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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Cristiane Pequeno da Silva
Alterações de linguagem em crianças com histórias de desagregação familiar:
três estudos de caso
MESTRADO EM FONOAUDIOLOGIA
São Paulo
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Cristiane Pequeno da Silva
Alterações de linguagem em crianças com histórias de desagregação familiar:
três estudos de caso
Programa de Estudos Pós-Graduados em Fonoaudiologia
PUC-SP
São Paulo
2007
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de MESTRE em
Fonoaudiologia, sob o
rientação da Profa. Dra.
Ruth Ramalho Ruivo Palladino
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Banca Examinadora
_____________________________________________
_____________________________________________
_____________________________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total
ou parcial desta dissertação/tese por processos de fotocopiadoras ou
eletrônicos.
Assinatura: _________________________ Local e Data: _______________
Para meus queridos Gô e Mamis,
sempre com uma luz para iluminar meu caminho.
__________________________________________________AGRADECIMENTOS
À minha orientadora Profa. Dra. Ruth Ramalho Ruivo Palladino, por
estar ao meu lado nos momentos de insegurança e dúvidas durante todo o percurso
deste trabalho, pelo incentivo nos momentos difíceis e, principalmente, por acreditar
que tudo daria certo.
Aos professores Susana Maia, Tuto e Cláudia Cunha que me
apresentaram à Psicanálise de uma forma tão apaixonante e fizeram, de certa
forma, parte desse capítulo tão importante na minha vida.
A todos os professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em
Fonoaudiologia por participarem, cada um de sua forma, na minha formação e na
elaboração da minha pesquisa.
À Jacy Perissinotto, por participar, com tanto carinho e dedicação, da
minha qualificação e contribuir com suas experiências para a elaboração e para o
delineamento de cada capítulo deste trabalho.
Às minhas novas e queridas amigas Karin Genaro, Aline Garrido, Luana
Magalhães, Fernanda Machado, Renata Vianas e Mirella Guilhen que me
incentivaram e estiveram sempre ao meu lado em busca dos meus ideais.
Em especial, aos meus queridos e amados e Mamis que sempre
estiveram ao meu lado, incentivando, batalhando, aconselhando e alicerçando mais
um importante degrau em minha vida profissional e pessoal, sempre com muita
cumplicidade, amizade e amor incondicional.
Ao meu irmão, que mesmo distante, esteve tão próximo e presente,
sempre querendo compartilhar todas as minhas etapas de todo meu percurso.
Às queridas e sempre presentes Ana, Valquíria, Marlene, Cleusa e
Neusa que acreditaram em mim e confiaram na minha postura como profissional,
possibilitando assim o acesso a todas as famílias e ao material necessário para a
coleta de dados que fundamentaram toda essa pesquisa.
Ao meu marido, que soube compreender e me apoiar em todos os
momentos.
A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste
trabalho.
E, finalmente, às famílias que dividiram comigo toda sua história, por
mais triste que fosse, e depositaram em mim confiança e esperança de uma
possível mudança em suas dinâmicas familiares.
““É fundamental que se dê maior
atenção às relações entre o desenvolvimento
da linguagem e as forças
dinâmicas que atuam entre adultos
e crianças no curso do crescimento infantil”.
Mauro Spinelli
_______
_____________________________________________________RESUMO
Introdução: A desagregação familiar acaba provocando uma fragilidade na
constituição subjetiva, sinalizada em diferentes dificuldades na criança, sendo
aquela relacionada à linguagem uma das mais relevantes. Esta dissertação teve por
objetivo descrever algumas dificuldades na linguagem de três crianças cujas
histórias de vida apresentam episódios de desagregação familiar, com dados de
negligência, permanência em casas de abrigo ou substituição de família. Método:
foi feito um levantamento junto ao Conselho Tutelar de São Roque das crianças
cujas famílias foram atendidas pelas conselheiras durante o ano de 2005. Dos
prontuários disponibilizados, foram selecionados apenas sete, em função da idade
das crianças. Foi realizada uma anamnese e a análise de documentações para
levantamento das histórias, a observação direta das condutas gerais das crianças e
a aplicação de um teste de linguagem oral (Tipiti) para descrição dos usos
lingüísticos e deduzido nível de desenvolvimento da linguagem. Resultados: pode-
se observar que uma dependência do outro na organização do discurso das três
crianças, uma vez que deveriam estabelecer o seu com certa autonomia.
Conclusão: os resultados indicam que a fragilidade na estrutura familiar pode
comprometer a constituição da subjetividade e, obviamente, alterar o
desenvolvimento da linguagem nas crianças, uma vez que quando se vêem à
margem do outro no discurso, surge uma grande dificuldade em elaborar o seu
próprio.
Palavras-chaves: linguagem, desenvolvimento, distúrbio, desordem familiar.
_____
_____________________________________________________ABSTRACT
Background: The familiar disaggregation finishes provoking a fragility in the
subjective constitution, signaled in different difficulties in the child, being that one
related to language one more excellent them. This dissertation had for objective to
describe some difficulties in the language of three children whose histories of life
present episodes of familiar disaggregation, with data of recklessness, permanence
in shelter houses or substitution of family. Method: a survey next to the Conselho
Tutelar de São Roque of the children whose families had been taken care of by the
council members during the year of 2005. Of available handbooks, only seven had
been selected, in function of the age of the children. Anamnese was carried through
one and the analysis of documentations for survey of histories, the direct comment
of the general behaviors of the children and the application of a test of language
verbal (Tipiti) for description of the linguistic uses and deduced level of development
of the language. Results: it can be observed that it has a dependence of the other in
the organization of the speech of the three children, a time who already would have
to establish its with certain autonomy. Conclusion: the results indicate that the
fragility in the familiar structure can compromise the constitution of the subjectivity
and, obviously, to modify the development of the language in the children, a time
who when they are seen to the edge of the other in the speech, appear a great
difficulty in elaborating its proper one.
Keywords: language, development, riot, familiar clutter.
_______
_____________________________________________________SUMÁRIO
Introdução ........................................................................................................ 11
Método .............................................................................................................. 29
A) Natureza do estudo .................................................................. 29
B) Sujeitos ..................................................................................... 32
C) Procedimento ........................................................................... 33
D) Análise de dados ...................................................................... 36
Capítulo I – O papel do meio na aquisição, no desenvolvimento e nos
casos de atraso de linguagem ................................................. 38
Capítulo II - Descrição dos casos clínicos .................................................. 45
1) A história de Pedro ................................................................... 45
2) A história de Beatriz .................................................................. 56
3) A história de Renata .................................................................. 65
Capítulo III - Discussão e análise dos resultados ........................................ 71
Capítulo IV – Conclusão ................................................................................. 80
Referências Bibliográficas ............................................................................. 84
Anexos ............................................................................................................. 88
Anexo 1 - O procedimento de avaliação ....................................................... 88
Anexo 2 - Aplicação do Exame Tipiti ............................................................ 89
Anexo 3 - Normas de aplicação, de registro e de análise .......................... 92
Anexo 4 - Carta solicitação ........................................................................... 98
Anexo 5 - Termo de consentimento livre e esclarecido ............................. 99
Anexo 6 - Parecer do Comitê de Ética do Programa de Estudos Pós –
Graduados da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ..... 101
Anexo 7 - Ficha de anamnese ........................................................................ 102
Anexo 8 - Dados da avaliação oral ................................................................ 104
Transcrição do Caso 1 – Pedro ...................................................................... 104
Transcrição do Caso 2 – Beatriz .................................................................... 109
Transcrição do Caso 3 – Renata .................................................................... 113
___________________________________________________INTRODUÇÃO
Após a conclusão do curso de graduação, passei a realizar um
trabalho voluntário em meu consultório, no atendimento fonoaudiológico de seis
crianças com idades entre 6 e 13 anos. À época, todas elas estavam abrigadas
na “Casa da Criança”, uma instituição assistencial que acolhe crianças e
adolescentes cujos pais não apresentam condições físicas e/ou psicológicas
para serem cuidadores. As crianças atendidas foram encaminhadas pelas suas
escolas por apresentarem problemas de linguagem e aprendizagem e traziam
em suas histórias um fato em comum: a questão do risco, efeito de episódios
de maus-tratos.
Em um Simpósio realizado em 1941 pela Academia Americana de
Pediatria (Lippi, 1985), o maltrato ficou considerado como sendo resultado de
violência física, abandono físico e emocional, maltrato emocional propriamente
dito e abuso sexual da criança. Tais determinantes, segundo Lippi (op. cit), em
última instância, emolduram os pais como “seres negligentes” no sentido de
que os maus-tratos constituem um resultante de diferentes impedimentos nas
relações humanas e revelam, enfim, “a incapacidade destes adultos de
estabelecerem relações amorosas” (p. 11). A negligência aqui apontada
assume o sentido de impotência, daí não ser restrita a certos grupos. E é por
isso que este autor coloca que “tal realidade pode ser encontrada em todos os
níveis sócio-econômicos e culturais” (p.17).
Marcovich (1985), igualmente, afirma que “o maltrato infantil sempre
existiu, desde os primórdios da história e em todas as partes do mundo” (p.19)
11
porque, parece claro, trata-se de uma questão que não se vincula à língua,
raça, cultura, status social, geopolítico ou econômico, mas, sim, representa um
comprometimento na constituição das estruturas subjetivas dos cuidadores.
Nesse sentido é que ele supõe como explicações plausíveis para o maltrato ou
1) a dificuldade dos pais em indicar para a criança um lugar na estrutura de
filiação que estão compondo e onde marcam sua própria existência, ou 2) a
possibilidade deles utilizarem a criança como lugar para seus sintomas,
operando um deslocamento de seus conflitos pessoais e/ou conjugais, ou
mesmo 3) um conjunto de ambas as explicações.
O que de importante em todas as colocações é que o maltrato
sempre coloca a criança em circunstância de risco. Uma criança será
considerada em situação denominada de risco” quando, por um dos
determinantes anteriormente apontados ou pelo seu conjunto, “o [seu]
desenvolvimento não ocorrer de acordo com o esperado para sua idade e de
acordo com os parâmetros de sua cultura” (Hutz e Koller, 1997:177, colchetes
meus). Assim, como está em risco sua constituição, para se evitar problemas
que tendem a ficar cada vez mais potentes, a criança é abrigada.
O abrigo de crianças e adolescentes é uma das medidas de proteção
previstas no Artigo 101*(parágrafo VII) do Estatuto da Criança e do adolescente
____________________
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente
poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou
responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento
temporários; III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino
fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e
ao adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio,
orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - abrigo em entidade; VIII - colocação
em família substituta.
12
(ECA, Lei n.8069/90), que visa atender às demandas de proteção daqueles que
estão em situação de abandono, risco pessoal e social. Tal medida pode ser
tomada pelo Sistema Judiciário ou pelos Conselhos Tutelares.
O abrigamento não é, a princípio, definitivo. A criança pode, em
períodos considerados de risco, ficar abrigada numa instituição ou mesmo ser
“adotada” por uma família substituta (seja ela de familiares ou não). O objetivo
é sempre realocar a criança em sua própria família, desde que ela se adeque
minimamente de modo a poder responder às demandas e necessidades da
criança ou adolescente.
As seis crianças em atendimento em meu consultório se
encontravam nesta condição, qual seja: estavam, naquele momento, abrigadas
por interferência do Conselho Tutelar porque ficaram expostas a algumas
situações de risco (ambiente frágil, inclusive pela presença de drogas, e
submetidas à negligência, pelo o atendimento das suas necessidades
básicas). Como sinais de risco, apresentavam problemas no desenvolvimento
geral e, com maior especificidade, no desenvolvimento da linguagem e,
também, dificuldade no processo de alfabetização, pois, segundo a queixa de
quem os trouxe (nesse caso não foram as conselheiras do Conselho Tutelar,
mas os monitores da “Casa da Criança”), todas apresentavam “dificuldades nas
atividades propostas pelas professoras e o conseguiam acompanhar a sala
de aula”. Para confirmar tal informação, consultei os prontuários de cada uma
delas e não havia nenhum tipo de encaminhamento ao Conselho ou qualquer
13
tipo de material que denunciasse tal dificuldade em suas escolas*.
Foi, então, que passei a me interessar em estudar melhor crianças
nessas condições e, é claro, desde o olhar fonoaudiológico que coloca em
realce as questões de linguagem. Daí este trabalho que pretende discutir
problemas de linguagem em algumas crianças com histórias de vida
semelhantes às destas.
Parece, assim, que tal trabalho pode ser introduzido por uma breve
reflexão em direção a dois eixos. Um, com relação ao conceito de “família”, ou
seja, seu papel ou função no desenvolvimento da criança. O outro, em direção
a uma discussão sobre os problemas de linguagem que podem acometer as
crianças com questões de desagregação familiar, no sentido de terem histórias
de vida marcadas por episódios pontuais ou crônicos de desorganização, tanto
com negligência no atendimento dos quesitos para a sobrevivência
alimentação/higiene/lazer/afeto quanto com exposição a ambientes
inadequados – violência, drogas, isolamento e abandono.
“Família” é uma idéia que, de certa forma, pode ser dita atual. É,
como aponta Ariès (1988), uma construção social e histórica (do ocidente).
Apenas no Renascimento, por uma nova organização arquitetônica da casa,
em que ficam criados dois ambientes diferentes, o público e o privado, é que
surge a possibilidade de se pensar em “vida familiar”. O ambiente privado vai
contornar os limites da existência de um grupo que, mais e mais, ganhará
coesão, a “família”, no interior do qual se criará a circunstância ideal para o
____________________
* Essa diferença nos dados poderá ser melhor entendida quando da análise dos resultados. Ver
página 72 deste texto
14
surgimento da idéia de “criança”.
Assim, a “criança”, que somente no século XII começa a ser “vista”,
pelas suas diferenças anatômicas e seu tamanho e, com isso, passa a ser
representada nas pinturas, vai começar a ser tomada como elemento
pertencente a determinado grupo apenas nos séculos XV e XVI. E, desde
então, este grupo, “a família”, que a acolhe e reconhece como um ser com
existência própria, será determinante para sua vida.
Claro, ao longo do tempo, ambas as idéias, a de “família” e a de
“criança”, sofrem transformações e seus diferentes sentidos até hoje se
representam na literatura. Note-se que aqui está posta em cena para discussão
uma certa idéia de criança (e de família), que como acredita Cohn (2005), em
outras culturas e sociedades [tais idéias] podem não existir, ou podem ser
formuladas de outras formas (colchetes meus).
A idéia de família” passa de um conceito de grupo social elaborado,
desde uma noção geral de agrupamento até uma noção restrita de “célula
principal do tecido social”, para o de grupo genético, até chegar, em períodos
mais recentes, ao conceito de instância simbólica.
Por conseqüência, o conceito de “criança”, igualmente se transmuta.
De uma idéia agostiniana da criança como “símbolo do mal” (e, portanto, a
infância como um período de “redenção”), passando por uma idéia cartesiana
de criança como um ser “desprovido de discernimento e crítica” (e, portanto,
aqui a infância é período de aquisição de um estado de consciência), chega-se
à idéia freudiana de criança como “sujeito”, constituído por fantasias, desejos e
pulsões, o que provoca uma convulsão na própria idéia de “família”.
15
Vorcaro (1997) lembra que o termo “criança” resulta do radical de
verbo criar, o que o significa como processamento do ato criativo de outrem
que a inventa, estabelece, funda ou institui”, realçando seu caráter “único e
singular” (p.23). Essa autora, numa análise mais atual, aponta o termo “criança”
como estando implicada a outro numa somatória de partes que gera uma
terceira absolutamente diferente.
Fonseca (1999:5), diferentemente, numa visão psicossocial dos
fenômenos, afirma que: “o lar e a vida familiar podem proporcionar, através de
seu ambiente físico e social, as condições necessárias ao desenvolvimento e à
formação das crianças”. Para ela, a família “nuclear”, constituída de pai, mãe e
filhos, é a menor unidade social, uma célula que reunida às outras, formará o
tecido social. Essa menor unidade tem função predominante no
desenvolvimento infantil inicial porque serve de modelo para posturas e
condutas culturais e sociais e deve ensinar e desencadear habilidades e
saberes.
Para a melhor compreensão de uma idéia nuclear de família, que
supõe um pai, uma mãe e a criança, é importante trazer à discussão
Roudinesco (2003) que, à moda de Vorcaro, dirigindo sua interpretação para o
campo do psiquismo, aponta que a família é um fenômeno universal que,
“supõe uma aliança de um lado (o casamento) e uma filiação do outro (os
filhos)” (p.31). Segundo ela, cada família provém da união e,
consequentemente, do estilhaçamento de duas outras famílias. Em outras
palavras, a autora afirma que fica criada uma espécie de tensão nesta
constituição: uma aliança (união) que supõe uma desunião, ou seja, uma
16
pessoa desagrega para agregar e constituir “família”. Mas, o “desagregado”
traz em ausência a família à qual pertencia e será nesta rede que a criança que
nasce ise constituir. Assim, ela estende o conceito de família “nuclear” ao
colocar em ausência” a família do pai e a da mãe que, junto ao filho, vão
emoldurar uma triangulação constitutiva da instância dita “familiar”.
Passos (1996) aponta para isto quando busca discutir a família em
termos de um “espaço primário da triangulação afetiva (pai/mãe/bebê) que se
constitui como potencializador da sua estruturação [da criança] como sujeito”
(p.55, colchetes meus).
Essa triangulação, apontada pela autora, é que inscreve o bebê no
mundo, sendo que ela aponta que quanto mais saudável for a relação que
sustenta essa tríplice parceria maior será a capacidade do grupo familiar atuar
como um “agente potencializador” da saúde emocional dos seus membros.
Para tal atuação, é necessário que a família possua uma estrutura sólida e
funcionante, composta por membros que estejam dispostos a acolher e atender
às demandas afetivas.
Todos os estudiosos ponderam sobre a importância das relações
ditas “familiares” na constituição da criança e apontam que a “saúde” de tais
relações, ao lado da “saúde orgânica”, é condição para o seu desenvolvimento.
É importante certificar-se de que a “saúde emocional”, não depende
estritamente de um sistema familiar que tem na família nuclear (pai-mãe-filhos)
seu apoio empírico. Depende, em sentido mais apropriado, de uma
“triangulação afetiva”, como Passos (op. cit) coloca, que se constitui pela
movimentação entre a criança e duas posições: a materna e a paterna, que
17
podem ser ocupadas por qualquer um e não necessariamente pelo “pai” e
“mãe” biológicos. Aragão (2004:43) afirma que originariamente um bebê é
humano quando alguém o reconhece como tal”. Nessa afirmação, a autora,
com inquestionável sutileza, aponta a importância de “alguém” ocupar posição,
ou seja, ela mostra que isso não se restringe ao fato desse alguém possuir
necessariamente vínculo biológico com o bebê.
A família, então, é uma “triangulação” que se constitui pelo
movimento entre a criança e aqueles que ocupam as “posições”
materno/paterna. Portanto, pode haver problemas, efeitos de um
funcionamento tanto na dita “família nuclear” (com pai e mãe biológicos) quanto
naquilo que Ruiz (1985), com muita propriedade, explicita como sendo “família
estendida” (para conjuntos de pais, filhos e outros familiares), “família
incompleta” (quando falta um dos genitores), ou “família em transição” (quando
um dos genitores é substituído por outro adulto por um período transitório). Ele
assinala que “o uso do termo família refere-se ao conjunto de pessoas que
interacionam por um tempo prolongado com o individuo e formam um sistema
psicossocial constante e não somente à família nuclear” (p.47). Em outras
palavras, independentemente da família ser nuclear, estendida, incompleta ou
em transição, o que faz a diferença é a ocupação das posições
materno/paterna pelos seus componentes.
Estender o conceito de família como o fazem Ruiz (op cit) e
Roudinesco (op cit), é importante porque reafirma a idéia de que família” é um
fenômeno “simbólico”, causa e motivo de uma certa constituição subjetiva.
