Download PDF
ads:
1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
REGIANE MIRANDA DE OLIVEIRA NAKAGAWA
A Publicidade e a Retórica do
Entretenimento
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
São Paulo
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
REGIANE MIRANDA DE OLIVEIRA NAKAGAWA
A Publicidade e a Retórica do
Entretenimento
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
São Paulo
2007
Tese apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, como exigência parcial para
a obtenção do título de Doutor em
Comunicação em Semiótica, sob a
orientação da profa. Dra. Lucrécia
D´Alessio Ferrara.
ads:
3
Banca examinadora
4
Pesquisa de Doutorado realizada com o auxílio da bolsa dissídio -
PUC/SP, e da bolsa “Capacitação Docente”, concedida pela
Comissão de Ensino e Pesquisa da PUC/SP.
5
À Fábio Sadao
e vó Maria (in memorian)
6
Agradecimentos
À minha orientadora Lucrécia D´Alessio Ferrara, pelo exemplo de conduta, pelo
conhecimento compartilhado, pela generosidade e, sobretudo, pela parceira nestes
últimos quatro anos.
À professora Irene de Araújo Machado, pelo diálogo ao longo de toda a tese.
Aos colegas do grupo de pesquisa OKTIABR, por todas as inesquecíveis e saudosas
reuniões de estudo.
Aos colegas do grupo de pesquisa ESPACC, pelo diálogo imprescindível no momento
final de elaboração da tese.
À Conceição, parceira de trabalho e vida
À Elaine Caramella, madrinha e amiga.
À Lourdes Gabrielli, Antonio Carlos Iñarra e Maria Ângela di Sessa, colegas de
trabalho que, com o tempo, tornaram-se amigos e confidentes.
À Sandra de Camargo Rosa Mráz, Chefe do departamento de Arte da PUC/SP, pela
liderança íntegra e generosa.
À Ester, pelo carinho.
Às amigas de infância Ana Lúcia (e a filha Ingrid), Luciana (e os filhos João Pedro e
a afilhada Maria Luiza), Andréia (e os filhos Helena e Heitor) e Valdirene (e o filho
Guilherme), pela compreensão por todas as minhas ausências e pela amizade de
sempre.
Aos amigos feitos no período de doutorado: Michiko, Adriana, Neide, Paulo e Mirna.
À minha mãe e à tatinha.
Aos meus alunos do Centro Universitário de Votuporanga, Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Catanduva- Fafica e Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, em especial, aos formandos do curso de Publicidade de 2007.
7
Resumo
Este trabalho visa delimitar a interação que os anúncios publicitários
veiculados em revistas estabelecem com outros sistemas semióticos. Nessa
perspectiva, as peças publicitárias são entendidas como textos culturais e, como
tais, exercem uma função informativa no ambiente midiático que não se restringe à
mera promoção do consumo. Quando nos referimos aos anúncios como textos,
estamos aludindo a uma forma muito específica de entendimento da cultura, vista
através dos diferentes sistemas modelizantes que a constituem. Esse ponto de vista,
desenvolvido pelos teóricos da Escola de Tártu-Moscou, evidencia a possibilidade
de observação do movimento da cultura por intermédio do diálogo estabelecido
entre os códigos e as linguagens que distinguem os sistemas. Com base na análise de
anúncios difundidos em revistas de grande circulação nacional, foram delineadas
duas categorias
de análise que direcionaram este estudo. São elas: a concisão e o
redesenho. A concisão caracteriza-se pela economia dos elementos que compõem o
arranjo textual. Por sua vez, o redesenho parte de um desenho já existente, original
e, baseado em alguns aspectos que o distinguem, novas possibilidades de uso são
apresentadas. O redesenho não abre mão da memória de um “espaço” já criado, pois
é com base neste projeto que uma nova configuração surge. Em ambos os casos,
nota-se como o diálogo com diferentes sistemas modelizantes fez com que o traço
retórico que distingue os anúncios sofresse uma profunda reversão, de forma que
em vez de persuadir para ratificar a crença no consumo, os anúncios indicam a
presença de uma retórica que, antes de tudo, visa entreter. A presença deste traço
lúdico, acompanhado pelo contínuo aumento de complexidade do arranjo sígnico
do redesenho dos anúncios, explicita como a publicidade pode funcionar também
como mídia, provocando igualmente o redesenho do suporte e da mídia revista.
8
Abstract
This study aims to establish the interaction that advertisements published
on magazines have with other semiotic systems. Under this perspective,
advertisement pieces are seen as cultural texts and, therefore, they have an informative
function in the media environment, which does not restrict only to consume
promotion. When we refer to advertisements as texts, we are giving them a very
specific form of culture understanding, seen through the different modeling systems
that it is made of. This point of view, developed by the Tartu-Moscow School
scholars, emphasizes the possibility to observe cultural movement through a dialog
between the codes and languages that distinguish the system.
Based on analysis of published advertisements on nationwide distributed
magazines, two analysis categories were established in this study. They are: concision
and redesign. Concision is characterized by limiting elements that make up the text
arrangement, whereas redesign starts from an existing original design based on some
distinguishing aspects, and then new possibilities of use are presented. Redesign
does not disconsider the memory of the already created “space” because a new
configuration comes out from this project. In both cases, it is observed how a dialog
with different modeling systems made the rhetoric feature, that distinguishes
advertisements, undergo a deep reversion so that, instead of persuading to ratify
belief in consume, the advertisements indicate the presence of rhetoric that aims,
firstly, to entertain. The presence of this ludic feature, accompanied by the continuous
increase of advertisement redesign sign arrangement complexity, explains how
advertising may work as media, equally causing support and reviewed media redesign.
9
Lista de ilustrações
Figura 1- Anúncio Itaú. Fonte: Anuário de Criação 1994....................................93
Figura 2 - Anúncio Jonnie Walker (capa/ páginas centrais/ contracapa).
Fonte: Revista Playboy...........104
Figura 3 – Display do Anúncio Jonnie Walker....................................................104
Figura 4 – Seqüência display Jonnie Walker.......................................................105
Figura 5- Anúncio Sudameris. Fonte: Revista Veja............................................109
Figura 6- Anúncio fio dental. Fonte: Anuário de Criação 1994.........................126
Figura 7- Anúncio Band-Aid. Fonte: Anuário de Criação 1994.........................129
Figura 8- Anúncio Danone. Fonte: Anuário de Criação 1998...........................134
Figura 9- Anúncio colírio. Fonte: Anuário de Criação 1998..............................140
Figura 10- Anúncio Baygon. Fonte: Anuário de Criação 1994.........................143
Figura 11- Diagramas dos anúncios Danone e Baygon.......................................211
Figura 12- Anúncios Fiesta. Fonte: Revista Veja...............................................216
Figura 13- Anúncio Knorr 1. Fonte: Revista Veja.............................................217
Figura 14- Anúncio Knorr 2. Fonte: Revista Veja.............................................218
Figura 15- Anúncio Comgás. Fonte: Revista Veja..............................................221
Figura 16- Anúncio Bohemia. Fonte: Revista Playboy.....................................224
Figura 17 - Anúncio Renault (capa/ páginas centrais/ contracapa).
Fonte: Revista Época.............232
Figura 18 – Seqüência “Abertura do encarte Renault”.......................................233
Figura 19 - Anúncio Comunidade Solidária. Fonte: Revista Veja......................237
Figura 20- Anúncio Pilão (contracapa/capa).
Fonte: fotografias tiradas da Revista Contigo por Maria Ângela di Sessa......245
Figura 21- Detalhe do selo “abre e fecha”.........................................................245
Figura 22 - Anúncio Visa (contracapa e capa).
Fonte: fotografias tiradas da Revista Veja por Maria Ângela di Sessa. ..........251
Figura 23 - Anúncio Visa (páginas internas).
Fonte: fotografias tiradas da Revista Veja por Maria Ângela di Sessa............252
10
Sumário
Introdução.....................................................................................11
1. Os anúncios publicitários como textos da cultura.................35
1.1. A concisão e o redesenho como textos culturais...........................................39
1.2. A publicidade: um sistema de sistemas.........................................................52
1.3. O ponto de vista semiótico das mídias.........................................................55
2. A concisão compositiva do anúncio publicitário...................72
2.1. As mediações................................................................................................80
2.2. A espacialização do verbal na página impressa.............................................92
2.3. A semiosfera, a midiasfera e a problemática do suporte.............................113
2.4. A utilização do suporte como parte do arranjo textual...............................125
2.5. O minimalismo...........................................................................................133
3. A retórica do entretenimento................................................149
3.1. O ambiente comunicacional e a edificação de uma
“retórica do entretenimento”.................152
3.2. A concisão, a retórica e o jogo....................................................................169
4. Do desenho ao redesenho.....................................................177
4.1. As categorias do espaço..............................................................................183
4.2. As espacialidades criadas pelos ambientes..................................................192
4.3. O redesenho dos anúncios impressos: entre espacialidades distintas..........199
4.4. O redenho do anúncio e o uso diferenciado do suporte ............................213
4.5. O redesenho do suporte e da mídia revista e
a ação da publicidade como mídia.........225
4.6. O redesenho e o momento explosivo..........................................................255
Considerações Finais.................................................................263
Referências Bibliográficas.........................................................270
11
Introdução
Este trabalho surgiu de algumas inquietações provocadas pela observação
dos anúncios publicitários veiculados nos últimos anos em revistas direcionadas
aos públicos mais variados. As diferentes configurações que os anúncios foram
adquirindo, aliadas à persistência dessas transformações, fizeram com que
desconfiássemos que mudanças significativas estavam sendo operacionalizadas
no âmbito da publicidade.
O contato cada vez mais recorrente com o material impresso nos chamou
atenção para um aspecto: a despeito do viés utilitário e comercial que distingue
a publicidade, boa parte dos anúncios veiculados nos últimos tempos destacava-
se mais pela presença de formas compositivas inusitadas, sobretudo quando
comparadas aos usos de linguagem e aos apelos que, em geral, sempre
direcionaram a criação dos anúncios.
Ainda que, ao longo da sua história, a publicidade sempre tenha se pautado
pela busca incessante de criar composições cada vez mais “originais” para divulgar
produtos e serviços, a atual produção impressa parecia indicar algumas
transformações um pouco mais substanciais. Os apelos não mais correlacionavam
o produto à satisfação de alguma necessidade, seja ela básica ou secundária,
inclusive, em algumas peças, a alusão à compra era realizada de forma pouco
incisiva ou parecia inexistir.
Além disso, muitos anúncios apresentavam um arranjo sígnico pouco
usual, de maneira que o ineditismo da composição quase “sufocava” por completo
o anunciante. Esse uso era acompanhado por uma notável diminuição do uso
do signo verbal nas mensagens e por uma economia de signos visuais, que nem
sempre mostravam o produto anunciado. Ao mesmo tempo, parte dessas
12
mensagens também se destacava por uma ordenação compositiva que se
assemelhava ao modo de compor característico de outras formas de linguagem,
como o cinema e a televisão. Por fim, o suporte impresso, antes visto como uma
mera base material para a inscrição dos anúncios, começava a ser utilizado como
um “elemento” da composição.
Por outro lado, como professora de Redação Publicitária no curso de
Comunicação Social “ Habilitação Publicidade e Propaganda da PUC/SP,
comecei a perceber que o “modelo” de texto até então propagado pelos manuais
da área, bem como alguns recursos retóricos, não mais se adequavam a essas
novas formas compositivas. Mais do que isso, detectei a impossibilidade de falar
sobre a produção textual publicitária sem considerar a totalidade do arranjo
sígnico de um anúncio, visto que, dependendo do modo como era ordenado, o
texto necessariamente adquiriria uma configuração diferenciada. Todas essas
impressões iniciais me levaram a alguns questionamentos, sobretudo em relação
ao viés persuasivo que sempre caracterizou o entendimento da publicidade.
Praticamente toda a bibliografia da área circunscreve o termo
“publicidade” como derivado do latim publicus, que significa público. Como
enfatizam Rabaça e Barbosa (1978), o primeiro registro de utilização do vocábulo
por uma língua moderna foi encontrado no dicionário da Academia Francesa, e
revestia-se de uma conotação jurídica, relacionado à publicação ou leitura de
leis e julgamentos. Apenas no século XIX, o termo publicidade perde seu caráter
jurídico e passa a ser associado à divulgação de produtos e serviços com o intuito
de promover o consumo.
De acordo com Eliseo Colón (1996:06), a atividade publicitária, tal como
a entendemos hoje, é fruto da crise do capitalismo de 1848, em que a revisão da
política de crédito e o surgimento de novos mercados monetários produziram
mudanças nas formas de produção e distribuição de mercadorias, o que
13
possibilitou a circulação em larga escala de uma infinidade de produtos, obrigando
as indústrias a buscarem novas técnicas para fomentar as relações de troca.
Duas décadas mais tarde, em 1870, teve início o desenvolvimento da publicidade
moderna nos Estados Unidos, configurando-se, nesse primeiro momento, como
uma estratégia mercadológica que, primordialmente, visava incorporar diferentes
classes sócio econômicas na cultura de mercado. Observa-se então, que a
persuasão distintiva da comunicação publicitária, desde o seu início, esteve
relacionada ao intuito de convencer um consumidor potencial a adquirir um
dado produto.
O crescimento cada vez mais acentuado da publicidade nas sociedades
baseadas na produção em larga escala de mercadorias foi acompanhado por
uma profusão de estudos científicos que definiram a prática publicitária como
um componente da cultura. Como quase todas as ramificações da grande área
das ciências humanas
1
se dedicaram ao exame dos efeitos provocados pelos
anúncios na contemporaneidade, cada campo de conhecimento efetuou um
determinado recorte do fenômeno, de modo que o objeto “publicidade” foi sendo
construído de diferentes maneiras. No âmbito dos primeiros estudos semióticos
sobre o assunto, até então muito contaminados pela teoria lingüística e
semiológica, a publicidade foi primeiramente entendida como uma forma
discursiva marcada por alguns traços distintivos muito específicos, sobretudo
em relação aos recursos comunicativos utilizados para persuadir.
Tal como ressalta J. M. Perez Tornero no livro Semiótica da Publicidade,
lançado em 1982, os estudos sobre a semiótica da publicidade podem ser
demarcados em dois momentos distintos. A primeira fase distingue-se por uma
atração secundária dos estudiosos pela comunicação publicitária, pois o interesse
da maior parte deles estava relacionado com algum
outro assunto que, de alguma forma, margeava os
1
Dentre elas, destacam-se os
estudos realizados pela psicologia e
sociologia.
14
anúncios. Dentre esses estudos, destaca-se o importante artigo publicado em
1964 por Roland Barthes, intitulado “Rhétorique de l’ image”. Nele, ainda que
o objeto de análise fosse o anúncio, o interesse do autor inclinava-se muito mais
para a imagem que propriamente para a publicidade. Foi o emprenho em descobrir
“Como o sentido chega à imagem? Onde termina o sentido? E, se termina, o
que existe além dele” (1990:27) que conduziu Barthes ao estudo da imagem
publicitária. Para ele, na publicidade, “a significação da imagem é, certamente,
intencional” (1990:28), visto que as características do produto anunciado
estabelecem, de antemão, os significados a serem transmitidos, o que faz com
que a imagem publicitária seja composta por signos plenos que comunicam aquilo
que se pretende de maneira enfática e direta.
Segundo Barthes, o anúncio impresso é composto por três mensagens: a
lingüística, a icônica codificada e a icônica não codificada. A primeira diz respeito
aos componentes do texto lingüístico que tanto podem ser alocados como uma
legenda ao lado da imagem como serem inseridos como um componente dela. A
segunda, entendida como mensagem simbólica, refere-se a determinadas figuras
cujas significações já foram codificadas culturalmente, enquanto a terceira, ou
mensagem literal, apóia-se na correlação direta e indicial estabelecida entre os
signos e as coisas representadas.
Como toda imagem é polissêmica, ou seja, possui mais de um único
significado, todas as sociedades tendem a desenvolver técnicas para direcionar
e fixar a interpretação dela, sendo a mensagem lingüística uma dessas práticas.
Ante o objetivo pré-estabelecido que caracteriza toda a veiculação de um anúncio,
a publicidade constituiria uma espécie de “laboratório” para a verificação do
funcionamento da imagem, por causa da correspondência nela estabelecida entre
as três mensagens apontadas por Barthes.
15
Ao contrário do primeiro, o segundo estágio dos estudos caracteriza-se
pelo interesse específico dos pesquisadores sobre a comunicação publicitária,
aliado à busca de uma metodologia que melhor contribuísse para o entendimento
do seu objeto. Nessa corrente, é emblemático o livro intitulado Semiótica da
Publicidade, editado em 1976 por Georges Peninou, discípulo de Roland Barthes.
Peninou especifica os traços distintivos centrais da estrutura interna das
mensagens publicitárias, considerando para tal três funções específicas
desempenhadas pelos anúncios: a denominação, na qual se cria um “nome
próprio” para o produto, conferindo a ele uma singularidade; a predicação, em
que ocorre a descrição dos principais atributos do objeto anunciado e, por fim,
a exaltação. Ainda segundo Perez Tornero, (1982:79-80) a discussão acerca da
ordenação sígnica específica dos anúncios representou apenas um dos temas
problematizados durante essa etapa. Também ganharam destaque o debate sobre
a redundância e o valor informacional dos anúncios, bem como as questões
relativas à retórica e à semântica dessas mensagens.
Todas essas discussões indicam, de uma forma ou de outra, a tentativa
de delimitar o objeto de estudo da comunicação publicitária, tendo como
princípio a constituição discursiva dos anúncios. E, dependendo do recorte, a
preocupação com os recursos utilizados para persuadir ganha maior ou menor
destaque. É importante ressaltar que, independente do direcionamento
estabelecido por cada enfoque, esses estudos demonstram a preocupação em
compreender a atividade publicitária como uma forma cultural, a despeito da
função “utilitária” exercida pelos anúncios na sociedade de consumo.
Pode-se dizer que a publicidade, ao longo da sua história, jamais se
esquivou do intuito de incitar o consumo, de maneira que, se uma mensagem é
identificada como publicitária, ela necessariamente visa persuadir alguém a
comprar algo. Todavia, os recursos de linguagem utilizados para esse fim
16
transformam-se com o tempo, além do mais, também é preciso considerar que a
mídia em que um anúncio é inscrito interfere de maneira decisiva na sua
constituição discursiva. Essa é, talvez, uma das características distintivas básicas
da publicidade, uma vez que ela não possui uma mídia “própria”, o que faz com
que “incorpore” os principais traços comunicativos da mídia com a qual interage.
É interessante observar que os estudos sobre publicidade realizados tanto
na primeira como na segunda etapa identificadas por Tornero tiveram como
base de observação o anúncio veiculado nas mídias impressas, sobretudo o jornal
e a revista, o que, inevitavelmente, interfere nos resultados obtidos, ainda mais
se considerarmos o papel de destaque exercido pelo código verbal nas peças
estudadas.
Tanto que, se para Roland Barthes, a imagem não pode prescindir do
verbal para direcionar o sentido persuasivo a ser produzido, para Georges
Peninou, as funções de denominação, predicação e exaltação estão diretamente
relacionadas com as possibilidades comunicativas vinculadas ao código verbal.
A criação de um “nome próprio”, isto é, de uma marca para um produto, visando
emprestar a ele um atributo humano, é entendido pelo autor como um “concepto
lingüístico de discriminación” (1976:97), pois a marcação textual permite
estabelecer uma associação unívoca entre um produto e um dado símbolo, a
ponto de que lembrar do objeto anunciado implica associá-lo diretamente a
uma dada representação construída por um nome que o identifica como único.
A predicação constitui um dos traços característicos centrais da representação
lingüística, dado que permite atribuir propriedades ao sujeito do enunciado.
Finalmente, a exaltação diz respeito ao aspecto eminentemente afirmativo do
discurso publicitário, realizado com o objetivo de afamar o produto (por exemplo,
pela utilização do superlativo) e evitar qualquer tipo de réplica por parte do
17
receptor, evitando assim possíveis incoerências na apresentação do objeto
divulgado.
Apesar das distinções existentes entre essas três funções, observa-se em
todas elas um traço em comum, ou seja, a supremacia do referente da mensagem,
isto é, do produto anunciado. Fosse qual fosse a função exercida pelo anúncio, o
produto sempre constituiria o cerne da mensagem, de modo que a alusão ao objeto
divulgado era realizada sem rodeios. A supremacia do código verbal nas mensagens
e a utilização de frases no imperativo também possibilitavam que o receptor fosse
diretamente incitado à compra do objeto anunciado. Durante muito tempo, esses
dois aspectos, aliados à presença de figuras de retórica no texto verbal, foram vistos
como os principais recursos de linguagem utilizados pela publicidade impressa para
persuadir. Posteriormente, parte dos estudos passou a também contemplar a análise
da imagem nas peças, utilizando-se, para tal, de muitos critérios empregados na
observação do código verbal.
Entretanto, o que se observa em parte da atual produção publicitária impressa
veiculada em revistas é que a alusão ao produto anunciado e a indução à compra se
mostram cada vez mais “veladas” (em alguns casos, nem mesmo o produto se
sobressai na peça), de maneira que determinadas peças mais recentes parecem
questionar o intuito exclusivamente persuasivo da publicidade. Do mesmo modo
que muitas das funções e atributos imputados à publicidade pelos estudos realizados
na primeira e segunda etapas são fruto de um tipo específico de arranjo sígnico
veiculado numa mídia em especial, então, é possível pressupor que as transformações
operacionalizadas nos anúncios nos levam a repensar alguns desses traços e a tentar
delimitar outros novos.
Quanto mais se estreitava o contato que tinha com as peças impressas, mais
essa questão adquiria força, porque as configurações não usuais apresentadas por
alguns anúncios, muitas vezes, mais pareciam divertir e entreter que efetivamente
18
persuadir. Ou, se porventura, apesar das mudanças operacionalizadas na composição
dos anúncios esses ainda buscam persuadir, é preciso considerar outros critérios
para a compreensão dos processos de indução presentes em alguns arranjos. A
soma de todas essas conjecturas suscitou a questão central que conduziu este estudo:
até que ponto determinadas formas publicitárias satisfazem uma função
eminentemente persuasiva?
O entendimento de tais formas comunicativas exige assim uma outra
consideração das mensagens publicitárias. A nosso ver, se reduzirmos o entendimento
das mensagens publicitárias impressas ao seu aspecto meramente comercial, não
conseguiremos compreender essas novas ordenações, pois a aparente redução da
importância delegada aos produtos nos anúncios ou, ainda, a redefinição do modo
como eles são apresentados em face do rearranjo sígnico das peças, indicam-nos um
outro caminho a ser trilhado. Assim, a ausência de ostentação do referente nas
mensagens publicitárias e a redução do incitamento feito diretamente ao receptor
pelo código verbal tiveram como contrapartida a ênfase no modo de compor dos
anúncios, no qual destaca-se a correlação cada vez mais estreita estabelecida entre
os diferentes códigos que compõem as peças e a contínua reordenação destes por
meio do diálogo com outras formas representativas. Inclusive, em alguns casos, é
possível reconhecer a presença de códigos comumente associados às mídias
audiovisuais, que incutem um movimento até então inusitado nos anúncios impressos.
Da mesma forma como ocorre com qualquer peça veiculada pelas mídias, o anúncio
publicitário insere-se num ambiente cultural e informacional bem mais abrangente,
mantendo com esse cenário uma relação de interdependência.
Desse modo, se as mensagens impressas se distinguem pela contínua
reordenação, de maneira a estreitar cada vez mais a interação entre códigos distintos,
a compreensão das novas formas compositivas impressas deveria necessariamente
considerar o anúncio um sistema aberto, sujeito às trocas efetivadas com outros
19
sistemas semióticos. Essa hipótese justifica-se, em grande parte, pelo fato de que a
ênfase delegada ao modo de formar as peças constituiria uma possível “resposta” à
perda de intensidade da função persuasiva presente nos anúncios, que passariam a
desempenhar outras formas de ação na cultura (além de reforçar a crença no consumo)
e, em parte, ampliaria alguns preceitos já delineados pelos primeiros estudos
semióticos sobre o assunto, sobretudo no que diz respeito à consideração da
publicidade como uma forma cultural mais ampla.
Apesar das questões provocadas pelo contato experiencial com os anúncios,
não podemos negar a influência exercida pelos estudos da Escola de Tártu-Moscou
na elaboração da hipótese central que direcionou este trabalho. Constituída na década
de 60 na Universidade de Tártu, na Estônia, a ETM destaca-se pelo desenvolvimento
de uma teoria semiótica da cultura, cujo principal objeto de análise foram os sistemas
semióticos e a interação existente entre eles, mediante os quais é possível detectar
não apenas o movimento da cultura, mas, sobretudo, a contínua reordenação dos
códigos e das linguagens que a constituem. Considerar esse movimento é fundamental
para o entendimento de alguns pressupostos que orientam uma análise sígnica da
cultura, cujos princípios serão apresentados ao longo de todo este estudo.
Com base nessa hipótese principal, foram estabelecidas algumas estratégias
metodológicas para a realização de uma análise mais criteriosa da atual produção
publicitária veiculada em revista. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a
escolha do corpus não considerou o gênero da publicação, tampouco uma determinada
categoria de produto, visto que a ênfase deste trabalho está no entendimento da
contínua reordenação sígnica das mensagens publicitárias, e os aspectos
eminentemente mercadológicos relacionados à veiculação dos anúncios não foram
levados em conta. Assim, foram consultadas as revistas Veja, Cláudia, Nova, Playboy,
Época e Capricho entre 1980 e 2005, além dos Anuários de Criação publicados pelo
Clube de Criação de São Paulo. A seleção teve como critério a opção por peças que
20
apresentavam uma forma compositiva diferenciada, principalmente quando
confrontadas com o padrão diretivo que ainda orienta a criação de parte dos anúncios
impressos. Posteriormente, a observação atenta do material levou-nos a discriminar
alguns caracteres comuns presentes em várias peças, o que nos permitiu delimitar
duas generalizações e/ou categorias de análise que abarcam a totalidade dos anúncios
estudados.
O emprego de categorias como um primeiro passo para a apreensão do objeto
de estudo ajusta-se aos pressupostos que distinguem a abordagem fenomenológica
do conhecimento. Em linhas gerais, a fenomenologia pode ser entendida como
“pura descrição do que aparece ou do que é imediatamente dado” (FERRATER
MORA, 2001:120), livre de qualquer interpretação ou explicação acerca daquilo
que se apresenta ao espírito. Quando transposto para o âmbito do conhecimento,
esse ponto de vista busca descrever o “ato de conhecer” naquilo que ele tem de
mais elementar: a relação estabelecida entre o sujeito “cognoscente” e o objeto do
conhecimento. Ou seja, o conhecimento subentende a apreensão de um “objeto
gnosiológico” por um “sujeito gnosiológico”, ambos envoltos na interação mais
elementar que caracteriza toda e qualquer forma de entendimento.
Ainda em conformidade com a visão fenomenológica, a apreensão imediata
limita-se à descrição das aparências mais diretas do objeto pelo sujeito, independente
de qualquer sujeição teórica pré-estabelecida ou causas que possam explicitar a
razão de ser daquilo que é observado. Todavia, conforme ressalta Ferrater Mora
(2001:120-121), ao ser assimilado por aquele que conhece, o objeto passa a estar
“no” próprio sujeito, sendo essa “presença” manifesta sob forma de uma
representação, de tal maneira que “dizer que o sujeito apreende o objeto equivale a
dizer que o representa” (FERRATER MORA, 2001:120-121).
Tal aspecto, inerente a todo ato cognoscível, torna patente a questão acerca
das representações que se interpõem entre o sujeito e o objeto do conhecimento.
21
Conforme ressalta Ferrara, a segunda metade do século XIX delimita a dissensão
ocorrida entre a ciência e a concepção causal em proveito da consideração da
“dinamicidade do universo flagrado no seu ritmo de mudança e aprisionado em
mediações representativas a fim de que seja passível de elaboração científica, ou
seja, só é possível conhecer através de uma mediação” (FERRARA, 2002:157).
Essa nova formulação evidencia a superação da crença do entendimento absoluto
acerca das coisas, uma vez que o movimento do universo não era tão previsível
quanto se acreditava e, como conseqüência, reconhece-se a parcialidade do
conhecimento, que somente pode efetivar-se mediante uma delimitação da realidade
fenomênica, aliada às representações originadas da assimilação do objeto pelo sujeito.
Lidar com o problema em questão demanda uma discussão epistemológica
mais ampla sobre alguns fundamentos que tornam o conhecimento possível. É com
relação a esse ponto que a Doutrina das Categorias desenvolvida por Charles Sanders
Peirce (1838-1914) oferece, a nosso ver, alguns indicativos sobre a amplitude
representativa que envolve a apreensão daquilo que se pretende conhecer. Da mesma
forma, a formulação realizada pelo autor constitui o fundamento das estratégias
metodológicas delineadas para este estudo.
Para Peirce, a Fenomenologia, também denominada por ele como
Faneroscopia ou Doutrina das Categorias, constitui a primeira das três partes em
que se divide a Filosofia
2
. Na divisão estabelecida por Peirce, cabe à Fenomenologia
a delimitação das categorias mais gerais presentes em todo e qualquer faneron ou
fenômeno, por meio da discriminação das suas características mais elementares.
Segundo o autor, antes de qualquer outra compreensão, compete ao estudioso
de fenomenologia “abrir os olhos do espírito e olhar bem os fenômenos e dizer
quais suas características” (PEIRCE, 1974:23),
o que exige o desprovimento de qualquer
substrato conceitual por parte do observador.
2
Para Peirce, a Filosofia divide-se em
três grandes classes, a saber: a
Fenomenologia, as Ciências Normativas
e a Metafísica.
22
Para isso, são necessárias três competências que se agregam no processo de apreensão
imediata de um faneron. A primeira delas e a mais importante é a faculdade de ver as
coisas tal como elas se apresentam, independente de qualquer outra interpretação.
A segunda está relacionada com a discriminação, isto é, a especificação dos caracteres
distintivos daquilo que é observado. A terceira decorre do “poder generalizador”
(PEIRCE, 1974:22) de uma idéia, capaz de edificar um novo conceito (o mais geral
possível) que abarque um conjunto de singulares.
Ainda de acordo com a fenomenologia desenvolvida por Peirce, os modos
de ser da experiência podem ser apreendidos por meio de três categorias universais,
sendo elas muito gerais e vastas, delimitadas com base na observação direta dos
fenômenos tal como eles se mostram. Essas categorias foram denominadas como
primeiridade ou qualidade; segundidade ou reação; terceiridade, representação ou
mediação. A primeiridade refere-se à apreensão imediata de um objeto tal como ele
se apresenta à mente; envolve uma qualidade de sentimento sem relação com
qualquer outra coisa ou estado. A segundidade implica resistência e confronto; é a
consciência exercendo reação em relação aos “fatos” presentes no mundo. A
terceiridade é a categoria da inteligibilidade e do pensamento, é por ela que
representamos e atribuímos significados às coisas. Mais que uma simples classificação
acerca do modo de aparecer dos fenômenos, a divisão estabelecida por Peirce permite-
nos perceber os processos inerentes a toda e qualquer forma de entendimento,
considerando aquilo que ele tem de mais elementar, ou seja, a relação que se
estabelece entre o sujeito e o objeto do conhecimento.
Um primeiro aspecto a ser pensado para a compreensão do
desdobramento das categorias fenomenológicas em um, dois e três diz respeito
ao que Peirce define como existência, compreendida como um dos modos de
ser da realidade (IBRI, 1992:35-36). Para o autor, são duas as ações operativas
que agem sobre o universo: a ação diádica, mecânica ou dinâmica e a ação
23
triádica, inteligente ou sígnica (SANTAELLA 1992:77). A ação diádica, também
denominada por Peirce como causação ou força bruta, refere-se à ação incitativa
de algo que se projeta sobre alguma outra coisa. Vista sob égide da segundidade,
sob a qual a ação diádica está diretamente relacionada, a existência é aquilo que
se projeta e persiste sobre a consciência a despeito do nosso controle, o que
“nos força a reconhecer um outro diferente do espírito, e nela a Segundidade é
predominante” (PEIRCE, 1974:96).
Boa parte desse mesmo pressuposto é utilizada por Peirce para definir a
experiência pois, igualmente como ocorre com a existência, “toda experiência
consiste em percepção sensível; eu penso que é provavelmente verdade que
cada elemento da experiência é em primeiro lugar aplicado a um objeto externo”
(PEIRCE, 1974:98). A segundidade também constitui um dos fundamentos da
experiência e, por isso, sua atuação se distingue pela força que exerce sobre um
outro. Aliada a este modo de ser, a experiência define-se ainda por um atributo
particular, visto que a especificidade da sua forma de ação decorre da sua
propensão para gerar uma “série de surpresas” (PEIRCE, 1974:27).
Longe de ser apenas um acontecimento imprevisto, a concepção de
surpresa trabalhada por Peirce está diretamente relacionada com a possibilidade
de um fenômeno provocar uma mudança repentina de percepção, o que gera
uma dupla consciência, marcada de um lado pela intromissão súbita de algo
externo que se força sobre o sujeito e, por outro, pela invalidação de uma
representação mental. Tal como é concebida, a experiência desempenha um
papel chave no processo que leva ao entendimento, porque “a experiência é a
nossa única mestra” (PEIRCE, 1974:27). É por meio das surpresas suscitadas
pela experiência que um objeto externo se projeta sobre uma mente, de forma a
romper ou corrigir idéias pré-concebidas que não mais estejam em consonância
com o modo de ser de um dado fenômeno. Dessa forma, “tudo aquilo que a
24
experiência faz então é, gradualmente e por uma espécie de fracionamento,
precipitar e filtrar idéias falsas, eliminando-as, para deixar brotar o jorro poderoso
da verdade” (PEIRCE, 1974:27).
Sendo a experiência aquilo que insiste em oposição à mente, torna-se
possível perceber nessa constância uma propensão ao estabelecimento de
regularidades que, fenomenologicamente, pertencem à categoria da terceiridade.
É essa continuidade, alicerçada pelo regramento, que distingue o modo de ser
da ação triádica. Enquanto a ação diádica age por compulsão ou força bruta, a
triádica relaciona-se com a concepção de causação final, também definida como
ação inteligente ou semiose, sobre a qual incide a idéia de lei desenvolvida por
Peirce.
A concepção de lei característica da terceiridade encontra-se diretamente
relacionada com o conceito de tendencialidade, concebida como a inclinação
ininterrupta do universo a adquirir hábitos novos, isto é, gerar regras de ação. A
aquisição de um hábito estabelece um determinado modo de agir, tanto em
relação a circunstâncias futuras facilmente previsíveis como em situações que
aparentemente não são prováveis (PEIRCE, 1975:58). A correlação entre a ação
habitual e a idéia de causação final visa especificar um modo de proceder orientado
pelo intuito de delimitar especificações as mais gerais possíveis que abarquem
um conjunto de particulares e permitam antever um comportamento futuro,
abalizado na atuação passada daquilo que é observado.
Segundo o autor, a tendência do universo a produzir hábitos constitui o
cerne da categoria da terceiridade, também definida como “generalidade,
infinidade, continuidade, difusão, crescimento e inteligência” (PEIRCE,
1974:99). Por generalidade, entende-se uma representação “geral” capaz de
produzir uma síntese mediadora para a regularidade dos fatos que compõem a
existência, o que permitiria ver antecipadamente uma forma de ação futura.
25
Dessa perspectiva, é possível vislumbrar a interação que se estabelece
entre a segunda e a terceira categoria, pois aquilo que se projeta e insiste sobre
alguma outra coisa se coloca como condição de possibilidade para o
estabelecimento de uma representação que ofereça uma síntese do modo de ser
de um grupo de singulares. Enquanto a segundidade especifica o momento em
que algo se força cegamente sobre um outro, a terceiridade constitui a
representação que interpreta e representa a regularidade daquilo que se mostra,
de forma que:
Quando digo que a proposição geral é da ordem da representação,
quero dizer que se refere a experiências in futuro, que não sei se foram
ou virão a ser todas experienciadas. Quando afirmo que ser é diferente
de ser representado significo que o ser real consiste naquilo que nos é
imposto pela experiência, elemento de compulsão bruta, não mera
questão de razão (...) Contudo, o fato futuro não depende de
representação, mas das reações experienciais que ocorram (PEIRCE,
1974: 36).
A existência material, entendida na sua diversidade, tem sua conduta
regulada, em parte, pela generalidade da lei. É importante ressaltar que essa
regra de ação, tal como é concebida pelo autor, não se reveste de uma fixidez
absoluta, a ponto de rechaçar toda e qualquer forma de mudança causada pela
experiência e que, de alguma forma, “exija” a correção da normatividade
estabelecida pela lei geral.
A tendência do universo a adquirir novos hábitos demanda uma
atualização contínua, ante a irrupção de fatos da existência que, de alguma forma,
não se enquadram numa generalização já consolidada. Além da sua forma de
ação como força bruta, a existência também se caracteriza pelo acaso, ou seja,
pela espontaneidade e liberdade da maneira irregular de ser de certos fenômenos
no modo como eles se mostram à primeira vista. Esse frescor do novo é um dos
traços distintivos centrais da categoria de primeiridade, em que predominam as
26
idéias de “novidade, vida, liberdade”, cuja forma de apreensão ocorre por meio
de uma “sensação, distinta da percepção objetiva, vontade e pensamento”
(PEIRCE, 1974:94). Isso acontece porque a primeiridade se fundamenta em
uma qualidade de sensação muito vaga, uma potencialidade abstrata presente
num dado fenômeno que não o constitui na sua totalidade, de tal forma que,
num primeiro momento, somos incapazes de discernir aquilo que se coloca diante
de nós. A transição para a segundidade se faz presente a partir do instante em
que esse fenômeno subsiste e se força sobre nós, a ponto de começarmos a
discriminar seus traços compositivos. Na sua presentidade, a qualidade de
sensação em si mesma configura-se como um poder-ser ainda não plenamente
realizado, sem relação com nenhuma outra coisa, à mercê do teste da observação
mediante o confronto com uma mente interpretadora. Quando um fenômeno
passa a ser especificado, a imediaticidade da sensação se desfaz em benefício do
embate entre o sujeito e o objeto da experiência.
O acaso ainda pode ser compreendido como um dos responsáveis pela
diversidade das coisas que se forçam sobre nós, pois “a liberdade só se manifesta
na multiplicidade e na variedade incontrolada; e assim o Primeiro torna-se
predominante nas idéias de variedade sem medida e multiplicidade” (PEIRCE,
1974:95) sem a qual a existência seria um todo homogêneo e a experiência
destituída da capacidade de nos surpreender e fazer-nos endireitar falsas
impressões ou concepções errôneas. Um conjunto de individuais que não
conserva um certo grau de persistência na extensionalidade do tempo põe em
cheque a idéia que o representa, o que exige a sua correção. Este “tornar a ver”
ininterrupto evidencia um traço marcante da concepção de falibilismo
desenvolvida por Peirce, visto que, toda representação que não se ajuste às
surpresas promovidas pela experiência tende a ser falsa e, como tal, deve ser
retificada. Nesse sentido, observa-se que, a despeito da segundidade ser um
27
traço marcante da experiência, esta última também se distingue pela busca do
entendimento das coisas que resistem e, por este motivo, se inserem na
continuidade distintiva do modo de ser do universo.
Por fim, o acaso constitui a origem das leis, pois aquilo que irrompe
como qualidade de sensação e persiste compulsivamente conduz ao
estabelecimento de uma representação alicerçada pela tendencialidade do
universo. É no âmbito da terceiridade que a noção de categoria, em Peirce,
apresenta-se na sua plenitude, de tal maneira que “Terceiridade, no sentido da
categoria, é o mesmo que mediação” (PEIRCE apud IBRI, 1992:13). Como foi
destacado ao longo desta explanação, a idéia de categoria à qual nos referiremos
ao longo deste estudo possui um substrato eminentemente fenomenológico, ao
contrário do ponto de vista lógico que quase sempre acompanhou o tema, como
pode ser observado nas obras de Aristóteles e Kant
3
.
Para
Peirce, a palavra possui praticamente o mesmo significado para
todos os filósofos que se propuseram a discuti-la, e é entendida como um
“elemento do fenômeno com uma generalidade de primeira ordem” (1974:23),
3
Na obra Aristotélica, a doutrina das categorias está diretamente relacionada
à lógica, ainda que o assunto seja igualmente abordado pelo autor em várias
partes da metafísica. Boa parte da lógica formal ou aristotélica busca provar
a independência do pensamento e do raciocínio na sua articulação formal
mais abstrata, independente do seu conteúdo e livre de qualquer sujeição a
algo que lhe seja externo. As categorias constituem as formas mais elementares
da lógica e como tais, podem ser entendidas como os “significados
fundamentais do ser” (REALE, 1985:140), ou ainda o “gênero supremo das
coisas” (FERRATER MORA, 2001:80) aos quais todo termo presente numa
proposição deve referir-se. Por meio das categorias, torna-se possível
distinguir o que “é por si” do que “é em função de algo” (BITTAR, 2003:
197), isso porque, as categorias são um modo de ser de algo sem correlação
com qualquer outra coisa, do ser enquanto ser, considerado ontologicamente.
Por si só, as categorias nada afirmam acerca dos objetos, da mesma forma
que os termos isolados não são nem verdadeiros nem falsos. São os juízos que
correlacionam os termos por meio dos predicados verbais (proposições) com
base nos quais é possível afirmar ou negar alguma coisa. Segundo Ferrater
Mora (2001: 80), o entendimento das categorias como “aquilo que é por si”
constitui apenas uma das interpretações sobre a natureza das categorias em
Aristóteles. (Continua na próxima página).
28
de natureza eminentemente predicativa e representativa, pela qual é possível
fazer uma asserção acerca de alguma coisa. Toda generalização presente numa
categoria implica numa idéia geral que, por sua vez, é “essencialmente
predicativa”, sendo da natureza de um único representamen (PEIRCE, 1974:37)
passível de ser atribuído a uma grande variedade de sujeitos.
Quando visto sob a ótica de uma categoria, um fenômeno será sempre
observado por intermédio de uma mediação que, por sua vez, estabelecerá um
preceito para a investigação a ser conduzida. No entanto, é importante reforçar
que, segundo a doutrina das categorias desenvolvida por Peirce, a terceiridade
se institui em correlação com o dado da experiência e, como tal, toda categoria
utilizada para a análise de um objeto deve levar em consideração um arranjo de
Um outro aspecto a ser considerado decorre do ponto de vista semântico,
pois tomados isoladamente, os termos manifestos numa proposição se
agrupam em categorias e, ditos sem enlace, eles podem expressar substância,
quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, situação, condição, ação e
paixão. Nessa acepção, ganha força o entendimento das categorias como
gênero dos predicados de uma proposição, uma vez que “as categorias não
são para Aristóteles somente termos sem enlace não analisáveis ulteriormente,
mas também diversos modos de falar do ser como substância, qualidade,
quantidade, etc., o que seria impossível se não estivesse articulado de acordo
com tais modos de predicação (FERRATER MORA, 2001: 80). Ainda que as
categorias estejam relacionadas “àquilo que é por si”, elas constituem o
fundamento de toda e qualquer forma de ordenação discursiva (BITTAR,
2003: 200). Nesse sentido, observa-se que a problemática das categorias em
Aristóteles também se ocupa da correspondência existente entre realidade e
discurso, ou seja, aos modos possíveis de falar sobre as coisas tal como elas
são. E, considerando a diversidade das naturezas que compõem o real, a
única forma possível de abordá-las seria por meio das figuras de predicação
que se encontram ordenadas em categorias. Desse modo, as categorias
também podem ser entendidas como classes generalíssimas (pois são gêneros
supremos) que permitem dispor e ordenar os predicados fundamentais das
coisas. Por outro lado, Kant formulou uma Doutrina Sistemática das
Categorias, entendendo-as como “conceitos puros do entendimento” que
formalizam o modo como conhecemos as coisas. Ou seja, a forma do
conhecimento é dada pelas categorias inatas da razão, que se referem a
priori aos objetos provenientes da experiência. Nesse caso, ocorre a dedução
transcendental das categorias, ao contrário da Doutrina das Categorias em
Peirce, que decorrem da experiência.
29
particulares que, pela sua repetência, possibilita o estabelecimento de uma
generalização.
Além do mais, a generalidade não tem poder de intervir sobre a existência
daquilo que reage, da mesma forma que a abrangência de uma categoria pressupõe
uma vasta quantidade de reações que, nem sempre, correspondem à diversidade
das coisas existentes (PEIRCE, 1974: 37). Esse aspecto reforça ainda mais a
abrangência representativa que distingue uma categoria, visto que o modo por
meio do qual os individuais se apresentam ou transformam-se pode variar
infinitamente, no entanto, todos eles podem ser observados sob uma mesma
categoria desde que conservem uma tendência evolutiva similar.
Ante a Doutrina das Categorias desenvolvida por Peirce, entendemos
uma categoria epistemológica de análise como uma generalização demarcada
com base no confronto estabelecido entre o objeto e o sujeito cognoscente, cuja
abrangência representativa permite apreender uma tendência no modo de aparecer
de um conjunto de singulares. A definição de uma ou mais categorias de análise
não apenas estabelece uma mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento,
mas também delimita um percurso de pesquisa a ser trilhado, pautado pelo
processo de ver o fenômeno tal como ele aparece, discriminar seus elementos
compositivos e posteriormente representá-lo (ou ainda, “categorizá-lo”). Nessa
perspectiva, entende-se que o conhecimento só é possível por meio das
mediações que permitirão ao sujeito confrontar-se com aquilo que se pretende
conhecer, de modo que
Enfrentar a necessidade de mediação como indispensável à produção
de conhecimento é, de modo perigoso e incontrolável, sair das sombras
do sujeito e enfrentar a complexidade do objeto que, especularmente,
remete ao conhecimento do mundo, dos outros homens e do próprio
sujeito que, sem subjetivismo, reconhece-se na complexidade do próprio
conhecimento que produz. Na relação sujeito/objeto, supera-se a
polarização tradicional sobre o primeiro para confrontá-lo com o objeto
que o desafia, ao mesmo tempo em que o complementa e, radicalmente,
submete suas explicações subjetivas a outras faces complexas do
30
conhecimento. Estamos no auge da mediação e da semiose, traço
fundamental da dimensão epistemológica que assinala, para a atualidade,
uma outra dimensão científica (FERRARA, 2003:60).
A utilização de estratégias metodológicas pautadas pelo processo de “ver,
atentar para e generalizar” (IBRI, 1992:16) confere uma maior mobilidade para
o processo de pesquisa que, antes de tudo, considera a própria inconstância do
objeto de estudo na sua interação com o mundo, evitando assim que este fique
engessado por um método que não permita observá-lo na sua existência
fenomênica. Essa foi uma das razões pelas quais, neste estudo, optou-se por
não adotar um método único que estabelecesse, a priori, um direcionamento
para a análise, porque, se pretendemos estudar o estatuto sistêmico dos anúncios
impressos, eles devem ser observados no seu contínuo devir, livres de um
“programa” que busque regular previamente a diversidade do modo como
“reagem” na cultura.
O contato experiencial com o material selecionado e uma primeira
discriminação dos traços compositivos das peças levou-nos a reconhecer a
persistência de determinadas formas compositivas, mediante as quais foram
estabelecidas duas categorias de análise que abarcam o conjunto dos anúncios.
É importante ressaltar que, mesmo levando em consideração as variações
encontradas em cada uma das duas generalizações traçadas, ainda assim foi
possível detectar duas tendências centrais que direcionam o processo compositivo
dos anúncios. São elas: a concisão e o redesenho. Enquanto a concisão caracteriza-
se pela economia dos elementos que compõem o arranjo sígnico de uma
mensagem, o redesenho parte de um desenho já existente, original e, baseado
nele, novas possibilidades de uso são apresentadas, a partir de alguns aspectos
que distinguem a proposta original.
Apesar de serem representações distintas, em algumas peças, é possível
reconhecer a presença de ambas as categorias, embora uma delas seja dominante.
31
Vários anúncios caracterizados pela concisão também se distinguem pelo
redesenho, enquanto o contrário não ocorre. Essa diferença, por sua vez, também
pode ser entendida pelo ponto de vista fenomenológico. De acordo com Peirce,
cabe à fenomenologia não apenas delimitar um catálogo de categorias, mas
também especificar as características de cada uma delas, além de detectar
possíveis redundâncias e estabelecer a correlação existente entre cada uma
(PEIRCE, 1974:23). Desse ponto de vista, as categorias consideradas particulares
possuem uma constituição muito distinta das categorias universais. Ao estabelecer
as categorias de primeiridade, segundidade e terceiridade, Peirce definiu três
generalizações que especificam o modo de aparecer de todo e qualquer fenômeno
e, por isso, todas elas são consideradas categorias universais. E por serem
universais, “pertencem a todo fenômeno, talvez uma sendo mais proeminente
que a outra num aspecto do fenômeno, mas todas pertencendo a qualquer
fenômeno” (PEIRCE, 1974:23).
Por outro lado, as categorias particulares especificam o modo de aparecer
de um conjunto de singulares, delimitados por um recorte metodológico, de tal
forma que as generalizações definidas para um grupo reduzido não podem ser
impostas a outro. Além disso, como não se caracterizam pela universalidade, as
categorias particulares não aparecem todas ao mesmo tempo num dado
fenômeno, visto que, “as categorias particulares formam uma série, ou conjunto
de séries, estando presente num fenômeno apenas uma de cada vez, ou ao menos
nele predominando” (PEIRCE, 1974:23). Isso não impede que diferentes
categorias apareçam simultaneamente num mesmo fenômeno, ainda que uma
possa prevalecer sobre a outra, porém esse fato não constitui uma regra, o que
possibilita a existência de casos em que haja uma espécie de “revezamento”
entre as diferentes categorias identificadas em um único grupo observado.
32
Tal é, a nosso ver, o processo que explica a aparição conjunta de duas
categorias num grupo de anúncios, o que não ocorre com o outro bloco, ambos
considerados na amplitude do corpus selecionado para este estudo. A comparação
entre as peças alocadas em cada uma das categorias permitiu-nos verificar que,
em um dos casos, a concisão se coloca como dominante, sendo o redesenho
uma conseqüência da síntese compositiva, ao passo que nem todas as peças
caracterizadas pelo redesenho se distinguem também pela concisão.
Entendida como uma categoria dominante que não exclui uma outra, a
concisão exerce uma ingerência decisiva no modo de ordenação de um conjunto
de anúncios, a ponto de contaminar decisivamente todas as relações estabelecidas
no interior da mensagem. É essa forma compositiva que acarreta o redesenho
das peças. Por outro lado, há um segundo grupo de anúncios em que o redesenho
não se coloca como conseqüência da concisão, constituindo-se assim como uma
segunda categoria de análise.
O percurso analítico sugerido pela hipótese central, em conjunto com as
categorias da concisão e do redesenho, direcionaram a sistematização desta tese
em quatro capítulos. No primeiro, são apresentados os preceitos básicos que
orientam a abordagem semiótica da cultura desenvolvida pelos teóricos da Escola
de Tártu-Moscou, por meio dos quais é possível delimitar os anúncios como
textos culturais. Também neste capítulo, o conceito de mídia é discutido segundo
o ponto de vista semiótico, aliado ao entendimento desenvolvido por Marshall
McLuhan acerca dos efeitos que um meio é capaz de produzir na cultura. Essa
compreensão é indispensável para este estudo, uma vez que os anúncios apenas
podem ser demarcados como textos culturais porque interagem com o ambiente
produzido pelas mídias.
Logo no início do segundo capítulo, é apresentado um panorama geral
sobre o ambiente edificado pela tecnologia elétrica, o qual gerou mediações que
33
se interpõem na elaboração dos anúncios, o que resulta na formação de textos
culturais publicitários que, pela concisão compositiva, exigem cada vez mais a
participação do receptor para completar os “buracos” presentes nas peças. Para
tal, é retomado o conceito de “ecologia da mídia”, desenvolvido por Marshall
McLuhan, que especifica a interação existente entre diferentes meios, e a esta
definição é correlacionada a compreensão sobre a semiosfera, estudada por Iuri
Lótman, que delimita o “espaço de relações” onde ocorrem as trocas
informacionais entre os diferentes sistemas modelizantes presentes na cultura.
A partir daí, é realizada a análise de três grupos de peças que, de forma geral,
sintetizam o modo como a concisão é trabalhada nos anúncios publicitários.
São eles: a espacialização do verbal na página, a utilização do suporte como
parte do arranjo textual e o diálogo com o minimalismo. Em especial, no primeiro
grupo, é feita a discussão sobre o uso do suporte como parte do arranjo textual
e, para isso, é apresentado o conceito de midiasfera, desenvolvido pelo historiador
Régis Debray, que situa os dispositivos materiais de inscrição como parte da
semiosfera.
O terceiro capítulo discute os fundamentos de uma “retórica do
entretenimento”, uma vez que o diálogo com diferentes sistemas modelizantes
fez com que o traço retórico que distingue os anúncios sofresse uma profunda
reversão, de forma que em vez de persuadir para ratificar a crença do consumo,
os anúncios selecionados para este estudo indicam a presença de uma retórica
que, antes de tudo, visa entreter. Essa observação tem como substrato a
compreensão da publicidade como parte do circuito edificado pelas mídias e,
como tal, cabe a ela também incitar a aproximação entre diferentes códigos e
linguagens, propiciando a formação do tropo retórico, que constrói um enigma a
ser desvendado pelo receptor.
34
No último capítulo, o redesenho é apresentado como uma possibilidade de
reescritura não apenas da linguagem publicitária impressa, como também da
espacialidade construída pelos anúncios. Nesse sentido, a espacialidade é
entendida como uma forma de representação do espaço, mediante a qual ele
efetivamente pode ser apreendido. A análise das peças selecionadas para esse
capítulo privilegiou o estabelecimento de uma seqüência calcada no contínuo
aumento de complexidade dos arranjos textuais, em que se observa,
primeiramente, o uso do suporte como parte da mensagem publicitária, por meio
daquilo que é inerente ao próprio dispositivo, seguido pela redefinição do corte
do suporte-revista e, por fim, a transformação da totalidade da revista num
anúncio, o que especifica a ação da publicidade também como mídia.
Este percurso explicita não apenas o redesenho dos anúncios, mas também
a maneira como eles próprios construíram uma nova espacialidade para o suporte
e a mídia revista, provocando igualmente o redesenho de ambos.
35
1. Os anúncios publicitários
como textos da cultura
36
Vista da perspectiva meramente mecadológica, a publicidade possui uma
finalidade muito bem delimitada, ou seja, promover a venda de produtos e
serviços. Ao ratificar a todo instante a crença no consumo, a atividade publicitária
explicita o papel de destaque que desempenha num sistema produtivo que tem
na troca de mercadorias um dos seus principais pilares. Daí decorre uma forma
de abordagem que sempre a acompanhou, pois a valorização da sua
funcionalidade mercadológica, considerada ferramenta persuasiva na relação
entre um produto e seu público alvo resultou, com freqüência, na redução da
publicidade a um conjunto de técnicas utilizadas para vender, tornando-a um
braço importante do marketing
4
, a ponto de ser confundida com ele. Isso ocorre
porque todo planejamento publicitário se
insere num plano mercadológico mais
abrangente, em que é realizada uma
avaliação do mercado e do desempenho
de vendas do produto a ser divulgado,
com base no qual são estabelecidas as
finalidades comerciais a serem alcançadas
que, por sua vez, orientarão a campanha
e a confecção futura das peças.
1.
4
De acordo com a primeira definição
realizada em 1960 pela American Market-
ing Association, o marketing constitui o
“desempenho das atividades de negócios
que dirigem o fluxo de bens e serviços do
produtor ao consumidor ou finalizador”.
Com base nessa conceituação, observa-se
que o marketing consiste num conjunto de
atividades que envolve o desenvolvimento e
a distribuição de produtos, o que faz dele
uma área específica da administração, ao
passo que a publicidade constitui uma
esfera eminentemente comunicativa. Por
isso, ainda que haja uma forte interação
entre eles, tomar um pelo outro é um grande
equívoco.
37
Não obstante esse aspecto comercial, a publicidade também se distingue
por sua qualidade comunicativa, cuja materialidade é apreendida pelos anúncios,
que são as mensagens confeccionadas e transmitidas de um pólo a outro com o
intuito de produzir uma resposta de compra. Quando aludimos à publicidade
sob a óptica comunicacional, estamos nos referindo ao conceito mais elementar
de comunicação, que significa “tornar comum” ou, ainda, como ressalta Thomas
A. Sebeok (1997:50): “Num sentido mais amplo, a comunicação pode ser vista
como a transmissão de qualquer influência de uma parte do sistema vivente
para outra, produzindo mudança. São as mensagens que estão sendo
transmitidas”. Comunicar implica a emissão, o transporte e a recepção de uma
mensagem de um ponto a outro, visando difundir algo que provoque alguma
transformação. Dessa perspectiva, os anúncios constituiriam as mensagens
características da chamada comunicação mercadológica, termo este criado para
distinguir os processos de comunicação que objetivam incitar a compra de um
produto ou serviço.
Todavia, considerada na sua amplitude, seria um erro demarcar a função
comunicativa da publicidade unicamente em razão do objetivo comercial dos
anúncios. Ainda em conformidade com Sebeok, toda mensagem “é um signo ou
consiste numa cadeia de signos” (1997:51), o que implica dizer que toda
mensagem constitui uma representação que está no lugar de alguma outra coisa
para um ente, no qual ocorre a geração de significados que, muitas vezes, podem
ultrapassar aqueles previstos pelo objetivo que direcionou a elaboração do arranjo
sígnico. Em vista disso, apesar da finalidade mercadológica que orienta a
confecção dos anúncios, também é preciso atentar para a constituição sígnica
das peças publicitárias e para a produção de significados nem sempre relacionados
com o consumo. Esse outro ponto de vista permite-nos vislumbrar um papel
para os anúncios que vai muito além da mera alusão à compra.
38
O entendimento da função comunicativa exercida pelos anúncios pode ser
elucidado por um pequeno trecho presente na obra realizada por Mikhail Bakhtin
(1895-1975), intitulada A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. O contexto
de François Rabelais, em que o autor aborda as fontes populares presentes na obra
de Rabelais. Dentre outros assuntos, Bakhtin ressalta o papel exercido pela praça
pública e suas diferentes “vozes” no trabalho do escritor francês, nas quais
destaca-se a influência estilística desempenhada pelos “pregões”, principalmente
os chamados “pregões de Paris”.
Esses “pregões” eram os reclamos ditos em voz alta pelos mercadores da
capital francesa, cada qual composto por uma quadra (estrofe de quatro versos),
formada por um ritmo e uma rima própria, destinada a enaltecer e descrever as
características da mercadoria anunciada. Todo reclamo, assim como os mandados
judiciais, leis, etc., eram gritados em voz alta, sendo difundidos para a população
exclusivamente por meio comunicação oral.
Bakhtin reconhece essas falas como “cultura da língua vulgar” (1996:157),
e ressalta a importância documental delas, não apenas para a história, mas também
para a língua e a literatura, visto que tais pregões “não tinham, com efeito, o
caráter específico e limitado da publicidade moderna, como aliás a própria
literatura nos seus gêneros mais elevados não estava fechada aos gêneros e
formas da língua humana, por mais práticas e de ‘baixo nível’ que fossem”
(BAKHTIN, 1996:157).
A despeito do caráter mercantil dos reclamos, estes foram observados tanto
por Rabelais como por Bakhtin como formas comunicativas capazes de indiciar
determinados traços característicos de uma época, de modo que o “pregão”,
ainda que considerado o gênero popular mais simples dentre os demais, foi
entendido como uma mensagem que, de alguma forma, “armazenava” algum
39
outro dado sobre a cultura que ia além da mera alusão ao consumo, a ponto de
contaminar outras formas expressivas, tal como a literatura.
Embora os “pregões de Paris” tenham uma constituição muito distinta dos
anúncios atuais, da mesma forma que o entorno cultural de ambas as épocas
não se confundem, a análise feita por Bakhtin sobre os pregões de Paris
exemplifica a possibilidade de observação dos anúncios sob um outro ponto de
vista, em que sobressai o entendimento dos reclamos como textos da cultura. É
por isso que a breve alusão aos “pregões” feita por Bakhtin nos é tão cara. Ao
considerar o diálogo que os pregões estabelecem com outras linguagens, o autor
insere as mensagens persuasivas numa perspectiva comunicacional mais ampla,
a fim de não restringi-las apenas às transmissões realizadas entre indivíduos.
