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Pontifícia Universidade Católica – PUC-SP
Diego O. de Assis
Perspectivas para o
jornalismo crítico
de games
Mestrado em Comunicação e Semiótica
SÃO PAULO / 2007
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Pontifícia Universidade Católica – PUC-SP
Diego O. de Assis
Perspectivas o jornalismo crítico de games
Mestrado em Comunicação e Semiótica
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica sob
orientação da Prof .ª Dr. ª Giselle Beiguelman.
Banca examinadora
____________________________
__________________________________________
__________________________________________
SÃO PAULO / 2007
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3
Resumo
O objetivo desta dissertação é analisar o estágio atual do jornalismo de games e apontar
novas perspectivas para sua abordagem crítica. Mesmo reconhecido como um dos setores da
indústria de entretenimento mais promissores neste novo milênio, o universo dos
videogames tem recebido ainda uma atenção proporcional pouco representativa nos meios
de comunicação de massa se comparados a formatos mais tradicionais como o cinema e a
música. No contexto atual, boa parte da cobertura de games permanece confinada a
publicações especializadas e a cadernos de informática.
Para levar adiante esta análise será necessário antes de tudo traçar um panorama histórico do
desenvolvimento dos jogos eletrônicos. Surgidos há quase 50
anos, numa tentativa de
transformar os computadores em algo divertido, os videogames foram ganhando
complexidade com os sucessivos avanços tecnológicos até se transformarem em um dos
objetos culturais mais instigantes da virada do século 20 para o 21. Presentes na vida dos
jovens de praticamente todas as sociedades nas últimas duas décadas, os games passaram a
influenciar e a serem influenciados por outras linguagens estéticas da cultura popular, como
o cinema, a música, os desenhos animados e as histórias em quadrinhos. Hoje, como
defendem à sua maneira autores como Chris Crawford, Steven Poole e Henry Jenkins, os
games representam uma categoria cultural autônoma, com características específicas que
exigem formulações teóricas e conceituais própria.
Após um passeio pela evolução tecnológica e cultural dos videogames, iremos nos debruçar
sobre as principais publicações do gênero, que incluem revistas especializadas, como a
Electronic Gaming Monthly, sites de notícias e reviews (ou resenhas), como GameSpot.com e
IGN.com, além de blogs e outras ferramentas de internet que mais recentemente se juntaram
ao chamado jornalismo de games. Ainda nesse segmento, pretendemos apontar os principais
problemas enfrentados para que o jornalismo de games deixe de desempenhar o papel
meramente utilitário que tradicionalmente ocupou e passe a dar conta das camadas
culturais, sociais e econômicas que se atrelaram ao universo dos jogos nas últimas décadas.
4
(Algo que, paradoxalmente, veículos da imprensa não-especializada, como The New York
Times, Wired e outros tem realizado com maior eficiência).
Por fim, relacionaremos também alguns exemplos de como uma crítica bem informada de
games pode se beneficiar de recursos formais da literatura, como é o caso do controverso
new games journalism, além de conceitos que vem sendo debatidos na Academia como narrativas
(Murray), simulação (Frasca), meaningful play (Salen e Zimmerman) e software (Galloway,
Manovich).
Palavras-chave: jornalismo, crítica, games, videogames, cultura digital, ludologia
Abstract
The goal of this study is to analise the actual stage of games journalism and point to new
perspectives regarding its critical approach. Even though recognized as one of the most
promising sectors of the entertainment industry in the new millenium, the universe of the
videogames is still receiving a not so representative attention from the mass communication
vehicles if compared to more traditional forms such as cinema and music. Nowadays, a great
portion of the coverage of videogames is still confined to specialized publications and
technology sections of newspapers and magazines.
To pursue this analysis it will at first be necessary to trace a historical panorama of the
development of electronic games. Created almost 50 years ago, in an atempt to turn
computers into something fun, videogames have been gaining complexity with successive
technological advances until they have transformed into one of the most intriguing cultural
objects from the turn of the 20
th
to the 21
st
century. Present in the lives of young people
from all kind of societies in the last two decades, games have started to influence and to be
influenced by other aesthetical languages from the pop culture, like movies, music, cartoons
and comic books. Today, as stated by authors such as Chris Crawford, Steven Poole and
Henry Jenkins, games represent a new and autonomous cultural cathegory, with specific
features that demand its own theories and concepts.
After going into the cultural and technological evolution of videogames, we will then look at
some of the main publications dedicated to the subject, including segmented magazines, like
Electronic Gaming Monthly, news and reviews websites, such as GameSpot.com and IGN.com,
and blogs and internet services that have recently joined what is called games journalism. Still
on this issue, we intend to show the major problems faced by games journalism in order to
refrain from performing a mere utilitary role which it traditionally did and start dealing
with the cultural, social and economical layers that have stick to the universe of videogames
in the last decades. (Something that, paradoxically, publications of the non-specialized media,
such as The New York Times and Wired have performed way more efficiently.)
At last, we will be listing a few examples of how a well-informed games criticism practice can
benefit from literature, as is the case with the controversial new games journalism, and also
from concepts that are being debated in the Academy such as narrative (Murray), simulation
(Frasca), meaningful play (Salen and Zimmerman) and software (Galloway, Manovich).
Keywords: journalism, criticism, games, videogames, digital culture, ludology
5
Índice
Prólogo ---------------------------------------------------------------------------------- 7
Introdução ----------------------------------------------------------------------------- 12
Capítulo 1 – Como chegamos até aqui
Filho de quatro pais ------------------------------------------------------------------------------------ 16
Nasce uma indústria ------------------------------------------------------------------------------------19
Invasão japonesa --------------------------------------------------------------------------------------- 21
Os Beatles e os Rolling Stones ----------------------------------------------------------------------- 24
Um novo 'player' ----------------------------------------------------------------------------------------25
Capítulo 2 – Game é cultura
A nova Hollywood? ------------------------------------------------------------------------------------ 27
Arte eletrônica ------------------------------------------------------------------------------------------- 29
Cinemáticos --------------------------------------------------------------------------------------------- 31
Filmes como games ------------------------------------------------------------------------------------ 33
Música nos games -------------------------------------------------------------------------------------- 36
A tradição da game music ------------------------------------------------------------------------------- 38
Machinimas ----------------------------------------------------------------------------------------------- 39
Capítulo 3 – Teoria e crítica de games
Os videogames como arte --------------------------------------------------------------------------- 42
Pac-Man e o marxismo -------------------------------------------------------------------------------- 46
O jornalismo de games ------------------------------------------------------------------------------- 48
Prazer, internet ----------------------------------------------------------------------------------------- 51
6
Um manual para o bom jornalismo ------------------------------------------------------------ 53
Resenha x crítica ----------------------------------------------------------------------------------- 56
New Games Journalism ------------------------------------------------------------------------------ 58
Videogame para as massas ----------------------------------------------------------------------- 61
Conclusão ------------------------------------------------------------------------- 66
Posfácio ---------------------------------------------------------------------------- 68
Bibliografia ------------------------------------------------------------------------- 71
Agradecimentos ------------------------------------------------------------------- 76
7
Prólogo
Foi no Natal de 1984 que eu ganhei meu primeiro videogame. O console era um Supergame,
versão barata fabricada pela CCE do Atari 2600, lançado anos antes nos Estados Unidos e
desejo de consumo de nove entre dez crianças daquela época. Diferentemente do 2600, o
meu aparelho vinha com um par de joysticks rijos, com botões alaranjados em vez do
tradicional botão vermelho do concorrente. Mas isso pouco importava: o Supergame rodava
os mesmos cartuchos que o console da Atari, entre eles os sucessos Pac-Man, River Raid,
Pitfall e Galaxian, e isso bastava para que eu pudesse trocar as “fitas” com primos e vizinhos.
Fascinado por desenhos animados, seriados e filmes de ficção-científica, os videogames
funcionavam como uma espécie de portal capaz de me transportar para um mundo
imaginário povoado por robôs e naves espaciais. Comparados aos videogames quaisquer
bonecos ou aviõezinhos de plástico – que, por mais que eu me esforçasse, não emitiam sons
ou feixes de raios laser com o apertar de um botão – acabavam perdendo a graça. O
resultado eram horas e horas diante do televisor, com o saldo final de algumas bolhas nos
dedos e outras tantas fontes queimadas por superaquecimento.
O tempo passou, eu cresci e, um belo dia, estava novamente escolhendo o meu presente
de Natal. Devia ser o ano de 1988, e semanas antes havia visto na televisão o comercial de
um novo console de videogame: o Sega Master System. Fabricado no Brasil pela Tec Toy,
ele tinha como acessórios uma pistola para jogos de tiro e um par de óculos 3D que fazia
com que o aparelho parecesse algo vindo do futuro. na loja, meu pai, engenheiro, ainda
tentou me demover: “por que o espera mais um pouco, e eu te dou um computador?”.
“Quem precisa de um computador?”, pensei. Minutos depois, um enorme (em relação ao
Supergame, o Master System deveria ter pelo menos o dobro do tamanho) console preto e
vermelho repousava na estante da nossa sala de TV.
A chamada geração 8-bits, à qual pertencia tanto o Master System quanto o Nintendo
Entertainment System (NES), foi talvez a que mais fortaleceu minha ligação com os
videogames. Com gráficos muito mais elaborados e coloridos do que a geração anterior de
8
consoles, seus jogos eram ainda mais complexos e instigantes. Mesmo que pouco afeito aos
esportes, foi graças aos games que aprendi as regras do lei, do basquete, do hóquei no
gelo, da Fórmula-1 e até do futebol americano. Na tentativa de compreender melhor o
enredo de jogos como Alex Kidd, Wonder Boy, Aztec Adventure e Phantasy Star, passei a recorrer
aos dicionários para ampliar meu então singelo vocabulário de inglês.
Do outro lado da rua, na escola onde eu estudava inglês, havia um Phantom System.
Produzido no país pela Gradiente, o console era o representante nacional do NES da
Nintendo americana. E, ainda que existissem outras opções, um único cartucho reinava
absoluto naquele videogame: Super Mario Bros. Um tanto intimidado diante da habilidade dos
meninos que chegavam quatro horas antes da aula para ficar jogando, deixei o Mario para
trás e fui jogar pingue-pongue numa mesa que ficava logo na sala ao lado. (Mal sabia eu,
então, que décadas atrás os mesmos videogames haviam tido o seu Big-Bang em torno de
uma rede, um par de raquetes e uma bolinha quadrada bem mais “modernas” que aquela).
Mas, após uma rápida e frustrada tentativa de me tornar um grande atleta do mesa-tenismo –
pingue-pongue é só para amadores –, os videogames voltaram a chamar minha atenção. A
mesma Sega havia colocado nas prateleiras o Mega Drive, sucessor do Master System e
pioneiro da nova geração de consoles de 16-bits. Som estéreo, gráficos ainda mais
poderosos, cenários tridimensionais. Para alguém com uma ficha como a minha, era
impossível ficar imune.
E não fiquei. Acontece que, à essa altura, à beira da adolescência, outros fatores
começavam a pesar na balança. Havia as meninas, que, naquele momento, quase nunca
jogavam videogames; havia o skate, que ajudava a impressionar as meninas; e havia o
rock’n’roll, rito de passagem obrigatório para qualquer garoto da minha idade. Foi então que,
um pouco contrariado, resolvi vender o meu Mega Drive e usar o dinheiro para comprar
uma guitarra e formar a minha própria banda. “Quem precisa de videogames?”, pensei.
A banda, nem é preciso dizer, não me transformou numa estrela do rock. Bola para a frente.
Continuei estudando e, recém-saído do colegial, fui aprovado no Curso de Jornalismo da
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Era 1997, e a faculdade
9
estava em pleno processo de migração das velhas máquinas de escrever para os
computadores pessoais. A antiga paixão por equipamentos eletrônicos fez com que eu
passasse boa parte do curso mergulhado no laboratório de informática, aproveitando bem
mais as horas de Adobe PageMaker e Corel Draw do que as tediosas regressões ao mundo
dos linotipos e das rotativas.
Ao cabo de quatro anos, à procura de um tema para o Trabalho de Conclusão de Curso,
acabei optando por pesquisar de que forma a internet estava alterando os modos de
organização política. Entre sites e listas de discussões, deparei-me com os primeiros
comunicados transmitidos pela rede pelos neozapatistas de Chiapas, a explosão das correntes
de e-mails durante a Guerra dos Balcãs e o uso tático da internet e dos dispositivos móveis
nos Centros de Mídia Independentes que começavam a surgir naquele início de século 21.
Como os games antes, a internet havia se tornado minha nova obsessão.
empregado, passei a buscar uma maneira de tentar incluir esses assuntos na pauta do
jornalismo cultural. E foi no caderno Ilustrada, do jornal Folha de S. Paulo, que encontrei um
terreno fértil para levar essa estratégia adiante. Ainda que os feudos tradicionais da cobertura
cultural (literatura, música pop, cinema etc.) já estivessem todos preenchidos quando passei a
trabalhar lá ainda como redator, em 2001, percebi que havia uma lacuna em assuntos
relacionados às práticas digitais. Assim, entre uma reportagem de agenda de shows e outra de
histórias em quadrinhos, passei a sugerir coberturas ligadas à arte digital, comunidades de
relacionamentos, de trocas de arquivos e, claro, videogames.
A deixa para investir a rio no jornalismo cultural dos games veio do meu editor à
época, Nelson de Sá. Lembro que ele veio até a minha mesa e entregou-me uma cópia da
revista Cahiers du Cinema sem muitas explicações. Mesmo com o meu péssimo francês, pelo
menos uma coisa eu percebi de imediato: aquela edição era totalmente dedicada ao universo
dos “jeux-vidéo”, isto é, dos videogames, com direito a resenhas assinadas pelos principais
críticos de cinema daquela respeitável publicação.
Se ainda restava alguma dúvida de que os games poderiam, sim, ocupar as páginas de um
suplemento cultural, por volta dessa mesma época, um novo fato surgiu para reforçar a
10
aposta: a indústria de games havia ultrapassado, em renda, o valor arrecadado pelas
bilheterias de Hollywood. Graças a novos consoles, como o PlayStation 2, da Sony, e seus
jogos hiperrealistas e de tons cinematográficos, os videogames finalmente começavam a ser
vistos não mais como brinquedos mas como plataformas de entretenimento digital. E com a
desculpa de que “também tocavam DVDs de filmes”, decidi finalmente arregaçar as mangas,
engolir o orgulho de que eu estava velho demais para aquilo e mergulhar outra vez nesse
universo que havia muito tempo eu deixara de lado. Dali em diante, eu jogaria a trabalho.
Mas a verdadeira carta branca viria em 2005, ano em que Guilherme Werneck, um ex-
colega de Ilustrada me convidou para trabalhar no Link, o então recém-renovado caderno de
tecnologia do jornal O Estado de S. Paulo. E, por mais um empurrãozinho do destino, a área
de cobertura que estava mais carente naquele momento era justamente... a de games
1
.
Faço aqui um parêntese para explicar uma postura que desde o início de minha carreira no
jornalismo venho sendo obrigado a adotar. Ao contrário do que se possa imaginar, o
jornalista, especialmente o repórter, não é necessariamente expert no assunto ao qual, por
um motivo ou por outro, ele é levado a cobrir. Penso que o jornalista é, em sua essência, um
atravessador entre o fato e os seus leitores. Cabe a ele obter respostas para as perguntas que
poderiam ser feitas por seu público - e, no caso de um veículo de massa, esse público é, em
sua maioria, leigo.
O dilema é que, por mais que essa “filosofia” possa ser introjetada e facilite a convivência
com a transitoriedade das notícias de jornal, alguns profissionais que teimam em ir mais a
fundo em suas áreas de cobertura. Alguns partem para estudar Direito, outros Sociologia,
outros História e outros ainda Comunicação e Semiótica, como é o meu caso.
Não satisfeito com a função de ouvir, compreender e relatar os temas que me interessavam,
passei a desejar, de uns três ou quatro anos para cá, um aprofundamento conceitual e teórico
nos assuntos que vinha cobrindo. Diante das muitas frentes que o trabalho em um caderno
1
Antes do final desta pesquisa, acabei trocando de emprego mais uma vez. Desde julho de 2006 até o
presente momento, venho exercendo a função de editor de Pop & Arte no portal G1, da Rede Globo. A
cobertura de games, claro, é feita em partes pela editoria de cultura.
11
de cultura exige, imaginei, a princípio, que um bom investimento pudesse ser o estudo das
artes digitais ou novas mídias. Nessa categoria geral, pretendia englobar não só as práticas da
videoarte, net arte, artivismo, entre outras, mas também a sica eletrônica, a animação e,
por que não, os videogames.
Um ano após me matricular no programa de Mestrado do Departamento de Comunicação e
Semiótica da Pontifícia Universidade de São Paulo, o professor Silvio Ferraz e minha
orientadora, a professora Giselle Beiguelman, aos quais serei eternamente grato, me
convenceram da inviabilidade do intento. Se eu quisesse concluir o curso em tempo, deveria
escolher um único objeto e seguir adiante com a minha pesquisa. E, se você está lendo este
texto agora, talvez não seja necessário dizer qual deles eu escolhi, certo?
Press Start...
12
Introdução
Antes de entrarmos no fascinante e multifacetado mundo dos videogames, é necessário
esclarecer alguns conceitos e vocábulos que fazem parte desse universo e que serão
empregados daqui em diante. O primeiro deles, obviamente, diz respeito ao próprio termo
game. Em uma tradução literal, a palavra em inglês tem o sentido de jogo - qualquer tipo, seja
ele disputado em uma quadra ou arena onde os competidores se enfrentam fisicamente,
sejam nas cartas ou em jogos de tabuleiros, ou, finalmente, em sua modalidade mais recente,
a dos jogos eletrônicos, os quais, por requerer um monitor de vídeo, de computador ou
televisor, costumam ser também genericamente chamados de video games ou videogames.
Tentativas de encontrar uma definição mais precisa para o termo são inúmeras e nem
sempre bem sucedidas, como afirma David Parlett, em The Oxford History of Board Games. “O
termo [game] é empregado para tantas atividades distintas que não vale a pena insistir em
nenhuma das definições propostas. No final, é um caso lexicológico escorregadio com tantos
amigos e parentes em uma ampla variedade de campos.” (PARLETT, 1993, p. 1, tradução
do autor
2
)
Na falta de uma única e definitiva versão para a palavra game, vamos adotar o conceito
elaborado por Katie Salen e Eric Zimmerman em Rules of Play: Game Design Fundamentals a
partir de idéias propostas por alguns dos principais estudiosos da teoria dos jogos
(eletrônicos ou não), como o historiador holandês Johan Huizinga, o sociólogo francês
Roger Caillois e Brian Sutton-Smith, um dos teóricos contemporâneos de jogos mais
respeitados atualmente. De maneira econômica e bastante precisa, estabelecem Salen e
Zimmerman que um “game é um sistema no qual jogadores empenham-se em um embate
artificial, definido por regras, que termina em um resultado quantificável” (SALEN;
ZIMMERMAN, 2004, p. 81)
2
Praticamente todas as referências estrangeiras citadas neste dissertação foram livremente traduzidas por
mim, à exceção de obras que tenham sido também publicadas em português. Estas estarão devidamente
identificadas na seção Bibliografia.
13
Sempre que possível, a não ser em casos que resultem na necessidade de impedir a repetição
excessiva da palavra e o conseqüente empobrecimento do texto, optarei pelo vocábulo em
inglês, game. A escolha se justifica não para a exata identificação com o conceito definido
acima mas também pela vantagem que a ngua inglesa tem ao possuir duas expressões
diferentes para o jogo e o ato de jogar, a saber, game e play.
Em português e também no francês tal distinção não é tão perceptível. Jogo e jogar
compartilham a mesma raiz lingüística, o que prejudica a distinção sutil, porém importante,
entre eles. To play, em inglês, pode significar tanto brincar e interpretar quanto engajar-se em
uma competição com regras e um resultado final a ser alcançado isto é, num jogo como
mencionado acima. No contexto específico dos videogames
3
, play “é a livre movimentação
dentro de uma estrutura mais rígida” (SALEN; ZIMMERMAN, 2004, p. 304).
Para efeito desta dissertação, o termo mais genérico game (a partir de agora grafado sem
itálico) ou seu correspondente mais próximo em português, jogo eletrônico será usado
de modo geral para designar os computer games, jogos criados para serem executados em
computadores pessoais; as coin- operated machines ou arcades, nome dado às máquinas de
diversão eletrônica que funcionam à base de fichas ou moedas, também conhecidas no Brasil
como máquinas de fliperama; os consoles domésticos de videogames, cuja característica
principal é o fato de serem jogados em um aparelho de televisão; os massively multiplayer online
games (MMOGs), que englobam os jogos disputados simultaneamente por milhares de
jogadores ligados em rede; além dos jogos para dispositivos portáteis, celulares e outros.
Guardadas as suas especificidades técnicas e formais, todos enquadram-se na definição
acima: são sistemas artificiais, isto é, descolados da realidade social cotidiana
4
, nos quais os
jogadores se engajam submetendo-se a um sistema de regras – os algoritmos de programação
que geram o ambiente de jogo - em busca de um determinado objetivo ou resultado final.
3
Optaremos de agora em diante pelo uso do termo videogame - uma palavra só e sem itálico – em oposição
ao também utilizado video game. A escolha segue o padrão adotado pelos autores do The Videogame Style
Guide, manual de estilo elaborado pela International Game Journalists Association.
4
Em Homo Ludens (Man the Player), publicado em 1938 pelo historiador holandês Johan Huizinga, o ato
de jogar é definido como “uma atividade livre que se coloca conscientemente fora da vida ‘ordinária’ como
algo que ‘não é sério’”.
14
Ainda que incorporem elementos narrativos, gráficos e sonoros de outras mídias, games são
também e principalmente softwares, programas de computador compostos de algoritmos e
processos que dependem da relação com um interator. Pensar os games como software “nos
permite focar nas operações (chamadas nos softwares aplicativos de ‘comandos’) que estão
disponíveis para o usuário. A ênfase migra para as capacidades e comportamentos do
usuário” (MANOVICH, 2001, p. 7). Ou como ressalta Alexander R. Galloway, em Gaming:
Essays on Algorithmic Culture, videogames são jogos, sim, mas mais importante é o fato de
serem sistemas de software” (GALLOWAY, 2006, p. 2).
A estratégia de entender os games como sistemas capazes de modelar comportamentos é o
que sustenta o argumento de teóricos como Espen Aarseth e Gonzalo Frasca, considerados
ludologistas, que defendem a necessidade de um campo de estudo exclusivo para os games.
Diferentemente das narrativas representacionais, do cinema à literatura, games lidam
essencialmente com simulação, a qual, para Frasca, “não pode ser entendida apenas por seu
resultado aparente”. Videogames, defende o autor, “implicam em uma enorme mudança de
paradigma para a nossa cultura porque representam o primeiro meio complexo de simulação
para as massas” (FRASCA, 2003, p. 224).
Por fim, quando se refere à busca de um jornalismo crítico de games, este trabalho tem
como alvo discutir as diferenças entre a prática mais usual conhecida como review ou resenha
de games em geral, voltada para ajudar o leitor a se decidir na hora de comprar ou não um
novo jogo, baseada em parâmetros de comparação cristalizados como gráficos, jogabilidade,
diversão etc. com aquilo que John Dewey coloca como a real função do crítico em Art as
Experience: “O crítico deve se agarrar a um aspecto diferente ou a um padrão que esteja de
fato ali e trazê-lo à superfície com tal clareza que o leitor tenha uma nova pista para guiá-lo
em sua própria experiência”. A função da crítica”, continua, “é a de reeducar a percepção
dos trabalhos artísticos; é um auxílio no processo, no difícil processo, de ver e ouvir.”
(DEWEY, 2005, p. 314 - 324)
Como aconteceu com o cinema nas primeiras décadas do século 20 quando este ainda
engatinhava no sentido de se tornar uma forma de arte reconhecida, já é hora de os
videogames conquistarem um espaço de reflexão digno e plural. Mergulhada em uma crise
15
de criatividade crônica, em que os dólares gastos em propaganda correspondem aos mesmos
dólares arrebatados em vendas, a indústria de videogames vem implorando por críticos. Sem
eles, seus games correm o risco de serem lembrados para sempre como os joguinhos que um
dia já foram – e por vezes ainda são – chamados.
16
Capítulo 1 – Como chegamos até aqui
Filho de quatro pais
Dependendo do critério de paternidade que se venha a adotar, é possível dizer que os games
“nasceram” diversas vezes. Em 1958, o físico norte-americano William Hinginbotham estava
à procura de algo que tornasse mais divertidas as constantes visitas do público ao
Laboratório Nacional de Brookhaven, um importante centro norte-americano de pesquisas
atômicas. Depois de avaliar os instrumentos que tinha à mão, o cientista debruçou-se sobre
um osciloscópio com monitor monocromático que, ligado a um pequeno computador
analógico, era capaz de representar as variações de freqüências elétricas e simular trajetórias
de projéteis de acordo com as leis da gravidade.
5
A idéia de Willy era usar a engenhoca para simular uma espécie de partida de tênis. Ao
centro do monitor, uma pequena linha na vertical representava a rede, a quadra era vista na
horizontal e, acima dela, um pequeno ponto luminoso redondo fazia as vezes da bolinha.
Para que fosse possível interagir com o sistema, o cientista criou duas caixas metálicas com
um botão em cada e uma espécie de roda que girava em 180 graus. Esses dispositivos – avôs
do que viriam a ser os joysticks, nome dado aos primeiros controles dos videogames eram
ligados ao aparelho e respondiam diretamente ao comando dos jogadores: a manivela servia
para definir o ângulo da trajetória, enquanto os botões serviam para rebater a bolinha.
Batizado de Tennis for two e desfrutado pelos visitantes de Brookhaven por dois anos até que
Willy precisasse reutilizar os equipamentos em outra invenção, este foi o primeiro jogo
eletrônico de que se tem notícia
6
. E a palavra é justamente esta: notícia. Porque, diante da
5
BROOKHAVEN NATIONAL LABORATORY. The First Videogame. Disponível em:
http://www.bnl.gov/bnlweb/history/higinbotham.asp. Acesso em: 29 agosto 2007
6
No site Pong-Story (http://www.pong-story.com/intro.htm), David Winter fala de dois outros projetos
anteriores que disputam a primazia no Big-Bang dos videogames. O primeiro deles, patenteado em 1948 e
projetado para monitores de tubos catódicos, era uma espécie de simulador de radar de mísseis criado por
Thomas T. Goldsmith Jr. Mais tarde, em 1952, o estudante da Universidade de Cambridge, no Reino
Unido, A.S. Douglas., teria criado uma espécie de jogo da velha para ilustrar sua tese sobre interatividade
entre computadores e humanos. Ainda pouco reconhecidos pelos estudiosos de games, ao contrário do
experimento de Willy Higinbotham, esses exemplos não serão utilizados nesta dissertação.
17
despretensão com que foi criada, o cientista sequer pensou em registrar a patente de sua
invenção, que por muito tempo permaneceria praticamente desconhecida até a publicação de
um artigo, em 1982, na revista Creative Computing, na qual o autor, David H. Ahl, recontava a
experiência de Higinbotham.
7
Três anos depois de Tennis for two, Steve Russell, um estudante novato de computação do
Massachusetts Institute of Technology (MIT), resolveu encarar um desafio. Parte de um
grupo de hackers que se autodenominavam Tech Model Railroad Club, ele se propôs a criar
um “jogo interativo” para exibir a seus pares sua habilidades em programação. A plataforma
escolhida foi um moderno PDP-1 (Programmable Data Processor 1), que comparado aos
enormes computadores de lvula da época era até pequeno: tinha “apenas” o tamanho de
um automóvel.
Após um ano de dedicação ao projeto e com a ajuda de outros companheiros de MIT,
Russell apresentou a versão final do programa, que resolveu batizar de Spacewar. Na tela do
computador, duas espaçonaves se moviam e trocavam mísseis de acordo com o comando
dos jogadores. Ao fundo, pequenos pontinhos representavam as estrelas e, no centro, um
círculo maior fazia as vezes do Sol, atraindo para si as naves através de uma espécie de
campo gravitacional. Em The Ultimate History of Video Games, escrito pelo jornalista Steven L.
Kent, Steve Russell descreve melhor o conceito:
Era um jogo para dois jogadores; não havia poder computacional suficiente para criar um
adversário decente. (Os foguetes) eram desenhados de forma bem crua. Um deles lembrava
uma espaçonave de Buck Rogers dos anos 30. E a outra era esticada e comprida como um
foguete Redstone. (KENT, 2001, p.19)
Até a descoberta da existência de Tennis for two, Spacewar foi considerado o primeiro jogo para
computador da história. Mas, como o PDP-1 não era para qualquer mortal seu preço
chegava a US$ 120 mil na época –, a diversão acabou confinada entre as paredes dos
7
OFFICE OF SCIENTIFIC AND TECHNICAL INFORMATION. Videogames – Did they begin at
Brookhaven?. Disponível em: http://www.osti.gov/accomplishments/videogame.html. Acesso em: 29
agosto 2007.
18
laboratórios do MIT, disponível para entreter apenas os estudantes e hackers que
freqüentavam aquele ambiente. Ainda assim, Russell e seus amigos haviam aberto o caminho
para um dos gêneros que viriam a se tornar um dos mais populares entre os games dali para
frente: os jogos de tiro com temática espacial.
Porém, se Russell e Higinbotham podem ser considerados pais honorários dos jogos
eletrônicos, quem efetivamente assinou o seu registro de nascimento foi o engenheiro
alemão naturalizado americano Ralph Baer. Funcionário de uma empresa de
desenvolvimento de tecnologia militar, a Sander Associates, e formado no Instituto de
Televisão de Chicago, Baer começou a trabalhar naquilo que viria a se tornar o primeiro
console doméstico de videogame em 1966.
Entre os melhores atributos de Baer como engenheiro estava o de registrar metodicamente
cada novo passo de seu processo de invenção. A partir do momento em que começava a
vislumbrar novos projetos, Baer registrava o processo todo, colocava data e arquivava.
Devido à sua anotação meticulosa, ele sabe exatamente quando e onde teve a idéia de criar
jogos que poderiam ser jogados em um televisor. (KENT, 2001, p. 22)
Entre os vários programas criados para o protótipo de seu console doméstico, Baer e sua
equipe produziram também um que se assemelhava ao pingue-pongue, com duas barras em
formato de retângulo que faziam movimentos na vertical e na horizontal e interagiam com
um ponto flutuante na tela.
Baer registrou a patente de seu produto em 1968, mas, por conta de problemas financeiros
envolvendo a Sander Associates, seu projeto veria a luz do dia quatro anos depois,
quando uma empresa fabricante de TVs, a Magnavox, resolveu investir dinheiro e colocar o
aparelho na praça sob o nome de Odyssey.
8
À essa altura, um jovem e brilhante estudante de engenharia elétrica da Universidade de Utah
passava horas no laboratório da faculdade entretido com uma versão de Spacewar, o então
8
Conhecido como “Brown Box” nos Estados Unidos, o Magnavox Odyssey não deve ser confundido com
o Odyssey2, lançado em 1978 e bastante popular entre os brasileiros. Este último também era conhecido
por aqui como Phillips Odyssey, em referência à fabricante que comprou a Magnavox.
19
clássico jogo de computador criado por Russell e sua turma no MIT. Para pagar suas contas,
Nolan Bushnell trabalhava em casas de diversões, operando e fazendo a manutenção de
máquinas eletromecânicas, estandes de tiro ao alvo e afins. Quando descobriu Spacewar,
resolveu agarrar o desafio de criar uma versão do jogo que pudesse ser comercializada nas
mesmas casas de diversões eletrônicas – os arcades – na qual havia sido funcionário.
Depois de alguns meses varando madrugadas em sua casa, Bushnell chegou ao protótipo de
uma máquina que batizou de Computer Space. Os gráficos eram razoavelmente inferiores aos
processados pelo computador PDP-1, mas Computer Space trazia as mesmas características
essenciais de Spacewar, com naves que atiravam mísseis entre si e circundavam uma estrela
solar atraídas pela gravidade. Restava apenas convencer os donos das casas de diversões
eletrônicas que aquela máquina com um monitor de TV branco-e-preto poderia ser algo tão
interessante e lucrativo quanto as máquinas de pinball que alguns anos garantiam boas
moedas para os comerciantes.
Nasce uma indústria
Após uma tentativa frustrada de se associar a outra empresa para botar o seu Computer Space
no mercado, no início de 1972, Nolan Bushnell decidiu montar o seu próprio negócio. Com
um investimento inicial de US$ 250 dele e de um sócio, alugou uma garagem na cidade de
Santa Clara, na Califórnia, e pensou em batizar o empreendimento de Syzygy. O nome,
porém, estava registrado nos cartórios dos Estados Unidos, e Bushnell acabou optando
por usar um termo do jogo japonês de tabuleiro Go para nomear a empresa. O termo era
Atari, e a empresa viria a se tornar a principal responsável pela explosão da indústria de
videogames nos Estados Unidos alguns anos depois.
Enquanto produzia novas máquinas de Computer Space e prestava assessoria técnica para os
estabelecimentos de diversões eletrônicas, Bushnell contratou mais um funcionário para a
empresa e deu a ele a missão de criar “um jogo eletrônico doméstico baseado no pingue-
pongue”, para ajudar a diversificar os negócios. Meses depois, no final do ano de 1972, o
engenheiro Al Alcorn mostrou a Bushnell o protótipo de Pong, que trazia, sim, algumas
semelhanças com o projeto pioneiro de Higinbotham e com o jogo produzido por Baer para
20
a Magnavox, mas incluía também avanços que aumentavam significativamente a qualidade
do jogo: além de rebater a bolinha, agora era possível definir o ângulo, a velocidade e usar as
“paredes” do ambiente de jogo para criar novas jogadas. Ao contrário das outras versões de
jogos eletrônicos de pingue-pongue, seu Pong também tinha som e, da noite para o dia,
começou a atrair dezenas de jogadores para os fliperamas
9
que haviam adquirido uma
unidade da máquina.
Por volta de 1974, a Atari tinha se tornado uma empresa com dezenas de funcionários
para dar conta da produção de milhares de máquinas de Pong ao ano. Enquanto Bushnell se
tornava uma personalidade mítica na então nascente comunidade tecnológica da Califórnia,
dando corda a boatos de que seus funcionários consumiriam maconha e heroína no trabalho
e que as reuniões da Atari seriam movidas a mulheres e bebedeiras à beira da piscina,
diversas outras empresas começaram a copiar a galinha dos ovos de ouro de Bushnell e
colocar na praça suas próprias versões de Pong.
Nos anos que se seguiram, com o aumento da concorrência, inclusive das fabricantes
japonesas que começavam a mandar seus produtos para os EUA, a estratégia da Atari foi de
tentar criar o maior mero de novos arcades possíveis. A companhia investiu na
contratação de engenheiros novatos entre eles, Steve Jobs, mais tarde um dos fundadores
da Apple Computers – e baixou uma norma informal que incentivava os designers a
desenvolverem conceitos de jogos que jamais tivessem sido usados antes.
Mas à essa altura, a Atari já não estava mais sozinha no mercado. Empresas como a
Connecticut Leather Company (Coleco), Mattel e Midway haviam entrado na competição
aproveitando o sucesso das máquinas de jogos eletrônicos e o interesse cada vez maior por
um produto que transportasse a diversão para dentro dos lares dos consumidores. Para
procurar manter-se líder nessa indústria cada vez mais competitiva, a Atari foi vendida ao
grupo Warner Communications em 1976, e, e em outubro do ano seguinte, colocou nas
9
Também conhecidas por arcades, as casas de fliperama têm esse nome em referência às máquinas de
pinball. No jogo de pinball, flipperé o nome de cada um dos bastões usados para rebater a bolas de
chumbo e evitar que caia entre eles. Daí o nome fliperama no Brasil.
21
prateleiras aquele que seria um dos mais importantes consoles de videogames de todos os
tempos: o Video Computer System, também conhecido como Atari 2600.
Aqueles tempos, no entanto, não andavam muito favoráveis a Atari. Apesar da injeção de
capital obtida com a chegada da Warner, a empresa lutava para manter a posição conquistada
no mercado de games. No primeiro ano de seu lançamento, o 2600 não atingiu vendas muito
animadoras. Ainda que mais tarde viesse a ter uma presença maciça nos lares norte-
americanos, àquela altura, seu produto não era o único muito menos o primeiro console
doméstico de videogame disponível. Mesmo o fato de permitir que um único console
executasse jogos diferentes, simplesmente trocando os cartuchos – ou fitas –, não era
exatamente um diferencial competitivo para a Atari. Um ano antes, em 1976, uma empresa
chamada Fairchild Camera & Instrument havia lançado o Channel F, primeiro videogame
doméstico a permitir essa operação.
Invasão japonesa
Para dificultar ainda mais as coisas para a Atari, em 1978, os Estados Unidos começaram a
sofrer uma “invasão alienígena”. Alinhados em formação vertical, marchando sempre em
direção ao fundo da tela, o Exército de monstrinhos extra-terrestres de Space Invaders era
orquestrado pela fabricante de arcades japonesa Taito. Em questão de semanas, máquinas de
Space Invaders dominavam as casas de diversões eletrônicas de todo o território americano
e, algo novo, começam a estender seus tentáculos para todo tipo de estabelecimentos, como
restaurantes, hotéis, farmácias...
O fenômeno de Space Invaders ajudou a impulsionar novamente o mercado de videogames,
que começava a demonstrar sinais de cansaço então. Nos dois anos que se seguiram,
foram lançados alguns dos jogos mais populares até hoje, como Asteroids, Defender, Donkey
Kong e Pac Man, que, em 1980, ao mirar pela primeira vez o público feminino, transformou a
indústria dos games em um dos filões mais lucrativos da economia mundial. No final de
1981, auge da chamada Era de Ouro dos Videogames, os jogadores americanos
desembolsaram US$ 5 bilhões apenas em fichas de fliperama, fenômeno que fez o jornal The
22
New York Times publicar pela primeira vez uma reportagem em que se perguntava se o
“boom dos jogos eletrônicos” já estaria afetando o cinema:
Filmes e jogos eletrônicos têm uma relação simbiótica. Donos de salas de cinema ganham
alguns dólares a mais instalando duas ou três máquinas de games no lobby. Cercado por
salas de cinema, o arcade Westworld em Westwood, como tantos outros desses palácios do
prazer, oferece um local de espera ideal para quem compra seu ingresso para a sessão das 8.
Mas todos os meninos de 13 a 15 anos entrevistados informalmente nos arcades de West
Los Angeles disseram que estavam indo “bem menos ao cinema agora”. (HARMETZ, 1981)
Enquanto as máquinas e casas de fliperama reinavam absolutas e ditavam os títulos que
encontravam ou não eco entre os consumidores, os consoles de videogame, como o Atari
2600, o Intellivision, da Mattel, e agora o Odyssey 2, da Magnavox, se contentavam em
adaptar os jogos de sucesso para a versão doméstica. As vendas cresceram e uma nova
enxurrada de ofertas acabou lançando dúvidas sobre a saúde da indústria de games. Com
tantas opções no mercado, as lojas começaram a recusar os novos produtos e a baixar
seguidamente os preços para queimarem seus estoques. No Natal de 1983, pouco depois de
a Atari anunciar publicamente os maiores prejuízos de sua história, pronunciar a palavra
videogame, algo que até pouco tempo atrás fascinava consumidores e vendedores, havia se
tornado praticamente proibido no mercado. Dez meses depois de declarar os consoles
domésticos como “o grande negócio do entretenimento”, o mesmo The New York Times
voltava atrás e jogava a pá de cal no que chamou de o “crash” da indústria de videogames:
O boom chegou ao fim para o outrora próspero mundo dos videogames. As centopéias
eletrônicas, os invasores do espaço e os fantasmas que um ano atrás pareciam exercer uma
força extraterrestre sobre as crianças da América estão consumindo a si mesmos como
muitos Pac-Men. Dúzias de fabricantes de jogos que se apressaram para entrar nesse campo
no ano passado despencaram ao solo, suas visões de altos lucros provando-se tão imaginárias
quanto os mundos de fantasia mostrados nas telas dos jogos (KLEINFIELD, 1983).
23
Mais ou menos nessa mesma época, microcomputadores pessoais como o Adam e o
Commodore passaram a exercer maior atração sobre os usuários, pois, além de executar
funções de escritório e operações matemáticas, eles também já rodavam jogos eletrônicos.
Foi diante de tal cenário que a japonesa Nintendo resolveu fazer sua investida definitiva no
mercado mundial de videogames. Responsável por um dos grandes hits da Era de Ouro dos
Videogames, o arcade Donkey Kong, criado por Shigeru Miyamoto, a empresa decidiu desafiar
a morte anunciada dos consoles domésticos de videogames e lançar o seu próprio,
tecnologicamente mais avançado que o antigo 2600 da Atari. Para não assustar os potenciais
clientes de imediato, ainda traumatizados com a palavra videogame, a Nintendo deu ao seu
console o nome de Family Computer, no Japão, e, com a ajuda de uma pistola de luz e um
robozinho que na verdade tinha pouca função prática, saiu a propagandear que o seu
Famicom seria a “central de entretenimento do futuro”
10
.
Apoiado nem tanto na pistola e no robozinho, mas no carisma absoluto dos Super Mario
Bros., dois baixinhos bigodudos que haviam estrelado outras máquinas de jogos da Nintendo
a começar de Donkey Kong –, o novo console da fabricante japonesa chegou aos Estados
Unidos um ano depois, em 1985, rebatizado de Nintendo Entertainment System. Para a
surpresa de muitos que davam a indústria de games como morta e enterrada, o NES fez um
sucesso estrondoso logo nos primeiros meses e, acompanhado de uma série de cartuchos
produzidos sob um rígido controle de qualidade da matriz japonesa, tornou-se presença
obrigatória nos lares das crianças e jovens americanos daquela época. Gráficos coloridos,
sistemas de navegação na tela inovadores, sons até então inéditos e, principalmente, uma
galeria de personagens marcantes como os já citados irmãos Mario, o pequeno Link, do RPG
The Legend of Zelda, e até franquias dos cinemas e dos quadrinhos, como as Tartarugas Ninja,
garantiriam a longevidade e a relevância do console da Nintendo por pelo menos os
próximos cinco anos.
10
Estratégia semelhante vem sendo adotada com recorrência entre os fabricantes de consoles mais recentes,
incluindo a Sony, com seu PlayStation, e a Microsoft, com seu Xbox. Em suas campanhas publicitárias, as
empresas gostam de divulgar que seus produtos são legítimas centrais de entretenimento multimídia.
24
Os Beatles e os Rolling Stones
Como acontecera nos tempos do Atari 2600, porém, a Nintendo não estava sozinha no
renascente mercado dos videogames. A sua principal rival na segunda metade dos anos 80
era uma empresa metade americana, metade japonesa chamada Sega. Outra veterana do
universo das máquinas de diversão eletrônicas, a Sega havia colocado nas prateleiras, mais ou
menos simultaneamente ao Famicom, um console de 8-bits chamado de Master System. De
capacidade técnica bastante semelhante ao rival da Nintendo, inclusive com periféricos como
uma “pistola de luz” e um óculos para visualizar os jogos em três dimensões, o videogame
da Sega só não obteve o mesmo destaque do concorrente nos Estados Unidos devido a uma
série de negociações comerciais mal-sucedidas que impediram a companhia de distribuir tão
eficientemente seu produto nas grandes lojas. No Brasil, entretanto, graças a uma parceria
com a fabricante nacional Tec Toy, o Master System arrebanhou um público fiel, que se
divertia com cartuchos como Alex Kidd, California Games e o cultuado Double Dragon.
Depois de uma década de altos e baixos e de terem sido declarados praticamente mortos, os
consoles de videogame domésticos finalmente haviam conquistado uma audiência fiel e
sempre ávida por novos títulos. No final dos anos 80, início dos 90, as duas líderes do
segmento, Sega e Nintendo continuava a disputar braçada a braçada a preferência dos
jogadores. O avanço tecnológico trouxe novos consoles, como o Sega Genesis (ou Mega
Drive) e o Super Nintendo (ou Super Famicom), representantes de uma nova geração que
passou a ser conhecida como a dos videogames de 16-bits. Para o jornalista britânico Steven
Poole, autor de Trigger Happy – Videogames and the Entertainment Revolution, os games haviam
se tornado o novo rock’n’roll:
À essa altura, um grande número de adolescentes estavam mais interessados em
videogames do que na música pop. Nintendo e Sega tinham legiões de seguidores fanáticos.
Eles eram os Beatles e os [Rolling] Stones do final dos anos 1980 e início dos 1990. A
Nintendo era os Beatles: diversão para toda a família, com acabamento superior mas uma
imagem sutil de ‘segurança’; a Sega, por outro lado, era mais descolada, atrevida, dirigida para
os fãs mais ‘hardcore’ dos videogames. (POOLE, 2000, p. 4)
25
Mas alguns anos depois, os consoles de videogame sofreriam um novo revés. Num contexto
bastante semelhante ao que se havia sucedido cerca de uma década atrás, os computadores
pessoais voltaram a disputar a atenção dos usuários de videogames. Com a popularização das
placas de vídeo e de som e a chegada do CD-ROM como suporte para distribuição dos
programas, os PCs tornaram-se outra vez interessantes aos olhos dos adeptos dos jogos
eletrônicos. Dois títulos lançados exclusivamente para computadores em 1993 podem ser
considerados como os principais responsáveis por essa virada de mesa.
O primeiro, batizado de Doom, consistia em um “first-person shooter” (gênero de game no
qual o jogador interage com o espaço tridimensional do jogo a partir dos olhos do próprio
personagem) ambientado em um universo povoado de monstros e criaturas demoníacas.
Graças ao armamento pesado e a doses generosas de sangue na tela, Doom atraiu a atenção
não só do público de jogadores mas também das autoridades públicas de diversos países,
especialmente os Estados Unidos, que se levantaram pedindo providências contra o
conteúdo ultraviolento do game
11
.
No extremo oposto de Doom porém o importante no sentido de levar mais pessoas a
aposentar os seus consoles em favor dos games de computador estava Myst, que pode ser
descrito como uma aventura de exploração fantástica na qual o jogador deve visitar lugares
exóticos e conversar com outros personagens na busca de pistas para solucionar um grande
mistério. Os muitos diálogos do protagonista com os personagens e as seqüências
cinematográficas que pontuavam passagens de Myst fizeram com que o jogo fosse
considerado, àquela altura, um dos melhores exemplos do potencial narrativo dos games,
como veremos mais adiante nos capítulos 2 e 3.
Um novo ‘player’
De olho no potencial de entretenimento dos videogames, uma nova empresa decidiu então
se aventurar no ainda rentável, porém sempre arriscado mercado de consoles. Sem nenhuma
11
Depois de assassinarem 12 estudantes e ferirem 24, na Escola de Columbine, em abril de 1999, nos
Estados Unidos, descobriu-se que os adolescentes Eric Harris e Dylan Klebold, responsáveis pelo
massacre, eram fãs do jogo Doom. A revelação provocou um acalorado debate sobre o suposto poder dos
videogames em dessensibilizar os jovens para a violência.
26
tradição na indústria de games, a japonesa Sony lançou, em 1994, um aparelho chamado de
PlayStation. Apostando no formato CD e não mais nos cartuchos que, durante anos, haviam
dado sustentação à atividade das agora gigantes Sega e Nintendo, o PlayStation foi
apresentado não apenas como uma máquina capaz de rodar jogos com qualidade gráfica e de
som jamais vista, mas também como um tocador de CDs de música comuns. O tiro foi
certeiro e, além de quebrar mais alguns paradigmas do mundo dos games, em pouco tempo a
Sony se tornou líder de um segmento que há pouco sequer pensava em explorar.
Do lançamento do primeiro PlayStation ahoje a indústria de videogames tem vivido um
crescimento comercial e tecnológico jamais experimentado antes. Se é fato que, na chamada
Era de Ouro dos Videogames, empresas como a Atari e Coleco eram vistas como grandes
cases de sucesso econômico, hoje, os videogames estão no centro dos interesses de
megacorporações como Sony, Microsoft, Disney e outros conglomerados do mundo da
tecnologia e do entretenimento. Graças a uma aproximação cada vez maior com as majors
da música e do cinema, títulos de games são lançados em estratégias casadas com os grandes
lançamentos dessas indústrias em alguns casos, com sucesso até maior do que as franquias
iniciais que os originaram.
A chegada de uma nova geração de consoles, capitaneada pelo Xbox 360 da Microsoft, em
2006, e o PlayStation 3 da Sony e o Wii da Nintendo, em 2006, tem levado toda a indústria
do entretenimento para a migração definitiva para padrões de imagem e sons de alta-
definição. Pesquisas tecnológicas de imersão em ambientes digitais, inteligência artificial
avançada e realidade virtual estão sendo mais do que nunca colocadas em prática nos
consoles de videogames. Se em meados da década de 80, chegou-se a cogitar se os
videogames sobreviveriam ou não aos tempos, está a resposta. Resta agora compreender
quais as reais dimensões do “estrago” que os games provocaram na nossa cultura.
27
Capítulo 2 – Game é cultura
A nova Hollywood?
Em novembro de 2004, o Ministério da Cultura reconheceu oficialmente os videogames
como produtos audiovisuais e artísticos. Na ocasião, o então ministro Gilberto Gil e o
secretário do audiovisual Orlando Senna declararam na abertura da feira Electronic Game
Show, em São Paulo, que a intenção do ato era “valorizar a ação de jovens desenvolvedores
desse segmento que, como a literatura, o cinema e a TV no passado, vem enfrentando
desconfiança desde a década de 80” (ASSIS, 2004).
De fato, nos últimos anos, o estágio de evolução dos games chegou a tal ponto que sua
aproximação tanto em termos estéticos quanto de cadeia de produção com as demais
indústrias do audiovisual pareciam óbvias. Criar um game, em 2004, envolvia a
participação de roteiristas, diretores de arte, ilustradores, músicos, atores e, claro,
programadores e designers de games. Atores como Samuel L. Jackson e James Woods
emprestavam suas vozes para dublar personagens do jogo Grand Theft Auto: San Andreas.
Títulos da rie Splinter Cell e Ghost Recon traziam a assinatura do escritor best-seller Tom
Clancy. Se não era possível equiparar os games aos principais blockbusters do cinema e seus
orçamentos de US$ 200 milhões, os custos de desenvolvimento e marketing de um jogo
eletrônico atingiam então a casa dos US$ 10 milhões, algo como o orçamento de uma
superprodução do cinema brasileiro.
Também nessa época diversos estudos começaram a apontar para a crescente relevância da
indústria de games em comparação com outros setores da economia do entretenimento,
como o cinema e a música. Ainda que muitas dessas pesquisas empregassem critérios pouco
esclarecedores para justificar o crescimento da fatia abocanhada pelo mercado de games, o
fato é que apenas com os números absolutos recentes já é possível constatar que estamos
diante de uma sólida e multibilionária fatia do mundo do entretenimento. Pesquisa da
empresa de consultoria PricewaterhouseCoopers apontava que em 2006 a receita mundial
gerada pelo comércio de games hardware e software era de US$ 31,6 bilhões, com
28
previsão de chegar a US$ 48,9 bilhões em 2011
12
. Enquanto isso, dados da Motion Pictures
Association of America indicavam que o total arrecadado com a venda de ingressos de
cinema em todo o mundo, em 2006, havia sido de US$ 25,82 bilhões.
A aproximação com Hollywood, porém, não se resume a aspectos de renda ou de modo de
produção. Uma passada de olhos pela lista de lançamentos do mundo dos games nos últimos
cinco anos é suficiente para perceber que praticamente todos os principais blockbusters do
cinema americano vêm ganhando a sua contraparte interativa: Harry Potter, Shrek, Homem-
Aranha, X-Men, Matrix, A Era do Gelo, O Código da Vinci, todos são exemplos de grandes
apostas da indústria do cinema que, mesmo antes de sua estréia, tiveram seus games
colocados no mercado. O caminho contrário também tornou-se comum, com títulos de
sucesso no mundo dos games, como Street Fighter, Mortal Kombat, Tomb Raider, Resident Evil e
Silent Hill ganhando transposições para a tela grande.
Mas, se o casamento da indústria de games com Hollywood e as cifras bilionárias hoje
impressionam, fenômeno semelhante havia se sucedido como apontamos no capítulo
anterior no início da cada de 80, período conhecido como a Era de Ouro dos
Videogames. Reportagem da revista Newsweek de outubro de 1982 afirmava que “a explosiva
indústria do videogame tornou-se quase tão grande quanto o mercado do cinema e um único
cartucho de jogo doméstico campeão de vendas pode em breve ser capaz de render sozinho
mais do que os maiores blockbusters de Hollywood”
13
(KENT, 2001, p. 234). Estampado
na capa da revista Time como ícone pop, o jogo Pac-Man foi homenageado em uma música e
transformado em desenho animado para a televisão. O mesmo aconteceria algum tempo
depois com Mario, personagem do jogo Donkey Kong, que ganharia seu próprio desenho e a
um longa-metragem com atores reais. no início da década de 1990, Mario era apontado
12
SZLAI, George.Video game industry growth still strong. Hollywood Reporter. Estados Unidos, 21
junho 2007.
13
No ano seguinte, a indústria de games sofreria um “crash”e a promessa de ultrapassar as vendas de um
blockbuster se concretizaria no Natal de 1998, quando Zelda: Ocarina of Time, da Nintendo, teve um
desempenho de vendas superior às bilheterias do grande lançamento do cinema naquela época, a animação
Vida de Inseto, da Disney.
29
como um dos personagens mais populares no universo infantil, superando inclusive Mickey
Mouse
14
.
Arte eletrônica
Mesmo com as limitações gráficas e de áudio, no início dacada de 1980, os games já eram
considerados como produtos culturais e artísticos ao menos por seus criadores. Muitas vezes
trabalhando sozinhos, os engenheiros de software assumiam para si a tarefa de criar o visual
e os elementos sonoros de seus games. Eugene Jarvis, criador de Robotron 2084, foi buscar
inspiração no romance 1984, de George Orwell, para o game. Com sua arquitetura
geométrica ousada, Q*bert, outro título popular dos videogames naquele tempo, nasceu da
paixão do programador Jeff Lee pelos trabalhos do artista holandês M.C. Escher (KENT,
2001, p. 222).
A vontade dos programadores em serem reconhecidos como artistas, no entanto, nem
sempre foi atendida pelas empresas de games. Depois de uma série de desentendimentos
com a Atari, que se recusava abertamente a dar crédito aos verdadeiros autores dos títulos
que lançava, um grupo de engenheiros da companhia, que incluía Alan Miller, David Crane e
Bob Whitehead, decidiu sair e fundar a Activision, primeira produtora independente de jogos
nos EUA. Pouco depois, Trip Hawkins, um ex-funcionário de marketing da Apple, fundaria
a produtora Electronic Arts, cujo nome entregava sua crença no aspecto artístico da
criação de games. Mais que isso, ao entrar no mercado, Hawkins promoveu uma mudança
radical na maneira como os cartuchos eram embalados até então, contratando ilustradores
profissionais para desenharem as caixas que considerava como “capas de discos”:
Na cabeça de Hawkins, ter os melhores jogos da loja não significava nada se a embalagem
não fosse atraente para os compradores. Com um pacote melhor e um grupo de designers
estabelecidos, ele abriria caminho para transformar a Electronic Arts em líder da indústria.
(KENT, 2001, p. 263)
14
A pesquisa foi feita pelo instituto norte-americano de marketing Q Score. A referência consta no livro
Game Over: How Nintendo Zapped an American Industry, Captured Your Dollars, and Enslaved Your
Children, de David Sheff.
30
A escalada dos videogames como um fenômeno pop foi de certa forma também beneficiada
pela mudança que o filme Guerra nas Estrelas, de George Lucas, trouxe ao mundo do
entretenimento a partir de seu lançamento em 1977. O longa, bem como suas seqüências,
abriu as portas para uma onda de arcades e jogos para consoles domésticos baseados na
temática de batalha espacial terreno que havia sido fecundado 15 anos antes com a
criação de Spacewar, por sua vez, baseado na série de ficção-científica de E.E. “Doc” Smith.
Títulos como Space Wars e Star Castle, criados pela empresa de nome sugestivo
Cinematronics, e mesmo o hit mundial Space Invaders traziam referências diretas ao imaginário
popularizado por Lucas. Poucos anos depois, a Atari selaria um acordo com o diretor de
Guerra nas Estrelas para criar o primeiro arcade baseado no filme. Lançado em 1983, o jogo
trazia as vozes digitalizadas dos principais atores do filme, incluindo Mark Hamill, como
Luke Skywakler, James Earl Jones, como Darth Vader, e Harrison Ford, como Han Solo
15
.
Ainda no embalo da Era de Ouro, em 1982, a Disney lançou o filme Tron, em que um
programador de software e dono de uma loja de fliperamas (Jeff Bridges) é transportado
para dentro de um supercomputador e tem de sobreviver a uma série de jogos que
reproduziam a lógica e o visual dos games de esportes e de corrida da época. Marco histórico
no uso de efeitos especiais digitais, Tron era um espetáculo visual que remetia ao estágio pelo
qual passava a indústria de games naquele momento, como a febre dos arcades (os coin-op
games), a dificuldade dos desenvolvedores em receber o reconhecimento autoral de suas
criações e mesmo homenagens a sucessos como Pac-Man, que aparece escondido em um dos
cenários do filme. Para familiarizar os atores com o universo dos jogos eletrônicos, o diretor
Steven Lisberger mandou instalar diversas máquinas de fliperama no set de filmagens para
inspirar o elenco nos intervalos das gravações.
Se não foi exatamente um sucesso de bilheteria nos cinemas, Tron acabou gerando diversas
adaptações para os games, vindas de produtoras como Midway, Atari e Mattel. Décadas
depois, jogos modernos como Kingdom Hearts II, Deus-Ex e Metroid Prime 2: Echoes
continuaram a fazer referências a esse clássico híbrido do cinema.
15
A parceria entre Lucas e a Atari acabou provocando a criação da LucasArts, divisão da Lucasfilm voltada
especialmente para o desenvolvimento de games. Já na década de 90, a empresa foi responsável por jogos
para computadores do gênero adventure como os da série Monkey Island, Maniac Mansion e Indiana
Jones. Diversos jogos baseados na série Star Wars continuam a ser lançados pela LucasArts até hoje.
31
Nem sempre bem-recebidos pelos jogadores e pela crítica, jogos baseados em filmes
tornaram-se cada vez mais comuns a partir do lançamento de Star Wars, em 1982. Um dos
casos mais emblemáticos de fracasso, no entanto, foi o de E.T.: The Extra-terrestrial.
Produzido a toque de caixa para o Natal daquele mesmo ano, o jogo foi considerado como
um dos grandes erros estratégicos que ajudaram a levar a Atari à falência, às vésperas da
maior crise que o mundo dos videogames havia presenciado até então. Depois de diversos
programadores da Atari se recusarem a fazê-lo, o projeto foi assumido por Howard Scott
Warshaw, um jovem funcionário da casa que havia acertado a o em outros títulos,
como Yar’s Revenge e Caçadores da Arca Perdida. Com menos de dois meses para entregar o
jogo, E.T. acabou chegando ao mercado mal-acabado, com um dos piores gráficos da época
e uma jogabilidade desastrosa. O público, claro, não engoliu e especula-se que a companhia
tenha literalmente enterrado milhares de unidades de cartuchos em um aterro no deserto do
Novo México
16
.
Apesar do abalo temporário com o crash” da indústria de videogames, a relação do mundo
do jogos com o do cinema voltaria a se fortalecer nos anos subseqüentes, seja com o
lançamento de novos títulos do mesmo Steven Spielberg (Indiana Jones, Tubarão etc.), seja
com outros sucessos dos filmes de ação como Terminator 2, Top Gun e mesmo a animação
Fantasia, da Disney.
Cinemáticos
A chegada dos jogos 3D, em meados da década de 90, aprofundou ainda mais essa
tendência. Não pelo maior número de títulos lançados, mas porque, pela primeira vez, os
criadores de jogos poderiam abandonar a estética até então bidimensional de seus programas
em função de uma nova perspectiva de visão. Ainda que o termo ganhe outro sentido no
16
Apesar de citada por diversos jornalistas e historiadores de games, como Steven L. Kent, em The
Ultimate History of Videogames, a versão de que a Atari tenha enterrado os cartuchos de E.T. nunca foi
provada. Em entrevista à revista EGM Brasil, em janeiro de 2007, Howard Scott Warshaw diz achar a
versão “absurda”: “Minha conclusão é a mesma das pessoas que jogaram E.T. à época: ‘Eu não engulo
essa’”, ironizou.
32
âmbito das imagens digitais onde as cenas são renderizadas e não capturadas –, pela
primeira vez os jogadores tiveram de se familiarizar com a idéia de “câmera” no games.
Jogos como Mario 64, Tomb Raider e, nos PCs, Return to the Castle Wolfenstein e Doom
popularizaram novas formas de navegação espacial na qual o jogador interagia a partir dos
olhos do personagem (chamada de first-person view) ou ainda por cima de seus ombros
(também conhecida como third-person view).
Em seu livro Gaming Essays on Algorithmic Culture, Alexander R. Galloway faz uma análise
interessante da influência da perspectiva da câmera de cinema na criação dos jogos do tipo
“first-person shooters” (FPS). Para o autor, ainda que o cinema tenha sido pioneiro nesse
tipo de tomada, citando como exemplo desde filmes como Notorious, Spellbound e Topázio, de
Alfred Hitchcock, e Go West, de Buster Keaton, é nos videogames do tipo FPS ou nos filmes
em que a visão do protagonista é mediada por um computador, como em Exterminador do
Futuro ou Robocop, que a câmera subjetiva tem mais sucesso:
O que os videogames ensinam ao cinema é que a câmera pode ser subjetiva com relação a
um personagem específico [...] e mais ainda que a câmera pode ser subjetiva com relação a um espaço
computadorizado. Se computadores têm uma visão própria, é esta. (GALLOWAY, 2006, p. 63)
Além destas convenções formais emprestadas do cinema, o desenvolvimento de hardware
dos videogames e dos jogos para computador, bem como a utilização de mídias de grande
capacidade de armazenamento como CDs e DVDs, finalmente trouxeram aos games
imagens de alta resolução que permitiram aos criadores explorarem seqüências de animação
pré-renderizadas. Batizadas de cinemáticos, essas passagens geralmente produzidas com a
ajuda de atores reais e técnicas de captura de movimento (mo-cap) costumam vir intercaladas
à ação do jogo com a função de apresentar o enredo e avançar a narrativa
17
. Games como os
da série Myst, foram recebidos pela crítica não-especializada com grande entusiasmo
18
.
17
Autores como Jenkins e Zimmerman reclamam que os cinemáticos interrompem a ação, comprometendo
assim um dos elementos mais importantes do jogo, que é a participação ativa do jogador.
18
Em seu texto “Cyber-spooked: Lost in Myst”, no jornal Washington Post, Michael Dirda chamava o jogo
de “o Ulisses do CD-Rom”.
33
Em 1996, a revista Cahiers du Cinema, uma das mais respeitadas publicações do setor na
França, publicou um artigo dedicado aos videogames, no qual Alain Diberder os tratava
como a “nova fronteira do cinema”. Mais tarde, em 2000 e 2002, a revista publicaria duas
edições especiais dedicadas aos games e proclamava:
Daqui em diante, o videogame não precisa mais imitar o cinema para existir porque propõe
hipóteses que o cinema nunca foi capaz de formular, o como emoções de outra natureza.
Se os videogames olharam para o cinema no passado (os designers são também cinéfilos),
hoje eles permitem que olhemos para o cinema de maneira diferente, que questionemos seus
modos de funcionamento e princípios teóricos. Videogames não são somente um fenômeno
social, eles são a encruzilhada essencial para a redefinição de nossa relação com o mundo da
narrativa em imagens, continuando o que Godard já havia formulado (‘Um filme: entre o
ativo e o passivo, entre o ator e o espectador) sem saber que o videogame iria colocar esta
questão, responder a esta demanda, deixando o cinema sem resposta. (WOLF; PERRON,
2003, p. 8).
Foi nesse momento também que, mais do que nunca, os criadores de games passaram a
voltar seus olhos para a cinematografia. Um dos exemplos mais marcantes é a rie de jogos
de horror e suspense Resident Evil, que adota não as técnicas de enquadramento e de
direção do cinema, mas também o uso da trilha sonora como elemento dramático do game.
A corrida por jogos cada vez mais hiper-realistas e com tramas intrincadas que dessem
ênfase na história por trás da ação ajudaram a fortalecer ainda mais essa tendência.
Filmes como games
Como mencionamos anteriormente, a relação entre games e cinema foi sempre de mão-
dupla e, ao mesmo tempo em que algumas produtoras de jogos se esforçavam para criar
seqüências cada vez mais cinematográficas em seus projetos, também os filmes por vezes
tomaram emprestados elementos da estética dos videogames. Em Corra, Lola, Corra, de 1998,
o diretor alemão Tom Tykwer colocava sua protagonista em uma espécie de corrida contra o
tempo para tentar salvar o destino de seu namorado. Seguindo o ritmo frenético dos games,
a personagem tem a opção de voltar do início da história por três vezes quando algo
errado. Na lógica dos jogos, é como se Lola tivesse três “vidas” ou tentativas de cumprir sua
34
missão antes do temido “game over”. A análise de Steven Poole, em Trigger Happy, portanto,
poderia muito bem ter sido escrita para a personagem de Corra, Lola, Corra:
Nós estamos acostumados a pensar a vida” como uma coisa única, sagrada, a totalidade de
nossas experiências. Mas os videogames redefinem a “vida” como uma parte consumível e
iterável de uma campanha maior. Em partes, isso lembra os cálculos brutais da guerra, onde
uma vida humana, que normalmente define o valor dos tempos de paz, é contabilizada como
valendo, digamos, um centésimo do valor de conquistar o próximo degrau. Mas os
videogames oferecem uma multiplicidade de vidas para um mesmo indivíduo. É
reencarnação instantânea em um uma forma corporal indistinguível da original. É o castigo
instantâneo ao erro e ao pecado (POOLE, 2000, p. 55).
Um bocado mais complexa é a narrativa de eXistenZ, filme de 1999 dirigido por David
Cronenberg, em que os personagens mergulham de cabeça em um jogo de realidade virtual
até o ponto em que já não é mais possível distinguir o real do virtual. Lançado num
momento em que os jogos online conhecidos por MMORPG (massively multiplayer online role-
playing games), como Ultima Online e EverQuest, ganhavam força, o filme de Cronenberg
discute temas como o vício e os traços psicóticos provocados pela imersão radical no que
Huizinga chama de “lado de fora da vida ordinária”. Em termos de linguagem
cinematográfica, entretanto, eXistenZ reproduz com propriedade e o sem uma dose de
ironia algumas das principais características dos jogos tipo adventure e RPG. Quando
imersos no ambiente de jogo, os personagens se vêem impelidos a tomarem decisões nem
sempre racionais com o simples objetivo de avançar a história. Diálogos com outros
personagens revelam as limitações sintáticas dos chamados NPC (non-playable characters,
controlados pelo computador), que só respondem a formulações específicas
19
.
Lançada naquele mesmo ano, porém bem mais popular nas bilheterias, foi a ficção-científica
Matrix, dos irmãos Andy e Larry Wachowski. Quando descobre que a realidade que vive não
19
Lev Manovich trata do mesmo tema em seu livro The Language of the New Media ao falar do uso de
sistemas de inteligência artificial nos games: “personagens de computador podem demonstrar inteligência e
habilidades apenas porque os programas impõem severas limitações em nossas interações possíveis com
eles. Em outras palavras, computadores podem fingir ser inteligentes forçando nos a usar apenas uma parte
muito pequena do que somos e como nos comunicamos com eles” (MANOVICH, 2001, p. 33).
35
é mais que uma simulação projetada por um supercomputador, o hacker Neo se envolve
com um grupo de rebeldes que tenta libertar a humanidade da chamada matrix. À parte o
discurso filosófico, com referências às teorias de Jean Baudrillard, do cristianismo e do zen-
budismo, é na construção das imagens do filme que os irmãos Wachowski mais referenciam
o universo dos games. As cenas em que Neo recebe treinamento em artes marciais, por
exemplo, remetem aos tutoriais de jogos como Half-Life e Metroid Prime e a clássicos dos
jogos de luta da década de 90 como Street Fighter II e Mortal Kombat. Por seu descolamento
completo das leis da física, com golpes improváveis realizados em câmera lenta, as cenas de
combate do filme também são freqüentemente comparadas aos games, mas talvez ainda mais
interessante seja o fato de o recurso de efeitos especiais utilizado para o filme
popularmente chamado de “bullet-time” ter sido posteriormente adaptado para diversos
títulos de videogame, como o jogo de corrida Need for Speed Most Wanted. São os games
influenciado os filmes que influenciam de volta os games.
Em 2003, quatro anos depois de os videogames tornarem-se o centro das atenções como
supostos incentivadores dos adolescentes que promoveram o massacre na Escola
Columbine, nos Estados Unidos, o diretor Gus Van Sant resolveu abordar a polêmica no
longa-metragem Elephant. Sem acusar diretamente os games pelo ocorrido, o diretor optou
por filmar o caminhar dos jovens assassinos pelos corredores vazios da escola no dia da
tragédia como se estivessem dentro de um jogo de tiro como em Doom, do qual os jovens
criminosos se declaravam fãs. É com a direção de câmera, contudo, que Van Sant, procura
dar o seu recado:
As tomadas em tempo real, por cima dos ombros, [...] evocam jogos do tipo “third-person
shooters” como Max Payne, um primo próximo do FPS. Então o filme muda de fato para
uma perspectiva de FPS em alguns momentos cruciais para mostrar a violência das armas.
Além disso, [o diretor] usa um formato de quadro de 1:33, em vez da largura comum usada
em filmes de cinema, para remeter ao formato quadrado dos monitores de televisão e
consoles de videogames ligados a eles. Que o massacre de Columbine em 1999 tenha sido
creditado a esses jogos permanece presente mas não examinado neste filme frio e mórbido.
(GALLOWAY, 2006, p. 60)
36
Música nos games
Tal qual com o cinema, os games possuem um relacionamento histórico com outro braço
importante da cultura pop: a indústria da música. Ainda no início da década de 80, a Midway,
responsável pela distribuição dos jogos Space Invaders e Pac-Man, resolveu criar um jogo para a
banda de rock Journey, uma das mais populares nos Estados Unidos na época. Usando um
avançado recurso de captura de imagens, a companhia digitalizou os rostos dos integrantes
do grupo e os colocou dentro de um videogame, onde os músicos enfrentavam labirintos,
corridas, cavernas e todo o tipo de desafio típicos dos jogos de então para recuperar os seus
respectivos instrumentos perdidos.
Menos obscura e mais produtiva foi a parceria de Michael Jackson com a Sega em 1989.
Aproveitando os últimos anos do fenômeno Bad, a Sega colocou na praça um jogo que trazia
o “rei do pop” tentando resgatar um grupo de crianças desaparecidas. Além do próprio
cantor digitalizado, com direito às dançinhas e gritos que se tornaram sua marca registrada,
Michael Jackson’s Moonwalker contava com versões sintetizadas dos principais hits do artista,
como “Billie Jean”, “Beat It”, “Thriller” e “Bad”.
Mas a aproximação definitiva da música pop com os games seria selada alguns anos
depois, com a chegada do PlayStation, em 1994, a primeira aposta da Sony no mercado de
jogos eletrônicos. Da mesma forma que os CDs permitiram um avanço na qualidade gráfica
dos games, a mesma mídia era também capaz de armazenar e reproduzir áudio com
qualidade cristalina. Ciente da nova possibilidade, a Sony tratou de explorá-la em trilhas
sonoras de games como WipeOut, série iniciada em 1995, que incluía faixas de grandes nomes
da música eletrônica, como Chemical Brothers, Prodigy e DJ Sasha. Pouco tempo depois,
artistas conhecidos estavam não emprestando suas músicas para os jogos como criando
trilhas originais para eles: caso da banda escocesa Mogwai, que trabalhou com Actua Ice
Hockey 2, do produtor e mentor do Nine Inch Nails, Trent Reznor, autor da trilha de Quake,
e ade David Bowie, responsável pelas músicas do game de ficção-científica Omikron: The
Nomad Soul, lançado para PC e Sega Dreamcast.
Boa para os jogadores, melhor ainda para a indústria da música, que no final dos anos 90
começava a sentir os efeitos da ameaça anunciada do download ilegal de suas faixas na
37
internet, a música pop acabou encontrando nos games um porto relativamente seguro com
os quais poderia não só divulgar seus artistas mas também gerar mais receita com a cobrança
de royalties. Nos anos seguintes, jogos como os da série Tony Hawk’s Pro Skater e Grand Theft
Auto teriam suas trilhas sonoras lançadas como um produto avulso nas lojas de discos
20
.
Em 2001, a produtora de games Electronic Arts criou a EA Trax, divisão responsável
exclusivamente pelo licenciamento de faixas para seus games de esportes e corrida junto aos
selos de rock e hip hop das principais gravadoras internacionais, incluindo Elektra, Capitol,
Atlantic, Interscope e Island/Def Jam. A parceria com esta última acabou por render a série
de jogos Def Jam Vendetta, que trazia artistas famosos do hip hop americano, como Ludacris,
Method Man e DMX, duelando em um ringue de luta.
Games em que o jogador deve não só ouvir mas “tocar”, cantar ou dançar ao som da música
também ganharam força nesse período. Um dos primeiros a explorar esse filão, batizado de
“game music” ou “rhythm games”, foi PaRappa the Rapper, lançado para PlayStation em 1996.
O objetivo do jogo era guiar um ozinho em sua jornada para impressionar a amada numa
apresentação de hip hop. Para tanto, o jogador deveria repetir uma seqüência de botões, no
ritmo certo, para reproduzir as músicas. O sucesso do game desembocou, no final da década,
em uma enxurrada de games que levavam ainda mais a fundo a proposta de unir sica e
jogabilidade, entre eles a série Dance Dance Revolution, da Konami, que exigia que os jogadores
usassem pés e mãos para executar as seqüências mostradas na tela, Donkey Konga, da
Nintendo, que acompanhava um bongô no lugar dos controles tradicionais, e até Britney’s
Dance Beat, para PlayStation 2, que contava com alguns dos principais hits da cantora Britney
Spears.
Numa safra mais recente, vieram Eletroplankton e Elite Beat Agents, para o portátil Nintendo
DS, e especialmente Guitar Hero, game desenvolvido pela Harmonix e em que o jogador é
chamado a executar grandes sucessos do rock’n’roll de Jimi Hendrix a Nirvana, de Black
Sabbath a Franz Ferdinand usando uma miniguitarra de plástico com botões coloridos.
20
Algo semelhante acontecia no Japão desde o início dos anos 80 por meio de selos especializados no
lançamento desses produtos, como Yen, Game Music Organization e outros. Por muito tempo um
fenômeno exclusivamente japonês, os discos traziam músicas de games de sucesso da época como Pac-
Man, Pole Position e New Rally-X.
38
Fenômeno de vendas e de crítica, em 2005, o jogo ganhou uma continuação no ano seguinte
e provocou uma nova onda de “rhythm games”, obrigando outras empresas a voltarem as
atenções para o segmento. No final de 2006, a Harmonix foi comprada pela produtora
Activision, que anunciou para o segundo semestre de 2007 o lançamento de Rock Band, que
além de guitarra, oferece ao jogador a possibilidade de tocar bateria, baixo e cantar.
Uma das conseqüências notáveis do fortalecimento da relação entre música e games foi o
fato de que, progressivamente, as produtoras de jogos passaram a anunciar e a ter seus títulos
resenhados nos principais veículos da imprensa musical dos Estados Unidos, como as
revistas Rolling Stone, Blender e XLR8R. Integrantes de uma geração de jovens que cresceu em
meio aos videogames das décadas de 80 e 90, também os artistas passaram a declarar sua
admiração pelos jogos. No Brasil, tornou-se conhecida a música “Loadeando”
21
em que o
rapper Marcelo D2 narrava as partidas de PlayStation que disputava com o filho:
Marcelo: O jogo começou, aperta o Start.
Na vida você ganha, você perde, meu filho. Faz parte.
Stephan: Ih! É ruim, eu não gosto de perder.
Nem me lembro há quanto tempo que eu não perco pra você.
Marcelo: Calma, filho, você ainda tem que crescer.
O jogo apenas começou e você tem muito pra aprender.
Stephan: É! Eu sei. Tava só zoando. Você que loadeou e eu tô jogando.
A tradição da
game music
Mas a bênção recente das gravadoras e das celebridades da sica pop não significa que os
videogames fossem “mudos” antes disso. Ainda que comprometidas por limitações de
hardware dos consoles e computadores da época, que não permitiam, por exemplo, a
execução de um grande número de notas ao mesmo tempo ou a utilização de timbres de
instrumentos convencionais, as músicas e trilhas incidentais dos jogos eletrônicos existem
desde os primeiros anos da década de 80 e se desenvolveram a ponto de ganharem um
21
O título da canção, gíria criada no Rio de Janeiro, vem do termo “load”, que se refere ao tempo de espera
até que o jogo seja carregado.
39
gênero para si próprias, a game music. Trilhas de jogos como Super Mario Bros., Out Run e Final
Fantasy, por exemplo, tornaram-se tão marcantes que transformaram seus criadores em
celebridades entre os jogadores. Mais recentemente, concertos inteiramente montados a
partir de composições criadas para games foram apresentados por orquestras como a
Sinfônica Nacional da República Tcheca e a Filarmônica de Los Angeles, que, em 2005,
trouxe ao Brasil a Video Games Live, apresentação ao vivo comandada pelos compositores
de games Tommy Talarico e Jack Wall e que inclui músicas de toda a história dos games, de
Pong a Super Mario Bros., passando por Final Fantasy e Halo.
O repertório clássico dos videogames foi também revisitado por bandas como as americanas
Minibosses e The Advantage, que regrava em versão roqueira e instrumental músicas dos
jogos para Nintendo, e a brasileira MegaDriver, que se define como o primeiro grupo de
“game metal” do mundo e, entre outras peculiaridades, se apresenta com uma guitarra
montada a partir de um console do videogame Mega Drive e outra que tem o formato do
Sonic, o famoso porco-espinho azul dos jogos da Sega.. Por um caminho semelhante, artistas
e produtores de música eletrônica têm se dedicado a explorar os precários sistemas de som
de videogames como o Commodore 64, o Nintendo de 8-bits, o portátil Game Boy e
mesmo o PlayStation da Sony como uma espécie de sintetizador em suas composições e
apresentações ao vivo. A estratégia, experimentada por nomes como NullSleep, Spank Rock
e Dizzee Rascall, é chamada por alguns de 8-bit music ou chiptune.
Machinimas
Da mesma maneira que músicos que cresceram jogando games podem adotar a sonoridade
dos blips e blops em suas composições, também os videomakers vêm explorando os jogos
como inspiração e matéria-prima para suas produções. O que começou como uma
brincadeira de fãs dos jogos Doom e Quake, na segunda metade da década de 90, acabou se
tornando um nero batizado de machinima, neologismo criado a partir das palavras
“machine” e “animation”. A prática consiste em contar histórias originais ambientadas no
espaço dos jogos e protagonizadas por seus personagens. Através de modificações na engine
ferramenta responsável pela geração dos gráficos e ações dos games , os criadores de
machinimas modificam a aparência e o comportamento dos personagens fazendo com que
40
eles “atuem” a favor de uma outra narrativa, cujas cenas serão gravadas em um PC com uma
placa de captura de vídeo.
Com a evolução gráfica e de controle de câmera dos videogames mais modernos, vieram
uma nova safra de machinimas que nem sequer exigiam alterações na engine. Um dos
exemplos mais bem-sucedidos é o de Red vs. Blue, série de comédia criada por um grupo de
amigos nos Estados Unidos que utiliza o ambiente do jogo Halo para encenar suas esquetes.
Conectados em modo de jogo online, os criadores da série se dividem entre os atores e os
cameramen, responsáveis por captar as cenas sob diversos ângulos, focalizando o campo de
visão desejado apenas com os controles de um Xbox.
Impulsionada pela evolução das tecnologias caseiras de edição e distribuição de vídeos pela
internet, a prática se ampliou ainda mais na virada do culo até que, em 2002, foi fundada a
Academy of Machinima Arts & Science, organização responsável desde então pela
premiação anual das principais produções do gênero. Entre os machinimas agraciados com
os prêmios Mackies estão incluídos os pioneiros Hardly Workin’ e Anachronox, o dramático A
Few Good G-Men, o citado Red vs. Blue, além do divertido talk show This Spartan Life,
também criado a partir do game Halo, da Microsoft. O reconhecimento da nova linguagem
veio também das próprias produtoras de games, que passaram a contratar os artistas de
machinima para criar peças publicitárias para alguns de seus lançamentos, como é o caso de
P.A.N.I.C.S., machinima encomendado pela Monolith Productions e feito a partir do jogo
F.E.A.R. pela mesma equipe do premiado Red vs. Blue. Outras empresas, como a Electronic
Arts, de The Sims, e a Lionhead, de The Movies, resolveram incluir nos respectivos jogos
ferramentas que permitissem aos jogadores criar seus próprios machinimas.
Estas iniciativas, assim como a cultura da modificação (mods) de games em que os jogadores
criam cenários e missões completamente novas para um título, trazem à tona a discussão
sobre o papel dos games como ferramentas de expressão e criação de significados. No
campo das artes, tem sido cada vez mais constante a apropriação das interfaces e ferramentas
de edição de jogos para a criação de obras que questionem ou mesmo subvertam a lógica dos
games. Em seu projeto Velvet-Strike, por exemplo, a artista Anne-Marie Schleiner oferece
uma série de “grafites” pacifistas e provocativos para que o jogador de Counter-Strike possa
41
aplicar nas paredes do ambiente do game, que opõe terroristas e soldados em um embate
tático. Também conhecidos são os trabalhos do coletivo Jodi, como SOD e Untitled Game,
que alteram o espaço dos jogos Return to the Castle Wolfenstein e Quake. criadores como Ian
Bogost, do site Watercooler Games, e o grupo de ativistas italianos Molleindustria, autores
do McDonald’s Game, vêm criando seus próprios jogos para a web como uma forma
alternativa de crítica e comentário político. É a esse processo que se refere Lucia Santaella,
em Cultura e Artes do Pós-Humano:
Conforme bem lembrado por Kac, quando surge um novo meio de produção de linguagem
e de comunicação, observa-se uma interessante transição: primeiro o novo meio provoca um
impacto sobre as formas e meios mais antigos. Num segundo momento, o meio e as
linguagens que podem nascer dentro dele são tomados pelos artistas como objeto de
experimentação. (SANTAELLA, 2003, p. 156)
42
Capítulo 3 – Teoria e crítica dos games
Os videogames como arte
O surgimento dos videogames como candidato a um dos objetos culturais mais
representativos da virada do milênio trouxe consigo pesquisadores e teóricos interessados
em desvendar a linguagem e as especificidades dos jogos eletrônicos. Alguns dos primeiros
livros sobre o tema foram escritos ainda nos primeiros anos da década de 1980, como
Phoenix: The Fall and Rise of Home Video Games, publicado por Leonard Herman em 1984, e
The Art of Computer Game Design, de Chris Crawford. Lançado em 1982, este último
procurava entender o os conceitos básicos e técnicos do universo dos games como
também ousava afirmar em seu título algo que anos depois ainda é motivo de muito
debate: “A premissa central deste livro é a de que jogos de computador constituem uma
nova e ainda pouco desenvolvida forma de arte que guarda grandes promessas tanto para
designers quanto para jogadores” (CRAWFORD, 1982).
Pouco mais de uma década e alguns altos e baixos no mercado depois, em 1993, os franceses
Alain e Frédéric Le Diberder publicaram Qui a peur des jeux vidéo?, em que comparavam a
indústria dos games a Hollywood e argumentavam que, ao lado do cinema, das histórias em
quadrinhos e da televisão, os videogames seriam a “décima arte”.
Henry Jenkins, diretor do departamento de Comparative Media Studies do MIT, concorda
com os argumentos dos irmãos Le Diberder. No ensaio Games, the New Lively Art, ele
compara os esforços do crítico Gilbert Seldes em argumentar que as então emergentes
formas de cultura popular representadas pelo jazz, os musicais da Broadway e o cinema são
semelhantes ao que vivem hoje os defensores de uma abordagem mais séria a respeito dos
videogames:
Eu tenho que admitir que discutir a arte dos videogames traz à tona imagens cômicas:
patronos engomados e adornados de jóias admirando o último Street Fighter, acadêmicos de
meia-idade discorrendo sobre o impacto do cubismo em Tetris, bleeps e zaps interrompendo
nossa silenciosa contemplação no Guggenheim. Essas imagens nos dizem mais sobre a nossa
noção contemporânea de arte como árida e empolada, como propriedade de uma elite
43
econômica educada, distante da experiência diária do que dizem a nós sobre os games.
(JENKINS, 2005, versão eletrônica, grifo do autor)
Ainda assim, nesse mesmo artigo, Jenkins arrisca:
Os games representam a nova arte viva, um tipo de arte tão apropriada para a era digital
quanto os meios anteriores o foram para a era das máquinas. Eles abrem novas experiências
estéticas e transformam a tela do computador em um campo de experimentação e inovação
que é amplamente acessível. E os games foram adotados pelo público que, por outro lado,
não se impressionou muito com o que se vende como arte digital. Do mesmo modo que os
salões de arte dos anos 1920 pareciam estéreis ao lado da vitalidade e inventividade da
cultura popular, esforços contemporâneos para criar uma narrativa interativa através de
hipertextos modernistas ou instalações de vanguarda parecem sem vida e pretensiosos se
comparados com a criatividade e a exploração, o sentimento de diversão e de
maravilhamento, que os designers de games depositam em seu artefato. (JENKINS, 2005,
versão eletrônica)
Não menos enfática na defesa dos games como forma de arte, a pesquisadora e professora
Janet H. Murray, do instituto norte-americano Georgia Tech, acredita que os jogos de
computador guardem as sementes de uma nova e poderosa forma de narrativa, o ciberdrama.
Autora de uma das obras mais debatidas até hoje na teoria de games, Hamlet no Holodeck: O
Futuro da Narrativa, de 1997, Murray sustenta que, por suas características “procedimentais,
participativas, espaciais e enciclopédicas”
22
, os games oferecem a possibilidade de um
legítimo agenciamento entre o leitor e a estória. Diante disso, a autora o surgimento de
um novo tipo de autor, que não escreve apenas com palavras e sentenças mas com regras e
algoritmos de programação. Para Murray, jogos, sejam eles eletrônicos ou não, são nada
22
Por procedimentais Murray se refere à capacidade do computador de “incorporar comportamentos
complexos e aleatórios” e “pensar em termos de algoritmos e heurística, ou seja, identificar constantemente
as regras exatas ou gerais de comportamento que descrevem qualquer processo”. Participativo significa que
“eles reagem às informações que inserimos neles”. Já com espaciais, a autora aponta para o fato de que “os
novos ambientes digitais caracterizam-se pela capacidade de representar espaços navegáveis”,
diferentemente dos livros e filmes e suas representações verbais ou imagéticas fechadas. Por fim, a
característica enciclopédica dos computadores estaria ligada à sua “capacidade de representar enormes
quantidades de informação”, algo que se traduziria no “potencial artístico de oferecer uma riqueza de
detalhes, de representar o mundo de modo tanto abrangente quanto particular.
44
menos que modos encontrados pelo homem para encenar simbolicamente sua relação com o
mundo, em que a cada lance corresponderia um evento. Os games, diz a autora, possuem
conteúdo dramático que pode ser explorado pelos designers do jogo de maneira semelhante
à que um músico compõe sua ópera e um dramaturgo escreve sua peça:
Os ciberdramaturgos exercerão o controle autoral por meio de técnicas de autoria
procedimental que lhes permitam ditar não apenas as palavras e imagens da história mas as
regras segundo as quais essas palavras e imagens apareceriam. (...) As platéias do futuro terão
como certo o fato de que irão experimentar a visão de um autor procedimental ao atuarem
dentro de um mundo imersivo e ao manipularem os materiais que o autor tiver fornecido a
elas, em vez de apenas ler ou observar. Elas saudarão os pontos de escolha na narrativa
como momentos de elevada dramaticidade, moldados para elas com o mesmo esforço
artístico que esperamos, atualmente, da edição de um filme. As platéias aceitarão o exercício
da agência como parte da experiência estética, assim como, hoje, achamos natural ter de
andar ao redor de uma escultura de Degas para experimentar toda a sua beleza, em vez de
apenas parar diante dela como fazemos com seus quadros. (MURRAY, 1997, p. 257)
Em resposta à idéias de Murray, que encontrou eco numa corrente de acadêmicos, muitos
ligados à literatura, que ficou conhecida como a dos narrativistas ou narratologistas, um outro
grupo de pesquisadores lançou praticamente ao mesmo tempo que a publicação de Hamlet
no Holodeck as bases daquilo que foi chamado de ludologia. Ao dar ênfase no aspecto de jogo
como algo com regras e objetivos bem definidos, autores como Espen Aarseth, Gonzalo
Frasca e Jesper Juul defendem que o estudo de games deva começar por encontrar as
especificidades desse objeto em vez de se apoiar em conceitos e modelos teóricos de outras
disciplinas – como a literária, econômica ou antropológica.
Sem deixar de reconhecer que os games têm, sim, elementos em comum com as narrativas
(personagens, cenários e eventos), Frasca sustenta que eles devem ser entendidos como
“baseados não na representação mas em uma estrutura semiótica alternativa conhecida como
simulação”. Simular, explica, “é criar um modelo de um sistema (fonte) através de um
sistema distinto que preserve (para alguém) alguns dos comportamentos do sistema original”
(FRASCA, 2003, p. 223). Para o acadêmico, portanto, um processo de simulação não
45
consiste em reproduzir apenas as características audiovisuais desses sistema mas também a
maneira como ele se comporta e reage a estímulos externos.
De acordo com os ludologistas, mais importante que a história é a relação do jogador com as
regras e o ambiente de jogo. “Não se pode ter narrativa e interatividade ao mesmo tempo;
não existe algo como uma história interativa contínua” (JUUL, 2001). Ou ainda: “não
podemos afirmar que ludus e narrativa sejam equivalentes porque o primeiro é um conjunto
de possibilidades, enquanto que o segundo é um conjunto de ões concatenadas”
(FRASCA, 1999). A iniciativa desses autores de reivindicar um campo de reflexão exclusivo
para o universo dos jogos eletrônicos resultou na criação de um seminário e do periódico
acadêmico online Game Studies, que desde 2001 publica papers e artigos de diversos autores
com diferentes propostas para o estudo dos videogames.
Numa tentativa de delinear essas propriedades específicas dos games e ao mesmo tempo
estabelecer parâmetros críticos para sua análise, Katie Salen e Eric Zimmerman lançam mão
do conceito de meaningful play, expressão que poderia ser traduzida por nós como “jogo com
significado, ou com algum sentido oculto”. Para os autores, isso se dá quando:
[...] as relações entre as ações [do jogador] e os resultados [apresentados pelo sistema do
jogo] são discerníveis e integradas dentro de contexto amplo do game. Criar meaningful play é o
objetivo de um design de jogo bem-sucedido (SALEN; ZIMMERMAN, 2004, p. 34).
Por discerníveis, Salen e Zimmerman referem-se à necessidade de que qualquer ação tomada
durante o jogo seja “comunicada ao jogador de forma perceptível”, através de sons, imagens
ou outras informações claras que apontem a ele que um resultado foi ou não alcançado. “Se
você não recebe um feedback que indique que está no caminho certo, a ação que tomou terá
muito pouco ou nenhum sentido”, defendem. por integrados, os autores entendem que “a
ação realizada por um jogador tenha não apenas um significado imediato no jogo mas que
afete também a experiência em um ponto mais adiante no jogo”
(SALEN; ZIMMERMAN,
2004, p. 35)
.
46
Ainda que sirva para orientar a criação de um “game design bem-sucedido”, o conceito de
meaningful play pode operar em outros campos além do puramente matemático ou
algorítmico.
[Meaningful play] pode ocorrer no nível social, quando dois jogadores usam o jogo como um
fórum para se comunicarem. E pode também ocorrer em estágios culturais mais amplos,
como quando partidas de xadrez foram utilizadas para propaganda política da Guerra Fria,
ou nos debates filosóficos contemporâneos sobre os poderes relativos da mente humana e
da inteligência artificial (SALEN; ZIMMERMAN, 2004, p. 36).
Pac-Man
e o marxismo
Engrossando o coro por um espaço próprio de reflexão para os jogos, o jornalista inglês
Steven Poole defende, em seu Trigger Happy: Videogames and the Entertainment Revolution (2000),
uma abordagem mais propriamente cultural e estética com relação aos games. Assim como
Crawford e Jenkins, Poole refere-se aos videogames como uma forma de arte emergente,
típica da virada do século, que merece ser propriamente compreendida. “Os videogames
hoje se encontram na posição que os filmes e o jazz ocuparam antes da Segunda Guerra
Mundial, populares, mas desprezados, considerados aquém de qualquer avaliação séria”
(POOLE, 2000, p. 13). Pois seriedade analítica é o que o autor parece estar buscando
quando toma emprestados conceitos da filosofia, da teoria econômica e da história da arte
para falar do universo dos games. Platão é convocado para questionar as idéias de
representação e “realismo”; Ernst Gombrich ajuda a levantar questões sobre a abstração nos
primeiros jogos; o crítico cultural Theodor Adorno lhe serve como interlocutor para criticar
a reprodução do “processo de trabalho mecanizado” em games como o popular The Sims.
“Alguém se perguntaria o que [Adorno] teria dito dos videogames de hoje (...). Se os games
deveriam ser supostamente divertidos, por que chegar a tal ponto de reproduzir a estrutura
repetitiva de um trabalho sem perspectivas?” (POOLE, 2000, p. 235).
Em um dos momentos mais inspirados de todo o livro, Poole analisa um “simples” jogo de
Pac-Man como uma “parábola neo-marxista do capitalismo tardio”:
47
[Pac-Man] é o consumidor puro. Ele parece acreditar que, se comer o suficiente, (...) irá
atingir um estado de satisfação pessoal, de completude circular. Mas isso nunca vai
acontecer. Ele está condenado para sempre ao vazio metafísico. Trata-se de uma fábula
trágica em cores primárias (POOLE, 2000, p. 177).
Ainda diante de uma tela de Pac-Man, o autor destrincha cada um dos elementos gráficos do
game ecoando não somente as idéias de meaninful play de Salen e Zimmerman mas
especialmante a classificação geral dos signos de Charles Sanders Peirce, apontando índices,
ícones e símbolos:
Videogames, como qualquer outra coisa, podem ser lidos de muitas maneiras diferentes. Um
videogame pode não ser um “texto”, mas é fato que os videogames falam com o jogador
através de um tipo especial de linguagem, a qual o usuário experiente sabe decór. E não se
trata de uma linguagem verbal, mas gráfica. Videogames falam conosco através de signos.
Uma das coisas mais fascinantes dos videogames enquanto forma, na verdade, é o fato de
constituírem um exercício caleidoscópico e incrível de semiótica, que é a interação sempre
mutante entre os signos. Mais do que a publicidade ou a internet, os videogames, com toda
sua velocidade e complexidade, se tornaram por esse motivo os mais sofisticados sistemas de
comunicação de significados que a cultura já conheceu (POOLE, 2000, p. 177).
Poole definitivamente não está sozinho em sua empolgação com o rico potencial expressivo
dos games. Trazendo de volta a problemática das narrativas nos jogos sem, no entanto,
perder de vista a interatividade como um de seus princípios fundamentais –, Nic Kelman,
autor de Video Game Art (2005), sustenta que os “videogames são a realização suprema da
necessidade fundamental humana de mitologias”, ou ainda, as versões contemporâneas e
literalmente multimídias das tragédias clássicas e épicos como Odisséia e Ulisses:
Eles nos levam como participantes muito além de onde podemos ir como espectadores,
ouvintes ou leitores, porque nos permitem não apenas imaginar que podemos ser um herói
mítico, mas de fato nos tornarmos ele ou ela, controlarmos cada um de seus movimentos, de
suas ações e de suas decisões. (KELMAN, 2005, p. 36)
48
Fartamente ilustrado com esboços e imagens de referência usadas para o desenvolvimento
dos personagens e cenários dos games (algo que serve também para atestar visualmente a
criatividade artística e riqueza cultural dos profissionais envolvidos na produção de um jogo),
Video Game Art arrisca ainda uma tentativa de classificação dos principais arquétipos
encontrados nos diversos neros e títulos dos videogames. Entre os tipos de protagonistas,
aponta Kelman, os “heróis sem rosto”, que ajudam o jogador a se sentir no corpo do
personagem (ex.: Doom, Halo etc.); existem os heróis do tipo messias, sujeitos comuns que se
vêem diante de uma missão predestinada (ex.: Final Fantasy, God of War etc.); e também as
figuras lendárias ou personalidades do esporte, as fêmeas fetichizadas e, um dos mais
onipresentes, o soldado americano. São categorias que podem se sobrepor, é claro, mas que
ajudam a perceber criticamente certas nuances e ideologias por trás de cada jogo.
Um dos aspectos mais interessantes, contudo, da manifestação desses arquétipos seria o que
o autor chama de um “cruzamento de mitologias” que os games proporcionaram em escala
global nos últimos 20 anos. “Praticamente todo desenvolvimento de jogos se dá no Japão ou
nos Estados Unidos, mas os games são distribuídos para todo o mundo, e jogadores em
todos os lugares estão se familiarizando com a mitologia japonesa ou americana como se
fossem a sua própria talvez até mais familiar ainda. Pergunte a um jogador australiano ou
francês como um matador de demônios japonês se parece e você irá receber uma resposta
razoavelmente precisa. O mesmo vale para os japoneses a respeito das estrelas do esporte
americano” (KELMAN, 2005, p. 96) . Tal exercício tenderia a ficar ainda mais interessante,
defende o autor, à medida em que novas referências étnicas e culturais forem sendo
adicionadas a esse caldo.
O jornalismo de games
Se, por um lado, as reflexões teóricas e acadêmicas acerca dos games têm se fortalecido a
cada dia, no campo do jornalismo iniciativas nesse sentido ainda têm sido bastante tímidas.
O que hoje é conhecido como jornalismo de games publicações impressas ou on-line
especializadas na cobertura dessa indústria nasceu praticamente junto com os primeiros
jogos eletrônicos, as máquinas de fliperama e os consoles domésticos.
49
As primeiras menções aos videogames apareceram ainda na primeira metade da década de
1970 em revistas como Popular Mechanics, Popular Science e Popular Electronics. Em todos esses
casos, o termo aparecia em artigos técnicos que ensinavam os aficionados em eletrônica os
passos básicos para construírem os seus próprios jogos em casa. Com o fortalecimento da
indústria dos arcades, vieram então publicações especializadas como a PlayMeter, de 1974, e a
RePlay (1975), com informações sobre o mercado e a tecnologia dos games, além dos
primeiros reviews, ou resenhas, de jogos.
nos primeiros anos da década de 1980, fabricantes de jogos e consoles como Atari,
Activision, Coleco, Imagic, Mattel e Magnavox lançaram revistas que funcionavam como
catálogos para divulgar seus lançamentos e alimentar o apetite dos jogadores com as últimas
novidades do mundo dos videogames. Boa parte delas trazia também seções de dicas,
entrevistas com os profissionais por trás da criação dos jogos e rankings periódicos para que
o público pudesse comparar seu desempenho ao de outros jogadores. A Atari, à essa altura já
comprada pelo grupo Warner, chegou inclusive a ter uma revista em quadrinhos produzida
por artistas da editora DC Comics (também do grupo Warner). Assinada por nomes como
Ross Andru, de Homem-Aranha, e Dick Giordano, de Batman, a série de HQ Atari Force
mostrava as aventuras um grupo de super-heróis num futuro “distante” (2005) com cenários
e inimigos que lembravam o universo dos games da companhia
23
.
Desde então, a prática de lançar publicações atreladas a um fabricante específico de jogos
tornou-se bastante comum em todo o mundo. Um dos exemplos mais conhecidos e
duradouros é o da revista mensal Nintendo Power, que teve sua primeira edição nos EUA em
julho de 1988 e segue existindo até hoje. Surgida em uma época em que os games tornavam-
se mais longos e complexos, a revista foi responsável por um fenômeno que mais tarde seria
seguido por diversas outras publicações ao trazer dicas extensivas de como vencer cada uma
das etapas e derrotar os principais inimigos dos jogos, o que ficaria conhecido no Brasil
como “detonados”. Entretanto, se ajudava a fidelizar os adeptos dos consoles da Nintendo
com informações oficiais e privilegiadas obtidas através dos próprios funcionários da
empresa, por outro lado, a Nintendo Power bem como tantas outras publicações que
seguiram o mesmo modelo, como as mais recentes Official U.S. PlayStation Magazine, da Sony,
23
Alguns exemplares podem ser lidos no site Atari Age: http://www.atariage.com/comics/index.html
50
e Official Xbox Magazine, da Microsoft fica em situação delicada quando consideramos os
possíveis conflito de interesses e os limites de independência crítica que podem surgir ao
longo do caminho entre a empresa e o que escrevem seus jornalistas.
Praticamente ao mesmo tempo em que a indústria de videogames tratava de criar ou
incentivar a publicação de veículos exclusivos para divulgar seus produtos, surgiam nos
Estados Unidos e também no Reino Unido duas das pioneiras no jornalismo de games
multiplataforma (isto é, voltado a consoles e títulos de diferentes marcas), respectivamente a
Electronic Games, que durou de 1981 a 1985, e a mais longeva Computer and Video Games, que
circulou no Reino Unido de 1981 a 2004. Um pouco mais tarde, outras duas publicações que
se tornariam referências para os jogadores seriam a norte-americana Electronic Games Monthly
(EGM) e a japonesa Famitsu. Atualmente ainda em circulação, ambas as revistas adotam um
rigoroso sistema de reviews em que as notas finais para os jogos são elaboradas através de
uma média feita a partir da avaliação de três ou mais jornalistas. Ao momento, apenas 13
títulos receberam nota máxima nas páginas da EGM, enquanto que na Famitsu, esse número
cai para seis jogos. Críticas a respeito do favorecimento de um ou outro título ou produtora
de jogos, no entanto, não são raras mesmo nessas publicações.
A história do jornalismo de games no Brasil seguiu mais ou menos a mesma tendência, ainda
que tardia: as primeiras publicações especializadas e multiplataforma surgiram apenas no
início da década de 1990
24
. Desenvolvida originalmente pela editora Abril como um
suplemento da revista Semana em Ação, a Ação Games chegou ao mercado em outubro de 1990
sob o comando da editora Azul. Aproveitando-se do sucesso da geração dos consoles de
8-bits e 16-bits, a revista, que permaneceu no mercado a o ano 2000, acompanhava o
mesmo modelo de suas correspondentes estrangeiras, com informações sobre lançamentos,
resenhas de jogos, dicas para vencer os jogos e seção de cartas. Em seguida viriam a Super
Game, com foco nos jogos para os consoles da Sega, e a Power Game, esta direcionada aos
adeptos da Nintendo, que mais tarde se uniriam em um título também extinto
batizado de SuperGamePower. Atualmente, existem diversas publicações sobre games no
24
Houve exceções pouco duradouras e atreladas a fabricantes, como a Odyssey Aventura, lançada em 1983
pela Phillips, que comercializava o console de videogames da Magnavox por aqui.
51
mercado, incluindo uma versão nacional da EGM, a também multiplataforma Gamemaster,
além das oficiais Nintendo World e Xbox 360.
Prazer, internet
Em meados da década de 1990, a popularização da internet deu impulso ao surgimento dos
primeiros sites jornalísticos dedicados ao universo dos videogames. Em maio de 1996, foi
criado o GameSpot.com, considerado ainda hoje um dos mais populares no segmento. A
proposta do site, atualmente controlado pelo conglomerado de mídia CNET Networks, é
reunir notícias, reviews (ou resenhas) e previews (jargão usado no jornalismo de games para se
referir às reportagens que adiantam informações e imagens sobre jogos ainda em produção)
de produtos para praticamente todas as plataformas existes de PCs a portáteis, passando
pelos principais consoles das duas últimas gerações. Proposta idêntica tem o IGN.com,
também introduzido em 1996, e rival do GameSpot.com como um dos endereços mais
acessados pelos internautas em busca de informações e resenhas de videogames
25
. Tomando
vantagem de sua ampla base de usuários, ambos os sites passaram a explorar, nos últimos
anos, ferramentas de formação de comunidades, como fóruns e seções em que os leitores
publicam suas próprias resenhas e dicas sobre os games. Em setembro de 2005, o IGN.com
vendeu 92,3% de suas ações por US$ 650 milhões para o News Corporation, um dos mais
poderosos grupos de mídia do mundo, controlado pelo magnata Rupert Murdoch.
A supremacia dos grandes portais internacionais de games, como os citados acima, passou a
sofrer uma certa ameaça a partir dos anos 2000, diante do surgimento de uma nova leva de
blogs dedicados à cobertura da indústria e da cultura dos videogames. Dois dos mais
representativos dessa safra incluem o Kotaku e o Joystiq. Por sua abordagem mais coloquial
e francamente opinativa na cobertura de games, esses blogs foram descritos como os
“tablóides do jornalismo de games”. Em termos de variedade e velocidade de publicação de
informações, contudo, os blogs se mostraram tão competitivos a ponto de seus concorrentes
mais estabelecidos passarem a rever suas próprias práticas, como afirmou em entrevista ao
25
Ranking do site eBizMBA revela que, em agosto de 2007, o IGN.com recebeu 7.088.948 visitantes de
acordo com a medição da empresa Compete. No mesmo período, o GameSpot.com recebeu 5.529.961
visitantes segundo o mesmo critério. Eles ocupavam respectivamente o primeiro e segundo lugar na lista
dos “25 sites de videogames mais populares dos Estados Unidos”.
52
webzine The Escapist Greg Kasavin, que até este ano ainda era um dos editores do site
GameSpot.com:
Eu penso que os blogs surgiram como uma ameaça ao status quo on-line, e eu gosto deles
por esse motivo. Neste ano, o GameSpot começou a blogar ao vivo de eventos chave, como
as coletivas de imprensa da E3
26
, e nós certamente não teríamos feito isso se não fosse pelas
forças competitivas que nos inspiraram a bolar novos modos de reportar mais rapidamente
quando a questão do tempo era essencial. Por sua vez, essas forças nos permitiram criar algo
que fosse melhor para o nosso público (ZENKE, 2006).
Além de agilidade na publicação de seu material, a internet deu ainda aos serviços
jornalísticos de games a possibilidade até então inédita de explorar recursos multimídia. A
popularização das conexões de banda larga, a partir dos primeiros anos desta década, fez
crescer exponencialmente o número de sites e blogs que usam vídeos para fazer não os
tradicionais reviews e previews de lançamentos mas também programas de notícias, entrevistas e
até quadros humorísticos relacionados ao universo dos games. Controlado pela MTV, o
GameTrailers.com é um dos endereços mais completos para acessar esse tipo de conteúdo
na web atualmente. Mais que os trailers e resenhas de jogos, no entanto, um de seus maiores
trunfos foi o de hospedar os vídeos do Angry Video Game Nerd. Criado pelo cineasta
amador James D. Rolfe, inicialmente como Angry Nintendo Nerd, o personagem surgiu em
2004 como uma brincadeira em cima de games do console NES que, apesar de “clássicos”,
“sempre tinham alguma coisa irritante”
27
. Publicados no site YouTube dois anos depois, os
vídeos destrincham jogos como Catlevania 2: Simon’s Quest, o primeiro Teenage Mutant Ninja
Turtles, Top Gun, além da famigerada luva Powerglove, e se tornaram um sucesso instantâneo
entre os usuários e jogadores nostálgicos. Por trás do tom mal-humorado e sempre boca
suja, o Angry Nintendo Nerd faz críticas ao design e mesmo a aspectos culturais do jogo que
vão bem além do que Rolfe afirma modestamente em seu site como sendo apenas
“comédia”.
26
E3 é a sigla para Electronic Entertainment Expo, uma das mais importantes feiras de videogames do
mundo realizada há mais de uma década nos Estados Unidos.
27
Nerd FAQ (http://www.cinemassacre.com/Movies/Nes_Nerd/faq.html)
53
O crescimento dos sites e blogs de games na web tem sido também apontado por alguns
especialistas como um dos responsáveis pela grave crise que as publicações tradicionais
impressas vêm passando nos últimos anos. Grandes editoras internacionais, como a Ziff
Davis, da revista EGM, e a britânica Future Publishing, de PlayStation Official Magazine UK,
NGamer e Edge, entre outras, têm sido obrigadas a reduzir suas tiragens diante da retração do
mercado de leitores. Para Pat Garratt, executivo da Eurogamer Network, empresa por trás
de sites como GamesIndustry.biz e Eurogamer.net, a única saída possível para a crise atual
seria a migração definitiva desses periódicos para a internet:
A realidade é que as editoras de impressos se encontram em uma posição dura e na maioria
dos casos impotentes face às circunstâncias. O único modo de companhias como a Future,
Ziff Davis [...], Computec e o restante das editoras de impressos estabelecidas sobreviverem
é essencialmente enterrar o modelo de negócios que as tornou bem-sucedidas em um
primeiro momento e focar suas atenções on-line. Em outras palavras, a única ação realista
para assegurar a sobrevivência a longo prazo é canibalizar o negócio impresso direcionando
os investimento de marketing das revistas para os websites. Para dizer o mínimo, trata-se de
uma proposição difícil a se fazer para os acionistas, ainda que seja certamente a coisa certa a
se fazer (GARRAT, 2006).
Um manual para o bom jornalismo
Culpar apenas a internet e a fuga dos anunciantes pelo atual mal-estar na indústria de
publicações do mercado de videogames, entretanto, seria deixar de lado outro aspecto
significativo do problema: a má-qualidade dos textos. Com tantos canais de informação para
o cada vez mais exigente público dos videogames, que amadureceu junto com os próprios
games e sua indústria, jornalistas experientes no ramo e editoras começaram a se
movimentar no sentido de fazer uma auto-crítica sobre a qualidade do conteúdo que
oferecem. No início de 2007, a International Game Journalists Association e o site Games
Press publicaram o The Videogame Style Guide and Reference Manual, uma cartilha com regras de
estilo e padronização para os jornalistas de games. Logo no texto de introdução do
documento, Dan “Shoe” Hsu, editor-chefe da Electronic Gaming Monthly justifica a
necessidade de um manual:
54
[...] não é apenas o pequeno Joãozinho pokégamer que está lendo sobre videogames. A
média de idade dos leitores da minha revista é de 21 anos. Caramba, a média dos jogadores
nos Estados Unidos é de 29 anos de idade. E para que a escrita de videogames seja levada a
sério por adultos, ela tem de ser escrita para adultos. Isso não significa apenas gramática e
ortografia corretas (ainda que estas sejam obrigatórias, obviamente). Significa também um
nível de consistência que mostre que os jornalistas não estejam apenas tirando termos da
indústria de seus traseiros (ou pior, da Wikipédia) (THOMAS et al, 2007, p. 3).
Inspirado no manual de estilo da agência de notícias Associated Press, o Videogame Style Guide
ocupa-se, portanto, em um primeiro momento, em esclarecer as muitas imprecisões e
ambigüidades de linguagem provocadas pela mistura do vocabulário mais propriamente
jornalístico com os termos, não raro neologismos, empregados pela indústria de games
com olhos em estratégias de marketing para divulgar e vender seus jogos. Os critérios
apontados pelos autores para suas escolhas editoriais são:
- facilidade de compreensão para um público geral;
- uso corrente e precisão;
- conveniência, a respeito de memorização e uso por parte do escritor e
- estilo oficial, como preferido pelos desenvolvedores e publicadores do jogo.
(THOMAS et al, 2007, p.8)
Definir, desta forma, se o correto é escrever Xbox ou XBox (neste caso, o primeiro),
Playstation ou PlayStation (o segundo) ou ainda video game ou videogame (os autores
preferem o último) seria não uma idiossincrasia mas uma maneira de “construir confiança e
respeito tanto para nossa arte quanto para o campo emergente dos jogos como um todo”. A
longo prazo, adotar padronizações como estas, defendem, “é importante para preservar a
história dos videogames.” Como afirma Kyle Orland, um dos co-autores do guia:
É um reflexo do estado atual da indústria. Terá ela evoluído de suas partes componentes
‘video’ e ‘game’ para se tornar ‘videogame’, uma única expressão cultural idiomática por si
só? Que tal ‘entretenimento interativo’? [...] Como definir ‘vida’ e ‘morte’ em um videogame?
‘Simulação de karaokê’ é um gênero próprio? À medida que a indústria evolui, estas e outras
55
questões sobre como ela se percebe merecem consideração e tentativas significativas de
respostas. (THOMAS et al, 2007, p. 6)
Além de tentar estabelecer a grafia correta de nomes de produtos, personagens e criadores
do universo dos videogames, o manual da IGJA procura denominar as dezenas de gêneros
de jogos existentes, tais como os “first-person”
28
ou “third-person shooters”, “role-playing
games” “massively multiplayer online role-playing games”, “adventure”, jogos de ação, de
luta, de esportes, de estratégia em tempo real, de estratégia baseada em turnos entre outros.
Considerando, entretanto, que muitos dos games atuais reúnem em si mais de um desses
gêneros, os autores do guia recomendam cautela no emprego dessas expressões, sugerindo
inclusive combinações entre elas, ou ainda, uma breve explicação de seu significado, sempre
que possível, em benefício dos leitores.
Também em 2007 e pela primeira vez em 11 anos, o site GameSpot.com resolveu reformular
seu sistema de resenhas de jogos, que tradicionalmente se baseou em uma média matemática
de avaliação que considerava, com pesos diferentes, cinco componentes: gráficos, sons,
gameplay (ou jogabilidade), valor e “reviewer tilt” (algo como a idiossincrasia do crítico). Em
um editorial publicado no site, Jeff Gerstmann explicou que a decisão visa acompanhar as
mudanças recentes na indústria de games.
Gêneros que não existiam quando o GameSpot foi lançado em 1996, como os “rhythm
games”, ou a ascensão repentina dos simuladores de treinamento de raciocínio, são agora
prevalentes, e estão à venda nas estantes lado a lado com “first-person shooters”, jogos de
estratégia em tempo real e RPGs que estiveram ali durante anos. [...] A proposição que
aquele sistema [o antigo] faz é que gráficos são tão importantes em um jogo de corrida
quanto em um “rhythm game”. Você não precisa me dizer que eles não são. Com o passar
do tempo, e quando mais casos como esse apareceram, nosso sistema de resenha começou a
dar alguns sinais de envelhecimento. (GERSTMANN, 2007)
28
Ainda que alguns autores já utilizem o termo em português, jogo de tiro em primeira pessoa, certos
gêneros são mais bem conhecidos no Brasil por seus correspondentes em inglês. Embora jogos de
interpretação de papéis seja uma tradução precisa para denominar os role-playing games, ou RPGs,
expressões originais específicas, como esta, já se tornaram parte do vocabulário dos jogadores brasileiros.
56
Resenha x crítica
Mesmo tendo aliviado um pouco a importância dos citados cinco componentes em suas
resenhas de jogos, o GameSpot – bem como boa parte dos outros sites e revistas de games –
continua sustentando como missão primordial oferecer um serviço ao leitor. No final das
contas, sublinha Gerstmann, ele deve chegar ao final do texto com uma resposta clara à
seguinte pergunta: devo comprar este jogo ou não devo?”. É neste momento, no entanto,
que se faz necessária uma distinção clara entre análise ou resenha (“review”, no inglês) e
crítica. No posfácio do Videogame Style Guide, David Thomas sugere:
Em um sentido muito simples, resenhas funcionam no nível de explicar o que é alguma
coisa, enquanto que a crítica procura explicar o significado dessa mesma coisa. Uma resenha
deve encorajar os jogadores a conferirem World of Warcraft ao descrever o que ele é,
destacando essa ou outra característica e situando-o no universo dos massively multyplayer
online games’. um artigo crítico deve explorar o que significa para muitos adultos passar
tanto de seu tempo de lazer fingindo serem inocentes elfos. (THOMAS et al, 2007, p. 97)
Lançando mão de métodos cada vez mais transparentes de análise, as publicações
especializadas em games parecem estar se saindo bem na tarefa de descrever o conteúdo de
um título e ajudar o leitor/jogador a se decidir na hora da compra. Uma pesquisa publicada
em julho de 2007 no jornal The New York Times indicava que os games mais bem avaliados
pela imprensa especializada entre os anos de 2002 e 2005, de fato, foram os mais vendidos
naquele mesmo período. A reportagem compara ainda a relação entre os dez jogos mais bem
avaliados e os mais vendidos em 2006 com os dez filmes e discos preferidos pela crítica de
cinema e de sica naquele ano. O resultado é que, no caso dos games, apenas um dos dez
títulos mais vendidos teve média abaixo de 80 – numa escala de zero a 100 – nas publicações
especializadas, enquanto que dos dez filmes e discos mais bem avaliados de 2006 nenhum
figurava entre os líderes de bilheteria (SETH, 2007).
A aparente sintonia com o público de jogadores não significa, contudo, que os analistas de
games, ou “reviewers”, estejam fazendo um trabalho irrepreensível. Sinaliza, talvez, isso sim,
que os autores das resenhas pensem de forma bastante parecida à dos jogadores. Pensam
57
como, mas, para alguns, não pensam além. Em um artigo publicado na revista Esquire, de julho
de 2006, o jornalista Chuck Klosterman questionou a existência de críticos de games:
Eu reconheço que muitas pessoas escrevem resenhas de videogame e que há revistas inteiras
e uma miríade de sites dedicados ao assunto. Mas o que essas pessoas estão escrevendo não
é realmente crítica. Quase sem exceção, trata-se de dicas para consumidores; dizem a vo
que jogos antigos e novos se parecem, e que tipo de experiência de jogo eles proporcionam,
e se ele terá sucesso comercial. É informação expositiva. Aonde eu saiba, não há nenhum
grande crítico especializado em explicar que tipo de sentimento se tem ao jogar determinado
jogo, nem ninguém analisando o que jogos específicos significam em qualquer contexto
externo ao jogo em si. Não existe uma Pauline Kael
29
da escrita de videogames. Não existe
um Lester Bangs
30
da escrita de videogames. E estou começando a suspeitar de que nunca
haverá uma voz crítica com autoridade dentro do mundo dos games, o que é interessante
por diversas razões (KLOSTERMAN, 2006).
Apesar do tom alarmista do artigo, o jornalista procura enxergar uma luz no fim do túnel. Os
críticos de videogame, se e quando surgirem, defende Klosterman, devem atentar para uma
das caractesticas que melhor definem esse meio: “o significado de sua potencialidade”, ou
seja, o caráter único dos games de oferecerem mais de um caminho narrativo possível
31
.
Os videogames proporcionam uma oportunidade de escrever sobre as conseqüências
culturais do livre arbítrio, conceito que tem tanto a ver com o público quanto com a forma
de arte. No entanto eu não consigo imaginar como essa evolução poderia acontecer,
principalmente porque não existe ninguém que possa se transformar nesses ‘críticos da
potencialidade’. A crítica de videogames não pode evoluir porque a crítica de videogames
não tem como começar (KLOSTERMAN, 2006).
29
Publicando na revista The New Yorker, Pauline Kael (1919-2001) é considerada uma das críticas de
cinema mais influentes dos Estados Unidos de todos os tempos.
30
Lester Bangs é conhecido como um dos críticos de rock mais ferozes e autênticos que a revista Rolling
Stone teve. Questionado poucos dias antes de morrer, em 1982, sobre o que substituiria o rock’n’roll
quando ele acabasse, Bangs respondeu: “Videogames. Todas essas coisas que não gostamos de pensar a
respeito”. A entrevista pode ser lida em: http://www.furious.com/Perfect/lesterbangs.html
31
Como afirma Gonzalo Frasca, os autores dos games “ensinam a eles algumas regras e podem ter uma
idéia de como irão se comportar no futuro, mas não podem jamais ter certeza da seqüência final dos
eventos e do resultado”.
58
New Games Journalism
Quando lamenta que não haja ninguém que pense os games de modo humano, metafórico
e contextual”, Klosterman não está sozinho. Dois anos antes da publicação de seu texto na
Esquire, na verdade, um jornalista de games inglês chamado Kieron Gillen havia
demonstrado seu descontentamento com a situação. Em um texto intitulado New Games
Journalism e publicado em seu blog em 23 de março de 2004, “após uma noitada com os
camaradas” num pub local, Gillen lançava as bases de um dos mais radicais – e controversos
modos para se pensar a crítica de games até o momento. Para ele, “o valor de um
videogame não está no jogo, mas no jogador”:
O que um jogador sente e pensa enquanto essa construção estranha domina todas as suas
extremidades sensoriais é o que interessa aqui, não apenas a mecânica de como ele chegou
até lá. Games sempre foram alucinógenos digitais mas o jornalismo de games tem se
parecido com a química, discutindo as cadeias de reações e os conectores do cérebro. O que
eu estou sugerindo é revelar o sentimento que se tem quando a química faz efeito
embaralhadando a realidade a seu redor. (GILLEN, 2004)
Diferentemente do que pregaria, anos depois, o manual do bom jornalista de games da
IGJA
32
, Gillen defende em seu manifesto que os escritores de games adotem um tom
confessional em seus textos, relatando o que presenciaram e sentiram enquanto
experimentavam determinado jogo. Nas palavras do autor, o novo jornalista de games – com
inspiração declarada no chamado “new journalism” de Tom Wolfe ou o jornalismo gonzo de
Hunter Thompson deve procurar transformar seus artigos em “histórias de bar com
ilusões de grandeza, essencialmente”.
Um dos exemplos citados deste novo jornalismo de games seria “Bow Nigger” (sem a rgula do
vocativo, mesmo). Publicado em fevereiro de 2004 na revista britânica PC Gamer por um
sujeito identificado apenas pelo nickname always_black
33
, o texto consiste em um relato
32
Assim pregam os autores do The Videogame Style Guide:
“evite referências em primeira e segunda
pessoas em suas resenhas. Mantenha sua escrita focada no objeto em questão. Remova você e o leitor de
sua resenha” (THOMAS et al, 2007, p. 77).
33
Em abril de 2005, reportagem do jornal The New York Times identificou always_black como sendo o
jornalista Ian Shanahan (Directions: from the Web; Notes on Halo, por Mark Wallace)
59
subjetivo de uma experiência específica do autor com o jogo Jedi Knights II: Jedi Outcast. No
episódio narrado, always_black é desafiado por um segundo jogador para um duelo no modo
multiplayer, isto é, uma partida disputada on-line num ambiente compartilhado
simultaneamente por usuários em diversos pontos do planeta. “Ajoelhe-se, negro”, provoca
o oponente.
O que o meu amigo socialmente retardado está insistindo é algo diferente, essa [ajoelhe-se] é
uma forma de expressão ‘física’ que cresceu com o entusiasmo de alguns fãs mais ardorosos
de Guerra nas Estrelas que jogam JKII em rede. Algumas pessoas levam a ficção delas MUITO
a sério e aspirantes a Cavaleiros Jedi estão entre os mais sérios. Os fiéis, para parecerem mais
verdadeiros ao ‘Código de Honra Jedi’, se abaixam diante do outro e balançam a cabeça’
para baixo como sinal de respeito antes de se juntar à batalha. Algumas pessoas acham bobo.
Eu achei bobo, da primeira vez que vi. Então vi que todos estava fazendo. E me senti bobo
por não o fazer. É estranho como as ações de seus colegas podem ter peso, mesmo quando
o meio social é apenas um amontoado de cálculos velozes em um servidor na Alemanha
(ALWAYS_BLACK, 2004).
O parágrafo acima, extraído de “Bow Nigger”, é um bom exemplo de como o fluxo de
consciência e questões éticas e morais são deliberadamente exploradas nos artigos dos auto-
denomidados new games journalists. Entre divagações filosóficas, transcrições de diálogos em
ordem direta e uso de recursos estilísticos sinestésicos que ajudam a traduzir a tensão do
duelo entre always_black e seu desafiante, o texto é pontuado também com breves e
esclarecedoras informações sobre o funcionamento do jogo, suas limitações e descrições de
golpes e seus respectivos impactos. No entanto, como sugere Gillen, o foco do relato de
always_black não recai sobre o jogo, mas sobre a experiência, como faz o autor depois de
relatar a trapaça de seu oponente que o golpeou enqunato, finalmente, ajoelhava-se para dar
início ao combate:
Você percebe no que isso se tornou? Não é apenas um jogo trivial para ser jogado em um
momento de lazer, esta é uma batalha genuína entre o bem e o mal. Não tem nada a ver com
Guerra nas estrelas ou Cavaleiros Jedi ou quaisquer das minúcias que envolvem a mecânica de
jogo. Eu joguei pelas “regras”, e ele não, isso faz de mim o ‘bonzinho’ e dele, o ‘malvado’,
mas isto é real, já que não há como dizer quem vai vencer esta (ALWAYS_BLACK, 2004).
60
Em março de 2003, o Gamesblog, do jornal inglês The Guardian, publicou uma lista do que
considera “Os dez exemplos imperdíveis de New Games Jornalism
34
. Entre os destaques
estavam Possessing Barbie, outro texto assinado por always_black, desta vez sobre a fronteira
entre o sexo no universo virtual tridimensional de There
35
; Dreaming in an Empty Room: a
Defense of Metal Gear Solid 2, publicado no site Insert Credit pelo jornalista Tim Rogers; Shoot
Club: Saving Private Donny, um relato pessoal de Tom Chick sobre a influência que os jogos de
guerra exercem ou não sobre as crianças; além de Prince of Persia: Sands of Time, uma
entusiasmada apologia das qualidades da série de jogos homônima publicada na seção Time
Extend da revista de videogames Edge.
Apesar do entusiasmo com que foi recebido por alguns setores da imprensa de games, o
manifesto de Gillen gerou também protestos acalorados, de leitores e blogueiros que o
acusavam de defender um jornalismo prolixo em troca de exibicionismo literário.
Exatamente um ano após a publicação de New Games Journalism, Gillen postou em seu blog
um irônico pedido de desculpas pela “confusão” provocada por seu texto. Reconhecendo
que não deveria ter se referido ao texto como um manifesto o que de fato o fez -, Gillen
tentou abrandar algumas de suas afirmações. “A questão era grande demais. Considerando
que tantas direções que a escrita de games poderia e deveria tomar, escolher uma única
pareceu simplesmente obsceno”, escreveu, completando que talvez seu “maior pecado”
tenha sido o de ter dado um rótulo a um suposto novo movimento:
O nome foi o meu maior pecado deliberado. Mesmo que ainda possa causar confusão, se eu
fosse transparente e honesto, deveria ter chamado o texto de “Games New Journalism” [O
Novo Jornalismo dos Games], para sublinhar que estava falando de uma abordagem
específica e de como ela poderia se aplicar aos games; não Novo no sentido revolucionário
de Marco-Zero [...] Por causa disso, algumas pessoas não deixam de pensar que parte do
New Games Journalism já existe há mais de uma década. (GILLEN, 2005)
34
A lista completa pode ser conferida em
http://blogs.guardian.co.uk/games/archives/game_culture/2005/03/ten_unmissable_examples_of_new_gam
es_journalism.html
35
Apesar de menos conhecido, There.com foi lançado em versão beta em 2001 dois anos antes que o
bastante similar, porém bem mais conhecido atualmente Second Life.
61
Independentemente de o New Games Journalism ser ou não o único novo paradigma crítico a
ser seguido, o mais importante é que os jornalistas especializados, ou ainda, os game reviewers
estejam cientes de que algo precisa ser melhorado no sentido de dar conta criticamente de
jogos cada vez mais complexos – não necessariamente em termos de gráficos, mas de
questões de experiência, sociabilidade etc. e moralmente ambígüos. No posfácio do The
Videogame Style Guide, David Thomas comemora que a imprensa de games tenha ultrapassado
recentemente a “cultura do reviewe esteja buscando finalmente formas mais sofisticadas de
crítica, que procurem respostas não apenas para as questões básicas como “o que é este
jogo?” ou “eu gosto dele?” e, sim, “o que outras pessoas vão achar deste jogo?” e,
principalmente, “o que ele significa?”, num contexto cultural maior onde está inserido. O
amadurecimento do jornalismo crítico de games, desta forma, .seria uma boa notícia para os
jogadores:
Para que os videogames cresçam de verdade como uma forma de arte expressiva e
ultrapassem o status de brinquedos criados como simples divertimentos e tenham todo o seu
potencial como uma força estética e criativa renovada, as pessoas precisam falar deles de
forma diferenciada. Os jornalistas de games podem ajudar a liderar essa conversação
encontrando respostas mais interessantes (THOMAS et al, 2007, p. 98 - 99).
Videogames para as massas
Fora do segmento das publicações especializadas, os games vêm chamando a atenção dos
veículos de comunicação dito de massas jornais diários, revistas de variedades e redes de
televisão praticamente desde o seu fortalecimento como indústria, nos primeiros anos da
década de 1980. Como apontamos nos capítulos anteriores, publicações tradicionais como as
revistas Time e Newsweek, e o jornal The New York Times, cobriram com entusiasmo a
chamada Era de Ouro dos Videogames, período no qual se chegou inclusive a cogitar que os
games superariam o cinema na briga pelos dólares do mundo do entretenimento. Mesmo
depois da crise de 1983 e a conseqüente declaração de morte dos videogames, o assunto
freqüentemente voltou a ocupar as páginas de finanças e tecnologia destes periódicos a cada
nova rodada na briga entre os novos gigantes do setor Nintendo, Sega, Sony, Microsoft...
62
Eventualmente, como também havia acontecido anteriormente
36
, os veículos de
comunicação de massa engrossavam o coro de acusações à suposta violência nos games,
especialmente após casos como o do massacre da escola Columbine, em 1999, e o
lançamento de jogos como os da série Grand Theft Auto, que, segundo a revista Veja, trata-se
de uma “estupidez” que “deveria ser proibida até mesmo para os marmanjos” que “o
jogador ganha pontos se fizer o personagem chutar uma prostituta até a morte depois de
manter relações sexuais com ela” (SOUZA; ZAKABI, 2006).
Com o avanço tecnológico dos jogos e sua renovada pujança econômica frente a outros
setores do entretenimento como a indústria do cinema e da música, a imprensa de massa
voltou, a partir dos primeiros anos da década de 2000, a fazer as pazes com os
videogames. Reportagens que comparam a indústria de games a Hollywood, que glorificam o
seu suposto “realismo” dos jogos ou que reivindicam para eles o status de arte foram
divulgadas em diversos veículos, incluindo a revista Veja e o jornal Folha de S. Paulo no Brasil.
Mais do que “esquecer” que discussões como estas o começaram com os consoles
modernos, como o PlayStation ou o Xbox, mas existiam desde os primeiros anos da
indústria de games, parte dos textos publicados na imprensa tradicional tem incorrido, no
entanto, em equívocos recorrentes como o de referir-se a todo tipo de controle de games
como “joystick”, aos videogames em geral como brinquedos” ou “joguinhos” e às
conquistas recentes da física de games como um flerte com a “realidade”, quando o que
defendem especialistas como Steven Poole é algo bem distante disso:
Em geral, a filosofia de construção dos mundos de videogame é uma em que certos aspectos
da realidade podem ser modelados de maneira realista, enquanto que outros são
deliberadamente distorcidos, seus efeitos são caricaturizados ou aliviados de acordo com as
necessidades do jogo. [...] A lição é que mesmo com programação matemática de ponta, um
videogame permanece desafiadoramente irreal. O destino de certa forma paradoxal dos
videogames é modelar de modo cada vez mais preciso as coisas que não existem e que não
poderiam existir: um carro que grude na pista como supercola, que trombe intacto contra as
barreiras da estrada; uma nave espacial gigantesca que manobre com a agilidade de uma
36
No início da década de 1980, um jogo para o Atari chamado Custer’s Revenge provocou protestos na
sociedade e na imprensa quando revelou-se que o objetivo do jogador era estuprar uma índia amarrada a
um cacto, fúria semelhante à que é dirigida hoje por muitos veículos de massa a títulos como os da série
Grand Theft Auto.
63
abelha; um ser humano que sobreviva intacto a uma queda de 90 metros na água. Não
queremos situações reais nos games. Podemos ter isso em casa (POOLE, 2000, p. 47 – 50).
Apesar dos eventuais deslizes conceituais, os meios de comunicação de massa vêm
dedicando uma atenção cada vez maior aos games. Um dos exemplos mais recentes foi a
cobertura do fenômeno de Second Life, universo virtual criado pela empresa Linden Labs,
que, de 2005 a 2007 saltou de menos de 90 mil a mais de 8 milhões usuários registrados.
Nesse período, o simulador de vida on-line foi assunto em praticamente todos os jornais do
mundo, de Washington Post a O Estado de S. Paulo
37
. Em um feito inédito, a revista Business
Week estampou a imagem de um avatar o da poderosa especuladora imobiliária de Second
Life Anshe Chung em sua reportagem de capa de maio de 2007 (com um texto que, aliás,
se encaixaria perfeitamente no que Kireon Gillen chamou de New Games Journalism). Pouco
menos de um ano depois, em março de 2007, a revista brasileira Época também dedicou sua
capa ao fenômeno, chamando-o de “o prenúncio de uma nova era tecnológica. O embrião
do que será uma internet mais bonita, interativa e totalmente em três dimensões” (VIEIRA,
2007).
Além de reportagens mais aprofundadas e bem apuradas, algumas publicações tradicionais
passaram mais recentemente a investir também em produzir suas próprias críticas de games.
A tendência, ainda pouco representativa, contudo, no universo de veículos de massa, já pode
ser notada nas ginas do diário britânico The Guardian, das revistas Wired, Entertainment
Weekly, Variety e Rolling Stone e também do jornal The New York Times, que em 2001 trazia
críticas de games assinadas pelo jornalista Peter Olafson. Neste exemplo, referente ao jogo
de estratégia para computadores Black & White, Olafson já encarnava o que, anos mais tarde,
Klosterman se referiria como o “crítico da potencialidade”:
Enquanto um deus, eu posso agir como o diabo. Quando me levantei com o pé esquerdo em
um domingo recente, descontei em meus pequenos adoradores do jogo de computador Black
& White. Eu criei avalanches de pedras sobre as ilhas da comunidade. Quando isso se
37
A reportagem Um mundo paralelo em 3 dimensões, publicada em setembro de 2005, foi escrita por mim,
a partir da ponto de vista de meu avatar, Chico Benton. Mais tarde, Chico Benton voltaria a entrar em ação
para uma reportagem na revista Trip (Brincando de casinha no Second Life) e, em 2006, ganhou um blog
no portal G1, da Globo, o G2 (http://secondlife.globolog.com.br).
64
provou ineficaz, despejei rochedos e árvores diretamente por cima de suas casas. Quando os
telhados se rompiam e os ocupantes escapavam gritando do desastre, eu os pegava com as
mãos e arremessava como bonecas. E depois jogava pedras neles também. [...] E nestas
ocasiões em que eu descontei nos pequeninos minha frustração, por acidente ou
simplesmente porque eu podia, eu senti um pouco de culpa. Esse é um novo sentimento
para se extrair de uma game. É como se eu tivesse 12 anos outra vez e cometesse um desses
pecados menores que meus pais nunca ficariam sabendo. Esse sentimento é uma função do
grau de abertura do jogo. Se eu só puder ser um cara mau, não vou me sentir incomodado de
não ter sido bonzinho. Ser mau só atinge ressonância quando pode ser escolhido em
oposição a ser bom (OLAFSON, 2001).
Pois é na imprensa não-especializada que Kyle Orland, fundador do site Video Game Media
Watch e autodenominado “ombudsman dos videogames”, deposita as maiores esperanças
para o futuro do jornalismo de games. Em um artigo intitulado Critical Hit, Orland critica a
imprensa especializada, a qual, segundo ele, se contentaria com pequenos pedaços de
informação que os editores encontram na web e os publicam para satisfazer a curiosidade
dos leitores. Para o “ombudsman” do setor, o jornalismo de games estaria pecando pelo
“excesso de opinião” e “raramente” tem apresentado “entrevistas aprofundadas ou análises
genuínas sobre a indústria em sua seção de notícias de videogames”:
Parte disso pode vir do público para o qual a maioria das revistas e sites de videogame estão
escrevendo. Apesar de todo o oba-oba que ouço sobre a indústria de videogames estar
crescendo, a maioria dos artigos parecem estar sendo escritos para meninos adolescentes ou
adultos crescidos que ainda são meninos adolescentes no coração. uma certa sensação
generalizada de misoginia e homofobia permeando a mídia de games nos dias atuais que
funciona com um público que ainda acha graça em piadas rasteiras e gracinhas com falos
(ORLAND, 200-).
Um dos campos em que o jornalismo sobre games estaria dando sinais de maior maturidade,
aponta o jornalista, seria justamente nos veículos de massa, como a rede de televisão CNN, a
revista Wired e o fórum de tecnologia Slashdot. “Trata-se de veículos que têm, no máximo,
um interesse casual no fenômeno dos videogames, e ainda assim eles estão dando voltas na
imprensa especializada de videogames no quesito notícias” (ORLAND, 200-).
65
66
Conclusão
Em seus quase 30 anos de existência como objeto cultural autônomo, os videogames
evoluíram num ritmo mais acelerado do que quaisquer outras linguagens artísticas que os
precederam. De pontos de luz em monitores monocromáticos a sistemas de simulação
poderosos capaz de reproduzir gráficos hiper-realistas e comportamentos físicos complexos,
os games tornaram-se atualmente uma das indústrias mais promissoras no setor de
entretenimento, alcançando com igual fascínio adultos e crianças em todo o mundo. Como
vimos ao longo deste trabalho, no entanto, ainda um longo caminho a se percorrer para
que os jogos eletrônicos estabeleçam um campo de reflexão teórico e crítico próprios e
sólidos e conquistem, aos olhos do público em geral e da imprensa, o mesmo espaço
ocupado por formas culturais tradicionais como o cinema e a música que, por sua vez, não
apenas influenciam mas também são cada vez mais influenciadas pela linguagem dos games.
Os primeiros passos nesse sentido, porém, vem sendo dados desde a segunda metade da
década de 1990, com o surgimento de debates acadêmicos acerca de seu valor na cultura e
nas artes. Criados no ambiente dos jogos eletrônicos, pesquisadores das mais diversas áreas –
literatura, sociologia, economia, comunicações, ciência da computação, entre outras , têm
reivindicado a abertura de novas frentes para o estudo de games, multiplicando o número de
livros e seminários voltados ao tema e procurando definir os conceitos fundamentais e
específicos para a análise deste objeto tão representativo da cultura mediada por
computadores da virada do século 20 para o 21.
Presentes desde os primeiros anos da indústria de jogos, as publicações especializadas vêm
deixando de ser meros veículos de propaganda na mão dos fabricantes de games na tentativa
de se tornarem meios de informação confiáveis e transparentes perante um blico jogador
cada vez mais exigente. A chegada da internet, por sua vez, trouxe novo fôlego ao setor de
publicações sobre games, que, como outros veículos impressos, passou a sofrer com a queda
do número de leitores e, conseqüentemente, de tiragens. Novas formas de tratar a notícia e a
crítica de games acompanham essas mudanças, com recursos que incluem o uso de vídeos e
de ferramentas que solicitem uma participação mais ativa dos leitores e blogueiros na
produção de conteúdo e cujos efeitos poderão ser propriamente compreendidos alguns
67
anos mais tarde. O Lester Bangs dos games pode não surgir em uma publicação de
visibilidade como a revista Rolling Stone ou o jornal The New York Times, mas pode estar
postando seus primeiros vídeos amadores neste exato instante no YouTube como o fez
recentemente o Angry Video Game Nerd, James D. Rolfe, ou postando seus próprios
manifestos por um “novo jornalismo de games” em seus blogs e páginas no MySpace.
Enquanto isso, a imprensa tradicional também se movimenta na tentativa de compreender
os efeitos mais do que óbvios que os videogames trouxeram para as sociedades atuais.
Conhecer a lógica de funcionamento dos games, seus personagens mais populares e os
autores e idéias por trás das criações faz-se cada vez mais importante o para analisar
criticamente as centenas de jogos que a indústria coloca nas prateleiras todo ano mas
também os outros produtos e subprodutos culturais que dele derivam filmes, romances,
histórias em quadrinhos, movimentos musicais, de comportamento.
Longe de esgotar as discussões ainda nascentes na relação da imprensa com o universo dos
games, espero com este trabalho ter conseguido aproximar, ao menos, práticas e correntes
de pensamento que ainda hoje insistem em andar separadas. Um jornalismo sério de games
deve levar em conta não a história dos games e os padrões de avaliação estabelecidos
pelas publicações tradicionais do segmento mas também as teorias e propostas que vêm
sendo desenvolvidas e debatidas nos círculos acadêmicos e vice-versa. Jornalistas
especializados devem buscar atingir os mesmos padrões de qualidade e de estilo que
décadas vêm norteando a imprensa não-especializada. Esta, por sua vez, precisa afastar
definitivamente as generalizações e encontrar nos jogos as características que lhes são
próprias. E é desta troca constante de experiências e informações que deve emergir um
jornalismo de – ou sobre – games bem-informado, responsável e, acima de tudo, crítico.
68
Posfácio
Por volta de março de 2007, quando esta pesquisa já estava a todo vapor, ganhei de presente
mais um videogame de meu pai, o portátil Nintendo DS. Com o aparelho, veio uma cópia
do jogo New Super Mario Bros., uma versão repaginada do velho clássico do NES de 8-bits.
Como mencionei no início desta dissertação, sempre tive preferência pelos jogos e consoles
da Sega, rival da Nintendo nas décadas de 80 e 90. Desta vez, no entanto, resolvi dar mais
uma chance ao baixinho bigodudo. Graças à dinâmica de jogo irretocável de todas as
criações de Shigeru Miyamoto, em pouco tempo, eu me encontrava imerso no chamado
Reino do Cogumelo, o universo fictício onde se passam as aventuras do personagem Mario.
Moeda após moeda, fase após fase fui atravessando os “mundos” do jogo em busca do
sempre recorrente objetivo final do herói da Nintendo: resgatar a princesa Peach das garras
de seu arqui-inimigo, o dragão Bowser. Não levou muito tempo até que eu terminasse ou
“zerasse”, para usar o jargão mais apropriado o jogo. Mas, assim que cheguei lá, uma
vontade inexplicável de seguir jogando tomou conta de mim. Havia, por exemplo, dois de
oito “mundos” que eu deixara de lado por não serem obrigatórios em minha jornada até a
princesa Peach. Além disso, em muitas das fases pelas quais eu tinha passado não recolhi as
três moedas especiais que, muitas vezes, exigem um esforço maior para serem encontradas.
Meio no susto ou na sorte, derrotei chefes de fase sem dominar exatamente a melhor
estratégia para fazê-lo. Apesar de ter atingido o objetivo final do jogo e vencido o terrível
Bowser, muita coisa havia ficado para trás. Hora de voltar à estaca zero e preencher todas
essas lacunas que restaram no caminho.
A experiência que tive com New Super Mario Bros., porém, é uma das mais universais que se
pode ter com qualquer título de videogame. Seja escolhendo um dos modos de dificuldade
mais avançado, seja encarnando um personagem diferente do qual você começou jogando,
todo bom game sempre permitirá e convidará o jogador a refazer sua jornada desde o
início. Videogames tem como uma de suas principais características o fato de serem “iguais,
mas diferentes” (SALEN; ZIMMERMAN, 2004, p. 340), isto é, de permitirem que a cada
nova experiência em uma mesma estrutura de jogo os resultados sejam diferentes. Ou ainda,
em outras palavras, “os videogames promovem uma estética da repetição semelhante à de nossa
vida cotidiana”:
69
Um filme é na maioria dos casos experimentado como uma seqüência única de eventos [...],
[em que] nós somos carregados de um espaço a outro. Na vida cotidiana, entretanto, nós
repetimos as mesmas ações vezes e vezes para conquistar o domínio. Quando chegamos a
uma nova cidade ou a um prédio novo nós lentamente aprendemos como se mover por eles,
e se quisermos aprender a dirigir ou andar de bicicleta, exercitamos essas habilidades até que
tenhamos dominado os procedimentos necessários. A experiência do videogame é bastante
similar a tal experiência cotidiana de aprendizado e controle através de ensaios repetidos.
(GRODAL, 2003, p. 148)
Pois foi exatamente esta sensação que experimentei ao longo do processo desta pesquisa.
Optar por um assunto (caminho), definir uma estratégia (tática) e escolher os autores e casos
de estudo (armas) para abordá-lo buscando como produto final (objetivo) esta dissertação
assemelhou-se muito a uma (ou várias) partidas de videogame. Como um jogador que traz
para casa um game novo, mergulhei na primeira “rodada” com as referências e ferramentas
que tinha a mão: um conhecimento de causa pessoal e nada científico de quase duas
décadas experimentando jogos e plataformas diferentes, e uma bagagem ainda fresca de um
jornalista que há pouco resolvera olhar criticamente para os games como um produto
cultural tal qual os discos e filmes que vinha resenhando. O ambiente de jogo (ou de
pesquisa) e o ponto onde pretendia chegar (isto é, os necessários ajustes que precisam ser
pensados para o amadurecimento do jornalismo crítico de games) me pareciam então
razoavelmente familiares. O maior desafio ou, para usar outro conceito de Zimmerman e
Salen, os obstáculos que impediram minha “livre movimentação dentro de uma estrutura
mais rígida”, era o fato de possuir pouco ou nenhuma familiaridade com os métodos de
pesquisa e escrita acadêmica até então.
Em uma segunda “fase”, fui apresentado a novos personagens (autores) que ajudaram a
apontar novos caminhos, ou passagens secretas, para outros ambientes deste jogo: Steven
Poole, com sua escrita mais propriamente jornalística e engajadora, jogou luz sobre questões
que intuitivamente eu imaginava, mas que formalmente pareciam tão distantes de uma
possível formulação; também jornalista, mas com competências de historiador, Steven L.
Kent forneceu-me praticamente todo o mapa do terreno dos videogames; outros, como
70
Gonzalo Frasca, Jesper Jull e Alexander R. Galloway, vieram com as dicas (ou “cheats”) para
que eu conseguisse contornar “inimigos” que pareciam assustadores como as sempre
debatidas idéias de narrativa versus ludus, representação versus simulação, textos versus algoritmos, entre
tantas outras. Em território, a princípio mais conhecido, fui surpreendido nesse período por
iniciativas ousadas e inovadoras no jornalismo de games, como as da revista eletrônica The
Escapist, com suas reportagens sempre instigantes e estilisticamente diferenciadas, e, por que
não, por personagens divertidos como James D. Rolfe e seu Angry Video Game Nerd, uma
espécie de filhote autêntico dessa cultura gamer que tentei delimitar ao longo deste trabalho.
Como no vasto RPG Elder Scrolls: Oblivion IV outro que comecei a jogar praticamente ao
mesmo tempo em que iniciei a pesquisa e que ainda deve me consumir muitas horas até
esgotar todas as suas possibilidades –, sinto que evoluí significativamente ao longo do
percurso. Olhando para trás, no entanto, são tantas as portas que não tive a oportunidade de
abrir, os caminhos praticamente sem-saída de que fui obrigado a desviar e as rotas
alternativas que poderia ter explorado, que a sensação final aos digitar estas últimas linhas é a
de que muito ainda resta para se desvendar. Casos importantíssimos, como o das novas
formas de sociabilização e de trabalho nos fantásticos mundos persistentes on-line como
World of Warcraft e Second Life, mereceriam outras páginas e páginas de reflexão à parte. O
surgimento do filão dos serious games, com aplicações na educação, na política e também no
jornalismo também renderiam outras indagações.
O que espero, por ora, ter atingido foi contribuir, com algumas peças que seja, com este
grande quebra-cabeças colaborativo que é a pesquisa acadêmica na área de games no
Brasil, ainda em seus primeiros anos. Ao apontar possíveis deficiências e algumas mudanças
de rumo para o ainda jovem jornalismo de games, fico na expectativa de vê-lo evoluir cada
vez mais daqui em diante, com soluções novas e inesperadas que confirmem ou botem
abaixo algumas das propostas implementadas até o momento. Depois de um mergulho tão
intenso no universo dos games, pretendo levar para a minha prática jornalística muitos dos
conceitos que apreendi neste processo. Não para uma crítica dos games, mas para todos
os objetos desta cultura do s-mídia que, se não beberam, ainda irão beber muito nas
experiências possibilitadas pelos videogames. Game Over? Reset...
71
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______ O que É Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2006.
SALEN, Katie; ZIMMERMAN, Eric. Rules of play: Game Design Fundamentals.
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SHEFF, David. Game Over: How Nintendo Zapped an American Industry, Captured Your
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Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG76738-5990-
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<http://www.escapistmagazine.com/articles/view/issues/issue_71/409-Game-Journalists-
on-Game-Journalism>. Acesso em: 29 ago. 2007.
75
Sites:
1UP – http://www.1up.com
Arena Turbo - http://arenaturbo.ig.com.br
Atari Age – http://www.atariage.com
Angry Video Game Nerd – http://www.cinemassacre.com/
CS:Games - http://csgames.incubadora.fapesp.br/portal
Digital Games Research Association – http://www.digra.org/
G2 – http://www.secondlife.globolog.com.br
G4M3R – http://www.g4m3r.globolog.com.br
Gama Sutra - http://www.gamasutra.com
GamePro - http://www.gamepro.com
Game Cultura – http://www.gamecultura.com.br
Games Industry – http://www.gamesindustry.biz
Game Reporter – http://www.gamereporter.org
GameSpot – http://www.gamespot.com
Game Studies - http://www.gamestudies.org
Games Press – http://gamespress.com
Half-Real – http://www.half-real.net
IGN – http://www.ign.com
Insert Credit – http://www.insertcredit.com
Joystiq – http://www.joystiq.com
Kotaku – http://kotaku.com
Ludology.org – http://www.ludology.org
Moby Games – http://www.mobygames.com
Net_art - http://netart.incubadora.fapesp.br
New World Notes – http://nwn.blogs.com
Slashdot Games - http://games.slashdot.org
The Gamer’s Quarter – http://gamersquarter.com
The Escapist - http://www.escapistmagazine.com
UOL Jogos - http://jogos.uol.com.br
Video Game Watch – http://www.vgmwatch.com
Water Cooler Games – http://www.watercoolergames.org
76
Agradecimentos
A Pedro de Assis, meu pai por comprar o meu primeiro videogame e todos os que vieram
em seguida;
A Cecília, minha mãe por ter me ensinado o amor pelos estudos (e por ter me deixado
jogar videogame durante horas, mesmo com as promessas de esconder o aparelho);
A Rafaela, minha irmã por ter dividido manhãs e tardes jogando Kangaroo, River Raid, Alex
Kidd e Castle of Ilusions;
A Marina Pires, minha namorada pelas incontáveis madrugadas em que deixei a cama
vazia;
Aos primos Guto, Kurunga, Erika e Fernanda por me deixarem brincar com os seus
videogames e computadores enquanto os adultos falavam de coisas sérias;
Aos amigos Felipe e Fausto Alves, José Eduardo Machado, Andrei Bressan, Dorival Piedade
Neto, AndPereira, Bruno e Daniel Camargo, Marcelo Romano e Juliano Gobbo pelos
momentos e jogos compartilhados;
A Giselle Beiguelman – pela orientação paciente e sempre entusiasmada;
A Lucia Santaella, Silvio Ferraz, Rogério da Costa e Arthur Nestrovski por me mostrarem
a pesquisa para além dos videogames;
Aos jornalistas Pablo Miyazawa, Théo Azevedo, Renata Honorato, Flávia Gasi e Jones Rossi
– pelos conselhos e a generosidade com um eterno newbie;
E, finalmente, a André Forastieri pela inspiração e por provar que jornalismo e realização
pessoal podem, sim, caminhar juntos.
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