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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC – SP
SIWLA HELENA SILVA
RESTAURANT À MODA DE PARIS”: MUDANÇAS CULTURAIS E
O SURGIMENTO DO RESTAURANTE NA CIDADE DE SÃO PAULO
– 1855-1870
MESTRADO EM HISTÓRIA
SÃO PAULO
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC – SP
SIWLA HELENA SILVA
RESTAURANT À MODA DE PARIS”: MUDANÇAS CULTURAIS E O
SURGIMENTO DO RESTAURANTE NA CIDADE DE SÃO PAULO –
1855-1870
MESTRADO EM HISTÓRIA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em
História, sob a orientação da Profª
Drª Yvone Dias Avelino.
SÃO PAULO
2007
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Silva, Siwla Helena
Si381r Restaurant
à moda de Paris”: mudanças culturais e o surgimento do restaurante
na cidade de São Paulo – 1855-1870
/ Silva, Siwla Helena – São Paulo, 2007.
Orientadora: Profª Drª Yvone Dias Avelino
Dissertação (Mestre em História) - Pontifícia Universidade Católica –
São Paulo,
São Paulo, 2007.
1.História Social 2.Brasil Império 3.Origem do restaurante 4.São Paulo 5.Paris.
I. Avelino, Yvone Dias (Orient.) III. Título
CDD
647
BANCA EXAMINADORA
_____________________
_____________________
_____________________
A meus pais, Beatriz e Nilson, inspiração e conforto
Sol ou tempestade, eu sempre tive um porto
AGRADECIMENTOS
A Alexandre, pelo companheirismo, pela santa paciência e por me fazer
sorrir;
Aos meus colegas e professores no Mestrado, por tudo que me ensinaram
e pela paciência com o “sapo de fora”;
A minha orientadora, Yvone, pela confiança;
À família e aos amigos, pelo apoio;
Ao Senac SP – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial de São
Paulo e às suas fantásticas pessoas, que nos últimos doze anos me
proporcionaram conhecimento e diploma, trabalho e realização, amizade e
desafios, boas risadas e algumas lágrimas e, last but not least, uma bolsa sem a
qual este não seria possível.
“A questão gastronômica é uma questão estética e filosófica: a cozinha
relaciona-se com as belas-artes e com as práticas culturais das civilizações de
todas as épocas. As cozinhas dos diversos períodos históricos representam-nos,
tanto quanto as pinturas, as sonatas, as esculturas, as peças de teatro ou de
arquitetura.”
Michel Onfray
RESUMO
A conceituação do restaurante, do que o caracteriza como um tipo de
empreendimento de alimentação diferenciado de tabernas, inns, traiteurs, casas
de pasto etc., os fatores implicados em seu surgimento na cidade de Paris no
final do culo XVIII e aqueles que envolveram o mesmo processo na cidade de
São Paulo no final do século XIX foram os temas centrais desta dissertação. A
partir de literatura especializada, foi feito um breve relato sobre os tipos de
estabelecimentos de alimentação anteriores ao restaurante, as circunstâncias de
seu surgimento em Paris e realizada uma investigação bibliográfica sobre a
influência dos conceitos de civilidade, espaço público e gosto neste fenômeno.
Esta fundamentação teórica permitiu a identificação de possibilidades de verificar
a repetição do fenômeno na cidade de São Paulo, através de registros
bibliográficos de memorialistas e viajantes, mas, sobretudo através do jornal
dirigido às elites da época, em seus anúncios. Os resultados obtidos dessas
fontes demonstram que pelo menos as duas características principais do
restaurante, ou seja, a possibilidade de ser servido em uma mesa à parte,
sozinho ou com os acompanhantes escolhidos e a de escolher antecipadamente
o que comer em uma carte (cardápio), pagando apenas pelo prato consumido,
estavam presentes nos estabelecimentos pioneiros das duas cidades e períodos,
bem como eram coincidentes suas clientelas no princípio, formadas pelas elites
daquelas cidades.
Palavras-chave: História Social; Brasil Império; origem do restaurante; São Paulo;
Paris.
ABSTRACT
The conceptualization of the restaurant, that which characterizes it as a type of
food service differentiated from taverns, inns, traiteurs, diners etc., the factors
implicated in its appearance in the city of Paris at the end of the 18th century and
those involved in the same process in the city of São Paulo at the end of the 19th
century were the central subjects of this dissertation. From specialized literature, a
brief report was done on the types of establishments of food service prior to the
restaurant, the circumstances of its appearance in Paris and a bibliographical
investigation was carried out on the influence of the concepts of civility, public
space and taste in this phenomenon. These theoretical fundaments allowed the
identification of the possibility of verifying the repetition of the phenomenon in the
city of Sao Paulo, through bibliographical research of memorialists and travelers,
but especially through the newspaper directed to the elites of the time, in its
announcements. The results obtained from these sources demonstrate that at
least the two main characteristics of the restaurant, i.e., the possibility of being
served on a separate table, alone or with chosen companions and of choosing in
advance what to eat in a carte (menu), paying only for the consumed dish, was
present in the pioneer establishments of the two cities and periods, as well as in
their beginning their clienteles were coincident, formed from the elites of those
cities.
Key-words: Social History; Imperial Brazil; restaurant’s origin; São Paulo; Paris.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Taberna da cidade de Pompéia.............................................................21
Figura 2: Le Restaurant Justa, de 1815................................................................32
Figura 3: O “Triângulo”. ........................................................................................48
Figura 4: Sobrado do século XIX, da Rua XV de Novembro ................................54
Figura 5 – Primeiro número do Correio Paulistano, de 26 de junho de 1854.......57
Figura 6 – Anúncio - 10 de julho de 1855- Cantos da Solidão.............................59
Figura 7 – Anúncio - 31 de janeiro de 1855 - Teatro de São Paulo......................60
Figura 8 – Comunicado - 10 de janeiro de 1855 - Contra a prática do Entrudo...62
Figura 9 – Anúncio - 17 de março de 1855 - fornecedor de carnes.....................63
Figura 10 – Anúncio - 27 de junho de 1855 - entretenimento na cidade. .............65
Figura 11 – Anúncio - 21 de agosto de 1855 - entretenimento na cidade. ...........66
Figura 12 – Anúncio - 28 de agosto de 1855 - serviços para o entretenimento....66
Figura 13 - Rua São Bento, esquina com Rua do Ouvidor, 1862.........................71
Figura 14 - Rua da Imperatriz, atual Rua 15 de Novembro, 1862. .......................71
Figura 15 – Anúncio - 01 de janeiro de 1865........................................................73
Figura 16 – Anúncio - 05 de fevereiro de 1867.....................................................74
Figura 17 – Anúncios - 01 de janeiro e 12 de março de 1862 - Casa Garraux....77
Figura 18 – Anúncio - 08 de fevereiro de 1867 - Casa Garraux. ..........................78
Figura 19 – Anúncio - 01 de dezembro de 1870 – Casa Garraux.........................79
Figura 20 Anúncios - 24 de abril de 1862 e 15 de março de 1865 - sofisticação
da oferta de mercadorias pelos comerciantes da cidade de São Paulo...............80
Figura 21 – Anúncio - 25 de setembro de 1862....................................................81
Figura 22 – Anúncios - 06 de junho de 1862 e 28 de dezembro de 1862. ...........81
Figura 23 – Anúncio - 06 de junho de 1862..........................................................82
Figura 24 – Anúncio - 15 de fevereiro de 1865.....................................................83
Figura 25 – Anúncio - 25 de novembro de 1865...................................................84
Figura 26 – Anúncio - 24 de abril de 1862 – Microscópio Solar............................86
Figura 27 – Anúncios - 28 de fevereiro de 1862 e 06 de janeiro de 1865. ...........87
Figura 28 – Anúncio - 04 de fevereiro de 1870 - Entrudo.....................................87
Figura 29 – O Teatro de São José, Largo de São Gonçalo, 1862........................88
Figura 30 – Anúncio - 26 de dezembro de 1855 - Aluguel de carros....................93
Figura 31 – Anúncio - 22 de maio de 1855 - Encomenda.....................................94
Figura 32 – Anúncios - 17 de fevereiro (Hotel Paulistano) e 30 de outubro de 1855
(Hotel do Universo e “Cornélio”)............................................................................95
Figura 33 Anúncios - 16 de abril e 09 de maio de 1856 - encomenda e mesa
redonda.................................................................................................................97
Figura 34 – Anúncios - 11 de setembro de 1858 - serviço de encomenda, no Hotel
des Voyageurs; e mesa redonda, no Hotel de Commerce. ..................................98
Figura 35 – Anúncio - 26 de março de 1859 - mesa redonda e encomenda........98
Figura 36 – Anúncio - 20 de fevereiro de 1862 - Café e refrescos.. ...................100
Figura 37 Anúncio - 29 de novembro de 1862 - Freqüência de famílias a um
estabelecimento de alimentação. .......................................................................101
Figura 38 Anúncios - 16 de março e 28 de dezembro de 1862- doces e
refrescos .............................................................................................................102
Figura 39 – Anúncio - 02 de abril e em 24 de dezembro de 1865......................102
Figura 40 - Rua do Comércio, esquina com a Rua da Quitanda, 1862. .............103
Figura 41 – Anúncios - 29 de setembro de 1865 e em 03 de janeiro de 1867. ..104
Figura 42 – Anúncio - 23 de março de 1870.......................................................104
Figura 43 – Hotel Palm, Largo do Ouvidor, 1862................................................106
Figura 44 – Anúncio - 03 de agosto de 1862......................................................106
Figura 45 Anúncios publicados - 01 de janeiro, 12 de abril e 05 de setembro de
1862 - A tradicional mesa redonda começa a apresentar variações..................107
Figura 46 Anúncios - 27 de novembro e 20 de dezembro de 1862 - Restaurant
de Pariz...............................................................................................................108
Figura 47 – Anúncio - 07 de abril de 1864 – Hotel de Quatro Nações................109
Figura 48 – Anúncio - 02 de dezembro de 1865................................................111
Figura 49 – Anúncios - 10 de maio e em 03 de setembro de 1865....................111
Figura 50 – Anúncio - 12 de março de 1865......................................................112
Figura 51 – Anúncios - 03 de janeiro e em 06 de fevereiro de 1867 ..................113
Figura 52 – Anúncio - 02 de setembro de 1869..................................................113
Figura 53 – Anúncios - em 27 de fevereiro e em 01 de julho de 1870..................114
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Anunciantes estrangeiros de serviços no jornal Correio Paulistano, no
ano de 1857......................................................................................................... 67
Tabela 2 - Gêneros alimentícios anunciados nas páginas 3 e 4 do jornal Correio
Paulistano, nos anos de 1857, 1859, 1867 e....................................................... 77
Tabela 3 - Anunciantes estrangeiros de serviços no jornal Correio Paulistano, no
ano de 1867......................................................................................................... 84
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................12
1. PARIS E A ORIGEM DO RESTAURANTE NO OCIDENTE......................20
1.1 Table d’hôte: a fórmula antiga.............................................................22
1.2 Os cafés.................................................................................................24
1.3 Os restaurantes em Paris ....................................................................27
1.3.1 Le restaurant qu’es- ce que c’est? ...................................................27
1.3.2 O espaço público urbano ....................................................................32
1.3.3 A questão do gosto .............................................................................36
1.3.4 O papel dos chefs ...............................................................................41
2. A CIDADE DE SÂO PAULO ATÉ 1870.....................................................46
2.1 Arraial de sertanistas – até 1828.........................................................46
2.2 Burgo de estudantes – 1828 até 1859.................................................52
2.3 A chegada da “Inglesa” – 1860 a 1870................................................68
3. RESTAURANT À MODA DE PARIS”......................................................90
3.1 “Mesa redonda”....................................................................................90
3.2 Cafés, confeitarias e sorveterias paulistanos....................................99
3.3 “Grande Restaurant de Pariz”...........................................................105
CONCLUSÃO.....................................................................................................116
FONTES E BIBLIOGRAFIA................................................................................121
APÊNDICE A – RESUMO DOS ANÚNCIOS –
1855/1857/1859/1862/1865/1867/1869/1870.....................................................126
12
INTRODUÇÃO
A simples observação, nas ruas e na vida diária da cidade de São Paulo,
indica a grande importância atual da gastronomia e, em particular, dos
restaurantes, tanto para a população residente como para visitantes da cidade,
registrada não apenas pelo grande número e variedade de empresas que se
dedicam à atividade, com todos os níveis possíveis de sofisticação de cardápio e
serviço, mas também pelos eventos e feiras da área que aqui acontecem, dos
artigos de jornais, reportagens televisivas, revistas especializadas, livros etc.
São Paulo hoje é a maior cidade do país, com pouco mais de 11 milhões
de habitantes e amplamente reconhecida como o maior mercado de gastronomia
do Brasil: são cerca de 12.500 restaurantes, além de cerca de 15.000 bares,
segundo dados da Prefeitura da Cidade de São Paulo. Em outro registro
numérico, pode-se observar que a cidade do Rio de Janeiro, por exemplo,
segundo dados do IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, apesar
de sua estabelecida tradição turística e de contar com 6.136.000 habitantes, 56%
da população da capital paulista, apresenta um total de 11.969 empresas de
alojamento e alimentação, ou cerca de apenas 35% das 33.618 empresas destes
setores localizadas na cidade de o Paulo. Aparentemente, o é sem motivos
que existe a famosa brincadeira carioca sobre os restaurantes e bares serem a
“praia” dos paulistanos.
Visando ainda reforçar e incentivar esta característica existem, entre
outras, iniciativas como o programa “São Paulo - Capital Mundial da
Gastronomia”
1
, por exemplo: uma iniciativa conjunta do SINHORES - Sindicato
de Hotéis, Restaurantes, bares e Similares de o Paulo, ABRESI Associação
Brasileira de Gastronomia, Hospedagem e Turismo e COMTUR - Conselho
Municipal de Turismo de São Paulo, lançado em 1988 e retomado em 1997,
quando se tornou anual, que busca identificar a cidade como um pólo turístico
através da divulgação da variedade e qualidade de seus restaurantes.
1
Criado em 1997. Disponível em http://www.abresi.com.br/htmls/abresi/acoes_programas.htm,
acessado em 18/09/2005, 17h23.
13
Para atender com mão-de-obra e informação toda esta vibrante área de
atividade, os cursos livres ou formais, inclusive de nível superior, surgiram em
grande número na última cada e continuam a firmar-se como área cada vez
mais reconhecida do conhecimento e de escolha profissional dos jovens.
Levando-se em conta somente o nível de graduação, por exemplo, partindo de
apenas três cursos em funcionamento no Brasil no período de 2000/2001, serão
cinqüenta e um autorizados a funcionar em 2008, sendo vinte e cinco deles
apenas na Região Sudeste (dos quais dezenove foram criados a partir de 2004),
segundo dados do cadastro do Ministério da Educação e Cultura
2
.
Entretanto, o ensino e pesquisa de Alimentos e Bebidas
3
e de
Gastronomia sofrem com um paradoxo: naquele que é talvez o seu momento de
maior popularidade e expansão, continua marcante a falta de textos mais
aprofundados que auxiliem um melhor entendimento da sua formação histórica
em nosso país, sobretudo aqueles tragam à discussão aspectos como
favorecimento e exclusão de classes sociais, gênero ou conseqüências de
atividades econômicas. A produção da academia brasileira em geral (e a
historiográfica em particular) sobre a alimentação e gastronomia vem se
limitando, por muito tempo, aos aspectos da produção e consumo dos alimentos
como movimento econômico e dentro do espaço privado, como pode ser visto,
por exemplo, em Cascudo (1983) e Carneiro (2003).
2
Disponível em http://portal.mec.gov.br/sesu/, acessado em 15/07/2007, 10h57.
3
A área de Alimentos e Bebidas se diferencia da Gastronomia por tratar especificamente de
técnicas administrativas e operacionais para empresas de alimentação, enquanto aquela trata mais
especificamente das técnicas de preparo dos alimentos. Pode-se atualmente encontrar um vasto
vocabulário de termos próprios comuns às duas, que podem surgir na reflexão proposta a seguir.
Assim, brigada é a denominação dada às equipes de trabalho dentro de restaurante. Mais
especificamente, são conhecidas como brigadas de cozinha (chef, cozinheiros, ajudantes, etc.) e
de sala (maîtres, garçons). Ambas guardam posições altamente hierarquizadas e com relações
bastante definidas entre elas. Uma das principais dificuldades em administrar um restaurante é
conseguir harmonizar estas brigadas, que tendem a ter relações tensas. Cada cliente atendido
pode receber a denominação de couvert, sendo que couvert médio é o índice obtido pela divisão
da receita de um determinado período pela quantidade de clientes servidos no mesmo período, ou
seja, o gasto médio dos clientes do estabelecimento. Número médio de couverts é o índice
referente ao número médio de clientes atendidos por dia ou por turno (almoço/jantar) em um
restaurante, obtido dividindo-se o total de clientes atendidos pelo número de dias ou turnos. O
conjunto de tarefas executadas antes do início do expediente em um restaurante, objetivando-se a
agilidade e organização no serviço ao cliente, é geralmente chamado mise-en-place. Na cozinha,
no salão e no bar, a mise-en-place compreende a higiene do ambiente, montagem das mesas, o
pré-preparo de alguns alimentos e a organização de temperos, utensílios, etc. Confira Davies
(1999), Maricato (1997) e Fonseca (2000).
14
Outros trabalhos nas áreas de restaurantes e hotelaria, como os
publicados pela Horwath Consulting/Soteconti Auditores (2000) e pela ABRESI
(1996), apresentam um caráter quantitativo, de coletâneas de dados para
formação de perfis estatísticos.
Mesmo na esfera internacional, com notável ênfase da França (por se
tratar da pátria gastronômica par excellence), existe um semivácuo sobre a
história dos restaurantes, em especial nos períodos iniciais.
Nas páginas que se seguem, buscou-se, portanto, suprir uma pequena
parte desta necessidade, ao observar e analisar o surgimento dos primeiros
restaurantes da cidade de São Paulo e seu desenvolvimento principalmente entre
1855 e 1870, como um fenômeno integrado em uma das fases mais ativas de
transformações em São Paulo no século XIX. Englobando a fase inicial da
economia do café no Estado e o aparecimento de seus “barões”, além da ligação
da cidade ao interior e ao porto de Santos pela ferrovia São Paulo Railways, esta
foi uma fase marcante pelas profundas alterações econômicas, políticas e
culturais dela decorrentes.
Sendo bastante extenso para propiciar a formação de um painel complexo
e acompanhar as transformações, ao mesmo tempo este recorte temporal é curto
o suficiente para permitir que se mantenha o foco no maior interesse do trabalho,
ou seja, a mudança cultural da qual faz parte o aparecimento dos restaurantes e
sua ligação com os movimentos sociais percebidos na cidade. Porém, são
levantados brevemente alguns períodos antecedentes importantes como, por
exemplo, a fase de instalação da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e
a conseqüente fase de “burgo de estudantes” proposta por Bruno (1991), pela
qual passou a Capital paulista, permitindo um melhor entendimento daquela
mudança.
Com a análise dos fatores e processos que condicionaram o surgimento
dos restaurantes na cidade de São Paulo, pretende-se contribuir assim para um
maior entendimento da formação da sociedade paulistana e de sua cena
gastronômica. Além disso, pode-se oferecer algum novo ângulo na compreensão
do papel da cidade dentro da história do turismo e da hospitalidade no Brasil, do
restaurante como local de socialização e lazer e, conseqüentemente, aumentar o
15
entendimento de alguns aspectos da cultura local. O tema é de interesse,
portanto, não apenas para os historiadores, mas também e, talvez,
principalmente para estudantes e docentes de cursos de graduação e pós-
graduação de Hotelaria, Gastronomia e Turismo e para o público em geral.
Numa nota mais pessoal, parte do interesse pelo tema surgiu quando a
autora era estudante de Tecnologia em Hotelaria na Faculdade SENAC de Águas
de o Pedro. O município de Águas de São Pedro (SP) é o menor do Brasil,
com pouco mais de 2.000 habitantes. A Faculdade SENAC começou a funcionar
em 1995 e em pouco tempo havia cerca de 200 jovens (quase 10% da
população!), a grande maioria entre 18 e 20 anos, necessitando com urgência de
locais para morar, comer, divertir-se etc. Essa súbita “invasão” provocou as mais
diversas reações da população local, algumas bastante negativas (embora
engraçadas, em retrospecto). Nas leituras durante o curso, despertou o interesse
da pesquisadora uma obra na qual em determinada altura são descritas por
Podanovski (1988) algumas reações iniciais da São Paulo do início do século XIX
aos recém-chegados estudantes do Largo São Francisco e alguns dos problemas
enfrentados pelos mesmos para se alojarem e se alimentarem numa cidade
então pequena e acanhada. Achando muito interessantes os paralelos entre os
estudantes das duas épocas e cidades, iniciou-se assim uma série de pesquisas
que, alguns anos depois, resultaram em um texto publicado em conjunto com
Fonseca (2000), e que se pretende, em alguns aspectos, aprofundar com o atual
trabalho.
Da literatura então consultada, sobretudo memorialistas da cidade de São
Paulo e autores técnicos de Alimentos e Bebidas, surgiram algumas constatações
e dúvidas que determinaram a temática do presente trabalho. Constatou-se,
primeiramente, que havia fortes indícios de que existia na cidade de São Paulo,
até meados do século XIX, uma franca hostilidade a empresas de hospedagem e
alimentação. Também foi notado que não havia uma definição específica do que
caracteriza efetivamente uma empresa de alimentação como sendo um
restaurante, diferenciando-a dos demais tipos de estabelecimentos de
alimentação. Assim, a pesquisa passou também, como ponto de partida, a visar à
definição deste conceito: o que é um restaurante?
16
Levantou-se então a questão central, voltada ao quadro local da cidade de
São Paulo: por quê, partindo daquele quadro hostil em princípios do século XIX e
para atingir a pujança hoje demonstrada em seus números e qualidade, os
paulistanos começaram a considerar aceitável a freqüência aos estabelecimentos
de hospitalidade em geral, e aos restaurantes em particular?
Desejava-se também verificar quando surgiram ali os verdadeiros
restaurantes, com as características os definem? A partir destes problemas,
algumas outras perguntas se levantaram, sobre o tipo de cozinha e serviços
oferecidos e quem seriam seus proprietários.
Para tentar esclarecer estes problemas, buscou-se inicialmente a ajuda de
autores da área e Alimentos e Bebidas, onde são enfocados, sobretudo, os
aspectos cnicos e administrativos, como nas propostas de Davies (2000),
Fonseca (2000) e Pacheco (2005), a fim de obter subsídios para a definição de
restaurante.
Em relação às origens históricas, foram recebidas contribuições dos
trabalhos desenvolvidos por Cascudo (1983), Flandrin e Montanari (1998),
Barreto (2000), Bolaffi (2000), Franco (2000) e Carneiro (2003), que ajudaram a
criar um suporte básico: porém, revelou-se inestimável e fundamental a discussão
levantada por Rebecca L. Spang (2003), que procurou entender o surgimento e o
desenvolvimento do restaurante na Paris do século XVIII e suas principais
características, sendo um de seus focos as transformações na “esfera pública da
burguesia” propostas pelo filósofo Jürgen Habermas (1984), a cujo corpo teórico
também se recorreu.
Também importante para o desenvolvimento do tema foi o trabalho de
Norbert Elias (1994), em sua discussão do “processo civilizador”, sobretudo em
sua análise da evolução das maneiras à mesa e das formas de convívio, bem
como a lógica apresentada quanto à evolução dos sentimentos e das práticas de
convivência na sociedade ocidental a partir de fins da Idade Média.
Para dar mais corpo a este sentido do surgimento dos restaurantes e como
um dos focos para traçar seu desenvolvimento, em locais tão distintos quanto a
Paris do século XVIII e a São Paulo do século XIX, procurou-se trazer à reflexão
17
o trabalho de Bourdieu (2002) sobre o sentido do gosto estético, principalmente
no que se refere ao seu papel no “senso de distinção” entre as classes sociais.
O entendimento do processo de urbanização da cidade de São Paulo,
discutido por Porto (1992), é também importante para esse estudo, bem como a
contribuição de diversos autores importantes da sua historiografia e da do Brasil,
como Holanda (1995), Dias (1995), Toledo (2003), Moura (1998), Cruz (2000),
entre outros.
A pretensão desta reflexão é, portanto, antes traçar um panorama amplo e
propor algumas conexões e paralelos que esgotar completamente um ponto
específico, numa tentativa de lançar luzes e estimular futuros aprofundamentos
sobre o desenvolvimento histórico dos estabelecimentos de alimentação e seus
papéis na trama social, no qual atualmente se sentem tantas lacunas.
Tem-se aqui como hipótese de trabalho que, em São Paulo como em
Paris, o surgimento dos restaurantes acompanhou mudanças culturais profundas
e que os mesmos surgiram, inicialmente, como resposta a necessidades estéticas
e sociais das elites, só mais tarde se popularizando.
A pesquisa se desenvolveu principalmente por pesquisa qualitativa, e
busca, conforme Dencker e Da Viá (2000, p.25) “entender o quadro referencial
dentro do qual os indivíduos interpretam seus pensamentos, sentimentos e
ações”. Utilizaram-se também métodos quantitativos básicos, para tabular a
freqüência do aparecimento dos anúncios.
