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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
THIAGO FELIPE VARGAS SIMÕES
FAMÍLIA, AFETO E SUCESSÃO
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
THIAGO FELIPE VARGAS SIMÕES
FAMÍLIA, AFETO E SUCESSÃO
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título Mestre em
Direito Civil sob a orientação do Prof. Doutor.
Francisco José Cahali.
SÃO PAULO
2007
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Banca Examinadora
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Agradeço, inicialmente, a Deus, pelo dom da vida e
pela família que tenho.
Agradeço aos professores e amigos, Dr. Flávio
Cheim Jorge e Dr. Marcelo Abelha Rodrigues, pelo
incentivo e apoio desde o início desta empreitada.
Agradeço aos meus amigos que ficaram na
maravilhosa terra capixaba (de quem a saudade não
foi capaz de me afastar) pela compreensão de não
poder estar com eles em todos os momentos, bem
como aos novos que fiz ao longo deste curso, de
norte a sul deste país.
Agradeço aos professores que tive ao longo deste
maravilhoso curso de Mestrado: Dr. Arruda Alvim,
Dr. Donaldo Armelin, Dr. Francisco José Cahali, Dr.
Márcio Pugliesi e Dr. Nelson Luiz Pinto, pelas
inesquecíveis aulas e debates proporcionados.
Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Francisco
José Cahali, que sempre se mostrou interessado na
realização deste trabalho. Por sua amizade e
atenção dispensada.
Agradeço, com apreço especial, à professora,
magistrada e amiga, Drª. Vasti Maria de Jesus (tia
Vasti) que desde o início da minha vida e trajetória
no mundo jurídico me acompanha, me alentando
com muito amor, carinho e atenção.
Dedico este trabalho às pessoas mais importantes
da minha vida: aos meus pais (Carlos e Janete) e à
minha irmã Maria Carolina (Cacá), de quem fiquei
privado de suas companhias por longos dois anos
para que este sonho pudesse ser realizado. Sem o
apoio e amor de vocês não teria condições de
cumprir essa jornada!
Dedico, em especial, à memória do meu avô Hugo
de Vargas Fortes. A saudade deixada ao longo
desses 9 anos só não são maiores do que o amor e
o carinho que existem no meu coração!
“Quando se quer mudar os costumes e as maneiras,
não se deve mudá-las pelas leis”
Montesquieu
RESUMO
PALAVRAS CHAVES: FAMÍLIA; AFETIVIDADE; SUCESSÃO
O Direito das Sucessões tem ligação com todas as suas demais áreas. Suas
normas, como o Direito de Família, são revestidas de caráter público. As relações
familiares se modificam não apenas por questões tratadas pelo legislador, já que a
partir de 1988 a família passou a ter proteção constitucional, com sua regras
princípios ditados pela Carta Magna, gerando conseqüências no campo do Direito
das Sucessões. O trabalho consiste em demonstrar a importância do elemento
AFETO como formador de família, indo além das regras pré-estabelecidas pelo atual
texto de Código Civil e dar um novo tratamento aos princípios fundamentais que
norteiam as relações de parentesco, com vistas a assegurar o direito sucessório aos
afetivamente relacionados.
ABSTRACT
KEY WORDS: FAMILY; AFFECTIVITY; SUCCESSION
The Inheritance law has linking with all its too much areas. Its norms, as the Family
law, is coated with public character. The familiar relations if modify not only for
questions treated for the legislator, since from 1988 the family started to have
constitutional protection, with its rules principles dictated for the Great Letter,
generating consequences in the field of the Inheritance law. The work consists of
demonstrating to the importance of the element AFFECTION as family former, going
beyond the rules daily pay-established for the current text of Civil Code and giving a
new treatment to the basic principles that guide the blood relations, with affectively
related sights to assure the successory right to.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
10
CAP. I – DO DIREITO SUCESSÓRIO
13
1.1 – NOTAS INTRODUTÓRIAS 13
1.2 – ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA 15
1.3 – FUNDAMENTOS 33
1.4 – CONTEÚDO E CONCEITO 38
1.5– DA VOCAÇÃO DOS HERDEIROS 41
1.5.1 – Da legitimação para suceder: a influência da indignidade e
deserdação – a importância do afeto
42
1.6– DOS TIPOS DE SUCESSORES 48
CAP. II – DA ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA
50
2.1 – INTRODUÇÃO 50
2.2 – DOS REGIMES DE BENS
51
2.2.1 – Comunhão parcial
54
2.2.2 – Comunhão total
58
2.2.3 – Participação final nos aqüestos
60
2.2.4 – Separação
61
2.3 – A ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDIT
Á
RIA TRAZIDA PELO ATUA
L
TEXTO DE CÓDIGO CIVIL
63
2.4 – DA SUCESSÃO DOS DESCENDENTES E DO CÔNJUGE
66
2.5 – DA SUCESSÃO DOS ASCENDENTES E DO CÔNJUGE
70
2.6 – DA SUCESSÃO DO CÔNJUGE
72
2.7 – DA SUCESSÃO DOS COLATERAIS
74
2.8 – DA SUCESSÃO DO COMPANHEIRO
74
2.8.1 – Considerações gerais
75
2.8.2 – Do regime patrimonial e peculiaridades da sucessão
78
CAP. III – DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO
83
3.1 – INTRODUÇÃO
83
3.2 – LINHAS E GRAUS DE PARENTESCO 85
3.3 – DOS TIPOS DE PARENTESCO 88
3.3.1 – Por consangüinidade
88
3.3.2 – Civil - Por adoção
89
3.3.3 – Espiritual e Afinidade
92
3.3.4 – Pelo afeto – A família afetiva – O afeto como formador de
família
93
CAP. IV – AS NOVAS TENDÊNCIAS DA FAMÍLIA E SUAS INFLUÊNCIAS
NO DIREITO SUCESSÓRIO
110
4.1 – INTRODUÇÃO 110
4.2 – SUCESSÃO PELA AFETIVIDADE – A VALORIZACAO DO AFETO
ENTRE OS MEMBROS DA FAMÍLIA 114
4.2.1 – Introdução
114
4.2.2 – Posição legal
117
4.2.3 – Nosso entendimento
118
CONSIDERAÇÕES FINAIS
124
REFERÊNCIAS
128
10
INTRODUÇÃO
O Direito das Sucessões, no que se refere à regulamentação da transmissão de um
conjunto de bens de alguém para seus herdeiros, não é composto por normas das
mais novas.
Essa relação jurídica de transmissão de bens possui vários elementos, mantendo-
se, mesmo com a mudança de um dos pólos da relação inicial, o objeto em seu
estado inicial.
O Direito das Sucessões encontra-se em contato constante com todas as áreas do
Direito Civil. Suas regras, como o Direito de Família, possuem uma roupagem de
cunho público, vez que dita regras e mecanismos de todo um sistema de
determinada nação.
Desde a edição do texto de Código Civil elaborado por Clovis Bevilaqua, cuja
vigência se iniciou em 1917, a família sempre teve tratamento especial dispensado
pelo legislador.
Seus conceitos, idéias e finalidades vieram se modificando ao longo dos anos. A
família passou a ter suas regras modificadas não apenas por leis, mas, também,
pela sua própria evolução.
Forjado nas idéias do início do século passado, o Código Civil trouxe em seu bojo os
reflexos de uma família patriarcal, numa perspectiva inteiramente machista, cuja
divisão estava concentrada na pessoa do homem, e até a promulgação da
Constituição Federal de 1988 esta visão foi paulatinamente se modificando.
Evidente que as alterações não se restringem à Carta Magna de 1988, vez que a
noção de núcleo familiar está sempre em processo de mutação, sem perder a sua
essência: a de ser, num primeiro prisma, instituição de cunho jurídico/social que tem
como fonte originária o casamento e a união estável constituída por pessoas de
sexos opostos; e num segundo prima, instituição por meio da qual se criam vínculos
11
decorrentes das relações entre pessoas, como o vínculo conjugal, o de parentesco e
o de afinidade.
Mas nem sempre as relações se formam apenas por questões tratadas pelo
legislador, pois com o advento da CF/88, a família passou a ser tratada numa
perspectiva constitucional, sofrendo influência direta das regras e dos princípios que
permeiam a seara política/social em nosso país.
Essa mesma família, que outrora era composta apenas por aqueles que a lei
elencava, tem, nos tempos atuais, um novo elemento formador: o afeto, o amor!
Esse elemento é que nos faz transcender ao longo deste estudo das regras pré-
estabelecidas pelo atual texto de Código Civil e dar um novo tratamento aos
princípios fundamentais que norteiam as relações de parentesco, com vistas a
assegurar o direito sucessório aos afetivamente relacionados.
Sempre que possível serão colacionadas fontes doutrinárias, em sua grande maioria
de Direito Civil, ressaltando que quando necessária à compreensão do trabalho,
normas de direito processual também serão abordadas, bem como jurisprudências e
opinião deste autor.
Nossa proposta é apresentar soluções a uma questão que envolve a realidade das
famílias denominadas sócio-afetivas. Trazemos considerações sobre os direitos
sucessórios de filhos de criação, que nos faz, sempre que necessário, apresentar
nossas convicções acerca de modificações que o atual texto de Código Civil deveria
sofrer para corrigir tal esquecimento do legislador.
No primeiro capítulo é feita uma ampla análise dos elementos do Direito das
Sucessões, sua origem e evolução histórica, trazendo considerações doutrinárias e
pessoais sobre temas que são relevantes no desenvolvimento e na conclusão deste
trabalho.
A ordem de vocação hereditária é tema de análise no segundo capítulo, onde
abordamos não apenas as modificações que o atual texto de Código Civil trouxe
12
quando de sua edição, mas, também, as regras atinentes aos regimes de bens do
casamento e suas implicações no momento da sucessão.
No terceiro capítulo analisaremos as regras que dizem respeito às relações de
parentesco, trazendo as disposições do atual texto de Código Civil como uma
posição que nele encontra lacuna que a doutrina e jurisprudência já tratam (ainda
que de forma tímida): as relações de parentesco oriundas da afetividade.
Serão analisados, de maneira mais detalhada, os elementos que compõem e dão
corpo à relação de afeto (paternidade/filiação sócio-afetiva), isto é, o estado de
filiação, a posse do estado de filho e o valor jurídico do amor como criador de
família.
Por fim, no quarto e último capítulo, trataremos das novas tendências da família e
suas implicações no Direito das Sucessões, em especial à sucessão dos vinculados
afetivamente, expondo nossas razões e propostas para uma aplicação mais justa e
social do direito sucessório, em conjugação com os princípios dos direitos de família
e constitucional.
Na conclusão do trabalho é feita uma abordagem sobre o panorama jurídico-social
da sucessão pela afetividade, indicando quais são os pontos que entendemos ser
mais carentes de alterações e atenção especial por parte do legislador, no sentido
de abarcar os filhos da adoção à brasileira na sucessão de seus “pais”, com o
escopo de tornar mais real a finalidade do Direito e a real intenção do legislador
quando optou por traçar o atual texto de Código Civil, com base nos princípios da
eticidade, função social e boa-fé.
Para que não haja estranheza por parte dos leitores, cumpre-nos esclarecer que ao
tratarmos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, não utilizaremos a expressão
“Código Civil novo”, por entendermos não se tratar de um novo código, mas, sim, de
uma atualização da lei civil de nosso país, tendo como novidade apenas o
paradigma que o concebeu: refletir uma alteração profunda dos elementos trazidos
pela formulação original de Clovis Bevilaqua.
13
CAP. I – DO DIREITO SUCESSÓRIO
1.1 – NOTAS INTRODUTÓRIAS
Oriunda do termo latino successio, a palavra sucessão traz a noção de que alguém
assume o lugar de outra pessoa, passando a responder pelos seus bens, direitos e
obrigações anteriormente contraídos. Sucessão, portanto, nada mais é do que
transmissão de direitos.
Para uma melhor compreensão, podemos dizer que a palavra sucessão deve ser
vista sobre dois prismas: um subjetivo e outro objetivo. Pelo aspecto subjetivo, trata-
se do direito de alguém adquirir bens e obrigações do falecido, ao passo que, sob o
aspecto objetivo, refere-se às leis que regem a transferência integral dos bens e das
obrigações que a compõem o patrimônio do falecido.
1
A sucessão é uma relação jurídica complexa, com vários elementos ou condições,
que são também fases pelas quais deve passar até atingir a sua finalidade: a) morte
do autor da herança ou abertura da sucessão; b) devolução da herança ou vocação
hereditária; c) sobrevivência e idoneidade do sucessor; d) aquisição ou aceitação da
herança.
2
Portanto, quando ocorre a substituição pelos legitimados a tal, a relação
jurídica primária não sofre nenhum prejuízo, tendo em vista a permanência do objeto
da relação em seu estado inicial, sendo alterado, apenas, um dos pólos da relação.
A mencionada alteração se procede com a integralidade dos
bens/direitos/obrigações (denominada sucessão a título universal) ou de forma
restrita, sendo determinados os direitos/obrigações que serão transmitidos a quem
de direito (denominada sucessão a título singular).
1
“(...) a palavra sucessão designa um modo especial de aquisição, consistente na transmissão
universal do patrimônio de uma pessoa falecida a uma ou mais pessoas vivas.”. (CARVALHO
SANTOS, J.M. de. Código civil brasileiro interpretado, p. 6).
2
CUNHA GONÇALVES, Luiz da. Tratado de direito civil, tomo 9, vol. 2, p. 590.
14
As referidas sucessões operam-se de duas formas: durante a vida do titular
(sucessão inter vivos) ou em decorrência da morte do titular (sucessão causa
mortis); abrangendo, esta última, a totalidade do patrimônio do morto.
O Direito das Sucessões é enraizado nas demais áreas de nosso Direito Civil,
possuindo vínculo com o Direito das Obrigações, Direito das Coisas e Direito de
Família.
3
-
4
-
5
. Ainda que esteja posto como um direito privado, não pairam dúvidas
acerca de sua característica pública, assim como o Direito de Família, vez que dita
regras e mecanismos de todo um sistema de determinada nação.
Sob nossa ótica, a matéria tem sua abrangência facilmente detectável diante da
própria ordem dos Livros do Código Civil (Parte Geral e Parte Especial – Direito das
Obrigações, Direito das Coisas, Direito de Família e Direito das Sucessões), haja
vista a facilidade de visualizar toda a vida do ser humano dessa maneira: o indivíduo
nasce, passa a ser sujeito de direitos e obrigações, adquire bens, constitui família e
falece, deixando os bens/direitos/obrigações adquiridos para seus herdeiros.
3
Segundo ROSA, Alcides (Noções de direito civil, p. 239), “O direito das sucessões se relaciona,
intimamente, com o direito de família, pois é pelo parentesco que se estabelece a ordem da vocação
da herança, não deixando, entretanto, de ter numerosos pontos de contacto com outras partes do
Código.”.
4
LACERDA DE ALMEIDA, Francisco de Paula. (Sucessões, p. II), “A familia, repetem os philosophos
de todos os credos, é a cellula mater da sociedade civil; de sua organisação vigorosa ou fragil
depende a fortaleza ou imbecilidade do povo, o qual outra cousa não é que vasto aggrupamento de
famílias. Ora o regimen da propriedade na familia e consequente transmissão dos bens por morte do
chefe ou de algum de seus membros é assumpto que altamente interessa a garantia e segurança
dessa sociedade nuclear da qual depende a grande sociedade que se chama nação. A constituição
da propriedade na familia reflecte as crenças moraes e religiosas do tempo, e tem no Direito das
Sucessões seu mais accentuado indice; é claro, porque no modo de transmissão dos bens por morte
está estereotypada a idéa que em certa época vigora ácerca da familia e do papel que é chamada a
desempenhar na sociedade.”.
5
CUNHA GONÇALVES (ob. cit., p. 594): “A sucessão é, ainda, sob outro aspecto, a mais complexa
de tôdas as relações jurídicas, como se verifica pelo seguinte: a) nos direitos reais, a relação se
estabelece, sòmente, entre o sujeito do direito e uma cousa, e são indeterminados os sujeitos da
obrigação, que é puramente negativa, pois consiste em não impedir ou não lesar aquêle direito; b)
nos direitos de obrigações, a relação estabelece-se entre pessoas determinadas, a obrigação é
positiva e tem por objecto uma prestação de cousa ou facto, que não preexiste no patrimônio do
credor ou do sujeito de direito; c) nos direitos de família encontramos direitos reais e direitos de
obrigação, e mais, os direitos de carácter pessoal e moral, derivados da instituição natural e social,
que é a família; d) enfim, na sucessão, entram tôdas as relações precedentes e aparece mais a
apontada transmissão de bens por morte do seu titular.
15
Espelhado no civilismo francês, nosso ordenamento adotou o denominado direito de
saisine
6
-
7
-
8
, pelo qual, morto o titular dos direitos e obrigações, transmite-se,
imediatamente, sua posse aos herdeiros.
Ramo integrante da parte especial do Direito Civil, o Direito das Sucessões trata da
alocação de todos os bens e obrigações contraídas pelo de cujus
9
, cumprindo-nos
ressaltar que tal ramo do Direito abriga apenas as relações entre pessoas físicas,
vez que apenas estas podem exprimir suas disposições de última vontade.
10
Direito hereditário ou das sucessões, como visto, é o complexo dos princípios
segundo os quais se realiza a transmissão do patrimônio de alguém que deixou de
existir. Essa transmissão constitui a sucessão; o patrimônio transmitido denomina-se
herança; e quem a recebe se diz herdeiro.
11
-
12
As novas tendências e modificações sofridas pelo Direito de Família exerceram forte
influência sobre o Direito das Sucessões, o que pode acarretar mudanças na ordem
dos vocacionados, pois o reconhecimento do afeto como criador de vínculo familiar
trará, como veremos em Capítulo próprio, uma nova visão no campo da vocação
hereditária.
6
“A noção de saisine remota ao tempo dos francos, mas são os documentos dos tempos
merovíngeos e carolíngeos que nos permitem avaliar o sentido do termo saisine designando na Idade
Média, o poder legítimo de uma pessoa obter e conservar uma coisa que pertencera a um parente.”.
(LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo Código Civil, vol. xxi – Do direito das sucessões,
p. 6).
7
“L’affectation familiale des biens des membres de la famille se traduit d’une autre manière. Il est
nécessaire que les biens soient affectés non seulement à l’entretien, mais á la survie de la famille. Les
enfants créent de nouvelles familles; pour qu’elles puissent poursuivre l’oeuvre commencée par les
générations précédentes, il faut qu’elles reçoivent les biens familiaux. Le patrimoine familial assurera
ainsi l’unité entre les familles qui se succédent.”. (MAZEAUD et MAZEAUD. Leçons de droit civil, tome
quatrième – regimes matrimoniaux, successions et libéralités, p. 532).
8
“(...). A abertura da sucessão dá-se com a morte, e no mesmo instante os herdeiros a adquirem. Em
nenhum momento, o patrimônio permanece acéfalo. (...). Ocorrida a morte, no mesmo instante são os
herdeiros. (...):”. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, vol. VI, p. 17).
9
Abreviação da expressão “de cuius sucessione agitur”.
10
Corroborando nossas afirmações, nesse sentido é a doutrina de TELLES, Inocêncio Galvão (Direito
das sucessões – noções fundamentais, p. 9): “O direito das sucessões faz parte do direito civil. O
direito civil, como se sabe, é o direito privado comum, ou seja, o direito aplicável à generalidade das
relações entre os particulares. O destino que há-de ter o cervo de direito e obrigações de cada
indivíduo para lá da sua morte é um aspecto dessas relações. Está em causa a projecção jurídica
além-túmulo da pessoa. Por isso nos encontramos sob a jurisdição ou na órbita do direito civil.”.
11
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das sucessões, p. 12.
12
No mesmo sentido: MAXIMILIANO, Carlos (Direito das sucessões, vol. I, p. 22): “O direito
hereditário surge e afirma-se na sociedade qual complemento natural da geração entre os homens;
esta é a causa de sucessão interminável na vida da humanidade.”.
16
1.2 – ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Lastreada na idéia de continuidade, o direito das sucessões não é um ramo dos
mais novos do Direito Civil, haja vista a influência das antigas civilizações.
Entretanto, estas o conheciam de forma diversa da apresentada a nós
hodiernamente.
Segundo Bevilaqua
13
:
“Os povos primitivos desconheceram o direito sucessório no sentido moderno da
expressão. Vivendo em grupos familiares em comunhão de bens, todos os membros
desses grupos eram proprietários comunistas, pais e filhos, ascendentes,
descendentes e afins.
A primeira manifestação do direito hereditário aparece com a sucessão do dos
chefes. Ao chefe, cabe não só a direção política do grupo, si uma tal expressão não é
por demais ousada, como também a administração do patrimônio comum.”.
14
De acordo com Cunha Gonçalves, “o instituto da sucessão remonta à noite dos
tempos, porque êle encontra-se regulado já, como dissemos, no Código de
Hamurabi, rei de Babilônia, no século XXI antes da E. C., assim como no direito dos
Hindus, dos Egípcios, etc.”.
15
É possível encontrar registros do direito sucessório na Índia antiga, onde havia o
denominado Manava Dharma Zastra (o então livro de Leis de Manú já trazia
peculiaridades sobre a sucessão daquele povo). Na legislação de Manú, a finalidade
do matrimônio não era outra senão da conservação da espécie e a procriação,
sendo que somente a este era dado fazer os sacrifícios mortuários pelos quais o
defunto se elevava a um céu superior ou se libertava do inferno.
16
Na Índia, diz Itabaiana de Oliveira, “a herança pertencia ao mais próximo sapinda; na
falta deste, ao samanodaca, e não existindo este grupo, aos descendentes de um
mesmo rishi.”.
17
-
18
13
BEVILAQUA. Ob. cit., p. 70.
14
No mesmo sentido: “Os povos primitivos, vivendo em grupos familiares sob a autoridade do pater e
em completa comunhão de bens, não conheceram a sucessão, tal qual a entendemos atualmente.”.
(ITABAIANA DE OLIVEIRA, Arthur Vasco. Tratado de direito das sucessões, vol. I, p. 125).
15
CUNHA GONÇALVES. Ob. cit., p. 605.
16
ZANNONI, Eduardo A. Derechos de las sucesiones, tomo I, p. 2.
17
ITABAIANA DE OLIVEIRA. Ob. cit., p. 126.
17
Fustel de Coulanges
19
diz que:
“(...) na época em que essas antigas gerações principiaram a fantasiar sobre a vida
futura, os homens não acreditavam ainda em recompensas nem em castigos;
julgavam não depender a felicidade do morto da conduta mantida pelo homem
durante a sua vida, mas daquela mantida pelos seus descendentes para com este,
depois de sua morte. Por isso, cada pai esperava da sua posteridade aquela série de
refeições fúnebres que assegurasse aos seus manes repouso e felicidade.
Este conceito foi princípio fundamental do direito doméstico entre os antigos. Daí
derivou, como regra, deverem todas as famílias perpetuar-se para todo o sempre. Os
mortos tinham a necessidade de que sua descendência nunca se extinguisse. No
túmulo, onde continuavam a vida, os mortos não tinham outro motivo para sua
inquietação que o receio de vir a romper-se a sua cadeia de descendência. O seu
pensamento único como o seu único interesse estavam em terem sempre um homem
de seu sangue para lhes levar as oferendas ao túmulo. Do mesmo modo, o hindu
acreditava que os mortos lhe repetiam incessantemente: ‘Oxalá nasçam sempre
filhos na nossa linhagem, para que nos tragam o arroz, o leite e o mel’; o hindu dizia
ainda: ‘A extinção de uma família causa a ruína da religião dessa família; os
antepassados, quando privados da oferenda dos bolos, precipitam-se no abismo
onde moram os desgraçados.”.
Outro aspecto histórico da sucessão na Pérsia e na Grécia antigas, é o fato de que
em ambas as civilizações, havendo procriação em abundancia por parte das
famílias, essas recebiam presentes e outras benesses do Rei.
Na Grécia antiga a questão era um tanto quanto mais profunda. Nesta civilização,
“reputavam a carência de posteridade varonil era reputada como desgraça, já que
desta maneira perigava a sucessão do culto dos antepassados da família”.
20
Como observado acima, sendo a consorte infértil, seu abandono ou repúdio eram
autorizados; conforme tratado minuciosamente em outro trabalho:
“Na antiga Grécia, a esterilidade foi também justa causa de repúdio. Heródoto fala-
nos de dois reis espartanos que, por essa razão, foram coagidos a abandonar suas
consortes. Entretanto, afirmam os historiadores que, nos gloriosos tempos homéricos
e na época da grandiosa juvenilidade helênica, aberta em seguida, o divórcio era fato
incógnito, ou de extrema raridade. Mas, com a grandeza, o luxo, os requintes de
cepticismo, que vieram depois, as dissoluções matrimoniais tornaram-se uma
embriaguez, que a todos os espíritos toldara.”
21
-
22
18
“En Inde, enfin, selon les lois de Manou, ‘la personne qui hérite, quelle qu’elle soit, est chargée de
faire les offrandes sur le tombeau’.” (GRIMALDI, Michel. Droit civil – successions, p. 23).
19
FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga, pp. 44-45.
20
ZANNONI, Eduardo A. Ob. cit., p. 3.
21
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de família, p. 280 Apud SIMÕES, Thiago Felipe Vargas in Causas da
Separação judicial, p. 11 (Monografia apresentada ao Prof. Dr. Nelson Luiz Pinto quando da
conclusão da disciplina Direito de Família I, em julho de 2006, no curso de Mestrado em Direito Civil
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP).
18
Avançados os povos mais primitivos, chegamos a Roma, onde o Direito Sucessório
teve inúmeras e importantes modificações, alterando completamente o que se
conhecia da disciplina, como passaremos a discorrer a partir de agora.
No Direito Romano existiam seis tipos de relações jurídicas, a saber: a) patria
potestas; b) dominica potestas; c) manus; mancipium; d) dominium e; e) obligatio.
De igual maneira, cumpre-nos ressaltar que neste antigo direito o herdeiro não era
tido como um simples sucessor dos bens deixados pelo outrora proprietário, isto se
dava, pois, quando havia falecimento na Roma antiga, o patrimônio do de cujus
passava para as mãos de seus sucessores mediante duas formas autônomas: por
força legal ou por disposição de vontade do defunto.
Para Cretella Junior
23
,
“Dois princípios regem o direito sucessório romano: 1º) a superioridade do
testamento sobre a sucessão ab intestato; 2º) incompatibilidade de princípio entre a
sucessão testamentária e a ab intestato, vigorando a regra: ninguém pode morrer,
testando uma parte e deixando outra parte sem ser testada (nemo partim testatus,
partim intestatus decedere potest). Em outras palavras: a instituicao de herdeiro deve
ser universal, não sendo permitido chamar um herdeiro a uma parte da sucessão e
deixar o resto aos herdeiros ab intestato.”.
O direito sucessório apresentou fases e regras distintas dentro do Direito Romano: o
Sistema das XII Tábuas; o Sistema Pretoriano e o Sistema Justinianeu. Para tratar
de tais momentos da matéria objeto deste trabalho, adotaremos as divisões
elaboradas por Arthur Vasco Itabaiana de Oliveira e Orlando Gomes.
O Sistema das XII Tábuas:
Em conformidade com a doutrina dos doutrinadores supra mencionados, o Direito
Romano apresentou, inicialmente, o Sistema das XII Tábuas, pelo qual era trazida
uma tripartição na classe dos herdeiros quando não havia testamento deixado pelo
de cujus: a) os herdeiros necessários (heredes sui et necessarii); b) os que
22
Ainda sobre a dissolução da entidade familiar no direito grego arcaico, possuímos o seguinte
entendimento: “No direito grego, a dissolução se dava por iniciativa do marido, quando este devolvia
ao lar paterno sua esposa ou quando a abandonava. Caso esta fosse despedida sem uma causa
justa, lhe era garantida a possibilidade de pleitear a devolução do dote, bem como indenização e
alimentos.”. (SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. Ob. cit., p. 7).
19
possuíam vínculo de parentesco com o de cujus (agnados); c) os agregados de
famílias descendentes (gentiles).
24
-
25
Tal regra retrata o brocado latino “Si intestato moritur, cui suus heres nec escit,
adgnatus proximus familiam habeto. Si adgnatus nec escit, gentiles familiam
habento”.
A primeira classe de herdeiros no Sistema das XII Tábuas, os sui heredes, era
aquela cujos sucessores se encontravam sobre o pátrio poder do falecido, incluindo,
segundo Itabaiana de Oliveira
26
, a mulher in manu, que se achava in loco filiae e os
filhos gerados anteriormente à sucessão.
27
Cunha Gonçalves
28
relata que,
“Por uma espécie de ficção, os herdeiros, quer instituídos, quer legítimos, quando
fôssem parentes próximos, adquiriram os respectivos bens por direito próprio, isto é,
independente da aceitação da herança; e, por isso, eram designados por heredes sui,
heredes necessarii.”.
O conteúdo dessa primeira classe de herdeiros trouxe um importante legado ao
Direito Sucessório: o conceito de continuidade, que se perpetua até os tempos
atuais. Neste diapasão, cumpre-nos trazer a justificativa para tanto.
A idéia de continuidade surge com a instituição da gens
29
, em Roma, como
mecanismo que compreendia as famílias descendentes de uma mesma árvore
23
CRETELLA JUNIOR, José. Direito romano moderno, p. 248.
24
Esta é a doutrina de GOMES, Orlando (Sucessões, p. 3): “No direito das XII Tábuas, o “pater
famílias” tinha absoluta liberdade de dispor dos seus bens para depois da morte, mas, se falecesse
sem testamento, a sucessão se devolvia, seguidamente, a três classes de herdeiros: 1. “sui”; 2.
agnati”; 3. “gentiles”.
25
Sentido idêntico: ALMADA, Ney de Mello (Sucessões, p. 31): “Sob o pálio da Lei das Doze Tábuas,
três ordens de sucessores existiam: os sui, os agnati proximi e os gentiles. Os primeiros se tornavam
sui júris com a morte do de cujus, sendo herdeiros necessários, privados da faculdade de renúncia. À
sua falta, os agnados mais próximos vinham recolher a herança, exigindo-se que aceitassem. Por
último, eram vocacionados pela Lei das Doze Tábuas os gentiles, membros integrantes da gens a
que pertencia o pai de família.”.
26
ITABAIANA DE OLIVEIRA. Ob. cit., p. 127.
27
GOMES, Orlando (Ob. cit., p. 3), “‘Heredes sui et necessarii’ eram os filhos sob pátrio poder, a
mulher ‘in manu, quia filiae loco est’ e outros parentes sujeitos ao ‘de cujus’.”.
28
CUNHA GONÇALVES. Ob. cit., p. 605.
29
LACERDA DE ALMEIDA. (Ob. cit., p. IV), “A cidade, a gens, a familia estavam cada uma sob a
guarda de seus deuses tutelares, e a necessidade de celebrar, como disse, em certas épocas
20
genealógica e aqueles que passaram a fazer parte destas famílias pela cooptatio,
sendo esta a forma mais arcaica de Estado. Com isso, a família passou a ser vista e
reconhecida como o agrupamento de pessoas que se submetiam às ordens e regras
de um chefe.
A constituição da família é o ápice da sociabilidade do ser humano, vez que não há
como imaginar o homem vivendo à margem das demais pessoas que compõem a
população de sua cidade, estado ou país.
A família, em todas as épocas, influenciada por poderosa mística - os elementos
morais e religiosos estão sempre presentes - aparece como a base de sustentação
da sociedade. A sua forma de se constituir é que tem variado no tempo e no espaço.
Assim, enquanto a poligamia foi a tônica dos povos orientais, os povos do Ocidente
tiveram a monogamia
30
como regra.
31
Diante das evoluções oriundas dos Códigos de Hamurabi e de Manu, dos hebreus e
egípcios, não há como deixar de ressaltar a importância romana, civilização para a
qual o termo família significava o conglomerado de pessoas colocadas sob a direção
de um líder – o denominado pater familias – e o patrimônio deste. Contrariamente ao
que se entende da família moderna, que se funda no matrimônio de seu líder, a
família romana se alicerçava no patriarcalismo: tudo girava em torno do pater
familias, ficando seus descendentes sujeitos a sucederem-no após seu falecimento.
