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DYEGO FERNANDES BARBOSA
A UNIÃO ESTÁVEL
NO NOVO CÓDIGO CIVIL
E SEUS DESDOBRAMENTOS JURÍDICOS
MESTRADO EM DIREITO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
2005
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2
DYEGO FERNANDES BARBOSA
A UNIÃO ESTÁVEL
NO NOVO CÓDIGO CIVIL
E SEUS DESDOBRAMENTOS JURÍDICOS
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em
Direito Civil Comparado, sob a
orientação do Professor Doutor
Francisco José Cahali.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
2005
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3
Banca Examinadora
_____________________________________________
_____________________________________________
_____________________________________________
4
Ao Professor Doutor José Francisco Cahali,
Grande Professor.
Que me honrou com seus ensinamentos e estímulos à atividade acadêmica.
5
Ao Dr. ANTONIO RULLI NETO,
que com abnegação ímpar,
contribuiu diretamente para a efetivação deste trabalho.
6
Aos Professores,
Professora Doutora Maria Helena Diniz,
Professor Doutor Rui Geraldo Camargo Viana,
Professor Doutor Marcelo Aguiar,
pela paciência, dedicação e perseverança na arte de ensinar.
7
Agradecimentos
Registro meus sinceros agradecimentos, ao Grande Arquiteto do Universo,
aos Professores, Familiares e Amigos que contribuíram para a concretização deste trabalho,
e a quem devo minha formação jurídica, cultural e moral, cujos ensinamentos nos mostram
que com perseverança, dignidade, dedicação e amor ao trabalho, é possível transpor os
árduos caminhos da vida.
8
Resumo
O trabalho que se apresenta foi elaborado para obtenção do título de Mestre
em Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Professor
Doutor Francisco José Cahali.
Trata-se de um estudo sobre uma das mais antigas formas de instituição
familiar, que a priori fora vista pela sociedade como um pecado capital, e, a posteriori fora
apenas tolerada, até ser finalmente aceita pela maioria das sociedades modernas. Partir-se-á
de uma breve análise histórica desde os primórdios da civilização até se chegar a atual
conjuntura sobre esta forma de instituição familiar, como uma maneira de instituir a Justiça,
bem como a paridade entre as instituições familiares formadas tanto pelo casamento como
pela união estável, de modo que estas últimas não fiquem à margem da lei. Desta forma,
paralelamente àquele estilo mais formal de instituição de família que era o casamento, vê-se
que a Justiça trilhou no sentido de admitir, e, atualmente no sentido de dar direitos àquelas
famílias formadas sem o vínculo do matrimônio, devendo prevalecer o valor maior, qual
seja, o objetivo de instituição de família, em detrimento das relações espúrias ou eventuais,
de forma a conseguir se chegar a uma solução mais justa, fazendo com que haja maior
segurança na Justiça e pacificação das lides existentes em nossa sociedade.
Da Justiça meramente passiva, passamos à Justiça participativa, onde ao lado
dos tradicionais métodos de formação de família já existentes, passamos a encontrar o
Estado a buscar mecanismos para assegurar direitos àquelas uniões formadas sem o
9
vínculo do matrimônio, e, ao mesmo tempo, mecanismos para assegurar a Justiça, de forma
a aproximar o mundo jurídico da verdadeira realidade sociocultural.
Neste estudo, serão realizadas breves considerações sobre esse complexo, e,
ao mesmo tempo, controvertido tema, onde juristas do mundo inteiro se dividem, quanto à
aceitação ou não das uniões entre homens e mulheres, destituídas das formalidades do
matrimônio, para, a partir de apontamentos de alguns problemas existentes, pensarmos em
novos meios, de modo a assegurar a justiça em situações não amparadas pela legislação, e,
em especial, apaziguar este preconceito que perdura desde os tempos mais remotos, como
forma de se chegar a tão sonhada "igualdade", independentemente da forma como se
originou a família, vez que ela advém de um fato natural, anterior à regulamentação legal.
.
10
SUMMARY
The work that it presents was elaborated for obtaining of Master's title in
Right in the Papal Catholic University of São Paulo, under the Teacher's Doctor Francisco
José Cahali orientation.
It is a study on one in the oldest ways of family institution, that in beginning
had been seen by the society as a capital sin, and, the posteriori had just been tolerated,
even to be accepted finally by most of the modern societies. He will break of a brief
historical analysis from the primitive of the civilization to the current conjuncture to arrive
on this form of family institution, as a way to institute the Justice, as well as the parity
among the formed family institutions so much for the marriage as for the stable union, so
that these last ones are not to the margin of the law. This way, parallelly to that more formal
style of family institution that was the marriage, he sees him that the Justice thrashed in the
sense of admitting, and, now in the sense of giving right to those families formed without
the entail of the marriage, the larger value, which is should prevail, the objective of family
institution, in detriment of the spurious or eventual relationships, in way to get to arrive to a
just solution, doing with that there is larger safety in the Justice and pacification of the you
work existent in our society.
Of the Justice merely passive, we passed to the Justice with participation,
where beside the traditional methods of family formation already existent, we started to
find the State to look for mechanisms to assure rights to those unions formed without the
11
entail of the marriage, and, at the same time, mechanisms to assure the Justice, in way to
approach the juridical world of the true cultural partner reality.
In this study, brief considerations will be accomplished on that complex one,
and, at the same time, controversial fears, where jurists of the whole world divide, with
relationship to the acceptance or not of the unions between men and women, deprived of
the formalities of the marriage, for starting from notes of some existent problems, we think
of new means, in way to assure the justice not in situations aided by the legislation, and,
especially, to appease this prejudice that lasts long since the most remote times, as form of
the such dreamed " equality " to arrive, independently in the way as he originated the
family, time that her happen of a natural fact, previous to the legal regulation
12
ÍNDICE
CAPÍTULO I................................................................................................... 18
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA UNIÃO ESTÁVEL................................... 19
CAPÍTULO II................................................................................................. 26
DIREITO COMPARADO............................................................................. 27
2.1. AMÉRICA DO NORTE..................................................................... 27
2.1.1 Estados Unidos da América......................................................... 27
2.2.1 Canadá.......................................................................................... 29
2.2. EUROPA.............................................................................................. 31
2.2.1 França......................................................................................... 32
2.2.2 Espanha....................................................................................... 38
2.2.3 Portugal........................................................................................ 40
2.2.4 Itália............................................................................................. 42
2.2.5 Escócia......................................................................................... 44
2.2.6 Suíça............................................................................................. 45
2.2.7 Inglaterra...................................................................................... 45
2.2.8 Alemanha..................................................................................... 45
2.2.9 União Soviética............................................................................ 47
2.3. ÁSIA.................................................................................................... 49
2.3.1 Meiji Japão.................................................................................. 49
2.4. OCEANIA........................................................................................... 50
2.4.1 Austrália.................................................................................. 50
2.5. AMÉRICA LATINA......................................................................... 51
2.5.1 Cuba......................................................................................... 51
2.5.2 Panamá..................................................................................... 52
2.5.3 México...................................................................................... 53
2.5.4 Guatemala................................................................................. 55
2.5.5 Honduras................................................................................... 56
2.5.6 Venezuela................................................................................. 56
2.5.7 Bolívia....................................................................................... 57
2.5.8 Peru........................................................................................... 58
2.5.9 Paraguai.................................................................................... 59
13
2.5.10 Uruguai..................................................................................... 61
2.5.11 Chile......................................................................................... 61
2.5.12 Argentina.................................................................................. 61
2.5.13 Colômbia.................................................................................. 62
CAPÍTULO III............................................................................................... 63
3.1 UNIÃO ESTÁVEL NO BRASIL.................................................... 64
3.1.1 Evolução Histórica................................................................... 64
3.2 TEORIAS DE JUSTIFICAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL............ 69
3.2.1 Teoria da Finalidade Social..................................................... 69
3.2.2 Teoria da Sociedade de Fato.................................................... 70
3.2.3 Teoria da Comunhão-Indivisão............................................... 71
3.2.4 Teoria da Prestação de Serviço................................................ 72
3.2.5 Teoria do Enriquecimento sem Causa..................................... 72
3.2.6 Teoria da Culpa Comum.......................................................... 72
3.2.7 Teoria da Obrigação Natural.................................................... 73
3.3 UNIÃO ESTÁVEL NAS CONSTITUIÇÕES.................................. 74
3.4 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA.......................................................... 81
3.5 EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL................................................ 103
CAPÍTULO IV................................................................................................ 108
4.1 A UNIÃO ESTÁVEL NO NOVO CÓDIGO CIVIL....................... 109
4.1.1 TERMINOLOGIA E CONCEITO........................................... 110
4.1.2 Terminologia de Concubinato e União Estável......................... 110
4.1.3 Conceito de União Estável........................................................ 112
4.2 REQUISITOS CARACTERIZADORES DA UNIÃO ESTÁVEL......... 114
4.2.1 Diversidade de sexo................................................................ 114
4.2.2 Estabilidade............................................................................. 117
4.2.3 Publicidade e Notoriedade ..................................................... 117
4.2.4 Inexistência de Impedimento Matrimonial............................. 118
4.2.5 Coabitação............................................................................... 124
4.2.6 Lealdade.................................................................................. 126
4.2.7 Continuidade e Durabilidade................................................... 127
4.2.8 Objetivo de Constituição de Família........................................ 130
14
4.3. SEPARAÇÃO DE FATO E UNIÃO ESTÁVEL......................... 132
4.4. DIREITOS E DEVERES NA UNIÃO ESTÁVEL....................... 140
4.5. DO DIREITO A ALIMENTOS..................................................... 145
4.6. CONTRATO ENTRE OS CONVIVENTES............................... 151
4.6.1 Noções Gerais........................................................................ 151
4.6.2 Do Patrimônio Comum.......................................................... 152
4.6.3 Administração dos Bens Comuns.......................................... 154
4.6.4 Estipulação no Contrato relacionado a matéria pessoal....... 155
4.7. CONVERSÃO DE UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO..... 159
4.8. DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL......................................... 170
4.8.1 Dissolução por morte de um ou ambos os conviventes............ 170
4.8.2 Dissolução pelo casamento....................................................... 171
4.8.3 Dissolução pelo acordo de vontades......................................... 173
4.8.4 Dissolução por decisão unilateral pondo termo a convivência. 174
4.9. SUCESSÃO ENTRE COMPANHEIROS................................... 178
4.9.1 Introdução.......................................................................... 178
4.9.2 Sucessão no Novo Código Civil........................................ 179
4.9.3 Usufruto do Companheiro sobrevivo................................. 195
4.9.4 Direito Real de Habitação.................................................. 197
4.9.5 Exclusão do companheiro à Herança por indignidade....... 200
4.9.6 Morte presumida do companheiro...................................... 200
4.9.7 Renúncia do companheiro à Herança ou Legado............... 210
4.9.8 Nomeação de Herdeiro ou Legatário................................. 212
CAPÍTULO V............................................................................................ 219
A UNIÃO ESTÁVEL E O DIREITO PROCESSUAL CIVIL.. 220
5.1 Aplicabilidade das regras processuais à união estável......... 223
5.2 Homologação Judicial da Dissolução da União Estável..... 228
5.3 Do Foro Privilegiado........................................................... 234
5.4 Da Intervenção do Ministério Público ................................ 238
5.5 Da Legitimidade para requerer inventário e nomeação de
inventariante................................................................................... 240
5.6 Da remição de Bens............................................................. 244
15
5.7 Da Autorização dos conviventes para alienação de bens imóveis. 246
5.8 Competência da Vara de Família.................................................... 249
5.9 Segredo de Justiça........................................................................... 254
5.10 Dos Provimentos de Urgência relacionados a União Estável......... 256
5.11 Da Cautelar de Separação de Corpos entre os
Companheiros.......................................................................................... 261
5.12 A Companheira e os Embargos de Terceiro.................................... 267
5.13 O Seqüestro de Bens na União Estável........................................... 272
CAPÍTULO VI
UNIÃO ESTÁVEL E O DIREITO ELEITORAL................................ 276
6.1 Noções Gerais................................................................................. 276
6.2 Capacidade Eleitoral Ativa............................................................. 277
6.3 Capacidade Eleitoral Passiva.......................................................... 282
6.4 Condições de Elegibilidade............................................................ 283
6.5 Inelegibilidade................................................................................ 286
6.6 Objetivo e Fundamento.................................................................. 289
6.7 Inelegibilidade da União Estável à Luz do Ordenamento Pátrio... 291
6.8 Inelegibilidade por força do Parentesco......................................... 296
6.9 Inelegibilidade do Parentesco resultante da União Estável............ 304
CAPÍTULO VII
A UNIÃO ESTÁVEL E O DIREITO PENAL...................................... 312
7.1 Introdução...................................................................................... 312
7.2 Aplicabilidade das Normas Penais mais benéficas........................ 316
7.3 Aplicabilidade das Normas Penais Incriminadoras....................... 323
7.4 Da análise dos artigos do Código Penal e sua relação com o instituto
da União Estável........................................................................................ 327
7.5 Aplicabilidade das Circunstâncias Agravantes na União Estável. 328
7.6 Da aplicabilidade do Perdão Judicial para o agente que possuía
vínculos amorosos e de parentesco com a vítima...................................... 334
7.7 Da aplicabilidade da Escusa Absolutória na União Estável............ 337
7.8 Seqüestro e Cárcere Privado e União Estável................................. 345
7.9 Dos Crimes contra a liberdade sexual............................................. 348
7.9.1 Estupro e União Estável...................................................... 348
7.9.2 Atentado Violento ao Pudor e União Estável .................... 349
7.9.3 Aumento de Pena............................................................... 350
7.10 Do Lenocínio e União Estável...................................................... 352
CAPÍTULO VIII
EXTRADIÇÃO E A UNIÃO ESTÁVEL.............................................. 355
16
CAPÍTULO IX
EXPULSÃO E A UNIÃO ESTÁVEL................................................... 364
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................ 370
BIBLIOGRAFIA................................................................................... 372
17
"A família é um fato natural. Não a cria o homem, mas a natureza (...)
o legislador não cria a família, como o jardineiro não cria a primavera (...) ela
excede à moldura em que o legislador a enquadra (...). Agora, dizei-me: que é que
vedes quando vedes um homem e uma mulher, reunidos sob o mesmo teto, em torno
de um pequenino ser, que é fruto de seu amor? Vereis uma família. Passou por lá o
juiz com sua lei, ou o padre, com o seu sacramento? Que importa isso? O acidente
convencional não tem força para apagar o fato natural".
(VIRGÍLIO DE SÁ PEREIRA)
18
CAPÍTULO I
19
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA UNIÃO ESTÁVEL
Antes de passar para a análise do tema específico, é importante traçar rápidas
considerações sobre a evolução histórica do concubinato.
De acordo com Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka
1
, “a família é
uma entidade histórica, interligada com os rumos e desvios da história dela mesma,
mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da própria história
através dos tempos. Sabe-se, enfim, que a família é, por assim dizer, a história, e que a
história da família se confunde com a história da própria humanidade.”
Em relação à origem histórica das uniões de fato, hoje, tida, como união
estável, ou ainda outrora denominadas por alguns autores como concubinato
2
puro,
podemos afirmar que essas uniões existem desde a formação da humanidade, antes mesmo
da existência da regulamentação legal. Assim como exemplo podemos citar Eva e Adão,
que segundo a Bíblia Sagrada foi o primeiro casal existente na terra, sendo certo que eles já
viviam em união de fato, antes, mesmo, do surgimento do mundo jurídico.
De acordo com Basílio de Oliveira, o concubinato constitui a realidade
sócio-familiar das mais antigas da história da humanidade, com referência na Lei Mosaica e
no Direito Hebraico antigo, além de constar do Gênesis e do Deuterômio.
1
A família e o casamento em evolução. In: Revista Brasileira de Direito de Família. nº1, p. 7.
2
Do Latim “concubinatus”; em inglês e francês “concubinage”.
20
Cesare Contú, citado por Claudia Grieco Tabosa Pessoa
3
, destaca, por seu
turno, na cultura grega, a existência de célebres concubinas, dentre elas Aspácia, natural de
Mileto, no Mar Egeu, a qual considerada estrangeira não podia se casar com Péricles, tendo
eles vivido juntos, em concubinato público e notório; note-se que ela teria sido,
anteriormente, concubina de Sócrates e, após a sua morte, de Alobíades.
Antes mesmo da consolidação da Babilônia, já existiam relações
concubinárias, devido ao costume dos povos antigos de que o dono da casa fornecesse
hospedagem, leito e as próprias mulheres para servirem os visitantes, no entanto, aos
poucos essa situação foi sendo contornada com a inserção da monogamia e mudanças de
hábitos e valores.
Em relação ao Direito Romano, alguns escritores latinos, como Tito Lívio ou
Tácito e Petrônio, assim como juristas, dentre os quais Cícero, citados por Caio Mário da
Silva Pereira, referem-se à reinante licenciosidade dos costumes e a perda das virtudes
fundamentais dos primeiros tempos, que levaram ao hábito de se manter concubinas, eleitas
dentre as escravas favoritas ou plebéias, que não podiam se unir pelo casamento, em razão
do preconceito, sendo conhecida como uma forma de união inferior ao casamento.
Os romanos conheceram quatro formas de união, a saber:
1. Casamento, que produzia os efeitos decorrentes dos jus civile, também
denominado justae nuptiae;
3
Efeitos Patrimoniais do Concubinato. São Paulo: Saraiva,1997. p.13
21
2. Casamento realizado entre peregrinos, denominado jus gentium ou sine
connubio;
3. A união de fato entre os escravos, denominado contubernium;
4. O concubinatus
4
, união livre, sem a consensus nuptialis.
No que concerne aos efeitos da união estável entre os romanos, conquanto
inexista affectio maritalis, as doações proibidas inter vivum e uxorem eram permitidas.
Ainda havia uma lenda, criada pelo povo romano, de Rômulo e Remo,
nascidos de mulher solteira, companheira de um pastor.
No Direito pré-justinianeu, no período clássico, tem-se como certa a
inexistência da união estável enquanto instituto jurídico.
A Igreja Católica teve influência no Império Romano, com o escopo de
reprimir as uniões clandestinas entre as pessoas já casadas, posto que as uniões estáveis,
entre pessoas desimpedidas para o matrimônio ainda eram toleradas.
Somente a partir do Imperador Augusto inicia-se a regulamentação da união
estável. Essa legislação compreendia a Lex Julia et Papia Poppae de maritandis ordinibus,
que criava os impedimentos sociais às uniões conjugais com as mulheres de situação social
4
Hoje, em consonância com o artigo 1723 do Código Civil vigente, tal união passou-se a se denominar "união
estável".
22
inferior, e a Lex Julia de Aduleris, que cominava sanções às uniões extraconjugais com
mulheres ingenuae et honestae (ingênuas e de categoria social honrada), considerando
puníveis esses fatos, como stuprum ou adulterium, que significavam relações
extraconjugais ilícitas.
No Digesto, Justiniano reconheceu certos requisitos, segundo os quais a
união estável podia gerar efeitos legais, para fins de regularização das proles derivadas das
referidas relações.
Admitia-se como concubinatus legitimus, hoje, união estável, consoante a
Novela 18, Cap. 05, aquela em que a companheira desimpedida, livre, poderia casar-se com
o companheiro, e era única, era in schematae concubinae sociata, ou seja, mantida em
companhia ou em coabitação, por toda a vida.
No Direito Justinianeu, a união estável distanciava-se do casamento, mais
em função de elementos espirituais, do que em sua aparência, sendo concebido como união
estável de um homem com uma mulher sem qualquer condição à posição social, sem a
affectio maritalis e o honor matrimonii. Com Justiniano, a união estável assumiu condição
de um matrimônio de grau inferior.
Na Grécia, a união estável era permitida livremente, e não acarretava
nenhuma desconsideração. Os povos bárbaros também admitiam a união estável, enquanto
que o povo celta equiparava a união estável à situação da mulher casada.
23
A união estável foi admitida pelas sálicas (dos francos sálios) e pelos
bárbaros, sendo que o Direito Canônico dos primeiros tempos não desconhecia a união
estável como instituição legal. Consta que Santo Agostinho admitiu o batismo da
companheira desde que se a obrigasse a não abandonar o companheiro. Já Santo Hipólito
negava matrimônio a quem o solicitasse para abandonar a companheira, salvo se por ela
fosse traído. O primeiro Concílio de Toledo 400 autorizou a união estável de caráter eterno.
Tenha-se presente que o Papa Gregório II, em 726 D.C., ordenou que
"quando um homem tem uma esposa doente, incapaz das funções conjugais, pode tomar
uma segunda, contanto que tenha cuidado com a primeira". Esta ordenação vigorou até o
século XVI.
Entretanto, depois de imposta a forma pública de celebração (dogma do
matrimônio – sacramento), a Igreja mudou de posição e o Concílio de Trento impôs
excomunhão aos concubinos que não se separassem após a terceira advertência.
Todavia, na era cristã, a união estável, segundo bem asseverou Fernando
Malheiros Filho
5
, teve seu ápice de proibição por volta de 326 D. C., sob as regras de
Constantino, imperador cristão fervoroso, até ser eliminado como constituição de família
por Leão, o sábio (886 a 912 D.C.).
Planiol e Ripert, conforme preleciona Claudia Grieco Tabosa Pessoa
6
,
asseveravam a severidade de tratamento conferido ao instituto no Direito Canônico, e
5
Fernando Malheiros Filho, União Estável, p.13
6
Efeitos Patrimoniais do Concubinato. São Paulo: Saraiva,1997. p.15
24
afirmam que: Tandis que le droit romain en vint à considérer en définitive é
“concubinatus” comme um mariage d’ordre inférieur; le doit canonique se montra au
contraire très sévère envers les faux ménages, parce que les relations sexuelles sont un
péché hors du sacrament de mariage. Cette sévérite se traduisait notamment por
l’impossibilité où ils étainent de laisser leurs biens après leur mont aux enfants nés de leur
union.
Com a evolução das sociedades, as relações sem os laços do matrimônio
continuaram a existir e sempre viveram atreladas à proibição por parte da Igreja Católica.
Segundo nos ensina Rodrigo da Cunha Pereira, somente após a século XVI,
com a instituição do casamento civil na Holanda, é que se acentuou a tendência em legislar-
se sobre o assunto; entretanto, somente no início do século XIX, é que surgiram pretensões
judiciais quanto ao reconhecimento dos direitos advindos das relações de fato, digo, uniões
estáveis.
Com muita propriedade Edgard de Moura Bittencourt menciona um julgado
de 1883 do Tribunal de Rennes, onde foi admitido a prova de que a companheira havia
trazido bens para a formação do acervo comum, e mandou pagar-lhe a quarta parte dos bens
deixados pelo falecido, a título de serviços prestados e da contribuição dos seus bens no
acervo comum. Este julgamento foi o marco inicial para o estabelecimento de direitos entre
os companheiros.
25
Na França, em 1805, havia um projeto de lei regulamentando as uniões
livres, onde se deveria registrar essas uniões no Cartório do Registro Civil; contudo, esse
projeto de lei não chegou a entrar em vigor.
Aos poucos, a relação concubinária voltou a tomar forma de entidade
familiar, deixando de gerar meras relações comerciais e obrigacionais, sendo que em 1912,
surgiu a primeira lei francesa que tratou da união estável, com características familiares,
cuidando do reconhecimento dos filhos.
Assim, com a evolução da sociedade, principalmente no período pós-guerra
(depois de 1945), houve uma modificação das condutas sociais, bem como uma evolução
dos costumes, surgindo assim novas concepções de família. Desta forma, diante dessa nova
realidade, o mundo jurídico principiou outorgar a direitos àquelas uniões livres, conferindo
efeitos jurídicos a quem vivesse dessa maneira, vez que as uniões entre homem e mulher
advêm de um fato natural anterior ao direito, não sendo constituída por intermédio de uma
criação legislativa.
26
CAPÍTULO II
27
DIREITO COMPARADO
Não temos a intenção de realizar um estudo comparativo entre a nossa
legislação sobre a união estável e a legislação alienígena, todavia, teceremos breves
considerações a respeito do tema ora em análise, em outras legislações.
2.1 AMÉRICA DO NORTE
2.1.1 Estados Unidos da América
Nos Estados Unidos da América predomina a sistemática onde cada Estado
possui seu regramento legal próprio; no entanto, de forma genérica, é possível dizer que os
Estados consideram a autonomia familiar como fato de relevante interesse para a
organização da sociedade. Diante disso, podemos afirmar que a família nos Estados Unidos
da América é considerada como um instituto tipicamente privado, mas de vital importância
para o Estado.
Os Estados Americanos prevêem a existência do casamento civil solene,
formalizado perante a autoridade competente; contudo, as regras sobre as formalidade
preliminares diferenciam-se de Estado para Estado. Ressalta-se ainda que a maioria dos
Estados Americanos acabaram seguindo o sistema clássico de casamento previsto em
Roma.
28
O casamento civil americano é considerado como um contrato e, dessa
forma, a jurisprudência tem entendido que o "casamento de fato" é possível e merece
proteção como constituição de família, sendo que os companheiros podem celebrar acordos
estabelecendo regras para essa convivência, mas somente no que se refere ao patrimônio e
outras questões econômicas, vez que os contratos referentes as relações sexuais
7
(mereticious sexual service), ou seja, relacionamentos íntimos entre os conviventes, violam
a ordem pública, sendo considerados nulos.
Portanto, no Direito Americano, a maioria dos Estados tem reconhecido
como forma de constituição de família o "casamento de fato", ou seja, a união estavel, sem
as formalidades, ou commow law marriage, desde que não exista qualquer impedimento
matrimonial e estejam presentes seguintes requisitos:
a) diversidade de sexo;
b) capacidade matrimonial;
c) coabitação;
d) observância dos deveres conjugais.
Dessume-se assim que a grande maioria dos Estados americanos
8
, tais como
Alabama, Colorado, Distrito de Columbia, Georgia, Idaho, Iowa, Kansas, Montana, Ohio,
Oklahoma, Pennsylvania, Rhode Island, South Carolina e Texas, aplicam a convivência
(living together), também denominada de commow law marriage, e, por analogia, as
normas relativas ao casamento civil formalizado.
7
Luiz Augusto Gomes Varjão, União estável, requisitos e efeitos, p.31
8
Luiz Augusto Gomes Varjão, União estável, requisitos e efeitos, p.33.
29
Por último podemos citar que, como no direito pátrio, inexiste nos Estados
Unidos da América a diferença entre filhos nascidos na constância da sociedade conjugal e
os filhos nascidos fora do matrimônio.
2.1.2 CANADÁ
O Código Civil, não reconhece a "união de fato" como entidade familiar, e,
portanto, não há nenhuma previsão legal acerca de direitos e deveres entre conviventes; no
entanto, os conviventes poderão valer-se do "Contrato de Vida em Comum", onde os
mesmos poderão inserir regras atinentes aos direitos e obrigações, bem como sobre uma
eventual indenização em caso de ruptura, uma vez que o Código Civil não contempla a
possibilidade de pensão alimentícia entre os conviventes.
Igualmente, não há previsão legal acerca da proteção da residência familiar;
contudo, há apenas um dispositivo legal, o artigo 1938 do Código Civil de Quebec, que
alude a possibilidade de um dos conviventes manter-se no imóvel alugado, quando houver
ruptura da vida em comum.
Da mesma sorte, o Código Civil não dá guarida a aplicabilidade dos direitos
sucessórios ao convivente sobrevivo, salvo se o convivente sobrevivo seja beneficiado por
intermédio de testamento.
30
Outrossim, não há aplicabilidade da presunção de paternidade entre
conviventes, sendo certo que tal presunção apenas poderá ser estabelecida por intermédio
do reconhecimento voluntário, conforme dispõe o artigo 526 do Código Civil Canadense.
Já no que tange aos bens adquiridos durante a vida em comum, cada qual
mantém a propriedade de seus bens, não se comunicando entre si.
Entretanto, no Canadá, existem algumas leis sociais, tais como a Leis de
acidente do trabalho, doenças profissionais, de seguro desemprego e de seguro de
automóvel, que permitem aos conviventes valer-se dos mesmos direitos das pessoas
casadas, uma vez preenchidos determinados requisitos, digo, se o lapso temporal de
convivência perdurar no mínimo 03 (três) anos, ou ainda, se existir filho em comum, a
convivência perdurar no mínimo 01 (um) ano; todavia, em ambos os casos, a lei canadense
exige a produção de prova da mencionada convivência em comum das partes, bem como
que tal convivência seja more uxorio, digo, notoriamente reconhecida como conviventes
pelos membros da sociedade.
Por derradeiro, mister se faz salientar ainda que, da mesma forma do direito
pátrio, inexiste nos Estados Unidos da América a diferença entre filhos nascidos na
constância da sociedade conjugal e os filhos nascidos fora do matrimônio.
31
2.2 EUROPA
O continente europeu, por ser um dos mais antigos e mais afetados pelas
diversas revoluções históricas, sofreu consideráveis modificações no que concerne ao ramo
do Direito de Família, devido à constante evolução da sociedade.
E, desde de 1970, vem acontecendo uma modernização no Direito de
Família europeu, pugnando-se pela importância da família, independente da forma de
constituição, se por casamento ou por união estável.
Vejamos, segundo alude Luiz Cordero
9
, a posição do Conselho de Ministros
da Comunidade Européia sobre a união estável é: "En cuanto a las uniones de hecho, el
Comité de Ministros ha recomendado que se acepten como validos ‘los contratos entre
personas que viven juntas como pareja no casada, así como también se dé validez a sus
disposiciones testamentarias.’ Se trata de contratos en materia patrimonial, entre los que
se incluyen el pago de alimentos y los pactos sucessorios. También aboga orivados que
regulen sus condiciones de vida".
2.2.1 França
O Direito Francês, sob a influência do Direito Canônico, sempre foi
contrário e tendencioso ao combater as relações extramatrimoniais consideradas contrárias
9
Las uniones de hecho en el derecho canonico – el caso peruano, in Revista de Direito Civil, nº69, p.92
32
à família legítima, apesar de se demonstrarem como realidade crescente na sociedade
francesa.
Segundo nos ensina Rui Geraldo Camargo Viana
10
, “a dominante concepção
francesa de que só o casamento cria a família (fundamento natural e moral), deixou ao
desamparo a concubina, só lembrada na lei francesa para a punição (art.230, Código de
Napoleão, redação original)”. E acrescenta o autor: “É sabido o desdém que lhes votou
Napoleão, com a célebre frase: les concubines se passent de la loi, la loi se désintéresse
d’eux.”
O Código de Napoleão (1804), também influenciado pelo Direito Canônico,
silenciou-se a respeito dessas uniões; sendo assim, baseando-se pelos princípios religiosos,
a França não considerou a existência das relações extramatrimoniais.
Entretanto, como fato social, os relacionamentos extramatrimoniais se
expandiram rapidamente, ocasionando situações não contempladas pelo ordenamento
jurídico, ficando a cargo da jurisprudência francesa cuidar da matéria.
Houve o reconhecimento de efeitos quanto à sociedade de fato, para fins de
divisão de lucros ou indenização, desde que configurada a estabilidade ou a posse do estado
de casados.
Cumpre considerar o impulso evolutivo trazido pela Lei de 16 de novembro
de 1912, que trouxe à tona a existência social dessas relações, bem como introduziu a
33
noção de concubinato notório, caracterizado pela união longa e duradoura, que gozaria de
efeitos jurídicos, tais como a permissão para a investigação de paternidade de filhos
concebidos fora do matrimônio.
Aliás, até o surgimento da Lei 99.944/99, não existia no Direito Francês,
regulamentação da união estável de forma ampla, deixando-se principalmente à
jurisprudência a decisão, tomando-se por base o caso concreto.
Com o advento da Lei 99.944, de 15 de novembro de 1999, promulgada pelo
Presidente da República Jacques Chirac, houve uma profunda alteração no Código Civil
Francês, inserindo no Título XII a seguinte matéria: “Do Pacto Civil de Solidariedade e
Coabitação”.
O Capítulo I dispõe sobre o Pacto Civil de Solidariedade (P.A.C.S.), em
seus artigos 515-1 ao 515-7.
O artigo 515-1 do Código Civil Francês define o Pacto Civil de
Solidariedade (PACS) como sendo um contrato realizado por duas pessoas físicas maiores,
de sexo diferente, ou ainda do mesmo sexo, com o escopo de organizar a vida em comum.
Como podemos notar, esse artigo, ao contrário do direito pátrio, acolhe a
possibilidade de se estabelecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo, desde que
tenham o escopo de organizar a vida em comum.
10
Temas Atuais de Direito Civil na Constituição Federal, São Paulo: Revista dos Tribunais, p.28.
34
O artigo 515-2 do Código Civil Francês proíbe a realização do Pacto Civil de
Solidariedade (PACS) entre duas pessoas quando uma delas for casadas, ou pelo menos já
for contratada por um outro PACS, bem como entre ascendentes e descendentes em linha
reta, entre afins em linha reta e entre colaterais até 3º grau inclusive.
O artigo 515-3 do Código Civil Francês dispõe sobre as formalidades e,
dentre elas, podemos destacar que o Pacto Civil de Solidariedade (PACS) pode ser
realizado entre duas pessoas maiores e pelo menos uma delas é obrigada a possuir
nacionalidade francesa.
As pessoas que optarem pelo Pacto Civil de Solidariedade (PACS) devem
fazer uma declaração conjunta no Registo Civil, em duas vias, e levar para o Tribunal de
Instância onde elas fixarão a residência comum, devendo provar os requisitos do artigo
515-2, bem como um certificado do Registro Civil do Tribunal de Instância de seu lugar de
nascimento, ou, no caso de nascimento no exterior, do Registro Civil do Tribunal de
Grande Instância de Paris, atestando a inexistência das proibições.
A inscrição no registro do lugar da residência confere data de início do Pacto
Civil de Solidariedade (PACS) e o torna oponente a terceiros.
Toda modificação do Pacto Civil de Solidariedade (PACS) deve ser feita
através de uma declaração conjunta e levada ao Registro Civil do Tribunal de Instância que
recebeu o ato inicial.
35
O artigo 515-4 do Código Civil Francês diz que durante o Pacto Civil de
Solidariedade (PACS) as pessoas são obrigadas a uma vida em comum, de ajuda moral e
material mútua, sendo que ambos os conviventes são solidariamente responsáveis pelas
dívidas contraídas por um dos conviventes, com finalidade de proveito da vida em comum,
como também relativas à habitação em comum.
O artigo 515-5 do Código Civil Francês trata do regime patrimonial, sendo
que os bens adquiridos antes da realização do Pacto Civil de Solidariedade (PACS),
permanecem da exclusiva propriedade do convivente que os adquiriu.
No Pacto Civil de Solidariedade (PACS), os pactuados poderão especificar
as proporções nas quais eles farão as aquisições dos bens futuros, bem como as proporções
no caso de dissolução do Pacto Civil de Solidariedade (PACS); caso contrário, presumir-se-
ão adquiridos por ambos, em proporções iguais.
O artigo 515-7 do Código Civil Francês estabelece as formas de dissolução
do Pacto Civil de Solidariedade (PACS ), a saber:
a) através da ruptura voluntária, quando os pactuantes decidem de comum
acordo por fim ao Pacto Civil de Solidariedade (PACS);
b) pelo matrimônio de um dos pactuantes com terceiro, ou dos dois juntos;
c) pela morte de um dos pactuantes.
36
Além disso, na falta de acordo sobre a liquidação dos direitos e obrigações
resultantes do P.A.C.S., o juiz decidirá, tanto no tange as conseqüências patrimoniais da
ruptura, como também, em uma eventual reparação de danos eventualmente sofridos.
O Capítulo II trata da “Do Concubinato”, também denominada
“concubinage”, em seus artigos 515-8 e seguintes.
O artigo 515-8 do Código Civil Francês define concubinato como sendo
“uma união de fato, caracterizada por uma vida comum, que apresenta um caráter de
estabilidade e de continuidade entre duas pessoas, de sexo diferentes ou do mesmo sexo,
que vivam em casal”.
Este concubinato também é denominado de união livre ou vida matrimonial.
Antes dessa lei, apenas os casais de sexo diferentes é que poderiam viver em concubinato;
no entanto, com o advento da Lei, foi estendido o direito de coabitar aos casais do mesmo
sexo, exigindo-se para todos os casos apenas uma união estável e duradoura, sem
necessidade de estabelecer tempo para apreciar se existe concubinato.
Existem dois tipos de concubinato:
a) simples: quando o casal é formado por pessoas solteiras;
b) adulterino: quando o concubino for casado com outra pessoa.
37
Ao contrário do matrimônio e do Pacto Civil de Solidariedade (PACS), o
concubinato não é uma situação de direito, mas uma situação de fato. O concubino, em
princípio, não possui nenhum direito e também nenhuma obrigação com o outro, já que eles
são considerados solteiros; porém, a jurisprudência concedeu-lhes uma proteção específica
em planos diferentes.
Aos concubinos é lícito obter um Certificado de Coabitação, que permite ao
concubino beneficiar-se de certas vantagens sociais, tais como seguro social, aposentadoria
complementar, reduções em companhias áreas, dentre outras.
No que se refere ao direitos e deveres dos concubinos, segundo consta no
Código Civil Francês, em hipótese alguma a concubina poderá inserir o patronímio do
concubino em seus documentos, nem mesmo entitular seu uso.
O concubino não tem nenhuma obrigação de sustento, sendo que a Lei
deixou-a a critério do casal. No tocante à manutenção e educação dos filhos caberá a
obrigação ao casal.
A infidelidade não pode ser castigada pelo juiz, pela ausência de estado
legal.
Um concubino não é obrigado a saldar a dívida do outro, quando contraída
por apenas um deles, vez que não é solidariamente responsável.
38
No que se refere à ruptura do concubinato, o Código Civil Francês dispõe
que não há necessidade de avaliação pelo juiz, podendo ser exercida livremente a ruptura
de coabitação, vez que, pela natureza precária da relação, não se permite o pedido de
pensão, sendo que, desde 1993, o Tribunal de Cassação havia se posicionado pela negativa
do direito de pensão. No entanto, de acordo com o artigo 1382 do Código Civil Francês, só
é possível a reparação de dano, seja moral ou material, caso o concubino seja enganado
para o estabelecimento da relação ou na ruptura (como, por exemplo, na promessa de
matrimônio, no abuso de autoridade, etc.); neste caso, o lesado tem 10 (dez) anos para
ingressar com a ação, independente se se tratar de um concubinato simples ou adulterino.
Em caso de morte do concubino, o Código Civil Francês não reconhece o
concubino sobrevivente como herdeiro, não tendo direito à herança; entretanto, o
concubino poderá assegurar a proteção do outro, em caso de morte, através de doação ou
testamento da parte disponível, ou ainda através de um seguro de vida.
2.2.2 Espanha
No Direito Espanhol, as uniões extracanônicas, denominadas “la
barragania”, sob as formas de mariage par usus e concubinage, passaram por evolução do
ponto de vista do conceito e conteúdo, que se fez sentir entre os séculos XIII e XIV,
resultando na concepção de plena liberdade entre as partes.
39
A Constituição Espanhola, que foi ratificada por referendum de 58,9% da
população espanhola, entrou em vigor no dia 29 de dezembro de 1978, e se limita a afirmar
em seu artigo 39.1 que “los poderes públicos aseguran la protección social, econômica y
jurídica de la familia”, bem como no Título I, relativo aos direitos e deveres fundamentais,
a Constituição dispõe que “la familia es el elemento natural y fundamental de la sociedad y
tiene derecho a la protección de la sociedad y del Estado”.
Como regra geral, a Constituição Federal Espanhola dá um tratamento
especial à família fundada no matrimônio; porém o artigo 39.2 combinado com o artigo 32,
ambos da Constituição Federal Espanhola, contemplam a possibilidade da família
constituir-se fora do matrimônio, entre pessoas de sexo diferente, isto porque na Espanha
não existe a união estável legalizada.
Entretanto, a doutrina e a jurisprudência espanhola se encarregam da sua
conceituação, aplicando a lei com interpretação extensiva, desde que se configure como
uma união extraconjugal, que não seja contrária ao casamento constituído. A jurisprudência
também tem se baseado na teoria do enriquecimento ilícito para aplicar a divisão do
patrimônio entre os conviventes.
Como salienta Eduardo Estrada Alonso, tanto a doutrina como a
jurisprudência espanhola criaram figuras que servem para justificar o estabelecimento do
dever moral e social de assistência e socorro mútuo entre os companheiros, ainda que não
exigido legalmente.
40
Interessante salientar que através da interpretação do disposto no artigo 153
do Código Civil Espanhol, estabelecendo que “las disposiciones que preceden sus
aplicaciones a los demás casos en que por este Código, por testamento o por pacto, se
tenga derecho a alimentos, salvo lo pactuado, lo ordenado por el testador o lo dispuesto
por la ley para el caso especial de que se trata”, nada obsta que os companheiros pactuem
uma obrigação recíproca de alimentos, tanto durante o período de convivência, como após
seu término, devido à liberdade de pactuar estabelecida no Código Civil Espanhol.
O próprio Governo Espanhol admitiu que “la protección a los membros de
la familia no debe considerarse en un sentido estricto de prestaciones ligadas a toda la
unidad familiar, sino en un sentido amplio a cada uno de los miembros que la componen y
tiniendo en cuento que el modelo familiar no es innamovible, que está sujeto a cambios y
evolucción contínua”. Este, por sua vez, também anunciando sua intenção de equiparar o
matrimônio as uniones de hecho (uniões de fato), heterossexuais e homossexuais.
2.2.3 Portugal
O Direito Português atualmente contempla ao lado do casamento, a união
estável ou união de fato, vez que estas não haviam encontrado guarida na Constituição de
1933, justamente porque Portugal é um país tipicamente católico, com grande influência do
Direito Canônico.
41
O Código Civil Português prevê atualmente no seu artigo 1587 que o
casamento deve ser religioso ou civil; todavia, apesar de não haver regulamentação
específica, o atual Direito Português reconhece as união de fato sem fazer equiparação com
o casamento, sendo esta matéria tratada em diversos textos legais
11
, bem como na doutrina
e na jurisprudência.
De acordo com o Ilustre Diogo Leite de Campos,
a união de fato para ter a
atenção do Direito de Família deve ser more uxorio, semelhante à sociedade conjugal. A
união de fato não se equipara ao matrimônio, mas assume algumas das características dele.
Assim sendo, para que exista a união de fato, deve haver união entre pessoas
de sexos diferentes, de forma contínua, notória, com comunhão de vida, bem como o
consenso de ambos os conviventes, já que, segundo afirma o autor, "este consentimento
fixa, não só o início e o fim do concubinato, como também o seu conteúdo, o significado do
vínculo”.
O Código Civil Português, em seu artigo 1871, dispõe sobre a presunção de
paternidade da criança concebida durante a “comunhão duradoura de vida em condições
análogas às dos cônjuges ou concubinato duradouro entre a mãe e o pretenso pai”.
No tocante ao direito sucessório, o artigo 2020 do Código Civil Português
concede “àquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada
judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas
11
Decreto-lei n°191-B de 25 de junho de 197979, Lei n°46 de 20 de setembro de 1985 e no Decreto-lei
n°497 de 20 de setembro de 1988.
42
às dos cônjuges, o direito de exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter
nos termos das alíneas ‘a’ e ‘d’” do artigo 2009.
No âmbito do Direito Civil, à união de fato, reconheceu-se alguns efeitos,
quais sejam, de pleitear alimentos e a validade da doação feita entre companheiros quando
o casamento já esteja dissolvido ao menos de fato. No âmbito do direito público, houve
reconhecimento das férias e das licenças; no mais, merece destaque ainda no âmbito
lusitano a fragmentação das decisões jurisprudenciais no sentido de reconhecer uma
sociedade de fato, a propriedade condominial dos bens adquiridos com o produto do
esforço comum e a indenização por enriquecimento ilícito.
2.2.4 Itália
A Itália é um país extremamente católico, com grande apelo religioso na
formação da família e influência do Direito Canônico na formação do ordenamento
jurídico, especialmente no que tange à família. Assim sendo, as uniões extramatrimoniais
não devem se igualar, nem se sobrepor às relações fundadas no matrimônio.
Assim, no Direito Italiano, tanto a Constituição, como o Código Civil, não
tratam da família constituída pela união estável. Apesar da Constituição Italiana não
considerar expressamente a união estável como entidade familiar, a doutrina e a
jurisprudência admitiram-na, prevendo-lhe amplos efeitos, pelo fato de que o sistema
43
jurídico italiano considera que a sociedade de fato entre homem e mulher produz efeitos
jurídicos, uma vez que todas as formações sociais são protegidas.
Francesco Prosperi, em sua obra “La famiglia non fondata sul matrimonio”,
sustenta que a “famiglia di fatto” tem seu embasamento jurídico nos artigos 2º e 29, ambos
da Constituição Federal.
Assim reza o artigo 2º da Constituição Italiana: “La Repubblica reconosce e
garantisce i diritti inviolabili dell’uomo, sai come singolo sai nelle formazione sociali ore
si svolge la sua personalità, e richiede l’adempemento dei doveri inderogabili di
solidarietà politica, economica e sociale”.
Reza ainda o artigo 29 da Constituição Italiana: “La Repubblica reconosce i
diritti della famiglia come società naturale fondata sul matrimonio”.
Como se pode perceber, a lei italiana protege todas as formações sociais,
bem como a família natural, dentre as quais se pode inserir a família como sociedade de
caráter igualitário. Assim, a doutrina e a jurisprudência reconhecem a família de fato, por
aplicação analógica à legislação atinente ao matrimônio, quanto à comunhão de aqüestos,
salvo manifestação contrária das partes.
Salienta-se ainda que essa família de fato, de acordo com o artigo 269 do
Código Civil Italiano, também pode ser reconhecida para fins de investigação de
paternidade.
44
Importante ressaltar ainda que, diferentemente do casamento, não existe
direito à sucessão legítima, cabendo, entretanto, a aplicação das normas atinentes à
sucessão testamentária.
A Suprema Corte Italiana, em decisão de 1977, reconheceu a “famiglia di
fatto” como “comunidade na qual se realiza uma função de gratificação afetiva e de
solidariedade social, que corresponde com a função da família legítima e na qual se dá
vida a um processo de desenvolvimento da pessoa, derivando-se daí, conseqüentemente,
determinados efeitos jurídicos.”
Dessume-se, portanto, que embora não haja tratamento legislativo expresso
para a “famiglia di fatto”, há a proteção advinda por força da realidade social, na
interpretação construtiva da doutrina e da jurisprudência.
2.2.5 Escócia
A Escócia admite a união estável, denominada "casamento irregular", sem as
formalidades ou registro, desde que haja coabitação, com hábito e reputação (cohabitation
with habit repute).
Constituem requisitos para esse casamento irregular, portanto, a coabitação
(convivência como marido e mulher, não bastando meras relações sexuais, desde que seja
45
na Escócia e por período considerável), a reputação (conhecimento das partes como marido
e mulher no meio social) e a inexistência de impedimentos matrimoniais.
2.2.6 Suíça
Na Suíça, a união estável é apenas tolerada, sendo que em alguns Cantões
Suíços tem-se a repressão penal da união estável.
2.2.7 Inglaterra
Outrora havia o casamento “commow law”, sem qualquer cerimônia, onde
bastava a manifestação de vontade do casal de viver em comum, desde que não haja
impedimentos, todavia, este casamento não é considerado como uma união estável.
2.2.8 Alemanha
Anteriormente a Alemanha dividia-se em Alemanha Oriental e Alemanha
Ocidental; assim sendo, havia dois regimes legais diferentes. Na Alemanha Oriental, a
legislação assemelhava-se àquela dos países comunistas, onde não havia necessariamente o
casamento religioso e a união entre as pessoas gerava o mesmo vínculo.
Em 1974, houve uma lei de reforma do direito matrimonial e do direito de
família (Gesetzzur Reform des Ehe-und Familierecht), e, em 1975, houve uma reforma na
lei do divórcio.
46
O regime é semelhante ao regido no direito pátrio, já que também tem por
escopo a proteção da família (Institutsgarantie). A liberdade de “unir-se” ou não foi
reconhecida pela Corte Constitucional Federal, em 12 de maio de 1987 (2ª Câmara,
BverfGe 76, p.1). Antes disso, já se reconhecia o direito; todavia, fora a primeira vez em
que a Corte Constitucional Federal manifestou-se sobre o referido tema.
Em 31 de outubro de 1990 foi assinado um tratado de unificação, que entrou
em vigor no dia 01 de janeiro de 1992, acolhendo os dois regimes anteriores, especialmente
para efeitos de filiação, patrimoniais e previdenciários.
Ocorreram algumas reformas, dentre elas:
a) Quanto aos filhos, por interpretação ao §1.618, do BGB, já em 23 de
outubro de 1958, a Corte Constitucional Federal (1ª Câmara, BverfGe 8, p. 216), decidiu
que não poderia haver distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, tidos dentro ou fora do
casamento, de pessoas casadas ou não;
b) O patrimônio é dividido de acordo com aquilo que foi obtido durante a
união.
O Parlamento, no início de 2001, aprovou uma nova lei favorecendo a união
civil entre pessoas do mesmo sexo, após dois anos de batalha jurídica devido à forte
oposição dos Estados Conservadores
12
, sendo que o Tribunal Alemão, da Corte
Constitucional de Karlsruhe, em 18 de julho de 2001, permitiu o casamento de
12
O Estado da Baviera é de tradição católica, enquanto os Estados da Saxônia e da Turíngia possuem tradição
protestante.
47
homossexuais no país. A decisão, que teve cinco votos a favor e três contra, permite a
realização do casamento homossexual, denominado de “parceria registrada”, enquanto a
Corte não julgar se a lei fere ou não a Constituição.
Assim sendo, com a nova lei que entrou em vigor no dia 01 de agosto de
2001, é lícito aos casais homossexuais registrarem suas relações em cartórios; com isso,
eles terão o direito de adotar o patronímio do parceiro, de ser reconhecido como herdeiro
legítimo, além de permitir ao parceiro estrangeiro a residência alemã. Entretanto, há
algumas restrições, tais como a proibição de adotar filhos, bem como a proibição de
usufruir dos mesmos benefícios fiscais dados aos casais heterossexuais.
2.2.9 União Soviética
Com a promulgação do Código do Matrimônio, de Família e de Tutela de
1926, o Direito Soviético disciplinou não apenas o casamento de fato, como também o
divórcio de fato, sendo que estes mesmo desvinculados de quaisquer formalidades,
possuíam os mesmos efeitos dos atos jurídicos regularmente celebrados.
Com efeito, na extinta URSS, na década de 1930, em sua legislação referente
ao direito de família, por meio de Código próprio, desvinculava-se o matrimônio da família,
sendo aquele mera alternativa de existência desta.
48
Interessante salientar que o sistema adotado em 1994 manteve a mesma
regra, conferindo efeitos jurídicos ao casamento de fato, disciplinando os direitos
patrimoniais e alimentares, bem como a facilitação para conversão em casamento
registrado.
Na Rússia, hoje em dia, a proteção estatal dada às uniões livres, também
denominadas casamento de fato é explícita, sendo disciplinada não apenas pelo Código de
Família, bem como pelo incentivo legal no sentido de convertê-las em casamento
registrado, vez que estas uniões, ainda que não registradas em cartório, produzem efeitos
jurídicos.
49
2.3 ÁSIA
2.3.1 Japão
Na era Meiji
13
, a “concubinage” era tratada no Japão como um estado de
coabitação onde faltavam as sanções do matrimônio. Nesta época, a “concubinage” era
socialmente aceitável, sendo considerado como símbolo de riqueza.
Neste período era bastante comum um pai pobre vender uma das filhas a um
homem rico para adquirir dinheiro, com o escopo de sustentar o restante da família. Esta
filha vendida, por sua vez, tornava-se “concubinage” do homem rico, sendo agravante a
situação porque a mulher possui um papel secundário ao do homem na sociedade daquela
época; sendo assim, ela era mantida em apartamentos ou casas separadas, para servir ao
homem.
No entanto, como o Código Civil da Era Meiji adotou a legalmente a
monogamia, estabeleceu-se uma punição severa para esse procedimento.
Com isso, hoje em dia no Japão, o costume não mais permite aos homens e
mulheres respeitáveis associarem-se de maneira amigável. Com efeito, as mulheres tidas
como concubinas nessa sociedade possuem os mais baixos lugares na família e na
sociedade, ou seja, elas são discriminadas.
13
Nome adotado por Mutsuhito (1852 a 1912), imperador japonês a partir de 1867, no período de
industrialização e modernização do país.
50
2.4 OCEANIA
2.4.1 Austrália
Na Austrália, a Lei de 1975 sobre as relações familiares cria a categoria de
“esposos putativos”, na qual se incluem as pessoas que tenham coabitado sem interrupção,
fora do matrimônio, durante pelo menos cinco anos, situando-as no mesmo plano das
casadas.
51
2.5 AMÉRICA LATINA
Quanto à América Latina, podemos ressaltar que a maioria dos países que a
compõem reconhece juridicamente a existência da união estável, seja através de legislação
própria, seja por intermédio de construção doutrinária e jurisprudencial.
2.5.1 Cuba
A antiga Constituição cubana de 1940 simplesmente equiparou a união
livre
14
ao casamento civil, sendo os tribunais competentes para tal fim, ou seja, a legislação
cubana reconhecia efeitos a certas relações extramatrimoniais admitindo a existência dessas
uniões como família; no entanto, exigia que esta união pura fosse reconhecida por um
tribunal competente para que fosse possível surtir os mesmos efeitos do casamento formal.
O Código de Família Cubano de 1975, em seu artigo 18, estabelece que: “la
existencia de la unión entre un hombre y una mujer con aptitud legal para contraerla y que
reúna los requisitos de singularidad, surtirá todos los efectos del matrimonio formalizado
legalmente cuando fuere reconocida por tribunal competente”.
Desta forma, o Código de Família Cubano denominou de “matrimônio não
formalizado” para identificar os relações extramatrimoniais, exigindo, para a produção de
efeitos previstos em Lei, o preenchimento dos requisitos constantes na Lei, tais como
14
A legislação cubana apenas reconhece a união estável, para que possa produzir efeitos jurídicos.
52
estabilidade e singularidade, sendo os seus efeitos ex tunc, ou seja, retroativos à data da
formação da união livre.
Portanto, em Cuba, a união livre possui os mesmos efeitos do casamento
formal, contanto que aquele seja registrado.
2.5.2 Panamá
A Legislação Panamenha de 1956 convertia a união livre, com mais de 10
(dez) anos de duração, em matrimônio, depois de um pequeno trâmite por meio do qual
inscrevia-se o “peculiar matrimônio” no registro civil, com todas as conseqüências jurídicas
do matrimônio civil.
No entanto, hoje no Panamá, a união livre é equiparada ao casamento civil,
desde que observados os seguintes requisitos:
a) inexistência de impedimento matrimonial;
b) duração mínima de 05 (cinco) anos; e
c) estabilidade e singularidade da relação.
De acordo com Luís Cordero, no Panamá existem três classes de casamento:
o civil, o religioso e o de fato. E acrescenta ainda o autor: “la ley habla indistintamente de
‘unión de hecho’ y ‘matrimonio de hecho’. La define así: La unión de hecho entre personas
53
legalmente capacitadas para contraer matrimonio, matenida durante cinco años
consectivos, en condiciones de singularidade y estabilidad surtirá todos los efectos del
matrimonio civil. Para este fin bastará que las partes interessadas soliciten conjuntamente
al Registro Civil la inscripción del matrimonio de hecho”.
Interessante salientar que os conviventes no Panamá também podem
requerer a inscrição do matrimônio de fato no Registro Civil, após o prazo de cinco anos,
para que produza efeitos, tais como o do matrimônio.
2.5.3 México
O México incluiu a concubina na ordem da vocação hereditária no Código
Civil de 1928, para Distrito e Territórios Federais, dispondo em seu artigo 1635 que: “a
mulher que viveu (sob o mesmo teto) com o autor da herança, como se fosse seu marido,
durante 05 (cinco) anos, imediatamente antes da morte desse companheiro, ou com ele teve
filhos, desde que livres para o matrimônio, durante o concubinato, tem direito de herdar,
todavia, se ao morrer o concubino tinha várias concubinas, nenhuma delas terá direito
sucessório, de forma a preservar a moralidade e a fidelidade”.
Salienta-se ainda que, da mesma forma como se estabelece no matrimônio,
há presunção de paternidade quanto aos filhos na constância concubinária.
54
Desta forma, podemos notar que a legislação mexicana iguala a união
concubinária ao casamento, sendo apenas não formalizada pela celebração oficial, desde
cumpridos os requisitos estabelecidos na lei, para que possa produzir efeitos.
Já no Código Civil do Estado Mexicano de Morelos, reconhece-se o direito à
percepção de alimentos pela concubina, desde que sua união tenha durado por 05 (cinco)
anos e sendo e os concubinos sejam solteiros.
No Código Familiar do Estado Mexicano de Hidalgo, conceitua-se união
livre, em seu artigo 146, a “ união de um homem e uma mulher livres do matrimônio, que
durante mais de cinco anos, de maneira pacífica, pública, contínua e permanente, sem ter
impedimento para contrair matrimônio, fazem vida em comum como se estivessem casados,
e com obrigação de prestar-se alimentos mutuamente”.
O artigo 148 do Código Familiar do Estado Mexicano de Hidalgo dispõe que
a concubina só tem direito a usar o apelido do concubino quando seus filhos portarem o
nome de ambos os conviventes”.
Já o artigo 149 do Código Familiar do Estado Mexicano de Hidalgo trata da
dissolução do concubinato, sendo que autoriza os concubinos a pleitear alimentos,
mutuamente, perante o juiz de família, que os fixará de acordo com o patrimônio e as
condições de trabalho de ambos.
55
Com isso, podemos concluir que no México as relações concubinárias são
protegidas e possuem direitos como no casamento, afastando as relações adulterinas, bem
como as relações amorais.
2.5.4 Guatemala
Na Guatemala, as uniões de fato foram reconhecidas na Constituição de
1945. Posteriormente, o ordenamento jurídico estabeleceu no artigo 173, do Código Civil
de 1963, em conformidade com a Constituição supra citada, que “se equiparan al
matrimonio la unión de hecho que haya durado tres años, y que haya sido instaurada por
personas sin impedimentos legales para contraerla, y exige que la ley civil la regule”.
Assim sendo, a união deve ter, no mínimo, três anos de duração e inscrição
civil, para que comece a produzir efeitos jurídicos. Neste caso, a união de fato terá os
mesmos efeitos do casamento, podendo sua dissolução ser realizada nos mesmos moldes do
casamento.
Interessante notar que na Guatemala existe a possibilidade de constituição de
várias uniões de fato, contanto que haja sido dissolvida a anterior; caso contrário, apenas
terá validade o registro da união mais antiga.
Salienta-se ainda que o regime de bens da união de fato é o da comunhão
parcial, ou seja, consideram-se comum os bens adquiridos durante a convivência.
56
2.5.5 Honduras
A Constituição de 1957 de Honduras reconhece o casamento de fato entre as
pessoas que estão legalmente capacitadas a se casarem, delegando à legislação ordinária a
regulamentação das condições sob as quais tal união deve surtir efeitos.
2.5.6 Venezuela
Já na Venezuela, na fase do direito colonial, algumas relações de
amancebiamento eram consideradas ilícitas e quase sempre reprimidas penalmente. Esta
situação perdurou durante toda a fase de Guerra da Independência e as décadas que a
seguiram.
A partir da fase de codificação, com o Código Civil de 1862, houve uma
regulamentação quanto aos filhos nascidos fora do casamento. O Código Civil de 1942, em
seu artigo 767, no que tange ao aspecto não patrimonial dessa união permanente, sendo esta
união concubinária a forma mais simples de casamento, mostra-se com as seguintes
condições:
a) união entre pessoas de sexo diferente;
b) relações sexuais;
c) aparente fidelidade da mulher;
d) notoriedade ou publicidade da comunhão de vida e de sua permanência;
57
e) comunhão de habitação e de vida;
f) ausência das formalidades do matrimônio;
g) capacidade legal dos concubinos para contrair matrimônio;
h) posse de estado de filhos.
Assim sendo, coube à doutrina e à jurisprudência venezuelanas dar o
alcance, introduzindo uma comunhão patrimonial entre os concubinos, podendo a mulher
reclamar participação da metade do acervo de bens adquiridos conjuntamente, desde que
tenha havido contribuição para tanto.
2.5.7 Bolívia
A Magna Carta Boliviana de 1945, em seu artigo 21, trata a união estável
como casamento diferente do civil, chamando-a de casamento de fato, que começa a
produzir efeitos depois de dois anos de duração, desde preenchidos os requisitos próprios
do casamento, sem a presença de impedimentos matrimoniais. Já o artigo 182 igualou em
efeitos o concubinato ao casamento.
Assim dispõe o artigo 182 da Constituição Boliviana: “Las reuniones libres
o concubinales que sean estables y singulares producirán efectos similares al matrimonio
tanto en las realciones personales y patrimoniales de los conviventes cuanto a respecto a
los hijos”.
58
O Código de Família Boliviano de 1972 admite a existência de família
formada por uniões extramatrimoniais entre um homem e uma mulher, desimpedidos,
estabelecendo direitos e deveres recíprocos. São considerados deveres recíprocos para a
legislação boliviana a fidelidade, a assistência mútua e a cooperação.
Este mesmo código dispõe ainda que o regime de bens será determinado pela
divisão dos bens obtidos de acordo com o trabalho pessoal ou esforço comum. Ele ainda
possibilita o pedido de pensão alimentícia, no caso de ruptura unilateral, quando inexistir
culpa.
No que tange à sucessão, o Código dispõe que o convivente sobrevivente
ocupará o mesmo nível dos filhos.
2.5.8 PERU
No Peru, desde antes da sua conquista, praticou-se uma espécie de “união
antecipada”, tendo por objetivo o conhecimento recíproco das aptidões e qualidades dos
pretendentes.