18
Lembrando das seis crianças por mim atendidas, note-se que elas
tiveram ao longo da vida, todo o tipo de emolduramento familiar ou desta
“triangulação”: nuclear, estendido e transitório, incluindo o abrigamento que
não constitui uma circunstância familiar, o que imprime radical particularidade
às suas histórias, que, em sua vez, delinearam um particular desenvolvimento
para elas. Um desenvolvimento marcado por problemas de linguagem e de
aprendizagem.
Befi-Lopes apud Hage, Montenegro, et al (2005), com muita
propriedade, afirma que “as relações entre a criança e o meio, principalmente
no “lar” [e aqui suponho ter este termo o sentido de “família”], são fundamentais
para criar condições para a utilização da comunicação como meio fundamental
de relacionamento interpessoal” (p.394, colchetes meus). Isso significa que,
caso o ambiente influencie negativamente ou simplesmente não influencie, a
criança (como fruto do meio) fica mais susceptível a alteração e desvios na
linguagem.
Em outros termos, se não houver uma livre movimentação
intersubjetiva, a criança não vai caminhar rumo à linguagem. E é fato, certas
constituições familiares podem promover uma espécie de engessamento na
intersubjetividade, mas deve-se reconhecer que as circunstâncias de
abrigamento também, só que por outros e bem diferentes motivos.
Lefort (1983), num trabalho muito interessante, estudou o
desenvolvimento de crianças abrigadas em instituições públicas parisienses e
verificou tal paralisia. A questão da pesquisadora se inscrevia no fato de que o
abrigo fazia uma provisão bastante adequada aos cuidados gerais e
19
proporcionava um ambiente calmo e estimulante. Entretanto, muitas crianças
não falavam.
Após o estudo de alguns casos, concluiu que o movimento
“intersubjetivo” ou implicação entre sujeitos, ali não se dava. Os cuidadores
falavam muito, cantavam, brincavam, mas não o faziam “com a criança”, no
sentido de tomá-la no lugar de um sujeito, um que tem o dever e o direito à
palavra. Daí a paralisia, geradora de um atraso da linguagem. Segundo o
estudo, esse lugar de “sujeito” dificilmente é oferecido pelos cuidadores porque
não vinculo “familiar”, vinculo que é efeito da uma história de união
(desunião) e descendência.
Portanto, vínculo que pode ser instaurado por qualquer um que ocupe
lugar nesta história (parentes, tios, novos cônjuges). Mas, como já está
apontado, este vínculo pode ser mal instaurado, apesar de haver circunstâncias
para ele. E vínculo mal instaurado é motivo e conseqüência daquilo que se
denomina “desagregação familiar”, ou seja, um “grupo” cuja história não lhe
sustenta. E sem sustentação, esse grupo perde potência e seus “filhos” ficarão
mal constituídos. Um dos sinais desta constituição mal posta é o atraso no
desenvolvimento da linguagem.
Assim, é pertinente, agora, finalizar esta introdução com uma breve
discussão sobre os problemas de linguagem nas crianças com questões
familiares.
Para discutir os problemas que podem ocorrer no processo de
aquisição de linguagem pelas crianças, o campo fonoaudiológico usa,
20
tradicionalmente, certa nosologia na organização dos achados patológicos,
considerando-os em conjuntos que representam ou um atraso ou um distúrbio.
Atraso de linguagem significa retardo ou defasagem no processo de
aquisição de linguagem, ou seja, é um termo que tem sido utilizado para
designar as alterações nos padrões temporais normais de aquisição de
linguagem (Spinelli, 1983; Zorzi, 1993; Silva, 1995; Befi-Lopes e Palmieri, 2000;
Guerreiro e Hage, 2004). Parece que os estudiosos consideram o atraso de
linguagem o quadro emblemático dos problemas da infância.
Zorzi (op. cit), por exemplo, considera que retardo de linguagem ou
retardo da aquisição de linguagem diz respeito a algum comprometimento no
curso evolutivo da aquisição da linguagem e sugere dois tipos: o primeiro
manifesta-se na forma de ausência de linguagem verbal no desenvolvimento
infantil (nos casos em que a criança já atingiu ou ultrapassou a idade
cronológica esperada) e o segundo pode ser observado em crianças que,
embora já estejam fazendo uso de palavras para se comunicar, apresentam
uma linguagem que não se desenvolve com a mesma velocidade e
complexidade constatadas na evolução das demais crianças (vocabulário
restrito, dificuldade de compreensão, dificuldade em elaborar frases). Em
outras palavras, seja na ausência seja na diferença, o retardo diz respeito a um
problema que se insere na temporalidade de um processo que é universal,
caracterizado por ordem e graduação fixas e que pode ter causas orgânicas ou
psicossociais.
No universo das causas orgânicas, encontramos varias descrições
desta defasagem temporal no processo de aquisição, como a de Limongi
21
(2004) quando comenta sobre a linguagem das crianças portadoras da
Síndrome de Down; ou a de Lamônica (2004), sobre o desenvolvimento da
linguagem em crianças acometidas pela Paralisia Cerebral; ou ainda a de
Balbani e Montovani (2003) sobre as crianças com perdas auditivas.
Mysak (1984), igualmente, discute o “atraso no início da fala ou o
desenvolvimento lento e limitado do comportamento verbal” (p.105) e o
discrimina em causas orgânicas (gnosogênicas, neurogênicas e genéticas) e
psicossociais (psicogênicas e sociogênicas). Aponta que os atrasos com causa
psicossocial são de menor gravidade e os considera de mais fácil tratamento.
Aliás, deve-se notar que os atrasos por causas psicossociais são
descritos como representantes de uma limitação (que pode ser radicalmente ou
maior ou menor) resultante da falta de estímulos, modelos e experiências, que
pode ser até cancelada se a interação e o meio forem modificados.
É rara, senão pontual, uma discussão sobre tais casos a partir da
idéia de um “psicossocial” entendido como espaço simbólico, cerne da
constituição subjetiva, o que subtrairia as adjetivações de “menor gravidade” e
“mais fácil tratamento”.
Mesmo quando descriminadas em psicológicas e sociais, as
primeiras estão referidas a problemas de vínculo, mas que, igualmente à
segunda, determinam uma insuficiência na quantidade de estímulos e um
descompasso no tempo da aquisição.
O distúrbio de linguagem se discrimina do retardo porque as
alterações não se organizam diacronicamente e constituem um quadro que
22
muitos estudiosos também referem à infância. Quer dizer, em realidade não
consenso de que o retardo seja o quadro emblemático da infância.
Spinelli (op.cit), numa leitura foniátrica dos fatos, fala em quadros de
retardo e de distúrbios de modo particular, ora tratando-os quase que na
sinonímia, ora numa diferença importante.
Vale notar, por exemplo, que ele diz que para as crianças
“retardos” cujos sinais compõem quadros diferentes que podem ou não ser
denominados “distúrbios”, tendo em vista a presença de comportamentos
“anômalos”, ou seja, “não típicos de certos retardos”. Por exemplo, quando
trata do Distúrbio Específico de Linguagem, ele aponta que um consenso
entre os estudiosos no que diz respeito às descrições clinicas e aspectos
conceituais a este “tipo de retardo de linguagem” (p.16).
Befi-Lopes e Palmieri (op.cit), numa outra leitura, distinguem retardo e
distúrbio de linguagem. Para elas, no distúrbio haveria uma alteração na
sincronia do desenvolvimento dos diversos subsistemas da linguagem,
enquanto que nos casos de retardo haveria apenas um atraso nesse
desenvolvimento.
Como argumento, apresentam o caso do Distúrbio Específico de
Linguagem (DEL), diagnosticado quando a criança apresenta alterações de
linguagem não resultantes nem de problemas de orgânicos nem de problemas
psíquicos e que, segundo as estudiosas, atinge cerca de 5 a 10% da população
infantil. As dificuldades lingüísticas manifestadas pelas crianças com DEL
costumam estar relacionadas, principalmente, às áreas da fonologia, semântica
e sintaxe, em diversos níveis. Tais
crianças apresentam dificuldades para
23
compreender as relações estabelecidas entre os signos lingüísticos e seus
significados, e para combinar estes elementos em códigos lingüísticos capazes
de transmitir conhecimentos ainda mais abstratos, como, por exemplo, criar
estórias a partir de um estímulo visual (Befi-Lopes, Puglisi e Takiuchi, 2005).
Guerreiro e Hage (op.cit.) também discriminam retardo e distúrbio,
discutem o DEL e incluem os quadros de transtornos invasivos do
desenvolvimento, transtornos psicóticos e alguns distúrbios do comportamento
e emocionais significativos como causa dos distúrbios de linguagem em
crianças.
Fernandes (2003), por exemplo, ao comentar sobre a linguagem das
crianças de espectro autístico, aponta para o conjunto de alterações que
representam um distúrbio, desmerecendo a questão da temporalidade como
índice de problema. Ela fala de uma “complexidade comunicativa” (p.242) no
sentido de que diferentes possibilidades e diferentes comprometimentos em
cada caso, mostrando uma alteração sincrônica no desenvolvimento.
Perissinotto (2004) igualmente, aponta um distúrbio para as crianças
com Transtorno do Espectro Autístico ao dizer que elas “mostram desvios na
aquisição de linguagem” (p.933), mais ainda, “desvio no desenvolvimento”
devido a três tipos de prejuízos: cognitivo, afetivo e cognitivo-afetivo.
Assim, é possível dizer que se para Mysak (op cit) as alterações de
linguagem de causa “psicossociais” compõem o retardo de menor magnitude,
muitos autores consideram que as alterações de linguagem de causas
psíquicas constituem um quadro de grande magnitude, sendo que, pelo caráter
24
sincrônico das falhas, o alocam no conceito de distúrbio, assim como fazem
com o DEL.
Para as alterações articulatórias, o próprio campo fonoaudiológico
tratou de recolocar esta questão, ou seja, tratou da dicotomia retardo/distúrbio.
É interessante notar que nesta discussão nosológica as alterações
articulatórias, além de constituírem um quadro em separado, tradicionalmente
representam ou podem compor um atraso de fala”, com comprometimento na
temporalidade da aquisição dos sons da língua, ou um “distúrbio articulatório”,
quando desvios sincrônicos. Sendo que para tais alterações, ficou
estabelecida a diferença entre as fonêmicas e fonéticas, essas, relativas às
inabilidades motoras interferentes e aquelas, ao uso das regras da língua.
Porém, mais recentemente, as alterações articulatórias foram reunidas e
compreendidas desde a noção de “distúrbio fonológico” (Wertzner, 2004) o que
invalida para elas a questão da diferença entre retardo e distúrbio e as inclui
nos ditos “problemas de linguagem”, cancelando seu alocamento em separado,
o que a nosologia utilizada vinha provocando.
Os estudiosos discutem os problemas de linguagem referidos a
causas “ambientais enquanto um “atraso”, ou seja, como uma diferença
diacrônica no processo característico do desenvolvimento de linguagem. Se é
um resultante processual, não são alterações “adquiridas”, que essas serão
resultantes de lesão ao longo da infância. Discriminam causas “ambientais” e
“emocionais” (Spinelli, op.cit, Mysak, op.cit), localizam a desagregação familiar
como causa ambiental dos problemas e os consideram de pouca magnitude.
Para Mysak (op cit) essas alterações são causadas 1) por estimulação
25
insuficiente ou estimulação inadequada, no que se aproxima de Spinelli (op cit),
2) motivação reduzida e recompensas inadequadas, no que se aproxima de
Befi Lopes (2004) quando trata da ausência do calor comunicativo para a fala.
Descrevem-nos como “atraso em compreensão, vocabulário, gramática e
articulação” (Spinelli, op cit: 16), o que denota certa “pobreza lingüística”.
Nota-se que implícito nestas considerações está o fato de a
linguagem ser tomada como uma aquisição resultante de um processo de
aprendizagem em que pai e e têm um papel importante no modelo, na
estimulação e no reforço. Daí a questão da desorganização familiar não estar
inserida na ordem psicológica, mas naquela dita “ambiental” ou “social”. se
considerou que mesmo os postulantes de uma causa psicológica acabam
explicando o atraso como insuficiência e descompasso devido a um problema
de vínculo, o que não gera tanta diferença entre esta e as causas ambientais
ou sociais. Considerados de pouca magnitude, os problemas que caracterizam
atrasos por causas ambientais são, portanto, de fácil lida, não demandando um
tempo demorado, pois se trata de reformular o modelo, a oferta de estímulos e
a potência do reforço.
Enfim, há uma discussão nosológica bastante extensa no campo com
vistas a uma organização mais eficiente e econômica do ponto-de-vista clínico
para os sinais e sintomas apresentados pelas crianças com problemas de
linguagem. Talvez ela pudesse ser abreviada e ganhasse pertinência sob a
sugestão de Palladino (2003) em direção ao uso do conceito de “transtorno”,
26
como algo que tem existência na diferença e gera sofrimento*.
À luz dessa sugestão, esse trabalho pretende descrever e tentar
compreender alguns fatos de linguagem (então no sentido de uma singular
diferença) em crianças com histórias de desagregação familiar.
Antes de prosseguir, vale considerar que as crianças que
despertavam meu interesse pelo tema apresentavam, além dos problemas na
linguagem oral, algumas dificuldades de aprendizagem. Mesmo que tais
dificuldades não estejam incluídas no interesse desse trabalho, uma brevíssima
discussão sobre a questão fica pertinente.
A etiologia das dificuldades de aprendizagem é diversa e pode
envolver fatores orgânicos, intelectuais/cognitivos e emocionais (estrutura
familiar e relacional), ocorrendo, na maioria das vezes, uma inter-relação entre
todos esses fatores.
Paín (1985), por exemplo, considera as dificuldades de aprendizagem
como sendo aquelas apresentadas ou percebidas no momento de ingresso
da criança no ensino formal. Segundo a autora, o conceito é abrangente e inclui
problemas decorrentes do sistema educacional, de características próprias do
indivíduo e de influências ambientais.
Capellini (2004) comenta que, de um modo geral, “todas as
alterações presentes durante o desenvolvimento da linguagem oral podem
resultar em dificuldades de aprendizagem escolar” (p.862). Assim sendo, uma
____________________
* Comunicação apresentada em mesa-redonda no XI Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia
sobre o tema “Transtornos Lingüísticos e Transtornos Orgânicos” – Fortaleza – CE.
27
criança que apresenta certa defasagem em sua aquisição de linguagem oral,
dificilmente obterá um bom rendimento no âmbito escolar. As principais
manifestações presentes nessa população, segundo a autora, estão
relacionadas às habilidades lingüístico-cognitivas no âmbito da leitura, da
escrita e do raciocínio lógico-matemático” (op.cit:863).
Alves, Costa e Rego (2006), quando buscam descrever a prevalência
dessa população, apontam que “cerca de 3 a 5% dos indivíduos apresenta
algum comprometimento relacionado ao desempenho escolar” (p.145). Tal
comprometimento pode ser entendido como algum obstáculo encontrado pelo
aluno durante o período de escolarização, referente à captação ou assimilação
dos conteúdos propostos pelos professores. Comentam também que
diferença entre os tipos de dificuldade de aprendizagem e que podem ser
denominados: dislexia, disortografia, disgrafia e discalculia.
Numa perspectiva que se distingue, a Associação Brasileira de
Dislexia (2007) postula a dislexia como o distúrbio de maior incidência nas
salas de aula e considera que cerca de 10 a 15% da população mundial é
disléxica. Ao contrário do que muitos pensam, a dislexia não é o resultado de
má alfabetização, desatenção, desmotivação, condição sócio-econômica ou
baixa inteligência. Ela é uma condição hereditária com alterações genéticas,
podendo apresentar, ainda, alterações no padrão neurológico. Com isto, este
tipo de alteração fica desalojado dos problemas de escolarização que as
crianças com famílias desorganizadas apresentam. No caso delas, um
conjunto de fatores que determinam dificuldades ao longo da infância
28
(dificuldades motoras, de atenção, de memória, de linguagem oral) e que são
coroadas exatamente pelas dificuldades na leitura, na escrita e na matemática.
Note-se que, considerados como resultantes de “múltiplos fatores”,
incluída a questão das relações familiares, os problemas de aprendizagem
estão, sobretudo, ou relacionados a dificuldades cognitivas ou a determinantes
biológicos. A questão familiar, à semelhança dos problemas de linguagem oral,
surge como índice de pobre estimulação” que gera um desenvolvimento
cognitivo frágil e conseqüentes dificuldades nas aprendizagens. Não
estudos vigorosos sobre a desagregação familiar como fonte de uma
fragilidade na constituição subjetiva, sinalizada em diferentes dificuldades na
criança, sendo que aquele relacionado à aprendizagem da escrita pode ser um
dos mais relevantes. Vale reconhecer que os psicanalistas e os educadores
com formação psicanalítica têm tentado discutir tal assunto sob essa ótica.
Porém, a discussão aqui não avançará porque não compõe objetivo deste
trabalho. Tentei apenas não ignorar tal questão.
29
_______________________________________________________ MÉTODO
A) Natureza do Estudo
Tipo de Pesquisa
Esta pesquisa é de natureza clínico-qualitativa e busca entender
certos fatos “referentes ao campo do binômio saúde-doença” (Turato,
2003:242), sendo desenvolvida através do delineamento de um estudo
sincrônico de três casos.
Note-se que não se trata esse de um “projeto de identificação de
freqüência ou incidência de um fenômeno para sua comparação com
fenômenos já identificados com vistas a uma generalidade estatística” (Yin,
2001). Aqui, a questão não é verificar se as crianças estudadas têm os
mesmos problemas que as atendidas no consultório, uma identidade que
permitiria uma generalização e, então, a concordância sobre a existência de um
“tipo” de retardo de linguagem por certas causas “ambientais”.
Na introdução há uma discussão sobre tal consideração
nosológica o retardo e sobre tal consideração etiológica causas
ambientais visando cancelar a possibilidade de se empreender uma
generalização estatística.
O objetivo, então, é o de entender alguns fatos que se dão a ver e
tentar uma generalização que se diz “analítica”, que se trata de uma
pretensão de compreensão da ocorrência de diferentes fenômenos que serão
tomados como fatos, que, como tais, “não podem ser engessados,
manipulados ou selecionados, como é possível fazer com o material em outros
30
métodos, como no Histórico e no Experimental” (Bonoma, 1985:206). Este
método, o de estudo de caso, é indicado quando se trata de fenômenos
humanos, que são “fatos”, como o é, por excelência, a linguagem.
Para Nasio (2001), o estudo de caso apresenta três funções distintas,
quando busca descrever um “fato”, quais sejam: didática, metáforica e
heurística. Segundo o autor, a “função didática desempenha um caráter cênico,
conferindo assim, a dedução de conceitos teóricos a partir de reflexão sobre
um caso clínico e apresenta indiscutível sugestão de ensino”. Já a função
metafórica busca ilustrar uma teoria por meio do caso clínico, ou seja, “a
observação clínica apresenta-se de forma tão imbricada ao conceito que se
torna uma metáfora dele”. E, finalmente, a função heurística propõe que “o
caso clínico ultrapasse seu papel de ilustração ou de metáfora emblemática,
tornando-se, em si mesmo, um gerador de conceitos” (p.13-17). Aqui, pretende-
se privilegiar, a função heurística, mesmo que apenas inicialmente.
Sendo assim, o objetivo deste estudo é descrever algumas
dificuldades na linguagem de três crianças cujas histórias de vida apresentam
episódios de desagregação familiar, com dados de negligência, abrigamento ou
substituição de família.
Para tanto, foi feito um levantamento junto ao Conselho Tutelar de
São Roque das crianças cujas famílias foram atendidas pelas conselheiras
durante o ano de 2005. Dos prontuários disponibilizados, foram selecionados
apenas sete, em função da idade das crianças. Aos “sete anos de idade
domínio do sistema geral das regras lingüísticas” e, até os dez anos de idade,
“pleno domínio de uso”, ou seja, alcança-se uma maior sofisticação lingüística
31
(Wertzner, op.cit:772) e, assim, é possível fixar esta faixa-etária como limite
para a dedução de problemas de aquisição. Vale realçar que o fato dessa
autora estar tratando das “regras lingüísticas” apenas no que concerne ao
sistema fonológico, não impede a generalização aqui feita, que as regras
lingüísticas vão organizando todas as categorias lingüísticas por extensão,
ainda que possa haver certa hierarquização entre elas. Portanto, fonologia,
morfossintaxe, semântica e pragmática podem ser consideradas como
adquiridas aos sete anos de idade.
