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GABRIEL ABRÃO FILHO
ASPECTOS MATERIAIS, PROCESSUAIS E
PROCEDIMENTAIS DA AÇÃO CIVIL POR
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
MESTRADO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
SÃO PAULO SP
2007
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GABRIEL ABRÃO FILHO
ASPECTOS MATERIAIS, PROCESSUAIS E
PROCEDIMENTAIS DA AÇÃO CIVIL POR
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE
em Direito Processual civil (Direito das
Relações Sociais), sob a orientação do
Professor Doutor Donaldo Armelin.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
SÃO PAULO SP
2007
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Banca Examinadora
______________________________________
______________________________________
______________________________________
Para minha mãe, Maria Arminda, verdadeira
responsável pela concretização desse
trabalho. A única que nunca pensou em
desistir. Obrigado.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Professor Donaldo Armelin, pela compreensão e
paciência.
A todos que, direta ou indiretamente, me auxiliaram neste trabalho.
Ao meu sócio, Ademar Ocampos, pelos momentos em que esse
trabalho me fez ausente do escritório, e pelo apoio.
Às mulheres da minha vida:
Maria, a quem já dediquei este estudo.
Gabrielle, pelo amor, amizade e apoio incondicional.
Sofia, só por existir.
RESUMO
Esse trabalho teve como objeto o estudo de alguns aspectos de direito
material, processual e procedimental trazidos pela Lei 8.429/92. O
tema é relevante e objeto de constantes debates no cenário nacional,
basta se atentar para os acontecimentos relativos aos atos da
Administração Pública na última década e, mais precisamente, nos dois
últimos anos do cenário político nacional. A sociedade tem o direito à
prestação de contas dos atos dos agentes públicos, amparada que está
pela legislação nacional e internacional, pela idéia de que a força
pública, necessária para a garantia dos direitos do homem e do
cidadão é instituída para fruição por todos e não para utilidade
particular daqueles a quem é confiada. A sociedade brasileira parece
que despertou para a realidade de que o que é público é de todos,
impondo-se a responsabilização daqueles agentes que agiram
contrariamente ao interesse público. O presente estudo está dividido
em quatro partes, onde foram identificados e distinguidos os atos que
caracterizam a improbidade administrativa, bem como os princípios
malferidos pela conduta ímproba, as sanções civis e a tutela penal da
improbidade, a análise dos procedimentos administrativos e do
inquérito civil e o estudo de aspectos do processo judicial e do
procedimento especial trazido pela Lei de Improbidade Administrativa.
Palavras-chaves: Administração Pública, Improbidade Administrativa,
agentes públicos, ação civil.
ABSTRACT
That study had like objective the analysis of the some aspects of
material, procedural and procedural right brought by Law 8.429/92. The
relevance of the choice of the subject is unquestionable, sufficiency be
attacked for the relative events to the acts of the Public Administration
in the last decade and, more precisely, in the two last years of the
national political setting. The society has the right to the installment of
you count of the acts of the public agents, supported that is for the
international and national legislation, by the idea of that the necessary,
public force for the guarantee of the rights of the man and of the citizen
is instituted for fruition by everybody and not for private utility of those
to who is trusted. The Brazilian society looks that awoke for the reality
of that what is public is of everybody and those in who trusted and,
however, betrayed that confidence, should be made responsible and
take responsibility for that. The present study it is divided in four parts,
where they had been identified and distinguished the acts that
characterize the administrative improbity, as well as the principles
mortally wounded by this civil behavior, sanctions and the criminal
guardianship of the improbity, the analysis of the administrative
procedures and the civil inquiry and the study of aspects of the action
at law and the special procedure brought by the Law of Administrative
Improbity
Keywords: Public administration, Improbity Administrative, public
agents, action civilian.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................ 11
1 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA........................................... 13
1.1 CONCEITO....................................................................... 20
1.2 MORALIDADE E PROBIDADE ADMINISTRATIVA................. 26
1.2.1 Moralidade................................................................
35
1.2.2 Probidade................................................................. 45
1.3 DOS ATOS DE IMPROBIDADE........................................... 49
1.3.1 Natureza dos atos de improbidade.............................. 53
1.3.2 Discricionariedade administrativa................................
55
1.3.3 Atos que importam enriquecimento ilícito.....................
62
1.3.4 Atos que causam prejuízo ao erário............................ 64
1.3.5 Atos que atentam contra os princípios da
Administração Pública.............................................................
67
1.4 PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS....................................... 69
1.4.1 Princípio da legalidade...............................................
71
1.4.2 Princípio da impessoalidade.......................................
73
1.4.3 Princípio da publicidade.............................................
75
1.4.4 Princípio da eficiência............................................... 77
1.5 A CORRUPÇÃO E A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA........
78
1.6 A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA EM OUTROS PAÍSES...
82
2 SANÇÕES CIVIS E TUTELA PENAL DA RESPONSABILIDADE
ADMINISTRATIVA..................................................................
85
2.1 CRIME DE RESPONSABILIDADE........................................
93
2.2 CRIME DE PREFEITOS..................................................... 97
2.3 RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA.... 103
2.4 SANÇÕES PREVISTAS NA LEI 8.429/92............................. 107
2.4.1 Perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao
patrimônio..............................................................................
111
2.4.2 Ressarcimento integral do dano..................................
116
2.4.3 Perda da função pública..............................................
122
2.4.4 Suspensão dos direitos políticos..................................
130
2.4.5 Multa civil.................................................................. 137
2.4.6 Proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios...........................
142
3 PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO INVESTIGAÇÃO............ 148
3.1 CONTROLE INTERNO....................................................... 148
3.2 INQUÉRITO CIVIL............................................................. 155
3.2.1 Instauração...............................................................
157
3.2.2 Publicidade...............................................................
160
3.2.3 Contraditório.............................................................
163
3.2.4 Instrução.................................................................. 165
3.2.5 Arquivamento ou representação..................................
165
4
ASPECTOS PROCESSUAIS E PROCEDIMENTAIS DA AÇÃO
CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA .........................
168
4.1 A AÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A
AÇÃO CIVIL PÚBLICA.............................................................
172
4.1.1 Do princípio da fungibilidade...................................... 203
4.1.1.1 Requisitos (ou requisito) para a incidência do
princípio.................................................................................
208
4.1.1.2 Dúvida objetiva ou inexistência de erro
grosseiro...............................................................................
210
4.2 A AÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.........
217
4.2.1 Legitimação.......................... 219
4.2.2 Competência.............................................................
229
4.2.3 O procedimento especial da ação civil por improbidade
administrativa.........................................................................
234
4.2.3.1 Petição inicial................................................
235
4.2.3.2 Citação ou notificação o ato de ciência do
processo previsto na primeira parte do art. 17, § 7.°, da Lei
8.429/92.................................................................................
247
4.2.3.3 Do prévio juízo de admissibilidade.................. 250
4.2.4 Tutelas de urgência................................................... 256
4.2.4.1 O seqüestro e a indisponibilidade de bens....... 259
4.2.4.2 O afastamento do agente público.................... 264
4.2.5 Outras considerações sobre o processo judicial da
ação civil por improbidade administrativa..................................
268
4.2.5.1 Oitiva de testemunhas....................................
268
4.2.5.2 Transação.....................................................
270
4.2.5.3 Sentença e coisa julgada................................
271
CONCLUSÕES....................................................................... 276
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................
287
11
INTRODUÇÃO
A expressão improbidade administrativa designa,
tecnicamente, uma corrupção administrativa, trazendo o desvirtuamento
da Administração Pública, maculando seus princípios básicos de
moralidade, afrontando os princípios da ordem jurídica do Estado de
Direito.
A improbidade tem uma conotação ligada aos atributos éticos
e morais, uma conotação que vai além da moralidade pública, ligada à
honestidade. Então, os atos que levam ao prejuízo do erário devem ser
recompostos. A sociedade brasileira tem se mostrado participativa
quanto a esses atos e exigido das autoridades competentes as medidas
apropriadas para se punir o agente público causador da ação lesiva ao
que é público, porque já enxerga que o que é público é de todos.
Têm se avolumado as ações relativas às ações públicas civis
e populares, o que confirma a maior participação e acompanhamento
da vida política pelos cidadãos.
No entanto, é importante a ciência de que as sanções
previstas na Lei 8.429/92 endereçadas à responsabilização do agente
público devem ser analisadas quanto à sua aplicação. Essa ressalva se
faz porque há outras formas de responsabilização previstas no
ordenamento jurídico brasileiro, que inclui o âmbito penal, civil e
12
administrativo, cujos acionamentos isolados ou em conjunto, podem
redundar nos mesmos efeitos e mesmas sanções previstas para a
improbidade.
Esse estudo está dividido em quatro partes. Na primeira,
conceituou-se o que é improbidade administrativa, fixando-se em sua
relação com a concepção de moralidade e relação com os princípios
que regem a Administração Pública.
Na segunda parte, traçou-se uma explanação da tutela penal,
com as sanções previstas na Lei 8.429/92, passando-se pelos crimes
de responsabilidade dos principais agentes públicos.
Na terceira parte aborda-se o controle interno de investigação
da Administração Pública, com foco no procedimento administrativo,
qual seja, o inquérito civil e seu procedimento.
E, na quarta parte, foco principal deste trabalho, discute-se o
processo judicial, analisando-se a relação da ação civil por
improbidade administrativa com a ação civil pública (principalmente) e
ação popular, o procedimento especial da ação civil por improbidade
administrativa, as medidas de urgência previstas na Lei, centrando-se,
mais especificamente, no artigo 17 e parágrafos da Lei 8.429/92, que
prevêem os dispositivos de natureza processual e procedimental que
disciplinam a ação civil por improbidade administrativa.
13
1 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Uma forte tendência a modelar a ciência jurídica a partir do
final do século XIX é a da sua aproximação com a moral, diz Edílson
Pereira Nobre Júnior
1
, afirmando também que se reconheceu que os
preceitos jurídicos, a despeito de sua coercibilidade, perderiam seu
significado e razão de ser caso investissem contra os ditames da
moral. Ressalta que o direito público não ficou à margem, logo
incorporou o movimento, exemplificado pela teoria do desvio de poder.
Sobre o assunto discorre Antônio José Brandão
2
: com efeito,
o desvio de poder não se reduz à mero problema de legalidade, pois o
ato em que ele se manifesta concretamente é praticado com
observância da lei, mas obedece à determinante imoral.
Explica o autor que o transcurso dos anos fez com que a
preocupação com as noções morais, no âmbito da Administração
Pública, ultrapassasse a cidadela do desvio de finalidade. A própria
idéia de democracia passou a gravitar em torno do crescimento moral
da vida pública. Isto porque não é dado esquecer que o Estado
pertence aos cidadãos, de maneira que aqueles a quem são delegadas
competências de mando na estrutura administrativa não podem
1
NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. Improbidade administrativa: alguns aspectos controvertidos.
Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas Jan/Mar de 2004, p. 61.
2
BRANDÃO, Antônio José. Moralidade administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, v. 25, Jul/Set de 1991, p. 467.
14
desprezar o imperativo democrático que impõe o dever de estar sempre
a serviço da coletividade.
Disso se conclui que o agente credenciado para atuar em
nome do ente estatal, máxime quando exerça competência
discricionária, não poderá postergar o lado moral da Administração,
cabendo-lhe desempenhar sua tarefa com vistas à obtenção da melhor
fórmula para concretizar os direitos fundamentais dos cidadãos.
Nobre Júnior
3
comenta que a movimentação administrativa
orientada pela moral pressupõe, entre outros, valores como a lealdade
institucional, a economicidade no manuseio dos recursos públicos, a
tomada de decisões com base em critérios objetivos e imparciais, o
regime de mérito no acesso à função pública, o combate à corrupção e
a adequada prestação de serviços públicos.
Marcelo Caetano
4
fala do dever de probidade, a requerer que
o funcionário sirva à Administração com honestidade, procedendo no
exercício de suas funções sempre no intuito de realizar os interesses
públicos, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes
em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer.
3
Op. cit., p. 62.
4
CAETANO, Marcelo. Manual de Direito Administrativo. Coimbra: Almedina, 1999, p. 749.
15
O estudo da obrigação de lealdade perante a Administração
não passou despercebido por José Alfredo de Oliveira Baracho
5
, ao
aludir ao dever de probidade, destaca-o como instrumento
constitucionalmente integrado na conduta do administrador público,
constituindo elemento indispensável à legitimação de seus atos.
Martins Júnior
6
coloca que a existência do Estado prende-se à
noção de um aparelho organizador das relações sociais para satisfação
das necessidades públicas, realizando-as mediante serviços públicos
atribuídos a pessoas jurídicas por ele criadas através das atividades
executadas pelas pessoas físicas investidas em funções públicas
(dotadas de poderes correlatos) pelas mais variadas formas de
investidura ou vínculo. Porém, comenta o autor, há uma diferença, às
vezes pequena, às vezes grande, entre o Estado ideal e o Estado real,
e a ciência jurídica, bem conhecendo essa dura realidade, fornece
meios para a responsabilização do agente público pelo mau uso do
poder que o povo lhe confere.
Maria do Carmo Leão
7
conta que os quadros públicos no
Brasil, desde a sua colonização até 1988, eram formados por pessoas
geralmente despreparadas para as respectivas funções. Que os
primeiros indícios de controle vieram com a Constituição de 1934, no
seu artigo 113, que estabelecia a legitimidade para que qualquer
5
In SAMPAIO, José Adércio Leite; CASTRO E COSTA NETO, Dino de; SILVA FILHO, Nívio de
Freitas. Improbidade administrativa – 10 anos da Lei 8.429;92. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 203.
6
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 1.
7
LEÃO, Maria do Carmo. A improbidade administrativa. Revista de direito do Mercosul, jun 2000, p.
64.
16
cidadão pleiteasse a anulação de atos lesivos ao patrimônio da União,
Estados e Municípios. A Constituição de 1946 ampliou a previsão do
diploma de 1934, quando instituiu, também, o controle das autarquias e
das sociedades de economia mista. Previu, ainda, o seqüestro e o
perdimento dos bens oriundos do enriquecimento ilícito, por abuso de
cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica.
Caio Tácito
8
assinala que a corrupção tem raízes seculares na
história dos costumes políticos, aqui e alhures, mas notou que a
tolerância com práticas notórias (rouba, mas faz) cedeu lugar à
inconformidade com deslizes de ética e a rendosa prática da
intermediação nos investimentos públicos.
Martins Júnior
9
relata que a preocupação com a revitalização
da ética na Administração Pública é tema de freqüente visitação. Conta
que em 1994, realizou-se nos Estados Unidos o I Congresso
Internacional de Ética Pública, destacando a austeridade como
elemento essencial de conduta na vida pública. A ética situada tanto
como dever daquele que exerce atividade administrativa quanto fim
desta, propondo, em conseqüência, o estabelecimento de deveres
éticos dos servidores públicos em códigos de ética, medidas
preventivas de garantia do cumprimento desses deveres por meio de
sistemas de controle interno e externo e medidas repressivas pela sua
violação.
8
TÁCITO, Caio. A moralidade administrativa e a nova lei do Tribunal de Contas da União. Rio de
RDA, Janeiro: Renovar, 1992, p. 45.
9
Op. cit., p. 7.
17
Genney Barros de Moura
10
comenta que a corrupção, a
vaidade, interesses mesquinhos e puramente eleitoreiros, a
perseguição são apenas alguns dos inúmeros problemas crônicos da
Administração Pública do país. Assim como toda esfera pública, a
publicidade estatal encontra-se contaminada pelas mesmas distorções
e vícios, que redundam em reflexos nefastos para o regime
democrático.
Assevera Fábio Medina Osório
11
, estudioso da atualidade
sobre improbidade administrativa que a impunidade historicamente
reinante no país há de ser compreendida, especificamente, no contexto
em que o Ministério Público estava bastante ligado ao Poder
Executivo, ao passo que o Poder Judiciário exercia timidamente suas
funções. Os poderes centrais nunca sofreram, pois, controle rigoroso.
Kiyoshi Harada diz que não se sabe exatamente a causa ou as
causas da improbidade administrativa que tomou conta do país. Disse
que talvez seja fruto de uma sociedade excessivamente aberta em que
os valores antes cultivados e venerados tornaram-se relativos. Que a
sociedade de hoje, movida por interesses puramente materiais, no
contexto de uma economia globalizada, perdeu o referencial, não
enxergando, com nitidez, a fronteira entre o certo e o errado, entre o
10
MOURA, Barros Genney. Símbolos municipais próprios ou improbidade administrativa? São Paulo,
Revista Tributária e de Finanças Públicas, mai-jun de 2004, p. 212.
11
OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade administrativa. Belo Horizonte: Associação Mineira do
Ministério Público, 1999, p. 112.
18
legítimo e o ilegítimo, entre o justo e o injusto, correndo o grave risco
de confundir o licito com o ilícito
12
.
Continua, afirmando que a cultura do favorecimento de
determinados segmentos da sociedade ou de certas pessoas, em
detrimento do global, arraigou-se de tal sorte no seio da sociedade
brasileira, que a improbidade vem sendo aceita com naturalidade. E
que é preciso reverter esse quadro que tanto prejudica a sociedade e
compromete as suas instituições.
Glauco Martins Guerra
13
explana que a luta por essa mudança
de cultura vem de longe, provocando a inteligência de muitos juristas, a
exemplo de Wallace Paiva Martins Júnior, ao retratar o pensamento de
Pontes de Miranda, para quem a impunidade, havendo leis, é mais
grave do que a impunidade por não se terem leis.
Diz Glauco Martins Guerra que a sociedade brasileira evoluiu,
decidiu absorver inúmeras experiências estrangeiras na sustentação de
um sistema de freios e contrapesos do exercício do poder dirigente em
todos os âmbitos da clássica tripartição executivo/legislativo/judiciário,
adotando mecanismos jurídico-normativos específicos e estritamente
vinculados à proteção dos bens e direitos difusos e coletivos, aos quais
conferiu status constitucional.
12
HARADA, Kiyoshi. Improbidade administrativa. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo,
São Paulo, Ano 3, jul-dez 2000, p. 103.
13
GUERRA, Glauco Martins. O crime de prevaricação e a sanção por omissão na lei de improbidade
administrativa. São Paulo, Revista de Direitos Difusos, nov-dez de 2002, p. 201.
19
Antônio Rodrigues de Freitas Júnior
14
comenta que não é de
agora que filósofos, juristas e políticos se ocupam do problema de
saber qual ou quais predicados éticos constituem a virtude do bom
governo.
A corrupção, no exercício do Poder, sempre existiu, afirma
Marcelo Figueiredo
15
, que acredita não haver nação onde o fenômeno
não esteja presente, em maior ou menor intensidade.
Seabra Fagundes
16
apontava a origem de todos os males ao
dissertar:
As raízes de um teor ético inferior do comportamento na
vida pública, remontam à era colonial. O que é explicável
pela inescrupulosidade inerente ao próprio processo de
apossamento da terra bravia. A distância, situando os
conquistadores em um mundo separado da Corte por
meses de perigosa viagem, com a freqüente divisão da
família e de todos os laços afetivos entre a Metrópole a
Terra Nova, sendo o enriquecimento, com os favores da
Colônia, opulenta e por explorar a meta sonhada, tudo
levava ao enfraquecimento dos preceitos morais.
Wallace Paiva Martins Júnior assevera que é também
contribuinte eficaz da cultura da improbidade o comportamento
comodamente omissivo dos órgãos públicos responsáveis pela
prevenção e repressão da improbidade administrativa, que tornam as
14
FREITAS JÚNIOR, Antônio Rodrigues. Probidade administrativa, responsabilidade fiscal e controle
de erários: influência do valor moral na arquitetura dos modelos de virtude política segundo éticas de
princípio, Anais do V Congresso Brasileiro de Advocacia Pública, São Paulo, junho de 2001.
15
FIGUEIREDO, Marcelo. Responsabilidade por atos de improbidade. São Paulo, Cadernos de
Direito Constitucional e Ciência Política, abr-jun de 1997, p. 20.
16
FAGUNDES, Miguel Seabra. Instrumentos institucionais de combate à corrupção. Revista do
Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, 1995, p. 62.
20
leis de rarefeita ou nula eficácia social. E, sob esse aspecto, não basta
para o resgate e reincorporação dos valores éticos à Administração
Pública somente a existência de leis. Se elas são tão imprescindíveis,
somem-se uma vontade política autêntica nos seus desígnios, no
sentido de oferecer meios eficientes de combate à improbidade
administrativa, como também na promoção de uma ampla reforma
legislativa incidente sobre os mais diversos ramos que propiciam ou
facilitam o desvio ético de conduta dos agentes públicos
17
.
Marino Pazzaglini Filho
18
afirma que, embora de forma não
delineada claramente, o que a sociedade brasileira deseja é possuir
mecanismos que confiram maior transparência à ação do Estado, de
forma a poder exercer um controle eficaz dessa macroatividade. Que
sob o aspecto prático e finalístico, o controle de sua eficiência, e sob o
ângulo ético e jurídico, a fiscalização de sua legalidade e, sobretudo,
da moralidade administrativa.
1.1 CONCEITO
O termo pribidade provém do latim probitas, probitatis, isto é,
quem detém a qualidade de bom. A probidade está associada à
moralidade administrativa, contem-se nela. Em contraponto, tem-se o
termo improbidade, que, proveniente do latim improbitas, improbitatis, é
a má qualidade, a negativa do probo, a ausência do que é bom,
17
Op. cit., p. 10.
18
PAZAGLINI FILHO, Marino. A improbidade administrativa e a reforma do Estado. Salvador, Revista
do Ministério Público do Estado da Bahia, jan-dez de 1997, p. 87.
21
honesto, justo, equânime e digno, revela Cristiano Álvares Valladares
Lago
19
.
No mesmo sentido, De Plácido e Silva ensina que o vocábulo
improbidade, do latim improbitas, tem o sentido de desonestidade, má
fama, incorreção, má conduta, má índole, mau caráter e revela a
qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto, que
age indignamente, por não ter caráter, que não atua com decência, por
ser amoral e sem capacidade ou idoneidade para a prática de certos
atos
20
.
Considerando a improbidade administrativa sob o prisma de
infração de natureza disciplinar, José Armando da Costa
21
fornece a
seguinte definição:
Como infração de natureza disciplinar, a improbidade
administrativa define-se como sendo a ação ou omissão,
dolosa ou voluntária, praticada por agente público, que,
consistindo em ato de desonestidade, cause lesão ao
erário, implique enriquecimento ilícito (com obtenção de
qualquer vantagem patrimonial em razão da função
pública que exerce) ou atente contra os princípios da
Administração Pública.
Dissertando sobre o direito administrativo, Marcelo Caetano
ressalta que a probidade administrativa consiste no dever de o
funcionário servir à Administração com honestidade, procedendo no
19
LAGO, Cristiano Álvares Valladares. Improbidade administrativa. Monografia apresentada no Curso
de Mestrado em Direito da Universidade Gama Filho-RJ. Abril 2001.
20
DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 431.
21
COSTA, José ARMANDO. Contorno jurídico da improbidade administrativa. Brasília: Brasília
Jurídica, 2000, p. 33.
22
procedendo no exercício de suas funções, sem aproveitar os poderes
de facilidades dela decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a
quem queira favorecer
22
.
Nessa linha de pensamento, Cristiano Valladares do Lago
23
aduz que a improbidade administrativa constitui lamentável
deformidade de caráter do servidor, que atua na contramão de direção
daquilo que tem como moralmente correto e contrariamente aos
interesses institucionais do órgão a que pertence.
Relata o autor que o estigma da improbidade que assola
diversos níveis administrativos em todo o país obsta o desenvolvimento
humano e material da nação, causando inúmeros e graves malefícios
para toda a população, à medida que dificulta a melhoria de condições
globais mínimas de vida.
Para Alan Martins
24
de acordo com os estudos e pesquisas
etimológicas de doutrinadores mais afeitos ao Direito Administrativo, o
termo improbidade, ao menos de per si, não é capaz de traduzir toda a
amplitude do instituto da improbidade administrativa, até porque não se
restringem os caracteres da administração do agente ímprobo tão
somente à má qualidade de sua atuação, não havendo como ignorar-se
22
Op. Cit., p. 684.
23
Op. Cit., p. 798.
24
MARTINS, Alan. Conceito jurídico de improbidade administrativa. Revista Jurídica da Universidade
de Franca, SP, maio/2001, p. 5.
23
toda a carga de desonestidade dos atos ímprobos no âmbito da
Administração Pública.
Coloca também o autor que no campo da Administração
Pública, a tutela da qualidade e honestidade administrativa começou a
adquirir relevo a partir do surgimento do Estado Democrático de
Direito, momento histórico em que se verificou o descenso do regime
absolutista e da hegemonia do postulado maquiavélico de que os fins
justificam os meios, vindo à tona a exigência de que os
administradores se se submetam às normas e princípios jurídicos,
tendentes não somente ao respeito dos direitos e liberdades dos
administrados, como também à honestidade e qualidade na gestão das
coisas e negócios públicos.
Segundo Caio Tácito a probidade administrativa tem como
diretriz o dever de boa administração, a preservação dos bons
costumes e a noção de equidade no confronto entre o interesse público
e o dos administrados
25
.
Marino Pazzaglini Filho
26
lembra que improbidade
administrativa é mais que mera atuação desconforme com a singela e
fria letra da lei. Afirma que é conduta denotativa de subversão das
finalidades administrativas, seja pelo uso indevido do poder público,
seja pela omissão, seja pela inobservância da lei.
25
Op. Cit., p. 3.
26
Op. Cit., p. 86.
24
Comenta o autor que um combate proveitoso à improbidade
administrativa está intimamente ligado à eficácia do controle externo da
Administração Pública, ou seja, do controle legislativo e, em especial,
do controle contencioso exercido no nível jurisdicional.
Flávio Sátiro Fernandes
27
expõe sua posição conceitual de
improbidade dizendo que esta significa a má qualidade de uma
administração, pela prática de atos que implicam enriquecimento ilícito
do agente ou prejuízo do erário ou, ainda, violação aos princípios que
orientam a pública administração.
Kiyoshi Harada parte da concepção de que o ato de
improbidade administrativa não só como aquele praticado por agente
público, contrário às normas da moral, à lei e aos bons costumes, ou
seja, aquele ato que indica falta de honradez e retidão de conduta no
modo de proceder perante a Administração Pública direta, indireta ou
fundacional, nas três esferas públicas, como também aquele ato
timbrado pela má qualidade administrativa.
Nessa seara, esse autor apresenta uma outra dimensão da
improbidade, lembrando que a Administração Pública não se limita ao
Poder Executivo. Não há compartimentos estanques entre os Poderes
da República. Diz que apesar da improbidade administrativa grassar
nas três esferas do Poder, a incidência destes atos se dá mais no
27
FERNANDES, Sátiro Flávio. Improbidade administrativa. Revista de Informação Legislativa, n. 136,
ano 34, out-dez 1997, p. 102.
25
âmbito do Poder Executivo, vocacionado para governar, abrindo um
vasto campo de atuação dos agentes públicos, propiciando condições
favoráveis à atuação de agentes inescrupulosos.
Abrahão Elias Neto
28
diz que a Lei 8.429/92, conceitua
improbidade administrativa como o agir negligentemente na
arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à
conservação do patrimônio público.
1.2 MORALIDADE E PROBIDADE ADMINISTRATIVA
Manoel de Oliveira Franco Sobrinho
29
coloca que na sua
formação histórica e conformação atual, a Administração não passa de
um fenômeno real integrado na realidade estatal. E diz que felizmente
amplia-se o domínio do Direito Administrativo em razão da progressiva
força do Estado, levando a doutrina a compreender o fenômeno
administração dum ponto de vista material e orgânico, sem
predisposições a amparar os argumentos em favor do exclusivismo
estatal.
Não se deve esquecer, contudo, que a virtude e o modo de
governar constituem uma única finalidade. Ou que a ética e a política
são apenas aspectos distintos de uma mesma atividade.
28
ELIAS NETO, Abrahão. Prescrição de créditos públicos hipótese de improbidade administrativa.
Revista Fórum Administrativo, Belo Horizonte, junho de 2001, p. 399.
29
FRANCO Sobrinho, Manoel de Oliveira. O controle da moralidade administrativa. São Paulo:
Saraiva, 1974, p. 63.
26
Leon Duguit
30
afirma que as obrigações do Estado são as
mesmas da Administração. Ou melhor, as obrigações da Administração
resultam daquelas obrigações positivas do Estado. Mas o fim, a
finalidade, o que o ato pretende, marca a natureza do ato jurídico,
como administrativo.
O ato administrativo é simples na sua enunciação externa e
simples nas práticas costumeiras. Tal se deve, naturalmente, à
liberdade da Administração para ditar regras ou princípios de comando
governamental, e isso sem as devidas cautelas recomendadas pelos
sistemas jurídico-normativos. A livre ação administrativa não tutelada
leva à deformação do direito legal. Contra isso é que se insurgem os
sistemas positivos e de garantias jurídicas individuais, arremata Manoel
de Oliveira Franco Sobrinho
31
.
No sentido comum, a moralidade é uma qualidade do que é
moral, relativo a um conjunto de regras de condutas consideradas como
válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer
para grupo ou pessoa determinada. A probidade é a qualidade de
probo, e significa a integridade de caráter, a honradez
32
.
A noção de moralidade não corresponde exatamente à noção
de probidade, sendo sutil a diferença entre o significado dos dois
vocábulos, parecendo apresentar a probidade um rigorismo maior em
30
Apud FRANCO Sobrinho, Manoel de Oliveira, op. cit., p. 85.
31
Ibidem, p. 4.
32
Cfr. O Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa, p. 1158 e 1394.
27
seu conceito. Mas é certo que ambos os vocábulos são conceitos
abertos e para a sua avaliação dependem do tempo e lugar a serem
considerados.
Na conotação técnico-jurídica não é fácil distinguir a
moralidade e a probidade administrativa, verificando-se grande
dificuldade doutrinária no estabelecimento dessa distinção.
A doutrina, no geral, afirma Maria Regina Ferro Queiroz
33
,
aponta que as primeiras noções de moralidade administrativa no mundo
jurídico surgiram com a jurisprudência do Conselho de Estado Francês,
quando começou a discussão sobre desvio de poder, situação em que a
autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, com a
observância das formas prescritas e não cometendo qualquer violação
formal da lei, usa de seu poder e pratica o ato com motivos ou fins
diversos dos constantes da lei ou exigidos pelo interesse público.
Afirma a Mestra que a moralidade administrativa apresenta,
hoje, no direito brasileiro, um conteúdo novo, concebido e desenvolvido
a partir da inserção do princípio da moralidade no texto constitucional e
na legislação infraconstitucional.
33
QUEIROZ, Ferro Maria Regina. Perfil processual da lei de improbidade administrativa. Dissertação
apresentada à Universidade de São Paulo, 2004, p. 15.
28
Maria Sylvia Zanella Di Pietro
34
observa que o constituinte
brasileiro quis que a moralidade funcionasse como limitação à atividade
administrativa, prescrevendo uma sanção externa e institucionalizada a
sua violação. Antes da Constituição de 1988, a moralidade
administrativa constituía apenas um princípio geral de direito, afirma
Maria Regina Ferro Queiroz
35
, e atualmente apresenta-se como um
conceito jurídico escrito, ampliando, na prática, o controle jurisdicional
dos atos administrativos.
Na alocução de José Afonso da Silva
36
, ao discorrer sobre o
significado do princípio da moralidade e da probidade administrativa na
Constituição Brasileira de 1988, a probidade administrativa seria uma
forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial
pela Constituição, ao estabelecer a punição do ímprobo com a
suspensão dos direitos políticos. A probidade administrativa consistiria
no dever do funcionário servir à Administração com honestidade,
procedendo no exercício das suas funções sem aproveitar os poderes
ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a
quem queira favorecer.
Segundo o autor a improbidade administrativa seria uma
imoralidade qualificada pelo dano ao erário e pela correspondente
vantagem ao ímprobo ou a outrem. Tanto a moralidade administrativa
34
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. 2.ª ed,
São Paulo: Atlas, 2001, p. 234.
35
Op. cit., p. 16.
36
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1999, p.
649.
29
quanto a probidade são tuteladas pela ação popular, de modo a elevar
a imoralidade à causa de invalidade do ato administrativo. Mas que a
improbidade seria tratada ainda com mais rigor pelo texto
constitucional, porque é causa de suspensão dos direitos políticos do
ímprobo.
Distinguindo entre os dois conceitos Wallace Paiva Martins
Júnior afirma que a probidade administrativa seria subprincípio
decorrente da moralidade administrativa, atendendo á idéia de
honestidade entre meios e fins empregados pela Administração Pública
e seus agentes, influenciada pelos valores consubstanciados na noção
de boa administração e finalidade pública, bem como ao cumprimento
de regras éticas administrativas consoante a vocação institucional do
órgão ou entidade administrativa preservando-se valores materiais e
morais da Administração Pública e exigindo de seus agentes uma
atuação conforme os princípios e deveres do exercício da função
pública.
E continua o autor colocando que a probidade administrativa
funcionaria como um instrumento de atuação do princípio da
moralidade administrativa. A probidade administrativa atuaria no campo
preventivo, por meio da instituição de expedientes habilitados à
garantia do exercício honesto da função pública, como os códigos de
ética pública, os sistemas de incompatibilidades, impedimentos e
proibições, a apresentação de declarações de atividades, bens e
30
interesses, de forma a garanti-los e funcionando como vetor do controle
de legitimidade do enriquecimento de agentes públicos
37
.
Segundo Marcelo Figueiredo
38
o núcleo da probidade está
associado ao princípio maior da moralidade administrativa, sendo a
probidade espécie do gênero moralidade administrativa, associando os
atos atentatórios à probidade administrativa aos atos atentatórios à
moralidade administrativa. Não considera que se trate de valores
idênticos. A probidade seria corolário do princípio da moralidade
administrativa. Adverte, ainda, que a probidade está exclusivamente
vinculada ao aspecto da conduta do administrador. Nessa seara,
violaria a probidade o agente público que, em suas tarefas e deveres,
atrita os denominados tipos legais, sendo a probidade o aspecto
pessoal-funcional da moralidade administrativa.
Assim, um agente poderia violar a moralidade administrativa,
sem necessariamente violar a probidade, se na análise de sua conduta
não houver previsão legal considerando-a como ato de improbidade
administrativa.
No discurso da distinção entre moralidade e probidade
administrativa, Maria Sylvia Zanella Di Pietro esclarece que, embora a
Constituição Federal e algumas leis façam menção ao princípio da
moralidade e à probidade separadamente, os dois, enquanto princípios
37
Op. cit., p. 356.
38
FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa, comentários à Lei Federal n.° 8.429/1992 e
legislação complementar. 4.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 22.
31
significam praticamente a mesma coisa. Diz a autora que, quando se
fala em improbidade como ato ilícito, como infração sancionada pelo
ordenamento jurídico, deixa de haver a sinonímia entre as expressões
imoralidade e improbidade, porque a improbidade tem um sentido mais
amplo e muito mais preciso, que abrange não só os atos desonestos ou
imorais, mas também, e principalmente, atos ilegais.
Maria Regina Ferro Queiroz
39
afirma que a partir dessas
posições, pode-se concluir que a moralidade administrativa é,
atualmente, princípio da Administração Pública, expresso no texto
constitucional, sendo pressuposto de validade de todo ato
administrativo. Quis o legislador constitucional que a violação à
moralidade administrativa fosse sancionada pela norma, para conferir-
lhe maior eficácia. A imoralidade administrativa constitui, assim,
fundamento de nulidade do ato administrativo viciado.
Essa autora esclarece que há estreito vínculo entre o
conceito de moralidade e de probidade administrativa e ambos se
relacionam com a idéia de honestidade na Administração Pública. Diz
que não há, porém, na doutrina e na legislação, um conceito preciso do
que seja a moralidade e a probidade administrativa, pois se tratam de
conceitos de valor, e por isso mesmo, vagos, imprecisos,
indeterminados, mas não indetermináveis, pois, apesar da noção de
probidade não corresponder exatamente à de moralidade, nela está
39
Op. cit., p. 21.
32
contida. A probidade administrativa sempre foi prevista no direito
brasileiro como dever de todo funcionário público e que, enquanto
dever pressupõe um valor, e tem uma função instrumental em relação à
moralidade administrativa. A probidade seria uma forma de aplicação
do princípio da moralidade administrativa.
Marcelo Figueiredo
40
sintetizou a distinção conceitual assim se
manifestando:
O princípio da moralidade tem um alcance maior, é
conceito mais genérico a determinar todos os poderes e
funções do Estado e sua atuação conforme o plano
jurídico da moral, da boa-fé, da lealdade, da honestidade.
A probidade, denominada moralidade administrativa
qualificada volta-se a particular aspecto da moralidade
administrativa. A improbidade administrativa está
vinculada ao aspecto da conduta do agente público. Viola
a probidade o agente público que em seu agir atrita os
tipos legais. A probidade seria, assim, o aspecto pessoal-
funcional da moralidade administrativa.
Desde a sua origem latina o vocábulo probidade se relaciona
com o vocábulo moralidade, certo quea doutrina sequer se refere à
probidade como um princípio da Administração, mas como um dever
inerente necessário à legitimidade de seus atos
41
. E continua
discorrendo sobre o tema, afirmando que o dever de probidade decorre
diretamente do princípio da moralidade que lhe é anterior e
hierarquicamente superior pelo maior grau de transcendência que os
princípios têm em relação aos deveres. Pode-se dizer, aduz, que a
40
Op. cit., p. 20.
41
RIBEIRO LOPES, Maurício Antônio. Ética e Administração Pública. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1993, p. 57.
33
probidade é uma das possíveis formas de externação da moralidade. É
a via onerosa da moralidade, posto que esse dever tem um cunho
patrimonial inafastável.
Alan Martins
42
coloca que contraria algumas posições
doutrinárias que afirmam ser moralidade e probidade administrativa
como gênero e espécie. Diz que correto é distinguir moralidade e
probidade, reconhecendo tratar-se de conceitos que, embora possuam
pontos de intersecção ou de tangenciamento, não possuem qualquer
relação de gênero e espécie, pois a moralidade na sua relação com a
probidade se restringe ao fato de que os atos que impliquem violação
aos princípios administrativos, dentre eles o princípio da moralidade
administrativa, constituem atos ímprobos, nos termos do artigo 11 da
Lei n.° 8.429/92.
Flávio Sátiro Fernandes
43
ressalta que a evidência maior de
que a probidade administrativa abarca o princípio da moralidade está,
sem dúvida, na maneira como a Lei 8.429/92 define os atos de
improbidade administrativa. De acordo com o mencionado diploma
legal, a improbidade na Administração Pública se verifica quando se
praticam atos que ensejam enriquecimento ilícito, causam prejuízo ao
erário ou atentam contra os princípios da Administração, definidos no
artigo 37, parágrafo 4.°, da Constituição Federal, entre os quais está
incluída a moralidade, ao lado da legalidade, da impessoalidade e da
42
Op. cit., p. 12.
43
Op. cit., p. 173.
34
publicidade, além dos que, mesmo não apontados, explicitadamente, no
citado dispositivo, estão distribuídos por todo o texto constitucional,
também se aplicam à condução dos negócios públicos.
Cláudio Ari Mello
44
diz que dois fatores contribuem para
facilitar a delimitação conceitual e funcional da improbidade
administrativa. O primeiro deles está nos próprios elementos de
identificação da categoria fornecida pela Constituição. O artigo 37,
parágrafo 4.° da Constituição Federal prescreve que os atos de
improbidade administrativa importarão a sanção dos direitos políticos, a
perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o
ressarcimento ao erário, independente, sem prejuízo da ação penal
cabível.
Nessa seara defende que o próprio preceito constitucional
permite compreender que a improbidade administrativa, para os efeitos
nele previstos, é uma espécie de ato ilícito não-penal praticado pelos
agentes públicos. E que o texto da norma parece já remeter à definição
de improbidade administrativa ao exame do elemento subjetivo do ato
ilícito, a exemplo das infrações penais. Assim, essa remição ao
elemento subjetivo da conduta resulta da própria expressão
improbidade, que expressa, sobretudo, desonestidade, deslealdade, má
fé, ou seja, espécies de conduta portadoras de um vício da vontade
moralmente reprovável.
44
MELLO, Cláudio Ari. Fragmentos teóricos sobre a moralidade administrativa. Rio de Janeiro,
Revista de Direito Administrativo, já-mar de 2004, p. 112.
35
Fábio Medina Osório
45
corrobora esse entendimento afirmando
que não se pode recusar que algumas formas de negligência dos
deveres objetivos de conduta que a moralidade administrativa impõe ao
agente público assumem formas tão graves, que se pode reconhecer
nelas uma forma de improbidade por deslealdade ao interesse público e
às instituições.
1.2.1 Moralidade
Maurício Antônio Ribeiro Lopes assevera que a moralidade
administrativa constitui-se, modernamente, num pressuposto de
validade de todo ato da Administração Pública, sendo um atributo
indispensável, conditio sine qua non do ato administrativo. Tem por
finalidade limitar a atividade da Administração. Traz à tona a distinção
devida entre moral comum a moral jurídica, alegando que a
Administração não está submetida ao sistema da moral privada. Aduz
que a moralidade comum está baseada em um conjunto sistemático de
normas que orientam o homem para a realização de seu fim, já a
moralidade administrativa implica na necessidade de que os atos
externos e públicos dos agentes detentores de poder e atribuições
sejam praticados de acordo com as exigências da moral e dos bons
costumes, visando a boa administração.
45
OSÓRIO, Fábio Medina. Uma reflexão sobre a improbidade culposa. Porto Alegre: Revista dos
Ministério Público, n.° 46, 2002, p. 67-78.
36
Antônio José Brandão
46
define aquela que seria a figura que
corrobora a dimensão mais pragmática do que seja um bom
administrador, aquele que usando de sua competência legal se
determina não só pelos preceitos vigentes, mas também pela moral
comum. Há de se conhecer, assim, as fronteiras do lícito e do ilícito, do
justo e do injusto nos seus efeitos.
José Augusto Delgado
47
ressalta que o administrador pode se
envolver em situações que os fins visados pela conduta e os meios
utilizados para alcançar tais fins sejam compatíveis com a moral, mas a
causa, em si, não se coaduna com a ética da conduta. E que
dificuldade maior se apresenta para o administrador, pois, com base
em conceitos axiológicos, terá que examinar qual posição que deve
prevalecer, em face do interesse público. O que é certo é a
impossibilidade de praticar o ato com ruptura dos laços que envolvem o
princípio da moralidade.
Demócrito Ramos Reinaldo expõe que nos tempos atuais
torna-se cada vez mais evidente o interesse pelo estudo do fenômeno
moral, em virtude de sua íntima ligação com a ética do Estado e da
Administração Pública e de suas implicações psico-sociais e jurídicas.
Comenta que a moral é, hoje, inseparável do jurídico e,
consequentemente do justo. Então há uma grande relevância em se
analisar a moralidade em qualquer área do serviço público,
46
BRANDÃO, Antônio José.
47
DELGADO, José Augusto. O princípio da moralidade administrativa e a Constituição de 1988.
revista dos Tribunais, junho/92, p. 36.
37
compreendendo-se esta na exata medida em que o ato administrativo
corresponda adequada e estritamente ao fim que lhe é inerente e ao
interesse público que é, em essência, a consecução do bem
coletivo
48
.
Comenta o autor que a moralidade administrativa integra o
direito (constitucional) como elemento de observância indeclinável
(irretorquível), mas não está ínsita na legalidade, nem desta constitui
corolário. O legislador constituinte, ao instituir o princípio, não cuidou
do mero reenvio de normal legal à norma moral, mas, atribui à
moralidade administrativa relevância jurídica, de eficácia plena e
mandamental autônoma e de vida própria.
José Afonso da Silva
49
sustenta que a imoralidade
administrativa constitui, em si, fundamento da nulidade do ato, e
esclarece:
Pode-se pensar na dificuldade que será desfazer um ato,
produzido conforme a lei, sob fundamento de vício de
imoralidade. Mas isso é possível porque a moralidade
administrativa não é meramente subjetiva, porque não é
puramente formal, porque tem conteúdo jurídico a partir de
regras e princípios da Administração.
Antônio José Brandão ensina que pode a lei ser violada, quer
pela conduta abertamente referida a outro valor, quer pela conduta
que, guardando a aparência legal, na realidade não o é. Em ambos os
48
REINALDO, Demócrito Ramos. O princípio da moralidade na Administração Pública. Revista do
Tribunais, ano 84, janeiro de 1995, p. 17.
49
Op. cit., p. 563.
38
casos, em vez de jurídica, a conduta foi torta ou contrária ao Direito.
Para que ela, formando-se dentro da figura legal que pretende
conformá-la, seja jurídica até a substância, tem de nascer da intenção
moral de quem quis concretamente referi-la ao bem comum. Ou seja, a
observância do direito positivo, em vez de requerida tão-só por
exigências jurídicas é, simultaneamente, pedida por exigências morais.
A consciência jurídica inclui a consciência moral
50
.
E continua essa linha de pensamento afirmando a moral impõe
ao homem convivente que seja honesto, evite prejudicar os outros, dê a
cada um o devido. E que bom administrador é o órgão da pública
Administração que, usando de sua competência para o preenchimento
das atribuições legais, se determina não só pelos preceitos vigentes,
mas também pela moral comum. Se os primeiro delimitam as fronteiras
do lícito e do ilícito, do justo e do injusto positivos, a segunda espera
conduta honesta, verdadeira, intrínseca e extrinsecamente conforme à
função realizada por seu intermédio.
Ao certo, como observam Marino Pazzaglini Filho, Márcio
Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior, é bom frizar que, no caso
concreto, muitas serão as dificuldades para a análise da moralidade
desta ou daquela conduta administrativa, incumbindo ao Poder
Judiciário a palavra final, com esteio no contexto probatório produzido
no respectivo processo, porque a imoralidade exsurge, pois, do próprio
50
BRANDÃO, Antônio José. Improbidade Administrativa. Revista A força policial, São Paulo, n.° 16,
nov-dez 1997, p. 23.
39
objeto do ato administrativo, quando este afronta a honestidade, a boa-
fé, as normas de conduta aceitas como legítimas pelos administrados,
a dignidade humana e a ética
51
. Resulta de um confronto lógico entre
os meios de que se vale o agente público e os fins colimados com o
ato.
Fernão Borba Franco
52
menciona que a moralidade de que fala
a letra da Constituição não é o conceito amplo de moral, equivalente à
moralidade comum, mas uma moralidade jurídica que, para Hauriou
53
consiste no conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina da
Administração.
Ressalta ainda Fernão Borba Franco que a imoralidade não se
refere apenas à conduta interna da Administração; não há que falar-se,
por isso, em critérios de moralidade objetiva. A moralidade é imposição
constitucional ao Estado como um todo, seja nos atos administrativos
(Poder Executivo), seja nos atos jurisdicionais (Poder Judiciário), seja
nos atos legislativos (do respectivo Poder).
O controle dessa moralidade é o mesmo controle dos demais
atos do Estado. Resta dizer que se espera que não sejam tão tímidos
os avanços, que os órgãos de controle, especialmente o Poder
Judiciário, tomem posições mais positivas nessa censura moral dos
51
PAZZAGLINI FILHO, Marino; ELIAS ROSA, Márcio Fernando; FAZZIO Júnior, Waldo. Improbidade
administrativa. São Paulo: Atlas, 1996, p. 50.
52
FRANCO, Fernão Borba. Aspectos do princípio da moralidade e sobre o âmbito de sua aplicação.
São Paulo, Revista da Escola Paulista da Magistratura, nov 1998, p. 127.
53
Apud FRANCO, Fernão Borba, op. cit., p. 127.
40
atos do Estado, não manifestando temor em adotar decisões sem cunho
estritamente legal, mas sim com fundamento na moral subjetiva. É isso
que lhes impõe a Constituição Federal
54
.
Assevera Nicolao Dino de Castro e Costa Neto
55
que numa
perspectiva preponderantemente positivista, não é possível identificar
no universo jurídico elementos de moral, por serem sistemas distintos e
incomunicáveis, significando nos dizeres de Kelsen
56
que a validade de
uma ordem jurídica positiva é independente da sua concordância ou
discordância com qualquer sistema de moral. E que a ciência jurídica
não tem de legitimar o Direito, não tem por forma alguma de justificar
quer através de uma moral absoluta, quer através de uma moral
relativa a ordem normativa que lhe compete, tão-somente, conhecer e
descrever.
Conclui então esse autor que, da influência da moral sobre o
direito é possível vislumbrar a formação de bons e maus sistemas
jurídicos, a partir da maior ou menor vinculação entre Direito e Moral. A
moralidade administrativa, enfim, como princípio norteador da
Administração, impõe a esta a observância do valor moral.
Mas Elias Farah lembra que a moralidade administrativa não é
apenas um fator ideológico. Tem, também, um grande peso jurídico,
54
Ibidem, p. 130.
55
COSTA NETO, Nicolau Dino de. Da moralidade administrativa à improbidade administrativa.
Revista de Direitos Difusos, São Paulo, dezembro 2001, p. 134.
56
Apud COSTA NETO, Nicolau Dino de, op. cit., p. 134.
41
imprescindível à grandeza da ordem legal. Do contrário, afirma, a
estrutura funcional do Estado estaria vulnerável à corrupção do
formalismo tido como legal, porém de fundo imoral. A autoridade está
envolvida, por natureza, numa função moral, tanto que a validade da
norma legal e a moralidade têm um estreito liame necessário. E que é
sabido que, na ciência ou na política, as sociedades são e precisam ser
morais antes de ser jurídicas
57
.
Farah lembra também que a fusão dos princípios da legalidade
com os da moralidade costuma apontar a direção mais confiável à
defesa da dignidade humana, à valorização da cidadania e à realização
de uma sociedade justa e solidária. A legalidade não basta à
legitimidade dos atos administrativos. A saúde do organismo do Poder
Público está visceralmente dependente da moralidade. Ela é
imprescindível em todos os poderes e níveis
58
.
Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho
59
explica que o
princípio da moralidade administrativa não era inusitado no direito
brasileiro mesmo antes da Constituição Federal de 1988, uma vez que
tanto a doutrina quanto a lei e a jurisprudência pátrias já o enxergavam
como informador do princípio da legalidade quanto aos fins, tendo sido
invocado como fundamento do combate ao desvio ou ao abuso do
poder tanto em relação ao ato vinculado como ao discricionário.
57
FARAH, Elias. Cidadania. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 75.
58
Ibidem, p. 137.
59
SARAIVA FILHO, Oswaldo O. de Potes. O princípio da moralidade da Administração Pública.
Revista de Informação Legislativa, Brasília, n.° 132, out-dez 1996, p. 125.
42
A referência expressa ao princípio da moralidade apartado do
princípio da legalidade por parte do caput do artigo 37 da Carta Magna
de 1988, demonstra, antes de tudo, a autonomia conferida ao princípio
da moralidade para propiciar, como preleciona Maria Sylvia Zanella Di
Pietro
60
, em conjunto com o princípio da razoabilidade, o exame do
objeto ou conteúdo dos atos da Administração Pública, importando os
efeitos imediatos que os atos produzem, e não a intenção subjetiva dos
respectivos agentes.
Di Pietro afirma que diante dessa autonomia, o princípio
constitucional da moralidade da Administração Pública foi alçado à
dignidade de informador e pressuposto de validade de toda a atividade
administrativa e legal, especificamente em relação aos procedimentos
da Administração.
Na conceituação do princípio da moralidade administrativa,
Saraiva Filho diz que a moral administrativa não se confunde com a
moral comum, embora ganhe influência desta, já que aquela,
encontrando-se juridicizada, representa o conjunto de regras de
conduta para uma boa administração, tiradas da disciplina interior da
Administração Pública, a qual não deixa de espelhar os valores morais
prestigiados e amparados pelo ordenamento jurídico, mormente pela
Lei Suprema.
60
Op. cit., p. 101.
43
Carmem Lúcia Antunes Rocha
61
lembra a responsabilidade
também do legislador a propósito das funções da moralidade
administrativa assim doutrinando:
A obrigação jurídica de conduzir-se segundo os
parâmetros de moralidade administrativa não apenas
submete o administrador público, mas também o
legislador, pois, no Estado de Direito, é este que elabora,
em geral, a norma segundo a qual se deverá conduzir.