Por essa razão, neste estudo, os anúncios não serão reduzidos ao campo da
“comunicação mercadológica”, visto que a função comunicativa que eles exercem
é bem mais abrangente que a simples menção ao consumo, sendo assim agrupados
sob o título “comunicação publicitária” que, conforme será visto, implica uma
compreensão mais alargada do desempenho exercido pelas mensagens
publicitárias no devir da cultura.
1.1. A concisão e o redesenho como textos culturais
Como foi elucidado na introdução deste estudo, a concisão e o redesenho
referem-se a duas categorias delimitadas para a análise dos anúncios selecionados
para este estudo. A recorrência com que uma e outra se mostram nas peças
publicitárias nos fez supor que ambas constituem um forte indicativo de
transformações significativas operacionalizadas no âmbito da comunicação
publicitária e, por isso, mereceriam um exame mais atento.
40
Toda categoria constitui uma generalidade e, como tal, indica uma
tendência referente ao modo como os fenômenos reagem no mundo. Deste
aspecto, observar os anúncios, segundo uma determinada categoria, leva-nos a
discriminar as peças de acordo com uma síntese mediadora que, de alguma forma,
estabelece um direcionamento para a análise. Tal direcionamento, por sua vez,
não é casual, mas decorre de uma correspondência de fato estabelecida entre a
representação predicativa e a condição de existência do objeto observado. Assim
sendo, entendidas sob a perspectiva de uma estratégia metodológica definida
para este estudo, a concisão e o redesenho consistem em duas categorias
epistemológicas que permitem sistematizar relações e esclarecer os vínculos
existentes entre as peças publicitárias e outros sistemas culturais. Demarcá-las
com base na observação dos próprios anúncios possibilita estabelecer uma
correspondência entre o entendimento dessas mensagens e a maneira como elas
reagem na cultura. Também é preciso ter em conta que a propensão delineada
por uma categoria não está livre de uma correção, decorrente da irrupção fortuita
de determinados fenômenos que não se ajustam a uma generalização já
estabelecida.
Por outro lado, considerando a compreensão dos anúncios como textos
culturais, a concisão e o redesenho também sinalizam a existência de
determinados traços que distinguem os arranjos sígnicos de um conjunto
significativo de peças, mesmo que o modo como esses vestígios se manifestem
possa ser extremamente diversificado. Entretanto, desde que tais variações
apresentem uma tendência evolutiva similar, todas elas podem ser observadas
sob a égide de uma mesma generalização. Por esse motivo, quando vista da
óptica exclusiva da existência fenomênica dos anúncios, a concisão e o redesenho
constituem formas de organização de linguagem nas quais se destaca ora a
retenção dos contornos essenciais de uma mensagem, ora a redefinição da
41
linguagem com base na memória inscrita nos próprios signos. Como foi dito,
apenas posteriormente, após a detecção da alta incidência com que aparecem
nos anúncios, a concisão e o redesenho foram situados como duas categorias
epistemológicas restritas ao âmbito das questões que este estudo pretende discutir.
Entender os anúncios como textos culturais exige a compreensão do conceito
de “texto” como todo arranjo sígnico produzido por um dado sistema,
independente dos códigos utilizados, sejam eles o verbal, o visual, o sonoro, etc.
Essa formulação, desenvolvida pelos teóricos da Escola de Tártu-Moscou,
evidencia a possibilidade de observação da cultura com base nos diferentes
sistemas de linguagem que a constituem. Tendo como alicerce esse preceito,
durante a década de 60, foi edificada uma nova disciplina na Universidade de
Tártu, Estônia, intitulada “Semiótica da Cultura” que, segundo Iúri Lótman
(1922-1993), um dos seus principais representantes, visa examinar “la interacción
de sistemas semióticos diversamente estructurados, la no uniformidad interna
del espacio semiótico, la necesidad del poliglotismo cultural y semiótico”
(LÓTMAN, 1996:78).
Os objetivos delimitados por Lótman para a Semiótica da cultura também
evidenciam alguns dos seus principais fundamentos, sobretudo no tocante ao
principal objeto de estudo da ETM que, segundo Irene Machado (2003:37), não
é propriamente a cultura, mas seus sistemas de signos que, em diálogo, produzem
os textos culturais. Em outro trecho redigido pelo autor, similar ao que foi
anteriormente apresentado, Lótman ressalta que “la cultura es en principio
políglota, y sus textos siempre se realizan en el espacio de por lo menos dos
sistemas semióticos” (1996:85).
Embora essa definição não esgote a amplitude do conceito de cultura
desenvolvido pela ETM, ela constitui um ponto de partida fundamental para a
compreensão da íntima correlação existente entre cultura, sistema e texto. Isso
42
ocorre, porque o movimento da cultura pressupõe a interação entre diferentes
sistemas semióticos ou sistemas modelizantes, pelos quais é possível apreender
a edificação das mais variadas formas de linguagem.
É importante ressaltar que, para os semioticistas da cultura, um sistema não
é definido como uma “estrutura estanque”, cujos elementos constituintes se
apresentam pré-determinados, da mesma forma que ele nunca se apresenta
“acabado” e “pronto” para um observador, pois o contínuo diálogo estabelecido
entre diferentes sistemas imprime neles um devir ininterrupto.
Um sistema é sempre um todo ordenado, sendo continuamente construído.
Isso não implica dizer que ocorre o hibridismo entre duas formações distintas,
mas que um dado sistema funciona como uma espécie de programa operacional
para a reformulação de outro. Tal processo é fundamental para a compreensão
da atividade dos sistemas modelizantes, visto que, sobretudo em relação à
dinâmica cultural, modelizar significa estabelecer correlações entre diferentes
ordenações.
A delimitação de um sistema como “modelizante” decorre do conceito de
modelização, elaborado primeiramente pela
Cibernética, uma das muitas áreas do conhecimento com
as quais a Semiótica da Cultura estabeleceu um intenso
diálogo
5
. Em linhas gerais, a Cibernética entende os
organismos vivos e as máquinas artificiais como
sistemas de controle que transformam mensagens de
entrada (input) em mensagens de saída (output) (DUPUY,
1996:47).
Dessa perspectiva, a modelização encontra-se
relacionada à elaboração de modelos (formas abstratas)
baseados na realidade fenomênica dos objetos
5
Segundo Irene Machado
(2003:55), a Semiótica da
Cultura pode ser definida
como um “campo
transdisciplinar”, em virtude
do intercâmbio que seus
autores estabeleceram entre
diferentes áreas do
conhecimento. São elas: a
Teoria Literária, a Lingüística
Estrutural, a Semiótica, a
Crítica de Arte, a Cibernética,
a Teoria da Informação e da
Comunicação, a Lógica
Matemática, a Etnologia, a
Antropologia, a Biologia
Molecular, a Neurobiologia, a
Neurolingüística e a Ecologia
Cognitiva.
43
observados, visando melhor apreender o funcionamento destes para,
posteriormente, dominá-los, pois “o fato de abstrair a forma dos fenômenos e,
com isso mesmo, de se tornar capaz de balizar isomorfismos entre domínios
diferentes é o procedimento modelizador por excelência, é o próprio
procedimento científico” (DUPUY, 1996:49).
No entanto, para os semioticistas da cultura, o termo modelização reveste-
se de uma outra acepção, dado que modelizar não pressupõe a realização ou
adoção de modelos, mas refere-se a um sistema visto como um conjunto de
invariáveis dentro de variáveis. Para se constituir enquanto tal, os componentes
que formam um sistema sígnico, isto é, os códigos, precisam compartilhar alguns
níveis comuns. Esse “elemento comum”, que impede o desfazimento do sistema
é visto como o dado invariante, pois é ele que possibilita o seu reconhecimento
como uma entidade ordenada. Por outro lado, todo sistema possui um entorno e
estabelece contínuas trocas com outros conjuntos, de modo que as mensagens
externas são “filtradas”, acarretando a contínua reordenação das formações
sistêmicas. Tais dados procedentes de outras esferas são as variantes, uma vez
que sua “presença” num sistema depende da correlação estabelecida com outras
conformações sígnicas.
Ainda que o conceito de modelização trabalhado pelos teóricos da ETM
não seja o mesmo desenvolvido pela Cibernética, percebe-se que os primeiros
também entendem os sistemas culturais como organismos que alteram as
mensagens recebidas pelo entorno em mensagens de saída, da mesma forma
que os concebem como portadores de alguns mecanismos de controle, definidos
como invariantes. Por outro lado, a Cibernética parece desconsiderar a ingerência
exercida pelas variáveis no devir dos sistemas, ao passo que a Semiótica da
Cultura, ao atentar para esses elementos, enfatiza a impossibilidade de delinear
uma regularidade que permita definir um modelo de funcionamento único para
44
uma dada organização sistêmica. Por esse motivo, no campo da modelização
semiótica, os componentes de um sistema nunca são analisados isoladamente,
pois o que se pretende apreender é a interação que se estabelece entre eles,
considerando inclusive as variáveis.
Para que a modelização ocorra, é indispensável o contato dialógico
estabelecido entre dois ou mais sistemas modelizantes. O dialogismo, entendido
como ciência das relações, foi primeiramente definido por Mikhail Bakhtin, e
constitui um dos princípios básicos para a compreensão da interação estabelecida
entre diferentes sistemas. Em linhas gerais, Bakhtin define o dialogismo pelo diálogo
ininterrupto, nem sempre equilibrado e harmônico, estabelecido entre diferentes
esferas da cultura. Sem esse intercâmbio, a ambivalência e a heterogeneidade
semiótica dos sistemas modelizantes não poderia se constituir como tal. Inclusive,
Lótman (1998:75) enfatiza que foi Bakhtin quem primeiro definiu a ambivalência
como um fenômeno semiótico-cultural determinado.
Segundo a Semiótica da Cultura, a modelização constitui um dos
“dispositivos codificantes” (2000:185) centrais da cultura, sem a qual ela não poderia
desempenhar uma das suas principais funções, ou seja “organizar estructuralmente
el mundo que rodea al hombre” (LÓTMAN, 2000:171). Para tal, a cultura
debe poseer algunas propiedades obligatorias. Entre ellas, para nosotros,
ahora, dos son esenciales. 1. Debe poseer uma alta capacidad
modelizante, es decir: o describir el más amplio círculo de objetos,
incluindo el número más amplio posible de objetos aún desconocidos
(...) 2. Su sistemicidad debe ser percibida por la coletividad que lo utiliza
como un instrumento de dar sistema a lo amorfo (LÓTMAN,
2000:185).
As duas propriedades da cultura apontadas por Lótman complementam-se,
visto que a modelização permite “descrever” os diferentes sistemas culturais
existentes mediante a delimitação do tipo de linguagem distintiva de cada um
deles que, do contrário, poderia parecer um todo indiferenciado ou “amorfo”,
45
segundo o autor. Para tal, os semioticistas da cultura basearam-se no modelo da
língua natural, o que fez com que esta fosse delimitada como sistema modelizante
primário, enquanto outras formas expressivas, como a literatura, o teatro, o
cinema, etc. são considerados sistemas modelizantes secundários.
Essa separação entre primário e secundário não significa que um decorre do
outro, nem tampouco que as linguagens relacionadas aos sistemas secundários
sigam exatamente o mesmo princípio que rege o funcionamento da língua. Nesse
caso, entende-se que, para exercer seu papel, “la cultura debe tener dentro de sí
um “dispositivo estandarizante” estrutural. Esa función suya es desempeñada
exactamente por el lenguaje natural” (LÓTMAN, 2000:171), que serviu de
“referência” para situar os demais sistemas como entidades ordenadas.
Não há como negar a influência exercida pelas idéias do lingüista russo
Roman Jakobson (1896-1982) na distinção realizada pelos semioticistas da
cultura entre o sistema modelizante primário e os secundários. Apesar de
reconhecer a existência de outras linguagens além daquela relacionada ao código
verbal, quase toda a obra de Jakobson destina-se a entender o funcionamento
da linguagem natural. Para o autor, ela é dotada de uma estrutura marcada por
um duplo caráter, em que é possível reconhecer dois modos distintos de arranjo:
a combinação e a seleção, ou ainda, os eixos da contigüidade e da similaridade.
Enquanto o primeiro diz respeito ao encadeamento linear de um signo com
outros, de maneira que uma ordenação lingüística serve de referência para
unidades mais simples ou encontra seu contexto em outras mais complexas; a
seleção ou eixo da similaridade implica a escolha de termos equivalentes passíveis
de serem substituídos um pelo outro (JAKOBSON, 1971:39-40). Como todo
processo de fala exige a seleção de palavras e a combinação destas em frases
que posteriormente formarão enunciados, a estrutura de funcionamento da
46
linguagem pressupõe necessariamente uma dupla articulação, ou seja: a projeção
do eixo da similaridade sobre o eixo da contigüidade.
Essa forma de ordenação, muito característica da linguagem verbal, não foi
aplicada da mesma maneira para os sistemas modelizantes secundários pelos
semioticistas da cultura; todavia, a estrutura definida por Jakobson em relação
ao signo verbal constituiu a base para apreender os demais conjuntos sistêmicos
como portadores de uma ordenação. Por esse motivo, ainda que a linguagem
natural não consista numa norma a ser reproduzida por outras unidades culturais,
ela “dota a los miembros de la coletividad de un sentido intuitivo de la
estructuralidad; precisamente él, con su evidente sistemicidad” (LÓTMAN,
2000:171).
Os teóricos da ETM entendem que o funcionamento dos demais sistemas
presentes na cultura não deriva de uma estrutura única, “original”, mas decorre
da estruturalidade, definida como um “dinamismo modelizante” (MACHADO,
2003:158) que permite apreender a edificação de uma forma de linguagem que,
longe de ser determinada por uma norma válida indistintamente, pressupõe a
interação estabelecida entre diferentes sistemas. Se a modelização subentende a
interação entre as invariáveis e as variáveis, sendo estas últimas decorrentes do
diálogo com outras esferas, então, a linguagem sempre será construída com base
nas trocas efetuadas entre diferentes sistemas, o que impede a adoção de um
modelo único dado de antemão. Aliada à capacidade modelizante, a
estruturalidade constituiria uma das propriedades centrais da cultura, visto que
não há linguagem que não esteja imersa na cultura, da mesma forma que não há
cultura que não possua no seu centro um mecanismo capaz de conferir
estruturalidade aos sistemas (LÓTMAN, 2000:170-171).
Observa-se que o conceito de linguagem trabalhado pelos semioticistas da
cultura possui uma dimensão um pouco maior em comparação àquele
47
desenvolvido por Jakobson. Enquanto este último define a linguagem como
uma estrutura calcada na atividade de seleção e combinação, os primeiros a
entendem como todo e qualquer sistema modelizante capaz de comunicar-se
por meio de signos dotados de um mínimo de organização, em que “la presunción
de estructuralidad, formada como resultado del hábito del trato mediante a
lenguaje, ejerce una poderosa acción organizadora sobre todo el complejo de los
recursos comunicativos” (LÓTMAN, 2000:171), o que faz com que a
estruturalidade seja um dos preceitos básicos para o entendimento da linguagem.
Por sua vez, essa compreensão mais alargada, que não restringe a linguagem a
uma ordenação acabada, também foi ampliada para a compreensão dos códigos.
Mais uma vez, as idéias desenvolvidas por Roman Jakobson foram decisivas
na formulação realizada pelos teóricos da ETM. Isso porque, o lingüista russo
entende o código não apenas pelo seu aspecto normativo, mas também o
reconhece como um organismo aberto, sujeito a transformações. Inclusive,
Jakobson (1971:39) enfatiza os diferentes graus de liberdade a que estamos
sujeitos quando concatenamos diferentes unidades lingüísticas, o que levanta a
questão acerca a ingerência unilateral do código. Por exemplo, na combinação
de fonemas, a intervenção do sujeito é praticamente nula, visto que o código já
estabeleceu todas as possibilidades de encadeamento. A reunião de palavras
para a composição de frases imprime um maior poder de decisão ao usuário da
língua, ao passo que a utilização de frases para a construção de enunciados
encontra-se livre da ação coercitiva do código. Aliada a esse aspecto, Jakobson
também salienta a “pluralidade” da linguagem, o que a impede de ser codificada
por um conjunto único de regras não modificáveis ao longo do tempo. Para ele,
o código não se resume a uma norma única, mas divide-se em subcódigos, cujas
regras nem sempre estão claramente explicitadas, pois
48
A linguagem nunca é monolítica: seu código total inclui um conjunto
de subcódigos: questões como a das regras de transformação do código
central, plenamente satisfatório e explícito, em subcódigos elípticos, e a
da comparação quanto ao teor de informação veiculada, exigem ser
tratadas ao mesmo tempo pelos lingüistas e pelos engenheiros. O código
conversível da língua, com todas as suas flutuações de subcódigo para
subcódigo e todas as mudanças que sofre continuamente, exige uma
descrição sistemática e conjunta pela Lingüística e pela teoria da
comunicação (JAKOBSON, 1971:79).
A compreensão do código implica lidar simultaneamente com essa dupla
perspectiva, na qual ele é tanto um conjunto demarcado, regido por determinadas
expectativas combinatórias, como um sistema aberto. Ante tal definição mais
alargada do código, comparada àquela desenvolvida pela lingüística, Jakobson
irá delimitá-lo mediante seus “traços distintivos” (1971: 78). O autor já havia se
referido anteriormente aos fonemas como “feixes de traços distintivos”
(1971:38), visto que é na oposição entre diferentes unidades do sistema sonoro
da língua que se capta a escolha lingüística feita pelo emissor. É pela combinação
de fonemas em enunciados mais complexos e destes em contextos mais amplos
que a oposição estabelecida entre os feixes de traços é apreendida. Ou seja,
embora o código imponha restrições à combinação entre fonemas, é no contraste
de unidades precedentes e subseqüentes presentes numa série que ocorre o
reconhecimento de uma entidade sonora da língua.
Em relação ao código, Jakobson (1971:78) acrescenta, ainda, que seus
traços distintivos “ocorrem literalmente e funcionam realmente na comunicação
falada”, dado que é na construção de seqüências nas quais influem sugestões
advindas do contexto, seja ele verbal ou não verbal, que ocorre a seleção dos
traços a serem combinados. Assim, “o conjunto de escolhas por sim ou não que
está subjacente em cada feixe desses traços discretos não é combinado
arbitrariamente pelo lingüista mas efetuado realmente pelo destinatário da
mensagem” (JAKOBSON, 1971:78). Desse modo, o contexto mais amplo do
49
enunciado influencia decisivamente no uso que será realizado do código e na
interpretação das suas unidades, o que viabilizaria romper com algumas regras
pré-estabelecidas. Como ocorre com os fonemas, a delimitação do código
mediante seus traços distintivos parece indicar que é nas relações opositivas e
nas situações de fala que as transformações e os subcódigos que formam um
código mais amplo são assimilados.
Semelhante é a perspectiva adotada pelos semioticistas da cultura para
apontar o exato sentido do código. Longe de ser um organismo rígido, os códigos
constituem sistemas flexíveis caracterizados por uma mobilidade decorrente da
interação estabelecida entre diferentes sistemas. Do mesmo modo que a
linguagem, a amplitude do conceito de código só pode ser apreendida se nos
reportarmos à interação estabelecida entre diferentes unidades culturais, pois
Los códigos no se presentarán aquí como sistemas rígidos, sino como
jerarquías complejas, con la particularidad de que determinados niveles
de los mismos deben ser comunes y formar conjuntos que se intersequen,
pero en otro niveles aumenta la gama de la intraducibilidad, de las
diversas convenciones con distinto grado de convencionalidad
(LÓTMAN, 1998:14).
Segundo Lótman (1996:29-31), uma das leis que rege as formações
semióticas se refere à irregularidade interna ou hierarquia complexa, que
caracteriza a divisão interna do “espaço da cultura” em núcleo e periferia. Nos
sistemas, o núcleo ocupa uma posição dominante, ou seja, é ele que mantém a
integralidade do todo e, em decorrência, seu devir na cultura é menos permeável
às trocas operacionalizadas com outras esferas sígnicas. Por outro lado, a periferia
distingue-se por uma organização menos rígida, tornando-se mais flexível aos
processos tradutórios e à dinâmica cultural.
Apesar dessa distinção, centro e periferia constituem instâncias redutíveis
entre si, visto que tanto os elementos periféricos são contaminados pelo ponto
50
central quanto este último pode apartar-se da posição nuclear, “cedendo” lugar
para setores até então localizados na periferia. Tal mobilidade, por sua vez, não
pode ser determinada de antemão, pois a mudança da disposição ocupada por
centro e periferia num determinado sistema sígnico decorre do processo tradutório
que uma unidade estabelece com seu entorno.
Entendido como uma hierarquia complexa, o código é composto por
níveis rígidos e outros mais flexíveis, cujas posições ocupadas por ambos podem
ser alteradas em razão das trocas realizadas entre diferentes sistemas. Nesse
sentido, a ação do código na cultura não se restringe aos processos de codificação
e decodificação, mas implica também a recodificação, ou seja, “a passagem de
um código a outro” (JAKOBSON, 1971:82), na qual a aparente impossibilidade
de tradução entre os níveis ou traços distintivos presentes em dois ou mais
códigos pode resultar não apenas numa subversão das posições ocupadas entre
centro e periferia, mas, sobretudo, na edificação de um código novo.
Inúmeros são os trechos presentes na obra de Iuri Lótman em que o
autor enfatiza a importância da “intraduzibilidade” entre os níveis constituintes
de dois ou mais códigos. Inclusive, a “intraduzibilidade” parece constituir o
preceito básico para a compreensão dos processos tradutórios operacionalizados
entre diferentes sistemas modelizantes. Segundo o autor, a aparente
impossibilidade de trasladar um código para outro exige a formação de um “cierto
repertorio de traducciones ‘corretas’ (posibles), lo qual hace indispensable la
existencia de un mecanismo de corrección” (1998:20). Assim, busca-se
estabelecer equivalências entre os traços distintivos de diferentes códigos, sobre
os quais algumas alternativas são selecionadas, sobretudo em relação aos níveis
periféricos, cujo resultado, muitas vezes, aponta para a edificação de um código
até então inusitado. Esse fato amplifica a capacidade de um determinado sistema
para produzir linguagem. Toda linguagem pressupõe a existência de códigos,
51
porém só o código não garante a linguagem, pois esta decorre das modelizações
operacionalizadas no contato de um sistema com seu entorno. Além disso, da
mesma forma que a delimitação de um código pelos seus traços distintivos torna
patente o seu movimento ininterrupto, também a linguagem é descrita pelos
seus traços, dado que, igualmente, se encontra em contínua reordenação.
Por seu turno, a modelização somente pode ser apreendida na
materialidade dos textos produzidos pelos sistemas modelizantes. Como unidades
de significação mínima da cultura, é na concretude dos textos culturais que
podemos conhecer o processo de codificação da cultura. Longe de esgotar a
abrangência que o conceito de texto possui para a Semiótica da Cultura, cuja
abordagem será ampliada ao longo de todo este estudo, partiremos de um preceito
básico para defini-lo, tal como aponta Iuri Lótman quando afirma que “para que
un mensaje dado pueda ser definido como ‘texto’, deve estar codificado, como
mínimo, dos veces” (1996:78).
A palavra texto deriva do latim textu e significa tecido. Isso quer dizer
que em todo texto, é possível reconhecer algum arranjo, algo que foi entrelaçado,
formando uma entidade organizada. Como, na abordagem semiótica, texto e
mensagem são termos correlatos, os textos culturais constituem as mensagens
criadas pelos sistemas, onde é possível apreender a interação estabelecida entre
diferentes códigos. A diversidade compositiva que caracteriza os diferentes
sistemas e a interação entre eles determina que um texto cultural seja codificado
por, no mínimo, dois códigos, ou seja, um vinculado ao sistema “emissor” e
outro relacionado ao sistema “receptor”. Tal forma de correlação entre sistemas
impossibilita o estabelecimento de uma conexão simples e direta entre distintas
esferas, pois, nesse caso, opera-se a tradução entre códigos com traços distintivos
singulares, resultando na redefinição deles, de modo que um mesmo código
nunca “chega” a um sistema do mesmo modo que “saiu” de outro.
52
Seja em maior ou menor grau, a dupla codificação parece estar na base
de todas as demais definições de texto apresentadas pelo autor. Mais que isso,
tal questão está de acordo com as demais formulações apresentadas
anteriormente, visto que as várias codificações de um texto apenas podem ser
detectadas pela interação entre sistemas, da qual resulta a estruturalidade da
linguagem e os processos de recodificação.
1.2. A publicidade: um sistema de sistemas
Apesar da distinção existente entre um anúncio impresso, um spot
radiofônico e o merchandising televisual, sobretudo no que diz respeito aos
meios e códigos utilizados por cada um, estas três representações são,
incontestavelmente, qualificadas como “publicitárias”. Isso porque, em todas
elas é possível reconhecer dois traços comumente considerados indispensáveis
para que uma mensagem seja identificada como tal. Primeiro, a necessidade de
tornar público um bem de consumo, seja ele um produto tangível ou um serviço.
Segundo, o intuito de persuadir, de convencer alguém a respeito da validade da
compra daquilo que é anunciado. Esses traços são tão marcantes que qualquer
texto pertencente a uma outra esfera da cultura (como, por exemplo, uma matéria
jornalística) que apresente uma dessas características tende a ser tachado
pejorativamente como publicitário. Anteriores ao próprio capitalismo, conforme
elucidado na obra de Bakhtin, esses dois aspectos já eram vislumbrados nos
“pregões de paris”, pois, a despeito dos recursos estilísticos, os pregões também
se referiam a algum objeto com o intuito de persuadir. Ulteriormente, a
aproximação cada vez mais intensa da moderna publicidade com a esfera do
consumo efetivada ao longo da história acentuaram ainda mais o reconhecimento
dos anúncios por intermédio desses dois traços.
53
Assim, a referência a um produto e o traço retórico podem ser delimitados
como os principais traços invariantes do sistema publicitário, sem os quais, essa
atividade não poderia ser reconhecida como tal. Talvez por isso, a publicidade
seja tão continuamente entendida apenas como uma estratégia considerada
indispensável na sociedade contemporânea para fomentar o consumo em larga
escala. Esse ponto de vista, muitas vezes, escamoteia ou minimiza a relevância
do traço comunicativo dessa atividade, ainda mais se considerarmos que o
sistema publicitário somente pode ser apreendido na sua materialidade pelos
anúncios veiculados nas mídias. É justamente com relação a esse aspecto que a
publicidade não pode prescindir do diálogo com elas, pois, para se constituir
como um arranjo sígnico, todo anúncio deve, necessariamente, ser codificado
pelos códigos distintivos da mídia onde é veiculado. Isso faz com que uma peça
veiculada numa revista tenha uma configuração muito distinta de outra produzida
para qualquer mídia eletrônica, ainda que ambas trabalhem com o mesmo tema.
Portanto, a correlação com as mídias constitui, a nosso ver, o terceiro
traço distintivo do sistema publicitário. Sem essa correspondência, a ação da
publicidade sequer seria percebida na cultura, pois se limitaria a um conjunto de
estratégias que não teriam uma ação concreta. Nesse sentido, a publicidade
constituiria um “sistema de sistemas”, cuja delimitação implica, necessariamente,
o diálogo com as mídias. É esse traço que primeiramente nos permite reconhecer
os anúncios como textos culturais, dado que a heterogeneidade semiótica dessas
mensagens decorre da interação estabelecida entre o próprio sistema publicitário,
a mídia onde o anúncio é veiculado e as demais mídias que compõem o ambiente
comunicacional. Por isso, de acordo com o viés epistemológico presente nas
formulações da Semiótica da Cultura, seria um grande equívoco definir o anúncio
impresso como um texto cultural sem, minimamente, compreender os intrincados
54
processos de codificação operacionalizados nas mídias e, sobretudo, de que forma
as suas linguagens são construídas.
Tal como enfatiza Dominique Maingueneau, um mídium não é um mero
suporte para a transmissão de uma mensagem, visto que seus traços comunicativos
interferem decisivamente na formação de um texto, pois “o modo de transporte
e recepção do enunciado condiciona a própria constituição do texto” (2001:72),
o que impossibilita a definição de uma “linguagem publicitária” válida para toda
e qualquer peça, seja ela impressa, televisual, radiofônica, etc. Isso porque,
dependendo da (s) linguagem (ns) de uma mídia e do diálogo que ela estabelece
com seu entorno, o texto cultural publicitário poderá adquirir diferentes
configurações.
Tal ponto de vista exige a compreensão das mídias não como simples
meios de transporte, mas como sistemas inseridos no continuum semiótico mais
amplo da cultura, uma vez que os processos comunicativos das mídias implicam
o agenciamento de diferentes códigos e linguagens, da mesma forma que cada
uma gera efeitos perceptivos e formas de recepção também peculiares. Por isso,
é fundamental “retomar a noção semiótica de mídias como sistema modelizantes.
Se estou entendendo mídias, não em função do meio, mas sim do híbrido de
codificações que ela congrega, tenho de reconhecer que toda mídia se configura
em função de algo que lhe é potencial” (MACHADO, 2002:231) em virtude da
interação que estabelece com outras mídias. Apenas por intermédio das relações
edificadas entre o sistema publicitário e as mídias é possível definir os anúncios
como textos culturais, cuja função na sociedade contemporânea vai muito além
da simples alusão ao consumo.
55
1.3. O ponto de vista semiótico das mídias
Comumente, a palavra mídia é considerada sinônimo de “meio”, que
deriva do latim “medium”, cuja denominação em português é “médium”. No
Brasil, a utilização do termo “mídia” ocorreu em virtude da transcrição americana
do plural latino “medium”, que em inglês e latim se diz “media”. Segundo Baitello
(2005:31), o termo possui um substrato mais profundo, pois a palavra já existia
na língua matriz da qual deriva o latim e quase todas as demais famílias lingüísticas
européias, sendo nomeada medhyo, que significa “meio”, quer dizer, “espaço
intermediário”. Em linhas gerais, é possível afirmar que o termo se refere àquilo
que se coloca entre uma coisa e outra ou, ainda, conforme Santaella (1996:212)
“mídia é sinônimo de meio, este concebível como aplicável a qualquer coisa que
é empregada para atingir um fim”.
Vários foram os desdobramentos do conceito ao longo da história das
teorias da comunicação e da mídia, embora todos eles mantenham a idéia de
médium como aquilo que se põe entre uma coisa e outra. No entanto, nem todas
as formulações entendem esse “meio de campo” da mesma forma. Enquanto
algumas articulações teóricas tendem a reduzir a abrangência da definição de
médium, entendendo-o apenas como um meio e/ou suporte utilizado para
transportar uma mensagem entre um emissor e uma massa de receptores, outras
tendem a dilatar o conceito, dotando-o de uma maior amplitude significativa no
campo das interações comunicativas, de modo a reconhecer a natureza semiótica
das mídias.
Nota-se que, na história das teorias da comunicação, o conceito de “meio”
foi preponderante durante um longo período, sobretudo em função de uma série
de estudos que tinham os “meios de comunicação de massa” como principal
objeto de estudo. Não cabe aqui enumerar cada uma dessas teorias, o que, sem
56
dúvida, exigiria um trabalho muito mais específico. Contudo, segundo Mattelart
(1999), o primeiro estudo da chamada Mass Communication Research data de 1927,
e trata-se do livro realizado por Harold D. Lasswell (1902-1978), intitulado
Propaganda Techniques in the World War, que abordava o uso da propaganda durante
a Primeira Guerra Mundial.
Ainda que cada uma dessas teorias tenha a sua especificidade, em síntese,
elas partem do pressuposto da existência de uma massa de receptores, sendo
esta última entendia como um todo indiferenciado e anônimo e, como são
incapazes de se reconhecer como grupo, pouca ou nenhuma interação há entre
aqueles que formam a massa (BLUMER, 1975:177-178). Em virtude do
isolamento a que estão submetidos, esses indivíduos tornam-se extremamente
vulneráveis a serem manipulados pelos poucos emissores que controlam os meios.
Desse modo, os meios são entendidos como instrumentos utilizados para gerir
opiniões, dado que o processo comunicativo era concebido de forma assimétrica,
em que o emissor ativo detinha total controle sobre aquilo a que a massa passiva
deveria ter acesso, independente das relações sociais e culturais em que ambos
estavam envolvidos. Nesse aspecto, observa-se que o meio efetivamente funciona
como algo que se coloca entre uma “coisa e outra”, pois cabe a ele veicular
aquilo que foi previamente estabelecido, o que o aproxima da idéia de um canal
transmissor.
Todavia, como ressalta Santaella (2003), as mudanças operacionalizadas
nos dispositivos comunicacionais durante a década de 80 põem em
questionamento o entendimento sobre os meios de massa. Isso porque, nesse
período, surge uma série de equipamentos que viabilizaram o armazenamento
das mensagens pelos receptores, tais como vídeo-cassetes, fotocopiadoras e
walkmans, que propiciaram o consumo individualizado e não mais simultâneo
das mensagens veiculadas. Essa transformação possibilita que o receptor tenha
57
acesso à informação no instante em que lhe interessa e convém, o que lhe confere
um poder maior de decisão sobre aquilo que efetivamente quer acessar.
Além disso, intensificam-se o cruzamento entre diferentes linguagens e
meios, ocasionando a multiplicação destes últimos, o que redefine o foco dos
estudos sobre o tema. São esses aspectos que levam a autora a demarcar o
surgimento de uma “cultura das mídias”, em que a ênfase da discussão torna-se
a criação e a proliferação de novas mídias, linguagens e códigos, mediante a
interação daqueles já existentes. Diferentemente dos meios, definidos como meros
canais de transmissão unilateral de mensagens entre o emissor e a massa de
receptores, as mídias passam a ser entendidas como sistemas capazes de produzir
linguagens, cujas mensagens são veiculadas para públicos cada vez mais
segmentados.
A nosso ver, o entendimento do funcionamento semiótico-sistêmico
das mídias pode ser amplamente discutido pelas formulações desenvolvidas por
Marshall McLuhan (1911-1980). A abordagem prospectiva desenvolvida pelo
autor em relação aos meios nos oferece um indicativo fundamental para o
entendimento da ação que as mídias exercem na cultura, ainda que, na maioria
dos seus escritos, o autor utilize o termo meio ao invés de mídia.
Ao enfatizar que o “meio é a mensagem”, McLuhan abre uma nova
perspectiva para o estudo dos meios, em que a ênfase recai nos efeitos psíquicos,
sociais e cognitivos decorrentes da intromissão de uma nova tecnologia na
cultura. De acordo com o autor, todo meio constitui o prolongamento de um
dos órgãos sensoriais humanos, de maneira que por “meios”, McLuhan entende
não apenas os tradicionais meios de comunicação, como a televisão e o rádio,
mas toda e qualquer extensão tecnológica como, por exemplo, a roda, concebida
como um prolongamento do pé. Em correlação, todo meio amplifica em grande
escala o órgão do qual ele é uma extensão, tal como acontece com a escrita, que
58
torna mais intensa a visão em detrimento do desenvolvimento harmônico e
equilibrado de outros órgãos sensoriais.
A amplitude dessa formulação, por sua vez, vai além da compreensão
dos meios como simples extensões materiais dos sentidos. De acordo com
Santaella (1996:199-200)
6
, o desenvolvimento de máquinas sensórias ou meios
comunicacionais que prolongam um dos sentidos humanos exige, de antemão, o
entendimento científico acerca do funcionamento desses mesmos órgãos e, por
isso, os meios especializados seriam “dotados de inteligência sensível” do mesmo
modo que “são também máquinas cognitivas tanto quanto são cognitivos os
órgãos sensórios”. Se considerarmos que os estímulos apreendidos pela percepção
humana são imediatamente contaminados por funções cerebrais vinculadas a
um órgão sensorial específico, então, é possível pressupor que algo similar ocorre
com os meios artificiais de comunicação, visto que, ao dilatar um dos sentidos,
um meio comunicacional pode, da mesma forma, apropriar-se e até mesmo
ampliar o modo de operacionalização e o funcionamento cognitivo do órgão
estendido.
Em relação às máquinas sensórias, esse funcionamento reveste-se de
uma “cognição” muito singular, pois, entre aquilo que é captado e aquilo que é
transmitido, impõe-se o código característico da forma de registro vinculada a
um determinado meio, como é o caso da imagem na fotografia, do audiovisual
na televisão e do som no rádio. Isso nos permite entender que a tecnologia
relacionada a um órgão sensível
pressupõe sempre um ou mais
códigos que lhe são “inerentes”,
sem os quais, um meio não poderia
exercer a função que lhe é devida
no processo comunicacional.
6
De acordo com o texto “O homem e as máquinas”
presente no livro Cultura das mídias (1996), a
autora delimita a existência de três níveis distintos
na relação homem- máquina: o muscular – motor, o
sensório e o cerebral. O primeiro refere-se às
máquinas produzidas após a Revolução Industrial
que constituem um prolongamento da força física
do homem, enquanto as máquinas cerebrais
ampliam as habilidades mentais, sobretudo aquelas
relacionadas à capacidade de memorização.
59
Esses códigos, por seu turno, estabelecem antecipadamente algumas regras que
determinam as possibilidades e os limites representativos relacionados ao modo
de registro e transmissão de um meio comunicacional.
Todavia, se há código, há representação, por menor que seja a capacidade
de produção sígnica dos códigos relacionados a um suporte específico, comparado
à potencialidade semiótica de um sistema modelizante. Essa ressalva é
indispensável, visto que os “meios como extensões do homem”, conforme
enuncia McLuhan, também configura, a nosso ver, a possibilidade de os meios
comunicacionais funcionarem não apenas como meros canais de registro e
transmissão ou simples prolongamentos mecânicos dos sentidos humanos, pois
torna evidente o potencial dos meios para ampliar a capacidade de produção
sígnica humana, uma vez que “Os aparelhos são, por isso, máquinas
paradoxalmente usurpadoras e doadoras. De um lado, roubam pedaços da
realidade, de outro, mandam esses pedaços de volta, cuspindo-os para fora na
forma de signos” (SANTAELLA, 1996:201). Isso nos permite pressupor que a
alteração dos sentidos humanos pelos meios comunicacionais também decorre
do funcionamento lógico característico da produção sígnica presentificada pelas
diferentes tecnologias, pois “Quer se trate de sapatos ou de bengalas, de zíperes
ou de tratores, todas essas formas são lingüísticas na estrutura e exteriorizações
ou expressões do homem. Têm sua própria sintaxe e gramática, como qualquer
forma verbal” (McLUHAN, 2005:341). Ao qualificar como “formas lingüísticas”
certas tecnologias aparentemente banais presentes no nosso cotidiano, o autor
parece tornar patente a capacidade dos meios para representar algo sob a forma
de código.
Contudo, assim entendidos, os meios constituiriam meros “tradutores
de informações sensoriais que se exprimiam pelo código” (MACHADO,
2005b:306). Mesmo que seja possível correlacionar um meio a um determinado
60
código, essa condição, por si só, não assegura a produção de linguagem. Ainda
em conformidade com McLuhan, um meio não pode ser considerado
isoladamente, sem correlação com os efeitos que ele é capaz de produzir, de tal
modo que todo meio gera um ambiente que interfere diretamente “sobre os
nossos sistemas nervosos e nas nossas vidas sensoriais, modificando-os por
inteiro” (McLUHAN, 2005:129). Segundo o autor (2005:140), o ambiente gerado
por um meio estaria diretamente relacionado com os efeitos provocados após o
impacto da intromissão de uma nova tecnologia da cultura. São essas
conseqüências que denotam a amplitude do conceito de meio desenvolvido por
McLuhan, pois,
Quando digo que o meio é a mensagem, estou dizendo que o
automóvel não é um meio. O meio é a estrada, são as fábricas, as
empresas petrolíferas. Isso é o meio. Noutras palavras, o meio do carro
é constituído pelos efeitos do carro. Quando se eliminam os efeitos, o
significado do carro desaparece. O carro como objeto de engenharia
nada tem a ver com esses efeitos. O carro é uma figura num fundo de
serviços. Quando se muda o fundo é que se muda o carro. O carro não
opera como meio, mas sim como um dos efeitos maiores do meio.
Assim, “o meio é a mensagem” não é uma simples observação, e sempre
hesitei em explicá-la. Significa realmente um ambiente oculto de serviços
criados por uma inovação, e o ambiente oculto de serviços é o que
muda as pessoas. O que muda as pessoas é o ambiente, não a tecnologia
(McLUHAN, 2005:284).
Quando afirma que o “meio é a mensagem”, McLuhan assevera que
todo meio cria um ambiente, e este é a mensagem gerada pelos meios. Entendido
como um “processo” (McLUHAN, 2005:129), isto é, como um continuum
ininterrupto, e não como um “envólucro”, o ambiente não constitui uma unidade
estanque, pois os efeitos gerados por um novo meio tendem a ressignificar tanto
a vida sensorial humana quanto outros ambientes já existentes, também
originados por outros meios, tornando-os mais evidentes ou criando novas
significações e usos para formas e funções já existentes.
61
É importante salientar a ênfase dada pelo autor na correlação estabelecida
entre os diferentes ambientes presentes na cultura. Um ambiente nunca aniquila
o anterior, visto que o contato entre duas ou mais ambiências pode tornar patente
alguns aspectos que normalmente são imperceptíveis para aqueles envolvidos
diretamente com o entorno gerado por um meio. Com relação a esse aspecto,
McLuhan enfatiza o papel de destaque exercido pela arte, pois caberia a ela criar
“contra ambientes” contrastantes com outros já existentes, e, assim, contribuir
para torná-los mais “visíveis”: “qualquer ambiente tende a ser imperceptível
para os seus usuários e ocupantes, salvo na medida em que o artista cria contra-
ambientes” (2005:150). Nesse sentido, é por intermédio da relação estabelecida
entre dois ambientes que um e outro criam consciência da sua própria condição.
Semelhante é o ponto de vista definido por Bakhtin ao enfatizar a
importância do encontro dialógico entre diferentes esferas, uma vez que uma
cultura apenas se revela na sua profundidade por intermédio de outra. Uma
cultura pode lançar questionamentos a sua “interlocutora” que seriam
impensados caso cada uma se mantivesse isolada, da mesma forma que as
respostas também não seriam elaboradas se não ocorresse o diálogo entre elas.
Por isso, segundo Bakhtin, “o encontro dialógico de duas culturas não lhes acarreta
a fusão, a confusão; cada uma delas conserva sua própria unidade e sua totalidade
aberta, mas se enriquecem mutuamente” (BAKHTIN, 1997:368). Também é
preciso ter em conta que uma cultura não esgota o sentido de outra, pois o
encontro “futuro” com outros sistemas culturais ainda pode desvelar outros
significados que, muitas vezes, são imperceptíveis no presente.
Somente pelo encontro entre diferentes esferas culturais é possível
apreender a ressignificação que um novo meio ou ambiente ocasiona em outros
meios e ambientes já existentes. Tal processo ocasiona um dinamismo
ininterrupto para a cultura, que é continuamente transformada pelas novas
62
conformações ambientais. Prova disso é a ingerência exercida pela tecnologia
elétrica no ambiente comunicacional. Ao contrário dos processos mecânicos,
pautados pela fragmentação e pela seqüencialidade da atividade produtiva, as
quais ocasionaram, durante séculos, o fracionamento da percepção humana; a
energia elétrica introduziu uma nova configuração no processo produtivo,
baseada não mais no fragmento, mas na ausência de um centro organizador
único e na inclusão, uma vez que “a automação na indústria substituiu a
divisibilidade do processo pelo entrelaçamento orgânico de todas as funções do
complexo produtivo. A fita magnética sucedeu a linha de montagem”
(McLUHAN, 1989:54).
Isso se deve ao fato de que enquanto a tecnologia mecânica era uma
extensão de uma parte muito específica do corpo humano, ou seja, a mão, a
eletricidade é um prolongamento do sistema nervoso central, aparato este
formado por uma tessitura neural altamente complexa, cujas trocas de
informações ocorrem simultaneamente e em grande intensidade.
Entendida como uma nova tecnologia, a eletricidade gera um ambiente
caracterizado pela instantaneidade distintiva da velocidade da luz, na qual inexiste
uma forma de ordenação linear das coisas ou correlação causal entre diferentes
fenômenos, ao contrário do que ocorre com o ambiente gerado pela linha de
montagem que, além de provocar o prolongamento de um único sentido,
estabelece um modo de ordenação seqüencial e fragmentado do curso do
conhecimento.
Desse modo, “a eletricidade tornou possível a extensão do sistema
nervoso humano como um novo ambiente social” (McLUHAN, 2005:80) muito
distinto daquele suscitado pela era mecânica. Tal como afirma o autor (2005:
178), enquanto o século XIX foi marcado por uma organização social
imensamente estratificada e centralizada, o século XX rompeu com o centralismo,
63
dado que o aumento da quantidade de informação disponível, acompanhado
pela velocidade de circulação possibilitaram que um mesmo dado esteja
disponível em qualquer parte do mundo, simultaneamente, pondo fim a um poder
central monopolizador. Ou seja, enquanto no primeiro caso temos um ambiente
de fragmentação, no segundo ocorre um “processo ambiental de integração”
(McLUHAN, 2005:78).
Uma vez utilizada como “conteúdo” de outros meios, como a televisão,
o rádio e o computador, a energia elétrica passa a exercer o mesmo papel que
desempenha no processo produtivo, ou seja, integrar os fragmentos num todo,
de forma a incitar o desenvolvimento de uma visão inclusiva e participativa do
mundo. De acordo com o autor,
Não percebemos a luz elétrica como meio de comunicação
simplesmente porque ela não possui “conteúdo” (...) Somente
compreendemos que a luz elétrica é um meio de comunicação quando
utilizada no registro do nome de algum produto. O que aqui notamos,
porém, não é a luz, mas o conteúdo (ou seja, aquilo que na verdade é
um outro meio). A mensagem da luz elétrica é como a mensagem da
energia elétrica na indústria: totalmente radical, difusa e descentralizada.
Embora desligadas dos seus usos, tanto a luz como a energia elétrica
eliminam os fatores de tempo e espaço da associação humana,
exatamente como o fazem o rádio, o telégrafo, o telefone e a televisão,
criando a participação em profundidade (McLUHAN, 1989:23).
Quando nos referimos a essa visão inclusiva, estamos aludindo a uma
forma comunicativa introduzida pela tecnologia elétrica que, além de viabilizar
a comunicação simultânea, minimizando as distâncias no espaço e no tempo,
também possibilita o surgimento de meios que prolongam mais de um sentido,
dos quais resulta um maior envolvimento do receptor para apreender o continuum
de informações que trafegam pelo ambiente. Nessa nova configuração ambiental,
em que a informação é descontínua e “vem de todas as direções ao mesmo
tempo” (McLUHAN, 2005:279), o usuário é cada vez mais solicitado a preencher
64
as lacunas produzidas pelos dados que circulam pelo entorno, pois vários sentidos
são “ativados” para completar e correlacionar a profusão de signos gerados pela
nova tecnologia.
Não por acaso, este novo ambiente gerado pela eletricidade também
pode ser denominado como a “era do circuito” (McLUHAN, 2005:184), onde o
tráfego de informações ocorre em ritmo extremamente acelerado. Da mesma
forma que um circuito elétrico é definido como um conjunto de componentes
ligados eletricamente entre si por onde a força eletromotriz circula quase que
instantaneamente, um ambiente caracterizado como um circuito tende a abranger
igualmente todas as suas partes constitutivas, sendo todas elas atingidas quase
que ao mesmo tempo por uma mesma informação. Dessa perspectiva, o usuário
é envolvido como se fosse um dos terminais constitutivos do circuito, a ponto
que, de remetente, passa a ser remetido (McLUHAN, 2005:238) para dentro da
rede de dados. Tal envolvimento, por sua vez, refere-se não apenas ao sensório
humano ativado pelo ambiente elétrico, mas, correlacionado a ele, ainda é preciso
ter em conta que, dentro do circuito, o resultado de uma ação é quase que
simultâneo ao próprio ato gerador, envolvendo o “consumidor” como parte do
processo produtivo da informação (McLUHAN, 2005:79). Por isso, “em vez de
estar ali como um consumidor passivo, o público transformou-se cada vez mais
em força de trabalho” (McLUHAN, 2005:180).
A amplitude do conceito de meio desenvolvido pelo autor coloca-nos
ante o desafio de compreender o modo como um ambiente interfere em outro,
gerando mudanças significativas nos meios e formas expressivas já existentes.
Observa-se que a compreensão do autor sobre os processos comunicativos vai
além do simples transporte de dados de um ponto a outro, pois “comunicar”
implica lidar com as mudanças geradas pelo contato estabelecido entre diferentes
meios e entre eles e seus usuários. Segundo McLuhan,
65
(...) o meu tipo de estudo da comunicação é um estudo de
transformação, enquanto a teoria da informação e todas as teorias da
comunicação existentes que conheço são teorias do transporte.(...) A
teoria da informação eu entendo e uso, mas a teoria da informação é
uma teoria do transporte e nada tem a ver com os efeitos que essas
formas têm sobre nós. (...) O problema da teoria do transporte da
comunicação é eliminar o barulho, eliminar as interferências no trilho e
deixar o trem passar. (...) Minha teoria ou preocupação é com o que
esses meios de comunicação fazem às pessoas que os usam. (...) Minha
teoria é uma teoria da transformação, da maneira pela qual as pessoas
são mudadas pelos instrumentos que empregam (McLUHAN, 2005:
272).
Nesse trecho, é nítida a alusão feita por McLuhan à Teoria Matemática
da Comunicação, difundida pela primeira vez numa monografia publicada em
1948 pelo engenheiro elétrico e matemático Claude Elwood Shannon (1916-
2001), intitulada “Teoria Matemática da Informação”. Um ano mais tarde, esse
mesmo trabalho foi ampliado pelos comentários de Warren Weaver (1894-1978),
coordenador das pesquisas realizadas sobre as grandes máquinas de calcular
durante a Segunda Guerra Mundial. O esquema formulado por Shannon visa
efetuar a quantificação de uma mensagem veiculada de um pólo a outro com o
intuito de economizar custos e reduzir possíveis interferências. Por isso, de acordo
com essa concepção, o problema central da comunicação refere-se apenas ao
nível técnico, ou seja, à eficácia do trajeto percorrido por uma mensagem entre
dois pontos, sendo tal percurso concebido como um trajeto linear, sem desvios
ou interferências.
Em vista disso, o sistema de comunicação é composto pela fonte de
informação que seleciona uma mensagem dentre outras possíveis; o transmissor,
que codifica uma mensagem em sinais a ponto de torná-la passível de ser
transposta; o canal, entendido como o suporte físico utilizado para transportar
os sinais; o receptor, que recebe os sinais codificados convertendo-os em
mensagem e, por fim, o destino, ente ao qual a mensagem é direcionada. Qualquer
66
distorção nos sinais conduzidos pelo canal é nomeada de ruído e deve ser
eliminada para que a mensagem atinja seu destino.
Percebe-se que, em momento algum, o esquema elaborado por Shannon
menciona as questões relativas à interpretação do significado pelo receptor, ou
ainda, ao objetivo do emissor em influenciar ou provocar alguma reação no
destinatário. Tal como afirma McLuhan, essa teoria põe em discussão apenas o
problema relativo ao transporte de dados, desconsiderando por completo os
efeitos e as transformações que os processos comunicativos geram na cultura.
Assim, observa-se que tanto o entendimento desenvolvido por McLuhan quanto
aquele apresentado por Lótman acerca das trocas comunicacionais são muito
similares.
Para Lótman (1996:65), a comunicação não pode ser dissociada do
“dispositivo pensante” ou “consciência criadora”, isto é, ao mecanismo
intelectual existente na cultura capaz de criar novas mensagens, em especial,
aquelas que “no pueden ser deducidos de manera unívoca com ayuda de algún
algoritmo dado de antemano a partir de algún outro mensaje”. Esse algoritmo
pode ser definido como algum outro código, linguagem ou texto pelos quais a
ordenação compositiva de uma mensagem é assimilada. Nesse caso, ocorre a
apreensão automática de um pelo outro, mediante uma correspondência total
de formas com base em alguns parâmetros dados de antemão.
Porém, para ser novo, um texto precisa estar em interação com diferentes
sistemas sígnicos, ou ainda, estabelecer um “intercâmbio semiótico” (1996:71),
o que implica dizer que a consciência criadora está sempre envolvida num ato
de comunicação. Para os semioticistas da cultura,
a comunicação não se resume
à simples transmissão “inalterável” de uma mensagem de um ponto a outro, mas
concerne a processos mais complexos que exigem a tradução entre códigos não
coincidentes (LÓTMAN, 1998:78). Assim sendo, na comunicação
67
Topamos con un proceso de complicación progresiva que entra en
contradicción con la función inicial (...) La complicación de los sistemas
codificantes no es lo único que dificulta la univocidad del mutuo
entendimiento. En el proceso del desarrollo cultural se complica
constantemente la estructura semiótica del mensaje que se transmite, y
esto también conduce a que se haga difícil el desciframiento unívoco
(LÓTMAN, 1996:67).
É apenas no âmbito da complexidade das situações comunicativas que a
consciência criadora se manifesta, pois, por ser pensante, este dispositivo não
pode trabalhar isoladamente, mas deve, necessariamente, ser bilateral. O
pensamento, seja no âmbito da consciência individual ou em relação ao
mecanismo semiótico da cultura, também chamada de consciência supra-
individual por Lótman, nunca é auto-suficiente, pois a insuficiência ou limitação
de uma esfera é compensada pela troca que estabelece com outra.
Não há como negar a influência exercida pelo funcionamento do cérebro
humano nas formulações desenvolvidas por Lótman sobre a atividade da
consciência supra-individual. Segundo o autor (1996:45), a consciência habitual
caracteriza-se pela correlação de tendências completamente opostas, delimitadas
pelos dois hemisférios que compõem o cérebro humano. Enquanto o hemisfério
direito trabalha com classificações demarcadas, o esquerdo tende a estabelecer
associações mais “descompromissadas” em relação a parâmetros vigentes, o
que lhe confere maior inventividade. Contudo, o equilíbrio das trocas efetivadas
entre cada uma dessas tendências, ou ainda, a atividade simultânea de ambas,
pode originar uma inibição recíproca, gerando uma “cierta regularidad de la
consciencia” (LÓTMAN, 1996:48), ao passo que a “desconexão”
momentânea
e o trabalho intenso de um dos hemisférios tende a favorecer e incitar a ação da
outra parte.
Semelhante ao que acontece com o cérebro humano, as trocas efetivadas
entre diferentes
esferas culturais constituem processos assimétricos, pautados
68
por irregularidades e por distintos modos de funcionamento, uma vez que cada
sistema possui uma temporalidade própria, que pode ser acelerada ou
desacelerada mediante a interação estabelecida com seu entorno, favorecendo
ainda mais os processos tradutórios e a geração de novos arranjos textuais.
Ao mesmo tempo em que torna possível a formação de novas mensagens,
o dispositivo pensante também confere uma maior individualidade à cultura e a
seus sistemas sígnicos. Isso ocorre porque o aumento da complexidade é
proporcional à constituição de uma “personalidade” semiótica, dado que um
sistema ou texto cultural é formado por várias outras individualidades que,
combinadas, formam um todo único. A presença de um “outro” contribui para a
contínua reorganização de uma dada formação semiótica, o que faz com que
sua individualidade seja continuamente rearranjada e, com isso, novos textos
sejam produzidos.
Nesse sentido, é pela diversidade e pela singularidade da disposição dos
elementos variáveis e invariáveis que a particularidade ou originalidade semiótica
de cada esfera é construída, pois, caso contrário, a cultura seria um todo
indistinguível. Assim,
cada pareja semiótica de lenguajes integrada, al tener la posibilidad de
entrar en comunicación, conservar información y, lo que es
particularmente esencial, elaborar información nueva, es un dispositivo
pensante y, en determinado sentido, actúa como ‘individualidad cultural’
(LÓTMAN, 1998:36).
Diante disso, nota-se que McLuhan e Lótman não restringem a
comunicação ao mero deslocamento linear e constante de uma mensagem, visto
que ambos tendem a considerar as transformações operacionalizadas no trânsito
dos signos como uma realidade inerente a toda troca comunicacional. Em relação
à especificidade do conceito formulado por McLuhan, é preciso atentar que a
ressignificação de um ambiente por outro ocorre mediante uma relação
69
comunicativa estabelecida entre eles, semelhante ao que sucede com o dispositivo
pensante da cultura, do qual resulta o entrecruzamento de diferentes códigos e
sensações, bem como a redefinição das formas expressivas distintivas de
diferentes meios. É esse intercâmbio que nos permite afirmar que a modelização
semiótica igualmente incide na interação estabelecida entre meios, tal como
ocorre com os sistemas, pois
em vez de uma matriz sensorial (os órgãos dos sentidos) os meios
surgem como possibilidades de entrecruzamento de sensações e,
conseqüentemente, de modelização de linguagens. Isso porque neles se
opera não apenas a tradução de que se falava não era transposição
entre códigos iguais (como no caso da tradução lingüística); os códigos
sensoriais foram traduzidos em termos de ondas magnéticas, linhas,
pixel, pontos, processo fotoquímico. Quer dizer, estamos muito longe
de uma extensão no sentido mais estreito do termo. Também é preciso
reconhecer que os meios deixam de ser tradutores e se transformam
em transdutores (MACHADO, 2005b:306-307).
A amplitude da conceituação desenvolvida por McLuhan vai além da
simples consideração dos meios como meras extensões físicas, da mesma forma
que os processos de codificação também não se restringem aos códigos
“relacionados” ou “equivalentes” aos órgãos estendidos, mas aplica-se a
processos mais complexos que envolvem a contaminação entre diferentes meios
e ambientes. Daí a necessidade de reconhecer a capacidade dos meios de
funcionarem como transdutores, aptos a transformar um tipo de signo em outro,
uma vez que “Um meio nunca se soma ao velho, nem deixa o velho em paz. Ele
nunca cessa de oprimir os velhos meios, até que encontre para eles novas
configurações e posições” (McLUHAN, 1989:199).
Toda essa formulação nos permite apreender como, para McLuhan, os
meios também são entendidos como mídias capazes de modelizar linguagens,
desde que se estabeleça a interação entre elas. Em virtude da sua caracterização
sistêmica, aliada às especificidades tecnológicas do suporte utilizado, pode-se
70
dizer que toda mídia possui potencialidades representativas que lhe são próprias,
mas que efetivamente ganham forma na interação estabelecida com outras esferas.
Muitas vezes, aquilo que subsiste em estado de latência num sistema é incitado
a irromper ou encontra condições propícias para sua emersão em decorrência do
diálogo estabelecido com seu entorno. E, assim como tal ambiente “externo” se
caracteriza pelo contínuo devir, da mesma forma, uma mídia subsiste em
constante transformação. Parece ser essa a perspectiva assinalada por McLuhan
ao falar sobre a existência de uma “ecologia da mídia”, que
Consiste em dispor vários veículos de comunicação para que um ajude
o outro sem se anularem, sem se substituírem. Eu diria, por exemplo,
que o rádio ajuda mais a cultura letrada que a televisão, mas a televisão
pode ser um veículo maravilhoso para o ensino de línguas. É possível
fazer coisas em um meio que não se pode fazer em outro.
Conseqüentemente, se abarcarmos o campo inteiro, evitaremos aquele
desperdício que consiste em um veículo eliminar os demais
(McLUHAN, 2005:320).
A palavra “ecologia” vem do grego oikos, que significa hábitat, e foi
primeiramente definida como um ramo das ciências biológicas que estuda as
relações entre os seres vivos e o meio em que vivem, bem como a ação mútua
que um exerce sobre o outro. Transposto para o campo da comunicação, uma
“ecologia da mídia” tem como objetivo o estudo das mídias e seu entorno, de
sorte que cada uma é reconhecida pela estruturalidade da sua linguagem
distintiva, produzindo no receptor efeitos perceptivos também específicos. Por
seu turno, esses traços distintivos são mutáveis, visto que a contaminação
operacionalizada entre diferentes ambientes acarreta a contínua reordenação
das possibilidades expressivas e das funções exercidas por cada uma das mídias.
Assim constituída, uma “ecologia da mídia” subentende a compreensão
de uma mídia sem dissociá-la do continuum no qual se insere, o que,
forçosamente, exige a consideração da complexidade do espaço onde ocorrem
71
as trocas operacionalizadas entre as diferentes mídias, além das mediações que
incidem nas fronteiras instituídas entre elas. Sem esse entendimento, torna-se
inviável a compreensão do ambiente que possibilitou a elaboração de peças
publicitárias que exigem cada vez a participação do receptor para desvendar os
nós presentes nos arranjos textuais.