Pelas características definidas da pesquisa, sentiu-se a necessidade da
utilização de uma boa variedade de fontes. Primeiramente, foi feito amplo uso do
trabalho de memorialistas e viajantes, uma vez que foi constatado que estes
geralmente registram dados do cotidiano, como os locais para hospedagem e
alimentação, usualmente esquecidos nas fontes historiográficas mais formais.
Houve ainda, inspirada pelo brilhante trabalho de Gilberto Freyre na
reconstituição da presença de trabalhadores e negociantes ingleses no
Nordeste
4
, a opção de um grande uso de anúncios publicados no jornal Correio
Paulistano, escolhido por ser, entre os periódicos da cidade, aquele que abrange
18
todo o recorte temporal, pois foi editado de 1854 a 1963. Nas páginas de
anúncios deste periódico foram observados, além da freqüência e conteúdo dos
anúncios de estabelecimentos da área de alimentação, o aparecimento de
gêneros alimentícios que eram sua matéria prima e a possibilidade de que os
locais de alimentação sejam citados em crônicas, reportagens etc. Dada a
vastidão do material disponível no Arquivo do Estado de São Paulo, optou-se por
trabalhar a tabulação detalhada do aparecimento dos estabelecimentos por uma
amostragem de metade dos dezesseis anos do recorte temporal, com intervalos
de dois a três anos, iniciando-se em 1855 e finalizando em 1870, embora
exemplos isolados tenham sido recolhidos de quase todos os anos. Assim, a
tabela final de sumarização do aparecimento dos restaurantes, no Apêndice A,
refere-se apenas aos anos de 1855, 1857, 1859, 1862, 1865, 1867, 1869, 1870,
embora no corpo do texto encontrem-se figuras e exemplos de 1856, 1858 ou
1864.
Outra fonte de informações foi o trabalho literário, na forma de trechos de
poemas ou peças teatrais, de autores que, de alguma forma, estivesse ligados ao
desenvolvimento da cidade nestes períodos.
Além disso, realizou-se levantamento de possíveis fontes primárias
corroborativas, junto ao Arquivo Histórico municipal, que se materializaram nos
livros de registros das Avenças da Câmara Municipal, taxas recolhidas
anualmente para a permissão do exercício de comércio. Destes documentos,
referentes ao período de 1808 a 1843, obteve-se evidências qualitativas,
principalmente da substituição de nomenclatura: os registros das “vendas”,
“botiquins” são eventualmente substituídos por “tabernas”, indicando a
probabilidade de uma maior sofisticação dos serviços
Também foram utilizadas fotografias e ilustrações da época, na busca de
evidências que contribuem para a formação de um quadro referencial mais
completo do período.
Na apresentação desta reflexão, a discussão inicial, no capítulo um, gira
em torno do aparecimento do modelo ocidental de restaurante (cuja conceituação
4
FREYRE, Gilberto. Ingleses no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000.
19
também é um de seus objetos), na Paris do final do século XVIII, alguns de seus
antecedentes, implicações cio-econômicas e culturais e alguns de seus
personagens, procurando demonstrar, além disso, o papel decisivo exercido
pelas necessidades das elites parisienses no seu surgimento.
Nos dois capítulos seguintes, passa-se à discussão das evidências deste
mesmo desenvolvimento na cidade de São Paulo. No capítulo dois, são
abordados o processo de formação e a urbanização da cidade: brevemente se
discute o período anterior a 1855, buscando esclarecer algumas de suas
peculiaridades econômicas e culturais, formas de convívio etc., e, mais
detalhadamente, as mudanças importantes na configuração urbana, social e
econômica de São Paulo já dentro do recorte temporal.
no capítulo três são mapeados os tipos de serviços de alimentação
disponíveis aos seus habitantes e visitantes. e oferecidas as evidências
recolhidas sobre o aparecimento de locais de alimentação dentro do modelo de
restaurante. Busca-se contextualizá-las demonstrando, ainda, um paralelo com o
fenômeno francês, ou seja, que o desenvolvimento inicial dos restaurantes
paulistanos, como os parisienses, atenderam a uma necessidade de “distinção”
para as elites.
20
1. PARIS E A ORIGEM DO RESTAURANTE NO OCIDENTE
Desde a Antiguidade até o quarto final do século XVIII, os viajantes
ocidentais que não tinham família ou conhecidos em seus locais de destino e
outras pessoas que estavam, por alguma circunstância, dépourvus de cuisine”,
como encontrado em Dumez (2003, p.23), tinham que recorrer, conforme sua
localização, às tabernas, inns, traiteurs, osterias e casas de pasto. Estes eram os
estabelecimentos que no Velho Mundo e, posteriormente, nas colônias mais fiéis
à cultura colonizadora, ofereciam o serviço de alimentação (junto com bebidas
alcoólicas e/ou alojamento) antes da aparição dos restaurantes modernos, cujas
características e diferenciais específicos são discutidos adiante.
As mais antigas e representativas destes estabelecimentos, as tabernas,
de acordo com Smith, Wayte e Marindin (1901, p.1091), eram originalmente
pequenas lojas ou oficinas destinadas ao trabalho manual formadas por um
cômodo e feitas de tábuas (traberna, em latim). Utilizadas pelos romanos, elas
originalmente ficavam apenas à volta dos mercados centrais das cidades
romanas. Mais tarde, elas se estabeleceram permanentemente como lojas que
faziam parte de prédios maiores, normalmente onde viviam seus proprietários
com as famílias e passaram a ter também cômodos de aluguel.
Com o passar dos anos, o termo passou a designar mais especificamente
os estabelecimentos que forneciam bebidas alcoólicas e comida preparada, como
pode ser visto na Figura 1. Com a expansão do Império Romano, este tipo de loja
espalhou-se por todas as regiões conquistadas, tornando-se aos poucos parte
das culturas locais e adaptando-se aos modos de vidas dos diversos povos.
Entretanto, sua origem latina continuou a ser detectada na linguagem, pois
a denominação passou a fazer parte, com pouca alteração, do dia-a-dia de
diversas línguas: taberna ou taverna em português, taberna em espanhol, tavern
em inglês, taverne em francês, taverna em italiano, sempre designando um
estabelecimento onde se consomem, principalmente, bebidas alcoólicas; às
vezes, pratos mais simples. Os outros tipos de serviços de hospitalidade e
alimentação também existentes, como inns, osterias etc., privilegiavam o aluguel
de quartos e estrebarias e a venda de refeições mais completas.
21
Figura 1: Nesta gravura, feita a partir de um afresco do século I encontrado em uma taberna da cidade de
Pompéia, sepultada pela erupção do Vesúvio de 79, no sul da Itália, representa-se um grupo de
freqüentadores sentados à mesa comendo e bebendo em copos de chifre, sendo servidos por uma criança.
Na parte superior, aparecem pendurados o que os autores interpretam como alimentos, queijos e embutidos.
A cena, embora com condições bastante primitivas, apresenta o que seria o espaço de convivência e o
serviço encontrado nas tabernas e outros locais de alimentaçãoblica no Ocidente até pelo menos final do
século XVIII.
Fonte: SMITH, W., WAYTE, W., MARINDIN, G.E. A dictionary of Greek and Roman antiquities. Londres:
J. Murray, 1901, p.388.
Estes eram os tipos de estabelecimentos, portanto, que existiam um
longo tempo em todas as cidades com um mínimo de atividade comercial da
Europa (e em outras partes do mundo), onde quer que houvesse suficiente
movimentação econômica para gerar visitantes de outras localidades ou pessoas
da própria cidade e redondezas com necessidade de alimentar-se fora de casa.
A França no quarto final do século XVIII era o maior e mais populoso país
da Europa ocidental, com governo central e principais fronteiras estabelecidos
séculos. A agricultura era ainda a força econômica dominante, e a França
contava com solo fértil e recursos naturais abundantes. Embora o governo de
22
Luís XVI fosse considerado fraco e ineficaz e o mercantilismo e as novas colônias
ultramar tivessem elevado outros países a posições importantes na economia
mundial, o país continuava a ser o poder dominante cultural, intelectual e
militarmente na Europa.
Paris, portanto, era por muitos aspectos o centro comercial e cultural mais
importante desta época e é citada freqüentemente em textos históricos e
sociológicos como o local de emergência do modelo de restaurante na Europa,
embora recentemente o minucioso trabalho de Rebecca Spang (2003) tenha
identificado mais apropriadamente as raízes desta origem.
Não se pode deixar de lembrar aqui, entretanto, que em outras regiões do
mundo esse desenvolvimento se deu de forma diferenciada. Kiefer (2002, p.63)
discute, por exemplo, o caso da China, onde um processo similar foi bem
anterior, datando pelo menos da dinastia Sung (1127-1279), antes da conquista
pelos mongóis. Sua luxuriante capital, Hangchow, então apresentava, segundo
relatos de viajantes ocidentais, estabelecimentos com cardápios e serviços
bastante próximos do modelo de restaurante, com uma grande variedade de
cozinhas de diversas partes do país e uma extensa rede de fornecedores de
carnes, legumes, especiarias e frutas para atendê-los.
1.1
Table d’hôte
: a fórmula antiga
Os tipos de estabelecimentos existentes no Ocidente até o aparecimento
dos restaurantes normalmente serviam em table d'hôte (literalmente, mesa do
anfitrião), ou seja, refeições completas pré-determinadas pelo hospedeiro, em
horas e com preços fixos. Os clientes na maioria das vezes eram freqüentadores
regulares e o serviço era sempre "familiar", sendo os pratos deixados sobre a
mesa para que cada um se servisse, resultando, na maioria das vezes, em um
porcionamento bastante irregular (ou seja, os mais rápidos e menos inibidos
comiam melhor). o havia nenhuma possibilidade de escolha, sendo servido o
mesmo para todos e o pagamento era por um lugar à mesa mais que pela
quantidade ou qualidade do que era consumido.
Segundo Kiefer (2002, p.60), muitas vezes aos clientes mais assíduos era
permitido manter uma conta e pagá-la periodicamente, tornando-os pensionistas
23
regulares. Os desconhecidos, porém, ainda de acordo com Kiefer, tinham os
preços fixados na hora e muitos se queixavam de serem explorados, além de
relatarem uma qualidade quase que uniformemente baixa das refeições.
Uma queixa também comum no século XVIII, como a do estudioso alemão
Joachim Nemeitz, conforme Spang (2003, p.18) era quanto à qualidade da
comida. Embora afirmando que as pessoas abastadas comiam muito bem em
Paris, porque “todos tinham seus próprios cozinheiros”, finalizava com uma
opinião nada lisonjeira para os estalajadeiros e traiteurs:
“(...) todos crêem que se come bem na França, mas estão enganados. (...) Em
nome dos turistas, essa é a única coisa que desejo ver mudada. Paga-se com satisfação
um pouco mais para comer algo bom e ocasionalmente variado.
Outro problema eram os horários, que eram fixos (ou seja, era servido
quem chegasse exatamente na hora marcada) e variavam de estabelecimento
para estabelecimento, fazendo com que às vezes os clientes famintos tivessem o
incômodo de tentar diversos lugares antes de encontrar uma refeição sendo
servida quando precisavam dela, de acordo com Spang (2003, p.7).
Os relatos dos viajantes demonstram ainda, freqüentemente, um forte
desconforto causado pela imprevisível companhia à mesa. Spang (2003, p.19)
transcreve descrições de viajantes que freqüentaram alguns destes
estabelecimentos e se sentiram incomodados pela vulgaridade dos outros
comensais: mesmo viajantes de bom poder aquisitivo, como o agrônomo inglês
Arthur Young, que visitava a França da cada de 1780, ainda tinham de
freqüentar as tables d’hôte e “lamentar a rudeza dos companheiros de mesa
glutões”, que se atiravam sobre a comida e engoliam ruidosamente grandes
porções. Isto mesmo em uma sociedade em que se multiplicavam os guias de
boas maneiras, conforme nos lembra Elias (1994, p.107), citando as regras
descritas na obra Les règles de la bienséance et de la civilité chretienne
, de La
Salle, editada em 1774, o qual exorta, por exemplo, que “nada é mais
impróprio do que lamber os dedos, tocar na carne (...) mexer o molho com os
dedos”.
Pode-se aqui distinguir em ação o
que Hoggart (1973, v.1, p.28)
24
descreve, ao falar da cultura e de sua evolução: “A nítida distinção entre atitudes
‘antigas’ e ‘novas’ é fruto de uma intenção de clareza, não implicando uma
sucessão cronológica exata.” Desta forma, a existência de novas regras de
etiqueta e novos modelos de servir a alimentação não foi imediatamente
assimilada em todas as instâncias da sociedade, mas antes as formas antigas e
novas passaram por um período de adaptação e convívio, coexistindo e sendo
utilizadas ao mesmo tempo.
Assim, apesar de tudo, os estabelecimentos que serviam no sistema de
table d’hôte
não estavam fadados a simplesmente desaparecer. Como qualquer
outra instituição humana, eles continuaram a se desenvolver mesmo quando o
novo modelo, o dos restaurantes, se iniciava e, muitas vezes, um mesmo local
oferecia os dois, como bem lembra Kiefer (2002, p.59-60), agradando assim a
dois segmentos diferentes de mercado.
No entanto, mesmo as tabernas mais rudes contavam com uma longa
tradição em fornecer bebidas conforme pedidos individuais, um conceito
necessário ao restaurante moderno. era preciso ligar a idéia de pedidos e de
pagamentos individuais ao fornecimento também de alimentos, de acordo com o
prato requisitado. Como estava presente nas tabernas, este tipo de
atendimento migrou a seguir para os cafés, os quais viriam a desempenhar
importante papel na transição para o novo modelo de servir alimentos.
1.2 Os cafés
Os cafés, talvez os estabelecimentos da área de alimentos e bebidas mais
discutidos nas ciências sociais, surgiram depois das tabernas ou inns, mas
seguramente antes dos restaurantes. O café e os cafés já existiam na Arábia e na
Pérsia no século XV, e no império turco desde o século XVI: em Kiefer (2002,
p.60), ficamos sabendo de uma carta de fevereiro de 1615, em que Pietro della
Valle, um viajante italiano a Istambul, escreveu: “Les Turcs ont un breuvage dont
la couleur est noire (…) On l’avale chaud (…) non pas durant le repas, mais après
(…)”
5
5
Os turcos têm uma bebida cuja cor é negra (...) É tomada quente (...) não durante a refeição,
mas depois (...)”
25
Já os primeiros cafés franceses foram abertos em Marselha em 1671, mais
ou menos ao mesmo tempo em que começaram a aparecer em Paris.
Inicialmente, tratava-se de balcões ao ar livre, onde se servia apenas a infusão
recém-chegada à Europa. Aos poucos, os estabelecimentos foram se
sofisticando e serviam chá, chocolate quente e café, e logo também ofereciam
novos produtos, como licores, doces, chocolate, sorvetes.
Assim, os cafés faziam parte da vida em Paris quase 100 anos antes da
Revolução e, em meados do século XVIII, os cafés eram também centros de
atividade social. As discussões literárias e políticas atraíam estudantes,
intelectuais, revolucionários, informantes e agitadores, formando parte das
instituições que serviram de base para que o contato e a discussão entre
“aristocratas humanistas em contato com os intelectuais burgueses” criasse o que
Habermas (1984, p.45) descreve como a “esfera pública burguesa”. Estes
integrantes da vida urbana burguesa encontram “(...) suas instituições nos coffee-
houses, nos salons (...)”, onde:
“(...) logo passam a transformar suas conversações sociais em aberta crítica,
rebentam a ponte existente entre a forma que restava de uma sociedade decadente, a
corte, e a forma primeira de uma nova: a esfera pública burguesa.”
Em Richard Sennet (2002, p.81) também é encontrada uma reflexão sobre
o papel dos cafés no desenvolvimento econômico europeu entre o final do século
XVII e o início do XVIII, ressaltando seu caráter de espaço público aberto ao
convívio das diversas classes sociais e à troca de informações, de que se
aproveitavam os capitalistas e mercadores:
The coffeehouse was a meeting-place common to both London and Paris in the
late 17
th
and the early 18
th
Century (…) the prime information centers at both cities at this
time. (…) As information centers, the coffeehouses naturally were places in which speech
flourished. When a man entered the door, (…) talk was governed by a cardinal rule: in order
26
for information to be as full as possible, distinctions of rank were temporarily suspended;
anyone sitting in the coffeehouse had a right to talk to anyone else (…)”
6
Além de seu importante papel social, esses cafés tinham algumas
características que marcariam o restaurante moderno, tais como pedidos
individuais em mesas separadas, contas e, em alguns casos, listas de produtos e
preços afixados em cartazes nas paredes dos estabelecimentos pelos
proprietários.
Mas acima de tudo, talvez, os cafés exerceram o importante papel de
tornar comum, segura e respeitável, aos olhos da “boa sociedade”, a freqüência a
estabelecimentos blicos de comercialização de alimentos e bebidas. Foi um
dos primeiros passos no sentido de permitir que as classes sociais mais
privilegiadas pudessem freqüentar espaços públicos de hospedagem e
alimentação, tais como os cafés, sem risco de confundir-se com a “ralé”
tradicionalmente ligada às tabernas e cabarés e até mesmo fazendo disso uma
marca de distinção. Em seu início, de acordo com a forma de vida da sociedade
ocidental da época, entretanto, apenas aos homens era permitida esta
freqüência.
O café foi, enfim, um desenvolvimento precedente de extrema importância
no surgimento e na aceitação do restaurante pelo público de elite. A partir das
grandes mudanças econômicas e culturais na sociedade francesa do final do
século XVIII, sobretudo na cidade de Paris, as peças estavam no lugar para a sua
formação.
6
“O café era um local de reuniões comum a Londres e Paris no final do século XVII e início do
século XVIII (…) os principais centros de informação de ambas as cidades naquela época (…)
Como centros de informação, os cafés naturalmente eram locais onde a conversa florescia.
Quando um homem entrava, (…) a conversa era governada por uma regra principal: para que a
informação fosse o mais completa possível, distinções de posição eram suspensas
temporariamente; qualquer um que se sentava em um café tinha o direito de conversar com
qualquer outra pessoa (…)”
27
1.3 Os restaurantes em Paris
1.3.1
Le
restaurant qu’es- ce que c’est?
Como diversas outras nas áreas de Alimentos e Bebidas e Gastronomia,
provavelmente em razão, até, do desenvolvimento muito recente destes campos
de conhecimento dentro de um modelo acadêmico mais formal, a definição
conceitual do que é um restaurante ainda é bastante vaga. Mesmo autores
técnicos, como Fonseca (2004, p.13), fazem uso de definições de dicionário
7
ou,
como Barreto (2000), Maricato (1997), Davies (1999) e Pacheco (2005), discutem
aspectos mais específicos de planejamento de cardápios, serviço e
administração operacional para restaurante sem se ater a uma preocupação
prévia com a conceituação mais minuciosa do que o define e diferencia de outros
tipos de serviço de alimentação.
Numa avaliação macro-econômica brasileira, o IBGE em sua CNAE -
Classificação Nacional de Atividades Econômicas, define a classe “5611-2/01
Restaurantes e Similares”
8
como aquela que compreende “as atividades de
vender e servir comida preparada, com ou sem bebidas alcoólicas, com ou sem
entretenimento, ao público em geral, com serviço completo”, ou seja, serviço
efetuado por atendentes na mesa do cliente. Nota-se aqui que a ênfase vai para
o tipo de atendimento, em detrimento ao tipo de oferta de cardápio.
De qualquer forma, sabe-se que a idéia geral do restaurante, “um
estabelecimento onde alguém pode sentar-se para comer como se fosse em sua
casa, contra pagamento”, conforme proposto por Flandrin e Montanari (1998,
p.767), ou seja, pedindo de acordo com seu gosto e possibilidades de
7
Em Houaiss, Vilar e Franco (2001), restaurante é definido como um substantivo masculino, com
data de entrada aproximada no léxico em 1845, e é, em seu significado mais importante, um
“estabelecimento que se dedica ao negócio de servir refeições; salão ou aposento onde são
servidas refeições”. Informa-se ainda que sua origem é o vocábulo francês restaurant, que a partir
de 1521 tinha o significado de “aquilo que repara as forças, alimento ou remédio fortificante” e a
partir de 1803 entra nos dicionários com o significado de “estabelecimento público para
restabelecer as forças pela alimentação”.
8
Disponível em
http://www.cnae.ibge.gov.br/subclasse.asp?TabelaBusca=CNAE_110@CNAE%201.0&codsubclas
se=5521-2/01&codclasse=55212&codgrupo=552&CodDivisao=55&CodSecao=H, consultado em
29/06/2007.
28
pagamento, é bastante novo, datando do final do século XVIII. Estes novos
empreendimentos se diferenciaram dos antigos serviços de alimentação em table
d’hôte por algumas características marcantes, tal como hoje são majoritariamente
entendidas e passam, aqui, a ser definidas: , primeiramente, um maior cuidado
com a forma de serviço, surgindo a brigada de sala, composta de profissionais
especializados em apresentar e servir alimentos e bebidas ao cliente em sua
mesa; existe ainda uma organização profissional na cozinha, dividindo o serviço
por etapas e empregando também uma brigada. Porém, talvez os pontos mais
importantes e que o tornam único, são que, num restaurante, o cliente tem a
possibilidade de ser servido em uma mesa à parte, sozinho ou apenas com os
acompanhantes escolhidos por ele e pode escolher antecipadamente o que
comer em uma carte (cardápio), fixa ou rotativa, a qual lista pratos e preços, e
então pagar apenas de acordo com aquilo que consumir. Ou seja, torna-se
importante, aceita e incorporada a este tipo de serviço de alimentação uma maior
preocupação com a individualidade do consumidor e em oferecer uma variedade
de produtos que atendam a gostos e bolsos diversos.
Aparentemente, segundo Barreto (2000, p.21), os hoteleiros e traiteurs
parisienses “(...) eram obrigados a afixar na porta dos estabelecimentos uma
listagem com as produções culinárias desde 1549 (...)”, mas a palavra menu
provém da Paris do culo XVIII, quando ainda sobreviviam as guildas de ofícios,
que poderiam ser consideradas como “precursoras” dos atuais sindicatos.
Prossegue o autor:
“(...) nelas estavam agrupados os diversos segmentos e profissionais, havendo os
rôtisseurs, charcutiers, vinaigriers, sauciers, moutardiers, pâtissiers, traiteurs e
restaurateurs, etc. A confraria dos traiteurs, isto é, aquele que “tratava“ com o cliente qual o
tipo de alimentação a ser levada para casa, separou-se da corporação dos tripiers em
1738, tinham por hábito cozinhar tripas, vísceras e miúdos menus morceaux em
grandes caldeirões. As pessoas ao se aproximar pediam então pelos menus morceaux ou
simplesmente menus.“
Mas o menu impresso apareceu por volta de 1770, mais ou menos à
mesma época em que a palavra restaurant começou a ser aplicada aos
estabelecimentos que comercializavam restaurants, caldos restauradores que se
propunham a restaurar as forças de seus consumidores. O menu, segundo
Franco (2001, p.204-205), começou a ser usado no século XVIII para informar
29
quais entradas, prato principal e sobremesas compunham uma refeição completa,
oferecida pelo anfitrião ou pelo chef. Para informar de todas as opções de um
restaurante, entretanto, era e é usada a carte, ementa ou cardápio, que lista
todas as produções daquele estabelecimento.
Antes de continuar a discussão, deve-se aqui tentar esclarecer o mito de
Boulanger, o taberneiro que num dado dia do ano de 1765 teria colocado à sua
porta a primeira placa anunciando restaurants, do qual seu estabelecimento
tomou o nome. Sem origem ainda determinada, esta informação vem sendo
repetida nos últimos duzentos e tantos anos por vários autores, como Franco
(2001, p.196) e Barreto (2000, p.21), sem que, entretanto, houvesse jamais sido
apresentada confirmação documental dos fatos. A compreensiva pesquisa de
Spang (2003, p.20) em fontes originais da época, inclusive dos registros de
negócios e de imóveis da cidade de Paris, entretanto, não conseguiu levantar
evidência irrefutável de que tenha sequer existido um M. Boulanger.
Embora os restaurantes tenham se multiplicado e popularizado em Paris
apenas durante os cinco últimos anos do século XVIII, para Spang (2003, p.14), a
idéia do tipo de estabelecimento, com mesas e pedidos individuais, serviço a
preços listados, existia pelo menos três décadas antes da Revolução. Kiefer
(2002, p.61) concorda que os restaurantes floresceram somente após a
Revolução (mais precisamente após 1794), mas existiam em Paris, com todas
as suas características, inclusive cardápios, bem antes disso.
Spang (2003, p.25) defende a versão de que a idéia foi primeiramente
posta em prática, como empreendimento comercial exclusivo, por um dedicado
seguidor das propostas do Iluminismo, Mathurin Roze de Chantoiseau, filho de
um proprietário de terras que se mudou para Paris no início da década de 1760.
Após uma série de atividades mais ou menos bem sucedidas (inclusive,
pioneiramente, o lançamento de um tipo de livreto de anúncios próximo do que
hoje chamamos classificados) e que tinham em comum um interesse em
revitalizar e criar condições lógicas e racionais para a circulação de mercadorias e
títulos de crédito, beneficiando assim a economia francesa, Roze de Chantoiseau
abriu, em 1766, um estabelecimento inovador que pretendia servir apenas
alimentos que mantivessem ou recuperassem a saúde. Estes eram caldos e
30
cremes muito concentrados, os restaurants, em pequenas taças e chávenas de
porcelana, supostamente indicados à reconstituição das saúdes frágeis dos
nobres e da alta burguesia, pois extraíam das carnes e vegetais todos os
nutrientes e ofereciam esta nutrição sem sobrecarregar o sistema digestivo,
que quase não apresentavam fibras ou gorduras.