Segundo a doutrina trazida por Eduardo A. Zannoni chegamos à conclusão de que
“o assentamento da família romana era o heredium - base territorial e política desta -
sendo o heres o sucessor na chefatura do organismo familiar; ou seja, o heres
sucedia uma chefatura política familiar economicamente consolidada em torno do
ceremonias proprias do culto respectivo convocava e reunia em torno do altar commum cidadãos,
gentis, membros da mesma familia.”.
30
De acordo com PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Princípios fundamentais norteadores do direito de
família, pp. 106-107): “O princípio da monogamia, embora funcione também como um ponto-chave
das conexões morais das relações amorosas e conjugais, não é simplesmente uma norma moral ou
moralizante. Sua existência nos ordenamentos jurídicos que o adotam tem a função de um princípio
jurídico ordenador. Ele é um princípio básico e organizador das relações jurídicas da família do
mundo ocidental. Se fosse mera regra moral teríamos que admitir a imoralidade dos ordenamentos
jurídicos do Oriente Médio, onde vários Estados não adotam a monogamia.”.
31
NASCIMENTO, Walter Vieira. Lições de história do direito, p. 45.
21
heredium, ao passo que a hereditas foi o efeito necessário daquela propriedade
familiar originária sobre os bens privados.”.
32
Por seu turno, os agnados representavam a segunda classe de herdeiros, chamados
apenas quando não havia os sui heredes, ficando a ordem de vocação procedida
pelo grau de parentesco, ficando os mais distantes preteridos pelos mais próximos,
isto é, os parentes colaterais de origem meramente paterna (irmãos, tios e primos).
A sucessão das mulheres agnadas foi, depois, restringida pela Lex Voconica, e daí
vem o ter a interpretatio prudentium aplicado à sucessão ab intestato os
fundamentos dessa lei, estabelecendo na praxe, que, quando mesmo nos sui
heredes et consanguinei fôssem compreendidas as mulheres, por agnados só se
deveriam entender os homens.
33
Patente está que o direito sucessório existia apenas para os homens. Washington
de Barros Monteiro
34
traz a seguinte lição:
“(...). Se o finado deixava simultaneamente filhos e filhas, estas não herdavam. Sua
exclusão era ditada ou porque a lei assim determinava, ou em virtude de um simples
dote. A Lei Sálica, que apenas contemplava os varões na distribuição da propriedade
imobiliária, constituía típico exemplo dessa injustiça social. Assim também a Lei
Vocônica, inspirada por Catão no intento de colocar um freio à dissipação e à
independência das mulheres e que vigorou em certo período do direito romano, as
privava de capacidade testamentária passiva; mas essa lei, que contrariava a
eqüidade e a própria natureza, logo foi revogada.”.
Na última classe de herdeiro existente no direito romano encontravam-se os gentiles,
os herdeiros beneficiados com a ausência daqueles tratados nas duas primeiras
classes, sendo afetados nesta divisão, os membros de um mesmo grupo familiar, no
qual se incluía a genitora do de cujus.
Observa Itabaiana de Oliveira que as gentes eram os agregados de famílias
descendentes de origem sempre ingenua e usuários dos mesmos nomes e dos
mesmos sacrifícios – nominia et sacra gentilitia – dos quais faziam partes os
32
ZANNONI, Eduardo A. Ob. cit., p. 6.
33
ITABAIANA DE OLIVEIRA. Ob. cit., p. 128.
34
MONTEIRO, Washington de Barros. Atualizado por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto.
Curso de direito civil, v.6 – direito das sucessões, p. 2.
22
respectivos clientes e libertos, compreendidos não só os manutenidos, mas também
os filhos emancipados e a mulher casada. Semelhante aos agnados, entre os
gentiles precediam os mais próximos aos mais remotos.
35
Contudo, o sistema sub examen não perdurou muito tempo, como expõe Ney de
Mello Almada
36
:
“À presente síntese histórica adita-se que, na família romana, o parentesco não se
baseava em consangüinidade, senão na potestas. O pater e seus descendentes
eram agnados entre si; o parentesco pelo sangue chamava-se cognatio (cognação),
os quais, por ato do pretor, passaram a receber herança pela bonorum possessio.
Porém, ao tempo de Justiniano, desaparecendo a assimetria entre agnados e
cognados, a família romana passou a distinguir-se pela comunhão de sangue.”.
O Sistema Pretoriano:
A segunda fase do direito romano nos remonta aos tempos do direito pretoriano, em
que foi criado um novo sistema, o qual chamava a suceder os agnados e cognados,
sem estabelecê-los na mesma linha vocatória. Sem dúvidas, este Direito trouxe uma
brusca alteração no plano jurídico romano, passando a admitir as seguintes ordens
de sucessíveis: os liberi, os legitimi, os cognati e o cônjuge sobrevivente (vir et uxor),
que se baseavam na bonorum possessio.
37
A bonorum possessio implicava a imissão na posse dos bens hereditários por ditame
inovatório do pretor. Era a sucessão universal. Herdeiros que não o seriam pelo
mencionado Direito Civil, assim se tornavam por decisão pretoriana. O Direito
Pretoriano teve por escopo ajudar, suprir ou corrigir o Direito Civil.
38
Os liberi compreendiam os sui heredes do direito anterior, bem como os emancipati,
que eram os filhos alheios ao pátrio poder, haja vista não participavam da herança.
Neste momento, tendo em vista o poderio econômico dos emancipati (estes
possuíam a herança em nome próprio, ao contrário dos sui heredes, que apenas
possuíam a herança para aqueles em que estivessem sob o pátrio poder) foram
35
ITABAIANA DE OLIVEIRA. Ob. cit., p. 128.
36
ALMADA, Ney de Mello. Ob. cit., pp. 30-31.
37
Cf. ITABAIANA DE OLIVEIRA. Ob. cit., p. 129.
38
ALMADA, Ney de Mello. Ob. cit., p. 31.
23
estes obrigados a participar da collatio bonorum, com o escopo de realizar igualdade
entre os herdeiros.
Quanto aos legitimi, importa frisar que estavam abarcados aqui tanto os legitimi
heredes do Sistema anterior quanto os consanguinei, os agnati e os sui heredes,
com exceção dos capite minuti, por não serem estes últimos legitimi. Como no
revogado regime jurídico, os mais remotos eram preteridos pelos mais próximos.
Cabe frisar que, neste direito pretoriano, foram garantidas aos herdeiros civis as
benesses da posse pelos interditos.
A ordem dos cognati se dava sempre que houvesse falta dos herdeiros civis, ficando
tal classe competente para aqueles que possuíam grau de parentesco até o sexto
grau com o falecido, não sendo relevante o sexo destes.
Outro fato interessante é que os ex sobrino sobrinaque nato nataeve, os quais se
encontravam no sétimo grau de parentesco e, mesmo que tivessem ingressado para
família diversa, seja pela adoção ou por arrogação, também estavam legitimados a
herdar, sendo a vocação procedida da mesma forma que as demais: os mais
próximos preferem aos mais remotos.
39
O cônjuge sobrevivente (vir et uxor) herdava apenas se os herdeiros mencionados
acima não fossem encontrados ou se não existissem, ficando então o cônjuge que
tivesse celebrado o justum matrimonium autorizado a receber a herança.
É de se ressaltar que nesta fase, se existisse uma colisão entre herdeiros civis e
herdeiros pretorianos, os primeiros é quem possuíam preferência na sucessão, haja
vista que incumbia ao pretor a proteção ao direito civil estabelecido (jus civile).
Posteriormente, o pretor passou a admitir que o herdeiro pretoriano pudesse fazer
valer seus direitos quando estivesse em confronto com o herdeiro civil e a bonorum
possessio, que era deferida a este, inicialmente, sem eficácia (sine effectu) passou,
posteriormente, a ter a devida eficácia (cum effectu).
39
Cf. entendimento de ITABAIANA DE OLIVEIRA. Ob. cit., p. 130.
24
Embora não tenha alterado, profundamente, de modo radical, o sistema sucessório
do direito civil, completado o trabalho contínuo do pretor, o sistema vigente na época
imperial traz importantes modificações no âmbito do jus hereditatis, principalmente a
partir de dois senatusconsultos do segundo século, o senatusconsulto Tertuliano e o
senatusconsulto Orfitiano.
40
Na reforma imperial, realizada pelo senatusconsulto Tertuliano, e promulgada no
reinado de Adriano (ano 117-138), que era filho adotivo de Trajano, ficou conferido à
mãe direito à herança dos bens dos filhos, não importando se legítimos ou ilegítimos,
do pai e dos irmãos consangüíneos destes. Ressaltamos que a sucessão que
ocorria com essa reforma se dava na modalidade de jure civili e ab intestato.
As irmãs consangüíneas concorriam com a mãe, recebendo, então, esta a metade
dos bens do filho, sendo todos os demais parentes excluídos pela mãe.
41
Promulgada nos reinados de Marco Aurélio (ano 161-180) e Cômodo (ano 180-192),
a reforma do senatusconsulto Orfitiano determinou a sucessão de forma igualitária
para os filhos legítimos e ilegítimos, trazendo-os junto à sucessão da mãe preterindo
de forma total os agnados. Ressalta-se que netos não possuíam direitos idênticos
àqueles concedidos à prole.
Esse movimento renovador foi continuado por sucessivas constituições imperiais.
Valentiniano, Teodósio e Arcádio estenderam o direito de sucessão dos filhos, em
relação aos ascendentes pela linha feminina.
42
O Sistema Justinianeu:
A última fase de mudanças relevantes no Direito Romano nos remonta aos tempos
do imperador Jusitiniano.
40
CRETELLA JUNIOR, José. Ob. cit., p. 253.
41
ITABAIANA DE OLIVEIRA. Ob. cit., p. 131.
42
CRETELLA JUNIOR, José. Ob. cit., p. 253.
25
No período deste imperador, o direito sucessório sofreu uma mudança que fez com
que a matéria passasse por uma reestruturação completa, ficando, de uma forma
coesa e única, as peculiaridades anteriores, de cunho civil, pretoriano e imperial.
A sucessão, até o Sistema Justianeu, passava por uma crise haja vista que o
patrimônio era o centro de todo o plano sucessório.
Conta Oliveira Ascensão
43
,
“A crise, já latente na época clássica, prolonga-se até Justiniano. Este pensou poder
simplificar e reestruturar o sistema justamente pela aproximação das noções de
transmissão e sucessão. A sucessão hereditária seria ainda uma modalidade de
transmissão. Caracterizar-se-ia por recair, não sobre bens ou situações jurídicas
individualmente consideradas, mas sobre uma universitas, sobre aquela nova
unidade que é a herança. Contrapõe-se assim, a uma sucessão a título particular, a
sucessão a título universal.”.
Tal fato pode ser observado com a edição das Novelas 118 (ano 543) e 127 (ano
548), onde foi determinada a vocação de todos os parentes, sem que houvesse
distinção de agnados e cognados.
Pode-se depreender que a Novela 118 chamou na primeira linha os descendentes
do defunto, na segunda linha seus ascendentes, e finalmente os colaterais. Esta
ordem, entretanto foi modificada comparada aos irmãos e as irmãs e à prole destes
em primeiro grau.
44
Este sistema procedeu a profundas alterações no direito sucessório, instituindo o
testamento e trazendo à sucessão “os descendentes, os ascendentes em concurso
com os irmãos e irmãs germanos, os irmãos e irmãs consangüíneos ou uterinos, os
outros colaterais (agnados e cognados), o cônjuge sobrevivo e o fisco
45
-
46
, que
43
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil – sucessões, p. 453.
44
AUBRY et RAU. Cours de droit civil français, p. 385.
45
Sobre a sucessão do Estado: “Somente na falta de herdeiros regulares e dos demais irregulares, é
que tinha lugar a sucessão do Estado (fiscus), segundo prescrevia a lex Julia et Papia Poppea, sendo
que, neste caso, os bens se denominavam bona vacantia, e contando-se este direito do fisco no
número de sucessões per universitatem.”. (ITABAIANA DE OLIVEIRA. Ob. cit., p. 134).
46
“A ‘lex’ Julia et Papia Poppea prescrevera o direito do Estado à sucessão, quando ocorresse a
‘vacantia’.”. (GOMES, Orlando. Ob. cit., p. 4).
26
arrecadava a herança vacante. Em cada classe, o concurso entre herdeiros resolve-
se pela primazia do parente de grau mais próximo em relação ao autor.”.
47
A Novela 53 tratou da situação da mulher, melhorando-a mediante a criação da
quarta do cônjuge pobre, pela qual se reconhece à viúva sem recursos o direito de
receber, na sucessão do marido, mesmo havendo herdeiros de ordens mais
próximas, uma parte, fixada de acordo com a fortuna dos herdeiros, até o máximo de
um quarto.
48
-
49
-
50
A evolução posterior do direito sucessório nos leva ao direito germânico, de onde
podemos contatar que neste, os bens permaneciam em co-propriedade na família,
pois não eram objetos de transmissão. Quando a propriedade comum passava à
propriedade privada, sua finalidade era manter os bens na família, fazendo parte
essencial da sucessão ab intestat.
51
López y López
52
afirma que:
“El Derecho germânico, de formas mucho más groseras y menos evolucionadas,
desconoció el testamento durante un largo periodo de su trayecto histórico; por eso
dejó su huella en una especial consideración del parentesco de sangre como esencial
para la sucesión, lo que hizo que el orden legal de suceder fuera el fundamental para
la determinación de los herderos; esquema suyo típico también fue la posibilidad de
deferir el patrimonio de un mismo sujeto a través de una pluralidad de masas
herenciales (por un lado los muebles, por outro los inmuebles, por outro los
procedentes del tronco paterno y materno, etc.), lo que conllevaba, a su vez, una
pluralidad de sucesiones universales; y tal vez fue quien conoció lãs primitivas
manifestaciones del contrato sucesorio.”.
53
47
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil, vol. XX, p. 6.
48
CRETELLA JUNIOR, José. Ob. cit., p. 254.
49
No mesmo sentido: CUNHA GONÇALVES. (Ob. cit., p. 606): “A quota legitimaria, ao princípio, não
era certa; os juízes é que a fixavam. Mais tarde foi fixada em quarta parte da herança; mas,
Justiniano alterou esta quota quanto aos descendentes ou filhos, fixando-a em terça parte, se estes
fossem em número não superior a quatro, e em metade, se fossem mais de quatro.”.
50
“A não herança da mulher, dos filhos emancipados e dos parentes da linha feminine (cognati) é um
defeito corrigido no Direito Pretoriano, pelo sistema sucessório da bonorum possessio sine tabulis. De
se destacar que, pela Novela 53 de Justiniano, é contemplado sucessoriamente o cônjuge pobre com
um quarto de sucessão; concorrendo com mais de três filhos seus, adquire direito a uma parte em
usufruto; se concorrer com filhos de outro leito, tem tal quota a título de propriedade.”. (ALMADA, Ney
de Mello. Ob. cit., p. 31).
51
MAZEAUD et MAZEAUD. Ob. cit., p. 536.
52
LÓPEZ Y LÓPEZ, A. M. La sucesión em general in Derecho Civil (V) – Derecho de Sucesiones – F.
Capilla Roncero (Coord.), p. 35.
53
Com doutrina idêntica: ZANNONI, Eduardo A. (Ob. cit., p. 10): “El derecho sucesorio germánico
hallará, entonces, diversos fundamentos. Mientras en el derecho romano el contenido de la sucesión
es concebido como una universalidad, el universum ius defuncti, el contenido de la sucesión
27
Temos, portanto, que o direito germânico trouxe outra visão no que diz respeito à
vocação hereditária por conta do vínculo sangüíneo do falecido com seus
descendentes, trazendo um elemento novo à matéria condizente ao direito das
sucessões.
A prevalência do aspecto sangüíneo como delineador de vinculação familiar deixava
claro que não havia espaço para o afeto. O núcleo familiar passou a ser sucessível
por laços de parentalidade sangüínea, em detrimento da relação afetiva.
Traçando um paralelo do direito germânico com o direito posto na época romana,
pode-se perceber que a ausência do conhecimento do primeiro para com o
testamento
54
-
55
: este direito não possuía o instituto do patria potesta, onde o pater
era quem determinava a gerência da entidade familiar, sendo desta a propriedade
dos bens e quaisquer alterações em sua composição influíam na sucessão, haja
vista que a núcleo familiar permanecia imutável.
É a “propriedade familiar” indo-européia e germânica que acaba por determinar a
sucessão nos quadros do grupo familiar. O “direito” dos parentes próximos esbate-
se; já não é um direito “sobre” os bens, mas “aos” bens deixados sem titular por
morte. Limitando-se o poder do proprietário dos bens de dispor deles por morte.
56
A regra do direito francês le mort saisit le vif era a responsável pela transferência dos
bens do de cujus aos seus herdeiros, independente de aceitação destes.
57
germánica es una masa constituida por diversos objectos, mueblese inmuebles, cuyo vínculo, a
diferencia de la concepción romana, es la continuidad de origen, en el sentido de que siendo esa
masa una propriedad común continuaba con ese carácter después de la muerte del jefe,
permaneciendo así unificada sobre una base real.”.
54
Et nullum testamentum.
55
Segundo ALMADA, Ney de Mello (Ob. cit., p. 32): “O testamento apareceu em época bastante
adiantada, e não continha instituição de herdeiro, sob a convicção de que solus Deus potest facere
heres, passando, ao depois, a influir o Direito Romano.”.
56
CAMPOS, Diogo Leite de. Lições de direito de família e das sucessões, p. 443.
57
Vale citar a lição de RODRIGUES, Manuel (A posse – estudo de direito civil português, pp. 238-
239): “Donde veio este princípio que se traduziu na frase expressiva, do direito consuetudinário
francês, le mort saisit de vif? Uma opinião, aliás pouco seguida, procura filiá-lo no direito germânico.
Entre os germanos existia a propriedade colectiva, ou compropriedade familiar. A posse e a
propriedade, melhor, a genvere – um misto dos elementos que hoje existem na posse e na
propriedade – pertenciam por igual e sem discriminação de quotas, a todos os membros da
comunidade. Quando um destes morria, os outros membros continuavam a exercer sobre os bens os
mesmos poderes que até ali exerciam. De modo que pelo facto da morte não havia qualquer
transferência de bens para os herdeiros, porque estes já exerciam, já tinham os mesmos direitos que
28
Finalmente, encareça-se que o elemento cristão é ponderável na evolução histórica
do Direito das Sucessões, particularmente na postulação da liberdade de dispor e no
respeito à vontade do testador, com o prestígio específico do Direito Canônico.
58
A Revolução Francesa também possui uma importante influência na evolução da
matéria.
Seguindo os ideais expostos durante a supramencionada Revolução (igualdade,
fraternidade e liberdade)
59
, importantes modificações no regime das sucessões
foram feitas. As tendências igualitárias da Revolução provocaram o retorno, que é
uma agravante, dos rigores do direito romano. A célebre lei de 17 nivôse
60
ano II
suprimiu o regime especial às sucessões nobres, buscando igualar as parcelas dos
herdeiros, apagando os últimos vestígios da organização feudal. As instituições
contratuais e as renúncias podiam reservar a mantença dos privilégios do
primogênito e do masculino: eles foram radicalmente suprimidos com efeitos
retroativos.
61
As leis referentes às sucessões, editadas posteriormente à Revolução de 1789,
tiveram como meta, por um lado, substituir uma legislação uniforme para as várias
legislações que governaram anteriormente esta matéria; e, por outro, pôr as
provisões legais relativas ao direito das sucessões em harmonia com os princípios
de uma constituição democrática.
62
continuavam a ter depois da mrote de qualquer dos consortes. O princípio é efectivamente uma
conseqüência lógica desta organização, mas os factos repelem a filiação, por ele se ter formado e
desenvolvido sobretudo na idade média e moderna, quando a propriedade já era toda individual. (...).
A opinião mais seguida é aquela que lhe atribui uma origem feudal. No direito feudal, quando alguém
morria, os seus bens eram depostos nas mãos do senhor: - le serf mort saisit son seigneur vif. Deste
modo, os herdeiros tinham de os tomar das mãos do senhor a quem então prestavam novamente
fidelidade e homenagem e a quem pagavam certos direitos. Os juristas cedo lutaram contra a
necessidade da investidura, formulando contra ela o princípio le mort saisit le vif, que depressa
triunfou, e que tinha como conseqüência a dispensa de qualquer homenagem ou o pagamento d
qualquer tributo pelos herdeiros, visto a herança se transmitir pelo facto da morte,
independentemente, de qualquer solenidade. Esta parece ser a melhor solução do problema da
origem da expressão le mort saisit le vif.”.
58
ALMADA, Ney de Mello. Ob. cit., p. 32.
59
Égalité, fraternité et liberté.
60
O mês do nivôse é o quarto mês do calendário republicano francês. Correspondeu à exceção de
alguns dias (de acordo com o ano) em ir do período de 21 de dezembro a 19 de janeiro do calendário
Gregoriano.
61
Cf. doutrina de PLANIOL, Marcel. Par Georges Ripert et Jean Boulanger. Traité élémentaire de
droit civil, p. 480.
62
ABRY et RAU. Ob. cit., p. 389.
29
Nesse ponto, não podemos olvidar em tecer algumas considerações sobre a
evolução do Direito Sucessório no Direito brasileiro.
Nosso país foi por muitos anos colônia de Portugal, motivo pelo qual, até a
proclamação da independência, vigeu aqui as Ordenações do Reino, sendo a
primeira delas as Ordenações Afonsinas (ano de 1446), de onde se depreende forte
influência do Direito Romano
63
.
Lacerda de Almeida
64
já dizia que “a noção de testamento à romana, como modo de
instituir herdeiro, aparece já na Ordenação Afonsina (Liv. 4, Tit. 97), posto se induza
do mesmo Liv., Tit. 96, o antigo pensamento de testar em benefício d’alma.”.
A legislação posterior que versava sobre sucessão foi editada por Dom Manuel, no
ano de 1512, chamada de Ordenações Manuelinas, sendo reformada em 1603
quando da promulgação das Ordenações Filipinas.
Cunha Gonçalves
65
já tratou do Direito das Sucessões nas Ordenações Filipinas da
seguinte forma:
“Com efeito, as Ordenações Filipinas, Liv. IV, Tít. 82, concedendo a faculdade de
testar, não admitiam a plena liberdade de dispor em testamento. Pelo contrário,
estabeleciam a sucessão legitimaria, fixando em têrça parte dos bens a quota
disponível dos pais, ou dos avós, quando existissem só netos em vez dos filhos pré-
defuntos; e bem assim a quota disponível do testador quando só tivesse pais ou
outros ascendentes. É interessante salientar que as mesmas Ordenações
consideravam a quota legitimaria como tàcitamente testada, conforme se infere do
texto seguinte: ‘Porquanto, pois tomou (o pai) a têrça de seus bens no testamento, e
sabia que tinha filhos, parece que as duas partes quis deixar aos filhos e os instituiu
nelas, pôsto que delas não faça expressa menção, e assim devem ser havidos por
instituídos herdeiros, como se expressamente o fôssem, em favor do testamento’.”.
O direito nacional, regulado primitivamente, no Código Filipino e tratado sem método
algum, não se ateve à ordem estabelecida por Justiniano; antes, alterou-o, tendo em
vista o liv. 4º, Tít. 8º do código visigótico.
66
63
Para CUNHA GONÇALVES. (Ob. cit., p. 606): “As regras do direito romano, modificadas pelo
Código visigótico, foram as que ficaram regulando as sucessões em Portugal durante muito tempo.
Esse direito foi levemente alterado pelas Ordenações, quer a respeito da sucessão testamentária,
quer da legítima e da legitimaria.”. (Grifos originais).
64
LACERDA DE ALMEIDA. Ob. cit., p. XXVI.
65
CUNHA GONÇALVES. Ob. cit., pp. 606-607.
66
ITABAIANA DE OLIVEIRA. Ob. cit., p. 134.
30
Alteração posterior ocorreu com o Alvará de 09 de novembro de 1754, que, segundo
Clóvis Beviláqua
67
, “a posse civil do de cujus passa, desde o momento de sua morte,
aos herdeiros inscritos ou legítimos, com todos os efeitos da natural, sem
necessidade de ato algum de sua parte”.
Doravante ao mencionado alvará, o Assento de 16 de fevereiro de 1776 dizia “que a
posse, de que trata o citado alvará, se transmite aos mais próximos parentes até o
décimo grau, contado segundo o direito civil, contanto que tenham um direito certo e
indubitável de sucessão.”.
68
No ano de 1855, Teixeira de Freitas foi contratado pelo então Império para
apresentar uma consolidação de leis civis, devendo vasculhar e catalogar toda a
legislação, tanto a brasileira quanto a portuguesa, que fosse anterior à declaração
da independência.
É pertinente frisar que, a missão assumida por Freitas era de todo um árduo afazer,
tendo em vista a caótica situação das leis civis em nosso país. Destarte que, até
este momento da história, o Brasil mantinha-se mais fiel à tradição portuguesa, que
começava a se deixar levar pelos novos ideais trazidos pela legislação francesa,
tanto que no ano de 1867 trouxe inovações muito modernas em seu Código.
Tais mudanças não seriam sustentáveis na realidade sócio-polítca que nosso país
atravessava vez que a sociedade era basicamente colonial e tinha sua força no
trabalho escravo.
Foi durante o Império que três grandes juristas da época apresentaram seus projetos
de Código Civil, tendo sido estes rejeitados em escala cronológica: o de Teixeira de
Freitas
69
, em 1859; o de Nabuco de Araújo, no ano de 1872; e, por fim, o de Felício
dos Santos, datado de 1881.
67
BEVILÁQUA. Ob. cit., p. 28.
68
Idem. Ibidem.
69
Segundo a doutrina de ESPANÉS, Luis Moiset (in Homenaje a Dalmácio Véléz Sársfield, vol. I, p.
148): “El Esboço de Freitas, en Brasil; aunque dicho proyecto quedó inconcluso, se destaca por su
rigor metodológico, adelantándose en más de 30 años al Código civil alemán en la consagración de
una ‘Parte General’, destinada a regular los elementos de la relación jurídica, aspecto que los juristas
europeos consideran la máxima conquista del B.G.B.”
31
O que causou maior estranheza foi o fato de que o Esboço de Feitas não foi
concluído, mesmo tendo seu prazo para conclusão e entrega sido estendido até o
ano de 1864, deixando o jurista o terceiro livro da parte especial pela metade. Já em
1872, a rescisão de seu contrato aconteceu após apresentar um Código Geral para
o Direito Privado e este não ter sido aceito pelo Governo Nacional.
Quando da terceira versão da Consolidação apresentada, era possível constatar o
tratamento dispensado ao Direito das Sucessões, ficando este texto em vigor até ser
promulgado o Código Civil de 1916.
Outro momento importante no direito brasileiro se deu com a edição da Lei nº. 1.839,
datada de 31 de dezembro de 1907, também conhecida como a Lei Feliciano Pena,
a qual provocou alterações na parte concernente à ordem de vocação hereditária,
passando a incluir o cônjuge como herdeiro, em posição preferencial em relação aos
colaterais.
Essa Lei modificou o então sistema vigente em nosso país, qual seja, as
Ordenações Filipinas, “passando o cônjuge sobrevivente para a terceira classe,
então ocupada pelos colaterais, que passaram a fazer parte da quarta classe, já
reduzindo a sucessão destes ao 6º grau, quando anteriormente ia até o 10º, além de
firmar a sucessão do fisco, deferindo-a à União, aos Estados ou ao Distrito Federal,
conforme o domicílio do de cujus pertencer às respectivas circunscrições ou a
território não incorporado a qualquer delas”.
70
O ato posterior se deu com a promulgação da Lei nº. 3.071, de 1º de janeiro de 1916
– CÓDIGO CIVIL – cuja vigência se iniciou em 1º de janeiro de 1917, onde a matéria
das sucessões era tratada em um dos livros da parte especial, compreendida entre
os artigos 1.572 a 1.805.
Inegável é o fato de que as mudanças sociais, políticas e econômicas influenciaram
a edição das Leis posteriores, como, p.ex., a promulgação da Carta Constitucional
70
ITABAIANA DE OLIVEIRA. Ob. cit., p. 135.
32
de 1988, onde consta expressamente em seu artigo 5º, XXX, ser garantido o direito
à herança, de onde se extrai tratar-se de Cláusula Pétrea.
Algumas outras Leis vieram a alterar alguns dispositivos do CCB/1916 que não
haviam sido recepcionados pela CF/88, bem como o regulamento da União Estável
como núcleo familiar, que apesar de já ter sido reconhecida pela CF, só teve suas
peculiaridades regulamentadas com o advento das Leis nº. 8.971, de 29 de
dezembro de 1994 e 9.278, de 10 de maio de 1996.
O atual texto de Código Civil – Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 –, com
influências diretas da Constituição Federal e com certo clamor da sociedade por
algumas mudanças, substituiu o sistema civil de 1916, trazendo algumas novidades
no campo do direito das sucessões, como demonstraremos no desenrolar deste
trabalho.
Infelizmente nenhuma dessas alterações posteriores se debruçou ou dedicou
atenção ao afeto/amor como elemento presente nas relações familiares e formador
de vínculo entre pessoas, já que por intermédio deste sentimento formam-se famílias
com pessoas que poderiam ser legitimadas a suceder.
Essas são as principais considerações acerca da origem e evolução histórica desta
parte fascinante do Direito Civil: o Direito das Sucessões.
1.3 – FUNDAMENTOS
Segundo grande parte dos doutrinadores, o Direito das Sucessões possui vários
fundamentos. Passaremos, então, a discorrer sobre os mais importantes.
Fundamento de ordem socialista:
No início do Século XX, a teoria socialista de Estado lançou a idéia de que a
herança poderia representar um mal, iniciando-se, desta feira, uma verdadeira
tentativa de impugná-la.
33
Tal impugnação teve início antes mesmo dos ideais de Karl Marx e Friederich Engels
serem tomados como suporte/sustentáculo pelos revolucionários que adotaram o
regime comunista em determinados Estados, de onde extraímos que a doutrina da
época pregava um verdadeiro repúdio à propriedade.
Para aqueles que defendiam a legalidade da propriedade privada e, não obstante,
sua transmissão pelo evento morte, a sucessão estimulava de forma acirrada a
desigualdade social e a pobreza, trazendo como conseqüência a injustiça social. No
mesmo sentido, entendiam, ainda, que o direito das sucessões (leia-se transmissão
da propriedade mortis causa) era inconveniente, pois estimulava o comodismo dos
sucessores daqueles que eram afortunados financeira e patrimonialmente, gerando
diminuição da produção do Estado, vez que sua mão de obra sofreria uma
considerável redução, devendo, portanto, ser este o único sucessor dos bens
deixado pelo de cujus.
Os programas de Marx e Engels a consideravam como um privilégio protetor da
burguesia: é a sociedade a única que tem direito a receber os bens dos indivíduos,
como recompensa aos serviços prestados por ela.
71
Cahali diz que “a sucessão causa mortis encontra envolventes opositores,
destacando-se em uma linha os socialistas, contrários à propriedade privada
especialmente sobre os bens de produção, que vêem nela um incentivo às injustiças
e desigualdades entre os homens, concentrando riquezas nas mãos de poucos,
além de prestigiar a indolência e preguiça, nocivas ao desenvolvimento produtivo e
econômico indispensáveis à sociedade (...).”.
72
A posição de Mazeaud et Mazeaud
73
é:
“Les écoles socialistes ou communistes ont adressé de vives critiques à cette
conception. Lorsqu’elles ne combattent pas le principe même du droit de propriéte,
elles nient que ce droit confère à son titulaire la faculté de disposer de ses biens pour
le temps qui suivra sa mort: le lien qui unit le sujet et l’objet d’un droit, ne cesse-t-il
pas nécessairement à la mort du sujet, comme il cesse avec la disparition de l’objet?
Les thèses socialistes aboutissent ainsi, au moins sur le plan thèorique, à nier la
71
LACRUZ, José Luis. Derecho de sucesiones, parte general, p. 14.
72
CAHALI, Francisco José. Curso avançado de direito civil – vol. 6, p. 26.
73
Ob. cit., p. 534.
34
possibilité de l’heritage, et, par conséquent, à attribuer à l’Etat les biens composant le
patrimoine du de cujus: l’Etat les prend en vertu d’un droit régalien, fondé sur les
intérêts de la communauté au préjudice de laquelle ces biens ont été acquis.”.
74
Ausência de bases concretas para sustentar tal posição num passado recente a
idéia de Estado perfeito, pregado por Marx e Engels, nada mais era que pura utopia.