72
2. A concisão compositiva do
anúncio publicitário
73
À primeira vista, pode parecer contraditória a delimitação de uma
categoria que aponta uma inclinação referente ao modo de ser de determinados
textos culturais, uma vez que a interação entre sistemas e os processos de
modelização de linguagem não seguem um modelo pré-estabelecido. Todavia,
pelo seu alto grau de generalidade, nenhuma categoria é capaz de explicitar
todas as especificidades relativas ao modo de ser dos particulares que ela
representa. Tanto que, apesar da concisão que distingue um conjunto expressivo
de anúncios, a diversidade no modo como esses arranjos sígnicos se configuram
impossibilita o estabelecimento de uma ordenação única que abarque a totalidade
de tais produções. Nesse caso, é preciso considerar que, dependendo da
modelização que incide sobre um dado arranjo textual, este poderá adquirir uma
configuração muito particular, distinta de um outro texto, ainda que em ambos
seja possível identificar o traço da brevidade.
O estabelecimento da concisão como categoria decorre de um movimento
da própria cultura, o que nos leva a considerar que há algo nesse devir que
indicia a existência de uma propensão à geração de determinados tipos de arranjos
textuais. Essa questão, por seu turno, pode ser melhor elucidada quando
contrapomos aos anúncios o continuum semiótico com o qual eles interagem.
Mais uma vez, a alusão aos estudos realizados pelos semioticistas da cultura
torna-se necessária para a compreensão da amplitude das relações que
2.
74
caracterizam a contaminação operacionalizada entre as mídias. Tal procedimento
é válido porque a formulação desenvolvida por McLuhan pode ser ainda mais
aclarada se a ela justapusermos o conceito de “semiosfera” desenvolvido por
Iuri Lótman, uma vez que o ponto de vista ecológico das mídias pressupõe o
mesmo movimento sistêmico que os semioticistas definiram para a cultura, de
modo que o entendimento mais amplo da semiosfera complementa e até mesmo
amplia a compreensão da ação mútua operacionalizada entre diferentes mídias.
A conceituação desenvolvida por Lótman tem como base a definição de
“biosfera”, elaborada pelo cientista russo Vladimir Ivanovich Vernadsky (1863-
1945). A biosfera (LÓTMAN, 1996:22) consiste numa “película” disposta sobre
a superfície planetária que envolve todos os organismos vivos, transformando a
energia solar em energia física e química, ambas direcionadas para a transformação
da matéria viva do planeta.
Em analogia ao conceito desenvolvido por Vernadsky, Lótman (1996:22)
define a semiosfera como um “continuum semiótico” ocupado pelos textos,
linguagens e códigos dotados de individualidade semiótica e caracterizados pelas
mais variadas formas de organização. Esse “gran sistema” (1996:24) funciona
como um “mecanismo único” ou, ainda, constitui um “espacio semiótico” de
relações, sem os quais, a comunicação e a reconfiguração sistêmica seriam
inviáveis. Nesse caso, não é a soma das mensagens produzidas por diferentes
sistemas que compõe a semiosfera, mas o movimento, a inter-relação entre
diferentes tipos de formações sígnicas, pois “Sólo dentro de tal espacio resultan
posibles la realización de los procesos comunicativos y la producción de nueva
de información (...) La semiosfera es el espacio semiótico fuera del cual es
imposible la existencia misma de la semiosis” (LÓTMAN, 1966:23-24).
A semiose designa uma característica intrínseca às relações sígnicas, isto
é, a possibilidade de geração de um signo por outro. Essa nova representação,
75
segundo Charles Sanders Peirce, é denominada signo interpretante. Segundo a
concepção triádica desenvolvida pelo autor, todo signo representa parcialmente
algo distinto dele próprio, seu objeto; e determina um signo de igual valor ou
mais “desenvolvido”, chamado de interpretante. Independente da existência de
uma mente “externa” que o interprete, é da natureza lógica do signo a capacidade
de gerar um outro signo, sendo essa produção ininterrupta de um pelo outro
definida como semiose ou “ação do signo”. No campo mais amplo da cultura, é
possível observar uma forma específica de semiose, em que as trocas
operacionalizadas entre sistemas são codificadas pelos textos inseridos no espaço
da semiosfera que, por sua vez, explicita esse continuum semiótico ou semiose
incessante.
Lótman situa a delimitação como um dos traços distintivos centrais desse
“espaço de relações”, cuja apreensão ocorre pela fronteira, mecanismo chave
para a compreensão da dinâmica relacional que impulsiona o movimento da
semiosfera. Defini-la exige o confronto com um aspecto que, segundo Iuri
Lótman (1990:136), apresenta uma ambivalência, ou seja: a fronteira tanto une
quanto separa. Ainda que pareçam contraditórios, esses dois aspectos se
complementam na amplitude da ação que a fronteira exerce no dinamismo da
semiosfera.
É pela fronteira que ocorrem as trocas operacionalizadas entre os sistemas
modelizantes, visto que “la frontera semiótica es la suma de los traductores
‘filtros’ bilingües pasando a través de los cuales un texto se traduce a outro
lenguaje (o lenguajes)” (LÓTMAN, 1996:24). Conforme visto anteriormente, o
processo relacional instaurado entre dois ou mais sistemas modelizantes não
corresponde a uma transferência linear e unilateral, o que faz com que um texto
cultural seja duplamente codificado.
76
Assim, a correlação entre sistemas impossibilita o estabelecimento de
uma conexão simples e direta entre distintas esferas, pois nesse processo se
opera a tradução entre códigos com características singulares, o que quase sempre
resulta na recodificação deles. Por esse viés, a fronteira pode ser entendida como
um mecanismo que une, uma vez que atua como uma “película” situada no
diálogo entre diferentes esferas, tornando-se responsável por “elaborar” e
“adaptar” aquilo que é externo, dotando-o de realidade semiótica para uma
determinada esfera.
Por outro lado, a fronteira também corresponde, segundo Lotman, a um
“mecanismo primário de individuação semiótica” (LOTMAN,1990:131). Em
conformidade com o que foi exposto no capítulo anterior, o dispositivo pensante
constitui um mecanismo decisivo para a edificação da individualidade semiótica.
Todavia, se considerarmos que tal personalidade é construída pela interação de
várias outras singularidades, então, somente pelos processos tradutórios
operacionalizados na fronteira é possível delimitar a constituição da
particularidade (ainda que composta de partes de diferentes naturezas) de uma
esfera em relação a outras. Da mesma forma que o dispositivo pensante trabalha
com relações bipolares, a fronteira sempre se coloca entre uma coisa e outra,
propiciando a “passagem” entre níveis distintos. Nesse sentido, é possível afirmar
que a individualidade semiótica, edificada pelo dispositivo pensante, somente
se realizada pelo mecanismo da fronteira.
Toda cultura constrói seus contornos sígnicos pela fronteira estabelecida
com outras esferas, de sorte a edificar uma autoconsciência entre o “meu” e o
“alheio”. Lótman (2000: 169) afirma que a cultura nunca é uma totalidade
universal, mas sim um subconjunto organizado de maneira singular, além do
mais, é em oposição à sua não-cultura que uma cultura adquire seus contornos
e se constitui como um sistema sígnico. Por sua vez, a oposição cultura/não
77
cultura deve ser relativizada com vistas a evitar alguns equívocos, pois, ao definir
a não-cultura como um “fundo” para um determinado subconjunto, o autor
especifica o processo pelo qual uma cultura define seus parâmetros de organização
interna e desorganização externa. Longe de ser entendida como “caótica”,
destituída de uma organização própria, a não-cultura também pode ser um outro
sistema, portador de uma estruturalidade singular. Porém, quando vista do ângulo
de uma ordenação sistêmica diferente dela própria, a não-cultura adquire uma
realidade outra, “não semiótica”. Desse modo, ela apenas se torna “real”, isto é,
somente adquire concretude semiótica para um sistema a partir do instante em
que com ele interage e é traduzida. Esse “contraponto” entre duas esferas culturais
consiste numa questão epistemológica fundamental para compreender o
dispositivo pensante e a individualidade que a fronteira delega a um sistema,
pois “Tomar conciencia de sí mismo en el sentido semiótico-cultural, significa
tomar conciencia de la propria especificidad, de la própria contraposición a otras
esferas” (LÓTMAN, 1996:28).
Um outro traço que distingue o funcionamento da semiosfera se refere à
irregularidade semiótica. Tal como ocorre com os códigos, a semiosfera também
é composta por formações nucleares e periféricas, de modo que os processos
tradutórios transcorrem mais intensamente na periferia, enquanto as
transformações operacionalizadas no núcleo tendem a ser menos aceleradas.
Isso ocorre porque, além de ser responsável pela “autodescrição” ou
metalinguagem que um sistema realiza de si próprio, o núcleo funciona como
um dominante, cuja presença num sistema interfere em todos os vínculos
instituídos entre os diferentes elementos que o constituem. De acordo com
Roman Jakobson,
Pode-se definir o dominante como sendo o centro de enfoque de um
trabalho artístico: ele regulamenta, determina e transforma os seus outros
componentes. O dominante garante a integridade da estrutura. (...)
devemos nos lembrar constantemente de que o elemento que torna
78
específica uma determinada variedade de linguagem domina a estrutura
toda e assim sendo atua como seu constituinte obrigatório e inescapável,
dominando todos os elementos e exercendo influência direta sobre
cada um deles (JAKOBSON, 1983:485).
A delimitação de um dominante, reconhecido sincronicamente no devir
de um sistema, permite delinear uma hierarquia entre os seus diferentes códigos
compositivos, da qual decorre um modo específico de interação entre eles. Tal
hierarquia, por sua vez, deve ser entendida na sua abrangência sistêmica, dado
que a correlação entre diferentes sistemas pode fazer com que, apesar da sua
resistência, o dominante característico de um determinado período possa tornar-
se secundário em outro.
Esses “desvios do dominante” (1983:488), segundo Jakobson, permitem-
nos apreender transformações significativas operacionalizadas não apenas na
produção literária, principal objeto de análise do autor, mas também em outras
esferas da cultura. É importante salientar que um “desvio” pode gerar
transformações que vão muito além de um único sistema, uma vez que a
mobilidade de um dominante altera tanto o arranjo característico de um conjunto
quanto a relação que este estabelece com seu entorno. Por outro lado, este núcleo
também pode ser entendido pela “posição” de destaque que um sistema ocupa
no espaço da semiosfera e, conseqüentemente, pela ação incisiva que exerce
sobre todo um conjunto de sistemas com o qual interage.
Por sua vez, as formações semióticas periféricas possuem uma
organização menos rígida, sendo muitas vezes constituídas por fragmentos de
outras linguagens ou, então, por textos isolados, dispersos no continuum da
cultura (LÓTMAN, 1996:31). Segundo Lótman, nem todos os signos que
circulam pela semiosfera possuem uma ordenação ou encontram-se, de alguma
forma, relacionados a sistemas facilmente reconhecíveis. Em vista disso, as
formações periféricas são bem mais maleáveis às trocas operacionalizadas com
79
outros sistemas sígnicos, o que lhes permitem funcionar como catalisadores que
potencializam ainda mais o movimento da semiosfera.
A heterogeneidade e o dinamismo da semiosfera faz com ela seja, muitas
vezes, atravessada por “fronteras internas que especializan los sectores de la
misma desde el punto de vista semiótico” (LÓTMAN, 1996:31), da mesma
forma que a variedade de relações que operam na fronteira semiótica nos permite
entender como “the entire space of the semiosphere is transected by boundaries
of different levels, boundaries of different languages and even of texts”
(LÓTMAN, 1990:138). Ao passo que alguns processos tradutórios tendem a
ser mais acelerados, outros são mais lentos, além do mais, cada esfera cultural
dispõe de uma temporalidade própria, podendo adquirir maior ou menor
velocidade em virtude dos procedimentos tradutórios operacionalizados nas
fronteiras entre diferentes sistemas.
A função exercida pela fronteira como um mecanismo impulsionador do
continuum de relações constituído entre uma “coisa” e outra não foi apenas
ressaltado por Lótman, mas também por McLuhan, que entende “o valor de
uma fronteira como uma espécie de interface ou processo complexo de mudança
contínua [que] aumenta enormemente os poderes de percepção e crescimento
humanos” (2005:150-151). “Estar” na fronteira, segundo ele, implica incitar
relações que seriam muitas vezes impensadas, se cada campo de ação estivesse
restrito ao seu próprio “espaço” interno. Mesmo que a alusão realizada pelo
teórico dos meios esteja contaminada pela perspectiva histórica e geográfica,
esse ponto de vista também pode ser estendido à ecologia da mídia por ele
descrita. Uma vez que essa abordagem estabelece a existência de uma “ajuda”
mútua entre diversos meios, então, é possível pressupor que entre um e outro há
a presença de fronteiras por onde efetivamente se opera a ressignificação de
dois ou mais ambientes. Nesse caso, o encontro de diferentes meios só tende a
80
enriquecê-los mutuamente, a ponto de um estimular no outro a emersão de
formas expressivas até então inusitadas.
Uma ecologia da mídia apenas se faz atuante imersa na semiosfera, por
onde efetivamente a linguagem das mídias é construída. Da mesma forma, a
produção de significados pelos textos culturais publicitários somente se faz
possível porque os anúncios também se encontram “submergidos na semiosfera”.
Daí a necessidade de compreender a concretude desse “espaço de relações” que
transpassa a elaboração dos anúncios, sem a qual, estes não poderiam se constituir
como tais, nem sequer exercer distintas funções no devir da cultura. E, com
relação às mensagens publicitárias, aliado às trocas operacionalizadas entre as
mais variadas mídias, esse continuum semiótico também é edificado por um
outro processo: as mediações que operam nas fronteiras entre os sistemas.
2.1. As mediações
Nos últimos anos, a discussão sobre as mediações tem gerado cada vez
mais interesse dentro dos estudos das mídias, tornando-se atualmente um dos
principais temas debatidos na área. Não cabe aqui realizar um levantamento da
gama de autores que se debruçaram sobre o assunto, tampouco relacionar as
diferentes vertentes que direcionaram essas discussões, o que exigiria um estudo
muito específico. O que nos interessa, em especial, é compreender como as
mediações são percebidas do ponto de vista semiótico, sobretudo em relação
aos processos de modelização operacionalizados nas mídias.
No interior dessa discussão, não há como desconsiderar um importante
artigo de Irene Machado (2002), no qual o assunto é tratado com muita precisão.
Segundo a autora, é quase impossível falar de mediação no âmbito do estudo
das mídias sem citar, ainda que resumidamente, o professor colombiano Jesús
81
Martin-Barbero, cujo livro Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia
constitui uma das obras de referência sobre o assunto. Ainda que a questão das
mediações seja a tônica da obra citada, não são poucos os críticos (SIGNATES,
1998:41) que afirmam a imprecisão teórica do autor ao abordar o tema. A nosso
ver, o texto citado não apresenta, de fato, uma definição clara sobre as mediações,
todavia, a discussão conduzida pelo autor oferece-nos alguns indicativos para
uma tentativa de esclarecimento.
Tendo como objeto a cultura latino-americana, Barbero especifica alguns
traços característicos da mestiçagem do continente, situando-a como um
manancial riquíssimo da diversidade cultural dos povos latinos, o que imprime
nesses grupos uma dinâmica muito própria. Longe de apenas demarcar a
separação existente entre diferentes extratos sociais, essa multiplicidade
constituiria um “espaço de conflito” (MARTIN-BARBERO, 2003:29) em que
os indivíduos se reconheceriam culturalmente, e que, inevitavelmente, interferiria
no modo como essas coletividades recebem as mensagens veiculadas nos meios
de comunicação. Em seu artigo, Signates (1998:42) especifica esses “espaços”
como os lugares de “vivência de sentidos ambíguos ou sintetizadores (como o
bairro)” ou, ainda, aqueles que possibilitam compreender a interação existente
entre a “materialidade social e a expressividade cultural da TV”, concretizados
pela “cotidianidade familiar, a temporalidade social e a competência cultural”.
De acordo com Machado (2002:218), a mediação para Barbero estaria
situada no campo da recepção, ou seja, entre aquilo que é veiculado e o que é
recebido, coloca-se uma série de interferências, fruto da diversidade e dos espaços
culturais de convivência entre os indivíduos que, de alguma forma, interferem
na recepção e nos significados a serem produzidos. Assim entendida, a recepção
não se define como uma reação passiva e linear, em que o emissor elabora e
emite a mensagem e ao receptor cabe apenas receber e responder conforme o
82
estímulo emitido, mas constitui um processo altamente complexo, em que o
destinatário interfere ativamente na mensagem recebida, denotando uma “atitude
responsiva dinâmica e transgressora” (MACHADO, 2002:218).
É no “espaço” situado entre a emissão e a recepção, que as mediações
incidem sobre os processos comunicacionais, gerando interferências no trajeto
de uma mensagem e nos sentidos que ela é capaz de gerar. Quando transposto
para o âmbito da semiosfera, essas duas extremidades (emissor e receptor) não
se restringem apenas aos indivíduos envolvidos num ato de comunicação, mas
se referem igualmente à interação estabelecida entre dois ou mais sistemas
modelizantes. Esse “espaço” situado entre dois pólos é “localizado” pela fronteira
semiótica, pois é nela que as transferências entre sistemas são continuamente
alteradas pelas intervenções provocadas por diferentes tipos de signos que nela
operam. Dessas interferências resulta a constituição de textos culturais nos quais
incidem as mais variadas formas de mediação. Assim, a mediação é entendida
tanto pelos processos tradutórios que se interpõem na interação entre sistemas,
como pelas diferentes formações sígnicas que, de algum modo, intervêm nesse
diálogo, e, por isso, são também redefinidas pelos filtros tradutores de um sistema
cultural específico. A irregularidade da semiosfera também se distingue pela
presença de fragmentos de textos que agem na fronteira e que, inesperadamente,
podem atravessar os processos tradutórios, provocando alterações na interação
entre diferentes sistemas. Isso faz com que os processos de mediação sejam
caracterizados não apenas pela operação tradutória, que impreterivelmente gera
mudanças nos códigos, mas sobretudo pela intervenção exercida por outras
constituições sígnicas, muitas vezes, não plenamente organizadas, mas que
também compõem a semiosfera. Mais uma vez, a fronteira “posicionada” entre
os elementos sistêmicos e extra-sistêmicos é determinante, visto que
Contemporaneamente, el espacio semiótico constantemente expulsa
estratos enteros de la cultura. Estos forman entonces una falda de
83
sedimentos más allá de los confines de la cultura que esperan su hora
para irrumpir nuevamente en ella, a tal punto olvidados ya en ese
momento que pueden ser percibidos como nuevos. El intercambio
con la esfera extrasemiótica constituye una inagotable reserva de
dinamismo (LÓTMAN, 1999:160).
Toda interação sistêmica já se encontra “carregada” de mediação, uma
vez que a operação tradutória em si funciona como um “lugar” constituído entre
linguagens distintas, continuamente disponível para a correlação entre diferentes
processos sígnicos. Dessa forma,
Esse algo que está entre a pessoa e o meio, ou entre meios, não
se define por nenhum dos extremos, é o ponto chave da mediação,
que permite a conexão entre sistemas de signos ou de códigos culturais.
Trata-se de um espaço intervalar (ver Machado: 2001 c) no sentido
semiótico do termo: lugar potencial de intervenção no fluxo
comunicativo, de interferências do contexto cultural onde resposta não
é reprodução de comportamento mas desvio capaz de reverter os
sistemas semióticos dados. Mediação se traduz aqui em transgressão
modelizadora de uma outra ordem que não aquela que tem lugar em
atividades de decodificação (MACHADO, 2002:219).
Qualquer sistema modelizante pode produzir mediação e, com isso, gerar
diferentes formas de intervenção nos procedimentos tradutórios que conferem
dinâmica e movimento para a semiosfera. Esse processo, por sua vez, só pode
ser de fato observado com base na apreensão da semiosfera que perpassa
diferentes sistemas, pois esse ambiente tanto é constituído por distintas formas
de mediação, quanto propicia a emersão da diversidade de tais processos. Da
mesma forma, toda mediação também pode gerar modelização, de maneira que,
dependendo da atividade tradutória, a ação mediadora de determinadas
formações sígnicas torna-se vital para a constituição da linguagem de arranjos
textuais específicos. Muitas vezes, um sistema não é modelizado por outro, mas
pelas mediações que operam nas fronteiras, gerando interferências significativas
no “trajeto” dos códigos.
84
A abordagem sistêmica trabalhada neste estudo implica, a um só tempo,
a consideração da capacidade modelizadora das mídias e do ambiente ecológico
em que subsistem, de tal forma que, na interação estabelecida entre diferentes
mídias, e entre elas e seus usuários, incidem as mais variadas formas de
mediações. Ainda que o termo não seja diretamente usado por McLuhan, também
é possível vislumbrar na obra do autor a alusão aos processos de mediação
operacionalizados entre meios, sobretudo quando nos debruçamos sobre a
questão relativa à ingerência exercida pela tecnologia elétrica na cultura. Inclusive,
ao definir a comunicação como uma teoria da transformação, McLuhan já
apresenta um indicativo acerca das interferências que incidem sobre os processos
comunicacionais.
Observar o ambiente edificado pelas mídias do viés epistemológico
estabelecido pela semiosfera permite-nos compreender a tecnologia elétrica, tal
como foi enunciada por McLuhan, como uma dominante da semiosfera que
envolve não apenas a produção publicitária impressa, mas os mais variados textos
culturais que circulam pelas mídias. E, como uma dominante, a tecnologia elétrica
tende a contaminar outras mídias, colocando-se como seu elemento “obrigatório
e inescapável”, mesmo que nem todas as mídias tenham como suporte uma
tecnologia de base eletrônica. Nesse caso, é o ambiente gerado por esse meio e
o envolvimento também suscitado por ele que irão colocar-se de forma incisiva
na constituição de diferentes tipos de arranjos textuais, bem como na interação
entre sistemas modelizantes distintos e destes com seus usuários. Como insiste
Machado (2005a:156), “extensão” é sobretudo “expansão”, dada a capacidade
de um meio expandir seus códigos e modelizar diferentes sensórios.
Conforme foi visto no capítulo anterior, a tecnologia elétrica é definida
por McLuhan como um prolongamento do sistema nervoso central, cuja função
principal é manter o organismo informado sobre o que ocorre fora dele. Em
85
virtude dessa ação que desempenha, o sistema nervoso encontra-se intimamente
relacionado com o sentido do tato, uma vez que os estímulos advindos do
ambiente externo passam necessariamente pela pele, base dos receptores
sensoriais humanos. De acordo com professor Ashley Montagu (1988:19-20),
tanto a pele como o sistema nervoso central se originam da ectoderme, a mais
externa camada dos três conjuntos de células embrionárias. Posteriormente, na
formação do embrião, o sistema nervoso torna-se a parte do corpo embrionário
que se volta para o interior, ao passo que a pele e seus derivados (pelos, unhas e
dentes) se colocam como sua porção externa. Por isso,
o sistema nervoso é uma parte escondida da pele ou, ao
contrário, a pele pode ser considerada como a porção exposta do
sistema nervoso. Desta forma, aprimoraremos nossa compreensão
dessas questões se pensarmos na pele e nos referirmos a ela como o
sistema nervoso externo, como um sistema orgânico que, desde suas
primeiras diferenciações, permanece em íntima conexão com o sistema
nervoso central ou interno. (...) Na qualidade de órgão do sentido mais
antigo e extenso do corpo, a pele permite que o organismo aprenda o
que é seu ambiente (MONTAGU, 1988:23).
A proximidade entre o sistema nervoso central e a pele torna mais fácil
a compreensão do motivo pelo qual McLuhan enfatiza tão veementemente que,
dentre todos os meios, a televisão é a que melhor elucida o ambiente edificado
pela eletricidade, dado que a imagem eletrônica “bombardeia o espectador com
valores táteis” (McLUHAN, 2005:39). Conforme ressalta Derrick de Kerkhove
(1997:38-9), em consonância com McLuhan, a televisão fala ao corpo, não à
mente, de forma que ao assistir à televisão, o “expectador é a tela” (McLUHAN,
2005:52). Isso ocorre porque a imagem eletrônica é formada por uma malha
reticular composta por vários feixes de energia elétrica, constituídos por inúmeros
pontos de luz, que juntos criam um mosaico do qual é possível depreender uma
“superfície” marcada por um grande número de sinais. Desse processo, resulta o
86
fracionamento daquilo que é representado, pois “O vídeo (...) retalha e pulveriza
a imagem em centenas de milhares de retículas, criando necessariamente uma
outra topografia, que, a olho nu, aparece como uma textura pictórica diferente,
estilhaçada e multipontuada, como os olhos das moscas” (MACHADO, 1995:41).
O retalhamento eletrônico da imagem televisual em milhares de pontos,
dos quais o homem é capaz de apreender apenas uma parte, não possibilita o
detalhamento daquilo que é representado. Esse fato exige que a percepção
humana complete os “vazios” que formam a imagem. Em vista disso, a estrutura
reticular eletrônica, formada por uma quantidade de pontos inferior à imagem
fotográfica ou cinematográfica, propicia um modo de interação altamente
inclusivo, pois, longe de prolongar apenas um único sentido, a televisão
potencializa o tato, mediante a ativação do sistema nervoso central pelos
estímulos oriundos do ambiente externo, provocando a sinergia de todo o sensorium
humano, que é “solicitado” a interagir com o meio. Derrick de Kerkhove (1997:42)
refere-se a esse processo como “efeito de submuscularização”, uma vez que a
imagem eletrônica tende a provocar uma tensão muscular que envolve todo o
corpo, ocasionando uma espécie de “mímica sensoromotora”, a partir da qual
aquilo que é observado pode ser interpretado. Nesse sentido, é possível afirmar
que a televisão provoca uma interpretação muito mais fisiológica que
propriamente cognitiva.
A aceleração característica da constituição da imagem eletrônica exige
continuamente a adaptação e a interação do sensorium para preencher aquilo que
é observado, negando o tempo necessário para que haja a reflexão e a exposição
verbal sobre aquilo que é assistido, pois “Quando confrontado com apresentações
em mudança rápida e ação acelerada, o espectador é literalmente levado de
imagem a imagem (...) Como resultado, o espectador deixa de conseguir manter
o ritmo e desiste de fazer classificações mentais” (KERKHOVE, 1997:41).
87
Esse tipo de reação, também entendida como “sentido televisivo”, aproxima-
se, segundo Kerkhove, do chamado “sentido pressentido”
7
, definido como o
processo em que milhares de relações cognitivas são transformadas numa única
operação pelo corpo, sobre a qual raramente temos consciência. Todavia, é pelo
sentido pressentido que ocorre a regulação do modo como reagimos aos
acontecimentos cotidianos. É justamente nesse aspecto que podemos observar
como a televisão age sobre nossas vidas, pois a imagem eletrônica contribui
sobremaneira para modelizar o modo como nos relacionamentos com aquilo
que acontece no nosso dia-a-dia, a ponto de estabelecermos um envolvimento
cada vez mais intenso com aquilo que nos é externo. Conforme ressalta Machado
(2005a:156) “Os meios modelizam um sensório em que uma extensão se
transmuta em outra”, visto que a integração entre diferentes sentidos permite
que todos eles trabalhem em conjunto, dada a correspondência estabelecida de
um sobre o outro.
McLuhan (2005:39) enfatiza que esse tipo de envolvimento é similar ao que
ocorre numa relação discursiva oral, pois a correlação entre dois interlocutores
pressupõe uma atitude responsiva ativa, decorrente não apenas da fala, mas também
das formas expressivas não-verbais que participam do diálogo, como os gestos,
reações faciais, etc. Todos esses “elementos” geram uma relação extremamente
envolvente, mediante a ativação de vários sentidos.
É nesse aspecto que a televisão pode exercer uma ação modelizadora sobre
o sentido pressentido, tornando-o mais aguçado e incitando-o cada vez mais a
estabelecer relações participativas e abrangentes. Ao mesmo tempo, tal modo de
interação também estimula o desenvolvimento de diferentes
capacidades relacionais, ao contrário do ambiente edificado pela
escrita tipográfica, em que apenas um único órgão — a visão —
é potencializado em alta definição. Ou seja, a mensagem
7
Segundo Kerkhove, o
“sentido pressentido”
foi definido pelo
psicólogo e filósofo
americano Eugene T.
Gendlin.
88
codificada pelo verbal “chega” pronta e acabada para o receptor e, em conseqüência,
muito pouco resta para ser completada. Por isso, segundo McLuhan, este último
seria o ambiente propício para o desenvolvimento do distanciamento crítico
característico do ponto de vista, cuja articulação exige a elaboração de um raciocínio
lógico e linear. Avesso a esse tipo de pensamento, a era do circuito demanda não
mais o ponto de vista único e o distanciamento crítico, mas o envolvimento, de
modo que, em vez de dissertar sobre algo, o receptor é “solicitado” a se envolver
por inteiro com a ação, tornando-se parte dela (McLUHAN, 2005:195).
Esse “estar com” proporciona o desenvolvimento distintas formas
associativas, sobretudo porque instiga o expectador a estabelecer outros padrões de
associação, calcados na própria descontinuidade que caracteriza o trânsito das
informações na era do circuito, vindas de “todos os lados” e ao mesmo tempo. E é
justamente na descontinuidade que “o público opera um salto para preenchê-lo”
(McLUHAN, 2005:257). Por esse motivo, o expectador é impelido a todo instante
de correlacionar as mensagens presentes no ambiente e preencher as lacunas que se
colocam entre elas, semelhante ao que acontece com a interação propiciada pela
imagem eletrônica televisual. Além do mais, esse tipo de envolvimento também
incita a elaboração de arranjos textuais que, cada vez mais, requerem maior
participação da audiência para preenchê-los. Em casos assim, é possível dizer que a
mediação criada pela tecnologia elétrica incide de tal forma nesse ambiente que os
textos codificados pelos sistemas são, de alguma forma, contaminados pela
“consciência inclusiva” produzida pelas mídias eletrônicas.
É o que acontece com a concisão compositiva presente em parte da produção
publicitária impressa. A modelização ocasionada pela mediação tecnológica que
opera na fronteira entre sistemas motivou a elaboração de peças publicitárias
marcadas, essencialmente, pela contenção no uso dos signos que compõem o arranjo
textual, de modo que pouquíssimos “elementos” são utilizados na configuração da
89
mensagem. Como conseqüência, “abre-se”, na constituição sígnica do anúncio, uma
série de “buracos” a serem completados pela recepção. Ao mesmo tempo, cada
peça edifica um tipo de ordenação e um percurso de leitura muito singular, já que
não há um código único que estabelece, de antemão, o significado a ser produzido
pelo anúncio, pois é a “intraduzibilidade” entre códigos que modeliza o arranjo
sígnico, de tal forma que “em vez de um significado único a mensagem estimula
efeitos de sentidos” (MACHADO, 2005a:153).
Como no ambiente edificado pelos meios eletrônicos as fronteiras entre
sistemas se encontram cada vez mais carregadas de mediação, então, é possível
pressupor que as mensagens publicitárias, pertencentes a um sistema cujo traço
distintivo pressupõe o diálogo com as mídias, constituem textos culturais que
potencializam o desenvolvimento de diferentes capacidades relacionais do intelecto,
bem como a expansão do sensório humano na sua totalidade, pois distintos modos
de perceber são ativados na recepção das peças. É o conjunto de tais produções,
entendido pelo viés epistemológico da semiosfera, que aponta para uma mudança
significativa operacionalizada nas linguagens edificadas pelos anúncios que, por
seu turno, interferem diretamente no modo como os indivíduos interagem com outros
textos que circulam pela cultura.
Conforme ressalta Irene Machado, essas interações constituem a base das
chamadas “linguagens interagentes”, uma vez que “as linguagens assim denominadas
estimulam um outro tipo de relacionamento entre as impressões sensoriais,
promovendo uma redescoberta do sensório humano e de suas potencialidades
expressivas” (2000:75). Essa “reeducação” do sensório humano também pode ser
entendida pela consideração das diferentes modelizações que um mesmo código
adquire na cultura, gerando um reler contínuo dos mais variados arranjos textuais.
É o que pode ser observado nos anúncios caracterizados pela concisão, uma vez
que, dependendo da modelização que recai sobre esses textos, os códigos combinados
90
no arranjo sígnico, sobretudo o visual e o verbal, adquirem as configurações mais
variadas. Ou seja, os códigos são igualmente trabalhados de modo a reter apenas
seus traços mais fundamentais, ocasionando, em alguns casos, a própria reordenação
destes mesmos códigos. Dessa forma, entende-se que essas linguagens
transitam num circuito sensorial que se tornou um desafio para a cultura,
obrigando a uma urgente redescoberta e reeducação dos sentidos, de
modo a nos tornar capazes de “aprender a ver mais, a ouvir mais, a sentir
mais”, como já disse Susan Sontag. Para isso, parece imprescindível
conhecer o fenômeno da interatividade em sua manifestação semiótica,
quer dizer, pela interação de procedimentos e de códigos que articulam
sistemas de signos da cultura (MACHADO, 2000:77-8).
Assim entendidas, as linguagens interagentes somente poderiam irromper
num ambiente que incita cada vez mais o envolvimento da audiência no ato
criativo, “em vez de apenas lhe atirar coisas como objetos de consumo”
(McLUHAN, 2005:121), da mesma forma que concebe o receptor como parte
do circuito pelo qual as informações circulam, tornando-o igualmente responsável
pela produção das mensagens. Além desse aspecto, também é preciso considerar
que esse tipo de arranjo sígnico mais inclusivo torna ainda mais evidente a ação
do dispositivo pensante e o aspecto pragmático que distinguem a heterogeneidade
semiótica e o funcionamento dos textos na cultura.
Tradicionalmente, a pragmática constitui um ramo da semiologia que
tem por objeto o estudo das relações entre os signos e seus usuários. Para Lótman
(1996:98), o aspecto pragmático diz respeito ao “trabajo del texto”, na medida
em que, para ser “colocado em ação” na cultura, algo externo precisa ser
introduzido ou posto em relação com o texto. A singularidade da abordagem
desenvolvida pelo semioticista da cultura decorre do entendimento do leitor
como um dos “elementos de fora” que interage com o texto, a ponto de esse
indivíduo ser também considerado um outro texto. Nesse caso, a interação entre
leitor/texto e um outro texto possibilitaria a atualização de determinados
91
significados que só se apresentariam na sua amplitude pela correlação estabelecida
entre a mensagem e um interlocutor. Isto está relacionado com o fato de que,
conforme foi dito no capítulo anterior, para ser pensante e produzir novos
significados, o texto precisa necessariamente estabelecer relações bipolares.
O aspecto pragmático do texto constituiria assim um dos mecanismos
que geram o funcionamento do dispositivo pensante na cultura, dada as relações
de intercâmbio suscitadas pelo contato instituído entre o texto e o leitor/texto.
Em relação à especificidade dos anúncios caracterizados pela concisão, é possível
afirmar que o próprio arranjo sígnico prevê as “aberturas” que instigam e, em
boa parte, exigem a participação do receptor, uma vez que os significados de
tais mensagens não se mostram finalizados, mas somente são edificados pela
interação estabelecida entre diferentes esferas. Assim,
En vez de la fórmula ‘el consumidor descifra el texto’, es posible una
más exacta: ‘el consumidor trata con el texto’. Entra en contactos con
él. El proceso de desciframiento del texto se complica
extraordinariamente, pierde su carácter de acontecimiento finito que
ocurre una sola vez, tornándose más parecido a los actos, que ya
conocemos, de trato semiótico de un ser humano con otra persona
autónoma (LÓTMAN, 1996:82).
O “trato com o texto” implica a consideração do receptor não como um
mero decodificador, e sim como um usuário que interage ativamente com as
mensagens, similar ao que acontece com as relações discursivas, mencionadas
por Lótman como o “trato semiótico” estabelecido entre diferentes interlocutores
envolvidos numa situação concreta de fala. Assim como o diálogo, em que o
enunciado é construído pela alternância dos sujeitos falantes, os anúncios
caracterizados pela concisão apenas “se constroem” pela interação estabelecida
entre a peça e o leitor/texto.
Segundo foi especificado no início deste capítulo, a diversidade do modo
como a concisão se apresenta nos anúncios impede a delimitação de um tipo de
92
arranjo textual único que sintetize todas as possibilidades expressivas
caracterizadas pela brevidade. Todavia, o confronto com a materialidade dos
anúncios nos permitiu delinear três tipos de arranjos textuais que, de forma
muito geral, indicam as possibilidades de ordenação das peças publicitárias
orientadas pela síntese compositiva. Longe de esgotarem o assunto, esses textos
nos oferecem um percurso de análise que elucida as distintas formas de
envolvimento solicitadas pelos anúncios. É a especificidade de cada uma dessaas
ordenações que será discutida a seguir.
2.2. A espacialização do verbal na página impressa
Uma das formas como a concisão mencionada se apresenta nas peças
publicitárias é a espacialização das unidades verbais na página impressa, conforme
se pode observar no anúncio do Banco Itaú, realizado em 1993. Nessa peça, a
empresa bancária destaca a eficiência do seu serviço de aplicações financeiras,
enfatizando o risco da restituição do imposto de renda chegar ao fim, caso o
montante não seja aplicado adequadamente. No entanto, por meio das unidades
verbais, em vez de ser descrita de forma linear-discursiva, a situação é
representada mediante a visualização do término do próprio dinheiro, cuja
materialização ocorre pela exploração do aspecto gráfico-visual da palavra
impressa.
A composição é formada por sete quadros ordenados seqüencialmente
e, no primeiro deles, há a seguinte frase: “aplique sua restituição antes que acabe”.
A cada quadro, há a supressão de uma palavra que compõe a frase, sendo que,
no penúltimo deles, há apenas a inserção do ponto finalizador da sentença, em
que é possível apreender a correlação da forma impressa com o referente exposto,
93
uma vez que o ponto não apenas sinaliza o final da frase, mas o término do
próprio dinheiro não aplicado na instituição financeira anunciante.
Na ordenação apresentada, pode-se observar uma forma não usual no
modo como a linguagem verbal foi trabalhada no processo de composição textual,
pois, nessa situação, as unidades digitais foram utilizadas como um recurso
constitutivo na construção de um contínuo, de tal forma que as palavras não
são lidas de forma seqüencial, mas são vistas na sua totalidade gráfico-espacial,
mantendo uma correspondência isomórfica com o objeto representado.
Apesar de a contigüidade se presentificar nesse anúncio por meio da
seqüência dos quadros, a ordenação da linguagem verbal seguiu um outro
princípio, no qual se buscou estabelecer a similaridade entre a concretude das
palavras inscritas na frase e uma forma material que mantivesse alguma correlação
com o elemento extra-lingüístico representado. Desse modo, a sentença verbal
não visa apenas dizer o que pode acontecer com o dinheiro do receptor, mas
objetiva mostrar, visualmente, “o dinheiro se acabando”, caso este não seja
aplicado na instituição bancária anunciante. Por isso, na composição, a
contigüidade foi utilizada não com o intuito de instituir uma ordenação linear
para a sentença verbal, mas de estabelecer uma equivalência representativa com
a sucessão do tempo, uma vez que esse é um fator adicional para clarificar a
possibilidade do término do dinheiro, que efetivamente pode acabar conforme
o fluxo da economia decorre.
Figura 1- Anúncio Itaú. Fonte: Anuário de Criação 1994.
94
Como, na semiosfera que envolve a produção publicitária, as relações
baseadas na linearidade são ressignificadas pelo ambiente edificado pelos meios
eletrônicos; o verbal, nesse contexto, “aparta-se” da seqüencialidade para ganhar
uma nova configuração, desta vez, imagética. Esse uso diferenciado, conforme
foi exposto no anúncio do Banco Itaú, evidencia a possibilidade de espacialização
das unidades digitais que, assim ordenadas, rompem com a estrutura linear-
discursiva característica do código verbal. Tais formas operacionalizadas pela
materialidade dos signos verbais, dispostos de modo a estabelecer uma
proximidade física com os objetos extra-linguísticos, compõem uma estrutura
que, por ser apreendida na sua totalidade, viabiliza uma interação mais direta
com o receptor.
Essa é, segundo Décio Pignatari (1969:20), uma das características das
mensagens elaboradas em termos de quantidades analógicas, ao contrário do
que ocorre com as mensagens confeccionadas em termos de unidades digitais.
Estas últimas são constituídas por dígitos (unidades que se apresentam
separadamente) e, como tais, comunicam de forma mais precisa, porém não são
tão diretas, visto que demandam uma maior temporalidade de leitura. Por sua
vez, as mensagens analógicas são contínuas e carecem de precisão, contudo, são
mais diretas. A própria linguagem publicitária, segundo o autor, tenderia para o
analógico.
No anúncio em questão, a ordenação analógica das unidades verbais e a
correspondência estabelecida entre o arranjo sígnico e aquilo que é representado
acentua não apenas uma outra forma de recepção dos dígitos, mas também
propicia um maior envolvimento sensório do receptor com a mensagem. Esse
efeito é alcançado porque a composição busca transmitir uma sensação física
(ocasionada pelo fim do dinheiro) que somente poderia ser comunicada na sua
amplitude caso se rompesse com a arbitrariedade característica da representação
95
verbal. Assim, comunicar de forma mais direta também implica numa
representação mais participativa, pois o modo de visualização é indissociável
da sensação transmitida pelo arranjo textual.
Além do mais, a possibilidade de “desenhar” as unidades verbais também
se tornou possível, sobretudo pelo aparecimento da tipografia. A impressão surge
como uma espécie de “prolongamento” da escrita, potencializando alguns dos
seus principais efeitos. Apesar de ambas estenderem um único sentido, a escrita
possui uma forma de inscrever a palavra na folha em branco muito distinta
daquela inaugurada pela tipografia. No manuscrito, a irregularidade da escritura
e seu aparente “inacabamento”, decorrente dos comentários marginais feitos
pelo autor e possíveis correções realizadas sobre aquilo que está escrito,
transmitem uma sensação de não-fixidez das unidades verbais, uma vez que
estas não possuem uma ordenação simétrica, sendo continuamente refeitas e
rasuradas. Efeito similar acontece com as idéias transmitidas, pois a rasura indica
a descontinuidade e o ir-e-vir de um pensamento.
Com a impressão, inaugura-se uma nova forma de escrever a palavra na
página em branco, tornando-a fixa, em razão da regularidade dos tipos inscritos
e da exatidão e controle do espaço utilizado, do qual procede a sensação de
acabamento e ordenação, como se o texto impresso não permitisse mudanças
ou rasuras. O mesmo ocorre com as idéias presentificadas pela textualidade,
porque a fixidez da impressão também indica o acabamento de uma idéia, pois,
do contrário, esta não poderia ser impressa e publicada. Dessa forma, a superfície
visual da página,
(...) se tornara carregada de significado imposto e de que a impressão
controlara não apenas quais palavras seriam escritas para formar um
texto, mas também a posição exata das palavras na página e a relação
espacial de umas com as outras, o próprio espaço em uma folha impressa
– “espaço em branco”, como é chamado – adquiriu um significado
importante (ONG, 1998:146).
96
A determinação do lugar que as unidades verbais ocupam no espaço da
página em branco tornou-se ainda mais relevante em decorrência da interação,
cada vez mais intensa, entre as unidades verbais e os recursos gráficos e
diagramáticos. A anterior proximidade de tais recursos com a arte pictórica, por
sua vez, possibilitou a exploração de novas formas expressivas em mensagens
em que o uso da diagramação apenas visava estabelecer a disposição gráfica dos
elementos constitutivos da peça, de acordo com a programação visual
predeterminada pelo meio utilizado, seja ele revista, jornal, livro, etc. Essa
profusão de possibilidades trazidas pela diagramação permite-nos entender como
“a arte gráfica é tanto mais gráfica e tanto mais arte quanto mais for uma arte de
produção e menos uma arte da reprodução, quanto mais os seus próprios recursos
lhe servirem de estímulos e problemática e na medida mesma em que for mais
linguagem e menos código” (PIGNATARI, 1969:120).
Essa forma inusitada de uso das unidades verbais, por sua vez, não pode
ser considerada uma exclusividade das mensagens publicitárias. Experimentações
similares já foram anteriormente realizadas na década de 60 pelos integrantes
do movimento denominado “poesia concreta”. Conforme ressalta Haroldo de
Campos, no texto “Poesia Concreta Linguagem Comunicação” (1987), um
dos intentos desse novo fazer poético correlacionava-se com a necessidade de
romper, de antemão, com a estrutura lógico-discursiva da linguagem verbal, que
inviabilizava um contato mais próximo com o mundo fenomênico. Ao desfazer
a seqüencialidade característica do verbal, as unidades discretas não apenas
estabelecem uma correlação isomórfica com os objetos representados, mas criam
seus próprios objetos, uma vez que estes são presentificados pela materialidade
do signo verbal, cuja existência se circunscreve ao âmbito da linguagem. Assim,
essa nova configuração trazida pela poesia concreta,
pretende por este rico e flexível instrumento de trabalho mental “ dúctil,
próximo da forma real das coisas – a serviço de um fim inusitado:
97
criar seu próprio objeto. Pela primeira vez passa a não ter importância
o fato de as palavras não serem um dado objeto, porque, na realidade,
elas serão sempre, no domínio especial do poema, o objeto dado.
Então uma linguagem afeita a comunicar o mais rápida, clara e
eficazmente o mundo das coisas, trocando-o por sistemas de sinais
estruturalmente isomórficos, coloca, por uma súbita mudança de campo
de operação, seu arsenal de virtualidades em função de uma nova
empresa: criar uma forma, criar, com seus próprios materiais, um mundo
paralelo ao mundo das coisas – o poema (CAMPOS, 1987:76).
Tal ordenação abre uma nova possibilidade comunicativa, pois, ao
transgredir não apenas a contigüidade, como também a arbitrariedade no modo
como as sentenças verbais representam os fenômenos extra-lingüísticos, formam-
se outras correlações sintáticas que, de um modo geral, rompem com a expectativa
na maneira de ordenação do código verbal. Ao criar uma sintaxe mais
espacializada, essas sentenças geram também uma outra percepção em relação
às unidades impressas, cuja apreensão ocorre com base em formas verbais não
apenas observadas visualmente, mas igualmente sentidas no seu conjunto de
“relações estímulos óticos, acústicos e significantes” (CAMPOS, 1987:75). Essa
profusão de sensações provocadas pelo poema concreto somente pode ser
entendida pelas correlações de similaridade estabelecidas entre a forma verbal e
a coisa representada, e entre a sonoridade produzida pelo poema e os sons daquilo
que se quer representar.
A comunicação inclusiva trazida pelo poema concreto coloca-se, assim,
em intenso diálogo com o ambiente comunicacional que entremeia a produção
publicitária impressa. A contaminação da publicidade pela forma de ordenação
sígnica característica da poesia concreta pode ser entendida como conseqüência
das trocas empreendidas entre diferentes sistemas, sobre as quais incide uma
dominante cultural específica, definida pela aceleração dos processos associativos
e perceptivos, que tende a produzir textos cuja estrutura composicional gera
uma forma de interação mais direta e participativa.
98
Essa nova ordenação das palavras introduzida pela poesia coloca-se,
assim, em intenso diálogo com o ambiente gerado pelos meios eletrônicos, cuja
“apropriação” pela publicidade pode ser entendida pela “necessidade”, cada
vez mais premente, de os anúncios estabelecerem uma interação mais inclusiva
e direta com seus receptores. A proximidade entre o ambiente midiático e a
poesia concreta também pode ser percebida pela estreita relação existente entre
esse fazer poético e a tipografia, pois, conforme foi visto, as formas de impressão
viabilizaram uma nova apropriação do espaço pelas palavras impressas, que
passaram a dispor de uma configuração diferenciada:A poesia concreta não é
produto da escrita, mas da impressão (...) A desconstrução está antes atada à
tipografia do que, como muitas vezes ela parece afirmar, meramente à escrita”
(ONG, 1998:148).
Todavia, ao ser incorporada pela publicidade, essa ordenação verbal,
característica da poesia, também é, de alguma forma, contaminada pela memória
inscrita nos textos culturais publicitários. Segundo Lótman, a faculdade
mnemônica reporta-se a uma das três funções centrais que os textos
desempenham na cultura. A primeira delas diz respeito à função comunicativa,
entendida por meio da óptica desenvolvida pela lingüística. De acordo com essa
concepção, o texto constitui a materialização das leis de uma determinada língua,
de tal forma que o êxito do processo comunicativo decorre do compartilhamento
do mesmo código entre emissor e receptor. Qualquer “desfiguração” que possa
acometer o texto durante a transmissão é percebida como um ruído a ser
eliminado, pois a integralidade da significação deve chegar ao receptor sem
nenhuma diferença em relação ao modo como foi edificada pelo emissor. Como
um mero condutor passivo de significado, o texto é compreendido sem correlação
com outras esferas culturais, uma vez que qualquer interação pode alterar a
99
codificação inicial, causando interferências na função comunicativa a ser
desempenhada por ele.
Se, conforme dito no capítulo anterior, um texto cultural distingue-se
pela dupla codificação, então, subentende-se que as funções desempenhadas
por um arranjo sígnico vão além da simples transmissão “adequada” e unilateral
de significados. A heterogeneidade semiótica característica de um texto confere
a ele a capacidade de edificar novas linguagens e significados, indispensáveis
para promover o dinamismo da cultura. É esse aspecto que define o segundo
papel exercido pelos textos, ou seja, a geração de novos sentidos. Por seu turno,
não há como dissociar essa função da consciência criadora ou dispositivo
pensante, pois, é pelo intercâmbio semiótico estabelecido entre diferentes
sistemas, aliado à “intraduzibilidade” entre níveis distintos, que ocorre a produção
de novos textos na cultura.
Para funcionar como um dispositivo pensante e ser portador de uma
individualidade semiótica, um texto cultural também deve ser capaz de conservar
informação ou, ainda, estar imbuído da capacidade mnemônica. Não por acaso,
a memória constitui a terceira função atribuída aos textos culturais. De acordo
com formulação realizada pela Semiótica da Cultura, a memória inscrita na cultura
é designada coletiva, não-hereditária, visto que não subsiste na mente dos
indivíduos, e sim nos sistemas sígnicos e nas mensagens por eles produzidas. A
memória não se volta para o passado, mas gera algo futuro, pois seu
funcionamento se assemelha a um programa de ação capaz de engendrar novas
possibilidades combinatórias para a criação de arranjos sígnicos inusitados. Tal
consideração vem da idéia de que há dois tipos distintos de memória, a saber, a
informativa e a criativa (ou criadora) (LÓTMAN, 1996:158). A memória
informativa diz respeito à conservação de uma informação inscrita num texto,
ou ainda, aos “mecanismos de conservación de los resultados finales de cierta
100
atividad cognoscitiva” (1996:158) inseridos numa cronologia temporal linear,
de maneira que o último resultado tende a situar o anterior como ultrapassado.
Esse tipo de memória parece funcionar como uma espécie de banco de dados,
em que as informações armazenadas estão à disposição para consulta, sendo a
novidade mais recente a mais valorizada.
Ao contrário, a memória criativa não pode ser delimitada por intermédio
de uma linearidade temporal. Os textos inventivos da cultura não são demarcados
por uma dimensão evolutiva causal, assim como não podem ser situados como
produções restritas apenas ao tempo atual, visto que se originam da interação
entre o presente e o passado. Segundo Lótman, aquilo que “passou” continua a
subsistir em estado de latência na cultura, de modo que, em determinadas
circunstâncias e, “sufriendo una selección y una compleja codificación, pasa a
ser conservado” (1998:153) e pode irromper novamente na cultura, promovendo
a redefinição de sistemas considerados mais “atuais”.
É por isso que o tempo da memória não pode ser mensurado linearmente,
pois seu funcionamento encontra-se inscrito naquilo que Mikhail Bakhtin definiu
como “grande temporalidade” (1997:366). Tendo por objeto o romance, Bakhtin
enfatiza a necessidade de estreitar os vínculos entre a ciência literária e a história
da cultura, uma vez que o sentido de um texto não se encerra na época em que
foi produzido, mas pode ser aclarado em períodos históricos longíquos,
aparentemente sem nenhuma relação com a obra produzida. Por isso, a amplitude
do sentido de um texto revela-se tão somente na grande temporalidade da cultura.
Uma determinada esfera contemporânea pode elucidar um significado relativo
a um texto clássico que, de outro modo, permaneceria não manifesto, da mesma
forma que o inverso também pode ocorrer. A cultura de uma época passada
também não deve ser interpretada como algo cristalizado e pronto, incapaz de
dizer algo sobre o presente, pois a interação entre passado e presente pode desvelar
101
significados inusitados acerca das várias mensagens que circulam pela cultura,
mesmo porque “a unidade de uma cultura determinada é uma unidade aberta”
(BAKHTIN, 1997:366).
Assim entendida, a memória constitui um mecanismo formador de textos,
de maneira que os dados nela “armazenados” se alteram e ampliam-se com o
tempo. Também é preciso ter em conta que, sendo a memória definida como
“criadora”, é possível supor que a cultura não possui apenas uma memória pois,
conforme apresentado anteriormente, o dispositivo pensante da cultura pressupõe
sempre uma relação comunicativa entre dois ou mais sistemas sígnicos. Por
conseguinte, apesar de também ser definida como “memória colectiva” (1996:
157), a cultura é internamente atravessada por vários “dialectos de la memória
parciales” (LÓTMAN, 1996:157) em constante diálogo, viabilizando assim a
edificação de uma individualidade própria para cada uma dessas esferas
mnemônicas. Nesse caso, pode-se dizer que a interação entre as diferentes
individualidades de memória formam a memória coletiva não-hereditária da
cultura, tal como ocorre com a individualidade semiótica dos textos.
No anúncio do banco Itaú, é possível distinguir a presença das funções
criadora e mnemônica, uma vez que, mediante o diálogo com outros sistemas,
ocorre tanto a redefinição do uso das unidades discretas quanto ainda é possível
perceber, mesmo que minimizado, o papel que o texto verbal comumente
desempenha nos anúncios: “ancorar” a representação imagética, ainda que na
peça citada um novo significado se sobreponha ao emprego habitual.
No artigo “A retórica da imagem”, Roland Barthes salienta que, pela
precisão no modo como representa algo, a mensagem lingüística é utilizada nos
anúncios com vistas a fixar a “cadeia flutuante” de significados presentes na
imagem, que, pela sua polissemia, tende a gerar uma multiplicidade de
significados. Dentre todos os sentidos possíveis a serem incitados pela imagem,
102
as palavras “selecionam” aqueles que devem direcionar a interpretação, fazendo
com que outros significados sejam desconsiderados.
Ou seja, apesar da concisão estrutural que caracteriza um conjunto
específico de textos publicitários, neles ainda nota-se a presença do uso das
palavras com o intuito de ancorar a imagem. Em especial, no último quadro do
anúncio do Banco Itaú, há a presença de um texto referencial que estabelece a
relação entre a representação presente nos seis quadros anteriores e o anunciante.
O texto é formado pelo seguinte trecho:
Gastar todo o dinheiro da restituição do imposto de renda não custa
nada. Aplicar este dinheiro nos investimentos que o Itaú oferece também
não custa nada. E rende muito. Em todas as agências do banco Itaú,
você encontra gente especializada em dar ao seu dinheiro a aplicação
mais rentável e segura. Sempre levando em conta a importância a ser
aplicada, o prazo e o dia mais adequado para você. Se você ainda não
recebeu a sua restituição, procure o Itaú para programar a melhor
aplicação. Se já recebeu, não espere ela acabar. Aplique agora no Itaú.
“Eletrônica Global”.
Por meio desse texto, é possível perceber a que, especificamente, a imagem
composta por dígitos se refere, ao enfatizar a possibilidade do término do dinheiro
recebido pelo contribuinte. Nesse caso, observa-se que a edificação de um novo
arranjo textual não exclui a presença de um uso já freqüente do código, todavia,
esta utilização se insere numa nova ordenação, o que, por sua vez, imprime um
novo significado para o emprego das unidades verbais, além daquele já previsto
pelo hábito. Desse modo, distintas camadas sobrepõem-se no anúncio, dada a
possibilidade criadora da memória, capaz de introduzir um signo já existente e
com um significado já previsível num determinado arranjo textual, atribuindo-
lhe assim uma nova acepção.
Esse aspecto torna-se ainda mais perceptível se considerarmos que a
peça traduz em linguagem o mesmo princípio que rege a formação da imagem
103
cinematográfica, isto é, o movimento é construído pela seqüência de 24 quadros
por segundo. É com base nessa ordenação linear, na qual os quadros são ordenados
seqüencialmente, que a imagem não apenas ganha movimento, mas também
adquire forma, uma vez que são necessários vários fotogramas para gerar uma
imagem “cheia” na tela. Do mesmo modo, pode-se observar uma ordenação
similar na peça do Banco Itaú pois, o movimento do término do dinheiro também
é representado pela seqüência de planos, imprimindo movimento para o anúncio.
É a sucessão de planos que viabiliza a formação do penúltimo quadro, pois o
“vazio” presente na tela é construído pela supressão das unidades verbais em
cada um dos quadros anteriores. Por meio dessa ordenação textual, torna-se
possível apreender os espaços em branco que vão se avolumando nos planos,
formando, assim, um quadro dentro de cada quadro/fotograma que compõe a
peça. O último espaço em branco construído pela sucessão de planos no sexto
quadro coloca-se, assim, como uma imagem cuja economia de elementos propicia
maior envolvimento com o receptor, dado que este deve completar a representação
construída pela seqüência de planos, que visa, de alguma forma, a transmitir
uma sensação de desconforto pelo fim do dinheiro. Finalmente, a alocação do
corpo de texto verbal no último quadro da série nos permite relacioná-lo aos
créditos inseridos no final de um filme, o que lhe confere um duplo significado,
uma vez que cabe a ele não somente “ancorar” a representação imagética.
Ainda sob o viés da concisão compositiva, uma outra possibilidade de
uso das unidades verbais na página impressa pode ser verificada no anúncio do
whisky Johnnie Walker, veiculado em 2005. Feito em página dupla, o anúncio é
inserido na revista como um encarte, de modo que suas folhas suportem uma
gramatura mais espessa que as demais que constituem o volume. Todas as páginas
da peça são compostas por um fundo preto e, na primeira delas, disposto no
ponto central, há o signo visual em amarelo, que distingue a logomarca do
104
produto: o contorno de um
homem caminhando com
uma bengala, vestido de
cartola, casaca e botas. As
páginas centrais são
contornadas por uma linha
branca e, na folha par, na
parte inferior à esquerda, há
o nome do produto e, no
canto inferior direito da
página ímpar, há o slogan do
anunciante acompanhado
pelo signo visual do “homem
caminhando”, onde se encerra o contorno da composição.
Nessa mesma página, no centro, há a inserção de um
quadrado de papel, também em preto, sobreposto à folha
central. Ao puxá-lo, começa a desenrolar-se uma
seqüência de sete outros quadrados e, em cada um deles,
há um trecho
de uma frase
de autoria do
escritor inglês Oscar Wilde. A frase
possui a seguinte divisão nas figuras
geométricas: “O descobrimento é o
primeiro passo na evolução de
um homem. Oscar Wilde.” Na
Figura 2 - Anúncio Jonnie
Walker
(Capa/ páginas centrais/
contracapa)
Fonte: Revista Playboy
Figura 3 – Display do Anúncio Jonnie Walker.
105
quarta e última folha, centralizada, está a logomarca do anunciante.
Observa-se que o foco da composição está na ortogonalidade formada
em três das quatro páginas que compõem o anúncio, de modo a ressaltar as
figuras que, apesar de distintas, estão centralizadas e em equivalência no anúncio.
A presença do signo visual na primeira página indica uma ação, ou seja, o
“caminhar”, atividade esta que será sentida de forma tátil pelo receptor na terceira
página. Ao “abrir” o quadrado de papel presente nela, surge a palavra “o
descobrimento” que, por sua vez, oferece o indício de algo que realmente poderá
ser descoberto caso as demais figuras sejam desdobradas. A metáfora na frase
do escritor Oscar Wilde sobre o caminhar está em consonância com a própria
materialidade da composição, uma vez que cada um dos quadrados equivale aos
passos que o homem dá, sendo esse percurso traçado pela ação do receptor, que
deve virar cada uma das figuras, como se ele próprio fosse o passante. Ao final,
Figura 4 – Seqüência display Jonnie Walker.