Com a evolução dos tempos, surgiu um sistema parecido com o
reconhecimento, mas assegurando alguns direitos como os de indenização e alimentos,
todavia, a Constituição Peruana de 1979 estabeleceu, em seu artigo 9º, que a lei deveria
estabelecer o tempo e as condições para o reconhecimento da união de fato. Por isso, o
59
artigo 326 do Código Civil Peruano de 1984
15
estabeleceu que: “la unión de hecho
voluntariamente realizada y mantenida por un varón y una mujer, libres de impedimento
matrimonial, para alcanzar finalidades y cumplir deberes semejantes a los del matrimonio
origina una sociedad de bienes que se sujeta al régimen de la sociedad de gananciales, en
cuanto le fuere aplicable, siempre que dicha unión haya durado por lo menos dos años
continuos”.
Desta forma, o Código Civil Peruano concedeu alguns efeitos a essas uniões,
tais como a presunção de paternidade, o direito de alimentos ou indenização por danos
morais por promessa de casamento comprovada; no entanto, não estabeleceu o direito
hereditário aos companheiros, apenas permitindo o benefício da sucessão testamentária
como legatários, conforme prevê na lei das sucessões.
Já a Constituição Peruana de 1993 tratou da união estável, reconhecendo-a
como a união entre um homem e uma mulher, desimpedidos, que vivam em comunhão de
vida, sujeitos ao regime da comunhão dos aqüestos.
2.5.9 Paraguai
A legislação paraguaia prevê a união estável no seu Código Civil, sendo que
o texto Constitucional de 1992, em seu artigo 51, dispõe que “Las uniones de hecho entre el
hombre y la mujer, sin impedimentos legales para contraer matrimonio, que reúnan las
15
“la uniones de hecho en el derecho canonico el caso peruano”, in: Revista de Direito Civil, nº69, p.90.
60
condiciones de estabilidad y singularidad, producen efectos similares al matrimonio,
dentro de las condiciones que estabeleza la ley”, ou seja, este artigo equiparou as uniões de
fato ao casamento.
O Código Civil Paraguaio dispõe em seu artigo 217, que: “La unión
extramatrimonial, pública y estable, entre personas con capacidad para contraer
matrimonio, producirá los efectos jurídicos previstos en este capítulo”.
O Código Civil Paraguaio prevê ainda em seus artigos 90 a 94, que há
obrigação alimentar e indenização por morte entre os companheiros, se a união perdurar
mais de 4 (quatro) anos.
Com efeito, para a caracterização da união estável torna-se necessário o
preenchimento dos requisitos previstos na legislação paraguaia, a saber:
a) união heterossexual, ou seja, entre um homem e uma mulher;
b) união estável, pública e singular entre os conviventes;
c) capacidade para contrair matrimônio; e
d) ausência de impedimentos legais para contrair matrimônio.
Salienta-se ainda que a legislação civil paraguaia estabeleceu que, após 10
(dez) anos de união, as partes podem requerer a inscrição dessa união perante um Juiz de
Paz ou outro encarregado do Registro Civil, para que seja feito o registro, sendo que, com
este registro, a união estável será equiparada ao casamento em todos os seus efeitos.
61
2.5.10 Uruguai
A legislação uruguaia não dispõe de forma clara sobre o assunto, ficando a
cargo da doutrina e da jurisprudência dirimir dúvidas e dar soluções sobre os litígios
envolvendo a união estável.
2.5.11 Chile
O Chile não reconhece efeitos à união estável como entidade familiar, sendo
que apenas reconhece a existência de uma sociedade de fato com participação conjunta do
patrimônio.
2.5.12 Argentina
Na Argentina, a união estável não foi reconhecida legalmente, sendo esta
tratada como concubinato, sendo que ficou a cargo da doutrina e da jurisprudência tratar da
matéria, exigindo a presença de certos requisitos, quais sejam coabitação, publicidade,
singularidade e estabilidade.
Na Legislação Civil Argentina não há extensão dos efeitos próprios do
Direito de Família para a união estável, não existindo obrigação alimentar, nem direito à
sucessão legítima; todavia, para que seja possível surtir efeitos no mundo jurídico, esta
62
união deve ser reconhecida como sociedade de fato, e é necessário que haja contribuição
pessoal efetiva de cada um dos companheiros na formação do patrimônio comum, não se
incluindo como contribuição o trabalho doméstico, além de preencher aqueles requisitos
supra citados.
Em contrapartida, o artigo 248 da Lei de Contrato de Trabalho concede
direito à indenização por morte do companheiro em trabalho, desde que a união de fato
tenha durado pelo menos 2 (dois) anos, ou se separado de fato do antigo casamento, tenha
união durado mais de 5 (cinco) anos.
No que tange .a legislação da seguridade social, há possibilidade de pensão
ao companheiro ou companheira, desde que não haja impedimentos matrimoniais e que
tenham permanecido em união estável por mais de 5 (cinco) anos, ou por 2 (dois) anos se
da união houver filhos.
2.5.13 Colômbia
A Colômbia reconhece a existência da união estável, caso haja comunidade
de vida permanente e singular entre um homem e uma mulher não casados, pelo lapso
temporal de no mínimo 02 (dois) anos, e, se casados ou impedidos legalmente para o
matrimônio, desde que convivam pelo tempo mínimo estabelecido de 02 (dois) anos, desde
que a primeira sociedade conjugal tenha sido dissolvida pelo menos 01 (um) ano antes da
data de início da união estável.
63
CAPÍTULO III
64
UNIÃO ESTÁVEL NO BRASIL
3.1 Evolução Histórica
Quando da descoberta do Brasil, o direito português regia-se pelas
Ordenações Manuelinas e, logo depois, pelas Ordenações Filipinas que disciplinaram toda a
Península Ibérica e com ela, as colônias espanholas e portuguesas, dentre estas, o Brasil.
Em Portugal, como anota Arnoldo Wald
16
, o alvará de 12 de setembro de
1564 publicou e mandou observar as disposições do Concílio de Trento em todos os
domínios da Monarquia Portuguesa.
Em 1603, as Ordenações Filipinas, que foram editadas por Felipe II de
Espanha e I de Portugal, também incluíram as normas do Concílio de Trento, para
disciplinar legislativamente as suas colônias.
A questão das relações extramatrimoniais no Brasil apresentava-se de forma
repressiva, devido à influência portuguesa de regras rígidas quanto à família, bem como à
posição contrária adotada pela Igreja Católica.
No Brasil, consoante o Título 46, § 2º, do Livro IV e Título 26, §1º, do Livro
V das Ordenações Filipinas, previu-se o reconhecimento do concubinato, desde que
houvesse a união de pessoas “vivendo em forma de marido e mulher, com mesa e leito
16
Direito de Família, 11ª ed. São Paulo: RT, 1998.
65
comuns, por tais havidos por toda a vizinhança e vila. Salienta-se ainda que, nesta mesma
época, segundo nos conta Edgard de Moura Bittencourt, os tribunais chegaram a presumir o
matrimônio entre os concubinos.
No Brasil, a Lei de 20 de outubro de 1823, manteve em vigor a legislação
portuguesa, consubstanciada nas Ordenações, enquanto não se organizasse um novo
código, revogando ou alterando tais disposições.
No Brasil, o casamento religioso era única forma de constituição de família,
e, somente após o advento da Lei nº1144, de 11 de setembro de 1861, que o poder da Igreja
deixou de ser absoluto, de forma a dar validade aos casamentos realizados em outras
religiões.
Para os católicos, o único casamento válido era o religioso, o que explica a
influência da Igreja sobre as normas de direito de família, em especial àquelas concernentes
ao casamento.
Segundo Maria Helena Diniz
17
, “...a família brasileira deixa de ser
patriarcal e passa a se basear na afetividade.” E continua: “... às razões de cunho
estritamente pessoais, somadas às condições sociais econômicas, a fuga da
responsabilidade, propiciavam a formação de um terreno profícuo ao surgimento de uniões
livres, ou como queiram outros, uniões de fato, designando tecnicamente de concubinato.”
17
Seminário “A união estável e seu regime jurídico”, realizado no Instituto de Direito Privado.
66
A legislação do Império manteve, pois, na regulamentação do casamento dos
acatólicos, a técnica jurídica do direito canônico, inspirada nas decisões do Concílio de
Trento.
Com a Proclamação da República, houve uma ruptura entre o Estado e a
Igreja, de forma que a Constituição Republicana de 1891, estabeleceu em seu artigo 72, §4º
que o único casamento que seria reconhecido era o civil, devendo sua celebração ser
gratuita.
Como nos ensina Maria Luiza Pereira Alencar, no Brasil, a legislação civil
codificada reflete o pensamento da burguesia agrária cafeeira que detinha o poder político e
econômico e manipulava a política nacional, sob a influência do direito canônico na
formação da religião, dos valores e da moral, na formação dos vínculos familiares e na
adoção das soluções legislativas.
Com esse engessamento das relações familiares, todas as formações de
família que fossem contrárias aos moldes ditados pelo Estado, concomitantemente com a
Igreja, eram estigmatizadas, marginalizadas.
Assim, muito embora as uniões de fato fossem freqüentes nesta época, o
Código Civil de 1916 apenas tratou a união de fato, seja na pessoa da companheira, seja na
pessoa dos filhos desta, com o propósito de dificultar-lhes, ou mesmo, vetar-lhes os
direitos. Podemos citar como exemplo alguns artigos do Código Civil, que exprimem tal
afirmação:
67
o art. 1.177 proíbe a doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice;
o art. 248, IV, legitima a mulher casada e os herdeiros (art. 178, § 7º, VI)
para reivindicar os bens comuns doados ou transferidos à concubina, num prazo
prescricional de dois anos após a dissolução da sociedade conjugal (CC, art. 178, § 7º, VI);
o art. 1.474 proíbe a instituição de concubina como beneficiária do
contrato de seguro de vida (salvo se o amante for separado de fato ou não for casado);
o art. 1.719 impede que a concubina seja nomeada herdeira ou legatária
do testador casado, ou o concubino de testadora casada;
o art. 358, revogado pela lei 7.841/89, não permitia o reconhecimento
dos filhos havidos de relações incestuosas ou adulterinas.
Do Código Civil até a promulgação da Constituição Federal de 1988, como
forma de amenizar as desigualdades e injustiças estabelecidas entre o casamento e as uniões
de fato, foram criadas várias Leis, que aos poucos foram dando alguns direito a
companheira, e, paralelamente a essas leis, a jurisprudência criou diversas teorias, como
forma de impedir o enriquecimento sem causa, bem como foi estabelecendo outro direitos
em situações onde as leis eram omissas, tendo em vista a necessidade de se estender direito
a quem realmente necessitava.
A Constituição Federal de 1988 deu nova roupagem ao Direito de Família,
retirando do casamento a exclusividade de modelo de constituição de família, estendendo
sua caracterização às uniões estáveis formadas por homem e mulher, sem as formalidades
do casamento, e, também, às famílias monoparentais, ou seja, aquelas famílias formadas
por qualquer dos pais com seus descendentes.
68
O reconhecimento dos direitos advindos da união estável foi paulatinamente
sendo abrandado pela doutrina e pela jurisprudência, consubstanciado com o advento da
Lei nº8971/94 e da Lei nº9278/96, e, hoje, com o advento da Lei n°10.406, de 10 de janeiro
de 2001, digo, o Novo Código Civil, regulou-se os direitos e deveres do companheiros,
alimentos, sucessão e patrimônio, fazendo com que os companheiros possam gozar de
direitos até então restritos pela falta de regulamentação, deixando de ser uma mera união de
fato, para se tornar uma entidade familiar.
Assim sendo, hoje, segundo Giselda Maria Fernandes Novaes, o modelo de
família que prevalece é o eudemonista, ou seja, aquele pelo qual cada um busca na própria
família, ou por meio dela, a sua própria realização, seu próprio bem-estar.
69
3.2. TEORIAS DE JUSTIFICAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL
Das relações de companheirismo entre si, surgem pretensões, que outrora
estavam desamparadas pela legislação pátria. Com isso, fez-se exsurgir diversas teorias de
amparo à companheira, como forma de fundamentar a solução compatível com a realidade
social.
Assim sendo, devido à necessidade de compor com justiça os prejuízos
sofridos, a jurisprudência se assentou nessas teorias. Os julgados invocam os princípios
consagrados pelo Direito, bem como a vedação do enriquecimento sem causa, como forma
a solucionar os litígios que envolviam uniões destituídas das formalidades do matrimônio,
que não eram amparadas pelo direito pátrio.
3.2.1 Teoria da Finalidade Social
A teoria da finalidade social encontra respaldo jurídico na regra contida no
artigo 5º da Lei de Introdução do Código Civil que estabelece:
Art. 5° da LICC - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a
que ela se dirige e às exigências do bem comum. (Grifo Nosso)
Entretanto, os subsídios são extraídos do artigo 4º da Lei de Introdução do
Código Civil, que assim dispõe:
70
Art. 4 da LICC - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo
com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. (Grifo Nosso)
Assim, essa teoria faz analogia entre o casamento legalmente celebrado e a
união estável, com o intuito de constituir uma comunhão de vida e interesses, sem que se
tenha, entretanto, preenchido as formalidades legais.
O Supremo Tribunal Federal
18
, em 29 de julho de 1958, foi quem equiparou
a companheira à esposa legítima, julgando procedente a ação de indenização contra a
empresa de transporte, pela morte do companheiro, com fulcro, exclusivamente no artigo 5º
da Lei de Introdução do Código Civil.
Justifica-se tal teoria diante da evolução processada no direito de família,
devido o surgimento e preservação das famílias naturais, que estão sob proteção do Estado.
3.2.2 Teoria da Sociedade de Fato
Esta teoria nasceu, segundo nos ensina Edgar de Moura Bittencourt, na
dissertação de Hémard, como reação da vida contra os rigores das regras do direito
positivo. E coube à jurisprudência colocá-la de acordo com os fatos, com base na lei.
71
Assim as sociedades de fato e as irregulares coincidem com as de proteção à
companheira lesada, daí sendo possível, após a dissolução da vida em comum, de forma
prolongada e estável, de partilhar os haveres, que foram adquiridos com a colaboração
comum.
Esta teoria foi consagrada pelo Supremo Tribunal Federal, através da
Súmula nº380, que assim determina: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre
os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido
pelo esforço comum”.
3.2.3 Teoria da Comunhão – Indivisão
Na aquisição dos bens, na vida em comum, forma-se o patrimônio comum,
que conduz a um estado de comunhão de bens, também chamado de co-propriedade, onde
os conviventes tornam-se proprietários dos bens comuns, surgindo assim um regime de
indivisão. Assim sendo, na dissolução dessa convivência, justo se torna a divisão do
patrimônio comum, considerando a participação do companheiro na aquisição do acervo de
bens durante a união como causa de comunhão.
Esta teoria foi acolhida pelos tribunais brasileiros, onde o argumento da
cooperação não exige prova de participação direta na atividade econômica do companheiro.
18
Edgard de Moura Bittencourt, O Concubinato no Direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: ED. JURÍDICA E
72
3.2.4 Teoria da Prestação de Serviço
De acordo com esta teoria, o companheiro faria jus à indenização da
correspondente prestação de serviços, por não existir uma participação efetiva na formação
do acervo comum, ou ainda por inexistir uma sociedade de fato, impossibilitando qualquer
partilha à companheira.
3.2.5 Teoria do Enriquecimento sem causa
Esta teoria toma por base a ação de ressarcimento, denominada de ação in
rem verso, bem como o fato de que a ninguém é lícito locupletar-se com prejuízo alheio,
também chamada de enriquecimento sem causa. Assim, em caso de dissolução da relação
de convivência, mister é que haja a divisão do patrimônio comum.
Esta teoria foi acolhida pelo Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo, por
Acórdão de 14 de julho de 1961, relatado pelo Juiz Lafayette Salles.
3.2.6 Teoria da Culpa Comum
Por essa teoria, o grave dano resultante da dissolução, por vontade exclusiva
de um dos sujeitos, nas relações de convivência, pode determinar uma indenização, como
UNIVERSITÁRIA, 1969. v. 1. p. 314
73
forma de reparação ao outro concubino lesado. Assim, consoante o artigo 159 do Código
Civil de 1916, aqueles que praticarem atos culposos, violando direito ou causando prejuízo
a outrem, ficam obrigados a reparar o dano.
Essa teoria foi acolhida pelo 4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, por Acórdão de 22 de abril de 1960, relatado pelo Desembargador
Edgard de Moura Bittencout.
3.2.7 Teoria da Obrigação Natural.
Esta teoria toma por base a obrigação natural, que, neste contexto, deve ser
entendida como aquelas obrigações assumidas por dever moral ou de consciência.
As obrigações naturais não dão ensejo a um dever jurídico, salvo quando a
lei expressamente dispuser nesse sentido; no entanto, de acordo com essa teoria, se o
companheiro reconhece e assume uma obrigação como dever de consciência, passando a
cumpri-la, não poderá suspendê-la, sem que haja uma razão plausível.
Por essa razão, justifica-se a obrigação de assegurar o futuro da
companheira, após a dissolução da relação de convivência, através de prestações de caráter
alimentar.
74
3.3. UNIÃO ESTÁVEL NAS CONSTITUIÇÕES
Na época imperial, as leis brasileiras seguiam as Ordenações de Portugal,
que já se colocavam contrárias às relações de convivência, as quais eram igualadas à
mancebia, devido à influência dos ensinamentos católicos.
A primeira Constituição brasileira, também denominada Carta do Império,
foi fruto dos exemplos constitucionais outrora ocorridos, verbi gratia, nos Estados Unidos
da América em 1776 e na França em 1792
19
, cujo texto foi promulgado no terceiro ano da
independência e do império, aos 25 de março de 1824, após ser oferecida e jurada por Sua
Majestade, o Imperador, D. Pedro I, por graça de Deus e aclamação do povos. Esta, por sua
vez, possuía 179 artigos, tendo o último tratado das Garantias dos Direitos Civis e Políticos
dos Cidadãos Brasileiros; entretanto, seguindo o espírito da época, esta Constituição não
fez menção à família.
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 foi
originada por uma Assembléia Nacional Constituinte, eleita no dia 15 de novembro de
1890, na forma do Decreto 78-B, de 12 de dezembro de 1889, sendo certo que esta primeira
Constituição Republicana tomou por modelo a Constituição norte-americana; dessa forma,
o Brasil mudou sua Forma de Governo para República, mudou sua Forma de Estado para
Federal e mudou também seu Sistema de Governo para Presidencialista. Com a separação
entre o Estado e a Igreja, surgiu o Decreto 181, de 24 de janeiro de 1890, quando então
passou a vigorar no Brasil o casamento civil, como o único meio de constituição de família.
19
José Cretella Jr. Elementos de Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo: RT, 2000. p. 28.
75
Apesar disso, a Constituição de 1891, também não fez referência sobre a família, sendo que
apenas o parágrafo 4º, do artigo 72, dispôs que: “A República só reconhece o casamento
civil, cuja celebração será gratuita”.
Nesse passo, desconsiderando a realidade do cotidiano brasileiro, instituiu-se
o matrimônio como a única fonte geradora da família, fazendo com que as outras situações
de fato, como por exemplo, a união não matrimonializada de pessoas de sexo diferentes,
freqüentes desde o período colonial, e a família monoparental, permanecessem à margem
da lei, destituídas de proteção estatal, vez que não eram reconhecidas pelo ordenamento
jurídico.
Já em 1929, vigia a política do café com leite
20
. Estava terminando o
mandato do paulista, e, então seria a vez de Minas Gerais escolher o presidente; entretanto,
o Presidente Washington Luís Pereira de Souza, então Presidente da República, resolveu
apoiar outro paulista, Júlio Prestes, o que fez com que houvesse, no Estado de Minas
Gerais, em 1930, revoltas e, com o apoio dos Estados do Rio Grande do Sul e da Paraíba,
estourasse um movimento revolucionário, liderado por Getúlio Vargas, que rapidamente se
alastrou por todo o território nacional. Este, por sua vez, após depor o então Presidente da
República, Washington Luís Pereira de Souza, em 24 de outubro de 1930, assumiu a
direção do país, por intermédio da Junta Governativa integrada pelos Generais Tasso
Fragoso, Mesa Barreto e o Contra-Almirante Isaías de Noronha. No dia 03 de novembro de
1930, a Junta Governativa transmite o Governo da República ao Dr. Getúlio Vargas, chefe
da revolução vitoriosa e, em 16 de julho de 1934 foi promulgada a terceira Constituição do
Brasil, também elaborada por uma Assembléia Constituinte, contendo um total de 187
76
artigos. Esta, ao seu tempo, dedica um capítulo à família, nos artigos 144 a 147, sendo
reconhecida apenas a família legítima, ou seja, a família constituída pelo casamento, sendo
este indissolúvel. Pela primeira vez, o Estado dá proteção especial à família. Houve um
avanço no tocante ao reconhecimento de filhos, já que foi permitido o reconhecimento de
filhos naturais, desde que não adulterinos.
No dia 10 de novembro de 1937, a população brasileira estremeceu com o
inesperado golpe de Estado, sob a justificativa de que a paz política e social estava
seriamente conturbada, como também que o País estava à beira da guerra civil e, ainda, o
temor de que o país fosse tragado pelo comunismo, exigiam tais medidas. Desta sorte,
Getúlio Vargas, apoiado pelas forças armadas, Exército e Marinha, apodera-se do poder,
fecha o Congresso Nacional e passa a governar por meio de decretos-leis. Com efeito,
Getúlio Vargas outorgou uma nova Constituição, a Carta de 1937, redigida apressadamente
pelo Ministro da Justiça Francisco Campos, e tendo sido anunciada pelo rádio para todo
país. A Constituição de 1937, repetindo o disposto da Constituição de 1934, restringe-se ao
reconhecimento apenas da família legítima; houve também um equiparação de direitos dos
filhos naturais aos legítimos, bem como o dever dos pais à educação dos filhos. O Estado,
como Estado social, começa a se preocupar com a infância e a juventude.
Em 1945, o então Presidente Getúlio Vargas foi deposto; desta forma,
assumiu a Presidência da República o Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro
José Linhares. Este por sua vez, editou a Lei Constitucional 15, de 26 de novembro de1945,
determinando que enquanto não fosse promulgada a Nova Constituição, o Presidente da
República, eleito concomitantemente com os Deputados e Senadores, exerceria todos os
20
Alternava-se no poder um Presidente Paulista e um Presidente Mineiro.
77
poderes da legislatura ordinária e de administração que coubessem à União. Realizadas as
eleições, sagrou-se vencedor o partido PSD, enlevando a Presidente da República, o
Marechal Dutra, sendo que este convocou uma Assembléia Constituinte, para elaborar
outra Constituição. Assim, em 18 de setembro de 1946, nasce a quinta Constituição
Brasileira, que foi elaborada por uma Assembléia Constituinte; todavia, esta manteve nos
seus artigos 163 a 165, o tratamento exclusivo da família legítima, com preocupação
especial ao casamento indissolúvel. Mais uma vez, o Estado dá assistência à maternidade, à
infância e à juventude.
Em 1960, por intermédio de uma carta levada pelo político Pedroso Horta ao
Presidente do Senado, o Presidente da República Jânio Quadros, que havia ficado apenas 7
(sete) meses no poder, renunciou ao seu mandato; assim sendo, declarou-se o cargo vago e
assumiria o seu lugar, de acordo com a Constituição Federal de 1946, o Vice-Presidente
João Goulart. Este, contudo, era comunista e não gozava da confiança das Forças Armadas;
por isso, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional 4, de 02 de julho de
1961, articulada por Tancredo Neves, mudando a forma e o sistema de Governo, passando
de Presidencialista para Parlamentarista, com o escopo de diminuir o poder do Presidente
da República, fazendo com que João Goulart apenas tomasse posse pelo sistema
parlamentarista, já que com este sistema ele teria menos força. O Brasil passou então a ser
Parlamentarista, mas esse sistema durou pouco, vez que foi promulgada a Emenda
Constitucional 6, de 23 de janeiro de 1963, restabelecendo o sistema Presidencialista,
restando João Goulart como Presidente; todavia, como João Goulart não gozava de
confiança das Forças Armadas, em 1964, houve um golpe militar, destituindo-o do cargo de
Presidente da República.
78
Em 1964, eles editaram o Ato Institucional 4, de 09 de março de 1964,
mantendo a Constituição de 1946, modificando apenas a matéria atinente aos poderes do
Presidente da República, de modo a dar roupagem jurídica àquela situação. Até que, em 07
de dezembro de 1966, foi editado o Ato Institucional que determinou a elaboração de uma
Nova Constituição.
Em 1967, foi realizado um Projeto de Constituição Federal, feito pelo
consagrado jurista e Ministro da Justiça Carlos Medeiros Silva. Este Projeto, por sua vez,
foi enviado pelo Governo ao Congresso em 12 de dezembro de 1966, e submetido a uma
comissão mista. Indo a Plenário, em 21 de janeiro de 1967, o Projeto aprovado pelo
Congresso Nacional
21
, promulgando-se a Nova Constituição no dia 24 de janeiro de 1967;
no entanto, a mesma somente entrou em vigor em 15 de março de 1967.
Na realidade, a Constituição de 24 de janeiro de 1967 foi outorgada, pois
para que uma Constituição seja democrática, mister que seja feito por um poder constituinte
eleito pelo povo e aqueles constituintes estavam lá desde 1964. Interessante salientar que
esta Constituição não trouxe nenhuma evolução em matéria de família, mantendo, com
pequenas alterações o que dispunha a Constituição de 1946.
Em 1968, o Brasil estava frágil, e, então reforçaram os poderes da
Constituição Federal através de um Ato Institucional. Neste Ato Institucional, de n°5,
previa-se que a Revolução tinha dois objetivos fundamentais, quais sejam, liquidar a
21
Os membros do Congresso Nacional não tiveram condições de reagir, nem mesmo de alterar o Projeto de
Constituição Federal, por estarem quase todos os membros cassados.
79
supressão e a corrupção. No entanto, o General Costa e Silva adoeceu e nesse caso,
segundo a Constituição de 1967, assumiria o Vice-Presidente. Acontece que o Vice-
Presidente Pedro Aleixo era um civil e os militares queriam continuar no poder para
alcançar o objetivo da Revolução. Desta sorte, coincidentemente com a posse do Presidente
Emílio Garrastazu Médici, entrou em vigor a Emenda Constitucional n°1, de 17 de outubro
de 1969, composta de 217 artigos. Oportuno ressaltar que uns entendem que a partir desta
Emenda Constitucional de 1969, surgiu uma Nova Constituição, enquanto outros acreditam
que houve uma Emenda à Constituição de 1967.
A Emenda Constitucional nº 1, 17 de outubro de 1969, em seu artigo 175
estabelecia que a família era constituída pelo casamento e teria direito à proteção dos
Poderes Públicos; contudo, silencia-se sobre as relações de convivência destituídas das
formalidades do matrimônio.
Interessante frisar que o Brasil, no período de revolução, teve 05 (cinco)
presidentes militares, a saber:
1°) Marechal Humberto de Alencar Castello Branco;
2°) General Costa e Silva;
3°) General Emílio Garrastazu Médici;
4°) General Ernesto Geisel;
5°) General João Baptista Figueiredo.
Em 1994, Tancredo Neves foi eleito, por pleito indireto, pelo Congresso
Nacional, vindo a falecer antes da posse, assim sendo, o Vice-Presidente, José Sarney,
80
tomou posse como Presidente e, em junho de 1985, tendo em vista a necessidade de criar
uma nova Constituição, ele elaborou mensagem, propondo a convocação de Assembléia
Constituinte, que investida de Poder Constituinte, tendo por função o relevante papel de
estruturar uma Nova Constituição, a de 1988.
Com efeito, em 05 de outubro de 1988, por intermédio de uma Assembléia
Constituinte, foi promulgada a Constituição Federal de 1988, que, pela primeira vez, tratou
de forma explícita sobre a união estável, reconhecendo em seu artigo 226, parágrafo 3°, a
união estável como entidade familiar, assegurando proteção estatal para a defesa dos
direitos inerentes a esta nova forma de instituição familiar.
Desta forma, podemos concluir que no Brasil, a receptividade dos novos
modelos familiares, como por exemplo, a união estável, só veio a ocorrer de forma explícita
e condizente com a realidade social, com a Constituição Federal de 1988. Antes disso, a
união estável não era vista com bom olhos, sendo assim, esses modelos familiares eram
deixados à mercê dos ventos, ficando a cargo do Poder Judiciário a incumbência de zelar
pela justiça social, de modo a ocasionar uma maior proximidade com a realidade social.
81
3.4 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA
A evolução das normas legais, no que se refere à união estável, foi de caráter
gradativo, conforme se verá a seguir:
O primeiro texto legal que trouxe norma benéfica à companheira foi o
Decreto nº2681, de 07 de dezembro de 1912, prevendo a responsabilidade civil das
empresas de estrada de ferro, nos caso de morte do companheiro decorrente de acidente
ferroviário, estabelecendo que:
Artigo 22. No caso de morte, a estrada de ferro responderá por todas as
despesas e indenizará, a arbítrio do juiz, todos aqueles aos quais a morte do viajante
privar de alimento, auxílio ou educação.
Com o advento do Código Civil Brasileiro de 1916, a situação das relações
de convivência permaneceu a mesma, já que o legislador absteve-se de regulamentá-la,
procurando defender o instituto do casamento tornando-o indissolúvel ou reproduzindo
sanções da velha legislação, tais como:
a) impedimento absoluto para o casamento do cônjuge adúltero com seu co-
réu condenado (artigo 183, inciso VII);
b) possibilidade à mulher casada de reivindicar bens transferidos por seu
marido à concubina (artigo 1177);
82
c) proibição ao reconhecimento da filiação em relação à prole havida das
uniões concubinárias (artigo 363, inciso I);
d) proibição de doação à concubina (artigo 248, inciso IV);
e) declaração da ilegitimidade passiva testamentária à concubina;
f) proibição de instituição de seguro de vida (artigo 1474).
A primeira legislação previdenciária que trouxe direitos à companheira foi o
Decreto nº20.465/31, permitindo a interpretação extensiva para as mulheres não casadas.
Posteriormente, surgiu a Lei nº37240, de 1919, que se referia à legislação sobre acidente do
trabalho, equiparando a companheira à esposa, desde que comprovada a dependência
financeira e conseqüente sustento pelo companheiro.
O Decreto-lei nº4.737, de 24 de setembro de 1942, dispôs sobre o
reconhecimento de filhos naturais havidos fora do matrimônio, dando ensejo ao
reconhecimento após a separação legal, estabelecendo que:
Artigo 1º. O filho havido pelo cônjuge fora do matrimônio pode, depois do
desquite, ser reconhecido ou demandar que se declare sua filiação.
Este Decreto-lei nº4.737/42 foi complementado pela Lei nº883, de 21 de
outubro de 1949, dispondo sobre o reconhecimento de filhos ilegítimos, estabelecendo que:
83
Artigo 1º. Dissolvida a sociedade conjugal será permitido a qualquer dos
cônjuges o reconhecimento do filho havido fora do matrimônio e, ao filho, a ação para
que se lhe declare a filiação.
§1º. Ainda na vigência do casamento, qualquer dos cônjuges poderá
reconhecer o filho fora do matrimônio, em testamento cerrado, aprovado antes ou depois
do nascimento do filho, e nessa parte, irrevogável.
§2º. Mediante sentença transitada em julgado, o filho havido fora do
matrimônio poderá ser reconhecido pelo cônjuge separado de fato há mais de 05 (cinco)
anos contínuos.
Já o Decreto-lei nº7.036, de 10 de novembro de 1944, reformou a Lei de
Acidentes do Trabalho, sendo que a aprovação do regulamento da Lei de Acidentes do
Trabalho adveio através do Decreto nº18.809, de 05 de maio de 1945, incluindo a
companheira como beneficiária, estabelecendo que:
Artigo 21. Quando o acidente resultar a morte, a indenização devida aos
beneficiários da vítima corresponderá a uma soma calculada entre o máximo de quatro
(4) anos e o mínimo de dois (2) anos da diária do acidentado, e será devida aos
beneficiários, de acordo com as seguintes bases:
84
Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, não haverá distinção entre
os filhos de qualquer condição, bem como terá os mesmos benefícios a companheira
mantida pela vítima, uma vez que haja sido declarada como beneficiária em vida do
acidentado, na carteira profissional, no registro de empregados, ou por qualquer outro
ato solene de manifestação de vontade.
A Lei Paulista de nº 2.699/54, de acordo com o artigo 3º, parágrafo 2º,
atribuiu à companheira do presidiário, de poucos recursos econômicos, o produto da renda
de seu trabalho na cadeia pública.
Já a Lei nº 3807, de 26 de agosto de 1960, que dispõe sobre a Lei Orgânica
da Previdência Social, tornou possível a designação da companheira como dependente,
estabelecendo que:
Artigo 11. Consideram-se dependentes dos segurados, para efeitos desta
lei:
I – A esposa, o marido inválido, a companheira mantida há mais de 05
(cinco) anos, os filhos de qualquer condição menores de 18 (dezoito) anos ou inválidos,
e as filhas solteiras de qualquer condição menores de 21 (vinte e um) anos ou inválidas.
85
Já a Lei nº 4.103-A/62, em seu artigo 5º, contemplava a amante como
beneficiária quando tenha tido concubino advogado.
A Lei nº4.069, de 11 de junho de 1962, em seu artigo 5º, parágrafos 3º e 4º,
erigiu a companheira a condição de beneficiária de pensão deixada por servidor civil,
militar ou autárquico, solteiro, desquitado ou viúvo que não tenha filhos capazes de receber
o benefício e desde que haja subsistido impedimento legal para o casamento; entretanto, se
tal servidor tiver filhos, somente poderá destinar à companheira, que vive sob sua
dependência econômica há 5 (cinco) anos, metade da pensão.
A Lei nº 4.242, de 17 de julho de 1963, possibilitou ao contribuinte de
imposto de renda, separado judicialmente e que não responda pela mantença da ex-esposa,
o abatimento como encargo de família pessoa que viva sob sua dependência econômica,
estabelecendo que:
Artigo 44. O servidor público civil ou militar, de autarquia ou sociedade de
economia mista, que for desquitado e não responda pelo sustento da ex-esposa, poderá
descontar importância igual na declaração do imposto de renda, se houver incluído entre
seus beneficiários, na forma do artigo 5º da Lei nº 4.069, de 11 de junho de 1962, pessoa
que viva sob sua exclusiva dependência econômica, no mínimo há cinco anos.
A Lei nº 4284/63 considerou a companheira beneficiária de congressista
falecido no exercício do mandato, cargo ou função.
86
A Lei nº 4.297, de 23 de dezembro de 1963, dispôs sobre as aposentadorias e
pensões de Institutos ou Caixas de Aposentadorias e Pensões para Ex-Combatentes e seus
dependentes, estabelecendo que:
Artigo 3º. Se falecer o ex-combatente segurado de Instituto de
Aposentadoria e Pensões ou Caixas de Aposentadoria e Pensões, aposentado ou não,
será concedida, ao conjunto de seus dependentes, pensão mensal, reversível, de valor
total a 70% (setenta por cento) do salário integral realmente percebido pelo segurado e
na seguinte ordem de preferência:
d ) à companheira, desde que com o segurado tenha convivido
maritalmente por prazo não inferior a 5 (cinco) anos e até a data do óbito.
A Lei nº 4.862, de 29 de novembro de 1965, modificou a Lei nº 4.242, de 17
de julho de 1963, alterando a legislação do Imposto de Renda, estabelecendo em seu artigo
3º que o contribuinte poderá considerar, como sua dependente, pessoa com quem viva no
mínimo há cinco anos, ainda que subsista impedimento matrimonial, desde que haja
inclusão entre seus dependentes.
A Lei nº 5.316, de 14 de setembro de 1967, integrou o seguro de acidentes
do trabalho na Previdência Social, estabelecendo que:
87
Art. 28. A legislação de Previdência Social e, observado o disposto no
artigo 29, o Decreto-lei nº 7.036, de 10 de novembro de 1944, serão aplicáveis, no que
couber, ao seguro de acidentes do trabalho, inclusive no tocante a sanções, dúvidas e
casos omissos.
Já o Decreto nº 61.784, de 28 de novembro de 1967, que aprovou o
Regulamento do seguro de Acidentes do Trabalho, estabeleceu que:
Art. 66. A legislação de previdência social será aplicável, no que couber,
ao seguro de acidentes do trabalho, inclusive no tocante às sanções, dúvidas e casos
omissos.
O Decreto-lei nº 66/66, incluiu uma segunda classe de dependentes,
possibilitando a colocação da companheira como beneficiária e somente com o advento da
Lei nº 5890, de 08 de junho de 1973, que alterou a Lei nº 3807/60, é que finalmente a
companheira foi colocada como beneficiária de primeira classe, concorrendo com a esposa
Artigo 23. É lícita a designação, pelo segurado, da companheira que viva
na sua dependência econômica, mesmo não exclusiva, quando a vida em comum
ultrapasse cinco anos, devidamente comprovados.
§ 1º. São provas de vida em comum o mesmo domicílio, , as contas
bancárias conjuntas, as procurações ou fianças reciprocamente outorgadas, os encargos
88
domésticos evidentes, os registros constantes de associações de qualquer natureza, onde
configure a companheira como dependente, ou quaisquer outras que possam formar
elementos de convicção.
§ 2º. A existência de filhos em comum suprirá todas as condições de
designação e de prazo.
§ 3º. A designação de companheira é ato da vontade do segurado e não
pode ser suprida.
§ 4º. A designação só poderá ser reconhecida “post mortem” mediante um
conjunto de provas que reúna, pelo menos, três das condições citadas nos parágrafo 1º.
Deste artigo, especialmente a do domicílio comum, evidenciando a existência de uma
sociedade ou comunhão nos atos de vida civil.
§ 5º. A companheira designada concorrerá com os filhos menores havidos
em comum com o segurado, salvo se houver deste expressa manifestação em contrário.
A Lei nº 7.447/70, do município de São Paulo, em seu artigo 9º, arrola a
companheira entre os beneficiários obrigatórios de pensão pelo Montepio Municipal, logo
após a viúva e na frente dos filhos menores e dos filhos solteiros, equiparando-a à viúva do
contribuinte falecido, no entanto, a pensão poderia ser reduzida, caso o finado fosse
separado judicialmente e estivesse obrigado a prestar alimentos a sua ex-esposa.
89
A Lei nº 5.890, de 08 de junho de 1973, alterou a Lei nº 3.807, de 26 de
agosto de 1960, que dispôs sobre a Lei Orgânica da Previdência Social, estabelecendo que:
Art. 11. Consideram-se dependentes dos segurados, para efeito desta lei:
I – a esposa, o marido inválido, a companheira mantida há mais de 5
(cinco) anos, os filhos de qualquer condição menores de 18 (dezoito) anos ou inválidos, e
as filhas solteiras de qualquer condição menores de 21 (vinte e um) anos ou inválidas.
O Decreto nº 72.771, de 06 de setembro de 1973, aprovou o Regulamento da
Lei nº 3.807/60, com as alterações introduzidas pela Lei n° 5.890/73, estabelecendo que:
Artigo 13. São dependentes do segurado, para os efeitos deste
Regulamento:
I – a esposa, o marido inválido, a companheira mantida há mais de 5
(cinco anos), os filhos de qualquer condição menores de 18 (dezoito) anos ou inválidos, e
as filhas solteiras de qualquer condição menores de 21 (vinte e um) anos ou inválidas.
§2º. Será considerada companheira, nos termos do item I deste artigo,
aquela que, designada pelo segurado, esteja, na época do evento, sob sua dependência
econômica, mesmo não exclusiva, por prazo superior a 5 (cinco) anos, devidamente
90
comprovados.
Artigo 14. A designação e ato da vontade do segurado e não pode ser
suprida.
Artigo 15. São provas de vida em comum, para eleito do disposto no
parágrafo 2º. do art. 13, o mesmo domicílio, as contas bancárias conjuntas as procu-
rações ou fianças reciprocamente outorgadas, os encargos domésticos evidentes, os
registros constantes de associações de qualquer natureza, onde figure a companheira
como dependente, ou quaisquer outras que possam formar elemento de convicção.
§ 1º. A existência de filhos havidos em comum entre o segurado e a
companheira suprirá todas as condições de prazo e de designação previstas no parágrafo
2º do art.13.
§ 2º. Equipara-se a companheira, para os efeitos do disposto neste artigo e
no art. 20, a pessoa com quem o segurado se tenha casado segundo rito religioso,
presumindo-se feita a designação prevista no parágrafo 2º. do art. 13.
Artigo 20. A companheira concorrerá:
I - Com os filhos menores do segurado, havidos em comum ou não, salvo
se houver daquele expressa manifestação em contrário.
91
II - Com os filhos menores do segurado e a esposa deste, se esta se achar
dele separada, percebendo pensão alimentícia com ou sem desquite.
A Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, em seu artigo 57 e parágrafos,
que entrou em vigor em 01 de janeiro de 1976, devido à alteração da Lei nº 6.216/75,
permitiu à companheira a requerer a averbação do patronímio do companheiro,
estabelecendo que:
Artigo 57. ...
§ 2º. A mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem, sol-
teiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá
requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronímico
de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja
impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes
ou de ambas
§3º. O juiz competente somente processará o apelido, se tiver expressa con-
cordância do companheiro, e se da vida em comum houverem decorrido, no mínimo,
cinco anos ou existirem filhos da união.
§4º. O pedido de averbação só terá curso, quando desquitado o compa-
nheiro, se a ex-esposa houver sido condenada ou tiver renunciado ao uso dos apelidos do
92
marido, ainda que dele receba pensão alimentícia.
O Decreto nº 73.617, de 12 de fevereiro de 1974, aprovou o Regulamento do
Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, estabelecendo que:
Art. 2º. São beneficiários do PRO-RURAL:
II – Na qualidade de dependentes do trabalhador rural:
a) a esposa, o marido inválido, a companheira mantida há mais de 5
(cinco) anos, os filhos de qualquer condição menores de 18 (dezoito) anos ou inválidos,
as filhas solteiras de qualquer condição menores de 21 (vinte e um) anos ou inválidas.
Também o Decreto nº 76.022, de 24 de julho de 1975, que aprovou o
Regulamento do Seguro de Acidentes do Trabalho rural, instituído pela Lei nº 6.195, de 19
de dezembro de 1974, estabeleceu que:
Art. 4º. Para efeito da pensão, são também beneficiários do seguro de
acidentes do trabalho rural, na condição de dependentes do trabalhador:
a) a esposa, o marido inválido, a companheira mantida há mais de 5
(cinco) anos, os filhos de qualquer condição menores de 18 (dezoito) anos ou inválidos,
93
as filhas solteiras de qualquer condição menores de 21 (vinte e um) anos ou inválidas.
O Decreto nº 75.647, de 1975, em seu artigo 6º, atribuiu o direito da
companheira ser qualificada como dependente de funcionário público da União.
A Lei nº 6367, de 19 de outubro de 1976, que trata sobre o Seguro de
Acidentes do Trabalho a cargo do INPS, estabeleceu que:
Art. 20. ...a legislação do regime de Preidência Social do INPS aplica-se
subsidiariamente à matéria de que trata esta lei.
Já o Decreto nº 79.037, de 24 de novembro de 1976, que aprovou o
regulamento do Seguro de Acidentes do Trabalho, repetiu a norma, estabelecendo que:
Art. 59. A legislação do regime da Previdência Social do INPS aplica-se
subsidiariamente à matéria de que trata esta Regulamento.
A Decreto nº 77.077, de 24 de janeiro de 1976, expediu a Consolidação das
Leis da Previdência Social, com o mesmo teor do artigo 6º, da Lei nº 6.243, de 1975,
estabelecendo que:
94
Art. 13. Consideram-se dependentes do segurado, para efeitos desta
Consolidação:
I – a esposa, o marido inválido, a companheira mantida há mais de 5
(cinco) anos, os filhos de qualquer condição menores de 18 (dezoito) anos ou inválidos,
as filhas solteiras de qualquer condição menores de 21 (vinte e um) anos ou inválidas.
O Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, aprovou o Regulamento dos
Benefícios da Previdência Social, estabelecendo que:
Art. 12. São dependentes do segurado:
I – A esposa, o marido inválido, a companheira mantida há mais de 5
(cinco) anos, os filhos de qualquer condição menores de 18 (dezoito) anos ou inválidos,
as filhas solteiras de qualquer condição menores de 21 (vinte e um) anos ou inválidas
Art. 13. É considerada companheira, nos termos do item I do artigo 12,
aquela que, designada pelo segurado, estava, na época da morte dele, sob a sua
dependência econômica, ainda que não exclusiva, desde que a vida em comum ultrapasse
5 (cinco) anos.
§ 1º. São provas de vida em comum o mesmo domicílio, conta bancária
conjunta, procuração ou fiança reciprocamente outorgada, encargos domésticos
95
evidentes, registro de associação de qualquer natureza onde a companheira figure como
dependente ou outra prova que possa constituir elemento de convicção.
§ 2º. A existência de filho em comum supre as condições de prazo e de
designação.
§ 3º. Equipara-se à companheira, para os efeitos deste artigo e do artigo
17, a pessoa casada com o segurado segundo o rito religioso, presumindo-se feita a
designação.
Art. 17. A companheira concorre:
I- Com o filho menor ou inválido dos segurado, havido em comum ou não,
salvo se o segurado tiver deixado manifestação expressa em contrário.
II- Com o filho e a esposa do segurado, se esta estava separada dele e
recebendo pensão alimentícia, com ou sem desquite ou separação judicial.
Ill - Com o filho e a ex-esposa do segurado, se esta estava divorciada dele e
recebendo pensão alimentícia.
Art. 18. A perda da qualidade de dependente ocorre:
III - Para a companheira. mediante solicitação dos segurado, com prova
96
de cessação da qualidade de dependente, ou se desapareceram as condições inerentes a
essa qualidade.
A Lei nº 6.858, de 24 de novembro de 1980, estabeleceu que a companheira,
se dependente habilitada perante a Previdência Social, pode receber valores deixados pelo
companheiro, referentes a salários, FGTS, PIS/PASEP, saldos bancários e de poupança ou
investimentos, as restituições relativas ao imposto sobre a renda, desde que não ultrapassem
o valor correspondente a 500 BTN’s, não recebidos em vida pelo titular.
A Lei nº 6.880, de 1980, em se artigo 50, estabeleceu o direito de
qualificação como dependente de militar, desde que haja convívio há mais de cinco anos,
provados através de justificação judicial.
A Lei nº 7.087, de 1982, em seus artigos 28, 29, 30, 39 e 41, estabeleceu o
direito da companheira ser qualificada como dependente do segurado, junto ao Instituto de
Previdência do Congressista.
O Decreto nº 89.312, de 23 de janeiro de 1984, expediu nova edição da
Consolidação das Leis da Previdência Social, estabelecendo que:
Art. 10. Consideram-se dependentes do segurado:
I - A esposa, o marido inválido, a companheira mantida há mais de 5
(cinco) anos, os filhos de qualquer condição menores de 18 (dezoito) anos ou inválidos,
as filhas solteiras de qualquer condição menores de 21 (vinte e um) anos ou inválidas.
97
§ 6º. O marido ou companheiro desempregado é considerado dependente
da esposa ou companheira segurada, para efeito de assistência médica.
Antes da Constituição Federal de 1988 era necessário comprovar a existência
de uma sociedade de fato entre as partes, para que seus efeitos pudessem ser aplicados.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, reconheceu-se, em seu
artigo 226, parágrafo 3º, efeitos de entidade familiar à união estável.
A Lei nº 1.488, de 28 de junho de 1989, que dispõe sobre a Pensão
Feminina, determina que as servidoras podem deixar benefício previdenciário aos maridos
ou companheiros
A Lei nº 8.009, de29 de março de 1990, que dispõe sobre a
impenhorabilidade do bem de família, dá legitimidade para a companheira opor embargos
de terceiros, estabelecendo que:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução
civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido.
98
Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei,
considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar
para moradia permanente.
A
Lei nº 8.068, de 13 de julho de julho de 1990, que acrescentou um
parágrafo ao art. 6º da Lei nº 8.025, de 12 de abril de 1990, considera a companheira do
servidor aposentado falecido como legítima ocupante de imóvel funcional, estabelecendo
que:
Art. 6º. ...
§ 5º Considera-se legítimo ocupante, nos termos deste artigo, o servidor
que no momento da aposentadoria ocupava regularmente o imóvel funcional ou, na
mesma condição, o cônjuge ou companheira enviuvado e que permaneça nele residindo
na data da publicação desta lei."
A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que trata do Estatuto da Criança e do
Adolescente, estabelece em seu artigo 41, parágrafo 1º, a permanência dos vínculos de
filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os respectivos parentes, na
hipótese de um dos cônjuges ou concubino adotar o filho do outro. Já o artigo 42, parágrafo
2º, estabelece o direito de guarda do filho alheio e de adoção pelos companheiros, desde
que um deles tenha completado 21 (vinte e um) anos de idade, comprovada a estabilidade
da entidade familiar, conforme exposto abaixo:
99
Art. 41. ...
§ 1º Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se
os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os
respectivos parentes.
Art. 42. ...
§ 2º A adoção por ambos os cônjuges ou concubinos poderá ser
formalizada, desde que um deles tenha completado vinte e um anos de idade,
comprovada a estabilidade da família.
A Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos de
Benefícios da Providência Social, estabelece que:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na
Condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho, de qualquer
condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.
100
§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser
casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º
do art. 226 da Constituição Federal.
A Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, que dispõe sobre as locações dos
imóveis urbanos e os procedimentos a ela pertinentes, estabelece em seu artigo 11 a
possibilidade da permanência do companheiro no imóvel locado, em caso de morte. Já o
artigo 12 estabelece a sub-rogação locatícia ao companheiro que permanecer no imóvel
locado, em caso de dissolução da sociedade concubinária.. Estabelece ainda, o inciso III, do
artigo 47, a possibilidade da retomada do imóvel locado, no caso de pedido do locador, para
uso próprio, de seu cônjuge ou companheiro, conforme infra citado:
Art. 11. Morrendo o locatário, ficarão sub-rogados nos seus direitos e
obrigações:
I - nas locações com finalidade residencial, o cônjuge sobrevivente ou o
companheiro e, sucessivamente, os herdeiros necessários e as pessoas que viviam na
dependência econômica do de cujus, desde que residentes no imóvel;
Art. 12. Em casos de separação de fato, separação judicial, divórcio ou
dissolução da sociedade concubinária, a locação prosseguirá automaticamente com o
cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel.
101
Art. 47. ...
III - se for pedido para uso próprio, de seu cônjuge ou companheiro, ou
para uso residencial de ascendente ou descendente que não disponha, assim como seu
cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio.
Nos termos da Lei nº 8.441, de 13 de julho de 1992, dando nova redação ao
parágrafo 1º, do artigo 4º, da Lei nº 6.194, de 19 de dezembro de 1974, deu legitimidade
para companheira reclamar a indenização decorrente do seguro obrigatório de veículo,
estabelecendo que:
Art. 4º. ...
§1º. Para fins deste artigo, a companheira será equiparada à esposa, nos
casos admitidos pela lei previdenciária; o companheiro será equiparado ao esposo
quando tiver com a vítima convivência marital atual por mais de 5 (cinco) anos, ou,
convivendo com ela, do convívio tiver filhos.
A Lei nº 8.560, de 29 de julho de 1990, que regula a investigação de
paternidade dos filhos havidos fora do casamento, estabelece o direito de serem fixados
alimentos provisionais, estabelecendo que:
102
Art. 7° Sempre que na sentença de primeiro grau se reconhecer a
paternidade, nela se fixarão os alimentos provisionais ou definitivos do reconhecido que
deles necessite.
O Decreto nº 1.041, de 1994, em seu artigo 83, parágrafo 1º, estabelece o
direito da companheira ou companheiro, serem considerados dependentes do contribuinte
para fins de cálculo do Imposto de Renda.
No ano de 1994, com a promulgação da Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de
1994, é que a matéria começou a tomar contornos tal como a conhecemos atualmente,
regulando a união estável, o procedimento do direito a alimentos e a sucessão. E mais tarde,
com a promulgação da Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996, que regulamentou o parágrafo
3º, do artigo 226, da Constituição Federal de 1988, estabeleceram-se os direitos e os
deveres dos conviventes, os elementos caracterizadores da união estável, o regime de bens,
a administração do patrimônio comum, dissolução da união estável e conversão em
casamento.
No entanto, somente com o advento da Lei n°10.406, de 10 de janeiro de
2002, ou seja, com a promulgação do Novo Código Civil, que, finalmente, a união estável
passou a surtir efeitos como entidade familiar, de forma a satisfazer os anseios da
sociedade.
103
3.5 EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL
Paralelamente ao aglomerado de leis, a cuidarem do companheirismo, a
jurisprudência pátria também é farta nesse assunto, com o escopo de propiciar o justo
reclamo da família, frente aos acontecimentos sociais.
Em primeiro momento, a jurisprudência pátria negou qualquer efeito jurídico
ao concubinato
22
; nesse passo, como podemos citar o Acórdão do Supremo Tribunal
Federal, de 24 de janeiro de 1947, cujo relator foi o Ministro Hahnemann Guimarães, com
o seguinte teor: “a ordem jurídica ignora a existência do concubinato.” (RT112/417)
Posteriormente, a jurisprudência brasileira, por longo período, foi vacilante
no que se refere as relações não matrimonializadas, devido ao crescimento deste tipo de
união no Brasil.
Retrata tal situação a sentença, citada por Irineu Antonio Pedrotti
23
, proferida
no dia 22 de abril de 1924, pelo Juiz Deocleciano Rodrigues Seixas, que assim reza: “É
certo que a noção de concubinato acceita pelo Código Civil exclue a simples preferência
de um homem sobre determinada mulher para a prática de suas relações sexuais. O
concubinato, posto não sancionado pela moral e nos costumes, deve, contudo, realisar
como que a manifestação apparente de um verdadeiro casamento; devem os concubinos
viver sob o mesmo teto – more uxorio – em respeito mútuo e sob a influência da
intensidade do amor recíproco e da recíproca fidelidade, de tal ante que a sociedade não
22
RT259/150; 202/230; 188/407; 165/694.
104
se offenda que possa, ao contrário, guardar em relação ao casal assim irregularmente
unido, certa contemplação e tolerância, até que elle seja consolidado perante a lei ou se
santifique perante Deus.” (RT50/512)
Já no final da década de 30, ante à realidade social, tanto o Tribunal de
Justiça de Minas Gerais, como o Tribunal de Justiça de São Paulo, começaram a conferir
direitos à remuneração por serviços prestados ao concubino. Assim sendo, a jurisprudência
atribuiu à companheira, que prestou serviços domésticos ao companheiro, o direito a
salários
24
.
Outras decisões judiciais concederam à concubina, decorrente do
concubinato puro, ou seja, do companheirismo, o direito à indenização no caso de morte,
resultante de trabalho ou de transporte, dando ensejo à criação da Súmula 35 do Supremo
Tribunal Federal, que assim reza: “Em caso de trabalho ou transporte, a concubina tem
direito de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para
o matrimônio.”
O Supremo Tribunal Federal
25
decidiu, em acórdão proferido no dia 03 de
maio de 1956, no RE n° 31.520, cujo Relator foi o Ministro Afrâniio Costa, que “a
sociedade de fato, entre pessoas de sexo diferente, vivendo em concubinato..., tem sido
reconhecida pelo STF ante as circunstâncias especiais de cada caso, quando revelam o
esforço comum na aquisição do patrimônio. Não é a regra geral decorrente da simples
coabitação.”
23
Concubinato – União Estável. 1995, Leud. p. 7
24
RT260/427; 256/266; 242/591.
105
Algumas decisões atribuíram uma pensão à companheira, quando
injustamente abandonada pelo companheiro, tal como podemos citar o acórdão proferido no
dia 03 de maio de 1955, pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, no
julgamento da Apelação n° 30.798. Outras decisões atribuíram à companheira o direito à
percepção de salários por serviços prestados ao companheiro.
26
Em 1960, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na Apelação Cível de n°
11.217
27
, afirmou que: “para ser reconhecida a existência da sociedade, não é necessário
tenha a mulher colaborado diretamente na atividade profissional do homem”.
Outra solução, como tentativa de amenizar os desajustes sociais, foi a de
conferir a participação no patrimônio adquirido pelo esforço comum, dada a sociedade de
fato entre os concubinos, que redundou na Súmula 380 do STF, baseada nos julgados entre
1946 e 1963, que assim dispõe: Súmula 380: “Comprovada a existência de sociedade de
fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio
adquirido pelo esforço comum.”
Já em 15 de julho de 1964, a Procuradoria-Geral do Estado de Goiás
28
deu
um parecer no sentido de incluir a concubina como beneficiária dos servidores públicos
daquele Estado.
25
Diário da Justiça de 11 de março de 1957. p. 763 do apenso ao n°57.
26
RF 99/57, Embs. de Nulidade na Ap.18.143, julgados pela 4ª Câm. Cível do TJDF de 05/04/1952. Decisões
da 3ª e 4 ª Câm. do TJDF, in: Arquivo Judiciário 55/4 e da 2ª Turma do STF, no dia 28.09.1948 e de
02/06/1950 (Diário da Justiça, de 20 de maio de 1950, apenso ao 111, p. 1405 et seg./ 28.03.1952, p. 1582 do
apenso 74)
27
Minas Forense, XIII/21 e 22; Revista dos Três Poderes, n°5, 1960. p. 23 e 24.
28
Revista de Direito. Goiás: vol. V, Dez. 1969. p. 141 1 145.
106
A jurisprudência foi, aos poucos, abrandando-se na exigência da
comprovação do esforço comum ou da contribuição direta de ambos os conviventes para a
aquisição dos bens, sucedendo-se decisões considerando, para a partilha, suficiente a
comprovação da união more uxorio, ou seja, com aparência de casados, presumindo a
contribuição do casal, quando à aquisição dos bens.
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal, tendo em vista os inúmeros
julgados, firmou entendimento no sentido de que não é indispensável para a caracterização
do concubinato, a convivência sob o mesmo teto, dando ensejo a Súmula 382, que assim
reza: “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à
caracterização do concubinato.”
O Supremo Tribunal Federal também firmou entendimento no sentido de
preservar as disposições testamentárias do testador, em favor do seu filho adulterino, de
forma a coibir as discriminações oriundas daquela época, dado ensejo à criação da Súmula
447, que assim reza: “É válida a disposição testamentária em favor de filho adulterino do
testador com sua concubina.”
Dessume-se, portanto, que a jurisprudência, no início, foi notoriamente
contrária a dar direitos a companheira. Posteriormente, de forma gradativa, foi sendo
abrandada aquela posição, seja, em um primeiro momento, apenas dando direito para a
companheira que efetivamente contribuiu para a formação do patrimônio comum, e, em um
segundo momento, dando direitos à companheira, desde que esta tenha prestado serviços ao
107
companheiro, até se chegar ao estágio atual, no sentido da presunção do esforço comum,
para a aquisição do patrimônio; todavia, os demais direitos apenas foram assegurados de
forma explícita, com o advento da Constituição Federal de 1988, bem como com as Leis n°
8971/94, Lei n° 9278/96 e Lei n°10.406/02, que regularam a situação jurídica dos
companheiros.
No entanto, não há de se ter em vista que a jurisprudência, em consonância
com o Novo Código Civil, sempre teve por objetivo a proteção da união estável, ou seja,
união onde não há impedimentos para o matrimônio, repugnado aquelas situações espúrias,
adulterinas, que contrariam a moral e os bons costumes, denominadas atualmente, como
concubinato.
108
CAPÍTULO IV
109
4.1 A UNIÃO ESTÁVEL NO NOVO CÓDIGO CIVIL
Neste estudo, analisaremos o Novo Código Civil que após 26 anos de
tramitação no Congresso Nacional, foi sancionado sem vetos pelo Presidente da República,
através da Lei n°10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o Novo Código Civil, e que
entrou em vigor no dia 11 de janeiro de 2003, trazendo em seu bojo, uma maior
proximidade da atual realidade social brasileira; no entanto, longe do ideal, vez que como é
sabido por todos, o legislador não consegue acompanhar a constante evolução da sociedade.
Em linhas gerais, o Novo Código Civil insere a matéria referente à união
estável dentro do Direito de Família e, no que tange ao reconhecimento da união estável, a
diferenciação entre união estável e concubinato, seus direitos e deveres, o regime
patrimonial a ser instituído entre os conviventes, bem como da conversão de união estável
em casamento, cuidando dessas matérias em seus artigos 1723 a 1727, do Título III sob a
designação de “União Estável”, no Livro IV que trata Direito de Família.
Já no que diz respeito as relações de Parentesco entre os companheiros, da
adoção entre os companheiros, dos alimentos entre os companheiros, bem como dos bens
de família na união estável, o Novo Código Civil cuida dessas matérias ora em comento em
diversos artigos que serão vislumbrados quando da exposição dos mesmos.
No que tange ao Direito das Sucessões, o Novo Código Civil trata em seus
os artigos 1784 a 2027, do Livro V que trata do Direito das Sucessões, sobre a sucessão
decorrente da união estável, dispondo sobre a transmissão de bens e direitos do autor da
herança.
110
4.1.1 TERMINOLOGIA E CONCEITO
4.1.1 Terminologia de Concubinato e União Estável
De acordo com a própria etimologia da palavra, podemos dizer que o termo
concubinatus deriva do verbo concubo-are, que significa dormir com outra pessoa, deitar-
se com outra pessoa.
Sob a influência da Igreja Católica, o termo concubinato foi utilizado de
modo pejorativo, alusivo às relações extramatrimoniais. Assim, quando do surgimento do
Código Civil, este termo passou a ser identificado como convivência clandestina,
adulterina.
Posteriormente, a doutrina e a jurisprudência passaram a dar dois sentidos
distintos para esta terminologia, o concubinato puro, como sendo a união entre homem e
mulher, sem as formalidades do matrimônio, sendo utilizado como sinônimo de
companheirismo, e, o concubinato impuro, como sendo a união adulterina, incestuosa,
clandestina, entre homem e mulher, vez que neste caso há impedimentos para o
matrimônio.