Para a viabilização do trabalho proposto, devido à dificuldade de
acesso a essas crianças, foi elaborada uma carta-solicitação (Anexo 1),
explicitando resumidamente o trabalho e solicitando permissão do Conselho
Tutelar para o desenvolvimento da pesquisa, permitindo, assim, o acesso às
residências dessas famílias, uma vez que elas o têm telefone,
impossibilitando o contato direto com elas, para solicitar sua presença no meu
consultório, onde seria aplicado o procedimento da pesquisa.
Das sete crianças selecionadas, apenas duas meninas (uma de dez
e uma de sete anos de idade) e um menino (de dez anos), participaram da
pesquisa, pois o restante mudou-se para outra cidade, fato identificado apenas
por ocasião do início dos contatos.
Mesmo com um número bastante limitado de crianças, o que acabou
compondo uma amostra” que pode ser tida como restrita e talvez por isso se
tornasse resistente às considerações que por ventura fossem feitas, o trabalho
seguiu. Inclusive porque seriam “estudos de caso” e não identificação
32
quantitativa de fenômenos para efeito de comparações. O método de estudo de
caso permite a restrição da amostra, dada a sua natureza e abrangência.
B) Sujeitos
São três crianças*, portanto, três unidades de análise: um menino (de
dez anos) e duas meninas (de sete e dez anos). As três crianças têm histórias
que se aproximam em relação à desagregação familiar, sendo que duas
passaram por episódios de abrigamento e uma sempre conviveu com a família
que pode ser considerada como “estendida” nos parâmetros de Ruiz (op.cit).
Pedro dez anos de idade, atualmente cursa a série do primeiro
grau de uma escola pública e ficou abrigado dos dois aos nove anos de idade.
Atualmente mora com a mãe e com os irmãos. Há na história dados de
problemas orgânicos (por uso de substâncias psicotrópicas pela mãe durante o
período gestacional e problemas peri-natais) e apontamento de dificuldades
escolares.
Renata - sete anos de idade, atualmente cursa a 2ª série do primeiro
grau de uma escola pública e não ficou abrigada. Mora com a tia, irmã, pai, avô
e primos e não mantém contato com sua mãe biológica (desde seus primeiros
anos de vida, sua mãe a abandonou e não dados referentes sobre seu
paradeiro).
________________________
* Vale lembrar que os nomes utilizados para ilustrar os casos são fictícios, assim como de seus familiares, de forma a
preservar o sigilo, conforme acordado no termo de consentimento livre e esclarecido (em anexo) assinado pelo
responsável do Conselho Tutelar de São Roque (órgão legal responsável pela integridade de cada uma delas).
33
na história dados de problemas orgânicos (decorrentes do uso de
substâncias psicotrópicas pela mãe durante o período gestacional). Entretanto,
não há apontamentos de dificuldades escolares no relato de sua tia.
Beatriz irmã de Renata, tem dez anos de idade. Atualmente cursa
a 3ª série do primeiro grau de uma escola pública e ficou abrigada dos 3 anos e
meio aos 6 anos de idade. Atualmente mora com a tia, irmã, pai, avô e primos e
não mantém contato com sua mãe biológica. Há na história dados de
problemas orgânicos (por uso de substâncias psicotrópicas pela mãe durante o
período gestacional) e apontamentos de dificuldades escolares.
C) Procedimento
O estudo de caso pressupõe, basicamente, uma metodologia, a
saber: um levantamento do material através de entrevistas (entrevistas clínicas,
por exemplo), de documentação (de prontuários, por exemplo), de observação
direta (por exemplo, do paciente) e de observação com participação do
investigador (por exemplo, pela aplicação de um teste) (d’Allonnes, 2004;
Galdeano et al, 2003; Bressan, 2000).
Assim, esse procedimento foi seguido. Foi realizada uma anamnese,
a análise de documentações para levantamento das histórias, a observação
direta das condutas gerais das crianças e a aplicação de um teste de
linguagem oral para descrição dos usos lingüísticos e deduzido nível de
desenvolvimento da linguagem.
34
A anamnese, que é a principio uma “entrevista focada” porque segue
perguntas pré-estabelecidas, ganhou neste estudo, um caráter de entrevista
“aberta-fechada” na qual os entrevistados não indicam os fatos como
também emitem (ou, podem emitir) opiniões relacionadas a eles (Bressan, op.
cit). Isto é, apesar de haver uma espécie de “roteiro” pré-estabelecido, a
verticalização das informações ficava sob domínio do imprevisível do discurso.
Muitas vezes um tópico passava a ser explorado por um período relativamente
extenso da “conversa”.
A leitura dos protocolos, feita na própria sede do Conselho Tutelar,
foi importante para melhor compreensão da história das crianças, sendo que
sempre houve o cuidado de não tomar informações ali contidas como “literais”.
Isso porque tais documentos nos ajudam a fazer evidentes os fatos e não os
circunscreve especialmente (Yin, op. cit).
As observações diretas sobre condutas gerais das crianças foram
consideradas importantes porque são “informações adicionais sobre o tópico
em estudo” (Yin, op.cit:91), ou seja, no caso, sobre o desenvolvimento geral em
que está atrelado o próprio desenvolvimento da linguagem. Tais observações
se dirigiam aos aspectos gerais: aspecto físico, condutas motoras, condutas
sociais, perceptuais e cognitivas.
A escolha do Exame de Linguagem Tipiti (Braz e Pellicciotti, 1981)
para a realização da observação com participação do avaliador, deu-se pelas
seguintes razões: é instrumento elaborado em português do Brasil; possui uma
organização de provas muito bem sedimentada; foi extensamente validado; é
constituído por provas divididas em faixas etárias e tem uma proposta de
35
análise em que fatores sociais são passíveis de serem incluídos (por exemplo:
os registros lingüísticos), assim como variações individuais.
O Tipiti oferece um conjunto de provas emissivas e receptivas. Deste
conjunto, uma parte serve como instrumento básico de testagem, ou seja,
contempla os dois níveis (emissivo e receptivo) e os quatro sistemas da língua
(fonêmico-fonológico, morfossintático, semântico e pragmático). São essas as
seguintes provas: elaboração de narrativa, recontagem de narrativa e lista de
palavras. As outras provas complementam essas no sentido de verticalizarem a
testagem de um nível em especial e/ou um ou mais componentes lingüísticos.
O teste oferece quatro provas de elaboração discursiva. Três dessas
provas se dão tendo como cenário figuras representativas de fatos da
realidade, sendo que o que faz a diferença entre elas é que as duas primeiras
têm como detonador da narrativa um estímulo visual que funcionaria, então,
como a proposição de uma temática (no caso, as figuras: A Mala e o guarda-
chuva e o Estádio de futebol) e a última, um conjunto de estímulos, cuja
síntese, obtida pela sua disposição no espaço, funcionaria como tema.
A quarta prova se tendo como cenário uma narrativa (feita pelo
examinador) e, assim, a elaboração realizada trata-se da recontagem da
estória (pelo sujeito avaliado).
Através destas provas e daquela denominada “lista de palavras” é
possível avaliar todos os sistemas lingüísticos, tanto em recepção quanto em
emissão.
36
D) Análise dos dados
As diferentes partes do material colhido para o estudo dos casos
foram analisadas da seguinte forma: a leitura de documentação e a anamnese
poderiam compor a história da criança principalmente com o intuito de
desenhar uma determinação não orgânica (ou não só) para eventuais falhas e,
por conseguinte, desenhar, se possível com detalhes, as circunstâncias
“familiares”.
A observação direta das condutas gerais da criança também poderia
servir de considerações sobre o desenvolvimento geral e discriminar (enquanto
possíveis suposições apenas) problemas orgânicos e não-orgânicos.
A aplicação do teste poderia levar à descrição dos usos da linguagem
por cada criança, sua adequação e propriedade relativamente à sua faixa
etária. Os dados foram colhidos e analisados conforme indicação do próprio
teste.
Todo o material foi analisado pontualmente e em conjunto. Note-se
que tal análise trouxe à cena usos de linguagem que apontaram para uma
circunstância discursiva interessante em que tais crianças pareciam
posicionadas, o que demandou reflexão, então realizada desde aportes de
certa teorização de Aquisição de Linguagem, e assim, para tanto, no campo da
aquisição, foram utilizados aportes da Teoria Interacionista.
Isto porque se toma a linguagem desde a questão discursiva e se
argumenta que sua constituição é da ordem da subjetivação, que é efeito do
movimento da criança entre três posições na estrutura da linguagem, uma
estrutura simbólica: a do outro, a da língua e a do sujeito. (De Lemos, 1999).
37
Com isto, pretende-se dar conta dos achados discursivos, considerando-se que
tais sujeitos têm uma conformação parental singular que pode ser colocada no
cerne de seu funcionamento simbólico que, em sua vez, tem como um dos
seus efeitos o falar.
Vale ressaltar que essa pesquisa teve a aprovação do Comitê de
Ética do Programa de Estudos Pós-Graduados da Pontifica Universidade
Católica de São Paulo, protocolo nº. 056/2006.
38
________CAPITULO I – DESENVOLVIMENTO E ATRASO DE LINGUAGEM:
LUGAR E FUNÇÃO DA FAMÍLIA
Com o intuito de discutir a relação existente entre a família em que
criança está inserida e a aquisição da linguagem, seu desenvolvimento e
possíveis alterações, este capítulo traz à tona alguns estudiosos da área que
comentam e discutem estas questões.
Inicio este capítulo com Passos (op.cit: 54) que afirma que “os
fonoaudiólogos parecem ter descoberto, pouco a pouco, que por trás de um
sintoma de linguagem sempre um contexto familiar dando-lhe forma e
sentido”. Tal consideração põe em relevo o lugar da estrutura parental na
constituição da criança.
Quando Roudinesco (op.cit), desde as palavras de psicanálise,
aponta a família como uma “estrutura simbólica”, ela está exatamente
postulando-a como um lugar de inscrição cujo funcionamento lhe confere uma
natureza singular que, em sua vez, se torna condição para o processo de
subjetivação, ou de constituição do ser humano.
Esta metáfora espacial, de um lugar marcado por posições parentais,
é interessante porque diz de um processo que é permanente, ou seja, de um
funcionamento que acolhe desde sempre a criança e ali a mantém,
contornando-a porquanto um sujeito para sempre. Acolhe e mantém ainda que
as posições estejam ocupadas tão somente “em ausência”, o que quer dizer
que das posições emanam efeitos mesmo quando não ocupadas no real, e é
por isto que este é um processo da natureza “simbólica”.
39
Se a metáfora fosse temporal, diferentemente, seria preciso
considerar que a família tem lugar e papel na constituição da criança apenas
transitoriamente, como muitas visões sociológicas e mesmo psicológicas tratam
do tema. Por exemplo, Borges e Salomão (2003) enfatizam a relação “adulto-
criança” no processo de aquisição da linguagem. Segundo as autoras, a
relação entre as intenções comunicativas e os primeiros estágios da linguagem
formal possui grande importância. Tal valor baseia-se no pressuposto básico da
consideração de que a habilidade social e comunicativa da criança é mais
precoce do que sua habilidade para a linguagem formal. Neste sentido, a
participação do adulto como interlocutor lingüisticamente mais habilitado é
essencial no começo, pois, ele deve mostrar-se sensível às intenções
comunicativas da criança, buscando aproximar o nível lingüístico dessa ao seu.
Um outro exemplo é constituído pelas palavras de Carvalho e Homem (2001)
que buscam demonstrar a importância e a influência que o meio exerce sobre a
aquisição da linguagem quando afirmam que “o ambiente no qual a criança
desenvolve-se influi quanto ao clima emocional e as formas verbais e
experiências que eles proporcionam”. Segundo os autores, os modelos que o
meio fornece à criança influenciam na linguagem pela quantidade, qualidade e
pelas situações vividas pela criança. Eles afirmam que a estimulação é um fator
importante no desenvolvimento da linguagem infantil e, por isso, se a criança
inicialmente vive em um ambiente desfavorável, como creches, orfanatos,
hospitais (e o caso dessa pesquisa, em instituições) sem a presença da mãe,
sua linguagem poderá sofrer alterações.
40
Jerusalinsky (2004:241), numa outra linha, considerando sobre a
linguagem e a família, comenta que, enquanto a linguagem coloca um
ordenamento simbólico, o lugar da criança estará determinado pelo espaço
criado para ela no seu núcleo familiar”.
Este autor diz de uma narrativa parental que encapsula o bebê,
destinando-lhe um lugar numa história de filiação. Em outras palavras, diz de
uma “antecipação” que põe o bebê numa certa posição que lhe obriga à
subjetivação. Esse autor não fala da função de estimuladores e reforçadores
dos pais como condição para aquisição da linguagem.
O bebê é antecipado na posição de sujeito e, portanto,
antecipadamente é considerado um sujeito da linguagem que, é claro, tem
ocupação específica nessa estrutura, que é infans ou aquele que ainda não
pode falar, “uma libra de carne, um puro objeto no real” como diz Coriat (1997).
Mas um objeto, ainda sob o olhar dessa autora, que é único porque tem
“particular receptividade às marcas do simbólico e ao peculiar efeito que estas
marcas produzem nele, transformando-o em sujeito” (p.92). Melhor explicação
disto é quando a autora coloca que “um bebê é um infans recoberto pelo
envoltório imaginário com o qual é olhado pelo adulto” (p.92), ou seja, quando
ela aponta que o “destino do bebê, como futuro sujeito, vai sendo escrito nas
marcas fundantes que vão imprimindo, sobre seu corpo no real, os atos do
adulto em relação à ele, atos cujo conteúdo e qualidade irão representar
diferenças em função daquilo que significar para o adulto a imagem que
neste objeto-bebê que tem diante de si” (p.93).
41
É por isso que, como considera Souza (2004), “quando um bebê ou
uma criança não pode ser, por algum motivo, desejado por aquele que exerce a
função materna [e paterna], isto poderá acarretar problemas no
desenvolvimento psíquico com possíveis conseqüências em termos, por
exemplo, de aquisição de linguagem e de socialização” (p.894, colchetes
meus).
Freire (1997:43) destaca a importância da atividade interpretativa da
mãe na construção da linguagem de seu bebê. A autora afirma que tal
interpretação baseia-se na “imagem ou representação que a mãe faz de seu
bebê enquanto interlocutor”.
Vale apontar que a interpretação é efeito do processo de antecipação
citado. Porque toma a criança como sujeito da linguagem, o adulto
“interpreta” toda e qualquer produção dela como sendo “algo que tem sentido e
que está a mim endereçado”. Quer dizer, qualquer manifestação da criança o
convoca à enunciação. D ser esse um funcionamento de natureza
“simbólica”, pois alicerçado num “como se”. Dessa forma, quando não tal
interpretação ou quando a mesma é conflitante, o bebê fica suscetível a
qualquer tipo de comprometimento em seu desenvolvimento de linguagem.
Essa antecipação, que alicerça toda a interpretação, é que leva à
elaboração de uma instância discursiva dialógica como fonte permanente da
linguagem. Em outros termos, o discurso dialógico se instala precocemente
porque ele responde ao caráter convocatório da linguagem, ou a seu traço
fundamental de alteridade, e vai sustentar para sempre a enunciação. Ao
42
“dialogar” com a criança, a mãe abre espaço à sua enunciação, ainda que ela
não possa fazê-lo ou que o faça apenas parcialmente.
Claro que num primeiro momento tal sustentação é empírica, mas
depois se transforma em suposição. Em outras palavras, no monólogo o
interlocutor está necessariamente imaginado porque sempre tem presença
determinante, mesmo que não haja marcas na língua de sua presença.
Assim, nesta estrutura “dialógica”, a criança se apropria da língua,
que é constitutiva de seu entorno, exatamente num processo que é efeito das
posições entre as quais ela pode transitar na linguagem. De Lemos (op.cit)
ensina que nessa estrutura há três posições com as quais a criança se
confronta: “o pólo do outro, o pólo da língua e o pólo do sujeito” (p.6). É do
movimento entre estas posições que ela pode transitar na fonologia, na
morfossintaxe, na semântica, na pragmática. E ela aí transita porque posta “em
diálogo”
Enfim, a estrutura discursiva dialógica sustenta os movimentos da
criança na linguagem, rumo à língua.
De Lemos (1995), discute a questão da relação dialógica (mãe e
criança) como fenômeno de natureza discursiva, onde, através da interação.
Segundo a autora, a criança vai habitando o discurso do Outro (mãe)
ressignificando-o, tornando-se mais tarde autor de seu próprio discurso: “É nesse
sentido, penso eu, que vale a pena insistir que, na aquisição, o que está
literalmente em jogo é a relação da criança com a linguagem. Se mudanças
e mudanças elas são dessa ordem. Creio ter podido apontar aqui como a
criança pode sair da posição de interpretada pela fala do Outro, atuante em sua
43
própria fala, para uma posição em que é a língua, enquanto Outro, que a desloca
e ressignifica. Na medida em que esses deslocamentos e os erros que indicam
tendem a desaparecer da superfície da fala, deixando em seu lugar pausas,
hesitações e correções da fala, e rasuras na escrita, outras mudanças na relação
com a linguagem deslocam a criança para outra posição” (p. 27). Quer dizer,
segundo a autora, as “mudanças” são efeitos de diferentes posições com o sujeito
diante da língua e não resultados de uma progressiva aprendizagem.
É possível pensar, desde estas idéias de família e de linguagem, que
crianças cuja família passa por um colapso desagregador terão questões
importantes em sua linguagem, no sentido de “problemáticas”. Torna-se
necessário pensar no “processo de antecipação” em famílias ou
desestruturadas (em que o pai e a mãe não têm condições de contar uma
narrativa de filiação) ou substitutas (em que o pai e a mãe não são lugares
marcados e definidos para a criança), já que, provavelmente, ele estará parcial
ou plenamente interditado. Ou então, em contextos de abrigamento, em que, é
evidente, o antecipar” não constitui desejo em função da falta de uma história
de descendência. O trabalho de Lefort (op.cit) já foi aqui comentado em relação
a esse assunto.
No campo fonoaudiológico quadros de linguagem relacionados ao
que se denominam “fatores psicossociais”. Ao fator “psico” se remetem os
transtornos mentais (cognitivos) ou transtornos psicológicos (psíquicos) e, ao
fator “social”, ou transtornos familiares (desorganização familiar) ou transtornos
sociais (carências). Geralmente, os quadros cuja etiologia se inscreve em fator
social são considerados de menor magnitude e da mais fácil eliminação. Já se
44
apontou neste trabalho que isto se deve à noção de “aprendizagem” que está
no bojo das explicações da aquisição da linguagem, e que aponta para a
família uma função privilegiada de modelo e reforço nesta aquisição. Assim, a
apresentação destes casos se reduz à descrição dos usos da língua, sempre
deficitários em quantidade e qualidade, que as crianças fazem. Não se deve
ignorar que os próprios protocolos utilizados nos procedimentos diagnósticos
propiciam e privilegiam tal apresentação.
Porém, tratar desses quadros enquanto uma questão da alteridade e
da movimentação da criança no espaço da linguagem ainda não é uma escolha
recorrente que o campo faz. Vejamos se é possível. Vamos aos dados.
45
___________________CAPÍTULO II – DESCRIÇÃO DOS CASOS CLÍNICOS
1. Caso Pedro
A. A história
A história de Pedro é muito curta, apesar dele já ter dez anos. Isto
porque, por um lado, não documentação disponível dos anos de
abrigamento (dos dois aos nove anos). Por outro, uma enorme dificuldade
desta mãe em relatar a sua gestação, o nascimento e os dois primeiros anos
da criança. Note-se que o personagem principal da narrativa é ela mesma,
talvez num misto de culpa e demanda de ajuda.