106
quando todos os quadrados são desmembrados, surge o desenho de um caminho,
de maneira que o último quadrado ou passo se encontra na parte exterior da
folha, indicando um devir. O slogan na página reforça ainda mais o “caminhar”,
visto que a frase keep walking significa “mantenha-se andando”.
Conforme foi dito na descrição realizada do anúncio, a representação
imagética do “homem caminhando”, posto junto ao slogan, marca também a
finitude da linha branca que circunscreve as páginas centrais do anúncio. No
entanto, o arranjo sígnico materializado pelo slogan permite-nos vislumbrar a
continuidade da linha para além da revista, sendo essa persistência decorrente o
rearranjo de outros códigos. No final do traço, logo acima dele, encontra-se o
vocábulo keep e, após a figura colocada no meio da frase, sem a marca da linha,
está a palavra walking. O verbo conjugado no gerúndio indica o prosseguimento
da ação de “andar, caminhar”, sendo essa atividade materializada no anúncio
não apenas pela composição dos diferentes quadrados ou mesmo pelo slogan,
mas também pelo próprio fio, uma vez que ele termina no pé direito da figura
que antecede o segundo verbo da frase. Ou seja, na ordenação presente na peça,
a linha constitui um índice do percurso realizado pela representação imagética
do “homem caminhando”, continuamente associado ao produto. O
prosseguimento do caminho representado pela linha é assim edificado pela forma
nominal do verbo e pela posição que o slogan ocupa no anúncio, uma vez que
ele está posto na mesma direção do devir apontado pelo percurso construído
por meio do desdobramento da composição formada pelos quadrados.
Na página final da peça, a alusão ao caminhar encerra-se com a presença
da assinatura do produto e a figura do “homem caminhando”, em que se observa
a correlação entre a idéia de “manter-se ereto, seguir em frente, evoluir” com a
marca de whisky anunciada, cujo público-alvo são homens de alto poder aquisitivo.
Contudo, dessa vez, a finitude do texto presente no anúncio é marcada não
107
apenas pela quarta e última folha da composição, mas pela própria inserção da
logomarca do anunciante, pois, nesse ponto do arranjo sígnico, não há mais o
uso da forma nominal do verbo no gerúndio, e sim a presença do nome Jonnie
Walker, isto é, “Jonnie andante”, expressão essa construída por um nome próprio
e um adjetivo, na qual há a indicação de um atributo que também sugere uma
ação, mas não a sua continuidade como uma atividade que ainda persiste no
instante presente.
É importante salientar a importância do slogan para essa composição,
visto que a peça é construída com o intuito de enfatizá-lo. Nela, a frase curta
funciona como um elemento “detonador” do processo compositivo, de forma
que o seu significado é edificado em conjunto com outros signos também presentes
no anúncio. Além disso, por meio do recurso gráfico visual do “homem
caminhando”, é possível estabelecer uma correlação direta com a idéia que se
pretende associar ao produto. Conforme ressalta Olivier Reboul (1975), um dos
principais traços característicos da ordenação sígnica do slogan reporta-se não à
sua estrutura sintática, mas estilística, de modo que “sua força é inseparável da
sua forma”, pois “a forma tem tanta eficácia que pode, às vezes, operar sozinha
sem nenhum conteúdo: a massagem sem a mensagem” (1975:24).
O slogan constitui um ato eminentemente verbal, no qual a rima exerce
forte ingerência, configurando-se num recurso retórico e estilístico indispensável
para a ação de textos verbais persuasivos. Ainda que esse recurso esteja
intrinsecamente vinculado à oralidade, o que faz com que a grande maioria dos
slogans não sejam lidos, mas ouvidos, não podemos deixar de acentuar a interação
estabelecida entre essas “frases curtas” com a impressão. Do diálogo entre elas
resulta a emersão de estruturas estilísticas construídas com elementos não apenas
tipográficos, mas também gráficos, de modo que o funcionamento dessa classe
de slogan encontra-se diretamente vinculado à sua recepção impressa. Nesse
108
caso, pode-se dizer que as frases não são construídas para serem ouvidas, mas
para serem lidas na publicação. De certa forma, Olivier Reboul também ressalta
essa faceta do slogan quando enfatiza a correlação estabelecida entre a entonação
e a tipografia na construção do texto, a ponto de os recursos tipográficos
funcionarem como “tradutores” de elementos compositivos verbais, os quais
“nos mostra que a tipografia pode ser, como a entonação que esta traduz, uma
realidade lingüística” (1975:25). Se avançarmos um pouco mais em tal
perspectiva, contrapondo-nos em parte a ela, veremos que as transformações
operacionalizadas nos anúncios impressos fizeram com que determinados
recursos gráficos se impusessem de modo ainda mais acentuado na elaboração
de determinados slogans, a tal ponto que a frase construída passou a ser
estruturada em conjunto com a imagem a ela associada, compondo assim uma
imagem-síntese. Desse processo compositivo resulta a elaboração de slogans
que, em vez de ressaltar a realidade lingüística da frase, destacam sua totalidade
gráfico-visual, que tende a transformar o arranjo verbal como um todo em
imagem.
Em relação ao anúncio do whisky Jonnie Walker, observa-se que o novo
uso do slogan é acompanhado por uma série de outras correlações sígnicas que
imprimem um modo também diferenciado para a leitura da peça. Nela, pode-se
dizer que a apreensão do slogan não decorre apenas da totalidade imagética da
frase, mas sobretudo da interação estabelecida entre a seqüência das páginas, o
desdobramento dos quadrados, a linha que contorna as principais páginas do
anúncio e o próprio slogan, de modo que a totalidade da sua “leitura” requer
que o receptor estabeleça diferentes relações associativas. É desse processo que
resulta a força comunicativa da frase e do arranjo sígnico como um todo.
Assim como o anúncio Itaú, a peça Jonnie Walker torna patente a maneira
como a memória age na constituição de novos arranjos textuais. A utilização do
109
slogan no canto inferior direito de um anúncio impresso consiste num uso muito
freqüente, todavia, há uma série de peculiaridades no modo como ocorre a leitura
do slogan no anúncio Jonnie Walker, bem como na maneira como ele interage
com as demais partes que formam a peça, sobretudo quando comparado ao tipo
de arranjo habitual que, há muito, direciona a elaboração dos anúncios
publicitários veiculados em revistas. Nestes últimos, é possível reconhecer um
esquema que estabelece, a priori, a alocação dos signos que formam a mensagem.
Em síntese, o modelo em questão pressupõe o uso do texto verbal demarcado
por quatro partes distintas: título, corpo do texto, frase de fechamento e
assinatura. Essa disposição acompanha a imagem impressa, que pode ser
conotativa ou denotativa em relação ao referente central do anúncio, geralmente
o produto ou serviço anunciado.
Tal padrão pode ser detectado na peça do banco Sudameris, veiculado
em fevereiro de 2007. Nele, há seguinte subdivisão: o título situado na parte
superior da página, a ilustração alocada logo
abaixo dele, o corpo de texto inserido no rodapé
da página e a assinatura do anunciante
posicionada no canto inferior direito. Observa-
se que cada uma das partes constitutivas da peça
foi alocada segundo o princípio da proximidade,
de modo que os itens logicamente relacionados
formam blocos facilmente identificados, o que
permite uma maior organização dos dados
transmitidos, assim como estabelece uma
progressão lógica para a leitura, que tem início
no título e encerra-se na assinatura.
Figura 5- Anúncio
Sudameris. Fonte: Revista Veja.
110
No anúncio em questão, a distribuição dos elementos na página atende
ao hábito de ler pré-estabelecido pelo verbal, obedecendo assim um percurso
que vai da esquerda para a direita e de cima para baixo, de forma que os
significados são construídos com base em um arranjo pré-determinado que não
viabiliza outras possibilidades de interação entre o receptor e a peça. Em especial,
no anúncio Sudameris, o alinhamento situado à esquerda reforça ainda mais o
local onde deve ser iniciada a leitura. Com isso, o título e a assinatura passam a
ter grande destaque, pois enquanto o primeiro se situa no ponto onde ocorre o
início do ato de ler, ou seja, num local em que o olho já é habitualmente
direcionado, o segundo encontra-se no canto inferior direito da página, no ponto
que estabelece o fim da leitura.
É importante destacar ainda a coerência do encadeamento presente no
corpo do texto, em que é realizada a descrição das características dos serviços
oferecidos pelo banco anunciante. Além disso, a presença de alguns termos em
destaque, como “Antecipação de Vendas com Cartão de Crédito Visa”,
“Desconto de Cheques Pré-Datados” e “Desconto de Títulos”, também auxilia
a construir a sucessão das idéias em correlação no texto, dando ênfase àquilo
que efetivamente deve ser memorizado pelo receptor.
O modo como o referente é apresentado no anúncio vem de encontro ao
ponto de vista que, segundo McLuhan, distingue o tipo de pensamento incitado
pelo ambiente edificado pela escrita tipográfica. O estase e o distanciamento
crítico propiciados pela forma de leitura proposta permitem que, ao finalizar a
peça, o receptor desenvolva uma maneira de considerar ou entender o
serviço
anunciante. Nesse caso, o resultado é mais importante que o processo em si,
uma vez que o percurso de apreensão da peça vem de encontro ao automatismo
de uma percepção já mediada pela escrita, e nada acrescenta ao repertório do
receptor, que exerce o papel de um mero decodificador do arranjo textual. Por
111
isso, é possível afirmar que a demarcação extremamente subordinada dos signos
presentes no modelo apresentado, que direciona a elaboração desse tipo de
anúncio, tem como substrato a linearidade e a hierarquia estabelecidas pelo
ambiente edificado pela escrita. Na peça Sudameris, é possível reconhecer a mesma
descontinuidade compositiva que caracteriza a própria escrita, marcada pela
funcionalidade estrutural das partes constitutivas de uma oração, em que cada
uma delas exerce uma função muito própria. Ao contrário, nas mensagens
selecionadas para este estudo, sob as quais incide a mediação produzida por um
ambiente no qual o envolvimento é cada vez mais estimulado, o processo de
apreensão do arranjo textual, que não segue uma ordem pré-establecida, é bem
mais relevante que o resultado.
Em especial, no anúncio Jonnie Walker, nota-se que o slogan foi situado
no mesmo local em que comumente é alocado nas mensagens publicitárias
elaboradas segundo o padrão compositivo regido escrita. Contudo, na peça do
whisky, a apreensão do slogan segue um caminho muito singular, a ponto de não
mais funcionar somente como uma assinatura que encerra a leitura, dado que,
em parte, é ele que direciona as distintas associações sugeridas pelo texto. Ou
seja, longe de marcar o fim da leitura, o slogan funciona como um elo entre as
heterogeneidades que formam a peça, na qual observa-se, mais uma vez, a ação
da memória na constituição de novos arranjos textuais, mediante a ressignificação
de um signo ou uso já habitual.
A peça Jonnie Walker ainda oferece-nos um indicativo importante acerca
da transformação operacionalizada nos processos associativos que caracterizam
a produção publicitária impressa atual. Isso ocorre porque boa parte dos traços
que distinguem o arranjo compositivo dos anúncios pautados pela concisão pode
ser observada nessa mensagem,
pois, nela, é possível apreender a interação que
se estabelece entre
o signo verbal, o signo visual, a mídia e, sobretudo, o suporte.
112
Da interação entre essas heterogeneidades resulta o desenvolvimento de
diferentes competências relacionais que incitam um envolvimento sensório cada
vez mais intenso do receptor com as mensagens publicitárias. Nessa perspectiva,
é importante salientar o quanto a utilização do dispositivo material como parte
do arranjo sígnico pode interferir no tipo de envolvimento provocado por uma
mensagem.
Na revista impressa, o suporte refere-se igualmente às páginas, ao tipo
de papel utilizado para a impressão e ao corte que distingue os contornos da
publicação, incluindo a dobra situada no meio da revista. Contudo, nesse aspecto,
o anúncio Jonnie Walker apresenta uma peculiaridade: sobre uma das páginas foi
sobreposta uma tira de papel com um recorte muito específico, o que faz com
que a base do anúncio ganhe uma configuração distinta do restante do volume.
Tal utilização sinaliza uma significação igualmente peculiar, porque, se na peça
do Banco Itaú, o “desenhar” das letras na página em branco teve como substrato
a utilização de recursos gráficos, tipográficos e diagramáticos, na peça do whisky
o desenho foi edificado sobretudo pela interação estabelecida entre o signo verbal
e o quadrado de papel posto sobre a folha situada à direita do anúncio. A estreita
correlação entre a disposição das unidades verbais sobre o friso não apenas
conferiu uma diagramação muito singular ao anúncio, como também concedeu
ao verbal um modo de leitura que rompe com a fixidez característica da escrita
tipográfica e do próprio dispositivo impresso.
A “soltura”, ou ainda, a “fluidez” no modo de representar, a ponto de o
suporte ser manipulado pelo receptor e funcionar também como signo, decorrem
sobretudo da modelização que, à semelhança das mediações operacionalizadas
pela tecnologia elétrica, incidem sobre o anúncio, tornando-o altamente inclusivo,
de modo que o significado da peça apenas emerge pelas idas e vindas do usuário
na tentativa de mapear a interação existente entre as heterogeneidades
113
formadoras do arranjo textual. Ou seja, nesse caso, uma possibilidade de uso do
suporte e o seu funcionamento como signo somente veio à tona pela interação
estabelecida entre a mídia que codifica o anúncio e o continuum semiótico mais
amplo da cultura.
A utilização do suporte como parte do arranjo textual sinaliza uma
possível redefinição do papel que o suporte exerce no processo comunicativo,
uma vez que, comumente, ele tende a ser considerado uma mera base material
sobre a qual as mensagens são inscritas e, por isso, não interfere na produção
sígnica. Todavia, o anúncio Jonnie Walker e a quase totalidade das demais peças
publicitárias que serão apresentados ao longo deste estudo põem em dúvida a
idéia acerca da neutralidade do dispositivo material, uma vez que, nos anúncios,
ele tanto tem a possibilidade de ser transformado em signo pela modelização
que incide sobre o texto publicitário, quanto as suas características técnicas
podem igualmente interferir na constituição da linguagem. Com
relação a esse
último aspecto, não há como desconsiderar as formulações realizadas pelo
historiador Régis Debray sobre a ação que os meios exercem na cultura. Ao
demarcar a existência de diferentes midiasferas como uma “variação concreta”
da semiosfera, o autor suscita algumas questões sobre o funcionamento dos
meios que, em parte, se aproximam da visão ecológica proposta por McLuhan,
além de acrescentar um outro dado: a questão do suporte.
2.3. A semiosfera, a midiasfera e a problemática do suporte
Não são poucos os trechos presentes na obra de Debray em que o autor
enfatiza sua preocupação em entender a ação dos signos na cultura. Todavia, o
percurso feito pelo historiador difere enormemente daquele empreendido por
determinadas vertentes da semiótica diretamente influenciadas pela semiologia
8
.
114
Inclusive, em seu livro Manifestos midiológicos (1995), Debray faz uma crítica
ferrenha a tais estudos, cuja observação se detém apenas na constituição dos
signos em si, desprezando por completo os dispositivos materiais em que são
inscritos. Também se refere criticamente a determinados modelos “semióticos”,
cujo parâmetro de análise pode ser igualmente aplicado para a pintura e a culinária,
sem atentar para os procedimentos característicos de cada uma das áreas.
Toda essa crítica tem como substrato uma questão básica: a ingerência
exercida pelos suportes na formação dos signos. De acordo com o autor, a
produção sígnica de uma dada coletividade não pode ser estudada sem que se
considere o conjunto das tecnologias que lhe serviram de suporte para a inscrição,
a transmissão e o armazenamento, visto que, para se corporificarem, os signos
precisam ser “assentados” em algum dispositivo material. E, longe de servir
apenas como apoio físico, os suportes interferem diretamente no tipo de escrita
a ser utilizada, da mesma forma que geram um ambiente propício para o
desenvolvimento de determinados modos de pensamento, procedimentos de
memorização e interação social.
O interesse pelos “vestígios materiais de sentido” (DEBRAY, 1995:16)
parte do preceito de que “uma dinâmica do pensamento é
inseparável de uma física dos vestígios” (1995:21), pois o
modo de pensar de uma época não pode ser compreendido
na sua inteireza dissociado dos suportes que propiciaram sua
materialização e memorização e que, de alguma forma,
intervêm no tipo de pensamento produzido. Por exemplo, a
tipografia, caracterizada pela fixidez da escrita e pela rigidez
do suporte impresso, proporcionou o desenvolvimento de
formas de raciocínio igualmente marcadas pelo rigor dos
preceitos e pela coerência lógica.
8
Dentre eles, podemos
citar o modelo gerativo
da análise do discurso
desenvolvido por
Algirdas Julien Greimas
(1917-1992), composto
por três níveis: o
narrativo, o discursivo e
o fundamental. Esse
modelo, elaborado com
base na observação da
linguagem verbal, foi
posteriormente utilizado
por diferentes áreas do
campo semiótico, como a
arquitetura, a fotografia,
a pintura, dentre outras.
115
Isso não significa que ocorra um vínculo causal e unilateral entre técnica
e cultura, pois, se assim fosse, sociedades que dispõem dos mesmos dispositivos,
necessariamente, desenvolveriam culturas também similares. Por outro lado,
segundo o autor, a ausência de um certo dispositivo de memorização pode
acarretar a falta de alguns comportamentos ou modos de reflexão correlacionados
a ele. É o que acontece, por exemplo, com culturas que desconhecem a escrita
linear e, conseqüentemente, ignoram o modo de ordenação linear do tempo
(DEBRAY, 1995:28). Ou seja, ainda que outras variáveis interfiram na produção
simbólica de uma cultura, não há como desvencilhar as relações que podem ou
não ser incitadas por uma dada tecnologia.
Durante muito tempo negligenciado dos processos de geração de signos,
o suporte é retomado numa acepção mais ampla, de modo que a idéia de
transmissão comumente associada à função exercida pelo canal no mecanismo
de comunicação é vista sob uma perspectiva bem mais abrangente. Talvez por
isso, o autor utilize o termo transmissão em vez de comunicação.
Assim como Lótman e McLuhan, Debray também critica os modelos
lineares que definem a comunicação como um deslocamento linear e unilateral
de um mesmo código entre emissor e receptor. Pode-se dizer que aquilo que
Debray compreende por transmissão assemelha-se, em parte, ao que Lótman e
McLuhan entendem por comunicação, o que sinaliza a ambigüidade que o
conceito de comunicação ainda suscita. Debray entende que, em toda transmissão,
“emissor e receptor são modificados, interiormente, pela mensagem que trocam
entre si; além disso, a própria mensagem é modificada pelo ato de circular. A
transmissão funciona como cadeia de incessantes transformações (DEBRAY,
1995:62), o que a aproxima da compreensão desenvolvida por McLuhan e Lótman
sobre as transfigurações que impreterivelmente caracterizam todo e qualquer
processo comunicativo. Assim, para o historiador, longe de ser um trajeto linear,
116
o transporte de mensagens através de um determinado suporte é marcado por
uma série de intervenções, nas quais incidem fatores históricos, sociais, técnicos
e sígnicos, de maneira que uma mensagem nunca chega a seu destino tal como
foi concebida pela emissão. Segundo Debray (1995:62-63), a transmissão não é
um simples “ato instantâneo” que se coloca entre um emissor e um receptor,
isso porque, antes de serem duas individualidades, ambos constituem
“organizações sociais personalizadas” e, como tais, refletem o modo de ser de
um dado período. Em vista disso, pelo fato de serem “indivíduos coletivos”, a
transmissão entre esses dois pólos não é um feito pacífico, mas constitui um
“processo coletivo violento”, em que entram em jogo as mais variadas formas
de interação e autoridade.
Por fim, a transmissão só pode ser concebida como um “processo
histórico”, marcado pela temporalidade de uma época, construída em parte pelas
características tecnológicas do dispositivo dominante em um dado momento.
Nesse sentido, o suporte parece funcionar como uma espécie de catalisador,
pois é nele que se observa uma espécie de síntese entre as diferentes possibilidades
de transporte características de um determinado período histórico.
Apenas com esse olhar é possível entender a concepção de “midiasfera”
desenvolvida pelo autor que, antes de qualquer outra acepção, pressupõe o
“primado derradeiro do suporte em relação ao símbolo” (DEBRAY, 1995:44),
aliado ao fato de que “uma cultura ou uma tradição social têm o destino dos
aparelhos de memória que lhes servem de suporte” (DEBRAY, 1995:44-45).
Isso não implica a desconsideração da importância da produção sígnica no devir
das culturas em proveito da supervalorização do suporte, mas no reconhecimento
da impossibilidade de apartar uma determinada forma de pensamento do meio
material que lhe serve de base para o registro, a transmissão e a estocagem.
117
Cada época possui um ou mais dispositivos dominantes de conservação
de vestígios que funcionam como um “núcleo organizador à midiasfera de
determinada época em determinada sociedade” (DEBRAY, 1993:243), no qual
se observa a correspondência estabelecida entre a produção sígnica, as
modalidades de pensamento e as formas de socialização possibilitadas pelos
aparelhos técnicos mais influentes em um dado período, sendo este demarcado
por uma concepção de tempo e espaço muito específica.
Nesse aspecto, é possível vislumbrar uma proximidade entre a concepção
de ambiente desenvolvida por McLuhan e a midiasfera definida por Debray, em
razão do entendimento que ambos os conceitos apresentam acerca do continuum
empreendido pelos meios na cultura. Assim como os ambientes para McLuhan, a
“emersão” de uma midiasfera não anula nem substitui uma midiasfera anterior. Da
mesma forma, não existe uma midiasfera em estado cristalino, já que cada período
tanto se “apropria” de configurações anteriores, quanto proporciona a ressignificação
dos suportes comunicacionais e das midiasferas já existentes. Como “fios condutores”
do devir histórico, os dispositivos técnicos delimitam, em grande parte, o modo de
existência das formas representativas que compõem a cultura, ao mesmo tempo em
que proporcionam as suas contínuas transformações.
Com relação ao entendimento sobre os meios, segundo Debray, falar acerca
do mecanismo de escrita, por exemplo, sem especificar o suporte utilizado nada
indica acerca da natureza do médium, da mesma forma que a escrita na tela do
computador é um médium distinto da escrita tipográfica. Por isso, Debray define o
médium como o “sistema dispositivo-suporte-procedimento” (1995:23), ou seja,
numa transmissão, o médium pode ser entendido por quatro sentidos distintos que
não se confundem nem se contradizem, apesar de haver uma interação orgânica
entre eles:
1. um procedimento geral de simbolização (palavra, escrita, imagem
analógica, cálculo digital); 2. um código social de comunicação (a língua
118
natural na qual a mensagem verbal é pronunciada: latim, inglês, ou tcheco);
3. um suporte material de inscrição e estocagem (argila, papiro,
pergaminho, banda magnética, tela); 4. Um dispositivo de gravação
conectado a determinada rede de difusão (gabinete de manuscritos,
tipografia, foto, televisão, informática) (DEBRAY, 1995:23).
Nota-se que o historiador especifica cada um dos significados que o
conceito de médium suscita, designando-o como um sistema em que cada
elemento desempenha uma função, porém de forma integrada com os demais,
ainda que o suporte exerça um papel de destaque nos processos de transmissão.
A alusão à ecologia (1993:247-8), ainda que realizada com prudência,
também é feita por Debray para explicitar o ambiente gerado pelos meios. Cada
midiasfera corresponderia a um ecossistema formado pelos homens, seus
utensílios, formas de pensamento e produção sígnica, uma vez que “cada tipo
de idéia tem suas exigências ecológicas, seu meio favorável” (DEBRAY,
1993:250), além disso, da mesma forma que os ecossistemas se correlacionam
na natureza, as midiasferas também interagem no devir das culturas, pois
cada midiasfera é ela própria o encaixamento das esferas precedentes,
imbricadas umas nas outras, com partes vivas e partes sobreviventes.
Resulta daí sistemas instáveis e cada vez mais complexos, à medida em
que se sobrepõem ou sedimentam, em tumultuosas coexistências (...)
As midiasferas não se sucedem excluindo-se umas às outras e, no entanto,
cada uma tem sua própria unidade, sua personalidade (DEBRAY,
1993:266).
A interação entre diferentes midiasferas no devir da cultura gera um
continuum semiótico ininterrupto, no qual também é possível reconhecer as
fronteiras existentes entre cada uma das esferas edificadas pelos suportes, bem
como a presença de formações nucleares e periféricas (a existência de
determinados dispositivos dominantes numa época já constitui um indicativo
da irregularidade semiótica). A junção de diferentes midiasferas na sincronidade
da cultura permite-nos vislumbrar como, pela correlação estabelecida com outras
119
esferas, uma midiasfera constrói uma individualidade semiótica própria e como
essa personalidade é continuamente refeita. Em tal processo, a memória da cultura
desempenha um papel decisivo, pois, assim como Lótman enfatiza que cada
cultura “define su paradigma de qué se debe recordar (esto es, conservar) y qué
se ha de olvidar” (1996:160), uma midiasfera também possui suas partes vivas e
outras menos atuantes, em virtude da própria especificidade do suporte que lhe
serve de núcleo e, conseqüentemente, das formas de pensamento e memorização
correlacionados a ele, ainda que, conforme foi discutido anteriormente, aquilo
que deve ser “esquecido” não desaparece, mas permanece “oculto” e, em contato
com outros textos, pode emergir novamente na cultura. Uma midiasfera pode
igualmente trazer à tona “resquícios” de outras épocas que se mantiveram em
suspenso.
Sobre esse tema, tanto McLuhan quanto Debray possuem pontos de
vista muito similares ao enfatizarem, por exemplo, que o entorno elétrico reaviva
alguns traços do ambiente tribal, ainda que estes últimos sejam retomados sob
uma outra roupagem. Além disso, a memória de uma midiasfera também se faz
atuante pela grande temporalidade da cultura, a ponto de uma mídia não apenas
incitar em outra a emersão de arranjos sígnicos inusitados, mas também de uma
linguagem midiática manifestar-se na sua profundidade, quando contraposta com
formas expressivas características de outras épocas:As mídias contemporâneas
apenas se decifram na longa duração, na profundeza do tempo. (...) devemos
assumir uma alma de antepassado e observá-la [a televisão] em perspectiva, na
contraluz do ícone bizantino, da pintura, da fotografia e do cinema” (DEBRAY,
1995:23).
É importante ressaltar que a midiasfera não se confunde com a semiosfera,
pois, assim como a ecologia da mídia, a midiasfera também se encontra imersa
na semiosfera. Esta última possui uma dimensão bem mais ampla. Além do
120
mais, Lótman situa a modelização como um dos dispositivos codificantes centrais
da cultura, sem a qual esta não poderia organizar-se como linguagem, ao passo
que Debray situa o suporte como centro irradiador da midiasfera, ainda que a
sua preocupação também seja em relação à linguagem e reconheça que o suporte,
por si só, não é capaz de produzi-la. Todavia, apesar da ênfase delegada aos
dispositivos, Debray também considera a interação existente entre diferentes
esferas da cultura, bem como a memória presente nas mensagens produzidas
por uma midiasfera, como mecanismos indispensáveis para a compreensão da
produção sígnica de uma época, o que, epistemologicamente, o aproxima de
alguns pressupostos da Semiótica da Cultura. É com relação a esse aspecto que
podemos vislumbrar uma possível aproximação entre a ecologia da mídia, a
midiasfera e a semiosfera.
Como não poderia deixar de ser, em face da importância delegada por
Debray aos “vestígios materiais de sentido”, o entendimento do autor sobre as
mediações culturais também envolve os suportes de transmissão. Ao “instituir”
uma nova disciplina para o estudo das transmissões, intitulada “midiologia”, o
historiador define “midio” não como mídia ou meio, mas como “mediações, ou
seja, o conjunto dinâmico dos procedimentos e corpos intermédios que se
interpõem entre uma produção de signos e uma produção de acontecimentos”,
sendo essas mediações ao mesmo tempo “técnicas, culturais e sociais”
(DEBRAY, 1995:29). Ou seja, o entendimento das mediações como
interferências que incidem sobre os processos de transmissão, ocasionando
desvios no trajeto das mensagens, constitui a tônica daquilo que o autor define
como o objeto dessa nova área. Inclusive, a própria definição de transmissão
desenvolvida pelo autor, que a particulariza como um processo carregado de
intervenções, de maneira que uma mensagem nunca chega ao seu “destino” tal
121
como foi concebida, já contém em si a idéia de mediação. Para Debray, não há
como pensar na transmissão sem as mediações.
Em virtude das questões suscitadas pelos anúncios, interessam-nos em
especial as mediações mais diretamente relacionadas com os suportes, isto é, de
que maneira e com que intensidade os dispositivos materiais intervêm na produção
e recepção dos textos culturais neles inscritos. Nesse caso, aliada aos processos
de modelização instituídos entre diferentes mídias, a constituição dos textos
também sofreria a interferência dos suportes, o que torna ainda mais complexo
o processo compositivo de determinadas mensagens.
Para o autor, todo suporte “traz em si” a possibilidade de produzir
mediações que, de alguma forma, interferem na produção sígnica que será nele
assentada, pois, dependendo da especificidade tecnológica, torna-se possível
pressupor quais formas representativas são passíveis de serem trabalhadas numa
dada materialidade, ou seja, que tipos de marcação sígnica um dispositivo
“suporta”. Em face das suas características técnicas, todo suporte pressupõe a
utilização de determinados procedimentos técnicos e utensílios de inscrição que,
por conseqüência, condicionam as formas de escrita: “Quando muda o suporte,
muda a grafia” (DEBRAY, 1993:208).
Esse anteceder dos dispositivos em relação à produção sígnica funciona
como um agenciador que, se não é capaz por si só de determinar a constituição
de linguagens, pode “sugerir” algumas possibilidades expressivas ou
combinatórias, indiciando aquilo que é ou não passível de ser trabalhado numa
determinada base material. Conforme dito anteriormente, ao constituir-se como
uma extensão, todo meio translada em um ou mais códigos a cognição do órgão
do qual ele é uma extensão, o que faz com que todo suporte comunicacional já
se encontre carregado de mediação, ou seja, entre ele e seus usuários coloca-se
uma “lógica” que lhe é própria e que, por sua vez, determina a constituição de
122
formas comunicacionais únicas, visto que existem maneiras de representar que
podem ser realizadas em determinados suportes que não podem ser feitas em
outros. É o que o autor dá a entender ao afirmar que
a fita magnética não leva ao estilo lapidar, nem à ênfase de autoridade;
do mesmo modo que a parede rochosa não induz ao sarcasmo ou à
brincadeira, nem o pergaminho às impressões de viagem ou ao diário
íntimo. Não induzem a isso porque não seriam os suportes apropriados
(...) O cineasta, por exemplo, tem uma moral da imagem que não é a
do videasta porque o celulóide tem uma resistência e um custo que
forçam ao respeito e à economia enquanto a fita magnética tolera
muitíssimo bem a displicência e as variações de humor, as brincadeiras
e as reviravoltas: projeção imediata, apagamento instantâneo, cassetes
baratas (DEBRAY, 1993:209-210).
Contudo, a ação dos suportes no processo de produção sígnica também
decorre das interferências que uma midiasfera provoca em outra, gerando
ressignificações ou ampliando a capacidade expressiva sugerida por um dado
suporte. Nesse caso, a grande temporalidade da cultura possibilitaria que uma
midiasfera contribuísse para desvendar algumas formas que, fora o contraponto
cultural em questão, seriam quase impensadas. O surgimento de uma midiasfera
incitada por um suporte contribuiria, assim, para edificar novos usos dos suportes
já existentes e das formas representativas neles inscritas.
Em relação ao anúncio Jonnie Walker e vários outros que serão discutidos
ao longo deste estudo, nota-se que a transformação do suporte em signo é
primordialmente fruto das mediações que operam na fronteira entre sistemas,
todavia, não há como desconsiderar que as características materiais do suporte
impresso também indiciam alguns usos que podem ser incorporados na
constituição dos anúncios. Virar, curvar ou flexionar qualquer pedaço papel de
modo que uma ou mais partes dele se sobreponham a outra é uma possibilidade
de uso que, no anúncio Jonnie Walker, foi realizado como componente do arranjo
sígnico para conferir à peça um movimento que, em razão das características
123
materiais da revista, não poderia ser realizado de outro modo. Quer dizer,
algo no suporte que indicia uma possibilidade de uso, mas que, isoladamente,
não é capaz de produzir linguagem, uma vez que “a instrumentação propõe sem
dispor. Eis justamente a razão pela qual nenhuma forma cultural é dada
antecipadamente no dispositivo material que o torna possível. (DEBRAY,
2000:27-28).
Também é preciso ter em conta que, segundo a formulação desenvolvida
por Debray (1993:221-222), um dos traços marcantes do desenvolvimento dos
suportes de vestígios diz respeito à desmaterialização. Ao longo da história, é
possível observar o mecanismo pelo qual os dispositivos são planejados com
materiais cada vez mais leves, facilitando o seu deslocamento, à proporção que
tal imaterialidade é diretamente acompanhada pela miniaturização do suporte e
pelo aumento da sua capacidade de armazenamento de dados: “a miniaturização
é crucial pois é sinônimo de reprodutividade. Que, por sua vez, é sinônimo de
longevidade e de mobilidade acentuada ou recuperada” (DEBRAY, 1993:223).
Pode-se concluir, então, que quanto menor e mais leve for o suporte, mais fácil
é a reprodução das mensagens nele inscritas, o que igualmente indica maior
durabilidade para os registros armazenados (que não se deterioram com
facilidade), além de maior agilidade na recuperação dos vestígios. A maior
“leveza” dos suportes comunicacionais também estabelece o alijamento dos
mecanismos de inscrição e do número dos caracteres alfabéticos utilizados, “que
passa do milhar de signos egípcios ou mesopotâmicos às vinte e seis letras de
nosso alfabeto latino” (DEBRAY, 1993:222), de forma que a materialidade da
escrita se torna, igualmente, cada vez menos densa, a ponto de: “nas transmissões
eletrônicas de nossos dias, o próprio suporte desaparece, confundido com o
dado transmitido” (DEBRAY, 1993:222).
124
Como uma midiasfera pode ressignificar outras midiasferas, bem como
os usos e funções desempenhados por diferentes suportes comunicacionais,
pode-se dizer que a videosfera, definida por Debray como a midiasfera
correspondente ao vídeo, parece redimensionar a grafosfera, edificada sobre a
imprensa. A incompletude e a fluidez da imagem eletrônica criam uma nova
dimensão para o peso da imprensa e do suporte impresso, de modo que os
materiais utilizados para a impressão se tornam cada vez mais leves e mais
facilmente manipuláveis. Por outro lado, não podemos desprezar que as mudanças
perceptivas geradas pela videosfera e as transformações operacionalizadas nos
suportes de impressão também interferem na ressignificação dos arranjos sígnicos
inscritos sobre os meios impressos, que parecem igualmente acompanhar o
processo de desmaterialização dos suportes, mediante a experimentação de
formas expressivas que buscam igualmente ser cada vez “menos densas”. É
como se a linguagem também fosse contaminada pelo processo de
desmaterialização dos suportes, tornando-se igualmente cada vez mais “leve”.
Mais uma vez, vale ressaltar que,
por si só os suportes não produzem linguagem,
entretanto, não há como desconsiderar a ação exercida por eles sobre a produção
sígnica de uma época. Nesse sentido, a própria concisão presente nos anúncios
poderia ser vista como um indicativo dessa tendência, dada a economia de
elementos compositivos que a distingue.
No anúncio Jonnie Walker, a correlação estabelecida entre a frase do
escritor Oscar Wilde e o suporte que desenha um caminho sobreposto à página
parece querer fundir o papel com a representação verbal, o que faz com que a
base material seja também transformada em signo, constituindo uma espécie de
releitura da sinergia existente entre os suportes eletrônicos e o dados nele
transmitidos. Ou seja, nesse caso, um aspecto característico do funcionamento
de determinados equipamentos eletrônicos é traduzido pelo arranjo textual
125
impresso. Tal mecanismo leva àquilo que Debray especifica como
“desnaturalização do suporte” (1993:212), em que o próprio devir dos dispositivos
na cultura e a interação entre diferentes midiasferas possibilitam que seja revista
a utilização de determinados equipamentos, bem como o grau de “consciência”
de uma época sobre a ingerência que as tecnologias exercem no desenvolvimento
das idéias e da produção sígnica.
Toda essa conjuntura, na qual intervêm tanto a função epistemológica
da semiosfera quanto as transformações operacionalizadas no âmbito dos
suportes, constitui os mecanismos centrais para o entendimento dos arranjos
textuais que distinguem tanto os anúncios Itaú e Jonnie Walker quanto todos os
outros que serão discutidos ao longo deste trabalho. Nessas duas peças, a síntese
compositiva foi primeiramente observada pela reordenação do verbal impresso
e pela a conseqüente emersão de um outro modo de “ler” as unidades discretas,
sendo esse mecanismo marcado por três modos distintos de interação: a
assimilação da totalidade gráfico-imagética das unidades verbais, o diálogo
estabelecido entre os códigos verbal e não-verbal e, finalmente, a interação tátil
do receptor com a página impressa. Dentre essas novas relações sígnicas
presentes nos anúncios impressos, a utilização do suporte como parte do arranjo
textual vai além das questões explicitadas pelo anúncio Jonnie Walker. É o que
será visto a seguir.
2.4. A utilização do suporte como parte do arranjo textual
O dispêndio mínimo de elementos que compõem as mensagens veiculadas
na revista e a necessidade de estabelecimento de uma comunicação mais inclusiva
com o receptor têm acarretado, cada vez mais, diferentes formas de uso do
suporte impresso como parte da ordenação sígnica da mensagem. Podemos
126
visualizar uma dessas possibilidades no anúncio do fio dental Jonhson´s, produzido
em 1993. A peça, veiculada em página dupla, possui uma delimitação das folhas,
uma espécie de “moldura” produzida pelo próprio fio dental, que sai da
embalagem localizada no canto inferior direito da página ímpar. Junto à essa
representação imagética, há a assinatura verbal do anúncio, pela qual é
apresentada a principal promessa do produto: “Novo Fio Dental Johnson´s com
Flúor. O único que tira os resíduos e deixa o flúor”. Na página esquerda, há uma
frase no imperativo, pela qual nos é fornecido um indicativo do modo como o
receptor deve se relacionar com o suporte. É um “convite” para que o destinatário
“tente ler o que está escrito na dobra da página”, o que exige uma mudança no
eixo de leitura da revista, uma vez que uma frase curta, colocada no vinco desta,
na posição vertical, foi impressa em letras muito pequenas. O pequeno trecho é
composto de duas frases, a interrogativa e a afirmativa: “Viu como foi difícil? O
novo fio dental Johnsons com Flúor é o único que tira os resíduos e deixa o
flúor em um lugar tão difícil como este”.
Figura 6- Anúncio fio dental. Fonte: Anuário de Criação 1994
127
Ao ler o trecho localizado na dobra, nota-se que, percebido na sua
totalidade visual, ele é posicionado como se fosse o próprio fio dental sendo
usado entre os dentes. Essa similaridade evidencia também a semelhança entre
as páginas e os dentes, uma vez que o vinco foi utilizado para ressaltar o pequeno
espaço existente entre um dente e outro, e, conseqüentemente, a eficácia do
produto, que atinge os “pontos” mais difíceis de serem higienizados.
Assim como sucedeu com a peça do Banco Itaú, podemos apreender no
anúncio do fio dental Johnson´s um modo distinto de organização das palavras
impressas, que passam a ser utilizadas como um elemento constitutivo na
formação de unidades analógicas, isto é, contínuas. A visualidade gráfica da
palavra impressa é explorada na construção de uma representação imagética
que busca estabelecer a similaridade entre o signo e o objeto representado.
Todavia, no caso do anúncio em questão, aliada às unidades verbais e aos recursos
gráficos, há ainda a presença de um outro elemento, cuja utilização estabeleceu
um direcionamento específico para a estrutura compositiva da peça. Trata-se da
utilização de uma característica específica do suporte impresso como parte
constituinte do arranjo textual, sem o qual, a ordenação apresentada na peça
não seria viável. Tal uso torna patente a ressignificação do próprio suporte, uma
vez que este também pode ser “semiotizado”, dependo do uso que dele é feito.
O uso diferenciado da página, cuja apreensão ocorre pela semiose entre
palavra, suporte e diagramação, apresenta uma nova configuração dos anúncios,
na qual inexiste uma hierarquia entre os códigos que compõem o arranjo sígnico.
A assimilação desse todo composicional, que exige do receptor a mudança do
eixo da revista, e, conseqüentemente, do próprio modo de leitura, evidencia um
dos traços centrais do entorno que entremeia a produção dos textos publicitários,
marcado por formas comunicativas que buscam estabelecer uma interação
128
sensorial cada vez mais ampla com o receptor, tornando a comunicação cada
vez mais inclusiva.
A utilização de poucos elementos na formação da mensagem permite
um maior envolvimento do receptor no ato de apreendê-la, pois os vazios
presentes na peça publicitária, tal como acontece com o anúncio do fio dental
Jonhson´s, abre uma série de “lacunas” a serem completadas pela recepção. E,
tamanha é a concisão desse processo compositivo que, ao inserir a dobra e o
espaço em branco das páginas como partes constitutivas da mensagem,
economizam-se alguns signos em troca da “semiotização” de características que
efetivamente distinguem o suporte impresso de outros dispositivos.
A exploração da dobra da folha como parte da composição da mensagem
publicitária pode ser vislumbrada em outra peça, produzida para os curativos
Band-Aid em 1993. No vinco, há a inserção de um curativo posto na horizontal,
e uma frase inserida na mesma direção, com os dizeres: “Novo Band-Aid flexível.
Para aquelas partes do corpo que dobram”. Em correlação a essa composição,
no rodapé de ambas as páginas, há o seguinte trecho: “Para você ter uma noção
melhor da flexibilidade, dobre a revista para um lado, para outro, enrole e
desenrole. Ou então, use nos cotovelos, joelhos, mãos e dedos, que faz o mesmo
efeito”. No canto inferior direito, há a representação imagética da embalagem
do anunciante, acompanhada de uma pequena descrição do produto: “Vem com
35 unidades, sendo 25 em tamanho regular e 10 no exclusivo tamanho júnior”,
e a seguinte assinatura:A proteção descomplicada e flexível”.
Assim como o anterior, nota-se no anúncio Band-Aid que a economia de
alguns signos em proveito da “semiotização” do suporte conduziu à utilização
da dobra em similaridade com as articulações do corpo, com o objetivo de
evidenciar a eficácia do curativo, que pode ser usado sem que haja o seu
descolamento da pele. O anúncio parece buscar, efetivamente, transmitir ao
129
receptor a sensação física proporcionada pelo uso do produto, como se o suporte
adquirisse a mesma dimensão que o órgão humano.
As novas possibilidades comunicativas presentes nos anúncios impressos,
como os que acabamos de estudar, também foram vislumbradas por McLuhan.
A intensidade de tais experimentações, para o autor, tende a incitar uma maior
experiência sensorial, pois:
Dispondo de grandes verbas, os artistas comerciais passaram a
desenvolver o anúncio como um ícone – e os ícones não são fragmentos
ou aspectos especializados, mas imagens comprimidas e unificadas de
natureza complexa. Focalizam uma grande área da experiência dentro
de limites reduzidos. Os anúncios, pois, tendem a se afastar da imagem
que o consumidor faz do produto, aproximando-se da imagem do
processo do produtor. A chamada imagem corporativa do processo
inclui o consumidor no papel de produtor, igualmente (McLUHAN,
1989:255).
Ao se referir aos anúncios como ícones, McLuhan estabelece uma
proximidade estrutural entre eles e os textos não-discretos presentes na cultura
contemporânea, sobretudo em relação à imagem televisual. No signo icônico,
uma mera qualidade presente na representação determina a relação entre o signo
Figura 7- Anúncio Band-Aid. Fonte: Anuário de Criação 1994.
130
e objeto representado, ou seja, é na materialidade sígnica que podemos apreender
a similaridade, por mais tênue que seja, entre a representação e algum aspecto
do objeto e não uma correspondência total de formas.
De acordo com Peirce (1990:70) assim como o índice, um ícone nada
afirma a respeito de algo. Caso fosse interpretado por uma sentença, tal afirmativa
seria elaborada de “modo potencial”, mediante uma suposição. No entanto, a
presença de ícones em determinadas mensagens permite vislumbrar, de forma
esquemática, relações intrínsecas ou aspectos do objeto que dificilmente seriam
perceptíveis fora da representação. É nesse esquematismo que reside a concisão
do modo representativo do ícone, do qual resultam signos interpretantes também
icônicos, pautados por uma qualidade de sentimento muito primária, que, a
princípio, nada assevera sobre o objeto representado. Em virtude desta
composição esquemática, o ícone pode ser entendido como a “única maneira de
comunicar diretamente uma idéia” (PEIRCE 1990:70).
As “imagens comprimidas”, como ressalta McLuhan, referem-se a essa
possibilidade representativa trazida pelos textos visuais icônicos, que, pela sua
concisão, uma vez que um traço muito fugaz do objeto está representado no
signo, permitem a construção de uma representação altamente inclusiva pois, a
similaridade estabelecida entre uma determinada forma e seu objeto abre uma
maior possibilidade de interação da mensagem com o receptor, que deve
completá-la, compondo assim o objeto representado. Por isso, segundo McLuhan,
o ícone “é de qualidade visual muito baixa, de qualidade tátil muito alta, tato
ativo, não cutâneo, mas “tato ativo”, como dizem os psicólogos” (2005:101),
visto que o sensório como um todo é ativado para preencher o arranjo textual, o
que faz com que o ícone se constitua num signo cada vez mais usual no ambiente
em que a tecnologia elétrica é dominante.
131
É esse aspecto que permite verificar a proximidade existente entre a
ordenação compositiva dos anúncios e a imagem eletrônica televisual, pois, para
McLuhan, “o efeito da imagem televisiva é icônico no sentido de que ela molda
as coisas mais por contornos que por pequenos instantâneos” (2005:101). Os
contornos que formam a imagem televisual, que é de baixa definição, conferem
a ela uma constituição eminentemente icônica, pois cabe ao receptor inteirar o
restante da composição pelas relações de similaridade estabelecidas com base
nas linhas que indicam os relevos e as formas dos objetos representados. É esse
traço em especial que modeliza os anúncios Johnson´s e Band Aid, uma vez que o
arranjo textual das peças configura-se segundo o mesmo princípio constitutivo
e representativo da imagem eletrônica.
Pelo mecanismo tradutório operacionalizado entre ambas as mídias
(televisão e revista), observa-se que os contornos característicos da representação
televisual correspondem, nas peças impressas, à dobra da revista. Conforme
visto no capítulo anterior, a aparente “intraduzibilidade” entre sistemas pode
levar à criação de determinadas “equivalências” para que um código ou traço
compositivo seja transladado de uma esfera a outra. Em relação aos textos
publicitários analisados, a prega da revista parece funcionar como um dos signos
compositivos que mantém relações de paridade “tradutória” com a imagem
eletrônica, a ponto de os anúncios serem ordenados segundo alguns traços
distintivos da linguagem televisual. A começar pelas associações incitadas pelo
vinco do volume, que tanto pode representar a separação entre um dente e
outro como as articulações do corpo humano, é que o receptor é solicitado a
interagir sensorialmente com a mensagem, preenchendo os contornos indiciados
pela utilização da dobra como parte da composição sígnica.
Apesar da ênfase concedida neste estudo à consciência inclusiva incitada
pelos meios eletrônicos, é fundamental ressaltar que boa parte das afirmações
132
realizadas com relação a essas tecnologias pode ser igualmente expandida para a
compreensão do ambiente edificado pelas mídias digitais. Assim como seu
antecessor, o digital tende igualmente a potencializar o desenvolvimento integral
do sensório humano, em virtude da participação que solicita. Inclusive, McLuhan
não ficou alheio a essa possibilidade, visto que, embora sejam poucas as remissões
feitas ao computador em seus textos, o autor reconhece que
uma das coisas mais promissoras do computador é esta: como um
sistema de processamento, a velocidade instantânea de processamento
do computador oferece um magnífico futuro de descoberta, porque
um sistema de processamento de altíssima velocidade reúne tantas
facetas do conhecimento e tantos níveis de experiência que surgem
estruturas, surgem formas, revela-se a vida das formas, revela-se todo
tipo de conhecimento dos novos padrões (McLUHAN, 2005:117).
Todavia, observa-se que, nos estudos sobre os meios realizados por
McLuhan, a matriz do tipo de envolvimento potencializado pelo digital está no
eletrônico e, como a maior parte dos escritos do autor enfatiza os efeitos gerados
por este último, então, optamos igualmente por manter os meios eletrônicos
como base para a compreensão da consciência inclusiva presente nos anúncios.
Por fim, é importante assinalar que tanto a peça Jonhson´s quanto Band-
Aid também apresentam a assinatura no canto inferior direito da página ímpar,
o que evidencia, mais uma vez, a possibilidade de conceder um novo significado
a um emprego já habitual. Essa outra forma de uso destaca-se sobretudo no
anúncio do fio dental, uma vez que a caixa do produto, de onde sai o fio que
contorna toda a composição, foi situada justamente na assinatura. Longe de ser
apenas um mero desfecho para a mensagem, a assinatura é inserida como parte
de um modo de ordenação que dispensa o uso de um “ponto final”.
133
2.5. O minimalismo
Em relação à concisão e ao traço icônico que distingue grande parte da
produção publicitária impressa atual, ainda se faz necessário abordar um outro
tipo de texto. Trata-se de peças predominantemente visuais, cuja composição
apresenta uma síntese muito específica, caracterizada por uma série de traços
que retomam o modo de compor associado ao minimalismo. Em tais anúncios,
pode-se dizer que a economia de signos compositivos acarreta não somente a
qualificação sígnica do suporte, como também, em alguns casos, o arranjo sígnico
parece ir além do próprio suporte, tal como o fizeram muitas obras minimalistas,
seja no âmbito da pintura ou da escultura.
Não cabe aqui detalhar o que foi a arte minimal, tampouco apresentar os
diferentes pontos de vista que envolvem esse fazer artístico. Em especial,
interessa-nos apontar os principais traços presentes nos anúncios que, de alguma
forma, dialogam com formas expressivas distintivas de outros textos culturais
que também se fundamentam na economia, tal como ocorre com a arte minimal.
Por sua vez, a remissão a essa forma estética pelos anúncios não é casual, já que
o envolvimento sensório incitado pelos meios eletrônicos constitui o ambiente
propício para um tipo de ordenação sígnica que igualmente propicia um maior
envolvimento do receptor com a obra, e que marcou boa parte da arte realizada
a partir da década de 60.
Como a memória da cultura se volta ao passado para gerar algo futuro,
os textos culturais minimalistas funcionam como um programa que direciona a
edificação de novos arranjos textuais, uma vez que os traços que distinguem o
minimalismo não são retomados de forma idêntica, isto é, ocorre a ressignificação
destes como conseqüência da interação estabelecida entre a memória presente
nessas obras e a semiosfera que envolve a produção dos anúncios.
134
Em especial, alguns traços distintivos marcantes da arte minimal podem
ser observados na peça realizada em página dupla para o iogurte com mel Danone,
veiculado em 1997. Nela, vários frascos do produto são justapostos, formando,
no seu conjunto, uma composição similar a um conjunto de favos de mel. Tal
arranjo é acentuado pela presença de abelhas sobre os copos, que reforçam a
proximidade estabelecida entre o iogurte e o mel, ao mesmo tempo em que
enfatizam o diferencial do produto. A assinatura presente no canto inferior direito
do anúncio apresenta a marca e o produto anunciado, por meio do seguinte
trecho: “Danone. Sua dose diária de saúde. Iogurte com mel”.
Um dos traços marcantes da composição refere-se à repetição de um mesmo
elemento geométrico: os círculos que remetem aos potes abertos do iogurte.
Com exceção da circunferência situada no canto inferior direito, a única que
apresenta a tampa da embalagem com o nome da marca anunciante, todos os
outros recipientes foram justapostos numa ordenação não-hierárquica, compondo
Figura 8- Anúncio Danone. Fonte: Anuário de Criação 1998.
135
uma repetição relativamente natural, aproximadamente como ocorre quando
várias embalagens são colocadas lado a lado sobre uma superfície plana.
Observa-se, na composição, a utilização de um mesmo padrão geométrico,
simples e regular, que forma uma ordenação contínua, cuja repetição indica a
possibilidade de os círculos se perpetuarem para além da página. A luz que
incide sobre as embalagens também contribui para acentuar a ausência de
hierarquia no arranjo sígnico (mais uma vez, excetuando-se o único pote fechado
situado à direita), visto que na parte inferior e à direita do fundo de todas as
embalagens é possível identificar uma sombra colorida com amarelo. Como todas
elas apresentam exatamente a mesma coloração e a mesma posição no interior
do círculo, nenhuma delas sobressai à outras.
Além do mais, nota-se a simetria presente na representação pela
correspondência estabelecida entre as partes situadas em lados opostos,
estabelecendo-se assim a regularidade das proporções. Na peça, a simetria acentua
ainda mais a ordenação não-hierárquica edificada pela reprodução constante da
mesma figura geométrica no plano da página.
Longe de serem uma especificidade do arranjo sígnico da peça Danone, todas
as formas compositivas descritas acima já foram anteriormente trabalhadas pela
maioria das obras identificadas como arte minimal. Mesmo que, segundo
Batchelor (2001), não haja um consenso claro sobre o que foi a arte minimal, é
possível delinear alguns traços que, em linhas gerais, distinguem um conjunto
de obras. Dentre eles, talvez um dos mais significativos esteja relacionado à
própria redefinição da obra de arte minimalista, sobretudo a escultura, que passou
a ser entendida como “trabalho tridimensional”, “objeto” ou “estrutura”,
diferenciando-a assim de toda uma tradição clássica. Essa visão, que traz em si
o entendimento da escultura como um objeto presente num mundo cada vez
mais mecanizado, constituído por uma infinidade de outros objetos produzidos
136
em larga escala, fez com que novos suportes igualmente comerciais fossem
utilizados na composição das obras, como o aço, o alumínio, e a fibra de vidro;
afora diversos materiais empregados na produção industrial, a ponto de, em
algumas estruturas, o suporte ser considerado parte do tema da própria
composição. Por isso, em vez de serem “moldadas”, muitas peças eram
parafusadas e soldadas, o que contribuiu para que a idéia de “formar” e “dispor”
as partes constituintes do objeto fosse cada vez mais associada à atividade
escultórica.
Além disso, grande parte da ordenação compositiva dessas estruturas
caracteriza-se pela simetria construída por meio da repetição horizontal de uma
mesma figura geométrica. Destaca-se, nesse procedimento, a utilização de cubos
modulares, blocos retangulares, caixas e blocos, cuja justaposição descentrada e
não-hierárquica propicia a apreensão contínua do conjunto, como se o objeto
fizesse parte do próprio espaço circundante onde está inserido e vice-versa. Por
fim, a literalidade de tais produções acentuava ainda mais a percepção desse
contínuo, visto que o trabalho não exibia uma representação imaginária que
ocasionasse, necessariamente, um “corte” abrupto no espaço que o envolvia,
de modo que ambos (espaço e obra) eram vistos como um todo ininterrupto.
Por seu turno, a pintura foi igualmente repensada segundo essa mesma
perspectiva. Tal como a escultura, compreendeu-se que, quando a extensão de
uma tela é vista, ela é apenas aquilo que de fato se pode literalmente observar,
ou seja, uma superfície plana, e “não uma metáfora de um corpo ou um espaço
dentro do quadro, mas um objeto num mundo de objetos” (BATCHELOR,
2001:16). Nesse sentido, a concepção tradicional da pintura como uma
representação que subsiste apenas no imaginário é substituída pelo entendimento
da tela como uma superfície que ocupa um “espaço real” (BATCHELOR,
2001:16) e interage com outros corpos. Bem como os objetos tridimensionais, o
137
“espaço pictórico” projetou-se para além da tela bidimensional, de tal forma
que sua apreensão exige que o espectador correlacione a representação com o
espaço circundante onde ele próprio se encontra.
Essa nova forma de compor o objeto artístico, da qual resulta até mesmo a
sua redefinição, tem como substrato a crença no poder da arte para romper com
hábitos pré-estabelecidos, de modo que as coisas sejam observadas “de uma
maneira desinteressada, sem preconceito e sem hierarquia; isto é, de uma maneira
em que tudo seria equivalente” (BATCHELOR, 2001:60), uma vez que todas
elas possuem igual valor. E, para isso, a repetição contínua de uma mesma figura
geométrica seria capaz de mostrar que, de fato, “não há repetição realmente,
que tudo que olhamos merece nossa atenção” (CAGE apud BATCHELOR,
2001:60).
A utilização de formas geométricas simples e a simetria estabelecida entre
elas na composição facilitam a apreensão da singularidade do “objeto inteiro”, e
não de uma estrutura formada de partes organicamente relacionadas entre si.
Qualquer detalhe ou desvio de superfície que chamasse a atenção para um ponto
específico do objeto deveria necessariamente ser descartado. Da mesma forma,
as cores exercem um papel chave nesse processo compositivo, pois a utilização
de uma determinada tonalidade deveria necessariamente integrar-se no todo da
estrutura. Isso justifica a forte presença de tons monocromáticos em trabalhos
minimalistas, dado que o uso de matizes muito variados e contrastantes poderia
desviar a atenção para um ponto específico ou, ainda, estabelecer uma ordenação
hierarquizada entre diferentes partes.
Todo esse entendimento do objeto artístico e das relações que ele suscita
pressupõe um receptor igualmente diferenciado. Ao invés da contemplação
comumente associada à recepção de obras únicas, as estruturas minimalistas
exigiam que o espectador experimentasse o trabalho, ficando “envolvido ou
138
esmagado por uma proliferação de relações-entre-partes” (BATCHELOR,
2001:47) circunscritas ao próprio instante da observação, em virtude do contínuo
estabelecido entre o trabalho e o espaço ao redor. Essa vivência da estrutura
implica em “desvendar” a lógica subjacente à justaposição estabelecida pela
repetição de uma mesma forma geométrica e, por esse motivo, o receptor deveria
necessariamente completar a ordenação em sua mente. Mesmo porque, conforme
ressalta Batchelor (2001:46-47), o acúmulo de linhas e formas fechadas simples
pode, eventualmente, fazer com que elementos menores sejam encobertos por
outros maiores. Desvendar tais relações não é simples nem fácil. Nesse sentido,
a aparente simplicidade conceitual dos trabalhos edificados segundo esses
preceitos implica um processo perceptivo altamente complexo.
Quando confrontado com o minimalismo, destacam-se no anúncio Danone a
repetição de uma figura geométrica simples, assim como a simetria estabelecida
entre os diferentes lados da composição. A equivalência de formas no interior
da peça e a distribuição equilibrada das abelhas sobre os potes possibilitam a
apreensão conjunta da totalidade do arranjo textual, ainda que o uso de elementos
figurativos não fosse uma prática comum na arte minimal. Na composição, essa
“visão de conjunto” ainda é acentuada pelo cruzamento de três linhas
horizontal, vertical e diagonal que direcionam a posição ocupada pelos copos
em ambas as páginas, além de aproximarem o desenho construído à forma dos
alvéolos em que as abelhas depositam o mel. Cabe ao receptor completar os
ângulos edificados pela intersecção das linhas, que toma os círculos das
embalagens pelos hexágonos característicos dos favos.
Todavia, apesar da distribuição equilibrada dos círculos, o pote com o logotipo
do iogurte situado no canto inferior direito da página induz o direcionamento do
olhar, visto que a percepção tende a observar primeiro o todo da composição
para depois ser conduzido para a assinatura. É com relação a esse aspecto que a
139
memória presente no texto cultural publicitário impresso se faz atuante.
Conforme visto anteriormente, a posição do logotipo do anunciante na parte
inferior e à direita da folha constitui um traço distintivo marcante das peças
publicitárias veiculadas em revistas, sendo essa alocação determinada, sobretudo,
pela leitura característica das palavras. Nesses casos, a diagramação contempla,
no máximo, o cruzamento de apenas duas linhas: a vertical, que corresponde à
leitura de cima para baixo, e a horizontal, dado que o ato de ler as unidades
discretas ocorre da esquerda para a direita. Em geral, ambas confluem para um
mesmo “ponto final” do anúncio, isto é, a assinatura. Ainda que a peça do iogurte
Danone também apresente a assinatura situada no canto inferior direito da
composição, o modo diferenciado de visualização do logo, que não segue a leitura
hierarquizada característica do verbal, configura uma outra forma de “ler” a
página impressa, pois a disposição das figuras apresenta um novo arranjo para o
texto publicitário, no qual se busca romper com uma ordenação já estabelecida.