Um ponto importante é que estes restaurants eram sempre os mesmos,
seguindo as mesmas receitas e destinados, cada qual, a um diferente tipo de
mal, os quais podiam ser escolhidos (ou recomendados pelo restaurateur) a partir
de uma lista fixa, disponível a qualquer hora. Inicialmente, durante as décadas de
70 e 80 do século XVIII, os salões dos restaurateurs, restauradores (da saúde,
subentendido), vendiam apenas os restaurants propostos por Roze de
Chantoiseau, participando, desta forma, do grande projeto do Iluminismo de
melhorar a vida diária através da aplicação da razão e de bases científicas. A
influência do Iluminismo sobre as elites francesas foi, para Spang (2003, p.30),
uma forte inspiração para seu criador e razão importante para a aceitação e a
popularidade dos restaurantes junto às elites.
Uma mudança significativa que se pode detectar ainda na idéia do
restaurante, além de sua ligação com a saúde e bem-estar, é a aceitação do
mecanismo de comércio de alimentos, por seu criador e por outros
empreendedores que o seguiram, além dos consumidores, como uma possível
forma de benefício e desenvolvimento social. Até então, os que trabalhavam
(bem como, em menor grau, os comerciantes em geral) e freqüentavam estes
estabelecimentos sofriam com um sistematizado preconceito: este é o momento
em que esta posição começa a mudar e passa a haver uma nova aceitação do
espaço e das atividades públicas desempenhadas pelos mesmos.
Estes primeiros estabelecimentos, como o de Roze de Chantoiseau, do
período anterior à Revolução Francesa ainda dominado pelas guildas, podiam
inicialmente vender apenas seus caldos restauradores, embora essa situação não
durasse por muito tempo: por volta de 1773 serviam refeições completas, mas
que ainda enfatizavam a saúde e a higiene e eram bastante caras.
Alguns traiteurs, entretanto, vendo o sucesso de seus concorrentes, logo
combinaram elementos do restaurante a seus negócios, fornecendo a table
31
d'hôte e o serviço do restaurante. Encontramos em Spang (2003, p.85) o exemplo
de M. David, traiteur estabelecido na mesma rua em que foi aberto um restaurant
em março de 1781 e que, em outubro daquele ano, anunciou em seu
estabelecimento a abertura de uma salle du restaurateur, para competir com seu
novo concorrente.
Logo se tornou claro que fornecer o serviço individual (e, alguns casos, em
salas privativas) era mais bem recebido pelas elites e mais lucrativo do que a
table d'hôte, incentivando muitos empresários da área a se tornarem também
restaurateurs. A partir da Revolução, estas mudanças tornaram-se ainda mais
rápidas e no início do século XIX existia um grande número de
estabelecimentos que atendia a um grande blico, composto até por famílias
inteiras.
Ou seja, em um tempo extremamente curto, a idéia de alimentação em
público, em Paris, perdeu de tal modo sua milenar associação negativa, deixando
de lado a sua conexão com as vidas irregulares de bandidos e prostitutas, que
famílias inteiras se sentiam à vontade para freqüentá-los abertamente, levando
inclusive crianças. A associação positiva com saúde e refinamento estético
venceu e tornou-se determinante e o restaurant era, para estas pessoas, um local
completamente diferente das antigas e suspeitas tabernas (Figura 2).
Para desenvolver estes novos produtos, os restaurateurs puderam contar
com a mão-de-obra confiável e especializada dos antigos chefs e demais
empregados da nobreza, que se dedicam a produzir para seus clientes a mesma
qualidade e sofisticação com que atendiam àqueles: naturalmente, os
restaurantes floresceram neste ambiente, transformando-se em seus novos
templos de extravagância, ricamente decorados e com menus gigantescos.
Esta diferenciação de cardápio, ambiente e serviço, acontecendo em um
espaço relativamente curto de tempo, após virtualmente séculos da prática do
table d’te, exige a apreciação do problema por uma série de diferentes ângulos,
começando com uma nova percepção e uso dos espaços públicos.
32
Figura 2: As características principais do restaurante já estão bem definidas nesta tela de Georg Emmanuel
Opitz, Le Restaurant Justa, de 1815, encontrada no Museu Carnavelet, em Paris. Podem-se observar as
mesas separadas, o serviço feito por garçom, o cardápio (carte) sendo consultado, assim como a presença,
ao fundo, de mulheres e, no primeiro plano, de um cão, indicando seu ambiente familiar.
Fonte: http://perso.orange.fr/quelquejeu/Arts%20de%20la%20table/tablemoderne.htm, consultado em
29/06/2005, 17h10.
1.3.2 O espaço público urbano
A postulação principal de Habermas (1984) em sua obra sobre o espaço
público é fundamental, segundo Spang (2003, p.106), para o entendimento do
fenômeno do surgimento dos restaurantes, ou seja, que “(...) o aumento, em
tamanho e importância, de uma burguesia culta e urbana no século XVII (...)” na
Europa Ocidental levou ao desenvolvimento de um tipo diferente de “esfera
pública”, na qual algumas novas formas de convivência social puderam se
compor.
A burguesia, para Habermas, ajudou a fundir as esferas privada e pública
33
da vida, criando a “privacidade orientada ao público” e a “opinião pública” como
uma ferramenta do debate político. Ou seja, no momento em que, deixando de
existir uma justificativa divina “natural” para a divisão do poder e este pode ser
postulado e exercido por pessoas comuns e não apenas pela nobreza, começa a
haver uma ênfase na necessidade de manter uma postura “aberta”, que reflita as
expectativas em relação a seu comportamento, que a opinião do “outro” a
respeito de um cidadão burguês é, para suas possibilidades de avanço social e
lucro, de extrema importância. Essa nova atitude, caracterizada pela possibilidade
do diálogo e discussão supostamente aberta a todos os indivíduos racionais e
que levem às melhores escolhas possíveis pela sociedade, invoca a necessidade
de espaços nos quais essa discussão e convivência possam se desenvolver,
como academias, salões, cafés, etc., conforme citação do autor na gina 24
da
presente reflexão.
Por extensão, se pode considerar que resultou também, durante o
século seguinte, no aparecimento dos restaurantes, como uma continuação do
desenvolvimento destes espaços abertos à interação em público, embora
considerando que esse público o era de maneira alguma composto por
todos os cidadãos, pois o próprio tipo de produto oferecido e os preços
praticados afastavam as classes sociais menos favorecidas.
Entretanto, os restaurantes, por sua característica de espaços públicos
(salões) compostos por uma série de espaços privados (as mesas), não eram
exatamente espaços “privados” nem “públicos” e nem necessariamente se
prestavam ao papel de locais de intercâmbio de idéias e propensos ao
compartilhamento. Ao invés disso, cada cliente podia ser tratado como um rei ou
rainha, mesmo que apenas por uma refeição, e demonstrar seu status e maneiras
impecáveis, oferecendo-se ao julgamento de seus pares, mas a uma distância
segura.
O novo formato do restaurante ofereceu assim ao cliente a possibilidade
de um tipo de convivência em um local público até então inexistente: poderia
comer sozinho ou com os companheiros de mesa de sua escolha, mas na
presença de seus pares sociais, vendo e sendo visto, ressaltando sua posição
social e “gentilidade”, a sua aderência ao modelo correto do comportamento
“civilizado” e urbano cuja evolução aparece tão bem detectada por Elias (1994).
34
Naturalmente, o cliente tinha que estar disposto a pagar a mais por essa
privacidade, conveniência e escolha: a elite local e os viajantes ricos a negócios
eram clientes particularmente atrativos. Assim, esta demanda era a mais forte
onde existissem rendas elevadas e a atividade comercial fosse importante.
Como colocado por Kiefer (2002, p.60):
All in all, the economic forces promoting a shift from table d’hôte operations to
restaurant service are likely to be strongest in large and growing cities, where incomes are
also large and growing. Growth is driven by commerce, and the flow of business travelers
into a commercial city provides a steady demand. At the end of the eighteenth century,
Paris was such a city”.
9
do ponto de vista empresarial, enquanto trabalhavam no formato do
table d'hôte, os empreendedores encontravam alguns clientes dispostos a pagar
mais por comida melhor; porém, a maioria não queria ou não podia gastar além
do usual e assim, ficavam restritos ao mínimo de possibilidades de variar
cardápios e aumentar a qualidade, se queriam obter lucro. Como restaurateurs,
porém, podiam aumentar seus lucros vendendo produtos diferenciados a preços
mais altos, a um blico de maior poder aquisitivo. A criação do restaurante veio
assim a atender necessidades sociais e econômicas não somente daqueles que
precisavam da alimentação, mas também dos que a forneciam.
Naquele período, havia ainda uma conexão próxima entre cozinha e
medicina, como vemos em Kiefer (2002, p.61), e a preparação de alimentos era
normalmente estudada junto com a medicina e fazia parte da mesma. Os
primeiros restaurantes eram, inclusive, algumas vezes chamados de maisons de
santé (literalmente, "casas de saúde").
A cidade de Paris passava, no final do século XVIII, segundo Roche (1998,
p.157), por um momento de acelerada transformação urbana, onde a
prosperidade de uma camada da população burguesa transmutava-se em novas
9
“Ao final, as forças econômicas que promovem um deslocamento da table d'hôte ao restaurante
são provavelmente mais fortes nas cidades grandes e em crescimento, onde as rendas também
são grandes e crescentes. O crescimento é dirigido pelo comércio, e o fluxo de viajantes a negócio
em uma cidade comercial fornece uma demanda constante. No final do século XVIII, Paris era
essa cidade.”
35
necessidades de exposição social, gerando formas de organizar o espaço
construído e de freqüentá-lo, no qual:
“(...) vamos encontrar todos os ingredientes de uma sociedade urbana que se
abre a novos consumos: estabelecimentos de luxo, lojas de moda, livrarias, casas de
espetáculos, casas de refrescos, restaurantes; por toda a parte vê-se o sinal de uma
sociabilidade móvel, em parte transformada”.
Os restaurateurs reconheciam seu negócio como diferente e “superior”,
buscavam sempre o reconhecimento da sociedade para esta diferenciação dos
demais negócios de alimentação da cidade, procurando desvincular-se dos
mesmos e enfatizando desde o início os aspectos salutares de seus
estabelecimentos. Suas iniciativas eram sempre no sentido de defender o papel
benéfico e salutar de suas empresas dentro do espaço público e exaltar a
posição social e o refinamento estético de seus consumidores.
Em 1784, por exemplo, numa petição junto à administração municipal de
Paris, um grupo de restaurateurs liderados por Nicolas Berger, dono de um
estabelecimento na rue Saint-Honoré, afirma que não deveriam ser aplicados a
seus estabelecimentos os mesmos regulamentos e, mais especificamente, as
horas de fechamento, aplicados aos cabarés e às tabernas (descritos por eles,
em consonância com os preconceitos e usos vigentes, como locais vulgares
freqüentados por “vagabundos, bados e arruaceiros”), os quais eram
rigidamente controlados pelos fiscais da garde municipal. Seus clientes,
afirmavam na mula, eram “pessoas pacíficas, corteses e cumpridoras da lei“
(Spang, 2003, p.94), além de frágeis e delicadas, cujo novo modo de se alimentar
fazia parte das necessidades de uma “revolução” no estilo de vida urbano
moderno. Não podiam, assim, ser vítimas da intimidação e do vexame de ter a
garde ordenando-lhes que saíssem imediatamente do estabelecimento, ou
impedindo-os de entrar em razão da hora.
Analisando esta petição, Spang afirma ainda:
36
“A ‘revolução’ nos hábitos referidos pela súmula pode ter descrito uma recém-
descoberta atenção com a dieta saudável, ou um padrão urbano de socialização em
desenvolvimento, porém, de forma mais significativa, denotava um processo de
estratificação social por meio do qual ‘pessoas honestas’ não mais desejavam (nem isto
estava implícito eram capazes de, em decorrência de sua ‘delicadeza’ física, moral e
estética) freqüentar estalagens, tabernas ou casas de pasto.”
Ou seja, não se tratava apenas de uma questão de conveniência,
necessidade e exigência corporal, mas também e, talvez, principalmente, de uma
questão estética, de escolha, de gosto.
1.3.3 A questão do gosto
Para uma melhor apreciação da modificação do significado social da
alimentação em público podemos nos voltar à aquisição de seus novos sentidos,
inicialmente na Europa a partir do século XVIII, sobretudo na França, quando as
noções de prazer e bom gosto em alimentação e gastronomia foram tomando
importância, o que pode ser observado em obras como a de Jean-Anthelme
Brillat Savarin (1999), brilhante chef considerado um dos grandes organizadores
da cozinha francesa clássica e Alexandre Balthasar Laurent Grimod de la
Reynière (2003), apontado por Spang (2003, p.185) como o inventor ”da crítica do
restaurante e (...) um dos pais fundadores do moderno discurso gastronômico”.
Nestas obras, se percebe uma nova reverência aos prazeres à mesa, de cunho
marcadamente hedonista, que se transformou em modelo que ainda observamos
de apreciação da gastronomia.
A alimentação deixa de ser apenas uma exigência do corpo e torna-se
também quase uma forma ritualizada de socialização
10
, exigindo conhecimento
técnico e de vocabulário, bem como domínio das regras de etiqueta e de
conversação à mesa. Para cumprir com este ritual, portanto, não bastava apenas
dinheiro: deveria haver uma preparação, uma educação, para poder apreciar não
apenas o prato e as bebidas em si, mas todo o processo de participar de uma
refeição, as quais normalmente só eram possíveis às elites.
10
Luce Giard (1996:47), escrevendo sobre este tópico, frisa a exclusão da mulher, tanto da
produção quanto, muitas vezes, do consumo da gastronomia e do advento de uma nova linguagem
culinária, usando termos e nomes complicados para exaltar seus resultados.
37
Em relação a estes rituais, Elias (1994, p.116) detecta, em seu estudo de
diferentes manuais de etiqueta europeus desde o século XIII, um movimento de
lenta transmissão e difusão dos modelos de comportamento de uma sociedade
para outra (França para Saxônia, por exemplo) e dentro dos estratos de uma
mesma sociedade.
Discutindo a mudança e difusão dos modos à mesa como uma das formas
de acompanhar o “processo de civilização” dos costumes europeus, ele descreve
a longa evolução da forma de se tomar sopa na sociedade francesa, lembrando
que na Idade Média as pessoas se serviam de uma sopeira comum a todos,
tomando um por vez na borda ou com uma única colher. Conclui então que,
embora pareça natural e suficiente enquanto vigente, nenhuma regra “(...) nas
maneiras à mesa é evidente por si mesma, ou produto, por assim dizer, de um
sentimento ‘natural’ de delicadeza (...)”, mas sim o resultado de um acordo, um
pacto, na maior parte das vezes não explicitado, para que todos sigam um
determinado ritual de gestos, sons, palavras etc. para cumprir esta ou aquela
atividade, homogeneizando o ambiente social em que se está inserido e criando
formas de diferenciar aqueles que a ele pertencem.
E termina afirmando que parte da explicação para o aparecimento de
novas e congruentes formas de etiqueta e convívio social comuns em locais tão
diversos e afastados, demonstrados pelos manuais, deve se encontrar na lenta
difusão destas fórmulas pela convivência e que, no caso da França, parece haver
na elite francesa, principalmente na corte, um círculo:
“(...) mais ou menos limitado que inicialmente cria os modelos apenas para atender
às necessidades de sua própria situação social e em conformidade com a condição
psicológica correspondente à mesma. Mas é evidente que a estrutura e o desenvolvimento
da sociedade francesa como um todo fazem com que estratos cada vez mais amplos se
mostrem desejosos, e mesmo sequiosos, de adotar os modelos de uma classe mais alta
(...)”
A transferência e difusão de gostos entre classes sociais, neste caso os
gostos alimentares, é também um fenômeno aqui pertinente e, como abordado
por Fernández-Armesto (2002, p.123), detecta que o papel da alimentação nas
relações entre classes é bastante complexo, pois:
38
“(...) it is hard for elites to monopolize select foods. It is almost equally hard for the
underprivileged to claim their stake to their own dishes without exciting elite envy.
Appropriations by the aspiring downgrade the creations if high cookery. Nostalgie de la
boue and affectations of populism spread recipes up the social scale. (…) Of course,
particular dishes, peculiar ingredients, certain culinary techniques and, indeed, entire
menus have their own class profile. (…) (but) More commonly, class differentiations starts
with the crudities of basic economics. People eat the best food they can afford: the
preferred food of the rich therefore becomes a signifier of social aspirations, pretensions or
affectations (…)”
11
Estas afirmativas apontam para uma das possibilidades de interpretação
para o surgimento e, posteriormente, a disseminação e popularização do modelo
do restaurante. A partir do momento em que os nobres e a alta burguesia
parisienses aceitaram os restaurantes (atendendo, inclusive, às propostas
filosóficas iluministas então vigentes, da busca do domínio da razão e da ciência
na vida diária), como uma forma saudável e desejável de se alimentar, estes
tendem a ser aos poucos aceitos e procurados por toda a sociedade. Embora,
claro, com variações de expectativas, provenientes de suas próprias origens de
classe, que levaram a grandes mudanças nos cardápios nas décadas seguintes.
Podemos aqui também acrescentar um novo ângulo de análise, baseado
no seminal trabalho de Bourdieu (1984) sobre a questão do gosto e das escolhas
estéticas nas diferentes classes sociais e de algumas razões pelas quais estas
apresentam características próprias. Para Bourdieu, um fator chave nas escolhas
feitas pelos consumidores é o “capital cultural” que é adquirido pelas pessoas
localizadas em diferentes pontos da pirâmide social e é o principal guia dos
indivíduos em suas escolhas e posições em relação ao que ter, vestir, assistir, ler,
ouvir ou comer.
11
“(...) é difícil para as elites monopolizar alimentos especiais. É quase igualmente difícil para as
classes menos privilegiadas monopolizar seus próprios pratos sem causar inveja às elites. A
apropriação pelos aspirantes degrada as criações da alta cozinha. Nostalgie de la boue (Expressão
francesa, literalmente ‘nostalgia da lama’, que indica uma necessidade de dedicar-se a atividades
pouco sofisticadas ou perigosas à saúde. N.T.) e afetações de populismo empurram receitas para
cima na escala social (...) Claro, pratos em particular, ingredientes peculiares, certas técnicas
culinárias e, na verdade, cardápios inteiros têm seu próprio perfil de classe (...) (mas) Comumente,
a diferenciação de classes começa com as cruezas da economia básica. As pessoas comem o
melhor que podem comprar: alimentos preferidos pelos ricos, portanto, se tornam um sinal de
aspirações, pretensões ou simulações sociais (...)”
39
O capital cultural pode ser definido como o corpo de conhecimento
adquirido sobre os produtos artísticos e intelectuais, o qual é apreendido através
da educação formal e, o menos importante, da informal, ou seja, através da
criação, da influência das relações com pais, familiares e amigos.
O capital cultural adquirido informalmente, para o autor, explica também
muito da “superioridade” detectada pela sociedade em geral e, principalmente,
pelas classes trabalhadoras, nos membros da elite que se encontram há muito
tempo nesta posição privilegiada. Os mesmos teriam, desde o berço, segundo
Bourdieu, uma chance maior de exposição diferenciada aos produtos culturais
mais raros e complexos, criando camadas de significados sofisticados e
introjetados que se explicitam em suas escolhas e análises e às quais outras
classes não tiveram acesso, devido a seu custo geralmente elevado.
Com base nesta análise, Bourdieu argumenta (1984, p.23) que a aquisição
de capital cultural é "(…) inscribed, as an objective demand, in membership of the
bourgeoisie and in the qualifications giving access to its rights and duties."
12
Assim, qualquer indivíduo que se proponha a ascender à elite, dificilmente o
fará sem primeiro apropriar-se de um mínimo deste capital cultural, sob pena
de não ser reconhecido como parte dela nem mesmo pelas classes dominadas.
O gosto estético de indivíduos com alto capital cultural é assim utilizado
como uma das formas para assegurar posições de status na hierarquia social,
afirma Bourdieu (1984, p.466), através do exercício de uma marca de “distinção”:
"Taste is an acquired disposition to 'differentiate' and 'appreciate' (...) in other
words, to establish and mark differences by a process of distinction (...) it ensures
recognition (in the ordinary sense) (…) is a practical mastery of distributions which makes it
possible to sense or intuit what is likely to befall and therefore to befit an individual
occupying a given position in a social space. It functions as a sort of social orientation, a
sense of one’s place’, guiding the occupants of a given place in social space towards the
12
(...) inserida, como uma exigência objetiva, para a associação à burguesia e nas qualificações
que dão acesso a seus direitos e deveres.”
40
social positions adjusted to their properties, and towards the practices or goods which befit
the occupants of that position."
13
Para atingir esta distinção, segundo Bourdieu (1984, p.56), o gosto é
sempre um fenômeno de negativa, no sentido de que é baseado na crítica e/ou
diferenciação daquilo que é identificado com o “outro”:
"It is no accident that, when they have to be justified, they are asserted purely
negatively, by the refusal of other tastes. In matters of taste, more than anywhere else, all
determination is negation (…)"
14
Desta forma, aquilo que é considerado “popular” pelas elites vai ser
normalmente rejeitado por seus indivíduos, sem levar em conta seu valor
intrínseco e o mesmo fenômeno deve acontecer nas classes trabalhadoras, por
exemplo, em relação aos hábitos da elite.
Bourdieu afirma (1984, p.195-197), em relação à alimentação, que as
classes trabalhadoras normalmente procuram assegurar que em sua alimentação
haja principalmente fartura, quantidade e segurança (reconhecida aqui como
familiaridade, ou seja, aquilo que se conhece bem). Isto contrasta com os hábitos
das classes superiores, que se mostram no geral mais interessadas em tratar a
comida como uma das formas de arte e desejam, portanto, pratos criativos,
pouco usuais e muitas vezes claramente exóticos e raros. Entre a classe superior
dominante e a classe trabalhadora dominada, a classe média aspira ao gosto da
classe superior; entretanto, um capital cultural e financeiro insuficiente acaba
fazendo com que seu padrão de consumo seja menos “legitimizado”, porém
13 "O gosto é uma disposição adquirida para ‘diferenciar’ e ‘apreciar’ (...) em outras palavras,
estabelecer e marcar diferenças por um processo de distinção (…) assegura reconhecimento (no
senso comum) (…) é o domínio prático de distribuições que tornam possível sentir ou intuir o que é
provável acontecer a e conseqüentemente convir a um indivíduo ocupando uma dada posição
no espaço social. Ele funciona como um tipo de orientação social, um ‘saber o seu lugar’, guiando
os ocupantes de um determinado lugar no espaço social em direção a posições sociais que se
ajustam a suas propriedades e em direção a práticas ou bens os quais convém aos ocupantes
daquela posição."
14
"Não é por acidente que, quando têm de ser justificados, eles são afirmados de forma
puramente negativa, pela recusa de outros gostos. Em matéria de gosto, mais que em qualquer
outra, toda determinação é negação (...)”
41
também geralmente formulado negativamente em relação ao gosto “popular” da
classe trabalhadora.
Na Paris de fins do século XVIII, pôde-se observar claramente este
princípio funcionando na distinção feita por Nicolas Berger e os outros
restaurateurs, em sua petição, entre seus “delicados” clientes e os “vagabundos”
freqüentadores das tabernas e cabarés próximos e entre os seus
estabelecimentos e aqueles.
Um fator de importância, para muitos autores, acelerou ainda mais a
difusão deste novo modelo de estabelecimento, apesar de sua origem nas elites
e de seu custo inicialmente proibitivo: o súbito desemprego das equipes de
empregados de copa e de cozinha da nobreza, dispensadas quando seus patrões
perderam tudo o que tinham ou tiveram que fugir rapidamente para salvar suas
vidas no calor da Revolução Francesa.
1.3.4 O papel dos chefs
Gault e Millau (Kiefer, 2002, p.61) são dois estudiosos que expressam uma
opinião bastante difundida entre os historiadores da Gastronomia: a de que os
chefs desempregados pela Revolução Francesa foram não apenas essenciais ao
desenvolvimento das novas empresas de alimentação, mas provavelmente um
dos seus principais motores, pois, “especialmente depois de 1792, estes grandes
chefs (...) utilizaram suas poupanças e abriram restaurantes”.
Realmente, antes da Revolução os chefs eram profissionais exclusivos das
cozinhas particulares, quase sempre nobres, onde seus talentos podiam receber
os altos salários e as condições de trabalho que exigiam. Mesmo Marc-Antoine
Carême, por exemplo, considerado um dos primeiros grandes teóricos da
Gastronomia e que viveu entre 1784 e 1833, nunca trabalhou em um restaurante,
preferindo servir inicialmente a Talleyrand e posteriormente ao Barão de
Rothschild, como lembra Franco (2001, p.202).
Encontramos também em Romano (1989, p.34) a opinião de que o
restaurante:
42
“(...) é um produto directo da Revolução; nasce duma convergência de interesses
entre cozinheiros desempregados por causa da emigração nobiliar e um novo tipo de
consumidores, massa flutuante introduzida em Paris”.