Assim, o Direito elaborado e positivado não poderá ser
validado se não se acatar aquele princípio. O que se
constata, então, é que o princípio da moralidade
administrativa não apenas tem o sentido da moralidade
da Administração Pública segundo o Direito, mas a
moralidade do Direito para o aperfeiçoamento das
atividades da Administração.
Hely Lopes Meirelles
62
assevera que é inegável que a
moralidade administrativa integra o Direito como elemento indissociável
na sua aplicação e na sua finalidade, erigindo-se em fator de
legalidade.
Adilson de Abreu Dallari afirma que os atos da Administração
devem acompanhar padrões éticos vigentes na sociedade à qual se
destinam e à época em que forem praticados, mas nunca contrariando
disposições legais. E que agora, figurando no texto constitucional a
exigência de conduta pautada pelos ditames da moral, ela foi
juridicizada, de tal forma que qualquer conduta imoral passa a ser ao
61
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo
Horizonte: Del Rey, 1994, p. 195.
62
MEIRELLES, Hely Lopes. O direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 87.
44
mesmo tempo ilegal ou mesmo inconstitucional, comportando, assim,
ataque por meio de acionamento do Poder Judiciário
63
.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro finaliza:
Em resumo, sempre que em matéria administrativa se
verificar que o comportamento da Administração ou do
administrado que com ela se relaciona juridicamente,
embora em consonância com a lei, ofende a moral, os
bons costumes, as regras da boa administração, os
princípios da justiça e da equidade, a idéia comum de
honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da
moralidade administrativa.
1.1.2 Probidade
Pedro Henrique Távora Niess
64
coloca que se a improbidade
tem caráter puramente subjetivo, as condutas do administrador
ímprobo, merecedor das sanções da Lei 8.429/92, hão de ser sempre
analisadas do ponto de vista subjetivo do agente. Resumindo, o
legislador pune o administrador desonesto, não o administrador
incompetente. Aquele é quem deve ser punido com a suspensão dos
direitos políticos, pois atua determinado pela finalidade estranha à
idéia de servir, ao contrário, aproveitando-se do cargo para obter
vantagens que este lhe possa ilicitamente fornecer.
Mas não é essa a posição de Fábio Medina Osório, para quem
a improbidade administrativa também poderá configurar-se em hipótese
63
DALLARI, Adilson de Abreu. Aspectos jurídicos da licitação. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 24.
64
Apud MELLO, Cláudio Ari. Improbidade administrativa, considerações sobre a Lei 8.429/92. Revista
do Ministério Público do Rio Grande do Sul, p. 36.
45
de incompetência administrativa, sempre presente, o entanto, o
aspecto subjetivo; este autor afastando, sempre e de qualquer sorte, a
responsabilidade objetiva para efeitos da incidência das sanções da Lei
8.429/92
65
.
Glauco Martins Guerra
66
leciona que a probidade
administrativa tem por vocação intuitiva a moralidade administrativa.
Sua noção básica vem escrita a partir dos fundamentos filosóficos da
Ética e da Justiça, acolhendo no tempo as mais diferentes variantes,
mas que se convergem para um só ponto: todo desvio de poder precisa
da devida contenção para a correção de seu rumo. Cometa que na
ontologia jurídica, improbidade administrativa é identificada por uma
classificação técnica de corrupção administrativa, vale dizer, toda e
qualquer modalidade de ato ilícito que gere um fato jurídico prejudicial
ao interesse público passível de repreensão e correção.
Wallace Paiva Martins Júnior ensina que de modo intrínseco,
a tutela do probidade administrativa está diretamente ligada à ação
volitiva do agente público ou do dirigente político, enfim, daquela
pessoa que, no exercício do poder político-administrativo que lhe foi
conferido, transforma sua ação individual numa ação administrativa. A
vontade do agente (sua intenção), portanto, dá o tom de sua conduta
no exercício do poder outorgado. Toda a exorbitância, desvio de
finalidade ou omissão consciente poderá carrear ao agente de uma
65
OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade administrativa Observações sobre a Lei 8.429/92. Belo
Horizonte: Associação Mineira do Ministério Público, 2000, p. 55-56.
66
Op. cit., p. 29.
46
ação administrativa o peso da imoralidade e, de conseqüência, da
improbidade
67
.
A proteção à moralidade administrativa, tendo por anteparo a
repressão legal à improbidade administrativa, constitui-se, acima de
qualquer preceito lógico-dogmático, na defesa de princípios.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro diz que o elemento subjetivo na
consecução do ato ímprobo está na essência do bem de direito que a
lei pretende preservar, qual seja, a boa conduta do agente público, no
sentido lato do termo. Coloca a autora que:
No caso da lei de improbidade, a presença do elemento
subjetivo é tanto mais relevante pelo fato de ser objetivo
primordial do legislador constituinte o de assegurar a
probidade, a moralidade, a honestidade dentro da
Administração Pública.
Juarez Freitas
68
, falando sobre o princípio da probidade
administrativa ensina que associado ao juridicamente principio da
moralidade positiva mais especificação do que qualificação
subsidiária daquele este princípio consiste na proibição de atos
desonestos ou desleais para com a Administração Pública, praticados
por agentes seus ou terceiros, com os mecanismos sancionatórios
inscritos na Lei 8.429/92, que exigem aplicação cercadas das devidas
67
Op. cit., p. 15.
68
FREITAS, Juarez. Do princípio da probidade administrativa e de sua máxima efetivação. Revista de
Direito Administrativo. Rio de Janeiro, abr-jun 1996, p. 71.
47
cautelas para não transpor os limites finalísticos traçados pelo
ordenamento.
Esse autor comenta que numa reelaboração conceitual do
princípio da probidade administrativa esse poderia ser visto como
aquele que veda a violação de qualquer um dos princípios,
independentemente da caracterização de dano material, desde que tal
violação se mostre causadora concomitante de um dano mensurável,
num certo horizonte histórico, à moralidade administrativa, prejuízo
este a ser aferido por critérios que não devem descansar sua raízes em
juízos preordenados pela vindita ou por outros impulsos menos
nobres.
A dimensão necessariamente subjetiva da improbidade
administrativa tem ao menos duas conseqüências importantes. A
primeira concerne à exigência de dolo ou ao menos culpa grave por
parte do agente para caracterizar a improbidade. O ilícito de
improbidade exige sempre um vício de vontade, uma vontade desleal
em relação ao telos específico da Administração Pública. Ato ímprobo é
ato voluntariamente desonesto, desleal ou de má-fé
69
.
A segunda conseqüência relevante se refere à
inadmissibilidade de reconduzir a improbidade administrativa à mera
violação da legalidade. Isso acontece porque o elemento subjetivo do
69
Op. cit., p. 114.
48
ato ímprobo é um elemento subjetivo especial. Não basta que o agente
realize voluntariamente os elementos objetivos do tipo de improbidade,
ou que voluntariamente descumpra algum comando legal.
Sérgio de Andréa Ferreira aduz que não se concebe que um
ato de improbidade não seja doloso. Discorrendo sobre o tema, Antônio
Lamarca sustenta que, para que fique caracterizado o ato de
improbidade, faz-se necessária uma ação ou omissão do empregado,
mas ato ou omissão dolosos, é claro. Conduta, omissiva ou comissiva,
porém sempre dolosa
70
.
Ivan Barbosa Rigolin
71
leciona que no tocante à improbidade
administrativa ela somente pode configurar-se quando existente e
provado o dolo, ou seja, é sempre praticado intencionalmente, ou cujo
risco é inteiramente assumido. Afirma que não existe improbidade
culposa, que seria aquela praticada apenas com imprudência,
negligência ou imperícia, porque ninguém pode ser ímprobo,
desonesto, só por ter sido imprudente, ou imperito ou negligente.
De uma forma geral, asseveram Marino Pazzaglini Filho,
Marcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior, a improbidade
administrativa não reclama tanta elaboração para que seja
reconhecida. Estará caracterizada sempre que a conduta
70
FERREIRA, Sérgio de Andréa. A probidade na Administrativa blica. Boletim de Direito
Administrativo. São Paulo, agosto de 2002, p. 25.
71
RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao regime único dos servidores públicos civis. São Paulo:
Saraiva, 1992, p. 255.
49
administrativa contrastar qualquer dos princípios fixados no artigo 37,
caput, da Constituição Federal, independente da geração de efetivo
prejuízo ao erário
72
.
Rodolfo de Camargo Mancuso ensina que a adoção do
princípio da probidade administrativa no ordenamento jurídico valoriza
a implementação prática do princípio da moralidade administrativa,
conferindo à Nação, ao Estado, ao povo, enfim, um direito público
subjetivo a uma Administração Pública proba e honesta
73
.
Wallace Paiva Martins Júnior
74
esclarece que a probidade
administrativa estabelece-se internamente como dever funcional
inserido a relação jurídica que liga o agente público à Administração
Pública e externamente, determina que nas relações jurídicas com
terceiros também a Administração Pública por seus agentes observe o
seu postulado.
1.3 DOS ATOS DE IMPROBIDADE
Na definição de Alexandre de Moraes os atos de improbidade
administrativa são aqueles que, possuído natureza civil e devidamente
tipificados em lei federal, ferem direta ou indiretamente os princípios
constitucionais e legais da Administração Pública, independentemente
72
PAZZAGLINI FILHO, Marino; ELIAS ROSA, Marcio Fernando; FAZZIO JÚNIOR, Waldo.
Improbidade administrativa, aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. São Paulo: Atlas,
2001, p. 40.
73
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação popular. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 22.
74
Op. cit., p. 101.
50
de importarem enriquecimento ilícito ou de causarem prejuízo material
ao erário público
75
.
Os atos de improbidade administrativa podem ser
conceituados, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, como aqueles
praticados por agente público, entendido agente público como toda
pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da
Administração Indireta
76
, isto é, o grande gênero do qual fazem parte
os servidores públicos, aos agentes políticos e os particulares em
colaboração com o Poder Público e os particulares em geral que, de
alguma maneira, se utilizem ou se beneficiem indiretamente do erário
público
77
.
Di Pietro esclarece que levando-se em conta a qualidade do
agente que pratica o ato de improbidade, os atos de improbidade
podem consistir em infrações administrativas, infrações político-
administrativas, infrações praticadas por particulares que possuem, de
alguma forma, vínculo com a Administração, infrações que não estão
necessariamente ligadas a um ato administrativo ou político, e que
podem não constituir um ato administrativo na acepção técnica do
Direito Administrativo.
75
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo:
Atlas, 2002, p. 261.
76
Op. cit., p. 422.
77
QUEIROZ, Maria Regina Ferro, op. cit., p. 78.
51
Determina a Constituição Federal, em seu artigo 37, parágrafo
4.°, que os atos de improbidade importarão a suspensão dos direitos
políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o
ressarcimento ao erário na forma e gradação prevista em lei, sem
prejuízo da ação penal cabível.
Maria Regina Ferro Queiroz
78
diz que a lei de improbidade não
se preocupou em definir crimes, procurou definir infrações às quais
atribuiu sanções de natureza civil e política. São ilícitos de natureza
civil e também política, na medida em que trazem conseqüências no
campo da responsabilidade civil e na órbita dos direitos políticos do
indivíduo.
O ato ilícito consiste num procedimento contrário a um dever
preexistente. Importa em violação do ordenamento jurídico. Não há
diferença ontológica entre o ilícito civil e o criminal. Ambos têm o
mesmo fundamento ético, qual seja, a infração a um dever pré-
existente a imputação de um resultado à consciência do agente
79
.
A Lei 8.429/92 distingue três espécies de atos que configuram
improbidade administrativa: os atos que caracterizam o enriquecimento
ilícito (art. 9.°), os atos que causam prejuízo ao erário (art. 10) e os
atos que atentam contra os princípios da Administração (art. 11).
78
Op. cit., p. 79.
79
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.
452.
52
Afirma Fábio Medina Osório que a Lei 8.429/92 compõe-se,
em grande medida, de normas em branco, cujo preceito primário é
completado por outras normas jurídicas, variando o conteúdo da
improbidade administrativa, de acordo com a variação do conteúdo das
leis que lhe completam
80
.
Maria Regina Ferro Queiroz
81
lembra que a lei, ao disciplinar
os casos de enriquecimento ilícito e os atos que atentem contra os
princípios administrativos só admitiu a modalidade dolosa e nos casos
de improbidade lesivos ao erário, cogitou de dolo e culpa.
Nicolao Dino de Castro e Costa Neto
82
diz que a identificação
do ato de improbidade não exige apenas a utilização da capacidade
cognoscitiva do aplicador do Direito, mas, sobretudo, a ponderável
aferição de elementos subjetivos.
Discorre Elias Farah
83
que a Lei 8.429/92 tem também a
preocupação de democratizar a apuração dos responsáveis, tanto que
autoriza qualquer pessoa a representar contra a autoridade
administrativa que se revelar ímproba.
Emerson Garcia discorre que deve o aplicador do direito
inicialmente verificar se houve violação aos princípios norteadores da
80
Op. cit., p. 66.
81
Op. cit., p. 84.
82
Op. cit., p. 134
83
Op. cit, p. 140.
53
atividade estatal, ressaltando que os atos de improbidade devem ser
punidos independentemente da efetiva ocorrência de dano ao erário.
Diz que em um segundo momento deve ser analisado o elemento
volitivo do agente, pois todos os atos emanados dos agentes públicos
que estejam em dissonância com os princípios norteadores da atividade
administrativa serão informados por um elemento subjetivo, o qual
veiculará a vontade do agente com a prática do ato. Havendo vontade
livre e consciente de praticar o ato que viole os princípios regentes da
atividade estatal, diz-se que o ato é doloso
84
.
Assim, continua o autor, identificada a violação aos princípios
administrativos e o elemento volitivo do agente, deve o aplicador do
direito identificar a improbidade, qual seja, a subsunção do ato a um
dos três perceptivos legais que elencam os atos de improbidade.
Depois, devem ser analisadas as características dos sujeitos passivo e
ativo do ato, os quais devem encontrar plena adequação ao disposto
nos artigos 1.° e 2.° da Lei de Improbidade. E por último deve ser
utilizado o princípio da proporcionalidade, o qual permitirá verificar se
a lesividade do ato, analisada sob uma perspectiva intrínseca e
extrínseca, justifica a aplicação da Lei 8.429/92.
1.3.1 Natureza dos atos de improbidade
84
GARCIA, Émerson. Improbidade administrativa. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 94, março
2005, p. 720.
54
Qualquer que seja o compartimento normativo em que esteja
armazenada uma norma de conduta e a natureza do núcleo factual
empírico previsto na mesma, esta apresenta um componente
indispensável, qual seja, uma sanção para a sua inobservância. A
sanção será passível de aplicação sempre que for identificada a
subsunção de determinada conduta ao preceito proibitivo previsto de
forma explícita ou implícita na norma. A sanção, pena ou reprimenda
apresenta-se como elo de uma grande cadeia, cujo encadeamento
lógico possibilita a concreção do ideal de bem-estar social;
caracterizando-se ainda como instrumento garantidor da soberania do
direito, concebido este não como mero ideal abstrato, mas como fator
perpétuo e indissociável da harmonia social
85
.
No entender de Emerson Garcia inexiste distinção, sob o
prisma ôntico, entre as sanções cominadas nos diferentes ramos do
direito, quer tenham natureza penal, civil ou administrativo; pois em
essência, todas visam recompor, coibir ou prevenir um padrão de
conduta violado, cuja observância apresenta-se necessária à
manutenção do elo de encadeamento das relações sociais. Sob o
aspecto axiológico, as sanções apresentarão diferentes dosimetrias
conforme a natureza da matéria violada e a importância do interesse
tutelado, distinguindo-se igualmente consoante a forma, os critérios, as
garantias e os responsáveis pela aplicação.
85
Ibidem, p. 732.
55
No âmbito específico da improbidade administrativa, tal qual
disciplinada na Lei 8.429/92, as sanções serão aplicadas por um órgão
jurisdicional, com abstração de qualquer concepção de natureza
hierárquica, o que afasta a possibilidade de sua caracterização como
sanção administrativa. As sanções de perda de bens ou valores de
origem ilícita, ressarcimento do dano, perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos, multa civil e proibição de contratar ou
receber incentivos do Poder Público, previstas no artigo 12, são
passíveis de aplicação por órgão jurisdicional
86
.
1.3.2 Discricionariedade administrativa
Maria Sylvia Di Pietro
87
ensina que o princípio da moralidade
tem utilidade na medida em que diz respeito aos próprios meios de
ação escolhidos pela Administração Pública. Muito mais do que em
qualquer outro elemento do ato administrativo, a moral é identificável
no seu objeto ou conteúdo, ou seja, no efeito jurídico imediato que o
ato produz e que, na realidade, expressa o meio de atuação pelo qual
opta a Administração para atingir cada uma de suas finalidades.
José Cretella Júnior leciona que a lei não regula toda a
atividade administrativa, prevendo de antemão todas as hipóteses. Em
alguns casos a elasticidade do preceito legal deixa à Administração
certa margem de decisão. Outras vezes, porém, desde que se reúnam
86
SILVA, José Afonso da. Direito constitucional positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p.
333.
87
Op. cit., p. 154.
56
certos requisitos, previamente estabelecidos em lei, desaparece para a
Administração a possibilidade de escolha. Sua conduta, nesse caso, é
pré-determinada, regrada, vinculada, meramente executiva. São esses
os atos vinculados, aqueles que a lei manda praticar num determinado
sentido, desde que estejam presentes os requisitos por ela
determinados
88
.
José Cretella Júnior também afirma que os atos vinculados
dizem-se também atos executivos, porque devem constituir mera
execução do preceito legal. Praticando-os, conforma-se a
Administração com o procedimento determinado na lei, ao se
verificarem as circunstâncias precisa e objetivamente antevistas pelo
texto legal. Assim, diversamente do que acontece com os atos
vinculados, para os quais o preceito legal traçou o caminho, nos atos
discricionários a rota foi apenas esboçada, genericamente, cabendo à
Administração a faculdade da escolha.
Desse modo, nasce o ato jurídico que o poder público pratica
conforme entenda conveniente ou oportuno para a Administração.
Na realidade, a expressão ato discricionário tem de ser
entendida em seu verdadeiro sentido, porque está subentendido que se
trata de ato que o é predominantemente, do que o é por contraste com
o ato vinculado. Se a finalidade de qualquer ato administrativo é
88
CRETELLA JÚNIOR, José. Poder discricionário da Administração. São Paulo, 1964, p. 40.
57
atender ao interesse coletivo, no caso do ato vinculado, tal interesse já
foi a priori demarcado pelo legislador, condicionando de modo preciso
a futura conduta do agente administrativo. Então, se o administrador,
no uso do poder discricionário de que dispõe, deixa de atender ao fim
legal a que está indissoluvelmente ligado, é claro que exorbita do
poder que a lei lhe conferiu, entende Cretella
89
.
Daí dizer-se com inequívoca precisão que o fim legal é o teto,
a baliza, a faixa demarcadora do poder discricionário, limite em que
esbarra a discricionariedade. Conhecer esse limite é de importância
primordial para cada cidadão, porque aí reside a defesa contra a
arbitrariedade administrativa.
Roger Bonnard
90
preceitua que o poder discricionário é sempre
ilimitado, porque o que é discricionário não pode ser concebido,
logicamente, como limitado. Se o poder é discricionário para a
apreciação de certos elementos ou aspectos do ato administrativo,
pode deixar de ser discricionário, tornando-se vinculado, para a
apreciação de outros elementos.
Diomar Ackel Filho se posiciona afirmando que discricionários
são atos praticados pela Administração Pública conforme um dos
comportamentos que a lei prescreve. Distingue estes atos dos
vinculados dizendo que esses são estritamente regrados em todos os
89
Ibidem, p. 43.
90
Apud CRETELLA JÚNIOR, José. op. cit., p. 44.
58
seus elementos, enquanto que aqueles podem ofertar certa dose de
liberdade ao agente público, especialmente no que toca à conveniência
e oportunidade, elementos do chamado mérito administrativo
91
.
Discorre o autor dizendo que a discricionariedade como poder da
Administração deve ser exercida consoante determinados limites, não
se constituindo em opção arbitrária para o gestor público, razão
porque, desde há muito, doutrina e jurisprudência repetem que ao atos
de tal jaez são vinculados em vários de seus aspectos, tais como a
competência, forma e fim.
Conta Diomar Ackel Filho que em tempo mais distante, a
discricionariedade era erigida como poder amplo do administrador,
fazendo-o juiz absoluto da coisa pública naquilo que não fosse
rigorosamente vinculado pela lei. Entretanto, aos poucos se foi
verificando que a latitude reconhecida até então à discricionariedade
administrativa não se compatibiliza com alguns princípios fundamentais
que orientam a Administração Pública.
A orientação avançou. Na doutrina, Araújo Cintra observou
que é em face da lei e das regras de direito que se põe a questão do
poder discricionário, ponderando:
Ora, a norma jurídica pode ser imperativa ou
simplesmente permissiva. Tanto é conforme à lei o
comportamento que representa a rigorosa observância do
preceito constante da norma jurídica imperativa como a
91
ACKEL FILHO, Diomar. Discricionariedade administrativa e ação civil pública. São Paulo: revista
dos Tribunais, 1990, p. 53.
59
conduta que importa o regular exercício de uma
faculdade o poder concedido por uma norma jurídica
permissiva. Se a regra legal determina que a
Administração Pública faça alguma coisa e ela faz, estará
agindo na conformidade com a lei; se diferentemente, a
regra legal apenas permite que a Administração faça
alguma coisa, cabe-lhe ponderar se à vista do interesse
público, é conveniente e oportuno fazê-lo, de modo que,
quer a faça, quer não, seu procedimento será conforme a
lei, na medida em que não se verifique desvio da
finalidade requerida no caso
92
.
Celso Antônio Bandeira de Mello
93
diz que a abstrata
liberdade conferida a nível da norma não define o campo da
discricionariedade administrativa do agente, pois esta, se afinal for
existente, terá sua dimensão delimitada por este mesmo confronto.
Em assim sendo, torna-se visível a evolução dinâmica do
Direito, contemplando a discricionariedade na sua devida posição, não
como poder impenetrável do titular dele, mas como dever jurídico
orientado pela legalidade e princípios basilares que direcionam toda a
atividade administrativa no rumo das exigências éticas dos
administrados, traduzidas em obrigações de moralidade, racionalidade,
justiça e plena adequação da conduta pública ao bem comum.
Di Pietro leciona que a partir do momento em que a
Constituição Federal, no artigo 37, inseriu o princípio da moralidade
entre os de observância obrigatória pela Administração Pública. Afirma
que é no âmbito dos atos discricionários que se encontra campo mais
fértil para a prática de atos imorais, pois é neles que a Administração
92
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo.
93
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Poder discricionário. Revista de Direito Público, 76, p. 108.
60
Pública tem liberdade de opção entre várias alternativas, todas elas
válidas perante o direito. Mas pode ocorrer que a solução escolhida
pela autoridade, embora permitida por lei, em sentido formal, contrarie
valores éticos não protegidos diretamente pela regra jurídica, mas
passíveis de proteção por estarem subjacentes em determinada
coletividade
94
.
Argumenta a autora que a discricionariedade administrativa,
da mesma forma que é limitada pelo Direito, também o é pela Moral,
que entre as várias soluções legais admissíveis, a Administração
Pública tem que optar por aquela que assegure o mínimo ético da
instituição.
Manoel de Oliveira Franco Sobrinho
95
realça a presença da
moralidade administrativa no exercício do poder discricionário:
Há e não pode deixar de haver, no exercício da
discricionariedade, um juízo de valor imanente da ordem
jurídica. Um juízo de função social e moral em seu melhor
sentido normativo. Sensível ao fato e à lei, ponderando
entre o direito formado e a realidade, traduzido numa
expressão, não de antinomias flagrantes, mas de
harmonia entre a ação administrativa e o objeto do ato
administrativo.
A discricionariedade implica liberdade de apreciação, pela
Administração Pública, dos aspectos de oportunidade e conveniência
que lhe foram conferidos pela lei. É, pois, liberdade limitada pela lei.
94
Op. cit., p. 161.
95
Op. cit., p. 164.
61
Conclui Di Pietro que ainda que a lei ao use expressamente a
expressão interesse público, sabe-se que, em toda atividade
administrativa, deve ele ser observado. Quando a atividade é
vinculada, o legislador já definiu, na norma jurídica, os meios de ação
aptos ao atendimento adequado daquele objetivo. Porém, quando o
legislador não faz essa opção, cabe à Administração Pública fazê-lo
diante do caso concreto.
Nesse caso, a liberdade da Administração nunca é total na
escolha dos meios de ação, pois estará limitada não apenas por
normas legais sobre competência, finalidade e forma, como também
pelos princípios da razoabilidade, moralidade, motivação. A autoridade
competente deverá demonstrar, mediante a necessária motivação, que
a sua escolha atende a este ou àquele interesse público.
A discricionariedade que, aparentemente, é ampla, pode
reduzir-se sensivelmente diante do caso concreto. É o que afirma
Dalmo de Abreu Dallari: Perante uma situação real, num contexto
específico, tenho muito mais possibilidades de concluir a respeito do
que é interesse público
96
.
É também o que demonstra Celso Antônio Bandeira de Mello
97
,
ele parte da idéia de que, se a lei dá à Administração certa margem de
96
DALLARI, Dalmo de Abreu. Interesse público na contratação das entidades da administração
descentralizada. Cadernos Fundap, 11/23.
97
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio de. Controle judicial dos atos administrativos. Revista de
Direito Público. 65/33
62
discricionariedade, é precisamente porque quer que ela escolha, para
cada caso concreto, a solução mais adequada para atingir os objetivos
fixados pelo legislador. É a certeza de que os objetivos almejados,
para serem efetivamente atendidos em concreto, dependeriam de um
juízo mais acertado das circunstâncias fáticas, aquilo que leva a lei, em
nome destes mesmos objetivos, a definir discricionariedade.
1.3.3 Atos que importam enriquecimento ilícito
Os atos de improbidade retratados de forma não taxativa no
artigo 9.° da Lei 8.429/92 devem proporcionar enriquecimento ilícito ao
agente ou a outrem por ele beneficiado. De um modo geral, ilícito é o
enriquecimento que não decorre de razão legal. Inexiste causa jurídica
que respalde tal enriquecimento, o que constitui o pressuposto de sua
invalidade.
Nicolau Dino de Castro e Costa Neto
98
afirma que, à luz do rol
contido no artigo 9.°, caput e incisos da Lei 8.429/92, pode perceber
que o núcleo das condutas que tipificam a improbidade administrativa
ensejadoras de enriquecimento ilícito é a obtenção de vantagem
patrimonial indevida. Indevida é a vantagem auferida sem justificativa
adequada que a respalde.
98
Op. cit., p. 133.
63
Os atos de improbidade administrativa encartáveis no artigo
9.° da Lei 8.429/92 exigem, pois, a presença dos seguintes requisitos:
a) obtenção de vantagem patrimonial indevida, por parte do agente
público ou de terceiro;
b) ciência do caráter ilícito da vantagem;
c) nexo entre a vantagem indevida e o comportamento de agente
público ou de terceiro.
Motauri Ciocchetti de Souza
99
comenta que o inciso II trata da
idéia de superfaturamento. Nela, o agente público permite, mediante o
recebimento de vantagem econômica, que o Poder Público venha a
efetuar uma prática negocial desequilibrada de sorte que o seu
dispêndio patrimonial seja maior do que a contraprestação decorrente
do trato. O inciso III descreve a conduta de facilitar a alienação,
permuta, locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente
estatal por preço inferior ao valor de mercado. O inciso IV do artigo 9.°
caracteriza como ato de improbidade administrativa a utilização para
fins particulares de veículos, máquinas, equipamentos, material e
servidores públicos.
Afirma o autor que tem-se em todos esses casos improbidade
administrativa consubstanciada em enriquecimento ilícito. Tem-se aqui
a previsão de que a incompatibilidade entre o patrimônio e a renda do
agente público gera a presunção da ilicitude da constituição de sua
99
Op. cit., p. 110.
64
riqueza. Diz também que se o patrimônio do agente é incompatível com
seus rendimentos (fato objetivo), presume-se que a respectiva
constituição ocorreu de forma ilícita. A presunção, à evidência, milita
em desfavor do agente público acusado, de tal sorte que passará a ser
de sua incumbência a prova da licitude na constituição do patrimônio.
Concorda com esta posição Luiz Fabião Guasque,
corroborando que o dano é presumido com a constatação da variação
patrimonial injustificada, ocorrendo, por conseguinte, a inversão do
ônus da prova, competindo ao agente público acusado o dever de
demonstrar a lisura na composição de seu patrimônio
100
.
1.3.4 Atos que causam prejuízo ao erário
Nicolau Dino de Castro e Costa Neto
101
lembra que o artigo 10
da Lei 8.429/92 é dedicado aos atos de improbidade configuradores de
prejuízos ao Tesouro Público. Também está dito ali que constitui
improbidade administrativa causadora de lesão ao erário qualquer ação
ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio,
apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das
entidades referidas no artigo 1.° desta lei.
Os atos de improbidade lesivos ao erário podem ser
comissivos ou omissivos, dolosos ou culposos. Nessa perspectiva de
100
GUASQUE, Luiz Fabião. Improbidade administrativa, Revista dos Tribunais, 712, p. 359.
101
Op. cit., p. 134.
65
maior efetividade, deve-se exigir do agente público comportamento
funcional fiel aos preceitos de legalidade, moralidade e lealdade para
com a Administração, bem como responsabilidade na condução dos
assuntos de interesse público. A quebra do dever de atenção e de
diligência na condução da coisa pública pode causar resultados
drásticos para a Administração, com reflexos ruinosos para o erário.
Ressalta Nicolau Dino de Castro e Costa Neto
102
que,
considerando-se os diferentes graus de reprovabilidade nas condutas
dolosas e culposas, certamente deverá haver adequado juízo de
ponderação na imposição das sanções correspondentes à improbidade
administrativa, em atenção ao princípio da proporcionalidade. Esse,
sem dúvida, deverá ser o parâmetro necessário a assegurar
interpretação conforme a Constituição, na previsão de atos de
improbidade culposos, sob pena de inescusável desrespeito ao próprio
princípio da moralidade administrativa.
Motauri Ciocchetti de Souza
103
comenta que atos há que
causam prejuízo ao erário, mas não implicam enriquecimento ilícito por
parte do agente público. Que destes atos cuida o artigo 10 da Lei
8.429/92, que ao se referir ao erário, trata de qualquer hipótese em que
se apresente desfalque patrimonial a alguma das pessoas arroladas no
artigo 1.°.
102
Ibidem., p. 134.
103
Op. cit., p. 113.
66
Com efeito, em seu caput este artigo assevera constituir ato
de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer
ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial,
desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou
haveres das entidades referidas no artigo 1.°.
Motauri exemplifica, para distinguir enriquecimento ilícito de
improbidade que causa prejuízo ao erário a situação em que o agente
público subtraia para si bem pertencente ao patrimônio de alguma das
entidades do artigo 1.°, quando haverá tipificação de enriquecimento
ilícito; no entanto, se ele subtrai para outrem ou permite que terceiro
pratique a subtração em benefício próprio, responderá por ato de
improbidade que causa prejuízo ao erário.
1.3.5 Atos que atentam contra os princípios da Administração Pública
O artigo 11 da Lei 8.429/92 encerra os atos de improbidade
comprometedores dos princípios da Administração Pública. Na redação
do dispositivo, constitui improbidade administrativa que atenta contra
os princípios da Administração Pública qualquer ação ou omissão que
viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade
às instituições, e notadamente: I praticar ato visando fim proibido em
lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de
competência; II retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de
ofício; III revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão
67
das atribuições e que deva permanecer em segredo; IV negar
publicidade aos atos oficiais; V frustrar a licitude concursos público;
VI deixar de prestar cotas quando esteja obrigado a fazê-lo; VII
revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da
respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica
capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
Canotilho
104
pregava que os princípios são normas jurídicas
estruturais de um ordenamento jurídico. Possuem natureza
normogenética, porquanto são fundamentos de regras, isto é, são
normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas.
A violação de um princípio assume contornos de uma
indiscutível gravidade, sendo até mais significativa que a contrariedade
a uma regra jurídica. A repercussão negativa é, de fato, muito maior,
porque um princípio, exercendo um papel de balanceamento de
interesses e de ligação de normas e preceitos, possui uma dimensão
axiológica que, uma vez abalada, repercute em todo o sistema. Daí
porque se afigura inteiramente adequada a tipificação, como
improbidade, dos atos atentatórios aos princípios norteadores da
Administração
105
.
Sartori comunica que uma leitura apressada do artigo 11
poderia ensejar a conclusão de que a mera prática de um ato ilegal já
104
Apud COSTA NETO, Nicolau Dino de Castro, op. cit., p. 138.
105
Ibidem, p. 138.
68
seria suficiente para caracterizar improbidade administrativa. Mas
certamente constituiria manifesta desproporcionalidade estabelecer
irrestrita equivalência entre ilegalidade e improbidade. Defende que o
caminho para ponderável caracterização de improbidade administrativa
decorrente da violação do dever de legalidade consiste na fiel
observância do princípio da proporcionalidade para que não se
vislumbrem sanções drásticas em face de situações que não exigem
rigor excessivo do sistema punitivo, condicionando-se mutuamente os
princípios da legalidade e da probidade
106
.
Carmem Lúcia Antunes da Rocha
107
diz que condicionar os
princípios da legalidade e da probidade é necessário para que a
interpretação do sistema normativo conducente à probidade
administrativa guarde o máximo de identidade entre sua aplicação e
aquilo que produz sua existência e determina a sua eficiência. Disso
resulta que a violação do dever de legalidade apta a ensejar a
caracterização de improbidade administrativa é aquela que vem
incrementada com ingredientes de deslealdade, má-fé ou
desonestidade para com a Administração Pública.
Motauri Ciocchetti de Souza
108
complementa dizendo que da
mesma forma que os atos que implicam enriquecimento ilícito não
trazem necessariamente prejuízo ao erário e vice-versa, os atos que
106
SARTORI, Giovanni. A política: lógica e método nas ciências sociais. Tradução de Sérgio Bath.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997, p. 134.
107
Op. cit., p. 54.
108
Op. cit., p. 118.
69
atentam contra os princípios da Administração Pública não geram
obrigatoriamente prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito.
1.4 PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS
Paulo Bonavides
109
assevera que os princípios entendidos
como mandados de otimização são normas, e como tais conferem aos
sistemas constitucionais unidade de sentido e auferem a valoração de
sua ordem normativa. Diz que no Estado talhado pela Constituição
Federal de 1988, o direito preexiste à atuação da Administração
Pública, que deve ser orientada pelas regras e princípios do
ordenamento jurídico pátrio para consecução dos valores fundamentais
do cidadão, fim precípuo do Estado Democrático de Direito.
Manoel de Oliveira Franco Sobrinho
110
comenta que, inserida
no Texto Constitucional como princípio administrativo, a moralidade
administrativa passou a constituir pressuposto de validade de todo ato
da Administração Pública. Não se trata da moral comum, mas da moral
jurídica. E para a qual prevalece a necessária distinção entre o bem e
o mal, o honesto e o desonesto, o justo e o injusto, o conveniente e o
inconveniente, o oportuno e o inoportuno, o legal e o ilegal.
O ato administrativo não está adstrito tão somente àquilo que
determina a lei, mas à sua finalidade e espírito de alcance do bem
109
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 216.
110
Op. cit., p. 207.
70
comum. Assim, ao praticá-lo, quando da gestão da coisa pública, o
agente público não pode olvidar-se da boa fé.
Odete Medauar
111
lembra que os órgãos e entes da
Administração direta e indireta na realização das atividades que lhes
competem regem-se por normas. Além das normas específicas para
cada matéria ou setor, há preceitos gerais que informam amplos
campos de atuação. São os princípios do direito administrativo. Tendo
em vista que as atividades da Administração Pública são disciplinadas
preponderantemente pelo direito administrativo, tais princípios podem
ser considerados também princípios jurídicos da Administração Pública
brasileira.
O ordenamento pátrio confere relevo aos princípios gerais do
direito. A Constituição de 1988, no parágrafo 2.° do artigo 5.°, faz
decorrer direitos dos princípios por ela adotados.
O direito administrativo os princípios revestem-se de grande
importância. Por ser um direito de elaboração recente e não codificado
os princípios auxiliam a compreensão e consolidação de seus
institutos. Acrescente-se que, no âmbito administrativo, muitas normas
são editadas em vista de circunstâncias de momento, resultando
multiplicidade de textos, sem reunião sistemática. Daí a importância
111
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.
139.
71
dos princípios, sobretudo para possibilitar a solução de casos não
previstos.
Na Constituição de 1988 encontram-se mencionados
explicitamente como princípios os seguintes: legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (acrescentado
pela Emenda 19/98). Alguns doutrinadores buscam extrair outros
princípios do texto constitucional.
1.4.1 Princípio da legalidade
Odete Medauar
112
diz que uma das decorrências da
caracterização de um Estado como Estado de Direito encontra-se nesse
princípio, que informa as atividades da Administração Pública. A
Constituição de 1988 determina que todos os entes e órgãos da
Administração Pública obedeçam ao princípio da legalidade, além do
que esse princípio obriga a Administração a cumprir normas que ela
própria editou.
Preceitua a autora que o princípio da legalidade traduz-se na
fórmula: A Administração deve sujeitar-se às normas legais. O sentido
do princípio da legalidade não se exaure com o significado de
habilitação legal. Este deve ser combinado com o sentido de ser
vedado à Administração editar atos ou tomar medidas contrárias às
112
Op. cit., p. 141.
72
normas do ordenamento. A Administração, no desempenho de suas
atividades, tem o dever de respeitar todas as normas do ordenamento.
Emerson Garcia
113
leciona que, devendo o Estado submeter-se
à ordem jurídica, todos os atos do Poder Público devem buscar seu
fundamento de validade em norma superior. Os atos administrativos
devem ser praticados com estrita observância dos pressupostos legais.
No direito público somente serão válidos os atos que praticados em
conformidade com a tipologia legal, sendo imprescindível a existência
de norma autorizadora. O agente público tem o dever de praticar o ato
em estando presentes os substratos que o legitimam, mantendo-se sua
liberdade adstrita aos lindes delimitados pelo legislador.
Marcello Caetano diz que sob o aspecto administrativo, o
princípio da legalidade se traduz a clássica formulação da doutrina
segundo a qual na Administração Pública não há liberdade nem
vontade pessoal, só lhe é permitido fazer o que a lei autoriza. Assim, a
legalidade cinge a atividade jurídica da Administração, condicionando
os poderes a exercer e a forma do seu exercício, o objeto e o fim dos
atos
114
.
113
Op. cit., p. 714.
114
Apud BARROS DE MOURA, Genney Randro. Direito administrativo tributário. Revista Tributária e
de Finanças Públicas, ano 12, maio-junho 2004, p. 217.
73
Motauri Ciocchetti de Souza
115
acrescenta que o princípio da
legalidade é auto-explicativo. Consiste a sujeição de todos os
exercentes de cargos públicos aos mandamentos legais, que traçam os
limites de sua atuação. Assim, a função dos atos da Administração é a
realização das disposições legais, não lhe sendo possível, portanto, a
inovação do ordenamento jurídico, mas tão só a concretização de
presságios genéricos e abstratos anteriormente firmados pelo
exercente da função legislativa.
1.4.2 Princípio da impessoalidade
Consiste a impessoalidade no exercício da Administração
Pública destinado à obtenção do bem comum, sem favorecimentos de
ordem pessoal. A Administração Pública deve reger a vida em
sociedade. Assim, à evidência, os poderes e comandos que dela
emanam não podem ter destinatário certo e definido que não a
sociedade à qual o administrador serve, assevera Luiz Alberto David
Araújo
116
.
Odete Medauar assevera que os princípios da impessoalidade,
moralidade e publicidade apresentam-se intrincados de maneira
profunda, havendo, mesmo, instrumentalização recíproca; assim, a
impessoalidade configura-se meio para atuações dentro da moralidade;
a publicidade, por sua vez, dificulta medidas contrárias à moralidade e
115
SOUZA, Motauri Ciocchetti. Temas de direito do consumidor, ambiental e improbidade
administrativa. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 89.
116
Op. cit., p. 90.
74
impessoalidade; a moralidade administrativa, de seu lado, implica
observância da impessoalidade e da publicidade.
Esse princípio recebe várias interpretações da doutrina
brasileira. Para José Afonso da Silva
117
:
Os atos e provimentos administrativos são imputáveis
não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou
entidade administrativa em nome do qual age o
funcionário... por conseguinte, o administrador não se
confronta com o funcionário que expediu o ato, mas com
entidade cuja vontade foi manifestada por ele.
Hely Lopes Meirelles associou a impessoalidade ao princípio
da finalidade, que significa o atendimento do interesse público: o
administrador fica impedido de buscar outro objetivo ou de praticá-lo no
interesse próprio ou de terceiros
118
.
No entender de Celso Antônio Bandeira de Mello,
impessoalidade traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a
todos os administrados sem discriminações, benéficas ou
detrimentosas. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da
legalidade ou isonomia
119
.
Odete Medauar conclui afirmando que esses aspectos
representam ângulos diversos do intuito essencial de impedir que
fatores pessoais, subjetivos sejam os verdadeiros móveis e fins das
117
Op. cit., p. 570.
118
Op. cit., p. 81.
119
Op. cit., p. 60.
75
atividades administrativas. Que com o princípio da impessoalidade a
Constituição visa a obstaculizar atuações geradas por antipatias,
simpatias, objetivos de vingança, represálias, nepotismo,
favorecimentos diversos, muito comuns em licitações, concursos
públicos, exercício de poder de polícia. Que o princípio busca, desse
modo, que predomine o sentido de função, isto é a idéia de que os
poderes atribuídos finalizam-se ao interesse de toda a coletividade,
portanto a resultados desconectados de razões pessoais. Em situações
que dizem respeito a interesses coletivos ou difusos, a impessoalidade
significa a exigência de ponderação equilibrada de todos os interesses
envolvidos, para que não se editem decisões movidas por preconceitos
ou radicalismos de qualquer tipo
120
.
1.4.3 Princípio da publicidade
Os atos praticados pela Administração Pública devem revestir-
se de transparência, de modo que a sociedade possa saber como estão
sendo geridos seus interesses. Ensinam Pazzaglini Filho, Rosa e
Fazzio Júnior, é graças à publicidade dos atos administrativos que se
podem estabelecer mecanismos de controle da gestão pública. Neste
sentido, o princípio da publicidade funciona como princípio fiscal da
observância dos demais
121
.
120
Op. cit., p. 146.
121
Op. cit., p. 51.
76
Ao discorrer sobre democracia e poder invisível, Bobbio
122
caracteriza a democracia, sob tal prisma, como o governo do poder
público em público, atribuído a este último vocábulo o sentido de
manifesto, visível.
Medauar entende que o tema da transparência ou visibilidade,
também tratado como publicidade da atuação administrativa, encontra-
se associado à reivindicação geral de democracia administrativa. A
partir da década de 50, surge o empenho em alterar a tradição de
secreto predominante na atividade administrativa. A prevalência desta
feição mostra-se contrária ao caráter democrático do Estado.
A atual Constituição alinha-se a essa tendência de publicidade
ampla a reger as atividades da Administração, invertendo a regra do
segredo e do oculto que predominava. O princípio da publicidade vigora
para todos os setores e todos os âmbitos da atividade administrativa.
Um dos desdobramentos desse princípio encontra-se no inciso
XXXIII do artigo 5.°, que reconhece a todos o direito de receber, dos
órgãos públicos, informações de seu interesse particular ou de
interesse coletivo ou geral. Medauar
123
afirma que o preceito é bem
claro: o acesso a informações provindas dos órgãos públicos incide não
somente sobre matérias de interesse do próprio indivíduo, mas também
sobre matérias de interesse coletivo e geral. Uma ressalva a esse
122
Apud MEDAUAR, Odete, op. cit., p. 147.
123
Ibidem, p. 149.
77
direito de receber informações e ao princípio da publicidade em geral é
encontrada na preservação da intimidade, da vida privada, da hora, da
imagem das pessoas, declaradas invioláveis pela Constituição.
1.4.4 Princípio da eficiência
Inserido no caput do artigo 37 pela Emenda Constitucional n.°
19/98, esse princípio tem partes com as normas da boa administração,
indicando que a Administração Pública, em todos os seus setores, deve
concretizar a atividade administrativa predisposta à extração do maior
número possível de efeitos positivos ao administrado. Deve sopesar
relação de custo-benefício, buscar a otimização de recursos, em suma,
tem por obrigação dotar da maior eficácia possível todas as ações do
Estado
124
.
Na legislação pátria o termo eficiência já aparecera
relacionado à prestação de serviços públicos. Agora a eficiência é o
princípio que norteia toda a atuação da Administração Pública, no
parecer de Odete Medauar
125
. O vocábulo liga-se à idéia de ação, para
produzir resultado de modo rápido e preciso. Associado à
Administração Pública, o princípio da eficiência determina que a
Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir
resultados que satisfaçam as necessidades da população. Eficiência
contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligência, a omissão,
124
ARAÚJO, Luis Alberto David, op. cit., p. 235.
125
Op. cit., p. 149.
78
características habituais da Administração Pública brasileira, com raras
exceções, comenta a autora.
Ressalta também a autora que o princípio da eficiência vem
suscitando entendimento errôneo no sentido de que, em nome da
eficiência, a legalidade será sacrificada. Os dois princípios
constitucionais da Administração devem conciliar-se, buscando esta
atuar com eficiência, dentro da legalidade.
1.5 A CORRUPÇÃO E A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Apesar da inserção no texto constitucional dos princípios da
publicidade, da moralidade, apesar dos avanços da ciência e da técnica
no que diz respeito à transparência da ação administrativa, apesar dos
instrumentos de controle instituídos em nível constitucional, apesar das
sanções previstas, continua latente o problema da corrupção, a
desafiar a todos os cidadãos brasileiros.
Caio Tácito
126
discorre que o servidor público submete-se, no
exercício do cargo ou função, a obrigações e deveres que são
regulados pelo princípio da legalidade, o qual se vincula a outros
princípios essenciais, estabelecidos na Constituição e nas leis ou
regulamentos, entre eles o da finalidade e o da moralidade
administrativa.
126
TÁCITO, Caio. Improbidade administrativa como forma de corrupção. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, out-dez de 2001, p. 1.
79
A probidade administrativa é, em suma, a norma que rege a
conduta do agente público como elemento subjetivo na prática do
serviço público, cuja violação caracteriza o instituto da improbidade
administrativa, regulada de forma especial na Lei 8.429/92.
E leciona Caio Tácito
127
que o princípio da moralidade é
ameaçado pela corrupção administrativa que tem raízes seculares
como desvio ético, a ser combatido no plano da responsabilidade
administrativa na responsabilidade penal e civil do servidor público.
Raul Machado Horta
128
comenta que a corrupção é
manifestação maligna, que nega a moralidade administrativa. No
domínio do Direito, identifica o crime, tipificado no Código Penal, na
categoria dos crimes praticados por funcionário público contra a
Administração em geral, ao lado de outros crimes, como o peculato, o
excesso de exação, a prevaricação, o tráfico de influências, o
contrabando e a condescendência criminosa. Informa que, até o
advento do Código Penal de 1940, a corrupção não era tratada sob
essa designação, adotando-se na legislação anterior, as expressões
peita ou suborno.
Afirma este autor que a corrupção é uma conseqüência, cuja
causa primeira reside na ruptura de valores, operada no domínio da
conduta humana. Alega que a autonomia da Política, no seu
127
Ibidem, p. 2.
128
HORTA, Raul Machado. Improbidade e corrupção. Revista de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro, abril-junho 2004, p. 121.
80
desvinculamento da ética, conduziu, em seu longo percurso histórico,
ao enfraquecimento da consciência ética, que as formas de
organização política aprofundaram, promovendo a separação entre
ética e Política. Corrobora que a ética encerra valor individual,
desprovido de sanção material e exterior. Na ética, a coerção é interior
e subjetiva, no plano da consciência de cada um. Essa apreciação
conceitual sobre a autonomia da regra moral, não desconhece a
subsistência das relações entre a Ética, a Política e o Direito e,
especialmente, a jurisdização da regra moral.
No domínio das idéias, a filosofia política inseriu o tratamento
da corrupção no quadro dos regimes políticos, estabelecendo a
correlação entre corrupção e formas de organização política.
Aristóteles dedicou o Livro VII da Política, para analisar as causas das
mudanças de regimes e identificar nessas mutações as corrupções
próprias de cada um, no plano das formas degeneradas dos regimes
129
.
A corrupção do regime político é inseparável da corrupção
praticada pelos agentes, os funcionários, os titulares de cargo e
mandatos, os representantes do Poder Político. A corrupção é
dissimulada no seu procedimento.
Sérgio Buarque de Holanda, analisando o aparecimento da
corrupção administrativa no período imperial, assinalou que a
129
Ibidem, p. 122.
81
corrupção insinuava-se nas antecâmaras dos Ministérios e acabava por
invadir toda a periferia de poder, ajudando a corroê-lo
130
.
Raul Horta
131
informa que o controle da corrupção pode ser
exercido através dos poderes de investigação das Comissões
Parlamentares de Inquérito (Constituição Federal, artigo 58, parágrafo
3.°) e da fiscalização contábil, financeira e orçamentária dos Tribunais
de Conta da União e dos Estados, os quais, entre as suas atribuições,
receberam a de apurar irregularidade de que resulte prejuízo ao erário
público (Constituição Federal, artigo 71, II).
Na legislação ordinária desenvolvendo as disposições da
Constituição, destaca-se a Lei Federal 8.429/92, lei de anticorrupção, a
legislação eleitoral codificada 4.737/65, a Lei 8.666/93, os Códigos de
Ética profissional, que visam afastar as práticas moralmente
contaminadoras da atividade profissional.
Na visão de Tércio Sampaio Ferraz Júnior
132
, corrupção tem a
ver com percepções sociais, que são importantes na formação das
dimensões éticas da sociedade e, assim, do modo como os atos
públicos são avaliados e julgados. Elas podem ser apresentadas na
forma de estereótipos que são facilmente assimilados pela sociedade e
mesmo por estrangeiros que com ela entram em contato.
130
HOLANDA, Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difel, 1993, p.
94.
131
Op. cit., p. 127.
132
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Ética administrativa num país em desenvolvimento. Cadernos
de direito constitucional e ciência política. São Paulo, jan-março de 1998, p. 38.
82
Magalhães Noronha
133
conceitua corrupção como o comércio
ignóbil da função. É o interesse vil, é a ganância, é a avidez do ganho
que, em regra, inspira e lhe dá o ser. A propriedade ou impropriedade
do ato não conta.
Edmundo Oliveira
134
se posiciona dizendo que a palavra
corrupção aparece na linguagem do Direito brasileiro em duas
acepções diferentes: perversão e suborno. Na acepção de perversão,
com tal sentido, corromper é induzir à libertinagem, tal como acontece
no crime de corrupção de menores, definido no artigo 218 do Código
Penal. Na acepção de suborno, corromper é, então, pagar ou prometer
algo não devido para conseguir a realização de ato de ofício. E que ser
corrompido é aceitar vantagem patrimonial indébita, como previsto nos
artigos 333 e 317 do mesmo Diploma.
1.6 A IMPROBIDADE EM OUTROS PAÍSES
O sistema constitucional pátrio apresenta peculiaridades que o
distinguem de outros sistemas ocidentais. Na França, onde as
distinções afiguram-se marcantes, a partir da Revolução, salvo
expressa autorização legal, era defeso aos Juízes exercer qualquer
atividade administrativa. Inicialmente, tal atividade era exercida por
autoridades administrativas, consoante critérios de hierarquia;
ulteriormente, no ano VIII da Revolução, foi implementada a separação
133
NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 245.
134
OLIVEIRA, Edmundo. Crimes de corrupção. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 38.
83
da atividade administrativa ativa e da contenciosa, sendo criado um
sistema de Tribunais Administrativos. Com o romper das décadas o
sistema sofreu diversas mutações, mas ainda hoje são identificadas
múltiplas vedações quanto à possibilidade de o Judiciário pronunciar-se
sobre a atividade administrativa
135
.
No direito francês se nega a existência de ato administrativo
em que o poder discricionário seja total, e também se nega que a
vinculação à lei seja integral. Nesse caso, há discricionariedade em
relação à escolha do momento de praticar o ato, informa Maria Sylvia
Di Pietro
136
.
