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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Cristiano Maciel Carneiro Leão
A EMENDA CONSTITUCIONAL 33/01 E O “NOVO” ICMS – IMPORTAÇÃO
MANUTENÇÃO DA “TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE” COMO NÚCLEO
CONSTITUCIONAL DA MATERIALIDADE DO ICMS – IMPORTAÇÃO
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Cristiano Maciel Carneiro Leão
A EMENDA CONSTITUCIONAL 33/01 E O “NOVO” ICMS – IMPORTAÇÃO
MANUTENÇÃO DA “TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE” COMO NÚCLEO
CONSTITUCIONAL DA MATERIALIDADE DO ICMS – IMPORTAÇÃO
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo como exigência parcial para a obtenção
do título de MESTRE em Direito, sob a
orientação do Professor Doutor Estevão
Horvath.
SÃO PAULO
2007
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BANCA EXAMINADORA
_____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
A AIDA MARIA MORAES MACIEL
Advogada, filósofa, batalhadora e, sobretudo, MÃE.
Agradeço:
a Estevão Horvath, meu Orientador, a quem devo os
mais sinceros agradecimentos pela condução na
elaboração desta Dissertação;
a Sidney Saraiva Apocalypse, meu orientador do
dia-a-dia, pelas incomparáveis lições de vida e
Direito, pela leitura atenta e correção deste Trabalho
e por ter disponibilizado sua biblioteca particular
para consultas;
a José Artur Lima Gonçalves, que me fez enxergar a
importância do Direito Constitucional Tributário e
pelas excelentes e divertidíssimas aulas;
a Paulo de Barros Carvalho, pelos ensinamentos ao
longo do curso, especialmente em seu Grupo de
Estudos de Filosofia, e por ter cedido parecer
inédito a respeito do objeto deste estudo;
a Eurico Marcos Diniz de Santi, pela “banca
simulada” e pelos sábios comentários sobre o
presente assunto;
a Tácio Lacerda Gama, pelas dicas e discussões
jurídicas, especialmente pelo “debate de corredor”
sobre nosso tema;
a Tércio Sampaio Ferraz Junior, Roque Antonio
Carrazza, José Eduardo Soares de Melo, Tárek
Mossallem e Maria Rita Ferragut, pelas lições de
Filosofia e Direito;
a todos os Amigos, pela confiança depositada, em
especial aos CHINELOS-PUC, grupo de ótimos
amigos e excelentes juristas que me acompanha
desde a graduação nesta Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo;
aos ilustres companheiros do escritório Neumann,
Salusse e Marangoni Advogados, especialmente
seus sócios-fundadores, pelo constante incentivo e
colaboração.
Pluralitas non est ponenda sine neccesitate
Guilherme de Ockham
RESUMO
TRIBUTAÇÃO – ICMS – IMPORTAÇÃO – CIRCULAÇÃO JURÍDICA
O presente trabalho tem por objetivo analisar as alterações da Constituição
Federal de 1988 produzidas pela Emenda Constitucional n.º 33/2001, mais
especificamente em relação ao ICMS – Importação.
Não é de agora que os Estados e o Distrito Federal vêm tentando operar a
cobrança de ICMS – Importação sobre toda e qualquer entrada de bens ou mercadorias
no país. Faltava-lhes tão-somente a indispensável autorização constitucional para tanto.
A Emenda tentou realizar o anseio dos Estados e do Distrito Federal
promovendo a alteração do arquétipo constitucional do ICMS – Importação, de modo
que tal tributo pudesse ser cobrado por ocasião de toda e qualquer importação,
independentemente da natureza da operação entabulada no exterior, de quem a promove
e da destinação dos bens importados.
Parece-nos que a intenção foi bem-sucedida em relação a parte de seus
objetivos, pois o novel ICMS – Importação pode ser cobrado – mediante a instituição do
tributo in abstracto – relativamente a bens ou mercadorias independentemente da
destinação que lhes for dada, o que afeta, necessariamente, o rol das pessoas que podem
ser contribuintes de tal exação.
O objetivo da Emenda Constitucional n.º 33/01, todavia, não foi alcançado
integralmente. Isso porque a mesma não teve o condão de modificar o arquétipo do
ICMS – Importação para que tal exação pudesse incidir sobre circulações meramente
físicas.
Em razão disso, é nossa conclusão, e conclusão do presente trabalho, que, a
despeito das modificações implementadas pela Emenda Constitucional n.º 33/01 quanto
ao ICMS – Importação, a pretendida exação não pode incidir sobre mera circulação
física, mas tão-somente sobre operações que contemplem circulação jurídica, que só se
opera com a transferência da titularidade de bem ou mercadoria.
ABSTRACT
TAXATION – ICMS – IMPORTATION – JURIDICAL CIRCULATION
The present work has the purpose of analyzing the amendments to the 1988
Federal Constitution resulting from the Constitutional Amendment n.º 33/2001, more
specifically as regards to the ICMS – Importation [State Goods and Services Circulation
Tax].
As it is known, it is not a new matter that the States and the Federal District
are trying to collect the ICMS – Importation on every and any entrance of assets or
goods to the country. They were lacking only the indispensable constitutional
authorization in order to do that.
The legislator of the aforementioned Amendment, on its side, tried to make
effective the intention of the States and the Federal District, taking steps for the
amendment of the constitutional archetype of the ICMS – Importation so as such tribute
could be collected at the time of every and any importation, regardless the nature of the
operation arranged abroad, who/which is fostering it and, finally, the utilization to be
given to the imported assets.
It seems to us that the intention, as referred to, was very successful as
regards to some of its purposes as the newest ICMS – Importation can be collected by
means of the in abstracto tribute levying as regards to assets or goods, not taking into
account the utilization that will be given to them.
However, the purpose of the Constitutional Amendment n.º 33/01 was not
fully reached. This problem so happened because the Amendment had not the ability of
modifying the archetype of the ICMS – Importation so as such exaction could have an
incidence over merely physical circulations.
Due to that reason, it is our conclusion, and the conclusion of the present
work, that in spite of the modification as implemented by the Constitutional Amendment
n.º 33/01 regarding the ICMS – Importation, the exaction, as referred to, may not have
an incidence over mere physical circulation, but only over operations that have to do
with juridical circulation that is made effective only with the transfer of the ownership of
the asset or good.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO............................................................................................................ 13
CAPÍTULO I
CONHECIMENTO E DIREITO
1. Considerações preliminares............................................................................... 15
2. Conhecimento e o binômio “ser cognoscente X objeto cognoscível”............. 17
3. Graus de conhecimento...................................................................................... 19
4. Conhecimento e linguagem................................................................................ 21
5. Conhecimento e Direito: breves considerações ............................................... 23
CAPÍTULO II
SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
1. Conceito de sistema ............................................................................................ 25
2. Espécies de sistemas ........................................................................................... 28
3. Sistema do direito positivo e seu objeto: as normas jurídicas........................ 30
3.1. Estrutura das normas jurídicas: breves considerações.......................... 32
3.2. Normas jurídicas, fundamentos de validade e norma fundamental ..... 33
4. Sistema constitucional brasileiro ...................................................................... 35
4.1. Conceito de Constituição........................................................................... 36
4.2. Rigidez e supremacia constitucionais....................................................... 38
4.3. Poder constituinte originário e derivado.................................................. 40
4.4. Limites ao poder constituinte derivado.................................................... 41
5. Sistema constitucional tributário brasileiro .................................................... 42
5.1. Sistemas constitucionais tributários simples ou complexos:
elasticidade ou rigidez................................................................................ 45
5.2. Repartição das competências legislativas tributárias............................. 47
5.3. Tributo: conceito aglutinante do sistema constitucional
tributário brasileiro ................................................................................... 48
CAPÍTULO III
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS
1. Considerações preliminares............................................................................... 51
2. Princípios e Direito: o princípio como norma jurídica................................... 54
3. Norma Jurídica: regras e princípios................................................................. 55
4. Princípios Jurídicos............................................................................................ 57
4.1. Princípio republicano................................................................................. 59
4.2. Princípio da igualdade e da isonomia....................................................... 65
4.3. Princípio da capacidade contributiva....................................................... 72
4.4. Princípio do não-confisco........................................................................... 76
4.5. Princípio federativo.................................................................................... 79
4.6. Princípios da legalidade e da tipicidade tributária................................. 83
4.7. Princípio da segurança jurídica................................................................ 86
4.8. Princípio da não-cumulatividade relativo ao ICMS............................... 88
CAPÍTULO IV
COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
1. Conceito de competência tributária.................................................................. 95
2. Repartição das competências tributárias......................................................... 97
3. Exercício das competências tributárias, seus limites e o estado
de sujeição dos contribuintes............................................................................. 98
4. Espécies de competência tributária .................................................................. 99
5. Características da competência tributária..................................................... 100
6. Possibilidade de alteração das competências tributárias ............................. 103
CAPÍTULO V
ARQUÉTIPO CONSTITUCIONAL DOS TRIBUTOS
1. Considerações preliminares............................................................................. 108
2. Critérios informadores do arquétipo constitucional tributário
e da regra-matriz de incidência tributária..................................................... 110
2.1. Quanto ao antecedente da norma........................................................... 110
2.1.1. Critério material......................................................................... 111
2.1.2. Critério espacial.......................................................................... 112
2.1.3. Critério temporal........................................................................ 113
2.2. Quanto ao conseqüente da norma .......................................................... 114
2.2.1. Critério quantitativo................................................................... 114
2.2.2. Critério pessoal ........................................................................... 116
CAPÍTULO VI
A EMENDA CONSTITUCIONAL 33/01 E O “NOVO” ICMS – IMPORTAÇÃO
1. Considerações preliminares............................................................................. 119
2. ICMS – Importação: problema antigo, porém atual.................................... 120
3. ICMS – Importação na Constituição Federal de 1988.................................. 122
3.1. Operações.................................................................................................. 123
3.2. Circulação ................................................................................................. 125
3.3. Mercadoria................................................................................................ 127
3.4. Materialidade do ICMS – Importação na redação original
da Constituição Federal de 1988............................................................. 129
4. ICMS – Importação na Constituição Federal após as alterações
perpetradas pela Emenda Constitucional n.º 33/01 ...................................... 132
4.1. Alteração da materialidade e dos sujeitos passivos possíveis
do ICMS – Importação após o advento da EC n.º 33/01...................... 133
4.2. Manutenção da “transferência de titularidade” dos bens
importados como núcleo constitucional do “novo”ICMS
– Importação............................................................................................. 134
5. Recentes decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal
que importam ao estudo da materialidade do novel ICMS
– Importação.................................................................................................... 137
6. Emenda Constitucional n.º 33/01: Constitucional ou Inconstitucional?..... 142
CONCLUSÕES.......................................................................................................... 149
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................ 153
13
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por escopo demonstrar as alterações promovidas
pela Emenda Constitucional n.º 33/01 no texto constitucional, quanto ao ICMS –
Importação, e, mais especificamente, que tal ato normativo não teve o condão de alterar
o núcleo constitucional do tributo.
Para tanto, cruzaremos os campos do conhecimento, demonstrando que o
direito positivo é o objeto de estudo da ciência do Direito, uma verdadeira demonstração
de conhecimento científico.
Passaremos, em seguida, pelo campo dos sistemas, definindo-os, e
chegaremos, finalmente, ao sistema constitucional tributário e suas características sui
generis. Essa abordagem envolverá, também, o tema dos princípios constitucionais que
importam à tributação, de modo que possamos confirmar se a Emenda Constitucional
n.º 33/01 é mesmo constitucional.
Discutiremos as peculiaridades da competência tributária e de sua
repartição em faixas. Demonstraremos que, dadas as características de nosso regime de
14
competências e de nosso sistema constitucional tributário, a Carta Maior encerra em seu
cerne o arquétipo dos tributos que são repartidos entre os entes federativos.
Ainda no capítulo referente às competências tributárias, faremos menção ao
regime constitucional brasileiro e à sua rigidez, bem como às peculiaridades do Poder
Constituinte originário e do Poder Constituinte derivado, para demonstrar se, e como é
possível alterar as competências tributárias.
Abordaremos, então, o ICMS – Importação, tal qual esculpido na redação
originária da Constituição Federal de 1988, e suas características. Em seguida,
demonstraremos o que a Emenda Constitucional teve o condão de alterar em relação ao
arquétipo constitucional da exação examinada, bem como aquilo que permaneceu
idêntico ao regime anterior.
15
CAPÍTULO I
CONHECIMENTO E DIREITO
1. Considerações preliminares
O simples fato de estar no mundo proporciona ao ser humano o contato
com infinitos objetos, colocando-o frente a frente com as condutas de seus semelhantes
em relação a tais objetos.
Para satisfazer sua índole questionadora e sua curiosidade
1
– qualidades
inerentes à essência humana –, ou mesmo por necessidade, o homem sempre se
debruçou sobre esses objetos e condutas, buscando conhecer suas particularidades, o que
1
A respeito da postura questionadora e da curiosidade humanas, MARTIN T. RUIZ MORENO comenta que se trata de
una propensión natural de la mente humana” e prossegue salientando que “el perguntarse el como y el porqué último
de las cosas y de la vida, yendo más allá de lo que la realidade inmediata deja percibir, em procura de uma explicación
que satisfaga las exigencias finales del espíritu”. Filosofia de derecho. p. 6.
Interessante conferir também o ensinamento de GERSON DE BRITTO MELLO BOSON: “Desde os primórdios – na
sua consciente solidão cósmica, quando, apavorado, inserido na cercania de mistérios que não sabe desvendar, sem
perder, porém, os impulsos inatos do perguntar – ele exige resposta às suas próprias indagações”. Filosofia do direito:
interpretação antropológica. p. 18-19.
16
lhe propiciou grande desenvolvimento pessoal e intelectual e, em última instância, a
capacidade de construir as sociedades que conhecemos nos dias de hoje
2
.
Dada a intermitência da relação cognoscente entre o ser humano e os
objetos de seu mundo, essa temática sempre constituiu tema de estudos pelo homem –
são incontáveis as perspectivas de formulações a esse respeito.
Merece destaque a Teoria do Conhecimento, ou Gnoseologia – também
denominada equivocadamente de Epistemologia
3
–, cujo escopo é o estudo do
conhecimento humano em si, com foco nas condições cognoscitivas referentes ao sujeito
do ato do conhecimento.
Com o passar dos tempos e o avançar da Filosofia, o campo de estudo da
Teoria do Conhecimento passou a considerar também as indagações relativas às
características do objeto cognoscível, fazendo especulações pertinentes ao “ser enquanto
ser”, que é, sabidamente, campo de estudo da Ontologia ou transcedentia
4
.
Surge, então, a Ontognoseologia, resultado da junção dos planos de estudo
da Gnoseologia e da Ontologia. A nova ciência passou a representar as considerações
relativas ao sujeito e ao objeto do conhecimento analisados como um único ente, ou seja,
2
A esse respeito, convém observar a lição de PONTES DE MIRANDA: “O homem não está acima nem mesmo fora da
natureza; mas dentro della, como parte que é. A sua intelligencia é producto de condições assaz complexas de vida, do
mundo, que a rodeia; não é menos, nem mais inexplicável (ou explicável) do que a cellula, a geração ou a arvore que
sae da semente. Todavia, dentro da natureza, e não fora e muito menos acima, pode a intelligencia conhecer relações
entre as coisas que a cercam, ou entre ella e o mundo: tal conhecimento lhe enriquece o valor, com que lhe accelera os
movimentos, lhe dá o poder de abrir passagem onde não haveria sem o seu descobrimento, sem o seu acto de
conhecer”. Systema de sciencia positiva do direito. p. 3 (redação original).
3
Cf. ANDRÉ LALANDE: “Deve-se, pois, distinguir a epistemologia da teoria do conhecimento, se bem que ela
constitua a sua introdução e o seu auxiliar indispensável, devido ao fato de estudar o conhecimento em pormenor e a
posteriori na diversidade das ciências e dos objetos, antes de o fazer na unidade do espírito”. Vocabulário técnico e
crítico da filosofia. p. 313-314.
4
Cf. ANDRÉ LALANDE. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. p. 767.
17
na inteireza indissociável e incindível de um binômio
5
cujas características serão
abordadas adiante.
2. Conhecimento e o binômio “ser cognoscente X objeto cognoscível”
Em linhas gerais, conhecer é apreender – o ato pelo qual o homem adquire
informações sobre determinado objeto. Em termos práticos e em linhas gerais,
conhecimento consiste no resultado do encontro entre o ser cognoscente e ao menos um
objeto cognoscível, dentro da estrutura binomial indissociável já mencionada
anteriormente
6
.
Com a propriedade que lhe é peculiar, o mestre MIGUEL REALE
7
assim
se manifesta sobre o assunto:
“Conhecer é trazer para nossa consciência algo que supomos ou
pré-supomos fora de nós. O conhecimento é uma conquista, uma
apreensão espiritual de algo. Conhecer é abranger algo
tornando-nos senhores de um ou de alguns de seus aspectos.
Toda vez que falamos em conhecimento, envolvemos dois
termos: o sujeito que conhece e algo de que se tem ou de que se
quer ter ciência. Algo, enquanto passível de conhecimento,
chama-se objeto, que é, assim, o resultado possível de nossa
atividade cognoscitiva”.
5
A respeito do assunto, MIGUEL REALE esclarece: “A Ontognoseologia desdobra-se, por abstração, em duas ordens
ou momentos distintos de pesquisas: ora indaga das condições do conhecimento pertinentes ao sujeito que conhece
(Gnoseologia); ora indaga das condições de cognoscibilidade de algo, ou, por outras palavras, das condições segundo
as quais algo se torna objeto do conhecimento, ou, em última análise, do ser enquanto conhecido ou cognoscível
(Ontologia, tomada esta palavra em sentido estrito). Poderíamos, em síntese, dizer que a Ontognoseologia desenvolve e
integra em si duas ordens de pesquisas: uma sobre as condições do conhecimento do ponto de vista do objeto (a parte
subjecti) e outra sobre essas condições do ponto de vista do objeto (a parte objecti)”. Filosofia do direito. p. 30.
6
Cf. JOSÉ CRETELLA JUNIOR: “não há conhecimento sem a presença dos termos fundamentais do binômio sujeito-
objeto, consistindo o segundo termo em algo que se projeta diante do primeiro”. Filosofia do direito. p. 27.
18
Já JOHANNES HESSEN
8
, grande estudioso da Teoria do Conhecimento,
assinala o quanto segue:
“No conhecimento defrontam-se consciência e objeto, sujeito e
objeto. O conhecimento aparece como uma relação entre esses
dois elementos. Nessa relação, sujeito e objeto permanecem
eternamente separados. O dualismo do sujeito e do objeto
pertence à essência do conhecimento.
“Ao mesmo tempo, a relação entre os dois elementos é uma
relação recíproca (correlação). O sujeito só é sujeito para um
objeto, e o objeto só é objeto para um sujeito. Ambos são o que
são apenas na medida em que o são um para o outro. Essa
correlação, porém, não é reversível. Ser sujeito é algo
completamente diverso de ser objeto. A função do sujeito é
apreender o objeto; a função do objeto é ser apreensível e ser
apreendido pelo sujeito”.
O sujeito dessa relação binomial é o homem, que, repisa-se, pelo simples
fato de estar no mundo, exerce atividade cognoscitiva diante dos objetos que se põem à
sua frente. O sujeito cognoscente é, nessa perspectiva, “o homem enquanto conhece”
9
.
Objeto cognoscível, por sua vez, é o elemento cujas características e
propriedades podem ser, ainda que parcialmente, apreendidas pelo homem como
resultado do processo cognoscitivo. Trata-se do termo da operação cognoscitiva em si, o
fim a que se tende ou a coisa que se deseja
10
.
7
Filosofia do direito. p. 53.
8
Teoria geral do conhecimento. p. 20.
9
Cf. JOSÉ CRETELLA JUNIOR. Filosofia do direito. p. 27.
10
Cf. definição proposta por NICOLA ABBAGNANO. Dicionário de filosofia. p. 723.
19
MIGUEL REALE
11
, definindo o termo e ressaltando sua importância no
contexto binomial mencionado, ressalta o quanto segue:
“Objeto (de ob e jectum) é aquilo que jaz perante nós, aquilo
que se põe diante de nós. Se olho para aquela parede, ela se põe
diante de mim como algo sobre o qual minha ação se projeta,
não para se desenvolver fora de mim, mas para trazer para mim
o que é visto ou representado como objeto”.
3. Graus de Conhecimento
É incontroverso que o processo de conhecimento não é uniforme e varia de
pessoa para pessoa. Cada ser humano adota perspectivas diferentes de observação e
interação com os objetos do cotidiano, segundo a particularidade que ICILIO VANNI
12
atribuiu à mente humana e denominou “capacidade de discriminação”. Por meio dela, os
seres cognoscentes percebem variáveis semelhanças e diferenças dos objetos tomados
em observação.
Assim, é inevitável reconhecer que existem graus de conhecimento, de
modo que, e por óbvio, quanto maior é a apreensão dos elementos de um objeto, maior é
o conhecimento do indivíduo acerca dele. Tal escalonamento levou à segregação do
conhecimento em graus, dentre os quais destacamos o conhecimento vulgar e o
científico.
O conhecimento vulgar é casual, proveniente do contato ordinário do
homem com os objetos. Resulta, na maioria das vezes, de um encontro fortuito e
inesperado entre o ser cognoscente e o objeto cognoscível.
11
Filosofia do direito. p. 53.
12
Lições de philosophia do direito. p. 1.
20
Apesar da denominação, tal espécie de conhecimento não é
necessariamente equivocada ou errônea. Diz-se vulgar tão-somente pelo fato de as
informações absorvidas dessa forma encontrarem-se despidas de comprovação e
certezas. É, em desfecho, o que MIGUEL REALE
13
descreve como “[...] conhecimento
que vamos adquirindo à medida que as circunstâncias o vão ditando, nos limites dos
casos isolados”.
Para que seja possível tratar das características do conhecimento científico,
é indispensável, antes de tudo, discorrer sobre o conceito de ciência. Segundo
ALFONSO TRUJILLO FERRARI
14
, trata-se de “[...] um conjunto de atitudes e de
atividades racionais, dirigidas ao sistemático conhecimento, com objetivo limitado,
capaz de ser submetido a verificação”.
Nessa perspectiva, verifica-se que conhecimento científico corresponde a
uma espécie de conhecimento causal, tangível apenas pela organização sistemática e
pelo confronto das características de cada objeto cognoscível mediante certos métodos
específicos, os quais possibilitam a criação de leis concernentes às relações estabelecidas
entre eles.
Tal causalidade refere-se à fórmula que esquematiza as relações de causa –
e não casual – e efeito existentes entre os objetos cognoscíveis, tal como esclarece JOSÉ
CRETELLA JUNIOR
15
, fazendo suas as palavras de ICILIO VANNI:
“Se um fenômeno sucede a outro fenômeno, a investigação
científica consiste, precisamente, em determinar o nexo causal,
isto é, em encontrar a causa ou o antecedente pelo qual foi
13
Filosofia do direito. p. 54.
14
Metodologia da ciência. p. 64.
21
necessariamente produzido o efeito ou conseqüência; em
estabelecer as leis, ou seja, os modos regulares e constantes com
os quais a causa produz o efeito”.
Ressalta-se, por fim, que cada ciência se ocupa de um determinado grupo
de objetos e suas relações – sistema –, utilizando-se de métodos de abordagem diferentes
e, muitas vezes, particulares, para conhecer as características de seus núcleos de estudo.
4. Conhecimento e Linguagem
O ato de apreensão do conhecimento não se dá por mera captação física dos
dados dos objetos cognoscíveis, mas sim de maneira transcendental, por meio da
incorporação representativa
16
, de modo que as características capturadas se tornam
representações mentais do ser cognoscente, e o conhecimento, nas palavras de
GOFFREDO TELLES JUNIOR
17
, “tradução cerebral da realidade”.
Essa representação do objeto na mente do ser cognoscente é chamada juízo,
instrumento que permite ao homem atribuir significações aos objetos cognoscíveis e sem
o qual é impossível pensar em conhecimento. O juízo, em última instância, constitui a
unidade necessária do conhecimento.
A despeito da capacidade inata de adquirir conhecimento,
independentemente da interferência de outros homens, o ser cognoscente somente
consegue transmiti-lo por intermédio da enunciação do juízo, em sua expressão oral,
verbal ou escrita. Tal ato nomeia-se proposição, cuja existência e importância confirmam
que sem linguagem inexiste conhecimento.
15
Filosofia do direito. p. 28.
16
Cf. JOSÉ CRETELLA JUNIOR. Filosofia do direito. p. 27.
22
Confira-se o entendimento de MIGUEL REALE
18
sobre o tema:
“Não podemos conhecer sem formular juízos, assim como
também não podemos transmitir conhecimentos sem formular
juízos. A expressão verbal, escrita ou oral de um juízo chama-se
proposição”.
LOURIVAL VILANOVA
19
vai além. Para o mestre pernambucano, o
advento do conhecimento é composto não só pelo ser cognoscente, pelo objeto
cognoscível e por seu ato de julgamento sobre o primeiro elemento, mas também pelas
proposições enunciadas:
“O conhecimento é um fato complexo. Simplificadamente, diz-
se que é relação do sujeito com o objeto. E, se tivermos em
conta o conhecimento do mundo físico exterior, sua origem é a
experiência sensorial. Percebo a árvore verde e enuncio: esta
árvore é verde. O ser-verde-da-árvore, que se me dá num ato de
apreensão sensorial, é base para outro ato, o de revestir esse
dado numa estrutura de linguagem, na qual se exprime a relação
conceptual denominada proposição (juízo, na terminologia
clássica).
“Inseparáveis, mas discerníveis, são os seguintes componentes
do conhecimento: a) o sujeito cognoscente; b) os atos de
percepção e de julgar; c) o objeto do conhecimento (coisa,
propriedade, situação objetiva); d) a proposição (em que
diversas relações de conceitos formam estruturas)”.
17
O direito quântico. p. 271.
18
Filosofia do direito. p. 53.
19
Estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. p. 1.
23
Vale sublinhar que são distintos os tipos de linguagem que atendem ao
conhecimento vulgar e ao conhecimento específico. Ao primeiro grau de conhecimento
serve a linguagem natural, ao passo que ao outro serve a linguagem científica.
A linguagem natural é fartamente utilizada pelo homem em seus
costumeiros processos comunicacionais. Por meio dela se expressam os acontecimentos
do mundo físico, a apreensão e a transmissão do conhecimento vulgar. É a linguagem da
realidade social, meio pelo qual o ser racional conhece o mundo.
A linguagem científica, por sua vez, é artificial. Trata-se de uma construção
humana que toma por base a linguagem natural e que, após um elaborado processo de
depuração, atinge foros de univocidade e precisão, tornando-se hábil para tratar com
exatidão os fenômenos por ela descritos.
5. Conhecimento e Direito: breves considerações
O Direito é um objeto cultural
20
. Apesar de ter existência e estar na
experiência, não foi ofertado ao homem pela natureza e se submete à axiologia
21
.
O objeto de conhecimento da Ciência do Direito é o direito positivo, um
conjunto de normas jurídicas criadas pelo homem para regulamentar as condutas
intersubjetivas de seus pares em sociedade.
Tais condutas também são elementos da cultura humana, pois evoluíram
desde os primórdios, quando o homem se encontrava no hipotético “Estado de
20
Cf. teoria de HUSSERL sobre as ontologias regionais, muito bem representada por CARLOS COSSIO. La teoria
egologica del derecho y el concepto jurídico de liberdad. p. 54 e seguintes.
21
A respeito da relação entre os objetos culturais e os valores, ver: MIGUEL REALE. Filosofia do direito. p.175 e
seguintes.
24
Natureza”, até sua formatação atual, que lhe possibilita o convívio em sociedade. Assim
salienta MIGUEL REALE
22
:
“O homem civilizado, o homem culto, reveste-se de certa
‘dignidade’ ao realizar os atos mais naturais da vida,
enriquecido de algo denunciador de um aperfeiçoamento no seio
da espécie, em contraste com a rude animalidade do homem
primitivo. Temos, assim, de chegar à convicção de que não é
cultura apenas o produto da atividade do homem, porque
também é cultura a atividade mesma do homem enquanto
especificamente humana. A maneira de ser, viver, de comportar-
se, em uma palavra, a conduta social é um dos elementos
componentes da cultura, como é cultura um utensílio culinário
ou um avião de bombardeio”.
O ser cognoscente do Direito é o homem, e o conhecimento desse conjunto
de normas pode ser vulgar ou científico. Caso a aproximação seja meramente casual, o
conhecimento do Direito será meramente vulgar. Caso a aproximação seja metódica,
redundando no agrupamento dos elementos do conjunto, estudado sob a forma de
sistema, e com a pretensão de formular regras ao seu respeito, o conhecimento do
Direito será científico.
O presente trabalho tem por objetivo apreender o Direito de forma
científica, motivo pelo qual será estudado sob a perspectiva sistemática. Pretende-se que
seja possível, ao final, compreender a extensão das alterações ocorridas em relação à
norma-padrão de incidência possível do ICMS – Importação, perpetradas pela Emenda
Constitucional n.º 33/01.
22
Filosofia do direito. p. 199.
25
CAPÍTULO II
SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
1. Conceito de Sistema
O conhecimento científico está inexoravelmente ligado à concepção
sistemática de seu objeto de estudo
23
. Em relação ao Direito não é diferente.
A expressão “sistema” é reconhecidamente ambígua, conforme denuncia
TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR
24
, para quem “[...] há no próprio termo sistema
uma pluralidade de sentidos que torna a investigação equívoca, se não for esclarecida de
antemão”. NORBERTO BOBBIO
25
, da mesma maneira, ressaltou que “[...] o termo
‘sistema’ é um daqueles termos de muitos significados, que cada um usa conforme suas
próprias conveniências”.
23
Ver EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI, para quem: “A idéia de sistema constitui-se tradicionalmente como
conceito instrumental da ciência”. Lançamento tributário. p. 47.
24
Conceito de sistema no direito. p. 8.
25
Teoria do ordenamento jurídico. p. 76.
26
Em razão da pluralidade do termo analisado, necessitamos, antes de tudo,
buscar o significado-de-base de “sistema”, o que será feito por meio do aclaramento dos
principais sentidos com que tal expressão é utilizada.
Recorremos ao magistério de TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR
26
,
que relata que “sistema” deriva etimologicamente da expressão grega systema, cujo
significado é composto ou construído no sentido de conglomerado. Segundo esse autor,
o uso corrente do termo analisado agregou-lhe a idéia de ordem e organização.
Ao cuidar do assunto, LOURIVAL VILANOVA
27
ressaltou o seguinte:
“[...] sistema implica ordem, isto é, uma ordenação das partes constituintes, relações
entre as partes ou elementos”.
NORBERTO BOBBIO
28
distinguiu três significados para o termo
“sistema”, considerando, no primeiro deles, que um ordenamento jurídico é sistema
quando todas as suas normas derivam de “princípios gerais do direito”. Nessa acepção, o
significado de “sistema” assumiria posição bastante próxima ao conceito inserido na
expressão “sistema dedutivo”.
No segundo significado, diametralmente oposto ao anterior, salienta que
alguns doutrinadores se valem do termo “sistema” para ordenar a matéria jurídica,
partindo do conteúdo de simples normas para atingir conceitos mais gerais, bem como
classificações ou divisões de toda a matéria. O terceiro significado equivale à validade
do princípio que exclui a incompatibilidade de normas, pressuposto de que, caso
coexistam normas incompatíveis no ordenamento, uma das duas ou ambas devam ser
eliminadas, garantindo-se a coerência desse próprio sistema.
26
Conceito de sistema no direito. p. 9.
27
Estruturas lógicas e sistema do direito, p. 116.
27
JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES
29
, por seu turno, salientou que:
“[...] sistema é um conjunto harmônico, ordenado e unitário de
elementos, reunidos em torno de um conceito fundamental ou
aglutinante. Esse conceito aglutinante serve de critério
unificador, na linguagem de Geraldo Ataliba, atraindo e
harmonizando, em um só sistema, os vários elementos de que se
compõe”.
Por fim, desfechando o rol das definições apresentado, sublinhamos o
entendimento de GERALDO ATALIBA
30
:
“O caráter orgânico das realidades componentes do mundo que
nos cerca e o caráter lógico do pensamento humano conduzem o
homem a abordar as realidades que pretende estudar sob
critérios unitários, de alta utilidade científica e conveniência
pedagógica, em tentativa do reconhecimento coerente e
harmônico da composição de diversos elementos em um todo
unitário, integrado em uma realidade maior. A esta composição
de elementos sob uma perspectiva unitária se denomina sistema.
Os elementos de um sistema não constituem o todo, com sua
soma, como suas simples partes, mas desempenham, cada um,
sua função, coordenada com a função dos outros”.
Tomando como referência as definições colacionadas acima, concebemos
que o significado-de-base do termo “sistema” relaciona-se com a idéia de um conjunto
de elementos organizados em torno de um elemento comum, responsável por conferir
unidade a esse agrupamento. Com base em tal significado prosseguiremos nosso estudo.
28
Teoria do ordenamento jurídico. p. 76.
29
Isonomia na norma tributária. p. 14.
30
Sistema constitucional tributário brasileiro. p. 4.
28
2. Espécies de sistemas
Segundo a já clássica obra de MARCELO NEVES
31
, os sistemas podem
ser classificados em “reais” ou “empíricos” e em “proposicionais”. Estes se subdividem
em “proposicionais nomológicos” e “proposicionais nomoempíricos”. Os sistemas
proposicionais nomoempíricos, por sua vez, comportam divisão em “descritivos” ou
“teoréticos” e “prescritivos”. Esquematicamente, temos o seguinte:
reais ou empíricos
Sistemas nomológicos
proposicionais descritivos
nomoempíricos
prescritivos
Os sistemas denominados reais ou empíricos encerram objetos do mundo
real, do cotidiano palpável dos seres humanos
32
. Os sistemas proposicionais
diferenciam-se dos reais por serem integrados por proposições que, na forma
enunciativa, compõem uma camada de linguagem que tem por objetivo relatar as
particularidades dos elementos dos sistemas reais
33
.
Para PAULO DE BARROS CARVALHO
34
, é “[...] impossível pensar o
‘objeto-em-si’, porquanto a linguagem se coloca sempre de permeio”, motivo pelo qual
ressalta que todo sistema é proposicional. Tal pensamento encontra respaldo em
LOURIVAL VILANOVA
35
, que, frisando a “inevitabilidade da linguagem”, assevera
31
Teoria da inconstitucionalidade das leis. p. 4.
32
Conforme PAULO DE BARROS CARVALHO: “objetos extralinguísticos, tanto do mundo físico ou natural, como
do social, da maneira mesma que eles aparecem à intuição do sensível do ser cognoscente”. São exemplos de sistemas
reais o “sistema nervoso”, o “sistema solar” etc... Curso de direito tributário. p. 134.
33
Vide capítulo anterior, especificamente no tocante à linguagem como fonte de aquisição e transmissão do
conhecimento sobre os objetos do mundo fenomênico.
34
Direito tributário – fundamentos jurídicos da incidência. p. 43.
35
Lógica jurídica. p. 23.
29
que “[...] não dizer nada específico sobre nada, mas tão-só sobre algo em geral, sobre o
objeto-em-geral, importa usar uma linguagem”.
Retomando, pontuamos que a espécie nomológica é compreendida por
LOURIVAL VILANOVA
36
como “[...] um sistema cujo desenvolvimento obedece à
derivação dedutiva de proposições básicas situadas no interior do sistema”. Opera com
as chamadas formas lógicas ou perfeitas, composta por proposições analíticas, tais quais
aquelas que informam a Matemática
37
.
Os sistemas proposicionais nomoempíricos, como a própria expressão
prenuncia, comportam proposições de índole sintética, material, formuladas como
excertos de linguagem, a partir da experiência dos seres humanos. Seus enunciados
podem ser classificados em descritivos e prescritivos, como ensina PAULO DE
BARROS CARVALHO
38
:
“[...] os sistemas nomoempíricos podem ser constituídos de
proposições descritivas, como no caso dos sistemas de
enunciados científicos (sistemas nomoempíricos descritivos ou
teoréticos), ou de proposições prescritivas, como acontece com
os sistemas que se dirigem à conduta social para alterá-la
(sistema das regras morais, jurídicas, religiosas etc.)”.
Os sistemas proposicionais nomoempíricos descritivos compreendem
enunciados vertidos na função descritiva da linguagem, que traçam considerações sobre
determinado objeto, o qual pode pertencer tanto ao mundo físico quanto a outra
36
Estruturas lógicas e sistema do direito. p. 17.
37
Cf. EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI: “Os sistemas nomológicos são aqueles compostos de proposições
analíticas, cujo desenvolvimento se dá mediante processo dedutivo, a partir de uma base axiológica situada no interior
do sistema. Cite-se, a exemplo destes, os sistemas matemáticos.
Também formados por proposições, só que sintéticas, os sistemas nomoempíricos ou proposicionais empíricos,
diversamente dos sistemas nomológicos, apresentam linguagem material aberta ao acrescentamento de novos
enunciados e condicionada à experiência.” Lançamento tributário. p. 49.
30
linguagem. Atuam, assim, como meta-linguagem de uma linguagem-objeto. Trata-se,
por exemplo, dos elementos das ciências em geral, inclusive da Ciência do Direito.
Especificamente, a Ciência do Direito tem por objeto descrever a realidade
formada pelo sistema do direito positivo, contando com um repertório de proposições
devidamente encadeadas em torno de um elemento unificador, o que também a credencia
como sistema
39
. Suas proposições estão sujeitas à Lógica Alética, cujos valores são a
verdade e a falsidade, predicados outorgados de acordo com a confirmação ou a negação
das proposições emitidas por ocasião de seu cotejo com a realidade das normas postas.
Os sistemas proposicionais prescritivos, por sua vez, formam-se por
enunciados vertidos na função prescritiva da linguagem, que se direcionam para a região
material das condutas humanas com o objetivo de direcioná-las. São os enunciados
formadores de ordenamentos normativos como a Religião e o Direito. Suas proposições
estão vertidas em linguagem prescritiva e se submetem à Lógica Deôntica, do dever-ser,
regida pelos valores de validade ou invalidade, os quais serão explicitados logo a seguir.
3. Sistema do direito positivo e seu objeto: as normas jurídicas
O objeto de conhecimento da Ciência do Direito é o direito positivo,
conjunto de textos, dos quais se formulam as normas jurídicas. São exemplos de tais
textos a Constituição Federal, as Emendas Constitucionais, as Leis Complementares e as
Leis Ordinárias, entre outros.
Ao tomar contato com os enunciados mencionados, o homem constrói sua
significação em sua mente. Ao juízo formado em relação aos enunciados componentes
38
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. p. 42.
39
Assim salienta PAULO DE BARROS CARVALHO. Curso de direito tributário, p. 137.
31
do direito positivo dá-se o nome de norma jurídica, como bem esclarece PAULO DE
BARROS CARVALHO
40
:
“A norma jurídica é a significação que obtemos a partir da
leitura dos textos do direito positivo. Trata-se de algo que se
produz em nossa mente, como resultado da percepção do mundo
exterior, captado pelos sentidos. Vejo símbolos lingüísticos
marcados no papel, bem como ouço mensagem sonora que me é
dirigida pelo emissor da ordem”.
Enunciados prescritivos e normas jurídicas são elementos totalmente
diversos. Os enunciados existem no plano da literalidade textual – palavras traçadas no
interior dos instrumentos introdutórios de normas
41
–, e compõem o substrato físico que,
somente por meio de interpretação, dá ensejo à construção da norma jurídica.
Por diversas vezes, a verificação de apenas um texto normativo é
insuficiente para a construção da norma jurídica, fazendo-se necessária a justaposição de
outros textos do direito positivo. Essa é a tarefa do homem enquanto intérprete dos
textos jurídicos.
Uma vez construída a norma jurídica, é indispensável sua contextualização
com os demais elementos do sistema jurídico a que pertence. Conforme salienta
NORBERTO BOBBIO
42
, “[...] as normas jurídicas nunca existem isoladamente, mas
sempre em um contexto de normas com relações particulares entre si”.
40
Curso de direito tributário. p. 8.
41
Veículos credenciados a promover o ingresso de normas jurídicas no universo do direito positivo.
42
Teoria do ordenamento jurídico. p. 19.
32
A propósito do assunto, é conveniente a observação das palavras de EROS
ROBERTO GRAU
43
:
“A interpretação do Direito é interpretação do Direito, no seu
todo, não de textos isolados, desprendidos do Direito.
“Não se interpreta o Direito em tiras, aos pedaços.
“A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao
intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo
percurso que se projeta a partir dele – do texto – até a
Constituição. Um texto de direito isolado, destacado,
desprendido do sistema jurídico, não expressa significado
normativo algum”.
3.1. Estrutura das normas jurídicas: breves considerações
As normas jurídicas são instrumentos que têm o objetivo de regulamentar
as condutas intersubjetivas de quem a elas se submete. Sua estrutura é reconhecidamente
formada por dois elementos – um antecedente e um conseqüente – que, por sua vez, se
encontram “ligados” por um conectivo, o “dever-ser”. Merece transcrição o
entendimento perfilado por PAULO DE BARROS CARVALHO
44
:
“A derradeira síntese das articulações que se processam entre as
duas peças daquele juízo, postulando uma mensagem deôntica
portadora de sentido completo, pressupõe, desse modo, uma
proposição-antecedente, descritiva de possível evento do mundo
social, na condição de suposto normativo, implicando uma
proposição-tese, de caráter relacional, no tópico do conseqüente.
A regra assume, então, uma feição dual, estando as proposições
43
Ensaio e discurso sobre a interpretação e aplicação do direito. p. 40.
44
Direito tributário – fundamentos jurídicos da incidência. p. 23.
33
implicante e implicada unidas por um ato de vontade da
autoridade que legisla”.
Conforme aponta o excerto doutrinário trazido, o antecedente da norma
jurídica descreve um fato do mundo fenomênico que, se e quando ocorrer, ensejará uma
conseqüência (“se ocorrido o fato F, então deve-ser a conseqüência C”). Tal
conseqüência se encontra prescrita, por óbvio, no conseqüente da norma jurídica, em que
se localizam os diversos critérios para definição do sujeito que deve observar tal e qual
conduta, o conteúdo dessa conduta, quando deve ser levada a cabo etc.
Independentemente do objeto versado na norma jurídica, sua estrutura é
sempre a mesma. A norma que regulamenta fatos de natureza penal, por exemplo, tem a
mesma estrutura de uma norma tributária, o que se justifica plenamente, na medida em
que o Direito é uno e só se segmenta para fins de seu estudo.
3.2. Normas jurídicas, fundamentos de validade e norma fundamental
Segundo a teoria da hierarquia das leis proposta por HANS KELSEN
45
, os
instrumentos introdutórios de normas do direito positivo e seus enunciados prescritivos
estariam dispostos de forma escalonada no ordenamento jurídico. Na ordem kelseniana,
a Constituição ocupa o cume, e os demais comandos normativos, escalões
sucessivamente mais inferiores.
Tal escalonamento não se resume à mera organização das normas jurídicas
– ele encarna o próprio fundamento de validade normativo, na medida em que as normas
escalonadas em patamares hierarquicamente inferiores devem observar as prescrições
encerradas nas normas superiores. Esse é o entendimento de HANS KELSEN
46
:
45
Presente em sua magistral obra “Teoria pura do direito”.
46
Teoria pura do direito. p. 240.
34
“[...] uma norma somente é válida porque e na medida em que
foi produzida de uma determinada maneira, isto é, da maneira
determinada por outra norma; esta outra norma representa o
fundamento imediato de validade daquela. A relação entre a
norma que regula a produção de outra e a norma assim
regularmente produzida pode ser figurada pela imagem espacial
da supra-infra-ordenação. A norma que regula a produção é a
norma superior, a norma produzida segundo as determinações
daquela é a norma inferior”.
Por inexistir norma hierarquicamente superior à Constituição no
ordenamento jurídico positivo, e para evitar o regresso ao infinito, tal comando
normativo encontra fundamento de validade em uma norma que não é posta, mas sim
pressuposta: a norma fundamental.
Recorremos, mais uma vez, aos ensinamentos de KELSEN
47
:
“Se por Constituição de uma comunidade se entende a norma ou
as normas que determinam como, isto é, por que órgãos e
através de que processos – através de uma criação consciente do
Direito, especialmente o processo legislativo, ou através do
costume – devem ser produzidas as normas gerais da ordem
jurídica que constitui a comunidade, a norma fundamental é
aquela norma que é pressuposta quando o costume, através do
qual a Constituição surgiu, ou quando o ato constituinte
(produtor da Constituição) posto conscientemente por
determinados indivíduos são objetivamente interpretados como
fatos produtores de normas”.
47
Teoria geral das normas. p. 38.
35
O critério de validade é outorgado a uma norma jurídica a partir do
momento em que ela passa a compor o sistema do direito positivo, ou seja, em que foi
nele inserida por meio de instrumento introdutório de normas no sistema. A partir daí, tal
norma somente poderá ser invalidada mediante a atuação do Poder Legislativo, ou, em
última instância, do Poder Judiciário.
4. Sistema constitucional brasileiro
O conjunto de normas jurídicas de determinada sociedade, em certo átimo
de tempo, forma o sistema do direito positivo, que encerra em seu interior uma imensa
quantidade de subsistemas ou sistemas parciais, como observa GERALDO ATALIBA
48
:
“[...] dentro de um sistema normativo são reconhecíveis diversos
sistemas parciais, a partir de perspectivas materiais diversas.
Esses sistemas compõem o sistema global – repita-se –, não pela
sua soma, mas por sua conjugação recíproca, de maneira
harmônica e orgânica. O conjunto de normas constitucionais
forma o sistema constitucional. O conjunto de normas da
Constituição que versa matéria tributária forma o sistema
(parcial) constitucional tributário”.
Nessa perspectiva, tendo em vista o objeto deste trabalho, é indispensável
tecermos algumas considerações a respeito das peculiaridades do sistema constitucional
tributário e sobre as normas constitucionais que versam acerca da matéria tributária.
48
Sistema constitucional tributário brasileiro. p. 20.
36
4.1. Conceito de Constituição
O passo mais importante na busca do conhecimento de qualquer sistema
constitucional existente é a prévia definição do conceito de “Constituição”.
Segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA
49
, Constituição é:
“[...] algo que tem, como forma, um complexo de normas
(escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta humana
motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas,
religiosas etc.); como fim, a realização dos valores que apontam
para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa
criadora e recriadora, o poder que emana do povo. Não pode ser
compreendida e interpretada, se não se tiver em mente essa
estrutura, considerada como conexão de sentido, como é tudo
aquilo que integra um conjunto de valores. Isso não impede que
o estudioso dê preferência a determinada perspectiva. Pode
estudá-la sob ângulo predominantemente formal, ou do lado do
conteúdo, ou dos valores assegurados, ou da interferência do
poder”.
MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO
50
apontou a seguinte
definição para o termo em questão:
“[...] por Constituição, em sentido jurídico, entende-se o
conjunto de regras concernentes à forma do Estado, à forma do
poder, ao modo de aquisição e exercício do poder, ao
estabelecimento de seus órgãos, aos limites de sua ação”.
49
Curso de direito constitucional positivo. p. 39-40.
50
Curso de direito constitucional. p. 11.
37
Para KONRAD HESSE
51
, Constituição é:
“[...] a ordem fundamental jurídica da coletividade. Ela
determina os princípios e direitos segundo os quais deve formar-
se unidade política e tarefas estatais, ser exercidas. Ela regula
procedimentos de vencimento de conflitos no interior da
coletividade. Ela ordena a organização e o procedimento da
formação da unidade política e da atividade estatal. Ela cria
bases e normaliza traços fundamentais da ordem jurídica”.
Encerrando o rol de definições a respeito de Constituição, recorremos à
clássica definição proposta por HERCULANO DE FREITAS
52
:
“Constituição, encarada essa palavra em seu sentido genérico,
têm-na todos os Estados, pois que não há Estado sem
organização política, sem regras diretrizes da formação e da
ação de seus poderes. Constituição, porém, como lei
fundamental dos povos livres, só a têm aqueles Estados que, em
virtude de conquistas populares, impuseram à ação do poder
limitações teoricamente intransponíveis, e é a lei fundamental
que organiza o Estado no seu governo, limita a sua ação,
proclama os direitos fundamentais dos indivíduos e assegura as
correspondentes garantias.
“A Constituição da República é a sua lei fundamental”.
Os ensinamentos trazidos acima deixam suficientemente claro que
Constituição é o comando normativo fundamental de uma Nação. É impossível conceber
a existência de uma Nação na ausência de tal documento. Na Constituição se encontram
51
Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. p. 37.
38
coligidos todos os elementos constitutivos do Estado, bem como os comandos relativos à
sua organização e ao seu modo de funcionamento.
4.2. Rigidez e supremacia constitucionais
A Constituição Federal vigente é sabidamente rígida no que toca à sua
mutabilidade. Isso ocorre porque o Constituinte houve por bem prescrever um
procedimento mais solene e rigoroso para a alteração da Carta Política do que o processo
empregado na elaboração de uma lei ordinária.
Decorrente da rigidez mencionada, o princípio da supremacia
constitucional responde pelo lugar de proeminência ocupado pela Constituição frente aos
demais comandos normativos do direito positivo. É o que salientou o gênio de JOSÉ
AFONSO DA SILVA
53
:
“Significa que a Constituição se coloca no vértice do sistema
jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes
estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na
proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do
Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação
deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as
normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua
superioridade em relação às demais normas jurídicas”.
O renomado constitucionalista realça suas considerações acerca da
supremacia da Constituição vigente da seguinte forma
54
:
52
Direito constitucional. p. 34. (atualizamos a grafia)
53
Curso de direito constitucional positivo. p. 45.
54
Curso de direito constitucional positivo. p. 46.
39
“Nossa Constituição é rígida. Em consequência, é a lei
fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só
nela encontra fundamento e só ela confere poderes e
competências governamentais. Nem o governo federal, nem os
governos dos Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito
Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou
implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental.
Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos.
“Por outro lado, todas as normas que integram a ordenação
jurídica nacional só serão válidas se conformarem com as
normas da Constituição Federal”.
Além da posição de superioridade em detrimento das demais normas do
sistema jurídico positivo, as normas constitucionais são marcadas pela imperatividade de
suas prescrições, impondo àqueles que a elas se submetem – inclusive ao Estado – o
dever de obediência incondicional às suas prescrições.
A prelecionada supremacia e a imperatividade obrigam todas as normas
jurídicas – das mais gerais às mais individuais, das mais abstratas às mais concretas – a
se aterem aos dispositivos prescritos pela Constituição, sob pena de, em descompasso
com o Texto Maior, serem inconstitucionais.
A disparidade entre a força normativa da Constituição e a das demais
normas do sistema jurídico positivo é plenamente compreensível e justificável, na
medida em que as regras constitucionais compreendem os valores sociais mais
relevantes, os quais devem ser preservados a qualquer custo.
40
4.3. Poder Constituinte originário e derivado
Prosseguindo na análise das principais características do sistema
constitucional brasileiro, é imprescindível abordar a temática do Poder Constituinte
originário e reformador.
Para definir essas duas realidades, ninguém melhor que MANOEL
GONÇALVES FERREIRA FILHO
55
:
“O poder que edita Constituição nova substituindo Constituição
anterior ou dando organização a novo Estado – este Poder
Constituinte é usualmente qualificado de originário. Isto
sublinha que ele dá origem à organização jurídica fundamental.
“Esta qualificação serve também para distinguir esse Poder
Constituinte, que é o único a realmente fazer jus ao nome, de
Poderes Constituintes instituídos ou derivados. Estes
impropriamente são chamados de Constituintes. Eles são
constituídos pelo Poder Constituinte e dele retiram a força que
têm. A designação Poder Constituinte só lhes vem do fato de
que, nos termos da obra de Poder originário, podem modificá-la,
completá-la (poder de revisão) ou institucionalizar os Estados
federados que dela provenham (Poder Constituinte dos Estados-
membros)”.
Partindo dessa definição, ressaltamos três características essenciais do
Poder Constituinte Originário: é inicial, na medida em que nenhum outro Poder lhe
precede ou existe acima dele; é autônomo, uma vez que não responde a ninguém em
razão de suas decisões; por fim, é incondicional, não se condicionando a qualquer regra
preexistente. Resumidamente, o Poder em questão tudo pode.
41
O Poder Constituinte derivado, como o próprio nome já deixa bem claro,
deriva do Poder Constituinte originário, motivo pelo qual as prescrições do primeiro
estão inexoravelmente condicionadas à dicção das prescrições do segundo. Diante disso,
é certa a inconstitucionalidade das manifestações do Poder Constituinte derivado que
porventura vierem a desrespeitar as prescrições do Poder Constituinte originário.
4.4. Limites ao Poder Constituinte derivado
O Poder Constituinte derivado não pode ser exercido livremente por seus
titulares como ocorre em relação ao Poder Constituinte originário. Daí suas
características principais: é condicionado e limitado.
O próprio Constituinte originário prescreveu as limitações ao Poder
Constituinte derivado. Tais limitações são de natureza material, circunstancial e
procedimental.
As limitações de índole material referem-se às matérias “petrificadas” no
artigo 60, § 4º da Constituição Federal de 1988. Esse dispositivo constitucional confere
imutabilidade aos direitos e garantias individuais, à forma federativa de Estado, ao voto
direto, secreto, universal e periódico e à separação dos Poderes.
Já as limitações circunstanciais relacionam as eventualidades em que o
Poder Constituinte derivado não poderá atuar para modificar a Carta Política. Elas estão
previstas no § 1º do artigo 60 da Carta Maior vigente
56
, consistindo na vigência de
intervenção federal, no estado de defesa ou no estado de sítio.
55
Curso de direito constitucional. p.21.
56
Art. 60 – A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[...]
42
As limitações procedimentais, por sua vez, consistem na impossibilidade de
reapresentação de Emenda Constitucional rejeitada na mesma sessão legislativa em que
ocorreu a rejeição. Assim prescreve o artigo 60, § 5º da Constituição Federal
57
.
Relacionadas as limitações ao exercício do Poder Constituinte derivado,
adquire suma importância ressaltar que também existem limitações que se encontram
prescritas de forma implícita na Carta Maior vigente
58
.
O Poder Constituinte derivado não pode, ao seu bel prazer, suprimir a
redação do artigo 60 da Constituição Federal, de modo a, de um momento para outro,
criar Emendas Constitucionais sobre qualquer assunto, em qualquer ocasião e por
qualquer procedimento.
Há, também, limitações ao Poder em questão no tocante aos princípios
constitucionais. Deixar a possibilidade de alterar, e até mesmo de suprimir tais preceitos,
parece-nos extremamente perigoso e contrário à vontade do Constituinte originário.
5. Sistema constitucional tributário brasileiro
O Constituinte originário brasileiro, tão acostumado com os abusos e os
desmandos havidos desde o Descobrimento, entendeu por bem que a matéria tributária
deveria residir de forma rígida e exaustiva no seio da Carta Política, deixando pouco ou
§ 1º – A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de
sítio.
57
Art. 60 – A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[...]
§ 5º – A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova
proposta na mesma sessão legislativa.
58
A respeito do assunto, merecem destaque as considerações de MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO: “Há na
doutrina uma corrente que sustenta não existirem limites implícitos ao Poder Constituinte instituído. Salvo os limites
expressos, o Poder Constituinte instituído pode tudo. [...] Mas a maioria da doutrina, inclusive Souza Sampaio, sustenta
que existem limites implícitos ao Poder Constituinte instituído”. O poder constituinte. p. 116-117.
43
quase nenhuma liberdade de atuação legislativa para o legislador ordinário. Trata-se do
sistema constitucional tributário brasileiro.
Tal sistema é formado pelas normas constitucionais que versam e
regulamentam a atividade tributária, tanto no tocante ao exercício das competências
legislativas a ela correspondentes – competência tributária – quanto em relação ao
exercício da função tributante. Trata-se de um verdadeiro “compêndio” constitucional de
normas de tributação.
Merece destaque a doutrina de GERALDO ATALIBA
59
a respeito do
assunto:
“O sistema constitucional tributário, que é o primeiro dado, o
dado mais importante dentro do sistema tributário, porque ele
encerra as normas constitucionais que dizem respeito à
tributação – entendida a palavra tributação como a ação de
tributar, que é uma ação privativamente estatal, regida
primeiramente pelo direito constitucional – dentro do sistema
constitucional tributário reconhecemos que as normas
constitucionais tributárias são inúmeras”.
PAULO DE BARROS CARVALHO
60
, por sua vez, salienta o seguinte:
“Pertencendo ao estrato mesmo da Constituição, da qual se
destaca por mero expediente lógico de cunho didático, o
subsistema constitucional tributário realiza as funções do todo,
dispondo sobre os poderes capitais do Estado, no campo da
tributação, ao lado de medidas que asseguram as garantias
59
Curso sobre teoria do direito tributário. p. 230-231.
60
Curso de direito tributário. p. 143.
44
imprescindíveis à liberdade das pessoas diante daqueles
poderes”.
Nessa mesma esteira, JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES
61
assenta:
“Esse sistema (sistema constitucional tributário brasileiro) é
formado pelos princípios e regras constitucionais que regem o
exercício da tributação, função estatal de arrecadar dinheiro a
título de tributo”.
Já para AMÍLCAR DE ARAÚJO FALCÃO
62
, por sistema tributário “[...]
designa-se o conjunto dos tributos existentes em um Estado, considerados seja nas suas
recíprocas relações, seja quanto aos efeitos globalmente produzidos sobre a vida
econômica e social”.
O sistema constitucional tributário brasileiro é sui generis. Inexiste outro
no mundo que goze de características semelhantes. Em consistente e sempre atual obra a
respeito do tema, GERALDO ATALIBA
63
destacou algumas dessas particularidades:
“Em contraste com os sistemas constitucionais tributários
francês, italiano ou norte-americano, por exemplo, o constituinte
brasileiro esgotou a disciplina da matéria tributária, deixando à
lei simplesmente a função regulamentar. Nenhum arbítrio e
limitadíssima esfera de discrição foram outorgados ao legislador
ordinário. A matéria tributária é exaustivamente tratada pela
nossa Constituição, sendo o nosso sistema tributário todo
moldado pelo próprio constituinte, que não abriu à lei a menor
possibilidade de criar coisa alguma – se não expressamente
61
Isonomia na norma tributária. p. 14.
62
Sistema tributário brasileiro. p. 27.
45
prevista – ou mesmo introduzir variações não prévia e
explicitamente contempladas. Assim, nenhuma contribuição
pode a lei dar à feição do nosso sistema tributário. Tudo foi feito
e acabado pelo constituinte”.
Partindo das peculiaridades do sistema constitucional tributário brasileiro, o
mestre publicista criou uma classificação bastante interessante, que merece destaque.
Passemos a ela.
5.1. Sistemas constitucionais tributários simples ou complexos: elasticidade ou
rigidez
Segundo a classificação sugerida por GERALDO ATALIBA, os sistemas
constitucionais tributários podem ser simples ou complexos. Dessa classificação resulta
a caracterização de sua elasticidade ou rigidez.
Os sistemas simples são aqueles que trazem poucas disposições sobre
matéria tributária no seio da Constituição, mediante a afirmação de “[...] um ou dois
princípios fundamentais a orientar a ação legislativa instituitória dos tributos
64
”.
Os complexos, por sua vez, encerram no Texto Maior uma imensa gama de
preceitos relativos à questão da tributação, tendo como preocupação a proteção aos
direitos do homem.
Segundo palavras do próprio GERALDO ATALIBA
65
, os sistemas
complexos desdobram-se “[...] na colocação de múltiplos e variados princípios positivos
63
Sistema constitucional tributário brasileiro. p. 18.
64
Sistema constitucional tributário. p. 18.
65
Sistema constitucional tributário. p.18.
46
ou negativos contendo diretrizes vinculantes para o legislador e medidas de garantia e
proteção dos contribuintes”.
A partir desses conceitos, temos que os sistemas simples tendem a se
caracterizar pela elasticidade, na medida em que a instituição de normas tributárias será
incumbência do legislador decorrente, ordinário – que poderá exercer a competência
tributária de acordo com sua vontade e entendimento. Em sistemas dessa natureza, a
expressão “cheque em branco” ganha contornos ainda mais vívidos e temerários, pois os
instrumentos se prestam à vontade do governante, com pouquíssima restrição de uso.
Já os sistemas complexos apontam para a rigidez. Com a maior
regulamentação constitucional da matéria tributária, menor é o poder que resta ao
legislador ordinário para o exercício da competência legislativa a ela referente. Isso
porque, como vimos, deverão as normas inferiores guardar relação com os ditames
prescritos pelas normas superiores, especialmente constitucionais.
Evidentemente, nos sistemas complexos e marcados pela rigidez, a
sociedade como um todo está mais protegida contra os mandos e desmandos do
“governo dos homens”, e os preceitos do Estado Democrático e Social de Direito
encontram-se, ao menos em tese, assegurados pela supremacia da Constituição.
Concluímos que o sistema constitucional tributário brasileiro é da espécie
dos complexos. A matéria tributária foi exaustivamente tratada pelo Constituinte
originário, evidenciando sua rigidez. JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES
66
confirma:
“Consiste essa exaustividade no fato de a Constituição conter
todos os princípios e regras que dão feição ao sistema
constitucional tributário, não deixando espaço ou oportunidade
66
Isonomia nas normas tributárias. p. 16.
47
para que a legislação infraconstituional contribua para a
configuração desse sistema. Desenhado, delimitado
exaustivamente pela Constituição, à legislação
infraconstitucional só resta dar operatividade ao sistema
constitucional tributário brasileiro”.
No mesmo sentido, PAULO DE BARROS CARVALHO
67
asseverou que:
“Enquanto os sistemas de outros países de cultura ocidental
pouco se demoram nesse campo, cingindo-se a um número
reduzido de disposições, que ferem tão-somente pontos
essenciais, deixando à atividade legislativa infraconstitucional a
grande tarefa de modelar o conjunto, o nosso, pelo contrário, foi
abundante, dispensando à matéria tributária farta messe de
preceitos, que dão pouca mobilidade ao legislador ordinário, em
termos de exercitar seu gênio criativo. Esse tratamento amplo e
minucioso, encartado numa Constituição rígida, acarreta como
conseqüência inevitável um sistema tributário de acentuada
rigidez...”.
5.2. Repartição das competências legislativas tributárias
A repartição, entre os Estados-membros da Federação brasileira, das
competências legislativas tributárias e das rendas auferidas com os tributos criados por
meio do exercício de tais competências constitui outra característica marcante do sistema
constitucional tributário. A temática em questão será abordada com maior atenção de
nossa parte em capítulo próprio a respeito da competência tributária.
48
5.3. Tributo: conceito aglutinante do sistema constitucional tributário brasileiro
A Constituição Federal de 1988 não traz em seu bojo uma definição
explícita para o termo “tributo”, o que poderia levar seu intérprete a acreditar que o
conceito buscado não foi enunciado pelo Constituinte Originário. Esse entendimento não
é plausível.
Tal pensamento se mostra ainda mais absurdo se imaginarmos a inocuidade
de um sistema constitucional tributário que, tão rico em regras e princípios protetores
dos direitos dos contribuintes, não trouxesse a definição de seu elemento aglutinador.
O sistema constitucional tributário brasileiro é rígido e complexo,
minuciosamente desenhado pelo Constituinte Originário, o que nos leva a crer que, ainda
que implicitamente, o conceito de tributo esteja presente na Carta vigente.
Estamos certos de que o conceito de tributo – ainda que se trate apenas de
seu “conteúdo semântico mínimo”
68
– reside no Texto Constitucional vigente, brindando
todas as normas do sistema constitucional tributário com seu significado, o que reforça,
sem sombra de dúvida, a idéia da exaustividade e rigidez desse conjunto.
A primeira reflexão sobre o termo “tributo” nos conduz à idéia de que se
trata do instrumento pelo qual o Estado adentra legalmente a esfera patrimonial do
contribuinte, expropriando-lhe determinada parcela com o intuito de custear suas
atividades.
Mas vejamos como a doutrina pátria define tributo.
67
Curso de direito tributário brasileiro. p. 144.
68
Cf. PAULO DE BARROS CARVALHO. Filosofia do direito I – lógica jurídica. p. 77.
49
PAULO DE BARROS CARVALHO
69
, comprovando a polissemia do
termo em questão, valeu-se do rigor científico que lhe é próprio para afirmar o seguinte:
“O vocábulo ‘tributo’ experimenta nada menos do que seis
significações diversas, quando utilizado nos textos do direito
positivo, nas lições da doutrina e nas manifestações da
jurisprudência. São elas:
“a) ‘tributo’ como quantia em dinheiro;
“b) ‘tributo’ como prestação correspondente ao dever jurídico
do sujeito passivo;
“c) ‘tributo’ como direito subjetivo de que é titular o sujeito
ativo;
“d) ‘tributo’ como sinônimo de relação jurídica tributária;
“e) ‘tributo’ como norma jurídica tributária;
“f) ‘tributo’ como norma, fato e relação jurídica”.
Dentre esses significados, o tributarista optou pela definição que também
nos parece a mais correta, considerando tributo como relação jurídica que surge com o
acontecimento de um fato que se encontre previsto em norma previamente existente.
JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES
70
, considerando também a ação de
tributar, assim se manifesta: “A ação de tributar envolve prestações obrigacionais
coativas, impostas por lei, tendo por objeto dinheiro, em benefício do interesse público”.
E prossegue, definindo tributo como a “[...] prestação em dinheiro, coativa, imposta pela
lei, consistente em qualquer espécie de sanção”.
69
Curso de direito tributário. p. 19
70
Isonomia na norma tributária. p. 15.
50
Em que pese a dificuldade em conceituar com exatidão a definição
constitucional de tributo, são indiscutíveis sua presença na Carta Maior do Estado
brasileiro e sua função aglutinadora no sistema constitucional tributário, na medida em
que todas as normas de Direito Tributário se referem a tal conceito.
Feitas essas considerações, cremos estar habilitados a avançar pelos
campos do sistema constitucional tributário, motivo pelo qual passamos ao estudo dos
princípios diretamente relacionados à tributação.
51
CAPÍTULO III
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS
1. Considerações preliminares
Assim como o vocábulo “sistema”, “princípio” é um termo polissêmico,
ensejando a elucubração de inúmeras definições a seu respeito e ocasionando equívocos
indesejáveis em sua conceituação.
A despeito disso, e sopesando a natureza científica do presente trabalho,
não podemos nos render ao vício de linguagem que acomete o referido termo, motivo
pelo qual passamos a buscar seu significado-de-base.
Iniciamos tal tarefa recorrendo à linguagem do dia-a-dia, na qual os usos de
“princípio” estão, segundo CALDAS AULETE, diretamente ligados às idéias de início,
origem, razão ou base de alguma coisa
71
. Trata-se verdadeiramente do ponto de partida
de algo.
52
ESTEVÃO HORVATH
72
, buscando a definição do conceito de princípio
na linguagem comum, recorre a GENARO CARRIÓ para salientar que:
“[...] o conceito está ligado às idéias de:
1) ‘parte ou ingrediente importante de algo’, ‘propriedade
fundamental’, ‘núcleo básico’, ‘característica central’;
2) ‘regra, guia, orientação ou indicações gerais’;
3) ‘fonte geradora’, ‘causa’ ou ‘origem’;
4) ‘finalidade’, ‘objetivo’, ‘propósito’ ou ‘meta’;
5) ‘premissa’, ‘inalterável ponto de partida para o raciocínio’,
‘axioma’, ‘verdade teórica postulada como evidente’, ‘essência’,
‘propriedade definitória’;
6) ‘regra prática de conteúdo evidente’, ‘verdade ética
inquestionável’;
7) ‘máxima’, ‘aforisma’, ‘provérbio’, ‘peça de sabedoria prática
que nos vem do passado e que traz consigo o valor da
experiência acumulada e o prestígio da tradição’”.
O prelecionado jurista também ressalta que: “[...] queremos crer que, de
certa forma, todas as acepções acima referidas se interpenetram e a noção de princípio é
formada e conformada por todas elas”.
Ascendendo ao campo das ciências, temos que o conceito de “princípio”
relaciona-se com as idéias de estruturas e regras fundamentais de determinado sistema
de conhecimento, condicionando o ser cognoscente à sua consideração para que seja
possível a apreensão das características dos objetos postos.
71
Dicionário contemporâneo da língua portuguesa.
72
O princípio do não-confisco no direito tributário. p.21.
53
A respeito da dicção do termo em apreço e de sua utilização científica,
MIGUEL REALE
73
afirma que:
“[...] princípios são ‘verdades fundantes’ de um sistema de
conhecimento, como tais admitidas por serem evidentes ou por
terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem
prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos
exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis”.
De acordo com NICOLA ABBAGNANO
74
, “princípio” foi introduzido na
Filosofia por Anaximandro e tomado com freqüência por Platão, que o utilizava como
“sentido de causa de movimento”e que encontrou em Aristóteles o primeiro a “enumerar
completamente seus significados”. Aprofundando seu estudo, o mestre italiano relaciona
os significados enumerados pelo Estagirita:
“1.º ponto de partida de um movimento [...]; 2.º o melhor ponto
de partida [...]; 3.º ponto de partida efetivo de uma produção
[...]; 4.º causa externa de um processo ou movimento [...]; 5.º o
que com sua decisão determina movimentos ou mudanças [...];
6.º aquilo do qual parte um processo de conhecimento [...]”.
Concluindo, o lexicógrafo se vale das palavras do próprio Aristóteles:
“O que todos os significados têm em comum é que, em todos,
Princípio é aquilo que é ponto de partida ou do ser ou do tornar-
se ou do conhecer (Met., V, 1, 1012 b 32-1013 a 19)”.
73
Lições preliminares de direito. p. 305.
74
Dicionário de filosofia. p. 760.
54
Com base nas definições trazidas acima, assumimos que princípio é sempre
o ponto de partida do ser cognoscente em direção à apreensão do conhecimento – sua
apreciação e manejo são indispensáveis para o bom entendimento e utilização dos
objetos que se pretende conhecer.
2. Princípios e Direito: o princípio como norma jurídica
Nos terrenos do Jurídico, os princípios devem ser estudados em duas
perspectivas totalmente distintas, cujas diferenças já foram abordadas no curso deste
estudo: a realidade da Ciência do Direito e a realidade do direito positivo.
Em relação à Ciência do Direito, “princípio” refere-se às regras
fundamentais que informam o estudo do direito positivo. São os elementos utilizados
pelos cientistas para otimizar a compreensão de seu objeto do conhecimento: as normas
que integram o sistema do direito positivo.
Dentre os princípios informadores da Ciência do Direito, encontram-se,
entre outros, os “princípios hermenêuticos” mencionados por J.J. GOMES
CANOTILHO
75
, que, segundo o constitucionalista português, desempenham funções
argumentativas, como aclarar a mens legis de uma disposição normativa. É evidente que
tais estruturas devem ser levadas em conta no processo de conhecimento inerente à
Ciência do Direito, fato que lhes confirma o desígnio de “princípio”.
Na outra realidade jurídica em que despontam – o direito posto –, os
princípios são as estruturas fundantes e condicionantes da própria ordem jurídica
positiva, integrando-a, o que nos leva a concluir que princípios são normas jurídicas.
75
Direito constitucional e teoria da constituição. p. 1.161.
55
Avalizando tal entendimento, recorremos às precisas lições de EROS
ROBERTO GRAU
76
:
“Os princípios, todos eles – os explícitos e os implícitos –,
constituem norma jurídica.
“Também os princípios gerais de direito – e não será demasiada
a insistência, aqui, em que se trata de princípios de um
determinado direito – constituem, estruturalmente, normas
jurídicas”.
Prosseguindo, assim arremata o ilustre autor: “Norma jurídica é gênero que
alberga, como espécies, regras e princípios – entre estes últimos incluídos tanto os
princípios explícitos e implícitos quanto os princípios gerais do direito”.
Partindo do pressuposto de que princípios são normas jurídicas, convém
analisar a outra espécie normativa existente – regras – para o fim de melhor definir e
delimitar o instituto ora estudado.
3. Norma Jurídica: regras e princípios
A distinção entre regras e princípios não é assunto novo para a Ciência do
Direito. Inicialmente, as espécies do gênero “norma” eram diferenciadas pela
generalidade de seus relatos e alcance. As regras encerrariam relatos mais específicos e
incidiriam sobre as situações por elas relatadas. Já os princípios trariam relatos mais
abstratos e, por conta disso, incidiriam sobre variadas situações, inclusive sobre aquelas
objeto das demais regras jurídicas.
76
Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. p. 45.
56
Com o avançar da Ciência do Direito e a criação de uma rígida Teoria dos
Princípios, esse instituto passou a ser compreendido como uma norma qualitativamente
distinta das regras, de modo que a diferença entre ambos os institutos não correspondia
meramente a uma questão de graduação, mas sim de qualidade.
Sob essa perspectiva, as regras passaram a ser encaradas como comandos
que trazem relatos objetivos sobre determinadas condutas, incidindo sobre um campo
bastante restrito, composto pelas situações por elas regulamentadas. Sua incidência
ocorre com a subsunção das ocorrências do dia-a-dia à descrição dos fatos contida no
anterior da regra, ocasião em que se dá a imposição de uma determinada conseqüência,
que se referirá exclusivamente à conduta delimitada por aquela espécie normativa.
Havendo conflito entre duas ou mais regras passíveis de incidência sobre
determinada conduta, apenas uma poderá produzir os efeitos nela previstos, uma vez que
essa espécie normativa opera no regime denominado por RONALD DWORKIN
77
de
“all-or-nothing fashion”, o que significa que uma regra ou é, ou não é aplicável a tal ou
qual conduta
78
.
Os princípios, por sua vez, encerram relatos mais abstratos que aqueles
versados pelas regras jurídicas, deixando de especificar a conduta que deve ser adotada.
Eles se aplicam a um campo muito mais amplo de situações do que as regras.
Os conflitos entre princípios, diferentemente da espécie normativa tratada
anteriormente, são meramente aparentes, não obedecendo à modalidade do tudo ou nada.
Quando dois ou mais princípios caminham em rumo de colisão, cabe ao Cientista do
77
Taking rights seriously. p. 67.
78
A respeito do assunto, convém sublinhar o entendimento de LUIS ROBERTO BARROSO, para quem “Uma situação
não pode ser regida simultaneamente por duas disposições legais que se contraponham. Para solucionar essas hipóteses
de conflitos de leis, o ordenamento jurídico se serve de três critérios tradicionais: o da hierarquia – pelo qual a lei
superior prevalece sobre a inferior –, o cronológico – em que a lei posterior prevalece sobre a anterior – e o da
57
Direito sopesá-los e hamonizá-los de maneira a otimizar a dinâmica do sistema do
direito positivo. A respeito do tema, esclarece ROBERT ALEXY
79
:
“Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na
maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e
reais existentes. Por isso, são mandados de otimização,
caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em
diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento não
só depende das possibilidades reais, mas também das jurídicas.
O âmbito do juridicamente possível é determinado pelos
princípios e regras opostas”.
Traçadas as diferenças primordiais entre regras e princípios, passemos à
definição de princípios jurídicos.
4. Princípios Jurídicos
Iniciamos o percurso de definição dos princípios jurídicos considerando as
palavras de ESTEVÃO HORVATH
80
, para quem “princípio” é uma expressão que, em
razão de sua plurisubjetividade, gerou inúmeras divergências doutrinárias a respeito de
seu conteúdo, sentido e alcance.
Demonstrando tal pluralidade de entendimentos e buscando a formulação
de nosso próprio conceito de princípios jurídicos, trazemos a lição de alguns publicistas
de escol.
especialização – em que a lei específica prevalece sobre a lei geral. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito
constitucional brasileiro, em Temas de direito constitucional. t. II. p. 32.
79
Teoria de los derechos fundamentales. p. 86. (traduzimos)
80
O princípio do não-confisco no direito tributário. p. 21.
58
PAULO DE BARROS CARVALHO
81
aduziu as seguintes afirmações:
“Seja como for, os princípios aparecem como linhas diretivas
que iluminam a compreensão de setores normativos,
imprimindo-lhes caráter de unidade relativa e servindo de fator
de agregação num dado feixe de normas. Exercem eles uma
reação centrípeta, atraindo em torno de si regras jurídicas que
caem sob seu raio de influência e manifestam a força de sua
presença”.
Em célebre colocação a respeito do assunto, CELSO ANTONIO
BANDEIRA DE MELLO
82
magistralmente asseverou que:
“Princípio [...] é, por definição, mandamento nuclear de um
sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se
irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e
servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência,
exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema
normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido
harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a
intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário
que há por nome sistema jurídico positivo”.
GERALDO ATALIBA
83
, por sua vez, escreveu que:
“Os princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as
diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a
81
Curso de direito tributário. p. 148.
82
Curso de direito administrativo. p. 747-748.
83
República e constituição. p. 34.
59
serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente
perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos)”.
Concluímos que princípios jurídicos consistem em normas que atuam como
mandamento de otimização das demais espécies normativas componentes do sistema de
direito positivo vigente, motivo pelo qual devem ser observados e utilizados como
parâmetro de aplicação das normas existentes.
Exatamente por isso, a despeito dos distintos entendimentos acerca do
significado do termo “princípio”, os expoentes da doutrina jurídica concordam que a
violação de um princípio jurídico é extremamente mais grave que a violação de uma
simples regra.
CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO
84
confirma essa percepção:
“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma
norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não
apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o
sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido,
porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão
de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu
arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”.
A seguir, passamos a analisar os princípios que entendemos mais relevantes
para a condução do presente trabalho, especialmente em relação à abordagem
constitucional-tributária indispensável para se estudar o ICMS – Importação.
84
Curso de direito administrativo. p. 748.
60
4.1. Princípio republicano
Logo ao abrir a Constituição Federal vigente, deparamo-nos com um de
seus cânones mais importantes, o republicano, que se situa, não por acaso, no primeiro
artigo do Texto Magno, e faz menção aos princípios fundamentais da ordem jurídica
brasileira:
“Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
“I – a soberania;
“II – a cidadania;
“III – a dignidade da pessoa humana;
“IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
“Parágrafo único – Todo o poder emana do povo, que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos
desta Constituição”.
Esse proeminente instituto guarda posição sobranceira em detrimento dos
demais princípios de nosso ordenamento jurídico. Obviamente, também o faz em relação
às regras, motivo pelo qual é indispensável conhecê-lo e às suas particularidades.
O princípio em questão é o vetor que condiciona nosso sistema de direito
positivo a considerar, em sua construção, e na aplicação dos comandos normativos
existentes, as aspirações inerentes à República.
Cícero e Aristóteles em muito contribuíram para o desenvolvimento do
tema em questão: o primeiro eternizou a definição mais corriqueira de República – res
61
publica: coisa do povo –; o segundo, mediante profundas considerações acerca das
formas de governo de uma sociedade, chegou à idéia de governo do povo, então
chamada Democracia
85
.
Partindo desse raciocínio, o pai da ciência política moderna, NICOLAU
MACHIAVEL
86
, segregou as formas de governo em duas espécies – repúblicas e
principados –, o que ensejou o surgimento de uma classificação dualista das formas de
governo, consistentes em República e Monarquia. Aquele regime é caracterizado pela
eletividade periódica do chefe do Estado, enquanto este se marca pela vitaliciedade de
seu Governante no comando.
GERALDO ATALIBA
87
, desenvolvendo o tema em questão, definiu-o da
seguinte forma em sua brilhante obra República e Constituição:
“República é o regime político em que os exercentes de funções
políticas (executivas e legislativas) representam o povo e
decidem em seu nome, fazendo-o com responsabilidade,
eletivamente e mediante mandatos renováveis periodicamente”.
O saudoso mestre prossegue, tratando das características inerentes à
República:
“São, assim, características da república a eletividade, a
periodicidade e a responsabilidade. A eletividade é instrumento
da representação. A periodicidade assegura a fidelidade aos
mandatos e possibilita a alternância no poder. A
85
Acerca do tema, ver: JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso de direito constitucional. p. 102-103; SAHID MALUF.
Teoria geral do estado. p. 174-175; e DARCY AZAMBUJA. Teoria geral do estado. p. 229.
86
O príncipe.
87
República e constituição. p. 13.
62
responsabilidade é o penhor da idoneidade e da representação
popular”.
ROQUE ANTONIO CARRAZZA
88
, seguindo as linhas do publicista
citado, criou a seguinte definição para República:
“República é o tipo de governo, fundado na igualdade formal
das pessoas, em que os detentores do poder político exercem-no
em caráter eletivo, representativo (de regra), transitório e com
responsabilidade”.
É possível concluir que são características primordiais do regime
republicano: a tripartição de poderes
89
, a existência de mandatos políticos renováveis
periodicamente, com alternância das pessoas que os exercem e com possibilidade de sua
responsabilização, bem como a existência de mecanismos de controle da ação do
Governo pelo povo.
Teceremos breves considerações sobre as principais características
protegidas pela chamada forma republicana. Esta forma de governo sempre deve estar
fundada na igualdade formal das pessoas, não havendo que se falar, ao menos em termos
jurídicos, de classes dominantes e dominadas. Tal raciocínio, que privilegia o princípio
da igualdade, encontra pleno fundamento no fato de que o Estado pertence ao povo, de
forma igualitária.
Os detentores do poder político – os governantes dos Estados Republicanos
– jamais podem perder de vista que o “poder emana do povo”, ou, melhor dizendo, que o
povo é o titular do poder político. A função dos governantes é meramente representativa.
88
Curso de direito constitucional tributário. p. 48.
89
Separação de Poderes assegurada pela prescrição contida no artigo 2.º da Constituição Federal de 1988: “Art. 2.º –
São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
63
Por isso, a tarefa dos governantes cinge-se à concretização da vontade popular, anseio
fundante da própria República.
Os governantes das repúblicas devem sempre ser eleitos pelo povo, com
mandato certo e por meio de pleitos caracterizados pela lisura e pela transparência, de
modo a assegurarem que a vontade popular seja plenamente exercida. A eletividade
constitui um dos requisitos essenciais para a manutenção do Estado Republicano, pois
assegura que o detentor do poder público eleja aqueles que o exercerão em seu nome.
Em relação à representatividade, repisamos o que salientamos em relação
ao exercício do poder político na República. Os governantes são meros representantes do
povo, a quem pertence, inexoravelmente, o poder político. Sua função é gerir a coisa
pública de modo a implementar a vontade popular.
Como sabido, a República brasileira é essencialmente representativa.
Porém, a Constituição contempla – ainda que genericamente – três instrumentos de
exercício direto da democracia: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Veja-se:
“Art. 14 – A soberania popular será exercida pelo sufrágio
universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para
todos, e, nos termos da lei, mediante:
“I – plebiscito;
“II – referendo;
“III – iniciativa popular”.
Salvo esses instrumentos, o povo não se autogoverna.
Outro traço relevante da forma republicana de governo é a transitoriedade
dos mandatos políticos outorgados aos governantes – que devem se dar em curtos
64
espaços de tempo. A temporariedade dos mandatos é indispensável na medida em que,
por meio dos pleitos e da eleição, o povo tem condição de corrigir o rumo do exercício
do poder político. Caso não se sintam satisfeitos com a atuação dos governantes, os
cidadãos deixam de eleger tal ou qual como seus representantes.
Acerca do assunto, manifestou-se com maestria ANTONIO DE SAMPAIO
DORIA
90
, para quem, em que pese o mandato ser irrevogável, esse:
“[...] se renova de breve em breve, e, por esta forma, a Nação,
alem de responsabilizar, não reelegendo, os que lhe traíram o
mandato, está em sua vontade escolher com mais tino os novos
representantes”.
A responsabilidade, por fim, constitui outro traço marcante da forma
republicana de governo. Tal característica assegura que os governantes respondam pelas
decisões políticas que adotarem. Trata-se, evidentemente, de mais um instrumento para
evitar os mandos e desmandos do “governo dos homens”.
Resta claro que o princípio republicano é o instrumento acravado em nosso
ordenamento jurídico positivo para o fim de garantir que as características próprias ao
republicanismo sejam respeitadas e consideradas na criação, e no manejo das normas
jurídicas existentes. O desrespeito a tal cânone inquina de inconstitucionalidade toda e
qualquer interpretação de outro princípio – seja ele qual for – ou regra jurídica.
Tanto é assim, e tamanha é a importância do cânone em análise, que,
apesar de hoje em dia não mais constituir expressamente “cláusula pétrea”, algumas de
suas expressões – as mais relevantes, em nosso ver – estão protegidas do alvitre do
90
Princípios Constitucionais. p. 49.
65
legislador derivado, tanto em âmbito constitucional quanto no plano infraconstitucional.
Assim determina a redação do artigo 60, § 4º da Carta Maior em vigor. Confira-se:
“Art. 60 – A Constituição poderá ser emendada mediante
proposta:
“[...]
“§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir:
“I – a forma federativa de Estado;
“II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
“III – a separação dos Poderes;
“IV – os direitos e garantias individuais”.
No tocante ao Direito Tributário, o princípio republicano irradia seus
efeitos sobre as demais normas dessa natureza para, prima facie, proteger as instituições
republicanas do Estado brasileiro, mas também, e em mesmo grau de importância, para
impedir o favorecimento tributário de uns em detrimento de outros, privilegiando a
igualdade entre os contribuintes perante a lei.
4.2. Princípio da igualdade e da isonomia
Não é possível falar em princípio republicano sem discorrer sobre o cânone
que corporifica um dos ideais fundamentais da res publica: a igualdade. Trata-se,
obviamente, do princípio da isonomia ou igualdade perante a lei.
É verdadeiramente inconcebível a existência de uma república sem que
haja igualdade entre os elementos que compõem seu povo. Tal situação sequer faria
sentido, como bem adverte GERALDO ATALIBA
91
:
91
República e constituição. p. 160.
66
“Não teria sentido que os cidadãos se reunissem em república,
erigissem um Estado, outorgassem a si mesmos uma
Constituição, em termos republicanos, para consagrar
instituições que tolerassem ou permitissem – seja de modo
direto, seja indireto – a violação da igualdade fundamental, que
foi o próprio postulado básico, condicional, da ereção do
regime. Que descem ao Estado – que criaram em rigorosa
isonomia cidadã – poderes para serem usados criando
privilégios, engendrando desigualações, favorecendo grupos ou
pessoas, ou atuando em detrimento de quem quer que seja. A res
publica é de todos e para todos. Os poderes que de todos
recebem devem traduzir-se em benefícios e encargos iguais para
todos os cidadãos”.
Tamanha é a importância do princípio em estudo no regime constitucional
brasileiro que a Carta Maior, além de conter diversas manifestações ao seu respeito, ao
longo de todo o seu texto, ainda prescreve, de forma expressa, que a igualdade figura nos
objetivos fundamentais da República Federativa brasileira, nos termos do artigo 3º da
Constituição vigente. Veja-se:
“Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil:
“I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
“II – garantir o desenvolvimento nacional;
“III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais;
“IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação”.
67
A simples leitura do dispositivo constitucional trazido acima deixa claro o
que salientamos sobre a importância do cânone em questão, na medida em que somente
com a rígida atenção e respeito à isonomia é possível: (i) construir uma sociedade livre,
justa e solidária; (ii) garantir o desenvolvimento nacional; (iii) erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdade sociais e regionais; e, por fim, (iv) promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação.
Para reforçar a importância e a superioridade do princípio da isonomia, o
legislador Constituinte houve por bem reservar-lhe espaço de destaque na seção dos
“direitos e garantias fundamentais”, especificamente na cabeça do artigo 5º da Carta
Maior, de modo que todos os direitos e garantias fundamentais devam guardar respeito a
tal cânone:
“Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes: [...]”.
Assim, resta saber em que contexto a isonomia foi inserida em nossa
Constituição Federal.
O conceito mais conhecido de isonomia foi formulado por Aristóteles, para
quem igualdade e isonomia devem ser aplicadas de modo que os iguais sejam tratados
igualmente e os desiguais sejam tratados de maneira desigual. A esse respeito, destacam-
se as palavras de JOSÉ AFONSO DA SILVA
92
:
92
Curso de direito constitucional. p. 213.
68
“Aristóteles vinculou a idéia de igualdade à idéia de justiça,
mas, nele, trata-se de igualdade de justiça relativa que dá a cada
um o que é seu, uma igualdade – como nota Chomé –
impensável sem a desigualdade complementar e que é satisfeita
se o legislador tratar de maneira igual os iguais e de maneira
desigual os desiguais”.
RUI BARBOSA
93
eternizou outra famosa definição do que chamava de
“regra da igualdade”:
“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar
desigualmente aos desiguais na medida em que se desigualam.
Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade
natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são
desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com
desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria
desigualdade flagrante, e não igualdade real”.
Faz-se claro que, para a perfeita implementação do princípio da isonomia,
devem ser adotadas condutas que tratem igualmente os iguais e desigualmente os
desiguais, na justa medida de sua desigualdade. Todavia, o que se questiona é como
proceder a tal discriminação.
É indispensável conferir a diferenciação que a própria Carta Maior faz, em
seus artigos 3º e 5º, entre distinção e discriminação dos destinatários da norma
constitucional. O primeiro procedimento é vedado – dever de não distinguir as pessoas –,
e o segundo, incentivado – dever de discriminação –, respeitados certos elementos
acerca dos quais trataremos adiante.
69
Os próprios artigos 3º e 5º da Carta Maior já estabeleceram quais elementos
distintivos jamais poderiam ser utilizados como fatores de discriminação para fins do
princípio da isonomia. Vejam-se as considerações de MISABEL ABREU MACHADO
DERZI
94
a respeito do tema:
“[...] Sem dúvida, o sexo, a raça, a cor, a idade, a origem, as
convicções políticas, a crença religiosa e inumeráveis outros
fatores podem distinguir cidadão por cidadão. Por essa razão, a
Constituinte, no artigo 3º, IV e no art. 5º, diz que essas
diferenças não ensejam tratamento jurídico desigual, isto é, são
diferenças absolutamente irrelevantes, vedando-se a sua
consideração a fim de se lhes atribuir regime jurídico diverso”.
Para tratar da discriminação como meio de implementação do princípio da
isonomia, recorremos ao magistério de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO
95
.
Segundo o autor, para se conhecer a justa medida da discriminação possível, é necessário
submeter a norma jurídica instituidora da discriminação a um teste de
constitucionalidade. Há ofensa ao princípio da isonomia quando:
“I – A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário
determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou
uma pessoa futura e indeterminada; II – A norma adota como
critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes,
elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal
modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende tomar o
fator “tempo” – que não descansa no objeto – como critério
diferencial; III – A norma atribui tratamentos jurídicos
93
Oração aos moços. p. 26.
94
Principio da igualdade no direito tributário e suas manifestações. Princípios constitucionais tributários. p. 172.
70
diferentes em atenção a fator de discrímen adotado que,
entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a
disparidade de regimes outorgados; IV – A norma supõe relação
de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen
estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo
dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente; V –
A interpretação da norma extrai dela distinções, discrimens,
desequiparações que não foram professadamente assumidos por
ela de modo claro, ainda que por via implícita”.
Preocupado em reforçar a aplicação do cânone em estudo na seara
tributária, o legislador Constituinte houve por bem inserir no artigo 150, II da
Constituição Federal o princípio da isonomia tributária, cujo teor é o seguinte:
“Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios:
[...]
“II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se
encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção
em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos,
títulos ou direitos; [...]”.
O princípio da isonomia tributária determina que a tributação deve atingir
todos os que se encontrem em igualdade de condições nos termos da lei, o que não
significa dizer, por óbvio, que toda e qualquer pessoa pode ou deve ser objeto da
imposição tributária.
95
Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. p. 47.
71
Isso porque, como é de conhecimento geral, a tributação somente pode
incidir quando da realização, por parte do contribuinte, das materialidades dos tributos
postos por meio da edição de normas infraconstitucionais específicas.
Na realidade, o que deve ocorrer é a estrita observância e aplicação, pelo
legislador ordinário, do princípio da isonomia tributária no momento da criação do
tributo in abstracto, bem como pelo Poder Judiciário quando do julgamento de
normativos que atentem contra tal cânone.
Ainda que o legislador resolva se valer de elementos de discriminação para
aumentar ou diminuir, ou fazer não incidir a tributação sobre determinados
contribuintes
96
, jamais poderá deixar de considerar o princípio da isonomia tributária em
sua atividade, pois o mesmo é absoluto e não comporta, em hipótese alguma, limitações.
A respeito da utilização dos elementos de discrímen na seara tributária,
JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES
97
, recorrendo à brilhante obra de BANDEIRA DE
MELLO, utilizou a proposta do insigne mestre administrativista para criar sua própria
teoria sobre a adequação da norma instituidora de discriminação ao preceito da isonomia
tributária. Segundo suas elucubrações, deve ser observado o seguinte procedimento:
“1. Dissecar a norma jurídica tributária, a regra-matriz de
incidência, em seus cinco critérios, que, repisa-se, são o
material, o temporal, o pessoal, o espacial e o quantitativo.
“2. Detectar a existência de discriminação implementada pela
regra-matriz de incidência analisada.
“3. Identificar qual é o elemento de discriminação utilizado pela
norma analisada.
96
Cf. JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES. Isonomia na norma tributária. p. 20-21.
97
Isonomia na norma tributária. p. 69.
72
“4. Uma vez identificado o discrímen, analisar se a norma onera
ou beneficia singularmente um indivíduo ou categoria ou
atividade desde já determinados e se o elemento de
discriminação reside na própria pessoa ou situação
discriminada.
“5. Aferir a existência de correlação lógica entre o elemento de
discriminação e o tratamento diferenciado.
“6. Perquirir a efetiva ocorrência da relação de subordinação e
pertinência lógica entre a discriminação procedida e os valores
positivados no texto constitucional”.
Dentro dessa perspectiva de elementos de discriminação, um dos mais
importantes é a capacidade econômica do contribuinte. Logicamente, o contribuinte que
dispuser de maior capacidade econômica deverá ser mais onerado, e vice-versa.
Tratemos desse importante preceito a seguir.
4.3. Princípio da capacidade contributiva
A tributação interfere diretamente sobre o patrimônio dos contribuintes, na
medida em que os mesmo se sujeitam à obrigação legal de ceder parcela de seu pecúlio
ao Estado, todas as vezes que consumarem as materialidades descritas no antecedente
das normas instituidoras de tributos in abstracto.
Visando reforçar a igualdade entre os contribuintes – e, por que não,
implementar e assegurar os ditames do princípio da isonomia tributária – e coibindo
abusos e injustiças no exercício da tributação, o legislador da Constituição Federal de
1988 inseriu expressamente em seu texto o princípio da capacidade contributiva
98
, que
98
O princípio da capacidade contributiva sempre esteve presente nas Constituições Federais da República brasileira,
porém de forma implícita, de modo que o legislador da Carta vigente inovou, fato que, ao nosso ver, reforça a gama das
proteções do contribuinte.
73
determina que os impostos sejam exigidos de acordo com as condições econômicas do
contribuinte.
Aprofundando a noção do instituto em questão, recorremos ao
entendimento de REGINA HELENA COSTA
99
acerca de seu sentido jurídico-positivo:
“No plano jurídico-positivo, a capacidade contributiva significa
que um sujeito é titular de direitos e obrigações com
fundamento na legislação tributária vigente, que é quem vai
definir aquela capacidade e seu âmbito”.
A brilhante argumentação comunga integralmente com o juízo que se extrai
da análise do artigo 145, § 1º do Texto constitucional, cujo teor é o seguinte:
“Art. 145 – [...]
“§ 1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e
serão graduados segundo a capacidade econômica do
contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente
para conferir efetividade a esses objetivos, identificar,
respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o
patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do
contribuinte”.
A expressão “sempre que possível” trazida no dispositivo constitucional
transcrito não importa em autorização para que o legislador ordinário, responsável pela
criação dos impostos, deixe de considerar tal standard ao seu bel prazer, quando do
exercício da competência tributária. Tal expressão faz transparecer a intenção do
legislador Constituinte de condicionar a tributação à capacidade do contribuinte para
arcar com a carga econômica das exações.
74
Assim salienta JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELLO
100
:
“‘Sempre que possível’ significa o ingente e exaustivo esforço
do legislador para disciplinar com a maior segurança (possível),
e com a menor margem de engano (também possível), o ônus
tributário, a fim de que o contribuinte participe das necessidades
coletivas (interesse público) com suportável parcela de seu
patrimônio”.
A noção de capacidade contributiva pode ser compreendida sob duas
perspectivas: absoluta ou objetiva e relativa ou subjetiva. Esses conceitos são
destrinchados com habilidade por REGINA HELENA COSTA
101
:
“Fala-se de capacidade contributiva absoluta ou objetiva quando
se está diante de um fato que se constitua numa manifestação de
riqueza; refere-se o termo, nessa acepção, à atividade de eleição,
pelo legislador, de eventos que demonstrem aptidão para
concorrer às despesas públicas. Tais eventos, assim escolhidos,
apontam para existência de um sujeito passivo em potencial”.
Prosseguindo, aduz com propriedade:
“[...] a capacidade contributiva relativa ou subjetiva – como a
própria designação indica – reporta-se a um sujeito
individualmente considerado. Expressa aquela aptidão de
contribuir na medida das possibilidades econômicas de
99
Princípio da capacidade contributiva. p. 27.
100
Em face do princípio da capacidade contributiva, é possível criar tributo fixo? Princípios constitucionais tributários:
aspectos práticos – aplicações concretas. p. 142.
101
Princípio da capacidade contributiva. p. 27.
75
determinada pessoa. Nesse plano, presente a capacidade
contributiva in concreto, aquele potencial do sujeito passivo
torna-se efetivo – apto, pois, a absorver o impacto tributário”.
Apesar da qualidade esboçada por algumas vozes destoantes
102
, há
consenso entre os expoentes da doutrina pátria de que o legislador Constituinte valeu-se
da noção de capacidade contributiva absoluta na criação do Texto Maior vigente.
Recorrendo mais uma vez às brilhantes palavras de REGINA HELENA COSTA
103
,
ressaltamos o seguinte:
“A capacidade contributiva absoluta ou objetiva funciona como
pressuposto ou fundamento jurídico do tributo, ao condicionar a
atividade de eleição, pelo legislador, dos fatos que ensejarão o
nascimento de obrigações tributárias”.
Em se tratando da capacidade contributiva absoluta, deve o legislador
ordinário deixar de lado as condições econômicas reais de cada contribuinte, e levar em
conta o que ALFREDO AUGUSTO BECKER
104
denominou de “fatos-signos
presuntivos de renda ou capital”, consistentes em evidências de que o contribuinte é ou
está dotado de condições objetivas de suportar a tributação.
Isso porque, segundo as balizas firmadas pela sistemática constitucional
tributária em vigor, à tributação pouco importa a situação econômica do contribuinte
individualmente considerado. Importa, sim, a ocorrência de fatos que denotem que o
contribuinte dispõe de riquezas suficientes para ingressar no pólo da obrigação tributária
correspondente.
102
Como é o caso do entendimento proferido por SACHA CALMON NAVARRO COLEHO, para quem a capacidade
contributiva é subjetiva, e não objetiva. Comentários à constituição de 1988 – sistema tributário.
103
Princípio da capacidade contributiva. p. 28.
76
O entendimento e o exemplo formulados por ROQUE ANTONIO
CARRAZZA
105
são bastante esclarecedores:
“Pouco importa se o contribuinte que praticou o fato imponível
do imposto não reúne, por razões personalíssimas (v.g., está
desempregado), condições para suportar a carga tributária.
“Exemplifiquemos: atualmente, muitos shopping centers, para
estimular as vendas, estão sorteando, entre seus clientes,
automóveis de alto luxo. Vamos admitir que o contemplado seja
um jovem de 18 anos, que ainda não tem economia própria.
Acaso poderá eximir-se do pagamento do IPVA cabível,
demonstrando que não tem capacidade econômica? É evidente
que não. Ele terá de encontrar um meio de pagar o imposto, ou
sofrerá as conseqüências de seu inadimplemento, podendo, até
mesmo, perder o veículo”.
Os destinatários do princípio da capacidade contributiva são os legisladores
ordinários, cuja obrigação é cotejar tal instituto a fim de eleger os critérios material e
quantitativo – base de cálculo – da norma-padrão de incidência, sob pena de, em não o
fazendo, produzir um instrumento normativo inconstitucional.
4.4. Princípio do não-confisco
Como corolário do princípio da capacidade contributiva, temos o preceito
que veda a tributação com efeito de confisco, previsto no artigo 150, IV do Texto
Constitucional vigente, cuja redação é a seguinte:
104
Teoria geral do direito tributário. p. 497.
105
Curso de direito constitucional tributário. p. 81.
77
“Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios:
“[...]
“IV – utilizar tributo com efeito de confisco; [...]”.
A despeito da clareza com a qual o legislador constituinte plasmou tal
princípio no seio constitucional, é cediço entre os doutrinadores pátrios que tal cânone
encerra um valor de difícil aplicação prática, em virtude do alto grau de subjetividade
que o envolve. Assim ensinou PAULO DE BARROS CARVALHO
106
:
“A idéia de confisco não tem em si essa dificuldade. O
problema reside na definição do conceito, na delimitação de
idéia, como limite a partir do qual incide a vedação do art. 150,
IV, da Constituição Federal. Aquilo que para alguns tem efeitos
confiscatórios, para outros pode perfeitamente apresentar-se
como forma lídima de exigência tributária”.
Buscando fugir do que ESTEVÃO HORVATH
107
denominou de “zona de
penumbra” em relação ao princípio em questão, recorremos ao conceito de capacidade
contributiva e ressaltamos que todo e qualquer excesso em relação ao seu núcleo – a
tributação conforme a capacidade econômica do contribuinte – implica confisco.
Não é diferente o entendimento de ROQUE ANTONIO CARRAZZA
108
:
“Estamos convencidos de que o princípio da não-
confiscatoriedade, contido no art. 150, IV, CF (pelo qual é
vedado “utilizar tributo com efeito de confisco”), deriva do
106
Curso de direito tributário. p. 163.
107
O princípio do não-confisco em matéria tributária. p. 34.
78
princípio da capacidade contributiva. Realmente, as leis que
criam impostos, ao levarem em conta a capacidade econômica
dos contribuintes, não podem compeli-los a colaborar com os
gastos públicos além de suas possibilidades. Estamos vendo que
é confiscatório o imposto que, por assim dizer, “esgota” a
riqueza tributável das pessoas, isto é, não leva em conta suas
capacidades contributivas”.
Reforçando tal entendimento, JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELLO
109
salientou:
“O princípio que veda o confisco no âmbito tributário (previsto
no art. 150, IV), está atrelado ao princípio da capacidade
contributiva, positivando-se sempre que o tributo absorva
expressiva parcela da renda ou da propriedade dos contribuintes
[...]”.
As precisas considerações trazidas acima nos conduzem à conclusão de que
o princípio que veda a tributação com efeito de confisco proíbe qualquer tipo de
tributação excessiva, que deixe de lado a capacidade econômica e, conseqüentemente,
contributiva do contribuinte – justa medida de tributação –, avançando de maneira
exacerbada sobre seu patrimônio e ferindo seu direito de propriedade.
Trata-se da primeira vez que o princípio da vedação à tributação
confiscatória foi prescrito de forma expressa no histórico das Cartas Constitucionais
brasileiras.
108
Curso de direito constitucional tributário. p. 89.
109
Em face do princípio da capacidade contributiva é possível criar tributo fixo? Princípios constitucionais tributários.
p. 142.
79
Todavia, sua ausência não causava qualquer prejuízo ao contribuinte. Isso
porque o Texto Magno encerra a proteção à igualdade, à capacidade contributiva e,
principalmente, à propriedade, o que, com efeito, assegura que os contribuintes devem
ser tributados igualmente, na justa medida de sua capacidade econômica, bem como que
essa tributação não pode ser excessiva a ponto de ofender sua propriedade. É o que
assevera com propriedade ESTEVÃO HORVATH
110
:
“[...] ainda que não existisse o princípio da capacidade
contributiva de forma explícita, ele seria decorrência inexorável
da isonomia das pessoas com relação à tributação. De igual
modo, a proibição de tributo confiscatório, caso não disposta
expressamente no corpo da Constituição, decorreria
implicitamente da proteção que esta atribui ao direito de
propriedade e também do princípio da capacidade contributiva.
Efetivamente, se este último postulado prega que todos devem
contribuir (visando ao bem comum) aos gastos públicos, na
medida de suas possibilidades, isso significa que todas as
pessoas devam ser tributadas (aforas as exceções que decorram
de outros princípios) e devam sê-lo na proporção de suas
possibilidades econômicas. Isso, por sua vez, implica que a
tributação não pode ir além dessas possibilidades, sob pena de
ser confiscatória”.
O princípio em questão é destinado ao legislador ordinário, que, por sua
vez, tal qual deve fazer em relação ao standard da capacidade contributiva, não pode
deixar de cotejá-lo quando do exercício da competência tributária que lhe foi outorgada
pela Carta Maior, sob pena de, em o fazendo, incorrer em inconstitucionalidades.
4.5. Princípio federativo
110
O princípio do não-confisco no direito tributário. p 32.
80
O princípio que assegura a forma federativa do Estado, a que chamamos de
Federação ou Estado Federal, também é de fundamental importância para o sistema de
direito positivo pátrio.
O termo “federação”, cerne do princípio em questão, tem sua origem nas
expressões latinas foedus e foederis, cujo significado remonta a união, aliança, pacto.
Segundo MICHEL TEMER
111
, “[...] é da união, da aliança, do pacto entre Estados que
ela nasce”.
A Federação somente encontra espaço em Estados nos quais houver
descentralização política e administrativa
112
, o que implica a transferência de
competências – políticas e administrativas, como salientado acima – de um centro
unitário para outros centros.
Merece destaque, entre tais competências, a legislativa, pela qual os novos
membros detêm a capacidade de editar sua própria legislação nas matérias que lhe
couberem, por meio de autorização expressa da Constituição.
Ainda que vigente a descentralização política, existe a necessidade de uma
unidade jurídica total, um ponto central que coordene – respeitando os limites encerrados
pela Constituição – os demais centros regionais.
O Estado passa a ser uma união de Estados-Membros, sob o pálio de uma
entidade que reúna politicamente os entes estatais segundo uma ordem jurídica geral,
global, que não pode interferir nas ordens jurídicas parciais, exceto em situações
111
Elementos de direito constitucional. p. 45.
112
O regime descentralizado é, por certo, o contrário do regime centralizado. Neste, um único centro tem capacidade
legislativa, enquanto no primeiro, o descentralizado, diversos centros detêm competência legislativa.
81
especialíssimas, como aquelas que, em nosso país, autorizam a intervenção federal nos
Estados.
Na toada da descentralização política, convivem harmonicamente – ao
menos deveriam – as ordens jurídicas global e parcial, o que somente é possível em
razão da repartição de atribuições entre tais conjuntos normativos. O raciocínio aduzido
nos leva às idéias de “Soberania” e “Autonomia”.
“Soberania” está diretamente ligada à idéia de poder. Trata-se de um
verdadeiro elemento unificador da ordem. Nas palavras de DALMO DE ABREU
DALLARI
113
, soberania pode ser analisada sob as concepções política e jurídica:
“[...] politicamente, é concebida como o poder incontrastável de
querer coercitivamente e de fixar as competências.
Juridicamente, é o poder de decidir em última instância sobre a
atributividade das normas, ou seja, sobre a eficácia do Direito”.
“Autonomia”, por sua vez, guarda relação direta com a forma de
relacionamento dos Estados-Membros de uma determinada federação entre si, em
detrimento da ordem central. Conforme salientado acima, se os núcleos descentralizados
puderem legislar, gozam de autonomia política.
Diante disso e do que se encontra prescrito de forma expressa na
Constituição vigente em nosso país, torna-se evidente que o Estado brasileiro é um
Estado Federal, pois o poder político é descentralizado e repartido entre as ordens
parciais e a ordem central. Conta também com as outras duas (de três) características
ínsitas aos Estados Federais, quais sejam: participação da vontade das ordenas jurídicas
113
Elementos de teoria geral do estado. p. 49.
82
parciais na vontade criadora da ordem jurídica nacional e possibilidade de
autoconstituição (possibilidade de existência de Constituições locais).
Nosso Estado Federal é indissolúvel, inexistindo a possibilidade de
eliminação das ordens parciais em benefício da ordem central, o que ocasionaria a
centralização dos poderes em torno de um único ente. Tal indissolubilidade é assegurada
pela própria Carta Maior vigente
114
.
Em matéria tributária, o princípio federativo impõe-se ao delimitar os
campos de atuação dos entes central e parciais, que somente poderão atuar nas esferas
cujas competências respectivas lhes foram outorgadas pela Constituição
115
.
A questão da tributação está intimamente ligada ao preceito em questão
porque o fruto da atividade tributária assegura a autonomia dos Estados-Membros (aqui
entendidos como Estados e Municípios), em sua capacidade financeira.
Esse é um dos elementos que enaltecem o nosso sistema constitucional
tributário: no anseio de proteger os princípios republicano e constitucional, o legislador
Constituinte repartiu as competências tributárias entre os centros parciais de modo que
todos pudessem dispor dos valores necessários para a consecução dos interesses
regionais. Trataremos da repartição das rendas constitucionais mais adiante.
Acerca da autonomia entre os membros da Federação e o órgão central –
União Federal, no caso brasileiro –, insta gizar a questão da autonomia dos municípios,
114
Nos termos do artigo 60, § 4º da Constituição Federal.
115
Trata-se da repartição das competências tributárias, que mencionaremos adiante. Salientando que tal repartição de
competências decorre do preceito federativo, merece destaque o entendimento de ESTEVÃO HORVATH: “[...] devido
ao princípio federativo que impera na República brasileira, um dos maiores princípios, um dos alicerces do
ordenamento jurídico brasileiro, os diversos impostos, os diversos tributos são repartidos entre as várias pessoas
políticas, melhor dizendo, União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Revista de direito tributário. n.º 58. p. 135-
136.
83
que são tratados pela Constituição como senhores de suas atividades políticas e
administrativas.
A própria Carta Maior, ao repartir as rendas tributárias, outorgou
competências aos Municípios para a instituição de tributos, de modo que restasse sua
garantia financeira – e, conseqüentemente, política – em relação à União Federal.
É inquestionável que qualquer ato – inclusive e principalmente na seara
tributária – tendente a extinguir ou amesquinhar o princípio federativo ou seu corolário
da autonomia municipal será eivado de inconstitucionalidade e deverá ser combatido
pelas autoridades competentes.
4.6. Princípios da legalidade e da tipicidade tributária
Conforme já salientamos, segundo o princípio republicano, o titular da res
publica é o povo, de quem emana e para quem deve ser exercido o poder, outorgado aos
governantes, que, por sua vez, configuram meros mandatários constituídos para
administrar a coisa pública.
Tal administração deve sempre ser pautada pela vontade do povo. A
implementação dessa vontade na sociedade se dá pela edição de leis, cujo escopo
consiste na regulamentação da conduta intersubjetiva dos membros da sociedade,
inclusive dos governantes. Trata-se da prevalência do governo das leis sobre o governo
dos homens, que devem respeito incondicional à ordem jurídica vigente na República.
Para assegurar que “[...] só a lei obrigue e nada além da lei o possa
fazer”
116
, o legislador Constituinte inseriu o princípio da legalidade na Constituição
Federal de 1988, fazendo-o figurar entre os direitos e garantias fundamentais que
84
assistem aos membros da sociedade brasileira. Tal cânone encontra-se plasmado em
nossa ordem constitucional da seguinte maneira:
“Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
“[...]
“II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei; [...]”.
O dispositivo transcrito evidencia, de forma incontrastável, que a
Constituição Federal assegurou à lei a prerrogativa de tratar dos direitos do povo,
criando-os, modificando-os ou extinguindo-os. É certo que, à margem da lei, se torna
impossível a realização de tais condutas.
Em matéria tributária, o legislador Constituinte, preocupado com a
realização dos ideais da liberdade e da propriedade, objetivos maiores do Texto
constitucional, entendeu por bem reforçar o primado da legalidade genérica,
estabelecendo o que se convencionou denominar de princípio da estrita legalidade
tributária, prescrito pelo artigo 150, II da Carta Maior, cujo teor é o seguinte:
“Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios:
“I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; [...]”.
116
Cf. GERALDO ATALIBA. República e Constituição. p. 123.
85
Mais restrito que a prescrição genérica da legalidade, o princípio em
questão condicionou o exercício da atividade tributária, mormente a criação e a
majoração de tributos, à edição de lei formal (instrumento normativo emanado do Poder
Legislativo) e material (norma jurídica geral e abstrata).
A respeito das particularidades inerentes ao princípio da estrita legalidade,
destaca-se o magistério de ALBERTO XAVIER
117
:
“[...] aplicou-se neste ramo do Direito por uma formulação mais
restrita do princípio da legalidade, convertendo-o numa reserva
absoluta de lei, no sentido de que a lei, mesmo em sentido
material, deve conter não só o fundamento da conduta da
Administração, mas também o próprio critério da decisão no
caso concreto. Se o princípio da reserva de lei formal contém
em si a exigência da lex scripta, o princípio da reserva absoluta
coloca-nos perante a necessidade de uma lex stricta: a lei deve
conter em si mesma todos os elementos da decisão no caso
concreto, de tal modo que não apenas o fim, mas também o
conteúdo daquela decisão sejam por ela diretamente
fornecidos”.
O princípio da estrita legalidade, ou, nos termos delineados no excerto
doutrinário acima transcrito, princípio da reserva absoluta da lei, determina que os
tributos in abstracto sejam criados não só por meio da edição de um comando normativo
geral e abstrato, da lavra do Poder Legislativo. Tal preceito exige que o veículo de
criação do tributo contemple todos os elementos do tipo tributário, ou seja, os aspectos
necessários para sua instituição.
117
Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. p. 37.
86
Trata-se do princípio da tipicidade tributária, que, para PAULO DE
BARROS CARVALHO
118
, pode ser analisado em dois planos:
“[...] i) no plano legislativo, como a estrita necessidade de que a
lei adventícia traga no seu bojo, de modo expresso e inequívoco,
os elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritores
da relação obrigacional; e ii) no plano da facticidade, como
exigência da estrita subsunção do evento aos preceitos
estabelecidos na regra tributária que o prevê, vinculando-se,
obviamente, à adequada correspondência estabelecida entre a
obrigação que adveio do fato protocolar e a previsão genérica
constante da norma abstrata, conhecida como regra-matriz de
incidência”.
A regra-matriz de incidência é a alcunha da norma que aglomera os
elementos necessários para a criação do tributo in abstracto, que, por sua vez, pode ou
não ser prescrito por apenas um veículo normativo, conforme já mencionamos.
4.7. Princípio da segurança jurídica
A questão da segurança jurídica se encontra indiretamente consolidada em
diversos dispositivos do ordenamento jurídico pátrio, sobretudo aqueles encerrados no
texto constitucional.
A segurança jurídica existe para certificar que as condutas humanas
estejam inseridas dentro do conjunto de normas jurídicas que regem as relações sociais.
Ela tem como escopo principal assegurar uma simbiose entre a conduta humana e as
normas que regulam as relações entre particulares, e entre estes e os entes públicos.
118
A prova no procedimento administrativo tributário. Revista dialética de direito tributário. n.º 34.
87
Apesar de intimamente ligada à certeza do direito, a segurança jurídica não
pode ser com ele confundida. A certeza do direito é elemento da própria segurança
jurídica. Vejamos o ensinamento de PAULO DE BARROS CARVALHO
119
:
“Não há por que se confundir a certeza do direito, naquela
acepção de índole sintática, com o cânone da segurança jurídica.
Aquele é atributo essencial, sem o que não se produz enunciado
normativo em sentido deôntico; este último é decorrência de
fatores sistêmicos que utilizam o primeiro de modo racional e
objetivo, mas dirigido à implantação de um valor específico,
qual seja o de coordenar o fluxo das interações inter-humanas,
no sentido de propagar no seio da comunidade social o
sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da
regulação da conduta”.
Na mesma perspectiva, segue a lição de TERCIO SAMPAIO FERRAZ
JUNIOR
120
:
“[...] por certeza entende-se a determinação permanente dos
efeitos que o ordenamento atribui a um comportamento, de
modo que o cidadão saiba ou possa saber de antemão a
conseqüência de suas próprias ações”.
É importante ressaltar que a segurança jurídica direciona-se tanto para a
conduta humana, como para as normas jurídicas, devendo ser observada no momento da
criação das normas, sobretudo as tributárias, bem como no momento de sua aplicação e
julgamento.
119
Curso de direito tributário. p. 150.
120
Segurança jurídica e normas gerais de direito tributário. Revista de direito tributário. n
os
17-18.
88
Vale dizer que a segurança jurídica se equipara a garantia constitucional,
que só será efetiva quando existir a norma (certeza jurídica) que conduz à previsibilidade
da ação estatal, dirigida a todos, de forma geral e isonômica. Assim, os princípios da
legalidade e da igualdade, materializados por meio de dispositivos constitucionais
próprios, referendam a chamada segurança jurídica.
Em matéria tributária, a segurança jurídica apresenta-se nos princípios da
legalidade tributária e da isonomia tributária, bem como nos princípios da vedação ao
confisco e da previsibilidade da ação do Estado.
4.8. Princípio da não-cumulatividade relativo ao ICMS
O princípio da não-cumulatividade é, sem sombra de dúvida, um dos
preceitos mais importantes para o estudo do ICMS incidente sobre operações relativas à
circulação de mercadorias e, conseqüentemente, do ICMS – Importação, objeto da
presente Dissertação.
A razão de existir do cânone em questão encontra-se no fato de que o
ICMS incidente sobre as operações relativas à circulação de mercadorias é, por sua
própria natureza, cumulativo. Isso porque, como é sabido, o contexto das circulações de
mercadorias implica a existência de múltiplas fases mercantis, motivo pelo qual a exação
em estudo é reconhecidamente plurifásica (incidente em diversas fases da cadeia
mercantil).
Ocorre que o legislador da Constituição Federal não ensejou permitir a
existência, no bojo da Carta vigente, de tributo plurifásico cumulativo, pois, como é de
fácil inteligência, a carga tributária resultante das cadeias mercantis existentes seria
exorbitante e acabaria por onerar excessivamente todos os contribuintes de tais cadeias –
89
principalmente os finais. Em última instância, prejudicaria a própria continuidade dos
negócios entabulados entre as pessoas.
Esse é um dos fundamentos principais da elevação da sistemática da não-
cumulatividade à condição de princípio constitucional tributário
121
.
Ao estabelecer a competência tributária referente ao ICMS, o Constituinte
da Carta Maior de 1988 prescreveu também o princípio da não-cumulatividade em seu
artigo 155, § 2º, inciso I, cujo teor é o seguinte:
“Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir
impostos sobre:
“[...]
“§ 2º – O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
“I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em
cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação
de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo
ou outro Estado ou pelo Distrito Federal; [...]”.
A singela observação desse dispositivo constitucional nos habilita a dizer
que o princípio em questão, ao informar a tributação das operações relativas à circulação
de mercadoria pelo ICMS, dá ensejo ao nascimento de um direito de crédito em favor do
contribuinte e desfavor do Fisco, que poderá ser compensado com débitos havidos de
ICMS relativos a operações posteriores.
121
A respeito do assunto merece destaque o comentário aduzido por JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELLO: “[...] a
não-cumulatividade tem origem na evolução cultural, social, econômica e jurídica de um povo. Sendo essencial, a sua
supressão do texto constitucional inevitavelmente causaria um sério e enorme abalo em toda a estrutura sobre a qual foi
organizado o Estado. Constituindo-se num sistema operacional destinado a minimizar o impacto do tributo sobre os
preços dos bens e serviços de transporte e de comunicações, sua eliminação os tornariam artificialmente mais onerosos.
Caso fosse suprimida, a cumulatividade tributária geraria um custo artificial indesejável aos preços dos produtos e
serviços comercializados. Esses preços estariam totalmente desvinculados da realidade, da produção e da
comercialização. Isso oneraria o custo de vida da população e encareceria o processo produtivo e comercial, reduzindo
90
Esse direito de compensação está radicado na Constituição Federal e,
conseqüentemente, deve ser inexoravelmente observado. Não pode ser restringido ou
condicionado por qualquer regra constitucional ou norma infraconstitucional. Todo ato
tendente a distorcer o princípio em questão – exceto norma que tenha o condão de alterar
o Texto constitucional – deverá ser considerado inconstitucional.
A respeito da sistemática de abatimento e da imperatividade do preceito em
estudo, destacam-se as palavras de PAULO DE BARROS CARVALHO
122
:
“O primado da não-cumulatividade é uma determinação
constitucional que deve ser cumprida, tanto por aqueles que dela
se beneficiam, como pelos próprios agentes da Administração
Pública. E tanto é verdade que a prática reiterada pela aplicação
cotidiana do pleno de normas relativas ao ICMS e ao IPI
consagra a obrigatoriedade do funcionário encarregado de
apurar a quantia devida pelo ´contribuinte` de considerar-lhe,
ainda que contra a sua vontade”.
JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELLO
123
ressalta:
“[...] não-cumulatividade tem assento constitucional e repousa
na existência de ´operações e prestações` (já especificadas,
decorrentes da simples mecânica de apuração de débitos
(gerados pelas respectivas materialidades concretizadas) e
créditos (decorrentes de operações e prestações anteriores) que,
os investimentos empresariais, em face do aumento de custos ocasionado por esse artificialismo tributário oriundo da
cumulatividade”. ICMS – teoria e prática. p. 210.
122
Regra-matriz de incidência do ICM. p. 376.
123
Princípio da não-cumulatividade dos tributos. Revista de direito tributário. n.º 49. p. 150.
91
num processo de encontro de contas, permitiria apurar
determinado valor, a ser oferecido à tributação”.
Já GERALDO ATALIBA e CLÉBER GIARDINO
124
advertem:
“O ´abatimento` é, nitidamente, categoria jurídica de hierarquia
constitucional: porque criada pela Constituição. Mais que isso: é
direito subjetivo constitucional reservado ao contribuinte do
ICM: direito público subjetivo de nível constitucional, oponível
ao Estado pelo contribuinte do imposto estadual. O próprio
Texto constitucional, que outorgou ao Estado o poder de exigir
o ICM, deu ao contribuinte o direito de abatimento”.
FABIANA DEL PADRE TOMÉ
125
, por sua vez, assim coloca:
“O conceito de ´não-cumulatividade` utilizado pela Constituição
Federal é uniforme: consiste em uma sistemática constitucional
erigida com a finalidade de evitar uma superposição de cargas
tributárias, impedindo a incidência de um mesmo tributo mais
de uma vez sobre o valor que já serviu de base à sua cobrança
em fase anterior do processo econômico”.
Ora, é incontrastável que o princípio da não-cumulatividade constitui
verdadeira sistemática de abatimento entre créditos e débitos, nas operações tributáveis
pelo ICMS incidente sobre operações relativas à circulação de mercadorias, e que tal
sistemática deva ser obrigatoriamente implementada e respeitada, sob pena de violação
das prescrições constitucionais vigentes.
124
ICM – Abatimento constitucional – princípio da não-cumulatividade. Revista de direito tributário. n.
os
29-30. p. 116.
125
Contribuições para a seguridade social incidentes sobre o faturamento e o lucro. p. 204.
92
O preceito em apreço tem como destinatário o legislador dos Estados-
Membros da Federação brasileira, que deve estar muito atento para a efetiva
implementação da sistemática da não-cumulatividade, bem como para seu respeito:
prescrições que firam o primado em questão serão tidas como inconstitucionais. É o que
deixou claro ROQUE ANTONIO CARRAZZA
126
, ao tratar do assunto:
“A regra em exame não encerra mera sugestão, que o legislador
ou a Fazenda Pública poderão seguir ou deixar de seguir. Muito
pelo contrário, ela aponta uma diretriz imperativa, que dá ao
contribuinte o direito subjetivo de ver observado, em cada caso
concreto, o princípio da não-cumulatividade”.
Tal princípio mantém íntima relação com os demais preceitos
constitucionais, com destaque para os primados da igualdade, da capacidade contributiva
e da vedação de confisco, todos já abordados nas seções anteriores do presente capítulo.
Da aplicação conjunta dos preceitos da igualdade e isonomia e da não-
cumulatividade, temos que o ICMS não pode, em determinada cadeia comercial ou
produtiva, onerar diferentemente contribuintes que se encontrem em situação de
igualdade. O preceito ora estudado tem por função assegurar a igualdade entre tais
contribuintes.
JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELLO
127
ressalta que “[...] da mesma
forma, a lei não poderá estabelecer que, em certa etapa do ciclo, a não-cumulatividade
seja abolida [...]”, na medida em que, como é óbvio, sob a pecha de altera esta, violaria o
cânone da igualdade.
126
ICMS. p. 289.
127
ICMS – teoria e prática. p. 211.
93
No tocante à relação entre o princípio da não-cumulatividade e o primado
da capacidade contributiva, a questão é latente. Tais princípios “se tocam e se
complementam
128
.
O princípio da não-cumulatividade tem por escopo viabilizar que cada
contribuinte do ICMS, nas diversas etapas do processo produtivo ou do ciclo comercial,
não seja onerado com carga tributária superior àquela que pode suportar – o que
constitui, justamente, o cerne do preceito da não-cumulatividade.
É evidente que, caso não existisse o preceito da o-cumulatividade, os
contribuintes do ICMS incidente sobre operações relativas à circulação de mercadoria,
bem como os contribuintes do ICMS – Importação, seriam substancialmente mais
onerados que na vigência da sistemática em questão, o que ameaçaria fortemente sua
capacidade de contribuir para os titulares da competência tributária da exação em
comento.
Da mesma maneira, a circunstância salientada com precisão por JOSÉ
EDUARDO SOARES DE MELLO
129
feriria o primado da capacidade contributiva – e
também o que prescreve a vedação ao confisco –, merecendo toda a nossa atenção por
estar diretamente relacionada ao objeto deste trabalho. Veja-se:
“Supondo-se que, em algum momento, ou em determinada
operação, o ente tributante venha a estabelecer a proibição total
ou parcial do dever-poder do contribuinte de creditar-se do
imposto incidente nas operações anteriores, estará ele, a um só
tempo, provocando o efeito cumulativo, condutor de um
aumento artificial no preço das mercadorias, produtos e
serviços, em prejuízo do consumidor final”.
128
ICMS – teoria e prática. p. 211.
94
Como de costume, a razão assiste ao tributarista citado: na eventualidade
de o ente tributante vedar o aproveitamento dos créditos de ICMS, estaria estabelecida a
cumulatividade em relação a tal exação, o que possivelmente acabaria por ferir a
capacidade contributiva dos sujeitos passivos de tal tributo, que estariam sujeitos a carga
tributária maior e, eventualmente, extremamente excessiva.
Obstar o contribuinte do ICMS de aproveitar os créditos que lhe são de
direito, nos exatos termos do preceito ora examinado, também é incorrer em confisco,
uma vez que o contribuinte se sujeitaria a mais de uma incidência do mesmo tributo.
Frente aos argumentos trazidos acima, reiteramos, sem medo de errar, que
a ampla observância do princípio da não-cumulatividade é indispensável ao se tratar do
ICMS incidente sobre operações relativas à circulação de mercadoria, como também
relativamente ao ICMS – Importação, objeto deste Trabalho.
Encerramos, assim, nossos comentários a respeito dos princípios jurídicos
relacionados à tributação, que, conforme ressaltado, devem ser inexoravelmente
observados, sob pena de inconstitucionalidade, especialmente quando do exercício da
competência tributária, assunto sobre o qual passamos a dissertar.
129
ICMS – teoria e prática. p. 211.
95
CAPÍTULO IV
COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
1. Conceito de Competência Tributária
O poder tributário consiste na prerrogativa de que gozam os Estados
soberanos de impor o ônus da tributação a todos os cidadãos que a eles se submetem.
Apesar de incontrastável e absoluto, o poder tributário não autoriza o Estado a atuar
discricionariamente, ignorando o direito dos contribuintes
130
.
Em nosso país, Estado de direito constitucional, o exercício de tal poder
encontra-se exaustiva e rigidamente disciplinado no seio da Constituição Federal. A
tributação somente pode ocorrer com atenção e respeito a uma série de direitos e
garantias que assistem aos contribuintes e formam o sistema constitucional tributário
brasileiro.
130
Cf. FÁBIO LEOPOLDO DE OLIVEIRA: “O poder tributário reflete a força soberana do Estado, que é extensiva a
todos aqueles que são submetidos a tal poder de coação. Não quer isto significar que possa o Estado anular ou ignorar
os direitos dos indivíduos. Muito pelo contrário. Segundo as normas reguladoras das atividades do Estado Moderno, os
96
Apesar de todas as garantias e proteções aos contribuintes encerradas na
Constituição Federal do Estado brasileiro, a tal instrumento normativo não foi legada a
tarefa de criar tributos
131
. A Carta Constitucional apenas define rigidamente as
características de cada espécie tributária e distribui, entre os entes federativos, a aptidão
de criá-las, ou seja, a competência legislativa para a criação do tributo in abstracto ou
tão-somente a competência tributária.
A esse respeito, SIDNEY SARAIVA APOCALYPSE
132
assevera que:
“Como já afirmamos, em outras oportunidades, a Constituição
não institui este ou aquele tributo, mas tão-só distribui
competências tributárias, o que se convencionou chamar de
‘discriminação constitucional de rendas’, que para nós se
configura como discriminação de competências tributárias”.
Mas, afinal, o que é competência tributária? Segundo PAULO DE
BARROS CARVALHO
133
:
“Competência legislativa é a aptidão de que são dotadas as
pessoas políticas para expedir regras jurídicas, inovando o
ordenamento positivo. Opera-se pela observância de uma série
de atos, cujo conjunto caracteriza o procedimento legislativo.
“A competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre
as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas
políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a
produção de normas jurídicas sobre tributos”.
tributos devem ser arrecadados sem lesão dos direitos garantidos aos particulares. A arrecadação se efetiva
harmonizando os Direitos do Estado com os Direitos Individuais. Manual de direito tributário. p. 55.
131
Cf. GERALDO ATALIBA, “[...] as constituições não criam impostos, mas a competência para instituí-los”. Sistema
constitucional tributário brasileiro. p. 118.
132
O município e o imposto sobre o solo criado. Revista de estudos tributários. n.º 1. p. 29.
133
Curso de direito tributário. p. 217-218.
97
Para FABIO LEOPOLDO DE OLIVEIRA
134
, competência tributária é o:
“[...] poder conferido aos vários níveis de governo que se conjugam no estado federal
para instituir, arrecadar e fiscalizar os tributos discriminados pela Constituição Federal”.
Já ROQUE ANTONIO CARRAZZA
135
define: “[...] competência tributária
é a aptidão para criar, in abstracto, tributos”. LUCIANO AMARO
136
, comungando da
mesma opinião, salienta: “[...] competência tributária – ou seja, a aptidão para criar
tributos – da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
Com base nas definições trazidas acima, adotaremos, para fins desta
Dissertação, competência tributária como aptidão dos entes tributantes para legislar
sobre os tributos prescritos na Carta Maior, criando-os.
2. Repartição das competências tributárias
Tomando tal significado como base, cientes de que a arrecadação de
tributos é o meio pelo qual o Estado custeia suas atividades e recordando que a Carta
Maior vigente privilegia o princípio da federação, salta aos olhos o motivo pelo qual há
que se falar em repartição das competências tributárias.
Somente por meio desse artifício a União Federal, os Estados e os
Municípios podem obter recursos para atender às suas necessidades mais comuns. Nessa
medida, “[...] o poder de criar tributos é repartido entre os vários entes políticos, de
134
O problema das competências tributárias e das discriminações de rendas em face das exigências do estado moderno.
p. 25.
135
Curso de direito constitucional tributário. p. 437.
136
Direito tributário brasileiro. p. 91.
98
modo que cada um tem competência para impor prestações tributárias, dentro da esfera
que lhe é assinalada pela Constituição”
137
.
A esse respeito, recorremos às palavras de FÁBIO FANUCCHI
138
:
“Se o poder impositivo fosse outorgado genericamente a todos
os entes que podem tributar internamente, a cada fator de
demonstração de capacidade contributiva poderiam concorrer
imposições de poderes diversos. Então, a fim de evitar que isso
se verifique, em detrimento do sujeito passivo, para que ele não
seja obrigado a contribuir para a União, para as unidades
federadas e para os Municípios, porque em dado instante
demonstrou possuir capacidade para participar monetariamente
da sustentação dos encargos públicos, é que o instrumento de
organização estatal dita como deve ser distribuída a cada ente a
competência para exigir prestação monetária calcada nesta ou
naquela manifestação econômica capaz de gerar tributação”.
Frente ao preceito que exalta o pacto federativo e a independência dos
poderes estatais, evidencia-se a importância de outorgar a cada Estado-Membro
brasileiro poder para a criação de tributos, na medida em que o produto de sua
arrecadação servirá para custear suas atividades-fim.
3. Exercício das competências tributárias, seus limites e o estado de sujeição dos
contribuintes
A competência tributária prescrita pela Constituição Federal e repartida
entre os diversos Estados-Membros encontra-se integralmente limitada à lei – em
137
Cf.: LUCIANO AMARO. Curso de direito tributário. p.91.
138
Curso de direito tributário brasileiro. p. 43.
99
respeito ao já mencionado princípio da legalidade – e se esgota na lei. Após seu
exercício, com a criação do tributo por meio da edição de lei pelo Legislativo dos entes
federativos, não há mais que se falar em competência tributária, mas tão-somente em
capacidade tributária ativa – a capacidade de arrecadar e cobrar tributo.
Além dos limites impostos pela Lei Máxima – cuja violação implica a
inconstitucionalidade da norma prescrita para criação de tributo –, o exercício da
competência tributária encontra-se condicionado à indeclinável observação dos inúmeros
princípios constitucionais direta ou indiretamente relacionados com a tributação.
A despeito disso, como bem entende ROQUE ANTONIO CARRAZZA
139
,
a competência tributária exercida adequadamente, com respeito e observância das
prescrições constitucionais – especialmente aquelas erigidas sob a forma de princípios –,
imputa aos potenciais contribuintes o estado genérico de sujeição, consistente na
adequação hipotética do contribuinte à norma jurídica tributária. O titular da
competência tributária goza da plena capacidade de obrigar terceiros a arcar com o ônus
tributário sempre que estes incidirem na prática das condutas delineadas na norma
jurídica tributária.
4. Espécies de competência tributária
Lastreada na repartição das competências tributárias, a doutrina pátria a
discrimina em algumas modalidades, as quais serão brevemente explicitadas a seguir
140
.
A chamada competência privativa é atribuída pela Constituição Federal à
União Federal, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, de forma individual e
139
Curso de direito constitucional tributário. p. 442.
140
Alguns autores, como LUCIANO AMARO, entendem que tal classificação da competência tributária não guarda
qualquer rigor científico, mas que, apesar disso, merece menção por possuir “alguma utilidade didática”. Direito
tributário brasileiro. p. 93.
100
exclusiva. Apenas determinado ente político pode tributar certa conduta intersubjetiva,
excluindo-se a competência dos demais entes sobre ela.
A competência residual, por sua vez, autoriza a instituição de tributos cujos
elementos não estejam previstos no texto constitucional. Na Carta vigente em nosso país,
a única hipótese de competência residual encontra-se prescrita no artigo 154 daquele
compêndio normativo, e somente a União Federal detém tal competência.
A União Federal foi agraciada com outra espécie de competência tributária,
que lhe é exclusiva. Trata-se da competência extraordinária, que possibilita àquele ente
federativo, por exemplo, a aptidão para instituir tributos na iminência ou no caso de
guerra externa. Cessadas as causas extraordinárias de criação desses tributos, é de rigor
sua supressão gradativa, de modo a se restabelecer a situação preexistente, em
conformidade com os ditames constitucionais.
Já a competência comum implica a possibilidade de instituição de
determinada espécie de tributo pelos diversos titulares de competência tributária, quais
sejam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. A designação “comum”,
que foi outorgada a tal espécie de competência, pode gerar confusões por parte do Cultor
do Direito, motivo pelo qual é criticada pela Doutrina pátria
141
.
5. Características da Competência Tributária
Ao tratar das características da competência tributária, valemo-nos da
abrangente proposta didática de ROQUE ANTONIO CARRAZZA
142
. Para o ilustre
141
LUCIANO AMARO ressalta que o uso do termo “competência comum” poderia levar à idéia de que existe um setor
em que o poder de tributar é comum, “[...] ou seja, uma área em que todos os entes políticos tivessem aptidão para criar
tributos, que se superporiam uns aos outros”. Curso de direito tributário. p.94.
142
Curso de direito constitucional tributário. p. 451 e seguintes.
101
tributarista, trata-se da privatividade, da indelegabilidade, da incaducabilidade, da
inalterabilidade, da irrenunciabilidade e da facultatividade, que serão debatidas adiante.
A Carta Maior vigente concedeu privatividade aos entes federativos para
instituir, cobrar e fiscalizar os tributos de sua competência, o que significa dizer que os
entes políticos detêm exclusividade para exercer as competências tributárias que lhes
foram outorgadas pelo Poder Constituinte originário.
A privatividade da competência tributária implica dois efeitos: um positivo,
ao autorizar o ente político a criar norma instituidora de tributo, e outro negativo, ao
inibir os outros entes federativos de estabelecer normas para a criação de tributo que não
pertença à sua competência.
Em relação à indelegabilidade, cabe ressaltar que a pessoa política que
recebe determinada competência tributária não pode delegá-la, ainda que parcialmente, a
outros entes tributantes. Tal indelegabilidade se sustenta, ainda que o titular da
competência tributária não a exerça, deixando de criar o tributo in abstracto.
A incaducabilidade refere-se ao fato de que a Constituição Federal não
prescreveu um lapso temporal para o efetivo exercício da competência tributária. O não
exercício de determinada competência tributária pelo seu titular não implica a perda da
capacidade de estabelecer a norma tributária criadora de tributos
143
.
No que toca à irrenunciabilidade, compete-nos salientar que os entes
federativos não podem renunciar às competências que lhes foram outorgadas pela
Constituição Federal. A despeito de qualquer anseio em tal sentido, as competências
143
Em relação à incaducabilidade, vale salientar que o Texto Maior prescreve competências tributárias que ainda não
foram exercidas pelos seus titulares, como ocorre com o Imposto sobre Grandes Fortunas, prescrito no artigo 153, VII.
A despeito disso, e justamente em razão da incaducabilidade da competência tributária, a União Federal – titular de tal
102
tributárias permanecerão sempre no seio constitucional, mesmo que deixem de ser
exercidas por seus titulares, e de lá somente serão extirpadas por meio de alteração da
Carta Constitucional vigente.
A inalterabilidade das competências tributárias, como é óbvio, decorre do
fato de que a competência não pode ser alterada pelos seus titulares. Uma vez atribuída
determinada competência tributária pela Constituição Federal, somente por meio da
alteração de tal veículo normativo, determinada competência tributária poderá ser
alterada
144
.
Quanto à facultatividade, cumpre ressaltar que os entes federativos podem
deixar de exercer as competências que lhes são outorgadas pelo texto constitucional
conforme sua conveniência e interesse. Inexiste prescrição constitucional de prazo para o
exercício da competência tributária, o que evidencia ainda mais que o Legislativo do
ente federativo poderá sempre optar por instituir ou não o tributo.
É indispensável ressaltar que PAULO DE BARROS CARVALHO
145
discorda de três das características da competência tributária mencionadas acima.
Segundo o eminente doutrinador, a privatividade, a inalterabilidade e a facultatividade
são verdadeiramente insustentáveis.
Segundo o referido autor, a privatividade não pode ser tomada como regra,
na medida em que esbarra na exceção da União Federal poder instituir tributos
extraordinários, alheios à sua competência. No tocante à inalterabilidade, salienta que a
competência tributária é plenamente modificável mediante os meios constitucionalmente
competência – pode exercê-la em qualquer instante que julgar conveniente, devendo, para tanto, tão-somente respeitar
as prescrições constitucionais já mencionadas ao longo desta dissertação.
144
É importante salientar que a inalterabilidade aqui mencionada como característica das competências tributárias se
refere à impossibilidade de as pessoas políticas alterarem os elementos da competência legislativa que lhes é outorgada
pela Constituição Federal, e não à impossibilidade de alteração das competências tributárias encerradas na Carta Maior.
145
Curso de direito tributário. p. 223-224.
103
previstos
146
. Por fim, em relação à facultatividade, o doutrinador assevera que, em razão
de o ICMS ser um tributo nacional, que relaciona todos os Estados da Federação, tal
imposto jamais poderia deixar de ser instituído, sob pena, justamente, de ferir o ideal
federativo.
6. Possibilidade de alteração das competências tributárias
Dadas as características do atual sistema constitucional tributário brasileiro,
cujos aspectos de rigidez e exaustividade foram amplamente abordados, muitos são os
questionamentos quanto à possibilidade de alteração das competências tributárias.
Parece-nos claro que tais questionamentos advêm do fato de as competências tributárias
se encontrarem prescritas exaustivamente no seio da Constituição Federal vigente, o que
evidencia que, para alterá-las, é indispensável alterar o próprio Texto Magno.
A Carta Maior é fruto do trabalho do Poder Constituinte originário e
somente pode ser alterada por meio de ação do Poder Constituinte derivado, que, para
fazê-lo, deve observar uma série de requisitos prescritos pela própria Constituição
Federal. A respeito da possibilidade de alteração das competências tributárias trazidas
pela Carta Maior vigente, merece menção o entendimento perfilado por PAULO DE
BARROS CARVALHO
147
:
“A alterabilidade está ínsita no quadro das prerrogativas de
reforma constitucional, e a experiência brasileira tem sido rica
em exemplos dessa natureza. Se aprouver ao legislador,
investido do chamado poder constituinte derivado, promover
modificações no esquema discriminativo das competências,
somente outros limites constitucionais poderão ser levantados e,
mesmo assim, dentro do binômio ‘federação e autonomia dos
146
Vide nota de rodapé n.º 144.
104
municípios’. A prática de inserir alterações no painel das
competências tributárias, no Brasil, tem sido efetivada
reiteradamente, sem que seu exercício haja suscitado oposições
mais graves”.
Ao comentar a respeito da inalterabilidade das competências tributárias,
ROQUE ANTONIO CARRAZZA
148
ressalta que “[..] o que as pessoas políticas podem
fazer, sim, é utilizar, em toda a latitude, as competências tributárias que receberam da
Constituição. Só ela, porém, é que, eventualmente, pode ampliá-las (ou restringi-las).
Esta é, pois, matéria sob reserva de emenda constitucional”.
Qualquer norma tendente a modificar as competências tributárias deve
respeitar as matérias constitucionais que não são passíveis de alteração, mesmo por meio
da edição de Emendas-Constitucionais. Devem ser observadas, em última análise, as
limitações materiais, circunstanciais e procedimentais, novamente abordadas abaixo,
com enfoque na matéria tributária. É o que confirma CRISTIANE MENDONÇA
149
:
“Não se vislumbra, no âmbito do sistema constitucional vigente,
impedimento à atuação do legislador constituinte derivado para
empreender mudanças de ordem formal ou material, no feixe de
competência legislativo-tributária. É bem verdade que a
modificação de seus contornos, via emenda constitucional, não
pode materializar qualquer tendência de abolição das cláusulas
pétreas, mormente a forma federativa de Estado, a separação dos
Poderes e os direitos e as garantias individuais.
“Tendo em vista que o Congresso Nacional possui, por um lado
– art. 60, caput –, permissão constitucional para reformar o texto
da constituição e, por outro, não está impedido de promover
147
Curso de direito tributário. p. 223-224.
148
Curso de direito constitucional tributário. p. 590.
149
Competência tributária. p. 286-287.
105
alterações no espectro da competência legislativo-tributária
desenhada originariamente pela Assembléia Nacional
Constituinte, não há como sustentar a característica da
inalterabilidade da competência, sob esse ângulo”.
Passemos, então, às prelecionadas limitações constitucionais ao exercício
do Poder Constituinte derivado em matéria tributária.
Na perspectiva das limitações materiais, a alteração da competência
tributária deve-se ater estritamente aos direitos e garantias individuais, à forma
federativa de Estado, ao voto direto, secreto, universal e periódico e à separação dos
Poderes. Caso a norma modificadora não respeite tais elementos, padecerá,
inequivocamente, de inconstitucionalidade.
As normas tendentes a alterar as competências tributárias também não
podem ser instituídas em determinadas circunstâncias, tal qual na vigência de
intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio. Os eventos que ensejam tais
medidas de exceção ferem a estabilidade necessária à produção legislativa e, nessa
medida, toda e qualquer norma tendente a alterar a competência tributária produzida sob
tal cenário será inconstitucional.
Resta sublinhar que as normas eventualmente editadas com o escopo de
alterar as competências tributárias devem seguir um rito predeterminado pela própria
Constituição Federal. Tal procedimento determina, por exemplo, que uma Emenda
Constitucional não possa ser reapresentada na mesma sessão legislativa em que ocorreu
a rejeição.
Além das limitações mencionadas, existem outras tantas que se encontram
implícitas na Carta Maior vigente. Merece destaque, como exemplo, a vedação clara e
106
evidente de que o dispositivo que regulamenta o procedimento de alteração
constitucional não pode ser extirpado do sistema constitucional, conforme já
mencionado anteriormente.
Em reforço à questão ora debatida, pede-se vênia para transcrever brilhante
lição de REGINA HELENA COSTA
150
a respeito do assunto:
“Dessa constatação, extraem-se, facilmente, duas conseqüências
relevantíssimas para a adequada compreensão dos parâmetros a
serem observados para que uma proposta de reforma tributária
seja viável. A primeira, consistente no fato de que, se a
Constituição brasileira é rígida, por contemplar um processo
especial para sua modificação mais complexo do que aquele
previsto para a elaboração de uma lei ordinária, tal rigidez
transmite-se ao Sistema Tributário Nacional, que somente pode
ser modificado, em sua estrutura básica, por meio de emenda
constitucional.
“E a segunda conseqüência, segundo a qual toda modificação a
ser implementada no plano infraconstitucional deverá atentar às
balizas preestabelecidas na Lei Maior, o que resulta na pequena
liberdade outorgada aos legisladores ordinário e complementar
para dispor sobre a tributação.
“Essa diminuta liberdade encerra limitações que merecem
exame. As primeiras limitações a serem registradas são as
chamadas “cláusulas pétreas”, normas constitucionais que
consignam valores imutáveis para o Estado Brasileiro.
Estampadas no art. 60, § 4º da Constituição, interessam de perto
ao objeto tratado as referentes à impossibilidade de, por meio de
emenda constitucional, veicular-se qualquer dispositivo que
150
Proposta de reforma tributária. p. 6.
107
conduza à abolição da forma federativa de Estado e dos direitos
e garantias individuais.
“A Federação, classicamente, é a forma de Estado
consubstanciada na autonomia recíproca entre a União e os
Estados-Membros. No Brasil, a Federação conta com tríplice
ordem jurídico-política, diante da autonomia igualmente
outorgada aos Municípios.
“Assim, seja qual for a proposta de alteração do sistema
tributário, deverá ela observar, necessariamente, a repartição de
competências inerente ao modelo federativo adotado.
“Também os direitos e garantias individuais constituem
barreiras intransponíveis à modificação do sistema tributário,
uma vez que limitam a própria ação estatal de exigir tributos”.
Concluímos que as competências tributárias são passíveis de alteração,
desde que se proceda também à alteração do próprio texto constitucional, por meio de
Emenda à Constituição, na medida em que as competências legislativas em matéria
tributária residem no prelecionado veículo normativo.
Repisa-se que as Emendas Constitucionais tendentes a alterar as
competências tributárias deverão sempre respeitar as limitações impostas ao seu
exercício pelo próprio Texto Magno, merecendo destaque, em matéria tributária, a
proteção à federação e aos direitos dos contribuintes erigidos sob a forma de princípios
constitucionais tributários.
108
CAPÍTULO V
ARQUÉTIPO CONSTITUCIONAL DOS TRIBUTOS
1. Considerações Preliminares
O presente assunto – arquétipo constitucional dos tributos – está
diretamente ligado à questão das competências tributárias e foi segregado em capítulo
distinto por mera conveniência didática.
Conforme salientamos, a Constituição Federal é uma Carta de
competências legislativas, entre as quais merecem destaque aquelas voltadas à outorga
de aptidão para a instituição de tributos in abstracto pelo legislador da União Federal e
dos Estados-membros. Trata-se da competência tributária.
A Constituição Federal não cria tributos, mas autoriza os entes tributantes a
fazê-lo por meio de produção legislativa adequada a tal finalidade. A norma oriunda de
tal processo somente será constitucional se respeitar os ditames da Carta Maior.
109
Ao proceder à mencionada outorga de competências tributárias, a
Constituição Federal, cujo sistema tributário é rígido e exaustivo, não deixou o exercício
da aptidão tributária à mercê dos legisladores dos entes tributantes. Ela descreveu em seu
próprio bojo os elementos essenciais da norma jurídica tributária, criando uma norma-
padrão de incidência tributária ou arquétipo constitucional dos tributos.
Sobre o assunto, destacamos a doutrina de ROQUE ANTONIO
CARRAZZA
151
:
“A Constituição, ao discriminar as competências tributárias,
estabeleceu – ainda que, por vezes, de modo implícito e com
certa margem de liberdade para o legislador – a norma-padrão
de incidência (o arquétipo, a regra-matriz) de cada exação.
Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o
sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de
cálculo possível e a alíquota possível das várias espécies e
subespécies de tributos”.
No mesmo sentido, ressalta-se o magistério de AIRES BARRETO
152
:
“Facialmente informe, mas já insculpido nos seus traços
ligeiros, o tributo se predefine na Constituição mesma.
“Obviamente, não se têm os contornos nítidos da hipótese de
incidência, reservados à lei ordinária. Não obstante, cinzelada
está a sua prefiguração, inscrita pela indicação da síntese do
critério material, ou pela eleição dos contribuintes possíveis.
“Singela é a comprovação de estar o tributo predefinido na
Constituição”.
151
Curso de direito constitucional tributário. p. 437.
152
Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. p. 34.
110
Considerando que a Carta Maior contempla os prelecionados elementos
essenciais dos tributos e que os legisladores dos entes tributantes, ao exercerem as
competências tributárias que lhes foram outorgadas, devem guardar atenção e respeito
aos preceitos constitucionais, faz-se claro e inquestionável que a norma instituidora do
tributo – regra-matriz de incidência tributária – deve conformar elementos que
correspondam àqueles trazidos na Constituição Federal como informadores do arquétipo
constitucional dos tributos, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade.
2. Critérios informadores do arquétipo constitucional tributário e da regra-matriz
de incidência tributária
A regra-matriz de incidência tributária nada mais é do que a denominação
outorgada pela Doutrina à norma tributária que contempla todos os elementos essenciais
para a efetiva criação do tributo. O arquétipo constitucional dos tributos, como
salientamos, consiste na prescrição constitucional desses elementos essenciais.
Os elementos indispensáveis que integram a regra-matriz de incidência e
constam na Carta Maior – denominados critérios – estão presentes tanto no antecedente
da norma tributária que institui o tributo in abstracto quanto em seu conseqüente. No
primeiro, temos: (i) critério material; (ii) critério espacial; e (iii) critério temporal. Já no
segundo, encontramos: (iv) critério quantitativo; e (v) critério pessoal.
Traçaremos sucintas considerações a respeito dos critérios mencionados.
2.1. Quanto ao antecedente da norma
Analisando o antecedente da norma de tributação, encontramos os critérios
referentes à descrição e à fixação, no tempo e no espaço, da conduta tributável. Nas
111
palavras de ALFREDO AUGUSTO BECKER
153
, são fatores indispensáveis para a
realização da hipótese de incidência:
“Os fatos (núcleo e elementos adjetivos) que realizam a hipótese
de incidência, necessariamente, acontecem num determinado
tempo e lugar, de modo que a realização da hipótese de
incidência sempre está condicionada às coordenadas de tempo e
às de lugar. O acontecimento do núcleo e elementos adjetivos
somente terão realizado a hipótese de incidência se tiverem
acontecido no tempo e no lugar predeterminados, implícita ou
expressamente, pela regra jurídica”.
Passemos a tais critérios.
2.1.1. Critério material
O critério material é o núcleo do antecedente da norma tributária. Consiste
na descrição da conduta fática que, se, e quando ocorrer no mundo fenomênico, dará
ensejo à instauração do liame obrigacional tributário. Tal descrição se dá pela
enunciação de verbo, que designa a conduta e sempre estará acompanhado de um
complemento, o qual faz menção ao objeto dessa conduta.
Não é incomum encontrar excertos doutrinários mencionando o critério
material como descrição objetiva do fato sobre o qual se pretende fazer incidir a norma
tributária. Tal entendimento, em nosso ver, é equivocado, na medida em que a descrição
objetiva do fato só se dá pela “[...] compostura integral da hipótese tributária, enquanto o
critério material é um dos seus componentes lógicos”
154
.
153
Teoria geral do direito tributário. p. 301.
154
Cf. PAULO DE BARROS CARVALHO. Curso de direito tributário, p. 257.
112
Ao contemplar a hipótese da norma tributária, deve o intérprete segregar o
que se refere ao critério material e o que se refere aos critérios espacial e temporal. A
respeito dessa abstração, e firmando nossas considerações sobre o critério material, trata
a lição de PAULO DE BARROS CARVALHO
155
a seguir transcrita:
“Para obviarmos tal empecilho, é preciso fazer abstração
absoluta dos demais critérios (o que só é possível no plano
lógico-abstrato) e procurar extrair não o próprio fato, mas outro
evento que, uma vez condicionado no tempo e no espaço, venha
a transformar-se no fato hipoteticamente descrito. Dessa
abstração emerge sempre o encontro de expressões genéricas
designativas de comportamentos de pessoas, sejam aqueles que
encerrem um fazer, um dar, ou, simplesmente, um ser (estado).
Teremos, por exemplo, ‘vender mercadorias’, ‘industrializar
produtos’, ‘ser proprietário de bem imóvel’, ‘auferir rendas’,
‘prestar serviços’, ‘construir estradas’, ‘pavimentar ruas’ etc.
“Esse núcleo, ao qual nos referimos, será formado,
invariavelmente, por um verbo, seguido de seu complemento”.
2.1.2. Critério espacial
O critério espacial da regra-matriz de incidência proporciona
posicionamentos diversos entre os maiores expoentes da Doutrina pátria.
Independentemente do entendimento abraçado, parece-nos óbvio que tal aspecto não
deve ser limitado à área territorial do ente tributante a que se refere a exação, ou ainda ao
plano de eficácia territorial da norma que criou o tributo propriamente dito. O critério
espacial compreende muito mais que isso.
155
Teoria da norma tributária. p. 124-125.
113
Ele se refere ao local onde a conduta delineada no critério material deve
ocorrer para que sobre ela se irradiem os efeitos prescritos pela norma tributária. É o
delimitador do local onde se dá a ocorrência da conduta ensejadora de tributação.
A esse respeito, assim se manifestou PAULO DE BARROS
CARVALHO
156
:
“Revela o estudo do critério espacial das hipóteses tributárias
porque nele se precisam os elementos necessários e suficientes
para identificarmos a circunstância de lugar que condiciona o
acontecimento do fato jurídico [...]
“Pois bem, o critério espacial encerra os elementos que nos
permitirão reconhecer a circunstância de lugar que limita, no
espaço, a ocorrência daquele evento”.
2.1.3. Critério temporal
O critério temporal da norma-padrão de incidência, por seu turno, faz
referência ao momento em que se consuma a conduta fática passível de tributação,
ensejando, conseqüentemente, o nascimento da obrigação tributária. É o que esclarece
MÁRCIO SEVERO MARQUES
157
:
“[...] aspecto temporal da norma tributária diz respeito ao
momento (circunstância de tempo) de ocorrência do fato
imponível, ou seja, o instante em que a lei determina a
incidência do tributo e o nascimento da relação jurídica
tributária”.
156
Teoria da norma tributária. p. 130
157
Classificação constitucional dos tributos. p. 121.
114
No mesmo percalço, seguem as palavras de JOSÉ EDUARDO SOARES DE
MELO
158
:
“[...] o aspecto temporal consiste na fixação de um determinado
momento em que se deve reputar acontecida a materialidade do
tributo, tendo em vista que a norma deve conter a circunstância
de tempo, certo e determinado”.
2.2. Quanto ao conseqüente da norma
Em relação ao conseqüente da norma tributária, encontramos os critérios
responsáveis pela delimitação do liame surgido com a consumação da conduta
tributável, prescrita no antecedente normativo em dado espaço e átimo de tempo. São os
aspectos quantitativo e pessoal.
2.2.1. Critério quantitativo
O critério quantitativo, como sua denominação anuncia, refere-se ao
quantum envolvido na obrigação tributária, ou, em últimas palavras, quanto deverá ser
pago a título de tributo. Tal valor somente será passível de apuração por meio da
conjugação de dois elementos: base de cálculo e alíquota.
Assim salienta GERALDO ATALIBA
159
:
44.6 Não basta para a fixação do quantum debeatur a indicação
legal da base imponível. Só a base imponível não é suficiente
para a determinação in concretu do vulto do débito tributário,
resultante de cada obrigação tributária.
158
Curso de direito tributário. p. 182.
159
Hipótese de incidência tributária. p. 114 – 115.
115
“A lei deve estabelecer outro critério quantitativo que –
combinado com a base imponível – permita a fixação do débito
tributário, decorrente de cada fato imponível. Assim, cada
obrigação tributária se caracteriza por ter certo valor, que só
pode ser determinado mediante a combinação de dois critérios
numéricos: a base imponível e a alíquota”.
A base de cálculo é a grandeza eleita pelo legislador para sofrer os efeitos
da tributação. Segundo os sempre precisos ensinamentos de GERALDO ATALIBA
160
,
corresponde a:
43.1 [...] uma perspectiva dimensível do aspecto material da
h.i. que a lei qualifica, com a finalidade de fixar critério para a
determinação, em cada obrigação tributária concreta, do
quantum debeatur. [...]
“A base imponível é a dimensão do aspecto material da hipótese
de incidência. É, portanto, uma grandeza ínsita na h.i. (Alfredo
Augusto Becker a coloca, acertadamente, como cerne da h.i.) É,
por assim dizer, seu aspecto dimensional, uma ordem de
grandeza própria do aspecto material da h.i.; é propriamente
uma medida sua.
“O aspecto material da h.i. é sempre mensurável, isto é, sempre
redutível a uma expressão numérica. A coisa posta na
materialidade da h.i. é sempre passível de medição.”
A base de cálculo, ao dimensionar a intensidade do comportamento
relacionado no cerne do fato jurídico, confirma ou infirma a natureza jurídica do tributo
prescrito pela norma tributária, na medida em que, como bem ressaltou AIRES
160
Hipótese de incidência tributária. p. 108.
116
BARRETO
161
, “[...] é no aspecto material da hipótese de incidência que, por seus
atributos, encontramos a suscetibilidade de apreciação e dimensionamento, com vista à
estipulação do objeto da prestação”.
A incongruência entre o critério material de determinado tributo e sua base
de cálculo credencia esse último, ao revés de confirmar a qualidade da materialidade da
exação, infirmá-la, apontando possível vício na formulação legislativa resultado do
exercício da competência tributária esculpida na Carta Maior.
A alíquota, por seu turno, diz respeito à parte, à fração da base de cálculo a
que corresponderá ao quantum a ser entregue aos cofres públicos a título de tributo.
Segundo ALFREDO AUGUSTO BECKER
162
:
“[...] a alíquota será aplicada somente depois que o fato
escolhido para base de cálculo, sob a ação do método de
conversão, transfigurou-se em cifra, de modo que a alíquota
sempre e logicamente representa uma parcela deste fato já
transfigurado em cifra, e não daquele outro fato que
condicionou a variação da alíquota”.
2.2.2. Critério pessoal
O critério pessoal da regra-modelo de incidência aponta os sujeitos de
direito que integrarão a relação jurídica tributária: a parte que detém o dever jurídico de
entregar certa parcela de seu patrimônio ao Estado e a pessoa que goza do direito
subjetivo de receber tal montante. Trata-se, respectivamente, dos sujeitos passivo e ativo
da obrigação tributária.
161
Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. p. 50.
117
Acerca do tema, assim pontifica ALFREDO AUGUSTO BECKER
163
:
“A relação jurídica irradia-se depois da incidência da regra
jurídica sobre a sua hipótese de incidência. A irradiação da
relação jurídica é um efeito (conseqüência) jurídico da
incidência da regra jurídica.
“A relação jurídica tem dois pólos: o positivo e o negativo. A
pessoa (física ou jurídica) é o único pólo admissível das relações
jurídicas. Por isso, toda e qualquer relação jurídica (inclusive a
que atribuiu direito real ao sujeito ativo) é sempre pessoal: entre
pessoa e pessoa, nunca entre pessoa e coisa.
“A pessoa que se encontra no pólo negativo assume a posição
jurídica de sujeito passivo na relação jurídica. A pessoa que
tomar lugar no pólo positivo assume a posição jurídica de
sujeito ativo”.
Segundo GERALDO ATALIBA
164
, sujeito ativo “[...] é o credor da
obrigação tributária. É a pessoa a quem a lei atribui a exigibilidade do tributo. Só a lei
pode designar o sujeito ativo. Essa designação compõe a h.i., integrando seu aspecto
pessoal”.
Sujeito passivo, para PAULO DE BARROS CARVALHO
165
, “[...] é a
pessoa – sujeito de direitos – física ou jurídica, privada ou pública, de quem se exige o
cumprimento da prestação”.
A respeito da norma-padrão de incidência tributária, cabe salientar que é
indispensável a conjugação dos cinco critérios ora analisados para que seja possível a
162
Teoria geral do direito tributário. p. 344.
163
Teoria geral do direito tributário. p. 307.
164
Hipótese de incidência tributária. p. 83.
165
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. p. 150.
118
criação do tributo in abstracto. Sem um desses aspectos, a norma tributária não é hábil
para instaurar o liame obrigacional tributário.
Passemos, sem mais delongas, ao objeto de estudo do presente Trabalho: as
alterações perpetradas à ordem constitucional brasileira, no tocante ao arquétipo
constitucional do ICMS – Importação, e à manutenção da transferência de titularidade
como núcleo da materialidade da prelecionada exação.
119
CAPÍTULO VI
A EMENDA CONSTITUCIONAL 33/01 E O “NOVO” ICMS – IMPORTAÇÃO
MANUTENÇÃO DA “TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE” COMO NÚCLEO
CONSTITUCIONAL DA MATERIALIDADE DO ICMS – IMPORTAÇÃO
1. Considerações preliminares
A Constituição Federal de 1988 encerra em seu bojo o arquétipo do ICMS,
ou seja, todos os elementos relevantes para a fisionomia jurídica desse tributo. As
situações passíveis de compor a materialidade do ICMS foram total e integralmente
prescritas pelo artigo 155, II da Carta Maior
166
, restando muito pouco à
discricionariedade dos entes políticos detentores da competência tributária atinente à
exação em comento, devendo esses, em tudo, aterem-se aos limites constitucionalmente
prescritos para sua instituição.
166
Redação atual:
“Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
“[...]
120
A singela observação do dispositivo constitucional mencionado evidencia
que são três as possíveis hipóteses de incidência do ICMS prescritas pela Carta vigente,
quais sejam: (i) realizar operações de circulação de mercadorias; (ii) prestar serviços de
transporte interestadual ou intermunicipal; e (iii) prestar serviços de comunicação.
Em razão do corte metodológico adotado, o objeto de estudo deste trabalho
diz respeito à hipótese concernente à realização de operações de circulação de
mercadorias, motivo pelo qual deixaremos de analisar as demais materialidades
possíveis do ICMS.
Ressaltamos que a hipótese constitucional referente às operações de
circulação de mercadorias desdobra-se, ainda, em determinadas modalidades específicas,
compreendendo operações de circulação de mercadorias realizadas internamente, em
dado Estado da Federação, entre Estados e até mesmo entre países estrangeiros e o
Brasil. A última – ICMS incidente sobre operações de circulação de mercadorias
advindas do exterior – consiste no objeto central deste Trabalho
167
.
2. ICMS – Importação: problema antigo, porém atual
Não é de hoje que a incidência de ICMS sobre a importação de bens e
mercadorias do exterior
168
assombra os operadores do Direito e os contribuintes, pois,
como assinala SHUBERT DE FARIAS MACHADO
169
, “há mais de trinta anos as
Fazendas Estaduais tentam alcançar com o ICM as importações dos bens em geral”.
“II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; [...]”.
167
Motivo pelo qual deixaremos de analisar a circulação de mercadorias internamente nos Estados da Federação
brasileira, bem como aquelas realizadas entre Estados.
168
Ressaltamos desde já que importação é, nas palavras de J. X. CARVALHO DE MENDONÇA, “[...] a colocação de
produtos ou mercadorias estrangeiras no mercado brasileiro. São as mercadorias que entram para consumo”. Tratado de
direito comercial brasileiro. v. 1. p. 261.
169
“A EC 33 e o ICMS na Importação”. O ICMS e a EC 33. p. 209.
121
Remonta a 1983 a introdução do ICMS – Importação (então ICM) na
Constituição então vigente, por meio da edição da Emenda Constitucional n.º 23/83,
conhecida por “Emenda Passos Porto”
170
. Tal comando normativo prescreveu a cobrança
do ICM sobre operações relativas à circulação de bens e mercadorias oriundos do
exterior efetuadas por produtores, comerciantes e industriais
171
.
Desde a introdução da competência tributária para criação da exação em
comento na ordem constitucional brasileira, seu fato imponível sempre correspondeu à
realização de compra e venda de mercadorias, atingindo tão-somente os adquirentes de
mercadorias para fins de comércio, com finalidade de lucro, ou para fins de
industrialização do bem adquirido e posterior comercialização do respectivo produto,
também com finalidade de lucro.
É evidente, portanto, que a incidência do ICMS – Importação sempre
atingiu a realização de operações que compreendessem transferência de titularidade de
bens, contrariando, assim, os anseios tributantes dos Estados-Membros, que sempre
objetivaram fazer tal exação incidir sobre qualquer circulação de bem, ainda que
meramente física.
Acerca disso, é oportuna a transcrição das palavras de MARCELO VIANA
SALOMÃO
172
:
170
Segundo ROQUE ANTONIO CARRAZZA, os Estados sempre tentaram cobrar o ICMS – Importação, mesmo antes
de sua previsão constitucional. Veja-se: “[...] os Estados, com base em legislação ordinária, tentaram (em vão) tributar,
a título de ICM, ainda que a descoberto de previsão constitucional”. ICMS. p. 58.
171
A respeito do assunto, merecem destaque as considerações de MARCELO VIANA SALOMÃO: “Com isso,
iniciamos a parte sombria de nossa história, ou melhor, da vida do ICM, pois, passando por cima desta jurisprudência
do STF, os Estados, através de forte lobby, conseguiram aprovar a Emenda Constitucional 23/83 (Emenda ‘Passos
Porto’), a qual, dentre outras coisas, inseriu na Constituição da época autorização expressa para que Estados cobrassem
ICM dos produtores, industriais e comerciantes também quando eles importassem bens e mercadorias”. “O ICMS na
Importação após a Emenda Constitucional nº 33/2001”. O ICMS e a EC 33. p. 146.
172
O ICMS e a EC 33. p. 144.
122
“[...] se passaram quase trinta anos até que se pacificasse o
entendimento de que efetivamente o ICM era um imposto sobre
operações (negócios jurídicos), e não sobre circulação física,
como pregavam os Estados.
“Entende-se, hoje, com tranquilidade, que a circulação visada
por tal tributo é a jurídica, ou seja, aquela que significa
transferência do título de propriedade.
“Por isso, afirmamos, sem medo de errar, que aquele imposto só
incidia com a transferência de titularidade de mercadorias”.
Constitui objetivo da presente Dissertação demonstrar que, desde sempre, e
ainda hoje, mesmo após as alterações legislativas perpetradas pela Emenda
Constitucional n.º 33/01, o ICMS – Importação somente é passível de incidência sobre
operações jurídicas, ou seja, sobre negócios jurídicos onde houver transferência de
titularidade dos objetos trazidos do exterior, como será ressaltado logo adiante.
3. ICMS – Importação na Constituição Federal de 1988
Cumpre, antes de seguirmos, analisar o ICMS – Importação segundo a
formatação que lhe foi conferida pela Constituição Federal vigente em sua redação
original.
O Poder Constituinte originário da Carta de 1988, entendendo por bem
conservar a incidência do ICMS sobre operações relativas à circulação de mercadorias
importadas – tal qual se dava na ordem até então vigente –, assim prescreveu a
competência tributária para instituição da exação examinada
173
:
173
Redação original da Constituição Federal de 1988, posteriormente alterada pela Emenda Constitucional n.º 3/93.
123
“Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir:
“I – impostos sobre:
“[...]
“b) operações relativas à circulação de mercadorias e sobre
prestações de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as
prestações se iniciem no exterior;
“[...]
“§2º – O imposto previsto no inciso II atenderá o seguinte:
“I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em
cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação
de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo
ou outro Estado, ou pelo Distrito Federal;
“[...]
“IX – incidirá também:
“a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda
quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do
estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior,
cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o
estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço; [...]”.
A simples análise desse dispositivo deixa claro que o ICMS – Importação
somente poderia incidir sobre operações referentes à circulação de mercadorias. Para
melhor compreender a extensão da materialidade do tributo em questão, é
imprescindível definirmos os conceitos dos termos: operação, circulação e mercadoria.
3.1. Operações
O ICMS – Importação não incide sobre “mercadorias” ou sobre sua
“circulação”, na medida em que o mandamento nuclear de sua hipótese de incidência é o
124
termo “operações”. É o que salientam GERALDO ATALIBA e CLEBER
GIARDINO
174
:
“O conceito nuclear da materialidade da hipótese de incidência
do ICMS é o de operações. Esta é, efetivamente, uma expressão
substantiva de descrição constitucional do tributo; é o núcleo em
torno do qual se constrói a própria descrição do campo material
de competência dos Estados. Os demais termos, constantes
dessa locução constitucional, são adjetivos em torno do
substantivo operações”.
Merecem destaque as palavras de HAMILTON VALENTE FERREIRA
175
,
para quem o “[...] imposto não incide sobre a circulação propriamente dita, nem sobre a
saída de mercadorias, mas sobre operações relativas à circulação de mercadorias”.
Partindo desse pressuposto, nada mais importante que conhecer o conceito
do termo “operações”. Apesar de o mesmo comportar diversos significados possíveis,
parece-nos apontar para a idéia de atos ou negócios jurídicos. Encontramos respaldo nos
ensinamentos de GERALDO ATALIBA e CLEBER GIARDINO
176
:
“[...] operações são atos jurídicos; atos regulados pelo Direito
como produtores de determinada eficácia jurídica; são atos
juridicamente relevantes; circulação e mercadoria são, nesse
sentido, adjetivos que restringem o conceito substantivo de
operações”.
174
Núcleo da definição constitucional do ICM (operações, circulação e saída). Revista de direito tributário. n.
os
25-26.
p. 106.
175
Imposto sobre circulação de mercadoria. Revista de direito público. n.º 5. p. 211-215.
176
Núcleo da definição constitucional do ICM (operações, circulação e saída). Revista de direito tributário. n.
os
25-26.
p. 104.
125
JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO
177
, fazendo suas as palavras de
PAULO DE BARROS CARVALHO, trilhou caminho semelhante:
“[...] operações, no contexto, exprime o sentido dos atos ou
negócios hábeis para provocar a circulação de mercadorias.
Adquire, neste momento, a acepção de toda e qualquer
atividade, regulada pelo Direito, e que tenha a virtude de
realizar aquele evento”.
Erradicando qualquer dúvida quanto à significação do termo “operações”,
trazemos as sempre bem-recebidas considerações de ALCIDES JORGE COSTA
178
:
“A operação relativa à circulação de mercadorias é, pois, um ato
jurídico, no sentido de ato material ou não negocial que consiste
na imediata realização de uma vontade, no caso a de promover a
circulação de mercadorias, para levá-las da fonte de produção ao
consumo. Este ato pode, para efeito de direito privado, revestir a
categoria de negócio jurídico. Para o direito fiscal será sempre
um ato material ou não negocial a que também se dá o nome de
operação.
“Para resumir, a operação é um ato jurídico material em que a
vontade se manifesta no sentido de promover a circulação de
mercadorias”.
O termo “operações”, tal qual prescrito pelo Texto Magno brasileiro como
hipótese de incidência do ICMS, somente pode ser compreendido como ato jurídico cujo
escopo é a transferência de titularidade de objetos entre pessoas.
177
ICMS: teoria e prática. p. 12.
178
ICM na Constituição e na lei complementar. p. 93.
126
3.2. Circulação
O termo em questão, tal qual prescrito pela Constituição Federal de 1988,
relaciona-se diretamente com a transmissão de mercadorias de uma pessoa para outra.
Na medida em que o termo “circulação” qualifica “operações”, parece-nos
óbvio que a circulação que importa e viabiliza a incidência de ICMS é aquela
relacionada a um ato ou negócio jurídico, ou seja, circulação jurídica. A ela se reportam
GERALDO ATALIBA E CLEBER GIARDINO
179
:
“Circular significa, para o Direito, mudar de titular. Se um bem
ou uma mercadoria mudam de titular, circula para efeitos
jurídicos. Convenciona-se designar por titularidade de uma
mercadoria a circunstância de alguém deter poderes jurídicos de
disposição sobre a mesma, sendo ou não sendo seu proprietário
(disponibilidade jurídica)”.
A Carta Maior de 1988 fez menção à circulação jurídica e,
conseqüentemente, à transferência de titularidade de mercadoria, para fins de incidência
do ICMS, desconsiderando a circulação física. Assim salienta JOSÉ NABANTINO
RAMOS
180
:
“[...] considerar circulação a transferência de mercadorias de um
estabelecimento para outro, do mesmo proprietário, é tanto
quanto afirmar que dinheiro circula quando Pedro o passa da
mão direita para a mão esquerda. Em nenhuma dessas duas
hipóteses o bem sai do poder da pessoa com quem está, embora
179
Núcleo da definição constitucional do ICM (operações, circulação e saída). Revista de direito tributário. n.
os
25-26.
p. 104.
180
Revista de direito público. vol. 2. p. 38.
127
os percursos sejam de muito diferentes extensões. E, inexistindo
transmissão de uma a outra pessoa, já não há circulação”.
Destacamos, ainda, ALCIDES JORGE COSTA
181
, que, ao complementar
as palavras do saudoso ALIOMAR BALLEIRO, compara a incidência do ICMS sobre
meras circulações físicas à incidência de tal exação sobre o furto ou roubo de bens:
“Ao rebater a tese de que a simples saída física é fato gerador do
ICM, ALIOMAR BALEEIRO diz ter a impressão ‘de que essa
arrojada tese, grata ao Fisco Estadual, porque até a saída pelo
furto ou roubo seria fato gerador, não alcançou o sufrágio dos
tributaristas e dos Tribunais brasileiros’. Realmente, a ninguém
ocorreria pretender que a saída de mercadoria por furto ou roubo
constitui fato gerador do ICM. No entanto, aceita a concepção
econômica de circulação, dever-se-ia aceitar também a
conclusão de que o furto é fato gerador do ICM”.
Conclui-se, sem medo de errar, que o termo “circulação” está presente na
Constituição Federal de 1988 – e adveio da Carta anteriormente vigente – significando
circulação jurídica de mercadoria, e não qualquer circulação física. O que diferencia
ambas as espécies é que, na primeira, ocorre transferência de titularidade de mercadoria,
enquanto na segunda, mera transmissão de bens, sem a prelecionada transferência.
3.3. Mercadoria
Mercadoria, como é de conhecimento geral, é uma espécie do gênero bem
– o que os diferencia é o fato de que a mercadoria é o bem destinado à mercancia, ou
seja, sujeito a ser objeto da atividade mercantil.
181
ICM na constituição e na lei complementar. p. 83.
128
Como bem ressalta ROQUE ANTONIO CARRAZZA
182
:
“[...] não é qualquer bem móvel que é mercadoria, mas tão-só
aquele que se submete à mercancia. Podemos, pois, dizer que
toda mercadoria é bem móvel, mas nem todo bem móvel é
mercadoria. Só o bem móvel que se destina à prática de
operações mercantis é que assume a qualidade de mercadoria”.
Nesse exato sentido comunga JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELLO
183
:
“‘Mercadoria’, tradicionalmente, é bem corpóreo da atividade
empresarial do produtor, industrial e comerciante, tendo por
objeto a sua distribuição para consumo, compreendendo-se no
estoque da empresa, distinguindo-se das coisas que tenham
qualificação diversa, segundo a ciência contábil, como é o caso
do artigo permanente”.
Por fim, deitando por terra quaisquer dúvidas porventura existentes sobre o
assunto, figura o ensinamento de HAMILTON DIAS DE SOUZA
184
:
“Assim, apenas são mercadorias os bens móveis destinados a ser
vendidos com habitualidade, ou, como leciona Henry Capitant,
‘mercadorias são objetos móveis compreendidos em um fundo
de comércio e destinados a ser vendidos’. Ao contrário, todos os
bens que não se destinam a ser vendidos, ou que o são
esporadicamente, não são mercadorias, sobre eles não podendo
incidir o ICM”.
182
ICMS na constituição. p. 41.
183
ICMS: teoria e prática. p. 16.
184
O fato gerador do I-C-M e a participação dos municípios no produto da arrecadação do tributo. p. 15.
129
Vale ressaltar que a caracterização do contribuinte do ICMS sempre
decorreu do conceito de mercadoria esposado acima, na medida em que somente estaria
habilitado a ocupar tal posto, a pessoa que exerce atividades relacionadas à circulação de
mercadoria com finalidade de lucro.
3.4. Materialidade do ICMS – Importação na redação original da Constituição
Federal de 1988
Ao traçar a materialidade do prelecionado ICMS – Importação – operações
relativas à circulação de mercadoria importadas –, o legislador da Carta de 1988 quis se
referir a: (i) “atos juridicamente relevantes”
185
, (ii) referentes à circulação jurídica de (iii)
bens destinados ao comércio. Essa é a materialidade do ICMS – Importação segundo o
arquétipo prescrito pela redação original da Constituição Federal de 1988.
As palavras de CLÉLIO CHIESA
186
reforçam nossas conclusões:
“[...] a exegese que mais se coaduna com a sistemática do ICMS
é aquela que entende ser a regra prevista na alínea ‘a’, inciso IX,
§ 2º, do artigo 155 da Constituição Federal, uma hipótese que
alcança somente as operações de aquisição de mercadoria
importada por pessoas que praticam atos de comércio com
habitualidade, jamais o particular que adquire para consumo
próprio.
“Afirmar que uma pessoa que não é contribuinte do ICMS está
sujeita à tributação por meio deste imposto só ignorando a
determinação contida na Carta Magna de que o destinatário
185
Cf.: GERALDO ATALIBA e CLÉBER GIARDINO. Núcleo da definição constitucional do ICM (operações,
circulação e saída). Revista de direito tributário. n.
os
25-26. p. 104.
186
ICMS – sistema constitucional tributário – algumas inconstitucionalidades da LC 87/96. p. 92-93.
130
constitucional do ICMS é a pessoa física ou jurídica que pratica
atos de comércio com habitualidade, ainda mais quando atrela a
hipótese ao termo ‘estabelecimento’, demonstrando de modo
cristalino que o objetivo é alcançar as atividades comerciais.
“Parece-nos, portanto, que a exegese que melhor se harmoniza
com o contexto normativo em que está inserida a regra prevista
na alínea ‘a’, inciso IX, § 2º, do artigo 155 da Constituição
Federal é aquela que vislumbra tratar-se de uma hipótese de
incidência que alcança tão-somente as operações que tenham
por objeto a importação de mercadorias ou bens por pessoa que
seja contribuinte do ICMS”.
Sintetizando com louvor o posicionamento da doutrina em relação à
temática, MARCO AURÉLIO GRECO e ANNA PAOLA ZONARI
187
sustentaram o
seguinte:
“Observe-se que a materialidade do ICMS desborda as
mercadorias em si [...] para alcançar, na importação, também os
bens (art. 155, § 2º, IX, a). Este fato, porém, não retira o caráter
eminentemente mercantil do ICMS, pois mesmo nesta
incidência exige-se que o bem se integre em uma atividade
econômica sujeita a imposto (daí mencionar-se a noção de
"estabelecimento"). Este dispositivo corresponde à ampliação da
materialidade do imposto para alcançar bens com os quais o
contribuinte se relaciona, mas não implica ampliação do aspecto
pessoal da hipótese de incidência. Ou seja, esta hipótese só
alcança as importações realizadas por um contribuinte de ICMS,
o que é figura semelhante à incidência do imposto nas operações
interestaduais a consumidor final, em que o Estado de destino só
187
ICMS – Materialidade e Princípios Constitucionais. p. 147-148.
131
tem competência impositiva se o destinatário for contribuinte de
ICMS (itens VII, a e VIII)”.
Recorremos a MARCELO VIANA SALOMÃO
188
para afirmar que a
norma-padrão do ICMS – Importação, tal qual delineada pela Constituição Federal de
1988, corresponde à seguinte construção:
“a. critério material: importar, isto é, introduzir mercadorias e
bens estrangeiros no Brasil, com o objetivo de inseri-los no
mercado brasileiro, seja no círculo econômico, seja no processo
de produção ou de consumo;
“b. critério quantitativo:
“b.1. base de cálculo: valor dos produtos importados;
“b.2. alíquota: porcentagens estabelecidas pela legislação
competente;
“c. critério temporal: entrada jurídica das mercadorias ou bens
no estabelecimento;
“d. critério espacial: território dos Estados (e do Distrito
Federal) em que se situarem os estabelecimentos destinatários
das mercadorias e bens;
“e. critério pessoal:
“e.1. sujeito ativo: Estados e Distrito Federal;
“e.2. sujeito passivo: comerciantes, industriais e produtores”.
Tecidas essas considerações, passaremos ao “novo” ICMS – Importação,
tal qual instituído pela Emenda Constitucional n.º 33/01.
188
ICMS na importação. p. 80.
132
4. ICMS – Importação na Constituição Federal após as alterações perpetradas pela
Emenda Constitucional n.º 33/01
Os Estados e o Distrito Federal sempre almejaram cobrar ICMS sobre toda
e qualquer operação de importação. A edição da Emenda Constitucional n.º 33/01 foi a
maneira encontrada pelo legislador derivado para atender a sanha arrecadatória dos entes
estaduais. Observemos, de plano, as modificações perpetradas pela Emenda
Constitucional n.º 33/01, especificamente em relação à alínea “a”, do inciso IX, do § 2º,
do artigo 155 da Constituição Federal, cujo teor passou a ser o seguinte:
“Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir
impostos sobre:
“[...]
“II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre
prestações de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as
prestações se iniciem no exterior;
“[...]
“§ 2º – O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
“I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em
cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação
de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo
ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
“[...]
“IX – incidirá também:
“a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do
exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja
contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua
finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior,
cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio
133
ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou
serviço; [...]”.
A leitura do dispositivo trazido acima evidencia as alterações legislativas
em relação ao ICMS – Importação prescrito na redação original da Constituição Federal.
O legislador da Emenda Constitucional n.º 33/01 referiu que o ICMS –
Importação incidirá: (i) sobre a entrada de quaisquer bens ou mercadorias, (ii) ensejada
por pessoa física ou jurídica, ainda que não contribuinte habitual do tributo, (iii)
independentemente da destinação do objeto importado. É patente, de fato, a modificação
do arquétipo constitucional da exação examinada.
4.1. Alteração da materialidade e dos sujeitos passivos possíveis do ICMS –
Importação após o advento da EC n.º 33/01
Diante da alteração legislativa em questão, resta claro e evidente que a
Emenda Constitucional n.º 33/01 alargou o campo de incidência do ICMS – Importação,
de modo que tal tributo poderá, ao menos em tese, atingir não apenas mercadorias, mas
também toda e qualquer espécie de bem.
Em conseqüência da pretensão do legislador derivado de tributar a
importação de simples bens do exterior, o campo de incidência do ICMS – Importação
também foi majorado em relação aos contribuintes. Isso porque, conforme salientamos
anteriormente, somente poderia figurar como contribuinte do ICMS – Importação a
pessoa que realizasse operações que destinassem bens ao comércio com intuito de lucro,
qualificação na qual se encaixavam os produtores, comerciantes ou industriais.
Com a novel redação constitucional, a regra-matriz do ICMS – Importação
pode – ao menos em tese, repisa-se – ser criada encerrando como contribuinte toda e
134
qualquer pessoa que realize operações de circulação de bens ou mercadorias, pouco
importando qual destinação outorgará a tal bem posteriormente.
Como bem salientou JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELLO
189
em seu
recente trabalho a respeito do tema, a Emenda Constitucional n.º 33/01 “[...] determina a
incidência do imposto independentemente da finalidade a que se destina o bem, ou a
qualificação importador”.
O intérprete mais apressado poderá dizer que, com as alterações
perpetradas pela Emenda Constitucional n.º 33/01, o novel ICMS – Importação teria o
condão de incidir sobre toda e qualquer operação de importação, na medida em que tal
tributo poderá incidir sobre a entrada de qualquer bem ou mercadoria trazido do exterior
e deverá ser recolhido pela pessoa responsável pela respectiva importação.
No entanto, assim não nos parece, pois o núcleo constitucional da exação
em questão, qual seja, o termo “operações”, não foi alterado. É o que veremos adiante.
4.2. Manutenção da “transferência de titularidade” dos bens importados como
núcleo constitucional do “novo” ICMS – Importação
O termo “operações” está relacionado a atos ou negócios jurídicos. Não
qualquer espécie de ato ou negócio jurídico, mas tão-somente aqueles que envolverem
circulação jurídica.
A partir da Emenda Constitucional n.º 33/01, as operações mencionadas
pelo Texto constitucional passaram a referir a operações de circulação de bens ou
mercadorias, mas não deixaram, em momento algum, de referir ao ato ou negócio
189
A importação no direito tributário. p. 144.
135
jurídico necessário para a transmissão da titularidade dos objetos da importação. Trata-se
da operação de circulação jurídica.
Nessa perspectiva, ainda que o legislador ordinário do novel ICMS –
Importação tivesse o escopo de tributar toda e qualquer operação de importação – o que
rendeu ensejo ao surgimento da expressão “imposto estadual de importação” –, não nos
parece que tal tributo poderá fazê-lo.
Tendo sido mantido o núcleo constitucional do tributo, quais sejam os
termos “operações” e “circulação” – em seu sentido jurídico, frise-se –, somente
poderiam ser objeto de tributação pelo ICMS – Importação os objetos importados que
tivessem sua titularidade transferida entre pessoas.
Nessa toada, não basta a circulação física do bem ou mercadoria do exterior
para o Brasil, importando, sim, necessariamente, a circulação jurídica de tais elementos,
com a consequente transferência de titularidade do exportador para seu importador, que
é, nesse caso, e em última análise, o contribuinte do tributo em questão.
Corroboram tal argumento os entendimentos esposados em recente e
inédito parecer elaborado por PAULO DE BARROS CARVALHO
190
a respeito do tema
em discussão, e que nos foi gentilmente cedido:
“Nota-se que em nenhum momento o constituinte pretendeu
ampliar a hipótese de incidência do ICMS para que este
passasse a abranger a mera entrada física do bem, sem a efetiva
transferência da sua titularidade (operação de circulação de
mercadoria)”.
136
No mesmo sentido seguem as considerações tecidas por GABRIEL
LACERDA TROIANELLI
191
, segundo quem:
“Ora, se o artigo 155, § 2º, IX, “a” continua se referindo, tal
qual sua redação original, à entrada de bem ou mercadoria, não
há porque se atribuir a esse termo acepção diversa daquela
sempre admitida pela jurisprudência para passar a admitir a
incidência do ICMS na mera circulação física de um bem”.
Realçando o absurdo de qualquer pretensão em contrário, o talentoso
tributarista salienta:
“Cabe alertar que, caso se aceitasse a incidência do ICMS sobre
mera circulação física de um bem, nenhum Estado do país
poderia mais patrocinar um grande prêmio de fórmula um ou
uma exposição de Renoir sem pedir autorização ao CONFAZ
para ‘isentar’ a entrada, ainda que provisória, dos valiosos bens
provenientes do exterior, o que é, a toda evidência, bem pouco
razoável”.
Feitas essas considerações, afigura-se nítido que, apesar de o novel
arquétipo constitucional do ICMS – Importação comportar a criação de tributo sobre
bens e mercadorias, independentemente de sua destinação, parece-nos que tal exação não
tem o condão de atingir toda e qualquer importação, como querem alguns, especialmente
os representantes dos Fiscos dos Estados-Membros da Federação brasileira.
O novo ICMS – Importação somente pode atingir operações de importação
calcadas em negócios jurídicos relativos à circulação jurídica dos objetos importados.
190
Parecer sobre o ICMS – Importação e as modificações legislativas perpetradas pela Emenda Constitucional n.º
33/01. p. 11. (inédito)
137
Caso inexista negócio jurídico que implique em transferência de titularidade, não será
possível a incidência do ICMS – Importação.
Dessa maneira, pedimos vênia para construir a atual norma-padrão de
incidência do ICMS – Importação, em conformidade com as alterações perpetradas pela
a Emenda Constitucional n.º 33/01 à Carta Maior vigente:
“a. critério material: importar bens ou mercadorias estrangeiras
em que se dê a transferência de titularidade de tais coisas para
seus adquirentes;
“b. critério quantitativo:
“b.1. base de cálculo: valor dos produtos importados;
“b.2. alíquota: porcentagens estabelecidas pela legislação
competente;
“c. critério temporal: entrada jurídica das mercadorias ou bens
no estabelecimento;
“d. critério espacial: território dos Estados (e do Distrito
Federal) em que se situarem o domicílio ou os estabelecimentos
destinatários das mercadorias e bens;
“e. critério pessoal:
“e.1. sujeito ativo: Estados e Distrito Federal;
“e.2. sujeito passivo: pessoa física ou jurídica que realizar a
importação”.
5. Recentes decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal que importam ao
estudo da materialidade do novel ICMS - Importação
191
A emenda constitucional nº 33/01 e o ICMS incidente nas importações de bens. ICMS e a EC 33. p. 91-92.
138
Tão logo a Emenda Constitucional n.º 33/01 foi publicada, as entidades
tributárias dos Estados brasileiros automaticamente se lançaram sobre toda e qualquer
operação de importação, com o objetivo de cobrar o ICMS – Importação.
Em razão disso, todos aqueles que importaram bens ou mercadorias do
exterior, a qualquer título, foram compelidas ao recolhimento da exação em questão –
mesmo quando ausente a transferência de titularidade das coisas importadas, como no
caso de locações de bens do exterior ou mesmo importações temporárias para fins de
exposição no Brasil.
É evidente que a conduta dos Estados-Membros e de seus respectivos
órgãos de administração tributária é absurda. Consoante mencionamos acima, a despeito
de ter viabilizado a instituição do ICMS – Importação sobre a importação de bens, além
de mercadorias – o que implicou a possibilidade de cobrança da exação em questão de
todos que importassem tais bens –, em momento tal reforma constitucional possibilitou a
exigência do tributo em questão sobre operações que não impliquem a transferência de
titularidade dos bens importados.
Por causa dos abusos cometidos pelos Estados-Membros no exercício da
atividade arrecadatória, a presente discussão foi levada a julgamento pelo Poder
Judiciário, já tendo sido apreciada pelo Órgão Pleno da mais alta Corte do país, o
Supremo Tribunal Federal.
Trata-se do Recurso Extraordinário n.º 206.069/SP, em que se discute
negócio jurídico realizado por pessoa jurídica que importou equipamento destinado a
integrar seu ativo fixo, entabulando com o exportador estrangeiro uma operação de
leasing.
139
Ao analisar a demanda em questão, a Relatora do caso, a eminente Ministra
ELLEN GRACIE
192
, entendeu que, por se tratar de mercadoria que passaria a compor o
patrimônio da pessoa jurídica importadora do bem do exterior, a operação em questão
seria passível de tributação pelo ICMS – Importação prescrito pela Emenda
Constitucional n.º 33/2001.
Analisemos a conclusão encerrada no voto proferido pela ilustre Ministra:
“Com efeito, conquanto remanesça a circulação econômica
como hipótese de incidência genérica do imposto, o legislador
constitucional determinou a incidência específica do tributo
sobre a entrada da mercadoria ou bem importados do exterior.
Veja-se o dispositivo, na redação original, anterior à Emenda
Constitucional nº 33/2001:
“‘§ 2º – O imposto previsto no inciso I, b, atenderá ao seguinte:
“IX – incidirá também:
“‘a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda
quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do
estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior,
cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o
estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço;’
“O exame desse dispositivo revela que, nessa circunstância, a
imposição de ICMS prescinde da verificação da natureza do
negócio jurídico ensejador da importação. A Constituição
Federal elegeu o elemento fático ‘entrada de mercadoria
importada’ como caracterizador da circulação jurídica da
mercadoria ou do bem, e dispensou indagações acerca dos
contornos do negócio jurídico realizado no exterior.
192
Recurso Extraordinário n.º 206.069/SP, julgado pelo Órgão Pleno do Supremo Tribunal Federal em 1º de setembro
de 2005, sob a relatoria da Ministra ELLEN GRACIE, publicado no Diário da Justiça de 1º de setembro de 2006.
140
“Veja-se que, a par de incidir sobre ‘operações relativas à
circulação de mercadorias’, fez o Constituinte de 1988 constar
do Texto Constitucional a expressa ressalva da incidência sobre
‘a entrada’ do bem importado.
“Assim, uma vez concretizada a importação mediante a entrada
da mercadoria ou bem destinado ao ativo fixo, tem-se por
ocorrida a circulação econômica, por presunção constitucional”.
O decisório proferido pelo Supremo Tribunal Federal consignou
expressamente que pouco importa a operação entabulada entre o exportador estrangeiro
e o importador brasileiro, devendo incidir o novel ICMS – Importação sobre toda e
qualquer entrada de mercadoria no território nacional, independentemente de haver ou
não transferência de titularidade do objeto importado.
Com a devida vênia, discordamos integralmente da fundamentação do
decisório proferido pela Corte Suprema brasileira no tocante à possibilidade de livre
incidência do ICMS – Importação, na medida em que, consoante expusemos, tal exação
somente pode incidir sobre operações relativas à circulação jurídica de objetos
importados, devendo haver, necessariamente, a transferência de titularidade entre o
exportador estrangeiro e o importador brasileiro.
A despeito de discordarmos da fundamentação do julgado em questão,
concordamos que, na hipótese analisada, é de rigor a exigência do ICMS – Importação.
Isso porque, consoante restou consignado nos autos do processo mencionado, o objeto
trazido do exterior passaria a compor, ao final do contrato de leasing entabulado entre as
partes, o patrimônio do importador brasileiro, ou seja, haveria transferência de
titularidade entre exportador e importador.
141
Prosseguindo na análise dos julgados recentemente proferidos pelo
Supremo Tribunal Federal a respeito do ICMS – Importação, merece destaque o
posicionamento adotado pelo Órgão Pleno daquela Corte no julgamento do Recurso
Extraordinário n.º 461.968/SP.
Nos autos do referido processo judicial, determinada pessoa jurídica
realizou operação de importação de aeronave, também por meio de leasing, que, por
particularidades da legislação aeronáutica brasileira, jamais poderia passar à titularidade
de seu importador.
Nessa situação, o ICMS – Importação, seja anterior ou posteriormente à
edição da Emenda Constitucional n.º 33/2001, jamais poderia incidir sobre a operação de
importação firmada entre o titular do bem arrendado residente no exterior e a pessoa
jurídica brasileira, haja vista que é impossível a transferência de titularidade do objeto
trazido do exterior (ao menos por meio do negócio jurídico entabulado entre as partes).
Ao relatar o caso, o Ministro EROS GRAU
193
assim consignou:
“O imposto não é sobre a entrada de bem ou mercadoria
importada, senão sobre essas entradas desde que elas sejam
atinentes a operações relativas à circulação desses mesmos bens
ou mercadorias.
“Digo-o em outros termos: o inciso IX, alínea a, do § 2º, do
artigo 155 da Constituição do Brasil não instituiu um imposto
sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior
por pessoa física ou jurídica.
“O que faz é simplesmente estabelecer que, desde que atinente a
operação relativa à circulação de mercadoria importada do
193
Recurso Extraordinário n.º 461.968, julgado pelo Órgão Pleno do Supremo Tribunal Federal em 30 de maio de 2007,
sob a relatoria do Ministro EROS GRAU, publicado no Diário da Justiça de 24 de agosto de 2007.
142
exterior por pessoa física ou jurídica, sofrerá a incidência do
ICMS”.
A leitura do voto proferido pelo eminente Ministro evidencia que a Corte
Suprema brasileira abarcou a tese de que somente é possível fazer incidir o ICMS –
Importação nas hipóteses em que houver transferência de titularidade entre o exportador
e o importador brasileiro.
Para evitar quaisquer entendimentos contrários, inclusive em razão do
perfilado pela Corte Suprema por ocasião do julgamento do já mencionado Recurso
Extraordinário n.º 206.069, o Ministro EROS GRAU esclareceu o seguinte:
“E nem se alegue que se aplica ao caso o precedente do RE n.
206.069, Relatora a Ministra ELLEN GRACIE, no bojo do qual
se verificava a circulação mercantil, pressuposto da incidência
do ICMS. Nesse caso, aliás, acompanhei a relatora. Mas o
precedente disse com a importação de equipamento destinado ao
ativo fixo de empresa, situação na qual a opção do arrendatário
pela compra do bem ao arrendador era mesmo necessária, como
salientou a eminente relatora”.
Vemos que o entendimento jurisprudencial firmado pelo Plenário do
Supremo Tribunal Federal está em perfeita consonância com a conclusão de nosso
Trabalho, no sentido de que o núcleo-constitucional do ICMS – Importação não foi
alterado pela Emenda Constitucional n.º 33/01. Logo, somente é contribuinte desse
tributo o sujeito que realizar operações de importação que impliquem a transferência de
titularidade do bem importado.
6. Emenda Constitucional n.º 33/01: Constitucional ou Inconstitucional?
143
A abordagem da constitucionalidade da Emenda Constitucional n.º 33/01
em momento posterior às considerações sobre as alterações por ela perpetradas no
sistema constitucional tributário brasileiro se deu propositadamente. Adotamos tal
procedimento, porque somente analisando a extensão de tais alterações é possível atestar
sua constitucionalidade.
Antes de prosseguirmos, façamos um breve apanhado das idéias trazidas ao
longo deste Trabalho, indispensável para as considerações que se pretende tecer.
O sistema constitucional brasileiro é rígido, o que implica dizer, que a
Carta Maior vigente somente pode ser alterada por meio de procedimento mais
complexo e solene que aquele prescrito para edição de leis ordinárias. Tal procedimento
implica a edição de Emenda Constitucional, que, para estar em consonância com a
Constituição, deve respeitar as limitações materiais, circunstanciais e procedimentais, e
demais limitações implícitas impostas pelo próprio texto constitucional.
Tal sistema encerra o sub-sistema tributário brasileiro, cujas prescrições,
exaustivamente demarcadas na Carta Constitucional, versam a respeito de matéria
tributária. Nele residem os princípios constitucionais direta ou indiretamente
relacionados à matéria tributária.
O sistema constitucional tributário brasileiro prescreveu as competências
tributárias cujos titulares são os diversos entes da Federação brasileira, encerrando em
seu bojo o arquétipo constitucional dos tributos, que nada mais é senão a regra-matriz de
incidência tributária possível dos tributos. Tal arquétipo deve ser observado, em
conjunto com as demais normas constitucionais, para a instituição das exações in
abstracto.
144
As competências tributárias, bem como os arquétipos constitucionais dos
tributos, são passíveis de modificação. Para tanto, é necessário modificar o próprio texto
da Constituição Federal, o que somente é possível – exceto pela outorga de nova Carta
Política – por meio de edição de Emenda Constitucional, que deve respeitar as
limitações constitucionais acima mencionadas.
Desse modo, para analisar a constitucionalidade da Emenda Constitucional
n.º 33/01, devemos verificar se foram respeitadas as limitações ao exercício do Poder
Constituinte derivado prescritas pelo Texto Magno.
No tocante às limitações procedimentais e circunstanciais, não pairam
quaisquer dúvidas sobre a constitucionalidade do veículo normativo ora estudado,
motivo pelo qual passamos à análise daquilo que ainda proporciona dúvidas aos Cultores
do Direito: as limitações materiais.
Consoante já sublinhamos, as limitações materiais à emenda do texto
constitucional foram expressamente prescritas no artigo 60, § 4º da Constituição Federal
de 1988. Elas ganharam a alcunha de “cláusulas pétreas” justamente em razão de não ser
possível alterar a Carta Maior em relação a tais questões, quais sejam: direitos e
garantias individuais, a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e
periódico e a separação dos poderes.
É induvidoso que a Emenda Constitucional n.º 33/01 e suas alterações
relativamente ao ICMS – Importação não tiveram o condão de ferir o voto direto,
secreto, universal e periódico, na medida em que nada dispuseram que pudesse distorcer
a formatação eleitoral existente em nosso país, preservando esses essenciais elementos
da República brasileira.
145
Parece-nos claro, também, que tal veículo normativo não violou a forma
federativa de Estado ou a cláusula que prescreve a separação de poderes. Em relação à
primeira, a competência do ICMS – Importação – que foi ampliada – e o produto de sua
arrecadação, permanecem nas mãos dos Estados-Membros, sem qualquer interferência
nas esferas de atuação dos demais entes federativos. Em relação à separação de poderes,
em momento algum a Emenda em questão contra ela atentou, pois as prerrogativas
ínsitas a cada uma das esferas de poder permanece em suas respectivas mãos.
Resta, por último, a análise do eventual malgrado aos princípios prescritos
pela Constituição Federal, servindo-nos de base as considerações trazidas a respeito dos
preceitos constitucionais tecidas em capítulo anterior ao presente.
Em relação aos princípios republicano e federativo parece-nos não ter
havido qualquer ofensa, tal qual ressaltamos acima. Nenhuma das características da
República ou da Federação brasileira foram tolhidas ou diminuídas com a edição da
Emenda Constitucional n.º 33/01.
No tocante ao preceito da legalidade e da tipicidade tributária, também não
nos parece ter havido qualquer infração, na medida em que o legislador se valeu do
instrumento adequado para alterar o texto constitucional, e respeitou o procedimento
constitucionalmente prescrito para a introdução normativa que efetivou. Além disso, o
arquétipo constitucional do ICMS – Importação encontra-se plenamente prescrito na
Carta vigente, contemplando todos os critérios necessários para o exercício da
competência tributária correspondente.
O mesmo se opera em relação à segurança jurídica. Não há que se falar em
ofensa a tal preceito, pois o contribuinte está, desde sempre, ciente da alteração da
legislação constitucional, bem como a respeito de qual será a conduta do fisco em
146
relação a tal comando normativo (até porque, trata-se da mesma conduta que os Estados-
Membros sempre adotaram em relação à exação em cotejo).
Seguindo na análise dos preceitos constitucionais relacionados à matéria
tributária, parece-nos que as alterações normativas trazidas pela Emenda Constitucional
n.º 33/01 estão em consonância com o princípio constitucional que assegura a igualdade
entre as partes e a igualdade perante a lei, haja vista que, após a edição de tal comando
normativo, aquele que realizar operações de circulação de mercadorias advindas do
exterior, estará compelido a se sujeitar ao pagamento de ICMS, tal qual aquele que
realiza operações de circulação de mercadoria internamente no Estado brasileiro.
No tocante ao princípio do não-confisco, da mesma forma não nos parece
haver qualquer infração; a nova competência tributária relativa ao ICMS – Importação
não é, de per si, confiscatória. Eventualmente, tal preceito pode vir a ser ofendido,
quando da criação do tributo in abstracto, sendo que a respectiva regra-matriz de
incidência estará eivada de inconstitucionalidade, por ferir este cânone basilar da
tributação.
Cabe-nos, por fim, destacar os primados que mais ensejam discussão no
tocante à constitucionalidade da Emenda Constitucional n.º 33/01, os princípios da não-
cumulatividade e da capacidade contributiva.
Como vimos acima, o “novo” ICMS – Importação passou a incidir sobre
operações relativas à circulação de bens ou mercadorias advindos do exterior,
independentemente da destinação conferida às coisas importadas. Isso ensejou a
possibilidade de tal exação ser cobrada de todo e qualquer sujeito que vier a efetivar tal
materialidade, inclusive aquele que, segundo a redação original da Carta de 1988, não
era contribuinte do tributo em questão.
147
Em razão dessa alteração, inúmeras vozes se levantaram contra as
prescrições trazidas pela Emenda Constitucional n.º 33/01, especialmente no sentido de
que tal comando normativo violaria frontalmente a não-cumulatividade ao tributar
sujeitos não comerciantes (na medida em que passou a tributar não só mercadorias, mas
também bens). Tais vozes questionaram: “Como será possível ao novo contribuinte
repassar o ônus do ICMS – Importação?”
Parece-nos, à primeira vista, que a novel redação constitucional poderia dar
ensejo a tal pensamento. No entanto, ao recordar do fato de que a Constituição Federal
não cria tributos, mas apenas prescreve a aptidão de sua criação in abstracto pelas
pessoas políticas brasileiras, cremos que a nova competência esculpida na Carta Maior
não é incongruente com os demais preceitos magnos.
Ora, o que se alterou foi a competência tributária para a instituição do
ICMS – Importação, que pode, em nosso ver, vir a ser criado abstratamente sem ferir a
não-cumulatividade e, principalmente, sem repassar o ônus tributário dessa exação. A
incidência cumulativa ou não, estará nas mãos dos legisladores dos entes federativos
titulares de competência tributária. Caso tais sujeitos não consigam dar vazão ao preceito
em questão, a regra-matriz de incidência do ICMS – Importação será inconstitucional.
Vale transcrever o pensamento de ANTONIO AUGUSTO SILVA
PEREIRA DE CARVALHO
194
, que, em recentíssima obra a respeito das questões
fundamentais referentes ao ICMS, defende a posição de que o legislador ordinário está
habilitado a estabelecer a sistemática não-cumulativa na instituição do ICMS –
Importação:
“O poder constituinte derivado, nada obstante os fins visados
quanto às importações, não cuidou de ampliar o universo das
148
hipóteses nas quais é excepcionada a necessária obediência ao
princípio da não-cumulatividade [...] o Poder Legislativo,
malgrado a alteração do texto constitucional, não cuidou de
estabelecer como haveria de ser respeitado o princípio da não-
cumulatividade do imposto: a LC 87/96 continua silente a
respeito desse ponto – e, até o presente, não sobreveio nenhuma
outra que se ocupasse da omissão”.
A questão da não-cumulatividade impacta diretamente a temática da
capacidade contributiva. A partir do momento em que tal sistemática deixa de ser
observada, é quase certa a violação do preceito que prescreve a tributação do
contribuinte mediante a observação de capacidade para arcar com o ônus das exações
que recaem sobre si.
Entendemos, todavia, que tal preceito também não foi violado pelas
alterações normativas produzidas pela Emenda Constitucional n.º 33/01, e também não o
será, se os legisladores detentores da competência tributária do ICMS – Importação
manejarem tal aptidão para a criação de regras-matrizes de incidência que respeitem a
capacidade do contribuinte. Caso não o façam, tais normativos serão inconstitucionais, e
sua incidência, combatida perante o Poder Judiciário.
Concluímos, portanto, pela constitucionalidade das modificações do texto
constitucional levadas a efeito pela Emenda Constitucional n.º 33/01, sendo certo que
incumbirá aos legisladores de cada Estado-Membro a adequada instituição do ICMS –
Importação in abstracto, com atenção e respeito aos ditames constitucionais, em especial
aos princípios da não-cumulatividade e da capacidade contributiva.
194
Importação de bens promovidas por “não-contribuintes” do ICMS. ICMS: questões fundamentais. p. 16.
149
CONCLUSÃO
Conforme salientamos, o conhecer é apreender as características e
particularidades dos objetos que cercam os seres cognoscentes, sendo que, de acordo
com a forma de apreensão, o conhecimento será vulgar ou científico. Vulgar quando
decorrer de uma situação casual, e científico quando advier de uma situação causal,
ocasião em que se haverá de falar em método de apreensão dos objetos, bem como
sistematização das informações advindas dessa aproximação.
Analisando o Direito sob a perspectiva científica, verifica-se a existência de
duas realidades, dois sistemas jurídicos: o sistema da ciência do direito e o sistema do
direito positivo. A ciência do direito, como não poderia deixar de ser, estuda o direito
positivo, que por sua vez, consiste no conjunto das normas de uma sociedade, existentes
em dado período de tempo.
Vale salientar, que ocupam posição sobranceira no sistema do direito
positivo, as normas encerradas na Constituição Federal, instrumento normativo posto
pelo Legislador Constituinte originário, que encontra fundamento de validade na
chamada “norma hipotética fundamental”, expressão kelseniana utilizada para
denominar o fecho do sistema do direito positivo, e que diz respeito a uma norma
150
pressuposta, e não posta. As normas prescritas pela Carta Maior constituem o sistema
constitucional brasileiro.
Nosso sistema constitucional é marcado pela rigidez, o que implica na
maior dificuldade para alteração do texto constitucional, que para a criação de uma lei
ordinária, o que demonstra, inequivocamente, a distinção entre o Poder Constituinte
originário, e o Poder Constituinte derivado, que por sua vez, é limitado. A Carta Maior
somente pode ser alterada mediante a edição de Emenda Constitucional, sendo que tal
instrumento normativo não pode versar sobre determinadas matérias, aquilo que se
convencionou chamar de “cláusulas pétreas”, ou ser editada em determinadas situações
ou sem a observação de certo procedimento específico.
Dentro do universo das normas constitucionais, destacamos aquelas que
versam sobre a tributação. Trata-se do sistema constitucional tributário brasileiro, que
como é de conhecimento geral, é extremamente rígido e complexo, pois contempla
quase que integralmente as prescrições sobre matéria tributária, o que restringe,
sobremaneira, o campo de atuação do legislador ordinário. O elemento aglutinador do
sistema em questão é, como não poderia deixar de ser, o tributo, instrumento de custeio
das atividades do Estado.
O sistema constitucional tributário brasileiro é permeado por uma série de
princípios, espécies de normas jurídicas cujo campo de incidência é mais amplo que o
das regras jurídicas. Os princípios que informam o sistema em análise, são aqueles direta
ou indiretamente ligados à tributação, merecendo destaque neste Trabalho, aqueles
entendidos como mais relevantes para fins do estudo do ICMS – Importação, quais
sejam: princípio republicano, da igualdade e da isonomia, da capacidade contributiva, do
não-confisco, federativo, da legalidade e da tipicidade tributária, da segurança jurídica,
e, por fim, da não-cumulatividade do ICMS.
151
Tal sistema constitucional tributário também conferiu aptidão aos entes
tributantes para criação dos tributos in abstracto – competência tributária –, e cujos
titulares são os diversos entes da Federação brasileira. Para fins de delinear o campo de
atuação dos titulares das competências tributárias, o legislador constituinte houve por
bem inserir no bojo da Constituição Federal, o arquétipo constitucional tributário, ou
seja, a regra-matriz de incidência tributária possível dos tributos.
As competências tributárias e os respectivos arquétipos dos tributos, a
despeito de estarem prescritos na Constituição Federal, podem ser modificados pelo
legislador derivado, sendo necessário, para tanto, a modificação do próprio texto
constitucional, e desde que sejam respeitadas as limitações trazidas por esse normativo.
Os arquétipos constitucionais dos tributos são formados pelos elementos
indispensáveis para criação da regra-matriz de incidência; são eles os critérios material,
espacial, critério temporal, quantitativo, e pessoal.
Em relação ao ICMS – Importação, impende dizer que a discussão é antiga;
desde que a competência para tributação pelo ICMS de objetos trazidos do exterior foi
inserida no Texto Maior, a mesma é contestada, inclusive perante o Poder Judiciário.
Como ressaltamos anteriormente, o ICMS – Importação prescrito pela
Carta Maior de 1988, em sua redação original, contemplava como materialidade as
operações relativas à circulação de mercadorias, representando os atos juridicamente
relevantes, referentes à circulação jurídica de bens destinados ao comércio, sendo
evidente a necessidade de transferência de titularidade dos objetos importados para fins
da incidência da exação em questão.
Após a edição da Emenda Constitucional n.º 33/01, a despeito das inúmeras
alterações perpetradas por tal instrumento normativo – tributação de bens ou
152
mercadorias, independentemente de sua destinação, tendo como contribuintes toda e
qualquer pessoa que realizar a importação –, o núcleo constitucional da materialidade do
ICMS – Importação permaneceu o mesmo, qual seja a transferência de titularidade dos
bens trazidos do exterior.
Tal conclusão é reforçada, inclusive, pelos recentíssimos julgamentos
proferidos pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal brasileiro, que consignou, em
duas ocasiões, que a transferência de titularidade do bem importado é indispensável para
fins de incidência do ICMS – Importação.
Por fim, no tocante à análise da Emenda Constitucional n.º 33/01,
concluímos que tal comando normativo não feriu qualquer prescrição constitucional, em
especial os princípios que dizem respeito à tributação, merecendo maior atenção aqueles
que vêm sendo continuamente suscitados como motivo de inconstitucionalidade da
referida Emenda: os princípios da não-cumulatividade e da capacidade contributiva.
Em nosso ver, a alteração do arquétipo constitucional do ICMS –
Importação não feriu os preceitos acima mencionados, na medida em que deixou nas
mãos do legislador dos entes titulares de tal competência tributária, a missão de criar tal
tributo in abstracto, respeitando a dicção dos primados constitucionais. Caso não
consigam cumprir tal missão, a regra-matriz criada por cada um de seus legisladores será
inconstitucional.
153
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