Alguns autores, tais como Washington de Barros Monteiro e Orlando Gomes
não fazem distinção entre companheirismo e concubinato. A jurisprudência de modo geral,
também emprega estas terminologias indistintamente.
111
Com muito acerto, outros autores tais como Mário de Aguiar Moura e
Francisco José Cahali, entendem que estas terminologias devem ser empregadas de formas
diversas, devendo o termo concubinato ser utilizado como uniões instáveis, incestuosas,
clandestinas, adulterinas, enquanto que os termos companheiros ou conviventes devem ser
utilizados como uniões estáveis, onde não há presença das formalidades matrimoniais.
Outros autores ainda, como Álvaro Villaça de Azevedo e Carlos Alberto
Bittar, entendem que a terminologia concubinato deve ser dividida em concubinato puro e
concubinato impuro. Aquele deve ser entendido como sinônimo de união estável e como a
ligação duradoura, entre o homem e a mulher, sem o casamento civil, quando inexistir
óbice para o matrimônio, merecendo proteção estatal, enquanto este deve ser entendido
como sinônimo de união adulterina, incestuosa, e como a ligação onde há impedimento
para o matrimônio, não merecendo proteção estatal.
O Novo Código Civil adotou a orientação, fazendo diferenciação entre as
duas terminologias, promovendo a distinção de forma explícita, entre a União Estável e o
Concubinato, contrariando parte da doutrina e jurisprudência que estabeleciam uma
similitude entre companheirismo e concubinato puro.
De acordo com o artigo 1723
29
do Novo Código Civil, é reconhecida como
entidade familiar a união estável onde não haja impedimentos para o matrimônio,
configurada na convivência pública, contínua e duradoura e que tenha por objetivo a
29
CC, Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher,
configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de
família.
112
constituição de família; em contrapartida, de acordo com o artigo 1727
30
do Novo Código
Civil, naquelas relações, ainda que não eventuais, entre homem e mulher, onde, contudo,
haja impedimentos matrimoniais, tem-se o concubinato, vez que estas não têm o condão de
se converter em casamento, de modo a ser tratada com repúdio pelo Estado, não gozando
de proteção estatal por se tratar de relações promíscuas, adulterinas e incestuosas.
4.1.2 Conceito de União Estável
De acordo com Irineu Antonio Pedrotti, “o concubinato consiste na união de
um homem e uma mulher, sem ligações pelos vínculos matrimoniais, durante tempo
duradouro, sob o mesmo teto, ou diferente, com aparência de casados.” Assim sendo, de
acordo com este autor, a união estável é o mesmo que hemigamia, que significa matrimônio
livre - matrimonium vocatur, ou casamento de fato.
Conforme preceitua Adahyl Lourenço Dias, “concubina é a mulher que, não
sendo casada civilmente com o homem, com este vive, coabitando-se em o mesmo teto,
mantendo relações íntimas de marido e mulher.” Assim, para o mesmo autor,
“concubinato é a união livre do homem e a mulher, coabitando-se como cônjuges e na
aparência geral de casados, isto é, de marido e mulher.”
30
CC, Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem
concubinato.
113
Já Pontes de Miranda define união estável como sendo “a união prolongada
daqueles que não se acham vinculados por matrimônio válido ou putativo.”
De acordo com Washington de Barros Monteiro, “concubinato, também
chamado de união livre, tem sido invariavelmente o de vida prolongada em comum, sob o
mesmo teto, com aparência de casamento.”
Segundo Silvio Rodrigues, “concubinato é a união do homem e da mulher,
fora do matrimônio, de caráter estável, mais ou menos prolongada, para o fim da
satisfação sexual, assistência mútua e dos filhos comuns e que implica uma presumida
fidelidade da mulher ao homem”.
Em lapidar explanação, a ilustre Maria Helena Diniz entende que união
estável “é a união livre e estável de pessoas de sexo diferente, que não estão ligadas entre
si pelo casamento civil.”
Assim, podemos conceituar a união estável como sendo a união de um
homem e uma mulher, de maneira estável, pública e contínua, objetivando a constituição
familiar, sem as formalidades do casamento civil, mas que, entretanto, apta à conversão em
casamento, vez que inexistem impedimentos matrimoniais.
114
4.2. REQUISITOS CARACTERIZADORES DA UNIÃO
ESTÁVEL
A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 226, parágrafo 3º,
para efeitos de proteção do Estado, o reconhecimento da união estável entre homem e
mulher, e sua facilitação para conversão em casamento, e, posteriormente o Código Civil,
em seu artigo 1723, estabeleceu o reconhecimento como entidade familiar
31
, a convivência
duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de
constituição de família.
Desta forma, em conformidade com a Carta Magna e com o Código Civil,
para a caracterização da união estável é cediço que se preencha os requisitos exigidos pela
lei, a saber:
4.2.1 Diversidade de sexos:
É essencial o cumprimento deste requisito para a verificação da união
estável, sendo indispensável para caracterização do vínculo o relacionamento entre homem
e mulher, como o único meio apto a produzir efeitos.
31
Interessante salientar que quando da iniciação de uma relação de companheirismo, em similitude com o
casamento, como instituidora da célula mater da sociedade, os companheiros gozarão da denominada falta
justificada para desfrutar da lua de mel, por até 03 (três) dias consecutivos no serviço, sem prejuízo da
remuneração e demais direitos, em consonância com o disposto no inciso II do artigo 473 da Consolidação
das Leis do Trabalho.
115
Assim sendo, o Estado apenas reconhece como união estável, e dá proteção
especial, as uniões de pessoas de sexo diferentes, não sendo possível estender estes efeitos
àquelas uniões entre pessoas do mesmo sexo, porque dentro da nossa estratificação cultural,
não se reconhecem as uniões entre pessoas do mesmo sexo, de forma a dar maior
honorabilidade à união que se queira identificar como entidade familiar.
Tal regramento encontra-se insculpido não apenas no Código Civil, como
também na própria Constituição Federal de 1988, que, como bem alude Hans Kelsen
32
,
encontra-se no ápice da pirâmide, e, por via de conseqüência, todo ordenamento jurídico
infraconstitucional deve sujeitar a tal regramento.
Assim, acompanhando a orientação da norma constitucional, o Código
Civil, apenas reconheceu a união estável entre homem e mulher; portanto, apenas será
reconhecida as relações heterossexuais, ou seja, onde haja diversidade de sexos, excluindo
de forma explícita a tentativa de reconhecimento de união estável quando se tratar de casais
homossexuais.
No entanto, devemos salientar que nos dias atuais, essas uniões entre pessoas
do mesmo sexo, dada a relevância concernente a esta matéria, são tratadas pelos Tribunais
como uma sociedade de fato, dando ensejo a partilha de bens adquiridos pelo esforço
comum
33
, bem como assegurando proteção previdenciária aos casais homossexuais
34
.
32
Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 247.
33
Julgamento do REsp 148.897/MG, de 06 de abril de 1998, pela da 4ª Turma do STJ, cujo Relator foi o
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR JR., reformando a decisão da Justiça de Minas Gerais que havia
negado pedido de partilha de bens decorrente de relação homossexual, com a seguinte ementa: “SOCIEDADE
DE FATO – HOMOSSEXUAIS – PARTILHA DE BEM COMUM – O parceiro tem o direito de receber a
metade do patrimônio adquirido pelo esforço comum, reconhecida a existência de sociedade de fato com os
requisitos postos no art. 1.363 do C. Civil, Responsabilidade Civil. Dano Moral. Assistência ao doente com
116
E, segundo nos ensina Maria Berenice Dias
35
, O homossexualismo é um
fato que se impõe e não pode ser negado, estando a merecer a tutela jurídica, ser enlaçado
como entidade familiar”. E continua: “Necessário mudar valores, abrir espaços para
novas discussões, revolver princípios, dogmas e preconceitos.
Todavia, com o decorrer do tempo, bem como dos avanços legislativos, este
posicionamento deve ser modificado, vez que na atual conjuntura da evolução sociocultural
da sociedade, alguns países, tais como França, Alemanha, Dinamarca, Noruega e Holanda,
têm dado direitos a esses casais. No Brasil, a jurisprudência tem evoluído muito, como
podemos observar nos julgados que tendem a admitir uma sociedade de fato entre os
parceiros, dando direito à partilha de bens, bem como admitir em certas situações, a pensão
previdenciária quando do falecimento do seu parceiro.
Entretanto, na atualidade, a união estável apenas e tão somente pode ser
estabelecida por pessoas de sexos diferentes, não abarcando, neste passo, qualquer
interpretação extensiva, como, verbi gratia, as relações homossexuais, denominadas
atualmente como relações homo afetivas.
AIDS. Improcedência da pretensão de receber do pai do parceiro que morreu com AIDS a indenização pelo
dano moral de ter suportado sozinho os encargos que resultaram da doença. Dano que resultou da opção de
vida assumida pelo autor e não da omissão do parente, faltando o nexo de causalidade. Art. 159 do C. Civil.
Ação Possessória julgada improcedente. Demais questões Prejudicadas. Recurso conhecido em parte e
provido.”
34
Instrução Normativa n°25/2000, da Diretoria Colegiada do INSS, que estabelece procedimentos a serem
adotados para a concessão de benefícios previdenciários aos conviventes homossexuais.
35
UNIÃO HOMOSSEXUAL – ASPECTOS SOCIAIS E JURÍDICOS - Publicada na Revista Brasileira de -
Jan-Fev-Mar/2000, pág. 5.
117
4.2.2 Estabilidade:
Por estabilidade nas uniões devemos entender como aquelas em que está
presente a solidez nas relações, de modo que haja um estado de equilíbrio nas relações,
sendo que, mesmo quando surjam perturbações, crises, ou os mais diversos problemas, a
estabilidade tende a permanecer imutável, de sorte que, passado os momentos conturbados,
a relação tende a volver às condições primitivas.
Este requisito não existe nas relações efêmeras, eventuais e precárias. Com
efeito, o Estado busca, efetivamente, proteger o caráter das uniões em que esteja presente a
estabilidade, de molde a elevá-la à categoria de entidade familiar.
4.2.3 Publicidade e Notoriedade
É o reconhecimento social, senão por todos, no mínimo pela comunidade
que abriga os conviventes. Isto ocorre pelo fato de que, para que haja a caracterização da
união estável, esta deva ser pública e notória.
Segundo Mário de Aguiar Moura, “uma convivência como marido e mulher
escondida aos olhos de todos de nada adiantaria a não ser como satisfação íntima dos
conviventes.”
118
A união estável contrai suas qualificações das exterioridades que se
apresentam e de dados de sua existência, vez que a notoriedade constitui um fato cuja
demonstração por si só indica a efetiva existência da união estável, apta a produzir efeitos
enquanto entidade familiar, bem como assume importante função na seara das provas.
Assim sendo, será pública e notória a união quando vivenciada como marido
e mulher aos olhos dos familiares, amigos e vizinhos. Todavia, devemos ressaltar que a
publicidade está mais próxima da seara das provas do que propriamente no campo da
caracterização da união estável, vez que a mesma faz exsurgir fatos e circunstâncias
evidenciadores da existência da união perante toda a sociedade.
4.2.4 Inexistência de Impedimento Matrimonial:
Como base da sociedade, a família repousa seus princípios em valores
morais, protegendo as relações de pessoas que não possuam impedimentos para se casar. A
própria Carta Magna trilhou este entendimento, induzindo a proteção apenas na ligação não
adulterina.
A orientação doutrinária e jurisprudencial reprova as relações concubinárias
adulterinas, na caracterização da união estável. Esta, aliás, foi a orientação adotada pelo
Código Civil, que fez diferenciação, de forma explícita, sobre as relações que gozam ou
não de proteção estatal.
119
Conforme preceitua José Francisco Cahali, “...a norma constitucional afasta
a possibilidade de reconhecimento do concubinato impuro, como apto a produzir efeitos
jurídicos próprios dos membros da entidade familiar, uma vez estabelecida o seu esquema
de estruturação nos moldes do matrimônio.”
Sua exigência funda-se em que o concubinato, ou seja, uma relação
adulterina fulminaria eventual pretensão a direito decorrente de uma união ilícita e
injurídica, porque a lei só facilitará a conversão em casamento daquelas uniões quem
estejam, no mínimo, aptas para fazê-lo, ou seja, daquelas uniões onde não estão presentes
os impedimentos matrimoniais.
Esta mesma orientação é adotada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, na
extração do julgado com a seguinte ementa: UNIÃO ESTÁVEL – Descaracterização –
Convivência simultânea com a esposa e a outra mulher – Pretendida partilha de bens –
Incomunicabilidade – Inteligência da Lei 9.278/96” (RT750/249).
Tanto é assim, que o Código Civil, no parágrafo 1° do artigo 1723, assim
determina a impossibilidade de constituição de união estável na hipótese de ocorrência dos
impedimentos matrimoniais contidos no artigo 1521 do mesmo diploma legal.
Com efeito, a união estável somente pode ser caracterizada quando ambos os
conviventes não possuírem impedimentos matrimoniais. Desta forma, acompanhando tal
orientação do Código Civil de 1916, o Novo Código Civil reproduzindo os incisos do artigo
183 do Código Civil vigente atinentes aos impedimentos dirimentes absolutos, os elenca
120
em seu artigo 1521 como causas impeditivas do matrimônio, de modo a impedir a
caracterização da união estável, vez que se estatuiu no parágrafo 1° do artigo 1723, que a
união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do artigo 1521
36
.
Correta a orientação do Novo Código Civil, pois o que se tem em vista é
salvaguardar: a consangüinidade, verbi gratia, parentesco em linha reta ou colateral; a
monogamia, verbi gratia, proibição de pessoas já casadas; a moralidade e a decência
familiar, verbi gratia, proibição do casamento, nos casos de adoção, entre o adotado com o
filho do adotante, entre o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com
quem o foi do adotante; ou ainda uma espécie de sanção para àquelas pessoas que tenham
cometido crime contra o seu consorte, verbi gratia, homicídio tentado ou consumado.
Com efeito, os impedimentos constantes do artigo 1521 do Código Civil
impedem a caracterização da união estável, vez que o que se pretende acautelar é a
existência de relações onde haja pessoas desimpedidas para uma futura conversão em
casamento, e que tenham por escopo a constituição familiar, excluindo desta proteção as
relações adulterinas, incestuosas e promíscuas, contrárias à moral e aos bons costumes, que
servem apenas para desestruturar a família, bem como degradar e corromper a sociedade.
36
CC, Art. 1.521. Não podem casar:
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu
consorte.
121
Interessante salientar que o parágrafo 1° do artigo 1723
37
do Código Civil
insere uma exceção ao rol de causas impeditivas do artigo 1521, dispondo que não se aplica
a incidência do inciso VI, no caso da pessoa casada se achar separada judicialmente ou
separada de fato.
Com efeito, quando houver a cessação da vida em comum dos cônjuges sem a
intervenção judicial, comumente denominada separação de fato e, caso essa pessoa
separada de fato venha constituir com uma outra pessoa, uma relação de convivência
pública, contínua e duradoura e que tenha por objetivo a constituição de uma nova família,
será admissível a caracterização da união estável. Assim sendo, em conformidade com o
parágrafo 1° do artigo 1723 do Novo Código Civil, pode se caracterizar a união estável,
quando um ou ambos os conviventes forem separados de fato.
Interessante salientar que este entendimento adotado pelo Código Civil se
coaduna com a jurisprudência atual, como forma de aproximar a legislação pátria com os
anseios da sociedade.
Outrossim, o Código Civil vigente, reproduzindo os impedimentos
impedientes constantes do artigo 183 do Código Civil de 1916, os elenca no parágrafo 2°
do artigo 1523
38
, como causas suspensivas do matrimônio. E, conforme aduz o parágrafo 2°
37
CC, Parágrafo 1º do artigo 1723 - A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art.
1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou
judicialmente.
38
CC, Art. 1.523. Não devem casar:
I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e
der partilha aos herdeiros;
122
do artigo 1723
39
, estas causas suspensivas não impedirão a caracterização da união estável.
Assim sendo, independentemente de existirem causas suspensivas constantes do artigo ora
mencionado, não haverá óbice legal a caracterização da união estável.
Entretanto, a nosso sentir, tal dispositivo deve ser entendido por intermédio da
interpretação sistemática, onde a união estável apenas poderá ser caracterizada no caso dos
incisos I, III e IV do artigo 1523, quando restasse provada a inexistência de prejuízo para os
herdeiros, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada, ou quando houvesse
sido feito o inventário dos bens do casal, bem como a partilha aos herdeiros, no caso do
viúvo ou a viúva possuir filhos do cônjuge falecido, ou ainda quando houvesse sido
homologada ou decidida a partilha dos bens, no caso de divórcio do casal, igualmente
quando estivessem saldadas as respectivas contas da pessoa tutelada ou curatelada, no caso
de nomeação de tutor ou curador. Da mesma forma, não haverá óbice à caracterização da
união estável, de acordo com o inciso II do artigo 1523, quando a mulher ou a viúva provar
o nascimento de filho, bem como a inexistência de gravidez, na fluência do prazo.
II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do
começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;
III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal.
IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa
tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas
contas.
Parágrafo único: É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhe sejam aplicadas as causas
suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo,
respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso
II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo
39
CC, Parágrafo 2º do artigo 1723 – As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da
união estável.
123
Com efeito, tal interpretação do Código Civil, tem como finalidade não
apenas garantir a estabilidade da união, como também salvaguardá-la de uma possível
confusão patrimonial entre o patrimônio dos herdeiros, dos ex-cônjuges, das pessoas
tuteladas ou curateladas, com o patrimônio do futuro companheiro, em virtude da iniciação
de uma nova relação, tendo em vista a proteção estatuída na lei. Outrossim, também
procurava-se evitar a turbatio sanguinis, ou seja, a incerteza da paternidade de filho cuja
concepção pode ser atribuída tanto ao casamento quanto à união estável anterior, como
também ao novo casamento ou à nova união estável, da viúva, ou da companheira pelo
término da união estável anterior, ou, ainda, da mulher cujo casamento se desfez por ser
nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da
união estável ou da sociedade conjugal.
Todavia, caso tal interpretação sistemática não seja adotada, caso haja a
caracterização da união estável, quando da existência de uma das causas suspensivas do
artigo 1523 do Código Civil, caberá ao judiciário a incumbência de solucionar os litígios
atinentes a confusão patrimonial entre casamentos ou uniões anteriores com a nova união
estável, ou até mesmo a turbatio sanguinis, ou seja, a incerteza da paternidade de filho cuja
concepção pode ser atribuída tanto ao casamento quanto à união estável anterior, como
também à nova união estável.
Assim, o impedimento matrimonial impede a caracterização da união estável
porque torna impossível sua conversão em casamento, haja vista tratar-se relação
adulterina, que, como é sabido, é repudiada pelo direito pátrio.
124
4.2.5 Coabitação
A coabitação é uma das características da união estável; entretanto, não é
requisito indispensável a sua caracterização, sendo permitida a constatação do instituto sem
a sua verificação, desde que exista o animus de o homem e a mulher se unirem objetivando
constituir família e a convivência more uxorio, e não apenas um relacionamento eventual.
Neste sentido, Maria Helena Diniz aduz que: “Ante a circunstância de que
no próprio casamento pode haver separação material dos consortes por razões de doença,
de viagem ou de profissão, o concubinato pode existir mesmo que os amantes não residam
no mesmo teto, desde que seja notório que sua vida se equipara à dos casados civilmente.”
Neste mesmo sentido, Washington de Barros Monteiro diz que: “Não se
pense, todavia, que a coabitação se torne necessária para caracterizar o concubinato, pois
pode este existir sem que convivam os concubinos na mesma casa.”
Esta mesma orientação é ditada por Fernando Malheiros Filho, que
preceitua: “A inexistência de coabitação, em que pese exsurja claramente da soma dos
atributos consignados como necessários à consecução da entidade familiar pelo artigo 1º,
da Lei nº 9278/96, não haverá de servir de impedimento absoluto aos efeitos do
relacionamento entre homem e mulher.”
125
Neste diapasão, a Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal enuncia: “A
vida em comum sobre o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do
concubinato.”
Entretanto, obsta o reconhecimento da união estável no caso de um homem
casado manter-se em concubinato com uma outra mulher, não pelo fato de ambos viverem
sobre tetos diferentes, mas sim pelo fato de que esta relação adulterina não encontra guarida
no direito pátrio, vez que a própria Constituição Federal, bem como a legislação pátria,
apenas protegem as relações advindas ou do casamento, ou de uniões estáveis, de modo a
acobertarem-se sobre o manto estatal tais relações, repudiando-se aquelas relações que
possam abalar a estrutura familiar, que é considerada com os pilares de sustentação da
sociedade.
Desta forma, deve-se ter em mente que a diversidade de residência é uma
exceção à regra, que nos dizeres do Ilustre Professor Francisco José Cahali, “...é permitida
em toda e qualquer regra jurídica”; no entanto, a vida sob o mesmo teto deve ser exigida.
Dessume-se, portanto, que a coabitação entre os companheiros, a priori,
deve ser tida como regra, mas que em caráter excepcional não é necessário morar sob o
mesmo teto para a configuração da união estável, assim sendo, a coabitação não é requisito
indispensável à caracterização da união estável, sendo possível sua caracterização diante
dos demais requisitos elencados na lei.
126
4.2.6 Lealdade
Muito embora o Código Civil, em seu artigo 1724, tenha inserido a lealdade
como um dos deveres atinentes às relações pessoais entre os partícipes da união estável,
devemos entender tal dever em similitude com o dever de fidelidade contido no
matrimônio, pois tal dever têm como fito precípuo obstar qualquer tipo de relação extra
familiar, ou seja, fora do âmbito familiar da convivência dos companheiros, mormente
quando não apenas todo o regramento pátrio atribua a caráter monogâmico da relação, mas
principalmente com tendo como escopo preservar a família e os membros nela inseridos.
Justamente porque a lealdade denota o animus da estabilidade da união, que
uma vez ausente, acaba por fulminar com os elementos configuradores dessa união, tal seja,
a estabilidade da relação.
Com efeito, embora a lealdade não se configure como uma condição
indispensável à caracterização da união estável; entretanto, ela condiz com o dever de
respeito recíproco e moral entre os conviventes, de forma que mesmo não sendo um dever
fundado em lei, sua ausência resvala em um outro elemento essencial à caracterização da
união estável, qual seja, o objetivo de constituição de família.
Portanto, a ausência da lealdade por si só não pode ser considerada
elemento essencial à caracterização da união estável; todavia, deve ser levada em conta
quando do reconhecimento da união estável, de forma a evitar o reconhecimento de uma
união onde não há o objetivo de constituição de família.
127
Todavia, para a companheira de boa-fé, pelo seu escusável desconhecimento
da deslealdade do companheiro, diante da não caracterização da união estável, deve
prevalecer o entendimento similar ao do casamento putativo. Mas, para que ocorra isto, é
necessária a robusta demonstração de boa-fé, além da presença dos demais elementos
caracterizadores da união estável. Esta mesma orientação é ditada pelo iminente Doutor
Yussef Said Cahali.
4.2.7 Continuidade e durabilidade
Será contínua e duradoura a união constante que não sofra interrupções, isto
é, onde haja uma permanência da relação, de forma a diferenciá-la das relações efêmeras, e,
ao mesmo tempo, se prolongue no tempo. Esta continuidade e durabilidade torna-se
necessária, mas não indispensável para a verificação da união estável.
De acordo com Francisco José Cahali, a maioria da doutrina e jurisprudência
adota a posição no sentido de ser relevante o fator tempo do relacionamento para a
caracterização da união.
Esta continuidade e durabilidade da relação enseja aparentá-la como estável,
de forma a completar o verdadeiro sentido da lei, qual seja, “contínua e duradoura”;
entretanto, estabelecer prazo para aferição da união estável faria com que se reconhecessem
uniões onde elas não existam e não reconhecê-las onde realmente existam.
128
Logo, para a caracterização da união estável, devemos considerar o lapso
temporal como meio de prova de estabilidade, mas não como requisito para a produção de
seus efeitos.
De acordo com Castelo Branco, “(...) o aplicador da lei deve atentar mais
para a qualidade da relação do que propriamente na duração da mesma.”
Desta sorte, o Código Civil de modo racional não fez menção de prazo para
a caracterização da união estável, uma vez que poderiam ocorrer situações onde os direitos
dos conviventes seriam lesados, pois se reconheceria estabilidade da união onde o fim
precípuo não fosse a constituição familiar, ou, o que é pior, se deixaria de reconhecer
quaisquer direitos entre os companheiros, em uma união onde a finalidade primordial fosse
a constituição familiar, pelo simples fato do não cumprimento do lapso temporal, dando
ensejo à possibilidade deste regramento causar grave lesão aos direitos de um ou de ambos
os conviventes, contrariando assim a ordem constitucional de proteção estatal.
Assim, o Código Civil não faz imposição de prazo mínimo no que diz
respeito à continuidade, durabilidade ou estabilidade da união, considerando assim a
tendência atual tanto da doutrina e da jurisprudência, como também do avanço legislativo,
no sentido de se evitar estipulação do fator tempo no reconhecimento dessas relações.
129
Com efeito, segundo nos assevera Rainer Czajkowski
40
: “fixar um prazo
cronológico mínimo para aferir a existência de uma união estável, é correr o risco de
detectá-la onde não existe ou, o que é pior, negá-la onde efetivamente se configura.”
É pertinente também a indagação feita por Renato Franco de Almeida
41
:
“Dessa forma, quid iuris, se o ex-convivente tencionar recorrer ao judiciário para
demandar em face do outro, inobstante terem convividos como se casados fossem por
quatro anos e seis meses. Não haverá proteção jurídica para os direitos que daí surjam?”
Assim, por exemplo, pode ocorrer que existam relações de convivência que
se configure com lapso temporal menor do que outras, vez que naquelas foram preenchidos
os requisitos legais caracterizadores da união estável. Assim, na hipótese de existirem dois
casais, ora denominados “A” e “B”, que começaram a viver juntos em uma determinada
época. Sabendo-se que o casal “A”, desde o início da convivência, sempre tiveram por
objetivo a constituição familiar, de modo estável, público e notório; ao contrário do casal
“B” que trata-se de uma convivência instável, vez que não preenche os requisitos
caracterizadores previstos na lei. Assim, na hipótese ora em epígrafe, o reconhecimento da
união estável para o casal “A” terá um lapso temporal bem inferior ao do casal “B”, tendo
em vista que deve-se analisar as situações caso a caso.
Assim sendo, considerar-se-á o prazo tão-somente como parâmetro de
referência, para, com outros requisitos, exteriorizar a estabilidade da relação.
40
União Livre. Ed. Juruá, 1996, p.72.
41
União Estável – Qual a estabilidade dessa união? www.jus.com.br, Dez.2000. 18 horas.
130
4.2.8 Objetivo de Constituição de Família
O objetivo de constituição de família traduz-se pela comunhão de vida e
interesse, capaz de gerar efeitos positivos.
Este requisito estará presente quando demonstradas fiquem a recíproca
afeição, a assistência mútua e a conjugação de esforços para benefícios de ambos,
excluindo as relações que não tenham como objetivo a formação de uma entidade familiar.
Segundo José Lamartine Correia de Oliveira, “(...) é uma comunhão de vida,
em que dominam essencialmente relações de sentimentos e interesses de vida em
conjunto.”
Assim, por exemplo, se um casal de namorados ingressa em um faculdade
fora de sua cidade, e juntos alugam uma casa com a finalidade de moradia e divisão de
despesas, durante este período de faculdade não há que se falar em reconhecimento da
união estável, caso um deles venha a pedir o reconhecimento do vínculo, já que falta o
requisito primordial, tal seja, o objetivo de constituição de família. Com isso, o simples fato
de residir conjuntamente não gera, por si só, o reconhecimento do vínculo afetivo, de modo
a se reconhecer a união estável.
Esta mesma orientação pode ser observada no julgamento do Acórdão n°
598.349.306, pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com o seguinte teor:
131
UNIÃO ESTÁVEL – ANTECEDENTE AO CASAMENTO – O período
de namoro e noivado que antecedeu o casamento não configura união estável para fins de
partilhamento dos bens então adquiridos. Apelo improvido. (TJRS – AC 598.349.306 – 7ª
C.Cív. – Relª Desª Maria Berenice Dias – J. 17.03.199903.17.1999).
No mesmo sentido o Tribunal de Justiça de São Paulo pronunciou-se quando
do julgamento da Ap. n°038.013-4/7, com a seguinte ementa:
UNIÃO ESTÁVEL – SOCIEDADE DE FATO –
DESCARACTERIZAÇÃO – RELACIONAMENTO DE AMIZADE E
CONVIVÊNCIA SOCIAL, SEM HAVER ENVOLVIMENTO ÍNTIMO, VIDA EM
COMUM OU COMUNHÃO DE LEITO – INAPLICABILIDADE DO ART. 226, § 3º,
DA CF E DAS LEIS 8.971/94 E 9.278/96 – O relacionamento de amizade e convivência
social mantido entre homem e mulher, sem haver envolvimento íntimo, vida em comum ou
comunhão de leito, não caracteriza união estável e sociedade de fato, nos termos do art.
226, § 3º, da CF e das Leis 8.971/94 e 9.278/96, de molde a justificar a divisão de bens.
(TJSP – Ap 038.013-4/7 – SJ – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Alexandre Germano – J.
23.06.199806.23.1998) (02.757/172)
Com isso, para que possa existir este objetivo de constituição de família, de
modo a caracterizar a união estável, devem estar presente a affectio maritalis e a more
uxorio, ou seja, a intenção dos partícipes na convivência comum, como se casados fossem,
de forma a estar presente a assistência material e emocional recíproca.
132
4.3. SEPARAÇÃO DE FATO E UNIÃO ESTÁVEL
A separação de fato há muito vem modificando a vida sócio-familiar. Para se
ter uma idéia, segundo dados fornecidos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), das 14.229 separações que ocorreram no ano de 1994, 4.052 foram realizadas
através da separação de fato.
Ainda hoje, este tema é tratado de forma controvertida tanto pela doutrina
como pela jurisprudência, porque que para uns não há caracterização da união estável,
tendo em vista a impossibilidade de se casar, enquanto para outros deve-se admitir a
relação, tendo em vista a ruptura definitiva por parte do ex-consorte.
A Carta Magna, no que tange à separação de fato, contempla apenas um
único efeito, disposto no artigo 226, parágrafo 6°, que deve ser entendido em consonância
com o artigo 40 da Lei n°6515, de 26 de dezembro de 1977, possibilitando a dissolução do
casamento por intermédio do divórcio direto, após 02 (dois) anos de separação de fato.
Com efeito, a legislação pátria não tem acompanhado a evolução da
sociedade, restando à doutrina e à jurisprudência implementar tal assertiva, no sentido de
reinterpretar a legislação pátria, de modo a regular, bem como delimitar, os efeitos e as
implicações que a separação de fato traz à tona, de modo a conferir eficácia patrimonial à
separação de fato, e, ao mesmo tempo evitar o enriquecimento ilícito, vez que se tornaria
injusta a participação de um dos ex-cônjuges nos bens do outro, que os adquiriu por esforço
próprio, após a separação de fato.
133
Conforme aduz Márcio Túlio Murano Garcia
42
: “Pouco importa que a lei
não tenha previsto a separação de fato como forma de dissolução da sociedade conjugal,
nem tenha regulado outro efeito dela decorrente senão o de dar azo à separação ou ao
divórcio, pois o fato social se impôs”.
Alguns julgados
43
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negam
qualquer efeito à união estável se ocorrida durante a separação de fato, sendo que, somente
após a separação judicial, ou então o divórcio direto, é que se começa a contagem do
tempo, para efeito de proteção estatal.
Neste mesmo sentido, posicionou-se a Corregedoria-Geral do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro instituindo o Provimento n° 3, de 20 de agosto de 1996,
que assim reza: “a circunstância de serem um ou ambos os conviventes separados de fato
dos respectivos cônjuges, descaracteriza a estabilidade da união”.
Este provimento foi instituído como forma de se evitar a concomitância de
direitos entre um dos cônjuges e o convivente de seu consorte, ou seja, tenta-se evitar a
confusão patrimonial que porventura possa vir a ocorrer entre um dos cônjuges e o
convivente de seu consorte.
No entanto, vários autores compartilham da tese de caracterização da união
estável quando um ou ambos os conviventes se encontram separados de fato, tais como
42
Revista Brasileira de Direito de Família. In: Separação de Fato e seus efeitos. N°3, Out./Nov/Dez. 1999.
43
RT412/159 e RT423/126.
134
Álvaro Villaça de Azevedo, Mário de Moura Aguiar, Francisco José Cahali e Teresa
Arruda Alvim.
Com lapidar explanação, Teresa Arruda Alvim faz distinção entre constância
e existência do casamento, e explica que “não é porque marido e mulher não formalizaram
a separação, através de uma medida (declaratória)..., que se pode dizer que continuam
casados.” E continua a autora: “...havendo acréscimo do patrimônio após anos de
separação de fato, a esposa do herdeiro não faz jus à meação.” E ainda acrescenta: “Ora,
não se deve impedir ou desestimular, após o casamento definitivamente frustado, a busca
da felicidade dos separados através da constituição de outra ligação afetiva... E,
caracterizada a estabilidade da nova união, nenhuma relevância deve ter a existência do
casamento ‘só no papel’, ou como ‘reminiscência cartorial’ .”
De acordo com o Professor Francisco José Cahali, é admissível a
caracterização de união estável, mesmo se um ou ambos os consortes forem apenas
separados de fato, vez que, para o autor, efetivamente, a separação de fato põe termo ao
regime de bens e aos deveres do casamento, dentre eles a coabitação e a fidelidade. Assim
sendo, tornam-se os cônjuges, separados de fato, desimpedidos para constituírem nova
família através da união estável; no entanto, nada obsta que o cônjuge separado de fato que
não deu causa ao rompimento matrimonial, peça alimentos do outro cônjuge, se deles
necessitar.
Interessante salientar que o cônjuge separado de fato que não deu causa a
separação, e que necessitar dos alimentos, tem direito de recebê-los. No entanto, devemos
135
evitar situações onde os cônjuges que são separados de fato a um longo tempo, venham
requerer alimentos, vez que o dever de assistência nestes casos não mais existe. Outrossim,
devemos repudiar também aquelas situações onde o ex-cônjuge, após a convivência
frustrada com uma outra pessoa, venha requerer alimentos do outro ex-cônjuge, vez que
também nestes casos não mais haverá o dever de mútua assistência, de modo proteger tais
situações.
Esta orientação foi adotada pela 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro, no julgamento da Ap. n°1994.001.07068, de 25 de julho de 1995, cujo
Relator foi o Des. Paulo Sérgio Fabião, que assim decidiu: “Família. Pensão requerida
pela mulher separada de fato há mais de 17 (dezessete) ano, período em que viveu em
concubinato com outro homem. Desfeita a sociedade concubinária, não tem a mulher
direito de pleitear o pensionamento, ainda mais quando não comprova a necessidade de
ser pensionada. A sociedade conjugal há muito se encontra dissolvida não mais subsistindo
o dever de mútua assistência, previsto no inciso III, do artigo 231, do Código Civil”.
Neste mesmo sentido a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, no julgamento da Ap. n°1996.001.05328, de 02 de janeiro de 1997, cujo Relator foi
o Des. Semy Glanz, assim decidiu: “Alimentos requeridos por cônjuge separado de fato,
que já viveu por longos anos em união estável com outros. Réu interditado. Sendo o
requerente o cônjuge culpado pela separação, não faz jus à alimentos. Sentença
confirmada”.
136
Já Álvaro Villaça de Azevedo diz ser admissível a união estável quando um
dos conviventes for separado de fato; entretanto, o autor sugere um prazo maior para sua
qualificação, bem como uma distinção dos efeitos patrimoniais em relação aos
impedimentos.
Com muito acerto, alguns Tribunais têm entendido que o Direito deve
proteger a essência muito mais do que a forma. Sob este prisma, devemos entender que
nada impede que duas pessoas outrora casadas, vivam separadas de fato, vez que inexiste
neste caso o vínculo conjugal. Outro motivo preponderante para o reconhecimento da
convivência para as pessoas separadas de fato é o desaparecimento da figura da
adulterinidade, bem como o de se evitar o locupletamento ilícito por parte do ex-consorte
que não mais contribui da aquisição dos bens.
Uma decisão de 1981, que, de acordo com Márcio Túlio Murano Garcia,
parece ser a decisão pioneira, nesse sentido, do TJMG, mereceu a seguinte ementa:
“DIVÓRCIO – SEPARAÇÃO DE FATO – ART. 40 DA LEI Nº 6.515/77 – INTELIGÊNCIA
– INCOMUNICABILIDADE DOS BENS – VOTO VENCIDO – Se existe uma situação de
fato, nítida e inconfundível revelando que a vida em comum entre os cônjuges desavindos
está desfeita há mais de 5 (cinco) anos, torna-se injusto impor a partilha dos bens
adquiridos somente depois de desfeito o matrimônio”.
Neste mesmo sentido, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais, no julgamento do Ac. n°53.454, cujo Relator foi o Des. Oliveira Leite, assim
entendeu: “Se existe separação de fato, nítida e inconfundível, revelando que a vida em
137
comum entre os cônjuges desavindos está desfeita, há mais de cinco anos, torna-se injusto
impor a partilha dos bens adquiridos somente depois de desfeito o matrimônio”. (JB 51/96)
Esta mesma orientação foi seguida pela 3ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça de São Paulo, no julgamento do Ac. n°147.634-1/0, em 24 de setembro de 1991,
cujo Relator foi o Des. Silvério Ribeiro, cuja ementa tem o seguinte teor: “Afigura-se
injusto, atingindo as raias do enriquecimento ilícito, considerar de ambos os cônjuges,
dado o casamento sob o regime de comunhão universal de bens, mas havendo separação
de fato, o patrimônio adquirido durante a relação concubinária, ainda que proveniente de
loteria esportiva. (RT674/111)
Neste mesmo sentido a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo,
no julgamento do Ac. n°174.775-1/5, em 23 de setembro de 1992, cujo Relator foi o Des.
Souza Lima, assim decidiu: ”O regime de bens é imutável. Mas, se o bem foi adquirido
pela mulher quando a muito o casal estava separado de fato, sem qualquer contribuição do
ex-marido, este bem não pode ser partilhado”. (RT695/92)
Neste mesmo diapasão, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais, no julgamento do Ac. n°3.414/0, em 16 de março de 1993, cujo Relator foi o Des.
Bernardino Godinho, com a seguinte ementa: “Não obstante o regime legal de comunhão
universal de bens adotados pelas partes, não serão os bens divididos entre os cônjuges se
todos os existentes em nome do Réu foram adquiridos por ele após a separação de fato e
após o rompimento da convivência em comum, mediante o trabalho exclusivo do ex-
marido, sem qualquer contribuição da ex-mulher”. (RT 705/169)
138
Nesta mesma linha de raciocínio, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul, no julgamento do AC. n°591.028.675, em 28 de outubro de 1992,
cujo Relator foi o Des. Alceu Binato de Moraes, assim decidiu: “CONCUBINATO –
Partilha de bens. Meação. Bens adquiridos durante a vigência de longo concubinato de
homem casado, após separação da esposa e antes do ‘desquite’ judicial consensual.
Meação concedida à concubina, não assistindo qualquer direito de participação à
esposa”. (RJ 188/96)
E, mais recentemente, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no
julgamento do Resp n° 86.302, de 06 de setembro de 1999, cujo Relator foi o Ministro
Barros Monteiro, assim se pronunciou: DIVÓRCIO – PARTILHA DE BENS – MEAÇÃO
REIVINDICADA PELO MARIDO EM BENS HAVIDOS PELA MULHER APÓS LONGA
SEPARAÇÃO DE FATO. Não se comunicam os bens havidos pela mulher após longa
separação de fato do casal (aproximadamente 20 anos).
Esta, aliás, foi a orientação adotada pelo Código Civil, que no parágrafo 1°
do artigo 1723, expressamente faz alusão a possibilidade de caracterização da união estável,
mesmo diante de um dos conviventes estiver apenas separado de fato ou judicialmente.
Assim sendo, para que possa se caracterizar a união estável, tendo em vista
que um ou ambos os conviventes se encontram separados de fato, devemos considerar não
só o animus nítido e inconfundível do término definitivo daquele casamento, que nas
palavras de Ney de Mello Almada, “consiste no ânimo definitivo alimentado pelos
139
separados, que não mais desejam o casamento em sua constância”, como também um
lapso de tempo mínimo, como forma de dar uma maior segurança às uniões posteriores, de
se evitar uma confusão patrimonial, bem como de se instituir uma maior credibilidade de
que a ruptura do casal foi realmente definitiva.
Demais, podemos considerar o lapso temporal de 2 (dois) anos de separação
de fato para o pedido de divórcio direto, conforme estatuído no artigo 226, parágrafo 6° da
Carta Magna, para dar eficácia plena à separação de fato.
Não discrepa deste pensamento Márcio Túlio Murano Garcia, aduzindo que:
“O biênio constitucional, aliás, na falta de um outro critério mais apropriado, poderia
servir de marco para fixar o momento em que se presumiria a cessão do regime de bens e
os demais efeitos pessoais e patrimoniais da separação de fato, desde quando a separação
de fato teria total eficácia”.
Dessume-se, portanto, que os efeitos advindos da separação de fato aos
poucos vão sendo lapidados pelos nossos Tribunais, como forma de aproximar a legislação
pátria dos anseios da sociedade.
140
4.4. DIREITOS E DEVERES NA UNIÃO ESTÁVEL
O artigo 1724
44
do Código Civil, que trata dos direitos e deveres dos
conviventes, aduz que nas relações pessoais entre os companheiros obedecer-se-á aos
deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos,
reproduzindo assim a orientação anteriormente dada pelo artigo 2° da Lei 9278/96.
De acordo com Washington de Barros Monteiro
45
, “na discriminação dos
deveres, contenta-se o legislador comum mínimo de recomendações; mas fora de seu
campo de ação existem ainda outros numerosos deveres morais, imprescindíveis à boa
harmonia conjugal, à felicidade doméstica, à paz familiar, como o amor mútuo, a
confiança e o recíproco respeito, que dependem de cada cônjuge individualmente, de sua
cultura, educação, sensibilidade e temperamento.”
Interessante salientar que o Código Civil trouxe um novo dever, não
elencado anteriormente no artigo 2° da Lei 9278/96, denominado “dever de lealdade” que
consiste no dever do companheiro em manter um vínculo afetivo único, de modo que os
companheiros mantenham uma relação monogâmica, vez que no direito pátrio sempre se
repudiou a poligamia. Assim sendo, a lealdade está para os companheiros, assim como a
fidelidade está para os cônjuges, cujo descumprimento no primeiro caso faz exsurgir uma
44
CC, Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e
assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
45
Curso de Direito Civil. 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997. P.115
141
injúria grave, enquanto que neste último faz exsurgir o adultério, dando ensejo em ambos
casos na quebra dos deveres tanto da união estável, como do matrimônio, acarretando a
autorização da dissolução da relação, seja advinda da união estável, seja advinda do
matrimônio, por tornar insuportável a vida em comum entre os membros da relação.
Com efeito, haverá deslealdade entre os companheiros quando um deles, ou
até mesmo ambos mantém relações íntimas com terceiros, desvirtuando a verdadeira
concepção da união estável, salvaguardada pelo ordenamento pátrio, de modo acarretar a
quebra dos deveres inerentes a relação de convivência, e, por via de conseqüência a ruptura
da mesma.
Neste dever também podemos inserir o dever de fidelidade, pois a poligamia
de um dos conviventes retira todo o conteúdo de seriedade, estabilidade e honestidade que
deve pressupor esta relação, de modo que a infidelidade de um dos conviventes gera um
desrespeito, bem como uma falta de consideração para com o outro companheiro, dando
ensejo à quebra de um dos deveres dos conviventes, de modo a propiciar a ruptura da união.
Já o "dever de respeito" entre os conviventes deve ser tratado como um
dever de ordem moral, no qual cada convivente se obriga a respeitar o outro, honrando a
pessoa do companheiro com quem constituiu uma família, de modo a demonstrar
consideração e o valor deste no convívio familiar, enquanto que o "dever de assistência"
entre os companheiros deve ser entendido como o amparo que um convivente deve ter em
relação ao outro, seja através da assistência moral, seja dando soluções aos problemas,
decorrentes das lutas diárias, seja confortando espiritualmente, seja através da
142
solidariedade, em uma verdadeira comunhão de vida e interesse, como também da
assistência material. contribuindo com recursos financeiros para o sustento e despesas
provenientes da união.
Assim, eles estão obrigados a se ampararem mutuamente, tanto no aspecto
material, contribuindo com recursos financeiros para o sustento e despesas provenientes da
união, bem como sob aspecto moral, de forma a viabilizar a convivência e estabilidade da
união, seja dando soluções aos problemas, decorrentes das situações árduas que porventura
surjam no dia-a-dia, seja confortando espiritualmente, seja através da solidariedade, em
uma verdadeira comunhão de vida e interesse.
A assistência material, também denominada de “dever de socorro”, é vista
como um auxílio financeiro destinado à subsistência da família, mediante contribuição dos
encargos familiares, bem como o sustento de uma forma genérica, de modo a propiciar um
estado de perfeita satisfação física e moral, no seio da família.
Segundo nos ensina Edgard de Moura Bittencourt, citado por João Roberto
Pazaritto
46
: “Realmente, sem a recíproca afeição, mais ou menos duradoura, assistindo-se
mutuamente e conjugando esforços em benefício de ambos, não há falar em efeitos
jurídicos positivos, de forma a estabelecerem obrigações entre eles.”
Como assevera a Professora Maria Beatriz Tavares da Silva Papa dos
Santos, “a assistência moral baseia-se no amor, que se presume existir entre os
companheiros, razão pela qual pode parecer impossível delimitar seu conteúdo no plano
143
jurídico...”. E continua: “Porém, é exatamente a idéia de afeição contida nesse dever que
acarreta sua extrema relevância, eis que nele se manifesta a coincidência desse sentimento
com a comunhão de esforços na luta da vida. Em suma, a mútua assistência moral tem
como conteúdo a observância recíproca da conduta própria de duas pessoas que se
amam”
Repetindo o inciso III, do artigo 2° da Lei n°9278/96, o Código Civil inseriu
no artigo supramencionado, o dever de guarda, sustento e educação dos filhos comuns, que
diz respeito aos deveres de ambos em relação à prole.
No mesmo sentido os artigos 226, parágrafo 5º e 227, parágrafo 6º, ambos
da Carta Magna, e também o artigo 22, da Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990, dispõem
que aos pais incumbe o dever de educação, guarda e educação dos filhos.
Mister se faz salientar que os filhos de que trata o artigo supramencionado,
tanto pode ser o havido na relação de união estável, fruto do amor dos conviventes, como
também os havidos pela adoção, fruto do amor fraterno e da solidariedade social, dada a
igualdade de filiação estatuída no parágrafo 6° do artigo 227 da Carta Magna.
Outrossim, oportuno trazer à baila que a adoção entre os companheiros está
regulada pelos artigos 1618 a 1629 do Código Civil, onde inseriu-se explicitamente a figura
dos companheiros no rol das pessoas aptas a adotar, desde que comprovada a estabilidade
da família advinda da união estável e, desde que um dos companheiros tenha completado
46
Os Direitos e Deveres dos Concubinos. São Paulo: Ed. do Direito, 1996. p.82
144
18 anos, e, ainda, desde que haja observância do disposto nos artigo 1619
47
, 1623
48
, 1625
49
e 1628
50
do Código Civil.
Por fim, importante frisar ainda que consoante o disposto no parágrafo único
do artigo 1626
51
do Código Civil, caso o companheiro adote o filho de sua companheira,
manter-se-á tanto o parentesco civil entre o adotante, in casu, o companheiro e o adotado,
como também os vínculos de filiação entre o adotado e seu pai natural.
Assim sendo, incumbe a ambos os pais velar pela educação, sustento e
guarda dos filhos, amparando-os para as dificuldades da vida e cuidando da formação moral
e cultural, pois, nos dizeres de Rocco, citado por Washington de Barros Monteiro, “no
círculo da comunidade familiar, modelam os pais a alma do filho, do futuro cidadão.
Segundo o ambiente doméstico, crescerá para o bem ou para o mal a planta do homem.”
Neste mesmo passo, o Cânone 1136 do Código Canônico, assim estabelece:
“Os pais têm o gravíssimo dever e o direito primário de, na medida de suas forças, cuidar
da educação, tanto física, social e cultural, como moral e religiosa, da prole.”
47
CC, Art. 1.619. O adotante há de ser pelo menos dezesseis anos mais velho que o adotado.
48
CC, Art. 1.623. A adoção obedecerá a processo judicial, observados os requisitos estabelecidos neste
Código.
49
CC, Art. 1.625. Somente será admitida a adoção que constituir efetivo benefício para o adotando.
50
CC, Art. 1.628. Os efeitos da adoção começam a partir do trânsito em julgado da sentença, exceto se o
adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso em que terá força retroativa à data do óbito. As
relações de parentesco se estabelecem não só entre o adotante e o adotado, como também entre aquele e os
descendentes deste e entre o adotado e todos os parentes do adotante.
145
4.5 DO DIREITO A ALIMENTOS
Antes da Constituição Federal de 1988, exauria-se o direito da companheira,
ou por uma indenização por serviços prestados, ou pelo simples direito de meação dos bens
adquiridos pela sociedade de fato, sendo que a jurisprudência vinha decidindo pela
inexistência de obrigação legal, de modo que não se dava direito a alimentos, por falta de
previsão legal.
Nesse sentido posicionou-se o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do
RE n°80.982
52
, que assim decidiu: “Concubinato Extinto – Pensão Alimentícia com base
em concubinato extinto. Pensão Indevida. Improcedência, com base no direito e na prova.”
Tal entendimento, como nos ensina o Ilustre Doutor Yussef Said Cahali,
tinha respaldo na doutrina pátria de Caio Mário, Washington de Barros Monteiro e
Lourenço Prumes, que apregoavam descaber o direito a alimentos a título de concubinato
puro, também denominado atualmente de união estável. Note-se que o concubinato impuro,
também denominado de adulterino, sempre foi e continua sendo repudiado tanto pelos
tribunais, como pela própria sociedade, de modo a não possuir guarida no ordenamento
pátrio.
Posteriormente ao advento da Constituição Federal de 1988, gradativamente,
tanto a doutrina como a jurisprudência foram extraindo a verdadeira essência do disposto
51
CC, Art. 1626, Parágrafo único. Se um dos cônjuges ou companheiros adota o filho do outro, mantêm-se os
vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou companheiro do adotante e os respectivos parentes.
52
RTJ 80/119
146
no artigo 226, parágrafo 3° do texto legal, dando direitos a alimentos ao companheiro que
dele necessitar.
No entanto, mesmo depois do surgimento da Carta Magna, alguns julgados
ainda negaram direitos a alimentos, como podemos citar em decisão proferida pelo
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento da Apelação Cível n° 238.346-
1, de 18 de outubro de 1994, cujo relator foi Alfredo Migliore, que assim dispõe:
“ALIMENTOS – Concubinato – Inadmissibilidade – Hipótese não albergada pela lei. –
Regra, quanto a alimentos, relativa a cônjuges e ex-cônjuges – Hipótese em que cada um
deverá cuidar da sua própria subsistência – Apelante, ademais, que não provou a
necessidade dos alimentos – Recurso não provido. Se a ilação que se extrai da norma
constitucional é de que, em havendo separação judicial, normalmente cada ex-cônjuge
cuidará de sua própria subsistência, com muito mais razão quando se cuidaria de união
estável extinta, dada a independência e autonomia de cada um para aceitarem um lar
comum e, bem assim, largarem-se um ao outro os ex-amásios."
Outros, contudo, traduzindo a verdadeira essência do texto constitucional,
reconheceram, incidentemente, o direito de alimentos ao companheiro que dele necessitar,
conforme acórdão majoritário da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul. Outrossim, alguns autores, tais como Sérgio Porto, Sérgio Gischkow
Pereira, dentre outros também se posicionaram no sentido de dar direito a alimentos entre
os companheiros.
147
Foi com o advento da Lei n° 8971, de 29 de dezembro de 1994, bem como
com o advento da Lei n° 9278, de 10 de maio de 1996, que a celeuma fora dirimida, uma
vez que inseriu-se disposição expressa acerca da possibilidade e permissibilidade de dar
assistência material para o convivente que dela necessitasse, a título de alimentos.
A matéria atinente a alimentos veio a ser disciplinada pelos artigos 1694 a
1710 do Código Civil, conjuntamente com os alimentos decorrentes do casamento, desta
forma, a mesmo tratamento a ser utilizado ao casamento, aplicar-se-á também a união
estável.
Assim, em consonância com o artigo 5° da Lei n°8971/94 e artigo 7° da Lei
9278/96, o Código Civil, em seus artigos 1694, "caput"
53
e 1695
54
, explicitamente aduziu
que é possível ao companheiro pedir alimentos ao outro companheiro quando deles
necessitar, desde que o companheiro que tenha pleiteado alimentos não tenha bens
suficientes, nem possa prover, pelo seu trabalho, à própria mantença e, aquele de quem se
reclamem, possa fornecê-los sem comprometer seu próprio sustento.
Com isso, o Código Civil, seguindo a mesma orientação outrora trilhada,
admite a possibilidade dos companheiros pedir uns dos outros os alimentos necessários para
viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às
necessidades de sua educação.
53
CC, Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que
necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades
de sua educação.
54
CC, Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode
prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem
desfalque do necessário ao seu sustento.
148
Percebe-se que o legislador estabeleceu, da mesma forma que para os
cônjuges, o direito a alimentos entre os companheiros, como dever de assistência material,
incluindo, neste ponto, até mesmo para suprir as necessidades com sua educação, vez que o
dever de alimentos decorre da mútua assistência, oriunda do vínculo familiar, e, também
como direito primário da vida humana, tal seja, o princípio da solidariedade entre os
companheiros.
Esta mesma orientação foi adotada pela 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça
da Bahia, no julgamento do Acórdão n° 44.081-3, de 24 de fevereiro de 1999, cujo Relator
foi o Des. Raymundo de Souza Carvalho, cuja ementa assim reza: UNIÃO ESTÁVEL À
LUZ DA LEI Nº 8.971/94 – O DEVER ALIMENTAR ENTRE COMPANHEIROS – A
concubina só faz jus à pensão alimentícia se comprovar dela necessitar e ser companheira
de um homem desimpedido para se casar, que com ele viva há mais de cinco anos”.
De acordo com Arnoldo Wald, “o dever de alimentos tem por fundamento
uma solidariedade familiar (base no valor ético de assistência do vínculo familiar) –
estende-se aos concubinos.”
Com isso, forçoso reconhecer que o critério a ser utilizado é o da similitude
ao do casamento, de modo que uma vez rompida a relação de convivência, o companheiro
pode pedir alimentos ao outro consorte, se deles necessitar.
149
Por fim, mister se faz salientar que nos moldes estatuídos no parágrafo 2° do
artigo 1694 do Código Civil, mesmo o companheiro culpado pelo rompimento da união tem
direito aos alimentos; todavia, os mesmos serão apenas os indispensáveis a sua
subsistência, contanto que comprove a necessidade desses alimentos.
Dessume-se, portanto, que nos dias atuais, não há mais celeuma acerca da
possibilidade ou não de se perceber alimentos, tendo em vista não só o próprio texto
constitucional, como também o próprio Código Civil trouxe tamanha mudança na esfera do
Direito de Família.
Ademais, repetindo as regras contidas nos artigos 400 e 401 do Código Civil
de 1916, o Código Civil estabelece no artigo 1694, parágrafo 1°
55
e artigo 1699
56
, que para
fins de fixação dos alimentos, o juiz deve verificar o binômio necessidade do reclamante x
possibilidade de recursos da pessoa obrigada, de modo a não tornar excessivamente
oneroso para quem os presta e, o que é pior, não torne um enriquecimento sem causa, muito
menos um meio de vida para quem os pleiteie. Assim, uma vez fixados os alimentos, caso
haja mudança na situação financeira tanto da pessoa obrigada, como de quem necessita dos
alimentos, de modo a justificar uma alteração no binômio necessidade x possibilidade, o
interessado deve requerer ao juiz, conforme as circunstâncias do caso, a majoração, a
redução, ou até mesmo a exoneração dos alimentos.
55
CC, Art. 1694, § 1
o
Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos
recursos da pessoa obrigada.
56
CC, Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na
de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou
majoração do encargo.
150
Devendo salientar ainda que o companheiro perceberá os alimentos quando
deles necessitar, salvo se houver mudança no critério Necessidade X Possibilidade, de
modo à caracterização da desnecessidade de perceber alimentos do outro companheiro.
Igualmente, nos moldes estatuídos no artigo 1708 do Código Civil, cessa o
dever de assistência material, digo, de prestar alimentos ao convivente credor, quando o
mesmo vier a constituir uma nova família, por intermédio de casamento ou pela união
estável; tiver procedimento indigno em relação ao devedor, e, até mesmo na hipótese do
convivente credor vier a constituir concubinato.
151
4.6 CONTRATO ENTRE OS CONVIVENTES
4.6.1 Noções Gerais
A Constituição Federal de 1988, quando cuidou da matéria atinente à união
estável, tratou de estabelecer as vigas de mestras do referido instituto, vez que a reconheceu
como entidade familiar, fazendo com ela gozasse de proteção estatal, de modo a garantir
seus direitos; entretanto, foi com o advento da Lei n° 8971, de 29 de dezembro de 1994, da
Lei n° 9278, de 10 de maio de 1996, e, com o Código Civil que houve uma regulamentação
dos direitos dos companheiros.
Um dos direitos estabelecidos pelo artigo 1725 do Código Civil, foi a
possibilidade de os companheiros celebrarem um contrato escrito, de modo a regular
matérias atinentes à ordem patrimonial, cuja observância se torna imperiosa durante a vida
em comum, caso contrário, aplicar-se-á, no que couber, o regime de comunhão parcial de
bens, disposto nos artigos 1658 a 1666 do Código Civil.
Como é sabido, os companheiros possuem aptidão para convencionar o que for
melhor para eles; no entanto, quando da elaboração do contrato de convivência, esta
liberdade de contratar também denominada de autonomia da vontade, não é ilimitada e
irrestrita, vez que aos companheiros é obstado estabelecer condições que contrariem as leis,
a moral, aos bons costumes, bem como a ordem pública, conforme estatuído pelo artigo
122 do Código Civil Brasileiro. Sendo assim, as convenções privadas não possuem o
condão de infringir as regras de ordem pública, bem demonstradas pelo axioma jurídico
privatorum conventionibus jus publicum infringi non potest.
152
Saliente-se ainda que como não se trata de pacto anteconvivencial, e teno em
vista que não há regramento no Código Civil sobre qualquer limitação temporal à
realização do contrato escrito, e, muito menos sobre sua eficácia, nada obsta que, mesmo
durante a convivência, os conviventes estabeleçam contrato escrito acerca dos bens
adquiridos durante a união, quando valerão as suas regras a partir do momento em que ele
foi firmado, tendo efeito ex nunc ou mesmo retroativo, assim sendo, este contrato terá
efeito ex tunc, retroagindo-se à data do início da união.
Salienta-se, por fim, que este contrato escrito apenas servirá como meio de
prova, permitindo estabelecer um marco temporal, o qual se presume como o do início da
união; todavia, sua eficácia restará condicionada à caracterização da união estável, desde
que presentes os requisitos legais.
Pois, o contrato escrito é tido como um regramento patrimonial, que de acordo
com Francisco José Cahali, por si só, não institui a entidade familiar.
4.6.2 Do Patrimônio Comum
Conforme preceitua o artigo 1725 do Código Civil, em não havendo contrato
escrito entre os companheiros, dispondo de modo diverso, aplicar-se-á às relações
patrimoniais, o regime de comunhão parcial de bens.
Assim sendo, uma vez adquiridos bens na constância da união estável, a
título oneroso, bem como os bens dispostos no artigo 1660 do Código Civil, os mesmos são
153
considerados de ambos, frutos de trabalho e colaboração comum, salvo disposição
contratual em sentido contrário.
Faz cessar esta presunção de condomínio quando a aquisição patrimonial
ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união, quando em sub-
rogação dos bens particulares, bem como dos que sobrevierem à união, por doação ou
sucessão.
Assim sendo, como bem exemplificou o Professor Francisco José Cahali
57
,
se durante o período convivencial, os conviventes venham a edificar um imóvel em terreno
do companheiro, ambos terão, tão somente, participação sobre a referida edificação.
Tal atitude se justifica, tendo em vista que o terreno tinha sido adquirido por
apenas um dos conviventes, anteriormente ao início da convivência, fazendo com que o
referido terreno se mantenha de única e exclusiva propriedade do adquirente, não se
comunicando ao outro convivente, por força do contido nos artigos 1658 e seguinte do
Código Civil.
Entretanto, é possível na união estável, mediante contrato escrito, a
estipulação do não estabelecimento do regime de comunhão parcial de bens, ou ainda,
estabelecendo a comunhão em partes ideais desiguais.
Desta forma, sendo vontade de ambos conviventes contratar, em
conformidade com a lei, moral e ordem jurídica, será lícito aos conviventes estipular o
154
estabelecimento da comunhão ou da separação de bens, ou ainda, estabelecendo o
comunhão em partes ideais desiguais, àqueles bens adquiridos a título oneroso durante a
união.
4.6.3 Da Administração do Patrimônio Comum
No que tange a administração do patrimônio comum, nos moldes estatuído
pelo parágrafo 5° da Carta Magna, serão exercidos igualmente entre os membros da família
lato sensu, adentrando neste conceito, tanto a família constituída pelo matrimônio, como
também a constituída pela união estável.
Ademais, em consonância com os artigos 1663 e 1725 do Código Civil, a
administração do patrimônio em comum competirá a qualquer dos entes da entidade
familiar.