Na anamnese, Ana, a mãe de Pedro, conta que ele nasceu após
nove meses de gestação. Segundo ela, durante muito tempo não sabia que
estava grávida”, por isso, não fez nenhum tipo de acompanhamento
gestacional. Contou que quando tomou “ciência da gravidez” passou a desejar
uma menina, mas “nasceu um menino”. Durante todo o período gestacional
consumiu freqüentemente substâncias psicotrópicas (crack e maconha) além
de ingerir grandes quantidades de bebidas alcoólicas. Alegou não saber que tal
consumo poderia acarretar diversas conseqüências na saúde de seu bebê.
Ela, o marido e mais quatro filhos moravam na rua e, assim, pode-se
presumir que as circunstâncias de alimentação, higiene e organização eram
bastante frágeis.
Ana relatou que quando Pedro nasceu, ficou preocupada com o filho,
pois “ele não chorava e logo foi levado para fora da sala de parto”. Após o
46
nascimento, a criança ficou internada durante dez dias, e os médicos “estavam
desacreditados na sua sobrevivência”. Ela conta que ele ficou na “estufa,
tomando muito soro e banho de luz. Ele era pele e osso, sem contar que
quando nasceu a cor da sua pele era igual à cor de cinza de cigarro”. Apesar
de falar de sua preocupação com as condições de nascimento da criança, Ana,
à época, não fez nenhuma tentativa para se informar e entender sobre o
acontecido e suas conseqüências.
Pelos fatos do nascimento que foram apresentados ao longo da
narrativa materna “parece” que o bebê tinha baixo peso e estava em
circunstância de uma anóxia ao nascer. Não se pode, contudo, afirmar se os
problemas apresentados por Pedro em seu nascimento constituíram um quadro
gerador de comprometimentos no seu desenvolvimento. Pode-se apenas fazer
uma suposição. Ou seja, como não dados suficientes para tal afirmação,
sobraria uma dedução que poderia ser verificada ou com dados do
desenvolvimento geral levantados em documentos e anamnese acusado um
atraso motor e de fala, mas, por exemplo, nenhuma dificuldade na
amamentação) ou com as observações das condutas gerais (que,
aparentemente, apresentam-se normais). Conta a mãe que quando saíram do
hospital, Pedro começou a ser amamentado no peito até cerca de um ano, não
apresentando dificuldade para sugar e deglutir.
Ela não sabe informar com certeza sobre o desenvolvimento motor
de Pedro (sentar, engatinhar, andar). Indica que tudo ocorreu “um pouco tarde,
se comparado com seus outros filhos” (segundo ela, por volta dos dezoito
47
meses de vida começou a andar). Não sabe informar quando firmou a cabeça,
sentou, engatinhou, falou.
Essa dificuldade da mãe em relatar dados relacionados ao
desenvolvimento geral de seu filho mostra a fragilidade da situação pessoal e
familiar que estavam, à época, emoldurando esta criança. Eles moravam na
rua, situação que determina limites e especificidades às condições dos
cuidados à criança. Inclusive especificidades na relação entre adultos e criança
pela aparente desorganização conjugal e familiar.
Apesar de Ana afirmar que o cuidado básico das crianças era
garantido*, quando Pedro estava completando quase dois anos, o Conselho
Tutelar da cidade em que moravam naquele momento, retirou a guarda dos
cinco filhos de Ana e os colocou em uma casa que abriga crianças cujas
famílias apresentam histórias semelhantes à sua. O abrigamento ocorre em
caso de risco para as crianças e, portanto, parece que havia problemas
importantes naquela família.
Segundo a mãe, quando viu que ficaria separada de seus filhos,
decidiu “mudar de vida e parar de consumir drogas”. Foi convidada por uma
amiga a comparecer em um culto que acontecia semanalmente na igreja do
bairro e a partir de então, começou a traçar novos rumos em sua vida.
Passaram mais de sete anos até que Ana tivesse condições físicas e
psicológicas de reaver a guarda de seus cinco filhos. Diz que “se sente muito
culpada por tudo que aconteceu na infância de cada um deles”.
_________________________
*quando, por exemplo, afirma que jamais deixou de “comprar comida para comprar drogas”.
48
Durante todo o período que ficou afastada de seus filhos, Ana disse
que visitou semanalmente a casa onde estavam acolhidos. Ela nunca procurou
nem teve acesso a qualquer tipo de documentos sobre esse período.
Hoje, um ano depois do reencontro e residindo em São Roque, ela se
diz “feliz e confiante em si mesma”. Atualmente Ana trabalha como faxineira, e
segundo ela, o pai de Pedro está “perdido pelo mundo”. Ela e seus cinco filhos
moram de aluguel. No discurso de Ana, é notória a preocupação que ela tem
com seus filhos e a culpa que carrega por ter exposto cada um deles à
realidade que vivenciaram. Ela busca “corrigir um erro cometido no passado” e
“lamenta muito não ter podido estar com eles nos momentos mais importantes
da vida de cada um”.
Em relação a Pedro, ela acredita que o período que ficaram
separados está sendo resgatado a cada dia que passa. Na escola, segundo
Ana, ele tem recebido muitos elogios das professoras, pois elas estão
percebendo que Pedro está mais disposto e interessado. Mesmo sendo um
pedido da escola que Pedro fosse atendido por algum profissional da
Fonoaudiologia, não existe nenhum material da escola (relatório,
encaminhamento) que formalize tal situação. apenas uma anotação em seu
prontuário no Conselho Tutelar que a escola estaria solicitando que Pedro
fosse encaminhado ao setor de Fonoaudiologia do Centro de Saúde. Mas, não
se sabe se por queixas de dificuldades na aprendizagem, na linguagem oral ou
mesmo em ambas.
A relação de Ana com Pedro é, segundo ela, muito saudável. Sempre
que tem tempo disponível, o ajuda a realizar as tarefas da escola (atualmente,
49
Pedro com dez anos, está cursando a segunda série do primeiro grau) e
quando solicita, Pedro a auxilia nas tarefas doméstica, como lavar louça, cuidar
e arrumar seus pertences (material escolar, roupas e brinquedos).
Ana evita, sempre que possível, manter contato com seus
familiares, pois “todos são alcoólatras” e ela acredita que não seriam uma boa
influência para seus filhos. Gosta de levá-los aos cultos que freqüenta e à casa
de seus amigos.
Em suma, o relato expõe uma gestação e um parto conturbados,
sugestivos de problemas para o desenvolvimento geral da criança, porém sem
confirmação pela observação geral atual da criança. Expõe também três
períodos de organização “familiar”: 1) 2 anos de vida com pais e irmãos na rua,
com presumível negligência dos cuidadores; 2) abrigamento durante sete anos
e 3) um ano de vida com a mãe e as irmãs com uma aparente e frágil
organização.
B- Observações gerais e a aplicação do teste
Quando Pedro entrou no consultório, parecia estar ansioso e, ao
mesmo tempo, preocupado com o que estaria por acontecer. Nos primeiros
minutos após sua entrada na sala, não manteve contato visual comigo,
mantendo-se sempre de cabeça baixa, com os ombros retraídos e os dedos
como se estivessem “entrelaçados”, debruçados em seu colo. Suas pernas
movimentavam-se incessantemente para cima e para baixo, demonstrando
timidez e insegurança.
50
A primeira impressão que tive de Pedro, foi de uma criança sem
muitos cuidados, ele estava de boné, com roupas “surradas” e sujas. Pareceu
ser uma criança sem atipicidades, com peso e altura correspondentes à sua
idade. Respirador oral, sua arcada dentária é bastante alterada, com dentes
desalinhados e visível mordida aberta.
Pareceu não apresentar qualquer déficit sensorial (nem auditivo, nem
visual), distúrbios perceptuais, comprometimento motor, nem mesmo atraso
cognitivo. Vale observar que tais considerações estão sendo feitas a partir de
um contato breve e informal com a criança durante a aplicação do teste. O
importante é que problemas graves não foram identificados neste momento.
Iniciei a interação perguntando seu nome e sua idade. Ele respondeu
prontamente às perguntas. Timidamente, não deu continuidade a esse diálogo.
Entretanto, sem saber ao certo como seria a atividade, começou a questionar o
que faríamos. Expliquei quais seriam as atividades e ele, aparentemente, se
acalmou. Iniciei assim, a aplicação do teste pelas provas das narrativas.
Elaboração de estória a partir de um estímulo visual: A Mala e o Guarda-
chuva e o Estádio de futebol
Nesta primeira prova (O estádio de futebol), Pedro mostrou-se
inseguro, com ombros retraídos e sem contato visual com seu interlocutor.
Apresentou mímicas corporal e facial reduzidas, isto é, a comunicação corporal
não participou como co-adjuvante na tarefa. Também não se utilizou nem de
gestos nem do contexto como índices auxiliares (não apontou ou mostrou
51
objetos que facilitassem a elaboração de sua estória). Na prosódia havia um
ritmo lento e entonação repetida, com hesitação e algumas pausas. Tudo
indicava dificuldades na realização da tarefa, além, é claro, de indicar um certo
desconforto com a situação nova.
Aliás, Pedro não construiu senão um relato, quase uma descrição do
estímulo visual fornecido por mim. Assim, a análise do material obtido não vai
se referir aos parâmetros de uma narrativa (tais como: coerência da narrativa,
manutenção do tema, estabelecimento dos vínculos temporais e causais e
mecanismos de coesão), mas a estrutura discursiva que foi apresentada pela
criança.
Apresentou dificuldade em iniciar a elaboração do discurso, bem
como não dava continuidade às suas idéias sem que fosse prestado meu
auxílio externo, com perguntas que retroalimentassem sua construção:
Pedro observa a figura e olha para o avaliador: “futibol... é só.”
Avaliador: “ O que que você tá vendo... o que acontece aí... o que é isso...”
Pedro (não desvia o olhar da figura): “É u Palmeiras, que tá torceno pro time que vai ganhá...”
Entre uma e outra estória, Pedro mudou um pouco seu
desempenho.
Na estória seguinte (A Mala e o Guarda Chuva), percebi que Pedro
estava mais solto, com mímica tanto corporal quanto facial mais expressiva.
Conseguiu iniciar a elaboração, mas continuou solicitando a participação do
examinador.
52
Trouxe ao texto informações de seu cotidiano (roupas, o bairro onde
mora, sua e, seus irmãos) e comentários a respeito da ausência do pai (ele
mora na rua), deslocando experiências para comporem material para a
elaboração do discurso, uma solução que as crianças pequenas tendem a
escolher:
Avaliador: De quem que é essa mala aí?
Pedro: De alguém ué... do Léo
Avaliador: Ah, a mala é do Léo! Que mais?Essa sombrinha é de quem?
Pedro: É do Léo tamém (sorri e olha para o avaliador)
Tanto numa prova quanto noutra, as produções verbais tendem a
ser pouco extensas (frases curtas principalmente e algumas médias), com certa
simplicidade morfossintática e restrição lexical.
Elaboração de estórias a partir de estímulos visuais em seqüência
A prova de um único estímulo geralmente se torna complexa porque
o estímulo isoladamente deve funcionar/ser compreendido como um “tema”,
desde o qual o examinado deve “narrar”, o que foi muito difícil pra ele.
Aparentemente, a prova composta por um conjunto de figuras parece
favorecer mais o discurso, como se pode notar a seguir:
Pedro (aponta para um dos dois personagens da cartela): Os dois estão se preparano pra lutá
boxe... e daí começou...e terminou...ele ganhô.
53
Assim, nessa prova, houve certa modificação em seu desempenho,
talvez pelo fato de não compor circunstância tão inicial ou mesmo porque
possui um conjunto de figuras para sustentar melhor sua elaboração. Pedro
mostrou-se menos inseguro, apresentou mímica corporal e facial mais
significativas para contar a estória. Estava, aparentemente, mais à vontade.
A prosódia manteve-se, como anteriormente, com pouco ritmo e
entonação, mas com menor hesitação e número de pausas um pouco reduzido.
Seu vocabulário apresentou-se empobrecido.
Na montagem das estórias que continham um número grande de
cartelas (seis, sete e oito, no total), a disposição por ele apresentada não
coincidia exatamente com a “suposta” seqüência apresentada pelo teste nos
desenhos. Vale ressaltar que o teste prevê que a reorganização das figuras
feita pela criança pode não seguir exatamente a ordem esperada pelo
avaliador, modificando, assim, as relações temporais e causais entre os
eventos. Entretanto, o avaliador deve aceitar que a imaginação da criança crie
novas relações temporais, que para ele, certamente, podem ser “bizarras”
(Braz e Pellicciotti, op.cit:211). Podemos observar tal situação no exemplo a
seguir:
Pedro: “Então...ele tava na praia mostrano o pé de côco e o filho tá olhano...daí ele queria um o
pai num quis pegá aí na segunda parte a moça tá tentano pro filo e... o resto da família tá
olhano e só...aí chegou a parte que o home chegou pra pegá daí todo muno ficou olhano daí
ele conseguiu derrubá todos os côco.
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Novamente observa-se o uso da descrição como possibilidade
discursiva, o que, em verbalizações com grande número de figuras pode, de
fato, acabar no relato de fatos bizarros como o que ele apresentou. A descrição
impõe explicações que perdem o sentido em seu conjunto: “moça tentano
pro filo”, “chego a parte que o home chego pra pegá”, etc.
Em suma, sua elaboração discursiva é dependente de seu
interlocutor, tende a ser pouco extensa, com certa simplicidade morfossintática,
certa restrição lexical, de tipo proto-narrativo, tendenciosamente descritiva.
Reelaboração de estórias
No que diz respeito à reelaboração desde um modelo dado, a
prova específica indica certa adequação, ainda que sua recepção sempre fique
confinada a informações básicas. Nota-se que a criança destaca personagens
principais apenas e eventos determinantes, sem fazer referência a todo o
entorno construído para sustentação de uma idéia principal.
Na reelaboração da estória contada, Pedro a sintetizou bastante,
mantendo seu foco de atenção e de elaboração discursiva nos personagens
centrais (o aluno e a professora) e a mensagem da estória (a professora estava
com medo de pular os buracos, solicitando ajuda de seu aluno). Houve
algumas pausas no início e durante a atividade proposta:
Pedro: A professora..é...ajudô o aluno a pulá os buraco e as preda e ela não consegui...só
isso...ela tinha medo de quês caisse...o aluno acho que ajudô.
55
Lista de palavras
Observando sua repetição na lista de palavras, nota-se que Pedro
apresenta alterações fonológicas: 1) posteriorização no campo das fricativas
[casado] (cajado), [jalada] (salada) realizadas assistematicamente e 2)
reduções e inversões e contaminações assistemáticas das sílabas nos
vocábulos [bada] (badalo), [figaldo] (fidaldo). Tais alterações não comprometem
a inteligibilidade de sua fala, mas a caracteriza como infantil.
56
2. Caso Beatriz
A. A história
Montar a história de Beatriz, 10 anos, não é uma tarefa simples,
como não o é a de Renata, sua irmã, que vem a seguir.
Quando conheceu a mãe (Bete) de Beatriz, o pai (Valter) não
procurou moradia, levando-a para morar com a sua família, o pai, a irmã Silvia
e sobrinhos. Mas a moradia era, na verdade, apenas um “espaço dormitório”,
que a familia ficava na rua o dia todo e, às vezes, parte da noite.
É exatamente Silvia quem conta a história de Beatriz.
Ela não sabe informar os dados relacionados aos aspectos
gestacionais de Bete e possíveis ocorrências de transtornos durante esse
período. Não sabe informar se a gestação foi desejada ou se ocorreu
acidentalmente, mas tem conhecimento que Bete fez uso de substâncias
tóxicas (psicotrópicas e bebidas alcoólicas) durante esse período, juntamente
com Valter. Não fez pré-natal, nem algum tipo de acompanhamento médico.
Comentou que Beatriz saiu da maternidade com a mãe, não havendo qualquer
dado relacionado a algum tipo de internação (nem da mãe, nem da filha).
Sabe que a menina não recebeu amamentação natural, mas não
sabe porquê. Fez uso de mamadeira e não sabe como foi alimentada
posteriormente, nem o que ela comia.
Contou que Beatriz usou chupeta até três anos de idade e tinha um
travesseirinho que ficava com ela quase todo o tempo. Entretanto, não sabe
57
informar quando Beatriz começou a falar, engatinhar, sentar ou andar, pois
“não conseguiu acompanhar o desenvolvimento das meninas”.
Porém, Silvia pode relatar que quando Beatriz estava com três anos
de idade, o pai chegou em casa e “agrediu a filha, que estava dormindo, de
cinta” sem que houvesse naquela situação, qualquer motivo aparente para tal
atitude. Afirmou que a violência foi tão grande, que Beatriz ficou com marcas
pelo corpo todo. Silvia avisou o Conselho Tutelar que imediatamente interviu e
levou a menina para a Casa da Criança, onde permaneceu abrigada por dois
anos e meio. Durante esse período, Beatriz não recebeu nenhum tipo de visita
por parte de seus familiares, nem mesmo de sua tia. Segundo Silvia, as visitas
não eram permitidas* e as informações que recebia a respeito da menina
vinham diretamente do Conselho Tutelar.
Enquanto Beatriz estava na Casa, sua ir mais nova, Renata,
nasceu e Silvia, com medo de que acontecesse novamente uma agressão e a
possível intervenção do Conselho Tutelar, imediatamente assinou um termo de
responsabilidade sobre a mais nova. Acreditava que agindo assim,
impossibilitaria qualquer atitude agressiva do pai sobre a criança, podendo
gerar novamente uma desestruturação familiar e um afastamento de mais uma
sobrinha.
Beatriz saiu da Casa da Criança mais de quatro anos. Como
relatado, durante o período que permaneceu na Casa da Criança, Beatriz não
_________________________
* é importante ressaltar que tal informação referente a “permissão” ou não de visitas a instituição que Renata
permaneceu foi fornecida pela tia e não pelo Conselho Tutelar (órgão responsável pela mesma)
58
teve contato algum com seus pais nem com parentes mais próximos e Silvia
não sabe informar se ela freqüentou ou não pré-escola.
Beatriz tem alguns amigos na vizinhança e na escola, mas briga com
muita facilidade com todos. Mesmo com esse comportamento, Silvia afirma que
ela não apresenta comportamentos irritadiços ou agressivos em casa.
Atualmente está freqüentando a terceira série do primeiro grau de uma escola
pública. Seu desempenho escolar não é satisfatório, pois frequentemente Silvia
recebe muitos bilhetes das professoras que comentam o comportamento da
sobrinha, que em muitas situações, não realiza as atividades solicitadas. Suas
notas não são boas e, em casa, quando precisa estudar ou fazer alguma tarefa
da escola, se recusa a fazer. Quando as primas (filhas de Silvia) tentam ensiná-
la, ela chora e “faz birra”, não cuida do material e perde seus pertences com
muita facilidade.
Alimenta-se sozinha e cuida da própria higiene (banho, escovação
dos dentes). Ao contrário da irmã, que dorme quase diariamente com o pai,
dorme em um quarto com o avô.
Silvia comentou que Beatriz não gosta de falar de sua mãe, mas
também não pergunta sobre sua ausência.
É interessante que como no relato do caso Pedro, as personagens
principais da narrativa são os pais e não a própria criança.
uma “invasão” da história dos pais na história da própria criança,
aqui no caso representada pelas inúmeras queixas e críticas de Silvia.
59
B. Observações gerais e a aplicação do teste
A primeira impressão que tive de Beatriz, quando entrou na sala
onde seria realizada a aplicação do teste, foi de uma criança que recebe
cuidados, estava com os cabelos arrumados e roupas limpas. Aparentemente,
pareceu ser uma criança sem atipicidades, com peso e altura correspondentes
à sua idade.
No que se refere aos aspectos sensoriais (auditivo e visual) não
suspeita de qualquer tipo de comprometimento. O mesmo ocorre com os
aspectos perceptuais, motor e cognitivo. Vale observar que tais considerações
estão sendo feitas a partir de um contato breve e informal com a criança
durante a aplicação do teste. O que é importante é que problemas graves não
foram identificados neste momento.