Não se pode esquecer também que esta situação de “desempregados”
atingiu, além dos chefs e demais profissionais de cozinha das casas nobres,
também os demais funcionários que cuidavam do serviço de mesa e sala, muitas
vezes mais bem educados, refinados e com maior contato direto com seus
patrões. Assim, ficaram disponíveis também, entre outros: maîtres d’hôtel,
geralmente responsáveis pelo planejamento, organização, controles e compras
relacionados ao consumo de alimentos, além da contratação e treinamento de
equipes de serviço de mesa; os sommeliers, profissionais que cuidavam quase
que exclusivamente da escolha, compra, conservação e serviço à mesa dos
vinhos e demais bebidas alcoólicas e os serveurs, que se responsabilizavam pela
apresentação e serviço direto dos alimentos e das bebidas aos moradores e
hóspedes da casa. Conforme Spang (2003, p.172), estes empregados eram
estimados o bastante para que, por exemplo, o nobre Auguste Frénilly, ao fugir de
Paris em agosto de 1792, não poupasse despesas para assegurar-se de que
seus criados de confiança, incluindo o chef e o maître d’hôtel, tivessem os
passaportes necessários e o acompanhassem ao exílio.
Entretanto, os chefs e demais funcionários da cozinha e de serviço de
salão do velho regime que ficaram para trás, deslocados subitamente de suas
situações muitas vezes vitalícias, conseguiram incorporar-se com certa rapidez ao
mercado de trabalho de Paris, graças principalmente ao fenômeno das festas
“públicas" de confraternização comemorando as idéias da Revolução, que
criaram uma demanda para chefs, cozinheiros, empregados de mesa e demais
trabalhadores da cozinha.
Estas festas, geralmente refeições servidas em longas mesas postas nas
ruas da cidade para comemorar esta ou aquela data importante nos anos
imediatamente após a Revolução, eram organizadas pelo Estado com o objetivo
de confraternização e convio das diferentes classes, tornando a todos uma
grande família. Mas estas festas foram freqüentes apenas até 1794 e a transição
para os ex-empregados da nobreza não foi totalmente suave e indolor.
43
O negócio de restaurantes, como muitos outros aspectos da vida francesa,
era arriscado naquela época. Os chefs e outros empregados das cozinhas e dos
salões do ancien régime realmente encontraram algumas oportunidades novas, e
foram se instalando aos poucos como traiteurs e restaurateurs ou como seus
empregados em novos negócios de alimentação em Paris, onde suas habilidades
continuavam a ser apreciadas, mas agora pelos cidadãos mais abonados e até
pelos deputados revolucionários das províncias, como lembra Franco (2001,
p.195). Porém, sofriam também com os preconceitos e perseguições que se
multiplicavam aleatoriamente neste período incerto e atingiam preferencialmente
aqueles que de alguma forma tinham usufruído ou obtido algum ganho do poder
e do modo de vida dos nobres.
Isto pode ser ilustrado pela história de Gabriel Charles Doyen, contada por
Spang (2003, p.172), o qual trabalhou como copeiro por dez anos nas cozinhas
reais em Versalhes e mudou de emprego em 1789, após a Revolução, indo
trabalhar num restaurante parisiense no Palais Royal. Acabou sendo preso
durante o Terror e guilhotinado, em maio de 1794, apenas porque admitiu
publicamente sentir a falta de sua antiga cozinha e seu antigo emprego.
Além destas ameaças, outras vieram, como a lei do “Máximo” de 1793,
uma tentativa draconiana de fixar salários e preços e evitar a inflação, a qual foi
seguida, inevitavelmente, pela falta das mercadorias. A lei não se referia aos
alimentos já preparados, com exceção de pão, mas os efeitos da escassez
resultante foram transmitidos por toda a economia. Não demorou e militantes
republicanos estavam acusando restaurantes de ostentação e exploração, por
continuarem a servir carne, por exemplo, e alguns chefs e restaurateurs foram
acusados de esconder produtos alimentícios para lucrar mais, sendo presos e
acusados de traição.
O caso de Jean François ry também é emblemático deste período de
excessos: Spang (2003, p.134-135) relata como, apesar de ter pegado em armas
na queda da Bastilha e na derrubada da monarquia, o restaurateur foi mandado
para a prisão, em junho de 1794, quando comissários do povo consideraram
insultuosos os anúncios em diversas línguas afixados em seu estabelecimento
oferecendo “alimentos delicados” a “pessoas distintas”.
44
Sintomaticamente, este excesso de zelo prenunciava uma reação violenta,
com a queda de Robespierre, em julho de 1794, fechando a fase mais fervorosa
e militante da Revolução Francesa. Iniciou-se então uma época de mais
tolerância às frivolidades e divertimentos, onde os restaurantes floresceram.
Apenas alguns anos depois, no início do século XIX, Spang (2003, p.243) nos
expõe a surpresa dos visitantes estrangeiros:
“Alarmados ou encantados, estes viajantes concordavam em uma coisa: os
franceses eles adoravam dizer têm restaurantes porque não têm casas. Afinal, se os
franceses tivessem os devidos preparativos domésticos aguardando por eles à lareira, não
haveria mulheres (e algumas vezes até crianças) nos restaurantes.”
Entretanto, em razão de sua origem e necessidades diferentes e de seu
menor “capital cultural”, estes novos freqüentadores não procuravam apenas
pelos caldos e sopas delicados que tanto agradavam aos clientes originais e os
restaurateurs viram-se obrigados a diversificar seu cardápio e atender novas
demandas por pratos mais substanciosos. O viajante e escritor inglês Francis
Blagdon (Spang, 2003, p.208), por exemplo, não pôde deixar de registrar um
“Valha-me Deus! (...)” em uma de suas cartas, antes de descrever a opulência de
um cardápio no qual chegou a contar, em 1803, onze preparações de carne, onze
massas diversas com carnes, peixe e galinha, trinta e dois pratos de aves
domésticas e de caça, dezessete de carne de carneiro, vinte e duas de vitela, e
vinte e três de peixes em um único menu parisiense.
Encontramos em Kiefer (2002, p.61) a informação de que em inícios do
século XIX havia cerca de dois mil estabelecimentos em Paris, que se tornou
indiscutivelmente a capital mundial dos restaurantes
15
, título que manteria durante
todo o século XIX. Os mesmos foram durante muito tempo, entretanto, encarados
como uma idiossincrasia francesa e muitos dos primeiros turistas iam a Paris
apenas para experimentar os mais famosos.
Aos poucos, porém, a partir dali essa nova forma de entender, praticar e
negociar a alimentação espalhou-se por praticamente todo o mundo, levada
45
muitas vezes por imigrantes franceses, adquirindo características e significados
sutilmente diferenciados em cada nova cultura onde se instalou.
15
De acordo com Kiefer: The restaurant had arrived, and Paris was the dining capital of the world.”
O restaurante chegara e Paris era a capital mundial dos jantares.
46
2. A CIDADE DE SÂO PAULO ATÉ 1870
2.1 Arraial de sertanistas
16
– até 1828
A situação geográfica da cidade de São Paulo foi cuidadosamente
escolhida pelos jesuítas que a fundaram em 1554: no alto de uma colina, cercada
por dois cursos de água, os riachos Anhangabaú e Tamanduateí, permitia fácil
visualização de qualquer grupo que se aproximasse. Como uma missão para
arregimentar e catequizar as tribos do planalto e mantê-las a salvo dos colonos
escravistas, esta escolha topográfica visava, sobretudo, facilitar a sua defesa.
Entretanto, a localização escolhida tolhia a sua expansão e dificultava o
acesso, pois as várzeas ao seu redor enchiam-se no período de chuvas, quase a
transformando em uma ilha cercada por terrenos pantanosos e insalubres, cheios
de mosquitos.
Além disso, ao contrário de cidades como Rio de Janeiro e Salvador, como
lembra Morse (1954, p.19), São Paulo, “embora seja também um centro de
distribuição para o interior, está separada de seu porto de mar, Santos, por uma
distância de 72 quilômetros”. Sem falar no despenhadeiro de 793 metros de
altura da Serra do Mar, que foi efetivamente vencido ao fim do século XIX,
com a estrada de ferro; embora, segundo Prado Junior (1998, p.12), São Paulo
esteja no centro da passagem que, em relevo e altitude, oferece melhor
possibilidade de acesso ao interior do Estado em todo o trecho da Serra que vai
de Parati ao Vale do Ribeira.
A soma das condições enfraquecia as posições tanto do porto quanto da
capital, dificultando o desenvolvimento de ambos pela falta de um bom
escoamento dos produtos de importação e exportação, que neste primeiro
período era principalmente o açúcar provindo do interior. A cidade enfrentou,
16
Bruno (1991, v.I, II e III), em seu clássico estudo sobre a cidade de São Paulo, propôs três fases
que são recorrentes, a partir de então, nos autores que tratam da mesma: o “arraial de sertanistas”
(1554 a 1828), o “burgo de estudantes” (1828 a 1872) e a “metrópole do café” (1872 a 1918).
Nesta reflexão, como se verá, trata-se de aspectos das duas primeiras, mas limita-se a fase de
“burgo de estudantes” até 1859, por considerar que as evidências demonstram que a década
seguinte já apresentava características bem diferenciadas.
47
deste modo, de sua fundação até pelo menos meados do culo XIX, algumas
condições bastante adversas ao seu crescimento populacional e econômico e
que a condenaram por séculos a ocupar uma posição relativamente inexpressiva
no cenário brasileiro.
Apesar de ter sido elevado a Vila e ter ganhado pelourinho desde 1560, o
acanhado povoado não crescia porque enfrentava também, dentro de seu
território imediato, um solo de aluvião pobre e inadequado ao cultivo de produtos
agrícolas de exportação, como lembra Morse (1954, p.24), além de uma contínua
sangria de seus habitantes rumo ao interior da Província e do Brasil, fazendo com
que se tornasse mais passagem e ponto de parada que um centro econômico.
Numa carta do século XVII ao seu superior, o padre jesuíta Justo Mansilla
van Surck, (Holanda,1995, p.90), busca explicar a pobreza da cidade de São
Paulo como resultado da constante ausência de seus moradores, que só a
freqüentavam nos dias das festas principais e no resto do ano ficavam em suas
fazendas ou por los bosques y campos, em busca de Indios, en que gastan su
vida”.
Apesar de esse não ser um fenômeno apenas paulista, como lembra
Holanda (1995, p.89-91), o mesmo era bastante limitante para o crescimento da
cidade, uma vez que seus fazendeiros, ao contrário de regiões mais rteis como
o litoral do Nordeste e o Rio de Janeiro, não tinham grandes rendas agrícolas e
muito pouco utilizavam o comércio e os serviços da cidade, não gerando assim
meios de subsistência para uma população urbana livre.
Este quadro limitou por longo tempo sua área urbana ao que hoje
denominamos Centro Velho de o Paulo ou Triângulo Histórico, em cujos
vértices ficavam os Conventos de São Francisco, de São Bento e do Carmo
(Figura 3).
A cidade, apesar de ou, talvez, justamente por tais dificuldades,
apresentou desde cedo um profundo “senso de orgulho e confiança em si”,
considerando seu povo e sua liberdade as maiores riquezas locais. Morse (1954,
p.17) descreve bem o ânimo paulistano daquele tempo pioneiro:
48
“Sua resistência aos índios, como comunidade independente, tornou-os ciosos de
sua autonomia, desconfiados dos agentes reais de São Vicente e Santos no litoral,
ansiosos por tentar a sorte no interior desconhecido de um vasto continente.”
Figura 3: O “Triângulo”, região do assentamento original e que ainda reunia a maior parte da vida social e
econômica da cidade até o final do século XIX, tinha em seus vértices os Largos do Carmo, de São
Francisco e de São Bento. .
Fonte: http://portal.prefeitura.sp.gov.br/guia/guiadacidade/mapas/0001/uploadimagem/mapacidadeantiga.jpg,
consultado em 26/10/2003, 19h15.
Em 1681, São Paulo passou a ser considerada cabeça da Capitania de
São Paulo e, em 1711, foi elevada à categoria de cidade. Apesar disso, até o
século XVIII, a cidade servia mais como um quartel-general de onde partiam as
"bandeiras", para apresar índios e procurar minas no interior do país do que
propriamente como um centro urbano mais típico. E o próprio sucesso dessas
expedições, normalmente de cunho familiar, acabava por esvaziar a cidade:
CARMO
SÃO
BENTO
SÃO FRANCISCO
49
muitos dos líderes e cidadãos mais empreendedores fixavam-se em novas
regiões descobertas, em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, e a cidade pouco
ou nada recebia desses recursos. Pode-se aqui, de certo modo, detectar a
presença entre a população deste período em São Paulo, da “ética da aventura”
de Holanda (1995, p.44), que enaltece o esforço apenas quando este é voltado a
uma empresa grandiosa, mesmo que perigosa e incerta, e que traga
recompensas rápidas e desproporcionais, tais como a mineração.
Como afirma Morse (1954, p.17), porém, embora os feitos das bandeiras
não tenham trazido grandes riquezas para a cidade, como “proezas de força e
tenacidade” sua memória foi ciosamente guardada e louvada pelos descendentes
dos bandeirantes, o que, juntamente com o isolamento geográfico a que estavam
submetidos, terminaram por criar em São Paulo “(...) uma sociedade colonial
relativamente homogênea, orgulhosa de sua quase autonomia (...)”. Esta situação
e suas conseqüências perduraram por todo o século XVIII e até pelo menos
meados do XIX.
Entretanto, talvez até pela migração dos tipos mais aventureiros nas
bandeiras, aos poucos se percebe que, neste período, a “ética do trabalho”, que
aprova o “(...) esforço lento, pouco compensador e persistente, que, no entanto,
mede todas as possibilidades de esperdício e sabe tirar o máximo proveito do
insignificante (...)”, como proposta por Holanda (1995, p.44), se tornou mais
determinante na comunidade, como vai se ver adiante: a estabilidade, a paz e a
imobilidade social passam a ser valores positivos dos seus grandes senhores e
fazendeiros, que rejeitam novidades e passa a ver com desconfiança iniciativas
mais arrojadas.
Contribuía para este quadro o isolamento físico da cidade, que as vias
de ligação com o interior e o litoral só eram convenientes para tropeiros e
cavaleiros, pela precariedade de sua construção, que não permitia a passagem
de veículos, segundo Nozoe (2004, p.100). A única estrada existente ligando São
Paulo ao litoral era estreita e sinuosa, o Caminho do Mar: diversos relatos
sobre sua periculosidade, que um passo em falso numa pedra enlameada ou o
espanto de um animal podia precipitar cargas e cavaleiros pelos penhascos da
Serra. O Caminho do Mar surgiu em 1765, a partir de uma antiga trilha e foi
50
concluída em 1791, quando o capitão-general Lorena mandou pavimentá-la. As
viagens, assim como o trânsito de bens e mercadorias, portanto, eram restritos
àquilo que pudesse ser transportado por tropas de animais de carga,
principalmente muares.
O açúcar foi a mercadoria que começou a trazer São Paulo para uma
integração com a economia internacional, provocando inclusive a construção e
pavimentação destas estradas. Entre fins do século XVII e até sua substituição
pela lavoura cafeeira, em meados do XVIII, o desenvolvimento da cultura
canavieira no Planalto Paulista desencadeou, conforme Nozoe (2004, p.102), um
processo de:
“(...) concentração de capital em São Paulo, local a partir do qual importantes
homens de negócios geriam seus engenhos de açúcar e fazendas de criação, e alguns
mais proeminentes, a comercialização da produção.”
O movimento das tropas de muares carregadas de açúcar permitia
também um comércio da capital com os centros açucareiros do interior, como Itu,
pois as tropas que traziam o produto voltavam ociosas de Santos e em São Paulo
se abasteciam de mercadorias: secos e molhados, tecidos. Para Nozoe (2004,
p.103), estes comerciantes, europeus na maior parte, eram também responsáveis
por boa parte da hospitalidade da cidade nesta época aos viajantes menos
abonados e sem cartas de recomendação, pois, como era hábito “(...) em outras
cidades brasileiras, casas comerciais serviam, às vezes, de hotéis para seus
fregueses do interior.”
Entretanto, havia se desenvolvido, na população mais abastada, uma
tendência ao recolhimento, que fica clara nas relações sociais e no uso (ou
melhor, no não-uso) do espaço público, pois os homens da elite obedeciam ao
que Dias (1995, p.97) descreve como:
“(...) uma hierarquia rígida de espaço social e a peculiaridade dos pouco e raros
senhores da terra era o quase nunca aparecer em público; passavam a vida intra muros,
visitando-se uns aos outros, em rituais elaborados de pares e iguais”.
51
Também um quase completo recolhimento das mulheres das classes
dominantes era de praxe, pois a sociedade colonial escravista exigia a “(...)
necessidade de aparato, ostentação, resguardo e distância social, próprio das
grandes senhoras, que mal se deixavam ver (...)”.
Saint-Hilaire, (Bruno, 1981, p.40), passando pela cidade em 1819, constata
“(...) que as mulheres pouco se deixavam ver (...)” e completa:
“Durante minha estadia na cidade vi as principais autoridades locais e muitas
pessoas me visitaram; entretanto não fui convidado por quem quer que fosse, para festas
e jantares e não tive oportunidade de ver nenhuma senhora paulista.”
A presença de uma mulher nas ruas sem um acompanhante masculino da
família era vista com grande reprovação e desconfiança, talvez em razão da rua
ser considerada o espaço das mulheres que, numa cidade que pouquíssimo
oferecia em oportunidades de trabalho e ganho, dedicavam-se, nas palavras
ainda de Saint-Hilaire (Bruno, p.40), ao:
“(...) tráfico de seus encantos, como único recurso de subsistência (...) logo após o
pôr do sol vêem-se nas ruas muito mais pessoas que durante o dia (...) Em nenhuma outra
parte do mundo por mim percorrida vi tamanho número de prostitutas (...)”
Entretanto, é provável que não fossem prostitutas muitas destas mulheres,
que conservavam “uma espécie de pudor exterior” e “nunca abordavam os
homens”, segundo Saint-Hilaire. Outra explicação para a ausência de mulheres
nas ruas durante o dia e seu “tamanho número” durante a noite é oferecida por
Dias (1995, p.64): a “pobreza envergonhada” das “formosas sem dote”. Numa
sociedade onde o labor manual e o esforço eram desprezados como próprios dos
escravos, as mulheres pobres e sozinhas, mas de origem nas famílias senhoriais,
se esforçavam para não serem vistas em público em atividades como carregar
compras e buscar água nas fontes, atividades que desempenhavam no final da
tarde e fortemente protegidas pelas mantilhas e grandes chapéus desabados,
52
procurando manter-se anônimas. Freqüentar as ruas era assim, para as
mulheres, sinônimo ou de despudor ou de pobreza extrema.
A área urbana inicial de o Paulo até ampliou-se um pouco em fins do
século XVII e início do XIX, com a abertura de duas novas ruas, a Libero Badaró
e a Florêncio de Abreu, mas, era nas ruas dentro do chamado Triângulo (atuais
ruas Direita, XV de Novembro e São Bento) que se concentravam o comércio e
os principais serviços de São Paulo.
A São Paulo do início do culo XIX, portanto, composta de um minúsculo
núcleo urbano cercado de chácaras e fazendas, era ainda uma cidade que
guardava profundas marcas de sua cultura colonial original, com uma população
formada de escravos, alguns poucos trabalhadores livres e comerciantes, além
de oficiais do governo, e onde a partir da Independência começaram a soprar
ventos de mudança.
2.2 Burgo de estudantes – 1828 até 1859
Foi somente a partir da independência do Brasil e com ativa intervenção da
Coroa, que São Paulo iniciou um movimento de desenvolvimento econômico e
urbano menos lento.
Descreve Porto (1992, p.39):
“Em 1822, por ocasião da proclamação da independência do Brasil, São Paulo era
uma pequena cidade, de ruas pouco extensas, estreitas e tortuosas, onde se movia uma
população que o censo feito no final do ano informa elevar-se apenas a 6.920 almas. O
perímetro urbano constrangia-se na estreita área entre os rios Anhangabaú e
Tamanduateí, cortada por 38 ruas, 10 travessas, 7 pátios e 6 becos.”
Em 1825, inaugurou-se o primeiro jardim público de São Paulo, o atual
Jardim da Luz, iniciativa que indica certa preocupação urbanística. Mas, mesmo
assim, pode-se afirmar, conforme Dias (1995, p.96), que a cidade ainda:
“(...) estava longe de favorecer hábitos de convívio burguês (...) pelo espaço
urbano ainda precário, por ruas mal calçadas sobre as quais era difícil andar, onde
53
homens armados, tropeiros e seus camaradas, improvisavam disparadas a cavalo e
tiroteios (...)”
As ruas desse período eram ainda quase que ocupadas por escravos e
pessoas livres de baixíssima renda, que se dedicavam a atividades braçais ou ao
comércio de tabuleiro. Estas atividades tinham, muitas vezes, seus ganhos
dirigidos para a renda das casas mais abastadas, pois os escravos e escravas
eram freqüentemente obrigados a se manter sozinhos e ainda a pagar “jornal”, ou
seja, uma quantia fixa diária, aos seus proprietários, valores estes obtidos
principalmente a partir do comércio de alimentos e artesanatos ou da prestação
de pequenos serviços. Porém, este rendimento era, em muitos casos, o único que
mantinha uma família senhorial entre colheitas ou em anos de safra ruim, razão
principal pela qual a posse de muitos escravos era sinal da riqueza.
Foram preservadas, portanto, por muitos dos anos iniciais do século XIX,
as antigas formas coloniais de relações de classe, o que influenciou diretamente
nos fatores do desenvolvimento da cidade, levando-se em conta que esta
inicialmente não envolveu “a ascensão social de uma burguesia europeizada,
nem a formação de uma classe de assalariados livres”, conforme Dias (1995,
p.15).
Também os elementos de arquitetura (Figura 4), como descritos em Bruno
(1991, p.466), reafirmam o apego paulistano à tradição colonial, pois segundo o
autor:
“(...) de modo geral alguns elementos tradicionais como o colorido das fachadas
e o uso das rótulas nas janelas resistiram durante muito mais tempo que em cidades
brasileiras mais desenvolvidas e abertas, na época, ao contacto com o resto do mundo. O
próprio arranjo e a própria arrumação dos interiores se mostraram ainda nesta fase mais
modestos que os de outras cidades brasileiras.”
54
Figura 4: Aquarela de J. Washt Rodrigues representando sobrado do século XIX, da Rua XV de Novembro,
com rótulas de mucharabiê (madeira treliçada) bastante evidentes nos balcões superiores. Atrás delas, as
pessoas podiam observar as ruas sem serem vistas, o que convinha ao retraído espírito paulistano. Uma
característica deste tipo janelas, que irritava os visitantes de locais onde não eram comuns, era de que se
abriam para fora e muitas vezes, quando localizadas no nível da rua, podiam assustar ou causar acidentes
ao serem abertas subitamente. As rótulas estavam entre as primeiras características da arquitetura colonial
que foram abandonadas, substituídas por janelas com vidraças.
Fonte: http://www.prodam.sp.gov.br/dph/acervos/acaqua09.htm, consultada em 03/11/2003, às 22h40.
A vida em São Paulo, cultural, social e até econômica, veio a sofrer uma
primeira grande mudança somente a partir da fundação, decretada por D. Pedro I
no dia 11 de Agosto de 1827, da Academia de Direito. Instalada no antigo prédio
do Convento de São Francisco, foi inaugurada no dia 1º de março de 1828, tendo
como primeiro diretor José Arouche de Toledo Rendon. Juntamente com a
Academia de Olinda, fundada pelo mesmo decreto, destinava-se especificamente
a formar governantes e administradores públicos, sendo fundamental para os
planos do Império.
Tudo na cidade, neste período, passou a girar em torno da Academia,
pois, com o pouco que havia de agricultura ou indústria, os estudantes passaram
a fornecer muito do capital que circulava na cidade. A partir de então, São Paulo
55
converteu-se lentamente em um núcleo incipiente de atividades intelectuais e
políticas, firmando-se como capital da província.
Concorreram também para a conversão, na época, a criação da Escola
Normal e o início da impressão local: saíram, conforme Cruz (2000, p.52-53), da
“(...) tipografia Imparcial, da Litterária, da Costa e Silva, as primeiras tipografias
da cidade” os “jornais políticos e revistas acadêmicas que articulam as discussões
da elite letrada”, tais como “(...) a Revista da Sociedade Filomática (1833),
Revista Mensal do Ensino Filosófico Paulistano (1851) e Ensaios Literários do
Ateneu Paulistano (1853)”.
Enquanto isso, o Caminho do Mar, com o passar dos anos, ganhou mais
movimento e sofreu alguns melhoramentos. Em 1840, entretanto, o então
presidente da Província de São Paulo, o Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar,
iniciou a construção de uma nova estrada para Santos, pois uma lei imperial
autorizou a cobrança nas estradas de uma espécie de pedágio, devendo os
recursos ser aplicados na manutenção da via. Renovando e fazendo uso de
alguns trechos do velho Caminho do Mar, a obra foi concluída em 1844, e o novo
caminho recebeu o nome de Estrada da Maioridade, em referência à
proclamação antecipada da maioridade do imperador D. Pedro II, em 1840. Seu
leito foi sendo continuamente reparado e melhorado ao longo dos anos seguintes,
no momento em que a exportação de açúcar declinava e era lentamente
substituída pelo café. Só então, de acordo com Nozoe (2004, p.102), o trecho da
Serra do Mar se tornou uma via carroçável, permitindo a passagem de cargas
maiores e de veículos de passageiros e diminuindo sensivelmente o isolamento
da capital.