Ou seja, apesar da nítida interação existente entre a peça do iogurte Danone com
os textos culturais minimalistas, ainda é possível observar a ação da memória
nos anúncios impressos, identificada pela presença da assinatura do anunciante,
mesmo que o modo de apreensão desse traço compositivo seja muito diferente
quando comparado ao que ocorre com os textos publicitários marcados pela
disposição hierarquizada de suas partes constituintes.
Um processo compositivo similar ao que ocorre com o anúncio Danone pode
ser observado na peça do colírio Lerin, produzida em 1997. Feita em página
dupla, a mensagem é composta por duas pimentas vermelhas alocadas uma em
cada página, sendo a disposição de ambas similar à posição ocupada pelos olhos
no rosto de um indivíduo. No canto inferior direito da página ímpar, há as frases
Ardeu? Use”, aliadas à representação imagética do produto anunciado. Na peça,
a pimenta, que provoca ardor quando degustada, é correlacionada à ardência
140
dos olhos, aspecto que é acentuado pela cor vermelha vibrante do bago, pelo
qual se busca enfatizar o principal problema que o colírio promete resolver e,
logo, sua eficácia.
A simetria estabelecida na disposição de ambas as pimentas em cada uma
das páginas confere à peça uma ordenação não hierárquica, o que possibilita a
apreensão simultânea do todo da composição, especialmente porque, ao invés
de instaurar uma relação de subordinação entre figura e fundo, o contraponto
criado pelo contraste entre o vermelho e o branco acentua ainda mais o conjunto
do rosto, ressaltando assim a singularidade da apreensão do “objeto inteiro”, e
não de cada uma de suas partes em separado. Isso ocorre porque a
proporcionalidade na alocação das pimentas que desenham o rosto humano é
reforçada pela própria simetria da revista quando aberta, uma vez que a interação
entre as figuras e o formato do suporte busca estar em correspondência com as
proporções regulares do semblante humano. Como o corte do volume configura-
se como um contorno que delimita a face, as partes em branco presentes no
Figura 9- Anúncio colírio. Fonte: Anuário de Criação 1998.
141
arranjo sígnico constituem uma extensão também repleta de signos, de tal forma
que o aparente vazio deve ser completado pelo olhar de quem observa a peça,
compondo, dessa forma, o restante da fisionomia de um indivíduo que sofre
com a ardência nos olhos. Essa necessidade de preencher a obra com base em
alguns contornos frisa ainda mais a equiparação existente ente figura e fundo no
anúncio.
É interessante observar que, no seu conjunto, a peça do colírio Lerin apresenta
uma ordenação eminentemente minimalista, mesmo que detenha alguns traços
que, em geral, não correspondem ao modo de compor associado à arte minimal,
como a utilização de elementos figurativos ou a oposição estabelecida entre
diferentes tonalidades. Tamanha é a simetria e proporcionalidade trabalhada no
arranjo sígnico mediante a utilização de pouquíssimos elementos compositivos
que qualquer outro recurso aparentemente destoante acaba sendo
necessariamente incorporado pelo todo da peça. Também é importante salientar
que, mais uma vez, é a contenção na utilização dos signos que leva ao uso do
suporte como parte do arranjo textual. Em especial, no anúncio Lerin, o emprego
do dispositivo impresso tornou patente a dimensão geométrica de cada uma das
folhas (no caso, cada página corresponde a um retângulo) que justapostas
contribuem para desenhar a face, geometricamente oval. Ou seja, a
“semiotização” do suporte também resulta numa utilização minimalista da
revista, dispensando a inserção de outras figuras geométricas para desenhar a
representação desejada.
Apesar da equivalência compositiva da peça, mais uma vez, a assinatura é
inserida no canto inferior direito da página, entretanto, semelhante ao anúncio
Danone, a inserção do crédito do anunciante numa ordenação não linear e
descentralizada proporciona uma forma diferenciada de apreensão do nome da
142
marca, visto que exige uma maior interação do receptor para preencher os “saltos”
que compõem na peça.
A concisão dessas produções, nas quais se destaca a presença de determinados
traços compositivos da arte minimal, reveste-se de uma complexidade ainda
maior na peça do inseticida em spray Baygon, veiculada em 1993. A
heterogeneidade semiótica desse texto decorre não apenas da interação com o
minimalismo, mas também do diálogo que o anúncio estabelece com outros
gêneros prosaicos, característicos da comunicação interpessoal cotidiana e banal.
De acordo com Mikhail Bakhtin (1997:281), a peculiaridade de um gênero deve-
se, dentre outros fatores, à diferença existente entre o gênero primário e o gênero
secundário. O primeiro refere-se às formas discursivas mais elementares, frutos
da comunicação interpessoal verbal espontânea, sem artificialismos. Os gêneros
secundários, por sua vez, referem-se a construções textuais vinculadas a relações
comunicativas mais complexas e, por isso, requerem uma feitura discursiva mais
“elaborada”. A formação desse gênero implica a assimilação e reestruturação
do gênero primário, que adquire uma configuração diferenciada quando
incorporado, pois se aparta da sua realidade mais imediata, isto é, do contexto
diretamente vinculado à sua produção.
É a inter-relação entre os gêneros primário e secundário que pode ser
observada no anúncio Baygon. Feita em página dupla, a peça possui, do lado
esquerdo, a representação imagética do produto e, sobre o frasco, há a expressão
“Pá.”. A página ao lado é composta por uma espiral e, no final dela, há um
inseto morto. Na parte superior da espiral há a expressão “Pum.”. A assinatura
do anúncio apresenta a logomarca do anunciante e a frase chave da campanha.
A ordenação compositiva da peça estabelece um paralelo entre a eficácia do
produto e uma expressão oral muito utilizada no dia-a-dia para se referir a algo
cuja ação é excessivamente rápida. Um dos principais traços característicos da
143
interação oral deve-se à proximidade existente entre os enunciados e a vida
cotidiana, ao contrário do que ocorre com a comunicação escrita e tipográfica,
cujas formas de verbalização impressa propiciam o distanciamento entre os textos
e seu contexto de produção. Por isso, em geral, as formas discursivas orais tendem
a ser mais situacionais, uma vez que a relação comunicativa se baseia em
experiências ordinárias muito próximas à confecção dos enunciados, tornando-
os mais operacionais e menos abstratos.
A proximidade entre texto e experiência é facilmente reconhecível na
expressão “Pá. Pum.”, pois a concisão da frase estabelece, de antemão, um
paralelo com a agilidade. Ou seja, a própria materialidade do enunciado já
incorpora traços daquilo que pretende significar. No entanto, ao ser incorporada
pelo anúncio, essa expressão reveste-se de uma forma sonoro-visual. A palavra
impressa tanto é percebida pelo som, pois a apreensão do anúncio dificilmente
ocorre sem um mínimo de sensibilidade à sonoridade da expressão inscrita, como
por meio da visualidade gráfica das unidades verbais, relacionadas aos elementos
Figura 10- Anúncio Baygon. Fonte: Anuário de Criação 1994.
144
figurativos presentes na peça. O verbal-oral, inscrito na mensagem, contrapõe-
se à forma linear característica do verbal escrito, pois dificilmente uma sentença
verbal caracterizada pela contigüidade poderia, por meio da sua materialidade
sígnica, estabelecer uma relação de similaridade com a velocidade, especialmente,
se considerarmos o tempo que demanda a leitura de uma seqüência linear. Assim,
aliada à espacialização das unidades verbais, conforme foi visto anteriormente
no anúncio do banco Itaú e Jonnie Walker, a transposição do verbal-oral para a
revista também pode ser vista como um outro procedimento no qual se busca
incitar uma leitura diferenciada de peças impressas que também abarcam as
unidades discretas.
Na peça Baygon, há ainda uma outra correlação estabelecida, dessa vez entre
formas geométricas, cuja presença reforça a associação feita no plano figurativo.
Toda espiral é composta por uma linha curva, que tem início num ponto e afasta-
se dele gradualmente, afunilando aos poucos a figura. Se contornarmos a espiral
do anúncio com linhas retas, temos a formação de um triângulo, cuja base se
encontra voltada para a parte superior da página. Essa figura estabelece um
paralelo esquemático com o triângulo vermelho presente na embalagem do
produto, cuja base também está voltada para a parte superior do frasco. A similitude
de ambas as formas é acentuada pela presença de insetos na ponta dos dois
triângulos, pelas quais se busca enfatizar tanto o problema que o produto resolve
como a sua infalibilidade. Além disso, enquanto o triângulo é uma figura do
plano, cuja apreensão ocorre por meio da bidimensionalidade, a espiral é uma
figura do espaço e, por isso, seu “contorno” possui uma realidade tridimensional.
No caso do anúncio, observa-se que a espiral que está na página ímpar não
apenas desenha o frasco do produto anunciado, mas também apresenta um
indicativo da transformação do espaço bidimensional da página impressa. Esse
aspecto será mais amplamente trabalhado no capítulo sobre o redesenho.
145
Assim, a repetição de uma mesma figura geométrica também se faz presente
no anúncio Baygon, ainda que não seja tão evidente quanto nas peças anteriores,
pois estabelece um equilíbrio entre as formas geométricas presentes em ambas
as páginas. Em especial, o arranjo sígnico dessa peça permite-nos ainda uma
outra associação. Independente da óptica trazida pelo minimalismo, a repetição
sempre foi um dos recursos utilizados pelo discurso publicitário com o intuito
de afirmar positivamente o valor do objeto anunciado, evitando opiniões
contrárias ou, ainda, uma possível dúvida por parte do público-alvo sobre aquilo
que se afirma sobre o produto. Em tais mensagens, é muito comum que a repetição
seja efetivada pelo código verbal, em virtude da precisão do modo como ele
representa algo, evitando assim qualquer interpretação que não seja aquela
prevista pelo objetivo comunicativo da peça. Encarada como um recurso
persuasivo, a repetição das mesmas idéias num texto pode ser entendida como
um outro traço característico da memória inscrita nos anúncios, mesmo que
essa repetição não seja realizada apenas pelo código verbal.
Como se observa no anúncio Baygon, a concisão no processo compositivo e
o decréscimo do uso do verbal não impedem que o apelo incisivo incitado pela
reiteração seja presentificado no arranjo sígnico. A repetição adquire uma
configuração visual e icônica, sendo sua apreensão decorrente da correlação
estabelecida entre formas geométricas similares. Isso significa que, na peça, é
possível dizer que a ação da memória do texto cultural publicitário se reveste de
uma nova configuração, pois a reprodução persuasiva se mantém, porém, com
outra linguagem. Nesse caso, a “repetição” característica do texto publicitário é
modelizada pela “repetição” trabalhada pelos objetos minimalistas, de forma
que a ausência de exatidão do verbal é “contrabalançada” pela reiteração de
uma mesma figura geométrica inserida no contínuo estabelecido entre diferentes
unidades sígnicas.
146
A simultaneidade, decorrente das relações instituídas entre códigos distintos,
permite reconhecer diferentes planos de produção de significado, de maneira
que o processo de apreensão da mensagem se torna mais importante que o
“significado final”, visto que as associações incitadas pelo arranjo sígnico resultam
na ativação de capacidades relacionais cuja complexidade vai muito além de um
significado único que visa incitar a compra do produto anunciado.
A heterogeneidade semiótica do anúncio possui ainda uma outra
especificidade, pois a composição em página dupla orientada pela expressão
oral “Pá. Pum.” indica a presença de dois tempos distintos: o primeiro designa o
“antes”, isto é, o uso do produto, e o segundo apresenta o “depois”, em que é
enfatizado o bom resultado decorrente da ação do inseticida. A sucessão presente
na peça não apenas interage com a expressão oral, que também abriga uma
seqüência temporal, como também a reiteração imagética presente nas duas
páginas estabelece igualmente um vínculo visual entre ambos os tempos,
acentuando, de modo incisivo, o diferencial do inseticida. A correlação dos dois
triângulos gera a espacialização da seqüência temporal, e também resulta a
espacialização do modo como a peça é percebida. Ao minimizar a lógica da
sucessão, até mesmo pela interação estabelecida com o objeto minimalista, esse
anúncio e as demais peças analisadas ao longo deste capítulo evidenciam uma
característica central do atual ambiente midiático: a apreensão simultânea de
diferentes signos, característica de uma comunicação cada vez mais intensa e
veloz, em detrimento da temporalidade típica da hierarquização de uma
construção linear discursiva.
Por fim, é preciso salientar que, assim como as demais peças examinadas
ao longo deste capítulo, o anúncio Baygon também traz a assinatura no canto
inferior direito da página ímpar. A recorrência com que o uso da assinatura aparece
nas mensagens publicitárias, apesar da ordenação não hierarquizada dos seus
147
signos compositivos, acentua ainda mais a ação da memória criativa na
composição dos anúncios. A semiose resultante dessa atuação possibilita a
sobreposição de um novo significado a um uso já consolidado e habitual, ao
mesmo tempo em que parece questionar o viés eminentemente autoritário
comumente associado aos anúncios.
Quando vistos exclusivamente pela função utilitária e mercadológica
que exercem na sociedade de consumo, cabe aos anúncios unicamente apresentar
o produto e/o serviço anunciados de tal forma que não possibilite ao receptor
nenhuma outra resposta que não seja aquela relacionada à compra do objeto
anunciado. Nesse sentido, o texto “fecha-se” sobre si próprio, de modo a não
propiciar nenhum tipo de interlocução. Por isso, essa formação discursiva
impossibilita o questionamento acerca daquilo que é dito, porque a argumentação
tende a fundamentar-se em valores já aceitos socialmente, o que facilita o
processo de convencimento. Também nesses casos, o uso retórico da linguagem
tem como finalidade principal ratificar o argumento central de vendas, de sorte
que a escolha da figura a ser trabalhada no arranjo textual deve igualmente
adequar-se ao objetivo de comunicação a ser alcançado pela mensagem.
Todavia, a superposição de diferentes camadas de significado e o
envolvimento sensório incitado pelas mensagens observadas até o momento
estão propensos a favorecer uma circulação mais livre de interpretações, nem
sempre relacionadas ao consumo, o que parece minimizar o apelo unívoco à
compra, assim como o caráter autoritário relacionado à persuasão publicitária.
Justamente pela heterogeneidade semiótica que os caracteriza, esses textos
inclinam-se a trabalhar com formas expressivas mais soltas, menos preocupadas
unicamente com o convencimento, o que nos leva a questionar até que ponto
determinados anúncios visam unicamente persuadir, ou então, caso ainda haja
esse objetivo, é preciso considerar outros parâmetros para compreender como
148
ocorre tal processo. Essa conjetura torna-se ainda mais evidente quando
justapomos a ela um outro traço compositivo presente em praticamente todas
as peças selecionadas para este trabalho: a tradução, pelos anúncios, da linguagem
lúdica distintiva dos jogos. Nesses casos, nota-se que os arranjos textuais
publicitários propiciam um jogo de interlocuções que exige uma participação
cada vez mais ativa do receptor, na qual desaparece a presença do imperativo e
de uma verdade única a ser imposta. O que realmente importa é o processo que
conduz ao descobrimento das relações sugeridas pela mensagem e não o
significado último e derradeiro, tal como acontece com os anúncios marcados
unicamente pela ratificação do consumo.
Todas essas suposições ainda levantam uma última questão. Conforme
dito no primeiro capítulo deste estudo, um dos traços que distinguem o sistema
publicitário, em conjunto com a alusão ao produto e ao diálogo com as mídias é
o retórico, e é justamente ele que parece sofrer as transformações mais acentuadas
em razão do tipo de entretenimento propiciado por determinados anúncios. Isso
ocorre porque, apesar das mudanças operacionalizadas nos arranjos textuais
publicitários, a referência ao produto ainda permanece, bem como a interação
estabelecida entre os anúncios com as mídias. Inclusive, segundo a perspectiva
trazida pela ecologia da mídia, esse diálogo tende a tornar-se cada vez mais
intenso. Entretanto, se os arranjos textuais publicitários mais tradicionais tinham
como objetivo exclusivo convencer alguém a comprar algo e, para tal, faziam
uso dos “ornamentos” de linguagem que melhor se adequassem a essa finalidade,
no caso dos textos apresentados neste estudo, essa meta única passa a ser
profundamente questionada, uma vez que os anúncios mais parecem “querer”
entreter que convencer. Por isso, o uso retórico da linguagem está propenso a
caracterizar-se por parâmetros distintos daqueles relacionados com o intuito de
promover o consumo. Como conseqüência, uma retórica mais “livre” e menos
impositiva emerge das peças publicitárias.
149
3. A retórica
do entretenimento
150
Apreender os traços que distinguem a retórica presente nos anúncios
selecionados para este estudo exige, primeiramente, o entendimento da própria
redefinição sofrida pela publicidade na era do circuito. Para McLuhan, o ambiente
produzido pela tecnologia elétrica transforma “todo o planeta” (2005:180) numa
espécie de “máquina de ensinar”, na qual os indivíduos agem ativamente, visto
que também fazem parte do circuito. Por isso, como são continuamente incitados
a “perceber” e relacionar as mensagens que circulam pelo entorno, todos os
envolvidos são, necessariamente, implicados na tarefa de aprender, ainda que
não haja uma consciência muito clara acerca disso. Nesse caso, pode-se dizer
que o conhecimento não se apresenta pronto e acabado, mas é continuamente
edificado, e seu processo construtivo, por si só, exemplifica um tipo muito peculiar
de aprendizado.
Segundo o ponto de vista epistemológico vinculado à ecologia da mídia
e à semiosfera, um mesmo “olhar” pode ser “educado” tanto por uma mensagem
publicitária quanto por uma obra de arte exposta num museu, uma vez que o
processo construtivo relacional de uma esfera pode ensinar a “ver” as conexões
presentes em outra, mesmo que ambas as unidades possuam traços distintivos
muito específicos e não mantenham um diálogo direto na cultura. Ao mesmo
tempo, esse olhar que se educa pode educar a mensagem, que passa a ser
elaborada em virtude de uma percepção já mediada pelo circuito. É nesse fluxo
3.
151
que se dá exatamente a característica sistêmica de uma ecologia da mídia e da
comunicação.
Além disso, McLuhan também define os meios como mecanismos de
tradução de diferentes formas de conhecimento, uma vez que a especificidade
de uma tecnologia sempre se encontra correlacionada a um determinado modo
de conhecer. Nesse sentido, a tecnologia mecânica traduz uma maneira de
proceder específica da natureza, mediante a transposição de formas produtivas
especializadas, ao passo que a eletricidade é uma transposição do funcionamento
do sistema nervoso central e da consciência. Como ambos desvelam distintas
maneiras de tomar conhecimento de algo, seja de forma especializada ou
inclusiva, o simples contato com um meio pode aclarar determinados
procedimentos que permitam expandir ainda mais os mecanismos de
aprendizagem disponibilizados na cultura.
Desse modo, não apenas a publicidade, mas outras formas diferentes de
comunicação passam a também elucidar inúmeras possibilidades combinatórias
que, inevitavelmente, conduzem à produção de um conhecimento novo. Esse
processo ambiental leva à apreciação da totalidade da cultura como um grande
sistema retórico, uma vez que grande parte das mensagens presentes no circuito
é, de alguma forma, envolvida na tarefa contínua de produzir relações
associativas entre diferentes sistemas culturais. Nesse aspecto, observa-se a
expansão sofrida pela função retórica no ambiente produzido pela tecnologia
elétrica, cuja amplitude ultrapassa muito os limites circunscritos pelos estudos
que têm como objeto apenas o trato com a linguagem verbal.
Conforme ressalta Régis Debray (1993:323-324), cada midiasfera produz
seus próprios mecanismos de persuasão que, inclusive, podem ir muito além do
convencimento, provocando diferentes formas de fruição e, por isso, é preciso
considerar as dominantes de um determinado período para compreender a
152
maneira como a retórica de uma época é articulada. Uma vez entendida como
metalinguagem, cuja linguagem-objeto é o próprio discurso, a retórica deve
debruçar-se sobre as variações discursivas que caracterizam cada midiasfera,
considerando, inclusive, a mudança dos suportes e das linguagens que lhes são
correspondentes. Por esse motivo, não há como aplicar uma mesma metodologia
indistintamente, sem considerar os traços que distinguem a especificidade de
cada ambiente comunicacional.
3.1. O ambiente comunicacional e a edificação de uma “retórica
do entretenimento”
Desde a antiguidade clássica, a maioria dos tratados sobre retórica sempre
objetivou discutir a produção discursiva verbal com vistas a elucidar aquilo
que, em cada caso, pode ser utilizado para persuadir. Dessa forma, o estudo
minucioso dos argumentos e do comportamento do auditório torna-se
fundamental, pois enquanto o primeiro elucida a construção de um raciocínio e
a articulação das provas que justifiquem uma proposição, o segundo diz respeito
à necessidade de adaptação do discurso ao nível do público, isto é, àquilo que o
senso comum considera verossímil, mesmo que seja cientificamente impossível.
Isso faz da Retórica uma technè, o que a distancia de uma abordagem empírica, já
que constitui um meio de produzir algo, independente de ser natural ou necessário,
verdadeiro ou falso, e cujo centro está naquele que cria e não no objeto criado
(BARTHES, 2001:15). Além do mais, também é preciso considerar que o
surgimento da retórica por volta de 485 a.C vinculou-se ao direito de propriedade,
visto que o desenvolvimento da “arte da palavra” tornou-se fundamental para a
construção de argumentos que assegurassem a posse de bens particulares, em
especial, da terra (BARTHES, 2001:9-10). Nesse aspecto, a retórica colocava-
153
se como uma prática social privilegiada, direcionada às classes dirigentes e de
maior poder aquisitivo, uma vez que poucos eram aqueles tinham acesso às
regras do “bem dizer”, porque era preciso pagar para ter acesso a esse tipo de
conhecimento altamente especializado. A “arte da palavra” era utilizada como
um instrumento de poder e, por isso, não poderia ser acessível a todos.
Ainda que sucintamente, é importante ressaltar o contexto que originou
a retórica, uma vez que, ao longo da história, vários foram os momentos que
acentuaram o traço de autoridade vinculado ao uso persuasivo da linguagem.
Nesse sentido, são exemplares os exercícios retóricos realizados desde a Grécia
Antiga e que perduraram durante toda a Idade Média, cuja prática consistia no
enfrentamento entre dois interlocutores, conhecida como disputatio, ou ainda,
“colóquio de opositores” (BARTHES, 2001:36), em que, mediante a utilização
de silogismos, tentava-se levar o adversário a contradizer-se para, assim, eliminá-
lo. Conforme enfatiza Barthes (2001:38) a disputatio desapareceu, todavia, as
questões relativas às regras de linguagem utilizadas com o intuito de convencer
alguém sobre algo ainda permanecem.
Por outro lado, a proximidade com o fazer poético também conduziu a
retórica a uma outra discussão, na qual sobressai o problema relativo aos
“ornamentos” utilizados na linguagem verbal, tornando-a mais rebuscada, o que
necessariamente a diferencia do uso ordinário da língua no dia-a-dia. Em linhas
gerais, a technè rhetorikè pode ser dividida em cinco partes distintas, das quais as
três primeiras são as mais importantes. São elas: inventio, dispositio, elocutio. A
primeira delas, a inventio, relaciona-se com a necessidade de “encontrar o que
dizer” e busca-se trilhar um caminho seguro na direção de uma forma
argumentativa incontestável, em vez de descobrir ou criar algo novo. Nesse
caso, a confiança num método seguro para a elaboração de um argumento vem
de encontro à crença de que a determinação livre e espontânea é incapaz de
154
conduzir à escolha adequada e firme de uma prova. A dispositio refere-se à
disposição sintagmática das principais partes do discurso, a saber: o exórdio
(parte inicial), epílogo ou peroração (parte final), narratio ou narração
(apresentação inicial que introduz a argumentação) e a confirmatio, ou apresentação
dos argumentos. Por fim, a elocutio diz respeito à escolha adequada das palavras
e expressões verbais utilizadas no discurso, destacando-se o estudo das figuras
de linguagem e dos tropos.
É sobretudo no âmbito da elocutio que se observa a interação entre a
retórica e a poética, visto que ambas visam ao exame das “transgressões” ou
“desvios” efetivados com relação às normas estabelecidas pela língua. Pode-se
dizer que as diferentes possibilidades de usos da linguagem são o objeto central
de estudo de ambas as áreas. Daí decorrem os inúmeros trabalhos publicados
desde a Antigüidade com o objetivo de mapear e classificar a maior quantidade
possível das figuras retóricas existentes.
Todavia, tal como vários autores enfatizam (BARTHES, 2001; J.
DUBOIS et alii, 1974), a elocutio vai muito além da simples classificação
desprovida do exame mais amplo do contexto em que as figuras são utilizadas.
Se considerarmos a elocutio apenas sob essa perspectiva, é preciso reconhecer
que o trabalho inventivo com a linguagem consiste unicamente em substituir
uma coisa por outra, sem considerar os efeitos e a ressignificação que determinados
usos são capazes de gerar na ordenação dos sistemas, bem como em todo o
entorno cultural. Essa abordagem implica um ponto de vista extremamente
estático da linguagem, que considera a existência de dois níveis distintos de
formas expressivas: a própria e a figurada. A primeira refere-se ao uso de uma
palavra conforme o significado primariamente atribuído a ela, ao passo que a
segunda evidencia a possibilidade de substituição da acepção usual de um termo
155
da língua por outro. Assim, a linguagem figurada constituiria um “aplique”
realizado sobre a linguagem própria.
Tal como enfatiza J. Dubois (et alii, 1974:29), a teoria sobre as funções
da linguagem desenvolvida por Roman Jakobson explicita muito claramente as
condições fundamentais do funcionamento da linguagem. De acordo com a
formulação realizada pelo lingüista russo, a comunicação verbal envolve,
necessariamente, a presença de seis elementos, a saber: emissor, receptor, canal,
referente, mensagem e código. Na elaboração de uma mensagem, um desses
fatores funciona como um dominante, em que se nota a inclinação do
procedimento construtivo em proveito de um deles, o que não exclui a presença
dos demais, que passam a ser ordenados hierarquicamente a partir do fator
predominante. Assim, dependendo da disposição, é possível delimitar as seguintes
funções: emisssor - função emotiva, receptor - função conativa, referente - função
referencial, canal - função fática, código - função metalingüística e mensagem -
função poética.
Em especial, interessa-nos discutir a especificidade da função poética,
dado que ela torna compreensível o mecanismo da elocutio, inclusive, Dubois
refere-se à função poética igualmente como função retórica. A função poética
da linguagem caracteriza-se pela projeção do eixo do paradigma sobre o sintagma,
de modo que a concatenação entre termos passa a seguir as relações de
equivalência que predominam no eixo do paradigma, cujo exemplo mais
elucidativo é a reiteração regular de unidades sonoras similares. Esse mecanismo
possibilita que a mensagem se volte para o seu próprio processo construtivo, no
qual rompe com as regras combinatórias estabelecidas pelo código, em proveito
da edificação de uma linguagem singular, mediante a realização de associações
por similaridade entre os termos.
156
Por seu turno, a dominância da função poética não exclui a presença das
demais, ainda que possa acarretar mudanças significativas nas convenções
estabelecidas pela língua, assim como não suprime o referente, mas torna-o
ambíguo. Esse processo faz com que os interlocutores se voltem necessariamente
para a especificidade das associações materializadas pela mensagem, o que
contribui para a redefinição dos papéis que tanto o emissor quanto o receptor
exercem na comunicação. Do mesmo modo, a presença de um outro dominante
numa mensagem não exclui a função poética, que passa a exercer um papel
acessório.
Toda essa conceituação nos leva a entender a razão pela qual a
compreensão da existência de dois planos distintos de linguagem, em que um
deles seria “acrescentado” a outro (no caso da função poética e retórica), não
parece a mais adequada para delimitar a nova conformação retórica presente no
atual ambiente midiático (J.DUBOIS et alii, 1974:30). Conforme já foi discutido,
a dominância da função poética não exclui a presença de outras, bem como uma
mensagem em que qualquer outra função predomina apresenta igualmente traços
de função poética. Nesse sentido, um enunciado extremamente usual, em que
as funções conativa e referencial costumam ser dominantes, tal como ocorre em
diferentes situações relacionadas com a comunicação cotidiana, também pode
exibir alguns procedimentos retóricos, em virtude da presença acessória de traços
de função poética. Ou seja, apesar das dominâncias, distintos “planos” têm a
faculdade de coexistir sincronicamente numa mesma mensagem, o que acentua
ainda mais a heterogeneidade semiótica dos textos culturais, por mais triviais
que sejam.
Tal é, a nosso ver, a perspectiva que direciona o entendimento que a
retórica exerce no atual ambiente comunicacional, e que vem de encontro aos
fundamentos da retórica desenvolvida por Iuri Lótman. Seja em menor ou maior
157
escala, para o semioticista da cultura, a função retórica se encontra presente nos
mais variados textos que circulam pela cultura, ainda que, muitas vezes, essa
presença não seja tão perceptível. O autor também define a retórica como uma
“poética do texto” (1996:119), que estuda as relações intratextuais, bem como
o funcionamento social dos textos, e cujo exame deve ser considerado com base
em uma dupla articulação: primeiro, o estudo do texto como um arranjo
“fechado”, em que é delimitada a ordenação poética que uma determinada
mensagem materializa; segundo, a compreensão do texto como um tipo de arranjo
“aberto”, em que o processo de criação textual é examinado mediante a interação
entre dois sistemas modelizantes distintos. É no âmbito do estudo do “texto
aberto” que se situa o estudo das figuras.
Segundo foi visto, a “intraduzibilidade” entre distintos sistemas
modelizantes, que gera o estabelecimento de equivalências aproximativas,
constitui um dos traços essenciais do dispositivo pensante, sem o qual, não há
produção de novos textos e significados na cultura. Da mesma forma, é esse
mecanismo que proporciona a criação do tropo. Para o autor (1996: 121), o
tropo não consiste num simples ornamento externo, isto é, algo que é “aplicado”
a uma dada ordenação textual, visto que constitui a própria “essência” do
pensamento criador. Quer dizer, sem o tropo o pensamento criador não adquire
concretude na cultura. E, justamente por isso, a sua edificação somente pode
ocorrer na fronteira estabelecida entre diferentes sistemas modelizantes.
Em geral, o tropo é definido pela substituição de uma unidade semântica
por outra, na qual um signo “presente” num determinado arranjo sígnico mantém
relações de equivalência com um signo “ausente”, o que possibilita a translação
de um significado a outro. Contudo, de acordo com a perspectiva desenvolvida
por Lótman, o tropo ganha uma dimensão muito mais ampla na cultura, uma
vez que não se restringe à simples troca de uma coisa por outra, circunscrita ao
158
campo restrito de uma única linguagem. Isso ocorre porque todo tropo consiste
numa analogia, em que a parte de um texto é combinada ou justaposta com a
parte de outro, de maneira que ambas passam a coexistir sincronicamente numa
nova ordenação sígnica. A especificidade desse novo texto reside no fato de que
os extratos que foram correlacionados não possuem as mesmas propriedades, já
que pertencem a diferentes esferas culturais. E, quanto maior for a
incompatibilidade entre as partes e os campos semânticos aproximados, maior o
ineditismo da ordenação, dadas as relações de “intraduzibilidade” estabelecidas
entre os diversos níveis. Nesse sentido, tal como afirma Lótman, o tropo constitui
um mecanismo de geração de “plurivocidad semántica” (1996:129), fundamental
para a produção de novas significações na cultura, em virtude do alto grau de
indefinição que confere para o devir dos sistemas, que são rearranjados pela
intromissão de novas variáveis que lhes são completamente estranhas. Ou seja,
o tropo é considerado pela semiose que ele é capaz de gerar no devir dos sistemas.
Em virtude do papel que exerce no dinamismo da cultura, a ação do
tropo vai muito além do âmbito da arte, uma vez que qualquer sistema
modelizante pode igualmente apresentar uma ordenação retórica singular.
Inclusive, para corroborar seu ponto de vista, Lótman (1996: 123) cita os estudos
realizados por Jakobson acerca da função cultural desempenhada pelas duas
espécies básicas de tropos retóricos, a saber, a metáfora e a metonímia. Jakobson
enfatiza que uma e outra também exercem uma importante função criadora em
distintos sistemas culturais, tais como o cinema e a pintura. Nesse aspecto,
observa-se a proximidade entre os dois autores na maneira de entender a ação
que o tropo exerce na cultura, pois esse recurso retórico pode ser utilizado por
outras linguagens além da verbal, e não consiste num mero “aplique” sobreposto
a uma mensagem já existente, mas constitui um mecanismo indispensável no
159
processo construtivo de novas formas de linguagens. Desse modo, pode-se dizer
que o objetivo da metáfora e da metonímia
no consiste en decir con ayuda de una determinada sustitución semántica
lo que también se puede decir sin su ayuda, sino en expresar un contenido
tal, en transmitir una información tal, que no puede ser transmitida de
otro modo. En ambos casos (tanto en el de la metáfora como en el de
la metonimia), entre el significado recto y el traslaticio no existe una
relación de correspondencia recíprocamente unívoca, sino que se
establece solamente una equivalencia aproximada (LÓTMAN,
1996:126).
Ainda em conformidade com Iuri Lótman (1996:133), se um texto é
retoricamente codificado, todas as suas partes constitutivas também assumem
uma função retórica. Isso acontece porque, de acordo com a perspectiva
sistêmica, é preciso considerar que a utilização do tropo na composição de uma
mensagem interfere em todos os seus nós internos, inclusive, segundo o
semioticista (1996:133), quanto maior for a variedade e a diversidade dos vínculos
estruturais de um texto cultural, menor é a independência dessas unidades, dado
que a especificidade e a incompatibilidade entre elas fazem com que os nexos
que as mantêm “unidas” num arranjo sejam ainda mais intensos. Semelhante é o
ponto de vista desenvolvido por Jakobson, uma vez que a teoria das funções de
linguagem torna patente como a presença de uma dominante interfere em todos
os demais vínculos presentes numa mensagem, pois não há como introduzir um
“ornamento” sem modificar a totalidade do conjunto.
A analogia propiciada pelo tropo constitui um dos principais mecanismos
mediante os quais o dispositivo pensante atua na cultura, pois possibilita a
“aproximação” entre diferentes códigos e linguagens que, fora de uma “situação
retórica”, dificilmente seriam relacionados. Tanto que Lótman situa a retórica
como o “domínio de los acercamientos, las analogias y la modelización”
(1996:130), imprescindíveis para o surgimento de novos significados na cultura.
160
Ao mesmo tempo, os parâmetros pelos quais essas analogias ganham forma são,
em parte, determinados pelo tipo de cultura distintiva de uma época. Segundo
Lótman (1996:125), existem períodos culturais orientados quase que
exclusivamente para o tropo retórico, a ponto de contaminar não apenas os
textos considerados essencialmente poéticos, como também as mais diversas
formas de produção discursiva, até mesmo as mais prosaicas. Do mesmo modo,
em cada uma dessas fases, também é possível identificar uma natureza muito
singular de tropo.
Em especial, interessa-nos discutir como essa “situação retórica” se
operacionaliza no circuito edificado pelas mídias, pois, a nosso ver, tal ambiente
também pode ser entendido como uma das épocas presentes na história da cultura
orientada para o tropo. Conforme dito anteriormente, o entorno produzido pela
tecnologia elétrica tende a intensificar o diálogo operacionalizado pelas mídias,
o que, inevitavelmente, provoca a aproximação entre linguagens e códigos
completamente distintos, na qual se edifica uma situação altamente propícia
para o estabelecimento de analogias entre distintas esferas. Ao mesmo tempo,
esse ambiente transforma toda a cultura numa grande “máquina de ensinar”,
não apenas pelo fato de os meios transladarem formas de conhecer, mas sobretudo
porque ocasiona a própria redefinição do processo que leva ao conhecimento,
uma vez que, para McLuhan (2005:238), nesse ambiente, a capacidade de
perceber deve ir além da faculdade de apreender. Em outras palavras, a grande
quantidade de mensagens presente no circuito exige uma alta capacidade
relacional para perceber, mediante o envolvimento sensório, as mais variadas
analogias construídas pela aproximação estabelecida entre distintos sistemas
culturais. Mais uma vez, o ato de “descobrir” a coexistência de distintos níveis
numa mesma mensagem é muito mais importante que o resultado em si.
161
A confluência de todos esses fatores nos leva a identificar a edificação
de uma situação altamente retórica na cultura, em que se destaca um uso muito
específico da linguagem, pautado pela formação do tropo em processos
comunicativos orientados pelo puro entretenimento, de modo que os textos são
construídos como jogos que apresentam um enigma para ser desvendado pelo
receptor. Ou seja, a formação de uma linguagem eminentemente lúdica é fruto
da “intraduzibilidade” entre diferentes esferas culturais, em textos há muito
considerados uma “mera distração”, tal como a grande maioria das mensagens
veiculadas nos meios de comunicação sempre foi vista. Nesse sentido, a própria
publicidade, comumente definida como um sistema que exerce uma função
eminentemente utilitária na cultura, dado que objetiva promover o consumo,
também é contaminada pelo divertimento e pela distração, da mesma forma que
o traço retórico que a define também sofre profundas transformações, visto que
a utilização do tropo deixa de ter a finalidade exclusiva de persuadir com vistas
a incitar a compra do objeto anunciado, mas, em conjunto com outros textos
que circulam pelo circuito, passa a desempenhar um importante papel na
expansão de diferentes capacidades relacionais. E, por constituir um texto
eminentemente de fronteira, a publicidade ocupa um lugar privilegiado nessa
nova conformação ambiental.
É importante ressaltar que, para McLuhan, o entretenimento nunca foi
encarado de maneira pejorativa, ao contrário do ponto de vista desenvolvido
por boa parte dos autores que se debruçaram sobre o estudo dos efeitos gerados
pelas mensagens veiculadas nos meios comunicacionais. O autor considera as
diferentes formas de entretenimento presentes na cultura como um modo de
raciocínio “nacido del desapego racional” (McLUHAN & ZIGONE, 1998:36),
que permite ao receptor atuar como um “espectador de su propria situación”
(1998:36), uma vez que a interrupção temporária do encadeamento lógico do
162
pensamento permite ao indivíduo criar uma outra forma de concatenar e associar
as mensagens que circulam pelo circuito, livre de uma ordenação causal pré-
estabelecida, o que seria impossível num ambiente em que a linearidade
característica da escrita e da tipografia impera, já que “na graça e na brincadeira
recuperamos a pessoa integral, já que só podemos utilizar uma pequena parcela
de nosso ser no mundo de trabalho ou na vida profissional” (McLUHAN,
1989:264).
Essa compreensão é ainda corroborada pelo entendimento do autor acerca
da função que os jogos exercem na cultura. Assim como os meios eletrônicos,
os jogos também são extensões da totalidade do homem social e da consciência
grupal e, por isso, constituem uma reação a toda e qualquer forma de
especialização. Todo jogo apenas pode ser realizado no interior de um campo
previamente fixado, com regras particulares e, em razão disso, tomar parte de
um jogo implica suspender, por certo tempo, a rotina da vida cotidiana, o que
permite aos envolvidos “apenas fazer de conta” (HUIZINGA, 1971:26), isto é,
imaginar ou fantasiar uma dada circunstância. Nesse “mundo à parte”, é possível
extravasar “tensões particulares” (McLUHAN, 1989:265) que seriam impossíveis
de serem liberadas em situações envoltas com os padrões costumeiros de todos
os dias. Mais do que isso, entrar num jogo pressupõe uma ação voluntária e livre
dos seus participantes, da mesma forma que o ato de jogar implica,
necessariamente, “interjogar”, em que são estabelecidas intensas relações de
troca entre todos os envolvidos diretamente com a ação e destes com o público
que, porventura, assiste à realização da atividade. Em vista disso, não é possível
jogar sem que haja uma participação ativa de todos os implicados.
Ao ser incorporado pelas mídias e, em especial, pela publicidade, esse
traço lúdico do jogo passa a desempenhar uma função persuasiva muito singular
pois, longe de buscar convencer alguém a comprar alguma coisa, essas mensagens
163
visam primeiramente predispor o destinatário a fruir e envolver-se com a
“questão” proposta pelo texto, o que exige uma atitude responsiva ativa dele na
tentativa de descobrir qual é a resposta da “charada”. Trata-se aqui de persuasão
menos incisiva, quase imperceptível, uma vez que o receptor é incluído como
parte do arranjo sígnico.
É essa forma de entretenimento que direciona o processo compositivo
dos anúncios, em que se observa uma estreita relação entre a formação da analogia
e o jogo. Enquanto o tropo somente ganha materialidade na fronteira estabelecida
entre distintos sistemas modelizantes, a persuasão não ocorre mediante o uso
autoritário da linguagem, mas decorre da brincadeira propiciada pelo arranjo
sígnico. Quer dizer, o tropo materializa um enigma para ser desvendado pelo
receptor, e é este enunciado ambíguo que o dispõe a envolver-se com a mensagem.
Assim, os anúncios materializam um jogo aparentemente solitário, uma vez que
o indivíduo também se encontra imerso no circuito das mídias e, por isso, é
constantemente solicitado a desvendar as associações presentes nas ordenações
sígnicas e a correlacioná-las com o ambiente mais amplo da cultura.
Considerando tal aspecto, percebemos que o traço retórico que
comumente distingue o sistema publicitário de outras esferas culturais sofre
modificações significativas, pois a função retórica com o objetivo de entreter
passa a desempenhar um papel predominante em certos textos culturais
publicitários, enquanto a alusão ao consumo torna-se secundária. Nesse sentido,
pode-se dizer que determinados anúncios se distinguem pela presença de uma
“retórica do entretenimento”, na qual se destaca o uso retórico e ao mesmo
tempo lúdico da linguagem. Tal como afirma McLuhan (1989:255) “A
importância do produto é inversamente proporcional ao aumento de participação
do público”, de maneira que o anúncio passa a centrar-se primordialmente na
função lúdica, mediante a inclusão da “experiência do público” como parte da
164
mensagem, o que faz com que a referência ao produto ocorra como conseqüência
do entretenimento propiciado pelo arranjo textual. Conforme foi dito, o jogo
constitui uma atividade desinteressada, cuja ação se restringe ao seu próprio
espaço interno, de tal forma que, quanto maior for a referência ao consumo, isto
é, a algo que extrapola o espaço do jogo a ponto de interferir nos padrões da
vida cotidiana, menos lúdico tende a ser o anúncio.
Assim sendo, “o produto e a resposta do público se tornam uma única
estrutura complexa” (1989:255), em que a referência ao primeiro decorre das
relações associativas, ou então, dos vínculos pragmáticos que uma mensagem é
capaz de suscitar. Portanto, pode-se dizer que o “objetivo” secundário dos textos
publicitários aqui estudados, isto é, a indução à compra, somente é alcançado
pelo valor que o ineditismo do arranjo sígnico de uma mensagem é capaz de
agregar ao objeto anunciado, diferenciando-o de outros similares existentes no
mercado, do mesmo modo que essa qualificação do produto ou da marca também
é favorecida pelas condições oferecidas pelo ambiente mais amplo da cultura.
Tal processo pode ser melhor aclarado se a ele contrapusermos dois
procedimentos que, segundo Debray, se complementam em toda transmissão.
Trata-se da matéria organizada (MO) e da organização materializada (OM).
A matéria organizada é o conjunto de procedimentos utilizados para dar
concretude às mensagens a fim de que possam ser transmitidas, o que exige uma
instrumentação concernente ao modo de inscrição dos signos num determinado
suporte físico, bem como ao dispositivo de difusão que esse suporte requer. A
organização materializada, por sua vez, reporta-se às condições materiais que
uma sociedade necessita criar para garantir a perenidade dos seus
vestígios. Mais
que uma simples associação ou institucionalização com vistas a coletivizar, a
organização materializada funciona como um “papel-motor” (DEBRAY,
2000:27), ou então, um impulsionador social que garanta a propagação dos signos.
165
Em virtude da especificidade da sua matéria organizada, cada midiasfera tende
a criar os mecanismos de organização materializada que melhor se ajustem às
necessidades de transmissão de uma época. Ainda em conformidade com o autor
(2000:26-27), quanto mais inovadora for a mensagem, mais sólida deve ser a
“armadura organizacional” para a sua transmissão, uma vez que mais adversa
tende a ser a sua recepção. Ou seja, pode-se dizer que quanto maior for o
ineditismo de uma composição, mais o ambiente da cultura deve propiciar
condições para que o arranjo textual possa ser transmitido e percebido,
considerando, inclusive, todas as sinuosidades que a transmissão implica.
Observa-se que o próprio circuito edificado pelas mídias e a contínua
estimulação a que os sujeitos estão expostos, visto que são continuamente
solicitados a correlacionar as mensagens que se locomovem pelo ambiente, criam
uma condição e uma predisposição muito favorável para a transmissão de textos
culturais mais envolventes, ao passo que os arranjos textuais mais lineares perdem
a primazia, uma vez que as condições necessárias para garantir sua difusão não
são aquelas produzidas pelo circuito.
A especificidade da organização materializada criada pela ecologia da
mídia já ofereceria uma situação altamente favorável para a propagação de
mensagens mais inclusivas, o que igualmente propiciaria a qualificação e a
retenção mnemônica dos produtos nelas difundidos. Desse modo, aliada à
ordenação compositiva da peça publicitária, a própria conformação ambiental
ofereceria as condições “retóricas” necessárias para a promoção do produto,
uma vez que ele próprio é inserido no circuito criado pelas mídias, como
conseqüência da maneira
como está representado no anúncio e das conexões
que este é capaz de gerar. Com relação a esse outro modo de persuadir, Umberto
Eco é muito preciso ao afirmar que
166
(..) é ponto pacífico que um publicitário responsável (e dotado de ambições
estéticas) sempre tentará realizar o seu apelo através de soluções originais e que
se imponham pela originalidade – de modo que a resposta do usuário não
consista apenas numa relação de tipo inconsciente ao estímulo erótico, gustativo
ou tátil desencadeado pelo anúncio, mas também num reconhecimento de
genialidade, reconhecimento que reverbera sobre o produto, impelindo a um
consenso que se baseie não só na resposta do tipo “este produto me agrada”,
mas também “este produto me fala de modo singular”, e, por conseguinte,
“este é um produto inteligente e de prestígio” (ECO 1971:157).
Tal percepção diferenciada das mensagens publicitárias decorre
primordialmente do fato de que o objeto que determina a produção dos arranjos
sígnicos não é mais a esfera do consumo, mas sim a semiosfera que envolve a
produção textual publicitária, quer dizer, o ambiente mais amplo do circuito
formado pelas mídias na caracterização de uma ecologia.
Com relação ao traço retórico presente nos anúncios escolhidos para
este estudo, ainda é preciso considerar um outro aspecto. Conforme foi dito
anteriormente, o exame sobre o comportamento e as expectativas do auditório
sempre foi uma das preocupações centrais da retórica, dada a necessidade de
conhecer as crenças que direcionam o modo de pensar da audiência para a
formulação dos enunciados persuasivos. Por isso, todo texto apresenta uma
imagem ideal do auditório para o qual é direcionado, ao mesmo tempo em que
possibilita que esse grupo se reconheça na mensagem construída, o que facilitaria
o convencimento a respeito de uma determinada questão.
Por outro lado, segundo os preceitos da Semiótica da Cultura, um texto
nunca chega ao destinatário tal como foi formulado, já que toda mensagem se
“deforma” ao ser decifrada, o que impossibilita a existência de uma coincidência
plena de repertórios. Todavia, Lótman (1996:111) reconhece que, para ser
interpretado, todo texto deve compartilhar um mesmo “tipo” de memória com
seus interlocutores, que permita a eles minimamente vislumbrarem determinados
traços que indiquem as novas configurações de códigos e sistemas já existentes.
167
No processo de interpretação, o auditório é solicitado a estabelecer um diálogo
intenso com a memória presente na mensagem, o que exige uma alta capacidade
relacional para perceber os nós compositivos que o novo arranjo textual
materializa. Como já foi explicitado, a memória se volta menos para o passado
do que adere a algo futuro, pois funciona como um programa de ação direcionado
à formação de novos significados na cultura. Por isso, ao dividir uma memória
comum, texto e auditório interagem ativamente, visto que o processo de
deciframento do primeiro não ocorre mediante uma relação passiva, em que o
receptor apenas reconhece o que lhe é familiar, mas implica um processo
altamente complexo, que exige a realização de “saltos” para apreender o rearranjo
de determinadas formas expressivas. Inclusive, esse procedimento pressupõe
uma outra idéia acerca do modo de construção da “imagem do auditório”, porque
essa imagem é edificada pelo reconhecimento do tipo de memória presente num
texto, e que estabelece, em parte, os meandros que o receptor deve percorrer
para decifrar a mensagem, isto é, a posição a ser ocupada por ele no processo
comunicativo “Al reconstruir el carácter de la ‘memoria común’, indispensable
para la comprensión del texto, obtenemos la ‘imagen del auditório’ oculta en el
texto” (LÓTMAN, 1996:113). Então, a imagem do grupo representada no texto
relaciona-se aos vínculos pragmáticos que ele é capaz de estabelecer, mediante
uma determinada forma de ordenação textual edificada pela ação projetiva da
memória.
Desse modo, longe de reafirmar determinadas crenças que se transformam
em hábitos, tal como previa a retórica clássica, a construção de uma “imagem
do auditório” para Lótman implica, pelo contrário, a ação criadora da memória
da cultura, dada a presença, em um mesmo texto, de diferentes camadas
semioticamente heterogêneas, cuja compreensão exige uma disposição pragmática
ativa do auditório para decifrar os diferentes níveis de significado que uma mesma
168
mensagem comporta, bem como a interação que ela estabelece com o ambiente.
Com base nessa reflexão, é possível afirmar que a formação de uma situação
retórica na cultura também pode ser reconhecida como um “espaço de memória”
extremamente fértil, uma vez que a retórica não pode prescindir da função
criadora da memória, tanto para tornar possível o deciframento de um texto por
parte do público, quanto para propiciar a aproximação entre linguagens e códigos
absolutamente distantes.
Como todo texto apresenta determinados traços do ambiente mais amplo
que o produziu, também é possível pressupor que a cultura de uma época
contribui ativamente para a construção de uma imagem do auditório. Com relação
ao atual ambiente comunicacional, pode-se dizer que essa imagem pressupõe
um usuário altamente participativo, pois a mensagem não chega pronta a ele,
tampouco se pode dizer que ela deve ser direcionada de forma unilateral para os
seus receptores, já que os textos somente são construídos com o auxílio de um
destinatário igualmente inserido no circuito da cultura.
A conformação lúdica dos anúncios permite-nos reconhecer traços muito
específicos de uma memória extremamente ativa, que se manifesta em diferentes
esferas culturais. Como afirma Huizinga (1971:03), o jogo constitui um fato que
antecede a própria cultura humana, uma vez que a atividade lúdica e a brincadeira
também podem ser observadas nos animais, ainda que, nesse primeiro momento,
tais formas se mostrem de maneira muito simples e rudimentar. Segundo o autor,
esse dado constitui uma prova incontestável da razão pela qual o jogo é um
“elemento dado existente antes da própria cultura, acompanhando-a e marcando-
a desde as mais distintas origens até a fase de civilização em que agora nos
encontramos” (HUIZINGA, 1971:06) e, por isso, suas inúmeras manifestações
podem ser detectadas em diferentes momentos da história.
169
Com o passar do tempo, a humanidade desenvolveu maneiras cada vez
mais complexas de jogo, que envolvem tanto as atividades solitárias quanto as
competições coletivas que prevêem, inclusive, a participação do público que
assiste a atividade. Além disso, inúmeros traços distintivos do jogo podem ser
encontrados em outras áreas que, a princípio, poderiam ser consideradas
completamente incompatíveis com a natureza do ato de jogar, tais como a guerra,
o conhecimento, a filosofia, o direito, entre outros. O fato de essas esferas também
se apropriarem de certas formas de competição não exclui a seriedade que
distingue o seu modo de ser, sobretudo porque, segundo Huizinga (1971:08),
determinados jogos podem ser extremamente sérios.
Em virtude da variedade das suas formas de manifestação, o jogo pode
ser compreendido como um texto cultural altamente movente, que perpassa
diferentes épocas da cultura. Como outros sistemas mantêm com a linguagem
do jogo um diálogo intenso, a atividade lúdica tende a expandir-se continuamente,
mesmo que sua presença nem sempre seja tão perceptível. Nesse aspecto,
observa-se a ação intensa da memória criadora da cultura, na qual um texto
cultural é constantemente retomado por outros, muitas vezes, em situações
absolutamente inesperadas. Ao mesmo tempo, por constituir um texto atemporal,
as formas lúdicas do jogo são passíveis de serem reconhecidas pelas mais variadas
coletividades, o que favorece o processo compositivo de uma mensagem com
vistas a dividir com o auditório uma memória comum, por mais inusitado que
seja o arranjo textual.
3.2. A concisão, a retórica e o jogo
A diversidade de formas compositivas que caracteriza a concisão não
nos possibilita estabelecer uma ordenação única que sintetize a maneira como o
170
jogo é articulado pelas peças publicitárias. Assim como a modelização inscrita
no texto cultural acarreta a edificação de uma determinada ordenação sígnica,
também a linguagem lúdica presente nos anúncios é construída mediante o diálogo
que o texto estabelece com o seu entorno. Todavia, com base na especificidade
dos anúncios analisados no capítulo anterior, é possível delimitar dois modos
distintos de construção de linguagem que, dadas as suas especificidades,
promovem duas formas diferenciadas de jogo.
É interessante assinalar que não foram poucos os críticos (BATCHELOR,
2001) que associaram à arte minimal uma característica eminentemente lúdica e
divertida, uma vez que a correlação entre as partes constitutivas das obras
minimalistas, que mais parecem ser posicionadas em vez de assentadas de modo
definitivo, convida a uma dupla articulação.
Primeiramente, o espectador é convidado a perceber a associação
trabalhada no interior da obra por intermédio da repetição de uma mesma figura
geométrica para, assim, submeter as partes ao todo e compor uma forma única
e, posteriormente, poder desfazer a totalidade da figura construída e reposicionar
suas partes, dado que todas elas se equivalem no arranjo textual “Embora [as
obras sejam] ‘mecanicamente’ executadas a partir de instruções, há espaço para
variação e efeitos do acaso (...) No entanto, certa simplicidade conceitual e uma
execução metódica elaborada ainda subjazem aos esquemas aparentemente fáceis
e divertidos” (BATCHELOR, 2001:51). Ou seja, é possível brincar de montar
e desmontar a ordenação, tal como ocorre com os jogos que trabalham com
figuras geométricas simples, das quais depreende-se diferentes combinações.
Portanto, pode-se dizer que a obra é composta por módulos que, apesar de
apresentarem uma ordenação combinatória própria, também podem ser
continuamente rearranjados pelo olhar de quem observa. Nesse caso, é o olho
que passa a tatear os signos observados e a remontá-los mentalmente.
171
Em especial, o anúncio do iogurte Danone torna patente essa
possibilidade, pois os frascos justapostos que formam o favo de mel podem ser
reordenados e compor um novo desenho. Com relação ao anúncio do colírio
Lerin, a repetição simétrica de uma mesma figura posicionada de forma equivalente
aos olhos contribui para acentuar a simetria existente entre as folhas que formam
a revista, efeito este que pode ser refeito pela alocação de qualquer outro signo
na peça, desde que a posição por ele ocupada seja semelhante a de alguma parte
que compõe o rosto humano. Diante disso, é possível brincar de desenhar uma
nova face, mediante a inserção das mais variadas figuras. Por fim, o anúncio
Baygon traduz, visualmente, uma expressão comumente utilizada na fala cotidiana,
de tal forma que a concisão da expressão oral é correlacionada à concisão da
ordenação visual. A brevidade presente na representação visual pode ser
igualmente manipulada pelo receptor, por meio da troca da espiral ou do objeto
anunciado por qualquer outra figura geométrica que, de alguma forma, possa
também explicitar a idéia de “rapidez” transmitida pelas frases “Pá. Pum”.
No que diz respeito às peças em que o uso do suporte como parte do
arranjo sígnico é determinante, observa-se um outro modo de articulação do
jogo. Nelas, a mensagem apresenta um pequeno enigma para ser desvendado
pelo receptor, de maneira que, para solucioná-lo, é preciso que o usuário se
submeta às regras e às pistas impostas pela própria composição. Segundo
Huizinga, se originariamente o enigma era um jogo sagrado, o desenrolar da
civilização o transformou numa forma de divertimento, sendo atualmente
considerado um componente cada vez mais importante das relações sociais,
visto que se ajusta a diferentes “esquemas literários e rítmicos, como, por
exemplo, as perguntas em cadeia, onde cada pergunta conduz a outra”
(1971:125).Tal maleabilidade de uso amplia a função que o enigma exerce na
172
cultura, uma vez que passa a ser utilizado em diferentes situações, inclusive em
ocasiões corriqueiras do cotidiano, tal como ocorre com os chistes.
Sobre esse aspecto, é importante assinalar que, para McLuhan (2005:76),
na era do circuito, a piada tradicional, caracterizada por uma estrutura narrativa
linear que conduz a um único desfecho, tende a ceder “lugar” para o chiste, uma
espécie de jogo de adivinhar, em que uma pergunta conduz a outra, como por
exemplo: “O que é que é roxo e zumbe? Resposta: Uma uva elétrica. Por que ela
zumbe? Por que não conhece as palavras” (McLUHAN, 2005: 76).
Diferentemente da piada que segue em linha reta e conduz a uma conclusão
mais ou menos previsível, o chiste enreda o ouvinte na tentativa de desvendar
qual é a resposta e, por isso, é considerado um texto altamente envolvente. Esse
traço do chiste permite-nos vislumbrar uma nova prática do enigma, visto que a
ordenação compositiva dessa qualidade de anedota requer um tipo de participação
que é cada vez mais incitado pelo circuito formado pelas mídias.
Um procedimento similar ao chiste pode ser observado no anúncio do
fio dental Johnson´s, em que a frase situada na página à esquerda coloca, logo de
início, um pequeno desafio para o leitor, cuja resolução decorre da mudança do
eixo de leitura da peça. Ao mudar a posição da revista, a resposta surge
bruscamente, em virtude da obediência do receptor a uma norma limitada ao
próprio anúncio. Além disso, a modelização da linguagem televisual no anúncio
acarreta uma maior complexidade para a peça, já que esta passa a caracterizar-
se por um modo de compor que se assemelha à imagem eletrônica. Assim, pode-
se dizer que é a aproximação entre diferentes linguagens que transforma a
totalidade do anúncio num tropo, da mesma forma que é esse tropo que constrói
o enigma a ser solucionado pelo receptor.
Também é importante enfatizar que o trabalho retórico com a linguagem,
na qual ocorre a aproximação entre diferentes níveis para a formação do tropo,
173
pode ser igualmente visto como um tipo muito específico de jogo. Inclusive,
Lótman (1996:103) chega a pontuar a existência de um “elemento do jogo”
quando um texto é inserido “dentro” de outro texto, sendo essa situação
identificada pela coexistência de diferentes extratos que foram aproximados, da
qual resulta uma tensão no interior da ordenação textual. E, quanto maior for a
diversidade semiótica que caracteriza os nós compositivos restritos à mensagem
e às suas diferentes camadas, bem como as relações que ela estabelece com o
entorno, mais difícil será o trabalho do auditório para desvendar todas as relações
que o arranjo sugere, mesmo que ambos partilhem uma memória comum. Para
decifrá-las, é preciso perceber as regras criadas pelo jogo que o texto materializa,
ou seja, é preciso inserir-se no “mundo” à parte construído pelo arranjo textual.
Tal é o que acontece com o anúncio Jonnie Walker, em que também é
possível notar a presença de um enigma a ser decifrado, contudo, ao contrário
da peça do fio dental Jonhson´s, não há uma frase que indique qual é a “regra do
jogo” a ser seguida. Ali, o receptor deve manipular o suporte, apreender o
contínuo semiótico presente na mensagem para, então, perceber quais são os
possíveis caminhos a serem trilhados. O arranjo textual coloca uma dificuldade
maior para o leitor, o que torna o jogo ainda mais tenso e incerto, pois inexiste a
convicção de que o procedimento escolhido por ele para desvendar a questão
está correto ou não.