Logo nos primeiros instantes que sucederam sua entrada na sala,
Beatriz mostrou-se muito à vontade e bastante interessada pela atividade que
seria proposta, mesmo sem suspeitar sobre o que seria. Queria saber o que
seria realizado naquele ambiente e com aquele material que estava disposto
sobre mesa. Estava ansiosa para darmos início à atividade. Nota-se que o
comportamento de Beatriz difere bastante de Pedro, o primeiro caso descrito.
Olhava para toda a sala como se estivesse explorando o ambiente.
Agitada, olhava para os livros dispostos em uma estante próxima a ela, para os
brinquedos acondicionados sob uma mesa em um canto da sala. Cada espaço
físico que descobria, olhava pra mim, como se quisesse pedir licença para
poder explorar um espaço que não lhe pertencia.
60
Mas, essa aparente sociabilidade de Beatriz poderia indicar, numa
outra leitura da situação, certa indiscriminação relativamente ao seu
interlocutor, ou seja, ele pode ser um qualquer. Ela parecia bastante
estimulada/excitada pela situação, pelas pessoas desconhecidas, denotando
certa ansiedade em lidar com o novo.
Iniciei a interação perguntando seu nome e sua idade. Ela respondeu
prontamente às perguntas e deu continuidade ao diálogo perguntando o meu
nome e o que estava fazendo ali.
Respondi às perguntas e, em seguida, expliquei quais seriam as
atividades a serem realizadas naquele espaço que lhe parecia ser agradável e
ela não mostrou insegurança ou receio em participar. Ao contrário,
apresentava-se bem ansiosa e animada. Iniciei assim, a aplicação do teste.
Iniciei da mesma forma que com Pedro, com as provas de narrativas.
Elaboração de estória a partir de um estímulo visual: A Mala e o Guarda-
chuva e o Estádio de futebol
Beatriz mostrou-se à vontade durante as atividades propostas, com
mímica corporal e facial expressivas, muito participativa. Não apresentou
qualquer tipo de dificuldade em iniciar a elaboração de sua estória, mas usou
da descrição para começar a realizar a tarefa. Dava certa continuidade às suas
idéias, mas por muitas vezes era necessário o auxílio do avaliador, com
perguntas que pudessem sustentar a continuidade da produção. No geral, seu
61
vocabulário apresentou-se relativamente bom. Na prosódia, ritmo e entonação,
com pequenos números de pausas:
Avaliador: Conte uma estória com base nisso aí que ce tá vendo, nessa figura.
Beatriz: É um campo de futebol, a torcida, as banderas, o gol no campo.
Avaliador: Que que aconteceu nessa estória...assim...
Beatriz: Aí eles tavam gritano por time né ganhá.
Avaliador: Que time?
Beatriz: Aqui num tá mostrano...São Paulo e Corinthians.
Avaliador:“Ah é... e quem ganhô o jogo?
Beatriz: São Paulo, de cinco a zero.
Ao término da primeira estória, Beatriz mostrou-se interessada na
próxima. na segunda elaboração, com o auxílio de seu interlocutor, Beatriz
pode elaborar um pequeno relato, não se atendo tanto à descrição, ainda que
sempre a partir de uma estrutura dialógica.
Nessa estória, percebi que Beatriz continuava interessada e utilizou
mais ainda seu lado criativo para contá-la. Trouxe pra ela membros de sua
família (sua mãe), lugares que conhecia (a praia de Santos), informações do
cotidiano (objetos que são utilizados na praia), também numa solução de
crianças menores:
Beatriz: Pode começá?
Avaliador: Pode.
Betraiz: Aqui é a mala, um guarda-chuva...uma pessoa ia viajá com os dois...ia prá praia.
Avaliador: Hum...
Beatriz: Aí eu num sei.
Avaliador: Quem que é dona dessa mala, pra onde que ia, quem que ia?
Beatriz: Ia prá praia...minha mãe era dona da mala.
Avaliador: Que que ela ia leva dentro da mala?
62
Beatriz: Levá ropa, caderinha, toalha,...ia levá maiô.
Avaliador: Que praia que ela ia?
Beatriz: De Santos.
Avaliador: Ah que delícia! E o guarda-chuva?
Beatriz: Faz de conta que aqui tá a caderinha e aqui tá o guarda-chuva e o guarda-chuva é pra
protegê do Sol.
Elaboração de estórias a partir de estímulos visuais em seqüência
Conseguiu outra vez fazer uma verbalização sem auxílio, ou seja,
não convocou imediatamente a estrutura dialógica, mas igualmente sua
construção foi descritiva, usou estereótipos de apoio como elemento
coordenativo [aí...aí...aí...], encadeou temporalmente a partir da verbalização
dos eventos representados visualmente [tavam brincano/ tava com a luva/ o de
luva preta ganho/ perdeu o outro/ fico deitado nu chão]. Como nas
produções anteriores, seu vocabulário, apesar de adequado, pouco se expande
[ficando confinado à nomeação]. Suas estruturas frasais são simples e
coordenadas:
Beatriz: Ai eles tavam brincano e aí ficavam com a posição, aqui que é o campo..os dois tava
com a luva...aí o de luva preta ganho aí o juiz conto até deis e aí perdeu o outro...e aí fico
deitado no chão.
Note-se que, similarmente a Pedro, Beatriz encontra dificuldade na
construção da estória com grandes números de estímulos, incorrendo em
proposições bizarras. Inclusive com dificuldades no reconhecimento de itens
das figuras. Observa-se o exemplo:
63
O pai e o filho lá na praia..aí o pai mostro o negócio pro filho perto do coquero...aí tem os
coquero tem mais quatro veio um home consertá o negócio que o pai tava mostrano...
O termo “negócio” entra no lugar de “côco” e ao invés de supor que
alguém pegava o côco, faz a suposição de que alguém “consertava o negócio”.
O grande número de figuras não serviu de base para a temática.
Mais uma vez Beatriz pode fazer uma descrição, quase uma “verbalização” do
representado pictoricamente. Isso determina, também, além de conclusões
parciais bizarras, problemas na organização sintática. Observa-se:
Beatriz: ...aí chego mais sete aí filho daquele pai lá tava conversano com eles...aí depois os
côcos começaram caí aí chego o home aí eles reclamaram que o côco caiu chegou o home, o
home arrumo os côcos...ele pois lá as coisa.
Reelaboração de estórias
Não houve hesitação nem pausas para Beatriz iniciar a estória.
Nessa situação, Beatriz não convocou a presença do outro como modo de
estabelecer uma estrutura (dialógica) que pudesse sustentar seu discurso. Sua
produção também foi basicamente descritiva, apresentando dificuldades
variadas, chegando até a produções sintático-semânticas inusitadas. Sua
compreensão ficou confinada aos personagens e eventos principais
(professora, aluno e pular buracos) e sua reelaboração ficou como uma
sucessão de eventos sem uma finalização como a que estava proposta.
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Além das construções bizarras, exibiu dificuldade em construir um
discurso de sua autoria, valendo-se do discurso direto como solução
(inadequada) discursiva. Note-se no exemplo:
Beatriz: Luis foi no bosque com a professora, foram brincá, pediram pra professora ajudá a pulá
nas pedra e pulá na pedra e no buraco... ela pediu ajuda e eles disseram que foi você mesmo
que ajudô...ela tinha medo de buraco de pedra...medo de pulá nos buraco.
Lista de palavras
Observando sua repetição na lista de palavras, nota-se que uma
anteriorização assistemática no campo das fricativas ([save] (chave), [vezame]
(vexame)) e uma tendência a contaminar os diferentes ambientes fonéticos nos
vocábulos ([barderna] (baderna). Tais alterações não produzem
ininteligibilidade em sua fala, mas a tornam infantilizada.
65
3. Caso Renata
A. A história
Montar a história de Renata, 7 anos, da mesma forma que a história
de Beatriz, não é fácil. Silvia, a tia paterna de Renata, é a responsável pela
menor desde seu nascimento, pois, a mãe manteve contato com a família
nos primeiros meses de vida da menina.
Silvia não sabe informar os dados relacionados aos aspectos
gestacionais de Bete. Ela informou que Bete ficou grávida “por acidente”, fez
uso de substâncias tóxicas (bebidas e substâncias alucinógenas) durante esse
período, juntamente com Valter, e não fez pré-natal, nem algum tipo de
acompanhamento médico. Comentou que Renata saiu da maternidade com a
mãe, e, assim, parece não ter havido qualquer problema mais importante.
Em relação à amamentação, sabe que quando Renata nasceu, não
recebeu amamentação natural, sendo utilizada apenas a mamadeira para
alimentá-la. Comentou não ter conhecimento de que forma Renata era
alimentada, nem saber ao certo, o que ela comia, pois da mesma forma como
aconteceu com sua irmã Beatriz, a casa era um “espaço dormitório” e Bete
ficava o dia todo fora de casa (juntamente com Valter e a filha mais velha),
freqüentava bares e voltava sempre de madrugada, o conseguindo assim
acompanhar o desenvolvimento da sobrinha, impossibilitando-a de comentar
sobre possíveis dados referentes ao seu desenvolvimento inicial.
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Silvia relatou que mesmo quando Renata estava um pouco mais
crescida, essa realidade manteve-se. Bete ficava com o companheiro,
juntamente com Renata e com a irmã mais velha na rua, voltando sempre perto
da madrugada. Sempre que chegavam, estavam alterados por conta do que
tinham consumido durante o dia (substâncias psicotrópicas e álcool).
Ela contou, com aparente revolta, que, certo dia, sem comunicar a
ninguém e sem motivo aparente, Bete saiu de casa abandonando as filhas para
Valter e o restante da família cuidar. Ahoje, Bete aparece raramente e “não
tem interesse nem condições psicológicas de ficar com as meninas”. A última
vez que apareceu foi cerca de um ano. Durante esse período e até a data
da coleta destas informações, Silvia ficou sabendo que Bete poderia estar
presa.
Renata não pergunta sobre a ausência da mãe ou sobre as atitudes
do pai referentes à agressividade, mudanças de comportamento que
apresentava quando retornava à casa da familia, decorrentes do uso das
substâncias tóxicas. Silvia comentou que no dia-a-dia, Renata mostra-se
tranqüila, não apresenta comportamentos irritadiços e/ou agressivos.
Em casa, cuida de seus pertences, alimenta-se sozinha e cuida bem
da própria higiene (banho, escovação dos dentes).
Silvia comentou que há uma clara preferência de Valter por Renata.
Ele decidiu que somente ela poderia dormir com ele quando não estivesse
ausente (na rua), não briga nem apresenta comportamentos agressivos contra
ela. Já a outra irmã nunca dormiu em seu quarto e só dorme com o avô
paterno, além de ter sido alvo de seu comportamento agressivo.
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Quando pequena, Renata freqüentou uma creche e com sete anos
entrou para a primeira série (atualmente, Renata está na segunda série). Tem
muitos amigos na vizinhança e na escola e com seus colegas e amigos
também não apresenta comportamentos irritadiços ou agressivos.
Seu desempenho escolar é satisfatório, suas notas são boas e não
há reclamação por parte dos professores.
B- Observações gerais e a aplicação do teste
Quando Renata entrou no consultório, mostrou-se desinteressada
pela atividade que seria proposta, mesmo considerando o fato de estar ali,
diante de uma situação nova e diferente a seus olhos e do seu dia-a-dia.
A primeira impressão que tive de Renata, foi de uma criança que
recebe cuidados, estava com roupas limpas e cabelo arrumado,
aparentemente, mostrou-se com peso e altura correspondente à sua idade.
Não me pareceu não apresentar qualquer tipo de comprometimento quanto aos
aspectos sensorial (auditivo e visual) e perceptual; algum tipo de
comprometimento motor, nem mesmo atraso cognitivo, que tais considerações
estão sendo feitas a partir de um contato breve e informal com a criança
durante a aplicação do teste. O que é importante é que problemas graves não
foram identificados neste momento.
Logo nos primeiros minutos após sua entrada na sala, não manteve
contato visual comigo, mantendo-se de cabeça baixa ou olhando para os livros
68
dispostos em uma estante próxima a ela e para os brinquedos dispostos em um
canto da sala.
Iniciei a interação perguntando seu nome e sua idade. Ela respondeu
prontamente às perguntas, mas não deu continuidade a esse diálogo.
Expliquei quais seriam as atividades e ela, aparentemente, não se
interessou na atividade proposta. Iniciei, mesmo assim, a aplicação do exame.
Como nos outros dois casos anteriormente descritos, começamos
pelas construções discursivas.
Elaboração de estória a partir de um estímulo visual: A Mala e o Guarda-
chuva e o Estádio de futebol
Renata, aparentemente, mostrou-se desinteressada na atividade
proposta, apresentando micas corporal e facial reduzidas durante a
elaboração das duas estórias. Na prosódia, pouco ritmo e entonação, com
grande número de pausas. Apresentou dificuldade em iniciar a elaboração de
sua estória, não dava continuidade em suas idéias sem que fosse prestado o
auxílio externo do avaliador, com perguntas que pudessem sustentar o discurso
em andamento. Seu vocabulário apresentou-se um pouco empobrecido.
Renata utilizou-se da nomeação como modo de elaboração discursiva. Note-se
pelo exemplo:
Avaliador: Primeiro eu quero que você me conte uma estória do que você tá vendo, aí vai
mudando e vai aumentando o número de figuras, tá? O que que acontece nessa figura?”
Renata: ”Tem um home jogano bola...tem uma quadra e uma pista de corrida...e um monte de
bandera.
69
Elaboração de estórias a partir de estímulos visuais em seqüência
Igualmente aos outros, suas construções apresentam estruturas
simples e coordenadas, seu vocabulário se mantém confinado ao que está
representado na figura. Consegue, por vezes, elaborar pequenos relatos:
Renata: Era um home que queria lutá boxe e ganhô pela pimera vez.
E, também, em outras, encontra dificuldade em lidar com muitos
estímulos, incorrendo em inadequações sintático-semânticas. Note-se no início
deste exemplo:
Renata: O pai dele foi vê o coquero na fente da paia e foi aumentando o número de gente mais
ainda e aí teve um dia que o coquero ficou cheio e caiu todos os côco dele, daí no oto dia
aumentô mais côco no pé dele.
Ou, então, deste:
Renata: Era uma vez que o home foi pá...ele foi pescá na palia ele enconto bastante pesse na
linha da vara dele e depois ...é...ele foi tentá pescá mais e daí foi tês pesses na vara dele e
depois acabo e daí ele foi embora...acabo os pesse da paia de tanto ele te pescado... daí o oto
amigo dele foi pesca mas daí num tinha pesse e daí teve uma hora que ele enconto um pesse
sobando e depois aquele home que tinha acabado com o pesse da palia enconto o amigo dele
que enconto um pesse na palia e foi embora...os dois.
70
Reelaboração de estórias
Na elaboração a partir do relato alheio, Renata prescinde do diálogo.
Porém, há uma grande desorganização sintática do que decorre certas
impropriedades semânticas. Note-se:
Renata: Luis foi no mato estudá as pedas e as fores e que ficava cheio de bulaco lá gandes e
daí ele chamo a tia dele pá ajuda ele a pula os buraco e daí o Luis resolveu segurá a mão da
pofessora dele e a tia dele ispisco (explicou)...ela não tinha medo do buraco...o menino tinha
medo de pulá o buraco.
Lista de palavras
Observando sua repetição na lista de palavras, nota-se que uma
anteriorização sistemática no campo das fricativas ([cassado] (cajado),
[vessame] (vexame)) e uma tendência a contaminar os diferentes ambientes
fonéticos nos vocábulos ([nhanhado] (lanhado)). Ela também não produz
grupos consonantais ([batáquio] (batráquio), ([quime] (crime)), apresenta
substituição nas fricativas / / - / s / ([fassada] (fachada), / / - / s / ([sarra]
(jarra)) e nas líquidas vibrantes / / - / l / ([malavilha] (maravilha)). Tais
alterações não produzem ininteligibilidade em sua fala, mas a tornam
infantilizada.
71
_______________________________________CAPÍTULO III – DISCUSSÃO
As histórias das crianças puderam ser apenas parcialmente
contadas. Em todos os casos o relato foi fragmentado, hesitante, pode-se dizer
apaixonado, no sentido de ter suscitado os mais diversos afetos, da culpa à
raiva, da ansiedade ao medo. De fato, é preciso reconhecer que o falar não é
transparente porque é efeito de uma trama de fatores conscientes e
inconscientes, fonte de dispersão e opacidade. Transformar o relato da vida em
um espaço discursivo tenso, que traçou fronteiras pouco extensas e pouco
definidas para as histórias, foi algo que deveu-se a pelo menos dois pontos,
quais sejam: a convivência restrita e frágil dos parentes [a mãe e a tia], com as
crianças e a potência que a história da desorganização familiar ganha
relativamente à história da própria criança.
A convivência familiar sempre foi restrita na vida das três crianças
ou por episódios de abrigamento (no caso de Pedro e Beatriz), ou por
circunstâncias de afastamento por permanência na rua (no caso de Beatriz e
Renata), ou mesmo por relações absolutamente incipientes apesar do convívio
(no caso de Pedro no início de sua vida, no de Beatriz antes de ser abrigada,
no de Renata antes de a mãe se ausentar e no de ambas relativamente ao pai
mesmo sem esse nunca ter se ausentado).
Esta convivência frágil e contida decorreu fundamentalmente da
desorganização familiar: casamentos desfeitos, casais sem endereço,
violência, agressão, consumo de substâncias tóxicas, alcoolismo, negligência
72
dos cuidadores com suas crianças e com eles mesmo, falta de recursos
materiais, de trabalho, recursos afetivos parciais e pouco eficientes.
A história de desorganização familiar em todos os casos teve
privilégio relativamente às histórias das vidas das crianças, revelando toda a
sorte de afetos.
A mãe de Pedro relata a cada instante uma história marcada por
suas dificuldades, (“eu não sabia dos efeitos das drogas”, “não sei o que
aconteceu no parto”, não sabia das conseqüências do que aconteceu com o
bebê”, “o conselho tirou a criança”), denotando total alheamento à realidade e
seu sentimento de culpa (“agora está indo bem”, “eu ajudo no dever da escola”,
“minha amiga falou da igreja e eu mudei”, “estou trabalhando de faxineira”,
“tudo que causei para minhas crianças”). O personagem principal do relato foi
ela mesma, parecendo que a história da criança é, na verdade, a história da
sua vida e resgatar Pedro é, de fato, reconstruir sua vida. Claro que Pedro fia
obscurecido, embutido nos acontecimentos e, assim, não se pode saber
exatamente como foi seu desenvolvimento.
A tia das meninas, diferentemente, ao relatar as suas histórias,
conta a história da desagregação familiar de seus pais, tecendo críticas e
fazendo julgamentos severos tanto ao pai quanto à mãe principalmente, já que
o pai, apesar de agressor e ausente, é, de certa forma, mais poupado. Tal
como em Pedro, o desenrolar da vida das meninas fica fragmentado, opaco.
A leitura da documentação, que poderia ser complementar para o
desenho das histórias das crianças, tampouco realizou sua função. Dos
abrigamentos não há informação que não as essencialmente burocráticas. Dos
73
prontuários do Conselho Tutelar pode-se obter mais dados sobre a
desagregação familiar (como por exemplo, o motivo de uma internação, usos e
costumes dos responsáveis), do que exatamente sobre a criança, a não ser
indicações das escolas para atendimentos especializados como Psicologia e
Fonoaudiologia.
A observação geral das crianças também mostrou certa impotência.
Afinal, pela observação da atualidade, por vezes, numa espécie de après-coup,
é possível se deduzir o passado. Em nenhum dos casos isso foi possível.
Nenhuma delas apresentou condutas que pudessem caracterizar seqüelas e
problemas no desenvolvimento, ainda que a gestação de todas tivesse sido
marcada pelo uso substâncias tóxicas. Nem mesmo Pedro, cuja história, para
além do mais, aponta explicitamente para episódios de anóxia, prematuridade e
baixo peso.
Mas, tal observação pode, diferentemente, levantar questões sobre
a constituição subjetiva dessas crianças: a interação do avaliador com Pedro e
Renata foi difícil, demorada, tensa, num estranhamento radical, como se nada
de familiar pudesse sustentar a situação. Com Beatriz pareceu melhor, mas
de se pensar sobre o fato da menina ter se conduzido o levemente, sem
ansiedade aparente, como se numa familiaridade radical, quase que numa
conduta pouco discriminada, como se seu outro pudesse ser um qualquer.
Se os dados sobre o desenvolvimento das crianças restam opacos
e restritos nas histórias contadas, aqueles concernentes à sua constituição
subjetiva não o ficam. Problemas na constituição do laço entre crianças e
sua família são explícitos nos relatos. Algo que também ocorre com a
74
observação geral acima comentada, na qual, diferentemente, problemas na
formulação dos laços simbólicos são insinuados nas encenações interacionais
entre as crianças e o avaliador.
Analisando a efetiva participação das três crianças nas realizações
das provas do teste, verificamos que todas apresentaram alterações
lingüísticas. As alterações encontradas são de dois tipos: as referentes à
produção articulatória e as referentes à produção discursiva.
No primeiro caso, as mais comuns são: simplificação de encontro
consonantal, simplificação de líquidas, posteriorização ou anteriorização de
fricativas (tanto na fala espontânea como na repetida). No que se refere ao uso
de regras de organização fonológica, a alteração mais freqüente é a
assimilação. Aliás, isso faz marca do tipo registro” na fala dessas crianças
porque elas sempre assimilam o ambiente todo pelo contexto nasal das
palavras, como em andando [andanu]. Em todas os casos, a fala ganha um tom
de “infantilidade”.
As alterações então encontradas não parecem ser típicas de
atrasos do desenvolvimento de crianças com as características como as aqui
tratadas. Simplificar encontros consonantais, substituir líquidas, eliminar
arquifonemas e mesmo trocar fricativas num movimento de anteriorização ou
posteriorização são alterações presentes em muitos quadros fonológicos,
aqueles detonados por “pobre estimulação”.
Wertzner (op.cit), comentando sobre os distúrbios fonológicos,
aponta que o “aspecto familial e a ocorrência de otite média e/ou infecções das
vias aéreas superiores nos primeiros anos de vida parecem ser fatores
75
relacionados ao aparecimento do distúrbio fonológico” (p.778, grifo meu). O que
a autora explica é que as perturbações familiares são causas de uma
“estimulação” não plena que, em sua vez, acarreta problemas. Aliás, os
mesmos problemas aqui encontrados e, não necessariamente estão vinculados
às perturbações familiares especificamente determinadas pelo uso de
substâncias psicotrópicas, à ausência de moradia fixa, à substituição da família
nuclear por variantes e ao abrigamento.
As alterações nos sistemas morfossintático, semântico e pragmático,
quais sejam: frases curtas simples, frases coordenadas e freqüente uso da
justaposição para conformação de sentenças mais complexas, uso pontual de
tempos verbais (ou presente ou passado), uso vocabular restrito (com
predomínio de substantivos e verbos e abuso de dêiticos), significações
circulares e dificuldade de nomeações (problemas na representação,
qualificação, discriminação), dificuldade em usar formações sintático-
semântica-pragmático diferentes das dos diálogos (relatos curtos e simples,
tendência à descrição, uso da nomeação como forma de relato) e tendência à
cronificação no papel daquele que principalmente preenche turnos de
seqüência iniciadas ou a serem finalizadas pelos outros, além das marcas
gramaticais de “registros” lingüísticos (como a não flexão verbal e/ou nominal),
também não indicam uma diferença especial de outros quadros de atraso de
linguagem.
Porém, a clara dependência do outro na organização do discurso,
com crianças que deveriam estabelecer o seu com certa autonomia, é um
ponto nevrálgico destes resultados. Dois sujeitos apresentam claramente essa
76
dificuldade, indicando dependência na organização de seus discursos: apenas
se o avaliador fizesse perguntas eles eram capazes de organizar e ampliar o
texto e aproximá-lo de uma narração. E um dos sujeitos, apesar de não
depender de uma estrutura dialógica para a sustentação seu discurso, não
alcança autonomia e unidade discursiva, em suas produções “autônomas”,
apresentando inclusive produções inusitadas além das impróprias.
Em suma, as crianças transitam melhor na língua quando se
encontram empiricamente em situação dialógica. Os discursos monológicos,
que demandam maior nível sintático e semântico, constituem nestas crianças,
uma dificuldade explícita.
Essa situação dialógica, que explicita a necessidade da
“sustentação” do outro, Melo (2006) denomina de “narrativa com tutela”, onde a
criança, diante da dificuldade de manter-se no discurso, solicita ao outro a
condição de exprimir os elementos-chave da história. Segundo a autora, a
tutela baseia-se no que a criança ainda não explicitou em sua narrativa
autônoma inicial.
Além dessa “dependência”, um relato pobre, composto por frases
isoladas, justapostas, sem organização dos eventos, dos contextos temporal e
espacial. Sem o auxílio do avaliador, as crianças tendiam a nomear as figuras
apresentadas.
Hage e Zorzi (2004:63) apontam que até os sete anos de idade,
estão adquiridos os sistemas sintático, semântico e pragmático. A criança
pode construir frases complexas “como voz passiva, subordinadas adjetivas e
adverbiais” (onde o meio social (escola, família) interfere significativamente na
77
produção dessas estruturas), utilizar extenso vocabulário tanto com “significado
lexical quanto gramatical e figurado”, utilizar todas as funções comunicativas
(como argumentar e persuadir), narrar, enfim, utilizar todas as suas habilidades
conversacionais “demonstrando habilidades para usar a linguagem
considerando o contexto e o interlocutor, regulando o que podem dizer, em que
lugar e com qual pessoa”.
Parece que os sujeitos da pesquisa não estão exatamente no pleno
domínio desses sistemas. O vocabulário parece ser restrito, sendo o seu
significado lexical o mais adequado: têm dificuldade gramatical e na figuração.
Suas narrativas estão comprometidas, necessitam do outro para montá-las e
sustentá-las. Conseguem relatar alguns fatos com elementos coesivos falhos,
introduzindo experiências recentes, com dificuldades para inventar fatos com
os personagens.
Considerando a elaboração de estórias, Lacerda (1995:18) afirma
que o “sujeito ao construir um texto se vale de velhas formas e conteúdos da
língua, que no contexto apontam para o seu compromisso com elas, com o
modo individual de organizar tais conteúdos, revelando a formação discursiva
de que fez parte, ainda que não seja de forma consciente”. Quer dizer, um
discurso sempre está historicamente referido a outro o que aponta para uma
espécie de “filiação discursiva” em que cada parte da rede sustenta a outra.
Aqui, entretanto, não se observa isso. No máximo introdução de
experiências recentes, procedimento inicial da construção discursiva, marca da
dificuldade em “inventar”, ponto que exibe um desenvolvimento mais
sofisticado.
78
A questão da presença do outro como pólo estruturante do discurso
chama a atenção. Vale lembrar que são as crianças entre dois e três anos
deixam explícita essa dependência, o que caracteriza a “fase da
protonarrativa”, como apontam Hage e Zorzi (op.cit:57), o que não é o caso em
termos etários para os estudados.
Essa presença conclamada exibe a dependência da criança
relativamente à estrutura dialógica como lugar para seus movimentos na
linguagem. Tal estrutura, original e fundante, deriva-se, ao longo do tempo, em
outra, de natureza monológica, que, contudo, guarda em si, suposta, a
dialógica. São movimentos operados na língua que têm como efeito um
desenvolvimento mais apurado de todos os sistemas.
O diálogo, ponto inicial da linguagem, se inscreve quando todos
forem reconhecidos interlocutores, como um endereço para os enunciados do
outro. Nota-se, claramente, que quando as crianças se aventuram em
construção com mais autonomia e unidade, não conseguem um movimento
apropriado na língua: surgem as produções inusitadas, sinal inequívoco de que
a língua falta. E falta porque a criança não se ajusta confortavelmente à
posição de sujeito.
Balbo (2003) nos lembra que da “língua materno-maternante ... a
criança deve ser logo privada para passar de seu semblante a uma língua que
lhe serve de identificante” (p.125), quer dizer, nos lembra que para a criança
incorporar a língua precisa antes mudar de posição subjetiva, ter reconhecido
seu dever e seu direito à palavra. E esse reconhecimento deriva-se de um
processo de “antecipação” que os pais operam relativamente ao seu bebê:
79
desde sempre ele é um outro igual, da linguagem. Mas, deve-se pensar sobre a
possibilidade de pais, como os destas crianças, operarem tal antecipação,
dadas as situações quase “autísticas” de vida em que estão metidos.
Da “língua privada” à “língua de todos” é preciso haver movimento
pra a posição de sujeito, imposição da lei. E como podem esses pais
inscreverem a lei, quando nem tomam as crianças como “outro”? Daí esta
conclamação insistente da fala do outro para organizar a própria fala ou mesmo
os “delírios” gramaticais que surgem desta impossibilidade.
80
______________________________________CAPÍTULO IV – CONCLUSÃO
A literatura do campo fonoaudiológico discrimina nosologicamente
os problemas de linguagem na infância em atrasos e distúrbios, identificando
para eles causas orgânicas e/ou psicossociais.
As ditas causas psicossociais se distribuem em causas psicológicas
e ambientais. As primeiras se referem aos quadros de transtornos mentais,
como o autismo, por exemplo, e as segundas aos quadros de transtornos na
estimulação, como o de crianças carenciadas, por exemplo.
Assim, no caso de crianças com história de vida familiar
desorganizada, o problema de linguagem se atrela a um problema “ambiental”,
então entendido como causador. Nessas crianças é identificado um atraso,
referido como certa “pobreza” que linearmente ataca e qualifica toda sua
linguagem.
Porém, esse breve estudo de três casos pode demonstrar que a
aparente “pobreza” lingüística, característica das crianças, não define
exatamente a sua grande questão. O ponto nevrálgico é a insistente
convocação do outro em suas construções discursivas. A dependência de uma
estrutura discursiva a dialógica para a elaboração de seus enunciados
(sinalizada ou pelos silêncios ou pelas inadequações), aponta para uma criança
ainda alienada no outro. Quer dizer, aponta para uma criança ainda longe da
posição de sujeito, lugar que lhe confere o direito e o dever à palavra, distância
que a deixa transitando na língua sem muita lei.
81
Pensar na aquisição da linguagem como um conjunto de mudanças
que são efeitos de uma “mudança de posição em uma estrutura cujos pólos
são o outro, a língua e o próprio sujeito”, como pontua De Lemos (op cit:6)
parece uma opção mais apropriada para analisar os resultados obtidos. A idéia
de “estrutura”, como esclarece a autora, “repele a idéia de ordenação de
estágios e sua superação” e, assim, por ela, é possível refletir sobre a
linguagem das crianças estudadas não a partir de uma consideração sobre
atraso no alcance desses estágios, mas, sim, a partir do seu posicionamento
subjetivo.
Note-se que as crianças estudadas transitam nos três pólos de
modo fragilizado.
Ainda que elas, por vezes, 1) se posicionem com propriedade como
sujeito falante relativamente ao outro e à língua, ou seja, indiciem uma “escuta”
que as conduz a reformulações, como em:
Beatriz: Aí ela pego o disco, pois na vitola, pois no buraquinho aí ela começo dançá...depois
ela se canso ela levou o disco até uma loja lá... ela entro ela viu as figuras depois ela foi
embora...ela trocô de disco porque ela tava ruim...era de forró
Beatriz – 10 anos
2) elas também produzem erros e textos insólitos, denotando uma
relação com a ngua não exatamente permeada pela fala do outro nem pela
própria fala:
Beatriz: O pai e o filho lá na praia..aí o pai mostro o negócio pro filho perto do coquero...aí tem
os coquero tem mais quatro veio um home consertá o negócio que o pai tava mostrano.
Beatriz – 10 anos
82
Ou mesmo, 3) se fixam no pólo do outro, convocando o diálogo para
sustentar a própria enunciação:
Pedro observa a figura e olha para o avaliador: “futibol... é só.”
Avaliador: “ O que que você tá vendo... o que acontece aí... o que é isso...”
Pedro (não desvia o olhar da figura): “É u Palmeiras, que tá torceno pro time que vai ganhá...”
Pedro – 10 anos
Em suma, verifica-se que, no interior desta fragilidade na
movimentação para o alcance das diferentes posições, quando à margem do
outro, as crianças têm dificuldade em elaborar e sustentar seu discurso, o que
não está exatamente apropriado para elas. Ou não conseguem ou transgridem
a língua radicalmente.
Isto traz à cena terapêutica uma questão que merece reflexão. O
que está realçado nestes casos é a difícil ocupação da posição “sujeito”, o que
não depende da aquisição da língua que, aliás, é apenas um “efeito”. Depende,
diferentemente, da “antecipação” e da “interpretação” do outro. Depende que
lhe abram, de fato, o caminho rumo à esta posição. Assim, o fato de se tomar a
questão discursiva como o que faz diferença, obriga a que se pense o
tratamento de tais crianças de uma forma distinta à que a tradição postula.
Estimular padrões fonéticos, gramaticais e semânticos adequados e
potencializar o uso pelo reforço, restringindo cada vez mais o que é possível,
parece ser um caminho longo e tortuoso. Isto porque sem poder alçar
plenamente as posições subjetivas, a criança vai ficar confinada a certos
movimentos que só lhe permitem falar essa língua que elas estão falando. É
83
preciso que as crianças se movimentem no espaço da linguagem, porque
somente quando ocupantes de determinadas posições é que a língua falada
será outra, mais próxima da “língua de todos”. Mas, esta é uma outra estória.
84
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Fonoaudiologia, São Paulo: Editora Roca, p-892-898, 2004.
SPINELLI, M. Foniatria. São Paulo: Editora Moraes, 1983.
TURATO, E.R., FONTANELLA,B.J.B., CAMPOS,C.J.G. Coleta de dados na
pesquisa clínico-qualitativa: uso de entrevistas não dirigidas de questões
abertas por profissionais da saúde. In: Revista Latino-Americana de
Enfermagem, V.14, n°5, 2006.
TURATO,E.R. Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa:
construção teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas
áreas da saúde e humanas. Petrópolis: Editora Vozes, 2003.
VORCARO,A. A criança na clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Editora Cia
de Freud, 1997.
YIN, R.K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2ed, Porto Alegre:
Editora Bookman, 2001.
WERTZNER,H.F. Fonologia: Desenvolvimento e Alterações. In:
FERREIRA,L.P. orgs. Tratado deFonoaudiologia, São Paulo: Editora Roca, 2004.
ZORZI, J.L. Aquisição de linguagem infantil. São Paulo: Editora Pancast,
1993.
Anexo 1
O procedimento de avaliação
1. A anamnese
A anamnese, instrumento clínico tradicional na área, representa
uma entrevista dirigida, com questões preestabelecidas para uma coleta de
dados, organizando assim a memória do entrevistado. Na aplicação da
anamnese, o pesquisador lê um questionário previamente construído com
perguntas ordenadas de acordo com o objetivo da pesquisa (Turato, Fontanella
e Campos, 2006).
2. O Exame de Linguagem
2.1 A apresentação do instrumento
O exame de linguagem Tipiti visa avaliar a comunicação oral,
através da análise do uso da língua portuguesa tanto no nível da recepção
quanto da emissão. Assim, investiga a realização verbal em quatro
constituintes lingüísticos:
Sistema fonético-fonológico
Sistema morfossintático
Sistema semântico
Sistema pragmático
Para tanto, esse exame propõe a aplicação de três provas
fundamentais que contemplam a avaliação da realização de todos os
constituintes lingüísticos nas áreas de recepção e emissão, e sugere provas de
caráter complementar para uma análise verticalizada das dificuldades
inicialmente identificadas.
A aplicação do Exame, suas normas de aplicação e os resultados
estão em um capitulo anexo ao trabalho.
11
Anexo 2
Aplicação do Exame Tipiti
Como descrito no Anexo 1, o Exame de Linguagem Tipiti visa
avaliar a comunicação oral, através da análise do uso da língua portuguesa
tanto no nível da recepção quanto da emissão.
A recepção é avaliada fundamentalmente através de duas provas:
Lista de Palavras e Reprodução de estória, sendo que na primeira verifica-se a
adequação do aspecto fonético-fonológico (tarefas perceptuais) e, na segunda,
dos aspectos morfossintático, semântico e pragmático (tarefas de compreensão
verbal). A emissão, por sua vez, é avaliada na prova fundamental de
Elaboração de estórias a partir de estímulo visual e aí se investiga a adequação
de todos os constituintes: fonético-fonológico, morfossintático, semântico e
pragmático (tarefa de produção verbal).
Na prova Lista de Palavras, o objetivo é avaliar a discriminação dos
fonemas do português, bem como a manutenção das seqüências fonológicas
em que se formatam os diversos contextos fonéticos apresentados. Foram
elaboradas três listas: a primeira relacionada à extensão vocabular; a segunda,
à posição do fonema no vocábulo e a terceira, à tonicidade do vocábulo.
Portanto, extensão, posição e tonicidade são elementos considerados variáveis
de complexidade que interferem na aquisição e uso do sistema fonético-
fonológico.
Na prova Reprodução de estórias o objetivo de se avaliar o
desempenho da criança na reelaboração de um discurso narrativo apresentado
por um interlocutor, ou seja, avaliar sua compreensão verbal.
A primeira prova (Prova A) emissiva chama-se Elaboração de
estória a partir de estímulo visual e corresponde à elaboração de uma estória a
partir de um estímulo visual fornecido à criança, onde o objetivo é avaliar o
desempenho da criança na elaboração de discurso narrativo diante de uma
representação visual de uma situação ou episódio. Trata-se de duas figuras
denominadas O Estádio de Futebol e A Mala e o Guarda-Chuva.
12
A segunda prova (Prova B) chama-se Elaboração de estória a partir
de estímulos visuais em seqüência e tem como objetivo avaliar a capacidade
da criança em ordenar figuras a partir de relações estabelecidas entre eventos
e estados, e, posteriormente, elaborar seu discurso narrativo a partir dessa
exposição de estímulos visuais em seqüência, de onde deve abstrair ou
sintetizar um tema desde o qual construirá a narrativa.
Essas provas envolvem ações que se relacionam por vínculos
temporais e causais, necessitam obrigatoriamente da utilização de mecanismos
de coesão e coerência intersentenciais, exigindo da criança, um material
lingüístico mais extenso.
Todas essas provas devem ser aplicadas segundo normas
estabelecidas, não havendo uma ordem necessária para o exame.
Deve-se atenuar a artificialidade da situação de exame, favorecendo
uma interação inicial satisfatória e agradável para a criança. Nesse momento
de interação, há o objetivo de obtenção de dados da criança que será avaliada,
pois disso depende a interpretação dos resultados finais. Para esse primeiro
contato, são feitas perguntas usualmente utilizadas nos primeiros contatos
entre pessoas, principalmente perguntas utilizadas no contato entre adulto e
criança. As perguntas devem ser propostas informalmente, visando uma
situação descontraída. Nessa situação é possível se ter a primeira idéia de
que falante/ouvinte é a criança em questão e, assim, adaptar da melhor forma
possível a aplicação das provas.
Desde o início da aplicação do exame, ou seja, desde o primeiro
contato do avaliador com a criança, deve-se considerar tudo como sendo
material para avaliação e passível de discussão. Deve-se observar se
variação na interação (ora a criança mantém-se interessada, ora não; se
apresenta inibição, descontração, ansiedade, cooperação, hiperatividade), se
disponibilidade da criança em responder e/ou fazer perguntas, qual o grau
de sua eficiência comunicativa (se utiliza comunicação verbal, gestual ou
mímica para atingir seus objetivos, se predominância de uma sobre a outra)
e qual o seu conhecimento das informações solicitadas.
13
Nesse momento deve-se observar também, em situação de
dificuldade na execução das tarefas, se estão presentes mecanismos de fuga
(se a criança demora para dar respostas), se necessidade de repetição da
pergunta feita pelo avaliador, se há respostas inadequadas ou fora do contexto.
As dificuldades devem ser observadas considerando tanto o nível de recepção
como o de emissão.
14
Anexo 3
Normas de aplicação, de registro e de análise
Para a aplicação do exame, alguns critérios devem ser seguidos e
respeitados. Para a prova Elaboração a partir de um estímulo visual, foram
selecionadas 2 figuras (já citadas anteriormente): O Estádio de Futebol e A
Mala e o Guarda-Chuva. Essas figuras são apresentadas em cartelas
separadas, em folha tamanho A4, nas cores preta e branca.
Para a prova Elaboração de estória a partir de estímulos visuais em
seqüência, inicialmente foi composta uma estória-base com 8 figuras. Esse
número de figuras varia em função da faixa etária das crianças que estão
sendo avaliadas. Para esse trabalho as crianças pertencem ao mesmo grupo,
definido pelos idealizadores desse exame* e as cartelas apresentadas serão as
mesmas (de 8 a 10 anos – cartelas 2, 3, 5, 6, 7 e 8).
Para a prova Reprodução de estórias (Prova C), também
variação na aplicação do exame conforme a idade, contendo o mesmo
conteúdo básico (há diferenças quanto ao léxico, ao número de elementos
secundários e à extensão das sentenças e discurso). No caso desse trabalho,
foram utilizadas as duas primeiras narrativas, cuja ação se desenvolve em local
vinculado à experiência de cada criança.
No caso de haver dificuldade na reelaboração espontânea do
material recebido, o interlocutor possui cinco perguntas previamente
elaboradas pelos idealizadores do exame, facilitando a avaliação da
compreensão da estória recontada pela criança.
Para a aplicação das provas, algumas normas precisam ser
respeitadas e seguidas. Para a Prova A, deve-se solicitar que a criança invente
uma estória a partir das figuras apresentadas. (O Estádio de Futebol e A Mala e
o Guarda-Chuva).
* No exame Tipiti, os sujeitos avaliados são divididos e avaliados conforme a faixa etária: de 5 a 7 anos, de 8 a 10 anos
3 de 11 anos em diante. Essa variação define a quantidade de figuras apresentadas (Prova B) e a nível de discurso
(Prova C)
15
Para a Prova B, solicita-se à criança que ordene e invente uma
estória a partir dos elementos dados (cartelas com figuras). As figuras são
oferecidas à criança e ela é orientada a elaborar uma estória com base nos
desenhos presentes em cada cartela que forma a estória. Conforme a criança
cria uma nova estória, a seguinte possui sempre um número maior de cartelas.
Inicia-se com 2 cartelas até 8 cartelas, totalizando 5 estórias. São elas: A luta
contendo 2 figuras; As latas contendo 3 figuras; O menino e o coqueiro
contendo 4 figuras; O disco contendo 6 figuras e O pescador contendo 8
figuras.
E, para a Prova C, solicita-se à criança que ouça atentamente a
estória contada pelo interlocutor (aquele que está aplicando o exame) e
posteriormente a conte com suas próprias palavras.
Nas provas A e B, caso a criança não utilize a forma narrativa para
contar a estória, o interlocutor poderá favorecer o surgimento de uma forma
narrativa, através de perguntas livres (não são perguntas elaboradas
previamente pelos idealizadores do exame). Essas perguntas visam o
estabelecimento de um diálogo, mesmo que seja breve.
Havendo necessidade, na Prova B o interlocutor poderá reorganizar
as figuras, caso a ordenação feita pela criança não possibilite o
estabelecimento de relações temporais e causais entre os eventos. Entretanto,
o interlocutor deve respeitar a imaginação da criança na criação de suas
relações temporais, mesmo que para ele seja estranho.
Na Prova C, a estória é lida pelo interlocutor previamente à
aplicação da Prova e contada à criança. No caso de não haver reelaboração
espontânea por parte da criança, o interlocutor poderá utilizar as perguntas
previamente elaboradas, facilitando o cumprimento da tarefa, ou seja, uma
reelaboração espontânea por parte da criança.
Na aplicação das Listas de Palavras, é solicitado à criança que ela
repita as palavras emitidas pelo avaliador. Os vocábulos são apresentados à
criança em ritmo regular, sem entonação enfática e com intensidade normal de
16
voz. É importante que não haja possibilidade qualquer de a criança realizar
leitura labial no momento do exame, pois facilitaria a execução do mesmo.
Caso haja necessidade e seja solicitado pela criança, é permitida a
repetição do vocábulo uma vez, fato este que deve ser considerado na
avaliação final.
Para a avaliação das provas (Reprodução e Elaboração de Estórias
e Lista de palavras), o registro é feito através da transcrição da gravação da fita
durante a realização das provas; considera-se toda a mímica corporal e facial
utilizada durante a aplicação do exame, ou seja, todo o comportamento não
verbal da criança (gestos, olhares, expressões); considera-se a forma utilizada
para a ordenação das figuras (no caso da Prova B) e eventuais estratégias
utilizadas para a formulação da resposta (Lista de Palavras).
Para a organização do material registrado, alguns pontos poderão
ser considerados. No caso das Provas A e B, observa-se quais os elementos
visualmente representados, quais os elementos de maior saliência perceptual
para a criança, quais os elementos não valorizados (consideramos reduções e
simbolizamos com a letra R), quais os elementos acrescentados (consideramos
acréscimo e simbolizamos com a letra A) ou quais os elementos transformados
(consideramos transformações e simbolizamos com a letra T). Tais
informações devem ser extraídas da análise da narrativa da criança no
momento da realização das provas.
Para todas as provas (A, B e C), no momento da avaliação, deve
ser considerada toda a mímica corporal, facial como estratégia de identificação
de referente; a prosódia, onde o ritmo e a entonação têm grande importância,
podendo haver desvios como: acentuada hesitação e/ou pausas. Considerar
também a facilidade de iniciar a elaboração ou reelaboração de estórias,
organização do material lingüístico, coerência da narrativa, manutenção do
tema, estabelecimento dos vínculos temporais e causais e mecanismos de
coesão.
17
A análise dos dados, ou identificação da posição da criança na linha
de desenvolvimento, é bastante favorecida neste instrumento, porque fornece
uma “pesquisa prévia”. Ou seja, fornece um referencial desde o qual é possível
se pontuar os desvios.
Nas provas A e B, os dados da pesquisa prévia nos permitem
verificar que, nas crianças de 7 anos em diante (que é a faixa etária que
abrange esse trabalho), uma tendência de descrição de elementos da figura
e das ações com coesão e sem vínculo temporal e causal, o que se faz supor
que nesta faixa etária a presença de uma figura está associada ao discurso
descritivo.
a partir dos 9 anos de idade, as narrativas foram obtidas através
de perguntas relacionadas à experiência da criança, apresentando coesão e
menor grau de circularidade. Há um maior número de sentenças subordinadas,
embora com hesitações que ocorrem normalmente no início de sentenças
complexas, em especial subordinadas, além de ocorrer uma diminuição no
número de ocorrências de desvios morfossintáticos.
Especificamente na prova B, sob o aspecto da ordenação das
figuras apresentadas, crianças a partir de 5 anos apresentam compatibilidade
entre organização das figuras e o relato ou estória.
na prova C, nas crianças com idade superior a 7 anos de idade,
a tendência de reelaboração em forma resumida, mantendo fatos centrais e
secundários relevantes bem como a coesão, menor tendência à circularidade e,
portanto, maior progressão. Há momentos de subordinação e redução do
número de dificuldades de concordância e flexão, embora persistam hesitações
que, como já foi citado, são esperadas e precedem construções complexas.
Na prova da Lista de palavras, os dados da pesquisa prévia
permite-nos verificar que crianças acima de 5 anos de idade devem apresentar
o sistema fonêmico integrado e estável. Deve ser considerado para a avaliação
desta prova:
Do aspecto fonêmico
Pelo tipo de desvio: distorções, substituições e/ou omissões;
18
Pela natureza do desvio: traço distintivo de sonoridade, modo e zona de
articulação, extensão do vocábulo, ritmo vocabular, sílabas abertas e
fechadas, posição do fonema no vocábulo;
Pela consistência do desvio: se o desvio ocorre sistematicamente ou
assistematicamente quanto ao tipo e/ou natureza;
Pelo tipo de estratégia eventualmente utilizada para resposta: solicitação
de repetição, gestos.
Das seqüências fonológicas
Pelo tipo de desvio: reduções, extensões e/ou contaminações de sílabas
nos vocábulos;
Pela natureza do desvio: semelhança fonética, posição de sílaba no
vocábulo;
Pela consistência do desvio: se os desvios ocorrem sistematicamente ou
assistematicamente quanto ao tipo e/ou natureza;
Por tipo de estratégia eventualmente utilizada para resposta: solicitação
de repetição, gestos.
Nas provas A, B e C, em relação ao nível de discurso, em sua
macro-estrutura, a avaliação será feita pela:
Mímica corporal e facial como estratégia de identificação do referente
(personagem, objetos) como apontar, mostrar objeto semelhante, de
representação de ação e reação do personagem ou do narrador;
Prosódia: ritmo e entonação, podendo estar presentes desvios como
acentuada hesitação e/ou pausas;
Facilidade de iniciar a elaboração ou reelaboração;
Forma de organização do material lingüístico;
Coerência da narrativa: manutenção do tema, estabelecimento dos
vínculos temporais e causais;
Mecanismos de coesão: supressão ou pronominalização de elemento
mencionado, uso de conectivo ou entonação para exprimir relações
entre os eventos, podendo haver alguns tipos de desvios, tais como:
falhas na expressão de relações entre ações por seus vínculos
19
temporais e causais (seqüência de eventos), fragmentação do relato por
falta de coesão;
Recursos lingüísticos utilizados:
Reduções: o que foi reduzido fatos, elementos essenciais, elementos
secundários;
Acréscimos: o que foi acrescentado – fatos, elementos secundários (com
possibilidade de serem decorrentes de associação com sua própria
experiência), introdução de elementos de estórias conhecidas,
atribuições de funções essenciais para a narrativa a elementos
acrescentados;
Transformações dos fatos, dos elementos essenciais e secundários,
da seqüência do evento;
Compreensão da estória: a partir de comparação na narrativa da criança
com o avaliador, com base na análise dos dados acima;
Coerência da narrativa: manutenção do tema, sequencialização através
dos vínculos temporais e causais;
Mecanismos de coesão: supressão ou pronominalização de elementos
anteriormente mencionados, uso de relativas, podendo haver desvios,
tais como: relações inadequadas entre eventos, falta de coesão.
no nível de sentenças, em sua micro-estrutura, a avaliação será feita
por:
Tipo de sentença: simples, coordenadas e/ou subordinadas;
Estruturação sintático-semântico: utilização do sujeito, predicado; que
tipos de estruturas sentenciais são encontradas, como são utilizadas;
Concordância: nominal e verbal, podendo haver desvios, tais como:
falhas na concordância, omissão ou utilização inadequada de conectivos
(preposições, conjunções).
20
Anexo 4
Carta solicitação
21
Anexo 5
Termo de consentimento livre e esclarecido
Pesquisador principal: Cristiane Pequeno da Silva
Instituição: Conselho Tutelar da Estância Turística de São Roque
Endereço: Avenida Antonio Maria Picena, 129.
1. Titulo do estudo: “Alterações de linguagem em crianças filho(as) de usuários de
drogas: um estudo inicial”
2. Propósito do estudo: confirmar se ou não atraso na aquisição de linguagem de
crianças cujas histórias de vida incluem o uso de drogas pelos pais. Se houver, identificar os
tipos de alterações lingüísticas que incidem de modo mais significativo no desenvolvimento
dessas crianças.
3. Procedimentos: selecionar junto ao Conselho Tutelar de São Roque, crianças cujas
histórias de vida incluem o uso de drogas pelos pais. Aos pais será aplicada uma anamnese
detalhada sobre seus hábitos, gestação, desenvolvimento da criança e dinâmica familiar. À
criança, será aplicado o Exame de Linguagem Tipiti cujo procedimento normativo de avaliação
consiste em avaliar a comunicação oral, através do uso da língua portuguesa, tanto no nível da
recepção quanto da emissão. Para tanto, são aplicadas três provas fundamentais que avaliam
todos os constituintes lingüísticos: Lista de palavras, Reprodução de estórias e Elaboração de
estórias a partir de um estímulo visual.
4. Riscos e desconfortos: não existem riscos médicos ou desconfortos associados com
esse estudo, embora a situação de avaliação possa gerar alguma fadiga e/ou stress durante o
processo.
5. Benefícios: caso os resultados deste exame sejam positivos e o objetivo seja
confirmado, a criança será beneficiada com o acompanhamento fonoaudiológico semanal,
proposto pelo próprio pesquisador.
6. Direito do participante: a criança poderá ser retirada deste estudo a qualquer
momento.
7. Compensação financeira: não haverá qualquer tipo de compensação financeira para a
criança ou seus familiares.
8. Confidencialidade: De forma a registrar exatamente o que for dito no teste, será feito
um registro em fita cassete. A fita será ouvida pelo investigador principal. Por se tratar de
crianças que estão sob responsabilidade legal do Conselho Tutelar de o Roque, os nomes
das crianças e de seus familiares deverão ser mantidos em absoluto sigilo, devendo assim, o
pesquisador recorrer ao uso de nomes fictícios para eventuais elucidações dos
acontecimentos. Compreendo que os resultados deste estudo poderão ser publicados em
22
jornais profissionais ou apresentados em congressos profissionais, mas que, as gravações não
serão reveladas a menos que a lei o requisite.
Eu, _______________________________________________ , Presidente do Conselho
Tutelar de São Roque compreendo e aceito os direitos das três crianças selecionadas como
sujeitos de pesquisa que voluntariamente participam deste estudo. Compreendo sobre o que,
como e porque este estudo está sendo feito. Receberei uma cópia assinada deste formulário de
consentimento.
__________________________ Data ___/___/___
Valquíria Barbosa Lima Costa
Responsável legal
__________________________
Cristiane Pequeno da Silva
Pesquisador
23
Anexo 6
Parecer do Comitê de Ética do Programa de Estudos Pós -Graduados da
Pontifica Universidade Católica de São Paulo
24
Anexo 7
FICHA DE ANAMNESE
Data ___/___/___
DADOS PESSOAIS
Nome:
____________________________________________________________________________
Data de nasc: ___/___/___ Idade: _________
Escolaridade: _______________ Escola:
__________________________________
Nome da mãe (ou responsável): ______________________________________________
Idade: _________ Profissão: _________________________________
Nome do pai (ou responsável): _______________________________________________
Idade: _________ Profissão: _________________________________
End: _________________________________________________________________
Cidade: ____________________________ Estado:
___________________________
Tel: _________________ Rec: _________________
Cel:____________
Entrevistado: ______________________________________________________
DADOS GESTACIONAIS
Gravidez desejada? ___________________________________________________________
Fez pré-natal? _______________________________________________________________
Tempo de gestação ______________________________
Usou medicamentos? ( ) sim _____________________________ ( ) não
Usou algum tipo de substância psicoativa? ( ) sim _________________________ ( ) não
Ingeriu bebida alcoólica? ( ) sim ______________________________ ( ) não
Durante a gestação sofreu: ( ) queda ( ) nervoso ( ) acidente ( )
APÓS O NASCIMENTO
O bebê chorou logo? ( ) sim ( ) não
Cianótico? ( ) sim ( ) não
O bebê ficou internado após nascer? ( ) sim ________________________ ( ) não
Amamentou no peito? ( ) sim ________________________________ ( ) não
Usou mamadeira? ( ) sim ( ) não
Usou chupeta? ( ) sim ( ) não
Engatinhou com que idade? ____________________________________________________
Sentou com que idade? ____________________________________________________
Andou com que idade? ____________________________________________________
Quando começou a falar? __________________________________________________
DADOS FAMILIARES
Composição familiar: ___________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
Observações:
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
DADOS DA CRIANÇA
25
SOCIABILIDADE:
Amigos? _____________________________________________________________________
Escola? _____________________________________________________________________
Vizinhos? ____________________________________________________________________
Família? _____________________________________________________________________
Pais? _______________________________________________________________________
Irmãos? _____________________________________________________________________
Toma algum medicamento? ( ) sim _____________________________________ ( ) não
Já sofreu algum acidente? ( ) sim ______________________________________ ( ) não
Já ficou internado? ( ) sim ____________________________________________ ( ) não
Já teve ( ) catapora ( ) sarampo ( ) rubéola ( ) caxumba ( ) pneumonia
Já teve convulsões? ( ) sim _______________________________ ( ) não
Faz tratamento médico? ( ) sim ______________________ ( ) não
INTERESSES:
Revistas? __________________________________________________________________
Jogos? ____________________________________________________________________
Televisão? _________________________________________________________________
Atividades domésticas? _______________________________________________________
DADOS COMPLEMENTARES
Sono ______________________________________________________________________
Apetite _____________________________________________________________________
AVDs ______________________________________________________________________
AVPs ______________________________________________________________________
Responsabilidade ____________________________________________________________
Hábitos ____________________________________________________________________
ESCOLARIDADE
Freqüentou o maternal? ________________________________________________
Freqüentou a pré-escola? ________________________________________________
Com quantos anos iniciou a primeira série? ________________________________________
Série atual ___________________________________________
Desempenho escolar __________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Faz as tarefas em casa? ______________________________________________
Qual a disciplina de maior dificuldade? ____________________________________________
Qual a disciplina de menor dificuldade? ____________________________________________
Opinião dos pais dobre a criança
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
Observações
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
26
Anexo 8
Dados da avaliação oral
A interação inicial com as três crianças ocorreu separadamente e de
forma tranqüila e bem espontânea. Iniciamos a conversa com assuntos
peculiares a cada uma: idade, se estudava, onde estudava, se gostava de
brincar, o que mais gostava de comer, se gostava de contar estórias etc.
Após esse primeiro contato, expliquei a cada uma delas o que seria
feito, assegurando-lhes que eu explicaria cada atividade antes mesmo de
iniciá-las e, mais ainda, se houvesse dúvidas, deveriam se sentir à vontade
para perguntar.
Nenhuma das três crianças mostrou incômodo no momento que
informei que as atividades seriam gravadas.
Primeira transcrição
Pedro – 10 anos
Estádio de Futebol Pedro é orientado a elaborar uma estória com base na
figura apresentada pelo avaliador
T1- Conta uma estória com essa figura que você tá vendo
Pedro observa a figura e olha para o avaliador
T2- Futebol... é só
T3- O que que você tá vendo... o que acontece aí... o que é isso...
Pedro não desvia o olhar da figura
T4- É o Palmeiras, que tá torcendo pro time que vai ganhá...
T5- Qual time? Quem tá jogando?
Pedro ri e joga a cabeça pra trás
T6- Quem tá jogando nesse campo aí?
T7- Alemanha... (ele pára e olha para a sala em que está)
T8- Alemanha e... ela tá jogando sozinha?
27
Pedro sorri e olha para o avaliador
T9- Pensa na Copa, com quem a Alemanha pode jogar?
T10- Brasil
T11- Isso mesmo, com o Brasil...e quem ganhou esse jogo?
Pedro olha para a figura e sorri
T12- Num sei...o Brasil...dois...dois a zero
T13- Dois a zero prá quem?
T14- Num sei... pro Brasil. O Brasil ganhou esse jogo. E essa figura é o que?
Pedro afasta a figura do Estádio de Futebol e segura a figura da Mala e o
Guarda-Chuva. O avaliador muda de estória, pois para Pedro ele terminou a
primeira tarefa.
A Mala e o Guarda-Chuva Pedro é orientado a elaborar uma estória com
base na figura apresentada pelo avaliador
T1- Agora você vai me contar uma estória com essa figura aqui ó.
O avaliador mostra a nova figura a Pedro que olha atentamente, parecendo
entender o que deve fazer. Pedro segura a figura e olha para o avaliador.
T2- Eu arrumei a mala prá saí
T3- E prá onde você vai?
Pedro continua a segurar a figura e não desvia seu olhar da mesma
T4- É...é...
T5- De quem que é essa mala aí?
T6- De alguém ué... do Léo*
T7- Ah, a mala é do Léo! Que mais?Essa sombrinha é de quem?
T8- É do Léo tamém
Pedro sorri e olha para o avaliador
T9- E você sabe o que que tem na mala do Léo?
T10- Roupa, short, brinquedo pra ele levá prá brincá
T11- Prá onde ele vai?
T12- Prá viajá...
T13- Pra onde?
28
*Léo é um amigo de Pedro. Ambos vem às terapias semanalmente juntos.
Pedro sorri e solta a folha de papel como se tivesse se desinteressado da
atividade proposta
T14- Ta legal sua estória! Me conta, prá onde o Léo vai viajá?
T15- Prá minha casa
T16- E onde você mora?
T17- Lá no Mostero*
T18- Com quem?
T19- Com a minha mãe...meus irmão...só
T20- E seu pai?
T21- Meu pai mora na rua
T22- Ah tá, então, como termina sua estória?
T23- Acabou.
Elaboração de estórias (cartelas)
Pedro é instruído a elaborar algumas estórias com base nas figuras
apresentadas. Ele se senta adequadamente na cadeira, demonstrando maior
interesse do que mostrou na atividade anterior. São apresentadas duas figuras
(jogo de boxe). Ele move as cartelas na mesa conforma credita ser a formação
e inicia sua estória
“Os dois estão se preparano pra lutá boxe... e daí começou...e terminou...ele
ganho” (aponta para um dos dois personagens da cartela)
Ao finalizar sua estória, Pedro afasta as cartelas e pergunta qual
estória deveria contar. O avaliador fornece as novas cartelas (três). Pedro não
percebe que aumentou o número de cartela, ordena conforme acredita ser a
ordem dos acontecimentos e inicia rapidamente sua estória.
“O pai levo ele pra escola...e...ela vai estudá...ele ta com um fio e uma lata...e
acabou”
29
_______________________
* Mosteiro é um bairro da cidade de São Roque - SP
Nesse ponto da estória, Pedro esquece de uma cartela e é alertado
pelo avaliador para prestar atenção nas cartelas que lhe foram apresentadas.
Ele aproxima a cartela esquecida e inicia novamente sua estória.
“O carro tava ino, ele colocou as lata, amarrou no carro...ele amarrou no carro e
o pai tava ino pro trabalho”
Novamente finaliza sua estória e se interessa em saber qual seria a
próxima. São apresentadas quatro cartelas. Rapidamente monta sua seqüência
e não percebe que o número de cartelas aumentou. Ordena as figuras
horizontalmente e inicia sua estória
“Então...ele tava na praia mostrano o de côco e o filho ta olhano...dái ele
queria um o pai num quis pegá na segunda parte a moça ta tentano pro filo
e... o resto da família ta olhano e só...aí chegou a parte que o home chegou pra
pegá daí todo muno ficou olhano daí ele conseguiu derrubá todos os côco”
Nessa estória, Pedro isolou cada cartela como se fossem estórias
separadas, o realizou uma seqüência dos fatos conforme tinha montado.
Assim que finalizou sua estória, com as mãos, afastou as cartelas e perguntou
qual seria a próxima.
São apresentadas seis cartelas que ele novamente organiza
horizontalmente na mesa. Percebe que o número de cartelas havia aumentado
bastante, pois não estava conseguindo organizar uma ao lado da outra.
Algumas cartelas estavam sendo ocultadas por outras (uma em cima da outra).
Quando percebeu que a atividade seria a mesma e que deveria contar uma
estória com todas aquelas cartelas, exclamou “O loco tia!”.
“Essa moça foi prá escola te aula, daí essa parte ela chega na escola, ela
saino da escola, daí ela chego em casa e ouviu música, fico dançano e foi pa
escola aula...ela era professora de informática...não, não, de
música...chamava Rafaela e tinha 12 ano...não... 20 ano”.
30
Pela primeira vez não afastou as cartelas com as mãos, mas
perguntou se tinha que contar mais estória. O avaliador lhe informou que
contaria apenas mais uma estória e que mudariam de atividade. Novamente
organizou as cartelas (oito), mas como não caberia horizontalmente em uma
única fileira, organizou as cartelas em duas fileiras, seguindo uma ordem
coerente para tal arrumação.
“Ele tava pescano, daí ele pego o pexe, daí ele paro de pescá e foi tomá
lanche, daí ele pego uma varinha e dexô os pexe pendurado e foi pescá de
onde ta o pexe e jogo a rede...e jogo a varinha, daí ele foi lá e foi pescá tudo de
novo daí ele conseguiu e daí acabo”.
Quando finalizou a estória, o avaliador lhe questionou sobre a
quantidade de pescadores que tinha em sua estória. Como havia oito cartelas e
em sete delas havia o desenho de um pescador (dois tipos diferentes) ele
respondeu que havia sete pescadores em sua estória
“Sete pescadores tia, um diferente do outro, tavam pescano na praia de São
Roque... Rio de Janeiro...tava cus amigo dele”
Lista de Palavras
Dissílabos
Trissílabos
Polissílabos
gelo gelo carreta carreta dorminhoco dorminhoco
vaso vaso baderna barderna fabuloso fabuloso
ponta ponta janela janela magistério magistério
cera cera molhando molhano enxurrada ***
farda farda travessa travessa maravilha maravilha
mosca mosca floresta floresta principesco principeni
bicho bicho bagunça bagunça pernilongo pernilongo
filtro filtro fidalgo figaldo sobressalto sobre
ninho ninho desenho desenho oculista oculita
genro genro vexame vexame encoberto ocoberto
chave chave pilha pilha vara vara
fachada fachada sapato sapato salada jalada
sino sino bico bico rabo rabo
batalha batalha cabala cabala baralho baralho
barra barra ficha ficha salada jalada
pacato pacato manada nanana pagem pajem
massa mata mico mico quilo quilo
zupa zupa nave nave bagagem bagagem
31
lago lago safado safado chita chita
tapa tapa ninho ninho rija rija
vinho vinho lhama lama garrafa garrafa
zara zara caça caça cajado casado
palhaço palaço chamava chamava vasado vasado
badalo bada cavalo cavalo limo limo
guisa guiza gira gira faca faca
data data gado gado lanhado lanhado
jarra jarra tifo tifo digo digo
massacre massacre
Grupos com /r/ Grupos com /l/
frade fade draga draga clima clima
frite frite batráquio batráquio atlanta atlanta
grito grito graxa graxa blusa blusa
sagrado sagrado apraza abraza flite flite
prima prima tablado tablado
braço braço blague blage
crime crime pluma pluma
lacrado lacrado aclama ***
briga briga placa placa
traça traça gluten gluta
drible dibe classe crasse
afraca afraca aplaca apraque
tribo tribo flauta flauta
praga praga gládio glaudio
quadrado quadrado aflato aflauto
crase case aglaia aglaia
Reelaboração de estórias
“A professora..é...ajudô o aluno a pulá os buraco e as preda e ela não
consegui...só isso...ela tinha medo de quês caisse...o aluno acho que ajudô”
Segunda transcrição
Beatriz – 10 anos
Estádio de Futebol Beatriz é orientada a elaborar uma estória com base na
figura apresentada pelo avaliador
T1- Conte uma estória com base nisso aí que ce tá vendo, nessa figura
T2- É um campo de futebol, a torcida, as banderas, o gol no campo
T3- Que que aconteceu nessa estória...assim...
T4- Aí eles tavam gritano por time né ganhá
32
T5- Que time?
T6- Aqui num tá mostrano...São Paulo e Corinthians
T7- Ah é... e quem ganho o jogo?
T8- São Paulo, de cinco a zero
T9- Conto a estória?
T10- Contei...dessas aqui zá.
Terminada a prova, ela olha para as outras figuras que estão separadas ao
lado da mesa.
A Mala e o Guarda-Chuva Beatriz é orientada a elaborar uma estória com
base na figura apresentada pelo avaliador
T1- Pode começá?
T2- Pode
T3- Aqui é a mala, um guarda-chuva...uma pessoa ia viajá com os dois...ia prá
praia
T4- Hum
T5- Aí eu num sei
T6- Quem que é dona dessa mala, pra onde que ia, quem que ia...
T7- Ia prá praia...minha mãe era dona da mala
T8- Que que ela ia leva dentro da mala?
T9- Levá ropa, caderinha, toalha,...ia levá maiô
T10- Que praia que ela ia?
T11- De Santos
T12- Ah que delícia? E o guarda-chuva?
T13- Faz de conta que aqui a caderinha e aqui o guarda-chuva e o
guarda-chuva é pra protege do Sol
Elaboração de estórias (cartelas)
Beatriz é instruída a elaborar algumas estórias com base nas figuras
apresentadas. Ela senta-se adequadamente na cadeira, demonstrando o
mesmo interesse que mostrou na atividade anterior. São apresentadas três
33
figuras. Ela move as cartelas na mesa conforme acredita ser a formação e
inicia sua estória
“Ai eles tavam brincano e ficavam com a posição, aqui que é o campo..os
dois tava com a luva...aí o de luva preta ganho o juiz conto até deis e
perdeu o outro...e aí fico deitado no chão”.
Ao finalizar sua estória, Beatriz afasta as cartelas e pergunta qual
estória deveria contar.
“Aqui o pai tava conversano com o filho do carro...aí tinha linhas..aí o pai
pergutô pro filho o que ela tava fazendo as linhas...pegava a latinha e punha a
linha no buraquinho...aí ele pois no carro dele... aí pindurô assim e as latinha foi
balançano e o carro foi embora”.
Beatriz quando que teriam outras estórias pra contar mostra-se
espantada, pois percebeu que as cartelas vão aumentando.
“O pai e o filho lá na praia..aí o pai mostro o negócio pro filho perto do
coquero...aí tem os coquero tem mais quatro veio um home consertá o negócio
que o pai tava mostrano...aí chego mais sete aí filho daquele pai lá tava
conversano com eles...aí depois os côcos começaram caí chego o home
eles reclamaram que o côco caiu chegou o home, o home arrumo os
côcos...ele pois lá as coisa”.
Enquanto Beatriz separava as cartelas ela ia descrevendo o que
estava fazendo. Posicionou as cartelas uma ao lado da outra horizontalmente.
”Aí ela pego o disco, pois na vitola, pois no buraquinho ela começo
dançá...depois ela se canso ela levou o disco até uma loja lá... ela entro ela viu
as figuras depois ela foi embora...ela trocô de disco porque ela tava ruim...era
de forró”.
O avaliador lhe informou que contaria apenas mais uma estória e
que mudariam de atividade. Novamente organizou as cartelas (oito) na mesa e
contou para verificar quantas tinham.
“Aqui é o mar chego o cara chego o outro...o cara foi passano ele fico
parado veio o outro...jogo a varinha...aí o outro cara pego, sento levanto e
pesco um pexe e o outro que tava sentado na cadera pesco dois o outro fico
34
parado...aí o cara fico de pesco e num pego nenhum...aí o outro pego três
pexes numa varinha pois num canto... pega a outra...aí no fim eles ajuntaram
os pexes e começaram a discutir...porque um tinha mais que o outro”.
Para elaborar essa estória, Beatriz criou uma estória onde cada
cartela era um personagem da sua estória, totalizando segundo ela, oito
pescadores.
Lista de Palavras
Dissílabos
trissílabos
polissílabos
gelo gelo carreta carreta dorminhoco dorminhoco
vaso vaso baderna barderna fabuloso fabuloso
ponta ponta janela janela magistério magistério
cera cera molhando molhando enxurrada enxurrada
farda parta travessa atravessar maravilha malavilha
mosca mosca floresta floresta principesco principesco
bicho bicho bagunça bagunça pernilongo pernilongo
filtro filtro fidalgo fidalgo sobressalto sobressalto
ninho ninho desenho desenho oculista oculista
genro genro vexame vezame encoberto encoberto
chave save pilha pilha vara vara
fachada safada sapato sapato salada salada
sino sino bico bico rabo rabo
batalha batalha cabala cabala baralho baralho
barra barra ficha ficha sala sala
pacato pacato manada manada pagem pagem
massa massa mico mico quilo quilo
zupa zupa nave nave bagagem bagagem
lago lago safado safado chita chita
tapa tapa ninho ninho rija rija
vinho vinho lhama lhama garrafa lhama
zara sala caça caça cajado cajado
palhaço palhaço chamava chamava vasado vasado
badalo badalo cavalo cavalo limo limo
guisa guiza gira Gira faca faca
data data gado gado lanhado lanhado
jarra jarra tifo tifo digo digo
massacre massacre
Grupos com /r/ grupos com /l/
frade frade draga draga clima crima
frite frite batráquio batráquio atlanta atranta
grito grito graxa graxa blusa blusa
35
sagrado sagrado apraza apraza flite frite
prima prima tablado tabado
braço braço blague blague
crime crime pluma pluma
lacrado lacrado aclama acrama
briga briga placa placa
traça traça gluten glúten
drible drilbe classe crasse
afraca afraca aplaca aclaca
tribo tribo flauta flauta
praga praga gládio gaudis
quadrado quadrado aflato aflato
crase crase aglaia aglaia
Reelaboração de estórias
“Luis foi no bosque com a professora, foram brincá, pediram pra professora
ajudá a pulá nas pedra e pulá na pedra e no buraco... ela pediu ajuda e eles
disseram que foi você mesmo que ajudô...ela tinha medo de buraco de
pedra...medo de pulá nos buraco”.
Terceira transcrição
Renata – 7 anos
Estádio de Futebol Renata é orientada a elaborar uma estória com base na
figura apresentada pelo avaliador
T1- Primeiro eu quero que você me conte uma estória do que você vendo,
vai mudando e vai aumentando o número de figuras, tá? O que que acontece
nessa figura?
T2- Tem um home jogano bola...tem uma quadra e uma pista de corrida...e um
monte de bandera.
T3- Então, conta uma estória com isso aí...vai lá, você gosta de contar
estórias..
T4- Num gosto não...
T5- Eu sei que você gosta, você já me contou...
Renata fica olhando atentamente a figura, mas parece estar intimidada com a
situação
T6- Você torce prá que time?
36
T7- São Paulo
T8- Então, faz de conta que o São Paulo que jogando...que estória que você
me contaria?
T9- Que o São Paulo ganho...
T10- De quanto?
T11- De 6 a 1... do Corinthians.
O avaliador muda de estória, pois para Renata ela já terminou a primeira
tarefa.
A Mala e o Guarda-Chuva Renata é orientada a elaborar uma estória com
base na figura apresentada pelo avaliador
T1- Agora é uma figura menorzinha...e o que você tá vendo aí?
O avaliador mostra a nova figura a Renata que olha atentamente, parecendo
entender o que deve fazer. Renata segura a figura e olha para o avaliador.
T2- Um guarda-chuva caído na rua e uma mala, uma mulé tava levando a mala
pra dento do avião e esqueceu a mala
T3- E agora, como ela vai faze sem mala?
T4- Ela vai te que volta pra casa dela e busca onde tivé
Elaboração de estórias (cartelas)
Renata é instruída a elaborar algumas estórias com base nas
figuras apresentadas. Ela senta-se adequadamente na cadeira, demonstrando
o mesmo interesse que mostrou na atividade anterior. São apresentadas três
figuras. Ela move as cartelas na mesa conforme acredita ser a formação e
inicia sua estória
“Era uma vez um menino que queria fazê um telefone de linha... e o pai dele
mostô pa ele como que seria o telefone...o pai dele ligo o carro e saiu... o carro
passo por cima dele (do telefone)”
Ao finalizar sua estória, Renata afasta as cartelas e pergunta qual
estória deveria contar.
37
“Era um home que queria lutá boxe e ganhô pela pimera vez”
Renata é alertada que o número de fichas vai aumentando. São
apresentadas quatro cartelas. Rapidamente monta sua seqüência, ordena as
figuras horizontalmente e inicia sua estória.
“O pai dele foi o coquero na fente da paia e foi aumentando o número de
gente mais ainda e teve um dia que o coquero ficou cheio e caiu todos os
côco dele, daí no oto dia aumentô mais côco no pé dele”.
Nessa estória, Renata não isolou as cartelas como se fossem
estórias separadas, realizou uma seqüência dos fatos conforme tinha montado.
Assim que finalizou sua estória, com as mãos, afastou as cartelas e perguntou
qual seria a próxima.
São apresentadas seis cartelas que ela novamente organiza
horizontalmente na mesa.
“Era uma vez uma mulé que queria tabaiá na loja e a mulé que queria tabaiá na
loja mudo pa arrumá o telefone e uma escola de dança e foi embora...é....da...
foi embora da loja e depois foi pá iguesa e depois foi isqueve...no papel”
Para contar a estória, Renata olhava atentamente para cada figura
que estava colocada na mesa, mas não percebia que as figuras tinham uma
seqüência e que poderia utilizá-la durante a elaboração. Por isso, sua estória
possui alguns trechos isolados.
O avaliador lhe informou que contaria apenas mais uma estória e
que mudariam de atividade. Novamente organizou as cartelas (oito) na mesa e
contou para verificar quantas tinham.
“Era uma vez que o home foi pá...ele foi pescá na palia ele enconto bastante
pesse na linha da vara dele e depois ...é...ele foi tentá pescá mais e daí foi tês
pesses na vara dele e depois acabo e dele foi embora...acabo os pesse da
paia de tanto ele te pescado... daí o oto amigo dele foi pesca mas daí num
tinha pesse e daí teve uma hora que ele enconto um pesse sobando e depois
aquele home que tinha acabado com o pesse da palia enconto o amigo dele
que enconto só um pesse na palia e foi embora...os dois”.
38
Lista de Palavras
Dissílabos
Trissílabos
Polissílabos
gelo celo carreta carreta dorminhoco dorminhoco
vaso vaso baderna baderna fabuloso fabuloso
ponta ponta janela janela magistério magistério
cera cera molhando molhando enxurrada enxurrada
farda farad travessa tavessa maravilha malavilha
mosca mosca floresta foresta principesco principesco
bicho bicho bagunça bagunça pernilongo pernilongo
filtro filto fidalgo fidalgo sobressalto sobressalto
ninho ninho desenho desenho oculista oculista
genro cero vexame vessame encoberto encoberto
chave chave pilha pilha vara vara
fachada fassada sapato sapato salada salada
sino sino bico bico rabo rabo
batalha batalha cabala cabala baralho baralho
barra barra ficha fissa sala sala
pacato pacato manada manada pagem Pagem
massa massa mico mico quilo quilo
zupa sopa nave nave bagagem Bagagem
lago lago safado safado chita chita
tapa tapa ninho ninho rija rija
vinho vinho lhama lhama garrafa garrafa
zara sala caça caça cajado cassado
palhaço palhaço chamava samava vasado vasado
badalo badalo cavalo cavalo limo limo
guisa guiza gira sira faca faca
data data gado gado lanhado nhanhado
jarra sarra tifo tifo digo digo
massacre massaque
Grupos com /r/ Grupos com /l/
frade fade draga daga clima quima
frite fite batráquio batáquio atlanta atanta
grito guito graxa gassa blusa blusa
sagrado sagado apraza aprassa flite fite
prima pima tablado tabado
braço baço blague blague
crime quime pluma pluma
lacrado laçado aclama acama
briga biga placa placa
traça taça glúten guten
39
drible dibe classe casse
afraca afaça aplaca aplaca
tribo tibo flauta fauta
praga paga gládio gadio
quadrado quadado aflato afato
crase case aglaia aglaia
Reelaboração de estórias
“Luis foi no mato estudá as pedas e as fores e que ficava cheio de bulaco
gandes e dele chamo a tia dele ajuda ele a pula os buraco e daí o Luis
resolveu segurá a o da pofessora dele e a tia dele ispisco (explicou)...ela
não tinha medo do buraco...o menino tinha medo de pulá o buraco”.
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