Na Rússia, o direito sucessório foi extirpado da legislação civil por força de um
decreto baixado em abril de 1918, fosse a causa legal ou testamentária. O governo
russo determinou quantias máximas e mínimas para a sucessão, vez que o referido
decreto não teve aplicação sistemática, tendo, inclusive, flexibilizado a sucessão
aberta no mesmo grupo familiar, que passaria a ser regida por lei anterior à
Revolução.
Darcy Arruda Miranda
75
afirma que:
“Com a vitória do bolchevismo, na Rússia, e derrota do menchevismo, com seu
cunho acentuadamente socialista um dos primeiros atos do governo revolucionário foi
a abolição da herança. Talvez tenha sido esta a causa principal do desestímulo da
atividade laborativa do povo russo, a par da absorção, pelo Estado, da maior parte da
produção agrícola-pastoril que se seguiu ao ano de 1918, quando a Rússia abarrotou
o mercado do mundo com víveres de toda a espécie. Foi uma explosão emocional de
liberdade ilusória e privatização de riqueza que durou pouco. No ano seguinte (1919),
a produção caiu verticalmente, ante o desestímulo que dominou a classe
trabalhadora.”.
A posição adotada pelo outrora direito soviético nos traz a idéia de que não
podemos ignorar o direito sucessório, pois clara é a sua ligação íntima com a
propriedade particular, haja vista que esta é complementada por aquele.
Não há porque ignorar o direito à herança, pois, mesmo na antiga URSS, o
comunismo baixou a guarda diante de uma nada animadora vivência. Como bem
disse Carlos Maximiliano
76
, “a realidade é a mais implacável arrasadora das
utopias”.
74
No mesmo sentido: “La giustificazione dell’eredità a vantaggio dei privati è connessa con la
giustificazione della proprietà. Tuttavia anche tra coloro che difendono la proprietà privata c’è chi non
vorrebbe riconoscere altro modo di acquisto oltre al lavoro; in conseguenza, la titolarità dei rapporti
giuridici privati, con la morte del soggetto, dovrebbe tornare allá collettività,”. (TRABUCCHI, Alberto.
Istituzioni di diritto civile, p. 826).
75
MIRANDA, Darcy Arruda. Anotações ao código civil brasileiro, vol. 3, p. 612.
76
Ob. cit., p. 33.
35
Fundamento de ordem patrimonial e familiar:
O segundo fundamento do Direito das Sucessões é o que defende a idéia de
mantença do patrimônio no mesmo grupo familiar.
Como visto, a família sofria as influências de elementos morais e religiosos, sendo
relevante para configurar e sustentar a idéia de transmissão da propriedade dos pais
para os filhos, quando a propriedade passou a ter sua transmissão como verdadeira
praxe e a ser vista como costume social, já que as mais remotas civilizações
reconheciam o direito de herança dos filhos.
A propriedade corporificou, assim, a idéia de sucessão hereditária como um
poderoso fator da perpetuidade da família, pelo cumprimento do culto dos
antepassados, traduzido nas cerimônias e nos sacrifícios em honra dos mortos, de
modo que se não pudesse adquirir a propriedade sem o culto, nem este sem
aquela.
77
-
78
Observa Galvão Telles
79
, “na origem da propriedade está afinal o trabalho, um
esforço maior ou menor, que a legitima e a torna conforme com o direito natural e
mesmo uma imposição sua.” Desta lição nos vem a idéia de que não haveria porque
uma determinada família trabalhar para constituir um patrimônio e depois não deixá-
los à seus sucessores.
De certo, a transmissão dos bens pelo evento mortis se manterá como um incentivo
à economia e ao labor, não havendo razão para adotar, em algum momento, a teoria
defendida pelos soviéticos.
77
ITABAIANA DE OLIVEIRA. Ob. cit., p. 47.
78
Para Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (in Direito das sucessões e o novo código civil, pp.
2-3): “O primeiro fundamento da sucessão foi de ordem religiosa. A sucessão se verificava
exclusivamente pela tomada do lugar do de cujus na condução do culto doméstico pelo herdeiro, que,
no entanto, não recebia os bens em transmissão, uma vez que não pertenciam ao morto, mas a toda
família, capitaneada pelo varão mais velho, descendente direto dos deuses domésticos. Tratava-se,
portanto, do descendente do sexo masculino de maior autoridade, na visão do acervo familiar e a
condução da vida religiosa e doméstica.”.
79
TELLES, Inocêncio Galvão. Ob. cit., p. 263.
36
O fundamento da sucessão por ordem patrimonial familiar se dá “pelo facto de a
propriedade continuar a ser, ainda hoje, largamente familiar: usufruída (quando não
constituída) pelo conjunto de familiares mais próximos; que têm, assim, uma
expectativa de recebê-la por morte do seu titular (formal)”
80
.
A herança cumpre de certa forma, uma função familiar, vez que pode ser entendida
como uma modalidade de execução de um dever dos pais de garantir,
materialmente, sua prole.
Diz Planiol
81
:
“L’idée la plus ancienne qui explique le droit de succesion est que la propriété a un
caractere familial. Le chef de la famille exerce les droits de la communauté familiale.
A sa mort, il est remplacé par un dês membres de la famille, devenu à son tour le
chef. L’héritier prend la place du défunt, assure le culte prive et maintient le
groupament.”.
López y López
82
corrobora todo o exposto ao afirmar que:
“La materia de la sucesión mortis causa está estrechamente ligada a los temas de la
propriedad y, (...), de la familia. Es cierto que el problema de la continuidad de las
relaciones jurídicas, que es el que se pone como el esencial a solucionar cuando se
produce el fallecimento de una persona, en términos abstractos puede ser
solucionado sin referencia a ni a la propriedad ni a la familia: se podría disponer el
traspaso de los bienes vacantes a la conlectividad, que podría retenerlos como tal, o
deferirlos a otros particulares, no ligados con relación alguna de parentesco con el
causante de la sucesión. Pero tal solución no se corresponde con la tradición
histórica concerta, que es bien otra, y que con seguridade s la amparada por los
actuales dictados constitucionales, (...).”.
A teoria socialista é utópica e insensata, vez que visava, tão somente, acabar com
as heranças, o que resultaria numa fonte de inúmeras injustiças, contrárias ao
interesse social.
Fundamento de ordem econômica e social:
Defendido pela doutrina francesa de Michel Grimaldi
83
, o fundamento econômico
reveste-se de grande interesse social, se distinguido dos demais por sua natureza
80
CAMPOS, Diogo Leite de. Ob. cit., p. 446.
81
PLANIOL, Marcel. Ob. cit., p. 473.
82
Ob. cit., pp. 28-29.
37
patrimonial, vez que a sucessão privada encoraja o espírito de empreendimento e
favorece o progresso econômico.
Certo é que não se pode imprimir a este fundamento outro caráter senão o que
tenha fundo econômico. O instituto da sucessão é o complemento necessário do
direito de propriedade, conjugado, ou não, com o direito de família. Este último é
invocado pela lei, ora para conter em justos limites o exercício do direito de testar,
ora para suprir a ausência de vontade do proprietário, de harmonia com os seus
sentimentos e instintos naturais e normais. Propriedade que se extingue com a
morte do seu titular e não se transmite ao seu sucessor, por sua vontade expressa
ou presumida pela lei, não é propriedade; é usufruto vitalício.
84
Percebe-se, assim, que a finalidade de se manter na família o valor de determinada
propriedade nada mais é do que evitar que um pai deixe seu filho numa condição
financeira prejudicada ou insuficiente de manter sua subsistência ou a de sua
família.
A busca pela retenção das riquezas não é novidade. Desde o inicio de sua história, o
direito das sucessões teve traços familiares, políticos e, principalmente, econômico,
traços estes que serviram de base para diversas codificações civis ao longo do
tempo e em diversas nações.
Quanto ao fundamento social, este foi bem tratado por Roberto Senise Lisboa
85
, ao
afirmar que:
“a solução adotada pelo legislador civil de manutenção do patrimônio na família do
de cujus pode até ser considerada, porém é inegavelmente um meio satisfatório de
se permitir aos integrantes da família enlutada de prosseguir com os propósitos para
os quais tal patrimônio foi constituído, com a percepção das necessidades dos
sucessores.”.
Há uma forte e consistente tendência à constitucionalização do direito sucessório.
Não pairam dúvidas de que, nos termos do artigo 5º, XXX da CF/88, a herança
83
Ob. cit., pp. 25-26.
84
CUNHA GONÇALVES. Ob. cit.,p. 601.
85
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil – vol. 5: direito de família e das sucessões, p. 426.
38
passou a ter proteção constitucional, devendo atingir a sua finalidade: garantir aos
legitimados para suceder o direito de perceber aquilo que lhes é justo.
A ordem social e econômica nos tempos atuais favorece e corrobora tudo aquilo que
tratamos até aqui, haja vista que, sem sombra de dúvidas, não se pode negar a
existência, ainda que remota, dos fundamentos expostos e de suas influências para
chegarmos ao atual contexto.
1.4– CONTEÚDO E CONCEITO
Acerca do conteúdo, a lição de Orlando Gomes
86
é que:
“O conteúdo do direito de sucessão é limitado. Posto assuma o herdeiro a posição
jurídico-econômica do defunto, não se lhe transmitem todos os direitos de que este
era, ou podia ser, titular.
Transmissíveis são, de regra, ativa e passivamente, as relações jurídicas
patrimoniais. Excetuam-se o usufruto, o uso, a habitação, a renda vitalícia, o
mandato, a empreitada de lavor, a relação de emprego e a obrigação de prestar
alimentos.
(...).
Os direitos personalíssimos são intransmissíveis.”.
Seu conteúdo se encontra no Livro V do Código Civil, estando tratado nos artigos
1.784 a 2.027, sendo subdivididos em 4 Títulos, a saber:
Título I: trata da sucessão em geral, abrangendo regras da sucessão legítima
e da sucessão testamentária, bem como transmissão, aceitação, renúncia e
indignidade à herança. Como bem observado por Francisco José Cahali
87
,
“também aqui, por impropriedade técnica (...), apresenta-se a sucessão
decorrente da união estável.”;
Título II: trata da sucessão legítima, ou seja, daquela oriunda da própria lei,
versando sobre a ordem de vocação hereditária para essa modalidade
transmissão;
Título III: trata da sucessão testamentária, expondo sobre a transmissão dos
bens pelo evento morte ou por ato de livre disposição que o falecido praticou
quando ainda era vivo, por força de um testamento.
86
GOMES, Orlando. Ob. cit., pp. 9-10.
39
Título IV: trata sobre regras do inventário e da partilha, atinentes ao processo
não-litigioso, onde se opera a repartição dos bens entre os herdeiros, bem
como disposições acerca dos sonegados e das colações, anulação de
partilha, quitação das dívidas e garantia dos quinhões da herança.
Há, ainda, legislações esparsas dispondo sobre o direito sucessório, das quais
citamos, p. ex.: Decreto-lei 4.657/42 (Lei de Introdução ao Código Civil); Lei
6.858/80, regulamentada pelo Dec. 85. 845/81 (dispõe sobre o pagamento, aos
dependentes ou sucessores, de valores de FGTS e PIS/PASEP, não recebidos em
vida pelos respectivos titulares) etc., além da própria Constituição Federal, em seu
art. 5º, XXX e XXXI.
88
Luis Roca-Sastre Muncunill
89
delimitou a abrangência do direito sucessório, quando
da seguinte lição:
“La sucesión mortis causa, tanto universal como particular, como especie de la
sucesión en general, es objeto del llamado Derecho de sucesiones o de sucesión.
Esta disciplina jurídica es parte del Derecho civil y se ocupa tan sólo de una especie
de sucesión, que es la que origina la muerte, comprobada o declarada, de una
persona individual. El Derecho de sucesiones tiene, pues, por objeto, regular el detino
de los bienes y relaciones jurídicas del difunto y los demás aspectos de Derecho civil
directamente relacionados con el referido destido.”.
Delimitado seu conteúdo, cumpre-nos agora conceituar tal ramo do Direito civil.
Na visão de Carlos Maximiliano
90
, “direito das sucessões, em sentido objetivo, é o
conjunto das normas reguladoras da transmissão dos bens e obrigações de um
indivíduo em conseqüência da sua morte. No sentido subjetivo, mais propriamente
se diria – direito de suceder, isto é, receber o acervo hereditário de um defunto.”.
Em sentido idêntico, diz Roberto de Ruggiero
91
que “o direito hereditário, isto é: o
complexo das normas que regulam a transferência dos bens do defunto para a
pessoa que lhe sucede, tem precisamente nisto o seu fundamento racional e a sua
87
CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 28.
88
Idem, p. 29.
89
MUNCUNILL, Luis Roca-Sastre. Derecho de sucesiones, tomo I, p. 14.
90
MAXIMILIANO, Carlos. Ob. cit., p. 21
91
RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil – vol. 3, p. 428.
40
justificação, que a morte não possa e não deva romper as relações de quem cessa
de existir, porque a interrupção destas repercutir-se-ia com efeitos danosos sobre
toda a economia geral.”.
Francisco José Cahali
92
o conceitua como “conjunto de regras e complexo de
princípios jurídicos pertinentes à passagem da titularidade do patrimônio de alguém
que deixa de existir aos seus sucessores.”.
Nosso conceito é no sentido de que o direito das sucessões, ramo da parte especial
do Direito Civil, é o direito que visa regular as conseqüências jurídicas da morte de
alguém e a transmissão de seus bens para seus herdeiros, buscando atender as
vontades do falecido (no caso da sucessão testamentária) e os interesses dos
herdeiros legais (no caso de sucessão legítima). Tal conceito não se encontra
restrito ao evento mortis causa, mas sim a todos os fenômenos onde um ou mais
bens sofrem troca na sua titularidade.
O termo sucessão pode ser visto sob dois prismas: o subjetivo e o objetivo.
O primeiro nos remete ao falecimento do titular dos bens que serão transmitidos
para quem de direito, o(s) qual(is) assumirão seu lugar e se tornarão os titulares dos
direitos e obrigações assumidas pelo de cujus.
Já no segundo prisma, que trata tão somente do objeto da transmissão, ou seja, da
totalidade (ou montante) de bens deixada pelo falecido, muitos autores denominam-
no como herança
93
.
1.5 – DA VOCAÇÃO DOS HERDEIROS
92
Ob. cit., p. 24.
93
Como diz LISBOA, Roberto Senise (ob. cit., pp. 415-416): “Herança é a universalidade ou
totalidade dos direitos e obrigações abstratamente considerados que integram o patrimônio deixado
pelo sucedido, em face da sua morte, suscetíveis de transmissão aos seus respectivos herdeiros.”
41
Para vir a tomar a posição de alguém em determinados negócios jurídicos ou bens,
o sucessor deve encontrar-se no rol daqueles garantidos por lei para tanto. Frise-se
que estamos nos referindo à sucessão legítima.
O artigo 1.829 do atual texto de Código Civil estabelece aqueles legitimados para
receberem os bens/direitos/obrigações deixados pelo de cujus, na seguinte ordem:
a) descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente, exceto se casado
sob o regime da comunhão universal, no da separação obrigatória de bens (vide
artigo 1.640, § único) ou no regime da comunhão parcial, desde que o titular da
universitas não tenha deixado bens particulares; b) ascendentes, concorrendo com o
cônjuge; c) cônjuge sobrevivente e; d) colaterais.
Em que pese a tentativa do legislador em retratar neste Código Civil todas as
diretrizes e acepções sociais, falhou quando não tratou, no artigo supra, dos
companheiros (entenda-se: homem e mulher que vivem em regime de união
estável), tratando tal possibilidade em artigo separado (no capítulo das disposições
gerais – artigo 1.790).
Não é pertinente tecer maiores comentários sobre todas as possibilidades de
vocação hereditária, haja vista que tal assunto será tratado detalhadamente em
capítulo próprio neste trabalho, cumprindo-nos, tão somente, tecer linhas gerais para
uma melhor compreensão das idéias que trazemos.
O grau de parentesco é que determina a vocação dos herdeiros, ficando aqueles
que possuem uma maior proximidade com o falecido em situação de preferência
àqueles que se encontram mais distante.
1.5.1 – Da legitimação para suceder: a influência da indignidade e deserdação
– a importância do afeto
42
Anteriormente tratada como “capacidade sucessória”
94
, a legitimação para suceder é
de fundamental importância para o recebimento da quota a que o herdeiro tem
direito.
Nesse contexto, a sucessão legítima é aquela em que a lei traz em seu bojo os
legitimados ao recebimento dos bens/direitos/obrigações deixados pelo falecido. Os
legitimados, portanto, são aqueles constantes da ordem de vocação hereditária
trazida pelo CCB, ou seja, reflete-se em imposição legal.
Tal legitimação é, tão somente, uma exigência que nosso direito criou para que o
herdeiro receba seu quinhão hereditário, sendo um pressuposto para que este esteja
em plenas condições de receber todos os bens/direitos/obrigações que lhe são de
direito em decorrência do falecimento de seu antigo titular.
Procede-se sua verificação no momento em que a sucessão se abre (morte do titular
configurada), momento em que será constatada a legitimação do herdeiro para
suceder, ou seja, a verificação se este possui personalidade para tanto, o que se dá
pela regra de que a sucessão não pode ser transmitida ao nada ou à ninguém,
sendo necessário, portanto, que o herdeiro este esteja vivo no momento em que a
sucessão for aberta.
Existe ainda a exceção à regra de que a sucessão só pode ser transmitida àqueles
que são legitimados (capazes) para tanto, como é o caso do nascituro (vide artigos
2º e 1.798), que possui sua capacidade dirimida na concepção, haja vista que
mesmo não tendo personalidade, possui expectativa de direitos, garantidos por
nosso ordenamento, bem como àquele que já foi concebido, mas não possui
personalidade, ficando, desta feita, seus direitos condicionados ao nascimento com
vida.
Há que se ressaltar, também, o indigno, que é todo aquele que se torna incapaz
para suceder por ter infringido norma de cunho civil, mas com natureza de penal.
94
AUBRY et RAU (ob. cit., p. 402) discorre sobre o que seria a incapacidade sucessória: “On nomme
incapable, en matière de succession, celui qui ne réunit pás au moment de l’ouverture de la
43
Assim, para determinar se um herdeiro é ou não indigno para a sucessão, deve este
praticar conduta previamente prevista pela lei civil.
Dentro da noção de indignidade há clara e evidente presença de um juízo de total
reprovação para com aquele que deveria ser chamado para a sucessão, mas que,
assim não procederá pelo fato de ter praticado ato atentatório contra a vida do de
cujus.
As indignidades são situações em que, à prática de um ato ilícito por um herdeiro,
praticado contra o autor da sucessão, a lei reage estabelecendo como sanção o seu
afastamento daquela sucessão. Muitas vezes, com a sanção da indignidade
procura-se também evitar que o ato ilícito se torne lucrativo para aquele que o
praticou.
95
Os casos caracterizados como de indignidade estão previstos no artigo 1.814 do
CCB, e assim o são quando os herdeiros ou legatários: I) houverem sido autores, co-
autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de
cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; II)
houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em
crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro e; III) por violência ou
meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de
seus bens por ato de última vontade.
Trata-se, portanto, de rol taxativo (numerus clausus) sobre o qual, acreditamos, não
haver nenhuma dúvida sobre cada uma das modalidades previstas.
Há autores, como José Oliveira Ascensão, que entendem que tais hipóteses não
deveriam ser consideradas taxativas, como podemos observar da lição abaixo:
“Em princípio, as tipificações legais não devem ser consideradas taxativas; mas não
pode deixar de se encontrar um acento restritivo no enunciado das causas de uma
penalização tão grave como a exclusão da sucessão. Entre uma e outra
consideração, concluímos que o art. 2034º consagra uma tipicidade delimitativa. Ou
succession, lês qualités auxquelles la loi a subornné le droit de succéder à une personne quelconque.
(...). L’incapacité produit son effet de plein droit. Elle empêche la saisine héréditaire.”.
95
ASCENSÃO José de Oliveira. Ob. cit., p. 154.
44
seja, que não é possível uma analogia livre, a partir do conceito de indignidade, mas
é possível a analogia mais limitada, a partir de alguma das causas previstas na lei.
Por outras palavras, não seria possível a analogia iuris, mas já seria possível a
analogia legis.
Assim, o sucessível que tiver em seu poder o testamento e dolosamente não o
entregar no prazo de três dias, dede que não teve conhecimento da morte do
testador, é indigno, nos termos do art. 2034º/d, interpretado pelo art. 2209º/2. Mas se
sabe quem é o detentor do testamento e se recusa obstinadamente a indicá-lo aos
restantes? Supomos que deve ser ainda excluído por indignidade, por analogia com
estas previsões.”.
96
Não podemos negar a maestria com que este civilista angolano radicado em
Portugal faz suas considerações, ainda que nosso ordenamento seja adepto de
enumeração taxativa das causas de indignidade, vemos com bons olhos a posição
deste renomado professor.
Podem haver situações onde a conduta de um ou mais herdeiros não se amolde nas
enumerações previstas pelo artigo 1.814 do CCB, mas que, por si só, venham a
causar não apenas no âmbito familiar, mas, também, no âmbito social, uma repulsa
e repugnância tamanha, que, além deste agente responder perante o juízo criminal,
deveria sofrer as privações em sua esfera patrimonial.
O legislador poderia ter, quando da análise dos artigos para este Código cuja
vigência foi iniciada em 10 de janeiro de 2003, possibilitado ao juiz, diante de um
determinado caso concreto, uma ponderação acerca de determinada conduta que
um herdeiro praticou e que não se amolda naquelas do artigo 1.814, o que poderia
ensejar-lhe a exclusão da sucessão por indignidade, como assim o fez para os
casos de dissolução da sociedade conjugal quando houverem outros fatos/motivos
que entenda o magistrado causar evidente impossibilidade da vida em comum, nos
termos do § único do artigo 1.573.
97
-
98
96
Idem. Ibidem, p. 155.
97
Assim diz ZANNONI, Eduardo A. (ob. cit., p. 179): “Como recuerdan Ripert-Boulanger, esto es una
innovación del Code: ‘en el derecho antiguo los jueces estaban en libertad de pronunciar la indignidad
siempre que ello les parecia apropriado. Domat decía que las causas que podían entrañar la
indignidad eran indefinidas. Esta transformación de las reglas se explica fácilmente por el carácter
penal de la indignidade: el sistema discrecional de las penas mantenido en el derecho antiguo fue
sustituido por la Revolución por el principio: nullum crimen, nulla poena sine lege’.”.
98
“El Código Civil argentino, siguió a García Goyena (art. 617 del Proyecto español de 1851), que
amplió las causas de indignidad. Y, aunque la letra de la ley no dice expresamente que la
enumeración es taxativa, así debe interpretarse, pues, ‘la indignidad es una sanción y como tal no
puede imponerse sino cuando la ley lo estabelece expresamente’.”. (idem. Ibidem, p. 179).
45
No texto atual de nosso Código ainda está previsto, no artigo 1.818, a reabilitação do
indigno, que poderá se dar por duas formas: a) de maneira expressa, onde aquele
que foi lesado aceita o perdão, mediante ato escrito, formal ou pela via testamentária
e; b) de maneira tácita, que se dá quando, mesmo tendo ciência de que um dos
herdeiros agiu com indignidade, o lesado venha a favorecê-lo de alguma forma,
ficando tal prova incumbida ao declarado indigno, que, neste caso, herdará aquilo
que lhe deixou o testador.
No que tange a deserdação, compete-nos dizer que esta forma de exclusão privativa
da sucessão testamentária, nos termos do artigo 1.961 do CCB, “é ato pelo qual o
herdeiro necessário é privado de sua porção legítima”.
99
-
100
A deserdação constitui outro instituto jurídico bastante discutido. Clóvis tacha-o de
odioso e inútil. Odioso, porque imprime à última vontade do de cujus a forma hostil
do castigo, a expressão da cólera; e inútil, porque os efeitos legais da indignidade
bastam para excluir da herança os que realmente não a merecem. Por essas razões,
é que esse civilista pátrio não a incluiu no seu projeto primitivo do Código de 1916. O
instituto, porém, foi incluído tanto naquele como no Código de 2002.
101
Seguindo a doutrina nacional, os requisitos para a deserdação estão combinados
entre os artigos 1.814, 1.962 e 1.963, todos do Código Civil, e são os seguintes: a)
exigência de testamento válido com expressa declaração do fato determinante da
deserdação (art. 1.964); b) fundamentação em causa expressamente prevista pelo
legislador (arts. 1.814, 1.962 e 1.963); c) existência de herdeiros necessários
(descendentes ascendentes ou cônjuge); d) comprovação da veracidade do motivo
argüido pelo testador para determinar a deserdação, feita pelo herdeiro instituído ou
por aquele a quem ela aproveita, por meio de ação ordinária movida contra o
deserdado, dentro do prazo de 4 (quatro) anos, a partir da abertura do
testamento.
102
99
BEVILÁQUA, Clóvis. Ob. cit., p. 303.
100
“La desherdación es la privación de la legítima, efectuada en el testamento de manera expresa,
por alguna de las causas taxativas previstas en la ley.” (HEREDIA, C. López Beltrán de. La preterición
y la desherdación, p. 427).
101
MONTEIRO, Washington de Barros. Ob. cit., p. 239.
46
A deserdação vem a ser o ato pelo qual o de cujus exclui da sucessão, mediante
testamento, com expressa declaração da causa (CC, art. 1.964), herdeiro
necessário, privando-o de sua legítima, por ter praticado qualquer ato taxativamente
enumerado no Código Civil, em seus artigos 1.814, 1.962 e 1.963 (RT, 571:184).
103
É preciso não esquecer que em nosso direito (CC, art. 1.848) admitiu-se a
deserdação bona morte, em que o testador, não obstante o direito reconhecido aos
descendentes, ascendentes e ao cônjuge no art. 1.846 do Código Civil, pode,
declarando justa causa, tomar certas medidas acauteladoras para salvaguardar a
legítima dos descendentes – p. ex., em casos de prodigialidade – prescrevendo a
incomunicabilidade dos bens, confiando-os à livre administração da mulher herdeira,
ou estabelecendo-lhes condições de inalienabilidade temporária ou vitalícia.
104
Destarte que, paralelo às causas trazidas no artigo 1.814 c/c 1.962 e seus incisos,
há de se observar que o legislador, quando da edição do Projeto-lei nº. 6.960/02,
buscou criar o artigo 1.963-A.
A justificação do saudoso deputado Ricardo Fiuza para tal é:
“Ao regular a deserdação, o novo código, embora anunciando, no art. 1.961, que os
herdeiros necessários podem ser deserdados, nos artigos seguintes, indicando as
causas que autorizam a privação da legítima, só menciona a deserdação dos
descendentes por seus ascendentes (art. 1.962) e a deserdação dos ascendentes
por seus descendentes (art. 1.963). E o cônjuge, que é, também, herdeiro
necessário? Sem dúvida foi um esquecimento, e esta omissão tem de ser
preenchida, para resolver o problema. Em muitas legislações, numa tendência que é
universal, a posição sucessória do cônjuge foi privilegiada, mas prevê-se, igualmente,
a possibilidade de ele ser deserdado, com as respectivas causas (BGB, art. 2.335;
Código Civil suíço, art. 477; Código Civil peruano, art. 746; Código Civil espanhol, art.
855; Código Civil português, art. 2.166).”
105
Os efeitos decorrentes da deserdação são: a) aquele que foi deserdado adquire
domínio e posse dos bens quando da abertura da sucessão e, quando for publicado
o testamento este será tido como morto e, assim, seu domínio e posse não são
considerados; b) seus herdeiros irão sucedê-lo por representação (haja vista que
102
FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Curso de direito civil – direito das sucessões, pp. 205-206.
103
DINIZ, Maria Helena. Ob. Cit., p. 194.
104
Idem. Ibidem, p. 194.
105
FIUZA, Ricardo. Justificativas do Projeto-Lei n.º 6.960/02, disponível em:
www.camara.gov.br/sileg/integras/50233.htm. Acesso em: 03 de março de 2007.
47
será considerado como morto); c) será nomeado depositário para uma melhor
manutenção dos bens/direitos/obrigações quando do trâmite da ação de deserdação
e; d) não havendo provas do motivo que a enseje, o testamento ainda continuará a
ser eficaz com exceção desta parte.
As causas aqui versadas (indignidade e deserdação) nos trazem, data venia, a idéia
de que estas se configuram quando o afeto deixa, ainda que de maneira
momentânea, de existir por parte daquele que deu causa à exclusão.
Há possibilidade de haver um rol meramente exemplificativo e não taxativo para tais
casos, e assim o fizemos por estarmos diante de uma situação que deve permear a
condição de herdeiro: o afeto por seu antecessor.
O afeto deve ser observado em todas as situações que ensejam não apenas a
formação de núcleos familiares, mas, também, no momento da abertura da
sucessão e no momento em que os herdeiros são chamados a suceder.
1.6 – DOS TIPOS DE SUCESSORES
Estabelecemos os seguintes tipos de sucessores em nosso sistema jurídico: a) os
herdeiros – que se dividem em legítimos (podendo ser necessário ou facultativo) e
testamentários e; b) os legatários.
Discorreremos, em linhas sucintas, sobre tais tipos.
Os herdeiros legítimos são todos aqueles que sucedem o de cujus por vontade legal,
ou seja, a lei traz em seu bojo aqueles que são chamados a suceder. Em nosso
país, o Código Civil trata da matéria em seu art. 1.829, ressaltando, porém, que pode
haver a sucessão ditada por regra específica, como acontece nos casos de
sucessão entre conviventes de união estável (art. 1.790).
A subdivisão entre a classe dos herdeiros legítimos nos obriga a tecer comentários
acerca dos herdeiros necessários e dos herdeiros facultativos. Os primeiros são os
48
parentes do falecido, devendo ser respeitada a determinação do art. 1.845 do
Código Civil, recebendo este nome porque não podem ficar de fora da sucessão
(excetuados os casos em que a lei prevê – deserdação), devendo receber, no
mínimo, metade do acervo deixado pelo defunto.
Essa obrigatoriedade de receber 50% (cinquenta por cento) dos
bens/direitos/obrigações nos mostra que nosso sistema sucessório adotou o
entendimento de que é exclusivo aos herdeiros necessários uma parte da herança,
da qual não pode seu titular dispor de destinação diversa. Tal parte é chamada de
indispensável, também conhecida como legítima (art. 1.847).
Quantos aos herdeiros facultativos, diz-se aqueles que não são considerados
necessários, ou seja, são os colaterais (até o 4º grau) do defunto que não podem
ficar privados de receber a herança, devendo receber o que lhes é de direito por
força de disposição de última vontade, como dispõe o art. 1.850 do CCB.
Os testamentários são assim denominados, pois herdam tão somente um benefício,
sempre deixado por disposição de última vontade do titular dos
bens/direitos/obrigações. Não há óbice quanto à possibilidade de que os herdeiros
testamentários sejam legítimos.
Quanto aos legatários, estes não se confundem com os herdeiros
106
. Enquanto aos
herdeiros é garantida uma parte dos bens/direitos/obrigações de seu antigo titular,
os legatários só recebem o que lhes for deixado em testamento, herdando, tão
somente, um bem determinado, não sendo proibido que seja instituído um herdeiro
necessário ou um terceiro alheio à ordem vocatória.
Esse terceiro alheio à ordem vocatória pode ser um “filho” que não esteja vinculado
por laços de sangue, mas sim por laços de afeto, como no caso da adoção que,
parece-nos ser uma posição mista de relação de parentesco, pois paralelo ao laço
civil que a constitui, há o elemento da afetividade, do afeto.
106
Vale citar TELLES, Inocêncio Galvão. Ob. cit., p. 163: “No sentido mais próximo, a herança
contrapõe-se ao legado como modos diferentes de determinações do objecto da sucessão, (...). Mas
o termo herança também tem um sentido amplo, em que é sinônimo de sucessão.”.
49
Não há como negar que o afeto está presente em grande parte ou porque não dizer
em todas as relações que envolvem a sucessão.
Traremos, em momento apropriado, considerações sobre o tema, que se reveste de
grande polêmica.
50
CAP. II – DA ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA
2.1 – INTRODUÇÃO
A regra em nosso direito é a utilização da sucessão legítima, vez que não é costume
a deixa de testamento para a disposição dos bens/direitos/obrigações.
Para que possa ser procedida a sucessão legítima, deve-se obedecer a uma regra
de “preferência” entre os possíveis herdeiros, sendo esta denominada de “ordem de
vocação hereditária”, sendo certo que tal tema sofreu grandes e consideráveis
alterações
107
.
Sem dúvida, não podemos olvidar da influência que o direito das sucessões sofreu e
ainda sofre, diretamente, do direito de família
108
, em especial da parte referente aos
regimes de bens do casamento e da união estável, com vistas a dirimir sobre os
bens que irão integrar o montante a ser herdado pelo cônjuge/companheiro
supérstite e sobre quais ficarão de fora da sucessão. Nesse ponto é que devemos
diferenciar meação e herança.
Meação é o conjunto de bens cuja propriedade é única e exclusiva de um dos
cônjuges, ficando, portanto, de fora do montante sucessório. Noutro plano, herança
é o conjunto de bens que integram a propriedade do autor e que será objeto de
sucessão por parte de seu consorte.
107
Antecipando-nos no que diz respeito aos vocacionados para a sucessão, citamos a lição de
OLIVEIRA, Euclides (Direito de herança – a nova ordem da sucessão, p. 79) para demonstrar as
mudanças sofridas: “Notáveis mudanças advieram com a nova ordem estabelecida para o
chamamento à herança. Deu-se a valorização da posição sucessória do cônjuge, que passa a
concorrer com os descendentes e com os ascendentes e mantém o direito de recebimento da
totalidade da herança na falta daqueles parentes do falecido, além de conservar o direito real de
habitação sobre o imóvel que servia ao casal. Além disso, o cônjuge passa à categoria de herdeiro
necessário (juntamente com os descendentes e ascendentes), a significar direito à legítima, tornando-
se, pois, partícipe da herança ainda mesmo contra a vontade do outro cônjuge, o que, em
determinadas situações, pode configurar inadmissível demasia.”.
108
Já expusemos nosso entendimento na pág. 02.
51
Ressalta-se que apenas à herança será aplicada a regra do direito das sucessões, e
que, depois de especificados os bens/direitos/obrigações objetos da herança, é que
será procedida sua divisão entre aqueles de direito.
Aqui reside a importância das regras sobre regimes de bens, vez que o regime
adotado pelos cônjuges/companheiro irá influenciar todo o procedimento da delação.
Não podemos tecer maiores considerações acerca da ordem de vocação hereditária
sem antes tratarmos sobre os regimes de bens e suas influências na sucessão, o
que faremos a seguir.
2.2. – DOS REGIMES DE BENS
Tratado no Título II do Livro IV do Código Civil, os regimes de bens estão situados
sob o que se denomina direitos patrimoniais do casal.
Não temos como tratar deste tema sem buscarmos uma definição sobre o que vem a
ser regime de bens, para o que acompanhamos a doutrina do professor Zeno
Veloso
109
para quem o regime de bens é “o conjunto de regras jurídicas que
disciplinam as relações econômicas entre marido e mulher. Representa o estatuto
patrimonial do matrimônio, regulando os interesses pecuniários dos esposos, entre
si, e com terceiros”.
Fica claro que o casamento, além de determinar a vida em comum regada por
características de sócio-afetividade – tema este que é o cerne de nosso estudo –
reveste-se também de caracteres de cunho obrigacional, sendo, portanto, um ato
complexo, pois, como no dizer de Orlando Gomes
110
:
“...
levam em conta que não basta, para sua formação o consentimento dos nubentes,
visto se necessária a declaração da autoridade para que o ato se aperfeiçoe.
Vontades diferentes, a dos futuros cônjuges e a do juiz, são indispensáveis à sua
formação. No primeiro momento, quando os nubentes declaram que se querem
receber como marido e mulher, o acordo de vontades verifica-se como em qualquer
109
VELOSO, Zeno. Regimes matrimoniais de bens. (in PEREIRA, Rodrigo da Cunha – Coord. –
direito de família contemporâneo), p. 80.
110
GOMES, Orlando. Direito de família, p. 48.
52
contrato; no segundo, também necessário à formação do vínculo, dá-se a intervenção
complementar da autoridade. Por isso, o casamento é ato complexo (...).”.
No regime de bens todas as regras, não proibidas por lei, podem ser
convencionadas pelos cônjuges inclusive antes da celebração do casamento (pacto
antenupcial), mediante escritura pública que deverá ser registrada e terá força de
contrato, cuja eficácia fica condicionada à celebração do casamento (art. 1.639, § 1º,
do CCB).
Seguindo os ditames da Carta Constitucional de 1988, o atual Código Civil buscou
consagrar a igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges durante a vigência da
sociedade conjugal, como podemos depreender do que determina o art. 1.642, caput
e inciso VI.
O regime de bens pode ser de dois tipos: a) convencional e; b) obrigatório. O
primeiro se configura quando os cônjuges por livre e espontânea vontade optam
pelo regime que melhor atendam suas necessidades/interesses, podendo ser feito
mediante pacto antenupcial – que no silêncio dos nubentes permanecerá durante o
casamento – ou outro que venha a ser adotado no curso da vida conjugal. Já o
segundo se dá quando a própria lei – Código Civil – determina que certas pessoas
adotem o denominado regime da separação de bens.
Caso os nubentes não venham a realizar pacto antenupcial, diz o Código Civil que
estaríamos diante de uma vontade presumida destes em adotar o regime da
comunhão parcial, ou também conhecido como regime legal, estando sua previsão
constante do art. 1.640.
Fica facultado ao casal alterar o regime de bens durante a vida em comum,
possibilidade ditada pelo art. 1.639, § 2º, sendo esta uma inovação trazida no novo
texto do Código Civil, uma vez que o texto revogado não continha tal previsão.
Para que esta alteração proceda deve haver: a) consenso entre os cônjuges, vez
que apenas um deles não é suficiente para tanto; b) pedido devidamente
fundamentado; c) autorização de juiz competente para apreciar o pedido, com
53
audiência do representante do MP e; d) comprovação de que a alteração do regime
não irá trazer prejuízos para eles ou terceiros.
Uma grande dúvida que se ventila atualmente é acerca da possibilidade de alteração
do regime de bens oriundos de casamentos que foram celebrados sob a égide do
Código de 1916.
Vemos com bons olhos tal possibilidade, vez que o art. 2.039 estabelece que a
aplicação das normas atinentes ao regime novo serão consideradas como se fossem
da época do casamento.
111
Já para os casos de regime obrigatório, sua alteração é impossibilitada. Com toda
vênia, cremos que, desde que se cesse o fundamento da obrigatoriedade do regime,
este poderia ser alterado.
111
“Direito civil. Família. Casamento celebrado sob a égide do CC/16. Alteração do regime de bens.
Possibilidade. - A interpretação conjugada dos arts. 1.639, § 2º, 2.035 e 2.039, do CC/02, admite a
alteração do regime de bens adotado por ocasião do matrimônio, desde que ressalvados os direitos
de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para tal pedido. Assim, se o Tribunal
Estadual analisou os requisitos autorizadores da alteração do regime de bens e concluiu pela sua
viabilidade, tendo os cônjuges invocado como razões da mudança a cessação da incapacidade civil
interligada à causa suspensiva da celebração do casamento a exigir a adoção do regime de
separação obrigatória, além da necessária ressalva quanto a direitos de terceiros, a alteração para o
regime de comunhão parcial é permitida. Por elementar questão de razoabilidade e justiça, o
desaparecimento da causa suspensiva durante o casamento e a ausência de qualquer prejuízo ao
cônjuge ou a terceiro, permite a alteração do regime de bens, antes obrigatório, para o eleito pelo
casal, notadamente porque cessada a causa que exigia regime específico. Os fatos anteriores e os
efeitos pretéritos do regime anterior permanecem sob a regência da lei antiga. Os fatos posteriores,
todavia, serão regulados pelo CC/02, isto é, a partir da alteração do regime de bens, passa o CC/02 a
reger a nova relação do casal. Por isso, não há se falar em retroatividade da lei, vedada pelo art. 5º,
inc. XXXVI, da CF/88, e sim em aplicação de norma geral com efeitos imediatos. Recurso especial
não conhecido. (REsp 821.807/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado
em 19.10.2006, DJ 13.11.2006 p. 261).”. www.stj.gov.br. – Acessado em 17/04/2007.
***
“CIVIL - REGIME MATRIMONIAL DE BENS - ALTERAÇÃO JUDICIAL - CASAMENTO OCORRIDO
SOB A ÉGIDE DO CC/1916 (LEI Nº 3.071) - POSSIBILIDADE - ART. 2.039 DO CC/2002 (LEI Nº
10.406) - CORRENTES DOUTRINÁRIAS - ART. 1.639, § 2º, C/C ART. 2.035 DO CC/2002 - NORMA
GERAL DE APLICAÇÃO IMEDIATA. 1 - Apresenta-se razoável, in casu, não considerar o art. 2.039
do CC/2002 como óbice à aplicação de norma geral, constante do art. 1.639, § 2º, do CC/2002,
concernente à alteração incidental de regime de bens nos casamentos ocorridos sob a égide do
CC/1916, desde que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos
cônjuges para tal pedido, não havendo que se falar em retroatividade legal, vedada nos termos do art.
5º, XXXVI, da CF/88, mas, ao revés, nos termos do art. 2.035 do CC/2002, em aplicação de norma
geral com efeitos imediatos. 2 - Recurso conhecido e provido pela alínea "a" para, admitindo-se a
possibilidade de alteração do regime de bens adotado por ocasião de matrimônio realizado sob o
pálio do CC/1916, determinar o retorno dos autos às instâncias ordinárias a fim de que procedam à
análise do pedido, nos termos do art. 1.639, § 2º, do CC/2002. (REsp 730.546/MG, Rel. Ministro
JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 23.08.2005, DJ 03.10.2005 p. 279).”.
www.stj.gov.br. – Acessado em 17/04/2007.
54
Quanto à exigência de outorga por parte de um dos cônjuges para que o outro
pratique atos de cunho civil, o Codex determina que tal só não será exigida quando
se tratar do regime da separação total dos bens, com a finalidade de alienar ou
estipular algum gravame real em seus bens, bem como atos de prestação de fiança,
doação, etc.
Dúvidas não restam quanto à necessidade de regime de bens na união estável.
Aqui, os companheiros terão a liberdade de escolher dentre os regimes de bens
trazidos pelo Código, um que melhor represente seus interesses, podendo, ainda,
convencionar, da maneira que venha a ser melhor para a convivência, sobre o
patrimônio.
Processar-se-á mediante contrato, a ser registrado no Cartório de Títulos e
Documentos, que obedecerá a regra do art. 1.725 do Código Civil, não havendo
necessidade de o ser por escritura pública. No silêncio dos companheiros, aplica-se
analogicamente o que ocorre no casamento: o regime de bens que ditará a união
estável será o da comunhão parcial.
Trazia em seu bojo, o texto de Código revogado, a possibilidade de escolha do
regime dotal. No atual texto de Código Civil este não foi tratado pelo legislador, que
trouxe o regime da participação final nos aqüestos.
Assim sendo, como se depreende do Capítulo III, IV, V e VI, do Título II, do Livro IV
do Código Civil, existem quatro tipos de regime de bens, os quais serão analisados
separadamente.
2.2.1 – Comunhão parcial
O regime da comunhão parcial é, atualmente, o regime de bens mais utilizado em
nosso país.
Desde que passou a figurar no cenário jurídico nacional, com o advento da Lei nº
6.515/1977, se tornou comum e foi adotado como aquele a ser considerado “legal”,
tendo vigência plena quando não houver disposição expressa dos cônjuges acerca
55
do regime de bens, e nas hipóteses de haver declaração de nulidade ou ineficácia
do pacto patrimonial.
O que vigora nesse regime é um pouco do regime da comunhão total (os bens
adquiridos onerosamente após o casamento se comunicam) e um pouco do regime
da separação (vez que os bens particulares anteriores ao matrimonio ficam de fora
da comunhão).
Salienta Maria Helena Diniz
112
:
“Esse regime, ao prescrever a comunhão dos aqüestos, estabelece uma
solidariedade entre os cônjuges, unindo-os materialmente, pois ao menos
parcialmente seus interesses são comuns, permitindo, por outro lado, que cada um
conserve como seu aquilo que já lhe pertencia ao momento da realização do ato
nupcial.”.
A separação entre os bens particulares e comuns será determinada com a
celebração do casamento, nos termos dos arts. 1.658 c/c 1.661, ambos do Código
Civil.
No já mencionado art. 1.659 e seus incisos constam os bens que ficam de fora da
comunhão, a saber: I – os bens que cada cônjuge possui ao casar, e os que lhe
sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-
rogados em seu lugar; II – os bens adquiridos com valores exclusivamente
pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; III – as
obrigações anteriores ao casamento; IV – as obrigações provenientes de atos
ilícitos, salva reversão em proveito do casal; V – os bens de uso pessoal, os livros e
instrumentos de profissão; VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII – as pensões, meio-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
O inciso que tem repercussões diretas no campo sucessório é a hipótese descrita no
inciso I. Acerca deste, diz Maria Helena Diniz
113
:
“Claro esta que se o doador ou testador quisesse que a liberalidade beneficiasse o
casal e não apenas um dos consortes, teria feito a doação ou legado em favor do
112
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – vol. 5, p. 168.
113
Idem, p. 169.
56
casal. Se o nubente é herdeiro necessário, mas seu pais está vivo por ocasião do
casamento, tem, obviamente, expectativa de direito, uma vez que só terá direito à
legítima por morte do ascendente; como se trata de causa de ganho às núpcias, seu
consorte não adquirirá os bens herdados (RT, 271:399). “.
No mesmo sentido já se pronunciou o STJ:
“CONCUBINATO. PEDIDO DE SUA DISSOLUÇÃO. DIREITO DE PARTILHAR BENS
(MEAÇÃO). COMUNHÃO LIMITADA OU PARCIAL. EM TAL REGIME,
COMUNICAM-SE OS BENS ADQUIRIDOS NA CONSTANCIA DO MATRIMONIO.
MAS SÃO EXCLUIDOS DA COMUNHÃO, "OS BENS QUE CADA CONJUGE
POSSUIR AO CASAR, E OS QUE SOBREVIEREM, NA CONSTANCIA DO
MATRIMONIO, POR DOAÇÃO OU POR SUCESSÃO." NÃO E LEGITIMO NEM
LEGAL TENHA O CONCUBINATO TRATAMENTO DIVERSO. E DE LHE SER
DADO TRATAMENTO IGUAL AO DO CASAMENTO, UMA VEZ APLICADO O
REGIME DA COMUNHÃO LIMITADA OU PARCIAL, DONDE DEVEREM SER
EXCLUIDOS DA COMUNHÃO, PORTANTO NÃO SUJEITOS A MEAÇÃO, OS BENS
QUE COMO TAIS FORAM HERDADOS. COD. CIVIL, ART. 269-I. RECURSO
ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. (REsp 58.357/RS, Rel. Ministro
NILSON NAVES, TERCEIRA TURMA, julgado em 05.12.1995, DJ 29.04.1996 p.
13413).”.
114
Ressalta-se que, conforme dispõe o art. 39 da Lei nº. 9.610/1998, “os direitos
patrimoniais do autor, excetuados os rendimentos resultantes de sua exploração,
não se comunicam, salvo pacto antenupcial em contrário”. No mesmo sentido, ficam
excluídos da comunhão os bens que forem adquiridos pelo cônjuge a título de
herança e/ou legado, não importando se estes foram recebidos durante a vigência
da sociedade conjugal.
Quanto aos bens que se comunicam, estes estão descritos no art. 1.660 e incisos I a
V, a saber: I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso,
ainda que só em nome de um dos cônjuges; II – os bens adquiridos por fato
eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; III – os bens
adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; IV – as
benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; V – os frutos dos bens comuns,
ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou
pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
O legislador repetiu, em parte, o que já anunciava o art. 271 do texto de Código Civil
revogado.
114
www.stj.gov.br – Acessado em 17/04/2007.
57
No que tange aos bens móveis, estes deverão ser considerados, salvo prova em
sentido contrário, como bens comum do casal. Trata-se, portanto, de presunção
relativa.
O patrimônio do casal será administrado por um ou ambos os cônjuges, o que nos
leva a acreditar que o Código Civil atual veio a consagrar a regra da igualdade entre
homens e mulheres, já preconizada no texto Constitucional de 1988. No código
revogado a determinação era que a administração competia apenas ao marido (art.
226, § 5º, da CF/88, art. 1.567 c/c arts. 1.670 e 1.663, caput, do CC).
Se porventura vier o casal a contrair dívidas quando da administração dos bens,
tanto os bens particulares do cônjuge administrador quanto os do casal, bem como
os de seu consorte (desde que provado que este obteve alguma benesse), ficarão
subentendidos como bastantes para a satisfação do débito. Frise-se que é
necessário que ambos os consortes consintam para a cessão de bens a título
gratuito, conforme dispõe o art. 1.663, §§ 1º e 2º do CCB.
Ocorrendo dilapidação do patrimônio por parte de um dos cônjuges, ao juiz é
facultado determinar que apenas um deles fique responsável pela administração do
acervo patrimonial do casal, regra esculpida no art. 1.663, § 3º, que corresponde,
parcialmente, ao art. 274 do texto de Código Civil de 1916.
Inovação traz o art. 1.664, onde fica estabelecido que “os bens da comunhão
respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender
aos encargos da família, às despesas de administração e às despesas decorrentes
de imposição legal.”.
Todavia, a administração e a disposição dos bens constitutivos do patrimônio
particular, desde que haja entendimento diverso e expresso em pacto antenupcial,
fica a encargo do cônjuge proprietário, como reza o art. 1.665.
As dívidas que qualquer dos cônjuges vier a contrair durante a administração de
bens particulares de sua propriedade e em benefício próprio, não atingirão os bens
58
comuns, como diz o art. 1.666, que parcialmente repetiu o que estabelecia o art. 274
do texto de Codex anterior.
O regime de bens que ora analisamos será dissolvido quando ocorrer: a) morte de
um dos cônjuges; b) separação judicial/divórcio; c) nulidade/anulação de casamento.
Dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um dos consortes, os bens que eram
de sua propriedade são entregues aos seus herdeiros. Havendo dissolução pela
separação judicial, divórcio ou anulação, os bens que constituem patrimônio comum
serão partilhados; quanto aos incomunicáveis cada cônjuge retira o que lhe
pertence. Não são, portanto, meeiros, visto que não têm carta de metade como no
regime de comunhão universal de bens.
115
2.2.2 – Comunhão total
O regime da comunhão total de bens não é novidade no presente Código, haja vista
que o mesmo encontrava-se no art. 262 do anterior Estatuto Civil. Hodiernamente, é
tratado no art. 1.667.
A regra do regime da comunhão total dos bens é a de que todos os bens, sejam eles
adquiridos antes ou durante a sociedade conjugal, se comunicam. O mesmo se
aplica, em linhas gerais, às dívidas.
Segundo Guillermo A. Borda
116
:
“En el régimen de la comunidad universal todos los bienes presentes y futuros de los
esposos pertenecen a ambos; disuelta la sociedad, se dividen entre ellos en partes
iguales, sin consideración de su origen. Éste es el sistema que mejor responde al
concepto de ‘unión de cuerpos y almas’, y de matrimonio indisoluble, pero,
naturalmente, la proliferación de los divórcios, sean vinculares o de cuerpos, lo hace
actualmente injusto e inaplicable;”.
Como no regime tratado anteriormente, este também explicita, nos incisos do art.
1.668, o que é excluído da comunhão, a saber: I – os bens doados ou herdados com
a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; II – os bens
115
DINIZ, Maria Helena. Ob. cit., p. 175.
59
gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a
condição suspensiva; III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem
de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum; IV – as
doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de
incomunicabilidade; V – os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.
O STJ
117
em decisão recente assim se manifestou:
“O REGIME DE BENS DO CASAMENTO EM QUESTÃO É O DA COMUNHÃO
UNIVERSAL DE BENS, COM OS CONTORNOS DADOS À ÉPOCA PELA
LEGISLAÇÃO NACIONAL APLICÁVEL, SEGUNDO A QUAL, NOS TERMOS DO
CC/1916 262 [CC 1.667], IMPORTAVA ‘A COMUNICAÇÃO DE TODOS OS BENS
PRESENTES E FUTUROS DOS CÔNJUGES E SUAS DÍVIDAS PASSIVAS’,
EXCETUANDO-SE DESSA UNIVERSALIDADE, SEGUNDO O CC/1916 263, II E XI
[CC 1.668, I] ‘OS BENS DOADOS OU LEGADOS COM A CLÁUSULA DE
INCOMUNICABILIDADE E OS SUB-ROGADOS EM SEU LUGAR’, BEM COMO ‘OS
BENS DA HERANÇA NECESSÁRIA, A QUE SE IMPUSER A CLÁUSULA DE
INCOMUNICABILIDADE’ (REsp 275985/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO
TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 17.06.2003, DJ 13.10.2003 p. 366).”.
Não olvidemos em alertar sobre uma aparente semelhança entre os artigos 1.668, I
e 1.659, I, vez que esses dois dispositivos do CCB jamais podem ser confundidos.
No regime da comunhão parcial de bens, sempre que um dos cônjuges vier a
receber um bem por doação ou sucessão, ainda que durante a sociedade conjugal,
via de regra, tais bens não serão objetos de comunicação, ao passo que no regime
da comunhão universal de bens, os bens que um dos cônjuges vir a receber, via
geral, serão objetos de comunicação.
Caso um dos consortes venha a receber doação ou sucessão durante o matrimônio,
e o regime matrimonial for o da comunhão universal de bens, estes bens recebidos
só ficaram de fora de futura comunhão se houverem sido gravados com cláusula de
incomunicabilidade.
Uma peculiaridade desse regime é que “nenhum dos cônjuges é proprietário
exclusivo da totalidade dos bens do casal, mas cada um tem neles uma metade
ideal de que não pode dispor, enquanto dura a sociedade conjugal”.
118
116
BORDA, Guillermo A. Manual de familia, pp. 116-117.
60
Quanto à administração dos bens, como já expusemos anteriormente, nosso Código
Civil, ao contrário de seu antecessor, trouxe em seu corpo a regra constitucional de
que homens e mulheres são iguais. Desta feita, a ambos fica a incumbência de zelar
e administrar os bens comuns (art. 226, § 5º, da CF/88, art. 1.567 c/c arts. 1.670 e
1.663, caput, do CC).
As causas que ensejam a dissolução da comunhão que hora tratamos são as
mesmas que mencionamos quando do regime da comunhão parcial de bens: a)
morte de um dos cônjuges; b) separação judicial/divórcio; c) nulidade/anulação de
casamento.
Assim, extinta a comunhão, o ativo e o passivo da sociedade serão divididos e a
responsabilidade dos cônjuges findará para com os credores do outro.
2.2.3 – Participação final dos aqüestos
O regime da participação final dos aqüestos não estava previsto no Código Civil
revogado, sendo, portanto, uma inovação do legislador do atual Codex,
encontrando-se previsto no Capítulo V, do Título II, do Livro IV.
Para a validade deste regime, é necessário, contudo, a existência de pacto
antenupcial.
Afirma Silvio Rodrigues
119
:
“Representa um regime híbrido, ou misto, ao prever a separação de bens na
constância do casamento, preservando, cada cônjuge, seu patrimônio pessoal, com a
livre administração de seus bens, embora só se possa vender os imóveis com a
autorização do outro, ou mediante expressa convenção no pacto dispensando a
anuência (art. 1.672 e 1.673, parágrafo único c/c art. 1.656). Mas, com a dissolução,
fica estabelecido o direito à metade dos bens adquiridos a título oneroso.”.
117
www.stj.gov.br – Acessado em 19/04/2007
118
PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direitos de família, p. 170.
119
RODRIGUES, Silvio. Direito civil – vol. 6, atual. por Francisco José Cahali, p. 194.
61
Diante dessa lição, chegamos ao entendimento de que neste regime de bens ambos
os cônjuges possuem direito a manter e administrar seu patrimônio pessoal como
bem quiserem.
A divisão dos bens acontecerá no momento da dissolução da sociedade conjugal,
quando serão devidamente divididos os aqüestos. Assim sendo, quando a divisão
não for possível, haverá uma avaliação para que se possa calcular o valor que
deverá ser pago, em dinheiro, ao outro consorte.
Segundo o art. 1.674, ficam excluídos: a) os bens anteriores ao casamento e os que
em seu lugar se sub-rogaram; b) os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão
ou liberalidade; e c) as dívidas relativas a esses bens. Diz o parágrafo único deste
artigo que os bens móveis serão presumidos como adquiridos no curso do
casamento, podendo, entretanto, haver prova em sentido contrário.
Quanto aos bens móveis, é garantido aos cônjuges proceder a sua alienação,
ficando presumido perante terceiros que estes são comuns, admitindo-se, contudo,
prova no sentido diverso de que o bem móvel era exclusivo de um dos cônjuges.
A meação não poderá ser renunciada, cedida ou penhorada durante a vigência
deste regime de bens, como estabelece o art. 1.682 do Código Civil.
Caso um dos cônjuges, após o casamento, venha a contrair dívidas, estas serão
arcadas pelo mesmo, exceto quando haja reversão parcial ou integral do outro
cônjuge. As dívidas que ultrapassarem o valor da meação não vinculam o outro
cônjuge e seus herdeiros.
Se a sociedade conjugal se dissolver por morte de um dos cônjuges, a meação do
cônjuge supérstite se dará da forma tratada acima, ficando a parte que seria do de
cujus sujeita às regras do direito das sucessões.
2.2.4 – Separação
62
Trata-se de regime de bens que necessita de prévio consentimento (escolha) por
parte dos cônjuges em pacto antenupcial ou imposição legal para casamentos em
que os nubentes se enquadrem numa das situações trazidas pelo art. 1.641 do
Código Civil.
Na separação cada cônjuge continua com a propriedade de seus bens particulares,
cabendo a cada um a administração de seus bens da maneira como lhes for mais
conveniente.
Sob a égide do Código de 1916 (art. 276) era possível ao cônjuge realizar
alienações em sua propriedade particular, bem como estipular quais desses seriam
objeto de gravame real desde que houvesse outorga uxória. Tal entendimento não
figura mais em nosso atual Código, conforme se denota do art. 1.687.
Hoje, impõe a lei que os cônjuges ficam incumbidos de zelar pela justa contribuição,
na proporção do que percebem como fruto de trabalho, nas despesas do casal,
exceto se houver disposição em sentido diverso em pacto antenupcial.
Existe divergência na doutrina e jurisprudência acerca da obrigatoriedade de constar
em pacto antenupcial a intenção do casal em não dividir os aqüestos em eventual
dissolução da sociedade conjugal, aplicando-se tão-somente as regras atinentes à
separação de bens.
Assim sendo, “estipulada expressamente na convenção antenupcial a separação
absoluta, não se comunicam os bens adquiridos depois do casamento
(aqüestos).”.
120
Havia no Código anterior a mesma divergência quando da interpretação do art. 259
revogado, divergência esta que fez com que o STF editasse a Súmula nº. 377
121
.
120
RT 715/268.
121
Súmula nº. 377 do STF: “No regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na
constância do casamento.”.
63
Atualmente, tendo o Código criado o regime da participação final dos aqüestos, veio
este a seguir o que dizia a Súmula mencionada, não mantendo em seu corpo o
mesmo entendimento que o Código Civil de 1916 trazia no texto de seu art. 259.
Desta forma, nos curvamos ao entendimento de que o presente ordenamento civil
veio a privilegiar a idéia de separação total dos bens do casal.
2.3 – A ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA TRAZIDA PELO ATUAL
TEXTO DE CÓDIGO CIVIL
A ordem de vocação hereditária é o vínculo que a lei estabelece para que os
bens/direitos/obrigações sejam transmitidos por aqueles que se encontrem
vinculados ao seu antigo proprietário.
Para a transmissão do acervo hereditário aos herdeiros imperioso se faz uma
ordem/seqüência para que este ou aquele herdeiro venha a se colocar em situação
que lhe garanta o recebimento de sua herança, bem como lhe situar dentre os vários
sucessores que porventura o falecido deixou, estabelecendo, desta feita, uma
preferência ao chamamento destes.
A ordem de vocação hereditária se divide em classes, devendo tal ordem ser
respeitada, sob pena de nulidade da delação. Importante frisar que os herdeiros
mais próximos preferem aos mais remotos.
Mazeaud et Mazeaud
122
afirmava que:
“Pour éviter les résultats fâcheux de la prorité réglée par la seule proximité du degré,
les parents ont été repartis en quatre ordres. Ceux classés dans un ordre excluent
ceux de l’ordre suivant, alors même que ces derniers seraient plus proches em degré.
Par exemple, le premier ordre est formé des descendants; les descendants excluent
donc tous autres parents: l’arrière-petit-fils du de cujus (parent au 3º degré) exclut lê
père du de cujus (parent au 1º degré). C’est seulement entre les parents d’un même
ordre que peut jouer la proximité du degré (...).”.
122
MAZEAUD et MAZEUAD. Ob. cit., pp. 596-597.
64
Encontra-se atualmente no art. 1.829, que não reproduziu a ordem vocatória do art.
1.603 do texto de Código Civil revogado. Entretanto, ainda que tenham ocorridos
mudanças (as quais serão tratadas em momento oportuno), veio a deixar da ordem
dos vocacionados o companheiro, mencionando-o apenas na parte geral do direito
das sucessões (art. 1.790).
O critério adotado em nosso sistema, seguindo a tradição da maioria das
legislações, leva em consideração os laços familiares dos herdeiros com o falecido,
incluídos neste o parentesco consangüíneo ou civil e o vínculo decorrente de
casamento ou da união estável, considerando-se que a eles desejaria o falecido
destinar a herança, mesmo sem qualquer manifestação expressa de vontade.
123
A vocação hereditária prevista na lei vale para todas as pessoas, nacionais ou
estrangeiras, desde que domiciliadas no território nacional. O sistema era diverso na
antiga Lei de Introdução ao Código Civil, que atendia ao princípio da nacionalidade.
Foi alterada essa orientação normativa, desde a Lei de Introdução advinda com o
Decreto-Lei nº. 4.657, de 4 de setembro de 1942, cujo art. 10 assim dispõe: “A
sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o
defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens”.
124
Tendo a LICC tratado a matéria da forma supra mencionada, o comando
constitucional do art. 5º, XXXI determina que “a sucessão de bens de estrangeiros
situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos
filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus”.
Trata-se de, no dizer de Arruda Alvim
125
, de competência absoluta da autoridade
judiciária brasileira.
No mesmo sentido é o seguinte julgado:
“DIREITOS INTERNACIONAL PRIVADO E CIVIL. PARTILHA DE BENS.
SEPARAÇÃO DE CASAL DOMICILIADO NO BRASIL. REGIME DA COMUNHÃO
123
CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 158,
124
OLIVEIRA, Euclides. Ob. cit., p. 82.
125
ARRUDA ALVIM. Manual de direito processual civil – vol. 1, p. 276.
65
UNIVERSAL DE BENS. APLICABILIDADE DO DIREITO BRASILEIRO VIGENTE NA
DATA DA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO. COMUNICABILIDADE DE TODOS OS
BENS PERSENTES E FUTUROS COM EXCEÇÃO DOS GRAVADOS COM
INCOMUNICABILIDADE. BENS LOCALIZADOS NO BRASIL E NO LIBANO. BENS
NO ESTRANGEIRO HERDADOS PELA MULHER DE PESSOA DE
NACIONALIDADE LIBANESA DOMICILIADA NO BRASIL. APLICABILIDADE DO
DIREITO BRASILEIRO DAS SUCESSÕES. INEXISTÊNCIA DE GRAVAME FORMAL
INSTITUÍDO PELO DE CUJUS. DIREITO DO VARÃO À MEAÇÃO DOS BENS
HERDADOS PELA ESPOSA NO LIBANO. RECURSO DESACOLHIDO. I - Tratando-
se de casal domiciliado no Brasil, há que aplicar-se o direito brasileiro vigente na data
da celebração do casamento, 11.7.1970, quanto ao regime de bens, nos termos do
art. 7º-§ 4º da Lei de Introdução. II - O regime de bens do casamento em questão é o
da comunhão universal de bens, com os contornos dados à época pela legislação
nacional aplicável, segundo a qual, nos termos do art. 262 do Código Civil, importava
"a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas
passivas", excetuando-se dessa universalidade, segundo o art. 263-II e XI do mesmo
Código "os bens doados ou legados com a cláusula de incomunicabilidade e os
subrogados em seu lugar", bem como "os bens da herança necessária, a que se
impuser a cláusula de incomunicabilidade". III - Tratando-se da sucessão de pessoa
de nacionalidade libanesa domiciliada no Brasil, aplica-se à espécie o art. 10, caput,
da Lei de Introdução, segundo o qual "a sucessão por morte ou por ausência
obedece à lei em que era domiciliado o defunto ou desaparecido, qualquer que seja a
natureza e a situação dos bens". IV - Não há incomunicabilidade dos bens da
herança em tela, sendo certo que no Brasil os bens da herança somente comportam
incomunicabilidade quando expressa e formalmente constituído esse gravame pelo
de cujus, nos termos dos arts. 1.676, 1.677 e 1.723 do Código Civil, complementados
por dispositivos constantes da Lei de Registros Públicos. V - Não há como afastar o
direito do recorrido à meação incidente sobre os bens herdados de sua mãe pela
recorrente, na constância do casamento sob o regime da comunhão universal de
bens, os que se encontram no Brasil e os localizados no Líbano, não ocorrendo a
ofensa ao art. 263, do Código Civil, apontada pela recorrente, uma vez inexistente a
incomunicabilidade dos bens herdados pela recorrente no Líbano. VII - O art.89-II,
CPC, contém disposição aplicável à competência para o processamento do inventário
e partilha, quando existentes bens localizados no Brasil e no estrangeiro, não
conduzindo, todavia, à supressão do direito material garantido ao cônjuge pelo
regime de comunhão universal de bens do casamento, especialmente porque não
atingido esse regime na espécie por qualquer obstáculo da legislação sucessória
aplicável. VIII - Impõe-se a conclusão de que a partilha seja realizada sobre os bens
do casal existentes no Brasil, sem desprezar, no entanto, o valor dos bens
localizados no Líbano, de maneira a operar a equalização das cotas patrimoniais, em
obediência à legislação que rege a espécie, que não exclui da comunhão os bens
localizados no Líbano e herdados pela recorrente, segundo as regras brasileiras de
sucessão hereditária. (REsp 275985/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO
TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 17.06.2003, DJ 13.10.2003 p. 366).”.
126
A ordem de sucessão que nosso atual Código traz (art. 1.829) é, portanto, bem mais
ampla e complexa do que aquela que se encontrava no texto revogado (art. 1.
603
127
).
126
www.stj.gov.br – Acessado em 19/04/2007.
127
“Art. 1.603: A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes;
II – aos ascendentes;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais;
66
Diz o art. 1.829 do autal texto de Código Civil:
“Art. 1.829 – A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado
este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência como cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.”
A proposta agora estampada no art. 1.829 do Código Civil altera – e de forma
substancial – uma tradição secular que não se revelara válida no terreno sucessório,
como, igualmente, distinguia-se “pela simplicidade (correspondendo), com a possível
exatidão, ao conceito de família na sociedade, para a qual se organizou:
descendentes, ascendentes, cônjuge e colaterais”.
128
Posição que nos deixou de certa feita entristecidos com a falta de sensibilidade do
legislador em não reconhecer os filhos sócio-afetivos como herdeiros para receber a
herança em concorrência com os demais filhos sangüíneos ou civis do de cujus.
Teceremos algumas considerações acerca dos vocacionados do art. 1.829 de
maneira separada, ressaltando que em momento próprio apresentaremos propostas
de lege ferenda para corrigir, em nosso sentir, este equívoco por parte da Lei Civil.
2.4 – DA SUCESSÃO DOS DESCENDENTES E DO CÔNJUGE
Os descendentes gozam de uma situação assaz privilegiada quando da delação
sucessória, entendendo o legislador ser tal posição um reflexo de uma vontade,
mesmo que não manifestada, por parte do de cujus, a fim de garantir a seus filhos
uma melhor qualidade de vida com o acervo a estes deixado.
No texto do Código Civil de 1916 constava do art. 1.603, I, apenas os descendentes,
sendo estes, portanto, a única classe de herdeiros. Atualmente, no inciso I do art.
V – aos Municípios, ao Distrito Federal ou à União.”
128
LEITE, Eduardo de Oliveira. Ob. cit., p. 214.
67
1.829, podemos constatar a presença do cônjuge em situação de concorrência com
os descendentes.
Falecido o autor dos bens/direitos/obrigações, abre-se a sucessão e, quando da
delação, os descendentes herdarão por direito próprio – sucessão por cabeça
(caso estejam vivos) ou serão representados (caso estejam impossibilitados de
herdarem, ficando seus filhos legitimados para tanto) – sucessão por estirpe.
A regra do “parente mais próximo prefere ao mais remoto” também é aplicada aos
descendentes, como determina o art. 1.833 do Código Civil.
129
Como já tratado no art. 227, § 6º, da Constituição Federal não podem ser
diferenciados os filhos sanguíneos e os filhos adotivos, haja vista que nossa
Constituição Federal de 1988 veda qualquer tipo de discriminação ou tratamento
diferenciado entre estes filhos.
130
Para Roberto Senise Lisboa
131
:
Descendente é o parente consangüíneo ou adotado em linha reta, pós-existente ao
sujeito, que é dele ascendente.
Descendência é, assim, a série que procede de um genitor comum, ainda que
mediante adoção.
O parentesco entre descendentes consangüíneos pode advir de agnação ou
cognação.
Agnação é o parentesco entre descendentes consangüíneos pelo lado paterno.
Cognação é o parentesco entre descendentes consangüíneos pelo lado materno.”.
Os filhos irão receber os bens/direitos/obrigações de maneira proporcional, devendo
aqueles filhos que forem agraciados com doações do autor da herança levar tais
bens à colação, sob pena de receberem mais que os demais e causar um
desequilíbrio entre os herdeiros.
A doutrina de Francesco Messineo
132
é:
129
Como já dizia PLANIOL, Marcel. Par Georges Ripert et Jean Boulanger (ob. cit., p. 601): “En
principe, lorsque les descendants ne sont pas du même degré, le descendant le plus proche en degré
prime les autres; (...).”.
130
TRABUCCHI, Alberto (ob. cit.,p. 838): “Ai figli legittimi sono equiparati i legittimari e gli adottivi”.
131
LISBOA, Roberto Senise. Ob. cit., pp. 462-463.
132
MESSINEO, Francesco. Manuale di diritto civile e commerciale, vol. 6º, p. 73.
68
“I discendenti legittimi costituiscono la prima categoria di parenti legittimi successibili;
fra i discendenti legittimi, rientrano i figli legittimi e i discendenti di questi all’infinito; i
quali ultimi succedono per diritto di rappresentazione (cfr. § 176, n. 4).
Per ‘figli legittimi’, si intendono, oltre i legittimi veri e propri (567 primo comma), anche
i legittimati (retro, § 65), gli adottivi (retro, § 69) e (per diritto di rappresentazione: §
197), i rispettivi discendenti; i nati da matrimonio putativo, ma nella sola ipotesi di cui
all’art. 128 secondo comma (retro, § 59, n. 6).”.
Todavia, o legislador de 2002 trouxe uma inovação quando inseriu o cônjuge como
herdeiro necessário em concorrência com os descendentes, trazendo grandes
polêmicas e discussões, as quais teceremos singelas considerações.
Analisando o texto do art. 1.829, I, do atual Código Civil, temos a idéia de que o
mencionado dispositivo será aplicado excepcionalmente, já que os herdeiros do de
cujus receberão os bens/direitos/obrigações sem que concorram com o consorte
supérstite quando o regime de bens do casamento for: a) comunhão universal; b)
separação obrigatória e; c) comunhão parcial, desde que não haja bens particulares
do autor da herança.
Haverá concorrência dos herdeiros com o cônjuge sobrevivente quando o de cujus
tivesse um dos seguintes regimes de bens: a) participação final nos aqüestos; b)
comunhão parcial, desde que haja bens particulares do autor da herança e; c)
quando o casal livremente acordar sobre a separação de bens.
Em que pese à mudança legislativa do atual Código Civil, este trouxe uma
imprecisão quando fez remissão ao art. 1.640, I, sendo que o correto seria
mencionar o art. 1.641, todos do CCB.
Cahali
133
diz que talvez a intenção do legislador tenha sido dar ao cônjuge uma
participação sucessória sobre os bens nos quais não terá meação pelo regime de
bens adotado no casamento.
Parece-nos que a tentativa do legislador não foi das mais felizes, pois este
dispositivo trouxe e ainda traz muitas dúvidas quanto a sua amplitude. Como regra
geral voltada a nortear a convivência do homem em sua vida privada, entendemos
que o texto do Código Civil deveria ter sido o mais claro e objetivo possível.
69
A falta de clareza e objetividade presente no texto do inciso em comento pode
resultar uma certa insegurança jurídica, com o surgimento de inúmeras
interpretações por parte dos doutrinadores e aplicadores do direito.
Cumpre ressaltar que está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto-lei nº.
6.960/02, visando alterar o texto do art. 1.829, I, do CCB, com a finalidade de
modificar a menção ao art. 1.640, § único para o art. 1.641, todos do Código Civil,
uma vez que tal artigo seria mais adequado.
A finalidade seria corrigir esse erro, ficando o texto do art. 1.829, I com a seguinte
redação:
“Art. 1.829: (....):
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado
este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (art. 1.641); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da
herança não houver deixado bens particulares;”.
A doutrina de Francisco José Cahali
134
é muito precisa e sábia ao sustentar que:
“Porém, como apresentado no texto, sem referência a esta incidência da herança
apenas sobre o acervo individual, temos para nós que a regra estabelece um critério
de convocação, se preenchidos os seus requisitos, para concorrer na universalidade
do acervo. (...).
Convocado o cônjuge, terá direito a uma parcela sobre toda a herança, inclusive
recaindo o seu quinhão também sobre os bens nos quais eventualmente já possui a
meação.”.
Diante do que foi exposto, não nos resta outra conclusão senão a de que foi
preservado e garantido o direito sucessório do cônjuge sobrevivente que tenha
contribuído para a vida do casal, deixando clara que a noção da dedicação à
sociedade conjugal não se extingue com a dissolução matrimonial.
Corroborando este entendimento, pertinente é a lição de Oliveira Ascensão
135
:
“Este grande esforço da posição sucessória do cônjuge surge paradoxalmente ao
mesmo tempo que se torna o vínculo conjugal cada vez mais facilmente dissolúvel. A
posição de cônjuge é concebida como uma posição infinitamente mutável. Aquele
133
CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 213.
134
Idem. Ibidem.
135
ASCENSÃO, José de Oliveira. Ob. cit., p. 353.
70
porém a quem calhe ocupar a posição de cônjuge, na altura da morte, esse é que vai
ter uma muito privilegiada proteção sucessória.
Por outras palavras, a lei só se preocupa em favorecer o vínculo conjuga depois de
ele estar dissolvido. A lei tende a conceber o casamento como um instituto mortis
causa.”.
Houve uma super proteção por parte do legislador ao cônjuge sobrevivente, o que
pode gerar o entendimento da impossibilidade de delação apenas aos
descendentes.
Com certeza poderia o legislador ter evitado tal infelicidade se levasse em conta o
exposto no Texto Maior de nosso país quando afirma que há ampla igualdade entre
homens e mulheres, bem como ao fato destas, hodiernamente, desfrutarem de
situação idêntica ou, em alguns casos, melhor até que a dos homens.
Deixou, portanto, de atentar o que é tratado no Livro do Direito de Família: onde
tanto o homem quanto a mulher possuem a chefatura do núcleo familiar, não
havendo, portanto, submissão entre um e outro.
Esse é o texto do Enunciado 270, da III Jornada do STJ
136
:
“O CC 1.829, I só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os
descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação
convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou
participação final dos aqüestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em
que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser
partilhados exclusivamente entre os descendentes.”.
Certamente, o lado mais necessitado da família (a prole) sofreu diretamente com tal
inovação legislativa, pois protegeu aquele que já possuía e possui uma situação
econômico-social mais privilegiada (o cônjuge) em detrimento dos necessitados (os
filhos).
Nosso estudo não tem por escopo tecer maiores considerações acerca das
inovações trazidas pelo art. 1.829, I do atual Código Civil, uma vez que já se
encontra doutrina especializada sobre o tema.
136
Disponível em: http://www.cjf.gov.br/revista/enunciados/IIIJornada.pdf.
71
Entretanto, entendemos que seria de bom grado a retirada do cônjuge do
mencionado inciso, pois traria clarividência à todos de que a posição do consorte
seria garantida por força da meação, determinada pelo regime de bens, podendo o
titular dos bens/direitos/obrigações dispor para quem quisesse.
2.5 – DA SUCESSÃO DOS ASCENDENTES E DO CÔNJUGE
Diz o art. 1.836 do Código Civil que “na falta de descendentes, são chamados à
sucessão os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente”.
No que tange às peculiaridades dessa sucessão, devem ser observadas as
orientações dos §§ 1º e 2º do artigo supra, para os quais “na classe dos
ascendentes, o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linhas
1º)” e “havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha
paterna herdam a metade, cabendo a outra aos da linha materna (§ 2º)”.
A vocação em tela se dá juntamente com o cônjuge sobrevivente, nos termos do art.
1.829, II do Código Civil, nos mesmos moldes em que se opera a vocação dos
descendentes com o cônjuge.
A vocação hereditária dos ascendentes estriba-se em razões de reforçada
afetividade e na tutela à geração precedente, menos capaz de adquirir bens devido
ao declínio da capacidade laborativa. A afeição evidente primeiramente aos
descendentes só depois sobe aos ascendentes (amor primum descendit, deinde
ascendit). Deles se origina a vida do autor da herança; por eles foi educado e
orientado nas etapas basilares da vida, por eles, que representam a raiz genética do
filho, sua retaguarda moral e sentimental.
137
Há uma preferência dos vinculados ao de cujus em linha reta, anteriormente prevista
no texto de Código Civil de 1916, sendo que a novidade aqui se dá por conta da
posição do cônjuge, que não tinha previsão no texto anterior.
137
ALMADA, Ney de Mello. Ob. cit., p. 181.
72
O art. 1.852 do CCB dispõe que “o direito de representação dá-se na linha reta
descendente, mas nunca na ascendente”, o que nos leva a crer que o legislador
buscou garantir a aplicação da máxima o mais próximo exclui o mais remoto, pouco
importando serem parentes paternos ou maternos, ou seja, se quando da morte do
titular dos bens/direitos/obrigações, seus pais forem vivos, estes herdaram em
quotas iguais, não sendo relevante se ainda estão unidos pelo laço do matrimônio,
ressaltando-se que se um deles houver falecido, o outro herda o acervo hereditário
em sua totalidade.
Nesse sentido tem-se que a posição de concorrência do cônjuge supérstite trouxe-
lhe garantias e o reconhecimento de seus direitos, diferente do texto Civil de 1916,
que determinava a transmissão de todo o patrimônio constituído ao ascendente do
de cujus sem que houvesse concorrência.
A partilha na sucessão dos ascendentes se dá por linha e não por cabeça,
reafirmando-se o princípio que só os integrantes do mesmo grau podem concorrer à
herança.
138
2.6 – DA SUCESSÃO DO CÔNJUGE
Seguindo a ordem tratada no art. 1.829, III, do atual Código Civil, o cônjuge
sobrevivente terá garantido seu direito sucessório, desde que observadas algumas
peculiaridades.
A principal exigência que o art. 1.830
139
faz é a observância do estado civil do
cônjuge sobrevivente no momento em que o titular dos bens/direitos/obrigações
falece, isto quer dizer que o cônjuge sobrevivente só terá direito a uma parte do
acervo se não estiver separado judicialmente ou separado de fato há dois anos
antes da morte.
138
LEITE, Eduardo de Oliveira. Ob. cit., p. 245.
139
“Art. 1.830: Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da
morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos,
salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.”.
73
A vocação do cônjuge pressupõe a subsistência do vínculo conjugal e, por isso
mesmo, não há como invocar esse direito se já ocorreu a separação judicial (com o
aval do Judiciário) ou a mera separação fática (sem aquele aval, mas com iguais
efeitos quanto à ruptura do vínculo). Excepciona-se, ainda, no final do artigo, a
hipótese de ruptura sem culpa do sobrevivente, situação em que este herda, já que
a separação se deu por fator alheio à sua vontade.
140
No texto de Código Civil revogado o direito sucessório do cônjuge supérstite era
tratado no art. 1.611
141
, sendo que este só herdava na falta de descendentes e
ascendentes e se não estivesse “desquitado
142
” quando do óbito do titular dos
bens/direitos/obrigações.
Nosso atual Código, por sua vez, garante ao cônjuge sobrevivo, independente do
regime matrimonial e do que lhe será de direito na meação do montante hereditário,
o direito real de habitação no imóvel destinado como residência familiar, sendo
necessário que este seja bem exclusivo e único a ser objeto de inventário.
Todavia, havendo mais um imóvel tido como residencial para a entidade familiar, não
há que se falar no mencionado direito real.
Temos que observar, ainda, as influências do casamento nulo na sucessão do
cônjuge, pois caso venha a surgir uma sentença que declare nulo determinado
casamento, este só irá produzir efeitos sucessórios se for tido como putativo,
favorecendo, tão somente, o cônjuge que celebrou o matrimônio com boa-fé.
Ocorrendo a anulação durante a vida do titular dos bens/direitos/obrigações, não há
que se falar em sucessão, haja vista que a partilha será realizada no momento em
que for declarada a nulidade.
140
LEITE, Eduardo de Oliveira. Ob. cit., p. 228.
141
“Art. 1.611: Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão ao cônjuge
sobrevivente, se ao tempo da morte do outro não estavam desquitados.”.
142
Antes do advento da Lei do divórcio e as alterações posteriores, o desquite era o meio utilizado
para se dissolver a comunidade conjugal. Entretanto, o vínculo conjugal permanecia.
74
Agora alçado à condição de herdeiro necessário, não poderá o cônjuge sobrevivente
sofrer exclusão da sucessão por testamento deixado pelo autor da universitas, como
dispõe o art. 1.850 do atual texto de Código Civil.
Por fim, não havendo descendentes ou ascendentes, a sucessão será exclusiva do
cônjuge sobrevivente, consoante dispõe o art. 1.838: “Em falta de descendentes e
ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente.”
2.7 – DA SUCESSÃO DOS COLATERAIS
Postos na última classe preferencial para herdar, os colaterais, até o quarto grau,
serão chamados à sucessão, desde que não haja cônjuge sobrevivente, nos termos
do art. 1.839 do Código Civil, que no estatuto revogado estava previsto no art.
1.612
143
.
É de ressaltar a importância do art. 1.841, de se extraí que, estando a concorrer na
sucessão apenas os irmãos do titular dos bens/direitos/obrigações, a diferenciação
entre irmãos germanos e uterinos é importante, já que o primeiro deles herdará em
dobro tudo àquilo que o segundo tiver direito.
Pertinente é a doutrina de Orlando Gomes:
“Concorrendo à sucessão irmãos germanos e unilaterais, o quinhão de cada irmão
consangüíneo, ou uterino, ou de seus descendentes será igual à metade do quinhão
de cada um dos irmãos bilaterais. A regra está enunciada na lei nos seguintes
termos: concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais
cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar.”
Não concorrendo à herança irmão bilateral, herdarão, em partes iguais, os
unilaterais (art. 1.842). O mesmo se aplicará se não houver concorrência de
unilaterais.
143
“Art. 1.612 CCB/1916: Se não houver cônjuge sobrevivente, ou ele incorrer na incapacidade do art.
1.611, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau.”.
75
A regra “do mais próximo exclui o mais remoto” também se aplicará aqui,
ressalvados o direito de representação dos filhos dos irmãos, os sobrinhos do de
cujus.
São parentes de quarto grau na linha colateral: a) os primos; b) os sobrinhos-netos;
e c) tios-avôs, os quais serão chamados sempre que o de cujus não deixar nenhum
dos outros herdeiros acima elencados, bem como sobrinhos e tios.
2.8 – DA SUCESSÃO DO COMPANHEIRO
2.8.1 – Considerações gerais
A sucessão do companheiro é regulamentada fora do capítulo que se destina à
ordem de vocação hereditária, estando, portanto, na parte das disposições gerais do
Direito das Sucessões, mais precisamente, no art. 1.790 do Código Civil.
Anteriormente tratada como concubinato, a união estável tinha certa restrição em
nosso mundo jurídico, porque em posição favorecida estava a família tida como
legítima, isto é, originária do casamento, o que privava a concubina de valer-se de
certos direitos.
Pouco a pouco, a legislação e, especialmente, a jurisprudência passaram a
dispensar melhor tratamento à relação concubinária, com exceção da adulterina. E
assim fizeram para não se furtarem à solução jurídica de situações fáticas cada vez
mais crescentes, especialmente no período pré-divórcio (anterior a 1977), em que as
pessoas desquitadas, já em número expressivo, ficavam privadas da constituição de
nova família através do casamento.
144
Há que se destacar a Súmula de 35 do STF
145
, que garantia ao concubino direito de
receber indenização quando seu convivente viesse a falecer em atividade laborativa
ou de transporte. No mesmo diapasão foram as conquistas no campo do direito
144
CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 223.
145
Súmula 35 do STF: “Em caso de acidente do trabalho ou de transporte, a concubina tem direito de
ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio.”.
76
previdenciário, bem como a possibilidade de um companheiro utilizar-se do
sobrenome do outro, conforme dispunha os §§ 2º e 3º, do art. 57 da Lei n.º
6.015/73
146
.
Ato contínuo, a edição da Súmula 380 do STF
147
garantiu aos que se encontravam
em sociedade de fato, a possibilidade da partilha dos bens constituídos por comum
esforço, fosse por participação ativa (no caso de contribuir com a efetiva compra) ou
nos casos de participação passiva (manutenção e administração) destes.
A Carta Constitucional de 1988 também teve grande importância nesse aspecto,
quando garantiu à união estável, em seu art. 226, § 3º, proteção estatal tal como ao
casamento, seguida das modificações/regulamentações oriundas das Leis nº.s
8.971/94 e 9.278/96.
A codificação pretérita não havia tomado conhecimento do instituto, cabendo ao
CC/2002 estruturar normativamente a questão sucessória na união estável, no
suposto de, à semelhança do casamento, tratar-se de um autêntico núcleo de
família.
148
Deve-se observar, contudo, alguns requisitos para a configuração e caracterização
da união estável: a) homem e mulher (sexos opostos); b) convivência pública,
durável e contínua; c) fim específico de constituir família; e d) ausência de
impedimentos de cunho matrimonial entre os companheiros.
146
“Art. 57. Qualquer alteração posterior de nomes, somente por exceção e motivadamente, após
audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro,
arquivando-se o mandato e publicando-se a alteração pela imprensa.
(...);
§ 2º. A mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem, solteiro, desquitado ou viúvo,
excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá requerer ao juiz competente que, no registro
de nascimento, seja averbado o patronímico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios,
de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de
qualquer das partes ou de ambas;
§ 3º. O juiz competente somente processará o pedido, se tiver expressa concordância do
companheiro, e se da vida em comum houverem decorrido, no mínimo, cinco anos ou existirem filhos
da união.”.
147
Súmula 380 do STF: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é
cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.”.
148
ALMADA, Ney de Mello. Ob. cit., p. 124.
77
Euclides de Oliveira
149
, analisando os requisitos acima manifestou o seguinte
entendimento:
“Cuida da união estável o § 3º do citado art. 226, pondo como requisito básico a
heterossexualidade dos parceiros, por assimilação com a imagem do casamento.
Não há definição dessa forma de entidade familiar, porém tem relevância a
adjetivação “estável”, a significar certa duração no tempo que denota a efetiva
intenção de formar uma união daquela espécie.”.
O atual texto de Código Civil trouxe em si duas etapas de mudanças sofridas pela
união estável ao longo dos tempos.
Inicialmente, não repetiu o que dizia o caput do art. 1º da Lei nº. 8.971/94
150
, onde se
estabelecia o prazo mínimo de 5 (cinco) anos de vida em comum para a
configuração da união estável, requisito, inclusive, abolido pela Lei nº. 9.278/96.
Entendemos que, tanto na Lei supramencionada quanto no atual texto de Código
Civil, a ausência de estipulação de prazo foi positiva, pois não será o lapso temporal
que irá determinar ou não a união estável, mas, sim, o afeto, a vontade dos
companheiros, o crescimento familiar e patrimonial que estes tiverem, bem como
sua condição perante a sociedade.
Claro que, mesmo protegida pelo Estado, a união estável não pode vir a ser alçada
no mesmo patamar que o casamento.
O casamento é instituição sagrada e solene que, por muitos anos, foi regulamentada
por regras do Direito Canônico, revestindo-se, portanto, de toda uma formalidade,
com a exigência de requisitos dispostos pela Igreja.
A união estável não poderia ser deixada ao alento e sem proteção do Estado, mas,
também, não poderia ser igualada ao casamento, motivo elo qual o legislador
149
OLIVEIRA, Euclides de. Ob. cit., p. 149.
150
“Art. 1º: A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou
viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na
Lei nº. 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a
necessidade.”.
78
disciplinou algumas diferenças, como a inexistência de causas suspensivas para a
realização da união estável.
Ademais, quando uma união estar impedida de ser formalizada pelos laços do
casamento, o casal não poderia ter outro meio de núcleo familiar senão o da união
estável, haja vista que mesmo ocorrendo causas suspensivas para o matrimonio,
óbice nenhum existe para a união estável.
151
Passaremos a discorrer sobre as regras patrimoniais e algumas peculiaridades do
aspecto sucessório.
2.8.2 – Do regime patrimonial e peculiaridades da sucessão
O Código Civil, em seu art. 1.725, estabelece que “na união estável, salvo contrário
escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o
regime da comunhão parcial de bens.”
Depreende-se, dessa forma, que não havendo Contrato de Convivência entre os
companheiros, estes terão como regime de bens o mesmo regime da comunhão
parcial de bens prevista para o casamento. Todavia, havendo o aludido Contrato,
estes poderão dispor sobre as regras patrimoniais que melhor venham a atender
seus interesses.
Nelson Nery Júnior
152
expõe que:
“Contrato entre companheiros é negócio jurídico bilateral de direito de família,
submetido às regras gerais de existência, validade e eficácia do negócio jurídico (CC
104 e ss.) e pode ter por objeto as matérias de direito de família que se insiram na
conceituação de direitos disponíveis, não podendo contrariar as regras do CC
1.724).”.
Para Euclides de Oliveira
153
:
151
Oportuna é a posição de OLIVEIRA, Euclides de. (ob. cit., p. 153): “Importante inovação diz com
os impedimentos matrimoniais (art. 1.521 do Código Civil), que se aplicam, igualmente, na
constituição da união estável.”.
152
NERY JR. Nelson. Código civil comentado, p. 940 – nota 4 ao art. 1.735.
153
OLIVEIRA, Euclides de. Ob. cit., p. 153.
79
“Na questão patrimonial, em muitos aspectos iguala-se à união estável ao
casamento, por sujeitar-se, no que couber, ao regime da comunhão parcial de bens.
Assim, os bens adquiridos onerosamente (que não sejam, portanto, advindos de
doação ou herança) durante a convivência são de propriedade comum, com duas
exceções: se adquiridos com o produto da venda de bens particulares, ou se as
partes celebrarem contrato escrito dispondo sobre a incomunicabilidade dos bens.”.
Temos, portanto, que dúvidas não pairam sobre as questões atinentes aos eventuais
regimes patrimoniais escolhidos pelos companheiros, sendo importante tratar as
questões de cunho sucessório desta união.
A sucessão do companheiro se encontra (eivada de pouca precisão técnica e má
alocação no Código) tratada no art. 1.790, o qual dispõe:
“Art. 1.790: A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro,
quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas
condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei
for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do
que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a uma terço da
herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”.
Em face do tratamento diferenciado do companheiro em relação ao cônjuge, claro
está que o mesmo deveria constar do art. 1.829 do diploma civil.
No próprio caput do art. 1.790 se verifica que o companheiro tem direito à meação
quando o patrimônio for constituído por comum esforço e no curso da união,
igualmente acontece após a exclusão da meação (respeitados os ditames atinentes
ao direito patrimonial), quando a herança será devolvida aos herdeiros.
Caracteriza-se a meação por exprimir a dimensão quantitativa de direito das partes
em condomínio ou comunhão, correspondendo uma situação entre vivos, bem como
hereditária. Adquirida em vida, antes da abertura da sucessão, a meação despoja-se
de qualquer conotação sucessória, tanto que, dissolvida a convivência, será
partilhada entre os companheiros. Assim, o companheiro terá direito à meação dos
80
aqüestos e, sobre a outra, que preenche a deixa hereditária do outro, uma porção
variável porque a lei o faz herdeiro.
154
Não obstante a delação hereditária dos sucessores, o companheiro também
receberá uma quota-parte como herdeiro do de cujus, ou seja, será meeiro e
herdeiro, refletindo uma infelicidade por parte do legislador, haja vista que o
companheiro sobrevivente perceberá uma quantia/parcela maior do que os filhos do
casal.
Passaremos a tecer breves linhas, primeiramente, sobre a posição do companheiro
quando este concorrer com: a) filhos comuns; e b) descendentes só do de cujus.
É inegável o erro crasso por parte do legislador quando disciplinou a concorrência
do companheiro com os filhos comuns e com os descendentes exclusivos do
falecido. Em relação aos filhos comuns, a imprecisão se dá pelo fato de que haver
um favorecimento do companheiro em relação aos filhos comuns.
Importante citar o texto do Enunciado 266, da III Jornada do STJ
155
, que veio a
delinear nova amplitude para o inciso I do art. 1.790:
“266 – Art. 1.790: Aplica-se o inc. I do art. 1.790 também na hipótese de concorrência
do companheiro sobrevivente com outros descendentes comuns, e não apenas na
concorrência com filhos comuns.”.
Quanto ao fato dos descendentes exclusivos do autor dos bens/direitos/obrigações,
o erro é maior ainda, pois o companheiro irá receber metade do que for destinado a
estes.
A doutrina de Cahali
156
é precisa ao dizer:
“Concorrendo com descendentes só do autor da herança, tocará ao companheiro a
metade do que couber a cada um daqueles. A lei não distingue entre chamados por
cabeça daqueles chamados por representação, mas só se mostra lógica a previsão
se destinar ao viúvo a metade do que os descendentes por cabeça herdarem,
diretamente ou representante herdeiro pré-morto.”.
154
ALMADA, Ney de Mello. Ob. cit., p. 128.
155
Disponível em: http://www.cjf.gov.br/revista/enunciados/IIIJornada.pdf.
156
CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 231.
81
É possível encontrar hodiernamente doutrinas específicas sobre o tema que hora
empalmamos, as quais apresentam propostas de lege ferenda, trazendo em seu
bojo suas justificativas e posições.
Seguindo nossa singela análise, chegamos à posição do companheiro sobrevivente
quando estiver concorrendo com: c) ascendentes; e d) colaterais.
Havendo apenas ascendentes, nos termos do art. 1.790, III, do Código Civil, o
companheiro perceberá um terço do total dos bens/direitos/obrigações deixadas pelo
de cujus. De igual sorte será a quota dos ascendentes.
Entendemos se tratar de uma parcela fixa do total do acervo a ser destinada ao
companheiro, haja vista se tratar de disposição expressa da lei.
Outra infelicidade por parte do legislador pode ser encontrada no mencionado inciso
III do art. 1.790 quando da expressão “outros parentes sucessíveis”. Claro está que
o art. faz menção aos demais vocacionados que são tratados no art. 1.829 do atual
texto de Código Civil.
Assim sendo, os denominados outros parentes sucessíveis são: i) os ascendentes;
ii) irmãos; iii) sobrinhos; iv) tios; e v) primos, sobrinhos-netos e tios-avós.
Como outrora manifestamos, os bens que serão partilhados entre o companheiro
sobrevivente e os “outros parentes sucessíveis” são aqueles que foram adquiridos
na constância da união estável a título oneroso, ao passo que os bens particulares
do de cujus serão partilhados apenas pelos “outros parentes sucessíveis”.
Por fim, não havendo parentes sucessíveis, o companheiro terá direito ao
recebimento de todo o acervo deixado pelo falecido, conforme doutrina Euclides de
Oliveira
157
:
“Ainda nessa hipótese, a sucessão do companheiro restringe-se aos bens adquiridos
onerosamente durante a convivência, por força da disposição do caput do art. 1.790.
157
OLIVEIRA, Euclides de. Ob. cit., p. 176.
82
Quer isso dizer, em interpretação literal do texto, que se os bens da herança forem
particulares do de cujus, porque havidos antes de iniciada a convivência ou
adquiridos a título gratuito, nada será atribuído ao companheiro sobrevivente. (...).”.
Nos inclinamos ao entendimento de que não havendo outros herdeiros que possam
vir a concorrer com o companheiro sobrevivente, este ficará com todo o patrimônio
constituído na união, bem como todos os particulares do de cujus.
Não há como fazermos uma leitura do art. 1.790, IV desassociada do art. 1.819,
ambos do Código Civil, haja vista que não há que se falar em herança jacente se o
de cujus deixou herdeiros.
Tecendo comentários ao art. 1.790, IV, do Código Civil, Nelson Nery Júnior
158
expôs
o seguinte entendimento:
“Não está claro na lei como se dá a sucessão dos bens adquiridos a título gratuito
pelo falecido na hipótese de ele não ter deixado parentes sucessíveis. O CC 1790,
caput, sob cujos limites os incisos que se lhe seguem devem ser interpretados,
somente confere direito de sucessão ao companheiro com relação aos bens
adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nada dispondo sobre os bens
adquiridos gratuitamente durante esse mesmo período. É de se indagar se, em face
da limitação do CC 1790 caput, o legislador ordinário quis excluir o companheiro da
sucessão desses bens, fazendo com que a sucessão deles fosse deferida ao poder
público. Parece-nos que não, por três motivos: a) a CC 1844 manda que a herança
seja devolvida ao ente público, apenas na hipótese de o de cujus não ter deixado
cônjuge, companheiro ou parente sucessível; b) quando o companheiro não concorre
com parente sucessível, a lei se apressa em mencionar que o companheiro terá
direito à totalidade da herança (CC 1790 IV), fugindo do comando do caput, ainda
que sem muita técnica legislativa; c) a abertura de herança jacente dá-se quando não
há herdeiro legítimo (CC 1819) e, apensar de não constar do rol do CC 1829, a
qualidade sucessória do companheiro é de sucessor legítimo e não de
testamentário.”.
Portanto, nosso entendimento é no sentido de que não havendo herdeiros
necessários, o companheiro receberá integralmente o acervo deixado pelo falecido.
158
NERY JR., Nelson. Ob. cit., p. 966.
83
CAP. III – DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO
3.1 – INTRODUÇÃO
Inicialmente, não há como tecer considerações acerca das relações de parentesco
sem antes tecer linhas gerais sobre a família.
A constituição familiar é o ápice da sociabilidade do ser humano. Não há como
imaginar o homem vivendo à margem das demais pessoas que compõem a
população de sua cidade, estado ou país.
A família, em todas as épocas, influenciada por poderosa mística - os elementos
morais e religiosos estão sempre presentes - aparece como a base de sustentação
da sociedade. Sua forma de constituição é que varia ao longo do tempo e espaço.
Atualmente se entende por família o núcleo que se funda no matrimônio de seu líder,
legitimando seus descendentes a sucederem-no após seu falecimento.
Beviláqua
159
já salientava que o termo “família” para o Direito romano significava o
conjunto de pessoas e um acervo de bens. Ato contínuo ressaltava que, “no Direito
moderno, a família seria o conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da
consangüinidade, cuja eficácia se estende ora mais larga, ora mais restritamente,
segundo as várias legislações.”.
160
Ressalvadas as reformas sociais, políticas e econômicas sofridas por nossa
sociedade e, após o advento da CF/88, a concepção romana da família perdeu seu
sentido etnológico de grupo de pessoas que vivem sob o mesmo teto, com economia
comum, adotando um significado mais amplo, o qual abarcava todas as pessoas que
possuíssem ascendência e descendência comuns, reunidas por laços
consangüíneos ou afetivos, englobando, ainda, os parentes colaterais até
determinado grau.
159
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de família, p. 16.
160
BEVILÁQUA, Clóvis. Ob. cit., p. 16.
84
A família, à luz da doutrina de Orlando Gomes, pode ser compreendida com base
em três critérios, conforme podemos depreender:
“Pelo critério sucessoral a família constitui grupo formado pelos cônjuges e
parentes próximos. Determina a lei que uns sucedem aos outros, no
pressuposto de que se acham unidos pelo vínculo familiar. Compreenderia,
nestas condições, todos os parentes em linha reta, inclusive os afins e os
colaterais até o quarto grau.
Pelo critério da legitimidade, a família é o grupo composto pelo marido, mulher
e filhos, fundado no casamento. É indisputável que a lei estruture a família
legítima, mas não se pode desconhecer a existência, a seu lado, da família
natural, ainda sem seus traços. Dizer-se que não constitui juridicamente família
é ignorar que a própria lei lhe atribui efeitos jurídicos, como agregado social,
posto limitados.
(...).
Pelo critério da autoridade, distingui-se esse pequeno grupo social de pessoas
unidas pelos laços de parentesco e vida comum por estar subordinado à
mesma direção. A autoridade do chefe de família, a que se submetem a mulher
e os filhos menores, constituiria o traço característico, sob o ponto de vista
jurídico, do grupo que comanda.”
Para Jean Hauser e Danièle Huet-Weiller
161
,
“Il serait alors concevable, abandonnant toute référence biologique, de se
tourner vers une définition plus psycho-sociologique. La famille serait
l’ensemble des personnes unies par un ‘vécu’ commun, voire par une affection
commune. Si cette dimension ne peut être négligée, si elle est sans doute,
comme on le verra, plus importante à notre époque qu’à d’autres, elle ne
constitue pás, pour autant, un critère indiscutable. La famille survit,
partiellement au moins, à l’absence de ‘vécu’ et elle n’a pas, par ailleurs, le
monopole de l’affection. Peut-etrê faut-il alors être plus modeste et se contenter
de constater que la famille est un groupe d’individus qui reconnaissent entre
eux des liens moraux et matériels engageant mutuellement leurs personnes et
leurs patrimonies, sans limitation de durée.”
Portanto, a família é a mais elementar e mais natural das sociedades humanas
162
,
podendo ser considerada uma instituição-coisa - conceito que a torna vívida, assim
como outras instituições mais vastas, como o Estado e a Igreja - e como uma
instituição-pessoa, compreendendo as pessoas unidas pelo casamento, as
provenientes dessa união, as que descendem de um tronco ancestral comum e as
vinculadas por adoção.
163
161
HAUSER, Jean, HUET-WEILLER, Daniele. Traité de droit civil – La famille: foundation et vie de la
famille, p. 3.
162
ROSA, Alcides. Ob. cit., p. 59.
163
ESPÍNOLA, Eduardo. A família no direito civil brasileiro, pp. 9-11.
85
Suas regras são, em maioria, de ordem pública e insuscetível de serem preteridas
por vontade de particulares, haja vista o interesse e dever do Estado em protegê-la,
daí a afirmação de o Direito de Família possui as raízes fincadas no Direito Público.
Nosso intuito não é discorrer sobre a família e suas características, mas sim expor
singelas linhas sobre sua forma de constituição e características. Certo é que a
família se forma por vínculos – também denominados de parentesco –, os quais são
por demais importantes para dirimir os legitimados para a sucessão.
Nosso conceito é que o parentesco é o laço que une determinadas pessoas unindo-
as como família.
Esse parentesco é dividido como: a) natural; b) civil; c) por adoção; d) espiritual; e e)
pelo afeto (sendo este o tema central de nosso estudo).
Trataremos sobre estes, tecendo considerações doutrinárias e, quando possível,
jurisprudenciais. Destarte para o parentesco afetivo, onde exporemos nossa posição
e entendimento para sua formação e caracterização.
3.2 – LINHAS E GRAUS DE PARENTESCO
Antes de iniciarmos nossa análise sobre os tipos de parentesco, entendemos ser
pertinente comentar a respeito das linhas e graus de parentesco.
Todas as pessoas que se vinculam por uma mesma fonte/origem, possuem uma
linha de parentesco, que pode se dividir em linha de parentesco reta/direta e linha de
parentesco colateral/transversal.
A primeira delas, a linha de parentesco reta/direta, elencada no art. 1.591 do Código
Civil, é aquela que se configura sempre quando as pessoas possuem ligação direta
com seus ancestrais ou descendentes, não havendo aqui duas linhas, mas tão
somente uma, eis que trata-se de uma linha reta, pouco importando a direção da
mesma.
86
É uma linha que se calcula por grau, refletindo as gerações de determinada família,
ou seja, determina os parentes e sua proximidade uns com os outros (primeiro grau,
segundo grau, etc.). É considerada linha de parentesco infinita.
Esta linha também servirá como referência para a contagem dos parentes do
adotado em relação à família do adotante, bem como balizará a contagem dos afins
entre um cônjuge e os parentes do outro.
164
Depreende-se do art. 1.592 do Código Civil que o parentesco colateral ou
transversal é aquele em que as pessoas são oriundas de uma mesma fonte/origem,
mas não são descendentes uma da outra.
A linha de parentesco colateral/transversal é aquela em que as pessoas estão
ligadas até o quarto grau
165
, possuindo apreciável relação de solidariedade e
afeição, entendendo-se, outrossim, que os parentes além do quarto grau se
encontram em considerável distância que não se pode esperar uma situação mais
sólida nas relações jurídicas.
Na linha de parentesco colateral/transversal as pessoas que estão ligadas por uma
mesma fonte/origem vêm do mesmo número de grau, estes são chamados de
iguais, ao passo que se se está em distâncias diferentes, são chamados de
desiguais. De forma simples e clara, Fachin
166
nos diz que:
“Possui duas classificações: a) igual e desigual; e b) simples e dúplice. A primeira
refere-se à igualdade ou desigualdade de gerações entre os parentes em relação ao
seu ancestral comum, e a segunda liga-se à existência de duplicidade de parentesco
de um em relação ao outro, como ocorre entre irmãos que se casam com irmãs.
A relevância desses graus para o Direito varia conforme a situação em questão, quer
para efeitos sucessórios, quer como impedimento para depor como testemunha, quer
para efeitos de impedimentos matrimoniais, ou ainda para o dever de alimentos.”.
Feitas as colocações acima sobre as linhas de parentesco, falaremos dos graus de
parentesco.
164
FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao novo Código Civil, vol. xviii – Do direito de família; do direito
pessoal; das relações de parentesco, p. 13.
165
O texto de Código Civil revogado em seu art. 331 estendia o parentesco até o sexto grau, o que
não foi mantido no atual texto de Código Civil.
166
FACHIN, Luiz Edson. Ob. cit., p. 15.
87
Quando se fala em indicação de alguém a outro mais próximo, dentro de uma
mesma série, ou havendo uma distância entre eles, dentro de uma linha de
parentesco, temos o que se denomina grau.
Grau é a distância que vai de uma geração a outra. Conta-se o parentesco pelo
grau. Conhecem-se dois sistemas de contagem: a computatio civilis e a computatio
canonica. O primeiro determina a contagem por uma das seguintes regras: tot sunt
gradus quot generationes ou tot sunt gradus quot personae, dempto stipite.
167
Com a finalidade de delinear a parentalidade, o grau de parentesco está
amplamente ligado com as linhas de parentesco. Orlando Gomes
168
com extrema
maestria nos diz que:
“Na linha reta, o grau de parentesco conta-se pelo número de gerações. Geração é a
relação existente entre o genitor e o gerado. Contando-se pela geração, tot sunt
gradus quot generationes, há entre o pai e o filho um grau, entre o avô e o neto dois,
entre o bisavô e o bisneto três. Contando-se pelo número das pessoas que se
encontram na linha, tot sunt gradus quot personae, tira-se o tronco da segunda ferao
e, por isso, o avô e o neto são parentes em segundo grau, chegando-se, em suma,
ao mesmo resultado da contagem por gerações. Por esse sistema, são três as
pessoas, mas não se conta o cabeça da estirpe.
Na linha colateral, o grau de parentesco também se conta pelo número de gerações
ou de pessoas. Pelo critério da geração, sobe-se de um dos parentes até o tronco
comum e se desce até encontrar o outro. Assim, os primos são parentes colaterais de
quarto grau, porque são quatro as gerações, de um deles para o pai, do pai para o
avô – escala ascendente –, do avô ao tio, irmão do pai, do tio a seu filho – escala
descendente. São cinco, entretanto, as pessoas: ele, o pai, o avô, o tio e o primo,
mas não se conta o avô, alcançando, assim, igual resultado.”.
Isto posto, analisaremos os tipos de parentescos, trazendo nossos entendimentos,
posições doutrinárias e, sempre que possível entendimento dos tribunais.
3.3 – DOS TIPOS DE PARENTESCO
O atual texto de Código Civil trouxe no Livro IV, Título I, Cap. XI, Subtítulo II, Cap. I,
regras gerais sobre as formas e os tipos de parentesco, tratadas nos arts. 1.591,
1.592, 1.593, 1. 594 e 1.595.
167
GOMES, Orlando. Ob. cit., p. 300.
168
Idem. ibidem.
88
Totalmente contrário ao projeto de Código Civil de Teixeira de Freitas,
posteriormente adaptado por Dalmacio Vélez Sársfield, o qual resultou no
Ordenamento Civil argentino, nosso atual texto de Código não tratou da matéria de
maneira minuciosa como o de nossos vizinhos.
Discorrendo sobre o tema parentesco, Guillermo A. Borda diz que o Código Civil
argentino “ha legislado sobre el parentesco con minuciosidad sin duda excesiva,
incluyendo conceptos que más bien son proprios de una obra doctrinaria que de una
ley.”.
169
O parentesco, na atual concepção do direito positivado, reveste-se de importância
ao delinear os grupos familiares e os possíveis herdeiros de um titular de
bens/direitos/obrigações deixadas com sua morte.
Tomando por base o art. 1.593 do atual texto de Código Civil, temos que o
parentesco se define por: a) consangüinidade; b) civil (aqui dentro não se pode
deixar de observar as regras da adoção); e c) “outra origem”.
Cada uma das formas de parentesco será comentada, entretanto, se dada mais
relevo àquele chamado de “outra origem”.
3.3.1 – Por consangüinidade
O parentesco por consangüinidade é aquele que decorre da ligação de pessoas que
provêm de um mesmo grupo/núcleo familiar. O elo que os une é o sangue, ou seja,
são provenientes de uma mesma fonte/origem.
No dizer de San Tiago Dantas, “(...) relações de parentesco são de natureza muito
diversa; podem consistir no fato de todos os parentes descenderem de um
antepassado comum, sendo o caso típico do parentesco consangüíneo.”
170
169
BORDA, Guillermo A. Ob. cit., p. 17.
170
DANTAS, San Tiago. Ob. cit., p. 319.
89
O parentesco por consangüinidade é aquele que surge de um elo estabelecido pela
ancestralidade, nos casos de gerações (contagem de parentesco pela linha
reta/direta) ou por ter os vinculados um ascendente comum (contagem de
parentesco pela linha colateral/transversal).
Cremos que não existem dúvidas acerca do parentesco por consangüinidade. De
certo, o cômputo deste se dará pelos meios já tratados (graus e linhas).
Propositalmente não falamos acerca da antiga subdivisão do parentesco por
consangüinidade, a saber, legítimo e ilegítimo, haja vista que com o advento do
Texto Constitucional de 1988, em seu art. 227, § 6º, ficou vedado qualquer tipo de
designação discriminatória sobre a filiação.
3.3.2 – Civil - Por adoção
Seguindo o art. 1. 593 do Código Civil, ao lado do parentesco natural
(consangüíneo) há o parentesco civil, o qual é gênero e a adoção é a espécie.
Nomeado pelo legislador de parentesco civil (CC, art. 1.593), por oposição ao
parentesco natural, sendo aquele estabelecido por uma sentença judicial, criando o
vínculo entre pessoas absolutamente estranhas, denominadas adotante e adotado,
atribuindo a este a condição plena de filho (CF, art. 227, § 6º; CC, art. 1.626),
desligando-o de qualquer vínculo com seus parentes de sangue, ressalvados os
impedimentos a novos relacionamentos.
171
A adoção, portanto, tem vínculo idêntico à filiação natural, retratado no brocado latim
adoptio naturam imitatur” (adoção imita a natureza), sendo essa uma ficção jurídica.
Na sua essência, a adoção busca dar a alguém a convivência em um núcleo familiar.
As condições e requisitos para a plena validade e eficácia da adoção estão
estabelecidas nos arts. 1.618 ao 1.629 do Código Civil. A integração da família com
171
GRISARD FILHO, Waldyr. Famílias reconstituídas. Novas relações depois das separações.
Parentesco e autoridade parental (in PEREIRA, Rodrigo da Cunha – Coord. – Afeto, ética, família e o
novo Código Civil), p. 665.
90
seu novo membro vem tratada no art. 1.626, § único do Código. Comentando este
dispositivo, Fachin
172
diz que:
“Trata-se de adoção de efetiva inserção do adotado em uma nova família, em
condição de igualdade com os eventuais filhos consangüíneos do adotante. Com
efeito, não se estabelece distinção entre os filhos adotivos e os consangüíneos no
que tange à adoção plena.
A dissolução dos vínculos anteriores implica a impossibilidade de se legitimar
qualquer intervenção dos pais consangüíneos na criação e na educação do adotado.
Tal circunstância atende, por certo, o melhor interesse da criança, buscando
assegurar-lhe uma convivência familiar saudável, mitigado ou prevenindo conflitos.”.
A adoção gera efeitos de ordem pessoal e ordem patrimonial. Para nós, neste
momento, interessa mais o primeiro. Os efeitos de ordem pessoal da adoção são: a)
parentesco; b) poder familiar; e c) nome. Restringiremos-nos no tocante ao
parentesco.
Entendemos que o parentesco é o principal efeito e característica da adoção,
retratando uma integração da família adotante com o adotado, onde este passa a ter
direitos e deveres idênticos aos filhos naturais do casal, refletindo a regra do já
mencionado art. 227, § 6º da CF/88.
De certo que para sua plena eficácia, a adoção deverá ser declarada por sentença
transitada em julgado ou no caso da adoção pós-morte, tratada no art. 42, § 3º do
ECA e no art. 1.628 do Código Civil. Essa última se dá quando a adoção não se
completou em virtude do falecimento do adotante.
Sem prejuízo para o adotado, “os efeitos da adoção começam a partir do trânsito em
julgado da sentença, exceto se o adotante vier a falecer no curso do
procedimento, caso em que terá força retroativa à data do óbito.” (art. 1.628).
A jurisprudência
173
é uníssona, conforme podemos depreender:
“ADOÇÃO PÓSTUMA. PROVA INEQUÍVOCA. O RECONHECIMENTO DA
FILIAÇÃO NA CERTIDÃO DE BATISMO, A QUE SE CONJUGAM OUTROS
ELEMENTOS DE PROVA, DEMONSTRA A INEQUÍVOCA INTENÇÃO DE ADOTAR,
172
FACHIN, Luiz Edson. Ob. cit., p. 201.
173
Julgados extraídos dos sites: www.stj.gov.br; www.tj.pb.gov.br; e www.tj.sp.gov.br. Acessos em 16
de julho de 2007.
91
O QUE PODE SER DECLARADO AINDA QUE AO TEMPO DA MORTE NÃO
TENHA TIDO INÍCIO O PROCEDIMENTO PARA A FORMALIZAÇÃO DA ADOÇÃO.
Procedência da ação proposta pela mulher para que fosse decretada em nome dela e
do marido pré-morto a adoção de menino criado pelo casal desde os primeiros dias
de vida. - Interpretação extensiva do art. 42, § 5º, do ECA. - Recurso conhecido e
provido. (STJ; RESP 457635; PB; Quarta Turma; Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar
Júnior; Julg. 19/11/2002; DJU 17/03/2003; pág. 00238);
***
APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO PÓSTUMA. VONTADE EXPRESSA DA ADOTANTE.
IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. APELO. PROVIMENTO. A adoção deverá ser deferida
ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso
do procedimento, antes de prolatada a sentença, em respeito a sua última vontade.
Se não há prejuízo para o menor, ao contrário, apresenta-se como vantajosa a
adoção, não há razão para sua negativa. Apelo provido. (TJPB; AC 1996.004295-1;
João Pessoa; Segunda Câmara Cível; Rel. Juiz João Antônio de Moura; Julg.
18/08/1997; DJPB 12/09/1997);
***
MENOR. ADOÇÃO PÓSTUMA. Ausência de inequívoca manifestação de vontade do
adotante no curso de procedimento. Improcedência do pedido. Sentença mantida.
(TJSP; AC 30.608-0; Guarulhos; Câmara Especial; Rel. Des. Luis de Macedo; Julg.
18/07/1996);
***
1. PROCESSUAL CIVIL. INTIMAÇÃO DE ADVOGADO. MÚLTIPLOS PATRONOS.
Se a parte está representada nos autos por diversos advogados e inexiste
especificação quanto ao responsável pelas intimações, para a validade dessas basta
que a intimação seja feita em nome de qualquer deles, indistintamente. 2. ADOÇÃO
PÓSTUMA. Ausência de procedimento instaurado pelo falecido. Sentença. Efeitos ex
tunc. Impossibilidade. A sentença de adoção, em regra, produz efeitos ex nunc, salvo
na hipótese de adoção póstuma, em que os seus efeitos são ex tunc; mas, nesse
caso, exige-se que tenha havido manifestação inequívoca do falecido, no curso do
procedimento, antes de proferida a sentença. (TJPB; AC 2001.008245-7; Uiraúna;
Segunda Câmara Cível; Rel. Des. Antônio Elias de Queiroga; Julg. 18/03/2002; DJPB
27/03/2002).”.
Este efeito pessoal da adoção é reforçado pelo seu caráter de irrevogabilidade.
Ainda que nosso Código Civil não venha a tratá-la de maneira clara, não se pode
deixar de interpretar a irrevogabilidade da adoção (tratada no art. 48 do ECA) c/c art.
1.626 daquele, que assim dipõe: “a adoção atribui a situação de filho ao adotado,
desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos (...).”.
Não nos cumpre neste estudo, discorrer sobre todas as características e requisitos
da adoção. Entretanto, para adentrarmos no tema de nosso trabalho, não havia
como deixar de tecer estas singelas linhas acerca da paternidade civil.
3.3.3 – Espiritual e Afinidade
92
Estranho em nosso mundo jurídico, o parentesco espiritual – reconhecido pelo
Direito Canônico – é aquele em que há vínculo entre os padrinhos, afilhados e os
compadres, sendo este fruto do Batismo ou da Crisma.
Pelas regras de Direito Canônico, este vínculo criava impedimentos matrimoniais
entre aqueles que possuíam alguma das relações acima descritas.
Não tendo nenhuma influência ou tratativa em nosso ordenamento civil, citamos tal
relação de parentesco apenas para uma elucidação de que há outro vínculo além
dos que são tratados pelo nosso atual texto de Código Civil.
No que diz respeito ao parentesco por afinidade, este é trazido no art. 1.595 e seus
respectivos §§, de onde extraímos que “cada cônjuge ou companheiro é aliado aos
parentes do outro pelo vínculo da afinidade”. É, portanto, criação legal (ficção de
parentesco).
Para Pontes de Miranda
174
,
Afinidade, ou aliança, é o laço que une cada um dos cônjuges aos parentes do outro,
ou vice-versa; ou parentes da pessoa à que teve com ela relações sexuais ou vice-
versa (afinidade que se dizia ‘ilegítima’). Trata-se, pois, de ficção do direito, ficção
que tem por fim estabelecer, entre cada um dos cônjuges e os parentes do outro,
relações de parentesco condignas da íntima significação do casamento e demais
uniões sexuais. (...).”.
Mas tal relacionamento limita-se entre o cônjuge ou companheiro e os parentes de
seu consorte. Não há qualquer extensão de relação parental de afinidade entre os
afins de um cônjuge ou companheiro e os afins do outro consorte. Não se
relacionam, v.g., por qualquer ordem de afinidade, os irmãos do marido com os
irmão de sua mulher. A afinidade restringe-se, quanto aos irmãos do marido à sua
mulher, e quanto aos irmãos desta ao seu marido.
175
Observa-se a lição de Maria Helena Diniz
176
:
174
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, tomo 9, p. 39.
175
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p. 400.
176
DINIZ, Maria Helena. Ob. cit., p. 426.
93
“A afinidade é um vínculo pessoal, portanto os afins de um cônjuge, ou convivente,
não são afins entre si; logo, não há afinidade entre concunhados; igualmente, não
estão unidos por afinidade os parentes de um cônjuge ou convivente e os parentes
do outro. Se houver um segundo matrimônio, os afins do primeiro casamento não se
tornam afins do cônjuge tomado em segundas núpcias.”.
Ainda que haja dissolução de um matrimônio (por divórcio ou morte), aqueles que se
vincularam como afins não deixam de ter tal característica, sendo vedado, portanto,
o casamento de um ex-genro com sua ex-sogra, p. ex. Tal regra retrata o disposto
no art. 1.595, § 2º.
Não existem impedimentos para casarem-se os cunhados, uma vez que o
parentesco por afinidade na linha colateral se extingue com a morte do cônjuge ou
companheiro. Não se está diante de um impedido de ordem legal, mas, sim, de
cunho moral.
3.3.4 – Pelo afeto – A família afetiva – O afeto como formador de família
Inicialmente traremos considerações doutrinárias e jurisprudenciais para ao final
expormos nosso entendimento sobre o aspecto afetivo atinente ao Direito de Família
sem adentrarmos no campo sucessório, haja vista que este (cerne de nosso
trabalho) será devidamente analisado em capítulo próprio.
Não há como deixar de discorrer algumas linhas sobre a família. De certo que não
iremos tecer todo o traço histórico da entidade familiar, nos restringindo apenas ao
período pós-independência de nosso país.
Ficamos por muito tempo sujeitos às regras de Portugal (nossa pátria descobridora),
regras essas que não se limitavam ao âmbito jurídico, mas também ao religioso e
social.
A pátria portuguesa sempre teve uma forte ligação com o catolicismo (religião esta
que é a oficial naquela república), iniciada com Santa Inquisição (séc. XIII) e
aperfeiçoada com o tempo, vindo a Igreja, posteriormente, a exercer papel de forte
influência na constituição do Estado e na vida de seus cidadãos. Foi o período em
que o Estado era chamado de Laico.
94
Descobertos que fomos no ano de 1500, todos os costumes e tradições portuguesas
passaram a fazer parte do cotidiano brasileiro, dentre eles as leis e as imposições
sacras advindas daquele Estado-Laico. Ressalte-se que, como já frisamos no
capítulo 1 (na origem e história do Direito das Sucessões), a seqüência das
Ordenações do Reino em nosso país foram: I – Ordenações Affonsinas (ano 1446);
II – Ordenações Manuelinas (1512); e III – Ordenações Filipinas (1603).
Quando da proclamação da independência brasileira, no ano de 1822, estavam
vigentes, em nosso país, as Ordenações Filipinas.
Estivemos por muito tempo acobertados por uma realidade européia, que veio a
traçar pontos diversos em nossa história: os senhores de engenho, a prática da
escravatura, a vida em verdadeiros feudos e um rigor social/moral nas famílias.
Levaram-se anos para que Teixeira de Freitas aceitasse a incumbência de
consolidar as leis civis que eram aplicadas em nosso país, bem como apresentar um
projeto de Código Civil para o então Reino do Brasil.
Esse jurista teve seu contrato cancelado após apresentar uma prévia de seu projeto,
o qual era extremamente avançado para sua época, trazendo em seu bojo termos
como função social da propriedade e da família.
O contexto social daquela época não permitia que algumas situações por nós
experimentadas hoje viessem a ser implementadas. Não há como imaginar famílias
se separando, mães solteiras, uniões homo-afetivas e igualdade entre os cônjuges.
Tal fato pode ser mais bem observado de maneira mais detalhada na brilhante obra
de Orlando Gomes “Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro”.
Mesmo com a vigência do Código Civil de 1916, cujo projeto foi elaborado por Clovis
Bevilaqua, não houve nenhuma mudança substancial na realidade da família
brasileira, sendo esta um núcleo onde o homem exercia o poder absoluto do
controle e comando da casa, devendo a mulher e filhos prestar-lhe obediência e
imensurável respeito.
95
Claro que com o passar dos anos a sociedade veio a sofrer transformações em
várias esferas, não ficando a família alheia a isso. A conquista das mulheres ao
direito ao voto e direito ao trabalho foram os grandes marcos de uma sociedade que
sempre foi machista e feudalista.
O divisor de águas se deu com o início da vigência do texto constitucional de 05 de
outubro de 1988. A igualdade entre os cônjuges, liberdades e garantias à mulher,
até então inimagináveis, vieram a ser elevadas à condição de cláusulas pétreas. Daí
o dizer de alguns doutrinadores: o Direito de Família é a parte do Direito Civil (direito
privado) mais público em nosso contexto jurídico.
A proteção à família e suas formas de constituição e reconhecimento passaram a ter
na CF/88 linhas gerais, devendo o texto civil se adequar a tais modificações. A
família oriunda do casamento e da união estável (que passou a ser reconhecida
como formadora de núcleo familiar) teve tratativa constitucional.
Jamais perderemos de vista a diferenciação própria que o constituinte procurou dar
a cada espécie familiar. Contudo, é inegável que todas as espécies de família são
faces de uma mesma realidade. A mudança reclamada pela sociedade não ocorreu
de maneira separada para cada uma delas, ao contrário, as diversas maneiras pelas
quais homens, mulheres e filhos desenvolviam seus laços afetivos faziam parte de
uma mesma realidade, cercada por características comuns que não suportavam
mais a estrutura patriarcal enraizada nos setores conservadores de nossa sociedade
e prevista numa legislação que estava em completa desarmonia com a realidade
nacional.
177
Assim como as famílias mudaram, os núcleos familiares também sofreram
alterações em sua estrutura e composição. A família composta por diversos
membros começou a perder força ao longo dos anos, bem como aquela formada
apenas por filhos legítimos, seja por imposição legal, seja porque os núcleos
familiares passaram a valorizar um fator imprescindível para sua formação: o amor,
o afeto!
177
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 229.
96
Não há como negar que a nova tendência da família moderna é a sua composição
baseada na afetividade. Sabemos que legislador não tem como criar ou impor a
afetividade como regra erga omnes, pois esta surge pela convivência entre pessoas
e reciprocidade de sentimentos.
A afetividade, traduzida no respeito de cada um por si e por todos os membros – a
fim de que a família seja respeitada em sua dignidade e honorabilidade perante o
corpo social – é, sem dúvida nenhuma, uma das maiores características da família
atual.
178
Daí se entender que com essa situação estamos diante do que Borda
179
chamou de
estado de família, que se resume na posição que uma pessoa ocupa dentro de um
núcleo familiar.
Este estado de família mencionado pelo civilista argentino é, para nós, a família
lastreada na cooperação, respeito, cuidado, amizade, carinho, afinidade, atenção
recíproca entre todos os seus membros.
Inegável é que o afeto encontra-se presente nas relações familiares tradicionais,
sendo caracterizadas no tratamento/relação mútuo entre os cônjuges e destes para
com seus filhos, que se vinculam não só pelo sangue, mas por amor e carinho.
Nesse contexto, vale citar a denominada “adoção à brasileira, aquela em que a
paternidade não prescinde de vínculo biológico, encontrando guarida no art. 1.593
do Código Civil, quando dispõe que o parentesco pode resultar de “outra origem”.
Mas para que reste configurada esta formação familiar, imprescindível se faz que
alguns pontos sejam elucidados, dentre os quais: a) o estado de filiação; b) a posse
do estado de filho; e c) a valoração do afeto como valor jurídico e formador de
núcleo familiar, os quais passaram a ser analisados em seguida.
a) estado de filiação:
178
Idem, p. 233.
179
BORDA, Guillermo A. Ob. cit., p. 22.
97
Três são os tipos de parentesco existentes no atual Código Civil: consangüinidade,
civil e afinidade. Entretanto, com o advento da Carta Constitucional de 1988,
preconizou-se em seu art. 227 que este estado de filiação caracterizado pelo “filho” e
aquele que assumiu todos os deveres/obrigações oriundos da paternidade, é o mais
puro elemento exigido para a configuração dessas “relações de parentesco”.
Para nós, seria a proteção criada pela doutrina e que passa a ter força nos Fóruns e
Tribunais do brocado popular “pai é aquele que cria”.
Esta foi, sem dúvida, uma tentativa de proteger um direito subjetivo desse filho.
Nesse sentido, dizia Rudolf Von Ihering que a luta por um direito subjetivo:
“É provocada quando o direito é lesado ou usurpado. Não estando direito algum ao
abrigo deste perigo, nem o dos indivíduos, nem o dos povos, – porque o interesse de
qualquer em o defender choca-se sempre com o interesse de outro em o desprezar –
resulta que esta luta se apresente em todas as esferas do direito, tanto nas baixas
regiões do direito privado como também nas eminências do direito público e do direito
internacional.”.
180
Parece-nos que os Tribunais de Justiça atentaram para os ensinamentos do aludido
mestre. Hoje é possível encontrarmos julgados que reconhecem esse “estado de
filho”, impondo ao pai afetivo, inclusive, obrigação de cunho alimentar.
181
Ressalta-se que o estado de filiação, aqui referido, é o estado de filiação sócio-
afetiva.
180
VON IHERING, Rudolf. A luta pelo direito, p. 12.
181
Como depreendemos do recente julgado abaixo, extraído do site: www.tj.rj.gov.br (acessado em
18 de julho de 2007): ALIMENTOS DEVIDOS A FILHO MAIOR. POSSIBILIDADE JURÍDICA.
INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO DE NECESSIDADE QUE, ASSIM, DEVE SER COMPROVADA,
JUNTAMENTE COM A POSSIBILIDADE DOS PAIS. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL QUE PERMITE AO
FILHO, MESMO MAIOR E CAPAZ, BUSCAR PENSIONAMENTO ALIMENTAR DE SEUS PAIS COM
FUNDAMENTO NO ARTIGO 1.695 DO CÓDIGO CIVIL, 229 E 1o, III DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POSSIBILIDADE JURÍDICA DE CARACTERIZAR OBRIGAÇÃO
ALIMENTAR. O INDEFERIMENTO DA INICIAL POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO
CARACTERIZA VEDAÇÃO DE ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO O QUE NÃO É ADMITIDO PELA
CONSTITUÇÃO FEDERAL. OS PRINCÍPIOS DA AFETIVIDADE E DA SOLIDARIEDADE
ENCONTRAM RESPALDO CONSTITUCIONAL E ÉTICO E DEVEM PERMEAR A CONDUTA E AS
DECISÕES DA MAGISTRATURA MODERNA E ATENTA À REALIDADE DO MUNDO ATUAL.
(PROC. N. 2006.001.51839 – APELAÇÃO CÍVEL – REL. JDS. DES. MAURO NICOLAU JUNIOR –
JULGAMENTO: 30/01/2007 – ÓRGÃO JULGADOR: 12ª CÂMARA CÍVEL).”.
98
Negar que atualmente as relações baseadas no afeto e carinho são menos
importantes do que as consangüíneas é um erro. A filiação biológica não está mais
em pé de superioridade, uma vez que a criação do filho afetivo surge por
circunstâncias alheias à imposição legal/natural que a paternidade impõe.
Diz Guilherme Calmon Nogueira da Gama
182
:
“Trata-se do vínculo que decorre da relação socioafetiva constatada entre filhos e
pais – ou entre o filho e apenas um deles –, tendo como fundamento o afeto, o
sentimento existente entre eles: ‘melhor pai ou mãe nem sempre é aquele que
biologicamente ocupa tal lugar, mas a pessoa que exerce tal função, substituindo o
vínculo biológico pelo afetivo’.”.
Os precedentes históricos para a configuração desta filiação nos trazem o brocado
“pater is est quem nuptiae demonstrant”, oriunda do direito romano, onde o pai
poderia aceitar ou repudiar o filho, configurando, desta feita, toda a situação de
poder exercida pelo pai sobre a família.
Esse estado de filiação possui caracteres de cunho interno e externo. O primeiro se
dá com os traços de indivisibilidade, indisponibilidade (pois diz respeito à
personalidade) e imprescritibilidade (não se perde pelo não exercício), ao passo que
o cunho externo se dá nos moldes de pessoalidade, generalidade e revestido de
ordem pública.
O estado é uno e indivisível, pelo fato de uma mesma pessoa não poder adquirir, ao
mesmo tempo, vários status de uma mesma categoria. Por exemplo, não é possível
ser solteiro e casado ao mesmo tempo.
183
Comungamos do entendimento de que o estado de filiação é uma ficção/criação
jurídica, a qual tem o escopo de proteger o núcleo familiar, na medida que presume
ser filho aquele que assim se mostra para a sociedade, ainda que não possua laço
de sangue com seu “pai”.
182
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação – o biodireito e as relações parentais, pp.
482-483.
183
QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade – aspectos jurídicos e técnicas de inseminação
artificial: doutrina e legislação, p. 34.
99
Para Pietro Perlingieri
184
“(...) o status, em primeiro lugar, não é considerado como a posição do indivíduo no
agregado, antes como uma conseqüência do fato de que o indivíduo pertence ao
grupo, e, em segundo lugar, os estados pessoais não são mais somente dois
(civitatis e familiae), mas podem ser muitos e de variadas importâncias, ‘de acordo
com o alcance das relações jurídicas que a eles se relacionam’.”.
Vale citar os seguintes julgados
185
:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. PRESENÇA DA
RELAÇÃO DE SOCIOAFETIVIDADE. O estado de filiação é a qualificação jurídica
da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de
direitos e deveres reciprocamente considerados. Constitui-se em decorrência
da lei (artigos 1.593, 1.596 e 1.597 do Código Civil, e 227 da Constituição
Federal), ou em razão da posse do estado de filho advinda da convivência
familiar. Para anulação do registro civil, deve ser demonstrado um dos vícios do ato
jurídico ou, ainda mesmo, a ausência da relação de sócio-afetividade. Registro
mantido no caso concreto. APELO NÃO PROVIDO. (Apelação Cível Nº.
70018217638, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir
Fidelis Faccenda, Julgado em 19/04/2007);
***
DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE
PATERNIDADE E MATERNIDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO. VÍNCULO SÓCIO-
AFETIVO. PECULIARIDADES. A "adoção à brasileira", inserida no contexto de
filiação sócioafetiva, caracteriza-se pelo reconhecimento voluntário da
maternidade/paternidade, na qual, fugindo das exigências legais pertinentes ao
procedimento de adoção, o casal (ou apenas um dos cônjuges/companheiros)
simplesmente registra a criança como sua filha, sem as cautelas judiciais impostas
pelo Estado, necessárias à proteção especial que deve recair sobre os interesses do
menor. - O reconhecimento do estado de filiação constitui direito
personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado sem
qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros. - O princípio fundamental
da dignidade da pessoa humana, estabelecido no art. 1º, inc. III, da CF/88, como um
dos fundamentos da República Federativa do Brasil, traz em seu bojo o direito à
identidade biológica e pessoal. - Caracteriza violação ao princípio da dignidade da
pessoa humana cercear o direito de conhecimento da origem genética, respeitando-
se, por conseguinte, a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica. -
A investigante não pode ser penalizada pela conduta irrefletida dos pais biológicos,
tampouco pela omissão dos pais registrais, apenas sanada, na hipótese, quando
aquela já contava com 50 anos de idade. Não se pode, portanto, corroborar a ilicitude
perpetrada, tanto pelos pais que registraram a investigante, como pelos pais que a
conceberam e não quiseram ou não puderam dar-lhe o alento e o amparo
decorrentes dos laços de sangue conjugados aos de afeto. - Dessa forma, conquanto
tenha a investigante sido acolhida em lar "adotivo" e usufruído de uma relação sócio-
afetiva, nada lhe retira o direito, em havendo sua insurgência ao tomar conhecimento
de sua real história, de ter acesso à sua verdade biológica que lhe foi usurpada,
desde o nascimento até a idade madura. Presente o dissenso, portanto, prevalecerá
o direito ao reconhecimento do vínculo biológico. - Nas questões em que presente a
dissociação entre os vínculos familiares biológico e sócio-afetivo, nas quais seja o
Poder Judiciário chamado a se posicionar, deve o julgador, ao decidir, atentar de
forma acurada para as peculiaridades do processo, cujos desdobramentos devem
184
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil – introdução ao direito civil constitucional, p. 133.
185
Extraídos dos sites: www.tj.rs.gov.br e www.stj.gov.br, respectivamente. Acessos em 18 de julho
de 2007.
100
pautar as decisões. Recurso Especial provido. (STJ; REsp 833.712; Proc.
2006/0070609-4; RS; Terceira Turma; Relª Min. Fátima Nancy Andrighi; Julg.
17/05/2007; DJU 04/06/2007; Pág. 347).”.
Portanto, “o status de filho é um direito garantido à pessoa, porquanto a ordem
jurídica vale-se de presunções legais, reconhecimentos voluntários ou até mesmo
imposições através de sentenças judiciais, com o fito de fornecer uma identidade
familiar àquele que não a detém de modo integral.”.
186
b) posse do estado de filho:
Se tomarmos base o conceito genérico de posse, encontraremos na doutrina e nos
pronunciamentos dos tribunais, que esta é a exteriorização de um domínio
(propriedade).
Claro está que não pode esse conceito de posse ser restrito apenas ao Direito das
Coisas, para determinar quem é ou não possuidor de determinada coisa/bem,
devendo, também, ser estendido a outros ramos do Direito.
No atual contexto da família, influenciada diretamente pelos preceitos
constitucionais, novos conceitos se insurgiram (filiação sócio-afetiva/posse do estado
de filho), os quais refletem, tão somente, as novas tendências no que diz respeito às
relações de parentesco.
Sempre houve em nosso direito certa animosidade entre a paternidade/filiação
biológica e a paternidade/filiação sócio-afetiva, tendo a primeira maior
favorecimento; entretanto, nos últimos anos a segunda modalidade passou a ser
objeto de estudo e atenção por parte dos doutrinadores e dos tribunais.
Se nos restringirmos apenas à paternidade/filiação biológica, poderemos vislumbrar
que o filho possui uma condição de titularidade em relação a seus pais e estes à
prole, ou seja, a sociedade vê aquele como filho destes.
186
QUEIROZ, Juliane Fernandes. Ob. cit., p. 40.
101
O afeto exerce no atual contexto brasileiro um papel muito importante, delineando as
relações familiares e os novos paradigmas da filiação. Desta feita, temos que a
posse do estado de filho é um requisito essencial à caracterização da
paternidade/filiação sócio-afetiva, traduzida na aparência/demonstração de um
estado de filho, chamada, portanto, de estado de filho de afeto.
Essa noção de posse de estado não é um conceito novo no mundo jurídico, seu
surgimento nos remonta ao direito romano, onde existiam o status civitatis, o status
libertatis e o status familiae, em que este último dizia respeito à condição/atribuição
que alguém possuía dentro de uma família.
De certo que a noção de estado de família e, conseqüentemente, a de filho e de
pai/mãe, veio se aperfeiçoando com o passar dos séculos.
Atualmente, é o afeto que traça e cria os laços familiares, sendo este semeado e
acalentado com o dia-a-dia. Fachin
187
afirma que:
“A verdade sociológica da filiação se constrói, revelando-se não apenas na
descendência, mas no comportamento de quem expende cuidados, carinho e
tratamento, quem em público, quer na intimidade do lar, com afeto verdadeiramente
paternal, construindo vínculo que extrapola o laço biológico, compondo a base da
paternidade.”.
Essa idéia de posse de estado de filho vem crescendo muito no mundo acadêmico e
também nos tribunais, revelando que a paternidade/filiação não se restringe ao fator
biológico ou à presunção legal, mas, também, abrange o convívio diário e os
elementos que surgem desse convívio.
A posse do estado de filho se configura sempre que alguém age como se fosse o
filho e outrem como se fosse o pai, pouco importando a existência de laço biológico
entre eles. É a confirmação do parentesco/filiação sócio-afetiva, pois não há nada
mais significativo do que ser tratado como filho no seio do núcleo familiar e ser
reconhecido como tal pela sociedade, o mesmo acontecendo com aquele que
exerce a função de pai.
102
A posse de estado de filho, nada mais é, do que a prática de reiterados atos dos
núcleos familiares, diante de uma íntima e longa relação de afeto, cuidado,
preocupação e outros sentimentos que surgem com o carinho.
Deixar essas situações (paternidade/filiação sócio-afetiva) sem impor certas
condições pode fazer com que sua finalidade se perca. Somos do entendimento que
os elementos identificadores da família se estendem ao filho afetivo, a saber: i)
apelido da família; ii) trato (sendo no núcleo familiar ou não); e iii) fama.
Giuseppe Lumia
188
dizia que “(...) o papel do direito como estrutura da ação social é
o de regular as relações intrasubjetivas. (...). Relações jurídicas são somente as
relações intrasubjetivas (ou seja, as relações que se travam entre dois ou mais
sujeitos) regulados por normas pertencentes ao ordenamento jurídico.
Ora, se o papel do direito é regular relações pertencentes ao ordenamento jurídico,
dúvidas não pairam, portanto, no que diz respeito à paternidade/filiação sócio-
afetiva, vez que o atual texto de Código Civil traz no bojo de seu art. 1.593 a
possibilidade de se aceitar esta realidade.
Talvez a redação do mencionado art. não seja a mais adequada, haja vista que a
expressão “outra origem” não reflete esta idéia de maneira acintosa. Cremos que
poderia haver uma alteração no texto deste art., criando um parágrafo único neste
art. Para nós, data vênia, poderia ser:
Art. 1.593: O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade.
Parágrafo único: As relações sócio-afetivas, quando devidamente comprovadas,
geram vínculos de parentesco
.
Dúvidas não pairam sobre o estado de filiação, que é inerente ao ser humano e de
cunho afetivo, nascendo no seio da família, ainda que seja pelo laço de sangue.
Entretanto, a filiação biológica não exerce mais uma prevalência sobre a filiação
afetiva, também configurada pela adoção, inseminação artificial e, claro, a posse do
estado de filho.
187
FACHIN, Luiz Edson. Ob. cit., p. 25.
188
LUMIA, Giuseppe. Elementos de teoria e ideologia do direito, p. 99.
103
Essa situação já é uma realidade nos Tribunais de Justiça do Brasil
189
, como
depreendemos de recentes julgados:
FILHO DE CRIAÇÃO. ADOÇÃO. SOCIOAFETIVIDADE. No que tange à filiação,
para que uma situação de fato seja considerada como realidade social
(socioafetividade), é necessário que esteja efetivamente consolidada. A posse
do estado de filho liga-se à finalidade de trazer para o mundo jurídico uma
verdade social. Diante do caso concreto, restará ao juiz o mister de julgar a
ocorrência ou não de posse de estado, revelando quem efetivamente são os pais. A
apelada fez questão de excluir o apelante de sua herança. A condição de “filho de
criação” não gera qualquer efeito patrimonial, nem viabilidade de reconhecimento de
adoção de fato. APELO DESPROVIDO. (TJRS; AC 70007016710; Bagé; Oitava
Câmara Cível; Rel. Des. Rui Portanova; Julg. 13/11/2003)
***
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PRESCRIÇÃO. REGISTRO DE
NASCIMENTO. Sendo imprescritível a ação investigatória de paternidade, o simples
fato de alguém haver sido registrado por outrem, que não seja o pai biológico, não
pode impedir a livre investigação da verdade real. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. A
convivência, durante muitos anos, da investigante com seu pai registral, marido
de sua mãe, faz presumir a posse do estado de filho, a ensejar o
reconhecimento da filiação socioafetiva, o que impede a alteração do vínculo
jurídico que retrata essa realidade. Agravo retido acolhido em parte. Apelação
provida em parte, por maioria. (TJRS; AC 70005458484; Porto Alegre; Sétima
Câmara Cível; Relª Desª Maria Berenice Dias; Julg. 19/02/2003)
***
ALIMENTOS DEVIDOS A FILHO MAIOR. POSSIBILIDADE JURÍDICA.
INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO DE NECESSIDADE QUE, ASSIM, DEVE SER
COMPROVADA, JUNTAMENTE COM A POSSIBILIDADE DOS PAIS. SITUAÇÃO
EXCEPCIONAL QUE PERMITE AO FILHO, MESMO MAIOR E CAPAZ, BUSCAR
PENSIONAMENTO ALIMENTAR DE SEUS PAIS COM FUNDAMENTO NO ARTIGO
1. 695 DO CÓDIGO CIVIL, 229 E 1º, III DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POSSIBILIDADE JURÍDICA DE CARACTERIZAR
OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. O INDEFERIMENTO DA INICIAL POR
IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO CARACTERIZA VEDAÇÃO DE ACESSO
AO PODER JUDICIÁRIO O QUE NÃO É ADMITIDO PELA CONSTITUÇÃO
FEDERAL. Os princípios da afetividade e da solidariedade encontram respaldo
constitucional e ético e devem permear a conduta e as decisões da
magistratura moderna e atenta à realidade do mundo atual. (TJRJ; AC
2006.001.51839; Décima Segunda Câmara Cível; Rel. Des. Conv. Mauro Nicolau
Junior; Julg. 30/01/2007).”.
Nas Jornadas de Direito Civil, promovidas pelo Conselho da Justiça Federal houve
também uma importante elucidação da matéria. Na I Jornada de Direito Civil
190
, foi
aprovado o Enunciado nº. 103, o qual possui a seguinte redação:
“103 – Art. 1.593: o Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de
parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de
que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de
reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu
com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do
estado de filho.”
.
189
Julgados extraídos do site: www.tj.rs.gov.br. Acessos em 18 de julho de 2007.
190
Disponível em: http://www.cjf.gov.br/revista/enunciados/IJornada.pdf.
104
No mesmo evento, foi aprovado também o texto do Enunciado nº. 108
191
,
estabelecendo que:
“108 – Art. 1.603: no fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603,
compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consangüínea e também a
socioafetiva.”.
Nesse contexto, o Enunciado mais importante foi aquele aprovado sob o nº. 256, da
III Jornada de Direito Civil
192
, tendo o seguinte texto:
“256 – Art. 1.593: A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui
modalidade de parentesco civil.”.
O fundamento basilar da posse do estado de filho nasce com a convivência das
relações entre pais e filho, ou seja, o afeto que vem a se impor para configurar o
exercício das funções e obrigações oriundas da paternidade.
Perlingieri
193
pontifica que:
“Do título constitutivo do status distingui-se a posse de estado que é, segundo as
hipóteses, elemento sanante dos defeitos de forma de título de estado e prova legal
do fato do qual depende o nascimento do estado pessoal civil: assim, a filiação pode
ser provada com a posse continuada deduzida de uma série de fatos, tipicamente
indicados pela lei; (...).”.
Essa posse do estado de filho pode ser tida, portanto, como um ponto de
suplementação no nosso sistema, partindo-se da presunção de paternidade/filiação,
se aplicando através do brocado pater is est (...), haja vista que a exacerbada
proteção às famílias oriundas do matrimônio deixa de lado situações fáticas que são
de grande importância no atual contexto do Direito de Família brasileiro.
Vale citar o julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
194
:
“NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – ADOÇÃO À BRASILEIRA – CONFRONTO
ENTRE A VERDADE BIOLÓGICA E A SÓCIO-AFETIVA – TUTELA DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA – PROCEDÊNCIA – DECISÃO REFORMADA. 1. A ação
negatória de paternidade é imprescritível, na esteira do entendimento consagrado na
191
Idem.
192
Disponível em: http://www.cjf.gov.br/revista/enunciados/IIIJornada.pdf.
193
PERLINGIERI, Pietro. Ob. cit., p. 137.
194
www.tj.pr.gov.br.
105
Súmula 149/STF, já que a demanda versa sobre o estado da pessoa, que é
emanação do direito da personalidade. 2. No confronto entre a verdade biológica,
atestada em exame de DNA, e a verdade sócio-afetiva, decorrente da adoção à
brasileira (isto é, da situação de um casal ter registrado, com outro nome, menor,
como se deles filho fosse) e que perdura por quase quarenta anos, há de prevalecer
à solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana. 3. A paternidade
sócio-afetiva, estando baseada na tendência de personificação do direito civil,
vê a família como instrumento de realização do ser humano; aniquilar a pessoa
do apelante, apagando-lhe todo o histórico de vida e condição social, em razão
de aspectos formais inerentes à irregular adoção à brasileira, não tutelaria a
dignidade humana, nem faria justiça ao caso concreto, mas, ao contrário, por
critérios meramente formais, proteger-se-ia as artimanhas, os ilícitos e as
negligências utilizadas em benefício do próprio apelado” (Tribunal de Justiça do
Paraná, Apelação Cível 0108417-9, de Curitiba, 2ª Vara de Família. DJ 04/02/2002,
Relator Accácio Cambi).”.
A nova realidade da família brasileira, surgida com a CF/88, trouxe ao núcleo
familiar determinadas funções, como a de possibilitar aos seus membros uma vida
com dignidade, com a criação de seus próprios dogmas, sua moral, sua ética, sua
consciência política e religiosa, em respeito à ordem pública e aos ditames legais.
O Direito de Família retrata um imenso universo de batalhas, seja para dissolver os
núcleos familiares, seja para consolidar e constituir mecanismos a fim de atender as
expectativas sociais e dos indivíduos, respeitando-se os mais profundos valores da
dignidade da pessoa humana.
Não vemos com maus olhos a “função social da família”, haja vista que esta é
considerada célula-mater da sociedade, devendo atingir o fim que não prescinde de
expressa cominação legal.
Se realmente o Direito é sempre um fenômeno social e intrínseco ao âmago da
ordem social, como leciona Ascensão
195
, porque então esperar a normatização da
função social da família?
O texto do Código Civil de 2002 já abre uma lacuna para a caracterização dessa
posse de estado de filho, retratando a função social do Direito de Família, em
especial do núcleo familiar. Seria violação clara à dignidade da pessoa humana
qualquer vedação ao reconhecimento dessa paternidade/filiação sócio-afetiva.
195
ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito – introdução e teoria geral, p. 56.
106
A Carta Constitucional de 1988 trouxe um novo tratamento jurídico às relações de
família, buscando aplicar suas regras no centro fundamental do Direito de Família (a
própria família), com o escopo de protegê-la, visando seu fim social com decência,
dignidade e amor.
c) valoração do afeto como valor jurídico e formador de núcleo familiar:
A atual tendência do Direito de Família é a de que buscar e zelar pela alegria, amor
e respeito mútuos no ambiente familiar.
A partir disso, parte-se da seguinte premissa: deixar de reconhecer
paternidade/filiação fundada no amor, no afeto, no carinho, na preocupação, no
querer bem e na demonstração mais simples e bela que um ser humano pode ter
por seu semelhante, é justo? Seria razoável? Seria atender aos ditames
constitucionais de “bem-estar”, “igualdade e justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos” que se funda em “harmonia
social” trazidos no Preâmbulo de nossa Constituição Federal?
Parece-nos que não. Se o mesmo texto constitucional dispõe em seu art. 3º, I que
nossa República tem como objetivo fundamental promover o bem de todos, sem
preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação, o não reconhecimento de AMOR, do AFETO como formador da
família e da relação de parentalidade é ir de encontro com as bases constitucionais
do nosso Estado Democrático de Direito.
Este reconhecimento só iria trazer benefícios às situações fáticas que se alongam
no tempo. Tratar os filhos que igualmente são amados, respeitados e queridos no
meio familiar seria uma justiça social e uma confirmação de uma responsabilidade
social.
Se o Direito de Família é o ramo do Direito Civil que mais influências sofre do Direito
Constitucional, porque quando da confecção do atual texto de Código Civil não
foram observadas tais ponderações?
107
Cremos que quando um homem e uma mulher, de livre e espontânea vontade
resolvem acolher em seu lar uma criança e tratá-la como um filho de sangue,
configura-se uma relação de maturidade e evolução do ser humano em seu meio
social. O filho que porventura fora renegado/abandonado/desprezado por seus
genitores não pode ser privado de ter no amor o reconhecimento de um núcleo
familiar, de uma situação que lhe traga dignidade e respeito perante a sociedade.
Não nos limitamos apenas nas situações comuns e nos noticiários de nosso país,
em que, infelizmente, se tornou comum ver pais abandonando crianças, mas, sim,
no caso da adoção à brasileira dentro de uma mesma família (sentido lato), como no
exemplo de sobrinhos terem o carinho, amor, respeito e afetividade de seus tios, e
estes o tratarem como verdadeiro filho.
Restringir as relações de parentesco apenas às modalidades de consangüinidade,
civil e afinidade não nos parece ser a proposta do atual Direito brasileiro, no que diz
respeito às esferas Constitucional e de Família.
Os pais e filhos não são unidos apenas por laços de sangue, mas também por
amor, carinho, afetividade, respeito, cuidados e sentimentos de prosperidade, uma
vez que a responsabilidade e função desses verdadeiros pais afetivos são assaz
importantes. Nada os vincula ou os obriga à criação e ao desenvolvimento do amor
por esses filhos, mas apenas o fazem por ser esta uma vontade que surge do afeto,
do amor.
Essa verdade sócio-afetiva não é menos importante do que a verdade biológica. A
realidade jurídica da filiação não é, portanto, fincada apenas nos laços biológicos,
mas, também, na realidade de afeto que une pais e filhos, e se manifesta em sua
subjetividade e, exatamente, perante o grupo social e à família.
196
Poderia, então, haver uma melhoria nas legislações infraconstitucionais (em
especial no atual texto de Código Civil) no sentido de adequá-las à atual realidade
social, ao conceito contemporâneo de família, onde pouco importa se um filho é ou
196
FACHIN, Luiz Edson. Ob. cit., p. 29
108
não biológico, colocando de forma expressa na lei o que a doutrina e jurisprudência
já pacificaram: não há verdade biológica absoluta.
197
O tão mencionado AMOR já se encontra presente em algumas recentes
decisões
198
, como observamos abaixo:
“EMENTA: APELACAO. ADOCAO. ESTANDO A CRIANCA NO CONVIVIO DO
CASAL ADOTANTE HA MAIS DE 9 ANOS, JA TENDO COM ELES
DESENVOLVIDO VINCULOS AFETIVOS E SOCIAIS, E INCONCEBIVEL RETIRA-
LA DA GUARDA DAQUELES QUE RECONHECE COMO PAIS, MORMENTE
QUANDO OS PAIS BIOLOGICOS DEMONSTRARAM POR ELA TOTAL
DESINTERESSE. EVIDENCIADO QUE O VINCULO AFETIVO DA CRIANCA, A
ESTA ALTURA DA VIDA, ENCONTRA-SE BEM DEFINIDO NA PESSOA DOS
APELADOS, DEVE-SE PRESTIGIAR A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA SOBRE A
PATERNIDADE BIOLOGICA, SEMPRE QUE, NO CONFLITO ENTRE AMBAS,
ASSIM APONTAR O SUPERIOR INTERESSE NA CRIANCA. DESPROVERAM O
APELO. UNANIME. (Apelação Cível Nº. 70003110574, Sétima Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em
14/11/2001);
***
EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. ACAO DE ANULACAO DE REGISTRO
DE NASCIMENTO MOVIDA POR IRMAOS DO FALECIDO PAI. NO CONFLITO
ENTRE A VERDADE BIOLOGICA E A VERDADE SOCIOAFETIVA, DEVE ESTA
PREVALECER, SEMPRE QUE RESULTAR DA ESPONTANEA MATERIALIZACAO
DA POSSE DE ESTADO DE FILHO. O FALECIDO PAI DO DEMANDADO
REGISTROU-O, DE MODO LIVRE, COMO FILHO, DANDO-LHE, ENQUANTO
VIVEU, TAL TRATAMENTO, SOANDO ATE MESMO IMORAL A PRETENSAO
DOS IRMAOS DELE (TIOS DO REU) DE, APOS SEU FALECIMENTO, E
FLAGRANTEMENTE VISANDO APENAS MESQUINHOS INTERESSES
PATRIMONIAIS, PRETENDER DESCONSTITUIR TAL VINCULO.
DESACOLHERAM OS EMBARGOS. ( 8 FLS ). (SEGREDO DE JUSTICA).
(Embargos Infringentes Nº 70004514964, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 11/10/2002).”.
Portanto, sendo este (o amor) um elemento já presente no seio das famílias, não há
como negar sua existência como elemento caracterizador das entidades familiares.
197
Como no caso do seguinte julgado: “ALIMENTOS DEVIDOS A FILHO MAIOR. POSSIBILIDADE
JURÍDICA. INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO DE NECESSIDADE QUE, ASSIM, DEVE SER
COMPROVADA, JUNTAMENTE COM A POSSIBILIDADE DOS PAIS. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL
QUE PERMITE AO FILHO, MESMO MAIOR E CAPAZ, BUSCAR PENSIONAMENTO ALIMENTAR
DE SEUS PAIS COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 1. 695 DO CÓDIGO CIVIL, 229 E 1º, III DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POSSIBILIDADE JURÍDICA DE
CARACTERIZAR OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. O INDEFERIMENTO DA INICIAL POR
IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO CARACTERIZA VEDAÇÃO DE ACESSO AO PODER
JUDICIÁRIO O QUE NÃO É ADMITIDO PELA CONSTITUÇÃO FEDERAL. Os princípios da
afetividade e da solidariedade encontram respaldo constitucional e ético e devem permear a
conduta e as decisões da magistratura moderna e atenta à realidade do mundo atual. (TJRJ;
AC 2006.001.51839; Décima Segunda Câmara Cível; Rel. Des. Conv. Mauro Nicolau Junior; Julg.
30/01/2007).”. Disponível em: www.tj.rj.gov.br. Acesso em 18 de julho de 2007.
198
Extraídos do site: www.tj.rs.gov.br. Acesso em 18 de julho de 2007.
109
CAP. IV – AS NOVAS TENDÊNCIAS DA FAMÍLIA E SUAS
INFLUÊNCIAS NO DIREITO SUCESSÓRIO
4.1 – INTRODUÇÃO
Desde o momento de sua promulgação, o Texto Constitucional de 1988 foi,
certamente, um grande divisor de águas do cenário econômico, social, político e
jurídico de nosso país. No atual cenário jurídico e, em especial, no Direito Civil,
inegável são as dimensões de tais mudanças. É possível encontrarmos nos incisos
XXII, XXIII, XXX e XXXI, todos do art. 5º da CF/88, regras que tocam de maneira
mais clara o campo do Direito Civil. Inegável, ainda, toda a proteção que a Família
veio a ter, conforme se denota dos arts. 226 ao 230, do aludido Diploma legal.
De certo que as regras do Direito de Família são de cunho público, ou seja, são
normas de direito privado que são guiadas por princípios de direito público, daí
alguns se referirem ao Direito de Família como a área mais publicizada do Direito
Civil.
Claro que a família em si teve toda uma nova leitura de seus fundamentos com o
promulgação da Constituição Federal de 1988, cujas normas de operabilidade são
ditadas pelo atual texto de Código Civil e pelo Código de Processo Civil.
Não estamos defendendo a constitucionalização do direito civil (até mesmo porque
não é essa a finalidade de nosso estudo), tampouco nos insurgir com os princípios
de cunho mais flexível que o atual texto de Código Civil possui. Assim, não há como
vermos a família com as mesmas características e moldes outrora conhecidos pelo
Direito nacional.
A idéia de Estado Liberal e a autonomia total do Direito Civil (Privado) veio a sofrer
limitações com a Carta Política de 1988, bem como com os novos princípios
norteadores do atual texto de Código.
110
Com as mudanças e flexibilizações sofridas pelo Direito Privado surge a seguinte
indagação: não estaria também a família em constante processo de mudança?
A resposta é positiva, vez que a família é tida hoje como uma entidade mutante,
estando sempre em evolução/modificação no que diz respeito a seus conceitos e
finalidades. Indubitável é o entendimento de que não podemos passar por cima das
regras fundamentais (constitucionais), mas não temos como conter tais mudanças.
Nessa nova era para a família, nas entidades familiares e no próprio Direito de
Família, surge uma nova visão/roupagem, preponderando não mais o conceito/idéia
de grupo de pessoas que se unem com a finalidade de reprodução/perpetuação da
espécie, mas, sim, sentimentos e sentidos reais que devem nortear todo núcleo
familiar, a saber: a) consideração e companheirismo; b) cuidado; c) preocupação; e,
claro d) afeto/amor.
No texto de Código Civil de 1916, os modelos de famílias refletiam uma sociedade
com pensamentos e realidade totalmente distintas.
Apesar da solidariedade sempre ser um dos fundamentos da família, não se
cogitava existir toda a gama de proteção a direitos que hoje são tidos como
imprescindíveis (p. ex.: dignidade da pessoa humana, proteção à família, crianças,
adolescentes, idosos, etc.).
É inegável que a família tem uma função a ser cumprida perante a sociedade.
As modificações sofridas no âmbito jurídico de nosso país vêm, em nosso sentir,
para regulamentar e proteger situações fáticas que, em muitas vezes, já são
admitidas por doutrina e jurisprudência.
Como não vivemos num mundo onde dogmas são intocáveis e intransigíveis, não
podemos negar que a família, hoje, não é composta apenas por aqueles
consangüineamente vinculados (parentesco natural) ou por disposição legal
(parentesco civil), mas, também, por uma nova modalidade que veio, muito
timidamente, a constar do art. 1.593 do Código Civil.
111
Ora, se as regras para delimitar os sucessíveis de um falecido são, nos casos de
sucessão ab intestato, aquelas condizentes ao Direito de Família (Livro IV do atual
texto de Código Civil), em especial à parte referente ao parentesco, não há como
negar o Direito de Herança do filho afetivo.
No atual contexto do Direito brasileiro, despende-se atenção especial o Direito de
Família, o que não nos permite interpretar os ditames infraconstitucionais de forma
isolada das normas trazidas na Carta Política, tendo como móvel/motor os princípios
de isonomia entre os filhos de um casal, abarcado pelos princípios constitucionais,
como, por exemplo o princípio da dignidade da pessoa humana.
Se não existem mais tratamentos diversos para os filhos, pouco importando a sua
origem, seja biológica ou civil, porque deixar de fora dessa tratativa os filhos
afetivos?
A origem biológica dos filhos vem sofrendo progressiva relativização no tocante a
seu status de formação da família, não sendo impossível, portanto, que os filhos
afetivos venham a receber proteção jurídica para uma situação, que aos olhos de
toda uma sociedade é consolidada e duradoura.
Para nós, nada seria mais comum, mais humano e mais justo. De certo que a
configuração dessa situação fática de filho afetivo prescinde de requisitos, os quais
já foram analisados no Capítulo anterior. Dessa forma, tem-se que a situação fática
para a configuração dessa filiação tem como base a posse: a posse do estado de
filho.
A função de pai e de mãe, na atual conjuntura da família, parece caminhar mais para
o lado do afeto do que para o lado da biologia, guarnecida pelos princípios que
ensejaram e norteiam nossa Constituição Federal: liberdade, igualdade e
afetividade!
Obviamente que o reconhecimento da existência de uma filiação sem um elo
biológico traz uma clara noção de que a relação paterno-filial está dividida em duas
figuras: aquele que gerou e aquele que cria.
112
Há uma tendência, neste momento, em pender para o lado daquele “pai” que
realmente se empenha, cria, ama, educa, praticando todos os atos, direitos e
deveres que são oriundos da paternidade, mas com um grande diferencial: aqui não
há imposição legal, mas, sim, livre e espontânea vontade. Em outras palavras: há
afeto.
Hodiernamente é possível encontrar doutrinas especializadas que são favoráveis à
superar esse exagero acerca da origem biológica dos filhos, até mesmo quando
existe a recusa por parte de um suposto pai em submeter-se ao exame de DNA.
Acompanhamos o entendimento de que a Súmula de nº. 301
199
, editada pelo STJ,
merece sofrer algumas críticas, pois, mesmo estando latente a busca pela
superação desta imposição, o dia-a-dia forense sentirá sua força.
Assim, necessária se faz uma maior proteção e solidificação das relações sócio-
afetivas, baseadas no amor, carinho, cuidado e demais sentimentos, buscando
atender o melhor interesse da criança, da família e, ainda, a tão almejada justiça
social.
Negar tais relações seria, sem sobra de dúvidas, valorizar em demasia as relações
de parentesco fundadas no laço de sangue em claro detrimento às sócio-afetivas.
Não só o núcleo familiar, mas todas as relações e aspectos regulamentados pelo
Direito de Família, não podem mais serem vistos e analisados como eram no início
do século passado, quando entrou em vigência o texto de Código Civil elaborado por
Bevilaqua.
O texto de 1916 foi um marco do liberalismo e individualismo que rondavam e
guiavam a sociedade brasileira naquele momento. Tudo girava em torno do
patrimônio. A liberdade de contratação, a não interveniência do Estado nas relações
privadas, o absolutismo da propriedade privada e o modelo patriarcal de família são
alguns exemplos que podemos citar. Parece-nos que os ideais levantados pela
199
Súmula 301 do STJ: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de
DNA induz presunção juris tantum de paternidade.”.
113
Revolução Francesa foram levados à risca tanto por Clovis Bevilaqua quanto pelo
legislador da época.
Se houveram mudanças no Direito de Família, será que este não implica
conseqüências em outras áreas do Direito? A resposta, com todo certeza, é positiva.
O Direito de Família caminha de braços dados com outra área e sofre reflexos
diretos de grande parte (ou integralmente) das mudanças ali sofridas, a saber: o
Direito das Sucessões.
Não conseguimos vislumbrar o Direito das Sucessões de forma independente e
totalmente desvinculada do Direito de Família, já que as regras básicas e gerais para
a sucessão oriundam-se das relações familiares e de conceitos pré-estabelecidos
pelo Direito de Família.
Desta feita, se as relações de parentesco são determinantes para estabelecer linhas
gerais e nos induzir, num primeiro, sobre quem são os filhos e, portanto, herdeiros
do de cujus, não estaríamos então diante de uma nova perspectiva? Acredita-se que
sim.
Como as relações de parentesco, tratadas no art. 1.593 do atual texto de Código
Civil, nos abre uma lacuna para o reconhecimento de outro tipo de relação, de certo
que tal relação imbricará em conseqüências no campo das sucessões, como
discorreremos a seguir.
4.2– SUCESSÃO PELA AFETIVIDADE – A VALORIZACAO DO AFETO
ENTRE OS MEMBROS DA FAMÍLIA
4.2.1 – Introdução
Tendo seus pontos fixados na Constituição Federal e suas regras específicas no
atual texto do Código Civil, o Direito das Sucessões acompanha, ainda que de
114
maneira reflexa, todos os movimentos e alterações desencadeados pelo Direito de
Família.
No Capítulo anterior restou demonstrada a nova tendência do Direito de Família
contemporâneo: a família formada exclusivamente pelo afeto, ou seja, o afeto como
formador do vínculo familiar e da relação de parentesco.
Ainda que alguns venham a entender que a família e suas formas de constituição
estão enumeradas num rol taxativo (numerus clausus), nos filiamos àqueles que
entendem que, em matéria de Direto de Família, não há verdade absoluta ou
imutabilidade em relação as situações jurídicas pré-estabelecidas ou pré-
codificadas.
Antes a família tinha uma proteção extrema e absoluta, voltada apenas para uma
proteção interna, cujo objetivo da norma jurídica era tão somente dar guarida ao
núcleo familiar, deixando de lado os membros que a compunham. Claro está que tal
visão caiu por terra.
A atual temática da família transcende tais conceitos e visões outrora condizentes
com as situações experimentadas pela sociedade, mas que não são mais
comportadas (ou suportadas) pelas diversas classes sociais que compõem a nossa
nação.
O protecionismo da família era visto de maneira imediata, e, hodiernamente, se dá
de forma mediata, tendo essa imediaticidade se transferido para os membros da
família. Se tanta ênfase é dada aos Direitos Humanos e à Dignidade da Pessoa
Humana, parece-nos que não há outra a saída senão a proteção dos entes
familiares.
É possível encontrarmos diversos julgados dos mais diversos Tribunais de Justiça
de nosso país, do Oiapoque ao Chuí, abordando o tema da afetividade de forma
clara e explícita, sendo considerado como um formador do núcleo familiar,
chegando, inclusive, a obrigar os afetivamente ligados à prestarem alimentos uns
aos outros.
115
Ora, se o princípio da afetividade tem como primado atender, não só os ditames
constitucionais, mas, também, as questões sociais (sociológicas/psicológicas) e
morais, não se negar-lhe sua importância nas questões de cunho patrimonial
(sucessão).
A afetividade é construção cultural que se dá na convivência, revelando-se num
ambiente de solidariedade e responsabilidade, sem interesses materiais, que,
apenas, emergem quando o sentimento se extingue.
Como todo princípio, ostenta fraca densidade semântica, que se determina pela
mediação concretizadora do intérprete, ante cada situação real, podendo ser assim
traduzido: onde houver uma relação, ou comunidade, mantida por laços de
afetividade, sendo estes suas causas originária e final, haverá família.
200
A afetividade resume e expressa, portanto, toda a dignidade que o Direito
Constitucional buscou dar aos entes de uma família, devendo ser observada, ainda
que linhas gerais, pelas leis (códigos) infraconstitucionais.
A de garantir a dignidade da família cabe a todos os entes sujeitos de deveres
(Estado, família e sociedade), tendo como objetivo intrínseco da natureza familiar o
reconhecimento do afeto.
O debate quanto à natureza da pessoa – no sentido de distingui-la da coisa – é
bastante antigo na civilização humana e, com a evolução dos tempos, solidificou-se
a moralidade universal de que a pessoa é dotada de dignidade, atributo que a
distingue das coisas, daí a ausência de ser valorada patrimonialmente, o que se
verifica, em sentido contrário, relativamente às coisas.
201
É claro que não se pode falar em violação dos direitos que permeiam o Direito de
Família, não sendo possível, falar em apenas uma única geração de direitos
fundamentais, mas, sim, em várias: a) primeira geração – alberga os direitos de
200
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas in PEREIRA, Rodrigo da Cunha
(Coord.). Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família “Família e Cidadania – O Novo CCB
e a vacatio legis” – Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
116
liberdade, que correspondem aos direitos civis e políticos, tendo como titular o
indivíduo, oponíveis em face do Estado, podendo ser vistos como faculdades ou
atributos da pessoa humana, exibindo uma subjetividade que é seu marco principal;
b) segunda geração – é composta pelos direitos sociais, culturais, coletivos e
econômicos, estando presentes em todos os ordenamentos políticos dos Estados,
sendo diretrizes/programas que devem ser cumpridos, refletindo, assim, seu
pragmatismo; c) terceira geração – nesta são abarcados o direito ao
desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o
patrimônio e o direito de comunicação.
Não se fazer uma separação entre as mudanças que o Direito Constitucional trouxe
à família e, porque não, ao Direito de Família e, por reflexo, ao Direito das
Sucessões.
Essas linhas introdutórias servem para esclarecer a problemática proposta por este
trabalho: Pode haver sucessão ab intestato por parte dos filhos sócio-afetivos?
4.2.2 – Posição legal
Através de uma simples leitura do atual Código Civil, se depreende que o legislador
cometeu, em nosso sentir, uma grande confusão, o que explicaremos a seguir.
As regras de vocação hereditária têm suas linhas delimitadas pelo Livro do Direito de
Família. Os chamados à delação nos casos estabelecidos pelos incisos I, II, III e IV
do art. 1.829 do atual texto de Código são traçadas pelas normas atinentes às
relações de parentesco, isto é:
I - Os descendentes são todos os filhos (lembrando-se que com o advento da Carta
Política de 1988 não há mais a diferenciação entre filhos espúrios e não espúrios),
não importando se de origem biológica ou civil;
II - Os ascendentes são, por igual modo, consangüíneo ou civil;
201
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit., p. 126.
117
III – o cônjuge por vínculo matrimonial passa a ser herdeiro até em concorrência com
as duas classes acima, observado o regime de bens;
IV – colaterais, que se estendem até o quarto grau.
Surge, então a seguinte dúvida: as regras de parentesco bastam para delimitar os
vocacionados, como pôde o Código prever que o parentesco tem origem natural
(consangüínea) ou civil e, ainda, outra origem (para nós é evidente a origem do
parentesco sócio-afetivo) e não reconhecer este quando do art. 1.829?
Parece que a imprecisão técnica do legislador veio a causar, no atual contexto dos
Direitos, uma grande dúvida, já que o atual Código Civil não faz menção ao
parentesco sócio-afetivo como ensejador de direitos sucessórios.
4.2.3 – Nosso entendimento
Como dito alhures, a sucessão, decorrente apenas de vínculo sócio-afetivo, não é
tratada em nosso ordenamento jurídico atual. Entretanto, entendemos que não há
uma vedação legal para tanto, mas, tão somente, uma mera omissão. A questão
pode (e deve) ser resolvida com cuidados e grande atenção por parte dos
aplicadores do Direito.
Tomando por base a máxima “o que não é proibido é permitido”, pode-se chegar ao
entendimento de que, como não há uma vedação por parte do Código, abre-se uma
lacuna para que a doutrina e a jurisprudência venham a consolidar o tema de uma
vez por todas.
Não podemos nos chafurdar em questões pequenas, meramente patrimoniais. O
deferimento de direitos sucessórios aos filhos sócio-afetivos reflete, sem dúvidas,
cunho sucessório, mas, também, social, moral e eqüitativo.
Como não há distinção entre filhos, como bem diz a CF/88, porque restringir os filhos
sócio-afetivos de participar da delação? Seria justo? Seria moralmente correto? De
certo que não!
118
Se são quatro as formas de filiação sócio-afetiva (adoção; filho de criação; adoção à
brasileira e o reconhecimento voluntário ou judicial da paternidade/maternidade),
casos em que é edificado o estado de filho afetivo (posse de estado de filho), na
forma do art. 226, parágrafos 4º e 7º, art. 227, caput e parágrafo 6º, da Constituição
da República, e artigos 1.593,1.596,1.597, inciso V, 1.603 e 1.605, inciso II, todos do
atual Código Civil, cuja declaração de vontade torna-se irrevogável, salvo erro ou
falsidade do registro de nascimento, na forma do art. 1604 do texto Civil de 2002,
todas elas devem ser reconhecidas quando da abertura da sucessão.
Os filhos possuem direitos e dignidade próprias, guardando, desde os primórdios da
civilização, a idéia de que a espécie humana e o nome de determinada família não
será extinto, tornando-se, portanto, meio para divulgação daquele culto familiar.
Num momento em que a reprodução da espécie deixa de ser prioridade dos novos
casais e o aumento com o descaso para com os menores (inclusive por parte de
seus pais biológicos) se tornou tão comum, não é justo que uma criança seja, após a
morte do titular de bens/direitos/obrigações, privada de receber de seu “verdadeiro”
pai sua quota hereditária.
Já foi exposto que o verdadeiro pai não é aquele que gera, mas sim aquele que arca
com as responsabilidades e sustento de uma criança, tratando-o como filho interna e
externamente.
De certo que esta mudança/inovação, já bem mais aceita no campo do Direito de
Família, não pode estar ali restrita, sendo pacífico o entendimento de que sua
extensão ao Direito Sucessório é curso natural do mundo jurídico.
Ihering
202
bem antes do presente tema sequer ser suscitado já nos dava uma luz
quando afirmava que:
“(...) a realidade, a força prática das regras do direito privado revela-se na defesa dos
direitos concretos, e se por um lado esses últimos recebem a vida da lei, por outro
lado restituem-lha por sua vez. A relação entre o direito objetivo ou abstrato com os
202
VON IHERING, Rudolf. Ob. cit., p. 46.
119
direitos subjetivos ou concretos lembra a circulação do sangue, cuja corrente parte do
coração para ali voltar.”.
As relações de parentesco fundadas no vínculo sócio-afetivo não seriam essa força
prática do direito privado? Sua defesa não se encontra na expressão “ou outra
origem” mencionada na parte final do art. 1.593 do atual texto de Código?
Para nós as respostas são todas afirmativas.
Se o legislador aceita que o parentesco é formado pelo afeto, porque o afeto não
pode ser bastante para garantir herança a alguém?
Até quando devemos ficar restritos ao tecnicismo exacerbado, deixando com que
claras e evidentes situações, permeadas e alimentadas por uma coletividade dia
após dia, fiquem sem proteção jurídica? Para nós não mais!
Em matéria de direito privado há igualmente uma luta contra a injustiça, uma luta
comum a toda a nação, onde todos devem ficar firmemente unidos.
203
Tal luta deve, no presente caso, atender aos fins precípuos do Direito: a Justiça!
Como se falar em justiça e devida aplicação do Direito se um “filho” fica privado de
ser agraciado por meio de sucessão ab intestato após provas diversas de sua
condição de filho, de seu tratamento social e familiar?
Propomos então, uma alteração em dois dispositivos do atual texto de Código Civil,
a saber: a) art. 1.593; e b) 1.829, I, os quais poderiam ter a seguir redação:
“Art. 1.593: O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade.
Parágrafo único: As relações sócio-afetivas, quando devidamente comprovadas,
geram vínculos de parentesco.”;
“Art. 1.829: (...).
203
Idem, p. 47.
120
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se
casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares. Os filhos sócio-
afetivos descritos no parágrafo único do art. 1.593 encontram-se legitimados para
figurar como herdeiros após prova produzida em processo competente.”.
Temos que tais alterações seriam o bastante para garantir a justiça, nos casos em
que houver filhos biológicos e filhos sócio-afetivos, estabelecendo uma condição de
igualdade no momento da saisine.
Se a sócio-afetividade é bastante para ensejar prestação alimentícia
204
(conforme
jurisprudência de alguns Tribunais de Justiça), comungamos também do
204
Foi noticiado no meio eletrônico a seguinte matéria de procedência do TJRJ: “Uma mulher maior
de idade e auxiliar de enfermagem ganhou na Justiça do Rio o direito de pedir pensão alimentícia aos
seus pais biológicos e ao seu pai afetivo. A decisão é da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Rio. A autora entrou com recurso contra sentença da 7ª Vara de Família desfavorável a um pedido de
pensão alimentar contra seus pais biológicos e seu pai afetivo. Ela alegou que mora nos Estados
Unidos com seu marido e seu filho, americano, e que, em viagem ao Brasil, teve seu retorno vedado
por causa de um processo ajuizado pelos avós da criança, que pleiteiam sua guarda. A auxiliar de
enfermagem alegou a necessidade de receber auxílio alimentar porque, em função do processo
movido pelos seus pais, ela foi impedida de continuar no seu trabalho nos Estados Unidos. A juíza
Simone Dalila Nacif Lopes, da 7ª Vara de Família, havia decretado a extinção do processo sem
analisar o mérito, com o fundamento de que a autora já teria atingido a maioridade, não cursa
qualquer faculdade e que não tem incapacidade física ou mental que a impossibilite de trabalhar. A
magistrada afirmou ainda que um dos réus, o pai afetivo, não teria qualquer grau de parentesco, o
que inviabilizaria o pedido. A auxiliar de enfermagem entrou, então, com recurso na 12ª Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Rio, que deu provimento ao pedido, reformando a sentença e determinando
o prosseguimento do processo. Para o juiz Mauro Nicolau Junior, desembargador convocado em
exercício na 13ª Câmara Cível e relator do recurso, a extinção do processo por impossibilidade
jurídica do pedido foi prematuro, não dando à autora a oportunidade de demonstrar e comprovar a
necessidade. "O indeferimento da inicial por impossibilidade jurídica do pedido caracteriza vedação
de acesso ao Poder Judiciário, o que não é admitido pela Constituição Federal", disse. Ele ressaltou,
ainda, a existência da paternidade sócioafetiva. "Os princípios da afetividade e da solidariedade
encontram respaldo constitucional e ético e devem permear a conduta e as decisões da magistratura
moderna e atenta à realidade do mundo atual", afirmou o relator. Segundo ele, "nos tempos atuais de
'sacralizadação do DNA', reconhece-se a aptidão da ciência de identificar a origem genética dos
indivíduos, que, infelizmente, não assegura a construção de laços sólidos de solidariedade e
responsabilidade, caracterizadores da relação entre pai e filho" completou.”. Eis a ementa:
2006.001.51839 - APELAÇÃO CÍVEL - JDS. DES. MAURO NICOLAU JUNIOR - Julgamento:
30/01/2007 - DECIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL - ALIMENTOS DEVIDOS A FILHO MAIOR.
POSSIBILIDADE JURÍDICA. INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO DE NECESSIDADE QUE, ASSIM,
DEVE SER COMPROVADA, JUNTAMENTE COM A POSSIBILIDADE DOS PAIS. SITUAÇÃO
EXCEPCIONAL QUE PERMITE AO FILHO, MESMO MAIOR E CAPAZ, BUSCAR
PENSIONAMENTO ALIMENTAR DE SEUS PAIS COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 1.695 DO
CÓDIGO CIVIL, 229 E 1o, III DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
POSSIBILIDADE JURÍDICA DE CARACTERIZAR OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. O INDEFERIMENTO
DA INICIAL POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO CARACTERIZA VEDAÇÃO DE
ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO O QUE NÃO É ADMITIDO PELA CONSTITUÇÃO FEDERAL. OS
121
entendimento de que ela não seria estranha aos “avôs”. A aplicação desse
entendimento seria a mesma já analisada e dispensada para o reconhecimento da
filiação/paternidade sócio-afetiva.
Cediço é que a família deixou de ser formada apenas para reprodução e
perpetuação da espécie.
Já nos idos de 1920, Léon Duguit trazia a baila a importância da Declaração dos
Direitos de 1789 e o Código de Napoleão, expondo o entendimento de que se o
direito é um estado perpétuo de transformações, se continuamente as instituições
jurídicas estão sempre sendo elaboradas, porque limitá-las?
205
Recrudescemos nossa posição por uma simples situação: não pairam dúvidas de
que na parentalidade afetiva, consangüínea e civil, direitos e obrigações emergem
de forma igualitária, tomando por base o que dispõe o texto Constitucional de 1988
quando trata de maneira isonômica os filhos, não importando a sua origem.
O laço de afeto (puro envolvimento emocional) que faz com que duas pessoas se
cuidem e tratem como pai e filho gera não só responsabilidade para um deles, mas,
sim a ambos, transcendendo, inclusive para o campo dos alimentos.
A paternidade/filiação sócio-afetiva se constitui por elos de amor, solidariedade,
respeito e cuidado ao ser humano na mesma proporção (e em alguns casos até de
forma mais acentuada) daquelas relações em que pessoas estão unidas umas àss
outras por laços meramente de sangue, decorrendo da união sangüínea, direitos e
obrigações.
206
PRINCÍPIOS DA AFETIVIDADE E DA SOLIDARIEDADE ENCONTRAM RESPALDO
CONSTITUCIONAL E ÉTICO E DEVEM PERMEAR A CONDUTA E AS DECISÕES DA
MAGISTRATURA MODERNA E ATENTA À REALIDADE DO MUNDO ATUAL.”. Disponível em:
www.tj.rj.gov.br.
205
DUGUIT, Léon. Les transformations générales du droit privé depuis le code napoleon, p. 4: “(…), si
le droit est ainsi en un état perpétuel de transformation, si continuellement des institutions juridiques
nouvelles son en train de s’élaborer, pourquoi limiter ainsi le champ d’observation?”.
206
Pertinente é o seguinte julgado: “2005.002.17896 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - DES. SIRO
DARLAN DE OLIVEIRA - Julgamento: 13/12/2005 - SEXTA CAMARA CIVEL - Processual civil.
Agravo de instrumento interposto contra decisão que em ação de regulamentação de visitas proposta
pelo agravante, reconsiderou decisão de fls. 299/301, que deferia o direito à visitação da criança. O
magistrado assim decidiu tendo em vista sentença prolatada que julgou parcialmente procedente o
122
Entendemos, assim, que a regra estampada no art. 1.593 do atual texto de Código
Civil já é uma realidade em nosso plano jurídico. O vínculo é de afeto, amor, carinho,
cuidado, preocupação que se forma com o passar dos dias, não tendo nenhum
caráter de obrigação/fardo.
Deixar de reconhecer essa realidade é punir a família, que está versada no amor e
no afeto entre os seus entes.
Ora, se o afeto não pode mais ser ignorado pela legislação, como item na
composição da família contemporânea, não há como, também, não vislumbrar que al
relação sócio-afetiva enseja direitos sucessórios para o afetivamente vinculado. Para
nós esses direitos e obrigações também tocam a herança de um pai que deixa filhos
de sangue e filhos de afeto.
A filiação sócio-afetiva é uma realidade que permeia nossa comunidade. Aceitar as
relações de parentesco e os direitos sucessórios dela decorrentes apenas por
vínculos biológicos ou jurídicos é um erro. Como já dizia Rui Barbosa, “a verdadeira
igualdade consiste em aquinhoar desigualmente seres desiguais”.
O jurista uruguaio Eduardo Couture em sua obra “Mandamentos do Advogado” já
dizia que nosso dever é lutar pelo Direito, mas quando este se encontrar com a
Justiça, lutaremos pela Justiça.
207
pedido inicial em ação de reconhecimento de paternidade ajuizada por Leandro Marques da Silva,
que declarou a nulidade do registro, determinando a exclusão dos names do agravante e dos avós do
assentamento de nascimento da criança. Efeito suspensivo pleiteado parcialmente deferido.
Vislumbra-se que a criança deve ser encarada como pessoa em desenvolvimento, sendo de
extrema importância o princípio do melhor interesse, veiculador da doutrina da proteção
integral, que contém em seu bojo o princípio da paternidade socioafetiva. A criança deve ter
prioridade na concretude da construção de sua personalidade. Esta fase demanda que seu
bem estar seja alcançado a todo custo, mobilizando por isso, família, sociedade e estado para
que se cumpra este objetivo. O conjunto probatório é consistente a ensejar o deferimento da
visitação provisória ao agravante, devendo a genitora propiciar ambiente favorável, assim como o
Agravante não deve gerar ou estimular dúvida na criança acerca da paternidade. Com efeito, a
criança deve ser festejada por ser querida, sendo certo que o convívio com o agravante, no
momento, demonstra-se adequado. Recurso conhecido para dar parcial provimento para
deferimento da visitação provisória, a qual deverá ser exercida semanalmente aos sábados ou
domingos, como melhor convier à criança, no horário das 14:00 horas às 17:00 horas, a ser
monitorada por pessoa da família.”.Disponível em: www.tj.rj.gov.br.
207
http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/408/1/Os_+mandamentos_+do_+advogado.pdf.
123
Nossa visão aqui não é apenas de advogado, mas de jurista, de estudioso do Direito
que não vê como deixar de lado uma tendência que tão logo começará a invadir os
gabinetes nos Fóruns e Tribunais de Justiça.
A sucessão, como dissemos no início deste trabalho, é inerente à própria família e
por isso não vemos como dissociar a delação para filhos exclusivamente biológicos
ou civis e não reconhecê-la aos filhos sócio-afetivos.
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A família, a sucessão e as regras constitucionais que envolvem estas áreas, vêm
sendo vistas como áreas mutantes. Talvez seja essa a mutação que nos seduziu
para que debruçássemos nossa atenção para estudar e discorrer sobre ela,
traçando linhas gerais sobre sua constituição e a noção que ela passa à sociedade
atualmente.
Nossa intenção foi a de trazer reflexões sobre os pontos que entendemos
pertinentes para que o tema fosse posto com clareza e coerência.
Propositadamente, não discorremos sobre todas as características e aspectos de
nenhuma dessas duas áreas do Direito Civil.
Apresentamos um tema assaz polêmico e novo que nos faz perceber que nossa
atual legislação civil deve passar por mudanças em sua substância, para que
equívocos deixados pelo legislador ,quando da confecção do atual texto do Código
Civil, sejam superados.
Portanto, ao terminar nosso estudo, chegamos às seguintes conclusões:
1) A relação sócio-afetiva (conhecida também como “adoção à brasileira”) necessita
da existência de relação de afetividade, que o pai trate o filho como seu, sendo esta
a relação reconhecida pela sociedade, não bastando que o filho use o nome do pai.
2) O direito à identidade de filiação é indisponível, portanto imprescritível, a teor,
inclusive, do artigo 1.606 do Código Civil. Não há como destoaremos os princípios
que norteiam nossa Nação e servem de fundamento para nossa Carta Política do
atual contexto social e jurídico de nosso país.
3) As relações de família sofrem influência e proteção dos princípios e das regras
constitucionais. Seus novos modos de constituição familiar passam a ser cada dia
mais aceitáveis pela doutrina e decisão de juizes de primeira e segunda instância
por todo o país.
125
4) As famílias formadas unicamente por relações de afeto, de amor, de carinho,
traduzem, para toda a sociedade, a idéia de que certo ente familiar é filho e membro
essencial à harmonia e felicidade da mesma. Essa família que se constitui sócio-
afetivamente vêm sofrendo inúmeras injustiças, causadas por mero descuido ou
inobservância por parte de alguns, principalmente no que se refere ao filho sócio-
afetivo e à privação deste na participação na delação dos bens/direitos/obrigações
de seu “pai” quando este vem a falecer.
5) Nosso atual texto de Código não faz menção à proibição deste reconhecimento
de filiação, muito pelo contrário, deixa-nos uma brecha para que se reconheçam
essas formas de constituição familiar.
6) Se são reconhecidas as famílias pelo afeto; se são reconhecidas filiações pelo
afeto e essa hoje em dia já é motivo bastante para constituição de prestação
alimentícia, por que não reconhecer direitos sucessórios para uma situação que se
encontra plenamente formada, reconhecida e consolidada com o passar dos anos?
7) Não reconhecer essa realidade implicaria até mesmo em afronta a princípios
constitucionais, às garantias trazidas ao Homem pela Carta de Direitos, aos Direitos
Humanos e à Dignidade da Pessoa Humana.
No que diz respeito ao Direito das Sucessões, nos ativemos à modalidade
denominada ab intestato, para aqui defender a posição do filho sócio-afetivo, uma
vez que dúvidas não pairam sobre a possibilidade deste vir a ser agraciado por
testamento.
Sabemos que nosso atual texto de Código Civil não é dos mais exatos e claros
quanto às finalidades do autor do projeto original, todavia, entendemos que jamais
pode deixar uma lei de se basear no justo, no Direito, visando o bem-estar social.
8) Nosso atual Código se fundou em princípios para sua formação, como por
exemplo, o da eticidade, da função social, da primazia da realidade das situações
jurídicas, etc.
126
São baseados nesses princípios que defendemos a sucessão ab intestato do filho
sócio-afetivo, ressalvando que, para tanto, deverão ser observadas as condições
que a comprovem.
Pensamos que não há mais como deixar de associar o atual contexto social com sua
proteção legal. Estamos diante de situações que nos faz conjugar os Direitos
Fundamentais de nossa República com o Direito de Família e Direito das
Sucessões.
9) As evoluções que ocorreram desde a entrada em vigência do texto de Código
Civil de 1916 até o atual, as transformações sofridas pelo direito privado, as
influências que o direito público trouxe e traz à família e à sucessão não tratam
apenas do aspecto patrimonial como conhecido por nós anteriormente.
A valorização da família e de seus membros reflete atendimento às questões que o
próprio texto vigente de Código traz, a saber: a) direito da personalidade; b) direito a
filiação; c) direito de ter uma família; e d) direito à sucessão.
Precisamos entender e acompanhar as transformações que nossa sociedade vem
passando. Devemos estar compatíveis com a nova visão que a família tem.
10) Reconhecer as famílias sócio-afetivas (oriundas da adoção à brasileira) e por
conseguinte, o direito à herança por parte de seus membros, nada mais é que a
finalidade patrimonial a um reconhecimento social-legal-moral.
A gênese do Direito de Família e do Direito das Sucessões não está apenas tratada
pela doutrina, jurisprudência e pela lei civil, mas também pela Constituição Federal,
de onde depreendemos o redescobrimento da família e sua finalidade.
Igualdade no tratamento de seus membros pouco importando sua origem, bem como
tratamento eqüitativo das formas de família e sua constituição, não podem ficar a
mercê de caprichos legais, que são vistos como impeditivos para a realização
jurídica de uma realidade social.
127
11) Como operadores e estudiosos do Direito, nos colocamos à disposição quando
do início do presente trabalho para responder como poderiam ser procedidas as
realizações sofridas na formação da família contemporânea e suas imbricações no
campo sucessório.
De certo que muito ainda há de ser feito para um reconhecimento legal e,
consequentemente, uma melhor proteção dos filhos sócio-afetivos, com o objetivo de
que estes venham a ter tratamento isonômico quando da devolução da herança.
Esperamos que nossa contribuição desperte em estudiosos e aplicadores do Direito
o seguinte posicionamento: que as novas tendências da família estão sempre
impulsionando conseqüências de ordem social e patrimonial, estando certos que tais
mudanças são e sempre serão constantes.
128
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