Desta forma, caberá a ambos os conviventes, na constância da união, a
administração do acervo de bens adquiridos conjuntamente, ficando resguardado o direito
de cada convivente administrar os bens que lhe pertencem exclusivamente; entretanto, de
acordo com o artigo 1725 do Código Civil, os conviventes poderão, acerca da
administração dos bens, fazer estipulação em contrato escrito, de forma que a administração
caiba a um deles apenas, ou ainda, outra forma estipulada por ambos os conviventes.
Assim, verbi gratia, se no contrato de convivência restar estipulado que a
administração dos bens comuns ficará a cargo do companheiro, este irá administrar não só
57
Contrato de Convivência. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 177.
155
os seus bens particulares, ou seja, aqueles adquiridos anteriormente ao início da união, ou
ainda os elencados no artigo 1659 do Código Civil, mas também os adquiridos por ambos
os conviventes na constância da união, restando à companheira administrar os seus bens
particulares; todavia, mister se faz relembrar que nos termos do parágrafo 1° do artigo 1663
do Código Civil, as dívidas contraídas no exercício da administração, obrigam não apenas
os bens comuns e particulares do administrador, como também os bens do outro
convivente, na razão do proveito que houver auferido.
Ou ainda, se no contrato de convivência restar estipulado que a
administração dos bens comuns ficará a cargo de ambos os companheiros, cada um deles
irá administrar, sem a intervenção do outro, os seus bens particulares, e, irão, também,
administrar conjuntamente todos os bens comuns adquiridos na constância da união.
4.6.4 Estipulação no Contrato relacionado a Matéria Pessoal
Como outrora explanado, a liberdade de contratar não é ilimitada,
encontrando limitações: a lei, a ordem pública, a moral e aos bons costumes.
Com efeito, nos moldes do artigo 104 do Código Civil, para a validade do
negócio jurídico, no caso um contrato de convivência, requer-se a presença de três
requisitos:
a) agente capaz;
b) objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
c) forma prescrita ou não defesa em lei.
156
Assim, para a validade do contrato entre os conviventes, ambos devem ser
civilmente capazes, a forma de contratar deve ser prescrita ou não defesa em lei e o objeto a
ser contratado deve ser lícito.
Segundo preceitua Paulo Martins de Carvalho Filho, “...os direitos pessoais
puros, intimamente ligados aos fins sociais e morais da instituição da família, dizem
respeito às relações pessoais entre os componentes da entidade familiar.”
E mais, no que tange ao objeto, conforme nos ensina Maria Helena Diniz,
deverá ser lícito, ou seja, conforme a lei, não sendo contrário aos bons costumes, à ordem
pública e à moral.”
Com efeito, muito embora a lei tenha se omitido acerca da possibilidade de
estipulações contratuais que envolvam matéria pessoal entre os conviventes, devemos
entender que estas devem ser entendidas como válidas, porquanto não contrariem a ordem
pública, ou atentem contra a moral e os bons costumes. Assim sendo, todas as estipulações
contratuais que disserem respeito às relações pessoais dos companheiros, para que possam
produzir efeitos, devem ser lícitas, de forma a não atentar contra instituição familiar; caso
contrário, estas estipulações serão consideradas nulas, conforme dispõe o artigo 166 do
Código Civil Brasileiro.
Diante de tal assertiva, devemos negar efeitos às estipulações de caráter
pessoal, ou seja, estipulações acerca do relacionamento íntimo entre os conviventes,
157
denominada nos Estados Unidos como mereticious sexual service, como verbi gratia,
cláusula que obriga a companheira manter relações sexuais com seu companheiro
determinado números de vezes na semana. Justifica-se ainda tal posicionamento porque a
tal cláusula fere os princípios fundamentais inerentes a pessoa, tais como a privacidade, a
liberdade sexual, a dignidade, a intimidade dentre outros elencados no artigo 5° da Carta
Magna. Outrossim justifica-se tal assertiva porque essas estipulações contrariam a ordem
pública, a moral e os bons costumes, devendo ser consideradas ilícitas e, portanto, nulas.
Interessante ressaltar que nos Estados Unidos da América também adota tal
posicionamento, considerando nulas quaisquer cláusulas referentes a mereticious sexual
service.
Interessante salientar que também devemos entender como nula a cláusula
inserida em um contrato de convivência, que estabeleça entre os companheiros que a
guarda da filha menor, advinda de casamento anterior, ficará com o companheiro quando
do falecimento da companheira detentora da guarda, vez que esta cláusula contrária a
ordem pública, que consiste em um direito-dever natural o originário dos pais na
convivência com seus filhos, conforme conjeturado através do artigo 1724 e 1630 a 1638
do Código Civil. Com efeito, segundo dispõe o inciso II, do artigo 1634 do Código Civil,
compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores, tê-los em sua companhia e guarda,
sendo certo que por força do inciso I, do artigo 1635 do Código Civil, o pátrio poder
extingue-se pela morte dos pais, assim sendo, falecendo a genitora em cuja guarda se
encontrava a filha menor, o ex-consorte sobrevivo terá direito à guarda de sua filha, que só
lhe será negada se provada a inconveniência dessa medida. Nesta hipótese, a guarda passará
158
à pessoa idônea da família do falecido ou do sobrevivo, verbi gratia, os avós maternos ou
paternos.
No entanto, nada obsta que os conviventes estipulem no contrato de
convivência matéria atinente à criação e à educação dos filhos, como por exemplo, em que
escola o filho estudará, ou ainda a religião em que se dará a educação desse filho, vez que
estas estipulações têm por escopo preservar a formação do menor, de modo a salvaguardar
a criança, na qualidade de pessoa em desenvolvimento, comumente denominada pela
fórmula anglo-saxônica the best interest of the child, nos moldes do artigo 1°, inciso III da
Carta Magna de 1988, bem como no artigo 6°da Lei n°8069/90.
159
4.7 CONVERSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO
O casamento, como ato solene que é, é precedido de várias formalidades,
cuja finalidade é tornar evidente a existência dos requisitos essenciais à celebração, bem
como comprovar que a realização do ato é perfeitamente possível.
A Constituição Federal de 1988 determina que a lei deve facilitar a
conversão da união estável em casamento, estabelecendo em seu artigo 226, parágrafo 3º
que:
Art.226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão
em casamento.(Grifo nosso)
O artigo 1726
58
do Novo Código Civil, em harmonia com o texto
constitucional disposto no parágrafo 3º do artigo 226, da Constituição Federal de 1988, e no
artigo 8º da Lei nº9278/96, propicia a facilitação da conversão de união estável em
casamento, por intermédio de pedido de ambos os companheiros, também denominados
conviventes, ao juiz, e assento no Registro Civil.
58
CC, Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao
juiz e assento no Registro Civil.
160
Interessante salientar que o artigo 1726 do Novo Código Civil, de forma
correta, faz menção a “pedido” dos companheiros para conversão da união estável em
casamento, sendo certo que uma vez preenchidos os requisitos do artigo 1723 do Código
Civil, bem como inexistindo os impedimentos constantes do artigo 1521 do Código Civil, a
conversão da união estável em casamento realizar-se-á.
Outrossim, salienta-se ainda que este pedido de conversão feito pelos
companheiros deve ser dirigido ao Juiz, e este por sua vez determinará judicialmente a
lavratura desse assentamento no Registro Civil, dispensando desta forma o processo de
habilitação para o casamento, diferentemente do que ocorre atualmente onde o
“requerimento” dos companheiros é dirigido diretamente ao Oficial do Registro Civil, para
a abertura do processo de habilitação para o casamento, dispensando apenas da celebração
do casamento, conforme preceitua o artigo 8° da Lei 9278/96.
Com efeito, parece que o legislador seguiu a orientação contida no parágrafo
3° do artigo 226, da Carta Magna, no sentido de facilitar a conversão da união estável em
casamento; entretanto, não podemos olvidar que como o judiciário é moroso, devido ao
excesso de processos, e, como a matéria a ser analisada demanda tempo e cautela para se
evitar eventuais simulações, vez que possui primordial relevância no seio da sociedade;
deixar aos cuidados do Poder Judiciário fará com que novamente a facilitação para
conversão da união estável em casamento contida na Carta Política, seja utópica, dando
ensejo a um desestímulo e também um desconforto para que os companheiros procurem o
poder judiciário e solicitem a conversão de sua relação.
161
. Portanto, a necessidade dos companheiros de se pedir ao magistrado a
conversão da união estável em casamento, insculpida no Código Civil, a meu sentir,
respeitando as opiniões em contrário, acarretará efeito inverso ao pretendido pelo
legislador, vez que ao invés do Código Civil facilitar a conversão da união estável em
casamento, o mesmo acarretará mais gravame tendo em vista a imposição de procedimento
judicial aos companheiros, que acabará por dificultar sobremaneira a referida conversão,
em uma verdadeira dissonância ao texto constitucional.
Desta sorte, devemos sempre ter em mente que a lei deve ter como escopo
dar especial valor e proteção aos relacionamentos advindos das relações de união estável,
em que não haja impedimentos, ou seja, em que não haja óbice algum para a realização do
matrimônio.
Com efeito, a facilitação da conversão da União Estável em casamento tem
por escopo não só fortalecer o vínculo matrimonial, como também dar cumprimento a um
imperativo constitucional.
Interessante salientar que esta declaração expressa dos conviventes se
coaduna com o Decreto 66.605, de 20 de maio de 1970, que trata da Convenção sobre o
Consentimento para o Casamento, estabelecendo no item I, do artigo 13, que: “Nenhum
casamento poderá ser legalmente contraído sem o pleno e livre consentimento de ambas as
partes, devendo este consentimento ser expresso por estas pessoas, depois da devida
162
publicidade, ante a autoridade competente para celebrar o casamento e testemunhas, de
conformidade com a lei.”
Note-se ainda que como se trata de direito personalíssimo, uma vez falecido
um dos conviventes, não será possível ao sobrevivente requerer tal conversão.
Indagações interessantes surgem da conversão da União Estável em
casamento quando o regime de bens adotado para o casamento for diverso daquele
estabelecido na legislação que trata da União Estável. Desta sorte, qual o regime de bens
que passaria a vigorar a partir da conversão da União Estável em casamento? Este regime
de bens adotado para a conversão de União Estável em casamento abrangeria apenas o
patrimônio adquirido a partir do casamento ou retroageria de modo a abranger a totalidade
dos bens, incluindo, neste, os bens adquiridos durante a União Estável? Como se daria a
partilha de bens adquiridos anteriormente a conversão da União Estável em casamento? E
como ficaria a situação do casal na hipótese da conversão da União Estável em casamento
se a lei vier a impor o regime da separação de bens para o casal?
Conforme dispõe os artigos 1639 e 1640 do Código Civil Brasileiro, o
regime a ser adotado pelo casal a partir da conversão da União Estável em casamento
dependerá da vontade de ambas as partes. Assim, será lícito ao casal optar pelo regime de
comunhão universal de bens, bem como pelo regime de separação de bens, entretanto, caso
não haja convenção pelo casal, ou sendo esta nula, adotar-se-á o regime parcial de bens.
163
Como é cediço, o regime de bens adotado pelo casal iniciar-se-á a partir da
conversão da União Estável em casamento; assim sendo, ele irá abranger todo o acervo de
bens adquiridos pelo casal, após a conversão em casamento, não retroagindo para abranger
os bens adquiridos durante a União Estável.
A partilha do patrimônio adquirido anteriormente à conversão da União
Estável em casamento dar-se-á em consonância com o artigo 1725 do Código Civil, salvo
se houver disposição escrita em contrário. Deste modo, os bens adquiridos anteriormente à
conversão serão partilhados da mesma forma que ocorre no regime parcial de bens,
disposto nos artigos 1658 a 1666 do Código Civil Brasileiro, onde todos os bens móveis e
imóveis adquiridos durante a constância da união estável e a título oneroso serão
partilhados em partes iguais, excetuando-se desta partilha os bens adquiridos anteriormente
ao início da união, bem como os sub-rogados dos bens particulares, e ainda os bens
recebidos por apenas um dos conviventes, a título gratuito, como por exemplo, doação e
sucessão.
No caso da lei vir a impor o regime da separação de bens, conforme
elencado nos incisos I a III, do artigo 1641 do Código Civil Brasileiro, quando da
conversão da União Estável em casamento, aplicar-se-á o disposto na Súmula 377 do
Supremo Tribunal Federal, que aduz: “no regime da separação de bens, comunicam-se os
adquiridos na constância do casamento”.
Para entender melhor os questionamentos ora indagados, suponhamos que
no ano de 1996, o Sr. Manuel celebrou um contrato escrito para regularizar sua convivência
164
com Joana. Neste período, foram adquiridos muitos bens, mediante esforço e colaboração
comuns, que estavam em nome de Manuel. Posteriormente, no ano de 1999, houve a
conversão da União Estável em casamento, onde por intermédio de um pacto antenupcial, o
casal estipulou que o regime de bens que vigoraria para o casamento seria o da separação
de bens. Já em meados do ano de 2001 foi decretado o divórcio do referido casal,
consignando a sentença de 1° grau “inexistirem bens a serem partilhados dado o regime
adotado”.
Diante do exemplo ora explicitado, urge indagar: Joana não tem direito aos
bens adquiridos durante o período de convivência?
Uma vez reconhecida a união estável, o artigo 1725 do Código Civil
estabelece o regime de comunhão parcial de bens como regra, ou seja, impõe-se
“condomínio em partes iguais” entre os conviventes, de todos os bens móveis e imóveis
adquiridos por um ou ambos os conviventes, na constância da união e a título oneroso,
sendo considerados fruto do trabalho e da colaboração comuns, passando a pertencer a
ambos, em condomínio e em partes iguais, pouco importando que estes bens estejam em
nome de apenas um dos conviventes. Com isso há uma presunção “iuris tantum” de
condomínio dos bens amealhados onerosamente na constância da união, excluindo-se deste
condomínio os bens adquiridos a título gratuito, v. g., doação e sucessão, ou os sub-rogados
com produto de bens adquiridos anteriores ao início da união.
Desta sorte, não se pode confundir o regime de bens estabelecido para a
União Estável com o regime de bens adotado para o casamento, vez que se tratam de
165
regimes com regras próprias e características diversas. Assim sendo, torna-se necessário
considerar que o regime de bens estabelecido para o casamento tão somente passa a vigorar
após a sua celebração, ou, como no caso ora em epígrafe, após sua conversão, devendo
incidir este regime de bens sobre o patrimônio adquirido após a conversão da União Estável
em casamento.
Desta forma, no exemplo ora em epígrafe, o regime de separação de bens
estabelecido por eles teve início com a conversão de união estável em casamento, vez que
este representou o marco inicial de vigência do regime de bens, entretanto, não é possível
ignorar que os atuais cônjuges conviveram em união estável anteriormente ao casamento e
tampouco podemos ignorar que o regime de bens estabelecido para a União Estável
perdurou por todo o período de convivência, sendo certo que neste período ambos os
conviventes adquiriram patrimônio comum.
Portanto, devemos considerar no momento do divórcio, para a determinação
da partilha dos bens do casal, dois momentos diversos, ou seja, primeiramente devemos
considerar o lapso temporal referente ao período de convivência e, posteriormente,
devemos considerar o lapso temporal ao período de matrimônio.
Com isso, todo o acervo de bens adquirido durante o período de convivência,
seja a título gratuito para ambos os conviventes, seja a título oneroso, deve ser partilhado
entre Manuel e Joana, de modo que cada um receba metade deste acervo, pouco importando
que estes bens estejam em nome de apenas um deles, vez que o raciocínio contrário
importaria não só em enriquecimento injustificado por parte de Manuel em detrimento de
166
Joana, como também ocasionaria uma distorção do objetivo da Carta Magna, que nos
termos do artigo 226, parágrafo 3°, determina a facilitação da conversão da União Estável
em casamento, de modo a facilitar, bem como estimular a conversão em casamento, com o
escopo de trazer benefícios aos conviventes.
Já no que tange ao lapso temporal de casamento, onde foi adotado o regime
de separação de bens, todo acervo de bens adquirido durante o matrimônio será partilhado
conforme as regras ditadas pelos artigos 1687 e 1688 do Código Civil Brasileiro, vez que
não há possibilidade de retroatividade do regime do casamento, de modo a aplicá-lo no
período de convivência.
Esta orientação se coaduna com a decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça
de São Paulo, no julgamento dos E. Inf. n°18.020, em 11 de agosto de 1998, sendo Relator
o Des. Cyríaco da Costa e Silva, cuja ementa tem o seguinte teor: “Concubinato – Regime
de separação de bens – Pacto antenupcial. Conquanto seja de separação o regime de bens
do casamento entre autora e réu, precedido de pacto antenupcial, pode ser partilhado o
patrimônio adquirido pelo esforço comum de ambos, ao tempo em que viviam em
concubinato”. (RF284/287 e RT566/197)
Por fim, mostra-se oportuno mencionar ainda que no Estado de São Paulo, o
Provimento de n° 10 de 1996 da Corregedoria Geral de Justiça regulamentava a conversão
da União Estável em casamento.
167
Enquanto que no Estado de Minas Gerais, o Tribunal de Justiça editou o
Provimento 133/2005
59
da Corregedoria Geral de Justiça, objetivando a regulamentação da
conversão da união estável em casamento. Assim sendo, pelo critério outrora adotado no
Estado de Minas Gerais, o pedido de conversão de união estável em casamento, deve,
59
PROVIMENTO Nº 133 / CGJ / 2005
Regulamenta a conversão da união estável em casamento.
O Desembargador Roney Oliveira, Corregedor-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, no uso de
suas atribuições legais,
Considerando a consulta formulada pelo Sindicato dos Oficiais do Registro Civil das Pessoas Naturais do
Estado de Minas Gerais - RECIVIL em face do disposto no artigo 1.726 do novo Código Civil,
Considerando a necessidade de regulamentar o procedimento para a conversão da união estável em
casamento, e Considerando que a legislação é omissa relativamente ao procedimento a ser adotado para
viabilizar essa transformação, que deve ser simplificada conforme princípios constitucionais,
Prevê:
Art. 1º. A conversão da união estável em casamento será procedida mediante pedido ao Juiz de Direito.
SS 1º O pedido inicial será instruído com a certidão de nascimento ou documento equivalente (art. 1.525, I, do
Código Civil) e, quando for o caso, autorização por escrito das pessoas sob cuja dependência legal estejam os
conviventes, ou autorização judicial (art. 1.525, II, do Código Civil), devendo constar, ainda, a opção quanto
ao regime de bens e ao sobrenome.
SS 2º Nas Comarcas com mais de uma Vara Judicial, os pedidos deverão ser distribuídos aos Juízes de Direito
competentes para as Causas Cíveis e, onde houver, ao Juiz da Vara Especializada de Registros Públicos.
Art. 2º. É obrigatória a participação do representante do Ministério Público no procedimento de conversão da
união estável em casamento.
Art. 3º. O Juiz de Direito designará audiência para ouvir os requerentes e, no mínimo, duas testemunhas - não
impedidas ou suspeitas, verificando se estão presentes os requisitos do art. 1.723 e se não ocorrem os
impedimentos previstos no art. 1.521 do Código Civil.
SS 1º Não se aplicará o disposto no inciso VI do artigo 1.521 do Código Civil, se a pessoa casada achar-se
separada de fato ou judicialmente.
SS 2º A audiência poderá ser dispensada se os requerentes declararem de próprio punho a inexistência dos
impedimentos mencionados e comprovarem a união estável mediante prova documental.
Art. 4º. Qualquer pessoa que souber da existência de algum dos impedimentos elencados no art. 1.521 do
Código Civil poderá intervir no feito.
Art. 5º. Os proclamas e os editais ficam dispensados.
Art. 6º. O Juiz de Direito, a pedido dos requerentes, poderá fixar o prazo a partir do qual a união estável
restou caracterizada.
Art. 7º. Homologada a conversão (art.1726 do Código Civil) o Juiz de Direito expedirá mandado para que o
competente Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais proceda ao assento no Livro "B - Auxiliar".
SS 1º Do assento constará obrigatoriamente tratar-se de conversão de união estável em casamento.
SS 2º No caso de haver decisão judicial fixando o termo inicial, deverá constar também do assento esta data.
SS 3º Constarão do assento, também, os requisitos do art. 70 da Lei Federal nº 6.017, de 31/12/1973 - Lei dos
Registros Públicos, exceto os previstos nos itens 4º e 5º.
Art. 8º. Os espaços destinados ao preenchimento da data da celebração do casamento e o nome de quem
presidiu o ato deverão ser inutilizados.
Art. 9º. Este Provimento entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em
contrário, em especial a Instrução nº 255, de 02 de julho de 1996, expedida por este Órgão Corregedor.
Registre-se. Publique-se. Cumpra-se.
Belo Horizonte, 21 de março de 2005.
Desembargador Roney Oliveira
Corregedor-Geral de Justiça
168
obrigatoriamente ser pleiteado perante o Juiz de Direito, com a presença obrigatória do
Ilustre membro do Ministério Público, como fiscal da lei, sendo certo que será designada
audiência para tal mister, no sentido de averiguar se há ou não possibilidade de conversão,
onde os então companheiros poderão comprovar, inclusive por intermédio de testemunhas,
que estão presentes os requisitos do art. 1.723 e que não ocorrem os impedimentos
previstos no art. 1.521 do Código Civil. Interessante ressaltar que a audiência poderá ser
dispensada se os requerentes declararem de próprio punho a inexistência dos impedimentos
mencionados e comprovarem a união estável mediante prova documental; entretanto, em
qualquer dos casos, os requerentes ficarão dispensados dos proclamas, sendo que uma vez
homologada a conversão, será expedido Mandado para o assento no Livro do respectivo
Cartório de Registro Civil Pessoas Naturais.
No Estado do Mato Grosso do Sul, foi editado o Provimento 07, de 3 de
novembro de 2003
60
da Corregedoria Geral de Justiça, regulamentando a conversão união
60
PROVIMENTO Nº. 07, DE 03 DE NOVEMBRO DE 2003
Regulamenta a conversão da união estável em casamento.
O Corregedor-Geral de Justiça, no uso de suas atribuições legais.
Considerando a necessidade de regulamentar a conversão da união estável em casamento;
R E S O L V E:
Artigo 1º. Suprimir o Parágrafo Único e acrescentar os seguintes parágrafos ao art. 670 do
Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça:
“Art. 670. ....”
§ 1°. O pedido inicial será instruído com a certidão de nascimento ou documento equivalente e, se
for o caso, autorização por escrito das pessoas sob cuja dependência legal estejam os
conviventes, ou autorização judicial. Deverá constar, ainda, a opção quanto ao regime de bens e
ao sobrenome.
§ 2°. A participação do representante do Ministério Público é obrigatória.
§ 3°. O Juiz designará audiência para ouvir os requerentes e, no mínimo, duas testemunhas.
§ 4°. Na audiência o Juiz verificará se estão presentes os requisitos do art. 1.723, do Código Civil.
Verificará, ainda, se não ocorrem os impedimentos previstos no art. 1.521, do referido código. Não
se aplicará o disposto no inciso VI, desse artigo, se a pessoa casada achar-se separada de fato ou
judicialmente.
§ 5°. Poderá a audiência ser dispensada se os requerentes declararem a inexistência dos
impedimentos acima e comprovarem a união estável mediante prova documental.
§ 6°. Qualquer pessoa que souber da existência de algum dos impedimentos previstos no art.
1.521, do Código Civil, poderá intervir no feito.
§ . Ficam dispensados os proclamas e os editais.
169
estável em casamento, adotando, com similitude, o critério utilizado pelo Tribunal de
Justiça de Minas Gerais, onde o pedido de conversão de união estável em casamento, deve,
obrigatoriamente ser pleiteado perante o Juiz de Direito, com a presença obrigatória do
Ilustre membro do Ministério Público, como fiscal da lei, sendo certo que será designada
audiência para tal mister, no sentido de averiguar se há ou não possibilidade de conversão,
onde os então companheiros poderão comprovar, inclusive por intermédio de testemunhas,
que estão presentes os requisitos do art. 1.723 e que não ocorrem os impedimentos
previstos no art. 1.521 do Código Civil. Interessante ressaltar que a audiência poderá ser
dispensada se os requerentes declararem de próprio punho a inexistência dos impedimentos
mencionados e comprovarem a união estável mediante prova documental; entretanto, em
qualquer dos casos, os requerentes ficarão dispensados dos proclamas, sendo que uma vez
homologada a conversão, será expedido Mandado para o assento no Livro do respectivo
Cartório de Registro Civil Pessoas Naturais.
§ 8°. O Juiz, a requerimento dos conviventes, poderá fixar o termo inicial da união estável, para
todos os fins.
§ 9°. Homologada a conversão o Juiz expedirá mandado para registro no Livro B-Auxiliar.
Art. 670-A. Do assento constará obrigatoriamente tratar-se de conversão de união estável em
casamento. No caso de haver decisão judicial fixando o termo inicial, deverá constar também do
assento essa data.
Parágrafo Único. Constarão, ainda, do assento, os requisitos do art. 70, da Lei de Registros
Públicos, exceto os previstos nos incisos 4° e 5°.
Art. 670-B. Os espaços destinados ao preenchimento da data da celebração do casamento e
nome de quem presidiu o ato deverão ser inutilizados.
Art. 670-C. O valor dos emolumentos devidos pela conversão será o estipulado no item 5, da
tabela R, do anexo da Lei n° 1.135/1991.
Artigo 3º. Este Provimento entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições
em contrário, em especial o parágrafo único do art. 670 do Código de Normas da Corregedoria-
Geral de Justiça.
Campo Grande, 03 de novembro de 2003.
Des. ATAPOÃ DA COSTA FELIZ
Corregedor-Geral de Justiça
170
4.8. DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL
A dissolução da União Estável diz respeito ao término da convivência, ou seja,
é a finalização dos laços afetivos existentes entre os conviventes, decorrente não apenas da
dificuldade que o ser humano possui de se relacionar e conviver com seu semelhante, como
também de fatores outros que modificam a relação outrora existente entre os conviventes.
Desta forma, em consonância com os artigos 7° e 8° da Lei n° 9278, de 10
de maio de 1996, e com o Código Civil vigente, a dissolução da União Estável pode se dar
de 04 (quatro) formas:
1. pela morte de um ou de ambos os companheiros;
2. pela conversão em casamento;
3. pelo acordo de vontades;
4. pela resilição unilateral.
4.8.1 DISSOLUÇÃO POR MORTE DE UM OU DE AMBOS OS
COMPANHEIROS
De acordo com o artigo 6° do Código Civil, é com a morte que se põe termo
à existência da pessoa natural; assim sendo, é forçoso reconhecer que a morte implica no
desaparecimento de um, ou ainda, de ambos os membros da entidade familiar, formalizada
por intermédio da união estável, acarretando desta forma a dissolução dessa relação
jurídica-familiar, em virtude da impossibilidade jurídica de sua mantença.
171
Com efeito, a morte de um os companheiros produz efeitos dissolutórios na
relação, vez que se extingue não apenas os laços afetivos, como também os laços jurídicos
existentes entre eles, passando o companheiro sobrevivo ao estado de viuvez, dando ensejo
ao surgimento dos direitos sucessórios para este, uma vez comprovada a existência dessa
relação jurídica-familiar, também denominada de união estável, conforme estatuído o artigo
1723 do Código Civil.
Imperioso trazer à lume que na hipótese de morte de um dos companheiros
durante a união estável, em similitude com o casamento, o companheiro sobrevivo goza
da denominada falta justificada pela dor da perda do ente querido, por até 02 (dois) dias
consecutivos no serviço, sem prejuízo da remuneração e demais direitos, em consonância
com o disposto no inciso I do artigo 473 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Igualmente, a morte de ambos os companheiros, em virtude da ocorrência da
comoriência, disposta no artigo 8° do Código Civil Brasileiro, também produz efeitos
dissolutórios da relação, vez que se extingue não apenas os laços afetivos, como também os
laços jurídicos existentes entre eles, dando ensejo ao surgimento dos direitos sucessórios
aos seus herdeiros.
4.8.2. DISSOLUÇÃO PELO CASAMENTO
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Estado passou a proteger
as relações advindas da união estável, e estabeleceu a facilitação de sua conversão em
casamento, conforme estatuído em seu artigo 226, parágrafo 3° da Carta Magna.
172
Seguindo este imperativo constitucional, o Código Civil estabeleceu em seu
artigo 1726, que os companheiros de comum acordo e a qualquer tempo poderão requerer a
conversão da união estável em casamento. Desta forma, o Estado protecionista facilitou a
conversão de união estável em casamento, de modo que aqueles membros continuem a
constituir uma família, sob os laços afetivos do matrimônio, assim sendo, com a conversão
em casamento, aquela união estável outrora existente entre os companheiros deixa de
existir, restando desta forma apenas a família constituída sob manto protetor do
matrimônio.
Entretanto, forçoso admitir que possa ocorrer situações esdrúxulas onde
apenas um dos companheiros venha a constituir uma nova família, sob o manto do
matrimônio, deixando para trás aquela companheira que por logo tempo constituíra uma
união estável. Nesta hipótese, onde apenas um dos companheiros venha a constituir uma
nova família por intermédio do casamento, abandonando sua antiga companheira, também
ocorrerá a dissolução da união estável, vez que torna-se incompatível com nosso direito
pátrio a existência simultânea de uma união estável e um casamento; todavia, restará a esta
companheira abandonada os meios judiciais cabíveis para a proteção dos seus direitos, uma
vez reconhecida a união estável, como, por exemplo, a meação do patrimônio adquirido na
constância da união estável, o direito a alimentos, se deles necessitar, elencados nos artigos
1694 e seguintes do Código Civil, bem como a reparação por danos morais, pela quebra dos
deveres de respeito, lealdade, inerentes à convivência harmônica e duradoura da entidade
familiar, como exemplo, quando um dos conviventes abandona o emprego em prol do
convívio familiar, dedicando-se exclusivamente as atividades familiares.
173
4.8.3. DISSOLUÇÃO PELO ACORDO DE VONTADES
Conforme já suscitado, o ser humano possui uma grande dificuldade de
encontrar a pessoa ideal para se relacionar e conviver de forma afetiva, devido a inúmeros
fatores, verbi gratia, a correria do cotidiano, a busca da realização pessoal, a diversidade de
educação, diversidade de religião, ou até mesmo, a incansável busca de encontrar sua alma
gêmea, ocasionando imensuráveis malogros das relações jurídica-familiares.
Com efeito, pode acontecer que, após anos de convivência harmoniosa, os
companheiros queiram pôr termo a essa relação advinda da união estável, de forma mútua,
pacífica e muitas vezes informal.
A finalização consensual da relação de maneira informal ocorre
principalmente nas relações de união estável, onde há apenas acervo patrimonial,
inexistindo filiação comum, de modo que se torna mais viável a separação informal, sem a
intervenção judicial, onde cada companheiro fica com parte do patrimônio e retorna ao seu
stato quo ante, ou seja, à sua vida de solteiro, como se nunca houvesse convivido com
alguém, guardando em sua memória apenas um grande carinho e afeição pelo ex-
companheiro.
Isto ocorre muitas vezes porque a prestação jurisdicional, como é cediço, é
muito dispendiosa e lenta, devido a inúmeros fatores, dentre eles, a contratação de um
advogado, o excessivo número de processos e a insuficiência de servidores públicos,
fazendo com que a término informal seja a mais viável.
174
Todavia, conforme preceitua o inciso XXXV, do artigo 5°, da Carta Magna,
a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, assim
sendo, os companheiros têm direito de buscar em sede judicial a finalização dessa relação
jurídica-familiar, de modo a finalizar os direitos e deveres jurídico-afetivos existentes entre
eles.
Nesta hipótese os companheiros, consensualmente, estabelecem o término da
relação de convivência, e buscam em sede judicial o reconhecimento e a dissolução da
entidade familiar, tendo em vista que o que se deseja é apenas o reconhecimento judicial de
forma a assegurar eventuais direitos, tais como o direito a alimentos, por quem os
necessitar, bem como a partilha de bens, não havendo necessidade dos companheiros
exporem os motivos que os levaram a tal atitude. Todavia, na hipótese de existir filhos em
comum, mostra-se imperioso restar acordado na própria ação de reconhecimento e
dissolução da união estável, sobre os alimentos devidos a prole, a guarda e as visitas, caso
contrário, o juiz pode recusar a homologação e não decretar a dissolução da entidade
familiar se apurar que o acordado não preserva suficientemente os interesses da prole.
4.8.4. DISSOLUÇÃO POR DECISÃO UNILATERAL PONDO TERMO A
CONVIVÊNCIA
A dissolução por decisão unilateral ocorre quando um dos conviventes
resolve pôr termo a convivência de forma definitiva, fruto do desamor e do gradativo
175
desinteresse por seu companheiro, que, afinal, faz romper os laços afetivos de modo a
extinguir a entidade familiar.
Oportuno ressaltar que a rompimento unilateral, por si só, não faz surgir
implicações de ordem moral, de aplicabilidade da responsabilidade civil, pois não configura
ilícito passível de reparação.
Contudo, se tal rompimento for fruto de quebra dos deveres do vínculo
afetivo que outrora os uniram constituindo uma entidade familiar, como por exemplo,
manter relacionamento extraconvivencial, ou agressões físicas ou morais rogadas contra o
outro convivente, faz surgir ao convivente lesado, ao lado dos direitos já assegurados pelo
Código Civil, pleitear judicialmente o rompimento do vínculo de convivência por injúria
grave e, ainda o direito de pleitear indenização de natureza moral, pela quebra dos deveres
inerentes a entidade familiar, insculpidos e assegurados em nosso ordenamento pátrio.
A propósito, mister se faz trazer à baila um julgado do Tribunal de Justiça de
São Paulo, inframencionado, atinente a responsabilidade civil de um dos conviventes que,
tendo quebrado um dos deveres intrinsicamente ligados entidade familiar, que é o de
lealdade, manteve um relacionamento extraconvivencial, com terceira pessoa e, ao final,
acabou por transmitir ao outro convivente o vírus da Aids, e, por via de conseqüência, fez
surgir a este convivente lesado, o direito a reparação de dano, seja ele de ordem material ou
moral.
176
"INDENIZAÇÃO - Responsabilidade civil. Contágio pelo vírus da AIDS.
Culpa do companheiro, em uma relação concubinária. Exclusão de propalada culpa
concorrente da vítima. Cumulação de indenizações por danos moral e material.
Admissibilidade. (...). (Tribunal de Justiça de São Paulo, 10ª Câmara de Direito Privado,
Apelação Cível n. 248.641-1/8 - Barretos, Relator Desembargador Quaglia Barbosa, j. 23
de abril de 1996, v.u.)".
Tal posicionamento se coaduna com o preceito disposto no inciso XXXV, do
artigo 5°, da Carta Magna, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito, de modo a assegurar, em sede judicial, a finalização dessa relação
jurídica-familiar, pondo fim aos direitos e deveres jurídico-afetivos existentes entre eles.
Esta mesma orientação é trilhada pelo Ilustre Rui Stoco
61
, que assim
assevera: "Mas se não há se falar em direito de reparação decorrente do só fato da
separação, impõe-se assentar que a infração aos deveres conjugais poderá, além de
permitir o rompimento do vínculo, dar ensancha à obrigação de reparar os danos que
possam decorrer da agressão perpetrada, seja ela física ou moral".
Nesta hipótese, não existindo de consenso entre os companheiros, qualquer
um deles poderá ajuizar ação para findá-la, devendo o juiz decidir os pontos conflituosos e
ainda decidir sobre os alimentos, a partilhas dos bens, e sobre a guarda e visita, no caso de
haver filhos em comum. Interessante salientar que há também a possibilidade de o
companheiro requerer a medida judicial para afastamento do outro companheiro do lar, vez
que há situações onde realmente existe tal necessidade, verbi gratia, o companheiro
177
alcoólatra que todos agride a companheira e os filhos, acarretando, nestes casos, para os
causadores da discórdia, não só a expulsão do lar, mas também a culpa pela dissolução da
união estável.
61
Tratado de Responsabilidade Civil.6ª ed. São Paulo: RT, 2004. p.836.
178
4.9. SUCESSÃO ENTRE COMPANHEIROS
4.9.1. Introdução
O conjunto de normas que tratam da transmissão de bens de uma pessoa à
outra, em virtude de sua morte ou por disposição de última vontade, denomina-se Direito
das Sucessões.
Segundo o Ilustre Washington de Barros Monteiro
62
, sucessão significa a
transferência da herança, ou do legado, por morte de alguém, ao herdeiro ou legatário,
seja por força de lei, ou em virtude de testamento.”
Como podemos vislumbrar, o Direito das Sucessões tem por escopo a
transmissão dos bens do autor da herança aos seus herdeiros, de modo a assegurar a
continuidade na titularidade das relações jurídicas deixadas pelo falecido.
Com a morte do autor da herança, o herdeiro substitui o falecido, na
universalidade dos bens deste, onde transmite-se desde logo a herança aos herdeiros
legítimos e testamentários, por ficção judica, para dar a necessária continuidade na
titularidade das relações jurídicas deixadas pelo falecido.
Como nos ensina Francisco José Cahali
63
, “O concubinato sempre foi visto
com extrema reserva em nosso Direito, que sempre se fundou no prestígio da família
legítima oriunda do matrimônio.”
62
Curso de Direito Civil. 32ª ed. São Paulo: SARAIVA, 1998. p. 9
63
Curso Avançado de Direito Civil. São Paulo: RT, 2000. p.236.
179
Assim sendo, o Direito Sucessório entre os companheiros, de uma união
estável, apenas surgiu com o advento da Lei nº8971/94 e Lei nº9278/96, vez que a morte de
um dos companheiros não produzia efeitos sucessórios imediatos em relação ao outro.
Oportuno salientar que como a capacidade para suceder é determinada pela
lei do tempo da abertura da sucessão, as sucessões ocorridas anteriormente a Lei nº8971/94
não foram beneficiadas.
Nesse sentido a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do
RESP nº100194/SP
64
, cujo Relator foi o Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, por
unanimidade de votos, assim se posicionou: “A CONCUBINA, EM SUCESSÃO ABERTA
ANTES DA VIGENCIA DA LEI 8.971, DE 29/12/1994, NÃO E HERDEIRA (ART. 1.603 E
1.611 DO CCIVIL). AFASTADA A DESERÇÃO, NÃO SE CONHECEU DO RECURSO.”
4.9.2. Sucessão no Novo Código Civil
O Código Civil tratou da matéria concernente a sucessão dos conviventes,
no Capítulo I, do Título I, do Livro V, quando tratou das disposições gerais da Sucessão em
Geral, trazendo em seu bojo uma profunda modificação neste instituto, de modo a instituir a
concorrência de direitos sucessórios entre o companheiro e os descendentes, bem como
com os demais parentes sucessíveis do seu companheiro; todavia, o Código Civil manteve
em seu artigo 1784
65
, o já consagrado princípio de Saisine, onde a transmissão da herança
64
Publicada no DJ na data: 17/03/1997, p. 07512.
65
CC, Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e
testamentários
180
se dá com a morte e, desde logo, a herança transmite-se aos herdeiros legítimos e
testamentário.
Ademais, o artigo 1786 do Código Civil, dispõe que a sucessão dá-se por lei
ou disposição de última vontade, sendo certo que abre-se no lugar do último domicílio do
falecido. Interessante salientar ainda que acompanhando a orientação já consagrada outrora
pelo ordenamento pátrio, o inciso I, do artigo 1797
66
do Código Civil dispôs de forma
explícita que a administração da herança caberá ao companheiro sobrevivo, se ao tempo da
abertura da sucessão, ele convivia com o companheiro falecido. Com efeito, a companheira
por estar na posse e administração dos bens do companheiro falecido, incumbirá, no prazo
estabelecido no artigo 1796
67
do Novo Código Civil, requerer a abertura do inventário e
ainda ser nomeada inventariante, de modo a representar o espólio.
Tendo em vista que o artigo 1725 do Código Civil, estabeleceu o
condomínio dos bens adquiridos, a título oneroso, na constância da união estável,
presumindo a colaboração de ambos os conviventes, o direito à meação disposto no artigo
ora em análise deve ser entendido como presunção de colaboração comum, não havendo
necessidade de o(a) companheiro(a) comprovar que efetivamente colaborou na aquisição
dos bens durante a constância da união estável.
66
CC, Art. 1.797. Até o compromisso do inventariante, a administração da herança caberá, sucessivamente:
I - ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão;
.
67
CC, Art. 1.796. No prazo de trinta dias, a contar da abertura da sucessão, instaurar-se-á inventário do
patrimônio hereditário, perante o juízo competente no lugar da sucessão, para fins de liquidação e, quando for
o caso, de partilha da herança.
181
Assim, no que tange a concorrência de direitos sucessórios entre os
companheiros e entre o companheiro supérstite e os descendentes, trazida pelo Código
Civil, uma vez reconhecida a união estável, a companheiro terá duas participações no
processo de inventário, sendo a primeira como “companheira meeira”, preservando desta
forma sua meação dos bens, conforme preceitua o artigo 1725 do Novo Código Civil, e
também participará como herdeira na meação dos bens companheiro falecido, quando
adquiridos na constância da união estável, concorrendo com os descendentes, ou ainda com
outros parentes sucessíveis, como por exemplo os ascendentes, em conformidade do artigo
1790
68
do Código Civil.
Com efeito, para que o convivente tenha direito ao exercício no plano
sucessório do convivente falecido, tornar-se-á imprescindível a necessidade da “constância
da união” quando da ocorrência do óbito. Assim, o simples rompimento de fato da
convivência obstará o companheiro sobrevivo à herança. Desta sorte, o convivente somente
fará jus à herança, no plano do direito sucessório, caso a união estável persista no momento
do óbito.
É importante salientar que o companheiro somente terá direito à totalidade
da herança, se houver reconhecimento da união estável por via judicial, por intermédio da
justificação judicial, conforme o disposto nos artigos 861 a 866 do Código de Processo
68
CC, Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens
adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas seguintes condições:
I – se concorrer com os filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao
filho;
II – se concorrer com os descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada
um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucesveis, terá direito a um terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
182
Civil, e se, no momento do falecimento, ainda existia união estável, caso contrário, estaria
afastada a hipótese permissiva no texto legal.
Com isso, caso a convivente requeira a abertura de inventário e, no entanto,
ainda não haja o reconhecimento da união estável, o juiz deverá remeter os autos para as
vias necessárias e, concomitantemente, solicitará a reserva de bens no processo de
inventário, de modo que uma vez reconhecida a união estável, a convivente venha a receber
o que de direito, conforme dispõe o artigo 984 do Código de Processo Civil.
Salienta-se ainda que o direito sucessório estabelecido para os companheiros
somente se configura na hipótese de união livre, repugnando direito às relações de caráter
adulterino, de forma a proteger aquelas uniões estáveis onde se tenha o propósito de
constituição de família e também evitar a confusão patrimonial, entre a união formada pelo
casamento e aquela formada pela união adulterina.
De acordo com o inciso I, do artigo 1790 do Novo Código Civil, no caso de
haver filhos comuns, o companheiro sobrevivo terá direito a uma quota equivalente à que
por lei for atribuída ao filho.
Assim, por exemplo, se da união estável resultou o nascimento de dois
filhos, respectivamente Paulo e Marta, e, posteriormente, um dos conviventes vem a falecer
ab intestato, deixando um patrimônio comum, ou seja, adquirido onerosamente durante a
união estável, cujo valor estimado é de R$300.000,00 (trezentos mil reais), a divisão dar-se-
á da seguinte forma:
183
1) O convivente sobrevivo tem direito a meação dos bens comuns, por
imperativo legal, de modo a totalizar uma quantia de R$150.000,00
(cento e cinqüenta mil reais);
2) O convivente sobrevivo também tem direito a uma quota equivalente a
que por lei for atribuída aos filhos; sendo assim, devemos dividir a outra
metade do patrimônio por três quotas iguais, distribuindo de forma uniforme
para cada um dos filhos, bem como para o companheiro, totalizando uma
quantia de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) por quota, a ser dividida em
três partes, respectivamente Paulo, Marta e o convivente sobrevivo.
Agora, a divisão dos bens dar-se-á de forma diversa, se o companheiro, da
mesma forma da hipótese acima aludida, também possuir dois filhos, respectivamente João
e Maria; entretanto, tiver adquirido um patrimônio particular, ou seja, patrimônio adquirido
anteriormente a constituição da união estável ou ainda adquirido bens a título gratuito no
valor de R$100.000,00 (cem mil reais), bem como adquirido um patrimônio comum, ou
seja, patrimônio adquirido onerosamente durante a união no valor de R$300.000,00
(trezentos mil reais), vez que nesse caso, quando do falecimento desse companheiro, ab
intestato, a divisão dar-se-á da seguinte forma:
1) O convivente sobrevivo tem direito a meação dos bens comuns, ou seja,
adquiridos onerosamente durante a união estável, por imperativo legal, de
modo a totalizar uma quantia de R$150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais);
184
2) O convivente sobrevivo também tem direito a uma quota equivalente a
que por lei for atribuída aos filhos; sendo assim, devemos dividir a outra
metade do patrimônio, pertencente ao companheiro falecido, por três quotas
iguais, distribuindo de forma uniforme para cada um dos filhos, bem como
para o companheiro, totalizando uma quantia de R$50.000,00 (cinqüenta mil
reais) por quota, a ser dividida em três partes, respectivamente Paulo, Marta
e o convivente sobrevivo.
3) No atinente aos bens particulares do companheiro falecido, ou seja, os
bens adquiridos anteriormente a constituição da união estável ou ainda
adquiridos a título gratuito, somente os filhos herdarão esses bens. pois
conforme preceitua o artigo 1790 do Novo Código Civil, a companheira
participará da sucessão do companheiro falecido, quanto aos bens adquiridos
onerosamente na vigência da união estável, assim sendo, a companheira
supérstite não poderá herdar esses bens, vez que os mesmos não foram
adquiridos onerosamente durante a vigência da união estável. Com efeito,
devemos distribuir o patrimônio particular do companheiro falecido, de
R$100.000,00 (cem mil reais), de forma uniforme para cada um dos filhos,
totalizando uma quantia de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) por filho.
O inciso II do artigo 1790 do Novo Código Civil trata da hipótese do
convivente falecido possuir filhos unilaterais, vez que não advieram desta união estável,
185
podendo ser fruto de relações anteriores ou ainda fora do âmbito da convivência, seja por
casamento anterior ou de qualquer outra relação. Neste caso, concorrendo o convivente
sobrevivo com os descendentes só do autor da herança, aquele terá direito à metade do que
couber a cada um deles.
Assim, por exemplo, se o companheiro que já possuía dois filhos advindos
de um outra relação, respectivamente Jonas e Tatiana, vier a falecer ab intestato, na
constância da união estável, deixando um patrimônio comum, ou seja, adquirido
onerosamente durante a união estável, de R$100.000,00 (cem mil reais), a divisão dar-se-á
da seguinte forma:
1) O convivente sobrevivo tem direito à meação do patrimônio comum, ou
seja, do patrimônio adquirido onerosamente durante a constância da
união estável, por imperativo legal, totalizando uma quantia de
R$50.000,00 (cinqüenta mil reais);
2) O convivente sobrevivo também terá direito à metade do que couber a
cada um dos filhos; sendo assim, devemos dividir a outra metade do
patrimônio pertencente ao companheiro falecido, digo, R$50.000,00
(cinqüenta mil reais) em cinco partes iguais, de modo que cada um dos
filhos unilaterais receba duas quotas partes, o que eqüivale a uma quantia
de R$20.000,00 (vinte mil reais) para cada um dos filhos, enquanto que o
convivente sobrevivo receberá uma quota parte, referente à metade do
186
que cada um dos filhos recebeu, correspondente a uma quantia de
R$10.000,00 (dez mil reais).
No entanto, na hipótese do companheiro já possuir dois filhos advindos de
um outra relação, respectivamente Jorge e Mônica e, vier a falecer ab intestato, na
constância da união estável, deixando um patrimônio particular, ou seja, patrimônio
adquirido anteriormente a união estável ou ainda adquirido a título gratuito, de
R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), bem como um patrimônio comum, ou seja, adquirido
onerosamente durante a união estável, de R$100.000,00 (cem mil reais), a divisão dar-se-á
da seguinte forma:
1) O convivente sobrevivo tem direito à meação dos bens comuns, ou seja,
dos bens adquiridos onerosamente durante a constância da união estável, por
imperativo legal, totalizando uma quantia de R$50.000,00 (cinqüenta mil
reais);
2) O convivente sobrevivo também terá direito à metade do que couber a
cada um dos filhos; sendo assim, devemos dividir a outra metade do
patrimônio pertencente ao companheiro falecido, digo, R$50.000,00
(cinqüenta mil reais) em cinco partes iguais, de modo a que cada um dos
filhos unilaterais receba duas quotas partes, o que eqüivale a uma quantia de
R$20.000,00 (vinte mil reais) para cada um dos filhos, enquanto que o
convivente sobrevivo receberá uma quota parte, referente à metade do que
187
cada um dos filhos recebeu, correspondente a uma quantia de R$10.000,00
(dez mil reais).
3) Já no que tange aos bens particulares do companheiro falecido, ou seja, os
bens adquiridos anteriormente a constituição da união estável ou ainda
adquirido a título gratuito, somente os filhos herdarão esses bens, pois
conforme preceitua o artigo 1790 do Novo Código Civil, a companheira
participará da sucessão do companheiro falecido, quanto aos bens adquiridos
onerosamente na vigência da união estável, assim sendo, a companheira
sobreviva não poderá herdar esses bens, vez que os mesmos não foram
adquiridos onerosamente durante a vigência da união estável. Com efeito,
devemos distribuir o patrimônio particular do companheiro falecido, de
R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), de forma uniforme para cada um dos
filhos, totalizando uma quantia de R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais) por
filho.
Já o inciso III do artigo 1790 do Novo Código Civil alude ao caso do
convivente sobrevivo concorrer com outros parentes sucessíveis, até os colaterais até 4°
grau, verbi gratia, os parentes de 1° grau na linha reta (ascendentes); os parentes de 2° grau
na linha colateral (irmãos); os parentes de 3° grau na linha colateral (tio e sobrinho); os
parentes de 4° grau na linha colateral (primos). Neste caso, o convivente sobrevivo terá
direito a um terço da herança.
188
Desta forma, exemplificando, se um dos conviventes vier a falecer, ab
intestato, restando um patrimônio comum, digo, patrimônio adquirido onerosamente na
vigência da união estável, de R$300.000,00 (trezentos mil reais), a divisão dar-se-á da
seguinte forma:
1) O convivente sobrevivo tem direito à meação dos bens adquiridos na
constância da união estável, por imperativo legal, de modo a totalizar
uma quantia de R$150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais);
2) O convivente sobrevivo, por concorrer com os parentes sucessíveis do
companheiro falecido, terá ainda direito à terça parte da herança do
convivente falecido; sendo assim, devemos dividir a outra metade do
patrimônio, pertecente ao companheiro falecido, digo, R$150.000,00 (cento
e cinqüenta mil reais) em três partes iguais, de modo a que o companheiro
sobrevivo receba uma quota parte, equivalente à quantia de R$50.000,00
(cinqüenta mil reais), enquanto que o restante da herança, ou seja, as duas
quotas partes restantes correspondentes a uma quantia de R$100.000,00
(cem mil reais), será transmitida aos parentes sucessíveis do companheiro
falecido.
Já na hipótese de um dos companheiros possuir um patrimônio particular de
R$100.000,00 (cem mil reais), adquirido anteriormente a vigência da união estável ou
recebido a título gratuito, e este vir a falecer na vigência da união estável, ab intestato,
189
restando ainda o patrimônio comum, adquirido durante a vigência da união estável, de
R$300.000,00 (trezentos mil reais), a divisão dar-se-á da seguinte forma:
1) O convivente sobrevivo tem direito à meação dos bens adquiridos na
constância da união estável, por imperativo legal, de modo a totalizar
uma quantia de R$150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais);
2) O convivente sobrevivo, por concorrer com parentes sucessíveis do
companheiro falecido, terá ainda direito à terça parte da meação do
companheiro falecido; sendo assim, devemos dividir a outra metade do
patrimônio pertencente ao companheiro falecido, de R$150.000,00 (cento e
cinqüenta mil reais) em três partes iguais, de modo a que o companheiro
sobrevivo receba uma quota parte, equivalente à quantia de R$50.000,00
(cinqüenta mil reais), enquanto que o restante da herança, ou seja, as duas
quotas partes restantes correspondentes a uma quantia de R$100.000,00
(cem mil reais), será transmitida aos parentes sucessíveis do companheiro
falecido.
3) Já no que tange ao patrimônio particular do companheiro falecido, ou seja,
o patrimônio adquirido anteriormente a constituição da união estável ou
ainda adquirido a título gratuito, somente os parentes sucessíveis herdarão
esses bens, pois conforme preceitua o artigo 1790 do Novo Código Civil, a
companheira participará da sucessão do companheiro falecido, quanto aos
bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, assim sendo, a
190
companheira sobreviva não poderá herdar esses bens, vez que os mesmos
não foram adquiridos onerosamente durante a vigência da união estável, mas
sim anteriormente a vigência da união estável. Com efeito, devemos
distribuir o patrimônio particular do companheiro falecido, de R$100.000,00
(cem mil reais), para os parentes sucessíveis do companheiro falecido.
Já o inciso IV do artigo 1790 do Código Civil aduz que, no caso de o
companheiro falecido não possuir parentes sucessíveis; neste caso, o convivente sobrevivo
terá direito à totalidade da herança; no entanto, devemos salientar que trata-se da totalidade
do patrimônio adquirido onerosamente na constância da união estável, conforme explicita o
artigo 1790, "caput", do Novo Código Civil. Desta forma, o companheiro sobrevivo, além
de receber a meação do patrimônio adquirido onerosamente na vigência da união estável, a
que ele tem direito como “companheiro meeiro”, também herdará a meação do
companheiro falecido, vez que não há parentes sucessíveis; entretanto, forçoso é reconhecer
que neste ponto, o legislador modificou sensivelmente os direitos da companheira, vez que
ao contrário do que ocorre no Código Civil de 1916, onde na falta de parentes sucessíveis, a
companheira herda a totalidade da herança, digo, totalidade de bens, independentemente se
os mesmos foram adquiridos anteriormente ou durante a vigência da união estável;
preceitua o Código Civil, onde na falta de parentes sucessíveis, ou seja, colaterais até 4°
grau, a companheira apenas herda a totalidade de bens adquiridos onerosamente na
constância da união estável, sendo assim, caso o companheiro falecido tenha parte do
patrimônio adquirido anteriormente a vigência da união estável ou adquirido a título
gratuito, a companheira não herdará esta parte do patrimônio, por força do artigo 1790,
"caput" do Código Civil.
191
Com efeito, quando do falecimento do companheiro, caso haja do parte do
patrimônio adquirido anteriormente a vigência da união estável ou adquirido a título
gratuito, esta parte do patrimônio se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se
localizada nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal,
vez que a companheira somente poderá herdar bens que porventura tenham sido adquirido
durante a constância da união estável e ainda a título oneroso.
Assim, suponhamos que duas pessoas de idade avançada, que não tenham
parentes sucessíveis, resolvam constituir família, por intermédio da união estável, sabendo-
se que o companheiro já possuía um imóvel residencial adquirido anteriormente a união
estável, sendo que após a vida em comum, os companheiros passaram a residir neste imóvel
residencial que serve de abrigo para o casal e, adquiriram, onerosamente, apenas alguns
bens móveis bens, verbi gratia, os bens que guarnecem a casa e um automóvel. E mais,
durante este período de convivência afetiva, o companheiro veio a adoecer, sendo que até o
falecimento do mesmo, foi a companheira quem cuidou dele. Diante dessa assertiva, como
ficaria a sucessão, no caso do falecimento do companheiro, ab intestato?
Como é cediço, na falta de parentes sucessíveis, a companheira herdará a
totalidade da herança que fora adquirida onerosamante durante a constância da união
estável, sendo assim, a companheira que viveu longos anos ao lado do companheiro,
mesmo após seu adoecimento, apenas herdará os bens que guarnecem a casa e um
automóvel, enquanto que o patrimônio adquirido anteriormente a constância da união
estável, digo, o imóvel residencial que serviu de abrigo para o casal, será devolvido ao
192
Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União,
quando situada em território federal.
Diante da situação fatídica acima aludida, podemos perceber que o legislador
esqueceu-se das conseqüências que irão advir, como essa situação esdrúxula ora em
comento, vez que esta companheira, após o término do inventário, não mais disporá de um
lugar para morar, mesmo tendo convivido longos anos com o companheiro, sendo assim,
mister se faz com que todas as pessoas que se apresentem nesta situação antagônica, não
requeiram a abertura do inventário, caso contrário, eles ficarão muito lesados, pois
beneficiou-se o Estado, em detrimento da família, contrariando a proteção constitucional
estatuída na Carta Magna, onde a família intitulada base da sociedade, possui especial
proteção estatal. Com isso, podemos afirmar que o próprio Estado está forçando com que as
pessoas não requeiram a abertura do inventário, de modo a conviver com esta
irregularidade, vez que o inventário além de custoso, acarretará uma lesão irreparável ao
direito dos companheiros.
Ora, no caso ora em epígrafe, poderá o judiciário se posicionar, por exemplo,
pela aplicabilidade do direito real de habitação, de modo a assegurar àquela companheira
que durante anos conviveu com seu companheiro naquele imóvel residencial, não acabe por
ficar desamparada e vá parar em um asilo. Destarte, ficará novamente a cargo do judiciário
intervir e apaziguar situações de injustiça que forem se apresentando após a vigência do
Novo Código Civil, vez que cabe ao judiciário o importante papel de acompanhar e decidir
nos ditames da lei, em consonância com a evolução da sociedade.
193
Oportuno frisar que em termos de Direito Comparado, não há menção a
respeito da participação da companheira na ordem de vocação hereditária, conforme se verá
a seguir.
Na França, nos termos dos artigos 745 e seguintes do Código Civil Francês,
a ordem de vocação hereditária dar-se-á da seguinte forma:
1º) Descendente (C.C. Francês, arts. 745 e 756);
2º) Ascendente de 1º grau (arts. 746 e 747);
3º) Irmãos e seus descendentes até 12º grau (arts. 746 a 751);
4º) Ascendente de 2º grau em diante (arts. 746 e 747);
5º) Consorte (arts. 745 e 767);
6º) Colaterais até 6º grau e, em alguns casos, até o 12º grau se não for
descendente do irmão (arts. 750, 753 e 755);
7º) Estado (art. 678).
Na Alemanha, nos termos dos parágrafos 1924 e seguintes do BGB Alemão,
a ordem de vocação hereditária dar-se-á da seguinte forma:
1. Descendentes (parágrafo 1924);
2. Aos pais do falecido e seus descendentes (parágrafo 1925);
3. Aos avós do falecido e seus descendentes (parágrafo 1926);
4. Aos bisavós e seus descendentes (parágrafo 1928);
194
5. Consorte; no entanto, se o consorte concorrer com descendentes do
falecido, herdará ¼, e se concorrer com ascendentes, irmãos ou sobrinhos do falecido,
herdará ½. O consorte só recebe a totalidade da herança na ausência de descendente ou
ascendente. (parágrafo 1931);
6. Estado.
Na Itália, nos termos dos artigos 537 e seguintes do Código Civil Italiano, a
ordem de vocação hereditária dar-se-á da seguinte forma:
1. Descendentes Legítimos;
2. Ascendentes herdam na proporção de 1/3, concorrendo com os irmãos
do falecido;
3. Colaterais de 3° e 4° grau;
4. Consorte, terá direito ao usufruto de 1/3 dos bens se concorrer com os
filhos do falecido. Se concorrer com apenas um filho, terá direito ao usufruto de ½ dos
bens. O consorte herdará ½ da propriedade dos bens se concorrer com filho natural. O
consorte herdará 3/4 da propriedade dos bens se concorrer com os colaterais de 3º e 4º
graus;
5. Colaterais de 5° e 6° grau;
6. Estado.
Na Argentina, nos termos do Código Civil Argentino, a ordem de vocação
hereditária dar-se-á da seguinte forma:
1º) Descendente natural ou legítimo em concorrência com o consorte
2º) Ascendente natural ou legítimo em concorrência com o consorte
195
3º) Consorte, se não houver descendente ou ascendente
4º) Colaterais até 4º grau
5º) Fisco
Por fim, em Portugal, nos termos dos artigos 2133 do Código Civil Lusitano,
a ordem de vocação hereditária dar-se-á da seguinte forma:
1º) Consorte em concorrência com os descendentes;
2º) Consorte em concorrência com os ascendentes;
3º) Irmãos;
4º) Colaterais até 3º e 4º grau;
5º) Estado.
4.9.3 Usufruto do Companheiro sobrevivo
O usufruto vidual disposto em lei,é considerado herança sob condição
resolutiva, de um direito real de fruição sobre coisa alheia, que perdura enquanto o
convivente viver ou restar viúvo, e, tem por escopo a proteção do companheiro
sobrevivente, tendo em vista a situação de abandono criada pela morte do outro
companheiro.
196
De acordo com Maria Helena Diniz
69
: “O usufruto não é restrição ao direito
de propriedade, mas sim à posse direta que é deferida a outrem que desfruta do bem alheio
na totalidade de suas relações, retirando-lhe os frutos e utilidades que ele produz.”
Segundo nos ensina Claudia Grieco Tabosa Pessoa
70
citando Luigi Ferri, o
usufruto vidual “prevalece enquanto durar a viuvez, vale dizer, cessará de pleno direito em
casando de novo o cônjuge sobrevivo, e não se restabelecerá mais, pelo desquite ou viuvez
superveniente.”
Com efeito, os incisos I e II do artigo 2° da Lei nº8971/94 outrora haviam
estipulado o usufruto vidual em favor do convivente supérstite, como forma de proteção do
companheiro sobrevivente, desde que subsistisse a constância da união quando do
falecimento do convivente.