Os estudantes, entretanto, a exemplo do poeta Álvares de Azevedo, que
freqüentou a Academia entre 1848 e 1851, estavam insatisfeitos. Em sua peça
teatral “Macário” (Rosso, 2004, p.90), num diálogo que permite um vislumbre da
opinião de Azevedo, um estudante que se dirige a São Paulo encontra Satã, que
lhe descreve sua nova cidade:
“Macário: Por acaso há mulheres ali?
Satã: Mulheres, padres, soldados e estudantes (...) as mulheres são lascivas, os
padres dissolutos, os soldados ébrios, os estudantes vadios (...)
56
Macário: Esta cidade deveria ter o teu nome.
Satã: Tem o de um santo: é quase o mesmo. Não é o hábito que faz o monge.
Demais essa terra é devassa como uma cidade, insípida como uma vila e pobre como uma
aldeia. (...) Até as calçadas (...)
Macário: Que têm?
Satã: São intransitáveis. Parecem encastoadas as tais pedras. As calçadas do
inferno são mil vezes melhores.”
E, em uma carta (Bruno, 1981, p.62), confirma seu tédio e um aparente
desgosto profundo com o calçamento:
“Não passeios que entretenham, nem bailes, nem sociedades, parece isto uma
cidade de mortos – não há nem uma cara bonita em janela, só rugosas caras desdentadas
e o silêncio das ruas só é quebrado pelo ruído das bestas sapateando no ladrilho das
ruas”
Álvares de Azevedo, em sua passagem pelas Arcadas, fazia parte de uma
geração literária brilhante, a de 1850, de grande impacto na vida intelectual e
política da cidade, composta ainda por nomes como Bernardo Guimarães, José
Bonifácio o Moço, Paulo Eiró. Estes contemporâneos no curso de Direito da
Academia seriam o ponto de partida para a formação, a partir de então, segundo
Rosso (2004, p.91), de um cleo importante para a literatura romântica
brasileira, formado por:
“(...) poetas nativos e migrantes: Aureliano Lessa, Bernardo Guimarães, José
Bonifácio o Moço, Paulo Eiró, os migrantes Fagundes Varela, Castro Alves, Olavo Bilac, de
passagem efêmera (e o prosador José de Alencar) ao centro Álvares de Azevedo, com
seu romantismo intelectualizado de adolescente saturado de leituras sonhando transformar
o burgo pacato (...)”
Além da criatividade literária, tinham estes estudantes em comum pelo
menos três coisas: uma tendência ao spleen
17
, uma profunda insatisfação com o
acanhamento da vida cultural e social da cidade em seu tempo e ideais liberais,
17
Tédio melancólico, atitude comum a muitos dos românticos da tradição byroniana.
57
que afloravam em participações mais ou menos fervorosas nas campanhas pela
Abolição e pela República.
Inserido neste período de ativa movimentação estudantil, cultural e política,
num momento em que a cidade contava com pouco mais de 30.000 habitantes
18
,
surgiu o primeiro jornal diário de São Paulo, em 26 de junho de 1854: o Correio
Paulistano (Figura 5). Fundado por Joaquim Roberto de Azevedo Marques, tinha
a intenção de ser um jornal livre de influências do governo e uma tiragem inicial
de três edições por semana.
Figura 5 – Primeira página do número 1 do Correio Paulistano, de 26 de junho de 1854.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
18
Marcilio (2004, p.263), afirma que neste ano a cidade contava com 31.569 habitantes.
58
Segundo Cruz (2004, p.360), o novo jornal “(...) promete ‘fazer um
importante serviço’, inaugurando a imprensa livre, verdadeira e imparcial”. Após
um período de grandes dificuldades financeiras, quase fechou as portas entre
1856 e 1857, iniciando um período de publicação errática e retornando ao
normal em 1858, quando também passou a ser diário. Para esta nova fase,
Azevedo Marques procurou apoio do governo da Província para manter a
circulação e aderiu ao conservadorismo, ocultando seus princípios políticos
liberais. Depois de consolidada sua reorganização, Marques passou a apoiar
abertamente o partido Radical, de oposição, inclusive publicando manifestos pela
proclamação da República. O Correio, em 1887, segundo Souza (1904, p.4),
começou também a advogar a abolição, através do seu diretor político Antonio
Prado, a quem coube a iniciativa de uma sessão no Teatro de São José, em 15
de dezembro daquele ano, que influiu decisivamente na solução parlamentar do
problema, cinco meses depois.
Esse histórico evidencia sua grande importância para a cidade no período,
acompanhando as correntes de opinião e refletindo aspectos importantes da
história de São Paulo e do Brasil, embora, obviamente, dirigindo-se a uma elite
letrada: Cruz (2004, p.358) afirma que, em 1868, sua tiragem ainda era de 400
exemplares. É através de suas páginas, em particular as páginas 3 e 4, aquelas
dos “Annúncios”, que se passa a acompanhar, nesta reflexão, uma fatia do
cotidiano da cidade deste período.
Era ainda através das páginas do Correio Paulistano e de outros jornais
diários que seriam fundados mais tarde, como lembra Cruz (2000, p.53), ou ainda
em pequenas folhas de quatro páginas, nas revistas mensais ou em edições do
próprio autor (Figura 6), que as idéias e paixões intelectuais dos estudantes eram
amplamente divulgadas, discutidas entre eles e com os habitantes mais cultos, e,
muitas vezes, expostas ao resto da sociedade letrada da cidade, sob a forma de
artigos, poemas e romances em capítulos.
59
Figura 6 Anúncio publicado à página 4 do Correio Paulistano em 10 de julho de 1855, oferecendo a
primeira obra de Bernardo Guimarães, Cantos da Solidão, publicação em 1852 da própria Tipografia
Imparcial, responsável pela impressão do jornal.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Os ideais liberais não significavam, entretanto, que os estudantes
abdicavam do conforto possível em suas vidas diárias: filhos de famílias
abastadas, aqueles que vinham de fora traziam, na maioria das vezes,
empregados e escravos para cozinhar e limpar por eles e, de acordo com Zaluar
(1975, p.127):
“Os estudantes de São Paulo não vivem já nessa cínica miséria de que falam as
curiosas tradições da antiga Coimbra. Hoje pecam talvez pelo extremo oposto. Além das
comodidades indispensáveis a uma existência modesta, grande parte dos estudantes
adornam suas confortáveis habitações com muitos objetos de luxo e de gosto que tornam
a vida amena e aprazível.”
Na falta de maiores entretenimentos, os próprios estudantes criavam
divertimentos como sociedades teatrais, uma das quais, o Teatro Acadêmico,
em 1832, segundo Campos (2004, p.271), alugou pelo prazo de cinco anos
um antigo prédio onde funcionava um precário teatro desde o começo do
século, até então conhecido como Casa da Ópera, que se encontrava
desativado (Figura 7). Após passar por vários arrendatários, em 1852 foi
arrendada a Antonio Bernardo Quartim, que organizou a companhia dramática
profissional dirigida pelos portugueses Joaquim Jode Macedo e Henrique
José da Costa, que permaneceria por cerca de vinte anos.
60
Figura 7 Anúncio publicado à página 4 do jornal Correio Paulistano em 31 de janeiro de 1855, lembrando
aos assinantes do primeiro espetáculo do ano no Teatro de São Paulo, antiga Casa da Ópera, pela
Companhia Dramática. Nesta época, era dirigida por J.J.Macedo e levava à cena cerca de três a quatro
diferentes espetáculos por mês dentro do valor da assinatura, além de um ou dois extras em benefício dos
atores ou de empregados da Companhia.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Começaram a levar periodicamente peças que contavam com a atuação
de atores profissionais, principalmente portugueses e passou a ser conhecido
como Teatro de São Paulo, tornando-se por muitos anos, até meados da
década de 1860, a principal casa de espetáculos da cidade.
Também em 1832 um pequeno teatro existente no palácio do governo e
conhecido como “teatrinho do Palácio” foi cedido à Sociedade Harmonia
Paulistana e passou a levar seu nome.
Além do teatro, da literatura e do jornalismo, os estudantes
influenciaram decisivamente a vida da cidade em outros aspectos
fundamentais, pois, como afirma Nozoe (2004, p.109):
61
“(...) as caçadas, a natação, os flirts, as bebidas e o hábito dos acadêmicos de se
reunirem para discussão e divertimento levaram vida para as ruas, ao ar livre, criaram
necessidade de tavernas, livrarias.”
Assim, num reflexo paralelo do fenômeno detectado por Habermas na
Europa do século XVIII, novas necessidades de interação e comunicação
começaram a alterar a face do espaço público na cidade de São Paulo;
timidamente a princípio, envolvendo apenas uma parcela jovem, masculina e
intelectualmente mais ativa, mas de qualquer forma iniciando um processo em
que a relação dos habitantes com a vida em público vai se alterando ao
poucos, como detectado adiante.
A cidade de São Paulo demonstra ainda nesta época o que pode ser visto
como uma parte de seu processo “civilizador”, mais ou menos nos moldes
propostos por Elias (1994), no qual formas de comportamento e posturas
provindas de uma elite e criados para atender as suas próprias necessidades de
expressão e convivência tornam-se, por uma lenta difusão, comuns a outros
estratos da sociedade. Sob a influência das idéias liberais e da postura francófila
dos estudantes, as antigas tradições, modos de convívio e de comércio começam
a ser considerados estranhos e “atrasados” e até mesmo leis e posturas
municipais começam a tentar mudá-los.
Observe-se, por exemplo, em janeiro de 1855, a campanha feita através
das páginas do jornal Correio Paulistano contra os festejos tradicionais do
período de Carnaval, que consistiam até então basicamente em festividades de
rua, o chamado Entrudo (Figura 8), quando as pessoas da elite tinham por
objetivo perseguir-se e atirar-se mutuamente limões e laranjas de cera cheios de
água perfumada, sob risos e chacotas mútuas. As damas sempre iniciavam as
batalhas e, segundo Campos (2004, p.289), era considerado “(...) grande
impropriedade um cavalheiro atirar água sobre outro (...)”. Quando se acabavam
as laranjinhas, apelava-se para baldes e tinas para continuar a brincadeira.
62
Figura 8 Comunicado publicado à página 4 do jornal Correio Paulistano em 10 de janeiro de 1855,
condenando a prática do Entrudo e pedindo sua punição pelas autoridades.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Clamando que “Aproxima-se a época dessa selvagerai (sic) chamado
entrudoe que embora “nossos costumes tem feito notável progresso” e que “já é
rara a família bem educada que se a espetáculo nas janellas e ruas”, ainda
assim os poderes públicos devem estar atentos à punição com multa dos que
infringirem o regulamento municipal que dois anos antes proibira este festejo
“brutal e grosseiro”, “immoral e perigoso”. Aparentemente, água perfumada e
barulho eram incompatíveis com os pendores românticos e civilizados.
63
Esta atitude contra a tradição surge ao mesmo tempo em que os registros
dos primeiros anunciantes que revelam uma nascente preocupação com a saúde,
identificada, neste caso, com a higiene, como o açougue apresentado na Figura
9. Note-se que, além de enfatizar como diferencial o corte mais cuidadoso e limpo
da carne, o “acceio” o mesmo denomina-se “Francez”, ou seja, originado na então
pátria do conhecimento científico e da sofisticação material.
Figura 9 Anúncio publicado à página 4 do jornal Correio Paulistano em 17 de março de 1855, oferecendo
os serviços de um novo fornecedor de carnes.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Em 05 de outubro daquele mesmo ano, num texto publicado na página 4
do Correio Paulistano a pedido do Dr. Ernesto Benedicto Ottoni, pode ser vista
uma confirmação dessa nova preocupação na vida da cidade, quando o mesmo
expõe o resultado de sua visita a um local proposto para substituir o tradicional
matadouro então em uso, a pedido da mara Municipal. O matadouro existente
havia sido identificado como um “(...) foco de infecção, que tem corrompido as
agoas do Anhangabaú (...)”, porém, afirma Ottoni, o novo local, vistoriado por ele,
não é indicado, pois o prédio é pequeno e está em mau estado de conservação,
podendo vir a gerar moléstias e está rio acima da cidade, o que faria com que:
“(...) as agoas do Tamandoatehy que podem servir ali para o asseio e limpesa do
matadouro, trarião para a cidade o sangue e os restos animaes em pretefução (sic) (...)”
A saída, segundo ele, seria levar o novo matadouro para longe da cidade,
de preferência em local alto e longe das fontes de água que serviam a cidade,
64
sugerindo ele como ideal o alto do Caguassu, com vistas para o caminho de
Santo Amaro, ou seja, o local onde futuramente se instalaria a Avenida Paulista.
Nesta mesma época, como lembra Ribeiro (2004, p.331), foram proibidos
os enterramentos nas Igrejas e o Cemitério Municipal começou a ser construído
em 1854, procurando levar para fora da área urbana imediata e conter possíveis
focos de doenças contagiosas.
A cidade contava, em meados da década de 1850, com cerca de 14.000
habitantes, tendo dobrado de tamanho desde a Independência. Este foi um
período de grande agitação na economia nacional, pois a Lei Eusébio de
Queirós, de 04 de setembro de 1850, proibiu o tráfico de escravos e liberou
assim uma grande quantidade de capital que se destinava a esse tipo de
comércio. Conforme Holanda (1995, p.77-79), os anos de 1851 a 1855 foram
de uma “febre intensa de reformas”, por ele definidas:
“(...) em 1851 tinha início o movimento regular de constituição das sociedades
anônimas; na mesma data funda-se o segundo Banco do Brasil (...); em 1852, inaugura-se
a primeira linha telegráfica na cidade do Rio de Janeiro (...) Em 1854 abre-se ao tráfego a
primeira linha de estradas de ferro do país (...) A segunda, que irá ligar a Corte a capital da
província de São Paulo, começa a construir-se em 1855.”
Além disso, conforme Tschudi (1980, p.48), entre 1840 e o triênio
1855/1858, triplicou a receita obtida pelo Brasil da exportação de café, pois
enquanto em 1840 foram vendidos 17.800 contos de réis, a média no triênio 1855
a 1858 foi de 48.500 contos de réis. Como a maior parte desta produção saía,
neste último período, da província de São Paulo, para ela também convergiu boa
parte da receita obtida, originando-se assim as grandes fortunas do café.
Na arquitetura e no urbanismo da cidade, surge uma incipiente “re-
europeização” dos costumes, pois, conforme Dias (1995, p.243), “alargavam-se
ruas, levantavam-se novas construções”. O relacionamento dos habitantes com o
espaço da cidade, aos poucos, tornava-se diferente e, segundo a mesma autora,
“despontavam costumes burgueses, como passeios e piqueniques (...)”. Estes
novos costumes geram, inclusive, pelo menos um novo empreendimento
comercial, como observado no anúncio da Figura 10.
65
Figura 10 Anúncio publicado à gina 4 do jornal Correio Paulistano em 27 de junho de 1855, oferecendo
novo espaço de entretenimento público na cidade.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
O ano de 1855 parece ter sido pródigo no surgimento de novas formas de
entretenimento na cidade. Mais um, o baile de máscaras do Hotel do Universo,
que se tornaria um evento repetido a cada três ou quatro meses, sempre com
anúncios, como exemplificado na Figura 11. É interessante notar, conforme a
Figura 12, que um comércio paralelo de aluguel de fantasias e acessórios
também se instalou.
66
Figura 11 Anúncio publicado à página 4 do jornal
Correio Paulistano em 21 de agosto de 1855,
oferecendo nova atividade de entretenimento
público na cidade.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Figura 12 Anúncio publicado à página 4 do jornal
Correio Paulistano em 28 de agosto de 1855,
oferecendo serviços complementares para o
entretenimento.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Na análise de outros anúncios que surgem neste período no Correio
Paulistano, mais especificamente em 1857, é importante registrar um número
notável de residentes estrangeiros responsáveis por serviços e comércio na
cidade: aparecem nas ginas daquele ano, além da francesa Madame Lagarde,
dona do Hotel da Providência, os anunciantes listados na Tabela 1. Além destes,
um grande número de anunciantes apresentam sobrenomes que indicam
nacionalidade não-ibérica; entretanto, optou-se por se apresentar aqui apenas
aqueles que se identificam por sua nacionalidade.
Em uma comunidade tão pequena, estes profissionais não podem ter
deixado de trazer uma forte influência cultural da Europa, sobretudo da França,
para o cotidiano daquela elite que utilizava mais constantemente os seus serviços
e mais marcadamente, conforme indicam as profissões, nas áreas ligadas à
aparência e apresentação pessoal. Pode-se especular, ainda, que seu
67
comportamento e hábitos seriam observados, criticados e, talvez, imitados, dentro
das possibilidades, por toda a comunidade, como modelos do “progresso” que
então se identificava como proveniente da Europa.
Ano Anunciantes Nacionalidades Serviços anunciados
N.J.V. Ferard Francesa Tintureiro
A. Masseran Francesa Dentista
Charles Andre Francesa Cabeleireiro
F.Teyssier Francesa Cabeleireiro
Madame Ponchy Francesa Modista
Izot e Merlin Francesa Relojoeiros e ourives
1857
João Wachter Alemã Relojoeiro
Tabela 1 Anunciantes estrangeiros de serviços no jornal Correio Paulistano, no ano de 1857. Foram
tabulados apenas os anúncios em que a nacionalidade é declarada pelo anunciante.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
A importância da cultura francesa para as elites da cidade fica mais bem
definida, quando somos informados de que era comum, nesta época, que as
famílias da elite mandassem seus filhos estudar na Europa. Maria Paes de Barros
(1998, p.93), filha do comendador Luís Antônio de Souza Barros, rico fazendeiro
de açúcar e café, nascida em 1851, relembra que em sua infância na cidade de
São Paulo estudava com afinco, mas em casa, com uma professora alemã que
ensinava em francês e pela qual a autora demonstra carinho e admiração. Seu
pai, nos diz ela, preocupado com a educação dos filhos:
“(...) procurava proporcionar-lhes os meios de obter cultura (...) Muitos escolhiam
a França; ele, porém, preferiu enviar os seus à Alemanha (...) para seguiram, pois, os
três rapazes mais velhos (...) enquanto as meninas estudavam com a Mademoiselle. Era
realmente bem dotada a professora: além de bonita, inteligente, culta e hábil em trabalhos
manuais e misteres de cozinha, falava diversas línguas, tocava, cantava e desenhava bem.
(...) Grandes e pequenos, todos no sobrado falavam francês. Também era nessa língua os
livros didáticos (…)”
Deve-se lembrar ainda que, por esta época, existia também na cidade
uma população apreciável de habitantes de origem estrangeira, principalmente
portugueses e alemães, provindos das diversas tentativas de introdução de
“colonos”, um processo que, segundo Campos (2004, p.32), trouxe para as
lavouras da Província, entre 1847 e 1867, cerca de sessenta mil trabalhadores
livres estrangeiros. Levados a condições duríssimas de vida e trabalho, uma boa
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parte não se adaptou e procurou a cidade para tentar trabalhos mais
especializados.
Analisando a vida econômica da cidade nos fins da década de 1850,
Nozoe (2004, p.113) detecta que existia na cidade de São Paulo deste período:
“(...) um panorama econômico modesto, porém dinâmico, oposto àquele
encontradiço na maioria dos estudos clássicos, nos quais, baixo a denominação ‘burgo de
estudantes’, sugerem um quadro de estagnação e mesmice urbanas (...) Como resultado,
tais estudos tendem a magnificar o inegável impacto da entrada em funcionamento das
linhas ferroviárias sobre as atividades desenvolvidas no âmbito da economia paulistana.”
O clima geral deste período, assim, parece indicar que a cidade
encontrava-se à beira de importantes mudanças culturais, precisando talvez de
algum catalisador que deflagrasse transformações mais profundas.
2.3 A chegada da “Inglesa” – 1860 a 1870
Firmo Diniz (1978, p.38) escreveu, em 1882, a respeito de uma visita a São
Paulo, que ele havia deixado após sua formatura na Academia de Direito, onde
fora contemporâneo de Álvares de Azevedo, trinta anos antes:
“O que porém muito atraiu minha atenção foi o movimento, a animação, a vida da
cidade, fato inteiramente novo para mim; quando daqui retirei-me as ruas eram pouco
freqüentadas, salvo em dias de festas (...)”.
Uma geração, apenas, separa estes dois quadros tão distintos. Entretanto,
o assombro de Diniz ao longo do texto deixa claro: é outro lugar, outro modo de
vida, numa revolução urbanística e de costumes. A São Paulo reencontrada por
ele mudou profundamente desde 1852 e esta mudança foi deflagrada justamente
neste período chave englobado entre 1860 e 1870, como conseqüência de uma
série de fatores.
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Esta foi a década que viu o estabelecimento definitivo do café como
grande força econômica do país, o surgimento das imensas fortunas cafeeiras
paulistas e, como um catalisador das mudanças comportamentais, a chegada da
ferrovia, trazendo à cidade de São Paulo a possibilidade de acesso rápido ao mar
e ao interior da Província, às mercadorias, às notícias, ao mundo, enfim.
Entretanto, cabe aqui lembrar a colocação de Hoggart (1973, v2, p.10-11),
analisando mudanças de comportamento na classe trabalhadora inglesa:
“As alterações dos comportamentos processam-se, na maioria dos aspectos da
vida social, com grande lentidão. As atitudes novas são incorporadas noutras já existentes,
parecendo por vezes, à primeira vista, formas das atitudes ‘antigas’ que receberam uma
nova aparência. Os indivíduos vivem assim simultaneamente e sem dificuldade aparente
em ‘climas mentais’ diferentes. Se bem que as atitudes antigas se mantenham mais
evidentes nas pessoas de meia idade, as novas influências também nelas se fazem sentir.
Por outro lado, um rapaz novo (...) conserva atitudes que lembram as do seu avô.”
Assim, de um lado, no final dos anos 1850, a comunidade tradicionalista e
ainda bastante sisuda de São Paulo se mostrava um pouco mais aberta e
tolerante a divertimentos familiares, tais como passeios e bailes, e gerava
demanda para modistas, cabeleireiros e outros profissionais estrangeiros,
denotando um lento movimento de mudança comportamental. Num retrato de
1860, por outro lado, nota-se ainda a permanência de forte tradição colonial no
comportamento da população em geral e a sua ainda frágil condição econômica,
quando Zaluar (1975, p.128-129) assim a descreve:
“A antiga cidade dos jesuítas deve ser considerada, pois, debaixo de dois pontos
de vista diversos. A capital da província e a Faculdade de Direito, o burguês e o estudante,
a sombra e a luz, o estacionarismo e a ação, a desconfiança de uns e a expansão muitas
vezes libertina de outros e, para concluir, uma certa monotonia da rotina, personificada na
população permanente e as audaciosas tentativas do progresso, encarnadas na população
transitória e flutuante. (...) Os habitantes da cidade e os cursistas da Academia são dois
corpos que não se combinam. (...) No entanto, apesar de toda esta diversidade de
pensamentos, de hábitos e costumes que caracteriza os dois ramos da população da
capital, esta é uma das condições infalíveis da sua prosperidade. Tirem a Academia de
São Paulo, e esse grande centro morrerá inanido. Sem lavoura e sem indústria montadas
em grande escala, a capital da província, deixando de ser o que é, deixará de existir.”
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Começando pelo próprio espaço urbano, suas vias e construções:
observando-se imagens fotográficas do período, exemplificadas aqui pelas de
Militão Augusto de Azevedo, como os exemplos das Figuras 13 e 14, podem ser
notadas as calçadas estreitas, o alinhamento um tanto irregular de ruas e casas e
o calçamento desigual ou inexistente. Em 1862, ano das fotos, continuam ainda a
dominar a paisagem urbana os velhos e austeros casarões de taipa, de largos
beirais e aspecto simples, que tanto incomodavam, na cada de 1850, o
estudante do Largo de o Francisco e poeta Paulo Eiró, a ponto de o mesmo
dizer de um deles, em um de seus poemas (Rosso, 2004, p.115-116):
“Do céu à luz decadente
Contemplai esse sobrado
Que na face do presente
Lança o escárnio do passado
Seu vulto ali está
Nas trevas nódoa mais densa
Como sacrílega ofensa
Em alma perdida já.”
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Figura 13 - Rua São Bento, esquina com Rua do Ouvidor, 1862. Note-se a predominância da arquitetura
colonial tradicional de grossas paredes de taipa, beirais largos e pouca ornamentação, além do alinhamento
irregular, refletindo a ainda pouca importância econômica da cidade neste período. O sobrado da direita
pertenceu ao Brigadeiro Luís Antônio, considerado o homem mais rico da São Paulo dos princípios do
século XVIII e era, na época da foto, ocupado por seu filho, Barão de Sousa Queiroz (CAMPOS, 2004,
p.194). No número 83 desta mesma rua foi inaugurado, em 30 de novembro do ano em que a foto foi feita, o
primeiro restaurante da cidade de o Paulo, o “Restaurant de Pariz”, de Alexandre Bourgain. (Foto de
Militão Augusto de Azevedo)
Fonte: São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. CD-ROM. São Paulo: OESP; Terceiro
Nome, 2004.
