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O novo Código Civil, segundo as interpretações advindas da
Jornada de Direito Civil (ocorrida de 11 a 13 de setembro de 200 2
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) e em
tantas outras já pacificadas, em seu artigo 1.603, compreende, à luz do
disposto no art. 1.593, a filiação consangüínea e também a socioafetiva
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.
É unânime que a paternidade constitui uma realidade
sociológica, tida em alta conta pelo legislador das reformas européias,
verdade essa que se mostra através da posse de estado de filho – a ser
abordada neste estudo.
companheirismo, de acompanhamento, de amor, de ligação afetiva. Daí não se tratar de um rematado
absurdo a cogitação de que se pudesse pretender pôr limites à investigação da paternidade biológica,
porque, quando se permite indiscriminadamente esta pesquisa, se está jogando por terra todo o prisma
socioafetivo do assunto, e isto vale também para a paternidade biológica, não só para a adotiva. O pai e
mãe criaram um filho, com a melhor das criações possíveis, com todo o amor que se podia imaginar;
passam-se os anos; quarenta anos depois, resolve o filho investigar a paternidade com relação a outra
pessoa, esbofeteando os pais que o criaram por quarenta anos! E normalmente esses pedidos são tão
despropositados que, falando em tese, muitas vezes têm a ver apenas com a cobiça, descobrem que o pai
biológico tem dinheiro, vai herdar, então despreza os pais que o criaram, que deram toda a educação, quer
adotivos, quer biológicos – tidos como biológicos -, e vai procurar o outro pai que teve o tal coito, uma
vez na vida.” (Ac. 595 118 787, 8ª C.Cív., TJRS, em 08.11.1995, RTTJRS 176/771 –2, Rel. Sérgio
Gischkow Pereira).
TJPR- NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ADOÇÃO À BRASILEIRA - CONFRONTO ENTRE A
VERDADE BIOLÓGICA E A SOCIOAFETIVA. TUTELA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
PROCEDÊNCIA. DECISÃO REFORMADA. 1. Ação negatória de paternidade é imprescritível, na
esteira do entendimento consagrado na Súmula 149/STF, já que a demanda versa sobre estado de pessoa,
que é emanação do direito da personalidade. 2. No confronto entre a verdade biológica, atestada pelo
exame de DNA, e a verdade socioafetiva, decorrem da adoção à brasileira (isto é, da situação de um casal
ter registrado, com outro nome, menor, como se deles filho fosse) e que perdura por quas e quarenta anos,
há de prevalecer a solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana. 3. A paternidade
socioafetiva, estando baseada na tendência de personificação do direito civil, vê a família como
instrumento de realização do ser humano; aniquilar a pessoa do apelante, apagando-lhe todo o histórico
de vida e condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular adoção à brasileira, não
tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao caso concreto, mas, ao contrário, por critérios
meramente formais, proteger-se-iam as artimanhas, os ilícitos e as negligências utilizadas em benefício do
próprio apelado. (Apelação cível 0108417-9, de Curitiba, 2. Vara de Família. DJ 04/02/2002. Relator:
Accácio Cambi).
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O código civil reconhece, em seu artigo 1.593, outras espécies de parentesco civil
além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também
parentesco civil no vínculo parental decorrente das técnicas de reprodução assistida
heteróloga, relativamente ao pai (ou à mãe) que não contribuiu com seu material
fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse de estado de filho.
JORNADA DE DIREITO CIVIL, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do
Conselho de Justiça Federal, coordenada pelo Min. Ruy Rosado.
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Boletim do Instituto Brasileiro de Direito de Família, nº 17, ano 2 - nov./dez. de
2002, p. 6.