Foi nos Estados Unidos que o princípio do due process of law,
inicialmente vigorando em matéria apenas processual, foi evoluindo
para adquirir um sentido substantivo, vinculado ao princípio da
igualdade. Constitui fundamento para controle judicial dos atos
normativos, sejam eles emanados do Legislativo ou da Administração
Pública, quando os mesmo sejam irrazoáveis, ou seja, quando
estabeleçam discriminações injustificáveis, irrelevantes em relação aos
fins visados pela Constituição
137
.
Informa Ada Pellegrini Grinover que inicialmente, naquele
país, o princípio teve aplicação apenas no processo penal, passando
depois para o processo civil e o administrativo, tornando-se em
135
Op. cit., p. 721.
136
Op. cit., p. 183.
137
DI PIETRO, Maria Sylvia, op. cit., p. 185.
84
princípio inerente à teoria geral do processo. Sua aplicação, na área
processual, exige instrução contraditória, o direito de defesa, a
assistência judiciária, o duplo grau de jurisdição, a publicidade das
audiências e outros
138
.
Quanto à noção de princípios, Luís Prieto Sanchis
139
põe a
lume sua posição:
Talvez os princípios sejam um dos últimos e mais
vistosos artifícios fabricados pelos juristas, capazes de
servir por igual a malabarismos conceituais que a
propósitos ideológicos, de valor o mesmo para estimular
uma certa racionalidade argumentativa que para encobrir
as mais disparatadas operações hermenêuticas.
Na Alemanha, o poder do governo tem seu princípio positivo
nos interesses cuja prossecução lhe é deferida. Os particulares têm o
direito de que seja omitida, por parte do Estado, enquanto governo,
qualquer atividade que prejudique a esfera da liberdade deles. Fora
desses limites, tudo o que for requerido pelo bem comum é consentido
à iniciativa do governante, o qual, nesse âmbito, é livre. Na Alemanha,
portanto, a ética da legalidade tem por base a administração como
atividade livre nos limites da lei, na prossecução do interesse público.
138
Op. cit., p. 40.
139
SANCHIS, Luis Prieto, apud José Guilherme Giacomuzzi, op. cit., p. 204.
85
2 SANÇÕES CIVIS E TUTELA PENAL DA RESPONSABILIDADE
ADMINISTRATIVA
A administração da coisa pública sempre foi alvo de crítica
dentro da estrutura social brasileira. Esta crítica é levada a termo tanto
pela população em geral, que a trata genericamente como o problema
da corrupção dos governantes, como por estudiosos, seja da
sociologia, da ciência político ou do próprio direito.
O pano de fundo de tal discussão, diz Paulo Rogério Bonini
140
,
é a necessidade de se haver uma administração pública fundada em
princípios previstos na Carta Magna, notadamente a partir do momento
em que esta previu, expressamente, a necessidade da moralidade e da
probidade administrativa no trato dos bens e dos meios públicos.
Antes do que um dever do Estado, o direito a uma
administração íntegra é um direito de cada cidadão, previsto na própria
Constituição Federal, estando dentro da esfera das liberdades públicas.
No dizer de Rodolfo Camargo Mancuso
141
:
Outras garantias, pelo fato de se apresentarem uma
forma positiva, ou seja, de poderem exigir um facere do
Estado, talvez melhor se denominassem direitos
subjetivos públicos, e aí teríamos, no âmbito daquele
art. 5º, ... o direito a uma administração pública proba e
eficiente (inc. LXXIII e art. 37)... (grifo no original)
140
BONINI, Paulo Rogério. Responsabilidade civil dos agentes públicos. Revista Direito e Paz, Ano 3,
2001, p. 141.
141
Op. cit., p. 27.
86
Para que o Estado de Direito seja pleno, é necessário que
seus agentes pautem sua atuação na busca do bem-estar de todos, na
mesma medida que zele, de forma inequívoca, pela preservação não só
do patrimônio público colocado sob sua responsabilidade, mas também
que busque não macular, de forma alguma, a imagem da administração
pública da qual faz parte. No dizer do Ministro José Augusto Delgado:
Não satisfaz às aspirações da Nação a atuação do
Estado de modo compatível só com a mera ordem legal.
Exige-se muito mais. Necessário se torna que a
administração da coisa pública obedeça a determinados
princípios que conduzam à valorização da dignidade
humana, ao respeito à cidadania e à construção de uma
sociedade justa e solidária. Esta, portanto, o
administrador obrigado a se exercitar de forma que sejam
atendidos os padrões normais de conduta que são
considerados relevantes pela comunidade e que
sustentam a própria existência social. Nesse contexto, o
cumprimento da moralidade, além de se constituir um
dever que deve cumprir, apresenta-se como um direito
subjetivo de cada administrado.
Já existe uma consciência quanto à necessidade do respeito a
princípios administrativos a serem seguidos pelo administrador, assim
como da obrigação do Estado punir seus agentes que, transpondo a
tênue linha da legalidade, locupletam-se às custas da coisa pública.
Mais que isto, surgiu de forma mais agressiva a possibilidade de
responsabilizar pessoalmente o agente público quanto a atos de
improbidade administrativa que venham, de alguma forma, a não seguir
os ditames legais e causem, de qualquer forma, prejuízo legal e
financeiro ao Estado. Trata-se de verdadeira responsabilidade civil dos
87
agentes públicos e correlatos por atos de improbidade administrativa,
regulada pela Lei nº 8.429/92
142
.
Todo agente público, na sua atuação dentro da máquina
administrativa, no exercício de cargo, emprego ou função, possui
responsabilidades pelos seus atos em todas as esferas, ou seja, penal,
civil e administrativa.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro
143
, a responsabilidade
patrimonial do agente público decorre da regra universal contida no art.
159, do Código Civil, ou seja, todo aquele que provoca dano a outrem é
obrigado a repará-lo.
A responsabilidade a qual se refere difere da responsabilidade
objetiva do Estado em relação a terceiros prejudicados por atos
praticados por seus representantes. Trata-se aqui da responsabilização
do próprio agente público, ou de particulares que tenham concorrido ou
se beneficiado de tais atos, que, utilizando-se indevidamente de sua
função, incorre em um dos casos de improbidade administrativa
previstos na lei supracitada, originando a obrigação de reparar os
cofres públicos quanto ao prejuízo sofrido.
Trata-se de responsabilidade delitual ou extracontratual,
fundada na culpa. Tal responsabilidade, também denominada aquiliana,
142
BONINI, Paulo Rogério, op. cit., p. 102.
143
Op. cit., p. 386.
88
é definida por Maria Helena Diniz como aquela: Que decorre de
violação legal, ou seja, de lesão a um direito subjetivo ou da prática de
um ato ilícito, sem que haja nenhum vínculo contratual entre lesado e
lesante
144
.
A responsabilidade criminal do agente público é aquela
decorrente da prática de crime, definido como tal, pela lei. Os crimes
praticados por agentes públicos no exercício de sua função são, de
maneira geral, identificados como crimes contra a administração
pública. Deve ficar claro, entretanto, que pelas normas que os definem,
pretende-se garantir a tutela não só da administração pública, em
sentido estrito, mas de toda a atividade estatal, incluídas a atividade
legislativa e a judicial. É que, como esclarecem Antônio Pagliaro e
Paulo José da Costa Júnior
145
:
Por administração pública, portanto, o Código Penal não
entende apenas a atividade administrativa em sentido
estrito, distinta da atividade legislativa ou jurisdicional.
Muito ao contrário, o Código Penal leva em consideração
toda a atividade estatal, num sentido subjetivo e noutro
objetivo. Sob a angulação subjetiva, a administração
pública é entendida como o conjunto de entes que
desempenham funções públicas. Sob o aspecto objetivo,
considera-se como administração pública toda e qualquer
atividade desenvolvida para satisfação do bem comum.
Em outra palavras: em direito penal, administração
pública equivale a sujeito-administração e atividade
administrativa.
O art. 3º da Lei nº 1.079/50 é expresso no sentido de que a
imposição da pena pelo crime de responsabilidade não exclui o
144
Op. cit., p. 427.
145
Apud GARCIA, nica Nicida. Responsabilidade do agente público. Dissertação apresentada
Faculdade de Direito de São Paulo, São Paulo, 2003, p. 105.
89
processo e julgamento do acusado de crime comum, na justiça
ordinária, nos termos das leis de processo penal, revelando, assim,
uma nítida distinção entre os crimes comuns e os crimes de
responsabilidade. É que estes últimos, repita-se, constituem-se em
infrações político-administrativas, inseridas na esfera de
responsabilidade político-administrativa do agente político
146
.
Assevera a autora que não está autorizada, pela Constituição,
a tese de que o fato de responderem, os agentes políticos, por crime
de responsabilidade os desonera da responsabilização por crime
comum, por ilícito civil, ou por ato de improbidade. Tanto assim que o
já citado art. 52 da Constituição prevê que a condenação se dará sem
prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis. Se fosse o caso de
incidência tão somente da esfera de responsabilidade político-
administrativa, a Lei Maior teria, certamente, excluído a possibilidade
da aplicação das demais sanções judiciais.
Se se quiser concluir que o fato de a Constituição ter previsto
a esfera de responsabilidade político-administrativa exclui a
possibilidade de responsabilização em qualquer outra instância ou
esfera, ainda que constitucionalmente albergada, como é o caso da
improbidade administrativa, haverá que se admitir que inexiste, para os
agentes políticos, a responsabilidade penal, o que, verdadeiramente,
não se concebe. Então, se existe a responsabilidade penal e se esta
146
GARCIA, Mônica Nicida. Agente político, crime de responsabilidade e ato de improbidade. Boletim
dos Procuradores da República, n.° 56, dezembro de 2002, p. 15.
90
não se confunde, nos termos da lei, da doutrina e da jurisprudência,
com a responsabilidade pela prática de ato de improbidade
administrativa, é inafastável a conclusão pela existência e incidência
desta última.
O fato de o agente ser político, não estar sujeito à hierarquia
e poder agir com independência, na veiculação da vontade superior do
Estado, só pode conduzir a uma conclusão: a de que tem ele mais
responsabilidade, estando, portanto, sujeito a todas as esferas de
responsabilidade constitucionalmente constituídas e admitidas. A
importância do cargo exercido, a independência que lhe é inerente, a
relevância e a gravidade das decisões que são tomadas durante seu
exercício, jamais notas características e distintivas do agente político
podem ser pretexto para eximi-lo de responder, nos termos da
Constituição, pelos atos que praticar
147
.
Conclui que a tranqüilidade para o exercício das elevadas
funções, pelo agente político deve ser da decorrência não da certeza
de não ser processado como qualquer outro agente público pode ser,
mas antes da certeza de estar agindo dentro dos padrões legais e
morais estabelecidos. Para o agente político, mais do que para
qualquer outro servidor público, não há dificuldade ou pelo menos
não deveria haver em distinguir o que é certo do que é errado, o que
é ético do que não é ético.
147
GARCIA, Mônica Nicida, op. cit, p. 16.
91
No entender de Luis Carlos Schimidt de Carvalho
148
em
princípio, a toda transgressão corresponde uma ação penal, política,
administrativa e/ou civil, sendo que o legislador, oportunisticamente
inspirado pelas exigências do meio social, assegura, numa determinada
época, a ordem jurídica, através das sanções que entende adequadas.
Enquanto na esfera penal a responsabilidade é pela infração ao
preceito legal, na esfera civil a responsabilidade é decorrente dos
danos causados à administração.
A infração praticada pelo agente político pode gerar
responsabilidades de ordem penal, de ordem civil e também de ordem
político-administrativa, enquanto o ato do servidor não tem caráter
político, mas também gera responsabilidades civis, penais e
administrativas. Há de se registrar que o agente público, seja ele
agente político ou servidor, pode ser responsabilizado por danos
causados pela administração a terceiros (caso tenha agido com dolo ou
culpa), através da ação regressiva.
Quando realizado de forma transparente, observado o devido
processo legal, dá condições à administração e ao cidadão de concluir
com segurança a existência ou não do fato imputado ao agente público.
Para isto não pode haver protecionismo, práticas de desvio de
finalidade ou de perseguição.
148
SCHMIDT, Luis Carlos de Carvalho. Responsabilidade civil e criminal dos agentes públicos.
Revista Jurídica, n.° 03, Junho de 1998, p. 69.
92
Comprovada a infração, comenta Luis Carlos Schimidt de
Carvalho
149
, seja ela penal ou administrativa, aplica-se a punição ou
dá-se o encaminhamento legalmente previsto. Convencendo-se da
inexistência do fato ou da não-culpabilidade do agente público,
arquiva-se o procedimento e, consequentemente, dá-se um atestado de
inocência ao agente público a quem foram imputadas falsas infrações.
As condutas penais mais frequentemente praticadas pelos
agentes públicos são aquelas elencadas no Código Penal, sendo a elas
aduzidas as figuras criadas pela Lei de Licitações e, especificamente,
em relação aos Prefeitos, aquelas do Decreto-Lei n.° 201/67.
Na análise do Código Penal, pode-se indicar as figuras
delituosas do peculato, emprego irregular de verbas ou rendas públicas
(tão esquecido), concussão, excesso de exação, corrupção passiva e
ativa (de terceiros), prevaricação (já citada), condescendência
criminosa, advocacia administrativa, violência arbitrária, abandono de
função, exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado,
violação do sigilo funcional e o de proposta de concorrência.
Na área penal existe ainda a previsão de uma causa especial
de aumento de pena, prevista no parágrafo 2º do artigo 327, que
determina o acréscimo de 1/3 da pena prevista, quando o servidor for
ocupante de cargo comissionado ou função de direção ou
149
Ibidem, p. 69.
93
assessoramento da administração direta, sociedade de economia mista,
empresa pública, fundação instituída pelo Poder Público. É de se
registrar, ainda, a existência de crimes praticados por particulares
contra a administração, como o da exploração de prestígio e o de
impedimento, perturbação ou fraude de concorrência
150
.
Matéria controversa na Doutrina é a relativa à vigência dos
dispositivos criminais do Decreto-Lei n.° 201/67. Entretanto, o Supremo
Tribunal Federal já se manifestou pelo seu acolhimento pela nova
ordem constitucional e o Tribunal Catarinense, na mesma esteira, tem
entendido que permanecem vigentes, havendo sido acolhidos pelo novo
ordenamento constitucional os dispositivos criminais neles previstos.
Entende-se que os fatos tipificados no artigo 1º do referido decreto-lei,
continuam vigentes, visto que são matéria criminal, de competência da
União e, apesar da denominação, não se confundem com os do artigo
4º, estes sim de infrações político-administrativas, os quais só
subsistem subsidiariamente quando o município não os regulou
adequadamente.
2.1 CRIME DE RESPONSABILIDADE
No sistema vigente, que recepcionou parcialmente a Lei n.°
1.079/50, ocupando o agente o cargo de Presidente da República,
Ministro de Estado, Ministro do Supremo Tribunal Federal ou
150
Ibidem, p. 78.
94
Procurador-Geral da República, o crime de responsabilidade por ele
praticado será julgado pelo Senado Federal. Tratando-se de
Governador de Estado, do Distrito Federal ou de Território, o
julgamento será de competência da respectiva Assembléia Legislativa.
Os atos de improbidade, por sua vez, são julgados por um órgão
jurisdicional, o que me nada se confunde com um julgamento político.
Ocorrendo o ato de improbidade administrativa, surge para o
Estado a oportunidade de aplicar determinadas sanções aos seus
agentes administrativos, bem como a terceiros que tenham tido
participação na atividade ilegal. Sobre a aplicação da letra da Lei n.°
8.429/92 a pessoas que não façam parte, o art. 3º foi explícito ao
prever que:
As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber,
àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou
concorra para a prática de ato de improbidade ou dele se
beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
Referida disposição buscou acabar com a figura do testa de
ferro, ou seja, particular que, fazendo parte de esquemas
fraudulentos, realiza a ponte entre a saída do dinheiro dos cofres
públicos e a entrada do mesmo no patrimônio do agente ímprobo.
Ressalte-se, comenta Paulo Rogério Bonini
151
, que a lei
inovou, dando instrumentos para a Justiça alcançar não só o
administrador público ou o particular que tenha concorrido diretamente
com o ato, mas também o terceiro que se beneficie de tal ato de
151
Op. cit., p. 111.
95
qualquer forma, direta ou indireta. A este serão aplicadas as mesmas
sanções previstas ao administrador público, salvo a perda de função
pública.
Sobre as sanções, foram estas tratadas de forma específica
para cada caso de improbidade previsto. Os crimes praticados contra a
Administração Pública por agentes públicos (há aqueles praticados por
particulares, como a corrupção ativa e a sonegação fiscal), são
denominados crimes funcionais e estão previstos em diversos diplomas
legais. O primeiro ser mencionado é, sem dúvida, o Código Penal
152
.
O Código Penal vigente (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940) prevê, no Título XI, os crimes contra a
Administração Pública, definindo, no Capítulo I (artigos 312 a 361), os
crimes praticados por funcionário público contra a Administração em
geral.
São assim definidos como crimes praticados por funcionário
público contra a Administração Pública em geral o peculato, o extravio,
sonegação ou inutilização de livro ou documento, o emprego irregular
de verbas ou rendas públicas, a concussão, o excesso de exação, a
corrupção passiva, a facilitação de contrabando ou descaminho, a
prevaricação, a condescendência criminosa, a advocacia
administrativa, a violência arbitrária, o abandono de função, o exercício
152
GARCIA, Mônica Nicida, op. cit., p. 106.
96
funcional ilegalmente antecipado ou prolongado, a violação de sigilo
funcional e a violação de sigilo de proposta de concorrência
153
.
Observe-se, mais, que o agente público que pratica crime no
exercício de suas funções pode ter sua pena agravada, de acordo com
o disposto no artigo 61, II, g, do Código Penal, segundo o qual São
circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou
qualificam o crime, ter o agente cometido o crime com abuso de poder
ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão.
O que o Decreto-Lei 201/67 chamou de crimes de
responsabilidade, são, na verdade, crimes comuns, tanto que deverão
ser objeto de processo a tramitar no Poder Judiciário (art, 1º). E o que
chamou aliás corretamente de infrações político-administrativas,
são, na verdade, os chamados crimes de responsabilidade, de mesma
natureza daqueles do art. 85 e da Lei n.° 1079, tanto que deverão ser
objetos de processos a tramitar perante a Câmara de Vereadores, e
sancionados com a cassação do mandato
154
.
Sobre a natureza dos chamados crimes de responsabilidade e
do processo respectivo, prevalece, na doutrina, o entendimento
manifestado por Paulo Brossard, no sentido de que se trata de
infrações de natureza político-administrativas.
153
Ibidem, p. 107.
154
Ibidem, p. 131.
97
Segundo Luis Carlos Schimidt
155
a responsabilidade pode ser
entendida como a obrigação alguém em arcar coma as conseqüências
de sua atividade ou de seu ato. Portanto, não é um fenômeno
exclusivamente da vida jurídica, estando incluída em todos os domínios
e fenômenos da vida social, ligada à noção de dever (obrigação).
Diz o autor que a responsabilidade jurídica surge quando o
equilíbrio social é turbado pela atividade humana, que se desvia dos
comportamentos éticos e ditados pelas normas estatais, atingindo, ora
a sociedade, ora o indivíduo, e, não raro, a ambos.
Ressalta ainda que o dever imposto ao agente público não é
apensa o de cumprir a lei e os citados princípios, é mais amplo. É o
dever, a obrigação de agir no sentido de fazer cumpri-los. Portanto,
deve ser afastada aquela tese comodista de que eu cumpro o meu
dever e não me importo com a ação ou omissão dos outros. Na
administração pública, não basta agir dentro da legalidade, é
necessário velar pela observância dos princípios supracitados, isto é,
fiscalizar e expender esforços neste sentido.
2.2 CRIME DE PREFEITOS
A responsabilidade dos Prefeitos foi objeto de uma lei
específica, a Lei n.° 3.528, de 3 de janeiro de 1959, a qual, depois de
155
Op. cit., p. 69.
98
tipificar as condutas qualificadas como crime de responsabilidade (em
seu art. 1º), dizia, em seguida, que a punição pelo cometimento de
crime de responsabilidade (perda do cargo e inabilitação para o
exercício da função) não impediria o processo e julgamento por crime
comum perante a Justiça ordinária, quando a mesma conduta também
fosse tipificada como infração penal
156
.
Importante é salientar, diz Dallari, que a Lei n.° 3.529/59
estipulava que a competência para disciplinar o processo e julgamento
dos Prefeitos era de legislação estadual, mas que, na inexistência de
lei estadual, aplicar-se-iam, no que fossem cabíveis, as normas
estabelecidas na Lei n.° 1.079/50.
O Código Penal está em vigor, cuidando dos crimes contra a
Administração Pública, que podem ser cometidos, inclusive por
Prefeitos. O Prefeito pode perfeitamente ser julgado, pelo Tribunal de
Justiça, no caso de cometer peculato, emprego irregular de verbas,
concussão, prevaricação, tudo isso não é crime de responsabilidade;
tudo isso é crime comum que o Prefeito pode cometer e ser julgado
pelo Poder Judiciário.
Segundo Dallari é forçoso, entretanto, admitir uma sobrevida
do Decreto-Lei nº 201, apenas em função do seguinte: como a
responsabilidade é elementar, não pode, por falta de uma legislação
156
DALLARI, Adilson Abreu. Crime de responsabilidade do prefeito. Revista do Tribunal de Contas do
Estado de São Paulo, n.° 72, setembro 1993, p. 146.
99
específica, o Prefeito ficar incólume. Não é porque não se tenha
editado lei municipal que ele não pode ser responsabilizado.
Supletivamente, se não houver lei municipal, pode-se tomar os tipos
previstos no Decreto-Lei nº 201, mas o julgamento continuará sendo,
de qualquer forma, feito pela Câmara Municipal, pela simples e pura
razão de que crime de responsabilidade não é infração penal; é
infração político-administrativa.
Como conclusão, cabe afirmar, com absoluta segurança, que o
art. 29 da Constituição Federal (que diz competir ao Tribunal de Justiça
o julgamento dos Prefeitos), deve ser entendido corretamente no
seguinte sentido: compete ao Tribunal de Justiça o julgamento dos
Prefeitos, no caso de crime comum
157
.
Na sistemática constitucional, onde fica claro que crime de
responsabilidade não é infração penal, mas infração político-
administrativa, os crimes de responsabilidade dos Prefeitos devem ser
definidos pela lei municipal e julgados pela Câmara de Vereadores. O
Supremo Tribunal Federal, em recente decisão, tomada em sessão do
Pleno e por unanimidade, revisou sua jurisprudência relativa à
responsabilidade penal dos Prefeitos, assentando que ela independe de
se achar a autoridade no exercício do governo municipal.
157
Ibidem, p. 148.
100
As responsabilidades dos Prefeitos, conforme leciona Hely
Lopes Meirelles, podem ser encaradas sob tríplice aspecto: penal,
político-administrativo e civil, visto que no desempenho das suas
funções, poderá incidir em qualquer desses ilícitos, dando ensejo à
respectiva sanção, aplicada em processos distintos e
independentes
158
.
O art. 52 da Lei n.° 10.257/2001 enuncia que qualquer agente
público, especialmente o prefeito, incorre em improbidade
administrativa quando se descumprir ou não atender aos comandos do
Estatuto. Preliminarmente, assinale-se que o Estatuto da Cidade
parece ter previsto diferentes formas de responsabilização quer se
trate de agente público, quer de particulares. Os últimos poderão ser
atingidos por ação civil pública, consoante previsão do art. 54, que teve
por efeito alterar o art. 4º da Lei n.° 7.347/1985. Os primeiros,
especialmente por improbidade administrativa, notadamente os chefes
do Poder Executivo Municipal, os prefeitos
159
.
Paulo de Barros Carvalho
160
discorre que não há como se
destacar a priori a possibilidade de o particular ser o agente passivo de
ato de improbidade administrativa em casos de lesão à ordem
158
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. Boletim Legislativo Rio de Janeiro, n.° 28,
1992, p. 643.
159
DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sergio. Estatuto da cidade e improbidade administrativa. São
Paulo: Malheiros, 2002, p. 367.
160
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário Fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo:
Saraiva, 1999, p. 12.
101
urbanística, e assim, ao patrimônio público, amplamente considerado.
Isto porque o art. 3º da Lei nº 8.429/92 é explícito ao dispor:
Art. 3.°: As disposições desta Lei são aplicáveis, no que
couber, àquele que, mesmo não sendo agente público,
induzo ou concorra para a prática do ato de improbidade
ou dele se beneficie de qualquer forma direta ou
indireta.
Naturalmente que a participação de comunidades, movimentos
e entidades da sociedade civil na gestão dos instrumentos urbanísticos
são necessários não só para conferir a legitimidade à implantação da
nova realidade legal, como, sobretudo para fiscalizar e regular a
aplicação dos recursos públicos envolvidos nessa operação. Nessa
medida seria temerário contemplar como ato de improbidade a conduta
de dirigente municipal que impedisse ou deixasse de garantir a
participação da comunidade, movimentos de sociedade civil e
congênere, sem que, previamente, essa participação estivesse
plenamente delimitada, com todos os seus balizamentos definidos
161
.
O inciso II do art. 52 contempla a hipótese de improbidade
administrativa caso o prefeito deixe de proceder, no prazo de cinco
anos, ao adequado aproveitamento do imóvel incorporado ao
patrimônio público, conforme o disposto no § 4º do art. 8º da lei.
Para bem compreender a norma do art. 52, II, é preciso estar
atento ao art. 182, § 4º, da Constituição Federal, bem assim ao
161
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa. São Paulo: Malheiros,
2001, p. 189.
102
princípio da função social da propriedade, que se deseja ser
concretizado a qualquer custo.
Nelson Saule Júnior
162
O Estatuto da Cidade veio integrar a
vontade constitucional, oferecendo ao Poder Público Municipal a
possibilidade efetiva de fazer valer os instrumentos urbanísticos do
parcelamento e edificação compulsórios, IPTU progressivo no tempo,
desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública, de
emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de
resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas,
assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
Assim, a visibilidade e controle na movimentação e destino
dos recursos públicos e privados concernentes à operação é medida
que não só atende ao interesse público e ao princípio da transparência,
mas se impõe como um imperativo democrático na gestão da cidade.
Conquanto a questão seja tormentosa e de algum modo se enquadre no
antigo problema da irresponsabilidade do legislador crê-se que há
plausibilidade na tese de responsabilização dos agentes políticos se
restar comprovada omissão dolosa passível de ser individualizada. Mas
reconhece-se que a regra é dirigida de modo especial ao prefeito
municipal.
162
SAULE JÚNIOR, Nelson. Direito à cidade trilhas legais para o direito às cidades sustentáveis.
São Paulo: Max Limonad/Instituto Polis, 1999.
103
Paulo Brossard
163
comenta que o Supremo Tribunal Federal,
em recente decisão, tomada em sessão do Pleno e por unanimidade,
revisou sua jurisprudência relativa à responsabilidade penal dos
prefeitos, assentando que ela independe de se achar a autoridade no
exercício do governo municipal. A jurisprudência sazonou e assentou
que a apuração da responsabilidade criminal do prefeito nada tem com
o exercício atual do mandado; o crime é que tem de ter sido praticado
pela autoridade enquanto autoridade, ou seja, no exercício do mandato,
até porque se trata de delicta in officio.
2.3 RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
A exemplo dos demais agentes públicos, poderá o Presidente
da República praticar atos de improbidade e ser por eles
responsabilizado. Releva perquirir, no entanto, se estará ele sujeito a
todas as sanções previstas no artigo 12 da Lei 8.429/92, em especial a
perda da função e a suspensão dos direitos políticos.
Ao dispor sobre a responsabilidade do Presidente da
República, estabelece a Constituição Federal que ele pode ser
processado pela prática de crimes comuns e de responsabilidade,
sendo que no primeiro caso, não poderá ser processado na vigência do
163
BROSSARD, Paulo. Responsabilidade penal dos prefeitos. Revista Jurídica, n.° 200, junho 1994,
p. 44.
104
mandato por atos estranhos ao exercício de suas funções (artigo 86,
parágrafo 4.°)
164
.
Especificamente em relação aos crimes de responsabilidade,
estão eles previstos no artigo 85 da Constituição Federal, verbis:
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do
Presidente da República que atentem contra a
Constituição Federal e, especialmente, contra:
I a existência da União;
II o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder
Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes
constitucionais das unidades da Federação;
III o exercício dos direitos políticos, individuais e
sociais;
IV a segurança interna do país;
V a probidade na administração;
VI a lei orçamentária;
VII o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único: Esses crimes serão definidos em lei
especial, que estabelecerá as normas de processo e
julgamento.
Trata-se de rol exemplificativo que pode ser ampliado pela
legislação infraconstitucional, desde que sejam previstas figuras típicas
que importem em violação aos ditames da Constituição Federal.
O dispositivo constitucional é integrado pela Lei n.° 1.079/50,
diploma preexistente à Constituição Federal de 1988 e que foi por ela
parcialmente recepcionado. Encontram-se ali tipificados os crimes de
responsabilidade e o procedimento a ser seguido, sendo cogente a
observância do estatuído no artigo 86 da Constituição, o qual
estabelece que a acusação deve ser admitida pela Câmara dos
164
GARCIA, Emerson, op. cit., p. 464.
105
Deputados e o julgamento realizado perante o Supremo Tribunal
Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal,
os crimes de responsabilidade.
De acordo com o artigo 52, parágrafo único da Constituição
Federal, em caso de condenação pela prática de crime de
responsabilidade, se limitará ela à perda do cargo, com inabilitação,
por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das
demais sanções jurídicas cabíveis.
A interpretação do texto constitucional demonstra que
qualquer atentado à probidade administrativa, por parte do Presidente
da República, desde que a conduta esteja tipificada na Lei 1.079/50,
configura crime de responsabilidade, sujeitando-o às duas sanções
referidas e às demais penalidades judiciais. Com base nestes
argumentos, há quem defenda a tese de que o Presidente da República
não poderá ter seu mandato eletivo cassado ou seus direitos políticos
decretados por força de decisão do juízo monocrático
165
.
Os crimes de responsabilidade não podem ser confundidos
com os atos de improbidade disciplinados pela Lei 8.429/92. Ainda que
idêntico seja o fato, distintas serão as conseqüências que dele advirão,
o que é próprio do sistema da independência entre as instâncias
165
MEDEIROS, Sérgio Monteiro. Lei de improbidade administrativa, comentários e anotações
jurisprudenciais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003, p. 28.
106
adotado no direito positivo pátrio, ensina Emerson Garcia
166
, e diz que
em razão disso, torna-se possível que o Presidente da República seja
responsabilizado pela prática do crime de responsabilidade e,
simultaneamente, pelo ato de improbidade tipificado e sancionado pela
Lei acima citada.
Acresça-se ainda que os crimes de responsabilidade
praticados pelo Presidente da República serão objetos de um
julgamento político, enquanto que os atos de improbidade, de natureza
eminentemente cível, importarão na aplicação de sanções de igual
natureza por um órgão jurisdicional, in casu, o juízo monocrático. Essa
conclusão, aliás, resulta do próprio artigo 52, parágrafo único, da
Constituição Federal, que é expresso no sentido de que a aplicação
das sanções políticas se dará sem prejuízo das demais sanções
judiciais cabíveis.
Pelos motivos expostos e por inexistirem normas
constitucionais que vedem a decretação de perda do mandato do
Presidente da República por órgãos outros que não o Senado Federal,
bem como por não haver prerrogativa de foro para o julgamento dos
atos de improbidade, essa parece ser a solução mais correta, afirma
Emerson Garcia
167
.
166
Op. cit., p. 466.
167
Ibidem, p. 466.
107
Assim sendo, conclui o autor, nas hipóteses previstas na Lei
8.429/92, cumpre distinguir o seguinte: a) em se tratando de ato de
improbidade igualmente previsto na Lei 1.079/50, as sanções de perda
da função e inabilitação poderão ser aplicadas pelo Senado Federal,
enquanto que o rol do artigo 12 da Lei de Improbidade poderá sê-lo
pelo juízo cível, independentemente da decisão proferida no julgamento
político; b) sendo praticados atos de improbidade que não sejam
considerados crimes de responsabilidade pela Lei 1.079/50, o
Presidente da República somente estará sujeito às sanções previstas
na Lei 8.429/92.
2.4 SANÇÕES PREVISTAS NA LEI 8.429/92
Identificando o bem jurídico tutelado e positivada a norma
proibitiva que visa a preservá-lo, é imprescindível que seja
estabelecida e reprimenda em que incidirá o infrator. A sanção deve
guardar relação com o ilícito praticado, variando qualitativa e
quantitativamente conforme a lesividade da conduta.
Essa regra abstrata de proporção não deve ser concebida em
um sentido material, conforme fora acolhido pelas mais remotas
tradições ocidentais com a adoção do Talião era a conhecida fórmula
olho por olho, dente por dente. A proporção haverá de se refletir em um
sentido psicológico, estabelecendo um efeito moral entre o ilícito e a
108
sanção, tudo em conformidade com a força moral objetiva de que falava
Carrara
168
.
A razão de ser da sanção não reside no prejuízo a ser
causado ao infrator, e sim na necessidade de dissipação da
intranqüilidade gerada, com a conseqüente restauração da soberania
do direito, principal alicerce da segurança que deve reinar nas relações
sociais. A proporção que deve existir entre o ilícito e a sanção deve ser
correlata à existente entre as forças morais presentes no temor
causado aos cidadãos e no lenitivo que será utilizado para tranqüiliza-
los.
Ainda segundo o Mestre de Luca
169
:
A pena deve possuir tanta força moral e objetiva quanto
baste para destruir a exercida pelo delito sobre o
cidadão. Neste cálculo, as condições da natureza humana
levam espontaneamente a se terem em consideração as
respectivas materialidades, enquanto o mal moral sofra a
proporção do material. Mas o critério racional da
proporção encontra-se inteiro no cálculo da ação e da
reação das duas forças morais objetivas. Qualquer
menos é insuficiente, e o legislador falta ao seu dever;
todo mais é injusto, e o legislador pune sem direito.
Após descrever de forma enunciativa as três ordens de atos
de improbidade que disciplina elenca a Lei n.° 8.429/92, nos incisos do
art. 12, as sanções passíveis de aplicação ao agente ímprobo, as quais
apresentam diversidade e intensidade suficientes para recompor a
168
Apud GARCIA, Emerson, op. cit., p. 423.
169
Ibidem, p. 423.
109
ordem jurídica lesada. Por incidirem em diferentes objetividades
jurídicas do ímprobo, culminarão em atingir a paixão que o impeliu ao
delito, a fim de privá-lo do bem que com o seu próprio ato ele mais
demonstrou apetecer-lhe
170
.
Não é necessária uma análise acurada do dispositivo legal
retro transcrito para se constatar que os feixes de sanções cominados
aos diferentes atos de improbidade apresentam grande similitude entre
si, encontrando-se as dissonâncias, em linhas gerais, adstritas à
variação de determinadas sanções que os compõem suspensão dos
direitos políticos, multas e proibição de contratar ou receber incentivos
do Poder Público.
Além das sanções passíveis de serem aplicadas ao agente,
também a nulidade do ato ilícito praticado deve ser perseguida, sendo
esta normalmente um antecedente lógico daquelas. Frise-se, ainda, a
técnica legislativa adotada pela Lei n.° 8.429/92, essencialmente
voltada ao infrator, em nada impede, antes aconselha, a imprescindível
declaração de nulidade do ato, o que é da própria essência do sistema
pátrio de controle jurisdicional dos atos administrativos. Não obstante,
inexistindo pedido neste sentido, nada impedirá a aplicação das
sanções relativas ao ato de improbidade praticado pelo agente,
restando sempre a possibilidade de anulação do ato em demanda
diversa.
170
CARRARA, Ibidem, p. 424.
110
A sanção será passível de aplicação sempre que for
identificada a subsunção de determinada conduta ao preceito proibitivo
previsto de forma explícita ou implícita na norma. A sanção, pena ou
reprimenda apresenta-se como o elo de uma grande cadeia, cujo
desdobramento lógico possibilita a concreção do ideal de bem-estar
social; caracterizando-se, ainda, como instrumento garantidor da
soberania do direito, concebido este não mero ideal abstrato, mas
como fator perpétuo e indissociável do bem-estar geral.
Como se vê, sob o prisma ôntico, não há distinção entre as
sanções cominadas nos diferentes ramos do direito, quer tenham
natureza penal, cível, política ou administrativa, pois, em essência,
todas visam a recompor, coibir ou prevenir um padrão de conduta
violado, cuja observância apresenta-se necessária à manutenção do
elo de encadeamento das relações sociais
171
.
Disserta o autor que sob o aspecto axiológico, por sua vez, as
sanções apresentarão diferentes dosimetrias conforme a natureza da
norma violada e a importância do interesse tutelado, distinguindo-se,
igualmente, consoante a forma, os critérios, as garantias e os
responsáveis pela aplicação. Em suma, as sanções variarão em
conformidade com os valores que se buscou preservar.
171
GARCIA, Emerson, op. cit., p. 427.
111
Caberá ao órgão incumbido da produção normativa,
direcionado pelos fatores sócio-culturais da época, identificar os
interesses que devem ser tutelados e estabelecer as sanções em que
incorrerão aqueles que os violarem. Inexistindo um elenco apriorístico
de sanções cuja aplicação esteja adstrita a determinado ramo do
direito, torna-se possível dizer que o poder sancionador do Estado
forma um alicerce comum, dos quais se irradiam distintos efeitos, os
quais apresentarão particularidades próprias conforme a seara em que
venham se manifestar.
No âmbito específico da improbidade administrativa, tal qual
disciplinada na Lei nº. 8.429/92, as sanções serão aplicadas por um
órgão jurisdicional, com abstração de qualquer concepção de natureza
hierárquica, o que afasta a possibilidade de sua caracterização como
sanção disciplinar (rectius: administrativa)
172
.
2.4.1 Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio
Pontes de Miranda
173
e Manoel Gonçalves Ferreira Filho dizem
que a perda dos bens ou dos valores acrescidos ilicitamente ao
patrimônio é sanção de natureza ressarcitória, inspirada por um
componente preponderantemente moral. Ela encerra uma indenização
pelo dano moral sofrido pela entidade da Administração Púbica (art.
172
MEDAUAR, Odete, op. cit., p. 352.
173
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. Rio de Janeiro:
Forense, 1997, p. 196.
112
18), cujo agente público violou os preceitos éticos elementares à
instituição para se enriquecer ilicitamente. Além da previsão específica
do art. 37, § 4º, a Constituição Federal admite a perda de bens como
penalidade, sujeito ao devido processo legal (art. 5º, XLV, XLVI e LIV).
Essa sanção não se confunde com o confisco.
Não há como sustentar seu descabimento por falta de
previsão constitucional. No ponto, acrescem Marino Pazzaglini Filho,
Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior, argumentando que
se o constituinte a previu (referem-se à indisponibilidade de bens)
como conseqüência da prática da improbidade foi, precisamente, no
intuito de se impor ao autor da ilicitude a perda de tais bens, ou seja,
como antecedente lógico e necessário do perdimento, como remédio
predisposto à restauração da integridade do erário
174
, pois, como
assevera Edmir Netto de Araújo o seqüestro e o perdimento de bens
têm origem constitucional (art. 5º, XLV, XLVI, alínea b; e art. 37, § 4º
da Constituição Federal)
175
.
O enriquecimento ilícito pode ser cumulado com um dano
patrimonial experimentado pela Administração Pública: às vezes, é o
agente público que aufere vantagem indevida (art. 9º); noutras, é o
particular que lucra indevidamente em detrimento da Administração
Pública (art. 10); e noutras, ainda, o agente público e o particular,
agindo em concurso, enriquecem ilicitamente (arts. 3º e 9º). Como
174
Op. cit., p. 133.
175
Op. cit., p. 231.
113
conseqüência, impõe-se a perda, que incide sobre o proveito, direta ou
indiretamente, positiva ou negativamente, acrescido ao patrimônio.
Nos casos de prejuízo ao erário (art. 10), é condicionada a
existência dessa circunstância (art. 12, II), admitindo-se a cumulação,
como se dá nas hipóteses dos artigos 9º, IV e XII, e 10, XII e XIII, pois,
de um lado, haverá a perda do proveito acrescido e, de outro, o
ressarcimento do gasto injusto, suportado pelos cofres públicos para
que aquele proveito tenha ocorrido. A mesma cumulação dá-se nas
hipóteses previstas nos artigos 9º, II a IV, e 10, II,IV e V. Aplica-se ao
agente público, aos terceiros beneficiários, partícipes e aos seus
sucessores, nos termos do art. 8º da lei.
A sanção de perda de bens ou valores tem esteio
constitucional (art. 5º, XLVI, b), já tendo sido cominada pelo Código
Penal, como efeito da condenação, em relação aos instrumentos do
crime e aos produtos, bens ou valores auferidos com a sua prática.
Especificamente em relação à improbidade, esta sanção
encontra-se prevista no art. 12, incisos I e II, da Lei n.° 8.429/92,
preceito que elenca os feixes de sanções passíveis de serem aplicados
ao ímprobo nas hipóteses d enriquecimento ilícito e dano ao erário
(neste caso, sempre que houver o simultâneo enriquecimento)
176
.
176
GARCIA, Emerson, op. cit., p. 437.
114
Em rigor técnico, a perda de bens e valores não representará
verdadeira sanção, pois buscará unicamente reconduzir o agente à
situação anterior à prática do ilícito, mantendo imutável seu patrimônio
legítimo.
Emerson Garcia
177
leciona que pressupõe a existência de uma
evolução patrimonial contemporânea à atividade do agente público, e a
incompatibilidade com a remuneração deste e o extraneus que tenha
contribuído para a prática do ato ou com ele auferido benefícios,
atingindo tanto os bens ou valores desviados do patrimônio público
como aqueles recebidos de terceiros em razão da atividade exercida.
O perdimento alcança os bens ou valores, bem como seus
frutos e produtos. Tratando-se de bens fungíveis, o perdimento haverá
de incidir sobre valor equivalente do patrimônio do ímprobo, sempre
que tiverem sido consumidos ou deteriorados. Do mesmo modo, em se
tratando de bens infungíveis, deverá ser restituído valor equivalente em
não sendo possível a prestação in natura.
Tratando-se de enriquecimento ao qual não está atrelada uma
causa lícita, afigura-se salutar a perda do que fora indevidamente
auferido, evitando-se que a atividade do agente seja direcionada à
consecução de interesses privados em detrimento da finalidade pública
que lhe é peculiar.
177
Ibidem, p. 437.
115
É importante não confundir a sanção de perda de bens ou
valores com a obrigação de ressarcir o dano causado ao patrimônio
público, o que evitará uma duplicidade de punições com idêntico
fundamento. À guisa de ilustração, deve ser mencionada a ação do
agente público que se aproprie de determinado numerário pertencente
a um dos entes elencados no art. 1º da Lei n.° 8.429/92. Além de
outras sanções cabíveis, terá ele a obrigação de recompor o patrimônio
público, ressarcindo-o com o valor equivalente àquele do qual se
apropriara, mas não poderá sofrer a sanção de perda de bens.
Segundo Emerson Garcia
178
essa solução é justificável, já que
entendimento diverso permitiria que o patrimônio público fosse
inicialmente recomposto e, posteriormente, acrescido de numerário
equivalente àquele em que fora lesado, o que estaria em dissonância
com a ratio da Lei, pois o agente já perdera aquilo que incorporara ao
seu patrimônio ao ressarcir o dano. Constata-se, assim, que as
sanções somente serão cumuladas, quando diverso for o seu suporte
fático, o que ocorrerá, verbi gratia, quando o agente apropriar-se de um
veículo pertencente ao Poder Público e este for compelido a alugar
outro para o desempenho de suas atividades regulares. Nesse caso, o
agente deve sofrer a sanção de perda de numerário equivalente a uma
estimativa do aluguel do veículo que utilizou e ressarcir ao Poder
Público o numerário despendido com o contrato de locação que este foi
obrigado a celebrar.
178
Ibidem, p. 438.
116
A sanção de perda de bens encontra absoluta correspondência
com a natureza do ilícito praticado, retirando do agente o bem ou o
valor que, a um só tempo, representa o substrato deflagrador e o
resultado do ato de improbidade.
A eficácia da sanção, que terminará por minorar as
conseqüências do ilícito, tornando inócuo o esforço despendido pelo
ímprobo, dependerá da cuidadosa investigação do destino final dos
bens ou valores amealhados por ele, o que exigirá a identificação dos
intermediários comumente utilizados, a começar pelos familiares, bem
como uma ampla pesquisa em países que normalmente recepcionam
recursos de origem ilícita.
2.4.2 Ressarcimento integral do dano
O ressarcimento do dano, já previsto no art. 5º da lei como
decorrência do princípio geral do art. 159 do Código Civil de 1916 (arts.
186 e 187 do CC/2002), é obrigatório na hipótese de prejuízo ao erário
(art. 10) e condicionado à sua efetiva prova nos casos de
enriquecimento ilícito e atentado aos princípios da Administração. No
ponto, com base no art. 93 do Decreto-Lei Federal n.° 200/67,
dissertam Lúcia Valle Figueiredo e Sérgio Ferraz
179
, com muito acerto,
que a despesa pública contrária à lei é ato lesivo que enseja o
179
FERRAZ, Sérgio; FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Dispensa e inexigibilidade de licitação. São Paulo:
Malheiros, 1994, p. 310.
117
ressarcimento do dano provocado aos cofres públicos. O ordenamento
jurídico respalda essa assertiva (p. ex.: art. 37).
Wallace Paiva Martins Júnior
180
observa que mesmo não
ocorrendo improbidade administrativa, residualmente sempre será
cabível o ressarcimento do dano quando houver lesão ao patrimônio
público, isto é, aos bens e valores das entidades referidas no art. 1º da
lei. Para tanto, é mister o concurso dos seguintes requisitos: ação ou
omissão dolosa ou culposa, repercussão financeira negativa (resultado)
e nexo causal entre a ação ou omissão e o resultado (inclusive nos
casos de benefício indireto). Com o ressarcimento do dano, combate-se
o enriquecimento ilícito em desfavor da Administração Pública.
Sem a presença desses pressupostos, não há lugar para o
ressarcimento do dano. Em alguns atos de improbidade administrativa
(notadamente os do art. 10, mas não exclusivamente) o ressarcimento
do dano é obrigatório em face da lesão patrimonial, que pode ser
presumida ex vi legis ou demandar prova de sua efetiva ocorrência.
Provada ou resumida, o ressarcimento é inevitável, pois o art.
12, II, estipula como primeira cominação o ressarcimento integral do
dano. Não sendo provada nem presumida, o ato poderá caracterizar
outra espécie de improbidade administrativa (atentado contra os
princípios) e propiciar a aplicação das demais sanções.
180
Op. cit., p. 310.
118
O ressarcimento do dano deverá ser integral, ou seja,
abrangerá tudo aquilo que representa a extensão do dano (o prejuízo
efetivo e as perdas e danos decorrentes da conduta), prendendo-se à
noção de restitutio in integrum. O ressarcimento integral do dano é o
corolário do ato ilícito e é sanção imprescritível, nos termos do art. 37,
§ 5º, da Constituição Federal. A quantificação do dano não corresponde
obrigatoriamente à totalidade de um dispêndio público, podendo ser
encontrado pela apuração da quantia correspondente à lesão e à
redução patrimonial experimentada
181
.
É verdade que a lei e por isso melhora o sistema de defesa
da moralidade administrativa no âmbito civil não se preocupa apenas
com o aspecto patrimonial do dano, tanto que a aplicação das sanções
nela previstas prescinde de sua efetividade, atingindo, sobretudo o
dano moral causado à Administração Pública. Daí porque, repitam-se,
as sanções da lei incidem (salvo o ressarcimento do dano) mesmo nas
hipóteses dos artigos 9º e 11, ainda que não tenha havido prejuízo
patrimonial, como ressalta o art. 21, I. Mas, em qualquer das espécies
de improbidade administrativa, havendo dano patrimonial, a sua
expressão é informada pela compreensão do efetivo prejuízo, o que
não significa, via de regra, a obrigação de repor integralmente os
valores saídos do erário.
181
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva, op. cit., p. 312.
119
Wallace Paiva comenta que a expressãono que couber do
art. 3º da lei revela que essas sanções são aplicáveis de acordo com a
qualidade do beneficiário ou partícipe, formando no ressarcimento do
dano relação de solidariedade criada pelo art. 3º. Somente no caso do
art. 1º, parágrafo único, a Lei Federal n.° 8.429/92 limita a sanção
patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres
públicos em se tratando de ato de improbidade administrativa praticado
contra as entidades nele mencionadas. Isso não significa que as
demais sanções não se aplicam. Trata-se de uma regra especial para o
ressarcimento do dano nessa hipótese. Ainda, observe-se que a
caracterização da improbidade administrativa e a aplicação das
sanções independem de dano patrimonial efetivo, como proclama o art.
21, I, da Lei Federal n.° 8.429/92, dado que a proteção legal dirige-se
também e, principalmente, à moralidade, pouco importando
repercussão patrimonial negativa. Por isso, nem sempre haverá
ressarcimento do dano.
Aquele que causar dano a outrem tem o dever de repará-lo,
dever este que reside na necessidade de recompor o patrimônio
lesado, fazendo com que este, tanto quanto possível, retorne ao estado
em que se encontrava por ocasião do ato lesivo. Essa concepção,
hodiernamente, encontra-se amplamente difundida e erigida à categoria
de princípio geral de direito, sendo integralmente aplicada em se
tratando de danos causados ao patrimônio público. Note-se, no
entanto, que o texto legal não tem o poder de alterar a essência ou a
120
natureza dos institutos; in casu, observa-se que a reparação de danos,
em essência, não representa uma punição para o ímprobo, pois tão
somente visa a repor o status quo
182
.
O dever de reparar pressupõe: a) a ação ou omissão do
agente, residindo o elemento volitivo no dolo ou na culpa; b) o dano; c)
a relação de causalidade entre a conduta do agente e o dano ocorrido;
d) que da conduta do agente, lícita (ex: agente age em estado de
necessidade) ou ilícita, surja o dever jurídico de reparar.
A presença desses elementos deve ser devidamente valorada
por ocasião da identificação do ato de improbidade, o que não impede,
neste item, um breve estudo da amplitude do dano a ser reparado. O
vocábulo ressarcimento exprime a idéia de equivalência na
contraprestação, apresentando-se correlato à atividade do agente que
ilicitamente cause dano ao erário. A contraprestação, consoante a
dicção da Lei nº 8.429/92, haverá de ser integral, o que torna cogente o
dever de ressarcir todos os prejuízos sofridos pela pessoa jurídica
lesada, qualquer que seja a natureza destes.
Sendo o dano causado por mais de um agente público, ou por
um agente público e um terceiro, uma vez que demonstraram que
concorreram voluntariamente para tal resultado, ter-se-á a obrigação
182
CARRARA, Francesco, op. cit., p. 145.
121
solidária de reparar, o que autoriza que o montante devido seja
cobrado integralmente de qualquer deles
183
.
À luz desses preceitos, torna-se inevitável a constatação da
absoluta dispensabilidade do art. 5º, o qual dispõe que: ocorrendo
lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa,
do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento. Não
merece prosperar eventual objeção de que o dispositivo seria
necessário para esclarecer que o agente poderia atuar com culpa
quando sua conduta fosse tipificada no art. 9º e causasse dano ao
erário, já que o art. 12, I, da Lei n.° 8.429/92 prevê o dever de reparar
o dano, quando houver. Nesta hipótese, seria necessariamente
aplicado o disposto no caput doa artigo 10, norma específica e que
expressamente prevê a obrigação de ressarcir pode advir de um ato
culposo.
Toda a conduta que causar dano a outrem, ainda que o agente
público e o Estado figurem no pólo ativo e passivo da relação
obrigacional, importará na aplicação do referido princípio, inexistindo
justificativa para que os bens adquiridos anteriormente à investidura
sejam excluídos de tal responsabilidade. Ademais, a prevalecer a tese
do referido acórdão, ter-se-á a inusitada situação de responsabilizar de
forma mais severa aquele que não possui qualquer vínculo com o ente
estatal respondendo por seus atos com todo o seu patrimônio do
183
Artigo 942 do Código Civil Brasileiro.
122
que aquele que, valendo-se da confiança em si depositada, lesa o
patrimônio do ente público que jurou defender
184
.
2.4.3 Perda da função pública
Esta sanção, por óbvias razões, somente é passível de
aplicação ao agente público, não ao extraneus que tenha contribuído
para a prática do ato ou dele se beneficiado. Deflui da
incompatibilidade identificada entre a gestão da coisa pública e a
conduta do agente, e, diversamente de outras sanções, não influi em
sua esfera jurídica de cidadão, mas tão somente na relação jurídica
estabelecida com o Poder Público, culminando em dissolvê-la
185
.
A dissolução é definitiva, não tendo delimitação temporal,
logo, ressalvada a hipótese de ser ajuizada eventual ação autônoma de
impugnação, é insuscetível de reversão, consumado seus efeitos com o
trânsito em julgado da sentença que impôs a sanção de perda de
função
186
.
Não obstante a aparente restrição de ordem semântica (a lei
se refere à perda da função pública, sendo repetida a terminologia
utilizada no art. 37, § 4º, da Constituição) é a sanção passível da
aplicação a todos aqueles que exerçam, ainda que transitoriamente ou
sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou
184
GARCIA, Emerson, op. cit., p. 453.
185
Ibidem, p. 457.
186
Artigo 20, caput da Lei 8.429/92.
123
qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,
emprego ou função nas entidades referidas no art. 1º da Lei nº
8.429/92, o que alcança os que desenvolvam determinada atividade
pública em razão de concessão, permissão, autorização, etc., devendo
tal vínculo ser dissolvido.
O resultado dessa exegese, de natureza aparentemente
extensiva, é encontrado a partir da teleologia da Lei nº 8.429/92 e de
sua sistemática, comenta Emerson Garcia
187
. A denominada Lei de
Improbidade objetiva afastar da atividade pública todos os agentes
que demonstraram pouco apreço pelo princípio da juridicidade,
denotando uma degeneração de caráter incompatível com a natureza
da atividade desenvolvida, o que tornaria no mínimo insensata a
restrição dos efeitos da lei quando patente a sua pertinência, já que
similares os substratos embasadores.
Por outro lado, a própria Lei nº 8.429/92, em seu art. 2º,
conferiu significado amplo à expressão agente público. Em razão disto,
não é possível limitar a aplicação da sanção a determinada categoria
quando a norma proibitiva é extensiva a todas. O art. 9º, caput, da Lei
n.° 8.429/92, ao disciplinar a configuração do enriquecimento ilícito, é
expresso no sentido de que este pode ocorrer em razão do exercício
de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades
mencionadas no art. 1º desta Lei. E, ainda, o art. 12, caput,
187
Op. cit., p. 458.
124
estabelece que está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às
seguintes cominações.... A interpretação sistemática destes
dispositivos, em conjunto com o alcance conferido à expressão agente
público, denota que ao ímprobo, qualquer que seja a atividade
desempenhada ou a forma de investidura, pode ser aplicada a
penalidade de exclusão, cognominada de perda da função pública
pela Lei n.° 8.429/92.
Sempre que a norma declarar menos do que pretendia,
fazendo com que a letra subjugue o espírito, deve o intérprete ser
norteado por este, desvendando o sentido imediato do texto e fazendo
com que ele incida nos casos aparentemente não contemplados.
Carlos Maximiliano
188
leciona que, especificamente em relação
aos detentores de mandato político (Governador, Prefeito, etc...),
afigura-se induvidoso que devem observar os princípios estatuídos no
art. 37 da Constituição, pois não seria razoável sustentar que este
preceito, o que inclui seu parágrafo quarto, somente seria aplicável aos
demais servidores públicos. Estes possuem disciplina autônoma nos
artigos 39 e seguintes da Constituição da República, não sendo demais
lembrar que os detentores de mandato político ocupam o mias alto grau
hierárquico do Poder Executivo, qualquer que seja o ente da
Federação, o que os erige à condição de principais destinatários das
normas que disciplinam a Administração Pública, tipificam os atos de
188
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e interpretação. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 165.
125
improbidade administrativa e que prevêem a denominada perda da
função. Ante o exposto, não há que se falar na ampliação de efeitos
não previstos em norma restritiva.
O argumento de que o afastamento de detentores de mandato
importaria em afronta à vontade popular, exteriorizada por intermédio
do voto e que reflete a essência da soberania estatal, não merece ser
igualmente prestigiado.
José Cretella Júnior
189
explica que função, em essência, é
toda a atividade exercida por um órgão para a realização de
determinado fim.
Partindo-se dessa constatação, complementa, vê-se
que o objetivo da lei é erguer um óbice entre o agente e o conjunto de
atos que normalmente deveria praticar para desempenhar uma
obrigação que lhe fora imposta pela lei. Com isto, remove-se a
obrigação (dever positivo) e abre-se espaço à abstenção (dever
negativo), sempre com o propósito de preservar o interesse público, ao
qual o ímprobo já demonstrara possuir pouco apreço.
Além de estarem sujeitos à perda de mandato, os agentes
políticos ímprobos também poderão ser cautelarmente afastados do
cargo quando tal se fizer necessário à garantia da instrução
processual, o que pressupõe a prévia aferição dos requisitos
específicos em medidas dessa natureza: o periculum in mora e o fumus
189
Apud GARCIA, Emerson, op. cit., p. 458.
126
boni júris. É de todo aconselhável, no entanto, seja evitado que o
afastamento cautelar termine por ser transmudado em definitivo, o que
certamente ocorreria com o deferimento de sucessivas providências
dessa natureza, em distintos processos, todos instaurados em
decorrência da prática de atos de improbidade, máxime quando
divisada a possibilidade de todos os ilícitos serem agrupados em uma
única ação
190
.
É importante observar que, contrariamente ao que pensam
alguns,
a perda de mandato ou mesmo o afastamento cautelar do
agente político não guarda uma relação de identidade com a suspensão
dos direitos políticos. Enquanto os primeiros dissolvem, de forma
definitiva ou temporária, o vínculo laborativo existente entre o ímprobo
e o Poder Público, não representando qualquer óbice à sua
reaquisição, a suspensão dos direitos políticos, como será
oportunamente visto, restringe integralmente, durante certo lapso, a
cidadania do ímprobo, discorre Antônio Araldo Ferraz Dal Pozzo
191
.
Comenta o autor que por força de provimento cautelar seja o
agente afastado do exercício do mandato, manterá ele seus direitos
políticos em sua integridade, podendo votar e ser votado, estando
legitimado a exercer representatividade popular se eleito for. O
afastamento cautelar, além de ser provisório, é restrito ao vínculo
laborativo, não importando em qualquer restrição à cidadania do
190
PAZZAGLINI FILHO, et al, op. cit., p. 138.
191
POZZO, Antônio Araldo Ferraz. Improbidade administrativa: questões polêmicas e atuais. São
Paulo: Malheiros, 2001, p. 82.
127
ímprobo, que permanece intacta. Assim, afigura-se impertinente a tese
de que como a suspensão dos direitos políticos somente se torna
efetiva com o trânsito em julgado da decisão condenatória, seria
impossível o afastamento cautelar do agente político.
Em razão da mencionada incompatibilidade entre a
personalidade do agente e a gestão da coisa pública, o que se tornou
claro com a prática do ato de improbidade, deve a sanção de perda da
função, quando aplicada, extinguir todos os vínculos laborais
existentes junto ao Poder Público, explica Rita Tourinho
192
. O art. 12
em seus três incisos, fala genericamente em perda da função, que não
pode ser restringida àquela exercida por ocasião da prática de ato de
improbidade, isto sob pena de se permitir a prática de tantos ilícitos
quantos sejam os vínculos existentes, em flagrante detrimento da
coletividade e dos fins da lei. Ainda que o agente exerça duas ou mais
atribuições, de origem eletiva ou contratual, ou uma função distinta
daquela que exercia por ocasião do ilícito, o provimento jurisdicional
haverá de alcançar todas, determinando a completa extinção das
relações existentes entre o agente e o Poder Público.
Tratando-se de agente público que, por da prolação da
sentença condenatória, esteja na inatividade, haverá de ser cancelado
o vínculo de ordem previdenciária existente com o Poder Público, o
qual nada mais é do que a continuidade do vínculo existente por
192
TOURINHO, Rita Andréa Almeida. Discricionariedade. A eficácia social da atuação do Ministério
Público no combate à improbidade administrativa. Revista de Direito Administrativo, n.° 227, 2002, p.
216.
128
ocasião da prática dos atos de improbidade, tendo ocorrido unicamente
a modificação da situação jurídica de ativo para inativo
193
.
A exclusão do agente não é fator impeditivo ao seu reingresso
em oura função pública, desde que esteja no pleno gozo de seus
direitos políticos e obtenha êxito no procedimento seletivo; assim,
respeitadas possíveis restrições relativas à atividade a ser exercida,
poderá o agente retornar à carreira pública, não havendo previsão de
um período de impedimento.
Diga-se, uma vez mais, que a sanção de perda de função, a
exemplo da suspensão dos direitos políticos, somente se tornará
efetiva com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Tendo
sido o agente cautelarmente afastado de suas funções, tão somente
para a garantia da instrução processual, encerrada esta, poderá ele
reassumir suas atividades normais até o trânsito em julgado do
provimento jurisdicional que tenha julgado procedente a pretensão
contra si ajuizada.
Wallace Paiva Júnior ratifica que aplicável a toda e qualquer
espécie de ato de improbidade administrativa, a perda da função
pública deve ser compreendida em sentido amplo, alcançando as várias
espécies de vínculo, funcional ou não, do agente público com a
Administração Pública. Por isso, norteia o seu conteúdo o art. 2º da
193
PAIVA JÚNIOR, Wallace, op. cit., p. 180.
129
própria lei. Entende-se por função pública a derivada de mandato,
cargo, emprego ou função pública, inclusive a exercida por delegação
de serviço público, cuja respectiva investidura decorrer de eleição,
nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de vínculo
jurídico com a Administração Pública (credenciamento, convocação,
etc., bem como outorga, permissão, autorização de serviço público,
qualificação). À evidência, somente o particular desvinculado da
Administração Pública, beneficiário ou partícipe do ato, escapa dessa
penitência, como explicita a própria lei no art. 3º com a expressão no
que couber. É uma sanção especificamente dirigida àquele que exerce
função pública, mesmo com as garantias da vitaliciedade e
estabilidade
194
.
Segundo o autor, com ela extirpa-se da Administração Pública
aquele que exibiu inidoneidade (ou inabilitação) moral e desvio ético
para o exercício de função pública, expandindo-se para qualquer uma,
mesmo se em nível de governo diferente da executada quando
praticado o ato ímprobo. De fato, não há limitação: se o agente público
era ímprobo quando exercia seu cargo efetivo na Administração Pública
estadual, não foi a sentença que o constituiu na improbidade, mas a
sua atuação, de forma que, se ao tempo do trânsito em julgado ele
exerce cargo em comissão na Administração Pública federal ou outro
cargo efetivo, a perda da função pública incidirá. Da mesma maneira, o
agente público inativo: a improbidade praticada na atividade era causa
194
Ibidem, p. 320.
130
que impunha a desvinculação compulsória, motivo pelo qual a sentença
anula a aposentação e aplica-lhe a perda da função pública.
2.4.4 Suspensão dos direitos políticos
Cláudio Ari Mello
195
diz que com grande ineficácia inibitória da
imoralidade administrativa, constitui uma restrição de direitos ou uma
inabilitação temporária para o exercício de função pública, de modo
que, se o agente público encerrou sua investidura definitiva ou
temporária, não se escoima dessa inabilitação projetada para o futuro.
Essa sanção é variável, conforme a espécie de improbidade
administrativa praticada, como revelam os incisos I a III do art. 12,
tendo o juiz arbítrio para a fixação do mínimo e do máximo legais
previstos, considerando o disposto no parágrafo único desse artigo. A
finalidade da suspensão dos direitos políticos, punitiva da inabilitação
moral do sujeito, é suprimir por prazo certo seus direitos políticos,
evitando que adquira outra ou nova função pública.
Os direitos políticos, em essência, garantem ao cidadão o
direito subjetivo de participar da vida política do Estado, o que é
desdobramento lógico do próprio princípio de que todo o poder emana
do povo. Compreendem o direito de votar e de ser votado o direito de
iniciativa das leis, nos casos e na forma previstos na Constituição; o
direito de ajuizar a ação popular; o direito de criar e integrar partidos
195
MELLO, Cláudio Ari. Improbidade administrativa considerações sobre a Lei 8.429/92. cadernos
de Direito Constitucional e Ciência Política, v. 11, abr-jun de 1995, p. 11.
131
políticos; e a legitimidade para o oferecimento de denúncia em face do
Chefe do Executivo pela prática de infração político-administrativa
196
.
Tratando-se de direitos fundamentais, quaisquer restrições a
eles pressupõem expressa previsão constitucional, podendo ser de
ordem parcial (inelegibilidade) ou total, sendo que esta será definitiva
ou temporária. A restrição total e definitiva é denominada de perda dos
direitos políticos, enquanto que a temporária o é de suspensão. Após
vedar a cassação dos direitos políticos, a Constituição elenca
indiscriminadamente as hipóteses de perda e de suspensão em seu art.
15, verbis:
Art. 15. É vedada a cassação dos direitos políticos, cuja
perda ou suspensão só se dará nos casos de:
I cancelamento da naturalização por sentença
transitada em julgado;
II incapacidade civil absoluta;
III condenação criminal transitada em julgado, enquanto
durarem seus efeitos;
IV recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou
prestação alternativa nos termos do art. 5º, VIII;
V improbidade administrativa, nos termos do art. 37, §
4º.
Consoante o texto constitucional, constata-se que as
hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos variarão
conforme a base fática em que se assentam o que culminará com a
irradiação de distintos efeitos. Assim, o inciso I prevê nítida situação
de perda dos direitos políticos, pois o exercício destes é restrito aos
que possuem nacionalidade brasileira e, uma vez transitada em julgado
a respectiva sentença, o cancelamento da naturalização será
196
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa e crimes de prefeitos. São Paulo: Atlas,
2001, p. 302.
132
irreversível regra esta que tem como exceção a possibilidade de
ajuizamento de ação rescisória para desconstituir o julgado. Os demais
incisos, por sua vez, tratam da suspensão dos direitos políticos. O
inciso II, por ser possível, em alguns casos, a reversão do quadro de
incapacidade; o inciso III em razão da temporariedade da sanção
penal; o inciso IV por ser admissível o ulterior cumprimento da
obrigação ou da prestação alternativa; e o inciso V em virtude da
própria construção semântica da expressão constante do art. 37, § 4º,
da Constituição, em que se fala em suspensão dos direitos políticos
197
.
Discorre o autor que regulamentando o texto constitucional,
estabeleceu o art. 12 da Lei n.° 8.429/92, em seus três incisos,
distintos valores relativos para a sanção de suspensão dos direitos
políticos: o lapso de suspensão será de oito a dez anos na hipótese de
enriquecimento ilícito (inc. I); de cinco a oito anos em se tratando de
lesão ao erário (inc.II); e de três a cinco anos de casos de infração aos
princípios da administração pública. À incidência da sanção é
desinfluente o fato de o agente público ser ou não detentor de mandato
eletivo: sua aplicação, assim, será direcionada pela gravidade do ato
de improbidade e pela necessidade de restringir determinado direito
que o ímprobo demonstrara não ser digno de possuir.
Identificada a prática da improbidade e aplicada a sanção de
suspensão dos direitos políticos, a cidadania do ímprobo será
197
GARCIA, Emerson, op. cit., p. 478.
133
restringida em suas acepções ativa e passiva, vale dizer, no direito de
votar (cidadania ativa) e de ser votado (cidadania passiva), isto sem
prejuízo de erigir-se como óbice ao exercício dos demais direitos que
pressuponham a condição de cidadão. Conforme deflui da própria
expressão, a privação ao exercício da cidadania é temporária, sendo
esta sanção mais ampla do que as causas de inelegibilidade prevista
no texto constitucional e na legislação infraconstitucional. Estas se
limitam a restringir o exercício da cidadania em sua acepção passiva,
naquela a restrição é total.
Diversamente da condenação em processo criminal a
suspensão dos direitos políticos não é efeito imediato da sentença que
reconhecer a prática do ato de improbidade, sendo imprescindível que
esta sanção seja expressamente aplicada. Silente a sentença, não
haverá que se falar em suspensão dos direitos políticos. Restará, no
entanto, o efeito específico da condenação consubstanciado na causa
de inelegibilidade prevista no art. 1º, II h, da Lei Complementar n.°
64/90.
À luz do texto constitucional, constata-se que todos os direitos
políticos possuem um alicerce político comum, qual seja, o alistamento
eleitoral do cidadão. A capacidade eleitoral ativa é, a um só tempo,
requisito básico de elegibilidade (art. 14, § 3º, II da CR/88); condição
para o legítimo exercício da ação popular (art. 5º, LXIII da CR/88);
requisito para a subscrição dos projetos de iniciativa popular (art. 61, §
134
2º, da CR/88) e para filiação partidária (art. 16 da Lei 9096/95). Assim,
para a efetividade da sanção de suspensão de direitos políticos, o que
somente ocorrerá com o trânsito em julgado da sentença condenatória,
é imprescindível que seja promovido o cancelamento da inscrição
eleitoral do ímprobo junto à Zona Eleitoral em que ele se encontra
inscrito.
Aplicada a sanção, a qual consubstancia causa de
cancelamento da inscrição eleitoral deve o órgão jurisdicional
comunicar tal fato ao Juiz Eleitoral ou ao Tribunal Regional da
circunscrição em que o ímprobo mantiver o eu domicílio eleitoral.
Recebida a comunicação, o Juiz Eleitoral seguirá o rito
previsto no art. 77 do Código Eleitoral, o qual prevê a autuação da
comunicação e dos documentos que instruem; publicação de edital com
prazo de dez dias para ciência dos interessados os quais poderão
apresentar contestação em cinco dias; realização de dilação probatória
no prazo de cinco a dez dias, caso tenha sido requerida e seja
considerada necessária pelo juízo; e prolação de decisão, após
pronunciamento do Ministério Público, no prazo de inço dias. Da
decisão caberá recurso, no prazo de três dias para o TRE.
Em não sendo realizada a comunicação referida, deverá o
Ministério Público providenciar o ajuizamento do que se convencionou
135
chamar de ação de exclusão de eleitor, que seguirá o rito
anteriormente referido.
Por derradeiro, é importante frisar, ressalta Emerson Garcia
198
,
que enquanto não for determinada a exclusão do eleitor, poderá ele
votar validamente, o que denota a importância desse procedimento
para a efetividade da sanção de suspensão dos direitos políticos
aplicada ao ímprobo. Determinada a exclusão do ímprobo dos
cadastros de eleitores, estará ele impossibilitado de exercer sua
cidadania, não podendo votar ou ser votado durante o período
estabelecido na sentença condenatória.
Não providenciada a exclusão, poderá o ímprobo votar. No
entanto, apesar da regularidade formal, pois o ímprobo continuará com
a inscrição eleitoral, poderá ser ele responsabilizado penalmente caso
venha a votar
199
e ausente estará a condição de elegibilidade prevista
no art. 14, § 3º, II, da Constituição da República (pleno exercício dos
direitos políticos), o que o impedirá de concorrer a cargos eletivos.
Pretendendo o ímprobo participar do procedimento eletivo,
deverão os legitimados ajuizar, perante a Justiça Eleitoral, a ação de
impugnação ao registro nos cinco dias subseqüentes ao seu
requerimento (art. 3º da LC n.° 64/90); ou, caso o ímprobo seja eleito,
interpor recurso contra a expedição de diploma (art. 262, I, do CE).
198
Ibidem, p. 480.
199
Artigo 359 do Código Penal: “exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi
suspenso ou privado por decisão judicial”.
136
Nada sendo feito, ainda assim, poderá ser pleiteada, judicialmente ou
junto ao corpo legislativo, em sendo ocaso, o afastamento do ímprobo
cujos direitos políticos foram suspensos e, apesar disto, tenha sido
diplomado, isto porque o pleno gozo dos direitos políticos é requisito
essencial à ocupação do cargo eletivo. Pelo mesmo motivo, a
suspensão dos direitos políticos, ainda que ulterior à diplomação,
importará na perda do mandato eletivo, acarretando a imediata
cessação de seu exercício, informa Emerson Garcia
200
.
Sem prejuízo das medidas acima mencionadas, deverá ser
aferida a responsabilidade penal do ímprobo. Consoante o artigo 337
do Código Eleitoral, em não estando o agente no gozo dos seus
direitos políticos, consubstanciará infração penal a sua participação em
atividades partidárias, inclusive comícios e atos de propagandas em
recintos fechados ou abertos.
Francesco Carrara
201
diz que decorrido o lapso de suspensão,
o agente readquire automaticamente o pleno gozo dos direitos
políticos. No entanto, em tendo sido promovida a sua exclusão do
cadastro de eleitores, deverá providenciar novo alistamento junto à
Zona Eleitoral de seu domicílio, pois somente assim poderá exercer a
sua plena capacidade eleitoral ativa. Pressuposto básico e
indispensável ao exercício dos demais direitos políticos.
200
Op. cit., p. 480.
201
Apud GARCIA, Emerson, op. cit., p. 481.
137
2.4.5 Multa civil
A multa civil representa uma sanção pecuniária contra o dano
moral experimentado pela Administração Pública. Segundo a
jurisprudência, mesmo inexistindo prejuízo financeiro ao erário, o
pressuposto da multa é a configuração da ilegalidade, ofensa à
moralidade, independentemente de ocorrência ou não de prejuízo ao
patrimônio público ou enriquecimento ilícito do réu
202
.
A proibição de contratar com o Poder Público e de receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios é providência de idêntica
natureza jurídica, porém implica suspensão temporária do exercício de
direitos por aqueles (as pessoas referidas nos artigos. 2º e 3º) que
praticaram ato de improbidade administrativa, impedindo que possam
negociar com a Administração Pública direta, indireta, fundacional,
receber valores públicos ou beneficiar-se dos instrumentos da
extrafiscalidade, quando demonstraram sério desvio ético de conduta
no trato da coisa pública
203
.
A penalidade de natureza pecuniária não importa em qualquer
restrição ao exercício dos direitos de ordem pessoal, limitando-se a
atingir o patrimônio do ímprobo, bem jurídico que terminará por ser
diminuído com a aplicação de tal sanção.
202
FREITAS, Juarez. Do princípio da probidade administrativa e sua máxima efetivação. São Paulo:
Malheiros, 1997, p. 118.
203
PAIVA JÚNIOR, Wallace, op. cit., p. 327.
138
Wallace Paiva Júnior
204
leciona que penalidades dessa
natureza já eram aplicadas em Roma, se apresentando como medidas
de polícia ou propriamente penais, importando na fixação de multa ou
na confiscação de bens. A sanção que atingisse todo o patrimônio do
infrator recebia o nome de confisco; atingindo-o em parte, multa era a
denominação atribuída. No direito germânico, o confisco era
frequentemente praticado, sendo a multa uma das parcelas
representativas do débito do infrator para com a sociedade.
Com o crescente declínio da sanção de confisco dos bens, a
multa tem assumido grande relevância na concreção da prevenção
geral e da prevenção especial, punindo o infrator pelo ilícito praticado
e dissuadindo o mesmo e os demais infratores em potencial da prática
de novas infrações.
Muitas são as vantagens que apresenta, dentre elas o papel
punitivo que exerce sobre o infrator; o intimidativo sobre os demais
componentes do grupamento; e o fator de renda para o Estado, ente
para o qual é revertido o valor arrecadado. Como principal crítica,
pode-se citar o risco de que terceiro forneça os meios necessários à
sua satisfação, ou mesmo sua iniqüidade se comparada ao patrimônio
do ímprobo.
204
Ibidem, p. 480.
139
Imperfeições à parte, pois estas são próprias das realizações
humanas, trata-se de importante instrumento utilizado no combate à
improbidade, compondo um feixe de sanções que incidirá sobre
diferentes bens jurídicos do ímprobo.
O direito positivo pátrio tem tradicionalmente se afastado da
tese de que a multa deveria ser fixada em percentual incidente sobre o
patrimônio do devedor, sendo a sua aplicação normalmente norteada
por critérios concernentes à personalidade do agente, às circunstâncias
da conduta e aos seus efeitos
205
.
O art. 12 da Lei n.° 8.429/92, em seus três incisos, procura
cominar as multas passíveis de aplicação ao ímprobo de forma
correlata à natureza do ato por ele praticado. Nesta linha, àquele que
enriquecer ilicitamente é cominada a multa de até três vezes o valor do
acréscimo patrimonial (inc. I); ao causador de dano ao erário a multa
de até duas vezes o valor do dano (inc. II); e, ao violador dos
princípios administrativos de até cem vezes o valor da remuneração do
agente (inc. III).
Quando um terceiro concorrer para a prática dos atos
previstos no art. 11 da Lei de Improbidade, estará ele sujeito à multa
cominada no inciso III do art. 12, sendo a remuneração do agente
público o parâmetro a ser seguido para a sua fixação. É importante
205
GARCIA, Emerson, op. cit., p. 482.
140
frisar que não há qualquer incoerência no fato de a multa a ser
aplicada ao extraneus ser fixada em conformidade com a remuneração
percebida pelo agente público, pois este é o elo que permite a
aplicação da Lei n.° 8.429/92 àqueles que não mantenham qualquer
vínculo com a administração pública. A condição do agente público
possibilitará a incidência da tipologia legal, que deve ser concebida na
perspectiva de sua unidade, o que fará com que todos os envolvidos
respondam pelo mesmo ato e incidam no mesmo feixe de sanções a ele
cominado, ainda que sejam distintos os valores relativos aplicados a
cada qual
206
.
Partindo-se dos critérios aplicados pelo legislador, afigura-se
adequado o patamar das multas cominadas, o que, aliado a uma
aplicação justa e ponderada, culminará em valorizar as virtudes e
afastar os inconvenientes do instituto. Cumpre ressaltar que a multa
ora analisada tem natureza civil e sancionatória, o que inviabiliza o
aproveitamento de argumentos comumente relacionados à multa
aplicada na esfera penal, em especial a assertiva de que ela não seria
transmissível aos herdeiros do ímprobo falecido. Diversa é a solução
nesta seara.
No mais, considerando a previsão autônoma de ressarcimento
de dano, não há que se falar em caráter indenizatório da multa. Esta
não se encontra alicerçada em uma relação de equilíbrio com o dano
206
Ibidem, p. 482.
141
causado, o que é valorado unicamente para fins de fixação do montante
da multa, a qual sempre atingirá patamares superiores aos do dano.
A multa cominada ao ímprobo está em perfeita harmonia com
a medida cautelar de indisponibilidade dos bens, originariamente
prevista no art. 37, § 4º, da Constituição da República e que visa a
assegurar a eficácia do procedimento jurisdicional que aplicar sanções
pecuniárias. A falta de pagamento voluntário da multa aplicada exige
que se instaure um processo de execução, sabendo-se que se não
existir patrimônio isso torna inviável o prosseguimento do processo,
sujeitando o crédito ao lapso prescricional comum para execução de
dívida certa da Fazenda Pública em face do particular
207
.
Ante a impossibilidade de conversão da multa civil em sanção
de natureza diversa, constata-se a importância das medidas
preliminares que visem a identificar e apreender os bens do ímprobo,
sempre em proporção necessária à satisfação das sanções pecuniárias
passíveis de aplicação, o que é derivação direta do poder geral de
cautela. Tal proceder evitará que o ímprobo dissipe seu patrimônio e
afastará a inocuidade que muitas vezes assola sanções dessa
natureza.
Não obstante, a omissão da Lei de Improbidade, o numerário
arrecadado com a imposição da multa deverá ser destinado ao sujeito
207
COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro. Improbidade administrativa, 10 anos da Lei 8.429/92. Belo
Horizonte: Del Rey, 2002, p. 368.
142
passivo do ato de improbidade, vale dizer, à pessoa jurídica
prejudicada e que ensejou a aplicação da referida lei ao caso. Essa
conclusão preserva a harmonia do sistema, pois o art. 18 da Lei n.°
8.429/92 dispõe que a sentença que julgar procedente a ação civil de
reparação de dano ou decretar a perda dos bens havidos ilicitamente
determinará o pagamento ou a reversão dos bens, conforme o caso, em
favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito. Não sendo aplicável
às condenações por ato de improbidade o disposto no art. 13 da Lei n.°
7.347/85, esse haverá de ser, igualmente, o destino da multa. O sujeito
passivo sempre será o ente aglutinador de todo o numerário originário
do ímprobo, quer seja de natureza indenizatória ou punitiva, o que é
derivação direta do próprio vínculo mantido entre ambos
208
.
2.4.6 PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO OU
RECEBER INCENTIVOS FISCAIS OU CREDITÍCIOS
A proibição de contratar com o Poder Público e receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios é providência de idêntica
natureza jurídica, porém implica suspensão temporária do exercício de
direitos por aqueles (as pessoas referidas nos artigos 2º e 3º) ato de
improbidade administrativa, impedindo que possam negociar com a
Administração Pública direta, indireta ou fundacional, receber valores
públicos ou beneficiar-se dos instrumentos de extrafiscalidade, quando
demonstraram sério desvio ético de conduta no trato da coisa pública.
208
GARCIA, Emerson, op. cit., p. 483.
143
Tem singular eficácia contra o particular beneficiário da improbidade
administrativa, mesmo que não tenha causado dano ao erário, o que é
muito significativo, na medida em que dele se exige a observância dos
princípios éticos e jurídicos da Administração Pública nas relações
jurídicas entre eles mantidas.
Essa suspensão é absoluta, irradiando-se para todo e
qualquer nível de governo (federal, estadual e municipal) e de
Administração (direta, indireta, fundacional). O ressarcimento do dano
não cessa sua eficácia. A vedação admite a forma indireta,
exemplificando a lei que se aplica ainda que por intermédio da pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, de modo que é plenamente
cabível nos casos de sucessão societária, consórcios, sociedades em
conta de participação, etc.. Embora seja aplicável à pessoa jurídica
também, nada impede sua incidência sobre seus sócios com o emprego
da teoria da desconstituição da personalidade jurídica
209
.
Emerson Garcia
210
assevera que anteriormente à celebração
de qualquer contrato, é aconselhável que seja aferida a idoneidade das
partes, o que representa relevante fator de segurança para o
cumprimento das avenças de natureza onerosa. O Poder Público, em
que pese dissociar-se do princípio da legalidade em certas ocasiões,
sempre terminará com adimplir as obrigações pecuniárias que
209
ORTIZ, Carlos Alberto. Improbidade administrativa. Cadernos de Direito Constitucional e Eleitoral,
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, v. 28, p. 17.
210
Op. cit., p. 484.
144
estiverem a seu cargo, sendo vários os instrumentos existentes para
compeli-lo a tanto.
Explica o autor que no que concerne ao pólo oposto da
relação obrigacional, deverá ser ocupado por quem demonstre possuir
retidão de conduta compatível com a natureza do contrato e do seu
destinatário final. Essa característica, prima facie, não será encontrada
naquele que infringiu os princípios da legalidade e da moralidade,
vindo a praticar atos de improbidade em detrimento do interesse
público. Assim, é plenamente justificável que lhe seja defeso contratar
com o Poder Público.
Essa sanção foi cominada nos três incisos doa RT. 12 da Lei
n.° 8.429/92, sendo estatuído que o enriquecimento ilícito acarretaria a
proibição de contratar por dez anos (inc. I), o dano ao erário por cinco
anos (inc. II) e a violação aos princípios regentes da atividade estatal
por três anos (inc. III). Além do aspecto da segurança das relações
jurídicas a serem estabelecidas, não deve ser olvidado o nítido caráter
punitivo de tal disposição, importando em penalidade pecuniária de
ordem indireta, pois o ímprobo não poderá auferir qualquer benefício
advindo de uma relação contratual com o ente estatal, explica Fábio
Medina Osório
211
.
211
Op. cit., p. 87.
145
A proibição de contratar deve ser dispensada de uma
interpretação condizente com a extensão atribuída a essa sanção pelo
texto legal, abrangendo todos os contratos passíveis de serem
estabelecidos com o Poder Público, que sejam unilaterais ou bilaterais,
onerosos ou gratuitos, comutativos ou aleatórios. O ímprobo não
poderá, igualmente, receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios em lapso que variará em conformidade com a natureza do
ato de improbidade praticado. A exemplo da proibição de contratar com
o Poder Público caracterizam-se como sanções pecuniárias de ordem
indireta.
Regra geral, a obrigação tributária atinge a todos que sejam
considerados responsáveis pelo crédito tributário advindo do
implemento do fato gerador, o que é consectário do próprio princípio da
isonomia. Em muitos casos, referida obrigação, de natureza principal
ou acessória, bem como o crédito tributário dela resultante, podem
sofrer atenuações sempre que concorrerem determinados fatores,
dentre eles, os benefícios ou incentivos fiscais. Estes, a exemplo dos
incentivos creditícios, se caracterizam como instrumentos utilizados
pelo Poder Público para implementar o desenvolvimento de
determinado território ou de certa atividade, bem como para corrigir
desigualdades ou recompor a ordem econômica e social. Vários são os
tipos de incentivos fiscais passíveis de serem concedidos aos
contribuintes, podendo ser mencionados a isenção, a redução de
alíquota e a dedução do crédito tributário ou da base de cálculo, sendo
146
que a extensão destes variará em conformidade com a legislação que
os instituir.
Tratando-se de benefícios ou incentivos incondicionais, em
que não é exigido do interessado o preenchimento de requisitos
especiais, ou determinada contraprestação, inexistirá óbice a que o
ímprobo venha auferi-los, pois referidos benefícios, em verdade, não
representam privilégios, mas medida de política fiscal adotada em prol
da coletividade, sendo concedidos de forma genérica. Deve-se
observar que o entendimento contrário ensejaria o surgimento de
múltiplos questionamentos sem solução adequada
212
.
Quanto à proibição de receber incentivos creditícios, ela veda
a realização de empréstimos, financiamentos e doações ao ímprobo, os
quais como, contrato que são, já estariam abrangidos pela proibição de
contratar com o Poder Público. A exemplo da suspensão dos direitos
políticos são sanções de efeitos temporários, mas que geram graves
conseqüências de ordem econômica.
Aplicadas as sanções ora estudadas, será proibido ao ímprobo
contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de
pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário. A parte final da oração
212
GARCIA, Emerson, op. cit., p. 487.
147
denota claramente a preocupação do legislador com os artifícios
normalmente utilizados para se contornar a restrição imposta.
Em razão disto, não só o ímprobo, como também as pessoas
jurídicas de que faça parte como sócio majoritário, ou mesmo as
pessoas, físicas ou jurídicas, que sejam interpostas entre ele e o
benefício almejado, sofrerão os efeitos da sanção. Na primeira
hipótese, tem-se uma nítida variante da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica (disregard of legal entity), sendo afastada a
existência independente desta e, ex vi legis, presumida a utilização de
sua personalidade para contornar a restrição que acomete o ímprobo.
Note-se que o dispositivo legal não dispõe em dúvida a
diferença de personalidade da sociedade e de seus sócios, mas visa a
impedir a consumação de uma fraude manifesta. Ainda que o ímprobo
seja sócio minoritário da sociedade, será possível a desconsideração
da personalidade jurídica, o que exigirá prova de uma possível
simulação, com a conseqüente demonstração de que aquele que
comanda a sociedade através de interpostas pessoas.
148
3 PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO INVESTIGAÇÃO
O acesso por parte do Ministério Público a informações e
documentos de qualquer espécie, mesmo que sigilosos, vai encontrar
expresso respaldo constitucional, encartando-se uma de suas principais
funções instrumentais. Nessa linha, por encontrar seu fundamento
primeiro no texto constitucional, o poder requisitório do Ministério
Público pode ser dirigido a qualquer órgão, instituição ou autoridade da
República, não havendo em se falar em violação ao princípio da
independência dos Poderes.
3.1 CONTROLE INTERNO
O controle interno, feito pela própria Administração, é
elemento essencial para a própria segurança do agente político
responsável pelo órgão governamental. Na falta de um adequado
sistema interno de controle da Administração, muitas vezes os
problemas são detectados somente após serem utilizados por
adversários políticos, no sentido de denegrir a imagem da
Administração.
O controle interno, chamado de executivo, pode ser feito por
autocontrole espontâneo ou provocado. O espontâneo é constituído
149
pela auto-adoção de mecanismos de controle interno, através de
órgãos especializados, como as ouvidorias ou sistemas de avaliação
213
.
Aliás, a Constituição Federal, em seu artigo 74, determina
que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário devem manter, de
forma integrada, sistema de controle interno que deve ter, entre outras,
a finalidade de comprovar a legalidade da gestão financeira e
patrimonial dos órgãos da Administração federal, bem como da
aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado.
Informa Luís Carlos Carvalho
214
que em relação aos
municípios, existe norma expressa na Carta Magna que determina que
a fiscalização deve ser exercida pelo Poder Legislativo, mediante
controle externo, realizada com o auxílio do Tribunal de Contas
Estadual, e pelos sistemas de controle interno do Poder Municipal.
O primeiro vigilante, em um sistema democrático, deve ser o
cidadão o qual detém o poder e o dever de exercitar a sua cidadania
exigindo a correta administração dos bens e receitas públicas, através
de uma gestão ética e impregnada dos preceitos de moralidade. O
sistema constitucional coloca à disposição do cidadão a ação popular,
tradicional remédio jurídico de defesa do erário público, o mandado de
segurança, a ação civil pública, os direitos de petição e de
representação e a ação direta de inconstitucionalidade. Esses são
213
CARVALHO, Luís Carlos Schmidt de. Responsabilidade civil e criminal dos agentes públicos.
Revista Jurídica, Blumenau, ano 3, junho1998, p. 79.
214
Ibidem, p. 79.
150
instrumentos de tutela da gestão pública e devem ser utilizados nas
condições previstas pelo legislador constituinte.
Segundo Luis Carlos Carvalho
215
o grande instrumento para o
cidadão é a ação popular, que defende afirmando que, mesmo que
atualmente a maioria da população tem optado por representar e
requerer providências por parte do Ministério Público, a ação popular
permanece como importante instrumento a ser esgrimido em defesa do
patrimônio e da moralidade pública.
Wallace Paiva Martins Júnior
216
declara que em decorrência
dos princípios constitucionais da Administração Pública, a probidade
administrativa é dever a ser observado fielmente pelo próprio Poder
Público e seus agentes, de qualquer espécie, como revela o artigo 4.°
da Lei Federal 8.429/92. Diz que o exercício do controle interno do ato
de improbidade administrativa é decorrência lógica do poder-dever
disciplinar, mas, a par dele, esta lei instituiu investigação e controle
específico no artigo 14.
A Administração Pública não pode abdicar da observância do
dever de punir seus agentes por faltas disciplinares cometidas e por
atos de improbidade administrativa, atendendo ao princípio da
moralidade administrativa, pois, os atos de improbidade poderão
também ser investigados administrativamente, e, obviamente, pela
215
Ibidem, p. 80.
216
Op. cit., p. 404.
151
própria autoridade administrativa competente, sob pena de
responsabilidade, informa Edmir Netto Araújo
217
.
Wallace Paiva Martins Júnior
218
comenta que é obrigação da
Administração Pública reprimir a conduta daqueles que, exercendo
função pública, acabam por lesá-la, mas esse dever também se
estende entre os agentes públicos, do superior ao inferior, do
controlador ao controlado, pouco importando as injunções pessoais,
políticas e emocionais. Eventual omissão de providências para
repressão de ato ímprobo importará também em providências para o
agente público omisso.
Desse modo, conclui o autor, o controle interno da
Administração Pública direta ou indireta deverá ser empregado, em
conjunto com o poder disciplinar, não só para punição do agente por
fato considerado como falta funcional, mas também para municiar a
própria Administração de elementos para ajuizamento da ação civil
pública visando à aplicação das penalidades previstas no artigo 12 da
Lei 8.429/92.
A investigação pode ser decretada de ofício, a requerimento
de qualquer pessoa ou por requisição do Ministério Público. A Lei
8.429/92 obriga os agentes públicos a velar pela estrita observância
dos princípios contidos no artigo 37 da Constituição Federal, artigo 4.°
217
ARAÚJO NETTO, Edmir. O ilícito administrativo e seu processo. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1994, p. 232.
218
Op. cit., p. 405.
152
e, reiteradas vezes, determina conduta obrigatória e impositiva, torna
lícito concluir o dever do agente público determinar de ofício d
instauração de investigação, como coloca Edmir Netto de Araújo
219
,
sem embargo da omissão do artigo 14.
Por isso, continua discorrendo este autor, deve-se instituir um
órgão independente com competência exclusiva para investigação (de
ofício ou a requerimento) de ato de improbidade administrativa, com
agentes públicos requisitados para o exercício de funções por prazo
determinado e irrevogável, órgão sem subordinação hierárquica, mas
com amplos poderes investigatórios e meios capazes.
A intenção da legislação, lembra Edmir Netto de Araújo, é a
indisponibilidade do interesse público consistente na efetiva repressão
da impessoalidade, a partir do conhecimento do significado do princípio
da impessoalidade. Informada por tais contornos, exsurge como
obrigação legal do agente público competente determinar de ofício a
instauração de ato de improbidade administrativa, prestigiando o
interesse público primário.
Ressalta Carlos Alberto Ortiz
220
que, em se tratando de
requerimento de qualquer pessoa (e não somente de cidadão), é
necessária representação com exposição do fato e indicação de provas
de cuja existência tenha conhecimento.
219
Op. cit., p. 232.
220
ORTIZ, Carlos Alberto. Improbidade administrativa. Cadernos de Direito Constitucional e Eleitoral.
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, v. 28, p. 20.
153
Adverte José Marcelo Menezes Vigliar
221
que o indeferimento
não impede o acesso do interessado ao Ministério Público, nem
condiciona o exercício do direito de ação por este ou pela própria
entidade interessada, pois, se houver elementos, poderão propor a
ação cabível. Observa que a lei não exige que o representante prove o
ato de improbidade administrativa; requer apenas que ele informe o
fato, sua autoria e indique as provas de que tenha conhecimento. Se o
interessado não tiver conhecimento de provas, mas ao fatos forem
graves e a representação apresentar credibilidade, verossimilhança e
seriedade, será obrigatória a instauração de apuração, cujo caráter é
unilateral, inquisitorial, de busca de elementos ou indícios de autoria e
materialidade, e, por isso, não sujeita ao contraditório e à ampla
defesa, visto que exigíveis apenas quando o procedimento, por si só,
possa redundar na imposição de alguma penalidade ao agente.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro
222
aduz que a Lei Federal
8.429/92, à míngua de estabelecer normas procedimentais próprias
para o procedimento administrativo ali determinado, salvo no tocante
aos requisitos de admissibilidade da representação, estabelece para os
servidores públicos federais a observância da forma prevista na Lei
Federal 8.112/90. diz que é bem verdade que ali se fixa a garantia da
defesa e do contraditório, entretanto, somente nos casos em que possa
resultar punição administrativa e não nos que tenham como desiderato
fornecer indícios ao Ministério Público ou à própria Administração
221
VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação civil pública. São Paulo: Atlas, 1997, p. 135.
222
Op. cit., p. 402.
154
Pública para provocar o poder jurisdicional com o escopo de aplicação
das penalidade previstas no artigo 12.
Recomenda a autora que vale neste caso o mesmo raciocínio
desenvolvido com relação ao inquérito civil e aos outros meios
previstos no artigo 22 da Lei 8.429/92 a respeito do caráter unilateral e
inquisitivo da investigação, havendo a necessidade de compatibilizar-
se o desiderato legal com o texto da Lei 8.112/90, aproveitando a
liturgia ali estabelecida, porém afastando a defesa e o contraditório,
cuja sede é o processo civil ou o processo administrativo disciplinar,
vocacionados à imposição de penalidade pela autoridade judicial e
administrativa, respectivamente, que possa deles resultar, pois tais
garantias só têm cabimento em processo (e não procedimento) de que
possa resultar penalidade administrativa e não judicial.
Celso Antônio Bandeira de Mello
223
assevera que a rejeição da
representação deve ser fundamentada, sob pena de nulidade. A
exigência da motivação é inerente a todo ato administrativo, em que o
motivo é requisito obrigatório. A motivação servirá justamente para a
recorribilidade da decisão na via administrativa, acesso ao Ministério
Público ou exame jurisdicional da própria decisão, porque é direito
subjetivo público a fundamentação de todos os atos e decisões
administrativas.
223
Op. cit., p. 44.
155
3.2 INQUÉRITO CIVIL
Narra Fernando Rodrigues Martins
224
que o advento da Lei
Federal 7.347/85 criou um novo instrumento de caráter investigatório
com o objetivo de depurar evidências fáticas para o manejo da ação
civil pública. Que a partir dele, o Ministério Público busca fundamentos
para a propositura da ação necessária, ou então, se for o caso,
procede ao seu arquivamento. Consigna que, a despeito da existência
de outros legitimados para o ajuizamento da ação civil pública,
somente ao Ministério Público a norma dirige a possibilidade de
instauração do inquérito civil público.
Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz, ao citar José
Fernando da Silva Lopes, relembra o passo primeiro que viabilizou a
normatização do inquérito civil público:
Como órgão do Estado, o Ministério Público, a exemplo
do que ocorre com o trabalho desenvolvido pela polícia
judiciária através do inquérito policial, poderá valer-se
dos organismos da Administração para realizar atividades
investigativas preparatórias, inquérito civil, muitas vezes
indispensável para recolher suficientes elementos de
prova.
Luis Cláudio Almeida Santos comenta que para apurar fato de
improbidade administrativa o Ministério Público tem ampla opção,
podendo sua escolha recair sobre o inquérito civil, que não foi excluído
pela Lei Federal 8.429/92, o inquérito policial ou o procedimento
224
MARTINS, Fernando Rodrigues. Controle do patrimônio público. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, p. 137.
156
administrativo. O autor concorda que o Ministério Público tem como
prerrogativa inerente o requerimento do inquérito civil como requisição
de perícias, exames, documentos, informações, tomada de
depoimentos e outros.
De mesma posição doutrinária, José Emmanuel Burle Filho
225
concorda que a lei, portanto, não exclui o inquérito civil; antes o
pressupõe. Acresça-se que ele também é faculdade do Ministério
Público, como expresso na lei da ação civil pública, posto que, para
formar sua convicção, poderá valer-se de procedimentos
administrativos próprios sob sua direção, requisições de perícias,
documentos, informações, certidões. A finalidade do inquérito civil é
frustrar a proposição de lides temerárias.
É obrigação legal e moral da autoridade administrativa
representar ao Ministério Público para dar ciência de ato de
improbidade administrativa e solicitar providências, sem prejuízo da
iniciativa concorrente da pessoa jurídica que representa, como deflui
da leitura conjunta dos artigos 15 e 22 da lei, justamente para aquele
verificar se o interesse tutelado pela lei anticorrupção não será objeto
de disponibilidade indevida, em prejuízo da moralidade e da legalidade,
e causadora de ato de improbidade. Essa obrigação também costa no
artigo 6.° da Lei Federal 7.347/85.
225
BURLE FILHO, José Emmanuel. Principais aspectos do inquérito civil como função institucional do
Ministério Público. In: MILARÉ, Edis. Ação civil blica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p.
322.
157
Segundo Rogério Pacheco Alves o inquérito civil é instrumento
posto à disposição do Ministério Público pela atual Constituição
Federal e que se constitui, inegavelmente, num dos fatores que
culminaram com o verificado sucesso da Lei 7.347/85, colaborando
decisivamente à utilização consistente e razoável da ação civil
pública
226
.
Qualquer que seja o instrumento processual a ser utilizado o
fato é que pode o Ministério Público lançar mão do inquérito civil para a
formação e seu convencimento e para a instrumentação da ação, não
havendo qualquer liame de exclusividade entre o inquérito civil e a
ação civil pública
227
.
Paulo Cezar Pinheiro Carneiro comenta que a importância do
inquérito civil no campo da improbidade administrativa vem sendo
demonstrada pela atuação dos Promotores de Justiça e Procuradores
da República de todo o país, sendo importante elemento de
esclarecimento dos complexos meandros tomados pelo atuar
ímprobo
228
.
3.2.1 Instauração
226
Opus cit., p. 541.
227
Burle filho, José Emmanuel, op. cit., p. 323.
228
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça Juizados Especiais Cíveis e Ação Civil
Pública Uma nova sistematização da Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.
204.
158
Wallace Paiva Júnior
229
ensina que instaurado o inquérito civil
pelo Ministério Público ou possuindo peças de informação derivadas de
procedimento administrativo ou inquérito policial a ele remetido,
apresenta representação ou requerimento da pessoa jurídica
interessada.
Requisitado pelo Ministério Público o inquérito policial ou o
procedimento administrativo de que trata o artigo 22, sua instauração é
obrigatória e vinculada, tendo a autoridade requisitada o dever de bem
desempenhar o encargo, procurando provas de todas as circunstâncias.
A prerrogativa do Ministério Público de promover o inquérito
civil é amparada pela Constituição Federal, em seu artigo 129, III e VI,
pela Lei Federal 7.347/85 e posteriormente Lei Federal 8.625/93, que
inscrevem essa prerrogativa a instituição da proteção do patrimônio
público, da moralidade administrativa e de qualquer outro interesse
difuso ou coletivo
230
. Ainda no rastro histórico, a Lei Federal 8.078/90
tornou efetiva a instauração de inquérito civil público para a defesa de
qualquer interesse difuso ou coletivo.
Em que pese a involução preconizada pelos legisladores na
fase do processo legislativo, a superveniência da Lei Federal 8.625/93
superou o problema. Para apurar ato de improbidade administrativa o
229
Op. cit., p. 418.
230
PAIVA JÚNIOR, Wallace, op. cit., p. 412.
159
Ministério Público tem ampla opção, podendo sua escolha recair sobre
o inquérito civil, que não foi excluído pela Lei Federal 8.429/92.
Fernando Rodrigues Martins
231
ressalta que a exemplo de
qualquer ato administrativo, a portaria de instauração do inquérito civil
público deverá ser fundamentada, indicar as pessoas envolvidas na
investigação e suas respectivas qualificações, nomear oficial de
diligência para cumprir as determinações do presidente do inquérito,
que obviamente será o órgão de execução com atribuição específica, e
conter as medidas a serem encetadas.
Apesar da lei não estabelecer prazo para instauração ou
conclusão do inquérito civil público, em alguns estados esta matéria foi
tratada pelas leis complementares de seus respectivos Ministérios
Públicos.
Discorre ainda o autor explicando que ao concluir o inquérito
civil público, o órgão de execução deverá fazer sucinto relatório,
indicando os elementos de convicção para o ajuizamento da ação civil
pública, ou determinar seu arquivamento.
Hugo Nigro Mazzilli
232
lembra que o inquérito civil público,
antes de uma exigência, deve ser visto como instrumento capaz de
evitar ações civis públicas ajuizadas de forma açodada. Que não é,
231
Op. cit., p. 139.
232
Op. cit., p. 8.
160
pois, o órgão do Ministério Público obrigado a instaurar um inquérito
civil público ou a propor uma ação civil pública, a não ser que
identifique a hipótese propiciadora de sua intervenção. Se tem
liberdade para apreciar se ocorre ou não essa hipótese de sua
intervenção, agir lhe passa a ser um dever quando identifique a
existência de hipótese em que a lei lhe exige atuação.
Não obstante nutridos por razões absolutamente diversas, o
certo é que também no campo da ação civil pública e, antes, no
campo do próprio inquérito civil tem-se a adoção do princípio da
obrigatoriedade no que respeita à atuação do Ministério Público,
chegando-se a esta conclusão não só em razão da indisponibilidade
dos interesses em jogo, mas também, e justamente por isso, em razão
do rígido sistema de arquivamento do inquérito civil concebido pelo
artigo 9.° da Lei 7.437/85 e do status constitucional alcançado por tais
instrumentos, consectários inafastáveis e do também inafastável
desempenho das relevantes atribuições ministeriais
233
.
3.2.2 Publicidade
Fernando Rodrigues Martins
234
explica que é público o
inquérito civil porque é assim previsto na Constituição Federal,
salvante quanto aos documentos para que a lei exigir sigilo.
233
GARCIA, Emerson, op. cit., p. 548.
234
Op. cit., p. 139.
161
Segundo Elimar Szaniawski
235
todo homem tem o direito de
alhear do conhecimento da coletividade aspectos que, por serem
muitos caros à sua história pessoal ou familiar, constituem elementos
essenciais ao desenvolvimento de sua personalidade. Em vista de tal
realidade, os ordenamentos jurídicos vêm se preocupando com o
resguardo da intimidade. No sistema constitucional brasileiro se
encontram relevantes regras a respeito do assunto, dentre as quais
ganha destaque a contida no artigo 5.°, X, segundo a qual: são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação.
