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a modernidade que nasce com ao iluminismo, no século XVIII, apóia-se
justamente na possibilidade da razão de enunciar verdades universais, de
entender e dominar o mundo, superar os mitos e forças mágicas, de forma a
emancipar o homem. Retira-se a tutela de um princípio organizador exterior ao
próprio homem, surgindo a possibilidade de que ele construa racionalmente seu
destino, livre de tirania. Caem, assim, os fundamentos teológicos e o mundo é
secularizado. Propõe-se uma ordem fundada na razão, um ideal de ciência, que
permita a liberdade do reino da necessidade
252
.
Há limites que ficam evidentes quanto ao modo de operar do cientificismo
objetificador, impulsionado, sobretudo, pelos tempos modernos
253
em sua pretensão auto-
esclarecedora iluminista, que não consegue dar conta dos limites frente ao saber. O uso
meramente instrumental da razão humana favoreceu a crise da racionalidade iluminista
254
ao pretender ser o modelo para se chegar à certeza
255
mediante a soberania do sujeito,
independentemente da sua historicidade e da tradição que já sempre lhe antecede. “O
sujeito que compreende é finito, isto é, ocupa um ponto no tempo, determinado de muitos
modos pela história”
256
, de modo que seu horizonte de compreensão já se encontra inserido
na história onde sua reflexão se dá, fazendo esta parte dela. No entanto, o sujeito
permanece “ocupado por pré-conceitos que pode modificar no processo da experiência,
mas que não pode liquidar inteiramente”
257
. Assim sendo, a crítica de Gadamer ao
racionalismo da ilustração se sustenta, porque “o pensamento iluminista é cego para a
primeira refere-se à crítica à estrutura auto-referencial do princípio da subjetividade, que faz com que o
sujeito se debruce sobre si mesmo, determinando relações objetificadoras e de domínio do sujeito sobre o
mundo. Uma segunda crítica situa-se no âmbito antropológico e social, com a desconfiança de o projeto da
modernidade levar adiante sua finalidade emancipatória, seus tão caros ideais de liberdade e igualdade,
justamente pela imposição de relações de domínio” (Hermann, 2006, p. 12).
252
Hermann, 1996, p. 19.
253
“Como filhos dos tempos modernos não queremos que nos vejam como herdeiros de uma época que
acabou. Por isso Habermas, o iluminista, fala de um projeto inacabado da modernidade. Todos os projetos
históricos são inacabados e tanto mais o projeto da razão do iluminismo. A cultura ocidental constituiu-se de
projetos inacabados e entre eles há sucessivos projetos iluministas, desde os gregos, que têm como
imperativo serem retomados sempre por herdeiros que em vão procuram concluí-los. Os projetos da
racionalidade têm isto de imaginário: estabelecer definitivamente a idade da razão” (Stein, 2001, p. 11).
254
Crise esta que “levou a sociedade moderna à beira do colapso social e ecológico, devido, entre outros, à
exploração desenfreada dos recursos naturais e à brutal desagregação social de amplas comunidades”
(Flickinger, 2000, p. 8).
255
“Assim, a hermenêutica tem que desconstruir uma racionalidade que, colocada sob limites estreitos, quer
mais a certeza que a verdade. E mostra a impossibilidade de reduzir a experiência da verdade a uma
aplicação metódica, porque a verdade encontra-se imersa na dinâmica do tempo. No ambiente cientificista da
modernidade, estabeleceu-se o predomínio do positivismo, que se apóia em dados objetivos como
procedimento válido para produzir conhecimento. Contra isso, a hermenêutica quer demonstrar que não há
mais condições de manter o monismo metodológico, uma forma exclusiva para determinar o espaço de
produção do conhecimento. A hermenêutica opõe-se ao ‘mito do objetivismo’; ou seja, à crença em uma
verdade objetiva, que corresponde a uma realidade também objetiva, trazendo a perspectiva do interpretar, do
produzir sentido, e a impossibilidade de separar o sujeito do mundo objetivado. Desse modo, quer fazer valer
o fenômeno da compreensão diante da ‘pretensão de universalidade da metodologia científica’, como
precisamente observou Gadamer” (Hermann, 2006, p. 19 – 20).
256
Stein, 1986, p. 37.
257
Ibid., p. 37.