A totalidade dessas peças ainda indica um outro aspecto a ser ponderado.
Discutir a retórica em mensagens que se distinguem pela concisão, na qual ocorre
a aproximação entre níveis completamente distintos, permite-nos elucidar o
funcionamento semiótico do próprio mecanismo retórico. Se considerarmos que
uma “situação retórica” constitui uma “condição” favorável para as aproximações,
então, pode-se dizer que todo procedimento retórico implica uma síntese que
torna compreensível a possibilidade de vizinhança entre signos diversos, da qual
174
resulta uma ordenação textual sempre mais sucinta quando comparada com os
signos vistos separadamente, antes de serem correlacionados. Isso nos permite
entender a razão pela qual toda “situação retórica” pressupõe, de alguma forma,
a concisão, pois a mensagem produzida precisa resumir, mediante a utilização
do tropo, a relação estabelecida entre partes de níveis não-coincidentes. Desse
aspecto, se a retórica constitui uma metalinguagem do discurso, os anúncios
estudados até agora parecem funcionar como uma metalinguagem da própria
retórica, uma vez que desvelam um dos seus principais mecanismos.
Por fim, a delimitação de uma “retórica do entretenimento” e a tradução
cada vez mais acentuada de formas lúdicas pelos anúncios abrem uma nova
perspectiva na história da publicidade, porque esse atributo se coloca na direção
absolutamente oposta a um aspecto central que desde sempre a identificou: o
caráter autoritário com vistas a ratificar a crença no consumo. O próprio circuito
edificado pelas mídias e o processo de aprendizagem que esse ambiente solicita
conferiu uma nova feição para a retórica e, como a publicidade não pode
prescindir do diálogo com as mídias, ela não ficou imune ao uso retórico da
linguagem para promover a fruição e o envolvimento em profundidade. Torna-
se, então, imprescindível “treinar a percepção do ambiente exterior” (McLUHAN,
2005:127) com vistas a descobrir possíveis relações entre diferentes mensagens,
de tal forma que “o usuário de um programa de rádio, de um jornal ou de um
anúncio está ajudando o processo da comunidade tanto quanto os que se
encontram numa sala de aula” (2005:238).
Esse modo de aprendizagem voltado para o exterior, isto é, direcionado
para perceber o diálogo entre as mensagens e a conseqüente formação do tropo
retórico, confere à publicidade uma nova condição, não apenas pelo fato de os
anúncios estarem presentes em praticamente todas as mídias. Como parte do
circuito, a publicidade se insere na grande urdidura formada pelos sistemas e,
175
por isso, não há como os anúncios se livrarem da interação com todas as demais
mensagens que circulam pelo ambiente.
Assim como outros textos culturais, cabe à publicidade incitar o
estabelecimento de aproximações entre diferentes códigos e linguagens, o que
faz com que o seu referente, o produto anunciado, não tenha o mesmo destaque
de antes, apesar de ainda se constituir num dos traços que discrimina a publicidade
de outras esferas. Sob esse ponto de vista, o uso retórico da linguagem pelos
anúncios deixa de ser utilizado para convencer alguém sobre a necessidade
inquestionável de se adquirir um produto e passa a ser utilizado com o intuito
de entreter e, com isso, promover um outro tipo de aprendizado. Isso induz as
peças publicitárias a se voltarem cada vez mais para o seu próprio processo
construtivo com o intuito de fomentar o treino da percepção, o que faz com que
os receptores tirem
uma enorme satisfação informativa dos anúncios, muito mais do que do próprio
produto. A publicidade está se dirigindo pura e simplesmente para um mundo
onde o anúncio se tornará um substituto do produto, e todas as satisfações
decorrerão informacionalmente do anúncio, enquanto o produto será um mero
número de arquivo (2005:141).
É importante observar ainda que o mapeamento do vir-a-ser das
mensagens publicitárias na semiosfera edificada pelas mídias nos oferece um
vetor diferenciado de análise, pois a contínua reordenação das peças permite
detectar um movimento que vai além da constituição do arranjo sígnico em si.
Assim, os anúncios passam a ser portadores de um traço que retoma o movimento
mais amplo da cultura. Esse aspecto pode ser ainda mais acentuado se a ele
contrapormos as funções criadora e mnemônica atribuídas por Lótman aos textos
culturais, pois, quando vistos sob essa perspectiva, os anúncios passam a
176
desempenhar um papel chave na produção de novos significados na cultura,
que, por sua vez, conferem um dinamismo ainda mais intenso para a semiosfera.
Também é preciso salientar que a recorrência da ação da memória criativa,
bem como a tradução da linguagem lúdica pelos anúncios, tendem a fortalecer
ainda mais um outro traço compositivo que, aliado à concisão, igualmente
distingue os anúncios vistos até agora, isto é, o redesenho. Conforme dito na
introdução deste trabalho, as peças caracterizadas pela síntese compositiva
destacam-se também pelo redesenho, todavia, nos casos observados no capítulo
anterior, o redesenho é uma conseqüência possível da concisão, enquanto nem
todas as mensagens pautadas pelo redesenho têm a brevidade como dominante.
Por isso, o redesenho foi situado como uma segunda categoria de análise que
assinala um traço distintivo de um tipo de arranjo sígnico em que o caráter
lúdico se faz igualmente presente. Falar sobre o redesenho no âmbito da atual
produção publicitária impressa elucidará ainda mais a heterogeneidade semiótica
dos textos vistos até agora.
177
4. Do desenho
ao redesenho
178
Tal como observado até o momento, grande parte da atual produção
publicitária impressa distingue-se por um traço comunicativo central: o
rompimento com o padrão usual que há muito direciona a ordenação textual
dos anúncios veiculados em revistas e a “semiotização” do suporte. Nos textos
em que esse processo se torna patente, é possível reconhecer um tipo de arranjo
sígnico muito específico, pautado pelo redesenho do anúncio que, posteriormente,
acarretará o redesenho tanto do suporte quanto da própria mídia revista.
De acordo com Ferrara (1988:67-68), o redesenho caracteriza a reescrita
de um arranjo textual já existente, ao mesmo tempo que reinventa sua linguagem.
Ele se situa entre o passado e o presente, ou seja, é com base numa ordenação
sígnica atuante na cultura que os “princípios ativos estruturais de outra
constituição” (1988:68) são extraídos, de forma que o desenho primeiro não se
perde, pois seus traços permanecem, de alguma forma, inscritos na nova
composição. Dessa forma,
A transformação que vai de um uso ao outro pela sugestão de um
novo espaço criado é, por assim dizer, o mecanismo básico do
redesenho (...) o redesenho implica, paradoxalmente, um movimento
concomitante para trás e para a frente, porque ao mesmo tempo em
que propõe a busca, a recuperação de um uso original, supõe, também,
a distância do sentido original pela modificação contextual que todo
redesenho traz como conseqüência. Redesenho é, pois, uma
reidentificação do passado no espaço do presente. Passado e presente
4.
179
relacionados como realidades isomorfas, o redesenho deixa patente o
discurso anterior, porém cede a ele uma nova sintaxe... (FERRARA,
1988: 68).
Apesar de o redesenho transgredir determinadas regras e hábitos
compositivos, ele se situa entre temporalidades distintas, de modo que os vínculos
existentes entre o “texto base” e sua ressignificação não se rompem. É possível
afirmar que a memória constitui o mecanismo básico de funcionamento do
redesenho, pois, sem ela, determinados textos não poderiam ser “atualizados” e
reinventados. Talvez nenhum outro tipo de arranjo textual seja tão elucidativo
sobre a ação da memória como mecanismo criador, porque, ao proporcionar a
reinvenção de um texto, o redesenho evidencia a tensão criadora existente entre
a memória inscrita num determinado arranjo sígnico e outros códigos culturais
presentes na semiosfera e que também modelizam a mensagem recém-criada.
Por isso, a ressignificação de determinadas formas de linguagem pelo redesenho
mostra com clareza como os textos culturais mais inventivos são originados
pela interação existente entre o presente e o passado da cultura.
Em decorrência dessa interação dialógica entre temporalidades distintas,
a ambivalência torna-se um dos traços marcantes do redesenho. Segundo Lótman
(1998:75), a ambivalência interna de uma esfera cultural é proporcional ao
aumento do seu dinamismo, decorrente do diálogo estabelecido entre um texto
com outros sistemas, e destes com a memória não-hereditária da cultura.
Há ainda um outro aspecto a ser considerado na definição do redesenho.
Trata-se do seu entendimento como “transposição criativa e/ou metáfora de
um espaço”, ou ainda, como uma “memória do espaço” (FERRARA, 1988:67-
68). Entender a amplitude dessa definição coloca-nos ante a própria dificuldade
de perceber o espaço na sua constituição eminentemente semiótica. Isso ocorre,
sobretudo, porque se o redesenho é definido como um texto que reescreve uma
linguagem já existente e, ao mesmo tempo, transpõe criativamente um
180
determinado espaço, ou seja, substitui ou inverte a ordem de alguns dos seus
parâmetros, então, isso significa que o espaço é edificado e dá-se a conhecer
somente por intermédio de um arranjo sígnico, do qual o redesenho constitui
apenas uma das muitas possibilidades representativas.
Essa dimensão semiótica do espaço também foi elucidada por Lótman
(1996:83-84). De acordo com o ponto de vista genético, a cultura se constrói
com base em duas linguagens primárias. A primeira delas, conforme foi visto no
primeiro capítulo, consiste na língua natural, utilizada pelos homens na
comunicação interpessoal cotidiana, e cuja estrutura serviu de base para o
estabelecimento das demais linguagens presentes na cultura como sistemas
modelizantes secundários. Menos evidente é a condição de existência da segunda
linguagem primária que, segundo Lótman, refere-se ao “modelo estructural do
espacio”. Desde os seus primórdios, o homem sempre demarcou sua existência
pela criação de modelos de classificação do espaço, como a distinção estabelecida
entre o “meu espaço” e o “alheio”, ou então, pela transposição e/ou
representação dos vínculos sociais, religiosos, políticos e de parentesco pela
linguagem das relações espaciais. E, assim como cada um desses espaços possui
uma representação própria, cada qual também é delimitado por um tipo muito
específico de habitante, como deuses, homens, sacerdotes, governantes, etc.
Além disso, Lótman (1996:84) enfatiza que, para que um sistema seja
capaz de cumprir suas funções semióticas, ele deve, necessariamente, possuir
um mecanismo de duplicação ou multiplicação reiterada do objeto que representa.
Com relação ao “modelo estrutural do espaço”, o autor ressalta que a sua divisão
pelo homem sempre teve como fundamento o homomorfismo, isto é, a
transformação unívoca de um grupo ou de uma forma sobre outra. Por exemplo,
a cidade, edificada como um espaço próprio, fechado e seguro, em oposição ao
que é alheio, aberto e perigoso, constitui uma extensão do próprio homem, isto
181
é, é pela cidade que o homem se duplica ou representa a si próprio como algo
“organizado”, em contraste com o que é estranho, pertencente a outrem. E,
como tal, a cidade constitui a parte do universo dotada de cultura para um
determinado grupo, de modo que “al trasladarse de un espacio a outro, ocurre
como si el hombre perdiera su plena condición de idéntido a si mismo, haciéndose
semejante al espacio dado” (LÓTMAN, 1996:84). Nesse sentido, a representação
do espaço pelo homem constituiria a própria condição de existência da cultura
humana e do seu dispositivo pensante, pois é pelas representações do espaço
que a cultura delimita a sua não-cultura, condição esta indispensável para o
devir e o movimento de qualquer sistema sígnico.
Tal divisão primária do espaço efetuada pelos indivíduos e perpetuada
ao longo da história resulta na edificação de diferentes modos de construção
sígnica dele. Isso indica que apenas por intermédio dessas representações o espaço
ganha concretude e é apreendido pelos homens, ou seja, ele apenas se faz presente
porque é representado. Caso contrário, seria um conjunto contínuo e abstrato.
Aliás, ao definir a semiosfera como um “espaço semiótico” abstrato, Lótman dá
a entender que são as trocas efetivadas entre diferentes sistemas modelizantes
que delimitam e qualificam a semiosfera como espaço de relações. Em outras
palavras, é pelo trânsito de diferentes linguagens que o espaço da semiosfera é
construído e, por isso “en modo alguno significa que el concepto de espacio se
emplee aquí en un sentido metafórico. Estamos tratando con una determinada
esfera que posee los rasgos distintivos que se atribuyen a un espacio cerrado en
sí mismo” (LÓTMAN, 1996:23).
É desse aspecto que o redesenho pode ser entendido como uma
transposição ou memória do espaço. Ao reinventar uma linguagem já existente,
o redesenho igualmente reconstrói o modo como o espaço é representado. Assim
como a cultura é apreendida pela diversidade das suas linguagens, da mesma
182
forma o espaço, como uma construção situada no âmbito da cultura, também
possui uma linguagem que o distingue. Assim, quando definimos o redesenho
da publicidade como um tipo de arranjo sígnico que delimita um conjunto
significativo de anúncios, estamos nos referindo não apenas à reinvenção da
linguagem publicitária impressa, mas também a uma forma inusitada de
construção e de qualificação sígnica do espaço da mídia e do suporte revista,
conforme será visto mais adiante.
Tendo como pressuposto o preceito acerca da materialidade sígnica do
espaço, Ferrara estabeleceu três categorias relativas à “estrutura da aparência
sígnica do espaço” (2007:04), pelas quais é possível apreender a especificidade
do modo como o próprio espaço é construído e dá-se a conhecer. São elas: a
espacialidade, a visualidade e a comunicabilidade. Tal como foi elucidado na
introdução deste trabalho com relação a determinação da concisão e do
redesenho como categorias epistemológicas de análise restritas a este estudo, a
delimitação das categorias do espaço teve igualmente como substrato a
abordagem fenomenológica, calcada no processo de “ver, atentar para e
generalizar”. Isso possibilita observar o espaço no seu modo de reação como
experiência, da mesma forma que estabelece uma estratégia metodológica para
a sua apreensão, cujo percurso de análise permite delinear a sua construtibilidade
sem que se perca de vista a diversidade das suas formas de expressão. Além do
mais, como o espaço faz parte do próprio conceito de redesenho, especificar as
suas categorias de apreensão irá nos auxiliar, mais adiante, a delimitar a
particularidade do redesenho edificado pelos anúncios.
183
4.1. As categorias do espaço
De acordo com Ferrara (2007:02), ao longo da sua história, o espaço
sempre se caracterizou por três formas básicas de inscrição, a saber: a proporção,
a construção e a reprodução.
A proporção, tal como vem sendo trabalhada principalmente a partir da
Renascença, tem como base a simetria calcada na própria figura humana e, como
conseqüência, prima pela correspondência entre forma e posição. A
ortogonalidade e a perspectiva colocam-se de forma hegemônica como princípio
pelo qual se estabelece a proporcionalidade linear e unívoca entre as partes a
serem justapostas numa obra. Por outro lado, a construção leva a desmontar a
proporção ortogonal e o ponto de fuga do observador, propiciando o exame
simultâneo de distintas partes constitutivas de uma representação, ao mesmo
tempo que desvela seus volumes, formas, movimento e luz. Nesse sentido, a
construção esclarece o próprio processo construtivo do espaço, favorecendo a
desnaturalização do olhar sobre a proporcionalidade antropomórfica que, pela
recorrência e pelos usos suscitados, se tornou habitual. Por fim, a reprodução,
vinculada à primeira Revolução Industrial, de cunho eminentemente mecânico,
redimensiona o entendimento do espaço, que passa igualmente a caracterizar-se
pela reprodução técnica em larga escala e pelo deslocamento. Em razão disso, o
espaço delineia-se segundo os padrões de velocidade e eficiência que caracterizam
a racionalidade produtiva.
É pela discriminação do modo como essas três formas de inscrição se
manifestam que a espacialidade é “demarcada”, porque todas elas constituem
princípios construtivos do espaço, dotando-o de materialidade, ou seja,
conferindo a ele uma espacialidade singular. Enquanto o espaço é uma abstração,
inversamente, a espacialidade possui concretude e é capaz de produzir
184
significados para o espaço. Assim, a proporção e a perspectiva estabelecem um
modelo a priori para a construção de uma espacialidade centrada, cujos
significados já foram previamente estabelecidos e dos quais resulta a própria
figuração do espaço, que se torna cada vez mais simbólico; a construção edifica
uma espacialidade baseada na frontalidade que leva o espectador a descobrir o
descentramento tridimensional que envolve o espaço circundante como parte
da composição, a começar por ele próprio; a reprodução instaura a necessidade
de criar um espaço que possa ser continuamente reproduzido em virtude do
movimento da produção e do aumento populacional das grandes cidades, o que
faz com que a espacialidade seja edificada por uma “matriz icônica” capaz de
ser multiplicada (FERRARA, 2007).
Com base nesse raciocínio, o modelo estrutural do espaço citado por
Lótman, delimitado por relações homomórficas, pode ser definido como uma
espacialidade construída pela transformação unívoca e equivalente de
determinadas operações entre diferentes grupos, por meio das quais os homens
começaram a representar e, ao mesmo tempo, construir os distintos “espaços”
da cultura.
É importante ressaltar que a formação de uma espacialidade não se
dissocia do movimento mais amplo da cultura e, por isso, sua edificação também
se caracteriza por um processo sistêmico, sobre o qual incide uma série de
variáveis, de modo que, assim como os sistemas modelizantes, uma espacialidade
nunca se encontra plenamente concluída. É esse vir-a-ser que nos permite
aproximar a espacialidade do conceito de lugar desenvolvido por Milton Santos
(1926-2001), ainda que este último nunca tenha se referido diretamente à
constituição sígnica do espaço. Todavia, é possível detectar entre o lugar e a
espacialidade um mesmo fundamento, sobretudo no que diz respeito ao modo
como um e outro são construídos.
185
Para Santos, o espaço também é uma construção, cuja materialidade é
apreendida pelo lugar. Visto pelo autor como uma categoria do espaço, o lugar
possui uma dimensão eminentemente sistêmica e, por isso, apenas pode ser
compreendido na sua profundidade se considerarmos o tempo como uma das
suas dimensões essenciais, ou seja, o tempo também participa da construção do
lugar, porque, para o geógrafo,A noção de tempo é inseparável da idéia de
sistema” (2002:254). Todo lugar é formado pela conjunção de diferentes variáveis,
de modo que a individualidade do espaço decorre da combinação estabelecida
entre elas. Dessa perspectiva, o tempo não é um conceito absoluto, tampouco é
conseqüência de uma percepção individual, mas constitui um componente
material de cada uma das variáveis que formam o “sistema” lugar. E, assim
como cada uma dessas variáveis possui uma “idade” e uma velocidade que lhe
é própria, igualmente o tempo pode assumir as feições mais variadas.
Ainda que cada uma das variáveis possua uma temporalidade singular,
todas elas funcionam “sincronicamente” quando formam um lugar, ou seja,
quando “reunidas” num determinado sistema, elas trabalham de acordo com a
“ordem funcional” (SANTOS, 2002: 258) única que mantêm e distingue um
determinado subespaço. Por isso, entender a dinâmica do lugar implica a
consideração de um duplo vir-a-ser, no qual interagem a “assincronia na seqüência
temporal dos diversos vetores e, de outro, a sincronia de sua existência comum,
num dado momento” (SANTOS, 2004:159). Enquanto a assincronia se refere à
especificidade temporal e à velocidade distintiva de cada uma das variáveis, a
sincronia indica a atividade concomitante que as mantêm reunidas, pois, quando
formam um sistema, algo entre as variáveis deve ser compartilhado. Por outro
lado, aquilo que é compartido pode ser definido como as invariáveis, uma vez
que elas apontam aquilo que se torna comum a todas as variáveis.
186
É essa “existência comum” que estabelece uma determinada ordenação
para o lugar que, de certa forma, “seleciona” quais variáveis serão ou não
“integradas” a uma dada ordenação, da mesma forma que estabelece uma
hierarquia interna para aquelas que já foram “incorporadas”. Contudo, isso não
significa que todas as variáveis “selecionadas” pertençam igualmente a uma
mesma geração ou que haja necessariamente uma similaridade entre elas,
sobretudo, porque é possível que a “raridade de uma variável e de sua seletividade
espacial” (SANTOS 2002:257) acarrete a descontinuidade e a reordenação da
ordem funcional de um sistema. Ainda de acordo com o autor, é a diversidade e
o descompasso temporal entre as variáveis que faz com que a combinação entre
elas num lugar seja única, pois tal modo de ordenação também é, em parte,
ocasionado pela hierarquia estabelecida entre as variáveis e suas respectivas
temporalidades num determinado momento. Esse processo ocasiona não apenas
as transformações de um lugar ao longo da história, como também propicia a
edificação de diferentes tipos de subespaços, da qual resulta a hierarquização
destes no espaço mais amplo da cultura.
Também é preciso considerar que, seja no âmbito interno de um lugar ou
no campo mais amplo da cultura, a hierarquia é sempre inconstante, em virtude
do próprio movimento sistêmico dos lugares, além disso, uma variável pode
destacar-se num determinado período histórico e decrescer em outro, o que
também contribui para o contínuo reordenamento da hierarquização dos vetores.
Diante disso, pode-se dizer que o lugar assegura a “unidade do contínuo e do
descontínuo, o que a um tempo possibilita sua evolução e também lhe assegura
uma estrutura concreta inconfundível” (SANTOS, 2002:258). Quanto maior
for a diversidade das variáveis, mais descontínuo tende a ser o devir de um
lugar, todavia, ainda assim, este continua singular, porque, semelhante aos
sistemas modelizantes, o lugar também possui uma memória não-hereditária.
187
De acordo com Santos (2002:254), qualquer variável é desprovida de
significado quando vista isoladamente, dissociada do sistema do qual participa,
uma vez que sua significação só pode ser construída pela interação que estabelece
com um contexto mais amplo e, por isso, toda variável carrega traços dos lugares
com os quais interagiu. Portanto, a diversidade de temporalidades que formam
um subespaço decorre da própria memória das suas partes constitutivas, cada
uma caracterizada por um percurso muito singular, formado na grande
temporalidade da cultura. Uma variável pode retomar traços de outros subespaços
quando se torna parte de um novo lugar, da mesma forma que não existe um
lugar completamente “virgem”, pois este também é formado pela combinação
de outras memórias. Além do mais, a reordenação de um lugar pela incorporação
de uma variável inusitada não aniquila os traços da combinação anterior, uma
vez que a continuidade do lugar é garantida justamente pela função que uma
ordenação já existente exerce na criação de uma nova (SANTOS, 2002:255).
Quer dizer, a memória de um lugar não se volta para o passado, mas funciona
como um vetor que direciona a formação de novos subespaços.
Toda essa constituição sistêmica que caracteriza a formação do lugar
pode ser igualmente transposta para delimitar a edificação de uma espacialidade.
Pode-se dizer que ambas possuem um mesmo “método construtivo”, visto que
uma espacialidade é igualmente formada pela combinação de diferentes variáveis,
fruto da interação que um subespaço estabelece com outros. Entretanto, o
conceito de espacialidade é mais enfático ao delimitar a constituição sígnica das
suas variáveis constitutivas, ao passo que a definição de lugar não especifica a
natureza dos seus componentes. Também é importante ressaltar que o geógrafo
estabelece apenas o lugar como uma categoria para a apreensão do espaço,
enquanto a espacialidade não pode ser dissociada da visualidade e da
188
comunicabilidade. Assim, é pela interação entre as três categorias que se torna
possível apreender a formação sistêmica do espaço na sua profundidade.
Talvez, a maior dificuldade para definir a visualidade reside nos diferentes
conceitos que o termo suscita, aliados à própria utilização indiscriminada do
vocábulo pelo senso comum. Em vista disso, é importante enfatizar que o
conceito que será trabalhado neste estudo diz respeito, exclusivamente, a uma
categoria que delimita o modo como o espaço se apresenta.
Toda espacialidade se deixa apreender pela visualidade, ou ainda, por
determinados traços que, uma vez discriminados, permitem delinear,
posteriormente, os elementos construtivos do espaço. A visualidade se constrói
na relação com o observador, e refere-se à apreensão mais imediata dos signos
constitutivos do espaço, ou seja, desvela o modo ou forma particular como este
efetivamente é representado. Se retomarmos a abordagem fenomenológica
apresentada na introdução deste trabalho, pode-se dizer que a visualidade
constituiria a junção da primeira e da segunda faculdades apontadas por Peirce
como indispensáveis para um estudante de fenomenologia. Enquanto a primeira
diz respeito à qualidade de “ver o que está diante dos olhos, como se presenta,
não substituído por alguma interpretação”, a segunda implica a “discriminação
resoluta” (1974:23) e exaustiva da característica estudada. Em correlação com
essas duas faculdades, é possível concluir que é pela visualidade que ocorre a
observação e a discriminação dos signos constitutivos da espacialidade, ambas
destituídas de qualquer correlação outra que possa atribuir uma generalização
ou significado imediato àquilo que está sendo estudado. Desse modo, a
visualidade designa “a imagem que frouxamente se insinua na constatação
receptiva do visual físico” (FERRARA, 2002:120) e, por isso, “põe em evidência
a construção sígnica material e propriamente fenomenológica da espacialidade”
(FERRARA, 2007:05).
189
Por fim, a comunicabilidade envolve os usos e, sobretudo, os vínculos
que uma espacialidade estabelece com outras esferas da cultura, por meio dos
quais são produzidos os significados atribuídos ao espaço. Nesse sentido, a
comunicabilidade assinala a própria “dinâmica cultural do espaço” (FERRARA,
2007:08), evidenciada sincronicamente pelas relações que uma espacialidade
estabelece com outras espacialidades, ou ainda, pelas formas de recepção e
interação social que ela suscita com seus usuários num dado instante da cultura.
Da mesma forma, é no âmbito da comunicabilidade que a memória do espaço
parece manifestar-se mais plenamente. Ao inserir-se nas complexas leis do
movimento cultural geral, uma nova espacialidade, originada pelo dinamismo
que caracteriza a cultura de uma época, pode retomar traços de outras
espacialidades ou desvelar significados que ainda carecem de explicitação. Isso
acontece porque, da mesma forma que um texto cultural precisa de um outro
texto para ser “colocado em ação”, a espacialidade também necessita inserir-se
numa situação comunicativa com outras esferas para que seu significado seja
construído, processo esse que não se esgota no presente de uma cultura.
É por isso que o significado não pode ser deduzido exclusivamente da
visualidade, pois a discriminação pressupõe uma condição de “observação”
exclusiva da espacialidade, que num primeiro momento é descrita mediante seus
traços mais aparentes. Posteriormente, a correlação estabelecida entre esses signos
com outras representações do espaço permitirá depreender a amplitude dos usos
e da significação que uma espacialidade é capaz de provocar. Desse modo, a
comunicabilidade torna patente a própria ação da espacialidade inserida no
continuum mais amplo da cultura, pois
Se a visualidade é um artefato de registro que possibilita o pronto
reconhecimento do mundo, através da comunicabilidade é possível
perceber relações sociais ou surpreender como aquele registro visual e
os códigos e suportes que o caracterizam podem estabelecer profundas
190
alterações nas relações entre os homens e na sociedade que ajudam a
construir (FERRARA, 2007:04).
Pode-se dizer que a comunicabilidade já se encontra pressuposta no
conceito de lugar definido por Milton Santos, pois, conforme elucidado, o
significado de uma variável só pode ser produzido pela interação que ela
estabelece com outros sistemas. Por isso, a comunicabilidade talvez seja a
categoria que melhor elucida o processo construtivo do espaço, uma vez que
este só pode ser edificado pelas trocas que estabelece com o seu entorno. Ferrara
(2007) acrescenta que apesar da distinção existente entre espacialidade,
visualidade e comunicabilidade como manifestações distintas do espaço, todas
elas se dialetizam, da mesma forma que, em alguns casos, é possível observar a
redutibilidade de uma pela outra por causa da proximidade existente entre elas.
Apesar desse fato, o entendimento da especificidade de cada uma das três
categorias permite-nos delimitar mais precisamente a maneira pela qual ocorre
a construtibilidade do espaço.
Se voltarmos à questão do redesenho, podemos concluir que ele,
funcionando também como uma memória do espaço, se situa entre espacialidades
distintas, visto que o desenho base e sua ressignificação não possuem exatamente
as mesmas variáveis, apesar de o segundo apresentar alguns traços do primeiro.
Ao mesmo tempo, o redesenho igualmente pode ser entendido como um tipo
muito específico de texto cultural que reescreve uma linguagem já existente.
Note-se que tanto a espacialidade como o texto cultural são definidos como
arranjos sígnicos e, por esse motivo, é possível afirmar que todo texto constrói
uma espacialidade própria, ou seja, é com base na mensagem produzida pela
interação entre diferentes sistemas modelizantes que uma espacialidade singular
é inferida, o que reforça ainda mais a natureza semiótica e sistêmica do espaço.
De acordo com os pressupostos da Semiótica da Cultura, somente pelos textos
191
é possível depreender o devir de uma cultura e, como o espaço é um dos seus
“produtos”, este apenas pode ser apreendido pelas mensagens que circulam pela
semiosfera. Assim, por exemplo, o reconhecimento da proporção como uma
espacialidade apenas se faz possível pela materialidade dos textos pictóricos,
que trabalharam exaustivamente esse princípio construtivo do espaço.
Segundo o que foi exposto no primeiro capítulo deste trabalho, todo
texto cultural é originado pela interação estabelecida entre diferentes sistemas,
de modo que não existe um texto em estado puro, isento do diálogo com outras
linguagens. Com relação à especificidade do redesenho, sua edificação baseia-se
num texto muito particular e, por isso, sua compreensão exige a realização de
“saltos” entre uma mensagem e outra, da mesma forma que demanda o confronto
entre os diferentes usos sugeridos pelo desenho base e sua reescritura. Somente
por meio desse ir-e-vir é possível compreender em profundidade as várias camadas
de significado e os diferentes códigos que originam a reinvenção de uma
linguagem e de uma espacialidade já existente.
Além do mais, conforme ressalta Ferrara (1988:68), ao mesmo tempo
que propõe a busca do sentido “original”, esse aspecto também permite elucidar
a distância existente entre as duas propostas, em virtude da “modificação
contextual” que todo redesenho ocasiona. Todavia, vista pela óptica da
semiosfera, todo redesenho não apenas confere novos significados para o seu
entorno, mas ele também é, em grande parte, “fruto” do ambiente onde é
produzido. Como toda cultura estabelece seus parâmetros próprios sobre aquilo
que deve ser lembrado e o que deve ser “esquecido”, então, é possível pressupor
que a semiofera que entremeia o redesenhar de um texto também contribui para
a “seleção” do traço compositivo a ser ressignificado: por mais tênue que seja
essa interferência, é importante ressaltar que a ação da memória pressupõe
igualmente momentos de absoluta imprevisibilidade, conforme será estudado
192
no final deste capítulo. Desse modo, a “seleção” das variáveis feita por uma
espacialidade em virtude da combinação interna dos seus vetores compositivos
também sofreria algum nível de interferência externa do ambiente mais amplo
da cultura, uma vez que tal ordenação interna igualmente é conseqüência das
trocas estabelecidas entre uma determinada espacialidade e seu entorno.
Essa conjectura leva-nos, mais uma vez, a retomar o ambiente
comunicacional em que as mensagens publicitárias são produzidas. Não há como
desconsiderar a ingerência exercida pelo entorno na ação da memória inscrita
nos textos culturais, bem como no tipo de arranjo sígnico materializado pelo
redesenho. E, da mesma forma que os textos geram espacialidades, os ambientes
produzidos pelos meios também constroem suas próprias espacialidades que,
por sua vez, estabelecem determinadas tendências compositivas.
4.2. As espacialidades criadas pelos ambientes
Para McLuhan, o espaço também consiste numa construção sígnica. Isto
é, a representação é edificada por um meio, de sorte que todo ambiente
comunicacional qualifica o espaço de uma maneira muito específica. Nesse
sentido, observa-se que o teórico das mídias também se refere ao espaço mediante
suas espacialidades, ainda que não utilize essa terminologia.
Segundo o autor, a escrita constrói uma representação do espaço muito
distinta daquela originada pelos meios eletrônicos. No primeiro caso, o alfabeto
fonético teria criado as condições mais adequadas para a existência das “ficções
do espaço euclidiano” e o seu “tempo correlato, contínuo” (McLUHAN,
2005:42).
A geometria euclidiana, sobre a qual se assentam os pressupostos do
espaço euclidiano, foi desenvolvida por volta de 300 a.C. pelo matemático grego
193
Euclides de Alexandria. Em síntese, a geometria euclidiana tem como objeto o
estudo das relações entre ângulos e distâncias no espaço. Primeiramente, Euclides
desenvolveu a “geometria plana”, que aborda a geometria de objetos
bidimensionais, para posteriormente originar a “geometria sólida”, que trata dos
objetos tridimensionais. O método estabelecido pela geometria euclidiana pre
a adoção de uma série de axiomas intuitivos, codificados em um espaço
matemático abstrato, com base nos quais são desenvolvidos teoremas com vistas
a provar outras proposições.
É esse espaço matemático que é definido como espaço euclidiano, também
conhecido como espaço vetorial ou espaço linear, cuja propriedade essencial é
o plano bidimensional. Este último pode ser entendido como um conjunto de
pontos que cumprem determinadas relações relativamente à distância e ao ângulo,
de sorte que esses pontos correspondem aos vetores no espaço vetorial. Uma
vez satisfeitas determinadas condições de translação (deslocamento do ponto
no plano no mesmo sentido e na mesma distância) e rotação (cada ponto no
plano gira em torno de um mesmo ponto fixo através de um mesmo ângulo),
uma figura pode ser considerada como equivalente de outra. Como é a relação
entre distância, ângulo, translação e rotação que qualifica esse espaço matemático,
seu conceito pode ser estendido a dimensões arbitrárias e abstratas, desde que
satisfeitas as condições e os cálculos descritos.
Ao classificar o espaço edificado pelo alfabeto fonético como euclidiano,
McLuhan enfatiza, em primeiro lugar, a distensão da visão proporcionada pela
escrita em detrimento do desenvolvimento equilibrado dos demais órgãos
sensoriais. Ao potencializar com grande intensidade um único sentido, a escrita
não apenas gera o fracionamento da percepção dos indivíduos, como também
estabelece os parâmetros para o estabelecimento de uma espacialidade
eminentemente visual, igualmente caracterizada pela fragmentação.
194
Ao contrário de outros órgãos, o olho possui um campo de visão restrito,
dado que precisa ser orientado na direção daquilo que observa, isto é, necessita
fixar um ponto de observação e, conseqüentemente, ocasiona a secção do modo
como os indivíduos apreendem o mundo. Também é preciso levar em conta que
a própria escrita ocidental é descontínua e digital, uma vez que as palavras
(unidades discretas) se apresentam separadamente a fim de serem justapostas
numa seqüência linear. As permutações combinatórias características da
organização por contigüidade propiciam a ordenação dos termos segundo o
princípio da predicação, de maneira lógica e racional. Além do mais, a
representação arbitrária característica da escrita ocidental e a abstração daí
decorrente conduzem ao afastamento entre o signo e aquilo que é representado,
o que propicia o desenvolvimento de uma percepção também distanciada dos
objetos presentes no mundo.
Foi a preponderância do olho sobre os demais sentidos, em conjunto
com os traços distintivos do código alfabético que, segundo McLuhan,
proporcionaram a edificação de um ambiente que constrói espaços calcados em
pressupostos abstratos e cálculos a serem aplicados segundo o raciocínio lógico-
matemático. Por isso, o espaço euclidiano constituiria o melhor exemplar do
tipo de espaço representado pela escrita. Da mesma forma como o código
alfabético constrói um espaço (ou espacialidade) plano, reto, uniforme e estático
(McLUHAN, 2005:45), tornando-o altamente especializado, o espaço euclidiano
pressupõe igualmente a linearidade e a planificação como suas linhas mestras e,
por esse motivo, apenas poderia ser concebido num ambiente onde a racionalidade
lógica impera. Desse modo, os padrões de ordenação da representação alfabética
encontrariam seu correlato no espaço euclidiano que, por seu turno, sintetiza o
modo como o ambiente edificado pela escrita qualifica o espaço da cultura, ou
195
seja, segundo o princípio construtivo fundamentado no plano e nas suas relações
lineares.
Não por acaso, a perspectiva e o ponto de fuga constituem espacialidades
também características desse ambiente eminentemente visual e, por esse motivo,
uma e outra entrariam em declínio e deixariam de ser vistas como “naturais”
pela cultura ocidental com o surgimento das mídias eletrônicas. Enquanto a
perspectiva tridimensional constitui um “modo de enxergar convencionalmente
adquirido” (McLUHAN, 1972:38), tal como ocorre com o reconhecimento das
letras impressas, bem como da linearidade estabelecida pela ordenação distintiva
da escrita; o ponto de fuga prevê “a escolha arbitrária de uma única posição
estática” (McLUHAN, 1972: 37), e dele resulta a criação de um espaço pictorial
com um ponto de convergência único.
Em vista disso, é possível entender a razão pela qual McLuhan enfatiza
que o livro impresso atende aos padrões de “precisão e atenção” distintivos da
cultura visual intensiva. A exatidão do modo de representar distintiva do verbal
incita à “objetividade civilizada” e ao alheamento, que causam o distanciamento
cada vez maior do indivíduo das formas de envolvimento e diálogo propiciados
por outros meios.
Ainda segundo o autor, a arquitetura ocidental e seu modelo de divisão
interna das casas residenciais também constituiriam uma maneira de especializar
o espaço, dotando-o de uma racionalidade utilitária impensada em culturas que
desconhecem a escrita linear:A relação do homem com o espaço antes da
escrita é não-especializado” (2005:77). Nesse sentido, pode-se dizer que a “forma
de organizar” a experiência propiciada pela visão resultou numa especialização
cada vez mais acentuada no modo como os espaços são edificados.
Por outro lado, o ambiente gerado pelos meios eletrônicos restaurará a
experiência não-especializada entre os homens e o espaço distintivo das
196
sociedades orais, ainda que esse novo contexto não seja o mesmo daquele vivido
pelo homem tribal. Este último residia num mundo eminentemente oral e, ao
contrário da palavra escrita, a palavra falada é extremamente envolvente, pois
sua amplitude comunicativa não se restringe apenas ao som, mas também inclui
as inflexões da voz e os gestos utilizados por aquele que fala. E, como os
interlocutores dividem o mesmo contexto comunicativo, o acabamento
composicional dos enunciados leva à produção de uma resposta imediata, que
produz uma réplica, e assim sucessivamente. A situação descrita permite que os
indivíduos se relacionem de forma mais envolvente com o mundo, não apenas
em virtude do desenvolvimento harmônico e equilibrado dos diferentes sentidos,
mas sobretudo porque o ouvido é bem menos especializado que o olho, pois não
seleciona as informações presentes no ambiente, ao contrário da visão. Um objeto
só pode ser visualizado caso haja o direcionamento do olhar daquele que observa,
enquanto o ouvido não precisa ser orientado numa determinada direção e, por
isso “os efeitos auditivos vêm de todas as direções ao mesmo tempo, ao passo
que o mundo visual não vem de todas as direções ao mesmo tempo. O mundo
civilizado lida com uma coisa de cada vez” (McLUHAN, 2005:274). Dessa
forma, a descontinuidade das informações que circulam pelo ambiente em virtude
da ausência de uma seqüencialidade linear que busque concatená-las visualmente
constitui um dos traços distintivos centrais do ambiente onde a oralidade é
dominante.
É justamente o ambiente marcado pela descontinuidade que será
resgatado pelos meios eletrônicos. Conforme foi dito no primeiro capítulo deste
estudo, um dos traços marcantes da era do circuito é a intensa circulação de
mensagens pelo ambiente da cultura, uma vez que as informações vêm “de
todos os lados” e ao mesmo tempo. Nesse caso, o fluxo segue a aceleração e a
simultaneidade característica da velocidade da luz, o que inviabiliza qualquer
197
tentativa de ordenação seqüencial ou estabelecimento de uma continuidade
lógica para os acontecimentos. Além disso, segundo McLuhan (2005:279), a
instantaneidade do curso das informações é característico de um mundo acústico
e auditivo, ainda que nada haja para ser ouvido. Assim como o som vem de
todos os lados e o ouvido não seleciona o que devemos ouvir, as mensagens na
era do circuito provêm de diferentes direções e, como os meios eletrônicos
propiciam um alto envolvimento sensório, não há como planificar as informações
recebidas.
Tal aceleração suplanta o espaço racional euclidiano em proveito de um
outro modo de representação do espaço, que passa a ser qualificado como acústico
e tátil “ter todos os lados simultaneamente não é visual, é acústico e tátil”
(McLUHAN, 2005:274). O autor ainda acrescenta que, ao contrário do espaço
visual, definido como “conectado, homogêneo e estático” (2005:248), todos os
demais sentidos constroem espaços heterogêneos e extremamente dinâmicos e,
por isso, eles implicam necessariamente a ausência de um centro irradiador único
ou de vetores que estabeleçam determinados direcionamentos a serem cumpridos.
Assim sendo, a melhor forma de elucidar o espaço acústico é por intermédio de
uma esfera, “cujo centro está em toda parte e cujas fronteiras não estão em
parte alguma” (McLUHAN, 2005:230). Toda esfera envolve a interdependência
entre suas partes constitutivas, visto que todas elas devem necessariamente
submeter-se a um conjunto de exigências que se sobrepõe à especificidade de
cada uma. Nesse aspecto, Debray é extremamente elucidativo ao enfatizar que:
Uma esfera possui uma autonomia bem sólida. E, por outro lado, ela
obriga a globalizar nossa percepção ao reintegrar esta ou aquela
ferramenta em uma paisagem de conjunto. Tal coerência evita fragmentar
o complexo tecno-mental em unidades separadas, isolando-as de seus
complementos e, simultaneamente, de seu contexto de utilização (...) A
“esfera” reconduz o sistema visível do médium ao macrossistema
invisível que lhe dá sentido (DEBRAY, 1995:47).
198
Ao desfazer a ilusão construída pela ordem linear da língua, a
integralização proporcionada pela esfera impossibilita delimitar um início e um
fim para os acontecimentos, já que ambos ocorrem simultaneamente, da mesma
forma que não há como produzir um ponto de vista único acerca das coisas,
apenas é possível envolver-se em profundidade com as situações. Observa-se
ainda que a definição do espaço produzido pelos meios eletrônicos como acústico
e esférico sintetiza não apenas as interações operacionalizadas entre os indivíduos
e as mídias na era do circuito, como também torna patente a razão pela qual
estas últimas não podem ser pensadas fora da perspectiva ecológica. “Imersos”
numa esfera, não há como impedir que diferentes tecnologias se observem
mutuamente, uma vez que todo espaço delimitado por uma superfície esférica
leva necessariamente a uma percepção de conjunto, o que impede que um meio
subsista de forma isolada, sem interagir com seu entorno.
O entendimento do espaço como uma construção operacionalizada pelos
meios foi igualmente tratada por Debray. Para o autor (1995:28), cada midiasfera
pressupõe “midiospaços heterogêneos”, construídos pelos processos de
transmissão de mensagens. Por conseguinte, o espaço edificado por uma
midiasfera nunca é objetivo, e sim trajetivo, ou seja, somente torna-se perceptível
pelo trajeto e pelas transformações sofridas pelos textos que por ele circulam.
Dessa forma, o “objetivo” designa aquilo que pertence a um objeto e, como o
espaço de uma midiasfera é edificado pelo trânsito das mensagens, ele jamais
poderia ser correlacionado unicamente a um meio comunicacional. Por esse
motivo, o autor (1995:43) enfatiza que o espaço apenas pode ser classificado
pela diversidade dos “corpos condutores” que fazem parte das transmissões de
mensagens.
Em consonância com McLuhan, Debray também irá situar o espaço
construído pelos meios como esférico e acústico. Segundo o autor, a midiasfera
199
edificada pelo vídeo tornou viável a retomada da “oralidade transbordante”
(1995:51), restabelecendo as formas de interação favorecidas pelo diálogo. Como
conseqüência, o raciocínio coerente, bem como a argumentação e o conteúdo
lógico perdem a primazia em benefício da convicção e das relações pragmáticas,
ou ainda, do envolvimento sensório e da necessidade de interação dos usuários
com as mensagens que circulam pela cultura. Além do mais, essa nova
configuração ambiental irá “reequilibrar” a função exercida pelo vestígio impresso
na cultura (DEBRAY, 1995:54), uma vez que este é igualmente compelido a
interagir com outras mídias e, mesmo que em menor escala, sofre a contaminação
dos processos associativos característicos da era do circuito.
4.3. O redesenho dos anúncios impressos: entre espacialidades
distintas
Não há como desconsiderar a interferência exercida por esse espaço
esférico ou acústico na ordenação sígnica dos anúncios. Inclusive, ele nos oferece
um indicativo importante acerca do tipo de espacialidade que será edificada
pelo redesenho das peças publicitárias, bem como dos traços que guiarão tal
redefinição.
Em primeiro lugar, é importante relembrar que todo redesenho se situa
entre, no mínimo, duas espacialidades distintas, ou seja, a primeira referente ao
desenho base e a segunda relacionada à nova proposta. No caso dos anúncios,
pode-se dizer que essas duas espacialidades também se encontram vinculadas a
dois ambientes comunicacionais não coincidentes e, em decorrência, a dois
espaços ambientais com características bem marcadas. Portanto, é impossível
dissociar o espaço mais amplo da cultura da espacialidade construída pelos textos,
200
uma vez que esta última somente pode ser edificada pela conjunção e pela
atividade sincrônica de diferentes variáveis vinculadas a outros sistemas sígnicos.
O primeiro deles é o espaço euclidiano edificado pela escrita, associado
à ordem linear e seqüencial do antes e depois. Correlacionado a esse “espaço
ambiental”, é possível identificar um tipo de espacialidade construído pelos
anúncios em que também se observa a presença da linearidade como principal
traço compositivo. É esse modelo padrão que constitui o desenho que serve de
base para o redesenho dos anúncios impressos.
Conforme foi apresentado no segundo capítulo, o anúncio do banco
Sudameris exemplifica um tipo de arranjo sígnico que durante muito tempo marcou
e ainda marca parte da produção publicitária impressa. Nele, nota-se a presença
de uma ordenação linear e hierarquizada dos signos compositivos, na qual se
estabelece de antemão o percurso de leitura a ser realizado, isto é, da direita
para a esquerda e de cima para baixo. Em vista disso, pode-se dizer que esse
arranjo textual caracteriza-se por uma espacialidade modelar, marcada por
determinados parâmetros definidos de antemão, impossibilitando qualquer outra
combinação que não esteja enquadrada dentro de pressupostos já estabelecidos.
No caso dos anúncios, esse modelo a priori estabelece um tipo de
ordenação que tende a fragmentar o espaço, tornando-o tão descontínuo como
as unidades verbais, da mesma forma que determina uma funcionalidade para
cada um dos seus elementos constitutivos. Com relação a isso, qualquer manual
de produção publicitária para mídia impressa elucida com muita clareza as
funções exercidas pelas partes constitutivas da peça, bem como a disposição
delas que obrigatoriamente deve respeitar o percurso de leitura modelizado pelo
código verbal.
Observa-se ainda que esse modelo, em que cada parte está
funcionalmente relacionada ao todo da composição, planifica o espaço edificado
201
pelo anúncio, transformando-o numa figura, ou ainda, num símbolo facilmente
identificado, que nada acrescenta ao repertório do receptor.
Da mesma forma, esse tipo de arranjo sígnico propicia pouco
envolvimento com seus usuários, uma vez que a mensagem se apresenta “pronta”
e nada há para ser preenchido, porque, em conformidade ao que foi dito com
relação à peça do banco Sudameris, o mais importante nesse protótipo de anúncio
é o resultado, e não o processo de apreensão. É justamente essa figuração do
espaço que irá caracterizar a visualidade dos anúncios marcados pela
espacialidade modelar. Ou seja, se a visualidade consiste em discriminar os traços
distintivos da maneira como o espaço é representado, no caso de uma visualidade
figurativa, tal processo consiste no reconhecimento de um padrão já
experimentado, o que demanda um mínimo de energia para a apreensão do todo.
Em virtude do hábito perceptivo, cada uma das partes constitutivas da
peça é reconhecida como um pequeno bloco, de modo que, ao folhearmos a
revista, passamos ao largo daquilo a que se refere cada um dos anúncios
rapidamente vislumbrados. Ao final do volume, apenas somos capazes de recordar
um amontoado indissociável de peças publicitárias que não nos dizem nada em
especial.
Com relação a esse tipo de visualidade, é ilustrativo o processo descrito
pelo formalista russo V. Chklóvski (1893-1984) acerca das leis do discurso
prosaico. Segundo ele, as palavras e frases utilizadas na fala diária cotidiana são,
muitas vezes, pronunciadas pela metade, sendo esse procedimento exemplificado
pela álgebra, visto que as fórmulas algébricas tendem a substituir os objetos
pelos símbolos. Por isso, no discurso cotidiano ligeiramente pronunciado, apenas
os primeiros sons das palavras aparecem na consciência, pois o alto grau de
previsibilidade dos termos permite que a quase totalidade deles seja antecipada
pela percepção e, assim, qualquer emissão inicial da voz já indicaria o que viria
202
a seguir. É esse ato de proceder que ilustra o método algébrico de pensar, uma
vez que, por ele, os objetos
não são vistos, eles são reconhecidos após os primeiros traços. O objeto
passa ao nosso lado como se estivesse empacotado, nós sabemos que
ele existe a partir do lugar que ocupa, mas vemos apenas sua superfície
(...) No processo de algebrização, de automatismo do objeto, obtemos
a máxima economia de forças perceptivas: os objetos são, ou dados
por um só de seus traços, por exemplo o número, ou reproduzimos
como se seguíssemos uma fórmula, sem que eles apareçam à consciência
(CHKLÓVSKI, 1976:44).
Essa visualidade, exatamente, é que permite reconhecer a espacialidade
modelar distintiva de um conjunto significativo de peças publicitárias impressas.
Nesse caso, o anúncio “passa” diante do receptor, mas este não é capaz de vê-
lo. Tal “cegueira” habitual é, por sua vez, o principal indicativo da ausência de
comunicabilidade suscitada por esse modelo de anúncio. Como não há nada
inusual para ser observado, a percepção tende a se automatizar, bem como as
ações daí decorrentes, que também se tornam cada vez mais involuntárias e
maquinais. Observa-se que essa inexistência de interação distintiva da
espacialidade modelar se aproxima do tipo de pensamento que, segundo McLuhan,
é característico do ambiente originado pelos meios mecânicos, pois, ao prolongar
apenas a força de trabalho humana e reproduzi-la em larga escala, esses meios
tendem a também automatizar o pensamento produzido, tornando-o tão linear e
seqüencial quanto a linha de montagem.
O dispêndio mínimo de energia utilizado para a apreensão de um objeto
externo, distintivo da percepção automatizada, vem de encontro à primeira função
atribuída aos textos culturais, conforme foi apresentado no segundo capítulo
deste estudo. De acordo com Lótman, a função comunicativa de uma mensagem
visa apenas trasladar um significado entre emissor e receptor, sem alterá-lo,
cabendo ao destinatário somente decodificar o que foi cifrado num código já
203
exaustivamente conhecido. Disso resulta a elaboração de um ponto de vista
único e distanciado, que é continuamente repisado e reafirmado em virtude da
própria repetição compositiva das mensagens.
Observa-se ainda que o tipo de arranjo textual em questão ocupa uma
posição nuclear no ambiente comunicacional produzido primeiramente pela
escrita alfabética e posteriormente potencializado pela impressão. A rigidez desse
modelo de ordenação apresenta pouca disponibilidade para as trocas a serem
operacionalizadas com outros sistemas sígnicos, o que o torna extremamente
homogêneo.
Por outro lado, a emersão de um ambiente comunicacional originado
pela tecnologia elétrica permite-nos identificar um novo desenho para as
mensagens publicitárias veiculadas em revistas, no qual se observa o rompimento
com a rigidez do programa habitual. Em vez de uma espacialidade a priori, os
anúncios caracterizados pelo redesenho apresentam um diagrama de relações
entre os diferentes signos da composição, de forma que a cognição é simultânea
à própria edificação da espacialidade, sendo esta última constituída com base
em um contínuo de relações que exige um maior envolvimento do receptor, o
que provoca o desenvolvimento de diferentes competências relacionais.
De acordo com a formulação desenvolvida por Charles Sanders Peirce,
os hipoícones são divididos em três, delimitados em virtude do modo como
cada um deles se relaciona com a “Primeiridade de que participam” (PEIRCE,
1990:64). São eles: imagem, diagrama e metáfora. As imagens caracterizam-se
por “qualidades simples” (PEIRCE, 1990:64), os diagramas representam seu
objeto por meio de relações e as metáforas distinguem-se pela correspondência
que estabelecem com qualquer outro signo.
Assim como foi dito no segundo capítulo em relação ao ícone, o hipoícone
é definido como um signo que representa seu objeto mediante uma mera qualidade,
204
de tal forma que, na materialidade da representação, é possível apreender relações
de similaridade com o objeto, por mais tênue que seja essa afinidade. No caso
do diagrama, a vinculação por similaridade decorre de uma correspondência
estabelecida entre as relações constitutivas no interior do signo e as relações
que destacam as partes compositivas do objeto, de modo a estabelecer uma
maior proximidade entre o signo e o objeto representado. Ainda que o diagrama
seja classificado como um hipoícone, ele também perpassa a categoria da
segundidade (que implica relação e confronto, tal como foi observado na
introdução deste estudo) pois, na classificação dos hipoícones criada por Peirce,
o signo diagramático é um segundo.
Ainda em conformidade com o arcabouço teórico desenvolvido pelo
autor, a classificação de alguma coisa em primeiro, segundo e terceiro, não
constitui uma simples ordenação aleatória destituída de um substrato, mas implica
a compreensão do funcionamento lógico de algo em virtude do modo como ele
se apresenta. Por isso, o diagrama pode ser entendido como um hipoícone em
que o objeto exerce força intensa sobre a constituição do signo, a ponto de se
edificar uma proximidade estrutural entre eles. Nota-se que as relações existentes
entre as partes que compõem o objeto é que irão determinar a ordenação
constitutiva da representação, sendo essa correlação materializada por uma
analogia estabelecida entre os traços mais elementares que formam um e outro,
e não por uma correspondência total de formas. É esse modo de representar,
observado na materialidade do signo, que distingue o caráter icônico primário
do diagrama.
Assim, em relação ao diagrama,
Não são mais as aparências que estão em jogo aqui, mas as relações
internas de algo que se assemelha às relações internas de uma outra
coisa. Todos os tipos de gráficos de quaisquer espécies são exemplos
de diagramas. Na aparência, pode não haver nada que faça lembrar o
objeto ou fenômeno que eles representam. A semelhança, no entanto,
se instala em outro nível, o nível das relações entre as partes do signo e
as relações entre as partes do objeto a que o signo se refere. Uma vez
205
que o elemento de referência neles se intensifica, os diagramas são hipo-
ícones no nível de secundidade, diferentemente das imagens que estão
em nível de primeiro e as metáforas em nível de terceiro (representação
mais propriamente) (SANTAELLA, 1995:157).
Em relação ao funcionamento lógico do diagrama, há ainda um outro
aspecto a ser considerado. Se retomarmos as formulações desenvolvidas por
Peirce, veremos que os três hipoícones estão relacionados de maneira que tanto
o diagrama incorpora algumas feições da imagem, como a metáfora reúne indícios
da imagem e do diagrama. Como o diagrama é definido como um hipoícone no
nível de segundidade, ele também abarca alguns traços distintivos da imagem,
visto que, na divisão dos hipoícones realizada por Peirce, a imagem é um primeiro
de um primeiro, ou um hipoícone no nível de primeiridade, de tal forma que
“diagramas, por sua vez, devem depender da incorporação de ‘imagens’ para
serem reconhecidos como análogos da estrutura de seus objetos” (FARIAS,
2002:63).
Entendido como um hipoícone que mantém com seu objeto uma
proximidade estrutural, ao mesmo tempo em que também se configura como
imagem, o diagrama viabiliza o desenvolvimento de um raciocínio eminentemente
visual, cuja observação de suas partes constitutivas permite vislumbrar relações
existentes ou possíveis, dependendo da flexibilidade e reversibilidade das posições
ocupadas pelos elementos que compõem o signo diagramático. Além disso, o
aspecto visual do diagrama torna ainda mais evidente a proximidade estrutural
existente entre signo e objeto, dado que, pela sobreposição de um sobre o outro,
o signo diagramático elucida, visualmente, partes constitutivas do objeto que
muitas vezes não se deixam apreender com facilidade.
Dessa forma, o redesenho das peças publicitárias impressas pode ser
apreendido pela edificação de uma nova espacialidade, sendo esta caracterizada
por um diagrama de relações estabelecido entre as diferentes partes constitutivas
206
da mensagem. Nesse caso, não é possível afirmar que a combinação entre elas
sucede de um programa pré-determinado, mas decorre de inter-relações
modificadas em cada peça, de modo que cada uma das partes poderá ocupar as
“posições” mais variadas, dependendo da modelização presente no arranjo
sígnico.
É importante ressaltar o quanto a espacialidade diagramática vem de
encontro à linguagem lúdica articulada pelos anúncios. Como enfatiza Huizinga
(1971:13), todo jogo circunscreve-se a uma “limitação no espaço” muito singular,
uma vez que qualquer atividade lúdica se processa num “campo previamente
delimitado”, seja ele físico ou imaginário. Em tal limitação predomina uma ordem
muito singular, que estabelece um conjunto de regras circunscritas somente
àquele espaço. Em outras palavras, todo jogo cria uma espacialidade própria,
cuja qualificação sígnica que demarca sua área de atividade é edificada mediante
determinados signos que constroem um diagrama de relações muito singular, ao
mesmo tempo em que coloca um desafio para o jogador, que deve apreender
qual a “lógica” está por trás daquele desenho. E como cada jogo possui suas
próprias regras, há uma tendência a edificar um diagrama não repetível, pois
quanto mais previsível e fácil for o percurso arquitetado pelo diagrama, menos
interessante torna-se a brincadeira. Todo jogo implica o elemento de tensão, a
falta de certeza se as soluções encontradas pelo jogador estão corretas e “darão
certo”, e é essa expectativa que faz com que o passatempo seja ainda mais
apreciado. Também nos anúncios, a espacialidade, como aqui se apresenta, irá
colocar-se como um desafio à fruição do receptor.
Da mesma maneira que a espacialidade diagramática que distingue o
redesenho, a visualidade irá igualmente caracterizar-se pela desautomatização
da percepção, mediante a singularização e o estranhamento causados pela
diversidade de combinações promovida pelos anúncios. Esses dois conceitos
207
também foram desenvolvidos por V. Chklóvski para especificar a distinção
existente entre as leis da língua cotidiana e a língua poética. Segundo ele, um
dos principais traços que especifica o fazer artístico reside no “procedimento de
singularização dos objetos” (1976:45), que consiste em “disfarçar” a forma
daquilo que é representado, dificultando o seu reconhecimento, o que demanda
maior temporalidade para a apreensão do todo da composição, ao contrário do
que ocorre com o automatismo perceptivo e sua conseqüente economia de energia
mental.
Nesse sentido, a singularização visa, antes de tudo, “criar uma percepção
particular do objeto, criar uma visão e não o seu reconhecimento” (1976:50).
Ainda em consonância com Chklóvski, a singularização também constitui “a
base e o único sentido” (1976:52) possível para todas as adivinhações, visto
que a adivinhação é uma descrição, nas quais são utilizadas palavras que,
habitualmente, não são associadas a um determinado objeto. É esse uso não
habitual que gera o estranhamento do receptor com relação àquilo que é
observado pois, ao invés do reconhecimento, a singularização exige que o usuário
tente decifrar a combinação materializada pelo arranjo sígnico.