Figura 14 - Rua da Imperatriz, atual Rua 15 de Novembro, 1862. Aparecem, mais uma vez, predominantes
ainda os elementos da arquitetura tradicional, inclusive as rótulas e o uso do mucharabiê nos balcões
superiores do primeiro sobrado à esquerda. Note-se também o calçamento irregular. (Foto de Militão
Augusto de Azevedo)
Fonte: São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. CD-ROM. São Paulo: OESP; Terceiro
Nome, 2004.
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Resumindo a caminhada de desenvolvimento econômico da cidade, Porto
(1992, p.47) afirma:
“Após a era das bandeiras, nos séculos XVII e parte do XVIII, a antiga província de
São Paulo permaneceu durante quase cem anos em estado de acentuada pobreza;
somente depois de 1860 é que a produção cafeeira começou a ter importância. Os
documentos antigos preferiram referir-se aos paulistas e não a São Paulo; o destaque
urbano da Capital só apareceu com as estações de estradas de ferro e a cultura do café”
A década de 60 do século XIX, portanto, foi um momento em que se
detecta que São Paulo realmente começou um de seus processos mais
profundos de mudanças.
Inicialmente, deve-se remeter à situação de guerra com o Paraguai, que
durou de 1864 a 1870, para lembrar que este processo poderia ter sido ainda
mais rápido, não estivesse a sociedade, como relembrou Barros (1998, p.132),
tomada de ardor patriótico: “O assunto principal de todas as reuniões era a
guerra, e dominante o desejo de vingança (...)”.
Na base das transformações deste período, vamos encontrar
principalmente a acumulação de capital proveniente da expansão da lavoura
cafeeira no então chamado Oeste Paulista, a região de Campinas. Segundo
Toledo (2003, p.357), entre 1835 e 1850 a produção de café desta região subiu
de 808 para 200.000 arrobas de café, que tinham de ser escoadas para o porto
de Santos no lombo de tropas. A expansão dos cafezais continuou no mesmo
ritmo na década de 1850, e os fazendeiros começaram a pressionar o Governo
Imperial por uma solução para o transporte mais eficiente de suas safras.
Desde a construção da Estrada da Maioridade, já era possível o trânsito de
carruagens e carroças maiores e em meados da década de 1860 havia até
mesmo serviços de transporte público organizado, as diligências, como
demonstra a Figura 15.
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Figura 15 – Anúncio publicado à página 4 do jornal Correio Paulistano em 01 de janeiro de 1865.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo
Entretanto, com o café surgiu a necessidade de escoamento rápido de
grandes volumes de mercadoria. Embora desde o regente Feijó, em 1835,
tivessem existido tentativas de iniciar trabalhos para a construção de linhas
férreas na Província, as mesmas se viabilizaram pelo decreto Imperial 1.759,
de 26 de abril de 1856; entre seus concessionários estava Irineu Evangelista de
Sousa, barão e depois visconde de Mauá, o qual, segundo Toledo (2003, p.362):
“(...) fez então o que sempre fazia para viabilizar seus empreendimentos: foi a
Londres, recolher capitais e tecnologia. Em 1860, estava constituída, entre Mauá e os
ingleses, a São Paulo Railway Company (...)”
Assim chegou ao fim o isolamento da cidade de São Paulo, definitivamente
vencido quando a estrada de ferro a ligou a Santos e a Jundiaí. Em 15 de maio
de 1860 foi batida a primeira estaca, na estação de Santos, e o primeiro Plano
Inclinado da Serra foi inaugurado em julho de 1864, o qual se utilizava de cabos
de aço para fazer subir e descer as composições. em 06 de setembro de
1865, os trilhos entre São Paulo e a serra estavam assentados e numa viagem
comemorativa e experimental, conforme Toledo (2003, p.361), “(...) São Paulo
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conheceu o desastre de trem antes de conhecer o trem (...)”, pois os vagões se
descontrolaram e a curta viagem terminou com a morte de duas pessoas e
diversos feridos.
Finalmente, a 16 de fevereiro de 1867, a “Inglesa”, como ficou conhecida
a ferrovia, era entregue ao público, sem grandes festas e aclamações populares,
talvez em função do trauma anterior (Figura 16). Entretanto, a sua chegada a São
Paulo, para Bastos (1996, p.15), foi um dos fatos mais importantes da história da
cidade, pois:
“(...) reforçou sua tendência comercial. Palco de interligação dos ramais
ferroviários, a cidade passou a estabelecer contato permanente com o porto de Santos, a
zona agrícola do interior, Rio de Janeiro e sul de Minas Gerais. A facilidade de transporte e
de comunicação, aliada à sua crescente função comercial, atraiu para a capital
fazendeiros, homens livres e imigrantes.”
Figura 16 – Anúncio publicado à página 4 do jornal Correio Paulistano em 05 de fevereiro de 1867.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo
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Morse (1954, p.183) também identifica nessa época o início da tendência
não das elites se radicarem definitivamente na capital, mas também a
diversificarem suas atividades, pois:
“(...) com as estradas de ferro, os fazendeiros de café, acostumados a morar em
suas propriedades ou nas cidades pequenas das redondezas, podiam agora gozar de uma
vida mais confortável e mais animada na capital, continuando em estreito contato com
suas fazendas. Como moradores da cidade possuidores de riqueza, prestígio social e
instrução de nível superior, muitos deles ingressaram em atividades econômicas urbanas –
como diretores de estradas de ferro, pioneiros da indústria, banqueiros etc. - ou em
profissões com que estavam familiarizados desde os tempos de estudantes, tais como as
lides forenses, a política ou o jornalismo.”
Representantes da elite cafeeira e rural passam assim a exercer de fato
seus bacharelados: a alta burguesia paulistana cresce e se estabelece na cidade
e fica claro que mudanças culturais importantes estão acontecendo.
Com o aumento de rendas e a maior facilidade de transporte durante a
década de 1860, iniciou-se também o que Pires (2001, p.184) chama de “(...)
fluxo emissivo sem precedentes na história do Brasil (...)” de viajantes com
destino à Europa. Embora não haja estatísticas, sabe-se pelos relatos e
biografias, como a de Maria Paes de Barros, que a elite cafeeira tornou-se cada
vez mais interessada na cultura e sociedades européias, mandando seus filhos
estudarem e em viagens de recreio, experiências das quais estes voltavam com
uma nova visão de mundo e novas necessidades. Em 1862, por exemplo,
Antonio Prado, neto do Barão de Iguape e filho de D. Veridiana Prado, importante
figura da sociedade paulistana de seu tempo, partiu para seu “banho de
civilização europeu, passando por Portugal, França, Inglaterra, Suíça e
Alemanha, de onde escrevia constantemente à mãe; numa das cartas, datada de
23 de outubro de 1863, segundo Pires (2001, p.199), ensaia uma surpreendente
autocrítica a respeito da elite brasileira, afirmando que:
“(...) infelizmente, nós devemos ser contados no número daqueles que renegam
com facilidade os costumes de seus avós, para cobrir-nos do ridículo de uma imitação
servil dos caprichos da moda parisiense.”
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Porém, a tendência à “europeização” desta elite prevaleceu, pois os que
não aderiam a ela e insistiam nos “costumes dos seus avós”, acabavam rotulados
de “caipiras”. Em acordo, portanto, com a proposta de Bourdieu (1984, p.23),
segundo a qual a aquisição de capital cultural considerado adequado é
obrigatória a qualquer indivíduo que pretenda pertencer à elite, como dito, sob
pena de não ser reconhecido como parte dela pelos seus pares. Percebe-se aqui
claramente, ainda, a intensidade do “fenômeno de negativa” proposto pelo autor
(1984, p.56), no sentido de que o gosto aceito, europeu, se legitima na crítica
e/ou diferenciação daquilo que é identificado com o “outro”: o “caipira”, retrógrado,
atrasado. O gosto dos detentores de alto capital cultural é uma das formas para
assegurar posições de status na hierarquia social, conforme Bourdieu (1984,
p.466), através do exercício de uma marca de “distinção”, pois estabelece e
assegura reconhecimento a um indivíduo no espaço social, funcionando como
guia para que os demais ocupantes do espaço social se ajustem a práticas ou
bens os quais convém à sua posição. Acostumados a novos costumes, produtos
e serviços em suas viagens, ao voltar à cidade estes consumidores de alto poder
aquisitivo apresentavam-se ansiosos para manter os hábitos adotados, gerando
novas demandas aos comerciantes e prestadores de serviço, sem contar a
incipiente indústria nacional e, ao mesmo tempo, tornando-se exemplos novos
para a sociedade paulistana do que era socialmente correto e desejável,
afastando-se dos costumes tradicionais.
Pires (2001, p.200), analisando as necessidades e exigências dos
consumidores da elite paulistana desta época, afirma:
“Esta atitude permeava todos os aspectos da vida. Importavam-se máquinas para
as poucas indústrias existentes, materiais de construção para reerguer a cidade em outros
moldes, livros, arte, moda, decoração e gêneros alimentícios (...)”
Com relação aos gêneros alimentícios, pode se observar, na Tabela 2, a
diferenciação ocorrida entre o final da cada de 1850 e o final da década de
1860 entre os produtos oferecidos em anúncios do Correio Paulistano, denotando
a sofisticação de qualidade e a facilitação de importação entre os dois períodos.
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Ano Número de
anúncios
Gêneros anunciados
1857
13 Chá, hortaliças, vinagre, licores, marmelo, cerveja, vinhos importados,
bacalhau, peixes em conserva, badejo, garoupa, sardinha em lata,
queijos, manteiga inglesa, legumes em lata
1859
18 Arroz, pêras, hortaliças, chá, café moído, manteiga, carne, peixes,
camarões, ostras, goiabada, cervejas, vinhos importados, licores
1867
56 Peras, maçãs, melancias, ananazes, laranjas, figos, passas, cebolas,
manteiga, nozes, castanhas, cocos, queijo suíço, leite, leite
condensado, toucinho, banha, azeite de dendê, frutas em lata, doces
em lata, legumes em lata, frutos do mar em lata, peixe fresco, camarão
fresco, ostras, bacalhau, vinhos importados, cerveja, absinto, licores,
cognac, água gasosa com sabores, sal refinado
1869
43 Carne, cereais, peixes, frutas, chocolate, camarão fresco, ostras,
bacalhau, sardinhas, peixe fresco, maçãs, melancias, passas, cebolas,
manteiga, nozes, castanhas, queijo suíço, queijo francês, queijo de
Minas, leite, cerveja, vinhos importados, licores, cognac, água gasosa
com sabores
Tabela 2 Gêneros alimentícios anunciados nas páginas 3 e 4 do jornal Correio Paulistano, nos anos de
1857, 1859, 1867 e 1869.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Buscando suprir outras necessidades, logo surgem em o Paulo
fornecedores diferenciados. em 1860, por exemplo, começou a funcionar a
Casa Garraux, do francês Anatole Louis Garraux, a qual inicialmente vendia livros
e papelaria, segundo Campos (2004, p.28), mas rapidamente expandiu seu
portfolio de produtos, como se vê nos anúncios das Figuras 17, 18 e 19.
Figura 17 Anúncios publicados à página 4 do jornal Correio Paulistano, em 01 de janeiro de 1862 e em 12
de março de 1862, respectivamente. Nesta época a Casa Garraux ainda tinha como principal foco a venda
de livros, mas já começava a diversificar sua mercadoria.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo
78
Figura 18 Anúncio publicado à página 4 do jornal Correio Paulistano em 08 de fevereiro de 1867. Neste
anúncio, a Casa Garraux apresenta uma ampla variedade de mercadorias, inclusive comercializando
maquinário diretamente para a agricultura.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo
79
Figura 19 – Anúncio publicado à página 4 do jornal Correio Paulistano em 01 de dezembro de 1870.
Aumentando ainda mais sua diversificação de mercados, aqui são oferecidas assinaturas para periódicos
estrangeiros. Pelos títulos, muitos dirigidos às mulheres e jovens, se confirma a afirmativa de Maria Paes de
Barros de que o francês era língua universal da elite.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo
Surge na cidade uma grande variedade de lojas especializadas em
gêneros importados e de luxo, das quais podem ser vistos exemplos na Figura
20, negociando itens como jóias e roupas, cristais, pratarias, porcelanas e outros
objetos decorativos, que visavam aproximar as casas das elites e o seu vestuário
do modelo europeu desejado. De certa forma, repete-se aqui o fenômeno
observado por Roche (1998, p.157) na cidade de Paris do século XVIII, onde
segundo a autora a prosperidade da população burguesa refletiu-se em novas
necessidades, uma nova sociedade urbana que busca diferentes consumos em
estabelecimentos de luxo, tais como lojas de moda, livrarias, casas de
80
espetáculos etc., o que viria a gerar uma rápida transformação também em São
Paulo.
Figura 20 Anúncios publicados no jornal Correio Paulistano, à página 4 em 24 de abril de 1862 e à página
3 do dia 15 de março de 1865, respectivamente, onde pode se observar a sofisticação da oferta de
mercadorias pelos comerciantes da cidade de São Paulo.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo
Ainda neste mesmo período, segundo Rolnik (1997, p.349-350), a noção
de “melhoramentos” começa a ser guiada pelas diretrizes funcionais e estéticas
do sanitarismo, ou seja: “tornar saudável ou higienizar e aprazível ou embelezar.
(...). A imagem elaborada como o avesso dos melhoramentos é a das doenças”.
Assim ao olhar do público passa a ser apresentada “a sujeira aliada às
doenças e a limpeza como par constante da saúde”, alterando definitivamente a
noção de práticas e de condições aceitáveis para o dia-a-dia, inclusive para a
hospedagem e a alimentação, como o exemplificado na ênfase dada pelo
empresário, na Figura 21, à limpeza de sua padaria, inclusive convidando seus
clientes a verificarem pessoalmente a mesma, “(...) a qualquer hora do dia ou da
noite.”
81
Figura 21 – Anúncio publicado à página 4 do jornal Correio Paulistano em 25 de setembro de 1862.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo
Atendendo a estes novos padrões, podemos verificar ainda pelos
anúncios, como nos exemplos da Figura 22, que surgem na cidade de o Paulo
serviços especializados na manutenção da higiene e fornecimento de água
potável, com o foco de sua divulgação também no “aceio”.
Figura 22 – Anúncios publicados no jornal Correio Paulistano, à página 4 em 06 de junho de 1862 e à página
4 do dia 28 de dezembro de 1862.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo
82
A sofisticação crescente nos serviços pessoais também é notável, surgindo
anúncios como os das figuras a seguir (23 e 24), onde se pode observar também
a constante referência aos padrões e modelos europeus como forma de
valorização do produto oferecido.
Figura 23 – Anúncio publicado no jornal Correio Paulistano, à página 4 em 06 de junho de 1862.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo
83
Figura 24 – Anúncio publicado no jornal Correio Paulistano, à página 3 em 15 de fevereiro de 1865.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo
Outro aspecto que surge dos anúncios deste período é a existência ainda
de uma grande população de profissionais estrangeiros, onde mais uma vez os
franceses m destaque. Pires (2001, p.200) afirma também que entre os novos
hábitos da elite paulistana europeizada “(...) estava o de empregar extensa
criadagem estrangeira (...)”, o que aumentaria ainda mais esta população.
Em 1867, como pode ser observado na Tabela 3, houve também uma
mudança nas qualificações profissionais anunciadas por estrangeiros, em relação
às apresentadas 1857, conforme Tabela 1, pois os serviços de educação passam
a representar a parcela mais importante, superando os serviços de beleza.
84
Ano Anunciantes Nacionalidades Serviços anunciados
Mr.W.D.Pitt Inglesa Professor de inglês
Mme.Corbisier Francesa Modista
Mme.Chameroy Francesa Parteira
1867
M.Rochet Francesa Professor de francês
Tabela 3 Anunciantes estrangeiros de serviços no jornal Correio Paulistano, no ano de 1867. Foram
tabulados apenas os anúncios em que a nacionalidade é explicitamente declarada pelo anunciante.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Em relação à presença estrangeira na cidade detectável pelos anúncios, é
notável, ainda, encontrar a instalação de uma representação consular italiana
(Figura 25), num período em que a historiografia tradicional afirma que a
presença destes era praticamente nula. Segundo Campos (2004, p.34), por
exemplo, apenas “(...) o ano de 1874 registra a presença dos cinco indivíduos
iniciais de um processo que se foi adensando (...)”.
Figura 25 – Anúncio publicado no jornal Correio Paulistano, à página 4 em 25 de novembro de 1865.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo
Da mesma forma, muitos relatos e a historiografia da cidade afirmam que o
progresso econômico e o acúmulo de capital anteriores à década de 1870 ainda
85
não se refletiam muito marcadamente em alterações nos costumes e atividades
culturais da cidade. Em Rosso (2004, p.225), por exemplo, encontramos uma
breve reflexão de Castro Alves, quando estudante no primeiro ano das Arcadas,
em uma carta de 1868. Após referir-se à imagem que os “filhos do Norte” fazem
de São Paulo como um “(...) oásis da liberdade e da poesia plantado em planas
campinas do Ipiranga (...)”, conclui que esta imagem é, ao mesmo tempo, real e
não, pois:
“Se a poesia esno envergar do poncho escuro, se a poesia está no esfumaçar
do quarto com o cigarro clássico, enquanto fora o vento esfumaça o espaço com a
garoa, se a poesia esno espreitar de uns olhos negros através da rótula dos balcões ou
através das rendas da mantilha que em amplas dobras esconde as formas das moças,
então a Paulicéia é a terra da poesia (...)”
Porém, ao observar os anúncios do Correio Paulistano ao longo deste
período, pode ser verificada a existência de opções cada vez mais sofisticadas e
freqüentes de entretenimento e cultura.
Eram comuns, por exemplos, exposições itinerantes de curiosidades:
objetos, máquinas e animais raros, normalmente mantidos por seus proprietários
em salões alugados de hotéis ou num dos teatros, para os quais se cobravam
entradas, como o caso de Eneas Bruce, que em 1862 apresentava ao público
paulistano as maravilhas do microscópio (Figura 26). Num anúncio em que
procura ao mesmo tempo estimular a curiosidade e educar o blico sobre as
utilidades e importância da novidade, pois “(…) auxilia os estudos chimicos,
botanicos, anatomicos e geológicos; de-se mesmo dizer que fornece ao
homem um novo sentido (…)”, ele tenta também, aparentemente, evitar vidas
sobre a sua condição de crente em Deus, afirmando que conhecer as belezas
escondidas em “(…) todas as partes da creação (…)” aumenta a reverência pelo
“(…) benefico e todo-poderoso Creador.” Tudo isso podia ser apreciado por mil
réis (quinhentos réis para as crianças), no Hotel das Quatro Nações.
86
Figura 26 – Anúncio publicado no jornal Correio Paulistano, à página 4 em 24 de abril de 1862.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo
A prática de bailes de salão comerciais também estava bem estabelecida e
organizada neste período, acontecendo diversos durante o ano, como mostra a
Figura 27, havendo inclusive grandes bailes de máscaras no Carnaval que foram
substituindo aos poucos o Entrudo, embora este costume antigo ainda resistisse
bravamente em 1870, como demonstra a Figura 28.
87
Figura 27 Anúncios publicados no jornal Correio Paulistano, à página 4, em 28 de fevereiro de 1862 e em
06 de janeiro de 1865, respectivamente.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo
Figura 28 Anúncio publicado no jornal Correio Paulistano, à página 3, em 04 de fevereiro de 1870. A oferta
de cestas para conduzir as laranjinhas de cera deixa claro que, apesar da forte campanha oficiosa de
oposição, o “progresso” ainda não banira o “grosseiro” costume.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo
A arte dramática também continuava sendo uma constante paixão da
sociedade paulistana neste período, pois, segundo Campos (2004, p.272-273):
88
“Em 1860, estreou no ‘teatrinho do Palácio’ a Sociedade União e Constância,
composta em geral por jovens artistas e negociantes. A Casa da Ópera, conhecida
também como Teatro de São Paulo, abrigava os principais espetáculos da Cidade, mas
existiram outros teatros, como um edificado por um estudante na chácara de sua mãe, no
Cambuci, e outro na Freguesia de Santa Efigênia, ‘cômico e burlesco, destinado a
despertar hilaridade’.”
A partir de 1864, a cidade passou a contar com um novo teatro, o de São
José (Figura 29), o qual esteve em construção desde 1858 e que, de acordo com
Campos (2004, p.272) tinha capacidade para mais de 1200 espectadores. Nele,
os dramalhões adaptados de originais franceses e ingleses ou ainda escritos por
estudantes da Academia, ao poucos “(…) foram dando lugar a peças de Martins
Pena, de Jode Alencar, de Macedo, de França Junior, que tratavam de temas
brasileiros.” O grande número de lugares e a freqüência (pelo menos duas
diferentes por s, na década de 1860) de peças levadas à cena transmitem a
importância e popularidade da atividade teatral no período.
Figura 29 – O Teatro de São José, no antigo Largo de São Gonçalo, atual Praça João Mendes, aqui visto em
1862 quando ainda se encontrava em construção (foto de Militão Augusto de Azevedo), passou a ser a
maior casa de espetáculos da cidade de São Paulo a partir de sua inauguração em 1864, encenando muitas
peças dos principais autores dramáticos brasileiros, como Martins Pena, como demonstra o anúncio
publicado no jornal Correio Paulistano, à página 4, em 03 de janeiro de 1867.
Fontes: o Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. CD-ROM. São Paulo: OESP; Terceiro
Nome, 2004 / Arquivo do Estado de São Paulo.
A partir de 1870, as mudanças da cidade se aceleraram por várias razões,
conforme Porto (1992, p.50): “(...) a expansão da cultura cafeeira, a multiplicação
89
das vias férreas, a imigração européia, o afluxo de capitais estrangeiros, o
loteamento de chácaras localizadas nos arrebaldes da cidade”. A partir de então,
a taipa, considerada feia e rústica, foi substituída como material de construção; e
os velhos casarões e sobrados foram sendo demolidos, trazendo a crescente
“europeização” dos costumes e modo de vida que se pôde detectar durante as
décadas de 1850 e 1860, também para a face imediatamente visível da cidade,
em suas ruas e construções.
90
3. RESTAURANT À MODA DE PARIS”
O surgimento do restaurante, como forma diferenciada de estabelecimento
de alimentação na cidade de São Paulo, atendendo a pelo menos as duas
características principais definidas desde seu surgimento em Paris, ou seja, a
possibilidade de ser servido em uma mesa à parte, sozinho ou com os
acompanhantes escolhidos e a de escolher antecipadamente o que comer em
uma carte (cardápio), pagando apenas pelo prato consumido, foi um processo
que acompanhou as mudanças econômicas e de costumes da sociedade em que
se inseria. Assim, como se verá neste capítulo, apenas quando a elite paulistana
passou a ser mais fortemente atingida por influências e idéias européias,
principalmente francesas, e iniciou um processo de rejeição aos padrões
tradicionais de comportamento herdados do período colonial, no qual a
hospitalidade era objeto de domínio quase exclusivamente doméstico, abriu-se
espaço para este modelo.
3.1 “Mesa redonda”
No período colonial, os negócios e, portanto, os visitantes, eram poucos na
vila de São Paulo. Por isso, segundo Podanovski (1988, p.12), em 1599 havia
apenas uma única “casa de pastode propriedade de um certo Marco Lopes,
que, atendendo a convocação da Câmara local a interessados, começou a
oferecer refeições naquele ano. Malvista pelos moradores da cidade, a casa de
pasto fornecia refeições e hospedagem a viajantes, tropeiros e aos sitiantes que
visitavam a cidade a negócios e o conseguiam retornar no mesmo dia. Ao
longo dos séculos seguintes, segundo o autor, alguns novos locais surgiram, mas
mantendo sempre o estilo rude do pioneiro. Estes estabelecimentos, olhados com
desconfiança pelas famílias tradicionais locais em razão de sua clientela de
viajantes e prostitutas, atraíam pouca freguesia e por isso não se multiplicavam.
Em 1819, Auguste de Saint-Hilaire (Bruno, 1981, p.38) relata de sua
chegada a São Paulo, onde teve de ficar em ranchos de tropeiros, então a única
modalidade de estabelecimento de hospedagem:
91
“À cerca de meia légua da cidade encontra-se um rancho real – o de Água Branca
extraordinariamente cômodo para os viajantes que, em São Paulo, tanta dificuldade têm
de encontrar alojamento quanto nas outras povoações do interior do Brasil. Indicaram-me a
hospedaria de um indivíduo conhecido por Bexiga (...) Fizeram entrar meus animais em um
terreno lamacento, cercado de um lado por um fosso e dos outros dois lados por pequenas
construções cujas numerosas portas davam para o referido terreno.”
Entre todas as avenças da Câmara Municipal do período de 1808 a 1824
19
,
encontram-se referências apenas a “vendas” e “botiquins”, muitos pertencentes a
escravos libertos, pagando uma taxa de 1.600 réis para negociar “gêneros da
terra” ou entre 1.760 a 2.240 réis para “gêneros de fora”. Não há ainda registro de
outras denominações, tais como hospedarias ou mesmo tabernas.
Aparentemente, distinções deste tipo ainda não se faziam necessárias e,
provavelmente, o Bexiga referido acima pagava por seu estabelecimento a
mesma quantia de uma “venda”.
No depoimento de Francisco de Assis Vieira Bueno sobre a São Paulo de
um período mais adiantado, entre 1830 a 1840, (Bruno, 1981, p.52), fica claro
que a hospitalidade comercial tivera neste intervalo muito pouco melhoramento:
“Não havia hospedarias, porque os viajantes vindos do interior eram poucos, em
razão de as viagens a cavalo, por maus caminhos, serem difíceis, e por serem ainda mais
poucos os que vinham do exterior (...) era suficiente a hospitalidade particular. Não havia
também restaurantes, pelas mesmas razões que não havia hospedarias; (...) Igualmente
não havia cafés, porque o precioso grão ainda era vasqueiro e, por conseguinte, caro. (...)
para os viandantes chamados tropeiros havia albergarias de uma espécie sui generis.
Eram situadas nas entradas da povoação e consistiam em fileiras de quartos contíguos e
de uma só porta (...) Os donos cobravam aluguel dos quartos e do pasto e vendiam
alguma coisa na indefectível taverna, pouco mais que a indispensável cachaça.”
Mais uma vez, nas avenças recebidas pela Câmara Municipal da cidade
entre 1833 e 1843
20
(quando deixam de ser contabilizadas em livros), constam
valores entre 1.600 e 3.000 réis pela abertura ou manutenção de “vendas”,
“botequins”, “tabernas de molhados” e “armazéns”, com a ausência ainda de
estabelecimentos que fossem pelo menos reconhecidos pela municipalidade
como hotéis, hospedarias, restaurantes, confeitarias ou cafés.
19
Avenças da Câmara Municipal de S.Paulo, vol. 281, Arquivo Histórico Municipal.
20
Avenças da Câmara Municipal de S.Paulo, vol. 283, Arquivo Histórico Municipal.
92
Porém, contrariando estas evidências, temos um relato que indica que,
pelo menos desde 1839, um estabelecimento atendia às necessidades dos
viajantes mais exigentes na cidade de São Paulo. Daniel P. Kidder, missionário
metodista americano que visitou São Paulo naquele ano, deixou relato da sua
chegada a o Paulo através da várzea do Ipiranga e da sua instalação na
cidade (Bruno, 1981, p.56):
“Dirigindo-nos à única casa onde se pode obter hospedagem, instalamo-nos logo,
com todo o conforto. A hospedaria está sob direção de um tal Charles, francês casado com
portuguesa e há muito que o casal reside no lugar.”
Conforme Podanovski (1988, p.15-16), apenas em 1847, quase 250 anos
depois do pioneiro de serviços de alimentação Marco Lopes, aparece registro da
existência em São Paulo de dois pequenos estabelecimentos, ambos de
proprietários franceses, um deles justamente um Charles Fischer, que o pode
ser outro além do hospedeiro de Kidder, e o outro, um certo Frederic Fontaine.
De Frederic Fontaine, não se obteve em literatura ou em anúncios posteriores
maiores detalhes, exceto de que realmente existiu; entretanto, uma notícia
posterior denota seu falecimento e alguns pormenores da gestão de sua massa
falida, e deixa entendido que o mesmo, apouco antes de falecer, trabalhava
também com aluguel de carros, conforme se observa na Figura 30. O
estabelecimento de Fischer, porém, uma hospedaria e também casa de banhos,
de nome “Serêa Paulista”, aparece repetidamente, inclusive nos anúncios (e
durou por um tempo surpreendentemente longo, pois ainda aparece com o
mesmo nome em uma foto do Largo São Bento, de Militão Augusto de Azevedo,
de 1887). É citado, por exemplo, também por Freitas (1985, p.125), o qual afirma
que era muito simples e que uma das especialidades da casa era o bife a cavalo.
Ainda Bruno (1991, v.2, p.672), confirma que existiam, nesta época, as “(...)
estalagens dos franceses Charles e Fontaine, que davam hospedagem para
quem tivesse carta de apresentação”. Firmo de Albuquerque Diniz
21
(1978, p.39),
relembrando seu tempo de estudante da Academia, entre 1847 e 1852, confirma:
21
Juiz, natural do Rio de Janeiro, estudou na Academia de Direito de São Paulo entre 1848 e 1852
e deixou relato publicado de uma visita à cidade em 1882, após trinta anos de afastamento.
93
“(...) não havia um hotel; tínhamos o pequeno restaurante do velho Charles e o do
Frederico Fontaine; quando íamos a qualquer deles, procedíamos com cautela, porque ir a
uma casa dessas não era então um ato que recomendasse o freguês à estima pública,
trazia um não sei o quê de desconsideração.”
Figura 30 – Anúncio publicado à página 4 do jornal Correio Paulistano em 26 de dezembro de 1855,
oferecendo os serviços de aluguel de carros que haviam pertencido ao falecido Frederico Fontaine e faziam
parte na data da massa falida gerenciada por José Theodoro Xavier.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Assim, até mesmo os estudantes, que em sua maioria vinham de fora para
estudar na cidade, evitavam serem vistos entrando ou saindo de locais blicos
de alimentação, sob pena provavelmente de se virem proibidos de freqüentar as
famílias locais. Por isso e pela pobreza geral dos cardápios, no início dos anos
1850, acrescenta Diniz (1978, p.77), para receber pessoas de maior cerimônia:
“(...) se se quisesse dar um jantar bem servido, seria necessário encomendá-lo
com antecedência de muitos dias; e quanto a vinhos, cervejas e licores, indispensável se
tornaria mandar vir tudo isso de Santos, ou mesmo da Corte.”
Deve-se notar aqui que o uso da palavra “restaurante” em relação a estes
estabelecimentos, assim, é feito muito posteriormente, por Diniz; Kidder, em seu
relato, chama o estabelecimento de Charles de “hospedaria”. Pelas descrições
dos anúncios analisados, publicados a partir de 1855 no jornal Correio Paulistano,
e mesmo pelos usos locais na época, tudo leva a crer que estes dois
estabelecimentos serviam em table dhôte, sistema conhecido naquela época em
São Paulo como “mesa redonda”, com pratos simples e preço fixo por pessoa ou
incluído junto com os serviços de hospedagem. A origem francesa dos seus
proprietários, provavelmente, foi a principal razão da sua descrição posterior
94
como restaurante, então um tipo de empresa de alimentação bem estabelecido
em toda a França e na Corte brasileira; e talvez, até uma forma encontrada pelos
seus proprietários de melhor aliciar clientes entre os estudantes francófilos da
cidade.
As outras empresas de alimentação que podem ser detectadas nesta
época pelos anúncios do Correio Paulistano confirmam em grande parte a
avaliação de Diniz com respeito à falta de sofisticação e oferecem produtos ainda
relativamente simples, como pode ser visto na Figura 31. Nota-se que o tipo de
serviço oferecido aqui é, em tudo, paralelo às características da categoria de
traiteur das antigas guildas francesas, ou seja, aqueles que combinavam com os
clientes a preparação e entrega de pratos para o consumo em casa, sistema que
era geralmente anunciado na época em São Paulo como “encomenda”.
Figura 31 Anúncio publicado à gina 4 do jornal Correio Paulistano em 22 de maio de 1855, oferecendo
serviço de traiteur, basicamente, ou seja, alimentação fornecida sob encomenda.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Neste mesmo ano de 1855, como visto anteriormente na Figura 6,
havia pelo menos um hotel de maior porte, o do Universo, capaz de organizar
inclusive bailes para divertimento de seus hóspedes e dos moradores da
cidade, oferecendo também alimentação durante o mesmo.
Embora sem citar o tipo de serviço disponível, tudo leva a crer que, tal
como em outros estabelecimentos como os hotéis Paulistano e da
Providência, apresentados na Figura 32, tratava-se de um serviço de mesa
redonda
, com pratos determinados oferecidos a um preço fixo por pessoa, para
consumo no local, ou encomendado por um preço combinado anteriormente, se
para sua retirada e consumo na residência do cliente. Nota-se ainda, pelo
95
anúncio de Cornélio que a freqüência dos salões de refeições continua sendo
marcadamente masculina.
Figura 32 Anúncios publicados à página 4 do jornal Correio Paulistano em 17 de fevereiro de 1855 (Hotel
Paulistano) e 30 de outubro de 1855 (Hotel do Universo), oferecendo serviço de traiteur, basicamente, ou
seja, alimentação fornecida sob encomenda. Já o anúncio assinado por “Cornélio”, também de 30 de
outubro de 1855, procura alertar aos possíveis clientes da “esparrela” de pagarem caro por uma refeição
ruim, claramente indicando que o serviço não foi contratado através de um cardápio que indicasse
antecipadamente os preços.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Pode-se assim traçar um retrato bastante parcial, que provavelmente
nem todos os estabelecimentos sentiam a necessidade de anunciar numa cidade
ainda tão pequena e onde qualquer novidade provavelmente corria rapidamente
no boca-a-boca; mas que, resumidamente, confirma que em 1855, estavam
presentes na cidade de São Paulo pelo menos cinco empresas de alimentação
servindo refeições. Seriam estes: os três hotéis (do Universo, da Providência e
Paulistano), bem como o Jardim das Flores da Figura 8, que além de música e
96
passeio pelos jardins oferece também refeições, além de um
traiteur
ou serviço
de “encomenda” na “decida do Bexiga”. As evidências, entretanto, indicam que o
serviço em todos eles se dava em
table d’hôte ou mesa redonda, sem um
cardápio com preços listados por prato. Além disso, a maior parte dos pratos
oferecidos é simples e do dia-a-dia da população, tais como peixes, bifes,
guisados, pastéis, empadas, tortas e pudins.
Apesar de surgirem, em 1856, anúncios de estabelecimentos que
divulgavam profissionais mais qualificados (“cosinheiro e pasteleiro Francez”,
“chefe de cosinha”), além de surgirem elementos da cozinha clássica francesa
(“vol-au vent” e “charcuterie”) e mesmo um deles se denominar restaurant
(Figura 33), o tipo de serviço e as condições oferecidas caracterizam-nos ainda
como mesas redondas e encomendas; a nuance fica por conta da oferta, por um
deles, da possibilidade de serviço de alimentos diretamente no quarto,
desobrigando o spede de freqüentar a mesa redonda e pela a maior
flexibilidade de horários, pois dois deles afirmam que a comida é feita
constantemente. Um elemento que se apresenta no caso do anúncio do Hotel do
Universo é a existência de negócio paralelo de secos e molhados (“vinhos e
conservas”), que aparecem, em outros anúncios, ligados a outros
estabelecimentos também; era freqüente, naquela época, que um único
empresário procurasse diversificar ao máximo suas chances de lucro, como
lembra Nozoe (2004, p.112), explorando:
“(...) mais de um ramo de negócio no mesmo estabelecimento (...) A falta de
especialização (...) para o segmento comercial, prevalecia igualmente no setor de
prestação de serviços e nas fábricas.”
A mudança no título do estabelecimento, portanto, possivelmente reflete a
necessidade de “civilização” e “progresso” detectada pelas elites em relação
aos costumes tradicionais, sem se ligar a uma alteração efetiva do modelo e
processos internos do mesmo.
Deve-se lembrar ainda que no Rio de Janeiro, segundo Silva (1993, p.261),
desde pelo menos 1839 se encontravam restaurantes de culinária francesa,
bem estabelecidos e sofisticados, atendendo a um grande público de viajantes e
às famílias locais, oferecendo a mesmo cartas de vinhos com grandes crus
97
franceses: este fenômeno não devia escapar às elites de o Paulo, sobretudo
aos estudantes mais ricos, nem aos comerciantes que desejavam sua freguesia.
Figura 33 Anúncios publicados à gina 4 do jornal Correio Paulistano, em 16 de abril de 1856 (Hotel do
Universo) e 09 de maio de 1856 (Leão de Ouro), oferecendo serviços de encomenda e mesa redonda.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Também nos anúncios de 1858 e 1859,
a denominação
restaurant
do
estabelecimento aparece aliada à oferta de serviços típicos de mesa redonda e
encomenda,
como o exemplificado nas Figuras 34 e 35
, nestes com horário fixo
e restrito (Hotel du Commerce) ou mais flexível (Hotel de France), tendo como
novidade a opção de serviço do mesmo cardápio em sala separada. Nas opções
de pratos, surge ainda um novo elemento, com a oferta de especialidades
italianas (“talari(talharim?)” e “ravioli”).
98
Figura 34 Anúncios publicados à página 4 do jornal Correio Paulistano, em 11 de setembro de 1858,
oferecendo serviço de encomenda, no caso do Hotel des Voyageurs; o Hotel de Commerce estabelece um
horário e cardápio fixos, caracterizando serviço de mesa redonda. Neste segundo, aparecem pela primeira
vez nos anúncios especialidades italianas.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Figura 35 – Anúncio publicado à página 4 do jornal Correio Paulistano, em 26 de março de 1859, oferecendo
serviço de mesa redonda e encomenda. É interessante notar a vinculação da ceia à “sahida do theatro”,
indicando a existência de um blico local que procurava amiúde por este serviço. Aqui também surge a
possibilidade do serviço em “quartos separados” e uma flexibilidade no horário, embora os pratos
permaneçam fixos.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Assim, como pode ser visto no Apêndice
A
, o resumo dos anúncios da
década de 1850 traz
, pelo menos desde 1856,
o aparecimento da denominação
restaurant para alguns estabelecimentos de alimentação na cidade de São
Paulo, embora ainda desligada dos principais elementos que caracterizam
este modelo de empreendimento, permanecendo como regra a mesa redonda
e o serviço de encomenda.
99
3.2 Cafés, confeitarias e sorveterias paulistanos
O papel de ponto de reunião e conversação dos homens das elites na São
Paulo até a metade do Oitocentos, segundo Martins (2003, p.329), era assumido
pela “sala reservada” do armazém ou taberna, onde “(...) os cavalheiros da antiga
aristocracia de o Paulo (...)” por vezes se encontravam para “fazer às onze”,
com um cálice de “afamada caninha do Ó”.
Conforme visto, entretanto, o estilo de vida dos estudantes do Largo
São Francisco foi aos poucos trazendo a convivência na cidade para o ar livre
e para as ruas, tornando necessária a existência de novos espaços onde esta
pudesse se dar:
como lembrou
Nozoe (2004, p.109), inicialmente tabernas e
livrarias. Mas, por
volta de 1850, conforme Martins (2003, p.271), surgiu como
alternativa um primeiro local de venda de café: a casa da parda Maria Emília
Vieira, popularmente conhecida como Maria Punga, onde o café era servido a 40
réis a xícara, para uma freguesia composta de acadêmicos de Direito,
empregados do comércio e negociantes. A peculiaridade deste primeiro “café
paulistano era que os fregueses tinham que aguardar, numa pequena sala, pela
chegada de pelo menos seis pessoas, pois então a proprietária preparava
cuidadosamente um bule da bebida, servida “(...) em grandes xícaras de louça
branca.” É interessante notar, aqui, um paralelo com a informalidade dos balcões
ao ar livre aonde era servido o café quando de seu surgimento na Europa.
Posteriormente, a partir de meados da década de 1850, os locais que
reuniam a população masculina de situação social mais elevada, em oposição às
tabernas e “vendas”, de acordo com Bruno (1991, v.2, p.693-694), eram os
bilhares e cafés existentes dentro dos hotéis, entre eles o Hotel Paulistano, o
Hotel do Comércio, o Hotel da Providência, o do Universo e o das Quatro Nações.
Neste último, o café ocupava a sala “ricamente ornada” que tomava toda a frente
da casa (Figura 36), indicando uma intenção de facilitar o acesso ao espaço
público, ao contrário das salas “reservadas” das antigas tabernas.
100
Figura 36 Anúncio publicado à página 4 do jornal Correio Paulistano, em 20 de fevereiro de 1862, onde
pode observar-se a existência de um ambiente especial, na frente da casa, para o serviço de café e
refrescos. Nota-se que o mesmo empresário também comercializava móveis, mais uma vez confirmando a
diversificação de atividades dentro de um mesmo estabelecimento.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Remetendo ao surto de desenvolvimento econômico de meados da
década de 1850 discutido no capítulo 2, a mesma época, segundo Bruno (1991,
v.2, p.693), em que surgem estes estabelecimentos, se podem detectar aqui ecos
da proposição de Sennet (2002, p.81) sobre o papel primordial dos primeiros
cafés europeus como “centros de informação” essenciais ao desenvolvimento
econômico mercantilista, com a criação de um novo espaço público onde a
informação pudesse fluir mais facilmente. Nota-se ainda que muitos dos
freqüentadores destes cafés, principalmente os estudantes, interessavam-se
também pelo mesmo tipo de discussões literárias e políticas que também atraíam
os personagens de Habermas (1984, p.45) para a criação da “esfera pública
burguesa” européia. Obviamente, as condições postas em locais e tempos tão
diferentes devem ser levados em consideração.
Em princípios da cada de 1860, se encontra pelos anúncios do
Correio Paulistano pelo menos um estabelecimento dedicado a atividades que o
aproximam muito do modelo europeu de café. Como pode ser visto na Figura 37,
além de “variedade de bebidas”, o Café Paulistano oferece jogos “lícitos”, jornais
para leitura e, como especialidade, sorvetes. Dispõe ainda de uma sala reservada
101
às famílias apreciadoras do sorvete, preocupação que indica que sua freqüência
normal devia ser predominantemente masculina. Entretanto, a existência desta
sala pode ser considerada uma primeira indicação de que os patriarcas
paulistanos estivessem, em situações específicas referentes a produtos
extraordinários como o sorvete, se permitindo fazer acompanhar por mulheres e
filhos ao entrar em um estabelecimento de alimentação.
Figura 37 Anúncio publicado à página 4 do jornal Correio Paulistano, 29 de novembro de 1862, o primeiro
em que se faz referência à freqüência de famílias a um estabelecimento de alimentação.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Outro tipo de estabelecimento que se diferenciou e passou a aparecer em
anúncios da década de 1860 é a confeitaria, embora pelos mesmos fique claro
que continua a haver uma grande diversificação de atividades dentro das
empresas comerciais, pois os anúncios demonstram, conforme visto nas Figuras
38 e 39, que as mesmas trabalhavam com grande estoque de secos e molhados,
oferecendo variedade de gêneros da terra e importados.
102
Figura 38 Anúncios publicados à página 4 do jornal Correio Paulistano, em 16 de março e 28 de dezembro
de 1862, respectivamente. Além de doces e refrescos, o estabelecimento oferece grande variedade de
produtos alimentícios.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Figura 39 Anúncio publicado à página 4 do jornal Correio Paulistano, em 02 de abril e em 24 de dezembro
de 1865, respectivamente.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Entre as que mais anunciaram nesta década, a Confeitaria do Leão se
destaca por oferecer a oportunidade de se verificar sua aparência externa, pois
foi fotografada por Militão Augusto de Azevedo em 1862 (Figura 40).
103
Figura 40 - Rua do Comércio, esquina com a Rua da Quitanda, 1862. A Confeitaria do Leão, prédio da
esquina, situada num ponto estratégico e de muito movimento, mostra uma configuração ainda hoje familiar
para estabelecimentos do gênero, com vitrines de exposição de produtos voltadas para a rua e largas portas
dando diretamente ao salão de serviços. (Foto de Militão Augusto de Azevedo)
Fonte: São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. CD-ROM. São Paulo: OESP; Terceiro
Nome, 2004.
No decorrer da década de 1860, novos espaços de convivência e consumo
de alimentos e bebidas vão se configurando. Entre eles, aparece a Casa de
Banhos Serêa Paulista, que em 1865 oferecia, na esquina da Rua São Bento
com o Largo São Bento, uma sala na entrada do estabelecimento para o
consumo de bebidas “de espírito”, ou seja, destilados àqueles que tivessem
freqüentado seus banhos; dois anos depois, a partir de janeiro de 1867, havia
incluído em seu cardápio os sorvetes, que passam a ser anunciados com grande
freqüência a partir daquela data (Figura 41).
104
Figura 41 Anúncios publicados à gina 4 do jornal Correio Paulistano, em 29 de setembro de 1865 e em
03 de janeiro de 1867, respectivamente.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
No final do período, em 1870, um modelo de estabelecimento de
alimentação entre o cae o bilhar se configurou, oferecendo uma variedade de
serviços e produtos, como se pode verificar na Figura 42,
Figura 42 – Anúncio publicado à página 4 do jornal Correio Paulistano, em 23 de março de 1870.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
105
3.3 “Grande Restaurant de Pariz”
A maioria dos fazendeiros de café, de acordo com Freitas (1985, p.124),
até meados do século XIX, mantinha ainda casas em São Paulo, mesmo que as
visitassem raramente, por “ojeriza” aos hotéis, pois a vida coletiva destes
estabelecimentos “feria a suscetibilidade da população com o aspecto de uma
promiscuidade perigosa e intolerável”.
Porém, em princípios da década de 1860,
fatores como
a influência cultural dos estudantes, a crescente população de
origem estrangeira, aliada à acumulação de capital e às mudanças trazidas pelo
café, entre elas melhores estradas, estavam prestes a iniciar transformações
importantes neste quadro, e a impelir para uma abertura da sociedade à
freqüência dos serviços de alimentação na cidade.
Pires (2001, p.165), sobre a questão de quem foram os primeiros
freqüentadores dos hotéis e serviços de alimentação da cidade de São Paulo,
afirma que eram apenas os:
“(...) viajantes não suficientemente importantes para serem recebidos nas
residências da elite local. Por essa época (...), não se tem registro de viagens a lazer à
capital da província.”
Bruno (1991, p.694) nos diz ainda que, na década de 1850, praticamente
viajantes “(...) podiam ainda freqüentar esses primeiros hotéis paulistanos,
sem muito risco de desmoralização, a não ser talvez em ceias discretas.”
Porém, em 1860, o embaixador suíço Von Tschudi (1980, p.124), que não
pode ser considerado um viajante “não suficientemente importante”, visita a
cidade durante sua viagem de pesquisa do estado das colônias suíças e alemãs
no Brasil, se hospeda no Hotel Palm, do qual também existe registro fotográfico
de Militão Augusto de Azevedo (Figura 43), e relata:
“Hospedei-me no Hotel Palm, que me fora recomendado por diversas pessoas. Os
aposentos eram medíocres, mas a recepção, a atenção dispensada aos hóspedes e a boa
mesa, compensavam a lacuna. O proprietário do hotel, um alemão, era antigo colono de
Santa Francisca.”
106
Figura 43 Largo do Ouvidor, 1862. O Hotel Palm, local de hospedagem de Von Tschudi. (Foto de Militão
Augusto de Azevedo)
Fonte: São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. CD-ROM. São Paulo: OESP; Terceiro
Nome, 2004.
Este antigo colono, o alemão Carl Palm, dono do hotel, era também
negociante no ramo de molhados, oferecendo vários produtos em anúncios no
Correio Paulistano, entre eles cerveja importada (Figura 44)
Figura 44 – Anúncio publicado à página 4 do jornal Correio Paulistano, em 03 de agosto de 1862.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Von Tschudi passou por São Paulo entre 25 de julho e 1º de agosto de
1860. É interessante notar que, sendo um embaixador e vindo em negócios
oficiais, poderia ter sido recebido pelo governador da Província ou por um dos
“grandes” da cidade, muitos dos quais visitou. Entretanto, considerou adequada a
107
hospedagem e a mesa comerciais do antigo colono. Este era o tipo de atitude
que certamente influenciou e ajudou a mudar os hábitos paulistanos em relação à
freqüentar estabelecimentos públicos de hospitalidade.
Embora tenha ficado satisfeito com a mesa encontrada no Hotel Palm, se
tivesse chegado a São Paulo dois anos depois, em 1862, Von Tschudi teria
encontrado uma maior variedade e sofisticação de opções. Um bom número de
estabelecimentos continuavam servindo hóspedes e pensionistas pelo sistema de
mesa redonda (confira Apêndice A), porém com uma maior variação na qualidade
do serviço, se não do cardápio, como pode ser observado na Figura 45.
Figura 45 Anúncios publicados à página 4 do jornal Correio Paulistano, 01 de janeiro, 12 de abril e 05 de
setembro de 1862, respectivamente. A tradicional mesa redonda começa a apresentar cada vez mais
variações em relação à horários e privacidade do serviço.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Ao lado das tradicionais mesas redondas, alguns estabelecimentos
propunham um horário mais flexível (“mesa redonda das 2 horas da tarde em
diante”, “comida a toda hora”) e privacidade (“salas independentes para qualquer
108
pessoa”). É interessante notar que aqui a referência ao “aceio” já se tornou
fórmula, constando de todos.
No final do ano de 1862, surge o primeiro indício, nos anúncios, de que o
modelo integral do restaurante, como um estabelecimento de alimentação com
pratos oferecidos “por meio de uma lista”, havia chegado à cidade: um anúncio
por Alexandre Bourgain, em 27 de novembro, anuncia a abertura para o dia 30 de
novembro de seu “(...) novo estabelecimento no gênero dos de Pariz (...)”,
denominado Restaurant de Pariz. O horário também é flexível, pois “tem sempre”
à disposição uma variedade de iguarias, além de bebidas, refrescos, doces.
Trabalha também com encomendas, das quais oferece um cardápio parcial num
novo anúncio publicado em 20 de dezembro, em francês, como visto na Figura
46, o que possibilita distinguir que seu público preferencial estava nas elites
francófonas da cidade. O Restaurant de Pariz também se destaca por ser o
primeiro a mencionar um chef no estabelecimento, e não apenas um cozinheiro.
Figura 46 Anúncios publicados no jornal Correio Paulistano, à página 4 em 27 de novembro de 1862 e à
página 3 em 20 de dezembro de 1862, respectivamente. O estabelecimento Restaurant de Pariz pode ser
considerado o primeiro na cidade de São Paulo a seguir as principais características do modelo original
parisiense.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
109
Como os traiteurs de Paris, estudados por Spang (2003, p.85), o sucesso
do modelo de restaurante deve ter alertado os estabelecimentos que serviam em
mesa redonda para o fato de que este era mais bem recebido pelas elites e,
portanto, tinha bom potencial de lucro, incentivando muitos deles a se tornarem
também restaurateurs, vendendo produtos diferenciados a preços mais altos e a
um público de maior poder aquisitivo. Também em São Paulo, assim, o
surgimento do restaurante veio atender necessidades sociais e econômicas não
apenas dos consumidores, mas também dos empreendedores.
Sintomaticamente, após 1862, muitos dos hotéis mais bem montados
passam a anunciar também seus restaurants: embora nem sempre seja possível
detectar qual o tipo de serviço utilizado, e nem sempre os mesmos contem com
cozinha francesa, tal como a o Hotel das 4 Nações, por exemplo (Figura 47). No
caso deste, o sistema de restaurante (“(...) grande variedade de comidas (...) à
qualquer hora do dia ou da noite (...)”) mistura-se ao de mesa redonda, pois
oferece também almoço, jantar, ceia e pensão com horários, cardápios e preços
fixos (“Almoço 3 pratos, arroz, pão e sobremesa das 8 e meia ao meio dia,
800 rs.”)
Figura 47 – Anúncio publicado à página 4 do jornal Correio Paulistano, em 07 de abril de 1864.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
110
Da mesma forma, a afirmativa de Kiefer (2002, p.60) sobre a grande
probabilidade de que as forças econômicas que promovem a troca do modelo de
table d’hôte para o de restaurante sejam mais fortes em cidades em crescimento
acelerado e onde as rendas estão também em crescimento, se confirma pelo
quadro vigente em São Paulo neste momento.
De qualquer forma, por volta de 1865, a relação da cidade com os hotéis e
restaurantes era bem outra, pois naquele ano o Visconde de Taunay, citado
por Podanovski (1988, p.17), escreveu em suas memórias sobre sua
hospedagem no Hotel da Europa, que considerou muito bom. Relembra que o
restaurante do mesmo recebia “(...) tudo quanto São Paulo tinha de melhor no
pessoal masculino (...)” para longos almoços e jantares. Além disso, acrescenta
ele, o proprietário francês, M. Planet estava sendo enriquecido “(...) pelos
fazendeiros dinheirosos de Campinas, que ali gastavam largamente.”
É notável aqui o paralelo com a evolução européia, no início do século XIX,
da produção e do consumo da alta gastronomia, conforme detectado por Giard
(1996, p.47), que em São Paulo, como em Paris, exclui a mulher, tornando-se
aqui também um ritual de socialização, partilhado quase que exclusivamente por
homens, e demandando um domínio das regras de etiqueta e de conversação à
mesa possíveis às elites paulistas europeizadas representadas pelos
companheiros de Taunay.
Assim também, o lento movimento transmissão dos modelos de
comportamento de uma sociedade para outra, detectado por Elias (1994, p.116),
parece ter encontrado seu momento de trazer ao Brasil algumas das fórmulas
criadas ainda na corte e na alta burguesia francesa.
Mas não apenas as elites cafeeiras enriqueciam M.Planet, pois muitos
comerciantes também eram hóspedes, conforme exemplo da Figura 48, tanto no
Hotel de Europa como nos demais da cidade e aproveitavam a facilidade de
transporte, pelo serviço de diligências, para se fazer presente na capital sem a
necessidade de montar uma nova loja.
111
Figura 48 – Anúncio publicado à página 4 do jornal Correio Paulistano, em 02 de dezembro de 1865.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Verifica-se ainda, naquele mesmo ano, um grande número de anúncios de
opções de hospedagem e de serviços de alimentação dirigidos ao corpo de
voluntários da Guerra do Paraguai, que se encontravam estacionados em grande
número na cidade. Em um deles, encontra-se a utilização da denominação
restaurant comercial” e os termos do anúncio indicam que o estabelecimento
trabalha com alimentação o mesmo empresário era, inclusive, dono de um
Hotel, conforme Figura 49.
Figura 49 Anúncios publicados no jornal Correio Paulistano, à página 4, em 10 de maio e em 03 de
setembro de 1865, respectivamente.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Ainda em 1865 surge, em um estabelecimento inaugurado à Rua da
Esperança, a oferta de “comida á italiana”, sendo citados os pratos “rabiolis á la
bolognesa” e “talharim á la genovesa” (Figura); mais uma vez confirmando a
presença e influência italianas num período anterior àquele que seria de se
esperar pelo considerado tradicionalmente nos estudos de imigração e
112
população, mas em consonância com a instalação na cidade, em novembro
daquele mesmo ano, da delegação consular pelo Sr. Betoldi, como visto na
Figura 50.
Figura 50 – Anúncio publicado à página 4 do jornal Correio Paulistano, em 12 de março de 1865.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
O ano de 1867 traz um quadro de anúncios em que os estabelecimentos
de alimentação absorveram o modelo de serviço de restaurante, servindo seus
clientes fora do esquema de cardápio e horários fixos. como fica demonstrado
pelos exemplos da Figura 51. Num deles, Mme. Boudrot, do Hotel Paulistano,
avisa que seu estabelecimento oferece “(...) variadas iguarias a qualquer hora do
dia ou da noite (...)”, dirigindo-se ainda “ao respeitável público e aos srs.
viajantes", indicando assim que já existia uma freguesia local mais ampla para
seus produtos, além dos viajantes. Mme. Guilhermina informa que seu Café e
Restaurant “(...) comidas, com promptidão (...) seja por prato, almoço ou jantar
(...)”. Ambas trabalham em um sistema misto, em que o serviço de mesa
redonda (“pensionistas e meio pensionistas”, “almoço ou jantar”) não perdeu seu
lugar.
113
Figura 51 Anúncios publicados no jornal Correio Paulistano, à página 4, em 03 de janeiro e em 06 de
fevereiro de 1867, respectivamente.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
O Café e Restaurante Imperial, que ficava na Rua Direita, número 2,
oferece a primeira oportunidade em que a grafia portuguesa, restaurante, surge
nos anúncios do Correio Paulistano (Figura 52). Além de indicar uma aceitação e
uso definitivo do nome, este anúncio também nos permite deduzir que o serviço
individual e em horários flexíveis está bastante incorporado ao conceito (“ceias a
qualquer hora”), embora continue com o serviço de pensão. E com a empada de
camarão!, item imbatível na preferência local ao longo dos anos.
Figura 52 – Anúncio publicado à página 3 do jornal Correio Paulistano, em 02 de setembro de 1869.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
Os dois últimos anúncios aqui apresentados, originários do ano de 1870,
não trazem elementos novos ou comprobatórios da instalação dos restaurantes.
Ambos, inclusive, oferecem serviços bastante característicos da mesa redonda. O
segundo deles é notável por trazer novamente a presença italiana, desta vez até
mesmo no nome do estabelecimento e do proprietário, além de confirmar a
grande fome da cidade por “talharim e rabioli” aos domingos (Figura 53). Sua
114
significância maior, porém, está em trazer à lembrança a ausência de, nas
palavras Hoggart (1973, v.1, p.28), “(...) nítida distinção entre atitudes ‘antigas’ e
‘novas’ (...)”, pois se aqui que novos comportamentos não implicam,
necessariamente, numa sucessão cronológica exata e estanque. Assim, embora
um novo modelo de servir a alimentação existisse e estivesse sendo
rapidamente assimilado na cidade de São Paulo, as formas antigas e novas,
como mostram estes anúncios, passaram por um período de adaptação e
convívio, sendo utilizadas ao mesmo tempo pelos paulistanos.
Figura 53 Anúncios publicados no jornal Correio Paulistano, à página 3, em 27 de fevereiro e em 01 de
julho de 1870, respectivamente.
Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo.
A década de 1860, assim, viu emergirem alguns dos primeiros
estabelecimentos que podem ser considerados os precursores, na cidade deo
115
Paulo, do modelo de restaurante originário de Paris, apresentando suas
características básicas.
Conforme o Apêndice A, nesta década, ao contrário da de 1850, a
denominação restaurant encontrou sua correspondência nos serviços oferecidos,
sendo notável o aparecimento, em 1862, de um estabelecimento que inclusive
se anuncia como sendo do tipo ou “do gênero dos de Pariz”, voltado para o
público francófono de elite, provavelmente os “fazendeiros dinheirosos” de
Taunay, ou seja, os donos também do capital cultural” proposto por Bourdieu,
adquirido formal e informalmente, em seus estudos e viagens à Europa. A partir
daí, ocorre uma disseminação deste “gênero” e, em 1869, encontra-se o primeiro
exemplo de uso da denominação em português, restaurante, conjugada ao
modelo de serviço, caracterizando sua promissora instalação no espaço público
paulistano.
Os anos a partir de 1870 trariam novos desenvolvimentos às empresas de
serviços de alimentação, sobretudo pela entrada em cena de um número maciço
de imigrantes, principalmente italianos, cujos gostos e experiências se somaram
para dar novos rumos, tradições e comportamentos ao que seria, em menos de
um século, uma das maiores metrópoles do mundo.
116
CONCLUSÃO
Desde as primeiras leituras, anos atrás, sobre o aparecimento em São
Paulo dos primeiros estabelecimentos comerciais de hospitalidade, quando foram
encontrados indícios da atitude hostil da população da São Paulo de meados do
século XIX contra os mesmos, o que gerou as perguntas básicas desta pesquisa,
ou seja, por que e quando os restaurantes se tornaram socialmente aceitos na
cidade, houve a expectativa, mesmo antes de um embasamento teórico mais
profundo, de que a mudança dependeu de novas necessidades decorrentes de
fatores culturais e comportamentais gerados pelo acúmulo de capital do comércio
do capelas elites, e que provavelmente atingiria seu ápice entre 1880 e 1889,
mesmo período em que os movimentos abolicionista e republicano, ícones de
“modernidade” e “civilização”, mais cresceram e se destacaram.
As descrições da historiografia mais tradicional, de uma São Paulo
modorrenta e recolhida, dos hábitos “caipiras” arraigados que perpassavam todas
as suas camadas sociais até quase o final da década de 1870 e uma afirmação
de Podanovski (1988, p.16), de que o marco inicial dos restaurantes em São
Paulo foi a fundação, em 1889, do luxuoso restaurante de cardápio francês
Vagliengo, de um proprietário italiano de mesmo nome, na Estação da Luz,
reforçaram aquela expectativa inicial de que, na pesquisa das fontes, apenas
naquele período apareceriam mudanças verdadeiramente significativas e indícios
dos primeiros restaurantes. Entretanto, para ajudar definir o panorama existente
também nas décadas anteriores daquele que foi o primeiro recorte temporal
proposto, de 1860 a 1889, foi determinada que o início da coleta de anúncios do
Correio Paulistano se daria a partir do seu primeiro ano de edição integral, 1855.
Felizmente, pois a história, como visto inúmeras vezes, tem sempre maneiras de
nos surpreender.
Antes de tratar dos restaurantes em São Paulo, porém, tornou-se
necessário esclarecer: o que é um restaurante? Apesar de uma bibliografia
razoável sobre sua administração e operação e mínima sobre sua história, foi
necessário coletar em diversas fontes as características conceituais que
permitissem, então sim, buscar divisá-lo nas fontes propostas. Desta pesquisa
117
emergiram duas características principais, inovadoras e definidoras, ambas
relacionadas à expressão de individualidade e gosto.
Primeiramente, ao contrário de estabelecimentos de alimentação que o
antecederam, num restaurante, o cliente tem a possibilidade de ser servido,
dentro de um espaço blico, em uma mesa privada, sozinho ou com os
acompanhantes por ele escolhidos. Além disso, também em oposição aos
modelos mais antigos onde o cardápio e o preço eram os mesmos para todos,
aqui o cliente pode escolher antecipadamente o que comer em uma lista, de
acordo com seu gosto e possibilidades de pagamento naquele momento.
Como foi visto, uma verdadeira rede de fatores econômicos, políticos,
filosóficos e culturais estava posta em movimento na Europa, sobretudo na
França, a partir do final do século XVIII, para que estas características se
tornassem necessárias, aceitas e incorporadas ao comportamento,
primeiramente das elites parisienses, mais tarde da população em geral.
Com a definição daquelas que seriam as características básicas principais
dos restaurantes e também a partir de um melhor entendimento do processo
histórico de seu surgimento no Ocidente, tratou-se então de buscar por sua
origem no desenrolar da história da cidade de São Paulo. Para tanto, sentiu-se a
necessidade de traçar um quadro básico de desenvolvimento do comércio, do
saneamento e de lazer e cultura da cidade, em busca dos indícios de
movimentação econômica e comportamental provocadas pelo aumento do capital
avindos do aumento da exportação do café.
Ao começar a acessar e analisar uma diversidade maior de fontes, porém,
sobretudo os anúncios publicados no jornal Correio Paulistano entre 1855 e 1870,
um quadro diverso do previsto emergiu. Apesar de relativamente modesto, o
quadro montado a partir dos anúncios mostra uma vida econômica e cultural bem
mais movimentada e variada, muito mais cedo que o esperado. Na historiografia
mais recente, também pelo menos Nozoe (2004, p.113) afirma, sobre os anos
finais da década de 1850, que existia na cidade de São Paulo “(...) um panorama
econômico modesto, porém dinâmico (...)”, em oposição ao ”(...) quadro de
estagnação e mesmice urbanas (...)” mais tradicionalmente postulado.
118
E o desenvolvimento das empresas de hospitalidade, hotéis e serviços de
alimentação, da cidade não se comporta de outra maneira. Voltando à
historiografia e fontes tradicionais, surge a informação de que, até meados
do século XIX, a população, sobretudo as elites, rejeitavam a idéia de utilizar os
serviços de hotéis e empresas de alimentação. Algumas fontes afirmam, como
Diniz (1978, p.39), que, no período, “(...) ir a uma casa dessas o era então um
ato que recomendasse o freguês à estima blica (...)”, ou ainda, como Freitas
(1985, p.124), que a maioria dos fazendeiros de café, mesmo nas décadas finais
do século XIX tinham “ojeriza” aos hotéis, que feriam “(...) a suscetibilidade da
população com o aspecto de uma promiscuidade perigosa e intolerável (...)”.
Apesar da rejeição pública, porém, a análise sumária dos anúncios da
década de 1850, que pode ser vista no Apêndice
A
, demonstra que a
denominação
restaurant era utilizada pelo menos desde 1856 por
estabelecimentos de alimentação na cidade de São Paulo, embora nos
mesmos anúncios transpareça que os mesmos não apresentavam as
principais características do restaurante, mas continuavam oferecendo o
antigo padrão de mesa redonda e/ou serviço de encomenda.
A década de 1860 trouxe mudanças mais profundas e
transformações
importantes no quadro das empresas de alimentação de São Paulo. Ao contrário
da década anterior, a denominação restaurant se associa, aqui, às características
conceituais mais importantes deste tipo de serviço de alimentação, como pode
ser observado no Apêndice A, sendo importante ressaltar o anúncio da
inauguração, em 30 de novembro de 1862, do “Restaurant de Pariz”,
estabelecimento anunciado como “do gênero dos de Pariz”, por Alexandre
Bourgain, o qual, em 20 de dezembro daquele mesmo ano, publicou também
anúncio inteiramente em francês, em que fica explícita, além de sua cozinha
clássica francesa e da presença de um chef no estabelecimento, a existência de
um público de elite, francófono, a ser atingido. A partir daí, detecta-se a
instalação progressiva deste tipo de empresa na cidade, até o surgimento, em
1869, do primeiro anúncio em que se verifica a utilização da palavra em
português, restaurante, no nome da empresa, conjugada com a presença
das necessárias características básicas.
Além das atividades econômicas e sociais mais ativas do que poderia ser
119
previsto pela historiografia da cidade de São Paulo e do surgimento do
restaurante num período anterior ao previsto, alguns outros pontos de interesse
ficaram evidenciados. Em primeiro lugar, surge com grande clareza uma forte
presença e influência na economia local, entre 1855 e 1870, de negociantes e
trabalhadores de serviços estrangeiros, sobretudo franceses e alemães.
Além disso, através dos cardápios dos estabelecimentos estudados, fica
patente, a partir de 1859, certa influência italiana (os indefectíveis talharins e
raviolis), influência esta que se esperaria, mais uma vez segundo a
historiografia, a partir de meados da década de 1870. Entretanto, em 1870, o
Hotel de Roma, de Pietro Rosseli, estava estabelecido e suprindo a cidade de
“talharim e rabioli” aos domingos.
De qualquer forma, embora o restaurante, novo modelo de servir a
alimentação, surgisse e estivesse sendo rapidamente assimilado na cidade de
São Paulo dentro do período, as empresas que ofereciam as mesas redondas
continuaram sendo criadas e procuradas pelos paulistanos, ao mesmo tempo, e
muitas ofereciam, inclusive, os dois modelos, procurando, certamente, atingir
mais de um tipo de público.
Podemos concluir que o surgimento do restaurante, como forma
diferenciada de estabelecimento de alimentação na cidade de São Paulo,
atendendo a pelo menos as duas características principais definidas desde seu
surgimento em Paris, foi de fato um processo que acompanhou as mudanças
econômicas e de costumes da sociedade em que se inseria. Apenas quando a
elite paulistana, fortemente capitalizada pelo desenvolvimento do café, passou a
ser mais diretamente atingida pelas idéias e propostas européias, principalmente
francesas, do padrão aceitável de civilidade e comportamento, iniciou-se um
processo de rejeição aos padrões tradicionais de comportamento herdados do
período colonial. Desta forma, a hospitalidade, que era objeto de domínio quase
exclusivamente privado, doméstico, é aceita como podendo pertencer também ao
espaço público, e as empresas de alimentação tiveram a oportunidade para seu
crescimento e variação nos serviços oferecidos.
Desde seu início, esta reflexão foi pensada como uma tentativa de lançar
luzes e detectar possíveis caminhos num campo ainda em desenvolvimento e
carente de pesquisa. Buscou-se, assim, encontrar conexões e paralelos em um
120
amplo espectro, gerando alguns resultados os quais, criando uma pequena base
de dados e análises, talvez estimulem futuras pesquisas que a aprofundem e
tragam focos mais fechados a aspectos específicos dos variados e, por que não?,
fundamentais papéis sociais exercidos pelos estabelecimentos de alimentação ao
longo da vida nas cidades.
121
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ZALUAR, A.E. Peregrinação pela Província de São Paulo: 1860 1861. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975.
3 - Periódicos (Arquivo do Estado de São Paulo):
Correio Paulistano Rolos de microfilme números 04.01.001 (1854) a 04.01.017
(1870).
4 - Documentos da Câmara Municipal de São Paulo (Arquivo do Município de São
Paulo):
a - Avenças Volumes 277 CM 1.7, 278 CM 1.8, 279 CM 1.9, 280 CM 1.10, 281
CM 1.11, 282 CM 1.12, 283 CM 1.13
b - Código de posturas do município de São Paulo - 06 de outubro de 1886.
São Paulo: Departamento de Cultura, 1940.
B - Imagens:
São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. CD-ROM. São
Paulo: OESP; Terceiro Nome, 2004.
C - Sites:
http://www.prodam.sp.gov.br/dph/historia/
http://portal.prefeitura.sp.gov.br/guia/guiadacidade/mapas/0001/upload_imagem/
mapa_cidade_antiga.jpg
http://www.prodam.sp.gov.br/dph/acervos/acaqua09.htm
http://www.ims.com.br
http://www.cidadedesaopaulo.com/comer/
http://www.prefeitura.sp.gov.br/portal/a_cidade/turismo/index.php?p=3675
125
http://www.prefeitura.sp.gov.br/portal/a_cidade/noticias/index.php?p=11672
http://portal.mec.gov.br/sesu/
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/comercioeservico/pas/pas2004/
default.shtm
126
APÊNDICE A – RESUMO DOS ANÚNCIOS –
1855/1857/1859/1862/1865/1867/1869/1870
Ano do
anúncio
Tipo de
serviço de
alimentação
,
conforme
anunciado
Número de
anunciantes
identificado
s
Serviço
oferecido
(*)
Cozinhas /
Cardápios
Proprietários/
Cozinheiros
(se identificados)
Localização
Hotel 3 MR e ENC
Brasileira - Bife,
peixe, torta a la
creme, pastéis,
tortas, empadas,
ostras
R.S.Bento
Largo da Sé
1855
1 ENC
Brasileira
Pastéis, guisados,
empadas, massas
folhadas, tortas,
galinha recheada,
assados, presunto
de fiambre
Bexiga
Total 4
Hotel 5 MR e ENC
Brasileira, e
francesa
Vol-au-vent,
empadas, torta a la
creme, torta de
frutas, pudins
Cozinheiro francês
Mme.Lagarde
1857
Restaurant
2 MR e ENC
Brasileira e
francesa
Salame, salsicha,
pastéis, empadas,
peixe, costelas de
carneiro em
papillote, língua de
vaca a la tartare,
pudins, tortas, vol-
au-vents,
Total
7
Hotel 7 MR e ENC
Brasileira,
francesa e italiana
Tainha recheada,
peixe escabeche,
ostras, camarões,
sopa de raviólis,
talharim, empada
de palmito e
camarão
1859
Hotel e
restaurant
3 MR e ENC
Total 10
Confeitaria e
refinaria de
açúcar
1 Secos e molhados,
doces em calda
Jacob Loskiel R.do
Commercio, 13
Confeitaria 1 ENC Doces secos e
frutas em calda,
refrescos, bebidas
R. Direita, 33
Hotel 5 MR, ENC
e REST
Cafés, refrescos Joaquim Etchecoin
José Mayer
L. do Palácio, 4
R.S.Bento, 35
1862
Casa de
pasto
3 MR e ENC
Brasileira e
portuguesa
Mão de vaca, sopa
à italiana,
sarrabulho à
portuguesa,
Domingos Vicário
José Cardoso de
Oliveira
R.do Quartel,
38
R.das
Casinhas, 4
Penha
127
dobradinha,
sobremesas
Ano do
anúncio
(Cont.)
Tipo de
serviço de
alimentação
,
conforme
anunciado
Número de
anunciantes
identificadas
Serviço
oferecido
(*)
Cozinhas /
Cardápios
Proprietários/
Cozinheiros
(se identificados)
Localização
Restaurant
1 REST e
ENC
Francesa
Bebidas, doces,
refrescos, pastéis,
patê de crevettes,
patê de jambon,
patê de volaille
frois, patês chauds,
vol-au-vents
Alexandre Bourgain R.S.Bento, 83
1862
(Cont.)
Café 1 Bebidas, sorvetes R. do Carmo,
79
Total 12
Casa de
pasto
2 MR e ENC
Brasileira
Empadas,
sarrabulho, pastéis
Desiré Kahn
Hilário Pereira Magro
1 ENC Massas, doces e
pastéis
Antonia Eufrosina
Moreira Lessa
R.S. Bento, 49
Hotel 3 MR e ENC
Brasielira e
italiana
Ostras recheadas,
tainhas assadas,
empadas, rabiolis a
la bolognesa,
talharim a la
genovesa
J.G.R.Guimarães
R do Carmo, 3
R.da
Esperança, 19
R da Esperança
5
Confeitaria 1 Empadas de
galinha, camarões
e palmito
R.do
Commercio, 3
1865
Restaurant
2 MR e ENC Comidas e Bebidas
finas, vinhos,
cervejas, ceia à
portuguesa
J.G.R.Guimarães Rua do Quartel,
35
R da
Esperança, 50
Total
10
Confeitaria 1 MR e
REST “(...)
seja por
prato,
almoço e
jantar (...)”
Café e
restaurant
1
Café e bilhar 1
Bilhar 2 Chá, café,
chocolate, cerveja
Restaurant
1 REST
Brasileira
Carne, galinha,
feijão
1867
Hotel 2
Brasileira
Pastéis de
camarão, cuscus
de camarão e bagre
Total 7
1 ENC R.S. Bento
Hotel 1 MR
1869
Café e
restaurante
1 REST
“Ceias a
qualquer
Empada de
camarão
128
hora”
Botequim 3 MR
Total 6
Ano do
anúncio
(Cont.)
Tipo de
serviço de
alimentação
,
conforme
anunciado
Número de
anunciantes
identificadas
Serviço
oferecido
(*)
Cozinhas /
Cardápios
Proprietários/
Cozinheiros
(se identificados)
Localização
Bilhar 1 MR Vinhos, cerveja,
cognac, licores,
chá, café,
chocolate, carnes
frias, pastéis de foie
gras, conservas
A.Fretin R da Imperatriz,
50
Hotel 1 MR Italiana
Talharim e rabioli
Pietro Rosseli R. Alegre, 21
1870
1 MR e ENC João Didier Francez R. da Freira, 16
Total 3
(*) MR Mesa Redonda - serviço e consumo no local de pratos determinados pelo comerciante, a
preço fixo.
ENC Encomenda - serviço de alimentos preparados sob encomenda, para consumo na residência
do cliente.
REST Restaurante - serviço e consumo no local de pratos escolhidos a partir de cardápio, com
preços individuais por prato consumido.
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