Tal proteção, inserida na Lei n° 8971/84 justificava-se uma vez que ao
companheiro sobrevivente era dado tão somente o direito à totalidade da herança, quando
não existisse descendentes, em ascendentes; entretanto, uma vez que o Código Civil
instituiu que em seu artigo 1790 que o convivente sobrevivente, além de sua meação, ainda
recebe parte da herança, concorrendo diretamente com os descendentes, ascendentes e
demais parentes sucessíveis do convivente falecido, o usufruto vidual não mais assiste
razão de existir.
69
Curso de Direito Civil Brasileiro. v. IV, p. 289.
70
Efeitos Patrimoniais do Concubinato. São Paulo: SARAIVA, 1997. p. 229.
197
Assim, com a entrada em vigor do Código Civil, o usufruto vidual em favor
da companheira sobrevivente, dado a especificidade de cunho assistencial e protetivo desse
instituto, deixou de existir, em razão do mesmo ter sido substituído pela concessão de
participação da herança, tendo em vista o proveito direto que a companheira recebe como
herdeira, vez que a mesma concorre na herança com os descendentes, bem como com os
ascendentes e parentes sucessíveis do companheiro falecido. Com efeito, a companheira ao
participar na divisão da herança, concorrendo com descendentes, com os ascendentes e
demais parentes sucessíveis do companheiro falecido, já está sendo amparada pela lei,
tornando-se plausível a privação do companheiro sobrevivente dessa vantagem
Outrossim, ao meu sentir, tal dispositivo supramencionado fora revogado por
força do Novo Código Civil, fazendo com que o usufruto vidual torna-se instituição
desconhecida, inclusive para os consortes unidos pelos laços de matrimônio.
4.9.4. Direito Real de Habitação
Mister se faz trazer à tona a celeuma acerca da aplicabilidade ou eventual
revogação do instituto atinente a união estável, qual seja, o direito real de habitação em
favor da companheira sobrevivente, disposto no parágrafo único do artigo 7°, da Lei
n°9278/96.
O Novo Código Civil foi omisso no que tange ao direito real de habitação
em favor do companheiro. E mais, como é cediço, a Lei de Introdução ao Código Civil
198
contempla a regra segundo a qual a “lei posterior revoga a anterior quando expressamente
a declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de
que tratava a lei anterior”. (LICC, Art. 2°, § 1°), assim sendo, surge a indagação: Com a
entrada em vigor do Novo Código Civil, o direito real de habitação foi revogado ou
continuará a ser aplicado para a união estável?
Assim reza o parágrafo único , do artigo 7º, da Lei nº9278/96:
Art. 7º...
Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos
conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir
nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.
O Direito real de habitação assegurado ao companheiro assemelha-se ao
outorgado ao cônjuge sobrevivente, conforme dispõe o artigo 1831 do Código Civil
Brasileiro.
Só haverá razão para existir este direito real de habitação quando ao (à)
companheiro(a) não couber a totalidade da herança, como forma de ampará-lo(la), bem
como evitar o deslocamento da família. Contudo, este direito real de habitação foi
concedido pelo legislador, mas foram impostas duas restrições.
Primeiro, este direito real de habitação consagrado pelo parágrafo único da
artigo 7º, da Lei nº9278/96, existirá enquanto viver o(a) companheiro(a), como uma espécie
199
de usufruto vitalício, ou ainda, se o companheiro sobrevivente não constituir nova união ou
casamento, permanecendo no estado de viuvez.
Segundo, instituído o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente,
este deverá residir no respectivo imóvel, sendo vedado o emprestá-lo, ou locá-lo, sob pena
de cessação de tal benefício, vez que o direito real de habitação constitui um direito
temporário, limitado tão somente a moradia da família, dada a proteção estatal.
Interessante salientar ainda que o direito real de habitação somente se
justifica quando o imóvel pertencer aos companheiros, pois na hipótese do imóvel pertencer
a terceiro, o companheiro sobrevivo não terá direito a esse benefício. Assim, verbi gratia,
se o imóvel onde os companheiros residiam pertencer a sogra, e vindo um dos
companheiros a falecer, o companheiro sobrevivo não fará jus ao direito real de habitação,
vez que o imóvel pertence a terceiro, não se justificando tal benesse.
Com a entrada em vigor do Novo Código Civil, o direito real de habitação
disposto no parágrafo único do artigo 7° da Lei n°9278/96 continuará a ser aplicado à união
estável, pois não houve a ocorrência de nenhuma das hipóteses elencadas no parágrafo 1°
do artigo 2° da Lei de Introdução ao Código Civil. Com efeito, tendo em vista que o Novo
Código Civil não revogou expressa ou tacitamente o direito real de habilitação, disposto no
parágrafo único do artigo 7° da Lei n°9278/96, nada obsta a sua aplicabilidade à união
estável, mormente por se tratar de norma de cunho protetivo a família, que, aliás, encontra-
se respaldo na Carta Magna.
200
4.9.5. EXCLUSÃO DO COMPANHEIRO À HERANÇA POR
INDIGNIDADE
No Brasil, para que o herdeiro tenha direito à parte que lhe cabe na herança
não basta que ele esteja inserido no rol da ordem de vocação hereditária, disposto no artigo
1829 do Código Civil Brasileiro, mas é mister que este herdeiro tenha capacidade
sucessória, bem como esteja na constância da união estável ao tempo de abertura da
sucessão, ou seja, no momento da morte do autor da herança a convivência como se
casados fossem ainda exista, conforme preceitua o artigo 1787 do Código Civil Brasileiro.
Por capacidade sucessória, podemos entender a aptidão para que o herdeiro
receba os bens deixados pelo autor da herança; no entanto, devemos ter em mente que a
capacidade sucessória se difere da capacidade para vida civil. Assim, por exemplo, o
nascituro possui capacidade sucessória, mas não possui capacidade para praticar os atos da
vida civil.
De acordo com o artigo 1814 do Código Civil Brasileiro, o indigno não
possui capacidade sucessória, ou seja, ele se encontra impedido de receber a parte que lhe
cabe na herança, por ter cometido ato que atenta contra a vida, a honra e a liberdade do
autor da herança.
A indignidade, também denominada de ingratidão ocorre quando uma
pessoa que seria herdeira, seja através da sucessão legítima ou da sucessão testamentária,
201
pratica um ato de ingratidão, ou seja, ato atentatório contra a vida, a honra e a liberdade do
autor da herança, tendo por conseqüência a privação do direito a receber a herança, vez que
este tornou-se indigno.
Como bem preceitua Eduardo A. Zanoni
71
: “indignidad configura una
incapacidad para suceder...” E continua o autor: “...un evidente juicio de reproche que la
ley hace llamado a suceder en función de actos que han agravado la persona del
causante”.
Já o Capítulo V, do Título I, do Livro V, do Código Civil, que em artigos
1814 a 1818 a matéria atinente àqueles excluídos da sucessão, instituindo em seu artigo
1814
72
, reproduzindo o contido no Código Civil de 1916, os casos de exclusão do
companheiro da sucessão, como quando este venha praticar atos de ingratidão, ou seja, atos
atentatórios contra a vida, a honra e a liberdade do autor da herança, tendo por
conseqüência a privação do direito a receber a parte que lhe cabe a herança.
Já o artigo 1816
73
do Código Civil, estabelece que são pessoais os efeitos da
declaração de indignidade, onde os descendentes do herdeiro excluído sucedem-no, como
71
Eduardo A. Zanoni. Manual de Derecho de las sucesiones. Buenos Aires: ASTREA, 1999. p. 80.
72
CC, Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a
pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II - que a acusarem caluniosamente em juízo, ou incorreram em crime contra a sua honra;
III - que, por violência ou fraude, a inibiram livremente dispor dos seus bens em testamento ou codicilo,
ou lhe obstaram a execução dos atos de última vontade.
73
CC, Art. 1.816. São pessoais os efeitos da exclusão; os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como
se ele morto fosse antes da abertura da sucessão.
202
se ele morto estivesse antes da abertura da sucessão Com efeito, os efeitos da sentença de
declaração de indignidade são pessoais, ou seja, atingem apenas àquele que praticou os atos
atentatórios contra a vida, a honra e a liberdade do autor da herança, de modo que não se
transmitem aos seus descendentes, vez que estes o sucederão por representação, como se o
indigno fosse morto.
E, estabeleceu ainda no parágrafo único do artigo 1816 que o excluído da
sucessão não terá direito ao usufruto ou à administração dos bens que a seus sucessores
couberem na herança, nem à sucessão eventual desses bens.
Outrossim, o artigo 1815
74
do Código Civil, estabelece que a declaração de
exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, deve ser
declarada por sentença, em ação declaratória de indignidade proposta por quem tenha
legítimo interesse, no prazo de quatro anos, contados da data da abertura da sucessão.
Como podemos perceber, a ingratidão é uma sanção civil, entretanto, para
que a sanção possa ser aplicada, deve haver condenação criminal anterior do herdeiro que
incorreu naqueles atos atentatórios supracitados. Esta mesma orientação é trilhada por
Washington de Barros Monteiro e por Maria Helena Diniz.
74
CC, Art. 1.815. A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será
declarada por sentença.
Parágrafo único. O direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário extingue-se em quatro anos,
contados da abertura da sucessão.
203
Interessante salientar que de acordo com o artigo 1817
75
do Código Civil,
antes de declarado indigno, por intermédio da sentença de exclusão, são válidas as
alienações onerosas de bens hereditários a terceiros de boa-fé, e os atos de administração
legalmente praticados pelo herdeiro; todavia caso os demais herdeiros sejam prejudicados,
estes terão direito de pleitear em juízo perdas e danos em face daquele. Outrossim, o
declarado indigno, que fora excluído da sucessão por sentença, é obrigado a restituir os
frutos e rendimentos que dos bens da herança houver percebido, mas tem direito a ser
indenizado das despesas com a conservação deles.
Com isso, se a mulher cometer um ato atentatório à vida, à honra e à
liberdade do seu esposo, qualquer herdeiro e até mesmo o Ministério Público, na falta
daqueles, tem legítimo interesse em intentar a ação declaratória de indignidade.
Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Paraná posicionou-se com a seguinte
ementa: “SUCESSÃO - Exclusão de herdeiro por indignidade - Cônjuge supérstite -
Admissibilidade - Mulher que participa, como mandante, do homicídio do marido -
Comprovação nos autos inclusive por decisão da instância criminal - Desnecessidade de
indagação dos motivos do crime - Inteligência e aplicação dos arts. 1.525, I, e 1.611, § 1.º,
do CC - Ação proposta por filho menor devidamente representado por avô e tutor judicial,
por se encontrar em situação irregular - Legitimidade ‘ad causam’." (RT 620/154)
75
CC, Art. 1.817. São válidas as alienações onerosas de bens hereditários a terceiros de boa-fé, e os atos de
administração legalmente praticados pelo herdeiro, antes da sentença de exclusão; mas aos herdeiros subsiste,
quando prejudicados, o direito de demandar-lhe perdas e danos.
Parágrafo único. O excluído da sucessão é obrigado a restituir os frutos e rendimentos que dos bens da
herança houver percebido, mas tem direito a ser indenizado das despesas com a conservação deles.
204
Da mesma forma, caso a convivente venha a praticar qualquer dos atos
atentatórios à vida, à honra e liberdade do convivente, elencados no artigo 1814 do Código
Civil Brasileiro, qualquer herdeiro e até mesmo o Ministério Público, na falta daqueles,
terá legitimidade de intentar a ação declaratória de indignidade.
Assim, por exemplo, se a convivente comete um ato atentatório contra a vida
do convivente, não havendo outro herdeiro, o Ministério Público terá o legítimo interesse
em intentar com a ação declaratória de indignidade, como fiscal da lei, de modo a privá-la
do recebimento da herança.
Interessante frisar que os bens retirados daquele que foi considerado indigno,
por intermédio da ação declaratória de indignidade, denominam-se bens eruptícios.
São efeitos da indignidade:
O declarado indigno não herda;
Os descendentes do declarado indigno o sucedem, por representação;
Os efeitos da sentença declaratória de indignidade são “ex tunc”;
O declarado indigno não tem direito à administração, nem ao usufruto
dos bens.
Por fim, o artigo 1818
76
do Novo Código Civil estabeleceu, da mesma forma
que o artigo 1597 do Código Civil vigente, que o único meio de reabilitar o indigno de
76
CC, Art. 1.818. Aquele que incorreu em atos que determinem a exclusão da herança será admitido a
suceder, se o ofendido o tiver expressamente reabilitado em testamento, ou em outro ato autêntico.
205
modo que ele seja admitido a suceder, é no caso do ofendido expressamente reabilitar o
indigno em testamento, ou em outro ato autêntico, verbi gratia, através de documento por
escritura pública. No entanto, o parágrafo único do artigo ora em comento contempla a
hipótese do perdão tácito, quando o testador, ao testar, já tinha conhecimento da causa da
indignidade, assim sendo, neste caso ele poderá suceder no limite da disposição
testamentária.
Assim, por exemplo, se um herdeiro mancomunado com alguns larápios,
comete uma tentativa frustrada de homicídio contra o autor da herança, vindo ser
condenado no juízo criminal, e, posteriormente considerado indigno por sentença de
exclusão, na ação movida pelos demais herdeiros, vem, mesmo após todo este episódio de
ingratidão, a ser contemplado pelo testador em testamento, assim, sendo, este herdeiro
poderá suceder no limite das disposições testamentárias, vez que nesta hipótese houve
perdão tácito por parte do testador.
Todavia, se no leito de morte, o convivente escreve “eu te perdôo”, em uma
carta, para a convivente considerada indigna, por intermédio da ação declaratória de
indignidade, por ter atentado contra a vida do seu companheiro, com prévia sentença penal
condenatória, para o direito pátrio, esta declaração não terá validade jurídica nenhuma, vez
que a companheira continuará figurando como indigna, servindo apenas de consolo moral
para ela.
Parágrafo único. Não havendo reabilitação expressa, o indigno, contemplado em testamento do ofendido,
quando o testador, ao testar, já conhecia a causa da indignidade, pode suceder no limite da disposição
testamentária.
206
Oportuno salientar que no Direito Argentino, há uma figura inusitada, um
instituto denominado de “purgação de indignidade”, onde determina que se o indigno
permanecer na posse dos bens, pelo prazo de 03 (três) anos, então purga-se a indignidade,
de modo que aquele não mais será considerado indigno.
Dessume-se, portanto, que, tendo em vista o reconhecimento da união
estável como entidade familiar, gozando de proteção estatal, conforme dispõe o artigo 226,
parágrafo 3°, da Carta Magna, bem como a inserção da companheira instituindo-a como
herdeira, nos termos do artigo 1790 do Código Civil, os conviventes podem ser privados da
herança, tendo em vista o cometimento de atos de indignidade atentatórios à vida, à honra e
à liberdade do companheiro.
4.9.6. MORTE PRESUMIDA DO COMPANHEIRO
Hoje, de acordo com a nova ordem constitucional, a família é tida como base
da sociedade e goza de proteção especial do Estado, seja ela advinda do casamento, seja
advinda da união estável.
Desta forma, as regras de proteção aplicáveis ao casamento, contidas tanto
no direito de família, como no direito das sucessões, também são aplicáveis às relações
oriundas da união estável. No entanto, surge a indagação: como proceder em caso de morte
presumida do companheiro?
207
Como é cediço, falecendo o companheiro, pelo princípio de saisine,
transmite-se desde logo o domínio e a posse dos bens constantes do acervo hereditário, aos
herdeiros legítimos; todavia, devemos salientar que a companheira sobrevivente somente
terá direito à totalidade da herança se no momento do falecimento ainda existia união
estável e caso não existam herdeiros necessários.
Desta forma, no caso de desaparecimento do companheiro, uma vez
reconhecida a união estável por via judicial, e não havendo certeza de que realmente houve
o falecimento do companheiro, a companheira poderá utilizar-se do disposto nos artigos 22
a 39 do Código Civil Brasileiro, atinentes à ausência, digo, morte presumida, vez que ela
será considerada herdeira, e também interessada em requerer a sucessão provisória,
conforme dispõe o inciso III, do artigo 2° da Lei n°8971/94 e inciso I, do artigo 470
do
Código Civil.
A ausência, também denominada morte presumida dar-se-á quando uma
pessoa desaparece de seu domicílio sem deixar notícias ou sem deixar representante, ou
procurador, para administrar-lhe os bens, por determinado lapso temporal previsto em lei,
de modo que se possa presumir a morte desta pessoa, sendo que o juiz, a requerimento de
qualquer interessado, ou do Ministério Público, nomear-lhe-á um curador para guarda,
conservação e administração dos bens do desaparecido, conforme preceitua o artigo 22 do
Código Civil Brasileiro.
Sendo que após 01 (um) ano da arrecadação dos bens do ausente, sem que se
saiba do paradeiro do desaparecido, se não deixou representante, nem procurador, ou, se os
208
deixou, em passando 3 (tres) anos, poderão os interessados
77
requerer que se lhes abra
provisoriamente a sucessão. No entanto, uma vez aberta a sucessão provisória, convocam-
se os prováveis herdeiros para a entrega dos bens, mediante penhores ou hipotecas,
equivalente aos quinhões respectivos, haja vista a possibilidade de retorno do desaparecido.
E, de acordo com o artigo 37 do Código Civil Brasileiro, após 10 (dez) anos
de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória, abrir-se-á
a sucessão definitiva, bem como o levantamento das cauções, por iniciativa dos
interessados; todavia, aguardam-se mais 10 (dez) anos para o eventual retorno. Sendo que
após este lapso temporal, para fins patrimoniais, presumir-se-á a morte do desaparecido,
retirando todo o direito de reaver seu patrimônio caso haja um eventual retorno.
Nota-se ainda que nos termos do artigo 38 do Código Civil, no caso de o
companheiro desaparecido contar com 80 (oitenta) anos de nascido e 05 (cinco) anos de
desaparecimento, os interessados poderão requerer a abertura da sucessão definitiva, bem
como o levantamento das cauções, já que após este lapso temporal, para fins patrimoniais,
presumir-se-á a morte do desaparecido, retirando todo o direito de reaver seu patrimônio
caso haja um eventual retorno.
77
Código Civil, Art.27 - Para o efeito previsto no artigo anterior, somente se consideram interessados:
I - o cônjuge não separado judicialmente;
II - os herdeiros presumidos legítimos, ou os testamentários;
III - os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte;
IV - os credores de obrigações vencidas e não pagas.
209
Salienta-se, por fim, que há certos desaparecimentos que podem ser
reconhecidos judicialmente, como por exemplo, nos casos de desaparecimentos advindos
de naufrágio, incêndio, explosão, bem como de desaparecimento político.
Ilustrando acerca deste ponto, é oportuno reprisar que na legislação Lusitana
essa matéria é tratada nos artigos 89, 101 a 109, 111 e 112 do Código Civil Português e
artigo 1103 do Código de Processo Civil Português. Assim sendo, no caso do
desaparecimento de uma pessoa, abre-se a curadoria provisória, sem qualquer efeito
sucessório, sendo que após 02 (dois) anos, não retornando o desaparecido, os herdeiros
terão que abrir o processo de justificação de ausência, para estabelecer a curadoria
definitiva, com isso faz-se a partilha com a entrega dos bens aos herdeiros. No entanto estes
deverão aguardar um possível retorno do desaparecido pelo lapso temporal de 10 (dez)
anos, ou de 05 (cinco) caso o desaparecido tenha 80 (oitenta) anos, para que após o
escoamento desse prazo, seja possível a alienação dos bens. Ressalta-se ainda que os
herdeiros portugueses não necessitam dar caução, devendo devolver os bens caso o
desaparecido retorne.
Por fim, podemos salientar que o Código Civil traz um efeito a mais no que
tange à matéria de ausência, pois além de gerar efeitos patrimoniais, produzirá também
efeitos pessoais e familiares, vez que a morte presumida também extingue o vínculo
jurídico-afetivo válido. Assim sendo, uma vez reconhecida a união estável judicialmente e
declarada a ausência do seu companheiro, o convivente do desaparecido poderá unir-se
novamente. No entanto, caso o convivente desaparecido retorne, e àquele já tenha
constituído uma nova união familiar, esta nova união terá efeito putativo.
210
4.9.7. RENÚNCIA DO COMPANHEIRO À HERANÇA OU LEGADO
Tanto no Direito pátrio, como no Direito Português, Direito Argentino
(Código Civil Argentino, arts 3282, 3415 e 3420) e Direito Paraguaio (Código Civil
Paraguaio, art. 2443), a abertura da sucessão dá-se pela morte do autor da herança. Assim,
no instante da morte, ocorre a translatividade, ou seja, os herdeiros, desde logo, recebem a
propriedade e a posse indireta dos bens do falecido.
No Brasil, o herdeiro pode optar em aceitar ou renunciar à herança ou
legado, por força do disposto nos artigos 1805 e 1806 do Código Civil Brasileiro. A
aceitação pode ser expressa ou tácita, sendo uma declaração de vontade pura e simples, vez
que não se pode aceitar a herança em parte, sob condição, ou a termo. Já a renúncia não se
presume, portanto, apenas se concretiza a renúncia de modo expresso, e da mesma forma
que na aceitação, não se pode renunciar em parte, sob condição, ou a termo.
A renúncia é a manifestação de sua rejeição aos bens deixados pelo autor da
herança, podendo ser feita através de instrumento público ou através de termo judicial.
Aquela será feita pelo tabelião e será juntada ao inventário, enquanto esta será feito por
petição, assinada pelo herdeiro, e o juiz reduzirá a termo nos autos do inventário.
A renúncia é um ato unilateral e abdicativo, devendo estar presentes certos
requisitos, a saber:
deve ser realizada por instrumento público ou termo nos autos;
211
capacidade jurídica de abdicar do que é seu.
A cota parte do renunciante fica para os mesmos herdeiros de classe ou grau,
ou seja, a cota parte renunciante vai para os irmãos e não para os filhos. E, somente se
houver também renúncia dos irmãos, é que a herança vai para os membros de grau inferior,
no caso, os filhos.
Consoante dispõe o artigo 1725 do Código Civil, o regime adotado para a
união estável será o da comunhão parcial de bens, onde os bens adquiridos por ambos os
conviventes, a título oneroso, durante a constância da união estável, comunicam. Assim
sendo, podemos concluir que como a herança ou o legado são adquiridos a título gratuito,
não estabelecendo-se condomínio desses bens, então não haverá necessidade de um
companheiro pedir prévia anuência do outro companheiro para renunciar à herança, salvo
se ocorrer o disposto no inciso III do artigo 1660 do Código Civil, ou se houver contrato
escrito entre os companheiros estabelecendo regime de bens diverso ao legal adotado para
união estável.
Também no casamento, por força do artigo 1647 do Código Civil, não mais
se exige a obrigatoriedade de anuência do cônjuge, para poder renunciar a herança, salvo
disposição em contrário.
Neste sentido, assevera Maria Helena Diniz
78
: “A pessoa casada pode
aceitar ou renunciar à herança ou legado independentemente de prévio consentimento do
78
212
cônjuge, apesar do direito à sucessão aberta ser considerado imóvel para efeitos legais,
ante a redação dada ao art. 242 do Código Civil pela Lei n°4121/62.”
Esta mesma orientação é seguida pelo Ilustre Washington de Barros
Monteiro. Também a jurisprudência tem-se posicionado desta forma, conforme RT524/207,
RT 55/105, 557/176 e JB 147/308.
Por fim, no Capítulo I, do Título II, do Livro V, que trata nos artigos 1829 a
1844 do Código Civil da matéria atinente a Ordem da Vocação Hereditária, podemos citar
o disposto no artigo 1844
79
, onde na falta do companheiro, ou parente sucessível, ou tendo
eles renunciado a herança, esta se tornará jacente; sendo certo que uma vez inexistindo
herdeiros após as diligências necessárias previstas no ordenamento pátrio, esta herança, até
então considerada jacente, será considerada vacante, e por conseqüência será transferida ao
patrimônio público, podendo ser ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas
respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal.
4.9.8. Nomeação de Herdeiro ou Legatário
Os artigos 1798 a 1803 do Novo Código Civil estão inseridos no Capítulo
III, do Título I, do Livro V, que trata sobre a “Vocação Hereditária”.
79
CC, Art. 1.844. Não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo eles
renunciado a herança, esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas
circunscrições, ou à União, quando situada em território federal.
213
O artigo 1801
80
do Código Civil trata da hipótese onde não se permite
nomear herdeiro nem legatário o concubino do testador casado, todavia, este artigo traz a
baila uma exceção a esta proibição legal, qual seja, na hipótese do testador casado
encontrar-se separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos, desde que esta separação
não tenha ocorrido por sua culpa.
Com efeito, devemos observar que nosso ordenamento pátrio sempre
repudiou e ainda repudia toda e qualquer relação espúria, adúltera, denominada pelo
Código Civil como concubinato, vez que estas relações desestruturam a base familiar.
Desta forma, o Código Civil corretamente obstou a nomeação do concubino como herdeiro
ou legatário, quando o testador encontra-se casado, de modo a preservar, bem como
proteger, não apenas o patrimônio da família legalmente constituída, como também o trato
no seio familiar.
Entretanto, no artigo supramencionado, vislumbra-se ainda a hipótese da tese
já abordada outrora, quando um dos conviventes encontra-se separado de fato. Assim
sendo, a lei também obstou o testador a nomear a concubina herdeira ou legatária, quando o
mesmo encontra-se separado de fato; entretanto, esta proibição deixa existir caso haja
convivência por mais de 05 (cinco) anos da data da separação de fato e desde que a
separação não tenha ocorrido por sua culpa, permitindo desta forma que o companheiro
possa ser nomeado herdeiro ou legatário.
80
CC, Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:
III - o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há
mais de cinco anos.
214
Justifica-se tal assertiva pelo fato de que, uma vez separado de fato, tornar-
se-ia infundada a proibição da nomeação do companheiro para ser herdeiro ou legatário,
sob a exegese de que a dissolução da sociedade conjugal somente ocorrerá após o divórcio,
contrariando o próprio texto constitucional, as decisões dos tribunais, bem como
ocasionaria o aparecimento de situações esdrúxulas, onde o companheiro que sempre
contribuiu para a formação do acervo em comum quando da separação de fato do outro
companheiro, estaria obstado a ser nomeado herdeiro ou legatário, pelo fato de que o outro
companheiro não dissolveu a antiga sociedade conjugal por intermédio da via judicial.
Cabe refletir, entretanto, sobre a complexa causuística trazida pelo artigo ora
em epígrafe, vez que o lapso temporal de mais 05 (cinco) anos de separação de fato não se
coaduna com o artigo 1830
81
do Código Civil que priva o cônjuge do direito sucessório se,
ao tempo da morte, já estava separado de fato há mais de 02 (dois) anos, bem como com o
texto constitucional, que trata do lapso temporal de 02 (dois) anos para o pedido de divórcio
direto, quando os cônjuges estiverem separados de fato. Com efeito, em nosso sentir,
melhor equaciona a possibilidade da nomeação do convivente como herdeiro ou legatário,
se o testador estiver, sem culpa sua, separado de fato há mais de 02 (dois) anos, vez que se
trata de companheira, que em nosso ordenamento pátrio, goza de proteção estatal.
Ademais, ante a diferenciação trazida pelo Código Civil, entre companheira
e concubina, a proibição inserida no inciso III do artigo 1801, atinge apenas e tão somente a
81
CC, Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do
outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste
caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.
215
concubina, de modo que nada obsta que a companheira do testador separado de fato seja
contemplada.
Já o artigo 1802
82
do Código Civil aduz que são nulas as disposições
testamentárias em favor da concubina, ainda quando as mesmas estiverem simuladas sob a
forma de contrato oneroso, ou feitas mediante interposta pessoa, vez que a concubina não é
legitimada a suceder, salvo no caso de ocorrer a exceção contida no inciso III do artigo
1801 do Novo Código Civil.
Demais, como é sabido, os meios mais usuais de contemplar a concubina
burlando a lei, era exatamente simulando um contrato oneroso, verbi gratia, um contrato de
compra e venda; ou ainda feitas mediante interposta pessoa, onde um terceiro intervinha
como medianeiro no negócio para que fosse possível que os bens do testador casado
contemplassem a sua concubina, por intermédio de vias obscuras, de modo a não
caracterizar a deixa em favor da mesma. Assim, para evitar a ocorrência dessas situações
esdrúxulas, o legislador de modo esmerado tratou como nula as disposições testamentárias
do testador casado, que tenham por escopo burlar a lei e por conseqüência contemplar a sua
concubina, por intermédios de artifícios fraudulentos, conforme podemos verificar no artigo
supramencionado.
E, de acordo com o parágrafo único do artigo 1802 do Código Civil, tanto os
ascendentes, como os descendentes, os irmãos e o cônjuge ou companheiro da concubina
82
CC, Art. 1.802. São nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas não legitimadas a suceder,
ainda quando simuladas sob a forma de contrato oneroso, ou feitas mediante interposta pessoa.
Parágrafo único. Presumem-se pessoas interpostas os ascendentes, os descendentes, os irmãos e o cônjuge
ou companheiro do não legitimado a suceder.
216
do testador, presumem-se pessoas interpostas; todavia, nada obsta que exsurja um terceiro,
não constante do rol do artigo ora mencionado, como interposta pessoa, de modo a tentar
burlar a lei e consequentemente contemplar a concubina do testador casado. Assim sendo,
como a lei não presumiu esse terceiro como interposta pessoa, devemos considerar o rol do
parágrafo único do artigo 1802 do Código Civil como exemplificativo, de modo quando da
ocorrência deste meio ardil, os que detenham legítimo interesse deverão comprovar esta
fraude junto ao poder judiciário, para que o mesmo anule esta contemplação fraudulenta,
que teve única e exclusivamente o escopo de contemplar a concubina, utilizando-se de
meios obscuros e obtusos.
Assim, por exemplo, se o testador contempla em suas disposições
testamentárias um terceiro com o intuito de beneficiar a concubina de forma indireta, e este
terceiro, agindo como interposta pessoa, simula um contrato de doação, ou um contrato de
compra e venda para a concubina do testador de modo a beneficiá-la, os legítimos
interessados, ou seja, a esposa do testador, bem como seus filhos, poderão recorrer ao poder
judiciário buscando a nulidade das disposições testamentárias, com fulcro no artigo 1802,
“caput” do Código Civil, tendo em vista que o terceiro atuou como interposta pessoa, de
modo a beneficiar pessoa não legitimada a suceder, todavia, não constante do rol de pessoas
do parágrafo único do artigo 1802 do Novo Código Civil.
A mesma assertiva ocorrerá no caso do testador contemplar, em suas
disposições testamentárias, o irmão de sua concubina, vez que nesta hipótese as disposições
testamentárias que o contemplaram são consideradas nulas, por força do parágrafo único do
217
artigo 1802 do Código Civil, que presume o irmão de sua concubina como interposta
pessoa.
O artigo 1803
83
do Código Civil aduz que é lícita a deixa ao filho do
concubino, quando também o for do testador, ou seja, na hipótese de haver filho comum
entre a concubina e o testador, nada obsta que este contemple seu filho por intermédio de
disposições testamentárias.
Interessante salientar que de acordo com o Código Civil, a concubina é
considerada “amante” de um homem casado, assim sendo, o artigo ora em epígrafe diz
respeito ao nascimento de filho extramatrimonial, em virtude deste relacionamento
adúltero. E mais, como é cediço, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226,
parágrafo 6°, estabeleceu a igualdade de direitos e obrigações atinentes à filiação,
independentemente de onde foram concebidos os filhos, verbi gratia, na constância do
casamento, da união estável ou do concubinato, vez que aquela distinção odiosa existente
outrora não mais encontra guarida em nosso direito pátrio, pois atualmente a filiação gera
efeitos jurídicos, independente da qualidade da filiação.
Com efeito, seguindo a correta orientação da Carta Magna, o Código Civil
estabeleceu no artigo supracitado que, no caso de o testador concomitantemente com a
relação de casamento ou de união estável existente, possuir uma relação de concubinato, ou
seja, uma relação adúltera, e dessa relação adulterina advier filhos, tidos como
83
CC, Art. 1.803. É lícita a deixa ao filho do concubino, quando também o for do testador.
218
extramatrimoniais; as disposições testamentárias em favor desses filhos são tidas como
lícitas, vez que como exposto outrora a filiação independe da qualidade da relação.
Assim sendo, o testador poderá contemplar seu filho através de testamento
quando este for fruto comum da relação de concubinato existente entre a concubina e o
testador, assegurando assim o consignado pela Magna Carta, de modo estabelecer um
tratamento igualitário entre os filhos do testador.
No entanto, interessante frisar que na hipótese avençada pelo artigo ora em
comento, deve-se observar se o testador possui mais filhos, se está dispondo da parte
patrimonial disponível ou se ingressou na parte patrimonial reservadas para os herdeiros
necessários, vez que nessa hipótese o testador não dispõe de liberdade ilimitada para testar
a totalidade de seu patrimônio, acarretando-se, conforme a casuística, uma solução diversa,
como, por exemplo, no adiantamento da legítima.
219
CAPÍTULO V
5. UNIÃO ESTÁVEL E O DIREITO PROCESSUAL CIVIL
220
Sinteticamente, podemos dizer que em uma fase primitiva, o direito regia-se
pela justiça privada, onde não se garantia a justiça, mas sim a vitória do mais forte sobre o
mais fraco. Assim, havia naquela época duas formas de solução de litígio, ou através da
autotutela, também denominada autodefesa, onde cada um buscava solucionar o problema
com as próprias mãos, ou ainda por intermédio da autocomposição, onde uma ou ambas as
partes, em litígio, abriam mão de todo ou de parte do seu interesse. Esta última podia se dar
de três maneiras: a desistência, a submissão e a transação. Estas duas formas de solução de
litígio apresentavam duas características em comum, tal seja, a inexistência de um juiz
imparcial e a imposição da parte mais forte à outra mais fraca. Entretanto, em um dado
momento na história, o Estado proibiu a justiça privada, e avocou para si aplicação do
direito, como algo de interesse público, fazendo surgir o poder judiciário, como meio
indispensável ao equilíbrio social e democrático.
A doutrina mais moderna do direito processual civil representada
especialmente pelo Professor Cândido Rangel Dinamarco ressalta que “o processualista
moderno deixou de ser mero teórico das normas e princípios diretores da vida interior do
sistema processual, como tradicionalmente fora. Acabou-se o tempo em que o direito
processual mesmo era visto e afirmado como mera técnica despojada de ideologias ou
valores próprios, sendo sua exclusiva função a atuação do direito substancial. A
consciência dos modos como o exercício da jurisdição interfere na vida das pessoas levou
os estudiosos do processo a renegar essa pouco honrosa missão ancilar e assim inseri-lo
no contexto das instituições sociais e políticas da nação, reconhecida sua missão relativa à
felicidade das pessoas (bem-comum). Daí falar-se nos escopos sociais do processo, em
221
seus escopos políticos e só num segundo plano em seu escopo jurídico de dar atuação à lei
material. Afinal, processo e direito material compõem a estrutura jurídica das nações e
acima da missão de um perante o outro paira a grande responsabilidade de ambos perante
os membros da comunidade. Consciente dessas verdades que hoje temos por patentes, o
processualista das últimas décadas tornou-se um crítico. Tomou consciência também da
grande necessidade de optar por um método teleológico, em que os resultados valem mais
que os conceitos e estruturas internas do sistema. E apercebeu-se de que o bom processo é
somente aquele que seja capaz de oferecer justiça efetiva ao maior número possível de
pessoas – universalizando-se tanto quanto possível para evitar ilegítimos resíduos não-
jurisdicionalizáveis e aprimorando-se internamente para que a idéia de ação não continue
sobreposta à de tutela jurisdicional. O processualista moderno sabe que muito menos vale
a formal satisfação do direito de ação do que a substancial ajuda que o sistema possa
oferecer às pessoas”
84
.
Nesse quadro é que se insere a afirmação de Héctor Fix-Zamudio, de que “a
verdadeira garantia dos direitos da pessoa consiste precisamente em sua proteção
processual, para o quê é preciso distinguir entre os direitos do homem e as garantias de
tais direitos, que outra coisa não são senão meios processuais por obra dos quais é
possível sua realização e eficácia”.
85
Assim, o Poder Judiciário surgiu com a finalidade de impor a justiça, por
intermédio da aplicação das normas legais vigentes, enquanto a administração surgiu com
84
Cfr. Fundamentos do Processo Civil Moderno, cap. 6.
85
. Cfr. La protección procesal de los derechos humanos, pp. 51 e 54, apud Dinamarco, Fundamentos do
processo civil moderno..
222
escopo de estabelecer a supremacia do Estatal sobre o particular, visando a garantir uma
convivência pacífica, no meio social.
Neste diapasão, a jurisdição é uma atividade do Estado, destinada a
solucionar conflitos de interesse, qualificado pela pretensão de um e a resistência do outro,
ou seja, é a capacidade, que o Estado tem, de decidir imperativamente e impor decisões
86
por meio do processo, pois onde houver direito, haverá uma sociedade organizada, devido a
função coordenadora que o direito exerce na sociedade.
Dessume-se portanto que todo o direito processual, como ramo do direito
público, tem suas linha mestras traçadas pelo Direito Constitucional, de forma a garantir a
pacificação social, através da distribuição da justiça, fixando regras para atuação dos
particulares perante o Estado, digo, poder judiciário, para satisfação de suas pretensões.
No âmbito do direito processual civil, torna-se salutar recordarmos neste
momento a lição do Professor Cândido Rangel Dinamarco, contida na obra
Instrumentalidade do processo, vez que os escopos do processo demonstram sua
necessidade essencial, porque a pacificação com justiça impede que aflorem fatores de
desagregação da sociedade e, no âmbito direito de família, verbi gratia, atinge a vida
sentimental e psicológica das pessoas, o que lhe garante um lugar de destaque para uma
eventual análise da confluência entre direito material e processual.
A principal idéia é de que o processo estará sempre oferecendo os meios
para a resolução dos conflitos, desde os menores que lhe podem ser submetidos. Dessa
223
forma, o processo estará sempre a serviço dos anseios do povo, solucionando os conflitos e
buscando a paz social.
No âmbito da união estável, como se verá, a aplicação das normas de direito
processual não tem apenas a finalidade, por si só, de regular o processo em juízo, suas
etapas e procedimento, mas, verdadeiramente de proteger o direito daqueles envolvidos na
relação envolvida em cada caso concreto.
5.1 Aplicabilidade das regras processuais à União Estável
A Constituição Federal, em seu artigo 226, parágrafo 3º, reconheceu a união
estável, entre homem e mulher, como entidade familiar, para efeito de proteção do Estado.
Assim, observa-se que a Constituição ampliou c conceito de família, outrora
restrito apenas a advinda do casamento, de forma que a tanto a união estável, como também
a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, como entidade familiar
que é, por força do texto constitucional, passou a integrar o conceito de família.
Compartilha deste pensamento, o Ilustre Eduardo de Oliveira Leite,
dispondo que: “A palavra ‘Família’ empregada no artigo 226, ‘caput’, deve ser entendida
num sentido amplo, abrangendo, não somente a família fundada no casamento, mas a
86
Cintra-Grinover-Dinamarco, Teoria Geral do Processo. 11ª ed. São Paulo, 1995. p. 24.
224
união de fato (artigo 226, §3º), a família natural assente no fato da procriação (artigo226,
§4º.).”
Desta forma, no âmbito do direito processual civil, todas as regras de
proteção à família, são igualmente aplicadas à União Estável, justificando-se através das
normas de proteção estatal contidas na Carta Magna. Ou seja, os institutos aplicáveis à
família como grupo ou instituição, tornam-se aplicáveis aos indivíduos componentes da
relação da união estável.
Apenas a título de exemplificação, acerca da interpretação, destaca-se os
artigos 19
87
e 20
88
do Código Civil especialmente o parágrafo único do artigo 20,
extraindo-se a questão da legitimidade de parte.
Consoante estatuído no artigo 19 do Código Civil, o pseudônimo adotado
para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome. Com efeito, é comum a
utilização de pseudônimo em atividades de artes, teatro, televisão, etc. O pseudônimo
adotado é geralmente aquele que agrada mais ao público e que facilita a identificação do
artista.
87
CC, Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.
88
cc, Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem
pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da
imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber,
se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o
cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
225
Ademais, em conformidade com o artigo 20 do Novo Código Civil, salvo se
autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem
pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou
a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem
prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Quanto ao parágrafo único do artigo 20, surge uma consideração
interessante, vez que o Novo Código Civil teve início há mais de vinte anos, ou seja,
adotando critérios e padrões sócio-culturais da época, sendo assim, em se tratando de morto
ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção além do cônjuge, dos
ascendentes e dos descendentes, também o companheiro tornou-se parte legítima para
requerer essa proteção, conforme podemos extrair do texto da Constituição Federal.
No caso da proteção do pseudônimo, é claro que o companheiro poderá
preservá-lo, utilizando-se dos meios legais oferecidos pela legislação vigente, isto porque a
sociedade brasileira evoluiu consideravelmente, desde a discussão daquele projeto até a
sanção do Novo Código Civil. Com efeito, o direito não somente é, como precisa
permanentemente ser um órgão dinâmico, acompanhar as mudanças sociais ocorridas no
tempo e no espaço, preservando a integridade social sem esquecer do indivíduo.
O exemplo trazido à tona tenta demonstrar que, mesmo diante de extrema
minúcia trazida pela lei, caberá ao intérprete demonstrar a sua aplicação a cada caso
226
concreto e, especialmente no caso da união estável, aplicar, sempre que possível, os
institutos aplicáveis à família. Com relação ao direito processual civil, desde que não exista
dispositivo restritivo, a proteção à união estável será a mesma proporcionada à família.
No início do ano de 2002, em razão do falecimento de cantora popular, a
mídia discutiu amplamente a questão da guarda de seu filho, pleiteada pela mulher com
quem havia convivido a cantora por alguns anos. Aqui, não se está discutindo a equiparação
da união estável - assim denominada e regulada pela lei - com outras espécies de união,
mas a necessidade da adequação do provimento jurisdicional a cada caso concreto. Não é
possível nesses casos que o processo, imbuído de amplitude na proteção dos direitos
sociais, permita a violação de direito.
Falar em união estável, aqui, se dá, essencialmente pelo tema escolhido. É
necessário, contudo, entender que a união estável é neste tempo e espaço um modelo
nuclear da sociedade que deve ser preservado e protegido como a família. Os termos são
meras convenções. O direito processual civil, dentro de seus escopos, enquadra-se
fundamentalmente na proteção das pessoas.
A evolução da sociedade pode, perfeitamente, inserir novas formas de união
ou núcleo familiar, diferentes da união estável, que terão a mesma proteção do direito.
Importante é saber que, em todos esses casos é importante uma análise da situação
concreta, vez que o legislador, por isso, não pode regulamentar exageradamente, nem
deixar totalmente a critério das partes a disposição de seus direitos.
227
A Constituição Federal, pelo princípio da universalidade da jurisdição
89
,
expressamente garante que nenhuma lesão ou ameaça a direito deixará de ser apreciada
pelo Poder Judiciário. Assim sendo, diante da garantia constitucional, a proteção das
pessoas se dá pelo processo, sem que as aparências irrelevantes interfiram na tutela
jurisdicional; configurada a família, lhe será dada a proteção garantida pela Constituição
Federal.
Dessume-se, portanto, que compete ao Estado a proteção da união estável,
como entidade familiar, em todas as situações onde houver no sistema processual,
conseqüências decorrentes da formação da família, estendendo seus efeitos aos
companheiros, de forma que o judiciário atue para solucionar também as situações não
amparadas pela lei, mormente quando há norma expressa disposta no artigo 126 do Código
de Processo Civil, aduzindo sobre a impossibilidade do julgador se eximir de sentenciar ou
despachar, sob a assertiva de lacuna ou obscuridade na lei.
5.2 Da Homologação Judicial da Dissolução da União Estável
89
Cfr. Antonio Rulli Jr., Universalidade da jurisdição, Juarez de Oliveira, São Paulo, 1998.
228
Com o advento da Carta Magna de 1988, àquelas relações não oriundas do
matrimônio passaram a ter uma nova conotação, de modo a propiciar uma nova forma de
família, onde pessoas se ligam através de um vínculo afetivo, tendo por objetivo primordial
a constituição familiar.
Diante da nova ordem estatuída no parágrafo 3º, do artigo 226 da
Constituição Federal de 1988, a união estável foi elevada a condição de entidade familiar,
impondo o dever ao Estado de protegê-la, sendo assim, torna-se admissível a homologação
judicial de acordo para a dissolução da união estável.
Neste sentido, Paulo Martins de Carvalho Filho, leciona: “O acordo de
dissolução da união estável, haja ou não contrato escrito, poderá ser homologado no juiz
competente para as questões de família.”
E, nesse mesmo sentido, assevera o Des. Toledo Cesar; que diz: “As partes
desejam a homologação judicial; essa questão sobre regularizar uma situação
preexistente, com a homologação do acordo, poupa tempo à justiça, a fim de que os
apelantes não entrem com o pedido de dissolução de sociedade de fato cumulado com
partilha de bens, alimentos e guarda de filhos. Em decorrência da economia processual e
principalmente por tratar-se de menores (guarda, visitas e alimentos), muito embora não
seja de absoluta obrigatoriedade, é de bom alvitre e necessidade proteger-se os menores, e
para isso, a homologação deve prosperar.” (JTJ - LEX 141/159)
229
E ainda podemos citar o ilustre Francisco José Cahali que preleciona:
Partindo da premissa de que os companheiros merecem a tutela jurisdicional tendo em
vista a elevação do concubinato à condição de entidade familiar, e, para prevenir litígios,
regularizando uma situação preexistente, tem sido admitida a homologação de acordo
contemplando o reconhecimento e a dissolução da união estável, especialmente quando
também se fixam cláusulas de interesses dos filhos menores.”
Na prática, basta apresentar o pedido, por intermédio de Ação Declaratória
de Reconhecimento e Dissolução de União Estável, ao juiz competente, devendo ser
apreciado o pedido de homologação daquilo que foi convencionado pelas partes, desde que
obedecidos os parâmetros legais de disposição.
Importante é ressaltar que não se trata de nenhuma forma anômala de
pedido, porque desde a Constituição Federal de 1988, a união estável passou a ter
tratamento semelhante àquele dado ao casamento.
A norma constitucional que prevê a união estável é auto aplicável e, ainda
que não se possa admitir uma equiparação entre os dois institutos, tanto que se prevê a
conversão da união estável em casamento, por certo, para fins de proteção, deve merecer
tratamento isonômico por parte do Estado que inclui as entidades familiares não
matrimonializadas no âmbito do direito de família
90
.
90
Nesse sentido v. Francisco José Cahali, União estável e alimentos entre companheiros, São Paulo, Saraiva,
1996, p. 15.
230
De outro lado, podemos verificar que a dissolução, tanto em termos
processuais como em relação à situação jurídica das partes gera efeitos importantes para o
direito, perante terceiros e para as próprias partes. Assim, mister que seja possibilitado às
partes a faculdade de homologar judicialmente a dissolução da união estável.
Em julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça ficou estabelecido
que
91
: UNIÃO ESTÁVEL. Ação declaratória. Alimentos. Legítimo interesse. O
companheiro tem legítimo interesse de promover ação declaratória (art. 3º do CPC) da
existência e da extinção da relação jurídica resultante da convivência durante quase dois
anos, ainda que inexistam bens a partilhar. Igualmente, pode cumular seu pedido com a
oferta de alimentos, nos termos do art. 24 da Lei 5478/68.Recurso conhecido e provido.
E ainda
92
: “CONCUBINATO. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO.
COMPANHEIRO CASADO”. Segundo a jurisprudência do STJ, é admissível a pretensão
de dissolver a sociedade de fato, ainda que um dos companheiros seja casado. Recurso
especial conhecido e provido parcialmente.
O procedimento adotado segue as leis que regulam a união estável e
alimentos, em especial, o parágrafo 3°, do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, a
Lei n° 10.406/02, que trata do Novo Código Civil e demais leis correlatas.
A homologação do reconhecimento e da dissolução da união
estável, dar-se-á de forma assemelhada, verbi gratia, à separação judicial. Configurada a
91
Recurso Especial n. 285961/DF, em que foi Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, j. 6.2.2001.
92
Recurso Especial n. 195157/ES, em que foi Relator o Ministro Barros Monteiro, j. 29.2.2000.
231
união estável e sendo de mútuo consentimento dos companheiros manifestado perante o
juiz, o referido pedido será devidamente homologado.
É necessária a presença de advogado; das partes ou apenas um escolhido por
ambos os companheiros para apresentar o pedido de homologação de dissolução, salvo se
atuarem em causa própria, no caso de serem advogados.
A petição inicial deve seguir os requisitos dos artigos 282 e 1.121, incisos I a
IV, do Código de Processo Civil, contendo:
1. a data de início da união estável;
2. a descrição dos bens do casal e respectiva partilha;
2. o acordo relativo à guarda dos filhos menores, inclusive
estipulação de visita;
3. o valor da contribuição para criar e educar os filhos;
4. a pensão alimentícia do marido à mulher, ou vice-versa, no caso de não
possuir bens suficientes para se manter.
Interessante salientar que no caso de pedido de homologação de dissolução
proveniente de casamento, mister se faz a juntada da certidão de casamento, juntamente
com os requisitos acima mencionados; todavia, no caso de pedido de homologação de
dissolução advinda de união estável, além dos requisitos supramencionados, mister se faz a
demonstração da existência dessa união, de maneiras outras, seja por intermédio de decisão
judicial que outrora havia reconhecido a existência da união estável, seja por intermédio da
232
existência de contrato de convivência firmado pelos companheiros ou ainda pelo
preenchimento dos requisitos caracterizadores da união estável.
Oportuno salientar que é necessária a descrição dos bens, ainda que não
ocorra imediatamente a partilha; caso ocorra tal omissão, a petição inicial deixa de cumprir
requisito exigido pela lei, podendo ser considerada inepta.
Com efeito, não se pode falar em eventual falta de elementos para a
indicação e descrição dos bens pela natureza consensual que gera o pedido; fazendo-se
necessária no momento da propositura da demanda.
Ademais, o Código de Processo Civil determina que depois de analisada a
petição inicial, o juiz ouvirá as partes, esclarecendo as conseqüências da manifestação da
vontade. Depois de ouvidas as partes, convencendo-se o juiz de que ambos, livremente e
sem hesitações, desejam a dissolução da união estável, mandará reduzir a termo as
declarações e, depois de ouvir o Ministério Público no prazo de cinco dias, o homologará;
em caso contrário, marcar-lhes-á dia e hora, com quinze a trinta dias de intervalo, para que
voltem a fim de ratificar o pedido de dissolução da união estável.
Homologada a dissolução da união estável, averbar-se-á a sentença no
registro civil e, havendo bens imóveis, na circunscrição onde se acham registrados.
233
Quanto ao Ministério Público, sua atuação é essencial para cumprir o
disposto na lei, bem como para proteger os interesses envolvidos no processo que trarão
conseqüências externas.
A utilização do procedimento garante às partes em juízo a ampla defesa, o
devido processo legal e o contraditório, sempre observado o art. 226, parágrafo 3
o
, da
Constituição Federal, que pretendeu proteger a família, sem discriminá-la pela forma que
foi constituída.
Dessume-se, portanto, que dada a proteção estatal as relações advindas da
união estável instituída pela Carta Magna, bem como pela Lei n° 9278/96, e, tendo em vista
que a finalidade primordial é garantir a dignidade dos conviventes com a regularização
daquela situação outrora existente, bem como se evitar litígios futuros advindos dessa não
regularização, uma vez dissolvido o vínculo que os unia, da mesma forma que o casamento,
os antigos companheiros tem direito de ver declarada judicialmente a declaração do vínculo
que existia entre eles.
5.3 Do Foro Privilegiado
Antes do advento da Constituição Federal de 1988, a mulher era considerada
pelo Estado como economicamente mais fraca, sendo assim, uma das formas de proteção
da mesma era tornar competente o foro de sua residência, com o escopo de facilitar o
exercício do direito de ação movida por ela, nos casos de separação judicial ou para
234
conversão desta em divórcio e para anulação de casamento, conforme dispõe o artigo infra
citado:
A propósito, reza o artigo 100 do Código de Processo Civil:
Art. 100. É competente o foro:
I - da residência da mulher, para a ação de separação dos cônjuges e a
conversão desta em divórcio, e para a anulação de casamento.
No entanto, com o advento da Carta Magna, estabelecendo em seu artigo 5º,
inciso I, a igualdade de direitos entre o homem e a mulher, bem como o estatuído em seu
artigo 226, parágrafo 5º, estabelecendo a igualdade de direitos e deveres na sociedade
conjugal, em tese, não mais subsistiria o foro privilegiado da mulher, tendo em vista a
igualdade estabelecida pela mesma.
Conforme nos ensina Yussef Said Cahali
93
: “temos para nós que já não mais
prevalece o foro privilegiado, assim, estabelecido a benefício da mulher casada, porquanto
conflita com o princípio da igualdade entre os cônjuges, proclamado no art. 226, §5º da
Constituição federal de 1988.”
Neste mesmo sentido, o Ilustre Francisco José Cahali
94
entende que: “o foro
privilegiado da mulher, nas ações tendentes a dissolver ou anular o casamento
(CPC, art. 100, I), consideramos derrogada a norma por contrariar a igualdade de direitos
e obrigações entre os cônjuges consignada pela Constituição (arts. 5º, I, e, especialmente,
226, §5º).”
93
Divórcio e Separação, 7ª ed., SP: RT, 1994, p.568.
94
Efeitos não patrimoniais da união estável, SP: RT, 1995, Vol. 2, p.114.
235
Outros ainda sustentam que o foro privilegiado da esposa continua a existir,
por ser regra protetiva do Estado, merecedora de proteção, apenas pela qualidade de
mulher, como por exemplo, Humberto Theodoro Junior
95
e Sérgio Gischkow Pereira.
Neste sentido, Giselda Maria Scalon Seixas Santos
96
diz que: “acredito que
tal antinomia deve ser resolvida no sentido de prevalecer o dispositivo processual que
outorga privilégio à mulher. A norma processual, neste particular, não afronta,
absolutamente, a Carta Política uma vez que ela própria trata de maneira diferente o
homem e a mulher.” E continua: “Não há motivo para negar o benefício do inciso I, do
artigo 100, à companheira nas ações relativas à união estável. Se a Constituição e as leis
infra constitucionais permitiram o mais, não há razão para não conceder o menos.”
No entanto, a regra se dá porque certas qualidades das pessoas litigantes são
levadas em conta pela Constituição e pela lei, muitas vezes, na fixação das regras da
chamada competência em razão da pessoa (ratione personæ)
97
.
Com efeito, o princípio da isonomia adotado pela Constituição Federal de
1988, em seus artigos 5°, inciso I e 226, parágrafo 5°, não pode ser entendido como
igualdade plena, eis que, como é cediço, tal regramento têm como norte, tratar
igualitariamente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.
Assim sendo, com supedâneo nos princípios insculpidos na Carta Magna de 1988, não mais
prevalece o foro privilegiado da mulher, de forma ampla e irrestrita, devendo, com isso, ser
95
Publicada na RT662/16
96
União Estável e Alimentos, Ed. do Direito, 1996, p.114.
236
observado o caso in concreto, para que averiguar quem é a parte mais fraca da relação
jurídica processual, mormente quando podemos perceber dia-a-dia, a constante evolução da
mulher no mercado de trabalho, gozando de independência financeira, e, em muitos casos,
encontrando-se em condições iguais e até mesmo superiores ao do ex-consorte, não
podendo ser, nos dias atuais, presumidamente a parte mais fraca da relação.
Neste sentido, Patrícia Miranda Pizzol
98
assim asseverou: "Entendemos que
o preceito contido no presente artigo pode infringir ou não o princípio da igualdade,
dependendo da situação em que se encontre a mulher, em relação ao marido". E conclui:
"(...) se se verificar, no caso concreto, que a mulher é a parte mais fraca (...), contará ela
com a prerrogativa de foro, garantindo-se, assim, a igualdade real. Se, contudo, ela se
encontrar em condições iguais às do marido, a regra do art. 100, I, do CPC será
considerada inconstitucional, devendo incidir a regra geral, prevista no art. 94 do mesmo
Código".
Desta forma, dada a proteção estatal insculpida da Carta Política e no Código
Civil, também a companheira, mulher que é, dada as peculiaridades das condições, na
hipótese da companheira ser a parte mais fraca da relação, segundo alude Antonio
Guilherme Tanger Jardim
99
, “em grande parte fragilizada na estrutura social brasileira”,
igualmente, deve-se dar guarida a extensão à companheira esta regra de foro privilegiado,
não justificando impor a companheira os inúmeros obstáculos para se sustentar nos litígios
judiciais com o ex-companheiro, mormente quando o embate jurídico vier a ocorrer em
foro diverso, o que, por si só, ocasionaria um prejuízo ao princípio da ampla defesa.
97
Cfr. Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, São Paulo, Malheiros, 2001, item n. 197
98
Código de Processo Civil Interpretado. São Paulo: Atlas, 2004, p. 273.
237
Esta orientação é compartilhada pela Patrícia Miranda Pizzol
100
que assim
assevera: "Tendo em vista o tratamento dado pela CF, art. 226, §3°, e pelo CC de2002,
arts. 1723 a 1727, à união estável, aproximando-a do casamento, denominando-a de
entidade familiar, a regra do art. 100, I, do CPC deve ser aplicada às ações de dissolução
de união estável"
Assim sendo, o que deve ser observado é o aspecto social levado em
consideração pela norma, desta forma, quando da aplicabilidade da norma in concreto,
devemos observar ainda a igualdade gerada pela Constituição Federal de 1988 entre os
membros da família, de modo o privilégio do foro da mulher, apenas e tão somente
subsista, quando as peculiaridades do caso, assim o exigir.
Neste contexto, mostra-se oportuno mencionar a decisão da Quarta Turma
do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp. n°327086/PR, por maioria
de votos, entendeu que a dissolução de união estável pode ser julgada em foro da residência
do homem. O relator, Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, baseando-se em precedentes,
afirmou que tendo em vista a Constituição Federal de 1988, o artigo 100, inciso I do CPC é
inaplicável.
Por fim, há de ter em mente que o processualista moderno deixou de ser
mero teórico das normas e princípios diretores da vida interior do sistema processual, como
tradicionalmente fora. Acabou-se o tempo em que o direito processual mesmo era visto e
99
Ob. Cit. p. 113.
100
Ob. Cit. p. 196.
238
afirmado como mera técnica despojada de ideologias ou valores próprios, sendo sua
exclusiva função a atuação do direito substancial. A consciência do modo como o exercício
da jurisdição interfere na vida das pessoas levou os estudiosos do processo civil a renegar
essa pouco honrosa missão ancilar e assim inseri-lo no contexto das instituições sociais e
políticas da nação, reconhecida sua missão relativa à felicidade das pessoas, ou seja, o bem
comum. Daí falar-se nos escopos sociais do processo, em seus escopos políticos e só num
segundo plano em seu escopo jurídico de dar atuação à lei material. Afinal, processo e
direito material compõem a estrutura jurídica das nações e acima da missão de um perante
o outro, paira a grande responsabilidade de ambos perante os membros da comunidade
101
.
5.4 Da intervenção do Ministério Público
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 127, estabelece que: “O
Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais
e individuais indisponíveis”.
E, de acordo com o inciso II, do artigo 82 do Código de Processo Civil,
“Compete ao Ministério Público intervir, nas causas concernentes ao estado da pessoa,
pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições
de última vontade”.
101
Nesse sentido, ver a ampla explanação do Prof. Cândido Dinamarco sobre a evolução do processo civil;
239
Assim, o Ministério Público é órgão essencial a atividade jurisdicional do
Estado, seja como parte, seja como fiscal da Lei, tendo em vista a destinação institucional,
que sempre deve agir, na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis.
E no direito processual civil, o Ministério Público intervém na defesa do
interesse público, cabendo, nos casos em que a lei não estabelece, a interpretação do
interesse social, para usar dos meios processuais para sua proteção.
Partindo dessa premissa, e sabendo-se que de acordo com o parágrafo 3º, do
artigo 226 da Constituição Federal de 1988, a união estável foi elevada a condição de
entidade familiar, impondo o dever do Estado protegê-la, podemos concluir que nas ações
pertinentes a união estável, a intervenção do órgão do Ministério Público tornar-se-á
indispensável devido o interesse público e social envolvido, de forma a zelar para proteção
e respectivos efeitos decorrentes da relação, no âmbito jurídico dos companheiros, tal como
o casamento e relação entre pais e descendentes.
Assim com nos ensina Francisco José Cahali: “A intervenção do Ministério
Público não decorre por analogia/equiparação ao casamento, mas por ser matéria de
interesse público na medida em que o estado protege a união estável.”
Neste mesmo sentido Giselda Maria Scalon Seixas Santos entende que: “as
normas que norteiam o Direito de Família devem ser aplicadas subsidiariamente à união
Fundamentos do Processo Civil Moderno, São Paulo, Saraiva, 2001, 4
a
ed., item n. 131 e seguintes.
240
estável devendo, assim, o Ministério Público intervir em todas as causas relacionadas com
as uniões de fato como o faz nas ações de família.”
Assim sendo, a intervenção do Ministério Público tornar-se-á indispensável,
verbi gratia, quando houver testamento, nas ações de reconhecimento e dissolução de
União Estável, bem como nas ações de alimentos envolvendo os conviventes.
Dessume-se, portanto, que pelo tratamento dado pela Constituição Federal,
elevando a união estável à qualidade de entidade familiar, bem como com a promulgação
das Leis nº8.971, de 29 de dezembro de 1994, Lei nº9.278, de 10 de maio de 1996, e, por
fim, a Lei n°10.406, de 10 de janeiro de 2002, regulamentando a matéria, inclusive
atribuindo toda a matéria referente a união estável, a Vara de Família, demonstrando assim
o interesse irrefutável existente, torna-se mais evidente que a atuação do Parquet, como
órgão incumbido na defesa dos interesses sociais, é indispensável.