Anota Mazzilli
236
que:
Exceto em matéria em que a própria Constituição exija
quebra de sigilo sob autorização judicial, no mais,
autoridade alguma poderá opor ao Ministério Público, sob
qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da
subsistência do caráter sigiloso da informação, de
registro, dado ou documento.
Hugo Mazzilli ressalta, porém, que não se pode admitir que a
instauração e a própria existência do inquérito civil, bem assim como o
seu objeto, sejam subtraídos do conhecimento do conhecimento do
investigado, dos demais legitimados à ação civil pública ou mesmo de
qualquer do povo, sob pena de lamentável retrocesso aos sombrios
235
SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1993, p. 120.
236
MAZZILLI, Hugo Nigro. O inquérito civil. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 184.
162
tempos ditatoriais, quando as mais variadas investigações eram
levadas a efeito sem qualquer controle da sociedade e do Poder
Judiciário. Diz ainda que sempre que se divulgar a existência de
investigações contra pessoas físicas ou jurídicas determinadas, deve-
se ter a cautela de informar que se trata de investigados, e não de
culpados, pois a presunção de inocência não pode ser vista apenas sob
o ângulo penal
237
.
Pela análise constitucional não se tem dúvida de que o sigilo é
uma característica fundamental de todo e qualquer procedimento
investigatório, garantindo-se por seu intermédio não só a eficácia da
fase pré-processual, mas também a própria imagem do investigado, a
cujo respeito, pela própria precariedade de tudo o que se colhe nesta
fase, nada, ainda, se pode categoricamente afirmar.
A publicidade pode se chocar com os dados sigilosos por força
de lei deve a autoridade investigante vedar o acesso a tais informes,
sob pena de responsabilização administrativa, civil e criminal,
incorrendo, inclusive, na conduta de improbidade administrativa,
prevista no artigo 11, III, da Lei 8.429/92 (determinam os artigos 8.°,
parágrafo 1.°, da Lei Complementar 75/93 e o 26, parágrafo 2.°, da Lei
8.625/93).
237
Op. cit., p. 179.
163
Edilsom Pereira de Farias
238
ensina que a colisão entre o
direito à privacidade, em sentido amplo, e a liberdade de informação, a
publicidade de atos, resguardados pela Constituição Federal, constitui
um dos pontos mais comuns e delicados de atrito entre os direitos
fundamentais. Conclui afirmando que o que deve ser evitado sob pena
de violação da própria ratio de liberdade de informação, que é a de,
sem macular o exercício soberano e livre das funções estatais, pilar do
Estado de Direito, permitir o desenvolvimento das práticas
democráticas de convivência social.
No entender de Emerson Garcia
239
sustentar o livre acesso aos
elementos investigatórios é subverter o papel do inquérito civil,
esvaziando a sua eficácia e permitindo que o investigado insensível às
mais elementares regras morais de tudo faça para frustrar-lhes os
objetivos. Ressalta, nesse passo, que é a própria Constituição Federal
que permite, excepcionalmente, o sigilo não só dos atos processuais
como também dos atos administrativos, sempre que o exigir o interesse
social.
3.2.3 Contraditório
Mesmo sendo desprovido do contraditório, às vezes, para a
realização de uma boa investigação, o órgão de execução pode
238
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos a honra, a intimidade, a vida privada e a
imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Fabris, 2000, p. 173.
239
Op. cit., p. 562.
164
autorizar juntada de petições da pessoa contra quem se instaurou o
inquérito civil público.
Segundo RE 136.239 do STJ, ROMS 8.716/GO, Relator
Ministro Milton Luiz Pereira, DJU 25/5/1998, o inquérito civil é um
procedimento administrativo no qual não incide o contraditório, por não
veicular qualquer tipo de acusação nem buscar a composição de
conflitos de interesses. Decidiu àquela Turma que o princípio do
contraditório não prevalece no curso das investigações preparatórias
encetadas pelo Ministério Público.
E, destinando-se à mera colheita de informações e indícios de
improbidade administrativa, sem que implique por si só alguma
punição, o inquérito civil ou policial e o procedimento administrativo
não obedecem á cláusula do contraditório ou da ampla defesa. São
procedimentos unilaterais e administrativos, sem contraditórios, que se
prestam apenas para a coleta de elementos para dedução de uma
pretensão em juízo ou não, como ressalta José Emmanuel Burle
Filho
240
.
Marcellus Polastri Lima
241
aduz que buscando restringir o
alcance da regra contida no Estatuto do Advogado, assevera-se que
inexiste para o advogado o sigilo dos atos formais e de provas já
produzidas, presentes no inquérito ou outro procedimento
240
Op. cit., p. 321.
241
LIMA, Marcellus Polastri. Ministério Público e persecução criminal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
1997, p. 81.
165
investigatório, tendo os mesmos livre acesso a tais elementos para
possibilitar a realização da defesa técnica, porém, continua em pleno
vigor o sigilo da condução investigatória nos casos necessários, não
sendo assegurada ao advogado a presença no ato de colheita
probatória ou ao contraditório em fase de investigação.
3.2.4 Instrução
Para instruir o inquérito civil público, o órgão de execução
poderá valer-se de seu poder de notificação para colher depoimentos
ou esclarecimentos de pessoas e requisitar informações, exames
periciais, certidões e outros documentos de autoridades federais,
estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da
Administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
3.2.5 Arquivamento ou representação
A representação deve conter dados do representante e sua
assinatura, porque a Constituição Federal autoriza qualquer expressão
de pensamento, mas veda o anonimato. Adequada a representação à
forma exigida por lei, tem a autoridade administrativa competente a
obrigação de instaurar o procedimento administrativo, se retardar ou
deixar de apurar os fatos contidos na representação, incorrerá nas
sanções de que trata o artigo 11, inciso II, da Lei Federal 8.429/92.
166
Fernando Rodrigues Martins
242
ressalta que a representação
feita contra agente público ou terceiro beneficiário quando o
representante o sabia inocente, é considerada tipo penal. De observar
que, como ao há modalidade do tipo culposa prevista no referido artigo,
o elemento subjetivo há de ser apenas o dolo.
Ensina o autor que o arquivamento de inquérito civil público
que apurou prática de improbidade administrativa ou de representação
com o mesmo deslinde encetados pelo Promotor de Justiça,
obrigatoriamente deverão ser homologados pelo Conselho Superior do
Ministério Público. Sabiamente, a Lei Federal 7.347/85 dispôs sobre a
remessa obrigatória dos autos do inquérito civil público ou das peças
de informação em caso de arquivamento ao Conselho Superior do
Ministério Público. O descumprimento de referido dispositivo ensejará
falta grave a ser aplicada ao órgão de execução.
Entende o autor que a provocação feita ao órgão de execução,
inclusive aquela de natureza judicial, qualquer que seja o interesse
difuso ou coletivo a ser tutelado, na hipótese de arquivamento, enseja
a oitiva ao Conselho Superior do Ministério Público. Caso contrário,
não haveria, como desejou o espírito da lei, o necessário controle dos
órgãos de execução, o que é impensável o sistema de Estado
Democrático de Direito.
242
Op. cit, p. 142.
167
De outro lado, mesmo que não esteja previsto na Lei Federal
7.347/85 recurso contra o arquivamento, poderão as associações e
entidades interessadas juntar petições e documentos nos autos de
inquérito civil público ou nas peças de informação antes da sessão que
tratará do julgamento do arquivamento. Entendendo o Conselho
Superior do Ministério Público que o arquivamento foi correto, tratará
de homologar sua promoção. Ressalta Fernando Rodrigues Martins
243
que mesmo havendo arquivamento do inquérito civil público, peças de
informação ou representações e sua posterior homologação, nada
impede, na superveniência de outras provas, o desarquivamento.
243
Op. cit., p. 143.
168
4 ASPECTOS PROCESSUAIS E PROCEDIMENTAIS DA AÇÃO CIVIL
POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
A Lei 8.429 de 02 de junho de 1992, veio regulamentar o
artigo 37, § 4.º da Constituição Federal, que dispõe:
Art. 37.
(...)
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a
suspensão dos direitos políticos, a perda da função
pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento
ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem
prejuízo da ação penal cabível.
Em seu corpo, e, com as alterações introduzidas pela Lei n.°
9.366, de 16.12.1996, bem como pelas Medidas Provisórias 2.180-35,
de 24 de agosto de 2001, e 2.225-45, de 04 de setembro de 2001
244
, a
chamada Lei de Improbidade Administrativa regula, além das sanções
de natureza civil previstas na Carta Magna, também o processo próprio
para buscar a aplicação destas bem como seu procedimento.
Assim, o artigo 17 da Lei 8.429/92 é norma de natureza
processual que assim dispõe
245
:
244
Sem questionar, neste momento, a constitucionalidade da introdução de normas de procedimento
pela via de medida provisória, mormente tanto tempo após a vigência da Lei, o que, em tese, iria
contra os critérios de urgência e necessidade, ínsitos ao conceito de medida provisória.
245
A redação original do artigo 17 da Lei de Improbidade, não obstante já trouxesse, em seu § 1.º
algum caráter de especialidade, praticamente não inovava o procedimento, limitando-se a remeter o
intérprete ao procedimento comum ordinário: Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será
proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da
efetivação da medida cautelar.
§ 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.
§ A Fazenda blica, quando for o caso, promoverá as ações necessárias à complementação do
ressarcimento do patrimônio público.
§ 3º No caso da ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, a pessoa jurídica interessada
integrará a lide na qualidade de litisconsorte, devendo suprir as omissões e falhas da inicial e
apresentar ou indicar os meios de prova de que disponha.
§ O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como
fiscal da lei, sob pena de nulidade.
169
Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será
proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica
interessada, dentro de 30 (trinta) dias da efetivação da
medida cautelar.
§ 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas
ações de que trata o caput.
§ 2º A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as
ações necessárias à complementação do ressarcimento
do patrimônio público.
§ 3º No caso da ação principal ter sido proposta pelo
Ministério Público, aplica-se no que couber, o disposto no
§ 3º do artigo 6º da Lei n.° 4.717, de 29 de junho de
1965. (Parágrafo com redação determinada na Lei n.°
9.366, de 16.12.1996, DOU 18.12.1996)
§ 4º O Ministério Público, se não intervier no processo
como parte, atuará, obrigatoriamente, como fiscal da lei,
sob pena de nulidade.
§ 5º A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo
para todas as ações posteriormente intentadas que
possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.
(Parágrafo acrescentado conforme determinado na
Medida Provisória n.° 2.180-35, de 24.8.2001, DOU
27.8.2001, em vigor consoante o disposto na Emenda
Constitucional n.° 32, de 11.9.2001, DOU 12.9.2001)
§ 6º A ação será instruída com documentos ou
justificação que contenham indícios suficientes da
existência do ato de improbidade ou com razões
fundamentadas da impossibilidade de apresentação de
qualquer dessas provas, observada a legislação vigente,
inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do
Código de Processo Civil. (Parágrafo acrescentado
conforme determinado na Medida Provisória n.° 2.225-45,
de 4.9.2001, DOU 5.9.2001 - Edição Extra, em vigor
consoante o disposto na Emenda Constitucional n.° 32,
de 11.9.2001, DOU 12.9.2001)
§ 7º Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará
autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para
oferecer manifestação por escrito, que poderá ser
instruída com documentos e justificações, dentro do
prazo de quinze dias. (Parágrafo acrescentado conforme
determinado na Medida Provisória n.° 2.225-45, de
4.9.2001, DOU 5.9.2001 - Edição Extra, em vigor
consoante o disposto na Emenda Constitucional n.° 32,
de 11.9.2001, DOU 12.9.2001)
§ 8º Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta
dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se
convencido da inexistência do ato de improbidade, da
improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.
(Parágrafo acrescentado conforme determinado na
Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001, DOU
5.9.2001 - Edição Extra, em vigor consoante o disposto
na Emenda Constitucional n.° 32, de 11.9.2001, DOU
12.9.2001)
§ 9º Recebida a petição inicial, será o réu citado para
apresentar contestação. (Parágrafo acrescentado
170
conforme determinado na Medida Provisória n.° 2.225-45,
de 4.9.2001, DOU 5.9.2001 - Edição Extra, em vigor
consoante o disposto na Emenda Constitucional n.° 32,
de 11.9.2001, DOU 12.9.2001)
§ 10. Da decisão que receber a petição inicial, caberá
agravo de instrumento. (Parágrafo acrescentado
conforme determinado na Medida Provisória n.° 2.225-45,
de 4.9.2001, DOU 5.9.2001 - Edição Extra, em vigor
consoante o disposto na Emenda Constitucional n.° 32,
de 11.9.2001, DOU 12.9.2001)
§ 11. Em qualquer fase do processo, reconhecida a
inadequação da ação de improbidade, o juiz extinguirá o
processo sem julgamento do mérito. (Parágrafo
acrescentado conforme determinado na Medida Provisória
n.° 2.225-45, de 4.9.2001, DOU 5.9.2001 - Edição Extra,
em vigor consoante o disposto na Emenda Constitucional
n.° 32, de 11.9.2001, DOU 12.9.2001)
§ 12. Aplica-se aos depoimentos ou inquirições
realizadas nos processos regidos por esta Lei o disposto
no art. 221, caput e § 1º, do Código de Processo Penal.
(NR) (Parágrafo acrescentado conforme determinado na
Medida Provisória n.° 2.225-45, de 4.9.2001, DOU
5.9.2001 - Edição Extra, em vigor consoante o disposto
na Emenda Constitucional n.° 32, de 11.9.2001, DOU
12.9.2001)
Da simples leitura do dispositivo, especialmente dos
parágrafos introduzidos pelas Medidas Provisórias 2180-35 e 2225-45,
pode-se facilmente perceber que, não obstante o caput do artigo faça
expressa referência ao procedimento comum ordinário, a norma
introduz verdadeiro procedimento especial, que será objeto deste
estudo.
Procedimento é a parte visível (a faceta extrínseca) do
processo, isto é, a forma como os atos processuais são encadeados
até a prolação da sentença
246
.
246
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Breve introdução aos procedimentos especiais de jurisdição
contenciosa. In GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. (org.) Manual dos procedimentos especiais
cíveis de legislação extravagante. São Paulo: Método. 2006. p. 16.
171
Em hipóteses em que julgou conveniente, o legislador
particularizou alguns procedimentos, para, ao menos em tese, permitir
a adequada tutela do interesse posto em juízo.
Assim, foram criados os chamados procedimentos especiais,
assim chamados, por guardarem peculiaridades que os diferenciam (em
diferentes graus, de acordo com a pretensão de direito material que se
pretende tutelar) dos chamados procedimentos comuns (ordinário ou
sumário).
A esse respeito, o escólio de Antonio Carlos Marcato:
Os procedimentos especiais diferenciam-se do ordinário
com maior ou menor intensidade, sendo bastante
freqüente, aliás, que em alguns deles aquele rito passe a
vigorar a partir de um determinado momento, até o
provimento final. Por isso mesmo, há procedimentos
especiais que diferem do ordinário apenas pelo
acréscimo de um ato inicial (v.g., ações possessórias),
outros são inicialmente especiais, mas conversíveis ao
rito ordinário (v.g., ações de depósito), outros também
são inicialmente especiais, convertendo-se, após, ao rito
das ações cautelares (v.g., ação de nunciação de obra
nova), e outros há, irredutivelmente especiais (v.g., o
inventário)
247
.
Portanto, nada obstante tenha o caput do artigo 17 acima
trasladado feito expressa referência ao rito ordinário, pelas
características introduzidas no artigo 17 da Lei 8.429/92 pelas Medidas
Provisórias 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, e 2.225-45, de 04 de
setembro de 2001, nota-se a especialização do procedimento, de tal
247
MARCATO, Antônio Carlos. Procedimentos especiais. 9.ª ed. São Paulo: Malheiros Editores.
2001, pp. 36-37.
172
forma que não mais pode ser chamado de comum ordinário.
Destarte, pode-se afirmar com Cassio Scarpinella Bueno, que
a ação cujo objeto é a tutela dos bens descritos nos arts. 9.º, 10 e 11
da Lei 8.429, pela aplicação das sanções respectivas dos três incisos
do art. 12 do mesmo diploma legal a ação de improbidade
administrativa - , é hoje uma ação de procedimento especial
248
.
Antes, todavia, de se adentrar no estudo específico do
procedimento especial da ação civil por improbidade administrativa,
cumpre fixar certas premissas sobre as quais se desenvolverá o
presente trabalho, especialmente no que se refere à forma de tutela
jurisdicional da probidade administrativa, e à relação da ação civil por
improbidade administrativa com outras ações para tutela de interesses
difusos, especialmente a ação civil pública.
4.1 A AÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A AÇÃO
CIVIL PÚBLICA
Tema recorrente e controvertido na doutrina que estuda a
ação civil por improbidade administrativa é o que diz com sua natureza,
e sua relação ou eventual identidade com a ação civil pública.
Há uma tendência que parece majoritária, inclusive na
248
BUENO, Cássio Scarpinella. O procedimento especial da ação de improbidade administrativa
(Medida Provisória 2.088). In BUENO, Cassio Scarpinella et al. (org.) Improbidade administrativa
(questões polêmicas e atuais. 2.ª ed. São Paulo:Malheiros Editores. 2003. p. 172.
173
jurisprudência
249
, no sentido de se admitir a propositura de ação civil
249
Neste sentido, v.g.: PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. COMPATIBILIDADE DAS AÇÕES. ART. 6º DA LEI N.
8.906/1994. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 211 DO STJ.
1 É cabível a propositura de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, tendo em vista a
natureza difusa do interesse tutelado. Mostra-se lícita, também, a cumulação de pedidos de natureza
condenatória, declaratória e constitutiva pelo Parquet por meio dessa ação.
2. Recurso especial improvido.
(REsp 507142/MA, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em
15.12.2005, DJ 13.03.2006 p. 253)
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. LESÃO À MORALIDADE
PÚBLICA.
1. O Ministério público, por força do art. 129, III, da CF⁄88, é legitimado a promover qualquer espécie
de ação na defesa do patrimônio blico social, não se limitando à ação de reparação de danos.
Destarte, nas hipóteses em que não atua na condição de autor, deve intervir como custos legis
(LACP, art. 5º, § 1º; CDC, art. 92; ECA, art. 202 e LAP, art. 9º).
2. A carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração,
com a eleição dos valores imateriais do art. 37 da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por
uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um micro
sistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele
encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como
instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.
3. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa
do patrimônio público sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade).
4. A nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ões' entre os instrumentos de
tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos
mesmos.
5. A lógica jurídica sugere que legitimar-se o Ministério Público como o mais perfeito órgão
intermediário entre o Estado e a sociedade para todas as demandas transindividuais e interditar-lhe a
iniciativa da Ação Popular, revela contraditio in terminis.
6. Interpretação histórica justifica a posição do MP como legitimado subsidiário do autor na Ação
Popular quando desistente o cidadão, porquanto à época de sua edição, valorizava-se o Parquet
como guardião da lei, entrevendo-se conflitante a posição de parte e de custos legis.
7. Hodiernamente, após a constatação da importância e dos inconvenientes da legitimação isolada do
cidadão, não mais lugar para o veto da legitimatio ad causam do MP para a Ação Popular, a Ação
Civil Pública ou o Mandado de Segurança coletivo.
8. Os interesses mencionados na LACP acaso se encontrem sob iminência de lesão por ato abusivo
da autoridade podem ser tutelados pelo mandamus coletivo.
9. No mesmo sentido, se a lesividade ou a ilegalidade do ato administrativo atingem o interesse
difuso, passível é a propositura da ão Civil Pública fazendo as vezes de uma Ação Popular multi-
legitimária.
10. As modernas leis de tutela dos interesses difusos completam a definição dos interesses que
protegem. Assim é que a LAP define o patrimônio e a LACP dilargou-o, abarcando áreas antes
deixadas ao desabrigo, como o patrimônio histórico, estético, moral etc.
11. A moralidade administrativa e seus desvios, com conseqüências patrimoniais para o erário
público enquadram-se na categoria dos interesses difusos, habilitando o Ministério Público a
demandar em juízo acerca dos mesmos.
12. Recurso especial desprovido" (REsp 173.414⁄MG, Relator Ministro Francisco Peçanha Martins, DJ
26.4.2004);
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
1. A probidade administrativa é consectário da moralidade administrativa, anseio popular e, a fortiori,
difuso.
2. A característica da ação civil pública está, exatamente, no seu objeto difuso, que viabiliza mutifária
legitimação, dentre outras, a do Ministério Público como o mais adequado órgão de tutela,
intermediário entre o Estado e o cidadão.
3. A Lei de Improbidade Administrativa, em essência, não é lei de ritos senão substancial, ao
enumerar condutas contra legem, sua exegese e sanções correspondentes.
174
pública conforme regulada na Lei 7.347/85 para tutelar a probidade
administrativa, ainda que pleiteando a aplicação das sanções previstas
na Lei 8.429/92.
Alguns, como Wander Carvalho Dompieri Garcia, incluem a
ação prevista na Lei 8.429/92 no chamado regime das ações
coletivas, ao qual se aplicaria subsidiariamente o Código de Processo
Civil
250
, entendendo que, uma vez demonstrado o caráter difuso do
direito à probidade administrativa, daí a incidência dos preceitos
relativos à ação civil pública, instrumento destinado precipuamente à
defesa dos interesses difusos e coletivos (artigo 1.º, inciso IV, da Lei
4. Considerando o cânone de que a todo direito corresponde um ação que o assegura, é lícito que o
interesse difuso à probidade administrativa seja veiculado por meio da ação civil pública máxime
porque a conduta do Prefeito interessa à toda a comunidade local mercê de a eficácia erga omnes da
decisão aproveitar aos demais munícipes, poupando-lhes de noveis demandas.
5. As conseqüências daão civil pública quanto ao provimento jurisdicional não inibem a eficácia da
sentença que pode obedecer à classificação quinária ou trinária das sentenças.
6. A fortiori, a ação civil pública pode gerar comando condenatório, declaratório, constitutivo, auto-
executável ou mandamental.
7. Axiologicamente, é a causa petendi que caracteriza a ação difusa e não o pedido formulado, muito
embora o objeto mediato daquele também influa na categorização da demanda.
8. A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do
mandado de segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do
Adolescente e do Idoso, compõe um micro sistema de tutela dos interesses transindividuais e sob
esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se.
9. A doutrina do tema referenda o entendimento de que 'A ação civil pública é o instrumento
processual adequado conferido ao Ministério Público para o exercício do controle popular sobre os
atos dos poderes públicos, exigindo tanto a reparação do dano causado ao patrimônio por ato de
improbidade quanto à aplicação das sanções do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, previstas ao
agente público, em decorrência de sua conduta irregular.
(...)
Torna-se, pois, indiscutível a adequação dos pedidos de aplicação das sanções previstas para ato de
improbidade à ação civil pública, que se constitui nada mais do que uma mera denominação de ações
coletivas, às quais por igual tendem à defesa de interesses meta-individuais.
Assim, não se pode negar que a Ação Civil Pública se trata da via processual adequada para a
proteção do patrimônio público, dos princípios constitucionais da administração pública e para a
repressão de atos de improbidade administrativa, ou simplesmente atos lesivos, ilegais ou imorais,
conforme expressa previsão do art. 12 da Lei n. 8.429⁄92 (de acordo com o art. 37, § 4º, da
Constituição Federal e art. da Lei n. 7.347⁄85)' (Alexandre de Moraes in "Direito Constitucional",
ed , p. 333-334).
10. Recurso especial desprovido" (REsp n. 510.150⁄MA, relator Ministro Luiz Fux, DJ de 29.3.2004).
250
Legitimidade ativa e passiva na ação de responsabilidade por improbidade administrativa.
Dissertação apresentada à banca examinadora da PUC-SP, para obtenção do título de mestre em
direito. 2003. p. 83.
175
7.347/85).
251
Esse mesmo autor, concluindo serem três as demandas que
podem ser veiculadas na ação civil por improbidade administrativa
252
ações civis públicas, entende possível que se veicule qualquer tipo de
pedido e rito na demanda correspondente, decorrente do fato de que a
Lei 7.347/85, que faz remissão ao Título III do Código de Defesa do
Consumidor, abarca disposição com tal sentido prevista no artigo 83
deste Código, ressalvando, todavia, o regime jurídico processual
particular da lei de improbidade
253
.
Mas, reconhece, em seguida que permanece no que não for
conflitante as disposições gerais para as ações coletivas trazidas no
regime jurídico da ação civil pública, que trazem uma série de
princípios aplicáveis à espécie, os quais tem prevalência sobre as
disposições voltadas a direitos meramente individuais, típicas do
processo civil tradicional previsto no Código de Processo Civil.
254
Há, ainda, os que entendem ser a ação civil por improbidade
administrativa espécie do gênero ação civil pública, vislumbrando um
verdadeiro sistema processual dos direitos difusos e coletivos, onde se
entrelaçariam os procedimentos previstos nas leis específicas, em
251
Op. cit. p. 78.
252
Demanda buscando a aplicação das sanções típicas de improbidade; demanda objetivando o
ressarcimento do erário; e, outra pleiteando a invalidade de atos ou negócios jurídicos decorrentes de
ato ímprobo, ou dos efeitos irradiados por tais atos. Op. cit., p. 77.
253
Op. cit. p. 78.
254
Op. cit. p. 79.
176
busca da tutela jurisdicional da probidade.
Neste sentido, Waldo Fazzio Júnior:
O pedido na ação civil pública de improbidade
administrativa pode ser meramente declaratório,
constitutivo (positivo ou negativo) e/ou condenatório,
ante o que consta do art. 3.º da Lei n.º 7.347/85 (Lei da
Ação Civil Pública), modificado pelo artigo 83 do Código
de Defesa do Consumidor, porque para a defesa dos
direitos e interesses difusos são admissíveis todas as
espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e
efetiva tutela. Por exemplo, ação declaratória de nulidade
de contrato administrativo cumulada com a condenação
ao prefeito ao ressarcimento do dano
255
.
Wallace Paiva Martins Júnior entende pela compatibilidade e
possibilidade de cumulação da ação civil pública e da ação civil por
improbidade administrativa:
A ação de responsabilidade por ato de improbidade
administrativa segue o procedimento ordinário, conforme
expressa seu art. 17. E a ação civil pública, diz Hely
Lopes Meirelles que, quanto ao processo dessa ação, é o
ordinário comum, do Código de Processo Civil, com a
peculiaridade de admitir medida liminar suspensiva da
atividade do réu. Fábio Medina Osório mostra com muita
lucidez que a adoção do rito ordinário (art. 17) não afasta
os mecanismos processuais previstos na Lei Federal n.
7.347/85, que se destina também, e por vocação
constitucional, à defesa do patrimônio público em sentido
amplo, aí incluída a probidade administrativa. Logo,
não há incompatibilidade de ritos, o que torna
possível a cumulação das duas ações
256
.
Sandra Lengruber da Silva, conclui pela possibilidade de
identidade parcial ou até mesmo total entre a ação civil pública e a
255
Op. cit. pp. 279-280.
256
Op. cit. p. 303.
177
ação civil por improbidade administrativa:
Destarte, conclui-se que entre tais ações pode haver
identidade total, e assim litispendência, sendo, no
entanto, muito mais provável que se configure a conexão
ante a identidade parcial dos seus elementos.
Por fim, considerando o que foi analisado neste item e no
5.2.2, resta nítida uma certa ligação entre a ação civil
pública, a ação popular e a ação de improbidade
administrativa, uma vez que se pode defender o
patrimônio público através de todas elas.
Face algumas especificidades de cada ação, seria
improvável, mas não impossível a ocorrência de
identidade total, e assim de litispendência.
Por outro lado, facilmente verificar-se-iam hipóteses de
conexão, o que poderia levar à reunião das mesmas
257
.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro também comunga entendimento
no sentido da possibilidade de tutela da probidade administrativa por
meio da ação civil pública:
Vem se firmando o entendimento de que a ação judicial
cabível para apurar e punir os atos de improbidade tem a
natureza de ação civil pública, sendo-lhe cabível, no que
não contrariar disposições específicas da lei de
improbidade, a Lei n.º 7.347, de 24-7-95. É sob essa
forma que o Ministério Público tem proposto as ações de
improbidade administrativa, com aceitação pela
jurisprudência (cf. Alexandre de Moraes, 2000:330-331,
especialmente jurisprudência citada na nota n.º 2, p.
330).
Essa conclusão encontra fundamento no artigo 129,
inciso III, da Constituição Federal, que ampliou os
objetivos da ação civil pública, em relação à redação
original da Lei 7.347, que somente a previa em caso de
dano a meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos
de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico. O dispositivo constitucional fala em ação
civil pública para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos. Em conseqüência, o artigo 1.º da Lei n.º
7.347/85 foi acrescido de um inciso, para abranger as
ações de responsabilidade por danos causados a
qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
257
SILVA, Sandra Lengruber da. Elementos das ações coletivas. São Paulo: Editora Método, 2004. p.
151.
178
Aplicam-se, portanto, as normas da Lei 7.347, no que não
contrariarem dispositivos expressos da lei de
improbidade
258
.
Sérgio Ferraz, por sua vez afirma sequer enxergar ação
especial, entendendo que a lei 8.429/92 limita-se a trazer disposições
especiais de direito material, não de direito processual:
Em suma, ao contrário do que pregam alguns preclaros
intérpretes dos textos aqui examinados, não chegamos a
divisar no art. 17 uma nova ação especial, de espectro
mais amplo do que as que já existam, de proteção do
patrimônio público. A especificidade da Lei 8.429, de
1992, em nosso ver, repousa não no direito processual, a
saber, na configuração dos ilícitos, na tipificação de seus
agentes e na ampliação no campo das sanções
aplicáveis.
Assim, por exemplo, não nos parece acertado dizer que a
ação de improbidade tenha objeto mais amplo do que o
da ação civil pública. Quando a lei 7.347, de 1985 (Lei da
Ação Civil Pública) proclama, em seu art. 3.º, que a
iniciativa judicial poderá ter por objeto a condenação
em dinheiro ou cumprimento da obrigação de fazer ou
não fazer, impor-se-á a leitura do preceptivo em
conjugação com o art. 1.º do mesmo diploma. E, por
conseqüência, a ação civil pública, cujo fim último é a
responsabilização pela prática de danos morais e
materiais ao patrimônio público (em acepção ampla),
poderá objetivas sim por que não? -, a aplicação de
uma, várias ou todas as sanções estipuladas no art. 12
da lei 8.429, de 1992. Enfim, não nos agradam leituras
estanques. Para nós, a ação principal (vá lá!) é qualquer
ação de rito ordinário que, identificando os ilícitos da Lei
8.429 e sua autoria, promova seu desfazimento, previna
as recidivas e ampliações, sancione os agentes. E, é
claro que a escolha da ação, qualquer que seja ela,
jamais poderá conduzir a um pronunciamento judicial
incompleto, parcial: a recuperação do patrimônio público
e o sancionamento dos agentes ímprobos nunca poderão
ser afastados. Já que a moralidade da administração
pública e a integridade do patrimônio público configuram
princípios constitucionais básicos e dados indisponíveis.
Ainda que, por exemplo, opte o autor da ação principal
por uma ação dita de anulação de ato administrativo
ímprobo, ou mesmo por uma declaratória de nulidade do
ato administrativo marcado de improbidade, a reparação
ao patrimônio público e o apenamento do agente serão
inafastáveis, na forma dos arts. 12 e 18 da lei 8.429, de
258
Op. cit., p. 680.
179
1992. Mas isso - repita-se não por especificidade ou
especialidade processual criada na lei em questão, mas
por sua especificidade material, substantiva. Cumpre não
esquecer que a Constituição, em seu art. 129, além de
recepcionar e elevar o escalão da ação civil pública,
determinou-a voltada à proteção do patrimônio público e
social (inciso III) expressão de indisputada largueza de
horizontes. Depois disso, soa indefensável, com vênias
profundas, sustentar que o objeto da inominada ação
civil de improbidade administrativa seja mais largo que o
da ação civil pública. Ou que se trate de realidades
categoricamente diversas
259
.
No que se refere à ação civil por improbidade administrativa,
com toda a vênia devida às ilustres opiniões contrárias, não parece ser
o entendimento mais adequado o que a coloca no mesmo sistema das
demais ações ditas coletivas, aceitando, inclusive, a propositura
indiscriminada de ações civis públicas ou ações populares para tutelar
a probidade administrativa, e requerer a aplicação das sanções
previstas na lei especial.
Inicialmente, cumpre lembrar a lição de Ricardo de Barros
Leonel, que esclarece que o processo coletivo não é um novo processo
civil, dissociado do regramento destinado à composição dos litígios
individuais. É simplesmente um conjunto sistemático de normas, com
peculiaridades, destinadas a fazer frentes às adversidades inerentes à
defesa dos interesses transindividuais em juízo, valendo-se
complementar e subsidiariamente dos institutos legais e regras do
processo civil clássico
260
.
Porém, a interpretação das normas jurídicas não pode ser
259
Apud. BUENO, Cassio Scarpinella et al. op. cit., pp. 412-413.
260
LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: RT. 2002. p. 114.
180
feita sem a observação de determinados critérios, que impõem um
mínimo de rigor na exegese da lei, sob pena de se criar um sistema
confuso e desordenado, que acaba por resultar numa certa
promiscuidade, inadmissível na aplicação do ordenamento jurídico.
Por isso parece, com toda vênia, incorreta a doutrina acima
referida, por não atentar para alguns preceitos que devem ser levados
em conta, para a melhor interpretação e aplicação das regras especiais
trazidas na Lei de Improbidade Administrativa.
Com efeito, a Lei 8.429/92, também chamada de Lei de
Improbidade Administrativa, traz norma substantiva de natureza
especial, que regula tema específico, qual seja: as sanções aplicáveis
aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício
de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta,
indireta ou fundacional e dá outras providências.
Em seu bojo, traz o procedimento judicial que, como visto
acima, também é especial, adequado à tutela da probidade
administrativa e à aplicação das sanções previstas na lei.
Impende inicialmente fazer uma breve referência ao que
dispõe o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 4.657, de 04 de setembro de
1942 (Lei de Introdução ao Código Civil), que trata da vigência
temporal das normas jurídicas:
181
Art. 2
o
Não se destinando à vigência temporária, a lei
terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1
o
A lei posterior revoga a anterior quando
expressamente o declare, quando seja com ela
incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de
que tratava a lei anterior.
§ 2
o
A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou
especiais a par das já existentes, não revoga nem
modifica a lei anterior.
§ 3
o
Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se
restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.
Em comentário a este artigo, Maria Helena Diniz leciona que a
revogação é:
a) expressa, se a norma revogadora declarar qual a lei
que está extinta em todos os seus dispositivos ou apontar
os artigos que pretende retirar. (...)
b) tácita, quando houver incompatibilidade entre a lei
nova e a antiga, pelo fato de que a nova passa a regular
parcial ou inteiramente a matéria tratada pela anterior,
mesmo que nela não conste a expressão revogam-se as
disposições em contrário, por ser supérflua e por estar
proibida legalmente, nem se mencione expressamente a
norma revogada
261
.
O critério para revogação de uma norma pela outra pode ser
hierárquico (lex superior derogat legi inferiori), quando norma de
hierarquia superior revoga norma inferior. Pode ainda ser cronológico
(lex posterior derogat legi priori) ou ainda pela especialidade (lex
specialis derogat legi generali).
Mantendo o foco na análise da questão processual, parece ser
possível afirmar que a ação civil por improbidade administrativa não se
enquadra no chamado sistema das ações coletivas (especialmente no
261
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada. 9.ª ed. São Paulo:
Saraiva. 2002. p. 68.
182
que diz respeito à Lei da Ação Civil Pública que vige em simbiose
com as disposições processuais do Código de Defesa do Consumidor,
por força do disposto no artigo 21 da Lei 7.347/85, introduzido pelo
artigo 117 da Lei 8.078/90).
Essa afirmação vem baseada inicialmente, no citado artigo 2.º
da Lei de Introdução ao Código Civil, haja vista ser possível afirmar
que, com a entrada em vigência da Lei 8.429/92, e, mais precisamente,
das alterações nela operadas pelas Medidas Provisórias 2.180-35/2001
e 2225-45/2001, não mais se aplicam às ações que tem por objeto a
tutela da probidade administrativa, o disposto na Lei da Ação Civil
Pública.
De fato, tanto pelo critério da cronologia, quanto pelo da
especialidade, a Lei de Improbidade Administrativa afastou a aplicação
do disposto na Lei da Ação Civil Pública aos processos que visam a
imposição das sanções previstas no artigo 12 da Lei de Improbidade
Administrativa.
Quanto ao critério da cronologia, Maria Helena Diniz ensina
que: O critério lex posterior derotag legi priori significa que, de duas
normas do mesmo nível ou escalão, a última prevalece sobre a
anterior
262
.
262
Op. cit., p. 74
183
Uma vez promulgada norma posterior que disciplina um
procedimento próprio para a tutela do direito material que disciplina,
afastados ficam os outros meios anteriormente aptos à tutela
jurisdicional deste direito.
No que concerne ao critério da especialidade a mesma autora
leciona:
A norma especial acresce um elemento próprio à
descrição legal do tipo previsto na norma geral, tendo
prevalência sobre esta, afastando-se assim o bis in idem,
pois o comportamento só se enquadrará na norma
especial, embora também esteja previsto na geral
(TJTJSP,29:303). O tipo geral está contido no tipo
especial. A norma geral só não se aplica ante a maior
relevância jurídica dos elementos contidos na norma
especial, que a tornam mais suscetível de atendibilidade
do que a norma genérica. Para Bobbio, a superioridade
da norma especial sobre a geral constitui expressão da
exigência de um caminho da justiça, da legalidade à
igualdade, por refletir, de modo claro, a regra da justiça
suum cuique tribuere. Ter-se-á, então, de considerar a
passagem da lei geral à exceção como uma passagem da
legalidade abstrata à equidade. Essa transição da norma
geral à especial seria o percurso de adaptação
progressiva da regra de justiça às articulações da
realidade social até o limite ideal de um tratamento
diferente para cada indivíduo, isto porque as pessoas
pertencentes à mesma categoria deverão ser tratadas da
mesma forma, e as de outra, de modo diverso. Há,
portanto, uma diversificação do desigual. Esse critério
serviria, numa certa medida, por ser decorrência do
princípio constitucional da isonomia, para solucionar
antinomias, tratando desigualmente o que é desigual,
fazendo as diferenciações exigidas fática e
axiologicamente, apelando para isso à ratio legis.
Realmente, se, em certas circunstâncias, uma norma
ordena ou permite determinado comportamento social a
algumas pessoas, as demais, em idênticas situações, não
são alcançadas por ela, por se tratar de disposição
excepcional, que só vale para as situações normadas
263
.
Observe-se que o critério da especialidade visa afastar a
263
Op. cit. pp. 74/75.
184
ocorrência do bis in idem. Assim, não obstante a determinado
comportamento, em tese, pudesse se aplicar o disposto na lei geral (o
tipo geral está contido no tipo especial) isso não ocorre, ante a maior
relevância jurídica dos elementos contidos na norma especial, que a
tornam mais suscetível de atendibilidade do que a norma genérica.
A Lei de Improbidade Administrativa introduziu procedimento
especial, adequado à tutela da probidade administrativa, e à aplicação
das sanções previstas em seu artigo 12, ampliando o espectro de
proteção conferido ao patrimônio público (mais especificamente ao
erário público) e estipulando procedimento próprio para postular em
juízo a aplicação das normas nela positivadas.
A partir do momento em que foi aprovada, promulgada e
entrou em vigência a norma específica que regula disposições
especiais de direito material e processual referentes à tutela da
probidade administrativa, ficaram revogadas as disposições da lei
genérica que disciplinavam o assunto.
Assim, não obstante se possa admitir que o direito à
probidade administrativa tenha caráter difuso, a sua tutela e a
aplicação das sanções previstas na lei 8.429/92 não são veiculáveis
pela via da ação civil pública prevista na lei 7.347/85, ainda que esta
contemple a defesa de qualquer interesse difuso, pois, em relação à
probidade administrativa, este comando foi revogado pela lei especial.
185
Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, atualizando o Livro
de Hely Lopes Meirelles, são claríssimos ao reconhecer, com razão, a
impropriedade de se utilizar da ação civil pública prevista na Lei
7.347/85 para fins da tutela dos direitos contemplados na lei 8.429/92:
Como se sabe, a Lei n. 7.347/85 destina-se à defesa do
meio ambiente, do consumidor, dos bens e direitos de
valor artístico, estético histórico, turístico e paisagístico,
dos direitos difusos e coletivos e da ordem econômica
(art. 1.º). A Lei da Ação Civil Pública, portanto, não trata
especificamente de improbidade administrativa, que é
justamente o foco da Lei n. 8.429/92. Assim, deve ser
reconhecido que, pela regra da especialidade, a Lei n.
7.347/85 não se aplica aos casos em que se alega
improbidade administrativa e/ou se pede a cominação das
penas previstas na Lei n. 8.429/92.
Ainda que se entendesse estar a probidade administrativa
incluída dentre os direitos difusos e coletivos da
sociedade, por ser a moralidade um princípio básico e
genérico da Administração Pública, consagrado
expressamente no art. 37 da CF, é preciso reconhecer
que a Lei n. 8.429/92 é posterior, e regulou inteiramente
a matéria. Assim sendo, afastou por completo a
incidência da Lei n. 7.347/85 nesta seara, conforme a
regra do § 1.º do art. 2.º da LICC. Não se pode deixar de
reconhecer, por outro lado, que a Lei n. 8.429/92 traz
regras tanto de direito material quanto de direito
processual, e não ressalvou a aplicação subsidiária da
Lei n. 7.347/85. Na parte processual, ao contrário, faz
remissões ao Código de Processo Civil, mas nunca à Lei
da Ação Civil Pública. Ademais, enquanto a ação civil
pública se restringe às condenações em dinheiro ou
obrigação de fazer ou não fazer (art. 3.º da Lei n.
7.347/85) a ação de improbidade administrativa tem por
objeto também a perda de cargos públicos e/ou de
direitos políticos, bem como restrições para contratações
futuras com o Poder Público, seja diretamente ou através
de empresa da qual o réu seja sócio majoritário (art. 12
da Lei n. 8.429/92). A conclusão, portanto, só pode ser
pela total inaplicabilidade da Lei da Ação Civil Pública
para as hipóteses da ação de improbidade administrativa,
visto ser a matéria regulada inteiramente pela Lei n.
8.429/92, tanto do ponto de vista substantivo quanto
adjetivo
264
.
264
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ão popular, ação civil pública, mandado de
injunção, “habeas data”, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade
e argüição de descumprimento de preceito fundamental. 23.ª ed. atualizada por Wald, Arnoldo e
Mendes, Gilmar Ferreira. São Paulo: Malheiros Editores. 2001 p. 194.
186
Marcelo Figueiredo sustenta posição similar, ao afirmar não
ser possível a propositura de ação civil pública ou ação popular contra
ato de improbidade:
O objeto da presente ação é múltiplo. Visa à reparação
do dano, à decretação da perda dos bens havidos
ilicitamente, bem como à aplicação das penas descritas
em lei. Já afirmamos alhures que as penas podem e
devem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, tudo a
depender do caso concreto e da ampla investigação do
dano causado, da responsabilidade do agente (teoria da
culpa). Enfim, que não se mostra obrigatória a aplicação
das cominações em bloco.
É preciso ter em mente que existem vários instrumentos
legais para proteção do patrimônio público. Assim, o
objeto da ação de improbidade é mais amplo do que o da
ação civil pública (art. 3.º da lei 7.347, de 1985 A ação
civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer).
Também na ação popular a sentença de procedência
julgará a invalidade do ato, condenará em perdas e danos
os responsáveis e beneficiários do ato (art. 11 da Lei
4.717, de 1965). Mais amplo se apresenta o objeto da
ação de improbidade. Diante do ato de improbidade, os
legitimados devem propor a presente ação, e não outras,
ainda que em defesa do patrimônio público. De outra
parte, nada impede ainda a propositura daquelas ações
(ação civil, ação popular) a título subsidiário (art. 17, §
2.º da lei). Cremos, ainda, que não se mostra viável
naquelas ações (popular ou civil pública) veicular pedido
de ressarcimento do dano por ato de improbidade que
cause dano ao erário público (art. 10), diante da previsão
específica da presente lei, que contempla e inaugura uma
nova ação, aação civil de reparação de dano causado
pela improbidade. Deveras, se essa ação tem objeto bem
mais amplo que aquelas, inclusive com penalidades mais
graves, seria um contra-senso poder-seoptar por essa
ou aquela via em detrimento da própria punição que se
pretende garantir. É dizer, estar-se-ia obstaculizando de
uma forma reflexa e impedindo o Poder Judiciário de
soberanamente atender aos pedidos de sanções
aplicáveis, como que dispondo da ação pelos
legitimados
265
.
Rogério Lauria Tucci, com supedâneo em acórdão proferido
pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, também entende
265
FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa. São Paulo: Malheiros Editores. 2004.
187
serem absolutamente discrepantes a ação civil pública e a ação civil
por improbidade administrativa:
Do mesmo modo - deve ser aduzido, - inconfundíveis
apresentam-se no Direito brasileiro, a ação civil pública e
a ação de responsabilidade por atos de improbidade
administrativa.
Vem a pelo, a respeito de uma análise conjugada das
disposições legais atinentes a essas cotejadas ações, o
pronunciamento, consubstanciado em sua exegética
interpretação, da Sétima (7ª) Câmara de Direito Público
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao julgar
a Apelação Cível nº 030.947-5/4, da Comarca de
Paraguaçu Paulista, 56 com o destaque inicial de que "a
evidência de o Ministério Público possuir legitimação
ativa não torna pública nenhuma ação civil" (idéia
consistente "em resquício, vestígio, sem cabência da
classificação subjetiva das ações penais condenatórias,
que irrompe, primeiro, na lei penal").
Foi nele, com efeito, estabelecida, com nitidez, a
distinção entre a ação civil pública e a popular e de
responsabilidade por atos de improbidade administrativa,
especialmente esta, em exaustiva comparação, que faz
por merecer a transcrição seguinte:
"A ação civil pública" (que "tão só, pode guardar seis
finalidades, marcadas nas leis"), "dado o seu caráter
excepcional... só pode ser admitida nos casos
expressamente permitidos na legislação em vigor (v., a
respeito, Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz et alii
- 'A ação civil pública e a tutela jurisdicional dos
interesses difusos' -; e Édis Milaré - 'A ação civil pública
na nova ordem constitucional' - este reportando-se ao
conceito de tipicidade, versado por Mário Vellani - 'Sulla
tipicità dell'azione civile del Publico Ministero' -; e
aduzindo verbis): 'De se ter presente, finalmente, que os
casos nos quais se admite o exercício da ação civil
pública devem, necessariamente, vir explicitados na lei,
por representarem exceção aos princípios da iniciativa da
parte e do dispositivo, vigente no processo civil. Cuida-se
da tipicidade ou taxatividade da ação civil pública. Daí
ser ela conceituada como o 'direito expresso em lei...'. O
autor invocado, ainda, observa que 'também na ação civil
pública, prevalece, como é obvio, a regra da demanda'
(Rogério Lauria Tucci. 'Ação civil pública e sua abusiva
utilização pelo Ministério Público', em Ajuris 56/35-55,
Porto Alegre, novembro de 1992, p. 41). Diga-se,
exigência de adstrição do juiz ao pedido da parte (art.
460, do Cód. de Proc. Civil).
O objeto da ação acha-se no pedido do autor (arts. 282,
inc. IV e 286, do Cód. de Proc. Civil). Ora, o objeto
imediato de tutela, da ação civil pública, pertine [SIC] à
declaração do direito ao meio ambiente, ao consumidor,
ao patrimônio cultural e natural, e a 'qualquer outro
188
interesse difuso ou coletivo'; sem esquecer a ordem
econômica; ainda, aos patrimônios público e social; com
a conseqüente condenação do responsável, pela violação
dos aludidos direitos. Já, o objeto mediato exibe-se na
reparação em dinheiro; ou na obrigação de fazer ou não
fazer. No último caso, toma caráter comunitário (arts. 3º
e 11, da Lei nº 7.347/85 c/c art. 287, do Cód. de Proc.
Civil). Anote-se, desde logo, que, emergindo condenação
em dinheiro, 'a indenização pelo dano causado reverterá
a um fundo, gerido por um Conselho Federal e por
Conselhos Estaduais' (arts. 13 e 20, da Lei nº 7.347/85 e
Lei nº 9.008, de 21 de março de 1995, assim como
Decreto nº 1.306, de 09 de novembro de 1994). Vedado
dar-lhe outra destinação.
A ação de reparação do dano, nascente em atos de
improbidade administrativa, guarda por objeto imediato a
declaração de existência de ato, tal como reclamado -
praticado por agente público, ou terceiro envolvido,
'contra a administração direta, indireta ou fundacional...
empresa incorporada ao patrimônio público, ou entidade,
para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido, ou
concorra...' (arts. 1º e 3º, da Lei nº 8.429, de 02 de junho
de 1992); além de outras entidades, que recebam '...
subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de
órgão público...' (art. 1º, parág. único, do aludido
diploma) -, que importem em enriquecimento ilícito; ou
provoquem lesão ao erário; ainda, os que 'atentem contra
os princípios da administração pública' (arts. 9º, 10 e 11,
da Lei nº 8.429/92); seguida da condenação do
responsável. O objeto mediato acha-se na reparação em
dinheiro, ou no perdimento ou reversão de bens
determinados, havidos, de modo antijurídico; aplicação
de sanções, como a perda da função pública, a
suspensão de direitos políticos e a condenação de multa
civil. E, sempre, quase tudo 'em favor da pessoa jurídica,
prejudicada pelo ilícito' (art. 18, da Lei nº 8.429/92).
Ambas as ações jamais se identificam. Nem se cuida de
espécies, ligadas a gênero, constituinte de alguma
categoria jurídico-processual. Não exibem elas a mesma
finalidade; não ostentam a mesma causa de pedir; e não
apresentam o mesmo objeto, ou pedido. As diferenças,
entretanto, não se esgotam nesses elementos.
A equiparar, de maneira ilusória, as duas ações divisa-se
o patrimônio público. O conceito legal, ou formal,
ostenta-se conhecido: 'Consideram-se patrimônio
público... os bens e direitos de valor econômico, artístico,
estético, histórico ou turístico' (art. 1º, § 1º, da Lei nº
4.717/65, com a redação, dada pela Lei nº 6.513/77).
Conceito que, ainda, se completa, na chamada Lei de
Enriquecimento Ilícito (art. 1º e parág. único), com a
afirmação de serem os referidos bens e direitos 'da
União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios,
Territórios, de autarquias, de empresas públicas, de
sociedades de economia mista, de fundações instituídas
pelo Poder Público, de empresas incorporadas, de
189
empresas com participação do erário e de entidades
subvencionadas pelos cofres públicos' (Marino
Pazzaghini Filho et alii. 'Improbidade administrativa:
aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público'. São
Paulo, Atlas, 1.996, § 5.1, p. 67).
Exsurge fácil, até, verificar que - no tocante ao
patrimônio público - a ação de reparação do dano, por
atos de improbidade administrativa, possui âmbito mais
amplo, do que a ação civil pública, em razão e por força
das mencionadas especificações. Sem esquecer de que,
no seu perímetro, se acha o erário, o tesouro, dizente
com as finanças públicas.
Os atos e fatos, que levam a intentar a ação civil
pública, afloram menos graves, do que os modelados,
para ensejar a ação de reparação do dano. Há escalas
distintas de ataque, ou de ameaça ao patrimônio público,
de manifesto. Basta ter em mente que a ação civil pública
admite transação e compromisso de ajustamento (art. 5º,
§ 6º, da Lei nº 7.347/85 e art. 113, da Lei nº 8.078/90).
Na ação de reparação de dano, por improbidade
administrativa, proíbe-se 'transação, acordo ou
conciliação' (art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/92). Tal
diferença deveria, por igual, espancar enganos.