Embora as formulações do autor tenham como referência o objeto
estético, é possível perceber nas definições do formalista Chklóvski a base para
a compreensão da visualidade distintiva do redesenho dos anúncios. Assim como
Roman Jakobson (1971:128-129) não circunscreve a função poética da linguagem
apenas à poesia, visto que qualquer mensagem prosaica pode apresentar traços
da função poética, entendemos que a singularização do objeto estético pode ser
transposta para outros objetos, desde que respeitadas as especificidades de cada
uma das esferas. Essa ressalva é importante porque, por mais que os anúncios
pautados pelo redesenho apresentem uma ordenação singular, exigindo que o
receptor pare de folhear a revista e se atenha à peça, um anúncio não possui a
208
mesma ordenação compositiva que um objeto artístico. Todavia, isso não impede
que um texto cultural publicitário seja igualmente marcado pela singularização
do seu arranjo compositivo, principalmente porque a espacialidade diagramática
presente em determinados anúncios apenas pode ser reconhecida pela
discriminação da especificidade de cada processo compositivo. Esse
procedimento requer maior duração perceptiva na tentativa de adivinhar as
relações distintivas de cada anúncio.
Assim, pode-se dizer que o ato de folhear uma revista passa a caracterizar-
se também pelo estranhamento, em virtude da ausência de formas compositivas
similares, resultando na desnaturalização do modo como o receptor “observa” e
“relaciona-se” com o meio, gerando um “re-ver” contínuo. Dessa forma, o
reconhecimento de um fazer habitual é “substituído” pela percepção do
procedimento que resulta na singularidade de um arranjo textual, e qualifica,
ainda mais, os anúncios como textos culturais capazes de produzir novos
significados na cultura.
É importante assinalar que essa visualidade também distingue o jogo. A
atividade de jogar exige não somente que seus participantes adentrem num campo
demarcado, visto que eles devem igualmente se apropriar da delimitação de
tempo concernente ao espaço lúdico: “O jogo distingue-se da vida ‘comum’
tanto pelo lugar como pela duração que ocupa” (HUIZINGA, 1971:12). A
singularização da espacialidade construída pelos anúncios coloca igualmente
um enigma para ser desvendado, o que exige uma temporalidade também singular
e muitas vezes duradoura para discriminar e adivinhar quais são as relações que
aquela visualidade sugere. Desse modo, a necessidade de descobrir a
especificidade de cada arranjo textual publicitário faz com que o ato de volver a
revista se torne extremamente atraente, uma vez que o receptor é instigado a
adentrar no jogo colocado por uma peça, sair dele, voltar a folhear a revista,
209
entrar novamente no passatempo colocado por outro anúncio, e assim
sucessivamente. Nesse aspecto, observa-se a criação de vários subespaços dentro
do volume, mediante a existência de diferentes diagramas que precisam ser
decifrados pelo leitor.
Nos anúncios, nota-se que essa visualidade lúdica e singular tende a ser
gerada pelo tropo, pelo qual se materializa a aproximação realizada entre códigos
e linguagens não coincidentes. Quanto mais intraduzíveis forem os níveis
aproximados, mais indispensável se faz o estabelecimento de equivalências
tradutórias e, portanto, maior o desafio para desvendar a ordenação edificada
pela peça. Nessa relação também reside o caráter estético do entretenimento
propiciado pelos anúncios. Tal como afirma Huizinga (1971:13), a ordem
constitui um dos traços centrais que confere ao jogo a “tendência para ser belo”,
dada a necessidade que todo campo lúdico possui de edificar-se segundo “formas
ordenadas” marcadas por uma harmonia e um ritmo próprios. É esse traço que,
segundo o autor (1971:13), faz com que os mesmos termos utilizados para
descrever o jogo sejam igualmente empregados pela estética para designar o
objeto artístico, tais como “tensão, equilíbrio, compensação, contraste, variação,
solução, união e desunião”. Perceber cada um desses atributos nas mensagens
publicitárias exige o reconhecimento dos processos tradutórios que se
operacionalizam nas fronteiras estabelecidas entre os anúncios e outras esferas
culturais.
Nesse contexto, a comunicabilidade produzida pela espacialidade
diagramática distingue-se não apenas pela percepção duradoura, como também
implica maior envolvimento do receptor para apreender o arranjo sígnico que
compõe o anúncio. Além do mais, como cada peça constrói um diagrama singular
de relações, a comunicabilidade do espaço do redesenho demanda o
entendimento da dinâmica cultural à qual cada arranjo sígnico encontra-se
210
relacionado, visto que a singularidade da espacialiadade da peça é construída
pela modelização do texto cultural publicitário por um outro sistema cultural.
É fundamental assinalar o quanto os traços distintivos do redesenho dos
anúncios ajudam a desvelar o funcionamento de uma retórica do entretenimento
na publicidade. Da mesma forma que a retórica pressupõe um “espaço de
memória” extremamente produtivo, o redesenho também não abre mão da
memória de um espaço já existente. Nos anúncios, essa memória apresenta-se
duplamente articulada, pois neles se pronuncia tanto aquela inscrita no texto
cultural lúdico, quanto a memória distintiva dos próprios anúncios. Ambas
exercem uma ação projetiva indispensável para a edificação de uma “imagem
do auditório”, uma vez que a memória do texto cultural publicitário já se encontra
repertoriada pelo receptor/texto. Sem ela, não haveria como o destinatário
interagir com a mensagem e tentar decifrá-la.
Por outro lado, toda mensagem publicitária apenas é redesenhada porque
sobre ela incide a modelização semiótica e, como tal, em todo anúncio é possível
identificar a presença do tropo retórico que, por sua vez, irá articular um diagrama
de relações que a um só tempo constroem um jogo e uma espacialidade que se
colocam como um desafio à fruição.
São estes traços que, no geral, distinguem a totalidade das peças
selecionadas para este estudo. Em todas elas, é possível discernir a presença de
uma espacialidade diagramática, dada a singularidade do modo como cada peça
qualifica o espaço da revista. Conforme foi dito na introdução, as peças
caracterizadas pela concisão também apresentam todos os traços do redesenho.
Seja pela espacialização das unidades verbais, pela utilização do suporte como
parte do arranjo sígnico ou pela orientação minimalista, em todas elas observa-
se um uso particular do espaço, o que impossibilita o estabelecimento de um
211
padrão único a ser seguido. Nesses casos, é preciso ater-se à singularidade da
composição para apreender as relações sígnicas construídas por elas.
Esse grupo de anúncios apresentado oferece-nos um forte indicativo
acerca da ação da memória do desenho base sobre o redesenho, pois todas as
peças analisadas apresentam a assinatura do anunciante no canto inferior direito
da página, tal como ocorre com a espacialidade modelar distintiva do texto base.
Porém, se antes a leitura do logo decorria de uma ordenação linear pré-
estabelecida pelo verbal, no redesenho, a apreensão da assinatura ocorre pela
correlação estabelecida entre os diferentes signos constituintes da mensagem,
na qual inexiste uma fixação prévia do processo de apreensão do todo, tal como
pode ser observado nos dois diagramas apresentados abaixo, realizados com
base nos anúncios Danone e Baygon.
Ambos exemplificam as relações circunscritas ao interior de cada peça,
da mesma forma que mostram a possibilidade de reverter a posição ocupada
pelas formas geométricas constitutivas de cada anúncio, como se fossem móbiles
a serem manuseados, tal como foi descrito no capítulo anterior.
Figura 11- Diagramas dos anúncios Danone e Baygon.
212
Há ainda outro traço compositivo presente nesse primeiro grupo de
anúncios que passa a ter uma importância ainda maior nas peças a serem
analisadas mais adiante. Trata-se da transformação do suporte em signo.
Conforme será visto, todas as peças que serão analisadas adiante utilizam o
suporte como parte do arranjo textual. Talvez por isso, a posição “ocupada”
pelo suporte na espacialidade diagramática dos anúncios seja mais elucidativa
para exemplificar a reversibilidade e a mobilidade que caracteriza esse novo
texto cultural. Isso ocorre porque, dependendo da estrutura compositiva das
mensagens publicitárias, é possível delimitar diferentes formas de qualificação
sígnica do dispositivo impresso, que tanto pode ocorrer pela “semiotização”
daquilo que é característico do próprio suporte (como a dobra da página ou as
páginas), como pode sobrevir como conseqüência do redesenho da própria
materialidade da base impressa, que adquire um novo corte em virtude do arranjo
sígnico da mensagem.
Por fim, é importante reforçar a presença do continuum semiótico que
envolve o processo compositivo das mensagens a serem estudadas. Em razão
disso, é indispensável atentar para a mediação produzida pela espacialidade
esférica, bem como para o envolvimento sensório relacionado a esse ambiente,
uma vez que um e outro incidem diretamente sobre as peças caracterizadas pelo
redesenho. Ainda é preciso ter em mente que a diversidade compositiva das
peças a serem examinadas decorre igualmente da especificidade da modelização
semiótica experimentada por cada uma, visto que boa parte da remodelação
sofrida pelo próprio suporte impresso será resultado do diálogo estabelecido
entre o texto publicitário e outros sistemas modelizantes, sobretudo a televisão
e o cinema.
Por outro lado, também não há como desconsiderar as mediações
produzidas pelo próprio suporte, tal como enfatiza Debray, já que o dispositivo
213
impresso possui características próprias que, de alguma forma, indiciam aquilo
que é ou não possível de ser realizado na composição. Essa “consciência” do
limite representativo do suporte será fundamental para o entendimento das peças
que serão analisadas adiante, pois muitas delas irão romper com inúmeras
restrições colocadas pelo dispositivo.
4.4. O redenho do anúncio e o uso diferenciado do suporte
No segundo capítulo deste estudo, a utilização do dispositivo impresso
como parte do arranjo textual foi observado pelo viés da concisão compositiva,
no qual se buscou elucidar como os processos de mediação incitaram a produção
de mensagens cada vez mais sucintas, o que resultou numa nova utilização do
meio impresso. No entanto, as possibilidades expressivas decorrentes dos usos
diferenciados do suporte vão muito além daquelas determinadas pela brevidade,
ainda que, apesar das diferenças, tanto nas peças sobre as quais incide a concisão,
como naquelas que serão abordadas a seguir, é possível delimitar um traço
compositivo comum, em que o suporte deixa de funcionar como uma mera base
para a inscrição de textos e é “semiotizado”, ou seja, passa a subsistir também
como signo. Isso nos leva a crer que, dependendo do uso, o suporte também se
“midiatiza” e deixa de exercer a função exclusiva de canal transmissor de
informações no processo comunicativo. Nesses casos, observa-se a expansão
do espaço limítrofe do suporte pela qualificação sígnica de diferentes “pontos”
que distinguem a sua materialidade.
Tal semiose é identificada por distintos arranjos textuais, em que se
observa o sucessivo aumento de complexidade, cujo vir-a-ser é marcado por
acasos, descontinuidades e surpresas: “Não existe desenvolvimento linear da
complexidade; a complexidade é complexa, isto é, desigual e incerta” (MORIN,
214
1977:143). Nesse devir, observa-se a tendência à formação de unidades cada
vez mais intrincadas, ou seja, as formas sígnicas tendem a abranger uma maior
quantidade de elementos e a estabelecer maior diversidade de relações, resultando
na constante reordenação do todo.
Aumento de complexidade implica em variedade de conexões entre as
variáveis e invariáveis de um sistema sígnico, o que leva à ampliação das
possibilidades de emersão de novas qualidades representativas, que se
contrapõem à subsistência de uma ordenação repetitiva, de tal forma que “este
aumento [de complexidade], que tende para a dispersão no topo da organização
onde se produz, exige a partir daí uma transformação da organização num sentido
mais maleável e complexo” (MORIN, 1977:113). A interação entre um sistema
e seu entorno viabiliza a transformação de uma dada ordenação sistêmica, que
tende a configurar-se num todo cada vez mais relacional, dinâmico e complexo.
Em relação à mídia impressa, esse critério de análise permite detectar a expansão
da expressividade e das linguagens do próprio sistema, que adquire configurações
cada vez mais inusitadas, em virtude da ressignificação das relações existentes
entre suas diferentes partes constitutivas.
É esse processo, marcado pelo contínuo aumento de complexidade, que
direcionará a apresentação dos inúmeros arranjos presentificados pelos anúncios.
Em outras palavras, a “costura” das distintas formas compositivas não seguirá
uma apresentação temporal linear, mas contemplará um devir que abrange tanto
os arranjos mais simples, quanto as formas mais rebuscadas, nas quais observa-
se a progressão das interações inusitadas estabelecidas entre as variáveis e as
invariáveis. Tais interações são fruto das trocas operacionalizadas entre diferentes
sistemas e das mediações que operam nas fronteiras, inclusive aquela suscitada
pela tecnologia elétrica. Dessa perspectiva, os anúncios que formam o conjunto
que será apresentado a seguir possuem um traço distintivo em comum: a
215
“semiotização” do suporte decorre daquilo que é dado no próprio dispositivo,
ou seja, o arranjo textual tem como base compositiva os próprios contornos que
distinguem o volume. Nesses casos, é possível reconhecer a qualificação sígnica
de diferentes partes constitutivas da publicação.
Como foi observado no segundo capítulo, a “semiotização” do suporte
já se encontra presente nos anúncios do fio dental Jonshon´s, Band-Aid e colírio
Lerin, mediante a qualificação sígnica da dobra da página. Antes desse uso
diferenciado da base material, o processo compositivo dos anúncios
desconsiderava o “corte” situado entre ambas as folhas como um enquadramento
possível para a composição, de forma que as produções em página espelhada se
configuravam apenas numa expansão daquilo que já era realizado numa única
página. Nessas peças, observa-se a ausência de interação entre a extensão
ocupada pela mensagem inscrita no suporte impresso e a linguagem distintiva
do arranjo sígnico. Ao contrário desse modo de compor, a redefinição da
potencialidade midiática do impresso está diretamente vinculada à qualificação
sígnica daquilo que é inerente ao próprio suporte. Tal uso indica uma possibilidade
expressiva latente na base material utilizada para a inscrição de mensagens, sendo
sua emersão decorrente do diálogo estabelecido entre o anúncio e o seu entorno.
Podem-se verificar essas características no anúncio realizado para a
campanha do carro Fiesta, veiculado em 2004. Em ambas as peças, os personagens
interagem diretamente com a prega presente na composição feita em página
dupla. Na primeira delas, a personagem feminina verbaliza, em tom de desagravo,
a seguinte frase: “Quem colocou a dobra da revista no meu carro?”. No segundo
anúncio, há a presença de um garoto com as mãos colocadas no mesmo local
onde são inseridos os grampos que prendem o volume, acompanhado da frase:
“No meu carro não!”. A transformação da dobra da folha em signo compositivo
da peça não apenas qualifica a beleza do carro anunciado mas, sobretudo,
216
evidencia a ampliação do espaço limítrofe do dispositivo e a conseqüente
expansão expressiva da mídia revista.
Aliada ao uso realizado da prega, observa-se ainda a qualificação sígnica
empreendida também nas páginas situadas entre ela. Cada uma das folhas é
transformada em dois subespaços distintos, separados por um outro, de tal forma
Figura 12- Anúncios Fiesta. Fonte: Revista Veja.
217
que os diferentes espaços podem, no arranjo sígnico do anúncio, adquirir os
usos mais variados. Uma dessas combinações pode ser observada nos anúncios
de lançamento do caldo de costela Knorr, veiculados em 2005.
A campanha, realizada em página dupla, é composta, à esquerda, pelo
super-close de um rosto masculino e, em outra peça, há um rosto feminino, ambos
com expressão de satisfação. A foto foi posicionada na direção da dobra e, na
ponta do nariz de um e outro, há o resquício de um creme. Na página situada à
direita há um prato, fotografado em close e, no seu centro, encontra-se a
combinação de diferentes alimentos prontos, com uma leve fumaça sobre eles.
Abaixo do prato, no rodapé, encontra-se a frase: “Se a sua barriga roncar, o
culpado é o nariz”, seguida pela assinatura do anúncio: “Novo Caldo de Costela
Knorr. Sabor e aroma irresistíveis e a substância que só a costela tem. A peça
com a garota apresenta a mesma
diagramação, no entanto, na página onde
se localiza o prato, há outra frase: “O
aroma é tão bom que você não vai
resistir”. A composição presente no
anúncio completa-se pela mudança do
eixo de leitura da revista, uma vez que o
creme localizado no nariz de ambos os
personagens sugere a aproximação física
de um e outro junto à vasilha,
estimulados pelo cheiro apetitoso dos
alimentos preparados com o caldo
anunciante.
Nas peças, percebe-se que cada
uma das páginas forma um plano
Figura 13- Anúncio Knorr 1. Fonte: Revista Veja.
218
específico, sendo o diálogo de ambas construído pela junção de ambas as folhas,
que passa a ter um significado único no arranjo textual. Isso acontece porque é
a junção de cada um dos lados das páginas da publicação que imprime à peça
um modo de compor característico da linguagem cinematográfica, pois a
correlação dos closes do rosto e do prato forma uma combinação similar ao
chamado campo e contra-campo. No cinema, esse recurso caracteriza-se pelo
seguinte movimento:
Ora câmera assume o ponto de vista de um, ora de outro dos
interlocutores, fornecendo uma imagem da cena através da alternância
de pontos de vista diametralmente opostos (daí a origem da
denominação campo/contra-campo). Com este procedimento, o
espectador é lançado para dentro do espaço do diálogo. Ele, ao mesmo
tempo, intercepta e identifica-se com duas direções de olhares, num
efeito que se multiplica pela sua percepção privilegiada das duas séries
de reações expressas na fisionomia e nos gestos das personagens
(XAVIER, 1984:26).
Apesar de o campo/contra-campo ser um procedimento utilizado no
cinema para construir e retratar o diálogo entre dois personagens mediante a
Figura 14- Anúncio Knorr 2. Fonte: Revista Veja.
219
alternância dos sujeitos falantes, seu princípio constitutivo também pode ser
reconhecido no anúncio Knorr.
Ainda que o anúncio não seja constituído pela interação verbal entre
dois ou mais indivíduos, o movimento proporcionado pela dobra entre os planos
possui, na peça gráfica, o mesmo funcionamento do corte de câmera no campo/
contra campo. Isso ocorre da seguinte forma: num plano, observam-se os
personagens e, no outro, observa-se o contra-plano dos objetos que interagem
com eles, do qual se apreende a sucessão da ação, caracterizada, também, pelo
resquício do caldo situado no nariz dos indivíduos retratados. Por meio dessa
combinação, constrói-se uma cena com dois planos distintos que estabelecem,
entre si, formas geométricas similares, uma vez que a forma arredondada do
prato é acentuada pelo enquadramento do rosto dos personagens.
Percebe-se ainda que o super-close da face é realizado com o intuito de
acentuar a força expressiva do creme localizado no nariz, ponto que se encontra
centralizado no plano, reforçando, na outra página/plano, a centralidade dos
alimentos alocados no prato. No entanto, a ortogonalidade presente em cada
plano é “desconstruída” quando o anúncio é observado na sua totalidade
compositiva, em virtude da mudança do eixo de leitura da revista e da
verticalidade construída pela ordenação presente na peça. Vista desta perspectiva,
a ortogonalidade do anúncio está centralizada na dobra, de modo que essa posição
não decorre tanto do “local” nem da função técnica que a dobra ocupa no suporte
revista, mas da função sígnica desempenhada por ela no arranjo, pois, conforme
foi dito, é ela que constrói a correlação entre os planos, compondo assim uma
única cena. Ou seja, se até então nos anúncios publicitários, cada página formava,
isoladamente, uma ortogonalidade própria, em cujo centro, na maioria das vezes,
havia o produto anunciado ou alguma ordenação imagética que fizesse remissão
a ele, agora, observa-se a redefinição da ortogonalidade não apenas dos anúncios,
220
mas do suporte revista como um todo, uma vez que a ortogonal pode adquirir as
posições mais distintas, dependendo da espacialidade construída pelo texto
cultural. Dessa forma, a modelização cinematográfica presente na peça Knorr
confere não apenas movimento à estrutura compositiva da mensagem, mas
estabelece um outro modo de interação com a revista.
Uma outra possibilidade de uso do dispositivo impresso pode ser
observada no anúncio da distribuidora de gás natural Comgás, veiculado em 2004.
Formado por três páginas seqüenciais, a folha situada à direita é a primeira delas,
onde se apresenta o close de uma frigideira com camarões e legumes, e na parte
superior da composição há a frase: “Sabe o que está por trás das melhores
receitas?”. Observa-se que, sobre os alimentos, há uma leve fumaça e, sob a
panela, é possível reconhecer as pontas da “boca” de gás de um fogão. Ao virar
a página, na mesma folha, é mostrado o fundo da frigideira, onde, centralizada,
há a expressão Made in Brasil. Na página ao lado, à direita, há a “boca” acesa de
um fogão e a frase “A Comgás”, localizada na parte superior da peça. No roda
da folha há o seguinte texto:
Os melhores restaurantes, bares, padarias e lanchonetes de São Paulo usam gás
natural. Só o gás natural oferece fornecimento contínuo, praticidade e assistência
24 horas. E como o gás natural não precisa de armazenamento, você economiza
até espaço. Ligue para a Comgás e coloque o conforto do gás natural no seu
cardápio.
A correlação entre as frases situadas na primeira e na terceira página
também evidencia a interação estabelecida entre as imagens, de modo que o
serviço oferecido pela empresa anunciante é apresentado como indispensável
para manter o que existe de melhor nas refeições servidas nos diversos
estabelecimentos situados na cidade de São Paulo.
Em consonância com esse intuito comunicativo, o processo compositivo
da peça, por sua vez, evidencia uma outra possibilidade de uso das folhas, uma
221
vez que o “virar” de uma página a outra constrói a tridimensionalidade da frigideira
representada, pois o volver da página é similar ao movimento de quem segura o
objeto. A representação da tridimensionalidade do objeto completa-se pela
representação imagética da boca de gás acesa na última página, que ressalta a
importância do anunciante ao associar à panela um aspecto específico, isto é, o
uso que dela é realizado no dia-a-dia. Nesse caso, pode-se dizer que a
representação do objeto mediante sua decomposição em três planos distintos
utiliza-se da própria sucessão de páginas
da publicação e, ao mesmo tempo,
sobrepõe-se a ela, uma vez que o
arranjo sígnico da peça compõe a
representação de um objeto único,
apresentado por meio da sua
concretude tridimensional.
A qualificação sígnica
delegada não apenas às páginas e
à dobra que
compõem a peça,
mas também ao
volver da folha,
evidencia a
possibilidade de um
meio bidimensional
edificar um signo
que ultrapassa a
bidimensionalidade.
Tal processo cria
Figura 15- Anúncio Comgás. Fonte: Revista Veja.
222
uma percepção diferenciada tanto do dispositivo como da mídia revista, pois o
texto cultural publicitário torna manifesta a expansão das possibilidades
comunicativas da mídia pela “semiotização” dos cortes e dos contornos que
formam o volume. E, dependendo da modelização inscrita no arranjo sígnico, o
mesmo “ponto” pode gerar diferentes formas de semiose, tal como pôde ser
observado nas últimas três peças. Apesar de os anúncios Fiesta, Knorr e Comgás
serem realizados sob a mesma base material, os significados construídos por
eles são completamente diversos: a dobra tanto é utilizada em similaridade ao
corte da câmera cinematográfica, como também funciona como elemento
construtor da tridimensionalidade de um objeto; as páginas podem ser planos
cinematográficos como faces distintas de um mesmo objeto; o “virar” da página
tanto constrói uma cena quanto compõem um objeto na sua materialidade
tridimensional.
É esse uso diferenciado do volume que possibilita o reconhecimento de
uma espacialidade diagramática, pois cada “ponto” do suporte utilizado como
signo se torna parte de um diagrama de relações altamente flexível, que se
transforma a cada texto, impossibilitando o estabelecimento de um modelo único
de ordenação, válido para todas as peças.
O processo tradutório operacionalizado entre o texto cultural publicitário
e outras mídias acarreta a utilização do suporte como um signo equivalente a
um outro relacionado a um sistema diverso, como é o caso do vinco no anúncio
Knorr, que passa a exercer a função do corte de câmera característico do cinema.
Observa-se que as relações internas presentes no interior da peça se assemelham
às relações operacionalizadas no interior de uma cena. Ou seja, a espacialidade
construída na peça edifica um diagrama de relações que se afigura como um dos
inúmeros processos distintivos da montagem cinematográfica, a ponto de, entre
o anúncio e o cinema, estabelecer-se uma proximidade estrutural.
223
Por outro lado, essa possibilidade comunicativa do suporte também é,
de alguma forma, incitada pelas próprias características do volume impresso,
pois assim como o corte de câmera separa uma tomada de outra, o vinco da
revista também aparta uma página de outra, ou ainda, do mesmo modo que uma
folha de papel, uma frigideira igualmente possui frente e verso. Conforme foi
reiterado ao longo de todo este trabalho, a transformação do suporte em signo
decorre tanto da modelização empreendida por outro sistema cultural, como
também é, de alguma forma, “sugerida” pelo próprio dispositivo que, por seu
turno, também pode adquirir novos usos, em virtude da especificidade do
ambiente acústico em que se insere. Ao mesmo tempo, é a visualidade singular
de cada arranjo textual que possibilita o reconhecimento das relações
diagramáticas que caracterizam o redesenho dos anúncios. Essa especifidade
compositiva não apenas demanda uma percepção mais duradoura, como também
exige maior envolvimento do receptor para apreender as relações presentes no
arranjo sígnico. Também é importante ressaltar que, mais uma vez, apesar das
diferentes formas de interação suscitadas pelas mensagens analisadas, a
assinatura continua sendo alocada no canto inferior direito da última página.
Por fim, a amplitude desse processo exige ainda a consideração de uma
outra forma compositiva, pois, aliada ao uso diferenciado das páginas, da dobra
e do manusear das folhas, há também a qualificação sígnica que incide sobre o
próprio papel. É o que acontece com o anúncio da cerveja escura Bohemia,
veiculado em 2003.
A página do anúncio localizada à direita é impressa numa espécie de
papel camurça, na cor preta, nela há o seguinte texto, impresso na cor dourada:
A sensação que você sente nos dedos logo vai ter o prazer de sentir na boca”.
No verso da folha, há a imagem da embalagem da cerveja e a assinatura do
anunciante.
224
Na peça, é possível observar como a orientação do processo compositivo
de uma mensagem pode ser direcionada para o canal, e como este é capaz de
produzir novos significados. A maciez e o aspecto aveludado do papel camurça
são associados à sensação gustativa que o produto incita ao ser degustado, de
modo que, pela materialidade da peça, se obtém a tradução de um sentido para
outro, isto é, o paladar pelo tato. Nesse caso, a ordenação sígnica, caracterizada
pela indicialidade, estabelece uma conexão direta e experiencial entre o texto e
o objeto representado.
De acordo com Charles Sanders Peirce, um índice “nada afirma” a
respeito de um objeto, mas oferece “instruções mais ou menos detalhadas que o
ouvinte precisa fazer a fim de pôr-se em conexão experiencial direta de outro
tipo” (1990:69). Por meio do índice, instaura-se uma relação direta entre uma
representação e seu objeto, pois, na materialidade do signo, se reconhece, de
Figura 16- Anúncio Bohemia. Fonte: Revista Playboy.
225
imediato, elementos daquilo a que a representação construída faz remissão. No
entanto, no caso da peça Bohemia, observa-se que a materialidade desse signo
indicial também é marcada pelo ícone. Como foi dito no segundo capítulo, tal
como o índice, o ícone também nada assevera sobre um objeto, mas sua presença
num índice propicia o reconhecimento de uma qualidade representativa, sem a
qual, a relação entre signo e objeto não se estabelece.
Em relação ao anúncio, tal elaboração pode ser percebida pela sensação
propiciada pelo toque da superfície aveludada, pois é essa qualidade representativa
que estabelece a correlação experiencial entre o signo e o objeto representado.
Por outro lado, na peça Bohemia, a interação entre signo e objeto é também
caracterizada por uma outra mediação, pois, entre ambos, interpõe-se o processo
tradutório de um sentido para outro. Isso nos permite afirmar que a indicialidade
presente no arranjo sígnico não faz remissão apenas ao produto anunciado, mas
ao próprio processo constitutivo da peça, que edifica uma maneira diferenciada
de apreensão do meio, de modo que as páginas da revista não mais funcionam
como mero suporte.
4.5. O redesenho do suporte e da mídia revista e a ação da publicidade
como mídia
O redesenho do anúncio, pautado por uma espacialidade diagramática e
por uma visualidade baseada no contínuo estranhamento das formas
compositivas, permite-nos perceber uma semiose que tende a tornar os arranjos
sígnicos cada vez mais complexos. Apesar das diferenças que qualificam
distintamente cada uma das últimas quatro peças observadas, é possível
reconhecer, em todas elas, um elemento comum, uma vez que a utilização do
suporte como elemento constituinte da mensagem, ou ainda, a “midiatização”
do canal, foi realizada com base naquilo que era inerente ao próprio suporte,
226
transformado em um componente do arranjo sígnico do anúncio. No entanto, o
que se observa em outro conjunto de textos, é que a possibilidade de produção
sígnica decorrente da utilização do dispositivo no processo compositivo de
anúncios publicitários transcorre do redesenho da materialidade do próprio
suporte, que é reconfigurado em virtude do significado que se pretende construir
e da modelização experimentada pelo texto cultural.
A mediação tecnológica que entremeia as trocas informacionais entre
diferentes sistemas incitou a expansão das linguagens que caracterizam o anúncio
impresso, dado que a necessidade de promover formas de interação mais
inclusivas fez com que as peças publicitárias começassem a se “projetar” para
fora do espaço bidimensional da página, tanto que a apreensão da estrutura
compositiva do arranjo textual não se restringe unicamente à visão. A interação
propiciada por essas mensagens ocorre por uma ação do receptor, que tem de
abrir, virar ou puxar algum elemento sobreposto à base da página impressa, ou
que forma a própria página. A inserção de novas dobras no anúncio, a gramatura
diferenciada da folha, o aroma presente em algumas peças, além de vários outros
recursos, visam estabelecer uma interação mais ampla e participativa com a
recepção, cuja apreensão exige um envolvimento sensorial e perceptivo ainda
mais intenso, de modo que a representação publicitária deixa de ser apenas gráfica,
visto que constrói “dimensões do espaço que já não são apenas físicas, mas
perceptivas e comunicantes” (FERRARA, 2007:09).
Nesses casos, é possível apreender não apenas o redesenho do anúncio e
da materialidade física do meio, mas da própria expressividade da mídia revista,
decorrente do novo desenho da página impressa. Redesenho da mídia, ocasionado
pela mediação tecnológica e pelas trocas operacionalizadas com outros sistemas,
interferindo no redesenho do suporte que, por seu turno, também intervém na
redefinição da mídia. A revista sempre foi considerada um meio bidimensional
227
e, como tal, possui determinados traços que discriminam suas possibilidades
expressivas. Todavia, observa-se que a redefinição do suporte revista distingue-
se pela tentativa de “alcançar” a tridimensionalidade, do mesmo modo que o
redesenho da mídia se identifica por alguns traços expressivos comumente
relacionados à tridimensionalidade.
Segundo Lótman (1978:104), a expressividade de um sistema está
diretamente relacionada com o processo de codificação inerente a qualquer
mensagem, pelo qual é possível averiguar a interação entre os códigos variantes
e invariantes distintivos da ordenação sistêmica. Com relação a esse aspecto,
nota-se que o redesenho da mídia revista implica a redefinição dos seus
dispositivos codificadores, que passam a abarcar uma maior variedade de formas
expressivas, incluindo aquelas caracterizadas pela tridimensionalidade. Em vista
disso, é impossível dissociar a redefinição do contorno do dispositivo material
das possibilidades expressivas que especificam a mídia diretamente relacionada
a ele.
Por outro lado, também é preciso considerar que algumas peças mostradas
anteriormente já apontavam para esse “ensaio” em direção à tridimensionalidade,
como é o caso dos anúncios Johnnie Walker e Baygon, em que é possível observar
um certo conflito entre a bidimensionalidade e a trimensionalidade, decorrente
da correlação estabelecida entre a página e a dobradura sobreposta a ela, ou
ainda, no caso da peça Comgás, em que a tridimensionalidade do objeto retratado
é trabalhada pela materialidade da folha combinada ao ato de folhear a publicação.
Nesse contexto, pode-se dizer que essas mensagens já apresentam traços do
redesenho do anúncio, do suporte e da mídia revista, porém, o potencial
expressivo ainda não plenamente manifesto pela a utilização da dobra, das
páginas, do papel e do ato de volver a página na elaboração dos anúncios é
concretizado com maior plenitude a partir da nova configuração material do
228
suporte, que passa a adquirir os contornos mais variados, em virtude da
modelização que incide sobre a peça e das mediações produzidas tanto pelo
dispositivo quanto pelo ambiente acústico.
Tal como acontece com os anúncios, o redesenho da mídia revista também
se distingue pela edificação de uma espacialidade eminentemente diagramática,
reconhecida por uma visualidade singular ainda mais intensa, pois, se nas peças
apresentadas até agora, havia a variação do arranjo sígnico e não do feitio do
suporte, nos casos que serão vistos adiante, ocorre a singularização tanto da
base material quanto do texto cultural, o que amplia enormemente a capacidade
expressiva da mídia. Em vista dos distintos usos realizados do suporte, a
visualidade dessas peças
se expande para além dos exclusivos estímulos visuais feitos de cor e
luz, mas incorpora o som, na sua presença ou ausência, além do
movimento e a textura; portanto, a espacialidade se constrói através de
um complexo domínio poli-sensível de múltiplas características
perceptivas. Esta observação nos faz supor que a visualidade se mantém
como categoria se a ela for incorporada a necessária perceptibilidade
que supõe, por sua vez, uma flexível e sutil discriminação analítica e
interpretativa dos elementos que a constituem (FERRARA, 2007: 09).
Também é preciso salientar que, além do redesenho do anúncio, do
suporte e da mídia revista, os novos arranjos textuais das peças apontam ainda
para outros dois processos: o redesenho do sistema publicitário e a ação da
publicidade também como mídia. Com relação ao primeiro, a delimitação de
uma retórica do entretenimento como distintiva de um conjunto de anúncios já
aponta para a redefinição do próprio sistema publicitário, uma vez que seus
níveis nucleares “ o aspecto retórico, a referência ao produto e o diálogo com as
mídias “ ainda permanecem. Todavia, os parâmetros que definem sobretudo os
dois primeiros sofreram profundas transformações. Ao invés de ser utilizada
com o intuito de induzir à compra, o trabalho retórico com a linguagem passa a
229
ser realizado com vistas a entreter, ao passo que a referência ao produto não
desaparece, mas perde importância. Por sua vez, o diálogo entre a publicidade e
as mídias torna-se cada vez mais intenso, de tal forma que, como parte do circuito,
a publicidade não pode apartar-se do objetivo de tornar compreensível a existência
de outras formas de conhecimento.
Talvez, um dos efeitos mais marcantes do redesenho do sistema
publicitário seja o funcionamento da própria publicidade como mídia. Tal como
enfatiza McLuhan, toda mídia cria um ambiente, cujos efeitos geram
conseqüências profundas na cultura de uma época. Inúmeros são os trechos
presentes na obra do autor (2005) em que ele enfatiza a relevância de estudar os
efeitos produzidos por um meio, pois somente assim seria possível compreender
as mudanças reais que ele é capaz de provocar em outros, bem como na vida
sensorial dos indivíduos. São esses traços, aliados à capacidade de produção de
linguagem, que definem o aspecto semiótico das mídias. E, como resultado, é a
conjunção de todas essas características que permitem que a publicidade seja
igualmente definida a um só tempo como sistema e como mídia, uma vez que os
anúncios também criam um ambiente e geram efeitos profundos na percepção.
Durante muito tempo, as conseqüências da publicidade foram estudadas
tendo por base apenas aquelas geradas na economia de mercado, o que reduz, e
muito, os reais efeitos que os anúncios são capazes de produzir. Em especial, o
traço midiático da publicidade pode ser explorado em toda sua extensão se nos
reportarmos à irrupção quase cotidiana de distintas formas de anunciar, mediante
a transformação de meros objetos, em mídias.
Nesse aspecto, observa-se uma característica muito peculiar da
publicidade, isto é, a capacidade de produzir signos e inseri-los em objetos
absolutamente inusitados, valendo-se da criação de uma espacialidade
absolutamente inusual, o que resulta em mudanças significativas no modo como
230
os indivíduos se relacionam com determinados espaços. Essa capacidade
expansiva da publicidade provoca os mais variados efeitos no cotidiano, pois
além de expor a própria semiose da linguagem, também propicia a
desnaturalização do olhar, que se depara abruptamente com mensagens em locais
que até então nada significavam, ao mesmo tempo em que desvela formas e
volumes muitas vezes não percebidos, mediante a associação realizada entre o
arranjo sígnico e a base material onde está inserido.
Como não possui um suporte específico, a publicidade desfruta de uma
maleabilidade muito apropriada para o ambiente acústico edificado pela
tecnologia elétrica, dada a possibilidade que oferece para “treinar todos os nossos
recursos num mundo complexo que tem enorme necessidade de percepção”
(2005:131), mediante a inserção de arranjos textuais nos locais mais inesperados.
Talvez, atualmente, esse seja o principal traço que permite definir a publicidade
também como mídia.
Não cabe aqui discutir a amplitude que esse tipo de intervenção
publicitária e tantas outras têm no atual ambiente comunicacional, visto que
esse mapeamento exigiria um trabalho à parte. Contudo, no âmbito deste estudo,
a alusão a esses usos é feita com o objetivo de esclarecer que o entendimento da
publicidade como mídia não se restringe apenas aos anúncios impressos, mas
também concerne a outras formas expressivas igualmente definidas como
publicitárias. Com relação à especificidade dos textos aqui selecionados, nota-
se que a ação da publicidade como mídia se distingue, sobretudo, pelos efeitos
produzidos na percepção, em decorrência do redesenho do suporte e da mídia
revista, ambos incitados pelos próprios anúncios. Os usos diferenciados e as
associações viabilizadas por um e outro constituiriam assim um forte indício do
ambiente extremamente envolvente criado pelas peças impressas, o que
indubitavelmente amplia, e muito, a semiose que a publicidade é capaz de gerar
231
na cultura. Vejamos como esse processo pode ser observado nos textos culturais
publicitários.
No anúncio do veículo Renault Clio Sedan O Boticário, veiculado em maio
de 2004, é possível apreender um uso muito peculiar do dispositivo impresso.
Inserida na revista como um encarte, a peça possui uma página inicial, na qual
há uma composição formada pela assinatura das duas marcas anunciantes, alguns
objetos vinculados ao comportamento feminino dispostos sobre uma mesa, a
chave de um automóvel, e a seguinte frase: “Desde pequena, você aprendeu a
valorizar os detalhes”. Essa folha, ao ser aberta, apresenta uma composição em
página dupla dividida em quatro partes. Cada uma delas representa uma fase
distinta da vida de uma mulher: infância, adolescência, juventude e maturidade.
Essas partes, por sua vez, também podem ser abertas. Ao ser virada, na primeira
delas, há a foto da traseira do veículo anunciante, acompanhada da seguinte
frase: “Ótimo, o que não falta neste carro são detalhes para você”. Na segunda,
há a imagem lateral do automóvel, que cobre uma parte da representação anterior.
Na terceira, a representação imagética do carro é completada, e na quarta e
última abertura, há uma mulher mirando-se no vidro retrovisor do carro e o
seguinte trecho, no qual se busca estabelecer a correlação entre a composição
presente no anúncio e o produto anunciado:
Um brinco, um colar, uma cor de batom, um jeito diferente de arrumar
o cabelo. Detalhes como esses fazem toda a diferença. Como mulher,
você sabe muito bem disso. Aliás, sempre soube. Pensando nessa essência
puramente feminina, a Renault está lançando o Renault Clio Sedan O
Boticário. Tudo o que um carro precisa ter, com alguns detalhes feitos
sob medida para você. Novo Renault Clio Sedan O Boticário. Você
em todos os detalhes.
A quarta e última página é formada por fotos de distintas partes do
veículo, acompanhadas de pequenos textos que descrevem o automóvel.
232
As aberturas presentes no anúncio evidenciam
um uso muito peculiar do suporte na constituição da
mensagem. Ela foi dividida em diferentes planos,
mediante os quais é possível apreender a espacialização
da estrutura da peça. Ao dividir a mensagem impressa
dessa maneira, estabelece-se um movimento muito
singular para a composição sígnica, visto que a
ordenação de um plano após o outro, construída pelas
várias dobras inseridas no anúncio, acarretou a
fragmentação da mensagem em dois subespaços e dois
tempos distintos, rompendo com a linearidade
perceptiva na apreensão do todo. Dessa forma, a leitura do anúncio implica
olhar para a foto da personagem e, em seguida, a foto do carro, e assim
sucessivamente.
Tal ordenação, na qual dois espaços distintos são alternados no processo
compositivo da mensagem, foi uma das responsáveis pela expansão da linguagem
cinematográfica no início do século passado: trata-se da montagem paralela. Por
Figura 17 - Anúncio
Renault (capa/ páginas
centrais/ contracapa).
Fonte: Revista Época.
233
meio dela, tornou-se possível
focalizar dois acontecimentos
simultâneos, narrados pela
alternância de diferentes
subespaços que, de alguma maneira,
convergem entre si. No caso desse
tipo de montagem, um elemento
comum mantém a relação entre os
dois contextos narrados, de tal
forma que o decurso da ação ocorre
pela sucessão e complementação de
um espaço pelo outro:
Neste esquema, temos um tipo de
situação que solicita uma montagem
que estabeleça uma sucessão temporal
de planos correspondentes a duas
ações simultâneas que ocorrem em
espaços diferentes, com um grau de
contigüidade que pode ser variável. Um
elemento é constante: no final, será
sempre produzida a convergência entre
as ações e, portanto, entre os espaços
(XAVIER, 1984:21).
Uma estrutura similar à que foi
inaugurada pelo cinema com a
montagem paralela pode ser
encontrada no anúncio Renault. Na
peça, o diálogo estabelecido entre
dois contextos distintos aparentemente sem conexão é percebido não apenas
pela sucessão das dobras, mas também pela marca verbal, na medida em que
Figura 18 – Seqüência “Abertura do encarte Renault
234
uma suposta preocupação feminina com os detalhes referentes à vaidade, presente
num dos espaços expostos, está relacionada à quantidade de características
diferenciadoras do carro anunciante. Ou seja, para enfatizar a preocupação e a
“sensibilidade” da marca com o público-alvo da campanha, o discurso parte de
uma referência simbólica daquilo que tende a ser associado ao comportamento
feminino. A montagem realizada no anúncio, em que dois subespaços distintos
foram postos em relação, reforça a proximidade que a mensagem almeja construir,
uma vez que a apreensão da peça pressupõe a descontinuidade de leitura entre
duas referências (carro e vaidade feminina) que se complementam no decurso
da leitura.
As imagens separadas pela montagem não chegam a romper com a
contigüidade, mas essa sucessão não é a mesma nos dois subespaços
representados. Enquanto na seqüência formada pela representação feminina há
saltos temporais que evidenciam diferentes momentos da vida da personagem,
no subespaço composto pelo carro há uma única unidade temporal, sobre a qual
vários planos se superpõem na construção de uma única cena. As diferentes
representações femininas mantêm uma relação de equivalência, na medida em
que elas se encontram relacionadas pela idéia dos “detalhes relativos à vaidade”.
Nessa composição, são diferentes tempos que se mantêm em diálogo, em virtude
da espacialização empreendida no anúncio pelos planos que formam a seqüência.
A mudança no ponto de vista da apresentação de ambas as seqüências imprime
uma maior complexidade na mensagem, uma vez que os saltos que se colocam
entre um espaço e outro “abrem” alguns vazios que devem ser completados
pela recepção.
A modelização cinematográfica acarretou toda uma reordenação da
estrutura sígnica do anúncio Renault. O diálogo entre diferentes subespaços dá
um movimento inusitado para a mensagem, do qual resulta a expansão das
235
linguagens da própria mídia revista. Isso ocorre, porque na peça em questão, é
possível apreender como um elemento característico do código cinematográfico,
fundamental para pensar tanto o corte dentro da cena quanto para criar novos
modos de narração no cinema foi traduzido pelo anúncio, mediante o
estabelecimento de equivalências entre o tipo de corte de câmera utilizado na
montagem paralela e os vincos incorporados ao arranjo textual. Assim, enquanto
no cinema, os cortes são realizados pelo movimento de liga/desliga da câmera,
no impresso, essa montagem foi concretizada pelas várias dobras inseridas no
anúncio. A interação entre os diferentes subespaços criados no anúncio pela
montagem paralela gerou uma nova utilização do suporte, o que potencializou a
eclosão de uma disponibilidade latente, cuja materialização somente foi possível
pelo diálogo do sistema com seu entorno, do qual decorre a constituição de
mensagens dotadas de maior complexidade sígnica. Aliado a tal aspecto, esse
arranjo textual propicia ainda uma outra forma de interação, pois o movimento,
para ser atualizado, requer a ação tátil do leitor.
Uma outra experimentação empreendida na mídia impressa, cuja
materialidade nos oferece uma nova referência acerca da utilização do suporte
no processo compositivo dos arranjos textuais, pode ser detectado no anúncio
institucional do projeto Comunidade Solidária veiculado em 1997. Produzida em
página dupla, a peça é composta por um super-close do rosto de um garoto negro,
cujos olhos se encontram tapados por uma tarja preta colada sob a página, tal
como acontece quando um menor é mostrado na televisão. No verso da tarja,
um trecho em que é feita a identificação do anunciante. O texto diz o seguinte:
Se você não puder ajudar, por favor, coloque este papel de volta. A gente
também poderia ficar só falando dos problemas dos garotos pobres do Brasil.
Mas preferiu fazer o mais difícil: agir. O programa de Capacitação de Jovens
foi criado justamente para ajudar os jovens de baixa renda que querem ganhar
a vida de maneira honesta. São cursos inovadores que vão desde Eletromecânica
até Design e confeccção de embalagens, criados especialmente para jovens entre
14 e 21 anos. Afinal, eles só vão ter chance no mundo do trabalho se tiverem
236
uma profissão. Colabore. Ainda tem muita gente esperando uma oportunidade
como essa. Mas é melhor não demorar muito porque logo, logo toda essa
garotada já ficou adulta.
No super-close do garoto negro que abarca a totalidade de ambas as páginas
que formam o anúncio, há um aspecto que se destaca: a textura da pele do
menino representado. Na foto, é possível perceber vários detalhes presentes no
rosto do personagem, que são acentuados pela iluminação presente na peça
gráfica. Em contraste com essa representação textural, a tarja negra colocada
sobre os olhos do menino não possui a mesma característica, sendo formada por
uma superfície chapada, plana, que destoa da irregularidade compositiva presente
na face do menino. O mesmo ocorre com o fundo branco da composição,
localizado nas laterais da página. A faixa acentua a sensação de que o anúncio é
formado por um subespaço sobreposto ao outro, cuja interação compõe uma
única cena.
É interessante observar como o processo de reversão de um meio pode
ser detectado nessa mensagem. De acordo com Mcluhan, a ressignificação de
um sistema por outro pode propiciar processos de reversão ou ruptura, a ponto
de um meio quente converter-se num meio frio: “Uma das causas mais comuns
de ruptura em qualquer sistema é o cruzamento com outro sistema “ (1989:57).
Para o autor (1989:38), os meios quentes são aqueles que prolongam um único
sentido e em “alta definição”, visto que possuem elevada saturação de dados e,
por isso, muito pouco resta para ser completado. Ao contrário, os meios frios
tendem a prolongar mais de um sentido, ao mesmo tempo que apresentam menor
definição. A nosso ver, a possibilidade de reversão de um meio por outro implica,
necessariamente, as trocas operacionalizadas entre diferentes sistemas
modelizantes, uma vez que a tradução de uma mídia por outra gera a expansão
das possibilidades expressivas de um sistema, que, até então, não eram previstas.
237
Figura 19 - Anúncio Comunidade Solidária. Fonte: Revista Veja.
238
Ainda em conformidade com McLuhan (1989:38), a fotografia é um
meio quente e, como tal, distingue-se por uma taxa de dados mais definida, o
que exige menos participação quando comparado a um meio frio, dado que “a
forma quente exclui e a forma fria inclui” (McLUHAN, 1989:39). Esse modo
de apreensão do meio decorre da própria formação da imagem fotográfica,
composta por mil pontos por centímetro quadrado, e resulta na alta resolução
daquilo que é representado. Como conseqüência, a nitidez da representação
exige pouca participação, pois quase nada há para ser completado na imagem.
No entanto, a interação sensória propiciada pela foto presente no anúncio do
projeto Comunidade Solidária é exatamente contrária à forma de participação que,
comumente, tende a ser associada à fotografia.
A reversão presente no anúncio pode ser entendida se nos reportarmos,
mais uma vez, ao envolvimento propiciado pela tecnologia elétrica e, mais
especificamente, à televisão, uma vez que, conforme mencionamos no segundo
capítulo, dada a sua baixa definição, a imagem televisual exige a participação
ativa do usuário para preenchê-la. Esse aspecto característico da imagem
eletrônica é fundamental para o entendimento de alguns aspectos distintivos da
linguagem televisual. O esfacelamento da imagem propiciada pela televisão faz
com que planos muito abertos, carregados de detalhes, percam a nitidez quando
veiculados eletronicamente, transformando-se em borrões indiferenciados, ao
contrário do que acontece com o cinema e a fotografia. Disso decorre a
desagregação de uma figura quando inserida no meio televisual, cuja totalidade
é construída pela edição feita de vários fragmentos, impossibilitando que o todo
seja mostrado de uma única vez. É por isso que o primeiro plano, ou close-up, e o
primeiríssimo primeiro plano, ou super-close, podem ser considerados formas
representativas características do código televisual, já que a própria formação
239
da imagem eletrônica tende a propiciar uma estrutura decomposta em diferentes
partes.
São esses elementos distintivos do meio televisual que nos permitem
observar como a reversão de um meio quente em frio se realiza no anúncio
referente ao programa Comunidade Solidária. Ao priorizar a textura do rosto do
garoto, cuja superfície evidencia os sulcos presentes na pele, a foto parece ir
além do espaço bidimensional da página, projetando-se sobre o receptor, como
se este pudesse tocar o rosto do garoto e sentir sua temperatura e aspereza. Essa
forma de interação, na qual o tato é potencializado, tende a ser reforçada pela
tarja preta que o receptor deve puxar e que complementa a composição da peça.
Além do mais, o super-close do rosto do garoto não apenas acentua a tessitura da
superfície da pele, como também exclui o contexto de referência, e essa ausência,
intensificada sobretudo pelas laterais em branco, constitui um outro signo
compositivo da peça. O não-dito, nesse caso, comunica tanto quanto aquilo que
efetivamente está diretamente materializado no anúncio.
Em seu estudo sobre a prosa dialógica de Mikhail Bakhtin, Irene Machado
(1995:70) esclarece que, para o autor russo, a enunciação não se refere apenas
ao aspecto lingüístico, mas também abrange todo o entorno extra-lingüístico
que envolve os interlocutores envolvidos num ato de fala. Por isso, “O não-dito
é também comunicação”, cuja amplitude representativa não pode ser abarcada
por nenhum código determinado de antemão. Ou seja, numa composição sígnica,
é possível entrever a presença de outras referências que se reportam tanto ao
ambiente dos sujeitos envolvidos na comunicação, como ao contexto
comunicativo do próprio referente da mensagem, ainda que essas marcas não
estejam efetivamente ou diretamente materializadas no texto.
Esta formulação, por sua vez, também pode ser cogitada em relação ao
processo compositivo de mensagens sobre as quais incidem outros códigos além
240
do verbal, tal como ocorre com a peça produzida para o programa Comunidade
Solidária. A expressão do rosto do garoto e a proximidade que essa ordenação
mantém com o receptor geram tamanho envolvimento que o contexto de
referência vinculado ao menor carente no Brasil também é “trazido” pela peça.
O fundo branco presente nas laterais reforça a presença daquilo que está ausente
na mensagem, uma vez que a contraposição entre a figura e o fundo realça ainda
mais o garoto, acentuando a força expressiva da sua representação facial.
Tal como foi observado nos anúncios Renault e Comunidade Solidária, o
redesenho do suporte reforça, ainda mais, a espacialidade diagramática que
distingue o redesenho da mídia revista. Esse diagrama caracteriza-se por oferecer
um indicativo de relações possíveis, pois, dependendo da modelização inscrita
no arranjo sígnico, as folhas em que os anúncios são inscritos adquirem as
configurações mais variadas. Pode-se dizer que o próprio feitio do suporte já
indicia o diagrama de relações que é construído pelo arranjo sígnico, tamanha é
a proximidade existente entre eles. Também nessas peças, é possível notar que a
referência ao anunciante por meio da inserção da assinatura ainda é marcante,
todavia, no anúncio Comunidade Solidária, essa alocação adquire um novo aspecto,
pois o logotipo da organização não foi posicionado no canto inferior da página
ímpar, e sim no verso da venda sobreposta ao rosto do garoto. Tal utilização
indica a existência de um fazer compositivo ainda mais incomum, uma vez que,
à primeira vista, antes de puxar a tira de papel, não há nada que indique que a
mensagem é uma peça publicitária.
Por outro lado, no anúncio Renault, observa-se que o texto descritivo
sobre as características do carro anunciado é apresentado apenas na última página
do anúncio, como se não fizesse parte da composição principal, pois o corpo de
texto inserido na última dobra da montagem visa estabelecer a correlação das
imagens com o anunciante, em vez de propriamente apresentar o automóvel.
241
Assim, nota-se que, mesmo quando busca enfatizar as especificidades do objeto
anunciado, o anúncio constrói dois subespaços distintos na mesma composição,
embora ambos se mantenham interligados. Ou então, como o arranjo textual
modelizado pelo cinema vem antes da descrição do produto, busca-se primeiro
reter a atenção do receptor e envolvê-lo no jogo construído pela composição
para, posteriormente, detalhar as especificidades daquilo que se pretende vender.
Também é importante salientar que, em todas as peças analisadas neste
capítulo, é possível identificar um tipo muito específico de jogo. Assim como os
anúncios estudados no segundo capítulo, as peças Fiesta, Knorr, Comgás, Bohemia,
Renault e Comunidade Solidária apresentam igualmente um enigma a ser
desvendado, por causa da aproximação estabelecida entre a linguagem dos
anúncios e outros sistemas modelizantes. Entretanto, nas peças citadas acima,
há ainda um outro traço a ser considerado. Em virtude da especificidade do
manuseio que os textos em questão solicitam e, até mesmo, do tipo de recorte
feito no material, esses anúncios parecem retomar alguns traços extremamente
lúdicos, característicos dos pré-livros infantis, direcionados a crianças em fase
pré-escolar. Como ainda não passaram pelo processo de alfabetização, os
receptores sensoriais das crianças apresentam-se muito aguçados e, por isso,
esses pré-livros tendem a brincar com as mais variadas sensações, mediante o
uso de diferentes tipos de materiais, recortes, dobras, etc. Tais publicações criam
a idéia de que cada livro é único, pois em cada um é possível encontrar uma
surpresa, dependendo do modo
como suas partes são articuladas e do tipo de
manuseamento que cada um exige (MUNARI, 2002: 226). Em vista disso,
interagir com os pré-livros é uma forma lúdica de iniciar a aproximação das
crianças com o livro, ao mesmo tempo que incita o desenvolvimento de diferentes
capacidades associativas.
242
É o procedimento descrito que, em parte, pode ser identificado de
maneira um pouco mais acentuada nos anúncios estudados neste capítulo (ainda
que as peças Jonnie Walker e fio dental Jonhson´s já apresentassem esse traço),
uma vez que cada peça exige um modo específico de manipulação, em virtude
da especificidade do recorte, do tipo de folha e das dobras que cada mensagem
possui, o que também gera uma surpresa e um prazer inesperado para quem
manuseia o volume.
Por fim, ainda com relação aos anúncios Renault e Comunidade Solidária,
nota-se que a redefinição do suporte ocorre apenas nas partes em que as
mensagens são inscritas, de maneira que a leitura da publicação exige que o
leitor realize algumas pausas, dada a singularidade do texto cultural publicitário
e o conseqüente dispêndio de energia que a apreensão dessas mensagens exige.
Por outro lado, também existem peças publicitárias que transformam a revista,
como um todo, num anúncio, mediante uma simples intervenção realizada na
base material do volume. Nesse caso, ocorre a apreensão da revista na sua
totalidade, o que torna ainda mais evidente a tridimensionalidade distintiva do
redesenho da mídia revista.
Tal processo pode ser observado no anúncio do café Pilão, veiculado em
setembro de 2005 na revista Contigo. A peça, inserida na quarta capa, apresenta
a nova embalagem do produto, cujo diferencial é o sistema “abre-fecha fácil”,
ou seja, um adesivo que permite a abertura e o fechamento do invólucro e
dispensa o uso de tesoura.
No anúncio, há uma inversão da diagramação comumente trabalhada
nas mensagens publicitárias: a embalagem do produto anunciado não foi inserida
ao longo da verticalidade da página, mas foi alocada a partir da costura, sendo
esse direcionamento também acompanhado pelo título e pelo corpo do texto. A
inversão é acompanhada pela inserção, na própria revista, do selo “abre- fecha”,
243
de modo que a ponta do adesivo com a indicação “puxe aqui” é colocada na
primeira capa e a outra, com o logotipo da marca, foi fixada sobre a representação
visual da embalagem. Assim, a revista encontra-se “fechada” pelo selo, do mesmo
jeito que a embalagem do café, o que exige, necessariamente, a ação do receptor
para puxar o adesivo e, assim, folhear a revista. O título do anúncio faz remissão
a essa ação, tal como pode ser observado nas frases:Acabamos de ensinar
como abrir e fechar seu Café Pilão. Mas foi tão fácil que você nem percebeu”. A
peça ainda apresenta o seguinte corpo de texto, em que é descrita a nova
especificação do produto:
Embalagem a vácuo com sistema abre-fecha fácil. É muito mais prática
e conserva todo o aroma e sabor do seu Café Pilão.
A nova embalagem Abre “ Fecha Fácil dispensa tesoura: é só puxar. E,
para fechar, é mais simples ainda: basta usar o exclusivo selo adesivo e
guardar o café na embalagem original. Tudo muito prático,
especialmente desenvolvido para facilitar o seu dia-a-dia. Experimente
o Café Pilão embalado a vácuo. E perceba que o melhor café do Brasil
você conhece até pelo cheiro.
Na composição, percebe-se que a inserção do selo estabelece a
“aproximação” material entre a revista e a própria embalagem do produto, a
ponto de o manuseio do volume estar em correlação com o manejo do objeto
anunciado. Dessa interação decorre um relacionamento mais intenso do receptor
não apenas com o anúncio, mas com a própria revista. A utilização diferenciada
do suporte permite-nos observar de que maneira o anúncio assume alguns traços
compositivos que caracterizam o modo de compor do design de produto e, mais
especificamente, do design de embalagem. Portanto, é possível afirmar que o
anúncio do café Pilão foi modelizado pelo design de embalagem e,
conseqüentemente, o suporte torna-se signo e transforma a totalidade da revista
numa peça publicitária única.
244
Aliado ao design gráfico, o design de produto constitui uma área do design
e, antes de qualquer outra acepção, distingue-se pela realização de um projeto
base que especifica a articulação dos diferentes volumes que formarão o futuro
produto, bem como a sua interface com os homens. Além do mais, todo projeto
estabelece uma matriz capaz de ser reproduzida em larga escala e, por isso, a sua
realização prevê o estudo dos materiais e das tecnologias industriais e pós-
industriais necessárias para a reprodução do original, pois a fabricação industrial
não permite a realização de ajustes a cada peça produzida.
Por outro lado, o design também é uma linguagem. Surgido no final do
século XIX como conseqüência da revolução industrial e das demandas suscitadas
pela produção seriada, o design colocava-se como um dos mecanismos capazes
de estabelecer uma nova coerência para a produção em larga escala de mercadorias
e, sobretudo, para o aumento do fluxo de informações promovido pela expansão
dos meios de comunicação. Caberia ao design não apenas projetar um novo
objeto em virtude da sua funcionalidade e da sua capacidade reprodutiva, como
também dotá-lo de uma informação nova, de tal forma que os produtos fossem
igualmente capazes de produzir algum significado.
Segundo Escorel (2004:64), é possível conceber o design segundo os
eixos da contigüidade e da similaridade. Enquanto o primeiro diz respeito ao
processo de concepção formal do objeto, ou seja, aos materiais, volumes e
encaixes a serem combinados, o segundo especifica as possibilidades associativas
que um produto é capaz de provocar. Assim, o projeto não se circunscreve apenas
aos aspectos formais de um original a ser reproduzido, mas também deve
especificar as informações sígnicas a serem inseridas na materialidade da
composição, de modo que “o que se desenha não é apenas um objeto, mas uma
informação que interfere no cotidiano, no modo de vida, nas relações
socioculturais” (FERRARA, 2002:51).