5.5 Da Legitimidade para requerer o inventário e nomeação do
inventariante
A transmissão da herança se dá com a morte, e, pelo princípio de saisine,
desde logo, a herança transmite-se aos herdeiros e testamentário, consoante o disposto no
artigo 1784, do Código Civil. O inventário por sua vez, visa declarar a transmissão da
herança dos bens decorrentes da morte e atribuição dos quinhões aos sucessores.
241
A legitimidade para requerer a abertura do inventário é ampla, vez que,
excepcionalmente, até mesmo o juiz determinará ex officio que se inicie o inventário, caso
nenhuma das pessoas indicadas no texto legal o fizerem, no prazo estabelecido na lei,
conforme dispõe o artigo 989 do Código de Processo Civil.
Com efeito, o artigo 987 do Código de Processo Civil, estabelece que: “A
quem estiver na posse e administração do espólio incumbe, no prazo estabelecido no art.
983, requerer o inventário e a partilha”.
Desta forma, a companheira possui legitimidade para abertura de inventário,
vez que para que a mesma formule o pedido de abertura de inventário, basta que ela esteja
na posse e administração dos bens deixados pelo companheiro falecido. A propósito, o
Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu neste sentido (RJTJESP 1-4/172).
Ademais, mister se faz trazer à baila o disposto no artigo 1797, inciso I do
Código Civil, que assim reza: "Art. 1797. Até o compromisso do inventariante, a
administração da herança caberá, sucessivamente: I - ao cônjuge ou companheiro, se o
outro convivia ao tempo da abertura da sucessão".
Com efeito, se ao companheiro sobrevivo caberá a administração da herança,
e, se quem encontra-se na administração dos bens é lícito requerer o inventário, não resta
dúvida que o companheiro sobrevivo possui legitimidade para requerer a abertura do
inventário do bens do companheiro falecido, por força do permissivo legal.
242
Esta, aliás, é a orientação do Professor Antonio Carlos Marcato
102
, que assim
preleciona: "(...) Tal legitimidade agora resulta de expressa disposição legal, visto estar
habilitado a ser administrador provisório (CC, art. 1797, I) - e, por conseqüência,
legitimado a reclamar a instauração do inventário".
Outrossim, iniciado o inventário, com o requerimento de abertura, o juiz
deverá nomear inventariante, sendo que este, por sua vez, tem a função de representar o
espólio.
Para a nomeação da inventariança a lei processual civil estabelece em seu
artigo 990, um rol de pessoas a serem nomeadas pelo magistrado, sendo assim, a
companheira não integrava o sistema legal vigente, entretanto, alguns julgados já admitiam
esta possibilidade.
Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, já havia
admitido a nomeação da concubina para o cargo de Inventariante, dispondo a ementa:
Inventário – Nomeação de Inventariante – Concubina – Admissibilidade – Inexistência de
impedimento para considerá-la pessoa estranha idônea (art. 990, VI, do CPC).”
(RT652/134)
E, no mesmo sentido, o julgado citado por Francisco José Cahali, da 2ª
Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, julgando a AI nº953/90,
cujo Relator foi o Des. Lindemberg Montenegro, de 05.06.1991, com a seguinte ementa:
243
Inventariante – Concubina – Mesmo que a companheira não se ache no elenco do artigo
990 do CPC, pode ser nomeada inventariante, desde que se encontre na posse dos bens do
de cujus não haja oposição dos herdeiros.”
Neste diapasão, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul assim
decidiu: “Inventário - Pretendida Meação dos Bens e Exercício do Encargo de
Inventariante pela Companheira do de Cujus - Admissibilidade se a União Estável é
reconhecida pelos demais herdeiros - Desnecessidade, ademais, do ajuizamento de ação
para ver declarada a existência de sociedade de fato - Expressamente reconhecida a união
estável pelos herdeiros, todos filhos de leito anterior do de cujus, desnecessária o
ajuizamento de ação para ver declarada esta condição, sendo, em decorrência, legítima a
pretensão da companheira de obter a meação e de exercer o encargo de inventariante, o
que é interesse manifesto de todos os interessados”. (TJRS - AI 598.352.706 - 8ª C. - Rel.
p/o Ac. Juiz Alzir Felippe Schmitz - J. 01.10.199810.01.1998) (RT 761/381)
Neste passo, cumpre indagar: Se ao magistrado é possível nomear para
inventariança, inclusive, pessoa estranha idônea, nos termos do artigo 990, inciso VI, do
Código de Processo Civil, onde há óbice de se nomear o companheiro sobrevivo como
inventariante?
Com efeito, muito embora o artigo 990 do Código de Processo Civil, não
tenha inserido explicitamente o companheiro no rol de pessoas para representar a
inventariança, a correta interpretação leva-nos a pautar pela possibilidade da nomeação do
companheiro sobrevivo para a inventariança, considerando não apenas o reconhecimento da
102
Código de Processo Civil Interpretado. São Paulo: Atlas, 2004, p. 2483.
244
união estável como entidade familiar, galgado no basilar princípio da proteção à família,
mas principalmente tendo em vista que a própria lei civil estabeleceu a possibilidade do
companheiro sobrevivo administrar a herança, e, da mesma forma, ser nomeado para
inventariança, que têm como fito precípuo a administração e representação do espólio ativa
e passivamente, em juízo ou fora dele, até que o inventário esteja terminado.
5.6 Da Remição de Bens
Podemos entender por remição de bens, segundo a conceituação de Vicente
Greco Filho
103
, como “a liberação de determinados bens feita pelo cônjuge, descendente e
ascendente do devedor, que, no processo de execução individual ou coletiva, deposita o
preço por que foram alienados ou adjudicados.”
O artigo 787 do Código de Processo Civil, estabelece que: “É lícito ao
cônjuge, ao descendente, ou ao ascendente do devedor remir todos ou quaisquer bens
penhorados, ou arrecadados no processo de insolvência, depositando o preço por que
foram alienados ou adjudicados.”
Desta forma, podemos sinteticamente dizer que a remição é a desoneração
do devedor do processo de execução, parcial ou total, por intermédio do pagamento, parcial
ou total, do montante devido.
103
Direito Processual Civil Brasileiro, 12ª ed., SP: Saraiva, 1997, V. 3, P. 141.
245
Este instituto tem como fundamento, como bem preceitua Vicente Greco
Filho, a proteção da família, instituída, pietatis causa, sendo um privilégio dado ao cônjuge,
ascendentes e descendentes, que concorrem, em igualdade de condições com o arrematante
ou com o credor que adjudicou bens, fazendo com que, diante do mesmo valor, o bem se
mantenha com a família.
Assim, concorrendo à remição vários pretendentes, em igualdade de
condições, prevalece o disposto no artigo 789 do Código de Processo Civil que assim reza:
Concorrendo à remição vários pretendentes, preferirá o que oferecer maior preço; em
condições iguais de oferta, deferir-se-á na seguinte ordem: I - ao cônjuge; II - aos
descendentes; III - aos ascendentes.
Portanto, partindo da premissa que as regras processuais são, da mesma
forma, aplicáveis a união estável, e, que este instituto tem como escopo a proteção da
família, chamada pietatis causa, podemos concluir que de acordo com a Carta Magna, a
família, base da sociedade, goza de especial proteção do Estado, e, considerando que a
união estável fora elevada à entidade familiar para efeito de proteção do Estado; uma vez
reconhecida a união estável, é lícito a(o) companheira(o) do(a) devedor(a) remir bens
penhorados ou arrecadados no processo de insolvência, e, da mesma forma, concorrendo à
remição vários pretendentes em igualdade de condições, a(o) companheira(o) preferirá aos
demais concorrentes.
246
5.7 Da autorização dos conviventes para alienação de bens imóveis
Com a Constituição Federal de 1988, a união estável passa ao patamar de
entidade familiar, e, como tal, goza de proteção estatal, legitimada para os efeitos da
incidência do direito de família.
Posteriormente, o Código Civil dispôs em seu artigo 1725, sobre o regime de
comunhão parcial de bens, entre os bens onerosamente adquiridos pelos conviventes,
durante a constância da união, estabelecendo que: “Na união estável, salvo contrato escrito
entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime de
comunhão parcial de bens”. Aplicando-se, inclusive, as regras contidas nos artigos 1639 a
1657 do Código Civil, no que tange à administração, bem como a proibição de alienação de
bens imóveis, adquiridos durante a união estável e a título oneroso, sem o consentimento do
outro convivente.
Assim como preceitua RAINER CZAJKOWSKI
104
, “é irrelevante a
dependência econômica entre os parceiros ou, sendo ambos economicamente
independentes, se um contribui mais do que o outro. Não se cuida, aqui, de assistência,
nem de averiguar necessidade. Presumir condomínio implica descartar prova da
colaboração para a aquisição patrimonial. Importa é haver ou ter havido família”.
Com efeito, muito embora o patrimônio tenha sido adquirido em nome de
um ou de ambos os conviventes, presumir-se-á, na constância da união estável, salvo
104
CZAJKOWSKI, RAINER. União livre: à luz das Leis 8.971/94 e 9.278/96. Curitiba : Juruá, 1996, 205p.
247
disposição em contrário, propriedade de ambos, quando adquiridos a título oneroso,
devendo, em caso de dissolução, ser dividido em partes iguais, extinguindo-se o
condomínio que a lei estabelece, excetuando-se os bens adquiridos por doação, herança ou
sub-rogação.
Surge então a celeuma quanto a necessidade de outorga uxória ou
autorização marital, para alienação e oneração de bens imóveis, quando os mesmos foram
adquiridos durante a união estável, vez que presume-se a co-propriedade, salvo disposição
em contrário.
No que tange àqueles bens adquiridos anteriormente ao início da constância
da união, ou os adquiridos em sub-rogação aos bens particulares, ou ainda os adquiridos por
doação ou herança, parece-nos dispensável a anuência do outro companheiro quando da
negociação dos mesmos, porque estes bens não formam condomínio, permanecendo de
exclusiva propriedade do adquirente.
Da mesma forma, caso haja contrato escrito dispondo sobre o não
estabelecimento do condomínio entre os companheiros, com paridade ao regime de
separação absoluta de bens, parece-nos dispensável anuência do outro companheiro,
quando da negociação desses referidos bens.
A restrição legal à liberdade patrimonial, durante o matrimônio, disposta nos
artigos 1647, inciso I, do Código Civil, faz aparecer uma falta de legitimação de um
convivente, para praticar determinados atos, sem a anuência do outro convivente,
248
objetivando não só a preservação da família, como também evitar surpresas para o outro
consorte.
Com efeito, tendo em vista que a união estável foi erigida a entidade familiar
pelo texto constitucional, gozando família de proteção estatal, e, em especial a regra contida
no artigo 1725 do Código Civil, nos leva a pautar pela aplicabilidade às relações de união
estável, da necessidade de "autorização do companheira ou do companheiro" para
alienação de bens imóveis, no caso dos bens adquiridos por um ou por ambos os
conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, pois passam a pertencer a
ambos, em condomínio e em partes iguais.
No entanto, surge o problema da insegurança jurídica, vez que o matrimônio
pressupõe a publicidade, de forma a permitir o conhecimento pelos terceiros adquirentes,
enquanto que na união estável, é pressuposto para a sua caracterização, apenas a
convivência pública, de forma não permitir um conhecimento satisfatório pelos terceiros,
quando da realização de alguma transação jurídica envolvendo bens de raiz.
Assim, verbi gratia, se os bens que foram adquiridos, por ambos, na
constância da união e a título oneroso, encontrem-se registrados em nome de um dos
companheiros, este pode livremente aliená-lo, sem a anuência do outro, para terceira
pessoa, sem que este imagine que o vendedor viva em união estável, cabendo ao
companheiro lesado, o direito de requerer em juízo a anulação desse ato de compra e venda,
por disposição do artigo 1649 do Código Civil, tendo em vista a impossibilidade do
enriquecimento sem causa.
249
Dessume-se, portanto, o negócio realizado sem a anuência do outro
companheiro, fica comprometido, tendo em vista a possibilidade do companheiro lesado,
requerer a anulação do negócio jurídico, haja vista que não anuiu para a venda do referido
imóvel.
5.8 Competência da Vara de Família
Muito embora as ações relativas a filiação e alimentos fossem de
competência das varas de família, a discussão em torno da união estável era tratada como
competência das varas cíveis, vez que esta matéria era tratada como direitos das obrigações.
Assim, a matéria relacionada a união estável era de competência das varas cíveis,
entretanto, com o advento da Constituição Federal de 1988, dispondo em seu artigo 226,
parágrafo 3º que: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. E
mais, “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e
a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
(Grifo nosso)
Portanto, como a Constituição Federal de 1988 expressamente dispôs que a
família é a base da sociedade, e, por sua vez, elevou a união estável como entidade familiar,
possuindo especial proteção do Estado, tornando-se evidente que, a família deixou de ser
constituída apenas pelo casamento, passando a compreender também a união estável.
250
Esta orientação foi trilhada no seguinte julgado: “Concubinato – Ação a ele
relativa – Competência – Julgamento afeto a Vara de Família e Sucessões, e não dá Vara
Cível – Reconhecimento como entidade familiar pelo artigo 226, § 3º., da CF, devendo,
portanto, ser tratado com os mesmos princípios do Direito de Família – Voto Vencido”.
(RT 672/170)
A mesma orientação pode ser observada no julgado do Tribunal de Justiça
do Estado de Sergipe, cuja ementa assim reza: “CONCUBINATO - Ação a ele relativa -
Competência - Julgamento afeto à Vara de Família e não à Vara Cível - União estável
equiparada a entidade familiar - Inteligência do art. 226, § 3.º da CF - Voto vencido –
TJSE”. (RT 699/159)
No mesmo sentido o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná assim decidiu:
CONCUBINATO - Ação a ele relativa - Competência - Julgamento afeto a Vara de
Família e Sucessões, e não a Vara Cível - Reconhecimento como entidade familiar pelo art.
226, § 3.º, da CF, devendo, portanto, ser tratado com os mesmos princípios do Direito de
Família - Voto vencido – TJPR”. (RT 672/170)
Com muita propriedade o Ilustre Professor Francisco José Cahali
105
dispôs
que: “Relativamente à competência para dirimir as questões referentes ao reconhecimento
e dissolução da união estável, considerando-o inicialmente colocado no sentido de ter
ampliado o conceito de Família pela Constituição, ..., concluímos dever ser matéria
submetida ao exame das varas especializadas de família e sucessões, mesmo contrariando
105
in “Efeitos não patrimoniais da união estável. In Direito de Família, aspectos constitucionais, civis e
processuais”, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, vol. 2, 1995.
251
a orientação do Tribunal de justiça de São Paulo que determina ser o processamento pelas
varas cíveis. Cabe ressaltar que além da competência da vara da família não ser restrita
ao casamento, a justificar a submissão dos processos relativos à união estável, família que
é pelo novo ordenamento, a própria atuação dos juízes nestas varas especializadas se
mostra mais eficaz para tratar do tema, diante da maior sensibilidade com esta questão
social, pela prática com a apreciação dos atritos conjugais, onde a análise fática da
situação aparece mais marcante do que a mera aplicação do direito ao caso concreto.”
Entretanto, o entendimento majoritário dizia que as obrigações da união
estável, deviam ser regidas pelo Direito das Obrigações e não pelo Direito de Família,
sendo competente para conhecer dessas ações as Varas Cíveis.
Assim se posicionou a 5ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, em 05 de abril de 1990, ao decidir um recurso de agravo de instrumento, dispôs:
Concubinato. Sociedade de Fato. Caráter meramente obrigacional. Competência da Vara
Cível. Interpretação do artigo 226, § 3º, da Constituição da República.”
No mesmo sentido: “CONCUBINATO - Ação a ele relativa - Competência -
Julgamento afeto à Vara Cível, e não à de Família - Situação que não cria um estado civil,
nem modifica a condição jurídica das pessoas - Inteligência do art. 226, § 3.º, da CF –
TJSP”. (RT 719/140)
No mesmo sentido: “CONCUBINATO - Ação a ele relativa - Competência -
Julgamento afeto à Vara Cível, e não à de Família e Sucessões - Dispositivo do art. 226, §
252
3.º, da vigente CF que prevê a conversão da sociedade de fato em sociedade conjugal, a
demonstrar a primazia desta sobre aquela - Norma que apenas lhe confere proteção
estatal, mas sem a qualificação jurídica inerente à relação matrimonial – TJSP”. (RT
656/89)
Nesse mesmo sentido: “COMPETÊNCIA - Concubinato - Proteção estatal
contida no § 3.º do art. 226 da CF de 1988 - Norma constitucional que não implicou
ruptura com a situação anteriormente consolidada, não o equiparando à sociedade
matrimonial - Competência, portanto, da Vara Cível para o julgamento de questões que
envolvam concubinos – TJSP”. (RT 647/60)
No mesmo sentido: “CONCUBINATO - Ação a ele relativa - Competência
do juízo da Vara Cível, e não da Vara de Família e Sucessões - Não equiparação daquele
ao casamento pelo art.226, § 3.º da vigente CF - Dispositivo que prevê a conversão da
sociedade de fato em sociedade conjugal, a demonstrar a primazia desta sobre aquela –
Norma que apenas lhe confere proteção estatal, mas sem a qualificação jurídica inerente à
relação matrimonial – TJSP”. (RT 646/52)
A mesma orientação foi seguida pelo Tribunal de Justiça do Estado do
Paraná, cuja ementa segue: “CONCUBINATO - Ação a ele relativa - Competência -
Julgamento afeto à Vara Cível, e não à de Família – TJPR”. (RT 711/174)
No mesmo sentido: “CONCUBINATO - Ação a ele relativa - Competência -
Julgamento afeto a Vara Cível e não a Vara de Família - Reconhecimento da "união
253
estável" pelo art. 226, § 3.º da CF, que não deu a esta o mesmo tratamento jurídico
atribuído ao casamento – TJPR”. (RT 695/149)
Desta forma, como podemos notar, esta norma constitucional havia trazido a
celeuma a respeito da competência judicial para julgamento sobre a matéria da união
estável, sendo que a Lei nº9278, de 10 de maio de 1996, em seu artigo 9º, e, posteriormente
o Código Civil, veio pôr fim a polêmica existente na doutrina e na jurisprudência acerca da
determinação do juízo competente para o julgamento de questões relacionadas a união
estável, eliminando a possibilidade de que as causas relativas aos companheiros sejam as
competência das varas comuns, mas sim afeta a Vara de Família, pois mesmo após o
advento da Constituição Federal de 1988, alguns negavam o espírito constitucional,
entendendo que a matéria era afeto ao direito das obrigações.
Oportuno salientar que antes mesmo da publicação da Lei nº9278, de 10 de
maio de 1996, a Turma de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, já havia se posicionado, através da Súmula 14, no sentido de que as ações
oriundas da União Estável fossem tratadas de competência da Vara de Família, dispondo
que: “Súmula 14 – “É da Vara de Família, onde houver, a competência para ações
oriundas da união estável.”
Neste sentido: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA - VARA CÍVEL E VARA
DE FAMÍLIA - AÇÃO DECORRENTE DE CONVIVÊNCIA MORE UXÓRIO - ENTIDADE
FAMILIAR - Compete à Vara de Família o processamento e o julgamento das demandas
que tenham por causa petendi a convivência more uxório, ainda que entre os conviventes
254
haja impedimento para contraírem casamento”. (TJPR - CC 72.419-8 - 1º G.C.Cív. - Rel.
Des. Pacheco Rocha - J. 19.11.199811.19.1998)
Dessume-se, portanto, que uma vez que a matéria seja pertinente a união
estável, a competência será do Juízo das Varas de Família. E, nos dizeres do Ilustre Álvaro
Villaça de Azevedo, “este artigo, resgatou o dever do Estado brasileiro de assegurar ao
concubinato puro, ou união estável, a natureza familiar da instituição.”
5.9 Segredo de Justiça
Dispõe o artigo 155, inciso II do Código de Processo Civil que: “Os atos
processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos que dizem
respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio,
alimentos e guarda de menores”.
Assim, antes do advento da Lei nº9278/96, persistia a dúvida quanto a
possibilidade ou não dos processos, referente à matéria da união estável, correrem em
segredo de justiça, vez que haviam duas correntes; para aqueles que entendiam que a
matéria da união estável estava afeta as Varas Cíveis, então concluía-se pela
impossibilidade de que a matéria fosse tratada em segredo de justiça, em contrapartida,
para os outros que se posicionavam no sentido da matéria da união estável estava afeta as
Varas de Família, concluía-se pela possibilidade de que a matéria fosse tratada em segredo
de justiça.
255
Com o advento da Constituição Federal de 1988, erigindo em seu artigo 226,
parágrafo 3º, a união estável a entidade familiar, para efeito de proteção do Estado,
tornando-se norma afeta ao interesse público, o posicionamento no sentido de se
estabelecer o segredo de justiça nos processos que envolvam matéria referente a união
estável, de sobremaneira saiu vitoriosa, pois acompanhando tal posicionamento, entrou em
vigor a Lei nº9278, no dia 10 de maio de 1996, regulando o artigo 226, parágrafo 3º,
estabelecendo em seu artigo 9º que: “Toda a matéria relativa à união estável é de
competência do juízo da Vara de Família, assegurado o segredo de justiça”. (Grifo nosso)
Desta forma, a referida lei aniquilou com as dúvidas e posicionamentos
antagônicos existentes, no que se referia a matéria da união estável, posicionando-se pela
admissão do segredo de justiça, às matérias afetas a união estável.
Dessume-se, portanto, que ao inciso II, do artigo 155, do Código de Processo
Civil, deve ser entendido com inserção de mais uma hipótese de admissão de segredo de
justiça, qual seja, as advindas da matéria atinente a união estável, justamente porque a lei
têm como fito precípuo assegurar o direito à intimidade e o respeito as pessoas
intrinsicamente relacionadas àquela entidade familiar.
256
5.10. PROVIMENTOS DE URGÊNCIA RELACIONADOS A
UNIÃO ESTÁVEL
Primeiramente, cumpre salientar as lições de um dos mais ilustres e notáveis
pensadores Rui Barbosa
106
, desses que prescindem de recomendação: "Onde quer que haja
um direito individual violado, há de haver um recurso judicial para a debelação da
injustiça: este, o princípio fundamental de todas as constituições livres".
Com efeito, ao Estado Social de Direito não é lícito se contentar com a
formal declaração dos direitos do homem, mas deve-se exigir que todo o aparato estatal se
empenhe em inserir no seio da sociedade providências concretas de realização das garantias
fundamentais de modo a salvaguardar os direitos de cada um dos cidadãos. Igualmente, a
noção de ACESSO À JUSTIÇA não pode ser apenas um ACESSO FORMAL, de modo a
assegurar o acesso EFETIVO À JUSTIÇA, com o fito de precípuo de se evitar lesões de
cunho irreparável ao direito alheio.
Nesta ordem de idéias, CALAMANDREI e CAPPELLETTI
107
aduzem que
a ATUAÇÃO POSITIVA do Estado tornou-se necessária "para assegurar o gozo de todos
esses direitos básicos", entre os quais se destaca o da tutela jurisdicional.
Ademais, destaca CAPPELLETTI
108
-, "o direito ao acesso efetivo tem sido
progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos
106
Ruy Barbosa. Obras Completas. Vol. XIX, Tomo III, p.42.
107
CAPPELLETTI, "Acesso à Justiça", Porto Alegre, Fabris, 1988, pp. 10-11; CALAMANDREI, "Opere
Giuridiche", Napoles, Morano, 1968, v. III, pp. 183-210.
108
CAPPELLETTI, "Acesso à Justiça", Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 12.
257
individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na
ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à Justiça pode,
portanto, ser encarado como o requisito FUNDAMENTAL - o mais básico dos direitos
humanos de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não
apenas proclamar os direitos de todos"
Assim sendo, conforme bem preceitua MARIONI
109
, "se o Estado tem o
dever de prestar a devida tutela jurisdicional, entendida esta como a tutela apta a tornar
efetivo o Direito Material, o homem tem o direito 'à adequada tutela jurisdicional,' que é
elemento indissociável do "due process of law". Direito à adequada tutela jurisdicional
quer dizer direito a um processo efetivo, próprio às peculiaridades de pretensão de direito
material de que se diz titular aquele que busca a tutela jurisdicional".
Neste diapasão, oportuno trazer à tona as lições do ilustre processualista
Cândido Rangel Dinamarco
110
, dispondo que: "As realidades angustiosas que o processo
revela impõe que esse dano assim temido não se limite aos casos em que o direito possa
perder a possibilidade de realizar-se, pois os riscos dessa ordem são satisfatoriamente
neutralizados pelas medidas cautelares" E continua o ilustre processualista: "A
necessidade de servir-se do processo para obter a satisfação de um direito não deve
reverter a dano de quem não pode ter seu direito satisfeito senão mediante o processo".
109
O Direito à Adequada Tutela Jurisdicional, in RT 633/244.
110
A Reforma do CPC, 2ª ed. SP: Malheiros, 1995. p.145.
258
Oportuno ressaltar o julgado da 4ª Região da Justiça Federal, que assim
dispõe: "(...) o direito de ação que tem natureza constitucional, somente será garantido
em sua inteireza, quando estiver garantido também a utilidade da sentença a ser
proferida. De nada adianta garantir o direito de postular a tutela jurisdicional se,
concomitantemente, não se garantir que esta tutela, se concedida a final, terá resultados
efetivos no plano da realidade. Ao direito de ação, em suma, está necessariamente
agregado o direito à utilidade da jurisdição" (Apud do acórdão da 2ª Seção do E. TRF da
3ª Região, agravo regimental na ação rescisória de n°97.03.032922-5 /SP, rel. Ana
Scartezzini).
Entretanto, para que seja possível garantir a tutela jurisdicional pretendida
pelo detentor do direito, sabendo-se que no Estado de Direito o processo eqüivale a um
instrumento de realização e tutela dos direitos subjetivos violados ou ameaçados de
violação, em consonância com o disposto no inciso XXXV do artigo 5° da Carta Magna,
claro é que o processo tem de, na medida do possível, proporcionar ao titular do direito a
mesma prestação que se obteria através do normal adimplemento da obrigação, por
intermédio da efetividade processual, que nada mais é, segundo Humberto Theodoro
Junior, "que aptidão de um meio ou instrumento para realizar os fins ou produzir os
efeitos para que se constituiu".
Nessa ordem de idéias, anota BARBOSA MOREIRA
111
que o conceito de
"efetividade", entre outros requisitos, impõe os seguintes:
111
BARBOSA MOREIRA, "Temas de Direito Processual", São Paulo, Saraiva, 1984, v. III, pp. 27-28.
259
a) "o processo deve dispor de instrumentos de tutela ADEQUADOS, na
medida do possível, a todos os direitos contemplados no ordenamento";
b) "em toda a extensão da possibilidade prática, o RESULTADO DO
PROCESSO há de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno
da específica UTILIDADE a que faz jus segundo o ordenamento".
Ademais, como bem adverte o mesmo publicista que o aperfeiçoamento do
processo rumo a plena "eficácia", envolve, precipuamente, a questão dos "meios
preventivos de tutela", a das "medidas cautelares" e a da "execução forçada".
Esta mesma orientação é compartilhada por CHIOVENDA
112
, que aduz: "II
processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha un diritto tutto quello e
proprio ch'egli ha diritto di conseguire".
Destarte, em sede de se resguardar a efetiva tutela jurisdicional dos
conviventes, de modo a amoldar o instrumento processual em função do objeto a ser
tutelado, e, segundo bem vislumbrou o Ilustre José Roberto dos Santos Bedaque
113
, "(...) o
escopo do processo é jurídico, não obstante deva o juiz atuar a vontade concreta da
norma de direito material de modo adequá-la à realidade social, atingindo, assim, o
escopo social do processo".
112
CHIOVENDA, "Saggi di Diritto Processuale Civile", Roma, 1930, v. I, p. 110.
260
Tal providência é de grande valia, vez que o que se busca é restabelecer,
como bem aludiu JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, o "princípio da
adptabilidade do procedimento às necessidades da causa", de modo não configurar uma
denegação da justiça, ou segundo CALAMANDREI, uma verdadeira sonegação da tutela
jurisdicional, que encontram-se asseguradas dentre as garantias fundamentais do moderno
Estado Social de Direito.
Com isso, antecipa-se a tutela jurisdicional, na medida necessária à efetiva
tutela jurisdicional, caso contrário, a tardia solução do processo acaba por configurar um
indesejável quadro da denegação da justiça, agravando ainda mais a injustiça existente em
determinados casos.
Desta forma, conforme bem preceitua KAZUO WATANABE
114
: "O
princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito no inc. XXXV do art. 5°
da Constituição Federal, não assegura apenas o acesso formal aos órgãos judiciários,
mas sim o acesso à justiça que propricie a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer
forma de denegação da justiça e também o acesso à ordem jurídica justa. Cuida-se de um
ideal que, certamente, está ainda muito distante de ser concretizado, e, pela falibilidade
do ser humano, seguramente jamais o atingiremos em sua inteireza. Mas a permanente
manutenção desse ideal na mente e no coração dos operadores do direito é uma
necessidade para que o ordenamento jurídico esteja em contínua evolução".
113
Direito e Processo. 2ª ed. São Paulo: Malheiros. p.51.
114
Tutela Antecipatória e Tutela Específica das Obrigações de fazer e não fazer - Arts. 273 e 461 do CPC, in
Sálvio de Figueiredo Teixeira, Reforma do Código de Processo Civil. SP: Saraiva, 1996. p.20.
261
5.11 Da Cautelar Separação de Corpos entre Companheiros
A família, não se constitui apenas pelo casamento, mas também pela união
estável entre homem e mulher, bem como pela comunidade formada por qualquer dos pais
e seus descendentes, diante da ordem constitucional estabelecida no artigo 226 da
Constituição Federal. E, a família, sendo considerada pela Carta Magna, como base da
sociedade, tem especial proteção do Estado.
A Constituição Federal, em seu artigo 226, parágrafo 8º estabelece que: “O
Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram,
criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.
Desta forma, podemos notar que o Estado deverá assegurar a assistência a
cada um dos membros da família, bem como criar mecanismos de forma a coibir a
violência no âmbito de suas relações, vez que deve atender as necessidades sociais
hodiernas constituída através da união estável.
Diante dessa afirmação, surge a indagação da admissibilidade ou não da
medida cautelar inominada, como meio hábil de separação de corpos entre companheiros.
262
Segundo nos prenuncia Irineu Antonio Pedrotti
115
: “a corrente
jurisprudencial que admite a medida cautelar inominada, ou atípica, com a finalidade de
afastar o concubino da lar concubinário, pela nociva presença dele, com agressões o
meios outros de vulnerar a união estável, fortalece-se dia-a-dia.”
A Separação de Corpos como preliminar da ação de dissolução da família
lato sensu, abarcando tanto o casamento, como a união estável, justifica-se, segundo Clóvis
Beviláqua
116
, “em razão da inconveniência e até perigo de continuarem sob o mesmo teto
os dois detentores no pleito judiciário. Para que os cônjuges tenham liberdade de ação,
para tirá-lo da situação de constrangimento, que se achariam, e, ainda, para que a
irritação não tenha, nos encontros inevitáveis de quem habita a mesma casa, motivo para
recrudescer e desmandar-se.”
A medida cautelar visa, segundo nos ensina os Ilustre autores Antonio Carlos
de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco: “evitar que o
dano oriundo da inobservância do direito fosse agravado pelo inevitável retardamento do
remédio jurisdicional ‘periculum in mora’. O provimento cautelar funda-se
antecipadamente na hipótese de um futuro provimento jurisdicional favorável ao autor
‘fumus boni iuris’: verificando-se os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in
mora, o provimento cautelar opera-se imediatamente, como instrumento provisório e
antecipado do futuro provimento definitivo, para que este não seja frustrado em seus
efeitos.” E continua: “...é destinada não tanto a fazer justiça, como dar tempo a que a
justiça seja feita.”
115
Ob. Cit. p. 240
116
Citado por Irineu Antonio Pedrotti. CONCUBINATO UNIÃO ESTÁVEL. 2ª ed., SP: LEUD, 1995.
263
Neste passo, o Código de Processo Civil, em seu Capítulo I, do Título
Único, do Livro III, que dispõe sobre o Processo Cautelar, em seu artigo 798 assim reza:
Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II
deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas,
quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao
direito da outra lesão grave e de difícil reparação”.
De acordo com Galeno Lacerda, o artigo 798 do Código de Processo Civil,
representa "... norma em branco, que confere ao magistrado, dentro do estado de direito,
um poder puro, idêntico ao do pretor romano, quando, no exercício do imperium decretava
os interdicta. Não é sem motivo que se considere tal atribuição como a mais importante e
delicada de quantas confiadas a magistratura. Ela exige do Juiz, chamado a resolver as
mais graves e imprevistas dificuldades, uma compreensão viva, um conhecimento profundo
do direito e da jurisprudência, ao mesmo tempo em que um espírito sagaz e pronto a
apresentar, de imediato a solução motivada que se lhe solicite.”.
Assim, a medida cautelar inominada apresenta-se como meio hábil ao
separação de corpos entre companheiros, ou seja, ao afastamento do companheiro do
imóvel da sua companheira ou vice-versa, durante a união estável, uma vez presente o
fumus boni iuris e o periculum in mora, vez que estes requisitos são essenciais a concessão
da cautelar, como por exemplo, ofensas físicas, embriaguez constante, ameaças, dentre
outros.
264
Nesse sentido, a 8ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do estado de São
Paulo, concedeu cautelar de separação de corpos à requerente que alegou sofrer graves
ofensas físicas por parte do companheiro, assim decidindo: “O Estado,
constitucionalmente, os reconhece como entidade familiar e os deve proteger, no âmbito de
suas relações. Constituiria espantosa comodidade, a condição de Estado judicante, negar-
se guarida a um dos conviventes, sob o pálio do frio artigo 267, inciso I, do Código de
Processo Civil, sem se atentar para o texto constitucional, de uma lado, e, de outro, a
fervilhante questão fática – as agressões físicas.” E continua: “...além da proteção em si,
do concubino mais fraco, podem ser extraídos efeitos jurídicos a aconselhar a prévia
separação de corpos, desde aqueles patrimoniais, até a preferência na guarda dos filhos
concubinários, por aplicação analógica do preceito do artigo 10 da Lei Federal nº6.515,
de 26.12.77.” (Ap. Cível 146.511, Rel. Villa da Costa)
E, nesse mesmo sentido, a 3ª Câmara de Férias “A” de Direito Privado do
Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, cujo Relator foi
o Desembargador MATTOS FARIA, deu provimento a medida cautelar para separação de
corpos entre concubinos, com a seguinte ementa: “CONCUBINATO – Medida cautelar
inominada – separação de corpos – Admissibilidade – Inteligência do artigo 798 do CPC”.
(RT729/180)
E, ainda, a 5ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, decidindo no mesmo sentido, asseverou: A concubina pode pedir a separação de
corpos. A família, instituição social, é uma realidade que se antecipa e antepõe à própria
lei, e as relações que dela emergem devem ser compreendidas e resolvidas pelo juiz com a
265
lei, se possível, ou sem ela, se necessário, na forma do art.4º da Lei de Introdução, com o
auxílio dos princípios gerais consagrados pelo ordenamento e que agora, no tema, estão
expressamente incluídos no texto constitucional, o qual estende a proteção estatal a união
estável e assegura assistência a família na pessoa de cada um dos que a integram – art.
226, parágrafo 3º e 6º da Constituição da República. A concubina que vem a juízo pedir a
proteção para os maus-tratos do companheiro, praticados contra ela e os filhos, tem
direito de ver sua pretensão examinada. A separação de corpos é possível porque a união
deles é uma realidade; se existentes os motivos invocados, plenamente cabível o pedido da
mulher de ficar na casa com os filhos, saindo dali o réu causador do conflito. A não ser
assim, caberia a mulher, comumente mais desamparada e com menos recursos ao seu
alcance, e aos filhos, incapazes civil e economicamente, submeter-se a violência do
companheiro e pai, como se alega, ou aventurarem-se pela rua.” ( Ac. unânime de
10.09.1989 – Ap. 589.050.731 – Rel. Des. Ruy Rosado)
Neste diapasão, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal assim decidiu:
“Cautelar Inominada – Concubinato – Afastamento da Residência Comum – Separação de
Corpos – Medida Liminar – Requisitos Fumus Bonis Iuris, Periculum In Mora – Ação –
Denominação – Natureza – Causa de Pedir – Pedido – Art. 798 Do Cpc – Demonstra-se
conveniente e oportuna a concessão de medida liminar ante a comprovação dos requisitos
do fumus boni iuris e do periculum in mora, mormente quando se reconhece que o convívio
dos companheiros chegou a um nível insustentável, do qual decorre perigo para ambos,
podendo ocorrer um desenlace mais grave. 2. A natureza de uma demanda é extraída da
causa de pedir e do pedido deduzido, razão pela qual não merece prosperar a alegada
erronia na denominação da medida pedida – separação de corpos – em vez de cautelar
266
inominada, tendo em vista que, a teor do art. 798 do CPC, o Juiz deferirá a cautela que
mais se ajuste à espécie, para coibir situações de perigo”. (TJDF – AI 1998.00.2.002581-7
– (Ac. 119.555) – 3ª T. – Relª Desª Ana Maria Duarte Amarante – DJU
17.11.199911.17.1999)
A mesma orientação foi trilhada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de
Justiça, que assim decidiu: “Direito civil e Processo Civil. Concubinato. União Estável.
Cautelar. Afastamento coercitivo do concubino do lar. Cautelar Inominada.
Admissibilidade. Condições da ação. Apreciação de ofício. Recurso conhecido e provido.”
( REsp. nº10.113, de 09.09.1991)
A propósito, o Código Civil, acompanhando tal orientação, expressamente
dispõe em seu artigo 1562, sobre a possibilidade do convivente, antes de mover a ação de
dissolução de união estável, requerer a separação de corpos, uma vez comprovada a
necessidade, ou seja, o fumus boni iuris e o periculum in mora.
Interessante salientar que na hipótese do imóvel que abriga o casal de
companheiros, ter sido adquirido apenas pela companheira previamente a iniciação da
união estável e, o pedido cautelar para afastamento do lar for formulado pelo companheiro,
este pedido será julgado improcedente, vez que o imóvel é de propriedade única e exclusiva
da companheira que o adquiriu, tornando inviável o afastamento do proprietário do imóvel,
em prol do companheiro. Com efeito, restará ao companheiro, formular pedido de
separação de corpos, para que ele mesmo deixe a morada do casal.
267
Neste sentido: “CONCUBINATO - AFASTAMENTO DO LAR - Sendo o
imóvel de propriedade apenas do concubino, que o adquiriu em 29.01.1991 e já o ocupava,
como funcional, desde 1985, estabelecida a união das partes em julho de 1990, improcede
o pedido cautelar, formulado pela concubina, para afastamento do lar do concubino”.
(TJDF - AC 46.746.97 - 4ª T. - (Ac. 103.834) - Rel. Des. Mário Machado - DJU
15.04.199804.15.1998 - p. 67)
Dessume-se, portanto, que diante da nova ordem constitucional, estatuída pelo
artigo 226, parágrafo 3º, bem como o Código Civil, prestigiando a união estável como
entidade familiar, protegendo-a expressamente, não resta mais dúvida sobre possibilidade
da obtenção da medida cautelar de separação de corpos entre conviventes, durante a união
estável, uma vez presente a necessidade e a imperatividade da medida, que têm como fim
precípuo, o apaziguamento do litígio, de modo a imperar a pacificação social.
5.12 A Companheira e os Embargos de Terceiro
Os embargos de terceiro visam a proteção da posse ou propriedade daquele
que é possuidor ou proprietário de bens, apreendidos por ato judicial, em processo de que
não foi parte.
Os embargos se inserem dentro dos meios de proteção possessória, cujo
objeto é o pedido de exclusão desses bens da constrição judicial.
268
Assim o Código de Processo Civil, em seu artigo 1046, preceitua o terceiro,
dispondo que: “Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse
de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto,
seqüestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá
requerer-Ihe sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos”.
Este mesmo artigo, em seu parágrafo 3º., equipara-se o terceiro a cônjuge,
visando a defesa da sua meação, dispondo: “Considera-se também terceiro o cônjuge
quando defende a posse de bens dotais, próprios, reservados ou de sua meação”.
Com efeito, diante da exegese da nova ordem constitucional, estatuída no
seu artigo 226, parágrafo 3º, acobertando a união estável sob o manto da proteção estatal,
bem como o disposto no artigo 1725 do Código Civil, instituindo o regime de comunhão
parcial de bens, salvo disposição em contrário, cujo teor tem por objetivo a proteção da
família advinda da entidade familiar, forçoso reconhecer que sendo objeto de constrição
judicial os bens do companheiro, cabível a companheira, vivendo em união estável com o
companheiro, diante do permissivo supracitado, o exercício do direito de ação, na espécie,
os embargos de terceiro, objetivando excluir da constrição judicial, a sua meação.
Neste sentido, o 1º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, assim
decidiu, com seguinte ementa: “LEGITIMIDADE "AD CAUSAM" - Embargos de terceiro -
Oferecimento por concubina no intuito de excluir imóvel de residência da família -
Admissibilidade - Inteligência do art. 1.º da Lei 8.009/90. (RT 726/286)
269
No mesmo sentido, Tribunal de Alçada Civil do Estado do Paraná, assim
decidiu: “EMBARGOS DE TERCEIRO - Penhora - Meação - Exclusão pretendida pela ex-
concubina - Aquisição de 30% do valor do objeto na dissolução da sociedade de fato -
Direito apenas à porcentagem (RT 606/206).
E ainda, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proferiu decisão no
mesmo sentido, com a seguinte ementa: “CONCUBINA - Embargos de terceiro -
Companheiro autor de herança jacente - Imóvel na iminência de ser arrecadado -
Oposição admissível – Demonstração mínima de posse - Existência presumível de
sociedade de fato - Interesse de agir caracterizado - Extinção do processo afastada -
Inteligência do art. 1.046 do CPC - Declaração de voto. (RT 692/66)
Neste diapasão: “Embargos de Terceiro – União Estável – Meação da
Companheira – Extinção do Processo – Ausência de Interesse Processual – Sentença
Anulada – Interesse Processual Reconhecido – Sociedade Fática Declarada por Sentença
– Apelo Conhecido e Provido – Decisão Unânime – A União Estável é um fato de que
decorrem diversas relações jurídicas. Pode-se pleitear seja declarado a existência de
alguma delas, mas não, simplesmente, do fato que eventualmente lhes dê origem”. (Ac.
unân. da 3ª T. do STJ, REsp 63524/RJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU de 19.08.1996, p.
28.470). “Sendo assim, a companheira tem legitimidade e interesse processual em pleitear,
por via de embargos de terceiro, a exclusão de sua meação na união estável, sem
necessidade de que esta esteja reconhecida por sentença, porque pode o Magistrado fazer
tal reconhecimento de forma incidente ou por outras provas, como o nascimento de filhos
270
do casal”. (TJSE – AC 432/99 – (Ac. 2498/88) – 10ª V.Cív – Rel. Des. José Antonio de
Andrade Goes – J. 23.11.199911.23.1999)
O Supremo Tribunal Federal analisando esta mesma matéria, no julgamento
do RE n°230.991- SP, por unanimidade de votos deu provimento aos embargos de terceiro
da companheira para livrar sua meação da constrição judicial, cuja ementa tem o seguinte
teor: “Civil. Processo Civil. Locação. Concubinato. União Estável. Caracterização.
Aquisição de bens. Art. 5° da Lei9278/96. Esforço comum. Presunção Legal.
Desnecessidade de comprovação. Preservação da meação da concubina. Possibilidade.
Recurso conhecido e provido”.
No mesmo sentido, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região assim
decidiu: “Meação – Concubinato. Na conformidade do artigo 1.046 do CPC, é lícita a
defesa da concubina, via embargos de terceiro, da meação sobre os bens adquiridos na
constância da união estável do casal”. (TRT – 3ª R – SE – Ap. nº 3643/99 – Rel. Juiz Paulo
Roberto S. Costa – DJMG 03.12.99 – pág. 3)
Com o advento da Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996, estabelecendo em
seu artigo 5º a presunção de condomínio, dos bens adquiridos a título oneroso na constância
da união estável, e, posteriormente o Código Civil, estabelecendo em seu artigo 1725 a
estipulação do regime parcial de bens como regra, não há mais dúvida quanto a
possibilidade de oposição de embargos de terceiro pelo companheiro, para exclusão de sua
meação da constrição judicial, tendo em vista a co-propriedade estabelecida pela lei.
271
Da mesma forma, com supedâneo no artigo 1º, da Lei nº8.009, de 29 de
março de 1990, e, artigos 1711 e 1723, ambos do Código Civil, na hipótese de constrição
judicial do imóvel atinente a entidade familiar, oriunda de execução contra um dos
conviventes, mostra-se perfeitamente cabível ao outro convivente opor-se a tal constrição
judicial, sob a assertiva da impenhorabilidade do bem de família, de modo a salvaguardar a
morada da família.
Tal como podemos vislumbrar no julgamento cuja ementa segue: "Sendo
concubina, residindo em imóvel próprio dos integrantes da entidade familiar,
caracterizada por união estável, nos termos do §3° do art. 226 da CF, objeto de
constrição judicial por processo em execução contra o concubino, à luz do premissivo
expresso no art. 1° da Lei n°8009/90, dispõe de legitimidade, interesse e possibilidade
jurídica, as condições necessárias ao exercício do direito de ação, na espécie os embargos
de terceiro propostos (9ª CC do TACic.SP, AC n°598.866-7, julgado em 19.09.1995, Rel.
Juiz Hélio Lobo Junior, in RT 726/286)".
Assim, tratando-se de união estável, a companheira pode opor-se à apreensão
de seus bens por ato judicial, em pronunciamento contra o companheiro ou qualquer outro,
cujos efeitos processuais de arrecadação recaiam sobre seus bens, através da oposição de
embargos de terceiro, objetivando proteger a meação ou seu patrimônio, ou ainda a morada
da família, que foi afetado por processo judicial, de modo a retirá-lo da constrição judicial,
injusta e ilegal, que recai sobre ele.
272
5.13. O Seqüestro de Bens na União Estável
Segundo preleciona Vicente Greco Filho, o seqüestro consiste na apreensão
de coisa litigiosa, tendo por escopo garantir sua futura entrega a quem de direito, vez que
uma possível dilapidação desses bens justificam tal assertiva.
O artigo 822, inciso III, do Código de Processo Civil trata especificamente
do tema, estabelecendo que: “o juiz, a requerimento da parte, pode decretar o seqüestro
dos bens do casal, nas ações de separação judicial e de anulação de casamento, se o
cônjuge os estiver dilapidando”.
Com efeito, sabendo o legislador que a possível perda de bens afetará
posteriormente uma das partes e, que o Estado ao marcar pegadas no sentido de proteger a
família, considerada como a base da sociedade, conforme dispõe o artigo 226, “caput” da
Constituição Federal, inseriu a união estável nesse mesmo patamar de proteção, vez que
trata-se de entidade familiar, assim sendo, torna-se perfeitamente cabível a aplicação do nos
casos de união estável, bem como nos demais casos que envolvam direito de família
117
, na
forma disciplinada pelos arts. 813 a 825 do Código de Processo Civil, de modo a preservar
a tranqüilidade e a justiça entre os membros da família que transitoriamente encontram-se
em litígio.
Tais provimentos tem caráter constritivo e assecuratório, visando a garantir e
conservar bens que poderiam perder-se em decorrência de eventual dissolução da união
117
V. nesse sentido Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, A tutela de urgência no direito de família e, ainda,
Rita de Cássia Vasconcelos, Tutela de urgência nas uniões estáveis, Juruá, 2001.
273
estável em decorrência de rixas, desavenças e até mesmo mágoas existentes entre eles, ou
mesmo quando necessário por qualquer problema ocorrido entre os companheiros.
O ilustre Professor Enrico Tullio Liebman ensina que: “no tempo que flui
enquanto se espera para poder iniciar o processo, ou enquanto este se realiza, pode
acontecer que os meios necessários a ele (isto é, as provas e os bens) fiquem expostos ao
perigo de desaparecer ou de, por alguma outra forma, serem subtraídos à disponibilidade
da Justiça; ou, mais genericamente, pode acontecer que o direito cujo reconhecimento se
pede esteja ameaçado de um prejuízo iminente e irreparável. Nesses casos, à parte
interessada é permitido pedir aos órgãos jurisdicionais que conservem e ponham a salvo
as provas ou os bens, ou eliminem por outra forma aquela ameaça, de modo a assegurar
que o processo possa conduzir a um resultado útil. Entre todos os provimentos cautelares,
destacam-se em importância os seqüestros
118
O pedido poderá ser inicial ou incidental, devendo-se salientar que a medida
é provisória e tem como escopo manter determinados bens até a decisão final do processo,
sendo certo que o seqüestro será possível sempre que houver a possibilidade da prática de
atos lesivos com relação aos bens pertencentes a ambos os companheiros na união estável.
Com efeito, cabe indagar: Qual o remédio jurídico cabível neste caso, na
hipótese de todo o patrimônio adquirido durante a convivência, a título oneroso, estiver em
nome de apenas um dos conviventes; na hipótese de uma eventual ruptura da relação,
como restará o outro convivente, se aquele convivente começar a dissipar todo o
patrimônio e este tiver que aguardar todo o trâmite processual?
274
Assim, mostra-se perfeitamente cabível, e, em consonância com o
regramento processual civil, um dos companheiros pleitear junto ao Poder Judiciário o
seqüestro dos bens outrora onerosamente adquiridos durante a convivência, posto que tem
como escopo evitar que a dissipação do patrimônio pelo outro convivente, que, como é
cediço, na grande maioria das vezes, acaba por tentar prejudicar o ex-consorte.
Portanto, tanto o seqüestro como as demais medidas de urgência no direito
de família são cabíveis, adequando-se ao caso concreto para garantir a proteção da família e
para garantir o patrimônio
119
, levando-se em consideração que o pedido poderá ser
formulado, ao menos com fundamento no fumus boni juris e periculum in mora, tendo-se
notícia de que um dos companheiros, por exemplo, dilapidará o patrimônio.
Por fim, oportuno ressaltar que uma vez seqüestrados os bens litigiosos, o
juiz nomeará depositário, que pode ser uma pessoa indicada de comum acordo pelos
companheiros; como pode ser qualquer um deles, desde que preste caução idônea; como
também pode ser depositário público ou de confiança do juiz. Em qualquer hipótese, o
objetivo primordial outrora pleiteado fora assegurado, tal seja, salvaguardar os direitos do
convivente, assegurando, ao final, o direito a sua meação.
118
Manual de direito processual civil, São Paulo, RT, 1984, item 96.
119
Nesse sentido, v. RJTJESP 102/140.
275
CAPÍTULO VI
276
6. UNIÃO ESTÁVEL E O DIREITO ELEITORAL
6.1 Noções Gerais
Antes de adentrarmos o tema específico, teceremos breves considerações
sobre os direitos políticos.
Como é cediço, o Ilustre Jehan Bodin
120
, Professor de Direito e,
posteriormente, Magistrado, personalidade ativamente envolvida nos negócios públicos e
na diplomacia de sua época, foi o primeiro a conceituar o termo “soberania”, na sua obra
Os Seis Livros da República, como sendo o “poder absoluto e perpétuo de uma República”.
E, segundo nos ensina Daise Fajardo Nogueira
121
, podemos entender por
soberania, do ponto de vista internacional, a não admissão, por parte do Estado, de nenhum
poder acima do seu, e, do ponto de vista interno, como a não admissão de um poder igual
ao seu.
Assim, podemos entender por soberania como o poder máximo do Estado; o
povo, aliás, é o titular desta soberania, quando este estabelece suas bases em Estado.
É esse o sentido do parágrafo único do artigo 1° da Carta Magna,
estabelecendo que “(...) todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente”.
120
Jean-Jacques Chevallier. As Grandes Obras Políticas de Maquiavel A Nossos Dias. 6ª ed. Rio de Janeiro:
AGIR, 1993. p.50-64.
121
Considerações sobre soberania e Poder constituinte, pg.21
277
Assim, de acordo com o direito pátrio, quem detém este poder máximo é o
povo, onde cada cidadão
122
constitui uma parte da autoridade soberana, dada a sua
igualdade política.
Estatui, ainda, o artigo 14 da Carta Magna:
Art. 14 - A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I – plebiscito;
II – referendo;
III – iniciativa popular. (Grifo Nosso)
Destarte, a soberania popular pode ser exercida diretamente ou por meio de
representantes, eleitos através do sufrágio (capacidade eleitoral ativa), ou diretamente,
através do plebiscito, do referendo ou através da iniciativa popular.
6.2 Capacidade Eleitoral Ativa
Quando o povo exerce a soberania por intermédio de seus representantes, ele
o faz elegendo-os através do exercício do sufrágio, em observância ao princípio da
universalidade e igualdade de votos para a seleção e nomeação daqueles que exercerão
122
Denomina-se cidadão, todo aquele que se encontra no gozo de seus direitos civis e políticos junto ao
Estado. Em outras palavras, podemos dizer que cidadão é todo aquele que pode participar da composição do
órgão diligente, ou elegendo, ou sendo eleito, por estar no gozo de seus direitos civis e políticos, entretanto,
deve-se ter em vista que no Brasil só é cidadão o brasileiro, que pode ser nato ou naturalizado.
278
atividades governamentais de representatividade junto ao povo. Essa é a capacidade
eleitoral ativa, também denominado direito político ativo.
Por sufrágio podemos entender o direito de escolher os representantes para o
exercício da soberania; o instrumento pelo qual se exercita o sufrágio denomina-se voto.
Desta forma, em conformidade com o artigo 14 da Constituição Federal de
1988, para que uma pessoa possa exercer sua capacidade eleitoral ativa, ela deve preencher
certos requisitos a saber:
a) nacionalidade brasileira.
A nacionalidade é um vínculo que une alguém a um Estado, fazendo-o
nacional deste Estado. Este vínculo, à sua vez, gera direito à nacionalidade e, também, o
direito de invocar a proteção do Estado; no entanto, também gera obrigações, como a do
serviço militar obrigatório.
A Constituição Federal distingue duas categorias de nacionalidade: a do
brasileiro nato e a do brasileiro naturalizado.
Podemos entender por brasileiro nato aquele portador da nacionalidade
brasileira primária, A propósito, de acordo com o inciso I do artigo 12 da Carta Magna, são
considerados brasileiros natos:
279
1°) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais
estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
2°) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que
qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
3°) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que
venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela
nacionalidade brasileira.
Deve-se ter em mente que estar a serviço da República Federativa do Brasil
é, a guisa de ilustração, trabalhar no Consulado Brasileiro no exterior. Sendo assim, o filho
de pai brasileiro que trabalha em uma empresa nacional que, por exemplo, está prestando
serviços na Alemanha, e está a serviço da empresa, e não da República Federativa do
Brasil, não pode ser considerado brasileiro nato.
Em contrapartida, podemos entender por brasileiro naturalizado todo aquele
portador da nacionalidade brasileira secundária, ou seja, todo aquele que adquiriu a
nacionalidade por intermédio da naturalização, após cumprir as condições estabelecidas na
Lei n°6815, de 19 de agosto de 1980, que define a situação jurídica do estrangeiro no
Brasil, ou após cumprir as condições exigidas pela Constituição Federal, i. e., as alíneas a e
b do inciso II do artigo 12 da Carta Magna, abaixo enumeradas:
Art. 12.
280
Inciso II.
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas
aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto
e idoneidade moral;
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República
Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde
que requeiram a nacionalidade brasileira.
Dessume-se, portanto, que os brasileiros natos e os brasileiros naturalizados
possuem os mesmos direitos, e apenas a Constituição Federal pode estabelecer distinção
entre eles, nunca a lei. Assim, se outra distinção for criada por lei ordinária, essa será
inconstitucional.
b) idade mínima de 16 anos
A capacidade eleitoral ativa iniciar-se-á, obrigatoriamente, aos maiores 18
(dezoito) anos, nos termos do inciso I do artigo 14 da Constituição Federal, vez que então
torna-se obrigatório o alistamento eleitoral e o voto. No entanto, em determinados casos,
esta capacidade eleitoral poderá iniciar-se-á aos 16 (dezesseis) anos; nesse caso, o
alistamento eleitoral e direito de voto é facultativo.
Assim, nos termos do inciso II do artigo 14 da Constituição Federal, o
alistamento eleitoral e o voto são facultativos para os maiores de 16 (dezesseis) anos e
menores de 18 (dezoito) anos. Impõe-se esta idade mínima porque antes de completar 16
281
(dezesseis) anos todos são considerados absolutamente incapazes de exercer pessoalmente
quaisquer atos da vida civil, conforme preceitua o artigo 3°, inciso I do Código Civil
Brasileiro.
c) alistamento eleitoral.
A Lei n°4737, de 15 de julho de 1965, usualmente denominado Código
Eleitoral, dispõe, em seus artigos 42 a 50, sobre o alistamento eleitoral.
Por alistamento eleitoral, podemos entender como sendo a inscrição junto ao
Cartório Eleitoral ou local previamente designado, a fim de que uma pessoa possa incluir-se
na lista de eleitores, tornando-se, destarte, possível o exercício de sua capacidade eleitoral
ativa. O alistamento eleitoral faz-se mediante a qualificação e inscrição do eleitor, desde
que preenchidos os requisitos constantes na lei.
d) não ser conscrito em serviço militar obrigatório.
Podemos entender por conscritos aqueles que estão a disposição das Forças
Armadas cumprindo o Serviço Militar Obrigatório.
Conforme estatui o parágrafo 2° do artigo 14 da Constituição Federal de
1988, os conscritos, durante o período do serviço militar obrigatório, não podem alistar-se
como eleitores. Portanto, não podem exercer sua capacidade eleitoral ativa, e,
consequentemente, sua capacidade eleitoral passiva.
282
Assim, por exemplo, se uma pessoa aos 16 (dezesseis) anos faz o alistamento
eleitoral e passa a votar e aos 18 (dezoito) anos começa cumprir o Serviço Militar
Obrigatório, sua capacidade eleitoral ativa ficará suspensa até seu término, quando então
poderá novamente votar.
Com isso, podemos concluir que, em regra, não possuem capacidade
eleitoral ativa:
a) os estrangeiros, enquanto não naturalizados, vez que eles não podem
alistar-se como eleitores e, por conseqüência, não podem votar.
b) os conscritos durante o período de Serviço Militar Obrigatório.
c) os menores de 16 anos, porque são considerados absolutamente
incapazes de responderem pessoalmente por seus atos.
6.3. Capacidade Eleitoral Passiva
Podemos entender por capacidade eleitoral passiva, também denominada de
elegibilidade, a aptidão para eleger-se, por reunir as condições jurídicas exigidas. Em suma,
é o direito de ser eleito para um cargo eletivo, para representar o povo no exercício da
soberania, mediante um mandato.
283
Neste mesmo sentido, José Afonso da Silva preceitua capacidade eleitoral
passiva como sendo “o direito de postular a designação pelos eleitores a um mandato
político no Legislativo e no Executivo”.
Assim, para ser elegível, não basta apenas ser eleitor, ou seja, estar em pleno
gozo de sua capacidade eleitoral ativa, mas também cumprir as condições constitucionais e
legais de elegibilidade, bem como não recair nas inelegibilidades legais, vez que estas
constituem impedimentos ao exercício da capacidade eleitoral passiva.
6.4. Condições de Elegibilidade
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 14, parágrafo 3°, estabelece
diversas condições para a possibilidade de disputa a cargo eletivo, sendo que a ausência de
qualquer uma delas torna a pessoa inelegível. Entretanto, essa declaração só pode ser feita
pelo judiciário.
Tratando de matéria constitucional, a nulidade pode ser argüida a qualquer
tempo, já que não preclui, conforme dispõe o artigo 223 do Código Eleitoral. Assim sendo,
se, por exemplo, a nulidade for acolhida no curso do processo eleitoral, há o impedimento
de ingresso na disputa, e, se a nulidade for declarada após o pleito, acarreta, como
conseqüência a perda do mandato.
De acordo com o artigo 14, parágrafo 3° da Carta Magna, são condições de
elegibilidade, ou seja, condições para o exercício da capacidade eleitoral passiva:
284
a) Nacionalidade brasileira, podendo ser brasileiro nato ou naturalizado.
Entretanto, há cargos eletivos em que a capacidade eleitoral passiva restringir-se-á ao
brasileiro nato, ou seja, o direito de eleger-se só poderá ser exercido pelo brasileiro nato, de
modo a garantir a segurança e a soberania nacional, conforme dispõe o artigo 12, parágrafo
3°, e o artigo 89, inciso VII, ambos da Constituição Federal, que assim rezam:
Art.12.
§ 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos:
I - de Presidente e Vice-Presidente da República;
II - de Presidente da Câmara dos Deputados;
III - de Presidente do Senado Federal;
IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;
V - da carreira diplomática;
VI - de oficial das Forças Armadas.
VII - de Ministro de Estado da Defesa.
E ainda:
Art. 89 – O Conselho da República é órgão superior de consulta do
Presidente da República, e dele participam:
VII - seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de
idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado
Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos,
vedada a recondução. (Grifo Nosso)
b) Pleno exercício dos direitos políticos. Aquele que perdeu seus direitos
políticos ou dele esteja suspenso não poderá ser eleito.