Possui, portanto, o Ministério Público dois instrumentos
processuais de proteção ao patrimônio público e nada
conduz à pretensa unicidade. Importa invocar passo de
venerando aresto - inobstante os casos não exibam
semelhança -, que assentou existirem situações jurídicas,
onde se lê 'a lei com os olhos fechados', ou com 'as
letras da imaginação, supondo haver dito o que em
nenhum momento disse' (Ap. Cível nº 177.208-1/0, São
Paulo, Terceira Câmara Cível, Rel. Des. Toledo César, J.
em 20/10/92, v.u.). Não se localiza preceito legitimador
da assertiva de ser civil pública a ação de reparação do
dano, por ato de improbidade administrativa.
Sem esquecer de que, no caso dos autos, seria possível,
em tese, aforar ação popular (art. 5º, inc. LXXIII, da
Const. da República c/c art. 1º, da Lei nº 4.717/65). O
Ministério Público, então, surgiria sem legitimidade ativa,
também.
A simples análise do lugar, em que as três diferentes
ações acham-se colocadas, na Lei Maior, deve alertar o
intérprete e o aplicador. A ação popular encontra-se
dentre os direitos individuais e suas garantias (art. 5º,
inc. LXXIII). Já, a ação indenizatória, nas hipóteses de
improbidade administrativa está nas disposições gerais,
atinentes à Administração Pública (art. 37, § 4º). A ação
civil pública encontra-se posta na Seção pertinente ao
Ministério Público, compondo-lhe o elenco de funções
institucionais (art. 129, inc. III). Como método
hermenêutico, a interpretação sistemática tange a não
misturar as ações. Nada mais será necessário
acrescentar, por certo, em prol da determinação de que,
em tudo distintas, a ação civil pública não pode ser
confundida nem com a popular, e muito menos com a de
190
responsabilidade por atos de improbidade
administrativa
266
.
Cumpre trazer, outrossim, a lição de Francisco Otávio de
Almeida Prado que, também com arrimo na especialidade do
procedimento e nas técnicas de hermenêutica, sustenta a
impossibilidade de se admitir mais de um caminho jurisdicional para o
alcance do mesmo fim:
Cabe observar que não faz sentido, e nem atende à
melhor hermenêutica, admitir que existem dois
procedimentos especiais de jurisdição contenciosa com
idêntica finalidade. Com efeito, os procedimentos
apartam-se do procedimento comum (ordinário ou
sumário) justamente em função do objeto do litígio que
encerram, em contemplação do qual o legislador
entendeu de instituir procedimento desbordante do
comum. Em tais circunstâncias, existindo no sistema
normativo previsão de dois procedimentos especiais,
aparentemente destinados a abrigar um só tipo de litígio,
caberá ao operador do Direito eleger um deles, excluindo
o outro. Sendo um deles genérico e destinado a abrigar
diversas categorias de litígios, e outro específico,
destinado a uma só espécie de um gênero, este deverá
ser o escolhido
267
.
Flávia Maria Palaveri Machado, com escopo da doutrina acima
colacionada e em jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo
268
,
266
Ação Civil Pública: Abusiva Utilização pelo Ministério Público e Distorção pelo Poder Judiciário.
Artigo publicado no site da Editora Magister. www.editoramagister.net.
267
Improbidade administrativa. São Paulo: Malheiros Editores. 2001, p. 189.
268
AÇÃO CIVIL PÚBLlCA - Impossibilidade jurídica do pedido, em razão do meio processual, utilizado
pelo Ministério Público. Carência dos pedidos reconhecida. Recurso provido, em parte, reconhecido o
ônus do sucumbimento (TJSP - Câm. de Direito Público; Ap. Cív. 030.947-5/4-SP; Rel. Des.
Sérgio Pitombo; j. 08.03.1999; v.u.).
(...)
A ação civil pública, o-só, pode guardar seis finalidades, marcadas nas leis, a saber,
"responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados": "I - ao meio ambiente; II - ao
consumidor; III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV - a
qualquer outro interesse difuso, ou coletivo; V - por infração da ordem econômica" (artigo e resp.
incisos, da Lei nº 7.347/85; acrescidos por via do artigo 88, da Lei 8.884/94). Somando-se, por fim,
"a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
191
coletivos" (artigo 129, inc. III, da Constituição da República). Despontam, assim, numerus clausus, no
sentido da tipicidade.
A mencionada ação, "dado o seu caráter excepcional... pode ser admitida nos casos
expressamente permitidos na legislação em vigor (v., a respeito, Antônio Augusto Mello de Camargo
Ferraz et alii - 'A ação civil pública e a tutela jurisdicional dos interesses difusos' -; e Édi Milaré -'A
ação civil pública na nova ordem constitucional' - este reportando-se ao conceito de tipicidade,
versado por Mário Vellani - 'Sulla tipicità dell'azione civile del Publico Ministero' -; e aduzindo verbis):
'De se ter presente, finalmente, que os casos nos quais se admite o exercício da ação civil pública
devem, necessariamente, vir explicitados na lei, por representarem exceção aos princípios da
iniciativa da parte e do dispositivo, vigente no processo civil. Cuida-se da tipicidade ou taxatividade da
ação civil pública. Daí ser ela conceituada como o 'direito expresso em lei'..." O autor invocado, ainda,
observa que "também na ação civil pública, prevalece, como é óbvio, a regra da demanda" (Rogério
Lauria Tucci. "Ação civil pública e sua abusiva utilização pelo Ministério Público", em Ajuris 56/35-55,
Porto Alegre, novembro de 1992, p. 41). Diga-se, exigência de adstrição do juiz ao pedido da parte
(art. 460, do Cód. de Proc. Civil).
O objeto da ação acha-se no pedido do autor (artigos 282, inc. IV e 286, do Cód. de Proc. Civil). Ora,
o objeto imediato de tutela, da ação civil pública, pertine à declaração do direito ao meio ambiente, ao
consumidor, ao patrimônio cultural e natural, e a "qualquer outro interesse difuso ou coletivo"; sem
esquecer a ordem econômica; ainda, aos patrimônios público e social; com a conseqüente
condenação do responsável, pela violação dos aludidos direitos. Já, o objeto mediato exibe-se na
reparação em dinheiro; ou na obrigação de fazer ouo fazer. No último caso, toma caráter
cominatório (artigos e 11, da Lei 7.347/85 c/c o artigo 287, do d. de Proc. Civil). Anote-se,
desde logo, que, emergindo condenação em dinheiro, "a indenização pelo dano causado reverterá a
um fundo, gerido por um Conselho Federal e por Conselhos Estaduais" (artigos 13 e 20, da Lei
7.347/85 e Lei 9.008, de 21 de março de 1995, assim como Decreto 1.306, de 09 de novembro
de 1994). Vedado dar-lhe outra destinação.
A ação de reparação do dano, nascente em atos de improbidade administrativa, guarda por objeto
imediato a declaração de existência de ato, tal como reclamado - praticado por agente público, ou
terceiro envolvido, "contra a administração direta, indireta ou fundacional...empresa incorporada ao
patrimônio público, ou entidade, para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido, ou concorra..."
(artigos e 3º, da Lei 8.429, de 02 de junho de 1992); além de outras entidades, que recebam
"...subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público..." (artigo 1º, parágrafo
único, do aludido diploma) -, que importem em enriquecimento ilícito; ou provoquem lesão ao erário;
ainda, os que "atentem contra os princípios da administração pública" (artigos 9º, 10 e 11, da Lei
8.429/92); seguida da condenação do responsável. O objeto mediato acha-se na reparação em
dinheiro, ou no perdimento ou reversão de bens determinados, havidos, de modo antijurídico;
aplicação de sanções, como a perda da função pública, a suspensão de direitos políticos e a
condenação ao pagamento de multa civil. E, sempre, quase tudo "em favor da pessoa jurídica,
prejudicada pelo ilícito" (artigo 18, da Lei nº 8.429/92).
Ambas as ações jamais se identificam. Nem se cuida de espécies, ligadas a nero, constituinte de
aIguma categoria jurídico-processual. Não exibem elas a mesma finalidade; não ostentam a mesma
causa de pedir; e não apresentam o mesmo objeto, ou pedido. As diferenças, entretanto, não se
esgotam nesses elementos.
A equiparar, de maneira ilusória, as duas ações, divisa-se o patrimônio público. O conceito legal, ou
formal, ostenta-se conhecido: "Consideram-se patrimônio público...os bens e direitos de valor
econômico, artístico, estético, histórico ou turístico" (artigo 1º, § 1º, da Lei nº 4.717/65, com a redação
dada pela Lei 6.513/77). Conceito que, ainda, se completa, na chamada Lei de Enriquecimeto
Ilícito (artigo e parágrafo único), com a afirmação de serem os referidos bens e direitos "da União,
do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, Territórios, de autarquias, de empresas públicas, de
sociedades de economia mista, de fundações instituídas pelo Poder público, de empresas
incorporadas, de empresas com participação do erário e de entidades subvencionadas pelos cofres
públicos" (Marino Pazzaglini Filho et alii. "Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do
patrimônio público". São Paulo; Atlas, 1996, § 5.1, p. 67).
Exsurge fácil, até, verificar que - no tocante ao patrimônio público - a ação de reparação do dano, por
atos de improbidade administrativa, possui âmbito mais amplo do que a ação civil pública, em razão e
por força das mencionadas especificações. Sem esquecer de que, no seu perímetro, se acha o
erário, o tesouro, dizente com as finanças públicas.
Os atos e fatos que levam a intentar a ão civil pública afloram menos graves do que os modelados
para ensejar a ação de reparação do dano. Há escalas distintas de ataque, ou de ameaça ao
192
conclui pela impossibilidade de tutela da probidade administrativa pela
ação civil pública, com fundamento na impossibilidade jurídica do
pedido:
Diante das considerações já expostas neste trabalho,
resta claro que os objetos da ação civil pública e da ação
de improbidade administrativa não se confundem, por
serem distintos os interesses tuteláveis por ambas as
demandas, não podendo, por isso haver uma mesclar
entre as duas ações..
patrimônio público, de manifesto. Basta ter em mente que a ão civil pública admite transação e
compromisso de ajustamento (artigo 5º, § 6º, da Lei 7.347/85 e artigo 113, da Lei 8.078/90). Na
ação de reparação do dano, por improbidade administrativa, proíbe-se "transação, acordo ou
conciliação" (artigo 17, § 1º, da Lei nº 8.429/92). Tal diferença deveria, por igual, espancar enganos.
Possui, portanto, o Ministério Público dois instrumentos processuais de proteção ao patrimônio
público e nada conduz à pretensa unicidade. Importa invocar passo de venerando aresto - inobstante
os casos não exibam semelhança -, que assentou existirem situações jurídicas, onde se "a lei com
os olhos fechados"; ou com "as letras da imaginação, supondo haver dito o que em nenhum momento
disse" (Ap. Cível 177.208-1/0, São Paulo, Terceira Câmara Cível, Rel. Des. Toledo César, J. em
20/10/92, v.u.). Não se localiza preceito legitimador da assertiva de ser civil pública a ação de
reparação do dano, por ato de improbidade administrativa.
Sem esquecer de que, no caso dos autos, seria possível, em tese, aforar ação popular (artigo 5º, inc.
LXXIII, da Const. da República c/c o art. 1º, da Lei 4.717/65). O Ministério blico, então, surgiria
sem legitimidade ativa, também.
A simples análise do lugar em que as três diferentes ações acham-se colocadas na Lei Maior deve
alertar o intérprete e o aplicador. A ação popular encontra-se dentre os direitos individuais e suas
garantias (artigo 5º, inc. LXXIII). Já a ação indenizatória, nas hipóteses de improbidade administrativa,
está nas disposições gerais, atinentes à Administração pública (artigo 37, § 4º). A ão civil pública
encontra-se posta na Seção pertinente ao Ministério PúbIico, compondo-lhe o elenco de funções
institucionais (artigo 129, inc. III). Como método hermenêutico, a interpretação sistemática tange a
não misturar as ações.
No caso dos autos, portanto, exsurgiu impossibilidade jurídica do pedido, em razão do meio
processual, utilizado pelo Ministério Público.
Emergiu o demandante carecedor dos pedidos, que deduziu. Vale assentar: os pedidos são tais, que
por eles não pode haver direito algum, mediante ação civil pública (artigo 267, inc. VI, do Cód. de
Proc. Civil).
Em conseqüência, advém o ônus do sucumbimento, que será suportado pela Fazenda do Estado de
São Paulo. "O Ministério Público não sucumbe, não paga custas nem honorários. Na ação civil
pública ou coletiva, proposta pelo Ministério Público na defesa de interesses gerais da coletividade,
quem arca com tais despesas, no caso de improcedência do pedido, será o próprio Estado" (Hugo
Nigro Mazzilli, "A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo", edição, São Paulo, Saraiva, 1995, p.
490). Ratificando tal entendimento, esclarece Rodolfo de Camargo Mancuso que: "A lei da ão civil
pública e o CDC (Código de Defesa do Consumidor, parênteses nossos) não exoneram o MP
(Ministério Público, parênteses nossos), como o fazem com as associações. Parece correto o
entendimento de que, vencido o MP, os ônus da sucumbência são suportados pelo Estado" ("Ação
Civil Pública em Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Cultural e dos Consumidores", edição, São
Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1996, p. 222).
Os preceitos, que dizem com o sucumbimento, irrompem de direito material. O vencido deve
indenizar o vencedor. E ninguém pode livrar-se de responder, pelo prejuízo causado (artigo 159, do
Cód. Civil).
Posto isto, dá-se parcial provimento ao apelo, para, reformando o r. decisum, extinguir o processo,
sem exame do mérito, por falta de uma das condições da ação: possibilidade jurídica dos pedidos
lançados; condenado o demandante nas custas e despesas do processo, mais honorários
advocatícios, que se fixam, de forma eqüitativa, em dez por cento sobre o vaIor da causa corrigido.
193
Não se pode, através de uma ação civil pública,
pretender a obtenção de provimento jurisdicional próprio
de outras ações (da ação de improbidade ou mesmo da
ação popular, por exemplo), não se podendo pleitear
através dela que se apliquem sanções inerentes aqueles
que praticam atos de improbidade administrativa nos
termos da Lei n.º 8.429/92.
Normalmente, essa junção de duas ações que têm
finalidades específicas e que também possuem ritos
próprios ou diversos, em uma só demanda acaba por
gerar pedido juridicamente impossível, inviabilizando o
provimento jurisdicional.
Assim, defendemos ser impossível a aplicação da Lei n.º
8.429/92, quando propostas ação civil pública, regrada
pela Lei Federal n.º 7.347/85, a qual especifica e detalha
o procedimento e o rito processual a ser seguido
269
.
Não obstante a conclusão a que chega os autores acima
transcritos ter semelhanças com o posicionamento defendido no
presente trabalho, os fundamentos pelos quais se chega a tal
entendimento é diverso.
Com efeito, como já exposto alhures, a inadmissibilidade da
utilização de ação civil pública ou ação popular para tutela da
probidade administrativa e aplicação das normas positivadas na Lei
8.429/92, tem fundamento, que por si só já seria suficiente, no artigo
2.º, § 1.º da Lei de Introdução ao Código Civil, especialmente pelos
critérios da cronologia e especialidade.
Assim, a promulgação e entrada em vigência da Lei 8.429/92
revogou, naquilo que disciplina (inclusive o procedimento adequado à
269
MACHADO, Flávia Maria P. Questões Processuais da Lei da ão Civil Pública e da Lei de
Improbidade Administrativa. Dissertação apresentada à banca examinadora da PUC-SP, para
obtenção do título de mestre em direito. 2003. pp. 78/79.
194
tutela do direito à probidade administrativa), os dispositivos das leis
anteriores.
Porém, além desse, há outro fundamento. Com a vigência da
Lei 8.429/92, e o estabelecimento de um procedimento próprio para a
tutela dos direitos nela positivados, os demais procedimentos passaram
a ser inadequados para tutelar esses direitos.
Assim, na verdade, com o ajuizamento de ação civil pública ou
ação popular veiculando pretensão de direito normatizada na Lei de
Improbidade Administrativa ocorre carência de ação, não por
impossibilidade jurídica do pedido, mas por claríssima ausência de
interesse processual.
Eduardo Arruda Alvim ensina que há impossibilidade jurídica
do pedido quando o autor pleitear que o réu cumpra alguma prestação
não prevista no ordenamento jurídico, ou quando exista norma jurídica
que vede, proíba ou exclua a pretensão do autor. Por outras palavras,
o pedido, para ser juridicamente possível, deve consistir em pretensão
tutelada pelo direito
270
.
O pedido de sanção à improbidade administrativa veiculado
por ação civil pública não é juridicamente impossível, haja vista que a
pretensão é tutelada pelo direito. Na verdade, há falta da condição da
270
ALVIM, Eduardo Arruda. Curso de direito processual civil, vol. 1. São Paulo: RT. 1999. p. 160.
195
ação interesse processual (ou de agir), por inadequação do
procedimento.
Compete esclarecer que quando se fala na ausência de
interesse processual ou no descabimento da propositura de ação civil
pública ou ação popular para tutelar a probidade administrativa, se está
referindo não ao nome que adjetiva a ação, mesmo porque se sabe que
o que caracteriza uma ação não é o nome a ela atribuído, mas sim os
seus elementos constitutivos.
O que se está defendendo é que não é admissível ação civil
pública (ou ação popular) com fundamento na Lei 7.347/85 (ou
4.717/65) para a tutela da probidade administrativa. Ou seja, o
fundamento jurídico do pedido (causa de pedir remota) não deve estar
contido nessas leis, e sim na lei 8.429/92.
Via de conseqüência, tendo a Lei de Improbidade
Administrativa estabelecido procedimento próprio para a tutela da
probidade administrativa, este, e só este, deve ser o utilizado com este
desiderato, sob pena de ausência de interesse processual (de agir).
Importante lembrar, com Arruda Alvim, que o interesse de agir
é, enquanto condição da ação, considerado sob o ângulo estritamente
processual e vem à tona quando surge um obstáculo impeditivo do
gozo desse direito, ou da satisfação do mesmo. Assim, segundo este
196
autor, trata-se de um interesse dirigido à supressão do obstáculo, de
molde a que o direito possa novamente ser objeto de gozo e utilização
normal
271
.
Portanto, o interesse processual diferencia-se o interesse
substancial, que é aquele diretamente protegido pelo direito material,
incidindo diretamente sobre o bem. O interesse processual diz com a
necessidade/utilidade da ação jurisdicional para a tutela de uma
determinada pretensão de direito material, e com a adequação do
procedimento utilizado para este fim.
Rodrigo da Cunha Lima Freire, com apoio na lição de
Liebman, elucida que: pode-se dizer que, no atual estágio de evolução
da ciência processual, que o interesse substancial ou material que se
afirma insatisfeito na petição inicial não se confunde com o interesse
de agir. Tais interesses diferem da mesma maneira como se
distinguem os dois direitos correspondentes: o substancial que se
afirma pertencer ao autor e o processual que se exerce para a tutela do
primeiro.
272
O mesmo autor, adiante, assevera que não se deve admitir, na
atualidade, a idéia segundo a qual o interesse de agir é resultado de
um estado contrário ao direito, pela lesão ao direito subjetivo material,
bem como pela presença ou possibilidade de um dano ao titular do
271
Arruda Alvim. Manual de direito processual civil, v. 1. 8.ª ed. São Paulo: RT. 2003. pp. 443/444.
272
TOMASEO. Condições da ação enfoque sobre o interesse de agir. 2.ª ed. São Paulo: RT. 2001.
p. 137.
197
direito violado, pois a aferição sobre a lesão ou violação ao direito que
se afirma possuir em juízo constitui matéria que diz respeito
exclusivamente ao mérito da causa, e não às condições da ação, a
serem analisadas em via preliminar.
E conceituar o interesse de agir apenas como resultado da
afirmação acerca da existência de uma lesão ao direito que se invoca
ou sobre a possibilidade de haver prejuízo injusto ao autor, sem a
intervenção estatal, também não é suficiente, pois não define todos os
seus lineamentos, como adverte Tommaseo
273
.
Assim, para que esteja presente o interesse de agir (que,
como visto, deve ser analisado do ponto de vista estritamente
processual, sob pena de se adentrar no exame do mérito) é forçosa,
além da necessidade do acesso ao Judiciário e da utilidade potencial
da Jurisdição, a adequação do procedimento, como meio de viabilizar
essa utilidade.
Por isso, afirma Rodrigo da Cunha Lima Freire:
Exige-se, em conseqüência, conforme o sistema jurídico
vigente, a adequação do provimento desejado e do
procedimento indicado pelo autor, mesmo que na haja na
escolha equivocada, um propósito subalterno ou ilícito
274
.
273
Op. cit., p.p. 139/140.
274
Op. cit., p. 144.
198
Humberto Theodoro Júnior, citando José Frederico Marques e
Vicente Greco Filho, também é claro ao assinalar a adequação como
elemento caracterizador do interesse processual:
O interesse processual, a um só tempo, haverá de
traduzir-se numa relação de necessidade e também numa
relação de adequação do provimento postulado, diante do
conflito de direito material trazido à solução judicial.
Mesmo que a parte esteja na iminência de sofrer um dano
em seu interesse material, não se pode dizer que exista o
interesse processual, se aquilo que se reclama do órgão
judicial não será útil juridicamente para evitar a temida
lesão. É preciso sempre que o pedido apresentado ao
juiz traduza formulação adequada à satisfação do
interesse contrariado, não atendido, ou tornado incerto.
Em outras palavras: Inadmissível, para o caso levado a
juízo, a providência jurisdicional invocada, faltará
legítimo interesse em propor a ação, porquanto inexiste
pretensão objetivamente razoável que justifique a
prestação requerida. Pás dinterêt, pás daction. Falta
interesse em tal situação, porque inútil a provocação da
tutela jurisdicional se ela, em tese, não for apta a
produzir a correção argüida na inicial. Haverá, pois, falta
de interesse processual se, descrita determinada
situação jurídica, a providência pleiteada não for
adequada a essa situação
275
.
Destarte, havendo meio processual adequado à tutela da
probidade administrativa, expressamente consagrado em lei, o
ajuizamento de ação civil pública ou ação popular veiculando esta
espécie de pretensão é inadmissível, por carência de ação decorrente
da falta de interesse processual.
Também a jurisprudência, repetidas vezes, refere-se à
adequação do procedimento como requisito para se preencher a
275
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. V. 1. 26.ª ed. Rio de Janeiro:
Revista Forense, 1999, p. 57.
199
condição da ação, o interesse processual
276
. A questão da adequação
do procedimento como forma de aferição do interesse processual não
se dá por apego ao formalismo ou indo contra o princípio da
instrumentalidade. Ocorre que, para se obter a justa (e útil) tutela da
probidade, impositiva a observação das particularidades previstas na
Lei 8.429/92, especialmente quanto ao procedimento.
Pensar diferente significaria admitir a possibilidade de
desperdício de atividade legislativa, o que é absolutamente inaceitável.
Assim, v.g., tendo a Lei de Improbidade Administrativa
consagrado, em seu art. 17, § 7.º, a chamada defesa prévia do
requerido, num verdadeiro contraditório preliminar, não pode o agente
legitimado optar por requerer as aplicações das sanções previstas
276
V.g. - AÇÃO DE DESPEJO. INEXISTÊNCIA DE CONTRATO DE LOCAÇÃO. INVIABILIDADE.
Constitui requisito inarredável para o manejo da ação de despejo a relação locatícia, conforme
decorre da exegese do art. da Lei 8.245/91.. O interesse de agir resulta da soma de dois
elementos que lhe são intrínsecos: a necessidade concreta do processo e a adequação do
provimento desejado e do procedimento escolhido pelo autor. (TJMG; AC 1.0384.03.022764-7/001;
Leopoldina; Décima Segunda Câmara Cível; Rel. Des. Domingos Coelho; Julg. 07/03/2007; DJMG
17/03/2007)
PROCESSO CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO NULIDADE DE SENTENÇA. FALTA
DE FUNDAMENTAÇÃO INOCORRÊNCIA. PRETENDIDA DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE
LEILÃO EXTRAJUDICIAL. ANTERIOR ADJUDICAÇÃO DO IMÓVEL PELA CAIXA ECONÔMICA
FEDERAL NA FORMA DO DECRETO-LEI 70/66. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. EXTINÇÃO
DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO - APELO IMPROVIDO. 1. Não viola o art. 458 do
Código de Processo Civil, nem importa negativa de prestação jurisdicional, a sentença que, mesmo
sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelos autores, adotou,
entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia posta. 2. Para que
o processo seja útil é preciso que haja a necessidade concreta do exercício da jurisdição e ainda a
adequação do provimento pedido e do procedimento escolhido à situação deduzida. 3. O contrato de
mútuo pelo Sistema Financeiro da Habitação firmado entre os autores e a instituição financeira foi
executado diante da inadimplência dos mutuários, extrajudicialmente e com a adjudicação do imóvel
ao credor hipotecário, não cabendo, desta forma, mais nenhuma discussão acerca da legalidade ou
abusividade das cláusulas nele contidas. 4. Matéria preliminar rejeitada. Apelação improvida. (TRF
R.; AC 706500; Proc. 2000.60.00.002429-5; Primeira Turma; Rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo; DJU
10/01/2006; Pág. 125)
200
nesta lei, utilizando-se do procedimento previsto na ação civil pública,
onde inexiste previsão deste jaez.
Então, eventual entendimento em sentido contrário, significará
expressa afronta ao artigo 5.º, LV da Constituição Federal, e portanto,
restará inútil, podendo a sentença proferida nesses termos a qualquer
tempo, ser retirada do mundo jurídico mediante a competente ação
rescisória ou declaratória de inexistência, conforme o caso.
277
.
Não se pode, de maneira alguma, permitir ao requerente a
livre escolha da forma e do procedimento através do qual irá veicular a
pretensão de tutela aos direitos consagrados na lei 8.429/92, pois, em
seu bojo, já veio consagrado o procedimento adequado para este
objetivo, com as peculiaridades que lhe conferiu o legislador.
Cabe salientar ainda a lembrança trazida por Arnoldo Wald e
Gilmar Ferreira Mendes, no trecho de obra transcrito alhures, no
sentido de que a Lei de Improbidade Administrativa sequer traz
qualquer espécie de remissão às disposições da Lei da Ação Civil
Pública, ao contrário do que acontece com o Código de Processo Civil
e com a Lei da Ação Popular (art. 17, § 3.º).
Daí se poder concluir que, ao lado do procedimento especial
disciplinado na Lei 8.429/92, aplica-se no que couber, as disposições
277
A esse respeito, a obra de Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sentença,
editada pela RT.
201
do Código de Processo Civil, especialmente do procedimento comum
ordinário, e, também, quando for o caso disposto no § 3º do artigo 6º
da Lei n.° 4.717, de 29 de junho de 1965. A Contrario sensu, as
disposições da Lei 7.347/85 sequer subsidiariamente são aplicadas à
ação civil por improbidade administrativa.
Porém, de outra parte, não se pode, em nome da adequação
(e, portanto, do interesse processual), impor um rigorismo formal
excessivo no recebimento das petições iniciais que veiculam as
demandas de improbidade, sob pena de se prejudicar o direito
substancial à tutela da probidade administrativa
278
.
Então, como proceder para não tornar a exigência do
procedimento adequado uma armadilha formal, em detrimento do
valoroso direito à moralidade e à probidade dos administradores
278
Neste sentido, a jurisprudência do TRF da 1.ª Região: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO
CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. INADEQUAÇÃO DO PEDIDO DE CITAÇÃO DO INSS PARA
PAGAMENTO EM 24 (VINTE E QUATRO) HORAS. EMENDA À INICIAL. IMPERFEIÇÃO TÉCNICA.
MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DA INTENÇÃO DE ADEQUAÇÃO DO RITO. INDEFERIMENTO DA
INICIAL. RIGOR EXCESSIVO. PREJUÍZO À CELERIDADE PROCESSUAL. HIPÓTESE DE
ADEQUAÇÃO DO PROCEDIMENTO, DE OFÍCIO, PELO JUIZ. REFORMA DA SENTENÇA.
DETERMINAÇÃO DE PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO COM CITAÇÃO DO INSS, NOS
TERMOS E PARA OS FINS DO ART. 730 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO
PROVIDA. 1. A Exeqüente requereu, na inicial da execução de sentença, a citação do INSS para
pagar em 24 horas o valor devido, sob pena de prosseguir-se a execução nos termos determinados
pelo art. 730 do Código de Processo Civil. Instada a emendar a inicial para adequação do rito,
postulou a retirada da expressão no prazo de 24 h (vinte e quatro horas), tendo em vista que este
prazo não se aplica nesta Instituição. Considerando não adequado o feito ao procedimento legal
específico para a hipótese, foi indeferida a petição inicial, por inexistência de interesse processual da
Autora, em razão da inadequação da via processual eleita. 2. Não se pode admitir rigor tão excessivo
na análise do pedido, se admitido expressamente pela parte que o procedimento por ela escolhido
não se aplica à Instituição executada. 3. A incorreção técnica da inicial e da sua emenda não poderia
gerar conseqüência tão severa como a extinção prematura do feito, com prejuízo à celeridade
processual. 3. Hipótese de adequação do rito, de ofício, pelo Juiz, a quem não poderia escapar o
postulado Da mihi factum, dabo tibi ius ("Dá-me o fato, que eu te darei o direito"). 4. Apelação provida.
Reforma da sentença para, adequando o procedimento às normas da Execução contra a Fazenda
Pública, determinar a citação do INSS, nos termos e para os fins do art. 730 e seguintes, do Código
de Processo Civil. (TRF R.; AC 2006.01.99.034901-3; BA; Primeira Turma; Rel. Juiz Fed. Conv.
Itelmar Raydan Evangelista; Julg. 09/07/2007; DJU 30/07/2007; Pág. 27)
202
públicos? Duas alternativas (não excludentes) se afiguram possíveis e
viáveis. A primeira, mais simples e de larga utilização no processo civil
brasileiro, consiste, mutatis mutandis, na previsão trazida no artigo 284
Código de Processo Civil, que determina a emenda da petição inicial
nas hipóteses que disciplina
279
.
No caso, uma vez veiculada a pretensão de direito material
previsto na Lei de Improbidade Administrativa, por meio de ação civil
pública
280
, antes de indeferir a inicial
281
, deve o juiz permitir à parte a
adequação do procedimento para o previsto na Lei 8.429/92. Somente
se não oportunamente emendada a inicial, deve o juiz, aí sim, extinguir
o feito sem julgamento do mérito nos termos do art. 267, I, c/c 295, III.
Neste diapasão, o escólio de Rodrigo da Cunha Lima Freire:
No entanto, em se tratando do assunto adequação, é de
bom alvitre fazer algumas ressalvas, para que não
tornemos o processo uma presa fácil dos formalistas,
descompromissados com os seus verdadeiros e reais
objetivos.
Competirá quase sempre ao magistrado, antes de
extinguir o processo sem julgamento do mérito, conferir
ao autor o prazo de dez dias para que este emende ou
complete a inicial (CPC, art. 284), especialmente no que
atine ao erro quanto ao procedimento indicado ou o
provimento desejado. Tal despacho, como todo despacho,
não possui caráter decisório e ainda não causa prejuízo,
sendo, portanto, irrecorrível. Diferentemente, no entanto,
será a decisão do juiz que indeferir a inicial. Por se tratar
de sentença, caberá apelação (CPC, art. 296)
282
.
279
Em outros artigos (v.g., art. 13, art. 39, parágrafo único) o CPC também prevê a obrigação do juiz
em possibilitar a correção de defeitos sanáveis, antes de impor a extinção do processo.
280
Desde que proposta por um dos legitimados na lei 8.429/92. No caso da ação popular, não é
possível a emenda por força da ilegitimidade passiva do cidadão para propor ação civil por
improbidade administrativa, uma vez que não consagrada na Lei.
281
Nos termos do artigo 295, III.
282
Op. cit., p. 144.
203
4.1.1 Do princípio da fungibilidade
Outra alternativa, mais moderna e que vem em apoio à
economia processual e à instrumentalidade das formas, é a aplicação
pelo magistrado, do princípio da fungibilidade no recebimento da ação,
determinando a ação proposta como civil pública
283
como ação civil por
improbidade administrativa, e seu processamento pelo procedimento
previsto na lei 8.429/92.
Essa ampliação no espectro de utilização do princípio da
fungibilidade foi objeto de trabalho da Prof.ª Teresa Arruda Alvim
Wambier
284
, que bem defendeu a sua utilização para além da
sistemática recursal, aplicando-o, sempre que presentes determinados
requisitos, a outros meios processuais.
O princípio da fungibilidade tem sua origem vinculada à
temática recursal, sendo originalmente caracterizado pela possibilidade
de, atendidas certas condições, interposição pela parte de recurso que,
segundo o órgão que procede ao juízo de admissibilidade, não seria o
adequado para a decisão da qual se recorre.
Segundo Nelson Nery Jr., a gênese da idéia da regra do não
prejuízo parece advir do texto do Digesto de Justiniano, XLIX, I,1, §
283
Desde que tenha sido proposta pelo Ministério Público, ou pela pessoa jurídica interessada.
284
ARRUDA, Alvim Teresa Wambier. Princípios fundamentais Teoria Geral dos Recursos. 5a ed.,
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2000. p. 114.
204
3.º, que previa que a parte não seria prejudicada se dirigisse sua
apelação erroneamente ao juiz igual ou superior.
285
O conceito, sempre dentro da ótica dos recursos, foi
amplamente debatido e desenvolvido pela doutrina alemã, que
idealizou o princípio do recurso indiferente, segundo o qual tanto é
admissível o recurso interposto contra a decisão (incorreta) do juiz,
como também aquele contra a decisão que deveria haver sido proferida
(correta).
O antigo direito português também já fazia alusão ao recurso
indiferente, no Decreto 21.287 de 1932, restando a fungibilidade
consagrada no texto do Código de Processo Civil Português de 1939
(art. 688) e repetido no atual (art. 687, 3, parte final), dispondo que o
recurso não pode ser indeferido com o fundamento de ter havido erro
na espécie de recurso. Tendo-se interposto recurso diferente do que se
competia, mandar-se-ão seguir os termos do recurso que se julgar
competente.
No direito brasileiro, a fungibilidade foi contemplada, antes
mesmo do Código de Processo Civil de 1939, nos Códigos estaduais de
Minas Gerais (art. 1.485, parágrafo único); do Distrito Federal (art.
1.143); do Rio de Janeiro (art. 2.289); e na jurisprudência do Estado do
Rio Grande do Sul, vindo a ser finalmente expressa no CPC de 1939.
205
Ao contrário de seu antecessor, o Código de Processo de Civil
atual não trouxe expressamente consagrada a possibilidade de
aplicação do princípio da fungibilidade, pelo suposto fundamento de
que o novo sistema recursal teria sido de tal modo simplificado que não
seria necessária, no novo sistema, a permanência da regra contida no
art. 810 do Código revogado.
Porém, as situações práticas decorrentes de impropriedades
contidas no próprio texto legal, ou de dúvidas existentes na doutrina e
jurisprudência, mostraram a necessidade de se aplicar o princípio em
determinadas hipóteses. Para esses casos, então, admite-se hoje (e
esta posição é pacífica) a aplicação do princípio da fungibilidade.
Entende-se que, em estando presentes os requisitos que
ensejam sua aplicação, não só pode-se como deve-se aplicar o
princípio e, isto se dá, como bem explica Flávio Cheim Jorge em função
de duas vicissitudes. Uma primeira ligada à circunstância de se evitar o
formalismo excessivo na admissão do recurso, tendo em vista os
princípios que norteiam a aplicação das normas processuais e outra,
revelada pela especial circunstância de um erro do sistema, quanto ao
recurso cabível contra determinada decisão, não poder prejudicar o
recorrente
286
.
286
JORGE, Flavio Cheim. Apelação Cível; Teoria geral e admissibilidade. 1.ª ed., São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1999, p. 219.
206
Em relação à desnecessidade de previsão expressa, é clara a
lição de Nelson Nery Jr. ao expor que os princípios são, normalmente,
regras de ordem geral, que muitas vezes decorrem do próprio sistema
jurídico e não necessitam estar previstos expressamente em normas
legais, para que se lhes empreste validade e eficácia
287
.
Mutatis mutandis, parece ser plenamente possível a aplicação
do conceito de fungibilidade à questão da escolha errada do
procedimento da ação para tutela dos direitos previstos na lei 8.429/92,
quando estiverem presentes os requisitos autorizadores de sua
utilização. Ou seja, o magistrado, ao receber a inicial, deve determinar,
com fundamento no princípio da fungibilidade, o processamento da
ação pelo procedimento previsto na Lei de Improbidade Administrativa,
e não pelo procedimento das ações civis públicas (Lei 7.347/85).
Teresa Arruda Alvim Wambier externou relevante preocupação
com a necessidade de aproximar os resultados disciplinados pelo
direito material daqueles produzidos no processo
288
.
Com um Código de Processo Civil que, em suas palavras, não
pode mais ser pressuposto como algo que se assemelhe a um
sistema, nem mesmo no sentido mais imperfeito que a expressão
possa comportar, há que se buscar soluções num sistema mais amplo,
287
Op. cit., pp. 112/113.
288
Op. cit., p. 1092.
207
constituído, além da lei, pela doutrina e jurisprudência, manejados
criativamente
289
.
Um caminho para a busca de maior aproximação entre o
resultado pretendido e o conferido pelo processo, ou seja, a
satisfatividade da prestação jurisdicional passa pela ampliação do
espectro de aplicação do princípio da fungibilidade, que não deve ficar
restrito somente ao campo dos recursos (diga-se apelação e agravo),
mas também deve se estender a outros meios processuais.
Esta nova tendência do processo, que visa a aproximar a
tutela jurisdicional da tutela jurídica, e ampliar a aplicação do princípio
da fungibilidade aos demaismeios processuais, e não somente aos
recursos, já se manifesta no próprio processo de reforma do CPC, o
que se denota claramente da introdução do § 7.º ao artigo 273, pela Lei
n.º 10.444 de 07 de maio de 2002, verbis: § 7.º Se o autor, a título de
antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar,
poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a
medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado."
Vislumbra-se do teor da norma que o legislador positivou o
princípio da fungibilidade entre medidas de urgência, prestigiando, com
isso, prestigia-se a efetividade e a economia processual.
289
Op. cit., p. 1091.
208
Em suma, o que se pretende deixar claro é que, se o sistema
(termo aqui utilizado em sentido amplo, incluindo lei, doutrina e
jurisprudência
290
) não é claro o suficiente e admite dúvidas quanto à
ação cabível, não pode o jurisdicionado ser prejudicado por isso,
devendo o magistrado receber a inicial e determinar seu
processamento pelo rito adequado.
Assim, mesmo que a ação seja proposta como ação civil
pública, com fundamento do rito previsto na Lei 7.347/85, pode o juiz,
ao receber a inicial, aplicar o princípio da fungibilidade e mandar
processa-la como ação civil por improbidade administrativa, com
fundamento no rito previsto na Lei 8.429/92.
4.1.1.1 Requisitos (ou requisito) para a incidência do princípio
Quanto aos requisitos necessários para a aplicação
da fungibilidade para o recebimento e processamento da ação civil
pública com ação civil por improbidade administrativa, parece ser
perfeitamente possível a utilização dos mesmos critérios usados
quando se trata da fungibilidade recursal, quais sejam, dúvida objetiva
e inexistência de erro grosseiro.
290
Com a devida vênia daqueles que entendem não ser possível coexistir num mesmo sistema o
direito positivo e a ciência do direito, por situarem-se em planos distintos e utilizarem linguagens
diferentes, o primeiro, prescritiva, e, o segundo, descritiva, parece ser possível que, dependendo da
premissa de que se parte, e, do objetivo buscado, vislumbrar um sistema “heterogêneo” apto (ou não)
a fornecer elementos de convencimento ao operador do direito.
209
O Código de Processo Civil de 1939 trazia como um dos
requisitos para a aplicação da fungibilidade em matéria recursal, a
inexistência de má-fé. Entretanto, por tratar-se de conceito por demais
subjetivo e de difícil aferição, a doutrina moderna entende não ser a
existência de má-fé elemento apto a autorizar ou não a aplicação do
princípio.
Assim, difícil aferir se a opção do requerente pelo
procedimento da ação civil pública se deu para se esquivar das
particularidades previstas no procedimento trazido na lei 8.429/92,
como a defesa prévia (art. 17, § 7.º) ou v.g., as disposições trazidas
nos §§ 8.º ou 12 da Lei de Improbidade Administrativa.
Neste sentido, quanto aos recursos, explica Nelson Nery Jr.
que a má-fé não é elemento a ser considerado para a admissibilidade
do recurso: ou há dúvida ou, alternativamente, inexiste o erro grosseiro
e se aplica a fungibilidade, ou não há um desses pressupostos para a
aplicação da fungibilidade e, nada obstante agisse o recorrente de má-
fé, deve ser alcançado pela sanção geral dos arts. 17 e 18 do CPC,
mas o recurso tem de ser conhecido
291
.
Em verdade, a má-fé enquanto elemento psicológico, se não
vier acompanhada de erro grosseiro não tem como ser detectada para
recebimento ou não da inicial. Ficar-se-ia apenas no campo das
291
Op. cit., p. 143.
210
suposições, não havendo como comprovar de forma palpável a
existência do dolo, nem como diferenciar aquele que em determinado
caso agiu de má-fé de outro que, em caso similar, realmente acreditava
estar ajuizando a ação correta. Em assim sendo, não há motivos para
se insistir em considerar a má-fé, isoladamente, como requisito para a
não aplicação do princípio, por patente inutilidade prática.
4.1.1.2 Dúvida objetiva ou inexistência de erro grosseiro
Realmente, os únicos requisitos a serem observados para a
aplicação do princípio da fungibilidade no sistema do Código de
Processo Civil vigente, são a dúvida objetiva ou a inexistência de erro
grosseiro. Entretanto, como bem percebido por Flávio Cheim Jorge,
para fins de aplicação do princípio, ambos possuem o mesmo
significado
292
.
Explica este autor, com razão, que é desnecessária a
diferença traçada entre a dúvida objetiva e a inexistência de erro
grosseiro, pois, ao se definir a dúvida objetiva, acaba-se por consagrar
situações anteriormente previstas como configuradoras do erro
grosseiro.
Na prática, em termos de aplicação do princípio da
fungibilidade basta se observar a existência ou não de dúvida objetiva.
292
Op. cit., p. 222.
211
Se há dúvida objetiva, o erro não é grosseiro e, por conseqüência deve
aplicar-se o princípio da fungibilidade. Caso contrário, se não há
dúvida, ou se esta não é objetiva, o erro é grosseiro e não se aplica o
princípio.
E como se conceitua então a dúvida objetiva? Nelson Nery
JR., tratando da fungibilidade no âmbito recursal, ensina que esta:
Pode ser de três ordens: a) o próprio Código designa uma
decisão interlocutória como sentença ou vice-versa,
fazendo-o obscura ou impropriamente; b) a doutrina e/ou
a jurisprudência divergem quanto à classificação de
determinados atos judiciais e, conseqüentemente, quanto
à adequação do respectivo recurso para atacá-los; c) o
juiz profere um pronunciamento em lugar de outro
293
.
Teresa Arruda Alvim Wambier, por sua vez, coloca que:
Para que um recurso possa ser recebido por outro, é
necessário que haja dúvidas quanto ao cabimento de um
ou outro recurso, dúvidas essas demonstráveis, ou por
convincentes argumentos (se se tratar de hipótese nova)
ou por citações doutrinárias, ou por precedentes
jurisprudenciais num e noutro sentido. É evidente, pois,
que se a dúvida há de ser objetiva, não há que se falar
propriamente em erro
294
.
Trazendo-se essas lições para o objeto do presente estudo, há
que se considerar, então, passível de aplicação o princípio da
fungibilidade, toda vez que a escolha da ação cabível não estiver
inequivocamente disciplinada na lei processual, ou que haja
293
Op. cit., p. 119.
294
ARRUDA, Alvim Teresa Wambier Os Agravos no CPC Brasileiro. 3.ª ed. ver., atual. e ampl. do
livro O novo regime do agravo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
212
divergência doutrinária e/ou jurisprudencial relevante a respeito do
tema.
Cabe ainda ressaltar, como bem o lembra Nelson Nery JR.:
Que a dúvida deve ser objetiva, isto é, deve estar,
normalmente, contida em discussões doutrinárias e/ou
jurisprudenciais. Não basta, para caracterizar-se caso de
aplicação do princípio da fungibilidade, que a dúvida
esteja incutida no subjetivismo do recorrente. Se este
demonstrar que, apesar de a hipótese ainda não haver
sido discutida nem na doutrina nem na jurisprudência,
existe dúvida fundada sobre qual o recurso adequado,
incidirá o princípio da fungibilidade
295
.
Importante deixar fixado que, estando presente o requisito da
dúvida objetiva (ou inexistência de erro grosseiro) deve-se sempre
aplicar o princípio da fungibilidade, posto que esta é, de fato, a única
exigência para viabilizar sua incidência.
Impende salientar ainda que, em se tratando de hipótese
nova, ainda não objeto de discussões doutrinárias ou jurisprudenciais,
deve-se pautar a aplicação da fungibilidade em convincentes
argumentos, aptos a caracterizar a existência de dúvida quanto ao
juízo competente para julgar a causa, por falta de expressa
determinação legal a respeito. Embora nesse caso venha a aplicação
do princípio acompanhada de juízo algo subjetivo, em existindo
argumentação capaz de suscitar no órgão julgador dúvida fundada, de
295
Op. cit., p. 133.
213
rigor a incidência do princípio da fungibilidade, como forma de
resguardar o direito ou evitar prejuízo ao proponente.
Fácil perceber, na hipótese objeto do presente estudo, e
mesmo pelos arestos e doutrina já transcrita alhures, que o sistema
jurídico (lei doutrina e jurisprudência) está longe de firmar
posicionamento único no sentido da possibilidade ou não da tutela da
probidade administrativa por outros meios que não a ação civil por
improbidade administrativa da Lei 8.429/92.
Assim, poder-se ia afirmar pela existência de dúvida objetiva
quanto à matéria (e, por outro lado, pela inexistência de erro grosseiro
no manejo da ação civil pública para tutela dos direitos consagrados na
Lei de Improbidade Administrativa), o que autorizaria, então, a
aplicação do princípio.
Deve restar claro que o que se defende quando se fala em
aplicação do princípio da fungibilidade na hipótese, é a possibilidade
do magistrado, ao receber ação civil pública com tal desiderato, a
receba como se ação civil por improbidade administrativa fosse, e
determine o seu processamento pelo rito previsto na Lei 8.429/92.
Ou seja, não obstante a parte seja carecedora de ação civil
pública (nos termos regulados na lei 7.347/85) não o é de ação civil por
improbidade administrativa. Por isso, o juiz deve, sempre que possível,
214
processar a ação com o procedimento previsto Lei 8.429/92, aplicando
o princípio da fungibilidade, o que virá em atenção à economia
processual e à efetividade da prestação jurisdicional.
Parece ser esse entendimento mais razoável do que o que
pregaria o indeferimento de plano da inicial, com a extinção da ação
sem julgamento do mérito, e sua posterior repropositura (art. 268 do
CPC).
Porém, é importante esclarecer que, somente seria possível
aplicar o princípio da fungibilidade ao caso, se a petição inicial da ação
civil pública ajuizada para a tutela dos bens previstos na Lei de
Improbidade Administrativa já carreasse os documentos ou
justificações exigidos no art. 17, § 6.º da Lei 8.429/92.
Caso contrário, impositiva seria a intimação do legitimado
para que, nos termos do artigo 284 do Código de Processo Civil,
emendasse a inicial para atender às exigências previstas na Lei de
Improbidade Administrativa, sob pena, aí sim, de indeferimento da
inicial.
Ou seja, o uso do princípio da fungibilidade vem em apoio à
efetividade e à economia processual, porém, sua aplicação está
condicionada ao atendimento de todas as exigências previstas na
legislação específica, não se podendo, em nome da economia,
215
dispensar determinados procedimentos ou atos processuais que o
legislador, não à toa, consagrou.
Assim, quando possível, e atendidas as peculiaridades
previstas na Lei 8.429/92, é possível ao magistrado determinar o
processamento da ação que veicula pedido de tutela da probidade
administrativa com fundamento nas normas de direito material
positivadas nesta Lei e que tenha sido erroneamente ajuizada como
ação civil pública, pelo rito da ação civil por improbidade
administrativa, com todas as particularidades que lhe são inerentes.
Em conclusão a este capítulo, pode-se firmar, então, as
premissas que nortearam a seqüência do presente trabalho, quais
sejam:
a) para a tutela da probidade administrativa, conforme previsão dos
artigos 9.º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, e sua sanção, nos termos do
artigo 12 do mesmo diploma, existe procedimento próprio, de
natureza especial, expressamente previsto na norma;
b) não se admite ação veiculando pretensão neste sentido,
manejada por meio de ação popular ou por ação civil pública,
sendo impositiva, para alcançar ou mesmo postular tal
desiderato, a utilização do procedimento especial positivado na
Lei de Improbidade Administrativa;
216
c) aplica-se subsidiariamente às normas veiculadas na Lei 8.429/92,
o disposto no Código de Processo Civil, especialmente no que se
refere ao procedimento comum ordinário, e, nos termos do artigo
17, § 3.º, disposto no § 3º do artigo 6º da Lei nº 4.717, de 29 de
junho de 1965, não se aplicando, sequer subsidiariamente, o
disposto na Lei da Ação Civil Pública, especialmente no que se
refere ao procedimento.
d) caso a ação seja ajuizada por ente ou pessoa não legitimada nos
termos do artigo 17, caput, da Lei 8.429/92, a inicial deverá ser
indeferida nos termos do artigo 295,II, c/c 267, I do Código de
Processo Civil;
e) caso seja ajuizada ação civil pública pelo Ministério Público ou
pela pessoa jurídica interessada, deve o juiz, estando presentes
os requisitos específicos previstos na Lei 8.429/92
(especialmente os trazidos no art. 17, § 6.º), aplicando o princípio
da fungibilidade, receber a inicial e determinar seu
processamento pelo rito especial previsto não Lei de Improbidade
Administrativa;
f) em não estando presentes os requisitos específicos da Lei
8.429/92, deve o magistrado, nos termos do artigo 284 do Código
de Processo Civil, intimar o requerente para emendar a inicial,
adequando-a às exigências legais. Caso não cumprida esta
providência, impõe-se a extinção do processo sem julgamento do
mérito, nos termos do artigo 295, III, c/c 267, I do Código de
Processo Civil.
217
4.2 A AÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Como já comentado acima, é despicienda a adjetivação das
ações, já que atípicas. De fato, o nomem juris não é o que de fato
caracteriza uma demanda, mas sim seu conteúdo e seus elementos
constitutivos.
Marino Pazzaglini Filho é claro ao afirmar que:
Entretanto, sua denominação não tem relevância jurídica
maior, pois o direito de ação independe da titulação para
sua existência e formulação. Ao invés, é genérico e
irrestringível segundo a norma constitucional que
resguarda proteção a todos os direitos individuais,
coletivos e difusos, não excluindo da apreciação do
Poder Judiciário qualquer lesão o ameaça a eles (art. 5.º
XXXV)
296
.
Em idêntico sentido, a lição de Rodrigo da Cunha Lima Freire:
A ação, por natureza, é inominada. Ação é apenas e tão-
somente o direito que todos possuem de exigir do Estado
a prestação jurisdicional. Na prática, entretanto, é comum
o autor oferecer um nomen juris a ação, muitas vezes
incentivado pelo próprio legislador, que,
inadvertidamente, ou por questões de ordem prática, vez
por outra, nomina ações. O próprio CPC, no título
destinado aos procedimentos especiais, é farto em
exemplos a este respeito. As ações, entretanto, são
atípicas
297
.
São inúmeras as adjetivações já atribuídas à ação objeto
deste trabalho. Outrossim, embora se esteja de pleno acordo com as
296
PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada. 2.ª ed. São Paulo:
Atlas, p. 194.
297
Op. cit., nota de rodapé n.º 81, pp. 144/145.
218
lições acima transcritas referentes à atipicidade das ações, para fins
didáticos, no presente trabalho se nominará a ação prevista na Lei
8.429/92 como ação civil por improbidade administrativa. Civil, porque
já resta consolidado, tanto na doutrina quanto na jurisprudência a
natureza civil dos direitos tutelados nos artigos 9.º a 11 da Lei de
Improbidade Administrativa, bem como das sanções previstas em seu
artigo 12. Por improbidade administrativa, porque é o ato de
improbidade o fundamento sobre o qual se desenvolverá a demanda
(causa de pedir próxima), ou seja, só existe ação por força do (s) ato
(s) de improbidade praticado por um dos legitimados passivos.
Destarte, fixadas as premissas trazidas no artigo anterior,
parte-se para a análise dos elementos da ação civil por improbidade
administrativa, bem como das particularidades procedimentais
presentes da Lei de Improbidade Administrativa, especialmente as
introduzidas pelas Medidas Provisórias 2.180-35, de 24 de agosto de
2001, e 2.225-45, de 04 de setembro de 2001.
Para boa compreensão da evolução da norma processual
contida no artigo 17 da Lei 8.429/92, remete-se novamente aos
excelentes trabalhos de Cássio Scarpinella Bueno: O procedimento
especial da ação de improbidade administrativa (Medida Provisória
2.088)
298
; e, Conexão e continência entre ações de improbidade
administrativa (Lei 8.429, de 1992, art. 17, § 5.º)
299
.
298
Op. cit., pp.160/163.
299
Op. cit., p. 129/134.
219
4.2.1 Legitimação
Muito se tem discutido a respeito da legitimidade na ação civil
por improbidade administrativa. Alguns têm opinião ampliativa,
entendendo como legitimados todos aqueles aptos à propor ação civil
pública ou ação popular. Outros restringem o direito de ação apenas
aos relacionados na própria Lei 8.429/92.
Tendo em vista as premissas fixadas no capítulo anterior,
outro não pode ser o entendimento de que a legitimação para a
propositura da ação civil por improbidade administrativa vem disposta,
numerus clausus, no caput do artigo 17 da Lei de Improbidade
Administrativa.
Com efeito, se a norma especial limitou o rol de legitimados
para a propositura da ação civil por improbidade administrativa, esta
norma, justamente por sua especialidade deve ser observada.
Relembra-se, aqui, a lição de Maria Helena Diniz, ao tratar da
especialidade como critério de revogação tácita das normas jurídicas:
Realmente, se, em certas circunstâncias, uma norma
ordena ou permite determinado comportamento social
a algumas pessoas, as demais, em idênticas
situações, não são alcançadas por ela, por se tratar
de disposição excepcional, que só vale para as
situações normadas
300
.
300
Op.cit.p. 75
220
Assim, legitimados ativos para propor ação civil por
improbidade administrativa são, apenas e tão somente a pessoa
jurídica interessada
301
(aquela atingida pelo ato de improbidade) e,
subsidiariamente, o Ministério Público.
Assim, caso os demais legitimados para a propositura da ação
civil pública ou mesmo o cidadão legitimado para ação popular
pretenda ver aplicadas as sanções previstas na Lei 8.429/92 devem,
nos termos do artigo 14 e parágrafos desta Lei, representar à
autoridade administrativa competente para que seja instaurada
investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade.
Impende destacar, outrossim, que não se pretende com o
entendimento esposado suprimir a legitimidade conferida ao cidadão
pela Constituição Federal, para a propositura da ação popular em
defesa do patrimônio público.
De fato, lei infraconstitucional não revoga nem suprime norma
constitucional.
301
Que pode ser, conforme o caso, a União, Estados, Distrito Federal e Municípios; autarquias;
sociedades de economia mista; empresas públicas; fundações públicas; empresas incorporadas ao
patrimônio público; empresas para cuja criação o erário tenha concorrido ou concorra com mais de
cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual; empresas que recebam subvenções,
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios do erário, bem como os consórcios públicos, desde que
constituídos sob o regime de direito público.
221
Porém, a Constituição Federal, em seu artigo 5.º, LXXIII
302
limita-se a conferir legitimidade ao cidadão para pleitear a anulação do
ato lesivo ao patrimônio público ou à moralidade administrativa.
Destarte, ao cidadão só é lícito pleitear pela via da ação
popular, a anulação do ato, não lhe sendo conferida legitimidade para
requerer a tutela da probidade administrativa, como disposta nos
artigos 9.º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, que tem objeto muito mais amplo
que o da ação popular, e, muito menos a aplicação das sanções
previstas no artigo 12 deste diploma.
Parece claro, de outro lado, que, tendo-se em mente a
premissa de que a ação civil por improbidade administrativa é regulada
por norma especial, à qual se aplica subsidiariamente o Código de
Processo Civil, mas não a Lei da Ação Civil Pública, a legitimidade
ordinária, dentro da ótica do sistema do CPC, é do legitimado ad
causam que é quem detém nas palavras de Liebman, a relação de
pertinência subjetiva com a ação.
Destarte, a legitimação para a causa é da pessoa jurídica
atingida pelo ato de improbidade administrativa. Ela, e só ela é
legitimada ordinariamente para a propositura da ação civil por
improbidade administrativa.
302
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao
patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de
custas judiciais e do ônus da sucumbência;
222
Porém, a Lei disciplinou uma espécie de legitimação
extraordinária para o Ministério Público poder atuar como autor da ação
civil por improbidade administrativa.
Assim, muito embora não detenha legitimidade ad causam, o
Ministério Público tem legitimidade ad processum, decorrente de
expressa determinação legal
303
, atuando, então, como substituto
processual.
Ante o exposto, pode-se concluir, partindo-se das premissas
anteriormente fixadas que detém legitimidade para ajuizar ação civil
por improbidade administrativa, ordinariamente, a pessoa jurídica
interessada, e, extraordinariamente, como substituto processual, o
Ministério Público.
Sobre a legitimação do Ministério Público para a ação civil por
improbidade administrativa, interessante ponto de vista foi
desenvolvido por José Marcelo Menezes Vigliar:
Embora, por critérios absolutamente científicos, eu tenha
que concordar com o legislador, que legitimou também o
Ministério Público, não posso concordar com a forma de
legitimação, nem com a falsa idéia, aqui e ali propalada,
de que tenha sido legitimado para atuar neste campo de
forma principal. Numa palavra: foi legitimado
concorrentemente e aí vejo eu um grande acerto do
legislador de 1992, que atendeu aos ditames do
constituinte de 1988, que criou um novo Ministério
Público, cujas funções, previstas no art. 127 daquele
texto, são absolutamente compatíveis com o previsto no
303
Em consonância com o disposto no artigo 6.º do Código de Processo Civil que dispõe: Art. 6º.
Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.
223
art. 37 da Carta Política. Contudo, ainda por
desinformação, muitas vezes é visto como o legitimado.
Esta visão, creio, deriva de um erro do legislador, que
poderia ter disciplinado a legitimação de forma diversa,
e, ainda, de um erro do intérprete, por motivos
variados
304
.
Na visão deste autor, a legitimidade do Ministério Público para
a tutela da probidade administrativa é de ordem mais política do que
jurídica.
De fato, com a Constituição Federal de 1988 (especificamente
os artigos 127 e 129), o Ministério Público foi alçado à categoria de
defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis, bem lhe foi conferida, entre outras,
a responsabilidade por zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos
e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta
Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia.
Especificamente em relação à tutela da probidade
administrativa, parece que o legislador, com receio de que, talvez por
interferência política ou interesses outros, a pessoa jurídica
interessada não promovesse as medidas necessárias para apuração e
sanção dos atos de improbidade, conferiu legitimidade subsidiária ao
Ministério Público para que, exercendo sua competência constitucional,
na omissão do legitimado ordinário, promovesse as ações necessárias
para a proteção e o zelo da res pública.
304
“Pode o Ministério Público combater a improbidade administrativa?”. In BUENO, Cassio
Scarpinella et al. (org.) op. cit., pp. 279/280.
224
Não se pretende aqui adentrar a seara da possibilidade ou não
do Ministério Público defender interesses patrimoniais da pessoa
jurídica lesada pelo ato de improbidade.
Interessa para esse trabalho o fato da legitimação do membro
do Ministério Público estar expressa na norma em estudo, e, ao que
parece, a busca da aplicação das sanções previstas na Lei de
Improbidade Administrativa, em nada destoa da atuação
constitucionalmente prevista para o parquet, haja vista que não se
limita a mero pedido de ressarcimento patrimonial, mas abarca até
mesmo a defesa dos princípios constitucionais que regem (ou deveriam
reger) a atuação do administrador público.
Ademais, a legitimidade do Ministério Público tem apoio na
jurisprudência dominante
305
, inclusive dos tribunais superiores, bem
como da grande maioria dos doutrinadores que escreveram sobre a
matéria
306
.
305
AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 483.620 - MG (2002⁄0116141-9)
RELATOR : MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS
EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO -
DESNECESSIDADE DE O ESTADO COMPOR A LIDE. 1 - É pacífico o entendimento desta Corte,
no sentido de ser o Ministério Público legítimo para propor ação civil pública na hipótese de
dano ao erário público.2 - A eg. Primeira Seção reconhece que na ação civil por ato de
improbidade, quando o autor é o Ministério Público, pode a unidade federativa, no caso, o Estado,
figurar no pólo ativo, como litisconsorte facultativo, consoante disposto no art. 17, § 3º, da Lei
9.429⁄92, com a redação da Lei 9.366⁄96, o sendo hipótese de litisconsórcio necessário. 3 - Os
artigos 1º do Código Penal e 6º da LICC, não foram analisados pelo acórdão recorrido, faltando assim
o devido prequestionamento, incidindo as Súmulas 282 e 356 do STF. 4 - Agravo regimental
improvido.
306
Ressalvadas as posições assumidas neste texto, confira-se a lição de Sérgio Seiji Shimura,
(apud Wander Carvalho Dompieri Garcia, op. cit., p. 138) assevera: Nem seria plausível que um
único indivíduo pudesse impugnar ato administrativo lesivo ao patrimônio público, através de ação
popular, enquanto essa legitimação não fosse reconhecida à população como um todo, por meio da
225
Da mesma forma, nos termos do artigo 17, § 3.º da Lei
8.429/92, pode-se deduzir que o eventual litisconsórcio ativo tem clara
natureza de litisconsórcio facultativo.
Com efeito, referido dispositivo determina que no caso de a
ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-se, no
que couber, o disposto no § 3º. do art. 6º. da Lei n.º 4.717, de 29 de
junho de 1965.
Tal dispositivo da Lei da Ação Popular reza que: A pessoas
jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de
impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar
ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a
juízo do respectivo representante legal ou dirigente.
Observa-se que a pessoa jurídica (que é o legitimado
ordinário), caso não tenha proposto a ação pode figurar no pólo
passivo e contestar, pode figurar no pólo passivo e quedar-se inerte,
deixando de impugnar os fatos elencados na inicial, ou ainda, pode
passar a compor o pólo ativo, atuando ao lado do parquet na busca do
interesse público.
Observa-se que, nesta última hipótese, a Lei previu um
verdadeiro litisconsórcio facultativo ulterior, abrindo exceção à regra da
instituição que a representa (Ministério Público) e através da ação civil pública prevista
constitucionalmente.
226
perpetuatio legitimationis e permitindo a ampliação do pólo ativo da
demanda mesmo após a citação.
Salta aos olhos que, ante a permissão legal que outorga a
possibilidade de diversas condutas à pessoa jurídica de direito público
cujo ato seja objeto de questionamento na ação civil por improbidade
administrativa, descabe falar-se em litisconsórcio necessário.
Ademais disso, quando a ação for proposta pela pessoa
jurídica legitimada, a própria Lei de Improbidade Administrativa prevê,
em seu artigo 17, § 4.º que o Ministério Público atuará, nessa hipótese,
como fiscal da lei, o que, também, afasta a necessidade de
litisconsórcio na hipótese o que também já foi reconhecido largamente
na jurisprudência
307
.
307
V.g.: RECURSO ESPECIAL Nº 565.317 - RO (2003⁄0048356-7)
RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO MUNICÍPIO. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO.
NULIDADE. INOCORRÊNCIA. OFENSA AO ART. 337, DO CPC. INOCORRÊNCIA.
1. O Município, na ão civil pública proposta pelo Ministério Público, tendo como causa petendi
improbidade do prefeito, é litisconsorte facultativo, por isso que a sua ausência não tem o condão
de acarretar a nulidade do processo. Precedentes jurisprudenciais do STJ: RESP 329735⁄RO; ROMS
12408⁄RO; RESP 123672⁄SP; RESP 167783⁄MG; RESP 21376⁄SP e RESP 37354⁄SP,
2. Aplicação, in casu, do Princípio da Instrumentalidade das Formas sob o enfoque de que "não
nulidade sem prejuízo" (art. 244, do CPC).
3. A promulgação da Constituição Federal de 1988 alargou o campo de atuação do Parquet,
legitimando-o a promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público
e social, do meio ambiente e de outros direitos difusos e coletivos, ratio essendi do art. 129, III,CF⁄88.
4. Consectariamente, o Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais,
quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.
5. In casu, a ação civil pública foi ajuizada, porquanto presentes elementos que levaram o Parquet
Estadual à conclusão de lesão ao erário público, por força do recebimento de valores indevidos pelos
recorridos. Precedentes jurisprudenciais desta Corte.
6. É vedado ao magistrado a negativa de prestação jurisdicional, ao fundamento de desconhecimento
da legislação ou do seu processo formal de produção, sob pena de afronta ao Princípio Jura Novit
Curia.
7. O princípio Jura Novit Curia faz pressupor esse conhecimento, suprível pela aplicação analógica do
art. 337, do CPC.
8. Dispõe o art. 337, do CPC que:
227
Quanto aos legitimados para o pólo passivo da ação civil por
improbidade administrativa, estes vêm expressamente relacionados nos
arts. 1.º a 3.º da Lei 8.429/92
308
.
O agente ativo do ato de improbidade, é o legitimado passivo
para a ação civil por improbidade administrativa, seja este agente
público, a quem a própria Lei, em seu artigo 2.º define, sejam os que,
para fins de aplicação das sanções, a eles se equiparam, nos termos
do artigo 3.º.
Observe-se que é legitimado passivo não é só aquele que
pratica o ato ímprobo, mas também aquele que, de qualquer forma,
induzindo, concorrendo ou beneficiando-se do ato, seja dele partícipe.
"337. A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-a o
teor e a vigência, se assim o determinar o juiz."
9. Na hipótese sub examine o Tribunal de origem não eximiu-se da apreciação da argüição de
inconstitucionalidade formal da Lei 9.429⁄92, sob alegação de desconhecimento ou de falta de
comprovação pelo ora recorrente do teor e da vigência daquele texto de lei federal. Ao revés, afirmou
que o apelante não juntara aos autos elementos suficientes à comprovação da circunstâncias fáticas
que caracterizariam o apontado vício formal na tramitação do projeto de lei que resultou na edição da
Lei de Improbidade falta de submissão do texto do Senado Federal.
10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido.
308
Art. Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou o, contra a
administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de
entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por
cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.
Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade
praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou
creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido
ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se,
nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.
Art. Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que
transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer
outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades
mencionadas no artigo anterior.
Art. As disposições desta lei o aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo
agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob
qualquer forma direta ou indireta.
228
Segundo Costa Neto, apud Carlos Henrique Gasparoto,
No pólo passivo da relação processual vamos encontrar
qualquer indivíduo que exerça ou exerceu atividade
pública, mesmo que não seja servidor. Isso se dá porque,
numa época em que sopram fortes ventos do
neoliberalismo, com seus reflexos na terceirização,
despindo-se o Estado de atividades essenciais e
outorgando-as a particulares, é adequado considerar-se
que estes (os particulares) exercendo função pública
terceirizada possam sujeitar-se às cominações
previstas para a improbidade administrativa. Acentue-se,
ainda, que, nos termos do art. 3.º da Lei 8.429/92,
também poderão ser responsabilizados pó improbidade
administrativa aqueles que, mesmo não sendo agentes
públicos ou exerçam função publica, induzam ou
concorram para a prática do ato ou dele se beneficiem de
qualquer forma
309
.
Relembra-se aqui que a pessoa jurídica interessada pode, nos
termos do artigo 17, § 3.º do Código de Processo Civil, integrar tanto o
pólo passivo quanto o ativo da relação jurídica processual, ou mesmo
na atuar no processo, conforme o interesse público a ser defendido.
Neste ponto importante argumentar que, não obstante a
formação do litisconsórcio passivo não seja obrigatória, ou seja, o
litisconsórcio é facultativo
310
, parece ser indispensável a notificação da
309
Ação de improbidade administrativa. In GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. (org.) Manual
dos procedimentos especiais cíveis de legislação extravagante. São Paulo: Método. 2006
310
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. ÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO MUNICÍPIO. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO.
NULIDADE. INOCORRÊNCIA. OFENSA AO ART. 337, DO CPC.
INOCORRÊNCIA.
1. O Município, na ão civil pública proposta pelo Ministério Público, tendo como causa petendi
improbidade do prefeito, é litisconsorte facultativo, por isso que a sua ausência não tem o condão
de acarretar a nulidade do processo. Precedentes jurisprudenciais do STJ: RESP 329735/RO; ROMS
12408/RO; RESP 123672/SP; RESP 167783/MG; RESP 21376/SP e RESP 37354/SP, 2. Aplicação,
in casu, do Princípio da Instrumentalidade das Formas sob o enfoque de que "não nulidade sem
prejuízo" (art. 244, do CPC).
3. A promulgação da Constituição Federal de 1988 alargou o campo de atuação do Parquet,
legitimando-o a promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público
229
pessoa jurídica interessada para, nos termos do artigo 17, § 3.º da Lei
de Improbidade Administrativa, escolher (de acordo com o interesse
público em juízo) qual posição ocupará na relação jurídica processual.
Deste modo, o momento processual adequado para que se dê
esta comunicação é no prazo previsto no artigo 17, § 7.º da Lei
8.429/92. Neste sentido, a lição de Marino Pazzaglini Filho: Saliente-
se, nesse passo, que, em face do rito especial do processo, que
estabeleceu a fase de juízo prévio de admissibilidade da ação civil der
improbidade administrativa, a pessoa jurídica eventualmente lesada
deve ser notificada da propositura da ação no mesmo prazo da
notificação do requerido (15 dias).
311
4.2.2 Competência
e social, do meio ambiente e de outros direitos difusos e coletivos, ratio essendi do art. 129, III,
CF/88.
4. Consectariamente, o Ministério Público eslegitimado a defender os interesses transindividuais,
quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.
5. In casu, a ação civil pública foi ajuizada, porquanto presentes elementos que levaram o Parquet
Estadual à conclusão de lesão ao erário público, por força do recebimento de valores indevidos pelos
recorridos. Precedentes jurisprudenciais desta Corte.
6. É vedado ao magistrado a negativa de prestação jurisdicional, ao fundamento de desconhecimento
da legislação ou do seu processo formal de produção, sob pena de afronta ao Princípio Jura Novit
Curia.
7. O princípio Jura Novit Curia faz pressupor esse conhecimento, suprível pela aplicação analógica do
art. 337, do CPC.
8. Dispõe o art. 337, do CPC que: "337. A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou
consuetudinário, provar-lhe-a o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz." 9. Na hipótese sub
examine o Tribunal de origem não eximiu-se da apreciação da argüição de inconstitucionalidade
formal da Lei 9.429/92, sob alegação de desconhecimento ou de falta de comprovação pelo ora
recorrente do teor e da vigência daquele texto de lei federal. Ao revés, afirmou que o apelante não
juntara aos autos elementos suficientes à comprovação da circunstâncias fáticas que caracterizariam
o apontado vício formal na tramitação do projeto de lei que resultou na edição da Lei de Improbidade
falta de submissão do texto do Senado Federal.
10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido.
(REsp 565.317/RO, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14.09.2004, DJ
05.12.2005 p. 223)
311
Op. cit., p. 206.
230
Muita controvérsia já houve a respeito da competência para a
ação civil por improbidade administrativa, especialmente no que diz
respeito à prerrogativa de foro instituída pela Lei n.º 10.628/2002, que
havia incluído o § 2.º ao artigo 84 do Código de Processo Penal, e
estabelecido a competência dos Tribunais para conhecer das ações por
improbidade administrativa
312
.
Porém, contra esta norma foi proposta a Ação Direta de
Inconstitucionalidade n.º 2.797, que, por maioria, foi julgada
procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 10.628, de
24 de dezembro de 2002, que acresceu os §§ 1º e 2º ao artigo 84 do
código de processo penal.
Dessa forma, restou consolidada a competência dos juízes de
primeira instância para conhecer dos processos referentes à
improbidade administrativa, haja vista sua natureza não penal.
Porém, no julgamento da Reclamação n.º 2.138, os Ministros
do STF decidiram não ser aplicável aos agentes políticos, no caso
específico, a ministros de Estado, os dispositivos da Lei 8.429/92,
312
Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior
Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito
Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de
responsabilidade. (Redação dada pela Lei nº 10.628, de 24.12.2002)
§ 1o A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do
agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do
exercício da função pública. (Incluído pela Lei nº 10.628, de 24.12.2002) (Vide ADIN nº 2797)
§ 2o A ação de improbidade, de que trata a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta
perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na
hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função blica, observado o disposto no §
1o. (Incluído pela Lei nº 10.628, de 24.12.2002)
231
limitando-se os mesmos a responder a crimes de responsabilidade, com
base na Lei 1.079/50.
Porém, o mesmo STF reconheceu que a decisão neste
processo não tem efeito erga omnes
313
não vinculando os demais
processos com fundamento na Lei de Improbidade Administrativa.
Ademais, os quatros mais novos ministros da Corte Carlos Ayres
Britto, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia não votaram
nesse processo. Como a decisão de procedência na Reclamação foi de
seis votos a cinco, o entendimento pode ser alterado.
De todo modo, não obstante o importante precedente acima,
tendo em vista a declaração de inconstitucionalidade dos parágrafos
acrescidos ao artigo 84 do Código de Processo Penal, a norma vigente
hoje, até eventual deliberação em contrário, é a da competência dos
juízes de primeira instância para conhecimento das ações com
fundamento na Lei de Improbidade Administrativa.
Isto posto, cumpre determinar qual o juízo efetivamente
competente para conhecer das ações por improbidade administrativa,
tendo em vista as premissas fixadas alhures. A doutrina tende a,
313
A ministra Ellen Gracie, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o arquivamento
das Reclamações (RCL) 5389, 5391 e 5393, ajuizadas por três prefeitos do estado do Pará que
queriam que o STF estendesse para eles os efeitos da decisão na Reclamação 2138, que determinou
não ser aplicável a agentes públicos –somente naquele caso - a lei de improbidade administrativa.
Em sua decisão, a ministra Ellen Gracie ressaltou que a decisão do julgamento da RCL 2138 - que
tratava do caso do ex-ministro Ronaldo Motta Sardenberg, não possui efeito vinculante e nem eficácia
erga omnes, e que como os prefeitos não figuravam como partes naquele julgamento, a decisão não
vale para eles.
232
aplicando subsidiariamente a Lei 7.347/85, considerar como
competente o foro do local onde ocorre o dano
314315
. Não obstante não
seja uma má solução, tendo em vista o entendimento firmado neste
trabalho, da impossibilidade de utilização das normas referentes à ação
civil pública no processo de que trata a Lei de Improbidade
Administrativa, não deve ser este o parâmetro usado para fixar a
competência do foro para apreciação desta demanda.
De fato, como a Lei 8.429/92 em seu artigo 17, caput, faz
expressa referência ao procedimento ordinário, é de se entender que
se aplicarão ao caso as regras comuns de competência trazidas pelo
Código de Processo Civil.
Destarte, nos termos do artigo 94 do diploma processual, a
competência para conhecer da ação civil por improbidade
administrativa seria do foro do domicílio do réu.
Outrossim, uma vez que a notificação inicial da ação deva
necessariamente ser feita também à pessoa jurídica interessada
(quando a ação por proposta pelo Ministério Público), nos termos do §
3.º do artigo 17 da Lei de Improbidade Administrativa, o foro
competente será o da sede desta pessoa jurídica, que, via de regra,
será o local de ocorrência do dano.
314
Art. 2.º da Lei da Ação Civil Pública que é norma de competência funcional.
315
Marino Pazzaglini Filho, op. cit., p. 206, assevera: O juízo competente para a proposição da ação
civil de improbidade administrativa é o do local onde ocorrer o dano, excepcionando o foro comum,
que é o do domicílio do réu (art. 94 do CPC).
233
Nas demais hipóteses aplica-se a regra geral de competência,
observando-se o disposto no artigo 109, I da Constituição Federal e o
artigo 99 do CPC, com os temperamentos da jurisprudência e doutrina.
Porém, releva observar que a tutela da probidade administrativa, além
de instrumento para reposição do patrimônio dos entes legitimados e
de aplicação das devidas sanções aos agentes do ato ímprobo, carrega
também forte conteúdo de interesse público.
Assim, é de se entender que, respeitadas as normas que
regulam a competência absoluta (das Justiças Federal ou Estadual, por
exemplo), não parece ser consonante ao interesse público a oposição
de óbices infundados ao processamento da demanda.
Uma vez proposta a ação civil por improbidade administrativa,
estará o juízo, nos termos do art. 17, § 5.º da Lei 8.429/92, prevento
para conhecer de eventuais demandas ajuizadas pelos legitimados,
inclusive aquelas previstas no § 2.º do mesmo artigo.
Releva suscitar ainda, que tramita, ainda, perante o STF, a
Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.182, que visa a declaração
de inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei 8.429/92.
Neste processo foi decidido, por seis votos a cinco, em
14/06/2007, que o Supremo Tribunal Federal não vai analisar a
possível inconstitucionalidade material da Lei. Os ministros vão se
234
limitar a analisar a constitucionalidade formal da lei. Ou seja, se a
maneira como ela foi editada feriu a Constituição. O julgamento do
mérito da ADI, no entanto, não chegou a ser concluído. Foi suspenso
por um pedido de vista do ministro Eros Grau.
Até o momento, o relator, Ministro Marco Aurélio votou pela
procedência da ação, enquanto os ministros Cármen Lúcia e Ricardo
Lewandowski votaram contra, ou seja, pela constitucionalidade formal
da lei.
Desnecessário dizer que eventual julgamento de procedência
desta ação tornará prejudicadas todas as ações de improbidade em
curso, e imporá novo e demorado processo legislativo para emissão de
nova lei para regular a matéria.
Porém, até que, eventualmente, seja declarada
inconstitucional, a Lei 8.429/92 está vigente e produzindo seus
regulares efeitos.
4.2.3 O procedimento especial da ação civil por improbidade
administrativa
A já comentada Medida Provisória nº 2.225-45, de 4/9/2001,
vigente por prazo indeterminado, por força do disposto na Emenda
Constitucional n.º 32, de 11/09/2001, introduziu os §§ 6.º a 12 no artigo
235
18 da Lei 8.429/92, normatizando o procedimento especial da ação civil
por improbidade administrativa, que será objeto do estudo realizado no
presente capítulo.
4.2.3.1 Petição inicial
A petição inicial da ação civil por improbidade administrativa
vem disciplinada no § 6.º do artigo 17 da Lei 8.429/92, que determina
que, além do disposto no artigo 282 do Código de Processo Civil (que
deve constar de toda petição inicial), a peça inaugural da ação será
instruída com documentos ou justificação que contenham indícios
suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões
fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas
provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições
inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil.
Este dispositivo traz dois elementos potencialmente a
diferenciam da petição inicial do procedimento comum ordinário, quais
sejam, a expressa exigência dos documentos que demonstrem a
existência do ato de improbidade (ou justificativa da impossibilidade de
apresentá-los) e, a expressa remissão aos artigos 16 a 18 do CPC, que
regulam a responsabilidade das partes por dano processual.
Inicialmente, poder-se-ia argumentar ser despicienda a norma
positivada neste parágrafo, haja vista apenas evidenciar o que, de
236
resto, já se encontra positivado no Código de Processo Civil. Com
efeito, os artigos 283, 396 e 397 do Código de Processo Civil já trazem
determinação
316
neste exato sentido, qual seja, da obrigatoriedade de
produção da prova documental, pelo autor, com a inicial.
Calmon de Passos, apud Cássio Scarpinella Bueno
317
leciona:
O momento para a produção da prova documental, pelo
autor, é o do ajuizamento da petição inicial (art. 396). Se
não produzido o documento nessa oportunidade, precluso
estará o direito de trazê-lo aos autos com fins
probatórios. Somente quando se cuide de fazer prova de
fato ocorrido após os articulados, ou de contraprova à
que foi produzida na circunstância apontada, é que se
admitirá a produção de documento, pelo autor, após a
inicial.
Porém, como acentua Cássio Scarpinella Bueno, a prática
forense não age com o rigor previsto na norma processual, tendo a
jurisprudência temperado o dispositivo, por muitas vezes aceitando a
produção de prova documental pelo autor, no curso da instrução.
Talvez por isso, o legislador entendeu conveniente a
explicitação do comando legal, exigindo que a petição inicial já
trouxesse elementos aptos a configurar ou demonstrar fortes indícios
de existência do ato de improbidade, ou justificar a impossibilidade de
trazê-los, até mesmo para possibilitar o prévio juízo de admissibilidade
316
Art. 283. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.
Art. 396. Compete à parte instruir a petição inicial (art. 283), ou a resposta (art. 297), com os
documentos destinados a provar-lhe as alegações.
Art. 397. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando
destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados, ou para contrapô-los aos que
foram produzidos nos autos.
317
Op. cit., cit. pp.. 164/165.
237
previsto no § 8.º deste artigo 17.
De fato, como será mais detidamente estudado adiante, o
procedimento especial da ação civil por improbidade administrativa
prevê um contraditório prévio, que pode resultar até mesmo na
improcedência liminar do pedido ou na declaração de inexistência do
ato de improbidade.
Assim, imprescindível para esse juízo inicial de
admissibilidade, que a inicial venha instruída com os documentos
suficientes, ao menos para demonstrar fortes indícios de existência do
ato, que serão, nos termos do art. 17, § 4.º, também nesse juízo prévio,
devidamente impugnados pelo réu, sem prejuízo de análise mais
aprofundada na fase de instrução.
Portanto, pode-se perceber que a petição inicial da ação civil
por improbidade administrativa deve, pela própria existência deste
contraditório prévio, vir acompanhada de elementos que efetivamente
sejam aptos a demonstrar fortes indícios do ato de improbidade,
exigindo-se, daí, que seja, nas palavras de Cássio Scarpinella Bueno
proporcionalmente mais substancial do que a das outras ações, que
não têm esta fase preliminar de admissibilidade da inicial em
contraditório. Nestas condições, a delimitação dos fatos, da causa de
pedir e a produção imediata da correspondente prova dos fatos
narrados (quando for o caso) deve ser bastante robusta, sob pena de
238
comprometer, já de início, o seguimento da ação e, até mesmo, sua
rejeição com apreciação de mérito. É dizer: ou comprova-se, desde
logo, que a ação de improbidade administrativa é razoavelmente bem
fundada e bem fundamentada ou é caso de extinção do processo desde
logo, inclusive com o julgamento "prematuro" do mérito (CPC, art. 269,
I)
318
.
Assim, o autor deverá, sob pena de não se chegar à fase de
instrução do processo, demonstrar de forma razoável a existência de
indícios do ato ímprobo, o que não quer dizer que se deva provar de
forma cabal a existência da improbidade, mesmo porque, se assim
fosse, jamais seria necessária qualquer instrução, pois a própria
admissão da ação já imporia a procedência do pedido, o que não é o
caso.
Observe-se que, como acima comentado, nos termos do artigo
14 e parágrafos e/ou 22 da Lei 8.429/92, poderá ser instaurado o
competente processo administrativo ou inquérito civil pela autoridade
administrativa ou Ministério Público, conforme o caso.
Nesses processos, serão recolhidas as provas necessárias a
amparar o pedido formulado na inicial, conforme a exigência do art. 17,
§ 6.º.
318
Op. cit.. p. 166.
239
Daí que, se a autoridade administrativa ou o representante do
Ministério Público não encontrou indícios suficientes da existência do
ato durante o procedimento administrativo, deve abster-se de propor a
ação, uma vez que não terá elementos para instruir a inicial, e, via de
conseqüência, a ação será rejeitada já na fase inicial.
Somente em caso de impossibilidade, devidamente justificada,
de carrear aos autos os elementos aptos (como os coligidos no
inquérito civil ou no processo administrativo) a instruir a inicial seria
possível a admissão da ação sem o atendimento à exigência trazida na
Lei.
Não se está querendo dizer, com isso, que o inquérito civil ou
processo administrativo sejam pré-requisitos, obrigatórios, para a
propositura da ação civil por improbidade administrativa.
Se já houver, independentemente de investigação prévia,
elementos aptos a demonstrar os devidos indícios da prática do ato de
improbidade, nada impede que o legitimado exerça o direito de ação,
lembrando sempre que essa inicial será submetida ao prévio juízo de
admissibilidade que caracteriza o procedimento especial da ação civil
por improbidade administrativa
319
.
Destarte, o legitimado, ao propor a inicial, deve se certificar
319
A não obrigatoriedade de prévia investigação, seja via inquérito civil ou via procedimento
administrativo já foi reconhecida pela jurisprudência, como, v.g., no julgamento do RMS n.º 11.537-
MA.
240
de levar ao conhecimento do juízo os indícios aptos a comprovar o ato
de improbidade, sob pena de extinção prematura do feito. Se não tiver
em mãos os elementos aptos a demonstrar esses indícios, recomenda a
boa técnica que proceda, preliminarmente ao processo administrativo
ou inquérito civil, conforme o caso, para reunir as provas aptas a
instruir a inicial, conforme exigido pelo § 6.º.
Wald e Ferreira Mendes recomendam a investigação prévia,
em nome da cautela e, tendo em vista a gravidade das sanções
previstas (e da exposição negativa a que se sujeitará o réu,
independentemente da procedência da demanda), verbis:
Parece ser recomendável a fase prévia do inquérito,
cujas investigações e explicações dos acusados podem
servir para evitar o ajuizamento açodado de ações de
improbidade, afetando desnecessariamente a reputação e
a vida pessoal dos réus, especialmente quando as
eventuais irregularidades são discutíveis ou decorrem de
situações complexas
320
.
Relevante ponto de vista foi externado por Cássio Scarpinella
Bueno
321
, ao sustentar que:
Se a prática forense não revelasse ser usual o
magistrado lançar mão de carimbos em qualquer petição
inicial que lhe é distribuída determinando o "cite-se",
deixando para o réu o ônus de se defender, muitas vezes
do que é incompreensível, e certamente este § 6.º do art.
17 da Lei 8.429, de 1992, não seria necessário.
Suficiente que o modelo de exame da petição inicial
desenhado pelo Código de Processo Civil fosse
devidamente observado, com especial destaque à
necessária identificação da causa de pedir, do pedido, de
seus valores - o pedido será certo e determinado,
acentua o art. 286 do Código de Processo Civil- e das
320
Op. cit., p. 182.
321
Op. cit., p. 167.
241
provas que precisam ser produzidas na perspectiva do
autor.
Tendo, então, em vista as disposições do referido art. 17.,§
6.º, a petição inicial da ação civil por improbidade administrativa
deverá trazer, conforme a lição de Marino Pazzaglini Filho
322
: 1)
descrição detalhada do fato considerado configurador do ato ímprobo
(narrativa do ato de improbidade imputado ao sujeito passivo e seu
enquadramento); 2) demonstração, mediante elementos probatórios
idôneos, da existência verossímil das improbidades administrativas
arroladas na inicial (na impossibilidade de apresentá-los de imediato,
com oferecimento das razões desse impedimento); 3) provas já
disponíveis (pré-constituídas) sobre a veracidade dos fatos alegados ,
seja do enriquecimento ilícito à custa da Administração Pública, seja da
lesão efetiva ao Erário, seja da violação de princípio constitucional que
rege a Administração Pública; e; 4) pedido integral e preciso, arrolando
todas as sanções pretendidas e, com respeito às graduadas,
especificando seu quantum, uma vez que a petição inicial fixa os
limites do litígio e a sentença não pode ser de natureza diversa do
pedido, ultra ou extra petita (§ 6.º).
Antonio Araldo Ferraz dal Pozzo
323
esclarece que, por indícios
suficientes da existência do ato de improbidade deve entender
documentos e justificações que evidenciem todos os efeitos
constitutivos do ato de improbidade administrativa: a) um ato
322
Op. cit., p. 198.
323
. “Reflexões sobre a defesa antecipada na Lei de Improbidade Administrativa”. In BUENO, Cassio
Scarpinella et al. (org.) Op. cit., p. 98.
242
antijurídico que: a.1) importe enriquecimento ilícito; a.2) provoque dano
ao erário; e/ou a.3) viole os princípios da Administração Pública; b)
praticado com dolo ou culpa; c) nexo de causalidade entre o ato e o
enriquecimento ilícito, ou entre o ato e o dano ao erário; d) autoria do
ato de improbidade.
Este mesmo autor comenta que a descrição dos elementos
que constituem o ato ímprobo (não a juntada de provas dos indícios) já
era exigida anteriormente à Medida Provisória.
Porém, a experiência demonstra que a referência, com clareza
e precisão, a todos os elementos que formam o ato de improbidade
nunca foi uma preocupação mais séria por parte dos autores da ação
que, normalmente, se expressam em termos genéricos, vagos,
abrangentes de mil possibilidades, a dificultar sobremaneira a defesa
do sujeito passivo. Também a experiência evidencia uma grande
condescendência por parte do julgador em aceitar essas iniciais sem
maior técnica processual.
E arremata afirmando: Em razão, porém, da criação da fase de
admissibilidade da ação de improbidade, muito maior cuidado será
exigido na redação da petição inicial
324
.
Em relação à expressa remissão feita pelo art. 17, § 6.º às
324
Op. cit., p. 98/99.
243
sanções previstas nos artigos 16 a 18 do Código de Processo Civil
325
,
cumpre tecer algumas considerações.
A Medida Provisória 2.088-35, de 27 de dezembro de 2000,
introduziu à época, entre outros, os parágrafos 10 e 11 ao artigo 17 da
Lei de Improbidade Administrativa, com a seguinte redação:
§
10.
O réu poderá, em reconvenção, no prazo da
contestação, ou em ação autônoma, suscitar a
improbidade do agente público proponente da ação
configurada nos termos do art. 11, incisos I e VIII, desta
Lei, para a aplicação das penalidades cabíveis.
§
11.
Quando a imputação for manifestamente
improcedente, o juiz ou o tribunal condenará nos mesmos
autos, a pedido do réu, o agente público proponente da
ação a pagar-lhe multa não superior ao valor de R$
151.000,00, sem prejuízo do disposto no parágrafo
anterior.
O texto causou tanta polêmica à época (dando ensejo,
inclusive à propositura de duas ações diretas de inconstitucionalidade)
que não foi repetida na 36.ª reedição da Medida, tendo sido substituído
pela atual redação, que é o objeto do presente comentário.
325
Art. 16. Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou
interveniente.
Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:
I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II - alterar a verdade dos fatos;
III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
Vl - provocar incidentes manifestamente infundados.
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar
multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos
prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.
§ 1
o
Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção
do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte
contrária.
§ 2
o
O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte
por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento.
244
Alguns dizem que a norma que substitui os antigos §§ 10 e 11
limitou-se a, com outras palavras, repetir o comando lá previsto, com o
intuito de limitar a atuação do Ministério Público ou da pessoa jurídica
interessada.
Outros dizem que a norma é desnecessária, haja vista que o
Código de Processo Civil é aplicado subsidiariamente às previsões
processuais trazidas na Lei 8.429/92.
Relevante e conclusiva, neste ponto, a lição de Cássio
Scarpinella Bueno:
Duas observações fazem-se pertinentes neste instante.
A primeira: a incidência da regra comum na espécie (os
arts. 16 a 18 do CPC) pode revelar-se bem mais onerosa
do que a anterior, pelo menos no que diz respeito ao
valor da multa a ser paga, cujo teto na versão anterior da
medida era de R$ 151.000,00 (art. 17, § 11, da Lei 8.429,
de 1992, na redação da MP 2.088-35, de 27.12.2000).
É freqüente ver-se no foro ações de improbidade
administrativa com valores altíssimos atribuídos à causa,
calculados a partir do negócio jurídico subjacente ao ato
qualificado como de improbidade administrativa (um
contrato superfaturado, por exemplo). O art. 18 e seu §
2º do Código de Processo Civil prevêem, nas condições
que indicam, a utilização do valor da causa como base de
cálculo da multa a ser paga pelo litigante de má-fé.
Mesmo o piso de 1 % referido no caput deste artigo de lei
pode apresentar-se, nestas condições, bastante elevado
quando se tratar, por exemplo, de uma ação em que o
valor da causa pode alcançar alguns milhões de Reais
326
.
A segunda observação é mais importante. O
estabelecimento de regras de condutas éticas para as
partes e seus procuradores (que, tratando-se do
Ministério Público, aparecem amalgamados) não
representa, por definição, qualquer empecilho ao acesso
à Justiça, individual ou coletivo, disponível ou
indisponível. Fosse assim, e era de se esperar que já se
326
Vicente Greco Filho (op. cit., p. 395) comenta sobre uma ação de improbidade, versando sobre
contrato de concessão de águas, com valor da causa de 1 bilhão de reais.
245
houvesse cogitado da inconstitucionalidade dos mesmos
arts. 16 a 18 cio Código de Processo Civil, ou de outros
dispositivos símiles, como o art. 13 da Lei 4.717, de
1965, os arts. 16 e 17 da Lei 7.347, de 1985, e o art. 87
da Lei 8.078, de 1990 - o que não é o caso.
Acesso à Justiça - a democracia como um todo - não
pode ser confundido com irresponsabilidade de quem
quer que seja, ou com aventuras processuais.
Há um argumento recorrente contra este entendimento.
Diz-se que o Ministério Público, quando ajuíza ação de
improbidade administrativa, age em nome da coletividade
para a tutela do interesse público indisponível.
Aqui não há espaço para questionar a veracidade desta
afirmação.
Ninguém duvidará, entretanto, de que detrás da
pretensão exposta em juízo pelo Ministério Público em
uma ação de improbidade administrativa sempre existe
um inegável interesse público, aqui entendido o interesse
público primário personificado na pessoa jurídica de
direito público que sofre ou pode sofrer o ato de
improbidade administrativa. Tanto assim que o § 3º do
art. 17 da Lei 8.429, de 1992, na redação que lhe deu a
Lei 9.366, de 1996, diz ser aplicável o art. 6º, § 3º, da Lei
da Ação Popular, segundo o qual pode a pessoa
administrativa "( ... ) abster-se de contestar o pedido, ou
( ... ) atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure
útil ao interesse público, a juízo do respectivo
representante legal ou dirigente". Ninguém ousa apontar
que para os procuradores da pessoa administrativa a
incidência dos deveres dos arts. 14 e 15 do Código de
Processo Civil, com as diretrizes dos arts. 16 a 18 do
mesmo Código, seja significativa de qualquer óbice a seu
acesso à Justiça e à conseqüente defesa dos interesses
públicos primários que, por definição, representam
também em juízo.
7
Diante destas considerações, destarte, as regras do § 6º
do art. 17 da Lei 8.429 parecem mais querer evidenciar o
que, de uma forma ou de outra, já pode ser extraído do
sistema processual civil para toda e qualquer ação. São,
pois, normas de direito processual civil que dizem
respeito a todo aquele que postula em juízo, seja
Ministério Público ou não. Entendidas neste sentido e
para este fim, são regras que devem ser prestigiadas e
tomadas como parâmetro de interpretação de normas
regentes de outras ações, mormente aquelas que
envolvem, por definição, o direito processual de interesse
público - na feliz expressão de Carlos Alberto de
Salles
327
.
Assim, pode-se entender que a norma tem caráter didático e
327
Op. cit., pp. 169/171
246
evidenciador da norma trazida no Código de Processo Civil, no sentido
de explicitar e alertar o legitimado contra o uso abusivo ou leviano da
ação civil por improbidade administrativa.
Ainda em relação à exordial parece relevante trazer, neste
ponto, o pensamento de Vicente Greco Filho, exposto em debate
realizado no 6.º Seminário de Direito Administrativo
328
:
Outro ponto também que tenho me batido muito, este não
chegou a ser enfrentado diretamente ainda, mas eu vou
brigar até o Supremo Tribunal Federal, se for o caso. É o
de que, em se tratando de uma ação para imposição de
sanções, como nós sabemos, severíssimas, têm de se
aplicar à Ação de Improbidade os princípios do processo
penal. Ou seja, descrição definida do ato de cada um. O
Ministério Público tem colocado tudo num saco e diz:
Vocês todos são ímprobos. Mas não diz: Você praticou
isso e você praticou aquilo. É requisito indispensável,
que respeite a imputação determinada para cada um dos
acusados porque são acusados. Outra é indispensável
que se defina que tipo de sanção, porque são todas
sanções possíveis que sistematicamente o Ministério
Público pleiteia. O Ministério Público diz seguinte: Eu
peço a aplicação das sanções do art. 12. Ora, isso me
parece inconstitucional, por violar o contraditório e a
ampla defesa; ou seja, cerceia a defesa do acusado estar
impedido de saber que tipo de sanção entre aquele leque
enorme do art. 12, pode ser aplicado em correspondência
ao ato que praticou. Parece-me que por se tratar de uma
lei sancionatória, é penal em sentido amplo, não é penal
em sentido estrito, mas é penal em sentido amplo, com
sanções, como eu já disse, seriíssimas. Tem de aplicar o
que se diz da denúncia, ou seja, uma inicial de Ação de
Improbidade tem de ter os mesmos requisitos e
características de uma denúncia penal; é inepta aquela
que não descreve a imputação em face de cada um dos
acusados.
O raciocínio é válido, uma vez que visa atenção, ao final, aos
princípios do devido processo legal e do contraditório, sendo
328
GRECO FILHO, Vicente. Boletim de Direito Administrativo, n.° 6, junho de 2000, p. 394.
247
importante a correta tipificação da conduta do agente do ato ímprobo,
para que a esse ato específico seja aplicada a sanção correspondente,
dentre o rol previsto no artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa.
Ainda no tocante à inicial, na hipótese de propositura da ação
pelo Ministério Público, na própria petição já deve haver pedido (se não
houver, deve o juiz determinar a emenda da inicial) de citação
(notificação) da (s) pessoa (s) jurídica (s) interessada (s) para que
tomem conhecimento da demanda e assumam na relação jurídica
processual a posição adequada à defesa do interesse público, nos
termos do art. 17, § 3.º da Lei 8.429/92.
Assim, na lição de Sérgio Monteiro Medeiros, o importante é
que, ao propor a ação, o órgão do Ministério Público já a direcione em
face da pessoa jurídica que suportou a lesão, e que, de preferência, no
pedido de intimação, destaque a possibilidade de adesão ao pólo ativo,
forte nas disposições legais encimadas, pois se isto acontecer a ação
será fortalecida. Caso contrário, o Ministério Público prossegue na
peleja contra os autores dos atos ímprobos e pessoas jurídicas
respectivas
329
.
4.2.3.2 Citação ou notificação o ato de ciência do processo
previsto na primeira parte do art. 17, § 7.º da Lei 8.429/92.
329
MEDEIROS, Sérgio Monteiro. Lei de improbidade administrativa: comentários e anotações
jurisprudenciais. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 193.
248
O art. 17, § 7.º da Lei de Improbidade Administrativa dispõe
que estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e
ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por
escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações,
dentro do prazo de quinze dias.
A Lei usa o termo notificar, quando, na verdade, trata-se de
verdadeira citação do (s) réu (s) para que ingressem no processo e
pratiquem o primeiro ato processual previsto no procedimento, qual
seja, a defesa prévia.
Com efeito, a citação é definida como o ato processual que dá
ciência ao réu da propositura de uma demanda contra si, e o chama ao
processo para se defender. Destarte, quando a lei determina a prática
de ato processual que comunica ao réu a propositura de uma ação e o
chama a comparecer ao processo (ainda que, em alguns casos, no
próprio pólo ativo da ação) trata-se, sem dúvidas, de citação que é o
ato processual próprio a triangularizar a relação jurídica processual
330
.
Daí que, o ato processual previsto no art. 17, § 9.º na Lei de
Improbidade Administrativa (será o réu citado para apresentar
contestação) é, na verdade, intimação e não citação, uma vez já estar
a relação jurídica processual (e, portanto, o processo) integralizada.
330
Neste sentido, a lição de Gasparoto (op. cit., p. 176): Como é sabido, é por meio da citação que se
dá conhecimento ao réu da relação processual. Quando o dispositivo faz menção, portanto, a
‘notificação’, tenha-se esse ato como eficaz para triangularizar a relação processual, sendo, pois,
verdadeira citação.
249
A esse respeito, a lição de Cássio Scarpinella Bueno:
Não pode haver dúvidas, diante do conteúdo do § 7
o
., de
que o contraditório já está completo quando o réu é
notificado para se manifestar sobre a petição inicial.
Neste instante processual a relação processual se
apresenta triangularizada - o que é, inequivocamente, a
realização concreta do princípio do contraditório
constitucionalmente assegurado. Assim sendo, mais
técnico que, após a admissão da petição inicial, seja o
réu apenas intimado para apresentar sua defesa,
considerando que ele já faz parte da relação processual
e, pois, que dela ele já tem ciência. Quando menos, que
se entenda o termo "citação", empregado pelo
dispositivo, evidenciando a parte final (o ato de se
defender) de sua definição legal, tal qual dada pelo art.
213 do Código de Processo Civil.
Destarte, após a notificação, uma vez existente juridicamente
o processo, descabe falar em citação. Relembre-se que a citação é
pressuposto processual de existência do processo, haja vista que
instrumento de triangularização da relação jurídica processual. Assim,
formada a relação processual, todos os atos de comunicação a partir
daí são intimações, nos termos do artigo 234 do CPC.
Firmada essa posição, de se entender que a ausência da
notificação prevista no art. 17, § 7.º da Lei 8.429/92, gerará vício
insanável, de inexistência jurídica do processo, que poderia ser
alegado a qualquer tempo mediante a competente ação declaratória de
inexistência (querella nullitatis).
Esse entendimento, todavia, não é unânime nem na doutrina
nem na jurisprudência. Exemplo disso é o posicionamento de Emerson
250
Garcia e Rogério Pacheco Alves, citando jurisprudência do STF e STJ:
De toda sorte, a inobservância da regra da notificação
prévia, próprio demandar a demonstração de prejuízo
(art. 250 do CPC), gera nulidade meramente relativa,
sendo também nesse sentido a jurisprudência do STF e
do STJ quanto ao procedimento especial estabelecido no
art. 513 e segs. do CPP
331
.
Com a devida vênia, tal entendimento não merece prevalecer,
haja vista que, não se trata de mero erro de forma, mas, sim, de falta
de atendimento a pressuposto processual de existência da relação
jurídica processual (e, portanto, do processo), apto até, se não sanado,
a causar a extinção prematura do feito (art. 267)
Observe-se que a Lei 8.429/92 não deixa ao alvitre do
intérprete o atendimento à disposição do art. 17, § 7.º, ou seja, a
notificação do réu não é opcional e sua ausência não causa mera
irregularidade formal, mas, sim, vício insanável.
A contagem do prazo para resposta do réu, deve se dar nos
termos trazidos no Código de Processo Civil, inclusive respeitando-se
disposto nos artigos 188 e 191, conforme o caso.
4.2.3.3 Do prévio juízo de admissibilidade
O artigo 17, §§ 7.º e 8.º traz a previsão do prévio juízo de
admissibilidade da petição inicial, já sujeito a um contraditório, quando
331
Op. cit., p. 724.
251
o réu poderá suscitar todas as questões prejudiciais e preliminares,
bem como questões até mesmo de mérito. Trata-se de procedimento
possivelmente inspirado nas disposições trazidas nos artigos 513 a 517
do Código de Processo Penal, para o processo dos crimes de
responsabilidade dos funcionários públicos.
Sobre a justificativa para a introdução desse contraditório
prévio, Wald e Mendes assim se manifestam:
O instituto da defesa preliminar, existente no direito
penal para os funcionários públicos (CPP, art. 514), como
antecedente ao recebimento da denúncia, funciona como
proteção moral para o agente público acusado, para
quem o simples fato de ser réu pode já implicar mancha
na sua reputação. Abre-se a possibilidade de uma defesa
antes de a ação ser recebida, de molde a cortar pela raiz
aquelas ações que se mostrem levianas ou totalmente
sem relação com a realidade dos fatos
332
.
Sobre a distinção introduzida por esta norma, e que a
especializa em relação ao procedimento comum ordinário, a relevante
lição de Cássio Scarpinella Bueno:
O que foi criado por estes dispositivos é um momento
próprio de exame da admissibilidade e conformidade da
petição inicial, que difere substancialmente daquele que
deriva do sistema desenhado pelo Código de Processo
Civil às ações de procedimento comum ordinário. Não
que o magistrado, nestas, não possa analisar
detidamente a regularidade da petição inicial e
determinar quaisquer providências que entenda cabíveis
ou necessárias para sua perfeição formal e para
viabilizar, até mesmo, a plenitude do direito ao
contraditório, constitucionalmente garantido. O art. 284
do Código de Processo Civil é bastante claro neste
sentido, admitindo,expressamente, a emenda da petição
inicial quando descumpridas as exigências dos arts. 282
e 283 do mesmo Código. Mesmo o novo § 7.º do art. 17
332
Op. cit., p. 207.
252
da Lei 8.429, de 1992, não desautoriza este
entendimento quando acentua que, "estando a inicial em
devida forma, o juiz mandará atuá-la".
O que é novo nos §§ 7º a 10 do art. 17 da Lei 8.429,
entretanto, é que a análise da petição inicial de uma
"ação de improbidade administrativa" deve ser,
doravante, realizada após o prévio estabelecimento do
contraditório, e mais do que isto - este exame já deve
levar em conta o mérito da ação, isto é, a viabilidade
concreta (e não meramente provável porque aferida in
statu assertionis, típica do exame das condições da ação)
de procedência da ação, isto é, de acolhimento ou de
rejeição do pedido. Nisto reside a distinção entre o novo
procedimento desta ação e das demais ações de proce-
dimento comum ordinário, embora também admitam,
como assinalado, um controle da regularidade da petição
inicial (CPC, art. 284, c/c art. 295
333
.
Na defesa prévia poderão ser argüidas questões preliminares,
prejudiciais e mesmo de mérito (que não dependam da instrução
processual). Assim, já nessa oportunidade pode (deve) o réu juntar os
documentos de que dispõe e que, de alguma forma, sejam aptos a ilidir
a pretensão inicial ou infirmar a prática do ato de improbidade.
Observe-se que o § 8.º do artigo 17 da Lei de Improbidade
Administrativa dispõe que: Recebida a manifestação, o juiz, no prazo
de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se
convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da
ação ou da inadequação da via eleita.
Assim, nessa fase prévia de admissibilidade da demanda o
magistrado poderá proferir as seguintes decisões:
333
Op. cit. p. 173.
253
a) sentença processual, quando, acolhendo matéria preliminar ou
prejudicial, indeferir a inicial e extinguir o processo sem
julgamento do mérito;
b) sentença de mérito, quando, acolhendo alegação feita pelo réu
em sua defesa prévia, ou mesmo pelos elementos coligidos pelo
autor, declarar inexistência do ato de improbidade ou, por outro
motivo, julgar improcedente a ação;
c) decisão interlocutória, recebendo a inicial e determinando a
citação (na verdade a intimação) do autor para apresentar
contestação, que, nos termos do art. 17, § 10 (e, de resto, do
próprio sistema recursal do CPC) será atacável via agravo de
instrumento.
Parte da doutrina entende que nem sempre quando o juiz
declarar a inexistência do ato ímprobo o julgamento será de mérito,
pois quando isso se der pela análise dos próprios elementos da inicial,
a sentença seria terminativa, por falta de interesse de agir e, quando
esta decisão derivasse de elementos trazidos pelo réu na defesa
prévia, aí sim seria de mérito
334
.
Permissa venia, não parece ser esse o melhor entendimento.
De fato, uma vez reconhecida a inexistência do ato ímprobo a decisão
é claramente de mérito, não importando a forma com que chegou o juiz
ao conhecimento desse fato.
334
Dal Pozzo, op. cit., p. 101.
254
A existência do ato ímprobo é matéria de mérito e constitui a
causa de pedir que embasará o conteúdo declaratório da sentença
definitiva. Assim, descabe falar em sentença meramente processual,
quando seu conteúdo adentra o próprio meritum causae, sendo,
portanto, tal sentença definitiva o ou de mérito.
Ora, não se pode esquecer que a extinção do processo sem
julgamento do mérito pode levar a repropositura da demanda (art. 268
do CPC). Como se cogitar de repropositura da ação quando já houve
declaração da própria inexistência do ato que a fundamenta? Inviável.
Assim, quando o art. 17, § 8.º fala em inexistência da ação,
também está falando em causa de improcedência da demanda, sendo,
neste ponto, repetitivo.
Cumpre sempre lembrar, todavia, que ainda se está num
momento de exame prévio dos elementos dos autos, e o que deve o
autor demonstrar é a existência de indícios que demonstrem a prática
do ato ímprobo e, quando houver, o prejuízo ao erário.
Assim, somente deverá o juiz rejeitar a inicial, quando
convencido não se tratar de ato de improbidade administrativa. Se o
autor carrear elementos que demonstrem haver a possibilidade efetiva
de ter havido a prática do ato ímprobo, o próprio interesse público
reclama o prosseguimento da ação com o recebimento da inicial e a
255
citação (intimação) do réu para apresentar sua contestação.
O referido § 8.º também fala em inadequação da via eleita.
Nesse ponto, remete-se à reflexão anteriormente feita, no sentido da
impossibilidade de ajuizamento de ação veiculando as matérias
constantes da Lei 8.429/92 por meio da ação civil pública. Caso isso
aconteça, a via eleita é inadequada e, como já visto, carecerá o autor
de interesse processual.
Da mesma forma, repetindo norma constante do Código de
Processo Civil (art. 267, § 3.º), o artigo 17, § 11 dispõe que a qualquer
tempo, reconhecida a inadequação da ação de improbidade, o juiz
extinguirá o processo sem julgamento do mérito. Trata-se de disposição
desnecessária, haja vista que tal comando já exsurge do sistema que
rege a aplicação da Lei 8.429/92.
Outra regra desnecessária é a trazida pelo art. 17, § 10 da Lei
8.429/92, que diz que da decisão que receber a petição inicial, caberá
agravo de instrumento.
O próprio sistema recursal do CPC já traz disposição neste
sentido ao prever, no artigo 522 e seguintes que das decisões
interlocutórias é cabível o recurso de agravo.
Hoje poder-se-ia argumentar que a norma seria útil para
256
evidenciar a natureza de instrumento do recurso de agravo cabível na
hipótese (especialmente após a vigência da Lei n.º 11.187/2005).
Porém, pela própria natureza da decisão que recebe a inicial, percebe-
se que eventual agravo retido seria inócuo (no sentido de evitar
prejuízos às partes, haja vista que o próprio recebimento da inicial já é
ato capaz de trazer diversos constrangimentos e dissabores ao réu) e
contrário à economia processual. Assim, aplicar-se-ia ao caso o
disposto na segunda parte do artigo 522 do CPC.
4.2.4 Tutelas de urgência
A Lei de Improbidade Administrativa traz previsão, nos artigos
7.º, 16 e §§ e 20, parágrafo único, de três medidas cautelares, que têm
por objeto, as duas primeiras (arts. 7.º e 16 e §§), assegurar a eficácia
do provimento final da ação principal e, a terceira (art. 20, parágrafo
único) garantir o direito à produção de provas. Dispõem os referidos
artigos:
Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio
público ou ensejar enriquecimento ilícito caberá à autoridade
administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério
Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a
comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do
órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do
seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido
ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.
§ 1º O pedido de seqüestro será processado de acordo com o
disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil.
§ 2° Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o
exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações
financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e
dos tratados internacionais.
Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos
políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença
condenatória.
257
Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa
competente poderá determinar o afastamento do agente público do
exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da
remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução
processual.
Há autores que entendem serem apenas duas espécies de
cautelares, sendo o disposto no artigo 7.º englobado pelo pedido de
seqüestro previsto no artigo 16.
De outra parte, a doutrina é quase unânime ao reconhecer que
a referência expressa às medidas cautelares pela Lei 8.429/92, não
impede, quando presentes os requisitos legais, a utilização de outras
medidas cautelares específicas (como, v.g., o arresto), ou mesmo
inominadas, valendo-se o magistrado do poder geral de cautela
garantido pelo artigo 798 do Código de Processo Civil, ou mesmo as
medidas antecipatórias da tutela final, com arrimo no artigo 273 do
mesmo Codex.
Neste exato sentido, a lição de Marino Pazzaglini Filho
335
:
Ao que parece, o legislador se equivocou nomeando o
seqüestro, quando na realidade queria mencionar o
arresto, que é a apreensão cautelar de quaisquer bens do
patrimônio do devedor com o destino de assegurar futura
execução por quantia. Essa impropriedade terminológica,
porém, é indiferente, pois tem aplicação no caso de ação
de improbidade administrativa às medidas acautelatórias
previstas no CPC (v.g., arresto art. 813 -, seqüestro
art. 822 - , busca e apreensão art. 839 - , exibição
art. 844 - , produção antecipada de provas art. 846 - ,
justificação art. 861). Além do mais, o juiz, valendo-se
do poder de cautela a ele deferido (art. 798 do CPC),
pode determinar a medida provisória que entender mais
335
335
Op. cit., p 190.
258
adequada para assegurar a efetividade da pretensão final
(tutela inominada).
Toca esclarecer nesse momento que, apesar do artigo 17
caput referir-se à ação civil por improbidade administrativa como
principal, isso, em absoluto, impõe o prévio ajuizamento de ação
cautelar. De fato, somente quando o autor entender necessária e
cabível, ajuizará a prévia ação cautelar, aí sim, funcionando a ação
civil por improbidade administrativa como principal.
Porém, caso assim não o faça, nada impede que ajuíze
diretamente a ação civil por improbidade administrativa,
independentemente de qualquer cautelar, como decorrência direta do
direito constitucional de ação.
Pensar diferente seria admitir um novo requisito a
condicionar o direito de ação, qual seja, a propositura da cautelar, o
que jamais poderia ser imposto à parte, mormente via legislação
infraconstitucional.
Como leciona Marino Pazzaglini Filho
336
:
A tutela jurisdicional cautelar é medida processual, de
natureza provisória e instrumental, que tem por propósito
antecipar ou assegurar, total ou parcialmente, a
viabilidade da satisfação da obrigação deduzida no
processo principal. Trata-se, pois, de provimento sumário
que visa garantir, em face da demora (normal ou
anormal) do processo principal, mediante a
336
Op. cit., p. 186.
259
indisponibilidade ou seqüestro de bens, o resultado útil
da tutela jurisdicional futura, ou seja, os efeitos práticos,
ainda incertos, do julgamento meritório em processo de
conhecimento ou de execução.
4.2.4.1 O seqüestro e a indisponibilidade de bens
Tratando da medida cautelar específica de seqüestro, ensinam
Flávio Cheim Jorge e Marcelo Abelha Rodrigues
337
:
Prevê o legislador especificamente a decretação de
seqüestro dos bens do agente, indicando, todavia, que
seu processamento seguirá o rito dos arts. 822 e ss.,
deixando claro, assim, que se trata de medida cautelar
que visa garantir a futura condenação do demandado ao
ressarcimento dos danos ao erário. Logo, a contrario
sensu, conclui-se que se na ação civil de improbidade
administrativa não houver pedido específico de
ressarcimento do dano não há razão para que seja
requerido o seqüestro. Ademais, nunca é demais dizer
que, se só é possível o seqüestro porque é ínsita a este
instituto a premissa de que exista a discussão (dúvida)
sobre a propriedade do bem que será objeto do
seqüestro, motivo pelo qual estão fora da órbita desta
medida os bens (materiais e imateriais, fungíveis e
infungíveis) que tenham sido adquiridos anteriormente ao
ato de improbidade ensejador da ação civil de
improbidade administrativa.
A lição é válida, por referir-se à cautelar típica de seqüestro.
Nesse caso, a discussão cingir-se-á a determinado bem, haja vista que
seqüestro é a medida cautelar que assegura futura execução para
entrega de coisa, e que consiste na apreensão de bem determinado,
objeto do litígio, para assegurar entrega em bom estado, ao que vencer
a causa
338
.
337
“A tutela processual da probidade administrativa”. In BUENO, Cassio Scarpinella et al. (org.) Op.
cit., pp. 225/226.
338
Humberto Theodoro Júnior. Processo cautelar. 19.ª ed. São Paulo: LEUD, 2000, p. 233.
260
Porém, como visto acima, há dúvidas se o legislador, ao dizer
seqüestro, não estaria querendo dizer arresto, caso em que, qualquer
bem do patrimônio do réu poderia ser constrito para garantir o futuro
ressarcimento ao erário.
Mesmo porque, como bem ponderou José Roberto dos Santos
Bedaque:
Antes de tudo, difícil imaginar situação objeto de
processo versando improbidade administrativa que
autorize essa espécie de medida cautelar, adequada a
garantir a efetividade de tutelas cognitivas em que se
discute posse ou propriedade de bens, desde que
configurado perigo de rixas, danificações, dissipação ou
dilapidação (art. 822, I-III)
339
.
Assim, não obstante tenha o legislador expressamente se
referido, no art. 16, § 1.º, aos dispositivos que regulam o procedimento
da cautelar de seqüestro, a melhor interpretação remete à cautelar de
arresto, ou mesmo outras espécies de provimentos cautelares, que,
como visto, são aplicáveis na ação civil por improbidade administrativa,
que utiliza subsidiariamente o sistema processual do CPC.
Bedaque
340
sobre o tema, arremata: de qualquer modo, a
referência expressa ao seqüestro apenas significa a intenção do
legislador de integrar o processo versando improbidade administrativa
ao sistema do Código de Processo Civil sobre cautelares.
339
Tutela jurisdicional cautelar e atos de improbidade administrativa. In BUENO, Cassio Scarpinella et
al. (org.) Op. cit., p. 304.
340
Op. cit., p. 304.
261
No tocante à indisponibilidade de bens do agente do ato
ímprobo, releva salientar o que dispõe o parágrafo único do art. 7.º, ao
determinar que a indisponibilidade recairá sobre bens que assegurem o
integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial
resultante do enriquecimento ilícito.
Da redação deste dispositivo decorre que a autoridade
administrativa ou o autor da ação civil por improbidade administrativa
já deverá indicar especificadamente o montante do dano causado pelo
ato ímprobo, ou o acréscimo do patrimônio do agente, haja vista que,
nessa hipótese, a indisponibilidade é limitada ao montante necessário
para a reparação do dano.
Assim, não poderá incidir o gravame sobre a totalidade dos
bens do agente ímprobo, a não ser que seu patrimônio seja igual ou
inferior ao dano causado.
Nesse sentido, ensina Marino Pazzaglini Filho
341
:
No tocante à indisponibilidade de bens do investigado
(procedimento administrativo) ou do réu (ação de
improbidade administrativa), a indisponibilidade,
segundo a norma do parágrafo único do art. 7.º da LIA,
limita-se aos bens que assegurem a integral reparação
do dano ou perda do acréscimo patrimonial resultante
do enriquecimento ilícito. Assim, o autor do pedido
deve deduzir o valor do suposto dano causado ao Erário
ou do aumento patrimonial resultante da atividade
funcional ímproba para pleitear a indisponibilidade de
bens suficientes para o ressarcimento (grifo nosso).
341
Op. cit., pp. 188/189.
262
Todavia, nessa hipótese, a indisponibilidade poderá recair
sobre bens adquiridos mesmo antes da prática do ato de improbidade,
pois o escopo, nessa hipótese, é apenas de assegurar o ressarcimento
ao erário.
Nesse diapasão, a lição de Cheim Jorge e Abelha Rodrigues:
Com isso não queremos dizer que bens anteriores ao ato
de improbidade não possam ficar indisponíveis. Podem;
e, na esteira do art. 7.º, parágrafo único, da referida lei,
a indisponibilidade recairá sobre bens que assegurem o
integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo
patrimonial resultante do enriquecimento ilícito. Todavia,
essa indisponibilidade deverá ser requerida por ação
cautelar de arresto, ou por medida inespecífica, caso não
estejam preenchidos os requisitos do art. 813 do Código
de Processo Civil
342
.
Quanto aos requisitos para a decretação da indisponibilidade
dos bens, a doutrina e a jurisprudência não são unânimes.
A maioria entende, tendo em vista a natureza cautelar da
medida, e a necessidade de atendimento às regras que disciplinam as
cautelares do CPC, ser necessária a presença do fumus boni juris e do
periculum in mora.
Neste sentido, os seguintes julgados do Superior Tribunal de
Justiça:
RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO CIVIL
342
Op. cit., p.
263
PÚBLICA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
INDISPONIBILIDADE DE BENS. LESÃO AO ERÁRIO PÚBLICO.
1. Não há de confundir ato de improbidade administrativa com lesão
ao patrimônio público, porquanto aquele se insere no âmbito de
valores morais em virtude do ferimento a princípios norteadores da
atividade administrativa, não se exigindo, para sua configuração,
que o ente público seja depauperado.
2. A indisponibilidade de bens prevista no art. 7º da Lei n. 8.42992
depende da existência de fortes indícios de que o ente público
atingido por ato de improbidade tenha sido defraudado
patrimonialmente ou de que o agente do ato tenha-se enriquecido
em conseqüência de resultados advindos do ato ilícito.
3.A medida prevista no art. 7º da Lei n. 8.42992 é atinente ao
poder geral de cautela do juiz, prevista no art. 798 do Código de
Processo Civil, pelo que seu deferimento exige a presença dos
requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte,
provido. (RECURSO ESPECIAL Nº 731.109 - PR (20050035271-0) -
RELATOR : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA)
A medida acautelatória de indisponibilidade de bens só tem guarida
quando há fumus boni juris e periculum in mora. O só ajuizamento
da ação civil por ato de improbidade não é suficiente para a
decretação da indisponibilidade dos bens (Resp n.º 469366, PR
2.ª Turma Rel. Eliana Calmon DJ 02/06/2003, p. 285)
José Roberto dos Santos Bedaque, de outro lado, entende de
forma diversa, pois, em sua interpretação, a norma trazida no artigo 7.º
e parágrafo, dispensa o periculum in mora para sua concessão,
tratando-se de tutela da evidência e não tutela de urgência:
Corresponde tal requisito à verossimilhança do direito,
pois o requerente deve demonstrar a plausibilidade de
suas afirmações, apresentando dados concretos sobre os
prejuízos causados pelo réu. Imprescindível, pois, a
vinculação entre o valor do prejuízo e dos bens tornados
indisponíveis.
Em compensação, desnecessário o perigo de dano, pois
o legislador contenta-se com o fumus boni júris para
autorizar essa modalidade de medida de urgência. Essa
solução vem sendo adotada pela jurisprudência
343
.
Identificam-se, portanto, as características da
343
O autor cita jurisprudência do TJPR (4.ª C., AI 15.668) que decidiu que: Para a concessão de
liminar nas ações movidas contra os agentes públicos por atos de improbidade administrativa, com
fundamento nos casos mencionados nos arts. 9.º e 10 da Lei 8.429 de 1992, basta que o direito
invocado seja plausível (fumus boni júris), pois a dimensão do provável receio de dano (periculum in
mora) é dada pela própria Lei 8.429 e aferida em razão da alegada lesão ao patrimônio da
Administração Pública.
264
indisponibilidade prevista no art. 7.º: está limitada ao
valor do prejuízo causado e não necessita da
demonstração do perigo de dano. O legislador dispensou
esse requisito, tendo em vista a gravidade do ato e a
necessidade de garantir o ressarcimento do patrimônio
público
344
.
Apesar de muito bem fundamentado, este entendimento não
parece ser o mais adequado. Realmente, a tutela do interesse público e
o ressarcimento ao erário são valores jurídicos relevantes e devem ser
preservados. Porém, a gravidade do ato de tornar indisponível o
patrimônio de um cidadão, ainda em juízo de cognição sumária, só se
justifica se demonstrado risco de ineficácia do provimento final.
Contrario sensu, caso não se demonstre estar o agente
(supostamente) ímprobo praticando atos que possam demonstrar risco
para o ressarcimento do erário, parece que não é cabível a decretação
de indisponibilidade, sendo, sim, necessária a constatação do
periculum.
4.2.4.2 O afastamento do agente público
O artigo 20, parágrafo único traz previsão de tutela de
diferenciada de urgência, consistente no afastamento do agente público
do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da
remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução
processual.
344
Op. cit., p. 303.
265
À primeira vista, tal dispositivo indicaria norma de antecipação
da tutela, e não medida cautelar. Ora, se a tutela antecipada (art. 273
do CPC) representa forma de antecipação dos efeitos da tutela final a
ser concedida na sentença, poder-se-ia inferir que o afastamento
liminar do agente, nada mais é que antecipação do efeito da tutela de
mérito da ação civil por improbidade administrativa que determinar, nos
termos do artigo 12 da Lei 8.429/92, a perda da função pública.
Porém, leitura mais atenta deste parágrafo único revela que o
afastamento do agente tem função específica, qual seja, a de garantir o
acesso à prova, à efetividade da instrução processual.
Assim, quando a ocupação da função pública pelo investigado
ou réu (conforme o caso) estiver, de alguma forma, obstaculizando o
acesso às provas necessárias à correta instrução processual, pode o
Ministério Público ou a autoridade responsável pelo processo
administrativo ou autora da ação civil por improbidade administrativa
solicitar ao juiz o seu afastamento.
Daí decorre a nítida natureza cautelar da medida, que não tem
por objeto o afastamento do agente em si (quando, então, seria
antecipação de tutela), mas sim a garantia da produção da prova.
Assim sendo, tal afastamento, por sua própria natureza, deve ser
temporário e pelo tempo suficiente para a produção da prova, sob pena
de, ainda sob o pálio da cognição sumária, usurpar do agente seu
266
direito constitucional ao trabalho.
Outro ponto a ser observado é que a medida cautelar prevista
neste artigo 20, parágrafo único será sempre incidental no processo da
ação civil por improbidade administrativa (é claro que quando no
procedimento investigativo inquérito civil ou processo administrativo
não há que se falar em cautelar incidental), haja vista que somente é
cabível quando a ocupação do cargo, emprego ou função pelo agente
estiver embaraçando a instrução processual, o que, logicamente, não
pode ser aferido antes do ajuizamento da ação.
Sobre essa tutela diferenciada, a claríssima lição de Flávio
Cheim Jorge e Marcelo Abelha Rodrigues, que bem sintetiza a matéria:
Além do seqüestro, o legislador pontuou no artigo 20, ao
nosso sentir, a possibilidade de que seja deferida a
medida cautelar avulsa incidental na ação civil de
improbidade administrativa que consista no afastamento
do agente público do exercício do cargo emprego ou
função, sem prejuízo da remuneração, que a medida se
fizer necessária à instrução processual (art. 20,
parágrafo único). A razão do afastamento do agente
público, sem dúvida, é permitir a asseguração da prova,
para servir a futura instrução processual. Assim,
obviamente, o requerimento cautelar deve ser feito
sempre antes da referida instrução, que se sabe ter seu
marco vestibular com o início da audiência de instrução e
julgamento. Além disso, não se trata de requerer a
produção de prova antecipadamente qual seja, não
temos, aí, uma prova que será de imediato incorporada
ao processo, tida como produzida, senão porque será
apenas assegurada para posterior apresentação em
instrução processual. Portanto, não é caso de se
antecipar o momento processual da instrução e,
conseqüentemente, o momento da própria prova. O que
se quer é justamente obter a prova, normalmente
documental, realização de auditoria etc., que não seria
possível ou talvez fosse inviável se o agente público não
267
fosse afastado do cargo. Portanto, deve haver uma
correspondência entre o pedido de afastamento e a
impossibilidade de se obter a prova caso o agente
permaneça na função, como no caso de se afastar o
presidente ou diretor de uma empresa pública, prefeitos,
presidentes de câmaras, chefes de setores enfim,
qualquer agente público que poderia utilizar seu poder
(constrangendo funcionários, escondendo dados e
documentos, impedindo o livre acesso etc.) para impedir,
dificultar, o amplo acesso às provas que poderiam atestar
a existência dos atos de improbidade. Enfim, a medida de
afastamento pretende afastar temporariamente a provável
raposa do galinheiro.
Obviamente, que o pedido de afastamento não pode ser
ad eternum, sob pena de usurpar do agente público o
direito constitucional ao trabalho, estendendo-se por
tempo além do necessário. Se é medida urgente, deve
ser urgentemente providenciada, evitando-se maiores
delongas na sua realização. Nesse passo é importante
que para a concessão da medida o juiz deva ter fundadas
razões, verdadeiros indícios de que tenha havido o ato de
improbidade, e, a partir de então, justificar o afastamento
do agente público. Não pode o legitimado ativo pretender
o afastamento no próprio momento de averiguar a
existência do ato de improbidade administrativa. Deve
procurar algo que ateste aquilo que tem quase certeza ou
certeza de que teria ocorrido, mas que não dispõe de
prova suficiente para atestar os fatos que trouxe ou
pretende trazer a lume. Com isso se quer dizer que não
pode procurar agulha no palheiro, fazendo desse
momento uma investigação sem precedentes que
justificassem uma atitude tão severa em relação ao
ocupante do cargo. Quer queira, quer não queira, a
verdade é que o pedido de afastamento para busca de
prova deve ser extremamente bem fundamentado, e
diríamos, até, com muito mais do que um simples fumus
boni juris e periculum in mora, porque, de outro lado,
muitas vezes o afastamento concedido poderá causar
transtornos à própria ordem pública que se pretende ao
final defender. Por isso, repita-se, o afastamento deve
ser temporário, se possível com prazo fixado pelo juiz,
para evitar insegurança pública. Ademais, tratando-se de
afastamento de prefeitos a medida deve ser apenas um
afastamento, e não uma cassação do agente público ou
seja, não deve ocupar tempo mais do que necessário,
justamente para que não se transforme em retirada de
parte de seu mandato
345
346
.
345
Op. cit., pp. 226/227.
346
Neste sentido a jurisprudência vem decidindo: (...) Necessária a demonstração efetiva de ameaça
ao processo, com a permanência do agente público em seu cargo, para que se configure a
plausibilidade da pretensão do mérito veiculada pelo agravante ('fumus boni iuris') e o dano de
prejuízo irreparável ou de difícil reparação ('periculum in mora'), o que não se vislumbra no caso em
referência (...) (TJPR, 4ª CC, AI 142.968-9, ac. 23.088, Rel. Des. Dilmar Kessler, j. em 18.02.2004).
(…) 2. A concessão de liminar de afastamento do agente público na ação civil pública, quando
cabível, deve se fazer por prazo determinado, e por se caracterizar como medida violenta, somente
268
Tal posicionamento se mostra de todo acertado e bem explica
a natureza da tutela de urgência prevista no artigo 20, parágrafo único
da Lei 8.429/92. Apenas não parece correto a tentativa de
quantificação do fumus e do periculum pretendida pelos autores.
Na verdade, deve o legitimado (autoridade administrativa ou
Ministério Público, conforme o caso) demonstrar as circunstâncias do
caso ao magistrado e este, dentro do seu convencimento (que sempre
traz um conteúdo subjetivo) irá aferir a presença dos requisitos. Assim,
descabe falar em muito fumus/periculum, ou pouco fumus/periculum. Na
verdade, ou esses elementos estão presentes, e o juiz defere a liminar,
ou não estão, e esta será indeferida.
4.2.5 Outras considerações sobre o processo judicial da ação civil por
improbidade administrativa
4.2.5.1Oitiva de testemunhas
tem lugar quando estiverem presentes os pressupostos do "fumus boni juris" e do "periculum in
mora", este último representado por comprovado embaraço que esteja causando o réu à produção de
provas e instrução do processo (...) (TJPR, CC, AI 89.766-3, ac. 7651, Rel. Des. Cordeiro Clève, j.
em 30.08.2000, grifei).
(...) “1] O art. 20, da Lei 8429, do ano de 1992, há de ser aplicado em situação excepcional, isto
é, quando, mediante fatos incontroversos, existir prova suficiente de que o agente público ou a
autoridade administrativa está provocando sérias dificuldades para a instrução processual. 2] Por ser
medida extrema com cap acidade de suspender mandato eletivo, a interpretação do dispositivo que a
rege é restrita, sem qualquer condição de ser ampliada (AgRg na MC 3048/BA, Turma, Rel. Min.
JOSÉ DELGADO, DJU 06.11.2000, p. 192) (...) (TJPR, CC, AI 110.813-2, ac. 8257, Rel. Des.
Leonardo Lustosa, j. em 20.12.2001, grifei).
(...) O afastamento temporário de Prefeito Municipal, através de ação cautelar preparatória ou
incidental na ação civil pública de improbidade administrativa, com base no parágrafo único do art. 20
da Lei nº8.429/92, pode se dar tão-somente se este está a embaraçar a instrução processual, o que
não restou comprovado na espécie, pelo que é de se conceder, nesta parte, a ordem do presente
Mandado de Segurança, para o fim de se atribuir efeito suspensivo ao recurso de apelação contra a
sentença que determinou o afastamento do prefeito, efeito este negado através de decisão liminar do
relator do agravo de instrumento, vez que esta decisão encontra-se contrária à expressa disposição
legal (...) (TJPR, OE, MS 128.687-7, ac. 6335, Rel. Des. Jesus Sarrão, j. em 07.11.2003)
269
O último dispositivo acrescido ao artigo 17 da Lei 8.429/92
pela Medida Provisória 2.225-45/2001 foi o artigo 17, § 12, que dispõe:
Aplica-se aos depoimentos ou inquirições realizadas nos processos
regidos por esta Lei o disposto no art. 221, caput e § 1º, do Código de
Processo Penal.
Esses dispositivos penais assim dispõem:
Art. 221. O Presidente e o Vice-Presidente da República,
os senadores e deputados federais, os ministros de
Estado, os governadores de Estados e Territórios, os
secretários de Estado, os prefeitos do Distrito Federal e
dos Municípios, os deputados às Assembléias
Legislativas Estaduais, os membros do Poder Judiciário,
os ministros e juizes dos Tribunais de Contas da União,
dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do
Tribunal Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora
previamente ajustados entre eles e o juiz.
§ I º. O Presidente e o Vice-Presidente da República, os
presidentes do Senado Federal, da Câmara dos
Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar
pela prestação de depoimento por escrito, caso em que
as perguntas, Formuladas pelas partes e deferi das pelo
juiz, lhes serão transmitidas por oficio.
Sobre esse dispositivo, a lição de Cássio Scarpinella Bueno:
Enquanto o caput do dispositivo não se afasta muito da
orientação do art. 411 e respectivo parágrafo Único do
Código de Processo Civil, o § 1 º do art. 221 do Código
de Processo Penal institui um verdadeiro favor em prol
das pessoas lá indicadas, que não consta da lei
processual civil. O fato é que, diante do novo § 12 do art.
17 da Lei 8.429, o dispositivo da lei processual penal
deve prevalecer sobre o da lei processual civil, absorven-
do para esta ação também o critério reservado para os
juizes pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional e para
os membros do Ministério Público pela Lei Orgânica do
Ministério Público. Ada Pellegrini Grinover teve
oportunidade de criticar o critério de oitiva das
270
testemunhas listadas no § 1º do art. 221 do Código de
Processo Penal. Segundo a prestigiada publicista não só
o princípio do contraditório, mas também o da
imediatidade resta ferido pela observação da forma
imposta pelo dispositivo da lei. Para ela, também,
eventuais reperguntas devem ser encaminhadas àquelas
autoridades por novos ofícios.
Assim, de se concordar que não há justificativa plausível para
a norma, tratando-se de favorecimento injustificado àqueles que, vale
lembrar, já passaram pelo prévio juízo de admissibilidade em
contraditório e, contra quem, existe, no mínimo, fortes indícios de ato
de improbidade administrativa.
4.2.5.2 Transação
Ao contrário do sistema processual das ações coletivas, onde
se permite a transação ou termo de ajuste de conduta, na ação civil por
improbidade administrativa a conciliação é vedada, nos expressos
termos do art. 17, §.1.º da Lei 8.429/92
347
.
Essa vedação tem inspiração na natureza do direito protegido,
sua indisponibilidade, bem como o resguardo das aplicações das
demais sanções previstas no artigo 12 da Lei de Improbidade
Administrativa.
Assim, para evitar que o réu faça acordo de natureza
patrimonial para escapar das outras espécies de sanções, como, v.g.,
suspensão dos direitos políticos, a Lei expressamente vedou a
347
§ 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.
271
transação nessa espécie de ação
348
.
A doutrina admite uma única hipótese de exceção, quando o
autor da ação tão-somente postular, no caso de ato de improbidade
administrativa que importa em enriquecimento ilícito, a restituição
integral do acréscimo patrimonial indevido, e, na hipótese de ato de
improbidade administrativa lesivo ao Erário, a reparação total da lesão
patrimonial.
349
Entretanto, mesmo nessas hipóteses, a reparação deve ser
integral, dada a indisponibilidade do interesse tutelado, cabendo
apenas acertar as condições de cumprimento da obrigação de
restituição do patrimônio ou reparação da lesão, conforme o caso.
4.2.5.3 Sentença e coisa julgada
Nos termos do artigo 162, § 1.º do Código de Processo Civil,
sentença é ato é o ato do juiz que implica alguma das situações
previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei.
Através da sentença se põe termo à relação jurídica
processual, nos casos do artigo 267 e 269 (quando a sentença é
declaratória ou constitutiva), ou se dá início à fase de cumprimento,
nas hipóteses do artigo 269, quando há condenação.
348
Talvez inspirada nas renúncias dos políticos aos cargos eletivos antes do processo de cassação,
para evitar a inelegibilidade.
349
Marino Pazzaglini Filho, op. cit., p. 210.
272
A sentença na ação civil por improbidade administrativa tem
ou pode ter conteúdo declaratório, constitutivo e/ou condenatório. O
conteúdo declaratório se dá pelo reconhecimento da existência (ou
inexistência) da prática de ato de improbidade pelo réu; o constitutivo
negativo pela desconstituição do ato de improbidade e, constitutivo
positivo pela formação de nova situação jurídica a partir de sua
anulação; e o condenatório pela aplicação das sanções previstas no
artigo 12, conforme o caso.
Ao contrário do que acontece na ação civil pública, quando o
dinheiro eventualmente arrecadado é revertido para o fundo previsto no
artigo 13 da Lei da Ação Civil Pública
350
, na ação civil por improbidade
administrativa, o valor da condenação é revertido para a pessoa
jurídica lesada pelo ato ímprobo, nos termos do artigo 18 da Lei
8.429/92:
Art. 18. A sentença que julgar procedente ação civil de
reparação de dano ou decretar a perda dos bens havidos
ilicitamente determinará o pagamento ou a reversão dos
bens, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica
prejudicada pelo ilícito.
Confira-se a respeito a lição de Wallace Paiva Martins Júnior:
A destinação do produto das sanções de perda de bens,
ressarcimento do dano e pagamento de multa civil
obedeça à regra do art. 18, ou seja, a sentença deverá
determinar o pagamento ou a reversão de bens em prol
da pessoa jurídica lesada pelo ilícito nas hipóteses de
350
Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo
gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o
Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição
dos bens lesados.
273
reparação dos danos e perda dos bens adquiridos
ilicitamente, conforme a modalidade de improbidade
administrativa praticada pelo agente público
351
. Apesar de
não se referir expressamente à multa civil, é óbvio que
ela integra seu comando porque, como será visto, é
ressarcimento de dano moral contra a entidade lesada. O
art. 12, ao tratar da perda dos bens adquiridos
ilicitamente e do ressarcimento do dano, não se referiu
ao destinatário, agora expressamente identificado. Se os
bens do agente ou terceiro já estiverem constritos pro
força da decretação de indisponibilidade (art. 7.º) ou do
seqüestro (art. 16), nos casos de enriquecimento ilícito
ou lesão ao erário, a procedência da ação implicará a
reversão ao patrimônio público, pois essas providências
cautelares têm justamente a finalidade de garantir a
eficácia da demanda
352
.
Quanto aos recursos, aplica-se o sistema recursal do Código
de Processo Civil, cabendo, das decisões interlocutórias, recurso de
agravo, e, da sentença, recurso de apelação.
Relembra-se o comando trazido no caput do artigo 20 da Lei
8.429/92, no sentido de que a perda da função pública e a suspensão
dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da
sentença condenatória.
Releva ainda comentar que a coisa julgada obedecerá às
regras do Código de Processo Civil que regem as lides individuais.
No entendimento de Cheim Jorge e Abelha Rodrigues, apenas
quando houver incompatibilidade, se utilizaria o sistema de coisa
julgada do Código de Defesa do Consumidor:
351
Lembrando que nem sempre o ato ímprobo é praticado por agente público.
352
Op. cit., p. 299.
274
O importante, obviamente, é que a coisa julgada reflita
diretamente no titular do direito deduzido em juízo. Se a
demanda de improbidade envolve prejuízos ocasionados
a um banco estadual ou mesmo uma empresa de
economia mista estadual, eles é que serão atingidos pela
autoridade da coisa julgada. Se, todavia, se tratar de
direito difuso, certamente não se poderá dar o mesmo
tratamento.
Por fim, em relação aos honorários, parece ser possível, ainda
que a ação civil por improbidade administrativa seja julgada
improcedente, a condenação em honorários.
Em arrimo a essa idéia, a lição de Vicente Greco Filho
353
:
Outra questão que tenho colocado estou com um recurso
especial no STJ, é a da condenação de honorários de
advogado ao Estado, tanto na Ação Civil Pública, quanto
na Ação por Improbidade; porque em nenhum lugar está
dito que o Ministério Público esteja isento dos ônus da
sucumbência. No Código do Consumidor, a Ação Civil
Pública, tem-se a isenção, salvo manifesta má-fé etc., de
entidades associativas, não do Ministério Público. Tenho
sustentado, ainda não tive sucesso, que não é condenar
o Ministério Público, é condenar o Estado, porque é ele
agente do Estado, ou da União, em honorários de
advogado na hipótese de improcedência quer da Ação
Civil Pública quer da Ação de Improbidade.
Tal posicionamento se mostra bastante defensável, mormente
levando-se em conta a premissa fixada no presente trabalho de
aplicação à ação civil por improbidade administrativa do sistema
processual das ações individuais. Mais do que defensável, a
condenação do Estado (ou União) pelos atos dos membros do
Ministério Público serviria para desestimular ações temerárias e
infundadas, que, pelo só ajuizamento, tendo em vista a natureza do
353
Op. cit., p. 395.
275
direito titulado na Lei de Improbidade Administrativa, já são aptos a
causar prejuízos ao réu.
Essa providência, cumulada com outra, também defendida por
Vicente Greco filho, qual seja, a condenação daquele que ajuizou a
ação civil por improbidade administrativa de forma abusiva e indevida
em indenizar o réu pelos danos morais causados (responsabilidade
objetiva do proponente), certamente funcionariam como inibidor de
aventuras jurídicas, funcionando como instrumento de controle de lides
temerárias, como tantas que têm sido vista na prática jurídica.
De outra parte, aquele legitimado ativo que ajuíza ações
fundadas e motivadas, nada teria a temer, descabendo, nessas
hipóteses qualquer condenação por atuação temerária ou abusiva.
276
CONCLUSÕES
O combate à corrupção constitui permanente desafio à
sociedade e às instituições. Para vencê-la, é indispensável o
revigoramento da consciência ética, a participação do povo, o concurso
das instituições, a vigilância dos servidores públicos, o aprimoramento
da legislação de anticorrupção, para assegurar o triunfo dos valores
morais na sociedade democrática e ela estabelecer o primado da
moralidade.
Parafraseando Tércio Sampaio Ferraz Júnior, há uma
corrupção endêmica, que cumpre uma função redistributiva e irregular
em face da massa mobilizada no desenvolvimento econômico, e que
atinge funcionários de nível médio, responsáveis por pequenos
contratos, permissões de construções, concessões e outros serviços
administrativos rotineiros, e que é tolerada por uma ética administrativa
paternalista e intervencionista. Há também o caso de grandes fraudes
na compra de bens e serviços pelo Estado e do Estado.
Parte da doutrina se questiona se o processo de globalização
da economia, se a forte tendência à privatização, se as retrações do
intervencionismo estatal não levaram os países subdesenvolvidos a
uma alteração na sua ética administrativa.
277
A inadmissibilidade da utilização de ação civil pública ou
ação popular para tutela da probidade administrativa e aplicação das
normas positivadas na Lei 8.429/92, tem fundamento, que por si só já
seria suficiente, no artigo 2.º, § 1.º da Lei de Introdução ao Código
Civil, especialmente pelos critérios da cronologia e especialidade.
Assim, a promulgação e entrada em vigência da Lei 8.429/92
revogou, naquilo que disciplina (inclusive o procedimento adequado à
tutela do direito à probidade administrativa), os dispositivos das leis
anteriores.
Porém, além desse, há outro fundamento. Com a vigência da
Lei 8.429/92, e o estabelecimento de um procedimento próprio para a
tutela dos direitos nela positivados, os demais procedimentos passaram
a ser inadequados para tutelar esses direitos.
Assim, na verdade, com o ajuizamento de ação civil pública ou
ação popular veiculando pretensão de direito normatizada na Lei de
Improbidade Administrativa ocorre carência de ação, não por
impossibilidade jurídica do pedido, mas por claríssima ausência de
interesse processual.
O que se está defendendo é que não é admissível ação civil
pública (ou ação popular) com fundamento na Lei 7.347/85 (ou
4.717/65) para a tutela da probidade administrativa. Ou seja, o
278
fundamento jurídico do pedido (causa de pedir remota) não deve estar
contido nessas leis, e sim na lei 8.429/92.
Via de conseqüência, tendo a Lei de Improbidade
Administrativa estabelecido procedimento próprio para a tutela da
probidade administrativa, este, e só este, deve ser o utilizado com este
desiderato, sob pena de ausência de interesse processual (de agir).
A Lei 8.429/92 através, principalmente pelas alterações
introduzidas em seu artigo 17 pelas Medidas Provisórias 2.180-35, de
24 de agosto de 2001, e 2.225-45, de 04 de setembro de 2001,
introduziu verdadeiro procedimento especial para o processamento da
ação civil por improbidade administrativa,
Para a tutela da probidade administrativa, conforme previsão
dos artigos 9.º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, e sua sanção, nos termos do
artigo 12 do mesmo diploma, existe procedimento próprio, de natureza
especial, expressamente previsto na norma, o que afasta a
possibilidade de ação veiculando pretensão neste sentido, manejada
por meio de ação popular ou por ação civil pública, sendo impositiva,
para alcançar ou mesmo postular tal desiderato, a utilização do
procedimento especial positivado na Lei de Improbidade Administrativa.
Às normas veiculadas na Lei 8.429/92, aplica-se o disposto no
Código de Processo Civil, especialmente no que se refere ao
279
procedimento comum ordinário, e, nos termos do artigo 17, § 3.º, o
disposto no § 3º do artigo 6º da Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965,
não se aplicando, sequer subsidiariamente, o disposto na Lei da Ação
Civil Pública, especialmente no que se refere ao procedimento.
Caso a ação seja ajuizada por ente ou pessoa não legitimada
nos termos do artigo 17, caput, da Lei 8.429/92, a inicial deverá ser
indeferida nos termos do artigo 295,II, c/c 267, I do Código de
Processo Civil;
Caso seja ajuizada ação civil pública pelo Ministério Público
ou pela pessoa jurídica interessada, deve o juiz, estando presentes os
requisitos específicos previstos na Lei 8.429/92 (especialmente os
trazidos no art. 17, § 6.º), aplicando o princípio da fungibilidade
(quando possível), receber a inicial e determinar seu processamento
pelo rito especial previsto não Lei de Improbidade Administrativa;
Em não estando presentes os requisitos específicos da Lei
8.429/92, deve o magistrado, nos termos do artigo 284 do Código de
Processo Civil, intimar o requerente para emendar a inicial, adequando-
a às exigências legais. Caso não cumprida esta providência, impõe-se
a extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do artigo
295, III, c/c 267, I do Código de Processo Civil.
Quanto à legitimação para a propositura da ação civil por
280
improbidade administrativa vem disposta, numerus clausus, no caput do
artigo 17 da Lei de Improbidade Administrativa, ou seja, detém
legitimidade para ajuizar ação civil por improbidade administrativa,
ordinariamente, a pessoa jurídica interessada, e, extraordinariamente,
como substituto processual, o Ministério Público.
A pessoa jurídica interessada pode, nos termos do artigo 17, §
3.º do Código de Processo Civil, integrar tanto o pólo passivo quanto o
ativo da relação jurídica processual, ou mesmo na atuar no processo,
conforme o interesse público a ser defendido.
Assim, caso os demais legitimados para a propositura da ação
civil pública ou mesmo o cidadão legitimado para ação popular
pretendam ver aplicadas as sanções previstas na Lei 8.429/92 devem,
nos termos do artigo 14 e parágrafos desta Lei, representar à
autoridade administrativa competente para que seja instaurada
investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade.
Ao cidadão só é lícito pleitear pela via da ação popular, a
anulação do ato, não lhe sendo conferida legitimidade para requerer a
tutela da probidade administrativa, como disposta nos artigos 9.º, 10 e
11 da Lei 8.429/92, que tem objeto muito mais amplo que o da ação
popular, e, muito menos a aplicação das sanções previstas no artigo 12
deste diploma.
281
Em relação à competência para conhecer da ação civil por
improbidade administrativa, tendo em vista a declaração de
inconstitucionalidade dos parágrafos acrescidos ao artigo 84 do Código
de Processo Penal, a norma vigente hoje, até eventual deliberação em
contrário, é a da competência dos juízes de primeira instância para
conhecimento das ações com fundamento na Lei de Improbidade
Administrativa.
Para fixação do juízo competente, nos termos do artigo 17,
caput, que faz expressa referência ao procedimento ordinário, é de se
entender que se aplicarão ao caso as regras comuns de competência
trazidas pelo Código de Processo Civil.
Destarte, nos termos do artigo 94 do diploma processual, a
competência para conhecer da ação civil por improbidade
administrativa seria do foro do domicílio do réu.
Outrossim, uma vez que a notificação inicial da ação deva
necessariamente ser feita também à pessoa jurídica interessada
(quando a ação por proposta pelo Ministério Público), nos termos do §
3.º do artigo 17 da Lei de Improbidade Administrativa, o foro
competente será o da sede desta pessoa jurídica, que, via de regra,
será o local de ocorrência do dano.
Nos termos do art. 17, § 6.º a autoridade administrativa ou o
282
representante do Ministério Público deve carrear aos autos elementos
(descrição dos atos e provas documentais) que demonstrem haver
indícios suficientes da existência do ato durante o procedimento
administrativo.
Somente em caso de impossibilidade, devidamente justificada,
de carrear aos autos os elementos aptos (como os coligidos no
inquérito civil ou no processo administrativo) a instruir a inicial seria
possível a admissão da ação sem o atendimento à exigência trazida na
Lei.
O legitimado, ao propor a inicial, deve se certificar de levar ao
conhecimento do juízo os indícios aptos a comprovar o ato de
improbidade, sob pena de extinção prematura do feito. Se não tiver em
mãos os elementos aptos a demonstrar esses indícios, recomenda a
boa técnica que proceda, preliminarmente ao processo administrativo
ou inquérito civil, conforme o caso, para reunir as provas aptas a
instruir a inicial, conforme exigido pelo § 6.º.
A referencia feita pelo art. 16, § 6.º aos artigos 16 a 18 do
Código de Processo Civil visa apenas evidenciar o que já pode ser
extraído do sistema processual civil para toda e qualquer ação. São,
normas de direito processual civil que dizem respeito a todo aquele que
postula em juízo, que absolutamente não significam qualquer óbice à
atuação do Ministério Público ou outros legitimados.
283
A petição inicial já deve trazer a correta tipificação da conduta
do agente do ato ímprobo, para que a esse ato específico seja aplicada
a sanção correspondente, dentre o rol previsto no artigo 12 da Lei de
Improbidade Administrativa.
No artigo 17, § 7.º a Lei usa o termo notificar, quando, na
verdade, trata-se de verdadeira citação do réu para que ingresse no
processo e pratique o primeiro ato processual previsto no
procedimento, qual seja, a defesa prévia.
Daí decorre que, o ato processual previsto no art. 17, § 9.º na
Lei de Improbidade Administrativa (será o réu citado para apresentar
contestação) é, na verdade, intimação e não citação, uma vez já estar
a relação jurídica processual (e, portanto, o processo) integralizada.
O art. 17,§ 7.º da Lei 8.429/92 introduziu um prévio juízo de
admissibilidade em contraditório, no qual poderão ser argüidas pelo réu
questões preliminares, prejudiciais e mesmo de mérito (que não
dependam da instrução processual). Assim, já nessa oportunidade pode
(deve) o réu juntar os documentos de que dispõe e que, de alguma
forma, sejam aptos a ilidir a pretensão inicial ou infirmar a prática do
ato de improbidade.
Nessa fase, somente deverá o juiz rejeitar a inicial, quando
convencido não se tratar de ato de improbidade administrativa. Se o
284
autor carrear elementos que demonstrem haver a possibilidade efetiva
de ter havido a prática do ato ímprobo, o próprio interesse público
reclama o prosseguimento da ação com o recebimento da inicial e a
citação (intimação) do réu para apresentar sua contestação.
A Lei de Improbidade Administrativa traz previsão, nos artigos
7.º, 16 e §§ e 20, parágrafo único, de três medidas cautelares, que têm
por objeto, as duas primeiras (arts. 7.º e 16 e §§), assegurar a eficácia
do provimento final da ação principal e, a terceira (art. 20, parágrafo
único) garantir o direito à produção de provas.
Porém, a referência expressa às medidas cautelares pela
Lei 8.429/92, não impede, quando presentes os requisitos legais, a
utilização de outras medidas cautelares específicas (como, v.g., o
arresto), ou mesmo inominadas, valendo-se o magistrado do poder
geral de cautela garantido pelo artigo 798 do Código de Processo Civil,
ou mesmo as medidas antecipatórias da tutela final, com arrimo no
artigo 273 do mesmo Código.
Com relação ao seqüestro, embora tenha o legislador
expressamente se referido, no art. 16, § 1.º, aos dispositivos que
regulam o procedimento da cautelar de seqüestro, a melhor
interpretação remete à cautelar de arresto, ou mesmo outras espécies
de provimentos cautelares, que, como visto, são aplicáveis na ação
285
civil por improbidade administrativa, que utiliza subsidiariamente o
sistema processual do CPC..
Já a indisponibilidade dos bens do investigado/réu deverá
recair, apenas e tão somente sobre os bens suficientes para garantir o
ressarcimento ao erário, devendo estar presentes, para a decretação
da medida, tanto o fumus boni juris quanto o periculum in mora.
O afastamento do agente público é medida de natureza
cautelar, que não tem por objeto o afastamento do agente em si
(quando, então, seria antecipação de tutela), mas sim a garantia da
produção da prova. Essa medida deve ser temporária e pelo tempo
suficiente para a produção da prova, sob pena de, ainda sob o pálio da
cognição sumária, usurpar do agente seu direito constitucional ao
trabalho.
A previsão do artigo 17, § 12 é norma política, que traz
favorecimento injustificado àqueles que já passaram pelo prévio juízo
de admissibilidade em contraditório e, contra quem, existe, no mínimo,
fortes indícios de ato de improbidade administrativa.
O artigo 17, § 1.º da Lei 8.429/92 veda a transação e a
conciliação na ação civil por improbidade administrativa. Trata-se de
proteção à indisponibilidade do bem tutelado na norma, e que, somente
encontra exceção quando o pedido inicial limita-se à restituição integral
286
do acréscimo patrimonial indevido, ou à reparação total da lesão
patrimonial, que, em ambos os casos deve ser integral.
A sentença na ação civil por improbidade administrativa pode
ter conteúdo declaratório, pelo reconhecimento da existência (ou
inexistência) da prática de ato de improbidade pelo réu; constitutivo
negativo pela desconstituição do ato de improbidade e, constitutivo
positivo pela formação de nova situação jurídica a partir de sua
anulação; e, condenatório pela aplicação das sanções previstas no
artigo 12, conforme o caso.
Na ação civil por improbidade administrativa, o valor da
condenação é revertido para a pessoa jurídica lesada pelo ato ímprobo,
nos termos do artigo 18 da Lei 8.429/92. Quanto aos recursos e à coisa
julgada, aplica-se o sistema do Código de Processo Civil.
Entende-se cabível tanto a condenação nos honorários da
sucumbência, do Estado ou União, conforme o caso, quando julgada
improcedente a ação civil por improbidade administrativa. Da mesma
forma, ajuizadas lides temerárias, se entende cabível a condenação do
proponente à indenização por danos morais.
Essas medidas serviriam para inibir a propositura de
aventuras jurídicas e lides temerárias, que, por sua só propositura já
são aptas a causar inúmeros prejuízos ao integrante do pólo passivo.
287
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