245
Visto dessa perspectiva, o design de produto também pode ser entendido
como uma forma expressiva que, na atualidade, assume uma forte dimensão
social, uma vez que o objeto projetado tem a oportunidade de desfazer
determinados condicionamentos impostos por outros similares, mediante
diferentes maneiras de articular as
tecnologias de produção, os
materiais e os procedimentos. Dessa
forma, a informação nova surge pelo
contraponto, ou ainda, pela “relação
estatística” (PIGNATARI,
1973:47) estabelecida entre o que é
conhecido e o que não se conhece, ou ainda,
entre aquilo que se pode prever e a
imprevisibilidade dos processos relacionais que o novo objeto origina.
Por seu turno, o design gráfico também está à mercê das exigências da
produção industrial, já que desempenha um importante papel na elaboração da
Figura 21- Detalhe do selo
“abre e fecha”.
Figura 20- Anúncio Pilão (contracapa/capa). Fonte: Fotografias tiradas da Revista Contigo
por Maria Ângela di Sessa.
246
identidade visual de um produto, munindo-o de uma individualidade perante
seus consumidores. E, assim como o design de produto, o design gráfico é
igualmente definido como um tipo de linguagem, cujo intuito é “desenhar uma
informação” (FERRARA, 2002:53) que acrescente algo novo ao repertório dos
seus usuários. Todavia, enquanto os recursos expressivos utilizados pelo primeiro
se centram na concatenação de volumes, encaixes e materiais, o segundo prevê
a articulação de diferentes linguagens, como a tipografia, a ilustração e a fotografia,
de modo que a combinação entre elas resulte numa mensagem singular, capaz
de propor processos associativos originais e, assim, romper com determinados
automatismos perceptivos.
Como exige a “apropriação” da especificidade de ambas as técnicas, a
confecção de uma embalagem encontra-se entre o design de produto e o gráfico,
que especifica a comunicação visual dela. Isso ocorre porque o projeto de uma
embalagem requer tanto o estudo dos materiais, formato do volume e encaixes,
como também implica a construção de uma identidade visual para o produto.
Por isso, ao ser projetada segundo os pressupostos norteadores do design, a
embalagem não pode ser definida pelo seu aspecto meramente utilitário, isto é,
o acondicionamento da mercadoria produzida com vistas a protegê-la daquilo
que é externo. Inserida num ambiente cultural marcado pela intensa circulação
de mensagens, a embalagem assume uma importante função informativa e, ao
mesmo tempo, persuasiva, uma vez que cabe a ela criar uma nova percepção do
objeto para o consumidor, tornando-o singular dentre uma variedade de similares
existentes no mercado:
A princípio, a configuração e a superfície já libertas funcionalmente, às
quais já se dedicam processos produtivos próprios, aderem à mercadoria
como uma pele. Mas a diferenciação funcional prepara a libertação
verdadeira, e a superfície da mercadoria lindamente preparada torna-
se a sua embalagem, que não é pensada, porém, apenas como proteção
contra os perigos do transporte, mas como o verdadeiro rosto a ser
visto pelo comprador potencial, antes do corpo da mercadoria, e que
247
a envolve, tal como a filha do rei em seu vestido de plumas,
transformando-a visualmente, a fim de correr ao encontro do mercado
e de sua mudança de forma (HAUG, 1997:75).
Com base nessa reflexão, compreende-se que a comunicação visual da
embalagem constrói uma mensagem capaz não apenas de apresentar os dados
técnicos da mercadoria acondicionada, já que a informação se encontra na própria
ordenação estabelecida entre cores, tipografia, ilustração, fotografia e materiais
de acabamento. Ou seja, a própria composição sígnica de uma embalagem é
capaz de produzir um significado novo.
É importante enfatizar que a revista, entendida como mídia, também é
fruto de um trabalho de design, em especial, do design gráfico. Com relação às
mídias impressas em que o verbal é dominante, o principal problema a ser
enfrentado pelo design, segundo Escorel (2004: 46-47) diz respeito à questão
da legibilidade do texto, que envolve a escolha da família tipográfica a ser
utilizada, bem como o corpo dos tipos e o espaçamento entre eles. Ademais, é
preciso considerar que tal seleção deve se adequar ao gênero textual, ao padrão
visual e ao público-alvo característicos da publicação. Isto é, nesse tipo de material
impresso, o projeto gráfico privilegia o trato com a linguagem verbal, do qual
resulta a edificação de um design mais especializado, característico do ambiente
produzido pela escrita.
Contudo, as mudanças operacionalizadas no ambiente comunicacional
fizeram com que outras questões ganhassem importância na realização do projeto
gráfico de uma publicação impressa, dada a necessidade cada vez mais premente
de se articularem diferentes linguagens na elaboração de uma peça impressa. O
próprio redesenho do impresso e a edificação de uma espacialidade diagramática
já apontam para essas mudanças.
De acordo com Ferrara (2002:53), o novo desenho caracteriza-se por
ensinar a pensar não verbalmente, e sim de forma cada vez mais simultânea e
248
relacional e, por isso, várias linguagens são articuladas na composição da
mensagem, da mesma forma que os vínculos entre elas se inclinam a ser cada
vez mais aproximados. Ao mesmo tempo, essa representação não é apenas
expressiva, pois tende a ser “mais tridimensional do que bidimensional”, dado
que sintetiza novas formas de pensar incitadas pela experimentação, na qual se
destaca a busca por usos inéditos para as tecnologias e recursos técnicos já
existentes.
A tridimensionalidade dos objetos parece indicar a realização de um
desenho que melhor interage com seus materiais, da mesma forma que está
propensa a incitar mais incisivamente o usuário a se envolver sensorialmente
com o objeto na tentativa de desvendar a simultaneidade dos diferentes vínculos
existentes na peça projetada. Esse design tridimensional estaria assim em
consonância com o design produzido na era do circuito, pois, segundo McLuhan,
todo circuito constitui um mecanismo que “retroalimenta e nos alimenta”, dada
a grande quantidade de informações que por ele circula, de modo que os efeitos
são simultâneos às causas e, por isso, “o design do produto assume agora o
caráter de participação do público” (2005:123). O usuário, agora, também é um
componente do circuito e, como tal, também influi na produção das mensagens
que por ele circulam.
Nesse contexto, a interação entre o design de produto, o design gráfico e
o projeto de embalagem na confecção de uma peça publicitária parece indicar
um movimento característico da era do circuito ou acústica, dada a
experimentação resultante do diálogo entre diferentes técnicas e procedimentos
na busca de soluções que propiciem um desenho mais “envolvente”. Talvez por
isso, o design gráfico se alie ao design de produto, já que o trabalho com a
tridimensionalidade é uma constante no projeto industrial, ao passo que nem
sempre ele se encontra presente no design gráfico.
249
Assim, na peça do café Pilão, a informação produzida é fruto de um
processo tradutório operacionalizado entre diferentes áreas do design. A revista
adquire, por essa razão, traços de um objeto tridimensional, cujo manuseio se
assemelha ao produto anunciado. Inclusive, no caso do anúncio Pilão, um
componente pertencente à embalagem da própria mercadoria, isto é, o selo “abre-
fecha”, é inserido na revista, transformando-a num texto, pois enquanto as capas
estão em correlação com a tampa e o corpo da embalagem, o interior da revista
corresponde ao pó acondicionado pelo invólucro.
A inserção do adesivo nas capas da publicação desfaz, em parte, o hábito
de leitura seqüencial do volume, pois o novo arranjo sígnico exige que a revista
seja apreendida na sua totalidade como um objeto tridimensional. Nesse sentido,
o design gráfico alia-se ao design de produto para incitar novos processos
relacionais, por meio da interação estabelecida entre as diferentes linguagens do
cotidiano.
Com relação à ação da memória sobre o anúncio em questão, é importante
ressaltar que, na peça do café Pilão, a inserção da foto do produto não se reveste
apenas de uma função ilustrativa como, em geral, é trabalhada nos anúncios
com o objetivo de facilitar o reconhecimento da mercadoria anunciada, ao
contrário, ela também contribui para a construção da representação tridimensional
do produto. Além do mais, como a peça transforma todo o volume numa
mensagem publicitária, é possível renunciar à inserção da assinatura, ainda que
o texto explicativo sobre o funcionamento da nova embalagem não seja
dispensado. Ou seja, pode-se dizer que a singularidade do arranjo sígnico descarta
o uso da assinatura, porque a singularidade da composição é suficiente para
gerar a lembrança da marca anunciada.
Uma outra forma de interação entre o design de produto, o design gráfico
e o suporte revista pode ser observada no anúncio do cartão de crédito Visa,
250
veiculado em maio de 2005 numa edição especial da revista Veja São Paulo,
sobre os produtos de luxo direcionados para consumidores de alto poder
aquisitivo.
A peça possui um elemento compositivo que se destaca: duas pontas de
uma fita de cetim amarela que se prolongam para fora da revista, de modo que
uma delas se situa no início, e a outra no final da publicação. Ao abrir a contra-
capa, há a primeira peça da campanha, composta pela foto de uma caixa
embrulhada para presente que ocupa duas páginas, e, sobreposta a ela, há a fita
que atravessa todo o anúncio e cujas pontas são projetadas para fora das folhas.
Na página ímpar, sobre a fita, há a seguinte frase: “O que é luxo?”.
Dando continuidade à campanha, ao longo da revista, foram inseridas
seis outras peças, também elaboradas em página dupla (com exceção da última),
que buscam responder a pergunta realizada no primeiro anúncio da série. Todas
elas possuem a mesma estrutura compositiva: mostram pessoas felizes em
situações agradáveis e, ao longo das peças, há a fita de cetim que “corta” o
centro das páginas e, sobreposta a ela, há a inserção de frases curtas que buscam
responder a questão inicial. São elas: “Luxo é ser o que você é.”; “Luxo é saber
que o único compromisso inadiável é com quem você ama.”; “Luxo é saber que
não adianta ter tudo, se você não tiver tempo para aproveitar.”; “Luxo é ser
criança. Aos 30, aos 50, aos 80.”; “Luxo é não esperar o amanhã. Nem ficar
parado no ontem.”; “Luxo é ser feliz”. A penúltima peça ocupa a terceira capa e
a última localiza-se na quarta capa. Em todas elas, com exceção do primeiro
anúncio da série, no canto inferior direito da página ímpar, há o logo da empresa
anunciante e o slogan “Porque a vida é agora”.
Nota-se que o uso da fita estabelece, de antemão, um percurso de leitura
para a publicação, de modo que a tendência é abri-la nas páginas marcadas pela
faixa estreita de tecido, como ocorre em livros impressos que também possuem
251
esse tipo de marcador. Mas, ao contrário dos livros, que introduzem a fita na
vertical, no anúncio, ela foi situada na horizontal. Assim, pode-se concluir que,
de fato, a primeira peça é a própria capa da revista com as duas pontas superpostas,
pois esse é o contato primeiro que se tem com as várias partes que formam o
conjunto.
Ao delimitar um percurso de leitura que se inicia pelas extremidades, o
arranjo sígnico transforma a publicação inteira numa peça publicitária, pois aquilo
que se situa entre as peças se transforma num todo que é virado de uma só vez,
como se fosse uma única página. Passado o primeiro contato, ao folhear a revista,
percebe-se que há outras peças que formam a campanha, o que subverte o
percurso habitual de leitura de um anúncio seqüencial, pois, no caso do anúncio
Visa, num primeiro momento, nos deparamos com a primeira e as duas últimas
peças, e posteriormente com aquelas situadas entre os dois extremos.
Figura 22 - Anúncio Visa (contracapa e capa). Fonte: fotografias tiradas da Revista Veja por Maria Ângela di Sessa.
252
A inserção da fita, tal como foi realizada, gera
uma horizontalidade para a leitura dos anúncios, da
mesma forma que indica o devir da seqüencialidade
das peças, o que, por sua vez, reforça ainda mais a
transformação da publicação inteira num texto
publicitário. Não é à toa que o anúncio que encerra a
série se situa na quarta capa e, diferente das outras
peças, não há, nele, a continuidade da fita, que termina
à direita da página. O encerramento da fita não apenas
delimita o fim da seqüência, em paralelo com a própria
finitude material da publicação, mas funciona como
uma espécie de “empacotador” da revista, ainda mais
se considerarmos a diferença da visualidade gerada
por essa página em relação às outras. Nela, observa-
se o decurso direcionado pela fita que vai da esquerda
para a direita, que é interrompido pela costura da
revista, o que “impõe” a observação conjunta e
superposta das duas pontas do tecido, que podem ser
amarradas, formando um embrulho único. Mais uma
vez, observa-se a modelização provocada pelo design
de embalagem, que “midiatiza” o suporte revista,
transformando-o num pacote de presente. Assim, vista
na sua inteireza como um mimo, a revista compõe
um paralelo com a foto do brinde presente na primeira
peça da seqüência, que apresenta a pergunta inicial
com a qual todas a outras peças estão em diálogo.
Figura 23 - Anúncio Visa (páginas
internas). Fonte: fotografias tiradas da
Revista Veja por Maria Ângela di Sessa.
253
Diferente da visualidade construída na última página, nas demais, fica
evidente a qualificação sígnica do entorno do volume, que se amplia para além
da sua concretude material, transformando-o também em mídia, ao mesmo tempo
em que delimita uma nova espacialidade para o suporte revista. Quando as
páginas estão abertas no anúncio, o que se observa é a expansão horizontal do
espaço ocupado pelo texto cultural publicitário, pois este transforma em campo
visual do arranjo sígnico um espaço que, até então, não era apreendido na sua
potencialidade expressiva. Mais que qualquer outra ordenação vista neste estudo,
o anúncio do cartão de crédito Visa evidencia como a construção de uma nova
espacialidade é diretamente relacionada à qualificação sígnica do espaço que,
por ser abstrato, só pode ser apreendido pelo modo como é representado.
Ainda que a totalidade dos anúncios que formam a campanha do cartão
de crédito Visa aponte para duas visualidades distintas, o conjunto das peças é
apreendido como um texto único e, por isso, nenhum dos seus elementos pode
ser considerado isoladamente. Inclusive, essa complexidade relacional faz com
que os componentes do arranjo sígnico se mantenham ainda mais correlacionados,
pois amplifica os vínculos existentes entre eles, de modo que
La variedad de los vínculos estructurales dentro de un texto reduce
grandemente la independencia de las distintas unidades que entran en él
y aumenta el coeficiente de cohesión del texto. El texto aspira a
convertirse en una “gran palabra” separada con un solo significado
general (LOTMAN, 1996:133).
Observa-se nas peças Pilão e Visa que os vínculos estruturais
estabelecidos no interior da mensagem envolvem um componente do próprio
dispositivo, que se reveste de uma função sígnica muito particular, em
decorrência da modelização que incide sobre o texto cultural.
Além disso, a interdependência dos nós circunscritos ao interior dos dois
anúncios torna ainda mais acentuada a alusão aos pré-livros infantis, pois essas
254
peças transformam a totalidade da publicação num passatempo, tal como ocorre
com os mesmos pré-livros. Ainda que os demais anúncios examinados neste
capítulo também dialoguem com o desenho dessas publicações infantis, o espaço
lúdico, neles, restringe-se apenas às páginas em que os anúncios eram inscritos,
ao contrário do que ocorre com os anúncios Pilão e Visa.
A proximidade estabelecida entre o anúncio e a mídia revista reforça
ainda mais a ação da publicidade como mídia, uma vez que não é mais o texto
cultural publicitário que é veiculado e codificado pela mídia revista, mas é a
revista que se converte num anúncio, sendo ela própria contaminada por
determinados traços distintivos do sistema publicitário, incluindo a retórica
lúdica. Desse processo resulta a transformação da revista a um só tempo num
texto cultural publicitário e num brinquedo a ser manuseado. Tal uso incomum
da mídia acarreta uma outra forma de interação com o usuário, pois a leitura do
volume não segue mais a ordem linear de início, meio e fim, dado que ele deve
ser apreendido como um objeto a ser manipulado, aberto e reaberto, lido de trás
para frente, e vice-versa. Também, a inexistência de uma frase que indique quais
são as “regras do jogo”, quer dizer, qual caminho deve ser percorrido para a
apreensão da peça, sobretudo no caso do anúncio Visa, potencializa ainda mais
o envolvimento e o desejo de desvendar o jogo construído pela própria revista.
Por fim, o redesenho salienta ainda mais a função da memória e, sobretudo,
a função criadora desempenhada pelas mensagens publicitárias que circulam
pela cultura. Os traços distintivos da espacialidade modelar não desaparecem
por completo, visto que muitos deles são inseridos no diagrama de relações
construídos pelo redesenho, tal como ocorre com a assinatura. Por outro lado,
observa-se que o contínuo aumento de complexidade dos arranjos sígnicos tende
a tornar a visualidade das mensagens ainda mais singular, da mesma forma que
a ordenação diagramática que sintetiza a espacialidade de tais produções passa
255
a abarcar as mais variadas partes do suporte, a ponto de recriá-lo mediante
algumas interferências que, de alguma forma, também são sugestionadas pela
especificidade do material trabalhado. Nesse sentido, a singularização de cada
peça produz um significado absolutamente novo, do mesmo modo que incita
um percurso de leitura igualmente único.
4.6. O redesenho e o momento explosivo
O percurso analítico trilhado até o momento nos permitiu apontar
inúmeras mudanças operacionalizadas no âmbito da produção publicitária
impressa, bem como da própria mídia revista e do sistema publicitário. Dentre
os processos tradutórios observados, é notável a recorrência com que a aparente
“intraduzibilidade” entre diferentes códigos e traços distintivos se faz presente
nos anúncios, sobretudo pela maneira como a mídia revista, comumente
caracterizada como “estática”, transladou o movimento relacionado à linguagem
distintiva de outros sistemas modelizantes, como a televisão e o cinema.
É importante observar que a significação do termo impresso sempre se
manteve vinculada ao que foi fixado, dada a própria especificidade da arte da
impressão, que pressupõe o processo de estampar o texto ou imagem em papel,
mediante a pressão de elementos pré-moldados, visando à reprodução em larga
escala.
Não é à toa que Régis Debray enfatiza que, como a “composição
tipográfica obriga a fixar” (1993:218), a midiasfera relacionada a ela também é
caracterizada pela definição prévia dos “grandes textos sagrados”, já que a
impressão não possibilita a revisão e a rasura. Ao gravar de uma vez por todas
um determinado texto, é preciso ter o máximo de certeza acerca daquilo que
será publicado.
256
Mas, como já foi discutido, a idéia de imobilidade associada ao termo
“impresso” não mais se aplica às experimentações realizadas pelos textos culturais
publicitários, pois nota-se que, em tais ordenações, o movimento está cada vez
mais presente. Isso não implica afirmar que as mensagens definidas como
impressas nunca foram caracterizadas por esse elemento na sua composição. O
grafismo, elemento distintivo desse sistema, sempre foi um dos recursos utilizados
para dar movimento interno às mensagens impressas. No entanto, a partir da
intensificação do diálogo estabelecido entre os anúncios e outros sistemas
culturais por causa do ambiente acústico, o movimento, na revista impressa,
adquire uma nova configuração.
Nas experimentações realizadas pela publicidade impressa, talvez seja
possível, a nosso ver, apreender um momento de explosão na cultura, tal como
a define Iúri Lótman. Nesse caso, a fricção entre dois ou mais sistemas resulta
na emersão de uma ordenação sígnica completamente inusitada, de modo que
um sistema cultural normalmente caracterizado como fixo, imóvel, passa a abrigar
um movimento que vai muito além dos traços expressivos que o definem.
Ainda em conformidade com o autor, é possível identificar, no
desenvolvimento da cultura, a correlação entre duas fases distintas, a saber: o
momento explosivo e o desenvolvimento gradual. Longe de serem dois estágios
que se sucedem ou se alternam, ambos podem ser reconhecidos sincronicamente,
uma vez que a heterogeneidade semiótica da cultura é formada por estratos que
se desenvolvem em velocidades distintas, a ponto de qualquer corte sincrônico
poder revelar o funcionamento simultâneo das duas tendências. Da mesma forma,
cada uma delas desempenha um importante papel no funcionamento da cultura,
porque, enquanto os momentos explosivos são responsáveis pela inovação, o
desenvolvimento gradual assegura a continuidade.
257
O momento de explosão pode ser definido como um instante de
imprevisibilidade na cultura, em que uma ordenação textual inusitada surge. O
presente contém todas as vias de desenvolvimento futuras, quer dizer, dentre
uma infinidade de possibilidades de irrupção de novos arranjos textuais, no
momento de explosão, apenas uma emerge. E, a “eleição” de um determinado
arranjo não ocorre segundo as leis da probabilidade ou da causalidade, esse
instante se distingue pela absoluta casualidade. Portanto, a explosão indica um
momento de “imprevisibilidad del proceso histórico” (LÓTMAN, 1999:29), no
qual uma nova fase é iniciada. Ao mesmo tempo, dado o ineditismo do novo
arranjo textual, a explosão evidencia o processo de interação tradutória que
ocorre entre níveis que, a princípio, parecem impossíveis de serem
correlacionados. Esse traço marcante da explosão acentua ainda mais a função
que os processos comunicativos exercem no devir da cultura, pois, conforme
foi dito no primeiro capítulo deste estudo, a comunicação pressupõe o diálogo
entre as mais distintas esferas culturais, com traços distintivos absolutamente
diversos e, por esse motivo,
el valor del diálogo resulta unido no a la parte que se intersecta, sino a la
transmisión de información entre las partes que no se intersectan. Esto
nos pone ante una contradicción insoluble: estamos interesados en la
comunicación justamente a causa de esa situación que vuelve difícil la
comunicación y, en el límite, la hace imposible (LÓTMAN, 1999:17).
É essa situação de comunicação aparentemente impossível de ser
concretizada que o momento explosivo torna patente. E, justamente por isso,
ele propicia o repentino aumento da informatividade de um sistema, uma vez
que acarreta a reordenação dos seus níveis nucleares e periféricos. E, visto que
qualquer elemento do sistema pode, repentinamente, tornar-se dominante,
promove-se assim o estabelecimento de novos vínculos relacionais entre as
variáveis e as invariáveis. Ou então, pode ocorrer que um traço pertencente a
258
uma outra esfera cultural seja fortuitamente atraído para um outro sistema e,
com isso, torne-se dominante, o que acentua ainda mais o fato de não se poder
antever o deslocamento futuro do sistema.
Todavia, passado o instante de imprevisibilidade, a nova ordenação
textual perde seu ineditismo e, com isso, torna-se redundante e previsível. Por
isso, Lótman enfatiza que, enquanto o momento explosivo indica um instante
de descontinuidade da cultura, pois a irrupção do novo demarca momentos de
reversão abrupta do devir histórico, os processos graduais asseguram a
continuidade, ou ainda, a inserção do texto recém-criado no vir-a-ser da cultura.
Por outro lado, isso não significa que os processos graduais indiquem a existência
de um decurso absolutamente regular, porque, conforme foi ressaltado ao longo
de todo este trabalho, um dos traços distintivos centrais da cultura é o seu
movimento ininterrupto, dada a interação estabelecida entre diferentes sistemas
modelizantes. Nesse sentido, pode-se afirmar que a “continuidade”, segundo
Lótman, refere-se ao transcurso dinâmico da cultura, afora os momentos de
imprevisibilidade e reversão absoluta no devir dos sistemas.
A aparição súbita de uma ordenação sígnica não ocorre sem que o texto
estabeleça um novo diálogo com os sistemas modelizantes que também perpassam
o espaço semiótico, promovendo assim novos vínculos relacionais. Conforme já
foi elucidado, a heterogeneidade semiótica da cultura torna possível a coexistência
sincrônica de momentos explosivos e processos graduais, uma vez que a
velocidade de um pode interferir no desenvolvimento do outro, pois “Las
explosiones en algunos estratos pueden unirse a un desarrollo gradual en otros.
Esto, sin embargo, no excluye su interacción” (LÓTMAN, 1999:26). Assim,
processos mais velozes, como, em geral, aqueles decorrentes dos momentos
explosivos, tendem a acelerar, ou ainda, potencializam a dinâmica de distintos
sistemas, dadas a inventividade e às possibilidades expressivas que eles incitam.
259
É esse o processo que, a nosso ver, caracteriza a semiose impulsionada
pelo redesenho dos anúncios e da própria revista. A “intraduzibilidade” entre
esse e outros sistemas modelizantes motivou o surgimento de textos culturais
absolutamente não usuais que, por sua vez, apontam para a redefinição da própria
mídia revista, pois seus novos usos e as possibilidades expressivas que decorrem
daí não mais permitem enquadrá-la na classificação de “impresso”.
Ainda segundo Lótman (1999:30), um dos efeitos marcantes de um
momento explosivo refere-se ao entendimento de que aquilo que irrompeu de
maneira casual se apresenta posteriormente como única possibilidade de
desenvolvimento futuro, em razão das mudanças significativas operacionalizadas
pelo instante de imprevisibilidade e, em decorrência, pela impossibilidade de
retroceder ao estado anterior.
O redesenho indicaria, então, a existência de um momento explosivo, no
qual se observa o contínuo aumento de complexidade dos arranjos textuais, que
apontam para a reversão “violenta” do decurso da mídia revista. Tal mudança
advém do fato de que um traço pertencente a outro sistema, como é o caso do
envolvimento gerado pela imagem eletrônica, torna-se dominante numa mídia
até então definida como “impressa”. Apesar de o diálogo com o entorno também
propiciar o desenvolvimento de formas expressivas mais envolventes,
a emersão
de uma dentre muitas outras possibilidades expressivas, bem como a modificação
brusca do estado do sistema mediante a “intraduzibilidade” entre diferentes
níveis oferecem-nos um forte indicativo da presença da explosão.
Por outro lado, isso não significa que o aumento de “informatividade”
do sistema vá aniquilar as formas expressivas mais usuais, pois, segundo os
fundamentos da Semiótica da Cultura, uma nova ordenação textual não suplanta
outra, uma vez que ambas coexistem simultaneamente, da mesma forma que
uma poderá interferir na outra, criando novos usos para arranjos usuais. Na
260
mídia revista, nota-se que o redesenho não suplantou a existência de uma
espacialidade modelar, todavia, cada vez mais, esse modelo a priori do espaço
interage com a espacialidade diagramática e a comunicabilidade inclusiva, a
ponto de ser igualmente contaminado por essas novas ordenações.
Ao mesmo tempo, pode-se observar que a redefinição da mídia revista
também foi acompanhada por uma profunda reordenação do próprio sistema
publicitário, cujo traço mais marcante se reporta à “incorporação” da linguagem
lúdica pelos anúncios, a ponto de, no conjunto das peças selecionadas para este
estudo, o jogo tornar-se um dominante, aspecto este completamente oposto ao
caráter autoritário que sempre foi associado à retórica trabalhada nos anúncios.
Conforme foi mencionado anteriormente, o aspecto retórico ainda se mantém
como um dos núcleos do sistema publicitário, todavia, ele agora assume uma
outra dimensão, em virtude do diálogo estabelecido com outro texto cultural: o
jogo. A existência do que podemos chamar de uma “retórica do entretenimento”
parece indicar uma reversão também “violenta” no sistema publicitário, uma
vez que a interação entre os processos persuasivos e a linguagem lúdica indica a
redefinição de uma das dominantes que distinguem a publicidade. Em vista
disso, a associação da publicidade com o entretenimento e o entendimento dos
anúncios como parte do circuito edificado pelas mídias apontam para um
conjunto de efeitos que não podem mais ser desvinculados da semiose que a
publicidade é capaz de gerar na cultura.
Por isso, é importante ressaltar ainda o quanto o redesenho do sistema
publicitário torna patente a ação da publicidade também como mídia. Se uma
mídia gera um ambiente, o conjunto dos anúncios vistos ao longo deste estudo
mostra como a publicidade é capaz de produzir uma série de efeitos, a ponto de
ocasionar o redesenho da própria mídia revista, além de provocar mudanças
significativas na maneira como os indivíduos se relacionam com os anúncios
261
“impressos”, contribuindo, inclusive, para “educar” a percepção, tornando-a cada
vez mais sensível para associar as mais distintas mensagens que circulam pelo
ambiente.
Do mesmo modo, o funcionamento midiático da publicidade elucida
como as fronteiras entre ela e a mídia revista se tornaram extremamente sutis,
porém, sem que haja a hibridização entre elas. Segundo foi discutido no primeiro
capítulo, a formação da individualidade semiótica de um sistema encontra-se
intimamente relacionada com o dispositivo pensante presente nos textos culturais.
Isso acontece porque o aumento da diversidade interna de um sistema em
conseqüência das trocas que ele realiza com o entorno é proporcionalmente
acompanhado pela individualização dos seus dispositivos codificadores, que
também são formados pela correlação de uma série de outras individualidades.
Tal como afirma Lótman (1998:24), “esta individualidad, consistente
en la posesión de un repertorio de estructuras codificadoras y de una memoria,
que, al tiempo que son comunes a otros dispositivos análogos (condición del
trato), son individuales” possibilita que a personalidade semiótica distintiva de
um sistema modelizante seja construída por meio de uma relação comunicativa,
ao mesmo tempo que conserva e produz novas informações.
Com relação à publicidade, percebe-se que a progressão da sua
multiplicidade interna, em virtude da tradução dos traços característicos da
linguagem lúdica, tende igualmente a reordenar a sua própria individualidade,
que passa a agregar outras tantas, comuns a outros sistemas, a ponto de redefinir
o seu núcleo retórico. Esse aumento de complexidade interna permite
“alargar”
a fronteira entre a publicidade e outros sistemas, além de, concomitantemente,
reafirmar sua tradição retórica, ainda que os parâmetros que direcionam a
compreensão do uso persuasivo da linguagem pelos textos culturais publicitários
tenham sofrido profundas
modificações. Da mesma forma, nota-se que o intenso
262
diálogo da publicidade com a mídia revista também contribuiu para redesenhar
a individualidade semiótica desta última, que passa a se caracterizar igualmente
pela tridimensionalidade expressiva, pelo movimento e pelo envolvimento
sensório, acarretando a redefinição dos seus dispositivos codificadores.
263
Considerações Finais
A começar pela delimitação da pergunta que originou este trabalho, a
observação empírica dos anúncios veiculados em revistas consistiu numa
estratégia metodológica fundamental, de modo que toda a trajetória de análise
foi traçada com base naquilo que era identificado nas próprias peças publicitárias.
Longe de serem uma mera ilustração do que era dito, os anúncios apontaram um
percurso analítico que não apenas apresentou respostas, como também levantou
novas perguntas.
A princípio, a demarcação da concisão e do redesenho como duas
categorias epistemológicas de análise condutoras deste estudo possibilitou o
exame do material coletado segundo duas generalizações que, de forma precisa,
indicaram a existência de dois tipos de arranjos textuais muito recorrentes, ao
mesmo tempo que sinalizaram a existência de mudanças significativas
operacionalizadas na ordenação compositiva dos anúncios. Essa foi a porta de
entrada para o teste da hipótese central aqui abordada  a natureza semiótica-
sistêmica dos anúncios  uma vez que o reconhecimento das mensagens
publicitárias como textos culturais, mediante duas ordenações sígnicas
estreitamente ligadas, tornou possível identificar a existência de diferentes funções
que os anúncios exercem na cultura, além aquela relacionada ao consumo.
É importante enfatizar o quanto a perspectiva de análise trazida pelos
semioticistas da Escola de Tártu-Moscou permitiu ampliar o entendimento acerca
da semiose dos anúncios, pois, em virtude do diálogo que estabelece com outros
sistemas modelizantes, a publicidade passa a ser percebida em toda a sua
amplitude por seu caráter eminentemente semiótico, a despeito do viés ideológico
que incontestavelmente a caracteriza e que, há muito, tem direcionado grande
parte dos estudos sobre os efeitos que a linguagem publicitária é capaz de gerar.
264
Esse ponto de vista impossibilita a realização de um julgamento a priori de todo
e qualquer anúncio, como se todas as peças publicitárias pudessem ser examinadas
segundo um mesmo critério, já que a semiose criada por cada uma depende, e
muito, dos vínculos externos que um texto é capaz de estabelecer com o seu
entorno.
Todas essas questões parecem indicar a existência de uma epistemologia
nos estudos da Escola de Tártu-Moscou, visto que seus fundamentos oferecem
um indicativo da própria possibilidade de construção do conhecimento da
linguagem. Nesse sentido, nota-se a estreita correspondência existente entre o
estabelecimento de categorias como uma estratégia metodológica de estudo e a
análise da cultura proposta pela Semiótica da Cultura, dado que ambas partem,
necessariamente, da experiência fenomênica com aquilo que se pretende conhecer.
Além do mais, como as categorias são extremamente gerais, a ponto que “mais
parecem timbres ou matizes dos conceitos” (PEIRCE, 1974:103), elas sempre
permitirão observar o modo como um conjunto de textos é construído,
considerando toda a variação decorrente da especificidade da modelização que
incide sobre cada um deles.
Dentre as diferentes funções identificadas para os anúncios, destacam-
se, sobretudo, a criadora e a mnemônica, não apenas em virtude da contínua
reordenação das peças aqui estudadas, mas, principalmente, pela presença de
uma memória semiótica inscrita em praticamente todas as mensagens publicitárias
analisadas, sem a qual o redesenho não seria possível. E, como o redesenho é
uma categoria que, neste estudo, abarca todos os textos, inclusive aqueles
marcados também pela concisão, observa-se igualmente a estreita relação
existente entre esse tipo de arranjo textual e as duas funções enunciadas acima,
dada a capacidade dos anúncios redesenhados de reinventar a linguagem e criar
novas espacialidades, mediante o rearranjo de formas expressivas já habituais.
265
Essas foram as primeiras respostas encontradas na tentativa de solucionar
a questão central que conduziu este estudo, ou seja: até que ponto determinadas
formas publicitárias satisfazem uma função eminentemente persuasiva? A
princípio, o reconhecimento das diferentes funções sígnicas dos anúncios, aliado
ao papel que desempenham no circuito edificado pelas mídias, já indicava a
possibilidade de entendimento das peças publicitárias segundo uma perspectiva
que não as limitassem apenas à persuasão voltada ao consumo. Dessa forma, os
anúncios também seriam capazes de produzir novos significados e influir no
devir da cultura e, assim, fomentar o dinamismo que caracteriza o ambiente
edificado pelas mídias, bem como propiciar o desenvolvimento de outras formas
de conhecimento. Posteriormente, a verificação da presença de traços distintivos
da linguagem lúdica em praticamente todas as peças ampliou a análise do viés
persuasivo e retórico dos anúncios, uma vez que estes ainda permanecem, todavia,
não mais com o intuito central de fomentar o consumo, mas de entreter. Também
com relação a essa característica, é importante atentar para a contigüidade
existente entre os traços que distinguem o jogo como texto cultural e o redesenho
dos anúncios. Conforme foi observado ao longo de todo este estudo, se, no
ambiente acústico, as peças publicitárias deixam de subsistir como simples
mensagens “autoritárias” com vistas a reforçar a crença no consumo e passam a
funcionar como jogos que exigem uma participação cada vez maior da audiência,
então, não há como desvincular a nova conformação sígnica dos anúncios do
redesenho da espacialidade por eles construída. Isso ocorre porque todo e
qualquer jogo demarca uma representação muito específica do espaço, visto que
objetiva retirar seus interlocutores da sensatez da vida cotidiana. Por isso, cabe
aos anúncios igualmente construir uma espacialidade singular, que possibilite
ao jogador efetuar uma “pausa” nas tarefas cotidianas sem, contudo, deixar de
funcionar também como uma mensagem publicitária.
266
O aumento de complexidade dos nós internos dos anúncios, em
conseqüência do diálogo que eles estabelecem com outros sistemas culturais,
conduziu a uma outra descoberta: o redesenho da própria mídia revista, cujo
desenho tende a aproximar-se cada vez mais da tridimensionalidade e do
movimento característico da televisão e do cinema. Aliada a esse aspecto, a
proximidade cada vez mais intensa entre a publicidade e a mídia revista fez com
que, em alguns casos, a própria revista se convertesse num anúncio, acarretando
um outro modo de interação entre o usuário e o meio. O uso em questão elucida
a possibilidade de ação da publicidade como mídia, dado o ambiente e os efeitos
que ela também é capaz de produzir, sobretudo no que diz respeito às mudanças
efetivadas na percepção, em virtude da participação e do envolvimento que os
anúncios requerem. Ademais, essas relações indicam, igualmente, a reversibilidade
que a semiose produz na ação exercida por determinados arranjos textuais, pois,
em decorrência da interação estabelecida com outros sistemas modelizantes,
um certo texto pode desempenhar inúmeros papéis, gerando uma mudança
abrupta nas funções comumente associadas a ele.
Tal problemática também pode ser associada à discussão sobre a utilização
do suporte/revista nos anúncios, visto que, dependendo da semiose e da
modelização semiótica, é possível elucidar de que forma o dispositivo material é
“midiatizado” ao ser empregado como parte do arranjo textual. Ao mesmo tempo,
ele próprio pode “propor” algumas possibilidades expressivas, a ponto de sua
neutralidade passar a ser profundamente questionada. Nesse sentido, ao situar
os dispositivos materiais como parte da semiosfera, Débray aponta uma questão
que não pode mais ser apartada do estudo das mídias, dado que os suportes
materiais de inscrição também são envolvidos, de diferentes maneiras, pela
semiose que envolve as relações tradutórias entre sistemas.
267
Todas essas reflexões explicitam o aspecto mais fértil da abordagem
semiótica difundida pelos semioticistas da cultura, uma vez que a observação
empírica dos textos na cultura permite mapear o modo como estes funcionam.
Nesse processo, destacam-se as contínuas mudanças às quais as mensagens estão
expostas, o que, muitas vezes, exige a revisão de determinados conceitos e
pressupostos acerca do papel que certos signos exercem nos processos
comunicativos. Avistar essas mudanças não é simples nem fácil, uma vez que
exige a compreensão mais ampla da especificidade do entorno com o qual os
textos culturais dialogam.
Em síntese, esse foi o percurso analítico trilhado ao longo deste trabalho,
o qual possibilitou o levantamento de perguntas concernentes não apenas ao
viés persuasivo da publicidade, mas ao ambiente ecológico produzido pelas
mídias. Mesmo porque, a interação estabelecida entre os anúncios e o seu entorno
impossibilita abordar o primeiro sem, minimamente, perpassar o segundo. Por
isso, falar sobre uma “retórica do entretenimento” nos anúncios implica retomar
o movimento mais amplo da cultura, sobretudo porque o ambiente acústico
edificado pelos meios eletrônicos tende a incitar ainda mais o encontro entre
diferentes sistemas e, com isso, oferece condições para a formação de inúmeras
“situações retóricas”, tal como define Iuri Lótman. Assim, não apenas a
publicidade, mas outras esferas da cultura também se contaminam por uma outra
“retórica” que, antes de tudo, visa promover a fruição e o envolvimento em
profundidade.
Por isso, os efeitos que a publicidade produz na cultura se ampliam
enormemente, pois somente quando vistos de forma isolada (aspecto este
completamente incompatível com os preceitos desenvolvidos pela escola de
Tártu- Moscou) os anúncios seriam capazes de satisfazer uma função
eminentemente persuasiva com o intuito de promover o consumo. Todavia,
268
uma abordagem extremamente mercadológica, que desconsidera por completo
o viés comunicativo da publicidade, poderia avaliá-la sem correlacioná-la aos
demais sistemas culturais, o que necessariamente restringiria os diferentes
significados que os textos culturais publicitários são capazes de gerar. Quando
examinada como parte do circuito edificado pelas mídias, a publicidade adquire
uma dimensão semiótica e informativa bem mais ampla, a ponto de também
redefinir a semiose das mídias que dialogam com ela, tal como pôde ser observado
com relação à revista.
Além do mais, atualmente, a incorporação da linguagem do entretenimento
não se restringe apenas aos anúncios veiculados em revistas, mas pode ser
igualmente verificada nas mensagens difundidas em mídias há muito utilizadas
pela publicidade, como a televisão, o cinema o rádio e a internet. Também nesses
casos, nota-se uma significativa reordenação da linguagem dos anúncios, de
maneira que muitos deles se parecem cada vez menos com a publicidade
tradicional, consistindo numa ordenação que mal cita o produto e a marca
anunciante, o que contribui para corroborar ainda mais o redesenho do próprio
sistema publicitário, principalmente no que diz respeito ao traço retórico.
Por fim, como foi observado logo no início deste trabalho, é preciso
ressaltar a necessidade de situar os anúncios sob a égide da chamada
“Comunicação Publicitária” uma vez que essa denominação explicita mais
claramente a natureza semioticamente heterogênea dos anúncios, e também
abarca a complexidade que caracteriza os processos de transmissão que envolvem
as mensagens publicitárias. Isso porque, falar em comunicação, no âmbito da
ecologia da mídia, implica falar das transformações que uma mídia é capaz de
produzir. Portanto, definir a existência de uma “Comunicação Publicitária” torna
patente como os anúncios, nos dias atuais, podem gerar distintas formas de
semiose no devir da cultura. Além do mais, se um momento explosivo gera uma
269
profunda reversão nos sistemas, de forma que aquilo que emergiu de maneira
casual se coloca como único caminho de desenvolvimento possível, então, é
preciso atentar para as possibilidades de ampliação futura da publicidade, mediante
a consideração das diferentes funções, sobretudo a criadora e a mnemônica, que
os anúncios desempenham na cultura. Nesse sentido, destaca-se o olhar
extraordinariamente prospectivo presente nos textos realizados nas décadas de
60 e 70 por Marshall MacLuhan, visto que, naquele período, o autor já conseguia
antever as profundas transformações que guiariam o devir da publicidade nos
dias atuais. Esse ponto de vista elucida como a publicidade, entendida como
sistema, pode exercer uma função mais ampla no ambiente da cultura.
270
Referências Bibliográficas
ABBAGNANO, Nicola (2000). Dicionário de Filosofia. Trad. de Alfredo Bosi e Ivone
Castilho Benedetti. 4ª edição. São Paulo, Martins Fontes.
ARISTÓTELES (s.d). Arte Retórica. Trad. de Antonio Pinto de Carvalho. Rio de
Janeiro, Ediouro.
BAITELLO, Norval (2005). A Era da Iconofagia. Ensaios de comunicação e cultura. São
Paulo, Hacker Editores.
BARBOSA, Ivan Santo (org) (2005). Os Sentidos da Publicidade. Estudos
Interdisciplinares. São Paulo, Pioneira Thomson Learning.
BAKHTIN, Mikhail (1996). A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o
contexto de François Rabelais. Trad. de Yara Frateschi. 3ª edição.São Paulo-Brasília,
Edunb- Hucitec.
_________________(1997). Estética da Criação Verbal. Trad. de Maria Ermantina
Galvão G. Pereira. 2ª edição. São Paulo, Martins Fontes.
BARTHES, Roland (1990).A Retórica da Imagem”. In: O Obvio e o Obtuso. Trad.
de Léa Novaes. Rio de Janeiro, Nova Fronteira.
________________ (2001).A Antiga Retórica - Apostila”. In: A Aventura
Semiológica. Trad. de Mário Laranjeira. 1ª edição. São Paulo, Martins Fontes.
BATCHELOR, David (2001). Minimalismo. Trad. de Célia Euvaldo. São Paulo, Cosac
Naify.
BITTAR, Eduardo C. B (2003). Curso de Filosofia Aristotélica. Leitura e Interpretação do
Pensamento Aristotélico. Barueri, Manole.
BLUMER, Herbert (1975).A massa, o público e a opinião pública”. In COHN,
Gabriel (org.). Comunicação e Indústria Cultural. 2ª edição. São Paulo, Editora Nacional.
CALVINO, Ítalo (1990). Seis Propostas para o Próximo Milênio: Lições Americanas. Trad.
de Ivo Barroso. 2ª edição. São Paulo, Companhia das Letras.
CAMPOS, Haroldo (1987). Teoria da Poesia Concreta. Textos Críticos e Manifestos 1950-
1960. São Paulo, Brasiliense.
CARPENTER, Edmund & McLUHAN, Marshall (orgs.) (1980). Revolução na
Comunicação. Trad. de Álvaro Cabral. 3ª edição. Rio de Janeiro, Zahar.
271
CITELLI, Adilson (2001). Linguagem e Persuasão. 15ª edição. São Paulo, Editora
Ática.
CHKLÓVSKI, V (1976).A arte como procedimento”. In: TOLEDO, Dionísio de
Oliveira (org.). Teoria da Literatura. Formalistas Russos. Trad. de Ana Mariza Ribeiro
Filipouski, Maria Aparecida Pereira, Regina L. Ziberman, Antonio Carlos Hohlfeldt.
2ª edição. Porto Alegre, Editora Globo.
COLÓN, Eliseo R (1996). Publicidad, Modernidad, Hegemonía. San Juan, Editorial de
la Universidad de Puerto Rico.
DEBRAY, Régis (1993). Curso de Midiologia Geral. Trad. de Guilherme João de Freitas
Teixeira. Petrópolis, Vozes.
_______________(1995). Manifestos Midiológicos. Trad. de Guilherme João de Freitas
Teixeira. Petrópolis, Vozes.
_______________(2000). Transmitir: o Segredo e a Força das Idéias. Trad. de Guilherme
João de Freitas Teixeira. Petrópolis, Vozes.
DUBOIS, J. EDELINE, F. KLINKENBERG, P. MINGUET, F. PIRE & TRINON,
H (1974). Retórica Geral. Trad. de Carlos Felipe Moisés, Duílio Colombini e Elenir
de Barros. São Paulo, Editora Cultrix- Editora da Universidade de São Paulo.
DUPUY, Jean-Pierre (1996). Nas Origens das Ciências Cognitivas. Trad. de Roberto
Leal Ferreira. São Paulo, Unesp.
ECO, Umberto (1971). A Estrutura Ausente. Introdução à Pesquisa Semiológica. Trad.
de Pérola de Carvalho. São Paulo, Perspectiva - Editora da Usp.
____________ (1991). Tratado Geral de Semiótica. Trad. Antônio de Pádua Danesi e
Gilson César Cardoso de Souza. 2ª edição. São Paulo, Perspectiva.
EPSTEIN, Isaac (org) (1973). Cibernética e Comunicação. Trad. de Isaac Epstein. São
Paulo, Cultrix- Ed. da Universidade de São Paulo.
ESCOREL, Ana Luisa (2004). O Efeito Multiplicador do Design. 3ª edição. São Paulo,
Editora Senac São Paulo.
FARIAS, Priscila Lena (2002). Sign Design, ou o design dos signos: a construção de diagramas
dinâmicos das classes de signos de C. S. Peirce. PEPG em Comunicação e Semiótica,
Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.Tese de doutorado. Orientadora Maria
Lucia Santaella Braga.
FERRARA, Lucrecia D´Alessio (2002). Design em Espaços. São Paulo, Rosari.
272
_________________________(2003). “Epistemologia da Comunicação: além do
sujeito e aquém do objeto”. In: LOPES, Maria Immacolata Vassalo. Epistemologia da
Comunicação. São Paulo, Loyola.
_________________________ (org.) (2007) (no prelo). Espaços Comunicantes. São
Paulo, Anablume.
_________________________(1986). Estratégia dos Signos. 2ª edição. São Paulo,
Perspectiva, 1986.
_________________________(1993). Olhar Periférico: Informação, Linguagem,
Percepção Ambiental. São Paulo, Edusp.
_________________________(1988). Os significados urbanos. São Paulo, Edusp.
FERRATER MORA, José (2001). Dicionário de Filosofia. Trad. de Roberto Leal
Ferreira e Álvaro Cabral. 4ª edição. São Paulo, Martins Fontes.
JORGE, Ana Maria Guimarães (2004). O protodiagrama peirceano na heurística da mente.
PEPG em Comunicação e Semiótica, Pontifícia Universidade Católica, São
Paulo.Tese de doutorado. Orientadora Maria Lucia Santaella Braga.
HAUG, Wolfgand Fritz (1997). Crítica Estética da Mercadoria. Trad. de Erlon José
Paschoal. São Paulo, Editora da Unesp.
HOLLIS, Richard (2001). Design Gráfico. Uma História Concisa. Trad. de Carlos Daudt.
São Paulo, Martins Fontes.
HUIZINGA, Johan. (1971). Homo Ludens. O Jogo como Elemento da Cultura. Trad. de
João Paulo Monteiro. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo- Editora
Perspectiva.
IBRI, Ivo Assad (1992). Kósmos Noetós: A Arquitetura Metafísica de Charles S. Peirce.
São Paulo, Perpectiva- Editora Hólon.
JAKOBSON, Roman (1971). Lingüística e Comunicação. Trad. de Izidoro Blikstein e
José Paulo Paes. São Paulo, Cultrix.
_________________ (1983). “O Dominante”. In: LIMA, Luiz da Costa (org). Teoria
da Literatura em suas Fontes. 2ª edição. Rio de Janeiro, Editora F. Alves.
JHALLY, Sut (1995). Os Códigos da Publicidade. Trad. de Ângela Maria Moreira. Lisboa,
Edições Asa.
273
KERCKHOVE, Derrick de (1997). A Pele da Cultura. Trad. de Luís Soares e Catarina
Carvalho. Lisboa, Relógio D´Água Editores.
LÓTMAN, Iuri (1978). A Estrutura do Texto Artístico. Trad. de Maria do Carmo
Vieira Raposo e Alberto Raposo. Lisboa, Editorial Estampa.
_____________ (1999). Cultura y Explosion. Lo Previsible y lo Imprevisible en los Procesos
de Cambio Social. Trad. de Delfina Muschietti. 1ª edição. Barcelona, Editorial Gedisa.
____________ (1996). La Semiosfera I. Semiótica de la Cultura e del Texto. Trad. e
seleção de Desiderio Navarro. Madrid, Ediciones Frónesis Cátedra Universitat de
València.
____________ (1998). La Semiosfera II. Semiótica de la Cultura, del Texto, de la Conducta
y del Espacio. Trad. e seleção de Desiderio Navarro. Madrid, Ediciones Frónesis
Cátedra Universitat de València.
_____________ (2000). La Semiosfera III. Semiótica de las Artes y de la Cultura. Trad.
e seleção de Desiderio Navarro. Madrid, Edicones Frónesis Cátedra Universitat de
València.
_____________ (1990). “The notion of boundary”. In: Universe of Mind. A Semiotic
Theory of Culture. Trad. de Ann Shukman. Bloomington- Indianápolis, Indiana
University Press.
MACHADO, Arlindo (1995). A Arte do Vídeo. 3ª edição. São Paulo, Brasiliense.
MACHADO, Irene (2004).Ah! Se não fosse McLuhan... In: 27 Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação. Comunicação, Acontecimento, Memória. Porto
Alegre: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.
________________(1989). Analogia do Dissimilar. Bakhtin e o Formalismo russo. São
Paulo, Perspectiva.
________________ (2003).Escola de Semiótica: A Experiência de Tártu-Moscou para o
Estudo da Cultura. São Paulo: Ateliê Editorial.
________________(2001). Linguagem e militância: o cine-documentário de Dziga
Vertov. Revista Olhar. nº 5-6, ano 03, pp. 13-23.
________________ (2005a). “Mediações segundo McLuhan”. In: BRAGANÇA,
Aníbal & MOREIRA, Sônia Virgínia (orgs.). Comunicação, Acontecimento, Memória.
São Paulo, Intercom.
274
________________(2005b). “O Ponto de Vista Semiótico”. In: HOHLFELDT,
Antonio. MARTINO, Luiz C. & FRANÇA, Vera Veiga (orgs.). Teorias da Comunicação.
Conceitos, Escolas, Tendências. 5ª edição. Petrópolis, Vozes.
________________ (1995). O Romance e a Voz. A Prosaica Dialógica de Mikhail Bakhtin
.
Rio de Janeiro, Imago.
________________ (2000). “Redescoberta do sensorium: rumos críticos das
linguagens interagentes”. In: MARTINS, Maria Helena (org.). Outras leituras: literatura,
televisão jornalismo de arte e cultura, linguagens interagentes. São Paulo, Editora Senac;
Itaú Cultural.
________________ (2002). “Semiótica como teoria da comunicação”. In: WEBER,
Maria Helena. BENTZ, Ione & HOHLFELDT, Antonio (orgs). Tensões e objetos na
pesquisa em comunicação. Porto Alegre, Sulina.
MAGARIÑOS DE MORENTIN, Juan A (1991). El mensaje publicitario. Nuevos ensayos
sobre semiótica y publicidad. 2ª edição. Buenos Aires, Edicial.
MAINGUENEAU, Dominique (2001). Análise de Textos em Comunicação. Trad. de
Cecília P. de Souza-e-Silva e Décio Rocha. São Paulo, Cortez.
MARTIN-BARBERO. Jesús (2003). Dos meios às mediações. Comunicação, cultura e
hegemonia. Trad. de Ronald Polito e Sérgio Alcides. 2ª edição. Rio de Janeiro, Editora
Ufrj.
MATTELART, Armand & MATTELART, Michèle (1999). História das Teorias da
Comunicação. Trad. de Luiz Paulo Rouanet. São Paulo, Loyola.
McLUHAN, Marshall (1972). A galáxia de Gutenberg. A Formação do Homem Tipográfico.
Trad. de Leônidas Gontijo de Carvalho e Anísio Teixeira. São Paulo, Cia Editora
Nacional- Editora da Universidade de São Paulo.
__________________ (1989). Os meios de comunicação como extensões do homem. Trad.
de Décio Pignatari. São Paulo, Cultrix.
__________________ & FIORE, Quentin (s.d.). Os meios são as massagens. Um
inventário de efeitos. Rio de Janeiro, Record.
___________________& PARKER, Harley (1975). O espaço na poesia e na pintura
através do ponto de fuga. São Paulo, Hemus.
__________________ & WATSON, Wilfred (1973). Do Clichê ao Arquétipo. Trad.
de Ivan Pedro de Martins. Rio de Janeiro, Record.
275
McLUHAN, Stephanie & STAINES, David (orgs.) (2005). McLuhan por McLuhan:
conferências e entrevistas. Trad. Antonio de Padua Danesi. Rio de Janeiro, Ediouro.
McLUHAN, Eric & ZINGRONE, Frank (orgs.) (1998). McLuhan. Escritos Esenciales.
Trad. de Jorge Basaldúa e Elvira Macías. 1ª edição. Barcelona, Paidós.
MELLO, Chico Homem de (2003). Os desafios do design. São Paulo, Rosari.
MOLES, Abraham (1969). Teoria da informação e percepção estética. Trad. de Helena
Parente Cunha. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro.
MONTAGU, Ashley (1988). Tocar. O Significado Humano da Pele. Trad. de Maria
Sílvia Mourão Netto. 5ª edição. São Paulo, Summus.
MORIN, Edgar (1977). O método I- A natureza da natureza. Trad. de Maria Gabriela
de Bragança. 2ª edição. Portugal, Publicações Europa-América.
MUNARI, Bruno (2002). Das Coisas Nascem Coisas. Trad. de José Manuel de
Vasconcelos. São Paulo, Martins Fontes.
ONG, Walter (1998). Oralidade e cultura escrita: a tecnologização da palavra. Trad. de
Enid Abreu Dobránszky. Campinas, Papirus.
PEIRCE, Charles Sanders (1974). Escritos Coligidos. Trad. de Armando Mora
D´Oliveira e Sergio Pomerangblum. 1ª edição. São Paulo, Abril Cultural.
_____________________ (1990). Semiótica. Trad. de José Teixeira Coelho Neto.
edição. São Paulo: Perspectiva.
_____________________ (1975). Semiótica e filosofia. Trad. de Octanny Silveira da
Mota e Leonidas Hegenberg. São Paulo, Cultrix.
PÉNINOU, Georges (1976). Semiótica de la Publicidad. Barcelona, Editorial Gustavo
Gili.
PEREIRA, Mirna Feitoza (2005). “Porcarias” Inteligência, Cultura: Semioses da Ecologia
da Comunicação da Criança com as Linguagens do Entretenimento, com Ênfase nos Games e
nos Desenhos Animados. PEPG em Comunicação e Semiótica, Pontifícia Universidade
Católica, São Paulo.Tese de doutorado. Orientadora Irene Machado.
PEREZ TORNERO, J.M (1982). Semiótica de la Publicidad. Editorial Mitre,
Barcelona.
PIGNATARI, Décio (1973). Contracomunicação. 2ª edição. São Paulo, Perspectiva.
276
_________________(1969). Informação. Linguagem. Comunicação. 3ª edição. São Paulo,
Perspectiva.
_________________ (1979). Semiótica e Literatura. Icônico e verbal. Oriente e Ocidente.
2ª edição. São Paulo, Cortez & Moraes.
_________________ (2002).Comunicação: objeto, objetivos, objeções”. In
WEBER, Maria Helena. BENTZ, Ione. HOHLFELDT, Antonio (orgs.). Tensões e
Objetos na Pesquisa em Comunicação. Porto Alegre, Sulina.
RABAÇA, Carlos Alberto & BARBOSA, Gustavo (1978). Dicionário de comunicação.
Rio de Janeiro, Codecri.
REALE, Giovani (1985). Introducción a Aristóteles. Barcelona, Editorial Herder.
REBOUL, Olivier (1975). O slogan. Trad. de Inácio Assis Silva. São Paulo, Cultrix.
RICKEY, George (2002). Construtivismo. Origens e evolução. Trad. de Regina de Barros
Carvalho. São Paulo, Cosac & Naify.
SANTAELLA, Lúcia (1992). A Assinatura das Coisas. Peirce e a Literatura. Rio de
Janeiro, Imago.
__________________(1995). A Teoria Geral dos Signos. Semiose e Autogeração. São
Paulo: Ática.
__________________(1996). Cultura das Mídias. São Paulo, Experimento.
__________________(2003). Da cultura das mídias à cibercultura: o advento do
pós-humano. Revista Famecos: mídia, cultura, tecnologia. Porto Alegre, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. n. 22, pp. 23-32.
__________________ (2004). Navegar no Ciberespaço. O Perfil Cognitivo do Leitor
Imersivo. São Paulo, Paulus.
SANTOS, Milton (2004). A natureza do espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São
Paulo, Edusp.
______________ (2002). Por uma Geografia Nova: Da Crítica da Geografia a uma
Geografia Crítica. São Paulo, Edusp.
SCHNAIDERMAN, Boris (org.) (1979). Semiótica Russa. Trad. de Aurora Fornoni
Bernardini, Boris Schnaiderman e Lucy Seki. São Paulo, Perspectiva.
SEBEOK, Thomas A (1997). “Comunicação”. In: RECTOR, Mônica & NEIVA,
Eduardo (orgs.). Comunicação na Era Pós Moderna. Petrópolis, Vozes.
277
SIGNATES, Luiz (1998). Estudo sobre o Conceito de Mediação. Revista Novos
Olhares. São Paulo, Escola de Comunicação e Arte- Universidade de São Paulo. n.
2, pp. 37-49.
SILVEIRA, Lauro Frederico Barbosa da (1983). Semiótica Peirceana e Produção
Poética. Revista TRANS/FORM/AÇÃO: Revista de Filosofia. São Paulo, Universidade
Estadual Paulista.V. 6, pp. 13-23.
SODRÉ, Muniz (2002). Antropológica do Espelho. Uma Teoria da Comunicação Linear e
em Rede. Petrópolis, Vozes.
SOUZA, Geraldo Tadeu (2002). Introdução à Teoria do Enunciado Concreto do Círculo
Bakhtin/Volochinov/Medvedev. 2ª edição. São Paulo, Humanitas.
VALÉRY, Paul (1998). Introdução ao Método de Leonardo Da Vinci. Trad. de Geraldo
Gérson de Souza. São Paulo, Editora 34.
XAVIER, Ismail (1984). O Discurso Cinematográfico. A Opacidade e a Transparência.
edição. São Paulo, Paz e Terra.
WEAVER,W. (1975). “Teoria matemática da comunicação”. In COHN, Gabriel
(org.). Comunicação e Indústria Cultural. 2ª edição. São Paulo, Editora Nacional.
WIENER, Norbert (1980). Cibernética e Sociedade. O Uso Humano de Seres Humanos.
Trad. de José Paulo Paes. São Paulo, Cultrix.
WOLF, Mauro (2005). Teorias das Comunicações de Massa. Trad. Karina Jannini.
edição. São Paulo, Martins Fontes.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo