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CAPÍTULO III: CONTRA-INSURGÊNCIA E RESISTÊNCIA
INTRODUÇÃO
Meu objetivo neste capítulo III é trazer os dados de realidade para compor a nossa análise.
Pretendo assim voltar o olhar para o narcofavela a partir das perspectivas que foram se
construindo ao longo desse trabalho, mas também propor que a essas questões se enrede
ainda outra, fundamental: a questão étnica
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como elemento que renova o sentido de
opressão presente nestes espaços.
A perspectiva que vamos adotar passa então pela afirmação do caráter étnico da
dominação que recai sobre as favelas.
24 Não existe base científica para afirmar uma diferenciação na espécie humana que
justifique o termo ‘raça’, conforme comprovado pelo Projeto Genoma Humano, assim a
perspectiva da étnia aqui considerada não pretende renovar esse sentido e deve ser
entendida na perspectiva construída por Marilena Chauí: “Os antigos gregos falavam em
etnia e genos, os antigos hebreus, em povo, os romanos, em nação; e essas três palavras
significavam o grupo de pessoas descendentes dos mesmos pais originários. Alguns
dicionários indicam que, no século XII, usava-se a palavra francesa haras para se referir à
criação de cavalos especiais e pode-se supor que seu emprego se generalizou para outros
animais e para vegetais, estendendo-se depois aos humanos, dando origem à palavra raça.
Outros julgam que a palavra se deriva de um vocábulo italiano, usado a partir do século XV,
razza, significando espécie animal e vegetal e, posteriormente, estendendo-se para as
famílias humanas, conforme sua geração e a continuidade de suas características físicas e
psíquicas (ou seja, ganhando o sentido das antigas palavras etnia, genos e nação).
Quando, no século XVI, para seqüestrar as fortunas das famílias judaicas da Península
Ibérica, a fim de erguer um poderio náutico para criar impérios ultramarinos, a Inquisição
inventou a expressão limpeza de sangue, significando a conversão dos judeus ao
cristianismo. Com isso, a distinção religiosa, que separava judeus e cristãos, recebeu pela
primeira vez um conteúdo étnico. É interessante observar, porém, que a palavra racial surge
apenas no século XIX, particularmente com a obra do francês Gobineau, que, inspirando-se
na obra de Darwin, introduziu formalmente o termo raça para combater todas formas de
miscigenação, estabelecendo distinções entre raças inferiores e superiores, a partir de
características supostamente naturais. E, finalmente, foi apenas no século XX que surgiu a
palavra racismo, que, conforme Houaiss, é uma crença fundada numa hierarquia entre
raças, uma doutrina ou sistema político baseado no direito de uma raça, tida como pura e
superior, de dominar as demais. Com isso, o racismo se torna preconceito contra pessoas
julgadas inferiores e alimenta atitudes de extrema hostilidade contra elas, como a
separação ou o apartamento total - o apartheid - e a destruição física do genos, isto é, o
genocídio.
Seja no caso ibérico, seja no da colonização das Américas, seja no de Gobineau, seja no do
apartheid, no do genocídio praticado pelo nazismo contra judeus, ciganos, poloneses e
tchecos, ou o genocídio atual praticado pelos dirigentes do Estado de Israel contra os
palestinos, a violência racista está determinada historicamente por condições materiais, isto
é, econômicas e políticas. Em outras palavras, o racismo é uma ideologia das classes
dominantes e dirigentes, interiorizada pelo restante da sociedade (Chauí, s/d, entrevista
concedida por Marilena Chauí e publicada no Portal do PT, em www.pt.org.br).