285
c) Alistamento eleitoral, onde deve se alistar não só como eleitor, mas
também no rol dos possíveis eleitos;
d) Domicílio eleitoral na circunscrição, obrigando aquele que queira
disputar o cargo eleitoral, tenha domicílio na circunscrição de seu mandato. Devemos
salientar que o domicílio exigido é o eleitoral e não o civil. Assim, o domicílio eleitoral do
candidato à Presidência da República é o Brasil, enquanto que o domicílio eleitoral do
candidato a Governador do Estado é o Estado; já o domicílio eleitoral do candidato à
Prefeitura Municipal é o município onde ele irá concorrer à eleição.
e) Filiação partidária, pois, como é cediço, entre nós vigora o monopólio da
candidatura pelos partidos políticos; assim, para alguém se candidatar, deve estar registrado
em um partido político, e, para que ele seja registrado, a Constituição Federal exige uma
filiação ao partido político por tempo determinado.
f) Idade Mínima de trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da
República e Senador; trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do
Distrito Federal; vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital,
Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz e dezoito anos para Vereador, em conformidade com o
artigo 14, parágrafo 3° da Constituição Federal. Ou seja, a idade mínima varia de acordo
com o cargo eletivo a ser pleiteado.
286
Interessante salientar que, conforme preceitua o parágrafo 2°, do artigo 11 da
Lei Eleitoral (Lei 9504, de 30 de setembro de 1997), “a idade mínima constitucionalmente
estabelecida como condição de elegibilidade é verificada tendo por referência a data da
posse”.
Dessa sorte, é possível que um candidato concorra às eleições com idade
inferior a estabelecida na Constituição Federal, contanto que complete sua idade no
máximo até o dia da posse para efetivá-la. Assim, por exemplo, caso o candidato a Prefeito
possua 20 (vinte) anos quando das eleições e faça aniversário dia 1° de janeiro, caso ele
venha a ser eleito terá cumprido a idade exigida pela Carta Magna, tendo em vista que a
ela é verificada tendo por referência a data da posse; nesta data, o candidato terá a idade
necessária, i. e., 21 anos.
6.5 Inelegibilidade
Podemos entender por inelegibilidade a inaptidão, de caráter transitório e
pessoal, para eleger-se, por não se reunir as condições jurídicas exigidas ou diante da
existência de impedimento que impossibilite o exercício da capacidade eleitoral passiva,
tendo em vista a finalidade do Estado de garantir a liberdade de voto e proteger a probidade
administrativa, a moralidade para o exercício do mandado, bem como a normalidade e
legitimidade das eleições.
Em síntese, devemos entender por inelegíveis, os inaptos a concorrer a um
cargo eletivo, ou seja, aqueles que não podem exercer sua capacidade eleitoral passiva, pelo
não preenchimento das condições de elegibilidade estabelecidas em Lei.
287
Segundo preceitua Temistocle Martines
123
; “Chi è colpito da causa di
ineleggibilità non perde il diritto all elletorato passivo, soltanto che tale diritto non pùo
essere temporareamente essercitato, poichè prevalgono quelle ragioni di oppotunità (che
refletono interessi genereali) alle quali si è accenato.”
No que tange à inelegibilidade, a Constituição Federal, em seu artigo 14,
parágrafo 4°, assim preceitua:
Art. 14.
§ 4° - São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.
Uma das condições de elegibilidade é a nacionalidade brasileira, que pode
ser tanto brasileiro nato ou como naturalizado. Assim sendo, os estrangeiros devem ser
considerados como inalistáveis, por não preencher uma das condições impostas pela Lei.
Também devemos considerar como inalistáveis, por não preencher uma das
condições impostas pela Lei, ou melhor, por não estar em pleno gozo de seus direitos
políticos, todos aqueles que estão à disposição das Forças Armadas cumprindo Serviço
Militar Obrigatório, denominados conscritos.
Muito embora os analfabetos possam exercer sua capacidade eleitoral ativa,
conforme dispõe o artigo 14, inciso II, alínea “a” da Carta Magna, eles são considerados
inelegíveis, ou seja, são considerados inaptos a exercer sua capacidade eleitoral passiva,
123
Diritto Constituzionale. Milano: Ed. Guifré, 1988, p. 295.
288
porque, como assevera Sérgio Luiz Monteiro Salles
124
, há uma diminuição da
potencialidade na participação ativa na organização política do Estado. Entretanto, essa
situação é transitória, tendo em vista a possibilidade dos analfabetos tornarem-se
alfabetizados, removendo, assim, a inaptidão para o exercício de sua capacidade eleitoral
passiva.
Salienta-se, ainda, que também devemos considerar como inelegíveis os
menores de 18 (dezoito) anos; os condenados por sentença criminal transitada em julgado,
enquanto perdurarem seus efeitos; os civilmente incapazes, nos termos do artigo 3° do
Código Civil; os que se recusarem a cumprir obrigação a todos imposta e prestação
alternativa, nos termos do artigo 5°, inciso VIII, da Constituição Federal, desde que haja
sentença transitada em julgado; e todos aqueles condenados, com sentença transitada em
julgado, por improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, parágrafo 4°, da
Constituição Federal.
A razão que assiste esta restrição à capacidade eleitoral passiva, ocasionando
a inelegibilidade do candidato, é de natureza ética e moral, de modo a assegurar a
probidade administrativa, bem como a moralidade das eleições. Dessa forma, caso haja
desvio da razão que assiste a restrição à capacidade eleitoral passiva, com escopo de
beneficiar uma minoria detém o poder, tratar-se-á de razão ilegítima, de modo a não
prevalecer tal inelegibilidade.
No que tange à inelegibilidade, a doutrina costuma dividi-la em:
124
Inelegibilidades Constitucionais. Revista da Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas.
São Paulo: 1993. p.49.
289
a) Inelegibilidade Absoluta: são aquelas restrições à elegibilidade que se
estende a qualquer cargo eletivo.
b) Inelegibilidade Relativa: são aquelas restrições à elegibilidade para
determinados mandatos, devido à situação excepcional momentânea em que alguém se
encontra, impedindo de exercer sua capacidade eleitoral passiva.
6.6 Objetivo e Fundamento da Inelegibilidade
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 14, parágrafo 9º, do Capítulo
IV, que trata dos Direitos Políticos, enumera os motivos pelos quais impõe-se as
inelegibilidades, de modo a restringir o exercício pleno de sua capacidade eleitoral passiva
e, ao mesmo tempo, salvaguardar os princípios basilares inseridos na Constituição, como o
Estado Democrático de Direito, a Ordem Social, os Direitos e Garantias Fundamentais,
bem como a soberania popular, de forma a construir uma sociedade mais próspera, livre,
justa e solidária, garantindo, assim, a eqüidade de direitos e deveres, para os todos os
membros da sociedade.
Neste sentido, assevera José Afonso da Silva
125
que: “As inelegibilidades
possuem, assim um fundamento ético evidente, tornando-se ilegítimas quando
estabelecidas com fundamento político ou para assegurarem o domínio do poder por um
grupo que venha detendo, como ocorreu no sistema constitucional revogado. Demais, seu
290
sentido ético correlaciona-se com a democracia, não podendo ser entendida como um
moralismo desgarrado da base democrática do regime em que se instaure.”
Assim, o Poder Constituinte, antevendo tal importância, deu nova redação ao
artigo 14, parágrafo 9° da Carta Magna, através da Emenda Constitucional de Revisão nº 4,
de 07 de junho de 1994, estatuindo que a Lei Complementar estabelecerá outros casos de
inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a
moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a
normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso
do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
Como adverte o Ilustre Ministro Celso de Mello
126
, a “Inelegibilidade não
obstante afete a capacidade passiva dos cidadãos, comporta interpretação construtiva dos
preceitos que lhe compõem a estrutura normativa.” E continua: “Impõe-se observar que o
constituinte revelou-se claramente hostil a práticas ilegítimas que denotem o abuso do
poder econômico ou que caracterizem o exercício distorcido do poder político-
administrativo. Com o objetivo de proteger a normalidade e a legitimidade das eleições
contra a influência, sempre censurável, do poder econômico ou abuso, absolutamente
inaceitável, do exercício de função pública é que se definiram situações de inelegibilidade,
destinadas a obstar, precisamente, dentre as várias hipóteses possíveis, a formação de
grupos hegemônicos que, monopolizando o acesso aos mandatos eletivos, virtualmente
patrimonializam o poder governamental, convertendo-o, numa inadmissível inversão de
postulados republicanos, em verdadeira res doméstica. As formações oligárquicas
125
Curso de Direito Constitucional Positivo. 10ª ed., São Paulo: Malheiros, 1994, p. 370.
126
Voto Vencido do RE nº157.868-8, de 02 de dezembro de 1992.
291
constituem grave deformação do processo democrático. A busca do poder não pode
limitar-se à esfera reservada de grupos privados, sob pena de frustar-se o princípio do
acesso universal às instâncias governamentais.”
Portanto, podemos concluir, sinteticamente, que as inelegibilidades possuem
o escopo de evitar as oligarquias, ou seja, um governo de poucas pessoas, pertencentes ao
mesmo partido, classe ou família, de forma a proteger a probidade administrativa, a
moralidade para o exercício do mandato e a normalidade e legitimidade das eleições contra
a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na
administração direta ou indireta.
6.7. Inelegibilidade da União Estável à Luz do Ordenamento Pátrio.
O Direito de Família sempre assentou-se no matrimônio, sacramentado pela
concepção cristã como a único meio hábil à formação familiar, sendo que o Direito pátrio,
sob influência do Direito Canônico e do Direito Francês, proclamou que por intermédio do
casamento cria-se a família legítima. No entanto, com a evolução ocorrida no Direito de
Família, esta assumiu à luz do novo ordenamento constitucional de 1988, uma nova
configuração, diante, ainda, da própria evolução social, abrangendo não apenas a família
advinda do casamento, como fazia a Constituição de 1967, mas também as famílias
advindas das uniões estáveis, bem como as famílias monoparentais, sendo estas últimas
consideradas como entidades familiares, para efeito de proteção do Estado, conforme
292
preceitua o artigo 226, parágrafo 3º da CF de 1988, que em seu artigo 14, parágrafo 7º.
dispõe que:
Art. 14...
§ 7º - São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os
parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da
República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de
quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de
mandato eletivo e candidato à reeleição. (Grifo Nosso)
Sendo assim, em decorrência do artigo 226, parágrafo 3º da Carta Magna,
exsurgiu uma celeuma no que tange a inelegibilidade dos membros das relações advindas
das uniões estáveis e também dos seus parentes consangüíneos ou afins.
A interpretação puramente literal do artigo referente à inelegibilidade não
satisfaz os objetivos da norma constitucional, já que, para aplicá-la, deve-se vislumbrar sua
verdadeira intenção para adequar-se à realidade social, de forma a garantir um equilíbrio na
sociedade. Como salienta o Ministro Carlos Velloso
127
, “aplicar a lei é realizar os seus
elementos e não aferrar-se servilmente a sua letra fria.”
Desta forma, quando a Constituição Federal de 1988 estabeleceu as
inelegibilidades do artigo 14, parágrafo 7º, teve como escopo evitar a formação das
oligarquias familiares, que, de acordo com o Ministro Carlos Velloso
128
, “são as piores
127
Voto vencido do RE nº157.868-8, de 02 de dezembro de 1992
128
Obs. Cit. 24.
293
formas de corrupção da democracia representativa”, fazendo com que se previna o
continuísmo das oligarquias familiares e se garanta um Estado Democrático de Direito, de
modo a possibilitar a alternância no cargo eletivo, ou seja, na representatividade junto aos
eleitores.
Com muita propriedade o Ministro Sepúlveda Pertence
129
afirma que: “Se a
lei, por imperativo constitucional, deve estimular, facilitar sua conversão do concubinato
em casamento, não posso entender que, na interpretação dessa mesma constituição, que
manda estimular e facilitar a conversão do concubinato em casamento, se deva adotar a
exegese ortodoxa, privatista, que, ao contrário, tem estimulado, nos costumes políticos
brasileiros, a prática inversa: conversão do casamento em união estável.”
Nesta linha de raciocínio, podemos citar o posicionamento do Tribunal
Regional Eleitoral
130
, no Acórdão nº100.566, cujo Relator foi o Juiz Manuel Alceu Afonso
Ferreira e do Acórdão nº100.638, cujo Relator foi o Juiz Aloysio Álvares Cruz, que assim
dispõe: “É inelegível a ex-esposa do Prefeito cuja separação judicial serviu apenas para
fraudar a inelegibilidade resultante do casamento”.
Neste mesmo sentido posicionou-se o Tribunal Superior Eleitoral, no
Acordão nº13006, de 06 de outubro de 1992, cujo Relator foi o Ministro Carlos Velloso,
estabelecendo que: “A jurisprudência da Corte é no sentido de que a relação de
concubinato gera a inelegibilidade.”
129
Voto vencido do RE nº157.868-8, de 02 de dezembro de 1992.
130
In, Caderno de Direito Constitucional e Eleitoral, nº6, p. 167 e 172.
294
E também a Resolução
131
do Tribunal Superior Eleitoral de nº18.086, de 23
de abril de 1992, sendo Relator o Ministro Américo Luiz, diz que: “A Constituição atual
estende o conceito de entidade familiar quando expressa no seu artigo 226, §3º.: ‘Para
efeito de proteção do Estado é reconhecida a união estável entre homem e mulher como
entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.’ Diante, portanto,
desse império constitucional, esta corte considera que a união estável gera
inelegibilidade, diante do art. 14, §7º, da CF.”
Esta mesma orientação pode ser observada no julgamento do
RE n°98.935-8-PI, pelo Pleno do STF, datado em 03 de novembro de 1982, sendo relator o
Ministro Cordeiro Guerra, cuja ementa tem o seguinte teor: “É legítima a hermenêutica
constitucional que considerou inelegível a esposa casada apenas religiosamente com o
titular do cargo, por entender “que quem analisa detidamente os princípios que norteiam a
Constituição na parte atinente às inelegibilidades há de convir que sua intenção, no
particular, é evitar, entre outras coisas, a perpetuidade de grupos familiares, ou
oligarquias, à frente dos executivos”. Seria ilógico conceder-se à concubina casada no
religioso o que se nega à esposa legítima. A lei das inelegibilidades comporta uma
interpretação construtiva da aplicação legal ao caso concreto. (Pleno do STF,– j. em
03.11.1982, Rel. Min. Cordeiro Guerra, in RT 576/295.)
Assim, v.g., a companheira do Presidente da República não pode se
candidatar a nenhum cargo eletivo dentro do território nacional, vez que a circunscrição
eleitoral do Presidente da República corresponde à totalidade do país, salvo se titular de
mandato eletivo e candidato a reeleição.
131
DJU de 12 de junho de 1992, p. 9.048.
295
Já a companheira do Prefeito apenas está impedida de candidatar-se ao cargo
de vereança dentro da circunscrição eleitoral do companheiro, ou seja, dentro daquela
cidade onde ele é Prefeito. Todavia, ela poderá candidatar-se a cargo eletivo de Governador
do Estado, visto que não há impedimento: a circunscrição eleitoral é apenas municipal,
salvo se titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.
Igualmente, ocorrerá o impedimento estatuído no artigo 14, parágrafo 7° da
Carta Magna, quando um dos conviventes já estiver exercendo cargo eletivo e o outro
quiser participar da eleição dentro da circunscrição eleitoral do primeiro, salvo se titular de
mandato eletivo e candidato à reeleição. No entanto, há duas hipóteses onde eles não
estarão impedidos de exercer sua capacidade eleitoral passiva:
1. quando ambos forem titulares de mandato eletivo e quiserem candidatar-
se à reeleição, em conformidade com a parte final do artigo 14, parágrafo §7° da
Constituição Federal; ou
2. quando ambos não forem titulares de mandato eletivo e quiserem
candidatar-se à eleição.
Dessume-se, portanto, que, como as normas de inelegibilidades exsurgem da
observação sociológica dos hábitos políticos, de forma a valorar os preceitos fundamentais
consagrados pela Carta Magna e coibir a fraude desses mesmo preceitos, devemos estender
a inelegibilidade às relações advindas das relações estáveis, que são consideradas por força
296
do texto constitucional (artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição Federal), como entidades
familiares, para evitar a concentração dos poderes nas mãos de uma mesma família, i. e., de
uma oligarquia familiar.
Esta orientação, aliás, restou cristalizada com o advento da Lei n°10.406, de
10 de janeiro de 2002, digo, o Novo Código Civil, que em conformidade com o
mandamento constitucional, dispôs em seus artigos 1723 a 1727, sobre o reconhecimento
da união estável como entidade familiar, quando presentes os requisitos legais, tais sejam, a
convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família.
6.8 Inelegibilidade por força do Parentesco
Antes de adentrarmos o tema proposto, mister se faz trazer à lume breves
considerações sobre o parentesco, de modo a exsurgir um melhor entendimento acerca da
causuística ora em comento.
Por parentesco podemos entender como a relação que une pessoas entre si,
por intermédio da consangüinidade, quando umas descendem das outras ou quando
descendem de um tronco em comum, e da afinidade, quando se relaciona cada um dos
cônjuges ou companheiros com os parentes do outro; ou ainda do parentesco civil, quando
criado pela Lei entre adotante e adotado.
297
Neste sentido, assevera Sérgio Luiz Monteiro Salles
132
, “o parentesco é
consangüíneo ou natural, quando se funda na igualdade de sangue; é por afinidade
quando se forma entre um indivíduo e a família de um outro por intermédio da união
sexual e é meramente civil, quando emana do contrato de adoção”.
Com isso, estabelece-se 03 (três) ordens de relação:
a) vínculo conjugal ou de convivência;
b) parentesco por consangüinidade;
c) parentesco por afinidade.
O vínculo conjugal ou de convivência, é aquele que une um homem a uma
mulher com o objetivo de constituição de família, podendo advir do casamento ou da união
estável, incluída essa diante da nova ordem constitucional; enquanto que o parentesco por
consangüinidade é o vínculo existente entre pessoas que descendem de um mesmo tronco
em comum. Já o parentesco por afinidade, é o vínculo que se estabelece entre o cônjuge ou
convivente e os parentes do outro cônjuge ou convivente. E, por fim, o parentesco civil que
é o decorrente da adoção.
O vínculo de parentesco estabelece-se por linhas, e, para contagem de graus,
deve-se separar o parentesco em linha reta, do parentesco em linha colateral ou transversal.
Assim rezam o artigos 1591 e 1594 do Código Civil, que dispõem sobre o
parentesco por linha reta:
132
Inelegibilidades Constitucionais. Revista da Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas.
São Paulo: 1993. p.52.
298
Art. 1591 - São parentes, em linha reta, as pessoas que estão umas para
com as outras na relação de ascendentes e descendentes. (Grifo Nosso)
Art. 1594 - Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número
de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao
ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente. (Grifo Nosso)
O parentesco em linha reta é o que se estabelece entre pessoas que estão uma
para as outras na relação de ascendentes e descendentes. A sua contagem se dá pelo número
de gerações. Não há limite nesta contagem, onde cada geração representa um grau.
LINHA RETA
Parentes de 1° grau
Pai
Filho (Você)
Neto
Bisneto
Os artigos 1592 e 1594 do Código Civil dispõem sobre o parentesco em
linha colateral, a saber:
299
Art. 1592 - São parentes, em linha colateral, ou transversal, até o quarto
grau, as pessoas que provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da
outra.(Grifo Nosso)
Art. 1594 - Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número
de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até
ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente. (Grifo Nosso)
Como podemos observar, o parentesco em linha colateral, também
conhecida por transversal ou oblíqua, é o liame de pessoas que provém de um só tronco
comum, sem descenderem uma das outras, sendo que não há parentes de 1º grau. A
contagem de graus, neste caso, sobe-se do parente que se tem em vista, até o ascendente
comum, descendo-se, depois, ao outro parente. Cada geração corresponde a um grau.
Acham-se na linha colateral, os irmãos, os tios, os sobrinhos e os primos, não se estendendo
além do quarto grau.
LINHA COLATERAL
1° grau A 1° grau
B C
D F E
Desta forma, teremos:
B e C – são parentes de 2° grau (irmãos);
B e E – são parentes de 3° grau (tio e sobrinho);
300
D e C – são parentes de 3° grau (sobrinho e tio);
D e E – são parentes de 4° grau (primos);
D e F – são parentes de 2° grau (irmãos).
Conforme bem preleciona Washington de Barros Monteiro, “a linha
colateral pode ser igual ou desigual; igual quando entre o antepassado comum e os
parentes, considerando a distância de gerações é a mesma”, v. g., irmãos; enquanto que “é
desigual quando há diversidade de distâncias entre os parentes considerados e o tronco em
comum”, v. g., tio e sobrinho.
já o parentesco por afinidade é o vínculo que se estabelece entre cada
cônjuge ou convivente e os parentes do outro cônjuge ou convivente, em conformidade
com o artigo 1595 do Código Civil, que assim preceitua:
"Art. 1595 - Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro
pelo vínculo da afinidade.
§ 1.° - O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos
descendentes e aos irmãos do cônjuge e companheiro". (Grifo Nosso)
No parentesco por afinidade há duas linhas: a linha reta e a linha colateral.
a) LINHA RETA POR AFINIDADE
A linha reta por afinidade, divide-se em linha ascendente e linha
descendente. Na linha reta ascendente encontram-se o sogro, a sogra, o padrasto e a
301
madrasta. Já linha reta descendente encontram-se o genro, a nora, o enteado e a enteada.
Destarte, tanto os citados na linha reta ascendente, como os citados na linha reta
descendente, serão considerados afins de 1º grau.
- Avós (Avó / Avô)
2° grau
- Pais (Pai/ Mãe/ Padrasto/ Madrasta)
1° grau
- Filho (a) Cônjuge ou Convivente
Para contagem dos graus na linha reta por afinidade, coloca-se um dos
cônjuges ou conviventes na posição do outro, com relação aos parentes desse. Assim,
teremos parentesco por afinidade entre o companheiro e os ascendentes e descendentes da
companheira.
Como podemos perceber, a sogra é considerada afim de 1° grau na linha
ascendente, os filhos da companheira são consideradas afins em 1º grau na linha
descendente.
b) LINHA COLATERAL POR AFINIDADE
1° grau Sogra
2° grau
Cônjuge ou Convivente Filho (a) Irmão da Companheira
(Cunhado)
302
No que tange a linha de afinidade colateral, para a contagem dos graus na
linha colateral por afinidade, coloca-se um dos cônjuges ou conviventes na posição do
outro, com relação aos parentes desse, limitando-se a linha colateral por afinidade entre o
companheiro e os irmãos da companheira, em conformidade com o disposto no parágrafo
1° do artigo 1595 do Código Civil.
Em conformidade com o supramencionado, os irmãos e irmãs da
companheira, digo, os cunhados ou cunhadas do companheiro são considerados afins de 2°
grau na linha colateral; enquanto que, os concunhados ou concunhadas do companheiro,
pelo ordenamento pátrio, não possuem parentesco por afinidade.
Expostas estas premissas basilares ao entendimento das inelegibilidades
resultantes do parentesco, passaremos a análise do tema proposto.
Estabelece o artigo 14, parágrafo 7° da Carta Magna:
Art.14.
§ 7º - São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os
parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da
República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de
quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de
mandato eletivo e candidato à reeleição. (Grifo Nosso)
303
Diante do imperativo constitucional, bem como da legislação civil vigente,
estabelecendo a inelegibilidade dos parentes consangüíneos e afins, até o segundo grau ou
por adoção, estabeleceremos um quadro, demonstrando quem são os parentes inelegíveis.
Assim, qualquer das pessoas supracitadas, caso seja parente do Presidente da
República, serão inelegíveis para qualquer cargo eletivo, em toda a extensão do território
nacional, visto que a circunscrição eleitoral do Presidente da República estende-se a todo
país, enquanto o titular estiver exercendo o mandato, salvo se titular de mandato eletivo e
candidato à reeleição.
Da mesma forma, qualquer das pessoas susomencionadas, caso seja parente
de Governador de Estado, Território ou Distrito Federal, são inelegíveis para os cargos
eletivos que se encontram dentro dos limites geográficos do Estado, Território e do Distrito
Federal, da circunscrição eleitoral do titular do mandato eletivo, salvo se titular de mandato
eletivo e candidato à reeleição. Entretanto, nada obsta que aquelas concorram a cargo
Parentesco
Linha
Parentes Consangüíneos Parentes Afins
Linha Reta Avós, Pais, Filhos e Netos Avós, Pais, padastro, madastra,
1° e 2° grau do titular do mandato. enteado e enteada do cônjuge
ou convivente do titular do
mandato.
Linha Colateral Irmãos do titular do mandato. Cunhado do titular do mandato.
2° grau
Obs.: Qualquer pessoa, quando resultante de parentesco civil, ou seja, resultante de
adoção.
304
eletivo em outro Estado, por se encontrarem fora da circunscrição eleitoral do titular do
mandato eletivo.
Igualmente, qualquer das pessoas acima mencionadas, parente de Prefeito
Municipal, são inelegíveis, para os cargos eletivos que se encontram dentro dos limites
geográficos do Município, da circunscrição eleitoral do titular do mandato eletivo, salvo se
titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. Assim, aqueles parentes não podem
candidatar-se no município, a vereador, por exemplo. Nada obsta, contudo, que concorram
a cargo eletivo em outro município ou ainda a Governador de Estado, por se encontrarem
fora da circunscrição eleitoral do titular do mandato eletivo, que é municipal.
Dessume-se, portanto que o impedimento tem em vista o parentesco daquele
que já está exercendo mandato eletivo. No entanto, caso nenhum deles exerça mandato
eletivo em determinado território de jurisdição, poderão se candidatar, pois nenhum deles já
estava no cargo, não havendo, destarte, impedimento legal.
6.9 Inelegibilidade do Parentesco resultante da União Estável
Em decorrência do artigo 226, parágrafo 3º da Constituição Federal de 1988,
ou seja, com a inserção de uma nova modalidade de entidade familiar oriunda da união
estável, houve uma grande discussão quanto à inelegibilidade do parentesco,
principalmente do parente afim, resultante daquela união, preconizado pelo artigo 14,
parágrafo 7º da Constituição Federal de 1988.
305
O Tribunal Superior Eleitoral, havia firmado entendimento, diante da Carta
Magna, através da Súmula nº 7, estabelecendo que:
Súmula 7. Foi estendida a inelegibilidade para o irmão da concubina de
prefeito, havendo portando uma equiparação ao casamento.
No mais, o Tribunal Superior Eleitoral, no Ac. nº12.866, de 29 de setembro
de 1992, sendo Relator o Ministro Carlos Velloso, estabeleceu que:
“Concubinato com a irmã do atual Prefeito. Parentesco por afinidade.
Inelegibilidade.”
Entretanto, no julgamento do RE nº157.868-8, de 02 de dezembro de 1992,
do Supremo Tribunal Federal, cujo relator foi o Ministro Marco Aurélio, sagrou-se
vencedor, por maioria de votos, o seguinte entendimento:
Inelegibilidade – A vedação do §7º. do artigo 14 da CF não alcança a irmã
da concubina do Prefeito.”
Como é cediço, as normas que dispõem das inelegibilidades têm como
marco inicial a observação sociológica, derivados dos costumes políticos, tendo em vista
que essas regras visam coibir o abuso do poder e a sua concentração do poder nas mãos das
oligarquias familiares. Assim, devemos buscar analisar essa mesma realidade a fim de
306
presidir a interpretação das regras de inelegibilidades, com o escopo de estendê-las, de
forma a coibir a fraude, bem como dar a correta interpretação ao texto constitucional.
Diante dessas considerações, sempre nos posicionamos favoráveis a Súmula n°7 do
Superior Tribunal Eleitoral e, contrários ao entendimento prevalecente do Supremo
Tribunal Federal outrora citado, posto que o mesmo desvirtuava o verdadeiro sentido da lei,
tal seja, coibir o abuso do poder e a sua concentração do poder nas mãos das oligarquias
familiares, sejam estas oriundas do vínculo matrimonial ou do vínculo afetivo.
Com efeito, o posicionamento da Súmula n°7 do Superior Tribunal Eleitoral,
restou cristalizado com o advento da Lei n°10.406, de 10 de janeiro de 2002, digo, Novo
Código Civil, que em conformidade com os ditames da Carta Magna, enlevou a União
Estável a entidade familiar, dispondo explicitamente em seu 1595 que "cada cônjuge ou
companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo de afinidade".
E mais, em conformidade com o disposto no parágrafo 2° do artigo 1595
133
,
do Código Civil vigente, este vínculo de parentesco que une o companheiro aos parentes do
outro, quando advindo da linha reta por afinidade é ad perpetum, ou seja, na linha reta, a
afinidade não se extingue com a dissolução da união estável; enquanto que na linha
colateral ou transversal, a afinidade é transitória, pois perdura apenas enquanto subsistir o
vínculo afetivo advindo da união estável.
133
CC, § 2
o
do art. 1.595. Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da
união estável.
307
Assim sendo, na linha colateral ou transversal, dissolvida a união estável,
que a originou, cessa a afinidade; portanto, é possível após a dissolução da união estável, o
companheiro se unir ou se casar com a irmã de sua ex-companheira, vez que o vínculo de
parentesco cessou; todavia, na linha reta, esse vínculo de parentesco é tido por toda a vida,
de modo a manter a moralidade nas relações civis. Assim, por exemplo, o vínculo de
parentesco entre o companheiro e a mãe de sua companheira, comumente entitulada como
sogra, perpetuará por toda a vida, da mesma forma que no Direito Romano, que assim
aduzia: "Socrum quoque et novercam prohibitum est uxorem ducere, quia matris loco
sunt". Com isso, da mesma forma como ocorre no casamento, uma pessoa irá ter tantas
sogras, quantas forem as relações existentes, seja advinda do casamento ou da união
estável.
Assim, à luz do novo ordenamento jurídico, que elevou a união estável à
categoria de entidade familiar, devem ser aplicadas as regras do parentesco e, por
conseguinte, diante do imperativo constitucional da proteção estatal, ex vi do parágrafo 3º
do artigo 226 da Carta Magna, devem, também, ser aplicadas às relações de parentesco daí
emergentes as inelegibilidades por consangüinidade ou afinidade advindas das uniões
estáveis.
Neste sentido, como assevera o Ministro Paulo Brossard
134
: “Penso que o
concubinato gera situação que a constituição quis fulminar, e fulminou, estabelecendo a
inelegibilidade de parentes.”
134
Voto vencido do RE nº157.868-8, de 02 de dezembro de 1992
308
Nesta mesma linha de raciocínio, podemos citar o Antonio Carlos Mendes
que assim entende: “Consequentemente, a inelegibilidade depende da identidade da
realidade fática com os pressupostos contidos no preceito constitucional. Assim, deverá ser
até segundo grau dada pelos efeitos do casamento civil, da adoção e, inclusive, da união
estável. Por força do §3º do artigo 226 da Constituição Federal de 1988.” (grifo nosso)
Em sua lapidar explanação, o Ministro Celso de Mello
135
diz: “Legitimar-se o
controle monopolítico do poder, por núcleos de pessoas unidas por vínculos de ordem
familiar, ou de natureza quase-familiar, equivaleria a ensejar, em última análise, o
domínio do próprio Estado por grupos privados.” E continua:“ Atribuir-se elegibilidade
plena a irmã da concubina do atual prefeito, refletiria um paradoxo, pois corresponderia,
em última análise, a conceder a ela o que se nega, peremptoriamente, aos irmãos das
esposas legítimas do chefe do executivo, qualquer que seja a instância política em que
possa exercer o seu mandato.”
Dessume-se, portanto, que o parentesco por afinidade resultante da união
estável quando advindo da linha reta, como por exemplo, sogra e sogro, gera impedimento
de caráter pessoal e permanente, ou seja, inelegibilidade permanente, posto que perdurará
ainda que dissolvida o vínculo afetivo advindo da união estável; enquanto que o parentesco
por afinidade resultante da união estável quando advindo da linha colateral, como por
exemplo, cunhado, gera impedimento de caráter pessoal e transitório, ou seja,
inelegibilidade transitória, vez que perdurará enquanto subsistir a união estável, sendo certo
135
Voto vencido do RE nº157.868-8, de 02 de dezembro de 1992
309
que uma vez findada a união estável, este impedimento para elegibilidade deixará de
existir.
Pois, na análise dos princípios que norteiam a Carta Magna, devemos
observar que eles têm por escopo evitar a perpetuidade das oligarquias familiares no poder,
independentemente se a família originou-se pelo casamento ou pela união estável, de modo
a garantir a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato,
considerada a vida pregressa do candidato, bem como a normalidade e legitimidade das
eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo
ou emprego na administração direta ou indireta.
310
CAPÍTULO VII
311
7. A UNIÃO ESTÁVEL E O DIREITO PENAL
7.1. INTRODUÇÃO
Continuando a temática central dessa obra, que consiste na análise dos
desdobramentos jurídicos do instituto da União Estável, avaliar-se-á nesse capítulo e
especialmente os efeitos penais desse tópico tão instigante do Direito, não só trazendo à
baila os entendimentos já firmados por outros doutrinadores sobre o assunto, como também
por julgados referentes à união estável e sua similitude ao casamento, quanto aos efeitos e
conseqüências para os cônjuges e/ou companheiros, aqui especialmente na esfera criminal,
tal como apresentar criticamente novas propostas de abordagem dessa temática.
Cumpre enaltecer da especificidade do tema e sua dinâmica peculiar, que
acabam por sempre suscitarem inovações conceituais e divergências de entendimento, bem
como impedem qualquer pretensão de exaurimento do tema, tão pesquisado e inovado
como polêmico.
Lembremos desde já que, ainda que de origem informal, a união estável, que
corresponde união de um homem e uma mulher, de maneira estável, pública e contínua,
objetivando a constituição familiar, sem as formalidades do casamento civil, mas que,
entretanto, está apta a conversão em casamento, vez que inexistem impedimentos
matrimoniais, considerando sua relação estreita com o instituto do casamento e sua mesma
relevância social, faz-nos também ter de observar todos os efeitos penais relativos a esse
novo tipo de família constituída, a qual já é devidamente reconhecida em termos
312
constitucionais, sobremaneira por se tratar de nova forma de surgimento da principal
instituição social vislumbrada junto à comunidade humana, a saber, a célula familiar, que
corresponde ao primeiro contato social da pessoa humana em seu convívio em sociedade.
Conforme bem preceitua Eugenio Raul Zaffaroni e José Enrique
Pierangeli
136
: “O controle social se exerce, pois, através da família, da educação, da
medicina, da religião, dos partidos políticos ....”.
Com efeito, é pela família que o homem tem possibilitado a sua inserção
com auto-suficiência mínima na sociedade, é na família que se desdobram as principais
relações e fatos tutelados pelo direito, é na família que se mantém a estabilidade social
primária necessária para a sobrevivência do ser humano e, por tudo isso e outros aspectos
aqui não abordados por questão de coerência e cientificidade que a instituição família e a
especial questão de sua formação acabaram por sobrepor-se, de modo salutar, ao
formalismo retrógrado que imperava no direito e que atrelava toda a tutela à entidade
familiar passando necessariamente pelas minúcias do instituto jurídico do casamento, o que
parece estar mudando na rapidez que suscita sua necessidade de transformação para melhor
assegurar e tutelar a passividade social. Lembremos sempre que o principal da tutela
jurídica recai sobre a família e não sobre o ato formal casamento, aliás o fato deve sempre
ser mais relevante que o ato.
A noção moderna de família não atrela essa definição a concepção de
casamento, pois, engloba a família formalmente constituída, tradicionalmente pelo
casamento e igualmente a entidade familiar formada por qualquer dos pais e seus
313
descendentes, bem como a da convivência harmônica entre homens e mulheres, com o fito
de viverem more uxorio, a saber, a União Estável, em consonância com o Código Civil
vigente, bem como a Carta Magna de 1988.
De fato, essa nova e plausível configuração da família reclama uma tutela
jurídica eficiente e dinâmica, que consiga dimensionar a questão para além da abordagem
estritamente jurídica, reclamando certamente uma atualização e modernização dos próprios
conceitos jurídicos, buscando tratar essas questões com o capricho que merecem e
introduzi-las sempre numa análise multidisciplinar e ampla, sem que seja permeada de
amordaças e restrições formais desprovidas de sentido.
Tratar-se-á, assim, de vislumbrar objetivamente todas as implicações do
tratamento oferecido pela Constituição Federal e pelo Código Civil à União Estável no
Direito Penal Moderno, numa atitude de tentar melhorar a interpretação acerca desse tópico
e, de outro lado, inserir novas propostas de regulamentação aos aplicadores e estudantes do
direito, bem como funcione essa análise para estimular e embasar qualquer pretensão do
legislativo nesse sentido. Saliente desde já que muitas hipóteses, se limitadas acerca de sua
efetiva ocorrência e aplicabilidade no direito penal, suscitam-se desta obra como forma de
proposta legislativa.
Saliente-se desde que a análise proposta nessa obra conduzir-se-á pela
contraposição no ato de aplicação da norma mais benéfica e também mais penalizadora,
como se verá mais especificamente em tópicos abaixo, esclarecendo como o intérprete
deverá portar-se frente a esta novidade jurídica ocorrida com a união estável e, do mesmo
136
Manual do Direito Penal Brasileiro. São Paulo: RT, 1997. p.61
314
modo, desenvolver um estudo crítico acerca do estanque legislativo frente a estas novas
questões ainda não devidamente positivadas.
Não se tem dúvida da carência de posicionamentos que enfrentem
amplamente a questão, seja por parte dos julgados ou mesmo pelo poder legislativo que,
não por impossibilidade conceitual mas sim por atrelarem-se a costumes já ultrapassados e
desconexos com nossa atual realidade social, resistem em regulamentar e atuar com esta
nova realidade de uniões entre homens e mulheres, estabelecendo estas famílias vezes mais
estáveis que às advindas do casamento e, pelo fato de não advirem do casamento,
injustificadamente tem minorizado trato e maior lentidão no processo de efetiva tutela pelo
ordenamento pátrio.
Especialmente atinente a este processo inevitável de consagração de uma
nova realidade social referente à família, é certo que futuramente existirá predomínio da
família de origem fatídica, de origem dita informal, isso em razão de não se pronunciar
através do consagrado ato do casamento, eleito como instituto formal e tradicional de
estabelecimento dessa instituição social elementar.
Com a queda do número de católicos e conseqüentemente dos adeptos da
realização do casamento religioso, este, atrelado e mesmo instigador principal de toda a
formalidade desse ato; somado isto aos altos custos do casamento formal com todas as suas
providências e a também a maior facilidade e imediatividade da união estável, que pode ser
instalada e mesmo encerrada de plano, representando maior preservação da intimidade e
voluntariedade do casal, que praticamente se comprometem um com o outro e não com a
315
coletividade, parece que, por tudo isso, inevitavelmente ocorrerá maior incidência da união
estável invés do casamento, havendo mesmo perspectivas e estudos que assinalam neste
sentido.
Ademais, é a própria norma constitucional que estabelece em seu artigo 226,
parágrafo 3°, a imposição de facilitação da conversão da união estável em casamento e,
assim determinado, trata-se de um processo natural das pessoas atrelarem-se menos entre
elas e gradativamente irem aumentando o rigor do vínculo por elas querido, parece mesmo
até mais interessante que assim aconteça, haja vista que qualquer arrependimento ou desejo
de extinção da relação seja mais facilmente realizado.
Esse aspecto é reforçado ante o grande número de desfazimentos ocorridos
em relação aos casamentos já estabelecidos e, dessa forma, a insegurança é um sentimento
inevitável aos casadoiros.
Considerando então esse crescimento da relação de união estável, para bem
e didaticamente laborarmos esse estudo, é salutar referenciar-se pela própria seqüência
apresentada no Código Penal e, assim, conseguir localizar exatamente os diversos
desdobramentos desse tema, ver como seria a interpretação e necessidade de modificações
que deveriam sofrer os dispositivos do Códex Penal os quais fazendo alusão ao casamento,
não reconhecem ainda a paridade à união estável e, desta forma, deixam uma importante
lacuna na vigilância de uma das mais importantes e ocorrentes relações sociais hodiernas.
Claro que como antes enaltado trata-se de uma divisão da obra em parcela de pesquisa e
propostas doutrinárias e outra de propostas legislativas.
316
Depois, analisar-se-á pontos específicos e, por fim, a nova conjuntura
apresentada pela Lei 11.106, de 28 de março de 2005, que apesar de mais perto no tempo
dessa nova realidade, pouca alusão fez a esse novo instituto jurídico da união estável e,
ainda, remeter-se-á incondicionalmente aos demais capítulos dessa obra para melhor
apreender todo o lavor analítico e crítico aqui apresentado, tudo numa seqüência lógica e
pensada que facilitará o entendimento e a compreensão deste tópico tão importante.
7.2. Aplicabilidade das Normas Penais mais benéficas
Conforme aduz Francisco de Assis Toledo, “A exigência de lei prévia e
estrita impede a aplicação do direito penal, do análogo in malam partem, mas não obsta
obviamente a aplicação de analogia in bonan partem que encontra justificativa no
princípio da equidade”
137
.
Fernando de Almeida Pedroso ao tratar da matéria atinente a analogia, assim
preceitua: “Com ela, o juiz faz-se legislador, para suprir lacunas da lei. É um processo
integrativo, e não interpretativo da lei. Desta forma, presta-se ela à criação oblíqua de
preceito legal, não à elucidação do conteúdo da norma” E continua o ilustre autor: “Nessa
conjuntura, diante de norma penal incriminadora, ressumbra inviável e sem ensanchas a
analogia, porque subverte princípio sobre o qual se estrutura todo o Direito Penal, id est, o
da legalidade.” E conclui: “Assim, e na correta ponderação de Heleno Cláudio Fragoso,
137
Princípios Básicos de Direito Penal. 9º ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p.27.
317
não é possível aplicar analogicamente a lei penal para criar novas figuras de delito ou
para contemplar penas ou medidas de segurança que não estejam taxativamente previstas,
ou para – em suma – agravar a situação do réu (analogia in malam partem)”
138
.
E mais, conforme assevera CARLOS MAXIMILIANO, "estritamente se
interpretam as disposições que restringem a liberdade humana (...) com igual reserva se
aplicam os preceitos tendentes a agravar qualquer penalidade. O contrário se observa
relativamente às normas escritas concernentes às causas que justificam os fatos delituosos
e dirimem ou atenuam a criminalidade (...) em tais circunstâncias até a analogia é
invocável"
A mesma orientação é extraída do abalizado magistério de DAMÁSIO
EVANGELISTA DE JESUS, citando igual opinião de JOSÉ FREDERICO MARQUES, a
dizer que "onde o art. 4º (da LICC) encontra aplicação plena e cabal é em relação aos
casos de licitude excepcional e de isenção de culpabilidade. As omissões do legislador,
nesse terreno, autorizam o juiz a cobrir as falhas da lei com os processos de integração
jurídica".
Com isso, toda vez que se trata da aplicação de uma norma tipificada
inevitavelmente nos deparamos com a necessidade de interpretação, pressuposto no ato de
aplicação da norma. Antes de aplicar qualquer norma penal é necessário precipuamente
estabelecer uma apreensão acerca de seu conteúdo e, empós, aplica-lo de acordo com o
melhor entendido assimilado.
138
PEDROSO, Fernando de Almeida. Direito Penal. São Paulo: Leud, 1993. p.26.
318
Nesse sentido, inafastável ao Direito Penal moderno, especialmente ao
direito pátrio, desde a reforma penalista de 1984, que sempre se utilize, o aplicador da
norma penal, da regra da tipicidade estrita, ou da legalidade, estampada já no artigo 1º do
Código Penal, que assim dispõe: “Não a crime sem lei anterior que o defina. Não há pena
sem prévia cominação legal”.
Esse dispositivo consagra a regra da culpabilidade demonstrada, como
lembrou brilhantemente o professor Claus Roxin, em 30 de junho de 1992, em magistério
na Universidade de Munique: “Clear admission of the general príncipe, ‘Nullum crimen
sine culpa’ with the formal rejection of the so called ‘objective criminal liability’ and thus
nobody can be punished only by the result or harm produced unless it was done by dolus
(intention, malice) or by negligence (by lack of care) as the subjective element of crime
(culpability), citado pelo professor Roque de Brito Alves, em sua obra Ciência Criminal”.
Afirma, assim, o professor que a norma da tipicidade atrela-se igualmente a
regra da culpa, ou seja, extingue-se a noção de culpa objetiva e estabelece-se a necessidade
de demonstração da culpa, que tem como seu pressuposto inicial de responsabilização estar
a conduta analisada devidamente consignada em norma penal.
Portanto, por uma questão de segurança jurídica de toda a sociedade
moderna e mesmo relativa à previsibilidade de como poder-se-á agir livremente, atrelado
esse pressuposto aos limites democráticos tipicamente existentes na maioria da comunidade
global, todas as condutas que forem vedadas ao convivente do seio social, ao menos em
319
nosso país, remanesceram necessária e previamente estipuladas, por escrito, em legislação
legítima, consagrada por autoridade legislativa competente e de vigência ativa à época da
realização do comportamento em apreço. Somente previamente disposta a conduta tida
como delito e a pena correlata aplicada para o caso de sua ocorrência que o agente sofrerá
as conseqüências penais de seu ato, estando seguro de que se agir conforme previsto será
punido e se não realizar a conduta disposta na norma restará impune.
Entretanto, por mais que se pretenda preestabelecer o Direito Penal
hodierno, é sabido da impossibilidade de o legislador antever todas as hipóteses em que
deverá haver uma norma dispondo sobre os limites da correlata conduta.
Considerando mesmo a dinamicidade essencial à vivência social que acaba
por estabelecer diuturnamente novos comportamentos e situações merecedoras de nova
previsão, vezes, o aplicador da lei, outra peça chave no processo de incidência da norma
sobre os conviventes sociais, não conta com a disposição prévia e suficiente da norma
penal, sendo mister utilizar-se do processo interpretativo em sua acepção mais alargada
para estabelecer a melhor solução de aplicabilidade da norma para a conduta que se lhe
apresenta para decisão.
Não teria sentido que o legislador, empós prever taxativamente todas as
condutas tidas como delitos, simplesmente dispusesse ao intérprete e aplicador da norma a
prerrogativa de livremente estender ou reter os preceitos da norma, sob pena de perder toda
a previsibilidade, segurança e objetividade a que é obrigada a regra penal, pois, se não
previamente determinado em termos de execução, o processo interpretativo embrenha-se
320
num mar de subjetividade e amplitude impossível de se antever e, assim, estabelecida estará
a insegurança jurídica.
Portanto, mesmo a interpretação, socorrente das limitações de
previsibilidade da norma, também está disposta antecipadamente acerca de seus limites de
aplicabilidade e como, quando e onde ocorrerá.
O legislador penal, dessa forma, dispôs no parágrafo único, do artigo 2º do
Código Penal, que a interpretação sobre a norma penal incriminadora se dará sempre
favorecendo a aplicabilidade da norma mais benéfica e eis que esse é um dos pontos
fundamentais para o entendimento de vários argumentos apresentados nesta obra, acatando-
se a incidência conciliada de normas que enseje a situação mais favorável ao réu.
Realmente, o ordenamento, partindo de seu ápice, estabelece no artigo 5º,
inciso XL da Constituição Federal, a retroatividade da norma mais benéfica, no sentido de
que caso surja a tipificação de uma conduta mais favorável àquele realizador de uma
conduta já antes típica, merecerá aplicação a norma mais benevolente, isto, a norma de per
si. Todavia, a grande questão controversa remanesce na conciliação de normas (a precípua
menos benéfica e a posterior mais favorável) ao caso concreto, de forma a beneficiar
efetivamente ao acusado.
Conforme nos pontifica o Ilustre Nelson Hungria, não há relevância se
alguém haja cometido um fato anti-social, despertador da reprovação pública, quando esse
fato escapou à previsão do legislador penal, vez que se a lei não antecipou à sua ocorrência,
321
não inserindo esse fato no rol das figuras delituosas dispostas na lei, então o agente não
deve contas à justiça repressiva.
Quanto a questão da combinação de lei antepõem-se duas correntes: Aquela
que rejeita essa possibilidade, temendo que o entendimento advindo da combinação
corresponderia a verdadeira legalização da conduta, dando ao juiz a tarefa de criar uma lei
nova, que seria absolutamente vedado e; antepondo-se a esse posicionamento, existe
aqueles que admitem a combinação, que funcionaria como efetiva atenuação da regra rígida
da legalidade penal. Os adeptos dessa corrente, a qual aclamamos, acreditam que esse
processo de conciliação de duas normas para se alcançar a melhor situação ao réu não
corresponde à criação de uma nova lei pelo poder judiciário, típico aplicador da lei, mas
sim uma movimentação dentro do próprio ordenamento, realizando uma integração
legítima.
De fato, por mando constitucional acima aludido, o aplicador da lei está
obrigado à incidência necessária da lex mitior, seja aquela que possibilite uma ampliação da
licitude penal, ou que tolhe o campo do jus puniendi e jus punitionis Estatais, ou aquela que
estende o jus libertatis, pois, ao magistrado é imposto como paradigma de interpretação
enfrentar o caso concreto e diante dos vários resultados suscitados do processo
interpretativo optar aquele mais favorável ao réu, conforme preceitua o artigo 5º, inciso XL
da Carta Magna.
Nesse sentido, especificamente atinente à união estável, temos que sua
previsibilidade e condão de entidade familiar similar àquela criada pelo casamento é
322
derivação de comando constitucional e, desse modo, teríamos extraordinário processo de
conciliação, talvez, nem sendo adequadamente este a forma de aplicabilidade, já que
disporíamos de conluio de normas de hierarquia superior. Realmente, seria possível
assimilarmos a conciliação da norma constitucional que estabelece o reconhecimento da
união estável em todos os seus efeitos e das normas penais que prevêem situações relativas
aos cônjuges e, diante do comando constitucional de proteção da família, seja ela
constituída pela união estável, ou por intermédio do casamento, aplicaríamos
eqüitativamente a norma penal seja para os casos de casados ou unidos estavelmente.
É superior a força do comando constitucional e, assim, não se trata mesmo
de conciliar, pois, em termos de aplicabilidade legislativa apenas se combina normas de
hierarquia idênticas, vez que se tratando de normas mais imponentes na estrutura da
pirâmide legislativa, lembrada exaustivamente na obra do filósofo alemão Hans Kelsen
139
,
apenas temos o acatamento pelo segmento inferior ao comando que lhe está acima.
Assim, onde a lei constitucional determina mesma aplicabilidade de efeitos,
não pode a norma infraconstitucional desprezar essa ordem e estipular tratamento
diferenciado, sob pena de estabelecer a incoerência e insegurança do ordenamento jurídico
como um todo e não resguardar direito inconteste dos participantes da vida social.
Exatamente este o entendimento sugestionado nesta obra, no sentido de
buscar validar o patamar constitucional da união estável para todos os ramos da ciência
139
Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p.246.
323
jurídica, especialmente no ordenamento jurídico pátrio, no ramo do Direito Penal, não
ocasionando que aquele que em mesma situação fatídica tenha trato diferenciado.
7.3. Aplicabilidade da Norma Incriminadora
Referente a aplicabilidade da norma penal incriminadora, tem ela estrito
atrelamento à regra da tipicidade, não podendo acontecer a incidência da norma
penalizadora sem que ela esteja previamente firmada, positivada no ordenamento. Se
somente acontece a existência do delito que anteriormente foi normatizado, o mesmo se
diga a possibilidade e tipo da pena correlata, a qual similarmente deve estar disposta de
modo precípuo à realização do delito ensejador da sanção, enfatizado no artigo 5º, inciso
XXIX da Carta Magna.
Para o Direito Penal é imposto incondicionalmente a anterioridade do crime
e da pena, que devem estar transcritos em lei. Não obstante essa condição sine qua non de
aplicabilidade da lei penal, é certo que o legislador não consegue antever precisamente
todas as condutas possíveis a serem legalizadas e acaba havendo graves lacunas no
ordenamento no que tange a tipificação eficiente das condutas de relevo social, de forma a
não deferir lapsos de segurança à pacificação social necessária.
Neste contexto, introduz-se a problemática da União Estável que, pela
novidade de seu regramento e ainda pela resistência de aceitação social de sua permanência
social, sobremaneira pela existência longínqua e quase sagrada do casamento tradicional,
324
não desfruta da tipificação exaustiva acerca de seus efeitos e, apesar de um acontecimento
social hoje indubitável na sociedade moderna, prosperando num crescente de casos, vivem
seus participantes numa seara de discriminações e minorizada tutela jurídica, em total
dissonância ao entendimento constitucional.
Sendo assim, esta obra aventura-se na propositura de uma série de soluções
legislativas concretas que visam a tipificação mais precisa e homogênea de situações que,
apesar de trazerem nomem iuris diferentes, correspondem a fatos similares, despertadores
do mesmo interesse de tutela social e, portanto, sendo o Casamento e a União Estável
elencados na Carta Política pátria, e, agora, no Código Civil vigente, como sustentáculos da
família lato sensu, é coerente que recebam mesmo trato, sob risco de penalizar
diferentemente, vezes mais severamente, aqueles que atuaram de forma igual, ainda que
seja no descumprimento da lei.
Então, não que se despreze a regra da legalidade estrita, tão-somente faz-se
necessário o maior empenho legislativo no sentido de possibilitar a mantença e a coerência
do ordenamento que, se dinâmico é, o mesmo deve acontecer acerca da feitura das leis
pelos órgãos competentes, especialmente o Congresso Nacional.
Claro que alguns arrogam este trabalho de atualização ao judiciário,
outrossim, a extensão dos limites prévios de atuação da magistratura são antecipadamente
previstos, ou seja, ampliam os julgadores a lei até onde já previsto e, desse jeito, a
legalidade impõe-se como de aplicação estrita, pois, se nulla pena sine judicio é a regra,
corresponde a dizer que quando já disposta a pena não tem ela auto-aplicabilidade direta em
325
relação às pessoas acerca de seus efeitos, devendo antes passar pelo crivo do juiz e,
especialmente nesse ponto, temos que o juiz não estaria autorizado a ampliar e aplicar
analogicamente a norma quando a lei penal assim não proferir.
Não olvidamos que sempre há de se atentar para o rigor formal da descrição
típica da norma penal, especialmente aquela incriminadora, com o que onde estiver
explicitado uma terminologia não pode ela, ao alvedrio do jurista, ganhar significação
ampla que extrapole seu sentido gramatical. Todavia, ao operador do direito é designada a
tarefa de ser um "futurólogo", de antever as situações que levantam a necessidade de tutela,
seja na aplicação analógica da norma ao caso concreto, ou mesmo na influência sobre o
trabalho do legislativo.
Como lembra LARENZ, "é forçoso abandonar a opinião de que o Juiz é
apenas o 'servidor' do legislador – uma imagem que HECK utilizou de bom grado – que em
'obediência pensante' executa os comandos de seu senhor, ainda que de 'maneira
inteligente'. O juiz, de modo semelhante ao legislador, é de acordo com a sua própria idéia
descobridor e ao mesmo tempo conformador do Direito, que ele traz sempre de novo para
a realidade num processo interminável a partir da lei, com a lei e, caso necessário,
também para além da lei (...) O Juiz que interpreta ou integra uma lei almejará sempre
julgar não só 'segundo a lei' mas, para além disso, também com Justiça".
Na seara em apreço da união estável, repetitivamente lembramos que o
legislador constitucional logrou dispor mesmo trato de conseqüências para a família
326
advinda do casamento e a entidade familiar originada da união estável que, em efeitos, são
a mesma coisa e, dessa forma, suscitam a mesma tutela, ao menos em termos criminais.
Claro que existem diferenças, sobremaneira referentes ao reconhecimento
que, ao casamento, é possibilitado de plano pela sua essencial documentação e publicidade,
porém, se o Direito Penal moderno guarda a essencialidade positivada e estrita de seus
primórdios como ramo do Direito, um dos mais relevantes para a tutela da convivência
harmônica social é a adaptação e evolução do direito concomitantemente ao da sociedade,
numa irrefutável necessidade de atentar aos aspectos dinâmicos e às mudanças da sociedade
diuturnamente acontecidas.
Além disso, novamente retome-se a defesa da coerência que sempre deve
haver num ordenamento jurídico, com o que o reconhecimento das conseqüências jurídicas
de um determinado fato num certo ramo desse ordenamento, sobretudo se se tratar de um
ramo hierarquicamente superior como o constitucional, há de acontecer tratamento similar
nos demais segmentos jurídicos desse mesmo ordenamento, fazendo com que evolua
encampando a dinâmica natural dos fatos humanos e mantendo sua coerência.
Destarte, só mesmo pela efetividade do trabalho legislativo e sua atenção às
necessidades de tutela suscitadas dos novos fatos sociais é que teremos a segurança da
previsibilidade legal e ampla necessária para convivência social harmônica.
327
7.4. Da análise dos artigos do Código Penal e sua relação com o instituto
da União Estável
Tal análise foi empreendida acompanhando a seqüência de delitos previstos
no Código Penal pátrio os quais suscitam considerável interesse à situações fatídicas
envolvendo a União Estável e suas conseqüências para as partes envolvidas, seja aquelas já
devidamente reconhecidas e previstas no ordenamento., de modo a estabelecer a necessária
segurança jurídica da vida social.
Como bem adverte E. Magalhães Noronha
140
: “É quase supérfluo insistir sobre a
necessidade de proteção da família, pois justificar esta é o mesmo que justificar a tutela da
sociedade, já que é de todos sabido, constituindo lugar comum, que a família é a base
desta”. E continua o ilustre autor: “O direito penal, na concepção moderna, somente deve
intervir nos acontecimentos quando os bens jurídicos não forem adequadamente protegidos
por outros ramos do Direito, daí ser reputado como última ratio”.
Marco Aurélio de Oliveira, citado por E. Magalhães Noronha
141
, com muita
propriedade assim diz: “...as normas penais não podem prescindir,...., de um elemento
essencial à sua natureza: a objetividade jurídica, isto é, a finalidade de proteção dos bens
fundamentais para a sociedade. Ou seja, as normas destituídas de objetividade
fundamental podem apresentar uma roupagem ou aparência penal; todavia, jamais podem
140
Direito Penal. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995. vol. 03. p.292
141
Direito Penal. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995. vol. 03. p.132.
328
ser consideradas substancialmente penais, por carecerem do essencial elemento da
objetividade jurídica fundamental".
Daí a acertada conclusão de que tratam-na como bem jurídico com perfil
nitidamente social e impreterível ao desenvolvimento humano, de modo que a justifica-se o
enaltecimento da valoração familiar, vez que os componentes essenciais de sua formação e
dinâmica necessitam de proteção jurídico-penal por parte do Estado, e, de acordo com
Jaccques Penteado, isso ocorre porque “(...) os bens e interesses tratados pelos direitos dos
povos e agasalhados nas suas constituições recebem tratamento criminal com o intento de,
empregada a sanção punitiva, estimular-se o comportamento humano compatível com o
respeito daqueles valores”.
7.5. Da Aplicabilidade das Circunstâncias Agravantes na União
Estável
Empeçaremos pelo artigo 61, inciso II, alínea “e”, do Código Penal, que
trata das circunstâncias agravantes. Com efeito, as circunstâncias agravantes, i. e., aquelas
que sempre asseveram a pena, quando não constituem elementares do delito ou qualificam
o crime.
Cumpre lembrar que sempre são elas de aplicação restrita, ou seja, não se
admite ampliação por analogia in malam partem dessas agravantes, pois, já tipificar por
instrumento diverso da lei, numa hipótese não estritamente prevista, corresponderia
329
efetivamente a uma nova modalidade do delito, o que não é autorizado pela regra da
Tipicidade Estrita que norteia impreterivelmente todo o Direito Penal.
Aliás, acerca dessa noção de legalidade ou reserva legal que se
consubstancia como uma efetiva limitação ao poder punitivo do Estado, jamais ilimitado e
que faz que a confecção de qualquer norma incriminadora seja necessariamente feita pela
lei é o que estará implícito e latente em todos os pontos de análise desse capítulo.
Apenas para fins de localização, a consolidação dessa regra estampa-se no
primeiro dispositivo do códex penal pátrio e faz-se repetir como garantia fundamental de
todos os imputáveis no art.5°, inciso XXXIX, da Carta Magna brasileira.
Assim, feita essa necessária retomada conceitual, especificamente tratando
do “caput” do artigo 61, o Código Penal emprega o advérbio sempre, em face do que as
agravantes são em regra de aplicação obrigatória, ou seja, incidentes todas as vezes que a
situação fatídica concreta encontre respaldo na descrição da norma penal.
O juiz, portanto, não pode deixar de aumentar a pena quando assim ocorra,
ficando apenas o quantum da agravação a seu livre arbítrio, ainda assim sempre calcado nas
circunstâncias do caso concreto e nos dados inerentes à pessoa do agente, aplicando o
asseveramento consoante o grau de delinqüência e frieza do agente em sua empreitada
criminal, ligado ao iter delictus.
330
Somente um caso, à guisa de ilustração, em que as circunstâncias
agravantes previstas no artigo 61, do Código Penal não têm incidência: quando a pena-base
foi fixada no seu máximo, ocasião em que não haverá mais o que piorar na situação de
apenamento do condenado, pois a análise realizada tangente à pena inicial apontou tal grau
de violência na empreitada delitiva que diretamente apresentou-se no teto punitivo,
excluindo o autor da possibilidade de menor penalização senão a máxima. Agravar além
disso seria agir contra a regra da tipicidade que também se infere no quantum da
penalidade.
Ater-nos-emos, contudo, na sua alínea “e”, que dispõe sobre circunstância
estritamente ligada ao estudo central dessa obra, qual seja, situações em que a pena merece
ser asseverada ante sua agressão especial à instituição família, também originada da união
estável:
Artigo 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não
constituem ou qualificam o crime:
(...)
II - ter o agente cometido o crime:
(...)
e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;
(...).
De fato, em que pese à circunstância de a Constituição Federal e às
legislações mais atuais haverem elevado a união estável, a entidade familiar, ao status de
331
família, ainda assim não incide a agravante em caso de união estável. Nesse sentido
explicita-se o seguinte julgamento: JTACrimSP, 41:317 e 32:416.
Como se havia dito, as circunstâncias agravantes são, porque prejudiciais ao
réu, de aplicação restrita, de necessária legalização prévia. Se a lei diz cônjuge, não se pode
agravar a pena se o agente cometeu o crime contra a sua companheira, vez que não havia na
lei penal tal terminologia e conceituação, no caso, certamente muito mais hodierna a época
de tipificação dessa hipótese.
Essa postura da legislação penal está ligada ao princípio da tipificação
restrita própria de suas normas, como antes aludido, no sentido de valorizar ao máximo o
paradigma da legalidade, que apregoa a inexistência de delito imputado à pessoa quando
não houver alguma norma penal que assim estipule numerus clausus, inclusive atinente ao
sentido gramatical e teleológico das palavras, não se permitindo qualquer incriminação que
não encontre esse tipo de alicerce de previsão normativa prévia.
Todavia, não podemos simplesmente apresentar esse ponto sem as
controvérsias que lhes são próprias, a saber, como ficaria a hipótese concreta em que o
companheiro (a) viesse a praticar delito contra sua companheira (o), aproveitando-se dessa
situação de proximidade pelo vínculo de convivência, o que justamente a lei penal pretende
repudiar ante a presumida maior frieza e facilidade que o agente teve para levar a cabo sua
empreitada delitiva?
332
Certamente, como antes enaltecido, em toda ocasião de estudo de uma
norma penal temos de vislumbrar qual a sua principiologia, qual a tutela que se pretende
oferecer para a sociedade, observar a colocação horizontal da norma no Código e ter a
cautela de suspender os pés e observar o que se encontra por trás da norma,
proporcionando-lhe substância jurídica que não se atém à mera tipificação.
Na norma em apreço parece que a intenção do legislador foi apenar mais
severamente todos os delitos praticados contra entes familiares, considerando que
geralmente nessas ocasiões, como antes dito, haveria um aproveitamento do executor
quanto a menor defesa da vítima, que não esperava (considerando-se o preparo intelecto-
social do homem e a condição também sentimental do homem) ser agredida por um de seus
conviventes; aliás, é assim que se manifesta o legislador na hipótese da alínea “f”, do
mesmo inciso II, do artigo 61 do Código Penal.
Claro que há também o repúdio e a reprovação pela maior imoralidade
desses crimes empreendidos contra parentes, considerando uma provável maior frieza do
agressor em ferir aqueles que deveria amar e proteger, agindo mesmo contra a expectativa
moral do homem em seu convívio social, ainda que cada dia menos esperançoso quanto sua
segurança e atinente a lealdade das pessoas que os circundam.
Portanto, percebendo-se todos esses aspectos de fundamentação do
dispositivo legal em apreço, não se pode simplesmente desatentar para a segurança jurídica
e também para a necessidade de tutela penal suscitada na hipótese, até porque há um
crescimento substancial dessa nova forma de constituição da família, provavelmente
333
tornando-se predominante daqui a algum tempo e, assim, seria mesmo contra-senso deixar
impune a ação dos companheiros que cometessem crime contra seus parceiros afetivo-
sexuais, na constância da união estável, tão-somente pela formalização minorizada do
início da relação.
Lembremos que não se despreza aqui a noção de estrita legalidade própria
do Direito Penal, todavia o fundamento da tutela nesse caso específico para a situação de
casamento e união estável é a mesma e ao menos assim deveria ser consolidada pela lei.
Se a sociedade caminha para a descriminalização de algumas condutas de
menor relevo e que não constituem pontos de seguridade essencial da vivência coletiva e
individual do homem, igualmente deve atentar para situações que, por aspectos de pouca
relevância, como essa de um casamento fático apenas não documentado, deixar, por isso,
desguarnecidas as pessoas, em prejuízo da pacificação social. Condutas que, se não
reprimidas, podem abrir brechas não cicatrizáveis na pretensão da tão aclamada pacificação
social.
Hodiernamente, caso o agente viesse então a realizar o delito contra sua
companheira ou companheiro, deveríamos imaginar a incidência da hipótese da alínea “f”,
do inciso II, do artigo 61 do Código Penal, qual seja, praticar o delito contra vítima que
estava comprovadamente (ou pressupostamente) com a condição de defesa diminuída,
valendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade típica
desses relacionamentos, idênticos fatidicamente às vividas no casamento.
334
Aliás, parece acertada, nesse sentido, a posição do professor Damásio
Evangelista de Jesus quando defende a incidência dessa agravante para além dos delitos
dolosos e preterdolosos, alcançando mesmo os crimes culposos, já que provavelmente a
pessoa familiarizada ao indigitado agente acaba por policiar-se menos ao dever de cuidado
e risco de fatos de conseqüências fatais que nos circundam dia-a-dia, como por exemplo
permitir que o companheiro (a), in casu, realize condutas as quais não possui adequada
perícia, ou que avance com negligência ou imprudência em certas atitudes, ou igualmente
se colocando em situação de menor defesa pela confiança geral depositada no companheiro
ou companheira, acompanhando aquele que não atenta ao dever de cuidado que a lei
impõe-lhe.
Enfim, parece que a legalidade consagrada inafastavelmente para o Direito
Penal, quando não conta com o trabalho de atualização legislativa, prejudica a melhor
situação de tutela que poderia acontecer na aplicabilidade dessa agravante, parecendo que
seria urgente a necessidade de reforma desse ponto a ser feita pelo Anteprojeto do Novo
Código Penal.
7.6. Da aplicabilidade do Perdão Judicial para o agente unido
estavelmente e de parentesco com a vítima.
Partiremos, dessa vez, ao artigo 121, parágrafo 5º, do Código Penal, que
trata do perdão judicial em caso de homicídio culposo.
335
De fato, perdão judicial disposto no artigo 120 do Código Penal, é o instituto
pelo qual o juiz, não obstante comprovada a prática da infração penal pelo sujeito culpado,
deixa de aplicar a pena em face de justificadas circunstâncias, em hipótese semelhante a
anterior, em que se derroga o afastamento do direito de punir do Estado e se estabelece o
direito do condenado em não ser penalizado.
Assim, na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a
pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a
sanção penal se torne desnecessária. Esse acometimento danoso do agente pode tanto ser de
ordem física ou psíquica.
A jurisprudência é unânime no reconhecimento da medida, em caso de
homicídio, se a companheira é a vítima e a união encontra-se estabilizada há certo tempo
(TACrimSP, ACrim 528.855; ACrim 528.855, RJDTACrimSP, 2:122; ACrim 495.093,
RJDTACrimSP, 3:152; RT 640/321, 641/344 e 644/294).
Ao comentar esse posicionamento parece que aqui o Judiciário porta-se com
a lisura e a coerência que dele se espera na prestação jurisdicional, no sentido de sempre
encarar as situações processuais calcando-se, precipuamente, na realidade fatídica da
hipótese. Eis que assim decidem e entendem esses julgados, tratando com similitude a
união estável e o casamento e devendo mesmo ser erigidos a referenciais necessários as
outras hipóteses também aqui tratadas neste capítulo.
336
Realmente, quando o legislador entendeu por bem conceder o perdão para os
familiares que, apesar de responsáveis pelo infortúnio de seus entes queridos, o fizeram
sem nenhuma intenção, pelo contrário, acometeu-lhes veementemente grande tristeza pelo
fato ocorrido, temos que entendeu deferir hipótese estrita de extinção de punibilidade para
os casos previstos na lei, em proveito daqueles em que se reconhece a própria maioridade
da dor moral em relação àquela que poderia ser suscitada pela penalização hodierna
aplicada pelo Estado.
Nesses casos a jurisprudência entende que será desprovida a pena de sua
razão reflexiva, ou seja, ensejando no autor do delito o remorso pela conduta praticada.
Aqui, na lesão de morte contra um próprio familiar ou ente querido, somente esta situação
já é suficiente para o arrependimento e maior cautela do beneficiado em outra ocasião
similar a do infortuno.
Esta orientação pode ser averiguada no julgamento da Apelação n°53.295-6,
pela 4ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, cujo relator foi o juiz Moacir
Guimarães, cuja ementa tem o seguinte teor: “PERDÃO JUDICIAL - Homicídio culposo -
Concessão do benefício - Conseqüências da infração que atingiram o réu sob aspecto
moral - Morte do pai da companheira do acusado, cuja união estável restou comprovada
nos autos”. (RT700/383)
Ou seja, analisando a situação concretamente, o juiz, independente da
vontade da vítima, afasta a punição como forma de evitar que ela assevere ainda mais o
sofrimento do agressor, mesmo que ele resista em aceitar essa benesse, vez que é seu
337
direito inafastável e dever do magistrado concedê-lo quando verificadas as situações do
homicídio, dispostos no artigo 121, §5° do Código Penal.
De outro lado, o propósito maior da penalização é gerar a reflexão e o
entendimento da conduta maléfica que se empreendeu e, assim, não mais cometê-la, tanto
que o afastamento da sociedade pela prisão, em essência, teria esse intuito. Ora, na situação
em estudo, do perdão judicial na hipótese de homicídio culposo, como já antes antecipado,
parece que não há essa intenção declarada, pois não há do que se arrepender, do que se
refletir, pois, na ausência de qualquer dolo ou culpa considerável, remanesce ao familiar
tão-somente a dor e a lamentação por toda uma vida.
Quando pensamos em qualquer relação familiar que tenha o condão de
afastar a punibilidade pela piedade em relação à dor da perda do ente querido e a
inexistência dos propósitos elementares da penalização, temos que não existe relevância na
formalização da relação entre o homem e mulher, apenas se vislumbrando a possibilidade,
em tese, de afetividade suficiente de fazer com que a dor da perda do ente querido seja
suficiente. Esse é realmente um aspecto subjetivo que, mormente, deve se pressupor sob
pena de asseverar inutilmente a situação do causador do homicídio.
12.8. Da aplicabilidade da Escusa Absolutória na União Estável
Não podemos olvidar de tratar, lembrando o estudo acerca do artigo 61,
inciso II, alínea “e”, do Código Penal, da situação em que as circunstâncias agravantes
acima tratadas funcionam efetivamente como escusas absolutórias, especialmente
338
destacando aqui a hipótese em que a coabitação do agente com a vítima, em relações de
parentesco ou casamento, faz com que a hipótese do artigo 61, inciso II, alínea “e”, seja
erigida como condição de causa de exclusão da pena nos delitos contra o patrimônio,
conforme preceitua o artigo 181, inciso I e II do Código Penal.
Assim reza o artigo 181, inciso I do Código Penal:
Artigo 181. É isento de pena quem comete qualquer crime
previstos neste título, em prejuízo:
I – do cônjuge, na constância da sociedade conjugal. (Grifo Nosso)
Lembra-nos com a inteligência de sempre o professor Fernando de Almeida
Pedroso, em sua mais importante obra que, "frente aos preceitos penais não
incriminadores, favoráveis ao réu, a analogia, porque não criadora de delitos, colhe azo e
viabilidade”. E ainda: “Desponta, assim, a denominada analogia in bonam partem, única
espécie admitida e reconhecida pelo Direito Penal”.
Nesse caso, parece indubitável a aplicação desse benefício para o agente que
vive em união estável, pois a benesse da lei encampa a suposição de que haveria o risco de
estarmos diante de uma propriedade conjunta acerca do bem surrupiado, então pertencente
à vítima e ao agente.
Esta mesma orientação é trilhada por Damásio E. de Jesus, que assim aduz:
“por razões de política criminal, tendo em vista o menor alarme social do fato cometido
339
dentro da família, em determinados casos, quando o delito patrimonial é cometido entre
parentes ou entre cônjuges, permite a isenção de pena.”
Desta sorte, este artigo trata da escusa absolutória, que tem a mesma
natureza das causas extintiva da punibilidade previstas no artigo 107 do Código Penal, para
os crimes contra o patrimônio, cometidos pelo cônjuge, na constância da sociedade
conjugal.
Novamente a temos a orientação do professor Fernando de Almeida
Pedroso, proferida na mesma obra: “imaginemos, verbi gratia, que Ordeleide e
Thundermiro tenham vida comborçária, convivendo, em decorrência da união estável,
more uxorio, socialmente apresentando-se como marido e mulher. Sucede-se porém, que
Ordeleide se assenhora, determinado dia, de objeto de uso exclusivamente pessoal de
thundermiro, desfazendo-se do bem através de alienação. Aplica-se a Ordleide, embora
casada não seja, porém concubina que é, por analogia in bonam partem, a causa de
imunidade contemplada no artigo 181, nº I, do Código Penal”
142
.
Ademais, parece igualmente certo que a vontade da vítima, ainda que
efetivamente subtraída em seu patrimônio, não seria de penalizar criminalmente o agente
que lhe é tão próximo, que com ela comunga não apenas vários objetos, mas sim uma vida
familiar em comum.
142
Direito Penal. São Paulo: Leud, 1993. p.29.
340
A configuração relativa ao destinatário do prejuízo amoldar-se-ia à figura do
cônjuge, equivalente pela nova Constituição, bem como pelo Código Civil vigente, ao
companheiro (a).
É certo que a maioria da doutrina posiciona-se no sentido de uma
enumeração taxativa por parte do artigo 181 e seus incisos do Código Penal, não abarcando
a hipótese aos unidos em união estável, já que exigida prévia e inconteste prova documental
e idônea acerca dessa condição e, portanto, segundo essa posição aclamada na decisão
143
lembrada novamente pelo professor Damásio
144
.
Todavia, parece salutar deferir-se a interpretação extensiva nessa hipótese
quando demonstrada a situação de companheirismo, haja vista a impossibilidade de
estipular tratamento desigual a pessoas em igual situação.
Hodiernamente se possibilita formalizar o quanto possível a relação de união
estável, como por contrato de convivência ou outras formas de reconhecimento aceitos
inclusive judicialmente e, dessa forma, parece interessante que essas mesmas deferências
alcançassem condão suficiente para concessão dessa benesse legal.
Não nos resta dúvida atinente a compreensão de que o Códex penal não
preveja a situação de benesse àqueles que não efetivamente casados, considerando
sobremaneira para essa assimilação o momento histórico de realização do código, quando
não se imaginava a possibilidade de que a própria Carta Magna e, posteriormente o Codex
143
RT 506:431
144
Código Penal Anotado. São Paulo: SARAIVA, 1997. p.626
341
Civil atribuísse o condão que ofereceu às relações de união estável não iniciadas
formalmente pelo casamento.
Neste sentido, o Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo
posicionou-se acerca desta matéria, com a seguinte ementa; “FURTO DE COISA COMUM
- Pessoas que vivem em regime de união estável - Necessidade de prova irrefutável de vida
em comum - Inteligência do art. 226, §3°, CF”. (RT 731/593).
Interessante salientar que mesmo antes da Carta Magna de 1988, o Ilustre
Ex-ministro Luiz Vicente Cernicchiaro quando trata da escusa absolutória, assim aduziu:
“O Cônjuge foi incluído no rol dos beneficiários, por razões óbvias. Os mesmos podem ser
aduzidos a conferir ao vocábulo um sentido amplo, de forma a abranger também as
pessoas não civilmente casadas. Juridicamente, são válidas as ponderações expendidas em
torno do artigo 181, I, ensejando, por isso, a mesma conclusão”
145
.
Não discrepa dessa orientação Guilherme Calmon Nogueira da Gama
146
, que
assim aduz: “Assim, na busca da implementação do comando constitucional, sob o aspecto
de proteção do Estado à família, a analogia se encaixa precisamente na hipótese em tela,
admitindo a aplicação do artigo 181, inciso I, do Código Penal, ao companheiro...”.
145
Luiz Vicente Cernicchiaro. O Conceito de Cônjuge no Código Penal Brasileiro. Tese de Doutorado –
Universidade de Brasília, 1969. P. 212.
146
Guilherme Calmon Nogueira da Gama. A Família no Direito Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 224.
342
Com efeito, inexiste, igualmente, justificativa para que a jurisprudência
mantenha-se estática, aderindo a uma posição retrógrada que não atende aos ditames de
interpretação in bonan partem em proveito do agente criminoso e, demonstrando-se sua
inserção numa relação de união estável entre os conviventes, em termos criminais, deve ser
tratado como se casado fosse, seja quando se pretender mais severamente penalizá-lo e,
claro, nessa hipótese haveríamos de confeccionar as correlatas leis, ou na situação de
beneficiá-lo por essa condição, como nesse exemplo de extinção da punibilidade.
Outrossim, notamos um contra-senso na regulamentação do próprio artigo
181 e o confronto de suas disposições, haja vista que na hipótese de parentescos ilegítimos
em relação aos ascendentes e descendentes não há exclusão da possibilidade de aplicação
da benesse e, sendo assim, idêntica postura é mister adotar para a situação do chamado
casamento informal, ou seja, a união estável, mantendo-se a coerência em relação à
extensão máxima desse benefício, que não se restringe apenas ao cônjuge.
Este, aliás, é o entendimento que deve prevalecer com o advento do Novo
Código Civil, que de forma explícita reconheceu a união estável como entidade familiar,
nos artigos 1723 a 1727, bem como inseriu esta modalidade familiar no âmbito das relações
de parentesco, nos artigos 1591 a 1595, da mesma forma que a modalidade familiar advinda
do casamento.
O único formalismo e rigor a se manter no caso é acerca da demonstração
inconteste da relação, conforme é exigido para seu próprio reconhecimento na esfera civil,
bem como aplicar mesma regra em relação aos desdobramentos problemáticos do delito, a
343
saber: restrição legal do benefício apenas aos delitos contra o patrimônio; não ocorrência da
extinção da punibilidade em relação aos crimes conexos ao principal; não exclusão da
reparação de dano; validade da hipótese de erro de proibição atinente à propriedade do
objeto.
Interessante paralelo é possível traçar em relação à situação em que,
imaginando exatamente a hipótese prevista no delito do artigo 181, do Código Penal, na
circunstância em que já houver demonstrado separação de corpos, também denominada
separação de fato, ou a separação judicial, incide subsidiariamente a hipótese principal
disposta no artigo 182, inciso I, do Código Penal, ou seja, somente há trâmite da correlata
ação penal contra o agente do delito patrimonial caso aconteça a representação por parte da
vítima nesse sentido.
Nesse caso, na ótica da dissolução da sociedade de fato ligada à seara da
União Estável parece salutar a mesma prerrogativa a ser dada ao companheiro (a) dessa ex-
relação de convivência, considerando a possibilidade de mensuração de vínculos de
respeito mútuo ainda existente entre eles, suficiente para inibir a pretensão de
responsabilização criminal do outro.
As situação, supramencionadas, de incidência das agravantes ou escusas
absolutórias, no que diz respeito aos companheiros, após o advento do Novo Código Civil,
parece bem razoável, até porque o elemento coabitação, que significa morar junto, é
comum a ambas às situações, ou seja, tanto imprescindível para a configuração da relação
344
estável, bem como o é para tais hipóteses criminais e assim, devem ensejar efeitos em
ambas as esferas.
Neste passo, oportuno trazer à lume o artigo 348, em seu parágrafo 2º, que
assim reza:
Artigo 348. Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de
crime a que é cominada pena de reclusão:
(...)
§ 2º. Se quem presta o auxílio é ascendente, descendente, cônjuge ou irmão
do criminoso, fica isento de pena. (Grifo Nosso)
Conquanto o hajamos encontrado, na jurisprudência, entendimento de que
o(a) companheiro(a) fique isento(a) de pena se prestar auxílio ao autor de crime, nas
circunstâncias previstas noa artigo 348 do Código Penal, somos pela aplicação do parágrafo
2º também nesse caso, tendo em vista a situação mais benéfica em favor do companheiro,
vez que não há como se exigir conduta diversa do convivente, tendo em vista o grau de
afetividade existente entre o autor do delito e sua companheira, formam, de acordo com o
texto constitucional pátrio, uma entidade familiar, que goza de proteção estatal.
Com efeito, há de dar aplicabilidade a escusa absolutória prevista no
parágrafo 2°, deste mesmo dispositivo, por analogia in bonan partem, não apenas
preocupando-se em preservar a família, mas principalmente, como assevera Guilherme
Calmon Nogueira da Gama, "... levando em consideração a necessidade de preservar os
sentimentos de solidariedade, de confiança, de benequerança e, - por que não - de amor
345
que unem os partícipes da entidade familiar", de modo que o companheiro ou companheira
que venha a prestar auxílio ao outro, à subtração da autoridade pública, reste igualmente
isento de pena.
7.8 Seqüestro e Cárcere Privado
Interessante trazer á baila as inovações introduzidas pela Lei 11.106/2005,
que alterou do Código Penal, introduzindo na figura típica qualificada do parágrafo
primeiro, inciso I, do artigo 148 do Código Penal, a figura do companheiro.
Reza o artigo 148, parágrafo primeiro, inciso I do Código Penal:
"Art. 148.......................................................................
§ 1
o
.............................................................................
I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do
agente ou maior de 60 (sessenta) anos”(Grifo Nosso).
A figura delituosa disposta no artigo 148 do Código Penal, tem como objeto
jurídico a liberdade de ir e vir do ente humano, onde o delito consuma-se com a privação da
liberdade da vítima, haja vista tratar-se de crime instantâneo e permanente.
Com efeito, a Lei 11.106/2005 ao introduzir mudanças no Código Penal,
inseriu a figura do companheiro como forma qualificada no crime de seqüestro e cárcere
privado. Tal modificação foi fruto do reconhecimento da união estável como entidade
familiar, insculpida no artigo 226, parágrafo 3º da Carta Magna.
346
Neste diapasão, o Ilustre Guilherme Calmon Nogueira da Gama
147
, assim
asseverou: “A singeleza da redação contida no artigo 226, caput, da Constituição Federal
brasileira, segundo a qual ‘a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado,
(...)”.
Outrossim, como bem aludiu o Douto Luiz Vicente Cernicchiaro, citado por
Guilherme Calmon Nogueira da Gama
148
, em sua obra: “( ...) a objetividade jurídica
Família revela conceito próprio, sintetizada da seguinte forma: envolve em toda a
extensão, a concepção ministrada pelo Direito Civil, ampliando-a para compreender que
por convivência e coabitação, forme a respectiva instituição”. E continua o ilustre autor:
“(...) o direito penal absorveu do direito civil, figuras jurídicas relativas à Família,
entretanto, lhes conferiu efeitos específicos. (...) O direito penal, por referir-se
diretamente à sociedade e indiretamente ao indivíduo, garante a Família para a
sociedade. O direito Civil, em virtude de referir-se diretamente ao indivíduo e
indiretamente à sociedade, garante a Família para o indivíduo”.
Sendo assim, na hipótese da figura delituosa ser realizada por um dos
companheiros, privando a liberdade do outro, incidirá na figura qualificada disposta no
inciso I do parágrafo 1º do artigo 148 do Código Penal, aumentando, assim, a pena para o
autor do crime.
147
Op. Cit. 213.
148
Op. Cit. 154
347
Com isso, podemos notar que o legislador ao inserir a presente figura
delituosa do Códex Penal, têm como fundamento o reconhecimento da família como base
da sociedade e especial proteção estatal, a qual o Estado tem o dever de salvaguardá-la,
instituindo o jus puniendi de forma qualificada para os membros da entidade familiar,
pouco importando se constituída pelo casamento ou pela união estável.
7.9 DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL
7.9.1 Estupro e União Estável
Apenas a título de recordação, temos que a tutela do crime agora tratado
pretende proteger a liberdade sexual da mulher, único espécie com sexo possível de ser
violentada desta forma, sujeito passivo necessário frente a ação delitiva e violenta do
homem, também agente necessário, não se podendo falar deste delito diretamente realizado
por pessoas de mesmo sexo, salvo eventualmente na hipótese de concurso de delitos.
Considerando o estudo central deste livro resta-nos a seguinte questão: O
convivente pode praticar estupro na convivente?
Não remanesce dúvida de que a resposta à indagação anterior deve ser
afirmativa, visto que é possível o convivente estuprar a mulher que com ele convive em
relação de União Estável, considerando a indubitável igualdade de direitos existente entre
eles, bem como a liberdade sexual inafastável de sua companheira, não sendo compatível a
obrigatoriedade da conjunção carnal entre eles, forçada injustamente pelo convivente contra
sua convivente.
348
Assim, por exemplo, se o companheiro mantém relações sexuais com a
companheira, se utilizando da força física ou da grave ameaça, tendo em vista a negativa da
mesma em manter a cópula, há que se considerar essa ação como caracterizadora do delito
de estupro, vez que o companheiro violou a liberdade sexual da companheira.
Claro que imprescindível a presença dos elementos objetivos do tipo:
conjunção carnal por meio da cópula vagínica completa ou incompleta, sabendo-se sempre
que a violência de que se utiliza o convivente durante o coito há de ser anterior ao coito, de
modo a constranger efetivamente a vítima. Entretanto se o coito é permitido e durante ele,
há violência, então caracterizará lesão corporal, já que a vis compulsiva não se direcionou à
prática do delito sexual, mas sim surgiu com o dolo de ferir tão-somente.
7.9.2 Atentado violento ao pudor e União Estável
Se possível a ocorrência do delito de estupro, claro que o convivente
também pode cometer o crime de atentado violento ao pudor da convivente, tendo em vista
o ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
O ato libidinoso diverso da conjunção carnal é uma ato concubiscente,
lascivo, luxurioso, onde o agente visa a satisfação de instinto sexual, diverso da conjunção
carnal, como por exemplo: sexo oral, anal, masturbação.
349
Com efeito, verbi gratia, caso o companheiro se utilize da violência ou da
grave ameaça para praticar ato libidinoso diverso da cópula vagínica com sua companheira,
após a negativa da mesma, há de se caracterizar essa atitude do companheiro como delito
de atentado violento ao pudor.
O que podemos concluir sem nenhuma dúvida é que, modernamente, numa
crescente de aceitação desta idéia pela sociedade hodierna, a mulher pode manter sua
liberdade sexual em qualquer situação, independente do contexto ou relação familiar em
que encontra-se.
7.9.3 Aumento da Pena do Agente de Crimes Contra os
Costumes
.
Mais adiante no Código Penal, temos a previsão do artigo 226 do Código
Penal, que dispõe que sobre os casos de aumento de pena para os crimes contra a liberdade
sexual.
Neste passo, imperioso ressaltar a alteração surgida com o advento da Lei
11.106, de 28 de março de 2005, que introduziu a figura do companheiro nos casos de
aumento de pena.
Reza o inciso II do artigo 226 do Código Penal:
"Art. 226. A pena é aumentada:
350
II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão,
cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por
qualquer outro título tem autoridade sobre ela”. (Grifo Nosso)
Tal modificação mostrava-se necessária, uma vez que se o agente estivesse
convivendo em união estável com outrem, a causa de aumento de pena não é aplicada, vez
que, novamente a norma penal tem aplicação restrita, só incidindo na hipótese de
casamento, com certidão passada em cartório, em uma verdadeira antinomia, porquanto
houve a equiparação da união estável a entidade familiar, devendo com isso, corretamente
ser aplicada a mesma penalização das pessoas casadas, quando cometa um dos delitos dessa
espécie.
Tal assertiva mostra-se necessária na medida que a Constituição logrou
reconhecer nova possibilidade de formação da família e, consolida essa situação no ápice
do ordenamento, deve-se descer nessa pirâmide afastando todos os segmentos subjacentes e
inferiores do ordenamento que lhe sejam incoerentes, sob pena de consolidar prejudicial
insegurança ao direito nacional.
Vere, a previsão do artigo 226, do Código Penal contrapõe-se ao agente que,
inserido efetivamente numa família – pelo casamento ou pela união estável -, ainda assim
exerce ato abusivo sexual contra mulher.
Portanto, o aumento de pena insculpido no inciso II do artigo 226 do Código
Penal demonstra que o Direito deve atentar à voracidade da mudança das relações sociais
351
que tutela e procurar atendê-las da melhor forma, sobremaneira quando a própria lei
reconhece a pertinência de uma nova situação, como a união estável e, se aceita as
repercussões para algumas hipóteses e ramos do direito, tipificando todas as novidades que
se denotasse necessárias a evitar lacunas de salvaguarda jurídica plena.
Sendo assim, a modificação legislativa de aumento de pena na hipótese para
aquele que incontestavelmente está participando de uma entidade familiar conforme a lei
civil reconhece e, nessa condição, logrou cometer crimes dessa monta, tem acompanhado
das aos reclamos da sociedade, mormente quando seria contraditório pressupor menor a dor
da companheira presente na entidade familiar quanto à situação em relação à dor da casada,
sendo que em qualquer dos casos, teremos membros da Família, pouco importando se
derivada do casamento ou da união estável.
7.10 Do Lenocínio e União Estável
A disposição outrora contida no parágrafo 1º do artigo 227, do Código
Penal, impõe tratamento diferenciado em termos de pena aos familiares da vítima, sendo
que declara especificamente quem seriam esses penalizados de forma peculiar, sem
mencionar aquele que está em situação de união estável, apenas falando do casado, in casu,
do marido.
Certamente para que se firme a coerência acima defendida para o
ordenamento é necessário, desde a elevação constitucional da união estável a nível de
352
entidade familiar, que onde se leia disposições relativas ao casamento pense-se
automaticamente naqueles unidos em união estável.
Neste passo, igualmente houve alteração legislativa, com o advento da Lei
11.106, de 28 de março de 2005, ao introduzir a figura do companheiro, como forma
qualificada da figura delitiva.
Reza o parágrafo 1º do artigo 227 do Código Penal:
“Art. 227. .............................................................................
§ 1
o
Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se
o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador
ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda:
Num e noutro caso sempre teremos como objeto jurídico a disciplina da vida
sexual moralizada entre homem e mulher que, de acordo com os bons costumes o casal
alcance e seja obrigado a manter a organização das famílias, sempre salientando que pouco
importando a forma da constituição familiar.
353
CAPÍTULO VIII
354
8. EXTRADIÇÃO E A UNIÃO ESTÁVEL
Uma vez que estamos a tratar das conseqüências punitivas para a união
estável, cumpre vermos como ocorre a relação entre a extradição e essa nova forma de
constituição da família.
Com muita propriedade assevera o Ilustre Yussef Said Cahali
149
,
“Extradição é o ato pelo qual um Estado faz a entrega, para fins de ser processado ou
para execução de uma pena, de um indivíduo acusado ou reconhecido culpável de uma
infração cometida fora de seu território, a outro Estado que o reclama e que é
competente para julgá-lo ou puni-lo”
Desta forma, podemos entender por extradição, como sendo um pedido que
um Estado faz ao outro para que lhe seja encaminhado algum cidadão que cometeu um
crime ou que está sendo processado criminalmente e fugiu, se escondendo em outro
território.
Sendo assim, por este ato, o Estado determina a retirada forçada do indivíduo
do território nacional a pedido de um país estrangeiro em virtude de um crime nele
praticado. Desta forma, pode-se falar em extradição se um indivíduo praticou um crime lá
fora e veio se refugiar no Brasil, sendo que aquele país competente quer aplicar a justiça.
149
CAHALI, Yussef Said. Estatuto do Estrangeiro. São Paulo: Saraiva, 1983. p. 296.
355
Como observa José Afonso da Silva, extradição “é o ato pelo qual um
Estado entrega um indivíduo acusado de um delito ou já condenado como criminoso, à
justiça de outro, que o reclama, e que é competente para julgá-lo e puni-lo.”
Segundo bem preleciona Elizabeth Goraieb
150
: "A extradição é um instituto
de cooperação internacional na luta contra o crime. Interessa tanto ao Estado que os
requisita quanto ao Estado que entrega os criminosos. Esse interesse recíproco que têm
todas as nações em evitar que os criminosos subtraiam à merecida punição, procurando
refúgio em outro território, não atenta contra o exercício de sua soberania".
Esta mesma conceituação é compartilhada por Manzini que define a
extradição como: "L' istituto dell'estradizione è quel particolare ordinamente politico-
giuridico secondo il quale un Stado provedde alla consegna di un individuo, inputado o
condannato, che questo venga giudicato o sotto osto all'esecuzione della pena"
151
.
Tal instituto funda-se, de acordo com o Ilustre Yussef Said Cahali
152
, no
Caráter Universal da Justiça, onde não tem-se a extinção da responsabilidade pelo simples
fato de uma pessoa transpor os limites territoriais de seu país, vindo a se refugiar em outro,
assegurando, assim, a eficiência da ação da justiça, através das fronteiras internacionais.
Lembremos do exemplo clássico do inglês Ronald Bigs que cometeu o mais
famoso roubo em um “trem pagador” na Inglaterra e veio se refugiar no Brasil.
150
GORAIEB, Elizabeth. A Extradição no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: MAUAD, 1999. p.19.
151
GORAIEB, Elizabeth. A Extradição no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: MAUAD, 1999. p.20.
152
CAHALI, Yussef Said. Estatuto do Estrangeiro. Cit. p. 297.
356
Com efeito, trata-se da situação em que alguém cometeu um crime no Brasil,
está sendo processado criminalmente ou já foi condenado no Brasil e fugiu para outro país.
Neste caso, o Brasil pede a extradição ao Estado estrangeiro onde ele se encontra para que
ele seja detido e encaminhado para o Brasil, para que seja possível a aplicação do jus
puniendi.
Portanto, para fins didáticos e para melhor recordarmos, cumpre dizer que
temos a Extradição Ativa, vislumbrada sob o ponto de vista do Estado requerente e,
paralela e contrariamente a Extradição Passiva, percebida sob o ponto de vista do Estado
requerido.
Assim reza os incisos LI e LII do artigo 5° da Constituição Federal de 1988:
Art. 5°.
LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de
crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;
LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de
opinião;
Desta forma, podemos concluir que em conformidade com o inciso LI do
artigo 5° da Carta Magna, é vedada a extradição de brasileiro nato. Da mesma forma,
igualmente podemos concluir que é obstada a concessão da extradição de estrangeiro por
crime político ou de opinião, tendo em vista a proteção estabelecida ao estrangeiro, no
357
inciso LII, do artigo 5° da Constituição Federal, sendo correto afirmar ainda que no caso de
brasileiro naturalizado, a extradição poderá ocorrer em duas hipóteses:
a) quando praticar crime comum antes da naturalização; e
b) quando estiver envolvimento em comprovado tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins.
Interessante salientar que em conformidade com o disposto no inciso
XXXVII do artigo 5° da Constituição Federal Pátria, é vedada a criação ou a existência de
Juízo ou Tribunal de Exceção; portanto, caso seja criado em um Estado Estrangeiro um
Juízo ou Tribunal de Exceção, para julgamento de um extraditando, não seria lícito ao
ordenamento pátrio extraditá-lo, tendo em vista a proibição estabelecida em nossa Carta
Magna.
Portanto, encontra-se óbice constitucional, a extradição de um criminoso,
quando o país requerente solicitar a extradição do criminoso, para o julgamento deste, em
um Juízo ou Tribunal de Exceção, ou ainda quando houver uma condenação oriunda de um
Juízo ou Tribunal de Exceção.
.
Na extradição passiva, particularmente, compete ao Supremo Tribunal
Federal, de acordo com artigo 102, inciso I, alínea “g” da Carta Magna, examinar e
conhecer do pedido de extradição, analisando não só as condições constitucionais, mas
também as condições estatuídas nos artigos 76 a 93 da Lei n°6815/80
153
; entretanto, após a
153
TÍTULO IX - Da Extradição
Art. 76. A extradição poderá ser concedida quando o governo requerente se fundamentar em tratado, ou
quando prometer ao Brasil a reciprocidade.
Obs.: Renumerado e alterado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
358
Art. 77. Não se concederá a extradição quando:
Obs.: Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
I - se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o
pedido;
II - o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente;
III - o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando;
IV - a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano;
V - o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo
mesmo fato em que se fundar o pedido;
VI - estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente;
VII - o fato constituir crime político; e
VIII - o extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo de exceção.
§ 1° A exceção do item VII não impedirá a extradição quando o fato constituir, principalmente, infração da lei
penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal.
§ 2º Caberá, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal, a apreciação do caráter da infração.
§ 3° O Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crimes políticos os atentados contra Chefes de
Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de
pessoa, ou que importem propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou
social.
Art. 78. São condições para concessão da extradição:
Obs.: Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
I - ter sido o crime cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as leis
penais desse Estado; e
II - existir sentença final de privação de liberdade, ou estar a prisão do extraditando autorizada por Juiz,
Tribunal ou autoridade competente do Estado requerente, salvo o disposto no artigo 82.
Art. 79. Quando mais de um Estado requerer a extradição da mesma pessoa, pelo mesmo fato, terá preferência
o pedido daquele em cujo território a infração foi cometida.
Obs.: Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
§ 1º Tratando-se de crimes diversos, terão preferência, sucessivamente:
I - o Estado requerente em cujo território haja sido cometido o crime mais grave, segundo a lei brasileira;
II - o que em primeiro lugar houver pedido a entrega do extraditando, se a gravidade dos crimes for idêntica; e
III - o Estado de origem, ou, na sua falta, o domiciliar do extraditando, se os pedidos forem simultâneos.
§ 2º Nos casos não previstos decidirá sobre a preferência o Governo brasileiro.
§ 3º Havendo tratado ou convenção com algum dos Estados requerentes, prevalecerão suas normas no que
disserem respeito à preferência de que trata este artigo.
Obs.: Redação dada pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
Art. 80. A extradição será requerida por via diplomática ou, na falta de agente diplomático do Estado que a
requerer, diretamente de Governo a Governo, devendo o pedido ser instruído com a cópia autêntica ou a
certidão da sentença condenatória, da de pronúncia ou da que decretar a prisão preventiva, proferida por Juiz
ou autoridade competente. Esse documento ou qualquer outro que se juntar ao pedido conterá indicações
precisas sobre o local, data, natureza e circunstâncias do fato criminoso, identidade do extraditando, e, ainda,
cópia dos textos legais sobre o crime, a pena e sua prescrição.
Obs.: Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
§ 1º O encaminhamento do pedido por via diplomática confere autenticidade aos documentos.
§ 2º Não havendo tratado que disponha em contrário, os documentos indicados neste artigo serão
acompanhados de versão oficialmente feita para o idioma português no Estado requerente.
Obs.: Redação dada pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
Art. 81. O Ministério das Relações Exteriores remeterá o pedido ao Ministério da Justiça, que ordenará a
prisão do extraditando colocando-o à disposição do Supremo Tribunal Federal.
Obs.: Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
Art. 82. Em caso de urgência, poderá ser ordenada a prisão preventiva do extraditando desde que pedida, em
termos hábeis, qualquer que seja o meio de comunicação, por autoridade competente, agente diplomático ou
consular do Estado requerente.
Obs.: Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
§ 1º O pedido, que noticiará o crime cometido, deverá fundamentar-se em sentença condenatória, auto de
prisão em flagrante, mandado de prisão, ou, ainda, em fuga do indiciado.
359
§ 2º Efetivada a prisão, o Estado requerente deverá formalizar o pedido em noventa dias, na conformidade do
artigo 80.
§ 3º A prisão com base neste artigo não será mantida além do prazo referido no parágrafo anterior, nem se
admitirá novo pedido pelo mesmo fato sem que a extradição haja sido formalmente requerida.
Art. 83. Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal
Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão.
Obs.: Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
Art. 84. Efetivada a prisão do extraditando (artigo 81), o pedido será encaminhado ao Supremo Tribunal
Federal.
Obs.: Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
Parágrafo único. A prisão perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas
a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão albergue.
Art. 85. Ao receber o pedido, o Relator designará dia e hora para o interrogatório do extraditando e, conforme
o caso, dar-lhe-á curador ou advogado, se não o tiver, correndo do interrogatório o prazo de dez dias para a
defesa.
Obs.: Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
§ 1º A defesa versará sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos apresentados
ou ilegalidade da extradição.
§ 2º Não estando o processo devidamente instruído, o Tribunal, a requerimento do Procurador-Geral da
República, poderá converter o julgamento em diligência para suprir a falta no prazo improrrogável de 60
(sessenta) dias, decorridos os quais o pedido será julgado independentemente da diligência.
§ 3º O prazo referido no parágrafo anterior correrá da data da notificação que o Ministério das Relações
Exteriores fizer à Missão Diplomática do Estado requerente.
Art. 86. Concedida a extradição, será o fato comunicado através do Ministério das Relações Exteriores à
Missão Diplomática do Estado requerente que, no prazo de sessenta dias da comunicação, deverá retirar o
extraditando do território nacional. Obs.: Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
Art. 87. Se o Estado requerente não retirar o extraditando do território nacional no prazo do artigo anterior,
será ele posto em liberdade, sem prejuízo de responder a processo de expulsão, se o motivo da extradição o
recomendar.
Obs.: Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
Art. 88. Negada a extradição, não se admitirá novo pedido baseado no mesmo fato. Obs.: Renumerado pela
Lei nº 6.964, de 09/12/81
Art. 89. Quando o extraditando estiver sendo processado, ou tiver sido condenado, no Brasil, por crime
punível com pena privativa de liberdade, a extradição será executada somente depois da conclusão do
processo ou do cumprimento da pena, ressalvado, entretanto, o disposto no artigo 67.
Obs.: Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
Parágrafo único. A entrega do extraditando ficará igualmente adiada se a efetivação da medida puser em risco
a sua vida por causa de enfermidade grave comprovada por laudo médico oficial.
Art. 90. O Governo poderá entregar o extraditando ainda que responda a processo ou esteja condenado por
contravenção.
Obs.: Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
Art. 91. Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso:
Obs.: Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
I - de não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido;
II - de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição;
III - de comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto à última, os
casos em que a lei brasileira permitir a sua aplicação;
IV - de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame; e
V - de não considerar qualquer motivo político, para agravar a pena.
Art. 92. A entrega do extraditando, de acordo com as leis brasileiras e respeitado o direito de terceiro, será
feita com os objetos e instrumentos do crime encontrados em seu poder.
Obs.: Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
Parágrafo único. Os objetos e instrumentos referidos neste artigo poderão ser entregues independentemente da
entrega do extraditando.
Art. 93. O extraditando que, depois de entregue ao Estado requerente, escapar à ação da Justiça e homiziar-se
no Brasil, ou por ele transitar, será detido mediante pedido feito diretamente por via diplomática, e de novo
entregue sem outras formalidades.
360
análise e, posterior decisão favorável do Supremo Tribunal Federal, é o Chefe do Poder
Executivo Federal, in casu, o Presidente da República quem dá a palavra final, concedendo
ou não a extradição.
Tal casuística ocorre porque a República Federativa do Brasil adotou o
sistema Belgo-francês, ou seja, de cognição restritiva na extradição, onde muito embora o
Supremo Tribunal Federal dê um pronunciamento positivo quanto a uma extradição, nada
obsta que o Presidente da República não aceite, tendo em vista que ele não está obrigado a
aceitar.
Lembremos que o brasileiro nato nunca poderá ser extraditado; ao passo que
o brasileiro naturalizado não pode ser extraditado, exceto em duas hipóteses: participação
comprovada com o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins; e, se houver praticado
crime comum antes da naturalização, exceto se for crime político ou de opinião.
Assim, por exemplo, se um americano solicita a naturalização no Brasil. Há
uma formalidade jurisdicional que é o Juiz Federal que entregará a carteira para a
efetivação da naturalização. Desta maneira, entre a permissão do Presidente e a efetiva
entrega da carteira passou-se um lapso temporal de 01 (um) mês; entretanto, neste período,
este americano comete um ato criminoso, ou seja, comete um homicídio no Estado Unidos
da América e retorna para o Brasil. Neste ínterim o governo americano pede a extradição.
Obs.: Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
Art. 94. Salvo motivo de ordem pública, poderá ser permitido, pelo Ministro da Justiça, o trânsito, no
território nacional, de pessoas extraditadas por Estados estrangeiros, bem assim o da respectiva guarda,
mediante apresentação de documentos comprobatórios de concessão da medida.
Obs.: Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81
361
Daí surge a indagação: quando se adquire a naturalização? A naturalização
se efetiva com o simples ato permissivo do Presidente da República ou com o ato formal de
um Juiz Federal competente?
A naturalização adquire-se não pelo ato permissivo do Presidente da
República, mas sim com o ato formal do Juiz Federal, com isso este americano poderá ser
extraditado, tendo em vista que ainda não se efetivou a naturalização.
No mais, interessa ao enfoque desse estudo, que analisa todas as
conseqüências e efeitos da união estável, como dito, a relação dessa Entidade Familiar e a
Extradição.
Neste passo, imperioso trazer à baila a seguinte indagação: A UNIÃO
ESTÁVEL TEM O CONDÃO DE OBSTAR A EXTRADIÇÃO?
Forçoso reconhecer que muito embora a União Estável, como entidade
familiar, esteja abarcada na Especial Proteção do Estado à Família lato sensu, contida no
parágrafo 3º do artigo 226 da Carta Magna, tal proteção deve, obrigatoriamente, ser
entendida em consonância com o contido inciso LI do artigo 5º da Carta Magna.
Com efeito, teremos que analisar quando o fato delituoso foi cometido,
anteriormente ou posteriormente a naturalização.
362
Em conformidade com o contido no inciso LI do artigo 5º da Carta Magna,
se o fato delituoso foi cometido anteriormente a naturalização, não há como impedir a
ocorrência da extradição, uma vez pleiteada pelo país requerente, e, deferida pelo país
requerido, in casu, o Brasil, porquanto há regramento expresso acerca de tal casuística,
pouco importando se o cidadão encontra-se casado ou convivendo em União Estável.
A propósito, imperioso recordar a a Súmula 421 Supremo Tribunal Federal
prevê: O fato de ser casado com cônjuge brasileiro ou ter filhos brasileiros não impede a
extradição.
Com isso, forçoso reconhecer que caso um estrangeiro cometa um crime em
seu país de origem anteriormente a sua naturalização como brasileiro e, posteriormente
venha constituir uma união estável, nada obstará ao Governo brasileiro extraditar este
estrangeiro, a pedido de seu país de origem, mesmo ante a existência de uma Entidade
Familiar, porquanto que esta circunstância acarreta a nulidade absoluta do ato de aquisição
de nacionalidade.
Ademais, imperioso reconhecer que a referida naturalização apenas
aconteceu com o fito de se esquivar a responsabilidade criminal que sobre ele persiste.
Neste sentido se posicionou o Supremo Tribunal Federal, que assim decidiu:
"CONSTITUCIONAL - PENAL - EXTRADIÇÃO - C.F. ART. 5., LI - 1. Nacionalidade
brasileira obtida mediante naturalização concedida após a prática do crime atribuída ao
363
extraditando. Caso em que a extradição poderá ser concedida (....), (STF - HC 68.198 -
DF - T.P. - Rel. Min. Carlos Velloso - DJU 14.09.1990)".
Da mesma forma, forçoso reconhecer que caso um estrangeiro
comprovadamente estiver envolvido no ilícito de tráfico de entorpecentes,
independentemente se anterior ou posterior a sua naturalização como brasileiro e, que
venha a constituir união estável, nada obstará ao Governo brasileiro extraditar este
estrangeiro, a pedido de seu país de origem, mesmo ante a existência de uma entidade
familiar, vez que o que se objetiva é combater incisivamente o tráfico ilícito de
entorpecentes.
Portanto, pouco há de se discutir aqui e se já houve reconhecimento
jurisprudencial de que o casamento não impede a extradição, também a união estável não a
impede, até para se manter a coerência e igualdade de condições de pessoas que se
encontram em situações iguais.
364
CAPÍTULO IX
365
9. EXPULSÃO E A UNIÃO ESTÁVEL
Lembremos que a Expulsão está disposta no artigo 22, inciso XV da
Constituição Federal e nos artigos 64 a 75 da Lei n°6815/80
154
, e, consiste em entregar o
154
TÍTULO VIII – Da Expulsão
Art. 64. É passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional,
a ordem política ou social, a tranqüilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento
o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.
Parágrafo único. É passível, também, de expulsão o estrangeiro que:
a) praticar fraude a fim de obter a sua entrada ou permanência no Brasil;
b) havendo entrado no território brasileiro com infração à lei, dele não se retirar no prazo que lhe for
determinado para fazê-lo, não sendo aconselhável a deportação;
c) entregar-se à vadiagem ou à mendicância; ou
d) desrespeitar proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro.
Art. 65. Caberá exclusivamente ao Presidente da República resolver sobre a conveniência e a
oportunidade da expulsão ou de sua revogação.
Parágrafo único. A medida expulsória ou a sua revogação far-se-á por decreto.
Art. 66. Desde que conveniente ao interesse nacional, a expulsão do estrangeiro poderá efetivar-se, ainda
que haja processo ou tenha ocorrido condenação.
Art. 67. Os órgãos do Ministério Público remeterão ao Ministério da Justiça, de ofício, até 30 (trinta) dias
após o trânsito em julgado, cópia da sentença condenatória de estrangeiro autor de crime doloso ou de
qualquer crime contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a economia popular, a moralidade ou a
saúde pública, assim como da folha de antecedentes penais constantes dos autos.
Parágrafo único. O Ministro da Justiça, recebidos os documentos mencionados neste artigo, determinará a
instauração de inquérito para a expulsão do estrangeiro.
Art. 68. O Ministro da Justiça, a qualquer tempo, poderá determinar a prisão, por 90 (noventa) dias, do
estrangeiro submetido a processo de expulsão e, para concluir o inquérito ou assegurar a execução da medida,
prorrogá-la por igual prazo.
Parágrafo único. Em caso de medida interposta junto ao Poder Judiciário que suspenda, provisoriamente,
a efetivação do ato expulsório, o prazo de prisão de que trata a parte final do caput deste artigo ficará
interrompido, até a decisão definitiva do Tribunal a que estiver submetido o feito.
Art. 69. Compete ao Ministro da Justiça, de ofício ou acolhendo solicitação fundamentada, determinar a
instauração de inquérito para a expulsão do estrangeiro.
Art. 70. Nos casos de infração contra a segurança nacional, a ordem política ou social e a economia
popular, assim como nos casos de comércio, posse ou facilitação de uso indevido de substância entorpecente
ou que determine dependência física ou psíquica, ou de desrespeito à proibição especialmente prevista em lei
para estrangeiro, o inquérito será sumário e não excederá o prazo de 15 (quinze) dias, dentro do qual fica
assegurado ao expulsando o direito de defesa.
Art. 71. Salvo as hipóteses previstas no artigo anterior, caberá pedido de reconsideração no prazo de 10
(dez) dias, a contar da publicação do decreto de expulsão, no Diário Oficial da União.
Art. 72. O estrangeiro, cuja prisão não se torne necessária, ou que tenha o prazo desta vencido,
permanecerá em liberdade vigiada, em lugar designado pelo Ministério da Justiça, e guardará as normas de
comportamento que lhe forem estabelecidas.
Parágrafo único. Descumprida qualquer das normas fixadas de conformidade com o disposto neste artigo
ou no seguinte, o Ministro da Justiça, a qualquer tempo, poderá determinar a prisão administrativa do
estrangeiro, cujo prazo não excederá a 90 (noventa) dias.
366
estrangeiro a outro Estado por, de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional, a
ordem política ou social, a tranqüilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou
cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.
Também poderá ser expulso: o estrangeiro que praticar fraude a fim de obter
a sua entrada ou permanência no Brasil; havendo entrado no território brasileiro com
infração à lei, dele não se retirar no prazo que lhe for determinado para fazê-lo, não sendo
aconselhável a deportação; entregar-se à vadiagem ou à mendicância; ou desrespeitar
proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro. Nesse caso, determina-se a
retirada forçada de um indivíduo, por ter praticado fato ilícito dentro do território nacional,
sendo certo que apenas poderá ocorrer tal hipótese quando se tratar de estrangeiro ou de
brasileiro naturalizado; ao contrário do que ocorre na deportação que consiste na retirada
forçada do estrangeiro do território brasileiro, por ter nele ingressado ou permanecido de
forma irregular.
No que tange a expulsão, diz-se fato ilícito lato sensu, porque pode ser
crime, ou ainda ilícito civil ou administrativo, desde que contrários aos interesses nacionais.
Art. 73. O Ministro da Justiça poderá modificar, de ofício ou a pedido, as normas de conduta impostas ao
estrangeiro e designar outro lugar para a sua residência.
Art. 74. Não se procederá à expulsão se implicar em extradição inadmitida pela lei brasileira.
Art. 75. Não se procederá à expulsão:
I - se implicar extradição inadmitida pela lei brasileira; ou
Il - quando o estrangeiro tiver:
a) cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que o
casamento tenha sido celebrado há mais de 5 (cinco) anos; ou
b) filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente.
§ 1º Não constituem impedimento à expulsão a adoção ou reconhecimento de filho brasileiro
supervenientes ao fato que motivar.
§ 2º Verificados o abandono do filho, o divórcio ou a separação, de fato ou de direito, a expulsão poderá
efetivar-se a qualquer tempo.
Obs.: Art. 75 com redação dada pela Lei 6.964, de 09.12.1981.
367
De acordo com José Afonso da Silva, a “expulsão é um modo coativo de
retirar um estrangeiro do território nacional por delito ou infração ou atos que o tornem
inconveniente.”
Já Yussef Said Cahali
155
, preleciona que “a expulsão é um ato unilateral,
espontâneo e voluntário, pelo qual um Estado, agindo em nome de seu exclusivo interesse,
impele para fora de suas fronteiras os indivíduos que constituem ameaça à sua segurança,
sem a preocupação de saber se eles estão sendo procurados como delinqüentes ou como
condenados, no território de um outro Estado”.
Portanto, como podemos perceber, enquanto na Extradição um país age a
pedido de outro, para retirar um indivíduo de seu país; já na Expulsão, um Estado, por seu
exclusivo interesse, determina a retirada de um indivíduo de seu território, tendo em vista
ser este nocivo aos interesses da nação.
Apenas para recordar, especificamos abaixo como acontece o procedimento
de Expulsão no direito pátrio:
Por se tratar de interesse predominante do Estado, o procedimento de Ofício
Expulsório, tem seguimento perante o Ministério da Justiça. No final desse procedimento, o
Ministro encaminha um parecer ao Presidente da República, porque cabe exclusivamente a
ele resolver sobre a conveniência e a oportunidade da expulsão ou de sua revogação. Assim
155
CAHALI, Yussef Said. Estatuto do Estrangeiro. Cit.. p. 301.
368
sendo, só ele pode expulsar o estrangeiro, sendo certo que este estrangeiro condenado
dentro do território nacional, cumpre a pena antes de ser expluso; todavia, conforme reza o
artigo 66, da Lei n°6815/80, desde que conveniente ao interesse nacional, a expulsão do
estrangeiro poderá efetivar-se, ainda que haja processo ou tenha ocorrido condenação.
Interessante salientar que o Decreto n°3447, de 05 de maio de 2000 delegou,
vedada a subdelegação, a competência para resolver sobre a expulsão de estrangeiro do País
e sua revogação para o Ministro de Estado da Justiça, vez que em um Estado moderno, cada
vez mais se torna necessário a delegação devido a multiplicidade e complexidade de
funções. Com efeito, hoje, após o trâmite do procedimento do Ofício Explusório perante o
Ministério da Justiça, o próprio Ministro de Estado da Justiça resolve sobre a expulsão do
estrangeiro no país, bem como sua revogação.
Oportuno salientar que o Habeas Corpus é o remédio jurisdicional adequado
para tutelar os direitos daquele estrangeiro que está defendendo o seu direito de ficar no
país.
Importante ressaltar ainda que de acordo com os incisos I e II, do artigo 75,
da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980, o simples fato do estrangeiro ser casado ou ter filhos
brasileiros, não impede a expulsão. Desta sorte, apenas impedirá a expulsão desse
estrangeiro quando os filhos estiverem em sua guarda e dele dependam economicamente; já
em relação ao casamento, essa relação deve perdurar mais de 05 anos e também deve estar
na constância do casamento.
369
Novamente a questão que se coloca em relação ao presente estudo é se no
caso, a união estável impede o ofício expulsório do estrangeiro?
Como a Constituição Federal, em seu artigo 226, parágrafo 3°, e, o Novo
Código Civil, em seus artigos 1723 a 1727, reconheceu-se a união estável como Entidade
Familiar, gozando de proteção Estatal, assim sendo, se um estrangeiro viver em união
estável com uma brasileira e esta relação perdurar mais de cinco anos e ainda os
conviventes estiverem na constância da relação de convivência, a lei obstará o Ofício
Expulsório, de modo a proteger a Família, que aliás, é tida como a base da sociedade.
Com efeito, o estrangeiro que estiver nestas condições, ainda na constância
da relação, fará jus à permanência no país, não podendo o mesmo ser expulso do país; no
entanto, em conformidade com a alínea “a”, do inciso II, da Lei n°6.815/80, caso a união
estável haja se findado e os companheiros se encontrem separados, ainda que de fato, a
expulsão poderá se efetivar a qualquer tempo, vez que, neste caso, o motivo obstante da
expulsão cessou.
Fazendo uma análise do julgado a inframencionado, mister se torna que
façamos um raciocínio inverso, tendo em vista que a expulsão somente não foi obstada,
porque ele não convivia a mais de 05 (cinco) anos, de modo a não preencher os requisitos
exigidos pela lei: "ESTRANGEIRO – Expulsão – Alegação de união estável com brasileiro
como causa impeditiva da medida – Inadmissibilidade, se a convivência sequer cumpriu a
duração de cinco anos – Interpretação do art. 75, II, a, da Lei 6.815/80." (RT 788/532 –
STF)
370
Oportuno ressaltar ainda que de acordo com a alínea “b”, do inciso II, do
artigo 75, da Lei n°6815/80, caso do estrangeiro possua filho brasileiro que,
comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente, o Ofício
Expulsório também será obstado; entretanto, conforme reza os incisos I e II, do artigo 75,
da Lei n°6815/80, não constitui impedimento à expulsão a adoção ou reconhecimento de
filho brasileiro supervenientes ao fato que motivar, quando verificado o abandono do filho
por parte do estrangeiro, ou ainda quando o nascimento de filho brasileiro for posterior ao
fato que motivou a expulsão; contudo, anterior a vigência da Constituição Federal de 1988,
do Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei n. 8.069/1990 e de Convenção Internacional
recepcionada pelo ordenamento jurídico pátrio - Decreto nº. 99.710/1990, vez que neste
caso, o nascimento posterior não causa a revogação ou a não efetivação do ato expulsório.
Neste passo, em conformidade com o entendimento da Primeira Seção do
Superior Tribunal de Justiça
156
, há óbice a expulsão após a vigência da Constituição Federal
de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei n. 8.069/1990 e de Convenção
Internacional recepcionada pelo ordenamento jurídico pátrio - Decreto n° 99.710/1990, vez
que consoante o entendimento da Corte, deve-se dar uma interpretação ampliativa à matéria
devendo prevalecer o melhor interesse da criança e do adolescente em dispor de
assistência afetiva e moral, garantido-lhes direito à identidade, à convivência familiar e
156
EXPULSÃO. ESTRANGEIRO. FILHO POSTERIOR. ATO DELITUOSO - A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça
concedeu a ordem por entender que o paciente não pode ser expulso do país, mesmo que tenha um filho brasileiro havido posteriormente
ao fato que motivou sua expulsão. Precedentes citados: HC 31.449-DF, DJ 31/5/2004, e HC 22.446-RJ, DJ 31/3/2003. HC 38.946-DF,
Rel. Min. José Delgado, julgado em 11/5/2005.
371
comunitária e à assistência dos pais, mormente quando o estrangeiro colabora para o
sustento do filho que vive sob sua guarda e dependência econômica.
Com isso novamente nos deparamos com a situação de necessidade de
similitude de trato entre aqueles que estão unidos familiarmente pelo casamento ou pela
união estável com o fito de manter a coerência do ordenamento jurídico pátrio, consoante
os ditames constitucionais, haja vista que a proteção estatal é dada à proteção da família
latu sensu, onde as uniões formalizadas, como o casamento, ou as uniões informais, como a
união estável, estão abarcadas neste conceito de proteção estatal.
372
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como pudemos notar, sempre houve discussões e dúvidas, tanto por parte da
doutrina, quanto por parte da jurisprudência, no que tange a admissibilidade da formação de
uma instituição familiar, por intermédio da união estável.
Podemos salientar ainda que a união estável, a priori, foi vista de modo
pejorativo, devido a construção sócio-religiosa da época; entretanto, este instituto,
gradativamente, foi sendo inserido nas legislações alienígenas, de modo a proteger as
famílias constituídas desta forma, fazendo com que fosse reconhecido direitos, outrora,
negados pelo ordenamento jurídico, de modo a estabelecer uma justiça mais próxima da
realidade social.
Mesmo antes do nosso ordenamento jurídico vislumbrar essa nova forma de
constituição familiar, inúmeros eram os casos existentes no ordenamento pátrio, que
permaneciam à margem da lei, ou seja, sem amparado legal, ficando a cargo da Justiça
Divina fazê-lo.
Assim, o nosso ordenamento jurídico, gradativamente, foi dando direitos a
esta forma de constituição familiar, mesmo assim, muitos autores e julgados relutaram a dar
direitos a união estável, sob a justificativa de que era contrário as regras estabelecidas pela
sociedade e pela religião, sem se ater de que o primeiro casal que viveu na Terra
157
,
também viveram em união estável. Até ser finalmente amparada constitucionalmente, bem
157
De acordo com a Bíblia Sagrada, o primeiro casal que viveu na Terra, foi “Adão e Eva”.
373
como por Leis posteriores, garantindo assim, proteção estatal a esta outra forma de
constituição familiar.
De acordo com Cícero, citado por Washington de Barros Monteiro: “onde e
quando a família se mostrou forte, aí floresceu o Estado; onde e quando se revelou frágil,
aí começou a decadência geral.”
Sendo assim, o legislativo, bem como o órgão julgador não devem ficar
inertes aos acontecimentos sociais, devendo, ao menos, tentar acompanhar a evolução do
Direito no seio da família, como forma dar efetividade a Lei.
Dessume-se, portanto, que a regra contida na Carta Magna de 1988 trouxe
uma imensa inovação em nosso ordenamento jurídico, tendo em vista a proteção estatal
erigida à família, independentemente se ela foi constituída pelo “Casamento”, ou pela
“União Estável”, pois conforme nos ensina Victor Hugo, em sua Obra Miscelânea de
Literatura e Filosofia, "quando descompuserdes uma sociedade, o que encontrareis como
resíduo final não será o indivíduo e sim a família".
374
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