (obrigação civil).
Toda relação jurídica depende da ocorrência de um fato descrito
abstratamente em norma jurídica válida. Ausente a previsão normativa, o fato
não pode ser relatado em linguagem competente e, dessa forma, não pode ser
considerado fato jurídico. Sem o fato jurídico, não advêm efeitos jurídicos (ou
conseqüências jurídicas),
176
isto é, não se instaura o vínculo entre dois sujeitos-
de-direito (ativo e passivo).
177
Conclui-se de tudo isso que o fato jurídico é o elemento que
transforma a relação jurídica abstrata (figurada ou idealizada) em relação
payment of the debt, and puts on my debtor the obligation to pay. Thus the legal relation is the relation between
two subjects regulated by law”.
175
Cf. DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito, p. 315. Alberto Trabucchi, em sua Istituzioni di
diritto civile, p. 22, tece as seguintes considerações acerca da relação jurídica (direito, obrigação e sujeição): “Il
diritto, abbiamo detto, è hominis ad hominem proportio, è un modo di essere – e dover essere – nelle relazioni
fra gli uomini; abbiamo anche detto che il diritto assicura la prevalenza dell’interesse di una persona
sull’interesse di un’altra o di più altre. Pertanto, di fronte a un diritto esiste sempre la subordinazione di un
interesse altrui; in questo primo significato generale abbiamo parlato di rapporto giuridico como relazione di vita
riconosciuta dall’ordinamento giuridico con l’attribuzione di un diritto a un soggetto, alla quale corrisponde la
subordinazione di uno o più altri soggetti”.
176
Manuel Domingues de Andrade, em Teoria geral da relação jurídica: sujeitos e objeto (Coimbra: Almedina,
1997, vol. I, p. 21), salienta que esses efeitos podem ser de dois tipos: constituição de relações jurídicas novas ou
modificação ou extinção de relações jurídicas preexistentes.
61
jurídica concreta, ou, como almeja Marcelo Fortes de Cerqueira,
178
transforma a
relação jurídica formal em relação jurídica efectual ou relação jurídica
intranormativa, conforme o seu grau de concretude e de eficácia social. Seja
como for, Paulo de Barros Carvalho chama atenção para o papel fundamental do
prescritor normativo. Diz ele:
“É incontestável a importância que os fatos jurídicos assumem, no quadro sistemático
do direito positivo, pois, sem eles, jamais apareceriam direitos e deveres, inexistindo
possibilidade de regular a convivência dos homens, no seio da comunidade. Mas, sem
desprezar esse papel fundamental, é pela virtude de seus efeitos que as ocorrências
factuais adquirem tanta relevância. E tais efeitos estão prescritos no conseqüente da
norma, irradiando-se por via de relações jurídicas. Isso nos permite dizer, com
inabalável convicção, que o prescritor normativo é o dado por excelência da
realização do direito, porquanto é precisamente ali que está depositado o instrumento
da sua realização existencial.”
179
Para resumir o que ficou dito, talvez se possa recorrer ao seguinte
esquema da relação jurídica:
177
A relação é de coordenação e não de subordinação. Como assinala Arnaldo Vasconcelos, em Teoria geral do
direito: teoria da norma jurídica, p. 76, “As partes situam-se no mesmo plano e a cada uma delas correspondem
dois momentos distintos, um atual (direito de A, dever de B), o outro, potencial (dever de A, direito de B)”.
178
CERQUEIRA, Marcelo Fortes de. Repetição do indébito tributário, p. 137-150. Em sentido análogo, é
expressivo o estudo de Maria Rita Ferragut: “As relações previstas no conseqüente das normas gerais e abstratas
não apresentam vínculo capaz de gerar direitos e obrigações, mas apenas critérios para determiná-los. São
consideradas, por isso, relações jurídico-formais, que enunciam um possível futuro fato relacional. Já nas normas
individuais e concretas, encontramos a relação jurídica intranormativa (instaurada na norma), decorrente da
associação de implicação deôntica de um fato, descrito normativamente no antecedente do enunciado, e um
prescritor individual e concreto. É a projeção do conseqüente da norma geral e abstrata. Relações jurídicas
efectuais nascem da ocorrência dos eventos típicos... A relação jurídica é efectual quando não possuir
revestimento lingüístico que lhe confira concretude físico-existencial. Nasce no preciso instante em que se
concretiza, no campo das experiências sociais, o evento típico.” (FERRAGUT, M. R. Presunções no direito
tributário, p. 56-57.)
179
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 286. De acordo com Vicente Ráo, em O direito
e a vida dos direitos, p. 930, Vittorio Scialoja admite que embora os fatos produzam a relação, se a norma
jurídica não lhes atribuísse efeitos jurídicos, a relação, como relação de direito, não nasceria. Acrescenta esse
autor que a relação de direito se conceitua pela conjugação de dois elementos. Antes, porém, faz a seguinte
ressalva: “necessidade não há de se exagerar, nesta matéria, a importância do direito objetivo que, afinal, não
nasce por virtude própria ‘come una Minerva armata dalla testa di un giove qualsiasi’, mas é, antes, o produto
das relações sociais preexistentes e criadoras da necessidade de uma harmonia que na norma de direito objetivo
se resolve. Mesmo embora sem essa norma, verificado, que fosse, um fato determinado, seus efeitos sempre
surgiriam por força das relações sociais, embora sem a eficácia de que os investe a sanção prescrita pelo direito
objetivo. Tanto isso é certo que, em certos casos, a sanção social é mais forte do que a sanção jurídica”.
62
Relação Jurídica
Sujeito Ativo Sujeito Passivo
Direito Subjetivo Dever Jurídico
Vínculo
(Núcleo da relação júridica)
Como vimos, enunciados prescritivos são os suportes físicos dos
quais extraímos as normas jurídicas. Normas jurídicas são expressões completas
de significação deôntico-jurídica. E relação jurídica é a concretização das
normas jurídicas na vida.
180
1.4 CLASSIFICAÇÃO DO FATO JURÍDICO
Na lição de Pontes de Miranda, o mundo jurídico nada mais é do
que o mundo dos fatos jurídicos, ou seja, dos suportes fáticos que conseguem
entrar no mundo jurídico.
181
Da aferição dos diversos conceitos ficou patenteada a colocação
uniforme da doutrina de que fato jurídico (ou jurígeno) é qualquer
acontecimento que o ordenamento jurídico aceita como capaz de produzir
alguma aquisição, modificação ou extinção de direitos.
182
180
Exatamente sobre esse ponto, pondera Lourival Vilanova que “Sem a ocorrência do fato, em sua concreção
no tempo e no espaço, fato esse que tem sua contrapartida normativa no pressuposto (ou hipótese fática) da
norma incidente, a relação jurídica não se concretiza”. (VILANOVA, L. Causalidade e relação no direito, p.
127.)
181
Cf. PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado, Tomo II, p. 183.
182
Ver subcapítulo 1.2.
63
Cabe antecipar que, além das pessoas e dos bens, há um terceiro
elemento fundamental para o Direito – as ações.
Ao contrário do caráter estático da descrição das pessoas e dos
bens, a ação é um elemento dinâmico, pois por meio dela o homem imprime a
sua marca na realidade exterior.
Se a ação – como alerta José de Oliveira Ascensão – reage sobre
situações jurídicas, constituindo, modificando ou extinguindo-as, ou ainda
provocando outras vicissitudes, então estaríamos autorizados a proferir que a
ação funciona como um fato jurídico.
183
Aqui chegados, podemos antecipar que toda ação corresponde a um
fato jurídico, mas nem todo fato jurídico provém de uma ação.
Ao mesmo tempo, é importante acrescentar, como faz Ascensão,
que a ação não é o único elemento fundamental para a classificação do fato
jurídico. A ela devem ser acrescidas a vontade e a intenção do homem (de
produzir efeitos jurídicos).
Ao pesquisarmos o tema, logo percebemos a variedade de
classificações no que se refere ao fato jurídico. Todavia, a grande maioria delas
pecam pela complexidade dos critérios adotados e pela falta de clareza. De todas
as classificações, a que mais chamou a nossa atenção foi a de Orlando Gomes.
184
183
Cf. ASCENSÃO, José de Oliveira. Teoria geral do direito civil: acções e factos jurídicos, p. 3.
184
Cf. GOMES, Orlando. Introdução do direito civil. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 269. Frise-se,
porém, que na classificação de Orlando Gomes, especificamente quando ele se refere às ações humanas de
efeitos jurídicos voluntários e involuntários, há uma distinção entre atos jurídicos (efeitos jurídicos voluntários) e
atos ilícitos (efeitos jurídicos involuntários), com a qual não concordamos. Para nós, atos lícitos e ilícitos são
espécies do ato jurídico em sentido estrito – aqueles que decorrem necessariamente da ação humana. Nas
64
Utilizando-nos dos léxicos empregados por esse autor, temos duas
maneiras de classificar o fato jurídico: (a) fatos que independem da ação
humana e (b) fatos que dependem da ação humana. Representando-os
graficamente, teremos:
185
Ordinários
Fato jurídico Acontecimentos naturais
stricto sensu (fatos jurídicos puros e simples)
Extraordinários
Unilateral
De efeitos jurídicos Negócio Jurídico
Fato jurídico Ações humanas voluntários Bilateral
lato sensu (atos jurídicos)
De efeitos jurídicos
involuntários (ato ilícito CC 186)
Fazem parte do primeiro grupo – o do fato jurídico stricto sensu
os acontecimentos naturais ou acidentais, isto é, aqueles fatos que não
dependem da ação e muito menos da vontade do homem, mas que provocam
conseqüências jurídicas. Devem-se incluir os eventos de caráter ordinário, como
o nascimento e a morte – de que provém a sucessão legítima ou testamentária –
e extraordinário,
186
como no caso fortuito ou na força maior.
palavras de Miguel Reale, em Lições preliminares de direito, p. 206, “[...] os atos lícitos e os atos ilícitos são
espécies de atos jurídicos, ficando, assim, superada a falsa sinonímia entre jurídico e lícito, caracterizadora,
segundo Kelsen, de uma fase pré-científica, o que, infelizmente, parece ser ignorado por alguns pseudomentores
da civilística nacional.”
185
Cf. ABREU FILHO, José. O negócio jurídico e sua teoria geral, p. 6.
186
Nesse pormenor, é interessante a observação feita por Alberto Trabucchi a respeito dos fatos naturais: “I fatti
giuridici si distinguono fondamentalmente in naturali e umani: i primi sono quelli che non dipendono
dall’attività consapevole dell’uomo, anche se riguardano la sua stessa persona, quali la nascita, la morte o una
malattia mentale; come altri esempi di questa categoria ricordiamo un naufrágio o un incendio, il fenomeno della
fruttificazione di una pianta, il parto di un animale.” (TRABUCCHI, A. Istituzioni di diritto civile. 16.ed.,
Padova: Cedam, p. 134.)
65
O segundo grupo – o do fato jurídico lato sensu – engloba tudo que
deriva da ação e da vontade do homem. Merecem destaque os atos propensos à
obtenção de efeitos e os atos cujos efeitos se produzem mesmo que não tenham
sido previstos ou queridos pelos seus autores, embora muitas vezes haja
concordância entre a vontade destes e os referidos efeitos.
Circunvizinhos à classificação dos atos jurídicos em atos de efeitos
jurídicos voluntários e atos de efeitos jurídicos involuntários estão os conceitos
de licitude e ilicitude.
Os atos contrários à ordem jurídica que importam uma sanção para
o seu autor são chamados de atos jurídicos ilícitos. Nesse sentido, da maior
importância são os seguintes artigos do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.”
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes.”
Por outra aresta, são atos jurídicos lícitos aqueles praticados
conforme a ordem jurídica e por ela consentidos.
Os negócios jurídicos, por sua vez, são espécie de atos jurídicos de
efeito voluntário. Sob o olhar de Miguel Reale, negócio jurídico é “[...] aquela
espécie de ato jurídico que, além de se originar de um ato de vontade, implica a
66
declaração expressa da vontade, instauradora de uma relação entre dois ou mais
sujeitos tendo em vista um objetivo protegido pelo ordenamento jurídico”.
187
Importa agregar que o negócio jurídico pode ser unilateral ou
bilateral. É unilateral quando envolve apenas a declaração de uma vontade, sem
necessidade da aceitação de outro sujeito, como, por exemplo, a renúncia, a
denúncia, etc. É bilateral quando exige a declaração de duas ou mais vontades,
não paralelas, mas concorrentes, como acontece nos contratos de compra e
venda, na doação (na qual o doador promete e o donatário aceita), etc.
188
Coalescendo esses dados imprescindíveis e, em continuação ao
gráfico anterior, a classificação do fato jurídico pode ser esquematizada da
seguinte maneira:
De efeitos jurídicos voluntários
e involuntários
Atos humanos
(atos jurídicos stricto sensu)
Unilaterais
Negócios jurídicos
Bilaterais
De uma forma ou de outra, a doutrina tradicional distingue os fatos
jurídicos em três subespécies: fatos jurídicos puros e simples, atos jurídicos e
negócios jurídicos. De acordo com Francisco Amaral, o critério que se adota
187
REALE, M. Lições preliminares de direito, p. 208.
188
Cf. LIMA, Fernando Andrade Pires; VARELA, João de Matos Antunes. Noções fundamentais de direito
civil, p. 228.
67
para diferenciá-los é a relevância que se dá ao fenômeno em si, à vontade ou à
intenção de produzir efeitos (ou conseqüências) jurídicas. Se apenas o fenômeno
é relevante, sendo irrelevantes a vontade e a intenção, tem-se o fato jurídico
puro. Se relevantes o fenômeno e a vontade, mas irrelevante a intenção, está-se
diante do ato jurídico (licito ou ilícito). Se são todos relevantes – fenômeno,
vontade e intenção – fala-se em negócio jurídico.
189
Avulta o descompasso logo no exame do primeiro instante: tendo
em vista que qualquer ato jurídico pressupõe uma ação, cremos que o problema
dessa classificação está na ambigüidade e na vaguidade do vocábulo fenômeno.
De resto, os requisitos essenciais dos atos jurídicos são: (a) a
manifestação não viciada de vontade; (b) agente capaz; (c) objeto lícito e
possível e (d) forma prescrita ou não defesa em lei.
Antes de encerrar esta parte, devemos dizer, finalmente, que, além
da classificação que apresentamos, muitas outras se aplicam aos fatos jurídicos:
simples e complexos, dependentes e independentes, compatíveis e incompatíveis
etc.
Com essas definições, que são relativamente breves, ficam bem
acentuadas as linhas básicas da classificação do fato jurídico, desprezadas todas
as notas estranhas à compostura do nosso raciocínio.
189
Cf. AMARAL, Francisco. Os atos ilícitos. In: FRANCIULLI NETTO, Domingos; MENDES, Gilmar
Ferreira; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (Coord.). O novo código civil: estudos em homenagem do
Professor Miguel Reale. São Paulo: LTr, 2003, p. 151.
68
1.5 A FUNÇÃO DAS NORMAS GERAIS E ABSTRATAS NA
CONSTITUIÇÃO DO FATO JURÍDICO
Como indicado alhures, o Direito é um sistema hierárquico de
normas jurídicas válidas. Suas partes se integram na formação de um todo
harmônico, com interdependência de funções.
Ordinariamente, a validade de uma norma fundamenta a validade
de uma outra norma. A validade da norma inferior é fundamentada pela validade
da norma superior, já que a norma inferior é produzida conforme prescreve a
norma superior. Na verdade, para ela, norma inferior, a norma superior é como
se fosse a própria Constituição.
190
Sabemos que o escalão superior é a Constituição, a qual se encontra
fundamentada pela pressuposta norma hipotética fundamental,
191
e o escalão
inferior são as normas individuais que fixam como devida uma conduta
determinada ou concreta.
O direito positivo é composto tanto pelas normas gerais e abstratas
quanto pelas normas individuais e concretas. No instante em que o direito se
aproxima das condutas humanas inicia-se o processo de positivação, e com isso
190
Cf. KELSEN, Hans. Teoria geral das normas, p. 330.
191
A norma hipotética fundamental é uma criação de Hans Kelsen. Diz ele que a norma fundamental é “uma
norma-‘fundamento’, pois a razão de sua validade não mais pode ser indagada, pois não é norma estabelecida,
mas uma norma pressuposta. Não é positiva, estabelecida por um real ato de vontade, mas sim pressuposta no
pensamento jurídico, quer dizer – como mostrado no que precedeu – uma norma fictícia. Ela representa o
supremo fundamento de validade de todas as normas jurídicas que formam o ordenamento jurídico. Somente
uma norma pode ser o fundamento da validade de uma outra norma”. Assim – complementa Kelsen –: “A norma
fundamental de uma ordem jurídica ou moral positiva – como evidente do que precedeu – não é positiva, mas
meramente pensada, e isto significa uma norma fictícia – não o sentido de um real ato de vontade, mas sim de
um ato meramente pensado.” E, finalmente, conclui: “O fim do pensamento da norma fundamental é: o
fundamento de validade das normas instituintes de uma ordem jurídica ou moral positiva, é a interpretação do
sentido subjetivo dos atos ponentes dessas normas como de seu sentido objetivo; isto significa, porém, como
69
surgem normas distribuídas em ordem hierárquica sucessiva, do mais alto ao
mais baixo grau da pirâmide normativa, partindo-se da norma geral e abstrata
até a norma individual e concreta, com passagem pelas normas gerais e
concretas, individuais e abstratas.
192
Como esclarece Antônio Carlos de Campos Pedroso, citando
Norberto Bobbio, “normas genéricas e abstratas são as que se dirigem a um
número indefinido de pessoas, a todos os que se enquadram na classe designada
pela hipótese normativa, e regulam ações-tipo, isto é, as que são universais
relativamente à ação. Normas genéricas e concretas são as que se dirigem a um
número indeterminado de pessoas e regulam uma ação concreta. Normas
individuais e abstratas são as que se dirigem a pessoas determinadas (ou de
determinação sempre possível) e regulam ações-tipo, isto é, as que são
universais relativamente às ações prescritas. Normas individuais e concretas são
as que se dirigem a destinatários identificados e regulam uma ação concreta”.
193
normas válidas, e dos respectivos atos como atos ponentes de norma. Este fim é atingível apenas pela via de uma
ficção.” Id. Ibidem, p. 328-329.
192
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 33-34.
193
BOBBIO, Norberto Apud PEDROSO, Antônio Carlos de Campos. Normas jurídicas individualizadas: teoria
e aplicação. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 117. De modo um geral, a doutrina tem-se limitado à apreciação do
antecedente normativo, ao qualificar as normas jurídicas de gerais e individuais, abstratas e concretas. Essa
redução – consoante consigna Paulo de Barros Carvalho – não se justifica: “A compostura da norma reclama
atenção para o conseqüente: tanto pode haver indicação individualizada das pessoas envolvidas no vínculo,
como pode existir alusão genérica aos sujeitos da relação. Uma coisa é certa: é possível que o antecedente
descreva o fato concreto, consumado no tempo e no espaço; com o conseqüente, porém, seria isso impossível,
uma vez que a prescrição da conduta devida há de ser posta, necessariamente, em termos abstratos. Briga com a
concepção jurídico-reguladora de comportamentos intersubjetivos imaginar prescrição de conduta que já se
consolidou no tempo, estando, portanto, imutável. Seria um sem-sentido deôntico.” (CARVALHO, Paulo de
Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 33.) O busílis não escapou ao crivo de Maria
Rita Ferragut: “Como se verifica, os qualitativos geral e individual são definidos considerando-se os
destinatários, ao passo que os qualitativos abstrato e concreto, o fato descrito no antecedente normativo. Na
esteira de Luiz Cesar de Queiroz, consideramos que abstração e concretude são predicados definidos de acordo
com o critério da realização, no tempo e no espaço, do fato descrito no antecedente normativo, ao passo que
generalização e individualização são predicados definidos de acordo com estar ou não individualizado o sujeito
70
Deixemos para o momento certo a análise das normas individuais e
concretas. Concentremo-nos, por ora, nas normas gerais e abstratas e na sua
importância para a constituição do fato jurídico, mesmo porque o Direito opera,
dentro do nosso sistema, por via das normas gerais e abstratas, e não por meio
de providências concretas ou individualizadas.
194
Dissecando o antecedente da norma geral e abstrata, encontramos
os critérios necessários à constituição do fato jurídico, nos seus aspectos
material, temporal e espacial. O critério basilar, sem dúvida, é a descrição
hipotética de um fato ou de uma classe de fatos possíveis de serem
concretizados no futuro. Não se trata de qualquer fato, mas apenas daquele que a
comunidade jurídica regulou em razão da importância que possui para o
relacionamento entre pessoas. Por exemplo, fatos da natureza e do animal que
não se referem ao homem não são valorados no sentido de sobre eles vir a ser
editada norma jurídica.
195
No conseqüente da norma geral e abstrata encontramos as relações
jurídicas formais – das quais já falamos – que não apresentam o vínculo
intersubjetivo necessário à geração de direitos e de obrigações, mas apenas os
critérios para determiná-los.
196
cuja ação é regulada pelo conseqüente normativo.” (FERRAGUT, M. R. Presunções no direito tributário, p. 39-
40.)
194
Cf. LIMA, Fernando Andrade Pires de; VARELA, João de Matos Antunes. Noções fundamentais de direito
civil, p. 21. Nessa linha, ver Marcel Planiol: “La règle de droit, étant par sa nature impersonnelle et permanente,
doit être présentée en une formule générale susceptible de s’appliquer à tous les cas particuliers. Elle doit être
conçue sous une forme abstraite et ne pas être une collection de cas particuliers”. (PLANIOL, M. Traité
élémentaire de droit civil, p. 11.)
195
Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência, p. 39.
196
Cf. FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no direito tributário, p. 56.
71
Relembrados esses conceitos, queremos crer que o papel da norma
geral e abstrata na formação do fato jurídico é essencial, senão mais importante
do que o da própria norma individual e concreta.
Com a previsão normativa, ou seja, com a descrição hipotética de
um fato no antecedente de uma norma geral e abstrata, o fato poderá ser vertido
em linguagem jurídica própria e, deste modo, ser considerado fato jurídico.
Constituído o fato jurídico estará constituída a relação jurídica prevista no
conseqüente da norma geral e abstrata.
Todo o acima dito foi resumido na seguinte passagem de Joana
Lins e Silva: “[...] no antecedente das normas jurídicas há a descrição hipotética
de um fato, com a indicação das notas que certos fatos do mundo devem
apresentar para que possam ser considerados fatos jurídicos. Por isso, o
antecedente serve de porta de entrada da realidade factual para o mundo do
direito positivo.”
197
Vamos aos exemplos, que sempre foram ponto de apoio
fundamental para o conhecimento. Imaginemos a norma geral e abstrata do IPU
(Imposto Predial Urbano):
197
SILVA, Joana Lins e. Fundamentos da norma tributária, p. 119. É cauteloso notar, no intuito de
reafirmarmos as premissas firmadas nos subcapítulos anteriores, que a proposição antecedente não se submete ao
critério de verificação empírica assumindo os valores “verdadeiro” e “falso”, pois, como anota Paulo de Barros
Carvalho, “não se trata de uma proposição cognoscente do real, apenas de proposição tipificadora de um
conjunto de eventos”. (CARVALHO, Paulo de B. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p.
24.)
72
Norma Jurídica Tributária
Antecedente – Fato previsto Conseqüente – Prescritor
como jurídico dever tributário decorrente
1. Aspecto material: ser proprietário 1. Critério pessoal
de bem imóvel a) sujeito ativo: Fazenda Municipal
b) sujeito passivo: prop. imóvel
2. Aspecto especial: no perímetro
do Município de Vitória 2. Critério quantitativo
a) base de cálculo: val. venal imóvel
b) alíquota: 5%
3. Aspecto temporal: no dia 1.º
do ano civil
1.6 O FENÔMENO DA INCIDÊNCIA E A CARACTERIZAÇÃO DO FATO
JURÍDICO COMO TRIBUTÁRIO
Já se viu que o fato é jurídico porque, num determinado ponto do
tempo e do espaço, alguma norma sobre ele incidiu, ligando-lhe efeitos pela
relação de causalidade normativa.
198
Fala-se, aqui, em causalidade in
concreto,
199
ou seja aquela conexão entre o fato social e a norma jurídica que o
antecipa.
De um modo geral, a doutrina não dissente na compreensão do que
seja incidência. Ao nosso ver, contudo, há algumas discrepâncias.
Alguns autores, como Pontes de Miranda,
200
Alfredo Augusto
Becker
201
e Marcos Bernardes de Mello
202
defendem que a incidência e a
198
Cf. VILANOVA, Lourival. O problema do objeto na teoria geral do estado. 1953, p. 90. Tese para a cátedra
de teoria geral do estado - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1953.
199
Causalidade in abstrato é intranormativa, ou seja, é a conexão que se estabelece entre o antecedente e o
conseqüente da norma.
200
Cf. PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito provado, Tomo I.
201
Cf. BECKER, A. A. Teoria geral do direito tributário.
202
Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência.
73
aplicação da norma jurídica não coincidem, porque a incidência é fato do mundo
dos pensamentos.
Para essa corrente, se o cumprimento (ou descumprimento) da lei é
ato de aplicação, logo é posterior à incidência. Sendo posterior à incidência não
afeta a sua incondicionalidade, pelo contrário, dela depende.
203
Como bem
aponta Pontes de Miranda, a incidência não falha, o que falha é o atendimento a
ela.
204
De forma diametralmente oposta, Paulo de Barros Carvalho,
205
Eurico Marcos Diniz de Santi
206
e Cristiano Carvalho
207
certificam que a
incidência não é automática, nem infalível, pois se confunde com o próprio ato
de aplicação. A esse respeito diz Cristiano Carvalho: “As normas gerais e
abstratas são meramente construções de sentido a partir de textos, não têm o
condão de ‘incidir’ automaticamente, pois não têm vontade própria”.
208
Aqui faremos um corte para tornar possível o estudo.
Mas há algo que precisamos pôr em destaque antes de
prosseguirmos com o nosso raciocínio: é que a definição de um conceito
depende da descrição da sua substância e da demonstração dos seus critérios
distintivos. Como diz Jean-Louis Bergel, toda definição deve identificar os
203
Cf. MELLO, M. B. Teoria do fato jurídico: plano da existência, p. 60.
204
Cf. PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado, Tomo I, p. 12.
205
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência.
206
Cf. SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário.
207
CARVALHO, C. Teoria do sistema jurídico: direito, economia, tributação, p. 209.
208
Idem, Ibidem.
74
elementos característicos do conceito considerado e assinalar as relações que os
unem.
209
Retendo-nos naquilo que interessa, em linhas gerais, incidência e
subsunção são realidades distintas.
210
Incidência é o atributo da norma jurídica
de transformar em fato jurídico o suporte fático que o Direito considerou
relevante para ingressar no mundo jurídico.
211
Ao passo que a subsunção é uma
operação lógica, mentalmente formalizada: ocorrido o fato bruto no mundo dos
fatos, o aplicador busca enquadrá-lo em alguma norma geral e abstrata. É
nisso, e somente nisso, que consiste a subsunção.
Karl Engisch
212
assinala que a subsunção do fato (caso real) à
norma (conceito jurídico) representa uma relação entre conceitos, razão pela
qual se subsumem conceitos de fatos a conceitos jurídicos. Para esse autor,
subsunção é o enquadramento da situação de fato (caso real) na classe dos casos
designados pela hipótese abstrata da norma jurídica.
213
Paulo de Barros Carvalho, baseado no entendimento de que a
subsunção só se operaria entre iguais, chegou a falar em subsunção do conceito
do fato ao conceito da norma. Todavia, a partir da décima sétima edição do seu
209
Cf. BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 257.
210
Em termos silogísticos, incidência significa a ocorrência da subsunção, ou seja, a assunção da premissa
menor à premissa maior. Nesse pormenor, Michele Tarufo destaca: “Una vez supuesto que la premisa mayor del
silogismo judicial está constituída por una norma formulada de modo que atribuya determinadas consecuencias
jurídicas a una clase de hechos, la individualización de la premisa menor consiste simplemente en establecer un
hecho concreto que pertenezca a esa clase”. (TARUFFO, M. La prueba de los hechos. 2.ed. Madrid: Trotta,
2005, p. 97.)
211
Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência, p. 58.
212
Cf. ENGISH, K. Introdução ao pensamento jurídico, p. 95.
213
Outra não é a lição de Joana Lins e Silva, em Fundamentos da norma tributária, p. 120: “A operação lógica
de comparação da hipótese com o fato é denominada subsunção: diremos que houve a subsunção quando o
enunciado fático (fato social) guardar absoluta identidade com o enunciado hipotético.”
75
Curso de Direito Tributário, o autor reformulou o seu próprio critério para
enunciar que a “subsunção, porém, como operação lógica que é, não se verifica
simplesmente entre iguais, mas entre linguagens de níveis diferentes. Em
homenagem à precisão que devemos incessantemente perseguir, o certo é
falarmos em subsunção do fato à norma, pois ambos configuram linguagens”.
214
Qualquer que seja o prisma conceitual, a incidência se dá como a
seguir.
Ao tomar conhecimento de um fato qualquer, realizado no mundo
empírico, o aplicador do Direito vai submetê-lo aos critérios de identificação do
fato jurídico correlato, previstos no antecedente de uma norma geral e abstrata
(subsunção). Se houver identidade entre o fato ocorrido e o fato hipotético, o
aplicador emite um comunicado descrevendo o “fato”. Com a descrição do fato
em linguagem jurídica, articulada em consonância com a teoria das provas,
ocorre a sua juridicização, ou a incidência da norma jurídica sobre ele, tornando-
o fato jurídico.
Como é possível notar, as normas jurídicas não incidem por conta
própria. Vale aqui a lição, em tom de advertência, de Paulo de Barros Carvalho:
“Agora, é importante dizer que não se dará a incidência se não houver um ser
humano fazendo a subsunção e promovendo a implicação que o preceito
determina, porque as normas jurídicas não incidem por conta própria.”
215
214
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 249.
215
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 9.
76
Nessa acepção, não há como apartar a incidência do ato de
aplicação da norma. Quando uma norma jurídica (geral, abstrata e válida no
sistema) incide sobre determinado fato, fazendo-o jurídico, é porque está sendo
aplicada pelo homem. À conta disso, Gabriel Ivo conclui: “É a aplicação,
portanto, que dá o sentido da incidência. Separar os dois momentos como se um,
o da incidência, fosse algo mecânico ou mesmo divino que nunca erra ou falha,
e o outro, o da aplicação, como algo humano, vil, sujeito ao erro, é
inadequado.”
216
Se a incidência pertence aos domínios do Direito, ou melhor, aos
domínios da Teoria Geral do Direito, aproveita-se no Direito Tributário toda a
fenomenologia anteriormente dissecada.
É útil lembrar – porque às vezes se confunde ou se esquece – que o
fato jurídico tributário, antes de ser tributário, é um fato jurídico como outro
qualquer.
Fixados (e superados) esses pontos, nítido está que acontecido o
fato previsto no antecedente de uma norma tributária (geral e abstrata), e
perpetrada a subsunção, essa norma incide para compor o fato jurídico
tributário. Ressalta-se que, no domínio tributário, a incidência é para imputar a
216
IVO, Gabriel. Norma jurídica: produção e controle, p. 62. Ao cuidar da incidência no Direito Tributário,
assim se pronunciou Zelmo Denari: “Incidência, portanto – de incidere, cair sobre – deve ser entendida como
aplicação, exigibilidade do tributo pela realização de um fato virtualmente capaz de gerar a obrigação tributária.”
(DENARI, Z. Curso de direito tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 184.)
77
determinadas pessoas o dever de pagar somas em dinheiro ao Estado, a título de
tributo.
217
Sobre o fenômeno tributário esclarece Jorge Bravo Cucci:
218
“a) Creación de la norma tributaria ‘x’. Aquél que detenta la potestad tributaria,
diseña la norma de incidencia tributaria, la cual se encuentra compuesta por (i) una
hipótesis de incidencia y (ii) una consecuencia normativa (pq), en respeto a los
principios constitucionales. La norma ‘x’ dispone que ocurrido un hecho ‘a’ debe ser
que el sujeto que lo realice se encuentre obligado a pagar una suma de dinero a un
determinado acreedor tributario.
b) La norma tributaria es insertada en el ordenamiento jurídico através del dispositivo
legal pertinente.
c) Entrada en vigencia de la norma ‘x’.
d) Realización de un hecho ‘a’ en el plano concreto durante la vigencia de la norma
‘x’.
e) Subsunción del hecho ‘a’ en la hipótesis de incidencia de la norma tributaria ‘x’.
f) Implicación de la consecuencia normativa de la norma tributaria ‘x’ en el hecho ‘a’.
g) El hecho ‘a’ es juridizado por la incidencia de la norma tributaria ‘x’ y se torna en
un hecho imponible ‘x’.
h) El hecho imponible ‘x’ genera una obligación tributaria.
i) Una vez efectuada la determinación tributaria (por acto del contribuyente o de la
Administración Tributaria), se declara la existencia del hecho imponible ‘x’ y la
obligación tributaria se individualiza y se torna en cierta, liquida y exigible, y se
extingue por alguno de los médios previstos para tal fin.”
217
Cf. COELHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo, da interpretação e da exoneração tributária,
p. 109.
218
CUCCI, J. B. Los actos ilícitos en el proceso formativo de la obligación tributaria del impuesto a la renta. In:
TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Teoria geral da obrigação tributária: estudos em homenagem ao Professor
José Souto Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 358.
78
1.7 O PAPEL DA NORMA INDIVIDUAL E CONCRETA NA FORMAÇÃO
DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO
De um modo geral, pela sua natureza impessoal e permanente, a
norma jurídica – segundo Planiol – deve ser apresentada numa fórmula geral
capaz de ser aplicável aos casos específicos.
219
Todo esse esforço argumentativo de Planiol teve como objetivo
situar que o direito seria composto por um conjunto de normas reguladoras da
vida social, imperativas, formuladas por via geral e abstrata, e coercitivamente
impostas pelo Estado.
Tinha razão o mestre francês, pelo menos em parte. Nesse
pormenor da Teoria Geral do Direito, Hans Kelsen percebeu que nem todas as
normas que constituem o ordenamento jurídico são normas gerais e abstratas.
Em termos kelsenianos:
“Tendo identificado ‘lei’ e ‘regra’, podemos, é claro, reconhecer como Direito apenas
as normas gerais. Mas não há dúvidas de que o Direito não consiste apenas em
normas gerais. O Direito inclui normas individuais, i.e., normas que determinam a
conduta de um indivíduo em uma situação irrepetível e que, portanto, são válidas
apenas para um caso particular e podem ser aplicadas apenas uma vez. Tais normas
são ‘Direito’ porque são partes de uma ordem jurídica com um todo, exatamente no
mesmo sentido das normas gerais com base nas quais elas foram criadas. Exemplos de
tais normas particulares são as decisões dos tribunais, na medida em que sua força de
obrigatoriedade seja limitada ao caso particular.”
220
219
Cf. PLANIOL, Marcel. Traité élementaire de droit civil, Tomo I, p. 11. No original: “La règle de droit, étant
par sa nature impersonnelle et permanente, doit être présentée en une formule générale susceptible de s’appliquer
à tous les cas particuliers”.
220
KELSEN, H. Teoria geral do direito e do estado, p. 53. Nesse sentido, posiciona-se Norberto Bobbio: “Com
efeito, a doutrina da generalidade e abstração das normas jurídicas é, por um lado, imprecisa, pois não costuma
esclarecer se os dois termos, ‘geral’ e ‘abstrato’, são usados como sinônimos (‘as normas jurídicas são gerais ou
abstratas’) ou se têm significados diferentes (‘as normas jurídicas são gerais e abstratas’). Por outro lado, é
insuficiente ou até falaciosa, pois, ao colocar em evidência os requisitos da generalidade e da abstração, leva a
crer que não existem normas jurídicas individuais e concretas.” (BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito, p.
162.)
79
Deveras, o direito existe para modificar as condutas humanas no
plano das interações intersubjetivas. Ou seja, além de fixar previamente as
normas disciplinadoras da vida social, também é dever do Estado declarar o
direito caso por caso, à medida que as lides entre os indivíduos vão sendo
submetidos ao exame judicial.
221
Quanto mais próximo o direito estiver das condutas humanas, mais
força terá para direcioná-las.
Pode-se concluir, com Paulo de Barros Carvalho: “Esse caminho,
em que o direito parte de concepções abrangentes, mas distantes, para se
aproximar da região material das condutas intersubjetivas, ou, na terminologia
própria, iniciando-se por normas jurídicas gerais e abstratas, para chegar às
individuais e concretas (...)”
222
é conhecido por processo de positivação.
Tivemos a oportunidade de anotar, páginas atrás, que o direito
positivo é o conjunto de normas jurídicas válidas que tem por objeto o
regramento das condutas intersubjetivas. Não apenas isso; identificamos que
essas normas estão arranjadas no sistema de acordo com o critério da hierarquia.
Desse modo, a norma hierarquicamente inferior encontra a sua validade na
norma hierarquicamente superior, e assim sucessivamente, até se chegar à
norma hipotética fundamental que convalida todo o sistema proposicional
normativo.
221
Cf. LIMA, Fernando Andrade Pires de; VARELA, João de Matos Antunes. Noções fundamentais de direito
civil, p. 30.
222
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 372.
80
Conforme o direito vai se positivando, ou seja, à medida que vai se
aproximando dos comportamentos em inter-relação, novas normas começam a
surgir, em degraus cada vez mais baixos, até chegar à norma individual e
concreta, localizada na parte inferior do ordenamento jurídico.
Nessa ordem de idéias, é forçoso convir que a norma individual e
concreta é fruto do processo de positivação do direito, que é fruto da aplicação
do direito. Aplicar o direito – pontifica Paulo de Barros Carvalho – “é dar curso
ao processo de positivação, extraindo de regras superiores o fundamento de
validade para a edição de outras regras. É o ato mediante o qual alguém
interpreta a amplitude do preceito legal, fazendo-o incidir no caso particular e
sacando, assim, a norma individual”.
223
Se, por um lado, é verdade que a norma inferior alcança validade
em norma superior a ela, por outro, sabe-se que a norma geral e abstrata reclama
a edição de uma norma individual e concreta para obter juridicidade.
Fiquemos por aqui com essas reflexões. Mantenhamos na retentiva
que a norma jurídica invidual e concreta decorre diretamente do processo de
aplicação da norma jurídica geral e abstrata.
Superada a resenha, e ressaltada a importância do lavor semântico
exercido pela Teoria Geral do Direito, faz-se necessário reter que o fato
jurígeno, responsável pelo reconhecimento da concretização do fato em
223
CARVALHO, Paulo de Barros apud CERQUEIRA, Marcelo Fortes de. Repetição do indébito tributário, p.
149.
81
linguagem jurídica, está plantado no antecedente da norma individual e
concreta.
Contanto que o acontecimento do mundo físico, dotado dos
elementos temporal, material e espacial, corresponda, semânticamente, à
concretização das notas abstratas catalogadas nos critérios temporal, material e
espacial do antecedente normativo, e desde que esse fato seja vertido em
linguagem formalmente estipulada pelo direito, estará constituído o fato
jurídico, e com ele a relação jurídica suposta no conseqüente da norma geral e
abstrata.
Assim escreve Joana Lins e Silva: “a norma jurídica individual e
concreta revela o acontecimento de dois fatos: do fato-causa (fato jurídico) e do
fato-efeito (relação jurídica)”.
224
É lógico que o nascimento dessa relação
jurídica (fato-efeito) se dá por força da causalidade jurídica (imputabilidade) e
não em função da causalidade natural, já que o fato da relação jurídica, na sua
concretude existencial, se esgota na fixação dos direitos e dos deveres
correlatos, independentemente do cumprimento ou do descumprimento dos
deveres nela estabelecidos.
225
Considerando que as normas, os fatos e as relações jurídicas
tributárias são espécies de normas, fatos e relações jurídicas em geral, aproveita-
se a fenomenologia anteriormente disseminada.
Como escólio final, assentemos o seguinte.
82
O papel da norma tributária individual e concreta é registrar a
incidência e constituir o fato jurídico tributário. O fato jurídico tributário é
constituído pelo ato de lançamento executado tanto pelo agente administrativo
(art. 142 do CTN) quanto pelo contribuinte (art. 150 do CTN) – “lançamento por
homologação”. O lançamento é a própria norma jurídica individual e concreta,
ou, como propõe Eurico de Santi,
226
o ato-norma administrativo. Seja qual for o
conceito aferido, está patenteado na doutrina que o lançamento faz irromper a
relação jurídica tributária entre o fisco e o sujeito passivo.
1.8 FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO, RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA
E CRÉDITO TRIBUTÁRIO
Do ponto de vista terminológico, é necessário resaltar que várias
expressões têm servido de sinônimos de fato jurídico tributário, entre elas:
suporte fático (do alemão Steuer-tatbestand), fato imponível (do espanhol hecho
imponible), situação base do tributo (do italiano fattispecie tributaria), fato
gerador (do francês fait générateur), fato tributável,
227
etc.
Zelmo Denari, em seu Curso de Direito Tributário, considera fato
gerador “[...] um evento de conteúdo econômico, previamente descrito e
224
SILVA, Joana Lins e. Fundamentos da norma tributária, p. 121.
225
Id. Ib. p. 130.
226
Eurico de Santi ensina: “Nesta acepção restrita, definimos este conceito de ‘lançamento’ como o ato-norma
administrativo que apresenta estrutura hipotético-condicional, associando à ocorrência do fato jurídico tributário
(hipótese) uma relação jurídica intranormativa (conseência) que tem por termos o sujeito ativo e o sujeito
passivo, e por objeto a obrigação deste em prestar a conduta de pagar quantia determinada pelo produto
matemático da base de cálculo pela alíquota.” (SANTI, E. M. D. Lançamento tributário. 2.ed. São Paulo: Max
Limonad, 1999, p. 155-156.)
227
Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 12.ed. São Paulo: Malheiros,
1999.
83
tipificado na lei tributária, cuja concreta realização determina o nascimento da
obrigação tributária”.
228
Para nomear os dois momentos lógicos do mesmo fenômeno
jurídico tributário – a descrição hipotética e abstrata de um fato apto a
determinar o nascimento da obrigação tributária, e a consolidação do fato
gerador –, Geraldo Ataliba chama de hipótese de incidência o fato gerador in
abstrato, e de fato imponível
229
o fato gerador in concreto. Diz o autor: “A
hipótese de incidência é a descrição hipotética e asbtrata de um fato. É parte da
norma tributária. É o meio pelo qual o legislador institui um tributo. Está criado
um tributo, desde que a lei descreva sua h.i., a ela associando o mandamento
‘pague’.” E finaliza: “Fato imponível é o fato concreto, localizado no tempo e
no espaço, acontecido efetivamente no universo fenomênico, que – por
corresponder rigorosamente à descrição prévia, hipoteticamente formulada pela
h.i. legal – dá nascimento à obrigação legal”.
230
O Código Tributário Nacional acolheu a expressão fato gerador.
Eis o teor do artigo 114: Fato gerador da obrigação principal é a situação
definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. A generalização
da expressão fato gerador deve-se, de modo especial, aos estudos de Gaston
228
DENARI, Z. Curso de direito tributário, p. 208. A definição é semelhante à proposta por Amílcar de Araújo
Falcão: “Fato gerador é, pois, o fato, o conjunto de fatos ou o estado de fato, a que o legislador vincula o
nascimento da obrigação jurídica de pagar um tributo”. (FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato gerador da
obrigação tributária, p. 26.) A propósito, ver MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 17.ed.
São Paulo: Malheiros, 2000, p. 100-105; e NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 15.ed. São
Paulo: Saraiva, 1999.
229
Dino Jarach é outro autor de renome que defende o uso da nomenclatura “fato imponível”. (Cf. JARACH, D.
O fato imponível: teoria geral do direito tributário substantivo. Tradução de Dejalma de Campos. 2.ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.)
84
Jèze, publicados originalmente na Revue du Droit Public et de la Science
Politique (Tomo 54, ano 44, Paris, 1937, p. 618 a 634), e traduzidos para o
português por Paulo da Mata Machado, sob o título O Fato Gerador do Imposto:
contribuição à teoria do imposto, na Revista de Direito Administrativo (Vol. II,
fasc. I, p. 50 e seguintes).
Paulo de Barros Carvalho, parece-nos, se houve com felicidade ao
preferir a dicção fato jurídico tributário. Fato jurídico porque tem o condão de
irradiar conseqüências jurídicas, e tributário pelo simples motivo de que sua
eficácia está ligada à criação do tributo. São dele as asserções que damos
transcritas:
“Para o nosso sistema de referências, contudo, o fato jurídico tributário será tomado
como um enunciado protocolar denotativo, posto na posição sintática de antecedente
de uma norma individual e concreta, emitido, portanto, com função prescritiva, num
determinado ponto do processo de positivação do direito.”
231
230
ATALIBA, G. Hipótese de incidência, p. 67-68.
231
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 105. Eurico de
Santi explica o processo por meio do qual Paulo de Barros Carvalho chegou à definição de fato jurídico
tributário. São suas estas palavras: “Entrementes, Paulo de Barros Carvalho, ao debruçar-se sobre esse tema em
momento de profícua reflexão quando da elaboração da tese com que galgou o cargo de professor Titular da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, deparou com o dilema que segue. Por um lado, a norma
jurídica só nasce quando objetivada pela linguagem, nos documentos jurídicos aceitos pelo direito para veiculá-
las. Por outro lado, o direito é o conjunto de normas construídas a partir desses documentos jurídicos. Assim,
não se pode entender que o fato jurídico e a obrigação tributária pertençam ao direito, pois tais entidades ainda
não foram objetivadas por ato de aplicação que as transformasse em normas individuais e concretas, por um
veículo introdutor como, por exemplo, o ‘auto de infração’ ou a ‘notificação de lançamento’. Prova disso é que,
se houver qualquer distorção na versão desse ato de aplicação sobre a materialidade desse ‘fato’ e dessa
‘obrigação’, o que prevalece juridicamente é o conteúdo objetivado na regra individual e concreta, que é produto
desse ato. Paulo de Barros Carvalho conclui, então, que o fato jurídico e a obrigação tributária não serão
jurídicos enquanto não ingressarem pela porta do direito, que são as fontes materiais. Verificou, portanto, que o
que entra para o direito é o produto desse ato de aplicação, restando o ‘fato’ e a ‘obrigação’ como entidades
juridicamente irrelevantes. Para precisar sua terminologia, chamou a realidade, base de incidência da regra, de
evento, guardando o termo fato jurídico tributário para o antecedente normativo da regra individual e concreta
produzida pelo ato administrativo do lançamento. E lançou o desafio: ‘desisto de tal perspectiva teórica agora, se
alguém me apresentar um fato jurídico sem revestimento lingüístico’. Nenhum fato com essa natureza lhe foi
apresentado, e argumento por argumento foi enfrentado, objeção por objeção superada, até a publicação da obra
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, que fez romper o dique da tradicional perspectiva de
que a norma sozinha incide sobre o fato... Nessa óptica, a norma incidiria sobre o fato, fazendo nascer a
‘obrigação’ e, posteriormente, o ato de lançamento declararia o fato e a relação tributária. Ora, sem nuvens e
numa perspectiva realista, necessário se faz admitir que até que a autoridade aplique o direito, quer dizer, realize
85
Retomando o problema, cremos que o fato jurídico tributário é o
fato (ou o conjunto de fatos) ocorrido no mundo real e concreto, dotado dos
critérios material, temporal e espacial, que – por corresponder rigorosamente
aos critérios material, temporal e espacial previstos no antecedente normativo –
e desde que expresso pela linguagem competente e descrito conforme as provas
admitidas em Direito, dá nascimento à obrigação tributária.
Quanto à estrutura, o fato jurídico tributário pode ser simples ou
complexo, conforme se componha de um ou de vários fatos.
232
Quanto à ocorrência no tempo, o fato jurídico tributário pode ser
instantâneo, continuado e “complexivo”. O fato jurídico tributário é instantâneo
quando todos os elementos de sua composição se verificam e se extinguem em
determinada unidade de tempo, fazendo surgir, a cada ocorrência, o nascimento
de uma obrigação tributária autônoma. Por exemplo, no momento em que
vendemos uma mercadoria, e esta sai de certo estabelecimento, ocorre o fato
o ato do lançamento, juridicamente nada há: nem fato nem obrigação. O fato jurídico e o crédito nascem,
concomitantemente, com o ato de aplicação do direito. Se a autoridade não lavra o ato de lançamento, ocorre a
decadência do direito de lançar, e aí o há como cobrar o crédito. Juridicamente o fato não existiu nem nasceu a
obrigação tributária com a mera ‘incidência’”. Norma, evento, fato, relação jurídica, fontes e validade no direito.
DE SANTI, Eurico Marcos Diniz (Coord.). Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos em
homenagem a Paulo de Barros Carvalho, p. 24-25.
232
Paulo de Barros Carvalho critica com veemência a classificação dos fatos jurídicos tributários em simples e
complexos: “Havemos de convir que não tem o menor fundamento jurídico, porque os ‘fatos geradores’ são
todos simples ou todos complexos. Senão vejamos, o ‘fato gerador’ do IPI é considerado como fato simples, por
isso que se consubstancia na simples saída de produto industrializado, do estabelecimento industrial ou que lhe
seja equiparado (tomemos esta entre outras hipóteses). Por outro lado, o ‘fato gerador’ do imposto de renda seria
da natureza dos complexos porque dependeria de vários fatores, que se entreligam, no sentido de determinar o
resultado, que é a renda tributável. Na verdade, a incidência tributária atinge somente o resultado, seja o fato
representado pela saída do produto industrializado de certo estabelecimento, ou o saldo final que determina
renda líquida tributável, no caso do imposto de renda, pois se não for possível concebermos renda líquida
tributável independentemente das receitas e despesas relativas a determinado exercício, igualmente inviável será
aceitarmos um produto industrializado independentemente do processo de industrialização. Em suma, o que
interessa para a lei tributária é determinado resultado sobre o qual incidirá o preceito, desencadeando efeitos
jurídicos. Óbvio será que, na condição de resultado, estará sempre a depender dos elementos que o
determinaram.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária, p. 128-129.)
86
gerador do ICMS. Os continuados são aqueles que configuram situações que se
desdobram no tempo e que são medidas em cortes temporais, isto é, por
intervalos maiores ou menores. Por exemplo, o IPTU e o IPVA – que incidem
uma vez a cada ano e são passíveis de sofrer modificações ao longo do tempo –
entrariam como fatos instantâneos. Os complexivos são aqueles dos quais a
realização se põe ao longo de um espaço de tempo, de maneira que, pela
integração de vários fatos isolados, surgiria o fato gerador do tributo. É o caso
típico do IR, em que o conjunto de vários fatores (ingressos financeiros,
despesas etc.) aperfeiçoam o fato final.
233
233
Paulo de Barros Carvalho, com o apoio de Geraldo Ataliba, também critica a classificação dos fatos jurídicos
tributários em função do tempo de sua ocorrência. Diz aquele autor: “Mas essa segunda classificação é
infundada, como salienta, precisamente porque ignora dado fundamental, qual seja, o da incidência automática
da lei tributária. Para que fosse possível, mister seria que pudéssemos conceber um fato que vai acontecendo aos
poucos, sendo que a ordem jurídica, concomitantemente, vai reconhecendo, de modo parcial, os eventos que
forem ocorrendo, o que, evidentemente, seria um grande absurdo. Por mais complexo que seja o fato objeto de
consideração pela lei tributária, só se poderá falar em ‘fato gerador’ no momento exato que estiver completa a
figura típica. Se for constituído, digamos, por 100 elementos e apenas 99 ocorrerem, nada existirá de relevante
para o Direito. É como se nada houvera acontecido. Seria o mesmo que nenhum dos 99 jamais haver ocorrido.
Por tudo isso se pode concluir que todos os fatos são instantâneos, não tendo cabimento a classificação bipartida
adotada unanimemente pela doutrina.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária, p. 137-138.)
“Assim” – conclui o citado autor – “tanto os ‘fatos geradores’ continuados quanto os complexos ou de formação
sucessiva, são, igualmente, instantâneos, visto que surgem sempre numa específica unidade de tempo e, cada vez
que acontecem, dão origem a obrigações tributárias autônomas. E porque todos os ‘fatos geradores’ ocorrem
sempre em determinada unidade de tempo é que se não pode falar também de ‘fatos geradores pendentes’, como
o faz o Código Tributário Nacional (art. 105).” (CARVALHO, Paulo de Barros. Op. Cit, p. 140.) Após refutar as
classificações tradicionais, Paulo de Barros Carvalho propõe a classificação das hipóteses tributárias em: a)
hipóteses que definem (expressa ou implicitamente) o momento de ocorrência do fato jurídico tributário; e b)
hipóteses que não definem momento específico, podendo acontecer em qualquer circunstância de tempo. Essa
crítica de Paulo de Barros Carvalho à classificação tradicional foi prontamente rebatida por Luciano Amaro, nos
seguintes termos: “Essa classificação [fato gerador instantâneo, continuado e complexivo ou periódico], porém
tem utilidade não meramente didática (o que, aliás, por si só, já lhe daria trânsito nos manuais tributários). Nos
impostos de fato gerador periódico, de que é exemplo típico o imposto de renda, a questionada classificação
permite justamente tirar o foco da discussão sobre se o fato ocorre hoje ou amanhã (mesmo porque, na verdade,
não é em nenhum desses dias que ele se aperfeiçoa). Servindo-nos do exemplo do imposto de renda, o que se
deve sublinhar é a circunstância de que seu fato gerador não se forma num momento e sim ao cabo de uma soma
de momentos temporais, devendo-se considerar, para efeito da incidência da norma impositiva, não o que ocorre
num certo e preciso instante do tempo, mas tudo o que aconteceu ao longo do período legalmente considerado.
Assim, a renda de certo período não é a renda do dia ‘x’, mas sim a renda do lapso de tempo que vai do primeiro
até o último dia do período considerado.” (AMARO, L. Direito tributário brasileiro, p. 259-260.) Em que pese
ao esforço desse autor, estamos afinados com Paulo de Barros Carvalho. Sem embargo, o que importa não é se o
‘fato gerador’ é instantâneo ou se depende de um período de tempo para se completar, mas o momento de sua
consumação, pois só então ele será fato jurídico tributário.
87
É preciso não esquecer que o fato jurídico tributário, gerador da
obrigação de pagar tributo, pode ser analisado sob três aspectos,
234
a saber: (a)
aspecto material; (b) aspecto espacial; e (c) aspecto temporal.
235
No que se refere ao aspecto material, traz ele uma situação ou uma
atividade praticada por alguém – como adquirir renda, importar mercadorias,
prestar serviços, ser proprietário de imóvel no perímetro urbano etc. – e relatada
em linguagem competente, que se identifica como materialidade do “fato
gerador” no caso concreto.
É inegável que o fato jurídico tributário deva ocorrer em algum
lugar. Em relação ao aspecto espacial, escreve Luciano Amaro que “é
importante a definição desse aspecto, pois a mesma situação material no lugar
‘A’ pode ser fato gerador e não sê-lo no lugar ‘B’, ou porque esse lugar esteja
fora do âmbito espacial de aplicação da lei ou porque nele vigore uma isenção
regional. É necessária, ainda, a análise do aspecto espacial para efeito da solução
de possíveis conflitos de normas; a prestação de serviços, por exemplo,
conforme se situe no município ‘A’ ou ‘B’, estará sujeita à lei de um ou de outro
234
Insurgimo-nos contra o emprego da expressão elementos do fato jurídico tributário adotada por alguns
autores, entre os quais Paulo de Barros Carvalho, deixando claro que o melhor é falar em aspectos do fato
tributário. Conquanto relacionadas à hipótese de incidência – descrição hipotética do fato tributário – as lições
de Geraldo Ataliba são perfeitamente aplicáveis à espécie. É sabido que a expressão elementos do fato tributário
“[...] sugere a idéia de que se está diante de algo que entra na composição doutra coisa e serve para formá-la”.
(ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 77.) Isso ocorre porque cada aspecto do fato
tributário são qualidades ou atributos singelos de uma coisa una e indivisível, ou “conjuntos de um único
indivíduo” como prefere Paulo de Barros Carvalho, e não algo a se stante, de forma que associado aos demais
resulte na composição do fato tributário. (CARVALHO, Paulo de Barros. Op. Cit. p. 120-121.) Se o aspecto
quantitativo não fosse um aspecto, mas um elemento do fato jurídico tributário, como, então, explicar a
existência de tributos cujo montante é identificado sem necessidade de cálculo, caso típico de várias taxas e de
alguns raros impostos?
235
Além, é claro, do aspecto pessoal (sujeito ativo = credor da obrigação tributária, e sujeito passivo = devedor
dessa obrigação) e do aspecto quantitativo (base de cálculo = descrição legal de uma unidade de referência usada
88
desses municípios”.
236
Paulo de Barros Carvalho fala em lugar do fato e lugar
no fato, sendo o primeiro o lugar em que se expediu o enunciado jurídico-
prescritivo; e o segundo, o lugar em que ocorreu o evento relatado
enunciativamente. Seja como for, em muitos casos o lugar do fato coincidirá
com o lugar no fato.
237
Fechando a compreensão, temos o aspecto temporal. Esclareçamos
que o tempo do fato jamais coincidirá com o tempo no fato, uma vez que o
tempo no fato será sempre passado.
238
Neste comenos, a lei aplicável será
sempre a vigente na data do evento (tempo no fato). O artigo 144 do CTN
corrobora nossa afirmação: “O lançamento reporta-se à data da ocorrência do
fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que
posteriormente modificada ou revogada”.
Assim agremiados, podemos seguir adiante para localizar o ato
formalizador da obrigação tributária.
Em sentido estrito, obrigação é a relação jurídica entre duas ou
mais pessoas, pela qual uma delas (o credor) tem o direito de exigir uma
prestação de outrem (o devedor). Nas Instituições de Justiniano, a obrigação é
definida como um vínculo jurídico, “quo necessitate adstringimur alicuius
solvendae rei secundum nostrae civitatis iura (III, 13)”. Isso não significa
concluir que obrigação e relação jurídica sejam sinônimos: toda obrigação é
para medir a grandeza do fato tributário, e alíquota = quota, fração ou parte dessa medida de grandeza do fato
tributário).
236
AMARO, L. Direito tributário brasileiro, p. 256-257.
89
uma relação jurídica, mas nem toda relação jurídica se limita a ser uma
obrigação. Apartando a relação jurídica da obrigação, Carlos Celso Orcesi da
Costa averbou:
“Outrossim, a atestar que não se confundem, vimos que a obrigação – segundo a
conceituação mais comum –, está impregnada de um conteúdo econômico, seja na
maioria das vezes direto (pagar tributos), seja excepcionalmente indireto, quando da
prestação exsurge mediatamente um conteúdo econômico. Ao contrário, a relação
jurídica é neutra em termos de interesse econômico, direto ou indireto, tanto é que o
casamento pode consubstanciar uma ‘relação jurídica complexa’, em que pontifiquem
vários deveres de ordem espiritual (assistência), ou física (dever de coabitação, em seu
aspecto de convivência sexual) ou econômica (assistência material, regime de bens).
A relação, pois, tanto pode ser patrimonial como não patrimonial, enquanto a
obrigação, por definição, deve conter uma prestação ou um interesse econômico.”
239
Transmudando as lições para o direito tributário, poderíamos
colocar que a obrigação tributária é a relação jurídica entre o Poder Público e o
contribuinte, pela qual aquele (credor) tem o direito de exigir deste (devedor)
uma prestação, que quase sempre consiste num ato positivo de dar ou pagar o
tributo.
A obrigação tributária, veiculada pelo lançamento tributário ou pelo
particular (“autolançamento”),
240
está alojada no conseqüente da norma
individual e concreta.
237
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 124.
238
Idem, ibidem.
239
COSTA, Carlos Celso Orcesi da. Obrigação, lançamento e relação jurídica tributária. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1993, p. 102-102.
240
Segundo Cerqueira, “no Sistema Tributário Brasileiro, lançamento é o gênero do qual são espécies o ato
jurídico administrativo de lançamento e o ato jurídico de auto-imposição tributária do contribuinte, já
homologado. O primeiro é típico ato administrativo, nos seus precisos e devidos termos, enquanto o segundo,
embora veicule norma individual e concreta de idêntico teor à veiculada pelo primeiro, não pode ser tido como
ato administrativo, por não preencher todos os requisitos legais.” (Cf. CERQUEIRA, Marcelo Fortes de.
Repetição do indébito tributário, p. 201.)
90
Num dado sentido, a expressão “lançamento tributário” pode ser
tomada como o ato
241
administrativo de aplicação da regra tributária geral e
abstrata ao caso concreto.
Antes que alguém, que tanto pode ser a Administração quanto o
próprio sujeito passivo, interprete o preceito legal, fazendo-o incidir no caso
concreto e criando, assim, a norma jurídica individual e concreta, em cujo
antecedente se localiza o fato jurídico tributário, não há obrigação alguma
exigida pelo Fisco em relação ao contribuinte. É a conclusão a que chegou José
Souto Maior Borges: “Para a aplicação do Direito impõe-se estabelecer se
concretamente ocorre um determinado fato – o fato jurídico tributário. Nisso
consiste, em parte, a função concretizadora da norma individual posta pelo ato
administrativo de lançamento”.
242
A disciplina dada pelo CTN ao tema obrigação tributária não pode
ser desprezada. No artigo 142, lê-se: “Compete privativamente à autoridade
administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o
procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da
obrigação correspondente, determinar a materia tributável, calcular o montante
do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a
aplicação da penalidade cabível.”
241
O lançamento é ato e não procedimento administrativo. O próprio art. 150 do CTN, assim o define. No
mesmo sentido, podem ser citados, entre outros: Paulo de Barros Carvalho, Luciano Amaro, Estevão Horvath,
José Souto Maior Borges, Alberto Xavier, Celso Ribeiro Bastos e Maria Elbe Gomes Queiroz Maia. Em sentido
contrário, entendendo que o lançamento tributário se configura como um procedimento administrativo, podem
ser citados, entre outros: Ruy Barbosa Nogueira, Hugo de Brito Machado, Zelmo Denari e Carlos Celso Orcesi
da Costa.
91
Para o Código Tributário Nacional, a obrigação tributária
subdivide-se em principal (art. 113, caput e § 1º) e acessória (art. 113, caput e §
2º). Conquanto o legislador não tenha especificado, no artigo 142, a qual
“obrigação” estaria se referindo, estamos de acordo com Souto Maior Borges
243
de que se trata de obrigação principal, porque só esta tem como contrapartida o
crédito tributário.
Expliquemos melhor: o lançamento
244
é o ato jurídico que constitui
o fato jurídico tributário, formaliza a obrigação tributária e aplica a
conseqüência prevista na norma geral e abstrata. Referimo-nos a uma atividade
estritamente vinculada e obrigatória. Vinculada, porque deve ser procedida nos
termos da legalidade, já que à autoridade administrativa é vedado criar, exigir ou
modificar o conteúdo de qualquer elemento do tipo legal tributário. Obrigatória
242
BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 82.
243
Cf. BORGES, José Souto Maior. Op. Cit, p. 141 e ss.
244
Alberto Xavier incumbiu-se de definir o lançamento como “o ato administrativo de aplicação da norma
tributária material que se traduz na declaração da existência e quantitativo da prestação tributária e na sua
conseqüente exigência”. (XAVIER, Alberto. Do lançamento no direito tributário brasileiro. 3.ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 67.) De sua parte, salienta Aliomar Baleeiro: “Na doutrina, o lançamento tem sido
definido como o ato, ou a série de atos, de competência vinculada, praticado por agente competente do Fisco
para verificar a realização do fato gerador em relação a determinado contribuinte, apurando qualitativa e
quantitativamente o valor da matéria tributável, segundo a base de cálculo, e, em conseqüência, liquidando o
quantum do tributo a ser cobrado.” (BALEEIRO, A. Direito tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1994, p. 502.) Na opinião de A. D. Giannini, o lançamento lato sensu “[...] consiste appunto nell’atto o
nella serie di atti necessari per la constatazione e la valutazione dei vari elementi constitutivi del debito
d’imposta (pressuposto materiale e personale, base imponibile) com la conseguente applicazione del tasso e
quindi la concreta determinazione quantitativa del debito del contribuente”. (GIANNINI, A. D. Instituzioni di
diritto tributario. Milano: Giuffrè, 1974, p. 177-178.) Eurico Marcos Diniz de Santi, em trabalho fundamental
sobre o lançamento tributário, não se furtou de anotar que o lançamento stricto sensu “[...] é o ato-norma
administrativo que apresenta estrutura hipotético-condicional, associando à ocorrência do fato jurídico tributário
(hipótese) uma relação jurídica intranormativa (conseência) que tem por termos o sujeito ativo e o sujeito
passivo, e por objeto a obrigação deste em prestar a conduta de pagar quantia determinada pelo produto
matemático da base de cálculo pela alíquota”. (SANTI, E. M. D. Lançamento tributário, p. 155-156.)
92
porque, uma vez ocorrido o fato definido em lei como gerador da obrigação, é
vedado à autoridade administrativa deixar de formalizá-lo.
245
O Código Tributário Nacional reconhece três modalidades de
lançamento. São elas: (a) lançamento por declaração; (b) lançamento de ofício; e
(c) lançamento por homologação.
Lançamento misto ou por declaração é aquele em que o sujeito
passivo ou o terceiro presta à autoridade administrativa, na forma da legislação
tributária, informações sobre a materia de fato, indispensáveis à sua efetivação.
Independentemente de quem seja o declarante, a declaração estará sempre
sujeita ao controle do Fisco (art. 147 do CTN). Ex: imposto de importação.
Lançamento direto ou de ofício é aquele efetuado e revisto pela
autoridade administrativa, mesmo sem nenhuma colaboração do sujeito passivo
(art. 149 do CTN).
246
Ex: imposto predial e territorial urbano (IPTU).
Lançamento por homologação ou “autolançamento” é aquele em
que a legislação confere ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento do
245
Cf. MACHADO, Rubens Approbato. Processo tributário administrativo e judicial. In: MARTINS, Ives
Gandra da Silva (Coord.). Curso de direito tributário, p. 794.
246
José Souto Maior Borges cogita o lançamento por arbitramento como subespécie do lançamento de ofício, ou
melhor, como um critério específico para a revisão do lançamento. Tal conclusão decorre do fato de que o “art.
148 do CTN, nas circunstâncias que estabelece, dispõe sobre a competência da autoridade administrativa para,
nos tributos que sejam calculados com base no valor ou preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos,
calcular o respectivo valor ou preço, ou seja, estabelecer um critério especial, o lançamento por arbitramento,
para a prática do lançamento ex officio. Lançamento por arbitramento é apenas uma fórmula elíptica, empregada
brevitatis causa para designar o lançamento ex officio de tributos cuja base tributável é constituída por valor ou
preço de bens, serviços ou atos jurídicos. O lançamento por arbitramento é, nesses termos, apenas uma
subespécie qualificada do lançamento de ofício, genericamente considerado”. Em continuação, Souto Maior
Borges ensina-nos que não “significa, pois, o arbitramento a predominância de uma atribuição legal de liberdade
(discricionariedade) administrativa, mas apenas um processo técnico alternativo e estrito de apuração do
quantum debeatur. O arbitramento, por definição, pressupõe resolvida a indagação sobre a ocorrência do débito
(an debeatur) e sobre a respectiva sujeição passiva (quem debeatur)”. (BORGES, J. S. M. Lançamento
tributário, p. 337-338.)
93
tributo sem prévio exame da autoridade administrativa (art. 150 do CTN).
247
Ex:
ICMS. Duas observações são, no entanto, necessárias para o aprimoramento
dessa noção. Em primeiro lugar, o pagamento antecipado extingue o crédito sob
condição resolutória da posterior aprovação do Fisco (art, 150, §1º, do CTN).
Em segundo lugar, se a lei não fixar de modo diverso, o prazo para
homologação do pagamento será de 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do
fato jurídico tributário. De mais a mais, uma vez expirado o prazo sem que a
Fazenda Pública tenha se pronunciado, considera-se homologado o lançamento
e definitivamente extinto o crédito tributário, salvo se for comprovada a
ocorrência de dolo, fraude ou simulação (art. 150, § 4º, do CTN).
De todo modo, com o ingresso da obrigação tributária no mundo da
facticidade jurídica, pela via do lançamento, instala-se o direito subjetivo do
sujeito ativo (Estado) e o dever jurídico correlato do sujeito passivo
(contribuinte), formando-se o conteúdo de um vínculo específico denominado
relação jurídica tributária. Dentro desse vínculo aparecerá o crédito tributário.
A esta altura deverão surgir as seguintes indagações: (a) em que
instante nasce a obrigação tributária; (b) qual a diferença entre a obrigação e o
247
Segundo expõe Hugo de Brito Machado, o objeto da homologação não é o pagamento, mas a apuração do
montante devido, uma vez que é possível a homologação mesmo que não tenha ocorrido o pagamento. Sublinha
o autor que “[...] se o contribuinte praticou a atividade de apuração, prestou à autoridade administrativa as
informações relativas aos valores a serem pagos (DCTF, GIA etc.), e não efetuou o pagamento, pode a
autoridade homologar a apuração de tais valores e determinar a imediata inscrição daqueles como Dívida Ativa.
Ter-se-á, então, um lançamento por homologação sem antecipação do pagamento correspondente. O que
caracteriza essa modalidade de lançamento é a exigência legal de pagamento antecipado. Não o efetivo
pagamento antecipado”. (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 135.)
94
crédito tributário? e (c) qual a função do ato administrativo de lançamento:
formalizar a obrigação ou o crédito tributário?
Há três correntes quanto à natureza jurídica do lançamento
tributário. Examinemos, porém, cada argumento ainda que sumariamente.
Para os adeptos da teoria declaratória, se a obrigação nasce no
mesmo instante em que o crédito, ou seja, com a ocorrência do fato jurídico
tributário, a natureza jurídica do lançamento é declaratória, pois apenas declara a
existência de um crédito preexistente.
Já pela concepção dos constitutivistas, o lançamento é o modo de
constituir o vínculo, dentro do qual aparecerá o crédito tributário.
O Código Tributário Nacional adota uma postura dualista, partindo
do raciocínio de que o lançamento é um ato declaratório da ocorrência do fato
jurídico e constitutivo do crédito tributário. Esse é o conteúdo sintático e
semântico que pode ser extraído dos enunciados prescritivos dos artigos 113, §1º
e 144, respectivamente.
Para que não fiquem dúvidas quanto à nossa filiação à corrente
constitutivista, reiteremos: lançamento é o ato jurídico que constitui o fato
jurídico tributário, formaliza a obrigação tributária e aplica a conseqüência
prevista na norma geral e abstrata.
Como se pôde notar, o Código Tributário Nacional nos induz a
pensar que o “fato gerador” faz nascer a obrigação tributária, enquanto o crédito
tributário surge com o lançamento.
95
Em que pese à autoridade dos que chafurdaram nessa cilada
legislativa, e não são poucos, acreditamos tratar-se de enorme equívoco.
Sem embargo, predomina a tese majoritária de que a obrigação e o
crédito tributário são conceitos autônomos, mas interligados.
Neste particular,
aliás, o Código Tributário Nacional também é ambíguo. Enquanto o artigo 139
dispõe que “o crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma
natureza desta”, o artigo 140 prescreve que “as circunstâncias que modificam o
crédito tributário, sua extensão ou efeitos, ou as garantias ou os privilégios a ele
atribuídos, ou que excluem sua exigibilidade, não afetam a obrigação tributária
que lhe deu origem”.
Antes de encerrar, importa rememorar que tudo aquilo que não é
vertido em linguagem competente é insignificante para o Direito. Ou seja: onde
houver Direito, haverá sempre linguagem. De posse desse pressuposto, podemos
estabelecer as seguintes premissas: i) não há intervalo nenhum entre o fato
jurídico tributário e a relação jurídica tributária; ii) a obrigação tributária surge
no momento em que o fato jurídico tributário é constituído pelo lançamento; iii)
sempre que nasce a obrigação nasce a relação jurídica tributária, mesmo porque
a obrigação já é uma relação;
248
e iv) o crédito é uma emanação da obrigação
248
Daí Carlos Celso Orcesi da Costa ressaltar que seria equivocado falar em obrigação sem que ao mesmo
tempo se falasse em relação. (Cf. COSTA, C. C. Orcesi da. Obrigação, lançamento e relação jurídica
tributária, p. 229.)
96
tributária, mas sua constituição definitiva depende de notificação do sujeito
passivo acerca do lançamento.
249
De tais premissas resultam pelo menos duas conclusões: (a) sem o
lançamento não haverá obrigação, relação jurídica, nem tampouco crédito
tributário, pois o Direito não conhece outra forma de registrar o nascimento de
direitos subjetivos com relação a tributos, que não seja o lançamento; e (b) se a
obrigação tributária ingressa no mundo da facticidade jurídica pelo lançamento,
o ato administrativo de lançamento é constitutivo e não declaratório,
independentemente dos “efeitos retroativos” a que se refere o artigo 144 do
CTN.
Em arremate, Paulo de Barros Carvalho ministra-nos o seguinte
ensinamento: “[...] um lançamento regularmente efetuado, vale dizer, realizado
por funcionário competente, mesmo não tendo ocorrido o fato jurídico
tributário, prevalece como ato válido, instalando a nova relação de crédito no
mundo da facticidade jurídica, pelo menos até que se comprove por meios
idôneos do sistema do direito [leia-se provas juridicamente admitidas] que o
acontecimento não se configurou.”
250
Na dogmática brasileira, José Eduardo Soares de Melo adota a tese
de que em muitos tributos as respectivas obrigações tributárias são liquidadas
sem que ocorra o lançamento, mesmo em momento posterior. É nesse sentido
249
Cf. CARVALHO, A. A. Contreiras apud NASCIMENTO, Carlos Valder do. Crédito tributário. Rio de
Janeiro: Forense, 1986, p. 7.
97
que assevera o autor: “Nascida a obrigação, o devedor efetua o recolhimento do
respectivo valor sem prévia participação, anuência, ou sequer conhecimento
fazendário. É o que ocorre na sistemática adotada para diversos impostos, como
é o caso do ICMS, em que o contribuinte registra suas operações mercantis (ou
prestações de serviços) em notas fiscais, consignando o valor do tributo,
escritura seus livros fiscais, apura o quantum tributário e, ao final de um
determinado período de tempo, procede ao seu recolhimento. Essa situação é
denominada ‘tributo sem lançamento’, que nem mesmo pode ser vislumbrada na
figura da pseudo-homologação tácita do lançamento...”
251
Sopesadas as observações acima alinhadas, arriscamo-nos a afirmar
que o exemplo sugerido não serve para embasar os argumentos defendidos pelo
autor.
Por um lado, não é difícil entrever que, se o administrado tem os
deveres de suportar os procedimentos de fiscalização e de assegurar publicidade
aos documentos que o legislador o incumbe de produzir, não basta que os livros
fiscais estejam corretamente escriturados; é necessário que eles estejam
disponíveis aos agentes fiscais.
Por outro, a emissão de notas fiscais requer a observância de vários
preceitos que, além de não poderem ser desprezados pelo administrado,
precisam ser explicitados na configuração documental do ato. E isso porque o
250
CARVALHO, Paulo de Barros. Extinção da obrigação tributária, nos casos de lançamento por homologação.
In: MELLO, Celso Antônio Bandeira de (Organizador). Direito tributário: estudos em homenagem a Geraldo
Ataliba, p. 224.
98
legislador exige a tradução fidedigna do fato jurídico tributário em linguagem
competente, como no caso do tributo.
Por fim, pouco importa se o fato gerador do tributo depende ou não
de um período de tempo para se completar. O que realmente interessa é o
momento exato da consumação desse fato, pois só então ele será fato jurídico
tributário.
1.9 A IMPORTÂNCIA DA TEORIA DAS PROVAS PARA O
RECONHECIMENTO DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO
Como já denunciara Rudolf von Ihering, a função do Direito é
realizar-se, não podendo ser Direito o que não é realizável.
252
Sabedor dessa situação, profere Carlos Lessona:
“La ciencia del derecho, dejando a la psicología el estudio de los órganos del
conocimiento humano y a la lógica el de los procesos intelectuales íntimos, con los
cuales el hombre ejercita dichos órganos cognoscitivos para llegar a dicho
conocimiento, se limita a reconocer la existencia de una necesidad práctica, a saber,
que en las controversias civiles es menester probar los hechos alegados ante el
juez.”
253
Colin e Capitant ensinam que o papel fundamental da prova é
constatar a existência do fato jurídico. Nas suas palavras: “Pour pouvoir, en
effet, exercer un droit, il faut être à même d’en établir au besoin l’existence,
c’est-à-dire de démontrer quels sont les faits, actes matériels ou juridiques, qui
251
MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 6.ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 276.
252
Cf. IHERING, Rudolf von. La dogmática jurídica, p. 40-1.
253
LESSONA, C. Teoría general de la prueba en derecho civil. 4.ed. Tradução de Enrique Aguilera de Paz.
Madrid: REUS, Tomo 1, p. 3.
99
lui ont donné naissance. Un droit dont on ne peut faire la preuve ne présente
aucune utilité. Il est comme s’il n’était pas.”
254
Nessa mesma linha posiciona-se Trabucchi: “Il fatto giuridico si
manifesta con elementi esterni; ma spesso la sua rilevanza e la sua valutazione
dipendono dalla ricerca di elementi interni al soggetto. In ogni caso però, sia
l’esistenza del fatto, sia gli elementi che influiscono sulla sua valuntazione
hanno valore concreto per la realizzazione del corrispondente diritto solo in
quanto si possa dimostrarne l’esistenza. Basta questo accenno per capire
l’importanza che riveste la materia delle prove... La prova serve ad accertare
l’esistenza di fatti giuridici (fatti naturali e atti umani)...”
255
Enfatiza Michele Taruffo que não se pode falar em “fato”
afastando-o completamente do Direito, ou esquecendo suas implicações
jurídicas. Para o autor é o Direito que define e determina o que será considerado
como “fato” no processo.
256
Com isso não se pretende trazer à baila a velha polêmica
envolvendo a relação entre fato e direito. A referida celeuma, aliás, resulta de
erros metodológicos perpetrados em situações nas quais não foram avaliadas as
peculiaridades de cada ordenamento jurídico, buscando-se definições absolutas
254
COLIN, A; CAPITANT, H. Cours élémentaire de droit civil français, Tomo I, p. 91.
255
TRABUCCHI, A. Istituzioni di diritto civile, p. 230-231.
256
Diz Taruffo: “Siendo así, se intuye fácilmente que no se puede hablar del ‘hecho’ separándolo completamente
del ‘derecho’ u olvidando sus implicaciones jurídicas. [...] en el proceso los hechos de los que hay que establecer
la verdad son identidicados sobre la base de criterios jurídicos, representados esencialmente por las normas que
se consideran aplicables para decidir la controversia específica. Para usar una fórmula sintética: es el derecho el
que define y determina lo que en el proceso constituye ‘el hecho’”. (TARUFFO, M. La prueba de los hechos, p.
91-92.)
100
onde era necessário sopesar cenários distintos. É o caso, por exemplo, dos
ordenamentos da common law, onde a distinção law/fact se cinge, apenas, às
atribuições do juiz e dos jurados. Daí porque lecionam Friedenthal, Kane e
Miller: “It is commonplace to say that it is the jury’s responsibility to determine
what the facts are. The law/fact dichotomy has come to represent the division
between the functions of the court and those of the jury... Today, the law/fact
distinction is well established, but the administration of the line between the two
is extremely difficult. The division necessarily is imprecise and varies with the
nature of the litigation and from jurisdicition to jurisdiction. This is well
illustrated by an examination of the functions performed by the jury in contract
and negligence actions.”
257
Logo no início deste trabalho, procuramos destacar que sem
linguagem seria impossível juridicizar um fato qualquer fazendo-o existir para o
direito. Mantendo coerência com a premissa apontada, podemos assentar que no
sistema jurídico positivo a articulação lingüística dos fatos é feita por meio de
provas. As provas – anota Alessandra Gondim Pinho – são segmentos de
linguagem indicados pelo direito para a constituição do fato jurídico.
258
Sem maiores delongas na explicitação desse assunto, vamos
preferir a objetividade, dizendo que o fato só será fato jurídico quando for
257
FRIEDENTHAL, Jack H; KANE, Mary Kay; MILLER, Arthur R. Civil procedure. 2.ed. Minnesota: West,
1993, p. 479-480.
258
Cf. PINHO, Alessandra Gondim. Fato jurídico tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 59.
101
expresso em linguagem competente e descrito conforme as provas admitidas em
Direito.
Em Direito Tributário não é diferente, sobretudo porque antes de
ser tributário o chamado “fato gerador” é um fato jurídico. Resumindo: ocorrido
o fato previsto no antecedente da regra tributária geral e abstrata, no mundo
fenomênico, a Administração Pública deverá (e o contribuinte “poderá”)
descrevê-lo em linguagem competente, formalizando a obrigação jurídica
tributária e identificando o sujeito passivo que deverá suportar as conseqüências
delineadas na referida norma. Na mencionada empreitada, a Administração tem
à sua disposição todos os meios e recursos suficientes a permitir uma adequada
“construção” do fato jurídico tributário, entre os quais o direito de produzir e
valorar a prova desse fato.
259
Estará viciado, por erro de fato ou de direito, podendo ser anulado
pela via administrativa ou judicial, o lançamento que for sedimentado em provas
falsas, insuficientes ou mal interpretadas pelo agente administrativo.
259
Diz Traibel: “Acaecida la hipótesis de incidencia en el mundo fenoménico, la Administración, según nos
enseña nuestro Maestro José Souto Mayor Borges, debe verificar la ocurrencia del hecho jurídico tributário, para
poder determinar la deuda e identificar el sujeto pasivo. Para ello, contará con todos los medios que la
legislación ponga a su alcance, y entre ellos, producir y valorar la prueba de estos hechos”. (TRAIBEL, José
102
1.10 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO E PRIMEIRAS
CONCLUSÕES
Num discurso lógico, a proposição necessária – que determina o
raciocínio – é estabelecida a partir de proposições antecedentes, em virtude de
regras operatórias implícitas ou construídas.
260
Se não construímos a unidade do nosso objeto de estudo, ou
melhor, se não formamos premissas, somos incapazes de auferir qualquer
“conclusão”. Em termos esquemáticos: partindo do pressuposto x, ou dos
pressupostos x e y, por exemplo, concluímos o raciocínio z.
Como ponto de partida, propusemo-nos projetar o fato jurídico
tributário e, assim, fixar a primeira premissa.
As dificuldades encontradas foram inúmeras, na medida em que o
tema envolve aspectos não só de Direito Tributário, mas também de Filosofia,
Teoria Geral do Direito, Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito
Constitucional.
Até a presente etapa deste estudo, todos os esforços estiveram
voltados para o ponto incontroverso de que o Direito se manifesta pela
linguagem. Lembre-se: inexiste Direito sem linguagem. Mas não se trata de
qualquer linguagem, porquanto a linguagem que o Direito persegue é a
linguagem competente. Destarte, para ser qualificado como jurídico, e
desencadear os efeitos que o ordenamento prevê, o fato precisa ser expresso em
Pedro Montero. La prueba en el procedimiento de gestión tributaria. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.).
Teoria geral da obrigação tributária, p. 500.)
103
linguagem competente, o que só é cabível mediante o recurso técnico das
provas. Pode ser que o fato jamais tenha ocorrido no mundo empírico, mas, se
conseguirmos descrevê-lo em linguagem jurídica própria, por meio das provas
legalmente admitidas, para o Direito ele estará constituído.
Na seara tributária não poderia ser diferente: se o fato ocorre e
alguém, que tanto pode ser a Administração Pública quanto o contribuinte,
consegue representá-lo lingüísticamente, valendo-se dos meios probatórios
disponíveis no sistema do direito positivo, teremos o fato jurídico tributário e os
efeitos que dele decorrem.
Como é claramente perceptível, o objeto do nosso estudo é a prova
do fato jurídico tributário – assunto que deixaremos para a terceira e última parte
deste trabalho.
Passemos, então, à análise da teoria geral das provas.
260
Cf. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia, s.v. Conclusão.
104
2.
PROLEGÔMENOS A UMA TEORIA DA PROVA
2.1 Conceito de prova. 2.2 Natureza jurídica da prova. 2.3 Prova e verdade. 2.4
Objeto, função e resultado da prova. 2.5 Destinatário da prova. 2.6 Procedimento
da prova: proposição, admissão e produção. 2.7 Ônus da prova. 2.8 Prova
documental, testemunhal e pericial. 2.9 Índicios, presunções e ficções. 2.10 Prova
emprestada. 2.11 Provas ilícitas e atípicas. 2.12 Prova informática.
2.1 CONCEITO DE PROVA
Para compreender o conceito de prova na Ciência e na Lógica e sua
relação com a prova judiciária, é preciso distinguir a palavra prova, no campo
do Direito, de outros significados atribuídos à mesma palavra pela Ciência e
pela Lógica.
Examinado em seu sentido etimológico, o substantivo prova é
originário do latim probo, probas, probare, probatum, que significa provar, isto
é, demonstrar ou acreditar na verdade ou na certeza de um fato. Por sua vez, o
verbo probare deriva do adjetivo probus que significa bom, correto, honrado.
Então, em sentido etimológico, podemos dizer que provar é demonstrar a
verdade de uma proposição, independentemente de sua natureza.
Verifica-se que tal noção de prova transcende o campo do Direito,
na medida em que essa atividade ou resultado se encontra presente em inúmeras
manifestações da vida cotidiana e em todas as ciências, artes e técnicas.
261
261
Cf. ECHANDÍA, Hernando Devis. Compendio de la prueba judicial. Buenos Aires: Rubinzal, 2000, Tomo I,
p. 13. No original: “La noción de prueba está presente en todas las manifestaciones de la vida humana. De ahí
105
O historiador, o arqueólogo, o matemático e o físico, entre outros,
se utilizam da prova para comprovar a verdade de suas respectivas proposições,
mesmo que estas se refiram a fatos incertos. Nessa acepção, provar seria
demonstrar que um fato existiu de um certo modo, e não de outro. Como anota
Casimiro Varela, pode-se dizer, em geral, que “[...] la vida humana no puede
prescindir del pasado en cualquiera de sus manifestaciones. Así, la actividad
reconstructiva es de orden variado y se desarrolla en los diversos quehaceres de
la actividad científica. El investigador en las ramas de cualquiera de las ciencias
necesita probar los hechos, los resultados, analizando el pasado y el presente con
el fin, incluso, de deducir el futuro y desde esta óptica la noción de prueba
transciende el campo del derecho”.
262
Em sentido amplo – ensina Antonio Dellepiane –, “prova é
sinônimo de ensaio, experimentação, revisão, realizados com o fim de aquilatar
da bondade, eficácia ou exatidão de algo, seja uma coisa material seja uma
operação mental, traduzida ou não em atos, em resultados”.
263
Acrescenta esse autor que toda prova se reduz à confrontação de
uma coisa material (ou de uma operação mental) com outra, a fim de se
certificar a exatidão de uma delas.
264
que exista una noción ordinaria o vulgar de la prueba, al lado de una noción técnica, y que esta varíe según la
clase de actividad o de ciencia a que se aplique”.
262
VARELA, Casimiro A. Valoración de la prueba. 2.ed. Buenos Aires, Astrea, 2004, p. 59.
263
DELLEPIANE, Antônio. Nova teoria da prova. Rio de Janeiro: Jacintho, 1942, p. 18.
264
Id. Ib. p. 18-19.
106
Contudo não é bem assim. Nem sempre o “fato provado” vai ser o
resultado da confrontação (ou comparação) entre duas “coisas”. Se a premissa
de Dellepiane estivesse correta, não poderíamos admitir que o juiz pudesse
decidir uma lide em que somente uma das partes (autor ou réu) apresentasse
provas, ou seja, “o juiz deve julgar de acordo com o alegado e provado”.
Por outro lado, não podemos endossar a assertiva de Jorge L.
Kielmanovich de que essa “confrontação” seria sempre uma ação perante
terceiros.
265
O destinatário da prova, como veremos adiante, tanto pode ser um
terceiro (ou terceiros) quanto o próprio agente da demonstração. Há situações, p.
ex., em que tentamos convencer-nos da verdade sobre alguma coisa: um marido
que queira obter fotos que comprovem para si ou para a esposa a infidelidade
desta.
Assinala a melhor doutrina que, por meio das provas, se busca
construir uma percepção segura dos fatos, vinculante também [e não apenas]
para terceiros.
266
Seria mais correto propor, como Bentham, que a prova é “un hecho
supuestamente verdadero que se presume debe servir de motivo de credibilidad
sobre la existencia o inexistencia de otro hecho”.
267
265
Cf. KIELMANOVICH, Jorge L. Teoria de la prueba y medios probatorios. Buenos Aires: Abeledo-Perrot,
1996, p. 15-16.
266
Cf. DÖHRING, Erich. La prueba. Buenos Aires: Valletta, 2003, p. 21-22. No original: “Mediante el
procedimiento probatorio se busca crear una concepción del estado de los hechos que sea segura, vinculante
también para terceros...”
267
BENTHAM, Jeremías. Tratado de las pruebas judiciales. Buenos Aires: Valletta, 2002, p. 11.
107
Em sentido processual, o vocábulo prova pode ser compreendido
de várias formas, entre as quais: (i) a atividade das partes com o objetivo de
demonstrar a certeza de suas alegações ou defesas; por isso é que muitas vezes
se diz “carga da prova”, “promoção da prova”, ou até “oposição à prova”; (ii) os
meios admissíveis ou autorizados por lei para se convencer o juiz sobre os fatos
controvertidos; o que vale dizer “meios de prova”, “prova legal”, prova livre” e
“prova impertinente”; (iii) o resultado ou mérito dos diversos meios empregados
para verificar os fatos de uma lide; etc.
268
Certifica Hernando Devis Echandía que “La prueba tiene, pues, una
función social, al lado de su función juridica, y, como una espécie de ésta, tiene
una función procesal específica. De ahí que junto al fin procesal de la prueba …,
ésta tiene un fin extraprocesal muy importante: dar seguridad a las relaciones
sociales y comerciales, prevenir y evitar los litigios y delitos, servir de garantia a
los derechos subjetivos y a los diversos status jurídicos.”
269
Segundo Mario Conte, “con il termine prova si indica,
comunemente, quello strumento processuale che ogni parte deve fornire per
sostenere la fondatezza della propria posizione processuale in un giudizio”.
270
268
Deve-se creditar essa classificação a Fernando Villasmil Briceño. (BRISCEÑO, Fernando Villasmil. La
Teoria de la Prueba. 2.ed. Caracas: Paredes, 1992, p. 12.) Palacio afirma que a expressão provas judiciais tem
três acepções distintas: “Una de ellas denota la actividad que se despliega durante el transcurso del proceso por
obra de las partes y del órgano judicial, y que tiene genéricamente al logro de la certeza psicológica sobre la
existencia o inexistencia de los hechos afirmados. Otra se refiere al conjunto o modos de operaciones (medios de
prueba) del cual se extraen, por conducto de la fuente que proporcionan, las razones generadoras de la
convicción judicial. La tercera significa el hecho mismo de la convicción judicial, es decir, el resultado de
aquella actividad”. (PALACIO, Lino E. Derecho procesal civil. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1977, Tomo IV,
p. 330.)
269
ECHANDÍA, H. D. Compendio de la prueba judicial, Tomo I, p. 14.
270
CONTE, Mario. Le prove nel processo civile. Milano: Giuffrè, 2002, p. 9.
108
É mediante a prova judiciária, trazida ao processo com o auxílio
das partes, que se cria um mecanismo direcionado à comprovação da suposta
existência dos fatos contemplados como pressupostos da norma jurídica de que
se pretende a aplicação.
Embora poucos autores tenham escrito sobre a distinção entre
prova judiciária e direito probatório, o assunto merece alguns comentários. Em
primeiro lugar, deve-se ter em mente que tal diferenciação surgiu da discussão
entre civilistas e processualistas.
Assim sendo, por prova judiciária se deve entender o conjunto de
regras judiciais que regulam a admissão, produção e valoração dos diversos
meios suficientes e capazes de convencer o juiz sobre a certeza dos fatos.
Por outro lado, o direito probatório surge como uma matéria mais
ampla, integrada às provas judiciais, como capítulo próprio, compreendendo a
verificação social dos fatos, ou melhor, a prova em suas múltiplas manifestações
no campo do direito processual e extraprocessual.
271
Mas quem deve provar, e o quê? Essas são questões que
esclareceremos ao longo deste capítulo. Imagine-se a seguinte situação: Duas
pessoas discutem sobre determinado ponto controvertido. Interroga-se qual dos
dois deve provar a verdade de sua pretensão. Embora pareça desinteressante, a
271
Cf. ROCHA. Antônio. Derecho Probatorio, Bogotá: Facultad de Derecho del Rosario, 1962, p. 2.
109
pergunta é bastante relevante, já que, de fato, é muito mais cômodo combater as
alegações do adversário do que ter que justificar as nossas.
272
Resumidamente, a conclusão a que se chega é que o vocábulo
prova tem duas acepções: (i) no sentido material significa a demonstração da
verdade de uma proposição; (ii) no sentido jurídico exprime a demonstração da
veracidade de um fato por meios legítimos.
2.2 NATUREZA JURÍDICA DA PROVA
Tanto a doutrina nacional quanto a alienígena são insuficientes,
quando o tema é a natureza jurídica das provas. A circunstância de o tema não
ser aprofundado pela maioria dos autores impõe certas cautelas preliminares.
Antes de se investigar a natureza das normas sobre prova, é preciso
definir se a prova é, de fato, um fato (ato) jurídico, um fato (ato) jurídico-
processual ou uma norma jurídica.
Nesse ponto, relembramos os conceitos de fato jurídico e de norma
jurídica. Dissemos, no capítulo anterior, que norma jurídica é a significação que
colhemos dos textos do Direito Positivo; e que fato jurídico é qualquer
acontecimento que o ordenamento jurídico aceita como capaz de produzir
alguma aquisição, modificação ou extinção de direitos.
272
Édouard Bonnier chama a atenção para a questão: “[...] un principe de raison et de sécurité sociale tout à la
fois, c’est que celui qui doit innover doit démontrer que sa prétention est fondée. Ce principe a toujours été
admis en matière personnelle. Si je me dis créancier, il faut bien que je demontre l’obligation de mon prétendu
débiteur, ou je ne puis le contraindre à payer. En matière réelle, nous voyons que le droit romain primitif, dans la
procédure des actions de la loi, mettait les deux parties sur la même ligne; mais plus tard le droit prétorien établit
une présomption en faveur du possesseur, présomption qui s’est maintenue jusqu’à nous.” (BONNIER, E. Traité
des preuves en droit civil et en droit criminel. 4.ed. Paris: Henri Plon, 1873, Tomo I, p. 30.)
110
Quando o artigo 335 do CPC prescreve que “o juiz pode ordenar
que a parte exiba documento ou coisa, que se ache em seu poder”, estamos
diante de uma norma jurídica sobre prova. Também é norma jurídica sobre
prova o artigo 216 do Código Civil, que dispõe: “farão a mesma prova que os
originais as certidões textuais de qualquer peça judicial, do protocolo das
audiências, ou de qualquer outro livro a cargo do escrivão, sendo extraídas por
ele, ou sob a sua vigilância, e por ele subscritas, assim como os traslados de
autos, quando por outro escrivão consertados.”
Observe-se que esses dois exemplos são casos típicos de norma
instrumental – processual, ou, como diz Liebman, “norme che, senza riguardare
in alcun modo l’esistenza dei fatti giuridici, si limitano a disciplinare i modi e le
forme della loro evidenza nel proceso, cioè le cose e le attività che permettono
di prevenire al loro accertamento da parte del giudice”.
273
Imaginemos, agora, a situação em que o locatário comparece todo
dia 1º de cada mês perante o locador para pagar o aluguel de R$ 100 (cem reais).
Toda vez que isso ocorre, o locador emite um recibo no mesmo valor, dando
quitação do aluguel. Indaga-se: esse recibo, expedido pelo locador ao locatário,
é fato (ato) jurídico ou norma jurídica?
No instante em que o locador dá quitação ao locatário, este adquire
o direito de não ter mais que pagar o aluguel relativo àquele determinado mês.
Trata-se, portanto, de um acontecimento que o ordenamento jurídico aceita
111
como capaz de produzir aquisição de direito. O ato do locador de fornecer
recibo ao locatário é um ato júridico perfeito (agente capaz, objeto lícito e forma
prescrita ou não proibida por lei), expresso em linguagem competente, ou seja,
em linguagem própria do Direito.
Veja-se que a emissão do recibo de pagamento do aluguel é um fato
(ato) jurídico, e não uma norma jurídica. Independentemente de existir fora do
processo, o recibo é uma prova (documental) como outra qualquer. A esse
respeito Hermenegildo de Souza Rego informa que “[...] a utilidade da prova
existe independentemente de qualquer litígio. Ao exigir recibo do pagamento do
aluguel, o inquilino não está cogitando, ou pelo menos não está cogitando
exclusivamente, da possibilidade de ter de provar em juízo, algum dia, a
efetivação daquele pagamento. O recibo lhe interessa para futura comprovação
perante o próprio senhorio, para documentar sua declaração de Imposto de
Renda, e assim por diante”.
274
Suponhamos que um indivíduo tenha testemunhado o veículo x
abalroar o veículo y no instante que este estava parado no semáforo vermelho.
Se o proprietário do veículo y nada reclamar ao proprietário do veículo x, a
percepção do acidente pelo bystander não terá nenhuma relevância para o
Direito. No entanto, se houver pedido de ressarcimento de danos causados ao
veículo y, o testemunho será considerado como prova se (ou desde que) for
273
LEIBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile. 4.ed. Milano: Giuffrè, p. 74.
274
REGO, Hermenegildo de Souza. Natureza das normas sobre prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985,
p. 105.
112
relatado em linguagem competente. A conversão desse fato em fato jurídico
pode ser tanto por meio de boletim de ocorrência quanto por intimação judicial
para comparecimento da testemunha em audiência.
Finalmente, convém assinalar que a prova também poderá ter
natureza de fato (ato) jurídico-processual (espécie de fato (ato) jurídico). Na
lição de Jaime Guasp e Pedro Aragoneses, “la prueba será, por tanto, el acto o
serie de actos procesales por los que se trate de convencer al Juez de la
existencia o inexistencia de los datos lógicos que han de tenerse en cuenta en el
fallo”.
275
Tomemos como exemplo a inspeção judicial a que se refere o artigo
440 do CPC: “O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer
fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato
que interessa à decisão da causa.”
Toda polêmica em torno da natureza das normas sobre prova
poderia ser evitada, ou no mínimo minimizada, se antes procurássemos definir a
natureza jurídica da prova – como fato (ato) jurídico, fato (ato) jurídico-
processual ou norma jurídica.
Não tem sido esse, contudo, o rumo trilhado pela doutrina, no que
diz respeito à natureza jurídica das provas. Seja como for, há pelo menos três
teorias sobre a natureza jurídica das normas sobre prova: a teoria materialista, a
teoria processualista e a teoria mista.
275
GUASP, Jaime; ARAGONESES, Pedro. Derecho procesal civil. 6.ed. Madrid: Thomson Civitas, 2003,
Tomo I, p. 350.
113
Um dos pontos essenciais que levam alguns autores à adoção da
“teoria materialista” é a constatação da existência da prova fora do processo,
além da existência de finalidades não processuais da prova. Para os partidários
dessa teoria, as normas sobre prova têm natureza substancial.
Entendemos como “teoria processualista” a que atribui às normas
sobre prova natureza processual. O principal argumento a sustentar essa
afirmação é que a prova se destina à formação da convicção psicológica do juiz,
ou seja, não é algo cuja disciplina procure atender a interesses privados.
276
Para
os adeptos dessa teoria, ainda que a documentação e a percepção dos fatos
existam fora do processo, isso ainda não é prova. Como diz Hermenegildo Rego,
“só quando surge o processo é que se pode falar em prova dos fatos relevantes
para a sua decisão, e só então é que assumem relevo as normas que a
disciplinam”.
277
É considerada “teoria mista” a que divide as normas sobre prova
entre os campos do Direito Material e do Direito Processual.
Alguns autores, na tentativa de estabelecer a natureza jurídica das
normas sobre prova, referem-se a normas cogentes e a normas dispositivas. Para
eles, considerando que o Direito Processual pertence ao Direito Público, se
ficasse evidenciado o caráter imperativo das normas sobre prova, poderíamos
concluir que a matéria integra a esfera do Direito Processual. Nesse comenos, as
276
Cf. REGO, Hermenegildo de Souza. Op. cit. p. 39.
277
Idem, ibidem, p. 107.
114
normas de caráter cogente teriam natureza material enquanto as normas de
caráter dispositivo teriam natureza material (ou substancial).
A simples menção a normas cogentes e a normas dispositivas faz
surgir imediatamente algumas questões a serem consideradas, entre as quais a
(in) admissibilidade de convenções sobre provas; a (im) possibilidade de o juiz
atuar ex officio em matéria de prova; e a (in) admissibilidade da prova ilícita.
Essas e outras questões serão enfrentadas no momento oportuno.
Podemos adiantar que nem toda norma pertencente ao campo do
Direito Material é dispositiva e nem toda norma processual é cogente. À conta
disso, Maricí Giannico ensina:
“A norma material pode ter como campo de atuação tanto o interesse privado quanto o
público. O Direito Material trata do direito comercial, do direito civil, bem como de
outros ramos do direito que possuem normas destinadas a regular as relações entre
particulares. Mas também alberga o direito penal, o direito constitucional e o direito
administrativo, bem como outros ramos que pertencem ao direito público. Assim, há
quem entenda que as normas de direito material são mistas em se tratando da natureza
dos interesses que protegem. As normas processuais, de outra maneira, são de direito
público, tendo em vista que regulam relações com o Estado, enquanto no exercício do
poder – são obrigatórias tanto para as partes quanto para o órgão jurisdicional. Nem
por isso, contudo, são todas elas de ordem pública. Somente aquelas que ultrapassam
a esfera de interesse dos particulares, para cuidar dos interesses públicos, destinando-
se a assegurar corretamente o exercício da jurisdição, têm essa característica – ainda
que disciplinem uma relação que envolva sujeitos privados. As demais, ou seja,
aquelas que focam sua prioridade no interesse das partes conflitantes, não são
consideradas normas processuais de ordem pública.”
278
Se não fosse esse pequeno detalhe, adotaríamos a diretriz sugerida
por Jaime Guasp e Pedro Aragoneses, na determinação da natureza jurídica das
115
normas sobre prova. Para esse autor, existem duas classes de prova: uma prova
material e uma prova processual ou judicial, em sentido estrito.
Segundo Guasp e Aragoneses, “prueba material es aquella
institución que, en el ámbito de las relaciones jurídicas regidas por el derecho
material, se destina a la justificación de la existencia de determinados
acaecimientos de la vida real; no tiene como finalidad específica lograr la
convicción psicológica del Juez, ni de ningún destinatario personal determinado,
sino simplesmente acreditar objetivamente el dato a que la prueba se refiere, es
decir, proporcionar en definitiva legitimaciones para el tráfico jurídico,
abstracción hecha de cualquier repercusión procesal en que ulteriormente pueda
pensarse. En cambio, la prueba procesal es, como antes se ha dicho, la que se
dirige a producir la convicción psicológica del Juez en un sentido determinado,
con respecto a un dato o conjunto de datos procesales. En este caso ya no hay
que hablar de justificaciones objetivas, sino de comprobaciones personalmente
dirigidas a un sujeto particularizado. La prueba procesal puede utilizar,
físicamente, los mismos medios de la prueba material, pero, en todo caso, la
función del medio probatório es radicalmente distinta en uno y otro supuesto.”
279
O problema desse critério surge quando esses autores afirmam que
“las normas sobre prueba material en el ámbito civil no son,
predominantemente, de derecho absoluto, sino dispositivo, por lo que caben en
este punto convenciones probatorias; mientras que en cambio, las normas sobre
278
GIANNICO, Maricí. A prova no código civil: natureza jurídica. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 170-171.
116
la prueba procesal tienen carácter de ius cogens y no ofrecen campo adecuado a
una regulación convencional por los sujetos que en la prueba intervienen”.
280
Guasp e Aragoneses não nos trazem nenhum exemplo nesse
sentido. Igualmente, não conseguimos conjeturar, seja no código civil espanhol,
seja na Lei de Enjuiciamiento Civil, nenhuma norma que se identifique com a
situação proposta pelo autor. No direito brasileiro, como já dissemos, essa
premissa é falsa, na medida em que há exceções tanto para as normas
inquisitórias quanto para as normas dispositivas.
Essa classificação das normas jurídico-probatórias em cogentes e
dispositivas acaba dificultando a qualificação de tais normas como substanciais
ou processuais. Mas a questão se torna relevante quando deparamos com os
conflitos (no tempo) de normas probatórias. Deve-se atentar para a existência de
direitos adquiridos que são insuscetíveis de serem atingidos por lei posterior,
ainda que de natureza processual. “Como se vê” – diz R. Limongi França –
“todos esses casos de efeito imediato e retroativo, abstração feita do seu mérito
intrínseco, foram fundados em razões de ordem pública, em face das quais se
esbatem gradativa e proporcionalmente os imperativos do Direito Adquirido.
Não obstante, permanecem estes como regra – e regra constitucional – de tal
279
GUASP, Jaime; ARAGONESES, Pedro. Derecho procesal civil, Tomo I, p. 350.
280
Idem, ibidem, p. 350-351 .
117
forma que a retroatividade só se insere no sistema com o caráter de exceção
expressa em cada caso.”
281
É de se ver que a questão não é das mais fáceis. Além disso, os
critérios usualmente apontados para justificar cada teoria (materialista,
processualista ou mista) são insuficientes para a definição da natureza jurídica
das normas sobre prova. Há exceções que dificultam um posicionamento
definitivo.
Outro fato que merece atenção é que muitos autores confundem a
natureza jurídica das normas sobre prova, em si mesmas consideradas, com a
natureza jurídica dos efeitos que tais normas produzem.
Conclui-se, portanto, que é preciso saber se a prova é fato (ato)
jurídico, fato (ato) jurídico-processual, ou norma jurídica. Se for norma
jurídica, é em face do seu conteúdo que identificamos a sua natureza processual
ou não processual.
Em termos esquemáticos:
Natureza jurídica das provas
282
Fato (ato) jurídico simples Natureza material
Fato (ato) jurídico Norma jurídica
Fato (ato) jurídico-processual Natureza processual
281
FRANÇA, R. Limongi. Direito intertemporal brasileiro. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p.
314.
282
E não apenas das “normas jurídicas sobre prova”.
118
Sem a classificação acima sugerida seria muito mais difícil
relacionar os conceitos de prova e de verdade no Direito.
2.3 PROVA E VERDADE
A respeito da relação entre prova e verdade, há pelo menos duas
importantes posições teóricas que merecem ser lembradas: (i) a tese segundo a
qual a verdade de uma proposição é condição necessária, porém insuficiente
para que se possa dizer que essa proposição esteja provada; uma proposição só
estaria provada se fosse verdadeira e se houvesse elementos de juízo suficientes
a seu favor; (ii) a tese segundo a qual a principal finalidade da atividade
probatória seria alcançar o conhecimento da verdade sobre os fatos ocorridos,
cuja descrição se converteria em premissa da ratio decidendi do juiz.
Como assinala Jordi Beltrán, “no obstante, quizás éste sea un
esfuerzo poco productivo y, una vez terminado el elenco, pueda resultar que no
se haya avanzado en absoluto en la clarificación de la relación entre esas
nociones”.
283
No final do Século XIX, autores renomados, como R. VON
CANSTEIN,
284
A. WACH
285
e O. BULOW,
286
perceberam que, em muitos
casos, os fatos declarados provados em processos judiciais não coincidiam com
283
BELTRÁN, Jordi Ferrer. Prueba y verdade en el derecho. 2.ed., Madrid: Marcial Pons, 2005, p. 55.
284
Cf. CANSTEIN, R. von. Die Grundlagen des Beweisrecht, Zeitschrift fur Deutsche. Civilprozess, 1880, V. II,
p. 306.
285
Cf. WACH, Adolf. Das Gestandnis, ein Beitrag zur Lehre von dem processualische Rechtgeschafte. Archiv
fur den zivil Praxis, 1881, V. 64, p. 203.
119
os fatos ocorridos, ou seja: declarava-se provada proposição absolutamente
falsa.
Na tentativa de escapar desse e de outros dilemas, esses autores, e
com eles grande parte da doutrina e da jurisprudência européia contemporânea,
propuseram a distinção entre dois tipos de verdade: a material (ou objetiva) e a
processual (ou formal). A verdade material se refere ao mundo dos fenômenos
reais, ou a setores de experiência distintos do processo, podendo ser obtida por
meio de instrumentos cognitivos diferentes das provas judiciais; a verdade
formal surge no curso do processo como resultado da atividade probatória.
Tal observação não escapou à crítica de Carnelutti, ao entender que
só pode haver uma verdade. Diz o autor:
“Pero sin duda no se trata aquí más que de una metáfora; en substancia, es bien fácil
observar que la verdad no puede ser más que una, de tal modo que, o la verdad formal
o jurídica coincide con la verdad material, y no es más que verdad, o discrepa de ella,
y no es sino una no verdad, de tal modo que, sin metáfora, el proceso de búsqueda
sometido a normas jurídicas que constriñen y deforman su pureza lógica, no puede en
realidad ser considerado como um medio para el conocimiento de la verdad de los
hechos, sino para una fijación o determinación de los proprios hechos, que puede
coincidir o no con la verdad de los mismos y que permanece por completo
independiente de ellos.”
287
A razão da incoerência da distinção entre verdade material e
verdade formal é a seguinte, segundo Michele Taruffo:
“En especial, parece insostenible la idea de una verdad judicial que sea
completamente ‘distinta’ y autônoma de la verdad tout court por el solo hecho de que
es determinada en el proceso y por medio de las pruebas; la existencia de reglas
286
Cf. BÜLOW, Oscar von. Das Geständnissrecht ein Beitrag zur allgemeinen Theorie der Rechtshanollungen,
1899, p. 299.
120
jurídicas y de limites de distinta naturaleza sirve, como máximo, para excluir la
possibilidad de obtener verdades absolutas, pero no es suficiente para diferenciar
totalmente la verdad que se establece en el proceso de aquella de la que se habla fuera
del mismo.”
288
Carnelutti propôs que abandonássemos a relação entre prova e
verdade ou admitíssemos a impossibilidade de se provar um enunciado falso.
Como se vê, o parecer de Carnelutti não elimina as imprecisões
causadas pela dicotomia verdade material/verdade formal, porque não fornece
elementos capazes de esclarecer o liame conceptual entre verdade e prova.
Jordi Beltrán cunhou uma solução plausível para o impasse. Para
eliminar os problemas que surgem com a relação entre prova e verdade – diz o
autor – faz-se necessário separar o que é “verdadeiro” do que é “aceito como
verdadeiro”.
289
Uma proposição p é verdadeira se e somente se p ocorre. Essa é a
clássica noção de verdade como correspondência de Alfred Tarski.
290
Dizemos
que “está chovendo” se e somente se estiver realmente chovendo.
Quando dizemos “Está provado que Pedro matou João” estamos
nos expressando por meio de um enunciado probatório. Enunciados probatórios
são os que declaram provadas proposições sobre fatos.
Partindo do pressuposto de que a linguagem simbolizada auxilia a
compreensão do assunto, substituiremos “enunciado probatório” pela oração
287
CARNELUTTI, Francesco. La prueba civil. 2.ed. Buenos Aires: Depalma, 1982, p. 21.
288
TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos, p. 24-25.
289
Cf. BELTRÁN, Jordi F. Prueba y verdad en el derecho, p. 73-74.
121
“está provado que p”, tomando por p a proposição que descreve a ocorrência de
um fato.
Para que o juiz possa considerar a proposição p como verdadeira, o
enunciado “está provado que p” deve significar que “há elementos de juízo
suficientes em favor de p”. (Elementos de juízo equivalem ao exercício
intelectual que o juiz realiza ao sentenciar, com base em razões lógicas e
valorações jurídicas que culminam com o decisum.) Portanto o enunciado “está
provado que p” será verdadeiro quando houver no processo elementos de juízo
suficientes em favor de p; e falso, quando faltarem esses elementos.
291
Tome-se, por exemplo, uma ação de investigação de paternidade
proposta pela mãe (e representante judicial) de um menor, em face do suposto
pai. Por meio da inicial, a autora requer prova científica da paternidade que,
após ser deferida pelo juiz e produzida em laboratório, atesta a paternidade do
réu. Nessas condições, até mesmo o leigo diria que existem elementos
suficientes em favor da pretensão da mãe. Como conseqüência, ficaria
comprovada a proposição segundo a qual o réu é o verdadeiro pai de M. Mas
sabemos que o exame de DNA tem uma margem de erro que, mesmo sendo
pequena, permitiria ao réu questionar a sua paternidade.
292
Logo, poder-se-ia
290
Cf. TARSKI, Alfred. Logic, semantics, metamathematics. Tradução de H. J. Woodger. Indianapolis: Hackett
Publishing Company, 1983.
291
Cf. BELTRÁN, J. F. Op. cit. p. 73.
292
Num exame de DNA, quando a probabilidade de um indivíduo ser o pai biológico ultrapassa 99,73% de 100
se considera cientificamente provada a paternidade. De acordo com Falcón – “en este caso, el objetivo general,
la búsqueda de la verdad, ha sido plenamente alcanzado”. (FALCÓN, Enrique M. Tratado de la prueba. Buenos
Aires: Astrea, 2003, Tomo I, p. 138.)
Isso não nos impede de afirmar que pode haver erros. A rigor, há dois tipos
de erros clássicos: o técnico e o biológico. Os primeiros dizem respeito ao defeito na produção da prova
genética: erros na coleta, no armazenamento e no processamento das amostras de DNA; a degradação das
122
alegar a falsidade da proposição que afirmou ser o réu o pai de M. Não obstante,
considerando que há elementos suficientes para determinar a paternidade, o juiz
poderá declará-la como provada.
Independentemente de todo o acima exposto, há aqueles que
insistem em distinguir verdade formal de verdade material. É lamentável que,
nos dias de hoje, ainda se ouça: “enquanto no processo judicial prevalece o
princípio da verdade formal, o processo administrativo tributário está voltado
para a busca da verdade material”.
293
O que se tem no processo, seja administrativo, seja judicial, é uma
única verdade, ou seja, uma verdade possível de ser obtida em conformidade
com as provas carreadas aos autos pelas partes. A verdade formal – segundo
Carnelutti – “es una no verdad, puesto que verdad no puede haber más que
una”.
294
Não abandonemos a premissa firmada no capítulo anterior de que o
fato (evento) só é qualificado como jurídico no momento em que é relatado em
linguagem competente do Direito Positivo, em consonância com a teoria das
provas. Não importa se o fato realmente ocorreu ou não, no mundo fenomênico;
amostras de DNA devida à sua exposição ao Sol, ao calor ou à água; a mistura de amostras etc. Os segundos
resultam de diversos fatores: dificuldade de se detectarem alguns genes; possibilidade de mutação devido à
modificação de parte do genoma humano etc.
(Cf. GUTIÉRREZ, Cabria S. Estadística para las ciencias
jurídicas. Valencia: Tirant lo Blanch, 1993, p. 278-279.) Nessa linha, conferir Alexandre Freitas Câmara: “De
quanto se expôs, conclui-se no sentido de que, por mais relevante e preciso que seja o exame de DNA, não pode
ele ser visto como prova plena, absoluta e incontestável.” (CÂMARA, A. F. A valoração da perícia genética:
está o juiz vinculado ao resultado do “exame de ADN” (dito DNA)? Revista dialética de direito processual, São
Paulo, n. 43, p. 16, out. 2006.)
293
Cf. BOTALLO, Eduardo Domingos. A prova no processo administrativo tributário federal. In: ROCHA,
Valdir de Oliveira (Coord.). Processo administrativo fiscal. São Paulo: Dialética, 2002, Vol. VI, p. 12.
294
CARNELUTTI, Francesco. La prueba civil, p. 52.
123
havendo construção de linguagem própria, para o Direito ele estará constituído
e, portanto, será verdadeiro.
Retomando o fio da meada, vale consignar que os meios que
conduzem à verdade dos fatos podem ser eficientes, suficientes ou negativos.
Daí resultam, conforme Moacyr Amaral Santos, três graus de abstração: certeza,
dúvida e ignorância.
295
A ignorância é a ausência de todo o conhecimento; é um estado
negativo que não interessa examinar.
296
A dúvida – assinala Malatesta – “existe sempre que uma asserção
se apresenta com motivos afirmativos e negativos”.
297
Para esse autor, na dúvida
podem ser gerados três graus de abstração: (i) improbabilidade, quando os
motivos negativos prevalecem sobre os afirmativos; (ii) probabilidade, quando
os motivos afirmativos predominam os negativos; e (iii) credibilidade, quando
os dois motivos (afirmativos e negativos) se igualam.
298
A certeza é um estado subjetivo do espírito conectado à realidade
objetiva: “é um estado psicológico produzido pela ação das realidades
percebidas, e da consciência dessas realidades”, para utilizarmos a linguagem de
Malatesta.
299
295
Cf. SANTOS, M. A. Prova judiciária no cível e comercial. São Paulo: Max Limonad, [s.d.], Tomo I, p. 5.
296
Cf. MALATESTA, Nicola Framarino dei. A lógica das provas em matéria criminal. São Paulo: Saraiva,
1960, Vol. I, p. 20.
297
Id. Ib. p. 19.
298
Id. Ib. p. 19-20.
299
Id. Ib. p. 51.
124
É interessante notar que a certeza e a verdade nem sempre
coincidem; é possível haver certeza sem verdade – “certezas ilegítimas” –,
principalmente no Direito Processual. Descartes dizia que o critério da verdade é
a evidência. O resultado da prova pode não corresponder à verdade e, ao mesmo
tempo, proporcionar ao juiz o convencimento necessário para o julgamento da
lide.
Não é difícil entrever que a certeza é a crença da verdade. Disso
decorre, em última análise, que a prova não é definida em função da verdade,
mas em função da certeza. A própria sentença não é um ato de verdade, mas de
certeza.
Por isso João Mendes chegou a afirmar, com lastro em Mittermaier,
que a prova é a soma dos meios produtores da certeza.
300
A observação não escapou ao crivo de João Bonumá, pois, segundo
o autor, “[...] a prova, no significado comum e geral, visa à demonstração da
verdade, ao passo que a prova específica processual civil se limita à produção da
certeza jurídica”.
301
Como adverte Mittermaier – a fecunda imaginação do cético pode
até imaginar circunstâncias capazes de destruir a certeza adquirida. Porém,
“[...] a despeito dessas possíveis circunstâncias, não ficará o espírito menos satisfeito,
quando motivos suficientes sustentarem a certeza, quando todas as hipóteses razoáveis
tiverem sido configuradas e rejeitadas após maduro exame; então o juiz julgará, com
segurança na posse da verdade, objeto único de duas indagações: e é, sem dúvida, essa
300
Cf. ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Direito judiciário brasileiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Typographia
Baptista de Souza, 1918, p. 201.
125
certeza da razão que o legislador quis que fosse a base para o julgamento. Exigir mais
seria querer o impossível.”
302
A convicção nada mais é do que a certeza subjetiva do juiz em
relação à verdade dos fatos; é um estado de espírito determinado pela prova.
Enquanto não se fixa a convicção, é desenvolvido na mente do juiz
um duelo entre os motivos afirmativos e os divergentes. No momento em que o
juiz, apoiado em dados concretos, exclui todos os motivos contrários aos fatos
da causa (objeto de prova), ele obtém certeza quanto à existência deles e forma a
sua convicção.
Todo o acima exposto foi resumido nesta passagem de Erich
Döhring, que discorre sobre os fatos que contribuem para a convicção do juiz:
“La averiguación no es una cuestión de puro entendimiento. Participan en ella todas
las fuerzas anímicas. Junto con el pensar racional actúan igualmente los sentimientos.
El operante no tiene que formarse su opinión atendiendo exclusivamente a los datos
objetivos. Al hacer la apreciación final de la prueba, tiene que escuchar asimismo
debidamente a la voz interna. Es éste uno de los principios fundamentales en los
cuales reposa la indagación procesal de los hechos. En tal medida, la influencia de las
fuerzas emocionales en el averiguamiento es hoy (a diferencia de antes) perfectamente
legítima. El ordenamiento jurídico lo roconoce expresamente en cuanto no hace
depender todo de los razonamientos del juzgador, sino que también permite que
concurran activamente su convicción personalísima y los elementos racionalmente
inabarcables que éste contiene.”
303
Isso leva Gorphe a afirmar que a prova, considerada em seu
conjunto, é o resultado de diversos elementos probatórios. A análise desses
301
BONUMÁ, João apud MILHOMENS, Jônatas. A prova no processo. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 7.
302
MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da prova em matéria criminal. 4.ed. Campinas: Bookseller, 2004, p. 88.
303
DÖHRING, Erich. La prueba, p. 353.
126
elementos – segundo o jurista francês – exige uma síntese final que determina a
convicção do juiz.
304
Wigmore, citado por Gorphe, nos traz um exemplo bastante fértil:
“Il compare l’inférence à une poussée donné à un fauteuil à roulettes où le penseur est
assis, devant la porte ouverte d’une chambre: chacune des parties au procès
successivement lui donne une poussée vers la porte; chaque avance est comme une
inférence, et la position finale, qui a, ou non, atteint la porte, est comme la preuve.”
305
Cabe aqui mais uma observação: o artigo 131 do CPC prescreve
que “o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias
constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar,
na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”. É o que se
conhece por princípio do livre convencimento motivado (Grundsatz der freien
richterlichen Beweiswürdigung).
O princípio do livre convencimento do juiz supõe a liberdade deste
de escolher, entre as provas produzidas nos autos, aquelas que considere
significativas e determinantes para a decisão sobre os fatos.
Embora seja o juiz soberano na análise do material probatório
incorporado aos autos, a sua liberdade de convicção não é absoluta, mas relativa.
Caso aceitássemos a liberdade absoluta de convicção do juiz, estaríamos
possibilitando um resultado arbitrário de certeza subjetiva. Ao abordar esse
ponto, Michele Taruffo ensina que “[...] esta liberdad del juez facilmente puede
parecer excesiva e inoportuna o bien lesiva del principio dispositivo, ya que
304
Cf. GORPHE, François. L’appréciation des preuves en justice. Paris: Librairie du Recueil Sirey, 1947, p. 57.
305
WIGMORE, J. H. Apud GORPHE, F. L’appréciation des preuves en justice, p. 57.
127
permitiría al juez omitir arbitrariamente la toma en consideración de pruebas
deducidas por las parte”.
306
Um dos limites do princípio do livre convencimento motivado é a
prova legal. Na prova legal – diz Chiovenda – “[...] o legislador, partindo de
considerações de normalidade geral, fixa em abstrato o modo de coligir
determinados elementos de decisão, subtraindo essa operação lógica às que o
juiz livremente realiza para formar a própria convicção”.
307
Essa noção se ajusta
perfeitamente à lição de Redenti: “[...] questa libertà di giudizio è poi ristretta e
vincolata da numerose e varie regole particolari che si è solti chiamare con la già
ricordata espressione di prova legale.”
308
A prova legal tem origem na prova formal do direito germânico.
Quando a lei estabelece que um fato só pode ser provado por um determinado
meio de prova, é vedado ao juiz considerá-lo provado por outro meio.
Em linhas gerais, o princípio da livre convicção do juiz proscreveu
o sistema da prova legal. Mas nem por isso deixaram de existir resquícios
daquele sistema. Por exemplo, o artigo 819 do Código Civil afirma que só se
prova a fiança por meio de contrato escrito.
309
Desse modo, não pode o juiz
considerar provada a fiança, se a demonstração desse fato tiver sido feita por
testemunhas.
306
TARUFFO, M. La prueba de los hechos, p. 402.
307
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1942, Vol. III, p. 134.
308
REDENTI, Enrico. Diritto processuale civile. 4.ed. Milano: Giuffrè, 1997, Vol. II, p. 67.
309
Cf. Art. 819 do Código Civil: “A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva”.
128
Outro limite do princípio do livre convencimento motivado são as
presunções absolutas, já que a lei determina a força probatória do fato
presumido, proibindo que o adversário produza provas em contrário.
310
O qualitativo “motivado” vem da norma do artigo 93, IX, da
Constituição Federal, e significa que é dever do juiz dar as razões de seu
convencimento. O juiz tem o ônus de informar, por exemplo, por que desprezou
umas provas e acolheu outras; por que não atribuiu o valor que era de se esperar
a algumas; por que chegou às conclusões que expende; etc.
311
Um último alerta: a não ser que tenha chegado a alguma convicção
sobre os fatos, o juiz não pode dispensar ou deixar de considerar uma prova.
Vejamos o exemplo do artigo 407, § único, do CPC.
“Incumbe às partes, no prazo que o juiz fixará ao designar a data da audiência,
depositar em cartório o rol de testemunhas, precisando-lhes o nome, profissão,
residência e o local de trabalho; omitindo-se o juiz, o rol será apresentado até dez (10)
dias antes da audiência.
Parágrafo único. É lícito a cada parte oferecer, no máximo, dez (10) testemunhas;
quando qualquer das partes oferecer mais de três (3) testemunhas para a prova de cada
fato, o juiz poderá dispensar as restantes.”
Observe-se que o juiz só poderá dispensar as testemunhas restantes
se delas não precisar para estabelecer a sua convicção acerca do fato que se quis
provar.
2.4 OBJETO, FUNÇÃO E RESULTADO DA PROVA
310
Ver item 2.9.
311
Cf. PONTES DE MIRANDA, F. C. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974,
Tomo IV, p. 216.
129
Pelejam alguns autores com o argumento de que função da prova e
objeto da prova são a mesma coisa.
Avulta o descompasso logo no exame preliminar: objeto da prova é
tudo que é suscetível de comprovação perante o órgão judicial (ou
administrativo) do Estado; função da prova é o que se persegue ao se levar a
prova ao juiz.
Prevalece na doutrina a idéia de que o objeto da prova são os fatos.
Echandía se refere aos fatos objeto de prova como sendo tudo que
representa a conduta humana; as coisas e os objetos materiais; a pessoa humana;
os estados e fatos psíquicos ou internos; etc.
312
Kielmanovich, por sua vez, fala em fatos articulados e fatos
controvertidos como objeto de prova.
313
Moacyr Amaral Santos diz que são objeto de prova os fatos
controvertidos, relevantes e determinados.
314
Fatos controvertidos ou
controversos, para Moacyr Amaral Santos, “são os fatos contestados ou não
aceitos como verdadeiros pela parte contrária à que os alega. Onde não há
controvérsia quanto aos fatos alegados pelos litigantes, a questão se reduz à
mera aplicação do Direito. Impõe-se a prova quando há questão de fato”. Fatos
relevantes – para esse autor – são os que têm relação direta ou indireta com a
lide, pois “fatos que não tenham nenhuma relação ou conexão com a lide não
312
Cf. ECHANDÍA, Hernando Devis. Compendio de la prueba judicial, Tomo I, p. 76.
313
Cf. KIELMANOVICH, Jorge L. Teoría de la prueba y medios probatórios. Buenos Aires: Abeledo-Perrot,
1996, p. 40-41.
130
influenciam na decisão do juiz”.
315
Fatos determinados são os que se apresentam
com características suficientes que os distingam de outros que se lhes
assemelham. Acrescenta Moacyr Amaral que, “na falta de uma linha separatória,
de uma qualidade própria, de um sinal individual, não há como separar,
diferenciar ou distinguir o fato probando de outro que absolutamente não se
relaciona com a causa”.
316
Não constituem objeto de prova, conforme dispõe o artigo 334 do
CPC “os fatos notórios, os fatos afirmados por uma parte e confessados pela
parte contrária, os fatos admitidos no processo como incontroversos, e os fatos
em favor dos quais milita presunção legal de existência ou de veracidade”.
A doutrina não é uniforme na conceituação de fatos notórios. No
nosso ponto de vista, quem os definiu com mais clareza foi Mario Conte, cujos
ensinamentos resumimos:
“Il fatto notório deve essere inteso in senso rigoroso, cioè come fatto acquisito con
tale grado di certezza da apparire indubitabile ed incontestabile, e non quale evento o
situazione oggeto della mera conoscenza del singolo giudice.”
317
Acresçam-se ao rol do artigo 334 do CPC os fatos negativos (ex:
João não pode provar que nunca esteve no Rio de Janeiro (RJ), mas pode provar
que lá não esteve no dia 31-07-2001, às nove horas da noite, porque, nesse
mesmo dia e horário, defendia sua tese de mestrado perante banca examinadora
314
Cf. SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1976, Vol.
IV, p. 42-44.
315
Idem, Ibidem.
316
SANTOS, Moacyr Amaral. Op. cit. p. 42-44.
317
CONTE, Mario. Le prove nel proceso civile, p. 36.
131
da PUC/SP); e os fatos imorais (ex: prova de má-fe, dolo, coação etc.), quando
quem os produz tem o interesse de se beneficiar da própria torpeza.
Deixemos para o momento certo a análise das provas ilícitas.
De acordo com a linha de Bonnier, Malatesta profere que a
finalidade suprema da prova é a comprovação da verdade. São suas estas
palavras:
“Qualquer que possa ser a espécie de verdade que se queira verificar, ela só atua como
finalidade sobre a natureza substancial da prova, por seu lado genérico de verdade, e
não pelo específico, consistente nesta ou naquela determinada verdade: qualquer que
seja a verdade a verificar, a prova, como tal, não a refletirá no espírito, senão como
verdade e enquanto verdade; qualquer que seja, em outros termos, a natureza da
verdade específica a que se refere a prova, a natureza da prova mantém-se sempre a
mesma.”
318
Essa teoria foi abandonada pela maioria dos autores.
Em páginas anteriores, discriminamos as seguintes premissas:
(a) O resultado da prova pode não corresponder à verdade e, ao mesmo tempo,
proporcionar ao juiz o convencimento necessário para o julgamento da lide.
(b) A certeza é a crença da verdade.
(c) A prova não é definida em função da verdade, mas em função da certeza.
(d) Convicção nada mais é do que a certeza subjetiva do juiz em relação à verdade dos
fatos da causa.
Como é presumível, a prova é o cerne do processo contencioso, do
qual se extraem os elementos essenciais para que o juiz possa formar sua
convicção ao decidir o litígio. Daí deduzirmos que a função processual da prova
318
MALATESTA, N. F. A lógica das provas em matéria criminal, p. 128.
132
não é a verificação da verdade, mas o convencimento do juiz a respeito da
existência (ou inexistência) e das circunstâncias dos fatos da causa.
A expressão “função processual da prova” não foi empregada por
acaso, já que sabemos que a prova também preenche funções fora do processo.
Entre essas funções extraprocessuais da prova deve-se dar ênfase à função de
dar segurança às situações jurídicas.
Retendo-nos naquilo que interessa ao presente trabalho, frisamos
que, por meio da prova, se procura chegar o mais perto possível da realidade dos
fatos. Como assinalamos oportunamente, o que realmente interessa para o
processo é que as alegações das partes sejam declaradas provadas,
independentemente de estarem ou não em conformidade com a realidade.
319
O resultado da prova é a conclusão a que chega o juiz, com base
nos diversos elementos probatórios aduzidos no processo, sobre os fatos
afirmados ou negados pelas partes.
Esse conceito encontra-se simplificadamente explanado por Sentís
Melendo, que entende por resultado da prova o esclarecimento dos fatos
controvertidos no processo.
320
Para conhecermos o resultado da prova – diz Echandía – não basta
examinarmos os elementos que possam contribuir para o convencimento do juiz
acerca da existência ou inexistência dos fatos; “es indispensable también tener
319
Cf. SERRA DOMÍNGUEZ, Manuel. Estúdios de derecho procesal. Barcelona: [s.n.], 1969, p. 358.
320
Cf. SENTÍS MELENDO, Santiago. La prueba. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1979, p.
118.
133
en cuenta los medios aportados por la parte contraria, para tratar de desvirtuar el
valor de convicción de los primeros. Aquéllos formarán una prueba concurrente,
y éstos constituirán una prueba en contrario.”
321
2.5 DESTINATÁRIO DA PROVA
De acordo com Moacyr Amaral Santos, o destinatário da prova é o
juiz, pois
“As afirmações de fatos, feitas pelo litigante, se dirigem ao juiz, que precisa e quer
saber a verdade quanto aos mesmos. Para esse fim é que se produz a prova, na qual o
juiz irá formar a sua convicção.”
322
Dissertando sobre o tema, Jaime Guasp e Pedro Aragoneses
afirmam que o destinatário da prova é sempre o juiz (“para o juiz se dirige a
prova”). Por mais que o juiz assuma excepcionalmente a iniciativa das partes
(prova ex officio), isso não significa que não seja o destinatário da prova, pois as
qualidades de sujeito ativo e de receptor da prova podem coexistir perfeitamente
por meio da intermediação que a prova supõe. Dizem os autores:
“Es evidente, por otra parte, que, dada la función definidora de la prueba, no cabe
imaginar destinatário distinto del órgano jurisdicional; en el derecho moderno, la
prueba no se hace para satisfacer al adversario, sino para convencer al Juez.”
323
321
ECHANDÍA, Hernando D. Compendio de la prueba judicial, Tomo I, p. 124.
322
SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao código de processo civil, Vol. IV, p. 9.
323
GUASP, Jaime; ARAGONESES, Pedro. Derecho procesal civil, Tomo I, p. 356.
134
Corroborando tais palavras, Echandía entende que o destinatário é a
pessoa a quem se dirige a prova, não para suportá-la, mas para que o seu fim
seja cumprido (formar o convencimento do juiz sobre os fatos). Escreve o autor:
“El destinatario de ella es siempre y exclusivamente el juez de la causa. Cuando el
juez de la causa haya comisionado a otro funcionario para que efectúe una diligencia,
como entrega o secuestro de bienes, las pruebas que se aduzcan en ella y para esos
efectos, están dirigidas de manera inmediata a ese comisionado; pero como la
actividad del último se considera como si fuera del comitente, a quien sustituye, en el
fondo sigue siendo el juez de la causa su destinatario.”
324
Esclareçamos: tanto o juiz (ou o tribunal) quanto as partes são
destinatários da prova. O juiz é o destinatário principal e direto, pois na
convicção que formar assentará a sentença. Nesse sentido, coerente com as
tendências presentes, é a postura de Andrioli que afirma que “il giudice deve
porre a fondamento della decisione le prove proposte dalle parti o dal pubblico
ministero”.
325
É o que prescreve o artigo 115, § único, do CPC italiano: “Salvi i
casi previsti dalla legge, il giudice deve porre a fondamento della decisione le
prove proposte dalle parti o dal pubblico minstero”. As partes são os
destinatários indiretos, que igualmente precisam estar convencidos para
acolherem a decisão como justa.
326
No processo administrativo fiscal federal, os destinatários da prova
são as Turmas de Julgamento das Delegacias da Receita Federal (Portaria nº 58,
de 17-03-06).
324
ECHANDÍA, H. D. Compendio de la prueba judicial, Tomo I, p. 128.
325
ANDRIOLI, Virgilio. Commento al codice di procedura civile. 2.ed., Napoli: Jovene, 1943, Vol. I, p. 315.
326
Cf. SANTOS, Moacyr Amaral. Op. cit. p. 9.
135
Na esfera estadual, a prova é destinada aos integrantes da
administração fazendária respectiva, isto é, aos servidores das classes de
Julgador Tributário e de Agente Fiscal de Rendas lotados em órgãos
subordinados às Delegacias Tributárias de Julgamento da estrutura da
Coordenadoria da Administração Tributária da Secretaria da Fazenda.
Em caso de recurso voluntário e de remessa ex officio, no âmbito
dos tributos administrados pela Receita Federal, os destinatários da prova são os
Conselhos de Contribuintes, que são integrados paritariamente por especialistas
em assuntos tributários, entre representantes da Fazenda Nacional (Auditores-
Fiscais) e representantes dos contribuintes, indicados por entidades de classe de
nível nacional.
2.6 PROCEDIMENTO DA PROVA: PROPOSIÇÃO, ADMISSÃO E
PRODUÇÃO
Neste tópico, cuidaremos de especificar os três momentos do
procedimento probatório: proposição, admissão e produção.
327
Em regra, essas
etapas podem variar de acordo com a espécie de prova (documental,
testemunhal, pericial etc.) e com o rito processual (ordinário, sumário, especial
etc.).
Obviamente, a proposição de provas está sujeita a condições de
tempo (oportunidade e preclusão), modo (forma oral ou escrita) e lugar (petição
inicial, contestação, ou outro período que a lei determinar). Vale dizer: não basta
327
Deixaremos a questão da valoração da prova para o último subcapítulo.
136
só propor as provas, é mister que as partes efetivamente as levem a cabo, na
forma, no lugar e nos prazos previstos pelo ordenamento jurídico.
Tanto o juiz quanto as partes (principais e terceiros intervenientes)
têm o direito processual de propor ou apresentar provas. Echandía distingue
apresentação de simples proposição de provas: São suas estas palavras:
“Se habla de presentación de la prueba cuando la parte interessada aduce el medio y el
juez se limita a admitirlo, sin que deba adelantarse actividad alguna de práctica (por
ejemplo, cuando se presentan documentos;) existe en este caso una simultánea
proposición de la prueba, en el momento de su presentación. Hay simple proposición
de la prueba cuando la parte se limita a indicar un possible medio, con el fin de que el
juez lo decrete y proceda a su práctica (como cuando pide se reciban testimonios o
peritaciones).”
328
Para Graciela Marins, “é fácil perceber que essa fase [propositura
das provas] impõe ônus às partes e aos eventuais terceiros interessados (quando
estes figurarem na relação jurídica processual) e não ao juiz”.
329
Cabe de pronto ressaltar que esse argumento não encontra respaldo
na doutrina moderna, nem no Código de Processo Civil. Por exemplo, se o juiz
verificar que a petição inicial não preenche os requisitos do artigo 282 – entre os
quais a propositura das provas com que o autor pretende demonstrar a verdade
dos fatos alegados –, determinará que o autor a complete, no prazo de dez (10)
dias, sob pena de indeferimento. Por mais que seja uma medida preparatória, é
inegável que esse ato processual do juiz tem força probatória.
Salvatore Satta sedimenta esse entendimento ao asseverar que
328
ECHANDÍA, H. D. Compendio de la prueba judicial, Tomo I, p. 138.
329
MARINS, Graciela Iurk. Produção antecipada de prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 105.
137
“Ciò posto, si deve osservare che la formula ‘prove proposte dalle parti’ é imprópria,
o quanto meno equivoca, perchè sembrerebbe riferirsi all’attività formale deduttiva
della prova, che invece riguarda l’impulso processuale, il quale può anche spettare, in
maggiore o minor misura, a seconda del diritto positivo, al giudice.”
330
Por força dos princípios da economia e da concentração dos atos
processuais, o momento adequado para a propositura das provas é o da petição
inicial, para o autor; e o da contestação, para o réu. Essa regra deve prevalecer
sempre que a lei não dispuser expressamente de forma contrária, como, por
exemplo, nas hipóteses de inquisição de testemunhas referidas (art. 418, I, do
CPC) ou de inspeção judicial de pessoas ou coisas (art. 440 do CPC).
Vale o alerta: por mais que o artigo 396 do CPC declare que as
partes devam instruir a petição inicial – ou a resposta – com os documentos
destinados à prova de suas alegações, tornou-se incontroverso o entendimento
de que essa exigência diz respeito apenas aos documentos tidos como
pressupostos da causa, não impedindo que outros sejam trazidos ao feito,
inclusive em fase recursal.
331
Somente o juiz pode decidir sobre a admissibilidade da prova.
Admissão é o ato pelo qual o juiz defere a proposição da prova, em relação tanto
à prova apresentada na propositura da demanda (i.e, prova documental) quanto à
prova que se obtém no curso do processo (ex: prova testemunhal; prova pericial
etc). Trata-se de ato essencial para o processo, porque, por meio da admissão, o
juiz avalia a necessidade da prova para o julgamento da causa.
330
SATTA, Salvatore. Diritto processuale civile. 7.ed. Padova: Cedam, 1967, p. 159.
331
RSTJ 14/359; RT 479/124; 482/271; 484/93; 497/53; 595/177.
138
Sob pena de ofensa aos princípios do contraditório, da publicidade
e da instrumentalidade das formas, a prova inadmitida não pode servir de
fundamento para a decisão do juiz, por lhe faltar valor legal.
A não ser em caso de audiência de conciliação frustrada, em que o
juiz deve se manifestar oralmente acerca da matéria probatória (art. 331, § 2º, do
CPC), a decisão sobre a (in) admissibilidade das provas integra o despacho
saneador.
O terceiro momento, o da produção propriamente dita, cinge-se aos
atos das partes, do juiz e de terceiros tendentes à formação da prova.
Os atos de produção de prova normalmente se realizam na etapa
que vai do despacho saneador (ou do “saneador oral”, no caso de audiência de
conciliação frustrada – artigo 331, § 2º, do CPC) até a audiência de instrução e
julgamento.
Entretanto alguns atos probatórios não se concentram numa única
fase do processo de conhecimento. O depoimento pessoal da parte, por exemplo,
pode ser determinado pelo juiz, de ofício, “em qualquer estado do processo”
(artigo 342 do CPC). Isso vale também para a juntada de documentos novos
(artigo 397 do CPC) e para a confissão espontânea.
332
A confissão espontânea,
332
“DOCUMENTO – JUNTADA APÓS A INICIAL E A DEFESA – POSSIBILIDADE. Somente os
documentos tidos como indispensáveis é que devem acompanhar a inicial e a contestação; os demais podem ser
oferecidos em outras fases, desde que ouvida a parte contrária e inexistentes o espírito de ocultação premeditada
e o propósito de surpreender o juízo. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ – 4ª Turma –
REsp 183056/RS – rel. Min. Barros Monteiro – j. 17-10-2000 – v.u. – DJ 11-12-2000, p. 203.) No mesmo
sentido: “REPARAÇÃO DE DANOS – PROCEDIMENTO SUMÁRIO – JUNTADA DE DOCUMENTOS
APÓS A CONTESTAÇÃO – ADMISSIBILIDADE. Ainda que encerrada a audiência de instrução e julgamento,
não está impedido o julgador de admitir a juntada de documentação complementar, por ele reputada necessária
139
aliás, seja judicial, seja extrajudicial, pode ser feita a qualquer tempo, desde que
observados os seus elementos essenciais (capacidade do confitente, declaração
de vontade e objeto possível), bem como as ressalvas dos artigos 350 e § único,
351 e 354 do CPC.
Já vimos que a prova pode ser produzida pelas partes e,
excepcionalmente, pelo juiz. Essa é a leitura que fazemos dos artigos 130 e 333
do CPC.
É preciso deixar claro que o princípio dispositivo, consagrado nos
artigos 2º, 262 e 460 do CPC não foi sepultado pelo legislador ordinário. Ao
contrário, procurou-se conceder ao juiz poderes para determinar provas de ofício
e indeferir diligência inúteis ou meramente protelatórias.
Nada impede que o juiz possa determinar, de ofício, a produção de
prova pericial, quando dela depender o esclarecimento de pontos complexos da
lide. Nas ações de investigação de paternidade – lembra João Batista Lopes – o
juiz pode determinar a produção da prova científica (exame de DNA) ainda que
as partes deixem de especificá-la.
333
Deixemos assentado: compete às partes, e não ao juiz, provar os
fatos que constituem o fundamento de suas pretensões, defesas ou exceções,
visando à satisfação de seus próprios interesses. Disso infere-se que o juiz
ao julgamento da causa. Recurso especial não conhecido”. (STJ – 4ª Turma – REsp 53253/RJ – rel. Min. Barros
Monteiro – j. 21-11-2000 – v.u. – DJ 18-12-2000, p 197.)
333
Cf. LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 69.
140
exerce uma atividade “secundária”, na medida em que pode, mas não
necessariamente deve completar o labor probatório das partes.
Com base nesse pressuposto, assinala Kielmanovich que,
“Como resultado del cariz eminentemente dispositivo del proceso civil, que aparece
así estructurado a partir de una carga ‘genérica’ de la prueba, se establece también por
cuenta de las partes y bajo igual imperativo procesal, la necesidad de que ellas insten
y produzcan las pruebas que en su momento, ofrecieron para la demonstración de los
presupuestos que ateñen a sus respectivas pretensiones, defensas o excepciones.”
334
Caso as partes sejam omissas, ou até mesmo negligentes na
produção de provas, o juiz não estará impedido de determinar provas necessárias
à instrução do processo – observadas as hipóteses previstas em lei.
Em síntese – reconhecemos o fortalecimento dos poderes do juiz, a
quem cabe, sem dúvida nenhuma, produzir provas necessárias à instrução do
processo (vide artigos 339, 342 e 440 do CPC). Porém ressalvamos que o juiz
não pode substituir as partes na instrução probatória, e que suas atividades
probatórias se limitam aos fatos controvertidos do processo, sendo-lhe vedado
alterar a causa de pedir.
É peremptória a posição de Michele Taruffo, ao aduzir que “la
presencia de acentuados poderes del juez no excluye, por otra parte, la
implementación de la garantía del contracditorio”.
335
Por mais que exista momento próprio para a produção de provas, há
casos em que é impossível, ou muito difícil, produzi-las no tempo certo.
336
Procede-se, então, à produção antecipada de prova.
334
KIELMANOVICH, J. L. Teoría de la prueba e medios probatorios, p. 93-94.
141
Não se confunde produção antecipada de prova com medidas
preparatórias. As medidas preparatórias geralmente não têm caráter probatório,
por mais que em alguns casos conservem tal efeito (ex: juntada de documento
indispensável, omitido pelo autor na inicial). Por outro giro, o objetivo da
produção antecipada de prova é resguardar os elementos probatórios, partindo-
se do pressuposto de que o réu, terceiros, ou quaisquer outros fatores possam
alterar o estado das coisas.
Nesse ponto surge a pergunta: qual é o momento da produção
antecipada da prova?
Tomar-se-á como ponto de partida o fato de o enunciado “produção
antecipada de provas” carecer de sentido.
Conforme aludimos antes, a fase processual própria de produção
situa-se entre o despacho saneador e a audiência de instrução e julgamento.
Nos termos do artigo 846 do CPC, “a produção antecipada da prova
pode consistir em interrogatório da parte, inquirição de testemunhas e exame
pericial”.
Ocorre que, de acordo com a redação do artigo 847 do CPC, “o
interrogatório da parte e a inquirição das testemunhas devem ser feitos antes da
propositura da ação, ou na pendência desta, mas antes da audiência de
instrução”.
335
TARUFFO, M. La prueba de los hechos, p. 494.
336
Falecimento de testemunha; desaparecimento de vestígio; alteração do estado da coisa; etc.
142
Como é fácil perceber, a averiguação quanto ao momento da
produção da prova antecipada encontra-se embaraçada.
É flagrante a antinomia entre os artigos 847 e 342, do CPC, porque,
segundo o artigo 342 do CPC, o juiz pode, de ofício, em qualquer estado do
processo, determinar que as partes compareçam, a fim de interrogá-las sobre os
fatos da causa.
Ao mesmo tempo em que define o momento exato para o
interrogatório das partes e a inquirição das testemunhas, o legislador remete as
questões atinentes à prova pericial para os artigos 420 e seguintes do CPC. Vale
dizer: enquanto o depoimento pessoal e o interrogatório das partes seguem um
rito específico, a prova pericial, em regra, continua sendo realizada na fase
processual própria, ou seja, entre o despacho saneador e a audiência de instrução
e julgamento.
Em todo caso, dentro do esquema aqui propalado, melhor seria
substituir o enunciado produção antecipada de prova por produção cautelar de
prova.
Feitas essas observações, podemos concluir que a produção
cautelar de prova pode ocorrer em três momentos distintos: (i) antes do
ajuizamento da ação principal; (ii) depois do ajuizamento da ação principal, mas
antes da fase processual própria, ou seja, entre o despacho saneador e a
audiência de instrução e julgamento; (iii) depois da audiência de instrução e
143
julgamento – desde que justificada a impossibilidade de a parte aguardar a fase
processual própria de produção.
A propósito, leiamos a lição de Graciela Marins:
“O conceito de prova diz respeito ao seu resultado, à convicção pelo julgador sobre a
verdade dos fatos alegados. Se prova é resultado, então a produção da prova só
ocorrerá quando houver o seu resultado, ou seja, influir na convicção do julgador no
julgamento. Quando se produz uma prova, isso significa que ela foi valorada e
irradiou efeito de servir à convicção do juiz no julgamento daquele pedido judicial. E
esse momento em que a prova é valorada e irradia efeitos ocorre, no processo dito
principal, na fase da sentença, principalmente, quando o julgador valora os meios de
prova constantes do processo e profere a decisão. À evidência, não é isso que ocorre
na produção antecipada de prova.”
337
Do ponto de vista jurídico, produção e resultado da prova têm
conceitos díspares.
Quando a autora escreve que “produção da prova também significa
produção do efeito de trazer ao juiz elementos que o levem a decidir sobre o
pedido”, ela não está se referindo à produção, nem ao resultado da prova, mas à
finalidade desta.
338
Pode até ser que o principal efeito da prova seja levar ao
conhecimento do juiz elementos que lhe permitam firmar o seu convencimento
sobre os fatos. Mas isso não significa que a prova produzida antecipadamente
não irradiará efeitos, nem poderá ser considerada “produzida” enquanto não for
julgado o mérito do processo de conhecimento.
337
MARINS, Graciela Iurk. Produção antecipada de prova, p. 113.
338
MARINS, Graciela Iurk. Produção antecipada de prova, p. 112.
144
À guisa de exemplo, suponhamos uma cautelar com a finalidade de
colher o depoimento de uma testemunha em estado grave de saúde. Nesse caso,
conforme advertem Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, a única
diferença é que o momento processual do interrogatório da testemunha se
transmuda da fase probatória da ação de conhecimento para o da fase probatória
da ação cautelar. Assim sendo – concluem os autores – o que for relativo à
produção dessa espécie de prova deve ser observado no processo cautelar,
durante a produção da prova, que é a sua finalidade.
339
2.7 ÔNUS DA PROVA
No processo civil o juiz só pode decidir secundum allegata et
probata. Devido ao princípio dispositivo, que rege esse campo do Direito, o
conhecimento do juiz sobre o facta probandi só pode ocorrer por meio da
atividade probatória das partes. Vale dizer: somente em casos excepcionais, o
juiz poderá tomar a iniciativa no que concerne às provas.
No direito processual os signos dever e ônus apresentam
significados heterogêneos entre si. Dever é um imperativo; ônus é uma carga,
um peso. Dever indica a necessidade jurídica de se praticarem determinados atos
estabelecidos pela norma, geralmente direcionados à satisfação do interesse do
339
Cf. NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e
145
próprio sujeito, a quem se concede um poder individual correlato. Ônus indica a
necessidade prática de o titular do poder exercitá-lo, para obter um resultado que
lhe seja favorável.
340
Em síntese – ônus da prova é o poder ou a faculdade (em sentido
amplo) concedida às partes, para que produzam determinados atos processuais,
sem nenhum tipo de sujeição ou coação, dos quais depende, em grande parte, o
resultado da controvérsia, sendo previstas conseqüências desfavoráveis em caso
de omissão.
A prova se reparte entre o autor e o réu, pois tanto um quanto o
outro têm o ônus de convencer o juiz sobre a verdade dos fatos que alegam. A
partir daí, como acentua Sierra, “[...] el juez realiza, a expensas de la prueba
producida, uma reconstrucción de los hechos, descartando los que no han sido
objeto de demostración y sobre aquéllos aplica el derecho. Se intenta con ello
eliminar la vieja idea de que la prueba incumbe al que dice y no al que niega”.
341
O Código Civil francês estabelece que aquele que reclama a
execução de uma obrigação deve prová-la; e aquele que pretende ser liberado
deve justificar o pagamento ou o fato que provocou a extinção de sua obrigação
(Artigo 1315).
342
legislação extravagante. 9.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 960.
340
Cf. MICHELI, Gian Antonio. La carga de la prueba. Tradução de Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires:
[s.n.], 1961, p. 66.
341
SIERRA, Humberto Briseño. Derecho procesal fiscal. México: Robredo, 1964, p. 423.
342
No original: “Celui qui réclame l’exécution d’une obligation, doit la prouver. Réciproquement, celui qui se
prétend libéré, doit justifier le payment ou le fait qui a produit l’extinction de son obligation.”
146
O Código Civil chileno segue a mesma linha: “Incumbe probar las
obligaciones o su extinción al que alega aquéllas o ésta” (Artigo 1698).
O Código Geral de Processo do Uruguai, no mesmo sentido do
CPC brasileiro, enuncia: “Corresponde probar, a quien pretende algo, los hechos
constitutivos de su pretensión; quien contradiga la pretensión de su adversario
tendrá la carga de probar los hechos modificativos, impeditivos o extintivos de
aquella pretensión”. (Artigo 139.1.)
O Código de Processo Civil brasileiro faz distinção entre fatos
constitutivos, modificativos, extintivos e impeditivos. Segundo o artigo 333, I e
II, do CPC, cabe ao autor provar os fatos constitutivos do seu próprio direito; e
ao réu, os fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito do autor.
Neste último caso, a distribuição do ônus da prova pressupõe três condições: (i)
o réu reconhece explícita ou implicitamente o fato (ou fatos) controvertido (s) –
objeto de prova; (ii) o réu alega a existência de um fato capaz de deixar total ou
parcialmente sem efeito ou eficácia a pretensão contida na demanda.
Jaime Guasp e Pedro Aragoneses chamam a atenção para a
dificuldade de distinguir entre essas três categorias (fatos constitutivos,
impeditivos e extintivos). Para esses autores, se o demandante afirmar causas
impeditivas ou extintivas –, hipótese nada convencional – sobre ele recairá o
ônus da prova. Assim, não se pode alegar que essas circunstâncias deixam de ser
impeditivas ou extintivas para se converterem em constitutivas, pois “[...] es lo
147
cierto que entonces se habrá frustrado por completo la pretendida consideración
aislada, esto es, absoluta e intrínseca del objeto de la prueba”.
343
Dois exemplos ajudarão a compreender a situação: (i) se o réu
reconvém, naturalmente assume o ônus da prova em relação aos fatos em que se
funda a sua pretensão; (ii) se o juiz admite a juntada de documentos novos no
processo – contraprova de documento apresentado pelo réu na defesa –,
invertem-se os papéis, e o autor passa a ter que desconstituir o enunciado
protocolar veiculado em tal documento.
Renunciando às considerações isoladas sobre os elementos de
prova, Guasp e Aragoneses propõem que foquemos unicamente a situação
relativa do sujeito e o tema probatório, quer dizer,
“[...] en la posición que el dato a probar ocupa respecto a las partes sobre las que la
carga de la prueba pesa en concreto. Como la carga de la prueba no consiste sino en el
riesgo que corre un litigante de que el juez no se convenza de ciertos datos procesales,
el perjuicio no puede sufrirlo sino la parte a quien favorezca el convencimiento del
juez sobre tal dato.”
344
Já vimos que, no Brasil, a regra tradicional de distribuição da prova
é definida pelo artigo 333 do CPC (fatos constitutivos, para o autor; demais
fatos, para o réu).
Nesse sistema de distribuição do ônus da prova, conforme a
posição da parte em juízo e quanto à espécie do fato (artigo 333 do CPC),
considera-se muito mais a decisão judicial do que a tutela do direito lesado ou
343
GUASP, J; ARAGONESES, P. Derecho procesal civil, Tomo I, p. 354-355.
344
GUASP, J; ARAGONESES, P. Op. cit. p. 355.
148
ameaçado de lesão. A esse respeito anota Eduardo Cambi: “[...] se o demandante
não demonstrou o fato constitutivo, julga-se improcedente o pedido e, ao
contrário, se o demandado não conseguiu provar os fatos extintivos, impeditivos
ou modificativos, julga-se integralmente procedente o pedido, sem nenhuma
consideração com a dificuldade ou a impossibilidade de a parte ou de o fato
serem demonstrados em juízo. Essa distribuição diabólica do ônus da prova, por
si só, poderia inviabilizar a tutela dos direitos lesados ou ameaçados.”
345
Na tentativa de corrigir o problema, o Código de Defesa do
Consumidor conferiu poderes ao juiz para, dentro dos critérios fixados pelo
artigo 6º, VIII, da Lei 8.078/90 (verossimilhança da alegação ou
hipossuficiência do consumidor), inverter o ônus da prova.
A inversão do ônus da prova não se limita ao direito do
consumidor.
O processo civil reconhece a possibilidade de as partes acordarem
sobre o ônus da prova, podendo estipular a inversão, ressalvadas as hipóteses do
parágrafo único, do artigo 333 do CPC. Neste ponto nos referimos aos
regulamentos inter allios do ônus da prova, ou seja, à possibilidade de as partes
firmarem acordo atribuindo antecipadamente o ônus da prova a uma delas. Em
geral – diz Briceño – a doutrina rechaça essas convenções que distribuem de
345
CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.
341.
149
forma diversa o ônus da prova, e considera que elas não vinculam nem obrigam
o juiz, que conserva sua soberania na apreciação dos fatos e das provas.
346
Igualmente, o artigo 3º da Medida Provisória nº 2.172-32, de 23 de
agosto de 2001 (reeditada sistematicamente), estabelece que, “nas ações que
visem à declaração de nulidade de estipulações com amparo no disposto nesta
Medida Provisória, incumbirá ao credor ou beneficiário do negócio o ônus de
provar a regularidade jurídica das correspondentes obrigações, sempre que
demonstrada pelo prejudicado, ou pelas circunstâncias do caso, a
verossimilhança da alegação”.
Importa reter que a inversão do ônus da prova é uma medida
excepcional, porque a regra geral no direito processual brasileiro continua sendo
a repartição da carga probatória, conforme os critérios do artigo 333 do CPC.
Analisaremos a relação entre presunção e inversão do ônus da
prova no subcapítulo 2.9.
Consoante Falcón, “[...] en los últimos tiempos se ha ido
modificando el criterio algo estratificado del proceso civil, dando flexibilidad a
la carga de la prueba, en función no ya de elementos previos objetivos, sino de
determinar sobre quién pesan los esfuerzos de probar en función de las
posibilidades de producir la prueba”.
347
346
BRICEÑO, Fernando Villasmil. La teoría de la prueba y el nuevo codigo de procedimiento civil, p. 102.
347
FALCÓN, Enrique M. Tratado de la prueba, Tomo I, p. 278.
150
Assim, para facilitar os mecanismos de tutela dos direitos materiais,
garantindo maior flexibilidade à repartição do ônus da prova, desponta na
doutrina a teoria da carga dinâmica da prova.
O critério da carga dinâmica da prova é simples: incumbe à parte
que estiver em melhores condições de produzir a prova o ônus de fazê-lo,
independentemente de decisão judicial de inversão do ônus da prova. Nesse
contexto, a carga da prova recai sobre aquele que detém conhecimentos técnicos
ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade na sua
demonstração.
É de todo recomendável que o favor probandis seja definitivamente
acolhido pela doutrina e pela jurisprudência, mormente em função do que dispõe
o artigo 335, c/c o artigo 126 do CPC.
Alertando para os perigos dessa teoria, observa Falcón que “[...] la
carga dinámica presenta el inconveniente de que el litigante puede ser
sorprendido por no rendir una prueba que no estaba dentro de su carga cumplir,
por lo menos de manera explícita”.
348
Antes de encerrar esta parte, devemos dizer que os terceiros, ou
seja, aqueles que não figuram como sujeitos da relação jurídica processual, têm
o dever de contribuir para a averiguação dos fatos objeto de prova.
Um dos motivos pelos quais as partes não estão obrigadas a
“provar” é que o seu interesse serve de estímulo suficiente para a atividade
151
probatória. A propósito, esclarece Bentham: “[...] hay que convenir en que el
demandante es la parte principalmente interessada en suministrar la prueba...
porque en el caso de que una alegación no sea creída, sobre ella recaerán las
consecuencias desagradables de no haberlo conseguido.”
349
Os terceiros, ao contrário, não têm interesse em provar, mas o seu
estímulo vem do cumprimento do dever jurídico de contribuir para o
esclarecimento dos fatos. Ainda que não houvesse previsão em lei, a obrigação
dos terceiros de contribuir para o descobrimento da verdade possível poderia ser
deduzida do caráter público da função jurisdicional do Estado.
No mesmo sentido, diz Rafael de Pina:
“La prueba de los hechos en el proceso, no sería posible sin el concurso de personas
para las cuales el resultado de la misma es, desde el punto de vista de su interés
particular, indiferente. La función jurisdiccional tiene naturaleza esencialmente
pública y en el resultado de su ejercicio práctico existe una dualidade, que se traduce
en la tutela del interés privado y del público, conjuntamente.”
350
No direito brasileiro, o dever jurídico de colaboração com o
judiciário está explícito no artigo 339 do CPC, que prescreve: “Ninguém se
exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da
verdade.”
2.8 PROVA DOCUMENTAL, TESTEMUNHAL E PERICIAL
Não existe mais uma ordem determinada para se analisarem os
meios de prova, como existia no passado em que se considerava a confissão
348
FALCÓN, E. M. Op. cit. p. 279.
152
como a prova máxima. Portanto, seguindo a ordem do Código de Processo Civil,
iniciamos com o estudo da prova documental.
A prova documental, também chamada de prova literal, é aquela
que se faz por meio de documentos, na forma prefixada nas leis processuais.
O vocábulo documento provém de documentum, de mesma raiz do
verbo latino doceo, que significa indicar, mostrar, ensinar.
Há várias espécies de documentos: históricos, literários, filosóficos,
jurídicos etc. Nos primórdios, os pensamentos eram registrados em
monumentos, lápides, pequenos quadros de argila; ou escritos em papiros,
pergaminhos e outros materiais em que se desenhavam signos ideográficos ou
fonéticos.
Os Estatutos de Bolonha (1453) e de Milão (1498) marcaram época
no uso do documento no campo do Direito. Esses códigos deram preferência à
prova escrita sobre a oral, porque, por meio do documento, fixavam as idéias de
forma indestrutível, evitando o relato inseguro das testemunhas.
Nos últimos anos, a doutrina ampliou o conceito de documento, que
passou a compreender tanto os documentos escritos quanto os objetos
representativos ou reprodutivos, entre os quais a fotografia, os discos
fonográficos, as fitas cinematográficas, etc (artigo 383 do CPC). Não é outra a
lição de Liebman: “In pratica i documenti che più frequentemente vengono usati
in funzione probatoria sono le scritture: una lettera, un testamento, il documento
349
BENTHAM, Jeremías. Tratado de las pruebas judiciales, p. 290.
153
di un contratto etc. Ma sono documenti anche le fotografie, il disegno o la pianta
di un luogo e così via.”
351
Para Chiovenda, “documentos, em tal acepção [manifestação do
pensamento e reprodução mais ou menos fiel dos fatos da causa], representam
os mais variados sinais (limites dos prédios; sinalização das estradas). Como,
porém, o meio comum de representação material do pensamento é a escrita, os
documentos desde longo tempo mais importantes são os escritos.”
352
Propugnando pela distinção entre documento e prova documental,
Mario Conti sustenta que a prova documental não se exaure no material (escrito)
que a contém. Diz o autor: “In sostanza, la prova documentale non si esaurisce
nel materiale (lo ‘scritto’ od altro) che la contiene, essendo ben evidente che un
documento può essere qualificato come prova documentale soltanto in ragione
del rapporto di rappresentatività esistente tra di esso ed i fatti da accertare.”
353
Embora seja freqüente o uso do termo documento nos códigos
promulgados entre os séculos XIX e XX, alguns estatutos, como o Código Civil
do Chile, preferiram o vocábulo instrumento.
Almeida Júnior explica, com base no Código Civil, a diferença
entre documento e instrumento: “O Código Civil distingue o instrumento do
documento. Instrumento é a forma especial, dotada de força orgânica para
realizar ou tornar exeqüível um ato jurídico; documento é a forma escrita apenas
350
PINA, Rafael de. Tratado de las pruebas civiles. 3.ed. México: Porruá, 1981, p. 96.
351
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile, Vol. II, p. 109.
352
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual, Vol. III, p. 183.
154
dotada de relativa força probante, contribuindo para a verificação dos fatos. Os
instrumentos dividem-se em instrumentos públicos e instrumentos particulares.
Instrumentos públicos, em geral, são os lavrados por oficiais ou funcionários
públicos, para atos de seus ofícios ou funções... Instrumentos particulares são os
escritos e assignados, ou somente assignados por particulares.”
354
Disso resulta que o termo documento é gênero do qual instrumento
é espécie.
Sem embargo, os documentos sempre estiveram entre os meios de
prova mais seguros no processo. Claras referências a essa linha de pensamento
emergem das seguintes observações de Neves e Castro:
“Ninguém contesta a necessidade e a excelência da prova documental... A prova
documental é aquela que, em razão da sua estabilidade, pode, por assim dizer,
perpetuar a história dos fatos e as cláusulas dos contratos celebrados pelas partes, e é
por isso que, conquanto não se possa conferir a esse gênero de prova a força de uma
certeza filosófica, as legislações de todos os países são uniformes em dar-lhe inteiro
crédito, enquanto pelos meios legais não for demonstrada a falsidade dos documentos
autênticos.”
355
De acordo com Liebman, o documento possui dois elementos: “[...]
quello materiale, che è dato per lo più dalla carta, su cui sono tracciati dei segni;
ed il contenuto, intellettuale o figurativo, in cui consiste propriamente la
reppresentazione del fatto giuridico”.
356
353
CONTI, Mario. Le prove nel processo civile, p. 83.
354
ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Direito judiciário brasileiro, p. 217.
355
NEVES E CASTRO, Francisco Augusto das. Theoria das provas e sua applicação aos actos civis. 2.ed. Rio
de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos, 1917, p. 168.
356
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile, Vol. II, p. 108-109.
155
Para Gorphe, há vários documentos escritos suscetíveis de serem
apresentados em juízo e de servirem como prova. Vejamos a classificação desse
autor:
“Au point de vue de la forme et de la valeur probante, on distingue: 1º les titres ou
actes authentiques; 2º les titres ou actes sous-seings-privés; 3º les registres ou papiers
domestiques, notes, lettres, etc. Au point de vue du contenu et de la nature de preuve,
il y a: 1º des documents, judiciaires ou extrajudiciaires, portant ou enregistrant des
aveux, explicites ou implicites; 2º des écrits représentant le témoignage d’un tiers; 3º
des pièces constituant la matière du délit; 4º des titres ou pièces se rapportant
directement ou indirectement au délit et servant d’indices.”
357
Examinemos, agora, os documentos públicos e particulares.
O que diferencia os documentos públicos dos privados é a sua
origem: entidades públicas ou privadas, respectivamente.
Certos atos jurídicos, como a compra e venda de imóvel, precisam
necessariamente ser formalizados por meio de documento público. Outros, como
o compromisso de compra e venda de imóvel, admitem as duas modalidades de
documento (público e particular).
Dispõe o artigo 366 do CPC que, se a lei exigir o documento
público, como da substância do ato, nenhum outro meio de prova poderá suprir-
lhe a falta. Isso não significa que o documento feito sem formalidades é
desprovido de força probatória. Consoante o artigo 367 do CPC, “o documento,
feito por oficial público incompetente, ou sem a observância das formalidades
legais, sendo subscrito pelas partes, tem a mesma eficácia probatória do
documento particular”.
156
Numa versão mais radical, João Batista Lopes assevera que o
documento público não constitui prova plena de todas as declarações dele
constantes, apenas daquelas relativas a fatos que o funcionário atestar que
ocorreram em sua presença.
358
Contudo essa não é a melhor interpretação do artigo 364 do CPC.
Entendemos que, se o documento público, além de constituir um ato jurídico ou
declarar um ato (fato) jurídico, faz referência a algo que ocorreu na presença do
funcionário, a lei processual também atribui eficácia probatória a essa parte do
documento. Veja-se o exemplo de Pontes de Miranda: “no momento em que se
lavra a escritura de compra e venda do imóvel, o procurador de um dos
figurantes perdeu os sentidos e teve de ser substituído, razão por que se teve de
fazer alusão à ocorrência para ser o próprio figurante do negócio jurídico o
signatário”.
359
Em relação ao valor probante das reproduções dos documentos
públicos, diz o artigo 365, III, que “fazem a mesma prova que os originais as
reproduções dos documentos públicos, desde que autenticadas por oficial
público ou conferidas em Cartório, com os respectivos originais”. Os
microfilmes produzidos no exterior estão regulados pelo Decreto 1799/96.
Os documentos de procedência estrangeira dependem de registro
em cartório de títulos e documentos e das respectivas traduções para produzirem
357
GORPHE, François. L’appréciation des preuves en justice, p. 176.
358
LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil, p. 104.
157
efeitos em repartições públicas, juízos ou tribunais, ou perante terceiros (artigo
129, 6º, e 148, caput, da Lei de Registros Públicos). Na falta da tradução, tais
documentos só poderão ser conservados se estiverem no original e se forem
“adotados os caracteres comuns”, conforme redação do artigo 148, caput, da Lei
de Registros Públicos.
Quanto aos documentos particulares, eis o que prescreve o artigo
368 do CPC:
“As declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente
assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário.
Parágrafo único. Quando, todavia, contiver declaração de ciência, relativa a
determinado fato, o documento particular prova a declaração, mas não o fato
declarado, competindo ao interessado em sua veracidade o ônus de provar o fato.”
Por outras palavras, se a lei, ou o fato (negócio) jurídico, não exigir
instrumento público, nem fizer como pressuposto de eficácia nenhum requisito
formal, o documento particular será presumido verdadeiro em relação ao seu
signatário.
Se a declaração se referir à ciência de determinado fato, a prova
não poderá ser dispensada quando o fato for impugnado. O exemplo de João
Batista Lopes nos ajudará a compreender a situação:
“Documento particular subscrito por terceiro que declara estar o autor (promovente)
na posse de imóvel usucapiendo há mais de vinte anos. Nesse caso, o documento
prova que o terceiro fez a declaração, mas não é suficiente para provar a veracidade da
declaração, isto é, que efetivamente o autor exerce posse longeva.”
360
359
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil, Tomo IV, p. 338-
339.
360
LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil, p. 105.
158
O Código de Processo Civil, em seu artigo 385, confere o mesmo
valor probatório do original às cópias de documentos particulares.
O telegrama, o radiograma ou qualquer outro meio de transmissão
tem a mesma força probante do documento particular, desde que o original tenha
sido assinado pelo remetente. Consoante o parágrafo único, do artigo 374, o
reconhecimento da firma do remetente é facultativo, e não obrigatório.
A falsidade do documento é suscetível de ser declarada incidenter
tantum ou principaliter (artigo 4º, II, do CPC). A falsidade ideológica não
autoriza a instauração do incidente de falsidade (artigo 390 do CPC), mas a
anulação do fato (ato) jurídico, na forma do artigo 147, II, do Código Civil.
361
Em resumo: o incidente de falsidade documental só pode ser
admitido quando for relativo a vício de documento, assim entendido aquele que
consiste em deturpação material ou ideológica do documento.
362
Nos termos do artigo 396 do CPC, a prova documental deve ser
proposta com a inicial (artigo 283 do CPC), ou com a contestação (artigo 297 do
CPC). Nada impede que as partes requeiram a juntada de documento novo, em
qualquer estágio do processo, desde que demonstrem que a finalidade do ato é
361
Segundo Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, a falsidade ideológica é aquela que diz respeito
aos vícios do consentimento ou sociais do ato jurídico. (Cf. NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de
Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante, p. 553.)
362
“A deturpação material do documento é evidenciada pela utilização de mecanismos e técnicas que provoquem
deteriorização do que ele contém, para que fique parcial ou totalmente alterada sua substância ou a compreensão
de seu conteúdo. A deturpação ideológica do documento consiste em fazer com que originariamente sejam
introduzidas ‘afirmações não feitas pelas partes, ou atos não presenciados pelo oficial público’.” (Cf. NERY
JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit. p. 553).
159
provar fatos ocorridos depois dos articulados, ou contrapor um fato a outro já
produzido nos autos (artigo 397 do CPC).
Antes de ingressar na prova testemunhal, vale a pena registrar que
documento é espécie e não sinônimo de prova pré-constituída. Todas as provas
constituídas fora do processo são provas pré-constituídas. Assim, por exemplo,
a inspeção judicial, os depoimentos, os interrogatórios das partes etc, quando
praticados fora do processo são provas pré-constituídas.
363
Bentham escreve que o vocábulo testemunha é utilizado para
designar indivíduos diferentes ou o mesmo indivíduo em duas situações
diferentes: (i) a da testemunha presencial, quer dizer, aquela que viu, ouviu ou
conheceu por meio dos seus sentidos um fato sobre o qual pode dar informação
ao ser interrogada; (ii) a da testemunha referencial, aquela que expõe perante o
juízo ou tribunal as informações que adquiriu.
364
Ainda sobre o impasse terminológico, Bentham certifica que a
palavra testemunha pode ser aplicada tanto às partes interessadas quanto àqueles
que prestam informações sobre os fatos, a quem nos habituamos a chamar de
testemunhas. Diz o autor: “Resulta muy extraño que, después de haber oído la
deposición o la confesión de una persona examinada por el juez, se niegue que
haya actuado con el carácter de testigo. Tal es la inconsecuencia del lenguaje:
parece que existe una oposición natural entre esos dos caracteres de parte y
testigo... Sin embargo, entre esas dos clases de testimonio – el testigo parte en la
160
causa y el testigo no parte – hay diferencias evidentes y las disposiciones o
precauciones a tomar respecto a unos y otros no son las mismas.”
365
Diante do exposto, o autor propõe a seguinte solução:
“Conviene, por lo tanto, tener una denominación que los distinga y que recuerde
constantemente esa diferencia esencial entre ellos. Se puede llamar al testigo extraño a
la causa, con el nombre de testigo externo; y al que tiene un interés immediato, con el
nombre de parte deponente.”
366
No cenário jurídico nacional, a palavra testemunha tem dois
significados, intimamente relacionados: (i) ora diz respeito às pessoas que
participam da celebração de determinados atos jurídicos; (ii) ora alude às
pessoas que, embora não sejam partes no processo, fazem declarações em juízo
sobre os fatos controvertidos. Ou seja: testemunhas são aquelas pessoas
estranhas à lide, que depõem sobre fatos que tenham percebido por meio de seus
próprios sentidos.
Na primeira acepção as testemunhas constituem uma formalidade;
na segunda, um meio de prova.
Como é curial, o termo testemunha (sobrecomum) designa a pessoa
chamada a depor, seja homem, seja mulher, enquanto testemunho (masculino)
significa a declaração da testemunha. Reforçam essa proposição as lições de
Rafael de Pina: “La declaración del testigo se denomina testimonio. El testigo es
el órgano de la prueba; el testimonio, el elemento de prueba.”
367
363
Cf. ECHANDÍA, H. D. Compendio de la prueba judicial, p. 183.
364
Cf. BENTHAM, Jeremías. Tratado de las pruebas judiciales, p. 91.
365
Idem, Ibidem.
366
BENTHAM, Jeremías. Op. cit. p. 91-92.
367
PINA, Rafael de. Tratado de las pruebas civiles, p. 204.
161
Gorphe explica que o testemunho deve ser analisado em função de
seus diversos elementos ou processos, aos quais o autor se refere como
“condições”. São elas: (i) condições individuais ou pessoais: idade, sexo, estado
mental, raça, condição social, caráter moral etc; (ii) condições genéricas:
relativas ao objeto do testemunho; (iii) a relação da testemunha com o fato, com
as partes ou com outras testemunhas – independência ou imparcialidade da
testemunha; (iv) a relação do testemunho com o fato probando: testemunho
direto e testemunho indireto.
368
O testemunho direto (ex propriis sensibus) ocorre quando a
testemunha relata aquilo que viu ou ouviu pessoalmente. O testemunho indireto
(ex audito alieno) ocorre quando a testemunha relata aquilo que outra pessoa viu
ou ouviu, ou simplesmente aquilo que ouviu dizer pelo rumor público, sem
indicar a origem da informação.
Esta última situação é conhecida no direito norte-americano por
hearsay testimony ou testemunho de ouvir-dizer.
Hearsay testimony é um meio de prova raramente admitido nas
cortes americanas. De acordo com a regra 802, das Regras de Evidência para o
Circuito Federal (Federal Rules of Evidence), “hearsay is not admissible except
as provided by these rules or by any other rules prescribed by the Supreme
Court pursuant to statutory authority or by Act of Congress”. Leiamos o que diz
Arthur Best acerca do tema:
368
Cf. GORPHE, François. L’appréciation des preuves en justice, p. 353-354.
162
“[...] Where one person’s knowledge about something is conveyed to a listener by a
second person repeating or quoting what the first person has said, is prohibited in
trials by the rule against hearsay. The jury must learn what people know by hearing
them talk about their knowledge, and by hearing them respond to cross-examination
that illuminates the possible weaknesses in their original perceptions, their
recollection, their current choice of words, and their honesty. If Mr. Observer’s
information is relevant at a trial, it must (ordinarily) be presented at the trial by Mr.
Observer testifying in person. Ms. Friend is not allowed to appear at the trial and tell
the trier of fact what Mr. Observer once told her. In private life, a person who wanted
to know about the automobile accident would prefer to learn about it from Mr.
Observer directly, but might be satisfied to have Ms. Friend provide a secondhand
version of Mr. Observer’s knowledge by quoting him. Evidence law rejects that
choice in general, on the theory that the opportunities for clarification and reliability
checks that are lost when testimony quotes out-of-court statements are so valuable
that the goals of fairness and accuracy in trials are best served by prohibiting the
testimony.”
369
Por isso tem razão Gorphe quando afirma que só o testemunho
direto fornece a verdadeira prova.
370
Firmemos o conceito: testemunha é a pessoa física alheia à relação
jurídica processual, chamada para expor ao juiz suas observações (ou
percepções) sobre fatos que interessam ao processo.
A prova testemunhal é uma prova relativamente simples e fácil de
ser produzida, mas difícil de ser apreciada. A rigor, vários fatores contribuem
para a discriminação da prova testemunhal: (i) a dificuldade de expressão; (ii) a
369
BEST, Arthur. Evidence. 4.ed. New York: Aspen, 2001, p. 64.
370
Cf. GORPHE, François. Op. cit. p. 355. No original: “Seule la première sorte de témoignage [testemunho
direto] donne une véritable preuve.”
163
deficiência de percepção e de memória das pessoas; (iii) o risco de falso
testemunho etc.
371
Disso decorre a preferência pela prova documental.
Daí se percebe o porquê da preferência pela prova documental. De
sua parte, salienta Leibman que “[...] la legge diffida della prova testimoniale e
pone gravi limitazioni alla sua ammissibilità, sopratutto nei confronti della prova
documentale, per la quale dimostra una netta preferenza”.
372
Apesar dessas e de outras restrições com relação à admissão da
prova testemunhal, ela é sempre admissível em todos os casos em que não é
expressamente proibida. Nos termos do artigo 400 do CPC, “a prova
testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso”. Como
diz Neves e Castro, “a admissão é regra; a não admissão é exceção”.
373
A lei não estabelece condições especiais para que uma pessoa possa
servir como testemunha. Assim sendo, podem depor todas as pessoas, exceto as
incapazes, as impedidas ou as suspeitas. O artigo 405 do Código de Processo
Civil enumera as pessoas que são consideradas incapazes, impedidas ou
suspeitas.
A prova testemunhal não é admitida nas seguintes hipóteses: (i) se
os fatos já foram provados por documento ou confissão (artigo 401, I, do CPC);
(ii) se a prova depender de conhecimento técnico (artigo 400, II c/c artigo 145
do CPC); (iii) se o fato (ato) jurídico só puder ser provado por escrito (ex:
371
Cf. LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil, p. 131. Nessa mesma linha: GORPHE,
François. Op. cit. p. 352.
372
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile, Vol. II, p. 161,
164
fiança; contrato de seguro etc.); e (iv) se o valor do contrato exceder o décuplo
do salário mínimo vigente no país (artigo 401 do CPC).
O artigo 402 do CPC – exceção à restrição do artigo 401 – exige
duas condições para que seja admitida a prova testemunhal dos contratos,
qualquer que seja o valor deles: (i) começo de prova por escrito; ou (ii)
impossibilidade material ou moral de obtenção da prova escrita da obrigação
(v.g., parentesco, depósito necessário; hospedagem em hotel).
O direito processual norte-americano é bem mais liberal no que
concerne à prova dos contratos por meio de testemunho oral. O exemplo mais
surpreendente é o julgamento de dez bilhões de dólares em favor da Pennzoil
Company (Texaco, Inc. v. Pennzoil, Co., 729 S.W.2d. 768 (1987)). Pennzoil
moveu ação contra American Oil Company (Texaco Incorporated), alegando
interferência desta num acordo celebrado entre Pennzoil e Getty Oil Company,
em que Pennzoil tentava adquirir Getty Oil. Texaco respondeu sob o argumento
de que não havia acordo entre Pennzoil e Getty Oil, porque nenhum contrato
(formal) chegou a ser firmado. No julgamento (trial) a corte aceitou como prova
depoimentos de testemunhas que afirmaram ter presenciado vários acordos de
aquisição de empresas por meio de simples documentos, e julgou procedente a
ação da Pennzoil.
Seja como for, a regra geral é que a prova testemunhal deve ser
produzida na audiência de instrução e julgamento. Entretanto podem ser ouvidas
373
NEVES E CASTRO, Francisco Augusto das. Theoria das provas e sua applicação aos actos civis, p. 348.
165
fora da audiência: (i) a testemunha que residir fora da comarca, no Brasil ou no
exterior, devendo ser expedida carta precatória ou rogatória, respectivamente;
(ii) a testemunha que estiver impossibilitada por doença ou outro motivo
relevante; (iii) a testemunha que for autoridade indicada no artigo 411 do CPC.
Assim como as partes, os advogados, o representante do Ministério
Público e os intervenientes, a testemunha tem o dever de dizer a verdade (artigo
14 do CPC). A testemunha só não tem compromisso com a verdade nos casos
previstos no artigo 406 do CPC.
Avancemos à prova pericial.
Ao apreciar a prova, o juiz se vale da razão e da própria
experiência. No entanto, se forem necessários conhecimentos especializados
sobre alguma arte ou ciência, a experiência do juiz não é suficiente.
Explicamos melhor: quando a apreciação de um fato depender, da
parte do observador, de uma preparação especial, obtida por meio de estudo
técnico ou científico, ou simplesmente pela experiência pessoal adquirida com o
exercício de uma profissão, arte ou ofício, surge no processo a necessidade de
perícia.
Em síntese – peritos são auxiliares eventuais do juiz, dotados de
conhecimentos técnicos, artísticos ou científicos especializados.
A missão do perito – segundo Döhring – é aplicar seus
conhecimentos no processo e assim contribuir para o esclarecimento dos fatos.
Realçando a diferença entre o perito e a testemunha, conclui o jurista alemão:
166
“Pero, a diferencia del testigo, [o perito] no tiene que reproducir observaciones
concretas del suceso que se busca reconstruir. El dictaminador es llamado por su
pericia; para ponder a disposición sus conocimientos especializados.”
374
A perícia segue determinados princípios. Nada impede, por
exemplo, que o juiz se considere suficientemente preparado para apreciar o
estado de pessoas ou coisas, e resolva ir pessoalmente inspecioná-las. Neste
pormenor – diz Sierra – tal inspeção se contrapõe à perícia, já que a finalidade
desta é suprir a falta de conhecimentos técnicos. Porém adverte o autor que
muitas vezes os meios se combinam, e o juiz realiza a inspeção assistido por
peritos.
375
Veja o enunciado prescritivo do artigo 441 do CPC: “Ao realizar a
inspeção direta, o juiz poderá ser assistido de um ou mais peritos.”
De qualquer modo, o juiz não está vinculado ao resultado da
perícia. É o que prescreve o artigo 436 do CPC: “O juiz não está adstrito ao
laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos
provados nos autos.” No entender de Lessona, “imponer al Juez un
convencimiento que no responde a su conciencia, y, adviértase, no a una
conciencia que juzga por impresión, sino que juzga a razón vista y por motivos
lógicos, es cosa evidentemente extraña”.
376
Por mais que as conclusões do perito não vinculem o juiz, a
rejeição do laudo pericial não é atividade discricionariamente arbitrária, e deve
374
DÖHRING, Erich. La prueba, p. 203.
375
Cf. SIERRA, Humberto Briseño. Derecho procesal fiscal, p. 479.
376
LESSONA, Carlos. Teoría general de la prueba en derecho civil, Tomo I, p. 357.
167
basear-se em critérios lógicos e muito bem fundamentados. No dizer de
Casimiro Varela, o pronunciamento judicial que rechaça as conclusões do perito
“[...] debe ser el resultado de un análisis crítico de los fundamentos del dictamen
y de los antecedentes de la causa”.
377
Mas não é só isso.
Além de expressar suas opiniões, os peritos costumam fazer
inferências sobre os pontos controvertidos.
Vale esclarecer que uma coisa é a verificação dos fatos; outra, bem
diferente, é a inferência do perito sobre eles.
A questão consiste em saber se, em caso de inconformidade judicial
com o laudo pericial, ficam sem valor tanto a verificação quanto a inferência do
perito sobre os fatos.
Entendemos que o perito pode as duas coisas: verificar e inferir. O
que o perito não pode é opinar ou interpretar textos de lei, ou invocar doutrina
ou jurisprudência, ainda que relacionadas aos pontos controvertidos da lide.
Por exemplo, o perito poderá concluir, após vistoriar o imóvel, que
os danos apurados resultam do mau uso da coisa ou da ação do tempo; não
poderá, todavia, concluir pela improcedência do pedido de indenização
formulado pelo locador contra o locatário.
378
E a razão é simples: o objeto da
perícia é sempre o fato, nunca o direito.
377
VARELA, Casimiro A. Valoración de la prueba, p. 303.
378
Cf. LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil, p. 124.
168
Vejamos o que diz Sierra, a respeito disso: “Al perito no puede
pedírsele que interprete el derecho, el contrato debe ser analizado jurídicamente
por el juez, las cuentas rendidas deben apreciarse por el juez, la valuación
jurídica de los hechos compete al juez. Pero si los requisitos para ejercer un
derecho son elementos de hecho, puede intervenir la pericia, analizando los
hechos y penetrando en los principios jurídicos. Con esto se abre un portillo por
el que la función pericial, originalmente entendida como actividad técnica o
científica ajena a la interpretación jurídica, se expande lenta pero
gradualmente.”
379
Não compartilhamos dessa opinião, pois permitir que o perito
interprete o direito é aceitar que a perícia penetre na análise jurídica, seja para
determinar responsabilidades, seja para apreciar o cumprimento de exigências
legais.
É bom lembrar que o juiz pode (e deve) ordenar, de ofício, a
realização de nova prova pericial, quando a matéria não lhe parecer
suficientemente esclarecida (artigo 437 do CPC).
Se o juiz concluir, à luz das circunstâncias do parágrafo único do
artigo 420 do CPC, que a perícia é desnecessária, poderá indeferi-la com base no
princípio da persuasão racional.
379
SIERRA, Humberto Briseño. Derecho procesal fiscal, p. 482.
169
Finalmente, vale ressaltar a importância da audiência preliminar do
artigo 331 do CPC, em que o juiz, após fixar os pontos controvertidos da causa,
decide sobre a necessidade da perícia.
2.9 INDÍCIOS, PRESUNÇÕES E FICÇÕES
Considerando que os termos indício e presunção aparecem
reciprocamente confundidos e indistintamente empregados, preferimos a
denominação de fato indiciário e de enunciado presuntivo.
Assentado isso, iniciemos por observar que as provas são
classificadas de acordo com o critério adotado. A classificação mais comentada
na doutrina é a que define a prova como direta ou indireta, em função da relação
entre o fato probando e o objeto da prova, quer dizer – segundo Michele Taruffo
– “entre el hecho jurídicamente relevante del que depende directamente la
decisión y el hecho del que la prueba ofrece la demonstración o la
confirmación”.
380
Se entre a prova e o fato a ser provado não se intercala
nenhum fato diferente, ou seja, se a prova versa diretamente sobre o fato a ser
provado, está-se diante de uma prova direta. Diversamente, quando o objeto da
prova está constituído por um fato diferente do fato a ser provado, está-se diante
de uma prova indireta.
380
TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos, p. 455.
170
A propósito, destaquemos a classificação de Jeremías Bentham.
381
Para esse autor, as provas podem ser diretas e indiretas (ou circunstanciais).
382
As provas diretas fornecem ao julgador uma idéia concreta do fato a ser
provado, sem a necessidade de recorrer-se a qualquer processo lógico. As provas
indiretas não se referem ao fato a ser provado, mas a outro que com ele se
relaciona, do qual, por trabalho de raciocínio dedutivo, se chega àquele.
383
381
Diz Bentham: “El testimonio puede referirse immediatamente al hecho principal: Pablo ha visto a Juan
cometer el delito en cuestión y entonces la prueba es directa. El testimonio puede referirse a algún hecho que no
sea el delito mismo, pero que se encuentre tan ligado a él que, establecida la existencia del segundo, resulte una
presunción más o menos fuerte de la existencia del primero. Se ha cometido un robo en la casa de A; su criado
ha huido en la noche del robo. Esta huida constituye una prueba circunstancial contra él. Todas las pruebas reales
son circunstanciales. A es acusado de haber expandido moneda falsa; en su casa se han encontrado diversos
instrumentos que sirven para fabricar moneda, o recortes y raspaduras de metal. Éstas son las pruebas reales y
circunstanciales contra él.” (BENTHAM, Jeremías. Tratado de las pruebas judiciales, p. 16.)
382
No direito norte-americano também há previsão quanto à prova circunstancial (ou indireta). A regra 401, das
Regras de Evidência para o Circuito Federal, define o sentido de “prova relevante” nos seguintes termos:
“Relevant evidence means evidence having any tendency to make the existence of any fact that is of
consequence to the determination of the action [consequence of the case] more probable or less probable than it
would be without the evidence. Por sua vez, a regra 402, das Regras de Evidência para o Circuito Federal, cuida
da questão da admissibilidada da prova: “All relevant evidence is admissible, except as otherwise provided by
the Constitution of the United States, by Act of Congress, by these rules, or by other rules prescribed by the
Supreme Court pursuant to statutory authority. Evidence which is not relevant is not admissible”. Michael H.
Graham explica que a “prova relevante” mencionada em tais dispositivos pode ser direta ou circunstancial. Diz o
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Miami: “Relevant evidence may be either direct or
circumstantial. Direct evidence is evidence where the sole inference which must be made to establish a fact of
consequence is the truth of the matter asserted. Testimony such as ‘I saw X shoot B’, is direct evidence as to a
fact of consequence. Circumstantial evidence involves evidence offered to establish a fact of consequence where
an inference in addition to the truth of the matter asserted need be made. Thus testimony that X fled the scene
would be both direct evidence of flight and circumstantial evidence of the murderous act.” (GRAHAM, M. H.
Evidence: an introductory problem approach. St. Paul: West Group, 2002, p. 17.)
383
Segundo Echandía: “Suele decirse que en la prueba directa o inmediata de la indirecta o mediata, según que el
hecho objeto de la prueba sea o no el mismo hecho por probar, es decir, el que constituye el tema de prueba; se
contempla el modo o la manera cómo el objeto de la prueba practicada sirva para demonstrar el hecho que quiere
probarse; si directa o indirectamente. Prueba directa es entonces aquella que presenta esa identificación, de tal
modo que sólo existe un hecho que es al mismo tiempo el objeto de ella y aquel cuya prueba se persigue, aunque
el juez no perciba ese hecho, es decir, basta que el medio de prueba recaiga directamente sobre el hecho por
probar; por ejemplo: las confesiones, los testimonios, los dictámenes de peritos y las inspecciones judiciales,
cuando versam sobre el hecho que desea probarse. Prueba indirecta viene a ser, en cambio, la que versa sobre un
hecho diferente del que se quiere probar o es tema de prueba, de manera que el segundo es apenas deducido o
inducido del primero, por una operación lógica o el razonamiento del juez; por conseguiente, sólo la prueba
indiciaria o circunstancial tendría siempre ese carácter, pues los demás medios pueden ser pruebas directas
cuando recaigan sobre el mismo hecho que desea probarse (el testimonio de quien presenció el homicidio o el
cultivo de un terreno; la confesión del autor del hecho; el documento que lo narra; la inspección para probar ese
cultivo); o indirectas cuando recaigan sobre otro hecho que le sirva de indicio (el testimonio, o la confesión o el
documento acerca de un hecho que sirva de indicio de relaciones sexuales, o del homicidio; la inspección de un
hecho, como rastro de sangre o huellas de pies, que sirva de indicio del crimen).” (ECHANDÍA, Hernando
Devis. Compendio de la prueba judicial, p. 224-225.) Ver também, a esse respeito: CARNELUTTI, Francesco.
Instituciones del nuevo proceso civil. Buenos Aires, [s.n.], 1959, Tomo I, p. 259; GORPHE, François.
171
Salienta Eduardo Cambi que na prova direta a atividade probatória
depende da percepção do fato pelo juiz, ao passo que na prova indireta o
conhecimento dos fatos depende de uma fonte de representação ou de um fato
intermediário.
384
Para os que adotam essa classificação, a prova documental, a prova
testemunhal, a prova pericial, a inspeção judicial e a confissão são modalidades
de prova direta; e os indícios e as presunções são espécies de prova indireta.
Mantenhamos na retentiva que a prova indireta (por indício ou
presunção) é aquela que não utiliza como instrumento uma pessoa nem uma
coisa, mas um fato ou um ato.
A palavra latina indicium é uma derivação de indicere, que
significa “indicar, fazer conhecer algo”. Frise-se, por oportuno, que a etimologia
da expressão fato indiciário traz ínsita a idéia de que a prova também se refere a
fatos ou indícios materiais.
Segundo Michele Tarufo, o termo indício vem sendo aproveitado
em pelo menos três sentidos antagônicos.
Numa primeira acepção, típica da doutrina menos recente, o indício
é sinônimo da presunção, na medida em que indica a razão ou o argumento
mediante o qual se vinculam dois fatos, extraindo de um deles conseqüências
para o outro.
L’appréciation des preuves en justice, p. 43-44; ROCCO, Ugo. Trattato di diritto processuale civil. Torino:
[s.n.], 1966, Tomo II, p. 189; BONNIER, Édouard. Traité des preuves, p. 16-20.
384
Cf. CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância, p. 357.
172
Em outra acepção, também muito difundida, o indício se distingue
da presunção, já que faz referência aos elementos de prova que, mesmo dotados
de eficácia probatória, não apresentam os pressupostos exigidos pela lei para o
uso das presunções simples. É, portanto, algo semelhante às presunções simples,
mas incapaz de dar lugar a uma verdadeira presunção stricto sensu.
E, finalmente, numa terceira acepção, mais rigorosa e mais clara, o
indício consiste no “fato conhecido” ou no “fato-fonte” que, por via de
raciocínio, constitui a premissa da inferência presuntiva sobre o fato
desconhecido. Nesse contexto, o indício é qualquer elemento, circunstância ou
comportamento que na ótica do julgador seja importante, já que dele podem
derivar conclusões relativas ao fato a ser provado.
385
Vê-se que, apesar de longa, a lição é didática.
Na Teoria da Informação, há três tipos de signos: o ícone, o
símbolo e o índice ou indício. O ícone mantém uma relação motivada com o
elemento representado, como a fotografia de alguém, uma estátua, um quadro. O
símbolo é arbitrário e, às vezes, relativamente motivado, como as palavras de
uma língua, como a cruz romana para indicar a fé em Cristo, como a cruz
suástica para indicar o nazismo, como a foice e o martelo, como a balança
(Justiça), como a pomba com um ramo de oliveira (paz), etc. O índice ou indício
relaciona duas coisas como causa e efeito, sem intenção comunicativa: nuvem
negra é indício que leva à presunção de chuva, marca de pés na areia é indício
173
da passagem de alguém, etc.
386
Presunção é a idéia que faz alguém diante de um
índice ou indício.
O indício e a presunção supõem conceitos distintos, que se
complementam.
387
O indício é o meio; a presunção o resultado. Sabedor dessa
situação, Paulo de Barros Carvalho ensina: “É através do indício que se pode
chegar ao fato desconhecido, de tal forma que, positivo seu resultado, estaremos
diante de uma presunção.”
388
Por outras palavras: o indício é um elemento verossímil que, em
razão da relação de interdependência que mantém com o fato a ser provado, abre
caminho para a verificação da verdade. Eis o motivo pelo qual Nicola Framarino
Dei Malatesta esclarece: “Confirmamos, por conta própria, a nossa noção: o
indício é aquele argumento probatório indireto que deduz o desconhecido do
conhecido por meio da relação de causalidade.”
389
Mittermaier chama indício “um fato em relação tão precisa com um
outro fato que de um o juiz chega ao outro por uma conclusão toda natural. É
385
Cf. TARUFFO, M. La prueba de los hechos, p. 479-480.
386
Cf. PIGNATARI, Decio. Informação. Linguagem. Comunicação. 5.ed. São Paulo: Perspectiva, 1971, p. 28.
387
Renomados juristas divergem sobre a possível distinção entre indício e presunção. Para C.J.A. Mittermaier,
indício e presunção são sinônimos. (MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da prova em matéria criminal, p. 323-
327.) De acordo com Jaime Guasp, indício nada mais é do que outra denominação possível de presunção.
(GUASP, J; ARAGONESES, P. Derecho procesal civil, Tomo I, p. 453.) Segundo Rafael de Pina, a distinção
entre indício e presunção é necessária, embora não seja simples. No original: “Presunción e indicio no son
términos que deban tomarse como sinónimos. No obstante, los tratadistas y los legisladores los confundem con
bastante frecuencia. La distinción entre presunción e indicio es, a nuestro juicio, obligada, aunque no sea,
naturalmente, sencilla.” (DE PINA, Rafael, p. 244.) Como se pode ver, essa lição não expressa com eficiência e
singeleza a posição do autor acerca do tema. Por fim, François Bonnier enuncia que o indício é a presunção
simples em matéria criminal. No original: “Au criminel, les présomptions, qu’on appelle plus volontiers índices,
ont une extrême importance.” (BONNIER, F. Traité des preuves, Tomo II, p. 395.)
174
preciso que haja na causa dois fatos, um verificado, outro não estabelecido, e
que se trata de demonstrar, raciocinando do conhecido para o desconhecido”.
390
Moacyr Amaral Santos, com lastro em Sabatini, explica que a
diferença entre indício e presunção está na diversidade da ilação: ilação
presuntiva ou meramente dedutiva, e ilação indiciária ou indutivo-dedutiva. São
suas estas palavras:
“Dado o fato conhecido, ou seja a circunstância particular, faz-se, primeiro, um
trabalho de indução para ligar esse fato a um princípio legal, fundado na observação
dos caracteres comuns que se encontram nos fatos análogos: e o princípio não é senão
a determinação do caráter comum como lei geral. Assim, o tremor, a palidez do
acusado diante do juiz se ligam, por experiência, à emoção causada pela consciência
do próprio crime. Formada a lei psicológica, desce-se desta, por dedução, à sua
aplicação ao caso concreto, inferindo que Tício tenha a consciência do delito e seja,
pois, culpado. Processo indutivo-dedutivo: prova indiciária. Diversamente, na
presunção não há trabalho indutivo, porque falta o elemento particular do qual se
movimenta até a lei geral. A lei é formada na nossa consciência e dela se procede
diretamente para atribuí-la ao sujeito processual, aplicando-se a este como espécie,
que é, do gênero a que a lei se refere.”
391
Indício é o fato conhecido (sinal, vestígio, rastro, pegada,
circunstância, comportamento etc.) do qual se parte para o desconhecido, por
meio da relação de causalidade.
Tomemos um exemplo trivial que contribuirá para esclarecer
suficientemente esse ponto.
388
CARVALHO, Paulo de Barros. A prova no procedimento administrativo tributário. Revista dialética de
direito tributário, São Paulo, n. 34, p. 109, jul. 1998.
389
MALATESTA, N. F. A lógica das provas em matéria criminal. São Paulo: Saraiva, 1960, Vol. I, p. 220.
390
MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da prova em matéria criminal, p. 323.
391
SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial, Vol. V, p. 351.
175
Suponhamos uma ação de indenização por danos causados em
acidente de trânsito. O objetivo é provar que o réu, condutor do veículo,
trafegava em velocidade superior à permitida no momento em que se deu a
colisão. Se uma terceira pessoa (bystander) afirma que o réu conduzia o veículo
a 140 kilômetros por hora na via urbana, estamos diante de um testemunho
(prova direta). No entanto, se essa mesma pessoa apenas confirma que no asfalto
foi deixada uma marca de freagem de 15 metros, temos um indício, por meio do
qual o juiz pode deduzir que a velocidade a que viajava o réu era excessiva.
Sob o ponto de vista cronológico, Gorphe classifica os indícios em
anteriores, concomitantes e posteriores.
392
Quanto à eficácia dos indícios para
supor o fato a ser provado, o autor classifica os indícios em necessários e
contingentes.
393
Fala-se, ainda, em indícios positivos e negativos, causais e
efectuais; materiais e psicológicos.
Acreditamos que as classificações que existem são
substancialmente acadêmicas e carecem de interesse prático.
Mas qual é a força substancial e probatória do indício? A medida
dessa força probatória é encontrada na natureza íntima da prova, que
determinamos por meio da relação de causalidade.
392
Diz Gorphe: “Au point de vue chronologique, on a pu diviser les indices en antécédents, concomitants et
subséquents, selon le temps òu ils se situent par rapport au délit. Dans la première catégorie, on range les
menaces faites à la victime; dans la seconde, la découverte sur les lieux d’une arme appartenant à l’inculpé; dans
la troisième, la fuite de celui-ci.” (GORPHE, François. L’appréciation des preuves en justice, p. 251.)
393
Referindo-se à P. Ellero, Gorphe conclui: “Ellero pose en principe que, si plusieurs indices se rapportent à
une seule cause, leur concours vaut comme indice nécessaire, parce qu’il indique nécessairemente le fait en
question; or, la preuve indiciale est parfaite quand les índices indiquent nécessairement le fait comme cause de
tout ce qui a été manifesté. Des indices isolés sont ‘contingents’, c’est-à-dire n’apportent que des indications ou
176
O indício não precisa ser, necessariamente, um “fato provado”,
basta ser um “fato conhecido”; até porque um fato notório, mesmo não
dependente de prova, pode ser considerado um indício, nos termos do artigo
334, I, do CPC.
394
Percorrido o tópico do indício, cumpre-nos, agora, debruçar-nos
sobre a presunção.
Na sua acepção etimológica a palavra presunção vem do latim
praesumptio, derivada do verbo sumo, sumpsi, sumptum, sumere, que está na
raiz de sumptuoso, sumário, resumo, súmula, etc, e da preposição prae, que
expressa “algo que vem antes”. Partindo da premissa de que os enunciados são
seqüências significativas de palavras ou de orações, a presunção é, antes de
tudo, um enunciado.
395
Por conta de tais colocações, sugerimos o qualificativo
enunciado presuntivo.
396
Juridicamente, a presunção é a inferência que a lei ou o magistrado
extrai de um fato (conhecido) para estabelecer a verdade de outro
(desconhecido). Segundo Casimiro Varela, “La presunción resulta una
operación mental, por médio de la cual, estableciendo las debidas relaciones, se
puede llegar al conocimiento de otro hecho”.
397
des soupçons; mais des indices différents et concordants valent comme ‘nécessaires’, c’est-à-dire, donnent une
véritable preuve.” (GORPHE, François. Op. cit. p. 340.)
394
Cf. CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância, p. 362.
395
Cf. GUIBOURG, Ricardo; GHIGLIANI, Alejandro; GUARINONI, Ricardo. Introducción al conocimiento
cientifico, p. 64.
396
Segundo Antônio Houaiss, o adjetivo presuntivo significa: “1 que se pode presumir; presumível; 2 que tem
possibilidades de ser; provável; 3 baseado em presunção ou probabilidade...” (HOUAISS, A. Dicionário
Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, s. v. Presuntivo).
397
VARELA, C. Valoración de la prueba: procedimientos civil, comercial y penal, p. 170.
177
Colhemos esta definição do artigo 1.349 do Código Civil francês:
“présomptions sont des conséquences que la loi ou le magistrat tire d’un fait
connu à un fait inconnu”. O Código Civil italiano, em seu artigo 2.727,
praticamente repete a redação do artigo 1.349 do CC francês: “presunzioni sono
le conseguenze che la legge o il giudice trae da un fatto noto per risalire a un
fatto ignorato”. O mesmo argumento foi utilizado pelo legislador português:
“presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido
para firmar um facto desconhecido” (artigo 349).
Não é difícil notar que as presunções são constituídas de três
elementos: (i) o fato conhecido; (ii) o fato desconhecido; e (iii) a relação de
causalidade. O fato conhecido é havido como provado pela lei, que também tem
como reconhecida e preestabelecida a relação de causalidade.
Conseqüentemente – escreve Aguilera de Paz citado por Moacyr Amaral Santos
– “é indispensável que o fato-base da presunção (o fato auxiliar, o indício) esteja
plenamente provado, e isso é da essência e do fundamento das presunções,
porque estas, independentemente de sua classe, necessitam partir de um fato
conhecido, vale dizer, de um fato provado, do qual possa se inferir o fato
desconhecido havido como certo pela presunção. Se o fato-base tem que ser
provado, não pode haver dúvida nenhuma de que sua prova compete ao
favorecido pela presunção.”
398
398
PAZ, Aguilera de., Apud SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao código de processo civil, Vol. IV, p.
50.
178
As presunções classificam-se em simples ou do homem
(praesumptiones hominis), fruto da própria convicção do aplicador do Direito, e
legais ou de direito (praesumptiones juris), ou seja, veiculadas por lei. Alberto
Trabucchi fala sobre o assunto: “La presunzioni si dicono legali, se la legge
stessa stabilisce imperativamente le conseguenze che si debbono trarre dalla
provata esistenza di certi fatti; semplici, o di fatto, o dell’uomo, se è lasciato al
giudice di valutarne criticamente il significato”.
399
As presunções legais são criadas para facilitar a prova e dar
segurança a certas situações de ordem social, diminuindo a possibilidade de o
juiz agir arbitrariamente ao apreciar determinadas questões de fato. Sobre esse
ponto diz Liebman: “con le presunzioni legale (sostanziale) la legge mira a dare
una determinata configurazioni ad un rapporto o stato giuridico e le dispensa
dalla prova di uno dei fatti o requisiti che lo integrano è l’espediente tecnico con
cui tale risultato è raggiunto.”
400
As presunções legais podem ser subdivididas em: (i) absolutas,
peremptórias ou juris et de jure, as que não admitem prova em contrário; (ii)
relativas, disputáveis ou juris tantum, as que a lei expressamente estabelece
como verdade enquanto não há prova em contrário; e (iii) mistas ou
intermediárias, contra as quais são admitidos apenas os meios de prova
previstos em lei.
399
TRABUCCHI, A. Istituzioni di diritto civile, p. 235.
400
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile, Vol. II, p. 95.
179
As presunções legais absolutas não admitem prova em contrário,
pois a lei confere eficácia definitiva aos fatos que a lei prevê, vinculando as
partes e o juiz. “A autoridade do magistrado” – assinala Eduardo Cambi – “é
substituída pelo juízo preventivo e abstrato do legislador; por isso, o juiz se
limita, unicamente, a verificar os pressupostos fáticos para a aplicação da
valoração probatória eleita pelo legislador, sem a possibilidade de formar a sua
própria convicção.”
401
Por exemplo, se ficar provado que o mandatário deu
início à execução do mandato, presume-se que tacitamente o aceitou.
402
As presunções legais relativas admitem prova em contrário. Por
exemplo, na falta de contestação reputam-se verdadeiros os fatos alegados pelo
autor (artigo). Entretanto essa presunção é relativa, porque o juiz não é adstrito
ao acolhimento da ação, quando os fatos articulados na inicial não o levem a
tanto (princípio do livre convencimento). Devemos alertar para a norma do
artigo 320 do CPC, a qual enumera casos em que a revelia não induz à
presunção iuris tantum. Destarte, como não há presunção de veracidade sobre os
fatos não contestados, sobre eles há que se fazer prova, não incidindo o artigo
334, IV, do CPC.
As presunções legais mistas não admitem todos os meios de prova
em contrário, mas somente aqueles previstos em lei. Segundo Moacyr Amaral
Santos, as presunções mistas “pertencem a uma categoria de presunções legais
401
CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância, p. 367.
402
Art. 659 do Código Civil: “A aceitação do mandato pode ser tácita, e resulta do começo de execução.”
180
intermédias entre as absolutas e as relativas, participando do caráter de umas e
de outras, sem com elas se confundirem” (ex.: artigo 203 do Código Civil).
403
As presunções simples ou judiciais, também denominadas de fato,
ou hominis, não são estabelecidas na lei. Ao contrário, são presunções de que o
juiz se serve, no correr da lide, para formar a sua convicção, como faria qualquer
raciocinador fora do processo.
404
É o juiz quem, conhecido o indício, livremente
desenvolve o raciocínio e extrai a conclusão, que é a presunção. Por exemplo,
quando o veículo x colide na traseira do veículo y, presume-se a culpa de x.
De nossa parte, sustentamos que tanto os indícios quanto as
presunções são elementos de prova (indireta).
Traibel resume tal sentimento, ao dizer: “En primer lugar, podemos
decir que la presunción es una prueba indirecta, por cuanto probará un hecho no
por su existencia real sino por medio de un antecedente
conocido, que permite
por medio de un razonamiento, llegar al hecho presumido.”
405
Tal observação não escapa à critica de Liebman: “Perciò la
presunzione non è un mezzo di prova, bensì una operazione di elaborazione
delle prove raggiunte con altri mezzi.”
406
403
SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial, Vol. V, p. 427.
404
Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. 4.ed. Napoli: Jovene, [s.d.], p. 853.
405
TRAIBEL, José Pedro Montero. La prueba en el procedimiento de gestión tributaria. In: TÔRRES, Heleno
Taveira (Coord.). Teoria geral da obrigação tributária: estudos em homenagem ao Professor José Souto Maior
Borges, p. 510.) Outra não é a lição de Fabiana del Padre Tomé: “Os indícios e as presunções são considerados
modalidade de prova indireta, em que, a partir de um fato provado, se chega, dedutivamente, ao fato principal,
que se deseja demonstrar”. (TOMÉ, Fabiana del Padre. A prova no direito tributário, p. 130.)
406
LIEBMAN, E. T. Manuale di diritto processuale civil, Vol. II, p. 95. Nessa mesma linha, diz Jônatas
Milhomens: “As presunções não são meios de prova; não são, por sua natureza, prova; convertem-se em prova
por sua fortuita conexão com o fato a provar.” (MILHOMENS, J. A prova no processo, p. 166.)
181
Se considerarmos a prova com um resultado, a presunção será uma
prova; se considerarmos a prova em sua totalidade, a presunção não será uma
prova, mas apenas parte dela.
Ora, a par da evidência de que a presunção, como as demais provas,
não é um elemento estático, mas dinâmico,
407
quer dizer, percorre um caminho
que leva, por via da inferência, a uma conclusão presumível, não há como não
conceber a presunção como prova, se esta for compreendida como “resultado”.
Merece destaque o processo de formação da presunção desenhado
por Enrique Falcón: “En primer lugar aparece una serie de elementos o fuentes
probatorias cuyo alcance aun desconocemos. Al recolectarlas y ordenarlas en
función de la lógica de nuestra investigación observamos que ellas por sí
mesmas no pueden demostrar un hecho: son simples rastros, huellas, vestigios,
circunstancias. Son fuentes recolectadas. El paso siguiente es adverarlas, es
decir, mostrar su autenticidad. Esto se podrá hacer por los distintos medios
probatorios existentes. Pero la adveración de fuentes probatorias de por sí no
demuestra el hecho o los hechos del proceso. Es necesario que esas fuentes
407
Este é o parecer de Salvatore Satta: “Il secondo aspetto della prova è quello dinamico, e cioè in rapporto alla
effettiva verifica di un fatto: e questo aspetto si può chiamare propriamente processuale, perchè la verifica del
fatto avviene nel processo; più precisamente perchè oggetto della verifica è il fatto che si allega nel processo
come constitutivo o estintivo di un diritto. Questa verifica pressuppone pertanto una duplicità di soggetti: uno
che allega un fatto (obbiettivamente, un fatto allegato) e uno che accerta il fatto (obbiettivamente, un giudizio). Il
fatto allegato diventa certo attraverso la reppresentazione che il primo determina e riesce a determinare nel
secondo. Processualmente la prova (come risultato) è questa rappresentazione: ma si chiama prova anche
l’operazione per cui la reppresentazione tende a determinarsi. Le prove staticamente considerate dal diritto
sostanziale sono i mezzi (o le fonti) della rappresentazione, ma non queste soltanto”. (SATTA, Salvatore. Diritto
processuale civile, p. 160.)
182
tengan una completividad que convenza objetivamente al espíritu sobre la
ocurrencia y dirección de los hechos.”
408
Adiantamos, linhas atrás que, em nosso entender, a presunção é o
resultado de um trabalho intelectual e lógico, mediante o qual do fato conhecido,
cuja existência é certa, concluímos o fato desconhecido, cuja existência é incerta
ou provável.
Segue um exemplo simplificado de enunciado presuntivo.
O proprietário de um imóvel (P) sofre ação de cobrança por parte
do Condomínio (C), na qual lhe é exigido o pagamento das cotas condominiais
referentes aos anos a, b, c, d, e, f e g. Diante da escassez de outras provas
(diretas e indiretas), P apresenta em juízo os comprovantes de pagamento dos
anos h, i, j, k, l, m e n. Ao verificar que não há nenhum outro tipo de prova, a
não ser os recibos apresentados por P, o juiz conclui pela improcedência da
ação, sustentando, na sua ratio decendi, que das quitações dos derradeiros anos
(fato conhecido) se infere que o pagamento dos seis anos anteriores (fato
desconhecido) foi efetivado.
Só faltou dizer que parte da doutrina de vanguarda insiste em não
considerar a presunção como meio de prova, pois de um único fato (conhecido)
se poderiam obter conclusões logicamente diferenciadas.
A erronia desse raciocínio, que tem a corroborá-lo figuras da
estirpe de Michele Taruffo, reside precisamente no fato de que “[...] lo que
408
FALCÓN, E. Tratado de la prueba, Vol. II, p. 454-455.
183
interessa es que, sobre un fondo de irreducible equivocidad teórica, se llegue sin
embargo a formular una inferencia dotada de univocidad práctica: ésta se
produce cuando la inferência en cuestión atribuye un grado prevaleciente de
confirmación a la hipótesis sobre el hecho a probar, es decir, cuando entre las
diversas conclusiones que se pueden obtener a partir del ‘hecho conocido’ la
más probable es aquella que confirma la hipótesis sobre el hecho a probar. Así
pues, se dispone de una inferencia presuntiva ‘precisa’ cuando ésta produce
conclusiones probables sobre el hecho a probar, es decir, cuando la conclusión
más probable que de ella se puede extraer se refiere a ese hecho.”
409
Passemos, sem demora, às ficções. Ficção, vem do latim fictio, -
onis que significa “ação de fingir”, “suposição”, “hipótese”, “criação”.
Em seu sentido jurídico, as ficções legais são autênticas normas de
direito material e consistem em criações arbitrárias da lei, que passa a admitir
como verdadeiro algo que não o é.
Tendo utilizado a sinonímia norma jurídica/proposição normativa,
sentimo-nos inteiramente à vontade para dizer que, se as ficções são normas
jurídicas, com seus respectivos atributos, logo são proposições jurídicas. Nessa
senda, para não corrermos o risco de cair na armadilha da desordem
terminológica, preferimos empregar o signo artificial proposição normativa
fictícia ou, simplesmente, presunção fictícia.
409
TARUFFO, M. La prueba de los hechos, p. 474.
184
Distinção marcante entre as ficções e as presunções legais é que,
nas ficções, a lei estabelece como verdadeiro aquilo que é manifestamente falso,
enquanto que, nas presunções, a lei estabelece como verdadeiro um fato que
provavelmente o é.
410
2.10 PROVA EMPRESTADA
À primeira vista, como o juiz é o principal destinatário das provas,
as quais são produzidas com a finalidade de formar o seu convencimento sobre
os fatos controvertidos da demanda, seria fundamental que todas as provas
fossem produzidas sob sua direção, ou seja, seria necessário que o juiz tivesse
contato direto com as provas.
Antes da elaboração do Código de Processo Civil de 1939 – quando
foi sugerido o instituto da prova emprestada – a doutrina já debatia a questão do
transporte da prova de um processo para outro.
Os dois principais argumentos contrários à prova emprestada eram
a ofensa ao princípio da imediação do juiz na colheita da prova, segundo o qual
deve haver contato direto entre o juiz e a prova, e a dificuldade de se apurar a
identidade da relação jurídica substancial, quando os litigantes fossem distintos.
Diferentemente do segundo, ao primeiro argumento se deparam
entraves de ordem prática e legal. Há casos em que o princípio da imediação e o
princípio da identidade física do juiz – pressupostos do princípio da oralidade –
sofrem variações impostas pela realidade. Por exemplo, quando o juiz, que
410
Cf. SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial, Vol. IV, p. 395-400.
185
assume a causa na qual foi encerrada a fase instrutória, encontrar dificuldades
em apreciar os elementos probatórios, pelo fato de não ter participado
fisicamente da audiência na qual foram colhidas algumas dessas prova, pode
mandar repetir as provas já produzidas. É o que determina o parágrafo único, do
artigo 132, do CPC.
De antemão, advertimos que a prova produzida no juízo deprecado
não deve ser entendida como prova emprestada, pois o juízo deprecado nada
mais é do que uma extensão do juízo deprecante. Um exemplo ajudará a
compreender a situação: quando uma testemunha, que não reside no juízo em
que se processa a demanda, depõe no foro onde mora, por não estar obrigada a
sair da sua residência, seu depoimento é considerado como se fosse prestado
perante o juiz da causa.
Prova emprestada é a prova constituída juridicamente em um
processo, e transportada pela forma documental a um outro processo, perante o
mesmo juízo ou outro.
Assim leciona Bentham: “Una prueba prestada o transportada es
una prueba que ya ha sido juridicamente establecida, pero establecida en otra
causa, de la cual se obtiene para aplicarla a la causa en cuestión”.
411
A prova emprestada pode ser pré-constituída ou casual. Ambas
podem ser trasladadas de um processo outro. Mas a pré-constituída – afirma
Pestana de Aguiar – “vale por si própria, tanto que não se revela, perante seu
186
conteúdo, como autêntica prova emprestada, eis que [sic] se formou antes do
processo de origem. É a prova casual ou simples produzida no curso de um
processo que, levado a outro, guarda as características de prova emprestada”.
412
Os problemas que exsurgem da prova emprestada não dizem
respeito às provas pré-constituídas, mas somente às provas simples ou casuais.
É determinante a observação feita por Moacyr Amaral Santos:
“Convém, desde logo, distinguir, na indagação dos efeitos da prova emprestada, as
provas pré-constituídas das provas simples ou casuais. As primeiras, as pré-
constituídas, conquanto tomadas de empréstimo de processo anterior, por si mesmas
têm valor probatório, não dão lugar a dúvida alguma. Valem, igualmente, em qualquer
juízo em que forem apresentadas. Isso não ocorre com as provas casuais ou simples
as que se colhem ou se produzem no decurso do processo, sem que tenham sido
intencionalmente constituídas e preparadas para a demonstração dos fatos ali
aventados pelos litigantes. O valor destas oscila de zero ao que lhes poderia ser
atribuído no curso da demanda. Precisamente sobre essas, sobre as provas casuais, é
que giram as divergências referentemente à sua eficácia, quando emprestadas de
processo anterior.”
413
Para que a prova emprestada conserve eficácia e valor no processo
a que se destina, é preciso que sobrevenham as seguintes condições: (i)
identidade de partes; (ii) identidade de fatos (probando e provado); e (iii)
impossibilidade de reprodução ou renovação da prova.
414
Por “partes idênticas” – anota Echandía – “[...] se entiende no
solamente las mismas personas físicas y jurídicas que intervinieron en el primer
411
BENTHAM, Jeremías. Tratado de las pruebas judiciales, p. 204.
412
SILVA, José Carlos Pestana de Aguiar. As provas no cível. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 364.
413
SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial, Vol. I, p. 315-316.
414
Testemunhas mortas ou desaparecidas; vestígios que não existem mais; etc.
187
proceso y lo hacen en el segundo, sino, también, los sucesores de aquéllas a
título universal o singular; es el mismo criterio que rige para la cosa juzgada”.
415
A identidade das partes está diretamente relacionada ao direito
constitucional ao contraditório, sobretudo ao direito à prova, resultando daí a
exigência de que a parte, contra quem a prova é invocada, tenha participado da
sua produção. A propósito, essa orientação se coaduna com a teoria central do
artigo de Giuseppe Tarzia, intitulado “Problemi del contraddittorio
nell’istruzione probatoria civile”:
“La norma dell’art. 310, 3º comma, c.p.c., secondo la quale le prove raccolte nel
processo estinto hanno, nel nuovo processo svolto tra le stesse parti, il solo valore di
‘argomenti di prova’, fornisce l’indicazione per una efficacia minore – comunque la si
configuri – di queste prove; un’efficacia, che non potrà di certo essere riconosciuta in
più lati confini per le prove raccolte in un diverso processo, civile penale o
amministrativo. Ma, di più, le indicazioni che si traggono sia da quella norma che
dall’art. 28 c.p.p., dopo l’intervento della Corte Costituzionale, orientano a ritenere
che le prove raccolte in un qualunque processo possano essere valutate in altro
processo – in termini assai più ristretti di quelli riconosciuti dalla dominante
giurisprudenza – subordinatamente alla partecipazione del soggetto, contro il quale la
prova è invocata, al processo, nel quale essa si è formata, o quanto meno al fatto che
in tale processo egli sia stato posto in condizione di intervenire”.
416
Referindo-se à identidade das partes, Eduardo Cambi consigna:
“[...] não há violação ao contraditório quando um terceiro, que não participou do
processo em que a prova foi produzida, possa [sic], na qualidade de parte do segundo
processo, pedir o empréstimo daquela prova, desde que a parte contra quem a prova
415
ECHANDÍA, H. D. Compendio de la prueba judicial, Tomo I, p. 176-177.
416
TARZIA, Giuseppe. Problemi del contraddittorio nell’istruzione probatoria civile. In: GLENDI, C; PATTI, S;
PICOZZA, E. (Coord.). Le prove nel diritto civile amministrativo e tributario. Torino: Giappichelli, 1986, p.
129-130.
188
emprestada seja usada tenha participado do primeiro processo (v.g., em acidente aéreo
que deixou várias vítimas, uma vez produzida a perícia que aponta falhas da
companhia aérea, esse mesmo laudo pode ser emprestado para todos os processos
decorrentes de ações de reparação de danos, movidas, em face da empresa aérea, pelas
famílias que perderam seus entes queridos).”
417
Um outro aspecto merece ser ventilado, qual seja a incompetência
do juízo em que foi produzida a prova emprestada.
Se a incompetência for relativa, e o réu opuser exceção declinatória
de foro (artigo 307 do CPC), os autos serão encaminhados ao juízo competente;
caso o réu deixe de excepcionar, prorroga-se a competência (artigo 114 do
CPC). Em qualquer circunstância, não há impossibilidade de empréstimo da
prova.
Do mesmo modo, a prova produzida em juízo absolutamente
incompetente não é considerada nula, podendo conservar sua eficácia de origem,
porque só podem ser anulados os atos decisórios do juiz incompetente (artigo
113, §2º, do CPC).
Em caso de repetição de ação já proposta, pode ser emprestada a
prova produzida no processo julgado extinto sem julgamento de mérito, salvo se
o motivo que deu causa à sentença terminativa não puder ser sanado (artigo 267,
IV, V e VI, do CPC).
Pode ser que a prova emprestada não se enquadre no conceito de
“documento novo” do artigo 485, VII, do CPC. Como pondera Eduardo Cambi,
“[...] tratando-se de ação rescisória, a prova emprestada não pode ser
417
CAMBI, Eduardo. A prova civil, p. 54.
189
considerada um documento novo (art. 485, inc. II, CPC), quando a parte não se
valeu dele em razão de sua desídia ou da sua negligência, quando o documento
se formou após o trânsito em julgado da sentença rescindenda ou, ainda, quando
o documento, cuja existência a parte ignorava ou do qual não pôde fazer uso,
não lhe era capaz de assegurar, por si só, o pronunciamento favorável”.
418
Tampouco pode ser emprestada a prova ilícita, por mais que tenha
sido (erroneamente) admitida e formada no processo originário. Evidentemente,
não nos referimos à prova de conversa telefônica obtida por autorização judicial,
que pode ser utilizada como prova emprestada no processo civil, desde que
respeitados os requisitos de validade de eficácia desta última. É o que está
regulamentado no artigo 5º, XII, da Carta Política de 1988:
“É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e
das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses
e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal.”
Olhando-se para trás, não restam dúvidas de que o artigo 332 do
CPC (“todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não
especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que
se funda a ação ou a defesa”) é um forte argumento em favor da prova
emprestada.
418
CAMBI, Eduardo. A prova civil, p. 60.
190
Para concluir, é possível afirmar que a prova emprestada é uma
espécie de prova atípica ou inominada, porque não se encontra expressamente
regulada pelo nosso ordenamento jurídico-processual.
2.11 PROVAS ILÍCITAS E ATÍPICAS
Como anota J. J. Gomes Canotilho, “[...] o procedimento e o
processo passaram a ser considerados como verdadeiros postos avançados dos
direitos, liberdades e garantias”.
419
De um lado, a Constituição modela o conjunto de normas
fundamentais de uma determinada comunidade; de outro, o processo define a
espécie que vai garantir a efetiva proteção de direitos e garantias individuais e
coletivos. Logo o processo é um instrumento de garantias.
420
O principal objetivo do processo é a justa composição dos conflitos
intersubjetivos de interesses. Para isso se exige que a atividade probatória das
partes se desenvolva, na expressão de Silva Melero, “por los modos legítimos y
las vías derechas”.
421
A idéia de que os elementos probatórios devem ser submetidos à
livre apreciação do juiz encontra limitações, especialmente no campo do Direito
Constitucional. Há situações – diz Cappelletti – em que “[...] el derecho a la
419
CANOTILHO, J. J. Gomes. Tópicos de um curso de mestrado sobre direitos fundamentais, procedimentos,
processo e organização. Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXVI, p. 155.
420
Nas palavras de Tucci e Tucci, as normas processuais são complemento ou atualidade das garantias
constitucionais. (Cf. CRUZ E TUCCI, José Rogério; TUCCI, Rogério Lauria. Constituição de 1988 e processo.
São Paulo: Saraiva, 1989, p. 2.)
421
SILVA MELERO, V. La prueba procesal. Madrid: [s.n.], 1963, Tomo I, p. 29-30.
191
prueba puede ceder frente a otros valores, en especial si están garantizados
constitucionalmente”.
422
Pelo que se pode ver, o tema da prova ilícita está intimamente
entrelaçado com a garantia inserida no artigo 5º, LVI, da Constituição Federal:
“são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
O que são provas ilícitas?
Provas ilícitas são as que a lei proíbe expressa ou tacitamente, seja
porque atentam contra a moral e os bons costumes, ou contra a dignidade e
liberdade do indivíduo, seja porque violam direitos e garantias fundamentais
amparados pela Constituição.
423
Por outras palavras, prova ilícita é aquela produzida com violação a
normas de Direito Material, sobretudo de Direito Constitucional. Por mais que
essa violação ocorra no plano do Direito Material, a ilicitude repercute no plano
do processual, tornando-a inutilizável ou ineficaz (nullum est, nullum producit
effectum).
424
Percebe-se nitidamente a diferença entre prova ilícita e prova
ilegítima. A primeiras são as que violam normas de Direito Material,
principalmente de Direito Constitucional, e as segundas, as que infringem
normas de Direito Processual.
Apesar de longa, a lição de Torquato Avolio é esclarecedora:
422
CAPPELLETTI, Mauro. Proceso, ideologías, sociedad. Buenos Aires: EJEA, [s.d.], p. 560.
423
Cf. ECHANDÍA, Hernando Devis. Compendio de la prueba judicial, Tomo I, p. 231.
192
“A prova ilegítima é aquela cuja [sic] colheita estaria ferindo normas de direito
processual. Assim, veremos que alguns dispositivos da lei processual penal contêm
regras de exclusão de determinadas provas, como, por exemplo, a proibição de depor
em relação a fatos que envolvam o sigilo profissional (art. 207 do CPP brasileiro); ou
a recusa de depor por parte de parentes e afins (art. 206). A sanção para o
descumprimento dessas normas encontra-se na própria lei processual... Diversamente,
por prova ilícita, ou ilicitamente obtida, é de se entender a prova colhida com infração
a normas ou princípios de Direito Material – sobretudo de Direito Constitucional,
porque, como vimos, a problemática da prova ilícita se prende sempre à questão das
liberdades públicas, onde estão assegurados os direitos e garantias atinentes à
intimidade, à liberdade, à dignidade humana... Para a violação dessas normas, é o
Direito Material que estabelece sanções próprias.”
425
A doutrina se manifesta de forma bastante controvertida a respeito
da prova ilícita. Encontramos opiniões favoráveis
426
e contrárias
427
à
admissibilidade da prova obtida ilicitamente.
No que tange à tese intermédiaria, afirma Nelson Nery Júnior:
“A ilicitude do meio de obtenção da prova seria afastada quando, por exemplo, houver
justificativa para a ofensa a outro direito por aquele que colhe a prova ilícita. É o caso
do acusado que, para provar sua inocência, grava clandestinamente conversa
telefônica entre outras duas pessoas. Age em legítima defesa, que é causa da exclusão
da antijuridicidade, de modo que essa prova antes de ser ilícita é, ao contrário, lícita,
ainda que fira o direito constitucional de inviolabilidade da intimidade, previsto no
art. 5º, X, CF, que, como já se disse, não é absoluto.”
428
424
Cf. AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações
clandestinas. 3.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 147.
425
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas, p. 43.
426
Citando Cardozo, escreve Jorge Kielmanovich: “En cambio, la segunda [tese], presidida por Cardozo, parte
de la premisa de que la prueba ilícita puede producir concretamente efectos probatorios jurídicamente
relevantes...” (Cf. KIELMANOVICH, J. L. Teoría de la prueba y medios probatorios, p. 105).
427
Ver, entre outros, Sentís Melendo: “Tales elementos probatorios [prova ilícita], aunque hayan llegado a entrar
en los autos, no deben quedar incorporados a ellos, no deben ser adquiridos para el proceso. Así cuando se trate
de pruebas obtenidas en violación de derechos constitucionalmente, o aun legalmente garantizados.” (CF
SENTÍS MELENDO, Santiago. La prueba, p. 228.
428
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 7.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 159. Segundo o autor, a tese intermediária é a que mais se coaduna com o que se denomina
princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeitsmaxime), devendo prevalecer sobre as proposições mais
radicais. Explica Nery que “segundo o princípio da proporcionalidade, também denominado ‘lei da ponderação’,
na interpretação de determinada norma jurídica, constitucional ou infraconstitucional, devem ser sopesados os
interesses e direitos em jogo, de modo a dar-se a solução concreta mais justa. Assim, o desatendimento de um
193
Ainda que a jurisprudência de nossos tribunais ordinários tenha
enveredado para a tese intermediária, que confronta bens jurídicos
constitucionalmente garantidos, a fim de admitir ou não a prova ilícita,
prevalece a “teoria dos frutos da árvore contaminada”. Vale a pena chamar a
atenção para este acórdão do Supremo Tribunal Federal:
“EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento: prova ilícita. 1. Admissibilidade, em tese,
do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e
postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação
a pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal. II. Provas ilícitas:
sua inadmissibilidade no processo (CF, art. 5º, LVI): considerações gerais. 2. Da
explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do
processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o
interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente
impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade - à luz de teorias
estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira - para sobrepor, à vedação
constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da
infração penal objeto da investigação ou da imputação. III. Gravação clandestina de
"conversa informal" do indiciado com policiais. 3. Ilicitude decorrente - quando não
da evidência de estar o suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou da falta de prova
idônea do seu assentimento à gravação ambiental - de constituir, dita "conversa
informal", modalidade de "interrogatório" sub-reptício, o qual – além de realizar-se
sem as formalidades legais do interrogatório no inquérito policial (C.Pr.Pen., art. 6º,
V) –, se faz sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio. 4. O
privilégio contra a auto-incriminação – nemo tenetur se detegere –, erigido em
garantia fundamental pela Constituição – além da inconstitucionalidade superveniente
da parte final do art. 186 C.Pr.Pen. – importou compelir o inquiridor, na polícia ou em
preceito não pode ser mais forte, nem ir além do que indica a finalidade da medida a ser tomada contra o preceito
a ser sacrificado”. (Cf. NERY JÚNIOR, Nelson. Op. cit. p. 158-161.) Nesse sentido, conferir Eduardo Cambi:
“[..] o ato de gravar as palavras de outrem deve ser permitido, mesmo sem o consentimento do outro, quando a
gravação estiver relacionada com as excludentes de ilicitude, que tornariam licita a invasão na privacidade alheia
e, por conseqüência, permitiriam a admissibilidade do meio de prova. Por exemplo, a vítima de um crime de
extorsão deve ter o direito de gravar secretamente as palavras que trocou com o agressor, com a finalidade de
utilizá-la como meio de prova, caso ajuíze ação de restituição de quantia indevidamente entregue.” (Cf. CAMBI,
Eduardo. A prova civil, p. 101.) De acordo com Nicolò Trocker, “legittima difesa e stato di necessità escludono
quindi la illiceità dell’interferenza nella sfera di privacy altrui ed eliminano di conseguenza anche eventuale
‘sanzioni processuali’ di inammissibilità”. (Cf. TROCKER, Nicolò. Processo civile e costituzione: problemi di
diritto tedesco e italiano. Milano: Giuffrè, 1974, p. 618.)
194
juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da
advertência – e da sua documentação formal – faz ilícita a prova que, contra si
mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão,
em "conversa informal" gravada, clandestinamente ou não. IV. Escuta gravada da
comunicação telefônica com terceiro, que conteria evidência de quadrilha que
integrariam: ilicitude, nas circunstâncias, com relação a ambos os interlocutores. 5. A
hipótese não configura a gravação da conversa telefônica própria por um dos
interlocutores – cujo [sic] uso como prova o STF, em dadas circunstâncias, tem
julgado lícito – mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica
alheia, ainda que com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: esta
última, dada a intervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia
constitucional do sigilo das comunicações telefônicas, e o seu registro só se admitirá
como prova, se realizada mediante prévia e regular autorização judicial. 6. A prova
obtida mediante a escuta gravada por terceiro de conversa telefônica alheia é
patentemente ilícita em relação ao interlocutor insciente da intromissão indevida, não
importando o conteúdo do diálogo assim captado. 7. A ilicitude da escuta e gravação
não autorizadas de conversa alheia não aproveita, em princípio, ao interlocutor que,
ciente, haja aquiescido na operação; aproveita-lhe, no entanto, se, ilegalmente preso
na ocasião, o seu aparente assentimento na empreitada policial, ainda que existente,
não seria válido. 8. A extensão ao interlocutor ciente da exclusão processual do
registro da escuta telefônica clandestina - ainda quando livre o seu assentimento nela -
em princípio, parece inevitável, se a participação de ambos os interlocutores no fato
probando for incindível ou mesmo necessária à composição do tipo criminal cogitado,
qual, na espécie, o de quadrilha. V. Prova ilícita e contaminação de provas derivadas
(fruits of the poisonous tree). 9. A imprecisão do pedido genérico de exclusão de
provas derivadas daquelas cuja ilicitude se declara e o estágio do procedimento (ainda
em curso o inquérito policial) levam, no ponto, ao indeferimento do pedido.”
429
Cândido Rangel Dinamarco lembra que se deve buscar o equilíbrio
entre o modelo dispositivo e o inquisitivo, isto é, reconhecer a inadmissibilidade
da prova ilícita como regra geral, mas mandar que o juiz tome iniciativas
probatórias em certos casos. O autor faz severas críticas à opção radical:
429
STF – 1ª Turma, HC 80949/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 30-10-2001, DJ 14-12-2001.
195
“A ineficácia das provas ilícitas constitui opção do constituinte de 1988, que, sensível
a clamores de parte da doutrina (Ada Pellegrini Grinover), quis ir além da mera
imposição de sanções severas aos autores de ilicitudes na captação de fontes
probatórias ou na realização da prova. Em si mesma, essa opção radical transgride
princípios constitucionais do processo ao exigir que o juiz finja não conhecer fatos
seguramente comprovados, só por causa da origem da prova: a parte, que nem sempre
será o sujeito responsável pela ilicitude (mas ainda quando o fosse), suportará
invariavelmente essa restrição ao seu direito à prova, ao julgamento segundo a
verdade e a tutela jurisdicional a que eventualmente tivesse direito. Mas o Supremo
Tribunal Federal já foi além, ao adotar a conhecida teoria dos frutos da árvore
contaminada para tachar de ineficazes as fontes de prova obtidas e também os meios
de prova realizados em desdobramento de informações obtidas mediante ilicitudes.
Essa extremada radicalização compromete de morte o acesso à justiça e constitui
grave ressalva à promessa constitucional de tutela jurisdicional a quem tiver razão
(Const., art. 5º, inc. XXXV) ”.
430
São exemplos de provas obtidas mediante violação a direitos e
garantias constitucionais – direito à honra, à intimidade e à privacidade (artigo
5º, X, da CF): o depoimento colhido de testemunha sob sigilo profissional
(artigo 5º, XIII); as gravações clandestinas e interceptações telefônicas
431
ilegais
(artigo 5º, XII);
432
a quebra do sigilo da correspondência e dos dados bancários
(artigo 5º, XII); a exumação de cadáver para a realização de prova científica
(exame de DNA) sem autorização judicial (v.g., artigos 210 e 211 do CP) etc.
430
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001, Vol.
III, p. 50.
431
Nos Estados Unidos, é admitido o uso de gravações telefônicas como meio de prova. Comentando a rule 901,
das Federal Rules of Evidence, Best informa: “A witness may authenticate a voice by testifying about familiarity
with it if the witness has a reasonable basis for recognizing and identifying the speaker. That type of familiarity
may be obtained in circumstances that provided a connection between that voice and the identity of the person
whose voice the witness testifies that it was. That method of authentication is allowed for voices heard in
telephone calls or in other ways”. (BEST, A. Evidence, p. 203.) No direito norte-americano, todo elemento de
prova “relevante” é admitido, exceto se houver normas ou razões específicas para excluí-lo (Rule 402 F.R.E).
432
A escuta telefônica só é permitida por ordem judicial, para fins de investigação criminal, tanto na fase do
inquérito policial quanto na instrução do processo penal, nos crimes cominados com pena de reclusão (artigos 1º
e 2º, III, da Lei 9.296/96).
196
A questão da admissão das provas ilícitas “por derivação” ainda
não é pacífica na doutrina e na jurisprudência brasileira. Prova ilícita por
derivação é aquela adquirida a partir de elementos colhidos de provas ilícitas.
Como exemplo, podemos citar a escuta telefônica autorizada, em
eventual crime de tráfico de drogas, por meio da qual se obtém informação de
outro ilícito. Neste caso, como esse outro ilícito não integra o objeto explícito da
autorização judicial da qual resultou a prova originária, ele não poderá ser
utilizado como prova.
433
Por último, temos no artigo 332 do CPC a vedação da utilização da
prova ilícita no processo civil. No entanto, reexaminando o artigo 332, não é
difícil notar que, se todos os “meios legais” são hábeis para provar a verdade dos
fatos, os “meios ilegais” devem ser admitidos. Queremos dizer que o referido
dispositivo não trata especificamente das provas ilícitas, mas dos meios de prova
atípicos.
Prova atípica ou inominada é toda prova diversa daquela
especificamente prevista e disciplinada na lei.
Constata-se um certo desentrosamento do ordenamento processual,
em matéria de admissibilidade e de aproveitamento dos meios de prova, quando
se fala em prova atípica.
Partindo-se do pressuposto de que o nosso catálogo probatório não
é taxativo, nem completo, já que se ocupa dos meios de prova que o legislador,
197
num dado momento, resolveu regular por meio de normas jurídicas particulares,
qualquer elemento “extracatálogo”
434
é utilizável, desde que seja lícito e útil
para determinar o fato objeto de prova.
De qualquer forma, deve o juiz estimar as provas em cada caso
concreto, valendo-se da sua experiência.
2.12 PROVA INFORMÁTICA
Convém gizar que informática jurídica e direito informático são
temas distintos. A primeira constitui uma ferramenta de ajuda para o operador
jurídico (v.g., sites jurídicos, softwares); a segunda é o conjunto de fontes do
Direito destinadas a regular as relações informáticas nos diversos campos do
Direito, sobretudo do Direito Processual (v.g., documento eletrônico,
transferência eletrônica de ativos financeiros, contratos por computador, regras
de proteção aos softwares, assinatura digital, além, é claro, das provas obtidas
eletronicamente).
435
O Brasil deu um grande passo em direção à modernidade com a
promulgação da Lei nº 11.419/06, que dispõe sobre a informatização dos
processos judiciais. Diz o artigo 1º da nova lei: “O uso de meio eletrônico na
433
Cf. NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição federal comentada e legislação
constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 768.
434
Cf. TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos, p. 409.
435
Cf. FALCÓN, Enrique M. Tratado de la prueba, p. 357-358. Como bem pondera Varela, “esta parte del
derecho informático constituye una cantidad de normas dispersas sin que al momento se haya establecido una
legislación específica sobre el tema, lo cual indudablemente ha de ocurrir dado el avance de la técnica en esta
materia”. (VARELA, C. A. Valoración de la prueba, p. 224.)
198
tramitação de processos judiciais, na comunicação de atos e na transmissão de
peças processuais será admitido nos termos desta Lei.”
Convém não perdermos de vista o foco deste capítulo, que é o
estudo das provas.
Já tivemos oportunidade de demonstrar que o artigo 332 do CPC
confere às partes o direito a qualquer meio de prova, ainda que não previsto em
lei. A única condição é de que o meio seja “moralmente legítimo”.
Logo a prova informática, espécie de prova atípica, poderá ser
admitida em juízo, desde que não seja produzida com infringência a normas de
Direito Material, especialmente de Direito Constitucional.
O que é prova informática?
Casimiro Varela, citando Guastavino, chama prova informática
“[...] la que resulta del tratamiento automático de la información por medio de
elaboradores electrónicos basados en la regra de la cibernética”.
436
De algum modo, a prova informática estará entrelaçada com o
documento-objeto. O vocábulo documento tem sido associado ao instrumento
papel. Os livros escritos, os contratos entre particulares, entre particulares e o
Estado, e entre Estados, bem como os tratados e todas as normas jurídicas, se
encontram representados por documento-papel.
437
Diz Pestana de Aguiar: “Documento é todo suporte material
idôneo, capaz de representar um ato jurídico, independentemente do tipo de
199
meio físico empregado. Dessa noção podem-se extrair duas conclusões
essenciais: tanto o suporte informático quanto o suporte convencional se
enquadram no conceito legal de documento, desde que ambos possam
representar um ato ou fato jurídico eletrônico. A validade desse suporte depende
da sua capacidade de se manter íntegro perante a parte contra quem forem
exibidos.”
438
Os documentos eletrônicos também servem para constituir uma
relação jurídica, como é o caso do contrato eletrônico. Contrato eletrônico é
aquele que é feito por meio de comunicação eletrônica (eletronic mail ou,
simplesmente, e-mail).
Pode-se afirmar que a grande dificuldade de admitir esses
documentos como meios de prova está na verificação da sua autenticidade,
mormente no que concerne à assinatura eletrônica. Falcón leciona que o
problema não está no documento eletrônico em si,
“[...] Sino por el modo de garantizar su fidelidad o para establecer la atribuición a
determinada persona. La posibilidad de alteración no es, en el fondo, mayor que la de
otro documento cualquiera. A medida que la ciencia avanza, hay mejores medios de
detección y mejores de falsificación. Pero la informática – contra lo que se cree –
tiene mayores medios de control y es más confiable.”
439
Antes da entrada em vigor da Lei 11.419, de 19 de dezembro de
2006, tínhamos apenas os enunciados dos artigos 335 do CPC, e 225 do novo
Código Civil, os quais passamos a transcrever, respectivamente:
436
GUASTAVINO Apud VARELA, Casimiro A. Valoración de la prueba, p. 224.
437
Cf. FALCÓN, E. M. Tratado de la prueba, p. 362.
438
SILVA, José Carlos Pestana de Aguiar. As provas no cível, p. 371.
200
“Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência
comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as
regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.”
“As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral,
quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem
prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a
exatidão.”
Hoje temos a aplicação do disposto no § 2º, III, do artigo 1º, da Lei
11.419/06. O parágrafo segundo admite duas formas de identificação do
signatário do documento eletrônico: (i) assinatura digital baseada em certificado
emitido por autoridade credenciada; e (ii) o cadastro do usuário no Judiciário.
O problema da distinção entre o documento original e o que seria a
sua cópia parece superado pelo artigo 11, da Lei 11.419/06: “Os documentos
produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia
da origem e de seu signatário serão considerados originais para todos os efeitos
legais.”
Além da prova documental, outros tipos de prova eletrônica têm
sido admitidos, entre os quais a inspeção judicial via internet e o depoimento de
presos por meio de videoconferência, com o auxílio de webcam.
Em recentíssimo artigo initulado “Inspeção judicial, internet e
contraditório”, André Garcia disse que a admissibilidade da inspeção judicial via
internet, sem notificação prévia da parte, não constitui ofensa ao princípio do
contraditório. São suas estas palavras:
439
FALCÓN, E. M. Op. cit. p. 365.
201
“No caso da Internet, como exposto anteriormente, deverá o juiz atentar para a
questão fática que lhe foi deduzida. Como regra, é possível dizer que bastará ao juiz o
conhecimento comum de navegação, sendo indispensável a presença de especialista...
Cuidando-se de inspeção judicial na Internet, bastará que o escrivão faça constar do
auto aquilo que ocorreu durante a navegação, descrevendo o que já foi constatado pelo
magistrado, de acordo com as suas orientações... Definido o contraditório pelo
binômio informação necessária e reação possível, o princípio não deixaria de ser
observado com a realização da inspeção judicial sem oitiva da parte contrária, em
caráter de urgência e quando se constatasse que a comunicação prévia poderia frustrar
a sua realização. Desse modo seria ao mesmo tempo garantida tanto a efetividade do
processo quanto a observância ao princípio do contraditório.”
440
Parece-nos que o ponto central da questão suscitada pelo autor não
está no contraditório, mas na licitude da inspeção virtual.
O juiz pode, de ofício, ou a requerimento da parte, determinar a
produção antecipada de provas. Ada Pellegrini Grinover, discorrendo sobre as
perícias antecipadas no processo penal, diz que há perícias que “têm natureza
cautelar e visam a assegurar o resultado da prova”. Para a autora não haveria
violação ao princípio do contraditório, que seria deslocado para momentos
sucessivos.
441
A questão está em saber se a inspeção virtual é prova licita ou
ilícita, e isso dependerá da tese a ser defendida: radical, liberal ou
intermédiaria.
442
Para concluir, caberá ao juiz, como de costume, avaliar a
admissibilidade e a importância da prova informática para o processo. Seja
440
GARCIA, André Almeida. Inspeção judicial, internet e contraditório. Revista dialética de direito processual,
São Paulo, n. 52, jul. 2007, p. 14-17.
441
GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1990, p. 29.
202
como for, não se pode descartar a possibilidade de se incorporarem ao
ordenamento jurídico os avanços tecnológicos nesse campo, sob pena de
retrocesso a arcaísmos já superados e de omissão à evolução por que passa a
sociedade, para a qual urge com simplicidade e rapidez resolver os inúmeros
problemas que enfrenta.
442
Ver subcapítulo 2.11.
203
3.
A PROVA DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO
3.1 Princípios estruturantes da atividade tributária. 3.2 O fato jurídico tributário e
o ato administrativo. 3.3 O lançamento como ato administrativo: características,
motivação e outros requisitos. 3.4 O contraditório no processo administrativo
tributário. 3.5 Verdade, verossimilhança, aparência e plausibilidade na tela
tributária. 3.6 Fato indiciário, enunciado presuntivo, proposição fictícia e
constituição do fato jurídico tributário. 3.7 O ônus da prova do fato jurídico
tributário. 3.8 Meios de prova: depoimento pessoal, prova testemunhal, pericial,
documental e diligência. 3.9 Procedimento da prova: proposição, produção e
valoração da prova na tela tributária. 3.10 A prova emprestada para a constituição
do fato jurídico tributário. 3.11 Quebra do sigilo bancário. 3.12 Denúncia
anônima, verdade sabida.
3.1 PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DA ATIVIDADE TRIBUTÁRIA
O vocábulo princípio deriva do latim principium (principii) e
significa origem, começo, base, alicerce, raiz. Em um sistema normativo – diz
Maria Elbe Queiroz – “o princípio é a primeira pedra ou o fundamento que
instaura e dá suporte ao nascimento de todas as demais normas dele
integrantes”.
443
443
MAIA, Maria Elbe Queiroz. Princípios que norteiam a constituição e o controle administrativo do crédito
tributário. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Teoria geral da obrigação tributária: estudos em homenagem
ao Professor José Souto Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 472. No mesmo sentido, escreve Celso
Antônio Bandeira de Mello: “[...] princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro
alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo
de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do
sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que
preside a intelecção das diferentes partes componentes de todo unitátio que há por nome sistema jurídico
positivo.” (Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 20.ed. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 902-903.)
204
Firmes nas premissas fitadas no primeiro capítulo, afirmamos que
os princípios também são normas, na medida em que determinam condutas
obrigatórias ou, na pior das hipóteses, proíbem condutas com eles
incompatíveis.
444
Os princípios são muito importantes para o hermeneuta, sobretudo
porque as normas jurídicas podem comportar várias interpretações. Assim,
diante de uma dúvida interpretativa, deve-se decidir o caso concreto à luz dos
princípios, porque estes “servem exatamente para indicar, entre as interpretações
possíveis, qual interpretação deve ser obrigatoriamente adotada pelo aplicador
da norma, em face dos valores consagrados pelo sistema jurídico”.
445
Os ramos do Direito Administrativo e do Direito Tributário são
rodeados por vários princípios que lhes são comuns, principalmente na parte
processual e procedimental.
No Direito Tributário, diz James Marins, “deve-se enfrentar o
dualismo procedimento/processo em três diferentes regimes jurídicos: 1º
procedimento enquanto caminho para consecução do ato de lançamento
(inclusive fiscalização tributária e imposição de penalidades); 2º processo como
444
FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.
64. Sob o olhar de Paulo de Barros Carvalho, “princípios são normas jurídicas carregadas de forte conotação
axiológica. É o nome que se dá a regras do direito positivo que introduzem valores relevantes para o sistema,
influindo vigorosamente sobre a orientação de setores da ordem jurídica”. (CARVALHO, Paulo de Barros.
Sobre os princípios constitucionais tributários. Revista de direito tributário, São Paulo, n. 55, jan/mar 1991, p.
143.)
445
FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Ob. cit. p. 64.
205
meio de solução administrativa dos conflitos fiscais; e 3º processo como meio de
solução judicial dos conflitos fiscais”.
446
Frise-se: tal como a atividade administrativa em geral, a atividade
tributária também se apresenta dotada de um quadro legal, que é composto por
um conjunto de princípios estruturantes.
447
A exigência da obediência aos princípios que circundam o
exercício da atividade administrativo-tributária resulta da necessidade de se
imporem limites para coibir atos discricionários, abusivos ou arbitrários por
parte dos agentes públicos.
448
Como ensina Hutchinson, citado por Alejandro
Altamirano,
“El equilibrio al que deben propender las relaciones que existen entre el particular y la
Administración Pública requiere un justo y eficaz sistema de garantías que compensen
las situaciones de sujeción en que aquél se encuentra”.
449
Entre os princípios que norteiam a análise das provas na tela
tributária, destacamos os seguintes: (a) princípio da legalidade objetiva; (b)
princípio da segurança jurídica (certeza do direito); (c) princípio da verdade
material; (d) princípio da justiça; (e) princípio da oficialidade; (f) princípio da
igualdade; (g) princípio do devido processo legal (ampla defesa e contraditório);
(h) princípio da proibição da prova ilícita.
446
MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro, p. 162.
447
Cf. PAIVA, Carlos. Da tributação à revisão dos atos tributários. Coimbra: Almedina, 2005, p. 145.
448
Cf. MAIA, Maria Elbe Queiroz. Op. cit. p. 473.
449
HUTCHINSON Apud ALTAMIRANO, Alejandro C. La prueba en el procedimiento y en el proceso
tributario en la república argentina. In: ROCHA, Sérgio André (Coord.). Processo administrativo tributário:
estudos em homenagem ao Professor Aurélio Pitanga Seixas Filho. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 105.
“Entenda-se por ‘lei’”, dizem Sérgio Ferraz e Adilson Dallari, “tanto uma específica modalidade de ato
normativo quanto o sistema jurídico como um todo, compreendendo, evidentemente, a Constituição Federal”.
(FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson de Abreu. Processo administrativo, p. 72.)
206
Um dos mais importantes princípios, senão o mais importante, é o
princípio da legalidade. Segundo o princípio da legalidade, a Administração
Pública está vinculada à Constituição e às leis, ou seja, “só pode fazer o que a lei
permite”.
450
Trata-se de princípio que nasceu com o Estado Democrático de
Direito e que constitui uma das principais garantias de obediência aos direitos
inviduais, inclusive o dos cidadãos contribuintes.
No direito positivo brasileiro, o princípio da legalidade está
consagrado nos artigos 37; 5º, II; 150, I da Constituição Federal, e 97 do Código
Tributário Nacional, respectivamente:
“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...”
“Todos são iguais perante a lei...
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei.”
“Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: exigir ou aumentar tributo sem lei que
o estabeleça.”
“Somente a lei pode estabelecer:
I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26,
39, 57 e 65;
III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o
disposto no inciso I do § 3º do art. 52, e do seu sujeito passivo...”
Tal princípio não permite que a Administração Pública, por simples
ato administrativo, crie direitos e obrigações, ou imponha vedações aos
450
Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19.ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 82.
207
administrados, a não ser que esteja amparada em lei;
451
se o fizer, o administrado
poderá se valer dos remédios constitucionais específicos contra a ilegalidade do
ato administrativo, como a ação popular, o habeas corpus, o mandado de
segurança (individual ou coletivo), o mandado de injunção etc., pois: “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º,
XXXV, da CF).
Como corolário imediato do princípio da legalidade, temos a
proposição prescritiva do artigo 332 do CPC, segundo a qual “todos os meios
legais são hábeis para provar a verdade dos fatos”. Veja-se que, ao contrário do
que afirma Susy Gomes Hoffmann,
452
a garantia constitucional prevista no
artigo 5º, LVI, da CF
453
não é conseqüência do princípio da legalidade, uma vez
que prova ilegal e prova ilícita são conceitos que não se confundem. Prova
ilegal é aquela produzida mediante violação do ordenamento jurídico como um
todo, seja de natureza substancial, seja de natureza processual, ao passo que a
prova ilícita é aquela de que a proibição é de natureza exclusivamente
substancial.
Sem que haja o devido enquadramento do fato (ou evento) à lei, ou
melhor, à norma tributária geral e abstrata, não serão produzidos os efeitos
jurídicos desejados, entre os quais, e principalmente, o fato jurídico tributário.
451
Idem, Ibidem.
452
Cf. HOFFMANN, Susy Gomes. Prova no direito tributário, p. 118.
453
“São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
208
O principal objetivo do princípio da legalidade é assegurar a
igualdade e a segurança jurídica.
O princípio da segurança jurídica
454
é um dos pilares que sustentam
o Estado Democrático de Direito; os outros são a Justiça e a igualdade.
O sobredito princípio busca preservar atos ou situações jurídicas já
estabelecidas, evitando que alterações resultantes de novas disposições legais
instabilizem a situação dos administrados.
Lacombe afirma ser a segurança jurídica princípio nuclear e
essencial à proteção do contribuinte, salientando, ainda, que “o princípio da
segurança jurídica não está expresso na Constituição; mas, além de ser
decorrência lógica da isonomia
455
, pois só poderá haver igualdade (perante a lei
e na lei) onde houver segurança jurídica, ele vem implementado pelo princípio
da legalidade, pela garantia à coisa julgada, ao direito adquirido e ao ato jurídico
perfeito, cujo corolário é a irretroatividade das leis [art. 150, III, a, da CF].
456
454
O valor da segurança jurídica não se limita à certeza do Direito. Neste ponto, é precisa a lição de José
Eduardo Soares de Melo: “em sentido estrito, a segurança manifesta-se como uma exigência objetiva de
regularidade estrutural e funcional do sistema jurídico, através de suas normas e instituições. Em sua face
subjetiva, apresenta-se como certeza do Direito, isto é, como projeção das situações pessoais. Em decorrência de
sua publicidade, o sujeito de um ordenamento jurídico pode saber com clareza, e previamente, aquilo que é
mandado, permitido, ou proibido”. (MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 45.)
455
Advertimos que a segurança jurídica incide na estrutura e na dinâmica de funcionamento do Direito como
justiça procedimental, ao passo que a igualdade forma parte da justiça material.
456
O princípio da segurança jurídica também exsurge da interpretação indutiva do princípio da anterioridade (art.
150, III, b, da CF). Hugo de Brito Machado resume bem a diferença entre o princípio da anterioridade e o
princípio da irretroatividade das leis: “O princípio da irretroatividade garante que os fatos anteriores à lei não
serão por ela alcançados e, assim, não produzirão as conseqüências por ela estabelecidas... O princípio da
anterioridade veda a cobrança de tributo fundado em lei que tenha sido publicada depois de iniciado o exercício
financeiro... Assim, se uma lei é publicada no mês de dezembro, a cobrança do tributo por ela criado só poderá
ocorrer a partir do primeiro dia do ano seguinte.” (Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da
tributação na Constituição de 1988, p. 95-96.) De igual modo, o artigo 5º, da Carta de 1988 contém vários
princípios que revelam o princípio da segurança jurídica, entre eles: o princípio da legalidade (5º II); princípio do
devido processo legal (5º LIV); as instituições do mandado de segurança (5º LXIX) e do habeas corpus (5º
LXVIII) etc.
209
Vem ainda implementado pelo princípio da separação dos Poderes e pela
possibilidade de recurso à justiça, exercida por Magistratura independente”.
457
Apesar de ser um princípio implícito, a segurança jurídica irradia
efeitos em todos os ramos do Direito, inclusive no Direito Tributário. Do
arcabouço jurídico extraímos o artigo 146 do Código Tributário Nacional, que
dispõe:
“A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa
ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no
exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito
passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.”
458
Do mesmo modo, o preceito constante do artigo 2º, § único, XIII,
da Lei 9.784/99, impõe, expressamente, o princípio da segurança como critério a
ser seguido pela Administração Pública.
459
Vejamos:
“Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os
critérios de:
XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o
atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova
interpretação.”
Tecidas essas considerações, podemos concluir que o princípio da
segurança jurídica é de grande valia para o sistema tributário, pois dele resulta o
457
LACOMBE, Américo Lourenço Masset. Princípios constitucionais tributários, p. 76.
458
Só há possibilidade de modificação do lançamento nas hipóteses do artigo 145 do CTN: (i) impugnação do
sujeito passivo; (ii) recurso de ofício; e (iii) iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos
no art. 149.
459
De acordo com Marcos Vinicios Neder e Maria Teresa Lopes, em razão da segurança jurídica o direito
estabelece limites temporais ao exercício da invalidação dos atos administrativos, como no caso do artigo 54 da
Lei 9.784/99, que prescreve o prazo de cinco anos para a Administração invalidar os atos administrativos
viciados de efeitos jurídicos favoráveis aos contribuintes. “Introduz, portanto, nova regra de decadência, pois a
Administração não precisa recorrer às vias judiciais para invalidar o ato administrativo. O dispositivo é inovador
no âmbito do processo administrativo fiscal e tem aplicação imediata, haja vista o Decreto n.º 70.235/72 não ter
contemplado tal matéria.” (NEDER, Marcos Vinicios; LÓPEZ, Maria Teresa Martinez. Processo administrativo
fiscal federal comentado, p. 72.)
210
dever da Administração de agir com lealdade em relação aos administrados,
principalmente no poder de tributar.
460
Para Maria Elbe Queiroz, os princípios constitucionais, entre os
quais o princípio da segurança jurídica, devem ser observados desde a edição
das leis tributárias até o iter das ações dos agentes do Fisco, tanto no
procedimento fiscal quanto no processo administrativo-tributário, sob pena de
ilegalidade e ilegitimidade dos atos administrativos, e de insegurança na relação
entre o Fisco e o contribuinte.
461
Outro princípio que orienta os atos administrativos típicos
(fiscalização, apuração, lançamento) e atípicos (decisão, julgamento) diz
respeito à “verdade material”. Partindo do pressuposto de que a instrução do
procedimento tem como finalidade a descoberta da verdade material no que
concerne ao seu objeto, Alberto Xavier conclui que a lei fiscal concede aos seus
órgãos de aplicação meios e recursos que lhe possibilitem formar a convicção
acerca da existência e do conteúdo do fato jurídico tributário.
462
A verdade material está intrinsecamente relacionada com a prova
do fato jurídico tributário. Prova disso – diz Hely Lopes Meirelles – é que o
princípio da verdade material, ou princípio da liberdade da prova, “autoriza a
460
Cf. CAIS, Cleide Previtalli. O processo tributário. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 31.
461
Cf. MAIA, Maria Elbe Queiroz. Princípios que norteiam a constituição e o controle administrativo do crédito
tributário. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Teoria geral da obrigação tributária, p. 498.
462
XAVIER, Alberto. Do lançamento no direito tributário brasileiro, p. 134.
211
Aministração a se valer de qualquer prova lícita de que a autoridade processante
ou julgadora tenha conhecimento, desde que a faça trasladar para o processo”.
463
Para chegar à verdade material, seja no procedimento, seja no
processo administrativo tributário, a fiscalização pode dispor de todas as
prerrogativas previstas em lei, inclusive a de agir sponte sua com vistas à
produção de provas. Veja-se, por exemplo, o disposto nos artigos 195 e 200 do
Código Tributário Nacional:
“Art. 195. Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer
disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias,
livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais dos comerciantes,
industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los.”
“Art. 200. As autoridades administrativas federais poderão requisitar o auxílio da
força pública federal, estadual ou municipal, e reciprocamente, quando vítimas de
embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou quando necessário à
efetivação de medida prevista na legislação tributária, ainda que não se configure fato
definido em lei como crime ou contravenção.”
O princípio da justiça é o reflexo da aplicação da lei e dos
princípios que lhe conferem coerência.
A justiça é (ou pelo menos deveria ser) o resultado mediato da
atuação da Administração. Fala-se em resultado mediato, e não imediato, porque
a realização de justiça é o fim genérico da atuação da Administração.
464
Tocando
no ponto exato, anota James Marins que o objetivo de realização de justiça não
463
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 669.
464
Na tela tributária, o fim específico da Administração Pública é a arrecadação de impostos.
212
pode ser estranho à Administração, mesmo que não seja sua finalidade
específica.
465
Diferentemente do que ocorre no processo judicial,
466
onde
predomina o princípio dispositivo, no processo administrativo, a Administração
Pública tem o dever de executar ex officio todos os atos necessários à
instauração e ao impulso do processo, independentemente de provocação do
sujeito passivo ou de qualquer outro ato ou ordem superior, sob pena de
responsabilização dos seus agentes. Esse ônus imposto à Administração Pública
é fruto da aplicação do princípio da oficialidade, ou do princípio do impulso
oficial.
Como a Administração Pública tem o dever de satisfazer o interesse
público – diz Maria Zanella di Pietro – “ela não pode ficar dependente da
iniciativa particular para atingir os seus fins”.
467
De lege lata, o impulso oficial está previsto na Lei 9.784/99, como
um dos parâmetros a serem seguidos nos processos administrativos. Prevê o
artigo 2º, XII, “a impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo
da atuação dos interessados”. Do mesmo modo, o artigo 29 prescreve: “as
atividades de instrução realizam-se de ofício ou por impulso do órgão
responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor
atuações probatórias”. Por último, o artigo 51, § 2º, estabelece que “a desistência
465
MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro, p. 90.
466
No processo judicial, o impulso oficial só passa a ser um ônus do julgador depois de instaurada a relação
jurídica processual.
213
ou renúncia do interessado não prejudicará o prosseguimento do processo, se a
Administração considerar que o interesse público assim o exige”.
Observe-se que o princípio do impulso oficial não permite a inércia
do interessado. Este, por sua vez, deve acompanhar o desenvolvimento do feito,
atendendo às providências que lhe forem solicitadas, nos prazos fixados em lei,
sob pena de arquivamento do processo. É o que diz o artigo 40 da Lei 9.784/99:
“Quando dados, atuações ou documentos solicitados ao interessado forem necessários
à apreciação de pedido formulado, o não-atendimento no prazo fixado pela
Administração para a respectiva apresentação implicará arquivamento do processo.”
Mas a maior evidência do acatamento do princípio da oficialidade,
e da sua relação direta com as provas, e, portanto, com a prova do fato jurídico
tributário, está no artigo 36, da referida lei. Diz o preceito legal: “Cabe ao
interessado a prova dos fatos que tenha alegado, sem prejuízo do dever atribuído
ao órgão competente para a instrução e do disposto no artigo 37 desta Lei.”
Nesse contexto, o enunciado o “dever atribuído ao órgão competente para a
instrução do processo” quer dizer, em outros termos, o “dever da Administração
de complementar os dados informativos, por força do princípio da oficialidade”.
A igualdade de todos (brasileiros e estrangeiros residentes no país)
perante a lei é um direito assegurado pelo artigo 5º, caput, da Carta de 1988,
postulante do não privilégio, benefício, prejuízo, privação de qualquer direito ou
isenção de qualquer dever em razão de sexo, raça, cor, religião, convicções
políticas ou ideológicas etc.
467
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 605.
214
O princípio da igualdade, ou princípio da isonomia, impõe sejam
tratados igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que
se desigualam.
Carlos Paiva, transcrevendo excerto do Tribunal Constitucional de
Portugal, afirma que, na seara tributária, a repartição dos impostos “deve
obedecer ao princípio da igualdade tributária, fiscal ou contributiva, que se
concretiza na generalidade e uniformidade dos impostos, sendo que a
generalidade do dever de pagar impostos significa o seu caráter universal (não
discriminatório), e a uniformidade (igualdade) significa que a repartição dos
impostos pelos cidadãos deve obedecer a um critério idêntico para todos, que é o
da capacidade contributiva”.
468
No Brasil, o princípio da isonomia representa um dos fundamentos
da tributação, conforme se pode observar do artigo 150, II, da Constituição
Federal, que estabelece ser proibido à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios
“Instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação
equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função
por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos,
títulos ou direitos”.
Por exemplo, quando proclama que o proprietário de imóvel predial
e territorial urbano deve pagar imposto (IPTU), o art. 32 do CTN quer dizer que
o imposto é devido, seja qual for o proprietário do imóvel.
468
PAIVA, Carlos. Da tributação à revisão dos atos tributários, p. 153.
215
Deve-se reter que os princípios da capacidade contributiva (art. 145
§ 1º, da CF) e da proibição do confisco (art. 150, IV, da CF), são corolários do
princípio da isonomia.
Seja no procedimento, seja no processo administrativo ou judicial,
igualdade significa tratamento idêntico às partes envolvidas, as quais devem ter
as mesmas oportunidades de produzir provas.
Susy Hoffmann, com quem concordamos, escreve que a influência
do princípio da igualdade sobre as leis que regulam as provas faz com que não
haja privilégio do Estado em detrimento do cidadão, de modo que o Estado
tenha sempre em seu favor a presunção de veracidade dos fatos.
469
O Constituinte de 1988 recorreu a uma expressão do direito anglo-
saxão para instituir o princípio do devido processo legal.
O vocábulo devido
processo legal (ou due process of law) foi inserido na quinta e na décima quarta
emendas à Constituição Federal americana, para decretar que nem a União nem
os Estados podem privar as pessoas da vida, da liberdade ou da propriedade sem
o devido processo legal.
No direito norte-americano, a cláusula do devido processo legal
tem sido interpretada impondo dois limites ao Governo: o devido processo legal
processual e o devido processo legal substancial. O devido processo legal
processual, diz Chemerinsky, “refers to the procedures that the government must
469
Cf. HOFFMANN, Susy Gomes. Teoria da prova no direito tributário, p. 117.
216
follow before it deprives a person of life, liberty, or property”.
470
Já o devido
processo legal substancial, conclui o autor, “asks whether the government has an
adequade reason for taking away a person’s life, liberty, or property. In other
words, substantive due process looks to whether there is a sufficient justification
for the government’s action”.
471
No Brasil, o princípio do devido processo legal está consagrado no
artigo 5º, LIV, da Constituição Federal, no sentido de que “ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
O sobredito princípio se manifesta em vários ramos do Direito,
inclusive no Direito Tributário, a exemplo das garantias concernentes ao
princípio da legalidade, princípio da anterioridade, princípio da capacidade
contributiva, princípio do não-confisco, princípio da anualidade, princípio da
incidência única etc.
James Marins, ao abordar o tema, assevera que várias garantias
constitucionais individuais do cidadão-contribuinte se constituem no núcleo do
processo administrativo, em decorrência do princípio do devido processo legal.
São elas: (a) direito à autoridade julgadora competente (art. 5º, LIII); (b) direito
de impugnação administrativa à pretensão fiscal (art. 5º, LIV); (c) direito ao
contraditório (art. 5º, LV); (d) direito à cognição formal e material ampla (art.
470
CHEMERINSKY, Erwin. Constitutional law: principles and polices. 2.ed. New York: Aspen, 2002, p. 523-
523.
471
CHEMERINSKY, Erwin. Op. cit., p. 523-524.
217
5º, LV); (e) direito à produção de provas (art. 5º, LV); e (f) direito a recurso
hierárquico (art. 5º, LV).
472
Como já se pôde perceber, o princípio do devido processo legal têm
suas vertentes, merecendo destaque os subprincípios do contraditório e da ampla
defesa.
A Constituição Federal de 1988 proclama no artigo 5º:
“LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes.”
Ensina Marçal Justen Filho:
“Toda e qualquer decisão estatal terá de ser antecedida da oportunidade de
manifestação dos interessados. O contraditório abrange a possibilidade de defesa
prévia pelo interessado, de sua audiência em face de todos os eventos e de produção
das provas adequadas à defesa. Também haveria frustração do princípio da ampla
defesa se a audiência do particular fosse posterior à prática do ato estatal.”
473
Nenhum ato administrativo capaz de produzir conseqüências
desfavoráveis ao administrado pode ser aplicado de modo definitivo contra ele,
sem que ele tenha oportunidade de apresentar as razões (fatos e provas) que
achar convenientes para a defesa de seus interesses.
474
O direito à prévia audiência está hoje garantido pela Lei do
Processo Administrativo (Lei nº 9.784/99):
“Art. 3.º O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem
prejuízo de outros que lhe sejam assegurados.
472
Cf. MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro, p. 191.
473
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 245.
474
XAVIER, Alberto apud TORRES, Ricardo Lobo. O direito à ampla defesa e à processualidade tributária. In:
ROCHA, Sérgio André (Coord.). Processo administrativo tributário, p. 561.
218
III – formular objeções e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão
objeto de consideração pelo órgão competente.”
“Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória antes da tomada da decisão, juntar
documentos e pareceres, requerer diligência e perícia, bem como aduzir alegações
referentes à matéria objeto do processo.”
No caso específico do Direito Tributário, o subprincípio do
contraditório visa a assegurar ao contribuinte todos os meios e recursos inerentes
à sua defesa, ou melhor, à sua impugnação ao ato administrativo de lançamento
tributário. Celso Antônio Bandeira de Mello ressalta que o subprincípio do
contraditório expressa “não apenas o direito de oferecer e produzir provas, mas
também o de, muitas vezes, fiscalizar a produção das provas da Administração,
isto é, o de estar presente, se necessário, a fim de verificar se efetivamente se
efetuaram com correção ou adequação técnicas devidas”.
475
O Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão no Mandado de
Segurança nº 7.188-DF, rel. Min. Gílson Dipp, decidiu:
“O princípio da ampla defesa significa oportunizar todas as possibilidades de
produção de provas servíveis ao indiciado/réu ou qualquer pessoa que responda a
processo administrativo ou judicial. Não serve, contudo, para postergar o rito ao
alvitre da parte interessada.”
476
Nessa mesma linha, em total consonância com o disposto no artigo
38, § 2º da Lei 9.784/99, que exclui a realização de provas protelatórias,
477
decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
475
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 471.
476
MS 7.188-DF, rel. Min. Gílson Dipp, DJ de 07-10-02, p. 168.
477
“§ 2º Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados
quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias.”
219
“RMS - CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - AGENTE DE
FISCALIZAÇÃO E ARRECADAÇÃO ESTADUAL - DEMISSÃO - OFENSA AOS
PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA
DEFESA NÃO CARACTERIZADOS - PROVIDÊNCIAS PROTELATÓRIAS
INDEFERIDAS - PROVA REQUERIDA DE RESPONSABILIDADE E ÔNUS DO
PRÓPRIO SERVIDOR.
1- Caracterizando-se o respeito aos princípios do devido processo legal, do
contraditório e da ampla defesa, não há que se falar em nulidade do processo
administrativo disciplinar.
2- Não há ilegalidade em ato indeferitório de produção de provas, eminentemente,
protelatórias, competindo, ainda, ao servidor a entrega de documentos que pretenda
utilizar-se, desde que fiquem sob a sua guarda.
3- Recurso conhecido e desprovido."
478
Resta-nos, apenas, o princípio da proibição da prova ilícita.
O direito à prova está inserido entre as garantias do devido
processo legal (subprincípio do contraditório), e faz com que todos os meios
sejam admitidos no processo para se provar a verdade dos fatos.
Tal direito, no entanto, não é absoluto. Como já dissemos no
capítulo anterior, a regra geral é que não se admitem no processo provas obtidas
ilicitamente (art. 5º, LVI, da CF). Nesse sentido, o artigo 30 da Lei 9.784/99
declara inadmissíveis no processo administrativo as provas obtidas por meios
ilícitos. E, pelo mesmo motivo, o parágrafo único do artigo 197 do CTN exclui
da obrigação de prestar informação à autoridade administrativa “o informante
que esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício,
função, ministério, atividade ou profissão”.
478
RMS 4.393-MT, rel. Min. Gílson Dipp, DJ de 18-10-99. No mesmo sentido, ver acórdão nº 108-08.784, de
26-04-06.
220
Excerto de precedente é o acórdão nº 301-28.638, do Conselho de
Contribuintes, de 17-02-98, a saber:
“Prova ilícita. Decisão fundamentada em prova ilícita, obtida com violação das
garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, chocam-se com a lei
processual vigente, e caracterizam a nulidade absoluta da prova. Provimento do
recurso para acolher a preliminar e improcedência do lançamento por carência de
prova.”
Outra não foi a decisão no acórdão nº 108-08.784, de 26-04-06:
“PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL - NULIDADE. PROVA ILÍCITA.
Comprovada a obtenção de forma ilícita de elementos subsidiários ao lançamento, há
que se declarar a nulidade do auto de Infração, em razão do princípio da estrita
legalidade sob o qual estão sujeitos o Agente Fiscal e o lançamento.”
Leonardo Greco abordou minuciosamente o tema “prova ilícita” em
estudo, a propósito das “garantias fudamentais do processo na execução fiscal”:
“O Estado não pode pretender fazer valer os seus direitos através da violação dos
direitos dos outros e muito menos ser o juiz supremo dos direitos dos cidadãos que ele
está obrigado ou não a respeitar. Para apurar a existência de créditos fiscais ou a
prática de infrações à legislação fiscal, pode ser necessário devassar a privacidade do
devedor ou de outras pessoas, mas a decisão de fazê-lo não pode ser da própria
Administração, interessada na arrecadação tributária, mas de um órgão independente,
que no Brasil não pode ser outro a não ser a autoridade judiciária, capaz de ponderar
com equilíbrio a necessidade da violação da privacidade, a relevância do interesse
público que a justifica, a inexistência de meio menos gravoso de apurar o fato e a
forma de executá-la para evitar um dano ao cidadão superior ao necessário.”
479
3.2 O FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO E O ATO
ADMINISTRATIVO
479
GRECO, Leonardo. As garantias fundamentais do processo na execução fiscal. In: ROCHA, Sérgio André
(Coord.). Processo administrativo tributário, p. 371.
221
No primeiro capítulo deste trabalho assentamos que o ato jurídico
é, acima de tudo, um fato jurídico.
Também anotamos que o fato jurídico tributário é o fato (ou o
conjunto de fatos) ocorrido no mundo real e concreto, dotado dos critérios
material, temporal e especial, que – por corresponder rigorosamente aos critérios
material, temporal e especial previstos no antecedente normativo – e desde que
expresso pela linguagem competente e descrito conforme as provas admitidas
em Direito, dá nascimento à obrigação tributária.
Ocorre que no âmbito do Direito Administrativo ato e fato são
realidades de planos distintos: ato é uma norma jurídica; e fato é um evento (ou
acontecimento) não prescritivo ao qual a norma confere efeitos jurígenos.
Ratifica esta assertiva a lição de Lúcia Valle Figueiredo:
“Ato administrativo em sentido estrito é a norma concreta, emanada pelo Estado, ou
por quem esteja no exercício da função administrativa, que tem por finalidade criar,
modificar, extinguir ou declarar relações jurídicas entre este (o Estado) e o
administrado, suscetível de ser contrastada pelo Poder Judiciário”.
480
Para alguns autores os atos administrativos podem ser, ou não, atos
jurídicos. Segundo Seabra Fagundes, citado por Vicente Ráo, tudo depende dos
efeitos irradiados pelos atos: “quando modificam situações jurídicas, como a
nomeação de um funcionário, a expedição de um título de habilitação
480
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 174-175.
No mesmo sentido, escreve Carlos Ari Sundfeld: “Fato jurídico é o evento ao qual a norma atribui efeitos
jurídicos. Exemplo: a passagem do tempo, que extingue o direito de o Estado cobrar tributo devido por
particular; a venda de mercadorias, que gera obrigação de pagamento de imposto chamado ICMS; a morte do
funcionário público, fazendo incidir a norma garantindo à viúva direito ao recebimento de pensão... Ato jurídico
é uma prescrição, uma norma. Em outras palavras: uma regra destinada a regular comportamentos.”
(SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 85-86.)
222
profissional, a imposição de uma multa etc., são atos administrativos com efeito
jurídico. Quando, porém, o ato praticado no exercício da administração não cria,
modifica ou extingue direitos, é destituído de efeito jurídico, no sentido preciso
da expressão”.
481
No mesmo equívoco repousa a teoria de Eugenio Picozza:
“[...] dal punto di vista dell’effecto giuridico realizatto, accanto alla reiterazione
dell’effetto normativo – contenudo nella doppia imposizione del vincolo legale e
precettivo –, si diffonde l’effetto conformativo, consistente non già nella
modificazione (sub specie di creazione, modificazione ed estinzione delle situazioni
giuridiche soggettive), bensì nella attribuzione di una qualificazione giuridica a cose,
beni, rapporti giuridici atti ed atttività che comprendono in via mediata l’incisione
nelle situazioni giuridiche soggettive, normalmente limitando (o viceversa
costituendo) facoltà e poteri nell’ambito dei diritto soggettivi; ovvero attribuendo
interessi legittimi sia di tipo sostanziale che procedimentale.”
482
Irresignado com a polissemia do termo “ato”, e criticando a
distinção entre ato e fato sustentada amiúde pela doutrina administrativista,
Eurico De Santi propôs duas acepções para o vocábulo ato: uma, o ato-fato,
fonte material; outra, o produto desse processo, o ato-norma administrativo, a
norma individual e concreta que exsurge desse contexto existencial. São suas
estas palavras:
“Ato-fato é o ato praticado por autoridade que, realizado como fato jurídico (lato
sensu), integra o suporte fáctico do fato jurídico suficiente no ‘processo’ de produção
do ato-norma administrartivo. Ato-norma é o ‘produto’, norma jurídica individual e
concreta, que tem como fonte material este fato jurídico suficiente, integrado pelo ato-
fato da autoridade competente, que ingressa no ordenamento jurídico, associando à
481
RÁO, Vicente. Ato jurídico. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 80.
482
PICOZZA, Eugenio. Gli atti amministrative generali e le prove. In: GLENDI, C; PATTI, S; PICOZZA, E.
(Coord.). Le prove nel diritto civile amministrativo e tributario, p. 262-263.
223
descrição de um fato concreto (motivação) uma relação jurídica intranormativa que
veicula em um de seus termos, a figura do Estado ou de quem lhe faça as vezes.”
483
Surgem, de imediato, as seguintes indagações: o que é fato jurídico
“suficiente”? Poder-se-ia pensar em fato jurídico insuficiente?
Seja como for, o ato-fato é o fato-ato efetivado como fato jurídico,
que integra o antecedente do ato-norma administrativo. Este, o ato-norma, é uma
norma individual e concreta que, em seu conseqüente, cria uma relação jurídica
entre o Poder Público e o contribuinte. Logo, o ato-fato é a antítese do ato-
norma, sendo ambos atos administrativos.
Todo ato administrativo – diz Celso Antônio Bandeira de Mello – é
uma espécie de ato jurídico, “marcado por características que o individualizam
no conjunto dos atos jurídicos”.
484
Sendo ato jurídico – prossegue o autor –
“aloca-se dentro do gênero fato jurídico”.
485
Um argumento lógico ajudará a compreender a situação.
Todo ato administrativo é um fato jurídico.
O fato jurídico é um ato jurídico.
O ato administrativo é um ato jurídico.
De acordo com Cesar Mortari, “um argumento é válido se qualquer
circunstância que torna suas premissas verdadeiras faz com que sua conclusão
seja automaticamente verdadeira”. Ou seja, se as premissas forem verdadeiras,
não é possível que a conclusão seja falsa.
486
Seria melhor o autor dizer que um
483
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário, p. 274.
484
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 345.
485
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 346.
486
MORTARI, Cesar A. Introdução à lógica, p. 19.
224
argumento será válido (legítimo) se, as premissas sendo verdadeiras, a
conclusão não for falsa.
Se o fato jurídico (tributário) é do tipo ato jurídico (administrativo),
deve conter os requisitos essenciais dos atos administrativos: sujeito, forma,
objeto, motivo e finalidade. Sujeito é quem produz o ato; forma é o revestimento
exterior do ato, o modo pelo qual este aparece;
487
conteúdo ou objeto é o que o
ato enuncia ou prescreve – o ato em si –; motivo é o pressuposto de fato, o
acontecimento no mundo empírico que exige ou possibilita a prática do ato; e
finalidade é o que se pretende com a celebração do ato, o bem jurídico
objetivado. Como os atos administrativos são espécies de atos jurídicos, na
estrutura de todo ato administrativo devem constar os seguintes elementos: (i)
agente capaz, (ii) forma prescrita ou não defesa em lei, (iii) objeto ou conteúdo
lícito, (iv) motivo (v) e finalidade.
488
O artigo 2º da Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular), ao dispor sobre
os atos nulos, indica cinco elementos para os atos administrativos: competência,
forma, objeto, motivo e finalidade. Contudo é preciso substituir o signo
487
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 367.
488
Não há concordância entre os autores sobre os requisitos dos atos administrativos. Celso Antônio Bandeira de
Mello classifica os requisitos dos atos administrativos em elementos e pressupostos. Os elementos são o
conteúdo e a forma. Os pressupostos distinguem-se em pressupostos de existência e pressupostos de validade.
São pressupostos de existência o objeto e a pertinência do ato ao exercício da função administrativa. Os
pressupostos de validade são: 1) pressuposto subjetivo (sujeito); 2) pressupostos objetivos (motivos e requisitos
procedimentais); 3) pressuposto teleológico (finalidade); 4) pressuposto lógico (causa); e 5) pressupostos
formalísticos (formalização). (Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 365.) Lúcia Valle Figueiredo,
seguindo, em linhas gerais, a classificação de Celso Antônio Bandeira de Mello, prefere “denominar requisitos
extrínsecos ao ato a competência, o motivo (pressuposto fático do ato), as formalidades procedimentais, a
finalidade mediata e imediata, a causa; e elementos apenas o conteúdo do ato ou objeto e a forma”.
(FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo, p. 198.) Para Maria Sylvia Zanella di Pietro,
“pode-se dizer que os elementos do ato administrativo são o sujeito, o objeto, a forma, o motivo e a finalidade”.
(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 213.)
225
competência por sujeito, já que competência é apenas um dos atributos que o
agente público deve ter para editar o ato (o outro é ser competente).
489
De um modo geral, preferimos colocar sempre à frente o termo
“fato”, porque “ato” é espécie da qual “fato” é gênero. Vale dizer: todo ato é um
fato, mas nem todo fato é um ato.
490
3.3 O LANÇAMENTO COMO ATO ADMINISTRATIVO:
CARACTERÍSTICAS, MOTIVAÇÃO E OUTROS REQUISITOS
De antemão, alertamos com Thierry Afschrift que “l’établissement
des impôts implique l’accomplissement d’un acte administratif,
l’enrôlement”.
491
Chegados a este ponto e, já afeitos às problemáticas inerentes ao
lançamento como norma individual e concreta, que documenta a incidência e
constitui o fato jurídico tributário, partiremos para a análise do lançamento
como ato administrativo.
O conceito legal de lançamento está contido no artigo 142 do
Código Tributário Nacional, que prescreve:
“Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário
pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar
489
“Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos; e) desvio de
finalidade.”
490
Olhar subcapítulo 1.4.
226
a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria
tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo
o caso, propor a aplicação da penalidade cabível.”
A doutrina nacional não tem poupado críticas a esse dispositivo
legal, sobretudo no que concerne ao enunciado de que “lançamento é o
procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador...”
Para Paulo de Barros Carvalho, “lançamento é ato jurídico e não
procedimento, como expressamente consigna o art. 142 do Código Tributátio
Nacional. Consiste, muitas vezes, no resultado de um procedimento, mas com
ele não se confunde. É preciso dizer que o procedimento não é imprescindível
para o lançamento, que pode consubstanciar ato isolado, independente de
qualquer outro. Quando muito, o procedimento antecede e prepara a formação
do ato, não integrando com seus pressupostos estruturais, que somente nele
estarão contidos”.
492
Segundo Luciano Amaro, “o lançamento não é procedimento, é ato,
ainda que praticado após um procedimento (eventual, e não necessário) de
investigação de fatos cujo conhecimento e valorização se façam necessários para
a consecução do lançamento”.
493
Sacha Calmon assinala que o lançamento não pode ser, por
impossibilidade lógica, procedimento (sucessão encadeada de atos). Para esse
autor, “a natureza jurídica do lançamento é a de ato administrativo de aplicação
491
AFSCHRIFT, Thierry. Traité de la preuve en droit fiscal. 2.ed., Bruxelles: Larcier, 2004, p. 51
492
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 390.
493
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 332.
227
da lei aos casos concretos (processo de concreção normativa) a cargo da
Administração Pública (Poder Executivo)”.
494
Para Fábio Fanucchi, o lançamento se constitui em único ato,
“apenas dividido em dois movimentos sucessivos: a sua feitura e a notificação
do sujeito passivo para que dele tome conhecimento”.
495
Alberto Xavier sustenta que o lançamento é “um ato jurídico e não
um procedimento ou uma pluralidade de operações lógicas”.
496
Como ato administrativo que é, o lançamento requer a observância
dos seguintes requisitos: agente capaz, conteúdo ou objeto lícito, forma prescrita
ou não defesa em lei, motivo e finalidade.
497
O agente capaz é a autoridade
pública encarregada de lavrar o lançamento, cuja competência está definida em
lei; o conteúdo é a norma individual e concreta que documenta a incidência e
constitui o fato jurídico tributário; a forma, ou modo de exteriorização do ato, é
a linguagem escrita; o motivo é o fato jurídico tributário; e a finalidade, ou bem
jurídico objetivado, é o recebimento do valor da prestação tributária.
Não se deve confundir motivo do ato administrativo com motivação
feita pela autoridade administrativa. O motivo, segundo Celso Antônio Bandeira
de Mello, “é o pressuposto de fato que autoriza ou exige a prática do ato, é a
situação do mundo empírico que deve ser tomada em conta para a prática do
494
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 655.
495
FANUCCHI, Fábio. Curso de direito tributário brasileiro. 4.ed. São Paulo: Resenha Tributária, 1979, Vol. I,
p. 273.
496
XAVIER, Alberto. Do lançamento no direito tributário brasileiro, p. 67.
497
Olhar nosso subcapítulo 3.2.
228
ato”.
498
Já a motivação integra a formalização do ato administrativo, porque é na
motivação que o agente público expõe os motivos que o levaram a editar o ato.
Conforme antecipamos, o motivo do lançamento é o fato jurídico tributário,
enquanto a motivação é a descrição deste último.
499
Os atos imotivados ou sem
fundamento são insustentáveis diante do direito ao contraditório e à ampla
defesa.
500
O lançamento é um ato administrativo simples, constitutivo (ou
modificativo) e vinculado. Simples, porque resulta da manifestação de vontade
de uma única pessoa física, de um único órgão; constitutivo, porque cria
situações jurídicas novas, podendo ser modificativo quando editado em
substituição a lançamento efetuado com irregularidade pelo sujeito passivo;
501
e
vinculado, porque deve se ater aos pressupostos legais que cercam a descrição
do fato jurídico tributário. Neste último caso, não há nenhuma margem de
discricionariedade para o agente público. Conforme dita o artigo 142, § único,
do CTN, “a atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória,
sob pena de responsabilidade funcional.
502
498
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 369.
499
De Mita alcançou essa conclusão por entender que “motivazione consiste nella individuazione degli elementi
di fatto e di diritto sui quali si fonda la pretesa fiscale”. (Cf. MITA, Enrico de. Principi di diritto tributario. 4.ed.
Milano: Giuffrè, 2004, p. 38.)
500
Cf. TORRES, Ricardo Lobo. O direito à ampla defesa e à processualidade tributária. In: ROCHA, Sérgio
André (Coord.). Processo administrativo tributário, p. 564.
Assim prescreve o artigo 50 da Lei nº 9784/99: “Os
atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos.”
501
Cf. Art. 145, III, do CTN: “O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em
virtude de: (...) III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no art. 149.” Prevê o
art. 149, V, do CTN: O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes
casos: (...) V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no
exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte.”
502
Cf. Subcapítulo 1.9.
229
O lançamento efetuado pela autoridade fiscal deve ser levado ao
conhecimento do contribuinte afetado, pelos meios autorizados em lei. É o que
dispõe o artigo 11 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972:
“A notificação de lançamento será expedida pelo órgão que administra o tributo e
conterá obrigatoriamente:
I – a qualificação do notificado;
II – o valor do crédito tributário e o prazo para recolhimento ou impugnação;
III – a disposição legal infringida, se for o caso;
IV – a assinatura do chefe do órgão expedidor ou de outro servidor autorizado e a
indicação de seu cargo ou função e o número de matrícula.”
Como já observado (v. Capítulo 1, item 1.9) que tudo aquilo que
não é vertido em linguagem competente é insignificante para o Direito. Ou seja:
onde houver Direito, haverá sempre linguagem. O Direito não conhece outra
forma de registrar o nascimento de direitos subjetivos com relação a tributos,
que não seja o lançamento.
Paulo de Barros Carvalho sustenta que “o direito se realiza no
contexto de um grandioso processo comunicacional”.
503
Fica-se, então, a pensar
sobre os propósitos que teriam levado o autor a afirmar que o “lançamento pode
ser válido, porém ineficaz, em virtude de notificação inexistente.”
504
A falta de notificação é motivo de inexistência, e não de invalidez
ou de ineficácia do lançamento tributário. No dizer de José Souto Maior Borges,
“para que seja cabível a indagação sobre a validade do ato será necessário que,
antes, se verifique a questão da sua existência. Só ato existente pode ser válido
503
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 438.
504
CARVALHO, Paulo de Barros Apud DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento tributário, p. 162.
230
ou inválido”.
505
No mesmo sentido, Tereza Arruda Alvim Wambier entende que
a sentença não publicada é inexistente.
506
Eurico de Santi parece corroborar a
assertiva, pois certifica que “o ato-norma administrativo, pensado ou guardado
numa gaveta, sem se dar o mínimo de condições para o conhecimento do
destinatário, é um sem-sentido jurídico”.
507
Como já foi demonstrado (v. Capítulo 1, item 1.9), o Código
Tributário Nacional prevê três modalidades de lançamento: por declaração, por
homologação e de ofício.
Questão relevante diz respeito ao lançamento indutivo previsto no
artigo 168 do Código Geral de Impostos francês. Trata-se de lançamento com
base em “sinais externos” ou indícios.
508
Grosclaude e Marchessou chamam a atenção para a questão:
“L’accertamento induttivo ha lo scopo di determinare l’ammontare della materia imponible,
partendo da un certo numero di indici esterni alla stessa. Tale accertamento determina
l’imposta non in base a una valutazione diretta della ricchezza, né del reditto, ma in base a
segni esterni, indici che, nel pensiero del legislatore, rivelano con una grande probabilità una
ricchezza o un reditto.”
509
Os nossos tribunais administrativos têm admitido propostas de
tributação edificadas sobre prova indiciária, desde que ela resulte da soma de
indícios convergentes. O informativo dos Conselhos de Contribuintes noticia as
seguintes decisões:
505
BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário, p. 256.
506
WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 4.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998, p. 382.
507
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário, p. 162.
508
Cf. Subcapítulo 3.6.
231
“PAF – PROVA INDICIÁRIA - A prova indiciária é meio idôneo para referendar
uma autuação, desde que ela resulte da soma de indícios convergentes. O que não se
aceita no Processo Administrativo Fiscal é a autuação sustentada em indício isolado, o
que não é o caso desses autos que está apoiado num encadeamento lógico de fatos e
indícios convergentes que levaram ao convencimento do julgador.”
510
“PAF – PROVA INDICIÁRIA - A prova indiciária é aceita em matéria tributária,
quando formada a partir de um juízo instrumental que leve em conta a existência de
vários indício convergentes.”
511
3.4 O CONTRADITÓRIO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO
TRIBUTÁRIO
A essência do devido processo legal sobrevém da cláusula 39 da
Magna Carta,
512
assinada, em declaração solene, pelo Rei João da Inglaterra, em
15 de junho de 1215.
Fábio Konder Comparato chama a atenção para o verdadeiro
motivo que desencadeou a declaração da Magna Carta:
“Na Inglaterra, a supremacia do rei sobre os barões feudais, reforçada durante todo o
século XII, enfraqueceu-se no início do reinado de João Sem-Terra, a partir da
abertura de uma disputa com um rival pelo trono e o ataque vitorioso das forças do rei
francês, Filipe Augusto, contra o ducado da Normandia, pertencente ao monarca
inglês por herança dinástica (a família Plantagenet). Tais eventos levaram o rei da
Inglaterra a aumentar as exações fiscais contra os barões, para o financiamento de
suas campanhas bélicas. Diante dessa pressão tributária, a nobreza passou a exigir
509
GROSCLAUDE, Jacques; MARCHESSOU, Philippe. Diritto tributario francese. Tradução de Enrico de
Mita. Milano: Giuffrè, 2006, p. 465.
510
1º Conselho de Contribuintes ,7ª C., Acórdão 107-07525, j. 18-02-2004, rel. Luiz Martins Valero.
511
1º Conselho de Contribuintes, 7ª C., Acórdão 107-08326, j. 16-04-2003, rel. Luiz Martins Valero.
512
Cláusula 39: “No free man shall be taken or imprisoned or disseised or outlawed or exiled or in any way
ruined, nor will we go or send against him, except by the lawful judgement of his peers or by the law of the
land.”
232
periodicamente, como condição para o pagamento de impostos, o reconhecimento
formal de seus direitos.”
513
Danny Danziger e John Gillingham corroboram Fábio Comparato:
“This radical development took place because John had managed to combine
consistent military failure with frequent and heavy taxation, particularly in the form of
scutage. During his reign royal revenue soared. In the five years from 1199 to 1203,
when money was desperately needed for war against Philip of France, revenues
audited at the English Exchequer averaged just over £27,000 a year.”
514
Fábio Konder Comparato acrescenta:
“Dois anos depois, tendo de enfrentar a revolta armada dos barões, que chegaram a
ocupar Londres, o rei foi obrigado a assinar a Magna Carta, como condição para a
cessação de hostilidades.”
515
O princípio do devido processo legal (due process of law), expresso
na 14ª Emenda à Constituição americana, foi adotado pela Constituição Federal
de 1988.
A Carta Política consagra o princípio do devido processo legal e os
subprincípios do contraditório e da ampla defesa – extensivos ao processo
administrativo. No seu artigo 5º, inciso LIV, diz: “ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, e, no inciso LV, garante
a todos, em qualquer tipo de processo, “o contraditório e a ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes”.
É missão difícil, quase impossível, afirmar qual dos dois princípios
– contraditório e ampla defesa – é o conteúdo ou o continente do outro, pois o
513
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2003,
p. 71.
514
DANZINGER, Danny; GILLINGHAM, John. 1215 The year of magna carta. New York: Touchstone, 2004,
p. 173.)
233
princípio da ampla defesa consiste em assegurar aos litigantes todos os meios e
recursos previstos em Direito para provar o alegado, enquanto o princípio do
contraditório, segundo Edwaldo Brito, corresponde ao diálogo processual entre
as partes, pelo qual cada vez que uma delas fala no processo, ou traz elemento
(ou instrumento) que pretende seja aceito como prova, a outra terá a
oportunidade de contraditá-lo.
516
Maria Sylvia di Pietro apresenta quatro exigências que resultam do
princípio do contraditório: (i) a notificação dos atos processuais à parte
interessada; (ii) a possibilidade de exame de provas do processo; (iii) o direito
de assistir à inquirição de testemunhas; e (iv) o direito de apresentar defesa
escrita.
517
Na Lei dos Processos Administrativos (Lei nº 9.784/99), os
subprincípios da ampla defesa e do contraditório estão mencionados no artigo
2º, caput, e § único, X. Senão vejamos:
“A Administração Pública obedecerá, entre outros, aos princípios da legalidade,
finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa,
contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.”
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os
critérios de:
(...)
X – garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à
produção de provas, e à interposição de recursos, nos processos de que possam
resultar sanções e nas situações de litígio.”
515
COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit. p. 72.
516
Cf. BRITO, Edvaldo. Ampla defesa e competência dos órgãos julgadores administrativos para conhecer de
argumentos de inconstitucionalidade e/ou ilegalidade de atos em que se fundamentem autuações. In: ROCHA,
Valdir de Oliveira (Coord.). Processo administrativo fiscal. São Paulo: Dialética, 1995, p. 65.
517
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 608.
234
À guisa de exemplo, podemos citar o artigo 3º, inciso II, da Lei
9.784/99, que assegura ao administrado o direito de ter ciência da tramitação dos
processos administrativos, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles
contidos e conhecer as decisões proferidas. O inciso III, do citado preceito
normativo, prevê o direito do interessado de formular alegações e apresentar
documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão
competente.
Há outros casos em que a Lei 9.784/99 exige a intimação do
administrado. São eles: (i) para tomar ciência da decisão ou realizar diligências
(art. 26); (ii) para tomar ciência dos atos processuais que resultem em imposição
de dever, ônus, sanção ou restrição ao exercício de direitos e atividades, e para
os atos de outra natureza, de interesse do administrado (art. 28); (iii) para prestar
informações ou apresentar provas (art. 39); e (iv) para apresentar alegações, em
caso de interposição de recurso (art. 62).
Conforme preceitua o artigo 26, § 5º, da Lei 9.784/99, as
intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais,
mas o comparecimento do administrado supre a falta ou a irregularidade da
intimação. Além disso, de acordo com o artigo 27, caput, e § único, o
desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos
fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado, sendo-lhe garantido o direito
de ampla defesa no prosseguimento do processo.
235
Não se deve confundir a norma do artigo 27, caput, da Lei 9.784/99
com o enunciado prescritivo do artigo 21 do Decreto 70.235/72.
518
O artigo 27, caput, da Lei 9.784/99, imuniza o administrado contra
a presunção de veracidade decorrente do desatendimento de intimação de atos
processuais. Os atos processuais sujeitos à intimação são aqueles que impõem
dever, ônus, sanção ou restrição ao exercício de direitos e atividades do
interessado (art. 28).
O artigo 21 do Decreto 70.235/72 prevê a obrigatoriedade de o
sujeito passivo impugnar todos os pontos do lançamento tributário, sob pena de
presumirem-se verdadeiros os fatos não contestados.
Uma coisa é a revelia: falta de defesa ou de impugnação dos fatos
descritos no lançamento tributário; outra, bem diferente, são os efeitos da
revelia: presunção relativa de veracidade dos fatos não impugnados. A revelia só
se manifesta com a inequívoca ausência ou abandono do réu na defesa dos seus
direitos. Simples desatendimento de intimação de atos praticados ou reclamados
no curso do processo não caracteriza comportamento desidioso ou negligente.
519
O processo administrativo tributário já não é mais considerado
simples procedimento administrativo ao alvedrio do Poder Público.
520
Trata-se,
518
Diz o artigo 69, das “Disposições Finais” da Lei 9.784/99: “Os processos administrativos específicos
continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.”
519
JTJ 148/137.
520
Escreve Odete Medauar: “Sabe-se que no procesos administrativo fiscal, talvez como resquício da época do
predomínio do ‘segredo’, criam-se dificuldades para exame dos autos administrativos. Tais obstáculos ao acesso,
tanto dos próprios contribuintes como dos advogados, violam a garantia do contraditório.” (Cf. MEDAUAR,
Odete. Processualização e publicidade dos atos do processo administrativo fiscal. In: ROCHA, Valdir Oliveira
(Coord.). Processo administrativo fiscal, p. 125.)
236
conforme o magistério de Paulo Celso Bonilha, de fenômeno processual, com
raiz na Constituição Federal e sujeito aos princípios constitucionais e
processuais por ela garantidos.
521
O contribuinte tem o direito público subjetivo de impugnar o ato
administrativo de lançamento, sem prejuízo de seu acesso às vias judiciais (art.
145, I, do CTN). Quando isso acontece, instaura-se a relação processual entre o
contribuinte e o Fisco (artigo 14 do Decreto 70.235/72), e a Administração
Pública se torna obrigada a emitir ato decisório sobre a legitimidade do
lançamento.
No mesmo sentido, escrevem Vittorio e Maria Cassone: “Efetuado
o lançamento, e havendo impugnação pelo contribuinte, instaura-se o Processo
Administrativo Fiscal, em que a Constituição assegura o contraditório e a ampla
defesa, desenvolvidos num ‘devido processo legal’, ou seja, por meio do
processo legal adequado, deverão ser observados os princípios constitucionais
pertinentes (legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência, juiz natural,
motivação, publicidade)”.
522
Da mesma forma, Enrico de Mita assevera que “la
lite tributaria inizia sempre come contestazione, come impugnazione di uno di
tagli atti”.
523
521
BONILHA, Paulo Celso Bergstrom. Contraditório e provas no processo administrativo tributário (ônus,
direito à perícia, prova ilícita). In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo administrativo fiscal, p. 130.
522
CASSONE, Vittorio; CASSONE, Maria Eugênia Teixeira. Processo tributário. São Paulo: Atlas, 2000, p. 35.
523
VITA, Enrico de. Principi di diritto tributario, p. 476.
237
Ao impugnar o lançamento, o contribuinte deve comprovar a
inexistência dos pressupostos do fato jurídico tributário
524
, uma vez que, a essa
altura, o Fisco já provou (ou deveria ter provado) a existência do fato jurídico
tributário.
Por mais que estejam entrelaçados, o lançamento e o auto de
infração preservam identidades jurídicas próprias. O lançamento documenta o
fato jurídico tributário; o auto de infração descreve a prática de ilícito fiscal, ao
qual a ordem jurídica impõe sanção pecuniária.
Como aponta Paulo Celso B. Bonilha, “embora muitas vezes
apareçam justapostas no mesmo documento (auto de infração e imposição e
multa, por exemplo), os atos de lançamento e de aplicação de penalidades são
realidades jurídicas distintas, provenientes de procedimentos e de fundamentos
específicos”.
525
Para que o contribuinte possa exercer o seu direito constitucional à
ampla defesa, a Fazenda deve expor, de forma clara e precisa, os fundamentos
em que se apoiou para lavrar o auto de infração e/ou editar o ato de lançamento.
Por mais que a Constituição Federal não tenha mencionado, no artigo 37, a
524
A teor do que dispõe o artigo 16, IV, do Decreto nº 70.235/72, na redação que lhe deu a Lei 8.748/93, a
impugnação deve mencionar as diligências ou perícias que o impugnante pretenda sejam efetuadas.” O § 4º do
citado dispositivo exige comportamento idêntico do contribuinte no que concerne à prova documental.
Independentemente do formalismo exigido para a produção de prova documental, pericial ou diligência, a
instância julgadora (Delegado de Julgamento ou Conselho de Contribuintes) é dotada de amplo poder instrutório,
podendo autorizá-la ainda que requerida a destempo, ou até mesmo requerê-la de ofício (art. 18 do Decreto nº
70.235/72, com redação dada pela Lei 8.748/93), uma vez que o processo administrativo busca sempre a verdade
material. (Cf. MARTINS, Natanael. A questão do ônus da prova e do contraditório no contencioso
administrativo federal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo administrativo fiscal, p. 114.) Aliás,
segundo o artigo 38 da Lei nº 9.784/99, de aplicação subsidiária ao Decreto nº 70.235/72, os requerimentos
probatórios podem ser feitos até a tomada da decisão, o que garante ao contribuinte a possibilidade de apresentar
provas até o julgamento do recurso administrativo. Voltaremos a esta questão no subcapítulo 3.5.
238
motivação entre os princípios a serem observados pela Administração, a
motivação decorre da sua interpretação sistemática. Tanto é verdade que o artigo
2º, da Lei 9.784/99 é claro ao dispor que a Administração Pública obedecerá,
entre outros, ao princípio da motivação. Escreve Botallo que “o auto de infração
deve estribar-se em dados, documentos e provas aptos a permitir ao contribuinte
o pleno acesso ao contraditório e, com ele, ao devido processo legal”.
526
De
acordo com Fonrouge, “a fundamentação ou motivação do ato é imprescindível
para que o sujeito passivo saiba quais são as razões de fato e de direito que
justificam a decisão e possa fazer sua defesa ou lançar mão dos recursos
permitidos; e, como é um requisito essencial de qualquer ato administrativo,
também é necessária (fundamentação ou motivação), no lançamento com base
certa, ainda que retificativa da formulada pelo sujeito passivo (declaração)...”
527
A jurisprudência administrativa tem caminhado no sentido de não
aplicar os princípios do contraditório e da ampla defesa na fase que antecede a
lavratura do auto de infração. Nesse sentido, já decidiu o 3º Conselho de
Contribuintes:
“PRELIMINAR DE NULIDADE POR CERCEAMENTO DO DIREITO DE
DEFESA – O Processo Administrativo Fiscal assegura ao contribuinte o contraditório
e a ampla defesa, princípios constitucionalmente garantidos. Contudo, na fase que
antecede a lavratura do Auto de Infração, ainda não se estabeleceu litígio entre as
525
BONILHA, Paulo Celso B. Apud BOTALLO, Eduardo Domingos. Curso de direito administrativo, p. 30.
526
BOTALLO, Eduardo Domingos. Op. cit. p. 31.
527
FONROUGE, C. M. Giuliani. Conceitos de direito tributário. Tradução de Geraldo Ataliba e Marco Aurélio
Greco. São Paulo: LAEL, 1973, p. 167.
239
partes, razão pela qual não há que se cogitar da obrigatoriedade da aplicação desses
princípios.”
528
Por último, vale registrar que se aplica ao lançamento tributário a
doutrina segundo a qual os atos administrativos gozam de presunção de
legitimidade.
A presunção de legitimidade é a qualidade dos atos administrativos
de se presumirem verdadeiros e emitidos com observância da lei, até prova em
contrário.
529
Se não houver impugnação ou defesa do contribuinte, por mais
absurda que seja a pretensão tributária contida no lançamento, o ato será tido
como existente e válido, operando em seu benefício a presunção juris tantum de
legitimidade.
530
Evidentemente, o lançamento tem de estar fundamentado.
Havendo impugnação, ou não sendo dada oportunidade ao
contribuinte de provar a inocorrência do fato jurídico tributário, não há que
prevalecer a presunção de legitimidade do lançamento. Como expõe Hugo de
Brito Machado, “[...] seria absurdo admitir que o contribuinte teria de pagar um
tributo apenas porque não teve condições de provar a inocorrência de
determinado fato.”
531
3.5 VERDADE, VEROSSIMILHANÇA, APARÊNCIA, E
PLAUSIBILIDADE NA TELA TRIBUTÁRIA
528
3º Conselho de Contribuintes, 2ª C. Acórdão 302-35648, j. 02.07.2003, rel. Elizabeth E. Moraes Chieregatto.
529
Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 389.
530
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 239.
531
MACHADO, Hugo de Brito. O devido processo legal administrativo tributário e o mandado de segurança. In:
ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo administrativo tributário, p. 85.
240
O processo fical pode levar a uma exigência tributária que atinge
dois direitos fundamentais do contribuinte – o direito de liberdade e o direito de
propriedade. É imprescinsível, pois, segundo o que nos parece, estabelecer-se a
verdade material.
532
A busca da verdade material – diz Lúcia Valle Figueiredo – é
oposta ao princípio dispositivo, peculiar ao processo civil”.
533
Enquanto no
processo civil (v. Capítulo II, item 2.3) se busca a “verdade possível”, no
processo administrativo persegue-se a “verdade material”, ou seja, procura-se
retirar da narrativa dos fatos a realidade dos acontecimentos. É de se ver que a
verdade material é princípio específico do processo administrativo e, portanto,
do processo administrativo tributário.
Dessa necessidade que tem o Fisco em provar a ocorrência do fato
jurídico tributário resulta o seu dever de investigação. Essa fase investigatória se
processa sob o manto da inquisitoriedade, isto é, confere-se ao administrador
tributário amplos poderes para realizar as investigações necessárias, como, por
exemplo, o livre acesso aos livros e documentos (art. 195 da CF), bem como a
entrada de agentes nas dependências internas do contribuinte (art. 200 do CTN),
a retenção de livros e documentos (art. 35 da Lei 9.430.96), a lacração de
arquivos (art. 36 da Lei 9.430/96), o acesso a documentos e informações
532
Escreve Luiz Valero: “A busca da verdade material, embora árdua e espinhosa, é atividade inseparável do
poder conferido pela Lei à fiscalização... Por isso são condenáveis práticas fiscais que tentam encurtar o caminho
do lançamento tributário.” (VALERO, Luiz Martins. Fiscalização tributária: poderes do fisco e direitos dos
contribuintes. In: TÔRRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Maria Elbe; FEITOSA, Raymundo Juliano
(Coordenadores). Direito tributário e processo administrativo aplicados. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.
240.
241
mantidas em arquivos magnéticos (art. 34 da Lei 9.430/96), etc, isso sem falar
no dever de colaboração do particular.
Nas palavras de Luiz Martins Valero:
“O caráter inquisitório do procedimento está em que, nesta fase, não se admitem as
plenas garantias do contraditório e da ampla defesa que são reservadas para a fase
litigiosa (fase processual, inaugurada com a impugnação ao lançamento tributário).”
534
Prossegue o autor:
“Mas, mesmo nessa fase, ao contribuinte não pode ser negado o direito de acesso a
todos os documentos e informações colhidas na investigação, dele ou de terceiros. Em
outras palavras: a fiscalização não pode guardar cartas na manga.”
535
O limite à inquisitoriedade é o processo. As ditas fases “pré-
processuais” (atividades de fiscalização e lançamento) são norteadas pelo
princípio inquisitivo. No entanto, uma vez iniciado o processo, a
inquisitoriedade cede lugar ao devido processo legal.
A análise perfunctória do princípio da verdade material, próprio do
processo administrativo, nos leva à questão da limitação à atividade probatória
do contribuinte, muito debatida na doutrina.
Iniciamos por observar que essa limitação probatória se cinge
apenas aos documentos já constituídos e em poder do contribuinte, uma vez que
a dilação probatória, em sentido mais amplo, se estende ao longo de todo
processo, até o pronunciamento do órgão julgador.
536
533
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo, p. 450.
534
VALERO, Luiz Martins. Op. cit. p. 242.
535
Idem, Ibidem.
536
Cf. TOMÉ, Fabiana del Padre. A prova no processo administrativo fiscal. In: DE SANTI, Eurico Marcos
Diniz (Coord.). Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de
Barros Carvalho. Op. cit. p. 576.
242
Alguns autores,
537
com arrimo no § 4º, do artigo 16, do Decreto
70.235/72, defendem a limitação temporal para apresentação de provas.
Leiamos o dispositivo:
“A prova documental será apresentada na impugnação, precluindo o direito de o
impugnante fazê-lo em outro momento processual, a menos que: a) fique demonstrada
a impossibilidade de sua apresentação oportuna, por motivo de força maior; b) se
refira a fato ou a direito superveniente; c) se destine a contrapor fatos ou razões
posteriormente trazidas aos autos.” (Redação dada pelo artigo 67 da Lei 9.532/97).
Segundo James Marins, “a flexibilização generalizada do regime de
fases e de preclusões processuais fragiliza a segurança do processo e não pode
ser admitido mesmo sob a invocação do princípio da formalidade moderada”.
538
No entanto, a tendência atual dos tribunais administrativos é a de
atenuar os rigores dessa norma. Senão vejamos:
“PROVA ACOSTADA AOS AUTOS EM FASE RECURSAL – O julgador de 2º
Grau pode e deve apreciar todas as provas trazidas pelo contribuinte/recorrente em
grau de recurso, e, se entender que ela atende aos pressupostos legais e que pode
aproveitá-la em prol do mesmo, não há como recusar-se a analisá-la.” (Acórdão
unânime da 2ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, Acórdão nº 102-44.198,
Relatora Conselheira Maria Goretti Alves dos Santos, DOU 1-E 27-12-2000, p. 4.)
Ressalte-se o alerta de Marcos Neder e Maria López: “[...] não se
deve esquecer que o processo fiscal tem por finalidade primeira garantir a
legalidade da apuração do crédito tributário, devendo o julgador pesquisar
537
Cf. MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro, p. 278.
538
Idem, Ibidem.
243
exaustivamente se, de fato, ocorreu a hipótese abstratamente prevista na
norma...”
539
Não poderíamos deixar de ressaltar que nem sempre a verdade
material é possível de ser alcançada.
Então, como evitar a incerteza relativa?
Tocando no problema, Albert Hensel propõe substituir a verdade
pela “probabilidade mais verossímil dos fatos”. Nas suas palavras,
“La incertidumbre de un non liquet, que en el proceso civil y penal sobreviene por una
‘falta de prueba’, no se produce en el procedimiento tributario. La obligación
tributaria no se exonera cuando la autoridad ‘no puede probar’ los hechos que
fundamentan su pretensión; así, por ejemplo, no debe valorar en 0 marcos si establece
lo seguiente: X ha realizado realmente intercambios comerciales para cuya
cuantificación faltan, sin embargo, puntos de referencia. Más bien, la autoridad tiene
el derecho y el deber de convertir toda incertidumbre relativa a la pretensión como tal
o a su cuantía en verdad procedimental (probabilidad más verosímil)...”
540
Em primeiro lugar, verossimilhança não é garantia de verdade. Um
fato pode ser verossímil e falso ao mesmo tempo. Em Vitória, num dia de Sol
quente, alguém escreve num diário que naquele dia está chuvendo a cântavos,
que as ruas estão alagadas, e muitos carros estão parados com o distribuidor
molhado ou com água no motor. É mentira, é falso, mas é verossímil porque já
ocorreu fato semelhante em Vitória e ainda ocorre, com certa frequência.
Em um outro contexto, um fato pode ser inverossímil e verdadeiro,
ou pelo menos provavelmente verdadeiro. Isso ocorre, segundo Michele
539
NEDER, Marcos Vinicios; LÓPEZ, Maria Teresa Martinez. Processo administrativo fiscal federal
comentado. 2.ed., São Paulo: Dialética, 2004, p. 255.
244
Taruffo, “[...] cuando se adquieren elementos de juicio suficientes para
considerar (en un grado más o menos elevado) aceptable aquella afirmación.
Este punto ha sido también asumido en la teoría jurídica de la prueba y
constituye la razón por la que se excluye que la inverosimilitud del hecho
justifique la exclusión preventiva de las pruebas que le afectam: el hecho
inverosímil puede resultar verdadero si las pruebas confirman su existencia”.
541
Observa o autor, na seqüência da afirmação ora colacionada, que
verossimilhança não é sinônimo nem de baixa, nem de alta probabilidade, muito
menos de ambas. Ainda segundo Michele Taruffo, verossimilhança não é
“substituto processual” de verdade, como sugere Calamandrei, “[...] ya que
incluso este ‘sustituto’ está referido a aserciones dotadas, de hecho, de un cierto
grado de aceptabilidad, mientras que la verosimilitud prescinde, como ya se ha
visto, de los grados de certeza que se atribuyen a las aserciones fácticas. En
consecuencia, mucho menos se puede pensar razonablemente en una
verosimilitud objetiva distinta de una verosimilitud subjetiva”.
542
O problema está nas diferenciadas e equivocadas classificações do
símbolo verdade. Apenas para exemplificar, fala-se em verdade formal e
material, verdade objetiva e subjetiva, verdade absoluta e relativa, etc. Paulo de
540
HENSEL, Albert. Derecho tributario. Tradução de Andrés Báez Moreno. Madrid: Marcial Pons, 2005, p.
332.
541
TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos, p. 186-187.
542
TARUFFO, Michele. Op. cit. p. 186-187.
245
Barros Carvalho admite que se fala numa verdade material que nem sempre se
identifica com a verdade jurídica.
543
Seja no processo judicial, seja no administrativo, para o Direito só
existe uma única verdade: a verdade comprovada ou verdade possível.
Humberto Briseño alcançou essa conclusão por entender que o Direito “[...] es el
mero conocimiento susceptible de prueba y lógicamente justificable”.
544
Verossimilhança, probabilidade, plausibilidade, etc, são conceitos
que servem para justificar a identidade ou correspondência de um determinado
fato a uma hipótese plausível, de acordo com a ordem natural das coisas, desde
que o fato não tenha sido submetido à verificação probatória.
Na teoria, ouvimos dizer que a Administração Pública persegue a
“verdade material”; na prática, afirmamos, sem rebuços, que a Administração
Pública tem a obrigação de aproximar a atividade formalizadora à realidade dos
fatos, conforme as provas que lograr produzir, independentemente desses fatos
beneficiarem ou prejudicarem o sujeito passivo da obrigação tributária.
3.6 FATO INDICIÁRIO, ENUNCIADO PRESUNTIVO,
PROPOSIÇÃO FICTÍCIA E CONSTITUIÇÃO DO
FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO
O Direito Tributário é plasmado por amplo quadro de princípios
constitucionais, entre os quais o princípio da segurança jurídica, que respalda os
cânones da legalidade e da tipicidade.
543
CARVALHO, Paulo de Barros. A prova no procedimento administrativo tributário. Revista dialética de
direito tributário, São Paulo, n. 34, jul/98, p. 106.
246
Como valor imprescindível ao ordenamento, o princípio da
segurança jurídica é um sobreprincípio porque está acima de outros primados. A
sua presença – diz Paulo de Barros Carvalho – é assegurada nos diversos
subsistemas, nas diversas instituições e no cerne de cada unidade normativa.
545
Hugo de Brito Machado afirma: “A segurança é um dos valores
fundamentais da humanidade, que ao Direito cabe preservar. Ao lado do valor
justiça, tem sido referida como os únicos elementos que, no Direito, escapam à
relatividade, no tempo e no espaço... Em outras palavras, sistema normativo que
não tende a preservar a justiça, nem a segurança, efetivamente não é Direito”.
546
O princípio da legalidade está explícito em nosso sistema,
especificamente no artigo 5º, II, da Constituição Federal, que prescreve
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude da lei”. Para o Direito Tributário, esse imperativo é ainda mais rigoroso,
como se observa da redação do artigo 150, I, do Texto Constitucional: “Sem
prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo
sem lei que o estabeleça”.
O princípio da legalidade da tributação (nullum tributum sine lege)
institui que tanto para a exigência quanto para a cobrança do tributo se exige a
544
SIERRA, Humberto Briseño. Derecho procesal fiscal, p. 7.
545
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 149-150.
546
MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988. 5.ed. São Paulo:
Dialética, 2004, p. 123.
247
prévia existência de lei.
547
Como adverte Paulo de Barros Carvalho, é necessário
que a lei traga no seu bojo os elementos descritores do fato jurídico e os
elementos prescritores da relação obrigacional.
548
Se não houver um texto de lei
autorizando a relação jurídica tributária, ela não terá existência jurídica. Daí a
razão de o parágrafo único do artigo 142 do Código Tributário Nacional (CTN)
cunhar precisamente que a atividade administrativa do lançamento é vinculada à
lei e obrigatória.
A tipicidade tributária é decorrência imediata do princípio da estrita
legalidade. Sob o olhar de Luciano Amaro,
“Deve o legislador, ao formular a lei, definir, de modo taxativo (numerus clausus) e
completo, as situações (tipos) tributáveis, cuja ocorrência será necessária e suficiente
ao nascimento da obrigação tributária, bem como os critérios de quantificação
(medida) do tributo. Por outro lado, ao aplicador da lei veda-se a interpretação
extensiva e a analogia, incompatíveis com a taxatividade e determinação dos tipos
tributários.”
549
Reintroduzidos esses princípios, inclinamos nossas atenções, agora,
para o propósito de investigar a possibilidade de se admitirem indícios e
presunções como meios de produção de prova.
As opiniões se dividem no campo doutrinário.
Eduardo Domingos Bottallo, com lastro nas idéias de Paulo
Bonilha, assegura que somente as presunções simples podem prestar-se à
caracterização de obrigações tributárias, desde que seu emprego não prescinda
547
Cf. MAIA, Mary Elbe Gomes Queiroz. Do lançamento tributário: execução e controle. São Paulo: Dialética,
1999, p. 105.
548
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 158-159.
549
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 113.
248
de outras provas e corresponda aos princípios constitucionais que integram o rol
de garantias dos contribuintes. Por outro lado, não se poderia aceitar a
substituição de provas concretas por indícios (informações cartilaginosas).
550
Admitindo que somente as presunções legais podem ser aceitas no
direito, verbera Luiz Eduardo Schoueri: “[...] a razão por que não cabe o
emprego de presunções simples em lugar das provas é imediata: estando o
sistema tributário brasileiro submetido à rigidez do princípio da legalidade, a
subsunção dos fatos à hipótese de incidência tributária é mandatória para que se
dê o nascimento da obrigação do contribuinte. Admitir que mero raciocínio de
probabilidade por parte do aplicador da lei substitua a prova é conceber a
possibilidade – ainda que remota diante da altíssima probabilidade que motivou
a ação fiscal – de que se possa exigir um tributo sem que necessariamente tenha
ocorrido o fato gerador.”
551
Para José Edurado Soares de Melo, não deve a presunção referir-se
intrinsicamente aos aspectos estruturadores da norma de incidência, apenas a
elementos que possam conduzir à tipificação tributaria.
552
Os indícios, que na
visão desse autor consistem em meros dados que podem compor ou integrar
uma presunção, não poderiam jamais corporificar hipótese de incidência.
É significativo o dizer de Maria Rita Ferragut: “As presunções não
ferem a segurança jurídica por não deverem ser aplicadas em casos de dúvida e
550
Cf. BOTTALLO, Eduardo Domingos. Curso de direito administrativo tributário, 2006, p. 104.
551
SCHOUERI, Luiz Eduardo. Presunções simples e indícios no procedimento administrativo fiscal. In:
ROCHA, Valdir Oliveira (Coord.). Processo administrativo fiscal. São Paulo: Dialética, 1997, Vol. II, p. 85-86.
249
incerteza, mas somente nas hipóteses de impossibilidade de comprovação direta
do evento descrito no fato. Além disso, a regra presuntiva não altera o
antecedente da regra-matriz de incidência tributária, nem equipara, por analogia
ou interpretação extensiva, fato que não é como se fosse, nem dispensa a prova
do fato jurídico típico, mas apenas estabelece meio para a prova indireta do
acontecimento factual relevante, que deverá basear-se em indícios graves,
precisos e concordantes.”
553
E, mais adiante, exemplifica a autora: “Desde que respeitados todos
os limites existentes, as presunções legais relativas podem ser validamente
utilizadas no Direito Tributário para fins de constituir o fato jurídico de omissão
de receitas, tais como nas hipóteses de desconsideração de atos ou negócios
jurídicos praticados com dissimulação; preços de transferência; distribuição
automática de lucros; sinais exteriores de riqueza; depósitos bancários; passivo
fictício; suprimento de caixa; falta de emissão de documento fiscal; ausência de
comprovação da origem dos recursos utilizados para a integralização do capital,
assim como a efetividade da entrega desses valores à empresa; liquidação de
débitos dos sócios e finalmente omissão de receitas por parte do contribuinte
pessoa física.”
554
Entende a autora ser inconstitucional a utilização de ficções
jurídicas em Direito Tributário, especificamente no que se refere à criação da
552
Cf. MELO, José Eduardo Soares de. Processo tributário administrativo: federal, estadual e municipal. São
Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 144-148.
553
FERRAGUT, M. R. Presunções no direito tributário, p. 301-302.
250
obrigação tributária. Para ela, já que na ficção jurídica se considera como
verdadeiro aquilo que, da perspectiva fenomênica, é falso, ter-se-ia como fato
jurídico tributário um fato que, diante da realidade fática e jurídica comprovada,
não é. Admitir-se o contrário, na opinião da autora citada, seria o mesmo que
infringir diversos princípios constitucionais, entre os quais o da legalidade, o da
tipicidade e o da discriminação constitucional de competências.
555
Sacha Calmon Navarro Coelho sinaliza que certas presunções são
inevitáveis e simplificam a aplicação do Direito à vida dos contribuintes: “É o
caso, só para exemplificar, do pagamento do ICMS por estimativa para os
pequenos contribuintes, ou ainda do pagamento do imposto de renda, a critério
dos próprios contribuintes, pessoas jurídicas, investidos do direito de opção,
pelo regime do lucro presumido, ao invés do lucro real, regra geral.”
556
Heleno Tôrres, expressando a idéia de que se deve limitar o uso de
presunções em matéria tributária, afiança: “Primeiro, tais presunções só poderão
ser de ordem probatória (presunção simples ou hominis); e, quando criadas por
lei, não poderão ser absolutas, mas só relativas, admitindo a devida prova em
contrário por parte do alegado, com liberdade de meios e formas. Segundo, a
Administração deve respeitar o caráter de subsidiariedade dos meios
presuntivos, pois só de modo excepcional se deve valer deles, na função de
típica finalidade aliviadora ou igualdade de armas, nas hipóteses em que
554
FERRAGUT, M. R. Presunções no direito tributário, 302-303.
555
Cf. FERRAGUT, M. R. Op. Cit, p. 160-161.
556
COELHO, S. C. N. Teoria geral do tributo, da interpretação e da exoneração tributária, p. 168.
251
encontrar evidente dificuldade probatória. Terceiro, por que a verdade material é
o parâmetro absoluto da tributação. Qualquer modalidade de presunção relativa
há de ser aplicada com estrito respeito aos direitos fundamentais e à legalidade,
acompanhada de devido processo legal e sem qualquer espécie de
discricionariedade que leve ao abuso de poder.”
557
Por tudo isso, parece-nos que extrema cautela deve ser tomada ao
permitir que tais situações venham a interferir na constituição do fato jurídico
tributário.
A nosso ver, é erro rotundo achar que a ficção poderia ser utilizada
na constituição do fato jurídico tributário. Cogitar a existência de um fato
jurídico tributário fictício seria o mesmo que acolher um fato não realizado no
tempo e no espaço – um fato comprovadamente falso. Mais do que isso,
teríamos um fato inexistente, pois, para que se configure o fato jurídico
tributário, o evento ocorrido no mundo empírico tem de satisfazer, um a um, os
critérios identificadores tipificados no antecedente da norma tributária geral e
abstrata. Que apenas um não se verifique – alerta Paulo de Barros Carvalho
558
a dinâmica da incidência ficaria inteiramente comprometida.
Aliás, a rígida distribuição constitucional de competências
tributárias – instrumento essencial à disposição da ordem jurídica – desautoriza
aplicações de ficções e presunções legais absolutas, mormente em função do que
expressa o artigo 150, I, legitimado pelo que prescreve o artigo 146, III, a, que
557
TÔRRES, Heleno. Direito tributário e direito privado, p. 406.
252
exige clara definição dos fatos jurídicos, das bases de cálculo e dos
contribuintes, e pelo que dispõe o artigo 154, I, sobre a criação de novos
impostos pela União.
Outro motivo pelo qual somos decididamente contra a utilização
das presunções absolutas na composição do fato jurídico tributário é que elas
não permitem que o sujeito, contra quem a presunção aproveita, ofereça provas
contrárias à realização do fato descrito no fato implicado.
559
Com extrema prudência, e desde que sejam observados os
princípios constitucionais a que já nos referimos, tanto os indícios quanto as
presunções simples e as legais relativas podem ser acolhidos para efeito de
caracterização do fato jurídico tributário.
No caso das presunções (simples
560
e relativas
561
), além da
preservação dos valores consagrados no Texto Supremo, é preciso que os
558
CARVALHO, Paulo de Barros. Revista dialética de direito tributário, n. 34, p. 111.
559
Yonne Dolacio de Oliveira diz: “Se a ficção falseia deliberadamente a realidade natural, como admitir fato
gerador ficto na hipótese de incidência, exigindo a conseqüente exigência do tributo? Do mesmo modo, como
exigir o tributo em razão de presunção absoluta que considera verdadeiro o que tem apenas aparência ou
probabilidade de verdade natural, vedando ao contribuinte o direito de prova em contrário? Legisladores
complementar e ordinário não podem, portanto, utilizar ficção ou presunção absoluta que deformam a realidade
na instituição de tributos. Podem tão-só fazer uso da presunção relativa.” (OLIVEIRA, Y. D. Princípios da
legalidade e da tipicidade. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de direito tributário. 8.ed. São
Paulo: Saraiva, 2001, p. 132.)
560
Reconhecemos que esse não é o entendimento de grande parte da doutrina. Cf. Geraldo Ataliba, José Eduardo
Soares de Melo, José Artur Lima Gonçalves, Susi Gomes Hoffmann, Luís Eduardo Schoueri, entre outros. O
argumento desses autores, segundo Maria Rita Ferragut, é que “as presunções legais, por serem excepcionais,
dependeriam sempre de lei tipificadora dos fatos indiciários e prescritora da conseqüência para serem
autorizadas, razão pela qual a presunção hominiso poderia ser admitida para fins de criar tributos”.
(FERRAGUT, M. R. Presunções no direito tributário, p. 203.) É possível encontrar jurisprudência neste sentido:
“PRESUNÇÃO. Não logrando o fisco comprovar que a aquisição da participação societária se dera em data
anterior à indicada na escrita da empresa e nos documentos probatórios, o lançamento repousa em simples
presunção, em desacordo com a regra estabelecida no art. 142, parágrafo único, do CTN”. Ac. n. 105-3.731,
DOU de 3-12-1990, p. 23.141, Rel.ª Cons.ª Mariam Seif.
561
“PRESUNÇÃO. Segundo o disposto no art. 142, parágrafo único, do CTN somente a lei pode autorizar o
emprego da presunção para comprovar a existência de fato que enseja a prática do lançamento (princípio da
reserva legal)”. Ac. n. 101-87.091, DOU de 8-5-1995, p. 6.478, Rel. Cons. Raul Pimentel. No mesmo sentido:
253
indícios da prática do fato a ser provado sejam graves, precisos e
concordantes,
562
e que não existam provas em sentido contrário.
No que diz respeito aos indícios, porém, a situação é diferente.
Desde que juridicamente verificados, eles servem de ponto de partida para se
chegar ao fato desconhecido.
Em outras palavras: o indício surge como motivo para desencadear-
se um processo de busca pela “verdade material” dos fatos pesquisados.
563
A
subordinação do processo tributário à descoberta da verdade material é um
remédio do qual dispõe o sistema jurídico para conter a deformação da
manifestação de vontade contida no ato de transformação do fato em fato
jurídico tributário. A verdade material – como ensina J. A. Lima Gonçalves
“[...] consistiria na exigência de que haja absoluta identidade (‘a asserção seja
verdadeira’) entre o conceito (fato) e o evento do mundo fenomênico por ele
significado”.
564
Ao final desse iter procedimental, efetivado mediante a utilização
dos meios de prova em direito admitidos, o fato jurídico é dado como ocorrido,
instalando a correspondente relação jurídica entre o credor (Fisco) e o devedor
Acs. ns. 87.100, DOU de 5-6-1995, p. 7.970; 86.664, DOU de 6-6-1995, p. 8.082; 87.596, DOU de 28-6-1995,
p. 9.495.
562
“O juiz só deve admitir as presunções graves, precisas e concordantes...” Cf. CHIOVENDA, Giuseppe.
Instituições de direito processual civil. Tradução de J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1945, Vol. III,
p. 199.
563
Cf. Subcapítulo 3.5.
564
GONÇALVES, J. A. L. Lançamento: meditação preliminar. In: MELLO, Celso Antônio Bandeira de
(Organizador). Direito tributário: estudos em homenagem a Garaldo Ataliba. São Paulo: Malheiros, 1997, p.
156.
254
(contribuinte ou responsável), tendo como objeto a prestação de dar, de fazer ou
não fazer.
565
3.7 O ÔNUS DA PROVA DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO
Como visto, no direito processual os signos “dever” e “ônus”
apresentam significados heterogêneos entre si: dever é um imperativo; ônus é
um poder ou uma faculdade concedida às partes, para que produzam
determinados atos processuais.
566
Se o processo administrativo fiscal
567
se desenvolve sob a égide do
princípio inquisitivo, o Fisco tem o dever, e não simplesmente o ônus, de provar
o fato jurídico tributário. Referindo-se ao artigo 74º/1 da Lei Geral Tributária
portuguesa, Carlos Paiva afirma que o ônus da prova é definido por meio de
uma partilha equitativa da responsabilidade na produção da prova entre a
Administração e o impugnante, regime que coexiste com o princípio do
inquisitório, pelo qual o Juiz tem o poder-dever de promover qualquer diligência
probatória que seja útil ao descobrimento da verdade.
568
565
Art. 113. “A obrigação tributária é principal ou acessória. §1.º A obrigação principal surge com a ocorrência
do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o
crédito dela decorrente. §2.º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as
prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos...”
Consoante se depreende do artigo 113, §2.º, o Código Tributário Nacional acolheu a doutrina da existência da
obrigação de dar, à qual se refere como obrigação principal, e das obrigações de dar, de fazer e de não fazer,
independentes da obrigação principal, às quais se refere como acessórias.
566
Cf. Subcapítulo 2.7.
567
Nunca é demais ressaltar que o processo administrativo fiscal tem duas fases. Na primeira são proferidos os
atos que dizem respeito ao poder fiscalizatório da autoridade administrativa, com o objetivo averiguar e exigir o
cumprimento das obrigações tributárias do contribuinte. Na segunda, que se inicia com a manifestação de
inconformismo do contribuinte em relação à exigência fiscal, por meio de impugnação, formaliza-se a relação
jurídica processual. Encontram-se com frequência na doutrina os termos procedimento e processo administrativo
fiscal para nomear a primeira e a segunda fase, respectivamente.
568
PAIVA, Carlos. Da tributação à revisão dos actos tributários, p. 204.
255
Tanto é verdade que “as atividades de instrução destinadas a
averiguar e a comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se
de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem
prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias”. Este é o
texto do artigo 29 da Lei dos Processos Administrativos (Lei nº 9.784/99), de
aplicação subsidiária ao processo administrativo fiscal.
O artigo 142 do Código Tributário Nacional é claro ao preceituar:
“Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito
tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo
tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,
determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido,
identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade
cabíve
l.”
Segundo Thierry Afschrift, “la charge incombe au fisc, tant au
niveau de l’allégation, qu’à celui de la preuve elle-même, correspond à celle qui
est définie par la théorie des éléments générateurs”.
569
Nesse pormenor, ensina
Hensel que a Administração “[...] es la responsable del desarrollo del
procedimiento, así como del trámite de la prueba”.
570
Mas o contribuinte tem o dever de colaborar na instrução do
processo. É a este dever que se refere o artigo 4º da Lei 9.784/99:
569
AFSCHRIFT, Thierry. Traité de la preuve en droit fiscal, p. 88.
570
HENSEL, Albert. Derecho tributario, p. 331.
256
São deveres do administrado perante a Administração, sem prejuízo de outros
previstos em ato normativo: (...) IV – prestar as informações que lhe forem solicitadas
e colaborar para o esclarecimento dos fatos”.
571
Albert Hensel trata do tema ex professo ao atestar que a
Administração “[...] tiene el derecho y el deber de reclamar al obrigado
tributario su colaboración en la medida que le ley lo permita y lo requiera el
buen fin del procedimiento”.
572
Caso o contribuinte seja omisso, se recuse a colaborar, ou colabore
maliciosamente com a autoridade administrativa, ele continuará sujeito ao
lançamento tributário, e ainda terá que suportar as penalidades cabíveis.
Frise-se: o ônus da prova dos fatos constitutivos dos direitos da
administração tributária e dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
573
Se a
Fazenda alega ter ocorrido o fato jurídico tributário, deve apresentar a prova de
sua ocorrência. Se, por outro lado, o interessado aduz a inexistência da
ocorrência do fato jurídico tributário – escrevem Marcos Neder e Maria López –
“[...] terá que provar a falta dos pressupostos de sua ocorrência ou a existência
de fatores excludentes”.
574
571
No processo tributário italiano – diz Francesco Tesauro – havia autores, como Barini e Chiovenda, que
propunham a exoneração do contribuinte do ônus da prova, sob o argumento de que, em função do poder
inquisitório do juiz, ele não deveria se limitar às provas oferecidas pelas partes, mas a averiguar, por iniciativa
própria, a verdade dos fatos afirmados. (Cf. TESAURO, Francesco. L’onere della prova nel proceso tributario.
In: GLENDI, C; PATTI, S; PICOZZA, E. Le prove nel diritto civile amministrativo e tributario, p. 237.)
572
HENSEL, Albert. Derecho tributario, p. 331.
573
Escrevem Planiol e Ripert: “En principe, celui qui allègue un fait pour en tirer une conclusion en sa faveur et
contraire à la situation de l’adveraire est tenu de prouver la vérité de ce fait.” (PLANIOL, Marcel; RIPERT,
Georges. Traité élémentaire de droit civil, p. 163-164.) No mesmo sentido, conferir Colin e Capitant. (COLIN,
Ambroise; CAPITANT, H. Cours élémentaire de droit civil français, p. 94.)
574
NEDER, Marcos Vinícios; LÓPEZ, Maria Teresa Martínez. Processo administrativo fiscal federal
comentado, p. 170.
257
Hugo de Brito Machado entende que o ônus da prova no processo
administrativo fiscal é regulado pelos princípios fundamentais da teoria da
prova, expressos pelo Código de Processo Civil. São suas estas palavras:
“No processo administrativo fiscal para apuração e exigência do crédito tributário, ou
procedimento administrativo de lançamento tributário, autor é o Fisco. A ele,
portanto, incumbe o ônus de provar a ocorrência do fato gerador da obrigação
tributária que serve de suporte à exigência do crédito que está a constituir. Na
linguagem do Código de Processo Civil, ao autor incumbe o ônus da prova do fato
constitutivo de seu direito. Se o contribuinte, ao impugnar a exigência, em vez de
negar o fato gerador do tributo, alega ser imune, ou isento, ou haver sido, no todo ou
em parte, desconstituída a situação de fato geradora da obrigação tributária, ou ainda,
já haver pago o tributo, é seu o ônus de provar o que alegou.
575
Outra não é a lição de Francesco Tesauro:
“A questo proposito, è massima ricevuta che l’amministrazione deve provare il
presupposto, mentre il cittadino deve provare le circostanze che impediscono,
modificano o estinguono la pretesa fiscale.”
576
Essa tem sido a orientação dos Conselhos de Contribuintes, como
se infere do recente julgado trazido à colação:
“NORMAS PROCESSUAIS – ÔNUS DA PROVA. Consoante art. 333 do CPC e art.
16 do Decreto nº 70.235/72, o ônus da prova incumbe ao titular do seu direito. Tendo
a empresa praticado exclusões da base de cálculo da Cofins, cabe a ela, sujeito passivo
da contribuição submetida ao regime de lançamento por homologação, a prova dos
fundamentos legais da exclusão levada a efeito. Recurso negado.” (4ª Câmara do 2º
Conselho de Contribuintes, Acórdão nº 204-01.779, Relator Júlio César Alves Ramos,
DOU de 27-02-2007, Seção 1, pág.190.)
Ressalvado o dever de colaboração do contribuinte, o ônus da
prova do fato jurídico tributário é da Fazenda Pública. Vindo o sujeito passivo a
impugnar o ato administrativo lavrado pelo Fisco, será seu o ônus de provar o
575
MACHADO, Hugo de Brito. O devido processo legal administrativo tributário e o mandado de segurança. In:
ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo administrativo fiscal, p. 85-86.
258
que alegou. Mas se os pressupostos do fato jurídico tributário forem infirmados
na impugnação, o encargo probatório volta a ser do Estado-Administração.
Vale consignar que, ao contrário do processo civil e do penal, a
incerteza de um non liquet, por falta ou insuficiência de provas, não ocorre no
processo administrativo tributário. Sob o ponto de vista jurídico, falta e
insuficiência de provas se equivalem.
Conforme Moacyr Amaral Santos, pode ocorrer, no processo, por
mais evidentes que sejam as afirmações das partes, que não haja prova delas ou
que a prova seja insuficiente, ou seja, sem força para formar o convencimento
do juiz. Nesse caso, prossegue o autor, se é dos fatos que se origina o Direito,
não poderá ser firmada, no processo, a relação jurídica controvertida, sempre
que haja falta ou insuficiência de prova. Para Moacyr Amaral Santos,
“Não pode o juiz, por sua iniciativa, completar a prova deficiente em qualquer caso,
suprindo, por essa forma, a inatividade da parte interessada. Se tivesse esse poder, se
colocaria mais como parte do que como juiz. Deverá agir apenas para sair do estado
de perplexidade em que o deixarem as provas oferecidas pelos litigantes; apenas para
formar convencimento seguro, diante da incerteza em que se encontrar dadas as
provas oferecidas; nunca para completar a prova no sentido de fazer pesar a balança
para um lado ou para outro; nunca para fazer prova que poderia ser e não foi proposta
pela parte a quem cumpria o ônus de provar”.
577
Mesmo no processo civil o juiz tem o poder de ordenar que se
complete a prova quando esta se refira a matéria de ordem pública.
578
576
TESAURO, Francesco. L’onere della prova nel proceso tributario. Op. cit. p. 248.
577
SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial, p. 348.
578
Cf. SANTOS, Moacyr Amaral. Op. cit. p. 348.
259
O processo administrativo fiscal, como todo processo
administrativo, está calcado no princípio inquisitivo, segundo o qual a
Administração deve realizar todas as diligências necessárias à satisfação do
interesse público e à descoberta da “verdade material”,
579
não estando
subordinada à iniciativa das partes.
Segundo o artigo 29, da Lei 9.784/99, as atividades probatórias se
realizam de ofíco ou mediante impulso oficial do órgão responsável pelo
processo. Não bastasse isso, a Administração também tem o dever de colaborar
com o interessado na produção da prova, conforme dispõem os artigos 36, 37,
39 e 43 da Lei 9.784/99.
Antes de encerrar esta parte, devemos dizer, finalmente, que a
presunção de legitimidade dos atos administrativos, segundo a qual o ato deve
ser considerado regularmente praticado até prova em contrário, não exime a
Administração do dever de comprovar a ocorrência do fato jurídico tributário.
Isso vale para qualquer espécie de enunciado presuntivo, sendo, portanto,
descabido falar em inversão do ônus da prova em tais circunstâncias.
580
3.8 MEIOS DE PROVA: DEPOIMENTO PESSOAL, PROVA
TESTEMUNHAL, PERICIAL, DOCUMENTAL E DILIGÊNCIA
Nem o processo administrativo fiscal, nem qualquer outro
procedimento que sirva de aplicação da lei ao caso controvertido podem omitir o
579
Cf. Subcapítulo 3.5.
580
A fundamentação está no Subcapítulo 3.6.
260
trâmite probatório. O ponto nevrálgico é determinar quais são os meios de prova
disponíveis para a prova do fato jurídico tributário.
Em princípio, segundo o artigo 5º da Carta Política, todos os meios
de prova (lícitos) são permitidos no processo judicial e no administrativo.
Iniciamos pela análise do depoimento pessoal.
Já dizia Pontes de Miranda que o enunciado “depoimento pessoal”
é defeituoso, na medida em que também são “pessoais” os depoimentos das
testemunhas e a confissão em “depoimento pessoal” da parte por seu
procurador.
581
É erro definir o depoimento da parte pelo resultado eventual de
uma confissão, como faz Fabiana Tomé. Avulta o descompasso logo no exame
do primeiro instante:
“O depoimento pessoal, considerado isoladamente, entretanto, não caracteriza meio de
prova: assumirá essa propriedade apenas se veicular fato contrário ao interesse do
depoente e favorável ao seu adversário processual, qualificando, nesse caso, uma
confissão.”
582
Não se deve considerar o depoimento pessoal como ato isolado,
mas como um conjunto de informações das partes,
583
que dizem o que sabem a
respeito do pedido, da defesa, das provas produzidas ou a serem produzidas no
processo. Segundo Pontes de Miranda, o depoimento tem força convincente, e,
581
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Código de processo civil comentado, Tomo IV, p. 266.
582
TOMÉ, Fabiana del Padre. A prova no direito tributário, p. 106.
583
Diz Pontes de Miranda que “parte, nos artigos 343-347, é qualquer interessado que, estando na demanda e
tendo o ônus de afirmar, ou o ônus de fazer prova, contra ou a favor, afirma o que seria de seu interesse negar.
De modo que o litisdenunciado, ainda que não se dê a substituição subjetiva, também pode confessar,
prejudicando-se, como todo confidente, a si mesmo”. (Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.
Código de processo civil comentado, Tomo IV, p. 267.)
261
no processo, com o princípio do livre convencimento, o juiz pode fazê-lo um
dos fundamentos da sua convicção.
584
É óbvio que uma das finalidades do depoimento pessoal, talvez a
mais importante, é fazer com que a parte confesse – de forma espontânea ou
provocada – fatos relevantes à solução da lide, prejudicando-se, como todo
confidente, a si mesma. Para Carlo Alberto Graziani, “la confessione è mezzo di
prova diversa, più forte ed efficace degli altri mezzi, tanto è vero che
tradizionalmente viene considerato regina probationum, probatio probatissima.
Essa infatti fonda la sua efficacia non già sulla veridicità di una delle parti in
causa, che potrebbe avere interesse a dire il falso, ma sulla più solida regola di
esperienza secondo cui chi emette spontaneamente una dichiarazione contra se
dice la verità”.
585
(O destaque é nosso.)
Sobressai do artigo 212, do Código Civil, que o fato jurídico (entre
eles o tributário) pode ser provado por confissão.
A confissão, conforme definição de
José Pedro Montero Traibel, é
“la manifestación de voluntad del sujeto passivo, efectuada dentro del procedimiento
de gestión tributaria, sobre determinados hechos afirmados por la otra parte que lo
perjudican, reconociendo que son ciertos.”
586
584
PONTES DE MIRANDA, F. C. Op. cit. p. 267.
585
GRAZIANI, Carlo Alberto. Sull’ammissibilità della confessione dei contratti solenni. In: GLENDI, Cesare;
PATTI, Salvatore; PICOZZA, Eugenio (Coord.). Le prove nel diritto civile amministrativo e tributario, p. 255.
586
TRAIBEL, José Pedro Montero. La prueba en el procedimiento de gestión tributaria. In: TÔRRES, Heleno
Taveira (Coord.). Teoria geral da obrigação tributária, p. 509. Em sentido análogo, anota José Eduardo Soares
de Melo que as alegações firmadas pelos contribuintes e pelos responsáveis tributários são consideradas como
confissão, na medida em que sejam utilizadas como elementos probantes. Segundo este autor, “o mesmo ocorre
com esclarecimentos prestados por terceiros que tenham participado da situação infracional. É o caso da
apreensão de documentos paralelos à escrita fiscal contendo a grafia do autuado ou a declaração do transportador
de mercadorias desacompanhada de documentação fiscal”. (MELO, José Eduardo Soares de. Processo tributário
administrativo federal, estadual e municipal, p. 151-152.)
262
O obrigado tributário pode confessar de duas maneiras: (i) na
hipótese de pagamento antecipado do tributo, ou homologação de lançamento,
quando ele próprio confessa o crédito tributário;
587
(ii) na hipótese de
parcelamento dos valores tributários, desde que a confissão seja tomada de
forma inequívoca, sem dar lugar a dúvidas.
588
Quando falamos em “forma inequívoca” referimo-nos ao “termo de
compromisso irrevogável e irretratável de débitos”. Não sendo o parcelamento
um ato negocial – diz Edvaldo Brito – “[...] somente se pode enquadrá-lo, como
de adesão a um esquema, legalmente estipulado, que vincula o administrador,
mas que coage o administrado. Nenhum dos dois pode fugir à regra”.
589
Segundo o artigo 214, do Código Civil, a confissão é irretratável.
Contudo se o contribuinte perceber qualquer inexatidão ou inveracidade na
declaração confessória, como, por exemplo, erro de fato, de dolo ou de coação,
poderá solicitar sua revisão pela via administrativa ou judicial.
Observe-se que, em face dos princípios da legalidade e da
tipicidade tributária, o tributo só é devido se verificada a ocorrência do fato
previsto na hipótese da norma geral e abstrata.
590
Conseqüentemente, não será
587
Artigo 150 do CTN: “O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua
ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se
pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado,
expressamente a homologa.”
588
Art. 151 do CTN: “Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: (…) VI – o parcelamento. (Inciso
incluído pela Lei Complementar nº 104, de 10-1-2001.)
589
BRITO, Edvaldo. Parcelamento de débitos tributários, denúncia espontânea e o novo art. 155-A do CTN. In:
ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2001,
Vol. V, p. 74.
590
Cf. TOMÉ, Fabiana del Padre. A prova no processo administrativo fiscal. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz
de. Curso de especialização em direito tributário, p. 568.
263
admitida confissão que exceda ou modifique as circunstâncias legais da
obrigação tributária.
Considera José Eduardo Soares de Melo o seguinte:
“Não teria fundamento jurídico a declaração de débito de IPTU realizada por
instituição religiosa que preenchesse os requisitos previstos no CTN (art. 14); o
registro de alíquota superior à prevista na lei; ou a inclusão de elementos na base de
cálculo de imposto, declarado inconstitucional.”
A jurisprudência dos Conselhos de Contribuintes possui vários
julgados que defendem a adoção da confissão como meio de prova no processo
administrativo fiscal. Eis o teor do Acórdão n.º 107.02-298, da 7ª Câmara, do 1º
Conselho de Contribuintes, Relator Francisco de Sales R. de Queiroz, julgado
em 14-08-2003:
“CONFISSÃO DA PRÁTICA DO ILÍCITO TRIBUTÁRIO – PROVA. Não
dependem de prova os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte
contrária. Há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu
interesse e favorável ao adversário. A confissão é judicial ou extrajudicial (CPC –
artigos 334 e 348).”
Do cotejo do artigo 17, do Decreto nº 70.235, com redação dada
pela Lei 9.532/97, extrai-se o seguinte enunciado: “considera-se não impugnada
a matéria que não tenha sido expressamente contestada pelo impugnante.”
Ao arrepio dos princípios da estrita legalidade e da tipicidade, o
legislador federal sugere, ainda que implicitamente, a propagação dos efeitos da
revelia, sobretudo o da confissão ficta ou cominada, no processo administrativo
fiscal.
264
Podemos afirmar que somente a confissão expressa – por meio de
autolançamento ou termo de compromisso irrevogável e irretratável de débitos –
pode ser admitida como meio de prova no processo administrativo fiscal.
A prova testemunhal supõe o depoimento de pessoas que sejam
estranhas ao processo, sem interesse ou razões de parentesco com as partes, e
que não estejam legalmente impedidas de depor, mas que tenham conhecimento
dos fatos questionados, podendo, de alguma forma, contribuir para o
esclarecimento deles.
O grande receio quanto ao uso da prova testemunhal está na
deficiência dos testemunhos. Não raramente deparamos com testemunhos falsos
ou pré-fabricados, com o testemunho de pessoas que tenham interesse
econômico ou sentimento de afeto por uma das partes, com a falta de memória
do depoente, etc.
Vale consignar a lição de Humberto Briseño Sierra sobre a prova
testemunhal:
“Fundamentalmente, el testimonio no es una prueba, porque no es la verificación de
los factores de la cuestión en litigio. Ninguno de los elementos normativos: sujetos,
objetos y relaciones jurídicas, se encuentran controlados por el testimonio, que se
limita a relatarlos, a mencionarlos o sugerirlos, pero jamás los evidencia”.
591
591
SIERRA, Humberto Briseño. Derecho procesal fiscal, p. 451.
265
O Decreto nº 70.235/72 não contempla expressamente a produção
de prova testemunhal, devendo ser aplicadas, por analogia, as normas do
processo civil, inclusive quanto às restrições à prova testemunhal expressamente
estabelecidas no CPC.
592
O processo administrativo fiscal normalmente envolve questões de
ordem técnica ou contábil, solucionadas por meio de documentos e perícia,
razão pela qual a prova testemunhal é pouco utilizada em matéria tributária.
No entanto, podem ocorrer situações em que a prova testemunhal
seja a única capaz de esclarecer as características do fato jurídico tributário.
Sendo assim, ela deverá ser aceita em respeito ao direito fundamental à ampla
defesa.
Um exemplo ajudará a compreender a situação.
Imaginemos uma determinada fiscalização relativa ao Imposto de
Renda de Pessoa Jurídica, com origem na apuração de omissão de receitas de
revenda de mercadorias sem a emissão de notas fiscais ou documentos fiscais
equivalentes, nos períodos de apuração de janeiro a agosto de 2007. Nesse caso,
os depoimentos de diversas testemunhas fazendo menção ao nome do
adquirente/vendedor, acompanhadas de informações detalhadas quanto ao bem
objeto da transação (marca, modelo, ano de fabricação, forma de pagamento,
valor, etc), são uma prova importante.
592
Ver, por exemplo, artigo 400 do CPC: “A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de
modo diverso. O juiz indeferirá a inquirição de testemunhas sobre fatos: I – já provados por documento ou
confissão da parte; II – que só por documento ou por exame pericial podem ser provados.” Prevê o artigo 406 do
266
A jurisprudência oscila sobre o assunto. Ao julgar o processo n.º
10835.001591/2001-62, o 2º Conselho de Contribuintes entendeu inexistir
previsão legal para oitiva de testemunha no processo administrativo fiscal. (3ª C.
Relator Antônio Bezerra Neto, julgado em 26-01-2006.) Em outra ocasião, o 1º
Conselho de Contribuintes considerou que a prova testemunhal pode ser
utilizada pelo contribuinte, devendo ser apresentada sob forma de declaração
escrita já com a impugnação. (1ª C. Processo nº 13831.000124/97-04, Relatora
Sandra Maria Faroni, julgado em 15-09-1999.)
Como já se disse reiteradas vezes, no direito tributário vigora o
princípio do inquisitório pleno, sendo certo que, no âmbito da instrução do
processo, o juiz deve ordenar as diligências de prova consideradas úteis para o
conhecimento da verdade.
Nada obsta, portanto, a que sejam atendidos todos os meios
previstos no ordenamento jurídico, inclusive a prova pericial.
O perito tem a função de informar as partes e ao juiz sobre questões
de fato, técnicas ou científicas, que escapem ao conhecimento deles, permitindo-
lhes resolver ou prevenir um litígio.
593
Ao contrário do que ocorre com a prova testemunhal, há previsão
expressa na lei quanto à admissibilidade da prova pericial. Este é o texto do
artigo 16, IV, do Decreto nº 70.235/72:
CPC que a testemunha não está obrigada a depor sobre fatos que lhe acarretem prejuízo grave, nem quando
estiver obrigada a guardar sigilo por motivos profissionais.
267
“A impugnação mencionará:
(...)
IV – as diligências, ou perícias que o impugnante pretenda sejam efetuadas, expostos
os motivos que as justifiquem, com a formulação dos quesitos referentes aos exames
desejados, assim como, no caso de perícia, o nome, o endereço e a qualificação
profissional do seu perito.”
Nada impede que o agente público ordene a realização da prova
técnica antes mesmo do início da relação jurídica processual, na fase
denominada “procedimento fiscal”. Esse poder lhe é conferido pelos princípios
do inquisitório pleno e da impulsão do processo administrativo, bem como pelos
artigos 29 da Lei 9.784/99, e 9º do Decreto 70.235/72, com nova redação pela
Lei 8.748/93.
Dispõe o artigo 9º do Decreto 70.235/72:
“A exigência do crédito tributário, a retificação de prejuízo fiscal e a aplicação de
penalidade isolada serão formalizadas em autos de infração ou notificação de
lançamento, distintos para cada imposto, contribuição ou penalidade, os quais deverão
estar instruídos com todos os termos, depoimentos, laudos e demais elementos de
prova indispensáveis à comprovação do ilícito.”
Introduzidos esses esclarecimentos, devemos ressaltar que, no
processo administrativo tributário, a prova pericial tem alcance e valor diferente
do que normalmente teria, por exemplo, no processo civil, onde os peritos atuam
como auxiliares dos juízes. É peremptória a posição de Traibel, ao aduzir, com
arrimo nas lições de Noboa, que “a la administración no se le pueden imponer
593
Cf. LURQUIN, P. Apud AFSCHRIFT, T. Traité de la preuve en droit fiscal, p. 316. No original: “L’expertise
a pour objet de donner un avis aux particuliers et aux tribunaux sur des questions de fait, techniques ou
scientifiques, qui échappent à leur compétence, en vue de leur permettre de résoudre ou de prévenir un litige.”
268
peritaje, ella tiene sus técnicos en todas las materias que pueden producir los
informes pertinentes”.
594
Na esteira do raciocínio de Traibel, chamamos a atenção para o
disposto no artigo 20 do Decreto 70.235/72 (redação da lei 8.748/93): “No
âmbito da Secretaria da Receita Federal, a designação de servidor para proceder
aos exames relativos a diligências e perícias recairá sobre o Auditor-Fiscal do
Tesouro Nacional.”
Essa determinação legal é motivo de preocupação, na medida em
que impõe a utilização dos serviços periciais de funcionários que, entre outras
atribuições, tem o dever de promover o próprio lançamento tributário. Segundo
Eduardo Bottallo, trata-se de expediente capaz de comprometer a higidez da
prova pericial, pela possível falta de isenção do funcionário público.
595
No processo administrativo tributário federal, o juiz poderá
indeferir a prova pericial quando: (i) a prova do fato não depender de
conhecimento técnico ou especializado; (ii) a prova pericial for desnecessária
em vista de outras já produzidas; e (iii) a verificação for impraticável.
596
É o que
preceitua o artigo 18 do Decreto 70.235/72 (redação da Lei 8.748/93), seguindo
as diretrizes do artigo 420, § único, do Código de Processo Civil. Vejamos:
594
TRAIBEL, José Pedro Montero. La prueba en el procedimiento de gestión tributaria. In: TÔRRES, Heleno
Taveira (Coord.). Teoria geral da obrigação tributária, p. 507.
595
BOTTALLO, Eduardo Domingos. Curso de processo administrativo tributário, p. 98. Segundo o autor, “[...]
a realização da prova pericial sujeita-se, no processo administrativo tributário federal, a restrições que, em sua
literalidade, não guardam passo com as exigências do contraditório e da ampla defesa – e que, por isso mesmo,
podem e devem ser afastadas por meio da interpretação sistemática e integrativa desses relevantes cânones
constitucionais.” (BOTTALLO, E. D. Op. cit. p. 100.)
596
Cf. Artigo 420, § único, do Código de Processo Civil.
269
“A autoridade julgadora de primeira instância determinará, de ofício ou a
requerimento do impugnante, a realização de diligências ou perícias, quando entendê-
las necessárias [sic], indeferindo as que considerar prescindíveis ou impraticáveis,
observado o disposto no art. 28, in fine.”
A autoridade administrativa está obrigada a justificar a motivar o
eventual indeferimento da prova pericial, como decorre do artigo 29 do Decreto
70.235/72:
“Na decisão em que for julgada questão preliminar, será também julgado o mérito,
salvo quando incompatíveis, e dela constará o indeferimento fundamentado do pedido
de diligência ou perícia, se for o caso.”
Em todo caso, a perícia pode ser de grande valia para a prova do
fato jurídico tributário. Com certa freqüência tem sido solicitada para esclarecer
dúvidas técnicas. Por exemplo, a perícia pode ser útil para verificar a
composição química de um produto, com o objetivo de esclarecer eventuais
dúvidas quanto à melhor classificação fiscal para fins de cobrança de IPI; para
analisar documentos fiscais, quando houver dúvidas sobre a ocorrência de
falsificação, etc.
Sobre o assunto, assim manifestou-se o 3º Conselho de
Contribuintes:
“AUSÊNCIA – A falta de prova pericial - Laudo Técnico – indispensável à plena
caracterização do produto objeto da nova classificação adotada pelo Fisco, implica
incerteza quanto à materialidade da aplicação da norma tributária, o que configura
cerceamento ao direito de ampla defesa e do contraditório. Nessas circunstância deve
prevalecer a classificação fiscal adotada pelo contribuinte.” (1ª C. Processo nº
11050.001634/2004-42, Relator Luiz Roberto Domingo, julgado em 24-01-06.)
270
Em matéria civil – diz Afschrift – “la preuve est réglementée, en
ces sens qu’il existe une hiérarchie des preuves, certaines, como l’écrit,
bénéficient entre parties d’une plus grande valeur probante que d’autres”.
597
Entendemos por documento todo o suporte material idôneo, capaz
de representar um fato jurídico, inclusive os meios físicos que expressem
escritos,
598
símbolos, imagens, sons, etc, cujo conteúdo seja relevante para a
prova do fato jurídico tributário.
599
No processo tributário, seja o administrativo, seja o judicial, a
prova documental é de extrema importância, pois os deveres que são impostos
ao sujeito passivo abrangem, na quase totalidade das vezes, registros e escritas
contábeis. Nas palavras de Susy Hoffmann, “esses documentos formam a
linguagem competente eleita pelo legislador para sustentar o relato do fato
jurídico tributário”.
600
Daí a necessidade de o contribuinte preservar, até que ocorra a
prescrição dos créditos tributários, os livros obrigatórios de escrituração
comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados, conforme
prescreve o artigo 195, § único, do Código Tributário Nacional.
601
597
AFSCHRIFT, Thierry. Traité de la preuve en droit fiscal, p. 167.
598
Livros comerciais, balanços, anotações, registros, contratos, notas fiscais, bases de dados magnéticos,
documentos eletrônicos, etc.
599
Cf. Subcapítulo 2.8.
600
HOFFMANN, Susy Gomes. Teoria da prova no direito tributário, p. 212.
601
“Art. 195 (...) Parágrafo único. Os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal e os comprovantes
dos lançamentos neles efetuados serão conservados até que ocorra a prescrição dos créditos tributários
decorrentes das operações a que se refiram.”
271
Assinala Hensel que o direito tributário não conhece regras
probatórias absolutas. Para esse autor, “en especial los documentos públicos no
poseen fuerza probatoria absoluta frente a la autoridad tributaria. Tampoco se
puede hablar de una fuerza probatoria legal absoluta de los libros y de los
asientos registrales llevados en debida forma”.
602
No processo administrativo tributário, a prova documental deve ser
produzida com a impugnação, segundo o artigo 16, § 4º, do Decreto 70.235/72
(redação da Lei 9.532/97).
Convém assinalar, conquanto já tenha sido anotado, que não há
limite temporal para apresentação de provas no processo administrativo fiscal,
apesar da regra do § 4º, do artigo 16, do Decreto 70.235/72.
Em aspecto legal curioso merece atenção o documento eletrônico
como meio de prova do fato jurídico tributário.
De forma concisa, assim se manifestou Fabiana del Padre Tomé:
“Atualmente, grande parte dos contribuintes realiza sua escrituração em meio
eletrônico, devendo a colheita desses dados pelo Fisco ser efetuada com cautela, dada
a sua fragilidade e possibilidade de adulteração em seu conteúdo. É necessário que os
elementos constantes de arquivos magnéticos venham a ser reproduzidos em disquetes
que serão lacrados e abertos somente na presença do contribuinte ou testemunha,
devendo o acesso a esses dados dar-se, também, diante do sujeito passivo ou de seu
representante legal. Outra possibilidade, mais objetiva e, por conseguinte, com menor
grau de refutabilidade, consiste na utilização de aplicativo de autenticação eletrônica
desses arquivos. Não sendo adotado nenhum desses procedimentos, inadmissível a
aceitação dos arquivos como provas...”
603
602
HENSEL, Albert. Derecho tributario, p. 336.
603
TOMÉ, Fabiana del Padre. A prova no direito tributário, p. 117.
272
Na esteira desse pensamento, diz Casimiro Varela: “[...] ciertos
procedimientos basados en los datos informáticos originan preocupación, pues
pueden derivar en la existencia de falsificaciones tales como las cometidas por
la piratería cuando los datos que se refieren a determinada fuente son
tergiversados originando errores de diversa naturaleza.”
604
Não é demais dizer que a utilização de enunciados que tenham o
meio eletrônico como suporte físico se encontra regulamentada no Direito
alienígena, a exemplo do CGI francês (Code général des impôts). A propósito,
são esclarecedoras as lições de Grosclaude e Marchessou:
“Quando la contabilità è tenuta con sistemi informatizzati, il controllo verte
sull’insieme delle informazioni date e sui trattamenti informatici, che concorrono,
direttamente o indirettamente, alla formazione dei risultati contabili o fiscali ed
all’elaborazione delle dichiarazioni rese obbligatorie dal CGI, nonché sulla
documentazione relativa alle analisi, alla programmazione ed all’esecuzione del
trattamento.”
605
Com a edição da Medida Provisória 2.200-2, de 24-08-01, criou-se
a chamada Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICPB –, para garantir
autenticidade, integridade e validade jurídica de documentos em forma
eletrônica.
606
Se tal não bastasse, o artigo 215 do Código Civil dispõe que as
reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em
604
VARELA, Casimiro A. Valoración de la prueba, p. 224.
605
GROSCLAUDE, Jacques; MARCHESSOU, Philippe. Diritto tributario francese: le imposte-le procedure.
Traduzione a cura di Enrico de Mita, p. 533.
606
A Medida Provisória 2.200-2, de 24-08-2001, está em vigor por força do disposto no artigo 2º da Emenda
Constitucional nº 32, de 11-09-01: “As medidas provisórias editadas em data anterior da publicação desta
emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação
definitiva do Congresso Nacional.”
273
geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de
coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não
lhes impugnar a exatidão.
O XXVI Simpósio Nacional de Direito Tributário, realizado pelo
Centro de Extensão Universitária, foi dedicado ao tema da tributação na internet.
Na ocasião, foi proposta a seguinte questão: “A aquisição de software através do
sistema de download, realizada por usuário situado no Brasil e site localizado no
exterior, é passível de tributação pelo ICMS (compra de mercadoria) e Imposto
sobre Importação (entrada no país de bem/serviço estrangeiro)? Em caso
positivo, seria possível à autoridade tributária identificar os fatos geradores dos
tributos?”
607
Em primeiro lugar, a operação não se enquadra no conceito de
importação. Quando se fala em importação, pressupõe-se a existência de
fronteiras físicas, por onde entram os produtos comercializados, o que é
incompatível com o mundo cibernético. Em segundo lugar, o artigo 153, I, da
Constituição Federal, se refere a “produto”, que é todo bem móvel e corpóreo.
Se o software é espécie de bem não corpóreo, não pode ser rotulado como
produto, nem incluído na descrição da conduta tributável pelo imposto sobre
importação. O software também não se enquadra no conceito de “mercadoria”
(artigo 155, II, da CF/88), porque “produto é gênero do qual mercadoria é
607
Cf. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Tributação na internet. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
274
espécie”.
608
Nem se poderia recorrer à analogia, equiparando software a produto,
pois “o emprego da analogia não pode resultar na exigência de tributo não
previsto em lei” (art. 108 § 1º do CTN).
Na hipótese ventilada, a cobrança do tributo violaria os princípios
da estrita legalidade e da tipicidade, pois o comércio eletrônico não é definido
em lei.
Tendo em vista o até agora exposto, não nos parece ser fácil para a
autoridade fiscalizadora identificar e provar o fato jurídico tributário.
Seria possível pensar que, com fundamento no artigo 1º, § 1º, VI, e
5º, § 1º, XIII, c/c artigo 6º, da Lei Complementar n.º 105/2001, a autoridade
fiscalizadora solicitasse do provedor de acesso à internet dados relativos ao
contribuinte (importador). Contudo a questão é bastante controvertida, porque
envolve direitos fundamentais do cidadão contribuinte, previstos no artigo 5º,
caput, da CF/88).
609
Quando muito, os elementos colhidos serviriam como
indícios para o convencimento do aplicador da lei.
610
É de se ver que o tema é dos mais complexos. Seja como for, é
necessária muita cautela na admissão do documento eletrônico como meio de
prova do fato jurídico tributário.
608
Cf. LIMA, Sebastião de Oliveira. O fato gerador do imposto de importação na legislação brasileira. São
Paulo: Resenha Tributária, 1981, p. 45-46.
609
Diz James Marins: “A pretensão da Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, através do disposto em
seu art. 6.º, em autorizar a Administração tributária a proceder à análise dos registros de instituições financeiras,
contas de depósitos e aplicações financeiras dos contribuintes mediante a simples existência de processo ou
procedimento administrativo fiscal instaurado conspira contra o sistema de garantias fundamentais consagrado
na Constituição Federal de 1988; agride a inviolabilidade de dados e das comunicações telefônicas e menospreza
função jurisdicional específica cometida ao Poder Judiciário (art. 5º, inc. XII, da CF/88).” (MARINS, James.
Direito processual tributário brasileiro administrativo e judicial, p. 251.)
275
Ultrapassado esse ponto, cabe investigar as diligências.
Um dos direitos elementares das partes no processo administrativo
tributário é o de requerer a realização de diligências. Para Sérgio Ferraz e
Adilson Dallari, a diligência “destina-se à obtenção de alguma prova ou ao
esclarecimento de dúvida existente a respeito de prova apresentada, podendo
consistir tanto em uma solicitação escrita quanto em uma vistoria, uma ida ao
local onde algo se encontre, para a constatação pessoal de aspectos físicos
importantes para o processo administrativo em curso”.
611
Nesse aspecto, a diligência se assemelha à inspecção judicial, com
a ressalva de que, nos processos administrativos – entre eles o tributário –, as
partes têm o direito de requerer a diligência e de acompanhá-la pessoalmente
(ou por procurador), podendo, inclusive, exigir relatório completo da vistoria.
Este é o teor do artigo 38 da Lei 9.784/99:
“O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar
documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações
referentes à matéria objeto do processo.”
Não há ilicitude na diligência realizada pelo agente fiscal no
procedimentos que antecedem o lançamento tributário. Primeiro, porque, na
maioria das vezes, as partes interessadas acompanham a diligência. Segundo,
porque os interessados são intimados à diligência ordenada com antecedência
mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização
(artigo 41 da Lei 9.784/99). Terceiro, porque a Administração Pública opera
610
Exploraremos o assunto no Subcapítulo 3.11.
276
sobre os princípios do inquisitório pleno e do impulso oficial, devendo sempre
zelar pelo interesse público, o qual se sobrepõe ao privado.
612
3.9 PROCEDIMENTO DA PROVA: PROPOSIÇÃO, PRODUÇÃO
E VALORAÇÃO DA PROVA NA TELA TRIBUTÁRIA
Iniciemos por lembrar que os dispositivos da Lei nº 9.784/99 são
aplicáveis subsidiariamente ao sistema processual administrativo tributário. É o
que diz o seu artigo 69: “Os processos administrativos específicos continuarão a
reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos
desta lei.” Segundo o artigo 2º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, “a lei
nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não
revoga nem modifica a lei anterior”. O enunciado do artigo 7º, IV, da Lei
Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, é no mesmo sentido: “o
mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando
a subseqüente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a
esta por remissão expressa.”
De fato, o processo administrativo de determinação e exigência de
créditos tributários da União continua regulamentado pelo Decreto nº 70.235/72,
611
FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo, p. 176.
612
Em sentido contrário, entendendo que a diligência é uma prova ilícita, ver Susy Hoffmann: “As ‘diligências’
são vistorias e verificações realizadas pelos próprios agentes fiscais nos procedimentos que antecedem ao
lançamento tributário e, na maioria das vezes, são realizadas sem o conhecimento do sujeito passivo, que é
surpreendido pelo resultado dessas diligências, que muitas vezes são pressupostos para uma fiscalização que
resulta num ato administrativo de lançamento tributário e num ato administrativo de imposição de penalidades.
Essas ‘diligências’ costumam formar uma prova ilícita, colhida sem obediência aos princípios constitucionais e
impróprias para figurarem num Estado Democrático de Direito e, portanto, devem ser afastadas da realidade do
processo tributário. Nos casos em que os lançamentos tributários forem nelas baseados, deverá ocorrer a
invalidação deles, pelo fato de a prova ter sido elaborada sem a participação do sujeito passivo e, portanto, em
desobediência ao princípio do devido processo legal.” (Cf. HOFFMANN, Susy Gomes. Teoria da prova no
direito tributário, p. 219.)
277
com as alterações da Lei nº 8.748/93. Contudo a Lei 9.784/99 passou a ser a
fonte processual subsidiária imediata do processo administrativo fiscal, e o
Código de Processo Civil, a sua fonte imediata. Segundo James Martins, “[...] a
Lei 9.784/99 (Lei Geral do Processo Administrativo Federal – LGPAF) se presta
seguramente para a colmatação subsidiária de lacunas principiológicas das quais
se ressente o Decreto 70.235/72, tornando sua interpretação e aplicação mais
compatíveis com o atual estágio de evolução do processo administrativo
brasileiro... De um modo amplo os dois regimes (geral e especial) não se
afiguram inconciliáveis, mas complementares em suas finalidades e devem ser
objeto de leitura e interpretação conjugada.”
613
A Lei 9.784/99, com sua inegável aproximação ao processo civil,
assenta noções bastante esclarecedoras sobre provas.
A Lei 9.784/99 assegura, tanto à Administração quanto às partes, o
direito de propor atuações probatórias (artigo 29). Cabe ao interessado a prova
dos fatos que tenha alegado, sem prejuízo do dever atribuído à Administração
para a instrução (artigo 36). Anote-se que a Administração tem o dever de
colaborar com o interessado na atividade de produção de provas (artigos 36, 37,
39 e 43).
Enquanto no direito processual civil a iniciativa da prova cabe
primordialmente às partes, no processo administrativo fiscal as atividades de
instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de
613
MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro, p. 259.
278
decisão realizam-se de ofício ou por impulso do órgão responsável pelo
processo, ressalvado o direito do contribuinte de propor as suas próprias provas.
Como observa Egon Bockmann Moreira,
“A Administração tem o dever de gerar a contraditoriedade real, uma vez que maneja
interesses públicos (indisponíveis). A raiz constitucional do princípio reforça esse
entendimento, que impõe ao administrador o dever da busca constante de um
contraditório efetivo na tutela do interesse público posto à sua guarda e tutela do
interesse privado do administrado.”
614
Não há limite temporal para apresentação de provas, uma vez que a
principal finalidade do processo administrativo fiscal é garantir a legalidade da
apuração do crédito tributário, devendo o julgador investigar exaustivamente se,
de fato, ocorreu a hipótese abstratamente prevista na norma.
615
Valorar significa “apreciar, analisar (algo) a fim de atribuir-lhe
valor ou julgamento; emitir juízo sobre o valor de (algo)”.
616
Em qualquer ordenamento, a valoração da prova pressupõe o poder
discricionário do julgador, e é exatamente esse arbítrio que diferencia a
atividade dele das opiniões técnicas dos advogados, dos jurisconsultos, dos
peritos, etc. Por isso a conexão entre o princípio do livre convencimento e a
valoração da prova são temas centrais do processo.
A prova servirá, após ser avaliada, para formar a convicção do
julgador a respeito de como ocorreram os fatos. Há vários sistemas de valoração
da prova, e cada meio de prova reclama um critério de avaliação próprio. Não há
614
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo: princípios constitucionais e a lei 9.784/99. 3.ed. São
Paulo: Malheiros, 2007.
615
Cf. Subcapítulo 3.5.
279
uma regra específica para comparação de provas, nem se pode estabelecer uma
ordem segundo a qual certos tipos de prova teriam preferência sobre outros.
À conta disso, Humberto Briseño é concludente:
“No puede sentarse regla alguna conforme a la cual debiera practicarse la
contrastación, ni siquiera es dable establecer un orden de medios de prueba, según el
cual ciertas especies fueron preferidas a otras, que deberían ceder en presencia de las
primeras; porque es evidente que una inspección judicial puede contrariar el sentido
de una confesión, aunque la inspeción acaso resulte opuesta a las conclusiones de un
juicio pericial, o aun al dicho de unos testigos que asistieron a una preparación del
lugar u objeto inspeccionado, realizada con la especial finalidad de cambiar su
apariencia, para que la fe judicial resultase otra que la resultaría sin ese cambio; y
como estos ejemplos pueden variarse ad infinutum, queda demostrado, con ello, que
no es dable establecer un orden jerárquico de medios de prueba, sino que, cuando
concurren varios, todos ellos tienen igual eficacia, y la preferencia que se dé a uno
respecto de otros no ha de ser debida a su simple diversidad de naturaleza, sino a las
peculiaridades que, en cada caso concreto, lleven a los tribunales a reconocer una
mayor fuerza convictiva a unas pruebas sobre otras, como resultado del análisis
conjunto de los elementos demostrativos llevados al juicio.”
617
No processo tributário não é diferente. Cabe à Administração, em
vista do seu poder discricionário, decidir o valor que deva outorgar aos meios
probatórios apresentados. “Toda estimación” – escreve Hensel – “debe buscar
acercarse lo más posible a la realidad”.
618
Por mais que a Administração esteja subordinada ao princípio da
legalidade, o julgador pode e deve apreciar livremente as provas, considerando
os fatos e as circunstâncias dos autos, e apontando as razões de seu
convencimento (artigo 131 do CPC). No sistema da persuasão racional, o órgão
616
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss de língua portuguesa, s.v. Valorar.
617
SIERRA, Humberto Briseño. Derecho procesal fiscal, p. 517.
618
HENSEL, Albert. Derecho tributario, p. 345.
280
julgador tem liberdade no exame das provas, uma vez que elas não possuem
valor prefixado, nem peso legal, de sorte a deixar à avaliação do administrador a
sua qualidade ou força probatória.
A jurisprudência, seja no processo judicial, seja no processo
administrativo, tem decidido que, uma vez avaliada a prova pelo julgador, em
decisão fundamentada, contendo as razões que o levaram a optar por um meio
de prova e não por outro, não há nenhuma irregularidade no julgamento.
Tal foi a decisão proferida pela 1ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça, assim ementada:
“PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – PRESSUPOSTO DE
ADMISSIBILIDADE – VALORAÇÃO DA PROVA – CODIGO DE PROCESSO
CIVIL, ART. 131 – CODIGO TRIBUTARIO NACIONAL, ARTS. 11 E 12. Acórdão
que rejeita prova pericial, desde que motivado, não agride a regra inscrita no art. 131
do CPC. Pelo contrário, tal aresto homenageia o princípio da livre convicção do juiz,
adotado no sistema do direito processual civil brasileiro.” (1ª Turma, REsp.
13856/MG, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 06-11-91.)
Fizera-o, também, de seu turno, o 1º Conselho de Contribuintes,
nos seguintes termos:
“PROCESSO ADMINISTRATIVO - VALORAÇÃO DA PROVA - Mantém-se o
lançamento quando a prova dos autos não infirma os fundamentos da autuação.
Recurso voluntário conhecido e improvido.” (5ª C. Processo n.º 10305.000816/94-80,
Relator Eduardo da Rocha Schmidt, julgado em 13-09-05.)
281
3.10 A PROVA EMPRESTADA PARA A CONSTITUIÇÃO
DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO
Como já acentuamos, prova emprestada é a prova constituída
juridicamente em um processo, e transportada pela forma documental a um
outro processo, perante o mesmo juízo ou outro. Para que a prova emprestada
conserve eficácia e valor no processo a que se destina, é preciso que haja
identidade de partes, identidade de fatos (probando e provado), e
impossibilidade de reprodução ou renovação da prova.
619
Sob o influxo dessas idéias, será doravante verificada a
possibilidade de empréstimo de provas para o processo tributário.
Convém registrar, mais uma vez, que, no processo, são admitidos
todos os meios de prova lícitos, ainda que não previstos em lei. É o que se
dessume do artigo 5º, LV e LVI, da Constituição Federal, e do artigo 332 do
Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente ao processo fiscal.
O artigo 199, caput, do Código Tributário Nacional, prevê: “A
Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos
respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral
ou específico, por lei ou convênio.”
619
Cf. Capítulo II, Subcapítulo 2.10.
282
Nessa mesma linha, o inciso XXII, do artigo 37 da Constituição
Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de
2003, dispõe: “As administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado,
exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para
a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o
compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou
convênio.”
Por último, o § 3º, do artigo 30 do Decreto 70.235/72, inserido pela
Lei 9.532, de 10 de dezembro de 1997, diz: “Atribuir-se-á eficácia aos laudos e
pareceres técnicos sobre produtos, exarados em outros processos administrativos
fiscais e trasladados mediante certidão de inteiro teor ou cópia fiel, nos seguintes
casos.”
Ao enfrentar o tema em seu Curso de Direito Tributário, Paulo de
Barros Carvalho conclui:
“Não se admite, porém, que uma Fazenda Pública se utilize dos dados levantados e a
ela informados por uma outra Fazenda para fins de autuação de contribuintes, como se
fosse uma prova emprestada. Haja vista que a informação recebida não possui valor
probatório, a Fazenda, baseada em tais dados, deve proceder à fiscalização própria e
instaurar o devido processo legal.”
620
Perfilhando o mesmo argumento, Susy Hoffmann entende que
“[...] nesses casos, essas informações, que contém os meios pelos quais o ente
administrativo concluiu pela existência de erro ou até mesmo a fraude por parte do
sujeito passivo, e que constituem a ‘prova emprestada’, devem apenas servir de início
620
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 541.
283
de processo fiscalizatório ao outro ente tributante, que, em respeito ao princípio do
devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, deverá dar ensejo a um
novo processo, constituindo novas provas a partir daquela que lhe foi dada por
empréstimo, concedendo todas as oportunidades para que o contribuinte possa
defender-se das alegações, apresentar as provas que julgar convenientes e participar
da elaboração das provas tomadas pelos agentes da Administração.”
621
Em sentido diametralmente oposto, cremos que, uma vez atendidos
os pressupostos exigidos para o empréstimo da prova, e sendo respeitado o
contraditório e a ampla defesa no âmbito do processo fiscal de origem, a prova
emprestada pode ser suficiente para autorizar a constituição do fato jurídico
tributário.
Ou seja: o Fisco Federal pode aproveitar o levantamento efetuado
pelo Fisco Estadual, no qual se verificou a ocorrência do fato jurídico tributário
de um tributo federal. Mas é preciso que, após a lavratura do ato de lançamento,
ou do auto de infração, seja oportunizado ao contribuinte o devido processo
legal.
Nos termos da lei 6.830/80, o crédito tributário só poderá ser
executado se for certo, líquido e exigível. A impugnação ou defesa do
contribuinte será sempre recebida no seu efeito suspensivo, assim permanecendo
até ocorrer a decisão administrativa. Diz o artigo 151, III, do CTN, que as
reclamações e os recursos do processo administrativo tributário suspendem a
exigibilidade do crédito tributário. Do mesmo modo, as matérias discutidas
621
HOFFMANN, Susy Gomes. Teoria da prova no direito tributário, p. 219. No mesmo sentido, cf. Fabiana del
Padre Tomé: “A prova emprestada tributária não é bastante para autorizar a constituição do fato jurídico ou do
ilícito tributário, bem como dos liames obrigacionais deles decorrentes.” (TOMÉ, Fabiana del Padre. A prova no
direito tributário, p. 123.)
284
administrativamente, ainda que desfavoráveis ao contribuinte, poderão ser
reapreciadas pelo Poder Judiciário, por força do princípio da inafastabilidade da
jurisdição ou universalidade da jurisdição. Vale consignar que o administrado
poderá ter até duas oportunidades de formalizar sua defesa: uma, no processo
administrativo fiscal, com o oferecimento da impugnação; outra, no processo
judicial, caso as questões sejam submetidas ao Poder Judiciário, em vista do que
prescreve o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal.
Em direito público (direito tributário) somente se declara a nulidade
de um ato ou de um processo quando a inobservância da formalidade legal
resulta prejuízo (pas de nullité sans grief). Nada impede que seja aproveitada
prova produzida em outro processo se a parte, contra quem se propõe a prova
emprestada, tenha oportunidade de impugnar o lançamento tributário ou o auto
de infração contra ela lavrado.
Confira-se a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça: “A
doutrina e a jurisprudência se posicionam de forma favorável à ‘prova
emprestada’, não havendo que suscitar qualquer nulidade, tendo em conta que
foi respeitado o contraditório e a ampla defesa no âmbito do processo
administrativo disciplinar.”
622
No mesmo sentido é a jurisprudência do Tribunal Regional Federal
da 1ª Região:
622
RMS 20.066-GO, Relator Min. Felix Fischer, DJ de 10-04-2006.
285
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL.
PASSIVO FICTÍCIO. PROVA EMPRESTADA – AUTUAÇÃO FUNDADA EM
ELEMENTOS COLHIDOS PELA FISCALIZAÇÃO ESTADUAL.
POSSIBILIDADE (ARTIGO 199 DO CTN) – SALDO CREDOR DE CAIXA.
PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE DO LANÇAMENTO.
1. É lícita a glosa efetuada com base em lançamento fiscal realizado pela fiscalização
estadual, notadamente quando o contribuinte anuiu com o lançamento, efetuando o
recolhimento do tributo devido naquela esfera.
2. Se a embargante não apresenta provas suficientes dos fatos alegados com vistas a
demonstrar a insubsistência da autuação fiscal, que constatou saldo credor na conta
caixa, é de se reconhecer a procedência do auto de infração.
3. Apelação desprovida.”
623
Também do Tribunal Regional Federal da 1ª Região é a seguinte
jurisprudência: “é admissível, no caso, a ‘prova emprestada’, porque realizada
em outro processo instaurado entre as mesmas partes, decorrente da mesma
autuação embargada, e consistente em perícia de que participou a apelada,
formulando quesitos, não tendo, ademais, nas contra-razões, se oposto ao seu
aproveitamento neste processo.”
624
De qualquer modo, é preciso levar em conta o caso concreto. Pode
ser que, pela sua forma peculiar de constituição, a prova emprestada dependa de
uma sobreprova para constituir o fato jurídico tributário.
Como escólio final, alertamos que não pode haver empréstimo de
prova ilícita, como, por exemplo, de prova obtida com quebra de sigilio
patrimonial.
623
TRF-1ª Região, 3ª Turma Suplementar, AC nº 1998.01.00.076861/BA, rel. Juiz Federal Wilson Alves de
Souza, julgado em 16-06-05.
624
AC 1998.01.00.048179-4 /MG, rel. Juiz Olindo Menezes, DJ de 17-12-99, p. 1041.
286
3.11 QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO
Conforme o artigo 38 da Lei 4.595/64, as instituições financeiras
eram obrigadas a conservar sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços
prestados.
Com o advento do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66)
surgiram várias divergências em torno do tema, entre elas a de saber se o artigo
38 da Lei 4.595/64 teria sido revogado pelos artigos 195
625
e 197,
626
II,
627
do
CTN, e se havia contradições entre os enunciados dos artigos 195, II e VII e
197, § único,
628
do mesmo Código.
Com razão Misabel Derzi diz:
“À luz do citado parágrafo único do art. 197 do CTN, portanto, nenhuma lei especial
reguladora do segredo profissional ou funcional estará revogada ou derrogada em face
das prerrogativas da Administração fazendária. O sigilo bancário mantém-se, assim,
inteiramente disciplinado pela Lei 4.595/64, cujos requisitos e condicionamentos não
seriam incompatíveis com os deveres impostos pelo CTN.”
629
625
“Art. 195. Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes
ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou
fiscais dos comerciantes, industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los.”
626
“Art. 197. Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as
informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros...”
627
“II – os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras.”
628
“Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto a fatos
sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função,
ministério, atividade ou profissão.
629
DERZI, Misabel Abreu Machado. O sigilo bancário e a administração tributária. In: ROCHA, Valdir de
Oliveira (Coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2001, Vol. V, p. 297-298.
287
Nesse sentido, há jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
630
“CONTABILISTA. SIGILO PROFISSIONAL. Inadmissibilidade de pretendida
obrigação tributária acessória, de o contabilista informar ao Fisco os atrasos de seus
clientes no recolhimento do imposto. Irrelevância do fato de haverem os interessados
desobrigado o profissional. Ilegitimidade da autuação e da imposição de penalidade.”
Com a entrada em vigor da Constituição Federal em outubro de
1988 ressurgiu o debate em torno do sigilo bancário.
O direito constitucional ao sigilo bancário está alinhado com os
seguintes dispositivos: artigo 5º, incisos X, XII, LIV e LV e artigo 145, § 1º.
631
Surge, então, a lei nº 8.021, de 12 de abril de 1990, dispondo sobre
a identificação de contribuintes para fins fiscais. O maior objetivo desse diploma
legal – segundo Marco Antônio Noronha – “foi dar maior amplitude à atividade
de fiscalização, por ter permitido o arbitramento de rendimentos com base na
renda presumida, mediante utilização de sinais exteriores de riqueza, bem como
facultar à autoridade fiscal solicitar informações sobre operações realizadas em
instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias (arts. 6º e 8º)”.
632
O artigo 8º, principalmente, não deixava dúvidas quanto à possibilidade de o
Fisco solicitar informações financeiras dos contribuintes. Vejamos:
“Iniciado o procedimento fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre
operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos
de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art. 38 da Lei
4.595, de 31 de dezembro de 1964.”
630
1ª Turma do STF, RE 86.420/RS, Rel. Ministro Xavier de Albuquerque, RTJ 86:639/642.
631
“§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade
econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses
objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as
atividades econômicas do contribuinte.”
288
Com a promulgação da Lei 9.613, de 03 de março de 1998,
prescrevendo sobre crimes de “lavagem” de dinheiro ou ocultação de bens,
direitos e valores, o direito ao sigilo bancário, para fins penais, tornou-se mais
flexível.
Finalmente, a Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001,
disponibilizou o acesso dos agentes tributários da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios às informações bancárias sigilosas, inclusive
às contas de depósitos e aplicações financeiras dos contribuintes.
Questão que coloca é se os dados extraídos da quebra do sigilo
bancário do contribuinte podem servir como meio de prova do fato jurídico
tributário.
Segundo o artigo 5º, XII, da Constituição Federal,
“É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e
das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses
e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal.”
Mas o artigo 192 da CF/88 prescreve: “O sistema financeiro
nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do
País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem,
abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares
que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas
instituições que o integram.”
632
NORONHA, Marcos Antônio Pereira. O sigilo bancário no Brasil. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.).
289
Foi exatamente o que fez o legislador complementar da Lei
105/2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras.
De um lado, temos os direitos fundamentais do artigo 5º, inclusive
os do inciso XII, da Carta Magna; de outro, temos a norma do artigo 192 da
CF/88 e a Lei Complementar 105/2001. Acrescenta-se que o artigo 13 da LC
105/2001 revogou expressamente o artigo 38 da Lei 4.595/64.
Centremo-nos no objetivo deste trabalho, que é a prova do fato
jurídico tributário.
Pelo texto do 5º, XII, da Constituição Federal, nem por ordem
judicial o sigilo bancário pode ser quebrado, uma vez que a referida norma só
autoriza a quebra judicial do sigilo das comunicações.
A proposição prescritiva do artigo 5º, XII, da CF/88, é garantia
fundamental do cidadão em face do Poder Público, e por essa razão não pode o
legislador infraconstitucional autorizar a quebra do sigilo bancário, inclusive
pelo próprio Estado, sob pena de ofensa ao princípio do Estado Democrático de
Direito (artigo 1º, caput, da CF).
Nessa linha, escreve Misabel Derzi:
“A ruptura do sigilo bancário, que a citada Lei Complementar desencadeia, ofende a
segurança jurídica, fragiliza um direito constitucionalmente consagrado por razões de
interesse público e, com isso, coloca o Brasil em posição desvantajosa na luta que se
trava, em todas as nações, pela conquista de mercado consumidor e pela conquista do
capital.”
633
Direito tributário e processo administrativo aplicados, p. 407.
633
DERZI, Misabel Abreu Machado. Op. cit. p. 314. Em sentido contrário, conclui Marcos Noronha que “a Lei
Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, bem como o Decreto nº 3.724, da mesma data, não afrontam
290
Para delimitar o âmbito do sigilo bancário, torna-se necessário
definir o “bem jurídico” a ser protegido. Nessa contingência – diz Carlos Paiva
– a controvérsia cinge-se em torno de duas concepções: (i) o valor pessoal-
individual, auferido com a privacidade e a intimidade; (ii) o bem jurídico supra-
individual, verificado pelo interesse coletivo geral. O bem jurídico típico,
segundo o autor, é a privacidade no seu aspecto mais extenso. Essa visão,
conclui Paiva, está de acordo com a chamada “teoria das esferas”, segundo a
qual “a privacidade no seu conjunto é concebida como um conjunto de esferas
concêntricas, em que a protecção mais intensa é conferida à esfera da
intimidade, seguida por uma decrescente intensidade da tutela da esfera privada
e da esfera social”.
634
A legislação belga consagra o sigilo bancário somente em matéria
de imposto direto (v.g., imposto de renda). Assim, para Thierry Afschrift,
“Le principe du secret bancaire implique que les fonctionnaires de l’administration ne
peuvent pas demander des informations nominatives au banquier au sujet de ses
clients. Ils ne peuvent donc en aucun cas prendre connaissance de renseignements
concernant les clients, mêmes s’ils n’entendent pas en faire usage.”
635
quaisquer direitos constitucionais, notadamente os alegados, quais sejam: da intimidade, da privacidade, do
sigilo de dados e o do prévio controle, razão pela qual deva continuar sendo aplicada. Espera-se que a Suprema
Corte decida pela constitucionalidade dos referidos diplomas, pois como disse Sérgio Carlos Covello (apud
Aldemario Araujo Castro) ‘banco não é esconderijo”. (Cf. NORONHA, Marcos Antônio Pereira. O sigilo
bancário no Brasil. Op. cit. p. 426.) Acompanhando esse autor, escreve Newton Barbosa da Silva: “[...] não se
pode aceitar que os contribuintes, em detrimento do interesse público e de toda uma sociedade, possam vir a ter
direito de dificultar ou até mesmo de impedir a Administração Tributária de cumprir, respeitados os direitos
individuais e nos termos da lei (§ 1º do art. 145 da Constituição Federal), o poder-dever de tributar corretamente,
a partir da identificação do verdadeiro patrimônio, rendimentos e atividades que demonstrem a real capacidade
contributiva.” (Cf. SILVA, Newton Raimundo Barbosa da. O sigilo bancário frente à administração tributária.
In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito tributário e processo administrativo aplicados, p. 463.)
634
PAIVA, Carlos. Da tributação à revisão dos actos tributários, p. 82.
635
AFSCHRIFT, Thierry. Traité de la preuve en droit fiscal, p. 192.
291
O Tribunal de primeira instância de Bruxelas confirmou
expressamente o princípio do sigilo bancário ao proibir a Administração Fiscal
de utilizar dados obtidos junto a instituições financeiras com o propósito de usá-
los contra seus clientes (contribuintes).
636
Enrico de Mita afirma que, na Itália, a sentença nº 51/1992 da Corte
Constitucional eliminou o sigilo bancário. Nas palavras do autor,
“Le ispezioni e le rilevazioni dei dati bancari devono essere eseguite alla presenza del
responsabile della sede o dell’ufficio presso cui avvengono o di un suo delegato e di
esse è data immediata notizia a cura del predetto responsabile el soggetto
interessato.”
637
Adiante, conclui o autor:
La violazione, da parte dell’amministrazione finanziaria, delle norme che disciplinano
l’instruttoria implica l’inutilizzabilità delle prove così acquisite e la conseguente
illegittimità dell’atto impositivo dell’Ufficio che sia fondato unicamente sulle
stesse.”
638
Por tudo o que se expôs, descabe falar em prova do fato jurídico
tributário por meio de dados obtidos com quebra do sigilo bancário do
contribuinte. Poderíamos até tolerar, em razão dos princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade, a quebra do sigilo bancário por ordem
judicial ou por consentimento do próprio contribuinte, nos casos de crime em
matéria tributária ou de fatos concretamente identificados como indícios da falta
de veracidade das suas declarações. Contudo tal procedimento jamais poderia
ser efetivado por decisão administrativa do Poder Público.
636
Civ. Bruxelles (réf.), 10 oct. 1988, F.J.F., 1989, nº 196.
637
MITA, Enrico de. Principi di diritto tributario, p. 308.
638
Idem, Ibidem, p. 309.
292
3.12 DENÚNCIA ANÔNIMA, VERDADE SABIDA
Egon Bockmann define “verdade sabida” como o “conhecimento,
prévio e informal, de determinado fato devido à presença física no instante de
sua prática concreta, notícias de jornal e televisão, fotos ou vídeo etc., em
decorrência do qual a autoridade administrativa praticaria espontaneamente ato
administrativo punitivo. Ato esse que, de usual, exige prévio processo
administrativo.
639
Para Diógenes Gasparini, “pela verdade sabida, a autoridade
competente, que presenciou a infração, aplica a pena, consignando no ato
punitivo as circunstâncias em que foi cometida e presenciada a falta... Também
já se considerou verdade sabida a infração pública e notória, divulgada pela
imprensa e por outros meios de comunicação de massa”.
640
A verdade sabida é incompatível com o atual sistema jurídico, pois
ofende nitidamente vários princípios constitucionais, entre eles o do Estado
Democrático de Direito, o da legalidade, o do devido processo legal, o da ampla
defesa, o do contraditório, o da moralidade, etc.
Vale citar decisão do Superior Tribunal de Justiça:
“MANDADO DE SEGURANÇA – CERCEAMENTO DE DEFESA – CRÍTICA
VIA IMPRENSA. VERDADE SABIDA – CONHECIMENTO DIRETO. A notícia
veiculada em jornal não importa em conhecimento direto do fato, ante a notória
possibilidade de distorções. Por isso, não se convoca o instituto da verdade sabida
para fugir da imposição constitucional da ampla defesa. Recurso provido.”
641
639
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo, p. 345.
640
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 866.
641
2ª Turma, RMS 825/SP, Rel. Min. Hélio Mosimann, DJ de 28-06-93.
293
O tributo só é devido se ocorre o fato que, juridicizado, cria a
obrigação tributária correspondente. Destarte, para que a pretensão da Fazenda
Pública seja oponível ao sujeito passivo deve estar embasada no fato jurídico
tributário.
Sem saber os motivos que levaram a Administração Fiscal a lavrar
o auto de infração, nem as provas em que eles se corroboram, o contribuinte fica
sem poder exercer seu direito de defesa.
Considerando que muitas vezes o auto de infração e o ato de
lançamento tributário aparecem justapostos no mesmo documento, embora
sejam veículos distintos de introdução de norma individual e concreta no
ordenamento jurídico, é preciso deixar claro que em nenhuma das duas
hipóteses a verdade sabida poderá ser usada como meio de prova, nem para
provar o fato jurídico tributário, conectado ao antecedente do “ato-norma”
lançamento, nem para provar o ilícito, integrado ao antecedente do “ato-norma”
auto de infração.
642
É com estribo nessas orientações que não se concebe, nos
dias atuais, que a Fazenda Pública se valha de notícias veiculadas em revista de
circulação nacional para constituir o fato jurídico tributário.
A denúncia anônima não se confunde com a denúncia espontânea
do artigo 138 do CTN.
642
Cf. MACHADO, Hugo de Brito. O devido processo legal administrativo tributário e o mandado de segurança.
Op. cit. p. 85; e BOTTALLO, Eduardo Domingos. Curso de direito administrativo tributário, p. 30-31. Ver
também Egon Bockmann: “Entendemos inaplicável a ‘verdade sabida’ frente ao processo administrativo. Não
pode ser utilizada para provimentos acidentais ao processo, nem tampouco para a decisão principal, pois encerra
um juízo subjetivo e parcial acerca dos fatos.” (MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo, p. 346.)
294
Para Mario Miscali, o enunciado “denúncia anônima” é carente de
conteúdo semântico, pois é usado em vários sentidos. Diz o autor:
“La delazione anonima (o scritto anonimo o notizia anonima, utilizziamo in questo
momento volutamente un termine privo di specificità semantica terminologica poichè,
come più avanti avremo modo di porre in rilievo, le varianti terminologiche possono
accezioni diverse del termine in esame) può avere rilevanza nel caso in cui venga
portata a conoscenza della Amministrazione finanziaria, della polizia tributaria o
dell’autorità giudiziaria l’esistenza di fatti che potrebbero configurare reati tributari.
In altro caso l’anonimo può avere rilevanza nell’accertamento tributario, come
fattispecie caratterizzata dal fatto che viene portata a conoscenza
dell’Amministrazione finanziaria l’esistenza di situazioni che di per sé potrebbero
legittimare l’iniziativa di atti preistruttori di accertamento finalizzati all’esercizio dei
poteri di rettifica e/o di irrogazione di sanzioni.”
643
Entendemos a denúncia anônima como início de um encadeamento
lógico de fatos indiciários convergentes que podem levar ao convencimento do
julgador.
Sobre o assunto, manifestou-se o 1º Conselho de Contribuintes:
“DENÚNCIA ANÔNIMA – Não são nulos os lançamentos ultimados pela
fiscalização com base na denúncia anônima, eis que [sic] essa, face à [sic] gravidade
dos fatos trazidos ao conhecimento da autoridade administrativa, somente serviu de
indicativo para as diligência empreendidas pela fiscalização que carreou para os autos
prova consistente e robusta.”
644
Como se percebe, é preciso muita cautela ao valorar a denúncia
anônima, pois o delator anônimo pode se utilizar das facilidades inerentes a essa
condição para macular, leviana e irresponsavelmente, a dignidade de possíveis
desafetos, com o intuito de se promover ilicitamente.
645
643
MISCALI, Mario. Le notizie anonime nell’attività di accertamento tributario. In: GLENDI, C; PATTI, S;
PICOZZA, E. Le prove nel diritto civile amministrativo e tributario, p. 287.
644
7ª C. Processo n.º 11040.001321/2002-41, rel. Luiz Martins Valero, julgado em 18-05-05.
645
STJ – 1ª Seção. MS 8196/DF, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 12-02-07.
295
CONCLUSÃO
1. Para que um acontecimento ingresse no mundo da facticidade
jurídica é necessário que possamos contá-lo em linguagem própria do direito.
Ainda que o fato não tenha ocorrido, se pudermos demonstrá-lo legalmente –
por meio de provas admitidas em direito –, ele estará juridicamente constituído.
Mas, se isso não for possível, por mais inequívoco que tenha sido o evento, não
produzirá os efeitos jurídicos necessários.
2. É por meio das proposições válidas (linguagem competente) que
a realidade jurídica se constitui, pois é a validade e não a verdade o critério
adequado para se legitimar determinada proposição.
3. É irrelevante diferenciarmos fato de evento. Fato jurídico, assim
definido, compreende o ato humano ou o acontecimento natural juridicamente
relevante. Somente os fatos jurídicos entram no mundo jurídico, e isso se dá
com a incidência da regra jurídica sobre o suporte fático.
4. Enunciados prescritivos são os suportes físicos dos quais
extraímos as normas jurídicas. Normas jurídicas são expressões completas de
significação deôntico-jurídica. E relação jurídica é a concretização das normas
296
jurídicas na vida. Relação jurídica é, portanto, a relação da vida social
disciplinada pelo direito. É o vínculo abstrato condicionado à concretização de
um fato jurídico idôneo – em que uma determinada pessoa, chamada sujeito
ativo, passa a ter o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito
passivo, o cumprimento de um dever jurídico (obrigação civil).
5. Classificam-se os fatos jurídicos em: (a) fatos que independem da
ação humana (fato jurídico stricto sensu); e (b) fatos que dependem da ação
humana (fato jurídico lato sensu). O fato jurídico stricto sensu é representado
pelos acontecimentos naturais ou acidentais, isto é, aqueles fatos que não
dependem da ação e muito menos da vontade do homem, mas que provocam
conseqüências júridicas. O fato jurídico lato sensu engloba tudo que deriva da
ação e da vontade do homem.
6. Com a previsão normativa, ou seja, com a descrição hipotética de
um fato no antecedente de uma norma geral e abstrata, o fato poderá ser vertido
em linguagem jurídica própria e, desse modo, ser considerado fato jurídico.
Constituído o fato jurídico, estará constituída a relação jurídica prevista no
conseqüente da norma geral e abstrata.
7. Acontecido o fato previsto no antecedente de uma norma
tributária (geral e abstrata), e perpetrada a subsunção, essa norma incide para
compor o fato jurídico tributário. Ressalta-se que, no domínio tributário, a
incidência é para imputar a determinadas pessoas o dever de pagar somas em
dinheiro ao Estado, a título de tributo.
297
8. O papel da norma tributária individual e concreta é registrar a
incidência e constituir o fato jurídico tributário. O fato jurídico tributário é
constituído pelo ato de lançamento executado pelo agente administrativo ou pelo
próprio contribuinte (“lançamento por homologação”). O lançamento faz
irromper a relação jurídica tributária entre o fisco e o sujeito passivo.
9. São três as modalidades de lançamento reconhecidas pelo Código
Tributário Nacional: (a) lançamento por declaração; (b) lançamento de ofício; e
(c) lançamento por homologação. Lançamento misto ou por declaração é aquele
em que o sujeito passivo ou o terceiro presta à autoridade administrativa, na
forma da legislação tributária, informações sobre a matéria de fato,
indispensáveis à sua efetivação (art. 147 do CTN). Lançamento direto ou de
ofício é aquele efetuado e revisto pela autoridade administrativa, mesmo sem
nenhuma colaboração do sujeito passivo (art. 149 do CTN). Lançamento por
homologação ou “autolançamento” é aquele em que a legislação confere ao
sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento do tributo sem prévio exame
da autoridade administrativa (art. 150 do CTN).
10. Fato jurídico tributário é o fato (ou o conjunto de fatos)
ocorrido no mundo real e concreto, dotado dos critérios material, temporal e
espacial, que, por corresponder rigorosamente aos critérios material, temporal e
espacial previstos no antecedente normativo, e desde que expresso pela
linguagem competente e descrito conforme as provas admitidas em Direito, dá
nascimento à obrigação tributária.
298
11. O lançamento tem natureza constitutiva, porquanto é ato
jurídico que constitui o fato jurídico tributário, formaliza a obrigação tributária e
aplica a conseqüência prevista na norma geral e abstrata. Sem o lançamento não
haverá obrigação, relação jurídica, nem tampouco crédito tributário, pois o
Direito não conhece outra forma de registrar o nascimento de direitos subjetivos
com relação a tributos, que não seja o lançamento. Se a obrigação tributária
ingressa no mundo da facticidade jurídica pelo lançamento, o ato administrativo
de lançamento é constitutivo e não declaratório, independentemente dos “efeitos
retroativos” a que se refere o artigo 144 do CTN.
12. A importância da Teoria das Provas para o reconhecimento do
fato jurídico tributário parte da premissa de que, em Direito Tributário, como em
qualquer outro ramo do Direito, o fato só será fato jurídico quando for expresso
em linguagem competente e descrito conforme as provas admitidas em Direito;
sobretudo porque, antes de ser tributário, o chamado “fato gerador” é um fato
jurídico.
13. O vocábulo prova tem duas acepções: (i) no sentido material
significa a demonstração da verdade de uma proposição; (ii) no sentido jurídico
exprime a demonstração da veracidade de um fato por meios legítimos.
14. Antes de se investigar a natureza jurídica das normas sobre
prova, é preciso definir se a prova é fato (ato) jurídico, fato (ato) jurídico-
processual ou norma jurídica. Se é norma jurídica, é em face do seu conteúdo
que identificamos a sua natureza processual ou não processual.
299
15. O que se tem no processo, seja administrativo, seja judicial, é
uma única verdade, ou seja, uma verdade possível de ser obtida em
conformidade com as provas carreadas aos autos pelas partes.
16. O objeto da prova são os fatos. A função processual da prova
não é a verificação da verdade, mas o convencimento do juiz a respeito da
existência (ou inexistência) e das circunstâncias dos fatos da causa. O resultado
da prova é a conclusão a que chega o juiz, com base nos diversos elementos
probatórios aduzidos no processo, sobre os fatos afirmados ou negados pelas
partes.
17. Tanto o juiz (ou o tribunal) quanto as partes são destinatários da
prova. O juiz é o destinatário principal e direto, pois, na convicção que formar,
assentará a sentença. As partes são os destinatários indiretos, que igualmente
precisam estar convencidos para acolher a decisão como justa. No processo
administrativo fiscal federal, os destinatários da prova são as Turmas de
Julgamento das Delegacias da Receita Federal (Portaria n.º 58, de 17.03.06). Na
esfera estadual, a prova é destinada aos integrantes da administração fazendária
respectiva. Em caso de recurso voluntário e de remessa ex officio, no âmbito dos
tributos administrados pela Receita Federal, os destinatários da prova são os
Conselhos de Contribuintes.
18. Os momentos do procedimento probatório são: proposição,
admissão e produção. Em regra, essas etapas podem variar de acordo com a
espécie de prova (documental, testemunhal, pericial etc.) e com o rito processual
300
(ordinário, sumário, especial etc.). O momento adequado para a propositura das
provas é o da petição inicial, para o autor; e o da contestação, para o réu.
Admissão é o ato pelo qual o juiz defere a proposição da prova, em relação tanto
à prova apresentada na propositura da demanda (i.e, prova documental) quanto à
prova que se obtém no curso do processo (ex: prova testemunhal; prova pericial
etc). O terceiro momento, o da produção da prova propriamente dita, cinge-se
aos atos das partes, do juiz e de terceiros tendentes à formação da prova. Os atos
de produção de prova normalmente se realizam na etapa que vai do despacho
saneador até a audiência de instrução e julgamento.
19. Compete às partes, e não ao juiz, provar os fatos que constituem
o fundamento de suas pretensões, defesas ou exceções, visando à satisfação de
seus próprios interesses. Disso infere-se que o juiz exerce uma atividade
“secundária”, na medida em que pode, mas não necessariamente deve completar
o labor probatório das partes.
20. Nos casos em que é impossível ou muito difícil produzir as
provas no tempo certo, realiza-se a produção cautelar de prova. A produção
cautelar de prova pode ocorrer em três momentos distintos: (i) antes do
ajuizamento da ação principal; (ii) depois do ajuizamento da ação principal, mas
antes da fase processual própria, ou seja, entre o despacho saneador e a
audiência de instrução e julgamento; (iii) depois da audiência de instrução e
julgamento – desde que justificada a impossibilidade de a parte aguardar a fase
processual própria de produção.
301
21. A prova se reparte entre o autor e o réu, pois tanto um quanto o
outro têm o ônus de convencer o juiz sobre a verdade dos fatos que alegam. A
inversão do ônus da prova é uma medida excepcional, porque a regra geral no
direito processual brasileiro continua sendo a repartição da carga probatória,
conforme os critérios do artigo 333 do CPC. Os terceiros, ou seja, aqueles que
não figuram como sujeitos da relação jurídica processual, têm o dever jurídico
de contribuir para a averiguação dos fatos objeto de prova (art. 339 do CPC).
22. A prova documental, também chamada de prova literal, é aquela
que se faz por meio de documentos, na forma prefixada nas leis processuais. A
prova testemunhal é aquela que se faz por meio de testemunha, que é a pessoa
física alheia à relação jurídica processual, chamada para expor ao juiz suas
observações (ou percepções) sobre fatos que interessam ao processo. Quando a
apreciação de um fato depender, da parte do observador, de uma preparação
especial, obtida por meio de estudo técnico ou científico, ou simplesmente pela
experiência pessoal adquirida com o exercício de uma profissão, arte ou ofício,
surge no processo a necessidade de perícia. Os peritos são auxiliares eventuais
do juiz, dotados de conhecimentos técnicos, artísticos ou científicos
especializados.
23. As provas se classificam em direta ou indireta, em função da
relação entre o fato probando e o objeto da prova. Se entre a prova e o fato a ser
provado não se intercala nenhum fato diferente, ou seja, se a prova versa
diretamente sobre o fato a ser provado, está-se diante de uma prova direta.
302
Diversamente, quando o objeto da prova está constituído por um fato diferente
do fato a ser provado, está-se diante de uma prova indireta. Nesse contexto,
conclui-se que a prova documental, a prova testemunhal, a prova pericial, a
inspeção judicial e a confissão são modalidades de prova direta; e os indícios e
as presunções são espécies de prova indireta.
24. Indício é o fato conhecido (sinal, vestígio, rastro, pegada,
circunstância, comportamento etc.) do qual se parte para o desconhecido, por
meio da relação de causalidade.
Juridicamente, a presunção é a inferência que a
lei ou o magistrado extrai de um fato (conhecido) para estabelecer a verdade de
outro (desconhecido). Tanto os indícios quanto as presunções são elementos de
prova (indireta). Em seu sentido jurídico, as ficções legais são autênticas normas
de direito material e consistem em criações arbitrárias da lei, que passa a admitir
como verdadeiro algo que não o é.
25. Prova emprestada é a prova constituída juridicamente em um
processo, e transportada pela forma documental a um outro processo, perante o
mesmo juízo ou outro. É uma espécie de prova atípica ou inominada, porque
não se encontra expressamente regulada pelo nosso ordenamento jurídico-
processual. Para que a prova emprestada conserve eficácia e valor no processo a
que se destina, é preciso que sobrevenham as seguintes condições: (i) identidade
de partes; (ii) identidade de fatos (probando e provado); e (iii) impossibilidade
de reprodução ou renovação da prova.
303
26. Provas ilícitas são as que a lei proíbe expressa ou tacitamente,
seja porque atentam contra a moral e os bons costumes, ou contra a dignidade e
liberdade do indivíduo, seja porque violam direitos e garantias fundamentais
amparados pela Constituição. Prova atípica ou inominada é toda prova diversa
daquela especificamente prevista e disciplinada na lei.
27. A prova informática, espécie de prova atípica, poderá ser
admitida em juízo, desde que não seja produzida com infringência a normas de
Direito Material, especialmente de Direito Constitucional. De algum modo, a
prova informática está entrelaçada com o documento-objeto. Os documentos
eletrônicos também servem para constituir uma relação jurídica, como é o caso
do contrato eletrônico. Além da prova documental, outros tipos de prova
eletrônica têm sido admitidos, entre os quais a inspeção judicial via internet e o
depoimento de presos por meio de videoconferência, com o auxílio de webcam.
28. A exigência da obediência aos princípios que circundam o
exercício da atividade administrativo-tributária resulta da necessidade de se
imporem limites para coibir atos discricionários, abusivos ou arbitrários por
parte dos agentes públicos. Entre os princípios que norteiam a análise das provas
na tela tributária, destacam-se os seguintes: (a) princípio da legalidade objetiva;
(b) princípio da segurança jurídica (certeza do direito); (c) princípio da verdade
material; (d) princípio da justiça; (e) princípio da oficialidade; (f) princípio da
igualdade; (g) princípio do devido processo legal (ampla defesa e contraditório);
(h) princípio da proibição da prova ilícita.
304
29. No âmbito do Direito Administrativo ato e fato são realidades
de planos distintos: ato é uma norma jurídica; e fato é um evento (ou
acontecimento) não prescritivo ao qual a norma confere efeitos jurígenos. Como
os atos administrativos são espécies de atos jurídicos, na estrutura de todo ato
administrativo devem constar os seguintes elementos: (i) agente capaz, (ii)
forma prescrita ou não defesa em lei, (iii) objeto ou conteúdo lícito, (iv) motivo
(v) e finalidade.
30. O lançamento é ato e não procedimento. Como
ato
administrativo que é, o lançamento requer a observância dos seguintes
requisitos: agente capaz, conteúdo ou objeto lícito, forma prescrita ou não defesa
em lei, motivo e finalidade. O agente capaz é a autoridade pública encarregada
de lavrar o lançamento, cuja competência está definida em lei; o conteúdo é a
norma individual e concreta que documenta a incidência e constitui o fato
jurídico tributário; a forma, ou modo de exteriorização do ato, é a linguagem
escrita; o motivo é o fato jurídico tributário; e a finalidade, ou bem jurídico
objetivado, é o recebimento do valor da prestação tributária.
31. O lançamento é um ato administrativo simples, constitutivo (ou
modificativo) e vinculado. Simples, porque resulta da manifestação de vontade
de uma única pessoa física, de um único órgão; constitutivo, porque cria
situações jurídicas novas, podendo ser modificativo quando editado em
substituição a lançamento efetuado com irregularidade pelo sujeito passivo; e
305
vinculado, porque deve se ater aos pressupostos legais que cercam a descrição
do fato jurídico tributário.
32. A falta de notificação é motivo de inexistência, e não de
invalidez ou de ineficácia do lançamento tributário.
33. O processo administrativo tributário já não é mais considerado
simples procedimento administrativo ao alvedrio do Poder Público. Trata-se de
fenômeno processual, com raiz na Constituição Federal e sujeito aos princípios
constitucionais e processuais por ela garantidos. O contribuinte tem o direito
público subjetivo de impugnar o ato administrativo de lançamento, sem prejuízo
de seu acesso às vias judiciais (art. 145, I, do CTN). Quando isso acontece,
instaura-se a relação processual entre o contribuinte e o Fisco (artigo 14 do
Decreto 70.235/72), e a Administração Pública se torna obrigada a emitir ato
decisório sobre a legitimidade do lançamento.
34. O lançamento, bem como os demais atos administrativos,
gozam de presunção de legitimidade. Se não houver impugnação ou defesa do
contribuinte, por mais absurda que seja a pretensão tributária contida no
lançamento, o ato será tido como existente e válido, operando em seu benefício
a presunção juris tantum de legitimidade. Evidentemente, o lançamento tem de
estar fundamentado. Havendo impugnação, ou não sendo dada oportunidade ao
contribuinte de provar a inocorrência do fato jurídico tributário, não há que
prevalecer a presunção de legitimidade do lançamento.
306
35. Enquanto no processo civil se busca a “verdade possível”, no
processo administrativo persegue-se a “verdade material”, ou seja, procura-se
retirar da narrativa dos fatos a realidade dos acontecimentos. Ocorre que nem
sempre a verdade material é possível de ser alcançada. Verossimilhança não é
garantia de verdade. Um fato pode ser verossímil e falso ao mesmo tempo. Seja
no processo judicial, seja no administrativo, para o Direito só existe uma única
verdade: a verdade comprovada ou verdade possível.
36. Da necessidade que tem o Fisco em provar a ocorrência do fato
jurídico tributário resulta o seu dever de investigação. Essa fase investigatória se
processa sob o manto da inquisitoriedade, isto é, conferem-se ao administrador
tributário amplos poderes para realizar as investigações necessárias.
37. Com extrema prudência, e desde que sejam observados os
princípios constitucionais da segurança jurídica, da legalidade e da tipicidade,
tanto os indícios quanto as presunções simples e as legais relativas podem ser
acolhidos para efeito de constituição do fato jurídico tributário. A ficção não
pode ser utilizada na constituição do fato jurídico tributário.
38. Ressalvado o dever de colaboração do contribuinte (art. 4º da
Lei 9.784/99), o ônus da prova do fato jurídico tributário é da Fazenda Pública
(art. 29 da Lei nº 9.784/99 e art. 142 do CTN). Se o processo administrativo
fiscal se desenvolve sob a égide do princípio inquisitivo, o Fisco tem o dever e
não simplesmente o ônus de provar o fato jurídico tributário. Vindo o sujeito
passivo a impugnar o ato administrativo lavrado pelo Fisco, será seu o ônus de
307
provar o que alegou. Mas, se os pressupostos do fato jurídico tributário forem
infirmados na impugnação, o encargo probatório volta a ser do Estado-
Administração.
39. Em princípio, segundo o artigo 5º da Carta Política, todos os
meios de prova (lícitos) são permitidos no processo judicial e no administrativo.
Como vimos, no Direito Tributário vigora o princípio do inquisitório pleno,
sendo certo que, no âmbito da instrução do processo, o juiz deve ordenar as
diligências de prova consideradas úteis para o conhecimento da verdade. Nada
obsta, portanto, a que sejam atendidos todos os meios previstos no ordenamento
jurídico.
40. Não há limite temporal para apresentação de provas, uma vez
que a principal finalidade do processo administrativo fiscal é garantir a
legalidade da apuração do crédito tributário, devendo o julgador investigar
exaustivamente se, de fato, ocorreu a hipótese abstratamente prevista na norma.
41. A prova servirá, após ser avaliada, para formar a convicção do
julgador a respeito de como ocorreram os fatos. Há vários sistemas de valoração
da prova, e cada meio de prova reclama um critério de avaliação próprio. Não há
uma regra específica para comparação de provas, nem se pode estabelecer uma
ordem segundo a qual certos tipos de prova teriam preferência sobre outros. No
processo tributário não é diferente. Cabe à Administração, em vista do seu poder
discricionário, decidir o valor que deva outorgar aos meios probatórios
apresentados.
308
42. Uma vez atendidos os pressupostos exigidos para o empréstimo
da prova, e sendo respeitado o contraditório e a ampla defesa no âmbito do
processo fiscal de origem, a prova emprestada pode ser suficiente para autorizar
a constituição do fato jurídico tributário. Nada impede que seja aproveitada
prova produzida em outro processo se a parte, contra quem se propõe a prova
emprestada, tenha oportunidade de impugnar o lançamento tributário ou o auto
de infração contra ela lavrado.
43. Descabe falar em prova do fato jurídico tributário por meio de
dados obtidos com quebra do sigilo bancário do contribuinte. Poderíamos até
tolerar, em razão dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a
quebra do sigilo bancário por ordem judicial ou por consentimento do próprio
contribuinte, nos casos de crime em matéria tributária ou de fatos concretamente
identificados como indícios da falta de veracidade das suas declarações.
Contudo tal procedimento jamais poderia ser efetivado por decisão
administrativa do Poder Público.
44. A verdade sabida é incompatível com o atual sistema jurídico,
pois ofende nitidamente vários princípios constitucionais, entre eles o do Estado
Democrático de Direito, o da legalidade, o do devido processo legal, o da ampla
defesa, o do contraditório, o da moralidade, etc. O tributo só é devido se ocorre
o fato que, juridicizado, cria a obrigação tributária correspondente. Desse modo,
para que seja oponível ao sujeito passivo, a pretensão da Fazenda Pública deve
estar embasada no fato jurídico tributário.
309
45. A denúncia anônima serve como o início de um encadeamento
lógico de fatos indiciários convergentes que podem levar ao convencimento do
julgador. É preciso, no entanto, muita cautela ao valorar a denúncia anônima,
pois o delator anônimo pode utilizar-se das facilidades inerentes a essa condição
para macular, leviana e irresponsavelmente, a dignidade de possíveis desafetos,
com o intuito de se promover ilicitamente.
310
BIBLIOGRAFIA
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia, São Paulo: Martins Fontes,
2003.
ABREU FILHO, José. O negócio jurídico e sua teoria geral. 5.ed. São Paulo:
Saraiva, 2003.
ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito. 3.ed. São Paulo: Saraiva,
2005.
AFSCHRIFT, Thierry. Traité de la preuve en droit fiscal. 2.ed. Bruxelles:
Larcier, 2004.
ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Direito judiciário brasileiro, Rio de
Janeiro: Typographia Baptista de Souza, 1918.
ALTAMIRANO, Alejandro C. La prueba en el procedimiento y en el proceso
tributario en la republica argentina. In: ROCHA, Sérgio André (Coord.).
Processo administrativo tributário: estudos em homenagem ao Professor
Aurélio Pitanga Seixas Filho. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
AMARAL, Francisco. Os atos ilícitos. In: FARNCIULLI NETTO, Domingos;
MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva
(Coordenadores). O novo código civil: estudos em homenagem ao Prof.
Miguel Reale. São Paulo: LTr, 2003.
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 7.ed. São Paulo: Saraiva,
2001.
ANDRADE, Christiano José de. O problema dos métodos da interpretação
jurídica, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.
ANDRADE, José Maria Arruda de. Interpretação da norma tributária. São
Paulo: MP, 2006.
311
ANDRADE, Manuel A. Domingues de. Teoria geral da relação jurídica:
sujeitos e objecto. Coimbra: Almedina, 1997.
ANDRIOLI, Virgilio. Commento al codice di procedura civile. 2.ed. Napoli:
Jovene. 1943, Vol. I.
ÁNGELIS, Barrios de. El proceso civil, comercial y penal de américa latina.
Buenos Aires: Depalma, 1989.
ASCENSÃO, José de Oliveira. Teoria do direito civil: acções e factos
jurídicos. Lisboa: [s.n.], 1992.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6.ed. São Paulo:
Malheiros, 2000.
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas,
ambientais e gravações clandestinas. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003.
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e
eficácia. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
BALEEIRO, Aleomar. Direito tributário brasileiro. 10.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1994.
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3.ed. São
Paulo: Lejus, 1998.
BELTRÁN, Jordi Ferrer. Prueba y verdade en el derecho. 2.ed. Madrid:
Marcial Pons, 2005.
BENTHAM, Jeremías. Tratado de las pruebas judiciales. Buenos Aires:
Valletta, 2002.
BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. São Paulo: Martins Fontes,
2006.
BEST, Arthur. Evidence. 4.ed. New York: Aspen, 2001.
BEVILAQUA, Clóvis. Theoria geral do direito civil. 2.ed. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1929.
312
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São
Paulo: Ícone, 2006.
_______. Teoria da norma jurídica. 3.ed. São Paulo: Edipro, 2005.
_______. Teoria do ordenamento jurídico.10. ed. Brasília: UNB, 1999.
_______. Teoria geral do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
BONILHA, Paulo Celso Bergstrom. Contraditório e provas no processo
administrativo tributário (ônus, direito à perícia, prova ilícita). In: ROCHA,
Valdir de Oliveira (Coord.). Processo administrativo fiscal. São Paulo:
Dialética, 1995.
BONNIER, Édouard. Traité des preuves. 4.ed. Paris: Henri Plon, 1873.
BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2.ed. São Paulo:
Malheiros, 1999.
_______. Obrigação tributária. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
BOTTALLO, Eduardo Domingos. Curso de processo administrativo
tributário. São Paulo: Malheiros, 2006.
_______. A prova no processo administrativo tributário federal. In: ROCHA,
Valdir de Oliveira (Coord.). Processo administrativo fiscal. São Paulo:
Dialética, 2002, Vol. VI.
BRISCEÑO, Fernando Villasmil. La teoría de la prueba y el nuevo codigo de
procedimiento civil. 2.ed. Caracas: Paredes, [s.d.].
BRITO, Edvaldo. Ampla defesa e competência dos órgãos julgadores
administrativos para conhecer de argumentos de inconstitucionalidade e/ou
ilegalidade de atos em que se fundamentem autuações. In: ROCHA, Valdir
de Oliveira (Coord.). Processo administrativo fiscal. São Paulo: Dialética,
1995, p. 65.
_______.
Parcelamento de débitos tributários, denúncia espontânea e o novo art.
155-A do CTN. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes
questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2001, Vol. V.
BÜLOW, Oscar von. Das geständnissrecht ein Beitrg zur allgemeinen
Theorie der Rechtshanollungen, 1899, p. 299.
313
BUNGE, Mario. Dicionário de filosofia. São Paulo: Perspectiva, 1999.
_______. La ciencia, su método y su filosofía. México: Siglo XXI, 1978.
CAIS, Cleide Previtalli. O processo tributário. 3.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001.
CÂMARA, Alexandre Freitas. A valoração da perícia genética: está o juiz
vinculado ao resultado do “exame de ADN” (dito DNA)? Revista dialética
de direito processual. São Paulo, n. 43, out. 2006.
CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Tópicos de um curso de mestrado sobre direitos
fundamentais, procedimentos, processo e organização. Boletim da
Faculdade de Direito, Vol. LXVI.
CANSTEIN, R. von. Die Grundlagen des Beweisrecht, Zeitschrift fur Deutsche.
Civilprozess, 1880, V. II.
CAPPELLETTI, Mauro. Proceso, ideologías, sociedad. Buenos Aires: EJEA,
[s.d.].
CARNAP, Rudolf. Introducción a la semántica. Buenos Aires: Faculdad de
Filosofia y Letras, Universidad de Buenos Aires, Cuadernos de
Epistemologia, 1965.
CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del nuevo proceso civil. Buenos
Aires: [s.n.], Tomo I, 1959.
_______. La prueba civil. 2.ed. Buenos Aires: Depalma, 1982.
CARVALHO, Cristiano. Teoria do sistema jurídico: direito, economia,
tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
CARVALHO, Paulo de Barros. Lógica Jurídica, Apostila de filosofia do
direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007.
_______. A prova no procedimento administrativo tributário. Revista dialética
de direito tributário, São Paulo, n. 34, jul. 1998.
_______. Curso de direito tributário. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
314
_______. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2.ed. São
Paulo: Saraiva, 1999.
_______. Sobre os princípios constitucionais tributários. Revista de direito
tributário. São Paulo, n. 55, jan/mar. 1991.
_______. Sujeição passiva e responsáveis tributários. Revista do Programa de
Pós-Graduação, n. 2. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1995.
_______. Teoria da norma tributária. São Paulo: Max Limonad, 1998.
CASSONE, Vittorio; CASSONE, Maria Eugênia Teixeira. Processo tributário.
São Paulo: Atlas, 2000.
CASTRO, Francisco Augusto das Neves e. Theoria das provas e sua
applicação aos actos civis. 2.ed. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos
Santos, 1917.
CERQUEIRA, L. A; OLIVA, A. Introdução à lógica. Rio de Janeiro: Zahar,
1972.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2000.
CHEMERINSKY, Erwin. Constitutional law: principles and polices. 2.ed. New
York: Aspen, 2002.
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. São Paulo:
Saraiva, 1943, Vol. II.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo, da interpretação,
e da exoneração tributária. 3.ed. São Paulo: Dialética, 2003.
_______. Teoria geral da obrigação tributária. In: TÔRRES, Heleno Taveira
(Coord.). Teoria da obrigação tributária: estudos em homenagem ao
Professor José Souto Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2005.
COLIN, Ambroise; CAPITANT, H. Cours élémentaire de droit civil français.
4.ed. Paris: Dalloz, 1923.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos.
3.ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
315
CONTE, Mario. Le prove nel processo civile. Milano: Giuffrè, 2002.
COROMINAS, Joan. Diccionario crítico etimológico de la lengua castellana.
Madrid: Gredos, 1976.
COSSIO, Carlos. La teoria del derecho y le concepto jurídico de liberdad.
Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1964.
COSTA, Carlos Celso Orcesi da. Obrigação, lançamento e relação jurídica
tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
COUCHEZ, Gerard. Procédure civile. Paris: Dalloz, 1998.
COUTURE, Eduardo J. Estudios de derecho procesal civil. 3.ed. Buenos
Aires: LexisNexis, 2003, Tomo II.
CUCCI, Jorge Bravo. Los actos ilícitos en el proceso formativo de la obligación
tributaria del impuesto a la renta. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.).
Teoria geral da obrigação tributária: estudos em homenagem ao
Professor José Souto Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2005.
CUNHA, Paulo Ferreira da; DIP, Ricardo. Propedêutica jurídica: uma
perspectiva jusnaturalista. Campinas: Millennium, 2001.
DAMIÃO. Regina Toledo; HENRIQUES, Antônio. Curso de português
jurídico. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2000.
DANZINGER, Danny; GILLINGHAM, John. 1215 The year of magna carta.
New York: Touchstone, 2004.
DELLEPIANE, Antonio. Nova teoría da prova. Rio de Janeiro: Jacintho, 1942.
DENARI, Zelmo. Curso de direito tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1990.
DERZI, Misabel Abreu Machado. O sigilo bancário e a administração tributária.
In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes questões atuais do
direito tributário. São Paulo: Dialética, 2001, Vol. V.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São
Paulo: Malheiros, 2001, Vol. III.
DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
316
_______. Compêndio de introdução à ciência do direito. 11.ed. São Paulo:
Saraiva, 1999.
_______. Conceito de norma jurídica como problema de essência. 4.ed. São
Paulo: Saraiva, 2003.
_______. Conflito de normas. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19.ed. São Paulo:
Atlas, 2006.
DÖRING, Erich. La prueba. Buenos Aires: Valletta, 2003.
ECHANDÍA, Hernando Devis. Compendio de la prueba judicial. Buenos
Aires: Rubinzal, 2000.
ECHAVE, Delia Teresa; URQUIJO, María Eugenia; GUIBOURG, Ricardo.
Lógica, proposición y norma. Buenos Aires: Astrea, 1995.
ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 8.ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2001.
ERNOUT, A; MEILLET, A. Dictionnaire étymologique de la langue latine –
Histoire des mots. 4.ed. Paris: Klincksieck, 1967.
ESPÍNOLA, Eduardo. Sistema do direito civil. Rio de Janeiro: Rio, 1977.
ESTEVES, Maria do Rosado. Normas gerais de direito tributário. São Paulo:
Max Limonad, 1997.
FANUCCHI, Fábio. Curso de direito tributário brasileiro. 4.ed. São Paulo:
Resenha Tributária, 1979, Vol. I, p. 273.
FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. 4.ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977.
FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. São Paulo: Malheiros, 2004.
FALCÓN, Enrique M. Tratado de la prueba: civil, comercial, laboral, penal,
administrativa. Buenos Aires: Astrea, 2003.
FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no direito tributário. 2.ed. São Paulo:
Quartier Latin, 2005.
317
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2.ed. São Paulo:
Atlas, 2006.
_______. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4.ed.
São Paulo: Atlas, 2003.
_______. Teoria da norma jurídica. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. 2.ed.
São Paulo: Malheiros, 2007.
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 8.ed. São Paulo:
Malheiros, 2006.
FONROUGE, C. M. Giuliani. Conceitos de direito tributário. Tradução de
Geraldo Ataliba e Marco Aurélio Greco. São Paulo: LAEL, 1973.
FRANÇA, R. Limongi. Direito intertemporal brasileiro. 2.ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1968.
FRIEDENTHAL, Jack H; KANE, Mary Kay; MILLER, Arthur R. Civil
procedure. 2.ed. Minnesota: West, 1993.
GARCIA, André Almeida. Inspeção judicial, internet e contraditório. Revista
dialética de direito processual, São Paulo, n. 52, jul. 2007.
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 9.ed. São
Paulo: Saraiva,
2004.
GAVAZZI, Giacomo. Elementi di teoria del diritto, Torino: Giapichelli, 1970.
GIANNICO, Maricí. A prova no código civil: natureza jurídica, São Paulo:
Saraiva, 2005.
GIANNINI, A. D. Istituzioni di diritto tributario. Milano: Giuffrè, 1974.
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1979.
GONÇALVES, J. A. Lima. Lançamento: meditação preliminar. In: DE
MELLO, Celso Antônio Bandeira (Coord.). Direito tributário: estudos em
homenagem a Geraldo Ataliba. São Paulo: Malheiros, 1997.
318
GORPHE, François. L’appréciation des preuves en justice. Paris: Librairie du
Recueil Sirey, 1947.
GRAHAM, Michael H. Evidence: an introductory problem approach.
Minnesota: West, 2002.
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do
direito. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
_______. O Direito posto e o direito pressuposto. 6.ed. São Paulo: Malheiros,
2005.
GRAZIANI, Carlo Alberto. Sull’ammissibilità della confessione dei contratti
solenni. In: GLENDI, Cesare; PATTI, Salvatore; PICOZZA, Eugenio
(Coord.). Le prove nel diritto civile amministrativo e tributario. Torino:
Giappichelli, 1986.
GRECO, Leonardo. As garantias fundamentais do processo na execução fiscal.
In: ROCHA, Sérgio André (Coord.). Processo administrativo tributário:
estudos em homenagem ao Professor Aurélio Pitanga Seixas Filho. São
Paulo: Quartier Latin, 2007.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. 2.ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990.
GROSCLAUDE, Jacques; MARCHESSOU, Philippe. Diritto tributario
francese. Tradução de Enrico de Mita. Milano: Giuffrè, 2006.
GUASP, Jaime; ARAGONESES, Pedro. Derecho procesal civil. 6.ed. Madrid:
Thomson Civitas, 2003, Tomo I.
GUASTINI, Riccardo. Dalle fonti alle norme. 2.ed. Torino: Giappichelli, 1993.
GUIBOURG, Ricardo; GHIGLIANI, Alejandro; GUARINONI, Ricardo.
Introducción al conocimiento científico. Buenos Aires: Eudeba, 1985.
GUIMARÃES, Eduardo Roberto Junqueira. Foco e pressuposição. In:
GUIMARÃES, Eduardo Roberto Junqueira (Dir.). Foco e pressuposição.
Bereba: Instituto de Letras das Faculdades Integradas Santo Tomás de
Aquino, 1978, nº 4.
GUTIÉRREZ, Cabria S. Estadística para las ciencias jurídicas. Valencia:
Tirant lo Blanch, 1993, p. 278-279.
319
HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. 2.ed. Rio de
Janeiro: Tempo Universitário, 2003.
HENSEL, Albert. Derecho tributario. Tradução de Andrés Báez Moreno.
Madrid: Marcial Pons, 2005.
HOFFMANN, Susy Gomes. Prova no direito tributário. Campinas: Copola,
1999.
HÖRSTER, Heinrich Ewald. A parte geral do código civil português: teoria
geral do direito civil. Coimbra: Almedina, 2000.
IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. 4.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004.
_______. La dogmática jurídica. Buenos Aires: [s.n.], 1946.
IVO, Gabriel. Norma jurídica: produção e controle. São Paulo: Noeses, 2006.
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia.
4.ed. Rio de Janeiro: ZAHAR, 2006.
JARACH, Dino. Estrutura e elementos da relação jurídico-tributária. Revista de
direito público. São Paulo, n. 16, 1971.
_______. O fato imponível. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
JUSTIN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 2.ed. São Paulo:
Saraiva, 2006.
KELSEN, Hans. Contribuciones a la teoría pura del derecho. Buenos Aires;
CEAL, 1969.
_______. Teoria geral das normas. Porto Alegre: SEFA, 1986.
_______. Teoria geral do direito e do estado. 4.ed. Porto Alegre: Martins
Fontes, 2005.
_______. Teoria pura do direito. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
KIELMANOVICH, Jorge L. Teoría de la prueba y medios probatorios.
Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1996.
320
KLIMOVSKY, Gregorio. Las desventuras del conocimiento científico.
Buenos Aires: AZ, 1994.
LACOMBE, Américo Lourenço Masset. Princípios constitucionais
tributários. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
LAFERRIÈRE, J; WALINE, M. Traité élémentaire de science et de
legislation financières. Paris: [s.n.], 1952.
LATORRE, Angel. Introducción al derecho. Barcelona: Ariel, 1968.
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Imposição e inversão do ônus da prova. São
Paulo: Renovar, 2004.
LESSONA, Carlos. Teoría general de la prueba en derecho civil. 4.ed.
Madrid: REUS, 1957.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile. 4.ed. Milano:
Giuffrè, 1984.
LIMA, Fernando Andrade Pires de; VARELA, João de Matos Antunes. Noções
fundamentais de direito civil. 6.ed. Coimbra: Coimbra, 1973.
LINS, Robson Maia. Controle abstrato de constitucionalidade da norma
tributária, Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica,
2003.
LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2000.
_______. Hierarquia das provas. Revista de Processo. São Paulo, n. 6, jun.
1977.
LOTUFO, Renan. Código civil comentado: parte geral. 2.ed. São Paulo:
Saraiva, 2004.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 17.ed. São Paulo:
Malheiros, 2000.
_______. O devido processo legal administrativo tributário e o mandado de
segurança. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo
administrativo tributário. São Paulo: Dialética, 1995.
321
_______. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988. 5.ed.
São Paulo: Dialética, 2004.
MACHADO, José Pedro. Dicionário etimológico da lingua portuguesa.
Lisboa: Confluência/Livros Horizonte, 1967.
MACHADO, Rubens Approbato. Processo tributário: administrativo e judicial.
In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de direito tributário.
8.ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
MACHADO NETO, A. L. Teoria geral do direito. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1966.
MAIA, Mary Elbe Gomes Queiroz. Do lançamento tributário: execução e
controle. São Paulo: Dialética, 1999.
_______. Princípios que norteiam a constituição e o controle administrativo do
crédito tributário. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Teoria geral da
obrigação tributária: estudos em homenagem ao Professor José Souto
Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2005.
MAKDISI, John. Introduction do the study of law: cases and materials. 2.ed.
Cincinnati: Anderson Publishing Co., 2001.
MALESTA, Nicola Framarino dei. A lógica das provas em matéria criminal.
São Paulo: Saraiva, 1960.
MALUF, Carlos Alberto Dabus. A presunção absoluta e a relativa na teoria da
prova: sua natureza jurídica e sua eficácia. Revista Forense, Rio de Janeiro,
n. 262, jun. 1978.
MARINS, Graciela Iurk. Produção antecipada de prova. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004.
MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro: administrativo e
judicial. 3.ed. São Paulo: Dialética, 2003.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Tributação na internet. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2001.
MARTINS, Natanael. A questão do ônus da prova e do contraditório no
contencioso administrativo federal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira
(Coord.). Processo administrativo fiscal. São Paulo: Dialética, 1995.
322
MAZZA, Alexandre. Noções elementares de direito tributário. São Paulo:
Quartier Latin, 2005.
MEDAUAR, Odete. Processualização e publicidade dos atos do processo
administrativo fiscal. In: ROCHA, Valdir Oliveira (Coord.). Processo
administrativo fiscal. São Paulo: Dialética, 1995.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 30.ed. São
Paulo: Malheiros, 2005.
MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 6.ed. São Paulo:
Dialética, 2005.
_______. Processo tributário administrativo: federal, estadual e municipal.
São Paulo: Quartier Latin, 2006.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 20.ed.
São Paulo: Malheiros, 2006.
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia.
2.ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
_______. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 9.ed. São Paulo:
Saraiva, 1999.
_______. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 7.ed. São Paulo: Saraiva,
2006.
MERRYMAN, John Henry. The civil law tradition: an introduction to the legal
systems of western europe and latin américa. In: MERRYMAN, John
Henry; CLARK, David S; HALEY, John O. (Coord.). The civil law
tradition: Europe, Latin América, and East Asia, cases and materials.
Virginia: Lexis Publishing, 2000.
MISCALI, Mario. Le notizie anonime nell’attività di accertamento tributario. In:
GLENDI, C; PATTI, S; PICOZZA, E. Le prove nel diritto civile
amministrativo e tributario. Torino: Giappichelli, 1986.
MICHELI, Gian Antonio. La carga de la prueba. Tradução de Santiago Sentís
Melendo. Buenos Aires: [s.n.], 1961.
MITA, Enrico de. Principi di diritto tributario. 4.ed. Milano: Giuffrè, 2004.
323
MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da prova em matéria criminal. 4. ed.
Campinas: Bookseller, 2004.
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo: princípios
constitucionais e a lei 9.784/99. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2.ed. São Paulo:
Noeses, 2006.
_______. Revogação em matéria tributária. São Paulo: Noeses, 2005.
NADER, Paulo. Filosofia do direito. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
NASCENTES, Antenor. Dicionário etimológico de língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Acadêmica, Francisco Alves, São José, Livros de Portugal
(Depositários), 1955.
NASCIMENTO, Carlos Valder do. Crédito tributário. Rio de Janeiro: Forense,
1986.
NEDER, Marcos Vinicios; LÓPEZ, Maria Tereza Martinez. Processo
administrativo fiscal federal comentado. 2.ed. São Paulo: Dialética, 2004.
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal.
7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
_______. e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 4.ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
_______. e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil
comentado e legislação extravagante. 9.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006.
_______. e NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição federal comentada e
legislação constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 15.ed. São Paulo:
Saraiva, 1999.
NORONHA, Marcos Antônio Pereira. O sigilo bancário no Brasil. In: TÔRRES,
Heleno Taveira (Coord.). Direito tributário e processo administrativo
aplicados. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
324
OLIVEIRA, Sebastião de. O fato gerador do imposto de importação na
legislação brasileira. São Paulo: Resenha Tributária, 1981.
OLIVEIRA, Yonne Dolacio de. Princípios da legalidade e da tipicidade. In:
MARTINS, Ives Gandra da Silva (Corrd.). Curso de direito tributário.
8.ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
PACHECO, Ângela Maria da Motta. Sanções tributárias e sanções penais
tributárias. São Paulo: Max Limonad, 1997.
PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. O ônus da prova no direito processual
civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
PAILLAS, Enrique. Estudios de derecho probatorio. 2.ed. Santiago: Editorial
Jurídica de Chile, 2002.
PAIVA, Carlos. Da tributação à revisão dos actos tributários. Coimbra:
Almedina, 2005.
PALACIO, Lino E. Derecho procesal civil. Buenos Aires: Abeledo-Perrot,
1977.
PAYÁ, Fernando H. La prueba en el proceso civil. Buenos Aires: Abeledo-
Perrot, 1983.
PEDROSO, Antônio Carlos de Campos. Normas jurídicas individualizadas:
teoria e aplicação. São Paulo: Saraiva, 1993.
PICOZZA, Eugenio. Gli atti amministrative generali e le prove. In: GLENDI, C;
PATTI, S; PICOZZA, E. (Coord.). Le prove nel diritto civile
amministrativo e tributario. Torino: Giappichelli, 1986.
PIGNATARI, Décio. Informação. Linguagem. Comunicação. São Paulo:
Perspectiva, 1971.
PINA, Rafael de. Tratado de las pruebas civiles. 3.ed. México: Porruá, 1981.
PINHO, Alessandra Gondim. Fato jurídico tributário. São Paulo: Max
Limonad, 2001.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria geral do direito civil. 3.ed., Coimbra:
Coimbra Editora, 1989.
325
PLANIOL, Marcel. Traité élémentaire de droit civil. 5.ed. Paris: Librairie
générale de droit et de jurisprudence, 1950.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de
processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, Tomo IV.
_______. O problema fundamental do conhecimento. 2.ed. Campinas:
Bookseller, 2005.
_______. Tratado de direito privado. 3.ed. Rio de Janeiro: Borsói, 1970.
QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Sujeição passiva tributária. 2.ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2002.
RÁO, Vicente. Ato jurídico. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
_______. O direito e a vida dos direitos. 6.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005.
_______. Tratado de direito privado. 3.ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970.
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
_______. Lições preliminares de direito. 27.ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
_______. Teoria tridimensional do direito. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
REGO, Hermenegildo de Souza. Natureza das normas sobre prova. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1985.
ROCCO, Ugo. Tratatto di diritto processuale civil. Torino: [s.n.], Tomo II,
1966.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 34.ed. São Paulo: Saraiva,
2005.
ROSS, Alf. Sobre el derecho y la justicia. 4.ed. Buenos Aires: EUDEBA,
1977.
ROUBIER, P. Théorie générale du droit. 2.ed. Paris: [s.n.], 1951.
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito
tributário. São Paulo: Max Limonad, 2000.
326
_______. Introdução: norma, evento, fato, relação jurídica, fontes e validade no
direito. In: DE SANTI, Eurico Marcos Diniz (Coord.). Curso de
especialização em direito tributário: estudos em homenagem a Paulo de
Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
_______. Lançamento tributário. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 1999.
SANTOS, J. M. Carvalho. Repertório enciclopédico do direito brasileiro. Rio
de Janeiro: Borsoi, [19-].
SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao código de processo civil. Rio de
Janeiro: Forense, 1976, Vol. IV.
_______. Prova judiciária no cível e comercial. São Paulo: Max Limonad,
[19-].
SANTOS, Sandra Aparecida Sá dos. A inversão do ônus da prova. 2.ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
SATTA, Salvatore. Diritto processuale civile. 7.ed. Padova: Cedam, 1967.
SAUSSURE, Ferdinand. Curso de lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 1995.
SCHOUERI, Luiz Eduardo. Presunções simples e indícios no procedimento
administrativo fiscal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo
administrativo fiscal. São Paulo: Dialética, 1997, Vol. II.
SENTÍS MELENDO, Santiago. La prueba. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas
Europa-América, 1979.
SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. 3.ed. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1960.
SIERRA, Humberto Briseño. Derecho procesal fiscal. México: Robredo, 1964.
SILVA, Joana Lins e. Fundamentos da norma tributária. São Paulo: Max
Limonad, 2001.
SILVA, João Carlos Pestana de Aguiar. As provas no cível. Rio de Janeiro:
Forense, 2003.
_______. Introdução ao estudo da prova. Revista Forense. Rio de Janeiro, n.
247, set. 1974.
327
SILVA MELERO, Valentin. La prueba procesal. Madrid: [s.n.], 1963, Tomo I.
SILVA, Newton Raimundo Barbosa da. O sigilo bancário frente à administração
tributária. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito tributário e
processo administrativo aplicados. São Paulo: Quartier Latin 2005.
STTEBING, Lizzie Susan. Introducción moderna a la lógica. México: Fondo
Cultura Económica, 1969.
SUNFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4.ed., São Paulo:
Malheiros, 2005.
TARSKI, Alfred. Logic, semantics, metamathematics. Tradução de H. J.
Woodger. Indianapolis: Hackett Publishing Company, 1983.
TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. 2.ed. Madrid: Trotta, 2005.
TARZIA, Giuseppe. Problemi del contraddittorio nell’istruzione probatoria
civile. In: GLENDI, C; PATTI, S; PICOZZA, E. (Coord.). Le prove nel
diritto civile amministrativo e tributario. Torino: Giappichelli, 1986.
TEIXEIRA DE FREITAS, Augusto. Esboço do código civil. Brasília:
Ministério da Justiça, Departamento de Imprensa Nacional, 1983.
TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. 3.ed. São Paulo:
Saraiva, 2006.
_______. O direito quântico. São Paulo: Max Limonad, [s.d.].
_______. Tratado da conseqüência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1949.
TESAURO, Francesco. L’onere della prova nel proceso tributario. In: GLENDI,
C; PATTI, S; PICOZZA, E. (Coord.). Le prove nel diritto civile
amministrativo e tributario. Torino: Giappichelli, 1986.
TOMÉ, Fabiana del Padre. A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses,
2005.
_______. A prova no processo administrativo fiscal. In: DE SANTI, Eurico
Marcos Diniz (Coord.). Curso de especialização em direito tributário:
estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de
Janeiro: Forense, 2005.
328
TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002.
TÔRRES, Heleno. Direito tributário e direito privado: autonomia privada,
simulação, elusão tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
TORRES, Ricardo Lobo. O direito à ampla defesa e à processualidade tributária.
In: ROCHA, Sérgio André. Processo administrativo tributário: estudos
em homenagem ao Professor Aurélio Pitanga Seixas Filho. São Paulo:
Quartier Latin, 2007.
TRABUCCHI, Alberto. Istituzioni di diritto civile. 16.ed. Padova: Cedam,
1968.
TROCKER, Nicolò. Processo civile e costituzione: problemi di diritto tedesco
e italiano. Milano: Giuffrè, 1974.
TUCCI, José Rogério Cruz e; TUCCI, Rogério Lauria. Constituição de 1988 e
processo. São Paulo: Saraiva, 1989.
VALERO, Luiz Martins. Fiscalização tributária: poderes do fisco e direitos dos
contribuintes. In: TÔRRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Maria Elbe;
FEITOSA, Raymundo Juliano (Coordenadores). Direito tributário e
processo administrativo aplicados. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
VALLE FILHO, Oswaldo Trigueiro do. A ilicitude da prova: teoria do
testemunho de ouvir dizer. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
VARELA, Casimiro A. Valoración de la prueba. 2.ed. Buenos Aires: Astrea,
2004.
VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria geral do direito: teoria da norma jurídica.
3.ed. São Paulo: Malheiros, 1993.
VECCHIO, Cesare. Diritto tributario. Padova: Cedam, 1992.
VECCHIO, Giorgio del. Lições de filosofia do direito. 2.ed. Coimbra: Armênio
Amado, 1951.
329
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 6.ed. São Paulo: Atlas,
2006.
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo.
São Paulo: Max Limonad, 1997.
_______. Causalidade e relação no direito. 4.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 2000.
_______. O problema do objeto na teoria geral do estado. Tese para a cátedra
de teoria geral do estado. Universidade Federal de Pernambuco, 1953.
XAVIER, Alberto. Do lançamento no direito tributário brasileiro. 3.ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2005.
WACH, Adolf. Das Gestandnis, ein Beitrag zur Lehre von dem processualische
Rechtgeschafte. Archiv fur den zivil praxis, 1881, V. 64.
WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: introdução e parte geral.
8.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
WAMBIER, Thereza Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença.
4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
WARAT, Luís Alberto. O direito e sua linguagem. 2.ed. Porto Alegre: SEFA,
1995.
_______. e PÊPE, Albano Marcos Bastos. Filosofia do direito: uma introdução
crítica. São Paulo: Moderna, 1996.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo