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TARCíSIO RÉGIS VALENTE
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
A Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e
Individuais Homogêneos na esfera Trabalhista
Dissertação apresentada à Banca Exa-
minadora da Pontificia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
Mestre em Direito (Direito do Trabalho),
sob a orientação do professor doutor
Amauri Mascaro Nascimento.
PUC/SP
2001
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-o-
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AGRADECIMENTOS
A Deus, pela sua infinita bondade em conceder-me
alcançar mais este degrau em minha vida.
À Marianne e ao meu filho Gustavo, razão de tudo,
pelas horas roubadas do convívio.
A meus pais, João Régis e Auristela, pela minha
formação e pela herança da retidão de princípios.
Ao meu orientador, Professor Doutor Amauri Mascaro
Nascimento,
sInceros e
profundos agradecimen tos pela
amizade,
paciência e, principalmente, pelo que representa para a Ciência Jurídica
deste País.
Aos juizes do Tribunal Regional do Trabalho da 23!!
Região, que votaram favoravelmente à concessão do afastamento das
atividades judicantes a fim de viabilizar a minha freqüência e conclusão
do curso de mestrado.
A todos os professores e amigos conquistados durante a
"jornada" na PUC/SP, pelo convívio enriquecedor e pelo estímulo nas
horas difíceis.
r
\
RESUMO
As transformações operadas no seio das sociedades
modernas geraram o fenômeno da massificação, ultrapassando o setor
meramente econômico para atingir os comportamentos e as relações
sociais,
projetando,
assIm,
os
interesses
meta-indi viduais em
contra posição as concepções meramente individuais reguladas pelo
Código de Processo Civil.
Para a satisfáção destes interesses de concepção
coletiva, o legislador brasileiro fez editar leis específicas de modo a
viabilizá-los, com a criação de novos instrumentos processuais que, ao
lado das garantias individuais, protegem também os interesses de
conotação coletiva, democratizando o acesso à justiça e conferindo-lhes
efetividade, por meio da ação civil pública ou simplesmente ação
coletiva.
A perfeita integração entre a Lei nQ 7.347/85 (Lei da
Ação Civil Pública) e a Lei nQ 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor), ao lado de outras leis casuísticas, formou-se em nosso
ordenamento jurídico verdadeiro processo civil coletivo, hábil a dirimir
os conflitos envolvendo interesses com dimensão coletiva, legalmente
definidos como difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Se esses interesses surgirem no âmbito das relações de
emprego, as entidades sindicais e o Ministério Público do Trabalho estão
legalmente legitimados a ajuizarem a ação civil pública a ser apreciada
pela Justiça do Trabalho, a quem compete dirimir os conflitos entre
empregados e empregadores.
. \
ABSTRACT
The changes observed on modern society has created
the massive phenomenon, going through the strictly economical area to
reach behaviours and social relationships, projecting, thus, the "meta-
individual" interests against mainly individual conceptions regulated by
the Civil Process Code.
To
satisfy
these collective
conception
interests,
Brazilian legislator has made specific laws in a way to make them
possible, creating new "tools" to the process, that, besides individual
guarantees, algo protect collective approach interests, democratizing the
access to justice and giving them effectiveness, by means of public civil
action or a collective action simply.
The perfect integration between Lei n.!! 7.347/85
(Public Civil Action Law) and Lei n.!! 8.078/90 (Consumer Rights Code),
as well as other casualty laws, has produced in our judicial procceding a
truly collective civil process, able to resolve conflicts of collective
interests, legally defined as "spred", collective and individual
homogeneous.
If these interests turn up in employment relations, the
Unions and the Public Ministry of Labor are legally legitimate to make
use of public civil action which is going to be judged by the Justice of
Labor, the one that is able to resolve alI the conflicts between employees
and employers.
r
íNDICE
INTRODUÇÃO ..""".. ." ".. 1
CAPÍTULO I 4
1.
A Coletivização do Processo 4
CAPÍTULO 11 14
1.
Ação Civil Pública 14
1.1 Nomen Juris
- Ação Civil Pública ou Ação Coletiva 17
1.2 Natureza Jurídica 22
1.3 O Alcance da Lei nQ7.347/85 25
1.4 O Objeto da Lei nQ7.347/85 27
CAPÍTULO 111... 35
1. Interesses ou Direitos 35
1.1 Direitos e Interesses difusos 39
1.2 Direitos e Interesses Coletivos 47
1.3 Direitos e Interesses Individuais Homogêneos 54
CAPÍTULO IV 67
1.
Condições da Ação 67
1.1 Natureza Jurídica da Legitimidade Ativa 71
1.2 A Legitimação Ativa 77
1.2.1 Ministério Público do Trabalho 79
1.2.2 Entidades Sindicais 100
1.2.3 Inconstitucionalidade da MP nQ1.984-19, de 29 de
junho 2000 110
~--
1.
Competência 116
\
I
I
CAPÍTULO V.. """""" 116
1.1 Competência material da Justiça do Trabalho 117
1.2 Competência funcional 120
1.3 Competência territorial 127
1.4 Da Litispendência 153
CAPÍTULO VI 130
1.
Coisa Julgada e Litispendência 130
1.1 Coisa Julgada e Interesses Difusos 144
1.2 Coisa Julgada e Interesses Coletivos 149
1.3 Coisa Julgada e Interesses Individuais Homogêneos 152
CONCLUSÃO 158
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 164
INTRODUÇÃO
Com a edição da Lei da Ação Civil Pública
(Lei nº 7.347/85) e as inovações ofertadas pelo Código de
Defesa do Consumidor (Lei nº 7.078/90), formou-se em
nosso ordenamento jurídico verdadeiro processo coletivo a
viabilizar a tutela dos chamados direitos difusos,
coletivos e individuais homogêneos. Inspira-se este
trabalho nesta política legislativa que dispensou
tratamento coletivo a direitos e interesses assim
considerados, não importando o ramo do direito material a
que pertencem.
A delimitação dos direitos e interesses
difusos, coletivos e os individuais homogêneos impõe
desafios a serem vencidos por todos aqueles que se ocupam
desse seguimento de conotação coletiva e, em particular,
para aqueles que lidam com conflitos ocorrentes entre o
capital e o trabalho, onde proliferam conflitos coletivos
a exigirem maiores reflexões sobre a matéria, forjando
barreiras naturalmente impostas pelo temor do
desconhecido, pelo menos em sua nova concepção
metaindividual.
Na maioria das vezes, os obstáculos são
intransponíveis, inviabilizando o ajuizamento de demandas
2
individuais pelo próprio titular do direito lesado diante
de temores, inclusive de natureza psicológica,
especialmente na órbita trabalhista, onde o empregado se
encontra em desvantagem em relação ao empregador, em face
de sua superioridade econômica vivenciada no trato da
relação de trabalho.
Tomando como premissa que a atuação do
direito material não se concretizará sem os instrumentos
aptos à sua efetividade, buscamos, no primeiro momento,
delinear os contornos do direito do trabalho em sua
dimensão coletiva, tratando da definição legal dos
direitos e interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos (art. 81, parágrafo único, da Lei nº
7.078/90), tecendo comentários sobre as especificidades
de cada um, para, no segundo momento, tratarmos dos
mecanismos processuais disponíveis em nosso ordenamento
jurídico, a possibilitarem a atuação efetiva desses
direitos previstos e materializados em seus diversos
ramos.
Não nos preocupamos em separar, de forma
estanque, questões relativas ao direito material e ao
direito processual, seguindo, assim, as pegadas do
legislador que tratou de definir os direitos e interesses
difusos, coletivos e individuais homogêneos no mesmo
3
Titulo III, que trata do procedimento viabilizador da
tutela daqueles direitos.
Nesta quadra, não tencionamos esgotar toda
a matéria, mas procedemos a uma análise de pontos de
maior indagação e perplexidade, como a competência
funcional para dirimir as ações coletivas, as condições
da ação, especialmente sobre a titularidade dos entes
legitimados à tutela dos direitos superindividuais, com
atenção especial para a legitimação conferida ao
Ministério Público do Trabalho e às Entidades Sindicais,
enfocando normas constitucionais e infraconstitucionais.
O interesse processual do Ministério
Público do Trabalho para propor ação coletiva está
implícito na legitimidade concedida pelas normas
constitucionais e infraconstitucionais, para, perante o
judiciário, tutelar os chamados direitos metaindividuais,
mormente quando a relação interesse/legitimação existente
nas ações de natureza coletiva difere das ações de
caráter privado, onde o bem da vida concerne
especificamente ao titular da ação. Neste prisma,
analisamos a legitimação ordinária do Ministério Público
e das Entidades Sindicais.
4
Identicamente, pela relevância que a
matéria suscita dentro desta processualística, abordamos
a extensão dos efeitos erga omnes e ultra partes da
coisa julgada em demandas coletivas.
Daí, o título que entendemos mais adequado
– “Ação Civil Pública: A tutela dos direitos difusos,
coletivos e individuais homogêneos na esfera trabalhista”
– quando procuramos desenvolver os temas mencionados,
objetivando conferir maior eficiência na atuação
jurisdicional, traduzida em maior celeridade e economia
processual, com melhores critérios de justiça e eqüidade
na tutela coletiva dos chamados direitos metaindividuais,
com ênfase nos chamados direitos coletivos em sentido
estrito e nos individuais homogêneos, evitando, assim,
decisões conflitantes em dissídios repetitivos.
5
CAPÍTULO I
1. A Coletivização do Processo
O processo nasceu e se desenvolveu dentro de um
modelo liberal-individualista, mas, paulatinamente, vem
mudando seu figurino para adotar uma postura de cunho
social, colocando em evidência a sua instrumentalidade.
1
Assim é que o Direito Processual, na segunda
metade do Século XX, passou por significativas
transformações, como pontifica Salvador Franco de Lima
Laurindo, apontando, como marco, a célebre conferência de
Piero Calamandrei que, em 1950, na abertura do Congresso
Internacional de Direito Processual, em Firenze, onde
denunciava o divorzio tra la scienza del processo e gli
scopi pratici della giustizia, indagando se as refinadas
construções teóricas estavam sendo úteis ao ideal de
justiça e propugnando pelo aprimoramento da técnica
processual, não para favorecer “o estilo arquitetônico
1 Expressão cunhada por Cândido Dinamarco (A instrumentalidade do
processo, tese para concurso de cátedra, São Paulo, Ed. RT,
1986) e utilizada dentre outros por Barbosa Moreira (Tendências
contemporâneas do direito processual civil (Revista de Processo,
31:199).
6
das abstratas construções sistemáticas, mas para servir
aos homens, que têm sede de justiça”.
2
Hodiernamente, o clamor da sociedade, em face
dos esquemas clássicos decorrentes da crise do estado
liberal e da própria dogmática jurídica, deparou-se com a
necessidade de reformulação do processo e dos esquemas
tradicionais, objetivando tutelar os interesses
metaindividuais ou coletivos.
Nos idos de 1974, Mauro Cappelletti já
questionava a forma de tutelar esses interesses supra-
individuais, criticando profundamente a dicotomia entre
os interesses público/privado, aduzindo que, além desses
dois tipos de interesses, existe uma espécie
intermediária, que são interesses que excedem o âmbito
estritamente individual, mas não chegam a constituir
interesse público.
3
Como assinala Eva Kocher, a questão dos
interesses difusos decorreu de um movimento que, nos anos
2 Ação Civil Pública – A função social da Justiça do Trabalho na
tutela dos interesses coletivos. Revista do Ministério Público do
Trabalho em São Paulo, p. 31.
3 Cf. abordagem do autor sobre a matéria em artigo intitulado
Formazioni sociali e interessi di gruppo devanti alla giustizia
civili (Rivista di Diritto Processuale, 1975, p. 365) ou em
português: Formações sociais e interesses coletivos diante da
justiça civil (Revista de Processo, São Paulo: Revista dos
Tribunais, n. 5, ano 2, 1977).
7
70, mundialmente pôs em xeque a exclusividade da defesa
individual de interesses no direito civil, propugnando
pela extensão da legitimidade ativa. A “segunda onda”
focalizou o acesso à justiça e mereceu destaque nos
estudos de direito comparado em Florença, liderados por
Mauro Cappelletti, que “pôs a questão dos conflitos de
massa numa sociedade de massa, divulgando o lema de
‘interesses difusos”.
4
Percebia-se que a solução individualista para
os conflitos na via judicial era, na maioria das vezes,
inadequada, mormente quando integrantes de um mesmo grupo
social sofrem de forma universal a mesma violação do
direito e, nesses casos, os indivíduos, individualmente,
não reivindicam seus direitos por questões várias, como a
insignificância do direito considerado isoladamente ou
porque em situação de desvantagem perante a parte
violadora do seu direito.
Ada Pellegrini Grinover, em 1978, ensaiava que
a sociedade burguesa não mais poderia preocupar-se apenas
com os conflitos individuais e isso porque surgiam novos
conflitos metaindividuais que, “por sua configuração
4 A ação civil pública e a substituição processual na justiça do
trabalho, p. 15.
8
coletiva e de massa são típicos das escolhas políticas e
indicam a necessidade de se adotarem novas formas de
participação”.
5
Vislumbra-se, de imediato, que constitui
desafio de nossa época superar a enumeração de princípios
enunciativos, visando a sensibilizar a consciência
jurídica contemporânea a adotar meios e modos de
converter em realidades palpáveis as promessas contidas
em textos constitucionais e infraconstitucionais, a fim
de conferir efetividade ao princípio de acesso à justiça.
A concepção de um modelo social para o processo
alicerça-se na maior relevância que se possa conferir aos
princípios do impulso oficial, da participação ativa do
juiz na apuração dos fatos e na busca da verdade real, da
igualdade e do acesso à tutela jurisdicional, com ênfase
na admissibilidade da res judicata erga omnes ou ultra
partes, bem como na legitimação ativa de agrupamentos
sociais, entidades coletivas e do próprio Ministério
Público.
5 Revestia da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, jun-78,
p. 113.
9
A tônica, portanto, desses novos postulados do
modelo processual do Estado Social do Direito, a
contradizer os clássicos do liberalismo, se dá com
ampliação do acesso à justiça com maior celeridade,
homogeneidade, economia e justiça material. A alta dose
de conflitualidade instalada no seio das sociedades
modernas não encontra resposta satisfatória no chamado
processo civil clássico, exigindo-se a idealização de
outros meios de solução para muitos conflitos de lastro
coletivo, em face da superação dos instrumentos até então
disponíveis, de índole eminentemente individualistas.
Os direitos fundamentais sociais exigem uma
atuação pronta e eficaz do Estado na solução coletiva dos
conflitos ocorrentes, mormente quando envolvem temas
inerentes à dignidade humana, à redução das desigualdades
sociais, à erradicação da miséria e da marginalização, à
valorização do trabalho e da livre iniciativa, à defesa
do meio ambiente e dos direitos sociais dos trabalhadores
que, em última análise, são postulados de uma sociedade
democrática, livre, justa e solidária.
Para a viabilização desses “interesses e
direitos” metaindividuais, exige-se definição precisa e
instrumentos aptos a sua tutela, sem os quais ficaríamos
na mera retórica, vez que “... é insuficiente proteger no
10
plano do direito material, se inexistirem formas de
viabilizar essa proteção”, como aponta Arruda Alvim,
aduzindo que a dogmática clássica nos legou dois dados
essenciais, mercê de cuja articulação, podem conferir
proteção por parte do direito. Diz o eminente mestre:
“Como primeiro dado, necessário é que o
direito defina, ou, ao menos, considere
suscetíveis de proteção determinados bens. Ou
seja, como primeiro dado, imprescidível é que
determinadas realidades deixem de ser ‘bens’
(ou realidades) indiferentes ao direito,
passando, tais realidades, então bafejadas
pela ‘atenção’ do legislador, a serem
consideradas bens jurídicos, propriamente
ditos, agora em função de um valor axiológico
antes não cogitado ou não percebido.”
“Como segundo dado, todavia, mesmo que
modificado o direito material, seria isso
razoavelmente inócuo que aí existissem bens
jurídicos, como tais considerados na pauta do
direito posto, se, de outra parte,
inexistissem instrumentos processuais
eficientes para que esse reconhecimento
pudesse ser efetivado na ordem prática.”
E conclui:
“Por isso é que dissemos que, sem articulação
do direito processual civil ao direito
material, na ordem prática, a proteção,
somente deste último, revelar-se-ia sem
11
grandes objetivos práticos, porque não
ancorados numa tábua instrumentos destinados
a tornar eficaz o direito material,
construídos em torno de valores sociais
contemporâneos, em que se pretende traduzir
um sentimento mais adequado de justiça”.
6
(Destaques do autor)
Objetivando conferir eficácia ao direito
material (civil, consumidor, trabalhista etc.), é que o
Brasil, nos últimos três lustros, imprimiu importantes
inovações legislativas, que romperam com o modelo
privatista consagrado no Código de Processo Civil, até
então, soberano nas relações processuais e extremamente
limitado principalmente em se tratando de substituição
processual, como se verifica em seu art. 6º, fazendo
surgir, em 1985, nova mentalidade, com a incorporação ao
nosso ordenamento jurídico dos chamados direitos e
interesses difusos e coletivos, bem como do mecanismo de
tutela coletiva desses direitos, com o advento da Lei nº
7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplinou a ação
civil pública.
A ação civil pública constituiu-se num marco
legislativo, ao inserir na sociedade de massa um
6 Sálvio de Figueiredo Teixeira. (Coord.). As garantias do
cidadão na justiça, p. 179-180.
12
instrumento processual capaz de conferir tratamento
diferenciado a demandas de massa, democratizando o
processo com características peculiares e inovadoras.
Consagrando esta tendência inovadora, a
Constituição Federal de 1988 deu guarida a novas formas
de tutela jurisdicional, atribuindo ao Ministério Público
relevante papel na defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis (art. 127).
Dotando de eficácia a amplitude da norma
constitucional, o legislador fez editar a Lei nº
8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor – colocando em
definitivo um marco entre o processo de que cuida o
antigo código Buzaid e esta nova forma de provimento
judicial, introduzindo, entre outras novidades, um
importante mecanismo de defesa coletiva para os chamados
direitos individuais homogêneos: a ação civil coletiva,
de que se ocupam os arts. 91 a 100.
Este Código alterou radicalmente o modelo
individualista adotado pelo Código de Processo Civil e
avançou sobremaneira no aprimoramento de institutos de
defesa coletiva, previstos na nossa Consolidação das Leis
13
do Trabalho sobre determinadas matérias, ao dar um
tratamento especial à defesa dos interesses difusos,
coletivos ou individuais homogêneos. Assim é que o art.
110 acrescentou o inciso IV ao art. 1º da Lei nº
7.347/85, estendendo a abrangência desta lei a qualquer
outro interesse difuso ou coletivo, fornecendo uma
definição normativa do que sejam interesses difusos,
coletivos e individuais homogêneos (art. 81, CDC).
Vislumbra-se um embrionário rompimento, porém
autêntico, das barreiras do conservadorismo jurídico, ao
superar normas individualistas, como a insculpida no art.
76 do CC, onde se lê: “para propor, ou contestar uma
ação, é necessário ter legítimo interesse econômico, ou
moral” conjugada com os arts. 3º e 6º do CPC, o primeiro,
apontando o “interesse e legitimidade” para a
propositura ou contestação da ação e o segundo, de forma
estanque, preceituando que “Ninguém poderá pleitear, em
nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por
lei”. Completando este modelo individualista, o art. 472
do CPC é enfático “A sentença faz coisa julgada às
partes entre as quais é dada, não beneficiando ou
prejudicando terceiros (...).”
14
Adotando uma sistemática menos estanque, a
Consolidação das Leis do Trabalho, há mais de cinqüenta
anos, já se preocupava com a tutela dos direitos
coletivos e individuais homogêneos, por intermédio do
dissídio coletivo (arts. 856 e ss., CLT).
Assim, com a inserção de novos instrumentos
legais no nosso ordenamento jurídico, restaram superadas,
em muito, as regras restritivas, preconizadas pelo Código
de Processo Civil, como as já mencionadas, especialmente
quando buscam dar efetividade aos direitos
metaindividuais, de substrato mais complexo do verificado
nos conflitos intersubjetivos.
Os institutos inerentes ao processo civil
tradicional não restaram de todo ultrapassados, quando do
surgimento das leis protetivas dos interesses
transindividuais, que se correlacionam com as
necessidades ditadas pelas características do direito
material. De outro lado, para as soluções jurisdicionais
dos interesses transindividuais, não comportam os
princípios individualistas que permeiam o Código de
Processo Civil, uma vez que, concebido numa época quando
não se vislumbrava ou pelo menos não se emprestava a
15
necessária importância em proporcionar uma tutela
jurisdicional coletiva a fim de solucioná-los de forma
eficaz.
Lúcia Valle Figueiredo aponta que “é bem
verdade que o Antigo Diploma Básico Brasileiro, embora
esboçasse, como normas assinaladas, direitos outros que
não individuais, não fugiu, todavia, ao garantismo
individual clássico, mantendo, a nosso ver, nítido
divisor de águas entre o público e o privado (a summa
dividio, inoperante em termos atuais)”.
7
Nada obstante, o Código de Processo Civil, como
lei geral extrapenal, aplica-se subsidiariamente às ações
coletivas que têm procedimento próprio com fundamento em
normas constitucionais que versam sobre o tema (v. g.,
art. 5º, incisos XXI, XXXII, LXX, LXXIII) e
infraconstitucionais representadas pela LACP e o CDC
(arts. 81/104, de natureza processual). Tratando-se de
temas de Direito do Trabalho a aplicação subsidiária da
CLT precede a aplicação do CPC. De qualquer forma, pode-
7 Direitos difusos na Constituição de 1988, Revista de Direito
Processual, nº 88, p. 104.
16
se vislumbrar o que Nelson Nery Jr. chamou de quadro
normativo do processo civil coletivo no direito positivo
brasileiro vigente.
O eminente professor, um dos co-autores do
anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, é
conclusivo ao dispor que “a ação coletiva que não seja
dissídio coletivo (CLT 856 ss.), nem ação de cumprimento
(CLT 872), ações essas que têm regras próprias fixadas na
CLT, devem ser ajuizadas (sic) com fundamento no sistema
normativo do processo civil coletivo brasileiro (CF,
LACP, CDC e, subsidiariamente, CPC)”.
8
8 O professor Nelson Nery Jr. é enfático em aduzir que
“Evidentemente que a parte de direito material do CDC não se
aplica às ações de natureza trabalhista. A incidência do CDC se
restringe aos dispositivos processuais” e acrescenta que “Tendo
em vista todo esse complexo normativo, é comum haver enganos dos
intérpretes, deixando, às vezes, de aplicar dispositivos do CDC
em ação coletiva tributária, por exemplo, por achar que seria
desarrazoada a incidência de lei de consumo em relação
tributária, olvidando-se de que há a LACP 21 determinando a
aplicação da parte processual do CDC em toda e qualquer ação
coletiva! Por isso é que não se pode ajuizar ação coletiva, nem
defender-se em ação coletiva, tampouco decidir ação coletiva sem
levar-se em conta todo o complexo normativo do processo civil
coletivo. Tendo em vista a dificuldade que o intérprete tem de
trabalhar com esse complexo normativo, houve quem propusesse
fazer-se consolidação de normas sobre a matéria, constituindo-se
uma espécie de ‘Código de Processo Civil Coletivo’, para
facilitar o entendimento das normas sobre o processo coletivo.
Enquanto não vem essa consolidação, trabalhemos com a aplicação
conjunta dos vários diplomas normativos já referidos”. (Édis
Milaré, [coord.]. Ação Civil Pública – Lei nº 7347/85 – 15
anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 562).
17
CAPÍTULO II
1. Ação Civil Pública
A ação civil pública foi instituída pela Lei nº
7347, de 24.7.1985, que a sistematizou, embora não fosse
o primeiro diploma legal a disciplinar e viabilizar a
tutela dos interesses transindividuais
9
, a sua
promulgação representou um marco, pelo indiscutível
avanço no trato do tema dos interesses supra-individuais.
Como se sabe, a primeira referência expressa à
locução “ação civil pública”, em sede legislativa, foi
feita pela Lei Complementar Federal nº 40, de 14.12.1981,
que, ao estabelecer as normas gerais para a organização
do Ministério Público dos Estados, dispôs ser função
institucional do parquet a promoção da ação civil
pública, nos termos da lei (art. 3º, III). A Lei Orgânica
do Ministério Público de São Paulo (Lei Complementar nº
304, de 28.12.1982), também referiu-se a ela no art. 41,
9 Rodolfo de Camargo Mancuso faz importante retrospecto histórico
quando trata da lei da ação popular – Lei nº 4.717/65 – apontando
vários diplomas legais que, antes mesmo da instituição da ação
popular, já previam direitos transindividuais, como a Lei
3.502/52, referente à defesa do patrimônio público, diante do
enriquecimento ilícito, hoje revogada pela Lei nº 8.429/92 que
trata da improbidade administrativa.
18
I, ao conferir ao Promotor de Justiça, Curador Judicial
de Ausentes e Incapazes, a sua promoção.
Em 1995, quando completou uma década de sua
promulgação, Édis Milaré, juntamente com os autores dos
anteprojetos que deram origem ao referido diploma legal,
lançaram obra
10
comemorativa quando aquele, como
coordenador, ao prefaciá-la, assim se manifestou sobre a
Lei da Ação Civil Pública:
“A incorporação ao ordenamento positivo da
Lei 7347/85 – Lei da Ação Civil Pública, como
é conhecida, além de ensejar à Ciência
Jurídica passo de inegável progresso,
sobremodo alargou as lindes jurídicas da
sociedade civil. É que esta, face à
institucionalização dos interesses difusos, e
à correlata legitimação processual outorgada
a entes habilitados a patrociná-la em Juízo,
abriu novos horizontes a que inalináveis
valores socioculturais passassem a ser
tutelados perante a Justiça. Ministério
Público e Poder Judiciário, instituições
imanentemente agregadas ao Estado de Direito
e à Democracia, galgaram e se renovam os
fundamentos da nacionalidade. De 1985 a 1995,
nesse interregno de dez anos, a aplicação da
10 Édis Milaré. (Coord.). ão Civil Pública – Lei nº 7347/85:
reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação
(“Apresentação”).
19
Lei 7347/85 revelou o acerto do gesto de
promulgá-la, que a prática processual desde
logo referendou, paralelamente a rico filão
doutrinário, elaborado pelos doutores da lei.
A Constituição de 1988 e as leis ordinárias
subseqüentes, ampliando seu âmbito e de
eficácia, a par de eficiente jurisprudência,
serviram para demonstrar o superior
descortino que inspirou o ato de sancionar o
projeto elaborado por insignes juristas de
São Paulo.”
Em obra idêntica
11
, agora comemorando três
lustros de sua promulgação, pontifica o mesmo coordenador
dos trabalhos que o Instituto da Ação Civil Pública “É
uma realidade provada e madura, cuja fisionomia
particular tem identificado cada vez melhor o perfil dos
interesses transindividuais, que se fundamentam na
sociedade mais adulta e empenhada na consecução e na
administração da Justiça”.
Convém registrar que a LACP instituiu entre nós
regime jurídico próprio para a proteção jurisdicional dos
direitos mataindividuais, revestido de singularidades
marcantes em relação ao Direito Processual Comum, v.g.,
quando estabelece normas sobre a legitimidade para a
11 Idem, Ação Civil Pública – Lei nº 7347/85 – 15 anos.
(“Apresentação”).
20
propositura da ação, que não vem conferida, como é regra
no Código de Processo Civil (art. 6º), ao titular do
suposto direito subjetivo que se considere ameaçado ou
lesado, mas a uma pluralidade de entidades – Ministério
Público, União, Estados, Municípios, autarquias, empresas
públicas, sociedades de economia mista e associações que
reúnem certas características – que passam a ocupar uma
situação excepcional para a tutela dos interesses
transindividuais.
Criou instituto novo no Direito brasileiro, o
inquérito civil, objetivando a obtenção extrajudicial de
dados que possibilitem a iniciativa judicial do
Ministério Público (arts. 8º, §§ 1º e 2º e 9º); prevê a
aplicação de multa e criação de fundo reparador dos danos
(art. 13), afastando-se ainda do CPC ao permitir, de modo
genérico, a atribuição de efeito suspensivo a recursos
que não o tenham, quando se trata de evitar dano
irreparável à parte (art. 14). A LACP dispõe ainda, a
exemplo da ação popular, de regra própria sobre a
formação e os efeitos da coisa julgada, dentre outros
traços específicos, que a distancia do Direito Comum em
muitos dos seus aspectos.
Importa salientar que a LACP não é estanque,
isto é, não é restrita às ações de responsabilidade por
21
danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico e paisagístico ou por infração da
ordem econômica, vez que a própria Constituição Federal
concebeu a ação civil pública de forma ampla, ao prever a
tutela de “outros interesses difusos e coletivos” (art.
129) e “individuais homogêneos” (art. 127), amplitude
esta restabelecida à LACP pela Lei 8078/90 – Código de
Defesa do Consumidor – ao acrescentar a expressão “a
qualquer outro interesse difuso ou coletivo” ao inciso IV
do art. 1º (art. 110, CDC) e inciso II do art. 5º (art.
111, CDC).
Assim, o rol dos direitos que guardava caráter
taxativo passou a ter natureza enumerativa, já que a
expressão “a qualquer outro interesse difuso ou coletivo”
é abrangente aos interesses mencionados nos demais
incisos do art. 1º, o que, de resto, perdeu qualquer
razão de ser a expressão vetada no projeto original da
LACP.
1.1 Nomen Juris – Ação Civil Pública ou Ação
Coletiva
A ação civil pública recebeu uma definição
mais precisa com o advento da Lei nº 7.347/85, sendo
22
certo que esta expressão é considerada inapropriada pela
maioria dos doutrinadores, uma vez que nem o objeto nem
as partes pertenceriam ao direito civil ou ao direito
público, pretendendo alguns emprestá-la à denominação de
ação coletiva que, embora indesejável a adjetivação da
ação, seria o nome mais adequado.
O certo é que há entendimento de que a ação
civil pública não guarda relação com o pedido formulado.
A acepção civil impõe a noção de ação não-penal ou
extrapenal, já o adjetivo pública decorre apenas da
titularidade do Ministério Público. Neste sentido, é Hugo
Nigro Mazzilli, ao acentuar que “A rigor, ação civil
pública é a ação não-penal proposta pelo Ministério
Público”
12
. Portanto, sem técnica, a LACP (Lei nº
7.347/85), ao utilizar essa ação para a defesa dos
direitos metaindividuais, proposta por diversos co-
legitimados ativos, não atribuiu exclusividade ao
parquet, pois, além deste, conferiu legitimidade às
entidades estatais, autárquicas paraestatais e às
associações que especifica (art. 5º).
12 A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 51.
23
Édis Milaré preleciona que “Até há pouco,
entendíamos que quando se falava em ação civil pública se
queria em verdade referir ao problema da legitimação, e
não do direito substancial discutido em juízo. Ação civil
pública, então, era aquela que tinha como titular ativo
uma parte pública – o Ministério Público”.
13
Com melhor técnica, dispôs o CDC, ao se
utilizar da ação coletiva para a defesa dos direitos
metaindividuais. Mas para José dos Santos Carvalho Filho,
o principal problema foi que “a lei usou a expressão
‘ação civil coletiva’, não se podendo saber, a priori,
se o legislador quis adotá-la como sinônimo da ‘ação
civil pública’ (que sempre teve e continua a ter
denominação própria) ou se pretendeu criar novo tipo de
ação civil, especialmente para a defesa dos interesses
individuais homogêneos, reservando aquela para os
interesses transindividuais coletivos e difusos”.
Concluindo que “não é incomum encontrar-se as duas
denominações na hipótese, mas parece prevalecer, na
doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que se
trata da mesma ação civil pública, ainda que agora
13 O Ministério Público e ação ambiental. Cadernos Informativos.
São Paulo: APMP, 1988, p. 33.
24
voltada também para a defesa dos interesses individuais
homogêneos”.
14
Mazzilli acrescenta que “se a ação estiver
sendo movida pelo Ministério Público, o mais correto, sob
o enfoque puramente doutrinário, será chamá-la de ação
civil pública. Mas, se tiver sido proposta por qualquer
outro co-legitimado, mais correto denominá-la de ação
coletiva”.
15
Para Rodolfo de Camargo Mancuso, “a
conclusão razoável, a respeito desse aspecto
terminológico, é que a ação da Lei 7.347/85 objetiva a
tutela de interesses metaindividuais, de início
compreensivos dos difusos e dos coletivos em sentido
estrito, aos quais na seqüência se agregaram os
individuais homogêneos (Lei 8.078/90, art. 81, III, c/c
os arts. 83 e 117); acrescentando que essa ação não é
‘pública’ porque o Ministério Público pode promovê-la, a
par de outros co-legitimados, mas sim porque ela
apresenta um largo espectro social de atuação”.
16
14 Ação Civil Pública, Comentários por artigo da Lei nº 7.347, de
24.07.85, p. 31.
15 Op. cit., p. 51-2.
16 Ação civil pública, p. 21.
25
A doutrina e a jurisprudência tendem a
aceitar a denominação de ação coletiva, de que trata o
Código de Defesa do Consumidor, da mesma ação civil
pública, ainda que aquela voltada mais especificamente
para a defesa dos interesses individuais homogêneos,
mesmo porque essa locução já está consagrada em diversos
textos legais, inclusive na Constituição Federal (art.
129, III), de forma que seu nomen juris já está assentado
na experiência jurídica brasileira.
Poder-se-ia afirmar que a ação civil
pública é uma espécie do gênero ação coletiva, não
merecendo discriminação na aplicação de uma ou outra
nomenclatura, em face da divergência verificada no nosso
ordenamento jurídico, já que há uma expressa determinação
pelo legislador entre a LACP e o CDC de forma recíproca,
cuja interdisciplinariedade, forma um único corpo
normativo, conforme verificar-se-á adiante.
José Marcelo Menezes Vigliar
17
, em artigo,
enfocando a nomenclatura da ação, assevera que:
17 Cf. artigo intitulado Ação Civil Pública ou Ação Coletiva. In:
Édis Milaré. (Coord.). Ação Civil Pública. Lei 7.347/85 – 15
anos. p. 408.
26
“... não há como sustentar seja a ação
coletiva um gênero, do qual a ação civil
pública seja uma espécie. É plenamente
possível a utilização de uma expressão pela
outra. Ambas não deveriam existir, pois ação
não de deve ser adjetivada. Mas, a coletiva
diz muito mais: diz que tipo de interesse se
busca tutelar. A civil pública além de ser
utilizável por outros legitimados que não o
Ministério Público (vide os róis dos arts. 5º
e 82 das Leis 7.347/85 e 8.078/90,
respectivamente) pode perfeitamente postular
a defesa de um interesse individual homogêneo,
já que tal ação se presta (porque de idêntica
abrangência da coletiva) a tutelar interesses
coletivos (sejam essencialmente coletivos,
sejam não-essencialmente coletivos)”
apontando que “As ações serão coletivas
porque veiculam pretensões coletivas. Ação
civil pública por nenhuma razão sustentável
poderia se classificar como espécie da
coletiva, já que ela (que é a mesma coisa que
a coletiva) também veicula pretensão
coletiva.”
Não há dúvida de que a terminologia mais
aceitável seria de ação coletiva pela sua expressividade,
pouco importando se tutela direitos difusos e coletivos
(os essencialmente coletivos) ou os individuais
homogêneos (os acidentalmente coletivos, para utilizar-se
da classificação de Barbosa Moreira), sendo que, para
efeito deste trabalho, utilizaremos o nomen jures ação
27
civil pública como sinônimo da ação coletiva, ainda que,
no plano processual, ocorram desdobramentos diferenciados
quando se tratar de tutelar os direitos essencialmente
coletivos e os acidentalmente coletivos, nada obstante,
todos figurarem como coletivos.
1.2 Natureza Jurídica
Na Teoria Geral do Direito, costuma-se
classificar as normas quanto à sua natureza em
“substantivas e adjetivas”, ou ainda, “materiais e
instrumentais”. Substantivas
18
, definem e regulam
relações jurídicas ou criam direitos e impõem deveres, já
as adjetivas prestam-se a regular o modo ou o processo de
efetivar as relações jurídicas, ou de fazer valer os
direitos ameaçados ou violados.
Para Caio Mário da Silva Pereira, “a
matéria que constitui objeto da lei ora diz respeito ao
direito criado ou ao dever imposto, ora à forma de seu
exercício ou de sua imposição. Dividem-se, então, as
leis, segundo a sua natureza, em leis materiais ou
teóricas e leis formais ou processuais”, acrescentando
18 Sobre a matéria consulte Maria Helena Diniz em sua obra
Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, p. 382 e ss.
28
que as primeiras “são as que definem direitos e deveres,
estabelecem as condições existenciais de uns e de outros,
os requisitos de constituição e gozo das situações
jurídicas, os elementos dos status pessoais etc.” e as
segundas, formais ou processuais, “destinam a regular os
meios de realização dos direitos predefinidos ou de
efetivação dos deveres impostos”.
19
Pertinente à LACP, Édis Milaré aponta o seu
“caráter processual” e Hely Lopes Meirelles enfatiza que
“A Lei nº 7.347/85 é unicamente adjetiva, de caráter
processual, pelo que a ação e a condenação devem basear-
se em disposição de alguma norma substantiva, de direito
material, da União, do Estado o do Município,
independentemente de qualquer outra sanção administrativa
ou penal, em que incida o infrator”.
20
19 O renomado civilista adverte que “Comumente as leis materiais ou
teóricas são chamadas leis substantivas e o seu conjunto é
chamado direito substantivo e, em contraposição, as leis formais
ou processuais se apelidam de leis adjetivas, e o seu complexo,
direito adjetivo. Embora tradicional e divulgada com maior
freqüência, a técnica é imprópria e as denominações não se
equivalem, porque nem toda lei formal é adjetiva, mas, ao revés,
existem leis processuais formais ou substantivas” (Instituições
de Direito Civil, 19ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p.70-
71).
20 Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública.... , p.
122-3.
29
Em sentido convergente, Nelson Nery Jr.
21
afirma que “A LACP apenas regulou os aspectos processuais
da tutela desses direitos, ficando para a lei material a
disciplina dos aspectos de direito material dos bens
protegidos pela LACP”.
Rodolfo de Camargo Mancuso ressalta que:
“É verdade que o art. 10 tipificou uma figura
penal e que o art. 13 criou um Fundo, para
onde reverterão as condenações em dinheiro,
disposições estas que nos parecem,
iniludivelmente, de natureza substantiva.
Excluindo-se esses aspectos, quanto ao mais,
porém, as suas disposições são, nitidamente,
de caráter processual, já a partir de seu
preâmbulo, onde se anuncia que o texto
disciplina a ação civil pública...’ (grifos
do autor). E, de fato, a Lei 7.347/85 espraia
seus dispositivos sobre searas típicas do
direito processual: foro, pedido,
possibilidade de ação cautelar, rito,
legitimação, atuação do Ministério Público,
sentença, efeito dos recursos, coisa julgada,
execução, ônus de sucumbência, aplicação
subsidiária do Código de Processo Civil.”
22
21 Código de Processo Civil comentado, nota 4 ao art. 1º da Lei nº
7347/85.
22 Ação civil pública, p. 26.
30
Considerando, pois, a classificação das
leis em materiais e formais, é inquestionável que a Lei
nº 7347/85 é de natureza eminentemente formal, visto que
objetiva regular a ação protetiva dos vários direitos
subjetivos e deveres jurídicos relativos aos interesses
metainvidividuais, isto é, os interesses difusos,
coletivos e individuais homogêneos.
A compartilhar com esse entendimento, tem-
se a perfeita integração deste diploma processual com
toda a disciplina processual prevista no Título III do
Código de Defesa do Consumidor, relativa à ação civil
pública, envolvendo os interesses e direitos difusos,
coletivos e individuais homogêneos.
Como abordaremos com maior profundidade no
curso deste trabalho, qualquer interesse difuso ou
coletivo pode hoje ser exercitado por meio da ação civil
pública ou coletiva, em face da integração legislativa
entre a LACP e o CDC, um servindo de aplicação
subsidiária para o outro e vice-versa o que, em tese,
vislumbra a possibilidade de defesa de qualquer interesse
individual homogêneo, por meio da ação civil pública ou
coletiva.
31
1.3 O alcance da Lei nº 7347/85
A LACP é o instrumental que cuida da defesa
dos interesses de grupos, categorias ou classes de
pessoas, isto é, os chamados interesses metaindividuais,
visto que a norma de encerramento do art. 1º (inc. IV),
após enumerar, de forma exemplificativa, os vários tipos
de interesses que podem ser defendidos por meio da ação
civil pública, restou patente que a lei permite a defesa
de “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”.
Assim, inexiste taxatividade na defesa
judicial de interesses metaindividuais, podendo ser
defendido em juízo pelo Ministério Público e demais co-
legitimados relacionados no art. 5º da LACP e art. 82 do
CDC.
O fundamento de validade da Lei nº 7347/85
não fica restrita à ampliação do seu objetivo no plano
infraconstitucional, mas, efetivamente, fundamenta-se na
recepção dos seus termos pela Constituição Federal de
1988, especificamente o art. 129, III, como já citado,
que não só se referiu à ação, como ao objeto de sua
tutela, de forma a ampliar o campo de atuação a outros
interesses transindividuais.
32
Nesse campo fértil propiciado pela
Constituição Federal, surgiram diversos diplomas legais
que complementam a tutela coletiva da LACP, reafirmando a
proteção de forma direta a direitos específicos, tais
como a que dispôs sobre o apoio às pessoas portadoras de
deficiência e sua integração social (Lei nº 7.853, de
24.10.89), sobre a ação civil pública de responsabilidade
por danos causados ao investidores no mercado de valores
imobiliários (Lei nº 7.913, de 7.12.89), o Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13.7.90),
amparando ações públicas e privadas de responsabilidade
por ofensa a direitos individuais ou coletivos da criança
e do adolescente (art. 208), todos prevendo a incidência
suplementar da LACP.
Merece menção ainda, a fim de melhor
contextualizar a evolução na proteção e reforço dos
direitos metaindividuais, a Lei nº 8.884, de 11.6.94, que
dispôs, entre outras providências, sobre a prevenção e
repressão de infrações econômicas, com alteração direta
na LACP, ao acrescentar o inciso V ao art. 1º, com o
objetivo de admitir a ação civil pública para o
reconhecimento da responsabilidade por danos morais e
patrimoniais, causados por infração da ordem econômica.
33
Finalmente, viu-se promulgada a Lei nº
8.974, de 5.1.95, regulamentando os incisos II e V do §
1
º
do art. 225, da Constituição Federal, estabelecendo
normas de segurança e mecanismos de fiscalização no uso
de técnicas de engenharia genética na construção,
cultivo, manipulação, transporte, comercialização,
consumo, liberação e descarte de organismo geneticamente
modificado (OGM), como meio de proteção da vida e da
saúde do homem, dos animais e das plantas, bem como do
meio ambiente.
O instrumental para a defesa dos interesses
e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos,
de maneira uniforme e geral, encontra respaldo legal na
Lei nº 8.078/90 que, integrando em seu bojo a previsão
legal da Lei nº 7.347/85, forma o chamado processo
coletivo.
1.4 O Objeto da Lei nº 7.347/85
Por seu caráter instrumental, a ação tem
por escopo permitir a tutela jurisdicional do Estado, com
vistas à proteção de determinados bens jurídicos
constitutivos de seu objeto.
34
A ação individualiza-se através de um
trinômio: partes, objeto e causa de pedir, que formam os
seus elementos, individualizando-a, de forma a
proporcionar a distinção de diversos institutos
processuais como a conexão, a continência, a coisa
julgada etc.
Neste tópico, centramos esforços em abordar
apenas o objeto constitutivo do seu pedido em suas
múltiplas formulações: simples, cumulado, sucessivo,
alternativo, eventual (CPC, arts. 286 et seq). Moacyr
Amaral Santos, com sua peculiar didática, ensina que
“Objeto da ação é o pedido do autor (Cód. Proc. Civil,
art. 282, nº IV), ou seja, o que ele solicita lhe seja
assegurado pelo órgão jurisdicional”
23
, distinguindo-o em
imediato e mediato. O primeiro consistente na providência
jurisdicional solicitada: sentença condenatória,
declaratória, constitutiva ou mesmo providência
executiva, cautelar ou preventiva. Já o pedido mediato,
como a própria utilidade que se quer alcançar pela
sentença, ou providência jurisdicional, isto é, o bem
material ou imaterial pretendido pelo autor.
23 Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, p. 165.
35
No que pertine à ação coletiva, importante
salientar que é o pedido que define, efetivamente, quando
uma ação coletiva está sendo exercida em defesa de
interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
É ele que delimita o objeto da ação e, de acordo com a
formulação da pretensão levada a juízo pelo titular da
ação coletiva, é que possibilitará o juiz verificar se se
trata de uma ação que tutele direitos difusos, coletivos
ou individuais homogêneos. Daí, a importância de o
titular da ação formular claramente o pedido. Se várias
forem as categorias cuja tutela se pretende, deverá
formular o pedido em suas múltiplas escolhas.
O art. 3º da Lei nº 7.347/85 prescreve que:
“A ação civil pública poderá ter por objeto a condenação
em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não
fazer”, restando claro que o pedido imediato, em geral,
comporta natureza condenatória, podendo ter natureza
cominatória quanto à possibilidade de impor astreintes
até mesmo ex officio, a teor do disposto no art. 11 da
referida Lei.
Dependendo da situação ofensiva ao
interesse a ser tutelado, o pedido pode comportar o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, bem como
cumulado com o pedido indenizatório. Assim, como haverá
36
casos em que o único pedido possível é o da condenação em
dinheiro, quando o réu destruiu o bem a ser protegido ou,
com maior ocorrência, quando tratar de tutelar os
chamados direitos individuais homogêneos, não fica o ente
legitimado impedido de ajuizar ação, formulando tal
pretensão.
José dos Santos Carvalho Filho, sobre o
assunto, dispõe: “O que se pode ter como certo é que a
Lei nº 7.347/85 admitiu dois tipos de tutela – a tutela
repressiva e a tutela preventiva. Quando a sentença
condena o réu à indenização em dinheiro, está comumente
reprimindo a ação ou omissão causadora do dano. Em outras
palavras, tem-se que o dano já ocorreu, e, nesse caso, a
tutela é repressiva. Se a condenação obriga o réu a fazer
ou a não fazer, está prevenindo a ocorrência do dano ou,
ao menos, evitando que a conduta ilegítima prossiga,
dando causa a ele. A tutela aqui será evidentemente
preventiva”.
24
Esclarece ainda o professor que não se
deve confundir com a tutela preventiva própria das ações
cautelares, que também têm incidência no caso da ação
civil pública.
24 Ação Civil Pública, p. 60.
37
Diversamente do que aponta o referido
autor, é interessante ressaltar que o bem a ser protegido
pela ação civil pública não se limita aos chamados
interesses difusos e coletivos em sentido estrito, mas
também aos coletivos em sentido amplo, isto é, incluindo
aí os denominados direitos e interesses individuais
homogêneos, dada a perfeita e irrestrita integração entre
os diplomas processuais, consubstanciados nas Leis nºs
7.347/85 (LACP) 8.078/90 (CDC), que formam um completo
sistema processual coletivo.
A própria LACP não restringe o seu âmbito
de ação quanto ao objeto a ser tutelado, quando o art. 3º
enfatiza que a ação civil pública poderá ter por objeto a
condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer. Carvalho Filho reconhece a integração
entre os dois diplomas legais, chegando a afirmar que “A
Lei nº 8.078/90, que instituiu o Código de Defesa do
Consumidor, ampliou o objeto da ação civil pública, que,
na Lei nº 7.347/85, era apenas condenatório”
25
, ao
dispor, no art. 51, § 4º sobre a invalidação de cláusulas
abusivas.
25 Ibidem, p. 67.
38
Importa ficar assentado neste momento a
amplitude do objeto da ação civil pública com a
(re)inserção da cláusula “qualquer outro interesse difuso
e coletivo” no art. 1º da LACP, a ponto de Rodolfo
Camargo Mancuso esclarecer que:
“Esse largo espectro não encerra, porém, o
risco de ser conferida extensão exagerada ao
objeto da ação civil pública, porque, de um
lado, o interesse objetivado – mesmo no caso
dos ‘individuais homogêneos’ – sempre estará
sendo tratado em sua dimensão coletiva
(significativo, nesse ponto, o parágrafo
único do art. 81 do CDC); de outro lado, é
lícito supor que sempre há de preexistir a
relevância do interesse para a sociedade
civil, embora esse quesito possa apresentar
diversa gradação e mesmo, no caso dos
individuais homogêneos, derivar da
conveniência do trato processual coletivo,
mormente agora com as restrições à formação
do litisconsórcio ativo facultativo
‘multitudinário’ (CPC, parágrafo único do
art. 46, acrescentado pela Lei 8.952, de
13.12.1994.”
26
Especificamente, no que confere com o
objetivo deste trabalho, aponta o eminente jurista:
26 Ação civil pública, p. 39-40.
39
“O ora afirmado se revela particularmente
verdadeiro com relação a um novo e fecundo
campo que ora se abre para a ação civil
pública, qual seja o seu exercício na esfera
trabalhista, assim possibilitando a
utilização desse moderno e versátil
instrumento processual nos conflitos ente o
capital e o trabalho, tomados em sua dimensão
coletiva. Para tal se cogita, de lege
ferenda, de alteração no art. 1º da Lei
7.347/85, par ali acrescer mais esse item,
embora tal não se nos afigure imperioso, já
que, de um lado, a contemporânea concepção de
meio ambiente já alberga o habitat laboral do
homem e, de outro lado, a vigente
Constituição Federal já contempla o meio
ambiente do trabalho (art. 200, VIII).”
27
Os doutrinadores mais autorizados que se
ocupam da matéria socorrem-se sempre dos ensinamentos
abalizados de José Carlos Barbosa Moreira, sobretudo na
difícil tarefa de identificação dos elementos que marcam
os interesses transindividuais, distinguindo-os em
litígios essencialmente coletivos e litígios
acidentalmente coletivos. Os litígios essencialmente
coletivos estão representados pelos interesses difusos e
os coletivos em sentido estrito e, em face da
27 Ibidem.
40
indivisibilidade, somente são fruíveis de forma coletiva
e defensáveis de forma coletiva também, sendo a
indivisibilidade marca essencial para a caracterização
desses interesses e dos conflitos que venham a envolvê-
los.
Os litígios acidentalmente coletivos,
permitam o exemplo, quando uma empresa de forma geral
deixa de saldar verbas salariais de cunho constitucional
(férias com o acréscimo constitucional de 1/3, 13ºs
salários, recolhimentos de FGTS etc), “a solução é
perfeitamente cindível, nada tem de unitária, ao
contrário que se dá na outra espécie, em que não se
conceberia que alguém pudesse ter interesse
fracionado”.
28
Vigliar complementa que:
“Os interesses divisíveis (ou cindíveis)
originam ‘conflitos acidentalmente
coletivos’: nada impede que cada um busque
exatamente a sua fração de prejuízo. Nada
impede que cada um ajuíze a sua própria
demanda individual, mediante as regras e
postulados do Código de Processo Civil. Mas,
28 José Carlos Moreira. Ações Coletivas na Constituição Federal de
1988, Revista de Processo 61, São Paulo: RT, p. 188 e ss.
41
buscando o bom exemplo das class actions do
direito norte-americano (que aliás é invocada
pelo próprio Procurador-Geral de Justiça,
quando da justificativa de encaminhamento do
anteprojeto de lei do Ministério Público, que
converteu na Lei 7.347/85, conforme visto
acima) e considerando a necessidade de se
molecularizar os conflitos de interesses, ao
contrário do que o processo civil tradicional
o faz (atomiza, individualiza os conflitos,
quer pelo sistema da legitimação quer pelos
limites da coisa julgada), há a possibilidade
de tratá-los como se coletivos fossem.”
29
É de se ressaltar que não constitui apenas
uma possibilidade, mas um dever daqueles co-legitimados
pelo art. 82 do CDC, em tutelar não só os interesses
difusos e coletivos (essencialmente coletivos), mas
também os acidentalmente coletivos, na lapidar linguagem
de Barbosa Moreira, ou individuais homogêneos, como
definiu o legislador do CDC.
O que importa é que, na essência, são
divisíveis, mas, de origem comum, tendo toda a sua
disciplina processual traçada pelo Código de Defesa do
29 José Marcelo Menezes Vigliar. Ação Civil Pública ou Ação
Coletiva. In: Édis Milaré. (Coord.). Ação Civil Pública. Lei
7.347/85 – 15 anos, p. 408.
42
Consumidor (Título III), bem como a LACP e a própria CLT,
esta, em se tratando de matéria trabalhista.
Retornaremos à matéria, deixando, no
entanto, delineada a amplitude do objeto da ação civil
pública, seja a nível constitucional ou
infraconstitucional, mormente após a vigência da Lei nº
8.078/90 (CDC).
43
CAPÍTULO III
1. Interesses ou Direitos
O vocábulo interesse, em sua linguagem comum,
comporta várias acepções, como vantagem, interesse,
benefício, renda, ganho etc. “Aquilo que convém, que
importa, seja em que domínio for”.
30
Para De Plácido e
Silva, a sua acepção jurídica revela a existência de uma
intimidade de relações entre a pessoa e as coisas, de
modo que aquela tem sobre estas poderes, direitos,
vantagens, faculdades ou prerrogativas. Nesta razão, o
interesse decorre dessa situação jurídica, de modo que
cada movimento ou mutação trazida às coisas provoca uma
percussão ou repercussão naqueles mesmos poderes,
direitos, vantagens, faculdades ou prerrogativas, gerada
da intimidade existente entre ambas, para melhorá-los,
modificá-los, garanti-los, ampará-los ou prejudicá-
los”.
31
A noção de interesse é distinta de direito,
tendo este uma concepção mais restrita, já que nem todo
30 Aurélio Buarque Holanda Ferreira. Novo Dicionário da Língua
Portuguesa, p. 957.
31 Vocabulário Jurídico, p. 442.
44
interesse recebe a proteção jurídica, de modo a assegurar
a sua tutela jurídica. Rodolfo de Camargo Mancuso, em
excelente monografia sobre o tema, aponta que “A
diferença entre os interesses – lato sensu – e o
interesse jurídico está em que o conteúdo axiológico
daqueles primeiros é amplo e variável, na medida que sua
valoração é deixada ao livre arbítrio dos sujeitos; ao
passo que o interesse jurídico, por definição, tem seu
conteúdo valorativo já prefixado pela norma”.
32
O interesse pode, também, aflorar com outras
conotações como interesse social, público ou geral, cujo
núcleo transcende o indivíduo isoladamente considerado,
para projetar-se nos interesses metaindividuais. Neste
prisma, o interesse jurídico se configura como o núcleo
do direito inter-subjetivo, com o que não se pode
conceber qualquer tipo de proteção que não seja a voltada
para os interesses jurídicos, que figuram no centro dos
interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
De qualquer forma, os termos “interesses” e
“direitos”, tal qual dispôs o legislador do CDC, foram
utilizados como sinônimos, sendo certo que, a partir do
32 Interesses Difusos, conceito e legitimação para agir, p. 18.
45
momento em que passam a ser amparados pelo direito, os
“interesses” assumem o mesmo status de “direitos”,
desaparecendo qualquer razão prática e mesmo teórica,
para a busca de uma diferenciação ontológica entre
eles.
33
Conforme já abordado, a evolução histórica do
direito, que, tradicionalmente, teve caráter
individualista, passou a ocupar-se do direito com maior
amplitude e abrangência, pertencentes a grupos sociais,
determinados ou não.
Para Mancuso, apesar dessa antinomia natural
entre o “coletivo” e o “individual”, eles convivem
harmoniosamente, vez que, além de responder a um impulso
natural, “a aglutinação de interesses coletivos nos
33 Kazuo Watanabe, co-autor do anteprojeto do CDC, afirma que “A
necessidade de estar o direito subjetivo sempre referido a um
titular determinado ou ao menos determinável, impediu por muito
tempo que os ‘interesses’ pertinentes, a um tempo, a toda uma
coletividade e a cada um dos membros dessa mesma coletividade,
como, por exemplo, os ‘interesses’ relacionados ao meio
ambiente, à saúde, à educação, à qualidade de vida etc.,
pudessem ser havidos por juridicamente protegíveis. Era a
estreiteza da concepção tradicional do direito subjetivo,
marcada profundamente pelo liberalismo individualista que
obstava a essa tutela jurídica (...) Agora, é a própria
Constituição Federal que, seguindo a evolução da doutrina e da
jurisprudência, usa dos termos ‘interesses’ (art. 5º, LXX, b),
‘direitos e interesses coletivos’ (art. 129, nº III), como
categorias amparadas pelo direito” (Código brasileiro de defesa
do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, Ada
Pellegrini Grinover... (et. al.).- Rio de Janeiro: Forense,
1998, p. 623-4).
46
diversos grupos atende, também, a uma exigência de
otimização e racionalização do trabalho, da produção ou
do exercício de um poder político. Por exemplo, não se
concebe que o empregado possa, vantajosamente, enfrentar
o titular do capital; mas a categoria toda dos empregados
pode fazê-lo, não raro com sucesso”.
34
Apesar de alguns doutrinadores
35
utilizarem como
sinônimas as expressões interesse difuso, coletivo, de
grupo, meta ou supra-individual e, na literatura
estrangeira, encontrar posições doutrinárias contrárias
às tentativas de se distinguir interesses coletivos de
interesses difusos
36
, o certo é que a própria
Constituição Federal refere-se claramente a interesses
difusos e coletivos (art. 129), bem como a individuais
indisponíveis (art. 127), merecendo da legislação
infraconstitucional menção (Lei nº 7.347/85) ou até mesmo
definição do que sejam interesses ou direitos difusos,
coletivos ou individuais homogêneos (art. 81, da Lei
8.078/90).
34 Interesses ..., op. cit., p. 39.
35 Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz; Édis Milaré; Nelson
Nery Junior. A ação civil pública e a tutela jurisdicional dos
interesses difusos, p. 57. Nota 26.
36 Cf. Alcides Munhoz da Cunha em artigo intitulado a Evolução das
Ações Coletivas no Brasil, Revista de Processo nº 77, p. 229.
47
Tomando-se a definição legal do art. 81 do CDC,
temos que difusos são os “direitos ou interesses
transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam
titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato” (art. 81, I). Interesse ou
direito coletivo em sentido estrito considera-se aqueles
transindividuais de natureza indivisível de que seja
titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas
entre si ou com a parte contrária por uma relação-base
(art. 81, II). Finalmente, entende por interesses ou
direitos individuais homogêneos os decorrentes de origem
comum (art. 81, III).
Partindo-se desta classificação legal, vejamos,
em seguida, separadamente, cada um dos interesses ou
direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
1.1 Direitos e Interesses Difusos
Para o Código de Defesa do Consumidor,
tanto os interesses difusos como os coletivos são
transindividuais e de natureza indivisível,
diferenciando-os basicamente na estrutura subjetiva dos
interesses convergentes sobre o mesmo bem, visto que,
enquanto os titulares dos interesses difusos são
48
indeterminados, os dos interesses coletivos são
determináveis.
Interessante notar que o termo difuso não é
criação nova, pois remonta ao direito romano. Vittorio
Scialoja já se referia ao conceito de difuso, no século
passado, ao mencionar que “direitos difusos, que não se
concentram no povo considerado como entidade, mas que tem
por próprio titular realmente cada um dos participantes
da comunidade”.
37
Como assinala Nelson Nery Jr
38
:
“O fenômeno da existência dos direitos
metaindividuais (difusos, coletivos e
individuais homogêneos) não é novo, pois já
era conhecido dos romanos. Nem a terminologia
‘difusos’ é nova. Com efeito, as actiones
populares do Direito romano, previstas no
Digesto 47, 23, 1, que eram ações
essencialmente privadas, destinavam-se à
proteção dos interesses da sociedade.
Qualquer do povo podia ajuizá-las, mas não
agia em nome de direito individual seu, mas
como membro da comunidade, como defensor
desse mesmo interesse público.
37 Procedura Civile Romana, p. 345.
38 O processo do trabalho e os direitos individuais homogêneos – Um
estudo sobre a ação civil pública trabalhista, Revista LTr, v.
64, p. 151.
49
Para averiguar no caso concreto se os
interesses são difusos ou coletivos, é preciso examinar
se os co-titulares dos interesses são indeterminados ou
determináveis, para isso, o próprio CDC fornece os
critérios quando aponta que a determinação dos sujeitos
faz-se visível sempre que os interesses digam respeito
especificamente a grupo, classe ou categoria de pessoas
que podem ser identificadas por meio de dados jurídicos.
Nesse sentido, Barbosa Moreira afirma que
“A distinção é, de certo modo, tênue; poderá haver casos
que suscitem dúvidas sobre a classificação do interesse
como difuso ou como coletivo, mas, seja como for, ela
hoje está de lege lata consagrada no Direito
Brasileiro”.
39
Portanto, a característica da
indeterminação dos sujeitos evidencia-se porque estes
sujeitos estão ligados entre si tão-somente em virtude de
circunstâncias de fato, sendo que os co-titulares dos
interesses difusos não possuem vínculos jurídicos formais
com a parte contrária e, de outro lado, precisamente
porque estão unidos entre si apenas por circunstâncias de
39 Ação civil pública. Revista Trimestral de Direito Público,
mar./93, p. 189.
50
fato, não têm condições de se organizar em grupo, classe
ou categoria de pessoas, de modo a abranger todos os
possíveis interessados (art. 81, I, do Código do
Consumidor). Assim, já não pode ser rotulado de “uma
personagem absolutamente misteriosa”, como concebeu
Massimo Villone
40
ao comentar sobre esse tipo de
interesse.
Especificamente quanto à distinção entre os
interesses difusos e coletivos, Mancuso aponta duas
razões que os distinguem:
“a) conquanto os interesses coletivos e os
difusos sejam espécies do gênero ‘interesses
meta (ou super) individuais’, tudo indica que
entre eles existem pelo menos duas diferenças
básicas, uma de ordem quantitativa, outra de
ordem qualitativa: sob o primeiro enfoque,
verifica-se que o interesse difuso concerne a
um universo maior do que o interesse
coletivo, visto que, enquanto aquele pode
mesmo concernir até a toda humanidade, este
apresenta menor amplitude, já pelo fato de
estar adstrito a uma ‘relação-base’, a um
‘vínculo jurídico’, o que o leva a aglutinar
junto a grupos sociais definidos; sob o
segundo critério, vê-se que o interesse
40 La Colocazzione Instituzionale dell'interesse difuso. In: La
Tutela Degli Interessi Difusi nel Dirito Comparato, p. 73.
51
coletivo resulta do homem em sua projeção
corporativa, ao passo que, no interesse
difuso, o homem é considerado simplesmente
enquanto ser humano; b) o utilizar
indistintamente essas duas expressões conduz
a resultados negativos, seja porque não
contribui par aclarar o conteúdo e os
contornos dos interesses em questão, seja
porque estão em estágios diferentes de
elaboração jurídica: os interesses coletivos
já estão bastante burilados pela doutrina e
jurisprudência; se eles ainda suscitam
problema, como o da legitimação para agir, ‘a
técnica jurídica tem meios de resolvê-lo’,
como lembra J. C. Barbosa Moreira; ao passo
que os interesses difusos têm elaboração
jurídica mais recente, não se tendo ainda
desvinculado do qualificativo de ‘personaggio
assolutamente misterioso’. Daí porque se nos
afigura conveniente e útil a tentativa de
distinção entre esses dois interesses.”
41
Já Sérgio Sahione Fadel
42
aponta as
seguintes características dos direitos ou interesses
difusos:
“a) a transindividualidade, vale dizer, a
circunstância de ultrapassarem a esfera
pessoal do indivíduo pelo fato de não
pertencerem exclusivamente a ele, mas
41 Interesses..., op. cit., p. 77-8.
42 Ação civil pública, In Verbis, nº 2, ago./set. 1996.
52
eventualmente a todos, podendo ao mesmo
tempo, transferir-se de um para outro
conforme condições de tempo e lugar; b) a
indivisibilidade, ou seja, não podem
fragmentar-se, pois interessam a toda a
coletividade e não apenas a um ou alguns de
seus membros; c) a indeterminabilidade dos
titulares respectivos, na medida em que estes
não estão claramente individualizados, do
mesmo modo que nenhuma pessoa, isoladamente,
pode intitular-se o seu sujeito; d) a
circunstância de se ligarem seus titulares
por um simples fato, e não necessariamente em
decorrência de relação jurídica.”
Do conceito ofertado pelo art. 81, I, do
CDC, podemos extrair as seguintes características dos
interesses difusos: a indeterminação dos sujeitos, a
indivisibilidade do objeto e um vínculo meramente fático
a ligarem os sujeitos.
Nesse sentido, Mazzilli
43
afirma que
“Compreendem grupos menos determinados de pessoas, entre
as quais inexiste vínculo jurídico ou fático preciso. São
como um conjunto de interesses individuais, de pessoas
indetermináveis, unidas por pontos conexos” (destaque do
autor).
43 A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 40.
53
Mancuso
44
, ressalvando a advertência romana
omnis definitio in jure civile periculosa est –, propõe
o seguinte conceito, analítico, para os interesses
difusos:
“são interesses metaindividuais, que, não
tendo atingido o grau de agregação e
organização necessários à sua afetação
institucional junto a certas entidades ou
órgãos representativos dos interesses já
socialmente definidos, restam em estado
fluido, dispersos pela sociedade civil como
um todo (v.g., os consumidores).
Caracterizam-se: pela indeterminação dos
sujeitos, pela indivisibilidade do objeto,
por sua intensa litigiosidade interna e por
sua tendência à transição ou mutação no tempo
e no espaço”.
Extrai-se deste conceito que o autor inova
ao acrescentar aos caracteres da transindividualidade, da
indivisibilidade do objeto, da indeterminabilidade dos
destinatários e da ligação por circunstâncias fáticas,
outros elementos como a intensa litigiosidade, ou
44 Op. cit., p. 136-7.
54
conflittulità massima dos autores italianos, e a
transição no tempo e no espaço.
45
Ives Gandra Martins Filho
46
aponta, como
exemplo, no campo trabalhista, dessa extrema
conflituosidade a caracterizar os interesses difusos, a
questão da “terceirização levada a cabo por empresas
estatais”, acrescentando que o enquadramento da hipótese
como de interesse difuso decorre da impossibilidade de se
determinar quais os sujeitos lesados, quando uma empresa
estatal loca ilegalmente mão-de-obra, deixando de
contratar diretamente, o que só poderia fazer mediante
concurso público. A indivisibilidade do objeto se percebe
pelo fato de que o interesse é uno – abertura de concurso
–, afetando a todos indistintamente”. (Destaque do
autor).
45 Mancuso afirma que “A maioria doutrinária, sobretudo na Itália,
aponta a conflittulità massima como outra das características
dos interesses difusos” e após discorrer sobre a evolução do
processo do plano individual para o coletivo assevera que “a
marcante conflituosidade deriva basicamente da circunstância de
que todas essas pretensões metaindividuais não têm por base um
vínculo definido, mas derivam de situações de fato,
contingentes, por vezes até ocasionais”. Leciona que o elemento
transição ou mutação no tempo e no espaço decorre “Do fato de os
interesses difusos, de ordinário, não se apresentarem jungidos a
um vínculo jurídico básico, mas a situações contigenciais,
deriva a conseqüência de que eles são mutáveis como essas mesmas
situações de fato; e mesmo podem fenecer e desaparecer,
acompanhando o declínio e extinção dessas situações. Pela mesma
razão ‘reaparecerão’, mais adiante, quando ainda uma vez
ressurgirem as mesmas causas fáticas anteriores”. (Op. cit. p.
94 e 97).
46 Processo coletivo do trabalho, p. 206-7.
55
Tornou-se clássico o exemplo de interesse
difuso no âmbito das relações de trabalho quanto à
contratação de empregados (regidos pela CLT) por parte de
órgão da administração pública direta, indireta ou
fundacional, sem o salutar concurso público de exigência
constitucional (art. 37). A defesa do interesse difuso
relaciona-se à generalidade dos possíveis candidatos
aptos a participar do certame com vistas ao preenchimento
dos cargos ilegalmente providos.
Interessante registrar que, após conclusões
tiradas do inquérito civil instaurado pela Portaria nº
01, de 02 de janeiro de 1992, publicada no DJU-1 de
06.01.92, p. 14, no sentido de que a Caixa Econômica
Federal estava intermediando mão-de-obra de forma ilegal
(marchandage), o Ministério Público do Trabalho ajuizou
competente ação civil pública contra a CEF, objetivando
coibir a intermediação havida por ilegal e provocar a
realização do salutar concurso público, tendo o então
juiz do trabalho substituto, em atuação na 6ª Junta de
Conciliação e Julgamento de Brasília-DF, João Carlos
Ribeiro de Souza, hoje emérito Juiz do Tribunal Regional
do Trabalho da 23ª Região, ao decidir, consignou em
ementa que:
56
ADMINISTRAÇÃO INDIRETA. LOCAÇÃO IRREGULAR DE MÃO-DE-
OBRA CONFESSADA. INTERESSE METAINDIVIDUAL DA GRANDE
MASSA QUE SE INSCREVE EM TODOS OS CONCURSOS
PÚBLICOS ABERTOS — AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROCEDENTE EM
PARTE. Quando a entidade da administração indireta
confessa que, através de irregular locação de mão-
de-obra, contorna o dever constitucional de admitir
empregados através de concursos públicos, e, com
isso, deixa de vivenciar o princípio do pleno
emprego, também dever constitucional, está criada
ampla área de “conflittualitá” com os interesses
daquela massa que, aos milhares, se inscreve em
todos os concursos públicos. Nasce daí a
possibilidade de uma ação civil pública, para cuja
promoção tem legitimidade o Ministério Público (CF,
art. 129, III) que, na difícil missão de atuar como
Juiz e como polícia, se transforma em advogado da
transformação, missão mais espinhosa do que a de
advogado da conservação (Bertrand Russel). E
competente para conciliar e julgar a controvérsia é
a Justiça do Trabalho, eis que, apesar da
metaindividualidade, o conflito é entre empregador
e massa empregada ou empregatícia (CF, art. 114)”
(6ª JCJ de Brasília, Processo 372/92, Juiz João
Carlos Ribeiro de Souza, proferida em 27.04.92).
47
Centrando os exemplos de interesses difusos
na seara trabalhista, trazemos do Ilustre Procurador do
47 Ementa extraída do artigo intitulado: A defesa dos interesses
difusos, coletivos e individuais homogêneos na esfera
trabalhista de autoria de Leonardo Vieira Wandelli. In: Edmundo
Lima de Arruda Jr. (Org.). Lições de direito alternativo do
trabalho, São Paulo: Editora Acadêmica, p. 145.
57
Trabalho Manoel Jorge e Silva Neto as seguintes
situações:
“I) desrespeito do art. 93 da Lei 8.213/91, que
estabelece a compulsoriedade de as empresas com
mais de 100 empregados contratarem pessoas
portadoras de deficiência; II) exigência de
atestado de esterilização e/ou submissão da
empregada a exame para certificar-se acerca
de tal condição; III) elaboração das odiosas
e reprováveis listas negras, nas quais o
empregador ou o sindicato econômico faz
circular entre as unidades empresariais o
malsinado rol de trabalhadores que postulam
perante a Justiça do Trabalho, ofendendo-se
tanto a garantia fundamental de acesso ao
mercado de trabalho quanto o direito
individual de recurso ao Judiciário,
consubstanciado no princípio da
universalidade da jurisdição (art. 5º, XXXV,
da Constituição); IV) utilização do trabalho
escravo; V) ausência de disciplina legal no
tocante ao recurso à automação, pelos seus
desdobramentos relativamente à diminuição da
oferta de empregos; VI) inclusão de cláusula
compromissória em contrato de trabalho,
fixando-se desde a gênese da relação
contratual, o árbitro para solucionar
conflito entre empregado e empregador,
58
vedando-se, de igual modo, o acesso à Justiça
do Trabalho.”
48
A atuação do Ministério Público do Trabalho
na tutela dos interesses difusos não decorre,
necessariamente, da relação jurídica entre empregados e
empregadores em sentido estrito, mas do interesse público
inerente ao próprio interesse difuso.
1.2 Direitos e Interesses Coletivos
Como se viu, os direitos difusos e
coletivos gozam de um núcleo conceitual comum, vez que
guardam as características de superindividuais e
indivisíveis. O CDC os descreve como transindividuais,
dando-lhes a conotação de direitos que transcendem a
esfera individual, pelo que podem ser apelidados de
metassubjetivos, metaindividuais, superindividuais,
transindividuais, já que guardam a marca da
impessoalidade, por não pertencerem a uma pessoa física
ou jurídica determinada, mas a uma comunidade amorfa,
fluída e flexível, com identidade social, porém, sem
personalidade jurídica. Como adverte Antônio Gidi
49
, isto
48 Proteção constitucional dos interesses trabalhistas, p.35-6.
49 Coisa julgada e litispendência em ações coletivas, p. 26.
59
não significa que tais direitos não tenham titulares ou
que estes sejam indeterminados: o titular será a
comunidade ou a coletividade sem personalidade jurídica.
O professor Amauri Mascaro Nascimento, ao
discorrer sobre o interesse coletivo e a liberdade
sindical, realça que “Foi tarefa árdua, para a doutrina,
conceituar, com exatidão, interesse coletivo porque nem
sempre o número de pessoas envolvidas é aspecto
suficiente para distinguir entre os dois tipos de
interesses, os coletivos e os individuais”, apontando que
Santoro-Passarelli, em ‘Nozioni di diritto del lavoro’
(1952), definiu como coletivo ‘o interesse de uma
pluralidade de pessoas por um bem idôneo a satisfazer as
necessidades comuns. Não é a soma dos interesses
individuais, mas a sua combinação, e é indivisível, no
sentido de que vem satisfazer não diversos bens
destinados às necessidades individuais, mas um único bem
apto a atender às necessidades de uma coletividade.”
50
O que singulariza os interesses coletivos é
sua abrangência determinada, ou, pelo menos, determinável
de pessoas, pertencentes a um grupo, classe ou categoria
50 Compêndio de direito sindical, p. 33.
60
de indivíduos ligados por uma mesma relação jurídica-base
e não apenas por meras circunstâncias fáticas, como
ocorre com os interesses difusos. Nesse sentido, dispõe
Hugo Nigro Mazzilli que “Tanto interesses difusos como
coletivos são indivisíveis, mas distinguem-se pela
origem: os difusos supõem titulares indetermináveis,
ligados por circunstância de fato, enquanto os coletivos
dizem respeito a grupo, categoria ou classe de pessoas
determinadas ou determináveis, ligadas pela mesma relação
jurídica básica”.
51
(Destaque no original).
Mancuso aponta como “notas fundamentais que
caracterizam como ‘coletivo’ um dado interesse: a) um
mínimo de organização, a fim de que os interesses ganhem
coesão e a identificação necessárias; b) a afetação
desses interesses a grupos determinados (ou ao menos
determináveis), que serão os seu portadores (enti
esponenziali); c) um vínculo jurídico básico, comum a
todos os participantes, conferindo uma situação jurídica
diferenciada.”
52
Aduz que, para sua atuação eficaz, os
interesses coletivos tendem a aglutinar-se, compondo,
51 A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 41.
52 Interesses..., op. cit., p. 57.
61
assim, os vários grupos, segmentos ou corpos
intermediários na sociedade civil: sindicatos,
associações, família, partidos políticos etc. o que faz
pressupor um mínimo de coesão, de organização, de
estrutura como veículo para sua exteriorização. Daí, o
traço distintivo básico do interesse coletivo ser a
organização. Sem um mínimo de organização, os interesses
não podem se “coletivizar”, não podem aglutinar-se de
forma coesa no seio de um grupo determinado.
Tomando como norte a definição legal, Kazuo
Watanabe lembra que:
“Com o uso da expressão ‘transindividuais de
natureza indivisível’ se descartou, antes de
mais nada, a idéia de interesses individuais
agrupados ou feixe de interesses individuais
da totalidade dos membros de uma entidade ou
de parte deles. Tampouco foi considerado
traço decisivo dos interesses ou direitos
‘coletivos’ o fato de sua organização, que
existirá apenas na primeira modalidade
mencionada no texto legal, qual seja, os
interesses e direitos pertencentes a grupo,
62
categoria ou classe de pessoas ligadas entre
si por uma relação jurídica-base.”
53
E acrescenta:
“Mesmo sem organização, os interesses ou
direitos ‘coletivos’, pelo fato de serem de
natureza indivisível, apresentam identidade
tal que, independentemente de sua
harmonização formal ou amalgamação pela
reunião de seus titulares em torno de uma
entidade representativa, passam a formar uma
só unidade, tornando-se perfeitamente viável,
e mesmo desejável, a sua proteção
jurisdicional em forma molecular. Nas duas
modalidades de interesses ou direitos
‘coletivos’, o traço que os diferencia dos
interesses ou direitos ‘difusos’ é a
determinabilidade das pessoas titulares, seja
através da relação jurídica-base que as une
(membros de uma associação de classe ou ainda
acionistas de uma mesma sociedade), seja por
meio do vínculo jurídico que as liga à parte
contrária (contribuintes de um mesmo tributo,
prestamistas de um mesmo sistema habitacional
ou contratantes de um segurador com um mesmo
tipo de seguro, estudantes de uma mesma
escola etc.).”
54
53 Interesses ou direitos coletivos. In: Código brasileiro de
defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto,
p. 628.
54 Ibidem.
63
Conclui, propugnando que, num certo
sentido, o conceito de “coletivo” do Código é mais amplo
do que o sustentado pela doutrina corrente, pois abrange
os interesses ou direitos não organizados, mas, em outro
sentido, é mais restrito, vez que apenas os interesses ou
direitos indivisíveis
55
estão neles abrangidos.
Na órbita trabalhista, há quem afirme que
os interesses coletivos são aqueles representados pelo
“total de empregados de uma empresa”, enquanto que os
individuais homogêneos são aqueles “cujos titulares são
perfeitamente individualizáveis, detentores de direito
divisível”.
56
Entendemos pertinente esta distinção, vez
que os direitos envolvendo a totalidade de empregados de
determinada empresa, indiscutivelmente, terá feição
coletiva, mas fazemos a mesma advertência de Carlos
55 Com a autoridade de ser um dos co-autores do anteprojeto do CDC,
Kazuo Watanabe aponta que a natureza indivisível desses direitos
ensejará, não raro, a proteção de pessoas não pertencentes às
associações autoras de ações coletivas. Acrescentando que não
foi por outra razão que o inc. II do art. 103 estabeleceu que a
sentença proferida nessas ações coletivas fará coisa julgada
ultra partes “limitadamente ao grupo, categoria ou classe” (op.
cit. p. 629). A matéria será objeto de maiores considerações
quando tratar-se da coisa julgada nas ações coletivas.
56 Cf. Palestra proferida no “Seminário sobre interesse público”,
sob o título “O interesse público e o interesse coletivo”. In:
Revista do Ministério Público do Trabalho em São Paulo, ano I,
nº 1, p. 54.
64
Henrique Bezerra Leite, no sentido de que “os interesses
coletivos seriam aqueles que dizem respeito à categoria,
direta ou indiretamente, uma vez que a noção de grupo ou
classe de pessoas (CDC, art. 81), no âmbito das relações
de trabalho, possui denominação própria: categoria
profissional ou econômica ou diferenciada (CF, art. 8º,
II; CLT, art. 511)”, pelo que não seria adequado afirmar
“que o interesse coletivo somente ocorreria quando
abrangesse todos os empregados de uma empresa, sabido que
nesta poderá, não raro, existir trabalhadores
pertencentes de outras categorias diferenciadas, cujos
interesses podem até colidir com os daqueles”.
57
Deve ficar assentado que a relação
jurídica-base de que trata o inciso II do art. 81 do CDC
é a preexistente à lesão ou ameaça de lesão do interesse
ou direito do grupo, categoria ou classe de pessoas e não
a relação jurídica nascida da própria lesão ou da ameaça
de lesão. No direito do trabalho, os exemplos são
múltiplos, como a relação entre os empregados de uma
mesma categoria ou empresa que pré-existe uma relação
jurídica-base, de modo que, a lesão de interesses ou
57 Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e
prática, p. 109.
65
direitos implicará na determinação das pessoas atingidas
pela lesão.
Manoel Jorge e Silva Neto, ao desenvolver o
tema dentro do contexto dos interesses transindividuais
trabalhistas, diz que a primeira nota caracterizadora dos
interesses coletivos é a metaindividualidade, trazendo,
como exemplo, a hipótese de proteção constitucional ao
meio ambiente do trabalho (art. 200, VIII), enunciando
que “Em tal caso, não se admite ao empregado do
estabelecimento recorrer à Justiça do Trabalho para, em
sede de ação individual, exigir o atendimento às normas
de segurança e medicina do trabalho, máxime porque o
interesse em questão é essencialmente coletivo; é-lhe
autorizado, entretanto, pleitear a rescisão indireta do
contrato de trabalho, com fundamento no art. 483, ‘b” e
“c” da Consolidação das Leis do Trabalho.”
Aduz, quanto à indivisibilidade, que:
“... tanto pode ser evidenciada no exemplo do
meio ambiente do trabalho quanto em outra
circunstância de ofensa a interesse
transindividual de natureza trabalhista, como
na eventualidade de ferimento à liberdade
sindical coletiva (art. 8º, I). Na situação,
constata-se a legitimidade da agremiação
sindical para repelir toda e qualquer
investida – quer do Estado ou mesmo do
66
empregador – no sentido de impor limitação à
liberdade para o exercício das funções de
defesa da categoria. Como o interesse
agravado é, em substância, coletivo, não está
aberto espaço para o empregado – mesmo
sindicalizado – obter um provimento judicial
tutelador de um interesse que, nem de longe é
individual, mas sim, convictamente,
coletivo.”
Impõe fazer distinção entre a atuação da
entidade sindical em tutelar os seus próprios interesses
ou direitos em face de terceiros (quando age em seu
próprio nome para defender seus direitos e prerrogativas
enquanto pessoa jurídica) e tutelar os interesses
coletivos que dizem respeito a grupo, categoria ou classe
de pessoas determinadas ou determináveis, mas ligadas
pela mesma relação jurídica básica (quando busca
melhorias salariais da categoria).
É por meio da atividade sindical que o
interesse coletivo se revela como realidade autônoma,
distinta dos interesses de cada um dos sindicalizados,
bem como dos interesses pessoais do sindicato em si,
enquanto pessoa jurídica a tutelar seus próprios
interesses.
67
1.3 Direitos e Interesses Individuais Homogêneos
O inc. III do parágrafo único do art. 81
define os interesses ou direitos individuais homogêneos
como “os decorrentes de origem comum”, permitindo a
tutela deles a título coletivo.
Denota-se, em relação a esta categoria de
interesses ou direitos, que não são coletivos em sua
essência. Mas, por apresentarem certa uniformidade
decorrente de origem comum, podem ser tutelados
coletivamente pelos entes legitimados, pois destacam-se
dos interesses isoladamente considerados pela
circunstância de seus titulares encontrarem em certas
situações ou enquadrados em certos segmentos sociais que
lhes conferem coesão e aglutinação, dando-lhes conotação
coletiva.
Os titulares são perfeitamente
individualizáveis e detentores de direitos divisíveis,
sendo que a pedra de toque que viabiliza a defesa
coletiva desses direitos individuais é a origem comum do
pedido a ser formulado em juízo.
Portanto, são características dos direitos
individuais homogêneos a possibilidade de perfeita
identificação do sujeito, assim como da relação dele com
68
o objeto do seu direito, sendo que a ligação com os
demais sujeitos decorre da circunstância de serem todos
titulares individuais de direitos com “origem comum”. São
divisíveis, pois podem ser lesados e satisfeitos de forma
diferenciada e individualizada, satisfazendo ou lesando
um ou alguns titulares sem afetar os demais.
Frise-se que o traço distintivo do
interesse individual homogêneo para o coletivo em sentido
estrito é a sua divisibilidade, decorrente de sua
afetação a um grupo mais restrito e determinado de
pessoas, que estão ligadas entre si pela origem comum, o
que viabiliza a sua tutela coletiva pelos órgãos e
entidades previamente legitimados. É a hipótese de
direitos individuais tratados coletivamente, vez que
decorrentes da mesma situação de fato.
Ao fazer a diferenciação entre interesses
coletivos e individuais homogêneos, Ives Gandra Martins
Filho aponta “como elemento caracterizador dos primeiros
a sua abstração e dos segundos a sua concretude, ou seja,
no primeiro caso os sujeitos são indeterminados mas
determináveis, por fazerem parte de um conjunto fechado
formados pelos membros de um grupo ou categoria. Já o
segundo caso são perfeitamente determinados, pois, do
69
grupo em tela, se sabe perfeitamente quais os atingidos
pelo ato lesivo”.
58
Esclarece o eminente Ministro que:
“No campo das relações trabalhistas, podemos
estabelecer como elemento diferenciador dos
interesses coletivos frente aos individuais
homogêneos o fato de, nos primeiros, a
prática lesiva se estender no tempo, isto é,
constituir procedimento genérico e
continuativo da empresa, enquanto, nos
segundos, sua origem se fixa no tempo,
consistente em atos concretos, atingindo
apenas alguns ou todos que compunham a
categoria no momento dado. Assim, como
exemplo de interesse coletivo lesado teríamos
o do descuido continuado do meio ambiente de
trabalho, que afeta, potencialmente, a todos
os empregados da empresa; quanto a interesses
individuais homogêneos, teríamos o exemplo da
demissão coletiva num dado momento,
atingindo, imediatamente, um grupo concreto e
identificável de empregados”, e acrescenta “a
utilização do critério da indivisibilidade do
objeto (cuja lesão afeta toda a coletividade)
como elemento caracterizador dos interesses
difusos e coletivos (Lei n. 8.078/90, art.
81, parágrafo único, I e II) não nos parece a
que melhor se adequaria às relações
trabalhistas, na medida em que, no caso de
determinados procedimentos genéricos das
58 Processo coletivo do trabalho, p. 206-7.
70
empresas, contrários à ordem jurídica
trabalhista, eles se concretizam como lesão
em momentos distintos para cada empregado e
podem não atingir efetivamente a todos, como
no caso de orientação normativa interna da
empresa, relativa a medidas discriminatórias
a serem adotadas contra empregado que ajuíze
reclamação trabalhista com a empresa. O
procedimento, na hipótese, é genérico, mas a
lesão se materializa em relação a cada
empregado que ajuizar a reclamatória
postulando seus direitos. Com isso, o divisor
de águas para separar os interesses difusos e
coletivos dos individuais homogêneos seria a
potencialidade (difusos e coletivos) ou
concretude (individuais homogêneos) da
lesão.”
Os interesses coletivos e os individuais
homogêneos têm um ponto em comum: reúnem grupo, categoria
ou classe de pessoas; entretanto, só estes últimos, em
sua definição legal, são divisíveis, em que pese serem
ambos determináveis.
Nesse sentido, o excelso Supremo Tribunal,
em voto da lavra do Ministro Maurício Corrêa, ao apreciar
o Recurso Extraordinário nº 163231-3/SP (julgado em
26.02.1997), reconheceu, à unanimidade, que os chamados
interesses individuais homogêneos como “subespécie de
71
direitos coletivos”, de quem herdam a característica da
indivisibilidade. Eis a ementa:
Recurso Extraordinário. Constitucional.
Legitimidade do Ministério Público para promover
ação civil pública em defesa dos interesses
difusos, coletivos e homogêneos. Mensalidades
escolares: Capacidade postulatória do parquet para
discuti-las em juízo.
1. A Constituição Federal confere relevo ao
Ministério Público como instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis (CF, art. 127).
2. Por isso mesmo detém o Ministério Público
capacidade postulatória, não só para a abertura do
inquérito civil, da ação penal pública e da ação
civil pública para a proteção do patrimônio público
e social, do meio ambiente, mas também de outros
interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, 1 e
III).
3. Interesses difusos são aqueles que abrangem
número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas
circunstâncias de fato e coletivos aqueles
pertencentes a grupos, categorias ou classes de
pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a
parte contrária por uma relação jurídica base.
3.1. A indeterminidade é a característica
fundamental dos interesses difusos e a
determinidade a daqueles interesses que envolvem os
coletivos.
72
4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm
a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n.º
8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se
em subespécie de direitos coletivos. 4.1. Quer se
afirme interesses coletivos ou particularmente
interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão
cingidos a uma mesma base jurídica, sendo
coletivos, explicitamente dizendo, porque são
relativos a grupos, categorias ou classes de
pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas
isoladamente, não se classificam como direitos
individuais para o fim de ser vedada a sua defesa
em ação civil pública, porque sua concepção
finalística destina-se à proteção desses grupos,
categorias ou classe de pessoas.
5. As chamadas mensalidades escolares, quando
abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via
de ação civil pública, a requerimento do órgão do
Ministério Público, pois ainda que sejam interesses
homogêneos de origem comum, são subespécies de
interesses coletivos, tutelados pelo Estado por
esse meio processual como dispõe o artigo 129,
inciso III, da Constituição Federal.
5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação,
amparada constitucionalmente como dever do Estado e
obrigação de todos (CF, art. 205), está o
Ministério Público investido da capacidade
postulatória, patente a legitimidade ad causam,
quando o bem que se busca resguardar se insere na
órbita dos interesses coletivos, em segmento de
extrema delicadeza e de conteúdo social tal que,
acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal.
5.2. Recurso extraordinário conhecido e provido
para, afastada a alegada ilegitimidade do
73
Ministério Público, com vistas à defesa dos
interesses de uma coletividade, determinar a
remessa dos autos ao Tribunal de origem, para
prosseguir no julgamento da ação. (Destaques do
original)
No corpo do v. acórdão, o eminente Juiz-
Relator do Recurso Extraordinário consignou que o Código
de Defesa do Consumidor, pelo seu artigo 81, inciso III,
apenas criou uma outra subespécie de direitos coletivos,
dessa feita, com a denominação dos chamados interesses ou
direitos individuais homogêneos assim entendidos os
decorrentes de origem comum, dispondo, ainda, que “Por
tal disposição vê-se que se cuida de uma nova
conceituação no terreno dos interesses coletivos, sendo
certo que esse é apenas um nomen iuris atípico da espécie
direitos coletivos. Donde se extrai que interesses
homogêneos, em verdade, não se constituem como um tertium
genus, mas sim como uma mera modalidade peculiar, que
tanto pode ser encaixado na circunferência dos interesses
difusos quanto na dos coletivos”. (RE-163231-3/SP; j.
26.02.1997)
74
O professor Nelson Nery Júnior
59
nos dá
interessante exemplo onde afloram as três categorias de
interesses metaindividuais ao apontar que o trágico
acidente do Bateau Mouche IV, ocorrido no Rio de Janeiro,
há alguns anos, possibilita o enquadramento de cada uma
destas espécies: difuso, coletivo em sentido estrito e
individual homogêneo. A pedra de toque do método
classificatório é o tipo de tutela jurisdicional que se
pretende quando se propõe a competente ação judicial.
Assim, o referido acidente pode ensejar ação de
indenização individual por uma das vítimas do evento
pelos prejuízos que sofreu (direito individual), ação de
obrigação de fazer movida por associação das empresas de
turismo que têm interesse na manutenção da boa imagem
desse setor da economia (direito coletivo), bem como ação
ajuizada pelo Ministério Público, em favor da vida e
segurança das pessoas, para que seja interditada a
embarcação, a fim de se evitarem novos acidentes (direito
difuso).
Com efeito, se pensarmos no interesse
genérico que toda pessoa tem para que o transporte
59 O processo civil no Código de Defesa do Consumidor, Revista de
Processo. nº 61, p. 25.
75
público seja feito em condições mínimas de segurança,
então estaremos falando de interesse difuso, uma vez que
toda a sociedade tem interesse sem subjetivações, pois
aquele que jamais viajou de navio um dia pode viajar. Eis
uma situação de fato com sujeitos indeterminados e
objetos indivisíveis.
Se imaginarmos os interesses das companhias
proprietárias desse tipo de transporte em face das
pessoas que efetivamente adquirem o bilhete de ingresso
nessa modalidade de embarcação, há uma delimitação da
faixa do universo coletivo por isso, ao contrário do que
se passa no interesse difuso, aqui eu já posso
identificar uma relação jurídica-base, visto que em
determinado momento foi feito um contrato de transporte
representado por aquele bilhete, daí o surgimento de uma
certa relatividade do interesse com sujeitos
determináveis, não se cogitando de absoluta
indeterminação dos sujeitos, como ocorre nos interesses
difusos. Não existe uma situação de fato simplesmente,
mas uma certa relação jurídica-base.
Em um outro enfoque, podemos cogitar dos
interesses uniformizados das famílias das vítimas,
englobando um número significativo de pessoas, cujos
interesses são divisíveis e oriundos da mesma
76
circunstância de fato, e apenas acidentalmente são
coletivos.
Podemos concluir que existem situações
que, embora na sua natureza sejam individuais, a sua
peculiar expansão dentro da sociedade civil acaba
legitimando, justificando e recomendando trato processual
de modo coletivo. É o individual sendo tratado em sua
dimensão coletiva.
Na esfera trabalhista, tomamos, como
exemplo, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, onde
seus titulares são perfeitamente determináveis, a tutela
coletiva vai muito além dos interesses meramente
individuais ou mesmo individuais homogêneos, em face do
interesse social que reveste os depósitos do fundo, a
ponto de João de Lima Teixeira Filho aduzir que:
“o FGTS também pode desvendar interesse
difuso da sociedade. Como se sabe, os
recursos deste Fundo são carreados para obras
de habitação popular, saneamento básico e
infra-estrutura urbana. Quanto menos
sonegação houver, mais recursos para esse fim
haverá. Isso determina o atendimento às
necessidades básicas da comunidade em maior
ou menor intensidade. Alie-se a isto o fato
de que a construção civil é atividade
econômica absorvedora de grande contingente
77
de mão-de-obra. Logo, o volume de recursos do
FGTS a serem aplicados naquelas obras
determina, por sua vez, um impacto sobre o
nível de emprego, elevando-o ou reduzindo-
o.”
60
Autores há que não admitem a tutela
coletiva dos direitos e interesses individuais na esfera
trabalhista pelo Ministério Público do Trabalho, outros
limitam esta possibilidade aos chamados direitos
individuais indisponíveis mediante a utilização da
chamada ação civil pública. A abordagem da matéria
envolvendo diretamente a questão da legitimidade ad
causam será tratada com mais profundidade em capítulo à
parte, dada a sua relevância, pelo que restringiremos
neste momento à análise dos interesses em seu aspecto
extraprocessual.
Saliente-se, contudo, que Manoel Jorge e
Silva Neto,
61
como um dos defensores da segunda corrente,
aponta que:
“Bem mais numerosos, contudo, os fatos
ensejadores da violação a interesse
individual homogêneo de natureza
indisponível, cujo rol que ora apresentamos é
60 Instituições de direito do trabalho, p. 1297.
61 Proteção constitucional dos interesses trabalhistas, p. 40-1.
78
meramente exemplificativo: a) não-
fornecimento de equipamento de proteção
individual aos empregados, mesmo que a
omissão não se opere a respeito de todos os
empregados do estabelecimento; b) redução do
salário sem previsão em acordo ou convenção
coletiva, conforme determina o art. 7º, VI,
da Constituição Federal, ou mesmo atraso ou
falta de pagamento; c) não-concessão de
licença à gestante e licença paternidade aos
trabalhadores do estabelecimento (art. 7º,
XVIII e XIX e art. 10, § 1º da Constituição),
já que o primeiro visa preservar a indenidade
biopsíquica do nascituro e da mãe, ao passo
que a segunda tem por escopo possibilitar ao
trabalhador a adoção de providências
burocráticas, dentre outras as relativas ao
registro de nascimento – por força da
obrigação legal que promana o art. 52, 1º, da
Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei
dos Registros Públicos); d) não-concessão de
repouso semanal remunerado, preferencialmente
aos domingos (art. 7º, XV, da Constituição),
cuja indisponibilidade é ditada pela
conservação da saúde dos empregados; e) gozo
de férias anuais remuneradas (art. 7º, XVII),
pelo mesmo motivo mencionado na letra ‘d’.”
Com toda a sua autoridade, o professor
Nelson Nery Jr., em excelente artigo intitulado “Ação
Civil Pública no Processo do Trabalho”, enfatiza que:
“Para essas três categorias de direitos, a
lei brasileira conferiu a possibilidade de
79
serem defendidos por intermédio de ação
coletiva. No campo do direito do trabalho
poderíamos dizer que a ação coletiva
destinada a obrigar a empresa a colocar
dispositivo de segurança em suas máquinas,
para evitar acidentes do trabalho (ação de
obrigação de fazer – meio ambiente do
trabalho), pode envolver pretensão de direito
difuso e coletivo, pois esses dispositivos de
segurança poderão melhorar as condições de
trabalho, beneficiando todo o grupo de
trabalhadores da empresa (direito coletivo),
ao mesmo tempo que reduziria o custo do
produto final para o consumidor,
indeterminado e indeterminável (direito
difuso). (...) O direito que têm os
trabalhadores a determinado reajuste salarial
legal, que não foi implementado pelo
empregador, pode ser buscado em juízo por
meio de ação coletiva. Dependendo da
especificidade do pedido, pode caracte-rizar-
se ou como direito coletivo (a conduta da
empresa foi ilegal e o grupo dos
trabalhadores de toda a empresa tem o direito
ao reajuste) ou como direito individual
homogêneo (a omissão ilegal da empresa – que
é o fato comum do qual se originaram os
direitos dos trabalhadores – fez nascer para
cada um de seus trabalhadores o direito
individual de reajuste salarial, divisível,
80
pois cada um deles tem parcela certa para
receber em atraso).”
62
Os chamados direitos individuais
homogêneos, assim considerados os decorrentes de origem
comum, invariavelmente são tutelados via ações
individuais repetitivas, daí a possibilidade do
ajuizamento de ação coletiva para a sua tutela. Nesse
sentido há muito já prelecionava Pedro Vidal Neto, ao
consignar que:
“deparamo-nos com volumosos números de ações
individuais referentes a situações
semelhantes, nas quais se questiona sobre a
mesma matéria de direito. Ora se trata de
empresas de transporte que suprimiram o
‘passe livre’ que concediam a seus
empregados; ora se discute se a licença
prêmio pode ser convertida em pecúnia; em
outros casos, suprime-se a complementação de
aposentadoria que fora disposta em favor dos
empregados, ou são feitas modificações nos
requisitos de sua concessão. Em conseqüência,
repetem-se por anos a fio ações exatamente
iguais, numa inútil perda de tempo, deixando
62 Édis Milaré. (Coord.). ão Civil Pública – Lei nº 7347/85 – 15
anos, op. cit., p. 566.
81
direitos inseguros e congestionando as pautas
dos órgãos judiciários.”
63
Como veremos no decorrer deste trabalho, o
tratamento coletivo aos interesses metaindividuais,
incluindo os interesses individuais homogêneos, tem
previsão legal em nosso ordenamento jurídico, inclusive
com disciplina completa do chamado processo civil
coletivo, com inteira aplicação no âmbito trabalhista.
Com efeito, se a lesão patrocinada pelo
empregador for de certa magnitude capaz de atingir um
número considerável de empregados, formando um feixe de
interesses individuais de origem comum, estamos a lidar
com os chamados interesses individuais homogêneos que,
dada a sua relevância social, diferem dos interesses
eminentemente individuais, propiciando, assim, uma tutela
formalmente coletiva.
64
63 As ações coletivas declaratórias e a sugestão de novos
instrumentos para o direito processual do trabalho, Revista de
Direito do Trabalho, n. 23, p. 97.
64 Cf. nesse sentido Carlos Henrique Bezerra Leite em sua Obra
“Ministério Público do Trabalho, doutrina, jurisprudência e
prática”, p. 107 e ss.
82
CAPÍTULO IV
1. Condições da Ação
Antes de tratarmos dos sujeitos da ação
coletiva ou civil pública como preferem alguns, impõe-se
uma rápida análise das condições da ação, particularmente
quanto ao interesse processual e à legitimação para agir,
insculpidas no art. 3º do CPC, que consigna “Para propor
ou contestar a ação é necessário ter interesse e
legitimidade”.
O interesse processual, interesse de agir,
interesse ad agendum, tem sido normalmente qualificado
pela doutrina pelo trinômio “necessidade-utilidade-
adequação”. Há necessidade em buscar a tutela
jurisdicional para obter certo bem da vida, porque não
concludente os envolvidos (satisfação espontânea de um
crédito) ou por imposição legal em face da natureza do
bem a ser tutelado (ações de estado, divórcio etc). Útil,
no sentido da não-existência de outro meio para a
satisfação do interesse de quem a pleiteia, mostrando que
a intercessão do Estado é indispensável. Adequada, no
sentido de se viabilizar a produção dos resultados
pretendidos pelo demandante, diante daquilo que postula e
da forma como postula.
83
A legitimidade para a causa (ad causam), como
uma das condições da ação que se encarna, tanto pode ser
ativa (autor) ou passiva (réu), e a sua falta conduz ao
decreto judicial de carência de ação. A legitimatio
passiva significa que deve integrar a relação processual
apenas a pessoa que seja titular da obrigação relativa ao
direito invocado pela parte adversa. Daí a “pertinência
subjetiva da ação”, a que aludiu Alfredo Buzaid,
traduzir-se na individualização daquele a quem pertence o
interesse de agir e daquele diante do qual é formulada a
pretensão in indicio. Assim, a princípio, somente os
titulares dos interesses em antagonismo se encontrarem
legalmente legitimados para atuar em juízo.
Este princípio é informativo do CPC, art. 6º,
destinado a regular os conflitos intersubjetivos, que
restringe a figura da legitimação extraordinária ou
substituição processual, ao prescrever que só se pode
agir em nome próprio para a defesa de direito próprio,
fazendo coincidir a legitimação de direito material com a
legitimação de direito processual, salvo se houver
expressa autorização legal é que alguém, em nome próprio,
pode defender direito de outrem.
Para os interesses metaindividuais o interesse
processual em obter um provimento jurisdicional não tem
84
nada a ver com a titularidade do interesse substancial
primário, em face da abrangência do bem da vida a ser
tutelado. Aí encontra-se a justificativa para a
legitimidade concorrente e disjuntiva prevista no art. 5º
da Lei nº 7.347/85, com as ampliações do art. 82 da Lei
nº 8.078/90. Assim, os legitimados para a ação coletiva
(exceto se leis especiais dispuserem de forma diversa)
são aqueles que estão nominados nos referidos diplomas
legais, isto é, o Ministério Público (do Trabalho),
órgãos da Administração Pública, direta e indireta
(União, Estados e Municípios, autarquias, empresas
públicas e sociedades de economia mista) e associações
que reúnem certas características, como veremos no item
seguinte.
A legitimidade subjacente à proteção judicial
dos interesses metaindividuais ficou a cargo de amplo e
heterogêneo rol de entidades, de forma “concorrente e
disjuntiva dos co-titulares” como afirma José Carlos
Barbosa Moreira,
65
visto que conferiu a cada um deles de
per si a qualidade para agir, isto é, todos são
concorrentemente legitimados e cada um pode agir
65 A tutela dos interesses difusos, p. 100.
85
isoladamente, separadamente dos outros, apesar de ser
facultada a formação voluntária de litisconsórcio.
Antônio Gidi
66
acrescenta a estes dois atributos
da legitimidade – concorrente e disjuntiva – um terceiro,
o da exclusividade, uma vez que somente aquelas entidades
taxativamente previstas em lei (LACP, art. 5º, e CDC,
art. 82) poderão propor uma ação coletiva. As pessoas
físicas e as demais pessoas jurídicas, portanto, não
terão legitimidade para propor ação coletiva, exceto nos
estritos casos de ação popular (CF, art. 5º, LXXIII) em
que somente a pessoa física no gozo dos seus direitos
políticos tem legitimidade, isto é, o cidadão.
Para Liebman
67
o “interesse de agir é, em
resumo, a relação de utilidade entre a afirmada lesão de
um direito e o provimento de tutela jurisdicional
pedido”.
Pela própria natureza das ações coletivas, não
se pode conceber o mesmo interesse/legitimidade destas
com as ações individuais, face às marcantes distinções de
ambas. Naquela classe de ações, o bem da vida perseguido
66 Coisa julgada e litispendência em ações coletivas, p. 38.
67 Manual de Direito Processual Civil, p. 155-6.
86
não concerne especificamente ao autor e o interesse é
coletivo, difuso, espraiado num contingente indeterminado
ou mesmo determinável de pessoas. Assim, “quando o
legislador legitima o MP para a propositura da ação civil
é porque identificou previamente o interesse processual,
que deriva da própria outorga da legitimação (Nery,
Recursos, 267: Carnelutti, Rev. Dir. Proc. 1953 (1),
258/259.) É suficiente para aferir-se a existência do
interesse processual do MP a demonstração de que se trata
de uma hipótese de ação civil pública”.
68
(destaques do
original).
Não é por outra razão que Mancuso é conclusivo:
“O interesse de agir na ação de que trata a
Lei nº 7.347/85 se apresenta, in genere, com
a mesma natureza e intensidade em face de
todos os co-legitimados. Significa dizer que,
ante um caso concreto, e sem embargo de quem
se apresente como autor da ação, o juiz
verificará se ela é necessária, útil e
adequada, frente aos fins a que se destina;
resultando positiva a perquirição, então
entrará a cogitar sobre a legitimação de quem
se apresente como portador judicial daquele
interesse, do que resulta ser a legitimação
um posterius, em face do interesse
68 Nelson Nery Junior. Código de Processo Civil..., p. 249.
87
processual. Pode suceder, v. g., que a lesão
lamentada já tenha sido recomposta, ou que a
ameaça não seja mais de atualidade; ou,
ainda, pode dar-se que a pretensão implique
num contraste sobre ato puramente
discricionário. Em casos tais, faltará
interesse de agir, sem embargo de,
porventura, se reconhecer legitimatio ad
causam na espécie”.
69
Neste estudo, interessa-nos estudar com maior
profundidade a legitimidade ou, como afirma Moacyr Amaral
Santos, a qualidade para agir, a legitimatio ad causam.
70
1.1 Natureza Jurídica da Legitimidade Ativa
A questão da legitimidade processual
constitui tema recorrente, em se tratando de defesa dos
direitos ou interesses metaindividuais, merecendo,
portanto, um enfoque específico quanto à sua natureza na
tutela desses interesses.
O questionamento que se faz consiste em
detectar a sua natureza jurídica, se ordinária ou
extraordinária ou, ainda, uma espécie sui generis de
69 Ação civil pública, p. 51-52.
70 Primeiras linhas de direito processual civil, p. 173.
88
legitimidade especialmente adequada ao direito processual
das ações coletivas.
A despeito de sempre terem existido no seio
da sociedade questões envolvendo interesses super e
metaindividuais, não havia norma dispondo sobre a forma
de sua tutela em juízo, o que levou os estudiosos a
forjar, dentro do ordenamento jurídico vigente, a
possibilidade de se abstrair uma modalidade de
legitimidade apta a tutelar estes direitos.
71
Após a
promulgação das Leis nº 7.347/85 e 8.078/90, Nelson Nery
71 Anteriormente a LACP, portanto à mingua de previsão legal
específica, duas teorias “progressistas” propugnavam pela
possibilidade de efetiva proteção a tais direitos: a primeira
preconizada por Barbosa Moreira (A legitimidade para a defesa
dos “interesses difusos” no direito brasileiro. In: Temas de
direito processual, terceira série; São Paulo: Saraiva, p. 190,
nota 15) adotando os ensinamentos de Arruda Alvim de que “a
possibilidade de legitimidade extraordinária não se sujeita a
uma permissão expressa da lei, mas pode ser inferida do
ordenamento enquanto sistema” propugna pela possibilidade de
tutela jurisdicional dos direitos metaindividuais
independentemente de expressa autorização da lei processual. A
segunda, concebida por Kazuo Watanbe (Tutela jurisdicional dos
interesses difusos: a legitimação para agir. In: A tutela dos
interesses difusos, op. cit., p. 85-97) procurou extrair do
próprio sistema jurídico vigente, independentemente de qualquer
reforma legislativa e apenas com interpretação aberta e flexível
do art. 6
º
do CPC, uma legitimidade ordinária da parte das
entidades criadas no seio da comunidade (corpos intermediários)
com a finalidade de defesa de direitos supraindividuais”. Esta
nos parece a teoria ainda hoje adota por Manoel Antônio Teixeira
Filho quando afirma que, “em rigor, como tivemos oportunidade de
asseverar em outros escritos, o que temos no Brasil não é uma
substituição processual, senão que um mero mandato legal ad
litem. Cuida-se, pois, de uma legitimidade extraordinária ou
anômala, que se ajusta à regra inscrita no art. 6º, do CPC”.
(Ação civil pública – curso de processo do trabalho: perguntas e
respostas sobre assuntos polêmicos em opúsculos específicos, São
Paulo: Ltr, n. 23, p. 17).
89
Jr.
72
refuta a aplicação de institutos ortodoxos do
processo civil aos direitos transindividuais, uma vez que
estes não comportam a ligação comumente feita entre a
legitimação para a causa como instituto relacionado com o
direito material individual a ser discutido em juízo,
apontando que:
“Na verdade o problema não deve ser entendido
segundo as regras de legitimação para a causa
com as inconvenientes vinculações com a
titularidade do direito material invocado em
juízo, mas sim à luz do que na Alemanha se
denomina de legitimação autônoma para a
condução do processo (selbständige
Prozefühungsbefugnis), instituto destinado a
fazer valer em juízo os direitos difusos,
sempre se tenha de recorrer aos mecanismos de
direito material para explicar referida
legitimação.”
Com efeito, o critério de que o direito se
utiliza para atribuir legitimidade para propositura de
ações coletivas, ao contrário do que acontece com as
ações individuais, não está baseado na titularidade do
direito material invocado, mas na possibilidade de o
autor coletivo se tornar o adequado portador dos
72 Princípio de processo civil na constituição federal, p. 111.
90
interesses da comunidade, isto é, a sua aptidão e
idoneidade social para ser considerado como o
representante adequado para a defesa judicial dos
direitos superindividuais.
73
Não há como atrelar o
titular do direito superindividual (uma comunidade ou uma
coletividade, na definição do art. 81, parágrafo único,
do CDC) e o legitimado processual a defendê-lo em juízo
por meio da ação coletiva (os co-legitimados nos art. 5º
da LACP e art. 82 do CDC).
Rodolfo de Camargo Mancuso
74
resume a
matéria, afirmando que:
“... temos que a legitimação para agir, nas
ações que visam a tutela de interesses
superindividuais, é de tipo ordinário,
porque: a) quando o indivíduo age per se, na
tutela de interesses gerais, ele também
defende interesse próprio, configurado na
‘cota-parte’ daqueles interesses, a qual lhe
pertence enquanto indivíduo, cidadão, eleitor
ou contribuinte; é o que se passa, grosso
modo, nas ações populares e nas class actions
do Direito norte-americano. Não importa que,
eventualmente, alguns integrantes da
categoria ou da coletividade não se
73 Cf. Rodolfo de Camargo Mancuso, Interesse difuso: conceito ...,
op. cit., p. 129 e ss.
74 Ibidem, p. 192.
91
interessem pela ação ou discordem de seu
objeto, porque aí não se trata de
litisconsórcio necessário
75
; o que releva é
que o civis exerce a liberdade pública
reconhecida uti singuli, de exigir uma
administração proba e eficaz e o respeito à
lei, conforme o caso; b) quando a tutela dos
interesses superindividuais é feita através
de grupos legalmente constituídos, a
legitimação também é ordinária, na medida em
que sustentam, em nome próprio, certas massas
de interesses (ex.: os dos consumidores),
para o que a lei os considerou idôneos”.
76
(Destaques do autor).
75 Nota de rodapé do autor: “Cf. VIGORITI: ‘È pacifico che il
consenso di tutti i membri della class non è necessário perché
si possa parlare di rappresentanza adeguata’. E exemplifica:
alguns negros podem aceitar escolas segregacionistas, mas eles
serão representados como uma classe na ação movida por aqueles
que não pensam assim (Interessi..., cit. p. 275, nota 36). Assim
pensa Stephen C. Yazell, na tradução de Márcio Flávio Magra
Leal: “Sob tais circunstâncias, o consentimento dos membros da
classe é não só desnecessário, como desejável, por ameaçar a
expor uma distância entre os comandos do direito substantivo e
os desejos da classe, que é forçada a uma posição de vantagem
substantiva putativa contra sua vontade”. (Ações coletivas...,
cit., p. 72-73 e nota 120).
76 Ainda nota do autor: “Cf. na Constituição Federal brasileira de
1988, o art. 5º, XXI: ‘As entidades associativas, quando
expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar
seus filiados judicial e extrajudicialmente’. Nesse sentido, o
art. 5º, II, da Lei da Ação Civil Pública – 7.347/85 –
outorgando legitimação à associação que ‘inclua, entre suas
finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao
consumidor, ao patrimônio estético, histórico, turístico e
paisagístico, ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo’
(com a redação dada pelo art. 111 da Lei 8.078/90). E assim
também o Código de Defesa do Consumidor, dando legitimação às
‘associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que
incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e
direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização
assemblear’ (art. 82, IV). Notar, nesses casos, como o critério
de legitimação aparece deslocado para a ‘idoneidade’ da
representação dos interesses (= ‘adequacy of representation’)”.
92
Especificamente quanto às ações coletivas
em defesa de direitos individuais homogêneos, a maioria
dos doutrinadores consideram caso clássico de
legitimidade extraordinária, ainda mesmo aqueles autores
que as reputam exemplo de legitimidade ordinária no caso
de ação coletiva em defesa de direitos superindividuais
(difuso e coletivo). Nesse sentido, é Nelson Nery Jr.,
ancorado em Ada Pellegrini Grinover, “a ação coletiva
para a defesa de direitos individuais homogêneos trata-se
de hipótese de substituição processual, porque a lei
legitimou outrem para a defesa em juízo, em nome próprio,
de direito alheio cujo titular é identificável e
individualizável”. (Código de Processo Civil comentado,
3ª ed., RT, p. 1395).
A princípio, concordamos com Antônio Gidi,
77
por não vislumbrar,
“... qualquer diferença ontológica ente as
ações coletivas que defendem direitos
superindividuais e aquelas propostas em
defesa de direitos individuais homogêneos. Em
ambos os casos há um titular (comunidade,
coletividade ou conjunto de vítimas, conforme
se trate de direito difuso, coletivo ou
77 Coisa julgada e litispendência em ações coletivas, p. 43.
93
individual homogêneo) e um outro legitimado
(LACP, art. 5º, e CDC, art. 82). A
divergência deriva do fato de que aqueles que
consideram a ação coletiva em defesa de
direitos individuais homogêneos como exemplo
de legitimidade extraordinária não vêem como
titular desse direito o conjunto de vítimas
indivisivelmente considerado, mas cada uma
das vítimas como titular do seu direito
individual.”
78
Esclarecedores são os ensinamentos de Ada
Pellegrini Grinover, quando afirma que:
“... na visão da doutrina estrangeira, a
partir de MAURO CAPELLETTI e ANDREA PROTO
PISANI, a própria condução coletiva de
interesses individuais homogêneos perante os
tribunais representa verdadeiro exercício de
interesse social. Ou seja, o interesse social
surge do fato de a controvérsia não ser
78 O autor acrescenta que: “Ainda assim, ad argumentandum tantum, a
ação coletiva em defesa de direitos individuais homogêneos não
poderia ser considerada como exemplo de legitimidade
extraordinária. Isso porque é regra da substituição processual,
e mesmo sua própria razão de ser, suprimir a possibilidade do
substituído ir novamente a juízo, dado que já foi atingido pela
autoridade da coisa julgada material. E isso, manifestamente,
não ocorre no caso da ação coletiva em defesa de direito
individual homogêneo, pois as vítimas poderão propor a sua ação
individual, independentemente da improcedência da ação coletiva
(isto, considerando as próprias vítimas como titulares dos
direitos individuais homogêneos, e não um grupo indivisivelmente
considerado, conforme o nosso pensamento) A menos que se
considere ser uma espécie anômola de substituição processual
(que, por sua vez, já é considerada uma legitimidade anômola)
secundum eventum litis, em que o substituído seria atingido
apenas pela coisa julgada da sentença favorável”.
94
tratada a título individual, de acordo com as
categorias processuais clássicas, mas ser
vista, no âmbito coletivo, não mais pela soma
de interesses individuais homogêneos, mas
frente a um feixe de interesse de massa. É
certo que cada interesse individual pode ter
solução no plano do processo clássico, por
intermédio de ações ou reclamações
trabalhistas. Não há dúvida. Nesse caso,
tratar-se-á inquestionavelmente de um
direito, mais ou menos disponível,
individual. Mas, na medida em que enfeixamos
esses direitos individuais como um todo,
conduzindo-os conjuntamente à solução
processual, estamos conferindo dimensão
política ao tratamento coletivo dos
interesses, que deixam, portanto, de
pertencer ao plano meramente individual, para
serem transportados ao plano social.”
79
É deste contexto que justifica, de per si,
a sua tutela coletiva, inclusive a legitimação do
Ministério Público para o ajuizamento da ação coletiva
devotada a tutela desses direitos individuais homogêneos,
coletivamente tratados.
79 Ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho: pedido,
efeitos da sentença e coisa julgada. Revista da Procuradoria
Regional do Trabalho da 2ª Região, nº 2, out./98, p 50.
95
1.2 A Legitimação Ativa
Pela integração entre a LACP e o CDC,
encontram-se legitimados a propor ação civil pública ou
coletiva de forma concorrente, disjuntiva e exclusiva os
entes nominados no art. 5º e 82 dos diplomas acima
mencionados, isto é: a) Ministério Público; b) União,
Estados, Municípios e Distrito Federal; c) autarquia,
empresa pública, fundação e sociedade de economia mista;
d) associação civil constituída, há pelo menos, um ano,
com finalidades institucionais compatíveis com a defesa
do interesse questionado; e) as entidades e órgãos da
administração pública, direta ou indireta, ainda que sem
personalidade jurídica, especificamente destinados à
defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC.
Encontram-se ainda legitimados os
sindicatos, por ter a mesma natureza das associações
civis (Constituição Federal, arts. 5º, LXX, b, 8º, III, e
232).
Pelo enfoque trabalhista que se pretende
adotar aqui, interessa-nos, por pertinente, a despeito da
existência de outros co-legitimados para a propositura da
ação civil pública ou coletiva, centrar nossa atenção na
96
legitimidade do Ministério Público do Trabalho e das
entidades sindicais.
Especial atenção merece a atuação do
parquet, por encontrar mais aparelhado e, por isso mesmo,
o ente mais atuante nas questões dos direitos
metaindividuais, ocupando, quase sempre, o espaço
destinado às entidades sindicais que, diante da inaptidão
decorrente do próprio modelo sindical vigente no país,
muitas vezes não assumem seu papel no seio da sociedade
e, em especial, da própria defesa dos interesses de seus
representados.
1.2.1 Ministério Público do Trabalho
A legitimação do Ministério Público
guarda certa controvérsia na doutrina quando visa a
tutelar os chamados direitos metaindividuais,
especialmente quanto aos interesses individuais
homogêneos e coletivos.
Há autores que conferem ao parquet
legitimação ampla
80
para a tutela de quaisquer dos
80 Cf. neste sentido os escólios de Nery Jr em vários ensaios, v.
g., o artigo intitulado Ação Civil Pública no Processo do
Trabalho. In: Édis Milaré. (Coord.). Ação Civil Pública. Lei
7.347/85 – 15 anos.
97
interesses transindividuais (sejam difusos, coletivos ou
individuais homogêneos); outros limitam-se à atuação do
Ministério Público à defesa dos interesses difusos e
coletivos
81
, argumentando que os individuais homogêneos
não teriam sido disciplinados pelo art. 129, III, da
Constituição Federal, onde algumas de suas funções
institucionais se acham elencadas; há quem reconheça a
legitimidade também para os chamados interesses
individuais homogêneos, com algumas restrições, v. g.,
quando forem indisponíveis
82
; e, finalmente, há ainda
aqueles que fazem restrições à própria defesa dos
interesses coletivos, propugnando pela necessidade de
comunhão entre o interesse coletivo lesado ou ameaçado de
lesão e a função institucional do Ministério Público,
assim como ocorre nos casos de defesa de interesses
individuais homogêneos.
José Marcelo Menezes Vigliar resume a
legitimação do Ministério Público da seguinte forma:
“está sempre legitimado para a defesa de
quaisquer interesses difusos, inclusive o
81 Cf. nesse sentido Édis Milaré (Ação Civil Pública. Lei 7.347/85
– 10 anos. Op. cit., p. 438 e ss.).
82 Corrente doutrinária defendida dentre outros por Kazuo Watanabe
(Código .... op. cit., p. 511), Rodolfo de Camargo Mancuso
(Ação civil..., op. cit. p. 100) e Manoel Jorge e Silva Neto
(Proteção constitucional... op. cit., p. 40 e ss.).
98
patrimônio público e a moralidade
administrativa; b) para a caracterização de
sua legitimidade na defesa, em juízo, dos
interesses coletivos e individuais
homogêneos, há que se analisar se há harmonia
entre esses interesses considerados no caso
concreto e a destinação institucional do
Ministério Público; c) estará sempre
legitimado para a defesa dos interesses
individuais indisponíveis, embora não o
fazendo mediante a ação coletiva.”
83
Para adotar qualquer uma das correntes
acima mencionadas, impõe-se uma necessária explanação
sobre o chamado processo coletivo e bem assim uma rápida
menção aos interesses metaindividuais, especialmente os
individuais homogêneos.
Conforme já assentado, o Código de
Defesa do Consumidor emprestou definição legal aos
chamados direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos, no parágrafo único do art. 81, com traslado
autorizado para o âmbito da ação civil pública, consoante
dispõe o art. 117.
Especificamente quanto aos direitos
individuais homogêneos, o parágrafo único, inciso III, do
83 Tutela .... op. cit., p. 77.
99
art. 81 do CDC, diz que a defesa coletiva será exercida
quando se tratar de “interesses ou direitos individuais
homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem
comum”.
Ada Pellegrini Grinover, co-autora do
anteprojeto do CDC, elucida que:
“Agora, com o inc. III do art. 81 do CDC,
complementado pelos arts. 91/100 do mesmo
diploma, o ordenamento pátrio abre-se para o
tratamento coletivo de direitos subjetivos
individuais, que podem ser definidos
isoladamente, segundo a linha clássica, mas
que também podem ser agrupados em demandas
coletivas, dada sua homogeneidade. É a
transposição para o direito brasileiro, das
‘class actions for demages’ ou dos ‘mass tor
cases’ do sistema do ‘common law’”.
84
Portanto, o fato da circunstância dos
direitos sociais garantidos constitucionalmente aos
trabalhadores derivar de origem comum, o que lhes confere
uniformidade, permite ou recomenda seu enquadramento como
individual homogêneo. Nesta parte, acentua Rodolfo de
84 Cf. Parecer sobre ação civil pública ajuizada pelo Ministério
Público Federal. Processo em evolução, Forense, p. 461-2.
100
Camargo Mancuso que, no caso dos direitos individuais
homogêneos:
“o processo coletivo é colocado como um
alvitre técnico, posto pelo legislador, ao
pressuposto de que a homoge-neidade
apresentada por esses interesses e
determinada por sua origem comum, justifica
ou já recomenda o trato processual coletivo,
em virtude de ponderosas razões de política
judiciária, e, principalmente, presente o
direito subjetivo público a uma resposta
judiciária de boa qualidade, a saber:
jurídica, motivada, equânime, prestada em
tempo razoável, ou, numa palavra, o
adimplemento estatal ao direito de todo o
brasileiro a uma ordem justa e jurídica.”
85
A ação coletiva para defesa destes
chamados direitos individuais homogêneos, tem o seu
procedimento regulado pelo CDC nos seus artigos 91 e
seguintes, aplicando-se no que couber o Título III, do
mesmo Código, bem como a LACP e a própria CLT, esta, em
se tratando de matéria trabalhista, afeta à Justiça
Especializada.
85 Ação civil pública trabalhista – análise de alguns pontos
controvertidos, Rev. LTr, v. 60, p. 1.184.
101
Com efeito, ressentindo a CLT de
normas processuais disciplinando a espécie, obrigatório
que se recorra às fontes subsidiárias, conforme autoriza
o art. 8º, parágrafo único, c/c art. 769, ambos da
Consolidação das Leis do Trabalho.
Frise-se que há uma
interdisciplinariedade expressamente determinada pelo
legislador entre a LACP e o CDC de forma recíproca,
formando um único corpo normativo, justificando-se essa
interação dos sistemas da Lei da ão Civil Pública e do
Código de Defesa do Consumidor, por expressa disposição
do art. 21 da Lei 7.347/85 (LACP) e art. 90 da Lei nº
8.078/90 (CDC).
Diz o art. 90 do CDC que se aplicam às
ações previstas neste Título as normas da LACP.
Por outro lado, dispõe o art. 117 da
Lei 8.078/90 (CDC), ipsis litteris:
Art. 117 – Acrescente-se à Lei nº 7.347 de 24 de
julho de 1985, o seguinte dispositivo, renumerando-
se os seguintes:
Art. 21 – Aplicam-se à defesa dos direitos e
interesses difusos, coletivos e individuais, no que
for aplicável, os dispositivos do Título III da Lei
que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.
102
Nelson Nery Jr. é conclusivo, ao
afirmar que “Há, por assim dizer, uma perfeita interação
entre os sistemas do CDC e da LACP, que se completam e
podem ser aplicados indistintamente às ações que versem
sobre direitos ou interesses difusos, coletivos e
individuais homogêneos” e complementa “a integração dos
sistemas do CDC e da LACP proporciona um alargamento das
hipóteses de ação civil pública tratadas na Lei nº
7.347/85, por tudo vantajoso na tutela jurisdicional dos
interesses e direitos difusos e coletivos.”
86
Com efeito, o Título III do Código de
Defesa do Consumidor compreende os artigos 81 a 104 da
Lei nº 8.078/90, em que se insere o Parágrafo Único,
inciso III, do art. 81, já citado, que determina
expressis verbis: “A defesa coletiva será exercida quando
se tratar de interesses ou direitos individuais
homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem
comum”.
Assim, temos que o Ministério Público
se encontra perfeitamente legitimado para a tutela de
todos os interesses ou direitos, sejam difusos, coletivos
86 Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do
anteprojeto, p. 811.
103
ou individuais homogêneos, este, com expressa legitimação
proporcionada pelo art. 82 da Lei nº 8.078/90, que
assegurou ao Ministério Público propor, em nome próprio,
ação coletiva de responsabilidade pelos danos
individualmente sofridos pelos substituídos.
Conforme já ressaltado, é matéria
pacífica entre os doutrinadores que a Lei nº 7.345/85 tem
natureza nitidamente processual, ou, como afiançou Hely
Lopes Meirelles “é unicamente adjetiva, de caráter
processual pelo que, a ação e a condenação deve fundar-se
em disposição de alguma norma substantiva (da União, dos
Estados ou Municípios) que tipifique a infração a ser
reconhecida ou punida pelo judiciário”.
87
Tratando-se,
pois, o Título III do Código de Defesa do Consumidor, que
compreende os artigos 81 a 104 da Lei nº 8.078/90, também
de lei adjetiva que se limitou a disciplinar o
procedimento da ação coletiva em comento, nenhuma
incompatibilidade existe entre alas.
Como acentua o Ministro Demócrito
Reinaldo, do colendo Superior Tribunal de Justiça, no
voto proferido nos autos do REsp nº 49.272-6/RS, “É
87 Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública ..., p.
120.
104
princípio de hermenêutica o de que, ‘quando uma lei faz
remissão a dispositivos de outra lei de mesma hierarquia
estes se integram na compreensão daquela, passando a
constituir parte integrante do seu contexto’. Assim, o
art. 117 da Lei nº 8.078/90, ao acrescentar, à Lei nº
7.347/85, o artigo 21, nada mais fez do que criar outras
hipóteses de cabimento da Ação Civil Pública e, dentre
elas, a que legitima o M. Público a defender (por
intermediação da ação coletiva), ‘os interesses ou
direitos individuais homogêneos, assim entendidos os
decorrentes de origem comum”.
O Título III da Lei nº 8.078/90,
integrada à Lei nº 7.345/85, abrange, como já se afirmou
alhures, os artigos 81 a 104. Esses dispositivos – em
grande parte, também, de índole processual – definem as
hipóteses em que a defesa poderá ser feita a título
coletivo (art. 81, parágrafo único e incisos), legitimam
o Ministério Público para promover as ações coletivas de
qualquer natureza (artigos 82 e 83), estabelecem algumas
regras processuais (artigos 84, 87, 88, 90, 94 e 99/97),
instituem, nas ações coletivas, a substituição processual
(artigo 91), traçam regras de competência e de execução
da sentença (artigos 93, 97 e 100) e delimitam o alcance
da coisa julgada (artigos 103 e 104).
105
Nesta perspectiva, não há como afastar
o Órgão Ministerial na tutela dos direitos e interesses
individuais homogêneos, em face de previsão legal
expressamente autorizá-lo.
É certo que a Constituição Federal, em
seu art. 129, III, legitima o Ministério Público para a
propositura da ação civil pública, não incluindo
expressamente os chamados direitos individuais
homogêneos.
Sob esta ótica, Ada Pellegrini
Grinover é incisiva, ao aduzir que:
“Em primeiro lugar cumpre notar que a
Constituição de 1988, anterior ao CDC,
evidentemente não poderia aludir, no art.
129, III, à categoria dos direitos
individuais homogêneos, que só viria a ser
criada pelo Código. Mas na dicção
constitucional, a ser tomada em sentido
amplo, segundo as regras de interpretação
extensiva (quando o legislador diz menos de
quanto quis), enquadra-se comodamente a
categoria dos interesses individuais, quando
coletivamente tratados. Em segundo lugar, a
doutrina, internacional e nacional, já deixou
claro que a tutela de direitos
transindividuais não significa propriamente
defesa de interesse público, nem de
interesses privados, pois os interesses
106
privados são vistos e tratados na sua
dimensão social e coletiva, sendo de grande
importância política a solução jurisdicional
de conflitos de massa.”
88
Acrescente-se que o art. 129, IX,
autoriza a lei federal a atribuir outras funções ao
Ministério Público, desde que compatível com seu perfil
institucional. Já o art. 127
89
da mesma Lei Fundamental,
acima mencionado, diz competir ao Ministério Público a
defesa dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
Especificamente, quanto ao Ministério
Público do Trabalho, o art. 83, III, da Lei Complementar
nº 75/93 o legitimou para a propositura da ação coletiva
ao dispor, entre outras atribuições, que lhe incumbe
“propor ação civil pública no âmbito da Justiça do
88 Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do
anteprojeto, p. 675-6.
89 Teori Albino Zavascki, em artigo publicado na Revista Trimestral
de Direito Público nº 7, p. 148-158, sob o título Ministério
Público e Defesa dos Direitos Individuais Homogêneos, conclui
que “O art. 127 da CF, que atribui ao Ministério Público a
incumbência de promover a defesa dos interesses sociais, é
preceito de eficácia plena, que confere inclusive legitimação
para demandar em juízo” acrescentando que “A identificação
destes interesses sociais compete tanto ao legislador (como
ocorreu, v. g., nas Leis 8.078/90, 7.913/89 e 6.024/74), como ao
próprio Ministério Público, caso a caso, mediante o
preenchimento valorativo do conceito, decorrente da
interpretação de atos, fatos e normas jurídicas, e à luz dos
valores e princípios consagrados no sistema jurídico, tudo
sujeito ao crivo do Poder Judiciário, a quem caberá a palavra
final sobre a adequada legitimação”.
107
Trabalho, para a defesa de interesses coletivos, quando
desrespei-tados os direitos sociais constitucionalmente
garantidos”.
Verifica-se que o preceito legal
utilizou a expressão “interesses coletivos” em sentido
amplo, abrangendo tanto os interesses coletivos em
sentido estrito quanto os difusos e os individuais
homogêneos, uma vez que não se pode restringir a
legitimidade que lhe foi amplamente concedida pelo art.
129, III, da Carta Magna, sem qualquer discriminação
entre os diversos ramos do Parquet.
Para Mancuso, “é recomendável uma
linha exegética mais generosa no tocante à legitimação
para agir (‘benigna amplianda, odiosa restringenda’), até
para se preservar a desejável harmonia com as diretrizes
constitucionais do amplo acesso à justiça, da ordem
jurídica justa, e da democracia participativa, tríade
que, no âmbito dos interesses metaindividuais, se resolve
no exercício da legitimação ativa, em modo concorrente-
disjuntivo.”
90
90 Ação civil pública trabalhista – análise de alguns pontos
controvertidos, Rev. LTr, v. 60, p. 1.189.
108
O art. 6º, VII, alínea “d”, da Lei
Complementar nº 75/93, que, ao disciplinar os
instrumentos de atuação do Ministério Público da União,
em todos os seus ramos, é taxativo ao indicar a ação
civil pública para a defesa de “outros interesses
individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e
coletivos”.
Em arrimo a esta tese, Nelson Nery Jr,
quando questiona se a legitimidade para a defesa dos
direitos individuais homogêneos, dada pelo art. 82 do CDC
ao Ministério Público, atende ao perfil constitucional e
institucional do parquet, é elucidativo ao afirmar que:
“O CDC 1º fala que as suas normas são de
ordem pública e de interesse social. Não
palavras inúteis na lei. Os defensores da
primeira corrente argumentam apenas com a
expressão ‘individuais indisponíveis’,
constante da CF 127 caput, olvidando-se,
outrossim, daqueloutra expressão ‘interesses
sociais’, que o mesmo texto constitucional
comete ao MP. Com efeito, o CDC 82 I, que
confere ao MP legitimidade para defender
aqueles direitos em juízo, é norma de
interesse social. Como cabe ao MP a defesa do
interesse social, a norma do CDC,
autorizadora dessa legitimação, encontra-se
em perfeita consonância com o texto
constitucional. De outra parte, não é demais
109
mencionar que o ajuizamento de ação coletiva
já configura questão de interesse social,
pois com ele evita-se a proliferação de
demandas, prestigiando-se a atividade
jurisdicional e evitando-se decisões
conflitantes. Portanto, independentemente da
natureza do direito envolvido na ação
coletiva (se difusa, coletiva ou individual
homogênea), ela mesma é circunstância
caracterizadora do interesse social, que cabe
ao MP defender. O interesse social, que a CF
127 caput manda o MP defender, no caso de a
ação ser coletiva, está in re ipsa.”
91
É legítima e constitucional, portanto,
a legitimação que o art. 82, I, do CDC, confere ao
Ministério Público para promover a ação coletiva, ainda
que na defesa de interesses individuais disponíveis,
tendo em vista apenas o interesse social
constitucionalmente garantido tratado em sua dimensão
coletiva.
Segundo o escólio de Dárcio Guimarães
de Andrade, não há que se falar em ilegitimidade do
Ministério Público para propor Ação Civil Pública, sendo
que, no caso específico da área trabalhista, este estará
91 Ação Civil Pública no Processo do Trabalho. In: Édis Milaré.
(Coord.). Ação Civil Pública. Lei 7.347/85 – 15 anos, p. 572.
110
legitimado “toda vez que os direitos sociais dos
trabalhadores, constitucionalmente previstos, forem
lesados ou ameaçados”.
92
Nesse passo, Teori Albino Zavascki
esclarece que:
“‘interesse público’, como consta do Código
de Processo Civil e ‘interesses sociais’, na
dicção constitucional, são expressões com
significado substancialmente equivalente.
Poder-se-ia, genericamente, defini-los como
‘interesse cuja tutela, no âmbito de um
determinado ordenamento jurídico é julgada
como oportuna para o progresso material e
moral da sociedade’, como fez J. J. Calmon de
Passos, referindo-se a interesses públicos.
Relacionam-se, assim, com situações, fatos,
atos, bens e valores que, de alguma forma,
concorrem para preservar a organização e o
funcionamento da comunidade jurídica e
politicamente considerada, ou para atender
suas necessidades de bem-estar e
desenvolvimento.”
93
A Súmula de entendimento nº 15, do
Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo,
92 Ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, Revista
LTr, v. 63, outubro/99, p. 1327.
93 Ministério Público e Defesa dos Direitos Individuais Homogêneos,
Revista Trimestral de Direito Público nº 7, p. 148-158.
111
preceitua que: “O meio ambiente do trabalho também pode
envolver a defesa de interesses difusos, coletivos ou
individuais homogêneos, estando o Ministério Público, em
tese, legitimado à sua defesa”.
A confirmar a tese por nós adotada,
elucidativa é a jurisprudência do Egrégio Tribunal
Regional do Trabalho de Santa Catarina, cujo teor da
ementa transcreve-se:
AÇÃO CIVIL COLETIVA. NATUREZA. DEFESA DE DIREITOS E
INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PARA AJUIZÁ-LA.
NECESSIDADE DE UMA INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E
TELEOLÓGICA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS E
INFRACONSTITUCIONAIS QUE REGULAM A MATÉRIA. Nos
últimos quinze anos, o Brasil conheceu importantes
inovações legislativas a respeito dos chamados
direitos e interesses difusos e coletivos e dos
mecanismos de tutela coletiva desses direitos,
destacando-se a Lei nº 7.347, de 24 de julho de
1985, que disciplina a conhecida ação civil
pública, a e a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de
1990, que instituiu o Código de Defesa do
Consumidor. Este, entre outras novidades,
introduziu um importante mecanismo de defesa
coletiva para direitos individuais homogêneos: a
ação civil coletiva (arts. 91 a 100).
São características dessa última categoria de
direitos ou interesses a possibilidade de perfeita
identificação do sujeito, assim como da relação
dele com o objeto do seu direito, sendo que a
112
ligação com os demais sujeitos decorre da
circunstância de serem todos titulares individuais
de direitos com ‘origem comum’ e são divisíveis,
pois podem ser lesados e satisfeitos de forma
diferenciada e individualizada, satisfazendo ou
lesando um ou alguns titulares sem afetar os
demais. Portanto, por serem individuais e
divisíveis, fazem parte do patrimônio individual do
seu titular e, por isso, são passíveis de
transmissão por ato inter vivos ou mortis causa e,
regra geral, suscetíveis de renúncia e transação.
Quanto à sua defesa em juízo, geralmente, são
defendidos pelo próprio sujeito detentor do direito
material, sendo que a defesa por terceiros será sob
a forma de representação ou, quando houver previsão
legal, sob a forma de substituição processual.
Assim sendo, no que concerne à legitimidade do
parquet laboral para a propositura da ação civil
coletiva, mostra-se mais coerente com o direito
hodierno o entendimento de que o artigo 83, inciso
III, da Lei Complementar nº 75/93, ao dispor, entre
outras atribuições, que é incumbência do Ministério
Público do Trabalho ‘propor ação civil pública no
âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de
interesses coletivos, quando desrespeitados os
direitos sociais constitucionalmente garantidos’
(grifei), utilizou a expressão ‘interesses
coletivos’ na acepção lato, abrangendo, outrossim,
tanto os interesses coletivos strito sensu, quanto
os difusos e os individuais homogêneos, uma vez não
se pode restringir a legitimidade que foi
amplamente concedida pelo art. 129, inciso II, do
Texto Ápice, sem qualquer discriminação entre os
diversos ramos do Parquet.
113
À mesma conclusão chega-se após o exame do art. 6
º
,
inciso VII, alínea ‘d’, da Lei Complementar nº
75/93, que, ao disciplinar os instrumentos de
atuação do Ministério Público da União, em todos os
seus ramos, aponta a ação civil pública para a
defesa de ‘outros interesses individuais
indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e
coletivos’.
Ademais, não há olvidar que, após a promulgação da
Lex Fundamentalis de 1988, o Ministério Público foi
guinado à ‘instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais
indisponíveis’. Vale dizer, portanto, que, ao
tutelar os direitos elencados ao trabalhador no
art. 7º da Constituição Federal vigente, ele atua,
sem dúvida alguma, na defesa dos direitos sociais
e, por conseguinte, também na defesa dos direitos e
garantias fundamentais conferidos aos cidadãos, bem
assim na concretização dos objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil previstos no art.
3º.
94
(Destaques no original).
Dessarte, o Ministério Público tem
legitimidade ampla para a defesa dos direitos
metaindividuais, sejam eles de coloração difusa, coletiva
ou individual homogênea.
94 TRT-SC-RO-5786/97; Rel. Juiz Dilnei Ângelo Biléssimo; julgado em
30.03.98, DJSC 23.04.98.
114
Francisco Antônio de Oliveira, no
particular, reconhece que:
“Pode-se, pois, afirmar que o Ministério
Público do Trabalho está legitimado para
promover a abertura de inquérito civil, bem
assim ajuizar ação civil pública para a
defesa de interesses difusos, coletivos,
individuais homogêneos, desde que ligados de
alguma forma ao Direito do Trabalho, v. g., a
defesa do meio ambiente envolvendo empregados
e empregadores; trabalhadores deficientes;
depósito de fundo de garantia por tempo de
serviço, cuja ausência reflete diretamente na
falta de moradia para os trabalhadores de
baixa renda; preconceito racial na
contratação de negros, amarelos, mulheres;
diferenças isonômicas entre trabalhadores de
sexos diversos etc.”
95
Entre aqueles que se ocuparam da
matéria na órbita trabalhista, podemos citar as sempre
abalizadas ponderações do Professor Manoel Antônio
Teixeira Filho
96
no sentido de que: “Entrementes, se
examinarmos a matéria sob a perspectiva institucional,
que nos parece ser a recomendável, não teremos
95 Ação civil pública: enfoques trabalhistas, p. 220-1.
96 Ação civil pública – curso de processo do trabalho: perguntas e
respostas sobre assuntos polêmicos em opúsculos específicos, nº
23, p. 19.
115
dificuldade em concluir que o Ministério Público do
Trabalho detém legitimidade para ajuizar ação civil
pública também com o objetivo de promover a defesa de
interesses ou direitos individuais homogêneos” e conclui:
“Entendemos, portanto, que o Ministério
Público do Trabalho detém legitimidade para
exercer ação civil pública devotada à defesa
de interesses e direitos: a) difusos; b)
coletivos; c) individuais homogêneos. Devemos
reiterar a nossa advertência quanto à
possibilidade de estes últimos, a despeito de
serem individuais, assumirem, no seu
conjunto, feição coletiva, cuja violação
poderá acarretar graves perturbações à ordem
jurídica estabelecida (Constituição Federal,
art. 127). De qualquer forma, o precitado
dispositivo constitucional atribui ao
Ministério Público, também, a incumbência de
empreender a defesa dos interesses
individuais”. (Destaques do autor).
Exemplifiquemos algumas hipóteses de
direitos individuais homogêneos, em que o parquet
encontra-se legitimado para ajuizar ação, como a tendente
a compelir determinada empresa a proceder ao recolhimento
dos depósitos fundiários de todos os seus empregados,
direito este individual homogêneo que não difere, em sua
gênese, da obrigação da empregadora, v. g., em pagar os
salários dos empregados no prazo legal (art. 459 da CLT),
116
bem como pagar o abono de férias antes do seu gozo, como
determina o direito material do trabalho no art. 143 da
CLT.
A ausência de pagamento ou mesmo o
pagamento levado a termo intempestivamente, impede que as
férias cumpram com as suas finalidades sociais, haja
vista que o obreiro não disporá de condições econômicas
para o descanso, seja físico, seja psicológico, tampouco
poderá incrementar o convívio social.
Havendo transgressões simultâneas, não
raro os interesses individuais homogêneos adquirem
conotação coletiva, restando frisar que somente os
direitos individuais não-homogêneos não encontram
supedâneo tutelar em ação coletiva. Daí, a afirmativa de
Antônio Gidi, no sentido de que:
“não é de ser excluída, a priori, a
possibilidade de o Ministério Público propor
uma ação coletiva em defesa de direitos
individuais homogêneos com o argumento
falacioso de que a proteção ao direito
patrimonial individual disponível não pode
ser de interesse social. Isso porque, como
vimos, os direitos individuais homogêneos
globalmente considerados são indisponíveis
pelo grupo de vítimas. Disponível é, apenas,
cada um dos direitos isolada e
117
individualmente considerados, por parte de
seu titular individual, e não os direitos
individuais homo-gêneos como um todo
(coletivamente considerados).”
97
A tutela dos direitos individuais
homogêneos pelo Ministério Público encontra especial
fundamento, por ser “deduzida no interesse público em
obter-se sentença única, homogênea, com eficácia erga
omnes da coisa julgada (CDC, art. 103, III), evitando
decisões conflitantes.”
98
Frise-se que, em caso de procedência
do pedido, a condenação será genérica
99
, fixando-se a
responsabilidade do réu pelos danos causados, consoante
determina o art. 95 do CDC. Os objetivos perseguidos são
visualizados não propriamente pela ótica individual e
pessoal de cada prejudicado, e sim, pela perspectiva
97 Coisa julgada e litispendência em ações coletivas, p. 50.
98 Nelson Nery Jr. Código..., op. cit. nota 11 ao art. 81 do CPC.
99 Condenação “genérica” (sem quantificar e especificar os direitos
particularmente considerados) “fixando a responsabilidade dos
réus pelos danos causados” (e não os direitos específicos e
individuais de cada empregado). Caberá aos próprios empregados
dos direitos lesados, depois, promover e liquidação e execução
do direito eventualmente sofrido e reconhecido no título
executivo judicial (art. 97). Haverá, portanto, em tema de
legitimação, substancial alteração de natureza por ocasião da
execução da sentença, já que para esta, será indispensável a
iniciativa do próprio titular do direito. Mesmo quando proposta
em forma coletiva (art. 98), a execução, nestes casos, deverá se
dar em litisconsórcio ativo. Já que, aqui sim, busca satisfazer
direitos individualmente considerados, direitos estes
disponíveis e, mesmo, passíveis de renúncia ou perda (art. 100).
118
global, coletiva e impessoal, já que tratados em dimensão
coletivamente.
Comentando o referido artigo, Ada
Pellegrini Grinover assevera que:
“Isso significa, no campo do direito
processual, que, antes das liquidações e
execuções individuais, o bem jurídico objeto
de tutela ainda é tratado de forma
indivisível, aplicando-se a toda a
coletividade, de maneira uniforme, a sentença
de procedência ou improcedência. E
representa, no campo do direito material, um
novo enfoque da responsabilidade civil, que
foi apontado como revolucionário e que pode
levar a uma considerável ampliação dos
poderes do juiz, não mais limitado à
reparação do dano sofrido pelo autor, mas
investido de poderes para perquirir do
prejuízo provocado.”
100
E adverte a renomada processualista,
co-autora do anteprojeto do Código:
“O fato de a condenação ser genérica não
significa que a sentença não seja certa, ou
precisa. A certeza é condição essencial do
julgamento, devendo o comando da sentença
100 Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do
anteprojeto, p. 687-8.
119
estabelecer claramente os direitos e
obrigações, de modo que seja possível
executá-la” acrescentando: “E essa certeza é
respeitada, na medida em que a sentença
condenatória estabelece a obrigação de
indenizar pelos danos causados, ficando os
destinatários e a extensão da reparação a
serem apuradas em liquidação de sentença.”
101
(Destaques do original).
Nesse passo, o art. 97 do CDC dispõe
que a liquidação e a execução da sentença se dará por
iniciativa dos interessados ou sucessores e pelos
legitimados de que trata o art. 82, dentre eles o próprio
Ministério Público.
O enfoque é de Ives Gandra Martins
Filho: “Quanto à indenização paga diretamente ao lesado,
em caso de ação ajuizada em defesa de interesses
coletivos ou individuais homogêneos, esta é possível em
face dos dispositivos processuais do Código de Defesa do
Consumidor, aos quais a lei da ação civil pública remete
(Lei nº 7.347/85, art. 21)”.
102
101 Ibidem.
102 A defesa dos interesses coletivos pelo Ministério Público do
Trabalho. In: Rev. LTr, v. 56, p. 1.434.
120
Temos que a atuação do parquet na
defesa dos direitos metaindividuais, principalmente
quanto aos direitos individuais homogêneos, em face das
possibilidades que lhe oferta o Código de Defesa do
Consumidor em termos de instrumentos processuais, não
pode ser ceifada pelo Judiciário, mormente quando os
referidos instrumentos processuais reduzem o número de
ações trabalhistas, mediante a concentração delas em
ações coletivas, cuja decisão abrangerá todos os
trabalhadores lesados pela prática empresarial ilegal.
Como afirma Vincenzo Vigoritti
103
, a
dimensão coletiva dos interesses é um fenômeno que não
diz respeito somente à estrutura do processo, mas impõe
um repensar do próprio papel do juiz e adaptação desse a
um modo diferente de julgar.
Ressalte-se que esta nova modalidade
de ação coletiva tem justificável e especial fundamento
na Justiça do Trabalho, quando se verifica que, no curso
do contrato de trabalho, o empregado dificilmente tem o
seu direito violado garantido judicialmente, em face da
omissão em buscar a prestação jurisdicional do Estado,
103 Interessi Collettivi e Processo, p. 234.
121
com temor de represália de seu empregador, que,
invariavelmente, o dispensa de forma arbitrária, como
forma de puni-lo pela busca de seu direito social,
garantido constitucionalmente.
Não se trata, é bom que se diga, de o
Ministério Público exercer o munus que a lei conferiu ao
advogado, mesmo porque aí haveria indesejada usurpação da
nobre atividade essencial à administração da justiça que,
em última análise restaria relegada à obsolescência,
visto que, somente por excentricidade, os titulares de
direitos lesionados constituiriam um advogado, já que
teria a tutelar seus interesses, gratuitamente, uma
instituição do porte moral e intelectual ímpar como é o
parquet, por seus membros.
É elementar que pensar dessa forma é
refutar, pura e simplesmente, a filosofia seguida pelo
legislador no trato dos interesses metaindividuais, não
compreendendo que a tutela possível nestes casos é a
coletiva, envolvendo interesses maiores da sociedade,
inclusive em se tratando dos interesses individuais
homogêneos, porque tratados coletivamente.
Advirta-se, no entanto, que a esta
ampla legitimidade conferida ao Ministério Público impõe-
122
lhe, em contrapartida, redobrado censo de
responsabilidade, a fim de avaliar a necessidade,
possibilidade e, em especial, a adequação na eleição da
ação civil pública ou coletiva, especialmente em se
tratando de direitos individuais homogêneos, quando
distorções podem ser notadas com maior freqüência.
1.2.2 Entidades Sindicais
É a própria Constituição Federal que,
em seu § 1º do art. 129, dispõe que “a legitimação do
Ministério Público para as ações civis previstas neste
artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses,
segundo o disposto nesta Constituição e a lei”.
Nesse contexto, sabemos que a função
institucional, por excelência, dos sindicatos é a defesa
de interesses coletivos de trabalho, com repercussão na
órbita individual de cada membro da categoria e, de
maneira reflexa, a própria defesa dos interesses
individuais dos membros da categoria.
Vimos que o interesse coletivo
pressupõe um ente organizado e o sindicato sintetiza
grupo social suficientemente forte e definido para
proteger esses direitos, tanto que o legislador da
123
Consolidação foi o pioneiro na adaptação da regra da
legitimação ad causam, de forma a viabilizar a apreciação
judicial de pretensões coletivas. Vimos, ainda, que a
atuação sindical (ou de qualquer outro co-legitimado) em
sede de ação coletiva faz-se mediante a legitimação
ordinária, visto que somente ao ente foi permitido
manejar a ação coletiva, excluindo-se os próprios
titulares do direito material, que somente poderão atuar
individualmente, no caso, também, mediante legitimação
ordinária.
Com efeito, na defesa dos direitos
coletivos o sindicato age como titular do direito de
ação, tendo o direito material como ente exponencial da
categoria, logo, nessas hipóteses, é detentor de
legitimidade ordinária. No tocante à defesa dos
interesses ou direitos individuais dos membros da
categoria, o sindicato não é titular do direito material
a ser defendido, mas, por expressa disposição legal,
poderá adquirir legitimidade extraordinária para o
exercício da defesa coletiva de direitos individuais.
Assim, os sindicatos, cuja natureza
jurídica é de pessoa jurídica de direito privado, possuem
legitimação ordinária para defesa dos interesses ou
direitos difusos e coletivos e, a extraordinária, para a
124
condução do processo em se tratando de ações necessárias
para a tutela dos direitos individuais homogêneos de
natureza trabalhista.
A legitimação extraordinária já era
prevista na CLT aos sindicatos, no que pertine às ações
de cumprimento (art. 872/CLT) e de reconhecimento de
condições adversas no local de trabalho (art. 192/CLT),
bem como na lei nº 7.238/84, relativa a cobranças de
reajustes salariais. Hodiernamente, a Constituição
Federal conferiu ampla legitimação extraordinária aos
sindicados (art. 8º, III), bem assim às associações (art.
5º, XXI e LXX, b), aos partidos políticos (art. 5º, LXX,
a) e às Confederações Sindicais (art. 103, IX).
De ressaltar que a alusão às
“associações”, contida no inciso IV do art. 82 do CDC,
abrange as entidades sindicais, devendo, no entanto, ser
observados os requisitos previstos na lei, quais sejam:
a) estejam legalmente constituídos há pelo menos um ano e
b) incluam entre seus fins a defesa de um dos direitos de
natureza difusa, coletiva ou individual homogênea. O
primeiro requisito poderá ser dispensado em condições
especiais, quando houver manifesto interesse social
evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou
pela relevância do bem jurídico a ser protegido (CDC,
art. 82, § 1º).
125
Mazzilli
104
diz que “Em tese, o
sindicato pode defender interesses metaindividuais não só
em matérias diretamente ligadas à relação trabalhista,
como em questões relativas ao meio ambiente do trabalho
ou à condição de consumidores de seus associados, ou
ainda em outras hipóteses de interesse da categoria,
desde que haja autorização dos estatutos ou de
assembléia”.
105
As associações, aí incluindo-se os
sindicatos, têm poder de agir em nome do interesse difuso
que elas representam, desde que seja respeitado o
princípio da especialidade, isto é, a pertinência
temática entre o objeto da ação e os fins estatutários da
associação; bem como seja demonstrado que o interesse
difuso ou coletivo a ser tutelado se situa dentro dos
limites de sua atuação, de sorte a não se confundir com
interesses coletivos diversos ou com o interesse geral,
104 A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 152.
105 Cf. as várias possibilidades de atuação dos sindicatos na
defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos
na esfera civil, incluindo os direitos dos consumidores, na obra
do Professor Celso Antônio Pacheco Fiorillo sob o título Os
sindicatos e a defesa dos interesses difusos no direito
processual civil brasileiro (São Paulo: RT, 1995 – Coleção
estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman, v. 31).
126
cuja tutela incumbe a outros entes ou mesmo ao Ministério
Público.
106
Dispõe o art. 5º, XXI, da Constituição
Federal, que “as entidades associativas, quando
expressamente autorizadas, têm legitimidade para
representar seus filiados judicial ou
extrajudicialmente”, ao passo que o art. 8º, III afirma
caber ao sindicato a defesa dos direitos e interesses
coletivos ou individuais da categoria, inclusive em
questões judiciais ou administrativas.
107
O Professor Amauri Mascaro Nascimento,
a respeito da inovação constitucional, já lecionava:
106 Segundo pontifica o professor Nelson Nery Jr., “Isto quer
dizer que a associação e o sindicato podem defender o direito
básico na área de sua atuação primária, mas terão de demonstrar
pertinência temática em outras áreas. Sindicato dos empregados
no setor metalúrgico pode, por óbvio, defender direitos
metaindividuais do setor de metalurgia, sem qualquer outra
providência formal ou de conteúdo. Mas para defender o meio
ambiente, genericamente considerado, é preciso que em seus
estatutos esteja prevista esta finalidade associativa. Se
estiver, é vedado ao juiz examinar a conveniência de essa
finalidade constar dos estatutos. O sindicato ou associação
pode, perfeitamente, indicar outras finalidades institucionais
secundárias, além daquelas primárias que independem de qualquer
outra consideração” (Ação Civil Pública no Processo do Trabalho.
In: Ação Civil Pública. Lei 7.347/85 – 15 anos. Édis Milaré.
(Coord.). São Paulo: RT, coord. Édis Milaré, p. 574).
107 Celso Ribeiro Bastos anota que “a previsão genérica acima
aludida fala em ‘judicial ou extrajudicialmente’, enquanto o
inciso sob comentário alude a ‘questões judiciais ou
administrativas’. Houvera sido melhor que o preceito repetisse o
anterior, o do capítulo dos direitos individuais. A expressão
‘administrativas’ tem uma conotação mais restrita, sem que
resulte clara a intenção do constituinte em efetivamente dar-lhe
um conteúdo mais encurtado” (Comentários à Constituição do
Brasil, São Paulo: saraiva, 1989, 2º v., p. 518).
127
“A forma como o referido dispositivo legal
ordena a questão permite algumas observações
que passam a ser resumidas. Primeira, a lei
autoriza o sindicato a atuar como substituto
processual dos integrantes da categoria,
portanto a legitimidade para agir nos
dissídios individuais em nome próprio,
defendendo o direito dos trabalhadores
membros da categoria que representa, não
restando mais dúvidas quanto a este aspecto.
Segundo, a substituição se faz não apenas
restrita aos associados, porque não há essa
limitação na nova lei, embora em legislação
anterior houvesse, de modo que a atuação do
sindicato é ampla, em favor de sócio ou não,
desde que membro da categoria.
108
O legislador infraconstitucional
tratou da matéria quando da edição das Leis nºs 6.708/79,
7.238/84, 7.788/89 e Lei nº 8.030/90 que, posteriormente,
foi substituída pela Lei nº 8.073/90, que teve seus
artigos, tratando da política nacional de salários,
vetados, remanescendo o artigo 3º, que diz textualmente:
As entidades sindicais poderão atuar como
substitutos processuais dos integrantes da
categoria.
108 Substituição processual. In: Repertório IOB de Jurisprudência,
nº 1891, set. 1991, p. 204.
128
Parte da doutrina restringia a
aplicação da substituição processual pelo sindicato às
questões envolvendo matéria relativa a política salarial.
Outros juristas de nomeada, emprestando interpretação
mais liberal ao referido preceito legal, adotaram
posição diversa, podendo ser sintetizada nos ensinamentos
do Professor Manoel Antônio Teixeira Filho, verbis:
“Se não houvesse ocorrido os vetos aos dois
primeiros artigos dessa lei, não vacilaríamos
em sustentar – como fizemos em relação à Lei
nº 7.788/89 – que a substituição processual,
mencionada no art. 3º, estaria restrita às
questões envolvendo política salarial
assunto que dava conteúdo material àquela
norma ordinária. Como, porém, o art. 3º não
foi objeto de veto e a lei, embora duramente
mutilada, entrou em vigor (DOU de 31.7.90,
pág. 14.551), torna-se absolutamente
inevitável reconhecer que, conquanto de forma
esdrúxula, acidental, as entidades sindicais
brasileiras podem, hoje, atuar em juízo como
substitutos processuais das categorias que
representam, valendo esta substituição para a
generalidade da situações, ou seja,
independentemente da matéria posta em juízo.
É obvio que, em virtude da regra
constitucional específica (art. 8º, III), por
meio dessa substituição, podem ser defendidos
direitos e interesses, individuais ou
coletivos.”
129
O colendo Tribunal Superior do
Trabalho, diante da celeuma estabelecida, pacificou sua
jurisprudência, no sentido de que a substituição
processual conferida aos sindicatos limitava-se às ações
onde fossem postuladas diferenças salariais, consoante
ementa do Enunciado de Súmula nº 310, litteris:
Substituição processual. Sindicato.
I - O art. 8º, inciso III, da Constituição da
República não assegura a substituição processual
pelo sindicato.
II - A substituição processual autorizada ao
sindicato pelas Leis nº 6708, de 30.10.79, e 7238,
de 29.10.84, limitada aos associados, restringe-se
às demandas que visem aos reajustes salariais
previstos em lei, ajuizadas até 3.7.89, data em que
entrou em vigor a Lei nº 7788.
III - A Lei nº 7788/89, em seu art. 8º, assegurou,
durante sua vigência, a legitimidade do sindicato
como substituto processual da categoria.
IV - A substituição processual autorizada pela Lei
8073, de 30.7.90, ao sindicato alcança todos os
integrantes da categoria e é restrita às demandas
que visem à satisfação de reajustes salariais
específicos resultantes de disposição prevista em
lei de política salarial.
V - Em qualquer ação proposta pelo sindicato como
substituto processual, todos os substituídos serão
individualizados na petição inicial e, para o
início da execução, devidamente identificados pelo
130
número da Carteira de Trabalho e Previdência Social
ou de qualquer documento de identidade.
VI - É lícito aos substituídos integrar a lide como
assistente litisconsorcial, acordar, transigir e
renunciar, independentemente de autorização ou
anuência do substituto.
VII - Na liquidação da sentença exeqüenda,
promovida pelo substituto, serão individualizados
os valores devidos a cada substituído, cujos
depósitos para quitação serão levantados através de
guias expedidas em seu nome ou de procurador com
poderes especiais para esse fim, inclusive nas
ações de cumprimento.
VIII - Quando o sindicato for o autor da ação na
condição de substituto processual, não serão
devidos honorários advocatícios” (Res. 1/1993 DJ
06-05-1993) Referência: CF-88, art. 8º, inc. III
Lei nº 6708/79 - Lei nº 7238/84 - Lei nº 8073/90 -
Lei nº 7788/89, art. 8º).
Nada obstante, o entendimento
sufragado pelo colendo Tribunal Superior do Trabalho não
encontrou ressonância no Excelso Pretório, que reconheceu
tratar-se de substituição processual ampla a norma
constitucional inscrita no inciso III do art. 8º. Assim
está ementado o julgado proferido no RE 202.063-0-PR, da
1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, de 27.6.1997,
Relator Ministro Octavio Gallotti:
O art. 8º, III, da Constituição, combinado no art.
3º da Lei n. 8.073/90, autoriza a substituição
131
processual ao sindicato, para atuar na defesa dos
direitos e interesses coletivos ou individuais de
seus associados (AGRAG 153.148-PR, DJ 17-11-95).
Recurso extraordinário conhecido e provido.
O Ministro Relator, no corpo do seu
voto, acrescentou que: “Se os interesses individuais da
categoria, a que se refere a norma constitucional, fossem
aqueles que dizem respeito à pessoa do sindicato, como
propõe o acórdão recorrido, não seria necessário assim
dispor a Constituição, pelo simples fato de que este,
como pessoa jurídica, estaria legitimado para a defesa
dos seus interesses individuais (legitimação ordinária)”.
E conclui o eminente Ministro: “Logo, a legitimação a que
se refere o inciso III, do art. 8º, da Constituição
Federal, só pode ser extraordinária, como veio a ser
explicitada pelo art. 3º da Lei nº 8.073/90, quando
dispôs que as entidades sindicais poderão atuar na defesa
dos interesses coletivos ou individuais da categoria,
como substitutos processuais.”
109
Identicamente, a Suprema Corte afastou
o entendimento estampado no n. V, que exige a
identificação dos substituídos, visto tratar-se de uma
109 STF RE 202.063-0 – Ac. 1ª T, 27.06.97. In: LTr. São Paulo, v.
61, nº 11, p. 1495/1496.
132
situação excepcional, e a autorização consta da própria
Carta Magna.
110
Nelson Nery Jr
111
afirma que “Não tem
sentido exigir o rol de substituídos, quando a sentença
fará coisa julgada erga omnes. Essa é a razão pela qual o
Pretório Excelso tem decidido, com inteiro acerto, serem
dispensáveis tanto a autorização assemblear quanto a
juntada do rol dos substituídos, nos casos de
substituição processual. A Corte Suprema entende que
essas exigências só são pertinentes nos casos de
‘representação’, mas não nos de substituição processual”.
E acrescenta: “Em outra oportunidade, reconheceu-se
expressamente que a CF 8º III regula caso de substituição
processual pelo sindicato, dispensada a autorização
assemblear para o ajuizamento da ação, exigível apenas na
hipótese da CF 5º XXI, que é caso de representação” (STF,
Agravo de Instrumento ou de Petição 192.258-MG, rel. Min.
Marco Aurélio, j. 15.11.1997, DJU 15.12.1997, p. 66.130).
A teor do disposto no inciso III do
art. 8º da Constituição Federal, os sindicatos estão
autorizados, como substitutos processuais, a defenderem
110 STF, 2ª T., RE 182.543-0-SP, rel. Min. Carlos Velloso, j.
29.11.94, DJU de 07.04.1995, p. 8.900.
111 Ação Civil Pública no Processo do Trabalho. In: Édis Milaré.
(Coord.). São Paulo: RT, p. 576-7.
133
os “direitos e interesses coletivos ou individuais da
categoria”. Quando tratar-se de direito individual de
caráter não homogêneo, a tutela sindical também somente
será possível mediante substituição processual prevista
no inciso III, do art. 8º, da Constituição Federal.
Dessarte, concomitantemente, os
sindicatos detêm legitimação ordinária para a tutela dos
interesses metaindividuais, mediante ação coletiva, e
legitimação extraordinária conferida pelo art. 8º, III,
da Constituição Federal e leis infraconstitucionais (Lei
nº 8.073/90, combinada com os artigos 81, 82 e 117 da Lei
nº 8.078/90) para a tutela jurisdicional de direitos
coletivos e individuais da categoria, estes nem sempre
derivados de origem comum.
E isto porque o sindicato, como
categoria organizada em defesa dos interesses
trabalhistas, ocupa uma situação jurídica que lhe impõe a
defesa dos direitos individuais da categoria.
Como já ressaltado, a ampliação dos
limites da substituição processual dos sindicatos pela
Constituição e leis infraconstitucionais, para a defesa
de todos os direitos individuais homogêneos dos
trabalhadores, ganhou impulso com o advento da Lei
134
8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor – que
regulou o processo coletivo de defesa dos direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos.
1.2.3 Inconstitucionalidade da MP nº
1.984-19, de 29 de junho de 2000
A Medida Provisória em realce, quando
da sua décima nona reedição, houve por bem acrescentar um
parágrafo único ao art. 1º, da LACP, dispondo que:
Não será cabível ação civil pública para veicular
pretensões que envolvam tributos, contribuições
previdenciárias, o Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza
institucional cujos beneficiários podem ser
individualmente determinados. (Destaque nosso).
Em suas sucessivas reedições, hoje
contando com a edição nº 33, a MP ainda mantém a
proibição do ajuizamento da ação civil pública, versando
sobre as matérias acima mencionadas, exsurgindo-se, de
imediato, a sua manifesta inconstitucionalidade, tanto
no plano formal quanto no material.
Focalizamos, inicialmente, que a
inovação legislativa inserida na Medida Provisória tem
origem na casuística desenfreada do Presidente da
135
República, em cercear a atuação do Judiciário e
dificultar, de forma acintosa, o acesso à justiça.
Percebe-se que a motivação legislativa do executivo
objetiva justamente restringir o alcance das decisões
proferidas pelo Judiciário, confirmadas em suas
superiores instâncias, quanto à correção dos depósitos
fundiários, em face dos malfadados planos econômicos
editados pelo Executivo em tempos recentes, que
vilipendiaram os direitos dos trabalhadores, ao excluir
esses créditos da atualização monetária. Com o desiderato
de restringir o alcance das decisões judiciais a respeito
da matéria, é que o Chefe do Executivo fez inserir na
aludida Medida Provisória, quando da sua 19ª edição, a
referida proibição.
Relativamente ao vício formal, a teor
do disposto no art. 62 da Constituição Federal,
imprescindível se faz, para a edição de medidas
provisórias, a necessidade de concorrerem os seguintes
requisitos: relevância e urgência no trato da matéria de
forma excepcional, requisitos esses que não se fizeram
presentes no caso da Medida Provisória indicada, o que
traz em si o vício da inconstitucionalidade formal, vez
que os requisitos não se fizeram presentes, em
observância ao disposto na Carta Política. A relevância e
136
urgência, na hipótese, manifestam-se de forma contrária e
casuística à intenção do legislador constituinte e aqui
se vislumbra outro vício, o material.
A par deste aspecto, tem-se, ainda, a
problemática concernente às reedições. A medida
provisória é instrumento precário, cujo prazo de vigência
não ultrapassa os trinta dias – parágrafo único do art.
62 – pelo que, com o preceito, não se harmoniza o
empréstimo de prazo indeterminado ao instrumento, isto, à
mercê de reedições sucessivas, a cada vinte e nove dias.
A tese da reedição, embora reconhecida
pelo Supremo Tribunal Federal, traz insegurança ao meio
jurídico, com vários inconvenientes, tais como: a
alteração do texto legal a cada reedição; o esvaziamento
da função legiferante das Casas representativas do povo e
dos Estados que deixam de assumir a sua função
constitucional; a instabilidade gerada pelas sucessivas e
intermináveis reedições, com inovações mês a mês,
envolvendo todo tipo de matéria, inclusive direitos
individuais dos cidadãos; os vazios deixados pelas
inovações normativas não são regulados como determina a
própria Constituição Federal, impossibilitando a
restituição do status anterior à sua edição.
137
A Medida Provisória, relativamente ao
requisito temporal, tem que “evidenciar sua urgência de
forma clara, induvidosa e manifesta. Caso contrário, deve
ser encarada pelo Judiciário pelo método do escrutínio
estrito, ou seja, da suspeição da Lei. Há de se indagar
também, se o assunto não poderia ou deveria ser submetido
à apreciação do Congresso Nacional.”
112
Sob o ângulo do vício material, como
já amplamente discutido neste trabalho, a Carta da
República alçou a ação civil pública a nível
constitucional, prevendo seu cabimento para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos (art. 129, III).
Extrai-se do art. 127 da mesma Lei
Fundamental, preceito também de eficácia plena,
conferindo legitimação ao Ministério Público, para a
defesa dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
Especificamente quanto ao Ministério
Público do Trabalho, o art. 83, III, da Lei Complementar
112 Paulo Fernando Silveira. Devido processo legal, p. 94.
138
nº 75/93, o legitimou para a propositura da ação
coletiva, ao dispor, entre outras atribuições, que lhe
incumbe “propor ação civil pública no âmbito da Justiça
do Trabalho, para a defesa de interesses coletivos,
quando desrespeitados os direitos sociais
constitucionalmente garantidos”.
Dessarte, a Medida Provisória em
comento, ao excluir do raio de atuação da ação civil
pública os tributos, as contribuições previdenciárias, o
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e outros fundos
institucionais, incorreu em vício de
inconstitucionalidade material, na medida em que
restringiu o alcance da ação civil pública, por afronta
direta aos dispositivos constitucionais acima
mencionados, além de outros constantes do próprio Texto
Maior.
Sobre a matéria, trazemos da
jurisprudência a seguinte ementa:
MINISTÉRIO PÚBLICO. TUTELA DE INTERESSES DIFUSOS E
COLETIVOS. FUNÇÃO INCONSTITUCIONAL. INCONSTI-
TUCIONALIDADE DE MEDIDA PROVISÓRIA. A Constituição
Federal de 1988 alçou a defesa dos interesses
difusos e coletivos à condição de função
139
institucional do Ministério Público, elegendo a
ação civil pública como meio para exercício desse
mister. Ao dispor sobre o uso dessa ação como meio
de defesa de “outros interesses difusos e
coletivos”, a norma constitucional não prevê a
possibilidade de regulamentação por lei
infraconstitucional, estabelecendo implicitamente
que a referida norma é de eficácia plena. Assim,
despicienda qualquer incursão do legislador
ordinário pela matéria, tampouco do Poder
Executivo, via medida provisória, pelo que se
poderia concluir com segurança que qualquer norma
hierarquicamente inferior que venha a dispor sobre
o assunto estaria infringindo o texto
constitucional. Recurso Provido.
113
Há óbice constitucional
instransponível nos casos em que a Medida Provisória
malferir preceitos constitucionais dos trabalhadores e,
com maior razão, quando objetiva cercear o direito de
ação conferido ao Ministério Público e às Entidades
Sindicais, cuja legitimidade decorre do próprio Texto
Constitucional, sendo de todo írrito, porque
inconstitucional, o instrumento normativo que visa a
excluir ou a restringir da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, CF).
113 TRT-13ª Região – Recurso Ordinário nº 1754/2000 – Rel. Juiz
Francisco de Assis Carvalho e Silva – julgado em 21/11/2000 -
Acórdão às fls. 430/435.
140
Nesta quadra, merece registro a
repulsa da consciência jurídica nacional à edição de
medidas provisórias sem observância dos requisitos
constitucionais, a ponto de o Presidente da Ordem dos
Advogados do Brasil, em discurso proferido por ocasião da
posse do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro
Marco Aurélio, em 31 de maio de 2001, indagar indignado,
sob o olhar das altas autoridades da República, inclusive
do Chefe do Executivo: “teremos condições de sustar o
processo de ruptura constitucional, que desfila aos
nossos olhos pela passarela aviltante das Medidas
Provisórias, agora invadindo e negando os direitos
fundamentais?”.
De qualquer modo, merece ficar atento
para o fato da inconstitucionalidade “levantada em ação
civil pública, como pretenso fundamento da pretensão, mas
em que, real e efetivamente, o que se persiga seja a
própria inconstitucionalidade, é argüição incompatível
com essa ação – e, na verdade, com qualquer ação – por
implicar usurpação da competência do Supremo Tribunal
Federal.”
114
114 Arruda Alvim. A declaração concentrada de
inconstitucionalidade pelo STF e os limites impostos à ação
(continua na página seguinte)
141
civil pública e ao código de defesa do consumidor. Revista de
Processo, nº 81, p. 127-134.
142
CAPÍTULO V
1. Competência
Muito embora a jurisdição seja una e exercida
nos limites da soberania do Estado, quanto ao seu
exercício comporta distribuição, por força de normas
constitucionais e infraconstitucionais, entre os vários
órgãos jurisdicionais. Em face da especialização, não é
possível que os órgãos do Poder Judiciário, isoladamente,
a exerçam em toda a sua plenitude.
Assim, quando a lei prefixa as atribuições dos
órgãos jurisdicionais, estabelecendo os limites nos quais
eles exercem a jurisdição, está a definir-lhes a
competência. “A lei, portanto, estabelece a competência
dos órgãos jurisdicionais, prefixando os limites dentro
dos quais cada um deles pode exercer a função
jurisdicional. Competência, assim, é o poder de exercer a
jurisdição nos limites estabelecidos pela lei.”
115
A definição do juiz ou tribunal competente para
o exercício da jurisdição relativamente a determinado
115 Moacyr Amaral Santos. Primeiras linhas de direito processual
civil, v. 1, p. 201.
143
processo é tarefa da mais alta relevância, sendo diversos
os critérios para a atribuição da competência: em razão
da matéria, em razão da pessoa, em razão do lugar, em
razão da hierarquia e em razão do valor da causa.
Para o direito do trabalho, aplicam-se apenas
os critérios da competência em razão da matéria, em razão
da hierarquia e em razão do lugar.
1.1 Competência Material da Justiça do Trabalho
A matéria a ser deduzida em juízo é que
estabelecerá a competência. E a competência da Justiça do
Trabalho, em comparativo com as demais justiças, é
essencialmente material, consoante deflui do art. 114 da
Constituição Federal.
Havendo conflito envolvendo trabalhadores e
empregadores, individual ou coletivamente, a competência
material será do Judiciário Trabalhista. Particularmente,
quanto à ação civil pública, a Constituição Federal
reforçou esse entendimento em seu artigo 127, quando
atribuiu ao parquet (em sentido amplo) a defesa, não
apenas do regime democrático, mas da ordem jurídica e dos
interesses sociais indisponíveis, complementado pelo art.
129, inciso III, que incluiu entre as funções
144
institucionais do Ministério Público, a promoção da ação
civil, pública destinada à defesa dos interesses difusos
e coletivos. A complementar a exegese constitucional, a
Lei Complementar nº 75, de 20.5.93, em seu artigo 83,
incumbiu o Ministério Público do Trabalho de promover
ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para
a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados
os direitos sociais garantidos constitucionalmente.
É de salientar que a ação civil pública não
é instrumento manejado exclusivamente pelo Ministério
Público, havendo outros legitimados, como já mencionado
ao longo deste trabalho, já que a lei concedeu monopólio
ao Ministério Público apenas na instauração e condução do
inquérito civil público.
A questão quanto à competência da Justiça
do Trabalho, para instruir e julgar ações coletivas,
encontra-se pacificada tanto na doutrina e
jurisprudência, havendo algum dissenso apenas quando
envolve matéria ambiental concernente às relações de
trabalho.
116
116 Nesse sentido preleciona José Marcelo Menezes Vigliar, ao
afirmar que “... se alguma hipótese revelar que o meio ambiente
do trabalho não guarde relações diretas com a relação de
(continua na página seguinte)
145
Nada obstante, tanto o colendo Tribunal
Superior do Trabalho quanto o excelso Supremo Tribunal
Federal já decidiu pela competência da Justiça
Especializada, dispondo, também, sobre a legitimidade do
Ministério Público do Trabalho na propositura das
demandas, envolvendo o meio ambiente do trabalho,
merecendo transcrição a decisão da mais alta Corte de
Justiça do País:
Competência. Ação Civil Pública. Condições de
Trabalho. Tendo a ação civil pública como causa de
pedir disposições trabalhistas e pedidos voltados à
preservação do meio ambiente do trabalho e,
portanto, aos interesses dos empregados, a
competência para julgá-la é da Justiça do
Trabalho.
117
O Professor Amauri Mascaro Nascimento é
enfático, ao aduzir que:
“De acordo com a Lei Complementar nº 75/93,
art. 83, III, cabe à Procuradoria da Justiça
do Trabalho ingressar com inquérito civil e
com ação civil pública para fins
trabalhistas, dentre os quais está a
aplicação de normas sobre segurança e
trabalho, então fica resguardada a competência de justiça comum
estadual” (Ação civil pública, op. cit. p.65).
117 STF, RE nº 206.220-1, Relator Ministro Marco Aurélio, 2
ª
Turma, 16.03.99
146
medicina do trabalho. E que a Justiça do
Trabalho é competente para apreciar e decidir
as mesmas questões aqui denominadas
ambientais e que não passam, como foi
mostrado, de lides sobre condições de
trabalho, e entram no seu âmbito de
competência por força do disposto na
Constituição Federal, art. 114.”
118
A competência da Justiça do Trabalho, para
instruir e julgar a ação civil pública “trabalhista” ou
simplesmente ação coletiva, é indiscutível, vez que o
art. 114, ao dispor sobre a competência da Justiça do
Trabalho, acrescentou “outras controvérsias oriundas da
relação de trabalho” (art. 114, 2ª parte, CF). Francisco
Antônio de Oliveira anota que “a competência da Justiça
do Trabalho em sede de ação civil pública veio por via
transversa, já que o art. 114 da Constituição nada
registra para a espécie, fazendo-o a LC 75/93, art. 83,
inc. III”, reconhecendo, no entanto, que “É bem verdade
que essa competência de alguma forma já se fazia presente
no art. 129, III, CF/88, na parte in fine: ‘de outros
interesses difusos e coletivos’.”
119
118 A defesa processual do meio ambiente do trabalho, São Paulo:
Revista LTr, ano 63, nº 5, p. 587.
119 Ação civil pública: enfoques trabalhistas, p. 227.
147
1.2 Competência Funcional
Estabelecida a competência material da
Justiça do Trabalho, grande cizânia ainda se verifica na
doutrina quanto à competência hierárquica ou funcional.
Há aqueles que advogam ser a competência dos órgãos de
primeiro grau – Varas do Trabalho; outros, alçam a
competência aos órgãos de segundo e terceiro graus de
jurisdição, os Tribunais Regionais do Trabalho ou o
Tribunal Superior do Trabalho, dependendo da abrangência
da matéria a ser tutelada, se de nível regional ou
nacional.
Aqueles que cometem a competência aos
tribunais, o fazem pela semelhança, que entendem existir
entre a ação civil pública com o dissídio coletivo,
disciplinado que é pela Consolidação das Leis do
Trabalho. Este argumento é insustentável, visto que não
há pontos de contato a aproximar as duas ações, salvo o
fato de, eventualmente, uma e outra buscarem a defesa de
interesses da categoria. As matérias jurisdicionáveis são
diversas. A ação civil pública não busca a fixação de
normas e condições de trabalho ou a declaração sobre o
sentido, com efeito normativo, de normas legais ou
regulamentares. A natureza da sentença também diverge. Na
ação civil pública, a natureza será sempre condenatória,
148
enquanto que, no dissídio coletivo, a sentença terá
natureza declaratória ou constitutiva, seja ele de
natureza jurídica ou econômica.
O Procurador do Trabalho Raimundo Simão de
Melo atesta que:
“Cometer aos Tribunais do Trabalho a
competência originária para apreciação e
julgamento da ação civil pública, por mera
analogia com o procedimento da ação de
dissídio coletivo, de competência destes, por
determinação legal, não tem qualquer
pertinência; como se sabe, embora em ambas as
ações se defenda interesses coletivos lato
sensu (aspecto único da similitude), na ação
dissidial, regida por peculiaridades
excepcionais e próprias, cria-se, modifica-se
ou interpreta-se direitos, enquanto que na
ação civil pública aplica-se a direito
preexistente.”
120
Ressalte-se que não há qualquer dispositivo
legal a atribuir competência originária, para apreciação
da ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho,
aos Tribunais Regionais ou ao c. Tribunal Superior do
Trabalho.
120 Ação civil pública na Justiça do Trabalho: algumas questões
controvertidas. In: Revista do Ministério Público do Trabalho,
nº 21, p. 135.
149
Ao contrário, o art. 2º da Lei nº 7.347/85,
dispõe que “As ações previstas nesta lei serão propostas
no foro do local onde correr o dano, cujo juízo terá
competência funcional para processar e julgar a causa”.
Apesar da aparente contradição, ao aduzir
no mesmo artigo as expressões “foro do local” e
“competência funcional”, há de prevalecer o elemento
funcional a definir a competência absoluta (art. 111,
CPC), mormente quando na exposição de motivos da aludida
lei, o então Ministro da Justiça assinalava: “Deu-se a
competência a natureza absoluta, já que funcional, a fim
de não permitir a eleição de foro ou a sua derrogação
pela não apresentação de exceção declaratória. Este
critério convém ao interesse público existente naquelas
causas” (destacamos).
Assim, “posto à frente o critério
funcional, a ação civil pública, na ambiência da Justiça
do Trabalho, deve ser exercida perante Junta de
Conciliação e Julgamento (rectius: Varas do Trabalho).
Para esse efeito, haverá de atender-se, em princípio, a
150
competência territorial estabelecida pelo art. 651, da
CLT”
121
(destaque do autor, parêntese acrescentado).
Ives Gandra Martins Filho, apesar de
defender a tese de que a competência é afeta aos
tribunais, reconhece que:
“... a questão da competência hierárquica não
era pacífica, quer no judiciário, que no
próprio seio do Ministério Público do
Trabalho. Assim, a maior parte das ações
civis públicas estavam sendo ajuizadas
perante as Juntas de Conciliação e
Julgamento, tendo o TST, em recente decisão,
entendido competir aos órgãos de primeira
instância a apreciação das ações civis
públicas. Com isso, a nosso ver, resta
pacificada a questão.”
E complementa:
“Para as lesões de âmbito regional ou
nacional, que ultrapassem, pois, a jurisdição
de uma JCJ, a ação civil pública deverá ser
ajuizada perante a JCJ que tenha jurisdição
sobre o território no qual se localiza a sede
da empresa ou entidade que esteja lesando, em
caráter genérico, a ordem jurídica
trabalhista, de vez que o comando sentencial
121 Manoel Antônio Teixeira Filho. Ação civil pública..., op. cit.
p. 14.
151
será dirigido precisamente à direção central
da empresa, para que cesse com o procedimento
lesivo denunciado.
122
A matéria, no entanto, ainda não se
pacificou.
Um terceiro entendimento, intermediário
entre as duas correntes anteriores, começa a ganhar
corpo, ao reconhecer que compete originariamente às Varas
do Trabalho instruir e julgar ação civil pública quando o
dano for local, isto é, a matéria for restrita à
circunscrição do órgão julgador de primeiro grau e, dos
Tribunais Regionais e do Tribunal Superior do Trabalho,
quando o dano for de abrangência regional ou nacional,
respectivamente.
A ementa, em acórdão da lavra do hoje
Ministro Ives Gandra Martins Filho, bem elucida a
controvérsia:
Competência hierárquica para apreciação de ação
civil pública – O art. 16 da Lei nº 7.347/85, com a
redação que lhe deu a Lei nº 9.494/97, ao dispor
que a sentença prolatada em ação civil pública terá
seus efeitos limitados à competência territorial do
órgão prolator, admite exegese no sentido da
122 Processo coletivo do trabalho, p. 221.
152
limitação da sentença ao âmbito jurisdicional da
Junta ou, o que condiz melhor com a natureza
indivisível do provimento jurisdicional nessa
modalidade de ação, a conclusão de que a
competência originária de ser de Tribunal, se a
abrangência de lesão for regional ou nacional.
123
Essa tendência foi sedimentada com a
inserção, no Regimento Interno do colendo Tribunal
Superior do Trabalho, por meio da Resolução
Administrativa nº 686, de 29.2.2000, do art. 6º,
prescrevendo que:
Art. 6º. À Seção Especializada em Dissídios
Coletivos compete:
I – originariamente:
a) julgar os Dissídios Coletivos de natureza
econômica e jurídica, as Ações Civis Públicas e as
Ações decorrentes de laudo arbitral que excedam a
jurisdição dos Tribunais Regionais do Trabalho e
estender ou rever suas próprias sentenças
normativas, nos casos previstos em Lei.
(Destacamos)
Este novo desiderato de deslocar a
competência dos órgãos de primeira instância para os
tribunais vem estribado na inovação legislativa,
123 TST-RR nº 316001/96.4, Ac. Da 4ª Turma, de 22.2.2000, Relator
Min. Ives Gandra Martins Filho – Revista LTr, v. 64, p. 361-5.
153
conferida pela Lei nº 9.494/97 ao art. 16 da Lei
nº 7.347/85, ao dispor que a sentença prolatada em ação
civil pública terá seus efeitos limitados à competência
territorial do órgão prolator.
A interpretação, data venia, não encontra
respaldo na doutrina mais abalizada, vez que o legislador
e, na sua esteira, a decisão do colendo Tribunal
“Confundiram-se os limites subjetivos da coisa julgada
erga omnes, isto é, quem são as pessoas atingidas pela
autoridade da coisa julgada, com jurisdição e
competência, que nada tem a ver com o tema”.
124
(vide
Capítulo VI infra, relativo à coisa julgada).
De outro norte, como já ressaltado, não
existe lei conferindo essa competência aos Tribunais
Trabalhistas, sendo que, em regra geral, a competência é
do juízo de primeiro grau para o processamento e
julgamento da generalidade das ações, só excepcionalmente
ela pertence aos órgãos de cúpula (e.g., Supremo Tribunal
Federal, art. 102, II, CF). Ainda que dúvida houvesse
quanto à competência da primeira instância, o assunto
124 Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery. Código de
processo civil comentado, nota 12 ao art. 16 da Lei nº
7.347/85.
154
seria resolvido a seu favor, conforme preleciona Carlos
Maximiliano, no sentido de que: “Quando a norma atribui
competência excepcional ou especialíssima, interpreta-se
estritamente; opta-se, na dúvida, pela competência
ordinária.”
125
Raimundo Simão de Melo
126
, em excelente
artigo sobre a matéria, chega a indignar-se com a aludida
alteração de entendimento levada a efeito pelo C. TST,
no afã de defender a sua competência originária para o
julgamento da ações civis públicas de âmbito nacional,
concluindo que:
125 Hermenêutica e aplicação do direito, p. 265.
126 O referido autor traz a lume ensinamentos de Jorge Luiz Souto
Maior sobre a matéria em foco, verbis: “O novo posicionamento do
TST é equivocado, também, porque fere preceitos processuais já
consagrados no ordenamento jurídico. Com efeito, sem que haja
disposição expressa em sentido contrário, tanto na Constituição
quanto na Lei ordinária, sem assim o permitir expressamente a
norma constitucional, há de se entender que o conflito de
interesses está sujeito à jurisdição comum, sendo a competência
original do juízo de primeiro grau... A nova orientação do TST é
equivocada porque nega vigência ao texto da Lei da ação civil
pública e também porque não se confundem dissídio coletivo e
ação civil pública” (Jorge Luiz Souto Maior. Ação civil pública
trabalhista. Competência funcional. Brasília: Revista de Direito
do Trabalhista, ano 6, n. 8 p. 9/10), bem como de Abiael Santos
Franco fulminando o entendimento do sufragado pelo TST ao aduzir
que: “O E. TST, ao estabelecer normas processuais relativas à
competência, usurpou as atribuições próprias ao Poder
Legislativo, expressamente conferida pela Constituição Federal,
em especial em seu art. 113... Ora, se por força de mandamento
constitucional expresso, somente a Lei pode dispor sobre a
competência dos órgãos da Justiça do Trabalho, parece claro que
não poderia o TST normatizar a questão. E, no caso, apenas Lei
Federal poderia assim proceder, pois a competência para legislar
sobre normas processuais e, consequentemente, sobre competência
dos órgãos jurisdicionais, é privativa da União, conforme
comando constitucional do art. 22, I (FRANCO, Abiael Santos. In:
Processo nº 626/2000, 3ª Vara do Trabalho de Campinas/SP)”.
155
“... a melhor compreensão para a questão é
aquela que reconhece a competência funcional
originária da primeira instância trabalhista
para as ações civis públicas,
independentemente de os danos provocados
serem de âmbito local, regional ou nacional;
tal se fundamenta no princípio do juiz
natural, na necessária preservação do duplo
grau de jurisdição, na atécnica de uma
extensão analógica em matéria de competência
absoluta, na conveniência de que uma ação de
rito ordinário, permeada de fatos relevantes
e complexas questões jurídicas, passe antes
pelo processo de ‘depuração’ típico do
primeiro grau de jurisdição, antes de subir
ao reexame ao Tribunal e, finalmente, no
respeito à Constituição Federal.”
127
1.3 Competência Territorial
Dispõe o art. 2º da Lei 7.347/85 que “As
ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do
local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência
funcional para processar e julgar a causa”. O foro
traduz-se na circunscrição judiciária apta a processar e
julgar a demanda. Ou nas palavras de José Frederico
Marques, “Foro é a circunscrição judiciária em que deve
127 Ação civil pública na Justiça do Trabalho: algumas questões
controvertidas, p. 138.
156
processar-se a determinada causa, pelo que a competência
de foro é a competência territorial fixada numa
circunscrição tendo em vista a lide a ser solucionada.”
128
O legislador indicou o local do dano para
firmar-se a competência do juízo, prestigiando a
investigação do ato no local da sua ocorrência. Para
Mancuso, o artigo citado criou duas hipóteses de
competência, a do local do dano, relativa, e a funcional,
absoluta.
129
Poderia cogitar-se aplicação, no processo do
trabalho, em face de suas peculiaridades, que é traçar as
garantias mínimas dos interesses dos trabalhadores, tidos
como hipossuficientes, da regra do art. 651 da CLT.
Nesse sentido, é Ibraim Rocha que exemplifica: “ocorrendo
de um sindicato propor ação em foro diverso do da lesão
128 Manual de direito processual civil, v. 1, p. 194.
129 Diz o autor que o art. 2º da Lei nº 7.347/85 atrelou dois
critérios fixadores de competência, o primeiro refere-se ao
local do fato, tratando-se de competência relativa, prorrogável,
porque estabelecida em função do interesse das partes ou da
facilidade para colheita da prova; o segundo critério, refere-se
à competência funcional, de feição absoluta, improrrogável e
inderrogável, porque firmada em razões de ordem pública, quando
se prioriza o interesse do próprio processo, destacando-se que o
referido preceito legal tratou de competência funcional,
apontando que “é plenamente justificável que assim seja, dado
ser intuitivo que é o juízo ‘do local onde ocorrer o dano’ o
mais indicado, mais habilitado na espécie, pela proximidade
física com o evento. Demais disso, a ação é de índole
reparatória, condenatória; o objeto prevalente é o dano
produzido, e busca-se a recondução das coisas ao statu quo
ante”. Diz que no mesmo sentido é Édis Milaré ao assegurar que
pela dicção do artigo 2º da LACP “Deu-se a competência a
natureza absoluta, já que funcional, a fim de não permitir a
eleição de foro ou a sua derrogação pela não apresentação de
exceção declinatória”. (Ação civil pública, op. cit., p. 59).
157
e, não sendo proposta oportunamente a competente exceção
de incompetência de foro, dar-se-á a prorrogação da
competência, considerando o princípio trabalhista de
tutela do hipossuficiente”.
130
No entanto, em se tratando de ação
coletiva, esclarecedor é o Código de Defesa do
Consumidor, ao dispor sobre as regras da competência em
razão do lugar admitindo alternativas, em seu art. 93, ao
estabelecer que: “Ressalvada a competência da Justiça
Federal, é competente para a causa a justiça local: I –
no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano,
quando de âmbito local; II – no foro da Capital do Estado
ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito
nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de
Processo Civil aos casos de competência concorrente”.
131
Em face da compatibilidade legalmente
estabelecida entre a LACP e o CDC, aplica-se, na
130 Ação civil pública e o processo do trabalho, p. 102.
131 Manoel Antônio Teixeira Filho explica que “A particularidade
de essa norma legal haver feito, no caput, uma ressalva quanto à
competência da Justiça Federal não constitui obstáculo à
aceitação do ponto de vista que estamos a defender, pois essa
ressalva, como se sabe, visou evitar um conflito de competência
entre as Justiças Comuns (Estadual e Federal). A Justiça do
Trabalho, por ser especializada, e levando em conta que a sua
competência essencial é ratione materiae, fica fora dessa
possibilidade de conflito, que o sobredito dispositivo legal
procurou evitar”. (Op. cit., p. 15).
158
hipótese, o art. 93 acima mencionado, atraindo a
incidência supletória, na órbita trabalhista, das normas
próprias de competência dispostas na CLT e, em havendo
omissão, passam a dirimir as controvérsias os regramentos
do CPC.
159
CAPÍTULO VI
1. Coisa Julgada e Litispendência
Assim como não podemos transportar, de forma
automática e acrítica, regras e padrões alienígenas para
o nosso ordenamento jurídico, também não podemos
transportar o instituto da coisa julgada do direito
processual civil – de concepção eminentemente
individualista – para o processo coletivo, sem as
necessárias adaptações, visto que a coisa julgada, neste
particular, tem disciplina própria no art. 103 do Código
de Defesa do Consumidor
132
, de irrefutável aplicação, em
se tratando de ações coletivas, de que nos estamos a
ocupar.
132 Rodolfo de Camargo Mancuso afirma que “O fato histórico sempre
deve ser devidamente ponderado, e o fato é que na ação popular
(Lei 4.717/65) o regime da coisa julgada secundum eventum litis
já conta mais de trinta anos na praxis judiciária brasileira. Se
em texto legal vindo a lume vinte anos após a edição daquela lei
entendeu o legislador de repetir tal fórmula para a disciplina
de uma ação – civil pública – cuja finalidade se mostra
consonante com a da ação popular (arts. 1º e 16 da Lei
7.347/85), há de ser porque a citada técnica processual provou
sua eficiência ao longo do tempo, na experiência diuturna do
foro, que é o ‘laboratório’ por excelência, onde os institutos
processuais têm seu ‘campo de prova’. No ponto, manifestam-se
Nelson e Rosa Nery Júnior: ‘Caso a improce-dência se dê em
virtude da pronúncia do non liquet pelo juiz, isto é, por falta
de ou insuficiência de provas, a sentença não será acobertada
pela autoridade da coisa julgada. A coisa julgada se dará,
portanto, segundo o resultado da lide. O mesmo sistema já era
adotado pela LAP 18 desde 1965, demonstrando sua eficácia nestes
anos de aplicação da LAP’”. (Ação civil pública, op. cit., p.
232-3).
160
Trata-se de tema da maior relevância, para
compreendermos o tratamento específico dispensado às
demandas coletivas, dotadas de comando judicial de
eficácia diferenciada, condizente com a dimensão peculiar
dos interesses metaindividuais. Somente o conjunto de
normas que consolidam o processo coletivo é capaz de dar
vazão à alta conflituosidade inerente ao estágio atual de
nossa sociedade de massa, pelo que se torna
imprescindível o reconhecimento da necessidade de
adaptação dos institutos processuais clássicos à natureza
dos novos interesses defendidos.
O CPC cuida do instituto da coisa julgada no
Titulo IV, Capítulo VIII, Seção II, artigos 467 e 475.
Reafirmando o que já se mencionou
anteriormente, mostra-se pertinente a observação de
Cândido Rangel Dinamarco
133
, ao apontar que herdamos dos
romanos uma singularidade da tutela jurisdicional,
compartilhada no tripé: a) legitimidade necessariamente
individual: b) efeitos da sentença limitados
exclusivamente às partes e c) limitação subjetiva
rigorosa da autoridade da coisa julgada. Estas
133 A reforma do código de processo civil, p. 28.
161
características consubstanciam o individualismo do
processo civil em contraste com as que emanam do chamado
processo coletivo, de que estamos a nos ocupar,
demonstrando a viabilidade da legitimação ordinária a
determinados entes (LACP, art. 5º e CDC, art. 82), para a
tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos, repelindo, assim, a legitimidade
necessariamente individual na linguagem do renomado
processualista. Neste capítulo, trataremos das inovações
quanto aos efeitos da sentença e sua limitação subjetiva.
A doutrina clássica atribui à coisa julgada
duas categorias: a coisa julgada formal e a coisa julgada
material. Pela primeira, indica a entrega da prestação
jurisdicional pelo Estado, tornando a sentença imutável
dentro do processo, isto é, uma qualidade dos efeitos da
sentença, consistente na sua imutabilidade, após o
esgotamento dos recursos eventualmente cabíveis, dentro
do mesmo processo. Pela segunda (coisa julgada material),
seria a imutabilidade dos efeitos além das lindes do
processo, caracterizada pela circunstância de se impedir
o reexame do litígio em qualquer juiz ou tribunal, de
forma que a decisão ultrapassa os limites do processo e
fixa a interpretação jurídica definitiva firmada pelo
órgão jurisdicional.
162
Portanto, seu fundamento consiste na
necessidade social de não se permitir a eternização dos
conflitos de interesses que, por si só, afetaria o
princípio da segurança das relações jurídicas, razão pela
qual o litígio há de ter um fim definido pelo órgão
jurisdicional, tornando seu provimento decisório
imutável.
O CPC, no art. 467, denominou a coisa julgada
material como sendo “a eficácia, que torna imutável e
indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso
ordinário ou extraordinário”, afastando
134
, assim, da tese
de Liebman, para quem a coisa julgada é uma qualidade
especial da sentença, qualidade que a torna imutável
dentro do processo e inalteráveis seus efeitos fora dele.
Realça o renomado professor que “a coisa julgada não é
efeito das sentenças, mas, pelo contrário, uma qualidade
134 Para Egas Moniz de Aragão, apesar de a Exposição de Motivos
(nº 16) dizer que o artigo 467 adotava a tese “elaborada por
Liebman e seguido por vários autores nacionais”, na verdade
houve significativa mudança no projeto enviado à Câmara dos
Deputados com a substituição do vocábulo “qualidade” por
“eficácia”, afirmando que: “Contrastando, pois, a disposição
comentada com a teoria de LIEBMAN vê-se que o Código repudiou-a,
pois a coisa julgada corresponde, na construção dogmática do
autor, a ‘a uma qualidade, um modo de ser e manifestar-se’ dos
efeitos da sentença e não a ‘eficácia, que torna imutável e
indiscutível a sentença’”. A emenda aprovada no Senado Federal
aproximou a disposição comentada da tese do Prof. CELSO NEVES,
que relaciona a coisa julgada à declaração contida na sentença,
na linha do pensamento de HELLWIG” (Sentença e coisa julgada,
Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 238-9).
163
(a imutabilidade) de que podem revestir-se seus efeitos,
ou melhor, todos os seus efeitos”.
135
Segundo o art. 468 do CPC, “a sentença, que
julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos
limites da lide e das questões decididas”, sendo certo
que “nenhum juiz decidirá novamente as questões já
decididas, relativas à mesma lide”, consoante disposição
expressa no art. 471 do mesmo Diploma Legal. Já o art.
472 fixa os limites subjetivos da coisa julgada, ao
preceituar que “a sentença faz coisa julgada às partes
entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando
terceiros”. Assim, o princípio clássico é de que os
efeitos da coisa julgada não se projetam para além da
lide onde foi solucionado o conflito de interesses.
136
Nesse sentido, tem-se como revolucionários os
preceitos contidos nos arts. 16 da LACP e 103 do CDC,
porquanto irradiam os efeitos da coisa julgada para além
135 Eficácia e autoridade da sentença, p. 6.
136 Esta regra geral imposta pelo art. 472 do CPC de que a
sentença somente obriga àquelas pessoas que participaram da
lide, não prejudicando nem beneficiando terceiros, comporta
exceções, tais como nos casos de sucessão: a coisa julgada
estende-se aos sucessores da parte; na legitimação
extraordinária (art. 6º do CPC) em que a coisa julgada será
oponível também ao substituto.
164
dos limites da lide, ao dispor sobre a sua extensão erga
omnes ou ultra partes.
De qualquer forma, para Rodolfo de Camargo
Mancuso:
“Existe uma íntima correlação entre três
pontos nevrálgicos do processo civil: (i) o
pedido, que fixa os (ii) limites da sentença
(CPC, arts. 2º, 128, 460), os quais, na
seqüência, irão circunscrever a extensão e a
compreensão da (iii) coisa julgada (CPC, 468,
472). Vista dessa forma a coisa julgada nas
ações coletivas apresenta-se como um
posteriorius, em relação ao binômio formado
pela natureza do interesse e pelo contingente
de sujeitos aí subjacente. É dizer, a coisa
julgada não é uma realidade autônoma, mas
apenas ganha concreção à medida que se
agrega, como uma qualidade (= a
imutabilidade), aos efeitos de uma decisão de
mérito; logo, para se compreender até onde
vai a coisa julgada coletiva, deve-se começar
indagando qual a projeção espacial por onde
se estabelece o interesse metaindividual em
lide e quais sujeitos lhe são concernentes.
Tanto que, fixados esses pontos, exsurgirá
clarificada a questão dos limites
subjetivos e objetivos – da coisa julgada.
Portanto, não tem sentido lógico proceder a
contrario sensu, primeiro indagando sobre a
coisa julgada para depois aferir de sua
165
aplicabilidade ao objeto litigioso e aos
sujeitos.”
137
(Destaques do autor).
Pertinente à observação de Gidi, para quem a
principal nota caracterizadora da coisa julgada nas ações
coletivas, em face da coisa julgada tradicional, é a
imperativa necessidade de delimitar, de maneira
diferenciada, o rol das pessoas atingidas pela eficácia
da coisa julgada, principalmente os chamados direitos
difusos e coletivos que, pela própria indivisibilidade
que os informa, atingirá necessariamente a esfera
jurídica de todos os membros da coletividade ou do
grupo, que, em última análise, são, em conjunto, os
verdadeiros e únicos titulares do direito em litígio.
Nesse passo, afirma que:
“é preciso observar que, se déssemos à ação
instaurada coletivamente o condão de obstar
quaisquer outras ações individuais, através
de uma esdrúxula ‘legitimidade extraordinária
compulsória e absoluta’ (algo semelhante à
legitimidade extraordinária exclusiva), isso
importaria o sacrifício em massa dos direitos
individuais de terceiros, o que seria
intolerável, principalmente em face da
perspectiva da possibilidade de existência de
fraude organizada para prejudicá-los (...).”
137 Ação civil pública, p. 244.
166
“Por outro lado, se às ações coletivas não se
autorizasse a extensão da imutabilidade do
seu julgado a terceiros, multiplicar-se-iam
desnecessariamente ações semelhantes, com o
mesmo objetivo, diferindo apenas nas partes,
mas com idêntica causa de pedir e pedido.
Isso emperraria, ainda mais, o judiciário e
inviabilizaria mesmo a efetiva prevenção ou
reparação do dano (...), sem falar nas
decisões contraditórias.”
138
Ada Pellegrini Grinover, ao se manifestar sobre
a extensão subjetiva da coisa julgada e a fórmula da
representatividade adequada, leciona:
“É certo que a extensão da coisa julgada a
quem não foi pessoalmente parte no processo,
mas nele foi, na fórmula norte-americana,
adequadamente representado pelo portador em
juízo dos interesses metaindividuais ou dos
direitos subjetivos coletivamente tratados,
não seria, em última análise, uma verdadeira
ampliação ultra partes
139
acrescentando, no
138 Coisa julgada e litispendência em ações coletivas, p. 59/60.
139 Esclarece a eminente processualista que “... é justamente na
ótica da adequada representação do conjunto de interessados que
se podem resolver os problemas constitucionais da informação e
do contraditório e de seus reflexos nos limites subjetivos da
coisa julgada, porquanto os adequadamente representados não são
propriamente terceiros. Com efeito, a cláusula norte-americana
tem fundamento constitucional e pretende exatamente conciliar as
garantias do devido processo legal com técnicas peculiares às
ações coletivas. A parte ideológica leva a juízo o interesse
metaindividual, representando concretamente a classe, que terá
exercido seus direitos processuais através das garantias da
defesa e do contraditório asseguradas ao representante. O
mecanismo baseia-se na concepção de que o esquema representativo
(continua na página seguinte)
167
entanto, que “o sistema brasileiro não
escolheu o caminho do controle judicial da
representatividade adequada, satisfazendo-se
com o critério da existência legal e da pré-
constituição das associações legitimadas às
ações coletivas. Foi esse o caminho traçado
pela denominada lei da ação civil pública
(Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985), que
seria depois incorporado pela Constituição no
tocante ao mandado de segurança coletivo
(inc. LXX, alínea b do art. 5º da CF) e
posteriormente pelo Código de Defesa do
Consumidor (art. 82, IV).”
140
Após refutar críticas direcionadas à
normatização da coisa julgada pelo CDC, Antonio Gidi é
categórico em afirmar que este Código não só “construiu
um regramento para a ação coletiva que, satisfazendo as
prementes necessidades de uma tutela diferenciada aos
é apto a garantir aos membros da categoria a melhor defesa
judicial, a ponto de afirmar-se que nesse caso o julgado não
atuaria propriamente ultra partes, nem significaria real exceção
ao princípio da limitação subjetiva do julgado, mas configuraria
antes um novo conceito de representação substancial e
processual, aderente às novas exigências da sociedade”. (Código
brasileiro de defesa do consumidor, comentado pelos autores do
anteprojeto, op. cit., p. 708).
140 Comenta a autora que “Além dessa razão, outras circunstâncias
desaconselhavam a transposição pura e simples, à realidade
brasileira, do esquema norte-americano da coisa julgada nas
class actions: a deficiência da informação completa e correta, a
ausência de conscientização de enorme parcela da sociedade, o
desconhecimento de acesso à justiça, a distância existente entre
o povo e o Poder Judiciário, tudo a constituir gravíssimos
entraves para a intervenção de terceiros, individualmente
interessados, nos processos coletivos, e mais ainda para seu
comparecimento a juízo visando à exclusão da futura coisa
julgada”. (Ibidem, p. 709).
168
direitos coletivamente considerados, não violasse as
garantias constitucionalmente reconhecidas do devido
processo legal, do contraditório, da ampla defesa e da
inafastabilidade do controle jurisdicional a qualquer
lesão ou ameaça de lesão a direito (CF, art. 5º, LIV, LV
e XXV)” como também atendeu “à realidade sócio-cultural
de um país atrasado e sem qualquer tradição ou
experiência com a defesa de direitos coletivos como o
nosso”. Acrescenta que:
“... a solução adotada pelo Código poderia
ter sido semelhante à do sistema norte-
americano da extensão erga omnes da coisa
julgada pro et contra, e não apenas in
utilibus, atingindo a esfera jurídica
individual de todos os interessados no
julgamento da lide, condicionada apenas à
avaliação da ‘representação adequada’ e à
efetiva notificação de todos os interessados.
Entretanto, não se nos afigura adequada à
nossa realidade a disciplina norte-americana.
Tanto cultural como economicamente vulnerável,
a situação do nosso país não seria um terreno
propício para essa disciplina. Também não
parece ser superior à nossa tal solução.
Poder-se-ia mesmo afirmar que a solução
adotada pelo Código pátrio servirá de
169
parâmetro para todas as nações que se
preocupam com o tema.”
141
O CDC ocupou-se do instituto da coisa julgada
no art. 103, disciplinando toda a matéria concernente às
ações coletivas, “seja definindo seus limites subjetivos
(o que equivale a estabelecer quais as entidades e
pessoas que serão alcançadas pela autoridade da sentença
passada em julgado), seja determinando a ampliação do
objeto do processo da ação coletiva, mediante o
transporte, in utilibus, do julgado coletivo às ações
individuais”, sendo certo que:
“Muito embora o dispositivo se refira às
‘ações coletivas de que trata este Código’,
na realidade sua abrangência é maior. (...)
pois os dispositivos processuais do Código se
aplicam, no que couber, a todas as ações em
defesa de interesses difusos, coletivos, ou
individuais homogêneos, coletivamente
tratados. Isto significa que a disciplina da
coisa julgada, contida no art. 103, rege as
sentenças proferidas em qualquer ação
coletiva, pelo menos até a edição de
disposições específicas que venham
disciplinar diversamente a matéria. Assim,
por exemplo, a coisa julgada na ação coletiva
a que foi legitimado o sindicato, nos termos
141 Ibidem, p. 71-2.
170
do art. 8º, inc. III, da CF, que ainda não
encontrou assento próprio na legislação
específica, deverá reger-se pelo estatuído no
Cap. IV do Título III do Código. O mesmo
ocorre com as ações promovidas por entidades
associativas em defesa dos interesses
coletivos de seus filiados (art. 5º, inc.
XXI, da CF) e com as ações das comunidades e
organizações indígenas em defesa dos
interesses dos índios (art. 232 da CF).”
142
No sistema do CPC, a coisa julgada ocorre
sempre, independentemente do resultado da demanda, não
havendo de cogitar da ocorrência de coisa julgada segundo
o evento ou o resultado do julgamento. Já no sistema do
CDC, a coisa julgada ocorre secundum eventum litis, o que
significa, à luz dos valores aí protegidos, que não
ocorre a coisa julgada se o julgamento for desfavorável e
se essa improcedência houver sido por insuficiência de
provas. Daí, a assertiva de que a coisa julgada se forma
secundum eventum litis apenas para beneficiar – in
utilibus –, não prejudicando os direitos individuais que
podem ser tutelados individualmente, ainda que
improcedente a ação coletiva.
142 Ada Pellegrini Grinover, op. cit., p. 717.
171
Verificando-se, pois, a improcedência da ação
coletiva que não seja por deficiência de prova, a coisa
julgada material que se forma atinge apenas a pretensão,
a lide coletiva e, conseqüentemente, o direito
superindividual (difuso ou coletivo) em jogo. É por esse
motivo que Antonio Gidi afirma “que não se pode dizer que
a coisa julgada coletiva se forma secundum eventum litis.
Em verdade, a coisa julgada nas ações coletivas se forma
pro et contra. O que é secundum eventum litis é a
extensão in utilibus da coisa julgada para a esfera
individual dos componentes da comunidade ou da
coletividade.”
143
Preleciona o art. 103:
Nas ações coletivas de que trata este Código, a
sentença fará coisa julgada:
I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado
improcedente por insuficiência de provas, hipótese
em que qualquer legitimado poderá intentar outra
ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova
prova, na hipótese do inc. I do parágrafo único do
art. 81;
II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo,
categoria ou classe, salvo improcedência por
insuficiência de provas, nos termos do inciso
143 Ibidem, p. 126-7.
172
anterior, quando se tratar da hipótese prevista no
inc. II do parágrafo único do art. 81;
III – erga omnes, apenas no caso de procedência do
pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus
sucessores, na hipótese do inc. III do parágrafo
único do art. 81.
Parágrafo 1º - Os efeitos da coisa julgada
previstos nos incs. I e II não prejudicarão
interesses e direitos individuais dos integrantes
da coletividade, do grupo, categoria ou classe.
Parágrafo 2º - Na hipótese prevista no inc. III, em
caso de improcedência do pedido, os interessados
não tiverem intervindo no processo como
litisconsortes poderão propor ação de indenização a
título individual.
Parágrafo 3º - Os efeitos da coisa julgada de que
cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei
7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão
as ações de indenização por danos pessoalmente
sofridos, propostas individualmente ou na forma
prevista neste Código, mas, se procedente o pedido,
beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que
poderão proceder à liquidação e à execução, nos
termos dos arts. 96 a 99.
Parágrafo 4º - Aplica-se o disposto no parágrafo
anterior à sentença penal condenatória.
Depreende-se, pois, que a coisa julgada
disciplinada no CDC, de aplicação a todo e qualquer
interesse metaindividual, observou a natureza do
interesse objetivado, isto é, difuso, coletivo ou
173
individual homogêneo, sendo que a extensão subjetiva da
coisa julgada não se encontra umbilicalmente ligada às
partes como no processo tradicional, visto que os
detentores do direito material não são coincidentes com
as partes do processo, ou seja, os entes legitimados para
a ação coletiva não são os titulares do direito material
a ser tutelado.
Daí, ser inócua a inovação trazida pelo art.
16 da Lei nº 7.347/85, com a redação dada pela Lei nº
9.494/97, ao querer limitar o efeito erga omnes aos
“limites da competência territorial do órgão prolator”,
uma vez que na esteira de Nelson e Rosa Maria Andrade
Nery,
144
“Confundiram-se os limites subjetivos da
coisa julgada erga omnes, isto é, quem são as
pessoas atingidas pela autoridade da coisa
julgada, com jurisdição e competên-cia, que
nada tem a ver com o tema. Pessoa divorciada
em São Paulo é divorciada no Rio de Janeiro.
Não se trata de discutir se os limites
territoriais do juiz de São Paulo podem ou
não ultrapassar seu território, atingindo o
Rio de Janeiro, mas quem são as pessoas
atingidas pela sentença paulista”.
144 Código de processo civil comentado, nota 12 ao art. 16 da Lei
nº 7.347/85.
174
Com efeito, não poderá limitar a eficácia da
sentença transitada em julgado à competência territorial,
vez que estabelecida a competência funcional (art. 93,
CDC), a jurisdição, como emanação própria da soberania,
abrange todo o território nacional. A doutrina mostra-se
pacífica quanto à inutilidade da inovação legislativa
145
,
ressaltando Rodolfo de Camargo Mancuso que:
“... o sistema que rege a jurisdição coletiva
em matéria de interesses metaindividuais
forma um todo integrado e intercomplementar:
na parte processual do CDC se distinguem as
eficácias erga omnes e ultra partes da coisa
julgada, em função do tipo de interesse
metaindividual objetivado (art. 103, incisos
e parágrafos, e art. 104) e, bem assim, se
faz o discrímen entre os danos local,
regional e nacional (art. 93 e incisos),
autorizando-se, por fim, o traslado de todo
esse conjunto para o âmbito da Lei 7.347/85
(cf. art. 117 do CDC, que para tal
acrescentou um art. – n. 21 à Lei 7.347/85).
Com isso, parece que inibe, até certo ponto,
o efeito da inovação advinda com a Lei
145 Nesse sentido é Ada Pellegrini Grinover (Código brasileiro de
defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, op.
cit., p. 717-725), Antonio Gidi (Coisa julgada e listispendência
em ações coletivas, op. cit., p. 87-91), Renato Rocha Braga (A
coisa julgada nas demandas coletivas, Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2000, p. 153-176), Hugo Nigro Mazzilli (Interesses
difusos, conceito e legitimação para agir. 5ª ed. rev. e at.,
São Paulo: RT, 2001, p. 281).
175
9.494/97, na medida em que uma interpretação
ponderada e sistemática dos textos de
regência por certo sinalizará no sentido de
que a compreensão e a extensão da coisa
julgada não podem ser delimitadas em função
de território, que é critério determinativo
de competência, justamente por isso invocado
no art. 2º da Lei 7.347/85.”
146
(Destaques no
original).
Objetivando contribuir para a elucidação da
questão relativa à extensão subjetiva da coisa julgada,
Célia Regina Camachi Stander e Elisa Maria Brant de
Carvalho Malta também concluem nesse sentido, trazendo a
lume o seguinte exemplo:
“Suponha que um empregador de âmbito nacional
(por exemplo, um Banco com agências por todo
o território brasileiro), esteja lesando por
um ato toda a coletividade de empregados,
através, por exemplo, de uma alteração
ilícita e geral das condições de trabalho.
Para reparar tal lesão, de caráter nacional,
ter-se-ia que intentar diversas ações e
distribuí-las por tantas Juntas (Varas)
quantas fossem necessárias para abarcar todo
o território abrangido pelo dano. Tal
pulverização, contrariando a natureza
coletiva do bem tutelado, implicaria,
146 Ação civil pública, p. 238-9.
176
certamente, em múltiplos provimentos, com
alto risco de decisões conflitantes.”
147
1.1 Coisa Julgada e Interesses Difusos
O inciso I do art. 103 disciplina a coisa
julgada nas ações coletivas de defesa de interesses
difusos, dispondo que a sentença fará coisa julgada “erga
omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por
insuficiência de provas, hipótese em que qualquer
legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico
fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inc.
I do parágrafo único, do art. 81”. Este dispositivo
define os interesses difusos propriamente ditos como “os
transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam
titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato”.
A eficácia oponível é erga omnes, em face
da natureza dos interesses transindividuais e
indivisíveis, alcançados pela sentença, que dirime esse
tipo de interesse, ou seja, abrangerá ela toda a
coletividade, inviabilizando, portanto, o ajuizamento de
147 A coisa julgada na ação civil pública e a Lei 9.494/97, Rev.
LTr, n. 62, p. 657.
177
outra ação coletiva ou mesmo ações individuais, quando já
satisfeito o bem a ser protegido, salvo quando o pedido
for diverso, incidindo aí a hipótese do § 1º do art. 103,
visto que “os efeitos da coisa julgada (ou a autoridade
da sentença, na teoria de Liebman) não prejudicarão
interesses e direitos individuais dos integrantes da
coletividade, que poderão promover ações pessoais de
natureza individual, após a rejeição da demanda
coletiva”.
148
Quando for julgada a ação por insuficiência
de provas e ficando assim assentado no comando
sentencial, não há coisa julgada, podendo ser ajuizada
outra ação coletiva, com base em novas provas pelo mesmo
legitimado ou qualquer outro, tal qual já previa o art.
148 Ada Pellegrini Grinover exemplifica: “numa demanda coletiva,
que vise à retirada do mercado de produto considerado nocivo à
saúde pública, a sentença rejeita o pedido, julgando a ação
improcedente, por não considerar o produto danoso. A coisa
julgada, atuando erga omnes, impede a renovação da ação (salvo
na hipótese de insuficiência de provas), por parte de todos os
entes e pessoas legitimados às ações coletivas (...). Mas não
obsta a que o consumidor Caio, reputando-se lesado em sua saúde
pelo produto, ajuíze sua ação pessoal indenizatória”
acrescentando que neste ponto o “Código não inova quanto aos
princípios gerais sobre a coisa julgada, porque o objeto do
processo, na primeira causa, ficou delimitado pelo pedido
inibitório, sendo diverso o objeto da segunda demanda (pedido
indenizatório)”, pelo que o § 1º do art. 103 tem finalidade
meramente didática (Código brasileiro de defesa do consumidor,
comentado pelos autores do anteprojeto, op. cit., p. 726-7).
178
18 da LAP (Lei nº 4.717/65) e art. 16 da LACP (Lei nº
7.347/85).
149
Arruda Alvim ressalta que:
“A improcedência, por insuficiência de
provas, deverá constar ou, ao menos, defluir
da fundamentação da sentença e esta
circunstância é que será o parâmetro decisivo
para viabilizar-se a propositura da mesma
ação calcada em nova prova. Ou seja, é a
insuficiência de prova, como tal constante da
precedente sentença de improcedência, que
determina a não ocorrência de coisa julgada.
Se tiver sido esse o fundamento da
improcedência, é ele que determina a não
ocorrência de coisa julgada; e, pois, se
houver nova prova, pode ser reproposta a ação
civil coletiva; se não vier a existir nova
prova, ainda que não haja coisa julgada,
aquela circunstância não será útil na ordem
prática, como poderia ter vindo a ser.”
150
A improcedência por insuficiência de provas
deve ser expressa nesse sentido, não comportando omissão,
149 Para Antonio Gidi “Tanto a defesa coletiva dos interesses
difusos quanto na defesa coletiva dos interesses coletivos, o
CDC disciplinou a matéria de maneira semelhante. Em verdade não
inovou substancialmente no ordenamento jurídico-positivo
brasileiro preexistente, pois esse mesmo regime da coisa
julgada, em sua linhas gerais, já era previsto tanto para a ação
popular quanto para a ação civil pública”. (Op. cit., p. 116).
150 Notas sobre a coisa julgada coletiva. In: Revista da
Associação dos Magistrados Brasileiros, ano 4, nº 9, 2º
sem./2000, p. 95.
179
contradição ou obscuridade, com o que a parte deve valer-
se dos competentes embargos declaratórios para sanar
eventuais vícios de intelecção do julgado, para que o
magistrado sane a omissão, afaste a contradição ou aclare
a obscuridade, deixando, dessa forma, aberta a via
coletiva às entidades legitimadas pelos arts. 5º da LACP
e art. 82 do CDC. Se no julgado que julgar improcedente a
pretensão metaindividual não ficar configurado que se deu
por insuficiência de prova e não for oposto embargo de
declaração, a matéria estará irremediavelmente preclusa,
inviabilizando a tutela do direito via ação coletiva,
competindo aos legitimados, se for o caso, o ajuizamento
de ação rescisória, objetivando desconstituir a decisão,
com amparo no art. 485 do CPC.
O certo é que, tratando-se de matéria
meramente de direito, não haverá maiores discussões
quanto à improcedência do pedido, fato potencializado
quando a improcedência decorre de matéria fática, quando
nem sempre da contextualização dos autos saberá ou ficará
claro que a improcedência decorre por (in)suficiência de
prova, já que tal fato sempre poderá aflorar, ainda que,
a princípio, se vislumbre caso de improcedência com amplo
espectro probatório a configurar a improcedência, mas,
ainda assim, poderá ocorrer a hipótese de surgimento de
180
provas a configurar que a improcedência decorreu,
efetivamente, por insuficiência de prova, fato que,
quando da sentença, não se detectou e, por isso, não se
opôs embargos declaratórios. Assim, a deficiência deverá
ser relevada, não só quando o juiz assim expressa, mas
também quando o juiz e as partes, por ocasião do
julgamento, não constataram a deficiência.
Se o pedido pleiteado for atendido, a
sentença terá abrangência sobre toda a coletividade,
cujos membros podem valer-se da coisa julgada, em
benefício de suas pretensões individuais. Havendo
improcedência do pedido, cumpre distinguir se o fora por
insuficiência de provas, visto que, nesse caso, a
sentença não se reveste da autoridade da coisa julgada
material e qualquer legitimado, inclusive o próprio
demandante, poderá renovar a ação, com idêntico pedido.
Se a improcedência não se correlaciona com a
insuficiência de provas, a sentença terá eficácia
oponível erga omnes, em relação a todos os entes
legitimados pelos arts. 5º da LACP e 82 do CDC, impedindo
o ajuizamento de nova ação coletiva, pelo mesmo
fundamento. Nada obstante, não exclui as ações
individuais, com idêntico fundamento, de iniciativa dos
titulares dos interesses e direitos pertencentes aos
181
integrantes da coletividade, grupo, categoria ou classe,
nos termos do § 1º do art. 103 do CDC.
Críticas há quanto à norma insculpida no
§ 1º do art. 103 do CDC, por entender-se desnecessária a
previsão legal, uma vez que a conclusão de qualquer
sentença só se torna imutável e indiscutível em relação
ao pedido, identificado pelo objeto e a causa de pedir, e
estes elementos são distintos, em se tratando de ação
coletiva e ação individual, portanto, impossível os
efeitos daquela prejudicarem os interesses ou direitos
individuais dos integrantes da coletividade, grupo,
categoria ou classe. A própria Ada Pelegrini Grinover
151
afirma que o referido dispositivo tem finalidade
meramente didática, visando a tornar explícita regra que,
de qualquer modo, se extrairia dos princípios e dos
elementos do direito processual, aduzindo que a grande
inovação do Código de Defesa do Consumidor está no §
do art. 103, com o transporte da coisa julgada positiva
para beneficiar as pretensões individuais, vez que
“inspirado no princípio de economia processual e nos
critérios da coisa julgada secundum eventum litis, bem
como na ampliação ope legis do objeto do processo,
151 Op. cit., p. 727.
182
expressamente autoriza o transporte, in utilibus, da
coisa julgada resultante de sentença proferida na ação
civil pública para as ações individuais de indenização
por danos pessoalmente sofridos”, apontando duas
hipóteses em que isso pode ocorrer:
“a) quando a ação coletiva é julgada
improcedente não atinge terceiros que poderão
ajuizar suas próprias ações reparatórias; b)
quando procedente a ação coletiva, “pelas
regras clássicas sobre a coisa julgada, não
haveria como transportar, sem norma expressa,
o julgado da ação civil pública às demandas
individuais: não só por se tratar de ações
diversas, pelo seu objeto, como também porque
a ampliação do objeto do processo só pode ser
feita por lei. Todavia, por economia
processual, o Código prevê o aproveitamento
da coisa julgada favorável oriunda da ação
civil pública, possibilitando às vítimas e
seus sucessores serem por ela beneficiados,
sem necessidade de nova sentença
condenatória, nos termos do disposto nos
arts. 97 a 100 do Código. Ocorre aqui, além
da extensão subjetiva do julgado, a ampliação
do objeto do processo, ope legis, passando o
dever de indenizar a integrar o pedido.”
152
152 Ibidem, p. 730.
183
1.2 Coisa Julgada e Interesses Coletivos
Com espeque na definição do inciso II,
parágrafo único, do art. 82 do CDC, temos que os
interesses ou direitos coletivos são marcados pela
transindividualidade de natureza indivisível, cuja
titularidade é de grupo, categoria ou classe de pessoas
ligadas entre si ou com a parte contrária, por uma
relação jurídica base.
Ao tratar da coisa julgada desses
interesses, o inciso II do art. 103 do CDC, outorgou-lhes
eficácia oponível ultra partes, mas limitadamente ao
grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por
insuficiência de provas, nos termos do inciso I, relativo
aos interesses difusos.
A rigor, o Código de Defesa do Consumidor
não inovou substancialmente quanto à disciplina da coisa
julgada, vez que adotou o mesmo regime já previsto tanto
para a ação popular (Lei nº 4.717/65) quanto para a ação
civil pública de que trata a Lei nº 7.347/85, não
diferindo, em substância, ainda, a disciplina dispensada
ao interesses difusos e aos coletivos.
Antonio Gidi preleciona que, em verdade,
não há nenhuma diferença ontológica entre as expressões
184
latinas erga omnes e ultra partes consideradas
isoladamente, distinguindo-as apenas as expressões que
lhes seguem, pelo que seria mais técnico e preciso o
legislador do CDC ter adotado indistintamente, nos três
incisos do art. 103, a expressão ultra partes, uma vez
que significaria exatamente a mesma prescrição normativa,
tanto se constasse do inciso III do art. 103 que a
sentença em ação coletiva faz coisa julgada erga omnes
“para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores”,
como se constasse que faz coisa julgada ultra partes,
seguida do mesmo texto mencionado. De igual forma, seria
indiferente a utilização pelo inciso II das expressões
erga omnes ou ultra partes, vez que a extensão
delimitadora dos seus efeitos é exatamente a expressão
que lhe segue: “mas limitadamente ao grupo, categoria ou
classe”, o que seria até dispensável, em se tratando de
direito coletivo, definido pelo art. 82, parágrafo único,
inciso II do CDC.
153
153 Diz o monografista sobre a matéria que “Se o direito coletivo,
como previsto no inciso II do parágrafo único do art. 81 do CDC,
a pretensão já é em sua origem limitada ao grupo, à categoria
ou à classe titular do direito e seus respectivos membros. Não
haveria mais ninguém na comunidade, além desses membros da
coletividade, que pudesse vir a ser atingido – diretamente –
pelo comando da sentença e, conseqüentemente, pela autoridade da
coisa julgada. E seria mesmo inusitado e desnecessário que um
artigo de lei dissesse que a coisa julgada só atinge o titular
do direito pleiteado em juízo”. (Ibidem, p. 109).
185
Não olvidamos que o texto que se lhe faz
seguir a expressão latina é que lhe delimita a extensão
dos efeitos da coisa julgada, mas também não olvidamos
que a expressão erga omnes guarda em si mesma uma
conotação mais abrangente que a expressão ultra partes,
daí a opção do legislador em utilizar-se uma ou outra
expressão latina, a fim de enfatizar a extensão de sua
eficácia, a depender do interesse tutelado.
Pode-se afirmar que única diferença da
coisa julgada entre interesses difusos e coletivos reside
na diversa extensão dos efeitos da sentença em relação a
terceiros, de molde que, em se tratando de interesses
difusos, os efeitos da coisa julgada se estendem a toda
coletividade, sem exceção; enquanto que, nos interesses
coletivos, os efeitos são restritos aos membros do grupo,
categoria ou classe, ligados entre si ou com a parte
contrária, por uma relação jurídica base.
1.3 Coisa Julgada e Interesses Individuais
Homogêneos
A coisa julgada relativamente aos
interesses ou direitos individuais homogêneos, a teor do
disposto no inc. III do art. 103, tem eficácia erga
omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para
186
beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na
hipótese do inc. III do parágrafo único do art. 81.
Complementa a sua disciplina o § 3º do art. 103, ao
dispor que, no caso de improcedência do pedido, os
interessados que não estiverem intervindo no processo
como litisconsortes poderão propor ação de indenização a
título individual.
Aqui teríamos a class action à brasileira,
isto é, uma ação coletiva na tutela de direitos
individuais, voltada para a produção de uma espécie de
sentença, definidora de responsabilidade civil genérica
(art. 95, CDC), decorrente do ilícito praticado. É, como
disse com propriedade J. I. Botelho de Mesquita
154
, “uma
espécie de sentença condenatória em branco”.
Aqui o pedido é certo, porém, genérico,
acrescentando mais uma hipótese ao art. 286 do CPC, que
reconhece a licitude da formulação de pedido genérico em
determinados casos. Ao pedido genérico, a sentença
responderá também com condenação genérica, o que não
significa que sentença não seja certa ou precisa. A
154 Na ação do consumidor, pode ser inútil a defesa do fornecedor.
Revista do Advogado, n. 33, 1190, p. 80.
187
certeza é condição essencial de qualquer julgamento, de
modo a viabilizar a execução do julgado.
O efeito erga omnes, neste caso, somente
ocorre em havendo procedência do provimento coletivo, a
fim de beneficiar os titulares dos direitos tutelados,
sendo que a parte que litiga individualmente, para
beneficiar-se da coisa julgada, formada em ação coletiva,
deverá ter requerido oportunamente a suspensão da
contenda individual para, na hipótese de improcedência,
prosseguir perseguindo resultado favorável. Os titulares
de direitos, objeto de ação coletiva, que ainda não
ajuizaram ação individual, podem exercitar esse direito
de ação somente na hipótese de improcedente o provimento
coletivo.
1.4 Da Litispendência
Sabemos que para a configuração da
litispendência, faz-se necessária a ocorrência da
tríplice identidade: partes, pedido e causa de pedir.
Faltando um destes elementos, não há de se cogitar de
litispendência.
188
Para melhor aclarar o instituto em estudo,
colho da lição do professor Humberto Theodoro Júnior,
verbis:
"... Referindo-se à litispendência e à coisa
julgada, nosso Código de processo Civil
dispõe que ‘uma ação (rectius: uma causa) é
idêntica à outra quando tem as mesmas partes,
a mesma causa de pedir e o mesmo pedido'
(art. 301, § 2º).
Não se consideram iguais as causas apenas
porque envolvem uma mesma tese controvertida,
ou os mesmos litigantes, ou ainda a mesma
pretensão. É preciso, para tanto, que ocorra
a tríplice mesmeidade de partes (ativa e
passiva), de pedido de causa petendi. Para
que as partes sejam as mesmas, impõe-se que
idêntica ainda a qualidade jurídica de agir
nos dois processos. Se num o litigante obrou
em nome de outrem (como representante legal
ou mandatário) e noutro em nome próprio, é
claro que inocorre a identidade de parte.
.....
O pedido, como objeto da ação equivale à
lide, isto é, à matéria sobre a qual a
sentença de mérito tem de atuar. É o bem
jurídico pretendido pelo autor perante o réu.
É também pedido, no aspecto processual, o
tipo de prestação jurisdicional invocada
(condenação, execução, declaração, cautela
etc.).
......
189
A causa petendi, por sua vez, não é a norma
legal invocada pela parte, mas o fato
jurídico que ampara a pretensão deduzida em
juízo.
Todo direito nasce do fato, ou seja, do fato
a que a ordem jurídica atribui um determinado
efeito. A causa de pedir, que identifica uma
causa situa-se no elemento fático e em sua
qualificação jurídica. Ao fato em si mesmo
dá-se a denominação de ‘causa remota' do
pedido; e à sua repercussão jurídica, a de
causa próxima do pedido.
Para que sejam duas causas tratadas como
idênticas é preciso que sejam iguais tanto a
causa próxima como a remota.”
155
Cotejando a ação individual com a ação
coletiva, verifica-se que não há coincidência em nenhum
de seus elementos. Nesta, o autor será sempre um daqueles
entes de que trata o art. 82 do CDC; na ação individual,
será o próprio titular do direito a ser tutelado.
Da causa de pedir, apesar de difícil
diferenciação, sobressai que, na ação coletiva se pede a
tutela de um direito superindividual indivisivelmente
considerado; enquanto a causa de pedir na ação
155 Curso de direito processual civil, p. 63-4.
190
individual, por sua vez, diz respeito à tutela de um
direito individual e divisível.
Percebe-se que os objetos de ambos os
processos são diversos, no primeiro caso, trata-se de uma
coletividade, envolvendo tutela de direito
superindividual, indivisivelmente considerado. No segundo
caso, o pedido na ação individual visa à tutela de um
direito individual e divisível, cujo titular é o próprio
autor que busca o ressarcimento pessoal.
Ainda que assim não fosse, o art. 104 do
Código de Defesa do Consumidor, estatuto que rege as
ações coletivas no nosso ordenamento jurídico (exegese
das Leis nº 7.347/85 e 8.078/90), prevê, expressamente, a
exclusão de litispendência entre as ações individuais e
as ações coletivas.
Sobre a matéria, dispõe Antonio Gidi,
citando Calmon de Passos: “... a lei disse o óbvio,
apenas para preparar o alcance e o entendimento da parte
final do dispositivo. Fica, porém, o preceito. E é bem-
vindo, como forma de espancar eventuais dúvidas e
perplexidades no espírito do processualista brasileiro,
191
ainda voltado para o tradicional estudo do processo como
instrumento de composição de lides individuais”.
156
Nada obstante, o CDC oferece duas opções a
título individual, assim sintetizadas por Ada Pellegrini
Grinover:
“a) pretendendo o autor prosseguir em sua ação
individual, ficará excluído da extensão
subjetiva do julgado prevista para a sentença
que vier a ser proferida na ação coletiva.
Mesmo sendo ela favorável e projetando-se
seus efeitos erga omnes ou ultra partes (nos
termos dos incs. I a III do art. 103, c/c
seus §§ 1º e 2º), o autor que já pôs em juízo
sua ação individual e que pretenda vê-la
prosseguir em seu curso, não será beneficiado
pela coisa julgada que poderá eventualmente
formar-se na ação coletiva. A ação individual
pode continuar seu curso, por inexistir
litispendência, mas o autor assume os riscos
do resultado desfavorável (excepcionando
expressamente o Código ao princípio geral da
extensão subjetiva do julgado in utilibus);
b) se o autor preferir, poderá requerer a
suspensão do processo individual, no prazo de
30 dias a contar da ciência, nos autos, do
ajuizamento da ação coletiva. Nesse caso,
será ele beneficiado pela coisa julgada
156 Coisa Julgada e Litispendência em Ações Coletivas, p. 189.
192
favorável que se forma na ação coletiva.
Sendo improcedente a ação coletiva, o processo
individual retomará seu curso, podendo ainda o
autor ver acolhida sua demanda individual.
Tudo coerentemente com os critérios da
extensão subjetiva do julgado secundum
eventum litis adotados pelo Código.”
157
Dessarte, havendo opção pelo prosseguimento
da ação individual, fica o titular do direito tutelado na
ação coletiva excluído da extensão subjetiva do julgado
inerente à sentença que vier a ser proferida na ação
coletiva.
157 Op. cit., p. 734.
193
CONCLUSÃO
Do que expusemos, poderíamos suscitar
inúmeras outras questões atinentes ao tema proposto, dada
a sua amplitude, mas, dentro dos objetivos perseguidos
neste trabalho, podemos tirar as seguintes conclusões:
Os direitos fundamentais sociais estão a
exigir uma atuação pronta e eficaz do Estado na solução
coletiva dos conflitos ocorrentes, mormente, quando
envolvendo temas inerentes à dignidade humana, à redução
das desigualdades sociais, à erradicação da miséria e da
marginalização, à valorização do trabalho e da livre
iniciativa, à defesa do meio ambiente e dos direitos
sociais dos trabalhadores que, em última análise, são
postulados de uma sociedade democrática, livre, justa e
solidária.
Às controvérsias coletivas aplicam-se as
normas processuais constantes da Lei da Ação Civil
Pública e o procedimento adotado pelo Título III do
Código de Defesa do Consumidor, formando-se aí verdadeiro
processo coletivo, em face da perfeita
interdisciplinariedade entre as Leis nº 7347/85 e
8.078/90 (Título III), de natureza eminentemente
processual, visto que objetivam regular a ação protetiva
194
dos vários direitos subjetivos e deveres jurídicos,
relativos aos interesses metainvidividuais.
Daí se extrai a definição legal de
interesses ou direitos difusos (art. 81, parágrafo único,
I, da Lei nº 8.078/90) como sendo aqueles
transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam
titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato. Os interesses ou direitos
coletivos, em sua definição legal, como sendo os
transindividuais de natureza indivisível de que seja
titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas
entre si ou com a parte contrária por uma relação
jurídica base (art. 81, parágrafo único, II) e os
interesses ou interesses individuais homogêneos, como os
decorrentes de origem comum (art. 81, parágrafo único,
III).
Diante da imprecisão do legislador no trato
da matéria, a nomenclatura mais viável da ação, destinada
a tutelar os direitos metaindividuais, seria a ação
coletiva, pela sua expressividade, pouco importando se
tutelando direitos difusos e coletivos (os essencialmente
coletivos) ou os individuais homogêneos (os
acidentalmente coletivos), sendo que, para efeito deste
trabalho, utilizamos o nomen jures ação civil pública
195
como sinônimo da ação coletiva, visto que aquela
nomenclatura já se encontra sedimentada na consciência
jurídica brasileira.
Tratando-se de ação coletiva ou ação civil
pública, a legitimação é exclusiva dos entes nominados em
lei (art. 5
º
/LACP e 82/CDC: Ministério Público, Entidades
Sindicais etc), portanto, únicos detentores de
legitimação ordinária (autônoma-concorrente-disjuntiva),
para a tutela dos direitos e interesses metaindividuais:
difusos e coletivos.
Para a tutela dos chamados direitos
individuais homogêneos, a legitimação, por força de lei
(art. 91/CDC), é a extraordinária, vez que os
legitimados, de que trata o art. 82, poderão propor, em
nome próprio e no interesse de outrem, ação civil
coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente
sofridos. A hipótese, portanto, é de substituição
processual, porque a lei legitimou outrem para a defesa
em juízo, em nome próprio, de direito alheio, cujo
titular é identificável e individualizável.
A dimensão coletiva dos direitos
individuais homogêneos é o bastante para conferir
legitimidade ao Ministério Público, cujo interesse goza
196
de presunção legal. Enquanto tratados em sua dimensão
coletiva, esses direitos assumem a condição de
indisponíveis, uma vez que a disponibilidade está,
necessariamente, ligada a sua tutela individual. O
tratamento coletivo dos interesses individuais, quase
sempre, atrai o interesse público a justificar a
intervenção do Ministério Público.
Concomitantemente, os sindicatos detêm
legitimação ordinária para a tutela dos interesses
metaindividuais, mediante ação coletiva, e legitimação
extraordinária conferida pelo art. 8
º
, III, da
Constituição Federal e leis infraconstitucionais (Lei nº
8.073/90, combinada com os artigos 81, 82 e 117 da Lei nº
8.078/90) para a tutela jurisdicional de direitos
coletivos e individuais da categoria, estes nem sempre
derivados de origem comum. E isto, porque o sindicato
como categoria organizada em defesa dos interesses
trabalhistas, ocupa uma situação jurídica que lhe impõe a
defesa dos direitos individuais da categoria. A ampliação
dos limites da substituição processual dos sindicatos
pela Constituição e leis infraconstitucionais para a
defesa de todos os direitos individuais homogêneos dos
trabalhadores, ganhou impulso com o advento da Lei nº
8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor – que regulou o
197
processo coletivo de defesa dos direitos difusos,
coletivos e individuais homogêneos.
A Medida Provisória nº 1.984-19, de 29 de
junho de 2000, ao excluir do raio de atuação da ação
civil pública os tributos, as contribuições
previdenciárias, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
e outros fundos institucionais, incorreu em vício de
inconstitucionalidade formal e material, na medida em que
não observou os requisitos de urgência e relevância para
a sua edição e sucessivas reedições, restringindo o
alcance da ação civil pública, por afronta direta aos
dispositivos constitucionais.
A competência da Justiça do Trabalho para
instruir e julgar ações coletivas encontra-se pacificada
tanto na doutrina e na jurisprudência, quanto na
aplicação de normas sobre segurança e medicina do
trabalho atinentes ao meio ambiente do trabalho.
A cizânia ainda verificada na doutrina,
quanto à competência hierárquica ou funcional, não
encontra lastro suficiente a sustentá-la, em face de a
expressa disposição legal (art. 2º da Lei nº 7347/85)
dispor competir ao juízo do local do dano, estabelecendo,
aí, expressamente, tratar-se de prerrogativa funcional.
198
A inserção no Regimento Interno do colendo
Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Resolução
Administrativa nº 686 de 29.2.2000, do art. 6º,
estabelecendo competência à Seção Especializada em
Dissídios Coletivos para julgar, originariamente, as
Ações Civis Públicas que excedam a jurisdição dos
Tribunais Regionais do Trabalho, encontra-se eivada de
ilegalidade, visto que a inovação legislativa, dada pela
Lei nº 9.494/97 ao art. 16 da Lei nº 7.347/85, dispondo
que a sentença prolatada em ação civil pública terá seus
efeitos limitados à competência territorial do órgão
prolator, não autoriza a conclusão de que a competência
originária passa a ser de Tribunal, se a abrangência de
lesão for regional ou nacional.
A interpretação não encontra respaldo na
doutrina mais abalizada, vez que o legislador e, na sua
esteira, a decisão do Colendo Tribunal confundiram os
limites subjetivos da coisa julgada erga omnes, isto é,
quem são as pessoas atingidas pela autoridade da coisa
julgada, com jurisdição e competência, que nada tem a ver
com o tema.
A coisa julgada, em se tratando de processo
coletivo, tem disciplina própria no art. 103 do Código de
199
Defesa do Consumidor, bem assim a litispendência no seu
art. 104.
200
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